METROLOGIA-2003 – Metrologia para a Vida

Sociedade Brasileira de Metrologia (SBM)

Setembro 01−05, 2003, Recife, Pernambuco - BRASIL

MEDIDA DA PERMISSIVIDADE COMPLEXA DE MATERIAIS

ATRAVÉS DE SISTEMA DE LINHA FENDIDA

L. L. D. Cabral , M. T. de Melo e A. J. Belfort de Oliveira

Grupo de Fotônica, Departamento de Eletrônica e Sistemas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil

Resumo: Este artigo descreve um sistema simples e
eficiente para medição da permissividade complexa relativa
de materiais, baseada na medida do coeficiente de reflexão
S11 através de um sistema de linha fendida. Uma
extremidade da linha fendida é acoplada ao gerador de
microondas e a outra ao dispositivo em teste. Varre-se a
linha em busca dos pontos de máximo e de mínimo de
tensão. As amostras de tensão na linha são coletadas através
de um detector de cristal e enviadas a um circuito
desenvolvido para fazer a interface com o computador. Os
dados recebidos são lançados num programa em Pascal que
calcula o valor de S11 . De posse destes valores e utilizando
um programa em Mathcad baseado nas equações do
Eletromagnetismo, mediu-se amostra do gesso dental II.
Esta caracterização pode auxiliar no processo de fabricação,
determinando-se a qualidade do gesso.
Palavras chave : permissividade complexa, coeficiente de
reflexão, linha fendida.
1. INTRODUÇÃO
O gesso provém do minério gipsita. Ele é um material
granular de grande impacto industrial e seus depósitos mais
importantes no Brasil estão localizados no chamado Pólo
Gesseiro do Araripe, que fica a 680km do Recife, em
Pernambuco. A produção do gesso é feita em várias etapas
(mineração, britagem, rebritagem, calcinação, moagem e
embalagem). O tipo de gesso é determinado pelo processo
de fabricação. Atualmente, vários setores usufruem deste
material, tais como: Odontologia, Construção Civil, Artes
Plásticas, Agricultura, Educação etc. O gesso tipo dental II,
conhecido também como gesso comum é bastante utilizado
no setor odontológico.
As características dielétricas são principalmente usadas na
determinação do teor de umidade dos materiais. Alguns
setores industriais necessitam de um acompanhamento
rigoroso nas diversas etapas do processo de fabricação de
seus produtos. O conhecimento da permissividade complexa
contribui inclusive, na fabricação de sensores de umidade.
As propriedades dielétricas são geralmente expressas pela
permissividade complexa relativa εr = εr’ - jεr”. Onde εr =
ε/ε0 = εmaterial/εvácuo. Muitos pesquisadores em todo o mundo
têm destinado esforços para desenvolver métodos eficazes
que levem ao conhecimento das partes real e imaginária de
εr de diversos materiais em função da freqüência.
O método da perturbação [1], [2], utilizando cavidade
ressonante para a determinação da constante dielétrica
apesar da precisão, está restrito a uma faixa estreita de
freqüências.
O Método de Transmissão/Reflexão tem se destacado entre
os demais por fazer uso dos parâmetros de espalhamento da
amostra em análise, em freqüências de microondas podendo
estes parâmetros, serem facilmente medidos por um
Analisador Vetorial de Redes, equipamento bem difundido
nos laboratórios de microondas. O uso de linha de
transmissão coaxial oferece uma larga banda espectral. O
Método de Transmissão/Reflexão, utilizando apenas as
medidas do parâmetro S21 é mais adequado para amostras de
materiais com altas perdas cujos tamanhos de amostra
estejam dentro da faixa dinâmica do analisador de redes.
Nessa linha metodológica, Nicolson e Ross [3] conseguiram
expressões simples para º’ e º”. Contudo, esse método
apresenta dificuldades por ser instável nas freqüências em
que o comprimento da amostra é múltiplo inteiro de meio
comprimento de onda. Trata-se de uma ambigüidade
presente na expressão da fase de S21 [4]. Para eliminar essa
ambigüidade, Ball e Horsfield [5] chegaram a um sistema de
equações transcendentais obtidas a partir da medição de S21
para três valores distintos de freqüência. Procedimento
similar foi feito por Weir [6] e Ness [7]. Trabelsi, Krasewski
e Nelson [8], para verificar essa ambigüidade, realizaram
medidas com várias amostras em uma mesma freqüência.
Todos esses procedimentos e outros descritos na literatura
requerem empenho adicional para produzir a primeira
estimativa nos processos iterativos e também exigem
onerosos equipamentos laboratoriais para a medida dos
parâmetros S, como o analisador vetorial de redes.
Este artigo descreve um sistema simples para medição da
permissividade complexa relativa de materiais, baseada na
medida do coeficiente de reflexão S11 , através de um sistema
de linha fendida.
2. TEORIA
O diagrama do circuito de microondas usado pode ser visto
na figura 1, onde o dispositivo em teste é uma linha de
transmissão coaxial totalmente preenchida com a amostra a
ser medida.
  V1−   S11 S 12  V1+ 
 −  =   +  (1)
Z0 ZC =50Ω V 
 2  S 21 S 22  V2 
GERADOR ZL LINHA COAXIAL
Zin
Logo, pelo procedimento de medidas descrito na seção 3
LINHA FENDIDA utilizando sistema de linha fendida de varredura, pode-se
ESTUBE
obter S11 (magnitude e fase) e a impedância de entrada Zin
vista a partir da linha coaxial. Estes parâmetros são usados
Fig. 1. Diagrama do circuito de microondas utilizado para o cálculo da permissividade elétrica de materiais.

2.2. Cálculo de ε r a partir de Zin

2.1. Obtenção de Zin Usando a teoria básica de linha de transmissão, encontra-se
A tensão ao longo de uma linha fendida é variável. Isto pode a seguinte expressão para Zin :
ser observado ao mover a sonda detetora, estando a saída Z C + Z 0 tanh (γL )
desta, ligada a um osciloscópio. Se um estube de curto- Z in = Z 0 (2)
circuito for colocado após a linha fendida a tensão vista será Z 0 + Z C tanh (γL )
como mostrado na figura 2(a), ou seja: na posição do estube
onde Z0 é a impedância característica da linha coaxial, ZC
haverá um ponto de mínimo. Se, ao invés de um estube, é
vale 50Ω, γ = α+jβ é a constante de propagação e L é o
colocada uma carga, então não se sabe, a priori, a distância
comprimento da linha coaxial.
(d cm = d3 ’ – d 2 ’) que ela estará do primeiro mínimo, como
mostrado na figura 2(b). A medida de Zin depende da A constante de atenuação (parte real da constante de
distância d cm. Resta então, saber quanto vale d cm. propagação) é composta pelas partes αc e αd , relativas às
A idéia apresentada para encontrar dcm bem como os passos perdas no condutor e no dielétrico, respectivamente. As
para a obtenção de Zin são explicados na segunda etapa do expressões do eletromagnetismo para linhas coaxiais com
procedimento exp erimental. baixas perdas fornecem as seguintes expressões:
π ⋅ f0 ⋅ ε'
σ  1 1 (3)
αc = ⋅ + 
 b   a b
curto circuito 2 ⋅ ln  
a
a)
λ/2 d2 µ0
d1 αd = π ⋅ f0 ⋅ ε" (4)
ε'
ZL onde:
f0 é a freqüência de operação
b)
d 1’ d2’ µ0 é a permeabilidade magnética no vácuo
σ é condutividade
a é o raio do condutor interno, e b é o raio do
condutor externo da linha coaxial.
c)
A constante de fase β é dada por:
d1’’ d2’’ d3’’
β = 2 ⋅ π ⋅ f0 µ 0 ⋅ ε ' (5)
∆d
E a impedância característica, para este tipo de linha é:
Fig. 2. Tensão ao longo da linha fendida: a) com estube de curto- 1 µ0 b
circuito. b) com uma carga Z L. c) o estube é suavemente puxado Z0 = ⋅ ⋅ ln   (6)
até que d 2” seja igual a d 2’. 2π ε ' a
Assumindo os valores: a = 2,2mm; b = 12,55mm; L = 60mm
e σ = 2,564.107 Ω-1 (latão) e colocando estas expressões no
É válido ressaltar que o coeficiente de reflexão Γ em um Mathcad juntamente com o valor medido de Zin , chega-se
determinado ponto da linha é definido como a relação entre então ao valor da permissividade elétrica do material
a onda refletida e a incidente naquele ponto (Γ = V1 -/V1 +). utilizado, e curvas em função da freqüência podem ser
Então, supondo haver absorção total (V2 + = 0) na terminação estabelecidas.
de 50Ω, vê-se claramente na matriz de espalhamento
(equação 1) que o parâmetro S11 se iguala a Γ.
3. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
O procedimento aqui descrito para a obtenção de Zin e do
coeficiente de reflexão S11 (magnitude e fase) compreende
duas etapas. Na primeira, usa-se uma linha coaxial com a
terminação de 50Ω para obter a magnitude e os dados que
subsidiarão a obtenção da fase. Na segunda etapa, a linha
coaxial e a terminação são substituídas pelo estube de curto-
circuito para encontrar a fase de S11 .
3.1. Primeira etapa
Uma extremidade da linha fendida de varredura (Swept
Frequency Slotted Line System HP model 817A e Carriage
model 5030) é acoplada ao gerador de microondas (Signal
Generator HP model 618C) e a outra a uma linha coaxial
contendo a amostra a ser medida (fig. 3). Usou-se um
detector de cristal (HP modelo 423A neg) para fazer a
conexão da linha à terminação BNC de 50Ω.
Mantendo a sonda imóvel, inicia-se o deslocamento do
estube a fim de encontrar o primeiro mínimo de tensão.
Quando este é encontrado, lê-se o deslocamento (∆d) sofrido
no estube.
Pela figura 2 vê-se que a distância, em comprimentos de
onda, da carga ao primeiro ponto de mínimo é dada por:
λ ∆d
d cm = − (7)
2 λ
Onde λ é o comprimento de onda da freqüência de
operação.
Uma circunferência de raio Γ é traçada na Carta de
Smith. Percorrendo o valor de comprimentos de onda obtido
pela expressão acima na direção da carga para o gerador
traça-se uma reta ligando à origem e encontra-se a fase de
S11 .
A interseção desta reta com a circunferência portanto, dá a
impedância de entrada normalizada, z , da montagem feita
na primeira etapa. E, então, Z in = 50 ⋅ z .

Fig. 3. Linhas coaxiais.
Um adaptador (Slotted Line Sweep Adapter HP modelo
448A neg) é acoplado à sonda detetora da linha fendida para
coletar o nível de tensão ao longo desta. Para automatizar o
processo, foi desenvolvido um circuito para fazer a interface
4. RESULTADOS
As figuras 4 e 5 mostram a parte real e imaginária da
permissividade relativa do gesso dental II. O
comportamento da parte real, decrescendo com a freqüência
e a imaginária crescendo com a freqüência concordam com
fundamentos teóricos de permissividade complexa.
5
4
Re(εr)

com o computador e um software com uma taxa de 10000 3

amostras/segundo que fornecem os valores médios de Vmáx, 2
Vmín, SWR e |Γ|.
1
Variou-se a freqüência de 6 a 7GHz com um passo de
0
50MHz entre uma medida e outra. Após a calibração do
6000 6200 6400 6600 6800 7000
gerador numa dada freqüência f0 e estando a montagem
completa, varre-se a linha fendida em busca do primeiro freqüência (MHz)
máximo de tensão (Vmáx) e do primeiro mínimo de tensão
(Vmín). Neste estágio, o programa já fornece os 4 parâmetros Fig. 4. Parte real da permissividade relativa de amostra de gesso
acima mencionados, visto que SWR e |Γ| são funções de dental II.
Vmáx e Vmín.
0,0
Quando o primeiro Vmím é encontrado, lê-se a posição ls em
que se encontra a sonda na linha fendida. Tal valor servirá -0,5
para a segunda etapa do procedimento experimental.
Im(ε r)

-1,0

3.2. Segunda etapa -1,5

A outra extremidade da linha fendida de varredura agora é -2,0
conectada a um estube de curto-circuito. A calibração do
gerador na freqüência em questão deve ser feita com o -2,5
estube todo recolhido, ou seja: na posição de deslocamento 6000 6200 6400 6600 6800 7000
zero e com a sonda na posição lida (ls ) da primeira etapa do freqüência (MHz)
experimento. Fig. 5. Parte imaginária da permissividade relativa de
amostra do gesso dental II.
5. CONCLUSÃO
O procedimento utilizado para medida da permissividade
complexa do gesso tipo dental II parece promissor para a
padronização e certificação deste produto na faixa de 6 a
7GHz. Os pontos obtidos apresentam um bom
comportamento com o valor da parte real variando de 2,17 a
2,97 e o da parte imaginária, de –0.41 a –0.08.
GRADECIMENTOS
Agradecimentos ao CNPq e CAESER por possibilitarem a
realização deste trabalho. Agradecemos também a Ana
Luiza Rolim pelas discussões científicas.
REFERÊNCIAS
[1] L. M. SANCHES, M. S. NAZARETH e J. T. SENISE.
“Sistema Automático para Determinação da Constante
Dielétrica de Sólidos e Líquidos”, ANAIS do X Simpósio
Brasileiro de Microondas e Optoeletrônica, pp. 51-55, agosto
de 2002.
[2] J. A. OLIVEIRA e J. T. PINHO. “Medição da
Permissividade Elétrica de Produtos Naturais”, ANAIS do X
Simpósio Brasileiro de Microondas e Optoeletrônica, pp.
573-578, agosto de 2002.
[3] NICOLSON, A. M. and ROSS, G. F. “Measurement of the
Intrinsic Properties of Materials by Time -Domain
Techniques”, IEEE Transactions on Instrumentation and
Measurement, vol IM -19, No 4, pp377-382, November 1970.
[4] A. J. BELFORT de OLIVEIRA e M. T. de MELO.
“Measuring the Dielectric Properties of Granular and Liquid
Materials in Microwave Range”, ANAIS da International
Microwave and Optoelectronics Conference, pp141-143,
2001.
[5] BALL, JAMES A. R. and HORSFIELD, BRENDAN.
“Resolving Ambiguity in Broadband Waveguide
Permittivity Measurements on Moist Materials”, IEEE
Transactions on Instrumentation and Measurement, vol 47,
pp390-392, April 1998.
[6] WILLIAN B. WEIR. “Automatic Measurement of Complex
Dielectric Constant and Permeability at Microwave
Frequencies”, Proc. Of the IEEE, vol 62, No 1, pp 33-36,
January 1974.
[7] J. NESS, “Broad-Band Permittivity Measurements Using the
Semi-Automatic Network Analyser”, IEEE Transactions on
Microwave Theory and Techniques, vol MTT-33, No 11, pp
1222-1226, November 1985.
[8] S. TRABELSI, A. W. KRASEWSKI and S. O. NELSON.
“New Density-Independent Calibration Function for
Microwave Sensing of Moisture Content in Particulate
Materials”, IEEE Transactions on Instrumentation and
Measurement, vol 47, No 3, pp 613-622, June 1998.
Autores: L. L. D. Cabral, leanecabral@yahoo.com.br; M. T. de
Melo, marcos@npd.ufpe.br e A. J. Belfort de Oliveira,
belfort@npd.ufpe.br. Grupo de Fotônica, Departamento de
Eletrônica e Sistemas - UFPE. Av.Acadêmico Hélio Ramos s/n,
Cidade Universitária, CEP:50740-530, Recife-PE, Brasil. Tel. +55-
81-32718211, Fax +55-81-32718215.