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SUMÁRIO

Introdução

Capítulo 1: Dimensões Ontológicas da “Cura” no Candomblé e nas Religiões Afro-


americanas
1.1 .

Capítulo 2: Relações de Mutualidade, Reciprocidade e Retribuição: análise de


aspectos rituais nos processos de cura

Capítulo 3: Renascimento e Transcendência: Iniciação e Dimensões Epistêmicas da


Vida Religiosa

Capítulo 4:

Conclusão

1
Capítulo I

1. Dimensões Ontológicas da “Cura” no Candomblé e nas Religiões Afro-


Americanas

O tema da cura no contexto histórico das religiões afro-brasileirasfro-brasileiras


remete às experiências históricas cultura de resistência e do seu legado, que vêem sendo
continuamente reconstruídaso e ressignificadaso no contexto brasileiro, ao longo dos
últimos séculos. No Para as culturas religiosas multivocais do campo religioso afro-
brasileiro, os processos terapêuticos ou de “cura” a cura mobilizam símbolos,
perspectivas e interpretações acerca das experiências aflitivas. Na interação indivíduo /
comunidade, a experiência subjetiva da aflição e a ordem cultural religiosa denotam um
componente processual, do qual se depreende o entrelaçamento de signos e símbolos e
das interpretações dos especialistas religiosos sobre os sintomas das aflições, de um
lado, e da experiência do sofredor, de outro. Como pretendo defender ao longo deste
trabalho, as práticas de cura religiosa configuram um vasto campo de atuação e
constituição de epistémes sobre o corpoo corpo, com suas técnicas de cuidado e atenção
às prescrições religiosas sobre o corpo o corpo sacralizado, em interação com outros
agentes humanos e não humanos. Elas também se constituem como atrativosores
simbólicos através dos quais são acionadas as técnicas associadas ao acervo afro-
brasileiro da saúde, a partir de situações que envolvem trânsito religioso, conversão e,
principalmente, processos de transformação da pessoa., assim com.

Eu gostaria de partir da noção de associações, tal qual proposta por Latour


(2012, p. 99) para expressar movimento, translação, deslocamento, etc., do que
frequentemente é chamado de “social”. Não obstante possa esta palavra evocar a muitos
uma certa noção de durabilidade em alguns tipos de relações, Latour insiste no caráter
dinâmico destas e de como o “social” é, constantemente constituído de elementos de
distintos domínios, enfim, é uma “associação entre entidades 1”. Se a intenção é de
observar o tipo de associações que produzem o social, a partir de situações em que os
1
Ibidem.

2
saberes – míticos, oraculares e etnofarmacológicos – são, ao mesmo tempo, o meio de
interpretar, mas também de intervir nos domínios da vida, o observador precisa, antes,
infletialterar o seu modo de percebê-las. Ao contrário disto, incorreríamos no risco
imiscuí-las em paradigmas que tendem a anular as agências que estão sendo
continuamente produzidas na tecitura do social. É neste sentido que o estudo aqui deve
focar nos modos pelos quais especialistas religiosos, consulentes-clientes e adeptos em
potencial estabelecem relações a partir de situações-problema que são apresentadas seja
como uma “doença”, seja como infortúnio, etc.

A intenção é a de observar, através de distintos percursos religiosos de pessoas


em busca de respostas para os seus infortúnios, a produçãocomo os das associações,
avaliando algumas das suas “novas combinações2” e quais são as possíveis novas
conexões a serem percorridas pelos atores. conceitos de saúde e doença ganham novos
significadosa a partir do contato ou de uma possível relação de aproximação maior com
o terreiro que leve à iniciação. Os saberes acionados por especialistas religiosos no
“manuseio do sagrado”, acredita-se, são capazes de reverter estados de morbidez,
prostração, etc.. Em muitos desses casos, a causa da enfermidade é atribuída a causas
espirituais, não passíveis de serem tratadas conforme os protocolos biomédicos. De todo
modo, o uso de plantas e raízes, bem como dos seus derivados, pode ser compreendido
como uma maneira de tratar a “doença” de um ponto de vista físico e, não somente,
como um tipo de manipulação simbólica dos estados de consciência. Gostaria de
enfatizar, desde o início deste trabalho, a importância simbólica e política, que a
preservação e transmissão dos saberes associados às folhas3 e outros elementos vegetais,
naturais, animais, detém no contexto de consolidação dos modelos eclesiais de culto,
mas também para questões candentes, como a preservação de recursos naturais, lutas
por territórios de existência, principalmente, para que grupos historicamente
subalternizados e vinculados às lutas de resistência possam reinvindicar as suas
identidades a partir dos saberes e práticas que performam e lhe formam como sujeitos.

2
Ibidem.
3
Para o antropólogo Ordep Serra (2002, p. 73) trata-se de um “sistema etnocientífico”, calcado na
etnobotânica dos terreiros.

3
O conceito de epistemologia está atrelado à ciência moderna e etimologicamente
remete à idéia geral de “discurso racional (logos) da ciência (episteme)” (CASTAÑON,
2007, p. 6). Se remontarmos até a Grécia antiga, notaremos que episteme se refere a
“conhecimento seguro, conhecimento estabelecido” (ibid.). Conforme notara Castañon,
o termo epistemologia, que até o século XX, estava vinculado à teoria do conhecimento,
passou a ser usado de maneira mais restrita, para designar as formas sistemáticas de
estudo da ciência moderna, dentre as quais, os seus métodos, aplicações possíveis, etc.
No entanto, a palavra epistemologia também passou a ser utilizada para se referir ao
“estudo geral dos saberes”, sobretudo entre filósofos sob influência francesa. Para esta
corrente, a epistemologia está voltada ao estudo dos “saberes”, sejam eles especulativos
ou científicos e abrange o estudo dos métodos, da história, das formas de estruturação
do conhecimento sistemático que pode ser teológico ou filosófico, por exemplo.
Castañon destaca que estudar epistemologia é o mesmo que investigar o que torna um
tipo de conhecimento um caminho seguro para se acercar da realidade. Ainda para ele,
estudar epistemologia implica em se voltar para as diferenças entre os tipos de
conhecimento existentes – filosóficos, práticos, religiosos ou científicos. Ao assim
atualizar o conceito de epistemologia, o autor contribui para ampliar o espaço de
debates em torno das formas de construção histórica e situada do conhecimento,
conforme os distintos domínios da atuação humana.

Devo insistir, desde o começo, na defesa de uma noção de epistemologia capaz


de desafiar e romper com o monopólio do saber e ser vertida em distintos campos de
desenvolvimento dos saberes. Santos define epistemologia como “toda noção ou idéia,
reflectida ou não, sobre as condições do que conta como conhecimento válido”
(SANTOS, 2009, p. 7). Ele parte da premissa de que a experiência social ganha
intencionalidade e inteligibilidade a partir de um conhecimento tido comopor? válido.
Deste modo, todo conhecimento produzido ou em vias de ser produzido está vinculado a
atores e às suas práticas sociais. Ambos ganham forma nas relações sociais, das quais
decorrem epistemologias distintas. Animado por esta perspectiva de Santos, me
pergunto, então, como algumas epistemologias da saúde e do corpo vêem ganhando
contornos mais nítidos na configuração social e cultural recente das religiões afro-
baianas, paripassu a outros desenvolvimentos correlatos no contexto religioso latino-
americano4.. Animado por esta perspectiva de Santos, me pergunto, então, como
4
Refiro-me, em particular, ao conjunto de práticas de cuidado, em sentido amplo, dedicadas a
sanar ou contornar infortúnios. Isto em si não é uma novidade nas religiões afroamericanas e nas

4
algumas epistemologias da saúde e do corpo vêm ganhando contornos mais nítidos na
configuração social e cultural recente das religiões afro-baianas, paripassu a outros
desenvolvimentos correlatos no contexto religioso latino-americano. Em parte, a
redefinição desta configuração, resulta das transformações graduais no campo político,
sobretudo a partir das lutas empreendidas pelos movimentos sociais, protagonizadas por
ativistas, artistas e intelectuais, muitos dos quais vinculados às religiões afro-brasileiras.
Às lutas anti-racistas somaram-se iniciativas de fortalecimento interno das comunidades
identificadas com a herança cultural africana, com o fomento das ações de resgate dos
saberes e fazeres a ela associados. Entre os conhecimentos e práticas que vêem sendo
alvo de políticas públicas, pedagógicas, linguísticas, sociais, culturais, estão aquelas que
se referem aos saberes e fazeres tradicionais vinculados à religiosidade afro-brasileira.
A antropologia e a sociologia vêm contribuindo para recolocar o debate sobre a
produção do conhecimento em outros termos. Em parte, esta atualização se faz na
medida em que enfatizam as dimensões do poder e da dominação que estão atreladas à
produção do discurso científico moderno, afirmando-o como espaço legitimado da
produção de saberes (SANTOS, 2009, p. 10).
. Em parte, esta atualização se faz na medida em que enfatizam as dimensões do poder e
da dominação que estão atreladas à produção do discurso científico moderno,
afirmando-o como espaço legitimado da produção de saberes. Não obstante a ciência
tenha logrado expandir a sua influência, principalmente por meio da aplicação científica
em tecnologia e através de métodos e técnicas aplicadas à administração, não há como
reduzir a noção de epistemologia ao conjunto de práticas científicas disseminadas a
partir do Ocidente durante a modernidade.

Não estamos falando aqui apenas da oposição que usualmente se faz entre
conhecimento científico e senso comum, mas sim de uma articulação política bastante
complexa e disseminada em práticas institucionais que tendem, em seu conjunto, a alijar
diversas formas de saberes ou a tratáa-las como conhecimentos sem validade, posto que
não podem ser submetidos às mesmas provas que os experimentos científicos 5. Quanto a

religiões que lhes precedem. No entanto, as articulações e engajamentos políticos promovidos pelas
políticas de reconhecimento, ainda na segunda metade do século XX, abrem espaço para que os
conhecimentos etno-médicos possam ser reivindicados como válidos e visibilizados. Neste
movimento, transformações significativas estão sendo operadas no interior do campo afro-
brasileiro, mas também através das articulações deste com outros campos de saber, como a arte, a
literatura, o direito, a filosofia e a antropologia, dentre outros.
5
Tambiah (1985, p. 73), observa como Evans-Pritchard (1937), ao se debruçar sobre “a base analógica
dos ritos mágicos”, pela perspectiva dos atores, acabou por concluir pela ineficácia empírica e não-
cientificidade da utilização de medicamentos. Para o último, a lógica do uso dos recursos

5
isto, cabe mencionar Latour (1994, p. 91), ao defender a aplicação do princípio da
simetria na antropologia, defende que o erro e a verdade sejam tratadas da mesma
forma. De acordo com o último autor citado, este seria um modo de abordar a técnica e
a ciência, indo além da sociologia do conhecimento ao superar a oposição clássica entre
“natureza” e “cultura”. Ainda sobre o mesmo assunto, retomando o que Michel Callon
chamara de “princípio de simetria generalizada”, o antropólogo precisa se situar em um
ponto médio, de onde consiga observar, concomitantemente, a atribuição de
propriedades humanas e não humanas (LATOUR, 2012, p. 102). Por este princípio, a
antropologia contestaria a crença naquilo que diferencia o Ocidente dos “outros”,
superando o relativismo cultural e o nosso distanciamento da natureza, processo este
que engendrou a própria noção de cultura (ibidem.). Portanto, defende o autor, as
comparações devem partir, antes, da análise das naturezas-culturas. Assim, a noção
unitária da natureza é ultrapassada, tanto em abordagens universalistas quanto no
relativistas, ao compreenderem as naturezas-culturas como semelhantes porque
constituem, de modo indissociável, “seres humanos, divinos e não humanos”. A
pergunta mais importante até aqui é o que mobilizamos para construir o coletivo, de que
naturezas-culturas nós partimos, dos ancestrais, da alimentação ritual, da geomancia ou,
em uma visão ocidental, da zoologia, da biologia etc.?

Além disto, o contraponto do colonialismo e do imperialismo à diversidade de


sistemas médicos e suas redes semânticas correlatas foi desenvolvido com o objetivo de
anular, quando não suprimir, as expressões dos saberes dos povos subjugados pela
conquista e pela escravização.

OsEstes saberes “etno-médicos” ou tradicionais africanos” continuaram a ser


praticados por agentes ameríndios e negros nas Américas, apesar de toda violência
física e simbólica dirigida a eles durante a vigência do colonialismo ibérico (SILVA et
al., p. 5). No século XX, os candomblés continuaram a ser alvos da perseguição policial
e, mMesmo após a efetivação das garantias legais para o seu funcionamento, seus
adeptos continuam a ser vítimas de perseguição, atos de intolerância e desconfiança em
relação às suas práticas (MIRANDA, 2017; GUALBERTO, 2012).

medicamentosostícios disponíveis estava pautada em similitudes e ancorada em significados míticos. O


equívoco de Evans-Pritchard estaria em submeter o sistema terapêutico Azande aos critérios científicos
ocidentais de verificação e validação. Assim, a perspectiva dos atores sobre os processos de adoecimento,
suas causas e repercussões não foi analisada em profundidade, no sentido de trazer à tona a ontologia
subjacente a ela e tornar inteligível as expressões materiais e imateriais da sua organização social e
cultural.

6
. O que se alterou no quadro de distribuição do capital político e simbólico,
possibilitando que práticas religiosas, sociais e culturais de grupos historicamente
subalternizados pelo colonialismo, tenham conquistado o direito de se fazer representar
e afirmar sua identidade? Responder a esta questão é fundamental para que possamos
compreender de que modo epistemes antes invisibilizadas pelo colonialismo se tornaram
visíveis e verdadeiros objetos de poder, a partir dos quais especialistas religiosos,
devotos e leigos dinamizam processos transformativos, da pessoa, mas também da
comunidade em sentido amplo, e construtivos, porquanto possibilitam o encadeamento e
a conexão entre agentes situados em espaços-tempo diferentes. Esta nova articulação
dos objetos de poder afro-brasileiros vem sendo tecidas na long dureé histórica e não
pode se circunscrever às práticas religiosas afro-brasileiras contemporâneas, o que se
revela na importância conferida aos ancestrais, ou seja, àqueles que contribuíram para
sedimentar e fazer progredir no tempo histórico o sentimento de preservação dos
saberes tradicionais africanos e outros propriamente afro-brasileiros ou afro-americanos
(SILVA et al., p. 6). Feitos memoráveis do tempo e das distintas filosofias que se
entrecruzam no encantamento de objetos, como as “ngomas6” (tambores) e demais
artefatos rituais do terreiro, ativam uma teia de significados que vem sendo tecida a
partir dos encontros de distintos atores, nas malhas das ações transculturais.

Como veremos adiante, o próprio protagonismo conferido ao “ator”, coletivo ou


individual, assim como o reconhecimento das múltiplas formas de engajamento dos
sujeitos nos contextos em que vivem, proporcionam uma releitura das formas de
produção da vida em sociedade. Quando os índios do Nordeste reivindicam para si uma
“ciência do índio”, eles estão afirmando que há um corpo de conhecimento consolidado
e que vem sendo aprimorado ao longo de muitas gerações. O engajamento político que
tornara possível nomear as práticas terapêuticas indígenas como ciência do índio
decorre de uma série de transformações nas estruturas de poder, dentre as quais as que
se referem à emergência das lutas anti-coloniais e, subsequentemente, o reconhecimento
crescente das identidades étnicas, suas alteridades, e dos contatos e trocas
proporcionados por estes sujeitos no contexto político-cultural contemporâneo.

6
Para os povos Kongo de Angola, na República Democrática do Congo e entre os falantes do kikongo e
do kishawali da costa ocidental africana, as danças e os tambores são chamados de ngoma. Nos terreiros
da nação angola, são chamados de ngomas os três atabaques sacralizados, conhecidos como rum, rumpi, e
lê. Para os povos Bantu, em geral, a dança e a música constituem elementos indissociáveis da educação
corporal, da comunicação intra e inter-religiosa, além de ser forma de expressão e transmissão de
conhecimentos através da performance (FOURSHEY; GONZALEZ, 2019, p. 156).

7
Assim como reinvindicado pelos índios do Nordeste brasileiro, outras formas de
conhecimento voltados à atuação terapêutica se fazem presentes entre grupos religiosos,
dentre os quais os candomblés. As curas atribuídas a um tipo de intervenção espiritual,
aparentemente inexplicáveis do ponto de vista lógico, constituem um dos “bens
espirituais” mais bem cuidados pelo povo-de-santo. Trata-se de um autêntico acervo,
vivo e pulsante, que se espraia em um conjunto de práticas religiosas voltadas aos
cuidados com o corpo, em suas dimensões materiais e espirituais.

Alguns eventos marcam o primeiro contato daquele que, sem vinculação


pretérita com a religião, recorre ao candomblé na busca de uma solução para um
sofrimento físico, afetivo, espiritual. Para aqueles que nasceram em uma família de
santo ou em uma família na qual alguém muito próximo seja “de dentro do axé”,
costuma não haver um hiato com relação às práticas religiosas. No primeiro caso, o
aprendizado da etiqueta corporal e cerimonial, dos significados atrelados a cada rito, aos
mitos, etc., são condição necessária àqueles que firmarão um compromisso com o orixá
regente do seu orí (cabeça) e passarão à condição de abiãs, ou seja, iniciados. Em todo
caso, a cosmologia do candomblé comporta um atributo ético relacionado ao corpo, isto
é, conforme se depreende das distintas situações nas quais certos comportamentos, ritos,
saudações, a observância aos interditos alimentares e sexuais, dão forma e significado
ao conjunto de práticas religiosas do terreiro.

1.2 – Breve panorama do debate sobre cura e terapias religiosas nas Ciências
Sociais

Antes de passar ao exame das experiências de cura religiosasubjetivas no


contexto do candomblé soteropolitano, cabe matizar algumas das discussões sobre o
tema das terapias religiosas nas ciências sociais. Diversos estudiosos têm se debruçado
sobre processos de cura em contextos religiosos, notadamente em áreas como a
antropologia da saúde, antropologia médica e, mais recentemente, saúde coletiva, dentre
outras. É na segunda metade do século XX que algumas categorias e postulados teóricos
vêm sendo desenvolvidos de modo mais detido sobre o assunto. Como bem notado por
Rabelo (2005, p. 13027), no que concerne especificamente ao campo da antropologia,
seus estudos possibilitariam rastrear e conhecer uma gama considerável de terapias
religiosas, em distintos locais ao redor do planeta, estando estas vinculadas à cultura e

8
ao modo de organização social. Assim, as investigações antropológicas vêm enfatizando
as dimensões simbólicas da doença e da cura nos contextos religiosos, como elas
produzem relações de poder, modulações de forças e performances rituais.

Kleiman (1981, p. 663), enfatiza a importância dos estudos comparativos


sobre os sistemas médicos, a partir de propostas analíticas que desafiem o
paradigma biomédico, com conceitos e enfoques alternativos. O programa
etnomédico trilhou este percurso, incluindo em seu escopo preocupações como: a)
a comparação entre categorias êmicas e éticas, em casos de doença e das
respectivas intervenções terapêuticas; b) a distinção entre illness78 e disease nos
processos de adoecimento e cura; c) a atenção primária no contexto coditiano da
saúde9. (p. ibid.).

Neste sentido, Good (1977) teria notado como o estudo de Fabrega (1974)
contribuiu significativamente para o surgimento de uma vertente promissora de pesquisa
voltada ao exame da “rede semântica ou simbólica” em torno de doenças específicas.
Esta proposta é interessante porque demonstra, a partir de casos particulares, como se
desenvolvem e se vinculam “redes culturalmente constituídas”, através das quais se
estabelecem significados para os processos de ordem fisiológica e psicológica e a
experiência pessoal da doença, de um lado, e os relacionamentos, sensibilidades e
situações contextuais da cultura, de outro10 (ibid., p. 663). Conforme as idéias
apresentadas logo acima, a existência de aparatos técnico-semânticos11, tal como
denotados em linguagens heteróclitas e, de certo modo, compartilhadas por praticantes
religiosos identificados com certos princípios cosmológicos, são condição necessária
para a eficácia dos processos de cura em âmbito religioso.

É bastante profícua a perspectiva analítica desenvolvida por Fabrega, justamente


por colocar em evidência a existência de redes semânticas, através das quais
7
Rabelo (2005, p. 128) esclarece que o termo illness se refere “à doença como realidade subjetiva, é o
entendimento, e, é claro, sentimento dos sujeitos que estão em aflição”. Já disease é a doença como
realidade objetiva, quando há um funcionamento biológico considerado mórbido.

8
Rabelo (2005, p. 128) esclarece que o termo illness se refere “à doença como realidade subjetiva, é o
entendimento, e, é claro, sentimento dos sujeitos que estão em aflição”. Já disease é a doença como
realidade objetiva, quando há um funcionamento biológico considerado mórbido.
9
Ibidem.
10
Ibidem.
11
Aparatos técnico-semânticos se referem às distintas associações que envolvem o emprego de técnicas
associadas à gestão dos significados e conteúdos que, em situações de terapia de base religiosa,
mobilizem os atores envolvidos, no sentido de um engajamento para a superação de experiências de
aflição.

9
significados são produzidos e compartilhados. Assim, as redes semânticas constituem os
terrenos férteis dos quais emergem prescrições e soluções terapêuticas, e, também, onde
são moduladas as sensibilidades daqueles(as) que estão envolvidos direta e
indiretamente com os processos de cura religiosa. Podemos inferir que os pacientes das
terapias religiosas estão sendo continuamente afetados pelo simbolismo da rede
semântica da qual co-participam ou na qual estão imersos. Deduz-se que os artífices
religiosos que estão à frente também foram afetados por disposições simbólicas, capazes
de, ao mesmo tempo, mobilizá-los corporal e espiritualmente, para um tipo de atuação
voltado ao reestabelecimento do equilíbrio entre as dimensões pessoais e sociais dos
indivíduos em estado de aflição.

O escopo das propostas de Fabrega e Good se aproxima da análise simbólica


empreendida por Turner (1967, p. 299-358), acerca de sistemas médicos (KLEIMAN,
1981, p. 663ibid., p. 663) e de Zola (1972), acerca da doença e do cuidado no âmbito da
família e da rede social mais extensa. O diferencial desta nova abordagem está na crítica
dirigida ao jargão predominantemente biológico das ciências médicas, em especial, da
psiquiatria. Esta espécie de “epidemiologia etnomédica” é o ponto de partida de uma
nova elaboração das categorias analíticas para examinar as correlações possíveis e
verificáveis entre aspectos biológicos, aspectos relevantes das experiências subjetivas e
os campos semânticos decorrentes da doença tomada como um fenômeno cotidiano no
mundo (KLEINMAN, 1981, p. 663). Este mesmo autor faz questão de frisar como, em
suas rotinas, os pacientes concatenam interpretações etiológicas naturalistas e
personalistas e, deste modo, desenvolvem “estratégias pragmáticas para o manejo de
casos específicos da doença”12 (ibid.). Kleinman avaliou que estas estratégias têm por
objetivo promover a eficácia simbólica e instrumental. Mesmo que elas apresentem
contradições conceituais, frequentemente verifica-se uma importância maior dispensada
ao significado terapêutico pelo paciente e seus familiares, justamente por sua
capacidade de elencar opções comportamentais na busca pelos cuidados de saúde 13
(ibid., p. 663 -64).

Este redirecionamento da análise cultural levou ambas perspectivas a


entendimentos radicalmente distintos acerca dos processos de cura, tais quais
interpretados pelo modelo médico. É preciso destacar como este deslocamento do

12
Ibidem.
13
Ibidem, pp. 663 -64

10
olharnovo ponto de vista da sobre a doença e da cura recoloca a questão sob como um
ponto de vistainextrincavelmente semânticao, ou seja, de uma perspectiva não
dicotômica dos conceitos êmicos e éticos, tais quais são elaborados pelas comunidades,
pelos pacientes e profissionais14 (ibid., p. 663). São estas conceituações produzidas
cotidianamente pelos sujeitos nas interações sociais que forjam o contexto de
significação e mediação dos efeitos psicológicos e fisiológicos envolvidos nos processos
de cura. É profícua a abordagem apresentada, por congregar programas de pesquisa
interdisciplinares, para aos quais importem tanto questões biológicas quanto sociais.
Conforme foi muito bem destacado por Rabelo (2005, p. 128), a antropologia médica
norte-americana protagonizou uma reconciliação e a retomada do reestabelecimento de
um diálogo entre a antropologia e o campo biomédico. A perspectiva analítica
desenvolvida por Kleinman, em particular, oferece novos insumos para o
desenvolvimento de uma antropologia culturalista, de base comparativa, evidentemente
influenciada pelos estudos de Clifford Geertz, mas também um caminho de pesquisa
para os profissionais de saúde que tenham interesse em engajar-se no diálogo com
outros sistemas e contextos médicos.

A proposta de Kleinman se aproxima das ideias apresentadas em outras


investigações sobre sistemas religiosos de cura, os quais forneceriam pontos de vista ou
interpretações sobre a doença, ressignificando e atualizando as dimensões semânticas e
contextuais do sofrimento. O estudo de Commaroff (1980, p. 637) sobre práticas de
cura em uma sociedade em mudança na África Austral, na fronteira entre Botswana e
África do Sul, coloca em debate os modos através dos quais categorias simbólicas são
compartilhadas, fornecendo, portanto, uma configuração dos sentidos e uma maneira
específica de gerir a aflição. O olhar da autora incidiu sobre a imbricação das categorias
e da experiência subjetiva particular do paciente, o que a seu ver denota um processo
inclusivo de “mudança cultural15” (ibid.).

De acordo com a elaboração de Kleinman, o estudo da cura fornece elementos


para a investigação da ação social em processos históricos. Esta linha de
interpretação recoloca no centro de debate, não só a ação social, mas também a forma
como um campo de práticas e experimentações em torno dos símbolos e signos
compartilhados cotidianamente pode contribuir para a reconfiguração cultural e social.

14
Ibidem.
15
Ibidem.

11
Segundo o argumento de Commaroff, em sociedades em rápida transformação a
cura expõe como as categorias simbólicas existentes subsumem a experiência
caótica, assim como a percepção da expansão sociocultural pode contribuir para a
modificação semântica e contextual destas mesmas categorias. Em sua investigação
sobre o sistema terapêutico Ratshidi, a autora analisa como as categorias simbólicas
compartilhadas e as percepções indígenas de ordem e desordem configuram uma
realidade segundo a qual a aflição deriva de um deslocamento do self em relação ao seu
contexto, social e cósmico16 (ibid., p. 637)..

A sugestão de um desequilíbrio entre a dimensão ontológica do indivíduo e as


dimensões cósmicas e sociais implica em uma reinterpretação epistemológica
fundamental, inaugurada no âmbito da antropologia médica por um viés fortemente
etnológico. Para este modelo analítico, os componentes biológicos da doença não são
desconsiderados, mas deixam de ser os únicos elementos causais envolvidos nos
processos de adoecimento. Refletir comparativamente sobre as distintas práticas
terapêuticas implica reconhecer a existência de múltiplas ontologias referenciais da
saúde, do corpo, suas formas de interpretar e intervir sobre as experiências de aflição.
Mais do que reconsiderar o monopólio interpretativo do modelo biomédico ocidental
sobre a doença, a saúde e o corpo, a antropologia médica vem propondo novos
enfoques, mais inclusivos e transculturais, acerca das práticas de cura alternativas,
dentre as quais incluem-se as práticas terapêuticas de base religiosa. Depreende-se disto
que esta subárea da antropologia vem promovendo uma desconcentração do poder
angariado pelas ciências médicas ocidentais, em prol do reconhecimento de métodos e
práticas de atenção à saúde pautados por postulados não-biologicistas, cujas eficácias
derivam do simbolismo, de seu reconhecimento e compartilhamento por parte dos
sujeitos, individuais e coletivos.

Contudo, não podemos deixar de mencionar como este viés interpretativo


também opera uma redução do problema, sobretudo quando a eficácia se vê
condicionada à dinâmica simbólica, como se as epistémes indígenas e todas aquelas que
não se enquadram nos critérios e parâmetros científicos ocidentais não operassem a
partir de princípios causais, prescrições e modos de atenção para o corpo e com o corpo
(CSORDAS, 2002). Além disso, conforme documentado na literatura etnográfica,
muitos distintos “sistemas médicos alternativos” ao redor do mundo têm contribuído

16
Ibidem.

12
para a elaboração de corpos de conhecimento substanciais sobre elementos fitoterápicos
de plantas e raízes, suas formas de cultivo e respectivos usos terapêuticos. Estes saberes,
extensamente compartilhados pelos sujeitos em uma rede semântica, configuram
campos de observação, experimentação e produção de efeitos de reestabelecimento da
saúde física e espiritual. Por este motivo, cabe reconhecer igualmente que há algo além
do simbolismo na tessitura dessas epistémes da saúde. Disto, infere-se que para além da
eficácia simbólica presumida pelo estruturalismo levi-straussiano17, coexistem sistemas
e práticas médicas que operam noa nível do plano sensível, promovendo alterações
significativas dos estados físicos e emocionais destes pacientes. Ainda que símbolos
estejam sendo mobilizados durante os processos de cura, não são acionados senão como
recurso à transformação dos estados caóticos ou periclitantes dos indivíduos. Nos
símbolos estão condensados os significados compartilhados por um certo universo
sociocultural, referências a partir das quais se procede à leitura situacional e à escolha
dos procedimentos a serem adotados em cada caso específico.

Não seria demasiado afirmar que a eficácia simbólica deriva do


compartilhamento dos símbolos e signos em um campo semântico que, como sugere
Kleinman para as sociedades em mudança, parece alargar o universo de compreensão e
interpretação dos próprios sujeitos envolvidos acerca dos determinantes prováveis e
causais da doença. O reconhecimento de outros aportes interpretativos, neste caso, é
fundamental para que estes mesmos sujeitos busquem novas fontes de explicação do
infortúnio e das aflições, psíquicas e físicas e, para as quais, a biomedicina não é capaz
de oferecer a devida assistência ou respostas conclusivas. A este respeito, vale citar aqui
o que nos diz Bárbara, yalorixá do terreiro Ilê Axé Oyá Gerê:

“Nem todas as vezes o Orixá se manifesta através do jogo de búzios,


ele dá vários toques, vários sinais. E tem várias pessoas que muitas
vezes já frequenta só pela boniteza, porque gosta porque acha bonito.
Mas não quer um vínculo profundo dentro do axé. Então, o orixá ele
começa a se manifestar. Aí a pessoa tem tontura, tem vertigem, tem
falta de ar, dá taquicardia. Aí corre, vai pro médico, pensando que é
problema de coração. Chega lá, faz uma bateria de exame e não acusa
nada o exame. A pessoa tá perfeita, tá com a saúde normal. E continua
sentindo aqueles mesmos sintomas. Então, cabe àquela pessoa ir a um
babalorixá, a uma yalorixá, pra saber o que realmente está

17
Ibidem.

13
acontecendo. (Entrevista com a Yalorixá Bárbara – Ilê Axé Oyá Gerê
– 26/09/2022).

É importante notar como os sintomas, como referido pela yalorixá acima, podem
ser interpretados a partir de um ponto de vista estritamente religioso, mas não
configuram, necessariamente, nenhum estado que possa ser considerado mórbido,
segundo a biomedicina. De todo modo, o conceito de doença e saúde parecem ganhar
conotações um tanto distintas daquelas que se subsumiriam às abordagens clínicas.
Outras formas de compreensão sobre doença e saúde se apresentam e precisamos estar
atentos como tanto práticas quanto categorias de pensamento são mobilizadas nos
processos terapêuticos em curso.

Mesmo nas sociedades ocidentais, outras fontes interpretativas da realidade, nas


quais se incluem as religiões afro-diaspóricas, têm composto o amplo quadro referencial
de adeptos e potenciais convertidos. Entre ambos o que? seÉ um terreno fértil, de onde
emerge revela um campo extenso de ações sociais que ganham forma e força a partir de
alianças, rupturas, reinterpretações teológicas ou cosmológicas e que, a rigor,
contribuem para algumas reconfigurações importantes das dinâmicas simbólicas,
culturais e políticas, de amplo alcance.

SegundoConforme destacado por Rabelo (2005, p. 128) o estudo de Commaroff


vai de encontro dàa assertiva de Lévi-Strauss sobre a eficácia simbólica, que coloca em
evidência como a interpretação situada da doença no próprio contexto sociocultural
ajuda a reordenar os estados caóticos em uma explicação plausível da aflição. Este tipo
de ação coloca em relação as dimensões biológicas, físicas e psicológicas do indivíduo,
diferentemente da ação exercida pela biomedicina ocidental que tende a despersonalizar
o doente.

Commaroff (1980, p. 638) enfatiza o processo dialético subjacente à relação


entre “ordem cultural” e experiência subjetiva da cura, a fim de tentar definir as
características estruturais das transformações sociais, assim como contextualizar a
correlação entre as dimensões simbólica e material da cultura. A autora observa como
“a lógica da classificação tshidi da aflição deriva de percepções de causalidade18” (ibid.,
p. 646). Esta causalidade ganha contornos ao se conectar aos símbolos que, juntos,

18
Ibidem.

14
configuram uma cosmologia. É no ato da advinhação tshidi que, tanto o processo de
cura quanto os atos que definem o papel do curandeiro ganham forma. Ao assim
proceder, o oficiante do oráculo opera a redução do estado caótico, através de metáforas
causais. Para Commaroff, a adivinhação constitui um locus elaborado para “a gestão
criativa do significado na experiência cotidiana” (ibid.,p. 646).

Em perspectiva comparativa, pode ser apontada uma primeira aproximação entre


o contexto empírico examinado por Commaroff e aquele em que se desenrolam os
processos terapêuticos religiosos afro-brasileiros. No Brasil, via de regra, a mãe ou o pai
de santo é quem oficia no ato divinatório que consiste na leitura dos búzios e sua correta
interpretação. Para esta cosmologia, o oficiante do jogo de búzios pode se confundir
com a figura do curandeiro, mas este não é o único agente de cura envolvido no
processo. Antes, ele compartilha esta característicae atributo em solidariedade com
outros agentes, humanos e não-humanos (orixás, inkices, caboclos, encantados ou exus,
objetos utilizados nos ebós), na dinâmica de forças e nas performances rituais
mobilizadas à alteração significativa dos estados de adoecimento. Na condição de
oficiante, compete a ele prescrever os ebós devidos, e, se for o caso, uma limpeza de
corpo ou um bori. Não é raro, também, que o processo terapêutico progrida para a
iniciação religiosa, em decorrência de uma prescrição obtida no próprio jogo de búzios,
através do qual os orixás ou inkices expressam a necessidade da “feitura de santo”.

De acordo com a perspectiva analítica que vem sendo apresentada aqui, aA


estruturação e a contínua reestruturação do campo cultural não está dissociada das
experiências subjetivas dos indivíduos. Ao contrário, as duas histórias estão imbricadas
– a história biográfica do indivíduo e a história do campo. A experiência terapêutica de
base religiosa fornece um locus apropriado para investigar o alcance destas
transformações, conforme nos sugere Commaroff. Neste sentido, vale mencionar aqui
algumas das contribuições recentes de Csordas (2002, p. 242) para debates sobre as
experiências de cura religiosa, de relevante interesse à antropologia da saúde, à
antropologia do corpo e à antropologia em geral. A principal destas contribuições é a
que destaca a “abertura para a fenomenologia na teoria antropológica, com a
possibilidade de articular um conceito de experiência (...)19” (ibid.). Segundo o autor
supra-citado, abordagens fenomenológicas como as de J.oan A. Kleinman (1991), que
defende um projeto de “etnografia da experiência”, Wikan (1991) o qual elabora o

19
Ibidem.

15
conceito de experiência-próxima na antropologia ou, ainda, Turner e Bruner (1986) que
cunham a expressão “antropologia da experiência”, dentre outros, acabam por
reconhecer a condição existencial da corporeidade, na qual tanto a cultura quanto o self
são sedimentados. Esta perspectiva enfatiza a dimensão da experiência nos processos
formativos da pessoa bem como dos processos dinâmicos de transformação social e
cultural, na medida em que as ações e as categorias do pensamento vinculados a aportes
ou matrizes culturais estão sendo constantemente atualizadas nas interações cotidianas.

Há um nítido movimento de reação às concepções dualistas entre mente e corpo,


sujeito e objeto, para o qual importa trazer à tona na antropologia o conceito de
experiência vivida para pensar como se articulam as expressões culturais através das
experiências subjetivas dos indivíduos. No entanto, o que há de novo nesta virada
operada na segunda metade do século XX, é que o corpo deixa de ser compreendido
como objeto de estudo para se converter em ponto de partida metodológico, conforme
nos lembra Csordas20 (ibid., 242). Além disso, segundo o autor, a abordagem
bourdieusiana deslocou consideravelmente “a compreensão do corpo como fonte de
simbolismo ou uma expressão da consciência do corpo como locus da prática social”21
(ibid.). Esta alteração no quadro analítico e metodológico foi uma resposta ao
paradigma textualista ou representacionalista, amplamente difundido por autores como
Derrida, Lévi-Strauss e Foucault. Para Jackson (1989, p. 122), no paradigma
representacionalista, tal como se verifica nas metáforas textuais de Foucault, o corpóreo
é subsumido à semântica, o que, a seu ver, não é plausível naà antropologia do corpo.
Isto posto, o significado não deve ser redutível ao signo, o que implicaria em sua
passividade e inércia. Por este motivo, o objetivo de Csordas 22 é o de “pensar a
corporeidade como um campo metodológico” (p. 243).

Diversos estudos de antropologia do corpo incorporam aos seus programas de


estudo o contraste entre “corporeidade” e “textualidade”, a exemplo da síntese de
Scheper-Hugues e Lock (1987). A proposta deles foi a de retomar a idéia dos “dois
corpos” de Douglas (1973) e transformá-la em três: “corpo individual, corpo social e
corpo político”23 (ibid., p. 243). Esta montagem preliminar do arcabouço analítico-
metodológico sugere que estes corpos são domínios inter-relacionados e indissociáveis.

20
Ibidem, p. 242.
21
Ibidem.
22
Op. cit., p. 243.
23
Ibidem.

16
Este posicionamento enseja um olhar sobre a “tensão metodológica correspondente
entre abordagens semióticas e fenomenológicas” que, segundo Csordas, percorre os
“três corpos” de Hugues e Lock24 (ibid., p.243).

Segundo Csordas25, (ibid., 243) ainda argumenta que tanto Bourdieu quanto
Merleau-Ponty enfatizam as noções de percepção e prática. Primeiro, Merleau-Ponty
observou “a construção de objetos perceptivos”, notando como a percepção se inicia no
corpo, para se tornar objeto apenas mediante o pensamento reflexivo. Ainda para ele,
não seria possível distinguir entre sujeito e objeto, já que “estamos no mundo”.
Bourdieu, por seu turno, frisou sobre “o corpo socialmente informado como base da
vida coletiva”26 (ibid., p. 244). No seu arcabouço analítico, a noção de percepção está
em sintonia com aquela apresentada por Merleau-Ponty, mas ela é melhor desenvolvida
a partir da noção de habitus, como uma espécie de regência não-consciente das práticas.
Esta forma de compreender o problema faz com que ele não se reduza às microanálises
individuais, podendo a corporeidade ser pensada à luz das coletividades sociais. Pela
acepção bourdieusiana, o habitus corresponde às aquisições dos esquemas geradores
capazes de engendrar pensamentos e ações nàas condições particulares em que são
constituídas27 (ibid., p. 258).

Assim apresentado o problema por Csordas, ele propõe partir da percepção


como “processo corpóreo” para refletir sobre os “modos somáticos de atenção”,
verificáveis em uma gama extensa de práticas culturais. Aqui, o autor se apoia em
Alfred Schutz, principalmente na sua definição de atenção, como um “estado de alerta
total” e “nitidez aperceptiva conectada com o consciente voltado a um objeto 28” (ibid.,
p. 244). A este respeito, Merleau-Ponty destaca como a atenção confere relevo ao
objeto, logo, trazendo-o à existência através da consciência perceptiva 29 (ibid., p. 244).
O “voltar-se para um objeto” proposto por Schutz denota movimento corporal e a
ativação de capacidades multissensoriais capazes de constituirírem objetos em um
cenário indeterminado. Este espaço é aquele onde se desenrolam as experiências
intersubjetivas e multissensoriais dos nossos corpos e dos outros.

24
Ibidem.
25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
Ibidem, p. 258.
28
Ibidem, p. 244.
29
Ibidem.

17
Em outras palavras, a natureza do espaço está sendoé continuamente redefinida
em face dos ajustes esquemáticos proporcionados pelo habitus. Se depreende desta
inferência que, em um mundo constituído por esquemas geradores distintos, a natureza
do espaço social esteja sendoseja atualizadao em face das tensões e negociações em
torno das múltiplas formas de estar e se apresentar no mundo. Desta maneira, Csordas
define os “modos somáticos de atenção” como “formas culturalmente elaboradas de
atentar para e com o corpo em ambientes que incluem a presença corpórea de outros30”
(ibid., p. 244).

A forma como Csordas nos apresenta a discussão em torno da “atenção”, a


redefine tanto como “engajamento sensorial”, quanto como um objeto. Este
engajamento ganha contornos com o corpo e para ele, em sentido amplo. Sensações
assim como disposições afetivas podem condizer com modos de atenção e maneiras de
responder à intersubjetividade que está em sua gênese, já que implica uma relação com
outros. Conforme o seu argumento, “se presta atenção com o corpo31” (ibid., p. 244). O
foco do autor, conforme as suas próprias palavras, está sobre a “elaboração cultural do
engajamento sensorial”. Esta forma de enquadrar o problema põe em discussão os
elementos intersubjetivos envolvidos nas interações humanas, que compreendem em
suas disposições o desenvolvimento da atenção com o seu próprio corpo e com os
corpos de outros.

Diversas sensações, percepções, capacidades mediúnicas ainda não


reconhecidas, podem ser despertadas a partir do encontro entre possíveis convertidos
religiosos e agentes religiosos humanos e não humanos. AsTal qual notado por Csordas
(ibid., p. 249), ao se referir às “sensaçõesplasmações experimentadas pelos curadores”,
incluem desde dores de cabeça, zumbidos ou receio ante a presença de um espírito mal
intencionado32. Todas estas “apercepções conectadas”, das quais nos lembrara Merleau-
Ponty, se referem, no contexto apresentado por Csordas, ao que ele chamara de “atenção
terapêutica em andamento”. Para compreendermos estas conexões sutis que perpassam
a elaboração cultural do engajamento sensorial, precisamos partir de uma postura
teórico-metodológica que não distinguee radicalmente entre as categorias cognitivas e
afetivas33 (ibid., p. 249).

30
Ibidem.
31
Ibidem.
32
Ibidem, p. 249.
33
Ibidem, p. 249.

18
Neste ponto da sua análise, Csordas retorna ao cerne do argumento de Merleau-
Ponty, em específico à maneira pela qual “a síntese perceptual do objeto é realizada
pelo sujeito, que é o corpo como dobra de percepção e prática34” (ibid. 255). Esta
ambiguidade entre sujeito e objeto, que atravessa diversas tradições científicas
modernas, contaminou as nossas formas de diferenciar a mente do corpo, assim como
entre o self e o alter. Por isto, Csordas reitera o seu posicionamento de descontinuar
qualquer interpretação metodológica que insista no dualismo, mesmo aquelas que foram
atraídas pela concepção de um tipo de “conhecimento incorporado”, tal qual se
depreende da obra de Pierre Bourdieu. Neste arranjo metodológico, a experiência
incorporada é tomada como ponto de partida, para se perguntar como o corpo “se volta
para”, performando objetos que só podem ser constituídos através da intersubjetividade,
ao invés da clássica distinção entre sujeito e objeto. Csordas frisa como o ponto de vista
de Merleau-Ponty implode o dualismo sujeito-objeto e recoloca a questão de como a
atenção, bem como outros processos reflexivos, produzem objetos culturais35 (ibid.).

A indistinção entre mente e corpo, ao nível da percepção, decorre do poder do


corpo de “habitar todos os ambientes que o mundo contém36” (ibid.). Ao que devemos
nos questionar como nossos corpos são objetivados nos processos reflexivos e, por
consequência, os outros. Somente a partir desta indistinção entre sujeito e objeto, mente
e corpo, é que ganha contornos a realidade incorporada, pela qual os fenômenos são
objetivados em práticas reflexivas, mediante um modo de atenção específico. Csordas
pontua que a escolha de partir da corporeidade para a elaboração dos modos somáticos
de atenção como um constructo teórico, pode ter relevância, embora demonstre-se frágil
do ponto de vista da indeterminação primordial da existência. Ainda segundo ele, esta
vulnerabilidade teórica tem sido explorada pela produção etnográfica das últimas
décadas, tal qual se depreende dos trabalhos de Favret-Saada (1980), Jackson (1989),
Pandolfi (1991) e Stoller (1989)37 (ibid., p. 255).

Ao explorar a indeterminação, tanto existencial quanto lógica, Csordas


pretendeu estabelecer uma reorientação fundamental da análise, pela qual corpo e
consciência são dimensões indissociáveis. Por esta perspectiva, a intersubjetividade não

34
Ibidem, p. 255.
35
Ibidem.
36
Ibidem.
37
Ibidem.

19
se distingue da co-presença3839, já que sentimentos, emoções ou mesmo disposições
corpóreas, são apreendidas no plano da imediaticidade interativa. Esta forma de notar as
disposições contextuais da ação é apreendida pré-objetivamente, já que são
compartilhadas nas interações e práticas cotidianas (ibid., p. 255).

Certo, tá ótimo, mas falta finalizar o tópico com algo que expresse a relevância
desta discussão para o seu objeto.

1.3. Técnicas do Corpo, modulação de forças e intercomunicação cósmica: os


agentes de cura no candomblé sob uma perspectiva da teoria ator-rede

Para o objetivo central desta tese, que é o de investigar como se articulam os


elementos culturais dispostos nas práticas terapêuticas e de cura no candomblé em face
das experiências aflitivas individuais. (...) Conforme foi possível notar, para
especialistas religiosos, adeptos e mesmo frequentadores ocasionais do candomblé,
modos somáticos de atenção ajudam a modular uma série de comportamentos,
expectativas, sensibilidades e afetos, logo, maneiras de agir e sentir que conformam um
arranjo sócio-cultural singular, apto a ser observado a partir da corporeidade. Neste
contexto, observar os modos somáticos de atenção implica em perguntar como o corpo e
seu conjunto de experiências passadas são ressignificados. Para muitos dos convertidos
às religiões afro-brasileiras, a transição de uma religião a outra, assim como a conversão
de alguém sem religião, abre um espaço para reflexões existenciais profundas, pelas
quais valores e visões de mundo estão sujeitas a muitas reconsiderações. Estas
modificações na forma de ver e se engajar no mundo são parte tanto do processo de
aproximação com a religião quanto dos processos de iniciação religiosa.

O aprendizado de novas linguagens, faladas, corpóreas, rítmicas acompanham o


desenvolvimento religioso de clientes e neófitos. A aquisição de novos conhecimentos,
38
O conceito de co-presença é tomado de empréstimo de Goffman, para se referir à coalescência
entre o esquema temporal e o esquema espacial – uma espécie de imaginação que está impregnada
nas capacidades perceptivas e comunicativas do corpo (GOFFMAN apud GIDDENS, 1989, p. 54).
A co-presença existe, portanto, através do contato “não-mediado” entre os que se encontram
presentes. Logo, ela implica em uma espécie de “gramática” percepto-comunicacional, mediante a
qual os esquemas mais ou menos introjetados e compartilhados são acionados nas interações, dando
vida e sentido às práticas sociais.
39
O conceito de co-presença é tomado de empréstimo de Goffman, para se referir à coalescência
entre o esquema temporal e o esquema espacial – uma espécie de imaginação que está impregnada
nas capacidades perceptivas e comunicativas do corpo (GOFFMAN apud GIDDENS, 1989, p. 54).
A co-presença existe, portanto, através do contato “não-mediado” entre os que se encontram
presentes. Logo, ela implica em uma espécie de “gramática” percepto-comunicacional, mediante a
qual os esquemas mais ou menos introjetados e compartilhados são acionados nas interações, dando
vida e sentido às práticas sociais.

20
cerimoniais, rituais, comportamentais, e outros, relativos à vinculação específica entre o
indivíduo e o seu orixá regente, proporcionam um rol de recursos simbólico-imagéticos,
cosmológico-interpretativos, a partir dos quais ele pode proceder à leitura da sua
condição no mundo, da sua trajetória de inserção na vida religiosa, na vida social mais
ampla. A vinculação ao seu orixá regente, assim como aos demais que compõem o
conjunto de orixás, caboclos quando são admitidos pela respectiva tradição religiosa,
exus, marca uma forma de inserção no universo mítico e simbólico da religiosidade.
Desta posição única na estrutura religiosa correspondem obrigações e expectativas
quanto ao cumprimento das mesmas, bem como com relação à participação nos ritos
internos. A participação reiterada nos ritos ordinários da vida religiosa rende ao neófito
experiências sinérgicas com “forças” de ordem espiritual senão de todo novas,
certamente marcadas por uma frequência maior na comutação energética entre os planos
material e imaterial da existência, assim como pelo estabelecimento mais ou menos
regular das relações de mutualidade e reciprocidade entre seres humanos e as
divindades.

Pelas características elencadas acima, a vida religiosa no candomblé está


marcada por experiência liminares, ritos de passagem, ritos periódicos e uma pedagogia
própria do corpo e das relações e formas de lidar com forças não-humanas. Em seu
conjunto, saberes e práticas são transmitidos através da oralidade e da participação no
cotidiano das comunidades de culto. Deste compartilhamento epistêmico, emerge um
vasto corpo de conhecimento, disseminado entre as comunidades religiosas afro-
brasileiras, sobre plantas, raízes, folhas, banhos, prescrições e interdições de uso,
conforme situações específicas de saúde que requeiram assistência espiritual ou mesmo
aquelas em que certos cuidados são mais frequentes devido às obrigações da vida
religiosa. Os pequenos atos da vida cotidiana de um terreiro, juntos, conformam um
conjunto de princípios orientadores das formas de engajamento corpóreo, através das
vivências nos ritos ordinários e do compartilhamento simbólico e arquetípico, tornados
recursos fundamentais das formas de interpretar e estar no mundo.

Não é demais lembrar que as experiências individuais e coletivas da


religiosidade não se encerram, pelo menos não de todo, no espaço interno da roça, mas
extrapolam os seus significados para o mundo, posto que nele está inserido, mantendo,
estabelecendo ou resgatando conexões e diálogos com outras muitas esferas de atuação.

21
Desta maneira, questões de saúde coletiva podem ser tomadas como objeto de
ações programáticas de alguns terreiros ou mesmo destes em parceria com órgãos
públicos, canais midiáticos e representações constituídas no âmbito da sociedade
civil, a exemplo da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde. Por outro
lado, é possível visualizar nas práticas religiosas realizadas fora dos terreiros, algumas
das quais se imbricam com outras manifestações religiosas como a “Lavagem do
Bonfim”, e nas relações interpessoais com pessoas não pertencentes ao Candomblé,
maneiras de comunicar, comutar significados e estabelecer espaços de diálogo com
outras dimensões do mundo. Este é um dos atributos da estruturação cósmica
depreendida dos elementos míticos que dão forma à figura de Exu, grosso modo, como
um trickster capaz de promover a inter-comunicação entre distintas dimensões do
cosmos, bem como pelo seu trabalho de mediação, tradução e circulação das vontades
dos deuses, aspirações e necessidades humanas. Podemos ver aqui uma verdadeira
“ecologia de práticas”, conforme a acepção de Stengers (ANO2018, p. 443), pela
qual um campo relacional é ativado, produzindo um novo arranjo apto a manter a
diferença. Do ponto de vista estritamente cosmológico, Exu não apenas encarnaria as
diferenças intransponíveis da natureza, mas ao mesmo tempo a possibilidade e
necessidade de comunicação e transformação mais ou menos constante de distintos
seres40, dotados de vontade e da potência de agir sobre algo – a coletividade, a pessoa ou
sobre um contexto específico. Neste sentido, a ecologia das práticas religiosas afro-
brasileira reverbera em seu campo semântico as necessidades, humanas e não-humanas,
de estabilização, transformação e produção de potências. Do vasto campo relacional que
se depreende das práticas religiosas cotidianas comparece o imperativo ético de
movimentar “axé” (Nagôs) ou “ngunzo” (Angola) que estão entre as dimensões
materiais da existência e aquelas que estão no domínio do invisível, do inefável. Seja
pela manipulação deliberada de forças, seja pela tradução da vontade dos deuses, as
práticas terapêuticas de base religiosa atuam, primeiro, em face do reconhecimento de

40
Òkòtó é uma palavra utilizada para designar, ora “o significado dinâmico do triângulo e do cone”, ora
para projetar a imagem de um caracol, esta tomada como um símbolo próprio do culto de Exu. Segundo
interpretação de Juana E. dos Santos (2002, p. 133), o Òkòtó seria “a história ossificada do
desenvolvimento do caracol e reflete a regra segundo a qual se deu o processo de crescimento”. Trata-se
de um conceito que sintetiza um processo de crescimento contínuo e proporcional ou, ainda, a evolução
do ritmo regular. É do Àgbà Esú ou do “pé de Òkòtó” que parte e se expandem as múltiplas unidades que
compartilham da sua natureza. Desta forma, o termo Òkòtó se refere à unicidade da natureza de Exú,
embora estes sejam numerosos, bem como a dinamicidade implícita ao seu modo de expansão e
multiplicação, “em espiral” (ibid.).

22
“forças41” dispostas na natureza, no sentido mais amplo do termo. Em face disto, os
recursos ou a “tecnologia do poder” de que se valem os especialistas religiosos, os
clientes e os membros orgânicos das casas, condizem com o sistema cultural
propriamente dito, no qual e pelo qual são dinamizados signos e símbolos, materiais e
imateriais que encarnam e estendem múltiplos significados da natureza, humana e não
humana. Nesta rede semântica, para retomar a expressão de Fabregas, a força da
palavra pronunciada com fé movimenta energia, assim como a apropriada manipulação
de objetos, a observância à sistemática dos rituais, garantindo ao mesmo tempo o
movimento contínuo de renovação e fortalecimento energético, mas também a
restituição mútua entre as dimensões sensíveis da existência, entre as dimensões
humanas e não-humanas. As práticas de saúde afro-brasileiras situam-se, portanto, neste
espaço intersticial entre as práticas de cuidado dinamizadas internamente e aquelas que
estão voltadas para o atendimento de clientes ocasionais ou regulares, que podem vir a
ser iniciados ou não.

Poderíamos dispor o problema, em linhas gerais, a partir do conjunto de


demandas internas e externas de saúde aos terreiros de candomblé. Assim colocada a
questão, cabe matizar de que forma as técnicas de saúde se fazem presentes no
cotidiano, através de ações voltadas à vitalidade coletiva, mas também à recuperação de
estados aflitivos ou mórbidos individuais. No primeiro caso, ritos periódicos são
oficiados neste intuito, como nas obrigações anuais, como a festa de Exu e a realização
da festa dedicada ao Orixá que está à frente do terreiro; no segundo caso, em geral após
a consulta aos búzios, podem ser recomendados banhos, limpezas de corpo ou mesmo
um ritual mais complexo, o bori, quando o então cliente fica recolhido no terreiro,
constituindo este evento um compromisso mais sério com a religião.

Falar de um conjunto de “técnicas do corpo” no interior das comunidades de


culto afro-brasileira implica, antes de tudo, no reconhecimento de certos modos de
estruturação que confere a certos signos e símbolos validade epistêmica. De um ponto
de vista mais fenomenológico, deveríamos nos perguntar, antes, sobre como estes
41
Sobre este reconhecimento de forças, podemos entrever nas muitas maneiras pelas quais o povo de
santo reverencia as entidades e também como as vê e sente – no movimento constante do mar, na
correnteza dos rios, na paz aparente das matas, dos fenômenos naturais que circundam a vida e a morte, a
saúde e a doença, de sentimentos como o amor ou da produção da vida pelo trabalho. Todas estas
potências existem e, portanto, estão atuando sobre as coisas e sobre os homens. O trabalho religioso, neste
sentido, opera uma espécie de mediação com estas “forças”, sob a convicção de que o ritual e o
cumprimento das obrigações religiosas operam um processo sinérgico e positivo àqueles que dele co-
participam, restituindo à vida coletiva e aos desígnios individuais as devidas potências de que necessitam
para prosseguir em seus percursos, coletivos e individuais.

23
mesmos signos e símbolos estão sendo mobilizados nas experiências mais comuns da
vida religiosa, não apenas para ativar múltiplos engajamentos, mas também para
reafirmá-los ou promover novos arranjos interpretativos sobre a vida, a doença em si e o
adoecimento como um processo. Desta forma, infere-se que as experiências individuais
de aflição, distúrbios e outros males, quando submetidos ao escrutínio de um
especialista religioso do candomblé, são absorvidos pela cosmologia afro-brasileira e
reinterpretados à luz desta. Ao mesmo tempo que esta leitura opera na e para a
possibilidade de reconstrução do self, em sintonia com as orientações das entidades
conforme se pronunciam no jogo de búzios, ela enseja atos criativos, por assim dizer,
que conectam a dimensão religiosa às outras dimensões da vida – econômico-financeira,
afetiva, profissional, enfim, das relações inter-pessoais etc.

Uma primeira técnica do corpo pode ser identificada aqui, sobretudo no que se
refere ao impulso dado à modulação do comportamento do consulente, o qual, ao
procurar a leitura do jogo de búzios, espera encontrar respostas para questões
específicas e, portanto, de como este(a) deve reorientar as suas ações no presente e no
futuro de modo a evitar situações indesejáveis ou contornar um problema atual, a
exemplo dos adoecimentos que passam à condição de objeto da atuação mágico-
religiosa. A primeira técnica do corpo aqui elencada, portanto, consiste no ajuste
sinérgico entre a perspectiva do consulente, o qual anseia por respostas, e a leitura
operada através de elementos cosmológicos. Ao que deveríamos nos perguntar quais
implicações subjetivas são desencadeadas e do que lhe sucede, em termos das múltiplas
releituras de mundo que são operadas tanto para o consulente quanto para o especialista
religioso. O jogo de búzios, visto como um evento significativo do ponto de vista
religioso, é interessante para pensar como se estabelecem novos “nós”, em uma vasta
rede semântica, na qual especialistas (pais e mães de santo, dentre outros detentores de
cargos), membros orgânicos e leigos aspirantes estabelecem trocas constantes das quais
costumam resultar as principais atualizações, cosmológicas, sociais, políticas e
culturais. Para além de uma mera “leitura situacional” do indivíduo, através do jogo de
búzios se operam conexões cosmológicas e epistemológicas atualizadoras e de
acionamento dos agentes aptos, espirituais e humanos, a lidar com aquela configuração
específica de vida em que se encontra o consulente.

Como está proposto no desenho da teoria ator-rede de Bruno Latour, nenhum


ponto da rede se confunde com o outro, representando cada nó um impulso à ação e

24
atualização de todo o conjunto. A incerteza é tomada então como o mote da pesquisa
acerca das implicações destas novas conexões ou associações que compõe o mundo
social. Logo, nos sentiríamos motivados a nos perguntar quais são os traços das
associações deixados pelos atores permitem rastrear não o que está estabelecido, mas o
que efetivamente está sendo feito pelos atores. Mais que isto, Latour (2012) enseja
investigar os entrelaçamentos que são estabelecidos entre os atores e as coisas, vistas
como dotadas de actância. Este olhar menos antropocêntrico sobre o humano constitui o
ponto de partida para compreender como ações podem representar nós, cujas conexões
podem ser rastreadas pelos sociólogos. Ao cliente-leigo, assim como para o adepto já
iniciado, o jogo de búzios pode ser este espaço-tempo em que se operam distintas
releituras de mundo, além de uma conexão de abertura à possibilidade de transformação
significativa das condições de estar no mundo.

O impulso dado ao que Latour chamou de “sociologia das associações” deve


trilhar um percurso no qual os humanos, mas também as coisas, agem. De acordo com o
seu postulado, o social deve ser buscado na relação que cada domínio detém com os
demais e das conexões que ensejam continuamente. É justamente este ponto de vista
que precisa ser sustentado aqui, quando pensamos nas práticas terapêuticas afro-
religiosas, já que os atributos qualificadores das suas práticas se afirmam ao estabelecer
pontos de conexão com outros domínios da vasta rede de relações em que se inserem.
Quando o familiar de uma pessoa em situação de saúde precária procura o candomblé,
acreditando ser este o caminho de intervenção, ao invés da medicina alopática
tradicional, provavelmente assim o faz porque, em virtude dos sintomas aparentes, não
seria o caso de dirigir-se a uma unidade de saúde ou hospitalar. Ou, ainda, naquelas
situações em que o paciente não apresenta evolução no quadro de saúde ou nenhum dos
exames diagnostica uma causa da doença, pode haver a recomendação de terceiros de
procurar um terreiro de candomblé. Via de regra, quando o “cliente” não conhece o
candomblé ele(a) é orientado por alguém conhecido que seja da religião ou que seja um
frequentador recorrente. Em ambas as situações, resta demonstrado como o “nó” entre o
mundo interno e o mundo externo está configurado a partir de uma situação específica
de saúde e que, no entanto, extrapola qualquer tentativa de explicar o fenômeno a partir
de um único ponto de vista – terapêutico-religioso, da medicina ocidental ou, ainda, de
uma análise estritamente material do problema. Nenhuma destas explicações por si só
admitiria a validação de um plano explicativo que leve em conta as conexões, inclusive

25
simbólicas, linguísticas e cognitivas, que são criadas a partir dos encontros
transculturais proporcionados por este tipo específico de associação.

Desta maneira, Latour42 (ibidem., p. 21), traz à tona não o que o termo social
evoca como homogêneo, mas sim ao que ele se refere como heterogeneidade, ou das
sínteses que são produzidas pelas associações entre elementos distintos, políticos,
culturais, econômicos, religiosos. Por esta forma de abordar o problema, o social passa a
ser identificado e qualificado a partir das conexões produzidas entre campos de atuação
mais ou menos autônomos, mas em comutação e produção sinérgica uns com os outros.
A teoria ator-rede evoca, assim, o que está sendo definido a partir das fronteiras, sua
multiplicidade de possíveis associações e novas sínteses criativas. A sociologia das
associações diverge das abordagens clássicas sobre o social, do que ele chamara de
“sociologia default”, ao partir não do que está estabelecido, do já existente, mas sim ao
seguir os traços dos percursos que conduzem à formação dos grupos e aos seus
refazimentos contínuos.

Este postulado, ao mesmo tempo metodológico e epistemológico, adota como


ponto de partida a abordagem etnográfica. Por ele, propõe-se que levemos a sério o que
as pessoas “pensam” e “fazem”, tendo subjacente a esta premissa que eles sabem o que
estão fazendo. O ofício do sociólogo envolveria esta atribuição de “sondar” como os
atores estão de fato produzindo o social, como uma verdadeira teia de significados de
onde se depreendem e são acionadas novas disposições para a ação, a partir das relações
por eles dinamizadas. Ao se colocar desta maneira, Latour (2012) diverge da percepção
de Boudieu, acerca do conjunto de forças que impelem os indivíduos a certas atitudes,
gostos, adesões e engajamentos políticos. A actância reside justamente na consciência
que os atores têm sobre os processos nos quais estão inseridos e dos quais participam
ativamente através das suas relações cotidianas.

Ao observar um conjunto de práticas de saúde em um universo simbólico-


religioso específico, estou de certo modo seguindo os rastros deixados pelos atores que
podem conduzir-nos à gênese da formação social e cultural dos grupos nos quais estão
inseridos. Não raro estas associações podem conduzir-nos a “tradições”, ou seja, aos
aportes sociais, políticos e culturais que concorreram para as novas configurações
produzidas no campo fértil das fronteiras. Rastrear o social a partir da ação intencional
dos indivíduos, ao aderirem a uma forma de religiosidade específica, por exemplo, ao
42
Ibidem, p. 21.

26
invés de simplesmente enquadrá-los em um determinado contexto social, pode suscitar
novas abordagens sobre as ações refletidas dos sujeitos nos contextos sociais em que se
inserem. Esta é apenas uma das situações em que certas conexões entre o candomblé e o
“mundo externo” tendem a se estabelecer. Isto na medida em que o primeiro enseja a
criação de intersecções dialógicas e canais multivocais, a partir dos quais curiosos,
clientes ocasionais e regulares podem vir a integrar a sua membresia.

Ademais, o candomblé também foi formado a partir da reunião de cultos


díspares e geograficamente dispersos na África Ocidental e na África Central. Como
sugere Crosson (2015, p. 16), neste tocante, as religiões da diáspora africana não
operaram através de uma lógica fechada de base etnorracial. Ao invés disto, pautaram-
se pela “incorporação da diferença como formas de poder espiritual” 43 (ibid.). Por esta
linha de interpretação, formas de manifestação e agregação das divindades tornaram-se
atributos das práticas que tenderam a unificar tradições religiosas e geograficamente
distintas. Como bem notado por Crosson, não obstante lógicas distintas sejam
infundidas no corpo do praticante, não há nem apagamento nem silenciamento das
linhas de diferença. Ao contrário disto, estas lógicas, contrapontos da modernidade,
operam através das linhas de diferença, de gênero, classe, hierarquia e poder.

Parece instigante insistir um pouco mais neste atributo de composição de muitas


religiões afro-americanas que emergem da diáspora. Através dele, como um princípio, o
diferente não é necessariamente um obstáculo ou um elemento espúrio que possa
macular a sua forma de existência. A composição de novos arranjos interpretativos e
éticos da realidade em âmbito religioso, passou a incorporar o “diferente” em seus
domínios. Isto se reflete, por exemplo, nos cultos de caboclos em terreiros de
candomblé, a princípio por um reconhecimento do povo-de-santo pelo fato de os
indígenas terem sido os primeiros habitantes da terra. Encontramos neste tipo de
abordagem uma solução provisória ao problema posto pelo sincretismo, ao rever alguns
dos seus pressupostos sobre os quais repousaram o dilema a envolver diferentes
tradições ou, simplesmente, diferentes modos de fazer e agir no mundo. A abordagem
proposta pela teoria ator-rede, mas também aquela que diz respeito à ecologia das
práticas (STENGERS, 2018ANO, p. 445) nos possibilita pensar como, primeiro, o
social está sendo produzido a partir da conexão entre domínios distintosque um domínio
detém com os demais; segundo, que a diferença não precisa ser, necessariamente, o

43
Ibidem, p. 16.

27
estopim para o estabelecimento de fronteiras, mas pode ser o objeto a partir do qual os
sujeitos constroem novos aportes interpretativos e de ação social.

Experiências com o poder: rastreando as conexões entre epistemes afro-americanas


em meio às práticas de saúde

Eu gostaria de iniciar esta sessão tecendo algumas considerações acerca dos


processos de cura no candomblé, comparando-os e contrastando-os com processos
análogos, tais quais se depreendem de práticas religiosas afro-americanas no Caribe
anglófano. Assim como o candomblé, cujas atividades foram reprimidas pelas
instituições coloniais (Igreja Católica e instituições dos períodos imperial do início da
República), muitas outras formas de manifestação religiosa legadas por sociedades
africanas nas Américas foram alvo de perseguição.

A santeria em Cuba, o Vodoo haitiano, O Obeah como prática religiosa presente


em Santa Lúcia, na Jamaica e em Trinidad e Togabo, são formas de organização social e
religiosa que sobreviveram à diáspora e vêem se atualizando continuamente ao longo do
tempo, em meio a uma história de resistência ao julgo colonial e às suas formas de sub-
determinação e tentativas reiteradas de invisibilização e apagamento. Na América do
Sul, instituições clericais e dos Impérios que visavam a expansão dos seus domínios
além do ultramar, desenvolveram formas deliberadas de contenção das crenças e
práticas consideradas incompatíveis os códigos ético-morais ocidentais e, sobretudo,
como parte de um exercício político do poder que visou o docilização das populações
subjulgadas, através da catequização, da repressão direta às práticas religiosas
ameríndias e às práticas oriundas do continente africano. Conforme sugere Ralph
Austen,

“a bruxaria é menos uma categoria analítica reificada do que um “discurso moral


situado”, um discurso sobre poder e história, sobre relações interpessoais e sobre
feitiçaria como atributo ambíguo de poder” (apud MEUDEC, ANO2017, p. 22).

A autora acima mencionada44Meudec (2017, p.22), destaca como os trabalhos


posteriores ao de Austen tendem a minimizar os aspectos morais da feitiçaria,

44
Ibidem., p. 22.

28
enfatizando os seus atributos políticos. Neste sentido, a feitiçaria se presentifica tal qual
um “idioma cultural” em estreita relação com os sistemas coloniais. Ao invés de
promover uma espécie de defesa da tradição ele opera como um “modo de produção
de novas formas de consciência” e de demonstrar a insatisfação com a cultura e as
instituições modernas45 (ibidem.). Ademais, a feitiçaria propõe novas formas de lidar
com as deformidades da modernidade, convertendo-se na “nova magia”, apta a lidar
com as reconfigurações do poder.

A autora citada acima enfatiza a forma pela qual o Obeah foi estigmatizado e
como a ilegitimidade moral é resultado da moralização negativa promovida pelo
discurso colonial. Este estigma persistiu em Santa Lúcia e, atualmente, ainda se pode ser
constatado na visão negativa dos não praticantes do Obeah a respeito deste. No entanto,
além das designações exteriores à prática religiosa, é possível entrever a reconstrução
contínua de um pensamento ético, tal qual se depreende da ética ordinária, ou seja, das
perspectivas dos trabalhadores espirituais e curandeiros identificados com o Obeah.
Meudec, citando Michael Lambeck, nota como a ética é inseparável da condição
humana e, portanto, está presente em todo discurso e ação 46 (ibid., p, 21). Nos estudos
dedicados à economia política da feitiçaria nota-se, segundo Meudec, uma propensão a
minimizar os seus aspectos morais, salientando-se, ao invés disto, os seus atributos
políticos. Jean e Jonh Comaroff, através da categoria de “economia oculta”, se referem
às práticas voltadas à mobilização de recursos mágicos visando fins materiais
específicos ou mesmo a produção de riquezas por meios miraculosos. Em contextos
africanos, é possível notar como, tanto a noção de feitiçaria quanto a noção de oculto,
comportam elementos reativos e avaliativos sobre a modernidade e o capitalismo, sobre
as alterações no modo de distribuir a riqueza e sobre o neoliberalismo. A gestão interna
destas categorias, neste tempo histórico, corresponde ao desenvolvimento de
contradiscursos da modernidade e de seus motes político-sociais, colocando-se nesta
arena como movimentos de resistência e reação às tentativas de subalternização e
redução epistêmica.

As contraposições à modernidade, no contexto específico do Caribe observado


por Meudec, também estão investidas de uma moral. É o que ela chama de “dimensão

45
Ibidem.

46
Ibidem, p. 21.

29
ética dos estudos de bruxaria”47 e que, a seu ver, pode ser observada a partir da
apreciação cuidadosa da economia moral. Quanto a isto, ela ainda chama a atenção para
o fato de que a noção de economia moral no Caribe é utilizada para se referir aos
valores morais associados aos modos das trocas econômicas no contexto ritual48
(ibidem.). Na Dominica, por exemplo, o modo de representar as trocas denota
hierarquias de classe, além das desigualdades sócio-econômicas, configurando, assim,
um conjunto moralmente constituído49 (Mantz apud Meudec). Conforme analisado por
Maarit Forde, a “esfera ritual de troca”, embora tenha experimentado os efeitos do
capitalismo em suas dimensões morais e rituais, no contexto de Trinidad e Tobago
seriam melhor compreendidas se observadas sob o prisma da reciprocidade
generalizada50 (Forde apud Meudec, ANO, p. 23). Em Porto Rico, a economia moral da
bruxaria possibilitou processos de adaptação e reprodução do que ela chamou de uma
“colônia moderna”, na qual os valores capitalistas foram integrados à economia moral
da bruxaria, inviabilizando chamar estas práticas de contra-hegemônicas, sendo mais
pertinente atribuir aos seus praticantes a denominação de “empreendedores
espirituais”51. (ibidem.)

Diana Paton (2009, p. 2 ) enfatiza a “construção colonial do Obeah”, chamando


a atenção para a dominação cultural, a criminalização e a colonização em que estão
historicamente fundadas. As leis que obliteravam o Obeah foram finalmente revogadas.
Em Barbados (1998), em Aguilla (1980), em Trinidad e Tobago (2000) e em Santa
Lúcia (2004). Apesar da descriminalização formal das suas práticas, o termo Obeah
pode ser considerado ofensivo, assim como os termos gajé, maji, mwé, tjembwatè ou
obeahman ((apud Meudec, 2017ano, p. 24 ). Deve-se notar, ainda como todos estes
vocábulos têm conteúdos semânticos intercambiáveis. Crosson (2015, p.
164Experimentos com o Poder), destaca como a exclusão do Obeah da categoria
religião, expressa uma espécie de clivagem de mote racial, das práticas identificadas
com a África e que operou tanto a nível da religião quanto do secularismo. Este último
autor observa como ao negar ao Obeah a categoria religião, as instituições coloniais
tentaram separar esta prática do próprio exercício do poder. Isto, a seu ver, seria
47
Sobre a economia moral da bruxaria e do trabalho espiritual no Caribe, outros dois textos oferecem um
excelente panorama: Paton; Forde. Obeah and other powers; Romberg, Raquel. The Moral Economy of
Brujeria under the modern colony: A Pirated Modernity? In: Paton and Forde. Obeah and Other Powers.
48
Ibidem.
49
Mantz apud Meudec (2017).
50
Ibidem., p. 23.
51
Ibidem.

30
consequência da disseminação dos ideais iluministas nas esferas de poder das religiões
ocidentais que, deliberadamente, passaram a interpretar práticas identificadas com a
feitiçaria, com a bruxaria ou com a magia negra como potencialmente prejudiciais e,
portanto, não religiosas. Deste modo, práticas de procedência africana, por admitirem a
idéia de manipulação de forças sobrenaturais, além de outras práticas consideradas
supersticiosas, foram alvo de ações políticas que se reverteram em forte estigmatização
e criminalização.

No Brasil colônia, práticas religiosas de procedência africana foram reprimidas,


através de atos legais e da perseguição deliberada aos seus locais de culto e seus
praticantes. Ao analisar a feitiçaria e a religiosidade popular no Brasil colônia, Laura de
Mello e Souza (1986) atribui aos africanos, aos indígenas e aos mestiços a mestria do
curandeirismo no Brasil, por suas habilidades na manipulação de ervas, associada às
suas respectivas tradições religiosas de origem, além do legado europeu absorvido e
reinterpretado conforme a cultura popular (CALAINHO, 2008, p. 76). Dentre os
processos inquisitoriais que vão do século XVI ao século XVIII, 29% foram os que
tinham negros e mulatos denunciados por prática de curandeirismo. Ainda, de acordo
com a mesma tabela, de todos os acusados de feitiçaria no Reino, 51,8% eram do sexo
masculino. Não eram utilizadas apenas as ervas nos processos de cura religiosa. A elas
se somavam a utilização de substâncias animais e vegetais, emplastos, além de orações,
água benta e toda sorte de símbolos materiais cristãos que podiam potencializar as
terapêuticas empregadas52 (ibid., p. 77).

A medicina ocidental, tal como se desenvolveu no Ocidente moderno, se apoiou


em conhecimentos popularmente disseminados, além de outros conhecimentos
fitoterápicos, anatômicos e fisiológicos adquiridos no contato com os povos
colonizados. No entanto, ela é mais usualmente reconhecida como um campo de
conhecimento autônomo, seja como ciência seja como prática, a incidir objetivamente
sobre a doença ou o adoecimento. De forma lenta e gradual, as instituições coloniais
sedimentaram os anseios secularistas contidos nos empreendimentos que, visaram,
sobretudo, aniquilar ou suprimir as epistémes autóctones sobre o corpo e a doença,
abrindo o caminho para a subjugação de base cognitiva em que está assentado o
exercício do poder ocidental moderno. As instituições médicas colocaram em prática o
exercício do biopoder, através do qual se efetivaram regimes disciplinares sobre o
52
Ibidem, p. 77.

31
corpo, sobre a doença e o adoecimento. O tipo de racionalização em que estava fundada
esta lógica de ação, pressupunha que a regulação a ser promovida pelos profissionais
médicos promoveria, dentre outros efeitos, a alteração da percepção geral sobre a
doença e suas causas, assim como o monopólio sobre o diagnóstico, em torno dos
procedimentos terapêuticos e outras práticas relacionadas às “artes de curar”. Contudo,
dada a escassez de profissionais médicos nas colônias, as chamadas “artes de cura”
eram exercidas, a maior parte das vezes, por profissionais leigos, dentre os quais negros
escravizados ou forros e indígenas.

Em 1832 foram fundadas as primeiras universidades de medicina do Brasil, nas


cidades de Salvador e Rio de Janeiro. À época, qualquer prática curativa protagonizada
por terapeutas populares era desestimulada pela ciência médica. No entanto, durante as
epidemias de cólera e lepra, os campo médico profissionais médicos tiveram que
precisou estabelecer interlocução com os terapeutas populares, já que tanto a etiologia
quanto a cura daquelas doenças não era conhecidas (ALVES e RABELO...ou
SILVEIRAilveira, 2010, p. 39). Este autor também lembra como estes agentes de cura já
exerciam as suas atividades antes da travessia diaspórica:

Já foi reconhecido pela etnografia ocidental que, em diversas regiões


da África pré-colonial, os numerosíssimos sacerdotes dos deuses da
medicina sabiam curar doenças infecciosas como a tuberculose e a
varíola, além de afecções cardíacas, a elefantíase, a asma, a cirrose do
fígado e tantos outros males graves53.

Em meio à propagação da medicina ocidental, houve a absorção seletiva dos


saberes associados a certas doenças e formas de lidar com estas, mas também a
acentuação da distância entre conhecimentos considerados científicos e os não validados
por meio de verificação, classificação e validação fora do seu domínioda ciência.

O biopoder, exercido por meio de instituições de Estado em consórcio com este


novo campo de conhecimento que vinha se desenvolvendo sob o manto do Iluminismo,
incidiu diretamente sobre a capacidade reprodutiva dos saberes populares, dentre os
quais, aqueles que poderiam ser considerados sistemas médicos vinculados a distintas
tradições. A criminalização das práticas e dos saberes etno-médicos coloca em
evidência os fundamentos e o escopo da empresa colonial moderna, ancorada nos ideais

53
Ibidem.

32
civilizatórios que punham em funcionamento uma série de ações visando a eliminação
da alteridade, em termos epistêmicos, sociais, culturais e políticos. Um certo modelo
social e cultural, inspirado em parte da Europa, foivem sendo imposto aos habitantes da
colônia e, com ele, hierarquias produzidas a partir da distribuição assimétrica de poder
no tabuleiro colonial. Nesta arena, as diferenças ajudaram a produzir os meios de
operacionalizar o poder, ou melhor, a diferença foi tomada como alvo da empresa
colonial moderna, combatida e tornada objeto de ações deliberadas de docilização, por
meio da catequese, mas também da criminalização e perseguição às práticas religiosas
não cristãs.

Para Foucault, as novas tecnologias do poder, tornam a disciplina o objeto de


experimentos deliberados de poder, cujos resultados devem advir de ações controladas
de adestramento dos corpos. Novas formas de controle sobre a doença e o adoecimento,
sobre o desvio e o desviante, sobre o aprendizado, etc, foram postas em prática, como se
depreende da história da clínica, das prisões, das instituições escolares, do hospício. O
que é relevante destacar aqui é a gênese de um processo histórico marcado por tensões
que emergem dos embates entre a empresa civilizacional moderna ocidental e as
práticas sociais e culturais tradicionais de africanos e ameríndios. Na literatura sobre
religiões afro-caribenhas há um contraponto instigante sobre como algumas práticas
religiosas desenvolvem técnicas aptas a lidar com as discrepâncias e deformidades
impingidas pelo poder hegemônico e colonizador.

Na perspectiva foulcautiana sobre o corpo, este deve ser visto não como um
objeto em si, mas sob a ótica da articulação entre “poder, docilização dos corpos e
constituição de um campo de ação (RABELO, 2005 transformação da experiência,
ANO, p. 135). São ações com incidência sobre outras ações que moldam e tornam
concreto o poder, possibilitando o seu exercício justamente no domínio de constituição
das subjetividades e de suas actâncias. O poder se revela aí de distintos modos, ora
incitando os corpos, ora induzindo-os. Aduz-se, assim, que as novas tecnologias do
poder, desenvolvidas no bojo dos processos de modernização e burocratização dos
aparatos do Estado, têm por objetivo adestrar os corpos, tornando-os vetores e parte
ativa do próprio exercício do poder-saber. Além disto, elas tornam factível a existência
de mecanismos de controle e modulação dos afetos e sensibilidades.

33
No bojo das transformações experenciadas pelas populações subalternizadas,
historicamente estigmatizadas, é possível identificar uma série de tensões em relação
aos modelos civilizatórios impostos. As reações vão desde a absorção de valores
ocidentais europeus às práticas religiosas afro-americanas e ameríndias até à rejeição
daqueles e o estabelecimento de fronteiras epistêmicas e identitárias, menos porosas,
entre os últimos. No Caribe, conforme sugerido por Paton (2009, p. 4), a construção
colonial do Obeah, através das políticas formuladas pelo Império britânico, plasmou a
imagem do atraso e do primitivo, associada à população do Caribe. Esta foi a
justificativa colonizadora para a negação da cidadania e de direitos aos seus residentes 54
(ibid.). Na Jamaica, o Obeah foi criminalizado em 1760, por meio do Act to Remedy the
Evils Arising from Irregular Assemblies of Slaves. Tanto este ato quanto outros
semelhantes publicados durante a escravidão, o Obeah foi caracterizado por “fingir ter
comunicação com o diabo” ou “assumir a arte da feitiçaria”55 (ibid.).

No Brasil colônia, a perseguição católica às práticas religiosas africanas foi


contumaz durante os primeiros séculos da colonização lusa. A estigmatização das
práticas religiosas africanas não era senão uma extensão do racismo institucionalizado
nas ações políticas que visavam sedimentar o seu modo de vida nas colônias e,
sobretudo, afirmar os poderes seculares e religiosos ocidentais. A feitiçaria se difunde
nas metrópoles e nas colônias como o leitmotiv e a justificação para o combate à heresia
e às práticas associadas, etnocentricamente, com a noção de malefício. O imaginário
europeu sobre a bruxaria dá impulso às ações persecutórias do mundo cristão na
Modernidade. Dentre os seus alvos, figuram as práticas religiosas africanas vistas pela
cristandade como demoníacas e perigosas.

Registros históricos do século XVIII ajudam a compreender os significados


socialmente compartilhados em torno das noções de calundu e calunduzeiro, conforme
destacado por Parés (2006, p. 115):

“Vemos assim, como no século XVIII “calundu” foi um termo


genérico utilizado para designar atividades religiosas de várias
índoles, porém de origem africana, em oposição às práticas
católicas ou ameríndias. Embora as danças e tambores fossem
parte da atividade ritual, a sua funcionalidade era

54
Ibidem.
55
Ibidem.

34
essencialmente terapêutica e oracular, sendo que
“calunduzeiro” podia ser utilizado como sinônimo de curador
ou adivinho”.

Os calundus, aos quais são atribuídos pela historiografia e pela etnologia os


antecedentes dos candomblés contemporâneos, foram alvos da Inquisição. Eles tinham
como oficiante um especialista religioso, em geral, incorporado por espíritos de parentes
desencarnados, que prestavam assistências de cura e adivinhação a clientes e pacientes.
Parés56 (ibid, p. 116) cogita que os calundus começaram a se organizar em cultos mais
complexos e elaborados, além da figura do curador-advinhador, a partir das tradições da
Costa da Mina, de onde provinham os escravizados da área linguística gbe-fon. O
argumento do autor vai no sentido de conferir às práticas religiosas da África Ocidental
a proeminência sobre o tipo de culto com altares, ídolos e a presença de oferendas
alimentares às entidades. Teria sido este o momento da etno-gênese dos candomblés,
quando se efetivou um modo de organização social de tipo eclesial. No século XVIII, os
registros de calundus deste tipo podem ser encontrados em províncias diferentes,
sobretudo em locais em que os escravos vindos da Costa da Mina viviam. Como em
Cachoeira, em 1785, localidade em que se deu a prisão por prática de feitiçaria, de jejes,
mahis, dagomé e tapa, todos eles pertencentes ao calundu da rua do pasto. Ao que tudo
indica, tratava-se de uma comunidade nascente que, como muitas outras naquele
período, ainda não haviam sedimentado a noção mais ampliada de comunidade afro-
brasileira. Isto só viria a se concretizar no século XIX, quando o culto organizado em
comunidades extra-domésticas já havia se efetivado, contando com uma extensa rede de
solidariedade, cooperação, alianças e conflitos.

Para esta reconfiguração política e social, que dá forma à comunidade religiosa


afro-brasileira mais extensa, tanto em termos litúrgicos quanto sociais e culturais, teriam
concorrido decisivamente os jejes e os nagôs, para os quais o consórcio entre religião e
relações de Estado era mais próximo. De modo um tanto distinto, os cultos de origem
banto, provenientes da África Central, estariam muito mais calcados em modelos
comunitários, nos quais a atuação do curandeiro-advinhador, individualizada, era
exercida de modo itinerante. O argumento desenvolvido por Parés é profícuo por propor
uma outra interpretação acerca da formação do candomblé em um culto de tipo eclesial,
mais complexo, sem perder de vista as influências culturais, sociais e políticas, tanto dos

56
Ibidem., p. 116.

35
povos oriundos da África Ocidental quanto da África Central. Além disto, fica patente
como distintas ontologias sociais do continente africano foram transplantadas para o
continente americano, em cujos contextos, regionais e locais, deram surgimento a novos
modos de organização social e religiosa.

O texto de Parés sobre a formação do candomblé dá, neste sentido, uma


dimensão de alguns dos princípios cosmológicos e éticos dos calundus, mas também
dos candomblés, no que tange às atividades terapêuticas e de cura. O próprio termo
calundu se confunde com as noções de doença e mediunidade, conforme se denota da
declaração de Luzia Pita, em Sabará:

“(...) a dita doença lhe chamam na sua terra calundus e que esta se
pega de umas pessoas a outras [...] e que só a havia de curar e ter
remédio mandando tocar alguns instrumentos e fazendo [algumas
coisas] mais”, entre as quais estariam as esfregas e uso externo de pó,
visando ao exorcismo da doença57 (MOTT apud Parés, 2006, p. 122)..

De acordo com a literatura, na área banto as experiências de mediunidade são


interpretadas como sintoma de doença. Esta é passível de cura, mediante o toque de
atabaques e práticas que visam afastar ou expulsar espíritos. Ademais, nestes casos, o
doente após ser curado, em geral, passa a ser um curador. Este tipo de experiência
curativo-religiosa está disseminado nos cultos banto e Janzen os chama de ngoma58
(ibid., p. 122). Como já aludido anteriormente, ngoma se refere, também, nos
candomblés de angola da Bahia, aos atabaques, instrumentos percussivos centrais nas
atividades rituais dos terreiros. Diante destas evidências etnográficas, fica patente que
os saberes preservados e reproduzidos nas performances dos toques e suas cadências,
das danças rituais contribuíram para a continuidade de algumas tradições africanas em
solos americanos.

Os registros historiográficos e etnológicos apontam para a coexistência de


distintas práticas religiosas de procedência africana em território americano, das quais
destacam-se as atividades voltadas para as atividades advinhatórias e de cura. Com a
constituição de redes mais complexas e estáveis de solidariedade e cooperação, a partir
do estabelecimento de uma organização religiosa de tipo eclesial, consolidada com o
modelo do “terreiro” ou “roça”, as atividades de cura são subsumidas às suas atividades
57
MOTT apud Parés, 2006, p. 122.
58
Ibidem, p. 122.

36
ordinárias. Isto ocorreu na medida em que a figura do curador-adivinho, a atender de
modo individualizado, vai pouco a pouco perdendo espaço, ante a consolidação e
expansão das “roças”, tanto em áreas urbanas quanto em áreas rurais. Contudo,
precisamos avaliar qual foi a principal implicação desta modificação estruturante do
universo afro-brasileiro entre os séculos XIX e XX.

A minha hipótese é a de que a formação do candomblé, ao mesmo tempo que


marca uma virada ontológica do movimento de resistência das práticas de resistência
africana ao epistemicídio, possibilita o desenvolvimento de formas de resguardar
conhecimentos, através das múltiplas experiências (inter-subjetivas entre humanos e
não-humanos) levadas a efeito no interior de cada uma das famílias de santo e entre
elas. Além disto, distintas cosmologias (banto, jeje, nagô) passaram a ser não apenas
fonte de princípios de condução da vida dos seus adeptos, mas verdadeiros objetos de
poder, mediante os quais os agentes tecem histórias, narrativas, constroem novos
objetos, de ação e reflexão, e mobilizam estimas, sensibilidades e engajamentos,
voltados ao equilíbrio entre as dimensões sagradas e as mundanas, comunitárias e
individuais, corpóreas e extra-corpóreas, humanas e não-humanas.

Assim como o Obeah, no Caribe, o candomblé e outras formas religiosas de


matriz africana podem ser definidas como “tecnologia diaspórica da relação poder e
prática ritual”. A associação colonial do Obeah com o dano provocado, no que
representa o modelo de consciência do falso colonial, nos impele a reconsiderar os
limites entre a religião e o reconhecimento (CROSSON, 2015 p. 16 - 17). Ao
desempenharem atribuições curativas, terapêuticas e oraculares, pautados em princípios
cosmológicos de antigas tradições africanas, estes especialistas se colocam como
tradutores e mediadores em uma rede semântica extensa, mas também em uma “malha
densa da práxis social”. Eles não só contribuíram para a continuidade destas tradições
religiosas e de saúde, como também possibilitaram processos extremamente criativos,
pelos quais se somaram novos aportes cognitivos e epistemológicos. Estas conexões
entre o continente africano e o continente americano podem ser tomadas, em si, como o
mote de investigações antropológicas sobre o papel que a feitiçaria e o animismo
desempenham no imaginário colonial, mas também sobre o embate entre as forças
seculares da religião ocidental e as formas religiosas mágicas pós-diaspóricas.

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Além do importante papel desempenhado pela musicalidade, destacam-se os
saberes e fazeres associados às ervas. Este domínio é regido, segundo os mitos, por
Ossaim, o qual tem a primazia sobre os euês (folhas) (Bastide, 2001, p. 176). Enquanto
Exu e Ifá compartilham atribuições específicas do processo advinhatório, a Ossaim cabe
agir através do axé das folhas, não havendo, portanto, confusão entre os dois domínios.
Eles são complementares. Por isto, Bastide59 (ibid.) recorda como, na África, os
advinhos comumente dispunham de um auxiliar responsável pela coleta das ervas
demandadas. Acontece que, segundo ele “para que o Ifá seja feito, é preciso ao mesmo
tempo fazer o Exu e o Ossaim privativos de cada um” 60 (ibid.). Se o domínio de Ossaim
está na agência sobre as folhas, o de Exu está na abertura de caminhos, nas conexões
que aproximam dimensões apartadas, tornando factível a intersecção e a interação de
distintos “compartimentos do real”61 (ibid.).

Neste sentido, quero propor aqui uma reflexão sobre como estas verdadeiras
operações cosmológicas foram continuamente “refeitas” ao longo da história moderna,
ensejando novas “composições”, cujos efeitos se desdobram também nas ações
interventivas de saúde. Tais composições vêm agregando novos significados no
decorrer dos últimos séculos e ajudando a construir comunidades que se tornaram
famílias (de santo), algumas das quais extensas e com ramificações em outros Estados e
até fora do país. De certo, ao enveredar no estudo das conexões que podem nos levar a
uma compreensão mais acertada sobre conjuntos de práticas de assistência à saúde, nos
defrontaremos com algumas das antinomias (Bauman) da modernidade. Isto porque ao
propor um modelo interpretativo que não exclui a priori a validação da eficácia aos
modelos médicos alternativos, reconhecemos não só a existência de aparatos técnicos
distintos daqueles consagrados pela ciência ocidental moderna e referendados por uma
espécie de chancela tácita da maioria, mas também desnaturalizamos o seu monopólio
explicativo causal e procedimental sobre as formas de agir no e sobre o mundo.

59
Ibidem.
60
Ibidem.
61
Ibidem.

38
39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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