Você está na página 1de 26

Capítulo 10.

ELÉTRONS NUMA
REDE PERIÓDICA II

10.1 ZONAS DE BRILLOUIN

10.1.1 Esquemas de Representação

Os estados orbitais dos elétrons de valência nos sólidos cristalinos,



especificados pelo vetor de onda k , não são necessariamente confinados à
primeira zona de Brillouin, como no caso dos fônons. Se houver estados

ocupados em mais de uma banda, os valores de k não se limitarão ao volume
da 1ª zona. Assim, para a descrição das propriedades eletrônicas dos cristais
é necessário generalizar a noção introduzida no capítulo 4, onde a 1ª zona de
Brillouin foi definida como o volume no espaço recíproco contendo todos os

pontos k mais próximos de um determinado ponto da rede recíproca (por

exemplo, G = 0 ) do que de qualquer outro ponto da mesma rede recíproca.
Como foi visto, trata-se de uma extensão do conceito de cela de Wigner-Seitz
para a rede recíproca.
Uma definição alternativa para a 1ª zona de Brillouin consiste em

caracterizá-la como o conjunto de pontos do espaço- k que podem ser
alcançados a partir da origem sem que nenhum plano de Braag seja cruzado.
Esta concepção pode ser generalizada para zonas de Brillouin de ordem
superior. Assim, a 2ª zona de Brillouin é definida pelo conjunto dos pontos do
espaço recíproco que podemos alcançar a partir da origem cruzando um
plano de Braag. A terceira zona é obtida após o cruzamento de dois planos de
Braag e assim sucessivamente.
A figura 10.1.a mostra a energia de um elétron de Bloch representada em
função de k nos diversos segmentos de reta que representam as zonas de
Brillouin ao longo de uma dada direção no espaço recíproco. Observa-se que,
segundo a discussão do modelo simplificado da seção 9.3.3, descontinuidades
no espectro de energia devem ocorrer sempre que a condição de difração de
Bragg, |𝑘⃗ | = |𝑘⃗ − 𝐺 |, for satisfeita, ou seja, quando as fronteiras das zonas de
Brillouin são alcançadas. Na figura 10.1.b estão representadas diversas zonas
de Brillouin de uma rede bidimensional quadrada.

161
Figura 10.1. Primeira, segunda, terceira e quarta zonas de Brillouin de redes
recíprocas (a) unidimensional e (b) quadrada.

A representação gráfica das bandas de energia na figura 10.1.a, ou das


zonas de Brillouin na figura 10.1.b, na qual é escolhida uma origem e utiliza-
se toda a extensão do espaço recíproco, é chamada de esquema de zona
estendida. Entretanto, em geral é mais conveniente se representar a energia
𝐸(𝑘⃗ ) dentro do volume da 1ª zona de Brillouin. Para construir este esquema,

leva-se em conta que nas situações em que o vetor de onda k ' estiver fora da
   
1ª zona, sempre é possível se encontrar um vetor G tal que k = k '−G esteja
dentro da primeira zona. Este é o procedimento de redução do vetor de onda

k ' à 1ª zona de Brillouin, e a representação que dele resulta é chamada de
esquema de zona reduzida. A figura 10.2 mostra as energias de três bandas
neste tipo de representação. Neste esquema, é necessário que consideremos

a energia como uma função de múltiplos valores do vetor k .

Figura 10.2. Representação de bandas de energia em esquema de zona reduzida.

Há ainda um terceiro esquema de representação, que é usado


principalmente no estudo de órbitas eletrônicas na presença de campos
magnéticos intensos. Trata-se do esquema de zona periódica, no qual todas as
bandas são representadas em todas as zonas, tal como mostra a figura 10.3.

162
Este esquema

contempla
 
a periodicidade da energia no espaço recíproco, ou
seja, E (k ) = E (k + G ) .

Figura 10.3. Esquema de zona periódica para as bandas de energia.

10.1.2 Metais e Isolantes



Na seção 8.1.1 vimos que o número de valores de k por unidade de volume
do espaço recíproco é V/83 , onde V é o volume do cristal. Isto significa que
cada valor permitido do vetor de onda ocupa um volume (1/N) (83/vc), onde
N é o número de celas unitárias primitivas do cristal e vc é o volume de uma
cela unitária. Porém, o volume da 1ª zona de Brillouin é 83/vc. Isto significa
que existem exatamente N valores permitidos do vetor de onda dentro da 1ª
zona. O esquema de zona reduzida nos auxilia a perceber que existem N

valores de k em qualquer zona de Brillouin. De fato, as diversas zonas de
Brillouin ocupam volumes idênticos no espaço recíproco. Observando a figura
10.1.b, por exemplo, notamos que a redução de qualquer uma das zonas à
primeira preencherá exatamente a área quadrada que corresponde à 1ª zona.
Podemos então afirmar que cada cela unitária primitiva do cristal contribui

com um valor independente de k para cada banda de energia. Por
conseguinte, existem 2N estados eletrônicos disponíveis em cada banda, pois
cada orbital pode acomodar 2 elétrons com spins antiparalelos. Este é um
resultado fundamental que resulta basicamente da periodicidade da rede
cristalina. Uma consequência deste resultado é que a valência dos átomos que
formam o sólido será determinante de seu caráter metálico ou isolante. Por
exemplo, se o número de elétrons de valência por cela unitária for ímpar, a
banda superior estará parcialmente preenchida e o sólido terá
comportamento metálico. Haverá um nível de Fermi separando estados
preenchidos dos vazios, que poderão ser alcançados com energia de excitação
efetivamente infinitesimal. Por outro lado, se o número de elétrons de
valência por cela unitária for par, é possível que uma banda totalmente
preenchida esteja separada por um gape da banda superior, que estará vazia.
Neste caso, o sistema tenderá a mostrar um comportamento isolante, pois o
princípio da exclusão impedirá a excitação de elétrons da banda completa, já
que os estados disponíveis na banda superior estarão dela separados pelo

163
intervalo proibido de energias. A figura 9.1 ilustra o esquema de bandas de
sólidos metálicos e isolantes.

10.2 SUPERFÍCIES DE FERMI

No modelo de elétrons livres a superfície de Fermi é esférica. Porém, no


caso em que o vetor de onda de Fermi excede as fronteiras da 1ª zona de
Brillouin, a geometria da superfície de Fermi, bem como as regiões ocupadas
por elétrons nas zonas de mais alta ordem tem formas diversas da esférica.
Na figura 10.4(a) é mostrada a superfície de Fermi esférica, em representação
de zona estendida, numa situação em que kF excede as fronteiras da 1ª zona
de uma rede quadrada em qualquer orientação do espaço recíproco. Na parte
(b) da figura é mostrada a mesma superfície de Fermi nas diversas zonas com
ocupação por elétrons. Na primeira zona todos os estados estão ocupados e
não há superfície de Fermi. Na segunda zona, a superfície de Fermi é pequena
e tem curvatura invertida. Nas terceira e quarta zonas, a superfície é aberta e
descontínua.

Figura 4.10. Superfície de Fermi de elétrons livres (a) em representação de


zona estendida e (b) representada em esquema de zona reduzida.
As regiões sombreadas estão preenchidas por elétrons

No modelo de elétrons quase livres, em que há interação destas partículas


com o potencial cristalino periódico, é possível que superfícies de Fermi
apresentem grande complexidade geométrica.
Se a superfície de Fermi estiver inteiramente contida dentro da 1ª zona, a
perturbação introduzida pela interação com a rede periódica pouco deforma
a configuração esférica. Entretanto, se kF se aproximar ou exceder os limites
da 1ª zona, surgirão deformações acentuadas nas proximidades dos pontos
onde ocorre o cruzamento da fronteira de zona.

164
Tomemos como exemplo uma rede cúbica simples, cuja projeção no plano
(001) é uma rede quadrada. Suponhamos densidades eletrônicas crescentes,
que tenderão a aumentar continuamente o volume delimitado pela superfície
de Fermi. Na figura 10.5 estão representadas as projeções no plano das
superfícies de Fermi correspondentes a densidades eletrônicas crescentes.
No caso de baixa densidade eletrônica, a superfície de Fermi estará
inteiramente contida dentro da 1ª zona e, se estiver distante das fronteiras de
zona, manterá a forma esférica, tal como na teoria de elétrons livres. Este é o
caso da superfície de energia constante representada como E1 na figura 10.5.
Na figura 10.6, em que são esquematicamente representadas as bandas de
energia na direção kx (direção -X) e na direção paralela à diagonal da zona
quadrada (direção -Y), a posição de E1 corresponde a valores de energia para
os quais as bandas mantêm aproximadamente a forma parabólica em todas
as direções do espaço-k (o centro da zona de Brillouin é geralmente denotado
como ponto ). Quando a ocupação eletrônica cresce, a superfície de Fermi se
aproxima da fronteira de zona na direção -X. Este é o caso da curva E2. Na
figura 10.5 notamos que a variação lenta da energia em função de kx logo antes
que a fronteira de zona seja alcançada (ver também figura 9.3), tende a
deslocar as superfícies de mesma energia na direção desta fronteira.
Consequentemente, a superfície E2 desvia da forma esférica e se deforma
como se fosse atraída pela fronteira de zona. Ao se aumentar ainda mais a
densidade eletrônica, a fronteira de zona é alcançada na direção -X, como
mostra a curva E3 na figura 10.6. Na figura 10.5 observa-se que a superfície de
Fermi E3 é parcialmente destruída nesta direção e deixa de ser fechada. O
preenchimento da 1a. zona, no entanto, pode continuar, pois sobram estados
vazios na direção -Y. Aumentando-se ainda mais a densidade de elétrons e
se a largura do gape não for demasiado grande, estados da 2ª zona começarão
a ser preenchidos na direção -X antes do total preenchimento da 1ª zona.
Esta situação é representada pela curva E4 nas figuras 10.5 e 10.6.

Figura 10.5. Superfícies de energia constante perturbadas pela interação elétron-


rede no modelo de elétrons quase livres. As superfícies de mesma energia
representadas por E1 , E2 , E3 e E4 correspondem a valores crescentes na
densidade eletrônica. A representação é do esquema de zona estendida.
As linhas tracejadas são as superfícies de elétrons livres.

165
Nas figuras 10.5 e 10.6 observa-se que, devido ao salto de energia através
do gape, os valores de k logo após a fronteira serão menores que aqueles
previstos pela parábola de elétrons livres (ver também figura 9.3).
Verificamos, novamente, que os limites de zona atraem os contornos de
energia constante. Este efeito faz com que, em três dimensões, as superfícies
de Fermi calculadas na aproximação de elétrons quase livres possam mostrar
formas geométricas muito complexas.

Figura 10.6. Bandas de energia nas direções kx (-X) e ky + ky (-Y) em esquema


de zona reduzida, que são correspondentes a rede quadrada da
figura 10.5. Neste caso ocorre recobrimento (overlap) de zonas.

Um aspecto importante a ressaltar na figura 10.6 é o fato de que o gape pode


ocorrer em valores distintos de energia para diferentes orientações do vetor
de onda no espaço recíproco. Dependendo da largura do intervalo proibido
(que é função da interação elétron-rede) é possível que não existam valores
de energia realmente proibidos. Neste caso, diz-se que ocorre uma
superposição, ou recobrimento (overlap), de zonas. Este fenômeno
corresponde à situação em que uma zona de Brillouin de ordem mais alta (por
exemplo, a segunda) começa a acomodar elétrons antes que a zona que a
precede (no caso, a primeira) esteja totalmente preenchida.
Assim como as bandas, as superfícies de energia constante, e em particular
a superfície de Fermi, também podem ser apresentadas segundo os três
esquemas de representação. As superfícies da figura 10.5 estão em esquema
de zona estendida. No painel (a) da figura 10.7, a superfície de energia E4 está
mostrada em esquema de zona de reduzida e no painel (b), a mesma
superfície é mostrada em esquema de zona periódica.

166
Figura 10.7 Superfície de Fermi correspondente à energia E4 nas figuras 10.5 e
10.6 em esquema de (a) zona reduzida e (b) zona periódica. No
esquema (a) as regiões sombreadas estão preenchidas por elétrons.

Nos isolantes, uma dada banda (tecnicamente denominada de banda de


valência) estará totalmente preenchida e separada por um gape da banda em
energias superiores (chamada de banda de condução), que estará totalmente
vazia. Isto significa que a zona de Brillouin correspondente à banda de
valência estará totalmente preenchida e a superfície de Fermi estará
totalmente destruída. Na figura 10.8 esta situação está ilustrada. No painel (a)
da figura supõe-se que a densidade eletrônica é tal que a banda ainda não está
completa e restam trechos descontínuos da superfície de Fermi. Na figura
10.8(b), a ocupação da zona de Brillouin está completa e todos os N valores
disponíveis de 𝑘⃗ estão ocupados por elétrons.
Podemos, então, dizer que a ocupação do espaço recíproco no modelo de
elétrons de banda se processa respeitando a densidade de pontos 8𝜋 3 /𝑉
ditada pelas condições de contorno periódicas. Porém, o espaço é
compartimentado em zonas de Brillouin que poderão estar parcialmente ou
completamente preenchidas, dependendo da intensidade da interação do
elétron com o potencial cristalino periódico.

Figura 10.8 (a) Zona de Brillouin de uma rede quadrada quase inteiramente
preenchida. (b) Os N estados da zona estão inteiramente
preenchidos e o sistema se comporta como um isolante.

167
10.3 MÉTODOS DE CÁLCULO DE BANDAS

As propriedades eletrônicas de equilíbrio de um sólido são fortemente


dependentes de sua estrutura de bandas. Assim, para se obter uma descrição
teórica acurada das propriedades físicas de um dado sólido, é do maior
interesse determinar - com a maior precisão possível - as formas das bandas
permitidas em diferentes orientações do espaço recíproco, a largura dos
gapes, a energia e superfície de Fermi, a densidade de estados, etc. Várias
técnicas foram desenvolvidas para efetuar estes cálculos em cristais reais
tridimensionais. Todas elas, evidentemente, supõem algum tipo de
aproximação e, em geral, envolvem pesados cálculos numéricos. Isto torna o
assunto bastante técnico e sua abordagem detalhada foge aos objetivos deste
texto. Nós nos limitaremos a discutir qualitativamente os princípios de uma
teoria que faz uso explícito de funções de onda do tipo atômica.
Mencionaremos também, resumidamente, alguns dos conceitos de duas
técnicas muito empregadas, que são fundamentadas no modelo de elétrons
quase-livres, e o método moderno do funcional densidade.

10.3.1 Aproximação das Ligações Fortes

Podemos supor que a função de onda de um elétron de condução que se


encontre nas proximidades de um caroço iônico seja, localmente, do tipo
atômico. Baseado nesta suposição, o método das ligações fortes é
desenvolvido através da construção de funções de onda de Bloch a partir de
combinações lineares de orbitais atômicos, ou moleculares. Trata-se, pois, de
um ponto de partida oposto ao adotado no modelo de elétrons quase-livres,
que é formalizado em termos de combinações lineares de ondas planas, que
são totalmente deslocalizadas.
 
Suponhamos que n (r − l ) seja um orbital de tipo atômico, caracterizado
pelo número quântico n, correspondente a um átomo situado no sítio da rede

l . Na notação do estado atômico usamos apenas um índice que representa
simultaneamente os três números quânticos orbitais. A partir deste estado,
tentativamente construímos uma função de onda que satisfaz o teorema de
Bloch, ou seja,

(𝑛) 1
Ψ⃗𝑘 (𝑟) = ∑𝑙 𝑒 𝑖𝑘⃗⋅𝑙 𝜙𝑛 (𝑟 − 𝑙) , (10.1)
√𝑁

onde N, como antes, denota o número total de celas unitárias do cristal que,
por simplicidade, supomos ser monoatômico. Observamos que

168
  1 
  
k( n ) (r + l ' ) =
N
 n (r + l '−l )
e ik l


1   
  
=e ik l '

N
 e ik ( l −l ')
 n [r − (l − l ' )]
l


ik l ' 
=e k( n ) (r ) ,

o que mostra, em acordo com a equação (9.5), que o teorema de Bloch é


efetivamente satisfeito para a função de onda (10.1). Num caso mais geral, a
função de onda (10.1), chamada de “função de onda ligações fortes”, é
formada por uma combinação linear de orbitais atômicos ou moleculares
fortemente localizados que são multiplicados por um fator de fase que reflete
(𝑛)
a periodicidade da estrutura cristalina, ou seja, supõe-se Ψ𝑘⃗ = ∑𝑛 𝑐𝑛 Ψ⃗𝑘 .
O valor esperado da energia para a função de onda (10.1) será

E (k ) =  k( n ) k( n ) d 3 r

 2 2 
E (k ) =  k( n ) [−  + V (r )]k( n ) d 3 r . (10.2)
2m

Substituindo (10.1) em (10.2), obtemos

 1   
 
 2 2    3
E (k ) =  e ik ( l −l ')
 n
 ( r − l ' )[−  + V ( r )] n ( r −l )d r . (10.3)
N l ,l ' 2m

Como  n (r ) é um orbital atômico, podemos escrever a seguinte equação
de autovalores:
2 2   
[−  + Va (r )] n (r ) =  nn (r ) , (10.4)
2m

 e n são suas
onde Va é o potencial atômico de um átomo colocado na origem
auto-energias. Este resultado nos permite estimar E (k ) . Para tanto,
reescrevemos (10.3) como

 1   
 
 2 2    3
E (k ) =  e ik ( l −l ')
{  n ( r − l ' )[−  + V a ( r )] n ( r −l ) d r
N l ,l ' 2m
(10.5)
     
+  n (r − l ' )[V (r ) − Va (r )]n (r − l ) d 3 r}

169
onde somamos e diminuímos o elemento de matriz correspondente ao
potencial atômico Va.
Para avaliar aproximadamente as duas integrais da expressão (10.5),
supomos que o recobrimento entre orbitais atômicos centrados em sítios
diferentes é pequeno. Então, de acordo com a equação (10.4), a primeira
 
integral em (10.5) terá como resultado   n (l − l ' ) , pois admitimos que as
n são ortonormalizadas. Por outro lado, na segunda integral em (10.5)
podemos deslocar a origem por um vetor da rede direta sem alterar o
resultado. Fazemos, então

∫ 𝜙𝑛∗ (𝑟 − 𝑙 ′)[𝑉(𝑟) − 𝑉𝑎 (𝑟)]𝜙𝑛 (𝑟 − 𝑙 ) 𝑑 3 𝑟 =


∫ 𝜙𝑛∗ (𝑟 − 𝑙 ′ + 𝑙 )[𝑉(𝑟 + 𝑙 ) − 𝑉𝑎 (𝑟 + 𝑙 )]𝜙𝑛 (𝑟)𝑑 3 𝑟 = (10.6)
∫ 𝜙𝑛∗ (𝑟 + 𝐿⃗)[𝑉(𝑟) − 𝑉𝑎 (𝑟)]𝜙𝑛 (𝑟) 𝑑 3 𝑟
  
onde L = l − l ' . Na última igualdade da equação (10.6) consideramos que Va
não deve depender da escolha da origem do sistema de referência por ser um
potencial atômico e extremamente localizado. Denotamos, então, a integral
em (10.6) como

𝑡𝑛 (𝐿⃗) = ∫ 𝜙𝑛 ∗ (𝑟 + 𝐿⃗)[𝑉(𝑟) − 𝑉𝑎 (𝑟)]𝜙𝑛 (𝑟) 𝑑 3 𝑟. (10.7)

A integral (10.7), chamada de integral de transferência, é muitas vezes


tomada como um parâmetro obtido por comparação da teoria com resultados
experimentais. Seu cálculo a partir de primeiros princípios exige a
modelização do potencial cristalino 𝑉(𝑟) , que é distinto do potencial atômico
𝑉𝑎 (𝑟).
Com as considerações acima, podemos reescrever a equação (10.5) como
1 1
𝐸(𝑘⃗ ) ≅ ∑𝑙,𝑙′ 𝑒 𝑖𝑘⃗⋅(𝑙−𝑙′) 𝜀𝑛 𝛿(𝑙 − 𝑙′) + ∑𝐿⃗,𝑙′ 𝑒 𝑖𝑘⃗⋅𝐿⃗ 𝑡𝑛 (𝐿⃗) ,
𝑁 𝑁

ou seja,

𝐸(𝑘⃗ ) ≅ 𝜀𝑛 + ∑𝐿⃗ 𝑒 𝑖𝑘⋅𝐿⃗ 𝑡𝑛 (𝐿⃗) . (10.8)

Este é o resultado central da aproximação das ligações fortes para as


energias de bandas eletrônicas num sólido cristalino na situação simples
examinada. É importante notar que, ao derivar a equação acima, nós
consideramos que o recobrimento entre orbitais atômicos centrados em
sítios diferentes é pequeno, mas não inteiramente desprezível. Não fosse a
superposição das funções de ondas do tipo atômico, não poderíamos obter
estados eletrônicos estendidos em todo o volume do cristal. Este
recobrimento dá origem ao termo 𝑡𝑛 (𝐿⃗) em (10.7), que também está contido

170
no segundo termo da equação (10.8), o qual é o responsável pela abertura de
uma banda centrada na energia de átomo isolado 𝜀𝑛 .
Vamos exemplificar a aplicação da equação (10.8) para o caso de uma rede
cúbica simples, considerando que o recobrimento entre funções de onda do
tipo atômico seja significativo apenas para sítios primeiros vizinhos. Os
vetores da soma em (10.8) serão:

L = (a,0,0) , (− a,0,0) , (0, a,0) , (0,−a,0) , (0,0, a ) e (0,0,− a ) .

A soma em L fica

∑𝐿⃗ 𝑒 𝑖𝑘⃗⋅𝐿⃗ 𝑡𝑛 (𝐿⃗) = 𝑡 0 (𝑒 𝑖𝑘𝑥𝑎 + 𝑒 −𝑖𝑘𝑥𝑎 + 𝑒 𝑖𝑘𝑦𝑎 + 𝑒 −𝑖𝑘𝑦𝑎 + 𝑒 𝑖𝑘𝑧𝑎 + 𝑒 −𝑖𝑘𝑧 𝑎 ) ,

onde chamamos 𝑡𝑛 (𝐿⃗) = 𝑡0 .


A energia de banda será dada por

𝐸(𝑘⃗ ) = 𝜀𝑛 + 2𝑡0 (𝑐𝑜𝑠 𝑘𝑥 𝑎 + 𝑐𝑜𝑠 𝑘𝑦 𝑎 + 𝑐𝑜𝑠 𝑘𝑧 𝑎) . (10.9)

Como existem N1 valores de kx , N2 valores de ky e N3 valores de kz , a banda


(10.9) será composta de exatamente N = N1 N2 N3 níveis de energia, onde N é
o número de celas unitárias no cristal, e terá uma largura total igual a 12 t0.
Como 𝜀𝑛 e 𝑡0 . são quantidades negativas, o estado de mais baixa energia
corresponde a 𝜀𝑛 + 6𝑡0 . Então, ao longo de uma aresta 
do cubo, conforme
está representado na figura 10.9, a energia de banda E (k ) tem um mínimo em
 
k = 0 e um máximo na fronteira de zona, onde k = ( / a, 0, 0) .
Claramente, a teoria das ligações fortes prevê a formação de bandas
estreitas se os orbitais atômicos forem fortemente localizados, ou se o
espaçamento interatômico for muito grande.

Figura 10.9. Banda tipo-cosseno típica da aproximação de ligações fortes, centrada


na energia atômica n e calculada ao longo da orientação kx .

171
O método das ligações fortes revela um princípio importante da teoria de
bandas. Consideremos, inicialmente, N átomos idênticos e isolados no estado
fundamental. Cada átomo será caracterizado pela mesma configuração
eletrônica e, considerando o conjunto, cada estado atômico será N vezes
degenerado. Se os N átomos condensarem num sólido (com um átomo por
cela unitária primitiva) de forma que haja um recobrimento não-nulo entre
funções de onda de átomos em celas vizinhas, a degenerescência de um dado
orbital atômico é levantada, abrindo-se uma banda de N estados, cuja largura
total dependerá do grau de recobrimento entre os orbitais vizinhos. Isto
significa dizer que a largura de banda dependerá essencialmente da natureza
do orbital atômico e da distância de separação entre átomos, conforme
ilustrado na figura 10.10.

Figura 10.10. A aproximação de ligações fracas descreve a formação de bandas


com N níveis à partir de orbitais atômicos N vezes degenerado.
Na figura, “a” denota a distância de separação entre átomos.
Observa-se superposição das bandas originárias de estados atômicos
com números quânticos principais n = 2 e n = 3 para valores
pequenos de a.

Dependendo da distância de separação interatômica, é possível que duas


ou mais bandas se superponham em razão de seu alargamento. Neste caso,
para evitar que orbitais eletrônicos ortogonais tenham energias coincidentes,
é necessário expressar as funções de onda iniciais em termos de uma
combinação linear de orbitais atômicos:

 1 
 
k (r ) =
N
  eik l cnn (r − l ) . (10.10)
l n

Na expressão (10.10), n rotula o estado atômico do qual se origina a banda.

172
O método das ligações fortes não é adequado para a descrição de bandas
largas, originadas por elétrons das camadas atômicas externas, de tipo s ou p.
No entanto, a aproximação produz bons resultados quando aplicada ao
cálculo de bandas estreitas, formadas por elétrons originado de estados
atômicos do tipo d ou tipo f, mais internos e característicos dos metais de
transição e dos lantanídeos, respectivamente.
Num sistema de muitas bandas originadas de orbitais atômicos, tal como
representado na figura 10.10, é necessário se acrescentar índices adicionais
ao vetor de onda para especificar a origem de cada uma das bandas. Este são,
em geral, especificados pelos números quânticos n e l que caracterizam o
estado atômico inicial.

10.3.2 Ondas Planas Ortogonalizadas

A praticidade do tratamento perturbativo do modelo de elétrons quase


livres é condicionada à rápida convergência para zero das componentes de
Fourier de ordem mais alta do potencial de interação elétron-rede. Nestas

condições, a expansão para a função de onda em termos dos vetores G ,
equação (9.20), fica limitada a um número reduzido de termos. Em
consequência, o sistema (9.26) conterá um número pequeno de equações
acopladas e poderá ser resolvido para 𝐸(𝑘⃗ ) sem custo computacional
excessivo. No entanto, é necessário indagar se a convergência rápida pode
realmente ocorrer. Por exemplo, se 𝑉(𝑟) for um potencial coulombiano não
blindado, ele será muito forte nas proximidades de um sítio de rede. Isto
significa que o potencial terá componentes de Fourier de comprimento de
onda muito curto, o que implica em amplitudes VG apreciáveis para grandes

valores de G . Em outros termos, a função de onda de um elétron de Bloch
deverá se comportar aproximadamente como um orbital atômico nas
proximidades do caroço iônico, mostrando oscilações de alta frequência,
correspondentes à energia cinética elevada.
Estas considerações indicam que uma função de onda do tipo ligação forte,

1 
 
 (kn ) =
N
 eik l n (r − l ) , (10.11)
l

é uma boa proposta de solução para a equação de Schrödinger de um elétron


de Bloch nas proximidades dos caroços iônicos. Sua energia está associada a
uma das energias de caroço, 𝜀𝑛 , em torno da qual se forma uma banda
estreita. Por outro lado, nós sabemos que o elétron também pode ocupar
estados com energias mais altas quando se encontra afastado dos caroços
iônicos. Nesta situação, o elétron tem um comportamento muito próximo ao

173
de uma onda plana. As funções  k que descrevem estes estados com energias
positivas devem ser ortogonais aos estados dados pela equação (10.11), pois
ambos devem ser soluções da mesma equação de Schrödinger.
Com base nestas considerações, no método das ondas planas
ortogonalizadas, propõe-se funções de onda do tipo

 k = e ik r −  n  (n
 )
k
(10.12)
n

para descrever o comportamento de um elétron de Bloch.


A condição de ortogonalidade,

  k  (kn )  = 0 , (10.13)

implica em que os coeficientes 𝛼𝑛 na expressão (10.12) são dados por



 n =  (kn ) e ik .r  . (10.14)

Substituindo a equação (10.14) em (10.12), obtemos


 
 k = e ik r −   (kn ) e ik r   (kn ) , (10.15)
n

A função de onda  k recebe o nome de onda plana ortogonalizada (OPW:


orthogonalized plane wave) . A figura 10.11 representa esquematicamente o
comportamento desta função ao longo de uma direção no espaço real.
Usando as ondas planas ortogonalizadas como estados de base, o método
de cálculo segue a mesma linha de expansão em ondar planas que usamos na
seção 9.3. Em lugar da equação (9.20), escrevemos os estados de banda como

k (r ) = 

Ck −G  k −G , (10.16)
G

Figura 10.11. Onda plana ortogonalizada (OPW).


A linha pontilhada representa uma onda plana.

174
e com isto torna-se possível se obter uma convergência rápida nas expansões
perturbativas e limitar o sistema (9.26) a um pequeno conjunto de equações.
Pode-se mostrar que o problema dos estados de Bloch tratado com ondas
planas ortogonalizadas é equivalente ao da expansão em ondas planas,
expressa pela equação (9.20), porém sob a condição de que os elétrons
estejam sob ação de um pseudo-potencial fraco o suficiente para que as
componentes de alta frequência nas expansões de Fourier sejam pequenas e
possam ser desprezadas sem erro apreciável no cálculo das energias de
banda.

10.3.3 Ondas Planas Aumentadas

O método de cálculo de bandas denominado de ondas planas aumentadas


(APW: Augmented Plane Waves) supõe um potencial efetivo (pseudo-
potencial) que é esfericamente simétrico dentro de um certo raio RS em torno
de cada sítio da rede e que é constante nas regiões intersticiais, conforme
mostra esquematicamente a figura 10.12. O raio RS é tratado como um
parâmetro ajustável do modelo, porém sujeito à condição de que as esferas
não se toquem. Então, pode-se resolver exatamente a equação de Schrödinger
em harmônicos esféricos no interior de cada esfera. No volume entre as
esferas as soluções, também exatas, serão ondas planas. Ajustando-se
convenientemente as duas soluções na superfície de cada esfera se obtém
soluções para a função de onda de um elétron de Bloch em todo o volume do
cristal. Com estas soluções são construídas combinações lineares do tipo
exemplificado pela equação (10.16) e é calculada a estrutura de bandas
eletrônicas com a técnica da expansão perturbativa dos elétrons quase-livres.
Este método tem a vantagem de permitir o cálculo, com eficácia e precisão, da
estrutura de bandas eletrônicas em cristais formados por mais de um tipo de
átomo, como – por exemplo - os compostos intermetálicos.

Figura 10.12. Potencial efetivo do método APW. O potencial é esfericamente


simétrico em torno dos pontos de rede e constante nas regiões
intermediárias. RS é um parâmetro ajustável.

175
10.3.4 Teoria do Funcional Densidade

A teoria do funcional densidade (DFT; Density Functional Theory),


inicialmente proposta por W. Kohn(1) e P. Hohenberg(2), consiste num método
para cálculo da estrutura eletrônica e outras propriedades do estado
fundamental de sistemas formados por muitos elétrons em interação, como
átomos, moléculas e sólidos.
De um modo geral, no espírito da aproximação adiabática, a equação de
Schrödinger que descreve o estado de equilíbrio de um sistema de N elétrons
num sólido, pode ser escrita formalmente como

ΗΨ = (Κ + 𝑉 + 𝑣 )Ψ = 𝐸Ψ , (10.17)

onde H é o operador Hamiltoniano, K é o operador energia cinética, V é


operador energia potencial devida às fontes externas, v representa o
operador da energia potencial de interação entre as partículas e Ψ é a função
de onda global. Reescrevendo a equação (10.17) na forma detalhada para um
sistema de elétrons de valência num cristal, teremos

ℏ2 1
𝑖=1 ∇𝑖 + ∑𝑖=1 𝑉 (𝑟𝑖 ) + ∑𝑖 ∑𝑗≠𝑖 𝑣(𝑟𝑖 − 𝑟𝑗 )] Ψ = 𝐸Ψ .
∑𝑁 2 𝑁 𝑁 𝑁
[− (10.18)
2𝑚 2

O primeiro termo fornece a energia cinética do conjunto de elétrons e o


segundo termo se refere à energia potencial dos elétrons na presença do
campo de forças eletrostático gerado pelos caroços iônicos. Num cristal, este
potencial tem a periodicidade da rede, tal como explicitamente considerado
em (9.1). O termo que descreve a interação entre elétrons é de natureza
coulombiana e depende somente da distância entre as partículas. De modo
geral, 𝑣(𝑟𝑖 − 𝑟𝑗 ) = 𝑒 2 ⁄|𝑟𝑖 − 𝑟𝑗 |. A função de onda de muitos corpos,
Ψ(𝑟1 , 𝑟2 … 𝑟𝑖 ), em princípio, não é separável em razão da interação entre
elétrons. Nos métodos de cálculo de bandas discutidos precedentemente, o
termo de interação não é considerado explicitamente, de modo que o
problema se reduz ao de uma partícula única, ou seja, ao modelo de elétrons
de Bloch. Eventualmente, a repulsão entre elétrons é considerada
indiretamente através da descrição de 𝑉(𝑟𝑖 ) por um pseudo-potencial.
A teoria do funcional densidade não busca resolver diretamente a equação
(10.18) e encontrar suas auto-funções e autovalores. O conceito central da
teoria é a densidade eletrônica, dada por

𝑛(𝑟) = 𝑁 ∫ 𝑑 3 𝑟2 ∫ 𝑑 3 𝑟3 … ∫ 𝑑 3 𝑟𝑁 |Ψ(𝑟, 𝑟2 , 𝑟3 … 𝑟𝑁 |2 . (18.19)

Nota-se que a densidade 𝑛(𝑟) depende de apenas uma variável, porquanto


as demais são integradas no volume do sólido.

176
Hohenberg e Kohn mostraram que, ao menos para o estado fundamental, é
possível reverter a equação (18.19), ou seja, se pode escrever a auto-função
do sistema de muitos corpos como um funcional da densidade eletrônica,

Ψ0 = Ψ[𝑛0 (𝑟)] , (18.20)

onde 𝑛0 (𝑟) é a densidade eletrônica do estado fundamental. Neste ponto,


convém lembrar que um funcional é uma função cujo argumento é outra
função. Assim, a função de onda do estado fundamental do sistema de muitas
partículas é um funcional da densidade eletrônica, que, por sua vez, é uma
função da posição.
A equação (18.20) significa que o valor esperado de qualquer observável
(no estado fundamental) também será um funcional da densidade. Um
exemplo é a energia:

𝐸 [𝑛0 ] = ⟨Ψ[𝑛0 ]|Κ + 𝑉 + 𝑣 |Ψ[𝑛0 ]⟩ . (18.21)

É importante observar que as expressões para energia cinética e a energia


de interação partícula-partícula são universais para quaisquer sistemas de
muitos elétrons. A energia potencial devida às fontes externas é a quantidade
que varia de sistema para sistema. Assim, é razoável supor que a soma da
energia cinética e da energia de interação entre partículas seja um funcional
universal da densidade eletrônica, que se pode denotar como

𝐹 [𝑛(𝑟)] = ⟨Ψ|Κ + 𝑣 |Ψ⟩ (18.22)

Com base nesta suposição, o funcional energia (18.21) pode ser escrito
como

𝐸 [𝑛] = ∫ 𝑉 (𝑟)𝑛(𝑟) 𝑑 3 𝑟 + 𝐹[𝑛] (18.23)

Admitindo que dispomos de uma boa estimativa para F[n], a energia do


estado fundamental é obtida da equação (18.23) se a densidade eletrônica
correta 𝑛0 (𝑟) for nela substituída. Este é um procedimento obtido através de
um método variacional auto-consistente de minimização do funcional E[n]. O
mínimo é alcançado sob a condição de que o número total de partículas do
sistema se mantenha constante, ou seja

𝑁𝑒 = ∫ 𝑛(𝑟) 𝑑 3 𝑟 . (18.24)

Em resumo, o método baseado na teoria do funcional densidade para


cálculo da estrutura eletrônica de sólidos não faz uso de funções de onda
tentativa, como nos casos discutidos nas seções precedentes. O problema de

177
muitas partículas em interação é tratado através da densidade eletrônica. O
conhecimento desta quantidade permite a determinação com boa precisão
das propriedades do estado fundamental do sistema, e em particular da
energia, com um custo computacional reduzido se comparado com aquele
exigido pelos métodos da teoria de bandas que são baseados nas funções de
onda tentativa.

10.4 A DENSIDADE DE ESTADOS

Várias propriedades de equilíbrio e dinâmicas dos sólidos metálicos


dependem da densidade de estados eletrônicos calculada no nível de Fermi.
Um exemplo é o calor específico eletrônico, cujo coeficiente  é diretamente
proporcional a (EF), conforme as equações (8.24) e (8.25). Assim, um dos
objetivos principais da teoria de bandas é a determinação precisa da
densidade de estados em função da energia e, em especial, na energia de
Fermi.
Nesta seção discutiremos, de modo simplificado, um método de obtenção
da densidade de estados a partir do cálculo de bandas. Lembremos,
inicialmente, que a densidade de estados para uma dada banda de índice n é
definida como o número de estados para uma dada orientação de spin (isto é,

o número de valores permitidos para k ) por unidade de volume e por
unidade de energia, ou seja

1 dN (k )
 n (E) = , (10.25)
V dEn

onde N (k ) é o número de valores permitidos para o vetor de onda. A
densidade de pontos no espaço recíproco é V / 83 e, portanto, o número de

valores permitidos de k no volume d3k é dado por

 V V
dN (k ) = 3 d 3 k = 3 dk ⊥  dS n , (10.26)
8 8 Sn ( E )

onde transformamos o elemento de volume no espaço recíproco numa


integral sobre uma superfície de energia constante multiplicada por um
elemento infinitesimal da componente do vetor de onda perpendicular à
superfície, conforme ilustra a figura 10.13.

178
Figura 10.13. Elemento de volume do espaço recíproco correspondente
à equação (10.26).

 Em todo o volume do espaço recíproco, o número de valores permitidos de


k será simplesmente,

V
8 3 
dk ⊥  dS n .
Sn ( E )

Substituindo esta integral em (10.25), obtemos

1 dS n dk ⊥
 n (E) = 
8 Sn ( E ) dEn
3
. (10.27)


Lembrando que En = En (k ) é determinada pelas técnicas de cálculo de
bandas, e que
 
dEn (k ) =  k En (k ) dk ⊥ ,

reescrevemos a equação (10.27) como

1 dS n
 n (E ) =
8 3   ,
 k En (k )
(10.28)
Sn ( E )

que mostra claramente a relação entre a densidade de estados e as energias


de banda.
A equação (10.28) nos permite concluir que bandas estreitas produzem
altas densidades de estados, ao passo que bandas largas produzem
densidades de estado baixas. Por outro lado, como a energia é uma função
diferenciável e periódica no espaço recíproco, ocorrerão valores do vetor de
onda para os quais o gradiente  k E se anula. Nestes pontos o integrando em

179
(10.28) diverge para infinito. Em três dimensões, porém, estas singularidades
são integráveis e n (E) permanece finito, embora resultem divergências na
derivada dn / dE. Estes pontos são conhecidos como singularidades de van
Hove(3). A figura 10.14 representa esquematicamente uma dada função
densidade de estados contendo quatro singularidades de van Hove, duas das
quais ocorrem nas bordas da banda.

Figura 10.14. Densidade de estados esquemática, mostrando singularidades


de van Hove.

10.5 TIPOS DE SÓLIDOS QUANTO


À ESTRUTURA ELETRÔNICA

Para analisarmos com a teoria de bandas as condições em que um dado


sólido cristalino é metálico, semicondutor ou isolante, lembramos que uma

zona de Brillouin contém exatamente tantos valores permitidos de k quantas
forem as celas unitárias do cristal. Assim, se houverem N celas unitárias num
dado volume do sólido, haverá 2N estados eletrônicos por banda, ou,
equivalentemente, 2 estados eletrônicos por cela. Com base nesta
propriedade nós podemos esperar que um sólido que possua apenas um
elétron de valência por cela unitária seja sempre um metal, pois a banda
resultante estará semi-preenchida. Nesta classe estão os metais
monovalentes, que serão discutidos nas seções seguintes. Em geral, se houver
um número ímpar de elétrons por cela unitária, o sólido tenderá a apresentar
um comportamento metálico. Neste caso haverá uma (ou mais) bandas
totalmente preenchidas, mas banda superior estará semi-preenchida.

10.5.1 Metais Alcalinos

São denominados de metais alcalinos aqueles formados por elementos da


coluna 1A da tabela periódica: Li, Na, K, Rb e Cs. A superfície de Fermi destes
sistemas monovalentes é bem descrita pela aproximação de elétrons livres,
pois a esfera de Fermi cabe inteiramente dentro da 1ª zona de Brillouin sem
tocar em nenhum ponto da fronteira de zona. A estrutura cúbica centrada

180
destes sólidos favorece a simplicidade da descrição de suas propriedades
eletrônicas.

10.5.2 Metais Nobres

A estrutura eletrônica de átomo livre dos elementos de metais nobres é

Cu: [Ar] 3d10 4s1


Ag: [Kr] 4d10 5s1
Au: [Xe] 4f14 5d10 6s1.

No estado metálico, os elétrons de natureza s formam uma banda larga de


elétrons quase livres. No entanto, a estrutura cristalina cfc destes metais faz
com que a superfície de Fermi toque a fronteira da 1ª zona de Brillouin em
certas orientações do espaço recíproco. A superfície de Fermi se torna multi-
conectada quando representada em esquema de zona periódica. A figura
10.15.a representa esquematicamente a superfície de Fermi característica
dos metais nobres, com pescoços que tocam as fronteiras de zona nas
direções [111].
Os cálculos de banda mais sofisticados envolvem 11 elétrons por átomo. Os
10 elétrons de natureza d dão origem a 5 bandas estreitas, pois as funções de
onda do tipo-d centradas em átomos vizinhos se recobrem fracamente. O
elétron s dá origem a uma banda larga que é razoavelmente bem descrita pela
aproximação de elétrons livres. Embora ocorra uma pequena hibridização
entre os estados de natureza s e d, o valor da densidade de estados no nível
de Fermi é determinado pela banda-s e pouco difere daquele calculado com o
modelo de elétrons livres.

Figura 10.15. Representação esquemática da (a) superfície de Fermi, das


(b) bandas de energia na direção [100] e da
(c) densidade de estados para um metal nobre.

181
10.5.3 Metais Trivalentes

Os sólidos com três elétrons de valência por cela unitária são todos
metálicos. O exemplo clássico é o alumínio, cuja configuração eletrônica é

Al: [Ne] 3s2 3p1.

A estrutura de bandas do alumínio difere pouco das previsões do modelo


de elétrons livres. Sua superfície de Fermi ocupa três zonas de Brillouin em
razão da estrutura cristalina cfc. Os outros elementos trivalentes da coluna do
Al, que são o In, Ga e Tl, possuem estruturas cristalinas complexas. Por esta
razão não são tão bons condutores como o Al, embora preservem boas
características metálicas.

10.5.4 Elementos Pentavalentes

Sólidos que possuem um número ímpar de elétrons de valência por cela


unitária serão sempre metálicos. Porém, os elementos pentavalentes ,

As: [Ar] 3d10 4s2 4p3


Sb: [Kr] 4d10 5s2 5p3
Bi: [Xe] 4f14 5d10 6s2 6p3

cristalizam em estruturas trigonais com dois átomos por cela unitária. Assim,
conta-se 10 elétrons por cela, os quais preenchem quase exatamente 5
bandas. A 5ª banda não é totalmente preenchida e ocorre uma pequena
superposição (overlap) com a 6ª banda. Disto decorre que estes sólidos são
condutores, porém apresentam baixa condutividade elétrica. Estes sistemas
são denominados de semimetais.

10.5.5 Elementos Divalentes

Os cristais com número par de elétrons de valência por cela unitária não
são necessariamente isolantes, pois pode ocorrer recobrimento de bandas.
Por exemplo, a 2ª zona de Brillouin pode começar a ser preenchida antes que
a primeira zona esteja completa, tal como se discutiu na secção 10.2. Este
fenômeno ocorre com os elementos da coluna 2A que, embora divalentes, são
todos metálicos na forma sólida. Nestes casos, o intervalo de energias
proibidas não é suficientemente largo para que todos os elétrons sejam
mantidos na primeira zona em todas as orientações do espaço recíproco. Os
sólidos dos alcalino-terrosos não são tão bons metais quanto os
monovalentes, pois a energia de Fermi se situa numa região de baixa

182
densidade de estados no intervalo de recobrimento entre bandas de natureza
s e p. Nos átomos isolados, o estado p não é ocupado. Porém, no sólido a banda
que dele se origina tem um pequeno recobrimento com a banda gerada pelos
estados de natureza s. A figura 10.16 mostra, esquematicamente, a densidade
de estados para o magnésio, que possui estrutura hcp.
Os três elementos do grupo 2B,

Zn: [Ar] 3d10 4s2 (hcp)


Cd: [Kr] 4d 5s
10 2 (hcp)
Hg: [Xe] 4f 5d 6s (trigonal)
14 10 2

também são divalentes e são metálicos no estado sólido, com superfícies de


Fermi muito complexas. Estes metais são maus condutores se comparados
aos monovalentes e na sua estrutura eletrônica também ocorre o fenômeno
da superposição de bandas.

Figura 10.16. Densidade de estados para o metal Mg ( [Ne] 3s2 ). A banda


originada por elétrons de natureza p começa a ser preenchida
antes que o preenchimento da banda s esteja completo.

10.5.6 Elementos Tetravalentes

Os elementos tetravalentes formam isolantes, semicondutores ou metais.


Um caso interessante é o estanho (Sn), que é metálico numa fase cristalina e
semicondutor noutra.
O chumbo (Pb) é um metal por recobrimento de bandas. O carbono na
forma alotrópica do grafite pode ser classificado como um semimetal, ao
passo que na forma do diamante, o gape é muito largo e sua estrutura
eletrônica é representativa dos sólidos isolantes. Germânio e silício são
classificados como semicondutores. A figura 10.17 representa as bandas de
energia e a densidade de estados para o Ge, onde se observa um gape de
largura 0.7 eV em que os pontos de máxima energia (na banda inferior) e de
mínima energia (na banda superior) ocorrem em pontos distintos do espaço
recíproco. Intervalos proibidos com esta característica são denominados de
gapes indiretos.

183
Figura 10.17. (a) Bandas de energia e (b) densidade de estados (esquemáticas)
para o Ge: [Ar] 3d10 4s2 4p2.

10.5.7 Os Metais de Transição

Todos os elementos de transição são metálicos. Neste caso, os níveis-d


incompletos originam bandas de natureza d, também incompletas, que se
superpõem a uma banda de tipo s nas vizinhanças da energia de Fermi,
conforme está esquematizado na figura 10.18. Os metais de transição
apresentam fortes densidades de estado no nível de Fermi. Em razão disto,
estes sistemas apresentam altas resistividades elétricas, baixas
condutividades térmicas e fortes calores específicos eletrônicos quando
comparados aos metais monovalentes. A elevada densidade de estados no
nível de Fermi permite a estabilização de um estado fundamental magnético
nos metais Ni, Fe, Co, Mn e Cr.

Figura 10.18. (a) Estrutura de bandas e (b) densidade de estados de um metal de


transição (esquemático).

184
10.5.8 Os Metais de Terras-Raras (ou Lantanídios)

A configuração eletrônica dos elementos de terras-raras é do tipo 4fn 5d1


6s2, onde n varia de 0 (Lantânio) até 14 (Lutécio). Nestes metais, o nível-f dá
origem a uma banda muito estreita que, em muitas situações, pode ser tratada
como um nível localizado, A figura 10.19 mostra a densidade de estados típica
para um metal de terra-rara.

Figura 10.19. Densidade de estados (esquemática) de um metal de terra-rara.

No entanto, em certos casos, como o do cério metálico (configuração 4f1) e


do itérbio (configuração 4f13), a energia de Fermi se aproxima muito do nível-
f. Isto origina uma série de propriedades não-usuais, como a flutuação de
valência (a valência do Ce, por exemplo, pode flutuar entre os estados 4f 1 e
4f0). Diversos compostos contendo elementos com elétrons de natureza f (ou
d) apresentam o fenômeno de flutuação de valência
Os elementos actinídios (da série do Ac) têm configuração 5fn 6d1 7s2.
Aqueles que são estáveis formam sólidos metálicos cuja estrutura de bandas
é muito semelhante à dos terras-raras.

Notas biográficas:

(1) Pierre C. Hohenberg (1934 – 2017). Físico teórico nascido na França que também
adotou a nacionalidade norte-americana. Além de seu trabalho em colaboração com
W. Kohn no desenvolvimento da teoria do funcional densidade, realizou
contribuições de destaque na área de mecânica estatística e fenômenos críticos.

185
(2) Walter Kohn (1923 – 2016). Físico e químico teórico nascido na Austria, que adotou
nacionalidade norte-americana. Ficou conhecido sobretudo pela proposta e
desenvolvimento da teoria do funcional densidade, no que teve colaboração
destacada de P. Hohenberg e L.J. Sham. Recebeu o prêmio Nobel de Química de 1998
por sua contribuição ao entendimento das propriedades eletrônicas dos materiais.
(3) Léon Van Hove (1924 – 1990). Físico belga que se destacou em matemática, física
de sólidos, física nuclear e de partículas, além de cosmologia. Foi diretor da Divisão
Teórica do CERN, em Genebra.

Leitura sugerida:

C. Kittel – caps. 9 e 10

N. Ashcroft / N. Mermin - caps. 9, 10, 11 e 15

J.M. Ziman – cap. 3

J.S. Blakemore – cap. 3

F.J. Blatt – cap. 4

186

Você também pode gostar