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Capítulo 9 ELÉTRONS NUMA

REDE PERIÓDICA I

9.1 METAIS, SEMICONDUTORES E ISOLANTES

Neste capítulo discutiremos o problema do gás de elétrons em interação


com a rede cristalina, a qual é suposta estática e perfeitamente periódica. Este
modelo é um aperfeiçoamento necessário à aproximação de elétrons livres
que, como vimos no capítulo precedente, fornece uma descrição razoável para
certas propriedades eletrônicas dos metais, mas não nos permite
compreender, por exemplo, porque alguns sólidos são metálicos, outros
isolantes e outros ainda semicondutores. Esta questão é relevante, pois,
enfim, todos os sólidos contém elétrons.
A resposta, como veremos, está relacionada ao fato de que os orbitais
eletrônicos num sólido cristalino são distribuidos em bandas de energia que
são separadas por intervalos onde não existem estados eletrônicos
permitidos. Estes intervalos de energias proibidas, que podem ser chamadas
de gapes (ou hiatos) de energia, ou gapes de banda, resultam da interação dos
elétrons de condução com a rede cristalina periódica. Assim, um sólido será
um metal se uma ou mais bandas estiverem parcialmente preenchidas, como
representado na figura 9.1.a. O sólido será isolante se o número de elétrons
for tal que uma banda de energia permitida está totalmente preenchida e a
seguinte, em energias mais altas, está totalmente vazia. Alem disso, o gape
que separa as duas bandas permitidas deve ser muito grande com relação às
energias de excitação disponíveis. Esta situação está esquematizada na
figura 9.1.b. A estrutura eletrônica de um semicondutor é similar à de um
isolante, porém o gape geralmente tem menor largura. Consequentemente,
alguns elétrons podem ser promovidos através do intervalo proibido com
baixo custo energético a estados que conduzem corrente. O espectro
eletrônico de um semicondutor puro (intrínseco) é esquematizado na figura
9.1.c. Uma caracterísitica importante de um semicondutor, que o diferencia
de um isolante comum, é a possibilidade de dopagem, que consiste na
introdução de portadores de carga suplementares no sistema via alteração de
sua composição química.
As insuficiências do modelo de elétrons livres podem ser verificadas
em algumas situações simples. Por exemplo, no capítulo anterior nós
calculamos o vetor de onda de Fermi para a prata, cujo módulo é
kF = 1.21010 m–1. Isto corresponde a um comprimento de onda de Fermi
F = 2 k F = 0.554 nm. Por outro lado, o parâmetro de rede da estrutura
cristalina cfc da prata é a = 0.409 nm. Isto significa que os elétrons de estados

145
Figura 9.1. Estruturas de bandas eletrônicas em sólidos: (a) metal, (b) isolante e
(c) semicondutor, em que elétrons termicamente ativados podem
saltar através do gape.

próximos ao nível de Fermi possuem comprimentos de onda comparáveis


aos espaçamentos da rede cristalina. Assim, podemos admitir que estes
elétrons sofram efeitos do tipo difração de Braag. Veremos a seguir que estes
efeitos causam distorções na parábola que descreve o espectro de energias
eletrônicas na aproximação de elétrons livres, abrindo descontinuidades nas
proximidades dos limites da 1ª. zona de Brillouin, tal como esquematizado na
figura 9.2, e em outros pontos do espaço recíproco que obedeçam à condição
de difração de Laue expressa pela equação 5.6. Entretanto, devemos ter em
mente que o processo de difração de um elétron de banda pela rede periódica
é análogo mas não é exatamente idêntico a uma difração de Braag, tal como
ocorre para nêutrons, fótons ou elétrons externos que incidem sobre o cristal.
É necessário considerar que um elétron de banda é um elétron interno que
não abandona o cristal depois de difratado. Assim, existem diferenças sutis,
mas significativas, entre o processo clássico de difração de Braag e os
processos de limite de zona de Brillouin para os elétrons internos.

Figura 9.2. Parábola de elétrons livres distorcida pela abertura de gapes de energia
em valores de k próximos às fronteiras da 1ª. zona de Brillouin.

146
9.2 O TEOREMA DE BLOCH(1)

Nós estaremos interessados em analisar o movimento de um gás de


elétrons em presença de um potencial com a periodicidade da rede cristalina,
  
V (r ) = V (r + l ) . (9.1)

Dentro do espírito da aproximação adiabática, consideramos que o


potencial cristalino é estático. Por outro lado, desprezamos a interação
coulombiana entre elétrons, o que equivale a considerá-los como partículas
independentes que obedecem ao princípio da exclusão de Pauli. Nestas
condições, a equação de Schrödinger do sistema de muitas partículas é
separável e o problema se reduz ao de um só elétron, que pode ser expresso
como
ℏ2
𝛨𝜓(𝑟⃗) = − 𝛻 2 𝜓(𝑟⃗) + 𝑉(𝑟⃗)𝜓(𝑟⃗) = 𝐸𝜓(𝑟⃗). (9.2)
2𝑚

Elétrons independentes, que obedecem à equação de Schrödinger (9.2)


com um potencial de rede periódico dado pela equação (9.1), são chamados
elétrons de Bloch, ou elétrons de banda. Os elétrons descritos por funções de
onda de Bloch são deslocalizados, mas refletem a simetria da rede.
O teorema de Bloch estabelece que a solução geral da equação de
Schrödinger (9.2) é dada por

 
 k (r ) = e i k r u k (r ) , (9.3)
onde
  
u k (r ) = u k (r + l ) . (9.4)


As equações acima mostram que  k (r ) tem a forma de uma onda plana
modulada por uma função que possui a periodicidade da rede.
Observando que
    
 
 k (r + l ) = e i k ( r +l ) u k (r + l ) .

e, usando as equações (9.3) e (9.4), obtemos


  

 k (r + l ) = e i k l  k (r ) (9.5)

que é uma forma alternativa de representar a função de onda de Bloch.


Para demonstrar o teorema de Bloch, definimos um operador translação
l como

147
  
l F (r ) = F (r + l ) , (9.6)

onde F é uma função qualquer relacionada às propriedades do cristal.


O Hamiltoniano da equação (9.2) é invariante frente a uma translação por
um vetor de rede. Isto significa que

     
l  (r ) (r ) =  (r + l ) (r + l )
  
=  (r ) (r + l ) (9.7)
 
=  (r ) l (r )

ou seja, o operador translação comuta com o Hamiltoniano periódico. Por


outro lado, l comuta com l ' , pois

  
l l (r ) = l (r + l )
     
=  (r + l + l ) =  (r + l  + l ) (9.8)

= l l (r )


A propriedade (9.7) nos garante que se  (r ) for uma autofunção de H, ela
também o será de l , ou seja

   
l (r ) =  (r + l ) = Cl (r ) , (9.9)

onde Cl é um número que pode ser complexo. Sem nenhuma perda de
generalidade, podemos escolher

Cl = e i k l , (9.10)

onde, em princípio, k é um vetor complexo qualquer.
Consideremos, então, a operação seguinte:

  
l l (r ) = l Cl (r ) = Cl Cl (r )
  
 (9.11)
= e i k (l +l) (r )

Este resultado mostra, conjuntamente com a propriedade (9.8), que


sucessivas aplicações do operador translação correspondem a uma
translação por um vetor iguala soma dos vetores de translação individuais.
Isto implica em que o vetor k deve se restringir ao domínio dos reais. Do
contrário, a função de onda cresceria ou decresceria exponencialmente em

148
algumas direções do cristal. Num sistema de dimensões práticas infinitas, este
tipo de solução não seria fisicamente admissível. Então, genericamente,
podemos escrever
   

l (r ) =  (r + l ) = e i k l  (r ) (9.12)

que corresponde à forma (9.5) da função de onda de Bloch.



Definimos agora uma função u k (r ) da seguinte forma:

 
u k (r ) = e −i k r (r ) . (9.13)

Aplicando o operador translação, obtemos:


   
− ik r 
 u (r ) = u k (r + l ) = l [ e  (r )]
 
l k
 
  

= e −i k ( r +l ) l (r )
    (9.14)

= e −i k ( r +l ) [e −ik l  (r )]

= u k (r ),

mostrando que a função u k (r ) , definida pela equação (9.13), tem a

periodicidade na rede. Portanto, se isolarmos  (r ) em (9.13) teremos a
forma genérica da função de onda de Bloch dada pela equação (9.3), ou seja,

 
 (r ) = e i k r u k (r ) . (9.3)

A função de onda de Bloch descreve um estado eletrônico deslocalizado. As


formas
 expressas pelas equações (9.3) ou (9.5) mostram que o vetor de onda
k se mantém como um bom número quântico, especificado pelas condições
de contorno periódicas. Tal como no modelo de elétrons livres, o vetor de
onda é quantizado de modo que um dado valor permitido de 𝑘⃗⃗ ocupa um
volume 8𝜋 3 /𝑉 no espaço recíproco. Consequentemente, costuma-se
representar um estado de Bloch tornando explícita a dependência com o vetor
 
de onda, ou seja,  (r ) →  k (r ) .

Num estado de Bloch, porém, k não pode mais ser imediatamente
relacionado ao momento linear, como no caso de elétrons livres.

Efetivamente,  k (r ) não é uma autofunção do operador momento linear no
caso geral, pois

149

 
− i k (r ) = −i[e i k r u k (r )]
  
 (9.15)
= k  k (r ) − i e i k r u k (r )

No capítulo 11, mostraremos que a quantidade k - o momento linear de
um elétron livre - desempenha o papel do momento linear de um elétron de

Bloch em resposta à ação de um campo externo. Assim, chama-se  k de

momento cristalino do elétron, em analogia com o momento cristalino q do
fônon.

9.3 O MODELO DE ELÉTRONS QUASE LIVRES

O modelo de elétrons quase livres supõe que o gás de elétrons com


correlações de troca interage com o potencial periódico e estático da rede, e
considera que esta interação é fraca. Assim, o problema pode ser tratado em
teoria de perturbação. Esta teoria fornece uma boa descrição das
propriedades eletrônicas dos sólidos metálicos. Poderíamos, a priori, esperar
que as interações entre os elétrons de condução e os caroços iônicos positivos
fossem fortes em razão de sua natureza coulombiana. Todavia, no caso dos
metais esta interação é enfraquecida por duas razões principais.
Primeiramente, os elétrons de condução são proibidos pelo princípio da
exclusão de se aproximarem muito da vizinhança imediata de um íon, pois
esta região já é ocupada pelos elétrons externos do caroço iônico. Por outro
lado, devido a sua grande mobilidade, os elétrons de condução blindam
eficientemente o potencial eletrostático de um caroço iônico, diminuindo
assim a magnitude da interação efetiva elétron-íon.

9.3.1 Difração dos Elétrons de Condução

Na teoria do elétron quase livre, busca-se a solução da equação de


Schrödinger de uma partícula, dada pela equação (9.2), ou seja

2 2     
−   k (r ) + V (r ) k (r ) = Ek k (r ) , (9.2)
2m

onde o termo envolvendo o potencial periódico V (r ) é supostamente fraco
frente ao termo de energia cinética. A estratégia mais simples para resolver o
problema representado pela equação acima é tratá-lo como uma perturbação
ao Hamiltoniano de elétron livre,

150
 2 2 (0)
 
( 0) (0 )
k
=−   k = Ek(0) k(0) ,
2m

onde as funções de onda não-perturbadas são dadas por

1 i 
k r

 k(0) = e  k ,
V

e as auto-energias não-perturbadas por

2k 2
E (0 )
k
= .
2m

Em segunda ordem de perturbação, a energia de um elétron será

  2
    k V k'
E (k ) = Ek(0) + k V (r ) k +  E (0) − E (0)
 
. (9.16)
k  k k k

Expandindo o potencial periódico numa série de Fourier(2) nos vetores de


rede recíproca de acordo com a equação (4.4), podemos escrever


V (r ) = 

VG
 e i Gr ,
G

e obtemos que os elementos de matriz entre estados não-perturbados são


dados por
  
  
V  se k = k + G
k V k' =  G (9.17)

0 se não .

Este é um resultado análogo ao obtido na descrição da difração de uma


partícula por um cristal (seção 1 do capítulo 7). Substituindo a equação (9.17)
na equação (9.16), obtemos que a energia perturbada pode ser expressa como

2
 VG
E (k ) = Ek(0) + V0 +  . (9.18)

G 0 Ek(0) − Ek(0−)G

Na mesma ordem de aproximação, a função de onda perturbada é dada por

151
 VG  

 k (r ) = 
 (0) 
k 
1+
  E (0) − E (0) 
e iG  r 

, (9.19)
 G  0 k k −G 

a qual, evidentemente, satisfaz o teorema de Bloch.


Para verificar a utilidade desta teoria devemos determinar quão boa é esta
expansão perturbativa. Existem duas condições que devem ser satisfeitas: (i)
as amplitudes de Fourier VG devem convergir rapidamente para zero com o

aumento de G ; (ii) não deve haver degenerescência da forma Ek(0 ) = Ek(0−)G
entre os estados que são misturados pela perturbação.
  
A condição para ocorrência de degenerescência é dada por k = k − G . De
acordo com a discussão da seção 4.4, esta é exatamente a relação que define
as fronteiras de zona de Brillouin. Isto significa que a teoria simples de
perturbação
 expressa pelas equações (9.18) e (9.19) não é válida quando o
vetor k estiver próximo a uma fronteira de zona de Brillouin. A teoria só pode
ser aplicada quando a esfera de Fermi, que delimita o volume do espaço
recíproco ocupado pelos estados não perturbados, não atinge o limite da 1a
zona de Brillouin.
Lembramos também que a condição de degenerescência é idêntica à
condição para a ocorrência de difração de Laue (ou Braag) de um elétron de
   
vetor de onda k para uma direção k  = k − G . Isto mostra que elétrons de
condução, internos ao cristal, são afetados pelos efeitos de difração
ocasionados pela rede tais como aqueles experimentados por partículas
exteriores incidentes sobre amostra. O problema é claramente análogo ao da
difração de fótons ou de nêutrons por um cristal. É importante notar que os
efeitos de difração da rede sobre os elétrons internos existirão ainda que o

potencial V (r ) da equação (9.2) seja muito fraco.

9.3.2 Origem das Bandas de Energia

A teoria delineada na seção anterior precisa ser aperfeiçoada para permitir


o cálculo da energia perturbada nas vizinhanças das fronteiras da zona de
Brillouin. Levando em conta que a periodicidade da rede implica em que o
potencial perturbativo pode apenas misturar estados cujos  vetores
  de onda
 
k e k  diferem por um vetor de rede recíproca, isto é, k  = k − G , supomos
que a função de onda eletrônica possa ser escrita na forma de uma
combinação linear de ondas planas do tipo
  

 k (r ) = 

Ck −G e i ( k −G )r . (9.20)
G

152
Pode-se verificar que esta função de onda descreve um estado de Bloch,
pois pode ser escrita como
   

 k (r ) = e i k  r  Ck − G e − i G  r ,

G

onde a soma nos vetores de rede recíproca é invariante frente a uma


translação por um vetor da rede direta.
Retomando a equação de Schrödinger (9.2), propondo uma função de onda
do tipo (9.20), multiplicando à esquerda da equação por um dos termos da
série (9.20) e integrando em todo o espaço, podemos derivar equações
algébricas, lineares e acopladas, para os coeficientes C k −G . Explicitamente,
devemos calcular o elemento de matriz:

  
 2 2    
 Ck −G ' e i ( k −G ')r −
2m
+ V (r )  Ck−G ei ( k −G )r 
G

(9.21)
      
=  Ck −G ' e i ( k −G )r
E ( k )

C   e i ( k −G )r 
k −G
G

Começamos, então, por analisar separadamente os dois termos do primeiro


membro da equação (9.21). O termo envolvendo a energia cinética é

  
 2 2   
 Ck −G ' e i ( k −G ')r −
2m
 Ck−G ei ( k −G )r 
G
     
=C  
k −G '
e i ( k −G ')r
 C  
k −G
E (0 )
k −G
 e i ( k −G )r
 (9.22)
G

= Ck −G Ck −G  Ek(0−)G 

O termo envolvendo o potencial V é


     
C  
k −G '
e i ( k −G ')r
V  C  
k −G
e i ( k −G )r

G
(9.23)
= Ck −G  

VG −G Ck −G
G
onde      
VG −G  = e i ( k −G ')r V e i ( k −G )r  . (9.24)

O segundo membro da equação (9.21) é, simplesmente,

153
       
 Ck −G ' e i ( k −G ')r E (k ) 

C   e i ( k −G )r  = C   C   E ( k ) .
k −G k −G  k −G 
(9.25)
G

Substituindo as expressões (9.22), (9.23) e (9.25) em (9.21), obtemos, após


 
rearranjo dos termos e a troca de denominação de G por G  ,

[ Ek(0−)G − E (k )]C k −G + 

VG −G C k −G  = 0 , (9.26)
G

que constitui um sistema de equações lineares acopladas para os coeficientes


C k −G  . Em princípio, nas equações (9.26) devem ser considerados todos os
 
possíveis valores de G , inclusive G = 0 . A praticidade da teoria depende do
número de coeficientes não nulos na expressão (9.20) para a função de onda.
Se estes forem muitos, teremos um número igual de equações no sistema
(9.26) e a solução pode se tornar complicada, ou trabalhosa.

9.3.3 Modelo Simplificado

Com o objetivo de verificar o que ocorre com a energia na fronteira da 1ª.


zona de Brillouin, consideremos apenas dois coeficientes na expansão (9.20),
  
correspondentes a vetores da rede recíproca G = 0 e G = G1 . Fisicamente, isto
corresponde à situação de um potencial fraco onde as amplitudes de Fourier

tendem rapidamente a zero com o aumento de G . Nestas condições, o sistema
(9.26) se resumirá a duas equações:

[ Ek(0) − E (k )]Ck + VG Ck −G + V0 Ck = 0
1 1
 (9.27)
[ Ek −G − E (k )]Ck −G + V−G Ck + V0 Ck −G = 0
(0 )
1 1 1 1

Desembaraçamo-nos dos termos proporcionais a V0 simplesmente



deslocando a origem da energia E (k ) de uma quantidade igual a V0.
Reescrevemos, então, o sistema de equações (9.27) como:

[ Ek(0−)G − E (k )]C k + VG C k −G = 0
1 1 1
 (9.28)
V−G C k + [ Ek(0−)G − E (k )]C k −G = 0
1 1 1

Examinando a definição (9.24), notamos que os coeficientes de Fourier que


aparecem nas equações (9.27) e (9.28) são dados por:

154
   
VG = e ik r V e i ( k −G1 )r 
1
   
V−G = e i ( k −G1 )r V e ik r 
1

Disto resulta que


V−G = VG . (9.29)
1 1

Por outro lado, o sistema de equações (9.28) tem soluções não triviais se o
determinante principal for nulo, isto é,

[ Ek(0) − E (k )] VG
1  =0 , (9.30)
VG [ Ek(0−)G − E (k )]
1 1

onde usamos a igualdade (9.29). Consequentemente, as soluções para as


energias perturbadas são:

 1
2
(
E  (k ) = Ek(0−)G + Ek(0) 
1
1
2
) (E (0 )
k −G1
− Ek(0) ) + 4V
2

G1
2
. (9.31)

   
Isto significa que os estados não perturbados originais, e i k r e e i ( k −G1 )r ,
com energias Ek(0 ) e Ek(0−)G , respectivamente, são misturados pela perturbação
1

dando origem a dois outros estados  + e  − com energias E+ e E–, dadas pela
equação (9.31).

Analisemos este resultado no limite k  0 . Nesta situação
( )
Ek(0−)G − Ek(0)  VG , pois o potencial é supostamente fraco. Então, segundo a
1 1

equação (9.31) e a ilustração da figura 9.3, para os estados  − e  + teremos,


 
respectivamente, E − (k )  Ek(0 ) e E + (k )  Ek(0−)G . Então, para pequenos
1

vetores de onda, a parábola de elétrons livres é pouco deformada. O mesmo


ocorre para vetores de onda cujo módulo é da ordem de G1 ou maior. No
entanto, uma situação interessante ocorre quando k = G1 / 2. Este ponto
demarca exatamente a fronteira da 1a. zona de Brillouin. Neste caso, as ondas
não perturbadas tem a mesma energia EG(0 ) 2 , mas os estados perturbados tem
1

energias diferentes. De acordo com (9.31),

G1 G1
E−( ) = EG(0) 2 − VG e E+ ( ) = EG(0)2 + VG . (9.32)
2 1 1
2 1 1

155
Isto significa que o estado  − tem sua energia diminuída por VG se
1

comparada à energia de elétrons livres, enquanto que no estado  + a energia


é aumentada pelo mesmo valor. Desta forma, mostramos que o espectro de
energia se distribui em duas bandas separadas por um intervalo proibido de
largura 2 VG .
1

Deve-se notar que, neste modelo simples, apenas dois termos foram
considerados na expansão do potencial periódico. Portanto, apenas dois
termos fazem parte da combinação linear que descreve a função de onda de
Bloch (9.20). Como resultado, apenas um gape, na fronteira da primeira zona

de Brillouin, é obtido. Porém muitos outros vetores da rede recíproca G
podem estar em condições de produzir difração de Laue nos elétrons de
Bloch. Isto significa que muitos termos podem ser necessários na expansão

da função de onda (9.20) para que um espectro de energia E (k ) realista seja
obtido através da resolução do sistema de equações acopladas (9.26).

Figura 9.3. Abertura dos gapes de energia pela perturbação periódica na fronteira
de zona de Brillouin.

9.3.4 Origem Física do Gape de Energia

Calculemos explicitamente as funções de onda  − e  + na fronteira de


zona, supondo que o potencial cristalino seja atrativo, ou seja, VG  0 .
1

Tomando a direção x no cristal e lembrando a definição (9.20), obtemos:

 − −
G
i 1x

G
−i 1 x
 = CG1 2 e 2
+ C−G1 2 e 2
 G G
(9.33)
 + +
i 1x
+
−i 1 x
 = CG1 2 e + C−G1 2 e 2
2

156
Por outro lado, tomando a primeira equação em (9.28) e calculando-a no
ponto k = G1 / 2, obtemos:

E (0)
G1 2 − EG−1 2 CG−1  2 = VG1 C−−G1 2 , (9.34)

onde usamos o fato de que VG1 é uma quantidade negativa. Substituindo o


resultado acima na primeira relação em (9.32), obtemos que

CG−1 2 = C −−G1 2

e a equação (9.33) para  − fica

G1 G1
i x −i x G1

 e 2 +e 2 = 2 cos( x) . (9.35)
2

A densidade de probabilidade |𝜓 − |2 está representada na figura 9.4 por


uma linha senoidal cheia.
Rescrevendo a equação (9.34) para EG+1 2 e CG+1 2 , e usando a segunda
igualdade em (9.32) obtemos que

CG+1 2 = −C −+G1 2 ,

o que significa que a equação (9.33) para  + pode ser escrita como

G1 G1
i x −i x G1
+
 e 2 −e 2 = 2 sen ( ), (9.36)
2

cuja densidade de probabilidade está representada por uma linha tracejada


na figura 9.4.

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Figura 9.4. Representação esquemática das densidades de probabilidade relativas
aos estados 𝜓 − e 𝜓 + , correspondentes a vetores de onda sobre a
fronteira de zona de Brillouin e dados pelas equações (9.35) e (9.36),
respectivamente.

A equação (9.35) e a figura 9.4 mostram que a densidade de carga |𝜓 − |2 é


máxima nas próximidades dos sítios da rede, ao passo que |𝜓 + |2 , obtida da
equação (9.36), corresponde a uma maior concentração eletrônica na região
entre os caroços iônicos. O estado 𝜓 − , no qual os se elétrons colocam
próximos aos íons da rede, corresponde a um estado menos energético que
𝜓 + . Esta descrição explica, em termos simples, a origem física do intervalo
proibido de energias. Observamos também que as soluções 𝜓 + e 𝜓 − , em
k = G1 2 , correspondem a ondas estacionárias. Isto significa que elétrons com
este vetor de onda não podem se propagar. Isto não é surpreendente, pois
nesta condição os elétrons estão sujeitos à condição de difração pela rede
periódica. Este cenário mostra uma diferença com a difração de Laue usual,
em que as partículas espalhadas pela rede são descritas por ondas
progressivas.

Em síntese, estudamos o comportamento da energia E (k ) de elétrons de
Bloch ao longo de uma certa direção do espaço recíproco com um modelo
simples no qual apenas os dois termos correspondentes aos menores valores

de G são considerados na expansão 
de Fourier do potencial periódico. Em
coonsequencia, obtivemos que E (k ) segue aproximadamente uma parábola
de elétrons livres, exceto nas proximidades das fronteiras da 1ª zona de
Brillouin, onde ocorrem descontinuidades no espectro das energias
eletrônicas. Esta conclusão é facilmente generalizada para todas as regiões do
espaço recíproco em torno dos pontos em que a condição de difração de Braag
é satisfeita. Basta considerar um maior número de vetores G na expansão
(9.20) para a função de onda de Bloch para se mostrar que, sempre que for
satisfeita a condição |𝑘⃗⃗ | = |𝑘⃗⃗ − 𝐺⃗ |, haverá a abertura de um intervalo

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proibido no espectro de energias. Obviamente, para que esta condição seja
satisfeita é também necessário que o estado 𝑘⃗⃗ esteja ocupado por uma
partícula e que esta possa ser espalhada para o estado 𝑘⃗⃗ − 𝐺⃗ .
Temos, então, um dos resultados fundamentais da teoria dos elétrons de
Bloch quase livres: para alguns valores de energia não existem estados
eletrônicos permitidos. O espectro de energia pode apresentar gapes e os
níveis permitidos dividem-se em bandas. Podemos mostrar que existem 2N
orbitais independentes em cada banda de energia, onde N é o número de celas
unitárias do cristal. Assim, se cada átomo contribuir com um elétron de
valência para o gás de elétrons no sólido, a banda 𝜓 − da figura 9.3 estará
semipreenchida e o sistema terá um comportamento metálico, pois haverá
um nível de Fermi separando os estados ocupados dos desocupados para os
quais elétrons podem ser excitados com custo energético infinitesimal. No
entanto, se houver dois elétrons de valência por átomo, a banda 𝜓 − poderá
estar totalmente preenchida enquanto a banda superior permanece vazia. Se
assim for, o sistema mostrará um comportamento isolante, pois para
promover um elétron da banda inferior para estados da banda superior será
necessário fornecer ao menos a energia correspondente à largura do gape,
cujo valor geralmente supera ass energia térmicas usuais e as energias
disponíveis em campos elétricos ou magnéticos aplicados.

Notas biográficas:

(1) Felix Bloch (1905 – 1983). Físico suíço-norte americano que recebeu o prêmio
Nobel de Física de 1952, juntamente com Edward Purcell, por sua contribuição ao
estudo do magnetismo nuclear e desenvolvimento da ressonância nuclear
magnética (RMN); também se destacou na teoria eletrônica de sólidos e no estudo
do ferromagnetismo.
(2) Jean-Baptiste Joseph Fourier, ver nota na página 69.

Leitura sugerida:

C. Kittel – cap. 9

N. Ashcroft / N. Mermin - caps. 8 e 9

J.M. Ziman – cap. 3, seção 3.2

H. Alloul – cap. 3

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