Você está na página 1de 22

Capítulo 2.

GEOMETRIA CRISTALINA

INTRODUÇÃO

Os cristais estão entre as estruturas mais simétricas existentes na natureza.


Em grande parte, é graças à simetria dos sistemas cristalinos que tem sido
possível o desenvolvimento de uma teoria microscópica que permite uma
descrição quantitativa de muitas de suas propriedades físicas.
Existem dois níveis de simetria nos sólidos cristalinos. O mais diretamente
associado ao conceito de cristal é o de simetria translacional. Isto significa que
  
existem 3 vetores básicos, a1 , a 2 e a3 , tais que uma operação de translação
definida por
   
l = n1a1 + n2 a2 + n3 a3 , (2.1)

onde n1, n2, n3 são números inteiros quaisquer, positivos ou negativos, conecta
dois pontos do cristal que possuem vizinhança absolutamente idêntica. O
segundo nível de simetria se manifesta numa escala local e diz respeito às
várias operações de rotação e reflexão que se pode executar com a unidade
cristalina sem deslocá-la por translação. Trata-se da chamada simetria do
grupo do ponto.
A cristalografia, ou o estudo da geometria dos cristais, é uma das áreas que
mais interesse tem despertado desde os primórdios da investigação das
propriedades microscópicas dos sólidos. Esta especialidade teve grande
impulsão com a descoberta dos raios-X no início do século 20.
Posteriormente, a difração de elétrons e a difração de nêutrons também se
tornaram ferramentas fundamentais para a investigação da geometria
cristalina. Ainda hoje os cristalógrafos são numerosos e os problemas com
que se defrontam não perderam a atualidade, sobretudo no que se relaciona
às estruturas cristalinas extremamente complexas formadas por compostos
orgânicos, sistemas biológicos ou por novos materiais sintetizados
artificialmente.
Do ponto de vista teórico, a descrição dos sistemas cristalinos se adapta
particularmente bem ao formalismo da teoria de grupos. No presente estudo,
nós nos limitaremos à análise de alguns casos simples, onde as considerações
de simetria podem ser feitas por mera inspeção, sem o auxílio de um
instrumento algébrico formal. Após uma discussão essencialmente descritiva
sobre as propriedades geométricas dos cristais, nós introduziremos a noção

21
de grupo do ponto e exemplificaremos sua aplicação na análise de algumas
das propriedades macroscópicas dos sólidos.

2.1 REDES CRISTALINAS DE BRAVAIS

A rede cristalina é um conceito geométrico empregado para caracterizar o


arranjo microscópico de um cristal. A cada ponto da rede cristalina é agregado
um átomo ou um conjunto de átomos. Se nós impusermos a condição de
simetria translacional expressa pela equação (2.1), teremos um número
muito limitado de redes cristalinas possíveis: são as chamadas redes
cristalinas de Bravais(1). As redes de Bravais são entidades geométricas que
podem ser precisamente definidas. Nós apresentaremos a seguir duas
definições que, conforme será mostrado a posteriori, são equivalentes.

(i) Uma rede de Bravais é um conjunto infinito de pontos que ocupam


posições no espaço tais que se nós nos colocarmos sobre qualquer um deles,
observaremos exatamente o mesmo arranjo e orientação dos demais pontos.
Isto significa que qualquer um dos infinitos pontos pode ser tomado como
origem de um sistema de referência ligado ao cristal.

(ii) Uma rede de Bravais


 (tridimensional) consiste de todos os pontos cujos
vetores de posição l tem a forma,
   
l = n1a1 + n2 a2 + n3 a3 , (2.1)
  
onde a1 , a2 e a3 são três vetores básicos, denominados vetores primitivos, e
n1, n2, n3 assumem todos os valores inteiros, positivos ou negativos (ni = 0,
  ). Dizemos que os vetores primitivos são geradores da rede
cristalina.

2.1.1 Redes Cristalinas Bidimensionais

As redes cristalinas bidimensionais são idealizações úteis - pela sua


simplicidade - para a introdução das simetrias elementares e das
conceituações básicas relativas à geometria cristalina. Presentemente, com o
desenvolvimento de técnicas sofisticadas de deposição de filmes ultra-finos,
em certos casos pode-se crescer monocamadas atômicas de um dado
elemento. Estas monocamadas se constituem em realizações aproximadas de
redes bidimensionais. Naturalmente, um filme monocamada não é
estritamente bidimensional, pois não se pode ignorar a interação com o
substrato que o suporta. O grafeno e outras estruturas de monocamadas

22
atômicas também são considerados como representativos de redes
cristalinas bidimensionais. Graças a propriedades mecânicas excepcionais, o
grafeno pode ser suspenso, de modo que uma extensa área da amostra é
colocada sem contato com uma superfície de apoio.
Consideremos inicialmente a rede bidimensional mais genérica possível.
Trata-se da rede oblíqua, mostrada na figura 2.1. Claramente, a definição (i)
de rede de Bravais é satisfeita. Se nós nos posicionarmos sobre um dado
ponto da rede observaremos exatamente a mesma vizinhança qualquer que
seja o ponto. Verificamos também que se escolhermos os vetores primitivos
 
a1 e a 2 mostrados na figura, nós podemos gerar qualquer ponto da rede com
os vetores translação:
  
l = n1a1 + n2 a2 ( n1 , n2 = inteiros ) . (2.2)

 Por exemplo,

o ponto P da figura 2.1 pode ser representado pelo vetor
l = − a1 + 2a 2 .

Figura 2.1. Rede de Bravais oblíqua; 𝑎⃗1 e 𝑎⃗2 são dois vetores primitivos.

Um aspecto importante a notar é a não-unicidade da escolha dos vetores


primitivos. De fato, os diversos pares de vetores indicados na figura 2.2
também poderiam ser escolhidos, e, assim como estas, outras infinitas
escolhas para os vetores primitivos de uma rede idealmente infinita seriam
possíveis.
A superfície definida pelos vetores primitivos é chamada de cela unitária
primitiva, ou cela primitiva, simplesmente. Uma cela primitiva preenche todo
o espaço (bidimensional) sob ação de operações de translação definidas pela
equação (2.2). Assim como os vetores primitivos não são unicamente
definidos, as celas primitivas também não o serão. No entanto, toda a cela
primitiva contém exatamente um ponto da rede. Pode-se mostrar que sua
área independe da escolha da cela, isto é, qualquer cela primitiva define
 uma

superfície de mínima área. Como contraexemplo, os vetores b1 e b2
mostrados na figura 2.2 não são primitivos. A cela por eles definida contém

23
mais de um ponto da rede e não corresponde a uma superfície de mínima
área.

Figura 2.2. Vetores e celas unitárias primitivas para a rede oblíqua.


Os vetores 𝑏⃗⃗1 e 𝑏⃗⃗2 não são primitivos.

Devido à arbitrariedade na escolha da cela primitiva, normalmente


prefere-se usar celas unitárias convencionais (muitas das quais não são
primitivas) para descrever as redes cristalinas. Outro tipo de escolha, que por
vezes é conveniente, é a chamada cela primitiva de Wigner-Seitz(2). Esta cela é
definida pela região do espaço em torno de um dado ponto de rede que
contém todos os pontos do plano que se encontram mais próximos deste dado
ponto do que de qualquer outro ponto de rede. Exemplifiquemos a obtenção
desta cela na rede oblíqua. Consideremos o ponto central da figura 2.3.
Traçando retas que unam os vizinhos mais próximos ao ponto central,
podemos facilmente obter a cela de Wigner-Seitz. Claramente, os contornos
da cela são definidos pelas bissetrizes às retas anteriormente traçadas. Todos
os pontos dentro do espaço delimitado pelas bissetrizes estarão mais
próximos do ponto central do que de qualquer outro ponto de rede. É claro,
portanto, que a cela de Wigner-Seitz contém apenas um ponto da rede
cristalina. Assim, se nós transladarmos esta cela por vetores da rede, nós
preencheremos todo o espaço plano sem nenhuma sobreposição. Por outro
lado, não há nada na cela de Wigner-Seitz que esteja diretamente relacionado
aos vetores primitivos. Consequentemente, ela conterá todos os elementos de
simetria da rede de Bravais.

24
Figura 2.3. Cela de Wigner-Seitz da rede bidimensional oblíqua.

Antes de passarmos a discutir cada uma das redes cristalinas


bidimensionais, vamos mostrar, com um exemplo, que nem todos os arranjos
periódicos de pontos podem ser classificados como redes de Bravais. Na rede
hexagonal da figura 2.4 constatamos, por simples inspeção, que o arranjo de
pontos observado a partir das posições P e P” tem exatamente a mesma
configuração. Porém, a “paisagem” não será a mesma se o cristal for olhado
desde o ponto P’. Para que P’ seja equivalente a P seria necessário rotar a rede
de 600. Observamos também que se colocarmos pontos de rede no centro de
cada hexágono, os pontos P e P’ passarão a ser equivalentes e o arranjo
satisfará à definição (i) da rede de Bravais.
É um exercício simples mostrar que a rede da figura 2.4 também não
satisfaz à definição (ii) de rede de Bravais.

Figura 2.4. A rede hexagonal em favos de abelha não é uma rede de Bravais.

2.1.1.a Simetrias do Ponto nas Redes Bidimensionais

Uma rede cristalina, além de invariante frente às operações de translação,


deve também ser invariante face às operações de simetria do grupo do ponto.
Estas operações são rotações em torno de um eixo (no caso bidimensional o
eixo deve ser perpendicular ao plano), reflexões e a inversão. Estas operações
se chamam de simetria do ponto porque, no curso da operação, ao menos um
ponto da rede permanece fixo. Uma rede quadrada, por exemplo, pode ser

25
mapeada nela própria por rotações de 2 ()  () e 2. A rede
hexagonal da figura 2.4 é invariante frente às rotações de
2 ()  ()  e . Portanto, rotações por ângulos 2n (ou
rotações de ordem n), onde n = 1, 2, 3, 4 e 6 são compatíveis com a geometria
cristalina. Rotações de 2 e 2 não podem mapear a rede nela própria. A
rotação de 2 também não é uma operação de simetria cristalina, pois não
se pode preencher totalmente o espaço plano com um arranjo de pentágonos
regulares. É interessante notar, contudo, que a projeção num plano da rede
de certas ligas recentemente identificadas, as quais contem alumínio e
manganês, forma arranjos pentagonais. Estes novos sistemas foram batizados
de quase-cristais, pois embora seus átomos distribuam-se segundo um
arranjo geometricamente regular, as condições de cristalinidade definidas
pela rede de Bravais não são satisfeitas.

2.1.1.b Sistemas Cristalinos Bidimensionais

A rede de Bravais oblíqua é invariante apenas frente às rotações de ordem


1 e 2, e à inversão, que é simetria obrigatória para qualquer rede de Bravais,
conforme mostra a figura 2.5.a. Se nós impusermos uma rotação de ordem 4
à rede oblíqua, obteremos como resultado a rede de Bravais quadrada,
mostrada na figura 2.5.b. Outra possibilidade seria permitir que, além das
simetrias da rede oblíqua, possamos incluir rotações de 2 e 2. O
resultado é a rede de Bravais hexagonal mostrada na figura 2.5.c.
Retornando à rede oblíqua, verificamos que se tentarmos fazer uma
reflexão em relação ao eixo horizontal, não mapearemos a rede nela própria.
Uma forma de fazer a rede coincidir consigo própria mediante uma reflexão
horizontal seria tomar 𝑎⃗1 perpendicular ao vetor 𝑎⃗2 . Neste caso estaremos
gerando a rede de Bravais retangular, mostrada na figura 2.5.d. Esta rede
contém, além das rotações de ordem 1 e 2, as reflexões com relação aos eixos
horizontal e vertical. Outra maneira possível de juntar estas reflexões às
rotações de ordem 1 e 2 está esquematizada na figura 2.5.e. A rede resultante
chama-se rômbica. Alternativamente, esta rede pode ser considerada como
uma retangular centrada. Neste caso, a cela unitária é não-primitiva e contém
2 pontos de rede por cela.

26
Figura 2.5. Redes de Bravais bidimensionais. (a) cela oblíqua ; (b) cela quadrada;
(c) cela hexagonal; (d) cela retangular; (e) cela retangular centrada,
ou rômbica.

Podemos verificar, por simples inspeção, que não resta nenhuma outra
possibilidade de rede de Bravais em duas dimensões. Portanto, existem
apenas 5 redes de Bravais bidimensionais:

- rede oblíqua primitiva


- rede retangular primitiva
- rede retangular centrada (ou rômbica primitiva)
- rede quadrada primitiva
- rede hexagonal primitiva

27
Podemos também dizer que são quatro os sistemas cristalinos
bidimensionais:

sistema cristalino rede de Bravais

oblíquo primitiva
retangular primitiva e centrada
quadrado primitiva
hexagonal primitiva

2.1.2 Redes Cristalinas Tridimensionais

Nas redes cristalinas tridimensionais aplicam-se os mesmos conceitos


definidos anteriormente para o caso bidimensional. As geometrias cristalinas
possíveis são mais numerosas. Existem 7 sistemas cristalinos e 14 redes de
Bravais em três dimensões.
Tomemos alguns exemplos simples para ilustrar as noções de vetores
primitivos, cela unitária primitiva, cela unitária convencional e cela de
Wigner-Seitz no caso tridimensional. Consideremos inicialmente uma rede
cúbica simples, como na figura 2.6. Podemos escolher 3 vetores primitivos
  
mutuamente ortogonais, representados na figura por a1 , a2 e a3 , os quais
definem uma cela primitiva cúbica, com um ponto de rede por cela unitária.
Deslocando esta cela por vetores de translação da rede podemos gerar toda a
rede cristalina. A escolha acima não é única. Existem outras infinitas
possibilidades de escolha de vetores primitivos. Se escolhermos os vetores
  
a '1 , a '2 , a '3 da figura, definiremos outra cela unitária primitiva de mesmo
volume que a anterior, porém não-cúbica. Este exemplo deixa clara a
necessidade de escolhermos celas unitárias convencionais no caso
tridimensional.

Figura 2.6. Rede de Bravais cúbica simples. São representados dois conjuntos de
vetores primitivos possíveis, definindo duas celas unitárias primitivas de
mesmo volume.

28
Para algumas redes, escolhemos celas unitárias não-primitivas para
facilitar a visualização de seus elementos de simetria. Um exemplo é a rede
cúbica centrada (cc). Como mostra a figura 2.7, a cela convencional não é
primitiva, pois contém 2 pontos de rede por cela.

Figura 2.7. Cela unitária primitiva para a rede cúbica centrada.

Se quisermos descrever a rede cc com uma cela primitiva, poderíamos


escolher os vetores representados na figura 2.7. É evidente, no entanto, que
esta cela não reflete, de imediato, os elementos de simetria de uma rede
cúbica.
No caso tridimensional é muito útil o uso da cela de Wigner-Seitz. A técnica
de construção é análoga àquela usada para as redes bidimensionais. Une-se o
ponto de rede tomado como origem aos seus vizinhos mais próximos e corta-
se estas retas por planos bissetrizes. Desta forma delimita-se a região do
espaço contendo pontos que estejam mais próximos da origem do que de
qualquer outro ponto da rede. A figura 2.8 ilustra o procedimento no caso da
rede cúbica centrada.

29
Figura 2.8. Etapas para a obtenção da cela de Wigner-Seitz
de uma rede cúbica centrada: (a) → (b) → (c).

2.1.2.a Sistemas Cristalinos Tridimensionais

Procedendo por simples inspeção, tal como fizemos para caracterizar as


redes de Bravais bidimensionais, vamos descrever os 7 sistemas cristalinos e
as 14 redes de Bravais existentes em 3 dimensões. Comecemos, então, por
imaginar uma rede cristalina a mais genérica possível e a ela vamos
agregando elementos de simetria.

(1) Sistema TRICLÍNICO. A cela unitária de uma rede triclínica não possui
nenhum tipo de simetria senão a rotação de ordem 1 (elemento identidade) e
a inversão, que é uma operação de simetria exigida pela definição geral de
rede de Bravais. O sistema triclínico possui apenas uma rede de Bravais e,
para descrevê-la, usamos a cela unitária primitiva da figura 2.9. Este sistema
não possui planos de reflexão. Nenhum elemento, nem compostos simples
cristalizam nesta estrutura.

30
Figura 2.9. Rede triclínica.

(2) Sistema MONOCLÍNICO. Se modificarmos o sistema triclínico


introduzindo um eixo de simetria que permita uma rotação de ordem 2
(1800), teremos o sistema cristalino monoclínico, mostrado na figura 2.10(a).

Concomitante à simetria de rotação em torno de a 3 resulta um plano de

reflexão perpendicular a este eixo. Olhado ao longo de a 3 , o sistema mostra-
se como uma rede bidimensional oblíqua. Observamos também que é possível
construir uma rede de Bravais monoclínica (mantendo os mesmos elementos
de simetria) se adicionarmos um ponto de rede nos centros de um dos pares
de faces retangulares da cela primitiva. Obtemos assim a rede monoclínica de
base centrada, mostrada na figura 2.10(b)

Figura 2.10. Rede monoclínica (a) simples e (b) de base centrada.

(3) Sistema ORTORRÔMBICO. Se introduzirmos um segundo eixo de rotação


de ordem 2, perpendicular ao eixo de simetria da cela monoclínica, teremos a
cela ortorrômbica. De fato, três eixos de simetria mutuamente ortogonais
estarão presentes. Haverá também 3 planos de reflexão mutuamente
perpendiculares e a projeção da cela ortorrômbica sobre qualquer um deles
será uma rede bidimensional retangular. No sistema ortorrômbico pode-se
ter 4 redes de Bravais, com exatamente as mesmas simetrias: ortorrômbico
simples, ortorrômbico de base centrada, ortorrômbico centrado e
ortorrômbico de face centrada. As celas unitárias estão mostradas na figura
2.11.

31
Figura 2.11. Rede ortorrômbica; (a) simples, (b) base centrada, (c) centrada,
(d) de face centrada.

A cela unitária da ortorrômbica simples é primitiva, porém as demais são


convencionais. As simetrias ortorrômbicas centrada e de base centrada
possuem dois pontos de rede por cela unitária, ao passo que a ortorrômbica
de face centrada possui quatro pontos de rede por cela unitária.

(4) Sistema TETRAGONAL. Se introduzirmos um eixo de rotação de ordem 4


numa rede ortorrômbica, obteremos uma rede tetragonal. A cela tetragonal
simples é mostrada na figura 2.12(a). O eixo principal de rotação (paralelo ao
eixo z) é por vezes chamado de eixo-C. Como as direções x e y são
equivalentes, não pode existir uma rede de Bravais tetragonal de base
centrada. Também não existe uma rede tetragonal de face centrada. Ela seria
equivalente a uma rede tetragonal centrada, a qual realmente existe e é
representada na figura 2.12(b) pela sua cela unitária convencional.

32
Figura 2.12. Rede tetragonal (a) simples e (b) centrada.

(5) Sistema HEXAGONAL. Se nós deformamos uma rede tetragonal simples ao


longo de uma diagonal da face quadrada, em geral resultará uma rede
ortorrômbica de base centrada. Porém, se esta deformação for tal que o
 
ângulo  entre os vetores a1 e a 2 seja igual a 1200, teremos a rede hexagonal
mostrada na figura 2.13.
A rede de Bravais hexagonal é altamente simétrica. Existem rotações de
ordens 1, 2, 3 e 6 em relação ao eixo C (paralelo a z) e rotações de ordem 2 em
 
relação aos eixos a1 e a2 e aos eixos perpendiculares às faces verticais.
Existem vários planos de reflexão verticais e um horizontal. O sistema
cristalino hexagonal possui apenas uma rede de Bravais.

Figura 2.13. A rede hexagonal pode ser representada pela cela hexagonal
convencional, ou pelo prisma reto formado por 𝑎⃗1 , 𝑎⃗2 e 𝑎⃗3
(cela primitiva).

(6) Sistema CÚBICO. Voltemos à rede tetragonal e façamos com que a


simetrização seja a máxima possível. Isto é, igualemos os três lados da cela
unitária (a1 = a2 = a3). Teremos, então, o sistema cúbico, no qual os três eixos
x, y e z são indistintos, ou seja não há um eixo preferencial. As redes de
Bravais possíveis são a cúbica simples (cs), a cúbica centrada (cc) e a cúbica
de face centrada (cfc), que são mostradas na figura 2.14. A rede cúbica de

33
base centrada obviamente não pode existir, pois distinguiria um dos eixos
com relação aos outros.

Figura 2.14. (a) Rede cúbica simples; (b) cúbica centrada; (c) cúbica de face
centrada (neste caso, os pontos de rede não visíveis não são
representados); (d) rede cúbica vista ao longo de uma diagonal, que é
um eixo de rotação de ordem 3.

As redes cúbicas possuem um grande número de operações de simetria.


Existem 3 eixos paralelos aos vetores unitários que permitem rotações de
ordens 1, 2 e 4; quatro eixos ao longo das diagonais do cubo permitindo
rotações de 2 (ver figura 2.14); 6 eixos paralelos às diagonais das faces
permitindo rotações de ordem 2 e vários planos de reflexão, totalizando 48
transformações de simetria.

(7) Sistema TRIGONAL (ou ROMBOÉDRICO). A cela unitária primitiva deste


sistema é um romboedro. A maneira simples de gerá-la é deformando um
cubo ao longo de uma de suas diagonais. Este sistema, representado na figura
2.15, é caracterizado pela existência de um eixo de rotação de ordem 3 (o eixo
trigonal). Existem também dois eixos de rotação de ordem 2 perpendiculares
ao eixo trigonal, além de vários planos de reflexão.

34
Figura 2.15. Rede trigonal, ou romboédrica.

Com o sistema trigonal completamos a descrição das redes de Bravais


tridimensionais. São 7 sistemas cristalinos, aos quais correspondem 14 redes
de Bravais. A tabela 2.a lista as redes de Bravais tridimensionais.

Tabela 2.a. Sistemas cristalinos e redes de Bravais em 3 dimensões.

sistema rede de Bravais cela unitária


___________________________________________________________________________________

1. triclínico TCL primitiva

2. monoclínico MCL simples primitiva


MCL base centrada convencional

3. ortorrômbico ORT simples primitiva


ORT base centrada convencional
ORT centrada convencional
ORT face centrada convencional

4. tetragonal TET simples primitiva


TET centrada convencional

5. hexagonal HEX primitiva

6. cúbico CUB simples (cs) primitiva


CUB centrada (cc) convencional
CUB face centrada (cfc) convencional

7. trigonal TRG primitiva


______________________________________________________________

35
2.2 PLANOS CRISTALINOS, DIREÇÕES CRISTALINAS E
ÍNDICES DE MILLER

Um plano cristalino é definido por quaisquer 3 pontos de uma rede de


Bravais que não sejam alinhados segundo uma linha reta. Uma família de
planos cristalinos é formada por um conjunto de planos paralelos e
igualmente espaçados. A figura 2.16 mostra um exemplo de família de planos
na rede cúbica simples. A notação empregada para identificar rápida e
claramente os planos (ou família de planos) cristalinos é a dos índices de
Miller(3). Para determiná-los, seguimos as regras abaixo:

(i) Encontra-se a intersecção do plano cristalino em questão com os eixos


  
definidos pelos 3 vetores geradores da rede, a1 , a2 e a3 , que podem ser
primitivos ou não primitivos.
(ii) Toma-se o recíproco destes números fracionários, reduzindo-os aos 3
menores inteiros que obedeçam a mesma proporcionalidade. O resultado é
denotado como (hkl).

Figura 2.16. Família de planos cristalinos de índices (100)


numa rede cúbica simples.

As figuras 2.17 e 2.18 mostram vários exemplos de planos cristalinos para


as redes cúbica e hexagonal, respectivamente.

36
Figura 2.17. Exemplos de planos cristalinos no sistema cúbico.

Figura 2.18. Exemplos de planos cristalinos no sistema hexagonal.

No sistema hexagonal é comum o acréscimo de um terceiro vetor de rede


paralelo ao plano de base, numa posição que forma um ângulo de 120 com
  
relação a a1 e a2 . Este vetor está representado por a'2 na figura 2.18. Na
notação cristalográfica dos planos, este vetor pode ser associado a um quarto
índice de Miller, o qual não será independente de h e k. A notação por quatro

índices é feita como (hkk’l), onde k’ é o índice correspondente ao vetor a'2 .

37
Claramente, o uso deste quarto índice não é necessário, embora facilite a
visualização do plano.
É muitas vezes útil a notação das direções cristalinas com os índices de
Miller. Usa-se a forma [hkl]. Por exemplo, o eixo x aponta paralelamente ao
vetor 𝑎⃗1 e corresponde à direção [100]; o eixo (-x) está na direção [ 1 00 ] ; a
diagonal do cubo está na direção [111], etc. Nos sistemas cúbicos, a direção
[hkl] é sempre perpendicular ao plano cristalino (hkl). Noutros sistemas
cristalinos, isto pode não ocorrer. Por exemplo, a direção [100] (paralela ao

vetor a1 ) numa rede hexagonal não é perpendicular ao plano (100).

2.3 ESTRUTURA CRISTALINA

Usamos o termo estrutura cristalina para denotar os sistemas físicos reais


e assim estabelecer uma diferenciação com relação ao objeto geométrico que
é a rede cristalina. Uma estrutura cristalina consiste de cópias idênticas de
um mesmo motivo físico chamado base que são associadas aos pontos de uma
rede de Bravais. A base é formada por um átomo ou um conjunto de átomos.
Podemos, então, escrever:

rede cristalina + base = estrutura cristalina (2.3)

Neste ponto convém notar que a terminologia da expressão (2.3) não é


sempre adotada. Muitas vezes, os termos ‘estrutura cristalina’ e ‘rede
cristalina’ são usados indistintamente para descrever o arranjo físico dos
átomos num cristal. Por exemplo, uma estrutura cristalina cuja base consiste
de um único átomo é chamada de estrutura (ou rede) monoatômica.
Segundo a definição (2.3), podemos descrever uma estrutura cúbica
centrada como uma rede cúbica simples com uma base de dois átomos. Um
átomo estaria colocado na origem e outro no ponto (a/2) ( xˆ + yˆ + zˆ) , onde a
é o lado do cubo. Um bom exemplo é a estrutura do CsCl mostrada na figura
1.5.b, onde átomos de Cs estão colocados nos vértices do cubo e o Cl ocupa a
posição central. A representação normalmente usada é:

Cs : 0 0 0 e Cl : 1/2 ; 1/2 ; 1/2

Uma rede cfc pode ser considerada como uma cs com quatro pontos de
base:

0 , (a / 2) ( xˆ + yˆ ), (a / 2) ( xˆ + zˆ) e (a / 2) ( yˆ + zˆ)

Um exemplo desta estrutura é o NaCl da figura 1.5.a. As posições atômicas


são:

38
Cl : 0 0 0 1/2 ; 1/2 ; 0 1/2 ; 0 ; 1/2 0 ; 1/2 ; 1/2

Na: 1/2 ; 1/2 ; 1/2 0 ; 0 ; 1/2 0 ; 1/2 ; 0 1/2 ; 0 ; 0

Deslocando esta base por vetores de rede reproduzimos todo o cristal de


NaCl. É evidente que esta estrutura é formada por duas redes cfc que se
interpenetram.
A estrutura do diamante, mostrada na figura 2.19, pode ser descrita como
uma rede cfc e uma base formada por dois átomos idênticos colocados em
0 0 0 e 1/4 ; 1/4 ; 1/4. Alternativamente, se pode também descrevê-la como
uma cúbica simples mais 8 pontos de base.

Figura 2.19. Estrutura cristalina do diamante. Os átomos situados nos centros dos
tetraedros estão assinalados por círculos cheios para facilitar a
visualização. As ligações tetraédricas são mostradas por traços duplos.

Outra estrutura cristalina importante é a hexagonal compacta (hcp), que é


mostrada na figura 2.20.a. Cerca de 30 elementos cristalizam na forma hcp,
cujo grau de compactação, no caso ideal representado por esferas rígidas em
contato, é idêntico ao do empilhamento cfc (ver figuras 2.20.c e 2.20.d). A
estrutura hcp é composta de uma rede hexagonal e uma base formada de um
átomo na origem (0 0 0 0) e outro na posição (2/3 ; 1/3 ; -2/3 ; 1/2), conforme
representado nas figuras 2.20.a e 2.20.b.

39
Figura 2.20. (a) Estrutura hcp; (b) projeção dos átomos da base (2/3 ; 1/3 ; 1/2) no
plano hexagonal; (c) empilhamento compacto hcp com sequência de
planos do tipo ABABAB; (d) empilhamento compacto cfc no qual a
sequência de planos é ABCABCABC...

Na tabela 2.b são listados a massa atômica, a densidade, a estrutura


cristalina e os parâmetros de rede de alguns elementos na forma sólida.

40
Tabela 2.b. Estruturas cristalinas de alguns elementos na forma sólida.
Também são listadas a massa atômica, a densidade e os parâmetros de rede.
________________________________________________________________________________________

Elemento massa densidade estrutura parâmetros de rede


atômica (g/cm3) a (nm) c(nm)

Ag 107.868 10.50 cfc 0.40857


Al 26.98154 2.697 cfc 0.40496
Ar 39.948 1.771 cfc 0.5316
C 12.011 3.516 diam 0.35669
Co 58.93320 8.836 hcp 0.25071 0.40686
Cu 63.546 8.932 cfc 0.36146
Fe 55.847 7.867 cc 0.28665
Gd 157.25 7888 hcp 0.36336 0.57810
In 114.82 7.300 tetr 0.3253 0.49470
K 39.0983 0.851 cc 0.5321
Mg 24.3051 1.7364 hcp 0.32094 0.52107
Ni 58.693 8.91 cfc 0.35240
Pt 195.08 21.50 cfc 0.39236
Se 78.96 4.838 trg 0.49659 0.49537
Si 28.086 2.331 diam 0.54306
Sn 118.71 7.29 tetr 0.58318 0.31818
Zn 65.39 7.134 hcp 0.29650 0.4947
_______________________________________________________________________________________
Dados de CRC Handbook of Chemistry and Physics, David R. Lide, Editor-in-
Chief, 83rd Edition, 2002-2003

Notas biográficas:

(1) Auguste Bravais (1811-1863); cientista francês com atuação em física, astronomia,
estatística, meteorologia, geobotânica, hidrologia e outros; seu trabalho em
cristalografia, que levou ao conceito de redes cristalinas de Bravais é o mais
conhecido.

41
(2) Eugene Wigner e Frederick Seitz; ver notas na pg. 18
(3) William H. Miller (1801-1880); mineralogista britânico, com importante
contribuição na área de cristalografia.

Leitura sugerida:

N.Ashcroft / N. Mermin: caps. 4 e 7

C. Kitttel: cap 1

B.D. Cullity: Elements of X-Ray Diffraction; cap. 2

42

Você também pode gostar