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 Cabo-Verde

Introdução (geografia) sobre Cabo Verde:


Cabo Verde é um país insular composto por 10 ilhas vulcânicas, das quais 9 são
habitadas, e por vários ilhéus desabitados. Dividem-se em Ilhas de Barlavento e ilhas
de Sotavento, ou seja, de onde sopra o vento e para onde sopra o vento,
respetivamente. Nas de Barlavento temos as ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa
Luzia (desabitada), São Nicolau, Sal e Boa Vista, assim como dois ilhéus, Branco e
Raso. Já nas de Sotavento temos as ilhas de Maio, Santiago, Fogo e Brava, assim como
os ilhéus Santa Maria, Grande, Rombo, Baixo, de Cima, do Rei, Luís Carneiro, Sapado
e Areia. Relativamente ao continente africano, estas ilhas localizam-se a 570 km da
sua costa e contém apenas cerca de 4000 km2 de área, o que limita o crescimento de
Cabo Verde em todos os sentidos. O clima é semiárido, com uma temporada de chuva
(agosto a outubro) e outra de secas e vento poeirento (dezembro a julho), em que a
temperatura mínima varia entre 19 e 25°C e a máxima entre 25 e 30°C.
Etimologicamente, Cabo Verde provém do avistamento feito pelos portugueses do
cabo senegalense, de seu nome Cabo Verde, que se localiza no ponto mais ocidental
da África continental. A população composta por mais de 550.000 habitantes é
essencialmente oriunda de África e Europa, sendo uma população mestiça, cristã e
relativamente jovem com níveis altos de alfabetização. A emigração, uns dos
principais temas das obras cabo-verdianas, tem como principais destinos, Portugal,
EUA e França. O turismo, a agricultura, a pesca e a prestação de serviços são os
principais setores de subsistência económica, sendo que a exportação é limitada.

Colonialismo e Independência em Cabo Verde:


As ilhas, outrora desabitadas, foram descobertas e colonizadas por Portugal em 1460.
Tendo sido um ponto estratégico como entreposto do tráfico de escravizados para o
Brasil, as Caraíbas e o Sul dos EUA. Após a abolição da escravatura, o arquipélago
deixou de ter importância para Portugal, entrando em decadência, ainda assim até à
atualidade a cultura portuguesa encontra-se bastante presente em Cabo Verde.
Segundo os censos, a população é maioritariamente mestiça, sendo que apenas 30%
englobam os negros e brancos. Assim, a cor de pele acaba por não ter tanto peso
quanto a classe social. Por este fator de miscigenação, surge o conceito de “cabo-
verdianidade”, desde os anos 1930, uma ideia de identidade cultural particular,
autóctone e original, pois não se identificando como europeus nem como africanos,
são cabo-verdianos. Por outro lado, na época colonial, era difícil para um mestiço se
posicionar, do lado independentista ou do lado colonialista, visto ter origens de
ambas etnias, africana e europeia. Os grandes temas desta época eram a seca, a fome,
as epidemias, o desemprego e a emigração. A luta pela libertação e independência
cabo-verdiana começa na década de 1950 com a vinculação à Guiné e a fundação do
Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) pelo célebre
Amílcar Cabral. A luta armada deu-se na Guiné-Bissau, pois Cabo Verde não foi palco
de guerra, apenas de revoltas e a 5 de julho de 1975 conquistou a independência e
teve como primeiro presidente Aristides Pereira. Em 1980, a tentativa de unificação
com Guiné-Bissau fracassa, desvinculando-se do PAIGC e criando o Partido Africano
da Independência de Cabo Verde (PAIVC). Com a eleição do partido de oposição, o
Movimento para a democracia (MpD), foi oficializado o multipartidarismo na
Constituição de 1992. Comparativamente com a Guiné-Bissau, por exemplo, Cabo-
Verde é um país politicamente estável e pacífico. A língua oficial de Cabo-verde é o
português e a nacional é o crioulo/ Kriolu ou língua cabo-verdiana/ kabuverdianu,
um cruzamento entre o português e as línguas africanas. Em cada ilha ainda se fala
uma variedade diferente do crioulo. Três palavras cabo-verdianas conhecidas são
“morabeza” (amabilidade), “cretcheu” (amor) e “cachupa” (um prato nacional).
Apesar do crioulo ser a língua materna para a maioria da população, esta não é usada
na narrativa, não havendo assim uma literatura cabo-verdiana escrita em cabo-
verdiano. Ainda assim há muita música e poesia escritas em cabo-verdiano. A nível
musical, destacam-se como estilos identitários de Cabo-Verde: a morna, o funaná, a
coladeira e o batuque, este último aparece no romance Chiquinho.

Literatura de Cabo Verde:


Só com a introdução da imprensa em 1842 é que as obras cabo-verdianas começaram
a ser publicadas em Cabo-Verde. Em 1860 na cidade da Praia é fundado o primeiro
liceu nas colónias africanas. A maioria de estudantes eram “de cor”. Em 1866 é
fundado o Liceu-Seminário de São Nicolau (Ribeira Brava), seminário esse que o
protagonista de “Chiquinho”. Em 1877 emergiu a imprensa periódica não oficial, ou
seja, sem o controlo do estado colonial, logo independente e de extrema importância
cultural. Segundo Pires Laranjeira, a literatura de Cabo-Verde divide-se em seis
períodos. O primeiro, em que se destaca o poeta Eugénio Tavares, vai até 1925 e
regista uma produção esparsa, sem um movimento concreto, muitos destes poemas
crioulos foram a base para a criação de mornas. O segundo, conhecido como período
Hesperitano, vai de 1926 a 1935, e de forma a escapar do colonialismo, assenta na
ideia de que Cabo Verde seria a ponta do lendário continente imerso, a Atlântida. O
importante terceiro período, o Claridoso ou regionalista, com a Revista Claridade
assenta no regionalismo e naturalismo com a denuncia de problemas como a
violência ou a pobreza. É a partir deste movimento, de entre 1936 e 1957, que surgem
os subsequentes. O quarto, período do suplemento cultural, de 1958 a 1982, é ainda
mais crítico que o Claridoso. O penúltimo, o do universalismo, de 1966 a 1982,
interpreta a experiência humana do cabo-verdiano como universal. Por fim, a da
consolidação, já mais diversa, começou em 1983 e permanece até à atualidade.
Período Claridoso:
No movimento Claridoso destaca-se, então, a revista Claridade de Mindelo (1936-37
e 1947-60), que teve como fundadores: Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel
Lopes (“Os flagelados do vento leste”). Afastava-se dos cânones portugueses,
expressando a voz coletiva do povo cabo-verdiano, a sua autenticidade e intenção de
renovação, numa denúncia social, sem chegar a ser militante. Tinha como lema:
“fincar os pés na terra”; e como dilema: “Querer ficar/ ter que partir” ou “ter que
ficar/ querer partir”. Os seus tópicos eram a seca/ chuva, terra/ mar, insularidade /
cosmopolitanismo. A revista recolhia poemas em crioulo, desafiando a autoridade,
mas também em português, como por exemplo excertos do romance Chiquinho. No
número dois da revista, Baltasar Lopes publicou um estudo sobre a formação do
crioulo, abordando a importância cultural, a língua cabo-verdiana e o movimento
independentista. Segundo Hamilton, o regionalismo do nordeste brasileiro e o
modernismo português (menos) influenciaram o movimento Claridoso. Também
durante este período, surge a revista Certeza (1944) no intervalo entre a primeira e a
segunda fase da revista claridade, organizada por Nuno Miranda, José Spencer,
Arnaldo França, Silvestre Faria, entre outros (nomes menos conhecidos que dos da
claridade). O lema é “ficar e não partir”, frisando a importância de valorizar Cabo
Verde, não escapar nem evadir. Neste caso a influência do neorrealismo português e
brasileiro é mais notória. O tom é mais rebelde e militante pelo crescente
descontentamento com o colonialismo, por este motivo a revista foi proibida depois
do 3º número. Também entre 1958 e 1965 circula um Suplemento cultural de Cabo
Verde, o boletim de propaganda e informação, órgão oficial do estado, organizado
por um grupo fixado em Lisboa (Aguinaldo Fonseca, Ovídio Martins, Onésimo
silveira, Yolanda Morazzo), que foi censurado pois ao contrário dos preceitos do
Estado, exprimem ideologias de resistência e libertação). Nos anos de 1960, o
regionalismo cabo-verdiano começa a ser interpretado como um regionalismo
africano e não europeu. A revista Vértice foi criada em Coimbra com uma tendência
neorrealista de feição oposta ao estado novo. Nos anos de 1960, a predominância dos
claridosos é disputada, nomeadamente com a crítica de Onésimo Silveiro:
“Consciencialização na literatura Cabo-Verdiana (1963). Entre as acusações que lhes
fizeram estão: o facto de da elite ser relativamente branca e com formação, a suposta
falta de autenticidade literária e cultural (duvidosa), a mistificação da terra-longe
(espírito da época), o evasionismo, “Barlaventismo” (dominância das ilhas de
barlavento) e a fuga aos componentes africanos (de facto, referências muito ténues
como da negritude). Por outro lado, havia quem defendesse os claridosos como
fundadores da literatura cabo-verdiana. O sintoma de desorientação levou à lenta
consciencialização da africanidade cabo-verdiana; mas, à permanência dos temas e
estilos literários (neorrealismo, denúncia das condições sociais). No início dos anos
1970, surgem poemas revolucionários ou de combate, publicados no estrangeiro
como na Presença Cabo Verdiana (Lisboa, 1973), mas em Cabo Verde escassam (o
incentivo ao povo para o combate, a fortificação do espírito para a luta armada -
política -, a linguagem simples com uma mensagem clara, etc.). Em 1986, no
cinquentenário da Claridade, em Mindelo, o valor da revista é reafirmado, assim como
o da produção literária de toda a geração dos claridosos como memoria literária e
cultural. Também nesse ano é criado o Ministério da Cultura, em que governo presta
mais atenção e apoio ao desenvolvimento artístico e cultural.

Análise de poemas cabo-verdianos:


Há intertextualidade com a literatura brasileira do Nordeste (pela semelhança do
clima): Anti-evasão de Ovídio Martins (1962) p.180 com “Vou-me embora para
Pasárgada” de Manuel Bandeira (1930). “Toti Cadabra” de Arménio Vieira (1971) com
“Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto (1955). “Flagelados do vento
leste” de Ovídio Martins (1962) com o romance “Flagelados do vento leste” (1960) de
Manuel Lopes.
 Evasão: escapar da realidade, criar os nossos sonhos à imagem de uma terra
utópica livre sem preocupações.

 Romance Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes


Introdução:
O Romance foi publicado por tomas em 1938 na revista “Claridade” e completo em
livro no ano 1947, assim o enredo situa-se nos anos 30. A epígrafe, que introduz a
primeira parte “Infância”, é constituída por dois versos escritos em crioulo, um
batuque, estilo musical tradicional de Cabo-Verde, geralmente de mulheres que
tocam tambores acompanhando do canto. Nesta epígrafe está a ideia de que apesar
de as pessoas partirem à procura de uma vida melhor, a identidade e coração cabo-
verdiano fica sempre nelas. A primeira parte do romance, “Infância”, localiza-se no
Caleijão, uma terra no meio da ilha de São Nicolau relativamente longe do mar, pois
na primeira parte do séc. XIX era um perigo viver no litoral devido à pirataria.
“Chiquinho” é um romance de formação (bildungroman), pois retrata o processo de
formação de Chiquinho desde a infância até à idade adulta, mostrando as influências
que a personagem recebe e as suas reações e ideais. Chiquinho além de personagem
principal é maioritariamente o narrador, sendo assim autodiegético (visão em 1ª
pessoa), ainda assim por vezes dá espaço ao diálogo de outras pessoas, enquanto
narrador homodiegético. A literatura é (neo)realista e verosímil influenciada pelo
regionalismo brasileira e com características do modernismo. O romance denúncia a
condição social, política e de vida, porém sem incluir o governo colonial, talvez pela
relação privilegiada de Cabo Verde com o governo, pois na colonização tinham mais
contacto com a Europa que com África (só posterior na década de 60 com as lutas
independentistas). Desta forma, simplesmente faz chegar a Portugal uma
consciencialização dos apoios, reformas, melhores salários, etc. que deveriam
fornecer à população cabo-verdiana, uma ideia de melhorar o país mesmo dentro do
governo colonial.
1ª parte, Infância:
Citando Chiquinho ainda na infância “(...) a pouco e pouco ia formando a minha alma
de crioulo” (p.40 cap.7), percebemos a consciencialização do próprio quanto ao seu
crescimento, da recolha de informações, influências e experiências de vida de outras
pessoas na formação de quem ele é e na sua identificação enquanto crioulo. A
Infância decorre na ilha de São Nicolau. Os espaços da primeira parte do romance são
a casa da família de Chiquinho no Caleijão, a Praia Branca e a Ribeira de Prata. As
personagens da casa do Caleijão são: mamãe velha (avó) e avô (falecido), mamãe
(figura central para o Chiquinho) e papai (ausente nos EUA), irmãos do Chiquinho
(Lela, Nanduca, Nina - falecida aos 3 anos de idade) e Pitra Marguida (órfão que
sendo afilhado do papai ajuda a família na agricultura). Na praia Branca vive o Titio
Joca, irmão do papai, mora um pouco longe por uma briga de heranças entre os
irmãos, é um referente para Chiquinho, logo é importante na sua formação.
Chiquinho e tio Joca viajam para a Ribeira de Prata para um casamento, na noite
antecedente há um batuque. Quanto ao tempo narra-se o da infância do protagonista
e considerando este um romance de inspiração autobiográfico podemos localizá-lo
entre 1907 (nascimento do autor) e 1922. Através da recordação das infâncias de
mamãe e mamãe velha (analepse) evoca-se o tempo de pirataria, escravidão, etc. da
segunda metade do século XIX. Através da tradição oral, contadeiras como Rosa
Calita contavam lendas ou mitos de origem europeia, cabo Verdiana ou africana, por
exemplo, Carlos Magno (época medieval europeia, 742-814) ou recontavam histórias
tradicionais. O tempo de narração segue uma lógica iterativa (ações repetidas,
costumes, atividades típicas), mas progressiva. Conta-se o que é costume nessa terra,
a organização do dia, dos tempos (durante a seca, etc.). Uma vida monótona que não
sai dos moldes repetindo-se sempre da mesma forma. Os diálogos que Chiquinho
introduz são a título de exemplo sem data concreta.

 Cap. 1: curta introdução sobre os pais, os irmãos e o cão.

 Cap. 2: emigração do pai de Chiquinho (o pai partiu para os EUA pela seca de
1915, apesar da distância física emocionalmente sentem-no perto pelos
objetos (como os móveis) e cartas (lidas por Chiquinho) que ele envia.
Chiquinho sente admiração e respeito pelo pai. O pai volta por um período de
6 meses e depois nasce outra criança.)

 Cap. 3: a "contadeira" de histórias, Rosa Calita, senhora negra africana, traz o


hábito da oralidade, ensinando lendas, mitos, provérbios, etc. aos mais novos.
Descrição dos serões em casa: reunião das crianças no final da tarde ou à noite,
entretidos pelas histórias com elementos didáticos (ensinamentos para a vida).
A avó reza pelos presentes e já ausentes. Ritualidade (hábito, repetição).
Oralidade africana e medieval ocidental (Carlos Magno, idade média). A terra
cria pessoas humildes e empáticas.

 Cap. 5: Nhô Chic`Ana, o marinheiro arrependido, casado e com uma filha


(monogamia) arrepende-se de não ter seguido os conselhos de Totone Menga-
Menga, o sábio de emigrar. Os moradores da terra recorriam a este adivinho
de longa idade, experiência e conhecimento sobre a tradição oral, quase como
um oráculo.

 Rosa Calita e Totone Menga-menga representam o espírito africano, a cultura


crioula no universo africano, pessoas velhas adoradas pela sabedoria.

 Cap. 7: memórias da avó (mamãe-velha) do século XIX: epidemia de cólera


(enterro de pessoas q que eram contagiosas); morte; seca; escravatura (um
caso cruel como exceção, porque normalmente os escravos eram tratados
como família); lei de alforria (o proprietário abdicava de todos os seus direitos
sobre o escravo), mas em Cabo Verde ser livre não é sinónimo de uma vida
melhor (um escravo liberto começou a beber muito e morreu na miséria);
pirataria.

 Pouco a pouco foi-se criando a sua alma crioula.


 O escritor usa palavras cabo-verdianas e neologismos criados por ele.

 Cap. 13: Praia Branca, Apoio do tio Joca nos estudos do sobrinho, que tem
boas notas. Chiquinho valoriza a formação, os estudos, histórias da mãe e da
avó, etc. Fala português e não o crioulo. Chiquinho fica responsável de Guida,
afilhada, envolvendo-se até à porrada para a proteger.

 Cap. 16: Caminhada a Ribeira da Prata, medo do caminho e das bruxas.


Devido a uma morna “Pau-que-matou-meu-filho”, lenda do filho da velha, que
não morreu no mar nem na América, morrendo na própria ilha ao encurtar
caminho no Pau da Ribeira de Prata, daí o medo de Chiquinho, porém nem
encontra feiticeiras.

 Cap. 17: Reflexão, de Chiquinho já mais velho (retrospetiva), sobre a vida do


tio Joca e da sua ligação emocional com ele. Pois é de afeto, o Tio aconselha-o
a fazer o que ele diz e não o que ele faz, já a educação da avó e da mãe era
mais severa. Regresso a Caleijão.

 Cap. 19: Navios de baleia (baleeiros) representam a mudança a nível


económico (maior salário, liberdade, o sair da ilha). As histórias sobre o mar
parecem mais atrativas com heroísmo e aventuras, contrapondo ao trabalho
duro e pouco dinheiro da terra (comparando com os americanos que ganham
mais).
 Cap. 23: A plantação das hortas (organização das vidas segundo a agricultura) e
lembranças do avô (o mar e o heroísmo da resistência contra as alterações
climáticas).

 Cap. 27: Muda de escola e começa as Aulas no seminário, mas com saudades
da vida anterior tenta escapar-se para andar livremente pelo campo. Nas suas
brincadeiras (batalhas de Carlos Magno) procura ser um herói, o que em terra
é complicado.

 Cap. 31: Reflexão: “Eu era matéria plástica que se submetia a todas as
experiências. E todas iam-me deixando seu deposito de sabedoria e perversão”
(p. 115) “S. Vicente era para mim a terra em que a civilização do mundo passa
em desfile” (p.116)  sabedoria que lhe transmitiram (como Totone menga
menga) e a perversão (lato): condições de vida, pobreza, clima, etc. ou a perda
da inocência com a adolescência.

Ponto de situação:
 Formação da alma de crioulo de Chiquinho
 O imaginário da ilha de São Nicolau nestes tempos
 Histórias contadas por pessoas mais velhas
 Contraste terra/ mar
 Ausência física de personagens que estão presentes através de recordações
 Atividades de plantação de hortas, agricultura
 Chiquinho ingressa no seminário (ele considera-o como prisão)

2ª parte, S. Vicente:
Abre-se um mundo novo (quase insignificante) em São Vicente (ilha também de
barlavento), com maior contacto com a Europa. Para Chiquinho um passo decisivo na
sua formação. Ao ingressar no seminário ele vai viver para Alto de Miramar (bairro de
Mindelo) com Nha Cidália (parente distante) casada com Eusébio (ausente na
Argentina), Tia Alzira (irmã de Cidália) casada com Amâncio (ausente, talvez
divorciados) e com os filhos de Nha Cidália: Andrèzinho (referente para Chiquinho, 20
anos, 2 anos mais velho que ele), Nuninha (17 anos, primeiro grande amor de
Chiquinho) e Nené (criança). Esta raiz familiar é repetitiva, pais ausentes, em que as
crianças crescem com as mães, avós e tias.

A – Ativismo cultural e político


 O grémio e a revista
 Cap.3: Andrèzinho (maior formação) assume a liderança de um grupo de
jovens, criando um grémio cultural cabo-verdiano. Como propósitos
pretendem: definirem-se, posicionarem-se, conhecerem-se melhor, sem
obedecerem ao que à cultura portuguesa (sem denuncia direta do
colonialismo), recriando assim ficcionalmente o movimento claridoso, em que
o autor participou. Mas é difícil manter este movimento pela cor (os morenos e
mulatos são africanos ou europeus?) e pela Insularidade, pois aspiravam a
ultrapassar a limitação insular). Com Andrèzinho, Chiquinho diz ter conhecido
melhor a sua ilha, refletindo de fora, compreendendo a sua vivencia em São
Nicolau enquanto experiência universal. A terra forma o carácter humano
(laboratório humano).
 Cap.8: Publicação de um jornal (comparação com a Revista Claridade). As
possibilidades económicas refletem no ser humano. O caso do cabo-verdiano
na experiência humana. Proposta poética: não escrever sobre tópicos
estranhos (lendas e histórias estrangeiras), mas sim sobre os cabo-verdianos:
fincar os pés na terra, autodefinirem-se, compreender as suas
particularidades, etc. Organização de um congresso congregando
representantes de todas as ilhas.

 A associação operária
 Cap. 18: Os jovens além dos movimentos culturais, preocupam-se com as
condições de trabalho dos operários (política), criando assim sindicato para
falar em nome dos operários (portos, vapores, carvão, etc.). Pedem ajuda a um
homem mais velho, Zeca Araújo, para que criasse um elo entre os jovens
intelectuais e os operários. Referem uma associação anterior, que adormeceu/
morreu. Aos poucos entendemos o porquê de as pessoas não terem o espírito
de lutar por melhores condições.

 Cap.22: Porém as ações iniciais vão ser as últimas, por um lado Zeca Araújo o
grémio para se dedicar a 100% ao seu novo trabalho (pertencer a um sindicato
pode custar o emprego) e por outro, pela falta de conhecimentos na vida
política não conseguem levar a cabo a sua ideia. Pois, os jovens ao não serem
operários, não têm as ferramentas necessárias para os representar.

 O governador
 Cap. 12 e 14: O governador vindo de Portugal, passou pela ilha Praia e visitou
Mindelo, suscitando expectativas no povo. Andrèzinho quis organizar uma
conferencia para o governador os poder ouvir relatando os problemas da
terra, porém pela inércia, sem atitude político-cultural, do povo e até dos
estudantes não conseguiu. Os políticos dão importância a ouras coisas. Dakar
relacionado com prostituição. Las Palmas estão integradas geograficamente, e
com mais importância para Espanha que estas ilhas perdidas para Portugal.

B – Vida privada e emocional:


 Nuninha (Cap. 6 e 15): O amor por Nuninha desvia as atenções da escola (teve
duas negativas – a mãe escreve-lhe dececionada) e dos temas do grémio. Ele
projeta o amor que sente para o futuro, pensando num casamento, porém no
contexto de Cabo Verde casar era quase sinónimo de emigrar.

 Doença e morte do amigo Parafuso (Cap. 16, 19, 21, 23): Encaixam-se aqui as
amizades, com Andrèzinho e Parafuso. Parafuso fica muito doente, os amigos
prestam-se a ajudá-lo, mas a família pela dignidade não aceitava. Ele acaba por
morrer de tuberculose e pobreza (sem condições de se curar). Esta morte é
uma preparação para Chiquinho das que virão na 3ª parte.

C – Pobreza:
 Prostituição/Dakar (Cap. 9, 13, 17)
 Declínio do Porto Grande (Cap. 10, 13, 24).

D - Regresso de Chiquinho à sua terra (Cap. 25)


Depois de dois anos de entusiamo com espírito de mudar e melhorar a vida das
pessoas, Chiquinho está desiludido. As expectativas e projetos do grémio
fracassaram. Em Cabo Verde, as pessoas não se interessam, não leem, não
acreditam, estando mais preocupadas com a sobrevivência. É uma terra difícil para
um grupo de jovens vingar. Chiquinho, apesar dos conhecimentos intelectuais que
adquiriu no liceu, sente que as coisas boas da vida são boas de sonhar, mas
impossíveis de alcançar.

3ª parte – As águas
Chiquinho ao voltar a casa sente-se diferente, distante, já não é o rapaz da aldeia igual
aos outros. Agora tratam-no como uma pessoa de estatuto superior destinado a
exercer trabalhos diferentes dos outros. A ideia da aventura tem outro sabor
(desilusão). Consegue fazer outras interpretações das narrativas que absorveu na
infância. A terceira parte localiza-se na casa de família do Caleijão, na casa dos
parentes em Ribeira Brava (onde faz amizade com Sr. Euclies Varanda e José Lima) e
na casa de Morro Braz onde mora sozinho (isolamento num lugar afastado do mundo
rural, longe das amizades e da família). Estas duas terras ficam a nordeste do Caleijão,
mais próximas do litoral.

A - Vida privada:
 Regresso a S. Nicolau (cap. 1): Desencaixado, solitário, já não pertence àquele
mundo.

 Sr. Euclides Varanda (cap. 4): Chiquinho tem conversas interessantes com um
Ex administrativo da alfândega. Este novo amigo tem o desejo de escrever
poesia e um romance - ponto de ligação com a personagem – e conta-lhe com
muito orgulho que publicou no almanaque luso-brasileiro um poema que usa a
religião como evasão espiritual, bucólico, universalista, que não finca os pés
na terra – oposto ao grémio dos jovens e da revista claridade – numa corrente
literária mais antiga. Escreve também uma obra intitulada de
“Arrependimento”, sentimento frequente neste romance. Chiquinho não se
identifica com a sua escrita, mas sente admiração por ele.

 José Lima: outro amigo novo, com uma biografia complicada, de certa forma
também arrependido, pois ele embarcou, mas agora tem um problema com o
álcool “mind yourself” – cuidado com o caminho que segues.

 Nuninha: separados geograficamente, pois ela ficou em São Vicente, trocam


cartas e Chiquinho está muito angustiado por um lado por não saber se
chegarão a casar-se e por outro por sente ciúmes ao não saber o que ela faz.

B – Vida pública/profissional:
 Escrever um ensaio sobre S. Nicolau (cap. 10): Chiquinho quer escrever um
ensaio sobre a sua ilha, assente na ideia de “cabo-verdianidade”, de forma a
disseminar o conhecimento ao povo. Retoma as histórias que ouvia, mas com
uma atenção diferente de análise, um ponto de vista científico sobre a
oralidade do seu povo. Porém será mais um fracasso que Chiquinho irá sofrer.

 Ser professor

 Andrèzinho envia um Telegrama para o Ministro das colónias pedindo ajuda,


mas Portugal já não via nestas ilhas lucro, abandonando-as.

 Tói Mulato – marinheiro

C – Pobreza:
 Estiagem, Mortes sucessivas, Rebelião e Emigração (cap.13): Aqui, Chiquinho é
professor e tem uma relação de camaradagem com os alunos. Porém devido à
fome, seca e doença, estes vão morrendo (e os animais também) ou
emigrando com as famílias. Isto teve impacto na sua vida (desolação,
desespero) abandonou a escrita do ensaio, preferia a vida rotineira de antes e
viu-se sem rumo.
 Caráter regionalista, naturalista e neorrealista: o narrador autodiegético (1ª
pessoa) descreve de forma lenta e minuciosa (proximidade) uma
problemática permanente de Cabo Verde, a seca dessa época do ano, morre o
primeiro aluno, fogem as pessoas, morrem os animais (solidariedade,
episódios dolorosos).
 Criatividade linguística: meninência, tamanhinho, agorinha, colhetar,
porquidade, jardinol, corpo queixoso, lágrima comovida, etc. (analogismos,
aproximação entre o crioulo e o português padrão)

D - Desenlace: Chiquinho decide emigrar para os EUA, mas ainda assim o seu objetivo
é estudar numa universidade americana.

Técnicas literárias: Criação de verossimilhança e Caraterísticas da linguagem literária


 Elementos geográficos, climáticos, sociais e culturais identificáveis (reais)
 Narrador autodiegético, por vezes homodiegético (1ª pessoa): proximidade
entre o vivido e o narrado
 Elementos autobiográficos do escritor (nasceu no Caleijão, pertenceu ao
movimento claridoso, foi professor)
 Diálogos, discurso direto, representação mimética
 Adequação da linguagem às personagens (meio social) - crioulo, neologismos

Reflexões:
 Reforça o retrato inóspito destas ilhas, mas também a persistência em
ultrapassar todas as adversidades (condições de vida, da política, etc.)
 Os motivos para emigrar mudam segundo gerações (antes era em busca de
trabalho, agora os mais jovens procuram formação)
 Nuninha, questão emocional diferente

Dados estatísticos sobre Cabo Verde:

 Taxa de emigração
Historicamente elevada, sobretudo dos homens, o que leva à baixa taxa de
crescimento populacional, ao elevado número de famílias chefiadas por mulheres e à
dependência das remessas dos homens emigrados.
 Desde 2010 a taxa de emigração tem diminuído, porque a procura de trabalho
pouco qualificado diminuiu na Europa e nos EUA.
 Em contrapartida, a taxa de emigração das mulheres tem aumentado pela
procura de empregadas domésticas e cuidadoras de infância na Europa.

 Famílias chefiadas por mulheres


2010: 40%
2015: 48%
A pobreza entre as famílias chefiadas por mulheres é elevada.
Historicamente um nº elevado, pelo: ao
 impacto da escravatura e colonização na estrutura das famílias
 persistência de atitudes e culturas patriarcais
 elevadas taxas de emigração masculina

 Taxa nacional de pobreza (tem diminuindo):


 27% em 2001
 27% em 2007
 24,2% em 2015
 Taxa de pobreza por género
As famílias chefiadas por mulheres são mais pobres (33%), que as chefiadas por
homens (21%), porque:
 O mercado de trabalho é altamente segregado em função do género.
 O emprego remunerado é 56% masculino e 44% feminino.

 Violência baseada no género (VBG)


 Lei especial sobre violência baseada no género, em vigor desde 2011

 Mornas eram as Noites de Dina Salústio (1994)


Obra composta por 35 minicontos que evidenciam e problematizam temas que na
altura da sua publicação (1994) ainda eram tabus e que, quase três décadas depois,
permanecem atuais. São retratadas histórias variadas da sociedade cabo-verdiana em
circunstâncias de pobreza, doença, violência, preconceito no pós-independência,
sendo a condição feminina e a insularidade os dois tópicos que mais se destacam. É
notória a sensibilidade da autora que assume uma posição de proximidade com o
leitor ou a leitora, gerando uma confusão entre narradora e autora, e aproximando
estes minicontos ao género da crónica, narrativa curta, do âmbito jornalístico, que se
debruça sobre o quotidiano vivido pela autora. Desta forma, a cabo-verdiana de certa
forma amplia o papel literário de escritora para se tornar no porta-voz de experiências
e sentimentos de homens, mulheres e crianças. A insularidade acaba por ser o
contexto que incita à solidão, angústia, sensação de isolamento, mas também à
construção de esperança, liberdade e solidariedade. A narradora - ora manifestando-se
em 1ª pessoa ora mantendo a distância, narrando em 3ª pessoa - mostra um forte
comprometimento com o mundo que a rodeia, denunciando situações como a
violência, a pobreza ou a injustiça. No título, o vocábulo “morna” remete para o
género musical identitário de Cabo Verde que, tal como os minicontos/ crónicas,
exprimem o sentimento das mulheres, a “sodade” e a esperança. Porém, no seu
sentido literal “morna” exprime um estado de tepidez confortável, ou seja, pode
representar a passividade do povo cabo-verdiano em relação a problemáticas
preocupantes às quais se deveria reagir e tomar uma posição de modo a combatê-
las.

Liberdade adiada (p.7):


Este conto retrata a história de uma mulher que como tantas outras, tinham de cuidar
dos seus muitos filhos e trabalhar diariamente no duro (levava uma vasilha de água).
Refletindo sobre a sua vida, sente-se deformada pela dor com o coração em
sofrimento, chegando à conclusão que pretende libertar-se daquela vida, escapar das
responsabilidades e ser só matéria (chão). As gravidezes indesejadas eram comuns,
nomeadamente pela falta de educação sexual (erro de quem? Governo, parceiro,
escolas, etc..). Submersa numa depressão vê os filhos como peso, acha que nunca teve
nada a perder e pensa no suicídio (evasão). Mas pensar nos filhos fá-la voltar atrás,
levando à ideia do título: a busca pela “liberdade adiada”.

Campeão de qualquer coisa (p. 13):


Este conto retrata o comportamento dos homens, os conceitos de masculinidade
tóxica, hegemónica e violenta. Numa reunião/ festa noturna chega um novo
convidado, ao qual a narradora tenta encaminhar para algum dos grupos formados:
campeões do futebol, da política, do sexo, das anedotas, dos copos, etc. Porém, este
fica espantado, não se encaixando em nenhum, pois recusa a performance de
masculinidade. Ele é apenas um tipo normal, que não sendo bom em coisa nenhuma,
está satisfeito com isso. A narradora aconselha-o a inventar, exagerar, mentir,
impressionar, mas ele recusa-se a entrar no jogo e falar com os outros homens
continuando a falar com a narradora. Este homem consegue desconstruir os
estereótipos e pressões sociais, valorizando a socialização, a educação e a
autenticidade de cada pessoa independentemente do sexo.

Para quando crianças de Junho a Junho?:


Este conto demonstra a proeminência da violência e marginalização na sociedade
cabo-verdiana, nomeadamente na faixa etária infantil. Não são a alegria e a inocência
propicias das crianças que se destacam, mas sim a sua empatia. Neste caso, um grupo
de crianças atacam um doente mental, transformando-se em animais vivos. Numa
sociedade menos letrada, o comportamento não deveria ser adequado pela escola da
vida que têm? A educação vira impotente em certos casos, nomeadamente pelo
impacto psicológico nestas crianças, por exemplo, o chefe do bando não conhece o
pai, talvez por ser fruto de uma violação.

Foram as dores que o mataram:


Neste conto narra-se um assassinato, talvez psicológico, talvez físico. Uma mulher,
desculpabiliza-se ou mostra porque chegou ao ponto de assassinar o marido. Ela, tal
como muitas outras, sofria violência doméstica e o divórcio, nessa altura, era um
tabu. No início do conto ouvimos a voz da narradora, mas depois podemos ouvir um
monólogo interior da própria vítima ou assassina.

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 São Tomé e Príncipe


Introdução (geografia) de São Tomé e Príncipe:
Ao contrário de Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe não sofre do problema da seca, pois
é húmido. São Tomé e Príncipe é uma continuação da linha vulcânica dos Camarões
na África continental no Golfo da Guiné. As duas ilhas distam de 140km de distância
entre si e 225 e 250km da costa africana, de Príncipe à Guiné Equatorial (fala-se
espanhol) e de São Tomé a Gabão, respetivamente. Têm no total 1030 km2, S. Tomé
847 e Príncipe 114, uma área muito reduzida, comparando com Cabo Verde, por
exemplo, com 4233 km2. Tem cerca de 190 mil habitantes (180 mil em São Tomé e 7
mil em Príncipe), também um número muito reduzido comparando com Cabo Verde
(560 mil). A capital é São Tomé com aproximadamente 60 mil habitantes. Em São
Tomé e Príncipe, a linha do equador atravessa o Ilhéu das Rolas, uma das ilhas mais
pequenas que compõem este arquipélago. A ilha de São Tomé possui 50 km de
comprimento e 32 km de largura e é a mais montanhosa das duas ilhas, com picos até
2000 m. Já a ilha de Príncipe tem 30 km de comprimento e 6 km de largura, com picos
de até 948 m. O clima é quente e húmido com uma temperatura média anual de 22 a
30 °C. Existem duas estações do ano: a época de chuvas com calor (outubro a maio) e
a época da gravana (junho a setembro) mais seco, de menor pluviosidade, menos
calor e humidade.

Colonização em São Tomé e Príncipe:


A história de São Tomé e Príncipe divide-se em três grandes fases.
 A primeira denominada de “colonização” começa com os descobrimentos de 1470
e 1471 pelos portugueses João de Santarém, Pero Escobar e João Paiva. Em 1486
começa o processo de povoamento pelos portugueses (do continente e da Madeira),
espanhóis e genoveses, assim como pelos escravizados da costa ocidental africana.
Porém a experiência com os dois primeiros capitães-donatários (João de Paiva e João
Pereira) foi relativamente malsucedida, tendo havido apenas uma colonização efetiva
com o terceiro, Álvaro de Caminha entre 1493 e 1499. Em 1493, são deportadas 2000
crianças luso-judaicas para serem doutrinadas no cristianismo, que acabaram por
morrer sem cuidados e pela inadaptação ao clima. Assim, as pessoas que vão viver
nestas ilhas são estrangeiras, não têm relação com a terra, desta forma surge uma
lenda nacional em que um suposto barco de escravizados naufragou podendo chegar
à parte sul da ilha, os chamados angolares (Rei Amador – herói), pescadores de
Angola, assim as ilhas já não estariam desabitadas na chegada dos portugueses. Aqui
está novamente assente a luta pela identidade, africanos ou europeus? De forma a
ocupar o espaço e aproveitar a terra, usou-se mão de obra escrava nas plantações de
cana-de-açúcar, pelo clima foi mais rentável em Príncipe que em São Tomé. Entre os
donos dos engenhos e as escravas negras surge a população mestiça (miscigenação).
Em 1500, a ilha de Príncipe passa para António Carneiro, mantendo-se pertença desta
família até 1753. Em 1515, a carta de alforria destina-se aos luso-descendentes e às
suas mães (escravas). Em 1528, uma carta régia regulamentava a participação dos
mestiços na administração quando fossem “homens de bem e bem casados”
(assimilação).
 A segunda fase denomina-se “grande pousio”. A indústria açucareira mantém-se
aproximadamente durante um século, entrando em declínio pelo desenvolvimento da
cultura açucareira no nordeste brasileiro mais rentável. Assim, tanto Cabo Verde como
São Tomé e Príncipe são abandonados por Portugal, seguindo-se 200 anos de
“grande pousio” (metáfora de Tenreiro). São Tomé torna-se apenas no entreposto das
pessoas escravizadas, a caminho das plantações brasileiras, e porto de escala para
emigrantes. Dá-se a aglutinação de elementos culturais variados: africanos,
portugueses, americanos e brasileiros, resultando numa aristocracia dos mestiços.
Como os são-tomenses queriam ser pessoas livres com as suas próprias terras dá-se a
revolta pela posse das terras.
 A terceira fase denomina-se de “a segunda colonização”. Com a introdução do café
e cacau, no século XIX, recupera-se a nível económico, mas retorna-se à lógica
colonial, em que poucos mandam e o resto são oprimidos e escravizados. Há um novo
fluxo de colonos brancos, um novo ciclo de exploração, ainda assim o tráfico de
pessoas escravizadas diminui. Os crioulos luso descendentes (filhos da terra) são
expropriados. Em 1869 dá-se uma crise laboral pela abolição da escravatura. Em 1876
vem mão de obra importada de Angola, Moçambique e Cabo Verde. Esta é uma era do
serviçal, de abusos, de estratificação social, afastamento entre colonos e africanos
(pessoas racializadas). Começa a formar-se a identidade histórico cultural são-
tomense: os diversos grupos racializados aproximam-se.

Independência são-tomense:
A população era miscigenada: negros, mestiços, europeus, indianos e o orientais. A 3
de fevereiro de 1953, as tropas coloniais cometeram o Massacre de Batepá, torturas e
afogamentos, com aproximadamente 1000 mortos, hoje feriado nacional. Em 1960 é
fundado o Comité pela libertação de são Tomé e Príncipe (CLSTP), no Gabão, onde
participam, entre outros, Miguel Trovoada, Francisco José Tenreiro (desfiliou-se),
Leonel Mário d´Alva. Não houve uma luta pela independência, mas sim movimentos
a 12 de julho de 1975 é declarada a independência. O partido para Movimento de
libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP) é renomeado, com Manuel Pinto da Costa
como presidente e Miguel Trovoada como primeiro-ministro no primeiro governo.
Com a nova constituição de 1990 é introduzido o sistema multipartidário e
renomeado o partido para Movimento de libertação de São Tomé e Príncipe – partido
social-democrata (MLSTP-PSD). Em 1994 é fundado o partido ação democrática a
independente (ADI). A taxa de alfabetização tem sido uma história de sucesso, pois
enquanto em 1975 80% da população era analfabeta, fizeram-se grandes campanhas
de alfabetização no pós-independência e em 2017 já 90% dos são-tomenses com mais
de 15 anos sabem ler e escrever. Em 2018, a população conclui uma média de 6,3 anos
de escolaridade.
Algumas palavras importantes de Cabo Verde são: Moradores (colonos brancos),
Filhos-da-terra (mestiços do cruzamento entre europeus e negros escravizados do
período da 1ª colonização), que criaram uma aristocracia mestiça, governante do
território durante o “grande pousio”), Forros (pessoas de origem africana livres -
confundem-se com os filhos da terra), Angolares, Tonga (pessoa natural de São tome
independente de origem étnica), Moncó (pessoa natural da ilha de Príncipe) e Leve
leve (Expressão popular - atitude perante a vida, ritmo de vida, sabedoria, resignação).
O português é a língua oficial, o forro é o crioulo da ilha de são Tomé, o Lunguyé é o
crioulo de ilha de Príncipe, o cabo-verdiano é o crioulo falado pelos contratados
(emigrantes cabo-verdianos) e o angolar tem uma base controversa, forte influência
do kimbundo e de outras línguas africanas (a mais afastada do português). Durante o
colonialismo, as línguas crioulas não foram reivindicadas como base identitária. A
população alfabetizada costuma expressar-se em português (pelo menos na vida
profissional). Hoje o crioulo forro é falado por 83% dos habitantes da ilha de S. Tomé,
língua de força social e mobilização popular, p. ex. captação de votos e, campanhas
eleitorais. A São tomensidade é a matriz mestiça; o Socopé (“só com o(s) pé(s)”) é
uma dança e música típicas; o Tchiloli ou Tragédia do Marquez de Mantua e do
Imperador Carloto Magno (São Tomé) é um auto representando ao ar livre com
música, dança e diálogos, que dura mais de cinco horas, todos os papeis são
representados por homens, uma apropriação sincrética de uma peça de matriz
europeia, envolvendo ciúme, amor, traição e morte; por último, o Auto de Floripes,
são Lourenço do Príncipe (Príncipe) é uma história de cristãos e mouros, Floripes é
uma donzela moura apaixonada por um cavaleiro cristão. Quanto à gastronomia
destacam-se: fruta pão, matabala, vinho de palma e calulu. A rosa de porcelana é
uma planta característica de São Tomé e Príncipe.

Literatura são-tomense:
Em 1857, sai a primeira edição do Boletim oficial o governo da província de S. Tomé e
Príncipe. A elite de filhos-da-terra cria uma imprensa de carácter não governamental,
onde foram publicadas revistas, jornais e boletins de associações, p. ex. O Africano, A
Voz d´África, O Negro, A Verdade, O Correio d´África, ainda sem carácter anticolonial,
apenas denunciando e pedindo reformas. Poemas dispersos, p. ex. de Francisco
Stockler, António Lobo de Almada negreiros (pai do pintor Almada Negreiros).
Construção de um sentimento unitário, protonacionalista (ainda sem o ímpeto de
pedir a independência da nação). Numa perspetiva colonialista, há uma literatura
escrita portugueses sobre estes territórios, o “ciclo-da-roça” (roça = fazenda de café
ou cacau), uma literatura romântico-realista novecentista, visão idílica. Exalta-se a
compaixão paternalista dos colonos e a macro etnicidade lusitana (sentimento de
identidade portuguesa, que na verdade existe muito pouco). Por exemplo: Viana de
Almeida, Maiá Poçon (1937); Fernando Reis: Roça (1960), História da Roça (1970); Luís
Cajão: A Estufa (1964). A literatura são-tomense nasce em grande medida fora das
ilhas, nomeadamente em Portugal, por pessoas que estudam fora porque é difícil
adquirir formação nas ilhas para se tornarem poetas. O sistema económico é rural, o
que não favorece a formação de movimentos culturais e literários. Dos filhos da terra
surgem uns poucos intelectuais e escritores, formados em Portugal, que criam a
consciência como africanos e nacionalistas em contacto com africanos e outras
colónias. A Casa dos Estudantes do Império (Francisco José Tenreiro, Marcelo de
Veiga, Tomás Medeiros, Maria Manuela Margarido, Alda Espírito Santo) acabou por se
tornar num espaço com ideologias anticoloniais (oposto à ideia do estado novo).
Caetano da Costa Alegre (1864-1890) é considerado um caso isolado, começa a
escrever antes de todo o movimento em prol da independência. Francisco José
Tenreiro (1921-1963) é considerado um intermediário entre a negritude e o luso-
tropicalismo. Alda Espírito Santo (1926-2010) mestiça, professora, ativista política e
autora do hino nacional.

Poesia de Caetano da Costa Alegre:


 Negro de uma família tradicional de filhos da terra
 Chega a Lisboa aos 19 anos
 Desgosto pelo racismo experienciado em Lisboa
 a poesia dele reflete essa mágoa, mas com humor/ ironia
 histórias de amor (recusado por mulheres brancas), situações individuais, mas
de carácter sistémico
 Cria um incipiente espírito nacional
 Poema “eu e os passeantes” (versos 1916)

Poesia de Francisco José Tenreiro:


 Mestiço, filho de um administrador português e de mãe africana (tem
privilégios)
 Passou a maior parte da sua vida em Lisboa (poesia nasce fora das ilhas)
 Professor universitário de geografia, deputado da assembleia nacional, escritor
(poeta e contista)
 Negritudinista (exalta as raízes africanas e a estético do corpo negro) +
Neorrealista
 A negritude é mais forte em São Tomé e Príncipe que em Cabo Verde e começa
exatamente com este escritor
 intermediário entre a negritude e o luso-tropicalismo
 Anticolonialista, que explica o modo com os portugueses conviviam com
outros povos e raças, a capacidade de se misturaram de forma mais branda, a
noção apropriada pelo estado novo - narrativa para manter o colonialismo
numa época em que os outros países europeus já tinham abdicado das suas
colónias.
 Tenta abrir um espaço político libertizante durante o estado novo,
simultaneamente contestatário e conciliatório
 Ilha de nome santo. Novo cancioneiro (1942) – considerado obra fundacional
da literatura são-tomense
 Crioulidade são-tomense

Análise de poemas de Tenreiro:


 mestiço como um tabuleiro de xadrez (pende para o negro ou para o branco?)
 Identidade crioula, mestiço de São Tomé e Príncipe = os mestiços são
questionados, pois, apesar de por um lado, colherem duas culturas, por outro,
não se sabe se se pode depositar confiança neles.
 Autoconfiança de um mestiço ao provocar o colonizador
 Dificuldade de estabelecer uma matriz nacional
 África encerrada na entidade são-tomense, os europeus e africanos são
culturas circundantes

Poesia de Alda Espírito Santo (1926-2010)


 Denúncia do massacre de Batepá, pedido de justiça e necessidade de
vingança
 Apenas uma estrofe e repetição das mesmas palavras e formas verbais
(sensação de sofrimento prolongado, aflição, impotência, continuação).
 Zé Mulato (indefinição: está lá por que quer ou porque lhe foi imposto?)
 Apelo à humanidade

Massacre de Batepá
A 3 de fevereiro de 1953 na praia Fernão Dias, um grupo de pessoas foi acusada de
fazer uma conspiração comunista levando a mortes por tiros, queimadas, asfixiadas,
chicotadas, cadeiras elétricas (repressão). A própria PIDE veio negar a existência da
conspiração referida pelo governador. Está na origem deste massacre a tentativa de
forçar a população nativa de São Tomé e Príncipe a trabalhar como serviçais
contratados nas roças de cacau e café. E este episódio é tido como estando na origem
do nacionalismo são-tomense. Não se sabe quantos morreram, se centenas ou mais
de mil. Os corpos foram enterrados em valas comuns ou deitados ao mar. O dia 3 de
fevereiro passou a ser feriado nacional em memória das vítimas da brutalidade
colonial, heróis pela liberdade da pátria. Conclui-se que não dava para ir
simplesmente pelas reformas, havia que lutar pela independência.

Movimentos negros: Black Renaissance, Negritude, Panafricanismo


Os Movimentos negros têm cariz cultural, literário, político e psicológico, em vista a
aumentar a autoconfiança e o estatuto social das pessoas negras nas diferentes
partes do mundo. Um destes movimentos é o 1.Harlem Renaissance inserido no
Renascimento negro (Black Renaissance) originário do Harlem, um bairro estado-
unidense em Nova Iorque que atingiu o seu auge entre 1920 e 30. O objetivo deste
movimento era de igualar os direitos civis, já que os negros não tinham tantos direitos
quantos os brancos. Para tal o Harlem Renaissance valorizou a produção cultural dos
negros, neste caso, afroamericanos quanto a, por exemplo, a música dos negros, jazz
e gospel que ganharam prestígio internacional. Nomes influentes da música
afroamericana desta época são: Louis Armstrong, Josephine Baker, Duke Ellingon e
Langston Hughes. O teórico mais conhecido era W. E. B. Du Bois também sociólogo e
filósofo. E como órgãos de movimentos e consciencialização desta valorização cultural
a Revista “Fire!!” (1926), por exemplo, com artigos de literatura. Outro movimento
negro da Black Renaissance e influenciado por esta é o 2.Negrismo, originário das
Caraíbas, sobretudo de Cuba. Destacam-se neste movimento o poeta Nicolás Guillén
(Motivos de Son, 1930 - dança, música, palavras melódicas), o romancista Alejo
Carpentier (Ecue-yamba-o, 1933 - vodu) e o etnólogo Fernando Ortiz (hibridismo
cultural, afrolatinoamericano). A troca de ideias entre homens como Aimé Césaire (de
Martinica), Leopold Sédar Senghor (foi presidente do Senegal), Alioune Diop (Senegal)
e Léon Damas (Guiana Francesa) levou à origem movimento negro intitulado de
3.Négritude. Surgiu em Paris, nos anos de 1930 e foi difundido pelas revistas “Légitime
Défense” (Martinica, 1932) e “Présence Africaine” (Dakar e Paris, 1947). Os negros
chegam a contar com o apoio dos intelectuais, como de Jean-Paul Sartre (França),
algo anteriormente criticado. Senghor desenvolve o conceito de “alma negra” como
inerente à estrutura psíquica dos africanos. Frantz Fanon denuncia o impacto
psicológico que o colonialismo tem nas pessoas negras. Caracterizam estes
movimentos culturais o orgulho na afirmação do ser negro, após a desvalorização e
desrespeito do colonialismo, a afirmação do vínculo indelével com a terra-mãe (mãe
África), a denúncia da dominação cultural e opressão colonialista, a contraposição à
política assimilacionista das potências europeias (afirmar o valor próprio das culturas
africanas e não agir segundo o padrão cultural e científico da europa), a afirmação da
liberdade criadora das pessoas negras, a forte influência da teoria marxista-socialista
(presente no texto de Aimé Cesaire – na critica do colonialismo como proletariado, ...)
e a solidariedade entre as “pessoas de cor” (união, história e problemática partilhada,
a opressão colonial, escravidão e tráfico de escravizados). O último movimento
abordado foi o 4.Panafricanismo, já numa vertente não cultural nem literária, mas
sobretudo política. O Panafricanismo surge após a conferência de Berlim (1884/85)
nos EUA, na Europa e no continente africano, sobretudo na África ocidental, tendo
sido o seu primeiro congresso em 1893, em Chicago, outros cinco congressos já no
século XX foram organizados por W. E. B. Du Bois. Os seus objetivos eram a
descolonização de África, a união de África dividida por fronteiras coloniais artificiais e
a criação de um estado africano continental. O jamaicano Marcus Garvey defendia
uma ideologia segregacionista radical e extremista, o que não permitia uma
conciliação entre negros e brancos, logo foi abandonada. Após o fracasso da
Organização de Unidade Africana (1963) na ajuda política e comercial entre os países
africanos, surge a União Africana (2002), que promove a democracia e o
desenvolvimento económico nos países membros.

Conceição Lima
Poema Mátria:
 Título: muito expressivo, nos dicionários o adjetivo mátrio está registado como
tendo sido criado pelo Padre António Vieira no século XVII. Porém não está
registado mátria como substantivo, apenas pátria.
 Tema: vínculo à terra mãe. A pátria que se confunde com casa, pois têm a
mesma propriedade e ambientação do útero materno (metáfora).
 Nos primeiros versos, o SP está fora da ilha, retornando a ela porque quer estar
desperta. Este regresso dá-se a partir de uma perspetiva feminina.
 Sabemos que a construção da identidade nacional é feita para representar
todos, assim é mencionado de forma muito subtil o patriarcado.
 “Diurna penumbra”, “dias subterrâneos fora do passado”: as falhas do templo
colonial (e também do pós-independência)
 O verbo “crer” e a ambientação “praias” podem representar algo positivo como
negativo
 A metáfora de “chuva” pode representar o alívio de uma situação difícil que
regenera a vida: mais prosperidade, sair da pobreza, etc.
 Interrogação dolorosa e inconformada por perdas da própria África (demora
da chuva, tristeza da mata, perda dos imbondeiros, desaparecimento da praça,
etc.)
 “imbondeiros” (árvores tropicais): metáfora para o passado que morreu
 Carga imagética: “Um degrau de basalto emerge do mar” / “e nas danças das
trepadeiras reabito/ o teu corpo” / “o teu corpo/ templo mátrio/ meu castelo
melancólico” etc.
 Castelo: ideia de um São Tomé inabalável, forte, protetor, defensivo
 O país esta numa melancolia e numa situação de abandono

Poema A Herança:
 O SP dirigindo-se à mátria faz um monólogo
 Anuncia a persistência na luta de emancipação plena para São Tomé e
Príncipe e a esperança num novo cenário (profecia que não se cumpriu)
 Reflexão sobre o passado colonial (memórias das atrocidades portuguesas
presentes - “herança saqueada”), mas também aborda o passado mais
recente.
 As promessas feitas pelos novos governos e a esperança que o povo tinha de
ter uma vida melhor, algo que nunca aconteceu
 Ainda assim a situação atual sempre é melhor que antes
 Ainda se pode “reescreve(r) uma longa profecia” caso essa seja uma
aspiração coletiva (esperança)

Poema Heróis:
 Celebração dos heróis que se sacrificaram pela causa de São Tomé e Príncipe:
memoração, homenagem, enaltecimento, louvação pública.
 Os ossos deles servem de alicerce ao mastro e ao obelisco (símbolos da
representação dos mártires)
 Visível sofrimento nacional
 Os heróis retornam zoomificados dotados de asas crucificadas
 Chá do príncipe (2017) de Olinda Beja (1946 - ... de São Tomé)
A obra Chá do Príncipe retrata a situação de São Tomé e Príncipe nos anos 80 (a
experiência da autora quando regresso às ilhas em 1985). Ao lermos recordar-nos-
emos de “Mornas eram as noites” de Dina Salústio, pela grande proximidade entre
narradora e autora em ambos os livros. Estes 22 contos são um pouco mais longos,
todos eles antecipados por sábios provérbios/ ditados, e com um sentido de crítica/
denúncia retratam o quotidiano de mulheres, crianças ou sobre o patriarcado e
machismo. Tem assim um leque temático mais amplo que se prende com a
construção da identidade nacional de São Tomé e a dificuldade dessa época, como a
pobreza continuada. Os contos são de leitura fácil, porém o livro acaba por
romantizar um pouco a ilha, pois transparece a imagem exótica e paradisíaca da ilha,
que não corresponde à realidade daquelas pessoas, que vivem no seu quotidiano a
dureza daquele espaço. Segue uma análise sucinta de três contos da obra:

“Leve, leve” (p.69):


 Expressão muito comum em São Tomé e Príncipe que caracteriza a identidade
nacional (são-tomensidade): por um lado, a leveza de estar na ilha, mas por
outro, o “deixar andar”
 Expressa um choque cultural (de mentalidades/ formas de vida) nos jornalistas
estrangeiros (paciência africana VS. Impaciência ocidental) que caracterizam a
expressão como uma forma de estar na vida negativa: preguiça, inércia,
passividade
 Porém, a autora incluindo-se na identidade são-tomense (“nós”, “nosso/a”),
apresenta exemplos que desmistificam o sentido da expressão
 Inclui um poema da própria Olinda Beja (relação narradora - autora)
 Num país onde muitas coisas não funcionam rapidamente e muitas nem
funcionam (como a nível político) deve-se: levar com leveza, sabedoria,
aceitação, paciência

“Sóya, sempre sóya” (p.79) (soya = história)


 Referência aos anos 80
 Tradição oral: reter e transmitir histórias de maneira fiel (estímulo da
memória)
 É contada uma história dentro da própria história (um rapaz brasileiro decide
emigrar para a ilha de Príncipe, pelas maravilhas que ouviu falar. Teve uma
carreira de sucesso, mas nunca se conseguiu casar pela forte relação que tinha
com o seu cão.)
 Poligamia (patriarcal) – tio com mais de 80 anos tem várias mulheres

“Rosas de porcelana” (p.121) (planta que caracteriza a flora de São Tomé e Príncipe)
 Caracterização dos anos 80: década difícil (pobreza e pessoas sem formação) e
dececionante em que as promessas da independência não se cumpriram.
 Os estudantes que recebiam bolsas para a RDA ao regressar não encontravam
trabalho por falta de infraestruturas.
 Assim, uma alentejana vai a São Tomé e Príncipe como professora de língua
portuguesa, um sonho que ela vê ser realizado.
 Este conto assenta numa perspetiva de olhar português, estereótipo
colonialista, destoando dos restantes contos: “o karma do povo lusitano é
andar de mala na mão e regressa com especiarias” (ódio aos colonizadores)
 Ainda assim a história é positiva: o trabalho da professora foi valorizado,
construiu uma relação afetiva com os alunos e ficou encantada pela ilha.
 No regresso a Portugal ela leva rosas de porcelana (símbolo de São Tomé) na
mala, desembocando num mal-entendido/ desconhecimento da mãe sobre a
realidade são-tomense: acha que as rosas são mesmo feitas de porcelana
(ironia)

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 Guiné-Bissau

Introdução sobre Guiné-Bissau:


Guiné-Bissau tem 36.125 km2 de área, 1,7 milhões de habitantes, a sua capital é
Bissau (500.000 habitantes), Bafará e Bolano são Outras cidades importantes. A nível
político o país é dividido por oito regiões e um sector autónomo (Bissau). Tem poucas
montanhas: Madina do Boé (267m). O arquipélago dos Bijagós são um conjunto de
ilhas costeiras e estuarinas da Guiné-Bissau, constituído por 88 ilhas, ilhéus e ilhotas,
situadas ao largo da costa atlântica norte africana, consideradas pela Unesco reserva
de biosfera (1996). O clima é tropical, quente e húmido, tendo duas estações, a da
chuva com ventos a sudoeste (junho a novembro) e a da seca com ventos a nordeste
(dezembro a maio). O Senegal, Guiné (Comarri) são seus países vizinhos. Este é um
país miscigenado que congrega diferentes grupos culturais e étnicos (que falam várias
línguas) como: fulas, mandingas, balantas, manjacos, etc. Em 1920, dos 87.448
habitantes cerca de 1000 eram europeus. Em 1949 é criado o primeiro liceu em
Bissau. Em 1950 registavam-se apenas 1.478 habitantes negros. A língua oficial é o
português, porém não é dominada pela população, que fala maioritariamente o kriol
(língua crioula baseada no português), também se fala mais de 20 que são das línguas
nigero-congolesa e ainda se ensina nas escolas o francês. A África ocidental na era
pré-colonial era islamizada (século XI), refletindo-se até à atualidade, nos 50% de
pessoas islâmicas contra apenas 10% de cristãs. A nível económico, este é um dos
países mais pobres do mundo muito devido à instabilidade política e ao êxodo dos
portugueses depois da independência. Ao contrário doutros países, neste não houve
condições na era colonial para o surgimento de uma elite intelectual africana sem
movimentos cultural-literário, sendo que em 2019 apenas 60% dos habitantes eram
alfabetizados.

História (pré-colonialismo, colonialismo e pós-colonialismo) de Guiné-Bissau:


Entre 1444 e 1446, os portugueses “Nuno Tristão e Álvaro Fernando” chegam ao
território. Em 1558, dá-se início à colonização da costa com a fundação de Cacheu,
enquanto o início da colonização do interior só se dá no século XIX. Antes, Guiné-
Bissau chamava-se de Guiné-portuguesa. O Reino de Kaabú permaneceu até ao século
XVIII e o Reino de Mali era o maior reino de África. Com a descoberta de Cabo-Verde
em 1460 forma-se uma ligação administrativa entre a Guiné-portuguesa e Cabo-
Verde. Ainda assim, com políticas diferentes: a Guiné como entreposto do comércio
escravizados, enquanto a política em Cabo Verde permitirá o surgimento de uma
burguesia mestiça. A colonização da Guiné foi tardia e com poucas estruturas e pouca
penetração administrativa do interior até ao início do século XX. Até a década de 1870,
a Guiné estava subordinada à administração de Cabo-Verde. Até à década de 1960
quase não existiam guineenses formados no sentido europeu, sendo os letrados
sobretudo imigrados de Cabo Verde, usados como agentes culturais de colonização,
da miscigenação cultural e biológica e a sua chegada em massa era incentivada pelas
autoridades coloniais. Em 1956 é fundado o Partido Africano da Independência da
Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Em 1959 dá-se o Massacre de Pidjiguiti (repressão de
uma greve no porto de Bissau, 40-70 mortos). Em 1963 inicia a luta armada, em 1973
(a 20 de janeiro) Amílcar Cabral (pai cabo-verdiano e mãe guineense, estudou em
Lisboa), fundador do PAIGC e líder da revolta guineense, é assassinado por dois
homens do seu partido e nesse mesmo ano (a 24 de setembro) é proclamada
unilateralmente a independência do país por Nino Vieira, reconhecida por vários
países comunistas e africanos, tendo sido só no ano seguinte reconhecida por
Portugal, tendo sido, assim, a primeira colónia a ver a sua independência reconhecida
por Portugal. Amílcar Cabral, no seu discurso “Alguns princípios do partido” (1969),
acreditava que as culturas africanas (crenças, rituais, deuses) limitavam o povo, mas
que não se as podiam negar, sendo assim era importante dominar e compreender as
forças da natureza (seca, vidas selvagens, etc.). O primeiro Presidente da República
da Guiné-Bissau foi Luís Cabral (irmão de Amílcar Cabral) e até 1980 Guiné-Bissau e
Cabo Verde eram dirigidos por um único partido, o PAIGC, porém nesse ano deu-se
um golpe de estado sob a liderança de Nino Vieira (primeiro-ministro) suspendendo a
Constituição da República e instituindo o Conselho da Revolução, formado por
militares e civis. Este golpe sucedeu pela crise económica e social do país (escassez de
alimentos básicos) e pelas prisões e fuzilamentos em massa de ex-comandos
africanos, ex-milicianos e de alguns civis, acusados de terem pertencido ou apoiado o
exército colonial português. Desta forma, os dirigentes políticos cabo-verdianos
decidiram desvincular-se do PAIGC, formando um novo partido, designado por PAICV
(Partido Africano para a Independência de Cabo Verde), numa total rutura política.
Nino Vieira tornou-se presidente da Guiné-Bissau e começou um programa de
reformas e liberalização política, abrindo caminho para uma democracia
multipartidária. As primeiras eleições partidárias realizaram-se em 1994, mas apenas
quatro anos depois a sua presidência é derrubada por uma guerra civil. Após a guerra
civil, a oposição, o partido Partido para a Renovação Social (PRS) ganha as eleições
sendo que Kumba Yalá assume o cargo de presidente da República em 2000. Porém
deposto em 2003 por um golpe de estado, tendo Henrique Rosa assumido o cargo
interinamente. Em 2004 um comandante-mor contra Kumba Yalá protagoniza uma
revolta, mas é assassinado, causando uma comoção no povo. As eleições de 2005
reconduziram Nino Vieira à presidência, assassinado em 2009. Nesse ano assume a
presidência Raimundo Pereira que faleceu, por causas desconhecidas, em 2012
durante o mandato. É também em 2012 que se regista outro golpe de estado neste
país, militares guineenses atacam a residência do ex-primeiro-ministro e candidato
presidencial, Carlos Gomes Júnior presidente do PAIGC. Na atualidade, o presidente
da república é Umaro Sissoco Embaló, representante do Partido Movimento para
Alternância democrático (fundado por ex-membros do PAIGC). Este ano, 2022, ainda
se vive uma grande instabilidade política na Guiné-Bissau tendo havido em fevereiro
uma tentativa de golpe.

Literatura da Guiné-Bissau:
Em 1879 é criada a primeira tipografia em Bolama (arquipélago de Bijagós), iniciando
assim a imprensa da Guiné-portuguesa, em mãos dos portugueses radicados no
território. Em 1930-31 é editado O Comércio da Guiné, o primeiro jornal editado por
um guineense, Armando António Pereira em colaboração com Juvenal Cabral (pai de
Amílcar Cabral), entre outros. Onde se mantém um discurso luso-tropicalista e
colonialista, porém reformista, defendendo os interesses do guineense dentro do
sistema colonial. O boletim cultural da Guiné Portuguesa (1946-73), órgão oficial,
publica amostras traduzidas da tradição oral e também havia literatura etnográfica
(p. ex. sobre as etnias bijagó, balanta, manjaco, fula, mandinga) e ficção colonial
escritas por não-guineenses. Foram publicadas algumas coletâneas de lendas, mitos e
contos de diferentes grupos étnicos. Da literatura colonial destacam-se: Fausto
Duarte (cabo-verdiano) e Fernanda de Castro (portuguesa) na ficção e Terêncio
Anahory (cabo-verdiano) na poesia. A poesia, de facto, guineense inicia com António
Baticã Ferreira (1939 - ...), um guineense, influenciado pela tradição francesa e com
uma ligação secreta contra o PAIGC. Deste autor temos apenas poemas incluídos
nalgumas coletâneas. No seu poema “País Natal”, o autor num tom saudosista
recorda o tempo de paz (era do colonialismo), denunciando a violência da guerra. Já
o poeta Vasco Cabral (1926-2005) participou nas atividades da casa dos estudantes do
império. A matriz independentista e os jovens poetas emergem dentro da militância
política, motivados pelo passado recente. O ano 1977 é considerado o início da
produção literária e editorial com a antologia poética “Mantenhas para quem luta”
como marco da geração de poetas nascida nas décadas de 1940 e 1950 que viveram a
guerra enquanto crianças. Em 1978 sai a “Antologia dos jovens poetas” e no ano
seguinte “Os continuadores da revolução e a recordação do passado recente”. Esta
geração demonstrava uma grande preocupação com a função social da poesia e com
o processo revolucionário, usavam uma linguagem clara e direta, por vezes eufórica e
panfletária, alguns poemas eram escritos em crioulo. Abordava temas como:
antinacionalismo, alienação cultural, precariedade social, repressão política (p. ex.
Pidjiguiti), consagração da vitoria e da liberdade, Mão África, identidade negra, etc.
Apesar da inexperiência destes poetas, estas obras foram importantes por serem as
primeiras depois da independência num sistema literária praticamente inexistente,
depois destas outras antologias se seguiram. O escritor e professor Hélder Proença
(1956-2009) lutou pela independência e foi político na pós-independência,
coorganizou a antologia “Mantenhas para quem luta” e publicou o livro “Não posso
adiar a palavra” (1982), que reúne poemas da luta pela independência, tendo sido
assassinado a mando de um candidato à presidência em 2009.

Análise de poemas de Hélder Proença:


“Quando te propus”
 Tentativa de incitar o povo à união, a acreditar em si, em ter esperança de
modo à luta pela independência ser um sucesso
“Nós Somos”
 Tentativa de definição do povo guineense (hino, tradição, capacidade de
sobrevivência)
“Pindjiguiti eterno”
 Eterniza a memória do massacre, evitando uma repetição de tal e não
perdendo a esperança, o povo erguido fará a mudança

Massacre de “Pindjiguiti
Os estivadores e marinheiros no cais do Pindjiguiti, em Bissau, maioritariamente
empregados pela Casa Gouveia, fizeram uma greve exigindo aumento salarial. Este
movimento foi duramente reprimido pela polícia com prisões e interrogatórios,
resultando em dezenas de mortes. Este acontecimento serviu como fator de
aglutinação da libertação bissau-guineense, utilizado pelo próprio partido PAIGC.

A música também surge como órgão de intervenção político-social. O género musical


Gumbé surge na década de 1970, cantada em kriol e acompanhada de um instrumento
feito de uma cabaça, o seu conteúdo é social.
 O escritor Ernesto Dabó (nascido em 1949).
 José Carlos Schwarz (1949-77): “Na colónia”; Ativismo em defesa da
Independência; esteve preso na “Colónia Penal e agrícola da Ilha das Galinhas”
(Arquipélago dos Bijagós); morreu num acidente de avião em Cuba.
 Adriano Gomes Ferreira (1949): Compositor, músico, autor de letras e chefe de
orquestra. Autor da música “Ramedi ku ka ta kura”, traduzida posteriormente
por Odete Semedo “Remédio que não cura”.
 Tony Tcheka (1951, Bissau): Jornalista e poeta, diretor da radio nacional da
guine Bissau e cofundador da Associação de Escritores da Guiné-Bissau
(AEGUI). No seu poema Povo adormecido (1996): o povo vive numa opressão
pelo impacto psicológico que o colonialismo lhes causou.

Odete Semedo (Bissau, 1959)


Poeta, política, professora universitária. Cofundadora da associação de escritores da
Guiné-Bissau e atual vice-presidente do PAIGC. A escritora recorre à literatura como
meio para fixar a memória oral e a herança ancestral, garantindo a transmissão às
novas e futuras gerações das tradições dos povos que formam a Guiné-Bissau.
Análise poética:
“Em que língua escrever”
 O eu lírico expressa o desejo de registar a herança cultural do seu povo,
presente nas passadas e cantigas.
 As versões em português e crioulo, não sendo uma tradução, são semelhantes,
mas diferentes.
“O prenúncio encontrou a história”
 A liberdade é um prenúncio antigo de esperança que passa de geração em
geração, mas que não se concretiza (deceção) como uma “gravidez que nunca
chega ao nascimento” (metáfora), mantém-se em estado de feto/ embrião
 Assim esse prenúncio passou a lenda, uma lição que fez a geração mais jovem
não ter sequer essa esperança
 Pois, a suposta melhoria da era pós-independência nunca chegou
 Conclusão pessimista (sobre tecnologia e democracia de fora)

 Mistida (1997) de Abdulai Sila (Catió, 1958)


Conceito de “Mistida” e introdução:
 do crioulo guineense mistida, «idem», de misti, «querer»
 vontade, querença, necessidade
“Mistida” é uma expressão ambígua e polissémica, ao falante que a expressa confere-
lhe um poder especial de possuir ou conhecer um segredo/mistério/ enigma, que não
é do conhecimento público, algo que tem que ser feito em segredo, de forma discreta
e eficaz, um imperativo, etc. O povo tem que se desenrascar para viver, ou seja, tem
que “safar uma mistida”. A crise social encontra-se espelhada nos 10 capítulos do
livro, que podem ser lidos quase como contos. Cada um dos dez capítulos de Mistida
apresenta uma epígrafe baseada em letras de músicas interventivas em crioulo e em
inglês com um título elucidativo sobre o assunto nele tratado. Além disso, antes das
epígrafes há parágrafos em prosa, que terminam com uma pergunta, essas perguntas,
de certo modo, remetem à pergunta que abre o livro: “Si fere ala, fere bonde ko
fere?”, isto é, “Se não há saída, uma má saída é saída?”. Esta questão inicial revela-
nos a tonalidade do romance: somos questionados todo o tempo, assim como nos
questionamos. Na maioria, os personagens são cidadãos socialmente marginalizados,
com relação intertextual, e unidos por um leitmotiv (mistida). A linguagem é simples e
quotidiana, com emprego de palavras de origem africana ou crioula. Está patente o
retrato da banalização do Estado e da sociedade pelos regimes híbridos emergidos
dos sucessivos golpes de Estado e de lutas incessantes pelo controle do poder
absoluto e, por conseguinte, cada um dos capítulos demonstra uma sociedade repleta
de situações “tão monstruosas como a que os nossos olhos temem reconhecer na
‘realidade’”

 Apresentação (camaleões)
O parágrafo que antecede este capítulo mostra a imagem de um camaleão, animal
que no imaginário guineense representa o mistério, a incerteza e a instabilidade, e
constantes mutações (várias caras), adaptando-se a qualquer uma delas tendo em
conta as suas conveniências. A realidade sociopolítica de Guiné-Bissau tem sido
marcada pela imprevisibilidade e constantes alterações, esta realidade desembocou
na fórmula do desenrasque para ganhar a vida. A corrupção generalizou-se a todas as
camadas sociais, pois tudo era feito com o propósito de “safar a mistida”.

 Capítulo 1 – Madjudho
Epígrafe: “one love” Bob
Personagens:
 Comandante: ex-combatente na guerra pela independência que se resigna por
se sentir impotente
 Madjuoho: jovem escravo de 17 anos transportado no armamento
 Não são parentes, o jovem é resgatado pelo comandante
Lugar:
 Posto de sentinela dos portugueses que foi conquistado durante a luta perto
de Bissalanca (zona do Aeroporto de Bissau)
 O Comandante ficará “Até ao dia”, pois “Eu é que libertei e ele foi-me
confiado”, desta forma o posto simboliza a luta e os sonhos de esperança nela
inerentes
 Ao não abandonar o posto, o Comandante acredita que os sonhos ainda não
foram atingidos
 Lembrança da luta pela independência “Era o orgasmo ...”  sentido da nação
 O comandante nega-se a abrir os olhos durante o dia: claridade VS. escuridão
 O comandante valoriza muito uma medalha, que tirou de um avião abatido
 Madjudho pela sua ingenuidade, falta de experiência e formação decide
comemorar a vida
 O comandante com os olhos fechados, durante o dia pelo sol, pergunta ao
miúdo se a sua cor mudou, mas Madjudho não via nada de diferente no sol, até
à medalha se transformar no novo sol (símbolo da época colonialista que
resiste a não ir embora)
 O sol simboliza a renovação. A escuridão sombria vivida no colonialismo e a
claridade experimentada no pós-independência (metáfora).

 Capítulo 4 – Timba
 animalização do ser humano quanto à sua sexualidade, utilização de
expressões como cio, fecundação, etc.
 Protagonistas: Amambarka, o que mente e come suas próprias fezes, e Nham-
Nham, o rei do lixo. Não são um casal gay, mas sim uma luta pelo poder, que
cria uma sensação de nojo.
 Amambarka: opressor, usurpador e hipócrita, impõe e engana, faz de tudo
para apossar-se do poder. Desmistifica o opressor e imputa a responsabilidade
àqueles que usam o poder para roubar a razão, para castrar e afundar o país na
extrema pobreza material e psíquica, aqueles que negando o direito à
instrução, a saúde, a habitação condigna e a alimentação conseguem manipular
o povo mantendo-o preso e dependente.
 Nham-Nham: considera-se grande inteligente, o único que merece o trono,
mas come merda, é oportunista, calculista, cobiçoso, cheio de ódio.
 Ambas as personagens são inspiradas em pessoas reais, mas transformam-se
em criaturas monstruosas: caricaturas grotescas de políticos, nojentas,
repulsa.

 Capítulo 5 – Mama Sabel


 Mama Sabel: Velha (mulher-grande), tem um joelho inchado, vende mancarra
(amendoim) num beco. A verdade (mau estado do país) causa-lhe dor.
Representa o conformismo, benevolência, amor e abnegação, típica mulher
guineense, sofredora, embora com grande potencial, nunca tem opinião
própria, aceita tudo o que se diz cultural e tradicional.
 Djiba Mané: menina quase analfabeta, já não ia à escola, não beneficiava de
proteção do Estado, não tinha roupas de moda, era pobre. Em vez de receber
proteção e apoio do Estado, é aliciada pelos próprios representantes do Estado
que se servem dos bens do Estado a se prostituir como meio de melhorar a
sua vida. A corrupção naturalizou-se na sociedade guineense. A rapariga
tenta apoiar Mama Sabel com dinheiro, mas esta recusa, dizendo que o
dinheiro é sujo.
 Diálogo entre gerações: uma que, provavelmente, viveu a luta pela
independência e outra que já nasceu, provavelmente, no pós-independência.
 Enquanto Mama Sabel defende a humildade e honestidade, conformando-se
com o que ganha para viver, Djiba Mané adapta-se à realidade corrupta do
país (vende o amendoim de forma desonesta, menos quantidade que a
medida), desresponsabilizando-se completamente, por ser uma necessidade e
porque todos o fazem, logo sozinha não o conseguia mudar.

 Capítulo 6 – Muntudu
 Protagonista: personagem feminina não-nomeada, a qual, no capítulo X,
descobrimos ser Ndani, a protagonista de A última tragédia.
 Ndani: Jovem mulher que vende uma serie de produtos na esquina, após uma
molha à chuva, esteve uns dias sem ir trabalhar por ter adoecido, mas quando
regressa o seu posto de trabalho estava possado de lixo.
 Ela tenta negociar com o lixo (símbolo do governo, corrupto e decadente) –
personificação (fala e dá gargalhadas) – pede ajuda a outras pessoas para
remover o lixo, mas estas não ajudam ou vão se embora (falta de
solidariedade).
 Leitura literal: a câmara municipal não recolhe o lixo
 Leitura metafórica: todo o comportamento é de lixo, desinteressado com o
povo, por mais pequeno que fosse o lugar da rapariga para viver.
 Após ficar desalojada, começa uma guerra contra o lixo: “Tinha chegado ao
limite da sua canseira, por isso ela tinha que acabar. A bem ou a mal, tinha que
acabar nesse dia”
 A protagonista retira um kambletch (pedaço de cabaça em forma de cesto) e
envia-o pela corrente de água com uma mensagem para o seu homem que está
longe “Diz-lhe que temos muitas saudades dele” / “(...) diz-lhe que tudo está a
transformar-se em lixo. Tudo. As pessoas já não têm coração. No seu lugar está
agora só lixo. Tal como nas cabeças ..." (127)
 Comparação: medalha (cap.1) – o kambletch (cap. 6)

 Capítulo 7 – Djiba Mané


 Djiba Mané: personagem muito intrigante, ela experimenta o que conclui ser a
felicidade verdadeira – o poder –, discute com sua colega como tê-lo – tornar-
se juiz, dar um golpe de estado – e, no final, decide mudar de nome e, ao
renomear-se, torna-se noutra pessoa. Quando reflete sobre a confusão de seus
sentimentos faz referência a Ndani.
 Djiba Mané apita e faz parar o transito  sensação de prazer extremo e
prolongado  melhor que o sexo  Como é possível repetir esta sensação de
prazer?  descobre o poder  Assim, muda de nome: Mary Jo – as amigas do
night club pensam que está drogada – “Djiba Mane é uma moça que nunca foi
feliz na vida” (142)
 Vive com uma amiga: Nhelem
 Djiba e as suas colegas não interagem com homens, mas com machos. Onde
estão suas mães, esposas, filhas, irmãs deles? E onde estão os pais, filhos,
maridos, irmãos delas? Algo está de muito errado aconteceu.
 Prolepse: Reencontro das amigas no night club, vários anos mais tarde, Djiba é
agora uma Alta Dignatária da Nação, poderosa com guarda-costas. Símbolo da
emancipação das mulheres daquela terra.

 Capítulo 8 – Yem-Yem
 Protagonista: Yem-Yem, o carrasco = torturador, polícia ao serviço de um
regime ditatorial, o regime de Nham-Nham.
 Afirma ter um problema por causa de uma palavra
 Embebeda-se num klandô (bar), inspirando medo nas pessoas presentes (era
conhecido como o carrasco), mas transforma-se numa pessoa positiva que
inspira confiança. À porta do bar é morto por uma metralhadora (regime
opressor de Nham-Nham).
 Parece ter dupla personalidade: “ficaram só com a dúvida se o animal era
aquele que viam e que estava permanentemente a rugir, ou o outro, o invisível,
que se escondia e crescia dentro do primeiro.” (161)
 Reflexão: como subir na carreira política num país corrupto? Yem-Yem aceitou
o jogo desonesto e hipócrita dos favores, da corrupção, das falsas promessas,
do engano do povo (162-165)
 Desta forma chegou a ter um couro na política, mas refletiu sobre um amigo
seu de infância (este salvou-lhe a vida, mas depois veio a política), que não
aceitou esse jogo.
 Política: Cenário desolador, sem esperança. Manipulação do povo para
alcançar outro objetivo (manutenção do poder), como as promessas (nunca
realizadas) para acumular votos
 Na política não há amizades, os favores são sempre cobrados, ninguém faz
nada por bem, necessita-se de dividir inimigos, todos trabalham contra todos
 Objetivo: Unidade nacional – unir a Guiné-Bissau como um povo que se
identifica com a ideia de nação (algo muito difícil)

 Capítulo 9 – Marrio (mar + rio)


 Este capítulo prepara o encontro final, que se dá no décimo capítulo.
 Madjudho/ Artudho encontra-se num hospital com uma doença terminal
 Tinha recebido uma mensagem do mar: “era sobre uma viagem que devia
realizar. Uma viagem para uma terra longe. Depois tinha que trazer uma
mensagem. Mas antes tinha que assistir...” (178)
 Por faltarem algumas palavras da mensagem, Madjudho não consegue
cumprir com o que lhe foi pedido. Não sabe aonde deve viajar, nem de quem
deve receber a mensagem.
 Uma mulher decide levar lkegabdi a sua casa para ele poder ter uma morte
mais humana.
 Analepse: Madjudho/ Artudho trabalha duro para comprar um bilhete de
avião e pagar o visto. No entanto, um funcionário corrupto fica com o
dinheiro sem lhe devolver o passaporte. O funcionário tem um acidente e
precisa de sangue, assim Madjudho doa-lhe sangue em troca do visto. Viaja ao
estrangeiro, mas é deportado, não conseguindo explicar o propósito da sua
viagem (mensagem do mar ou do rio – marrio). É insultado pelos funcionários
da migração (“negro estúpido, imbecil”, 183). De regresso, continua a doar
sangue no hospital na esperança de reencontrar o funcionário da embaixada.
A mulher conclui que foi aí, no hospital, que se contagiou (talvez de HIV).
 A mensagem = desejo de mudar o estado em que está o país!
 Madjudho morre; no funeral, uma lágrima da mulher transforma-se em mar-
rio. Os defuntos ressuscitam; dirigem-se à capital.
 “Por isso tinham decido levantar-se para corrigir a situação de uma vez por
todas” (190) “Marchavam ao ritmo de uma linda melodia que anunciava o
matrimónio que iria marcar o início de uma nova era” (190)

 Capítulo 10 – Kambansa (= transição)


 Este capítulo amarra os cabos soltos: as diversas mistidas que as personagens
anunciaram nos distintos capítulos são realizadas.
 Reaparecem não só as personagens dos outros capítulos, mas também os
elementos que carregam valores simbólicos/ metafóricos, como:
 O contraste entre escuridão e claridade
 O casamento do sol e lua
 O lixo
 O kambletch de Nadni
 O alma-beafada como mau/ bom augúrio
 A mudez do comissário político
 A conversa começa com a informação de Amambarka para Nham Nham de que
lá fora estavam os defuntos a pedir amor aos vivos (ressuscitados no cap. IX)
 Estes “monstros” estão numa cave, na escuridão (maldade) e para ir à
superfície têm de ir no elevador.
 Esta é a única informação certa que Amambarka dá a Nham Nham, já que até
aí fazia-o acreditar que politicamente o veneravam.
 Rebelião dos defuntos: querem amor e tolerância para os vivos
 Mas o amor é um sentimento que não diz nada a Nham Nham (promíscuo e
nojento)
 A luta pela nova era do sol (golpe de Estado/ guerra civil)
 “O sol e a lua encontravam-se lado ao lado, brilhando, enchendo a terra de luz
e claridade que segundo aquele desconhecido nunca mais iriam desaparecer”
 Aparece o Alma-bafeada, mas é morto por uma rajada, assim como o
Comandante.
 É Amambarka quem dispara, ele é o novo chefe e Yem-Yem o seu assistente.
 Amambarka manda cortar as cabeças de todas a vítimas, cortam também a
língua do comissário político.
 Mama Sabel: “não consigo entender... Dantes roubavam somente a memoria.
Agora levam a cabeça inteira!” (205)
 Multidão de crianças: “vitimas da ambição e da corrupção, do desleixo e do
desgoverno, que permitiam que se gastasse mais na repressão que na
educação”
 Marcha das crianças em direção à cidade, pois Ndani quer mostrar-lhes o
caminho que indicou o Kambletch
 Djiba Mané e a suas companheiras lutam pelo resgate da esperança
 As perguntas cessam! Estrutura circular que nos provoca desconcerto

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