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CONTRIBUIÇÃO À VISÃO HOLÍSTICA AFRICANA

Virginia Maria Almeida de Freitas


Doutor em História das Ciências
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil
vmafreitas@oi.com.br

RESUMO: O Homem é um ente participante da Vida, um manifesto Projeto, união e


equilíbrio, com a Natureza – corpo, espírito, mente e o universo infinito: raciocínio
holístico. Uma Essência, já da memória de civilizações animista, perpassaria por
animados e inanimados - estímulo metafísico que transcorreria o Espaço e Tudo nele
contido. Práticas espirituais facultariam controlá-lo. A homeopatia o elegeu e o usa
como instrumento de trabalho: o Princípio Vital mantém a harmonia das partes do corpo
humano. A correção do seu desequilíbrio resulta em saúde, bem estar. Entre os
iorubás-falante e os preservadores desta cultura, o termo Àse tem diversas dinâmicas:
gerencia o ser no mundo e presta-se a alicerçar, no saber que simboliza, com suas
justificativas, objetivo e método recursos de saúde.

PALAVRAS-CHAVE: homeopatia; àse; princípio vital; saúde; vitalismo.

INTRODUÇÃO

O Homem é um ente participante da Vida, um manifesto Projeto, união e


equilíbrio, com a Natureza – corpo, espírito, mente e o universo infinito - um raciocínio
holístico. Demais, uma Lei Essencial está presente nos registros verbais orais e / ou
escritos, de muitas civilizações de memória animista: perpassaria por animados e
inanimados. Tal estímulo metafísico transcorreria o Espaço e Tudo nele contido. A
dinâmica pode ser vista como uma classe de objeto sutil que práticas espirituais
facultariam controlar. Max Freedom Long, falecido em 1971, registrou observações do
Dr. William Tufts Brigham (1841 – 1926): a magia dos havaianos da religião Kahuna -
curadores com ascendência na Polinésia e na África do Norte, desde cerca de 2.600
a.C. - continha o segredo da cura (LONG, 1936; 1961). O postulado modo de interação

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da informação, caso ocorra, talvez tivesse competência para esclarecer resultados
terapêuticos de intenções religiosas, com mudanças clínicas significantes. A função do
incorpóreo na saúde e na cura está em conformidade com o raciocínio holístico. Do
remoto Egito às culturas originais da América, ritos de cura permeiam a história médica
e a religiosa. São cerimônias com uma rede de técnicas que têm o paciente como eixo
central e fluem para trazer-lhe benefícios: tipicamente um admirável modelo de
tratamento holístico (HEWSON, P. et al., 2014).
Se o olhar é para a Ciência, a bioenergia não é bem definida. No campo da
Medicina Alternativa e Complementar (MAC) vários pesquisadores e profissionais
fazem dela julgamentos diferentes, intuitivos - conceitos derivados de paradigmas, de
discursos educacionais e de experienciais originais (LEVIN e VANDERPOOL, 1989;
LEVIN, 1996; LEVIN, 2003; HINTZ et al., 2003). Modelos terapêuticos alternativos e
complementares contribuem para a saúde e bem-estar a partir da estabilização - entre
mente, corpo e espírito - do enfermo e o meio ambiente, além de destacar a saúde e
não a doença (FREITAS, 2007).
O conceito pode ser usado para delinear o embasamento teórico de cura de
várias técnicas (Qigong, Reiki, Toque Terapêutico e passes espíritas), mas não
identifica um tipo particular de percepção, que seria, em si, a responsável pelo
substrato de toda alteração fisiológica e patológica que sofre um ser vivo. Este
elemento sutil ainda não teve existência e modo de funcionamento confirmado, de
forma a se tornar consenso com relação ao pensamento científico corrente (LEVIN,
1996). A concepção vem sendo designada e decodificada através do tempo, cultura,
tradição espiritual e escola de cura de muitas maneiras como “superempírico” (LEVIN e
VANDERPOOL, 1989, p. 69), mana: “essência [...] independente” (MAUSS, 2003, p.
143), “certa situação do espírito diante das coisas” (LÉVI-STRAUSS, 2003 apud
MAUSS, 2003, p. 37 e 38); ou ainda, por exemplo, ch’i (medicina tradicional chinesa),
vis medicatrix naturae (medicina hipocrática), prana (tradição ioga), energia vital
(Medicina Vitalista).
Axé é termo que apresenta semelhança e simetria a outros de cultura, rito e
sacralidade com verdade diversa. Reitera-se: mana das línguas melanésias e
polinésias: “não é simplesmente uma força, um ser, é também uma ação, uma

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qualidade e um substantivo” (MAUSS, 2003, p. 142); e, adiante: “... uma coisa, uma
substância, uma essência manejável, mas também independente. Eis por que só pode
ser manejado por indivíduos com mana, num ato mana, isto é, por indivíduos
qualificados e num rito” (MAUSS, 2003, p. 143). Claude Lévi-Strauss, o mais destacado
discípulo de Marcel Mauss, sugere questionar se, frente às ideias concebidas,
frequentes, difundidas do modelo mana não estamos diante de uma forma de
pensamento universal e permanente, que, longe de caracterizar certas civilizações ou
pretensos “estágios” arcaicos ou semi-arcaicos da evolução do espírito humano, seria
função de uma certa [sic] situação do espírito diante das coisas, devendo portanto
aparecer toda vez que essa situação é dada”. (LÉVI-STRAUSS, 2003 apud MAUSS,
2003, p. 37 e 38). No Brasil, o professor Claude Lévi-Strauss esteve à frente da cátedra
de Sociologia I, no Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo.
Quando esta vagou chegou, em 1938 para ocupá-la, o Professor Roger Bastide (1898-
1974); ficou até 1958. Formou a primeira turma de cientistas sociais. Estudou as
religiões negras no Brasil.
O vocábulo axé é fecundo. Entre o que pode perceber-se é ser “em nagô a força
invisível, a força mágico-sagrada de toda divindade, de todo ser animado, de todas as
coisas” (BASTIDE, 1961, p. 84). Utiliza-se a definição de Bastide para Axé. Para ele,
Nagô tem muitos sentidos, é nome de um povo (do Reino do Ketu, da atual República
do Benin), também de uma região e até mesmo de um culto (Jamaica). Bastide deixa a
impressão de usar Nagô, nesta oportunidade, no sentido de idioma ou língua.
A homeopatia elegeu para usar como instrumento de trabalho, a informação
complexa que denominou de “força vital (erradamente chamada natureza)”
(HAHNEMANN, 1981, p. 38). A alteração do termo para Princípio Vital deu-se na sexta
e última edição do Organon e Hahnemann expressou-se assim como sinonímia de
Força Vital, das edições anteriores. O fenômeno Princípio Vital mantém a harmonia das
partes do corpo humano e o espírito nele residente concilia esta matéria “para os mais
altos fins de sua existência” (§9) (HAHNEMANN, 1981, p. 60 e 61). Sir James George
Frazer parte da concepção do “princípio vital como um pequeno ser ou alma existente
no ser vivo, mas dele distinta e separável, (...).” (FRAZER, 1982, p. 97e 98).

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Na civilização de língua materna iorubá, na África Ocidental, as palavras podem
ter diferentes significados dependendo da inflexão da voz com que são pronunciadas.
Idioma tonal, quando corretamente proferido, tem pelo substantivo Àse definição de
“Lei, comando, instrução, ordem”; também, num outro parágrafo do mesmo dicionário,
“Amém” (FONSECA JUNIOR, 1988). “Força vital que transforma o mundo” (PRANDI,
2007). No Brasil, desde há algum tempo, o iorubá é um código ritual (SERRA, 2002). O
comando que a inflexão da voz constitui, no tempo e no espaço, anula limites. O marco
circunscreve-se, todavia, abrigando-se em pinturas e esculturas – dispõe-se e
intermedia-se na arte: Das zentrale Thema der traditionellen afrikanischen Kunst ist das
Bild des Menschen (KOLOSS, 1999).1 Esta Lei mágica, princípio e fim, “Amém”, é um
modelo de sustento, um conceito particular, que se crê dar figura e forma aos indivíduos
da espécie humana e predicados aos procedimentos da cultura religioso-filosófica dos
que com ela se alinham. E é, para seus fiéis, vigor dinâmico singular: realidade única
que contém todas as dimensões da totalidade. O universo (macro) inteiro e o ser
humano (micro) constituiriam um só sistema de vida, com toda a natureza. Esta força,
matéria sutil ou energia seria captada do planeta (macro), assentada na cabeça do
homem (micro), de onde passaria a equilibrar seus vários centros energéticos: mental,
físico e espiritual (FREITAS e KUBRUSLY, 2011).
Já foi discutido em Tese de doutoramento que o axé, “a informação iorubá
invisível, mágica, sagrada possa ser a mana dos idiomas melanésios e polinésios e o
princípio vital Hahnemanniano” (FREITAS, 2013, p. 42). Por não fazer parte dos
fenômenos que estão de acordo com as leis científicas atuais, o axé está entre as
tantas (meta) informações presentes no corpo do mundo que se presta a alicerçar
saberes com seus conjuntos de justificação, objetivo e método, mas “que ainda não são
olhados pela Ciência Oficial” (FREITAS, 2013, p. 42).
A ruptura entre a visão afro-holística do Axé e a dos recursos-padrão vigentes de
atendimento, na Saúde, faz com que o pesquisador-crítico se abasteça do
Estruturalismo. Como Método de análise e pesquisa, o estruturalismo destaca, do saber
em estudo, sua essência fundamental sem a qual o conhecimento não pode
simplesmente existir ou, se o faz, não estará completo; como linguagem, conjunto de

1
“O tema central da tradicional arte africana é a construção do Homem” (tradução da autora).

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formas de expressão, que se ajusta numa tarefa para resultar no tecido da informação
desejado. Torna-se necessária esta visão crítica de análise por parte das Academias.
Empreitada interdisciplinar: avaliar uma das essências afro-brasileira, inseparável do
afro-holísmo na saúde e seu sistema particular de representações nas culturas de
matriz africana. “As pessoas podem estar procurando melhor qualidade de vida,
destacando-se maior abrigo humano como acolhimento, apoio emocional e
humanidade, opção acessória assistencial ao bem-estar e às moléstias” (FREITAS,
2013, p. 104).

REFERÊNCIAS

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FREITAS, V. M. A. Perspectiva da evidência de modelo diagnóstico terapêutico da


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