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Rede Recíproca
4.1- Definição
onde a1, a2 e a3 são os vetores primitivos e n1, n2 e n3 são inteiros. Como vimos no
capítulo anterior, o conjunto {R} define a periodicidade da rede de Bravais, ou seja,
para cada R está associada uma operação de simetria de translação que deixa a rede
invariante. Considere agora uma função “onda plana” em três dimensões, e ikr . Para
um vetor de onda k genérico, esta função de onda não terá a mesma periodicidade da
rede de Bravais (ou seja, não será invariante pelas mesmas operações de simetria).
Mas para um conjunto discreto de vetores k = G, isto ocorrerá e estes vetores de onda
G definem a rede recíproca. Portanto, a rede recíproca é o conjunto de todos os
vetores de onda G tais que as correspondentes ondas planas e iGr têm a mesma
periodicidade da rede de Bravais.
Matematicamente, isto significa dizer que a onda plana e iGr é invariante pelas
mesmas operações de simetria de translação da rede de Bravais, ou seja,
e iGR = 1 , (4.3)
ou seja,
G R = 2 m (m inteiro). (4.4)
Cada rede de Bravais {R} tem sua rede recíproca {G} correspondente. A rede
de Bravais é definida como um conjunto de pontos no espaço real (dimensão de [L]),
enquanto que a rede recíproca é formada por um conjunto de pontos no espaço dos
vetores de onda (dimensão de [1/L]), também conhecido como espaço recíproco ou
espaço k.
Consideremos um exemplo unidimensional, onde a rede de Bravais é um
conjunto de pontos na reta, separados pelo parâmetro de rede a, como mostra a Fig.
4.1. Os pontos da rede são simplesmente R = na , onde n é inteiro. Consideremos uma
onda plana real, sen (kx) . Vemos claramente que esta onda plana só terá a mesma
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periodicidade da rede para valores discretos de k. Estes são os vetores G da rede
recíproca unidimensional, que podem ser obtidos através da relação (4.4). O resultado
é G = 2m / a , ou seja, os pontos G também estão espaçados periodicamente ao longo
da reta, com parâmetro de rede 2 a .
k = G1 = 2 / a
k = G2 = 4 / a
k = / a (não é G!)
Figura 4.1 – Uma rede unidimensional de lado a. Os vetores de onda k associados a ondas planas
com a mesma periodicidade da rede são vetores G da rede recíproca, como os dois primeiros
exemplos. A terceira onda plana não representa um vetor da rede recíproca.
A rede recíproca é uma rede de Bravais. Isto pode ser mostrado construindo-
se explicitamente seus vetores primitivos. Vamos propor1 os seguintes vetores b1, b2 e
b3 construídos a partir dos vetores primitivos da rede de Bravais, a1, a2 e a3:
a2 a3 a 3 a1 a1 a 2
b1 = 2 ; b 2 = 2 ; b 3 = 2 . (4.5)
a1 (a 2 a 3 ) a1 (a 2 a 3 ) a1 (a 2 a 3 )
b i a j = 2 ij , (4.6)
G R = 2 (n1 m1 + n2 m2 + n3 m3 ) . (4.7)
1
Exploraremos a unicidade ou não desta proposta na lista de exercícios.
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4.2 – Exemplos
Consideremos alguns exemplos importantes. A rede recíproca da rede cúbica
simples de lado a é também uma rede cúbica simples no espaço recíproco, de lado
2 a . Isto vem trivialmente da construção dos vetores primitivos (4.5).
Para encontrarmos a rede recíproca da rede fcc, formada a partir dos vetores
primitivos da Eq. (3.3), aplicamos a esses vetores a construção (4.5). O resultado é
4 1 4 1 4 1
b1 = (−xˆ + yˆ + zˆ ) ; b 2 = (xˆ − yˆ + zˆ ) ; b 3 = (xˆ + yˆ − zˆ ) (4.8)
a 2 a 2 a 2
Figura 4.2 - A região sombreada mostra a primeira zona de Brillouin de uma rede quadrada em 2D. Os
pontos indicam os vetores da rede recíproca.
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4.3 – Planos Cristalinos e Índices de Miller
Figura 4.3 – Três famílias distintas de planos cristalinos da rede quadrada bidimensional.
2
Para isto basta considerar as infinitas translações por vetores da rede definidos pela diferença entre as
posições dos três pontos originais.
3
Por exemplo, Ashcroft, p. 90.
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G = 2Gmin
|Gmin| = 2 / d Gmin
Figura 4.4 – Planos cristalinos separados por uma distância d e dois vetores G pertencentes à família
de vetores perpendiculares aos planos. Note que o vetor Gmin tem realmente o menor módulo:
qualquer onda plana de frequência espacial menor que esta não terá a periodicidade da rede
Esta relação entre os vetores G e as famílias de planos cristalinos faz com que
possamos utilizar estes vetores para classificar os diferentes planos. Assim, os índices
de Miller (h, k, l) de uma família de planos cristalinos são simplesmente as
coordenadas do vetor Gmin em termos dos vetores primitivos da rede recíproca:
a3
x 3a 3
a1
x1a1
0
x2a2
a2
Figura 4.5 – Definição dos índices de Miller no espaço real. A figura mostra os dois planos que são
usados na definição dos índices de Miller, um que passa pela origem e outro que corta os vetores
primitivos.
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4.4 – Lei de Bragg
Raios-X são difratados por cristais porque são ondas eletromagnéticas com
comprimento de onda da mesma ordem das distâncias interatômicas (~10-10 m = 1
Å). Em 1915, W. H. Bragg (pai) e W. L. Bragg (filho) ganharam o Nobel de Física
por terem desenvolvido um método prático de utilização do fenômeno de difração de
raios-X como instrumento de análise estrutural de materiais. Esta descoberta foi de
grande importância para o nascimento da Física do Estado Sólido.
A explicação dos Bragg para o fenômeno de difração de raios-X está ilustrada
na Fig. 4.6. Supõe-se que a radiação eletromagnética é refletida de forma especular
(com o ângulo de incidência igual ao de reflexão) pelos planos cristalinos. A condição
para interferência construtiva é que a diferença de caminho ótico entre dois raios seja
igual a um múltiplo inteiro do comprimento de onda, de forma que
2d sen = n . (4.9)
d
d sen
Figura 4.6 – Explicação de Bragg para o fenômeno de difração de radiação ondulatória por cristais.
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Figura 4.7 – Espectro de difração de raios-X para um cristal de KBr (Fonte: Kittel, 8ª edição, p. 42).
k r
’
k
k’
k’
Figura 4.8 – Condição de Von Laue para interferência construtiva. O ângulo da diferença de fase da
radiação espalhada entre pontos separados por r é krsen + k’rsen’ = (k – k’).r .
4
Kittel, p. 29.
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Como dissemos, o espalhamento é feito pelos elétrons, de modo que é
razoável supor que a amplitude de espalhamento a partir de um certo volume dV
localizados na posição r seja proporcional a n(r)dV. Além disso, a interferência entre
a radiação espalhada entre pontos separados por um vetor r da origem, como mostra a
figura, a um fator de fase e i (k −k)r = e −ikr , onde k = k − k é a diferença entre os
vetores de onda espalhado e incidente. A amplitude de espalhamento F é, portanto,
1
dV n(r)e
− iG r
nG = . (4.12)
vcel célula
k = G , (4.14)
5
Uma boa revisão sobre expansões de Fourier de funções periódicas está no Apêndice D do Ashcroft.
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Figura 4.9 – Ilustração do método de von Laue (à esquerda) e espectro de difração de um cristal de
NaCl (à direita).
Pode-se mostrar que a condição de Von Laue e a Lei de Bragg são descrições
equivalentes do fenômeno de difração de ondas por cristais. Partindo da condição de
Von Laue e usando o fato de que o espalhamento é elástico (|k| = |k’|), temos
k − k = G k 2 = k 2 + 2k G + G 2 − 2k G = G 2 . (4.15)
Esta equação exprime uma relação geométrica mostrada na Fig. 4.9, se lembrarmos
que todo e qualquer vetor G é um múltiplo inteiro de um vetor Gmin de módulo 2 d ,
onde d é a distância entre os planos de uma família de planos perpendiculares a G.
k’
G = nGmin
k
Gmin = 2 / d
k’
Figura 4.10 – Equivalência geométrica entre a Lei de Bragg e a condição de Von Laue.
2𝜋 𝑛2𝜋
2𝑘𝐺𝑠𝑒𝑛𝜃 = 𝐺 2 ⟹ 2 ⋅ ( 𝜆 ) 𝑠𝑒𝑛𝜃 = ,
𝑑 (4.16)
que dá
n = 2d sen , (4.17)
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4.6 - Influência da base
V
dV n(r)e
−iG r
FG = VnG = . (4.18)
vcel célula
dV n(r)e
− iG r
SG = , (4.19)
célula
N at
n(r ) = n j (r − r j ) , (4.20)
j =1
onde Nat é o número total de átomos do cristal. Note que as densidades “atômicas”, nj,
estão centradas nas posições atômicas rj6. Substituindo esta expressão na fórmula para
SG, obtém-se
𝑁 𝑎𝑡 −𝑖𝑮⋅𝒓𝑗 𝑁
𝑎𝑡
𝑆𝑮 = ∑𝑗=1 ∫𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎 𝑑𝑉𝑛𝑗 (𝒓 − 𝒓𝑗 )𝑒 −𝑖𝑮⋅𝒓 = ∑𝑗=1 𝑒 ∫𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎 𝑑𝑉𝑛𝑗 (𝝆𝒋 )𝑒 −𝑖𝑮⋅𝝆𝒋 , (4.21)
6
Na verdade, a decomposição de n(r) em contribuições atômicas não é única, pois não se pode associar
unicamente os elétrons na região entre os átomos (região intersticial) a seus átomos de origem. O caso
dos metais alcalinos ou dos sistemas covalentes é bem representativo desta dificuldade. De qualquer
forma, isto não tem relevância na discussão subsequente.
7
Utilizamos ∑𝑁 𝐑∫ 𝑑𝑉 = ∫𝑡𝑜𝑑𝑜 𝑑𝑉. Note ainda que a integral em dV≡d3ρ é igual à integral
𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎
𝑒𝑠𝑝𝑎ç𝑜
em d ρj quando feita em todo o espaço, pois trata-se de uma mera mudança na origem do sistema de
3
coordenadas.
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𝑆𝑮 = ∑𝑠𝑗=1 𝑒 −𝑖𝑮⋅𝛕𝑗 ∫𝑡𝑜𝑑𝑜 𝑑𝑉𝑛𝑗 (ρ)𝑒 −𝑖𝑮⋅𝛒 ,
𝑒𝑠𝑝𝑎ç𝑜 (4.22)
Figura 4.10 – A soma sob todas as células da integral em uma célula da densidade atômica é igual à
integral por todo o espaço.
temos
s
S G = f j (G )e
−iG r j
(4.24)
j =1
2 2 2
b1 = (−xˆ + yˆ + zˆ ) , b 2 = (xˆ − yˆ + zˆ ) , b 3 = (xˆ + yˆ − zˆ ) . (4.25)
a a a
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A partir dos vetores da rede recíproca, G = n1b1 + n2 b 2 + n3 b 3 , e sendo fSi(G)
o fator de forma atômica do Si, temos, a partir da equação (4.24),
S G = f Si (G )1 + exp − i (n1 + n2 + n3 ) . (4.26)
2
2 f Si (G ), se n1 + n2 + n3 = 0, 4, 8, ...
S G = f Si (G )(1 i ), se n1 + n 2 + n3 = ímpar . (4.27)
0, se n + n + n = 2, 6, ...
1 2 3
2
A intensidade de espalhamento é proporcional a SG . Note portanto que a
intensidade de espalhamento é nula para alguns vetores da rede recíproca. Isto é
consequência direta da interferência destrutiva entre os átomos da base.
O que você esperaria que acontecesse para um cristal de GaAs?
Referências:
- Ashcroft, Caps. 5 e 6.
- Kittel, Cap. 2.
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