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em Clínica
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Fundamentos
em Clínica
Cirúrgica
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues
Professor Adjunto e Coordenador da Disciplina de Clínica Cirúrgica do
Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do
Grupo de Esôfago, Estômago e Duodeno do Instituto Alfa de Gastroenterologia do
Hospital das Clínicas da UFMG. Professor do Programa de Pós-graduação em
Cirurgia da UFMG. Mestre e Doutor em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia)
pela UFMG. Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

Maria Isabel Toulson Davisson Correia


Professora Adjunta e Sub-coordenadora da Disciplina de Clínica Cirúrgica do
Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenadora do
Grupo de Nutrição do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas
da UFMG. Professora do Programa de Pós-graduação em Cirurgia da UFMG.
Mestre e Doutora em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG e USP.
Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

Paulo Roberto Savassi Rocha


Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG.
Chefe do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
Professor dos Programas de Pós-graduação em Cirurgia e Gastroenterologia da
UFMG. Doutor em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG. Titular
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva.
Pesquisador do CNPq.

Belo Horizonte
2006
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica


Marco Antônio Gonçalves Rodrigues
Maria Isabel Davisson Toulson Correia
Paulo Roberto Savassi Rocha

Editora Coopmed
Av. Alfredo Balena, 190 - Santa Efigênia
CEP 30130-100 • Belo Horizonte • MG
e-mail: editora@coopmed.com.br

Editoração eletrônica: Folium


Revisão gramatical: Silvia Maria Teixeira de Aguiar
Tania Sifuentes Lima

Direitos exclusivos
Copyright © 2006 by

Ficha Catalográfica

R696f Rodrigues, Marco Antônio Gonçalves


Fundamentos em clínica cirúrgica / Marco Antônio Gonçalves Rodrigues,
Maria Isabel Davisson Toulson Correia, Paulo Roberto Savassi Rocha. – Belo
Horizonte: Coopmed, 2005.
726p. ilust.

1. Cirurgia – Pré-operatório – Peroperatório – Pós-operatório. I. Correia,


Maria Isabel Davisson Toulson. II. Rocha, Paulo Roberto Savassi. III. Título.

CDU 617-089

ISBN: 85-85002-82-4

Todos os direitos autorais são reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. É proibida a duplicação ou repro-
dução desta obra, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou
outros), sem a permissão prévia, por escrito, da Editora.
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PREFÁCIO

Estou muito honrado em apresentar o livro Fundamentos em Clínica Cirúrgica, de autoria de Marco
Antônio Gonçalves Rodrigues, Maria Isabel Toulson Davisson Correia e Paulo Roberto Savassi Rocha,
eminentes professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, uma das mais
importantes escolas da Cirurgia Brasileira.
Poucos livros de Clínica Cirúrgica, em língua portuguesa, têm sido publicados nos últimos anos, e esta é
obra de grande clareza e profundidade, muito recomendável para o fim a que se destina.
Na primeira parte, a obra trata de cuidados pré, per e pós-operatórios do paciente cirúrgico, destacando-
se resposta orgânica ao trauma, equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico, avaliações clínicas, cuidados
nutricionais, antibioticoterapia e medidas preventivas das possíveis complicações; na segunda, expõem-se
situações especiais em Cirurgia; na última discorre sobre as principais complicações pós-operatórias.
Certamente alunos de graduação em Medicina, jovens cirurgiões, experientes profissionais, ávidos de
novos e contínuos conhecimentos, se beneficiarão com a leitura fluente e pródiga de informações que esta
obra propicia.

Ivan Cecconello
Titular das Disciplinas de Cirurgia do Aparelho Digestivo
e de Coloproctologia
Departamento de Gastroenterologia da FM-USP
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APRESENTAÇÃO

É com grande orgulho e satisfação que disponibilizamos para a comunidade universitária e para a classe médica
brasileira o livro Fundamentos em Clínica Cirúrgica. Resolvemos editar esta obra com o objetivo de tentar preen-
cher importante lacuna em nossa literatura, uma vez que a maioria dos livros de Clínica Cirúrgica discute em profun-
didade os aspectos relacionados às diferentes afecções cirúrgicas, reservando apenas alguns capítulos iniciais às bases
e aos fundamentos em Clínica Cirúrgica. Nosso maior estímulo foi testemunharmos, por tantos anos, a angústia e a
frustração de alunos, residentes e colegas clínicos e cirurgiões por não encontrarem, em um único livro, uma discus-
são específica, detalhada e particularizada dos aspectos teóricos e práticos relacionados à avaliação e aos cuidados pré,
per e pós-operatórios.
A era dos transplantes, iniciada há cerca de três decênios, em conjunto com o desenvolvimento das operações
minimamente invasivas e, atualmente, a robótica e as operações à distância, são exemplos fiéis de como a Cirurgia tem
seu papel destacado na história da Medicina. No entanto, os avanços nas diversas técnicas cirúrgicas resultariam em
discreto sucesso, se o suporte clínico ao paciente cirúrgico também não tivesse evoluído em ritmo similar. Logo, a
valorização do conhecimento e da importância da metabologia cirúrgica, o desenvolvimento de novas drogas anti-
microbianas e imunossupressoras, entre outras, assim como o trabalho paralelo de áreas afins salientando-se a fisio-
terapia, a nutrição, a psicologia e a enfermagem proporcionaram importante incremento nos cuidados perioperató-
rios do paciente cirúrgico. Os resultados são a diminuição da morbimortalidade, do tempo de internação e dos cus-
tos, além de menor sofrimento para o paciente operado.
Na área de saúde, o trabalho em equipe é fundamental. Contudo, cabe ao cirurgião conduzir a batuta no tratamen-
to dos pacientes sob seus cuidados, à medida que o conhecimento da doença, assim como o do ato operatório e de
suas conseqüências são de sua inteira responsabilidade. Os cirurgiões são sempre os mais expostos, por serem os res-
ponsáveis diretos pelo paciente. De sorte que a sustentação de suas condutas deve ser norteada também pelo adequa-
do conhecimento das áreas afins, o que implica domínio essencial da Clínica Cirúrgica. Médicos-residentes de todas
as especialidades cirúrgicas devem adquirir habilitação não apenas em técnica cirúrgica, mas também e, particularmen-
te, em avaliação e cuidados pré e pós-operatórios.
No atendimento de pacientes com maior risco anestésico-cirúrgico, a participação do clínico pode ser (e tem sido
em alguns casos) muito valiosa, favorecendo a interpretação de problemas clínicos mais complexos. Infelizmente são
poucos os programas de residências clínicas que se preocupam com o treinamento em avaliação clínica pré-operató-
ria e na condução pós-operatória de pacientes cirúrgicos. Esta falha tem sido responsável pela insegurança de alguns
colegas em participar, com os cirurgiões, desta importante etapa da terapêutica médica.
O procedimento cirúrgico, por mais simples que seja, promove sempre desequilíbrio psíquico e orgânico no
paciente. A avaliação clínica pré-operatória detalhada, seguida de adequado preparo, permite não apenas prever o
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andamento pós-operatório, mas também prevenir intercorrências e complicações. Muitas comorbidades constituem
fatores de risco reversíveis, e em muitos casos poderão ser tratadas e controladas, com a conseqüente redução do risco
anestésico-cirúrgico. Desta forma, tanto cirurgiões, quanto internistas devem estar bem familiarizados com os princi-
pais cuidados a serem prestados aos pacientes nessa fase, sob pena de estes evoluírem com complicações de conse-
qüências imprevisíveis. Além disso, é igualmente imprescindível o domínio do conhecimento relacionado ao diagnós-
tico precoce e ao tratamento adequado das complicações sistêmicas pós-operatórias.
Para atender a essa demanda, o livro foi organizado em três módulos. O primeiro módulo – Aspectos Gerais –
discute os aspectos básicos em Clínica Cirúrgica (Avaliação clínica pré-operatória, Preparo pré-operatório, Resposta
orgânica ao trauma, Bases da cicatrização e coagulação, Assistência médica pós-operatória, entre outros). No segun-
do módulo – Situações Especiais em Cirurgia – são apresentados, de forma detalhada, os cuidados pré e pós-ope-
ratórios em situações especiais (Cirurgia no paciente em uso de drogas, na paciente grávida, no alcoolista, no obeso
mórbido, no diabético, no paciente oncológico, hematológico, entre outros). O terceiro e último módulo –
Complicações pós-operatórias – aborda assuntos essenciais como Febre e hipotermia no pós-operatório, Infecção
do sítio cirúrgico, Complicações da laparoscopia, Choque e Cirurgia, Complicações cardiovasculares, Complicações
digestivas, entre outros.
Esperamos que, por meio deste livro, possamos contribuir na formação do médico, nas suas diversas fases – ainda
como alunos da graduação, como médicos-residentes e como profissionais – tanto nas áreas clínicas, quanto cirúrgi-
cas. Seu conteúdo interessa a todos aqueles que lidam ou lidarão com doentes cirúrgicos, seja qual for a sua área de
atuação.
Agradecemos aos colaboradores pela imprescindível participação na execução e no eventual sucesso desta obra.
Estendemos esses agradecimentos à Editora Coopmed por ter acreditado em nossa proposta, viabilizando-a.

Os Autores.
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COLABORADORES

Agnaldo Soares Lima Ana Beatriz Firmato Glória


Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Hematologista pela UFMG. Hematologista do Hospital
Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do das Clínicas da UFMG. Hematologista da Fundação
Grupo de Transplantes do Instituto Alfa de Hemominas.
Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
Membro Titular da Associação Brasileira de Transplantes Anelise Impellizzieri Nogueira
de Órgãos. Doutor em Medicina (Área de Concentração: Professora Assistente do Departamento de Clínica
Gastroenterologia) pela Faculdade de Medicina da UFMG. Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.
Especialista em Clínica Médica e Endocrinologia. Mestre
Alexandre de Andrade Souza em Medicina (Área de Concentração: Saúde da Mulher)
Membro do Grupo de Cabeça e Pescoço do Instituto
pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da
UFMG. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Antônio Luiz Pinho Ribeiro
Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Professor Adjunto do Departamento de Clínica
Alexandre Lages Savassi Rocha Médica da UFMG. Coordenador do Serviço de
Membro do Grupo de Esôfago, Estômago e Duodeno e Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular do Hospital das
do Grupo de Urgência do Instituto Alfa de Clínicas da UFMG. Especialista em Clínica Médica e
Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Cardiologia. Doutor em Medicina (Área de
Cirurgião geral da Equipe Multidisciplinar de Concentração: Infectologia e Medicina Tropical)
Tratamento Cirúrgico da Obesidade Mórbida. Pós-gra- pela Faculdade de Medicina da UFMG. Pesquisador
duando (Área de Concentração: Gastroenterologia) da ID do CNPq.
Faculdade de Medicina da UFMG.
Ariane Fadul de Carvalho
Aloísio Cardoso Júnior Fisioterapeuta pela UFMG. Especialista em Fisioterapia
Professor de Anatomia Humana da Faculdade de Respiratória pela UFMG.
Medicina da Unifenas – Campus Belo Horizonte.
Membro do Núcleo de Desenvolvimento Educacional da Bernardo de Almeida Campos
Faculdade de Medicina da Unifenas. Assistente de Clínica Membro do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital
Cirúrgica da Santa Casa de Belo Horizonte. Mestre em das Clínicas da UFMG. Pós-graduando (Área de
Medicina (Área de Concentração: Gastroenterologia) pela Concentração: Cirurgia) da Faculdade de Medicina da
Faculdade de Medicina da UFMG. UFMG.
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Carlos Eduardo Corradi Fonseca Cláudio Léo Gelape


Professor Auxiliar do Departamento de Cirurgia da Membro do Serviço de Cardiologia e Cirurgia
Faculdade de Medicina da UFMG. Especialista Cardiovascular do Hospital das Clínicas da UFMG.
em Urologia. Presidente da Sociedade Brasileira de Especialista em Cirurgia Geral e Cirurgia Cardiovascular.
Urologia – MG. Mestre em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia)
pela UFMG.
Carlos Henrique Viana de Castro
Coordenador da Equipe de Anestesiologia do Hospital Clécio Piçarro
Life Center. Especialista em Clínica Médica e Membro do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital
Anestesiologia. Especialista em Terapia Intensiva. Título das Clínicas da UFMG. Mestre em Medicina (Área de
Superior de Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Concentração: Cirurgia).
Anestesiologia.
Cristiano Gonçalves Araújo
Carolina Trancoso Almeida Membro do Serviço de Cardiologia e Cirurgia
Cirurgiã Geral do Hospital João XXIII. Pós-graduanda Cardiovascular do Hospital das Clínicas da UFMG.
(Área de Concentração: Cirurgia) da Faculdade de
Especialista em Clínica Médica e Cardiologia.
Medicina da UFMG.
Daniel Dias Ribeiro
Célia Maria Ferreira Couto
Patologista Clínico e Hematologista do Hospital das
Professora Assistente do Departamento de Clínica
Clínicas da UFMG.
Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro
da Comissão de Suporte Nutricional do Hospital Davidson Pires de Lima
das Clínicas da UFMG. Membro da Equipe de Terapia Professor Assistente do Departamento de Clínica
Nutricional e Gastroenterologia do Hospital Vera Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro
Cruz e do Hospital Life Center – Belo Horizonte. do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do
Mestre em Medicina (Área de Concentração:
Hospital das Clínicas da UFMG. Doutorando em
Gastroenterologia) pela Faculdade de Medicina
Medicina (Área de Concentração: Clínica Médica)
da UFMG.
pela UFMG.
Cláudia Alves Couto
Débora Grimberg Geber
Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica
Anestesiologista do Hospital Life Center e Hospital Vera
da UFMG. Membro do Grupo de Fígado, Vias Biliares,
Cruz. Especialista em Anestesiologia pelo Ministério de
Pâncreas e Baço e do Grupo de Transplantes do
Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Israel e pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Clínicas da UFMG. Doutora em Medicina (Área de Edson Samesima Tatsuo
Concentração: Gastroenterologia) pela Faculdade de Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da
Medicina da Universidade de São Paulo.
Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do
Cláudia Murta de Oliveira Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da
Médica do Serviço de Infectologia do Hospital Mater UFMG. Doutor em Medicina (Área de Concentração:
Dei. Especialista em Clínica Médica e Infectologia. Cirurgia) pela UFMG.
Mestre em Medicina (Área de Concentração:
Emma Elisa Carneiro de Castro
Infectologia e Medicina Tropical) pela UFMG.
Professora Assistente do Departamento de Psicologia da
Cláudia Myriam Amaral Botelho Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.
Membro do Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica Especialista em Psicologia Hospitalar. Mestre em
do Hospital das Clínicas da UFMG. Pneumologista. Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade
Médica do Corpo Clínico do Hospital Semper. Louis Pasteur, Strasbourg – França.
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Ênio Roberto Pietra Pedroso Guilherme Birchal Collares


Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Coordenador do Setor de Urgência do Laboratório
Faculdade de Medicina da UFMG. Central do Hospital das Clínicas da UFMG. Professor
Substituto do Departamento de Propedêutica Comple-
Evandro Maranhão Fagundes mentar da Faculdade de Medicina da UFMG. Médico
Hematologista pela UFMG. Hematologista do Hospital Patologista Clínico. Mestrando (Área de Concentração:
das Clínicas da UFMG. Mestre em Medicina (Área de Microbiologia) pela UFMG.
Concentração: Clínica Médica) pela UFMG.
Henrique Gomes de Barros
Flávio Palhano de Jesus Vasconcelos Membro do Grupo de Parede Abdominal e Retro-
Especialista em Clínica Médica pelo Hospital das peritônio e do Grupo de Urgência do Instituto Alfa de
Clínicas da UFMG. Especialista em Endocrinologia pelo Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
Hospital das Clínicas da UFMG. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do
Vale do Aço. Mestre e Doutorando em Medicina (Área
Francesco Evangelista Botelho de Concentração: Cirurgia) pela UFMG.
Membro do Serviço de Cirurgia Cardiovascular do
Hospital das Clínicas da UFMG. Cirurgião Vascular do Henrique Oswaldo da Gama Torres
Hospital Governador Israel Pinheiro - Instituto de Professor Assistente do Departamento de Clínica
Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre e
Especialista em Cirurgia Geral e Cirurgia Vascular pelo Doutorando em Medicina (Área de Concentração:
Ministério da Educação e Cultura. Gastroenterologia) pela UFMG.

Frederico Ozanan de Fúccio Hyllo Baeta Marcello Júnior


Farmacêutico. Bioquímico. Mestrando em Microbiologia
Professor do Departamento de Clínica Médica da
pela UFMG.
Faculdade de Medicina da UFMG. Especialista em
Pneumologia pela SBPT. Coordenador do Laboratório Ivana Duval de Araújo
de Função Pulmonar do Hospital Júlia Kubitscheck. Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo
Geraldo Henrique Gouvêa de Miranda de Parede Abdominal e Retroperitônio do Instituto Alfa
Membro do Grupo de Parede Abdominal e de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da
Retroperitônio do Instituto Alfa de Gastroenterologia do UFMG. Especialista em Cirurgia Geral. Doutora em
Hospital das Clínicas da UFMG. Cirurgião Geral do Medicina (Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG.
Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais.
João Baptista de Rezende Neto
Gilda Aparecida Ferreira Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da
Membro do Serviço de Reumatologia do Hospital das Faculdade de Medicina da UFMG. Doutor em Medicina
Clínicas da UFMG. Médica da UFMG. Mestre em (Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG. Clinical
Medicina (Área de Concentração: Infectologia e Fellow em Cirurgia do Trauma e Terapia Intensiva pela
Medicina Tropical) pela UFMG. Boston University. Research Fellow em Cirurgia do
Trauma pela Colorado University Health Sciences
Graziella Mattar Vieira de Alvarenga Center – Denver.
Especialista em Clínica Médica. Médica Residente do
Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital João Gabriel Marques Fonseca
das Clínicas da UFMG. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica
da Faculdade de Medicina e do Departamento de Teoria
Guilherme Asmar Alencar Geral da Música da Escola de Música da UFMG. Doutor
Médico Residente em Clínica Médica do Hospital das em Medicina (Área de Concentração: Infectologia e
Clínicas da UFMG. Medicina Tropical) pela UFMG.
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José Augusto Meneses da Silva Luciana Chaves Alves Brandão


Diretor Técnico do Núcleo de Nefrologia de Belo Fisioterapeuta pela UFMG. Especialista em Fisioterapia
Horizonte. Presidente do Lithocentro – Centro de Respiratória pela UFMG.
Tratamento de Cálculos Renais.
Luciana Ordones Rego
José Carlos Cavalheiro da Silveira Membro do Grupo de Nutrição do Instituto Alfa de
Professor Adjunto do Departamento de Saúde Mental da Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em Medicina Especialista em Cirurgia Geral. Pós-graduanda (Área de
(Área de Concentração: Psiquiatria) pela UFRJ. Doutor Concentração: Cirurgia) pela UFMG.
em Ciências (Área de Concentração: Psiquiatria) pela
UNIFESP/ University of London. Lucienne França Reis Paiva
Membro do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar
José de Freitas Teixeira Júnior do Hospital das Clínicas da UFMG. Preceptora da
Professor Auxiliar do Departamento de Clínica Médica Residência Médica em Patologia Clínica do Hospital das
da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador Clínicas da UFMG. Farmacêutica. Bioquímica.
Médico do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Microbiologista do Laboratório Central e da CCIH do
Semper, Belo Horizonte - MG. Hospital das Clínicas da UFMG.

José Maria Porcaro Salles Luiz Fernando Veloso


Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Membro do Grupo de Transplantes do Instituto Alfa de
Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
Grupo de Cabeça e Pescoço do Instituto Alfa de Membro Titular da Associação Brasileira de Transplantes
Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. de Órgãos. Especialista em Cirurgia Geral. Pós-graduando
Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Titular da (Área de Concentração: Gastroenterologia) pela UFMG.
Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
Mestre em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia) Luiz Otávio Savassi Rocha
pela UFMG. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica
da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro da
José Oyama Moura Leite Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade
Médico Residente de Cirurgia Vascular do Hospital Brasileira de História da Medicina.
Governador Israel Pinheiro – Instituto de Previdência
dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Lyster Dabien Haddad
Neurologista Clínico. Mestre pelo Instituto de Ciências
Juliana Boechat Álvares Biológicas da UFMG.
Membro do Grupo de Nutrição do Instituto Alfa de
Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Marcelo Dias Sanches
Especialista em Motricidade Oral. Fonoaudióloga do Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia
Hospital Luxemburgo. da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do
Grupo de Transplantes e do Grupo de Fígado, Vias
Leonardo Maurício Diniz Biliares, Pâncreas, Baço do Instituto Alfa de Gastro-
Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica enterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Doutor em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia)
Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital pela UFMG.
das Clínicas da UFMG.
Marcelo Eduardo de Lima Sousa
Lucas Lodi Patologista Clínico do Laboratório de Hematologia do
Cardiologista do Hospital das Clínicas da UFMG. Hospital das Clínicas da UFMG.
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Marcelo Eller Miranda Marco Túlio Costa Diniz


Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Serviço Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador da
de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Equipe Multidisciplinar de Tratamento Cirúrgico da
UFMG. Doutor em Medicina (Área de Concentração: Obesidade Mórbida do Hospital das Clínicas da UFMG.
Cirurgia) pela UFMG. Membro do Grupo de Esôfago, Estômago e Duodeno do
Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das
Marcelo Fonseca Coutinho Fernandes Gomes Clínicas da UFMG. Coordenador do Curso de Pós-
Cirurgião Geral. Médico Residente em Urologia do Graduação em Gastroenterologia da UFMG. Mestre e
Hospital das Clínicas da UFMG. Doutor em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia)
pela UFMG. Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
Marcelo Rausch
Professor Assistente do Departamento de Cirurgia da Marcos Guilherme Cunha Cruvinel
Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo Anestesiologista do Hospital Life Center. Especialista
em Clínica Médica. Título Superior de Anestesiologia
de Esôfago, Estômago e Duodeno e do Grupo de
pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Urgência do Instituto Alfa de Gastroenterologia do
Hospital das Clínicas da UFMG. Maria de Fátima Hauesein Sander Diniz
Professora Assistente do Departamento de Clínica
Márcio Alberto Cardoso Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro
Professor de Medicina Legal da Faculdade Mineira de do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital
Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas das Clínicas da UFMG. Mestre em Medicina (Área de
Gerais. Professor de Anatomia Humana do Instituto de Concentração: Gastroenterologia) pela UFMG.
Ciências Biológicas da UFMG, da Faculdade de
Maria Isabel Toulson Davisson Correia
Medicina de Barbacena e das Faculdades Metodistas
Professora Adjunta e Sub-coordenadora da Disciplina de
Integradas Izabela Hendrix, MG. Coordenador da Área Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da
de Medicina Legal da Academia de Polícia Civil da SESP, Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenadora do
MG. Médico Legista da Secretaria de Estado da Grupo de Nutrição do Instituto Alfa de Gastro-
Segurança Pública de Minas Gerais. enterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
Professora do Programa de Pós-graduação em Cirurgia
Marco Antonio Cabezas Andrade da UFMG. Mestre e Doutora em Medicina (Área de
Professor Assistente do Departamento de Cirurgia da Concentração: Cirurgia) pela UFMG e USP. Titular do
Faculdade de Medicina da UFMG. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Colégio Brasileiro de
Cirurgia Digestiva e Sociedade Brasileira de Cirurgia Mauro Ivan Salgado
Laparoscópica. Professor Assistente do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em Medicina
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues (Área de Concentração: Cirurgia). Titular da Academia
Professor Adjunto e Coordenador da Disciplina de Mineira de Odontologia.
Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do Natália Lage Bistene
Estudante de Medicina pela UFMG.
Grupo de Esôfago, Estômago e Duodeno do Instituto
Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Nildo Medeiros Dantas
UFMG. Professor do Programa de Pós-graduação em Nefrologista do Núcleo de Nefrologia de Belo
Cirurgia da UFMG. Mestre e Doutor em Medicina Horizonte. Médico Intensivista do Hospital Semper.
(Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG. Titular Coordenador da Unidade de Terapia Renal Aguda do
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Hospital Odilon Behrens.
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Patrícia Vieira Salles em Epidemiologia e Controle de Infecção Hospitalar.


Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da Doutor em Medicina (Área de Concentração: Infecto-
PUC-MG. Membro do Grupo de Cabeça e Pescoço do logia Medicina Tropical) pela UFMG.
Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das
Clínicas da UFMG. Especialista em Motricidade Oral. Renato Santiago Gomez
Mestre em Lingüística pela Faculdade de Letras da UFMG. Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da UFMG. Anestesiologista do
Paula Martins Hospital das Clínicas da UFMG. Doutor em Farmacologia
Coordenadora do Setor de Pronto Atendimento do pelo Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
Hospital das Clínicas da UFMG. Professora Substituta
do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Ricardo Vilas Freire de Carvalho
da UFMG. Doutora em Medicina (Área de Concen- Hematoterapeuta da Fundação Hemominas. Coordenador
tração: Cirurgia) pela UFMG. da Agência Transfusional da Santa Casa de Misericórdia de
Belo Horizonte. Hematologista pela UFMG.
Paulo Roberto Savassi Rocha
Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Rodrigo Gomes da Silva
Faculdade de Medicina da UFMG. Chefe do Instituto Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da
Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo de
UFMG. Professor dos Programas de Pós-graduação em Coloproctologia do Instituto Alfa de Gastroenterologia do
Cirurgia e Gastroenterologia da UFMG. Doutor em Hospital das Clínicas da UFMG. Doutor em Medicina
Medicina (Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG. (Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG.
Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e do Colégio
Rodrigo Nicolato
Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Pesquisador do CNPq.
Psiquiatra. Preceptor da Residência Médica em
Pedro Américo de Souza Psiquiatria do Instituto Raul Soares da FHEMIG e do
Professor Adjunto da Escola de Educação Física, Hospital Israel Pinheiro – IPSEMG. Doutor em Farma-
Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG. Mestre cologia Bioquímica e Molecular pelo Instituto de
em Ciências da Educação pela Universidade de Frankfurt Ciências Biológicas da UFMG.
– Alemanha. Doutorando em Reabilitação pelo Instituto
Rodrigo Santiago Gomez
de Reabilitação de Colônia – Alemanha.
Neurologista Clínico do Pronto Atendimento e Membro
Rafael Calvão Barbuto do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital
Membro do Grupo de Parede Abdominal e Retro- das Clínicas da UFMG. Coordenador do Serviço de
peritônio do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hos- Neurologia do Hospital Madre Teresa – Belo Horizonte.
pital das Clínicas da UFMG. Especialista em Cirurgia
Geral. Mestre e Doutorando em Medicina (Área de Con- Rosa Weiss Telles
centração: Cirurgia) pela UFMG. Membro do Serviço de Reumatologia do Hospital das
Clínicas da UFMG. Médica da UFMG.
Renato Beluco Corradi Fonseca
Estudante de Medicina pela Faculdade de Ciências Soraya Rodrigues de Almeida Sanches
Médicas de Minas Gerais. Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo
Renato Camargos Couto de Esôfago, Estômago e Intestino Delgado do Instituto
Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da
da Faculdade de Medicina da UFMG. Professor do UFMG. Cirurgiã da Equipe Multidisciplinar de
Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da Tratamento Cirúrgico da Obesidade Mórbida do
UFMG. Especialista em Clínica Médica pela UFMG. Hospital das Clínicas da UFMG. Mestre e Doutora em
Especialista em Terapia Intensiva - AMIB. Especialista Medicina (Área de Concentração: Cirurgia) pela UFMG.
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Tânia Maria Grillo Pedrosa Valéria Maria Augusto


Especialista em Clínica Médica pela UFMG. Especialista Professora Assistente do Departamento de Clínica
em Medicina do Trabalho pela UFMG. Especialista em Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordena-
Epidemiologia e Controle de Infecções Hospitalares. dora do Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica do
Mestre em Medicina (Área de Concentração: Hospital das Clínicas da UFMG. Especialista em
Infectologia e Medicina Tropical) pela UFMG. Pneumologia pela SBPT. Mestre em Fisiologia pelo
Tarcizo Afonso Nunes Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Vandack Alencar Nobre Júnior
Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do
Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica
Grupo de Urgência do Instituto Alfa de Gastro-
da Faculdade de Medicina de UFMG. Coordenador da
enterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Coorde-
Sala de Emergência do Pronto Atendimento do
nador do Programa de Pós-graduação em Cirurgia da
Hospital das Clínicas da UFMG. Doutor em Medicina
UFMG. Doutor em Medicina (Área de Concentração:
Cirurgia) pela UFMG. (Área de Concentração: Infectologia e Medicina
Tropical) pela UFMG.
Teresa Cristina de Abreu Ferrari
Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Walkíria Wingester Vilas Boas
Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Instituto Professora Auxiliar da Faculdade de Ciências Médicas de
Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Minas Gerais. Anestesiologista do Grupo de
UFMG. Mestre em Medicina (Área de Concentração: Transplantes do Instituto Alfa de Gastroenterologia do
Infectologia e Medicina Tropical). Doutora em Medicina Hospital das Clínicas da UFMG. Pós-graduanda em
(Área de Concentração: Gastroenterologia) pela UFMG. Fisiologia no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.

Tereza Cristina Silva Brant Walter Antonio Pereira


Professora Assistente do Departamento de Fisioterapia Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Cirurgia
da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia da Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre e
Ocupacional da UFMG. Especialista em Fisioterapia Especialista em Transplantes pela Faculdade de Medicina
Respiratória. Mestre em Ciências da Reabilitação pela da Universidade Louis Pasteur – Strasbourg, França.
UFMG. Doutor em Medicina (Área de Concentração: Cirurgia)
Thais Pereira Costa Magalhães pela UFMG. Presidente da Associação Brasileira de
Especialista em Clínica Médica. Médica Residente do Transplante de Órgãos.
Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital
Yerkes Pereira e Silva
das Clínicas da UFMG.
Intensivista Infantil e Anestesiologista do Hospital Life
Thiago Augusto Neves Center. Especialista em Pediatria pela UFMG.
Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital Especialista em Anestesiologia pela UFMG. Mestre e
Governador Israel Pinheiro – Instituto de Previdência Doutorando em Medicina (Área de Concentração:
dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Pediatria) pela UFMG.
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SUMÁRIO

ASPECTOS GERAIS
Capítulo 01 - História da Cirurgia .............................................................................................................01
Capítulo 02 - Desafios da Medicina contemporânea ..........................................................................07
Capítulo 03 - Conceitos de conveniência operatória ............................................................................13
Capítulo 04 - Avaliação clínica pré-operatória........................................................................................21
Capítulo 05 - Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico ..........................................................35
Capítulo 06 - Controle ácido-básico do paciente cirúrgico ................................................................61
Capítulo 07 - Nutrição e Cirurgia ...............................................................................................................77
Capítulo 08 - Bases e distúrbios da cicatrização....................................................................................93
Capítulo 09 - Bases e distúrbios da coagulação...................................................................................103
Capítulo 10 - Microbiota indígena e defesa antiinfecciosa...............................................................117
Capítulo 11 - Preparo pré-operatório.......................................................................................................127
Capítulo 12 - Visita e medicação pré-anestésica ................................................................................141
Capítulo 13 - Peroperatório: rotinas, cuidados e registros................................................................151
Capítulo 14 - Resposta orgânica ao trauma ..........................................................................................165
Capítulo 15 - Assistência médica pós-operatória.................................................................................175
Capítulo 16 - Hidratação venosa pós-operatória .................................................................................193
Capítulo 17 - Fisioterapia em Cirurgia ..................................................................................................209
Capítulo 18 - Antibioticoprofilaxia em Cirurgia...................................................................................221
Capítulo 19 - Princípios da antibioticoterapia......................................................................................231
Capítulo 20 - Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica.................................................251
Capítulo 21 - O cirurgião e as infecções ocupacionais ......................................................................261

SITUAÇÕES ESPECIAIS EM CIRURGIA


Capítulo 22 - Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente ..........................................................273
Capítulo 23 - Cirurgia no paciente idoso ...............................................................................................281
Capítulo 24 - Cirurgia na paciente grávida............................................................................................291
Capítulo 25 - Cirurgia no paciente em uso de drogas........................................................................301
Capítulo 26 - Cirurgia no paciente alcoolista........................................................................................317
Capítulo 27 - Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos.................................................335
Capítulo 28 - Cirurgia no paciente desnutrido .....................................................................................347
Capítulo 29 - Cirurgia no paciente obeso mórbido .............................................................................355
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Capítulo 30 - Cirurgia no paciente imunodeprimido .........................................................................363


Capítulo 31 - Cirurgia no paciente ictérico............................................................................................375
Capítulo 32 - Cirurgia no paciente com doença hepática.................................................................385
Capítulo 33 - Cirurgia no paciente diabético ........................................................................................393
Capítulo 34 - Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas....................................................403
Capítulo 35 - Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias ....................................................421
Capítulo 36 - Cirurgia no paciente hipertenso......................................................................................439
Capítulo 37 - Cirurgia no paciente com doença cardíaca .................................................................451
Capítulo 38 - Cirurgia no paciente com doença pulmonar...............................................................461
Capítulo 39 - Cirurgia no paciente com doença renal........................................................................473
Capítulo 40 - Abordagem do paciente oncológico ..............................................................................481
Capítulo 41 - Cirurgia no paciente hematológico................................................................................499
Capítulo 42 - Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos .....509
Capítulo 43 - Transplantes de órgãos abdominais – aspectos clínicos.........................................523
Capítulo 44 - Cirurgia no paciente com distúrbios de deglutição..................................................545
Capítulo 45 - Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático .......................................................551
Capítulo 46 - Cirurgia no paciente com órteses e próteses ..............................................................569
Capítulo 47 - Cirurgia na pessoa com deficiência...............................................................................577

COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS
Capítulo 48 - Febre e hipotermia no pós-operatório ..........................................................................587
Capítulo 49 - Infecções do sítio cirúrgico ..............................................................................................595
Capítulo 50 - Outras complicações do sítio cirúrgico ........................................................................615
Capítulo 51 - Vias de acesso e suas complicações ..............................................................................627
Capítulo 52 - Complicações da laparoscopia ........................................................................................641
Capítulo 53 - Choque e Cirurgia ...............................................................................................................649
Capítulo 54 - Complicações cardiovasculares ......................................................................................661
Capítulo 55 - Complicações respiratórias ..............................................................................................673
Capítulo 56 - Complicações urológicas ..................................................................................................687
Capítulo 57 - Complicações digestivas ...................................................................................................693

Índice Remissivo .........................................................................................................................................703


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ASPECTOS
GERAIS
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01
HISTÓRIA
DA CIRURGIA

Maria Isabel Toulson Davisson Correia,


Paulo Roberto Savassi Rocha

A Cirurgia nos seus primórdios nível, sendo executada por barbeiros que viajavam de
cidade em cidade. Estes, ao mesmo tempo em que corta-
A Cirurgia é um antigo ramo da Medicina. Os primei- vam cabelos, removiam também tumores, extraíam den-
ros procedimentos cirúrgicos datam do período neolítico, tes, suturavam feridas e realizavam exsangüinações. A
cerca de 10.000 a 6.000 anos a.C. A trepanação craniana importância dos barbeiros nessa atividade foi tão grande
para alívio da hipertensão cerebral parece ter sido realiza- que o símbolo em forma de bastão listrado, vermelho e
da, pela primeira vez, no ano 8.000 a.C. Os egípcios dei- branco, encontrado até os dias de hoje em muitas barbea-
xaram registrados em papiros, no ano 3.000 a.C., a utili- rias, advém da prática cirúrgica realizada por eles. O ver-
zação de procedimentos cirúrgicos para enfermidades melho significava sangue e o branco, os curativos.
dos ombros, tórax e dorso, além da circuncisão, excisão Em 1316, o cirurgião francês Guy de Chauliac publi-
do clitóris, castração, remoção de litíase vesical e amputa- cou um livro intitulado Chirurgia magna onde descreveu as
ção de membros. Também se atribuem aos egípcios pro- técnicas de correção de hérnias e de fraturas utilizando
cedimentos como tratamento de fraturas e de feridas pesos. Após sua publicação, a Cirurgia voltou a ser res-
complexas. Para esses atos, o cirurgião utilizava utensílios peitada. Na França, surgiu a Ordem Cirúrgica dos chama-
diversos, incluindo facas, tesouras, serras, clampes, serin- dos “cirurgiões de aventais compridos”, denominação
gas, agulhas e curativos que são empregados até hoje. contrária aos cirurgiões de aventais curtos, barbeiros. Os
Na Índia, os hindus realizavam, por volta do ano cirurgiões passaram, então, a ser inicialmente médicos
2.000 a.C., procedimentos cirúrgicos para tratamento de com posterior especialização na área cirúrgica.
fraturas, cálculos vesicais e amigdalites. A eles também se Ambroise Paré, cirurgião francês do século XVI, é o
atribui a realização das primeiras operações plásticas, para pai da Cirurgia moderna. Ele havia sido, inicialmente, um
correção de amputações de nariz e orelhas, em crimino- barbeiro cirurgião, que usou com sucesso a técnica de
sos que sofriam esses atos como punição. ligadura de artérias para controle de hemorragias, em vez
Hipócrates publicou, no século IV a.C., a descrição de da cauterização do local sangrante com ferro ou água fer-
vários procedimentos cirúrgicos para o tratamento de vente. Atribui-se também a ele o primeiro estudo clínico
fraturas e lesões cranianas, enfatizando a importância do observacional. Paré tratava feridos de guerra com óleo
posicionamento adequado das mãos do cirurgião para a quente, prática amplamente utilizada até então. Certo dia,
execução desses atos. houve falta do óleo e ele, simplesmente, tratou as feridas
com unguentos feitos com terebentina, gema de ovo e
A Idade Média e a Idade Moderna óleo de rosas, cobertos por curativos. Observou que os
pacientes assim tratados apresentavam melhor evolução.
Entre os séculos V e XIV, a prática cirúrgica entrou A partir de tal observação, essa passou a ser a conduta
em decadência e foi considerada como Medicina de baixo utilizada e ele relatou-a em seu livro sobre feridas1.
1
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O inglês William Harvey, cirurgião e anatomista, tes. Nesse mesmo período, um colega médico de
descreveu o sistema circulatório em 1628 e publicou Semmelweiss morreu vítima de septicemia decorrente
seus achados no livro intitulado Um estudo anatômico do de lesão cortante, após ter-se contaminado com sangue
movimento do coração e do sangue, em animais2. Mais tarde, de cadáver. Os sintomas apresentados pelo doente
também na Inglaterra, John Hunter, cirurgião e anato- eram exatamente semelhantes aos das parturientes, o
mista, relatou a estreita relação entre a Mecidina e a que levou Semmelweiss a concluir o que já suspeitava:
Cirurgia. Hunter realizou vários operações experimen- a transmissão das infecções era fruto do transporte de
tais que contribuíram para o avanço da Cirurgia, além “partículas putrefatas” dos cadáveres às parturientes, e
de estudar a relação fisiopatológica entre diversos siste- o veículo era o médico. Semmelweiss obrigou a adoção
mas e o ato cirúrgico3. de condutas higiênicas rigorosas, tais como lavar as
Apesar do conhecimento da anatomia e do controle mãos e trocar as roupas utilizadas durante a dissecção
da hemorragia alcançados até esse período, havia diver- de cadáveres, o que prontamente gerou a redução da
sas limitações que dificultavam o desenvolvimento da incidência de infecções. No entanto, essa atitude cus-
Cirurgia, mantendo-a restrita às áreas do corpo menos tou-lhe sua posição no Hospital de Viena, onde, por
críticas (p. ex., os membros) e às lesões superficiais. condenar as antigas práticas, não teve o seu contrato
Raramente, o cirurgião realizava procedimentos abdomi- renovado e se viu obrigado a regressar à Hungria, onde
nais, torácicos ou cerebrais, em virtude da dor associada também foi altamente criticado e perseguido por suas
aos mesmos, além dos riscos de infecção. idéias. Por isso, Semmelweiss foi considerado um dos
O grande avanço da Cirurgia veio com o advento da mártires da Medicina3,6. Suas teorias sobre trasmissão
anestesia, que aconteceu em 1846, quando o dentista de infecções precederam as técnicas de anti-sepsia
americano William Morton publicou o relato da utiliza- cirúrgica, relatadas por Joseph Lister, anos mais tarde.
ção de anestesia inalatória com éter, para aliviar a dor Louis Pasteur, em meados do século XIX, descobriu
durante operações. Apesar de se creditar a ele a desco- que a fermentação ou putrefação, seguida pela necrose
berta da anestesia, foi o cirurgião americano Crawford de tecidos, era causada por bactérias. Pasteur, presente
W. Long que, já em 1842, havia utilizado anestésicos para num congresso em Paris, onde também estava
a remoção de tumores. Seus resultados, entretanto, só Semmelweiss, mostrou para a platéia ao desenhar peque-
foram publicados em 18493-5. nos círculos, representando os estreptococos, como e
O desafio, a partir dessa época, foi controlar as por que a contaminação ocorria3.
infecções. O médico húngaro Ignaz Phillip Coube a Joseph Lister, cirurgião inglês, em 1865, uti-
Semmelweiss teve papel fundamental e relevante no lizar os conhecimentos sobre as infecções, relatados por
controle das infecções puerperais. Em 1847, ainda Pasteur, para desenvolver as técnicas anti-sépticas utiliza-
jovem assistente no Hospital de Viena, verificou que das em Cirurgia. Lister utilizou o ácido carbólico como
existia grande diferença na mortalidade por febre puer- spray não só em salas cirúrgicas, mas também nas feridas
peral entre duas enfermarias obstétricas do hospital: e nos curativos, obtendo significativa diminuição das
numa a taxa era de 9,9% e, em outra, de 3,9%. Toda a taxas de infecção. À semelhança de Semmelweiss, Lister
comunidade científica da época acreditava que a febre teve suas teorias questionadas, apesar de as ter publicado
era decorrente de “miasmas” – vapor infeccioso – que no Lancet, em 18673,7,8.
se encontrava na atmosfera. Entretanto, Semmelweiss A evolução gradual da Cirurgia teve sua posição fir-
jamais aceitou essa teoria frente às diferenças nas taxas mada no início do século XX, quando os quatro pré-
de mortalidade entre duas enfermarias do mesmo hos- requisitos clínicos fundamentais para a sua realização
pital. Ao pesquisar as possíveis causas, verificou que foram identificados e bem compreendidos: 1 – conheci-
uma das enfermarias era atendida, essencialmente, por mento da anatomia; 2 – métodos para controlar a hemor-
parteiras que se preocupavam com higiene rigorosa. A ragia e manter a hemostasia perioperatória; 3 – anestesia
outra enfermaria era freqüentada por estudantes de para permitir a realização de atos sem dor; e 4 – explica-
Medicina, que vinham das salas de autópsia, com as ção da natureza das infecções, em conjunto com a elabo-
mesmas roupas sujas lá utilizadas e que, também, não ração de métodos para alcançar a anti-sepsia e a assepsia
lavavam as mãos antes do contacto com as parturien- no ambiente cirúrgico.
2
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Capítulo 01 .: História da Cirurgia

O século XX postas terapêuticas e os resultados. A descoberta dos


grupos sangüíneos A, B e O, pelo patologista austríaco
Apesar de todas as conquistas acima mencionadas, os Karl Landsteiner, possibilitou aos cirurgiões realizarem
cirurgiões, no início do século XX, ainda enfrentavam o atos operatórios maiores, transfundindo os pacientes
desconforto social e profissional em relação à sua capaci- com sangue específico e diminuindo as complicações
dade científica como médicos. Pejorativamente, eram associadas à hipovolemia e às reações transfusionais3.
denominados “novos médicos científicos” e “não-pensa- A introdução dos antibióticos, em meados de 1940,
dores”, que trabalhavam de maneira artesanal, inferior e minimizou ainda mais o risco de infecções cirúrgicas,
rude. Era evidente a necessidade de se criarem e desen- possibilitando a realização de procedimentos cada vez
volverem modelos de investigação, conceitos teóricos e mais complexos. Foi também, nessa época, que surgiram
aplicações clínicas válidas que pudessem demonstrar a os primeiros estudos que relacionaram o estado nutricio-
base científica da Cirurgia. Assim, no início desse século, nal do enfermo e as complicações pós-operatórias.
houve grande busca pela afirmação da especialidade, não Studley mostrou que pacientes desnutridos, com úlceras
só no meio médico como também na comunidade leiga.
duodenais, submetidos a tratamento cirúrgico, apresen-
Era fundamental que os pacientes acreditassem nos pro-
tavam aumento das complicações pós-operatórias e da
cedimentos cirúrgicos como forma de tratamento e não
mortalidade, quando comparados aos pacientes com
temessem as complicações, até então, tão freqüentes.
bom estado geral.
Essa tarefa não foi fácil, pois se demandava a busca de
O desenvolvimento da Biomedicina proporcionou a
resultados frente à doença, como que num equilíbrio entre
confecção de instrumentos substitutivos de funções
o risco da enfermidade e o benefício do tratamento.
orgânicas, tornando viável também a realização de trans-
William Stewart Halsted (1852–1922) foi o cirurgião,
plantes de órgãos. Os primeiros transplantes de rins
que entre muitos outros, contribuiu para o tom científi-
foram realizados nos anos 1950, e o primeiro transplan-
co desse novo período. Professor de Cirurgia do
Hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos da te de coração foi feito, em 1967, pelo cirurgião sul-africa-
América, introduziu os princípios da “nova” Cirurgia, ao no Christian Barnard11.
retirar as operações dos “teatros” cirúrgicos para as salas A descoberta do microscópio cirúrgico, desenvolvido
de operações, onde a esterilização, a privacidade e a em 1950, possibilitou a realização de operações delicadas
sobriedade se assemelhavam às de um laboratório de sobre pequenas estruturas anatômicas, como as do inte-
pesquisa. Haltsted utilizou experiências em animais, para rior do ouvido e dos olhos. Iniciava-se a era da microci-
mostrar que, baseadas em princípios de anatomia, pato- rurgia, que viria a culminar com o transplante de mem-
logia e fisiologia, novas e sofisticadas técnicas cirúrgicas bros e de face nos dias atuais.
poderiam ser executadas em seres humanos com resulta- Após a introdução de tantos avanços e com a exten-
dos clínicos adequados. A ele também se atribui a colo- são do conhecimento na área cirúrgica, tornou-se eviden-
cação da Cirurgia como disciplina universitária tão te a necessidade da subespecialização. O cirurgião não
importante como a Anatomia, a Bacteriologia, a era mais capaz de dominar com rigor e nível científico
Bioquímica, a Clínica Médica, entre outras, já bem firma- todos os tipos de operações. Assim, nasceram as especia-
das nessa época. Halsted desenvolveu e disseminou um lidades cirúrgicas, em meados do século XX. A tecnolo-
sistema cirúrgico diferente, denominado princípios hals- gia em muito contribuiu para o avanço da Cirurgia e para
tedianos, inclusive culminando com uma das primeiras a necessidade de especialistas. Por outro lado, e por mais
residências cirúrgicas e um dos primeiros congressos paradoxal que possa parecer, as guerras também contri-
internacionais de médicos-residentes, realizado na cidade buíram para o desenvolvimento da Cirurgia. Foi nos
de Breslau, Alemanha, hoje conhecida como Wroclaw e campos de batalha, à semelhança do ocorrido com Paré
localizada no sudoeste da Polônia3,9,10. e com o tratamento de feridas, que a Cirurgia do trauma
Os avanços dos métodos diagnósticos, salientando-se teve seu grande desenvolvimento. Após a primeira guer-
o papel das radiografias desenvolvidas em 1895, pelo físi- ra mundial, os conceitos de hidratação foram introduzi-
co alemão Wilhelm Conrad Roentgen, contribuíram para dos por George Crile, que utilizou água do mar para tra-
a afirmação da Cirurgia como ciência3. Com o auxílio da tamento do choque hipovolêmico. Entre esse período e
Radiologia, os cirurgiões conseguiram melhorar as pro- a segunda guerra mundial, estudos de metabolismo celu-
3
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

lar, metabolismo geral e choque hemorrágico proporcio- mento. Assim, a cirurgia robótica certamente virá para
naram às vítimas de guerra melhor tratamento, em con- auxiliar o cirurgião naquilo que for “quase impossível”.
junto com os outros desenvolvimentos anteriormente A telecirurgia, na qual o procedimento é realizado em
mencionados. Outras guerras também contribuíram para centro cirúrgico de determinado local e transmitido para
o desenvolvimento da Cirurgia. Por exemplo, a punção da audiência na mesma instituição ou até em outro país,
veia subclávia, tão importante para monitorização cardía- podendo inclusive contar com o auxílio à distância de
ca, assim como para a oferta de nutrição parenteral, foi uti- outros profissionais, proporciona a facilidade da educação
lizada por Aubaniac para a infusão de soluções salinas à distância e disponibiliza o tratamento de pacientes que
durante a sua experiência na guerra da Coréia. O aprendi- não possam ser removidos do local onde se encontram.
zado de guerra foi transferido para a prática cirúrgica diá- A cirurgia intra-útero, com o auxílio da videocirurgia,
ria com incremento importante dos resultados. Na verda- já realizada amplamente em centros especializados, certa-
de, os aspectos anatômicos e as técnicas cirúrgicas, tão mente contribui para a correção de afecções diagnostica-
bem conhecidos ao longo de muitos anos, ganharam das precocemente e que, se não tratadas, inviabilizam a
valiosos aliados com o conhecimento da resposta metabó- sobrevivência do concepto ou contribuem para a preven-
lica à agressão e seu impacto na evolução pós-operatória. ção de seqüelas à nascença.
Sir David Cuthbertson, patologista clínico, em 1942, Grandes avanços têm sido alcançados pela videoen-
ao tentar responder aos seus colegas ortopedistas que lhe doscopia, sendo possível, hoje, realizarem-se até mesmo
perguntaram por que pacientes com fraturas de ossos correções de doenças malignas. Por exemplo, o câncer
gástrico precoce tem sido tratado, por via endoscópica,
longos apresentavam tempo prolongado de recuperação,
com bons resultados13. Como este, certamente, outros
relatou que o trauma ou estresse induzem estado hiper-
procedimentos passarão a fazer parte das opções tera-
catabólico, com aumento de excreção de cálcio, fósforo,
pêuticas no futuro e, não só em centros de alta comple-
sulfato e nitrogênio na urina12. Esse estado é desencadea-
xidade, como também em outros centros.
do por complexa rede de fenômenos orgânicos (ver
No entanto, jamais se poderá relegar a prática cirúrgi-
Capítulo 14 - Resposta orgânica ao trauma).
ca a máquinas e, por isso a Cirurgia continuará sendo
No último decênio do século XX, com o advento da
uma arte manual e dependente de pessoas. A técnica
videoendocirurgia, as especialidades cirúrgicas alcança-
operatória não representará isoladamente o progresso da
ram novo patamar. Ao evitar grandes incisões para a exe- Cirurgia, à semelhança do que ocorreu no passado. O
cução dos mesmos procedimentos cirúrgicos até então cirurgião precisará continuar a trabalhar em grupo com
realizados, a videoendocirurgia proporcionou menor outros especialistas para desvendar os mistérios metabó-
agressão, com conseqüente resposta orgânica diminuída, licos e, talvez, seu maior desafio seja entender a comple-
menos dor pós-operatória e menor tempo de internação. xa e intricada resposta orgânica ao trauma e encontrar
Esses resultados geraram diminuição na incidência de mecanismos para atenuá-la.
complicações associadas às incisões, como hérnias, redu-
ziram os gastos hospitalares e, acima de tudo, trouxeram
melhores índices de aceitação e qualidade de vida por Referências
parte dos pacientes.
1 ■ Baskett TF. Resuscitation greats. Ambroise Paré and the arrest
of haemorrhage. Resuscitation. 2004;62:133-5.
2 ■ Harrison WC. Dr. William Harvey and the Discovery of
O século XXI Circulation. New York: MacMillan Company, 1967.
3 ■ Duin N, Sutcliffe J. A History of Medicine. New York: Barnes &
A evolução no campo cirúrgico certamente continua- Noble Books, 1992.
rá, não só como fruto de tecnologia cada vez mais sofis- 4 ■ Morton W. at http://www.general-anaesthesia.com/ima-
ticada, mas essencialmente com novos avanços na área ges/william-morton.html.
metabólica, já que muito ainda há para se entender nesta 5 ■ Long C. at http://www.cviog.uga.edu/projects/gainfo/long-
bio.html.
seara. As operações realizadas por robôs são uma pers-
6 ■ Semmelweis IP. at http://www.uh.edu/engines/epi622.html.
pectiva em situações específicas e delicadas, em que a 7 ■ Lister J. at http://www.geocities.com/victorianmedicine/enti-
mão do cirurgião tem dificuldade de executar o procedi- re.html.

4
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Capítulo 01 .: História da Cirurgia

8 ■ Lister J. On the antiseptic principle in the practice of surgery. 12 ■ Cuthbertson DP. The metabolic response to injury and other
Lancet. 1867;2:668-9. related explorations in the field of protein metabolism: an
9 ■ Halsted W. at http://c250.columbia.edu/c250_celebra- autobiographical account. Scott Med J. 1982;27:158-71.
tes/your_columbians/william_halsted.html. 13 ■ Ludwig K, Klautke G, Bernhard J, Weiner R. Minimally invasi-
10 ■ Modlin IM. Surgical triumvirate of Theodor Kocher, Harvey ve and local treatment for mucosal early gastric cancer. Surg
Cushing, and William Halsted. World J Surg. 1998;22:103-13. Endosc. 2005 at http://www.springerlink.com/media/3d3-
11 ■ Barnard CN. The first heart transplant—background and cir- l q v l g y m d 8 5 0 2 g 9 m 7 j / c o n t r i b u -
cumstances. S Afr Med J. 1995;85:924-6. tions/m/1/6/6/m1665887h1366413_html/fulltext.html.

5
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02
DESAFIOS
DA MEDICINA
CONTEMPORÂNEA
João Gabriel Marques Fonseca

“A profissão de médico conduziu seus membros por um caminho grego não separava o homem da natureza, o corpo da
difícil no século passado: uma lenta e gloriosa ascensão em direção ao mente, o universo da terra, nem fazia a imensa maioria
bem-estar, seguida por uma profunda e agitada queda. das distinções tão familiares à nossa vida. Para os gregos,
Nas décadas que se seguiram à 2ª Guerra, os sociólogos descreviam a natureza e o cosmos são perfeitos e ordenados por leis
os médicos como herdeiros da sorte na era dourada da Medicina. Eles divinas; a razão é concebida como divina, externa ao
eram cercados de admiradores, pacientes leais, colegas respeitosos e homem, ordenadora do cosmos. Quando vive em equilí-
tinham plena autonomia em seu trabalho, segurança profissional e brio com a natureza, o homem está bem, saudável e pro-
uma ótima remuneração. Essa era teve vida curta. dutivo. As doenças significam um desequilíbrio do
A partir dos anos 80, as manchetes dos jornais passaram a estam- homem com a natureza, comum diante das imperfeições
par notícias de médicos emocionalmente abatidos (que consideravam a do mundo humano e originado em excessos no comer,
possibilidade de abandonar a profissão). Muitos observadores passa- no beber, no exercício e no sono.
ram a descrever a Medicina como uma profissão em decadência, conta- Como a natureza é perfeita, se o corpo for deixado em
minada pela burocracia, pela perda da autonomia, desprestigiada e estado natural, ele tende espontaneamente à perfeição e à
perpassada por uma profunda insatisfação pessoal ”. cura. A maior parte dos tratamentos propostos era, por
Com essa afirmação, Abigail Zuger1 descreve brilhan- isso, expectante. Não havia sentido em intervir no corpo.
temente o trajeto da Medicina nos últimos 25 anos e nos As idéias terapêuticas da Medicina alopática atual –
desafia a uma grande reflexão: por que isso aconteceu? medicamentos, operações etc. – não faziam sentido na
Numa tentativa de compreender esse momento históri- Medicina grega porque significariam interferência de uma
co que vivemos, vamos relembrar, em grandes passos, o razão menor, mundana e humana, num equilíbrio manti-
trajeto da Medicina Ocidental desde suas origens na do por forças superiores, divinas.
Grécia clássica. As idéias gregas se mantiveram até o Renascimento
graças, principalmente, a um famoso médico e pensador
greco-romano que viveu no século II, Galeno.
Como chegamos aonde chegamos
Galeno (129–199 a.C.) começou a estudar Medicina
A Medicina Ocidental, até o período que conhecemos aos 16 anos. Era um grande anatomista pelos seus estu-
como Renascimento, está ancorada na tradição da dos de animais (era proibido estudar no homem) e por-
Medicina grega clássica. que, ainda muito jovem, tratava feridas de gladiadores.
A concepção de mundo da Grécia clássica era globa- Era muito respeitado e chegou a ser médico de Marco
lizadora, unitária, holística, como chamamos hoje. A Aurélio. Escreveu mais de 200 livros sobre Medicina,
natureza era vista em sua integralidade, sem as categorias Filosofia, gramática e retórica. Foi ele quem descreveu
a que estamos acostumados em nossa civilização. O pela primeira vez a medula espinhal, os nervos cranianos
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

e a passagem de sangue pelas artérias (e não de ar como universo como uma grande máquina cujo mecanismo
se acreditava). deve ser observado e testado para ser compreendido. O
Galeno tinha preocupações místicas (via o corpo olhar do filósofo e do teólogo que observa/admira pas-
como veículo da alma e achava que todas as coisas têm sivamente um universo perfeito para encontrar nele a
função determinada por Deus), razão pela qual suas materialização da lógica divina e de uma ordem preesta-
obras interessaram tanto a teólogos cristãos e muçulma- belecida é substituído pelo olhar do cientista, que experi-
nos. Seus livros foram traduzidos do grego para o árabe menta e usa a razão para conhecer o mundo, por meio de
e para o latim. prática metódica em que recolhe “fragmentos do
A Medicina “galênica” era cosmocentrada, como na mundo” para estudá-los pormenorizadamente.
Grécia clássica, e seus tratamentos baseados na conten- O corpo humano deixa de ser considerado como
ção de excessos, e em repouso, ar puro, alimentação, representação terrena da perfeição celeste; deixa de ser
banhos e uns poucos sintomáticos para acalmar e aplacar pensado inteiro, em que a pessoa – e não um órgão –
a dor. Não havia a intenção da cura, e sim a de permitir adoece. O corpo humano passa a ser visto pela ciência
que o corpo se restabelecesse, readquirisse o equilíbrio. como uma máquina pensante e a ser observado por par-
As obras de Galeno tiveram tanta ressonância no tes. Agora, não é mais a pessoa ou o corpo que adoece; o
mundo cristão que constituíram a base do saber médico que adoece são os órgãos ou os sistemas.
até o século XVI. A doença não é mais vista como perda da harmonia ou
Somente a partir do século XVI, em decorrência das do equilíbrio e passa a ser concebida como um “enguiço”,
grandes modificações políticas, geográficas e ideológicas um mau funcionamento passível de intervenção.
por que passou a Europa, surge uma nova concepção de A base ideológica das ações terapêuticas – a conduta
Medicina, fundamentada em uma nova concepção expectante que permite a restauração do equilíbrio – é
do mundo. substituída de forma contundente pelas ações interven-
O Heliocentrismo, que se firmava frente ao cionistas que visam reparar o “defeito” da “máquina”.
Geocentrismo, as modificações nas rotas comerciais e Começam a aparecer modelos e teorias médicas que
nas cidades, a emancipação do poder político em relação se opõem radicalmente ao pensamento tradicional, de
ao poder eclesiástico, o nascimento do pensamento cien- bases gregas.
tífico, que se insinuava num território até então monopó- No século XVIII, o corpo humano é concebido ple-
lio do pensamento teológico e filosófico: tudo isso con- namente como uma máquina e, como tal, tende ao des-
tribuiu para o aparecimento de uma nova visão de gaste e à morte. A doença e a saúde passam a ser defini-
mundo. Surgia o pensamento analítico, categorizador, das como diferentes graus de excitabilidade do corpo. A
classificador. Surgia a Ciência. doença é um excesso ou falta de excitabilidade. A saúde
Vesalius (na primeira metade do século XVI) questio- é um “ponto certo”. Os tratamentos médicos passam a
na Galeno e promove um amplo e revolucionário estudo visar à recomposição da “excitabilidade”; usam-se exci-
da anatomia humana. Parré (no final do século XVI) cria tantes (nos estados definidos como de baixa excitabilida-
locais para hospedar “com hospitalidade” as pessoas que de) ou sangrias (para as situações onde há febre ou
tinham de ser “cortadas” pelos cirurgiões. Parré criava os outras formas de excesso de excitabilidade). As sangues-
primeiros hospitais e aproximava, pela primeira vez, a sugas, vermes hematófagos de vida livre – o Hirudo
Cirurgia (agressiva) da Medicina (expectante). Harvey Medicinalis, eram utilizadas em larga escala.
(1578-1676) estuda a circulação e propõe a existência dos Na transição do século XVIII para o XIX, uma série
capilares, disparando um enorme desenvolvimento de ocorrências contundentes contribuiu para consolidar
da fisiologia. o pensamento científico aplicado à prática médica. A
A “razão” tida como atributo divino, externo ao vacinação antivariólica inaugurou a era dos tratamentos
homem, começa a ceder lugar a uma “razão” humana. O médicos eficientes e de base científico-experimental.
teocentrismo vai, progressivamente, dando lugar ao Surgiram inúmeros instrumentos médicos: termômetros,
antropocentrismo e a teologia, à ciência. estetoscópios, materiais para análise química, materiais
A concepção grega do universo, como algo perfeito e cirúrgicos etc. As doenças passaram a ter uma classifica-
equilibrado, dá lugar à concepção racional que “vê” o ção de base científica e a antiga classificação genérica de
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Capítulo 02 .: Desafios da Medicina contemporânea

febres, apoplexias, constipações etc. cedeu lugar a uma A Belle Époque, derradeira tentativa de sublimar a
classificação “orgânica” que permitia a correlação dos derrocada do modelo imperial, termina de forma trágica
sinais e sintomas clínicos com a evolução das doenças. na barbárie da primeira guerra mundial. O mundo oci-
As técnicas de anamnese são aprimoradas, bem como os dental entrava num momento histórico difícil; a perda
métodos de observação e estudo de secreções e fluidos dos referenciais centralizadores, capazes de orientar a
corporais. O século XIX vê nascer e se desenvolver a vida, abriu espaço para o nazi-facismo e para as mais
Anatomia Patológica. diversas radicalidades. A segunda guerra mundial mostra-
Mas a grande questão do século XIX, que modificou va a face perversa desse momento histórico de desgover-
de maneira radical a prática médica até os nossos dias, é no existencial que, sob muitos aspectos, persiste até hoje.
a chamada Teoria dos Germes. Essa teoria, fruto dos De forma muito semelhante aos séculos XIV/XV, o
detalhados estudos microbiológicos desenvolvidos por século XX e o início do século XXI têm demonstrado ser
Pasteur, Koch, Lister e tantos outros, modificou radical- uma época de reforma de paradigmas e de imensas
mente a prática médica. mudanças. Os valores e as crenças tradicionais estão fragi-
O núcleo ideológico da Teoria dos Germes é a cren- lizados. Não temos mais referenciais institucionais e
ça de que uma doença tem uma especificidade etiológica. modelos de vida estáveis. Os modelos tradicionais que
Na época, o agente era um germe; hoje, é um germe, um orientavam as grandes instituições sociais (o casamento, a
gen, um hormônio, um anticorpo, um trauma físico ou Igreja, o governo, a família, a educação, a Medicina etc.),
psíquico etc. até algum tempo atrás, estão apresentando sinais de cansa-
As doenças passaram a ser encaradas como processos ço extremo e não mais servem como bases de referência.
biológicos e eram compreendidas como tal; não havia mais
A segunda metade do século XX assistiu à mais espe-
a necessidade de pensar a pessoa como um todo. O corpo
tacular onda de desenvolvimento tecnológico de toda a
era uma máquina constituída por processos físicos e quími-
história humana. A intensidade e a velocidade das mudan-
cos. Saúde e biologia “fundiram-se” numa mesma coisa.
ças nos últimos decênios não têm precedentes históricos,
As medidas terapêuticas passaram a ter base científi-
nem sequer foram imaginadas pela literatura de ficção. O
ca mais consistente e as medidas propostas, preventivas
mundo se tornou apressado, obcecado pela rapidez.
e curativas, baseadas na concepção microbiológica das
As tecnologias da informação transformaram total-
doenças, passaram a ser eficientes.
mente a vida social. A informática e as telecomunicações
As idéias higienistas modificaram muito o panorama
social geral e contribuíram para aumentar, pela primeira criaram outro mundo. Todos nós hoje somos dependen-
vez, a expectativa de vida das pessoas. Os médicos pas- tes, adictos, das comunicações digitais informatizadas.
saram a assumir funções até então atribuídas a outras Nenhum sistema produtivo ou prestador de serviços é
profissões. A Medicina e os médicos atingiram grande capaz de atuar mais sem essas tecnologias.
prestígio social. Vivemos num mundo confuso, superpopuloso, sob
A prática médica assumiu o status de uma instituição grande pressão de consumo e de produção e absoluta-
total, passando a exercer amplo controle sobre as pessoas. mente dependente da tecnologia. O convívio social está
Os médicos tornaram-se fiscais de corpos, atestando degradado e as relações interpessoais tendem a ser cada
saúde, doença, nascimento e morte. A Medicina passou a vez mais violentas. Os fanatismos e os radicalismos estão
ter enorme força para decidir sobre o certo e o errado, o presentes de forma muito intensa. As desigualdades
conveniente e o inconveniente, a vida e a morte. sociais, culturais e econômicas são enormes, formando
Nesse clima de conquistas, sucessos e poder para a verdadeiras legiões de excluídos.
Medicina e para os médicos, entramos no ocaso do sécu- A técnica tem tomado o lugar da ética nas relações
lo XIX e no amanhecer do século XX, período trágico, sociais. Os objetivos de vida da maioria das pessoas tor-
marcado pela decadência dos últimos grandes impérios naram-se prosaicos e imediatos, quase sempre ligados à
ocidentais. Em função da decadência desses impérios, conquista de bens materiais. As necessidades socio-afeti-
começa a ruir toda a estrutura de modelos de vida e valo- vas do ser humano têm sido sistematicamente secundari-
res construídos após a revolução francesa, que guiavam a zadas. A Medicina está totalmente inserida nesse contex-
vida e as relações humanas no século XIX. to e o demonstra com incrível clareza.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

A Medicina contemporânea é eminentemente tecnoló- ■ a relação médico-paciente mora na subjetividade e


gica. Os anos 80 do século passado assistiram a um boom é, principalmente, artística;
de tecnologias de imagem e de microdosagens para fins ■ a anamnese, enquanto escuta, é um ato artístico

diagnósticos. A anestesia, a analgesia, a antibioticoterapia, porque é a partir de um fato subjetivo (a escuta do


a quimioterapia antineoplásica e as técnicas cirúrgicas sintoma) que se formula uma impressão, expressa
ampliaram enormemente suas possibilidades de atuação. objetivamente como modelo explicativo (a impres-
são diagnóstica);
Entretanto, os tributos pagos por esse desenvolvi-
■ o exame físico está mais próximo da ciência porque,
mento têm sido enormes.
a partir de um achado (fato) objetivo, formula-se
O custo financeiro da prática médica atual superou uma interpretação;
todas as possibilidades de financiamento – os sistemas ■ o exame complementar viaja sentado na garupa da
públicos e privados de saúde estão falidos e ainda não se tecnologia;
visualizou uma saída. ■ o ato terapêutico baseia-se na ciência, mas navega
Juntamente com a falência econômico-financeira do na imprevisibilidade.
sistema de saúde, a Medicina despencou num abismo de O desafio está em equilibrar essas forças e habilida-
problemas éticos. O exercício da Medicina, tido como des. A palavra tecnologia (techné = arte manual, produto
um sacerdócio até meados da segunda metade do século + logos = proposição, pensamento) significa “produto da
XX, tem experimentado um progressivo processo de idéia, produto do pensamento”; até em tempos muito
deterioração. O trabalho médico está desvalorizado e recentes, logos era preponderante: a idéia, o pensamento,
passou a ser, inclusive, rejeitado. a reflexão eram precedentes à obra – o produto era con-
Este cenário de dificuldades e de paradoxos tem sido seqüência da idéia. A avalanche tecnológica da contem-
o pano de fundo da prática médica nos últimos anos. poraneidade tem, em várias ocasiões, invertido essa rela-
Por tudo isso, a prática da Medicina nos dias atuais ção: o produto comanda a idéia. Na prática médica isso
perdeu o glamour que tinha há alguns decênios atrás; vem tem-se tornado perigosamente a regra geral: o aparelho,
tornando-se progressivamente um trabalho árduo e, às o exame, o “objetivo” suplanta e substitui o diálogo; a clí-
vezes, até mesmo penoso. nica tem deixado de ser soberana.

Desafios do médico diante da Medicina Segundo grande desafio – conciliar o simples com
contemporânea o sofisticado
Lown, em seu notável texto A Arte Perdida de Curar
Os médicos exercem hoje sua profissão enfrentando
(1996)2, é contundente quando aponta a importância
continuamente quatro grandes desafios.
relativa dos instrumentos propedêuticos no diagnóstico:
a anamnese responde por 75% dos diagnósticos, o
Primeiro grande desafio – conciliar o subjetivo exame físico por 10%, os exames complementares de
com o objetivo baixo custo por 5%, os exames complementares de alto
custo por mais 5% e o acaso pelos 5% restantes.
Fernando Pessoa nos ensina que a arte é a “interpre- Com o avanço tecnológico da década de 80 do sécu-
tação objetiva de um fato subjetivo”: a obra de arte lo passado, os médicos passaram a incluir sistematica-
(interpretação objetiva) parte de uma impressão interior mente os exames complementares, principalmente os de
(fato subjetivo); já a ciência é a “interpretação subjetiva alto custo, no dia-a-dia de ambulatórios e hospitais. A
de um fato objetivo”: uma teoria / modelo científico capacidade diagnóstica tornou-se indiscutivelmente mais
(interpretação subjetiva) parte de uma observação ou de eficiente, mas essa modificação cobrou dois pesados
um experimento (fato objetivo). ônus: o aumento desenfreado do custo financeiro e, prin-
A Medicina atual se baseia na ciência e na tecnologia, cipalmente, a secundarização da subjetividade na prática
mas o ato médico não é completamente científico nem clínica. A Medicina tirou o foco do paciente e o pôs na
completamente tecnológico; é inegável que a arte faz máquina, passando a atuar como indústria de produção
parte da Medicina: em série, perdendo aquele caráter particular e confiden-
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Capítulo 02 .: Desafios da Medicina contemporânea

cial que a caracterizava. O médico se transformou numa A Medicina contemporânea está tecnologicamente
pequena engrenagem dessa máquina e o paciente, em sua avançada, economicamente falida e humanamente
matéria-prima. A relação médico-paciente foi “coisifica- frustrada.
da”; médico e paciente, com freqüência, se tratam como Os médicos vivem hoje sob o fogo cruzado da tecno-
objetos. Entre médico e paciente se interpôs a tecnologia. logia, do excesso de informações, da pressa, do pouco
tempo para sua formação pessoal, da cobrança de efi-
ciência e de resultados, da baixa remuneração e da vigi-
Terceiro grande desafio – reconstruir a relação lância quase sempre tendenciosa da mídia. Praticar a
médico-paciente Medicina atualmente é, mais que tudo, um grande estres-
Até os anos 60/70 do século XX, a Medicina era um se. Muitos médicos não estão bem como pessoas3: dor-
negócio feito em pequena escala, que se baseava no con- mem mal, alimentam-se mal e cuidam mal de si e de suas
tato pessoal direto, voluntário, particular, confidencial e relações interpessoais4.
personalizado entre a “pessoa” do doente e a “pessoa” Investir em si mesmos é um dos principais desafios
do médico. A partir dessa época, a Medicina se transfor- para os médicos atuais. Os médicos precisam se alimen-
mou num negócio em larga escala, passou a ser uma tar melhor: ter mais atenção e cuidado com suas refei-
indústria colossal, perdeu o caráter particular, confiden- ções, saborear com mais calma o alimento. Os médicos
cial. O paciente tornou-se um “consumidor” e o médico, precisam ser mais ativos fisicamente, cuidar melhor de
um “prestador de serviços”. A Medicina continua expe- sua postura, procurar dormir bem, buscar diversão e
rimentando um processo de brutal mercantilização. lazer sistemáticos. Há de se cultivar o diálogo, a amizade
Como “prestadores de serviços” os médicos passa- e o respeito, particularmente com seus clientes.
ram a freqüentar a mídia que exibe com igual freqüência Não deixa de ser estranho sugerir essas cotidianidades
as falhas e as conquistas da Medicina, num paradoxo banais para médicos, mas ainda mais estranho é perceber
contínuo que mais confunde do que informa. que os médicos estão esquecendo isso.
Os médicos estão carentes de humanidade: de sensi-
bilidade, de humildade, de senso de observação, de visão Referências
social, de criatividade, de ética e de vínculos com seus
pacientes que tenham como base a confiança mútua. 1 ■ Zuger A. Dissatisfaction with medical practice. N Engl J Med.
2004;350:69-75.
2 ■ Lown B. A arte perdida de curar. JSN Editora Ltda. São Paulo,
Quarto desafio – cuidar melhor de si mesmos 1966.
3 ■ Rosenthal JM, Okie S. White Coat, Mood Indigo. N Engl J Med.
O médico afastou-se do paciente e de si próprio como 2005;353:1085-8.
ser humano: os médicos confiam progressivamente menos 4 ■ Arnedt JT. Neurobehavioral performance of residents after
heavy night call vs after alcohol ingestion. JAMA. 2005;
em si próprios e, cada vez mais, em exames complementa- 294:1025-33.
res; os médicos tornaram-se “exame-adictos” numa depen-
dência quase física da propedêutica complementar.

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03
CONCEITOS DE
CONVENIÊNCIA
OPERATÓRIA
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues,
Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Conveniência operatória cação cirúrgica, também o risco operatório do paciente1.


São muitas as variáveis determinantes da resposta e adap-
O domínio dos conceitos de conveniência operatória
tação do paciente ao procedimento cirúrgico. Condições
é imprescindível para a compreensão da dinâmica que
orgânicas e estado emocional do paciente, utilização de
envolve o período pré-operatório, que vai desde o instan- medicamentos capazes de ocasionar instabilidade fisioló-
te em que se discute a opção cirúrgica (indicação cirúrgi- gica, caráter eletivo ou emergencial do ato cirúrgico,
ca), até a realização da operação (momento operatório) experiência da equipe de saúde, infra-estrutura tecnológi-
(Figura 3.1). Duas etapas essenciais do pré-operatório – ca do hospital, e natureza da operação e da anestesia são
avaliação clínica e preparo pré-operatório – são discuti- determinantes fundamentais da evolução per e pós-ope-
das, respectivamente, nos capítulos 4 e 11. ratória. Dessa forma, nos pacientes com indicação cirúr-
No momento da decisão, nem sempre simples, de gica, deve-se definir o risco operatório e, caso se decida
operar ou não um paciente (decisão cirúrgica) deve-se por realizar o tratamento cirúrgico, escolher o melhor
avaliar uma série de fatores, considerando, além da indi- momento para fazê-lo1 (Figura 3.2).

Indicação Decisão Momento Término Alta


Cirúrgica Cirúrgica Operatório da operação Ambulatorial

Avaliação clínica pré- Preparo


operatória pré-operatório

PRÉ-OPERATÓRIO PEROPERATÓRIO PÓS-OPERATÓRIO

Figura 3.1 .: Etapas e fases do tratamento cirúrgico

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Avaliar as vantagens e
Conhecer a
desvantagens do

Tratamento cirúrgico
versus INDICAÇÃO CIRÚRGICA História natural da doença
Tratamento não-cirúrgico

MOMENTO
DECISÃO OPERATÓRIA
OPERATÓRIO

Vulto da operação RISCO CIRÚRGICO Estado geral do paciente

Planejar o Avaliar e melhorar o

Figura 3.2 .: Conceitos de conveniência operatória (adaptada de Mendelssonh e Barbosa1)

Indicação cirúrgica mento em relação a seu paciente. Todas as informações


e os dados do exame clínico, por vezes desprezados,
A indicação cirúrgica correta é condição essencial podem ser relevantes e até decisivos. Outras vezes, são
para se alcançar bons resultados com o procedimento. detalhes dos exames complementares que serão definiti-
Para isso, ela deve ser definida a partir do conhecimento vos na indicação ou não da intervenção cirúrgica.
da evolução e do prognóstico da doença. Avaliando seu Para a maioria das afecções que apresenta mais de
comportamento, conhecido e registrado na literatura, é uma opção terapêutica, uma delas se destaca por oferecer
possível comparar as vantagens e desvantagens do trata- maior eficiência e melhores resultados, com menor mor-
mento cirúrgico com as vantagens e desvantagens do tra- bimortalidade, sendo considerado tratamento padrão-
tamento não-cirúrgico (relação risco-benefício). O trata- ouro. Ao optar por esse tratamento, o médico desfruta
mento não-cirúrgico, também conhecido como conser- do conforto técnico e da segurança médico-legal, por
vador, inclui o tratamento expectante (observação clíni- estar respaldado na literatura. Por outro lado, para fugir
ca), as inúmeras formas de tratamento clínico medica- do padrão-ouro, é mister que o médico deva se basear
mentoso e os diferentes tipos de terapêutica não-medica- em justificativas clínicas e/ou técnicas consistentes,
mentosa. Em contrapartida, o tratamento cirúrgico tam- tanto ao optar pela terapêutica cirúrgica (geralmente tida
bém pode variar muito, na dependência do objetivo da como mais agressiva e, por vezes, imprudente), quanto
intervenção, da técnica proposta e de seus diferentes ao optar pelo tratamento expectante (muitas vezes con-
acessos, incluindo o endoscópico (laparoscópico, artros- fundido como negligência e descaso).
cópico etc.) e o convencional. Todas estas variações e Quem deve indicar o tratamento cirúrgico é o próprio
opções terapêuticas devem ser ponderadas. cirurgião que irá realizar o procedimento, considerando
Por outro lado, ao indicar o procedimento cirúrgico, que ele não é um artesão nem um técnico, e responsabili-
não basta o conhecimento vasto e atualizado da literatu- zar-se-á pelo procedimento2,3. Além disso, com freqüência,
ra, é preciso que o cirurgião consiga aplicar esse conheci- observam-se divergências em relação à indicação de uma
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Capítulo 3 .: Conceitos de conveniência operatória

intervenção cirúrgica. Infelizmente, não é raro que colegas complexos que exigem decisões apoiadas em concepções
clínicos (ou mesmo cirurgiões) indiquem procedimentos filosóficas, transparecendo nas decisões e encaminha-
cirúrgicos para outros realizarem. Este erro comum, de mentos das soluções a personalidade do médico.
conseqüências complexas, traz freqüentemente problemas Cirurgiões, anestesiologistas e clínicos devem traba-
e sofrimento para todos. Ao confrontar-se com situação lhar em conjunto e de forma harmoniosa, de modo a
que possa se beneficiar de terapêutica cirúrgica, o paciente que se procedam, da melhor maneira possível, a avalia-
deveria ser orientado: “vamos encaminhá-lo ao cirurgião ção clínica pré-operatória e a definição do risco cirúr-
para verificarmos se o tratamento cirúrgico será boa opção gico. A decisão de operar ou não o paciente deve ser
terapêutica para o seu caso”. tomada pelos três, sendo desaconselháveis decisões
Nos casos de indicação cirúrgica mais difícil e duvido- unilaterais e conflituosas.
sa, pode ser interessante para o cirurgião dividir a respon-
sabilidade da indicação com outros colegas mais expe-
Risco cirúrgico
rientes no assunto. Contudo, em última instância, quem
será o responsável direto pelo paciente e pelas conse- Define-se risco cirúrgico como a probabilidade de uma
qüências do tratamento será aquele que o realizar. Dessa operação ocasionar, em certo paciente, complicações e
forma, é importante que ele esteja de acordo com a reali- óbito, tanto decorrentes da intervenção sobre o órgão
zação do procedimento e preparado para executá-lo. doente, como em conseqüência da falência de outros
Nos casos em que tanto o tratamento clínico quan- órgãos e sistemas sobrecarregados pelo trauma anestési-
to cirúrgico forem aceitos no arsenal terapêutico de co-cirúrgico. Não se deve confundir “risco cirúrgico”
certa afecção e apresentarem resultados equivalentes, o com “estado geral do paciente”; as condições clínicas não
paciente deve ser informado das vantagens e desvanta- são os únicos determinantes desse risco. O maior ou
gens de cada uma dessas opções e poderá opinar, defi- menor vulto da operação também determina maior ou
nindo seu interesse em se submeter ou não à interven- menor risco cirúrgico. Por sua vez, esse vulto depende
ção cirúrgica. tanto das condições médico-hospitalares, quanto do
porte da operação, sendo, portanto, ambos componentes
Decisão operatória fundamentais na definição desse risco. Dessa forma, o
risco pode ser proibitivo de submissão do paciente a uma
Mesmo havendo indicação formal para o tratamento operação extensa, e ser aceitável para intervenção de
cirúrgico, nem sempre ele poderá ser realizado, ou seja, menor porte.
nem sempre é possível decidir pela realização da inter- Muitos, na prática, têm confundido, com prejuízo
venção cirúrgica. A decisão operatória pressupõe sempre para a dinâmica pré-operatória e conseqüentemente
uma indicação cirúrgica, mas depende tão igualmente da para o paciente, “avaliação das condições clínicas do
magnitude do risco cirúrgico, ou seja, do risco de compli- doente” com “avaliação do risco cirúrgico”. Ao se soli-
cações e óbito que iremos impor ao paciente ao realizar- citar o consórcio de um clínico no pré-operatório, o
mos a operação (Figura 3.2). correto seria solicitar “avaliação das condições clínicas
É necessário analisar criteriosamente o benefício de e auxílio no preparo pré-operatório”, uma vez que a
terapêuticas cirúrgicas em pacientes graves. A intensida- definição do risco cirúrgico, como discutiremos adian-
de e a gravidade da doença que está motivando a opera- te, só poderá ser feita pelo cirurgião que irá operar o
ção não são, necessariamente, motivos para contra-indi- paciente. O sucesso da participação do clínico, que
car o procedimento cirúrgico. Na maior parte das vezes, deve extrapolar a de um simples consultor, dependerá
a contra-indicação a uma operação está relacionada à da sua capacidade de compreender os problemas e as
situação clínica do paciente e não ao problema para o dúvidas em relação à saúde do paciente, de sua expe-
qual o tratamento cirúrgico está indicado. riência neste tipo de atendimento, da clareza e da obje-
Ao tomar a decisão operatória, deve-se ter em mente tividade com que fizer recomendações propedêutico-
a seqüência lógica da ação terapêutica: salvar a vida, a terapêuticas pré-operatórias e de sua disponibilidade
seguir o órgão ou o segmento corporal, depois a função em interagir no pré e pós-operatório com o paciente,
e, por fim, a forma. Algumas vezes, os problemas são tão seus familiares e com a equipe cirúrgica.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Fatores relacionados ao paciente (estado geral do paciente) ções mais prováveis4,5. Afinal, a questão aqui não é permi-
tir ou não permitir que o paciente seja operado. A função
As condições em que os pacientes se submetem a um
do clínico, como parte da equipe, e juntamente com o
procedimento cirúrgico são muito variáveis, varrendo
cirurgião, anestesiologista e demais profissionais da saúde,
todo um espectro que vai da higidez à instabilidade fisio-
é encaminhar o paciente para o centro cirúrgico em suas
lógica extrema. As conseqüências de um procedimento
melhores condições clínicas e no momento mais oportu-
cirúrgico dependem da situação clínica prévia do pacien-
no5. Além do papel fundamental na avaliação e tratamento
te. A avaliação clínica pré-operatória permite a previsão
desta reserva biológica e da capacidade de resposta orgâ- dos fatores de risco, o clínico deve contribuir na definição
nica e isso permite a projeção da provável evolução pós- da profilaxia de complicações tromboembólicas e endocar-
operatória. Com razoável probabilidade de acerto, é pos- dite, no tratamento das complicações sistêmicas pós-opera-
sível prever a capacidade de um paciente responder às tórias e no planejamento da alta hospitalar (definição do
novas demandas fisiológicas e definir seus prováveis momento ideal e dos cuidados domiciliares)5.
“pontos fracos”. Uma avaliação clínica pré-operatória Nos casos de “contra-indicação clínica” ao procedi-
detalhada, seguida de adequado preparo, permite não mento cirúrgico, melhor seria um contato entre os médi-
apenas prever o andamento pós-operatório, mas também cos responsáveis pelo paciente. Esta ação propicia a
prevenir intercorrências e complicações4. Muitas delas reflexão sobre o caso, decidindo-se sobre a melhor con-
serão evitadas e outras, tratadas precocemente. duta, respeitando-se a relação risco-benefício, avaliando
A avaliação clínica pré-operatória deve ser, inicialmen- o risco de não se realizar o procedimento e analisando a
te, realizada pelo cirurgião. Como responsável pelo pacien- qualidade de vida e, por vezes, até a qualidade de morte
te nada justificaria sua omissão nesse momento importan- do paciente.
te do tratamento cirúrgico. Além de possibilitar ao cirur-
gião o conhecimento da condição clínica basal do paciente
e a existência ou não de outras afecções associadas, essa Fatores relacionados ao procedimento cirúrgico
avaliação feita pelo cirurgião estreita a relação médico- (vulto da operação)
paciente e oferece a esse último a segurança de que não será Um procedimento cirúrgico, por mais simples que
operado por alguém meramente técnico. Os médicos resi- seja, promove sempre desequilíbrio na integridade anáto-
dentes de todas as especialidades cirúrgicas devem adquirir mo-fisiológica do paciente. Este desequilíbrio e suas con-
habilitação não apenas em técnica cirúrgica, mas também seqüências dependem não apenas das condições clínicas
em avaliação e cuidados pré e pós-operatórios.
do doente, mas também da experiência da equipe, da
Em pacientes com maior risco anestésico-cirúrgico, a
infra-estrutura tecnológica do complexo hospitalar, do
participação do clínico tanto no pré quanto no pós-ope-
caráter eletivo ou emergencial da operação e, finalmente,
ratório pode se mostrar muito valiosa, favorecendo a
do porte da operação e da natureza da anestesia. Dessa
interpretação de problemas clínicos mais complexos.
forma, o vulto da operação é determinado tanto pelas
Infelizmente, são poucos os programas de formação de
clínicos que se preocupam com o treinamento em avalia- condições médico-hospitalares quanto pelo porte do
ção pré-operatória e condução clínica de pacientes cirúr- procedimento cirúrgico6. A decisão final quanto à opera-
gicos. Esta lacuna tem sido responsável pela insegurança bilidade é função do cirurgião e de sua equipe. Para tal, o
de alguns clínicos em participar com o cirurgião nessa cirurgião deve avaliar (e só ele pode fazê-lo):
■ existência ou não de infra-estrutura hospitalar capaz
etapa da terapêutica médica. Infelizmente, na prática,
essa participação não tem sido tão efetiva, em particular de suportar o procedimento que está sendo indicado
porque geralmente tem sido pontual, com o clínico se (materiais, equipamentos, qualidade e treinamento da
restringindo a classificar o risco cirúrgico (por exemplo, equipe multiprofissional e disponibilidade de trata-
“paciente ASA 3”), ou a repetir obviedades (por exem- mento intensivo);
plo, “o paciente não pode apresentar hipotensão e hipo- ■ sua capacidade pessoal – conhecimento, habilidade,

xemia”). Melhor seria listar os problemas e diagnósticos experiência, esmero e domínio técnico e tático – na
do paciente, salientando as condutas pré-operatórias realização do procedimento cirúrgico proposto;
desejáveis, e as medidas preventivas para as complica- ■ natureza, porte e morbimortalidade do procedimento.

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Capítulo 3 .: Conceitos de conveniência operatória

Os procedimentos cirúrgicos são divididos em três não considera as especificidades do paciente, de sua
categorias ou portes, de acordo com a intensidade poten- doença e tampouco o vulto da operação.
cial do trauma: I, II e III:
■ nível I, conhecidos como de pequeno porte – trau- Quadro 3.1 .: Classificação do risco anestesiológico proposta
mas potencialmente pequenos – resposta orgânica pela Sociedade Americana de Anestesiologia
leve (por exemplo, hernioplastias não-complicadas);
Paciente saudável, sem outras afecções além da
■ nível II, conhecidos como de médio porte – traumas
ASA 1 que motivou a indicação cirúrgica. Afecção cirúr-
potencialmente moderados – resposta orgânica inten- gica de caráter localizado (0,01%)
sa (por exemplo, hemicolectomias ou outras interven- Paciente com doença sistêmica leve a moderada
ASA 2
ções não-complicadas da cavidade abdominal); (0,1%)
■ nível III, conhecidos como de grande porte – trau- Paciente com doença sistêmica grave que limita
mas potencialmente muito intensos – resposta ASA 3 sua capacidade física, mas não o incapacita e não
acarreta risco de morte constante (1%)
orgânica máxima (por exemplo, duodenopancrea-
Paciente com doença grave incapacitante, que
tectomia cefálica, revascularização miocárdica, ASA 4 constitui risco de morte constante (10%)
transplante hepático etc.).
Paciente agônico, moribundo, sem expectativa de
Quanto mais localizada for a anestesia, menor será o ASA 5 sobrevivência a médio prazo, com ou sem o pro-
risco do paciente. A anestesia geral é, por princípio, mais cedimento cirúrgico
arriscada que a loco-regional ou anestesia local; contudo,
o procedimento anestésico, por mais banal que pareça Os percentuais, entre parênteses, após cada tipo, indicam a probabilidade estatís-
tica de óbito pela operação; se a indicação cirúrgica for emergencial, a possibilida-
ser, nunca deve ser subestimado. O tempo de anestesia é de estatística de óbito dobra nas três primeiras categorias - que se tornam 1E, 2E
e 3E - e não altera significativamente o prognóstico nas últimas categorias
também fator fundamental na determinação do risco
do paciente.
A definição do risco cirúrgico é do cirurgião, pois só ele
Quadro 3.2 .: Índice de risco cardíaco
conhece as condições técnicas e hospitalares, ou seja, seu
conhecimento e sua habilidade com o procedimento, as Critério Pontos
condições de trabalho do hospital onde pretende realizar o História Clínica
procedimento etc2. Além disso, somente ele conhece o Idade > 70 anos 05
porte da operação que está programando, tem experiência Infarto agudo do miocárdio há menos de seis meses 10
Exame Físico
em avaliar a tolerância do paciente em relação à operação
Ritmo de galope ou ingurgitamento jugular 11
proposta e em substituí-la por outras intervenções que
Estenose aórtica grave 03
acarretariam diminuição do risco cirúrgico (ver
Eletrocardiograma
Reversibilidade do risco).
Arritmias, extrassístoles supraventriculares 07
Estenose aórtica grave 07
Classificação do risco Outras Anormalidades
PaO2 < 60mmHg ou PaCO2 > 50mmHg
Avaliado o estado de saúde do paciente, é possível
K+ < 3mEq/L ou HCO3 < 20mEq/L
categorizá-lo, na dependência do potencial risco anesté-
Uréia > 50mg/dL ou creatinina > 3mg/dL 03
sico-cirúrgico, em três categorias:
ASAT e ALAT alteradas
■ pacientes sem risco especial;
Doença hepática crônica
■ pacientes com pequeno/médio/grande risco;
Doente acamado cronicamente por causas
■ pacientes sem condições cirúrgicas. não-cardíacas
A Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) Tipo de Procedimento Cirúrgico
define cinco classes de risco anestesiológico, acrescidas Intraperitoneal, intratorácico ou aórtico 03
de uma classe especial – E, que indica o eventual caráter Emergência 04
emergencial da operação (Quadro 3.1). A classificação da Total Máximo 53
ASA é clássica, muito utilizada, mas deve ser vista com
reservas, pelo seu caráter extremamente genérico, que Adaptado de Goldman7

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Para quantificar o risco de desenvolvimento de com- ração tem que ser feita rapidamente, ainda esta semana”)
plicações no paciente cirúrgico, Goldman7 propôs uma o clínico do paciente cria expectativas. Todavia, nem
classificação que considera a história clínica, o exame físi- sempre o doente está adequadamente estudado, apresen-
co, a presença de alterações no eletrocardiograma e em ta-se clinicamente preparado ou tem doença em estádio
outros exames, além de aspectos relacionados ao proce- que possibilite a operação, naquele momento. Esse tem
dimento cirúrgico (Quadro 3.2). A partir da análise des- sido um erro comum e que traz dificuldades para todos.
ses critérios são somados os pontos que irão determinar Na dependência do momento operatório, os procedi-
o índice de risco cardíaco para operação não-cardíaca. mentos cirúrgicos podem ser classificados em:
Quanto mais alto for o escore cumulativo, maior a mor- ■ de emergência (urgência extrema);
bimortalidade perioperatória. ■ de urgência (relativa);
Devemos ressaltar que nenhum destes índices substi- ■ eletivos.
tui a avaliação clínica e, seu uso pode ser considerado dis- Diante de indicação cirúrgica de urgência, é necessá-
pensável na prática cotidiana. Eles têm sido empregados rio grande senso crítico para avaliar se o tratamento
muito mais para repassar de forma objetiva, àqueles que cirúrgico é de emergência ou se ele pode ser submetido a
não examinaram o paciente, informação em relação ao um preparo, por menor que ele seja.
seu risco anestésico-cirúrgico. Em situações de emergência (urgência extrema),
quaisquer que sejam as condições clínicas do paciente, o
Reversibilidade do risco tratamento cirúrgico é indicado quando se sabe que o
paciente não terá nenhuma probabilidade de sobreviver
Muitas comorbidades constituem fatores de risco se não for operado o mais rápido possível. Exemplificam
reversíveis e, em muitos casos, poderão ser tratadas e esta situação o paciente vítima de trauma perfurativo pre-
controladas, com a conseqüente redução do risco anesté- cordial, com tamponamento e parada cardíaca, e aquele
sico-cirúrgico do paciente. Dentre elas destacam-se os com choque hipovolêmico secundário a ruptura de vísce-
distúrbios hidroeletrolíticos (em especial, a hipocalemia), ra abdominal maciça.
a insuficiência cardíaca congestiva, a hipertensão arterial, As operações de urgência (relativa) são aquelas nas
o hipertireoidismo e a presença de foco infeccioso à dis- quais há tempo para a confirmação diagnóstica ou para a
tância do sítio cirúrgico. O atraso no momento operató- melhoria das condições clínicas do paciente, com vistas à
rio visa, na maior parte das vezes, alcançar esse objetivo, redução da morbimortalidade cirúrgica. Pacientes com
por meio de adequado preparo pré-operatório (ver abdome agudo são bons exemplos dessa condição; seja o
Capítulo 11). Outra maneira de reduzir o risco cirúrgico paciente com abdome agudo inflamatório, que pode
é programar e realizar operação proporcional às condi- aguardar o período de jejum ideal, ou aquele com quadro
ções clínicas do paciente, algumas vezes controlando as obstrutivo que necessita de cateterismo nasogástrico e
pretensões cirúrgicas e, outras vezes, realizando o proce- correção de eventuais distúrbios hidroeletrolíticos e
dimento em dois ou mais tempos e não de uma só vez. ácido-básicos pré-operatórios.
Todo procedimento cirúrgico, por mais simples que
Momento operatório seja, realizado em caráter de urgência, será sempre mais
arriscado que o mesmo procedimento realizado de forma
O momento ideal para se realizar o procedimento eletiva, por não permitir a realização da avaliação clínica
cirúrgico é essencial no resultado do tratamento propos- adequada e do preparo clínico e psicológico do paciente.
to. Ao se definir o melhor momento operatório, o cirur- Dessa forma, paciente com cólica biliar secundária a
gião deve pesar a evolução natural e a gravidade da doen- colecistolitíase, sem acutização da colecistite, seria mais
ça versus as condições clínicas do paciente e os benefícios bem tratado por meio de procedimento eletivo. Neste
a serem alcançados com um preparo pré-operatório mais caso, deve-se considerar o sofrimento e o risco do
ou menos prolongado (Figura 3.2). Definir o momento paciente, realizando o procedimento eletivo de forma
operatório, assim como indicar o procedimento cirúrgico priorizada. Os procedimentos puramente estéticos cons-
é função do cirurgião. Ao indicar uma operação (“seu tituem exemplos clássicos de operações eletivas, também
caso só operando”) e definir o seu momento (“sua ope- conhecidas como programadas.
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Capítulo 3 .: Conceitos de conveniência operatória

Se, com base na correta indicação cirúrgica e num A definição dessas estratégias exige que o anestesiologista
risco operatório aceitável, decide-se pelo tratamento tenha conhecimento adequado das comorbidades presen-
cirúrgico (decisão cirúrgica), cabe ao cirurgião definir o tes e do planejamento operatório. A consulta pré-anesté-
momento operatório. Contudo, a decisão de adiar uma sica se completa com a orientação do paciente e de seus
operação não-eletiva em paciente gravemente enfermo é familiares em relação à técnica anestésica e aos seus riscos
difícil, pois o benefício do retardamento do procedimen- inerentes, abrindo espaço para esclarecer todas as dúvidas
to cirúrgico pode não ser nitidamente superior aos riscos em relação ao procedimento anestésico proposto3,10,12.
de realizá-la. Conversa franca e aberta entre os médicos A capacidade funcional da equipe cirúrgica é resultan-
envolvidos, em especial entre o cirurgião e o anestesiolo- te do entrosamento de seus componentes, das suas habi-
gista, poderá favorecer decisão mais equilibrada e menos litações e conhecimentos, da consciência de suas respon-
conturbada8. Durante a operação, o cirurgião deve exer- sabilidades profissionais e morais e do reconhecimento
cer liderança tranqüila, tomando a iniciativa de estabele- de suas limitações.
cer clima de entrosamento construtivo com o anestesio-
logista e os demais auxiliares, além de fazer cumprir as
Consentimento informado
normas técnicas da sala de operação2,3.
Todos os procedimentos diagnósticos e terapêuticos
devem ser cuidadosamente (mas não detalhadamente)
Responsabilidade profissional explicados ao paciente, incluindo os risco potenciais,
(aspectos médico-legais do benefícios e as eventuais alternativas. Em particular,
perioperatório) informações sobre procedimentos cirúrgicos devem ser
bem entendidas pelo paciente e seus familiares11. É
Estabelecida a relação entre o cirurgião e o paciente, imprescindível certificar-se de que o paciente está com-
surgem obrigações e responsabilidades daquele em relação preendendo e aceitando o procedimento cirúrgico. Isso
a este e, a partir de então, o médico pode ser acionado por se torna secundário em casos de extrema gravidade ou
negligência, imperícia ou imprudência. Todos os membros nas situações em que as condições físicas ou mentais do
da equipe médica, incluindo anestesiologista, clínico e paciente o impeçam de tal discernimento.
auxiliares, podem ser envolvidos em um processo médico- Infelizmente, mesmo cumpridas todas as etapas rela-
ético-legal. Contudo, os cirurgiões são sempre os mais cionadas à orientação adequada do paciente e seus fami-
expostos, por serem os responsáveis diretos pelo paciente. liares acerca do risco operatório, não é incomum que eles
Esses podem ser responsabilizados por: ausência de docu- neguem ou subestimem esse risco, certamente por meca-
mentação (anamnese, evoluções etc.); indicação cirúrgica nismo de defesa. Assim, tal comportamento tende a
questionável; não-obtenção de auxílio pré e pós-operató- reforçar o conceito de que as intercorrências e complica-
rio de um clínico, nos casos de maior risco cirúrgico ou na ções perioperatórias decorrem de erro médico11.
vigência de complicações sistêmicas graves; não-cumpri- Contudo, o erro médico pressupõe conduta profissional
mento das recomendações do clínico, havendo relapso no inadequada ou inobservância técnica, diferentemente do
preparo e nos cuidados com o paciente; não-obtenção do mau resultado e do acidente imprevisível, que decorrem
consentimento informado; entre outros3,5,9,10. de situação incontrolável e de curso inexorável e que,
Os clínicos podem ser responsabilizados por: ausência portanto, não são evitáveis3.
de documentação; fracasso ou erros na avaliação clínica Considerando a demanda judicial crescente, é essencial
pré-operatória; não-acompanhamento pré ou pós-opera- que o paciente assine formulário de consentimento infor-
tório do paciente (abandono); não-obtenção de outras mado, onde demonstre estar a par do procedimento cirúr-
avaliações especializadas quando indicadas; entre outras9,10. gico e de acordo com a sua realização. É de responsabilida-
Os anestesiologistas devem, nas situações eletivas, de do cirurgião obter esse consentimento do paciente.
proceder à avaliação pré-anestésica, preferencialmente Duas testemunhas devem também assinar o formulário,
antes da internação do paciente, com o objetivo de auxi- apenas para atestar que foi mesmo o paciente que assinou
liar na definição do risco anestésico-cirúrgico e definir as o documento. Nele devem estar explicitados em linguagem
estratégias relacionadas com a condução anestésica8,9,11,12. fácil: o diagnóstico do paciente, a natureza e a finalidade do
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

procedimento proposto, os riscos desse procedimento, as 5 ■ Nierman E, Zakrzewski K. Recognition and management of preo-
alternativas ao procedimento (caso existam), os seus bene- perative risk. Rheum Dis Clin North Am. 1999;25:585-622.
6 ■ Rodrigues MAG, Lima AS. Pré, per e pós-operatório. In:
fícios e as conseqüências da aceitação ou a não-aceitação Fonseca FP, Savassi-Rocha PR. Cirurgia Ambulatorial. 3a. ed.
do procedimento cirúrgico planejado9,13. Em situação de Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999:5-13.
emergência, quase sempre não há tempo hábil para a 7 ■ Goldman L. Cardiac risks and complications of noncardiac sur-
obtenção do consentimento informado, devendo a equipe gery. Ann Intern Med. 1983;98:504-13.
agir da forma que julgar mais conveniente ao paciente. 8 ■ Roizen MF. Preoperative evaluation of patients: a review. Ann
Acad Med Singapore. 1994;23(6 Suppl):49-55.
9 ■ Wolfsthal SD. O procedimento de consultoria. In: Wolfsthal S.
ed. Tratamento médico perioperatório. Porto Alegre: Artes
Referências Médicas, 1993:XVII-XXI.
10 ■ Dunphy JE Abordagem do paciente cirúrgico In: Way LW ed.
1 ■ Mendelssonh P, Barbosa H. A conveniência operatória. In: Cirurgia - diagnóstico e tratamento. 9º. ed. Rio de Janeiro:
Controle Clínico do Paciente Cirúrgico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1993:1-4.
Atheneu; 1983:1-9. 11 ■ Souza C, Souza CA. Exame pré-operatório. In: Petroianu A.
2 ■ Pimenta LG. Risco Cirúrgico. In: Petroianu A. Clínica Cirúrgica Clínica Cirúrgica - texto e auto-avaliação. Rio de Janeiro:
- texto e auto-avaliação. Rio de Janeiro: Revinter; 2001:11-6. Revinter; 2001:1-5.
3 ■ Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais. 12 ■ Montpellier D, Hayek E, Ossart M. Objectives of consultation in
Relação médico-paciente. Profilaxia da denúncia contra o anesthesia. Phlebologie. 1989;42:7-20.
profissional. Belo Horizonte: CREMEMG; 1997, 72p. 13 ■ Demling RH. Assistência pré-operatória. In: Way LW ed.
4 ■ Bartels H, Stein HJ, Schomig A, Siewert JR. Risk assessment. Cirurgia - diagnóstico e tratamento. 9a. ed. Rio de Janeiro:
Chirurgie. 1997;68:654-61. Guanabara Koogan; 1993:5-10.

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04
AVALIAÇÃO
CLÍNICA
PRÉ-OPERATÓRIA
Ênio Roberto Pietra Pedroso, João Gabriel Garcia Marques,
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução paciente, modelo para futuras comparações, e diagnosti-


car outras lesões de tratamento cirúrgico, eventualmente
A intervenção cirúrgica ocasiona sempre agressão ao abordadas no mesmo ato operatório4 (Quadro 4.1).
organismo e, por mais simples que seja, promove, secun-
dariamente, perturbação em sua integridade anátomo-
Quadro 4.1 .: Objetivos da avaliação clínica pré-operatória
fisiológica. Boa aceitação e compreensão do ato cirúrgico
pelo paciente, equilíbrio fisiológico, reservas nutricionais,
Diagnosticar condições clínicas que aumentam o risco cirúrgico
respiratórias e cardiovasculares adequadas e normalidade
Reduzir a morbimortalidade perioperatória
metabólica favorecem um ato cirúrgico bem-sucedido.
Evidentemente, esse procedimento será tão mais bem Diagnosticar outras afecções de tratamento cirúrgico

tolerado quanto melhor for a condição clínica do pacien- Conhecer a função básica pré-operatória do paciente

te. Seja para possibilitar decisão cirúrgica segura, seja para Edificar relação médico-paciente, com base no respeito e na confiança
escolher o melhor momento operatório, é imprescindível Favorecer a educação e a orientação do paciente em relação aos aconteci-
mentos perioperatórios
conhecer essa condição clínica prévia do paciente, o que é
possível por meio de adequada avaliação clínica pré-opera-
tória (ver Capítulo 3 – Conceitos de conveniência operatória).
A avaliação e os cuidados pré-operatórios devem ter
início tão logo seja feita a indicação cirúrgica. Os exames
complementares e as eventuais interconsultas (incluindo Exame clínico pré-operatório
a avaliação anestesiológica) devem ser providenciados Avaliação geral
preferencialmente antes da internação, de modo a reduzir
a permanência hospitalar pré-operatória. Os principais O exame clínico (anamnese e exame físico) pré-ope-
objetivos desta avaliação incluem o diagnóstico, com a ratório constitui a melhor forma de se diagnosticarem
antecedência necessária, de condições clínicas que pos- condições clínicas que possam influenciar os resultados
sam aumentar o risco anestésico-cirúrgico e a redução da do procedimento cirúrgico1-3,5. Deve compreender a ava-
morbimortalidade perioperatória, por meio do preparo liação de todos os sistemas orgânicos, particularmente
do paciente e do planejamento da condução do ato cirúr- aqueles que possam interferir significativamente na ação
gico1-3. Sabe-se que cerca de 60% dos pacientes cirúrgicos dos anestésicos (pulmonar, renal e hepático) e dos que
apresentam comorbidades, sendo as doenças cardiovas- possam ser afetados de forma significativa por essas dro-
culares e respiratórias e os distúrbios metabólicos as afec- gas (cardiovascular e nervoso).
ções mais comuns. A avaliação clínica adequada possibi- A anamnese e o exame físico devem ser feitos de
lita ainda conhecer a função básica pré-operatória do forma objetiva, de forma mais completa possível, mesmo

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

quando realizados no pré-operatório de procedimentos avaliados em relação a três condições básicas de saúde:
de menor porte. O exame clínico deve incluir a avaliação capacidade de cicatrização, estado de coagulação e con-
do estado nutricional, a pesquisa de sinais de doenças dições imunológicas (defesa antiinfecciosa). A especifici-
hemorrágicas e de antecedentes alérgicos por anestésicos dade destes conteúdos está tratada, respectivamente, nos
e antibióticos, e o diagnóstico de lesões cutâneas que Capítulos 8, 9 e 10. Na avaliação clínica pré-operatória, o
possam interferir no ato cirúrgico. Processos infecciosos médico deve estar preocupado em identificar as condi-
sistêmicos ou focais, mesmo à distância, contra-indicam ções mórbidas, envolvendo esses processos orgânicos.
procedimento cirúrgico eletivo. A história familiar pode Em cada sistema, observam-se aspectos específicos a
ser útil na descoberta de doenças metabólicas e distúr- serem avaliados e que, em última análise, são fundamen-
bios da coagulação. tais na avaliação da condição de saúde do paciente e na
definição de seu risco anestésico-cirúrgico. Vários desses
aspectos são discutidos, detalhadamente, em outros capí-
Anamnese
tulos deste livro.
A história clínica deve ser coletada calma e detalhada-
mente. Anamneses apressadas e superficiais deixam pas- Quadro 4.2 .: Elementos importantes no exame clínico pré-
sar detalhes fundamentais. É necessário permitir que o operatório
paciente fale e relembre efetivamente suas condições Sistema Elementos de suspeita
pregressas e atuais. Se o paciente não puder falar, por Aspectos gerais Experiência anterior com procedimentos anestésico-
qualquer motivo, é fundamental a entrevista com familiar cirúrgicos; avaliação nutricional; distúrbios cicatriciais;
ou pessoa que o conheça razoavelmente. Todas as infor- história transfusional e suas reações; uso de medicamen-
mações são importantes. Anamnese pré-operatória bem tos; história de alergias a medicamentos (sulfas, penicili-
nas, cefalosporinas, antiinflamatórios não-hormonais),
feita permite, por si só, uma idéia precisa das condições contrastes radiológicos, anestésicos, anti-sépticos, látex
do paciente e, conseqüentemente, de seu prognóstico. das luvas e drenos, esparadrapo; antecedentes mórbidos
pessoais e familiares
No Quadro 4.2, estão sumariados os principais sinais e
Psiquismo Antecedentes psiquiátricos, instabilidade emocional,
sintomas considerados “elementos de suspeita” e, como alcoolismo, uso de drogas
tal, devem ser pesquisados sistematicamente na avaliação Hematológico História de sangramento anormal ou de outros sinais de
clínica pré-operatória. doenças hemorrágicas; história transfusional
Endócrino Intolerância ao frio ou ao calor, perda ou ganho excessi-
vo de peso, poliúria, polidipsia, polifagia, utilização de
Exame físico hormônios, inclusive de corticosteróides
Cardiovascular Dispnéia, ortopnéia, nictúria, edema, dor precordial, pal-
Como a anamnese, o exame físico deve ser o mais pitações, tonturas, síncope, hipotensão postural, hiper-
detalhado possível, mesmo quando feito em caráter de tensão arterial, arritmias, ingurgitamento jugular, presen-
ça de bulhas acessórias, sopros, varizes de membros
urgência. No Quadro 4.3, estão listados apenas alguns inferiores, sinais de insuficiência venosa crônica ou
dos principais aspectos do exame físico que não devem trombose venosa profunda
ser esquecidos. Respiratório Tosse, expectoração, sibilância torácica, taquipnéia, dis-
O exame físico pode revelar a existência de afecções pnéia, alteração da ausculta cardíaca (presença de crepita-
ções), bronquiectasia, deformidade cervicotorácica, pas-
associadas, capazes de interferir no procedimento. A pre- sado de tuberculose ou pneumoconiose, tabagismo
sença de púrpuras ou equimoses sugere coagulopatia algu- Digestivo Azia, dispepsia, refluxo gastroesofágico, pirose, cólica
mas vezes ignorada pelo paciente. O estado nutricional do biliar, diarréia, constipação, passado de hepatite, alcoolis-
paciente é um dos dados pré-operatórios mais importantes mo, sinais de insuficiência pancreática e/ou hepática e
hipertensão porta
e os seus dois extremos – obesidade e desnutrição –
Genito-urinário Sinais de gravidez, data da última menstruação, uso de
influem negativamente na evolução pós-operatória. método contraceptivo, relação sexual habitual ou recen-
te, doença sexualmente transmissível; sinais de prostatis-
mo, incontinência ou retenção urinária, infecção urinária
Avaliação clínica por sistemas Nervoso Convulsões, passado de acidente vascular encefálico,
doença neuromuscular
Todos os pacientes que serão submetidos a procedi-
mentos invasivos, especialmente os cirúrgicos, devem ser

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Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

Quadro 4.3 .: Atitudes do exame físico, importantes no pré- níveis pré-operatórios aceitáveis pressão sistólica inferior
operatório a 160mmHg e pressão diastólica menor que 110mmHg.
Os medicamentos hipotensores devem ser mantidos até
Avaliar peso, altura, índice de massa corporal e estado nutricional
no dia do procedimento e reintroduzidos no pós-opera-
Diagnosticar lesões cutâneas (infecções bacterianas, escabiose etc.), especial- tório tão logo o paciente volte a receber dieta pela via
mente no sítio da punção lombar e no local da futura incisão cirúrgica
oral (ver Capítulo 36 – Cirurgia no paciente hipertenso).
Pesquisar sinais de doenças hemorrágicas
A insuficiência cardíaca descompensada é uma contra-
Pesquisar sinais de doença pulmonar obstrutiva e/ou restritiva
indicação absoluta a operações eletivas. O risco de compli-
Medir a pressão arterial com o paciente deitado e em pé
cações cardiopulmonares e circulatórias periféricas aumen-
Pesquisar sinais de insuficiência cardíaca congestiva ta de forma proibitiva em pacientes com qualquer grau de
Pesquisar sinais de insuficiência circulatória periférica congestão venosa central. Em pacientes com formas leves
Pesquisar sinais de insuficiência hepática de insuficiência cardíaca, procedimentos cirúrgicos de
Avaliar o estado neuropsíquico-emocional pequeno e médio porte poderiam ser realizados com razoá-
vel segurança. É importante salientar que, a menos que não
haja tempo hábil, em decorrência de indicação cirúrgica
Avaliação da condição hematológica priorizada ou de urgência, o paciente com insuficiência car-
díaca, independentemente do grau, deveria ser bem com-
Pacientes com anemia devem ter seus índices hema- pensado antes do ato operatório6.
timétricos aferidos e corrigidos no pré-operatório. A A presença de angina instável ou de infarto recente
hemoglobina de 10g/dL tem sido considerada fisiolo- (ocorrido nos três meses anteriores ao momento da ava-
gicamente segura, exceto em idosos, cardiopatas ou liação) contra-indica ou adia uma operação eletiva e
quando se observa grande risco de sangramento. A determina grande risco em pacientes que necessitam de
anemia deverá ser, sempre que possível, corrigida com tratamento cirúrgico de urgência. Ao contrário, a angina
antecedência, considerando que há evidências de que estável não representa contra-indicação à realização de
transfusões de derivados de sangue realizadas próximo procedimento cirúrgico. Pacientes com lesões valvares
ao dia da operação acarretam aumento significativo das leves a moderadas têm risco cirúrgico aumentado apenas
infecções cirúrgicas e, em pacientes oncológicos, das quando apresentam insuficiência cardíaca concomitante.
recidivas tumorais. Pacientes com neutropenia correm Em pacientes com lesões valvares graves, especialmente
sérios riscos de infecção e perturbação na cicatrização. as estenosantes, há de se questionar a necessidade da
A menos que a operação seja inadiável, pacientes neu- operação cardíaca antes de o paciente ser submetido a
tropênicos não devem ser operados. Pacientes com outro tipo de intervenção6. Além disso, é fundamental
distúrbios da coagulação devem ser também rigorosa- que os pacientes com valvulopatias recebam antibiotico-
mente avaliados e controlados no pré-operatório. terapia profilática (para endocardite infecciosa) sempre
Procedimentos cirúrgicos realizados em hemofílicos que se submeterem a procedimentos invasivos que pos-
ou em plaquetopênicos descompensados podem ser sam desencadear bacteriemia. Pacientes com alterações
catastróficos. Maiores detalhes estão discutidos no na geração e/ou condução do estímulo elétrico cardíaco
Capítulo 9 – Bases e distúrbios da coagulação. têm, em geral, risco cirúrgico aumentado. Todas as arrit-
mias graves devem ser controladas antes do ato cirúrgico6.
(ver Capítulo 37 – Cirurgia no paciente com doença cardíaca)
Avaliação da função cardiovascular
O ato anestésico-operatório é, em si, hipotensor. Por Avaliação da função respiratória
isso, a hipertensão arterial isolada não alteraria significa-
tivamente o risco cirúrgico. Mas, por razões de equilíbrio Uma preocupação significativa no perioperatório é a
homeostático e pelo risco que representaria uma queda manutenção da via aérea livre, capaz de responder rapi-
brusca da pressão arterial, é conveniente e mais seguro damente às necessidades metabólicas do paciente. Em
para o paciente que esta se encontre em níveis aceitáveis muitos pacientes, com doenças prévias do sistema respi-
no pré-operatório. Atualmente, têm-se considerado ratório, o ato cirúrgico pode ser de risco ou até estar
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

inviabilizado. Pacientes com doença pulmonar obstruti- pacientes são reunidos em três classes – A, B e C – com
va crônica, com PO2 inferior a 60mmHg e PCO2 supe- base em cinco critérios clínico-terapêuticos (níveis de
rior a 50mmHg, apresentam prognóstico ruim. O risco bilirrubina e albumina séricas, presença e gravidade da
cirúrgico desses pacientes é muito elevado quando sub- ascite e da encefalopatia e aumento do tempo de pro-
metidos a intervenções torácicas ou abdominais supe- trombina). Pacientes considerados de classe A apresen-
riores. Pacientes asmáticos compensados (sem bron- tam pequeno aumento do risco operatório, podendo ser
coespasmo e sem infecção traqueobrônquica) toleram operados sem grandes problemas. Pacientes categoriza-
bem os procedimentos cirúrgicos. É necessário, entre- dos como classe B apresentam risco operatório significa-
tanto, cuidado especial na prevenção do broncoespas- tivo, merecendo avaliação cuidadosa e esmerado preparo
mo perioperatório porque ele pode precipitar tosse, pré-operatório. Os pacientes incluídos na classe C, por
hipoxemia e insuficiência cardíaca. As infecções pulmo- sua vez, apresentam risco cirúrgico proibitivo e devem
nares, mesmo leves, contra-indicam os procedimentos ser operados apenas em situações excepcionais (opera-
cirúrgicos eletivos. Todas as infecções respiratórias ção constitui a única esperança de vida ou há indicação
devem ser tratadas previamente. de transplante hepático), (ver Capítulo 32 – Cirurgia no
paciente com doença hepática).
Avaliação da função digestiva e do estado nutricional
O controle nutricional e metabólico do paciente Avaliação da função renal
depende, em grande parte, do estado fisiológico do apa- Os pacientes com insuficiência renal podem apresen-
relho digestivo e de sua capacidade de adaptar-se às exi- tar anemia, hipertensão arterial e dificuldade de eliminar
gências que o ato cirúrgico impõe ao organismo. Por inúmeros medicamentos, além de serem mais propensos
isso, as doenças digestivas, incluindo as afecções hepáti- a infecções. Por isso, a insuficiência renal, em qualquer
cas, merecem especial atenção no pré-operatório. grau, torna pior o prognóstico e justifica o controle rigo-
A obstrução digestiva alta acarreta repercussões clíni-
roso do paciente.
cas e riscos importantes à saúde do doente, devendo ser
conduzida, considerando tanto a especificidade do trata-
mento da doença de base, quanto a necessidade de pre- Avaliação da condição endócrina
venir as complicações, por meio de preparo pré-operató-
rio adequado. Os riscos mais importantes estão relacio- Os fatores que aumentam a morbimortalidade de
nados à conseqüente desnutrição que esses pacientes pacientes com diabetes mellitus incluem alterações secun-
apresentam e ao risco de aspiração de secreções digesti- dárias à descompensação metabólica – hiperglicemia
vas para a árvore respiratória. (cetoacidose, distúrbios hidroeletrolíticos, resposta
A úlcera péptica em atividade pode ser agravada pelo inadequada às infecções e alterações cicatriciais) e risco
estresse cirúrgico. Nessas condições, o paciente não relacionado à presença de complicações crônicas, espe-
deveria ser operado, a menos, é claro, que a indicação cialmente lesões vasculares ateroscleróticas, neuropatia
cirúrgica seja a própria úlcera ou que o procedimento seja autonômica e infecções. A preocupação exclusiva com
de urgência ou emergência. o desequilíbrio hormonal e metabólico dos pacientes
A insuficiência hepática, em qualquer grau, com- com endocrinopatias se compara à centralização do
promete seriamente a estabilidade homeostática do problema do hipertenso apenas na estabilização dos
paciente durante procedimentos cirúrgicos e afeta de níveis pressóricos, desconsiderando-se a avaliação das
forma muito negativa o prognóstico. Assim sendo, o causas e conseqüências dessa afecção. O diabetes mellitus
acompanhamento das condições metabólicas, do esta- descompensado, ou qualquer outra descompensação
do nutricional e dos processos hemostáticos e cicatri- endócrino-metabólica, agrava ainda mais o risco cirúr-
ciais em pacientes com insuficiência hepática deve ser gico. Todas as doenças endócrinas devem ser compen-
muito cuidadoso. A definição do risco cirúrgico em sadas no pré-operatório e especial atenção deve ser
hepatopatas graves, particularmente nos cirróticos, dada ao diabetes mellitus, ao hipo e ao hipertireoidismo e
tem-se baseado na classificação de Child-Pugh. Os aos quadros de insuficiência supra-renal.
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Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

Avaliação neuropsiquiátrica volemia, hiponatremia e hipopotassemia, mas eles não pre-


cisam ser suspensos. Também não há necessidade de sus-
Pacientes epiléticos devem estar bem controlados para pensão de corticóides, insulina, digitálicos, ansiolíticos,
se submeterem a procedimentos cirúrgicos. As doenças antipsicóticos e antiparkinsonianos. O Capítulo 25 –
neurológicas crônicas acarretam sempre risco de proble- Cirurgia no paciente em uso de drogas – trata o assunto com a
mas respiratórios no pós-operatório e exigem atenção abordagem devida.
especial nesse aspecto. Pacientes com seqüelas de acidente
vascular encefálico têm risco aumentado de recidiva de
quadros isquêmicos cerebrais e devem ser alertados (junta- Exames complementares pré-operatórios
mente com suas famílias) em relação a essa possibilidade. A
Na avaliação clínica do paciente cirúrgico, além do
manutenção da oxigenação e da pressão arterial deve ser a
exame clínico, por vezes pode ser importante a solicitação
mais cuidadosa possível, nestes pacientes, com o objetivo
de exames complementares. Os exames pré-operatórios
de reduzir ao máximo a contribuição desses fatores no apa-
podem ser categorizados, na dependência da motivação
recimento da isquemia cerebral. Outra questão relevante é
para sua solicitação, em dois grupos: os exames orientados
a aterosclerose cerebral, cujas conseqüências funcionais,
pela avaliação clínica e aqueles solicitados de rotina, inde-
principalmente no que se refere às repercussões sobre as
pendentemente da presença ou não de sinais e sintomas,
funções cognitivas superiores, podem ser agravadas, às
mesmo em pacientes com classificação clínica ASA 1 5.
vezes de modo irreversível, pelo trauma cirúrgico. Os dis-
túrbios do movimento, principalmente a doença de
Parkinson, podem ser agravados pelo trauma cirúrgico e Exames complementares motivados pelo
exigem controle perioperatório rigoroso. exame clínico
O risco que pacientes com distúrbios psiquiátricos
graves sofrem em um ato cirúrgico está relacionado Vários exames complementares são solicitados com
especialmente ao seu comportamento pós-operatório. o objetivo de complementar informações não esclareci-
Comportamentos pouco colaborativos ou inadequados das pela anamnese e pelo exame físico (por exemplo,
podem comprometer seriamente a evolução do pacien- eletrocardiograma diante do achado de pulso arrítmico;
te. Há casos de pacientes que reabriram feridas operató- radiografia do tórax em paciente com hipertensão;
rias e se contaminaram com secreções e excrementos. dosagem de eletrólitos em paciente em uso de diuréti-
Pacientes com distúrbios psiquiátricos graves exigem cos etc.) ou para avaliar o resultado de terapêuticas ins-
acompanhamento especializado no perioperatório. tituídas. Esses exames seriam solicitados mesmo que o
paciente não estivesse se preparando para uma opera-
ção. É especialmente importante salientar que a menor
Uso de drogas suspeita clínica de problemas potencialmente graves
Nos pacientes cirúrgicos, o uso prévio de drogas, ape- (como doenças hemorrágicas, hipertensão arterial, insu-
sar de trazer contribuições importantes no preparo desses ficiência de sistema fisiológico principal, diabetes mellitus,
doentes, muitas vezes representa risco adicional de compli- outros distúrbios metabólicos etc.) justifica a realização
cações. Considerando a possibilidade de ocorrer interação de propedêutica, visando ao diagnóstico e ao dimensio-
medicamentosa potencialmente grave, é essencial o conhe- namento clínico do problema.
cimento dos medicamentos que o paciente vem utilizando,
em especial anti-hipertensivos, anticoagulantes, corticoste- Na presença de comorbidades
róides, hipoglicemiantes orais, insulina, antiinflamatórios
não-hormonais, ácido acetilsalicílico, anticonvulsivantes e Na presença de doenças prévias conhecidas ou sus-
psicotrópicos. A maioria dos medicamentos não necessita peitadas, vários exames devem ser solicitados. A sua rea-
ser suspensa no período pré-operatório. Exceções devem lização seria necessária independentemente de o pacien-
ser feitas para inibidores da monoaminoxidase (IMAO), te se submeter ou não à operação, ou seja, seriam realiza-
antidepressivos tricíclicos, anticoagulantes orais, amiodaro- dos para maior segurança em relação ao acompanhamen-
na e anticoncepcionais orais. O uso de diuréticos requer to do paciente. Os principais exames solicitados nessas
cuidados especiais no sentido de minimizar o risco de hipo- situações estão assinalados no Quadro 4.4.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 4.4 .: Principais exames complementares pré-operatórios orientados pelo exame clínico

Condições associadas HEMO TP/PTT PLQ TS/RS K U/C GLIC RT ECG EU Exames Adicionais
Doença cardiovascular X X X X TE
Doença pulmonar obstrutiva X X PFR, GA
crônica
Tabagismo (> 20 maços/ano) X X X PFR, GA
Doença hepática X X PFH
Doença renal X X X X CC
Diabetes X X X X X F,GH,FO
Discrasia sangüínea X X X X
Malignidade X X AN, ALB
Obesidade mórbida X X X X X IMC, PFR, GA

Uso de drogas

Anticoagulantes X X X
Digoxina X X X
Diurético X X
Corticosteróides X X TEC

HEMO- hemograma, TP/PTT- tempo de protrombina e tempo parcial de tromboplastina, PLQ- plaquetas, TS/RS- tipagem sanguínea e reserva de sangue, K- potássio, U/C-
uréia e creatinina, GLIC- glicemia, RT- radiografia de tórax, ECG- eletrocardiograma, EU- exame de urina., PFR - prova de função respiratória, EN- exame neurológico, ECO-
ecocardiograma, TE- teste de esforço, GA- gasometria arterial, PFH- provas de função hepática, CC- clearance da creatinina, F- frutosamina, GH- glicohemoglobina, FO- fundo
de olho, AN - avaliação nutricional, ALB- albumina, IMC – índice de massa corporal, TEC- teste de estímulo com corticotropina

Nos pacientes em uso prévio de drogas Na possibilidade de gravidez


Pacientes em uso prévio de alguns medicamentos Considerando que tanto os anestésicos quanto outras
podem necessitar de alguns exames complementares drogas empregadas no período perioperatório podem ser
com diferentes objetivos. Entre esses medicamentos, teratogênicos e terem efeito abortivo, quando houver
destacam-se os diuréticos, os anticoagulantes, os digitáli- possibilidade de gestação (mulheres em idade fértil com
cos e os corticóides. (ver Quadro 4.4) Pacientes que vida sexual ativa), o teste de gravidez deve fazer parte da
usam diuréticos estão sujeitos a distúrbios hidroeletrolíti- avaliação pré-operatória7,8. Deve-se considerar que
cos. Aqueles em uso crônico de corticosteróides estão mesmo o uso de métodos contraceptivos e episódio
mais propensos a desenvolver insuficiência supra-renal menstrual recente não afastam, com segurança, a possibi-
aguda no pós-operatório, além do maior risco de hiper- lidade de gravidez, apesar de que, nessa situação, a posi-
glicemia, retenção de sódio e água, entre outros distúr- tividade do método é baixa8.
bios. Para descobrir se o paciente usou esses medicamen-
tos nos últimos seis meses a um ano, deve-se indagar se
Na suspeita de distúrbios de coagulação
ele tomou alguma droga para reumatismo, artrite ou aler-
gia. O uso de anticoagulantes orais justifica a realização Embora as provas de coagulação – tempo parcial de
de provas de coagulação, tipagem sangüínea e reserva de tromboplastina ativada (PTTa), atividade de protrombi-
hemoderivados. Nos pacientes em uso de digitálicos na (AP/RNI) e plaquetas – sejam exames úteis em
pode ser útil a realização de eletrocardiograma e a moni- pacientes com distúrbios da coagulação suspeitados ou
torização do potássio sérico. detectados à anamnese e ao exame físico, seu valor como

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Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

prova de triagem pré-operatória tem sido questionado9,10. tratamento dos infectados12-4. O diagnóstico prévio da
Caso estes exames sejam realizados apenas com base na infecção pelo HIV poderia ainda auxiliar na condução
história e no exame clínico, é possível eliminar cerca de per e pós-operatória, devido ao uso de vários medica-
metade deles, sem quaisquer prejuízos para os pacien- mentos e à possibilidade de pior evolução clínica, em
tes10. Justificam sua solicitação a presença de sangramen- especial pelo risco de infecção cirúrgica12,14,15. O valor da
to ativo ou a história de sangramentos anormais no pas- realização do exame sorológico anti-HIV tem sido ques-
sado, a presença de má-absorção (por reduzir a absorção tionado por várias razões: o nível de vírus no sangue em
de vitamina K) ou de malignidade, mas principalmente o alguns pacientes infectados e, possivelmente, sua infec-
uso de anticoagulantes e o diagnóstico de insuficiência ciosidade estão altos precocemente, antes da detecção de
hepática (por reduzir a síntese de fatores da coagulação)11. anticorpos e do aparecimento dos sintomas, e não exis-
tem evidências de que o conhecimento prévio de que o
paciente está infectado pelo HIV diminua a exposição
Na possibilidade de parasitose intestinal
dos profissionais da saúde às suas secreções, principal-
A maioria dos autores não tem incluído o exame para- mente nos serviços de emergências e nas salas cirúrgicas.
sitológico de fezes na abordagem propedêutica pré-ope- Além dessas limitações, aspectos clínicos, de saúde públi-
ratória de rotina. Contudo, a alta prevalência de parasito- ca e de ética profissional devem também ser considera-
se intestinal em nosso meio, particularmente na popula- dos antes de se optar pela realização rotineira do teste
ção mais carente, justificaria sua solicitação em casos sorológico pré-operatório5,12-4,16. Os critérios mais empre-
especiais. Os riscos inerentes à realização de procedi- gados para indicação do teste sorológico16 baseiam-se
mento cirúrgico em pacientes parasitados (por exemplo, naqueles definidos pela California Department of Health
desnutrição, migração de vermes para as vias biliares ou Sciences e estão listados no Quadro 4.5. A ausência do
árvore respiratória e complicações em anastomoses HIV, entretanto, não significa permissividade com os
digestivas) poderiam ser considerados bons motivos para cuidados de bioproteção.
sua solicitação, especialmente no pré-operatório de pro-
cedimentos cirúrgicos do tubo digestivo. Alguns serviços Quadro 4.5 .: Critérios para solicitação de teste sorológico anti-HIV
têm recomendado alternativamente, nessas situações,
Sinais ou sintomas compatíveis com AIDS
tratamento empírico para vermes e parasitas intestinais,
em especial para o Áscaris lumbricóides e o Strongiloides ster- Paciente solicita a realização do exame

coralis; para este último, especialmente, quando houver Comportamento de risco: sexual, uso intravenoso de drogas ilícitas etc.
imunossupressão no pós-operatório . História de transfusão de sangue (especialmente no período de 1978 a 1985)

Na suspeita de infecção viral transmissível


Exames complementares pré-operatórios de rotina
Apenas pacientes que apresentam risco detectado de
apresentarem doenças virais transmissíveis (hepatite B, São considerados exames complementares de rotina
hepatite C, AIDS etc.) têm tido seus marcadores soroló- aqueles que devem ser solicitados mesmo em pacientes
gicos pesquisados no pré-operatório de procedimentos sem qualquer alteração ao exame clínico, portanto sadios,
cirúrgicos eletivos. Contudo, o grande número de casos exceto pela afecção que motiva a indicação cirúrgica.
de AIDS e de portadores sadios do vírus da imunodefi-
ciência humana (HIV), aliado ao possível risco de contá- Desvantagens da solicitação indiscriminada
gio do profissional da saúde (especialmente durante pro-
cedimentos cirúrgicos), tem levado alguns autores a A princípio, um maior número de informações sobre
advogar a realização de rotina do teste sorológico anti- o paciente poderia parecer vantajoso. No entanto, a soli-
HIV no pré-operatório. Além da proteção dos profissio- citação indiscriminada de exames complementares no
nais de saúde, outro argumento utilizado tem sido a pos- pré-operatório de pacientes com exame clínico normal e
sibilidade de diagnóstico de casos assintomáticos, favore- os eventuais erros na realização e análise desses exames
cendo a prevenção de novos casos e o início precoce do constituem problemas importantes na prática médica.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Alguns autores17-20 têm afirmado que um resultado altera- mática, não trazem contribuição importante para o pro-
do de exames complementares em pacientes assintomá- cesso de avaliação pré-operatória e para o manuseio do
ticos pode não indicar a presença de doença, sendo, por- paciente” 26. Mas há também aqueles que solicitam os
tanto, de pouco valor a triagem rotineira pré-operatória. exames pré-operatórios de rotina por acreditarem que
Por outro lado, exames solicitados de rotina também são, eles possam protegê-los quanto a situações legais diante
com freqüência, ineficazes no diagnóstico de afecções de complicações perioperatórias, apesar das evidências
assintomáticas e têm representado custo desnecessá- de que a realização de triagem não-seletiva é que tem ofe-
rio10,19,21-3. Esse problema é especialmente importante em recido risco efetivo de culpabilidade legal19,23,27-9.
países em desenvolvimento, onde a racionalização do Vários autores19,28,30 têm responsabilizado a inexpe-
emprego dos limitados recursos destinados à saúde deve riência e o despreparo de algumas equipes médicas na
ajudar-nos na orientação da prática médica. Outras des- solicitação excessiva de exames de rotina. Assim, estes
vantagens da solicitação rotineira de exames pré-operató- têm sido, muitas vezes, realizados na tentativa de suprir
rios incluem maior freqüência de resultados falso-positi- deficiências do exame clínico, quase sempre resultado de
vos e detecção de alterações cujo diagnóstico não facilita atitudes displicentes de profissionais incapazes.
a condução terapêutica e não melhora o prognóstico do Infelizmente, as atitudes educacionais, no sentido de as
paciente17,19,20,23. Com freqüência, menos de 2% dos exa- equipes clínicas e cirúrgicas solicitarem menor número
mes solicitados rotineiramente tem impacto na decisão de exames pré-operatórios não-orientados pelo exame
ou no planejamento cirúrgico, alterando a técnica anesté- clínico têm sido muito limitadas2,19.
sico-cirúrgica ou adiando o momento operatório7,22,24,25.
Além disso, várias afecções detectadas na triagem pré-
operatória não são devidamente conduzidas e acompa- Definição dos exames complementares de rotina
nhadas e, em 30% a 95% dos casos, não são sequer regis-
tradas no prontuário médico ou comunicadas ao pacien- Os principais aspectos que têm influenciado a siste-
te7,22. Tais condutas definem importantes problemas matização da abordagem propedêutica pré-operatória
médico-legais4,17,19. As desvantagens da solicitação incluem: a freqüência de alterações dos exames comple-
indiscriminada de exames pré-operatórios estão sumaria- mentares mais indicados, o valor específico de cada
das no Quadro 4.6. exame complementar na definição do risco anestésico-
cirúrgico e do prognóstico perioperatório do paciente, a
Quadro 4.6 .: Desvantagens da solicitação indiscriminada de exames possibilidade de o resultado alterado de um certo exame
pré-operatórios
favorecer a condução terapêutica e influenciar a evolução
Detecção de alterações cujo diagnóstico não altera a condução terapêutica
perioperatória, e a relação custo-benefício do exame.
e não melhora o prognóstico do paciente Entre as condições clínicas passíveis de serem diag-
Ineficácia na triagem de afecções assintomáticas nosticadas por meio de exames complementares e que
Maior freqüência de resultados falso-positivos poderiam interferir no prognóstico cirúrgico do
Problemas médico-legais paciente destacam-se: anemia, trombocitopenia, distúr-
Elevado custo
bios da coagulação, diabetes mellitus, doença pulmonar
obstrutiva crônica, cardiopatia isquêmica, arritmias
cardíacas, nefrite, síndrome nefrótica, glaucoma, infec-
Vários médicos dizem solicitar exames pré-operató- ção do trato urinário, gravidez, tuberculose, gonorréia,
rios indiscriminadamente, por acreditarem que o exame sífilis e hepatite31. Roizen18, um dos maiores estudiosos
clínico seja limitado para indicar as condições mórbidas do tema, acrescenta a essa lista as seguintes afecções:
que possam afetar a condução anestésico-cirúrgica. Por doença da tireóide, feocromocitoma, doença de
outro lado, alguns cirurgiões têm argumentado que a Cushing, secreção inapropriada do hormônio antidiu-
solicitação desses exames objetiva satisfazer os anestesio- rético, hipertensão intracraniana e insuficiência cardía-
logistas e evitar a suspensão dos procedimentos cirúrgi- ca descompensada. Entre os exames complementares
cos19. Contudo, a própria Sociedade Americana de mais realizados no pré-operatório destacam-se o
Anestesiologia, em 2002, definiu que “os testes pré-ope- hemograma, a glicemia, a uréia, a creatinina, o exame
ratórios, com o objetivo de diagnosticar doença assinto- de urina, o eletrocardiograma e a radiografia de tórax.
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Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

EXAMES LABORATORIAIS uso de nutrição parenteral ou de drogas hiperglicemiantes


HEMOGRAMA
(corticosteróides e diuréticos tiazídicos); e naqueles que
O hemograma tem sido um dos exames laboratoriais irão se submeter a operação vascular periférica ou bypass
mais solicitados no pré-operatório. Por meio do eritro- coronariano. Pacientes com insuficiência renal, diabetes mel-
grama é possível detectar casos de policitemia e anemia litus e/ou hipertensão arterial, com história familiar ou pes-
não-suspeitados ao exame clínico. O conhecimento pré- soal de doença renal e em uso de diuréticos, deveriam rea-
vio e o controle dessas condições podem favorecer a lizar rotineiramente provas de função renal e dosagem séri-
redução da morbimortalidade operatória. Contudo, não ca de sódio e potássio.
foram encontrados estudos que tivessem avaliado a
morbidade operatória em indivíduos anêmicos e normo- EXAME DE URINA
volêmicos, ou que confirmassem que a correção da ane- O exame de urina com pesquisa de glicosúria e pro-
mia normovolêmica leve ou moderada diminua os índi- teinúria constitui teste barato e, para alguns autores,
ces de complicações perioperatórias. A concentração de deveria ser realizado mesmo em indivíduos assintomáti-
hemoglobina não deve ser utilizada como critério de cos e hígidos. Como o procedimento cirúrgico implica
diagnóstico de hipovolemia se a anemia é crônica. Nesta sempre a administração de medicamentos e, com fre-
circunstância, o volume sangüíneo pode estar relativa- qüência, a realização de cateterismo vesical, seria impor-
mente normal. A princípio, hemoglobina de 10g/dL tem tante conhecer a função renal e afastar a presença de bac-
sido considerada fisiologicamente segura para oxigena- teriúria assintomática. Desde que corretamente realizado,
ção dos tecidos. Entretanto, este nível pode ser inade- para alguns autores30,36 poderia ser a única avaliação bio-
quado para pacientes com reserva cardíaca reduzida ou química pré-operatória em pacientes com menos de 50
em paciente que se submeterá a procedimentos cirúrgi- anos. Apesar da ocorrência relativamente freqüente de
cos com risco de sangramento excessivo. A freqüência alterações ao exame de urina, para outros autores18,25,37 sua
dessas alterações em exames de triagem pré-operatória realização rotineira no pré-operatório não traria benefí-
relaciona-se com o sexo e a idade do paciente, o que tem cios relevantes aos pacientes. Portanto, embora não seja,
justificado a realização do eritrograma de rotina para as a princípio, exame caro, tornar-se-ia dispendioso com
mulheres de todas as idades, mas apenas para homens base na avaliação custo-benefício7.
nos extremos de idade (recém-nascidos ou com mais de Se a realização rotineira desse exame é controversa, a
60 anos)32. As alterações observadas ao leucograma soli- necessidade da solicitação do exame de urina e da urocul-
citado de rotina têm sido pouco comuns e parece não tura tem sido consensual em pacientes sintomáticos e
haver diferença em sua freqüência quanto ao sexo e à naqueles com risco importante de bacteriúria assintomá-
idade. Em contrapartida, sua solicitação deveria ser rea- tica e que serão submetidos a instrumentalização uriná-
lizada na suspeita de infecção, doença mielo ou linfopro- ria. A realização de urocultura, especialmente em pacien-
liferativa, história recente de radioterapia e/ou quimio- tes que serão submetidos à colocação de próteses ortopé-
terapia, uso de corticosteróides etc.7 dicas ou vasculares, parece ser vantajosa em idosos, dia-
béticos, pacientes com nefrolitíase, má-formação das vias
urinárias e/ou infecção urinária de repetição, grávidas e
EXAMES BIOQUÍMICOS
Alterações inesperadas nas concentrações de glicemia pacientes com AIDS7,25.
em jejum, eletrólitos, uréia e creatinina têm-se mostrado
raras, especialmente em indivíduos mais jovens. Por essa ELETROCARDIOGRAMA
razão, sua solicitação rotineira tem sido dispensada por O eletrocardiograma no pré-operatório tem sido soli-
vários autores25,30,32 em pacientes hígidos com menos de 40 citado com vários objetivos, em particular para diagnos-
ou de 50 anos. Para outros autores33-5, esses exames pode- ticar afecções cardíacas não-suspeitadas clinicamente
riam ser evitados mesmo em pacientes idosos e sadios. No (Quadro 4.7). Inúmeras alterações eletrocardiográficas
entanto, a dosagem da glicemia em jejum deveria ser reali- têm sido observadas nessa ocasião e poderiam viabilizar
zada sistematicamente: em obesos com mais de 40 anos; esse diagnóstico e a definição do prognóstico cirúrgico
em pacientes com história familiar de diabetes mellitus, em do paciente: alterações do segmento ST e da onda T,

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sugerindo isquemia do miocárdio ou embolia pulmonar mente abaixo de 45 anos, a detecção de afecções tem
recente; alterações do ritmo cardíaco; taquicardia e bradi- sido incomum; dessa forma, o exame deve ser realizado
cardia sinusais; fibrilação atrial; bloqueio atrioventricular; apenas se houver alterações ao exame clínico que justifi-
bloqueios de condução; sobrecarga de câmaras cardíacas; quem esta conduta7,18,32,40,41. Os principais critérios para
intervalo PR curto; segmento QT prolongado; ondas T indicação de radiografia de tórax, motivada pela história
em tenda18,38. Contudo, estima-se que 50% dessas altera- ou exame clínico, são a presença de sintomas respirató-
ções sejam detectáveis ao exame clínico e 50% por meio de rios agudos, doença maligna conhecida com a possibili-
uma derivação do monitor, o que poderia limitar a impor- dade de metástases pulmonares, emergências cirúrgicas,
tância da realização desse exame no pré-operatório18. tabagismo pesado (mais de 20 maços/ano) e/ou tabagis-
mo em paciente com mais de 50 anos, imunossupressão,
Quadro 4.7 .: Objetivos da solicitação de eletrocardiograma no pré- e falta de controle radiológico, nos últimos 12 meses, em
operatório pacientes com qualquer afecção cardiorrespiratória ou
com risco epidemiológico de tuberculose7,39-42.
Diagnosticar doenças cardíacas não-suspeitadas clinicamente
Auxiliar na avaliação da função cardiovascular e na definição do risco
cirúrgico Sistematização propedêutica pré-operatória
Influenciar na escolha da técnica anestésica e das drogas a serem utilizadas,
caso alguma anormalidade seja detectada Critérios para definir os exames pré-operatórios
Oferecer linha de base para ser comparada com eletrocardiogramas pós-
operatórios
A maioria dos estudiosos em propedêutica pré-opera-
tória tem determinado os exames pré-operatórios de
rotina e definido os protocolos e rotinas para sua solici-
A definição quanto à necessidade de se solicitar o ele- tação na dependência do porte da operação, da idade e
trocardiograma de rotina no pré-operatório tem sido do sexo do paciente5,7,20,23,29,43.
feita com base principalmente na idade, uma vez que
pacientes mais idosos, pela maior freqüência de afecções
PORTE DA OPERAÇÃO
cardiovasculares, apresentam maior incidência de altera-
O porte da operação e a sua natureza (eletiva, urgên-
ções eletrocardiográficas. A maioria dos autores4,7,18,23,38
cia ou emergência) também devem nortear a solicitação
tem sugerido que esse exame deveria ser realizado roti-
de exames pré-operatórios. Operações de grande porte e
neiramente apenas em homens acima de 40 anos e em
procedimentos cirúrgicos de urgência e emergência
mulheres com mais de 50 anos. Contudo, também em
requerem a solicitação de maior número de exames.
relação ao eletrocardiograma, a maioria das alterações
Justificam essa maior liberalidade o risco aumentado de
detectadas não tem ocasionado qualquer modificação na
complicações perioperatórias em procedimentos de
conduta anestésico-cirúrgica proposta17. Pacientes com
grande porte e a dificuldade em realizar exame clínico
fatores de risco para doença arterial coronariana (história
adequado na urgência, além de os pacientes, nesses
familiar, diabetes mellitus, tabagismo, hipertensão e hiperli-
casos, estarem, via de regra, em piores condições clínicas.
pidemia) devem ser submetidos ao eletrocardiograma
Operações mais extensas em pacientes com demência ou
pré-operatório sistematicamente7.
retardo mental, nos quais a história clínica completa não
pode ser colhida, também constituem indicações para a
RADIOGRAFIA DE TÓRAX execução de maior número de exames.
A radiografia de tórax no pré-operatório de procedi-
mentos cirúrgicos eletivos não-cardiopulmonares tem
SEXO
sido solicitada na dependência da idade do paciente e da
Os protocolos que definem os exames pré-operató-
existência de maior risco anestésico-cirúrgico, conside-
rios de rotina têm considerado, freqüentemente, o sexo
rando inclusive ser este um exame de custo relativamen-
do paciente. Este critério decorre, em particular, do
te alto7,25,39. Para vários autores, a realização da radiografia
maior risco de anemia e infecção urinária assintomática
de tórax ofereceria vantagens evidentes em pacientes
em mulheres com menos de 40 anos, o que tem justifica-
acima de 60 anos. Em pacientes mais jovens, especial-
do a solicitação de eritrograma e de exame de urina ape-
30
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Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

nas para a população feminina nesta faixa etária4,32. Por se tratando de homens com menos de 40 anos. Os exames
outro lado, alguns autores7 têm recomendado a realiza- sugeridos por Roizen18,19 para os demais grupos de pacien-
ção de eletrocardiograma em homens acima de 40 anos, tes estão assinalados no Quadro 4.8. Com base na análise
e em mulheres, apenas após os 50 anos. da literatura consultada, está resumida, no Quadro 4.9,
uma proposta para solicitação de testes pré-operatórios de
rotina, incluindo o exame de urina.
IDADE
Os extremos de idade representam fator de risco Quadro 4.8 .: Sistematização da abordagem propedêutica pré-
para complicações perioperatórias, em particular nos operatória (Roizen)
casos de operações de maior porte, de duração prolon-
Idade Homem Mulher
gada (>3h), sob anestesia geral e de emergência44. Assim
sendo, estão incluídos os recém-nascidos por causa da < 40 anos --- Eritrograma
imaturidade, e os idosos em virtude das alterações fi-
40-59 anos ECG, Uréia, Glicose Eritrograma
siológicas próprias e da grande freqüencia de afecções ECG, Uréia, Glicose
associadas. Estes argumentos justificam a necessidade, > 60 anos Eritrograma Eritrograma
nestas faixas etárias, de avaliação propedêutica pré-ope- ECG, Uréia, Glicose ECG, Uréia, Glicose
ratória mais cuidadosa, incluindo história clínica e Radiografia de tórax Radiografia de tórax
exame físico minuciosos29,45.
Em idosos, tem sido recomendado exame dos pulsos
Quadro 4.9 .: Rotina para solicitação de exames pré-operatórios
arteriais periféricos, avaliação neurológica de rotina, além
de solicitação mais liberal de exames complementares < 14 14 a 39 40 a 59 > 60
(hemograma completo, dosagem de eletrólitos séricos, anos anos anos anos
glicemia, creatinina, exame de urina, radiografia de tórax Hemograma X (mulher) (mulher) X
e eletrocardiograma)4,5. Espirometria, ecocardiograma Exame de urina (mulher) X X
com doppler e dosagem perioperatória de medicamentos Uréia, Creatinina X X
podem, muitas vezes, ser benéficos45. As principais indi- Glicemia X X
cações para espirometria em idosos têm sido a presença Eletrocardiograma X X
de dispnéia inexplicada, intolerância ao exercício físico,
Radiografia de tórax X
história de asma ou doença pulmonar obstrutiva crôni-
ca44. Outros exames e cuidados pré e/ou peroperatórios X – exame indicado em homens e mulheres
devem ser solicitados se o exame clínico evidenciar pro-
blemas potenciais. Destacam-se as provas de coagulação,
de função hepática, depuração da creatinina (24h), gaso-
Período de validade dos exames pré-operatórios
metria arterial e cateterização de Swan-Ganz.
Em crianças, o hemograma, a radiografia de tórax e o de rotina
exame de urina têm sido freqüentemente realizados antes Uma questão tem sido muito importante, tendo em
de operações eletivas46. Contudo, existem evidências, na vista a dificuldade para se realizarem operações eletivas
literatura, de que apenas o eritrograma seria vantajoso, no nosso meio e a conseqüente demora em sua realiza-
devendo a radiografia de tórax e o exame de urina serem ção: haveria necessidade de se repetirem exames comple-
abolidos como exames pré-operatórios de rotina nesse mentares inalterados, realizados até um ano antes do pro-
grupo de pacientes7,46. cedimento cirúrgico? Qual seria o período de validade
dos exames pré-operatórios de rotina? MacPherson et
Protocolos e rotinas propedêuticas pré-operatórias al.4, em 1990, concluíram que os pacientes que vão ser
submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos poderão
Para Roizen18,19, pacientes assintomáticos e suposta- ser testados de forma segura até quatro meses antes do
mente sadios (ASA 1), que serão submetidos a interven- procedimento, o que não dispensa, no pré-operatório
ções cirúrgicas sem previsão de hemorragia, não necessita- imediato, o exame clínico detalhado.
riam de nenhum exame complementar pré-operatório, em É possível que diferentes exames pré-operatórios

31
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

apresentem tempo de validade distinto. Por quanto 15 ■ Rhame FS, Maki DG. The care for wider use of testing for HIV
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com propedêutica recente, a repetição desse exame, AIDS. 2000;14:2159-69.
especialmente quando ele está alterado, uma vez que 17 ■ Rabkin W, Horne JM. Preoperative electrocardiography: effect
novos exames demonstraram, com grande freqüência of new abnormalities on clinical decisions. Can Med Assoc J.
(25% a 50%), o surgimento de outras alterações em 1983;128:146-8.
novos traçados eletrocardiográficos. Marcello e Roberts7 18 ■ Roizen MF. Avaliação pré-operatória rotineira. In: Miller R.
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recomendam que pacientes que tenham radiografia de 19 ■ Roizen MF. Preoperative patient evaluation. Can J Anaesth.
tórax realizada nos últimos seis meses não a repitam, a 1989;36:513-9.
menos que seja clinicamente indicada, pois o apareci- 20 ■ Roizen MF. Preoperative evaluation of patients: a review. Ann
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Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

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05
CONTROLE
HIDROELETROLÍTICO DO
PACIENTE CIRÚRGICO
Paulo Roberto Savassi Rocha,
Renato Santiago Gomez

Introdução são, contração muscular, segundo e terceiro mensageiro


intracelular, ativação enzimática, estrutura óssea); magné-
O paciente cirúrgico pode apresentar alterações do sio (estrutura óssea, cofator enzimático, regulação dos
equilíbrio hidroeletrolítico em decorrência da existência de canais de cálcio e da secreção da paratireóide, excitabili-
comorbidades clínicas e/ou cirúrgicas. Distúrbios dos líqui- dade da membrana) e fosfato (segundo mensageiro, fos-
dos e eletrólitos são extremamente comuns no perioperató- forilação protéica, tampão urinário, estoque de energia)1,2.
rio. Grandes quantidades de líquidos são freqüentemente
necessárias para corrigir o déficit de fluidos e compensar as
perdas sangüíneas durante a operação. Alterações impor- Molaridade, molalidade e equivalência
tantes do balanço hidroeletrolítico podem alterar as fun-
Um mol de uma substância representa 6,02 x 1023
ções cardiovascular, neurológica e neuromuscular.
moléculas. O peso desta quantidade em gramas é comu-
mente chamado de peso grama-molecular. Molaridade é
Aspectos fisiológicos e conceituais a unidade padrão de concentração do sistema internacio-
nal de unidades e expressa o número de moles de soluto
Função dos líquidos e eletrólitos por litro de solução. Molalidade é um termo alternativo
que expressa o número de moles de soluto por kilograma
O adulto hígido requer, em média, 2.000ml a 2.500ml
de solvente. A equivalência é também um termo comu-
de água para a manutenção do seu metabolismo normal e
mente utilizado para substâncias que se ionizam; o núme-
para compensar as perdas normais (urina e perdas insen-
ro de equivalentes de um íon em solução é o número
síveis)1. Em geral, as perdas insensíveis (fezes, respiração,
de moles multiplicado por sua carga (valência). Assim,
evaporação pela pele) não sofrem grandes alterações em
uma solução de um molar de MgCl2 fornece dois equiva-
relação ao normal; entretanto, em situações especiais
lentes de magnésio por litro e dois equivalentes de cloro
podem aumentar enormemente (diarréia, febre, baixa
umidade do ambiente, taquipnéia etc). Além da água, ele- por litro3-5.
mento essencial do organismo, as diversas substâncias
nela dissolvidas, entre as quais os eletrólitos, são respon- Água corporal total e distribuição
sáveis, diretamente, pela sobrevivência do indivíduo. dos líquidos orgânicos
Entre as funções dos eletrólitos podemos destacar: sódio
(determinação da osmolaridade, volume extracelular e A água corporal total (ACT) distribui-se em dois com-
potencial de ação da célula); potássio (potencial de mem- partimentos: intracelular e extracelular. O compartimen-
brana da célula, potencial de ação); cálcio (neurotransmis- to extracelular é constituído pelo líquido intravascular e
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pelo líquido intersticial. Durante o crescimento do indi- (24mEq/L), como principais ânions. Estas diferentes
víduo e dos diversos órgãos ocorrem alterações tanto na concentrações ocorrem devido à diferença de permeabi-
quantidade da ACT como também na distribuição da lidade da membrana plasmática aos diferentes íons e são
mesma. Assim, a ACT corresponde a cerca de 90% do mantidas pela ação de bombas e trocadores de íons na
peso corporal no RN prematuro e 75% no RN a termo. membrana plasmática, como a Na+K+ATPase. Existem
No adulto, do sexo masculino, a ACT corresponde a pequenas diferenças na composição eletrolítica do líqui-
60% do peso corporal, enquanto, no sexo feminino, cor- do intravascular e intersticial que ocorrem pela presença
responde a 50%. Esta diferença entre os sexos é explica- de ânions não-difusíveis (proteínas) conforme explica o
da pelo maior conteúdo lipídico da mulher, uma vez que equilíbrio de Donnan-Gibbs1-3.
a gordura é um elemento essencialmente anídrico. Pelo
mesmo motivo, os indivíduos obesos e/ou idosos pos-
suem menor conteúdo de água em relação ao peso cor-
Distribuição dos líquidos em nível capilar, osmola-
poral. A distribuição da ACT entre os compartimentos ridade, osmolalidade e pressão osmótica
sofre alteração marcante durante o primeiro ano de vida A passagem de líquidos dos vasos para as células pode
quando o volume do líquido extracelular (LEC) de 40% ser dividida em duas etapas. A primeira diz respeito ao
e do líquido intracelular (LIC) de 30% atingem os valo- movimento dos líquidos, através das membranas capila-
res do adulto de 20% e 40%, respectivamente1,2. res, para o espaço intersticial. Ela é explicada pelas forças
O LEC compreende o volume plasmático e o líquido de Starling que atuam tanto na extremidade arteriolar
intersticial que correspondem a 5% e 15% do peso corpo- quanto venular do capilar. Estas forças consistem na
ral, respectivamente. O líquido intersticial intermedeia a pressão hidrostática capilar, pressão hidrostática intersti-
troca hídrica entre os vasos sangüíneos e as células. Ele cial, pressão oncótica capilar e pressão oncótica intersti-
inclui, também, os chamados líquidos transcelulares (secre- cial1,3,4. A pressão oncótica ocorre devido à presença das
ções gastrointestinais, suor, urina, líquido sinovial etc.) e do proteínas que tendem a permanecer no compartimento
terceiro espaço (edema, íleo funcional, queimados)2,3. específico o que faz com que a água também permaneça
neste compartimento. Assim, as forças que tendem a
Composição eletrolítica do LIC e do LEC manter o líquido dentro do vaso incluem a pressão oncó-
tica capilar e a pressão hidrostática intersticial. Por outro
Os líquidos do organismo consistem em solução lado, as forças que causam a saída do líquido do vaso são
aquosa com diferentes tipos de substâncias ou solutos a pressão hidrostática capilar e a pressão oncótica inters-
dissolvidos. Estes podem ser divididos em cristalóides e ticial. Normalmente, cerca de 90% do líquido filtrado é
colóides. Os cristalóides podem ser substâncias eletrolíti- reabsorvido de volta, para dentro dos capilares. Aquele
cas e não-eletrolíticas. Os solutos eletrolíticos ou íons que não é reabsorvido penetra no líquido intersticial e,
(Na+, K+, Cl-, HCO3-) apresentam permeabilidade relati- em seguida, retorna ao compartimento intravascular atra-
va e seletiva pela membrana plasmática que representa vés dos vasos linfáticos.
barreira à livre passagem dos mesmos. Por outro lado, os A segunda etapa relaciona-se com o movimento dos
solutos não-eletrolíticos (glicose, uréia, creatinina) atra- líquidos através da membrana plasmática sob influência
vessam a membrana plasmática com relativa facilidade. da osmose. Esta consiste na passagem de água através de
Os colóides (proteínas), por sua vez, apresentam alto membrana semipermeável (no caso a membrana plasmá-
peso molecular e não conseguem atravessar as membra- tica) de um compartimento para o outro em decorrência
nas capilar e plasmática2. da diferença de concentração de solutos não-difusíveis
A distribuição e concentração dos eletrólitos diferem entre os dois lados. A pressão osmótica é a pressão que
entre os compartimentos hídricos do organismo. O LIC deve ser aplicada para impedir o movimento do solvente
tem como principais cátions o potássio (150mEq/L) e o (água) para o espaço fluídico que contém maior quanti-
magnésio (40mEq/L) e, como principais ânions, o fosfa- dade de solutos não-difusíveis1,2.
to (75mEq/L) e as proteínas (16mEq/L). O líquido Osmolaridade é uma expressão do número de partí-
intravascular tem, como principal cátion, o sódio culas osmoticamente ativas por litro de solução. Como a
(140mEq/L), e o cloro (103mEq/L) e o bicarbonato energia cinética média das partículas em solução é simi-
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

lar, independentemente de sua massa, a pressão osmóti- osmolaridade plasmática ao normal. De modo contrário,
ca é geralmente dependente apenas do número de partí- a diminuição na osmolaridade extracelular faz com que
culas de soluto não-difusível. Assim, o número de partí- os osmorreceptores fiquem edemaciados e suprimam a
culas em solução é que determina a osmolaridade da liberação de HAD. A secreção diminuída do HAD induz
mesma: 1mM de NaCl apresenta osmolaridade de diurese hídrica, o que tende a aumentar a osmolaridade
2mOsm enquanto 1mM de glicose possui osmolaridade para o normal1,2. Existe também um mecanismo de libe-
de 1mOsm. Osmolalidade é o número de partículas ração não-osmótica do HAD quando os barorrecptores
osmoticamente ativas por quilograma de solvente. carotídeos e, possivelmente, os receptores de estiramen-
Tonicidade é o termo que é freqüentemente utilizado de to atrial também podem estimular a liberação do HAD
modo intercambiável com a osmolaridade e a osmolali- após redução de 5% a 10% no volume sangüíneo. Os
dade. De forma mais correta, tonicidade refere-se à redis- outros estímulos não-osmóticos incluem a dor, o estres-
tribuição de água entre o LIC e o LEC, mediada osmoti-
se emocional e a hipóxia1-3.
camente. Uma solução isotônica não exerce efeito sobre
O controle da volemia é obtido pela variação da
o volume celular, enquanto as soluções hipotônicas e
excreção renal de sódio por meio da aldosterona e do
hipertônicas aumentam e diminuem o volume celular,
peptídeo natriurético atrial1-3. Portanto, a regulação do
respectivamente. No líquido intravascular, a tonicidade é
volume extracelular protege o conteúdo absoluto de
atribuída principalmente aos eletrólitos, sendo que o
solutos e de água. A aldosterona é secretada pelas células
sódio (Na+) e os ânions combinados com ele (cloro e
da zona glomerulosa da córtex da supra-renal. Sua secre-
bicarbonato) contribuem com cerca de 90% a 95% da
ção pode ser estimulada de diversas maneiras. A hipovo-
pressão osmótica normal de 280mOsm a 290mOsm. Os
lemia é, normalmente, o principal estímulo de liberação
cristalóides não-eletrólitos (glicose, uréia, creatinina) são
da aldosterona. A redução do volume circulante efetivo
responsáveis por 10mOsm a 20mOsm e as proteínas,
muito importantes na determinação do volume vascular diminui a perfusão renal e estimula a liberação de renina
por meio da pressão oncótica, têm pequena parcela de pelas células justaglomerulares. A renina determina a for-
contribuição para a osmolaridade plasmática (cerca de mação de angiotensina II, que causa liberação da aldoste-
2mOsm). Em algumas situações, a glicose e, em menor rona pela supra-renal. Esta, por sua vez, provoca a reab-
extensão, a uréia, podem contribuir de maneira significa- sorção de sódio e água além da excreção de potássio ou
tiva para a osmolaridade extracelular4,5. Assim, a osmola- hidrogênio no túbulo contorcido distal, restaurando,
ridade pode ser estimada pela seguinte fórmula5: assim, a volemia. A secreção de aldosterona também
sofre influência da concentração sérica de potássio.
Osmolaridade = [Na+] x 2 + glicose/18 + BUN/2,8
Qualquer fator que eleve a concentração sérica deste íon
estimula a secreção de aldosterona. Por outro lado, a
Regulação do volume do líquido hipocalemia está associada à redução da excreção de
extracelular e da osmolaridade aldosterona. O peptídeo natriurético atrial é secretado
principalmente pelos miócitos atriais em resposta ao esti-
A osmolaridade plasmática é regulada por osmorre- ramento da parede em decorrência do aumento do volu-
ceptores no hipotálamo. Estes neurônios especializados me intravascular. No rim, o peptídeo natriurético atrial
controlam a secreção de hormônio antidiurético (HAD) age em receptores específicos para induzir a hiperfiltra-
e o mecanismo da sede. Portanto, a osmolaridade plas- ção, a inibição do transporte de Na+ e a supressão da libe-
mática é mantida dentro de limites relativamente estrei- ração de renina, efeitos estes responsáveis pela natriure-
tos por variação da ingestão hídrica e da excreção hídri- se, diurese, queda da volemia e da pressão arterial1-3.
ca. Os neurônios especializados nos núcleos supra-ópti- As alterações do equilíbrio hidroeletrolítico podem
co e paraventricular do hipótalamo são muito sensíveis às ser divididas em três tipos: alterações de volume, altera-
alterações da osmolaridade extracelular. Quando a osmo- ções de concentração e alterações de composição (altera-
laridade do LEC aumenta, estas células enrugam-se e ções no potássio, cálcio, magnésio, fósforo). Esta classi-
liberam o HAD a partir da hipófise posterior. O HAD ficação é valiosa sob o ponto de vista diagnóstico e tera-
aumenta acentuadamente a reabsorção da água nos túbu- pêutico. Na avaliação do paciente com distúrbio hidro-
los distais e ductos coletores, o que tende a reduzir a eletrolítico, análise seqüencial do volume, da concentra-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ção e da composição, nesta ordem, pode proteger o ves podem surgir alucinações, distúrbios de personalida-
paciente de sérios erros na terapêutica. de e, até mesmo, delírio, convulsões e coma. Quando a
depleção hipotônica ocorre em conseqüência de lesões
hipotalâmicas, o paciente não apresenta sede, pois esta
Distúrbios de volume (água) sensação fica comprometida pelas lesões que constituem
Podem ser basicamente de dois tipos: a causa do problema.
■ depleção de água;
Na vigência de hipernatremia grave que se acompanha
■ excesso de água.
da desidratação celular ocorre contração das células cere-
É importante enfatizar que, freqüentemente, os dis- brais, podendo levar à hemorragia subaracnóide e subcor-
túrbios são mistos, merecendo análise cuidadosa para sua tical além da trombose dos seios venosos. As manifesta-
interpretação e tratamento. Distúrbios isolados com ções clínicas predominantes incluem agitação, irritação e
perda ou excesso de um único elemento são pouco letargia. Os pacientes podem ainda apresentar espasmos
comuns na prática. musculares, hiperreflexia, tremores e ataxia. A hipernatre-
mia aguda é mais grave do que a crônica, uma vez que,
nesta última, ocorre a formação de osmóis ideogênicos que
Depleção de água (depleção hipotônica são ativos e capazes de restaurar a água intracelular6-8.
ou desidratação hipertônica)
Causas Tratamento

Pode ser devida à ingestão diminuída ou à perda Nos casos em que a reposição pela via oral é permiti-
excessiva de água e/ou de soluções hipotônicas. da e a concentração de sódio sérico é inferior a
As situações mais freqüentes incluem a ingestão dimi- 160mEq/L, a água deve ser administrada, de preferência,
nuída de água, ocorrendo por indisponibilidade da mesma, por esta via. Caso contrário, a administração de água
dificuldade ou impossibilidade de deglutição (disfagia, deve ser feita por via endovenosa, sob a forma de soro
coma etc.) ou por comprometimento da sensação de sede, glicosado isotônico. O volume e a velocidade de admi-
observado em lesões hipotalâmicas. É mais freqüente em nistração dependem da intensidade da desidratação e
pacientes idosos e doentes que não conseguem ingerir devem ser suficientes para restabelecer a função renal,
líquido em resposta ao aumento da osmolaridade. diminuir a concentração de sódio sérico e normalizar o
As principais causas de perda de água incluem: hematócrito. Quanto mais hipotônico for o líquido de
■ perdas insensíveis (pele e respiração); infusão, mais lenta deve ser a administração.
■ diabetes insipidus central; Para fins práticos, pode ser utilizada a seguinte
■ diabetes insipidus nefrogênico (induzido por drogas fórmula:
como lítio e anfotericina B, hipercalcemia, hipocalemia,
doença cística medular renal); QL = VN - VR
As perdas de líquidos hipotônicos incluem:
■ causas renais (diuréticos de alça, manitol, fase diu-

rética da necrose tubular aguda); onde QL = quantidade de líquido necessária, VN = volu-


■ causas gastrointestinais (vômitos, diarréia, uso de me normal de água e VR = volume real de água.
catárticos); O volume normal equivale a 60% a 70% do peso cor-
■ causas cutâneas (sudorese excessiva, queimaduras). poral (esta variação depende da idade, estado nutricional,
presença de obesidade etc.).
O volume real de água, por sua vez, pode ser obtido
Manifestações clínicas por meio da seguinte fórmula:
A sede é o sintoma mais precoce, surgindo, geralmen-
te, quando a deficiência de água é superior a 2% do peso VR = concentração de Na+ do soro normal x VN
corporal. Ela se intensifica à medida que o déficit aumen- concentração de Na+ no soro do paciente
ta e acompanha-se de boca seca e astenia. Nos casos gra-
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

Estes cálculos são estimados e podem não represen- Manifestações clínicas


tar a necessidade real do paciente. Assim sendo e para
Os sintomas mais precoces incluem náuseas, astenia e
evitar hiper-hidratação, recomenda-se administrar meta-
queda do volume urinário. Casos graves podem evoluir
de do valor calculado, realizar nova avaliação clínica e
com convulsão e coma. O rápido ganho de peso acom-
laboratorial (principalmente nova dosagem de sódio séri-
panha-se, via de regra, por edema periférico e pulmonar.
co) para continuar a reposição.
Laboratorialmente, ocorre rápida queda no sódio
Nos pacientes com hipernatremia de longa duração, a
sérico (hiponatremia) e na osmolalidade plasmática.
correção deve ser mais prudente devido ao fato de que a
O sódio urinário pode apresentar-se normal ou
dissipação do acúmulo dos solutos cerebrais pode levar
aumentado (natriurese paradoxal) apesar da baixa con-
vários dias. Nesses casos, a redução da concentração de
centração plasmática indicando inapropriada liberação de
sódio sérico deve ser reduzida a 0,5mEq/h para evitar
sódio como conseqüência do excesso do volume do
aparecimento de edema e convulsões. Recomenda-se
LEC (nos casos de função renal e adrenal preservada).
que a queda do sódio plasmático não exceda 10mEq/L,
A velocidade da queda do sódio plasmático parece ser
nas 24 horas. O objetivo do tratamento é reduzir os
mais importante do que seu valor absoluto.
níveis do sódio sérico para 145mEq/L.
Quando os níveis de sódio sérico estão abaixo de
120mEq/L, o edema cerebral, usualmente presente, é o
Excesso de água (expansão hipotônica principal responsável pelas manifestações neurológicas
ou intoxicação hídrica) (convulsões, náuseas e vômitos, e coma).

Causas
Tratamento
O distúrbio é, quase sempre, iatrogênico e resulta da
O tratamento inclui uma série de medidas que podem
administração de água em volume e/ou velocidade supe-
ser adotadas individualmente ou em conjunto, depen-
rior às necessidades de um indivíduo incapaz ou com
dendo da gravidade do quadro clínico.
comprometimento de diurese hídrica. Nesses casos, a
As principais condutas incluem:
antidiurese está quase sempre presente e resulta do
■ restrição hídrica;
excesso de secreção de HAD observada em diferentes
■ reposição de sódio hipertônico (3%) em pequena
situações, tais como pós-operatório, traumatismos, situa-
ções de estresse, insuficiência renal aguda, uso de medi- quantidade (200ml a 300ml). Deve-se salientar que
camentos (p. ex., morfina), infecções agudas etc. Sabe-se nenhuma tentativa deverá ser feita para reposição
que, no período pós-operatório, a sobrecarga líquida não calculada da deficiência de sódio total com base no
é seguida de resposta diurética normal. volume do LEC e na dosagem de sódio sérico, pelo
Situação familiar é representada pela síndrome de risco de provocar grave sobrecarga;
■ uso cuidadoso de diurético osmótico (manitol);
Schwartz-Bartter, na qual a hiponatremia é secundária à
■ administração lenta de glicose hipertônica.
perda de sódio na urina e retenção de água6.
Na intoxicação hídrica, a fonte de água pode ser a É importante lembrar que as perdas insensíveis de água
ingestão oral, mas, na maioria das vezes, resulta de má (pulmões e pele) e urinária podem, por si só, com o passar
orientação e excessiva terapêutica parenteral com gli- do tempo, auxiliar na correção gradual do distúrbio.
cose e água.
Os pacientes com enfermidades crônicas debilitantes Distúrbios de concentração (sódio)
(câncer, insuficiência cardíaca congestiva e/ou doenças
renais e hepáticas) são propensos a apresentar expansão Em geral, os distúrbios envolvendo a água (volume)
do LEC e algum grau de hipotonicidade no pós-operató- são acompanhados por alterações simultâneas na quanti-
rio ou quando sofrem algum tipo de trauma. Estes dade de sódio do organismo, por exemplo quando um
pacientes estão particularmente sujeitos a reterem água indivíduo perde água (déficit de água), costuma ocorrer
no pós-operatório, além de expandirem e, posteriormen- também perda de sódio, que pode ser proporcionalmente
te, diluírem o LEC. menor, igual ou maior do que a de água. Na maioria dos
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

casos, a perda de sódio é proporcionalmente menor do <135mEq/L. Na grande maioria das vezes, é acompa-
que a de água, uma vez que as perdas isotônicas e, princi- nhada de hipo-osmolaridade.
palmente, as hipertônicas são mais raras. No primeiro
caso ocorrerá como conseqüência do aumento da con-
Causas e classificação
centração plasmática de sódio (hipernatremia), não signi-
ficando, entretanto, que a quantidade de sódio do pacien- Os raros casos em que a hiponatremia não reflete,
te esteja aumentada, mas, apenas, que existe despropor- necessariamente, a hipo-osmolaridade (pseudo-hipona-
ção entre o sódio e a água perdida3. Estes pacientes, con- tremia) são: hiponatremia com osmolaridade plasmática
forme relatado anteriormente, irão apresentar quadro clí- normal (hiperlipidemia acentuada, hiperproteinemia
nico relacionado com a perda de água (hipovolemia) acentuada); hiponatremia com osmolaridade plasmática
como também com a hipernatremia. Por outro lado, aumentada (hiperglicemia; administração de manitol,
quando a perda de sódio é maior do que a de água, desen- sorbitol, glicerol e meios de contraste). Para cada
volve-se hiponatremia. Da mesma forma, quando um 100mg/dL de aumento na glicemia acima de 100mg/dL,
indivíduo ganha água (excesso de água) pode ocorrer há redução esperada de sódio de 1,6mEq/L. A hipona-
ganho de sódio que pode ser proporcionalmente menor, tremia hipo-osmótica é a mais comum e reflete, invaria-
igual ou maior do que o de água. A concentração de sódio velmente, a retenção de água a partir de aumento absolu-
variará na dependência desta proporção e o paciente apre- to na água corporal total ou de perda excessiva de sódio
sentará quadro clínico de hipo ou hipernatremia, embora, em relação à de água. Os pacientes podem apresentar-se
normalmente, este último seja mais raro4. hipervolêmicos, euvolêmicos ou hipovolêmicos. Clinica-
Pelo exposto até agora, podemos concluir que a aná- mente, a hiponatremia é mais bem classificada de acordo
lise da concentração plasmática do sódio irá refletir o com o conteúdo corporal total de sódio3-5:
balanço de ganhos e perdas de água e sódio e, portanto, ■ hiponatremia com sódio corporal total baixo: perdas

faz-se necessário, para compreensão desse balanço, o sangüíneas de 5% a 10% (estímulo não-osmótico do
estudo do equilíbrio do sódio no organismo. Este equilí- HAD); perdas renais (diuréticos, deficiência de mine-
brio global é igual à ingestão total de sódio (em torno de ralocorticóides, nefropatias perdedoras de sal, diurese
170mEq/dia) menos a excreção renal de sódio e as per- osmótica, síndrome perdedora de sal associada à
das extra-renais de sódio. A capacidade do rim de variar hemorragia subaracnóidea); perdas extra-renais
a excreção urinária de sódio (de 1mEq/L até mais de (vômitos, diarréia, perda para o terceiro espaço). Este
100mEq/L) permite que ele desempenhe função primor- grupo de pacientes apresenta-se hipovolêmico;
dial no equilíbrio do sódio. Por causa da relação entre o ■ hiponatremia com sódio corporal total aumentado:

volume do LEC e o conteúdo corporal total de sódio, a inclui os distúrbios edematosos (insuficiência cardía-
regulação de um está firmemente ligada à do outro. Esta ca congestiva, cirrose, insuficiência renal e síndrome
regulação é obtida por intermédio de sensores (átrios: nefrótica) que são caracterizados por aumento do
liberação de peptídeo atrial natriurético; sistema renina- sódio e da água corporal total. Quando o aumento da
angiotensina-aldosterona: liberação de renina), os quais água corporal total excede o do sódio, observa-se
detectam as alterações no volume intravascular efetivo hiponatremia. A hiponatremia nestes quadros resulta,
que se relaciona mais intimamente com a taxa de perfu- portanto, do comprometimento progressivo da
são nos capilares do que com o volume mensurável do excreção renal de água livre e, em geral, faz paralelo
líquido intravascular (plasma). Assim, conforme visto com a gravidade da doença subjacente. Estes pacien-
anteriormente, o volume do LEC e o conteúdo corporal tes apresentam-se, portanto, hipervolêmicos;
total de sódio são controlados pelos ajustes apropriados ■ hiponatremia com sódio corporal total normal: inclui
na excreção renal de sódio. a síndrome da secreção inadequada de HAD
(SIHAD), absorção de líquido de irrigação durante a
Hiponatremia ressecção transuretral de próstata, insuficiência de gli-
cocorticóides, hipotireoidismo, terapia medicamento-
Trata-se de um dos distúrbios mais freqüentes na prá- sa (clorpropamida, ciclofosfamida, carbamazepina).
tica clínica e é definida pela concentração de sódio A SIHAD corresponde à ocorrência de um nível plas-
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

mático de HAD que, de forma constante ou intermi- tes com hipofunção da tireóide ou supra-renal está indi-
tente, está inapropriadamente elevado para a osmola- cada a reposição hormonal. A demeclociclina antagoniza
ridade e volemia do paciente naquele momento. Na a atividade do HAD e pode ser útil no tratamento de
sua fisiopatologia observa-se a produção extra-hipofi- pacientes com síndrome da secreção inadequada deste
sária de substâncias “HAD-like”, observadas nas neo- hormônio. O déficit de sódio (Na ) em relação à água
+

plasias malignas (carcinoma de pulmão, linfoma, leu- (H2O) pode ser calculado pela seguinte fórmula:
cemia etc.), distúrbios do sistema nervoso central
(trauma, hemorragia subaracnóidea, tumores, menin- Déficit de Na+ (mEq) = H2O corporal total x (140 – Na+ atual)
goencefalite), infecção pulmonar, drogas (desmopres-
sina, ocitocina, morfina, antidepressivos tricíclicos,
clorpropamida, fenotiazinas, ciclofosfamida etc.), Esta reposição pode ser feita com solução salina 0,9%
desregulação do osmostato e extravasamento de ou solução hipertônica de NaCl (3%), sendo recomenda-
HAD hipofisário. A hiponatremia associada à hipo- do repor 50% do déficit em 12 a 24 horas. A escolha da
função da supra-renal pode ser decorrente da cose- solução estará na dependência da gravidade do quadro e
creção de HAD com fator de liberação de corticotro- do estado volêmico do paciente. Assim, nos pacientes
pina. O estado volêmico destes pacientes depende da hipovolêmicos e com sódio corporal total diminuído, a
causa. Assim, os pacientes com síndrome da secreção escolha recai sobre a solução salina 0,9%. Nos pacientes
inadequada de HAD, insuficiência de glicocorticóides com euvolemia ou hipervolemia moderada, uma opção
e hipotireoidismo apresentam-se euvolêmicos. seria a utilização de solução salina 0,9% em associação
Entretanto, os pacientes com absorção de líquido de com diurético de alça. Por outro lado, o cloreto de sódio
irrigação durante a ressecção transuretral de próstata hipertônico pode ser indicado nos pacientes acentuada-
apresentam-se hipervolêmicos. mente sintomáticos. Entretanto, ele deve ser administra-
do com cautela, pois pode precipitar edema pulmonar,
hipocalemia e acidose metabólica hiperclorêmica. A cor-
Manifestações clínicas reção muito rápida da hiponatremia pode induzir a lesões
desmielinizantes na ponte, resultando em seqüelas neuro-
Os sintomas são principalmente neurológicos e resul- lógicas graves. A taxa de correção para os pacientes com
tam de aumento na água intracelular (menor osmolaridade sintomas brandos é de 0,5mEq/L/h, chegando a
do LEC). A gravidade vai depender da velocidade com que 1mEq/L/h nos casos mais graves.
a hipo-osmolaridade se desenvolve e do valor do sódio
plasmático (Na < 120mEq/L). Os pacientes com hipona-
tremia crônica ou de desenvolvimento lento mostram-se, Hipernatremia
em geral, menos sintomáticos. Os sintomas são inespecífi-
É definida pela concentração de sódio maior do que
cos e incluem anorexia, náuseas, fraqueza, letargia, confu-
145mEq/L e está acompanhada por aumento da osmolari-
são, convulsões, podendo evoluir para o coma e a morte. A
dade do LEC. Entretanto, a osmolaridade pode estar
saída compensatória de solutos intracelulares (sódio, potás-
aumentada sem hipernatremia nos casos de hiperglicemia3-7.
sio e aminoácidos) ocorre na tentativa de diminuir a ten-
dência da entrada de água para o LIC; portanto, durante o
tratamento, a restauração da concentração do sódio ao nor- Causas e classificação
mal deve ser lenta para que a célula recupere os solutos
intracelulares perdidos para o LEC. A hipernatremia é quase sempre o resultado da perda
maior de água em relação à de sódio ou da retenção de
sódio maior do que a de água. Mesmo quando a capaci-
Tratamento dade de concentração renal está prejudicada, o mecanis-
mo da sede é normalmente efetivo na sua prevenção.
Deve ser direcionado para a correção do distúrbio
Assim, a hipernatremia é mais comumente observada em
subjacente e da concentração de sódio plasmática. Nos
pacientes debilitados, incapazes de ingerir líquidos (ido-
pacientes com volume extracelular aumentado deve-se
sos, prematuros e pacientes em coma).
fazer restrição hídrica e associar diuréticos. Nos pacien-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Clinicamente, a hipernatremia é mais bem classificada que 158mEq/L. A hipernatremia crônica é, em geral,
de acordo com o conteúdo corporal total de sódio: mais bem tolerada. Na tentativa de reduzir a saída de água
■ hipernatremia com conteúdo total de sódio baixo: da célula ocorre aumento da osmolaridade intracelular às
estes pacientes apresentam tanto perda de sódio custas do inositol e de aminoácidos (glutamina e taurina),
quanto de água, mas esta última é maior do que a pri- fazendo com que o conteúdo de água dos neurônios
meira. As chamadas perdas hipotônicas podem ser retorne ao normal após 24 a 48 horas.
renais (diurese osmótica) ou extra-renais (diarréia ou
sudorese). Em ambos os casos, os pacientes manifes-
Tratamento
tam sinais de hipovolemia. A concentração urinária
de sódio é geralmente maior do que 20mEq/L nas Deve ser direcionado para a restauração da osmolari-
perdas renais e menor do que 10mEq/L nas perdas dade plasmática ao normal como também para a corre-
extra-renais; ção do distúrbio de base. O déficit de água deve ser cor-
■ hipernatremia com conteúdo total de sódio normal: rigido em 24 a 48 horas com solução hipotônica, como a
ocorre nos casos de perda de água pura pela pele, glicose a 5%. A correção rápida da hipernatremia pode
trato respiratório ou rins. A principal causa é o diabe- resultar em convulsões, edema cerebral, lesão neurológi-
tes insipidus, que é caracterizado por incapacidade de ca e, até mesmo, morte. Em geral, a redução da concen-
concentrar a urina devido à deficiência de secreção do tração plasmática do sódio deve ser de 0,5mEq/L/hora.
HAD (central) ou falha do túbulo renal em responder Para se calcular o déficit de água, devemos inicialmente
ao HAD liberado (renal). As principais causas de dia- calcular a H20 atual por meio da fórmula:
betes insipidus central são lesão do hipotálamo ou hipó-
fise nas neurocirurgias e no trauma encefálico. O dia- H20 inicial (Peso x 0,6) x Na+ inicial = H20 atual x Na+ atual
betes insipidus nefrogênico pode ser congênito ou
secundário a outras desordens, como insuficiência
renal crônica, hipocalemia, hipercalcemia, drepanoci- Uma vez calculada a água atual, o déficit de água é
tose e uso de drogas (lítio, anfotericina B, demecloci- estimado pela diferença entre a água inicial e a água atual.
clina, manitol). Pode ocorrer transitoriamente duran- Os pacientes com hipernatremia e com diminuição
te o exercício, convulsões ou rabdomiólise em decor- do conteúdo total de sódio devem receber inicialmente
rência do movimento de água para as células; solução isotônica para corrigir o volume plasmático. Só
■ hipernatremia com aumento do sódio corporal total:
depois deve ser administrada solução de glicose 5%. Por
ocorre mais comumente como resultado da adminis- outro lado, os pacientes com aumento da quantidade
tração de grandes quantidades de solução salina total de sódio devem receber a glicose 5% associada a
hipertônica (NaCl 3% ou NaHCO3 8,4%). Pode diurético de alça. Os pacientes com diabetes insipidus cen-
ocorrer também nos pacientes com hiperaldostero- tral devem receber vasopressina aquosa, desmopressina
nismo primário e síndrome de Cushing. (DDAVP) e/ou clorpropamida. Paradoxalmente, os
pacientes com diabetes insipidus nefrogênico podem ser
beneficiados com o uso de diuréticos tiazídicos.
Manifestações clínicas
Caracterizam-se por alterações neurológicas em Distúrbios do potássio
decorrência da desidratação celular. Pode-se observar fra-
queza, letargia, hiperreflexia, convulsões, coma e morte. O potássio (K+) é o principal cation do líquido intrace-
Os sintomas estão mais relacionados com a velocidade de lular, onde sua concentração é de aproximadamente
saída de água das células cerebrais do que com o valor 150mEq/L. A quantidade total de potássio do organismo,
absoluto da hipernatremia. A diminuição rápida do volu- no indivíduo adulto de 70kg, varia em torno de 3.500mEq.
me cerebral pode levar à ruptura de vasos cerebrais, resul- No líquido extracelular, a concentração é muito baixa e
tando em hemorragia intracerebral focal ou subaracnói- não ultrapassa 2% do potássio total de organismo. No
dea. Convulsões são comuns especialmente em crianças plasma, os níveis normais oscilam entre 3,5mEq/L e
com hipernatremia aguda com sódio plasmático maior do 5,5mEq/L6. Entretanto, as alterações do potássio sérico

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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

costumam provocar graves repercussões, podendo levar à (447mg/100g). A água de coco (250mg/100ml) e os sucos
morte. É importante enfatizar que as alterações dos níveis de limão e abacaxi (>100mg/100ml) são também ricos em
séricos nem sempre espelham a quantidade total de potás- potássio.
sio do organismo. Desse modo, o indivíduo pode apre-
sentar níveis séricos baixos com potássio total normal
PERDAS DE POTÁSSIO
ou até elevado (alcalose metabólica) e vice-versa (acidose
As perdas de potássio ocorrem, via de regra, pelo
metabólica).
tubo gastrointestinal (diarréia, vômitos, fístulas entéricas
Os distúrbios do potássio são estudados contemplan-
ou biliares, laxativos etc.), pela urina (tubulopatias, como
do-se os níveis séricos e não a quantidade deste íon no
a que ocorre na fase poliúrica da insuficiência renal
organismo. Além do pH arterial, os níveis séricos sofrem
aguda, uso de diuréticos, corticosteróides, hiperaldoste-
influência da glicemia, dos hormônios (insulina, gluca-
ronismo, síndrome de Cushing e ingestão excessiva de
gon) e do estado nutricional (menores níveis na subnutri- bicarbonato) e pelo suor.
ção). O potássio armazenado no interior das células O suor contém pequena quantidade de potássio
ajuda a manter constante a sua concentração no sangue. (10mEq/L), de modo que somente a sudorese profusa é
Assim sendo, são identificados dois distúrbios: hipo- causa de perda significativa.
potassemia e hiperpotassemia. Na cetoacidose diabética ocorre perda de potássio
por diurese osmótica, causada pela hiperglicemia e pelo
Hipopotassemia (hipocalemia) desvio para o meio intracelular pela insulinoterapia.

Considera-se hipopotassemia a concentração de


TRANSFERÊNCIA DE POTÁSSIO PARA O INTERIOR DA CÉLULA
potássio sérico inferior a 3,5mEq/L. Ela pode não refle-
tir, como mencionado, a quantidade total de potássio do Observa-se a transferência de potássio para o interior
organismo. A perda de potássio produz alcalose metabó- da célula na alcalose e na administração parenteral de gli-
cose e insulina. Para cada aumento de 0,1U de pH, o
lica resultante da saída de íons K+ da célula e entrada de
potássio do extracelular diminui 0,6mEq/L.
íons Na+ e H+. Sabe-se que à saída de cada três íons K+
Alguns medicamentos, além da insulina, também pro-
corresponde a entrada de dois íons Na+ e um íon H+. Este
movem deslocamento de potássio para dentro das célu-
último origina-se da água que, ao dissociar-se, deixa uma
las, podendo acarretar hipocalemia. Entre eles destacam-
hidroxila no líquido extracelular, resultando em alcalose
se o albuterol, a terbutalina e a teofilina, usualmente uti-
metabólica.
lizados para tratamento da asma brônquica.

Causas
Manifestações clínicas
INGESTÃO INADEQUADA
A necessidade diária de potássio gira em torno de Com base na determinação do potássio sérico, a hipo-
1mEq/Kg/dia, desde que o indivíduo não apresente per- calemia é classificada em discreta (3,0 a 3,4mEq/L), mode-
das extras (diarréia, fístulas, uso de diuréticos etc.). Em rada (2,5 a 2,9mEq/L) e grave (abaixo de 2,5mEq/L).
As formas leves são usualmente oligo ou assintomáti-
indivíduos hígidos e com dieta balanceada, esta causa é
cas. Por outro lado, níveis séricos inferiores a 3,0mEq/L
muito pouco freqüente. Ela é observada, mais comu-
podem desencadear uma série de manifestações clínicas
mente, em indivíduos submetidos à hidratação parenteral
que atingem diferentes órgãos e sistemas do organismo.
com oferta insuficiente de potássio, nos desnutridos
As principais serão relatadas a seguir.
e alcoólatras.
A dieta normal de um adulto sadio contém entre
80mEq/dia a 120mEq/dia de potássio (2.500 a 4.000mg). DISTÚRBIOS NEUROMUSCULARES
A melhor forma de ingerir potássio é por meio de frutas Estão relacionados, via de regra, com fenômenos de
e verduras. Alimentos ricos neste eletrólito incluem o fei- hiperpolarização e incluem astenia, parestesia, hiporrefle-
jão (460mg/100g), tubérculos como o inhame xia e, mais raramente, paralisia flácida. O paciente,
(670mg/100g), banana (350mg/100g) e couve dependendo da intensidade do distúrbio, pode desenvol-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ver íleo funcional que costuma desaparecer com a nor- Tratamento


malização dos níveis séricos de potássio.
Consiste na reposição adequada e necessária para
manter o balanço normal de potássio. Sabe-se que os
ALTERAÇÕES CARDÍACAS casos mais comuns de hipopotassemia ocorrem nos indi-
Incluem as arritmias (principalmente extrassístoles) e víduos submetidos à hidratação e/ou nutrição parenteral
aumento de sensibilidade ao digital. O eletrocardiograma com suplementação insuficiente. As necessidades diárias
costuma demonstrar alterações freqüentes caracterizadas de potássio em pacientes sem perdas extras giram em
por onda U proeminente (<3,0mEq/L) ou gigante torno de 1mEq/Kg de peso. Na presença de perdas
(<2,5mEq/L), depressão do segmento RS-T, ondas T anormais (fístulas, diarréia, vômitos etc.) estas devem ser
achatadas (<3,0mEq/L) ou invertidas (<2,5mEq/L), adequadamente repostas. A via oral, sempre que possí-
aumento do intervalo QT e alargamento do espaço PR e vel, deve ser a preferencial. Dietas planejadas especifica-
do complexo QRS. As alterações eletrocardiográficas não mente para reposição de potássio podem fornecer até
estão necessariamente relacionadas com os níveis séricos 150mEq/dia.
do potássio, mas com a relação entre suas concentrações A reposição oral de cloreto de potássio (KCl), na forma
intra e extracelulares (fases 2 e 3 do potencial de ação das de xarope ou drágeas, pode suprir de 30mEq a 40mEq de
células cardíacas). Nos casos mais graves, podem ocorrer potássio sem efeitos colaterais importantes. Doses maiores
arritmias ventriculares e, até mesmo, parada cardíaca em geralmente provocam intolerância gástrica. Para minimizar
assistolia. Os riscos são maiores nos pacientes com isque- este efeito indesejável, recomenda-se administrar cloreto
mia miocárdica ou hipertrofia ventricular esquerda. de potássio, por via oral, juntamente com os alimentos, em
pequenas doses e várias vezes ao dia. Ele nunca deve ser
ALTERAÇÕES GASTROINTESTINAIS
administrado em uma única dose alta.
Caracterizam-se pelo desenvolvimento de íleo fun- As principais fontes de potássio provenientes de ali-
cional e/ou gastroparesia cujas manifestações clínicas mentos estão sumariadas no Quadro 5.1.
predominantes incluem náuseas e vômitos e, eventual-
mente, parada de eliminação de gases e fezes.
Quadro 5.1 .: Principais fontes de potássio

MANIFESTAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Suplementos de potássio


As mais freqüentes são irritabilidade, estupor e poli- Substitutos do sal (cloreto de potássio)
dipsia. Parada respiratória pode ocorrer nos casos graves. Frutas (banana, laranja, melão, tomate)
Legumes e verduras (batata, batata doce, espinafre, folhas de nabo,
couve e outros vegetais folhosos verdes, ervilhas e feijões)
ALTERAÇÕES RENAIS
Nas formas crônicas, ocorre disfunção tubular por
incapacidade de concentrar urina (nefropatia caliopêni-
ca), resultando em poliúria. Redução da peristalse urete- Em poucas situações, o tratamento da hipocalemia
ral é observada nas formas agudas. constitui emergência. Pelo fato de o potássio ser um íon
predominantemente intracelular, quando administrado
ALTERAÇÕES MUSCULARES por via endovenosa, ele costuma passar rapidamente
As principais são a rabdomiólise e a mioglobinúria. para o interior das células. Sendo assim, exceto em situa-
ções muito graves, não se deve pretender correção muito
rápida. Como já foi assinalada, em situações não-emer-
ALTERAÇÕES METABÓLICAS
genciais, a reposição por via oral, quando possível, costu-
A alcalose metabólica ocorre como conseqüência da
ma ser satisfatória. Caso contrário, a reposição deve ser
saída do potássio intracelular em troca de íons H+. Outras
feita por via endovenosa e o medicamento de escolha é a
alterações incluem a hiperglicemia, o balanço nitrogenado
solução de cloreto de potássio 10% (1,3mEq de potássio
negativo e a redução da síntese de glicogênio muscular e de
por ml). Alguns cuidados são importantes:
proteínas com aumento da produção de amônia.
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

■ determinar os níveis séricos de potássio antes de Causas


administrá-lo;
DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO
■ avaliar o débito urinário (em pacientes oligúricos, a
Observa-se diminuição da excreção em diferentes
administração de potássio deve ser muito cautelosa,
situações que incluem as insuficiências renais (aguda e
devendo ser monitorizada);
crônica), uso de antagonistas de aldosterona, triantereno
■ em pacientes politraumatizados e/ou no pós-opera-
e de inibidores da enzima conversora da angiotensina,
tório imediato (primeiras 24 horas), ocorre aumento
doença de Addison etc.
da oferta endógena de potássio e a reposição só deve
ser feita se os níveis séricos estiverem muito baixos;
■ selecionar a dose e a velocidade de administração, SOBRECARGA POR FONTES EXÓGENAS
com base no quadro clínico. O ritmo não deve exce- Observada nas transfusões de sangue (grandes volu-
der 30mEq/h, exceto nas emergências absolutas mes principalmente), infusão de penicilina cristalina
como na intoxicação digitálica, nas alterações eletro- (cada 1.000.000 de unidades contém 1,7mEq de potás-
cardiográficas e/ou paralisias musculares graves e sio), administração exagerada de potássio por via paren-
quando os níveis séricos estiverem abaixo de teral e/ou oral.
2,0mEq/L9. Nestes casos, a velocidade de administra-
ção pode exceder a 40mEq/h, mas o paciente deve
SOBRECARGA POR AUMENTO DA OFERTA ENDÓGENA
estar monitorizado eletrocardiograficamente, sendo
Já citada, como as observadas nas destruições teciduais
imprescindível realizar nova dosagem sérica após
(hemólises, rabdomiólises, lesões por esmagamento com
administração dos primeiros 100mEq. Nos casos que
destruição muscular e pós-operatórios) e nas acidoses
cursam com níveis séricos acima de 2,5mEq/L e sem
(redistribuição do potássio do intra para o extracelular). O
manifestações eletrocardiográficas, a velocidade de
aumento da oferta endógena é também observado nos
infusão não deve exceder 10mEq/h. Raramente há
casos de overdose por uso de crack (cocaína). Nestes casos, o
necessidade de se repor mais que 150-160mEq/dia.
rápido influxo de potássio para a corrente sangüínea supe-
Quando esta reposição for necessária, é recomendá-
ra a capacidade renal de excretá-lo, acarretando hipercale-
vel a monitorização eletrocardiográfica do paciente;
mia freqüentemente grave.
■ preferir administrá-lo dissolvido em solução salina 0,9%.
A glicose promove a transferência de potássio para o
interior da célula. A concentração no soro não deve Manifestações clínicas
ultrapassar 30mEq/L. Somente em condições excep-
cionais pode ultrapassar 60mEq/L; Os distúrbios decorrentes da hipercalemia estão rela-
■ pode ser necessária a correção da hipomagnesemia ou cionados com a hipopolarização que promove impedi-
hipofosfatemia concomitantes. mento da transmissão do estímulo ao longo da célula
muscular. Nas formas leves, as manifestações são discre-
tas ou inexistem.
Hiperpotassemia (hipercalemia)
Considera-se hiperpotassemia quando a concentração ALTERAÇÕES CARDÍACAS

do potássio sérico é superior a 5,5mEq/L. Ela pode não As manifestações mais graves da hipercalemia ocorrem
refletir a quantidade total de potássio do organismo que no coração e se expressam clinicamente quando os níveis
pode estar normal ou, até mesmo, diminuída. Diversas séricos se aproximam ou ultrapassam a 7,0mEq/L.
situações promovem aumento de potássio sérico sem Independentemente da concentração sérica, alguns fatores
correspondente aumento do potássio total do organis- são importantes no agravamento destas manifestações,
mo. Elas incluem as acidoses metabólica e/ou respirató- incluindo a presença de hiponatremia, hipocalcemia e aci-
ria (para a queda de cada 0,1 unidade de pH corresponde dose. Assim, para um mesmo valor, a ocorrência destes
um aumento de 0,6mEq/L de potássio), traumatismos fatores costuma exacerbar as manifestações cardíacas,
(lise celular com liberação de potássio), hemólises, trom- representadas, principalmente, por bradicardia, hipotensão
bocitose e leucocitose (hiperpotassemia fictícia). e/ou fibrilação ventricular. O eletrocardiograma represen-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ta método bastante sensível e útil no diagnóstico e acompa- mente, entretanto, que os sais de cálcio podem desenca-
nhamento desses pacientes, uma vez que as alterações ele- dear arritmias graves na vigência de intoxicação digitálica.
trocardiográficas costumam estar relacionadas com os
níveis séricos elevados do potássio. A primeira alteração
MEDIDAS QUE PROMOVEM A TRANSFERÊNCIA DO
(ondas T altas, pontiagudas e com base estreita) surge quan- POTÁSSIO PARA O INTERIOR DA CÉLULA
do os níveis séricos oscilam entre 6,0mEq/L e 7,0mEq/L. Existem três opções: emprego do bicarbonato de
À medida que estes níveis se elevam, observa-se depressão sódio, uso concomitante de glicose e insulina (solução
do segmento ST e diminuição da amplitude de onda R, pro- polarizante) e drogas betadrenérgicas.
longamento do espaço PR, diminuição e até desapareci- O início de ação do bicarbonato é observado após
mento da onda P. O alargamento de QRS ocorre nos casos cinco a dez minutos e persiste por cerca de duas horas.
mais graves e, muitas vezes, precede a fibrilação ventricular. Deve ser empregado, preferencialmente, na vigência de
acidose e/ou hiponatremia. Seu principal inconveniente
MANIFESTAÇÕES NEUROMUSCULARES é a expansão do extracelular e o risco de edema agudo de
Algumas são semelhantes às observadas na hipocalemia pulmão. As soluções mais utilizadas são a 5% ou 8,4%6,7.
e incluem fraqueza, astenia e parestesias. Por outro lado, a O cálculo do volume a ser infundido costuma ser empí-
hiperreflexia costuma estar presente. A paralisia muscular rico. Não existe método preciso para avaliar a quantida-
flácida pode atingir os músculos respiratórios, colaborando de de bicarbonato necessária. Uma opção é infundir
para a instalação de insuficiência e/ou parada respiratória. 10ml de bicarbonato a 8,4% em cinco minutos, seguido
por 40ml em bomba de infusão, para correr em 60 minu-
tos. Deve-se considerar que a quantidade de bicarbonato
Tratamento necessária para elevar de 1mEq o bicarbonato do plasma
Nas formas leves, a dieta constitui a medida principal. é de 2mEq de bicarbonato por litro de líquido extracelu-
Ela inclui a restrição de alimentos e medicamentos con- lar. Lembrar que reavaliações periódicas costumam ser
tendo potássio e proteínas, aliada à ingestão generosa de necessárias (clínicas e laboratoriais), uma vez que o maior
calorias sob a forma de carboidratos e gorduras, com o risco de correção da acidose é a hipocalemia. Pode-se uti-
objetivo de diminuir o catabolismo protéico8,9. lizar também, para o cálculo da quantidade de bicarbona-
Nos casos que cursam com níveis séricos de potássio to, a fórmula de Ash:
elevados (>6,0mEq/L), outras medidas são necessárias e Quantidade de bicarbonato (mEq) = Peso (Kg) x Base excess x 0,3
devem ser iniciadas imediatamente, principalmente se
coexistem alterações eletrocardiográficas. Tais medidas Habitualmente, administra-se a metade da dose calcu-
objetivam diminuir estes níveis e dependem da rapidez lada e repete-se a avaliação.
com que se deseja agir. Vários fatores devem ser levados A associação da glicose + insulina tem início de
em conta e, algumas vezes, a associação de mais de uma ação mais demorado e que varia de 30 a 60 minutos.
medida é necessária. Elas incluem: Entretanto, a duração da ação persiste por tempo mais
prolongado (seis a 24 horas). Recomenda-se administrar
uma unidade de insulina (por via subcutânea) para quatro
MEDIDAS QUE ANTAGONIZAM OS EFEITOS
gramas de glicose infundidos por via endovenosa.
DO POTÁSSIO SOBRE O MIOCÁRDIO
Habitualmente, prepara-se solução com 100ml de glicose
A injeção intravenosa de gluconato de cálcio 10%
a 50% + 10UI de insulina regular, que devem ser adminis-
atua antagonizando os efeitos deletérios da hiperpotasse-
mia sobre o miocárdio. Ela constitui o método de atua- trados endovenosamente, em cinco a dez minutos.
ção mais rápido e sua ação ocorre de um a cinco minutos Drogas betadrenérgicas - Atuam aumentando a cap-
após o início da injeção. A duração da ação do medica- tação celular de potássio, podendo ser usadas por via inala-
mento costuma persistir por até duas horas. A dose tória (10 a 20mg de albuterol, diluídos em 5ml de solução
empregada é de 10ml da solução a 10%, podendo ser re- salina 0,9%) ou por infusão endovenosa (0,5mg de albute-
petida conforme a necessidade. A monitoração por meio rol, diluído em 100ml de soro glicosado isotônico). O pico
do eletrocardiograma é importante. Deve-se ter em de ação ocorre em 30 minutos (infusão endovenosa) e em

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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

90 minutos (via inalatória). Esta opção deve ser evitada, Distúrbios do cálcio
sempre que possível, por causa do potencial arritmogênico.
As medidas supracitadas, embora muito úteis, são O cálcio constitui elemento essencial para o organis-
temporárias e objetivam, principalmente, manter o mo, participando de inúmeras funções (neuromuscular,
manutenção do ritmo cardíaco, lactação, coagulação san-
paciente em condições satisfatórias enquanto se provi-
güínea, síntese e liberação da acetilcolina, funcionamento
dencia e/ou se instituem medidas eficazes para remover
de várias enzimas etc.).
o excesso de potássio do organismo.
O cálcio total do organismo, no indivíduo adulto nor-
mal, gira em torno de 1.100g, dos quais 99% estão nos
MEDIDAS QUE PROMOVEM A ELIMINAÇÃO DO EXCESSO ossos e 1% nos líquidos extracelulares. Para manter con-
DE POTÁSSIO DO ORGANISMO centração sérica adequada, o indivíduo deve ingerir de
Este objetivo pode ser alcançado de três maneiras: 0,5g a 1,0g de cálcio diariamente10.
resinas de troca iônica, diuréticos de alça e procedimen- O cálcio plasmático apresenta concentração de
tos dialíticos. 8,5mg% a 10,5mg% (2,2 a 2,6mmol/L). Para manter esta
Resinas de troca iônica: atuam adsorvendo potás- concentração dentro de estreitos limites de normalidade,
sio no tubo digestivo, trocando-o por cálcio (Ca) ou existe um complexo mecanismo envolvendo o parator-
sódio. A resina mais utilizada, em nosso meio, é o mônio (PTH), a calcitonina, a vitamina D, os rins, o
®
poliestirenossulfonato de cálcio (Sorcal ) que troca K+ intestino delgado e os ossos.
por Ca++, eliminando o K+ nas fezes. Seu efeito inicia- O paratormônio, produzido pelas glândulas parati-
se após duas horas, com duração de até seis horas. É reóides, atua principalmente sobre os ossos, rins e intes-
apresentada na forma de pó para uso oral. A prescrição tino, elevando os níveis de cálcio no extracelular pelo
usual é de 15g a 30g, diluídos em água, via oral, a cada aumento da reabsorção óssea e tubular. Ele atua também
seis ou oito horas. O enema de retenção constitui estimulando a absorção intestinal de cálcio. Nos rins, o
opção para pacientes impedidos de ingerir líquidos. O paratormônio influencia a síntese do metabólito ativo da
efeito colateral mais importante e freqüente é a consti- vitamina D que aumenta, ainda mais, a capacidade do
pação intestinal que pode ser tratada com catárticos intestino de absorver cálcio.
A calcitonina é produzida por células das paratireói-
(manitol ou sorbitol).
des, da tireóide e do timo e atua reduzindo a concentra-
Diuréticos de alça: atuam aumentando a excreção
ção sérica de cálcio ao estimular o deslocamento do
renal de potássio; utiliza-se, habitualmente, a furosemida
mesmo para os ossos.
na dose de 40mg a 80mg EV ou a bumetanida na dose de
A excreção renal de cálcio mantém-se relativamente
1mg a 2mg EV6,7. Para que estas drogas atuem convenien-
constante (100mg/dia a 200mg/dia) na maioria dos indi-
temente, é necessário que a função renal esteja preservada. víduos e não se relaciona com o cálcio ingerido.
Nos casos de insuficiência renal moderada (clareamento Normalmente, o cálcio excretado é igual ao cálcio absor-
de creatinina entre 10ml/min e 50ml/min), a resposta não vido. Deste equilíbrio resulta diminuição expressiva de
é tão boa. Nas formas graves de insuficiência renal, a res- mobilização do cálcio ósseo.
posta é inexpressiva. Devem ser usados desde o início na Por outro lado, quando a ingestão é baixa ou a excre-
hipercalemia grave. O efeito costuma ser lento, mas ção está aumentada, o organismo, sob estímulo do para-
pequenas perdas de potássio podem provocar quedas con- tormônio, mobiliza o cálcio ósseo.
sideráveis nos níveis plasmáticos. O cálcio está envolvido em diversas e importantes
Diálise: é muito efetiva (principalmente a hemodiá- funções como na transmissão nervosa na placa neuro-
lise), podendo normalizar os níveis de potássio em até muscular, na contração muscular, na coagulação sangüí-
30 minutos. Está indicada na insuficiência renal e sua nea e na mineralização óssea.
principal desvantagem é o tempo necessário para prepa- O metabolismo do cálcio está intimamente ligado ao
ro de material, obtenção de acesso venoso, disponibili- do fósforo e a regulação plasmática de ambos é determi-
dade de equipamentos etc. nada pelos mesmos hormônios.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Hipocalcemia Pode ser observada também nas deficiências de vita-


mina D por ingestão e/ou exposição solar insuficiente,
Considera-se hipocalcemia a concentração de cálcio má-absorção intestinal, icterícia obstrutiva, insuficiência
sérico abaixo de 8,5mg% ou 2,0mmol/L. Antes de diag- renal (não-conversão ao composto ativo nos rins), uso de
nosticá-la, é necessário observar se os níveis séricos de anticonvulsivantes (conversão da vitamina D em com-
albumina estão normais, uma vez que a diminuição de postos inativos), raquitismo dependente de vitamina D
1,0g/dL de albumina acompanha-se de queda de tipo I (por defeito enzimático) e resistência à ação da
0,8mg% de cálcio. Sabe-se que a maior parte do cálcio vitamina D12.
presente no sangue é transportada pela albumina. Sendo
assim, concentração muito baixa de albumina acarreta
concentração sérica baixa de cálcio. Entretanto, nesses OUTRAS CAUSAS

casos, o cálcio que não se encontra ligado à albumina Incluem a rabdomiólise, infecção necrótica de tecidos
pode prevenir os sintomas da hipocalcemia11,12. frouxos, intoxicação por etilenoglicol, perda crônica de
cálcio pela urina etc.

Causas
Manifestações clínicas
Três mecanismos básicos podem ser responsáveis,
pela hipocalcemia: A concentração sérica de cálcio pode estar anormal-
■ precipitação; mente baixa sem produzir qualquer sintoma. De um
■ diminuição da oferta (endógena ou exógena); modo geral, existe uma variação individual nas manifes-
■ outros. tações da hipocalcemia. Em alguns pacientes, elas apare-
Esta divisão é importante do ponto de vista prático cem nas formas leves (<8,5mg%), enquanto outros per-
porque pode influenciar a escolha do tratamento. manecem oligo ou assintomáticos mesmo nas formas
graves (<6mg%). O fator mais importante no desenvol-
vimento das manifestações clínicas da hipocalcemia é a
PRECIPITAÇÃO
rapidez com que ela se desenvolve15.
Nestes casos, a hipocalcemia é mediada por quelantes
A maior parte destas manifestações reflete alterações
que, ao unirem-se ao cálcio, produzem precipitação do
da irritabilidade neuromuscular provocadas pela diminui-
mesmo e queda dos seus níveis no sangue. As principais
ção do cálcio ionizado. Tais alterações são, via de regra,
condições clínicas que favorecem este tipo de hipocalcemia
reversíveis se a concentração de cálcio for restaurada. A
incluem hiperfosfatemia (formação de complexos fosfocál-
manifestação mais importante é a tetania. Acompanham-
cicos que precipitam nos tecidos frouxos e/ou diminuição
na sintomas gerais caracterizados por mal-estar, câimbras
da mobilização de cálcio ósseo para o espaço extracelular),
musculares e comprometimento da visão16.
pancreatite aguda, metástases osteoblásticas e uso de fár-
A tetania geralmente é precedida por dormência e
macos (protamina, EDTA, heparina etc.)13.
formigamento das extremidades, sensação de peso nas
mãos e nos lábios, câimbras e espasmo carpopedal (mão
DIMINUIÇÃO DA OFERTA DE CÁLCIO de parteiro). Nos casos mais graves, podem estar presen-
Ocorre nos casos de hipoparatireoidismo idiopático tes estridor laríngeo, convulsões, arreflexia e asfixia.
ou secundário11. O hipoparatireoidismo secundário se Nas formas latentes, os pacientes queixam-se de fra-
deve a inúmeras causas: queza muscular, fadiga, palpitação, dormência ou formi-
■ remoção cirúrgica das paratireóides ou irradiação das gamento das extremidades. Os reflexos tendinosos pro-
mesmas14; fundos costumam estar diminuídos.
■ alterações da concentração sérica de magnésio (inibi- Dois sinais clínicos são utilizados para pesquisar a
ção do paratormônio); tetania latente: o primeiro, descrito por Chvostek, é pes-
■ doenças graves (sepse, grandes queimados, rabdo- quisado por meio da percussão rápida e firme sobre o
miólise); nervo facial no seu percurso à frente da glândula paróti-
■ resistência periférica ao PTH no osso e/ou rins da. Quando positivo, o paciente apresenta contração da
(pseudohipoparatireoidismo). boca, nariz e pálpebras. Merece destaque o fato de que
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

pessoas normais podem apresentar contração isolada do Entre os achados laboratoriais, além da hipocalce-
ângulo da boca quando este sinal é pesquisado. mia (cálcio pode chegar a 3mg%), é comum a hiperfosfa-
O sinal de Trousseau é positivo quando o espasmo temia (6 a 16mg%).
corpopedal é induzido pela isquemia do braço provoca- A dosagem da albumina é importante para afastar a
da por insuflação de manguito do aparelho de pressão possibilidade de hipocalcemia decorrente de hipoalbumi-
colocado na raiz do membro e mantido insuflado pelo nemia (principalmente nos casos de cirrose e nefrose). O
período de três minutos. citrato plasmático está reduzido e o magnésio tende a
Outras manifestações incluem distúrbios do sistema ser normal.
nervoso central, tais como demência, psicose, transtornos A dosagem do paratormônio é útil para determinar se
extrapiramidais, calcificação de gânglios da base, hiper- a hipocalcemia é secundária à deficiência deste hormônio
tensão intracraniana etc. Catarata lenticular surge, com ou se ela decorre da resistência periférica ao paratormô-
freqüência, nas formas crônicas. Nestas, a pele se torna nio nos ossos e nos rins (pseudohipoparatireoidismo).
áspera e descamativa, com ocasional dermatite esfoliativa No último caso, o diagnóstico é feito pela dosagem séri-
e pigmentação cutânea, alopécia, perda de sobrancelhas, ca do paratormônio, associada à dosagem da excreção do
unhas atróficas, quebradiças ou deformadas. A monilíase AMP cíclico urinário que está diminuído17.
cutânea é comum. Ocorrem aplasia ou hipoplasia dentá- As dosagens de 25-hidroxicolecalciferol e de 1,25-dii-
ria com alteração da coloração do esmalte. drocolecalciferol determinam a extensão da deficiência
Alterações eletrocardiográficas são freqüentes e da vitamina D ou de seu metabólito (diminuído na insu-
se caracterizam por prolongamento do intervalo QT ficiência renal).
em decorrência do aumento de ST associado à onda T O diagnóstico da hipocalcemia está sumariado na
pontiaguda. Figura 5.1.

Hipocalcemia

Tratar urgente; Tetania


completar diagnóstico Alterações no ECG

Operação cervical
História clínica
Fármacos
P, Mg, PTH
Doenças graves

PTH alto
PTH alto PTH normal Mg
P normal ou
P elevado ou baixo baixo
baixo

- doenças hepatobiliares - doença renal


- completar diagnóstico
- má absorção - distribuição tecidual - hipoparatireoidismo
e tratar
- raquitismo - pseudohipopara
- metástases osteoblásticas

Figura 5.1 .: Algoritmo diagnóstico da hipocalcemia


ECG – eletrocardiograma; P – fósforo; Mg – magnésio; PTH – paratormônio

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Tratamento ca persistência de hipercalciúria e hipercalcemia mesmo


após a interrupção do medicamento por semanas ou, até
Nas formas agudas ou nas crises de tetania, adminis-
mesmo, meses. Para atenuar esses inconvenientes, reco-
tra-se cálcio endovenoso, lentamente (cinco a dez minu-
menda-se hidratação vigorosa, furosemida e uso de glico-
tos), sob a forma de gluconato de cálcio 10%. O volume
corticóides em casos especiais.
inicial a ser infundido é de 10ml a 20ml, podendo ser
repetido quantas vezes forem necessárias até o desapare-
cimento das crises e/ou sintomas. Pode-se também usar Hipercalcemia
infusão endovenosa, com bomba de infusão, de solução
de gluconato de cálcio 0,3% em solução salina 0,9%, por Considera-se hipercalcemia a concentração de cálcio
12 a 24 horas. Esta infusão deve ser lenta, com cuidado sérico superior a 10,5mg% ou 2,6mmol/L.
especial no paciente digitalizado. A quantidade total a ser
administrada deve basear-se na resposta clínica obtida e Causas
na calcemia que deve ser dosada várias vezes até sua
completa estabilização. RELACIONADAS COM AS GLÂNDULAS PARATIREÓIDES
Nos casos de tetania em que coexiste a hipomagnese- ■ hiperparatireoidismo primário – representa a causa
mia, a resposta à infusão de cálcio costuma ser inadequa- mais freqüente de hipercalcemia no paciente ambula-
da, sendo necessária a administração de sulfato de mag- torial e nos jovens. Ocorre aumento da produção do
nésio na dose de 48mg/kg peso/dia. paratormônio por diferentes causas (adenoma funcio-
Na hipocalcemia crônica ou nos casos de crise aguda, nante da paratireóide, neoplasia endócrina múltipla).
após controle, está indicada a administração de cálcio, por ■ hiperparatireoidismo secundário – pode ser observado
via oral, associado à vitamina D. As diversas preparações no tratamento com lítio, que tem a capacidade de dimi-
disponíveis no mercado incluem o gluconato, o carbonato nuir a sensibilidade das paratireóides ao aumento do
e o lactato de cálcio. A dose usual recomendada é de cálcio plasmático, requerendo maiores concentrações
1,0g/dia a 1,5g/dia, podendo, em casos mais graves, alcan- de cálcio para inibir a produção do paratormônio.
çar 2,0g/dia a 4,0g/dia. Recomenda-se associar antiácidos
(hidróxido de alumínio) quelantes de fosfato para aumen-
tar a absorção intestinal do cálcio. Deve-se controlar perio- RELACIONADAS COM DOENÇAS MALIGNAS
dicamente a calcemia e a excreção urinária de cálcio. A hipercalcemia é observada, em média, em 10% a
A vitamina D deve ser administrada na dose de 20% dos indivíduos com neoplasias malignas, atingindo
50.000 a 100.000U/dia. principalmente os pacientes com câncer de pulmão
O uso dos metabólitos da vitamina D (1,25-diidroco- (27,3%), mama (25,7%), mieloma múltiplo (7,3%) e
lecalciferol e 25-hidroxicolecalciferol) tem vantagem nos tumores de cabeça e pescoço (6,9%)17.
casos em que existe resistência à ação da vitamina. Via de Nos tumores sólidos com metástases ósseas (mama,
regra, estes metabólitos estimulam a absorção de cálcio próstata, pulmões, rins etc.), estas lesões produzem des-
intestinal e normalizam a resposta calcêmica do PTH. mineralização óssea com aumento do cálcio plasmático.
Em pacientes com hipocalcemia recorrente pode-se Existem tumores que secretam um peptídeo (PTHrP)
administrar, inicialmente, até 600.000U (15mg de vitami- semelhante ao paratormônio e com mecanismo de
na D por dia), até que os sintomas desapareçam. A partir ação semelhante.
de então, a dose deve ser progressiva e rapidamente Os tumores hematológicos (mieloma múltiplo, leuce-
diminuída até atingir 50.000U diárias (dose de manuten- mias, linfomas) podem cursar com níveis elevados de 1,25
ção). O controle, no entanto, apresenta várias dificulda- (OH)2D3 (principalmente os linfomas) e hipercalcemia.
des. Sabe-se que a excreção de cálcio costuma ser exces-
siva durante o tratamento, podendo induzir a nefrocalci-
nose, mesmo quando o cálcio sérico está no limite infe- RELACIONADAS COM A VITAMINA D
rior da normalidade. Incluem a intoxicação por vitamina D (ingestão crônica
Nos casos em que a hipercalcemia se instala, é impor- de grande quantidade de vitamina D, muito superior às
tante lembrar que a longa duração da vitamina D provo- necessidades diárias, aumentando a absorção intestinal de
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

cálcio e a reabsorção óssea); aumento de 1,25 (OH)2D3 consciência (desorientação, alucinações, obnubilação e
(observado nas doenças granulomatosas como a sarcoido- até coma).
se e a tuberculose, que promovem diminuição ou abolição
da sensibilidade aos níveis de PTHy 1,25 (OH)2D3 deter-
CARDIOVASCULARES
minando produção descontrolada deste metabólito); hiper-
Ocorre aumento da contratilidade miocárdica. As prin-
calcemia idiopática da infância (alteração congênita rara que
cipais alterações eletrocardiográficas incluem prolonga-
evolui com hipersensibilidade ao aporte da vitamina D).
mento do intervalo PR, diminuição dos intervalos QT e ST,
achatamento abrupto da porção inicial da onda T. Quando
ASSOCIADAS AO AUMENTO DA MOBILIZAÇÃO ÓSSEA o cálcio sérico ultrapassa 16mg%, a onda T torna-se mais
Incluem o hipertireoidismo (catabolismo ósseo supera larga, aumentando, secundariamente, o intervalo QT.
o anabolismo), imobilização (principalmente em adoles- Casos mais graves podem evoluir com bradiarritmias,
centes e crianças), hipervitaminose A e uso de tiazídicos. bloqueios de ramo, bloqueio AV total e até parada cardíaca.

ASSOCIADAS À INSUFICIÊNCIA RENAL/DIMINUIÇÃO GASTROINTESTINAIS


DA EXCREÇÃO URINÁRIA DE CÁLCIO Relacionam-se, provavelmente, com depressão do
Incluem o hiperparatireoidismo secundário grave sistema nervoso autônomo que acarreta hipomotilidade
(aumento da resistência periférica à ação do paratormô- intestinal e hipersecreção gástrica ácida. As principais
nio determinando hipocalcemia que, por sua vez, eleva incluem constipação intestinal, náuseas e vômitos, anore-
os níveis de paratormônio causando hipercalcemia), into- xia e dor abdominal. Esta, algumas vezes, é de tal inten-
xicação por alumínio e uso de diuréticos tiazídicos. sidade que simula quadro de abdome agudo.

RELACIONADAS COM DIMINUIÇÃO DA FORMAÇÃO ÓSSEA RENAIS


Incluem o hipotireoidismo e a hipofosfatemia. A hipercalcemia provoca lesão tubular reversível com
perda da capacidade de concentração renal, que evolui
com poliúria e desidratação. Esta se manifesta com sede,
Manifestações clínicas
mucosa seca, diminuição ou ausência de suor e diminui-
Via de regra, a correlação entre as manifestações clí- ção do turgor cutâneo.
nicas e os níveis séricos de cálcio é baixa. Por este, entre Como resultado da depleção de água causada pela desi-
outros motivos, o diagnóstico costuma ser difícil. Os sin- dratação celular e hipotensão, ocorre redução da reabsor-
tomas são inespecíficos e podem ser atribuídos a diversas ção proximal de sódio, magnésio e potássio. Tais alterações
condições coexistentes. Na prática clínica, observam-se podem comprometer a função renal quando não tratadas.
pacientes muito sintomáticos, com pequenas elevações A nefrolitíase, por sua vez, é mais freqüente nos casos de
do cálcio sérico, enquanto outros podem tolerar taxas de hiperparatireoidismo, pois estes cursam com hipercalciúria.
até 13mg%, sem apresentar quaisquer sinais ou sintomas.
Entre as manifestações clínicas mais freqüentes ÓSSEAS
destacam-se: A hipercalcemia de origem metastática pode resultar
de metástases osteolíticas ou de reabsorção óssea, media-
NEUROLÓGICAS da hormonalmente, provocando fraturas patológicas,
São as mais comuns e acometem de 40% a 80% dos deformidades esqueléticas e dor.
pacientes. A hipercalcemia provoca diminuição de exci-
tabilidade neuromuscular, que se traduz por hipotonici- Avaliação laboratorial
dade e debilidade muscular, incluindo a própria muscula-
tura respiratória (diminuição da capacidade vital funcio- No estudo da hipercalcemia, algumas avaliações são
nal). São freqüentes alterações do sistema nervoso cen- importantes:
tral, caracterizadas por comprometimento dos níveis de ■ concentração sérica de albumina e cálcio;

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

■ concentrações de uréia, nitrogênio e creatinina no 12mg% e 14mg% (6-7mEq/L ou 3,0-3,5mmol/L), as


sangue; manifestações clínicas deverão orientar o tipo e a urgên-
■ dosagem de paratormônio; cia do tratamento18.
■ dosagem de 1,25 (OH2)D3 no plasma; Em geral não se indica tratamento agressivo para
■ dosagens de outros eletrólitos (fósforo, magnésio, pacientes com hipercalcemia leve (cálcio sérico total cor-
potássio e cálcio); rigido inferior a 12mg% ou 6mEq/L ou 3mmol/L).
■ concentração total de cálcio corrigida para os níveis Na hipercalcemia leve (cálcio sérico total corrigido
de albumina. inferior a 12mg%), a hidratação seguida da observação,
Os valores normais da calcemia (8,5 a 10,5mg%) são nos pacientes assintomáticos, constitui opção aceitável
os do cálcio sérico total e não os da fração ionizada, que máxime nos pacientes com tumor, com possibilidade de
é a biologicamente ativa. Dessa forma, deve-se corrigir o resposta ao tratamento antineoplásico (linfomas, tumo-
nível de cálcio pelos níveis de albumina no sangue, já que res de ovário, de cabeça e pescoço etc.) ou cirúrgico.
o laboratório fornece valores de calcemia total. Na pre- Se a causa é o hiperparatireoidismo primário, o tra-
sença de hipoalbuminemia, o cálcio, que com níveis nor- tamento cirúrgico deve ser programado o mais rápido
mais de albumina estaria ligado a ela, encontra-se livre. possível.
Para este cálculo, pode-se utilizar a seguinte fórmula: A restrição à ingestão de cálcio bem como a correção
dos distúrbios associados (hipomagnesemia, distúrbios
Cálcio corrigido = [(albumina normal - albumina do paciente) x 0,8] ácido-básicos, insuficiência renal etc.) podem ser
+ total de cálcio medido do paciente.
necessárias.
O tratamento etiológico deve ser instituído, quando
Este valor é suficientemente preciso, exceto na pre- possível, independentemente da intensidade da
sença de níveis elevados de paraproteínas séricas (mielo- hipercalcemia.
ma múltiplo). Nos pacientes sintomáticos, além das medidas cita-
das, deve-se implementar tratamento hipocalcêmico para
Tratamento controlar os sintomas e estabilizar a condição metabólica
dos pacientes (ver adiante).
PREVENÇÃO
Na hipercalcemia moderada a grave (cálcio sérico
As medidas preventivas devem interessar, sobretudo, total corrigido entre 12 e 14mg%), a hidratação constitui
os pacientes com riscos reais de desenvolver hipercalce- opção inicial essencial, mesmo sabendo-se que apenas
mia. Nestes casos, as principais medidas são: 30% dos pacientes tornam-se normocalcêmicos com esta
■ consumo adequado diário de líquidos e sal (na ausên-
medida isolada. Ela visa restabelecer o líquido extracelu-
cia de contra-indicação); lar restaurando o intravascular e a diurese salina. Utiliza-
■ controle de náuseas e vômitos;
se injeção endovenosa de solução salina 0,9% e o volume
■ suspensão de medicamentos que inibem a excreção
total a ser infundido, em 24 horas, varia de acordo com
de cálcio urinário ou que diminuem o fluxo de sangue o caso, oscilando entre 3.000ml a 6.000ml. A restauração
renal, bem como aqueles que contêm cálcio, vitami- do extracelular incrementa a excreção urinária de cálcio
nas A e D ou outros retinóides. em 100mg a 300mg. Esta melhora é, quase sempre, tran-
sitória se a causa não é corrigida.
CONTROLE DA HIPERCALCEMIA
O uso de diuréticos de alça (furosemida, bumetanida
A intensidade da hipercalcemia e a gravidade dos sin- ou ácido etacrínico) está indicado, pois induzem à hipercal-
tomas são os critérios usualmente utilizados para deter- ciúria ao inibirem a reabsorção de cálcio no ramo ascen-
minar se o tratamento está indicado. Nos pacientes com dente da alça de Henle19. Eles só devem ser administrados
concentração de cálcio sérico total corrigido superior a após expansão do extracelular, pois, caso contrário, pode
14mg% (ou maior que 75mEq/L ou 3,5mmol/L), indi- ocorrer desidratação, o que reduz ainda mais, a eliminação
ca-se tratamento hipocalcêmico de urgência, imediato e do cálcio. Estes diuréticos aumentam, de 400mg/dia a
agressivo. Nos pacientes cuja concentração oscila entre 800mg/dia, a excreção urinária de cálcio. A furosemida
deve ser administrada em doses moderadas de 20mg a
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

40mg, de 12/12 horas. Eventualmente, podem ser necessá- Doses elevadas e repetidas predispõem à trombocito-
rias doses elevadas (tratamento agressivo) que atingem de penia, aumento das aminotransferases, nefrotoxicidade,
80mg a 100mg a cada quatro horas. Esta conduta requer hipofosfatemia, reações cutâneas e estomatite.
administração concomitante de grandes volumes de solu- O nitrato de gálio é uma droga antineoplásica com
ção salina 0,9% para prevenir hipovolemia. São situações efeito hipocalcêmico. Ele atua interferindo na bomba
que exigem monitoramento hemodinâmico intensivo, com Na-KATPase dos osteoclastos.
medidas constantes do volume urinário e dosagens eletro- A dose recomendada é de 200mg/m2 da superfície
líticas (fósforo, magnésio, potássio e sódio) freqüentes. corporal/dia, administrados por infusão endovenosa
Os inibidores da ressorção óssea (disfosfonatos, durante cinco dias. Seu principal inconveniente é a nefro-
calcitonina, plicamicina e nitrato de gálio) atuam dimi- toxicidade. Seu efeito é superior ao do etidronato em
nuindo a atividade osteoclástica por diferentes mecanis- relação ao percentual de pacientes que alcançam a nor-
mos e são usados como medidas adicionais. mocalcemia e a duração da mesma.
Os disfosfonatos (pamidronato, alendronato etc.)
são as drogas mais utilizadas e efetivas20,21. Elas se unem OUTRAS MEDIDAS HIPOCALCEMIANTES
aos cristais de hidroxiapatita do osso mineralizado, impe- Incluem os glicocorticóides, fosfatos, diálise, inibido-
dindo a ressorção óssea. O pamidronato pode ser utiliza- res da síntese de prostaglandina e cisplatina.
do na dose de 60mg a 90mg, por via endovenosa, em um Os glicocorticóides são mais eficazes nos casos de
período de 24 horas. O início dos efeitos só aparece em hipercalcemia secundária a neoplasias que respondem aos
três a quatro dias, atingindo o máximo em sete a dez dias esteróides (linfomas, mieloma) ou a aumento de síntese
(após o início do tratamento). A duração do efeito pode ou consumo de vitamina D (sarcoidose e hipervitamino-
persistir por sete a 30 dias. Recomenda-se deixar passar se D). Eles aumentam a excreção de cálcio urinário e ini-
um período de sete dias antes de voltar a administrar o bem a absorção gastrointestinal de cálcio mediada pela
medicamento para avaliação de resposta à dose inicial. vitamina D. A resposta é lenta, podendo demorar até duas
A calcitonina é um peptídeo secretado pela tireóide semanas para atingir o máximo. A dose diária é de 100mg
e que tem efeito antagônico ao do paratormônio, dimi- a 300mg de hidrocortisona ou um equivalente7.
nuindo a ressorção óssea e a reabsorção de cálcio pelos Os fosfatos constituem boa opção para o tratamento
rins. A dose inicial recomendada é de 4UI/kg/dia, fra- crônico por via oral. A dose diária é de 1,0g a 1,5g de fós-
cionada a cada 12 horas. Esta dose deve ser progressiva- foro elementar, dividida em quatro administrações de
250mg a 375mg para minimizar o risco de hiperfosfatemia.
mente aumentada até alcançar 8UI/kg/dia, de 12/12
A administração endovenosa de fosfato produz dimi-
horas. Se a resposta a estas doses não for adequada,
nuição rápida da calcemia. Entretanto, é pouco utilizada
podem-se atingir doses de até 8UI/kg/dia, de 6/6 horas.
porque existem outras opções mais seguras e eficazes
Esta droga pode ser administrada pelas vias intramuscu-
para tratar a hipercalcemia grave. Sabe-se que a adminis-
lar ou subcutânea, sendo bem tolerada. A eficácia é
tração rápida de fosfato pode cursar com complicações
moderada, o início do efeito é demorado e é especial- graves, incluindo hipotensão, oligúria, insuficiência ven-
mente útil na hipercalcemia da imobilização, na qual os tricular esquerda e morte repentina.
glicocorticóides são relativamente contra-indicados7. O fosfato está contra-indicado nos casos de normo
Via de regra, a duração do efeito vai diminuindo com ou hiperfosfatemia e na insuficiência renal. Sua adminis-
a manutenção do tratamento, mesmo quando este atinge tração por via oral costuma não ser bem tolerada por
a dose máxima. 25% a 50% dos pacientes. Entre os efeitos adversos, a
A plicamicina (também chamada mitramicina) é um diarréia é o mais comum.
inibidor de síntese de RNA dos osteoclastos. É adminis- A diálise é opção para a hipercalcemia que cursa com
trada, por via endovenosa, em uma só dose de 25micro- insuficiência renal. A diálise peritoneal com dialisado
gramas/kg de peso, infundidos em bomba de infusão livre de cálcio pode eliminar de 200mg a 2000mg de cál-
durante uma a oito horas. A resposta máxima é obtida cio em 24 a 48 horas, diminuindo a concentração sérica
em até 48 horas, podendo persistir por três a sete dias. A de 3mg/dL a 12mg/dL. A hemodiálise é igualmente efe-
taxa de resposta é de 75%. tiva. É importante dosar o fosfato sérico uma vez que se
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

perde grande quantidade deste elemento durante a diáli- energia. Participa, também, do metabolismo do cálcio e
se e a perda do fosfato agrava a hipercalcemia. das reações do equilíbrio ácido-básico (tampão fosfato).
Os inibidores da síntese de prostaglandinas, A acidez gástrica é importante para a sua absorção
representados pela aspirina e pelos antiinflamatórios que fica comprometida nos pacientes com hipocloridria
não-esteróides, podem ser úteis nos casos de hipercalce- (idosos) ou naqueles em uso crônico de antiácidos. A
mia induzida por câncer, uma vez que as prostaglandinas excreção do fósforo se dá pelas fezes e urina.
da série E medeiam a ressorção óssea. As taxas de res- A vitamina D estimula a absorção intestinal do fósfo-
posta, entretanto, são modestas e o uso clínico é restrito. ro, aumenta a sua reabsorção tubular proximal e faz o
A cisplatina, administrada na dose de 100mg/m2 de fósforo migrar do extra para o intracelular.
área de superfície corporal, por via endovenosa, em um As principais fontes de fósforo são os alimentos ricos
período de 24 horas, promove normalização do cálcio em proteínas, incluindo carnes, peixes, ovos, leite
sérico em 70% dos pacientes com tumores sólidos, por (900mg/L) e queijos (200 a 800mg/100g). Os cereais,
período médio de 34 dias. legumes e frutas costumam ser responsáveis por apenas
É possível que, no futuro, o tratamento farmacológi- 30% do fósforo ingerido na dieta. As principais fontes
vegetais são as ervilhas, feijões, espinafre, folhas de nabo,
co da hipercalcemia secundária ao câncer combine inibi-
couve, castanhas e nozes. Outras fontes incluem refrige-
dores osteoclásticos com terapia citotóxica ou endócrina.
rantes de cor escura e chocolate.

Distúrbios do fósforo Hipofosfatemia


O fósforo está presente no organismo quase que exclu- É considerada quando a concentração do fosfato séri-
sivamente sob a forma de fosfato. Constitui o sexto ele- co é inferior a 2,5mg% ou 0,8mEq/L e se acompanha de
mento mais abundante do corpo, predomina nos ossos e é aumento da excreção urinária de cálcio, magnésio e
o principal ânion intracelular. Sua concentração citoplas- potássio. Não é entidade rara, sendo encontrada em inú-
mática oscila em torno de 100mEq/L. Um homem nor- meras situações.
mal, pesando 70kg, contém de 700g a 800g de fósforo dos
quais 80% estão nos ossos, e, os 20% restantes, nos mús-
culos, fígado, colágeno e demais tecidos22,23. Causas
A concentração sérica de fósforo inorgânico, no adul- As formas mais graves (fósforo <1,0mg%) são obser-
to normal, varia de 2,5mg% a 4,5mg% (0,8 a 1,5mEq/L). vadas, com maior freqüência, em alcoolistas crônicos, na
Na criança, a concentração sérica é mais elevada, oscilan- fase de recuperação da cetoacidose diabética, na alimen-
do entre 4,0mg% e 7,0mg% (1,3 a 2,3 mEq/L). Mais da tação parenteral prolongada, nos desnutridos (no perío-
metade do fósforo encontra-se na forma ionizada. Do do de realimentação), nas doenças degenerativas da idade
restante, 37% formam complexo com cálcio, sódio e e no envelhecimento. De acordo com o mecanismo de
magnésio, e 5% a 10% com as proteínas plasmáticas. O produção, as principais causas incluem:
fósforo extracelular representa apenas 1% do fósforo ■ redistribuição do fosfato para o compartimento intra-
total do organismo e não reflete a reserva corporal total celular (administração de glicose, alcalose respiratória,
do elemento. Assim como acontece com o potássio, o insulina, queimadura grave etc.);
fosfato sérico pode variar até 2,0mg% por dia, por causa ■ perda renal de fosfato (cetoacidose não-tratada, hipo-
do seu movimento para dentro (alcalose respiratória) ou calemia, hipomagnesemia, diuréticos, corticóides,
para fora das células (acidose). déficit de vitamina D, alcalose metabólica, hiperpara-
O fósforo está intimamente envolvido no metabolis- tireoidismo, tubulopatia etc.);
mo energético, sendo também utilizado como importan- ■ diminuição da absorção ou aumento da excreção

te componente para formar moléculas indispensáveis intestinal (vômitos, diarréia, síndrome da má absor-
como o DNA. Ele faz parte da principal molécula do ção, déficit de vitamina D etc.);
organismo, o trifosfato de adenosina (ATP), moeda de ■ outras (alcoolismo, intoxicação por salicilato, desnu-

troca de todas as reações bioquímicas dependentes de trição, septicemia, hemodiálise crônica, Cushing etc.).
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

Manifestações clínicas sofrer variações rápidas por redistribuição compartimen-


tal24,25. Alguns princípios devem ser obedecidos, a saber:
Surgem, via de regra, quando os níveis séricos são
■ nas formas graves (P<1mg%), o tratamento deve ser
inferiores a 1,0mg%. A maioria delas é causada pela
imediato e por via endovenosa, principalmente na
depleção de ATP ou por hipóxia tecidual provocada pela
vigência de manifestações neurológicas. A dose inicial
diminuição da concentração de 2-3difosfoglicerato
deve ser de 2,5mg/kg (0,08mEq/kg) de peso nos
(DPG) nas hemácias, provocando aumento da afinidade
casos agudos e 5mg/kg (0,16mEq/kg) de peso nos
da hemoglobina pelo oxigênio.
casos crônicos. Na vigência de hipocalcemia, a dose
As principais manifestações incluem mal-estar geral,
astenia, anorexia, náuseas e vômitos. São freqüentes as inicial deve ser reduzida pela metade. O tempo de
manifestações inerentes à encefalopatia metabólica, infusão gira em torno de seis horas. Imediatamente
caracterizadas por irritabilidade, confusão mental, obnu- após, deve-se dosar o fosfato sérico ajustando-se a
bilação, convulsão e coma. Podem ser também observa- dose de acordo com o novo valor e o estado clínico
das disartria, nistagmo, vertigem, ataxia, ptose palpebral, do paciente. Recomenda-se não ultrapassar 7,5mg/kg
anisocoria, crise convulsiva e coma. (0,25mEq/kg) por dose;
■ lembrar-se de tratar a hipocalemia e a hipomagnese-
O acometimento do sistema nervoso periférico
manifesta-se por parestesia distal e perioral, arreflexia, mia, freqüentemente coexistentes;
tremores, balismo e paralisia ascendente. ■ prescrever regularmente suplementos de fósforo nas

Manifestações musculares costumam ser impor- situações clínicas em que é freqüente o aparecimento da
tantes, incluindo fraqueza generalizada, mialgia, rabdo- hipofosfatemia (alcoolismo, cetoacidose diabética, uso
miólise, mioglobinúria e aumento de CPK. Diminuição de antiácidos, realimentação etc.). Na nutrição parente-
do volume sistólico, insuficiência cardíaca, bloqueio AV ral, recomenda-se administrar de 20mEq a 25mEq de
e diminuição da fração de ejeção podem ser observados. fosfato de potássio por 1.000Kcal não-protéica24,25;
Em relação ao sistema respiratório, merecem desta- ■ nas formas moderadas (1mg% a 2mg%) utilizar, sem-

que a diminuição da capacidade vital (determinada pela pre que possível, reposição por via oral ou cateter
fraqueza muscular) e da liberação do O2 pela hemoglobi- nasogástrico na dose diária de 1g a 2g de fósforo
na, insuficiência respiratória aguda e dificuldade de des- (dividida em três a quatro vezes ao dia). A diarréia é o
mame do respirador artificial. efeito colateral mais freqüente;
Do ponto de vista hematológico podem ser obser- ■ na insuficiência renal crônica, o fósforo deve ser

vadas hemólise, diminuição da atividade leucocitária e administrado com cautela, uma vez que a hiperfosfa-
trombocitopenia. Casos crônicos e graves costumam temia acelera a deterioração da função renal.
deteriorar a função hepática. Ocorrem perdas renais de
Os efeitos colaterais mais importantes da reposição
cálcio, magnésio, potássio, fosfato, glicose, ácido úrico e
do fósforo incluem hiperfosfatemia, hipocalcemia, hiper-
bicarbonato. Esta última desencadeia acidose metabólica
calemia (sais contendo potássio), desidratação, hipoten-
nas formas crônicas.
são e hipernatremia (diurese osmótica).
Em relação ao sistema esquelético, que constitui a
Para fins práticos, lembrar que:
principal localização do fósforo, as manifestações mais
■ 1mEq de fosfato contém 31mg de fósforo elementar
expressivas incluem rigidez articular, dor óssea, pseudo-
fraturas, osteoporose e osteomalácia. (0,032mEq = 1mg);
■ Fosfato de potássio - 1 ampola = 10ml = 20mEq de
As principais alterações endócrino-metabólicas
estão relacionadas com o hipoparatireoidismo, resistên- fosfato = 625mg de fósforo elementar;
■ Fosfato de sódio a 27,6% = 4mEq/ml de fosfato;
cia à insulina, intolerância à glicose e acidose láctica.
■ Leite desnatado = 1g de cálcio + 1g de fósforo por litro.

Tratamento
Hiperfosfatemia
Para tratar o paciente com hipofosfatemia deve-se ter
sempre em mente que a reserva corporal total do fósforo É considerada quando os níveis séricos ultrapassam
pode estar normal e que a concentração sérica costuma 4,5mg% ou 1,5mEq/L.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Causas visível) ou infusão de solução salina 0,9%, associada ao


bicarbonato (risco de piorar a hipocalcemia). Outra opção
Na ausência de insuficiência renal, a principal causa é é administrar glicose com insulina, obedecendo-se ao
o hipoparatireoidismo. A hiperfosfatemia acarreta riscos mesmo esquema utilizado para tratar a hipercalemia.
para o paciente pela possibilidade de hipocalcemia aguda Na vigência de insuficiência renal, pode ser necessária
e calcificação extra-esquelética23. a diálise peritoneal ou a hemodiálise.
As principais causas e mecanismos incluem: Na insuficiência renal crônica, a hiperfosfatemia crô-
■ aumento da oferta exógena (administração de fosfato
nica pode ser controlada por restrição de fósforo na dieta
pelas vias endovenosa e oral, fleet enema, transfusão e administração de antiácido contendo cálcio. Este age
de sangue estocado, aumento de absorção por exces- reduzindo a absorção intestinal de fosfato.
so de vitamina D); No hipoparatireoidismo, indica-se a vitamina D ou
■ aumento de oferta endógena (trauma com rabdomió- seus metabólitos.
lise, queimadura, isquemia tecidual, acidose etc.); Na hiperfosfatemia, por aumento da oferta endógena,
■ diminuição de excreção renal (insuficiência renal e a opção é associar algumas das medidas já descritas,
hipoparatireoidismo, hipertireoidismo, excesso de a saber:
necrose tumoral etc.). ■ injeção endovenosa de cálcio;

■ administração de medicamento que aumenta a excre-

ção urinária do fósforo;


Manifestações clínicas
■ injeção de glicose com insulina ;
24

Na maioria dos casos agudos, as manifestações clíni- ■ diálise (casos especiais).

cas são pobres. Nos pacientes submetidos a diálise, quan-


do a concentração sérica de fosfato encontra-se elevada,
costuma ocorrer hipocalcemia. Esta, por sua vez, estimu- Distúrbios do magnésio
la a produção de paratormônio pelas paratireóides, A maior parte do magnésio encontra-se nos ossos.
aumentando a concentração sérica do cálcio por meio de Ele é considerado tão ou mais importante do que o cál-
sua mobilização dos ossos. Tal mobilização acarreta, nos cio para evitar e reverter a osteoporose. O magnésio par-
casos crônicos, enfraquecimento ósseo, resultando em ticipa de inúmeras reações bioquímicas no organismo,
dor e fraturas, mesmo após pequenos traumas. sendo vital para a atividade enzimática. Neste aspecto,
O cálcio e o fosfato podem cristalizar-se nas paredes sabe-se que ele é essencial em mais de 300 reações enzi-
dos vasos sangüíneos do coração, causando enrijecimento máticas, incluindo transporte iônico transmembrana de
grave das artérias com suas conseqüências (acidente vascu- cálcio, sódio, cloretos e potássio, metabolismo do ATP,
lar encefálico, infarto do miocárdio, má-circulação etc.). Os utilização de carboidratos e síntese de gorduras, proteí-
cristais na pele costumam causar prurido intenso22. nas e ácidos nucléicos. Ele está também envolvido na
O aumento rápido do fosfato sérico, por sua vez, formação de ossos e dentes, no funcionamento do siste-
pode provocar hipocalcemia com tetania ou convulsões. ma nervoso e dos músculos (é essencial na transmissão
neuroquímica e na excitabilidade muscular, funções celu-
Tratamento lares básicas em órgãos como cérebro e coração). A pro-
porção de absorção do magnésio varia entre 35% e 45%.
Nos casos graves e agudos, que evoluem com hipo- Ele pode ser encontrado em vegetais folhosos, cereais,
calcemia sintomática, está indicada a administração carnes, grãos, frutos do mar e sementes. As necessidades
endovenosa de gluconato de cálcio23. diárias variam de 30mg/dia em lactentes até 420mg/dia
Na ausência de insuficiência renal, a hiperfosfatemia em adultos, do sexo masculino (Quadro 5.2). Em média,
geralmente se resolve em seis a 12 horas, desde que a as necessidades diárias oscilam em torno de 350mg/dia.
administração exógena seja interrompida. O teor de magnésio em alguns alimentos está especi-
Algumas drogas aumentam a excreção urinária de fos- ficado no Quadro 5.3.
fato. As principais são acetazolamida (15mg/kg, de quatro Os níveis séricos do magnésio variam numa faixa estrei-
em quatro horas), diuréticos, probenecid (resposta impre- ta entre 1,6mEq/L a 2,5mEq/L. A reposição, por via intra-
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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

venosa, deve oscilar em torno de 5mg/kg a 15mg/kg de Causas


peso corporal/dia. O Mg2+ extracelular predomina na
forma livre ionizada (55%), enquanto 33% estão ligados a As principais causas incluem:
proteínas e 12% formam complexos com outros ânions28-30. ■ estados hipercatabólicos (pós-operatório de grandes
operações, traumatismos, infecções graves, queima-
Quadro 5.2 .: Necessidades diárias de magnésio de acordo com a duras etc.);
a faixa etária e o sexo (extraído e modificado de Dietary Reference ■ má-absorção (intestino curto, fístulas digestivas, ope-
Intake Table, Food and Nutrition Board, National Academy of rações de bypass, doença intestinal inflamatória, diar-
Science 2002) réia prolongada);
Faixa etária mg/dia ■ aporte nutricional insuficiente (alcoolismo, hidrata-
Lactentes <6 meses 30 ção venosa sem magnésio, dietas com ingestão insufi-
7 a 12 meses 75 ciente);
Crianças 1 a 3 anos 80 ■ disfunção tubular de causa metabólica (acidose, dia-
4 a 8 anos 130 betes descompensado, hipocalemia, hipofosfatemia);
Homens 9 a 13 anos 240 ■ disfunção tubular induzida por medicamentos (diuréti-
acima de 14 anos 400 a 420
Mulheres 9 a 13 anos 240
cos, anfotericina B, aminoglicosídeos, cisplatina etc.);
14 a 70 anos 310 a 360 ■ distúrbios endócrinos (hiperaldosteronismo, hiperti-
(inclusive na gravi- reoidismo, hiperparatireoidismo etc.).
dez e lactação)

Manifestações clínicas

Quadro 5.3 .: Teor de magnésio de diferentes alimentos (100g) As principais manifestações clínicas são decorrentes
de alterações da função de membrana celular e se relacio-
Alimento mg/100g nam principalmente com os sistemas nervoso central e
Grão de bico 560 neuromuscular e com o coração. Muitas destas manifes-
Germe de trigo 346 tações se confundem com as observadas em outros dis-
Grão de soja 245 túrbios eletrolíticos, principalmente com o potássio.
Avelã 205 Elas incluem:
Amêndoa 205 Sistema nervoso central: comprometimento da
Grão de trigo 205 memória e da capacidade de concentração, confusão
Milho 160 mental, alucinações, apatia e depressão, sonolência e alte-
Nozes 130 rações da personalidade.
Figo 96 Distúrbios neuromusculares: caracterizados por
Lentilha 90 câimbras, fraqueza muscular, fasciculações, tremores,
Espinafre e tâmara 65
ataxia, tetania, nistagmo, mioclonia e convulsões.
Carne de porco 50 Manifestações cardiovasculares: incluindo tendên-
cia à intoxicação digitálica, alterações eletrocardiográficas
(achatamento da onda T e infradesnivelamento do seg-
Os distúrbios do magnésio sérico estão relacionados mento ST) e predisposição às arritmias.
com a sua diminuição (hipomagnesemia) ou aumento
(hipermagnesemia). Tratamento
Pode ser administrado pelas vias oral ou parenteral.
Hipomagnesemia Alguns aspectos importantes devem ser levados em
É considerada quando os níveis séricos são inferiores consideração, a saber:
■ determinar a etiologia e, quando possível, tratar a causa
a 1,6mEq/L.
e/ou a doença de base (corrigir aporte insuficiente,
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

distúrbios endócrinos, disfunções tubulares etc.). Outra causa é a iatrogênica, por administração exage-
Orientar-se pelos dados clínicos e laboratoriais, rada de compostos contendo magnésio.
incluindo dosagem urinária do magnésio/24 horas
(excreção deve ser inferior a 2mEq/dia);
Manifestações clínicas
■ sempre que possível, repor o magnésio pela via oral,
incluindo alimentos ricos em magnésio. Medica- A hipermagnesemia afeta fundamentalmente os siste-
mentos como leite de magnésio e sulfato de magnésio mas nervoso e cardiovascular31. Os sintomas resultam de
costumam ser inadequados, pois são pouco absorvi- comprometimento da transmissão neuromuscular e cos-
dos e costumam provocar diarréia. Uma boa opção é tumam aparecer quando os níveis de magnésio ultrapas-
a administração do magnésio quelado (a quelação é o sam 4mEq/L. As manifestações são variáveis e guardam
processo pelo qual minerais se transformam em for- relação com os níveis séricos do eletrólito. Quando os
mas digeríveis; sabe-se que os minerais geralmente níveis séricos estão entre 3mEq/L e 6mEq/L, predomi-
não são quelados, precisando ser processados digesti- na a vasodilatação periférica com conseqüente hipoten-
vamente para formar os quelatos antes de serem utili- são, náuseas e vômitos.
zados pelo organismo). Por ser um composto orgâni- Níveis séricos iguais ou superiores a 6mEq/L acom-
co, o magnésio quelado apresenta boa biodisponibili- panham-se de desaparecimento dos reflexos tendinosos
dade e tolerância, sendo absorvido por transporte profundos, sonolência, confusão e letargia.
ativo, sem depender de moléculas transportadoras no Quando estes níveis se aproximam de 10mEq/L
sítio absortivo intestinal. Sua utilização garante tera- (casos raros), ocorrem paralisia muscular, depressão res-
pêutica realmente efetiva e segura; piratória e narcose.
■ a reposição pela via parenteral (endovenosa) está indi- As manifestações eletrocardiográficas incluem
cada nos pacientes com impedimento da via oral, aumento do intervalo PR, alargamento de QT, QRS
concentração de magnésio muito baixa (inferior a amplo e bloqueio cardíaco. Com níveis séricos próximos
1mEq/L) ou nos casos sintomáticos. A dose inicial a 14mEq/L, a parada cardíaca é a regra.
recomendada é de 10ml de MgSO4 a 50% em solução
glicosada a 5% para ser infundida em 4 horas. Esta
dose pode ser repetida nas 18 horas restantes do dia. Tratamento
A via intramuscular deve ser evitada por ser muito Nos pacientes com insuficiência renal está indicada
dolorosa e promover reação fibrótica no local. diálise, utilizando-se dializado sem magnésio. Caso con-
trário, ou na vigência da insuficiência renal leve, algumas
medidas são recomendadas, a saber:
Hipermagnesemia
■ expansão do volume circulante com solução salina

É considerada quando os níveis séricos do magnésio 0,9% para favorecer a excreção urinária de magnésio;
ultrapassam a 2,5mEq/L. ■ furosemida (0,5 a 1mg/kg endovenosa) aumenta a

excreção de magnésio em pacientes com função renal


adequada;
Causas
■ injeção endovenosa lenta de cloreto de cálcio 10%

Constitui condição clínica pouco comum e está, (5ml) ou de gluconato de cálcio 10% (10ml). Esta
geralmente, associada à utilização de sais de magnésio ou injeção pode ser repetida se os sintomas não regredi-
medicamentos contendo magnésio (antiácidos, laxativos) rem. O cálcio antagoniza os efeitos neuromusculares
em pacientes com insuficiência renal. Sabe-se que a regu- de hipermagnesemia potencialmente fatais;
lação da concentração sérica de magnésio se efetua prin- ■ diálise peritoneal (níveis de magnésio > 8mEq/L ou

cipalmente pelo rim. presença de sintomas graves).

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Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

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06
CONTROLE
ÁCIDO-BÁSICO
DO PACIENTE CIRÚRGICO
Paulo Roberto Savassi Rocha

Introdução Ácido = H+ + base

Para que as células possam exercer, de forma adequa- O ácido e a base de uma semi-reação são chamados de
da, sua função no organismo, é fundamental que a con- pares conjugados. Prótons (H+) livres não existem em
centração de íons hidrogênio (H+) nos líquidos orgânicos
solução. É necessário existir um aceitador de prótons
se mantenha dentro de estreitos limites de variação. Sabe-
(uma base) antes que um doador libere seu próton, ou
se que as diferentes enzimas têm seu ótimo funciona-
seja, deve haver combinação de duas semi-reações3.
mento em determinado pH. Desvios na concentração de
Fica evidente, portanto, que uma substância não pode
H+ podem ocorrer em diferentes situações clínicas e são
atuar como ácido, a menos que uma base esteja presente
causa de distúrbios de graus variáveis de gravidade. Em
para aceitar os prótons. Desse modo, ácidos sofrerão
situações extremas, esses distúrbios podem determinar,
inclusive, a morte do indivíduo. completa ou parcial ionização em solventes básicos como
O metabolismo celular produz, continuamente, ácidos H2O, NH3 líquida ou etanol, dependendo da basicidade
que são lançados nos líquidos intra e extracelular, tenden- do solvente e da força do ácido. Em solventes neutros, a
do a modificar a concentração dos H+, cuja manutenção, ionização é insignificante, independentemente do ácido.
dentro da faixa ótima para o metabolismo celular, depen- Os ácidos podem ser classificados em dois grupos:
de da eliminação do ácido carbônico pelos pulmões, de ácidos fortes e ácidos fracos. Na verdade, existem grada-
H+ pelos rins e da atuação dos sistemas tampões. ções entre um ácido forte (ácido clorídrico) e outro carac-
O modo como o organismo regula e mantém o equilí- teristicamente fraco (ácido acético). O ácido forte é con-
brio ácido-básico é de fundamental importância para a ceituado como o que é completa ou quase completamen-
compreensão das alterações desse equilíbrio no interior das te ionizado em solução aquosa. O ácido fraco, por outro
células, no líquido intersticial e no sangue (intravascular)1. lado, ioniza-se apenas levemente. Existe uma gradação
contínua desde ácidos quase completamente não-disso-
ciados, como o HCN. Em algumas circunstâncias, deter-
Conceito de ácido e base minado ácido (HIO3, p. ex.) pode ser fraco em soluções
Os ácidos são definidos como substâncias que podem concentradas, mas forte em soluções diluídas3.
doar próton(s) para outra, enquanto as bases são definidas As bases, assim como os ácidos, podem também ser
como substâncias que podem aceitar próton(s) de outra. classificadas em bases fortes e fracas (Quadro 6.1).
Em resumo, o ácido é um doador de prótons e a base é Exemplos de ácido fraco são os ácidos acético e bóri-
um receptor de prótons (teoria de Bronsted-Lowry, co, enquanto o hidróxido de amônio constitui exemplo
1923)2. Assim podemos escrever a “semi-reação”: de base fraca.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

A água, por sua vez, é uma substância anfiprótica, ácido, nem base e serve de comparação para as demais
pois pode se comportar como ácido ou base, segundo o soluções.
conceito de Bronsted e Lowry2. A escala de pH vai de 0 a 14. Quando o pH é igual a
7, as concentrações de H+ e OH–, conforme foi relatado,
Quadro 6.1 .: Principais ácidos e bases fortes são iguais e a solução é considerada neutra4,5. Um valor de
pH acima de 7 indica que a concentração de íons OH– é
Ácidos Bases maior de que a de íons H+ e a solução é considerada alca-
HCl NaOH lina. Quando o pH é abaixo de 7, ocorre o fenômeno
HBr KOH
inverso e a solução é considerada ácida3.
A mudança de uma unidade na escala de pH repre-
HI RbOH
senta mudança de dez vezes a da concentração anterior.
HNO3 CSOH Isso significa que o pH 2 é dez vezes mais ácido que o
HClO4 Sr(OH)2 pH 3, e que o pH 1 é 100 vezes mais ácido que o pH 3.
HNO3 Ba(OH)2 Os fluidos corporais devem manter equilíbrio cons-
tante de ácidos e bases, pois as reações químicas que têm
H2SO4 Ca(OH)2
lugar nos sistemas vivos são muito sensíveis mesmo a
HSCN Mg(OH)2
pequenas alterações do pH do meio. Qualquer modifica-
HIO3 ção nas concentrações fisiológicas de H+ ou OH– pode
afetar seriamente a função celular.
Como foi assinalado, os desvios na concentração de
Conceito de pH H+ ocorrem em diferentes situações clínicas, podendo
determinar distúrbios de gravidade variada. É importan-
Como os ácidos se ionizam em íons hidrogênio (H+) te, por esse motivo, determinar a concentração de H+ na
e as bases em íons hidroxila (OH–), conclui-se que a aci- prática médica. Embora o pH seja, teoricamente, apenas
dez e a alcalinidade de uma solução dependem, respecti- uma medida da atividade de H+, e não da sua concentra-
vamente, da concentração de íons H+ e OH–. Isso signi- ção total, pode-se considerar, do ponto de vista clínico,
fica que quanto mais íons H+ existirem em uma solução, os dois termos como indistintos6.
mais ácida ela será. Por outro lado, quanto mais íons
OH–, mais alcalina ela será. O termo pH é usado para
descrever o grau de acidez ou alcalinidade de uma solu- Homeostase ácido-básica no organismo
ção. Ele significa potência de hidrogênio e foi criado para
Quando se adiciona ácido ou base à água, mesmo em
simplificar a medida da concentração de H+ na água e nas
pequenas quantidades, o pH da solução se altera rapida-
soluções. A água é a substância padrão usada como refe-
mente. Por outro lado, quando se adiciona ácido ou base
rência para expressar o grau de acidez ou de alcalinidade
ao plasma sangüíneo, observa-se que há necessidade de
das demais substâncias. Ela se dissocia em quantidade
quantidades muito maiores de um ou de outro para que
muito pequena em H+ e OH– e é considerada como líqui-
se produzam alterações no pH. Isso quer dizer que o
do neutro por ser o que menos se dissocia ou ioniza. Para
organismo possui mecanismos de defesa contra varia-
cada molécula de água dissociada existem 10.000.000 de
ções bruscas ou significativas do pH. Esses mecanismos
moléculas não-dissociadas. Assim sendo, a concentração
são classificados em três tipos:
de H+ na água é de 1/10.000.000 ou 0,0000001 ou 1/10-7.
■ mecanismo químico (representado pelos sistemas
Para evitar a utilização de frações exponenciais negativas
foi criada a denominação pH que representa o inverso do tampão);
■ mecanismo respiratório;
logaritmo da atividade do H+. Portanto, o pH de uma
■ mecanismo renal.
solução representa o inverso de sua concentração em H+.
Os líquidos orgânicos são constituídos de água, con-
Na água, a concentração de H+ é de 10-7 e a de OH– é de
tendo grande quantidade de solutos de diversas caracte-
10-7. Sendo assim, o pH da água é igual a sete (conside-
rísticas químicas e iônicas. O sangue arterial é a solução
rado neutro). Isso equivale dizer que a água não é nem
orgânica padrão para avaliação do pH. O pH fisiológico

62
Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

do sangue varia de 7,35 a 7,45 (alcalino em relação à água). Nas hemácias, os principais sistemas tampão são
No sangue arterial seu valor se situa na porção mais alcali- bicarbonato, hemoglobina, fosfato e oxihemoglobina.
na, isto é, entre 7,40 a 7,45 (Figura 6.1)4,5. Esses sistemas evitam grandes alterações do pH dos
líquidos biológicos quando, nestes últimos, são adiciona-
dos ácidos ou bases. Do ponto de vista quantitativo, o
tampão bicarbonato é o mais importante do organismo.
Por meio dele, é possível determinar o pH do meio pela
equação de Henderson-Hasselbalch:

pH = pK + log (BHCO3)
(HHCO3)

O valor de pK é de 6,1 e é determinado, experimen-


Figura 6.1 .: Faixa do pH do sangue (7,35 - 7,45) e as suas principais talmente, medindo-se o pH da solução quando as con-
alterações centrações de BHCO3 e HHCO3 são iguais. Nessas con-
dições, temos pH = pK + log 1. Como log 1 = 0 temos
Valores do pH sangüíneo abaixo de 7,35 significam pH = pK.
acidose e acima de 7,45 significam alcalose. Os valores A concentração fisiológica de BHCO3 no plasma é de
extremos do pH compatíveis com a vida são de 6,85 (aci- 24mEq/L, enquanto a de HHCO3 é de 1,2mEq/L.
dose) e 7,95 (alcalose). Valores abaixo de 6,85 e acima de A concentração de ácido carbônico (H2CO3) no san-
7,95 são incompatíveis com a função celular e provocam gue em mEq/L é calculada multiplicando-se o valor de
dano irreversível das células (morte celular). pCO2 (mmHg) por 0,03 (valor obtido a partir da cons-
O pH intracelular, por sua vez, é mais baixo que o do tante de dissolução do CO2 no plasma). Como o valor
plasma, como resultado da atividade celular que gera, normal de pCO2 = 40mmHg, temos:
permanentemente, subprodutos ácidos provenientes das
reações químicas que se processam no interior das célu- HHCO3= 40 x 0,03 HHCO3= 1,2mEq/L
las. O pH intracelular gira em torno de 6,9 nas células
A relação entre as duas é de 20/1.
musculares, podendo alcançar 6,4 após exercício físico.
As células dos tecidos com maior atividade metabólica Conhecidos esses valores, podemos calcular o valor de pH:
têm pH levemente ácido em relação ao pH do sangue6.
pH = pK + log 24 pH = 6,1 + log 20
1,2
Mecanismos reguladores pH = 6,1 + 1,3 pH = 7,4

Sistemas tampão Portanto, o pH está na dependência da relação bicar-


Os tampões são substâncias capazes de doar ou de bonato/ácido carbônico que é, normalmente, de 20 para
absorver H+, corrigindo ou atenuando desvios do pH. 1. Quando essas concentrações se alteram proporcional-
Atuam quase que instantaneamente e, no organismo, são mente, mantendo-se a relação 20/1, não ocorre alteração
constituídos de soluções de um ácido fraco e do sal deste do pH. Por outro lado, quando a relação é maior do que
ácido com uma base forte. Os ácidos fortes não são tam- 20 (seja por aumento do bicarbonato, seja por diminui-
pões eficientes, pois se dissociam, isto é, não retêm H+ ção de ácido carbônico), o pH se eleva. Quando o bicar-
mesmo quando o pH é ácido. bonato diminui ou o ácido carbônico aumenta, ocorre
Os principais tampões existentes no plasma são bicar- diminuição da relação 20/1 e o pH diminui.
bonato, fosfato e proteína. Alteração primária do numerador da equação (bicar-
bonato – componente metabólico) relaciona-se com dis-
HHCO3 H2PO4 H. Proteína
túrbios metabólicos (alcalose ou acidose nos casos de
BHCO3 B2HPO4 B. Proteína
aumento ou diminuição, respectivamente).
onde B representa um cátion.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Alteração primária do denominador da equação O centro respiratório é muito sensível às variações da


(pCO2 – componente respiratório) relaciona-se com dis- pCO2 no sangue. Excesso de pCO2 exerce estímulo
túrbios respiratórios (acidose ou alcalose nos casos de sobre o centro respiratório, que responde aumentando a
aumento ou diminuição, respectivamente). Os sistemas ventilação pulmonar e vice-versa. Os quimiorreceptores
tampão somente modificam primariamente o compo- no arco aórtico e seio carotídeo, por sua vez, são sensí-
nente metabólico. veis às variações de pH, pO2 e pCO2 do sangue.
A equação de Henderson-Hasselbalch foi simplifica- Em relação ao pH, a variação mínima capaz de esti-
da por Kassirer-Bleich de modo a relacionar H+ (em vez mular os quimiorreceptores é de 0,1U de pH para ambos
de pH) com pCO2 e HCO3–, resultando em expressão de os lados (ácido e alcalino). Essa sensibilidade explica a
grande utilidade clínica6. hiperventilação (respiração de Kussmaul) observada nas
acidoses mais graves.
H+ = 24 x pCO2
Em relação à pO2, concentrações fisiológicas ou
HCO3-
aumentadas não exercem estímulo. A hipoxemia, entre-
tanto, determina hiperventilação.
Essa equação teria as seguintes vantagens4: A pCO2, por sua vez, age sobre os quimiorreceptores da
■ enfatizar a interdependência dos três componentes mesma maneira que sobre o centro respiratório. Entretanto,
da equação de Henderson-Hasselbalch; os quimiorreceptores são 100 vezes mais sensíveis.
■ permitir rápido cálculo de H , pCO2 e HCO3- logo
+
As respostas respiratórias clássicas, como mecanismo
que dois componentes da equação sejam conhecidos; de regulação do equilíbrio ácido-básico, são:
■ ressaltar que a acidez do sangue é determinada pela

disponibilidade relativa de ácido e base representa- bradipnéia na alcalose


dos pelas concentrações plasmáticas de HCO3- e taquipnéia na acidose
pCO2 (relação CO2/HCO3- )e não pelos valores
absolutos de cada um desses componentes isolados.
Este conceito tem grande importância prática, pois Por outro lado, as alterações na ventilação pulmonar
HCO3- e o CO2 total, analisados de modo isolado, acarretam modificações nesse equilíbrio (distúrbios res-
são incapazes de representar o real estado ácido- piratórios), que estão demonstradas na Figura 6.2.
básico, cuja avaliação deve ser apoiada no conheci-
mento dos valores desses três componentes.

Hiperventilação pulmonar Hipoventilação pulmonar


Mecanismos de compensação pelos pulmões e rins
Os mecanismos de compensação respiratória e renal, grande eliminação de CO2 retenção de CO2
em comparação aos sistemas tampão, começam a atuar
mais lentamente, mas são mais eficazes em restabelecer o
pH fisiológico. O sistema respiratório constitui a defesa diminuição do ácido carbônico acúmulo de ácido carbônico
compensadora nos distúrbios metabólicos, enquanto os
rins têm função semelhante nos distúrbios respiratórios.
> relação 20/1 < relação 20/1

Mecanismos respiratórios
O ácido carbônico é produzido em grande quantida- > pH < pH
de no organismo e é eliminado pelos pulmões sob a
forma de CO2 (gás).
A concentração de CO2 no sangue é mantida pela Alcalose respiratória Acidose respiratória
ventilação pulmonar que, por sua vez, é regulada pelo
centro respiratório bulbar e pelos quimiorreceptores Figura 6.2 .: Modificações do equilíbrio ácido-básico na dependên-
localizados no arco aórtico e no seio carotídeo. cia das alterações na ventilação pulmonar (distúrbios respiratórios)

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Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

Mecanismos renais do bicarbonato (no interior daquelas células) que retorna


ao sangue.
Os produtos do metabolismo que se formam conti- Esse processo se perpetua até que o pH na luz dos
nuamente no organismo são predominantemente ácidos. túbulos (urina) atinja 4,4. Nesse ponto, desaparece o gra-
Os ácidos não-voláteis são neutralizados pelos sistemas diente de concentração de íons H+ entre as células e a luz
tampão que, nesta função, são permanentemente espolia- dos túbulos, interrompendo o processo5.
dos de suas bases fixas. Essa espoliação, entretanto, é
impedida e/ou atenuada pelos rins que exercem a impor-
tante função de devolver aos sistemas tampão as bases PRODUÇÃO DE AMÔNIA
cedidas para neutralização dos ácidos. Os rins, entretanto, A glutaminase e as amino-oxidases, também atuando
têm capacidade limitada de exercer este tipo de compensa- no interior das células dos túbulos distais, agem respecti-
ção. Na vigência de produção excessiva de ácidos (diabe- vamente sobre a glutamina e outros aminoácidos, forman-
tes descompensado, p. ex.), essa capacidade é ultrapassada do amônia (NH3). Esta, por sua vez, difunde-se, passiva-
e se esgota. Nessas circunstâncias, instala-se a acidose. mente, para a luz dos túbulos, onde reage com os íons H+,
A retenção de bases pelos rins é realizada por meio de formando íons NH4+. Nessa reação, mantém-se o gradien-
dois mecanismos: excreção de íons-hidrogênio e produ- te de concentração tanto para os íons H+ como para a
ção de NH3 (Figura 6.3). NH3, permitindo a manutenção da difusão de ambos.
A produção de NH3 é proporcional à concentração
de H+ na luz dos túbulos e seu principal papel consiste
em manter o gradiente de concentração de íons H+ entre
as células e a luz dos túbulos. Esse gradiente é que possi-
bilita a continuação da difusão desses íons e a conse-
qüente reabsorção das bases fixas do filtrado glomerular.

Diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos


O diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos baseia-se
na anamnese/exame clínico (que são de fundamental
importância não só para detectar fatores etiológicos pos-
sivelmente envolvidos com o distúrbio, como para reco-
nhecer as manifestações indicativas dos mesmos) e nos
exames laboratoriais.
Os exames laboratoriais necessários para avaliação ini-
cial dos distúrbios ácido-básicos incluem o pH, a pCO2 e
o HCO3- do sangue arterial. Os valores de referência são:
pH = 7,40 (7,35 a 7,45)
Figura 6.3 .: Mecanismos renais de reabsorção de bases por meio
da excreção de íons hidrogênio e produção de NH3 pH < 7,35 - acidose
AC - anidrase carbônica
(Extraído de Figueiredo e Lopez5 ) pH > 7,45 - alcalose

pCO2 = 40mmHg
EXCREÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO (podendo variar de 35mmHg a 45mmHg)
A anidrase carbônica realiza, nas células dos túbulos
distais, a síntese de ácido carbônico (a partir do CO2 e HCO3– = 24mEq/L
H2O) que se dissocia em H+ e HCO3–. Estes íons trocam
de posição com as bases fixas dos sais do filtrado glome- O “excesso de base” (BE) espelha as alterações meta-
rular, determinando a acidificação da urina e a formação bólicas do equilíbrio ácido-básico. Seu valor é determina-

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

do indiretamente pelas medidas do pH, de pCO2 e hema- LA normal (perda de bicarbonato)


tócrito. O exame tem alguma utilidade uma vez que o BE LA aumentada (aumento da produção de ácidos)
costuma ser empregado na estimativa da quantidade de
soluções que serão administradas para a correção de dis- Vale ressaltar que é preciso analisar, de forma
túrbios metabólicos (acidose ou alcalose), segundo a fór- crítica, os valores da LA, uma vez que eles podem sofrer
mula de Astrupp. Os limites do BE considerados dentro influência de diversos processos1,7.
da normalidade são de (-2,5) a (+2,5).
Além da avaliação do pH, pCO2 e HCO3-, as dosagens Classificação dos distúrbios ácido-básicos
dos eletrólitos séricos, uréia e creatinina são também úteis.
O termo “lacuna de ânions” (LA) destina-se a desig- Os distúrbios ácido-básicos podem ser classificados em:
nar a diferença numérica entre os cátions e os ânions, que
são determinados na rotina clínica (sódio, cloro e bica- acidose
bornato). O potássio e o magnésio, em geral, não são distúrbios metabólicos
incluídos no cálculo da LA, pois suas concentrações são alcalose
muito pequenas. Entretanto, em determinadas situações
clínicas nas quais os cations apresentam elevações impor- acidose
tantes, podem influir nos valores de LA1,6,7. distúrbios respiratórios
alcalose
LA = Na+ - (Cl– + HCO3-)
distúrbios mistos (complexos)
Os valores normais da LA estão em torno de
10mEq/L a 14mEq/L (variações entre 9mEq/L a
16mEq/L são aceitas em alguns serviços).
Na prática, a LA representa os ânions diferentes do Na acidose, o pH é inferior a 7,35 e, na alcalose, é
Cl– e do HCO3– (fosfatos, sulfatos, ácidos orgânicos e superior a 7,45. Entretanto, dependendo da atuação dos
proteínas com carga negativa) que não são medidos na mecanismos de compensação (sistemas tampão, renais e
rotina, mas que são necessários para contrabalançar ele- respiratórios), é possível a ocorrência de acidose ou de
tricamente o Na+. alcalose com pH normal (compensação completa).
A principal aplicação clínica da LA tem sido classifi- As respostas compensatórias esperadas para as altera-
car as causas de acidose metabólica em dois grupos: ções ácido-básicas simples estão sumariadas no Quadro 6.2.

Quadro 6.2 .: Compensação esperada para os distúrbios ácido-básicos primários

Distúrbio primário Alteração inicial Resposta compensadora Limites de compensação esperados

Acidose metabólica HCO3– pCO2 pCO2 = 1,2 x ΔHCO3–


Alcalose metabólica HCO3– pCO2 pCO2 = 0,7 x ΔHCO3–

Acidose respiratória aguda pCO2 HCO3– de 1mEq/L de ΔHCO3– (<30mEq/L)


para cada 10mmHg de pCO2

Acidose respiratória crônica pCO2 HCO3– de 4mEq/L de ΔHCO3– para


cada 10mmHg de pCO2
Alcalose respiratória aguda pCO2 HCO3– de 2,5mEq/L de HCO3– para 10mmHg de
pCO2 (pCO2 usualmente a 18mmHg)

Alcalose respiratória crônica pCO2 HCO3– de 5mEq/L de HCO3– para


cada 10mmHg de pCO2

elevação; diminuição

Modificado de Narins e Emmett 6.

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Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

Distúrbios metabólicos ação é imediato, mas alcança compensação máxima de 12


a 24 horas após a deflagração do processo. Esse mecanis-
Acidose metabólica mo, normalmente, produz apenas atenuação da acidose,
pois não costuma ser suficiente para retornar o pH aos
Resulta de um processo que causa diminuição primá- níveis de normalidade. O mecanismo definitivo de corre-
ria da concentração plasmática de HCO3-. ção é de natureza renal e requer preservação da função
renal. Nessa circunstância, os rins são capazes, por via
Etiologia dos mecanismos já citados (excreção de íons H e conser-
vação de bicarbonato), de restabelecer o equilíbrio ácido-
A acidose metabólica pode ser secundária ao acúmu- básico. A correção, no entanto, é lenta e gradual.
lo de ácido forte (adição) ou perda de base (subtração)
pelo líquido extracelular.
Quadro 6.3 .: Principais causas de acidose metabólica
A acidose metabólica de adição tem como causas
principais: Com aumento da LA
■ acúmulo de ácidos inorgânicos do metabolismo nor-
Jejum
mal (sulfúrico e fosfórico), como ocorre na uremia;
Cetoacidose diabética
■ oxidação incompleta de gordura com acúmulo dos
Acidose lática
ácidos acetacético e beta-hidroxibutírico (cetoaci- Acidose urêmica (insuficiência renal)
dose diabética); Intoxicação por salicilato, metanol, etilenoglicol, paraldeído
■ oxidação incompleta de carboidratos (acidose lática); Cetoacidose alcoólica
■ administração ou ingestão de substâncias acidifi-
Alcoolismo crônico
cantes (NH4Cl, HCl, salicilatos etc.). Sem aumento da LA
A acidose metabólica de subtração tem como causa Disfunção tubular renal
principal a perda de HCO3- por: Acidose tubular renal (tipos I, II e IV)
Diuréticos poupadores de potássio
■ via renal (acidose tubular renal, diuréticos que pre-
Perda digestiva de HCO3- (diarréia, fístulas)
servam potássio etc.); Administração de HCl (NH4Cl, aminoácidos catiônicos)
■ via digestiva (diarréia prolongada, fístulas digestivas Ureterossigmoidostomia
de alto débito, incluindo as pancreáticas, entéricas, Inibidores da anidrase carbônica
biliares etc.).
LA - lacuna de ânions
Do ponto de vista diagnóstico, é útil classificar a aci-
dose metabólica em com ou sem aumento da LA. As
principais causas de acidose metabólica com ou sem
aumento de LA estão sumariadas no Quadro 6.3. Quadro clínico
As manifestações clínicas dependem da doença de
Fisiopatologia/resposta orgânica base que causou o distúrbio. Acidose metabólica discre-
ta costuma ser assintomática. A presença de compensa-
Na acidose metabólica, ocorre redução do numerador ção respiratória acompanha-se de hiperventilação, que se
da equação de Henderson-Hasselbalch e a conseqüente caracteriza por movimentos respiratórios rápidos e pro-
diminuição do pH do sangue. O distúrbio dispara os fundos (respiração de Kussmaul). A hiperventilação, em
mecanismos de compensação (sistemas tampão e respi- geral, é percebida quando os valores do HCO3– sérico são
ratório) para restabelecer a relação de 20/1 entre o inferiores a 15mEq/L. Quando o pH é menor que 7,0,
numerador e o denominador da equação, retornando o ocorre depressão respiratória.
pH aos níveis fisiológicos. A resposta dos sistemas tam- Na forma crônica, as manifestações são vagas e cons-
pão e respiratório são imediatas. O mecanismo respirató- tituídas por mal-estar, astenia, náuseas, vômitos e devem-
rio exerce sua compensação promovendo aumento na se à entidade mórbida que provocou a acidose. Nos
freqüência e na profundidade da respiração (hiperventila- casos graves, podem ocorrer efeitos deletérios sérios
ção alveolar). Como resultado, ocorrem hipocapnia e sobre o sistema cardiovascular (possivelmente relaciona-
diminuição do denominador da equação. O início de dos às alterações eletrolíticas coexistentes), caracteriza-

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

dos por depressão da contratilidade miocárdica, redução Nos pacientes com acidose metabólica, o pH da urina é
do limiar para fibrilação ventricular e diminuição da resis- ácido, exceto nos casos de acidose tubular renal, em que ele
tência vascular sistêmica. Tais efeitos induzem ou agra- é alcalino (alcalúria paradoxal), pois o aumento da perda de
vam a insuficiência circulatória preexistentes. bicarbonato na urina é a causa da acidose.

Exames complementares Tratamento


Na acidose metabólica, observa-se diminuição dos Deve ser direcionado, principalmente, para a causa da
valores de pH, pCO2 e HCO3-. Em relação à diminuição acidose metabólica. O tratamento etiológico é de funda-
da pCO2, é necessário distinguir se ela decorre de meca- mental importância para o êxito terapêutico. O tratamen-
nismo compensatório (hiperventilação) ou se é prove- to específico da acidose, por sua vez, só deve ser utiliza-
niente de alcalose respiratória associada. do em situações de emergência, uma vez que, nessas cir-
Para estabelecer essa distinção, pode-se utilizar méto- cunstâncias, ocorre comprometimento da contratilidade
do que qualifica a resposta à acidose metabólica como do coração. Mesmo nesses casos, a etiologia da acidose
apropriada quando o decréscimo da pCO2 é de cerca de metabólica deve ser levada em consideração.
1,0mmHg a 1,3mmHg para cada mEq/L da diminuição A medicação de escolha é o bicarbonato de sódio, na
do HCO3–. Para avaliação dessa resposta, entretanto, é concentração de 5% (0,6mEq/mL) ou 8,4%
necessário que o distúrbio tenha, pelo menos, de 12 a 24 (1,0mEq/mL). Essa droga deve ser administrada lenta-
horas de evolução (tempo necessário para que a compen- mente. O ritmo e a quantidade a ser administrada devem
sação respiratória atinja sua plenitude). Outro recurso para sofrer reavaliação clínica e laboratorial periódicas. O
estabelecer essa diferença é utilizar a seguinte fórmula: ritmo da correção não deve ser rápido, para evitar, entre
outros fatores, desequilíbrio entre o pH do plasma e do

pCO2 = 1,5 x (HCO3 medido) + 8 líquido cefalorraquidiano, pois o bicarbonato cruza a
barreira hematoencefálica mais lentamente, podendo
Se a diminuição da pCO2 está dentro desses limites, é agravar a encefalopatia. É importante salientar que a infu-
considerada como decorrente da resposta apropriada à são de bicarbonato só é justificada nos processos agudos,
acidose metabólica. Caso contrário, significa a coexistên- independentemente da causa da acidose, quando o
cia de distúrbio respiratório, uma vez que o comporta- distúrbio é muito grave (HCO3– < 15mEq/L ou
mento da pCO2 não é o esperado, ou seja: pH < 7,2) e a causa não pode ser removida prontamente.
A administração não é isenta de riscos, entre os quais
pCO2 muito baixo = coexistência de alcalose respiratória incluem-se a sobrecarga circulatória (principalmente nos
pCO2 muito elevado = coexistência de acidose respiratória pacientes com reserva cardíaca diminuída) e o supertrata-
mento (transformação da acidose em alcalose). O cálcu-
lo da dose de bicarbonato é empírico e grosseiro, e leva
A fórmula é aproximada, podendo ser aceito um des- em consideração a quantidade necessária para elevar o
vio-padrão de até ± 2mmHg. bicarbonato até 15mEq/L e/ou o pH arterial para 7,2
A dosagem do potássio sérico é também muito útil. em período de quatro a oito horas. Nos casos graves,
Sabe-se que, para a queda de cada 0,1U de pH, corres- todo déficit pode ser administrado, em bolo, durante
ponde aumento de 0,6mEq/L do potássio. alguns minutos. A seguinte fórmula pode ser usada:
O cálculo da LA é o método mais eficiente de orien- mEq HCO3- = (0,5 x peso (kg)) x (15 - HCO3- medido)
tação na procura da etiologia da acidose metabólica.
Estima-se que cerca de 30% a 40% dos pacientes com Outra fórmula utiliza, no cálculo, o valor do BE:
LA entre 20mEq/L a 30mEq/L não têm acidose orgâni- mEq HCO3-= peso corporal x 0,3 x BE
ca demonstrável. Por outro lado, LA superior a
30mEq/L pode ser considerada como sinônimo de aci- Em ambas as situações, após a administração de
dose orgânica. Para o cálculo da LA, são imprescindíveis metade da dose, é conveniente observar a resposta clíni-
as dosagens séricas do Na+ e do Cl-, além do HCO3 .

ca do paciente complementada por determinações seria-

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Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

das do pH, HCO3- e eletrólitos. Deve-se lembrar de que, uso de diuréticos – a administração de diuréticos

entre os riscos de correção da acidose, estão incluídas a tiazídicos ou de alça representa causa comum de
alcalemia e a hipocalemia (por entrada de potássio para o alcalose metabólica associada a depleção de volume
interior das células). e de potássio;
O risco de transformar a acidose metabólica em alca- ■ pós-hipercapnia – ocorre em pacientes com acidose

lose é maior nos casos com LA aumentada. Quando a respiratória crônica, submetidos a tratamento para
não há aumento da LA, pode-se corrigir o HCO3- para redução brusca da pCO2 (freqüente por hiperventila-
níveis mais elevados (20mEq/L), com menores riscos. ção mecânica). A correção rápida de pCO2 normaliza
o denominador da equação de Henderson-
Outro aspecto que deve ser considerado é que cada
Hasselbalch, de modo que o pH eleva-se em função
grama de bicarbonato de sódio contém 12mEq de Na+. do aumento compensador do bicarbonato plasmáti-
Isso significa, em muitos pacientes, aporte de Na+ co, usualmente presente nesses pacientes.
suficiente para provocar sobrecarga de volume e fenô- A alcalose metabólica independente da depleção
menos congestivos. de volume e de NaCl (“salino-não responsiva”) pode
A relação entre a quantidade de bicarbonato adminis- ocorrer nas seguintes situações:
trada e o aumento do HCO3- plasmático não é linear. ■ hipocalemia grave (potássio sérico < 2,0mEq/L);
Nas formas mais leves de acidose, 2mEq/kg elevam o ■ excesso de mineralocorticóides (hiperaldosteronismo
HCO3- aproximadamente 4mEq/L. Por outro lado, nas primário, esteróide exógeno, síndrome de Cushing,
formas mais graves, 2mEq/kg só elevam o HCO3- apro- hiperaldosteronismo secundário) – a aldosterona atua
ximadamente 2mEq/L. nos túbulos distais, incrementando a secreção de K+
e de H+ e a reabsorção de Na+ e de HCO3- com resul-
Alcalose metabólica tante hipocalemia e alcalose metabólica;
■ síndrome de Bartter – entidade muito rara, caracte-

A alcalose metabólica representa um processo que rizada por hipocalemia (perda renal de K), alcalose
atua aumentando o pH do sangue por meio da elevação metabólica salino-resistente, alta concentração de
primária da concentração plasmática do HCO3-. Cl- urinário e altos níveis séricos de renina e aldos-
Geralmente, essa elevação é mantida à custa da retenção terona. O mecanismo preciso não está completa-
renal anormal de HCO3-. mente esclarecido1;
■ ingestão ou administração exógena de HCO3–

(citrato, p. ex.) – constitui causa rara de alcalose


Etiologia metabólica porque o rim, com função preservada,
excreta rapidamente o excesso de bicarbonato.
Classifica-se a alcalose metabólica em dois grupos, de As principais causas de alcalose metabólica estão
acordo com a dependência da existência ou não de deple- sumariadas no Quadro 6.4.
ção de volume e de NaCl.
A alcalose metabólica por depleção de volume e
Quadro 6.4 .: Principais causas de alcalose metabólica
de NaCl (“salino-responsiva”) pode ocorrer nas
seguintes situações: Com depleção de volume e Sem depleção de volume e de
■ vômitos/cateter nasogástrico – ocorrem, além de NaCl (salino-responsivas) NaCl (salino-não responsivas)
das perdas importantes de água + NaCl, perdas Gastrointestinal Excesso de mineralocorticóides
de íons hidrogênio (HCl do suco gástrico). Pode Vômitos Hiperaldosteronismo
ser uma situação grave na obstrução pilórica; a Drenagem gástrica Cushing
perda de íons H+ tem o mesmo efeito de ganho Diarréia crônica (RCUI, Esteróide exógeno
Crohn, diarréia perdedora
do HCO3– ; de cloreto, adenoma viloso
■ diarréia crônica/laxativos – pode ocorrer na reto- de cólon)
colite ulcerativa, doença de Crohn e uso abusivo e Uso de diuréticos (tiazídicos e de alça) Hipocalemia grave
crônico de laxativos. Geralmente, a alcalose é de Pós-hipercapnia Síndrome de Bartter
leve intensidade e é mantida pela depleção do Ingestão ou administração exó-
volume extracelular. Na maioria dos casos de gena de alcalinos
diarréia, entretanto, o que ocorre é acidose por
RCUI - retocolite ulcerativa inespecífica
perda de bicarbonato nas fezes;
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Fisiopatologia/resposta orgânica Exames complementares

Na alcalose metabólica ocorre aumento do numera- Na alcalose metabólica, observa-se aumento dos
dor da equação de Henderson-Hasselbalch e o conse- valores de pH, HCO3- e BE. A pCO2 pode estar inal-
qüente aumento do pH do sangue. O distúrbio dispara os terada (principalmente nos casos agudos) ou discreta-
mecanismos de compensação que se antepõem aos efei- mente elevado.
tos da anormalidade primária. A elevação do pH estimu- Geralmente, são observadas hipocalemia e hipocalce-
la a saída de íons H+ do interior da célula, com conse- mia. A dosagem da concentração do Cl- na urina é
qüente titulação do excesso de HCO3-, reduzindo sua importante para diferenciar os dois tipos de alcalose
concentração plasmática. metabólica. Concentração de Cl- urinário abaixo de
Na alcalose metabólica, o grau de compensação respi- 15mmol/L sugere reposição líquida inadequada, perda
ratória é muito menos previsível que na acidose metabó- pelo tubo digestivo a partir de vômitos ou aspiração
lica. A maioria dos pacientes apresenta, apenas, compen- nasogástrica, administração de diurético ou pós-hipocap-
sação parcial. Em muitos casos (formas agudas), o pCO2 nia. Por outro lado, concentração de Cl- urinário acima
pode manter-se, inclusive, dentro dos limites da normali- de 20mmol/L sugere excesso de mineralocorticóide,
dade ou porque a alcalose é de curta duração ou porque oferta de bases, administração concomitante de diurético
e/ou presença de hipocalemia grave.
coexiste incapacidade de manter hipoventilação. A hipo-
A LA pode estar aumentada pela maior concentração
ventilação tem, como objetivo, elevar o pCO2 (denomi-
das proteínas plasmáticas e elevação de proteínas com
nador da equação de Henderson-Hasselbalch), restabele-
carga negativa induzida pela alcalemia.
cendo o pH normal.
O pH da urina é variável, podendo ser alcalino na
A compensação renal caracteriza-se pela diminuição
vigência de compensação renal (principalmente nos
da excreção de prótons. Inicialmente, observa-se excre-
casos iniciais) ou ácido (acidúria paradoxal) quando coe-
ção de HCO3- com alcalinização da urina. A indisponi- xistem hiponatremia, depleção de água, hipocloremia
bilidade de Na+, K+, Cl+ e água, quando presente, favo- e/ou hipocalemia.
rece a hiponatremia e a desidratação. Usualmente,
observa-se aumento de excreção renal de K+ que deter-
mina hipocalemia e acentuação da reabsorção tubular Tratamento
de HCO3-, com conseqüente acidúria paradoxal (urina
O tratamento da alcalose metabólica deve obedecer a
ácida na presença de alcalose). Outro mecanismo res- alguns princípios e medidas, a saber:
ponsável pela hipocalemia é o deslocamento de potás-
■ identificação e eliminação da causa;
sio para o interior das células na troca com íons H+.
■ correção dos distúrbios que mantêm ou agravam a
Além de hipocalemia, costuma ocorrer diminuição da alcalose metabólica. A maioria dos casos do tipo
concentração de cálcio ionizado no sangue. salino-responsivos (associados a depleção de volu-
me/NaCl) pode ser corrigida com administração de
Quadro clínico solução salina 0,9%. De modo geral, com o restabe-
lecimento da volemia, os mecanismos renais tor-
As manifestações clínicas da alcalose metabólica cos- nam-se suficientes para eliminar, na urina, o exces-
tumam ser pouco específicas. Em geral, o elemento mais so de HCO3-. Nos pacientes com vômitos ou aspi-
importante para sugerir o diagnóstico é o reconhecimen- ração nasogástrica, o uso de inibidores de bomba
protônica ou de outros medicamentos supressores
to dos fatores etiológicos: freqüentemente predominam
de ácido pode ser útil. A hipocalemia, normalmen-
as manifestações de hipocalemia e/ou da hipocalcemia
te presente, deve ser corrigida pela administração
associadas. Tais distúrbios acompanham-se de diferentes de cloreto de potássio, por via endovenosa. Em
manifestações clínicas, incluindo fraqueza muscular, relação à hipocalemia, é importante enfatizar que,
hiporreflexia ou hiperreflexia (hipocalemia ou hipercal- com a correção da volemia, ela costuma agravar-se
cemia, respectivamente), íleo funcional, tetania, irritabili- porque o excesso de HCO3- carrega Na+ para os
dade neuromuscular etc. tubos coletores, aumentando as trocas Na+ - K+. O
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Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

cloreto de potássio está também indicado nos casos nar o CO2 produzido pelo organismo. Como conseqüên-
em que a hipocalemia é a causa da alcalose; cia, ocorre elevação da pCO2 que se traduz em aumento do
■ utilização de substâncias acidificantes – Essas H2CO3 (denominador da equação de Henderson-
substâncias só devem ser utilizadas nos casos de Hasselbalch) e queda do pH.
alcalose grave e refratária (HCO3– > 40mmol/L) e
Quadro 6.5 .: Principais condutas terapêuticas na alcalose metabólica
perda de cloro, usualmente secundária à drena-
de acordo com a etiologia
gem nasogástrica maciça ou obstrução pilórica. A
solução mais utilizada é o cloreto de amônio Etiologia Tratamento
(NH4Cl) a 2% (375mEq/L). A seguinte fórmula Vômitos/aspiração nasogástrica Reposição de volume com NaCl 0,9%
pode ser utilizada para cálculo grosseiro da quan- Corrigir hipocalemia e hipomagnese-
tidade de NH4Cl necessária: mia quando presentes

mEq de NH4Cl = peso corporal (kg) x 0,3 x BE Uso de diuréticos Reposição de volume com NaCl 0,9%
Corrigir hipocalemia + hipomagnese-
ou
mia quando presentes
mEq de NH4Cl = peso (kg) x 0,2 x [103 - Cl sérico (mEq/L)] Pós-hipercapnia Reposição de volume com NaCl 0,9%
+ correção da hipocalemia
A indicação do uso de NH4Cl deve ser parcimo- Diarréia crônica (tumor viloso, Reposição de volume com NaCl 0,9%
niosa e cautelosa, tendo em vista seus efeitos RCUI, Crohn, laxativos) Corrigir hipocalemia + hipomagnese-
nocivos, entre os quais aumento das perdas de mia quando presentes
Na+ e K+. A administração deve ser parcelada e
Depleção de potássio KCl
acompanhada de dosagens periódicas de eletróli-
tos e gases arteriais, além da avaliação dos parâ- Excesso de mineralocorticóide KCl
metros clínicos. Essa avaliação é compulsória Alcalose associada com Contra-indicado NaCl 0,9%
após a infusão da metade da dose calculada. O sobrecarga de volume/insufi- Administração de KCl potencialmente
NH4Cl é contra-indicado na insuficiência hepáti- ciência renal perigosa
ca. Outra substância acidificante que pode ser uti-
lizada é o HCl (0,1N, administrado por via endo- NaCl - cloreto de sódio; KCl - cloreto de potássio
venosa). O HCl atua mais rapidamente que o RCUI - retocolite ulcerativa inespecífica
Modificado de Preston3
NH4Cl. A dose a ser administrada pode ser esti-
mada pela seguinte equação:
H+ (mmol) = peso (kg) x 0,5 x [103 - Cl sérico (mmol/L)] Etiologia
Para preparar o HCl 0,1N, basta misturar 100mmol A acidose respiratória costuma ocorrer em todas as
de HCl em um litro de água destilada. A administra- situações que evoluem com hipoventilação, a saber:
ção deve ser feita através de cateter venoso profun- ■ depressão do sistema nervoso central – comu-
do (para evitar tromboflebite) durante 24 horas. mente, ocorre depressão do centro respiratório
■ diálise – pode ser empregada nos pacientes com
induzida por medicamentos (anestésicos, opiáceos,
sobrecarga de volume com insuficiência renal e barbitúricos etc.), trauma, isquemia cerebral, hiper-
alcalose metabólica refratária. tensão intracraniana etc.;
O Quadro 6.5 expressa as principais condutas terapêu- ■ distúrbios neuromusculares afetando a parede torá-
ticas na alcalose metabólica de acordo com a etiologia. cica e músculos respiratórios – incluem-se as mio-
patias, lesão da medula cervical, miastenia grave,
poliomielite, síndrome de Guillain-Barré, uso de
Distúrbios respiratórios bloqueadores neuromusculares, obesidade etc.;
■ anormalidades da parede torácica – destacam-se a
Acidose respiratória cifoescoliose, traumatismos torácicos (esmagamento,
fraturas múltiplas de costelas etc.), esclerodermia etc;
Trata-se de distúrbio decorrente de alteração primária
■ obstrução de vias aéreas – pode ser provocada por
da ventilação pulmonar, que a torna insuficiente para elimi-
aspiração de vômitos, acúmulo de secreções,
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

corpos estranhos, tumores, broncoespasmo, edema aguda, a constatação de valores superiores ou inferiores a
de laringe etc.; esses limites sugerem, respectivamente, alcalose ou aci-
■ doenças pleuropulmonares – as principais incluem dose metabólicas associadas. Geralmente existe, nas for-
a doença pulmonar obstrutiva crônica, edema pul- mas agudas, certa correlação entre pCO2 e a concentra-
monar, derrame pleural, pneumotórax, pneumonias ção sérica de HCO3-. Para cada 10mmHg de elevação da
extensas etc.; pCO2, ocorre, em geral, elevação de 1mEq/L de HCO3-
■ parada cardiorrespiratória.
e queda de 0,08 no pH.
Na forma crônica, o distúrbio tem duração suficiente
Fisiopatologia/resposta orgânica para que aconteçam os mecanismos compensadores
renais. Apesar do aumento do HCO3- sérico, a compen-
Na acidose respiratória, ocorre aumento do denomina- sação não costuma ser completa, isto é, o pH não retor-
dor da equação (diminuição da relação 20/1) e conseqüen- na aos valores prévios à instalação do distúrbio.
te queda do pH. Os mecanismos de compensação (siste-
mas tampão e renal) são acionados com o objetivo de ele-
var o numerador (HCO3-), restabelecendo a relação. Quadro clínico
A resposta tampão é rápida e completa-se cerca de 15
As manifestações clínicas são aquelas predominante-
a 20 minutos após a instalação do quadro. Como o
mente decorrentes da afecção de base. Nos casos de
H2CO3 é um par do sistema tampão bicarbonato
depressão do sistema nervoso central (SNC), ocorre
(HCO3- H2CO3), os sistemas tampão não-bicarbonato
(proteínas, hemoglobina, fosfato e lactato) extra e intra- diminuição do nível de consciência e da freqüência respi-
celulares é que entram em ação captando o H+, de modo ratória (menos que dez movimentos/minuto) e/ou do
que o bicarbonato é rapidamente gerado. volume respiratório.
A compensação renal torna-se evidente entre seis a 18 Quando a acidose respiratória decorre da paralisia
horas após a instalação da acidose e alcança o máximo em dos músculos respiratórios, predominam fraqueza
torno de sete dias. O aumento da pCO2 estimula o muscular generalizada e diminuição do volume respira-
aumento proporcional da capacidade dos rins em reab- tório. Nos casos de afecção pulmonar, além do quadro
sorver HCO3–. Esse aumento ocorre quando o pH arte- clínico próprio, pode ocorrer aumento da freqüência e
rial cai. Parece que a elevação da pCO2 arterial causa ele- do volume respiratórios.
vação equivalente na pCO2 das células tubulares renais, As manifestações clínicas decorrentes da hipercap-
incrementando a formação do ácido carbônico, a concen- nia e da hipoxemia (usualmente presentes) em pacien-
tração intracelular renal de H+ e a secreção do H+. O tes não-comatosos incluem inquietação, agitação, dis-
aumento da secreção de H+, por sua vez, estimula a reab- pnéia e cianose. A intensidade desta última não costu-
sorção de HCO3- e a produção de novo de HCO3- pelos ma refletir a gravidade da insuficiência ventilatória. São
túbulos renais. Simultaneamente, os rins elevam a veloci- também freqüentes a taquicardia, taquipnéia, hiperten-
dade de excreção de Cl–. O tamponamento da secreção de são arterial e cefaléia.
H+ é feito pela amônia (NH3), possibilitando maior excre- A hipercapnia produz vasodilatação cerebral, poden-
ção urinária de NH3 (NH4). Quando a hipercapnia se do levar ao aumento da pressão intracraniana e edema
estabiliza, a eliminação de Cl– e de NH4 retorna ao nor- cerebral. Tais alterações manifestam-se, clinicamente,
mal, mesmo se a secreção de H+ permanecer elevada. por cefaléia, sonolência e, nos casos muito graves, coma.
Na prática, podemos distinguir duas formas de acido- Ocorre também vasodilatação periférica secundária ao
se respiratória: aguda e crônica. A primeira é conceituada aumento da pCO2, resultando em membros quentes.
como aquela em que a duração do distúrbio é efêmera É importante ressaltar a freqüência com que a insufi-
(poucos minutos a algumas horas). Nesse caso, a respos- ciência respiratória passa despercebida, especialmente
ta tampão está presente, mas a compensação renal não é nos pacientes muito graves. Esse fato decorre, quase
evidente. Embora a ação dos tampões resulte na pronta sempre, da inespecificidade das manifestações clínicas
geração de HCO3-, a quantidade produzida é pequena e que, freqüentemente, são atribuídas a outras causas.

não costuma elevar o HCO3 plasmático acima de Desse modo, manifestações como agitação, insônia,
30mEq/L. Como conseqüência, na acidose respiratória taquicardia, taquipnéia e hipertensão arterial da insufi-
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Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

ciência respiratória costumam ser confundidas com Etiologia


ansiedade e conduzidas como tal. Outras manifestações
decorrentes da hipercarpnia incluem o papiledema, o Várias são as situações em que ocorre estímulo para a
esturpor e o coma. hiperventilação alveolar. Essas situações são de natureza
diversa e incluem:
■ “síndrome de hiperventilação” – usualmente atri-
Exames complementares buída à ansiedade, podendo ocorrer de forma crô-
nica ou periódica;
A determinação do pH e dos gases arteriais, assim ■ uso de drogas – as situações mais freqüentes estão
como nos demais distúrbios ácido-básicos, é fundamen- relacionadas com uso excessivo de salicilatos (pro-
tal para estabelecer o diagnóstico. A pCO2 está elevada duzem acidose metabólica simultânea), analépti-
(distúrbio básico), o HCO3- está normal (formas agudas) cos (2-4 dinitrofenol e paraldeído) e hormônios
ou elevado (compensação renal) e o pH pode estar dimi- (catecolaminas e progesterona por provável atua-
nuído ou próximo ao normal (formas compensadas). A ção sobre o SNC);
pO2 costuma estar diminuída. ■ lesões do SNC (meningites, encefalites, trauma,

A radiografia simples do tórax constitui exame muito tumores, acidente vascular encefálico);
importante por demonstrar a causa do distúrbio em per- ■ febre;

centual expressivo de casos. ■ septicemias (merecem destaque as provocadas por

bactérias Gram-negativas, que evoluem sem febre);


■ hipertireoidismo;
Tratamento ■ pneumopatias – incluem as restritivas, embolia pul-

monar e pneumonias. Quase todas as doenças pul-


Deve ser dirigido à causa de base do distúrbio, depen- monares intersticiais podem conduzir a hiperventila-
de da forma de apresentação (aguda ou crônica) e inclui ção (sarcoidose e fibrose pulmonares, p. ex.);
todas ou algumas das seguintes medidas: ■ insuficiência hepática (freqüentemente acompanha-

■ suporte ventilatório – oxigênio suplementar (cate- da por alcalose respiratória);


ter, máscara facial), ou ventilação mecânica, quan- ■ ventilação artificial inadequada (pode ocorrer quan-

do indicada; do os movimentos respiratórios de um paciente são


■ uso de broncodilatadores (casos selecionados em “ajudados” por ventilador mecânico com o pacien-
que coexista espasmo brônquico); te mantendo seu próprio ritmo respiratório);
■ estimulação do centro respiratório por drogas ■ gestação;

(quando coexiste depressão do SNC); ■ hipoxemia (estímulo inicial dos quimiorreceptores

■ desobstrução de vias aéreas superiores; carotídeos e aórticos).


■ monitorização adequada e cuidadosa (oxímetro de

pulso, gasometria arterial etc.).


O uso de HCO3- deve ser restrito aos casos de acidemia Fisiopatologia/resposta orgânica
grave a ponto de comprometer o desempenho do coração Na alcalose respiratória ocorre diminuição do deno-
e acentuar o desconforto respiratório. Mesmo assim, a uti- minador da equação (aumento da relação 20/1) e conse-
lização do HCO3- deve ser considerada como último qüente elevação do pH. Os mecanismos de compensa-
recurso terapêutico e indicada em caráter excepcional. ção (sistemas tampão e renal) são acionados com o obje-
tivo de diminuir o numerador, por meio da eliminação de
Alcalose respiratória bicarbonato, restabelecendo a relação.
A resposta tampão (nos casos agudos) se completa
Trata-se de distúrbio decorrente do aumento primário em 15 minutos. Com a hiperventilação, o pH do sangue
da ventilação alveolar que a torna excessiva para a velocida- arterial começa a elevar-se em 15 a 20 segundos após o
de da produção de CO2 pelo organismo. Como conse- início da hiperventilação, atingindo o máximo em dez a
qüência, ocorre diminuição da pCO2 que se traduz em di- quinze minutos. O nível de HCO3– do plasma cai de
minuição do H2CO3 (denominador da equação de modo similar com o passar do tempo. Cerca de 20% do
Henderson-Hasselbalch), aumento da relação 20/1 e do pH. déficit do H+ extracelular, causado pela alcalose respira-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tória aguda, é restabelecido pelo H+ do líquido intrace- normal ou baixa e a do Cl- encontra-se elevada.
lular. Ocorre, simultaneamente, transferência de K+ e Hipocalemia discreta é usualmente observada não só
Na+ para o intracelular e aumento do ácido lático no como conseqüência da transferência de K+ para o inte-
sangue (aumento da afinidade da hemoglobina pelo oxi- rior das células, como também por aumento da excreção
gênio e vasoconstrição periférica, levando a hipóxia deste íon pelos rins. Acidose metabólica pode também
tecidual aliada ao efeito direto da pCO2, sobre o meta- estar presente como resultado do metabolismo anaeró-
bolismo do ácido lático). bio tecidual (formação do ácido lático) secundário à
Enquanto os sistemas tampão atuam e as mudanças hipóxia tecidual, resultante do aumento da afinidade da
de íons intra e extracelulares ocorrem em período de hemoglobina pelo O2 com diminuição da sua liberação
minutos a horas, a resposta renal só se torna efetiva se o para os tecidos.
distúrbio persiste por 24 a 48 horas. Os rins atuam pro-
movendo a redução do bicarbonato plasmático, por
Tratamento
meio do aumento de sua excreção na urina ou diminui-
ção da geração de HCO3– . O estímulo para o decréscimo Não existe nenhum tratamento específico para a alca-
da reabsorção de HCO3– parece estar ligado à diminuição lose respiratória. Na verdade, a terapêutica visa atuar
da pCO2 do líquido extracelular. Ocorre, também, sobre a causa de hiperventilação. Nas situações em que
aumento da excreção de K+ na urina e hipocalemia. É se consegue corrigir a alcalose respiratória rapidamente
importante enfatizar que, na presença de depleção de (principalmente nas formas crônicas), a acidose metabó-
Na+ e Cl–, essas respostas podem estar alteradas. lica residual costuma ser facilmente corrigida pelos meca-
nismos renais.
Quadro clínico
A avaliação clínica nem sempre constitui método Distúrbios mistos
sensível para a detecção da hiperventilação, uma vez Têm-se distúrbios mistos quando duas ou três altera-
que, freqüentemente, não existe correlação entre os ções ácido-básicas primárias ocorrem simultaneamente.
parâmetros clínicos (ritmo e freqüência respiratória) e o Conforme foi relatado anteriormente, a compensação
grau de ventilação alveolar. É sabido que a hiperventila- respiratória ou metabólica esperada para uma simples
ção nem sempre é aparente nos pacientes com respira- alteração primária acompanha um padrão previsível
ção profunda e taquipnéica. A hipocapnia resultante da (Quadro 6.2).
hiperventilação manifesta-se, clinicamente, por sinais e Desvios significativos desses padrões sugerem a pre-
sintomas inespecíficos incluindo tonteiras, irritabilidade, sença de distúrbio misto. Desde que existem quatro dis-
tremores, dormência perioral, parestesias, câimbras, túrbios primários, as combinações possíveis são em
tetania e síncope. Alguns pacientes predispostos podem número de seis. Na prática, no entanto, é muito difícil
evoluir com convulsões. reconhecer distúrbios triplos ou conceber a coexistência
de distúrbios respiratórios mistos. O Quadro 6.6 relacio-
Exames complementares na algumas das causas mais comuns dos principais distúr-
bios ácido-básicos mistos.
Nas formas agudas, o pH está elevado, a pCO2 baixa A suspeita diagnóstica de um distúrbio misto baseada
e o HCO3– inalterado ou discretamente diminuído. em elementos clínicos surge quando se encontram, de
Usualmente não ocorrem alterações importantes dos modo concomitante, em um mesmo paciente, situações
principais eletrólitos. clínicas capazes de provocar o distúrbio, conforme expli-
Nas formas crônicas, a duração do distúrbio é sufi- citado no Quadro 6.6. Do ponto de vista laboratorial, as
ciente para permitir a ação dos mecanismos renais. principais alterações encontradas nos distúrbios primá-
Sendo assim, o pH tende a apresentar valores fisiológicos rios estão sumariadas no Quadro 6.7 e servem também
ou se aproxima deles, a pCO2 mantém-se baixa e o de substrato para o diagnóstico do distúrbio misto quan-
HCO3– está diminuído. A concentração de Na+ pode ser do presentes .

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Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

Quadro 6.6 .: Etiologia dos principais distúrbios ácido-básicos mistos Nessas circunstâncias, uma avaliação mais profunda,
envolvendo quadro clínico e exames complementares,
Acidose metabólica + acidose respiratória pode elucidar o caso. Preston3 recomenda abordagem sis-
Parada cardíaca temática, passo a passo, desses casos, incluindo:
Edema pulmonar grave
■ Passo 1 – Identificar o distúrbio mais óbvio,
Doença pulmonar + insuficiência renal ou sepse
baseado no pH, HCO3– e pCO2. Se mais de um
Acidose metabólica + alcalose respiratória distúrbio estiver aparente, escolher o mais grave
Dose excessiva de salicilato para começar. Se todos parecerem graves, esco-
Sepse
Insuficiência hepática + renal
lher o que parecer pior;
■ Passo 2 – Utilizar a fórmula para compensação
Alcalose metabólica + acidose respiratória
esperada para identificar se um segundo distúrbio
Doença pulmonar crônica com superposição
está presente (Quadro 6.2). Uma vez identificado o
Uso de diuréticos
Uso de corticóides distúrbio, a questão que se impõe é se a compensa-
Vômitos ção está adequada. Para tal, basta aplicar a fórmula
Redução da hipercapnia com ventilação mecânica dirigida para o distúrbio em questão. Caso a “com-
Alcalose metabólica + alcalose respiratória pensação” não seja a indicada pela fórmula, é por-
Hiperemese gravídica que um distúrbio adicional está presente;
Doença hepática crônica tratada com diuréticos ■ Passo 3 – Calcular a LA. O valor esperado varia
Parada cardíaca tratada com HCO3– + ventilação mecânica de 10mEq/L a 14mEq/L, embora muitos autores
Acidose e alcalose metabólicas prefiram utilizar variação maior (9mEq/L a
Superposição de vômitos na insuficiência renal, cetoacidose 16mEq/L). Se o valor da LA calculado estiver
diabética e cetoacidose alcoólica normal, o problema está solucionado. Por outro
lado, se a LA estiver aumentada, a maior possibi-
Modificado de Dunn e Buchman1. lidade é de acidose metabólica. Quando a LA for
maior que 20mEq/L, é quase certa a presença de
acidose metabólica com LA aumentada. Se for
maior que 30mEq/L, esta possibilidade deve ser
Quadro 6.7 .: Alterações ácido-básicas e eletrolíticas observadas considerada independentemente dos valores de
nos distúrbios primários pH e HCO3–.
Distúrbio pCO2 HCO3- LA K+ pH Nas acidoses metabólicas, com LA aumentada (aci-
Acidose dose lática ou cetoacidose), devem-se comparar as alte-
n, n, n, –
metabólica rações da LA com as do HCO3 . Assim procedendo,
Alcalose n, n, n,
pode-se identificar um distúrbio metabólico adicional
metabólica oculto, que pode ser tanto alcalose metabólica quanto
Acidose n n, acidose metabólica com LA normal3.-
respiratória
Alcalose
n, n,
respiratória Referências
LA - Lacuna de ânions; 1 seta - alteração secundária;
2 setas - alteração primária; n - sem alteração 1 ■ Dunn TJ, Buchman TG. Alterações do equilíbrio hidro-eletrolí-
Modificado de Narins e Emmett 6 tico e ácido-básico. In: Doherty GM, Lowney JK, Mason JE,
Reznik SJ, Smith MA eds. Washington Manual de Cirurgia.
Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2005:39-59.
2 ■ Masoro EJ, Siegel PD. Equilíbrio ácido-básico. Rio de Janeiro:
É importante enfatizar que os distúrbios mistos podem Interamericano, 1979:140p.
ser mascarados uns pelos outros. Por exemplo, a coexis- 3 ■ Preston RA. Acid-base, fluids and electrolytes - made ridicu-
tência de acidose e alcalose metabólicas pode evoluir com lously simple. Miami: Med Master, 1997: 156p.
– 4 ■ Lopez M. Emergências nos distúrbios metabólicos e endócrinos.
pH e HCO3 normais. Por outro lado, um distúrbio predo-
In: Lopes M ed. Emergências Médicas. Rio de Janeiro:
minante (mais grave) pode mascarar outro menos grave. Guanabara-Koogan, 1989:362-95.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

5 ■ Figueiredo EA, Lopez M. Pós-operatório. Resposta metabólica à 6 ■ Narins RG, Emmett M. Simple and mixed acid-basic disorders:
agressão cirúrgica e seu tratamento. In: Alves JBR. Cirurgia a pratical approach. Medicine. 1980;55:161-87.
Geral e Especializada. Belo Horizonte: Editora Vega, vol. 1, 7 ■ Dinubile MJ. The increment in the anion gap: overextension of
1973:65-125. a concept? Lancet. 1988;2:951-2.

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07
NUTRIÇÃO
E CIRURGIA

Maria Isabel Toulson Davisson Correia,


Luciana Ordones Rego

Introdução tratamento. A freqüência e o tipo de exames a serem soli-


citados dependem das condições clínicas dos doentes.
Nos dias de hoje, a inter-relação entre Nutrição e A opção pela prescrição de suplementação oral, nutri-
Cirurgia é bem estabelecida. Especificamente, nos últi- ção enteral e/ou nutrição parenteral é decidida com base
mos três decênios, com o desenvolvimento da nutrição na enfermidade do paciente e na viabilidade do trato gas-
parenteral, de novas fórmulas de nutrição enteral e das trointestinal. Em algumas situações, o uso simultâneo de
diversas pesquisas clínicas e experimentais, novos concei- diferentes opções de terapia nutricional pode ser indica-
tos surgiram, mudando substancialmente o prognóstico do. É muito importante que a prescrição da terapia nutri-
de várias afecções cirúrgicas, principalmente as gastroen- cional seja individualizada.
terológicas. É possível hoje sobrevida prolongada, A terapia nutricional não é isenta de complicações.
mesmo na ausência completa dos intestinos. A desnutri- Essas, em geral, ocorrem por indicação inapropriada,
ção pode ser minimizada e até revertida com segurança, oferta de nutrientes inadequada, cuidados com as vias de
em diversas condições clínicas. Em conseqüência desses acesso e monitorização precários, assim como falta de
avanços, a terapia nutricional tornou-se parte integrante protocolos de controle de qualidade.
do tratamento de múltiplas afecções.
O conhecimento dessas áreas médicas (Cirurgia e
Nutrição), em especial no que tange à anatomia e metabo- Anatomia cirúrgica gastrointestinal
lismo cirúrgicos e sua relação com os aspectos nutricio- e inter-relação metabólica
nais, é fundamental para o entendimento do impacto que
mudanças induzidas tanto pela doença como pelo seu tra- O conhecimento da anatomia do trato gastrointestinal
tamento conferem ao prognóstico dos doentes. O domí- e sua inter-relação metabólica é fundamental para se
nio do assunto resulta, portanto, em grandes benefícios entenderem os diversos aspectos nutricionais decorren-
dos pacientes. Contudo, as diversas etapas da proposta tes dos procedimentos cirúrgicos. As alterações da fisio-
terapêutica nutricional devem ser rigorosamente seguidas. logia gastrointestinal são causa freqüente de desnutrição
A avaliação do estado nutricional deve ser rotina em tanto no pré como no pós-operatório. Para que ocorra
pacientes hospitalizados. Existem diversas técnicas para processamento adequado de nutrientes no trato digesti-
se avaliar o estado nutricional, porém nenhuma é consi- vo, é importante que as diversas etapas do processo de
derada padrão-ouro, razão pela qual se indica a utilização alimentação, digestão e absorção estejam íntegras.
de mais de uma. A avaliação nutricional e metabólica dos A quantidade de alimento ingerido por um indivíduo é
pacientes, por meio de exames laboratoriais, assim como determinada, principalmente, pelo desejo intrínseco de
os cálculos das necessidades nutricionais devem ser obri- comer, ou seja, pela fome. Já o tipo de alimento que a pes-
gatórios antes do início da terapia nutricional e durante o soa prefere é determinado pelo apetite. Geralmente, a pre-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sença de qualquer enfermidade altera esses dois aspectos o citoplasma, sendo esse mecanismo completamente dife-
fundamentais no ato voluntário de comer. Por sua vez, a rente do mecanismo de transporte de glicose nas células
digestão e posterior absorção dos alimentos são controla- do trato gastrointestinal. A insulina tem papel importante
das por uma série de fenômenos orgânicos voluntários e em determinar a velocidade de transporte de glicose nas
involuntários que dependem da integridade de estruturas células periféricas, sendo que, na ausência de insulina, esse
anatômicas que se inter-relacionam. Assim, a ingestão de fenômeno pode estar reduzido em dez ou mais vezes.
alimentos depende de adequada mastigação e deglutição, Após sua entrada na célula, a glicose combina-se com um
ou seja, é importante que estruturas como a boca, a lín- radical fosfato, num processo denominado fosforilação.
gua, os dentes, a faringe e o esôfago mantenham sua capa- Com exceção de algumas células (como no fígado), este é
cidade anatômica e funcional preservadas. A propulsão ao um fenômeno irreversível, que tem como objetivo captu-
longo do trato gastrointestinal é controlada pelo sistema rar a glicose na célula, evitando que se difunda de volta
nervoso e pela produção de hormônios originados de
para o extracelular. Assim, a glicose pode ser usada para
diversos órgãos. Logo, aspectos relacionados tanto ao sis-
produzir energia para a célula ou ser acumulada na forma
tema nervoso autônomo, como à presença e à integridade
de glicogênio (glicogênese). Tanto os hepatócitos como
do esôfago, estômago, duodeno e intestino controlam essa
as células dos músculos esqueléticos são os principais
etapa da nutrição. A digestão é comandada pelas secreções
produzidas pelas múltiplas glândulas do trato digestivo, locais de armazenamento de glicose. Assim, na fase pós-
entre as quais o fígado e o pâncreas têm papel relevante. prandial, há formação de glicogênio.
Por último, a absorção depende também da integridade No período de jejum, em que a quantidade de glicose
dos intestinos. Detalhes sobre cada uma das estapas do circulante se encontra muito diminuída, há necessidade de
processamento de alimentos ao longo do trato gastrointes- liberação de glicose, processo que se faz com a quebra de
tinal são complexos e não são objetivos desta obra. glicogênio e que se intitula glicogenólise. Tanto este fenô-
meno como o anterior são comandados por ação hormo-
nal, principalmente da relação insulina/glucagon e pela
Metabolismo de carboidratos, lípides resistência periférica à insulina, que ocorre no pós-trauma.
e proteínas Todos esses aspectos têm impacto na resposta metabólica
ao estresse e, por conseguinte, o adequado conhecimento
Grande parte das reações químicas que ocorrem nas do papel dos carboidratos tanto no pré como no pós-
células destina-se à obtenção de energia proveniente de operatório deve ser de domínio do médico assistente.
alimentos para uso pelos diversos sistemas fisiológicos
das células. O metabolismo dos diferentes nutrientes
está, em geral, alterado na presença de enfermidades. Metabolismo dos lípides
Em especial, no pós-operatório, como conseqüência
da resposta orgânica ao trauma, há mudanças impor- Os lípídes derivados de gorduras neutras (triglicéri-
tantes do metabolismo. des), dos fosfolípides, do colesterol e de algumas outras
substâncias de menor importância são absorvidos ao
longo do trato gastrointestinal pela influência da linfa.
Metabolismo dos carboidratos Durante a digestão e sob a ação das enzimas pancreáticas
A glicose constitui a via final comum para o transpor- e dos sais biliares, os triglicérides são desdobrados em
te de quase todos os carboidratos até às células teciduais, monoglicérides e ácidos graxos e esses, ao passarem
por conseguinte será abordado essencialmente o seu pelas células intestinais, são novamente sintetizados em
metabolismo neste capítulo. A glicose é o produto de diminutas partículas denominadas quilomícrons. Pelo
degradação final dos carboidratos sob a ação da ptialina, efeito da enzima lipoproteína lipase, os quilomícrons
da amilase e de outras enzimas, como a lactase. Esses car- liberam ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos, por
boidratos são absorvidos no trato gastrointestinal pelo serem altamente miscíveis com as membranas celulares,
mecanismo de cotransporte ativo de sódio-glicose. Já em difundem-se, imediatamente, para as células do tecido
outras células, para que a glicose possa ser utilizada, ela adiposo e para os hepatócitos. Uma vez no interior des-
deve ser transportada através da membrana celular para sas células, os ácidos graxos são ressintetizados em trigli-
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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

cérides. A gordura é armazenada (lipogênese) em grande Avaliação do estado nutricional


quantidade por dois tecidos: o tecido adiposo e o fígado.
No jejum prolongado, os triglicérides depositados no A prevalência de desnutrição em pacientes hospitali-
tecido adiposo são hidrolizados em ácidos graxos e zados foi descrita como sendo entre 10% e 50%1. No
colesterol (lipogenólise) e, a seguir, transportados no san- Brasil, o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional
gue, até os tecidos ativos, onde são oxidados para produ- Hospitalar (BRANUTRI) avaliou 4.000 doentes adultos,
zir energia. Quase todas as células, à exceção do tecido internados pelo Sistema Único de Saúde em hospitais
cerebral, podem utilizar ácidos graxos, em lugar de glico- gerais, e identificou prevalência de desnutrição de 48,1%,
se, como fonte de energia. Para tal, os ácidos graxos pre- sendo 12,6% de desnutridos graves2. Em pacientes cirúr-
cisam ser transportados para o interior da mitocôndria e, gicos, os dados mostram que a presença de desnutrição
para isso, dependem da presença de uma proteína, a car- foi de 35,5%, sendo que, em pacientes com enfermidades
nitina. Na mitocôndria, os ácidos graxos são degradados do trato gastrointestinal, o índice foi de 55%, com 19%
a acetil-coenzima A. de desnutridos graves.
Os hormônios contra-reguladores do estresse pro- Diante do algo grau de desnutrição encontrado em
movem diminuição da lipogênese e aumento acentuado pacientes hospitalizados e tendo em vista sua relação com
da lipólise. A reserva lipídica parece ser a mais impor- risco de complicações e mortalidade aumentado, é funda-
tante fonte energética para o paciente após o estresse. mental avaliar o estado nutricional de pacientes internados.
Os produtos do metabolismo lipídico (lipoproteínas e O objetivo da avaliação nutricional é diagnosticar o
triglicérides), além de oferecerem energia, ligam-se a estado nutricional e, assim, poder identificar pacientes
vírus e endotoxinas circulantes com função de defesa. com risco aumentado de complicações, devido ao seu
Por conseguinte, um adequado estado nutricional é fun- estado carencial. Conseqüentemente, poder-se-ão criar
damental nesse processo. opções pré-operatórias e pós-operatórias para diminuir a
morbidade e a mortalidade. Até recentemente, as medi-
das antropométricas, como peso, altura, pregas cutâneas
Metabolismo das proteínas e circunferências musculares, assim como os testes bio-
Cerca de três quartos dos componentes sólidos do químicos (principalmente, albumina e linfócitos) eram
corpo humano são constituídos por proteínas, tais como: amplamente usados como forma de avaliar o estado
proteínas estruturais, enzimas, nucleoproteínas, proteí- nutricional3. No entanto, esses métodos apresentam
nas que transportam oxigênio, proteínas dos músculos diversas desvantagens, como as que posteriormente
que causam contração muscular e muitos outros tipos de serão mencionadas, gerando a necessidade de se desen-
proteína com funções inflamatórias e imunológicas. volverem técnicas que possam ser mais confiáveis para
Os principais constituintes das proteínas são os ami- melhor diagnóstico do estado nutricional. Assim, a ava-
noácidos, dos quais 20 estão presentes nas proteínas cor- liação do estado nutricional deve ser feita por abordagem
porais em quantidades significativas, motivo pelo qual se multivariada e essencialmente clínica (Quadro 7.1).
intitulam aminoácidos essenciais. As proteínas são ini-
cialmente digeridas no estômago pela ação da pepsina e, Antropometria
posteriormente, pelas secreções pancreáticas. Na forma
de aminoácidos, elas são transportadas pelo sangue até o As medidas de dados antropométricos como peso,
fígado, onde são metabolizadas, e até os músculos esque- altura, pregas cutâneas tricipital e subescapular, além das
léticos, onde ficam armazenadas. As proteínas são tam- circunferências musculares, são as mais utilizadas.
bém fonte de energia, no entanto devem ser vistas, pre- A perda de peso involuntária superior a 10% do peso
ferencialmente, como fonte estrutural e de precursores usual sugere desnutrição e tem sido correlacionada com
de ação imunológica e inflamatória. estado nutricional deficiente, morbidade e mortalidade
O metabolismo protéico é regulado por hormônios, aumentadas4. Já a perda de mais de um terço do peso
razão pela qual, no jejum associado à resposta orgânica usual está relacionada com morte iminente. No entanto,
ao trauma, há acentuada proteólise, ao contrário do nem sempre é possível determinar-se a perda de peso de
jejum simples, no qual isso ocorre em escala mínima. maneira exata. Morgan et al.5 mostraram que a acurácia
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

de se avaliar a perda de peso por meio da anamnese foi Além das dificuldades salientadas sobre as medidas de
de 0,67 e que o poder preditivo foi de 0,75. Esses dados pregas e circunferências, outro problema é que a compara-
indicam que 33% daqueles pacientes que tinham perdido ção dos dados encontrados é feita com tabelas de percen-
peso não foram identificados e que 25% daqueles pacien- tis derivadas de estudos populacionais. Pode-se, assim,
tes estáveis em seu peso foram diagnosticados como classificar um indivíduo de maneira errônea do ponto de
tendo perdido peso. Assim, a informação sobre a perda vista nutricional, caso este se encontre fora do padrão
de peso isoladamente poderá não ter significado nutricio- esperado, apenas por apresentar biotipo diferente.
nal, uma vez que sofre a influência de enorme variedade
de fatores de confusão. Essencialmente, o desconheci- Testes bioquímicos
mento por parte do paciente do seu peso habitual prévio
e as alterações da composição hídrica corporal são os A contagem total de linfócitos (valorizando-se um
fatores de confusão mais comuns. número inferior a 1.500cel/mm3 como tendo significa-
Por meio do peso e da altura, obtém-se o índice de do), a dosagem de albumina sérica (valores inferiores a
massa corpórea - IMC (peso/altura2), também chamado 3,5g/dL são sugestivos de desnutrição), a dosagem de
de índice de Quetelet. A faixa situada entre 18kg/m2 e transferrina (inferior a 200mg/dL), e as dosagens de pré-
25kg/m2 é considerada segura, em relação ao risco de albumina, de retinol ligado à albumina e de colesterol têm
desenvolvimento de doenças associadas ao estado nutri- também sido usadas para o diagnóstico do estado nutri-
cional. O IMC entre 14 e 15kg/m2 está associado à taxa cional3. Todos esses dados, contudo, podem estar altera-
de mortalidade alta. dos em outras doenças e não apenas na desnutrição, tal
As pregas cutâneas fornecem parâmetros de porcen- como em neoplasias, doenças imunológicas, hepatopa-
tagem de gordura corpórea. Como a tela subcutânea tias e nefropatias. O valor da albumina, apesar de ser um
dado pobre para o diagnóstico do estado nutricional, é
representa aproximadamente 50% das reservas de gordu-
indicador prognóstico para o desenvolvimento de com-
ra do organismo, a medida das pregas constitui parâme-
plicações e mortalidade.
tro razoável da quantidade de gordura corpórea total. A
técnica é fácil e não-dispendiosa. A maior crítica a essas
medidas é a grande variabilidade que apresentam, de Testes de composição corporal
acordo com quem as executa, salientando a importância
de ser realizada por pessoa bem treinada. Outras críticas A análise de impedância bioelétrica é uma técnica
fácil, rápida, indolor e de custo relativamente baixo,
são que a medida das pregas cutâneas oferece dados de
usada no intuito de avaliar a composição corpórea do
compartimentos corpóreos, enquanto o efeito das doen-
paciente. Por meio de eletrodos, colocados nas extremi-
ças é determinado por função tecidual, ou seja, as medi-
dades do braço e da perna homolateral, é passada uma
das podem representar boa correlação entre esses dois
corrente elétrica de baixa intensidade que fornece dados
segmentos em indivíduos sadios, mas não em doentes3.
referentes à resistência da passagem dessa corrente e à
A medida da circunferência do braço é realizada por reactância, que é a oposição ao fluxo da mesma corrente.
meio do simples uso de fita métrica maleável convencio- A grande quantidade de gordura corpórea aumenta o
nal. Essa medida, quando usada numa fórmula, em con- valor da resistência, pois a gordura e o osso são maus
junto com a medida da prega cutânea tricipital, dá o valor condutores, enquanto os tecidos magros são altamente
da circunferência muscular do braço e da área muscular. condutivos. No que se refere à reactância, a membrana
Esse dado fornece, também, por aproximação, o conteú- celular é também um indicador de massa corpórea
do da massa magra corpórea, já que a musculatura esque- magra3. No entanto, em pacientes com distúrbios hídri-
lética representa 60% do conteúdo total de proteína cor- cos, esse teste encontra-se significativamente alterado.
poral, sendo esta usada como principal fonte fornecedora Em laboratórios que estudam a avaliação do estado
de aminoácidos em períodos de estresse e jejum. nutricional, têm sido usadas a tomografia computadori-
Considera-se significante o valor abaixo do percentil 10 zada, a ressonância magnética, a densitometria óssea, as
de uma única medida de área muscular do braço3 ou, medidas de potássio corpóreo total e a análise de ativação
então, da medida da circunferência abaixo do percentil 5. de nêutrons. Todos esses testes são deveras dispendiosos
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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

e demandam tempo grande de execução, por isso são gem ampla. A história clínica é realizada de forma con-
úteis apenas em laboratórios de pesquisa3. vencional, salientando-se a moléstia atual, o tempo de
evolução, os sintomas gastrointestinais associados às
alterações de peso e de ingestão de alimentos, assim
Testes imunológicos como mudanças na capacidade funcional, ou seja, se o
A desnutrição interfere na resposta imunológica. Por indivíduo continua exercendo suas atividades físi-
essa razão, medidas de testes cutâneos de hipersensibili- cas/motoras habituais, se as diminuiu ou se está acama-
dade tardia, por meio da inoculação de antígenos tais do. Detsky et al.4 mostraram claramente a grande concor-
como Candida, Tricophyton, caxumba e outros, foram, dância do diagnóstico do estado nutricional, entre exami-
no passado, muito usados para medir a competência nadores treinados, usando a avaliação global subjetiva.
imunológica e, indiretamente, o estado nutricional3. Houve índice de 91% de acerto entre dois observadores
Todavia, porque grande número de situações pode cau- avaliando o mesmo paciente. No IBRANUTRI, a avalia-
sar anergia, tais como uso de drogas (especialmente os ção global subjetiva foi usada como instrumento para
corticóides e imunossupressores), presença de infecção, realizar a avaliação nutricional de 4.000 pacientes interna-
de neoplasias e de queimaduras, entre outras, esses parâ- dos em hospitais do Brasil, após os resultados do estudo
metros foram praticamente abandonados na avaliação do piloto terem demonstrado concordância do diagnóstico
estado nutricional. nutricional de 87%, entre examinadores2.
A avaliação global subjetiva deverá abordar perda de
peso involuntária nos últimos seis meses e nas duas sema-
Índices nutricionais nas anteriores à entrevista, assim como a maneira em que
esta ocorreu. Considera-se a perda de peso de menos do
O uso de índices nutricionais, tais como o índice de
que 5% como pequena, entre 5% e 10% como perda
prognóstico nutricional, representa a utilização de fór-
potencialmente significante e acima de 10% como perda
mulas matemáticas derivadas de equações que combinam
definitivamente significante. No entanto, a maneira como
medidas de albumina sérica, prega cutânea tricipital,
a perda ocorreu é também relevante. Dessa forma,
transferrina e testes de sensibilidade cutânea tardia. Cada
paciente que tenha perdido 20% do seu peso habitual nos
um desses dados tem sua própria restrição de uso, como
últimos seis meses, mas que nos 15 dias antecedentes à
anteriormente mencionado. Contudo, quando usados
avaliação tenha conseguido recuperar pequena parte dessa
em conjunto, evidenciaram aumento na sensibilidade de
perda, desde que não haja sinais de edema, é visto como
prever complicações em pacientes cirúrgicos3.
tendo estado nutricional provavelmente melhor do que
um paciente que, nas duas semanas prévias, continuou a
Testes funcionais perder peso. Portanto, é possível encontrarem-se doentes
com perdas de peso importantes, mas com ganho ou, até
A medida da força de contração do músculo adductor recente estabilização de peso, sendo considerados nutri-
pollicis, a dinamometria, o teste ergométrico e a espiro- dos. Por outro lado, outros doentes com perdas quantita-
metria são medidas funcionais que indiretamente avaliam tivas menos significantes, mas ocorridas abruptamente,
o estado nutricional3. A ausência de aparelhos adequados podem ser diagnosticados como desnutridos.
e a falta de experiência com a técnica tem limitado o seu O segundo parâmetro a ser analisado deverá ser a his-
uso. Entretanto, é uma boa perspectiva para ser utilizada tória de ingestão alimentar em relação ao habitual do
no futuro como forma de avaliar o estado nutricional e paciente, considerando como base: jejum, dieta líquida
definir a terapia nutricional. restrita, dieta líquida completa, dieta sólida em quantida-
de inferior ao habitual e, finalmente, dieta habitual. O
Avaliação global subjetiva período em que as mudanças de hábito alimentar ocorre-
ram é um dado de valor, uma vez que paciente, por
Nos últimos anos, a avaliação global subjetiva6 tem exemplo, em dieta líquida, sem suplementação nutricio-
ganho adeptos na medida em que favorece a avaliação do nal, por mais de sete dias, seguramente, não recebe as
estado nutricional de um paciente por meio de aborda- necessidades nutricionais que demanda. Assim, esse
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

doente estará com seu balanço energético negativo, com como: (A) nutrido; (B) com suspeita de desnutrição ou
conseqüente probabilidade de estar se desnutrindo. moderadamente desnutrido; (C) desnutrido grave.
Questiona-se, posteriormente, sobre a presença de
sintomas/sinais gastrointestinais, tais como anorexia,
náuseas, vômitos e diarréia, tendo como resultado signi- Necessidades nutricionais (proteínas,
ficante a presença de qualquer um deles por período carboidratos, lípides, vitaminas e minerais)
superior a 15 dias. Na vigência de diarréia e vômitos,
É importante ressaltar que o peso utilizado nos cál-
além de o paciente não conseguir ingerir dieta adequada,
culos nutricionais, principalmente no início da terapia
sofre também perdas de nutrientes. As probabilidades de
nutricional, deverá ser o peso atual do doente. A exce-
desnutrição em pacientes que apresentam essas altera-
ção fica por conta de doentes obesos, edemaciados e
ções são significativas.
das grávidas. No primeiro caso, deve-se utilizar o peso
A capacidade funcional deverá ser o próximo item
ideal baseado no índice de massa corpórea entre
analisado, valorizando-se esta em termos de atividades
20kg/m2 e 28kg/m2. Nos doentes com edema e nas
físicas. Pergunta-se ao paciente se tem conseguido exer-
grávidas, o peso utilizado é o habitual, ou seja, aquele
cer suas atividades físicas habituais, como ir trabalhar, que o paciente indica ter tido antes da ocorrência da
fazer serviços domésticos e/ou exercícios físicos. Se a doença ou gravidez. Em cirscunstâncias em que a infor-
resposta for afirmativa, deve-se questionar se a intensida- mação do peso não estiver disponível e a pesagem não
de dessa atividade tem sido semelhante à anterior ao for possível de se realizar, pode-se utilizar o peso esti-
período que antecede a doença ou se está alterada. Em mado, com base na estatura do doente.
outras situações, os pacientes encontram-se acamados e, As necessidades nutricionais energéticas (calorias)
desde que isso ocorra, não por incapacidade motora, mas podem ser estimadas de várias formas, das quais a
sim por fraqueza ou cansaço, provavelmente, existe asso- melhor seria a realização de calorimetria indireta. No
ciação com incapacidade funcional. Sabe-se que, muito entanto, a técnica é dispendiosa e demanda tempo de rea-
antes de alterações antropométricas ocorrerem, existem lização longo, além de sofrer influência de diversas
mudanças funcionais decorrentes de desnutrição, como outras variáveis relacionadas com a doença e o estado do
diminuição de força muscular. paciente. Assim, tem-se optado pela utilização de fórmu-
Valoriza-se, finalmente, a doença atual do paciente las como a de Harris e Benedict, corrigida pelos fatores
no que concerne às demandas metabólicas. A presença de atividade e estresse, e a fórmula rápida (Quadro 7.2).
de infecção e trauma está, em geral, relacionada a taxas Ressalta-se, que quanto mais grave é o doente, maior o
de metabolismo aumentadas. Já o câncer pode ou não risco de intolerância à glicose e de distúrbios lipídicos,
representar aumento de metabolismo, mas pode inter- motivo pelo qual menor quantidade de calorias deverá
ferir na deglutição, na digestão e/ou na absorção, ser oferecida, ao contrário do que muitos profissionais
dependendo de sua localização. Em nosso trabalho7, acreditam ser o indicado.
verificamos que a presença de câncer aumentou o risco A necessidade de proteínas é de 1g/kg/dia a
de desnutrição em 2,7 vezes, enquanto a infecção esta- 2g/kg/dia, dependendo da gravidade da doença, da con-
va associada a pior estado nutricional em 2,6 vezes. dição clínica do doente (essencialmente função renal e
Assim, o diagnóstico do paciente é fator de risco para hepática). Assim sendo, quanto maior a demanda meta-
pior estado nutricional. bólica, mais proteínas deverão ser oferecidas, principal-
O exame físico deverá averiguar três dados básicos: mente quando há perdas de líquidos corpóreos, como no
perda de tecido subcutâneo no nível da região do tríceps caso de pacientes queimados ou com fístulas digestivas.
e da região subescapular; perda de massa muscular, prin- A necessidade de lípides é de 1g a 1,5g/dia. No entan-
cipalmente, dos quadríceps e deltóides; presença de to, por questões econômicas, regimes de nutrição paren-
edema de tornozelo e na região sacra, assim como ascite. teral sem a adição de lipídios são freqüentes (os lipídios
O diagnóstico do estado nutricional é baseado na his- para administração venosa são dispendiosos). Logo, nes-
tória clínica, na doença principal do doente e no exame sas circunstâncias, deve-se administrar lipídes uma a duas
físico simplificado. Assim, o paciente é classificado vezes por semana para repor as necessidades de ácidos
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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

graxos essenciais (linoléico, linolênico e araquidônico), Nutrition Board of the National Academy of Sciences
uma vez que o organismo não consegue sintetizá-los. (Quadro 7.3)8. Em doentes com perdas aumentadas,
As vitaminas e os minerais são obrigatórios em como nos casos de queimaduras e fístulas, a suplemen-
pacientes com via artificial de nutrição. Sua suplemen- tação desses nutrientes é empírica, mas certamente
tação é baseada em recomendações utilizadas para indi- deverá ser maior do que a recomendada para indiví-
víduos sadios, conforme as recomendações dietéticas duos sadios. Na prática, deve-se oferecer, pelo menos,
(dietetic recommended intake - DRI) pela Food and duas vezes a dose recomendada pela DRI.

Quadro 7.1 .: Vantagens e desvantagens das diversas técnicas de avaliação nutricional

Técnica Vantagem Desvantagem


Peso Demanda apenas a existência de balança Erros na informação do peso habitual e da quantidade perdida
Pacientes acamados
Presença de edema

IMC (peso/altura2) Demanda apenas a existência de balança e Depende da composição corporal


fita para medir a altura Pacientes acamados
Presença de edema

Pregas cutâneas e circun- Técnica fácil Grande variabilidade de acordo com quem a executa
ferência muscular Mede compartimentos corpóreos Tabelas criadas a partir de estudos populacionais que podem não
refletir a população analisada
Boa referência para seguimento, mas não para diagnóstico

Testes bioquímicos Maioria dos exames disponíveis em clínica Todos podem estar alterados em outras doenças que não apenas
e hospitais desnutrição, como em neoplasias, doenças auto-imunes, hepatopatias
e nefropatias
Em geral, dispendiosos

Testes de composição Avaliam os compartimentos corpóreos Alterados em pacientes com distúrbios hidroeletrolíticos
corpórea Em geral, são muito dispendiosos

Testes imunológicos Fáceis de serem realizados Outras situações podem causar anergia: uso de corticóides e imunos-
supressores, presença de infecção, neoplasias e queimaduras

Calorimetria Avalia o gasto energético Sofre influência do estado metabólico do paciente, da temperatura cor-
poral e do ambiente, da alimentação e do grau de atividade física
É mais bem indicada para monitorar a terapia nutricional

Testes funcionais Avaliam força muscular Necessidade de aparelhos adequados e experiência com a técnica
Avaliação subjetiva Relativamente fácil de ser realizada
Treinamento dos examinadores
global Baixo custo
Não-adequada para seguimento
Valoriza a doença

IMC – Índice de massa corpórea

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 7.2 .: Necessidades nutricionais pela fórmula de Harris e Benedict, corrigida pelos fatores de injúria e atividade e pela regra do
polegar (fórmula rápida)

Fórmula de Harris-Benedict
GEB* homem= 66,4730 + (13,7516 x P*) +( 5,0033 x A*) – (6,7750 x I* )
GEB* mulher= 655,0955 + (9,5634 x P*) +( 1,8496 x A*) – (4,6756 x I* )
*GEB = gasto energético basal, P = peso em kg, A = altura em cm e I = idade em anos

GET* = GEB x FA* x FI*


*GET = gasto energético total; FA = fator de atividade e FI = fator de injúria

Fator de injúria ( FI ) Fator de injúria ( FI )

Paciente não-complicado 1,0 Peritonite 1,5


Pós-operatório de câncer 1,1 Politraumatismo + sepse 1,6
Fratura 1,2 Queimadura 30% a 50% 1,7
Sepse 1,3 Queimadura 50% a 70% 1,8
Peritonite 1,4 Queimadura 70 – 90% 2,0

Fator de atividade (FA)

Acamado 1,2
Ambulante 1,3
Fórmula rápida = Peso atual x 25 a 30kcal/kg/dia

Quadro 7.3 .: Necessidades de vitaminas e minerais de acordo


com as recomendações dietéticas* (DRI)
Conduta nutricional pré-operatória
Vitamina A 400 a 1200µg/dia
A quem indicar
Vitamina D 7,5 a 10µg/dia
Vitamina E 3 a 12mg/dia Pacientes desnutridos graves beneficiam-se de terapia
Vitamina K 5 a 65µg/dia nutricional pré-operatória quando vão submeter-se a
operações programadas, principalmente naquelas de
Vitamina C 3 a 95mg/dia
grande porte. O estudo do VA trial9 mostrou que pacien-
Tiamina 0,3 a 1,6mg/dia tes desnutridos graves que receberam nutrição parenteral
Riboflavina 0,4 a 1,8mg/dia pré-operatória tiveram significativa redução de complica-
Niaciana 5 a 20mg/dia ções, principalmente infecciosas. O mesmo resultado
Vitamina B6 0,3 a 2,2mg/dia
não foi encontrado em pacientes nutridos ou desnutridos
moderados. Nesses últimos, de acordo com a situação,
Folato 25 a 260µg/dia
também se faz necessário o retardo do procedimento
Vitamina B12 0,3 a 2,6mg/dia cirúrgico. Em situações em que o paciente tiver que se
Cálcio 400 a 1200mg/dia submeter a propedêutica complementar que demande
Fósforo 300 a 1200mg/dia acréscimo de dias em jejum, a terapia nutricional também
deverá ser avaliada.
Magnésio 40 a 400mg/dia
Ferro 6 a 30mg/dia
Zinco 5 a 19mg/dia Como realizar
Iodo 40 a 200mg/dia A via de nutrição a ser utilizada vai depender da doen-
Selênio 10 a 75µg/dia ça e das condições do trato digestivo. Na maioria das
vezes, esses pacientes demandam o uso de nutrição
* As variações das dosagens são de acordo com a faixa etária e sexo.
parenteral, uma vez que a obstrução do trato gastrointes-
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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

tinal está presente. Contudo, sempre que possível, deve- e em jejum por seis a 24 horas, apresentaram capacidade
se utilizar também a via oral e enteral. inferior de tolerar a agressão quando comparados aos ani-
mais que receberam carboidratos. Os animais alimenta-
dos responderam ao trauma com resposta orgânica dimi-
Tempo necessário nuída, melhor tolerância à glicose, força muscular aumen-
O preparo pré-operatório é feito por período de sete tada e menor translocação bacteriana. Após essas obser-
a 14 dias, objetivando essencialmente a produção de pro- vações, buscou-se verificar se isso também acontecia em
teínas de fase aguda (proteína C reativa, α-macroglobuli- seres humanos. A hipótese levantada foi que a sobrecarga
nas, proteínas do sistema complemento, ligantes metáli- de carboidratos no pré-operatório incorreria em resposta
cas, proteínas pró-coagulantes e inibidores de protease) orgânica diminuída. Assim sendo, pacientes submetidos a
necessárias para a recuperação pós-operatória. colecistectomia convencional receberam, na noite ante-
rior à operação, 5mg/kg/minuto por via endovenosa.
Isso resultou em hiperinsulinemia, semelhante ao estado
Jejum pré-operatório pós-prandial. Os pacientes tiveram redução de 50% de
resistência periférica à insulina no pós-operatório, quando
Operações eletivas são, em geral, realizadas após dez a
comparados a pacientes em jejum por 12 horas15. No
16 horas de jejum. A rotina é manter-se o paciente sem
entanto, a oferta de carboidratos por via venosa demanda
comer desde a noite anterior ao ato operatório. Esse perío-
internação no dia anterior, o que gera custos aumentados.
do é tido como fundamental para que, no momento da
Logo, a possibilidade de oferecer a mesma quantidade de
indução anestésica, o estômago esteja completamente
carboidratos por via oral foi avaliada de modo que os
vazio e o risco de aspiração seja mínimo. No entanto, esse
pacientes pudessem ser preparados em suas residências.
tempo é suficientemente longo do ponto de vista metabó-
Foi elaborada bebida rica em carboidratos, contendo
lico, para levar a depleção do estoque de glicogênio, o que
12,5% de glicose. A oferta dessa bebida contendo 12,5g
tem impacto na resposta orgânica ao estresse, além de gerar
de carboidratos por 100ml, na noite anterior à operação
desconforto a vários pacientes10,11. A resposta endócrino-
(800ml) e até duas horas antes da indução anestésica
metabólica apresentou-se aumentada em pacientes subme-
(400ml), em pacientes submetidos a operação colorretal12
tidos a jejum noturno, quando comparada a pacientes que
e colocação de prótese total de quadril16, também diminui
receberam infusão de carboidratos. Esses estudos mostra-
a resistência periférica à insulina.
ram que o jejum pré-operatório aumenta o estresse meta-
bólico induzido pelo tratamento cirúrgico10,11.
A oferta de nutrientes no pré-operatório imediato, mais Conduta nutricional pós-operatória
especificamente carboidratos, tem sido considerada como
um dos possíveis fatores benéficos, potencialmente com No pós-operatório, há aumento de metabolismo
ação de minimizar a resposta orgânica. Três estudos recen- desencadeado pela resposta orgânica ao trauma cirúrgi-
tes, dois em pacientes submetidos a operações ortopédi- co. A falta de oferta dos nutrientes (oral, enteral e paren-
cas12,13 e outro envolvendo pacientes com enfermidades teral) pode contribuir não só com a piora do estado nutri-
gastrointestinais14 mostraram que pacientes que receberam cional, mas também com complicações, principalmente
sobrecarga de carboidratos, no pré-operatório, tiveram em pacientes previamente desnutridos.
menor resistência hepática à insulina e diminuição das per- Na atualidade, a terapia nutricional pós-operatória visa
das de nitrogênio, do primeiro ao terceiro dia pós-operató- não só à manutenção ou recuperação do estado nutricio-
rio. Além disso, houve melhor controle glicêmico do grupo nal, mas também à modulação da resposta orgânica.
tratado, o que pode ser traduzido em menor risco de com- Portanto, quanto mais precocemente a nutrição for intro-
plicações relacionadas à hiperglicemia. duzida, melhores resultados poderão ser alcançados.
A hipótese de que sobrecarga de carboidratos interfira
na resposta metabólica, conforme citado anteriormente,
Jejum e liberação da dieta oral (tipos)
advém de pesquisas em ratos submetidos a estresse impor-
tante. Nesses estudos, animais submetidos a grandes A liberação da dieta oral e o tipo de alimentos permi-
estresses, tais como choque hemorrágico ou endotoxemia, tidos (líquidos claros progredindo para alimentos sóli-

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

dos) após a resolução do “íleo” não têm sido apoiados coce melhora a cicatrização e o fluxo esplâncnico, esti-
pela Medicina baseada em evidências. O jejum pós-opera- mula a motilidade intestinal, conseqüentemente dimi-
tório é, em geral, prescrito até que haja eliminação de fla- nuindo a estase, e tem impacto na diminuição da morbi-
tus ou de fezes. Isso, em geral, ocorre em torno do tercei- mortalidade4,22,23. Em estudo prospectivo randomizado
ro ou quarto dia pós-operatório. Logo, o tempo de inter- realizado por Aguilar-Nascimento et al.24, verificou-se
nação hospitalar é maior, pois se aguarda que o doente que não houve diferença significante entre as taxas de
coma e tolere a dieta para se dar a alta. Acredita-se que a deiscência de anastomose entre o grupo que recebeu
dieta precoce possa levar a distensão abdominal, náuseas nutrição precoce e o submetido a conduta convencional.
e vômitos, piorando o íleo adinâmico. Casto et al.17 defini- A nutrição precoce é viável e segura, mesmo quando ofe-
ram essa prática como “antiquada e baseada em condutas recida entre quatro a 12 horas após a operação25-7.
existentes há mais de 100 anos, quando a incidência de Na verdade, a oferta precoce de nutrientes estimula
vômitos pós-operatórios era muito mais elevada, devido reflexo que produz atividade propulsiva coordenada e
ao uso de anestésicos rudimentares”. induz a secreção de hormônios gastrointestinais, diminuin-
Alguns autores têm estudado o impacto da dieta pre- do, por conseguinte o íleo pós-operatório. Anderson et al.28
coce na recuperação pós-operatória e todos os paradig- mostraram, em pacientes submetidos a operações colorre-
mas sobre o tema têm sido desafiados e questionados. tais, que o grupo que recebeu tratamento multimodal, no
Alguns estudos têm mostrado que, após a realização de qual a nutrição precoce era uma das variáveis, apresentou
operações colorretais, é possível alimentar os doentes recuperação mais rápida e significante retorno da função
precocemente e dar alta no 2º e 3º dias pós-operatórios18. gastrointestinal, cuja média foi de 48 horas (33h-55h) versus
Essa prática diminui o desconforto dos doentes, o tempo 76 horas (70h - 110h) no grupo controle.
de internação e, conseqüentemente, os custos hospitala- A oferta de nutrição precoce é uma variável que deve
res, sem aumento concomitante de complicações. ser associada à anestesia epidural, operação minimamen-
Até o momento, o tratamento convencional adotado te invasiva, medicações antieméticas, mobilização preco-
pela maior parte dos hospitais e clínicas recomenda o ce no pós-operatório e preparo psicológico do paciente,
jejum em conjunto com a administração de líquidos entre outras.
intravenosos até que haja eliminação de flatus ou fezes. A liberação progressiva de nutrientes, iniciada com
Na verdade, não existem protocolos que orientem sobre líquidos claros até alimentos sólidos, tem sido outro aspec-
a liberação da dieta na maioria dos centros. Por exemplo, to controverso e discutido por muitos cirurgiões que, na
no Reino Unido, 78,5% das unidades obstétricas questio- sua maioria, ainda acreditam que essa seqüência deva ser
nadas informaram que a decisão de alimentar as pacien- respeitada. No entanto, em estudo prospectivo randomi-
tes após a realização de cesarianas é feita sem nenhuma zado realizado no Hospital das Clínicas da UFMG,
rotina estabelecida19. Sanches et al.29 acompanharam 165 doentes submetidos a
A razão pela qual o jejum pós-operatório rotineiro tratamento cirúrgico eletivo para afecções gastrointesti-
ainda é praticado por longo período baseia-se em duas nais. A um grupo foi permitido ingerir dieta livre tão logo
justificativas. A primeira é a crença de que se deva aguar- esta foi liberada, enquanto o outro grupo recebeu alimen-
dar pela resolução da dismotilidade intestinal transitória tos de acordo com a progressão habitual (líquidos claros
(íleo pós-operatório). A segunda é justificada pela possi- até dieta regular). Os autores não encontraram nenhuma
bilidade de que a alimentação precoce aumente o risco de diferença na incidência de complicações ou na intolerância
fístulas anastomóticas. Esse aspecto não mais é validado à dieta, entre os dois grupos. Os pacientes que ingeriram
pelas evidências da atualidade. A cicatrização das anasto- dieta livre receberam mais calorias no primeiro dia da dieta
moses e as complicações pós-operatórias são diretamen- (917,13 calorias versus 467,94 calorias). Os autores reco-
te afetadas por diversos fatores, tais como: estado nutri- mendam a prescrição de dieta livre como primeira opção
cional do doente20; uso de drogas imunossupressoras tão logo esta seja liberada. Em outro estudo, Jeffery et al.30
como corticóides; condições locais do abdome influen- comparando os dois tipos de dieta, líquida restrita versus
ciadas pela presença de inflamação, infecção, e/ou cân- livre, verificaram que a incidência de complicações foi
cer; fluxo esplâncnico adequado; boa técnica cirúrgica, semelhante entre os dois grupos (7,5% versus 8,1%).
entre outros21. Por outro lado, sabe-se que a nutrição pre- Segundo os autores, essa conduta é bem tolerada (a dieta
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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

livre é mais palatável para o doente e mais fácil de engolir) considera-se a necessidade de acesso por mais de seis
e diminui o tempo de hospitalização. semanas importante indicativo para realizar-se ostomia.
O cirurgião deverá conhecer as vantagens de cada tipo de
acesso (cateter ou ostomia) diante da condição do
Nutrição enteral
paciente, do tempo previsto de uso de nutrição enteral,
A nutrição enteral, por ser mais fisiológica que a ponderando sobre os potenciais riscos associados a cada
parenteral, deverá ser uma opção no pós-operatório de um, de modo que possa indicar a melhor opção durante
alguns pacientes, nos quais a via oral não seja recomen- o ato operatório.
dada. É bem estabelecido que o estômago recupera sua
atividade motora pós-operatória dentro de 24 a 48 horas,
enquanto o cólon demora cerca de 48 a 72 horas31. Com Complicações: mecânicas, gastrointestinais e metabólicas
a utilização de cateteres em posição pós-pilórica, é possí- A existência de complicações, principalmente no pós-
vel oferecer dieta enteral precocemente. Além da oferta operatório, devem ser conhecidas para evitar riscos
dos nutrientes, outros benefícios da dieta enteral já foram maiores para os pacientes. As complicações mecânicas
relatados, como estímulo à motilidade intestinal, reduzin- mais comuns são o deslocamento, a perda acidental e a
do o tempo de íleo, e aumento do fluxo esplâncnico com obstrução do lume dos cateteres. Pode, ainda, ocorrer
melhora da cicatrização.
aspiração com pneumonia, irritação faríngea, otite, sinu-
site, irritação e erosão nasolabial, esofagite e, no caso de
Indicações estoma, drenagem ao redor do tubo e dermatite local32.
As complicações gastrointestinais são náuseas, vômi-
A nutrição enteral deverá ser indicada em pacientes tos, desconforto, distensão, cólica abdominal e diarréia.
com trato gastrointestinal funcionante, para os quais a São complicações normalmente transitórias e podem ser
dieta oral não for permitida imediatamente, como no
solucionadas, em sua maioria, com medidas rotineiras
caso de pacientes submetidos a ressecções de tumores de
como uso de antieméticos, pró-cinéticos e analgesia,
cabeça e pescoço ou de órgãos do trato digestivo proxi-
redução do volume de infusão ou mesmo interrupção
mal (esôfago, estômago, pâncreas etc.), independente-
temporária da dieta. A cicatrização das anastomoses e as
mente do estado nutricional prévio, visando principal-
mente minimizar a resposta orgânica. complicações pós-operatórias são diretamente afetadas
por outros fatores, como estado nutricional do doente20,
uso de drogas imunossupressoras, condições locais do
Tipos de dietas abdome influenciadas pela presença de inflamação,
infecção e/ou câncer, fluxo esplâncnico inadequado e
Existem múltiplas fórmulas de dietas enterais adequa-
boa técnica cirúrgica21.
das a situações particulares de cada enfermo. Essen-
cialmente, as fórmulas são classificadas de acordo com a As complicações metabólicas não são tão freqüentes,
forma em que os macronutrientes se apresentam. Assim, mas podem ocorrer principalmente em pacientes mais
fórmulas com nutrientes intactos e complexos são cha- graves. Podem citar-se a desidratação, hiperglicemia e os
madas de poliméricas, e aquelas com nutrientes parcial- distúrbios hidroeletrolíticos. As complicações geralmen-
mente hidrolizados são intituladas oligoméricas. A indi- te ocorrem no início da terapia e estão associadas a
cação de cada tipo de solução faz-se de acordo com a outras comorbidades.
situação clínica do doente naquele momento, a presença
de doenças associadas e a tolerância à fórmula prescrita. Profilaxia das complicações
A profilaxia das complicações relacionadas com a
Vias de acesso: cateteres e ostomias
nutrição enteral começa com a adequada indicação dessa
O tipo de acesso a ser utilizado depende da preferên- forma de terapia e da via de acesso, assim como da exis-
cia de cada cirurgião, da disponibilidade do hospital e até tência de protocolos de infusão e monitorização. A exis-
das condições particulares de cada paciente. Geralmente, tência de equipes de terapia nutricional em muito tem
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

contribuído para melhores resultados associados ao uso macronutrientes e outras têm minerais adicionados. Em
de nutrição enteral. geral, essas fórmulas não têm as vitaminas associadas,
pois considera-se que, pelo tempo de estocagem, elas
possam perder a ação farmacológica.
Nutrição parenteral No Brasil, no entanto, a maioria das soluções utiliza-
Por nutrição parenteral entende-se a administração das é preparada por farmácias de manipulação, seguindo
endovenosa de nutrientes necessários para manter o esta- as normas vigentes da Secretaria de Vigilância Sanitária
do nutricional de um indivíduo ou mesmo restaurar do Ministério da Saúde. Essas fórmulas são preparadas
depleções nutricionais. Para atingir tal objetivo com de acordo com a prescrição feita pelo médico assistente
segurança e eficiência, algumas etapas devem ser cumpri- e incluem praticamente todos os nutrientes necessários.
das, seguindo-se rotina adaptada às peculiaridades pró-
prias de cada caso. Essa rotina deve incluir indicação pre- Vias de acesso (sistemas venosos superficial e profundo)
cisa, escolha da via de acesso venoso a ser utilizada, da
solução de aminoácidos e da fonte calórica mais apro- A via de acesso venoso mais comumente utilizada é a
priada, assim como a provisão de quantidades adequadas punção percutânea infraclavicular de veia subclávia. Essa
de água, eletrólitos, vitaminas e oligoelementos. Os cui- via foi descrita inicialmente por Aubaniac, na França, em
dados de assepsia devem ser seguidos cuidadosamente 1952, que a utilizava para o acesso venoso rápido de
durante o preparo das soluções, a obtenção da via de pacientes com ferimentos de guerra33. O uso dessa via
acesso e a manutenção do cateter venoso. para as infusões das soluções hiperosmolares normal-
mente utilizadas em nutrição parenteral foi proposto, ini-
cialmente, em 1969, por Dudrick34. Subseqüentemente,
Indicações
descreveram-se a punção da veia jugular interna, veia
A nutrição parenteral está indicada sempre que não jugular externa, veia cefálica ou basílica, veia femoral para
for possível utilizar-se o trato gastrointestinal, ou, ainda acesso à veia cava inferior, fístulas arteriovenosas e até
que disponível, quando não se conseguirem atingir as acesso direto ao átrio direito. Mais recentemente, tam-
necessidades nutricionais completas pela via oral ou bém se tem indicado o uso de veias periféricas para a
enteral. Muitas vezes, o trato gastrointestinal é passível infusão de nutrição parenteral. Neste último caso, a fór-
de uso, mas a ausência de via de acesso inviabiliza a sua mula nutricional é menos hiperosmolar e utilizam-se dro-
utilização. É por essa razão que o cirurgião deverá estar gas adicionadas à ela, que parecem diminuir a probabili-
atento para as vantagens de uma forma de terapia sobre dade de lesão vascular, tais como heparina e corticóides.
a outra, de maneira que no ato operatório a decisão de Outra opção é a colocação de cateter longo, em veia cen-
obter o acesso enteral seja definida. Em pacientes com tral, por meio de acesso periférico (dissecção venosa).
intestino curto, em geral, a nutrição parenteral está indi-
cada como principal via nutritiva. Pacientes com fístulas
Complicações metabólicas e sépticas relacionadas com os
de alto débito ou com obstrução intestinal também têm
cateteres venosos e as soluções
indicação de nutrição parenteral. É importante ressaltar
que, mesmo que a nutrição parenteral seja a via de ali- As complicações da nutrição parenteral são normal-
mentação de escolha, sempre que possível deve-se avaliar mente agrupadas em três tipos principais: mecânicas,
a viabilidade de estimular o trato gastrointestinal com metabólicas e infecciosas. Numa coletânea de quatro
pequena quantidade de nutrição enteral, objetivando o estudos sobre complicações da nutrição parenteral, nos
trofismo da mucosa gastrointestinal. quais foram avaliados 2.050 pacientes, a incidência de
complicações mecânicas foi de 6,7%, metabólicas de
Soluções 25,7% e as complicações infecciosas ocorreram em 4,7%
dos casos35-8.
Existem múltiplas soluções disponíveis de nutrição Complicações mecânicas - As complicações são
parenteral, inclusive prontas para uso, fornecidas pela mais comumente associadas à introdução do cateter
indústria farmacêutica. Algumas contêm apenas os venoso, especialmente durante a punção da veia subclá-
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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

via. As mais freqüentemente relatadas são pneumotórax, Deficiência de ácidos graxos essenciais pode ser
hemo-hidrotórax e punção arterial acidental. A embolia observada após poucas semanas do uso de nutrição
gasosa também pode ocorrer, mas é rara. Numa revisão parenteral sem lípides, apesar de as manifestações clíni-
mundial sobre a freqüência de complicações mecânicas cas, como lesões de pele, poderem levar meses para se
dos cateteres, foram avaliados 39.180 cateterismos veno- manifestarem.
sos centrais39. Complicações mecânicas observadas após a Raramente a nutrição parenteral pode ocasionar
inserção do cateter incluíram mau-posicionamento (6%) doença metabólica óssea. Ela se manifesta por hipercal-
lesão arterial (1,4%), pneumo-hidro-hemotórax (1,1%), cemia e perda excessiva de cálcio e fósforo na urina. O
tromboses venosas (0,35%), tromboflebite (0,1%) e exame histopatológico dos óssos desses pacientes revela
embolismo do cateter (0,1%). Essas complicações devem sinais de osteomalácia. Estudos recentes sugerem que
ser diagnosticadas e tratadas imediatamente. Para tanto, é essa anormalidade não decorre de defeitos de mineraliza-
importante o estudo radiológico de rotina após a introdu- ção, mas sim da diminuição na formação de matriz óssea.
ção do cateter. Complicações mecânicas tardias associadas Complicações infecciosas - A incidência de sepse
ao cateter incluem deslocamento, retirada acidental, migra- relacionada ao cateter venoso no início da experiência
ção com embolia e extravasamento do cateter. A incidên- com nutrição parenteral era bastante elevada, chegando
cia dos chamados acidentes de punção tende a diminuir a 30% dos casos41. Com o desenvolvimento das equipes
com a maior experiência de quem a realiza. e pessoal especializado em terapia nutricional, ela redu-
As complicações relacionadas às soluções são, em ziu-se para 6,5%42. Uma das primeiras manifestações de
geral, decorrentes de preparo e armazenamento inade- sepse nos doentes recebendo nutrição parenteral é a
quados, com conseqüente contaminação e alterações intolerância à glicose. Uma vez descartada a possibilida-
fisico-químicas. de de outro foco infeccioso por meio de exame bacterio-
Complicações metabólicas - As complicações lógico de urina, sangue, escarro ou secreção de sítio
metabólicas mais freqüentes da nutrição parenteral são a cirúrgico, o cateter deve ser avaliado, até prova em con-
intolerância à glicose e as alterações das provas de função trário, como causa da febre. A conduta mais freqüente-
hepática. Menos comumente observam-se hipertrigliceri- mente utilizada é a retirada do cateter e o envio de sua
demia, hipoglicemia, deficiência dos ácidos graxos essen- ponta para cultura, além da realização de hemoculturas.
ciais, hiperinsulinemia, aumento da norepinefrina sérica,
hipercapnia e hipervolemia.
Intolerância à glicose é observada em cerca de 25% Profilaxia das complicações
dos pacientes40, manifestando-se por hiperglicemia, gli-
A nutrição parenteral requer cuidados especiais que
cosúria e, se não for manejada adequadamente, pode
envolvem indicação, prescrição e formulação adequadas,
evoluir para o coma hiperosmolar não-cetótico. O trata-
além de existência de protocolos médicos e de enferma-
mento consiste basicamente em diminuição da infusão
gem para a administração e o controle clínico e laborato-
da quantidade de glicose, pela substituição da infusão de
rial diário. A profilaxia das complicações é conseqüência
parte das calorias glicídicas por soluções lipídicas e
das boas práticas anteriormente descritas.
administração exógena de insulina.
A etiologia das alterações hepáticas decorrentes da
nutrição parenteral não é bem conhecida, mas é certa- Referências
mente multifatorial. Um dos fatores mais comumente
relacionados às alterações hepáticas durante a nutrição 1 ■ Bistrian BR, Blackburn GL, Vitale J, Cochran D, Naylor J.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

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08
BASES E
DISTÚRBIOS
DA CICATRIZAÇÃO
Ivana Duval Araújo,
Rafael Calvão Barbuto

Introdução ■ ferida com perda total – destruição da epiderme,


O organismo humano é formado por trilhões de célu- derme e tecido celular subcutâneo, chegando a atin-
las que se agrupam de acordo com sua morfologia e fun- gir outros tecidos como músculos, tendões e ossos.
ção (grau de diferenciação), constituindo quatro tipos Neste caso, o reparo envolve a formação de novo
básicos de tecido: epitelial, conjuntivo, muscular e nervo- tecido, o tecido de granulação que vai dar origem
à cicatriz3.
so. Esses tecidos se misturam em proporções variáveis
formando o parênquima, que se assenta sobre um arca-
bouço de tecido conjuntivo, o estroma, formando os Reparo de feridas
órgãos e sistemas corpóreos. A regulação do número de
células de um tecido é controlada em limites muito preci- A reparação tecidual pode ser feita por regeneração,
sos, sendo resultado do balanço entre as células produzi- por cicatrização ou pela combinação desses dois proces-
das e as células destruídas (por morte ou apoptose). sos. Na cicatrização, o reparo é feito principalmente
Porém, quando há desequilíbrio nesse balanço, como na pelos fibroblastos e conduz à formação de cicatriz;
lesão tecidual (ferida), o organismo trabalha para restau- porém, a estrutura inicial do tecido não é restaurada. Na
rar sua integridade o mais rápido possível, substituindo as regeneração há reposição tecidual “original”; a estrutura
células destruídas por células saudáveis ou restaurando as danificada é restaurada, embora não inteiramente, e a for-
células danificadas1. mação de cicatriz pode também ocorrer4.
O termo ferida é definido como interrupção na conti- A cicatrização é o mais comum mecanismo de reparo
nuidade de um tecido orgânico, em maior ou menor de feridas. Mesmo os tecidos com capacidade de regenera-
extensão, causada por qualquer tipo de lesão física, quí- ção podem ser reparados por cicatrização; isso ocorre
mica, mecânica ou desencadeada por afecção clínica2. De quando o tamanho da ferida excede sua capacidade rege-
acordo com a sua profundidade, a ferida pode ser classi- nerativa4. Os tecidos humanos que não se regeneram
ficada em: espontaneamente são reparados pela cicatrização.
■ ferida superficial – a lesão é limitada à epiderme; De acordo com a sua capacidade proliferativa, as célu-
■ ferida com perda parcial – atinge a epiderme e parte las do parênquima são classificadas em:
profunda da derme. Ocorre nos traumatismos, pro- ■ células lábeis – proliferam continuamente e têm alta

cedimentos dermatológicos (dermoabrasão, resurfa- capacidade mitótica. São muito sensíveis a agentes
cing por laser ou peelings químicos). A reparação faz- tóxicos como quimioterápicos e radiação. Fazem
se pela reepitelização dos anexos epiteliais ou epité- parte desta classe as células dos epitélios (boca, estô-
lio derivado da pele adjacente não acometida. A mago, bexiga etc.), medula óssea e tecido linfático;
cicatriz decorrente desses ferimentos é praticamen- ■ células estáveis – não se reproduzem freqüentemen-

te imperceptível3; te, mas, quando estimuladas, entram em atividade


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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mitótica. Isso ocorre quando o número de células feito por meio da deposição de fibroblastos no local da
diminui (por lesão ou apoptose). Exemplo: tecido lesão, formando a cicatriz, que muitas vezes pode levar à
fibroso, fígado, epitélio tubular renal, ossos com- perda de função do tecido4.
pactos;
■ células permanentes – normalmente, só se reprodu-

zem na vida embrionária, fetal, e raramente, no Fases da cicatrização


período neonatal. Estas células não se regeneram
quando lesadas, pois não sofrem processo de mito- Durante a cicatrização, os processos fisiológicos
se. Exemplos: neurônios, células musculares cardía- seguem uma série de eventos que começam com a imu-
cas, fotorreceptores da retina e estruturas dos glo- nomodulação da resposta ao trauma, feita por mediado-
mérulos renais. res químicos (aminas, citocinas, proteases plasmáticas
A cicatrização constitui processo fisiológico dinâmico etc.), estimulando uma sucessão de respostas celulares
que busca a restauração da continuidade de tecido bioló- que, por sua vez, desencadeiam novos processos bioquí-
gico que se encontra intacto. O processo de cicatrização micos (Figura 8.1). Esses eventos são divididos cronolo-
de feridas envolve uma série complexa de interações gicamente em fases: precoce (coagulação e inflamação),
entre mediadores bioquímicos, células sangüíneas, célu- intermediária (proliferação celular, síntese da matriz pro-
las da matriz celular e células parenquimatosas, inician- téica e síntese do colágeno), tardia (contração da ferida) e
do-se com a resposta inflamatória gerada pelo trauma e final (maturação ou remodelação da cicatriz)8. Essas
culminando com formação da cicatriz5-7. Como na cica- fases, apesar de distintas, são contínuas, interdependen-
trização não há restauração do tecido original, o reparo é tes e podem até ocorrer simultaneamente7.

Injúria

Coagulação

Inflamação

Síntese da Síntese do
matriz extracelular colágeno

Neoangiogênese Fibroplasia

Contração

Epitelização Maturação

Remodelamento

Cicatriz

Figura 8.1 .: Fases da cicatrização (modificado de Ishimura el al. 199825)

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Capítulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização

O dano tecidual mulada, ativando as cascatas da coagulação e do comple-


mento, resultando na formação do coágulo, responsável
A cicatrização inicia-se imediatamente após o dano por manter as bordas da ferida unidas e fornecer a matriz
tecidual, quando diversos mediadores bioquímicos são para a fixação de células inflamatórias9.
liberados, alguns deles com função de neuromediadores. Os eventos fisiológicos envolvidos na cascata da coa-
Determinados fatores associados diretamente ao trauma gulação podem se processar por via intrínseca ou extrín-
como o grau de contaminação, a localização anatômica, o seca. Porém, nas duas situações, o resultado final é a pro-
tipo de incisão e o volume da perda tecidual são determi- dução da trombina, enzima responsável pela conversão
nantes na síntese da ferida e no resultado final da cicatriz6. do fibrinogênio em fibrina.
A cicatrização das feridas pode ser classificada, de O coágulo consiste de plaquetas embebidas em
acordo com sua síntese, em: malha de fibras de fibrina, associadas a glicoproteínas
■ cicatrização primária (primeira intenção) – é aquela
como fibronectinas, vitronectinas e trombospondina10.
onde não há perda significativa de tecido, infecção
A fibrina, juntamente com a vitronectina (proveniente
ou edema. Neste caso, pode se realizar fechamento
primário com a aproximação das bordas da lesão. A do soro) e a fibronectina (produzida pelos fibroblastos
formação de tecido de granulação não é visível; e células epiteliais) formam a “matriz provisória”, que
■ cicatrização secundária (segunda intenção) – quan-
funciona como reservatório de citocinas e de fatores de
do há grande perda de tecido e pouca epitelização. crescimento que são liberados com a desgranulação das
O processo de reparo, neste caso, é mais complica- plaquetas ativadas. A fibronectina atua precocemente
do e demorado. Esse método de reparo é também na adesão celular e modula a migração de vários tipos
denominado cicatrização por granulação; celulares para a ferida8.
■ fechamento primário retardado (terceira intenção Após o controle da hemorragia, um mecanismo auto-
ou sutura secundária) – quando a ferida não é sutu- regulador contrário à progressão da coagulação entra em
rada primariamente ou a sutura se rompe e suas ação. Vários mediadores da fibrinólise são estimulados; o
bordas são reaproximadas após sua limpeza. Esse principal é o fator ativador do plasminogênio tecidual
tipo de fechamento é utilizado quando a ferida é (TPA), produzido pelo endotélio dos vasos lesados. O
contaminada, quando há risco de infecção, quando plasminogênio ativado converte plasminogênio em plas-
há grande perda de tecido ou quando o fechamen-
mina, que degrada os coágulos de fibrina, além de fibri-
to é feito com muita tensão, levando à deiscência da
sutura. Realiza-se, usualmente, três a sete dias após nogênio e fator V e VII da coagulação, presentes na
o dano inicial. matriz extracelular11. Os produtos dessa degradação são
Quando o fechamento da ferida é realizado por meio fagocitados pelas células do sistema retículo-endotelial,
de suturas, colas, pontes, grampos, entre outros artifí- determinando o final da coagulação.
cios, é denominado síntese cirúrgica. A síntese cirúrgica
é, portanto, operação fundamental da técnica cirúrgica e Inflamação
consiste na aproximação das bordas de tecidos secciona-
dos ou ressecados. A resposta inflamatória ocorre simultaneamente ou
imediatamente após a coagulação e dura entre três dias e
uma semana. Caracteriza-se, clinicamente, pelos sinais
Eventos precoces clássicos de dor, rubor (eritema), calor (hiperemia),
Coagulação tumor (edema) e perda da função local.
A vasodilatação é o primeiro evento da inflamação e
A fase de coagulação inicia-se logo após o trauma, ocorre dez a 15 minutos após a vasoconstricção inicial
com extravasamento de sangue para os tecidos, decor- (observada logo após o dano), gerando eritema e hipere-
rente da lesão de vasos sangüíneos e capilares. A hemor- mia. É mediada por histamina, serotonina, cininas, pros-
ragia estimula a vasoconstricção que é mediada por cate- taglandinas e outros fatores, como leucotrienos e substra-
colaminas circulantes (adrenalina), pelo sistema nervoso tos produzidos pelas células epiteliais. Esses mediadores
simpático (noradrenalina) e por prostaglandinas visando bioquímicos, em especial a histamina, a bradicinina e as
controle inicial do dano8. A atividade plaquetária é esti- prostaglandinas, juntamente com alguns produtos da
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

degradação do coágulo (C3a e C5a da cascata do comple- qüentes da cicatrização9,11,13. Entre esses fatores estão o
mento e trombina), atuam sobre as células endoteliais fator transformador do crescimento β (FTCβ), o fator de
expandindo o espaço entre elas e aumentando a permea- crescimento derivado de plaquetas (FCDP), a interleuci-
bilidade. Apesar de a ação dessas substâncias ser efêmera, na 1 (IL-1), a caquexina, o fator de crescimento de fibro-
em torno de 30 minutos, há exsudação do plasma para o blastos (FCF) e o interferon α e γ, que estimulam a
espaço intravascular e a migração de elementos celulares migração, a proliferação e a diferenciação dos fibroblas-
para a área de injúria, causando o edema12. tos, além de induzi-los a secretar colágeno e fibronectina.
Os mediadores bioquímicos são substâncias que A migração celular continua com os linfócitos T e B
modulam a resposta inflamatória, atuando principalmen- e plasmócitos, que produzem fatores de crescimento e,
te nas células sangüíneas e na microcirculação. São agru- principalmente, atuam como imunomoduladores da res-
pados em várias classes: aminas vasoativas (histamina, posta celular e humoral (produzindo anticorpos). Por
serotonina), proteases plasmáticas (cininas – bradicinina, fim, os eosinófilos, presentes em pequena quantidade,
calicina – sistemas do complemento, coagulação e fibri- envolvem-se na fagocitose específica de imunocomple-
nólise), metabólitos do ácido aracdônico (endoperóxi- xos e fonte de fator de crescimento tumoral β. Após uma
dos, prostaglandinas, tromboxane, leucotrienos), radicais semana, poucas células inflamatórias são encontradas na
livres de oxigênio (peróxidos, superóxidos, oxigênio área da ferida e fibroblastos começam a predominar.
livre), fatores de ativação plaquetária e de crescimento e
citocinas (interleucinas, fator de necrose tumoral). Têm
100
função, duração e sítio cronológico de ação específicos,
90
mas, muitas vezes, se sobrepõem. As cininas, de um
80
modo geral, têm tempo de ação curto, geralmente nos 70
períodos iniciais da inflamação. As prostaglandinas têm 60
tempo de ação mais longo, favorecendo a exsudação vas- % 50
cular num período precoce e estimulando a quimiotaxia 40

de leucócitos e a mitose celular num período mais avan- 30


20
çado12. Esses dois mediadores estimulam as terminações
10
nervosas locais (causando a dor), a bradicinina (nos está- 0 Leucócitos
gios iniciais) e as prostaglandinas (durante quase todo o 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Macrófagos
processo inflamatório). Outro fator associado que pro- DIAS
Fibroblastos

duz dor é a alteração do pH local devido à diminuição da


oxigenação tecidual11. Figura 8.2 .: Comportamento das células na fase inflamatória e de
Os leucócitos migram para a ferida, estimulados por fibroplasia
fatores quimiotáxicos presentes no sangue e secretados
por células lesadas ou mortas, e são responsáveis pela
fagocitose de bactérias e tecidos lesados. Os neutrófilos Eventos intermediários
polimorfonucleares aparecem no local da lesão nas pri-
meiras seis a 24 horas, aumentando seu número nas 24 Proliferação celular
horas seguintes e decaindo a partir daí (Figura 8.2). Eles A proliferação celular é responsável pelo fechamento
fagocitam as partículas menores e produzem colagenase da lesão propriamente dito e pode ser dividida em três
e elastase que “limpam” a ferida. Com a desgranulação subfases: neoangiogênese, epitelização e fibroplasia.
dos polimorfonucleares, a partir do segundo dia, os
monócitos migram para o espaço extravascular e, por
meio de um processo mediado por fatores séricos, trans- NEOANGIOGÊNESE
formam-se em macrófagos. Os macrófagos são elemen- Com o aumento da proliferação celular local é
tos essenciais na cicatrização das feridas, pois, além de necessária a criação de mecanismos para aumentar o
fagocitarem partículas maiores como polimorfonucleares afluxo de oxigênio e nutrientes para o local da lesão5.
degradados e bactérias, secretam diversos fatores de cres- Fatores locais como níveis elevados de lactato, pH
cimento e quimiotáxicos imprescindíveis nas fases subse- ácido e diminuição da tensão de oxigênio e citocinas
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Capítulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização

produzidas nos estágios anteriores (bradicinina, prosta- FIBROPLASIA


glandinas e outros mediadores bioquímicos oriundos Esta etapa inicia-se cerca de 48 horas após o trauma
dos macrófagos ativados) estimulam a migração de (Figura 8.2) e constitui-se no início da formação da cica-
células endoteliais da periferia para o centro da ferida. triz. Algumas substâncias produzidas pela matriz extrace-
Em seguida, estas células proliferam, originando bro- lular e pelos fatores de crescimento produzidos por
tos endoteliais sólidos que formam novos vasos san- macrófagos e plaquetas, especialmente o FTCβ e o
güíneos13-6. Os vasos neoformados crescem por meio FCDP, estimulam a migração dos fibroblastos ao longo
de um arcabouço formado por células jovens (princi- das redes de fibrina formadas na ferida. A partir do ter-
palmente fibroblastos que sintetizam e ordenam a ceiro dia, há queda contínua da taxa de migração dos
deposição dos feixes de colágeno) e matriz extracelular, fibroblastos e incremento na síntese da matriz por essas
formando tecido característico e conhecido como teci- células. A produção dessa matriz continua crescendo por
do de granulação6,16. Atualmente está bastante claro que três semanas, até que a taxa de degradação se iguale à de
a migração, a polarização e a orientação celulares são síntese8,12,18,19.
influenciadas pelos constituintes da matriz. Além de A natureza dos componentes da matriz extracelular
aumentar a oferta de oxigênio e nutrientes, a neoangio- não é estática, mudando com o tempo: nas fases iniciais,
gênese aumenta o aporte de células, como macrófagos há excesso de deposição de colágeno tipo III, enquanto,
e fibroblastos, para a ferida16,17. predomina o colágeno tipo I nas fases tardias7.
As redes de fibrina e os produtos da fase inflamatória
vão sendo gradativamente substituídos por um conjunto
EPITELIZAÇÃO
de substâncias amorfas e proteínas sintetizadas pelos
Um a dois dias após a lesão, as células epidérmicas fibroblastos, como colágeno, proteoglicanas (ácido hialu-
das margens começam a proliferar e migrar ativamente rônico, condroitina) e glicoproteínas (fibronectina, lami-
para o leito da ferida. Esse processo é estimulado por nina). Essas substâncias formam a matriz extracelular ou
mediadores químicos como fatores de crescimento, substância fundamental amorfa que confere viscosidade
interleucinas e fatores estimuladores de formação de e adesividade ao tecido de cicatrização. Enzimas proteo-
colônias, muitos deles produzidos pelos próprios que- líticas produzidas pelos próprios fibroblastos, como a
ratinócitos17. A ausência ou diminuição de contato colagenase e gelatinase, facilitam a movimentação dessas
celular nas margens da ferida, devido à lesão de células células por meio da substância fundamental amorfa.
vizinhas, é outro fator que incentiva a reepitelização,
por meio de modelo ordenado, conhecido como flu-
tuação. Inicialmente, a célula fixa-se à área desepiteliza- Síntese e deposição do colágeno
da; em seguida, outra célula próxima avança sobre a
primeira, ancora-se e é posteriormente encoberta por O colágeno é uma proteína composta por glicina,
uma terceira célula, que migra sobre ela e ancora-se e, prolina, hidroxiprolina, lisina e hidroxilisina, que se orga-
assim, sucessivamente. niza formando cadeias helicoidais longas. É o colágeno
Essa mobilização celular tende a ser rápida, porém que dá sustentação e força tênsil à cicatriz.
é dependente da concentração de alguns fatores locais, Cerca de 18 tipos diversos de colágeno já foram des-
como FTCß, FCDP, fator de crescimento epidérmico critos, responsáveis pelas mais diversas funções no pro-
(FCE) e da tensão de oxigênio no local da lesão6. Após cesso cicatricial9. Os colágenos tipo I e III são os mais
a cobertura da superfície cutânea, há mudança no comuns na derme humana, correspondendo, respectiva-
fenótipo das células epiteliais jovens, que se diferen- mente, a 80% e 10% de todo o colágeno da pele. Outros
ciam em queratinócitos6,17. Os queratinócitos iniciam a tipos de colágeno, como o colágeno tipo IV, principal
produção de substâncias, como a caquexina, o interfe- componente da membrana basal (na junção epiderme
ron e as calonas, responsáveis pelo ajuste retrógrado com a derme) e o colágeno tipo VII, responsável pelas
da secreção dos fatores de crescimento, finalizando o fibrilas de ancoragem (que se estendem da membrana
processo de reepitelização. basal até a derme), apesar de escassos, têm funções
imprescindíveis dentro do processo de cicatrização.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Uma etapa crítica na síntese do colágeno é a hidroxi- te avascular, o que faz desaparecer a coloração rósea
lação da prolina e da lisina, que requer ambiente rico em observada nos estágios anteriores. A cicatriz madura tem
oxigênio, vitaminas A, C e E e o ferro reduzido (Fe2+) aproximadamente 80% da força de tensão do tecido nor-
para sua ativação6. Portanto, fatores como desnutrição, mal e é plana, com cor semelhante à do tecido normal e
idade e estresse (por inibição da atividade enzimática pouco volumosa devido à remodelação do colágeno.
pelos corticosteróides) influenciam negativamente a sín-
tese de colágeno.
Características especiais da cicatrização
em outros tecidos
Eventos tardios
Contração da ferida Tubo digestivo

A contração da ferida é o movimento centrípeto das Diferentemente das feridas cutâneas, nas quais o pro-
bordas das feridas e envolve complexa e bem organizada gresso da cicatrização pode ser observado diariamente e
interação entre células, matriz extracelular e fatores de qualquer intervenção pode ser precocemente instituída
crescimento, com o objetivo de diminuir seu tamanho5. quando necessária, a cicatrização de alças intestinais está
Uma ferida de espessura total tem contração mesmo anatomicamente oculta de inspecções, contando o cirur-
quando há enxertos, que diminuem em 20% o tamanho da gião somente com parâmetros da evolução do paciente
ferida; nas cicatrizes por segunda intenção, a contração para avaliar o sucesso da operação20.
pode reduzir 62% da área de superfície do defeito cutâ- Além da muscular própria, as alças intestinais são
neo3. A contração não ocorre nas feridas superficiais. constituídas de três camadas: mucosa (interna), submu-
O processo começa uma semana após a injúria, atin- cosa (medial) e serosa (externa). A mucosa intestinal é
gindo seu ápice a partir da segunda semana, e é mediado uma classe de células epiteliais com a capacidade de pro-
pelo FTCβ e pelo FCDP, que estimulam a diferenciação liferar rapidamente em resposta a lesões que vão desde o
dos fibroblastos em miofibroblastos. Os miofibroblastos trauma fisiológico da digestão diária até lesões graves
são fibras delgadas, organizadas e ricas em músculo liso associadas à isquemia e a danos químicos ou infeccio-
ativo, que formam ligações cruzadas inter e extracelulares sos21,22. A recomposição da mucosa é modulada por diver-
entre os fibroblastos e destes com a matriz extracelular, sas citocinas e fatores de crescimento que estimulam inte-
formando a cicatriz9. rações na matriz celular, dependentes da integrina21.
Os tecidos mesoteliais, que formam a camada submu-
cosa, são os mais ricos em macrófagos e fibroblastos.
Eventos finais Esses fibroblastos se diferenciam em miofibroblastos
que se proliferam e são ativados em resposta a diversos
Fase de maturação
fatores de crescimento e, particularmente, à família dos
A fase de maturação é caracterizada por contínuo fatores de crescimento plaquetário23. Os miofibroblastos
processo de anabolismo e catabolismo de colágeno, for- submucosos e as células intersticiais de Cajal são os dois
mando tecido com grande força tênsil. Esse aumento de tipos de miofibroblastos identificados no intestino. Essas
tensão da cicatriz ocorre devido à reorganização das células garantem a força tênsil e elasticidade necessárias à
fibras de colágeno nas direções de maior solicitação, cicatrização eficiente24. Devido a essas características, a
semelhante ao que ocorre nos tendões5. submucosa é a camada mais importante a ser incluída nos
A degradação do colágeno é mediada por citocinas pontos de sutura.
(interferon γ, fator de necrose tumoral α – FNTα, FTCβ) As fases precoces do processo cicatricial de anasto-
e controlada por várias metaloproteínas (colagenase, gela- moses do intestino delgado podem ser sintetizadas como
tinase, hialuronidase), produzidas pelas células endoteliais, se segue. O primeiro passo é a hemostasia e a migração
células epiteliais, macrófagos e pelos próprios fibroblastos. de leucócitos. Inicialmente, neutrófilos polimorfonuclea-
A diminuição dos fatores de estímulo à neoangiogê- res migram para o local da ferida (geralmente após três
nese induzem a redução da neovascularização e apopto- horas e chegando ao máximo em 12 a 24 horas após a
se de células endoteliais, tornando a cicatriz praticamen- lesão), enquanto monócitos e fibroblastos surgem mais
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Capítulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização

tardiamente na ferida (24 a 48 horas). A degradação enzi- guração paralela às fibras do tecido de forma a suportar
mática do tecido necrótico e a colagenólise ocorrem, e a altas tensões. Na cicatrização de ligamentos e tendões, o
inflamação termina em cerca de uma semana. Os fibro- que se observa é que, histologicamente, as fibras na cica-
blastos iniciam a produção do colágeno a partir do segun- triz estão com alinhamento menos organizado29,30.
do dia pós-operatório, e a colagenogênese excede a cola-
genólise após o terceiro a quinto dia pós-operatório.
Vários fatores contribuem com a cicatrização e inte- Condições prejudiciais ao processo
gridade da anastomose, como suprimento sangüíneo de cicatrização
(fonte dos mediadores da cicatrização e oxigenação), ten-
são da anastomose, presença de inflamação e condições A cicatrização pode ser adversamente afetada por
clínicas do paciente, como presença de obstrução intesti- várias condições, que interferem na formação do coágu-
nal, neoplasia, quimioterapia, radioterapia, uso de este- lo, na fase de injúria ou lesão, até à maturação final da
róides e outras afecções associadas, como desnutrição, cicatriz. O conhecimento dos fatores que influenciam
diabetes mellitus, insuficiência vascular, entre outras25. negativamente a cicatrização é importante para que o
médico possa interferir naqueles em que isso seja possí-
vel, reduzindo assim o índice de complicações relaciona-
Serosas das à má cicatrização, como as fístulas decorrentes da má
cicatrização de alças intestinais, ou a evisceração por má
A serosa é formada por células mesoteliais e sua cica- cicatrização da aponeurose da parede abdominal.
trização é caracterizada pela uniformidade e rapidez com
que ocorre a reepitelização26. O reparo da serosa começa
na fase de coagulação com estímulo à liberação de gran- Desnutrição
de variedade de mensageiros químicos. Alguns dos prin-
cipais elementos celulares envolvidos são leucócitos, A desnutrição afeta adversamente a cicatrização por
macrófagos e células mesoteliais26. Os macrófagos recru- reduzir a oferta de macro e micronutrientes necessários à
tam novas células endoteliais para a superfície lesada. síntese da matriz, existindo correlação direta entre o grau
Essas células formam pequenas ilhas na superfície lesada, de desnutrição e a aquisição da força tênsil pela cicatriz.
proliferando e criando pontes de células mesoteliais.
Portanto, o processo de epitelização ocorre simultanea- Carência de oligoelementos
mente em toda a sua superfície e não gradualmente, a
partir das bordas das feridas (como na pele) usualmente VITAMINA C
cinco a sete dias após a lesão27. O ácido ascórbico (vitamina C) atua como cofator
na síntese do colágeno, proteoglicanas e outros
constituintes da matriz extracelular. Sua carência se
Ossos relaciona à produção de colágeno de baixa qualidade e,
conseqüentemente, à redução da força tênsil da cicatriz.
O processo de cicatrização óssea envolve série com-
Apesar de o ácido ascórbico ser importante na
plexa de processos celulares e moleculares coordenados,
cicatrização dos tecidos, aparentemente sua suplemen-
que promovem a remoção de material contaminado,
tação é benéfica somente naqueles pacientes com hipo-
angiogênese com restauração da microcirculação, restau-
vitaminose C, não havendo qualquer efeito em pacien-
ração da continuidade óssea por meio da ativação, proli-
tes nutridos31.
feração e quimiotaxia de progenitores ósseos a partir do
periósteo próximo28.
VITAMINA A
A vitamina A é importante na fase de epitelização por
Tendões ser decisiva na replicação e diferenciação das células epi-
A cicatrização dos tendões é processo complexo e teliais, além de promover o desenvolvimento do tecido
altamente regulado. Os ligamentos são compostos por ósseo. Também exerce papel importante no bom funcio-
fibras colágenas justapostas e muito próximas, em confi- namento do sistema imunitário e estimula a função de

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

monócitos e macrófagos. Observou-se que a suplemen- oxigênio é essencial à hidroxilação da prolina. A isque-
tação com vitamina A é capaz de reverter os efeitos dele- mia, ao impedir a chegada de sangue ao local, reduz tam-
térios do uso de corticosteróides31. bém o aporte de células inflamatórias, oxigênio e nutrien-
tes necessários à cicatrização34.
ZINCO
Cerca de 380 enzimas necessitam do zinco para exercer Senilidade
suas funções. O zinco exerce papel importante como cofa-
tor na síntese de DNA, divisão celular e síntese protéica31. Há um consenso geral de que a cicatrização se dá de
forma mais lenta nos idosos, nos quais todas as fases da
cicatrização estão comprometidas34-6. A senescência
Denervação da ferida afeta adversamente a cicatrização da ferida por reduzir a
Todo o processo cicatricial pode ser afetado pelos espessura da camada epidérmica, diminuir a elasticidade
efeitos da infiltração do anestésico local sobre os tipos da pele e a organização do colágeno, além de diminuir a
celulares próximos à ferida devido à sua mitotoxicidade. resposta inflamatória, afetando a fase inicial da cicatriza-
Verificou-se que a infiltração local de anestésicos reduz a ção. Além disso, em indivíduos idosos, há redução da
força tênsil da cicatriz nas fases precoces, reduz a síntese renovação celular, aumento da fragilidade vascular,
do colágeno e aumenta o tempo necessário para a epite- redução da vascularização, alteração da nutrição e da
lização de feridas cutâneas, além de aumentar a incidên- ingestão hídrica.
cia de infecções no local32.
Anemia
Infecções
Sabe-se que a anemia afeta negativamente a cicatriza-
A presença de bactérias reduz o pH ótimo para ação ção das feridas.
dos macrófagos, reduz a tensão de oxigênio, diminuin-
do a oferta desse gás para as células envolvidas na cica-
Doenças crônicas
trização, além de reduzir a hidroxilação da prolina
durante a síntese do colágeno. Também ocorre a com- As doenças crônicas, de uma forma geral, como o dia-
petição de células e bactérias pelos nutrientes, o que betes mellitus, a hipertensão arterial, a insuficiência cardíaca
reduz sua disponibilidade para as células responsáveis e a doença pulmonar obstrutiva crônica, afetam de forma
pela síntese da matriz, processo extremamente depen- indireta o processo cicatricial por meio de diversos meca-
dente da oferta de nutrientes. nismos. A presença de anemia relacionada à doença crô-
nica, a neuropatia periférica, a estase e a diminuição da
Tecido necrótico tensão de oxigênio no sangue está entre os fatores relacio-
nados à má cicatrização observada nos pacientes com
O tecido necrótico, além de impedir a difusão do oxigê- doenças crônicas. Nos pacientes com diabetes mellitus, há
nio na ferida, interferindo na função de células fagocitárias risco de desnutrição, além de alteração da vascularização
e macrófagos, fornece meio de cultura para o crescimento e da imunidade, que aumentam o risco de infecções.
de bactérias que vão promover infecção incisional32.

Drogas e tratamentos
Isquemia
Glicocorticóides
A isquemia provocada pela afecção de base, doenças
intercorrentes ou técnica operatória inadequada, afeta Os esteróides comprometem a cicatrização, sobretu-
adversamente a cicatrização33. É amplamente conhecido do quando administrados nos três primeiros dias após o
que, no processo cicatricial adequado, a síntese do colá- ferimento. Os esteróides reduzem a reação inflamatória,
geno é proporcional à tensão de oxigênio, uma vez que o a epitelização e a síntese de colágeno nas feridas.
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Capítulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização

Quimioterápicos 13 ■ Cromack DT, Parras-Reyes B, Mustoe TA. Current concepts in


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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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09
BASES
E DISTÚRBIOS
DA COAGULAÇÃO
Daniel Dias Ribeiro,
Marcelo Eduardo de Lima Sousa

Introdução tornam-se os primeiros agentes pró-coagulantes a entrar


em ação. Plaquetas são fragmentos de megacariócitos e,
Os seres humanos possuem um sistema hemostático apesar de não possuírem núcleo, têm estrutura e metabo-
complexo que se destina a manter o sangue fluido em
lismo complexo. Possuem membrana citoplasmática
condições fisiológicas, mas pronto a responder de manei-
com glicoproteínas responsáveis pela adesão
ra explosiva às lesões endoteliais para conter o sangra-
(GP Ib / IX – V) e agregação (GP IIb / IIIa) plaquetá-
mento e, após a cicatrização do endotélio, remover o coá-
gulo formado. Para que este equilíbrio fino funcione, ria, um complexo sistema de microtúbulos que permite a
vários componentes se interagem. A trombose pode extrusão de substâncias pró-coagulantes contidas nos
ocorrer se os mecanismos de inibição da coagulação esti- grânulos citoplasmáticos alfa e densos, e um sistema
verem diminuídos ou se a ativação da coagulação estiver semelhante ao sistema actina-miosina dos músculos,
exacerbada. Caso a ativação da coagulação esteja prejudi- capaz de mudar a forma da plaqueta de discóide para a de
cada, existe a tendência ao sangramento. Em muitos esfera com pseudópodes. As membranas das plaquetas
casos, pode-se dizer que a trombose é um acidente da ativadas formam uma superfície de fosfolípides onde
natureza que não teve tempo de se adaptar aos avanços ocorrem, praticamente, todas as reações da coagulação.
da Medicina moderna, que permite que o ser humano Os fatores pró-coagulantes são zimógenos que, após
sobreviva a desafios hemostáticos, a exemplo de grandes a ativação, transformam-se em serinoproteases. Todas as
operações, traumas e novos tratamentos, como quimiote- reações de ativação dos fatores da coagulação são reações
rapia e terapias hormonais. Entretanto, esses procedi- de quebra enzimática. Os pró-coagulantes são os fatores
mentos e tratamentos deixam-no vulnerável à trombose.1 I (fibrinogênio), II (protrombina), V, VII, VIII, IX, X, XI
A hemostasia é mantida por meio da interação entre
e XII. Os anticoagulantes naturais, responsáveis por ini-
endotélio, plaquetas, fatores plasmáticos pró-coagulan-
bir e limitar a coagulação, atuam bloqueando os pró-
tes, anticoagulantes pró-fibrinolíticos e antifibrinolíticos.
coagulantes ativados. Três são as principais vias de inibi-
O endotélio possui, na sua superfície, substâncias anti-
coagulantes (sulfato de heparina), antiagregantes plaque- ção da coagulação: via da antitrombina, via da proteína C
tários (óxido nítrico e prostaciclinas) e pró-fibrinolíticos e via do inibidor do fator tecidual. Na manutenção
(ativadores do plasminogênio tecidual e uroquinase). da hemostasia, têm-se ainda os antifibrinolíticos
Quando há lesão endotelial, o subendotélio é exposto (α2-antiplasmina, inibidor do ativador do plasminogênio
juntamente com substâncias pró-coagulantes, como o 1 – PAI 1, inibidor da fibrinólise ativado pela trombina –
colágeno, fator de von Willebrand, laminina e fibronecti- TAFI) e os pró-fibrinolíticos (ativadores do plasminogê-
na. Após a lesão endotelial, as plaquetas são ativadas e nio tecidual – tPA e uroquinase – uPA).
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Fisiologia da coagulação coagulação, ocorre com a exposição do fator tecidual, que


forma um complexo com o fator VII, ativando-o. Este
Como forma de simplificar e tornar mais didática a fisio-
complexo, então, ativa tanto o fator X quanto o fator IX, o
logia da coagulação, as interações que ocorrem durante a
formação e lise do coágulo são descritas em forma de “cas- que resulta na formação de pequenas quantidades de trom-
cata”, separada em vias intrínseca, extrínseca e comum, o bina. A segunda fase, de amplificação, é resultado do gran-
que deixa a impressão de que as reações ocorrem sempre na de feedback positivo feito pela trombina nos fatores VIII e V,
mesma seqüência e de forma independente. Sabe-se, hoje, resultando em maior formação de trombina. A terceira fase,
que estas interações são muito mais complexas do que a de propagação, consiste na manutenção de grande produ-
“cascata da coagulação” pode representar: várias interações ção de trombina pela formação de complexos ativadores de
que ocorrem in vivo não foram previstas in vitro e há diversos fator X (“tenase”) e II (“protrombinase”). Na quarta e últi-
feedbacks positivos e negativos de pró e anticoagulantes. Não
ma fase, de estabilização, o fator XIII atua sobre os políme-
há apenas fatores pró-coagulantes ativando outros pró-coa-
gulantes, mas também pró-coagulantes que ativam anticoa- ros de fibrina, formando a fibrina estável. Nesse momento,
gulantes e antifibrinolíticos1. há quantidade suficiente de trombina para que o inibidor de
O esquema que mais se aceita atualmente divide as rea- fibrinólise ativado pela trombina (TAFI) entre em ação2
ções da coagulação em fases. A primeira fase, que inicia a (Figuras 9.1 e 9.2).

FT TFPI
XI XII
FT IX
VII

VIIa VIIa IXa VIIIa


PCa
X
X fosfolípide VIII
Ca

PCa
V Va Xa

PCa
Xa AT AT AT
fosfolípide

PS AT
Ca
II IIa XIII
PC XIIIa
I Ia Fib
trombomodulina

FT – Fator tecidual Ca – Cálcio Fib – Fibrina estável AT – Antitrombina


PC – Proteína C PCa - Proteína C ativada PS - Proteína S PSa – Proteína S ativada
TFPI – Inibidor da via do fator tecidual Algarismos em romano – Significam o número de cada fator a - Ativado

Figura 9.1. Interações entre pró e anticoagulantes

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Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

endotélio fatores de contato

tPA plasmina
uPA

PAI-1 PAI-1 α2−antiplasmina


F XIIIa
TAFI
plasminogênio D E D D E

D E D D E D D E D
trombina
F XIIIa

D D D
D
E D
E

tPa – Ativador tecidual do plasminogênio uPA – Ativador de uroquinase do plasminogênio TAFI – Inibidor da fibrinólise ativado
pela trombina PAI-1 – Inibidor do ativador do plasminogênio 1 D-E-D – Monômero de fibrina D-E-D-D-E-D – Fibrina estável
D – Produto de degradação da fibrina ou fibrinogênio E – Produto de degradação da fibrina ou fibrinogênio D-D – Dímero D

Figura 9.2. Sistema fibrinolítico

Avaliação laboratorial da coagulação tempo de trombina (TT) que avalia apenas a conversão

de fibrinogênio em fibrina, avaliando a função do fibri-


Como citado anteriormente, a divisão da cascata da coa- nogênio;
gulação em vias intrínseca, extrínseca e comum foi uma ■ dosagem plasmática do fibrinogênio (medida quantita-
maneira simplificada para associar os testes laboratoriais às tiva do fibrinogênio).
alterações nos fatores da coagulação. Considera-se via extrín-
Assim, a análise da combinação dos resultados destes tes-
seca aquela que tem participação de substâncias extravascu-
tes permite as seguintes interpretações:
lares, ou fator tecidual no desencadeamento da coagulação.
■ TP alargado com TTPa e TT inalterados: deficiência
Assim, a via extrínseca é composta pelo fator tecidual e pelo
do fator VII.
fator VII. A via intrínseca é aquela cujos fatores são intravas-
■ TTPa alargado com TP e TT inalterados: deficiência
culares, e é composta pelos fatores XII, XI, calicreína, pré-
calicreína, cininogênio de alto peso molecular, fatores VIII e de algum fator da via intrínseca.
■ TP e TTPa alargados: deficiência de algum fator
IX. A via comum é composta pelos fatores X, V, II
e fibrinogênio. da via comum ou deficiências combinadas de
Os exames básicos para a avaliação da coagulação são: fatores das três vias.
■ tempo de protrombina (TP), que se relaciona com os Todas as deficiências de fatores devem ser confirmadas
fatores da via extrínseca (F VII) e da via comum; por dosagens específicas.
■ tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa), que A avaliação da função plaquetária é mais complexa, já
se relaciona com os fatores da via intrínseca que exige exames disponíveis apenas em laboratórios espe-
e comum; cializados. O tempo de sangria, teste realizado in vivo, possui
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

diversas variáveis e a única técnica que tem alguma correla- ro ano de vida4. Se não diagnosticados e tratados adequada-
ção com doenças plaquetárias é o tempo de sangria de Ivy mente, são pacientes facilmente identificáveis, pois, na maio-
modificado. Nessa técnica, incisões padronizadas são feitas ria das vezes, já apresentam seqüelas dos repetidos episódios
na pele do antebraço, mantendo-se estável a pressão arterial de sangramento intra-articular e, com certeza, possuem his-
por meio de compressão pelo manguito do esfignomanôme- tória pregressa bem característica, o que torna praticamente
tro a 40mmHg. A curva de agregação plaquetária é um teste impossível que um hemofílico passe despercebido em uma
mais preciso e útil, porém é realizado em poucos laborató- avaliação clínica pré-operatória. Já os pacientes com hemofi-
rios e tem custo mais elevado. lia moderada ou leve podem ser assintomáticos e apresentar
o primeiro episódio de sangramento aumentado quando
submetidos a algum estresse hemostático. Em geral, não é
Distúrbios congênitos difícil reconhecer esses pacientes, pois têm história familiar
As hemofilias A e B, juntamente com a doença de von positiva para sangramento aumentado e alterações laborato-
Willebrand, abrangem de 95% a 97% de todas as coagulo- riais facilmente detectáveis (tempo de tromboplastina parcial
patias congênitas. As deficiências de outros fatores podem ativado alargado).
se apresentar de forma homozigota em um em cada O tratamento da hemofilia iniciou-se por volta de 1965
milhão de pessoas. Cabe salientar que nem todas as defi- quando o crioprecipitado foi utilizado nos hemofílicos A.
ciências de fatores levam à tendência hemorrágica: pacien- Desde então, várias foram as mudanças: em 1970, apareci-
tes com deficiência congênita do fator XII possuem mento do concentrado de complexo protrombínico; em
tempo de tromboplastina parcial ativado alargado, mas 1980, produção dos primeiros concentrados de fatores liofi-
como este fator está relacionado com a ativação de fatores lizados, ainda sem inativação viral e, nesta mesma década,
inflamatórios e secreção dos ativadores do plasminogênio, estabelecimento da indicação do uso da desmopressina nos
sua deficiência está associada a risco aumentado de trom- pacientes com hemofilia A moderada e leve. Em 1990, sur-
bose (diminuição da fibrinólise). gem os fatores recombinantes3.
Todos os hemofílicos devem ser avaliados no pré-opera-
tório por um especialista para que seja programada a melhor
Deficiência dos fatores VIII (hemofilia A) e IX (hemofilia B) forma de reposição do fator em falta. A quantidade e o
tempo de reposição do fator a ser usado dependem da gra-
As hemofilias A e B são doenças recessivas ligadas ao
vidade e do tipo da hemofilia, do tipo de procedimento
cromossomo sexual (X), com prevalências de 1/5.000
cirúrgico e da presença ou não de inibidores de fator VIII ou
homens nascidos vivos (hemofilia A) e de 1/30.000 para
IX. Os inibidores são imunoglobulinas G, da subclasse 4,
hemofilia B. As hemofilias A e B são clinicamente
que aparecem em até 35% dos hemofílicos A e em até 5%
indiferenciáveis3.
dos hemofílicos B. Seu aparecimento está relacionado à
As hemofilias são classificadas de acordo com a gravida-
época da primeira exposição ao fator – quanto mais preco-
de da deficiência dos fatores em questão. Hemofilia leve,
ce, maior a probabilidade dos inibidores se desenvolverem –
com dosagem de fator VIII ou IX de 6% a 30% (40% dos
e ao tipo de mutação presente nos genes dos fatores VIII e
casos); moderada, de 1% a 5% (10% dos casos); e hemofilia
IX – grandes deleções e mutações pontuais nonsense. A pre-
grave, com dosagem de fator menor que 1% (50% dos
sença de inibidores dificulta a abordagem dos hemofílicos.
casos). As hemofilias A e B na forma grave são as que pos-
Até recentemente, era praticamente impossível ser bem-
suem maior importância, já que os pacientes com essas con-
sucedido em uma grande operação em hemofílicos com ini-
dições apresentam, em média, 30 a 35 episódios de sangra-
bidores de alta resposta, mas, com o aparecimento do fator
mento por ano. As manifestações hemorrágicas podem se
VII ativado recombinante, isso tornou-se viável.
iniciar logo no pós-parto imediato, com sangramento
aumentado pelo cordão umbilical. As crianças hemofílicas
desenvolvem hematomas após injeções intramusculares e Doença de von Willebrand
podem apresentar sangramento gengival aumentado duran-
te o nascimento dos primeiros dentes, mas têm o quadro Descrita em 1926 por um pediatra finlandês, Erik von
hemorrágico mais exuberante quando começam a andar. O Willebrand, esta é a doença hemorrágica congênita mais pre-
quadro articular vai se tornar importante próximo ao tercei- valente, encontrada em 1% a 2% da população geral. Porém,
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Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

em estudos cuja base de referência foram os sintomas Willebrand (avaliação quantitativa), a curva de agregação pla-
hemorrágicos, a prevalência da doença foi de 30 a 100 casos quetária, tempo de sangria de Ivy modificado e a avaliação
por milhão, semelhante à prevalência da hemofilia A. Esta quantitativa dos grandes multímeros do fator de von
grande diferença de prevalência se deve ao fato de que a Willebrand. Apesar da alta prevalência e do quadro clínico
doença de von Willebrand é, muitas vezes, oligossintomáti- oligossintomático, a avaliação laboratorial específica não está
ca e pode passar despercebida durante toda a vida. indicada para todos os pacientes.
O fator de von Willebrand é sintetizado pelo endotélio e O tratamento da doença de von Willebrand deve ser rea-
por megacariócitos e é fundamental para a adesão plaquetá- lizado de forma profilática de acordo com o tipo de procedi-
ria no endotélio lesado. Além disso, é responsável também mento cirúrgico e o tipo da doença de von Willebrand.
por estabilizar e transportar o fator VIII na circulação. As Pacientes com tipo 1, na grande maioria das vezes, são abor-
principais manifestações clínicas decorrentes de sua deficiên- dados apenas com o uso da desmopressina, já que esta
cia estão relacionadas com o defeito na fase primária da coa- aumenta a liberação endotelial do fator de von Willebrand e
gulação (epistaxe, gengivorragia e hipermenorréia), e defi- do fator VIII. Já pacientes com tipo 3 não respondem ao uso
ciência leve de fator VIII (sangramento aumentado pós- da desmopressina e são tratados com concentrado de fator
estresse hemostático: operações e traumas). Em geral, o san- VIII que possua fator de von Willebrand na sua composição
gramento nos pacientes com a doença de von Willebrand só e, mais recentemente, com concentrados de fator de von
é importante durante períodos de estresse hemostático. Willebrand. Pacientes com tipo 2B não devem fazer uso da
Há três grandes tipos da doença de von Willebrand5: desmopressina, pois pode ocorrer agravamento da plaqueto-
■ tipo 1, que corresponde a 60% a 80% dos casos e é penia existente. Nos demais subtipos (2A, 2M e 2N) tem-se,
caracterizada por deficiência quantitativa, leve a mode- como primeira escolha, o uso do concentrado de fator VIII
rada, do fator de von Willebrand; de baixa pureza ou do concentrado de fator de von
■ tipo 2, que representa 10% a 30% dos casos e é carac- Willebrand, mas a desmopressina pode ser usada. Os antifi-
terizada por apresentar defeitos qualitativos no fator de brinolíticos também podem ser usados como coadjuvantes
von Willebrand. É subdividida em quatro grupos: 2A, em todos os tipos da doença de von Willebrand6.
onde há ausência dos grandes multímeros; 2B, que
apresenta alta afinidade do fator de von Willebrand às
plaquetas e ausência dos grandes multímeros; 2M, com Trombocitopatias
defeito qualitativo do fator de von Willebrand sem
Embora bem menos prevalentes, as trombocitopatias
associação com deficiência de multímeros; 2N, com
podem ser um problema durante procedimentos cirúrgicos.
defeito no “sítio” de ligação do fator de von
São várias as trombocitopatias e, geralmente, são de difícil
Willebrand com o fator VIII;
diagnóstico, já que a avaliação laboratorial, muitas vezes, não
■ tipo 3, que representa 1% a 5% dos casos e é caracte-
se encontra disponível.
rizado por deficiência quantitativa grave do fator de
von Willebrand, que se encontra em nível menor que
1% e com dosagem de fator VIII entre 1% e 10%. Por TROMBASTENIA DE GLANZMANN
esse motivo, a doença de von Willebrand tipo 3 apre- Doença autossômica recessiva, descrita em 1918, é cau-
senta manifestações hemorrágicas semelhantes às das sada por defeito na glicoproteína de membrana GP IIb/IIIa,
hemofilias. que é responsável pela agregação plaquetária7. Trata-se de
doença hemorrágica de intensidade variável, com sangra-
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL mento cutâneo-mucoso como principal manifestação, e que
Testes usuais da coagulação como o TP e TT não auxi- se torna evidente logo na infância. O diagnóstico é feito por
liam no diagnóstico da doença de von Willebrand, já que não meio do tempo de sangria de Ivy modificado alargado, retra-
estão alterados nessa condição. O TTPa pode estar alargado ção do coágulo diminuída, plaquetas com número e morfo-
em pequena proporção de pacientes, mas, geralmente, está logia habituais, agregação plaquetária fisiológica com ristoce-
inalterado. São necessários testes específicos como a dosa- tina e ausente com colágeno, adrenalina e ADP, e por meio
gem do cofator de ristocetina, que avalia a função do fator de da quantificação da glicoproteína de superfície por citometria
von Willebrand, a dosagem imunológica do fator de von de fluxo. O tratamento deve ser feito na vigência de sangra-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mento ativo ou de qualquer procedimento que leve a risco de neo seja raro. A esplenomegalia secundária à hipertensão
sangramento. O tratamento indicado é a reposição de pla- porta é considerada a causa principal da plaquetopenia. A
quetas (concentrado de plaquetas). O uso da desmopressina trombopoietina, citoquinina responsável pela maturação dos
pode ser bem-sucedido quando o procedimento a ser reali- megacariócitos e formação de plaquetas, encontra-se dimi-
zado for de baixo risco para sangramento e os antifibrinolíti- nuída, pois é sintetizada no fígado. A destruição plaquetária
cos forem usados como coadjuvantes. Após o uso repetido decorrente de fenômenos imunológicos e o consumo secun-
do concentrado de plaquetas, é comum o aparecimento de dário à coagulação intravascular disseminada crônica (CID)
aloanticorpos contra plaquetas, o que pode inviabilizar futu- também são descritos. Por fim, pacientes que fazem uso do
ras transfusões. Alguns autores têm utilizado, com sucesso, o álcool têm a trombocitopoiese inibida. Defeito de interação
fator VII ativado recombinante nessas situações. das plaquetas com o endotélio, fatores da coagulação e
mesmo das plaquetas, demonstrados pela curva de agrega-
SÍNDROME DE BERNARD-SOULIER
ção plaquetária com ADP, colágeno, epinefrina, trombina e
Doença autossômica recessiva, descrita em 1948, que ristocetina são descritos nos cirróticos, sugerindo disfunção
evolui com defeito na glicoproteína de membrana plaquetária. A deficiência na produção plaquetária de trom-
GP Ib-IX-V, responsável pela adesão plaquetária7. Suas boxane A2, o aumento sistêmico das prostaciclinas, além da
manifestações clínicas são semelhantes às da trombastenia presença de aumento de produtos de degradação da fibrina,
de Glanzmann. O diagnóstico é feito por meio do tempo de podem ser os responsáveis pela disfunção plaquetária.
sangria de Ivy modificado alargado, retração do coágulo nor-
mal, contagem de plaquetas inalterada ou diminuída, volume DESEQUILÍBRIO NA SÍNTESE DE FATORES PRÓ E ANTICOAGULANTES
plaquetário aumentado e agregação plaquetária fisiológica Com exceção do fator de von Willebrand, todos os
com colágeno, adrenalina e ADP e ausente com ristocetina. fatores da coagulação têm síntese hepática. Estes fatores
Por meio da citometria de fluxo, pode-se quantificar a glico- são pró e anticoagulantes, pró e antifibrinolíticos. O tempo
proteína de superfície. As bases do tratamento são idênticas de protrombina e o tempo parcial de tromboplastina ativa-
às da trombastenia de Glanzmann. do não refletem toda a amplitude das alterações dos fatores
pró-coagulantes, já que estes se encontram alterados ape-
nas quando há diminuição importante desses fatores.
Distúrbios adquiridos Observa-se que, muitas vezes, os pró-coagulantes estão em
Insuficiência hepática níveis suficientes para a hemostasia e os anticoagulantes
estão diminuídos. Paciente com deficiência de um único
O fígado exerce função central na hemostasia. fator da coagulação em níveis próximos a 30% pode ser
Praticamente, todos os fatores da coagulação e seus inibido- submetido a situações de estresse hemostático sem apre-
res são produzidos pelos hepatócitos e muitos deles são de sentar sangramento aumentado.
produção exclusiva do fígado. Além disso, o clareamento Na insuficiência hepática mais de um pró-coagulante está
dos fatores ativados e dos produtos de degradação do fibri- diminuído, existe disfunção do fibrinogênio e, algumas
nogênio e fibrina são feitos pelo fígado. Dessa forma, a insu- vezes, a deficiência associada de vitamina K leva à disfunção
ficiência hepática leva a grande número de alterações no que dos fatores pró-coagulantes K dependentes.
diz respeito à hemostasia. O que ocorre na insuficiência
hepática não é simplesmente uma tendência ao sangramen-
DISFIBRINOGENEMIA
to, mas sim um desequilíbrio, muitas vezes imprevisível, do
sistema hemostático8. Esta é a alteração qualitativa mais comum na insuficiên-
cia hepática, estando presente em até 70% dos pacientes
com doença hepática crônica. É caracterizada pela polimeri-
ALTERAÇÕES PLAQUETÁRIAS zação anormal dos monômeros de fibrina, decorrente da
A plaquetopenia é um achado comum na doença hepáti- presença de quantidades excessivas de ácido siálico nas
ca avançada. É encontrada em 30% a 64% dos cirróticos, moléculas de fibrinogênio. Laboratorialmente, observa-se
mas raramente a contagem de plaquetas é menor que 30.000 dosagem de fibrinogênio em nível normal, com o tempo de
a 40.000/mm3, o que faz com que o sangramento espontâ- trombina (TT) alterado.
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Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

FIBRINÓLISE se (D-dímero e produtos de degradação da fibrina – PDF)


O aumento da fibrinólise é um achado comum na insu- não são capazes de quantificá-la e podem ser positivos devi-
ficiência hepática. Sua principal causa é o aumento dos do à presença de coágulos formados nos capilares lesados. A
níveis do ativador do plasminogênio tecidual (tPA), de sín- diferenciação entre fibrinólise fisiológica e patológica não
tese endotelial, devido à ausência de depuração hepática. pode ser feita por meio desses exames. Talvez os métodos
Com menor importância, baixos níveis de α2-antiplasmina, laboratoriais capazes de avaliar a coagulação de maneira glo-
TAFI (inibidor da fibrinólise ativado pela trombina) e PAI 1 bal, como o tromboelastograma, sejam a única maneira de
(inibidor do ativador do plasminogênio 1) contribuem para realmente conhecer o equilíbrio hemostático dos pacientes
fibrinólise primariamente aumentada. com insuficiência hepática. A reposição e a monitorização
pré, per e pós-operatórias devem ser feitas de acordo com os
COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA parâmetros do tromboelastógrafo. Caso o tromboelastogra-
O fato de a coagulação intravascular disseminada com- ma não seja possível, os exames básicos da coagulação
pensada e a insuficiência hepática evoluírem com alterações podem servir de parâmetro, mas o uso destes testes para
hemostáticas comuns levanta a hipótese da coagulação monitoramento acarretam transfusões em quantidades des-
intravascular disseminada estar presente nos pacientes cirró- necessárias de plasma fresco congelado e plaquetas. Os anti-
ticos. Ainda como objeto de discussão, novos exames labo- fibrinolíticos, a heparina e a desmopressina podem ser
ratoriais como fragmento 1 + 2 da protrombina, o D-díme- empregados quando se opta pela utilização do tromboelas-
ro, a fibrina solúvel, entre outros, permitiram o aparecimen- tógrafo como referência para a monitorização9.
to do termo “fibrinólise e coagulação intravascular acelera-
da”. Presente em até 30% dos casos de insuficiência hepáti-
ca, podem diminuir com o uso da heparina. Pacientes com Insuficiência renal
insuficiência hepática, com fibrinólise e coagulação intravas-
Sangramento aumentado em pacientes com insuficiência
cular acelerada, quando submetidos a situações de risco,
renal é um fato já bem reconhecido. Alterações na hemosta-
como sepse, choque, procedimento cirúrgico, trauma e
sia como disfunção endotelial, alteração da função plaquetá-
recirculação da ascite, podem facilmente desenvolver a coa-
ria e interações anormais entre o endotélio e as plaquetas são
gulação intravascular disseminada. O diagnóstico da coagu-
as prováveis alterações que explicam o sangramento aumen-
lação intravascular disseminada é difícil, já que as alterações
tado nesses pacientes. Apesar da diminuição dos episódios
laboratoriais são comuns tanto à insuficiência hepática e
de sangramento, com o uso mais amplo da diálise, e da cor-
fibrinólise, quanto à coagulação intravascular acelerada.
reção da anemia, com o uso da eritropoietina, esses episó-
Porém, redução desproporcional do fator V e queda do
dios ainda são considerados complicação clínica importan-
fator VIII previamente inalterado sugerem o aparecimento
te10. Em geral, os exames básicos da coagulação se encon-
da coagulação intravascular disseminada descompensada.
tram inalterados, não podendo predizer o risco de sangra-
mento durante procedimentos cirúrgicos. A patogênese do
AVALIAÇÃO LABORATORIAL sangramento em pacientes com insuficiência renal é com-
Devido à complexidade das alterações hemostáticas pre- plexa; várias alterações na hemostasia foram descritas, mas
sentes na insuficiência hepática, é improvável que os testes suas correlações com o sangramento clínico são fracas e
usuais para a avaliação da coagulação sejam capazes de exibir inconsistentes. Os pacientes com insuficiência renal apre-
o equilíbrio hemostático. Testes usuais para a avaliação da sentam-se com sangramento cutâneo mucoso que condiz
hemostasia como tempo de protrombina, tempo parcial de com alterações na fase primária da hemostasia. A desmo-
tromboplastina ativado, fibrinogênio, produto de degrada- pressina e o estrógeno conjugado têm sido usados no pré-
ção de fibrina, D-dímero, entre outros, por serem realizados operatório de pacientes com insuficiência renal.
em plasma citratado pobre em plaquetas e à temperatura de As doenças renais também estão associadas a complica-
37oC, não são capazes de avaliar as interações das hemácias ções trombóticas. Observa-se diminuição da fibrinólise
e plaquetas com os fatores de coagulação, o equilíbrio entre devido à diminuição dos ativadores do plasminogênio teci-
os fatores pró e anticoagulantes, as disfunções do fibrinogê- dual e aumento da α2-antiplasmina, e diminuição das pro-
nio e das plaquetas e a interferência da temperatura corporal teínas C e S, além de aumento na prevalência de anticoagu-
na hemostasia. Os testes para avaliar a presença de fibrinóli- lante lúpico em pacientes com insuficiência renal. Trombose
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

da fístula arteriovenosa é descrita como uma das principais Quadro 9.2. Sangramento espontâneo
complicações dos pacientes em hemodiálise. Existem alguns
estudos que utilizaram antiagregante plaquetário ou até Perguntas sobre:
mesmo anticoagulante oral em paciente com trombose de Aparecimento de hematomas em locais onde seria pouco provável a
repetição da fístula. Por se tratarem de relatos de caso ou associação com traumatismo
estudos caso-controle com pequeno número de pacientes Epistaxe e gengivorragia freqüentes e sem causa aparente
incluídos, não se pode tirar conclusões a esse respeito. A
Sangramento na urina e fezes
trombose de veia renal também é descrita em pacientes com
Sangramento intra-articular ou intramuscular
síndrome nefrótica.
Passado de anemia ferropriva

Avaliação pré-operatória da coagulação


Os procedimentos cirúrgicos são, sem dúvida, um gran-
de teste para a hemostasia, pois a reconstituição de um vaso Quadro 9.3. Uso de medicamentos
lesado é fundamental para o sucesso de qualquer procedi-
Perguntas sobre:
mento cirúrgico. Os médicos devem estar prontos para reco-
nhecer anormalidades hemostáticas com significado clínico Tipos de medicamentos usados pelos pacientes quando estão com
“gripes”, cefaléias, cólicas menstruais, dores em geral
antes de levar seus pacientes para o centro cirúrgico. Mesmo
Freqüência com que estes medicamentos são tomados
pequenos procedimentos em pacientes com distúrbios da
Correlação dos episódios de sangramento com o uso desses medica-
coagulação podem se tornar extremamente complicados11. mentos
Medicamentos mais comuns que interferem na coagulação: antiagre-
gantes plaquetários, antiinflamatórios não-esteróides, anticoagu-
História clínica lantes e alguns antibióticos

A maioria das anormalidades da coagulação com impor-


tância clínica pode ser detectada apenas com uma anamnese
bem feita. História médica detalhada, voltada para as anor- Quadro 9.4. História familiar
malidades da coagulação, é obrigatória antes de qualquer
procedimento cirúrgico. Esta deve ser colhida com antece- Perguntas sobre:
dência, pois, se necessário, avaliação laboratorial deve ser História de sangramento aumentado em algum parente próximo,
realizada antes da operação. Os principais pontos a serem após procedimento cirúrgico ou espontaneamente
investigados estão listados nos Quadros 9.1, 9.2, 9.3 e 9.4.

Quadro 9.1. Resposta hemostática a operações prévias e traumas


Pacientes que passaram recentemente por procedi-
Perguntas sobre: mento cirúrgico sem sangramento aumentado já foram
submetidos à prova hemostática mais eficaz que qualquer
Sangramento aumentado durante e após procedimentos como extra-
ções dentárias, operações otorrinolaringológicas, biópsias e teste laboratorial.
pequenos ferimentos O tipo de sangramento também fornece informações
Formação de hematomas desproporcionais às operações ou traumas importantes sobre a fase da hemostasia afetada.
Sangramentos cutâneo-mucosos sugerem alterações na fase
Necessidade de transfusão de hemocomponentes após procedimento
cirúrgico em que normalmente estes não são necessários
primária da coagulação (alterações endoteliais, plaquetope-
nias e disfunções plaquetárias), enquanto sangramentos
Sangramento aumentado no pós-parto. Sangramento menstrual
aumentado sem causa ginecológica
intramusculares ou articulares sugerem defeitos na fase
secundária da coagulação (deficiência de fatores da coagula-
ção). Esta diferenciação direciona a abordagem laboratorial.
Os problemas relativos às informações colhidas são
secundários à subjetividade, ao viés de memória, à ausência
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Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

de situações prévias de risco de sangramento e ao desconhe- interações com drogas e alimentos, controle laboratorial de
cimento da história familiar (p. ex. pacientes adotados). difícil padronização, problemas de não-adesão ao tratamen-
to e dificuldade de comunicação entre paciente e médico.

Exame físico
Quadro 9.5. Avaliação pré-operatória laboratorial da coagulação
Algumas alterações no exame físico, relacionadas a
doenças sistêmicas ou locais que interferem na hemostasia, Situação clínico-cirúrgica Recomendação
podem ser úteis na avaliação pré-operatória: presença de História pregressa hemostática Nenhum exame de triagem da
hematomas, petéquias ou sangramentos ativos no momen- e exame físico normais e procedi- coagulação é recomendado
mento cirúrgico pequeno
to do exame, presença de seqüelas articulares (hemartrose),
História pregressa hemostática Plaquetometria e TTPa devem
anormalidades vasculares como hemangiomas gigantes e e exame físico normais e procedi- ser realizados com o objetivo de
alterações do exame físico relacionadas à insuficiência mento cirúrgico de grande porte afastar distúrbios da coagulação
hepática e as doenças mieloproliferativas. adquiridos
História pregressa hemostática de Plaquetometria, TTPa, TP.
possível distúrbio da coagulação Testes para avaliar a função pla-
Estudos laboratoriais e operações de risco muito quetária devem ser realizados se
aumentado para sangramento ou houver suspeita de disfunção pla-
Os argumentos contra a realização de exames da coagu- procedimentos cirúrgicos em que quetária
mesmo pequenos sangramentos
lação na avaliação pré-operatória de rotina baseiam-se no podem ser graves
fato de que estes não se mostraram vantajosos. Diversos
História pregressa hemostática O paciente deve ser avaliado por
estudos evidenciaram que, em pacientes com história pre- fortemente sugestiva de coagulo- especialista que fará a avaliação
gressa e exame físico normais, os exames laboratoriais, patia e qualquer tipo de operação laboratorial da coagulação de
mesmo quando alterados, não levaram a qualquer mudan- acordo com a suspeita clínica
ça no risco de sangramento dos pacientes. Conclui-se que
TTPa – tempo de tromboplastina parcial ativado; TP – tempo de protrombina
exames da coagulação usados como testes de triagem são
desnecessários e não devem ser realizados quando não há
suspeita clínica de distúrbio da coagulação. Em geral, os
testes de triagem das alterações da coagulação devem Mecanismo de ação
basear-se na história clínica e na magnitude da intervenção
Os antagonistas da vitamina K produzem seu efeito anti-
cirúrgica proposta (Quadro 9.5).
coagulante por interferirem no ciclo da vitamina K. A enzi-
ma vitamina K epóxido-redutase, uma das responsáveis pela
Paciente em tratamento anticoagulante “redução” da vitamina KO em vitamina K1, é bloqueada
pelos antagonistas da vitamina K. Dessa maneira, não há a
Pacientes em uso de cumarínicos formação de vitamina KH2, a principal responsável pela
Os cumarínicos ou antagonistas da vitamina K são os gama-carboxilação do N terminal nas proteínas vitamina K-
principais anticoagulantes orais por mais de 50 anos. Sua efi- dependentes. Sem a gama-carboxilação, estas não exercem
cácia foi estabelecida por meio de estudos bem desenhados seus efeitos na coagulação, ou seja, na presença de antago-
para a prevenção primária e secundária do tromboembolis- nistas da vitamina K, há síntese de proteínas não-funcionan-
mo venoso, para a prevenção de tromboembolismo em tes. O efeito dos antagonistas da vitamina K pode ser neu-
pacientes com prótese de válvulas cardíacas ou fibrilação tralizado por pequenas doses de vitamina K1, a qual, em
atrial, para prevenção primária em pacientes com alto risco excesso, acumula-se no fígado e pode fazer com que os
para infarto agudo do miocárdio, e para prevenção de aci- pacientes se tornem resistentes aos antagonistas da vitamina
dente vascular encefálico, de infarto recorrente, ou de morte K, por até uma semana. Os fatores da coagulação vitamina
em pacientes com infarto miocárdico12. K-dependentes são os fatores pró-coagulantes II, VII, IX e
O uso dos antagonistas da vitamina K é um desafio na X e os anticoagulantes naturais, proteína C e S. Devido ao
prática clínica pelas seguintes razões: presença de janela tera- fato de que o fator II possui meia vida de 96 horas e a pro-
pêutica estreita, dose-resposta variável entre os indivíduos, teína C de sete horas, nas primeiras 96 horas há diminuição
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

de um anticoagulante natural sem a diminuição do principal Quadro 9.6. Preparo pré-operatório para pacientes em uso de
pró-coagulante, estabelecendo-se estado de hipercoagulabi- antagonistas da vitamina K
lidade. Por esse motivo, a heparina deve ser associada por,
no mínimo, cinco dias no início da anticoagulação com anta- Dia menos 5 Suspender AVK
HBPM dose terapêutica
gonistas da vitamina K, sendo retirada após dois dias conse- Heparina SC (TTPa
cutivos com essas drogas em níveis terapêuticos12. em faixa terapêutica)
A monitorização dos antagonistas da vitamina K é feita Dia menos 4 a dia menos 1 Manter heparina. Monitorizar
por meio do RNI (razão da normatização internacional), plaquetas e TTPa
índice derivado do tempo de protrombina como tentativa Dia menos 1 HBPM ou heparina não-fraciona-
de padronização interlaboratorial. da em doses terapêuticas (última
dose 24hs antes do procedimen-
to)
Dia da operação Medidas mecânicas*. Dose profi-
Suspensão e neutralização do warfarin
lática de heparina seis a 12 horas
após o término do procedimento
A suspensão pré-operatória dos antagonistas da vitami-
na K deve ocorrer quatro a cinco dias antes do procedimen- Dia mais 1 Observar sangramentos. Se pos-
sível, aumentar a heparina e ini-
to, tempo necessário para que o fator II volte a ser sintetiza- ciar AVK
do em sua forma funcionante. A neutralização dos antago-
Dia mais 2 Heparina em dose terapêutica e
nistas da vitamina K pode ser realizada com a vitamina K1, AVK
o plasma fresco congelado ou com o concentrado de
Dia mais 5 Verificar RNI. Se dois dias con-
complexo protrombínico. secutivos na faixa terapêutica,
suspender heparina

Procedimento cirúrgico eletivo AVK – antagonistas da vitamina K


HBPM – heparina de baixo peso molecular
SC – subcutâneo
Esquema com preparo pré-operatório para pacientes em TTPa – tempo de tromboplastina parcial ativado
uso de antagonistas da vitamina K está detalhado no RNI – razão da normatização internacional
* Medidas mecânicas: compressão pneumática intermitente, deambulação precoce
Quadro 9.6.

Procedimento cirúrgico de emergência Mecanismo de ação


Nos procedimentos cirúrgicos de urgência, o efeito do As heparinas são heterogêneas no que diz respeito ao
anticoagulante oral deve ser neutralizado imediatamente
tamanho das moléculas, atividade anticoagulante e proprie-
com o uso do plasma fresco congelado (10ml a 20ml de
dades farmacocinéticas. Seu peso molecular varia de 3.000 a
plasma por Kg de peso do paciente) ou com o uso dos com-
plexos protrombínicos. 30.000 daltons, com média de 15.000, contando com, apro-
ximadamente, 45 cadeias de monossacarídeos. Apenas um
terço da dose administrada se liga à antitrombina e é respon-
Paciente em uso de heparina sável pela maior parte do efeito anticoagulante. Os dois ter-
ços restantes têm pouca atividade anticoagulante em doses
As heparinas são uma mistura heterogênea de glicosami-
terapêuticas, mas, em altas concentrações, podem exercer
noglicanos que tiveram suas propriedades antitrombóticas
descobertas há mais de 90 anos. Elas exercem seu efeito sua ação anticoagulante por meio do cofator II da heparina.
anticoagulante de maneira indireta, atuando sobre seu cofa- O complexo heparina antitrombina (HAT) inativa a
tor, a antitrombina. As heparinas se ligam à antitrombina, trombina e os fatores Xa, IXa, XIa e XIIa. A trombina e o
levando a mudança na conformação da molécula, o que fator Xa são os mais sensíveis à ação do complexo heparina-
converte a antitrombina de um inibidor lento da trombina antitrombina, sendo a trombina dez vezes mais susceptível à
para um inibidor extremamente rápido13. inativação. Após a mudança na conformação molecular da
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Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

antitrombina causada pela heparina, o fator Xa é inativado Restauração pós-operatória da anticoagulação


sem que haja necessidade de ligação com a molécula da
heparina. Por outro lado, a inibição da trombina depende de O reinício da anticoagulação, no pós-operatório, deve
uma tripla ligação (trombina, heparina e antitrombina). Esta ser realizado de maneira cuidadosa, pelo risco de sangra-
é a diferença básica entre o mecanismo de ação das hepari- mento. Em primeiro lugar, deve-se ter certeza de indicação
da anticoagulação, pois só assim o risco é justificável. Outros
nas não-fracionadas e as de baixo peso molecular. Essas últi-
fatores importantes são o risco de trombose em relação ao
mas inibem o fator Xa em proporções até quatro vezes
paciente e ao tipo de procedimento cirúrgico. Em pacientes
maiores, que inibem a trombina, exatamente por serem
com alto risco de trombose submetidos a operações cujo
moléculas menores, nas quais não é possível que ocorra a tri-
risco de sangramento é pequeno, a anticoagulação deve ser
pla ligação (moléculas com menos de 18 sacarídeos perdem
reiniciada o mais rápido o possível. Em geral, no dia do ato
a capacidade de se ligarem simultaneamente à trombina e à
cirúrgico, doses profiláticas de heparina são usadas e, no pri-
antitrombina). A inibição limitada da trombina faz com que
meiro dia de pós-operatório, doses plenas de heparina
um dos testes usados para monitorizar a ação da heparina
devem ser utilizadas e o anticoagulante oral reiniciado.
perca sua sensibilidade quando doses terapêuticas de hepa-
rina de baixo peso molecular são usadas (o tempo de trom-
boplastina parcial ativado não se alarga durante o uso das Profilaxia para tromboembolismo venoso no
heparinas de baixo peso molecular)13. paciente cirúrgico
A maioria dos pacientes hospitalizados possui fatores de
Suspensão e neutralização da heparina risco para o tromboembolismo venoso e, em geral, estes
fatores são cumulativos. Sem profilaxia, a incidência de
No caso de operações eletivas, as heparinas de baixo
tromboembolismo venoso confirmada objetivamente é de
peso molecular devem ser suspensas 12 horas antes, quando
10% a 40% em pacientes clínicos e cirúrgicos, e de até 60%
em doses profiláticas, e 24 horas antes, quando em doses
em pacientes submetidos a grandes operações ortopédicas.
terapêuticas. As heparinas não-fracionadas, quando em
Um quarto a um terço dos trombos venosos envolvem veias
doses terapêuticas e em infusão contínua, podem ser sus-
proximais dos membros inferiores, sendo a maioria dos
pensas até seis horas antes do procedimento. Quando a via
casos sintomáticos e com possibilidade de evoluir para
de administração for subcutânea, devem-se respeitar os
tromboembolismo pulmonar. Aproximadamente 10% dos
mesmos intervalos das heparinas de baixo peso molecular. óbitos hospitalares são atribuídos ao tromboembolismo
As heparinas podem ser antagonizadas pelo sulfato de pulmonar. A profilaxia para o tromboembolismo venoso se
protamina, que forma um sal estável após sua ligação com as torna justificável pelos seguintes fatores14:
heparinas. A dose utilizada é de 1mg de sulfato de protami-
na para cada 100UI de heparina. O cálculo da dose deve
levar em conta a meia vida das diferentes heparinas. A hepa- Alta prevalência de tromboembolismo venoso
rina não-fracionada tem meia vida de aproximadamente 60
minutos; logo, a cada hora que passa do momento da sua ■ a maioria dos pacientes hospitalizados possui algum
administração, a dose de protamina deve ser diminuída pela fator de risco para tromboembolismo venoso;
metade. Quando a heparina de baixo peso molecular for uti- ■ o tromboembolismo venoso profundo é comum em
lizada, a dose é de 1mg para cada 100UI de antifator Xa nas muitos grupos de pacientes internados;
primeiras oito horas após a administração; a partir de então, ■ o tromboembolismo venoso profundo e o trom-
a dose de protamina deve ser diminuída. Como a ligação da boembolismo pulmonar adquiridos durante a interna-
protamina com a heparina depende do tamanho da molécu- ção são usualmente silenciosos;
la, a inativação das heparinas de baixo peso molecular não ■ há dificuldade de predizer quais dentre os pacientes de
ocorre por completo; apenas 60% da sua atividade anti-fator risco terão tromboembolismo venoso;
Xa é antagonizada. Em algumas raras situações, o plasma ■ a realização de exames de imagem como screening não
fresco congelado pode ser utilizado. apresenta boa relação custo-benefício.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Conseqüências adversas do tromboembolismo Eficácia e eficiência da tromboprofilaxia


venoso não-prevenido
a tromboprofilaxia é altamente eficaz em prevenir o

■ trombose venosa profunda e tromboembolismo tromboembolismo venoso e o tromboembolismo


pulmonar sintomáticos; pulmonar fatal;
■ tromboembolismo pulmonar fatal; ■ a prevenção da trombose venosa profunda também

■ custos da propedêutica em pacientes sintomáticos previne tromboembolismo pulmonar;


(confirmar o diagnóstico); ■ a relação custo-benefício da tromboprofilaxia já foi

■ risco futuro de tromboembolismo venoso recor- repetidamente demonstrada.


rente; No Quadro 9.7, estão associados os diferentes níveis
■ síndrome pós-trombótica (seqüelas). de risco de tromboembolismo venoso e as respectivas
estratégias recomendadas para a sua profilaxia.

Quadro 9.7. Risco de tromboembolismo venoso em pacientes cirúrgicos sem profilaxia e estratégias profiláticas recomendadas

TVP % TEP %
Nível de risco Distal Proximal Clínica Fatal Estratégia para profilaxia
Baixo Risco 2 0,4 0,2 <0,01 Sem profilaxia específica.
Operações menores em pacientes Deambulação precoce
com menos de 40 anos sem fatores
de risco adicional
Risco Moderado 10 – 20 2–4 1–2 0,1 – 0,4 Heparina não-fracionada 5.000UI
Operações menores em pacientes SC de 12 em 12hs ou
com fatores de risco adicional. Heparina de baixo peso molecular
Operações em pacientes entre 40 e ≤ 3.400UI SC dia, associada a
60 anos sem fatores de risco adi- meia de compressão gradual ou
cional compressão pneumática inter-
mitente

Alto Risco 20 – 40 4–8 2–4 0,4 – 1,0 Heparina não fracionada 5.000UI
Operações em pacientes acima de 60 SC de 8 em 8hs ou
anos, ou entre 40 e 60 anos com fato- Heparina de baixo peso molecular
res de risco adicional > 3.400UI SC dia, associada a
meia de compressão pneumáti-
ca intermitente

Altíssimo Risco 40 – 80 10 – 20 4 – 10 0,2 – 5,0 AVK oral (RNI entre 2,0 e 3,0)
Operações em pacientes com múlti- Heparina de baixo peso molecular
plos fatores de risco > 3.400UI SC dia, associada a
Artroplastia do joelho ou articulação meia de compressão pneumáti-
coxo-femoral e operação para cor- ca intermitente
reção de fratura de fêmur
Grandes traumatismos e lesão raqui-
medular

Operações menores: procedimentos cirúrgicos não-abdominais com menos de 45 minutos de duração.


Operações: quaisquer procedimentos abdominais (exceto operações de parede abdominal) ou procedimentos com mais de 45 minutos de duração.
Fatores de risco: tromboembolismo venoso prévio, neoplasia em atividade, trombofilia documentada laboratorialmente.
A profilaxia medicamentosa deve ser iniciada, preferencialmente, 12 horas antes do procedimento.
TVP – trombose venosa profunda; TEP – tromboembolismo pulmonar; SC – subcutâneo; AVK – antagonistas da vitamina K; RNI – razão da normatização internacional

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Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

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10
MICROBIOTA
INDÍGENA E DEFESA
ANTIINFECCIOSA
Lucienne França Reis Paiva, Guilherme Birchal Collares,
Hyllo Baeta Marcello Júnior

Introdução mecanismos de proteção antiinfecciosa, mas também


porque constitui reservatório de microrganismos poten-
O ser humano é isento de germes somente enquanto cialmente patogênicos. Além disso, conhecendo a micro-
habita, em condições fisiológicas, o útero materno, tor- biota indígena, é possível interpretar melhor os achados
nando-se colonizado por microrganismos a partir do de culturas, valorizando ou não o isolamento de determi-
momento do nascimento. Em contato com o meio exte- nados microrganismos em determinados sítios5.
rior, as superfícies corporais são colonizadas principal-
mente por bactérias, e, em menor escala, por fungos e
protozoários1. Esta coleção de microrganismos que habi- Microbiota indígena
ta o corpo é comumente denominada “microflora nor- Mecanismos regulatórios do hospedeiro (fatores autó-
mal”. Outros termos muito usados são “flora normal”, genos) e fatores externos (alogênicos) são responsáveis pela
“microbiota indígena” e “microbiota autóctone”. Destes presença de determinados microrganismos no corpo e pela
todos, os termos mais corretos são “microbiota indíge- eliminação de outros. Diferenças bioquímicas e fisiológicas
na” e “microbiota autóctone”, pois definem uma coleção em diferentes regiões do corpo (temperatura, pH, potencial
de microrganismos que são nativos do corpo2,3. “Flora” e de oxirredução, osmolaridade, nutrientes, receptores na
“microflora” são conotações botânicas infelizes, deriva- superfície de células epiteliais, entre outros) proporcionam
das dos tempos em que as bactérias e outros microrganis- ambientes propícios para determinados microrganismos e
mos eram considerados semelhantes às células vegetais2. desfavoráveis para outros. A capacidade de adesão à super-
A microbiota indígena habita a superfície da pele, a cavi- fícies do corpo, que é célula-específica e relacionada à
dade oral, o trato respiratório superior, o trato gastroin- expressão de adesinas, é um dos principais requisitos
testinal e os tratos urinário e genital, variando qualitativa para a colonização2,6,7.
e quantitativamente nos diversos sítios2. Cada parte do corpo contendo suas características
O número de microrganismos presentes na microbiota estruturais e microbianas pode, por definição, ser conside-
indígena chega a superar o número de células de seu pró- rada um ecossistema. Como cada ecossistema abriga micro-
prio hospedeiro. Enquanto um adulto humano é constituí- biota característica, a microbiota indígena humana pode ser
do de, aproximadamente, 1013 células eucarióticas, as suas dividida em microbiota da pele (Quadro 10.1), do trato res-
superfícies podem ser colonizadas por um total de 1014 piratório superior (Quadro 10.2), da cavidade oral (Quadro
células microbianas procarióticas e eucarióticas4. 10.3), microbiota gastrointestinal (Quadro 10.4) e do trato
O conhecimento da microbiota é importante não só genital (Quadro 10.5).
porque ela exerce ações benéficas para o hospedeiro, A microbiota pode ser classificada em transitória ou
decorrentes de seu metabolismo, e colabora com os residente. A microbiota residente é praticamente cons-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tante em determinada topografia e faixa etária. Após seu microbiota residente permanecer inalterada, mas pode
estabelecimento, e em condições normais, não é alterada originar doenças na sua alteração5,6.
e, quando isso ocorre, é prontamente restabelecida por si A interação da microbiota com os tecidos é altamente
só. Está firmemente, aderida a receptores teciduais por específica e é determinada por fatores locais do hospedei-
meio de ligações covalentes, hidrogênio-iônicas, entre ro, como especificidade dos receptores, suprimento san-
outras, só podendo ser removida pela morte microbiana güíneo, nutrientes, temperatura, umidade, pH, potencial
ou alterações no receptor. Os nossos tecidos represen- de oxirredução, presença de enzimas e anticorpos IgA.
tam seu hábitat natural e, quando o equilíbrio é mantido, Os fatores ambientais, como o tipo de dieta, hábitos de
não provoca doenças, atuando como barreira antiinfec- higiene, poluição, saneamento básico, utilização de anti-
ciosa. A microbiota transitória pode colonizar tecidos microbianos ou anti-sépticos e hospitalização, também
temporariamente por algumas horas, dias ou semanas, influenciam na constituição da microbiota normal5.
não sendo restabelecida por si só. A sua interação com
receptores teciduais é reversível, podendo ser removida.
Geralmente, origina-se do meio ambiente ou de outros
tecidos do hospedeiro e não representa problema se a Quadro 10.2 .: Bactérias comumente detectadas no trato respira-
tório superior*

Porção anterior das narinas Staphylococcus epidermidis


S. aureus
Quadro 10.1.: Microrganismos comumente detectados na pele Corynebacterium sp
humana* Nasofaringe Staphylococcus epidermidis
S. aureus
Cocos Gram-positivos Staphylococcus aureus Corynebacterium spp.
S. auriculares Moraxella catarrhalis
S. capitis Haemophilus influenzae
S. cohnii Neisseria meningitidis
S. epidermidis N. mucosa
S. haemolyticus N. sicca
S. hominis N. subflava
S. saccharoltticus Orofaringe Todas as da nasofaringe, mais:
S. saprophyticus Streptococcus anginous
S. simulans S. constellatus
S. warneri S. intermedius
S. xylosus S. saguis
Micrococucus luteus S. oralis
M. lylae S. mitis
M. nishinomiyaensis S. acidominimus
M. kristinae S. morbillorum
M. sedentarius S. salivarius
M. roseus S. uberis
M. varians S. gordonii
Bastonetes Gram-positivos Corynebacterium jeikeium S. mutans
C. urealyticum S. cricectus
C. minutissimum S. rattus
Propionibacterium acnes S. sobrinus
P. avidum S. crista
P. granulosum S. pneumoniae
Brevibacterium epidermidis S. pyogenes (<10% da população humana)
Haemophilus parainfluenzae
Bastonetes Gram-negativos Acinetobacter johnsonii Mycoplasma salivarius
Leveduras Malassezia furfur M. orales
Aracnídeos Demodex folliculorum
*Modificado de Tannock2

*Modificado de Tannock2

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Capítulo 10 .: Microbiota indígena e defesa antiinfecciosa

Quadro 10.3 .: Bactérias comumente detectadas na cavidade Quadro 10.4 .: Gêneros bacterianos comumente encontrados
oral de seres humanos* nas fezes humanas*

Bastonetes Gram-positivos Actinomyces israelli Bactérias detectadas Acidaminococcus


e bactérias filamentosas A. viscosus Bacteróides
A. naeslundii Bifidobacterium
Eubacterium alactolyticum Clostridium
E. saburreum Coprococcus
Lactobacillus casei Enterobacter
Bifidobacterium dentium Enterococcus
Corynebacterium matruchotii Escherichia
Propionibacterium sp Eubacterium
Rothia dentocariosa Klebsiella
Lactobacillus
Bastonetes Gram-negativos Prevotela melaningogenica Megamonas
P. intermedia Meghasphaera
P. loescheii Methanobrevibacter
P. denticola Methanosphaera
Porphyromonas gingivalis Peptostreptococcus
P. assacharolytica Proteus
P. endodontalis Ruminococcus
Fusobacterium nucleatum Veillonella
F. naviforme
F. russii
F. peridoncticum *Modificado de Tannock2
F. alocis
F. sulci
Leptotrichia buccalis
Quadro 10.5 .: Microrganismos comumente detectados no lava-
Selenomonas sputigena
do vaginal de humanas*
S. flueggei
Capnocytophaga ochracea
C. sputagena Cocos Gram-positivos anaeróbios Bacteroides
C. gingivalis Candida
Campylobacter rectus Corynebacterium
C. curvus Eubacterium
Veillonella parvula Gardnerella
V. atypica Lactobacillus
V. dispar Mycoplasma
Propionibacterium
*Modificado de Tannock2 Staphylococcus
Streptococcus
Ureaplasma

Importância da microbiota indígena *Modificado de Tannock2

A microbiota indígena, quando em equilíbrio e na


ausência de fatores que comprometam a imunidade do Na defesa, a microbiota age impedindo o estabeleci-
hospedeiro, apresenta vários efeitos benéficos, atuando mento de microrganismos exógenos possivelmente pato-
na própria defesa antiinfecciosa e contribuindo para a gênicos, por meio de diversos mecanismos, como compe-
nutrição do hospedeiro2. tição por nutrientes, produção de bacteriocinas ou modifi-
Certos membros da microbiota intestinal são capazes cações ambientais, que desfavorecem a colonização de
de sintetizar vitaminas K, B12, folato, piridoxina, biotina patógenos. Bactérias do gênero Bifidobacterium presentes
e riboflavina, contribuindo para a nutrição do hospedei- no cólon de crianças em aleitamento materno produzem
ro. Apesar disso, com exceção da vitamina K, as quanti- ambiente adverso para infecção por patógenos entéricos9.
dades produzidas são muito pequenas em relação à quan- Bacteriocinas produzidas por Streptococcus do grupo viri-
tidade presente numa dieta balanceada8,9. dans, presentes na microbiota da orofaringe, impedem a
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

colonização por Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes ça de anaeróbios e enterobactérias intestinais9,11.


e bastonetes Gram-negativos, potencialmente patogêni- Streptococcus do grupo viridans, presentes normalmente na
cos8. A microbiota vaginal apresenta efeito similar de pro- cavidade oral, podem atingir a circulação sangüínea devi-
teção contra infecções, devido à produção de ácido lático do a traumas diversos (p. ex., extração dentária) e coloni-
pelos Lactobacillus spp, por meio do metabolismo do glico- zar válvulas cardíacas previamente lesadas, levando à
gênio presente no epitélio vaginal. A produção de ácido endocardite bacteriana9.
lático ajuda a manter o pH vaginal ácido (aproximadamen- Além disso, microrganismos da microbiota podem
te 4,5), o que dificulta a presença de enterobactérias pato- causar infecções diversas em pacientes com comprome-
gênicas. Além disso, a produção de peróxido de hidrogê- timento de seus mecanismos de defesa. Assim, a maior
nio pelos Lactobacillus spp tem ação antimicrobiana direta e, parte das infecções hospitalares é causada por espécies da
em associação com a mieloperoxidase, libera íon cloro, microbiota humana normal5.
outro potente germicida2,5. O papel protetor da microbio- O desenvolvimento de doença infecciosa depende,
ta pode ser evidenciado, ainda, pela superinfecção por particularmente, do modo de interação entre parasita e
microrganismos patogênicos resistentes, que pode ocorrer hospedeiro, o que, por sua vez, depende de fatores rela-
após o uso de antibioticoterapia de largo espectro. Candida cionados aos microrganismos, às defesas do hospedeiro
albicans da microbiota indígena pode multiplicar-se inten- e ao ambiente onde ocorre a infecção. Classicamente, os
samente, causando micoses superficiais nas regiões oral e microrganismos são classificados em patogênicos e não-
genital, após o uso de antimicrobianos. Colite pseudo- patogênicos, de acordo com sua capacidade de produzir
membranosa é resultado da proliferação de Clostridium dif- doença. Esta divisão se torna muito difícil porque a ocor-
ficile devido à pressão seletiva decorrente do uso intensivo rência da doença não depende apenas da capacidade do
de antibioticoterapia9. microrganismo de produzir lesão, mas também da capa-
Além desses mecanismos, a microbiota indígena auxilia cidade do hospedeiro em evitar a infecção. Micror-
a defesa contra infecções por meio da estimulação antigê- ganismos classificados como não-patogênicos podem
nica, induzindo produção de imunoglobulinas, como IgA e induzir doenças graves em pacientes imunocomprometi-
IgG. Animais isentos de germes têm sistema mononuclear- dos. Sendo assim, todo microrganismo que coloniza um
fagocitário pouco desenvolvido e níveis séricos de imuno- ser vivo deve ser considerado como possivelmente
globulinas baixos. Assim, muitas bactérias consideradas patogênico5.
não-patogênicas podem ser letais para animais criados em O grau de patogenicidade de um microrganismo,
condições completamente assépticas8-10. também chamado de virulência, depende da sua capaci-
dade de se estabelecer e proliferar nos tecidos do hospe-
Fatores envolvidos nas infecções: deiro, resistir aos mecanismos de defesa do hospedeiro e
produzir lesão. Fatores de patogenicidade são caracterís-
características dos agentes infecciosos ticas do microrganismo que contribuem, em última ins-
Em contrapartida aos efeitos benéficos, a microbiota tância, para desenvolvimento de doença. Sendo assim, a
indígena pode atuar como reservatório de microrganis- presença de flagelos e a motilidade bacteriana possibili-
mos potencialmente patogênicos para o hospedeiro. tam, muitas vezes, ao microrganismo atingir o local de
Muitos microrganismos presentes normalmente na infecção5,12. Adesinas presentes no glicocálice bacteriano
microbiota do hospedeiro podem causar infecções opor- e em estruturas de superfície, como fímbrias, unem-se a
tunistas nos seus sítios indígenas, como mencionado no receptores específicos da célula do hospedeiro, possibili-
desequilíbrio pela ação de antimicrobianos, ou quando tando a fixação aos tecidos humanos5,12. A presença de
atingem locais diferentes de seu sítio natural de coloniza- cápsula, formada a partir do glicocálice, atua impedindo
ção11. Assim, a maioria das infecções do trato urinário é a fagocitose das bactérias por células do sistema mono-
causada por enterobactérias da microbiota do trato nuclear-fagocitário5,12.
digestivo, que atingem o trato urinário por via ascenden- A virulência de algumas bactérias está, também, asso-
te9,11. A perfuração do cólon libera material fecal na cavi- ciada à produção de algumas enzimas como leucocidinas,
dade abdominal, o que pode levar à peritonite e forma- que podem destruir neutrófilos; hemolisinas, que causam
ção de abscessos intra-abdominais relacionados à presen- lise de hemácias; coagulases, que produzem coágulos de
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Capítulo 10 .: Microbiota indígena e defesa antiinfecciosa

fibrina a partir do fibrinogênio, o que pode proteger as bac- patogênicos, o desenvolvimento de doenças é relativa-
térias contra a fagocitose e isolá-las do contato com outros mente raro. Isto acontece devido a complexo mecanismo
mecanismos de defesa do hospedeiro; hialuronidases e de defesa antiinfecciosa, que envolve tanto a defesa
colagenases, que possuem ação digestiva sobre componen- externa quanto mecanismos internos inespecíficos e
tes estruturais dos tecidos do hospedeiro; entre outras5,12. específicos. A defesa externa compreende as barreiras
Outro fator de patogenicidade importante é a produ- anatômicas naturais (barreira cutâneo-mucosa) que
ção de toxinas, que podem ser divididas em dois grupos: atuam impedindo o estabelecimento de infecções5,12.
exotoxinas e endotoxinas12. As exotoxinas são produzi- Deste modo, a pele íntegra garante barreira efetiva
das no interior de algumas bactérias, geralmente Gram- contra a invasão microbiana. A camada externa de quera-
positivas, e liberadas no meio circundante. Na maioria tina é impermeável à água, dificultando a infecção. Deve
das vezes, são codificadas por plasmídeos, que podem ser lembrado que a pele úmida, como pode ocorrer em
ser transferidos horizontalmente em uma população bac- regiões de dobras e devido ao uso de curativos oclusivos,
teriana. Essas toxinas podem ser agrupadas em três tipos é mais propensa a infecções, principalmente fúngicas. O
principais, dependendo do seu modo de ação. As citoto- pH ácido (entre 5 e 6) e a presença de secreções sebáceas
xinas lesam células do hospedeiro ou afetam suas fun- metabolizadas por componentes da microbiota até áci-
ções, as neurotoxinas interferem na transmissão adequa- dos graxos e de lisozima (enzima com ação bactericida
da dos impulsos nervosos e as enterotoxinas afetam as contra Gram-positivos) dificultam a colonização por
células que revestem o trato intestinal12. Como exemplos grande variedade de microrganismos e selecionam aque-
de citotoxina, podem ser citadas a toxina diftérica produ- les normalmente presentes na pele. Além disso, os
zida pelo Corynebacterium diphtheriae e as toxinas eritrogê- microrganismos da microbiota permanente da pele inter-
nicas do Streptococcus pyogenes. Toxina botulínica do ferem na colonização de patógenos por meio da compe-
Clostridium botulinum e toxina tetânica do Clostridium tetani tição por nutrientes e produção de bacteriocinas. Outro
são exemplos de neurotoxinas. Por fim, entre os exem- mecanismo antiinfeccioso da pele é sua descamação
plos de enterotoxinas, podem ser citadas a enterotoxina constante, o que auxilia na eliminação de microrganis-
colérica do Vibrio cholerae e a enterotoxina estafilocócica mos, limitando seu tempo de colonização. Por fim, o
do Staphylococcus aureus. suor contém IgA, que atua na defesa específica contra
Já as endotoxinas são constituídas pela porção lipídi- microrganismos5,11,12.
ca (lipídeo A) dos lipopolissacarídeos da membrana As membranas mucosas também atuam como barrei-
externa de bactérias Gram-negativas12. Geralmente, exer- ra epitelial contra a invasão de agentes infecciosos. Os
cem seu efeito após a morte destas bactérias, devido à lise mecanismos secretórios auxiliam na remoção de micror-
de suas paredes celulares, o que leva à liberação da endo- ganismos, sendo que muitas das secreções mucosas con-
toxina. Assim, muitas vezes, ao se iniciar o tratamento têm IgA, lisozima e/ou lactoferrina, que atuam inibindo
antimicrobiano para infecções por bactérias Gram-nega- a proliferação microbiana. Além disso, vários outros
tivas, pode ocorrer piora clínica transitória, já que maior fatores mecânicos específicos das diversas regiões anatô-
quantidade de endotoxina é liberada12. A endotoxina age micas são essenciais para manutenção de defesa antiin-
estimulando a produção de interleucina-1 pelos macrófa- fecciosa eficiente5,12.
gos, o que vai induzir resposta inflamatória de intensida- O fluxo de lágrimas é fundamental para manutenção
de variável. Os sintomas vão desde febre, calafrios, da integridade dos mecanismos de defesa e da saúde dos
fraqueza e dores generalizadas até coagulação intravascu- olhos. A lágrima, além de remover mecanicamente
lar disseminada e choque séptico, podendo levar microrganismos invasores, possui ação inibitória contra
ao óbito5,12. patógenos devido à presença de lisozima, lactoferrina,
betalizina e IgA secretória5,12.
Mecanismos de defesa antiinfecciosa As vias aéreas apresentam um eficiente sistema de
proteção contra a disseminação microbiana, sendo que,
Apesar de o ser humano apresentar microbiota indí- apesar da grande quantidade de microrganismos inalados
gena variada e estar sempre entrando em contato com continuamente durante a respiração, a árvore respiratória
grande variedade de microrganismos possivelmente se mantém estéril abaixo da carina. A presença de pêlos
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

e a forma irregular dos cornetos nasais representam a pri- No trato genital feminino, a estrutura epitelial, o pH
meira barreira antiinfecciosa das vias aéreas. Além disso, vaginal e a flora residente são fatores importantes na
a secreção nasal contendo IgA, lisozima e células fagocí- defesa contra infecções. Durante o período reprodutor, o
ticas e a presença de epitélio mucociliar auxiliam a defe- epitélio vaginal se espessa devido à ação do estrógeno e
sa neste nível do trato respiratório. Apenas partículas há maior quantidade de glicogênio, o que favorece a pro-
menores que 20µm atingem as vias aéreas baixas. A dimi- liferação de Lactobacillus spp. A redução do pH, devido ao
nuição progressiva no calibre das vias aéreas e as mudan- metabolismo do glicogênio a ácido lático, em associação
ças na direção do fluxo aéreo devido ao trajeto das vias com o espessamento epitelial, aumenta a resistência da
aéreas baixas fazem com que partículas maiores que 2µm vagina contra infecções exógenas, que são mais freqüen-
sejam depositadas ao longo da superfície das vias aéreas tes nesta etapa da vida5,11.
baixas. Estas partículas se aderem ao muco produzido Além dos mecanismos de defesa externa, que atuam
pelas células caliciformes e são removidas pelas células impedindo o estabelecimento e invasão de microrganis-
ciliadas que, com movimentos sincronizados de seus mos possivelmente patogênicos, existem mecanismos
cílios, propelem o muco, numa velocidade de 1 a 3 cm/h, internos de defesa para combater os microrganismos que
até a orofaringe. Este sistema é bastante eficiente, sendo venceram a barreira externa. Os mecanismos internos de
que praticamente todo material é removido em menos de defesa podem ser divididos em mecanismos inespecífi-
24 horas. Aliados a este sistema de filtração, os reflexos cos, que agem indiscriminadamente contra qualquer
de tosse e espirro são outros mecanismos usados para patógeno, e mecanismos específicos, que envolvem imu-
remoção de partículas do trato respiratório5,11,12. nidade contra patógenos em particular12,13.
Os mecanismos de defesa inespecíficos compreen-
No trato digestivo, a barreira antiinfecciosa se inicia na
dem resposta inflamatória sistêmica e no local da infec-
boca, pela limpeza mecânica propiciada pela descarga de,
ção, onde ocorre liberação de substâncias pró-inflamató-
aproximadamente, um litro de saliva por dia. Movimentos
rias, como histamina, cininas, prostaglandinas e leuco-
mastigatórios e da língua e lábios auxiliam na remoção de
trienos, que estimulam a vasodilatação local e o aumento
microrganismos. Além disso, a saliva contém IgA e lisozi-
da permeabilidade vascular. Logo após, ocorre migração
mas que conferem efeito antimicrobiano. A segunda bar-
de macrófagos e ação de histiócitos locais, que vão reali-
reira antiinfecciosa do trato digestivo é o pH ácido do
zar a fagocitose de microrganismos e material necrótico,
estômago (<4), que é letal para a maioria dos microrganis-
seguindo-se reparo tecidual. A ativação do sistema com-
mos. Já no intestino, o movimento peristáltico das alças plemento auxilia a fagocitose, por intermédio da opsoni-
intestinais dificulta aderência e invasão microbiana. Além zação de microrganismos, além de promover a lise direta
disso, as células epiteliais do intestino são recobertas por de células estranhas. Como resultado da reação inflama-
muco que contém moléculas que se fixam a adesinas tória local, geralmente ocorrem dor, rubor, calor e
microbianas, ação que é, ainda, favorecida pela presença edema. Como forma de isolar a região atingida pela
de IgA secretória. A descamação do epitélio intestinal infecção, pode haver a formação de coágulos ao redor da
remove os microrganismos aderidos. Vômitos e diarréia área lesada, resultando na formação de abscesso.
também podem ser considerados mecanismos de defesa, A resposta sistêmica ocorre por meio da liberação de
pois auxiliam a eliminar o agente infeccioso5. substâncias pró-inflamatórias, como interleucinas e fator
Em relação ao sistema urinário, o fluxo de urina é o de necrose tumoral, que vão estimular a liberação de pro-
principal fator mecânico para impedir a colonização micro- teínas de fase aguda além de exercer ação direta, como no
biana. No homem, o maior comprimento da uretra dificul- caso da interleucina-1 que age no hipotálamo, levando ao
ta ainda mais a disseminação de microrganismo por via aparecimento de febre. Nas infecções virais, ocorre libe-
ascendente no trato urinário. Além disso, a secreção pros- ração de interferons, que inibem a replicação viral5,12,13.
tática contém lisozima, lactoferrina e IgA, que apresentam Os mecanismos de resposta específica contra infec-
ação antimicrobiana. Na mulher, a uretra mais curta, a pro- ções são conhecidos como resposta imunológica. As célu-
ximidade do meato uretral em relação à vagina e ao ânus, e las responsáveis pela resposta imunológica são os linfóci-
a ausência de secreção prostática explicam a ocorrência tos B e T e os plasmócitos (derivados de linfócitos B). A
mais freqüente de infecções do trato urinário5,11,12. resposta imunológica humoral é caracterizada pela produ-
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Capítulo 10 .: Microbiota indígena e defesa antiinfecciosa

ção de anticorpos pelos linfócitos B ativados (plasmóci- te de muco e modificar a microbiota oral. A necessidade
tos), que se ligam a antígenos microbianos específicos, de aspiração repetida do tubo favorece o desenvolvimen-
auxiliando sua inativação e destruição pelos macrófagos e to de pneumonia. Outros fatores que favorecem a ocor-
sistema complemento. A resposta imunológica celular rência de pneumonia bacteriana são a idade avançada, o
ocorre por meio do reconhecimento de antígenos especí- alcoolismo, o tabagismo e a existência de algumas doen-
ficos por receptores de superfície de linfócitos T12-13. ças de base. O idoso apresenta maior facilidade de colo-
nização do trato respiratório superior por bactérias
Gram-negativas, devido a mudanças no epitélio. Além
Fatores que comprometem a defesa disso, ocorre perda do tônus do esfíncter inferior do esô-
local e sistêmica fago, o que predispõe esse paciente a refluxo gastroeso-
fágico e a aspiração. Outros fatores que podem contri-
Diversos fatores podem comprometer a defesa do
buir para o aumento da ocorrência de pneumonia no
organismo, propiciando a ocorrência de infecções que
idoso são redução do nível de consciência, comprometi-
não acontecem no indivíduo saudável. No paciente hos-
mento do reflexo da tosse, acúmulo de secreções e com-
pitalizado, a imobilização, a realização de procedimentos
prometimento da resposta imunológica. O álcool favore-
invasivos que rompem barreiras externas contra infec-
ce o aparecimento de pneumonia por diminuir o nível de
ções e o uso de antimicrobianos de amplo espectro de
consciência, o reflexo da tosse e a resposta imunológica
ação que atuam modificando a microbiota indígena, sele-
cionando microrganismos resistentes, levam a um con- no trato respiratório. Já o fumo compromete os mecanis-
texto especialmente favorável à infecção. Vale lembrar mos de defesa pulmonar, diminuindo a função mucoci-
que a maioria das infecções hospitalares é causada por liar e a função dos macrófagos alveolares. Infecções
microrganismos da própria microbiota do indivíduo5,11. virais das vias aéreas levam à diminuição da função ciliar,
Lesões de pele causadas por traumas, incisões cirúrgi- ao aumento da aderência bacteriana e à hipersecreção de
cas, punções, cateteres e drenos abrem importante porta fluidos, o que facilita o aparecimento de infecções bacte-
de entrada para a invasão de microrganismos possivel- rianas. Doenças como a fibrose cística causam espessa-
mente patogênicos. A presença de espaços mortos, mento do muco, dificultando sua eliminação. Isto propi-
hematomas ou seromas aumenta ainda mais o risco de cia a colonização por microrganismos não-fermentado-
infecção incisional, por retardar a cicatrização e propiciar res, como a Pseudomonas aeruginosa, que produz toxina que
meio adequado para multiplicação microbiana. Cateteres paralisa a atividade ciliar, prejudicando ainda mais a defe-
de longa duração se tornam colonizados por microrga- sa. Doenças que afetam a dinâmica dos movimentos res-
nismos da pele e podem levar a bacteriemias e sepse. O piratórios, como doença pulmonar obstrutiva crônica,
uso de curativos oclusivos sobre lesões de pele pode obesidade, desnutrição, doenças neuromusculares (téta-
levar a maior proliferação de microrganismos na pele no, poliomielite, miastenia), doenças neurológicas (aci-
subjacente, o que, aliado à umidade ou solução de conti- dente vascular encefálico) e procedimentos cirúrgicos no
nuidade, pode favorecer a invasão. O uso abusivo de tórax e abdome superior também contribuem para
antimicrobianos leva à seleção de microrganismos mais aumento de infecções respiratórias5,11-3.
resistentes, que vão compor a microbiota indígena de No trato digestivo, cateteres nasoentéricos atuam
muitos pacientes hospitalizados. A não-adesão às práti- como corpos estranhos, podendo servir como via de
cas de prevenção de infecções, como lavagem correta das migração bacteriana. A translocação bacteriana pela muco-
mãos e respeito aos diversos tipos de isolamento, leva à sa intestinal pode dar origem à peritonite ou à dissemina-
disseminação destes microrganismos resistentes entre ção para diversos órgãos, como pulmões e baço.
profissionais da área de saúde e pacientes, contribuindo Alterações da microbiota do intestino pelo uso de antimi-
para o aumento do número de infecções por germes crobianos provocam redução de bactérias anaeróbicas e
resistentes no ambiente hospitalar5,11-3. proliferação de enterobactérias, favorecendo a transloca-
Pacientes intubados ou traqueostomizados perdem a ção. Além disso, alterações na permeabilidade da mucosa,
barreira natural de defesa da nasofaringe, orofaringe e que podem ocorrer na desnutrição, jejum prolongado, uso
traquéia. O tubo atua como corpo estranho, além de de radiação ionizante e no choque hemorrágico, também
traumatizar o epitélio, diminuir a capacidade de transpor- favorecem a ocorrência de translocação bacteriana5,11-3.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O principal fator de risco para infecções urinárias em grupo importante sob risco de infecções diversas por
pacientes hospitalizados é a presença de cateter uretral, microrganismos de baixo potencial de patogenicidade5,13.
que elimina diversos mecanismos de defesa inespecífi-
cos. O cateter provoca dilatação da uretra, impede a
secreção de glândulas periuretrais que contêm substân- Conclusão
cias antimicrobianas, dificulta o esvaziamento completo O ser humano apresenta microbiota indígena variada
da bexiga, possibilita migração bacteriana pelo seu que, quando em condições de equilíbrio, desempenha fun-
lúmen, atua como corpo estranho e favorece a prolifera- ções benéficas, auxiliando na defesa contra infecções.
ção microbiana na interface de sua superfície externa Apesar disso, a microbiota pode atuar como reservatório
com a mucosa uretral. Mesmo cateteres de alívio, intro- de microrganismos potencialmente patogênicos, levando à
duzidos em condições assépticas, podem levar bactérias ocorrência de infecções, principalmente em situações em
da uretra para a bexiga, produzindo infecções5,11-3. que os mecanismos de defesa antiinfecciosa se encontram
Várias condições que comprometem mecanismos prejudicados. Mudanças constitucionais da microbiota,
internos de defesa antiinfecciosa contribuem intensa- como ocorre nos casos de hospitalização e uso abusivo de
mente para a ocorrência de infecções. Pacientes desnutri- antimicrobianos, levam, muitas vezes, à seleção de micror-
dos têm baixa produção de lisozima e IgA secretória, ganismos mais patogênicos e resistentes, favorecendo,
bem como deficiência de complemento, o que leva à ainda mais, o desenvolvimento de infecções.
incidência maior de infecções como tuberculose, diar-
réias bacterianas e infecções de vias aéreas superiores.
Recém-nascidos e idosos também estão mais propensos Agradecimentos
às infecções devido à resposta imunológica menos eficaz.
Como o baço atua na remoção de partículas estranhas Nossos agradecimentos à Profª Drª Maria Auxiliadora
presentes na corrente circulatória, pacientes esplenecto- Roque de Carvalho pela revisão deste capítulo.
mizados têm maior susceptibilidade a infecções diversas.
Pacientes diabéticos podem apresentar lesões tegumen- Referências
tares em decorrência de neuropatia e vasculopatia. Além
disso, a presença de concentrações elevadas de glicose 1 ■ Tagg J, Dierksen K. Bacterial replacement therapy: adapting
favorece o desenvolvimento de infecções urinárias. germ warfare to infection prevention. Trends Biotechnol.
Pacientes renais crônicos também apresentam maior pre- 2003;21:217-23.
2 ■ Tannock GW. Normal Microflora: an introduction to microbes
disposição a infecções bacterianas. Além da doença de inhabiting the human body. London: Chapman and Hall,
base, ainda há o risco adicional devido à realização de 1995:115.
procedimentos de diálise que atuam como porta de 3 ■ Davis BD, Dulbecco R, Eisen HN, Ginsberg HS, Wood Jr WB,
entrada para microrganismos. Outras condições que eds. Microbiologia. São Paulo: Edart, 1973:320.
interferem direta ou indiretamente na resposta imunoló- 4 ■ Berg RD. The indigenous gastrointestinal microflora. Trends
Microbiol. 1996;4:85-91.
gica incluem presença de neoplasias, colagenoses, 5 ■ Fernandes AT, Ribeiro Filho N. Infecção Hospitalar: desequilí-
alcoolismo, depressão, uso de drogas imunodepressoras, brio ecológico na interação do homem com sua microbiota.
citotóxicas e radioterapia5,13. In: Fernandes AT, Fernandes MOV, Ribeiro-Filho N eds.
Com o aparecimento da AIDS, caracterizada por imu- Infecção hospitalar e suas interfaces na área da saúde. São
nodepressão grave devido à redução progressiva do núme- Paulo: Atheneu, 2000:163-208.
6 ■ Jawetz E, Melnick JL, Adelberg EA, Brooks GF, Butel JS,
ro de linfócitos T CD4 circulantes, vários microrganismos Ornston LN. Microbiologia Médica. Rio de Janeiro:
considerados anteriormente não-patogênicos se estabele- Guanabara Koogan, 1998:130-3.
ceram como importantes agentes etiológicos de infecção. 7 ■ Mackowiak P. The normal microbial flora. N Engl J Med.
Microrganismos da microbiota indígena e ambientais, ino- 1982;307:83-93.
fensivos para os imunocompetentes, podem provocar 8 ■ Mourão PHO, Magalhães PP, Mendes EN. Microbiota indígena
de seres humanos. Rev Med Minas Gerais. No prelo.
doenças graves em pacientes com imunodepressão impor- 9 ■ Ryan KJ. Normal Microbial Flora. In: Ryan KJ ed. Sherris
tante. Pacientes transplantados em uso de medicações Medical Microbiology: an introduction to infectious diseases.
imunodepressoras e leucêmicos também constituem Connecticut: Appleton & Lange, 1994:133-40.

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Capítulo 10 .: Microbiota indígena e defesa antiinfecciosa

10 ■ Noverr MC, Huffnagle GB. Does the microbiota regulate immune 12 ■ Tortora GJ, Funke BR, Case CL. Microbiologia. Porto Alegre:
responses outside the gut? Trends Microbiol. 2004;12:562-8. Artmed Editora, 2000:827.
11 ■ Tannock GW. Medical importance of the normal microflora. 13 ■ Pedroso ERP, Freitas A. Fatores que modificam a resposta aos
London: Kluwer Academic Publishers, 1999:515. microrganismos. In: Pedroso ERP, Rocha MOC eds. Clínica
Médica: antibioticoterapia. Rio de Janeiro: Medsi, 2001:629-55.

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11
PREPARO
PRÉ-OPERATÓRIO

Marco Antônio Gonçalves Rodrigues,


Henrique Gomes de Barros

O resultado do tratamento cirúrgico depende, entre dora e tranqüilizadora. Sobretudo, é preciso ouvir o pacien-
outros, do adequado preparo pré-operatório, que deve te, em particular pela necessidade de conhecer suas dúvidas
ter início tão logo se indique a intervenção cirúrgica. Em e angústias. Recomenda-se explicar, de forma concisa e
situações de emergência, o preparo fica muito limitado didática, os principais aspectos da afecção, principalmente
pelo tempo exíguo entre a indicação cirúrgica e o aqueles que motivaram a indicação cirúrgica, e do procedi-
momento operatório, mas nem por isso deve ser menos- mento proposto, incluindo as possíveis seqüelas, limitações
prezado. Nos procedimentos cirúrgicos eletivos e mesmo e os principais cuidados pós-operatórios. Esta conduta
nos de urgência, é possível reservar um tempo para o ade- diminui a ansiedade e a depressão pré-operatória, amplia a
quado preparo do paciente, de forma a reduzir significa- colaboração do paciente no perioperatório e favorece a
tivamente o risco anestésico-cirúrgico. Muitos cuidados aderência ao seguimento pós-operatório. Mesmo em servi-
estão relacionados a particularidades técnicas da opera- ços de pronto-atendimento, no escasso período que ante-
ção ou a demandas específicas do paciente, que pode cede operação de emergência, deve ser reservado momen-
apresentar comorbidades ou necessidades especiais. to de atenção, esclarecimento e conforto psicológico aos
Outros constituem demandas universais, ou seja, neces- familiares do paciente, sendo fundamental que esses
sários em todos ou na maioria dos pacientes cirúrgicos. tenham conhecimento da real gravidade do quadro clínico
Esses últimos cuidados incluem o preparo psicológico, do paciente, da proposta terapêutica e de suas possíveis
(que deve interessar tanto os pacientes quanto os seus implicações. Há estudos que apontam tanto benefícios
familiares), o preparo imediato e a educação do paciente como ausência de efeitos sobre o nível de ansiedade a par-
para o período pós-operatório que são apresentados tir de diferentes tipos de preparo psicológico2-4. Vale ressal-
adiante, neste capítulo. Alguns preparos especiais em tar que esse preparo psicológico não é alcançado em uma
cirurgia digestiva são também aqui abordados. Outros única consulta e não constitui tarefa individual, mas de toda
preparos especiais são discutidos detalhadamente em a equipe que assiste o doente5.
outros capítulos desta obra.

Ansiedade e depressão pré-operatória: Medo


Preparo psicológico
O momento de comunicar ao paciente e seus familiares
O preparo psicológico é fundamental ao equilíbrio físi- a necessidade do tratamento cirúrgico é uma hora sempre
co e emocional do paciente cirúrgico e só é possível com delicada, por vezes difícil e até estressante. É preciso que o
uma boa relação médico-paciente1. Este é alcançado por cirurgião esteja preparado para isso. Qualidades como a
meio de discussão franca e otimista entre o cirurgião, seu sensibilidade e a percepção são requisitos essenciais a esta
paciente e familiares, ou seja, com uma conversa esclarece- prática. A experiência pode apurar a abordagem, mas pode
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

também solidificar o mau hábito, ou seja, a atitude fria, dis- te frontalmente a desinformação, as dúvidas e as incertezas
tante, desatenta. Muitos cirurgiões não entendem e, conse- e redimensiona o paciente em face da situação e dos pro-
qüentemente, não aceitam o fato de seu paciente ter medo blemas7,8. Como resultado ele segue mais seguro, amparado
e de ficar inseguro em face da indicação cirúrgica. Deveria e fortalecido.
preocupar-se, ao contrário, com o paciente que recebe, de
maneira eufórica, notícia tão pouco agradável. Mesmo o
Do diagnóstico e da operação
paciente com afecção cirúrgica que sofreu período dema-
siadamente longo com tratamento conservador sem suces- Algumas doenças apresentam estigma já consolidado.
so pode receber a indicação cirúrgica com alívio e esperan- O câncer, em especial, pode gerar estresse e ansiedade aos
ça, mas nunca com entusiasmo. E mesmo o paciente mais pacientes e seus familiares, que freqüentemente não
sofrido, acostumado às agruras do destino e habituado a sabem o significado exato do diagnóstico e a extensão do
renunciar ao prazer e à alegria, não recebe tal notícia de problema. Não é incomum, por exemplo, imaginarem
forma displicente e tranqüila. Desta forma, é essencial que que câncer é sempre doença avançada, disseminada, sem
o cirurgião entenda que, nessa situação, o medo é senti- possibilidade de cura. Resta ao médico desmistificar estes
mento natural, não significando desrespeito à sua posição fatos, com base em informações seguras e necessariamen-
ou desconfiança à sua competência. Não cabem aqui te objetivas, pois a maioria dos pacientes não tem forma-
melindres, ressentimentos por parte do profissional. Ao ção técnica e condição psicológica de entender profunda-
contrário, espera-se dele maturidade (qualidade insubstituí- mente sua afecção e, geralmente, nem deseja fazê-lo3,4,9. O
vel ao bom cirurgião) para aceitar, conviver e auxiliar o mesmo se dá em relação às informações sobre o procedi-
paciente a trabalhar seu medo, e, por conseguinte, a ansie- mento cirúrgico9. A indicação do procedimento não pode
dade e a depressão a ele associadas6. Alguns pacientes apre- ser comunicada como imposição. O paciente e familiares,
sentam maior susceptibilidade à ansiedade pré-operatória. por mais leigos que possam ser no assunto, têm o direito
Constituem fatores importantes: história de câncer; doen- de questionar e compreender as razões da indicação tera-
ças psiquiátricas prévias; depressão; dor; história de tabagis- pêutica, o que aumenta a aceitação da mesma. Muitas
mo; sexo feminino; maior risco anestésico-cirúrgico (ASA); vezes, o doente quer saber quais serão as restrições
operação de maior porte3. O paciente cirúrgico apresenta impostas, temporária ou definitivamente, pela operação.
medo por várias razões e de muitas coisas3. Entre os tipos Outras vezes, quer somente conhecer sobre o tamanho
de medo estão o medo do desconhecido, da anestesia, da ou o local da incisão e sobre a via de acesso. A curiosida-
dor, das seqüelas funcionais e estéticas (destruição da ima- de a respeito apenas do aspecto estético final da operação
gem física) e da morte. pode ser parte de processo de fuga ou desejo inconscien-
te de não saber a real gravidade do quadro, o que deve ser
Do desconhecido respeitado, mas abordado adequadamente pelo cirurgião.
O detalhamento tático e técnico passo-a-passo do ato
O homem carrega dentro de si o medo do desconheci- cirúrgico, via de regra, não interessa ao doente, além de
do que gera angústia e provoca, em alguns casos, pânico7. quase sempre gerar mais ansiedade4.
A falta da experiência prévia faz com que as pessoas criem Deve-se informar ao paciente, em linguagem acessí-
fantasias, a maioria delas ruins, e sofram intensa e solitaria- vel, a necessidade da realização de exames complementa-
mente com elas. É preciso que, no pré-operatório, o res pré-operatórios, da confecção de ostomias, da utiliza-
paciente tenha espaço para verbalizar esse medo e expor ção de drenos e cateteres no pós-operatório e da possibi-
essas fantasias, cabendo, por princípio, ao cirurgião ouvi-lo. lidade de realizar o pós-operatório imediato em centro de
Esse deve se mostrar atencioso e disponível, incentivando tratamento intensivo. O paciente bem orientado aceitará
o doente a falar e oferecendo todas as informações e orien- melhor cada um destes procedimentos e tornar-se-á mais
tações necessárias. Utilizar terminologia estritamente técni- colaborativo. Na eventualidade de se realizar procedi-
ca ou pouco acessível, por mais óbvia que possa parecer ao mento não-planejado ou de se tomar conduta não-pre-
cirurgião, pode contribuir para aumentar as dúvidas e vista antes da operação, esses devem ser justificados aos
angústias do paciente e de seus familiares. O conhecimen- familiares no pós-operatório imediato e ao paciente,
to dos fatos, por mais difíceis que possam parecer, comba- assim que o mesmo estiver consciente. É preferível que
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Capítulo 11 .: Preparo pré-operatório

ele receba essas informações diretamente de seu cirur- te. Cabe ao cirurgião orientá-lo em relação à existência de
gião, profissional com quem estabeleceu vínculo de medicamentos potentes no controle da dor e ao fato de
mútuo respeito e confiança. que estes estarão previamente prescritos e disponíveis para
Sempre que possível, o paciente deve ser informado uso contínuo ou em caso de necessidade, e da existência
sobre a estrutura e o funcionamento do centro cirúrgico, de equipe médica de plantão que estará acessível para rea-
sobre o local onde ficará no pós-operatório imediato (sala valiações necessárias. Estas informações tranqüilizam o
de recuperação pós-anestésica, centro de tratamento doente, principalmente quando percebe que seu médico
intensivo etc.) e como ele deverá ficar (intubado, sob ven- está atento a esta tão incômoda intercorrência.
tilação assistida etc.). Essa prática tem sido mais utilizada
nos últimos decênios e parece ser vantajosa nos pacientes
Das seqüelas cirúrgicas
que se submeterão a operações de grande porte.
O medo do procedimento cirúrgico está intimamen-
Da anestesia te relacionado ao medo das complicações pós-operató-
rias, em particular das seqüelas cirúrgicas, e conseqüen-
Apesar dos avanços técnicos e farmacológicos recentes, temente do sofrimento, da limitação, do isolamento e da
quase todas as pessoas têm medo da anestesia, em grande dependência a elas relacionadas. A possibilidade de
parte porque os poucos acidentes anestésicos que aconte- comprometimento da qualidade de vida após operação
cem têm sido pauta de matérias alarmistas e divulgadas pela de grande porte gera legítima preocupação e deve ser
imprensa com estardalhaço. Este medo poderia ser compa- esclarecida. Nos casos em que essas seqüelas forem pre-
rado ao medo de viagens aéreas, certamente um dos meios visíveis, não só é essencial que o paciente tenha informa-
de transporte mais seguro que existe; da mesma forma, o ção desse fato, como é imprescindível que ele esteja pre-
paciente deveria se sentir especialmente seguro dentro do parado e de acordo com a realização do ato cirúrgico1.
centro cirúrgico, com todos os equipamentos e medica- Nos dias atuais, a autorização do procedimento por
mentos necessários à reanimação cardiorrespiratória e nas meio da assinatura de Termo de Consentimento
mãos de anestesiologista competente e responsável. Ainda Esclarecido pelo paciente ou por seus familiares se faz
mais, tendo sido submetido previamente a adequada avalia- necessária em algumas intervenções consideradas muti-
ção clínica e preparo pré-operatório. Resta ao médico tran- lantes ou de grande risco de morte e pode minimizar
qüilizar o paciente, informando-o dos avanços da aneste- alguma repercussão médico-legal futura. Entretanto,
siologia e da competência e seriedade da equipe de aneste- exige, por parte do cirurgião, maestria para que este
siologistas do serviço7. Porém, não se deve jamais minimi- momento não seja de confronto de interesses e não
zar os riscos relacionados ao procedimento anestésico. interfira diretamente no relacionamento médico-pacien-
Alguns doentes temem sentir dor durante a anestesia. te. O registro por escrito em prontuário médico do
Eles devem ser esclarecidos de que essa ocorrência é rara esclarecimento e da autorização verbais prévias do pro-
nos dias atuais e que pode ser prevenida com o emprego cedimento por parte do paciente ou de familiares tam-
de anestésicos nas doses recomendadas e com a vigilân- bém constitui outra importante precaução a ser tomada.
cia do paciente pelo anestesiologista, que permanece É essencial que o paciente seja adequadamente informa-
atento aos sinais que indicam o grau de profundidade da do em relação às atuais opções para minimizar as seqüe-
anestesia e a necessidade de administrar mais ou menos las e limitações impostas pelo procedimento e favorecer
anestésicos. O cirurgião deve, também, realçar sua segu- sua adaptação a esta nova realidade.
rança no trabalho e na competência da equipe de aneste-
siologistas com quem irá trabalhar, transmitindo confian-
Da morte
ça ao paciente e seus familiares.
O traço comum a quase todos é a aversão à morte, a
Da dor inquietação diante do medo do desconhecido. O pacien-
te que aceita bem a indicação cirúrgica, que acompanha e
Não é incomum o paciente ter medo de sentir dor no assimila o valor e os objetivos da avaliação médica e do
pós-operatório, mesmo porque essa é ocorrência freqüen- preparo pré-operatório, mesmo que apresente risco
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

cirúrgico maior que o habitual, entende que a decisão relação médico-paciente deve dar ênfase a vários aspec-
cirúrgica está sendo tomada em seu interesse, conside- tos, sumariados no Quadro 11.1.
rando que a não-realização do procedimento envolveria
ainda maiores riscos de sofrimento e óbito. Ainda assim,
percebendo em seu paciente este medo tão difícil quanto Quadro 11.1 .: Etapas do preparo psicológico do paciente cirúrgico
delicado, resta ao cirurgião mostrar-se especialmente
dedicado e atencioso. Explicar ao paciente, de maneira clara e concisa, a natureza e a impor-
tância dos exames complementares e dos preparos pré-operatórios
Informar ao paciente, de maneira didática e objetiva, os principais
Relação cirurgião-paciente aspectos de sua afecção que motivaram a indicação cirúrgica
Descrever sumariamente o procedimento anestésico-cirúrgico planeja-
Via de regra, a abordagem e o preparo psicológico do do, seus riscos e possíveis conseqüências, utilizando terminologia
paciente deverão ser feitos pelo próprio cirurgião, por meio acessível ao paciente
de relação médico-paciente “efetiva e afetiva”. Raramente, Alertar o paciente e seus familiares em relação às conseqüências da não-
será necessário recorrer ao auxílio de profissionais especia- realização do procedimento cirúrgico
lizados: psicólogos ou psiquiatras. Contudo, pacientes com Entender como esperados o medo e a ansiedade pré-operatória do
paciente e de seus familiares
distúrbios emocionais e mentais graves podem necessitar
Explicar o que irá acontecer no pós-operatório, por exemplo, na sala de
de acompanhamento de especialistas da área, e, em alguns recuperação pós-anestésica e no centro de tratamento intensivo, levando
casos, até mesmo de terapia medicamentosa no pré e/ou eventualmente o paciente a esses ambientes antes da operação
no pós-operatório. Atualmente, outras formas alternativas Realizar discussão franca e otimista com o paciente em relação a aspec-
de cuidados pré-operatórios têm demonstrado valor em tos perioperatórios, como a dor pós-operatória e o uso de analgésicos,
o uso de drenos e cateteres, a possibilidade da confecção de ostomias,
reduzir a ansiedade pré-operatória2. amputações etc.
A relação cirurgião-paciente deve ser construída, Evidenciar o conhecimento e as atitudes tomadas em relação a deman-
sempre que possível, na intimidade do consultório das específicas do paciente, relacionadas à existência prévia de limita-
médico, ambiente propício para o médico ouvir o ções e comorbidades
doente e demonstrar todo interesse em auxiliá-lo, dis- Ser dedicado, atencioso e solícito com o paciente e seus familiares e,
sobretudo,
ponibilizando seu conhecimento e experiência em
ESCUTAR O PACIENTE!
favor dele10. A tranqüilidade e a privacidade são condi-
ções essenciais para adequada consulta pré-operatória e
favorecerá ao cirurgião tomar decisões pautadas na
ética e no bom senso.
No ambiente hospitalar, o relacionamento médico- Educação do paciente para o
enfermagem-paciente-família adequado é requisito tão pós-operatório
fundamental quanto a condição tecnológica do hospital e
a experiência da equipe cirúrgica. Relacionamento respei- O paciente deve ser orientado quanto aos aspectos
toso, sincero e marcado pela confiança previne dificulda- essenciais do pós-operatório imediato e mediato, obje-
des e intercorrências pós-operatórias. tivando contar com sua colaboração nestas fases e,
Os médicos envolvidos no tratamento dos pacientes desta forma, reduzir a incidência de complicações
com afecções cirúrgicas devem estar bem informados em pós-operatórias10,11.
relação à atual abordagem propedêutico-terapêutica des- Esse trabalho de educação e condicionamento deve
sas afecções e procurar, sobretudo, atender as demandas ser feito durante o preparo pré-operatório, devido ao
de seus pacientes, tanto no âmbito clínico quanto no psi- maior interesse do paciente, uma vez que ele encontra-
cossocial10. Felizmente, cada vez mais, os cirurgiões estão se alerta e sem dor. A noite que antecede o procedi-
se conscientizando que os aspectos afetivos e existenciais mento, caso o paciente encontre-se internado, consti-
são imprescindíveis à plena e rápida recuperação do tui momento quase sempre muito oportuno. Deve-se
paciente cirúrgico. Esses cirurgiões sabem que o ato instruir o paciente em relação às vantagens de uma
cirúrgico é apenas um passo de uma longa caminhada6. O série de medidas e cuidados a serem realizados pelo
preparo psicológico pré-operatório fundamentado na próprio paciente, mas várias vezes assistido por enfer-

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Capítulo 11 .: Preparo pré-operatório

meiros, fisioterapeutas e familiares (Quadro 11.2). São tares pré-operatórios realizados e avaliar a necessidade
instruções simples que têm grande poder de acelerar a de solicitar novos exames. Se necessário, o prontuário
recuperação do paciente e prevenir complicações ambulatorial do paciente deve ser requisitado. Caso o
como trombose venosa profunda, atrofia muscular, paciente tenha esquecido os exames pré-operatórios em
atelectasia, pneumonia, íleo funcional prolongado, seu domicílio, solicitar familiares que os tragam o mais
retenção urinária etc. rápido possível. Verificar se o procedimento cirúrgico
ou algum exame complementar encontra-se agendado,
Quadro 11.2 .: Medidas e cuidados pós-operatórios orientados ao prescrevendo o preparo adequado e orientando o
paciente cirúrgico no pré-operatório paciente a esse respeito.

Respeito à posição no leito a ser prescrita


Visita e medicação pré-anestésica
Mudança de decúbito no leito
Movimentação ativa e passiva de membros inferiores A visita pré-anestésica, habitualmente realizada na
Deambulação precoce véspera da operação, é muito importante para garantir
Fisioterapia e reeducação respiratória
adequada avaliação anestesiológica e para prever even-
Realização de inspirações profundas periódicas
tuais dificuldades técnicas com o procedimento anesté-
sico, como alergia a drogas, dificuldades com a intuba-
Tosse voluntária com contenção da ferida abdominal (espalmando as
mãos sobre travesseiro apoiado no abdome)
ção etc. Este deve ser o início de uma relação de con-
Respeito à prescrição de jejum e da dieta liberada
fiança, que não ocorre de forma natural, considerando-
se que, na maioria das vezes, o anestesiologista não foi
escolhido diretamente pelo paciente. Nesse momento,
o anestesiologista deve avaliar o grau de ansiedade pré-
É importante desfazer o conceito que se difundiu operatória do paciente, procurando tranqüilizá-lo em
entre as pessoas que o paciente cirúrgico deve perma- relação à anestesia, e definir a necessidade de empregar
necer em repouso absoluto. A deambulação precoce, a medicação pré-anestésica.
movimentação ativa e a movimentação passiva de Quando se emprega anestesia geral, o uso de medi-
membros, em ordem decrescente de eficiência, auxi- camentos pré-anestésicos favorece indução suave e
liam na prevenção de complicações tromboembólicas. rápida, além de aliviar a dor pré e pós-operatória quan-
O medo de se alimentar e, em decorrência da alimenta- do presentes, minimizando ainda alguns dos efeitos
ção, passar mal, sentir náuseas e dor secundária a vômi- colaterais dos agentes anestésicos, como salivação,
tos também deve ser combatido. Segundo aforismo bradicardia e vômitos. Habitualmente, utilizam-se
engraçado, mas correto, o paciente deve ser orientado ansiolíticos-hipnóticos na véspera e na manhã da ope-
para, no pós-operatório, “comer, tossir e se mexer”. ração (p. ex., midazolam 15mg – um comprimido à
noite e outro pela manhã). A sedação pré-anestésica
aumenta o limiar da sensibilidade dolorosa, podendo
Preparo pré-operatório imediato
ser inclusive utilizada em procedimentos cirúrgicos
A maioria das condutas relacionadas com o preparo ambulatoriais, especialmente em crianças, pessoas
pré-operatório imediato é conduzida com o paciente já ansiosas e em pacientes que estão sentindo dor.
internado, ou seja, após a admissão hospitalar. Essa Maiores detalhes são apresentados no Capítulo 12 –
admissão do paciente deve ser feita pelo responsável Visita e medicação pré-anestésica.
direto (cirurgião) ou por seu substituto devidamente
instruído em relação à programação anestésico-cirúrgi-
Prescrição médica e cuidados pré-operatórios
ca e orientado sobre os cuidados pré-operatórios neces-
sários. O paciente deve ser submetido a novo exame clí- São inúmeros os cuidados a serem tomados com o
nico para certificação de sua atual condição de saúde, paciente cirúrgico; alguns deles, por serem necessários em
com o registro desta avaliação em nota de admissão todos ou pelo menos em grande parte dos doentes, serão
hospitalar. É necessário examinar os testes complemen- aqui abordados.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Jejum za e à degermação da área a ser operada. Em operações lim-


pas, a degermação pré-operatória parece reduzir em até
O jejum é fundamental antes dos procedimentos anes- 50% as infecções incisionais. Contudo, a eficiência da
tésicos. Em crianças, pelo metabolismo acelerado e intole- degermação pré-operatória tem sido questionada, sobretu-
rância ao jejum prolongado, o jejum recomendado tem do em relação ao custo-benefício12.
sido de quatro horas para líquidos e seis horas para alimen-
tos sólidos. Nos pacientes adultos, a orientação dos aneste-
siologistas para abstenção de alimentos líquidos (inclusive Tricotomia pré-operatória
de água) tem variado de seis horas a oito horas, e de alimen-
A remoção dos pêlos no pré-operatório por meio de
tos sólidos, de oito horas a doze horas. Na prática, em adul-
tricotomia ou, preferencialmente, de tonsura com tesoura
tos, tem sido prescrita oito horas de jejum. No entanto, esta
deve ser realizada apenas quando a incisão estiver prevista
rotina tem sido questionada e as orientações atuais são de
para região rica em pêlos que podem interferir na adequa-
jejum para líquidos claros de duas horas, dieta líquida com-
da visibilização do campo operatório, ou dificultar a apro-
pleta quatro horas e dieta sólida seis horas. A ingestão de
ximação das bordas da ferida e a aplicação de curativo. A
alimentos de fácil digestão é a mais recomendada. Em
realização da tricotomia poderá também evitar, no
pacientes com quadro obstrutivo deve-se associar, ao
momento da incisão da pele, a secção dos pêlos e sua per-
jejum, a remoção de resíduos alimentares a montante da
manência na intimidade dos tecidos, funcionando como
obstrução; estes aspectos serão discutidos adiante. O
corpos estranhos. Em contrapartida, a tricotomia promo-
paciente deve evitar também o uso de bebidas alcoólicas
ve lesão da camada córnea e escarificação da pele, propi-
antes de intervenções anestésico-cirúrgicas. Em pacientes
ciando a proliferação da microbiata indígena e a coloniza-
que serão submetidos a procedimentos de emergência, pela
ção bacteriana local e aumentando a incidência de infecção
impossibilidade de se conseguir o jejum pré-operatório e
incisional, especialmente em procedimentos limpos. Este
pelo grande risco de aspiração do conteúdo gástrico, tem-
risco é mais freqüente quando a tricotomia é realizada com
se optado, quando possível, pela intubação orotraqueal
lâmina e quando é maior o tempo decorrido entre sua rea-
com o paciente acordado, ou pela intubação em seqüência
lização e o ato operatório. A remoção dos pêlos deve ser
rápida, associada a compressão da cartilagem cricóide
feita, no máximo, uma a duas horas antes da operação,
sobre o esôfago cervical. O preparo de pacientes para pro-
aplicada à menor área possível e, quando a tonsura não for
cedimentos cirúrgicos ambulatoriais nível II deve incluir
viável, deve-se preferir a tricotomia elétrica. Os princípios
período de jejum de seis horas a oito horas, devido ao pro-
gerais da tricotomia pré-operatória estão sumariados no
cedimento anestesiológico previsto. Apesar de rara, a ocor-
Quadro 11.3.
rência de manifestações clínicas como convulsão, vômitos
e aspiração de conteúdo gástrico, em conseqüência de dose Quadro 11.3 .: Princípios gerais da tricotomia pré-operatória
excessiva ou hipersensibilidade ao anestésico, justifica a
recomendação de jejum de três horas a quatro horas antes Evitá-la ao máximo, realizando-a apenas nos pacientes com pêlos
de intervenções cirúrgicas eletivas sob anestesia local. abundantes e espessos no local da incisão cirúrgica
Limitar a área de tricotomia

Degermação pré-operatória Preferir a tonsura à tricotomia elétrica


Preferir a tricotomia elétrica à tricotomia com lâmina
O banho pré-operatório com solução anti-séptica
Realizar tricotomia, no máximo, duas horas antes da intervenção
degermante tem sido recomendado com o objetivo de pre-
cirúrgica
venir as infecções do sítio cirúrgico. As operações limpas
Não realizar tricotomia dos cílios e das sobrancelhas
constituem as principais indicações para a degermação,
principalmente aquelas com grande risco de infecção esta-
filocócica. O emprego da povidona-iodo (degermante) ou
da clorexidina (sabonete líquido), uma a duas horas antes Lavagem intestinal
do ato cirúrgico, favorece a remoção da camada lipídica da
superfície epidérmica e a redução local da microbiota cutâ- A lavagem intestinal tem sido indicada para favore-
nea. Durante o banho, o paciente deve dar ênfase à limpe- cer a eliminação das fezes já formadas e localizadas no

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Capítulo 11 .: Preparo pré-operatório

cólon esquerdo com três objetivos principais: evitar a dratação, necessitando, freqüentemente, de hidratação
expulsão involuntária de fezes durante o ato cirúrgico, venosa pré-operatória. A presença de hipotensão postu-
que traz desconforto para a equipe cirúrgica e risco ao ral, taquicardia, prostração, mucosas secas e oligúria são
paciente, pela possível contaminação do campo cirúrgi- alguns dos achados clínicos mais freqüentes. A reposição
co; prevenir que o paciente tenha vontade de evacuar hídrica pode ser feita com cristalóides (solução salina
no pós-operatório imediato, o que pode ser inoportuno 0,9% ou ringer-lactato) ou com colóides (albumina,
e desconfortável; evitar a constipação pós-operatória e expansores e plasma). A hidratação venosa vigorosa tam-
a formação de fezes muito endurecidas e de difícil exo- bém é recomendável para pacientes ictéricos. Dessa
neração. Contudo, a lavagem intestinal ou enema não forma, estimula-se o clareamento urinário de parte da
deve ser prescrita em todos os casos. As indicações bilirrubina sérica e a diminuição da incidência de necrose
principais têm sido as seguintes: pacientes constipados, tubular e insuficiência renal secundárias a impregnação
pacientes com incontinência fecal, operações abdomi- do rim pelo pigmento de bilirrubina. Cuidado na hidrata-
nais sob anestesia geral com risco significativo de íleo ção deverá ser tomado em pacientes com insuficiência
pós-operatório prolongado, e operações colônicas e cardíaca, nefropatas crônicos e desnutridos graves pela
anorretais. Nestes, casos, os pacientes devem receber menor tolerância ao excesso de volume.
lavagem intestinal com 500ml a 1.000ml de solução gli-
cerinada morna 12%, na noite anterior, no mínimo oito
horas a 12 horas antes do procedimento. Outras alter-
Roupas, próteses e cosméticos
nativas empregadas têm sido o enema com solução Antes da operação devem ser removidas as próteses
hipertônica de fosfato de sódio (150ml) ou a aplicação do paciente, em especial as lentes de contato e as peças
retal de supositório de bisacodil (10mg). dentárias móveis como dentaduras, pivôs, pontes, espe-
cialmente as de menor tamanho. O paciente não deve
Profilaxia de tromboembolismo fazer uso de adornos (brincos, pulseiras, relógios, alian-
ças, anéis) e deve retirar alfinetes, grampos de cabelo,
Em pacientes com fatores de risco para doenças trom- perucas, cílios postiços etc. Com o emprego do eletro-
boembólicas, para os quais está indicada a heparinoprofila- cautério podem ocorrer queimaduras, se o paciente esti-
xia, esta prevenção deve iniciar no pré-operatório – utilizar ver portando ou em contato com algum material metáli-
liquemine 5.000U SC, 8/8 horas ou de 12/12 horas no dia co. O paciente deve ser encaminhado ao centro cirúrgico
anterior ao da operação, ou heparina de baixo peso, 12 usando, preferencialmente, roupas do hospital, que são
horas antes do procedimento cirúrgico. A profilaxia deverá de algodão e fáceis de serem removidas. Alguns mate-
ser mantida nos pacientes que venham a permanecer imo- riais, como o nylon, podem interferir no funcionamento
bilizados no pós-operatório, naqueles submetidos à coloca- de aparelhos e em alguma medida peroperatória de emer-
ção de próteses ósseas, nas operações pélvicas extensas gência. Também é preciso evitar o uso de cosméticos. O
(especialmente oncológicas), em obesos classe III e nos uso de maquiagem e de perfume deve ser evitado porque
pacientes com história pregressa de evento tromboembóli- pode dificultar a monitorização perioperatória. Esmaltes
co. As demais condutas preventivas envolvem medidas que precisam ser removidos, para não prejudicar o funciona-
aumentam o retorno venoso, que previnem a acidose e que mento do oxímetro de pulso.
favorecem a hidratação adequada.
Cateterismo venoso
Hidratação
O paciente pode ser encaminhado ao centro cirúrgico
Os pacientes podem encontrar-se desidratados no já tendo sido submetido a introdução de cateter venoso
pré-operatório, em especial na vigência de complicações curto periférico. Esta conduta pode agilizar o início do
(hemorragia, obstrução intestinal, peritonite etc.) ou procedimento anestésico-cirúrgico, no entanto, depen-
quando são submetidos, no pré-operatório, a preparo dendo do calibre do cateter, de seu funcionamento e do
mecânico do cólon. Pacientes com extremos de idade local puncionado, pode ser necessário trocá-lo antes
também apresentam maior risco de evoluírem com desi- mesmo de se iniciar a anestesia. Caso indicado, o catete-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

rismo venoso central (veias subclávia e jugular interna) dades e demandas e providenciar soluções para atendê-las.
deve ser feito no dia anterior do procedimento, seguido Cabe à equipe cirúrgica reservar hemoderivados, vaga no
de controle radiológico. A radiografia de tórax permite centro de tratamento intensivo, órteses e próteses e exame
verificar a posição do cateter e diagnosticar eventual peroperatório por corte de congelação ou radiológico, caso
pneumotórax que pode interferir com a dinâmica ventila- necessários. Equipamentos de uso comum e materiais ou
tória no peroperatório. As principais indicações do cate- medicamentos não-padronizados pela instituição também
terismo venoso central estão expressas no Quadro 11.4. precisam ser reservados com antecedência.
Quadro 11.4 .: Principais indicações e vantagens do cateterismo
venoso central
Hemoderivados
Monitorização da pressão venosa central Caso haja risco de sangramento vultuoso perioperató-
Via de acesso rápido para administração de líquidos e hemoderivados rio (relacionado com a operação ou com o paciente) e/ou
Administração de medicamentos e nutrição parenteral central nos casos em que o tipo de sangue do paciente for raro, é
prudente solicitar a reserva de hemoderivados (concentra-
Dificuldade na punção de veias periféricas (pacientes submetidos a
quimioterapia, longas internações etc.) do de hemácias, plasma fresco congelado e/ou plaquetas).
Previsão de jejum pós-operatório prolongado e necessidade de
O cirurgião deve especificar além do tipo de hemoderiva-
hidratação venosa por vários dias do, também o volume necessário. O banco de sangue deve
ser notificado desta demanda com antecedência para que a
tipagem sangüínea e as provas cruzadas sejam feitas e os
Esvaziamento vesical hemoderivados estejam confirmados e liberados para uso
no paciente antes do início do procedimento cirúrgico.
O paciente deve, via de regra, ser orientado para Uma outra alternativa é a auto-hemotransfusão, que deve
urinar antes de ser encaminhado à sala de operação. ser solicitada quando o hospital disponibiliza este serviço e
Essa atitude evita o embaraço e a dificuldade de o o paciente preenche os quesitos necessários.
paciente precisar urinar no centro cirúrgico antes da
operação e previne a distensão exagerada da bexiga e a
retenção urinária pós-operatória, que demandarão, fre- Vaga em centro de tratamento intensivo
qüentemente, cateterismo vesical terapêutico. Alguns Sempre que houver risco de o paciente evoluir com
pacientes, contudo, se beneficiarão de cateter vesical instabilidade no pós-operatório imediato, seja pela presen-
de demora a ser introduzido no pré-operatório imedia- ça de comorbidades, seja pelo porte ou natureza da inter-
to, com o paciente na sala cirúrgica, sob rigorosas venção cirúrgica, é imprescindível que a equipe cirúrgica
medidas de anti-sepsia e com o paciente já anestesiado reserve e confirme, no pré-operatório, uma vaga no centro
para evitar o desconforto físico e psíquico do procedi- de tratamento intensivo. Geralmente, esta necessidade se
mento. Constituem indicações ao cateterismo vesical: deve a procedimentos cirúrgicos que, com freqüência,
pacientes que serão submetidos a procedimentos pro- requerem monitorização pós-operatória rigorosa: opera-
longados (maior que quatro horas); pacientes que ção cardíaca; neurocirurgia com abertura do crânio; trans-
necessitarão de rigorosa monitorização do débito uri- plantes; operação bariátrica; operações prolongadas em
nário; pacientes que serão submetidos a operação pél- idosos, entre outros.
vica, para que a distensão vesical não interfira na expo-
sição cirúrgica; pacientes que apresentam grande risco
de evoluírem com retenção urinária pós-operatória. Órteses e próteses
Órteses e próteses são dispositivos, freqüentemente,
Reservas pré-operatórias implantados por meio de procedimentos cirúrgicos.
Como geralmente se trata de material, aparelho ou peça
É de responsabilidade do cirurgião, no pré-operatório, de alto custo ou com várias especificações, torna-se
em face das necessidades específicas do paciente e das impossível que os hospitais as tenham todas em estoque
demandas da operação programada, prever essas necessi- para seu uso imediato. Por isso, cabe ao cirurgião que
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Capítulo 11 .: Preparo pré-operatório

prevê a necessidade do uso destes dispositivos durante a cirúrgico. Nesse caso, ao serem programadas operações
operação solicitá-los ao setor administrativo, muitas que prevêem o emprego desses equipamentos, é importan-
vezes até mesmo antes de internar o paciente. te reservá-los antecipadamente, sob pena de suspender-se a
As próteses são destinadas à substituição anatômica operação pela indisponibilidade do mesmo. A criação de
ou funcional, total ou parcial, definitiva ou temporária, escala para uso desses equipamentos pelas diversas equipes
de tecidos, membros ou órgãos perdidos. Trata-se, envolvidas pode ser também boa solução.
portanto, de dispositivos utilizados para substituir
estruturas, órgãos ou parte de órgãos ressecados, ou
Exame histológico peroperatório por corte de congelação
membros do corpo malformados ou amputados. As
órteses são aparelhos ou dispositivos destinados a Trata-se de procedimento diagnóstico anatomopato-
melhorar a função ou desempenho de um órgão e a lógico rápido, realizado durante o ato cirúrgico, no qual é
auxiliar um segmento ou função corporal deficiente, empregado micrótomo de congelação13. Em procedi-
temporária ou definitivamente. Alguns exemplos de mentos oncológicos, além de eventualmente definir a
órteses e próteses estão sumariados no Quadro 11.5. natureza da doença, permite a avaliação das bordas de
secção cirúrgica (margem de segurança) e o exame de lin-
Quadro 11.5 .: Exemplos de órteses e próteses fonodos suspeitos, orientando o cirurgião, por exemplo,
ÓRTESES em relação à extensão da ressecção cirúrgica13. O cirur-
Marca-passos gião deve encaminhar, com antecedência, solicitação de
Drenos de sucção convencional
exame histopatológico por corte de congelação sempre
que for previsto seu emprego. Este é um procedimento
Cateteres venosos centrais implantáveis ou semi-implantáveis
preliminar com indicações precisas uma vez que apresen-
Aparelhos de surdez ta restrições devido às limitações próprias do método. As
Muletas indicações mais comuns de exame por corte de congela-
PRÓTESES ção são as operações oncológicas, em especial digestivas,
Válvulas cardíacas tireoidianas e de mama.
Próteses de quadril
Telas de polipropileno Exame de imagem peroperatório
Lentes intra-oculares
Inúmeras intervenções cirúrgicas, tais como implan-
Pernas mecânicas
te de marca-passo, operações ortopédicas com implante
de prótese, exploração de vias biliares, ablação tumoral
Materiais e medicamentos não-padronizados por radiofreqüência, entre outras, necessitam de contro-
le radiológico peroperatório ou são guiadas por exames
Toda instituição hospitalar deve ter setor ou comissão de imagens. Como são equipamentos de uso comum e
responsável pela padronização e controle de qualidade de que demandam operador especializado, sua solicitação
medicamentos e materiais médico-hospitalares. A lista deverá ser feita, sempre que possível, com antecedência,
desses medicamentos e materiais deve ser disponibiliza- para que o procedimento anestésico-cirúrgico não se
da para consulta pelo corpo clínico, nas diversas unida- prolongue desnecessariamente.
des hospitalares. Cabe ao cirurgião, prevendo a necessi-
dade de utilizar algum material ou medicamento não-
padronizado naquela instituição, solicitar e justificar sua Preparos especiais
aquisição a este setor, antes de agendar a operação.
Circunstâncias especiais podem exigir preparos espe-
cíficos. No pré-operatório de operações orificiais, por
Equipamentos de uso comum exemplo, clisteres, laxativos ou supositórios são impor-
tantes, para evitar que a eliminação de fezes durante o ato
Não é incomum a instituição e o centro cirúrgico terem cirúrgico interfira no desempenho do cirurgião. Pa-
equipamentos que são utilizados por mais de um serviço cientes imunosuprimidos ou portadores de próteses
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

devem ser submetidos a antibioticoprofilaxia. Alguns pelo aporte nutricional insuficiente. Por essa razão, no
preparos especiais são necessários em pacientes com pré-operatório, enquanto se estuda e se prepara o pacien-
afecções digestivas e serão abordados a seguir. te para a operação, aqueles que não apresentarem indica-
ção para terapia enteral ou parenteral, devem ser subme-
tidos a complementação nutricional pela via oral.
Preparo de pacientes com megaesôfago
A endoscopia digestiva alta nesses pacientes pode ser
Pacientes com megaesôfago, em particular aqueles em realizada com intenção propedêutica (inclusive para
estádio avançado, são candidatos a tratamento cirúrgico. A detecção de carcinoma esofágico associado) ou terapêu-
adequada avaliação e o correto preparo pré-operatório são tica (p. ex., para dilatação esofágica ou desimpactação ali-
condições essenciais ao bom resultado do tratamento cirúr- mentar). Considerando a estase esofágica comum nesses
gico14. No nosso meio, estima-se que apenas 10% desses casos, torna-se imperativo que o paciente seja submetido
pacientes apresentam acalásia idiopática do esôfago. Como a preparo especial antes do exame, recebendo dieta líqui-
na maioria dos pacientes a doença é de origem chagásica, a da restrita por três a quatro dias e permanecendo em
avaliação pré-operatória deve incluir estudo epidemiológi- jejum nas 12 horas que precedem a endoscopia. O prepa-
co e sorologia para doença de Chagas, avaliação cardiológi- ro pode ainda exigir aspiração e lavagem do esôfago,
ca e eletrocardiográfica e enema opaco para estudo do através de tubo de Foucher calibroso e utilizando irriga-
cólon. Nos casos de acometimento de mais de uma vísce- ção com solução salina 0,9%.
ra pela doença de Chagas, podem ser necessários outros Com o intuito de reduzir o risco de o paciente aspirar
cuidados pré ou perioperatórios, como remoção de fecalo- conteúdo gástrico para o pulmão durante a indução anes-
ma, monitorização eletrocardiográfica peroperatória etc. tésica (síndrome de Mendelson), é essencial, também no
pré-operatório, que o paciente seja submetido a cateteris-
mo, aspiração e lavagem esofágica com solução salina até
Hidratação
ela retornar límpida. Esta conduta reduz também o risco
Pacientes com disfagia importante, por vezes acutizada de contaminação peroperatória nos casos em que está
em decorrência de impactação alimentar, podem apresen- prevista a abertura da luz esofágica. Uma vez agendada a
tar distúrbios hidroeletrolíticos. Por essa razão, esses operação, o paciente também deverá ser orientado para
pacientes devem ser, via de regra, vigorosamente hidrata- receber apenas dieta liquidificada para facilitar a limpeza
dos e ter seus eventuais distúrbios eletrolíticos corrigidos. pré-operatória do esôfago.

Avaliação e terapia nutricional Outros cuidados

Em decorrência da disfagia e da regurgitação, pacientes Em particular, pacientes com dolicomegaesôfago,


com megaesôfago apresentam diferentes graus de desnutri- por apresentarem menos disfagia em decorrência da
ção. A repercussão nutricional é tão mais intensa quanto desnervação esofágica, acabam alimentando-se mais e
mais grave for a estase esofágica e a demora para procurar apresentando maior estase esofágica. Este fato aumenta,
o tratamento médico. Nos casos de desnutrição acentuada, nesses pacientes, o risco de aspiração pulmonar e, conse-
a terapia nutricional pré-operatória se impõe como forma qüentemente, de complicações respiratórias, justificando
de reduzir a morbimortalidade do procedimento cirúrgico. a realização sistemática de avaliação pulmonar com
Essa terapia pode ser feita por meio de nutrição enteral radiografia de tórax no pré-operatório.
(cateter posicionado por endoscopia digestiva) ou parente- No pré-operatório imediato e no peroperatório de
ral (p. ex., nutrição periférica por sete dias a dez dias). operações que prevêem a abertura da luz esofágica em
decorrência da grande colonização bacteriana (operação
Dieta e lavagem esofágica contaminada) e do maior risco de infecção do sítio cirúr-
gico, está indicada antibioticoprofilaxia.
Em decorrência da disfagia, em especial para sólidos, Nos pacientes com megaesôfago avançado para os
o paciente naturalmente procura ingerir alimentos mais quais a operação proposta for uma esofagectomia subto-
líquidos, o que acaba sendo também um dos responsáveis tal, o preparo pré-operatório do cólon pode ser conduta
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Capítulo 11 .: Preparo pré-operatório

de segurança, pois, em alguns casos, a esofagogastroplas- incluir exame clínico cuidadoso; avaliação nutricional;
tia pode não ser factível14. dosagem de eletrólitos, uréia e creatinina; gasometria
arterial e medida da atividade de protrombina e RNI,
entre outros.
Preparo de pacientes com estenose pilórica
Quadro 11.6 .: Principais repercussões clínicas da estenose pilórica
Num conceito sindrômico, estenose pilórica é con-
dição mórbida que cursa com náuseas, vômitos, pleni- Vômitos prolongados e repetidos
tude pós-prandial e emagrecimento em decorrência de Risco de aspiração
dificuldade mecânica no trânsito gastroduodenal.
Desidratação e hipovolemia
Várias afecções podem evoluir com esta complicação,
incluindo a úlcera péptica, o carcinoma gástrico, a antri- Distúrbios eletrolíticos
hiponatremia
te cáustica, a estenose hipertrófica congênita e as com-
hipocloremia
pressões extrínsecas. Sendo a maioria dessas afecções hipopotassemia
preferencialmente de tratamento cirúrgico, está justifi- Alcalose metabólica
cada a importância de se discutir a avaliação e o prepa-
Desnutrição
ro pré-operatório do paciente com estenose pilórica.
A obstrução piloroduodenal de origem péptica é Déficit de vitamina K e hipoprotrombinemia
observada em cerca de 4% dos pacientes com úlceras,
podendo ser justapilórica ou mesobulbar; parcial ou
total. O tratamento cirúrgico deve ser realizado apenas Os cuidados pré-operatórios específicos visam,
nos casos de obstrução completa e/ou secundária à sobretudo, à descompressão gástrica para correção da
fibrose, mormente nos pacientes com resistência à atonia e da dilatação do estômago e de eventuais dis-
erradicação da infecção por H. pylori 15. túrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, em particular
da alcalose metabólica16 (Quadro 11.7). Para esse fim, o
paciente deve receber solução salina 0,9% e, após ter
Repercussões clínicas principais apresentado boa diurese, cloreto de potássio. Além da
terapia nutricional, justifica-se, nesses pacientes, a
A obstrução pilórica leva à estase e à atonia gástrica, reposição de vitamina K (uma ampola intramuscular a
que são responsáveis pela ocorrência de vômitos prolon- cada 12 horas, durante três dias). No preparo desses
gados e repetidos. Além disso, predispõem à aspiração, pacientes, deve-se considerar também a necessidade de
principalmente durante a indução anestésica. A alcalose correção de anemia.
metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica decorre da
perda de íons hidrogênio e cloro (ácido clorídrico) nos Quadro 11.7 .: Avaliação e conduta pré-operatória no paciente com
vômitos ou pelo cateter nasogástrico16. De forma diferen- estenose pilórica
te, a hiponatremia e a hipopotassemia são secundárias
principalmente à perda renal destes íons, na tentativa de Avaliação e terapia nutricional
compensar a alcalose metabólica. A pequena absorção de
Reposição do glicogênio hepático (operações de urgência)
vitamina K, que geralmente ocorre no íleo, acarreta déficit
dessa vitamina, podendo levar à hipoprotrombinemia e, Hidratação vigorosa (solução salina)
conseqüentemente, a distúrbios de coagulação. Entre as Reposição de eletrólitos: NaCl e KCl
principais repercussões clínicas da estenose pilórica – lista- Reposição de vitamina K
das no Quadro 11.6 – destaca-se a desnutrição que, em
alguns casos, chega a ser muito grave.

Preparo pré-operatório imediato


Avaliação e conduta pré-operatória
No pré-operatório imediato, deve-se solicitar avalia-
Com o objetivo de diagnosticar as complicações da
ção laboratorial recente. Com o objetivo de diminuir o
estenose pilórica, a avaliação pré-operatória deve
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

risco de infecção do sítio cirúrgico, estão indicadas lava- número de cerca de 1012 para menos de 105 bactérias por
gem gástrica e antibioticoprofilaxia cirúrgica (Quadro grama de fezes (limiar para ocorrência de infecção inci-
11.8). Deve-se esvaziar o estômago através de cateter sional em hospedeiro imunocompetente).
nasogástrico calibroso, na véspera da operação e, mesmo
tendo sido feita lavagem gástrica, deve ser tomado todo o
cuidado na indução anestésica para evitar aspiração. Métodos
PREPARO MECÂNICO
Quadro 11.8 .: Cuidados pré-operatórios imediatos a serem toma- O preparo mecânico pode ser realizado com dieta
dos nos casos de estenose pilórica
sem resíduos, laxativos, catárticos, enemas (lavagens
intestinais) ou ingestão de manitol, polietilenoglicol ou
Cateterismo, aspiração e lavagem gástrica
picossulfato de sódio. Atualmente, não há consenso
Avaliação laboratorial recente (eletrólitos, creatinina e RNI) em relação ao valor do preparo mecânico19,20 e ao
Antibioticoprofilaxia (cefalosporinas de primeira geração) melhor método de preparo mecânico, havendo neces-
Cuidados na indução anestésica (evitar aspiração) sidade de estudos clínicos prospectivos para comparar
os diversos métodos atualmente disponíveis18,20-1.
A administração oral de 1.500ml a 2.000ml de mani-
tol a 10% deve ser iniciada cerca de 18 horas antes do
procedimento. Após a ingestão da solução (200ml a
Preparo de cólon cada 20 minutos), o paciente apresentará intensa diar-
réia osmótica, promovendo adequada limpeza do
Apesar de a microbiota do intestino grosso ser fisio- cólon em mais de 80% dos casos. Para aumentar a tole-
logicamente importante no funcionamento digestivo, rância ao manitol, pode ser administrada uma ampola
durante a operação, a presença de fezes e de bactérias de metoclopramida uma hora antes de iniciar-se a
colônicas (109 a 1015 bactérias por grama de fezes) acar- ingestão. Em decorrência da desidratação e do risco de
retaria risco de contaminação do campo operatório, com distúrbios eletrolíticos (especialmente hipopotasse-
aumento do risco de infecção do sítio cirúrgico. Dessa mia), deve-se realizar hidratação oral vigorosa, em
forma, o preparo intestinal tem sido sugerido principal- alguns casos, complementada com reposição hidroele-
mente com o objetivo de reduzir esse risco17. Além disso, trolítica venosa17. A maior desvantagem do uso do
a eliminação das fezes formadas poderia reduzir a pres- manitol é a produção de gases inflamáveis, levando a
são intraluminal, diminuindo também o risco e/ou a risco de acidentes explosivos peroperatórios, durante o
gravidade de fístulas anastomóticas; entretanto, esta van-
emprego do eletrocautério. Alguns serviços recomen-
tagem não tem sido observada em estudos prospecti-
dam a realização de enemas após o efeito do manitol.
vos18-9. Um outro benefício, esse indiscutível, do preparo
O emprego do polietilenoglicol (PEG) tem ganha-
do cólon é propiciar campo cirúrgico mais adequado e
do adeptos a cada dia, por oferecer algumas vantagens
agradável para o trabalho do cirurgião.
em relação ao manitol: eficiência na limpeza do cólon
em mais de 90% dos casos; menor risco de desidrata-
Indicações ção e distúrbios eletrolíticos; não-produção de gases
inflamáveis22. O maior inconveniente do uso do polie-
O preparo do cólon está indicado nas operações tilenoglicol é o volume a ser ingerido (quatro litros);
colorretais, sempre que a mucosa for aberta; portanto, por isso, em alguns casos, a ingestão é dividida em dois
tanto nas ressecções quanto nas transposições do cólon. dias. A dieta no(s) dia(s) do preparo deve ser líquida
restrita, ou seja, sem resíduos22. A metoclopramida
Etapas também pode se prescrita uma hora antes do início da
ingestão da solução para evitar a ocorrência de náuseas,
As etapas do preparo de cólon incluem: evitar a for- vômitos e distensão abdominal.
mação de novas fezes; eliminar as fezes já formadas e agir Também o picossulfato de sódio tem sido cada vez
diretamente contra os microorganismos, diminuindo seu mais empregado tanto no preparo para colonoscopias,
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Capítulo 11 .: Preparo pré-operatório

quanto para operações colorretais20,23. Juntamente com PREPARO MECÂNICO PEROPERATÓRIO

o citrato de magnésio, o picossulfato de sódio promo- Quando o preparo mecânico pré-operatório do


ve aumento da contratilidade intestinal, tanto por ação cólon for contra-indicado pela presença de obstrução
osmótica, quanto por liberação de colecistocinina. A completa do intestino, o cirurgião pode providenciar a
grande vantagem em relação às soluções anteriores é a limpeza peroperatória do cólon. Com esta manobra, é
tolerabilidade, considerando-se que é necessária a possível realizar a anastomose colônica no mesmo
ingestão de apenas 50ml da solução em duas tomadas tempo operatório, evitando-se a realização de colosto-
(uma logo pela manhã e outra no início da tarde). mia24. Esse preparo é feito por infusão de cerca de qua-
Como pode acarretar desidratação, deve-se preocupar tro litros de solução salina morna, em fluxo retrógrado,
em promover hidratação vigorosa (cerca de dois litros), a partir de tubo de Foley grosso inserido no ceco (ori-
com reposição eletrolítica23. fício apendicular). O cirurgião deve cuidar para que o
efluente do ceco seja coletado com segurança em reci-
piente conectado à extremidade distal do cólon por
DETALHES DO PREPARO MECÂNICO
tubo de grosso calibre, evitando-se, assim, a contami-
Antes do fechamento de colostomias em alça ou
nação do campo operatório24.
em cano de espingarda, deve-se também proceder ao
preparo do cólon. Contudo, nesses casos, deve-se usar
a metade da dose de manitol ou de polietilenoglicol. PREPARO QUÍMICO
Para o preparo do intestino distal à colostomia, devem O preparo químico do cólon, com uso de antimicrobia-
ser feitos enemas com solução glicerinada pela verten- nos, visa diminuir a microbiota colônica e reduzir a infecção
te ou boca distal da colostomia e por via retal. incisional. Várias associações de antimicrobianos podem ser
Se o paciente encontra-se com fecaloma, este deve ser empregadas, mas algumas regras devem ser observadas: uti-
removido antes do procedimento cirúrgico. As técnicas de lização de drogas com especificidade para microrganismos
remoção de fecaloma são citadas no Quadro 11.9. colônicos (bactérias Gram-negativas e anaeróbias, além de
microorganismos aeróbios Gram-positivos) e administra-
ção de drogas em concentração que obtenha níveis teci-
Quadro 11.9 .: Principais técnicas de quebra e remoção de fecaloma duais adequados25. Vários esquemas têm sido utilizados, seja
pela via parenteral (endovenosa) exclusiva seja em associa-
ção com drogas orais25. O uso endovenoso exclusivo tem
Óleo mineral (via oral ou via retal)
sido o preferido, sendo o esquema de gentamicina e metro-
Lavagem intestinal com solução glicerinada morna 12%
nidazol muito usado em nosso meio. Uma alternativa a esse
Lavagem intestinal com solução especial para dissolução do fecaloma esquema é o uso de droga única, a cefoxitina, cefalosporina
(solução salina 0,9%, bicarbonato de sódio, água oxigenada e sabão
de coco ralado) de segunda geração ativa contra anaeróbios; contudo, além
Fragmentação e remoção manual: força-se o fecaloma contra o plano de seu custo ser ainda alto, essa droga deve ser empregada
sacral (técnicas de digitoclasia e morceladura) com cautela por ser indutora de resistência. As drogas mais
Esvaziamento instrumental por endoscopia (pode ser necessário em comuns empregadas pela via oral são a neomicina, que não
fecalomas mais altos) é absorvida, e a eritromicina, que é pouco absorvida no
Não usar laxantes drásticos e óleo de rícino pelo risco de perfura- trato digestivo. Por essa razão, essas drogas chegam em
ção do cólon
grande concentração à luz colônica, agindo diretamente
contra os microorganismos (descontaminação seletiva do
cólon). São empregadas três doses de um grama de neomi-
CONTRA-INDICAÇÕES AO PREPARO MECÂNICO cina e um grama de eritromicina no dia anterior à operação,
Constituem contra-indicações absolutas ao preparo de associadas ao emprego endovenoso de cefalosporina de pri-
cólon os casos de abdome agudo, ou seja, quando houver meira geração (1g a 2g de cefazolina ou cefalotina) imedia-
perfuração intestinal ou obstrução intestinal completa. A tamente antes da indução anestésica. As drogas de uso
obstrução parcial do intestino, a presença de comorbidades endovenoso podem ser mantidas no pós-operatório. No
(cardiopatia, nefropatia, hepatopatia) e a idade avançada entanto, não devem ser prescritas por mais de 24 horas (ver
são consideradas contra-indicações relativas17. Capítulo 18 – Antibioticoprofilaxia em Cirurgia).

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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140
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12
VISITA E
MEDICAÇÃO
PRÉ-ANESTÉSICA
Carlos Henrique Viana de Castro, Marcos Guilherme Cunha Cruvinel,
Yerkes Pereira e Silva

Introdução Os sistemas cardiovascular e pulmonar, por serem os


que mais levam a complicações pós-operatórias, são inves-
Desde sua descoberta, a anestesia cirúrgica caminha tigados mais detalhadamente. Nesse aspecto, é fundamen-
lado a lado com a prática cirúrgica de maneira quase tal que se avalie a capacidade funcional do paciente3-7. Para
indissociável. Ora a anestesiologia se adapta às novas tal, o paciente é questionado em relação à sua capacidade
técnicas cirúrgicas, ora estas avançam graças ao desen- de, por exemplo, subir escadas, caminhar ou executar tare-
volvimento anestesiológico. Desde seu início, também, fas do dia-a-dia. A incapacidade de o paciente exercer ativi-
as complicações anestésico-cirúrgicas são conhecidas e dades cotidianas, como locomover-se dentro de casa, tro-
temidas. A busca pela diminuição da incidência desses car-se, escovar os dentes, pentear o cabelo ou tomar banho,
eventos adversos passa por medidas como a descober- denota capacidade funcional muito baixa, mostrando clara-
ta de drogas com maior índice terapêutico e a melhoria mente a necessidade de investigação detalhada. Por outro
das técnicas de monitorização. Entre essas técnicas lado, a informação de que o paciente é capaz, por exemplo,
estão a identificação e o controle de condições clínicas de subir dois lances de escadas demonstra boa capacidade
pré-operatórias associadas à maior morbimortalidade. funcional e torna a investigação adicional desnecessária.
A quantificação do risco anestésico é importante. Exemplos: boa capacidade funcional (prática de futebol,
Entretanto, maior ênfase tem sido dada à modificação do natação, tênis); capacidade funcional moderada (caminha-
risco anestésico no pré-operatório. Por meio da consulta das); capacidade funcional inadequada (caminhada de
pré-anestésica, pretende-se estabelecer medidas que leva- menos de dois quarteirões).
A presença de doenças mais prevalentes como hiper-
rão à redução do risco. Este é, portanto, o objetivo prin-
tensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca, insuficiência
cipal da avaliação pré-anestésica1,2.
coronariana e vascular cerebral, arritmias, doença pulmonar
obstrutiva crônica e asma, deve ser averiguada.
Consulta pré-anestésica Em relação aos demais sistemas, as condições que mais
comumente afetam os pacientes cirúrgicos são o diabetes
Anamnese mellitus, as doenças da tireóide e a insuficiência renal ou
hepática. Quando presentes, elas levam a mudanças expres-
A história clínica da moléstia atual, bem como de sivas na abordagem anestésica e, portanto, também devem
outras morbidades que a ela se associam, são de extre- ser investigadas diretamente.
ma importância. De uma maneira geral, investigam-se a A presença de alergias, o tabagismo e o uso de drogas ilí-
duração, o estado atual e os tratamentos associados. citas devem ser avaliados com minúcia. O passado cirúrgi-
Avaliam-se parâmetros antropométricos como peso, co recente ou tardio pode fornecer dados relevantes. Caso
altura, índice de massa corpórea, idade e sexo. tenham ocorrido complicações anestésicas prévias, elas
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

devem ser bem detalhadas. A sorologia positiva para doen- pouco invasivos são aqueles que levam a discretas altera-
ças infecciosas transmissíveis, como hepatites e imunodefi- ções fisiológicas. Para esses procedimentos não são neces-
ciência humana, deve ser registrada. Nas mulheres em idade sários exames complementares em pacientes saudáveis. Em
fértil a possibilidade de gravidez deve ser sempre averigua- operações que envolvem grandes alterações fisiológicas,
da, perguntando-se a data da última menstruação e sobre a como aquelas que demandam reposição volêmica intensa
ocorrência de alguma irregularidade do ciclo menstrual. ou administração de hemoderivados, mesmo em pacientes
saudáveis, há necessidade de verificação do hematócrito e
tipo sangüíneo. Em mulheres nas quais a possibilidade de
Exame físico gravidez não possa ser excluída pela história clínica, o teste
Informações adicionais à história clínica são obtidas de gravidez é necessário. Homens acima de 40 anos e
durante o exame físico. Assim como na história clínica, mulheres acima de 50 anos devem submeter-se a eletrocar-
atenção maior é dada aos sistemas cardiovascular e pul- diograma. Cabe ressaltar que as alterações eletrocardiográ-
monar. De especial importância, os dados vitais, como ficas são freqüentes, entretanto não há benefício compro-
pressão arterial e freqüência cardíaca e respiratória, são vado desse exame na avaliação pré-operatória de pacientes
fundamentais. Esses dados, obtidos no pré-operatório, saudáveis fora dos critérios previamente mencionados. Da
formarão a base de comparação para o perioperatório. mesma maneira, a radiografia de tórax, imprescindível em
As auscultas cardíaca e respiratória fornecerão subsídio pacientes com doença cardíaca, pulmonar e em fumantes,
adicional às informações contidas durante a anamnese. não tem valor garantido em pacientes jovens sem comorbi-
O exame físico das vias aéreas demanda especial aten- dades11. Os exames complementares pré-operatórios que
ção. A incapacidade de promover ventilação e oxigenação devem ser solicitados de rotina estão assinalados no
adequadas é fonte de graves complicações. A maior arma Capítulo 4 – Avaliação clínica pré-operatória. Em relação à espi-
disponível na profilaxia dessas complicações é a identifica- rometria, suas indicações são as seguintes: pacientes candi-
ção de pacientes com risco de acesso à via aérea difícil. Não datos a operação torácica ou abdominal alta que estejam
existe um parâmetro único ou combinação deles que defi- com tosse ou dispnéia ou que apresentam intolerância a
na com exatidão se a intubação será fácil ou não, utilizan- exercícios inespecíficos; pacientes com doença pulmonar
do-se determinada técnica. Diferentes formas de intubação obstrutiva; pacientes que serão submetidos a operação de
têm parâmetros de dificuldade variáveis. Abordaremos os ressecção pulmonar ou com dispnéia de causa desconheci-
parâmetros utilizados para predizer dificuldade de da. O valor da espirometria no preparo de pacientes a
intubação com o método mais comumente utilizado, a serem submetidos a operações abdominais não tem sido
laringoscopia convencional. A combinação desses parâme- demonstrado pela maioria dos estudos. Além disso, quan-
tros indicará a probabilidade de dificuldade8, 9. do não houver ressecção pulmonar, não existe valor de nor-
malidade definido da espirometria, abaixo do qual o proce-
dimento cirúrgico não possa ser realizado12,13.
Exames complementares
Os exames complementares devem ser solicitados com Definição do risco operatório
a intenção de otimizar o cuidado perioperatório. Os resul-
tados desses exames não são substitutos da interação A classificação do paciente candidato a operação em
paciente-anestesiologista, da anamnese ou do exame físico. uma categoria de risco é desejável, embora se saiba que
Os exames que serão solicitados dependerão da condição outras condições, além do estado clínico pré-operatório,
clínica do paciente e da operação a ser realizada10. interferem no risco real de morte per e pós-operatória.
Pacientes que apresentam alguma morbidade já conhe- Vários são os índices utilizados no prognóstico de risco
cida ou suspeitada pela história clínica ou exame físico operatório. A primeira tentativa de classificação de risco
necessitam de exames que ajudem no diagnóstico, na clas- baseada na condição clínica pré-operatória é a classificação
sificação e no tratamento da condição em questão, indepen- do estado físico padronizada pela Sociedade Americana de
dentemente da operação proposta. Nos pacientes saudá- Anestesiologia (ASA) (Quadro 12.1)14. Até hoje é a mais
veis, o que norteará a solicitação de exames complementa- utilizada por ser simples e razoavelmente acurada. Outros
res é o tratamento cirúrgico proposto. Procedimentos índices clássicos de risco e freqüentemente utilizados são o
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Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

de Goldman et al.15 e o de Detsky et al.16 (Quadro 12.2). A Quadro 12.1 .: Classificação de estado físico padronizada pela
American Heart Association (AHA) classifica os pacientes em Sociedade Americana de Anestesia (ASA)
de risco baixo, intermediário e alto para eventos cardíacos,
ASA I – Paciente sem doenças, além da que motivou a operação
segundo a história clínica (Quadro 12.3)1. O American College
ASA II – Paciente com morbidade, associada à doença cirúrgica,
of Physicians estabelece como variáveis de risco: idade maior controlada e que não leva o paciente a limitação
que 70 anos, angina, diabetes, ondas Q patológicas no
ASA III – Paciente com doença sistêmica grave, além da doença
ECG, ectopia ventricular, história de infarto do miocárdio, cirúrgica, que leva a limitação
anormalidades isquêmicas do segmento ST em repouso,
ASA IV – Paciente com doença sistêmica grave, descompensada,
hipertensão grave com hipertrofia ventricular e insuficiên- que representa ameaça à vida
cia cardíaca2.
ASA V – Paciente moribundo com expectativa de vida menor que
O procedimento cirúrgico está intimamente relaciona- 24 horas
do ao risco. Podemos estratificar os vários tipos de opera-
ções não-cardíacas, de acordo com a probabilidade de
complicações cardíacas no perioperatório (Quadro 12.4)1.

Quadro 12.2 .: Índices de avaliação pré-operatória de Goldman et al.15 e Detsky et al.16

Variáveis Índice de Goldman et al. Índice de Detsky et al. modificado


Variável Pontos Probabilidade Variável Pontos Probabilidade
(0-53) pós-teste (%) (0-120) pós-teste (%)
Idade > 70 anos 5 > 70 anos 5
Infarto do Até 6 meses 10 Até 6 meses 10
miocárdio Mais de 6 meses 5
Angina CCS III 10
CCS IV 20
Angina instável com 6 meses 10
Insuficiência B3 ou estase jugular ou 11 Edema pulmonar na última semana 10
cardíaca (IC) sinais de IC História de edema pulmonar 5
ECG Ritmo não-sinusal ou 7 Ritmo não-sinusal ou 5
freqüentes batimentos freqüentes batimentos
supraventriculares supraventriculares
> 5 extra-sístoles 7 > 5 extra-sístoles ven- 5
ventriculares/min triculares/min
Valvulopatia Suspeita de estenose 3 Suspeita de estenose 20
aórtica importante aórtica importante
Condição geral pO2 > 60; pCO2> 50; 3 pO2 > 60; pCO2> 50; 5
K>3; U>50; C>2,6; K>3; U>50; C>2,6;
restrição ao leito pobre condição médica
Operação Emergência, torácica 4 Emergência 10
ou abdominal 3

Escores Classe I 0-5 1-8 Classe I 0-15 5


Classe II 6-12 3-30 Classe II 20-30 27
Classe III 13-25 14-38 Classe III > 30 60
Classe IV >25 30-100

CCS – Classificação Funcional da Sociedade Canadense pO2 – Pressão de oxigênio


K – Potássio pCO2 – Pressão de gás carbônico
U – Uréia IC – Insuficiência cardíaca
C – Creatinina

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro12.3 .: Classificação de risco cirúrgico da American Heart operatória (Figuras 12.1 e 12.2)1,2. Além dessas, Torrington
Association de acordo com a história clínica e Henderson17 elaboraram escala de risco para complica-
ções pulmonares e morte (Quadro 12.5).
Alto Risco Risco Intermediário Risco Baixo
Síndrome coronaria- Angina estável Idade avançada
Quadro12.5 .: Escala de Torrington e Henderson17
na aguda
Insuficiência cardía- Infarto do miocárdio ECG alterado
Variáveis Pontuação
ca descompensada prévio
Arritmias significa- Insuficiência cardíaca AVE prévio Espirometria CVF* < 50% do previsto 1
tivas compensada VEF1**/CVF: 65-75% 1
Doença valvular Diabetes insulino Hipertensão arterial VEF1/CVF: 50-64% 2
grave dependente descontrolada VEF1/CVF: <50% 3
Insuficiência renal
crônica Idade > 65 anos 1
Peso acima de 150% 1
*AVE = acidente vascular encefálico; ECG = eletrocardiograma
do ideal
Operação abdomi- 2
Quadro12.4 .: Classificação do risco cirúrgico de acordo com nal alta ou torácica
a operação Outras operações 1
Tabagismo 1
Classificação Procedimento Incidência de Sintomas pulmonares 1
de risco complicações (%) (tosse, dispnéia, catarro)
Alto Operações de emergência >5 História de doença 1
pulmonar
Operações vasculares arteriais
Classificação do Pontos Taxa de Mortalidade
periféricas
risco complicações (%)
Operações de aorta e grandes pulmonares (%)
vasos
Baixo 0-3 6 2
Operações prolongadas com Moderado 4-6 23 6
grande perda de fluido e sangue
Alto >7 35 12
Intermediário Endarterectomia de carótidas 1-5
*CVF = Capacidade vital forçada; **VEF1 = Volume expiratório forçado no 1º segundo
Operações de cabeça e pescoço
Operações neurológicas
Operações intraperitoneais Informação e esclarecimentos ao paciente
Operações intratorácicas
Qualquer procedimento cirúrgico gera ansiedade
Operações ortopédicas para o paciente. Por menor que ele seja, sempre envolve
Operações urológicas algum grau de intranqüilidade. O medo da anestesia é
Operações ginecológicas um aspecto significativo nesse processo. Especialmente
nos procedimentos de menor porte, é freqüente que a
Procedimentos endoscópicos <1
Baixo anestesia seja o fator de maior preocupação dos pacien-
Procedimentos superficiais tes e familiares. A consulta pré-anestésica é a oportuni-
Operações de mama dade para que o paciente exponha ao anestesiologista
Operações oftalmológicas
suas dúvidas e apreensões. Por sua vez, os esclarecimen-
tos fornecidos pelo anestesiologista são extremamente
eficazes em amenizar essa apreensão e reduzir o grau de
ansiedade pré-operatória. Explica-se qual o tipo de anes-
Sendo assim, a American Heart Association e o American tesia e como ela é realizada, expõe-se o grau de seguran-
College of Physicians associaram as condições clínicas com o ça do procedimento e como a recuperação anestésica se
tipo de operação para sugerir algoritmos de avaliação pré- dá, assim como o plano de analgesia pós-operatória.
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Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

Variáveis cardiológicas maiores


Síndromes coronarianas agudas Sim
ICC descompensada Adiar a operação para compensação clínica
Arritmias significativas
Doença valvular grave

Variáveis cardiológicas intermediárias +


Operação de pequeno porte Realizar a operação
Angina estável
Infarto do miocárdio prévio
Insuficiência cardíaca compensada
Diabetes insulino-dependente + Operação de porte intermediário ou alto
Insuficiência renal crônica

Equivalente metabólico > 4 Equivalente metabólico < 4

Porte cirúrgico alto Porte cirúrgico intermediário Teste não-invasivo para isquemia cardíaca (cintilografia
com tálio e dipiridamol ou ecografia de estresse com
dobutamina ou teste de esforço)
Teste de esforço Operação

Teste positivo Teste negativo


+ –

Avaliação adicional Operação

Variáveis cardiológicas menores Equivalente metabólico > 4


Idade avançada
ECG anormal
Ritmo não-sinusal Proceder operação independentemente
História de acidente vascular encefálico do tipo
Hipertensão arterial descontrolada Equivalente metabólico < 4

Operação de porte alto Operação de porte


baixo ou intermediário

Teste de esforço

+ – Operação

Avaliação adicional

ICC – Insuficiência cardíaca congestiva


ECG – Eletrocardiograma

Figura 12.1 .: Algoritmo de avaliação pré-operatória adaptado da American Heart Association

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Pacientes classe I de Detsky

0 ou 1 variável de risco 2 ou mais variáveis Pacientes classe II ou III


de Detsky
Risco < 3% de Risco 3% a 15% de
complicações cardíacas complicações cardíacas

Operação Operação não-vascular

Alto risco
>15% de complicações cardíacas

- Operação vascular

Teste não-invasivo para


isquemia cardíaca + Avaliação adicional

Variáveis de risco
História de infarto agudo do miocárdio
Idade > 70 Anormalidades de segmento ST em repouso
História de angina Hipertensão com hipertrofia ventricular grave
Diabetes mellitus História de insuficiência cardíaca
Ondas Q patológicas no ECG História de ectopia ventricular

Figura 12.2 .: Algoritmo de avaliação pré-operatória adaptado do American College of Physician

São comuns preocupações como falha anestésica e dor ■ evitar a prática de esporte que requeira esforço físi-
peroperatória, medo de não dormir e vivenciar o pero- co demasiado antes da operação;
peratório, medo de dormir e não acordar ou ter um ■ entrar em contato com a equipe médica, no caso de
despertar demorado, medo de a anestesia locorregional alterações clínicas após a avaliação pré-anestésica.
ser muito dolorosa e de sentir dor acentuada no pós-
operatório, entre outras.
Jejum
Algumas orientações devem ser dadas por escrito:
■ estar em jejum; Nem sempre se recomendou o jejum pré-operató-
■ evitar uso de medicações não prescritas pela equipe rio. Seu surgimento se relaciona diretamente à descri-
médica, mesmo fitoterápicas ou homeopáticas; ção da aspiração pulmonar do conteúdo gástrico e suas
■ evitar uso de bebidas alcoólicas e tabagismo antes conseqüências. O aparecimento da recomendação de
da realização de ato anestésico-cirúrgico; jejum pré-operatório não é fácil de ser determinado,
■ não fazer uso de adornos como brincos, pulseiras,
porém sua popularização se deu após 1946, quando
anéis, lentes de contato, maquiagem, batom, Mendelson relatou a relação entre a alimentação e a
esmalte etc.;
146
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Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

aspiração pulmonar durante o parto18. A partir desse Quadro 12.7 .: Orientações quanto ao tempo de jejum
relato, surgiu a idéia da instituição do jejum para ade- pré-operatório
quado esvaziamento gástrico, visando, assim, à redu-
ção do risco de pneumonite de aspiração19,20. Roberts e Líquidos claros (sem resíduos, como água, chá, café, gelatina e sucos
Shirley21 publicaram, em 1974, editorial definindo que coados): 2 horas
um volume gástrico residual de 25ml e com pH menor Bebida rica em carboidratos: 2 horas
que 2,5 seria suficiente para o desenvolvimento da sín- Alimentos sólidos: 6 horas
drome descrita por Mendelson.
Leite humano: 4 horas
Mesmo após jejum adequado, considera-se que alguns
pacientes apresentam risco para presença de volume gás- Leite de fórmulas infantis: 6 horas
trico residual maior que 25ml, sendo, por isso, chamados Outros tipos de leite: 6 horas
de pacientes com “estômago cheio” (Quadro 12.6)22. Por
mecanismos peculiares a cada um destes grupos, o esva-
ziamento gástrico é retardado, causando elevado volume Tabagismo
gástrico residual, ainda que após jejum adequado. Nos
últimos anos, tem-se avaliado a rotina de jejum pré-ope- O tabagismo é fator de risco para complicações pul-
ratório, principalmente no tocante ao seu impacto na res- monares pós-operatórias. Está associado ao aumento das
posta orgânica pós-operatória e o real risco de aspiração. secreções traqueobrônquicas, diminuição da atividade
Com essa visão, novas diretrizes têm sido estabelecidas e mucociliar e da fagocitose, assim como da atividade dos
encontram-se discutidas com mais detalhes no Capítulo 7 macrófagos. Recomenda-se que o tabagismo seja inter-
– Nutrição e Cirurgia. rompido pelo menos oito semanas antes do procedimen-
As recomendações atuais para o jejum estão resumi- to cirúrgico para que haja diminuição da incidência de
das no Quadro 12.7. complicações. Paradoxalmente, quando ele é interrompi-
do por tempo menor que esse, a incidência de complica-
ções é maior que quando ele não é interrompido23-26.

Quadro 12.6 .: Pacientes que apresentam risco para estômago cheio. Medicação pré-anestésica
Volume gástrico residual maior que 25ml
Objetivos
Prematuridade e dispnéia
Obesidade
Reduzir a ansiedade é, usualmente, o objetivo prin-
cipal da medicação pré-anestésica. Em algumas situa-
Refluxo gastroesofágico preexistente
ções, ela é fundamental, uma vez que o estresse psico-
Obstrução intestinal lógico pode levar a aumento da pressão arterial e isque-
Outras doenças gastrointestinais (p. ex. estenose de piloro) mia miocárdica, além de sofrimento desnecessário.
Hipertensão intracraniana Entretanto, cabe ressaltar que nem todos os pacientes
necessitam de medicação pré-anestésica, mesmo que a
Ascite
quase totalidade deles esteja ansiosa. Para muitos
Tumores intra-abdominais volumosos pacientes, ela não é necessária, pois a consulta pré-
Neuropatia autonômica anestésica com o anestesiologista reduz a ansiedade
Ansiedade extrema ou dor intensa muito mais que a própria medicação. Para outros, a
Operação prévia de esôfago
medicação pré-anestésica não pode ser administrada
por causa dos seus efeitos colaterais, como a depressão
Senilidade
respiratória. Pacientes com doença pulmonar grave,
Diabetes mellitus hipovolemia, apnéia do sono, hipertensão intracrania-
Gravidez na e com depressão do sistema nervoso central são
exemplos de pacientes que não devem usar medicações

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sedativas no pré-operatório. Pacientes que serão admi- Opióides


tidos no hospital no dia da operação e, portanto, terão
que estar aptos a sair de sua residência e se encaminhar Os opióides podem até promover algum grau de
ao hospital onde enfrentarão todo o processo burocrá- sedação, entretanto eles são efetivos em produzir analge-
tico de admissão, também não são candidatos a receber sia. Logo, eles têm utilidade naqueles pacientes que estão
medicação pré-anestésica. Nos procedimentos curtos, sentindo dor no pré-operatório. Em geral, são utilizados
os efeitos da medicação pré-anestésica podem se esten- por via intramuscular (IM) ou endovenosa (EV), sendo
der para o período pós-operatório e prolongar o tempo as drogas mais utilizadas a morfina e a meperidina. As
de recuperação. Nas operações ambulatoriais, tal situa- doses usuais são 0,05mg/kg a 0,1mg/kg para a morfina e
ção também é problemática. Em alguns casos, é neces- 0,5mg/kg a 1mg/kg para a meperidina28.
sário que o paciente se lembre de instruções específicas
a serem seguidas no pós-operatório, tornando a amné-
sia indesejável.
Parasimpaticolíticos
Outros objetivos da medicação pré-anestésica são As principais drogas parasimpaticolíticas são atropi-
alívio de dor, amnésia, profilaxia contra pneumonia de na, escopolamina e glicopirrolato. A atropina e a esco-
aspiração, prevenção de reações alérgicas e diminuição polamina são antagonistas não-seletivos do receptor
das secreções de via aérea. A administração de uma muscarínico. São rapidamente absorvidas pelo trato
mesma droga ou combinação de drogas para todos os gastrointestinal e penetram prontamente no sistema
casos de maneira rotineira não é razoável. Vários fatores, nervoso central. Em especial a escopolamina, por cau-
como estado emocional do paciente, sua condição clíni-
sar sonolência, amnésia, taquicardia, diminuição da
ca, tipo de procedimento proposto, tipo de admissão
salivação e de secreções, além de ter propriedades
institucional e plano anestésico, influenciam na escolha
antieméticas, tornou-se opção comum de pré-medica-
da medicação pré-anestésica. Deste modo, a melhor
ção anestésica. A associação com benzodiazepínicos
opção está vinculada à avaliação pré-operatória11.
ou opióides pode potencializar sua ação e evitar alguns
efeitos indesejáveis. Entretanto, podem ocorrer inquie-
Benzodiazepínicos tação, alucinação, delírio, borramento de visão, cefa-
léia, ataxia e a chamada síndrome anticolinérgica cen-
São drogas extremamente usadas no pré-operatório.
tral. Atualmente, exatamente devido a esses efeitos
Os benzodiazepínicos interagem com receptores do
adversos potenciais, a escopolamina é menos utilizada
córtex cerebral, facilitando a ligação ao receptor
e seu uso principal é como antisialogogo29.
GABA, o que aumenta a permeabilidade aos íons
cloro. A absorção oral é boa, com pico plasmático de
30 minutos para o midazolam, uma hora para o diaze- Agentes para evitar ou reduzir o risco de
pam e duas horas para o lorazepam. A eliminação des- aspiração pulmonar do conteúdo gástrico
sas drogas é feita pelo fígado. O diazepam, além de
meia vida de eliminação longa (30 horas), tem metabó- Metoclopramida
litos farmacologicamente ativos. O lorazepam, em con-
traste, tem meia vida de eliminação menor (12 horas) e A metoclopramida (10mg EV) é utilizada antes da
não tem metabólitos ativos. O midazolam tem a menor indução anestésica em pacientes com risco aumentado de
meia vida desse grupo de drogas (duas horas). Todos aspiração pulmonar do conteúdo gástrico seja por não
possuem efeitos cardiovasculares mínimos e deprimem estarem em jejum adequado (Quadro 12.7), seja por
de maneira pouco significativa a ventilação, quando serem de risco para esvaziamento gástrico lento (Quadro
administrados por via oral. Suas principais proprieda- 12.6). Sua ação advém da estimulação da motilidade gás-
des são: amnésia, ansiólise, hipnose, relaxamento mus- trica e do aumento do tônus do esfíncter inferior do esô-
cular leve e atividade anticonvulsivante. As doses fago. A metoclopramida tem ação antagonista da dopa-
usuais são: midazolam 7,5mg a 15mg, lorazepam 2mg a mina. Recentemente, entretanto, a eficácia da metoclo-
4mg e diazepam 5mg a 10mg27. pramida como antiemético, usada no perioperatório, tem
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Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

sido questionada. Os principais efeitos adversos são rea- imediato, com a finalidade de promover melhor controle
ções extrapiramidais e sedação30. hemodinâmico perioperatório e com a vantagem de pro-
piciar sedação, ansiólise e analgesia. Também pode ser
administrada no pré-operatório de procedimentos que
Agentes que reduzem a acidez gástrica
requerem hipotensão controlada32.
Os antagonistas do receptor H2 diminuem a secre-
ção ácida gástrica. Apesar de não afetarem o conteúdo
Betabloqueadores
já presente no estômago, eles inibem produção gástrica
adicional. Seus benefícios decorrem tanto da diminui- Os betabloqueadores têm efeitos significativos sobre
ção da produção do suco gástrico como do aumento a fisiologia cardíaca. Eles diminuem a freqüência cardía-
do pH, mas não são imediatos. Os inibidores da bomba ca e a contratilidade miocárdica, melhorando, assim, a
de prótons têm papel controverso. Alguns estudos relação entre o consumo e o fornecimento de oxigênio
mostram que os antagonistas H2 aumentam o pH gás- miocárdico33. São ações importantes para aqueles pacien-
trico e reduzem o volume gástrico mais rapidamente31. tes com risco de isquemia miocárdica. Os pacientes que
fazem uso crônico dessas drogas não devem interromper
Antiácidos seu uso. A retirada súbita dos betabloqueadores leva a
efeito rebote, colocando o paciente em risco de eventos
Os antiácidos, apesar de reduzirem a acidez gástrica isquêmicos perioperatórios. Seu uso profilático, iniciado
imediatamente, podem aumentar o volume do conteúdo de duas horas a uma/duas semanas antes da operação,
gástrico. Por essa razão, o citrato de sódio é o preferido31. demonstrou-se capaz de prevenir episódios de isquemia
perioperatória e reduzir a morbimortalidade cirúrgica34,35.
Recentemente, o benefício do betabloqueador tem sido
Estratégia para redução do risco de aspiração
tão significativo, que alguns autores advogam que deter-
A combinação do metoclopramida (10mg) e ranitidi- minados pacientes poderiam prescindir da propedêutica
na (50mg) é a mais usada para os pacientes em risco. O cardiológica invasiva, sendo operados com mortalidade
citrato de sódio, quando disponível, é útil naquelas situa- inferior à mortalidade associada ao exame invasivo e à
ções de emergência quando o paciente ingeriu alimentos revascularização do miocárdio prévia36.
pouco tempo antes da indução anestésica.
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hipertensivos ou ser associada a eles no pré-operatório WL, Pollock ML. Exercise standards. A statement for

149
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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150
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13
PEROPERATÓRIO:
ROTINAS, CUIDADOS
E REGISTROS
Yerkes Pereira e Silva, Débora Grimberg Geber,
Carlos Henrique Viana de Castro, Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução simultaneamente, tempo insuficiente entre casos para


permitir a limpeza adequada das salas e o preparo de
O período conhecido como peroperatório stricto sensu materiais e equipamentos, ou falta de pessoal para dar
é aquele que vai do início do ato cirúrgico até o término assistência aos pacientes, seja da área médica, de enferma-
do mesmo. De modo mais abrangente, inclui, além do gem ou técnica.
procedimento anestésico-cirúrgico, os cuidados e rotinas O centro cirúrgico deve estar situado em local de fácil
que começam com o transporte do paciente para o cen- acesso, mas com pequeno trânsito de pessoas. Estima-se
tro cirúrgico e terminam com sua alta da sala de recupe- que seja necessária uma sala de operação para cada 50
ração pós-anestésica. leitos de um hospital geral. Cada sala deve ter área míni-
ma de 25m2; salas maiores são desejáveis para transplan-
tes, operações ortopédicas e laparoscópicas. A ventila-
Centro cirúrgico: rotinas técnicas e ção das salas cirúrgicas deve atender a quatro objetivos
administrativas fundamentais: prover o ambiente de aeração adequada;
remover acúmulo de gases anestésicos; controlar a tem-
O centro cirúrgico é um ambiente complexo e vital peratura e umidade do ambiente; prevenir a contamina-
para o funcionamento e sucesso dos hospitais. Sua utili- ção do campo cirúrgico. O centro cirúrgico deve tam-
zação de forma racional, com redução do período ocioso bém possuir gerador de eletricidade para a eventualidade
e com máxima ocupação vem se tornando o objetivo da falta de energia, evitando situações de risco para
principal para muitos administradores hospitalares. os pacientes.
Esforços não são poupados para assegurar que a pas- É necessário trabalho conjunto e sintonizado entre o
sagem do paciente pelo centro cirúrgico e por todas as diretor médico do centro cirúrgico, seu coordenador
suas dependências, como na admissão, na sala cirúrgica e administrativo e seu supervisor de enfermagem, a fim de
na sala de recuperação pós-anestésica, seja tranqüila e sem definir programas e processos técnico-administrativos, e
intercorrências. O sucesso destes esforços depende de de zelar e fazer cumprir as rotinas essenciais ao funciona-
estratégias apropriadas que devem se iniciar no agenda- mento do centro cirúrgico, de forma a atender às neces-
mento dos procedimentos cirúrgicos eletivos. sidades de todos os setores. Eles devem ter acesso e ana-
É necessário conhecimento em relação aos procedi- lisar, periodicamente e de forma detalhada, os dados esta-
mentos a serem agendados para que a marcação seja feita tísticos referentes à utilização do centro cirúrgico, para
de forma a permitir que as operações corram num fluxo que possam instituir plano minucioso que vise à máxima
contínuo e sem atrasos conseqüentes a imprevistos, tais utilização de suas salas, com constante aperfeiçoamento
como material inadequado ou insuficiente no centro do setor, controle dos custos e garantia permanente
cirúrgico para a realização de dois procedimentos iguais da qualidade1.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Organizações não-médicas que lidam com problemas perioperatório é freqüentemente fragmentado e sob a res-
complexos e urgentes, tais como aviação e forças arma- ponsabilidade de cirurgiões, clínicos e anestesiologistas. É
das, reconhecem a ampla variedade de aspectos envolvi- indispensável que todos estes profissionais mantenham
dos na busca e obtenção do sucesso e a necessidade de se boa comunicação entre si para que a conduta estabelecida
estabelecerem rotinas e treinamentos, com simuladores, no caso seja uniforme e o foco não se disperse. Nas pala-
para preparo de toda a equipe. São de fundamental vras de Goldman, “a avaliação e o manejo do paciente
importância fatores como coordenação da equipe de tra- com risco potencial de complicações cardíacas em opera-
balho, capacidade dos líderes para tomarem decisões ções não-cardíacas requer esforço colaborativo do cirur-
acertadas e coerentes, cultura da disciplina, bom ambien- gião, do anestesiologista e do clínico”. Cada um tem
te de trabalho e qualidade das dependências físicas2. conhecimento e visão diferentes do problema, e decisões
Portanto, a habilidade técnica do cirurgião é apenas ideais são possíveis somente se todos trabalharem em
um dos aspectos que levam à condução perioperatória conjunto, de maneira colaborativa e respeitosa4.
satisfatória e à evolução pós-operatória favorável. Em alguns países, tem-se atualmente investido na for-
Dentro do centro cirúrgico, trabalha uma equipe multi- mação do especialista em Medicina perioperatória, res-
disciplinar composta de anestesiologistas, cirurgiões, ponsável por acompanhar o paciente em todas essas eta-
enfermeiros, técnicos de enfermagem e de radiologia, pas. Essa iniciativa tem como objetivo reduzir o risco de
funcionários da farmácia e profissionais responsáveis conflitos entre protocolos interdisciplinares, definindo
pela manutenção dos equipamentos. Para o bom funcio- melhor a responsabilidade pelo paciente neste período
namento do centro cirúrgico é necessário que estas equi- tão crítico5. Esta é, sem dúvida, uma visão interessante e
pes trabalhem de forma afinada e com espírito de grupo, uma forma de se abordar o problema, porém é impossí-
garantindo ambiente de trabalho agradável e eficiente vel desvincular e substituir as funções dos anestesiologis-
(transdisciplinaridade). tas e cirurgiões nesse período. O cirurgião é quem pri-
As pessoas são passíveis de falhas; erros acontecem meiro tem contato com o paciente e quem faz a indica-
mesmo nos mais bem organizados ambientes. A avalia- ção cirúrgica, além de ser o profissional tecnicamente
ção das intercorrências ocorridas durante anestesias reve- capacitado a realizar o ato operatório, tratar suas compli-
lou que 80% dos erros poderiam ter sido evitados e que cações e acompanhar o paciente durante a internação e
o fator humano foi responsável por 75% deles3. A desa- após a alta hospitalar. O anestesiologista é quem possui a
tenção e o descuido na checagem do material e a falta de visão mais crítica e ampla sobre condições mórbidas e
vigilância durante o ato anestésico foram os fatores mais afecções associadas que podem influenciar o ato anesté-
freqüentemente associados a erros humanos. sico. Ele é capaz de tomar medidas necessárias para pre-
parar o paciente a fim de minimizar essas influências,
Ao se trabalhar em local tão estressante e complexo
além de ser o responsável por condutas vitais no perope-
como o centro cirúrgico, é essencial que a equipe não
ratório como monitorização, balanço hidroeletrolítico,
tenha sua atenção desviada para assuntos de interesse
cuidados respiratórios e hemodinâmicos. É também o
secundário e, portanto, é fundamental que o ambiente
anestesiologista o mais indicado para cuidar da dor aguda
não seja hostil.
no pós-operatório imediato, assegurando evolução mais
O preparo pré-operatório do paciente e o acompanha-
estável e menos sofrimento para o paciente. Portanto,
mento perioperatório também são de vital importância
fica claro que cirurgiões e anestesiologistas devem traba-
nesse contexto. Sob a perspectiva do paciente, o período
lhar juntos na coordenação e estabelecimento de estraté-
perioperatório compreende todas as etapas, que se ini-
gias e condutas para cada paciente.
ciam com o surgimento dos sintomas e procura por assis-
tência médica, prolongam-se com o encaminhamento
para a avaliação do cirurgião, a decisão de operar, o pre- Cuidados peroperatórios relacionados
paro pré-operatório com realização dos exames e inter- ao paciente
consultas, o pré-anestésico, o procedimento anestésico-
cirúrgico propriamente dito, e finalizam o período pós- São inúmeras as rotinas peroperatórias que envolvem
operatório com seu desconforto característico e a alta procedimentos técnico-administrativos, escalas de pes-
hospitalar. Portanto, o acompanhamento médico soal, cuidados com materiais e equipamentos etc. No
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Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

entanto, não se deve perder de vista que todos eles obje- muito úteis, como é o caso da aplicação de pressão no
tivam o adequado atendimento e a satisfação do pacien- ponto de acupuntura extra 1 (Yintang), que foi capaz de
te. Alguns desses cuidados envolvem diretamente o reduzir valores de índice bispectral (Bis) de pacientes,
paciente, como o seu transporte para o centro cirúrgico, quando comparado com pressão em um ponto controle6.
o apoio psicológico, as orientações, entre outros.
Outros cuidados
Transporte do paciente para o centro cirúrgico
Antes do transporte do paciente ao centro cirúrgico,
Antes de transportar o paciente para o centro cirúrgi- é recomendável que o consentimento informado esteja,
co, é preciso certificar-se da sua identidade correta e veri- devidamente assinado. Nele, o paciente declara estar a
ficar se o jejum foi obedecido de forma adequada. O par do procedimento a ser realizado e de suas possíveis
paciente deve ser orientado para retirar maquiagem, pró- complicações e conseqüências para sua vida futura.
teses (dentadura, perna mecânica etc.), roupas íntimas Outra recomendação é que o local a ser operado esteja
(calcinha, sutiã ou cueca), relógios, anéis, colares, pulsei- devidamente assinalado. Em vários países do mundo, o
ras e brincos e deve ser estimulado a vestir roupa apro- paciente só é admitido no centro cirúrgico após certifica-
priada e a urinar antes de ir para o centro cirúrgico. O ção de que o local a ser operado foi marcado com um
paciente deve ser acompanhado preferencialmente por “X” com caneta própria para se escrever sobre a pele.
algum funcionário do hospital (geralmente vinculado à Quando não for possível fazer a marcação, como nas
enfermagem), mesmo se ele for capaz de deambular. No operações orificiais, uma pulseira com a identificação do
caso de pacientes críticos, muitas vezes faz-se necessário procedimento deve ser atada ao braço do paciente. Este
o acompanhamento médico com monitorização, venti- simples procedimento evita que sejam executadas opera-
lação assistida e medicação de emergência. Junto com o ções erradas, ou em lado oposto ao que deveriam ser ori-
paciente devem ser sempre encaminhados o prontuário ginariamente feitas, ocorrência felizmente rara, porém de
médico, todos seus exames (laboratoriais e de imagem), conseqüências devastadoras.
o consentimento informado e a papeleta com a prescri-
ção médica, as anotações de enfermagem, a folha de
dados vitais etc. Cuidados peroperatórios relacionados
O momento do transporte para o centro cirúrgico, à anestesia e à operação
quando o paciente deixa seus familiares, constitui momen-
to crítico e é muito importante que o funcionário respon- Confirmação das reservas pré-operatórias
sável por conduzi-lo esteja preparado para fazê-lo de
modo tranqüilo e eficiente, evitando comentários desagra- Cabe ao cirurgião, que já deve ter feito as reservas
dáveis. Crianças e idosos sentem-se especialmente vulne- pré-operatórias, checar se tudo está de acordo para a rea-
ráveis nesse momento; permitir que seu responsável possa lização do ato cirúrgico antes de iniciá-lo. É necessário
acompanhá-los até o centro cirúrgico é recomendável. confirmar a reserva da vaga no centro de tratamento
intensivo, de hemoderivados, dos materiais (em especial,
das órteses e próteses) e equipamentos necessários, do
Apoio psicológico ao paciente exame peroperatório por corte de congelação etc.
O peroperatório é um período em que o paciente
encontra-se particularmente sensível e ansioso. Boa rela- Anestesia e monitorização
ção médico-paciente, fundamentada especialmente na
escuta empática e atenta do paciente, constitui etapa Ao entrar na sala cirúrgica e antes do início da aneste-
indispensável ao sucesso do procedimento anestésico- sia, o paciente deve ser adequadamente examinado e
cirúrgico. Algumas vezes, é preciso fazer medicação pré- monitorizado. A monitorização é a palavra-chave em
anestésica ansiolítica e sedativa, como benzodiazepíni- todos os procedimentos anestésicos desde os primórdios
cos, para manter os níveis de estresse sob controle. da especialidade. Com o passar do tempo, juntamente
Técnicas alternativas podem ser também usadas e são com a evolução e a sofisticação dos procedimentos anes-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tésico-cirúrgicos, observou-se também o surgimento de ao centro cirúrgico com o cateter e a radiografia de tórax
monitores cada vez mais sofisticados. Porém, indepen- de controle, considerando que um pneumotórax não-
dentemente de quão sofisticado ou abrangente um moni- diagnosticado pode aumentar significativamente o risco
tor possa ser, ele jamais substituirá habilidades clínicas anestésico-cirúrgico.
como inspeção, palpação e ausculta.
A monitorização pode ser classificada como não-
invasiva, minimamente invasiva ou invasiva. Esta última, Quadro13.1 .: Monitores utilizados no peroperatório
pelo risco de complicações decorrentes de sua aplicação, Monitorização cardiovascular
deve ser criteriosamente indicada, avaliando sempre os ■ medida de pressão arterial direta por meio de cateter posicionado
benefícios e seus possíveis efeitos adversos. Durante a intra-arterial
anestesia geral de rotina, no mínimo, cinco monitores ■ monitorização de pressão venosa central
com alarmes devem ser empregados: fração de oxigênio ■ monitorização hemodinâmica com cateter de artéria pulmonar e
inspirado, pressão nas vias aéreas, oximetria, pressão monitorização do débito cardíaco pela técnica de termodiluição
arterial não-invasiva e eletrocardiograma com alarme ■ outros métodos para medida de débito cardíaco que utilizam ultra-
para freqüência cardíaca7. sonografia ou bioimpedanciometria
De acordo com a complexidade do ato cirúrgico e ■ ecocardiografia transesofágica
com o estado clínico do paciente, outros monitores Monitorização respiratória
podem ser necessários (Quadro 13.1). ■ capnografia
Para a monitorização da temperatura, os sensores ■ análise de gases expirados
podem ser colocados na artéria pulmonar, porção distal ■ oximetria transcutânea
do esôfago, membrana timpânica ou nasofaringe. Outros ■ análise de gasometria arterial
locais, onde a medida da temperatura é bem razoável ■ curvas de espirometria
embora um pouco menos acurada, incluem a cavidade Monitorização da função renal
oral, as axilas, o reto e a bexiga. Devem ser evitadas as
medidas na superfície da pele, por não refletirem de ■ cateter vesical de demora
forma fidedigna a temperatura central8. ■ análise de ionograma
■ análise de osmolaridade sérica e urinária

Monitorização neurológica
Punções e cateterismos
■ monitorização de eletroencefalograma contínuo
Entre as várias condutas a serem tomadas no pré- ■ avaliação do potencial evocado
operatório imediato antes da anestesia, destacam-se as ■ monitorização da profundidade anestésica com BIS (índice bispectral)
punções e os cateterismos. Após identificação do pacien- ■ doppler transcraniano
te, avaliação das ocorrências da noite anterior e verifica- ■ saturação venosa de bulbo jugular
ção da administração pré-operatória de medicamentos, o ■ pressão intracraniana
anestesiologista deve iniciar a hidratação endovenosa. ■ eletromiografia
Caso o paciente já chegue ao centro cirúrgico com cate- Monitorização neuromuscular
ter venoso curto instalado, é imprescindível verificar o
estimulador de nervo periférico
calibre e a patência do mesmo. Pode ser necessária nova

punção, antes ou depois da indução anestésica. Em Monitorização de temperatura


pacientes críticos, a punção arterial pode ser desejável
para medir a pressão intra-arterial.
A punção venosa central está indicada principalmen- As indicações de cateterismo vesical de demora
te quando houver grande dificuldade para realizar a pun- incluem a necessidade de monitorizar rigorosamente a
ção periférica ou em pacientes graves com maior risco diurese no per e pós-operatório e/ou de manter a bexiga
anestésico-cirúrgico, pela possibilidade de se monitorizar vazia (operações sobre a pelve). Operações prolongadas
a pressão venosa central e de se infundir líquido rapida- (> 4h) constituem indicação relativa; a opção, nesses
mente. O ideal é que, nestes casos, o paciente já chegue casos, seria o cateterismo vesical de alívio ao término do

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Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

ato cirúrgico. O cateterismo de demora deve ser feito Outros cuidados


no centro cirúrgico, de modo a reduzir o risco de con-
taminação durante a instrumentalização urinária, e Outros cuidados incluem a preparação da mesa de
depois da anestesia, com o objetivo de diminuir o des- instrumentos de acordo com o tipo de operação e a
conforto do paciente. rotina de cada setor. Uma mesa de instrumentos acessó-
Em pacientes que não respeitaram o período de jejum ria (mesa de Mayo) também pode ser utilizada, facilitan-
ou naqueles casos em que se prevê a existência de estase do o acesso ao instrumental, em especial na ausência do
gástrica (estenose pilórica, obstrução intestinal, peritonite instrumentador ou em operações mais complexas.
etc.) é preciso esvaziar o estômago no pré-operatório por O posicionamento da equipe cirúrgica varia na
meio da introdução de cateter nasogástrico calibroso. Se o dependência do tipo de procedimento proposto, da
conteúdo gástrico estiver muito espesso, pode ser necessá- doença, do órgão, segmento ou estrutura doente, e da
ria a lavagem gástrica, procedimento que deve ser realizado especialidade cirúrgica, mas geralmente o cirurgião se
cuidadosamente e de preferência antes de o paciente ser posiciona à direita do paciente. O primeiro auxiliar
encaminhado ao centro cirúrgico. Nestes casos, é mais posiciona-se em frente ao cirurgião, sendo responsável
seguro o anestesiologista considerar que o paciente está por auxiliá-lo nas manobras de hemostasia e síntese e
com o estômago cheio e optar pela indução anestésica em no afastamento das estruturas, propiciando boa exposi-
seqüência rápida, que reduz o período durante o qual a tra- ção, sem traumatizar os tecidos. Em operações mais
quéia fica desprotegida. Elevação da cabeceira, disponibili- complexas, pode haver um segundo auxiliar, que deve
zação prévia de cateter para aspiração e pressão cricóide, se posicionar ao lado do cirurgião ou ao lado do primei-
no momento da indução anestésica, constituem medidas
ro auxiliar. O instrumentador é o elemento do combi-
que aumentam a segurança nessa fase crítica.
nado cirúrgico de maior mobilidade, realizando o con-
tato entre a equipe cirúrgica e o enfermeiro circulante.
Posição do paciente na mesa cirúrgica Ele deve ficar atento aos tempos cirúrgicos, antecipan-
do-se ao pedido do cirurgião e de seus auxiliares. É tam-
Após a monitorização, o paciente deve ser posicionado bém sua função manter limpo e organizado o campo
na mesa cirúrgica, de forma a permitir bom acesso e ade-
cirúrgico, controlando o fluxo (entrada e saída) de ins-
quada exposição do campo operatório, de modo a facilitar
trumentos, gazes e compressas etc.
a atuação do cirurgião, porém sempre assegurando seu
O comportamento na sala cirúrgica deve ser adequa-
posicionamento seguro e fisiológico. Paciente mal posicio-
do, evitando-se conversas desnecessárias, desatenção e
nado pode apresentar lesões de nervos periféricos ou ainda
deterioração das funções respiratória e/ou hemodinâmica. desequilíbrio emocional. A circulação desnecessária
pelos corredores e pelas salas cirúrgicas favorece a vei-
culação de microorganismos patogênicos de um ponto
Preparo do campo cirúrgico a outro, devendo ser evitada. As pessoas que trabalham
no centro cirúrgico devem evitar entrar nessa unidade
Após a colocação do paciente na mesa cirúrgica em
se estiverem com qualquer doença infecciosa, localiza-
posição adequada à realização do procedimento propos-
da ou sistêmica. Durante o procedimento cirúrgico, que
to e depois da realização da anestesia, inicia-se o preparo
do campo cirúrgico. A anti-sepsia da pele deve ser prefe- pode ser prolongado e cansativo, devem ser mantidos a
rencialmente feita com PVP-I tintura (solução alcóolica tranqüilidade e o silêncio. Ruídos desnecessários, des-
de polivinilpirrolidona-iodo), utilizando gazes estéreis preparo dos assistentes, dos auxiliares ou do enfermei-
montadas. Caso o paciente não tenha sido submetido a ro circulante podem prejudicar o andamento da opera-
degermação pré-operatória com PVP-I degermante, ele ção. Os médicos e estudantes que assistem o ato cirúr-
deve ser aplicado no campo cirúrgico antes da solução gico devem cuidar para não contaminarem o campo
tintura, sendo necessária a remoção de seu excesso com cirúrgico, a mesa do instrumental ou os componentes
compressa estéril antes da aplicação da solução alcóolica. da equipe cirúrgica. Não devem também obstruir o
Campos cirúrgicos de algodão ou de plástico aderente trânsito do enfermeiro, nem tampouco dificultarem o
devem então ser colocados, delimitando a área cirúrgica. trabalho do anestesiologista.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Cuidados peroperatórios relacionados um dos documentos a serem sistematicamente preenchi-


dos imediatamente após o procedimento cirúrgico. Este
à equipe cirúrgica
é também o momento de preencher a solicitação do
Presença e preparo da equipe exame anatomopatológico, procedimento indispensável
sempre que forem retirados tecidos, estruturas ou órgãos
O procedimento anestésico-cirúrgico deve ser iniciado do paciente. Neste caso, o cirurgião deve ainda dispensar
apenas no momento em que toda a equipe cirúrgica esti- cuidado especial no preparo (formalização, acondiciona-
ver presente e disponível no centro cirúrgico. Anestesiar o mento e identificação) e encaminhamento da peça cirúr-
paciente antes de o cirurgião responsável estar dentro da gica. As perdas de espécimes cirúrgicos são imperdoáveis
sala cirúrgica constitui procedimento de risco, além de e constituem causa de processos e ações ético-legais.
gerar insegurança desnecessária no paciente. Entre os inúmeros cuidados nesta fase, faz-se neces-
Para entrar no centro cirúrgico, a equipe deve, nos sário alertar para o fato de que, ao término da operação,
vestiários, substituir suas roupas por uniforme apropria- os familiares esperam ansiosos para falar com o cirurgião
do e de uso exclusivo no ambiente operatório. É neces- e ter as informações tão aguardadas. A falta de atenção e
sário ainda complementar esse preparo com a utilização afeto, neste momento, pode gerar conflito, gerando dúvi-
de gorros, máscaras e propés. O uso da máscara das nos familiares em relação a eventuais acidentes pero-
é imprescindível na sala cirúrgica, em especial após a peratórios e dificultando as relações pessoais tão impor-
montagem da mesa de instrumentos e o preparo do tantes no tratamento e na recuperação do paciente.
campo cirúrgico. A lesão de nervos periféricos constitui 16% das quei-
Para participar do combinado cirúrgico, o cirurgião e xas contra anestesiologistas segundo a American Society of
seus auxiliares devem realizar a escovação das mãos e Anesthesiology, ocupando o segundo lugar de queixas, logo
antebraços. Essa escovação deve ser feita com escova de após os casos de óbito9.
cerdas macias ou com esponja de poliuretano, durante no A mais freqüente causa de queixas por lesão nervosa
mínimo cinco minutos, utilizando anti-sépticos de boa periférica refere-se ao nervo ulnar. Antigamente, acredi-
qualidade (povidona-iodo degermante ou clorexidina). tava-se que sua lesão fosse devido à compressão perope-
Após a escovação, as mãos devem ser mantidas acima do ratória facilitada pela sua localização vulnerável na altura
nível dos cotovelos. Para enxugar as mãos e antebraços, do cotovelo, quando ele contorna o epicôndilo medial do
deve ser empregada compressa esterilizada. A seguir, o úmero. Porém, após exaustivos estudos e extensa análise
profissional deve vestir avental cirúrgico esterilizado e retrospectiva, concluiu-se que, mesmo quando há aco-
calçar luvas estéreis, cuidando para evitar a contamina- modação apropriada do cotovelo, a lesão do nervo ulnar
ção. A superfície externa das luvas não deve ser tocada pode ocorrer, sem nenhuma causa aparente, e que esta
pelas mãos do cirurgião. complicação, portanto, não é sempre evitável10. São
vários os nervos que podem ser lesados durante o ato
anestésico, entre eles: axilar, musculocutâneo, radial,
Responsabilidade legal mediano, femoral, safeno, ciático, tibial e femoral
Na sala de operação, o cirurgião continua sendo o cutâneo lateral.
principal responsável pelo paciente e co-autor de todos Os pacientes que desenvolvem neuropatias motoras
os procedimentos nele realizados. Toda a atenção deve devem procurar neurologista e realizar eletromiografia
ser mantida desde que o paciente entra no centro cirúrgi- para determinar a exata localização da lesão e estudar sua
co, e ele não deve ficar sozinho em nenhum momento. possível reversibilidade. As neuropatias sensoriais são fre-
Todos os atos e procedimentos devem ser conscientes e qüentemente transitórias e geralmente, basta explicar ao
não-mecânicos, atentando para as necessidades e limita- paciente que elas deverão desaparecer em alguns dias.
ções de cada doente. Qualquer desatenção poderá ser Lesões oftalmológicas são mais comuns em pacientes
motivo de acidentes e, somente mantendo a harmonia e que são operados em decúbito ventral e podem, por
o respeito entre os membros da equipe, será possível pre- vezes, acarretar perda de visão. Cuidados devem ser
venir estas ocorrências e complicações. tomados para evitar pressão sobre o globo ocular e pre-
A descrição cirúrgica detalhada constitui importante venir que o olho fique aberto. As abrasões de córnea são
instrumento de defesa profissional, constituindo-se em as lesões oftalmológicas mais encontradas, mas, feliz-
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Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

mente, essas lesões curam-se rapidamente, bastando para mino da operação e da anestesia; materiais consumidos
isso que o olho seja devidamente obliterado e que seja incluindo órteses e próteses; equipamentos etc. Também
usada pomada oftálmica com antibiótico para evitar evo- é necessário impresso para registro pela enfermagem das
lução para úlcera de córnea. ocorrências peroperatórias. Além da ficha empregada na
Além de sempre acolchoar apropriadamente a super- sala de recuperação pós-anestésica, o anestesiologista
fície corporal e evitar pontos de pressão que podem cau- deve fazer o registro da anestesia em formulário próprio
sar úlceras de estase em operações prolongadas ou neu- onde deve constar desde a avaliação das condições pré-
ropatias periféricas, é de igual importância evitar aquelas vias do paciente (avaliação pré-anestésica) até a avaliação
posições que dificultam o retorno venoso ou a expansi- contínua dos dados vitais (pressão arterial, freqüência
bilidade torácica e que podem trazer sérias conseqüências cardíaca, saturação de oxigênio), a cada cinco minutos,
hemodinâmicas e respiratórias. A posição sentada, muito em forma de gráfico. Outros dados de monitorização
usada em operações de fossa posterior, é de especial inte- (capnografia etc.) podem ser coletados e registrados se
resse. Esta posição pode causar embolia aérea, embolia necessário. Nessa mesma ficha, o anestesiologista deve
paradoxal para a circulação arterial, hipotensão, instabili- notificar o tipo de procedimento anestesiológico e cirúr-
dade vascular com conseqüente isquemia, devido à mani-
gico e as eventuais intercorrências peroperatórias. Ao
pulação do tronco encefálico, estimulação de nervos cra-
término do procedimento, cabe ao cirurgião preencher:
nianos, obstrução de vias aéreas e macroglossia.
a evolução médica, fazendo referência ao procedimento
anestésico-cirúrgico realizado e às suas eventuais com-
Registros peroperatórios plicações; a prescrição médica, definindo claramente
todos os cuidados e medicamentos necessários no pós-
Em relação aos formulários que devem ser preenchi- operatório imediato; o formulário de solicitação de anti-
dos no centro cirúrgico, seu número e formato variam microbianos a ser encaminhado à Comissão de Controle
entre os serviços. De maneira geral, é interessante que se de Infecções Hospitalares; a descrição cirúrgica, deta-
tenham disponíveis, em local de fácil acesso aos médicos, lhando todos os achados e tempos cirúrgicos; e o formu-
os impressos relacionados no Quadro 13.2. lários para solicitação de exames complementares (labo-
ratoriais, anatomopatológicos etc.).

Quadro 13.2 .: Impressos úteis no registro das ocorrências pero-


peratórias e na solicitação de exames Recuperação pós-anestésica
Lista de checagem a ser preenchida no momento do transporte do
A recuperação pós-anestésica constitui uma das eta-
paciente para o centro cirúrgico pas mais importantes do tratamento cirúrgico, em decor-
Folha de sala cirúrgica rência do risco e da gravidade das complicações próprias
Impresso para notificação dos procedimentos de enfermagem desse momento. Sem dúvida, a criação de salas de recu-
Impressos para registro da evolução anestésica e pós-anestésica peração pós-anestésicas e a existência de protocolos e
Impresso para descrição do procedimento cirúrgico rotinas de admissão e de alta vieram modificar o panora-
Impresso para solicitação de liberação de antibióticos da Comissão de ma até então observado. Apesar de não existir definição
Controle de Infecções Hospitalares padrão na literatura, pode-se dizer que a sala de recupe-
Impresso para solicitação de exames (laboratório, imagem) ração pós-anestésica é um setor de cuidados intensivos,
Impresso para solicitação de exames anatomopatológicos e citológicos cujo principal objetivo é garantir a recuperação segura
Impresso para solicitação de sangue e hemoderivados
dos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos
sob anestesia geral e/ou locorregional.

Na folha de sala, devem constar: identificação com- Sala de recuperação pós-anestésica


pleta do paciente; diagnóstico, tipo e código dos proce-
As primeiras salas de recuperação surgiram a partir de
dimentos cirúrgicos realizados; horários de início e tér-
1920, porém elas tiveram grande expansão após a segun-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

da guerra, juntamente com o melhor entendimento da domicílio e os riscos de ele permanecer internado
fisiopatologia das complicações pós-operatórias. forem maiores que os benefícios.
Os indicadores de qualidade da sala de recuperação Um novo conceito deve ser ressaltado, considerando
pós-anestésica incluem não somente resultados clínicos, a introdução de novos anestésicos e novas técnicas que
mas também o “valor” do tratamento, que é definido permitem um despertar mais rápido e seguro. É o concei-
como a melhoria no resultado clínico por valor monetá- to de fast-track, ou seja, o salto da sala de operação direta-
rio gasto em uma admissão. O custo real do tratamento mente para a unidade cirúrgica de internação (fase 2), não
na sala de recuperação pós-anestésica incorpora espaço, passando pela sala de recuperação pós-anestésica. Pode-
pessoal e equipamento, sendo que as normas de triagem, se notar na literatura incidência que varia de 13,9% a
admissão e alta afetam o número de admissões e os 42,1% de fast-track em pacientes submetidos à anestesia
recursos que cada admissão consome11. Na maioria dos geral12. Se com essa prática observa-se diminuição da ati-
locais, o maior custo da sala de recuperação pós-anesté- vidade na sala de recuperação pós-anestésica, ela poderia
sica é com a equipe de pessoal. Vale lembrar que os fato- resultar em economia de custos potenciais.
res que afetam o impacto e o custo são variáveis entre as O número ideal de leitos para cada sala de recupera-
instituições. Além disso, tentativas de estabelecer ção pós-anestésica varia com o tipo de atendimento pres-
padrões de referência de efetividade de custos do trata- tado. Normalmente, esse número é de 1,5 leito para cada
mento são carregadas de imprecisão. sala cirúrgica, variando até 2:1 se o centro cirúrgico é
A recuperação é um processo contínuo, sendo que os mais voltado para procedimentos ambulatoriais. A sala
pacientes não podem ser considerados totalmente recu- de recuperação pós-anestésica deve estar localizada
perados até terem retornado ao seu estado fisiológico numa posição estratégica com alguns setores do hospital,
pré-operatório. O processo completo pode durar muitos funcionando como uma continuidade entre o centro
dias, mas pode ser dividido convenientemente em três cirúrgico e o centro de tratamento intensivo. Além disso,
fases distintas: deve estar perto e contar com as facilidades e a rapidez
■ recuperação precoce (fase 1) – vai desde a inter- de serviços de apoio, como laboratório, centro de ima-
rupção da anestesia até os pacientes terem recupe- gens (radiologia, tomografia etc.) e agência transfusional.
rado seus reflexos protetores e sua função motora. A sala de recuperação pós-anestésica deve ter área isola-
Normalmente acontece na sala de recuperação pós- da para os pacientes contaminados, possuir ventilação e
anestésica, pois requer monitorização e supervisão iluminação (pela necessidade de procedimentos de
intensivas, com equipe treinada; urgência) adequadas, além de estrutura e equipamentos
■ unidade de internação cirúrgica (fase 2) – alguns sis- básicos, entre eles: pontos com fonte de oxigênio, ar
temas de pontuação, como o de Aldrete, podem ser comprimido e vácuo em cada leito; monitores que devem
usados na tomada de decisão sobre quando os atender à complexidade dos pacientes que serão recebi-
pacientes poderiam ser transferidos para a unidade dos, variando desde a monitorização básica com oxime-
de internação cirúrgica. Inicialmente descrito em tria de pulso, eletrocardiograma, pressão não-invasiva e
1970, o sistema de Aldrete pontua notas de 0, 1 e 2 temperatura até monitores mais complexos e invasivos
para atividade, respiração, circulação, consciência e para medida da pressão intra-arterial, pressão venosa
cor, com pontuação máxima de 10. Uma pontuação central, pressão intracraniana e débito cardíaco; capnó-
igual a nove indicaria recuperação suficiente para o
grafo e analisador de gases; ventiladores; unidade de
paciente ser transferido da sala de recuperação pós-
emergência equipada com desfibrilador, material próprio
anestésica para o quarto. Com o advento da oxime-
tria de pulso, o parâmetro clínico cor foi substituí- para abordagem de via aérea e intubação difíceis, marca-
do por outro – necessidade de oxigenioterapia para passo transcutâneo e endovenoso, drogas de reanimação;
se manter saturação maior que 92%; bombas de infusão.
■ recuperação domiciliar (fase 3) – os pacientes deve-
Em relação aos recursos humanos para a sala de recu-
rão alcançar a recuperação completa em casa. O peração pós-anestésica, deve haver um anestesiologista
momento da alta hospitalar deve ser definido com (coordenador da equipe) e um enfermeiro que decidirão
base na análise de uma série de parâmetros; habi- juntos as condutas a serem tomadas, sempre apoiados
tualmente coincide com a fase na qual todos os cui- em protocolos previamente definidos pela equipe. A
dados possam ser realizados com o paciente em seu relação de técnicos de enfermagem para cada leito varia
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Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

de acordo com a complexidade do atendimento presta- os itens que devem constar no relatório de admissão na
do, podendo ser desde um para cada dois ou três leitos sala de recuperação pós-anestésica.
até um técnico para cada leito, se o paciente estiver criti-
camente comprometido. Vale ainda lembrar que a res-
ponsabilidade legal pelo paciente na sala de recuperação
pós-anestésica recai não apenas sobre o anestesiologista
responsável pela sala, mas também sobre o anestesiolo- Alergia FC Sangramento
gista que realizou a anestesia.
Ainda do ponto de vista legal e de acordo com a
resolução do Conselho Federal de Medicina nº. SpO2
1363/93, o Ministério da Saúde prevê a existência de Avaliar parâmetros Restrição aos
medidos Protocolos
sala de recuperação pós-anestésica para todo centro Temperatura
cirúrgico. Além disso, a Sociedade Brasileira de
Anestesiologia e o Conselho Federal de Medicina defi-
PA Retenção Prurido
nem no artigo 2º que “todo paciente após procedimen- urinária
to cirúrgico deverá ser removido para sala de recupera-
ção pós-anestésica”, que “enquanto não estiver disponí-
FC – Freqüência cardíaca
vel a sala de recuperação pós-anestésica, o paciente PA – Pressão arterial
deverá permanecer na sala cirúrgica até sua liberação SpO2 – Saturação de oxigênio
pelo anestesista” e ainda que “os critérios de alta do
paciente no período de recuperação pós-anestésica são
de responsabilidade intransferível do anestesiologista” 13. Figura 13.1 .: Rotinas iniciais na admissão do paciente na sala
de recuperação pós-anestésica

Rotina da sala de recuperação pós-anestésica


A seguir, passaremos às rotinas da sala de recupera-
ção pós-anestésica, tanto de admissão quanto de alta, Quadro 13.3 .: Itens que devem ser avaliados à admissão do
discutindo ainda as complicações mais freqüentes desta paciente na sala de recuperação pós-anestésica
fase. Essas rotinas visam favorecer um primeiro atendi-
mento com maior autonomia e agilidade por parte da
História pré-operatória – alergias e reações medicamentosas, proce-
enfermagem, assim como garantir a prática da multidis- dimentos cirúrgicos pregressos, doença clínica subjacente, medica-
ciplinaridade. Todo paciente admitido na sala de recupe- mentos crônicos, problemas agudos, pré-medicações
ração pós-anestésica deve ser avaliado inicialmente, em Dados peroperatórios – procedimento cirúrgico, tipo de anestesia, esta-
relação às condições ventilatórias, à via aérea e ao seu do de relaxamento muscular e sua reversão, hora e quantidade de
estado de consciência. Em seguida, devem ser aferidos opióides administrada, tipo e quantidade de líquidos intravenosos, perda
sangüínea estimada, débito urinário, intercorrências cirúrgicas ou anesté-
freqüência e ritmo cardíacos, pressão arterial sistêmica, sicas, achados laboratoriais peroperatórios, medicamentos realizados
freqüência respiratória e oximetria de pulso. Essa avalia-
Avaliação e relatório do estado atual – desobstrução da via aérea,
ção deve ser feita a cada cinco minutos, durante os pri- adequação ventilatória, nível de consciência, freqüência e ritmo cardía-
meiros 15 minutos, e a cada 15 minutos a partir de co, pressão sistêmica, estado da volemia, função dos monitores invasi-
então. A avaliação da temperatura deve ser feita à admis- vos, tamanho e localização de cateteres intravenosos, equipamento
são e antes da alta do paciente. O anestesiologista do anestésico (cateter peridural, bomba de PCA, ou seja, analgesia contro-
lada pelo paciente etc.), impressão global
paciente deve cuidar dele até a equipe da sala de recupe-
ração pós-anestésica obter os sinais vitais e conectar os Instruções pós-operatórias – estado ventilatório previsto, faixas
aceitáveis dos sinais vitais, eliminação urinária e perda sangüínea acei-
monitores apropriados (Figura 13.1). táveis, instruções cirúrgicas (cuidados com a ferida, com cateteres, dre-
Relato sucinto, mas completo, que inclua informação nos e ostomias), problemas cardiovasculares esperados ou prováveis,
suficiente para permitir avaliação rápida e tratamento das prescrições de intervenções terapêuticas, testes diagnósticos a serem
eventuais complicações pós-operatórias deve estar regis- obtidos, localização e contato (bip, celular etc.) do médico responsável

trado legivelmente. No Quadro 13.3, estão enumerados


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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O ajuste dos alarmes deve ser feito para mais e menos


20% dos valores normais. Medicamentos em seringas
levadas pelos anestesiologistas só devem ser aceitas se ALERGIA
constarem etiqueta com nome do paciente e da medica-
ção, assim como diluição da mesma. Em caso de pacien-
te com cateter epidural, deve ser solicitada etiqueta iden- Solicitar à secretária que faça etiqueta
tificatória. Deve ser ainda anotada hora e escala de adesiva ressaltando a alergia em questão
Aldrete na admissão assim como referência a alguma res-
trição aos protocolos aplicados pela enfermagem da sala
de recuperação pós-anestésica (coronariopata, idoso etc.). Alergia
No caso de emergência na sala de recuperação pós- Dipirona
Penicilina
anestésica, a enfermagem deve estar apta a entrar em con-
tato com o anestesiologista da sala de recuperação pós-
anestésica, referindo-se à situação como código 1, a fim de
Figura 13.3 .: Protocolo de alergia
evitar desorientação e pânico por parte da equipe e com o
objetivo de sistematizar todo o atendimento a partir daí
(Figura 13.2). Deve ainda colocar a unidade de emergência Hipertensão arterial
ao lado do leito do paciente e romper seu lacre. As mano-
A hipertensão no pós-operatório pode ser um fator
bras de reanimação deverão ser procedidas conforme o
complicador e, se muito grave, pode levar a sangramen-
PALS (suporte de vida avançado em pediatria) ou ACLS
to, deiscências vasculares, dilatação ventricular com
(suporte de vida avançado em cardiologia).
isquemia e arritmia. O diagnóstico diferencial inicial deve
Na eventualidade de o paciente apresentar história pré-
ser com a possibilidade de erro na medida. Caso o
via de alergia a medicamentos, látex ou fitas adesivas (espa-
paciente se apresente com hipertensão no pós-operató-
radrapo), etiqueta identificatória adesiva deverá ser coloca-
rio, devem ser feitas avaliação e tratamento da dor e de
da a fim de se evitar evento adverso previsível (Figura 13.3).
eventual retenção urinária. A pressão deve ser, então,
novamente aferida após dez minutos em aparelho
manual, e o resultado deve ser comunicado ao anestesio-
Código 1 “EMERGÊNCIA” logista, que deverá tomar as medidas devidas, avaliando
outros diagnósticos diferenciais (Figura 13.4).
Paciente não-responsivo (após estímulo)
Paciente dispnéico/cianótico
Crise convulsiva
HIPERTENSÃO ARTERIAL PA > 170/110

Comunicar anestesiologista - “Código 1 na SRPA”


Solicitar Unidade de Emergência
1- Verificar dor – Protocolo de dor
2- Verificar retenção urinária – Protocolo de retenção urinária
3- Verificar pressão arterial (PA) após 10 minutos
Figura 13.2 .: Protocolo - Código 1 - Emergência

PA > 170/110
Complicações pós-anestésicas
São inúmeras as complicações possíveis no período Comunicar ao anestesiologista
pós-anestésico. Entre as mais freqüentes na fase inicial
destacam-se a hipertensão e a hipotensão arterial, a dis-
função pulmonar, a dor pós-operatória com suas conse-
qüências emocionais e orgânicas, náuseas e vômitos. Figura 13.4 .: Protocolo de hipertensão arterial

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Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

Pacientes previamente hipertensos apresentam respos- são causas de complicações respiratórias que cursam
tas exageradas ao tratamento da hipotensão no pós-opera- com hipoxemia e devem ter seu diagnóstico diferencial
tório. Causas de estímulos exagerados do sistema nervoso feito a fim de se instituir a terapêutica correta.
autônomo devem ser pesquisadas (feocromocitoma, intera- Caso o paciente apresente-se com saturação de oxigê-
ção de drogas, aumento da pressão intra-craniana, acidente nio menor que 92%, a via aérea deve ser avaliada em rela-
vascular encefálico e encefalopatia hipóxico-isquêmica). ção à obstrução e a oxigenioterapia deve ser iniciada por
Níveis pressóricos 20% acima dos níveis iniciais ou evi- cateter nasal a 3l/min. Concomitantemente, se a pressão
dências clínicas de complicações (sangramento, alterações arterial estiver adequada, a cabeceira do leito deverá ser
oculares, angina, alteração do segmento ST) devem moti- elevada. Se esses primeiros passos não forem suficientes,
var tratamento hipotensor, que vai depender de cada situa- deve ser solicitada máscara de Venturi, instituída oxige-
ção (clonidina, betabloqueadores, nitroprussiato etc.). nioterapia a 10l/min e comunicadas ao anestesiologista
estas providências (Figura 13.5). Ele deverá avaliar outras
possibilidades diagnósticas e definir se há necessidade de
Disfunção pulmonar
abordar da via aérea de modo mais invasivo, incluindo,
A disfunção pulmonar pode ser causa de hipoxemia nesse caso, a intubação traqueal.
no pós-operatório e pode estar relacionada com:
■ ventilação inadequada – cursa com acidemia respi-

ratória, hipercapnia com redução do pH abaixo de


7,25 e aumento progressivo da pCO2;
■ impulso respiratório inadequado – pode ocorrer por SpO2 < 92%
uso de opióides ou anestésicos inalatórios não total-
mente eliminados, bloqueio neuromuscular residual,
O2 por cateter nasal a 3l/min
hemorragia ou edema intracraniano, lesão dos corpos
carotídeos pós-endarterectomia, doença pulmonar
obstrutiva crônica com acidose respiratória crônica e Resolve Não Resolve Se PA dentro 20% basal
alteração da sensibilidade do sistema nervoso central
ao pH, tornando dominante o impulso hipóxico, ou
OK Solicitar máscara de Venturi e
por sensibilidade aumentada aos depressores respira- administrar O2 a 10l/min
Elevar a cabeceira
tórios (apnéia do sono, ex-prematuro, obesidade Estimular o paciente
Comunicar ao anestesiologista
mórbida, obstrução crônica das vias aéreas);
■ resistência aumentada das vias aéreas – por obstrução
PA – Pressão arterial
da faringe (queda de língua), laringe (laringoespasmo) SpO2 – Saturação de oxigênio
ou grandes vias aéreas (hematoma), miastenia ou por
bloqueio neuromuscular residual. Os sinais simulam
os de complacência diminuída (ventilação laboriosa,
recrutamento de musculatura acessória); Figura 13.5 .: Protocolo de hipoxemia
■ complacência diminuída – pode se dar devido à

presença de gás no estômago e intestino, curativos Hipotensão arterial


torácicos e abdominais apertados, obesidade, tumor
intra-abdominal, hemorragia, ascite, gravidez ou A hipotensão no pós-operatório constitui complica-
obstrução intestinal; ção comum e pode cursar com hipoperfusão de órgãos
■ problemas neuromusculares e esqueléticos – devi- vitais, sendo que a terapêutica deve estar voltada para
do à síndrome do neurônio motor superior, cifose impedir essa hipoperfusão e suas conseqüências. Várias
ou escoliose, bloqueio de plexo (braquial), raquia- são as causas de hipotensão pós-operatória, entre elas:
nestesia em paciente com doença pulmonar crôni- ■ medição espúria – quando identificada, evita trata-
ca, reversão marginal do bloqueio neuromuscular. mento desnecessário e hipertensão iatrogênica;
Espaço morto aumentado, aumento na produção de ■ hipovolemia ou hipovolemia relativa – decorre: do

CO2, alterações na relação ventilação-perfusão, envene- uso de medicamentos que imitam bloqueio dos
namento por monóxido de carbono e aspiração traqueal receptores alfa, como o droperidol, do uso de medi-

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

camentos que liberam histamina, como a morfina, rio, estratégia para sua terapia, como o uso contínuo de
ou do uso de dilatadores venosos, como os nitratos; opióides até a alta hospitalar. A principal via de acesso
da anestesia subdural ou peridural; da pressão intra- para o tratamento da dor pós-operatória é a endoveno-
torácica positiva alterando o retorno venoso; do sa. A via oral pode ser utilizada nos pacientes em regi-
tamponamento pericárdico; da embolia aérea impe- me ambulatorial. Deve ser encorajado o uso da escala
dindo o enchimento ventricular; visual analógica, anotando-se aquele valor, desde a
■ disfunção ventricular – constituem causas da dis-
admissão do paciente na sala de recuperação ou na uni-
função ventricular a baixa contratilidade ventricular dade de internação e após qualquer queixa de dor. Se
prévia, a administração excessiva de líquidos com
previamente foi feito bloqueio do neuroeixo, com o
dilatação ventricular, a resolução do bloqueio do
uso de cateter ou não, o anestesiologista deve ser
sistema nervoso autônomo simpático e mobilização
volêmica, a depressão miocárdica por anestésicos comunicado pela possibilidade do emprego de opióide
inalatórios e venosos, a hipocalemia e a acidose res- como adjuvante do bloqueio. Nesse caso, ele deve
piratória ou metabólica; decidir a melhor conduta. Caso contrário, o paciente
■ isquemia miocárdica e arritmia cardíaca – deve-se à deve ser abordado farmacologicamente, de acordo com
dor, taquicardia, hipotensão, ansiedade, acidose, às a pontuação obtida com a escala visual analógica e com
drogas etc. Hipoxemia grave, anemia e envenenamen- a definição da intensidade da dor (leve, moderada ou
to por monóxido de carbono podem causar isquemia, acentuada). O protocolo de dor pós-operatória está
mesmo sem insuficiência coronariana prévia; apresentado na Figura 13.7.
■ resistência vascular sistêmica diminuída – constituem

causas dessa resistência ventricular a anestesia regio-


nal, o uso de bloqueadores alfaadrenérgicos e outros
medicamentos (hidralazina, nitroprussiato), o HIPOTENSÃO ARTERIAL
emprego de hemoderivados, o reaquecimento, a aci-
demia (vasodilatador direto) e a sepse. 1- Admitir o paciente – perguntar ao anestesiologista
Caso o paciente apresente hipotensão na sala de recu- do paciente a PAS
peração pós-anestésica, deve ser iniciada oxigenioterapia 2- Ajustar alarme de PAS em ± 20%
3- Programar medidas de PA de 5/5m ou de 15/15m
por cateter nasal a 3l/min, a cabeceira do leito deve ser
colocada a 0º, e devem ser infundidos livremente 200ml de
ringer-lactato, tomando-se nova medida da pressão após PAS<20%
cinco minutos. Caso essas medidas não surtam efeito, a
enfermagem deve preparar seringa com efedrina diluída e 1- Colocar O2 - 2l/min
notificar o fato ao anestesiologista, que deve avaliar a 2- Abaixar a cabeceira do leito a 0º
3- Infundir 200ml de RL livre
necessidade de exames laboratoriais, estabelecer outras 4- Nova medida de PA em 5m
causas para a hipotensão que não a hipovolemia e instituir
a terapia mais indicada (efedrina, fenilefrina, aminas em
infusão contínua, antiarrítmicos etc.) (Figura 13.6).
PAS normal PAS<20%

Dor pós-operatória
Infundir 1- Diliuir efedrina 10mg/ml em
200ml de RL 1 amp com 4ml de ABD
Uma das principais intercorrências na sala de recu-
2- Comunicar ao anestesiologista
peração pós-anestésica é a dor pós-operatória. Ela deve
ser tratada prontamente e de maneira eficaz; para isso
ABD – água bidestilada
deve ser avaliada e considerada o quinto sinal vital. O PA – pressão arterial
alívio da dor cirúrgica traz inúmeros benefícios que já PAS – pressão arterial sistólica
RL – ringer-lactato
estão bem documentados (conforto do paciente, dimi- m – minuto
nuição da resposta autonômica, menor morbimortali-
dade). O ideal é que se trate a dor com o mínimo de
efeitos colaterais e que se estabeleça, no pré-operató- Figura 13.6 .: Protocolo de hipotensão arterial

162
Capitulo 13.qxd 2/23/06 15:17 Page 163

Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

DOR

Opióide no Sem opióide


neuroeixo no neuroeixo

Comunicar do
anestesiologista Faces/EVA

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
sem dor dor dor muito pior
dor leve moderada grave grave possível

0-3 4-6** 7-10**

Uso prévio de 1- O2 por cateter nasal 3l/min 1- O2 por cateter nasal 3l/min
AINE/dipirona** 2- Diluir morfina (10mg em 9mL de ABD) 2- Diluir morfina (10mg em 9mL de ABD)
3- Fazer 3ml, EV-50mcg/kg 3- Comunicar ao anestesiologista
4- Avaliar complicação
Sim Não

Dipirona 2g
Observar
Cetorolaco 30mg
** Uso prévio ou não de AINE/ dipirona ABD – Água bidestilada
EVA – Escala visual analógica AINE – Antiinflamatório não-esteróide

Figura 13.7 .: Protocolo de dor

Náuseas e vômitos nervosas e de tecido mole, dor muscular esquelética),


hipertermia (incluindo hipertermia maligna), hipotermia
Apesar de ser rotina desejável e realizada em vários
e tremores, agitação e complicações renais e metabólicas
serviços, o uso da terapia combinada (ondansetrona e
podem ser intercorrências e complicações diagnosticadas
droperidol; ondansetrona e dexametasona; droperidol e
na sala de recuperação pós-anestésica.
dexametasona) na profilaxia de náuseas e vômitos com
base na probabilidade de o paciente apresentar essas
complicações (sexo feminino, vômitos em operações Critérios de alta da SRPA
anteriores, não-tabagista e uso peroperatório de opióide)
não necessariamente protegerá o paciente destes sinto- Em relação à alta do paciente da sala de recuperação,
mas, principalmente nas primeiras 24 horas de pós-ope- vários critérios já foram sugeridos. Escalas de pontuação,
ratório. Assim, caso aconteçam, deverão ser tomadas como a de Aldrete modificada, têm sido amplamente
algumas condutas, que estão enumeradas na Figura 13.8. usadas e difundidas. De acordo como a Sociedade
Americana de Anestesiologia, em seu consenso de 2002
sobre cuidados pós-anestésicos, algumas recomendações
Outras complicações
devem ser seguidas14. Pacientes devem estar alertas e
Outras complicações como prurido, traumas inciden- orientados, e aqueles cujo status mental inicial era altera-
tais (lesões oculares, orais, da faringe e da laringe, lesões do devem retornar ao seu estado basal. Os dados vitais
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

devem estar estáveis e dentro de limites aceitáveis. A alta Referências


deve ocorrer após o paciente ter preenchido critérios
mínimos de segurança, sendo sempre necessário o regis- 1 ■ Kindscher J. Operating room management. In: Miller RD.
tro por escrito das condições de alta do paciente12. Os Miller’s Anesthesia. 6ªedição. Churchill Livingstone. 2005.
2 ■ Seymour NE, Gallagher AG, Roman SA. Virtual reality training
pacientes em regime ambulatorial devem ter alta somen- improves operating room performance. Ann Surg.
te acompanhados de um adulto responsável. Eles devem 2002;236:458-64.
ainda receber instruções por escrito em relação aos medi- 3 ■ Aggarwal R, Undre S, Moorthy K, Vincent C, Darzi A. The
camentos a serem utilizados e às atividades liberadas, simulated operating theatre: comprehensive training for sur-
gical teams. Qual Saf Health Care. 2004;13:27-32.
devendo constar ainda o número de um telefone que eles
4 ■ Goldman L. Cardiac risk in noncardiac surgery: an update.
possam acessar caso aconteça alguma complicação. Anesthes Analg. 1995;80:810-20.
5 ■ Dahl JB, Kehlet H. Perioperative medicine - a new sub-specia-
lity, or a multi-disciplinary strategy to improve perioperative
management and outcome? Acta Anaesthes Scand.
VÔMITOS 2002;46:121-2.
6 ■ Fassoulaki A, Paraskeva A, Patris KS. Pressure applied on the
extra 1 acupuncture point reduces bispectral index values and
Conferir uso prévio de dexametasona e ondansetrona
stress in volunteers. Anesthes Analg. 2003;96:885–9.
7 ■ Murphy GS, Vender JS. Monitoring the anesthetized patient. In:
Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK. Clinical Anesthesia. 4ª
edição. Lippincott Williams & Wilkins. 2001.
Sim Não 8 ■ Sessler D. Temperature monitoring. In: Miller RD. Miller’s
Anesthesia. 6ªedição. Churchill Livingstone. 2005.
9 ■ Faust RJ, Cucchiara RF, Bechtle PS. Patient positioning. In:
Ondansetrona – 4mg Miller RD. Miller’s Anesthesia. 6ªedição. Churchill
Dramin B6 – em ABD – 8ml
1 ampola IM Livingstone. 2005.
EV lento
10 ■ Warner MA, Warner ME, Martin JY. Ulnar neuropathy:
Incidence, outcome and risk factors in sedated or anestheti-
Melhora zed patients. Anesthesiology. 1994;81:1332-40.
11 ■ Roger SM. Recuperação Pós-operatória. In: Barash PG, Cullen
BF, Stoelting RK. Anestesia Clínica. Barueri: Editora Manole,
Observar 2004:1377-402.
12 ■ Marshall S, Chung F. Discharge criteria and complications after
Não melhora ambulatory surgery. Anesthes Analg. 1999;88:508-17.
13 ■ Conselho Federal de Medicina – Resolução CFM nº 1363/93.
14 ■ Task Force on Postanesthetic Care – A report by the American
Comunicar ao anestesiologista Society of Anesthesiologist task force on postanesthetic care.
Pratice guidelines for postanesthetic care. Anesthesiology.
ABD – Água bidestilada
2002;96:742-52.
EV – Endovenoso
IM – Intramuscular

Figura 13.8 .: Protocolo de náuseas e vômitos

164
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14
RESPOSTA
ORGÂNICA
AO TRAUMA
Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Introdução sua duração. Logo, a redução da morbidade e mortalida-


A resposta orgânica ao trauma ou estresse foi inicial- de associada à resposta orgânica ao trauma poderá ser
mente descrita em 1942, por Sir David Cuthbertson, que também minimizada. Na verdade, a mortalidade decor-
introduziu os termos ebb e flow para descrever as fases de rente de enfermidades críticas prolongadas é alta: cerca
hipo e hipermetabolismo decorrentes da agressão cirúr- de três em cada dez pacientes adultos hospitalizados em
gica ou traumática. A resposta orgânica é desencadeada unidades de tratamento intensivo por mais de três sema-
por múltiplos estímulos, incluindo alterações da pressão nas não sobrevivem1.
arterial, do volume arterial e venoso, da osmolalidade, do
pH e da quantidade de oxigênio arterial, além da presen-
ça de dor, ansiedade e substâncias tóxicas derivadas de Quadro 14.1 .: Resposta orgânica ao trauma – fatores desencadeantes
lesões ou infecções teciduais (Quadro 14.1). Esses estí-
mulos chegam ao hipotálamo e agem sobre o sistema Redução da pressão e do volume arterial
nervoso central e a medula adrenal. A resposta orgânica Alterações no volume
ao estresse é uma resposta fisiológica a um insulto, que Mudanças na osmolalidade
pode se tornar patológica dependendo da intensidade e Modificações do pH
duração da agressão. O objetivo final da resposta orgâni-
Conteúdo arterial de oxigênio
ca é restaurar a homeostasia. Metas intermediárias são:
Dor
limitar grandes volumes de perda sangüínea, aumentar o
Ansiedade
fluxo de sangue (incrementando também a entrega de
nutrientes) e eliminar substâncias oriundas do desbrida- Mediadores tóxicos
- infecção
mento de tecidos necróticos, facilitando e iniciando a - injúria tecidual
cicatrização de feridas.
Com o desenvolvimento da Medicina, o que era con-
siderado anteriormente “simples” resposta orgânica ao Embora a Cirurgia moderna tenha se tornado menos
estresse (representada pelas fases ebb e flow) tornou-se agressiva com as “técnicas minimamente invasivas”, o
uma teia complicada e intricada de respostas que envol- trauma tem aumentado muito como consequência da
vem vários compartimentos do corpo humano. Ainda violência urbana e das guerras. Assim sendo, é extrema-
que não possamos evitar completamente a ocorrência da mente importante conhecer os complexos mecanismos
resposta orgânica ao trauma, ao reconhecermos sua mag- da resposta ao trauma, para agir cedo e, eventualmente,
nitude e conhecermos suas particularidades poderemos, prevenir alguns de seus efeitos deletérios. A magnitude
certamente, ajudar a minimizar os riscos de perpetuar a da resposta e os cuidados iniciais com o paciente são

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

fatores determinantes de sua evolução final. A gravidade nal e as respostas imunológica e inflamatória estão tam-
dos fenômenos hipermetabólicos pode levar à síndrome bém alteradas.
de resposta inflamatória sistêmica (SIRS), que é, na ver-
dade, uma resposta orgânica exacerbada.
Perspectivas históricas
Trauma ou estresse Sir David Cuthbertson, patologista químico de
Glasgow, foi o primeiro médico a estudar a resposta orgâ-
Trauma ou estresse são os termos utilizados nas áreas nica ao trauma, no início do século XX, acompanhando
de fisiologia e neuroendocrinologia para referirem-se a pacientes com fraturas de ossos longos3. No entanto, muito
forças ou fatores que causam desequilíbrio ao organismo antes dos estudos de Cuthbertson, John Hunter, com um
e, por conseguinte, afetam a homeostasia2. O estresse trabalho chamado Treatise on the blood, inflammation and guns-
pode ser conseqüência de ferimento físico, de alterações hot wounds, foi o primeiro a questionar o paradoxo da res-
mecânicas, de mudanças químicas ou de fatores emocio- posta orgânica ao trauma ao afirmar: “Impressões são
nais. A resposta corporal a esses fatores dependerá da capazes de produzir ou aumentar ações naturais e são, por-
magnitude deles, da duração dos eventos e do estado tanto, chamadas de estímulos. Esses estímulos também são
nutricional dos pacientes (Quadro 14.2). capazes de produzir várias ações maléficas ou não-fisioló-
gicas, ao que chamamos comumente de ação doente”. Ele
deve ter intuitivamente percebido que a natureza havia
Quadro 14.2 .: Fatores de risco relacionados ao trauma ou estresse desencadeado essas respostas, trazendo vantagens em ter-
mos de recuperação, porém ele também notou que, se
Magnitude (gravidade) essas respostas fossem exageradas, a vida da pessoa pode-
ria estar em risco.
Duração (quanto mais prolongado, mais grave)
O conceito de que doença era associada com o aumen-
Estado nutricional do paciente (pacientes desnutridos têm resposta pior)
to da excreção de nitrogênio, levando ao balanço nitroge-
Doenças associadas (aumento de morbidade e mortalidade) nado negativo, foi definido no final do século XIX.
- diabetes mellitus
- doenças cardíacas Durante a primeira guerra mundial, estudos feitos por
- doenças pulmonares DuBois4 demostraram que o aumento de um grau Celsius
- doenças imunológicas de temperatura estava associado ao incremento de 13% na
- outras
taxa metabólica.
As descobertas de Cuthbertson foram conseqüência
dos questionamentos de cirurgiões ortopédicos que que-
riam saber por que pacientes com fraturas da porção distal
Sistemas sensoriais complexos acionam respostas do da tíbia se recuperavam mais lentamente. Seus estudos,
sistema nervoso periférico que, por sua vez, alertam o objetivando dar respostas a essas perguntas, não consegui-
sistema nervoso central (SNC) sobre o ocorrido. No caso ram alcançar o esperado, mas, paralelamente, deram-lhe a
do SNC, os neurônios do núcleo paraventricular do possibilidade de descobrir algo muito mais interessante e
hipotálamo produzem o hormônio liberador de cortico- fundamental. Ao medir a excreção de cálcio, fósforo, sulfa-
tropina (CRH) e ativam o eixo hipotálamo-pituitário- to e nitrogênio na urina, descobriu que a quantidade de fós-
adrenal (HPA). Além disso, outras áreas do cérebro foro e sulfato em relação ao cálcio era maior do que o espe-
enviam sinais para o sistema nervoso autônomo periféri- rado se todos esses elementos se originassem apenas dos
co. Esses dois últimos sistemas apresentam resposta inte- ossos3. Ele demonstrou que isso era um fenômeno “cata-
grada, denominada coletivamente “resposta ao estresse”, bólico” relacionado à quebra de proteínas, o que refletia
que controla primariamente funções orgânicas, tais como aumento na taxa metabólica3. A associação entre a respos-
tônus cardiovascular, respiração e metabolismo interme- ta orgânica sistêmica e fatores hormonais foi então identi-
diário2. Outras funções como o ato de alimentar-se e o ficada, porém, nesse momento, não foi cientificamente
estímulo sexual são suprimidas, enquanto a cognição e a comprovada por dificuldades metodológicas. As pesquisas
emoção encontram-se ativadas. A atividade gastrointesti- realizadas por Cannon5, ao estudar o sistema nervoso autô-
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Capítulo 14 .: Resposta orgânica ao trauma

nomo, sugeriram aumento da produção de catecolaminas A fase ebb começa imediatamente após o trauma e,
decorrente da resposta à doença, como sendo uma das geralmente, dura de 12 a 24 horas. Entretanto, essa fase
explicações para a resposta fisiológica, observada por pode durar mais, dependendo da gravidade do trauma e
Cuthbertson. Mais tarde, Selye propôs que os corticosterói- do tratamento usado. A fase ebb é caracterizada por hipo-
des eram os principais mediadores da resposta catabólica6. perfusão tecidual e redução da atividade metabólica geral.
Mas qual é o sinal que inicia e propaga a imediata pro- Nesta fase, há produção exagerada de catecolaminas,
dução dos hormônios do eixo adrenocortical? Hume7 e sendo a noradrenalina o mediador principal. A noradre-
Egdahl8 mostraram, em cães submetidos a trauma (ferida nalina é liberada pelos nervos periféricos, ligando-se a
cirúrgica ou queimadura superficial nos membros), que receptores beta-1 no coração, a receptores periféricos
aqueles que tinham os nervos ciáticos intactos apresenta- alfa e beta-2 e, em menor quantidade, a receptores do
ram aumento dos hormônios adrenais, ao contrário do leito vascular esplâncnico. Os efeitos mais importantes
que acontecia com animais com nervos seccionados, nos são os cardiovasculares, uma vez que a noradrenalina é
quais a resposta era abolida. Assim, pôde-se verificar potente estimulador cardiovascular, que gera aumento da
experimentalmente que sinais nervosos aferentes a partir contratilidade e da freqüência cardíaca, assim como causa
da região lesada eram fatores essenciais para desencadear vasoconstrição. Esses fenômenos são tentativas fisiológi-
a resposta ao estresse pelo eixo hipotálamo-adrenal. cas para restaurar a pressão sangüínea, aumentar o
Allison et al.9 mostraram que a resposta orgânica desempenho cardíaco e maximizar o retorno venoso.
estava também associada à supressão de liberação de A hiperglicemia pode ser vista durante a fase ebb. Em
insulina seguida por período de resistência periférica à pacientes com trauma, o nível de hiperglicemia é propor-
mesma, e que se associa a altos níveis de glucagon10 e cional à gravidade do estresse. A hiperglicemia é promo-
hormônio do crescimento11. vida pela gliconeogênese hepática secundária à liberação
Recentemente, a resposta orgânica tem sido associada de catecolaminas e por estimulação direta.
não apenas a alterações neuroendócrinas, mas também a Alguns autores investigaram a fase ebb em animais e
mediadores inflamatórios e disfunções imunológicas12,13. humanos14 e perceberam aspectos importantes, como o
fato de que, depois de fraturas de ossos longos com con-
Resposta orgânica ao estresse comitante perda acentuada de sangue, há alterações da
vasoconstrição, o que não é visto quando há hemorragia
Fases ebb e flow isolada, como em casos de hemorragia digestiva por úlce-
ra duodenal. Em outro estudo, Childs et al.15 mostraram
Cuthberston3, a princípio, dividiu a resposta orgânica diminuição da vasoconstrição em resposta à hipotermia.
nas fases ebb e flow (Figura 14.1). O início da fase flow que envolve as fases catabólica e
anabólica é caracterizado por débito cardíaco aumentado
com restauração da oferta de oxigênio e substratos meta-
Fase de ebb Fase de flow bólicos. A duração dessa fase depende da gravidade do
trauma, da presença de infecção e do desenvolvimento
Demanda energética

de complicações. Em geral, atinge o pico máximo entre


o terceiro e o quinto dia, regride entre o sétimo e o déci-
mo dia, e evolui para um estado anabólico nas próximas
semanas. Durante essa fase hipermetabólica, a liberação
de insulina é alta; por outro lado, a concomitante eleva-
ção de catecolaminas, glucagon e cortisol compensam a
maioria dos seus efeitos metabólicos. A mobilização de
Temp aminoácidos, de ácidos graxos essenciais e de depósitos
de gordura resulta em desequilíbrio hormonal. Alguns
dos substratos liberados são usados na produção de ener-
gia – tanto diretamente na forma de glicose ou pelo fíga-
Figura 14.1 .: Fases de ebb e flow versus demanda metabólica do na forma de triglicerídes. Outros substratos contri-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

buem para a síntese de proteínas no fígado, onde media- glicose, em vez de serem usados como combustível para
dores hormonais aumentam a produção de proteínas de completar a necessidade de energia. Essa última é forneci-
fase aguda. Síntese protéica idêntica ocorre no sistema da pela reserva de gordura (cerca de 80% a 90%)16. A razão
imunológico, objetivando a recuperação de tecido lesa- pela qual pacientes estressados necessitam de taxas tão altas
do. Ainda que a fase hipermetabólica envolva ambos os de glicose endógena pode ser explicada pela demanda
processos catabólicos e anabólicos, o resultado final é a aumentada de glicose pelos tecidos lesados. Wilmore et al.17
perda significativa de proteínas, caracterizada por balan- demonstraram que pacientes com queimaduras graves em
ço nitrogenado negativo e também diminuição dos depó- membros inferiores e ferimentos leves em outros mem-
sitos de gordura. bros apresentaram utilização de glicose aumentada, pelo
Isso leva à modificação geral da composição corpórea, membro queimado, em até quatro vezes. Simultaneamente,
caracterizada por perda de proteínas, carboidratos e gordu- a perna queimada produziu maiores quantidades de lactato,
ra, acompanhada por grande aumento do compartimento sugerindo metabolismo anaeróbico. O lactato é então
hídrico extracelular (e em um nível menor, intracelular). devolvido ao fígado para gliconeogênese, no chamado
ciclo fútil de Cori, que é metabolicamente muito dispendio-
so. Um mole de glicose gera dois ATPs pela via glicolítica,
Metabolismo de glicose e de proteína
porém por gliconeogênese custa três ATPs. Isto é, prova-
Durante o jejum simples, a infusão de glicose inibe a gli- velmente, outra causa para o aumento da taxa de metabo-
coneogênese hepática, mas, depois de um trauma, apesar lismo (Figura 14.2).
da alta concentração de glicose circulante, a gliconeogêne- A insulina tem efeito anabólico e de depósito pela via
se prevalece. Os aminoácidos liberados via catabolismo da síntese de grandes moléculas, a partir de moléculas
muscular protéico são usados pelo fígado para produção de pequenas e inibindo o catabolismo. A insulina também

Fígado Tecidos periféricos

Glicose Glicose

G Ciclo de Cori
L
I Lactato
C Aminoácidos Piruvato Alfa amino
O Alanina
N
E
Gordura Aminoácidos
O
G AcCO-A
Ê
Oxaloacetato
N
E Citrato
S
E
Rim Fumarato Grupo Amino
Intestino Glutamina
Fígado

AcCO-A – acetilcolina

Figura 14.2 .: Glicólise aeróbica e ciclo de Cori

168
Capitulo 14.qxd 2/23/06 15:17 Page 169

Capítulo 14 .: Resposta orgânica ao trauma

promove a oxidação e a síntese de glicogênio, ao mesmo ção de potássio pode subir para 100mmol/24h a
tempo em que inibe a glicogenólise e gliconeogênese. 200mmol/24h. O líquido intracelular e os fluidos admi-
Por outro lado, os hormônios catabólicos, tais como as nistrados exogenamente acumulam-se preferencialmente
catecolaminas, o cortisol e o glucagon estimulam a glico- no terceiro espaço extracelular, devido à aumentada per-
genólise e a gliconeogênese. meabilidade vascular e ao relativo aumento da pressão
oncótica intersticial. Por essa razão, a maioria dos pacien-
Resposta de fluidos e eletrólitos tes encontra-se extremamente edemaciados após os pri-
meiros dias de ressuscitação volêmica.
A hipovolemia prevalece na fase ebb e é, na maior
parte das vezes, reversível com a administração apro-
priada de fluidos. Contudo, na ausência de ressuscita- Resposta endócrina
ção adequada, nas primeiras 24 horas, a mortalidade é Eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal (HPA)
elevada18. A resposta do paciente à hipovolemia objeti-
va a perfusão adequada do cérebro e do coração, em O hipotálamo secreta o hormônio liberador de cor-
detrimento da pele, do tecido gorduroso, dos músculos ticotropina em resposta ao estímulo do estresse. Esse
e de estruturas intra-abdominais. A oligúria, observada hormônio estimula a produção, pela pituitária, do hor-
logo após a injúria, é conseqüência da liberação do hor- mônio adrenocorticotrópico (ACTH), também chama-
mônio antidiurético (ADH) e de aldosterona. A secre- do de corticotropina que, como o seu nome indica,
ção de ADH pelos núcleos supra-óticos no hipotálamo estimula a córtex adrenal. Mais especificamente, ele
anterior é estimulada pela redução de volume e pelo estimula a secreção de glicocorticóides, tal como corti-
incremento da osmolalidade. Esta última é essencial- sol, e tem pequeno controle sobre a secreção de aldos-
mente conseqüência do conteúdo de sódio no líquido terona, o outro importante hormônio esteróide da
extracelular. Francis Moore denominou este período glândula supra-renal. O hormônio liberador de cortico-
de fase ou “retenção de sódio” e ou “diurese de sódio” tropina é, por sua vez, inibido pelos glicocorticóides,
para descrever a antidiurese tanto de sal como de água, fazendo parte de clássico mecanismo de feedback nega-
que ocorre na fase de flow19. Receptores de volume que tivo. Parece que a secreção de aldosterona está sob o
estão localizados nos átrios e na artéria pulmonar, bem controle de sistema ativador renina-angiotensina20.
como osmorreceptores localizados perto dos neurô-
O aumento do cortisol modifica, de forma rápida, o
nios produtores de ADH no hipotálamo, atuam essen-
metabolismo de carboidratros, gordura e proteínas, de
cialmente estimulando esse hormônio. O ADH esti-
tal maneira que a energia se torna instantânea e seleti-
mula os túbulos coletores proximais do rim, mas tam-
vamente disponível para órgãos vitais, tal como o cére-
bém os túbulos distais, promovendo a reabsorção de
bro, e a fase de anabolismo é retardada. A retenção
água. A aldosterona age principalmente nos túbulos
renais distais, causando a reabsorção de sódio e de intravascular de líquidos e a resposta inotrópica ativada
bicarbonato, assim como o aumento de excreção de por vasopressores é decorrente do estímulo das cateco-
potássio e íons de hidrogênio. A aldosterona também laminas e da angiotensina II, o que oferece grandes
modifica os efeitos celulares das catecolaminas, afetan- vantagens hemodinâmicas no mecanismo de “lute ou
do as trocas de sódio e potássio pelas membranas celu- fuja”. Esse aumento do cortisol pode ser interpretado
lares. A liberação de grandes quantidades de potássio como tentativa de o organismo atenuar sua própria
intracelular para o líquido extracelular é conseqüência cascata inflamatória e, logo, proteger-se contra respos-
do catabolismo de proteínas e pode causar aumento do tas exageradas21 (Figura 14.3).
potássio sérico, especialmente se a função renal estiver O ACTH sérico parece estar baixo em estados críti-
alterada. Retenção de sódio e de bicarbonato pode pro- cos crônicos, enquanto as concentrações de cortisol per-
duzir alcalose metabólica com deficiência na oferta de manecem elevadas, sugerindo que a liberação de cortisol
oxigênio aos tecidos. O sódio urinário, pós-trauma, possa ser desencadeada por vias alternativas, provavel-
pode cair para 10mmol/24h a 25mmol/24h e a excre- mente com a participação da endotelina21.
169
Capitulo 14.qxd 2/23/06 15:17 Page 170

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

hormônio de crescimento (GH) tornam-se elevados, e o


Fatores de estresse
GH (com picos elevados alternados virtualmente com
níveis mínimos) encontra-se alterado (o pico de concen-
Hipotálamo
tração do GH assim como a freqüência interpulsos estão
CRH elevados). Em situações fisiológicas, o GH é liberado
+ Inibe CRH pelas células somatotrópicas da pituitária em forma de
Pituitária pulsos, sob o controle interativo do hormônio liberador
Cortisol
ACTH do GH, o qual é estimulatório, e pela somatostatina, que
+ exerce efeito inibitório21. Aparentemente, após estresse,
Adrenal parece que a eliminação do fator inibitório da somatosta-
tina e a disponibilidade aumentada do fator estimulador
CRH – Hormônio liberador de corticotropina do hormônio liberador do hormônio de crescimento
ACTH – Hormônio corticotrófico
(hipotalâmico e periférico) podem hipoteticamente estar
Figura 14.3 .: Resposta endócrina ao estresse envolvidas. Também tem sido sugerido que haja indução
de resistência periférica ao GH, e que essas mudanças
sejam promovidas pelo efeito das citocinas, tais como
Eixo tirotrópico TNF, IL-1 e IL-621. O GH exerce ação direta lipolítica,
antagonista da insulina e estimuladora imunológica,
Após trauma cirúrgico, em aproximadamente duas
horas, os níveis séricos de T3 encontram-se diminuídos, mudanças essas que priorizam substratos essenciais como
enquanto os de T4 e de TSH aumentam. Aparentemente, glicose, ácidos graxos essenciais e aminoácidos, funda-
os baixos níveis de T3 são causados por menor conversão mentais à manutenção da sobrevivência, em vez de indu-
periférica de T4. Logo depois, os níveis de TSH e T4 geral- zirem o anabolismo.
mente retornam aos seus valores normais, enquanto os de Em doenças crônicas, as mudanças no eixo somatotró-
T3 continuam baixos. É importante mencionar que a mag- pico são diferentes. A secreção do GH é caótica e reduzida
nitude de queda de T3 reflete a gravidade da enfermidade. quando comparada com a da fase aguda. Ainda que a fra-
Alguns mediadores inflamatórios, em especial, o fator de ção não-pulsátil esteja elevada e o número de pulsos seja
necrose tumoral (TNF), a interleucina 1 (IL-1) e a interleu- alto, as concentrações médias noturnas encontram-se rara-
cina 6 (IL-6) têm sido investigados como potenciais media- mente aumentadas e substancialmente inferiores às da fase
dores dos baixos níveis de T3. As alterações agudas do eixo aguda do estresse. Uma das possibilidades que explica essa
da tireóide podem refletir uma tentativa de reduzir o gasto situação é que a pituitária está envolvida na “síndrome de
energético, tal como acontece na inanição21. falência de múltiplos órgãos” e, por conseguinte, encontra-
Um comportamento de certa forma diferente é visto se incapaz de produzir hormônio do crescimento21. Outra
em pacientes internados em centros de tratamento intensi- explicação plausível tem sido a de que a falta de secreção
vo, por longos períodos. Tem-se observado a ocorrência pulsátil de GH é devida a aumento do tônus de somatosta-
de valores séricos baixos a normais de TSH e baixos de T4 tina ou estimulação reduzida pelos fatores endógenos de
e de T3. Esse achado parece ser conseqüência da estimula- liberação, como o hormônio liberador do GH.
ção tireotrópica diminuída do hipotálamo, o que por sua
vez leva a estímulo reduzido da glândula. Aumento prolon-
Eixo lactotrópico
gado da dopamina endógena e do cortisol prolongado tam-
bém podem estar envolvidos nesse fenômeno. Quando se A prolactina é um dos primeiros hormônios a ter sua
oferece dopamina exógena e glicocorticóides, o hipotireoi- concentração aumentada após o estresse físico e psicoló-
dismo é induzido ou agravado. gico21. Esse aumento é provavelmente mediado pela oci-
tocina, por vias dopaminérgicas ou pelo peptídeo vasoati-
Eixo somatotrópico vo intestinal (VIP). As citocinas podem ser o fator desen-
cadeante. Alterações na secreção de prolactina, em res-
Durante as primeiras horas de um insulto, seja ele pro- posta ao estresse, podem contribuir com a função imuno-
cedimento cirúrgico, trauma ou infecção, os níveis de lógica alterada durante o curso de doença crítica.
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Capítulo 14 .: Resposta orgânica ao trauma

Em ratos, a inibição da liberação de prolactina resultou também um dos fatores que participam desse fenômeno.
em função alterada de linfócitos, em diminuição da ativa- Os polimorfonucleares são as primeiras células a chegar
ção dos macrófagos e em morte após exposição a bactérias ao local de injúria e liberam potentes moléculas oxidati-
sabidamente não-letais23,24. Permanece inconclusivo se a vas, incluindo o peróxido de hidrogênio, o ácido hipoclo-
hiperprolactinemia contribui com a ativação da cascata roso e outros radicais livres, assim como enzimas proteo-
imunológica, após o início da enfermidade crítica. líticas e substâncias vasoativas, tais como leucotrienos,
Na situação de doença crítica crônica, os níveis de eicosanóides e o fator ativador de plaquetas (PAF).
prolactina sérica não mais se encontram elevados, como Existem evidências de que o fator ativador de plaquetas
na fase aguda. é parcialmente responsável pelo aumento da permeabili-
dade capilar na sepse e no choque26. Os radicais livres de
Eixo hormônio luteinizante-testosterona oxigênio são moléculas pró-inflamatórias que causam
peroxidação lipídica, inativação de enzimas e consumo
A testosterona é o hormônio esteróide anabólico de antioxidantes. Os polimorfonucleares liberam enzi-
mais importante. Logo, alterações no eixo hormônio mas proteolíticas as quais ativam o sistema cinina/cali-
luteinizante-testosterona no homem podem ser relevan- creína que, por sua vez, estimula a liberação de angioten-
tes na fase catabólica da doença crítica, na qual os níveis sina II, bradicinina e plasminogênio ativado. A bradicini-
de testosterona encontram-se baixos. A causa exata desse na causa vasodilatação e pode mediar o aumento da per-
achado não está definida, mas as citocinas também pare- meabilidade vascular.
cem estar envolvidas nesse fenômeno23,25.
Os macrófagos são ativados pelas citocinas e envol-
Hipotetizando sobre os níveis baixos de testosterona,
vem os organismos invasores. Eles também desbridam
talvez esse seja um mecanismo importante para impedir
tecidos necróticos e produzem outras citocinas. O fator
a secreção de outros hormônios anabólicos, no estresse
de necrose tumoral (sintetizado pelos macrófagos) e o
agudo, almejando conservar energia e substratos meta-
IL-1ß (sintetizado pelos macrófagos e células endoteliais)
bólicos fundamentais a funções vitais importantes21.
Em estados crônicos, os níveis circulantes de testoste- são os mediadores pró-inflamatórios proximais. Estas
rona tornam-se extremamente baixos, e quase não são citocinas iniciam a elaboração e liberação de outras cito-
detectados21,23. A dopamina endógena, os estrógenos e os cinas, como a IL-6. Elas também estimulam a resposta
opiáceos podem ser a causa desses níveis baixos. hepática da fase aguda. A IL-6 é secretada pelos monóci-
tos, macrófagos, neutrófilos, células T e B, células endo-
teliais, células musculares lisas, fibroblastos e mastócitos.
Resposta inflamatória Esta citocina é provavelmente o indutor mais potente da
resposta da fase aguda27, ainda que seu papel exato na res-
A resposta inflamatória é parte do fenômeno orgânico
posta inflamatória permaneça questionável. Por outro
que se segue à injúria, na tentativa de restaurar a homeosta-
lado, a IL-6 é considerada o fator de prognóstico mais
sia. Na maioria das situações, a cicatrização é um sucesso.
Contudo, algumas vezes, este não é o caso e alterações confiável e preciso, particularmente na sepse, uma vez
importantes ocorrem, gerando resposta prolongada que que reflete a gravidade da injúria19. A IL-8 pertence a um
poderá colocar em risco a sobrevivência do paciente. grupo de mediadores conhecido como quimocinas, devi-
Na resposta inflamatória sistêmica (SIRS), a inflama- do à sua habilidade em recrutar células inflamatórias para
ção é desencadeada em locais distantes do sítio de injúria o sítio de injúria. É sintetizada por monócitos, macrófa-
inicial. Em alguns casos, a SIRS evolui para disfunção gos, neutrófilos e células endoteliais. Também é usada
orgânica multisistêmica (MODS), a qual está associada a com um índice de magnitude da resposta inflamatória
altas taxas de mortalidade. sistêmica e parece conseguir identificar aqueles pacientes
A resposta fisiológica ao trauma é um evento celular que irão desenvolver disfunção orgânica multisistêmica.
e molecular complexo, no qual as células inflamatórias, Muehlstead et al.28 observaram altos níveis de IL-6 e
tais como polimorfonucleares, macrófagos e linfócitos IL-8 em lavados alveolares, duas horas após a injúria, suge-
são recrutados para o local da agressão e secretam media- rindo que os alvéolos possam ser as primeiras estruturas a
dores inflamatórios. O endotélio do sítio de injúria é sofrer com a resposta orgânica ao estresse. Esses níveis
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

altos podem ser usados, no futuro, como fatores prognós- Outros produtos da ativação de complemento pare-
ticos da SIRS. cem induzir a produção de TNF-α14. Em resumo, a SIRS,
A IL-4 e a IL-10 são citocinas antiinflamatórias, sinteti- que geralmente ocorre após evento de estresse grave e,
zadas por linfócitos e monócitos, que exercem efeitos simi- em alguns casos, é fatal, tem sido parcialmente caracteri-
lares. Ambas inibem a síntese de TNF-α, IL-1, IL-6 e IL-8. zada por ambas as linhas de investigação clínica e experi-
O óxido nítrico é produzido por vários tipos de célu- mental. No entanto, os mecanismos ativadores e os sis-
las, incluindo células endoteliais, neurônios, macrófagos, temas de sinalização envolvidos na indução da SIRS
células musculares lisas e fibroblastos. O óxido nítrico ainda não são bem compreendidos e definidos.
pode mediar a vasodilatação e regula o tônus vascular.
Provavelmente, é um mediador essencial na fisiopatolo-
Conclusões
gia do estresse e do choque.
Proteínas reactantes da fase aguda são produzidas pelo A resposta orgânica ao estresse tem como função
fígado em resposta à injúria, na tentativa de manter a principal oferecer ajustes orgânicos após qualquer tipo
homeostasia. A sua produção é induzida pelas citocinas. de injúria, tal como exposição ao frio, perda de volume,
Estas proteínas funcionam como opsoninas (proteína C hipoglicemia e inflamação. Assim sendo, a resposta ao
reativa), inibidores de protease (proteinase-alfa1), agentes estresse é um fenômeno fisiológico que tenta proteger o
hemostáticos (fibrinogênio) e transportadoras (transferri- organismo contra quaisquer agressões. No entanto,
na). A albumina é uma proteína de fase aguda negativa e quando ela é muito intensa e dura longos períodos, é
sua síntese está diminuída na fase de inflamação. associada a maior morbidade e mortalidade. Para tentar
evitar tal situação, é de extrema importância conhecer
suas diferentes facetas e optar por atitudes que possam
Resposta imunológica diminuir a magnitude da resposta. Intervenções farmaco-
lógicas e nutricionais podem ser adotadas com o intuito
Como parte integrante da resposta orgânica à injúria
de atenuar a resposta orgânica ao estresse e, consequen-
ou à infecção, os mediadores inflamatórios (TNF-α,
temente, diminuir a morbidade e mortalidade a ela asso-
IL–1 and IL-6) liberam substratos, a partir dos tecidos do ciadas. Contudo, essas intervenções, especialmente trata-
hospedeiro, para garantir a atividade dos linfócitos T e B, mentos novos, devem ser avaliados cautelosamente e
criando conseqüentemente ambiente hostil para patóge- orientados por protocolos, uma vez que, a modulação ou
nos invasores29. Esses mediadores inflamatórios aumen- a abolição da resposta orgânica, não é isenta de riscos.
tam a temperatura corporal e produzem substratos oxi- Investigacões futuras, especialmente na área de biologia
dantes que iniciam a regulação do processo quando o molecular e genética, irão, sem dúvida, ajudar a entender
combate aos invasores não teve sucesso. Contudo, esse alguns dos aspectos ainda desconhecidos.
mecanismo é altamente dispendioso ao hospedeiro, na
dependência da sua magnitude e duração, o que poderá
induzir a SIRS. Essa, por sua vez, pode causar falência Referências
orgânica multissistêmica em alguns enfermos. A maioria
1 ■ Van Den Berghe G, Baxter RC, Weekers M, Wouters P, Bowers
dos pacientes sobrevive ao evento SIRS sem evoluir com CY, Veldhius JD. A paradoxical gender dissociation within
falência sistêmica, pois é capaz de desenvolver, após rela- the growth hormone insulin-like growth factor I axis during
tivo período de estabilidade, uma resposta antiinflamató- protracted critical illness. J Clin Endocrinol Metab.
ria compensadora (CARS), na qual a imunidade está 2000;85:183-92.
2 ■ Wilmore DW. From Cuthberston to fast-track surgery: 70 years
suprimida e existe resistência diminuída à infecção14. A of progress reducing stress in surgical patients. Ann Surg.
interação entre o sistema imunológico inato e o adaptati- 2002;236:643-8.
vo parece ser importante indutor de ambas respostas 3 ■ Cuthberston D. Effect of injury on metabolism. Biochem J.
(SIRS e CARS). As células T do sistema adaptativo imu- 1930;2:1244-8.
4 ■ DuBois EF. Basal metabolism in health and disease. Lea and
nológico desempenham papel relevante na fase precoce
Febiger, Philadelphia, 1924.
da SIRS e da CARS. Outros possíveis mediadores da 5 ■ Cannon WB. The wisdom of the body. 2a ed. Norton Co, New
CARS são as prostaglandinas da série E. York, 1932.

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Capítulo 14 .: Resposta orgânica ao trauma

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15
ASSISTÊNCIA
MÉDICA
PÓS-OPERATÓRIA
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues,
Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Introdução O pós-operatório imediato é dividido em horas


(p. ex., 8a hora de pós-operatório imediato de revasculari-
Se os resultados dos procedimentos cirúrgicos depen- zação miocárdica; 12a hora de pós-operatório imediato de
dem da indicação cirúrgica e do preparo pré-operatório, transplante hepático). Nesta fase, inicialmente o paciente
sem dúvida são também influenciados pela assistência deve permanecer em observação na sala de recuperação
médica que se dispensa ao paciente no pós-operatório. pós-anestésica, sendo encaminhado, caso se recupere
Dessa forma, tanto cirurgiões quanto internistas devem adequadamente nas primeiras horas, à enfermaria de cui-
estar bem familiarizados com os principais cuidados a dados intermediários ou, caso contrário, à unidade de tra-
serem prestados aos pacientes nessa fase, sob pena de tamento intensivo. Os principais cuidados neste período
esses evoluírem com complicações evitáveis e de conse- e os critérios de alta da sala de recuperação pós-anestési-
qüências imprevisíveis. ca estão relatados no Capítulo 13 – Peroperatório: rotinas,
cuidados e registros.
O pós-operatório mediato é dividido em dias (p. ex.,
Fases do pós-operatório
1o dia pós-operatório de hernioplastia incisional; 3o dia
O período pós-operatório tem sido dividido em três pós-operatório de prostatectomia). Vale ressaltar que o
fases: pós-operatório imediato, período que vai do pós-operatório imediato (o dia da operação), portanto,
momento operatório até 24 horas da intervenção cirúrgi- não é considerado o 1o dia pós-operatório. O paciente,
ca; pós-operatório mediato, período que se inicia a partir nesta fase, encontra-se habitualmente internado em
de 24 horas da operação e vai até a alta hospitalar do enfermaria de cuidados intermediários. No entanto, no
paciente; pós-operatório tardio, período compreendido caso de procedimentos de médio porte, o paciente, evo-
entre a alta hospitalar e a alta ambulatorial. (Figura 15.1) luindo bem no pós-operatório imediato, pode receber
alta para seu domicílio, onde deverá estar atento para
eventuais sinais de complicações, como febre, sinais flo-
Término da Alta Alta
gísticos na ferida operatória etc.
24 horas No pós-operatório tardio, o paciente já se encontra
operação hospitalar ambulatorial
em seu domicílio, devendo retornar ao ambulatório ou ao
consultório de seu médico para consultas pós-operatórias
periódicas. Este tempo de acompanhamento pós-opera-
IMEDIATO MEDIATO TARDIO tório varia na dependência da natureza da afecção cirúr-
gica, da operação realizada e da evolução do paciente
com o tratamento. Pode durar semanas, meses ou
Figura 15.1 .: Fases do pós-operatório: imediato, mediato mesmo anos, como ocorre no pós-operatório de proce-
e tardio. dimentos oncológicos.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Objetivos da assistência nóstico precoce e seu tratamento adequado serão capa-


médica pós-operatória zes de diminuir o sofrimento do paciente e a letalidade
dessas complicações.
No pós-operatório mediato de procedimentos de
maior porte, o paciente, mesmo encontrando-se estável,
demanda uma série de cuidados para garantir o retorno Evolução médica
de sua homeostase. Nesses casos, internação hospitalar,
acompanhamento médico freqüente, assistência contí-
Considerações gerais
nua da enfermagem e atendimento por parte de outros Todos os pacientes internados devem ser examinados
profissionais da área de saúde (fisioterapeutas, nutricio- por seu médico pelo menos duas vezes ao dia. Pacientes
nistas etc.) oferecem maior segurança e conforto ao no pós-operatório imediato ou que estejam evoluindo
paciente. Os objetivos principais da assistência médica com instabilidade clínica ou com complicações precisam
no pós-operatório estão listados no Quadro 15.1. ser avaliados várias vezes ao dia. Uma dessas avaliações
Quadro 15.1 .: Objetivos da assistência médica pós-operatória deve ser feita pela manhã (preferencialmente até às dez
horas), a partir da qual serão definidos os exames com-
Reposição hidroeletrolítica plementares a serem solicitados, bem como os cuidados
Terapia nutricional e medicamentos a serem prescritos. A avaliação clínica
Tratamento da dor e dos demais sintomas pós-operatória, constituída por anamnese cuidadosa e
Cuidados com a ferida cirúrgica
por exame físico minucioso, é a base da evolução médi-
Apoio psicológico
ca e possibilita a suspeita e o diagnóstico das intercorrên-
Prevenção de complicações
Diagnóstico precoce e tratamento de complicações cias e das complicações próprias dessa fase.

Registro da evolução em prontuário médico


Durante o período em que permanece em jejum pós- Todas as vezes que o paciente for avaliado por seu médi-
operatório, o paciente deve receber aporte endovenoso de co ou pelo substituto dele (plantonista), o resultado dessa
água, eletrólitos e glicose. Caso ele se encontre desnutrido avaliação deve ser registrado no prontuário médico o mais
e/ou o período de jejum previsto seja muito longo, em rapidamente possível. É importante que o registro seja claro,
geral, mais de sete dias, deve-se avaliar e providenciar tera- organizado, conciso (mas sem subnotificar dados relevan-
pia nutricional enteral ou parenteral, a ser definida caso a tes) e legível, de modo que sua leitura seja possível e não se
caso. Esses dois assuntos podem ser apreciados, respecti- torne um desafio para quem tenha que fazê-la.
vamente, nos Capítulos 16 – Hidratação venosa pós-operatória)
e Capítulo 7 – Nutrição e Cirurgia. O tratamento dos sinto-
mas, em especial da dor, constitui objetivo essencial da Finalidades
assistência médica pós-operatória e será discutido adiante, O registro da evolução pós-operatória em prontuário
neste mesmo capítulo. médico tem várias e importantes finalidades. (Quadro
Considerando que o paciente fica muito inseguro no 15.2) Em primeiro lugar, permite a comunicação entre
pós-operatório, o apoio psicológico de seu médico e de diferentes profissionais que assistem o paciente (p. ex.,
toda a equipe constitui importante condição para o com- entre o médico assistente e seu residente), em particular
pleto restabelecimento de sua saúde. Dessa forma, o no que concerne à impressão quanto à evolução do
paciente movimenta-se e deambula com maior freqüên- paciente e quanto às condutas tomadas. A partir do regis-
cia, alimenta-se com menor receio e encontra-se mais tro adequado dessa evolução, é possível a consulta pos-
motivado e seguro. terior por parte da própria equipe médica que assiste o
Com o objetivo de reduzir a morbimortalidade do doente, com objetivo de levantar fatos ocorridos e favo-
procedimento cirúrgico, um dos principais objetivos da recer o raciocínio clínico. Além disso, freqüentemente, o
assistência médica é a prevenção de complicações pós- prontuário médico é consultado por outros médicos que
operatórias. Na impossibilidade de preveni-las, seu diag- são chamados a prestar atendimento ao paciente (p. ex.,
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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

plantonistas atendendo intercorrências) e que precisam histerectomia vaginal no tratamento de leiomiomatose ute-
conhecer o caso clínico para tomar medidas importantes, rina; 8o. DPO de duodenopancreatectomia cefálica no trata-
por vezes urgentes. mento de carcinoma pancreático). Essa rotina facilita a iden-
Quadro 15.2 .: Finalidades do registro da evolução pós-operatória tificação do caso e o raciocínio clínico no momento de um
no prontuário médico atendimento de urgência. A seguir devem ser notificadas as
queixas atuais do paciente, as ocorrências entre as evoluções
Comunicação entre diferentes profissionais que assistem o paciente (relatadas pelo paciente, observadas nas anotações de enfer-
Consulta posterior por parte da própria equipe médica
magem etc.) e as variações dos dados vitais observadas
Consulta por parte de outros médicos e profissionais de saúde
Viabilização de estudos clínicos retrospectivos
(pulso, freqüência respiratória, pressão arterial e temperatu-
Cobrança dos serviços hospitalares e profissionais ra). Especialmente em pacientes que se encontram em
Aspectos ético-legais: defesa profissional hidratação parenteral exclusiva, é essencial registrar a diure-
se e calcular o balanço hídrico das últimas 12 horas e/ou 24
horas. O exame físico deve ser descrito sistematicamente.
A partir da notificação completa dos principais aspectos Pode ser direcionado para o sítio cirúrgico, mas deve incluir
relacionados à evolução pós-operatória do paciente e do sempre o estado de consciência, as condições de hidratação
preenchimento correto do prontuário médico, viabiliza-se e os dados vitais (aferidos pelo médico). O resultado dos
a realização de relevantes estudos clínicos retrospectivos. exames complementares deve ser sumariado e a evolução
Por meio desses estudos, é possível avaliar os resultados deve-se encerrar com a impressão do médico em relação a
obtidos com os procedimentos cirúrgicos padronizados, ela (p. ex., paciente evoluindo bem; paciente evoluindo com
rever os protocolos e as rotinas propedêutico-terapêuticas íleo pós-operatório prolongado; paciente evoluindo com
implantadas e viabilizar a publicação de trabalhos científi- suspeita de atelectasia pulmonar). A conduta também deve
cos em revistas médicas. ser explicitada e deve necessariamente refletir essa impres-
Por fim, mas de forma não menos importante, o cirur- são. Dessa forma, se há, por exemplo suspeita de atelectasia,
gião e os demais profissionais que assistem o paciente no a conduta a ser tomada e registrada poderia ser a solicitação
pós-operatório devem lembrar-se do valor ético-legal desse de radiografia de tórax e fisioterapia respiratória.
registro. O prontuário médico é um documento que com-
prova a assistência oferecida ao paciente e constitui impor-
tante prova na defesa do bom profissional. No Direito, a Solicitação de exames complementares
prova documental é a “rainha das provas”. Não devemos
depender apenas de depoimentos e testemunhos, pois a Pacientes no pós-operatório são freqüentemente sub-
prova testemunhal, no dizer de celebrado jurista a “prosti- metidos a exames complementares, seja para estender a
tuta das provas”, é falha e frágil. avaliação clínica, para permitir melhor controle do estado
hidroeletrolítico, para diagnosticar eventuais complicações
pós-operatórias ou para conhecer a resposta a determinada
Modelo de evolução médica terapêutica empregada. Contudo, a solicitação indiscrimi-
nada de exames deve ser desencorajada por constituir gasto
Toda evolução médica deve iniciar-se com a data e o
desnecessário de recursos e desconforto para o paciente.
horário em que foi realizada e terminar com a assinatura,
Pacientes com perda de sangue significativa no pero-
CRM e/ou carimbo do profissional que avaliou o doente. peratório ou com risco de sangramento oculto pós-ope-
Considerando que o prontuário médico é formado por ratório devem ser submetidos a eritrograma. A suspeita
uma série de folhas avulsas, é essencial que todas as folhas de infecção de ponta de cateter venoso ou a drenagem de
tenham a identificação completa do paciente, em particular secreção em sítio cirúrgico justifica a solicitação sistemá-
o nome, registro hospitalar, leito e clínica/serviço onde se tica de cultura da secreção, com eventual antibiograma. A
encontra internado. ultra-sonografia para diagnosticar coleções intraperito-
Geralmente, a evolução pós-operatória é encabeçada neais e orientar sua drenagem constitui exame de valor
pelo diagnóstico do paciente, pelo dia de pós-operatório indiscutível. Aqueles que se mostram instáveis no pós-
(DPO) e pelo procedimento cirúrgico (p. ex., 3o. DPO de operatório devem ser submetidos a exames bioquímicos
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

específicos, gasometria arterial, eletrocardiograma e paciente. A prescrição que estará sendo cumprida é a mais
radiografia de tórax. recente, por isso é essencial que todas elas tenham o horá-
rio em que foram feitas. Além disso, o registro da data e do
horário é a garantia de que a prescrição foi feita no momen-
Prescrição médica to adequado. Vale, entretanto, lembrar que, ao fazer novas
prescrições, em especial aquelas que devem ser cumpridas
Considerações gerais em regime de urgência, o chefe de enfermagem da unidade
deve ser notificado específica e pessoalmente.
Como o médico não permanece durante todo o tempo
com o paciente, torna-se imperativo que ele determine e
Quadro 15.3 .: Seqüência sugerida para realizar prescrição
delegue quais os cuidados devem ser tomados e quais
médica pós-operatória
medicamentos devem ser ministrados. Essa transferência
de responsabilidade é feita por meio da prescrição médica, Identificação do paciente
um dos principais documentos do prontuário médico. Por Data e horário da prescrição
essa razão, e considerando os riscos impostos aos pacien- Cuidados gerais
Dieta e/ou nutrição enteral
tes por prescrição incompleta, incorreta ou ilegível, este
Dados vitais
constitui assunto especialmente importante. Os cuidados Diurese
no momento da prescrição devem incluir atenção redobra- Balanço hídrico
da e emprego de letra legível. Além disso, é preciso que a Posição do paciente no leito
prescrição tenha uma seqüência lógica, o que exige conhe- Mobilização do paciente
Medidas de profilaxia de atelectasia pulmonar
cimento, preparo e capricho por parte do médico.
Medidas de profilaxia de tromboembolismo
Cuidados com vias e cateteres de infusão endovenosa
Cuidados com drenos e demais cateteres
Modelo de prescrição Cuidados com ostomias
Cuidados com a ferida cirúrgica
A prescrição médica deve ser feita de forma lógica e Oxigenioterapia
ordenada. É necessário, inicialmente, listar todos os cuida- Medicamentos
dos pós-operatórios a serem prestados ao paciente para, Sintomáticos
posteriormente, prescrever os medicamentos e a hidrata- Analgésicos
Antitérmicos
ção venosa. No Quadro 15.3, sugere-se seqüência para
Antieméticos
orientar a prescrição médica pós-operatória. Heparina
Anti-secretores
Antibióticos
Identificação do paciente Medicamentos específicos
Medicamentos de uso anterior
O nome completo do paciente, seu leito, registro hos- Hidratação venosa pós-operatória
pitalar, unidade hospitalar (serviço ou clínica, incluindo seu Nutrição parenteral
centro de custo) devem ser sistematicamente registrados na Hemoterapia
prescrição médica. No nosso meio, não são infreqüentes os Comunicação de anormalidades
Assinatura, nome legível e CRM
homônimos e não é rara a ocorrência de prescrição troca-
da, em especial nesses casos. Daí a necessidade de atentar-
se para a identificação completa e correta do paciente em
todas as prescrições. Cuidados pós-operatórios
Infelizmente, com alguma freqüência, observa-se
Data e horário da prescrição desvalorização dos cuidados gerais pós-operatórios com
Apesar de a prescrição principal ser sistematicamente o paciente. É necessário, contudo, lembrar que a falta
feita pela manhã, é possível refazê-la ou modificá-la duran- desses cuidados pode ser responsável por complicações
te todo o dia, de acordo com a evolução posterior do graves e mesmo pelo óbito do paciente. Um cuidado

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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

importante é registrar, no prontuário e na prescrição, as Pacientes nutridos que irão permanecer por tempo
alergias a alimentos e a medicamentos que o paciente prolongado (acima de sete dias) em jejum pós-operatório
porventura apresente. deveriam receber terapia nutricional - enteral ou parente-
ral. Os desnutridos não devem, em hipótese alguma, ficar
sem aporte nutricional2. Na prescrição, o ítem dieta ente-
Dieta ral, por cateter nasoentérico ou por estomia (gastrosto-
A dieta deve ser a primeira das ordens médicas para mia ou jejunostomia) deve vir abaixo e a seguir ao ítem
facilitar o trabalho do profissional do setor de nutrição dieta oral, considerando que deverá ser preparada e dis-
e dietética que diariamente avalia as prescrições médi- tribuída pela mesma unidade - o Setor de Nutrição e
cas, compondo o mapa de dietas daquela unidade. Dietética. É necessário definir, na prescrição médica, o
Habitualmente, no pós-operatório imediato, o paciente volume a ser administrado em 24 horas (ml), a concen-
encontra-se em jejum. O período de jejum e, em conse- tração da dieta (calorias/ml) e a velocidade de infusão.
qüência, o momento ideal de realimentar o paciente,
varia na dependência do tipo de anestesia e da natureza
do procedimento cirúrgico realizado, do estado de cons- Dados vitais
ciência e da evolução pós-operatória do paciente. No pós-operatório imediato, com o paciente ainda
Pacientes submetidos a anestesia geral devem per- na sala de recuperação pós-anestésica, os dados vitais
manecer em jejum durante seis a oito horas, no pós- (pressão arterial, pulso, freqüência respiratória e tempe-
operatório, porque nesse período, ainda sob o efeito de ratura) devem ser avaliados a cada 15-30 minutos. Após
várias drogas anestésicas, apresentam maior risco de sua estabilização, esses dados podem ser aferidos a cada
náuseas e vômitos. A liberação da dieta é feita de acor- quatro horas. A temperatura, no pós-operatório, deve
do com o procedimento cirúrgico realizado. Até recen-
ser medida periodicamente. Contudo, a necessidade de
temente, o tempo de jejum pós-operatório de pacientes
aferi-la no final da tarde (entre as 16 horas e as 19 horas)
submetidos a operações por via laparotômica, era gran-
justifica-se pela freqüência com que os picos febris
de, pois acreditava-se que a dieta pudesse ser um dos
acontecem nesse período, especialmente em pacientes
fatores de risco para deiscência de anastomoses. No
com infecções do sítio cirúrgico (abscesso intraperito-
entanto, hoje se sabe que o estímulo desencadeado pela
neal). Vale ressaltar que pacientes debilitados e idosos
presença de alimentos no trato gastrointestinal aumenta
podem não apresentar febre ou apresentarem-se subfe-
o fluxo da circulação esplâncnica, o que é importante
para pacientes submetidos a anastomoses. Assim sendo, bris, mesmo na vigência de quadros sépticos graves.
a contra-indicação relativa à oferta de dieta por via oral Outros dados vitais podem ser necessários e prescri-
é a presença da dismotilidade gastrointestinal, o chama- tos em casos selecionados. A pressão venosa central
do íleo adinâmico, que, em geral, tem a duração máxima deve ser medida periodicamente nos pacientes com
de 48 a 72 horas. Ainda assim, vários estudos têm mos- alguma disfunção cardiopulmonar e/ou quando houver
trado que pacientes submetidos a colectomias toleram necessidade de infusão endovenosa de grande quantida-
muito bem a dieta oral no primeiro dia pós-operatório de de líquidos. A medida da pressão intra-arterial está
(ver Capítulo 7 – Nutrição e Cirurgia. indicada em pacientes gravemente enfermos ou subme-
A dieta tem sido, com freqüência, liberada no pós- tidos a operações de maior porte. No entanto, deve-se
operatório de forma progressiva, no que se refere à sua ressaltar que o risco de necrose de extremidades não é
consistência (dieta líquida restrita, dieta líquida comple- desprezível se não forem rigorosamente respeitados os
ta, dieta pastosa, dieta branda, dieta livre). Entretanto, cuidados técnicos recomendados. Empregado em
estudos prospectivos realizados no nosso meio pacientes selecionados, o cateterismo da artéria pulmo-
demonstraram que esta conduta (dieta progressiva), nar (cateter de Swan-Ganz) oferece informações sobre a
além de não trazer proteção adicional ao paciente, tem função cardíaca, a perfusão pulmonar e a oximetria,
sido responsável, nos primeiros dias de realimentação, favorecendo a melhor compreensão e tratamento das
por oferecer aporte nutricional aquém do ideal1. complicações cardiopulmonares.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Diurese Quadro 15.4 .: Balanço hídrico: água fornecida e água perdida


Para pacientes não-cateterizados, a diurese deve ser Água fornecida Água perdida
medida às micções. O paciente deve urinar em recipien-
te próprio (marreco ou comadre), notificando o fato à Soro (hidratação venosa) Diurese
enfermagem que deve medir o volume urinário, despre- Líquido oral Perdas insensíveis
zando, em seguida, a urina e lavando o recipiente utiliza- (perspiração)
do. Não constitui boa prática o armazenamento de urina Água endógena Perdas adicionais
(vômitos, fístulas, febre etc.)
sob o leito do paciente ou no banheiro para ser medida
ao término de um período maior (seis a 12 horas). Caso
o paciente não urine nas primeiras seis a oito horas após
a operação, o cirurgião deve ser notificado para tomar as Posição do paciente no leito
devidas providências. Pacientes cateterizados devem ter
periodicamente seu volume urinário medido. Essa No pós-operatório de procedimentos realizados sob
periodicidade varia de caso para caso; para pacientes raquianestesia, há uma preocupação com a possibilidade
com oligúria (diurese menor que 500ml/24h) deve-se de o paciente apresentar perda liquórica e conseqüente
prescrever diurese horária. cefaléia pós-raqui. Esforços excessivos no pós-operatório
imediato poderiam provocar o aumento de escape do
liquor. Daí a orientação para que, durante as primeiras
Balanço hídrico horas, o paciente permaneça em decúbito dorsal horizon-
tal sem travesseiro, com o objetivo de reduzir esse risco.
Em especial durante o período em que o paciente Pacientes submetidos a anestesia geral têm sido orienta-
permanece em hidratação venosa exclusiva, é essencial, dos a permanecer também em decúbito dorsal, para favore-
além da medida rigorosa da diurese, o cálculo diário do cer o equilíbrio hemodinâmico. Durante o período de dimi-
balanço hídrico. Esse dado será empregado na definição nuição do estado de consciência, devem ser mantidos com
do volume de soro ideal (líquido endovenoso a ser pres- a cabeça virada lateralmente, para reduzir o risco de aspira-
crito = necessidade diária de água ± balanço hídrico). ção pulmonar.
O balanço hídrico, como o nome já diz, é a diferen- Em particular, após operações ortopédicas, a posição
ça do que o organismo ganha – hidratação endovenosa do paciente no leito constitui importante cuidado, no
e água endógena (geralmente cerca de 500ml/24h) versus sentido de evitar complicações e seqüelas que exigiriam
o que ele perde – diurese, perdas insensíveis e perdas até reoperações. A elevação de membros e diferentes
adicionais. A diurese ideal no pós-operatório é de cerca angulações nas articulações operadas são exemplos de
de 0,5ml/kg/hora a 1ml/kg/hora. As perdas insensí- orientações importantes.
veis, também conhecidas como perspiração, consti- Pacientes submetidos a abdominoplastia devem per-
tuem-se de perdas hídricas pela respiração e transpira- manecer no pós-operatório na posição de Fowler
ção. Habitualmente, as perdas insensíveis variam de (paciente semi-assentado, com cabeceira a 45o e pernas
800ml/24h a 1.000ml/24h. Constituem perdas adicio- elevadas) com o objetivo de reduzir a tensão na ferida
nais as perdas hídricas secundárias a vômitos, diarréia, operatória e o risco de deiscência da sutura, edema e
fístulas, febre, temperatura ambiente elevada, taquip- hematoma. Por sua vez, as grávidas, em especial no últi-
néia, sudorese excessiva etc. Em muitos desses casos, as mo trimestre de gestação, ao serem submetidas a opera-
perdas hídricas são acompanhadas de perdas eletrolíticas ções não-obstétricas, devem ser posicionadas, durante e
que devem ser estimadas e também consideradas na após a intervenção, em decúbito lateral esquerdo para
prescrição da hidratação venosa do dia seguinte. Caso o diminuir a compressão da veia cava, que levaria à dimi-
resultado do balanço hídrico fique entre +300ml e nuição do retorno venoso. O decúbito supino poderia
–300ml, pode-se considerá-lo zerado. (Quadro 15.4) favorecer também a compressão da aorta e a diminuição
do fluxo feto-placentário.

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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

Mobilização do paciente devem ser prescritos pelo médico, em especial o tempo


de nebulização (não deve ser longo, em média dez a 15
A mobilização do paciente deve ser prescrita e
minutos), sua periodicidade (p. ex., a cada quatro ou seis
incentivada com o objetivo de prevenir complicações
horas) e o fluxo de O2 ou de ar comprimido a ser usado
como escaras, trombose venosa profunda, íleo pós-
(habitualmente 3l/min).
operatório prolongado e atelectasia. Pode-se prescrever
mudança freqüente de decúbito (a cada 30-60 minutos),
drenagem postural (com objetivo de facilitar a drena- Medidas de profilaxia de tromboembolismo
gem de secreções de vias aéreas), mobilização ativa e
passiva de membros inferiores, além do incentivo à Inúmeros cuidados podem reduzir o risco de compli-
deambulação precoce. cações tromboembólicas. Com o objetivo de prevenir o
Ao se levantar, o paciente deve cuidar para fazê-lo de aumento da viscosidade do sangue e a hipercoagulabili-
forma lenta e gradual: primeiro assentar-se no leito, após dade, deve-se manter o paciente bem hidratado e evitar
alguns minutos descer as pernas e, apenas depois de a acidose. No pós-operatório, alguns cuidados visam
adaptado, sair do leito. Nas primeiras deambulações, o diminuir a estase venosa e devem ser rigorosamente ins-
paciente deve estar acompanhado por profissional da tituídos em pacientes com fatores de risco para essas
fisioterapia ou da enfermagem ou mesmo por um paren- complicações. A movimentação ativa de membros infe-
te. A assistência durante a deambulação tem como obje- riores, o uso de meias elásticas, o emprego de compres-
tivo principal evitar quedas, responsáveis por fraturas, são pneumática intermitente e a deambulação precoce
feridas e sangramentos, assim como pela saída inadver- (ou seja, o mais cedo possível) constituem, em conjunto
tida e acidental de drenos e cateteres, com conseqüên- ou isoladamente, alguns dos mais importantes cuidados
cias imprevisíveis. pós-operatórios a serem prescritos3.

Medidas de profilaxia de atelectasia pulmonar Cuidados com vias e cateteres de infusão endovenosa
Com o objetivo de evitar complicações respiratórias, O uso de dispositivos (artigo de punção com aletas
em especial a atelectasia, uma série de cuidados pós-ope- laterais, cateteres venosos curtos ou centrais) justifica-se
ratórios deve ser prescrita, em especial: hidratação ade- com o objetivo de administrar medicamentos, soro,
quada, mobilização precoce, incentivo a inspirações pro- nutrição parenteral e hemoderivados. Os cateteres veno-
fundas periódicas, fisioterapia respiratória e micronebu- sos centrais podem ser de curta ou longa permanência.
lização. A fisioterapia respiratória deve ser solicitada ou
Entre os de longa permanência, existem os totalmente e
reintroduzida no pós-operatório, tão logo seja possível.
os parcialmente implantáveis. Os cuidados variam con-
O médico deve incluí-la na prescrição, ou, o que é mais
forme o tipo de dispositivo ou de cateter empregado.
freqüente, solicitá-la por meio do preenchimento de
(Quadro 15.5) Vários cuidados visam a prevenção, o
impresso próprio enviado ao Serviço de Fisioterapia. As
principais técnicas fisioterápicas para prevenção e/ou diagnóstico e o tratamento da flebite e da infecção no
tratamento das complicações pulmonares pós-operató- sítio de inserção de cateter2,4-6.
rias incluem o incentivo à tosse e à inspiração profunda, O cateter venoso central empregado para nutrição
além do uso de respiração com pressão positiva intermi- parenteral, a não ser que disponha de mais vias de admi-
tente, pressão positiva contínua em vias aéreas e incen- nistração, não deve ser utilizado para infusão de medica-
tivador respiratório (espirômetro de incentivo). (Ver mentos, hemoderivados ou soroterapia. Tampouco deve
Capítulo 17 – Fisioterapia em Cirurgia) ser empregado para colheita de amostra de sangue para
Para fluidificar as secreções aderidas nas paredes exame laboratorial ou para monitorização da pressão
brônquicas, pode-se empregar a micronebulização, com venosa central. Nos casos de cateter de múltiplos
solução fisiológica, acrescida ou não de medicamentos lúmens, deve-se designar o lúmen distal exclusivamente
(fluidificantes, mucolíticos e/ou broncodilatadores). para nutrição parenteral. O objetivo dessas práticas é
Além da dose dos medicamentos a serem empregados, diminuir os riscos de complicações, em particular de
outros parâmetros para realização da micronebulização infecção, prolongando a vida útil do cateter2,5.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 15.5 .: Cuidados com vias, dispositivos e cateteres de infusão endovenosa


Dispositivos de infusão venosa periférica
■ Em adultos, não puncionar veias periféricas em membros inferiores
■ Utilizar, se possível, mão ou antebraço não-dominante
■ Evitar acessos venosos próximos de articulações
■ Mudar periodicamente o sítio de inserção do dispositivo. Este rodízio visa reduzir o risco de flebite e preservar a rede venosa do paciente
■ Trocar a fixação do dispositivo apenas se ela estiver úmida, com sujidade ou desprendida
■ Trocar o equipo de soro a cada 72 horas
■ Evitar a permanência de cateteres venosos curtos por períodos muito longos
■ Marcar a data da punção para que o sítio possa ser trocado no momento adequado
■ Evitar infusão de soluções com alta concentração de glicose (superior a 20%) ou com mais de 40mEq/L de potássio em veia periférica
■ Evitar o uso de drogas esclerosantes em veias periféricas
■ Verificar se a infusão está processando livremente. Se houver dúvida em relação a possível infiltração (extravasamento da solução nos tecidos),
remover o dispositivo
■ Examinar diariamente os locais de punção para detectar flebite precocemente
■ Nos casos de flebite, remover o dispositivo, elevar o membro e usar calor local
Cateter venoso central
■ Anotar a data e a hora da inserção do cateter para que o sítio possa ser trocado no momento adequado
■ Manter o cateter sob infusão contínua (preferencialmente) ou heparinizado
■ Manter curativo seco e oclusivo no ponto de inserção do cateter
■ Examinar diariamente o ponto de inserção do cateter
■ Para facilitar o exame diário do ponto de inserção do cateter, preferir curativo aderente transparente
■ Trocar o equipo de soro a cada 72 horas. Para nutrição parenteral, o equipo deverá ser trocado sempre que novo esquema for ligado
■ Trocar o curativo, com técnica asséptica, se ele apresentar sujidade, estiver úmido ou mesmo a cada 72 horas
■ Não utilizar pomadas antimicrobianas ou de povidona-iodo no sítio de inserção do cateter
■ Controlar o tempo de permanência do cateter
■ Monitorar possíveis complicações, observando a ocorrência de febre ou de outros achados sugestivos de infecção

Cuidados com drenos e cateteres drenagem de secreções fisiológicas (p. ex., urina, secre-
ção gástrica, bile etc.) ou com o objetivo de infundir
Sempre que o cirurgião utiliza dreno ou cateter, ele
líquidos, soluções e medicamentos.
deve ser responsável por orientar os cuidados a serem Os drenos podem ser empregados com finalidade tera-
tomados com esses dispositivos, objetivando reduzir os pêutica ou profilática, ou seja, para tratar ou prevenir acú-
riscos de complicações. mulo indesejável de líquido. A ação dos drenos se faz por
Os drenos são materiais implantados com o objetivo escoamento (gravitacional), por capilaridade ou por sucção
de drenar ar ou fluidos (geralmente secreções patológi- (sistemas com pressão negativa). Os drenos devem ser exte-
cas) de cavidades ou espaços virtuais. Constituem bons riorizados por contra-abertura. Podem ser maleáveis ou rígi-
exemplos o dreno de tórax em selo d’água com o objeti- dos, laminares ou tubulares. Os drenos de sucção conven-
vo de tratar hemopneumotórax, o dreno tubular empre- cional são geralmente empregados em grandes áreas de des-
gado na terapêutica de abscessos intra-abdominais e o colamento, para evitar formação de sero-hematomas4.
dreno laminar tipo Penrose no tratamento de abscesso O cateterismo vesical de demora está associado a
de partes moles. Diferentemente, os cateteres são tubos maior risco de infecção do trato urinário quanto maior
colocados em espaços reais ou anatômicos (p. ex., no for a permanência do dispositivo6. Constitui consenso
interior de órgãos, ductos ou vasos) para possibilitar a entre os urologistas que o cateterismo vesical de alívio é
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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

preferível ao de demora com o objetivo de reduzir as desconfortáveis e promovem uma série de complicações
taxas dessa infecção. Com o objetivo de evitar o catete- (atelectasia, esofagite por refluxo, necrose de asa de nariz,
rismo em homens com incontinência urinária, pode-se sinusite, otite média etc.). Por isso, não podem ser utilizados
optar pelo coletor urinário. Neste caso, o exame diário e para nutrição, ficando restritos à descompressão gástrica
os cuidados com o pênis são essenciais para reduzir os por períodos curtos (inferiores a 72 horas). O cateterismo
índices de complicações (maceração da pele, úlceras, nasogástrico pós-operatório de rotina constitui atualmente
infecções etc.).
prática em desuso, por ser desnecessário e levar a riscos e
Os cateteres empregados para nutrição enteral são dis-
desconforto para o paciente7. Nos casos em que o cateter
positivos de silicone ou poliuretano, de pequeno calibre e
nasogástrico está indicado no pós-operatório (distensão ou
grande flexibilidade. Possuem guia metálico para possibilitar
sua introdução e alguns deles dispõem de cilindro que con- dilatação gástrica, gastroparesia, íleo pós-operatório prolon-
tém mercúrio em sua extremidade distal, para favorecer sua gado, obstrução intestinal), vários cuidados devem ser pres-
migração transpilórica, idealmente até o ângulo duodenoje- critos com o interesse de minimizar suas complicações4. Os
junal2. Os cateteres de cloreto de polivinil (PVC), conheci- principais cuidados com drenos e cateteres estão sumaria-
dos como cateteres nasogástricos de Levine, são rígidos, dos, respectivamente, nos Quadros 15.6 e Quadro 15.7.

Quadro 15.6 .: Cuidados com drenos

■ Fixar o dreno à pele com ponto de sutura e rever periodicamente essa fixação
■ Manter curativo com gaze, compressa ou bolsa coletora no local de exteriorização do dreno, na dependência do volume previsto de drenagem
■ Manter dreno de tórax conectado a sistema em selo d’água e ordenhar dreno e extensão, quando necessário
■ Registrar aspecto e volume da secreção exteriorizada pelo dreno
■ Remover drenos terapêuticos quando a drenagem cessar, ou quando o volume drenado em 24 horas for menor que 40ml
■ Retirar dreno profilático quando o risco de ocorrer alguma drenagem não for mais significante
■ Deixar o dreno por período mais prolongado, se sua finalidade for estabelecer um trajeto fistuloso adjacente a uma anastomose de risco
■ Definir se o dreno deve ser removido de uma só vez, ou lentamente (três a cinco centímetros por dia). Neste último caso, para possibilitar que o
trajeto se feche de dentro para fora

Quadro 15.7 .: Cuidados com cateteres nasogástrico, nasoentérico e vesical de demora (Continua...)

Cateter nasogástrico
■ Rever periodicamente sua fixação com o objetivo de evitar sua saída inadvertida
■ Evitar compressão da asa do nariz, que pode levar a isquemia, úlcera e necrose
■ Aspirá-lo ou irrigá-lo com solução salina 0,9% (30-50mL) periodicamente (3/3h) para rever sua patência
■ Verificar a posição do cateter, injetando ar e auscultando borborigmo no quadrante superior esquerdo, após episódios de vômitos,
regurgitação ou tosse intensa
■ Manter a cabeceira do leito elevada (acima de 300) para diminuir o refluxo gastroesofágico
■ Prescrever inibidor H2 ou bloqueador de bomba protônica para diminuir o risco de esofagite por refluxo
■ Manter drenagem em sistema aberto, considerando que o sistema fechado pode dificultar a drenagem da secreção gástrica
■ Anotar o aspecto e o volume de secreção gástrica drenado
■ Manter higiene oral do paciente com colutórios

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 15.7 .: Cuidados com cateteres nasogástrico, nasoentérico e vesical de demora. (Continuação)
Cateter nasoentérico
■ Solicitar controle radiológico após sua introdução para verificar seu posicionamento, em pacientes com estado de alerta alterado, ou se
houver dúvida de posicionamento, antes do início da nutrição enteral
■ Rever periodicamente sua fixação, para evitar sua saída inadvertida ou, em alguns casos, sua migração além do ponto desejado
■ Avaliar, por meio de aspiração com seringa, a existência de estase, antes de infundir a dieta enteral, em situações especiais
■ Infundir dieta enteral lentamente, preferencialmente por bomba de infusão
■ Lavá-lo com 50ml a 100ml de solução salina 0,9% ou água filtrada após a infusão da dieta enteral e de medicamentos
■ Mantê-lo fechado após administração da dieta

Cateter vesical de demora


■ Evitar ao máximo o cateterismo vesical, principalmente o de demora
■ Realizar o cateterismo sob rigorosos cuidados assépticos, imprescindíveis também nos raros casos de irrigação vesical (indicação urológica)
■ Manter sistema de drenagem fechado com válvula anti-refluxo, que cursa com menor risco de bacteriúria e que permite colher a amostra da urina
sem violação do sistema
■ Lavar rigorosamente as mãos antes e após manusear o sistema de drenagem vesical
■ Não violar o sistema vesical de demora. Se necessário (obstrução ou vazamento), trocar todo o sistema
■ Remover secreções ressecadas (com solução salina 0,9% e gaze) que se formam entre o cateter e o meato uretral
■ Esvaziar a bolsa coletora de urina quando o volume urinário alcançar dois terços dela ou no máximo a cada oito horas
■ Não deixar a bolsa coletora do sistema vesical de demora encostar no chão e mantê-la abaixo do nível da bexiga, para evitar refluxo de urina
■ Colher urina para cultura logo após a introdução do cateter e 48 horas após sua retirada (vigilância epidemiológica)

Cuidados com estomias e jejunostomias (realizadas geralmente para nutrição), as


ileostomias e colostomias provisórias (para descomprimir,
Estomia deriva do grego stomun, que significa criação de
proteger ou desfuncionalizar segmentos distais) e as ileosto-
abertura ou boca. Os cuidados com as estomias vão variar
na dependência do órgão ou segmento de órgão exterioriza- mias e colostomias definitivas (respectivamente indicadas
do, de sua natureza (permanente ou temporária), de seu após proctocolectomia total e amputação do reto). Outros
objetivo e da forma de sua exteriorização (terminal, em alça importantes exemplos de estomias são as traqueostomias,
ou por meio de tubo ou cânula). laparostomias, cistostomias e demais derivações urinárias.
As principais estomias digestivas são as esofagostomias Os cuidados a serem prescritos com as principais estomias
(indicadas para desvio do trânsito salivar), as gastrostomias estão sumariados nos Quadros 15.8, 15.9 e 15.10.

Quadro 15.8 .: Cuidados com as jejunostomias e gastrostomias

■ Deixá-las abertas em drenagem gravitacional no pós-operatório imediato e fechá-las no momento de iniciar a dieta enteral
■ Manter cabeceira elevada (30º a 45º) durante a infusão da dieta enteral, que deve ser administrada preferencialmente de forma contínua
■ Infundir a dieta enteral preferencialmente na bomba de infusão, principalmente nos casos de retardo do esvaziamento gástrico, refluxo,
estase, diarréia e distúrbios absortivos
■ Rever periodicamente sua fixação, para evitar saída inadvertida ou progressão, acompanhando o trânsito digestivo
■ Limpar a pele ao redor da estomia com solução salina 0,9%
■ Manter curativo com gaze seca ao redor do ponto de exteriorização do tubo
■ Proteger a pele adjacente, nos casos de extravasamento de secreção digestiva (protetores cutâneos com hidrocolóide, pasta de alumínio etc.)
■ Não removê-las antes da terceira semana de pós-operatório, para permitir que aderências se formem entre as vísceras e o peritônio parietal,
evitando assim o desabamento da estomia

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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

Quadro 15.9 .: Cuidados com as ileostomias e colostomias e com os pacientes estomizados

■ Observar o aspecto do estoma (cor vermelho-vivo brilhante e de aspecto úmido)


■ Observar a cicatriz ao redor do estoma
■ Medir o estoma com objetivo de definir o tamanho do orifício da bolsa
■ Monitorizar o funcionamento do estoma (eliminação de gases e de efluente)
■ Registrar o aspecto e o volume estimado do efluente
■ Esvaziar e higienizar a bolsa (nos casos de dispositivos drenáveis) ou trocar a bolsa, sempre que necessário (o período para troca do dispositivo
dependerá do tipo de estoma, de efluente e do material de barreira da bolsa)
■ Realizar periodicamente limpeza e higiene do estoma e da pele ao redor dele, com a finalidade de evitar irritação da pele e dermatite
■ Preferir o uso de bolsas com anel de Karaya ou com protetores de pele tipo Stomahesive®
■ Preferir o uso de bolsas plásticas com fundo aberto e fechadas por dispositivo
■ Evitar bolsas plásticas descartáveis convencionais
■ Orientar o paciente em relação à alimentação ideal, com objetivo de regularizar o volume e consistência do efluente, diminuir o odor das fezes,
diminuir a formação de gases e evitar a diarréia
■ Oferecer apoio psicológico ao paciente, incentivar o autocuidado desde o início e encaminhá-lo a um grupo de estomizados

Quadro 15.10 .: Cuidados com as traqueostomias

■ Realizar radiografia de tórax, em PA e perfil, para verificar a posição da cânula


■ Colocar gaze sobre a cânula para evitar a aspiração de corpos estranhos (insetos etc.)
■ Umidificar o ar com a colocação de gaze úmida sobre a cânula ou preferencialmente por meio de aparelhos utilizados com essa finalidade
■ Aspirar as secreções, sempre que necessário, com os devidos cuidados assépticos. Evitar introduzir o cateter além da cânula
■ Trocar a cânula interna, sempre que necessário
■ Trocar o curativo do traqueostoma com técnica asséptica periodicamente e sempre que necessário
■ Rever periodicamente a fixação da cânula. O deslocamento precoce da cânula com sua subseqüente saída pode ser intercorrência grave
■ Deixar junto à cabeceira do doente: duas cânulas estéreis (sendo uma menor do que a que o paciente está usando), material de curativo,
equipamento para aspiração e foco de luz

Cuidados com a ferida cirúrgica de e a temperatura no leito da ferida, tem sido sugerido o
uso de curativos oclusivos impermeáveis, que favorecem
Os cuidados com a ferida cirúrgica constituem um
a cicatrização e evitam a contaminação bacteriana. A
dos aspectos principais da assistência médica pós-opera-
cobertura da ferida cirúrgica com fita microporosa tam-
tória. Em geral, a ferida deve ser examinada pelo menos
uma vez ao dia e, quando indicada realização de curati- bém tem sido realizada com o objetivo de imobilizar a
vos, a troca de pelo menos um deles deve ser feita diaria- ferida e melhorar o resultado estético.
mente pelo cirurgião. Quando necessária, a limpeza da ferida cirúrgica deve
A cobertura da ferida operatória com curativo oclusi- ser realizada com solução salina 0,9% sob média pressão
vo deve ser mantida por 48 horas. Na maioria das feridas (seringa de 20ml e agulha 25X8), evitando-se tocar o leito
tratadas com fechamento primário, não há vantagens na da ferida com gaze ou com qualquer outro material8,9.
manutenção do curativo após sua epitelização, que ocor- Deve-se também evitar o uso de anti-sépticos, que inter-
re, no máximo, em 24 a 48 horas. Para manter a umida- ferem negativamente no processo de cicatrização, por

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

inibir a produção de fibroblastos, essenciais na formação cialmente quando existe tensão, esse tempo deve ser esten-
do tecido de granulação. Além disso, essas soluções dido para até 15 dias. Caso o médico opte por prescrever a
podem provocar irritação da pele, reações alérgicas e retirada de pontos da ferida cirúrgica, deve esclarecer se a
selecionar bactérias Gram-negativas9,10. retirada deve ser alternada ou completa. Caso exista mais
Caso ocorra exsudação, torna-se necessário manter o de uma ferida, deve também especificar a ferida que deve
curativo com o objetivo de absorver o excesso de secre- ter seus pontos removidos. Vale, entretanto, salientar que a
ção e evitar vazamentos, maceração e odores desagradá- retirada de pontos é um momento de estresse para o
veis11. Ele deve ser trocado periodicamente e com técni- paciente e que talvez fosse mais adequado e prudente que
ca asséptica. Cabe ao cirurgião, juntamente com enfer- o próprio cirurgião assumisse essa função.
meiros especializados nesta área, definir para cada caso o
tipo ideal de curativo, a periodicidade de sua troca, o
Oxigenioterapia
eventual uso de anti-sépticos tópicos, desbridantes quí-
micos, açúcar cristal etc.9 É responsabilidade do cirurgião A oxigenioterapia é a administração de oxigênio
proceder a eventuais desbridamentos cirúrgicos de teci- medicinal com finalidade terapêutica e está indicada nos
dos necróticos da ferida cirúrgica. casos de hipoxemia de qualquer origem (pressão arterial
Com a evolução do conhecimento em relação à fisio- de oxigênio abaixo de 60mmHg e/ou saturação de
logia da cicatrização, observou-se o surgimento de vários hemoglobina abaixo de 90%), objetivando melhorar a
tipos de curativos (dispositivos de cobertura de feridas), oferta de oxigênio aos tecidos. A adequada oxigenação
com diferentes características e, conseqüentemente, com dos tecidos favorece a cicatrização e reduz o risco de
vantagens e desvantagens. As características de um cura- infecção do sítio cirúrgico.
tivo ideal estão sumariadas no Quadro 15.11. A escolha A ocorrência de hipoxemia pós-operatória constitui
do tipo de curativo deve considerar as condições da feri- evento esperado, especialmente no pós-operatório ime-
da e do paciente, mas também sua aplicabilidade e seu diato e após operações torácicas e abdominais altas.
custo9. As diferentes opções de curativo (dispositivo de Nestes casos, há alterações da função pulmonar, com
cobertura) para feridas cirúrgicas estão assinaladas no redução da capacidade residual funcional, capacidade
Quadro 15.12. vital forçada e pressão parcial de oxigênio. Essas altera-
Pacientes com infecção incisional superficial e sinais flo- ções são conseqüentes à insuflação pulmonar inadequa-
gísticos na ferida operatória (“celulite”) devem ser submeti- da decorrente da respiração superficial sem suspiros
dos a aplicação periódica de calor local. O médico deve durante o ato anestésico e nas primeiras horas de pós-
prescrever a duração do tratamento (em média 30 a 40 operatório. A disfunção diafragmática temporária, a
minutos) e sua periodicidade (três a quatro vezes por dia). diminuição da complacência pulmonar total, os longos
Os pontos da sutura devem ser removidos a partir do períodos em decúbito dorsal horizontal, a dor no sítio
5 . dia pós-operatório, com o objetivo de alcançar melhor
o
cirúrgico e os efeitos residuais dos anestésicos também
efeito funcional e estético. Contudo, em alguns casos, espe- contribuem para essa redução.

Quadro 15.11 .: Características de um curativo ideal para ferida cirúrgica

■ Possibilitar a oclusão da ferida, mantendo a umidade adequada e a temperatura do leito da ferida em torno de 37ºC
■ Ser impermeável, diminuindo a contaminação da ferida e o risco de infecção incisional
■ Absorver o excesso de exsudato, evitando a maceração da pele
■ Ser transparente, possibilitando o exame periódico da ferida sem necessidade de sua remoção
■ Ser auto-aderente, facilitando sua fixação
■ Limitar a movimentação dos tecidos adjacentes à ferida e proteger contra traumas mecânicos
■ Não deixar resíduos no leito da ferida
■ Possibilitar sua retirada sem causar traumatismo no tecido neoformado

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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

Quadro 15.12 .: Diferentes tipos de curativo para feridas cirúrgicas e suas características principais

FERIDAS COM CICATRIZAÇÃO POR PRIMEIRA INTENÇÃO


Tipo de curativo Características principais
Curativo oclusivo não-impermeável (com gaze e fita microporosa) Não pode ser molhado durante o banho e não permite a visibilização da
ferida
Curativo de filme de poliuretano transparente Estéril, pode favorecer maceração da pele por não absorver
exsudatos
Curativo de membrana de poliuretano associada a viscose absorvente Impermeável, boa capacidade de absorção, não permite a
visibilização da ferida
Curativo de hidrocolóide fino Estéril, impermeável, preserva a umidade da ferida cirúrgica
(carboximetilcelulose e pectina e/ou gelatina)
FERIDAS COM CICATRIZAÇÃO POR SEGUNDA INTENÇÃO
Tipo de curativo Características principais
Curativo de alginato (placa ou cordão) Estéril, oclusivo, não-impermeável, auxilia o desbridamento autolítico
Hidrocolóide Estéril, impermeável, preserva a umidade da ferida cirúrgica, reduz a dor
na ferida
Hidrocolóide (fibra) Absorve o excesso de exsudato, auxilia no desbridamento
autolítico
Curativo absorvente não-aderente Oclusivo, não-impermeável, absorve exsudato e mantém meio úmido
Espuma de poliuretano Estéril, não-aderente, impermeável, apresenta boa capacidade absortiva

FERIDAS COM PROPOSTA DE FECHAMENTO PRIMÁRIO RETARDADO


Tipo de curativo Características principais
Alginato de cálcio Estéril, oclusivo, não-impermeável, auxilia o desbridamento autolítico,
necessita de curativo secundário
Carvão placa Estéril, retém as bactérias, elimina odores desagradáveis, pode necessitar
de curativo secundário
Espuma de poliuretano Estéril, não-aderente, impermeável, apresenta boa capacidade absortiva

O oxigênio deve ser administrado umidificado. A ina- Medicamentos


lação por longos períodos e/ou com alto fluxo
(>4l/min) de oxigênio com baixa umidade lesa o epitélio O médico, ao prescrever um medicamento no pós-ope-
da mucosa respiratória, dificultando a eliminação do ratório, deve estar atento aos efeitos da droga (incluindo as
muco e provocando reação inflamatória. Sendo o oxigê- reações adversas) e ao risco de interação medicamentosa,
nio inflamável, outros cuidados importantes incluem não em particular com os anestésicos. É essencial ainda conhe-
permitir fumar no local, evitar o uso de aparelhos elétri- cer a absorção, a biodisponibilidade, o metabolismo e a eli-
cos que podem produzir faíscas etc. O oxigênio pode ser minação da droga a ser empregada. Cada prescrição deve
administrado por intermédio principalmente de cânula incluir nome do medicamento, dosagem, via de administra-
nasal (óculos para oxigênio), cateter nasal, máscara facial, ção, quantidade prescrita, velocidade de administração etc.
máscara de Venturini ou tubo endotraqueal. O fluxo de De forma ideal, a administração das drogas deveria ser feita
oxigênio a ser mantido deve ser, em média, de dois a qua- pela via oral, mas freqüentemente, no pós-operatório, o
tro litros por minuto. Se houver necessidade de ventila- emprego da via parenteral é necessário. A administração
ção mecânica, deve-se especificar o tipo de respirador e parenteral pode ser feita pelas vias intradérmica (ID),
os parâmetros de controle (pressão, volume, FiO2 etc.). subcutânea (SC), intramuscular (IM) ou endovenosa (EV).
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Embora mais raramente e reservadas aos médicos, podem do peristaltismo gastrointestinal e depressão respiratória.
ser utilizadas também as vias intra-arterial, intra-óssea, intra- Devem ser utilizados com precaução e/ou em doses redu-
tecal, intraperitoneal, intrapleural e intracardíaca. zidas em pacientes com doenças respiratórias, desnutrição,
anemia ou hipotireoidismo.
Com o objetivo de diminuir a dose de opióides no con-
Sintomáticos
trole da dor pós-operatória, tem sido proposta sua associa-
Em decorrência do próprio procedimento anestésico- ção com outros analgésicos, antiinflamatórios e antidepres-
cirúrgico ou de eventuais complicações pós-operatórias, sivos. Os antiinflamatórios não-esteróides em combinação
podem surgir sintomas (dor, febre, náuseas, vômitos e com os opióides diminuem a dor pós-operatória e, em
soluços) que necessitam de tratamento medicamentoso alguns casos, permitem reduzir em até um terço a dose
eficiente. Considerando a grande freqüência com que necessária de opióides12.
esses sintomas ocorrem, os medicamentos empregados Os narcóticos podem ser também administrados no
no seu controle devem ser previamente prescritos para espaço epidural, produzindo analgesia segmentar, efi-
uso, caso sejam necessários. ciente e prolongada, sem ocasionar depressão respirató-
ria. A analgesia alcançada com a infusão epidural contí-
Analgésicos nua de morfina tem sido superior à observada com sua
administração parenteral. A retenção urinária constitui,
O controle eficaz da dor pós-operatória deve ser uma entretanto, complicação comum dessa forma de trata-
das maiores preocupações nesta fase, não só pelo sofri- mento. Anestésicos locais de ação prolongada, como a
mento e ansiedade que acarreta, como também pelas bupivacaína, também podem ser injetados no espaço epi-
complicações que pode favorecer (atelectasia, pneumo- dural (p. ex., através de cateter) ou na proximidade de
nia, íleo pós-operatório prolongado, trombose venosa nervos (p. ex., bloqueio intercostal), com bom controle
etc.), em particular por limitar a movimentação, a alimen- da dor pós-operatória.
tação, a respiração e a tosse do paciente. A evolução tecnológica possibilitou, ainda no trata-
A dor é geralmente mais intensa após operações torá- mento da dor aguda pós-operatória, a utilização da anal-
cicas, do andar superior do abdome, perianais, perineais gesia controlada pelo paciente, na qual ele, ao sentir dor,
e ortopédicas. Além do sítio cirúrgico, a intensidade da se auto-aplica a medicação analgésica, por via venosa,
dor varia na dependência do tipo de procedimento e de peridural ou subcutânea, utilizando mecanismos varia-
seu acesso, de sua duração, bem como da maior manipu- dos13. No momento, o custo e a sofisticação dos equipa-
lação e tração peroperatória sobre os tecidos (pela ação mentos, além de questões culturais, constituem entraves
de válvulas e afastadores). A ansiedade também constitui ao emprego dessa técnica no nosso meio.
fator importante tanto na maior ocorrência quanto na
menor tolerância à dor; daí a importância da boa relação
médico-paciente no sentido de tranqüilizar o paciente Antitérmicos
com uma discussão franca, mas a mais otimista possível.
Os narcóticos (morfina e meperidina) são os medica- Considera-se como temperatura corporal média nor-
mentos mais empregados no controle da dor pós-operató- mal o valor de 37oC, aceitando-se variação de 0,5oC em
ria e geralmente são administrados por via parenteral. condições basais. A febre é caracterizada por elevação
Como a via intramuscular pode ocasionar variação nos da temperatura corpórea acima de 37,5oC. Atualmente,
níveis plasmáticos, a administração endovenosa em doses tem-se observado tendência a tratar febre acima de 38oC,
fracionadas a curtos intervalos tem sido preferida. considerando que o uso freqüente de antitérmicos pode-
Inicialmente, o medicamento deve ser fornecido de forma ria dificultar a observação das características da febre
fixa, mas, à medida que a dor fica menos intensa, é possível (intensidade, cronologia etc.). Além disso, o aumento da
optar por sua administração apenas quando necessário, temperatura corporal parece favorecer a defesa orgânica,
desde que o paciente solicite a nova dose tão logo cesse o nos casos de infecção. Em contrapartida, a febre eleva-
efeito da dose anterior. Os efeitos colaterais mais observa- da pode causar desidratação, aumento do catabolismo
dos com esse tratamento são sonolência, vômitos, redução tecidual, sobrecarga cardíaca, delirium e convulsões.
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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

Antieméticos 2.000UI/hora, em infusão contínua)3. A heparinoterapia


somente deixará de ser empregada nos casos de contra-
O risco de náuseas e vômitos diminui com o avanço da indicação absoluta (ver Capítulo 20 – Profilaxia e tratamento
idade, no sexo masculino e entre pacientes fumantes. A his- da doença tromboembólica).
tória prévia de náuseas e vômitos pós-operatórios, as ope-
rações de longa duração e aquelas acompanhadas de dor
pós-operatória intensa se associam com maiores riscos de Anti-secretores
sua ocorrência14,15. Náuseas e vômitos já foram intercorrên-
cias comuns no pós-operatório imediato de procedimentos Em decorrência do estresse físico e psicológico perio-
realizados sob anestesia geral. Atualmente, elas têm sido peratório, alguns pacientes podem desenvolver lesões agu-
menos observadas, em particular pela evolução das drogas das da mucosa gastroduodenal, sujeitas a hemorragia por
empregadas pelos anestesiologistas. O uso peroperatório vezes vultosa. Na tentativa de reduzir tais ocorrências,
de opióides está relacionado com maior probabilidade de medicamentos anti-secretores (inibidores dos receptores
náuseas e vômitos pós-operatórios, enquanto a anestesia H2 ou bloqueadores da bomba protônica) têm sido empre-
venosa com propofol se associa com menor probabilidade gados profilaticamente em pacientes submetidos a opera-
de ocorrência dessa complicação13,15. As náuseas e vômitos ções de grande porte e naqueles que evoluem com compli-
pós-operatórios estão entre os fatores que retardam a alta cações pós-operatórias graves.
de pacientes ambulatoriais e que devem ser evitados no
período perianestésico16,17. Os soluços, um problema Antibióticos
menos freqüente, podem apresentar inúmeras causas, entre
elas a irritação diafragmática dos nervos frênico ou vago e Um dos medicamentos mais empregados no pós-ope-
a distensão ou dilatação gástrica. Vômitos tardios, relacio- ratório são os antibióticos. Com interesse profilático ou
nados com outros problemas clínicos, metabólicos ou terapêutico, essas drogas visam, em última análise, reduzir
digestivos, e soluços têm sido usualmente tratados com a mortalidade, o sofrimento e o custo relacionados com as
medicamentos pró-cinéticos digestivos (metoclopramida e infecções pós-operatórias. O domínio dessa matéria é
bromoprida). Contudo, o diagnóstico e a terapêutica da imprescindível ao médico que presta assistência ao pacien-
causa das náuseas, dos vômitos e dos soluços devem ser te cirúrgico e está apresentado, nesta obra, no Capítulo 18
priorizados. Soluços resistentes ao uso de metoclopramida – Antibioticoprofilaxia em Cirurgia e no Capítulo 19 – Princípios
podem ser tratados com clorpromazina. da antibioticoterapia.

Heparina Outros medicamentos

Pacientes com baixo risco para complicações trom- Considerando que o paciente pode apresentar alguma
boembólicas não necessitam de heparinoprofilaxia. De comorbidade prévia ou desenvolver alguma complicação
acordo com a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia perioperatória, pode ser necessária a prescrição de medica-
Vascular, movimentação de membros inferiores e deam- mentos específicos ou de uso anterior. O cirurgião, prefe-
bulação precoce seriam suficientes. Contudo, pacientes rencialmente antes da operação, deve procurar saber a rela-
com moderado risco devem receber também profilaxia ção de medicamentos de que o paciente faz uso e sua poso-
medicamentosa, com heparina, 5.000UI, subcutânea, de logia e estar atento, no pós-operatório, ao momento ideal
12/12 horas. Pacientes com alto risco devem receber a para voltar com a medicação.
mesma dose de heparina, de 8/8 horas ou heparina de
baixo peso molecular (p. ex., 40mg de enoxaparina)3. Hidratação venosa pós-operatória
Ao confirmar o diagnóstico de trombose venosa pro-
funda ou de tromboembolismo pulmonar, deve-se iniciar o A hidratação venosa correta do paciente no pós-opera-
tratamento com heparina convencional, que continua tório, em particular na fase em que ele se encontra em
sendo a droga de escolha na fase aguda (5.000UI a jejum, visa atingir e manter a composição corporal fisioló-
10.000UI, como dose de ataque, seguida por 1.000U a gica, prevenir a desidratação, os desequilíbrios eletrolíticos
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

e a cetose, corrigir os desequilíbrios potencialmente fatais exemplo comunicar ao plantão da Cirurgia caso a diure-
(p. ex., hipovolemia e hipercalemia), manter adequada diu- se horária seja inferior a 40ml/h.
rese e reduzir o risco de complicações cardiocirculatórias e
renais. A terapia hidroeletrolítica deve estar integrada à
nutrição parenteral, quando indicada. (ver Capítulo 16 – Referências
Hidratação venosa pós-operatória.) 1 ■ Sanches MD, Castro LP, Sales TRA, Carvalho EB, Torres HOG,
Almeida SR, Savassi-Rocha PR. Comparative study about pro-
Nutrição parenteral periférica ou central gressive versus free oral diet in postoperative period of digesti-
ve surgeries. Gastroenterology. 1996;110: 37-8.
No pós-operatório, a nutrição parenteral deve estar 2 ■ Waitzberg DL. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica.
reservada a pacientes que apresentam contra-indicação São Paulo. Atheneu; 2001.
ao emprego da via digestiva. A definição do tipo de 3 ■ Tapson VF. Thromboembolism venous. J Respir Dis.
nutrição parenteral – periférica ou central, o volume a 2001;22:12-22.
ser infundido e a velocidade de infusão (ml/h em bomba 4 ■ Pohl FF, Petroianu A. Tubos, sondas e drenos. Rio de Janeiro:
de infusão parenteral) deve ser feita pelo médico respon- Guanabara Koogan; 2000. 547 p.
sável orientado por equipe especializada em terapia 5 ■ Andris DA, Krzywda EA. Central venous access. Nurs Clin North
nutricional. A monitorização do paciente com vistas ao Am. 1997;32:719-39.
diagnóstico de complicações relacionadas com a nutri- 6 ■ Martins MA. Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do
ção parenteral deve ser preocupação constante. (ver Hospital das Clínicas da UFMG. Manual de infecção hospitalar.
Capítulo 7 – Nutrição e Cirurgia). Epidemiologia, prevenção e controle. Rio de Janeiro: Medsi;
2001:1116 p.
7 ■ Savassi-Rocha PR, Conceição SA, Ferreira JT, Diniz MT, Campos
Hemoterapia
IC, Fernandes VA, et al. Evaluation of the routine use of the
A prescrição de hemoderivados deve ser criteriosa, nasogastric tube in digestive operation by a prospective control-
com o objetivo de evitar sobrecarga circulatória, rea- led study. Surg Gynecol Obstet. 1992;174:317-20.
ções transfusionais e transmissão de doenças. Outro 8 ■ Martins EAP. Avaliação de três técnicas de limpeza do sítio cirúr-
problema da hemotransfusão é o fenômeno da imuno- gico infectado utilizando soro fisiológico para remoção de
modulação que pode resultar no aumento do risco de microrganismos. São Paulo, 2000. Dissertação de Mestrado.
infecção pós-operatória, bem como do risco de recor- Universidade de São Paulo.
rência de lesões tumorais em pacientes oncológicos18. 9 ■ Borges EL, Saar SRC, Lima VLAN, Gomes FSL, Magalhães MBB.
Quando houver indicação de hemoterapia, o médi- Feridas: como tratar. Belo Horizonte: Coopmed; 2001:130 p.
co deve definir o volume do hemoderivado e sua velo- 10 ■ Ribeiro RC. Interferência do uso de polivinilpirrolidona-iodo no
cidade de infusão. Na vigência de reação pirogênica processo cicatricial; estudo experimental em camundongos.
(febre precedida de calafrios), deve-se interromper Folha Médica. 1995;111:61-5.
imediatamente a transfusão, administrar antitérmico e 11 ■ Tobin GR. Closure of contaminated wounds. Biological and tech-
acompanhar a recuperação do paciente. Em politrans- nical considerations. Surg Clin North Am. 1984:64:639-43.
fundidos, a prevenção dessa complicação pode ser 12 ■ Rang HP, Dale MM, Ritter IM. Farmacologia. 3 ed. Rio de Janeiro:
feita com a utilização de concentrado de hemácias Guanabara Koogan; 1997. 691 p.
pobre em leucócitos. 13 ■ Etches RC. Patient-controlled analgesia. Surg Clin North Am.
1999;79:297-312.
14 ■ Sinclair DR, Chung F, Mezei G. Can postoperative nausea and
Comunicação de anormalidades e intercorrências vomiting be predicted. Anesthesiology. 1999;91:109-18.
15 ■ Junger A, Hartmann B, Benson M, Schindler E, Dietrich G, Jost A,
Ao término da prescrição, é sempre interessante
et al. The use of an anesthesia information management system
acrescentar a quem a enfermagem deve recorrer nos
for prediction of antiemetic rescue treatment at the postanes-
casos de intercorrências e complicações, com seus res-
thesia care unit. Anesth Analg, 2001;92:1203-9.
pectivos contatos (telefone e BIP). Nos casos em que se
prevê alguma anormalidade, esta pode ser destacada, por

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Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

16 ■ Chung F, Mezei G. Factors contributing to prolonged stay after 18 ■ Vamvakas EC. Transfusion-associated cancer recurrence and pos-
ambulatory surgery. Anesth Analg. 1999;89:1352-9. toperative infection: meta-analysis of randomized, controlled
17 ■ Macario A, Weinger M, Truong P, Lee M. Which clinical anesthe- trials. Transfusion. 1996;36:175-86.
sia outcomes are both common and important to avoid? The
perspective of a panel of expert anesthesiologists. Anesth
Analg. 1999;88:1085-91.

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16
HIDRATAÇÃO
VENOSA
PÓS-OPERATÓRIA
Marco Antonio Cabezas Andrade, Paula Martins,
Maria Isabel Toulson Davidson Correia, Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução orgânica ao trauma aumenta o risco de sobrecarga cardio-


circulatória. Dessa forma, tem sido sugerida a administra-
A hidratação venosa correta é essencial para manter o ção de cerca de dois terços das necessidades diárias de água
equilíbrio orgânico de líquidos e eletrólitos de qualquer e sódio para esses pacientes. É preferível mantê-los mais
paciente que não tenha a ingestão oral preservada e ade- “secos” nas primeiras horas de pós-operatório, até à dimi-
quada, como após grandes procedimentos cirúrgicos e em nuição da intensidade da resposta orgânica ao trauma1.
politraumatizados. O conhecimento da dinâmica dos flui- A infusão rotineira de grande volume de solução sali-
dos e eletrólitos no organismo, de sua concentração den- na no per e no pós-operatório imediato com intenção de
tro dos compartimentos orgânicos e das alterações decor- evitar instabilidade circulatória e manter diurese volumo-
rentes da resposta orgânica ao trauma é fundamental à cor- sa deve ser desencorajada2, inclusive por não existirem
reta prescrição da hidratação venosa. O jejum, por vezes evidências de que volume urinário horário de 100mL/h
prolongado que esses pacientes terão de suportar, impõe seja melhor do que volume urinário de 50mL/h. O con-
também a necessidade de adequado aporte calórico. ceito de que o excesso de sal e água será excretado auto-
A hidratação venosa pós-operatória – sem ser mate- maticamente pelos rins é falso e essa prática pode ser alta-
maticamente exata, pois as variações individuais são mente danosa, particularmente em pacientes idosos e
amplas – deve ser a mais fisiológica possível, respeitando- naqueles com redução de reservas cardíacas e renais.
se as especificidades de cada paciente. Necessidades diá- O sinal mais precoce de sobrecarga hídrica é o
rias de água, calorias e eletrólitos, avaliação clínica perió- aumento de peso corporal. Por isso, é recomendável
dica, balanço hídrico, peso do paciente e, eventualmente, pesar o paciente no pré e, se possível, diariamente, no
exames laboratoriais definirão o aporte de água, glicose, pós-operatório. Vale lembrar que o catabolismo da res-
sódio, potássio e cloro. O exame clínico cuidadoso, a posta orgânica ao trauma provoca perda de peso de até
dosagem da glicemia e o ionograma, a cada dois ou três 300g por dia, podendo chegar a 800g quando existe
dias, também ajudarão a prevenir o aparecimento de dis- infecção grave associada3.
túrbios metabólicos graves. O aumento da resistência periférica à insulina, asso-
Erros grosseiros na prescrição dos esquemas de hidra- ciado à liberação de glicose pelo fígado, determina estado
tação venosa podem levar à sobrecarga hídrica, desidrata- de hiperglicemia nas primeiras horas pós-trauma4.
ção, distúrbios de eletrólitos, que, principalmente em Considerando que, no pós-operatório imediato, a hiper-
pacientes debilitados pelo trauma, desnutridos e com glicemia tende a ser maior, a administração de 100g de
doenças cardíacas, hepáticas ou renais, podem causar glicose é suficiente. Com isso, será prevenido tanto o apa-
complicações como insuficiência cardíaca, edema pulmo- recimento de diurese osmótica (hiperglicemia), quanto o
nar, arritmia cardíaca, insuficiência renal etc. A retenção catabolismo exagerado de gorduras (cetose). No primeiro
de água e sódio, observada na fase inicial da resposta e segundo dias pós-operatórios, a intensidade da resposta
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

orgânica ao trauma diminui, permitindo a infusão, respec- Água


tivamente, de 150g/dia e 200g/dia de glicose.
Pela ação da aldosterona, o rim, ao reter sódio, troca- A necessidade diária de água para o adulto varia de
o pelo potássio. Todavia, essa troca, na vigência de diu- 30mL/kg a 55mL/kg:
rese diminuída pela ação do hormônio antidiurético, não ■ 30mL/kg, para pacientes idosos, desnutridos, supe-

é suficiente para contrabalançar a tendência à hipercale- robesos, com doença cardíaca, hepática ou renal. Em
mia secundária: ao trauma e ao catabolismo (liberação do pacientes obesos (índice de massa corporal acima de
potássio intracelular); ao aumento da resistência à insuli- 25kg/m2), deve-se calcular a necessidade hídrica com
base no peso ideal (considerar idade, sexo e altura);
na; ao transporte de potássio para dentro da célula; e à
■ 35mL/kg a 40mL/kg, para a maioria dos adultos.
acidose (geralmente discreta) decorrente da resposta Geralmente, para as mulheres administra-se
orgânica ao trauma. Daí a conveniência de evitar a admi- 35mL/kg/dia; para homens, 40mL/kg/dia.
nistração de potássio nas primeiras horas após o procedi- ■ 45mL/kg a 55mL/kg, para atletas e indivíduos com
mento cirúrgico ou o trauma. grande massa muscular, pois quanto maior a massa
Enquanto o paciente permanecer em jejum e em magra, maior quantidade de água é necessária1.
hidratação venosa exclusiva, são necessários a medida
rigorosa da diurese e o cálculo diário do balanço hídrico,
que serão considerados na definição do volume de soro Calorias
ideal (onde líquido endovenoso a ser prescrito = necessi- Nos primeiros dias de reposição hídrica pós-operató-
dade diária de água ± balanço hídrico). ria, a melhor forma de administrar calorias é por meio de
Desse modo, na prescrição da hidratação venosa pós- soluções glicosadas. Habitualmente, o organismo necessi-
operatória, são observadas quatro etapas: ta de 30 a 35 kcal/kg/dia. Todavia, em decorrência da res-
a) cálculo das necessidades diárias de água, calorias e posta orgânica ao estresse, em que se observa tendência à
eletrólitos específicas para o paciente; hiperglicemia, há diminuição dessas necessidades calóri-
b) cálculo do balanço hídrico referente ao período cas. Porém, é preciso evitar que o catabolismo seja exces-
anterior; sivo, levando à cetoacidose, além de que estruturas nobres
c) redefinição da necessidade de água, glicose e eletró- como cérebro e hemácias dependem essencialmente de
litos, com base no balanço hídrico e em ganhos e glicose para seu metabolismo. Para tanto, devem ser admi-
perdas adicionais de eletrólitos;
nistradas 340kcal/dia a 680kcal/dia, ou seja, 100g a 200g
d) prescrição da hidratação venosa em esquema de
de glicose, considerando que um grama de glicose venosa
soros.
(glicose monohidratada) tem 3,4kcal. No pós-operatório,
obedecendo à curva de intensidade da resposta orgânica,
Necessidades diárias de água, deve-se administrar menos glicose no pós-operatório ime-
diato (100g), aumentando gradativamente no primeiro dia
calorias e eletrólitos
(150g) e no segundo dia pós-operatório (200g).
As necessidades diárias do organismo, essenciais para
a definição do esquema de hidratação venosa que será
Sódio
prescrito, devem basear-se no peso corporal atual e no
sexo do paciente, mas também na distribuição dos eletró- É o eletrólito mais importante no movimento da água
litos nos diferentes compartimentos. entre os compartimentos orgânicos. A correta reposição
Na hidratação venosa pós-operatória, desde que por de sódio evita a hipo ou hipertonicidade do comparti-
poucos dias e, principalmente, em pacientes nutridos, é mento extracelular. Geralmente, a necessidade diária de
possível oferecer apenas água, sódio, cloro, potássio e sódio no adulto varia de 1mEq/kg a 1,5mEq/kg.
calorias fornecidas como glicose. Acima de oito dias, Prefere-se usar 1mEq/kg/dia em pacientes idosos, des-
outros elementos, como proteínas, lipídios, magnésio, nutridos ou com problemas cardíacos ou renais. Na
fosfato, vitaminas se fazem necessários (ver Capítulo 7 - maioria dos adultos, deve-se considerar a necessidade de
Nutrição e Cirurgia). 1,5mEq/kg/dia.
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Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

Potássio nota-se que o balanço hídrico parcial deve ser fechado de


12/12h. Ao final das 24 horas, a enfermagem informa o
Como discutido anteriormente, não é necessária a balanço hídrico relacionado a todos os volumes de líqui-
administração desse eletrólito nas primeiras horas do dos administrados ou perdidos pelo paciente. Salienta-se,
pós-operatório. Sendo o íon predominantemente intra- todavia, que esse balanço não é real, pois não inclui a
celular, ele é lançado para o extracelular em decorrência água endógena, as perdas insensíveis e algumas perdas
do trauma (lesão da célula) e do catabolismo tecidual hídricas não-quantificadas pela enfermagem.
(principalmente protéico). Além disso, o potássio utiliza
a relação insulina:glicose para o seu transporte para den-
tro da célula, e esse transporte encontra-se prejudicado Ganhos habituais de água
pela diminuição da ação periférica da insulina, aumentan-
do ainda mais a concentração do potássio no extracelu- Hidratação venosa e oral
lar. A oligúria causada pelo hormônio antidiurético e a
Na prática, para o cálculo do balanço hídrico, vale
acidose metabólica que se instala durante a fase catabóli-
ressaltar que deve ser considerado o volume real admi-
ca da resposta orgânica ao trauma também contribuem
nistrado de líquido e não o volume prescrito, uma vez
para o aumento do potássio sérico.
que, em decorrência de inúmeros fatores esses volumes
Portanto, nas primeiras 24 horas e enquanto a diure-
podem apresentar entre si variações significativas.
se permanecer abaixo de 25mL/hora (600mL em 24h),
Geralmente, na prática, o volume infundido é menor que
não é necessário administrar-se potássio nos esquemas
aquele que foi prescrito, tendo em vista as intercorrências
de hidratação venosa. Após esse período, deve-se adicio-
comuns da hidratação venosa (demora em trocar o soro,
nar o potássio nos esquemas de soro1. A sua necessidade
perda da veia com atraso para nova punção, diminuição
diária é de 1mEq/kg.
do gotejamento decorrente de dobra do cotovelo ou de
vácuo no frasco de soro etc.).
Cloro
Esse eletrólito tem pouca importância clínica na Água endógena
reposição hídrica, pois acompanha o sódio e o potássio
na maioria das soluções disponíveis no mercado. A água endógena provém de dois processos metabó-
Apenas nos casos de graves distúrbios de cloro (rara- licos: a mobilização da água do catabolismo celular e a
mente isolados) é que se deve levar em consideração água da oxidação do combustível nutriente. A proteína
esse eletrólito. A necessidade diária varia de 1,5mEq/kg muscular contém entre 70% a 80% de água. O catabolis-
a 2mEq/kg. mo protéico pode atingir até 750g/dia, após operação de
grande porte, o que produz, em média, 500mL de água
endógena isenta de sal. A oxidação de 1kg de gordura
Balanço hídrico e eletrolítico pode produzir mais de um litro de água5.
Para fins práticos, a água endógena varia de
O balanço hídrico é a diferença entre o que o orga-
400mL/dia a 600mL/dia e deve ser incluída como ganho
nismo ganha – hidratação endovenosa (e oral) e água
de água no cálculo do balanço hídrico. Nos casos de
endógena – e o que ele perde – diurese, perdas insensí-
pacientes desnutridos, idosos, hipotireoideos e pacientes
veis e perdas adicionais.
em ambientes com baixas temperaturas, deve-se conside-
O preenchimento correto da folha de balanço hídri-
rar água endógena de 400mL. Para aqueles pacientes
co, pela enfermagem, auxilia a avaliação dos líquidos
hipertireoideos, febris ou submetidos a altas temperatu-
ganhos e perdidos pelo paciente, permite o cálculo do
ras ambientais, sugere-se considerar água endógena de
balanço hídrico referente ao dia ou ao período anterior
600mL. A média, na maioria dos casos, é de 500mL.
(p.ex., 6h ou 12h). O impresso padronizado no Hospital
Infelizmente, a maioria dos hospitais brasileiros não tem
das Clínicas da UFMG para registro do balanço hídrico
adequado controle da temperatura ambiental.
pode ser visto na Figura 16.1. No modelo apresentado,

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Figura 16.1 .: Impresso para registro do balanço hídrico, empregado no Hospital da Clínicas da UFMG

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Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

Perdas fisiológicas de água (e eletrólitos) teres utilizados em pacientes cirúrgicos e politraumatiza-


dos também podem acarretar perdas extraordinárias ou
Constituem perdas fisiológicas de água pelo organis- adicionais, que devem ser anotadas cuidadosamente pela
mo: diurese, perdas insensíveis e perdas adicionais (geral- enfermagem, para orientar a correta reposição de água e
mente, são mínimas; p.ex., perda de água pelas fezes). As eletrólitos. Em muitos desses casos, as perdas hídricas
perdas hídricas adicionais significativas (p. ex., diarréia) são acompanhadas de perdas eletrolíticas que devem ser
podem ser acompanhadas também de perdas eletrolíticas estimadas e também consideradas na prescrição da hidra-
que devem ser consideradas no momento de prescrever tação venosa do dia seguinte.
a hidratação venosa para o paciente.
Quadro 16.1 .: Reposição hídrica adicional sugerida nos casos de
aumento da temperatura corporal, da freqüência respiratória e da
Diurese temperatura*

A medição da diurese deve ser realizada logo após as Febre Temperatura Freqüência Reposição
micções, em pacientes sem uso de cateter urinário de ambiente respiratória hídrica adicional
demora. Por outro lado, aqueles doentes submetidos a < 38,4oC < 30oC < 35irpm Nenhuma
cateterismo urinário de demora devem ter seu volume 38,4 a 39,4 Co
30 a 35 C o
> 35irpm 500ml/24h
urinário medido e registrado periodicamente (p.ex., a > 39,5 Co
> 35 Co
– 1.000ml/24h
cada quatro horas). A diurese ideal varia de
0,5mL/kg/hora a 1mL/kg/hora. * Modificado de Condon e Nyhus5
Estas perdas são aditivas, assim por exemplo para paciente com febre média de 38,6ºC,
freqüência respiratória de 36irpm e submetido a temperatura ambiente de 32°C, durante
24h, deve-se fazer reposição de 1.500ml nas próximas 24h, além das necessidades diárias
Perdas insensíveis do paciente.

As perdas insensíveis, também conhecidas como pers- O aparelho digestivo é, de longe, a fonte mais comum
piração, constituem-se de perdas hídricas decorrentes da dessas perdas. São causadas pela doença básica (diarréia,
respiração e da transpiração. Habitualmente, as perdas vômitos etc.) ou pelo tratamento cirúrgico (fístulas, osto-
insensíveis variam de 800mL/24h a 1.200mL/24h. Sua mias etc.). O conhecimento das peculiaridades e da compo-
mensuração é difícil. Alguns autores baseiam-se na superfí- sição básica das secreções perdidas é imprescindível para
cie corporal para determinar essas perdas. Na maioria dos calcular as perdas eletrolíticas adicionais, para prescrever a
casos, considera-se a média de 1.000mL/24 horas. A água hidratação venosa adequada e para prevenir a ocorrência de
perdida é geralmente isenta de eletrólitos e sua reposição distúrbios eletrolíticos. No Quadro 16.2 está apresentada a
requer apenas água (soro glicosado 5%). Porém, quando composição de algumas secreções do aparelho digestivo
esta perda é excessiva, como numa crise tireotóxica, a em relação às concentrações de eletrólitos por litro.
perda de sódio deve ser também levada em consideração. Quadro16.2 .: Concentração de eletrólitos (mEq/L) nas diferentes
Algumas vezes, as perdas insensíveis são muito supe- secreções gastrointestinais*
riores às habituais, como ocorre nos casos de aumento da
temperatura axilar, da freqüência respiratória e da tempe- Secreções Na+ K+ Cl– HCO3–
(1 litro) mEq mEq mEq mEq
ratura ambiente. Essas perdas hídricas extraordinárias
são significativas, por isso sugere-se considerá-las no cál- Suco gástrico (acidez elevada) 20 10 120 0
culo do balanço hídrico (Quadro 16.1). Basicamente, Suco gástrico (acidez baixa) 60 - 80 10 - 15 90 - 100 5 - 25
essa perda é isenta de eletrólitos, porém, na vigência de Suco pancreático 140 5 75 80
sudorese excessiva, ocorre perda concomitante de sódio.
Bile 148 5 100 35
Delgado 110 5 105 30
Outras perdas hidroeletrolíticas 45 30
Íleo distal e ceco 80 8
Constituem outras perdas adicionais as perdas hídri- Fezes diarréicas 120 25 90 45
cas secundárias a vômitos, diarréia, fístulas, ileostomias,
laparostomias, sudorese excessiva etc. Os drenos e cate- * Modificado de Way LW, Doherty GM. Cirurgia: diagnóstico e tratamento. Guanabara
Koogan, 11a ed. 2004.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Outra perda extraordinária, freqüente tanto em poli- conduta corretiva, na hidratação venosa do dia seguinte
traumatizados, e após operações de grande porte é o deve-se diminuir o aporte de água na proporção observa-
líquido “seqüestrado” no compartimento intersticial dos da (volume positivo do balanço) em relação ao que esta-
tecidos traumatizados (edema). A melhor forma de quan- va calculado com base nas necessidades diárias.
tificar essa perda é por meio da monitoração do peso O balanço hídrico negativo sugere perdas extraordiná-
corporal do paciente. No entanto, essa prática não é roti- rias, reposição inadequada, retorno do líquido “seqüestra-
na, frente à ausência de camas-balança, ou balanças por- do”, aumento excessivo da diurese (p.ex., por hiperglice-
táteis, na maioria dos serviços. Acrescente-se a isso a difi- mia). Sugere-se examinar o paciente, conferir o seu peso
culdade em mobilizar o paciente no pós-operatório, prin- e repor o volume negativo do balanço (além das necessi-
cipalmente aquele com vários drenos e cateteres. Como dades hídricas diárias) nos próximos esquemas de soros.
já salientado, espera-se que o paciente, no pós-operató- Caso o resultado do balanço hídrico fique entre
rio, perca aproximadamente 300g/dia de peso. Se, ao +300mL e –300mL, pode-se considerá-lo zerado.
contrário, o paciente estiver ganhando peso, pode-se
supor que esteja ocorrendo “seqüestro” de líquido. Esse
líquido tem a mesma composição do plasma e requer
Redefinição das necessidades de
reposição balanceada de água e eletrólitos. Ionograma e água e eletrólitos
hematócrito podem contribuir para a definição da ade-
Talvez esta seja a etapa mais importante da hidratação
quada reposição de eletrólitos e água, assim como o volu- venosa pós-operatória. Neste momento, é preciso corri-
me urinário, que acaba sendo, na prática, o indicador gir os desvios de água e eletrólitos, advindos do balanço
mais usado do estado de hidratação. hídrico em conseqüência às perdas adicionais de líquido
Nos casos de íleo funcional, vascular ou mecânico, e/ou eletrólitos, do ganho de água e eletrólitos oriundos
observa-se progressiva distensão das alças intestinais, com da administração de medicamentos etc. Nos casos de
“seqüestro”, na sua luz, de líquido e eletrólitos. Esse perdas hidroeletrolíticas futuras (p.ex., fístulas duode-
seqüestro hídrico, que pode corresponder a vários litros, nais, ileostomias etc.), quando o paciente pode perder até
causando distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, é de cinco litros de secreção digestiva, é preciso considerar
difícil mensuração. Também nesse caso, o controle diário essas perdas de água, sódio, potássio, no momento
do peso corporal do paciente pode auxiliar a hidratação, de fazer a prescrição da hidratação venosa para o perío-
assim como as outras variáveis acima mencionadas. do subseqüente.
Os líquidos seqüestrados no interstício ou na luz intes-
tinal, uma vez normalizada a função capilar, retornam ao
compartimento vascular geralmente entre o terceiro e o Água
quinto dias pós-operatórios. Nesse período, é necessário
A redefinição das necessidades reais de água deve-se
ficar atento à sobrecarga que eles podem causar, particu-
basear fundamentalmente no balanço hídrico, nas perdas
larmente importante em pacientes com reservas cardíaca e
extraordinárias e no ganho de líquidos empregados para
renal diminuídas2. Um bom parâmetro para detectar esse
diluir medicamentos (p. ex. solução salina para diluir a
retorno hídrico é o súbito aumento da diurese, levando a penicilina cristalina).
aparente balanço hídrico negativo. Balanço hídrico de 24 horas de +/–300mL é conside-
rado equilibrado. Já um balanço de +500mL, por exem-
Cálculo do balanço hídrico plo, após exame clínico do paciente compatível com
hiper-hidratação e volume urinário superior ao esperado
O balanço hídrico positivo reflete provável excesso de (mais de 1mL/kg/hora), denota retenção de líquidos
líquidos no organismo, seja por administração aumentada pelo paciente. A pesagem diária do paciente, se puder ser
de líquido, retenção hídrica nos tecidos ou falta de elimi- realizada, auxilia a confirmar esse fato, indicando a
nação pelos rins (oligúria). Deve-se examinar cuidadosa- necessidade de diminuir a infusão de líquidos em 500mL,
mente o paciente (inclusive, aferir o seu peso) e, eventual- em relação às estimativas diárias do paciente. Em contra-
mente, solicitar exames complementares e analisar com partida, balanço negativo de 500mL, com concomitante
cuidado as possíveis causas desse balanço positivo. Como exame físico sugestivo de desidratação, que pode decor-
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Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

rer de reposição inadequada, do aumento das perdas diato, em relação à necessidade diária do paciente. Se
extraordinárias ou, por volta do terceiro ao quinto dia houver necessidade de maior precisão na reposição
pós-operatório, do retorno de líquidos “sequestrados”, peroperatória, podemos usar o modelo proposto por
orienta para a necessidade de infundir-se 500mL de água Gieseche e Egbert6, que considera a magnitude do trau-
a mais, em relação aos cálculos iniciais. Na verdade, tanto ma cirúrgico e o peso do paciente em kg:
no balanço negativo como no positivo, o bom exame clí- Trauma mínimo: 6mL/kg/h
nico, com avaliação da pressão arterial, pulso, turgor da Trauma moderado: 8mL/kg/h
pele, umidade das mucosas, volume urinário e, sempre Trauma intenso: 10mL/kg/h
que possível, peso do paciente, antes da prescrição do
esquema de soros, orienta a respeito da reposição ou não Eletrólitos
de mais ou menos líquido nas próximas 24 horas. Na
Os eletrólitos perdidos de forma extraordinária
dúvida, deve-se repor a metade dessas perdas, observar o
devem ser repostos de acordo com o Quadro16.2. Na
balanço hídrico de 12 horas e, se necessário, adicionar a
redefinição das necessidades desses eletrólitos, deve-se
metade restante4.
levar em consideração o ganho eletrolítico secundário
Por outro lado, nos pacientes com fístulas digestivas
à administração de alguns medicamentos (penicilina,
de alto débito (duodeno, íleo etc.) e ileostomia que, no
carbenicilina etc.) e de solução salina eventualmente
decorrer do dia, apresentarão enormes perdas adicionais
empregada para diluir medicamentos. Considerando
de líquidos e eletrólitos, é vantajoso repor antecipada-
que cada um milhão de unidades de penicilina cristali-
mente parte dessas perdas, por exemplo, com solução
na G potássica tem 1,7mEq de potássio, se um pacien-
hidroeletrolítica balanceada em volume correspondente à
te de 70kg recebe 4.000.000 unidades desse medica-
metade das perdas estimadas futuras. No caso de pacien-
mento a cada quatro horas, isso acarreta o aporte diá-
te com ileostomia com débito de quatro litros por dia,
rio de 40,8mEq desse eletrólito. Considerando-se ainda
podem ser administrados, além da necessidade hídrica
que a penicilina cristalina constitui bom exemplo de
diária do paciente, mais dois litros.
antimicrobiano que deve ser diluído em solução salina
Para prescrever a hidratação venosa do paciente no
0,9% (20mL para cada 1.000.000 unidades), o aporte
pós-operatório imediato, ainda na sala cirúrgica, são
adicional de água, nesse caso, só para diluir a penicili-
necessárias informações sobre o volume e o tipo de
na, é de 600mL, lembrando que em 600mL dessa solu-
soluções administradas pelo anestesiologista no perope-
ção salina temos 92,4mEq de sódio e cloro. Desta
ratório. Para fins práticos, na ausência de distúrbios
forma, estas quantidades de água (600mL), de potássio
hemodinâmicos, sem perdas graves de volume (p.ex.,
(40,8mEq) e de sódio (92,4mEq) devem ser incluídas
sangramento), pode-se considerar que a água perdida
no cálculo diário.
(p.ex., evaporada) em procedimentos cirúrgicos abdomi-
Outros antibióticos, como carbenicilina, fosfomicina
nais, torácicos, perineais ou naqueles que cursam com
e cefalosporinas, contêm sódio em sua composição, e
grande descolamento de tecidos (plásticas abdominais) é também devem ser considerados.
de cerca de 7 a 15mL/kg/hora. No caso de operação Tanto o aporte hídrico quando eletrolítico secundá-
abdominal, em paciente de 50Kg, com três horas de rios à administração endovenosa de volume significativo
cavidade aberta, espera-se que o anestesiologista admi- de bicarbonato de sódio devem ser também levados em
nistre cerca de 1.500mL de líquidos (aproximadamente consideração para orientar a redução de água e sódio das
1.000mL de Ringer ou solução salina 0,9% e 500ml de necessidades diárias previamente calculadas.
solução glicosada 5% ou 10%). Caso tenham sido admi-
nistrados apenas 1.000mL, considera-se que o paciente
esteja com déficit de 500mL, sendo necessária a sua repo- Prescrição da hidratação venosa em
sição no pós-operatório imediato. Caso tenham sido admi- esquemas de soros
nistrados mais de 2.000mL de líquido, excluídas perdas
excessivas durante o ato cirúrgico, podemos supor que Esta é a quarta e última etapa da hidratação venosa
haverá sobrecarga hídrica, sendo necessária a diminuição pós-operatória. Feitos os cálculos adequados nas eta-
de 500mL na infusão de líquidos no pós-operatório ime- pas anteriores – necessidades diárias, balanço hídrico e

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

redefinição da necessidade de água e eletrólitos –, dis- hipotensão arterial e diluição de medicamentos no pero-
põe-se de informações suficientes para prescrever o peratório e pós-operatório.
esquema de hidratação venosa. Esta prescrição deve
ser feita de forma legível para evitar erros, por vezes de Quadro 16.3 .: Soluções glicosadas e salinas empregadas na
graves conseqüências. prática clínica
A água a ser administrada deve ser oferecida na Apresentação comercial
forma de solução glicosada isotônica (SGI5%). No mer-
Soluções SGI 5% 50mL 500mL 1000mL
cado brasileiro, a solução glicosada 5% encontra-se, em glicosadas (12,5g) (25g) (50g)
geral, disponível em frascos de 500mL (para pacientes SGI 10% – 500mL 1000mL
adultos), e deve ser infundida em velocidade geralmente (50g) (100g)
SGH 50% 10mL 20mL
constante, durante 24 horas. A quantidade de eletrólitos (10g)
(5g)
definida nos cálculos deve ser racionalmente distribuída
nesses frascos de SGI5%. A solução salina 0,9% não se Soluções SF 0,9% 500mL
salinas 77mEq Na+
presta à hidratação venosa pós-operatória, considerando Cl-
a grande quantidade de sódio e cloro (77mEq/500mL) Ringer 500mL 1000mL
presente nesta solução e que poderia acarretar hiperna- 73,5mEq Na+ 147,0mEq Na+
78,0mEq Cl– 156,0mEq Cl–
tremia. Também não é admissível a administração inter- 2,0mEq K+ 4,0mEq K+
calada de solução glicosada e de solução salina 0,9%, 2,5mEq Ca++ 5,0mEq Ca++
pois, além de o aporte de eletrólitos continuar sendo Ringer- 500mL 1000mL
maior do que o necessário (p.ex., 144mEq de Na+ e Cl - Lactato 116,5mEq Na+ 233,0mEq Na+
, em um indivíduo de 60kg, que precisaria de apenas 55,0mEq Cl– 110,0mEq Cl–
2,0mEq K+ 4,0mEq K+
90mEq), o paciente poderá apresentar períodos que ten- 1,5mEq Ca++ 3,0mEq Ca++
derão a hipernatremia, intercalados com períodos de 14,0mEq HCO3– 28,0mEq HCO3–
hiponatremia dilucional. Além disso, observa-se maior
custo com essa prática, uma vez que a solução salina
0,9% é mais cara do que as soluções hipertônicas de clo-
reto de sódio (ampolas). Quadro16.4 .: Soluções de eletrólitos empregadas na prática clínica

Cloreto de Sódio NaCl 20% - 10mL 1 ampola – 34mEq (Na+, Cl-)


Soluções para hidratação disponíveis NaCl 10% - 10mL 1 ampola – 17mEq (Na+, Cl-)
no mercado Cloreto de Potássio KCl 10% - 10mL 1 ampola – 13,4mEq (K+, Cl-)

Para prescrever corretamente o esquema de soros, é Bicarbonato de NaHCO3 5% - 250mL 1mL = 0,6mEq (Na+, HCO3-)
Sódio (1 frasco)
necessário conhecer as apresentações de soluções sali- NaHCO38,4% - 10mL 1mL = 1mEq (Na+, HCO3-)
nas, glicosadas e de eletrólitos disponíveis no mercado. (1 ampola)
Nos Quadros 16.3 e 16.4 estão as soluções mais comu- Gluconato de Gluconato de Cálcio 1 ampola – 4,5mEq de Ca++
mente usadas, de fácil memorização e suficientes para a Cálcio 10% - 10mL

hidratação venosa pós-operatória. É importante ter em


mente a quantidade de gramas ou de mEq que essas
soluções contêm. Esquema de soros
As soluções de ringer e ringer-lactato são geralmente
usadas para a hidratação peroperatória, em pacientes A prescrição do esquema de soros deve ser feita de
com obstrução intestinal, peritonite, grandes queimadu- modo que possibilite a fácil compreensão, por parte da
ras e outras condições de urgência nos momentos iniciais enfermagem, para que não se cometam erros em sua
para hidratar e elevar a pressão arterial. administração ao paciente. A seguir, apresenta-se esque-
A solução salina 0,9% pode ser usada no pré-operató- ma de fácil compreensão e que favorece também a con-
rio, para correção de distúrbios hidroeletrolíticos agudos, ferência por parte da enfermagem (Quadro 16.5).

200
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Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

Quadro16.5 .: Forma adequada de prescrever esquema de Caso Nº 1


hidratação venosa
Paciente de 48 anos, sexo feminino, 60kg, submetida
a tratamento cirúrgico de estenose pilórica, sem intercor-
I II III IV rências anestésico-cirúrgicas. Calcular as necessidades
SGI 5% mL diárias da paciente e prescrever a hidratação venosa para
o pós-operatório imediato.
SGH 50% mL
NaCl 20% mL
KCl 10% mL
PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO

a) necessidades diárias
Velocidade do gotejamento Água : 35mLa x 60kg = 2.100mL
Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq
O cálculo da velocidade de gotejamento do esquema Potássio : 1mEq x 60kg = 60mEq
de hidratação prescrito deve levar em consideração o Cloro : 2mEq x 60kg = 120mEq
volume hídrico total a infundir e o tempo previsto para Glicose : 100g (400kcal)
infusão desse volume. A fórmula para calcular o número
a mulher adulta com massa muscular regular
de gotas por minuto é a seguinte:
Número de gotas = volume hídrico total b) balanço hídrico
3 x n° de horas O cálculo do balanço hídrico referente ao dia da ope-
A hidratação venosa pós-operatória, calculada com ração, e que deve incluir o balanço hídrico do peropera-
base nas necessidades diárias do paciente, deve ser tório, depende de inúmeras informações e dados, como
prescrita para correr em 24 horas. Dessa forma, utiliza- quantidade de líquido recebido e diurese do pré-operató-
se o cálculo: rio imediato (geralmente não-mensurados), tempo de
cavidade aberta, diurese peroperatória, pesagem das
Número de gotas = volume hídrico total compressas etc. Por essa razão e a título de exercício, será
3 x 24 = 72 considerado que o anestesiologista foi capaz de hidratar
Considerando que a enfermagem, ao regular o goteja- corretamente o paciente no peroperatório. Assim sendo,
mento, abrindo ou fechando a pinça do equipo, geral- ao término do procedimento, é como se o balanço hídri-
mente conta o número de gotas a cada 15 segundos co estivesse zerado (equilibrado).
(recontando várias vezes se necessário), o ideal seria, ao
se arredondar o número de gotas, fazê-lo priorizando os c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
múltiplos de quatro (p.ex., 20, 24, 28, 32, 36 e 40 Água : 35mL x 60kg = 2.100mL ~ 2.000mL
gotas/minuto). Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq => 90mEq
Potássio: 1mEq x 60kg = 60mEqa => 0
Cloro : 2mEq x 60kg = 120mEqb
Exercícios de hidratação pós-operatória Glicose : 100g (340kcal)
A seguir, são apresentados dois casos clínicos em que a Em decorrência da resposta orgânica ao trauma e da tendência à
se podem aplicar a maioria dos ensinamentos deste capí- hipercalcemia, geralmente não se prescreve potássio no pós-ope-
tulo. Para se prescrever a hidratação venosa, serão sem- ratório imediato. O início do aporte do potássio acontece geral-
pre seguidas as seguintes etapas, iniciando-se com a pres- mente no 1o. DPO, após certificação da adequada diurese.
crição para o pós- operatório imediato: b O aporte de cloro é feito juntamente com o de sódio e de potás-
a) necessidades diárias sio nas soluções de NaCl 20% e KCl 10%, não havendo necessi-
b) balanço hídrico dade, na prática, de considerar esses cálculos, exceto quando há
c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos distúrbios de cloro.
d) prescrição da hidratação venosa

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

d) prescrição da hidratação venosa c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos


I II III IV Água : 35mL x 60kg = 2.100mL - 627mLa ~ 1.500mL
SGI 5% 500 + 500 + 500 + 500mLa Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq => 90mEq
NaCl 20% 10 + 10 + 0 + 7mLb Potássio: 1mEq x 60kg = 60mEq => b 60mEq
Número de gotas = 2.027 / 72 ~ 28 gotas/min Glicose : 150g (510kcal)
a Considerando que 2.000mL de SGI 5% têm 100g de glicose, não a Balanço hídrico positivo no período anterior justifica um menor
é necessária a administração de solução glicosada hipertônica. aporte de água no dia seguinte.
b Considerando que cada ampola (de 10mL) de NaCl 20% tem b O início do aporte do potássio acontece geralmente no 1o DPO,
34mEq de sódio, deve-se acrescentar 27mL dessa solução para após certificação da adequada diurese (900mL).
oferecermos cerca de 90mEq. O aporte de cloro está em déficit, o
que não tem importância clínica.
d) prescrição da hidratação venosa
1 DPO
o Os valores finais de água e eletrólitos a serem infun-
didos são:
Para a prescrição da hidratação a partir desse dia, exis- Água = 1.500mL; Na+ = 90mEq; K+ = 60mEq e
tem algumas informações da enfermagem relacionadas ao 150g de glicose assim distribuídos:
período anterior que devem ser consideradas, como volu-
me infundido de líquidos, temperatura, freqüência respira- I II III
tória, medicamentos administrados e balanço hídrico. SGI 5% 500 + 500 + 500mLa
Estas informações devem ser confrontadas com o exame SGH 50% 50 + 50 + 50mLb
clínico, principalmente com o estado de hidratação, muco- NaCl 20% 10 + 10 + 07mLc
sas, umidade dos lábios e língua, turgor da pele etc. Na KCl 10% 15 + 15 + 15mLd
dúvida, é interessante conferir com o peso. Número de gotas = 1.722 / 72 ~ 24 gotas/min
No pós-operatório imediato, essa paciente apresen- a Considerando-se que 1.500mL de SGI 5% têm 75g de glicose e o
tou diurese de 900mL. Considerar, a título de exercício, interesse é administrar 150g (no 1º DPO), é necessária a administra-
que o volume prescrito no pós-operatório imediato foi o ção de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica.
realmente infundido. b Para administrar os 75g de glicose restantes, são necessários
Iniciam-se, novamente, as quatro etapas da hidrata- 150mL de solução glicosada hipertônica a 50% (que tem 50g de gli-
ção venosa: cose em cada 100mL da solução).
c 90mEq dividido por 34mEq (10mL de NaCl 20% = 34mEq) =
a) necessidades diárias 2,7amp = 27mL. Dividindo esse volume por três esquemas de
Água : 35mL x 60kg = 2.100mL soros, pode-se colocar 9mL de NaCl 20% em cada soro ou pode-
Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq se colocar 10mL em dois dos quatro frascos e 7mL em outro.
Potássio : 1mEq x 60kg = 60mEq d Como o paciente não está oligúrico, pode-se administrar o potás-

Cloro : 2mEq x 60kg = 120mEq sio. 60mEq dividido por 13,4mEq (10mL de KCl10% = 13,4mEq)
Glicose : 150g (510kcal) = 4,5amp = 45mL (p.ex., 15mL em cada frasco). Obs: O máximo
que se deve colocar de potássio em veia periférica (para se evitar dor
e flebite) são 40mEq/litro = 20mEq/500mL ~ 15mL de KCl10%
b) balanço hídrico
em um frasco de SGI 5%.
O balanço hídrico do período anterior foi:
Ganhos Perdas
Hidratação venosa: 2.027mL Diurese : 900mL 2o DPO
Água endógena : 500mL Perdas
insensíveis: 1.000mL No 1º DPO, a paciente apresentou diurese de
Total : 2.527mL 1.900mL 1.200mL e dois episódios de vômitos de aproximada-
Balanço hídrico: +627mL mente 300mL cada um.

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Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

a) necessidades diárias 3o DPO


Água : 35mL x 60kg = 2.100mL No 2º DPO, a paciente evoluiu com crepitações no
Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq terço inferior de ambos os hemitóraces, tosse produtiva e
Potássio : 1mEq x 60kg = 60mEq temperatura axilar de 38,5ºC. Em decorrência dos vômitos
Cloro : 2mEq x 60kg = 120mEq do dia anterior, foi cuidadosamente posicionado cateter
Glicose : 200g (680kcal) nasogástrico, que drenou 900mL nesse período. A pacien-
b) balanço hídrico te apresentou diurese de 1.200mL. Na manhã do 3º DPO,
O balanço hídrico do período anterior foi: iniciou-se esquema antimicrobiano que incluía penicilina
Ganhos Perdas cristalina 4.000.000U de 4/4 horas. A bacterioscopia do
Hidratação venosa: 1.722mL Diurese: 1.200mL escarro evidenciou a presença de Streptococcus pneumoniae.
Vômitos: 600mL a) necessidades diárias
Subtotal : 1.722mL 1.800mL Água : 35mL x 60kg = 2.100mL
Água endógena : 500mL Perdas Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq
insensíveis: 1.000mL Potássio : 1mEq x 60kg = 60mEq
Total : 2.222mL 2.800mL Cloro : 2mEq x 60kg = 120mEq
Balanço hídrico: -528mL Glicose : 200g (680kcal)
c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
b) balanço hídrico
Água : 35mL x 60kg = 2.100mL + 528mLa ~ 2.500mL O balanço hídrico do período anterior foi:
Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq + 36mEqb = 126mEq Ganhos Perdas
Potássio : 1mEq x 60kg = 60mEq + 6mEqb = 66mEq Hidratação venosa: 2.737mL Diurese : 1.200mL
Glicose : 200g (680kcal) CNG : 900mL
a Balanço hídrico negativo no período anterior justifica um maior Febre : 500mL
aporte de água no dia seguinte. Subtotal : 2.737mL 2.600mL
b Perdas eletrolíticas pelo cateter nasogástrico de secreção gástri- Água endógena : 500mL Perdas
ca de baixa acidez (pela vagotomia realizada). insensíveis: 1.000mL
d) prescrição da hidratação venosa Total : 3.237mL 3.600mL
Os valores finais de água e eletrólitos a serem infun- Balanço hídrico: -363mL
didos são: c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
Água = 2.500mL; Na+ = 126mEq; K+ = 66mEq e
200g de glicose assim distribuídos: Água : 35mL x 60kg = 2.100mL + 363ma - 500mLb ~ 2.000mL
I II III IV V Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq + 54mEqc- 77mEqb = 67mEq
SGI 5% 500 + 500 + 500 + 500 + 500mLa Potássio: 1mEq x 60kg = 60mEq + 9mEqc - 41mEqd = 28mEq
SGH 50% 30 + 30 + 30 + 30 + 30mLb Glicose : 200g (680kcal)
NaCl 20% 10 + 10 + 10 + 00 + 07mLc
KCl 10% 10 + 10 + 10 + 10 + 10mLd a Balanço hídrico negativo no período anterior justifica um maior

Número de gotas = 2.737 / 72 = 38,2 ~ 40gotas/min aporte de água no dia seguinte.


a Considerando-se que 2.500mL de SGI 5% têm 125g de glicose e b Cada dose (4.000.000U) de penicilina cristalina potássica precisa

o interesse é administrar 200g (no 2oDPO), é necessária a adminis- ser diluída em 80mL de solução salina (SF) 0,9% => 6 doses (pois
tração de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica. está sendo de 4/4h) => 480mL SF 0,9%, ~500mL SF 0,9% que
b Para administrar os 75g de glicose restantes, são necessários tem 77mEq de sódio.
c Perdas eletrolíticas pelo cateter nasogástrico de secreção gástrica
150mL de solução glicosada hipertônica 50% (que tem 50g de gli-
cose em cada 100mL da solução). de baixa acidez (pela vagotomia realizada).
c 126mEq dividido por 34mEq (10mL de NaCl 20% = 34mEq) = d Cada 1.000.000U de penicilina cristalina tem 1,7mEq de potássio.

3,7amp = 37mL Vinte e quatro milhões por dia (4.000.000U de 4/4h) oferecem ao
d 66mEq dividido por 13,4 (10ml de KCl 10% = 13,4mEq) = paciente 40,8mEq ~ 41mEq de potássio, que devem ser subtraídos
4,95amp ~ 5,0amp = 50mL das necessidades diárias no momento de definir a hidratação venosa.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

d) prescrição da hidratação venosa c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos


Os valores finais de água e eletrólitos a serem infun- Água : 35mL x 60kg = 2.100mL - 500mLa + 1.600mL ~1.500mL
didos são: Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq + 30mEqb - 77mEqa = 43mEq
Água = 2.000mL; Na+ = 67mEq; K+ = 28mEq e Potássio: 1mEq x 60kg = 60mEq + 5mEqb -41mEqc = 24mEq
200g de glicose assim distribuídos: Glicose : 200g (680kcal)
I II III IV
SGI 5% 500 + 500 + 500 + 500mLa a Cada dose (4.000.000U) de penicilina cristalina potássica precisa

SGH 50% 50 + 50 + 50 + 50mLb ser diluída em 80mL de solução salina (SF) a 0,9% => 6 doses
NaCl 20% 05 + 05 + 05 + 05mLc (pois está sendo de 4/4h) => 480mL SF0,9%, ~500mL SF0,9%
KCl 10% 05 + 05 + 05 + 05mLd que tem 77mEq de sódio.
Número de gotas = 2.240 / 72 ~ 32 gotas/min b Perdas eletrolíticas decorrentes dos vômitos de secreção gástri-

a Considerando-se que 2.000mL de SGI 5% têm 100g de glicose e o ca de baixa acidez (pela vagotomia realizada).
c Cada 1.000.000U de penicilina cristalina tem 1,7mEq de potássio.
interesse é administrar 200g (a partir do 2ºDPO), é necessária a admi-
Vinte e quatro milhões por dia (4.000.000U de 4/4h) oferecem ao
nistração de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica.
b Para administrar os 100g de glicose restantes, são necessários paciente 40,8mEq ~ 41mEq de potássio, que devem ser retirados
das necessidades diárias no momento de definir a hidratação venosa.
200mL de SGH 50% (que tem 50g de glicose em cada 100mL da
solução). d) prescrição da hidratação venosa
c 67mEq dividido por 34mEq (10ml de NaCl 20% = 34mEq) = Os valores finais de água e eletrólitos a serem infun-
2,0amp = 20mL didos são:
d 28mEq dividido por 13,4 (10mL de KCl 10% = 13,4mEq) = Água = 1.500mL; Na+ = 43mEq; K+ = 24mEq e
2,1amp ~ 2,0amp = 20mL 200g de glicose assim distribuídos:
I II III
4o DPO SGI 5% 500 + 500 + 500mLa
SGH 50% 50 + 50 + 50mLb
No 3º DPO, a paciente apresentou temperatura axilar NaCl 20% 05 + 05 + 00mLc
máxima de 37,8ºC. Foi mantido o uso da penicilina cris- KCl 10% 10 + 05 + 05mLd
talina e retirado o cateter nasogástrico. A paciente apre- Número de gotas = 1.680 / 72 ~ 24 gotas/min
sentou diurese de 1.100mL e vômitos de 500mL. A tem-
a Considerando-se que 1.500mL de SGI5% têm 75g de glicose e o
peratura ambiente permaneceu na faixa de 33ºC.
interesse é administrar 200g (a partir do 2ºDPO), é necessária a admi-
a) necessidades diárias nistração de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica.
b Para administrar os 125g de glicose restantes, seriam necessá-
Água : 35mL x 60kg = 2.100mL
Sódio : 1,5mEq x 60kg = 90mEq rios 250mL de solução glicosada hipertônica a 50% (que tem
Potássio : 1mEq x 60kg = 60mEq 50g de glicose em cada 100mL da solução). Contudo, esse apor-
Cloro : 2mEq x 60kg = 120mEq te de glicose em apenas três esquemas de soro poderia ser mal
Glicose : 200g (680kcal) tolerado em veia periférica. Optou-se por administrar apenas
150g de glicose nesse dia.
b) balanço hídrico c 43mEq dividido por 34mEq (10mL de NaCl20% = 34mEq) = 1,2
O balanço hídrico do período anterior foi: amp = 12 mL ~ 10mL
Ganhos Perdas d 24mEq dividido por 13,4 (10mL de KCl10% = 13,4mEq) =

Hidratação venosa: 2.240mL Diurese :1.100mL 1,8amp = 18mL ~ 20mL


SF0,9% : 500mL Vômitos : 500mL
Temperatura: 500mL
Caso Nº 2
Subtotal : 2.740mL :2.100mL
Água endógena : 500mL Perdas Paciente do sexo masculino, 52 anos, 67kg, carpintei-
insensíveis : 1.000mL ro, leucodérmico admitido em serviço de urgência com
Total :3.240mL 3.100mL úlcera duodenal perfurada e ferimento na perna direita
Balanço hídrico: +140mL ~ zerado
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Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

com objeto enferrujado (suspeita de contaminação por I II III IV


tétano), 48 horas após o início dos sintomas. Após a corre- SGI 5% 500 + 500 + 500 + 500mLa
ção dos distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, foi NaCl 20% 3 + 0 + 0 + 0mLb
feita a prescrição de 5.000.000U de penicilina cristalina G Número de gotas = 2.003 / 72 = 27,8 ~ 28gotas/min
potássica de 4/4h (30.000.000U), gentamicina (240mg,
a Considerando-se que 2.000mL de SGI5% têm 100g de glicose,
24/24h), metronidazol (500mg, 8/8h) e o paciente foi
encaminhado à operação. Nesse procedimento, que durou não é necessária a administração de solução glicosada hipertônica.
b Considerando-se que cada ampola (de 10mL) de NaCl20% tem
três horas e meia (três horas de cavidade aberta), foram fei-
tos desbridamento das bordas da úlcera, duodenorrafia, 34mEq de sódio, deve-se acrescentar apenas 3mL dessa solução
omentoplastia, lavagem da cavidade e colocação de dreno para oferecermos cerca de 8mEq. O aporte de cloro está em défi-
sub-hepático. Apesar de não ser mais conduta habitual, cit, o que não tem importância clínica.
optou-se, nesse caso, por manter cateter nasogástrico
(CNG) para descompressão. No peroperatório, foram 1o DPO
administrados 1.000mL de Ringer e 500mL de SGI5%. Para a prescrição da hidratação desse dia já temos
PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO algumas informações da enfermagem relacionadas ao
período anterior que devem ser consideradas, como
a) necessidades diárias volume infundido de líquidos, temperatura, freqüência
Água : 40mLa x 67kg = 2.680mL respiratória, medicamentos administrados e balanço
Na+ : 1,5mEq x 67kg = 100,5mEq hídrico. Estas informações devem ser confrontadas com
Cl- : 2mEq x 67kg = 134mEq o exame clínico, principalmente com o estado de hidra-
K+ : 1mEq x 67kg = 67mEq tação, mucosas, umidade dos lábios e língua, turgor da
Calorias : 340kcal = 100g de glicose pele etc. Na dúvida, é interessante conferir com o peso.
a homem adulto com massa muscular regular O paciente recebeu nas últimas 24horas 2.600mL de
líquido endovenoso (2.000mL de soroterapia e 600mL da
b) balanço hídrico solução salina para diluição da penicilina cristalina), apresen-
Esse paciente, no peroperatório, recebeu 1.500mL de tou diurese de 1200mL e drenagem pelo CNG de 1.000mL.
líquidos balanceados. Como o tempo de cavidade aberta Iniciam-se, novamente as quatro etapas da hidratação
foi de três horas, supõe-se que não houve déficit, nem venosa:
hiper-hidratação. Como, então, não se dispõe de outras a) necessidades diárias
informações, considera-se o balanço hídrico igual a zero. As necessidades diárias de água e eletrólitos já calcu-
ladas no período anterior ficam assim:
c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos Água : 2.680mL
Água : 2.680mL - 600mLa = 2.080mL ~ -2.000mL Na+ : 100,5mEq
Na+ : 100,5mEq - 92,4mEqa = 8mEq Cl- : 134mEq
Cl- : 134mEq - 92,4mEqa = 41,6mEq K+ : 67mEq
K+ : 67mEq - Primeiras horas de pós-operatório = 0b Calorias : 510kcal = 150g de glicose
Calorias: 340kcal = 100g de glicose
a A penicilina cristalina será diluída em 600mL de solução salina 0,9% b) balanço hídrico
O balanço hídrico do período anterior foi:
(20mL para cada 1.000.000U), que tem 92,4 mEq de sódio e cloro
b Além de não ser necessário potássio nas primeiras horas, este
Ganhos Perdas
paciente já está recebendo 51mEq de potássio da penicilina Hidratação venosa: 2.600mL Diurese : 1.200mL
CNG : 1.000mL
d) prescrição da hidratação venosa Subtotal : 2.600mL 2.200mL
Os valores finais de água e eletrólitos a serem infun- Água endógena : 500mL Perdas
didos são: insensíveis:1.000mL
Água = 2.000mL; Na+ = 8mEq; Cl- = 41,6mEq e Total : 3.100mL 3.200mL
100g de glicose assim distribuídos: Balanço hídrico: -100 mL ~ 0
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos 2o DPO


Água : 2.680mL - 600mLa = 2.080mL ~ 2.000mL O paciente recebeu, nas últimas 24horas, 2.600mL de
Na+ : 100,5mEq - 92,4mEqa + 60mEqb = 68mEq líquido endovenoso (2.000mL de soroterapia e 600mL da
Cl- : 134mEq - 92,4mEqa + 100mEqb = 141,6mEq solução salina para diluição da penicilina cristalina), apresen-
K+ : 67mEq - 51mEqc + 10mEqb = 26mEq tou diurese de 1200mL e drenagem pelo CNG de 1.500mL.
Calorias: 510kcal = 150g de glicose Iniciam-se, novamente, as quatro etapas da hidrata-
ção venosa:
a A penicilina cristalina será diluída em 600mL de solução salina a) necessidades diárias
As necessidades diárias são as mesmas dos dias ante-
0,9% (20mL para cada 1.000.000U), que tem 92,4 mEq de sódio
riores, exceto a de glicose:
e cloro.
b Perda eletrolítica pelo cateter nasogástrico de secreção gástrica Água : 2.680mL
de baixa acidez (pelo uso de omeprazol) Na+ : 100,5mEq
c Este paciente está recebendo 51mEq de potássio da penicilina, Cl- : 134mEq
K + : 67mEq
pois cada 1.000.000U deste antimicrobiano tem 1,7mEq de
potássio. Calorias : 680kcal = 200g de glicose
b) balanço hídrico
d) prescrição da hidratação venosa O balanço hídrico do período anterior foi:
Os valores finais de água e eletrólitos a serem infun-
didos são: Ganhos Perdas
Hidratação venosa: 2.600mL Diurese : 1.200mL
I II III IV CNG : 1.500mL
SGI 5% 500 + 500 + 500 + 500mLa Subtotal : 2.600mL 2.700mL
SGH 50% 30 + 20 + 30 + 20mLb Água endógena : 500mL Perdas
NaCl 20% 05 + 05 + 05 + 05mLc insensíveis: 1.000mL
KCl 10% 05 + 05 + 05 + 05mLd Total : 3.100mL 3.700mL
Número de gotas = 2140 / 72 = 29,7 ~ 32 gotas/min Balanço hídrico: -600 mLa
a O balanço negativo pode ser justificado por perdas além do pre-
a Considerando que 2000mL de SGI 5% têm 100g de glicose e
visto (nesse caso, aumento da perda hídrica pelo CNG)
o interesse é administrar 150g (no 1º DPO) é necessária a
administração de mais glicose na forma de solução glicosada c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
hipertônica.
b Para administrar os 50g de glicose restantes são necessários 100mL Água : 2.680mL + 600mLa - 600mLb = 2.680mL
de solução glicosada hipertônica 50% (que tem 50g de glicose em Na+ : 100,5mEq - 92,4mEqb + 90mEqc = 98mEq
Cl- : 134mEq - 92,4mEqb + 150mEqc = 191,6mEq
cada 100mL da solução).
c 68mEq dividido por 34mEq (10mL de NaCl 20% = 34mEq)
K+ : 67mEq - 51,0mEqd + 15mEqc = 31mEq
Calorias: 680kcal = 200g de glicose
= 2amp = 20mL. Dividido esse volume por quatro esquemas de
a Balanço hídrico negativo 600mL referente ao período anterior
soros = 5mL em cada soro ou 10mL em dois dos quatro fras-
cos (para diminuir o trabalho da enfermagem e o custo com a justifica, no dia seguinte, um aporte maior de líquido.
b A penicilina cristalina será diluída em 600mL de solução salina
hidratação).
d Como a diurese está adequada, deve-se administrar o potássio. 0,9% (20mL para cada 1.000.000U), que tem 92,4mEq de sódio
26mEq dividido por 13,4mEq (10mL de KCl 10% = 13,4mEq) e cloro.
c Perdas eletrolíticas pelo cateter nasogástrico de secreção gástrica
= 1,94amp = 19,40mL ~ 20mL (p.ex., 10mL em dois dos qua-
tro frascos, ou 5mL em cada um dos quatro frascos). de baixa acidez (pelo uso de omeprazol).
d Este paciente está recebendo 51mEq de potássio da penicilina,

pois cada 1.000.000U deste antimicrobiano tem 1,7mEq de potássio.

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Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

d) prescrição da hidratação venosa dose metabólica hiperclorêmica, o que interfere na con-


Os valores finais de água e eletrólitos a serem infun- tratilidade miocárdica e reduz a perfusão visceral11. Desta
didos são: forma, é imprescindível que seja dispensado o tempo
Água = 2.500mL; Na+ = 98mEq; Cl- = 191,6mEq; necessário ao cálculo da hidratação venosa, tanto para se
+
K = 31mEq e 200g de glicose assim distribuídos: desfrutar das vantagens de uma hidratação correta, como
I II III IV V para que sejam prevenidas as complicações iatrogênicas
SGI 5% 500 + 500 + 500 + 500 + 500mLa de hidratação incorretamente prescrita.
SGH 50% 30 + 30 + 30 + 30 + 30mLb
NaCl 20% 05 + 05 + 10 + 05 + 05mLc
KCl 10% 05 + 05 + 05 + 05 + 05mLd
Referências
Número de gotas = 2.741 / 72 = 37,5 ~ 36 gotas/min 1 ■ Shires GT, Canizaro PC. Fluid eletrolyte and nutricional mana-
a Considerando-se que 2500mL de SGI 5% têm 125g de glicose e o gement of the surgical patient. In: Schwartz SI. Principles of
surgery, 3a. ed., McGraw-Hill, New York, 1979.
interesse é administrar 200g (no 2º DPO), é necessária a administra- 2 ■ Miller TA, Duke Jr JH. Manuseio hidroeletrolítico. In: Manual de
ção de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica. cuidados pré e pós-operatórios. American College of
b Para administrar os 75g de glicose restantes, são necessários Surgeons, 3a. ed., Interamericana, 1984.
150mL de solução glicosada hipertônica 50% (que tem 50g de glico- 3 ■ Kinner JM, Gump FE. Resposta metabólica à lesão. In: Manual
se em cada 100mL da solução). de cuidados pré e pós-operatórios. American College of
c 98mEq dividido por 34mEq (10mL de NaCl 20% = 34mEq) Surgeons, 3a. ed., Interamericana, 1984.
4 ■ Allisson SP. The important of energy source and the significan-
= 2,9amp = 29mL~30mL. ce of insulin in counteracting the catabolic response to injury.
d 31mEq dividido por 13,4mEq (10mL de KCl 10% = 13,4mEq)
In: Wilkinson AW, Cuthbertson D. Metabolism and the res-
= 2,4amp = 24mL~25mL ponse to injury. Kent, Pitman Medical Pub. 1976.
5 ■ Condon RE, Nyhus LM. Manual de terapêutica cirúrgica. Medsi,
5a. ed. 1983.
Conclusão 6 ■ Gieseche Jr AH, Egbert LD. Peroperative fluid therapy crystal-
loids. In: Miller RD. Anaesthesia, 2a. ed., Churchill
A hidratação adequada é parte integrante para o Livingstone, vol. 2, 1986.
7 ■ Lowell JA, Schifferdecker C, Driscoll DF, Benotti PN, Bistrian
sucesso de qualquer tratamento, principalmente em BR. Postoperative fluid overload: not a benign problem. Crit
pacientes cirúrgicos. Na medida em que o excesso de Care Med. 1990;18:728-33.
água pode interferir na evolução pós-operatória, o balan- 8 ■ Frost A, Wakefield CH, Sengupta F. Relationship between fluid
ço hidroeletrolítico não deverá ser relegado a segundo administration and outcome in colorectal surgery. Proc Nutr
plano. Vários estudos têm demonstrado que a hiper- Soc. 2001;60:113A.
9 ■ Tambyraja AL, Sengupta F, MacGregor AB, Bartola DCC,
hidratação perioperatória contribui para aumento de Fearon KCH. Patterns and clinical outcomes associated with
complicações pós-operatórias7-9. Dessas destacam-se a routine intravenous sodium and fluid administration after
insuficiência cardíaca, o edema pulmonar, mas também a colorectal resection. World J Surg. 2004;28,1046-52.
dismotilidade intestinal (íleo adinâmico) e o maior risco 10 ■ Lobo DN, Bostock KA, Neal KR, Perkins AC, Rowlands BJ,
de deiscência de anastomoses. As razões para esse Allison SP. Effect of salt and water balance on recovery of
gastrointestinal function after elective colonic resection: a
aumento de complicações permanecem por ser esclareci- randomised controlled trial. Lancet. 2002;359:1812-8.
das. No entanto, conhece-se que o excesso de líquidos 11 ■ Wilkes NJ, Woolf R, Mutch M, Mallett SV, Peachey T, Stephens
incorre em edema tecidual, com concomitante diminui- R, et al. The effects of balances versus saline-based hetastarch
ção da oxigenação tecidual o que está associado às com- and crystalloid solutions on acid-base and electrolyte status
plicações cardiorrespiratórias e à incapacidade de cicatri- and gastric mucosal perfusion in elderly surgical patients.
Anesth Analg. 2001;93:811-6.
zação adequada9,10. Além disso, foi demonstrado que
grandes quantidades de solução salina 0,9% causam aci-

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17
FISIOTERAPIA
EM CIRURGIA

Tereza Cristina Silva Brant, Ariane Fadul de Carvalho,


Luciana Chaves Alves Brandão

Introdução ventilatórios trabalham contra as propriedades elásticas


dos pulmões e a resistência das vias aéreas3.
A Fisioterapia Respiratória pode ser definida como O diafragma, principal músculo respiratório, é res-
especialidade da Fisioterapia que tem por função avaliar, ponsável por aproximadamente 70% a 80% do trabalho
prevenir e tratar doenças respiratórias agudas ou crônicas inspiratório durante a respiração tranqüila. É o único
em pacientes de todas as idades. Portanto, reduzi-la à entre os músculos esqueléticos que, anatomicamente,
execução de drenagem postural e percussão seria limitar tem suas fibras musculares originando-se de estrutura
seus objetivos e ignorar outras técnicas e recursos tera- tendinosa central para se inserirem perifericamente em
pêuticos disponíveis que podem ser utilizados benefica- estruturas sólidas. Dependendo da natureza destas estru-
mente na promoção e manutenção da higiene brônquica turas, o diafragma divide-se em duas porções principais:
e na melhoria da ventilação pulmonar1,2. (1) crural ou vertebral, que se insere na face ântero-lateral
O objetivo deste capítulo é demonstrar a importância das três primeiras vértebras lombares e na aponeurose
e o papel do fisioterapeuta, como membro da equipe arqueada; (2) costal, cujas fibras se inserem no processo
multidisciplinar, no tratamento dos pacientes cirúrgicos, xifóide do esterno e nas margens superiores das seis cos-
abordando a conduta pré e pós-operatória e fundamen-
telas inferiores. Portanto, imaginando-se o diafragma
tando as indicações e os efeitos fisiológicos da aplicação
como um cilindro elíptico coberto por uma cúpula, esta
de suas técnicas. Para facilitar o entendimento desta
última corresponderia primariamente ao tendão central
abordagem fisioterápica, será realizada pequena revisão
enquanto a sua porção cilíndrica corresponderia à porção
da mecânica respiratória e da fisiopatologia pulmonar.
diretamente em aposição ao gradil costal. Esta porção
constitui a chamada “zona de aposição”. Nos seres
Considerações sobre a humanos, quando em repouso e na posição ortostática,
essa zona representa aproximadamente 30% da área total
mecânica respiratória do gradil costal, ocorrendo diminuição em seu compri-
Os músculos respiratórios são estriados esqueléticos, mento axial com a contração diafragmática durante a ins-
do ponto de vista morfológico e funcional, tendo como piração. A zona de aposição é sensível às variações de
principal função o deslocamento rítmico da caixa torácica, pressão (pleural e abdominal) e de volume (pulmonar), o
a fim de realizar a entrada e a saída de ar dos pulmões3,4. que é muito importante para que ocorra, ao final de uma
Entretanto, tais músculos apresentam algumas caracterís- inspiração máxima, relaxamento do diafragma e retroces-
ticas particulares que os diferem dos demais músculos so elástico pulmonar4.
esqueléticos, por exemplo resistência aumentada à fadiga Resumindo, durante inspiração fisiológica, o mecanis-
e maior capacidade oxidativa. Além disso, os músculos mo respiratório inicia-se com a descida da cúpula diafrag-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mática e finaliza-se com a eversão do últimos arcos cos- com que o paciente adote freqüência respiratória mais
tais. Durante a expansão da caixa torácica, ocorre decrés- elevada com menor volume corrente, dificultando a rea-
cimo da pressão pleural, aumento da pressão intra-abdo- lização dos suspiros. A ausência do mecanismo de suspi-
minal e do volume pulmonar. A expiração é passiva do ros promove rápido surgimento de atelectasias nas por-
ponto de vista muscular e ocorre devido ao retrocesso ções dependentes do pulmão13.
elástico pulmonar. Contudo, se alguma situação, patológi- Os suspiros são definidos como respirações involun-
ca ou não, aumentar a demanda ventilatória, o mecanismo tárias, lentas e profundas, seguidas de pausa pós-inspira-
compensador será a ativação da musculatura acessória da tória. O princípio fisiológico dos suspiros é a manuten-
inspiração, bem como a dos músculos expiratórios, ção dos alvéolos abertos, o que pode ser explicado pelo
aumentando o gasto energético, uma vez que a expiração aumento da pressão transpulmonar (PL). Tal pressão
deixou de ser passiva para tornar-se ativa. Durante a ins- resulta na diferença entre a pressão intrapulmonar (Palv)
piração tranqüila, os motores primários da inspiração são e a pressão intrapleural (Ppl), de acordo com a equação:
o diafragma, os escalenos e os intercostais paraesternais PL = Palv – Ppl. Existe relação direta entre a pressão
que se contraem de forma coordenada. transpulmonar e o volume pulmonar, ou seja, na presen-
ça de diminuição da pressão transpulmonar, o volume
pulmonar também estará diminuído, podendo levar a
Fisiopatologia respiratória em pacientes
colapso alveolar9.
cirúrgicos e complicações pós-operatórias No pós-operatório, a ausência de respirações profun-
As complicações pulmonares são as causas mais fre- das, a inadequada força da musculatura expiratória em
qüentes de morbidade e mortalidade no período pós- razão do edema e do espasmo muscular e o fechamento
operatório, contribuindo, também, para internações hos- prematuro das vias aéreas alteram o mecanismo de tosse
pitalares longas, com conseqüente aumento nos custos e o clearance mucociliar13.
do tratamento para a instituição5-8. Atelectasia7-10, pneu- Em lactentes e crianças, os efeitos da operação,
monia7-10, edema pulmonar11, tromboembolismo pulmo- anestesia e imobilidade são os mesmos que nos adul-
nar11 e insuficiência respiratória aguda7 são as complica- tos. Entretanto, devido às diferenças anatômicas e
ções mais comuns. fisiológicas, o potencial para complicações pós-opera-
Entre os principais fatores de risco que determinam tórias é maior14,15.
morbidade pulmonar pós-operatória encontram-se tipo e
duração da anestesia5,8,12,13, operações torácica e abdomi-
nal alta6,12, estado nutricional do paciente, obesidade, his-
Fisioterapia respiratória
tória de tabagismo9,12 , idade avançada9,13 e preexistência de Fisioterapia respiratória no paciente cirúrgico
doença respiratória9,12.
Após intervenção cirúrgica, paciente com fatores de Conduta pré-operatória
risco para complicações pulmonares pós-operatórias
pode apresentar alterações da capacidade e do volume A literatura comprova que tanto a incidência de com-
pulmonar, do padrão respiratório e dos mecanismos de plicações pulmonares no pós-operatório como o tempo
defesa, que irão comprometer toda a função pulmonar8. de internação hospitalar encontram-se reduzidos quan-
A anestesia, especialmente a geral, assim como o ato do os pacientes sofrem intervenção fisioterápica no
cirúrgico interferem diretamente na mecânica pulmonar. pré-operatório16-9.
As modificações pulmonares pós-operatórias são equiva- Os pacientes que irão se submeter a qualquer pro-
lentes a um padrão restritivo. Assim, observa-se redução cedimento cirúrgico, especialmente aqueles com doen-
do volume corrente, do volume expiratório forçado de ça respiratória crônica, necessitam ser rigorosamente
primeiro segundo, da capacidade vital, da capacidade avaliados no período pré-operatório. A fisioterapia res-
residual funcional e da PO25. Esse efeito é secundário ao piratória neste período tem como objetivo identificar e
relaxamento da parede torácica, resultando em diminui- preparar os pacientes com maior risco de desenvolve-
ção do diâmetro transverso do gradil costal. Portanto, rem complicações pulmonares pós-operatórias, redu-
essa hipomobilidade do diafragma, associada à dor, faz zindo, dessa forma, a morbimortalidade5,7,20.
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Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

Para alcançar tal objetivo, avaliação fisioterápica acordo com cada caso, o paciente será submetido a ses-
minuciosa deve ser realizada. Primeiramente, deve-se sões fisioterápicas programadas em que a técnica ou
questionar o paciente no que diz respeito à sua história recurso terapêutico apropriado será selecionado1, com a
clínica, à presença de fatores de risco, além da medicação realização de exercícios respiratórios, incentivo à tosse,
em uso. A queixa principal e os problemas que mais afe- mobilização precoce e uso de aparelhos, como o de
tam o paciente também devem ser identificados. pressão positiva expiratória nas vias aéreas ou o espirô-
Posteriormente, inicia-se avaliação objetiva referente aos metro de incentivo, que reduzem significativamente as
aspectos relacionados no Quadro 17.1. complicações pulmonares6.
Durante o período pré-operatório, dependendo do
Quadro 17.1 .: Aspectos clínicos a serem avaliados pela fisiotera- nível de percepção, entendimento e ansiedade do
pia respiratória no pré-operatório paciente, é importante orientá-lo quanto ao procedi-
mento cirúrgico e aos aspectos de seu pré e pós-opera-
Inspeção tório imediato, tais como controle hemodinâmico e res-
- geral
- postura piratório, presença de cateteres, drenos, tubo endotra-
- aspecto da pele queal, instalação e retirada da ventilação mecânica e esta-
- fácies da em unidade de tratamento intensivo.
Estática Devem ser abordadas ainda a fisiopatologia respiratória
- via de entrada de ar pós-operatória e a importância da intervenção fisioterápica
- morfologia do tórax
e da cooperação do paciente, uma vez que, no período pós-
Dinâmica operatório, o paciente pode apresentar alterações de cons-
- freqüência respiratória
- freqüência cardíaca ciência ou mesmo dor, que muitas vezes interferem na
- pressão arterial compreensão e elaboração das atividades a ele solicitadas20.
- padrão respiratório Segundo Olsen et al.16 a Fisioterapia Respiratória juntamen-
- ritmo
- amplitude
te com a orientação pré-operatória, treinamento e acompa-
- sinais de esforço respiratório nhamento no pós-operatório são importantes na preven-
- tosse ção de complicações neste período para pacientes de alto
Palpação risco submetidos a procedimento cirúrgico abdominal.
- sensibilidade
- expansibilidade
- tônus muscular Conduta pós-operatória
Ausculta respiratória e percussão
A Fisioterapia Respiratória no pós-operatório tem
Função pulmonar
- espirometria
como objetivo recuperar a capacidade residual funcio-
- pressão inspiratória máxima (PImáx.) = traduz a força dos nal, dar assistência na remoção de qualquer excesso de
músculos inspiratórios secreção pulmonar, auxiliar no posicionamento geral,
- pressão expiratória máxima (PEmáx.) = traduz a força dos na mobilidade na cama e na deambulação precoce do
músculos expiratórios
- peak-flow paciente. Tais objetivos podem ser alcançados por
meio de técnicas e recursos fisioterápicos que promo-
Saturimetria de pulso
- teste de amplitude de movimento (ADM) vam a reexpansão pulmonar e o fluxo aéreo adequado
das vias aéreas11,14.
Neste período, é necessária a realização da avaliação
fisioterápica anteriormente descrita, pois certamente o
Além desses aspectos clínicos, deve-se estar atento quadro do paciente apresentará diferenças importantes
aos achados radiológicos e aos resultados dos exames em relação ao pré-operatório. Se o paciente não tiver
laboratoriais. sido submetido a tratamento fisioterápico antes da
A partir dessa avaliação, os objetivos do tratamento operação, o pós-operatório será o momento de conhe-
fisioterápico, bem como as condutas que serão adotadas cê-lo e avaliá-lo com o objetivo de prescrever e execu-
durante o procedimento, deverão ser estabelecidos. De tar seu tratamento.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

TÉCNICAS E RECURSOS DE HIGIENE BRÔNQUICA optar pela utilização dessa técnica deve estar apto,
Partindo do princípio de que a manutenção do fluxo durante todo o procedimento, a identificar esses sinais e
aéreo das vias aéreas é um dos objetivos primários do sintomas por meio da monitorização das respostas do
pós-operatório, técnicas como drenagem postural, mano- seu paciente à drenagem postural e se necessário, a
bras desobstrutivas, tosse, aspiração de secreções e ciclo tomar as devidas providências22.
ativo das técnicas de respiração assumem importante Para a realização da drenagem postural é necessário
papel na prevenção da atelectasia e da infecção pulmonar. considerável investimento de tempo (de três a 15 minu-
tos) em cada posição selecionada, para que ocorra mobi-
DRENAGEM POSTURAL lização das secreções22,24. A freqüência em que o paciente
A drenagem postural consiste na técnica de posicio- deve ser mantido em cada posição não está bem defini-
namentos específicos do paciente pelo fisioterapeuta, da, variando de acordo com o caso. O uso da técnica
sendo baseada na anatomia da árvore brônquica, de deve ser reavaliado, pelo menos, a cada 48 horas. Nos
modo que a ação da gravidade facilite a mobilização de pacientes que se encontram em respiração espontânea, a
secreções de um ou mais segmentos pulmonares para as freqüência deve ser determinada a partir da avaliação da
vias aéreas centrais, melhorando a relação ventila- resposta do paciente à terapia22.
ção/perfusão e recuperando a capacidade residual fun-
cional1,21,22 . As secreções podem ser facilmente removidas PERCUSSÃO TORÁCICA (TAPOTAGEM) E VIBRAÇÃO
das vias aéreas centrais por meio da tosse ou aspiração
A percussão e a vibração são manobras de desobstru-
mecânica22. A drenagem postural pode ser ocasionalmen-
ção brônquica associadas ou não à drenagem postural
te acompanhada pela percussão torácica e/ou vibração22.
com o objetivo de promover, respectivamente, o descola-
As posições assistidas pela gravidade podem ser usadas
mento das secreções localizadas perifericamente na árvo-
em neonatos, lactentes e crianças da mesma forma que
re traqueobrônquica para as regiões centrais, onde serão
são utilizadas nos adultos, considerando as mesmas pre-
expelidas pela tosse ou aspiração25. Segundo a literatura,
cauções e cuidados11,22,23.
isso ocorre devido à produção e transmissão de onda de
A decisão para o uso dessa técnica requer rigorosa
energia mecânica nas paredes brônquicas, dependente da
avaliação dos benefícios reais, bem como dos riscos
potenciais22. Vários estudos têm mostrado que os benefí- força e rigidez do tórax, influenciando os batimentos cilia-
cios da drenagem postural são limitados na maioria dos res. Tais manobras têm como objetivo minimizar a reten-
pacientes24. Essa técnica tem sua indicação justificada ção de secreção pulmonar e melhorar a oxigenação26.
para os pacientes que produzem pelo menos 25mL/dia O tempo de execução da manobra depende da tole-
de secreção com dificuldade em mobilizá-la20,22,23 e na pre- rância do paciente e da ausculta pulmonar. Quando apli-
sença de atelectasias causadas por rolhas de secreção22. A cada ao paciente sob ventilação mecânica, deve-se acom-
drenagem postural também pode estar indicada ao panhar o sincronismo da fase expiratória do ciclo respira-
paciente de terapia intensiva, desde que alguns aspectos tório. Tanto em adultos quanto em lactentes e crianças, o
sejam avaliados pelo fisioterapeuta ao posicioná-lo25. broncoespasmo pode ser exacerbado pelo uso da percus-
Alguns pacientes podem não tolerar as posições clássicas são torácica, que deve, portanto, ser evitada em alguns
e, em algumas condições, como na insuficiência cardíaca, casos. A literatura não demonstra evidências quanto à efi-
hipertensão grave, edema cerebral, aneurismas aórtico e cácia ou à superioridade desse método sobre outros22,26.
cerebral, hemoptise grave, distensão abdominal, refluxo Contudo, existem relatos da ocorrência de mudanças na
gastroesofágico, trauma de cabeça e pescoço e pós-ope- ausculta pulmonar, em radiografias e exames de gases
ratório imediato, podem estar contra-indicadas22. arteriais após a aplicação da percussão e da vibração26.
Os riscos e complicações da drenagem postural estão A vibração torácica consiste de movimentos oscilató-
associados ao surgimento de eventuais sinais e sintomas rios rápidos (tremores) aplicados manualmente ou mecani-
que incluem hipoxemia, broncoespasmo, hipotensão camente sobre a parede do tórax durante o tempo expira-
aguda, aumento da pressão intracraniana (> 20mmHg), tório. No entanto, não existem evidências conclusivas que
hemorragia pulmonar, dor ou lesão de tecidos e vômitos sustentem a eficácia da vibração, a superioridade entre os
com risco de aspiração20,22. Portanto, o profissional que métodos manual e mecânico ou a freqüência ideal22.
212
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Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

A associação das técnicas de vibração, percussão e voluntário sob o controle de centros superiores. Sendo
drenagem postural parece ser mais efetiva na eliminação assim, ela pode ser adiada e até suprimida28.
das secreções do que a aplicação dessas técnicas indivi- No período pós-operatório, a presença da dor, o
dualmente. Embora a efetividade da percussão e da vibra- uso de anestésicos, narcóticos e a própria incisão cirúr-
ção em promover aumento do clareamento pulmonar gica podem comprometer a eficácia da tosse1,29. O fisio-
esteja bem documentada em pacientes em ventilação terapeuta deve orientar os pacientes quanto à impor-
espontânea com doença pulmonar crônica, não se pode tância dela para mobilização de secreções e explicar-
afirmar sobre a efetividade dessas mesmas técnicas quan- lhes que a aplicação de pressão manual, até com um
do utilizadas em pacientes internados em unidades de travesseiro, sobre a incisão cirúrgica é uma técnica de
terapia intensiva. Nas operações cardíacas pediátricas, se suporte para facilitar a tosse e diminuir possível dor.
o sangramento pós-operatório for persistente ou excessi- No caso das crianças, elas mesmas ou os pais também
vo, as percussões e vibrações devem ser evitadas11. devem pressionar um travesseiro ou brinquedo macio
na região da ferida cirúrgica11.
TOSSE
O huffing, manobra voluntária de expiração forçada
O sistema respiratório é dotado de mecanismos de contra a glote aberta, é uma técnica alternativa que tem o
defesa altamente integrados e eficientes que garantem e mesmo objetivo da tosse28. O fisioterapeuta também pode
mantêm a não-colonização do trato respiratório inferior. assistir a tosse por meio de compressão manual externa
Os mecanismos de depuração imunoespecíficos, fagocíti- na região epigástrica ou na caixa torácica, durante a expi-
cos e mecânicos são responsáveis tanto pela destruição e ração, dependendo da região do tórax operada. Muitas
depuração do agente agressor quanto pela sua expulsão27. vezes, é necessário que o fisioterapeuta recorra à estimu-
O tecido linfóide, localizado em folículos ao longo da lação traqueal externa, em que a traquéia é comprimida
árvore brônquica, estimula os linfócitos B e T a se torna- parcialmente, de modo a causar estimulação mecânica da
rem células de memória e efetoras contra os antígenos tosse. A estimulação da orofaringe, por meio de cateter de
inalados. As principais funções desses linfócitos pulmo- aspiração traqueal, é outro recurso disponível29.
nares incluem a produção de anticorpos, a atividade cito- Portanto, os pacientes que, no pós-operatório de
tóxica e a elaboração de mediadores inflamatórios. As toracotomia ou laparotomia no andar superior do abdo-
partículas inorgânicas ou orgânicas com diâmetro em me, apresentarem evidência de retenção de secreção pul-
torno de 2!m que se depositam nas vias aéreas periféri- monar com tosse espontânea improdutiva e ineficaz têm
cas sofrerão naturalmente a ação da fagocitose alveolar. O a necessidade de utilização das técnicas assistidas da
surfactante é o responsável por modular a ação fagocítica, tosse. A tosse dirigida (huffing e tosse assistida) é indicada
estimulando ou inibindo a atividade dos macrófagos como profilaxia de complicações pulmonares pós-opera-
alveolares. Os mecanismos físicos de limpeza mecânica, tórias e como parte integrante de outras técnicas de higie-
como o sistema de filtro das vias aéreas superiores, o ne brônquica, por exemplo a drenagem postural e a tera-
transporte mucociliar e os reflexos da tosse e do espirro, pia de pressão positiva expiratória nas vias aéreas30.
são considerados a principal defesa do aparelho respirató-
rio. O batimento dos cílios das células epiteliais tem a ASPIRAÇÃO DAS SECREÇÕES

finalidade de promover o deslocamento ascendente das A aspiração é uma técnica invasiva que tem o objeti-
partículas depositadas no trato respiratório inferior, bem vo de remover acúmulo de saliva, secreções pulmonares,
como do muco respiratório em direção à traquéia e à sangue, vômitos e corpos estranhos da traquéia e área
laringe. A tosse, por sua vez, apesar de ser mecanismo de nasotraqueal que não podem ser removidos por tosse
depuração de reserva, constitui reflexo protetor essencial espontânea do paciente ou outros procedimentos menos
na eliminação de secreções e de corpos estranhos. Devido invasivos31. Essa técnica também está indicada como
à sua função emergencial, somente atuará quando a quan- meio de estimular a tosse e para obter amostra de escar-
tidade de secreções ou materiais depositados no interior ro para análise microbiológica ou citológica. O método
das vias aéreas for suficientemente grande para desenca- da aspiração consiste em introduzir um cateter flexível,
dear tal reflexo27. Entretanto, a tosse pode deixar de ser estéril e de calibre apropriado na via nasotraqueal, orofa-
fenômeno reflexo (tosse espontânea) para tornar-se ato ríngea ou na via aérea artificial, de modo a gerar pressão
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

negativa que irá succionar as secreções acumuladas nes- TÉCNICAS DE REEXPANSÃO PULMONAR

ses locais31. A pressão subatmosférica utilizada deve ser Os pacientes em ventilação espontânea que apresen-
apropriada para cada faixa etária. tam diminuição da ventilação alveolar com conseqüente
A partir do momento em que a aspiração for eleita perda da capacidade residual funcional podem beneficiar-
como a principal técnica na remoção das secreções reti- se dos exercícios respiratórios, uma vez que eles têm o
das, por meio de avaliação criteriosa, deve-se estar aten- objetivo de aumentar o volume corrente, recuperar a
to às inúmeras complicações decorrentes desse procedi- capacidade residual funcional, restaurar o padrão respira-
mento, tais como trauma mecânico, hipoxemia, arrit- tório normal e facilitar a eliminação de secreções37. Essa
mias, bradicardia, hipertensão, hipotensão, parada car- técnica, que promove o recrutamento da ventilação de
diorrespiratória, vômitos, laringoespasmo, broncoespas- modo mais próximo ao fisiológico devido à queda da
mo, infecção, atelectasia, aumento da pressão intracra- pressão pleural, pode estar associada à drenagem postural,
niana, pneumotórax, desconforto e dor31. A indicação da às manobras desobstrutivas ou à tosse1. Uma peculiarida-
aspiração deve ser reavaliada diariamente, uma vez que de dos exercícios respiratórios é que o fisioterapeuta tem
existem técnicas menos agressivas e menos danosas ao a possibilidade de solicitar sua realização nos intervalos
paciente, as quais podem ser utilizadas em sua higiene dos atendimentos, a partir do momento em que o pacien-
brônquica. Dessa forma, o procedimento de aspiração te for capaz de realizá-los corretamente, acelerando seu
deve ser realizado somente quando absolutamente neces- processo de recuperação1. Os exercícios respiratórios já
sário, sem tornar-se rotina terapêutica1,11. podem ser ensinados ao paciente desde o pré-operatório,
para que sejam bem executados posteriormente38.
Durante a realização dos exercícios respiratórios,
CICLO ATIVO DAS TÉCNICAS DA RESPIRAÇÃO
freqüentemente é solicitado ao paciente expirar com
O ciclo ativo das técnicas da respiração também é
freno labial (pursed-lips) com o objetivo de impor um
uma das técnicas desobstrutivas com a finalidade de pro-
retardo à expiração. Esse recurso está bem indicado
mover o fluxo adequado das vias aéreas32-4. O controle da
para aqueles pacientes com obstrução crônica ao fluxo
respiração, os exercícios de expansão torácica e a técnica
aéreo, uma vez que o freno labial gera pressão positiva
de expiração forçada combinados fundamentam o ciclo
nas vias aéreas, permitindo ao paciente expirar sem pro-
ativo das técnicas da respiração21,34-6. Essa técnica apre-
vocar o colapso das pequenas vias aéreas e evitando o
senta como efeito fisiológico a maximização da ventila-
aprisionamento de ar nos pulmões1.
ção nos canais colaterais, bem como a mobilização de
secreções das vias aéreas periféricas11,20,21,34.
Os pacientes idosos, jovens e até crianças podem EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO DIAFRAGMÁTICO

realizar a técnica desde que sejam cooperativos e O exercício respiratório diafragmático objetiva
tenham bom entendimento sobre a execução dela. Eles aumentar o volume corrente, diminuindo a freqüência
podem se posicionar em decúbito dorsal, lateral ou respiratória, o trabalho respiratório e a dispnéia; facilitar
assentados33,34 e realizar a técnica de forma independen- a eliminação de secreções e favorecer o relaxamento da
te ou com assistência11. O controle da respiração é o musculatura acessória1,39. O ideal é que esse tipo de exer-
único momento, durante a realização do ciclo ativo das cício seja realizado primeiramente na posição semi-
técnicas da respiração, em que o paciente se encontra Fowler, no intuito de eliminar a ação da gravidade sobre
relaxado e com dispêndio mínimo de energia11. Durante o diafragma. Posteriormente, pode progredir para dife-
essa fase, podem ser realizadas as técnicas de percussão, rentes posicionamentos, como os decúbitos dorsal e late-
vibração e compressão torácica11,21,34. Os exercícios de ral, as posições sentada e de pé, concomitantemente à
expansão torácica auxiliam a ventilação dos canais cola- realização de algumas atividades, (p. ex.: a deambulação e
terais por diminuírem a resistência ao fluxo aéreo no a subida e descida de escadas)1.
sistema colateral e gerarem forças expansivas nos alvéo- Para realizar a técnica, o paciente, primeiramente,
los adjacentes32. A técnica de expiração forçada requer o deve estar o mais relaxado possível para que, em seguida,
mínimo de esforço do paciente e tem a finalidade de o fisioterapeuta coloque sua mão, ou mesmo a do pacien-
mobilizar as secreções situadas em vias aéreas periféri- te, abaixo do apêndice xifóide ou na região das cartila-
cas em direção às vias aéreas centrais11,33,34. gens costais inferiores, como estímulo tátil1. Então, ao
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Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

final do tempo expiratório, é solicitado ao paciente que terapêutico para reexpandir alvéolos colapsados, em
realize inspiração, recrutando o trabalho diafragmático1. razão do aumento da pressão transpulmonar mantido
pela pausa pós-inspiratória. Assim, a obtenção de
EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO DE EXPANSÃO COSTAL E LATERAL
aumento da capacidade pulmonar total garante maior
Os exercícios respiratórios de expansão costal e lateral estabilidade alveolar40,41.
estão especialmente indicados para aqueles pacientes sub- Esse instrumento tem sido amplamente utilizado na
metidos à operação abdominal, uma vez que é preferível prevenção e no tratamento de complicações pulmonares
que o fisioterapeuta coloque suas mãos na parede lateral após operações abdominais e torácicas, com o objetivo
do tórax a colocá-las no abdome1. Além disso, quando o de prevenir ou reverter o colapso alveolar9,42.
movimento da parede costal se encontra restrito, seja pela Recomenda-se que o espirômetro de incentivo seja
dor da incisão cirúrgica, seja pela debilidade dos músculos utilizado com freqüência de dez inspirações máximas
intercostais, esses exercícios são mais bem tolerados do sustentadas, cuja pausa pós-inspiratória seja de três
que qualquer outro37. Tais exercícios podem ser realizados segundos enquanto o paciente permanecer acordado42.
de forma unilateral ou bilateralmente e têm o objetivo de Estudos indicam que o alvéolo, uma vez insuflado, per-
aumentar a ventilação dos lobos inferiores e facilitar a res- manecerá insuflado por ao menos uma hora40,41.
piração diafragmática1. Da mesma forma que no exercício Os objetivos fisiológicos da espirometria de incentivo
diafragmático, essa técnica também requer o estímulo tátil são aumentar a pressão transpulmonar e os volumes ins-
da mão do fisioterapeuta sobre a região a ser tratada, piratórios; melhorar o desempenho muscular inspirató-
devendo-se solicitar ao paciente que respire empurrando rio e restabelecer o padrão de expansão pulmonar, o que
as costelas inferiores contra a sua mão. pode beneficiar o mecanismo da tosse42.
A espirometria de incentivo está contra-indicada
quando não se pode assegurar o uso apropriado do apa-
EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO SEGMENTAR
relho, seja por instrução ou supervisão inadequadas, seja
O exercício respiratório segmentar, também denomina- por falta de cooperação ou incompreensão do paciente
do localizado, está indicado quando se tem o objetivo de ou por sua incapacidade de realizar inspiração profunda
ventilar regiões específicas do pulmão. As mãos do fisiote- e efetiva, isto é, capacidade vital menor que 10ml/kg e
rapeuta ou do paciente devem ser colocadas na região do capacidade inspiratória menor que um terço da prevista42.
tórax correspondente ao segmento pulmonar a ser ventila- A literatura demonstra que a espirometria de incenti-
do. Também pode ser dado discreto estímulo pressórico vo é, no mínimo, tão eficiente quanto outras técnicas de
que favorecerá a inspiração profunda. Durante a realização expansão pulmonar na prevenção e no tratamento de
dessa técnica, deve-se solicitar ao paciente que inspire complicações pulmonares no pós-operatório19.
“empurrando” a mão do terapeuta com o ar1.

RESPIRAÇÃO COM PRESSÃO POSITIVA INTERMITENTE


RECURSOS TERAPÊUTICOS UTILIZADOS EM FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA
A respiração com pressão positiva intermitente é
ESPIROMETRIA DE INCENTIVO uma técnica utilizada para fornecer ventilação mecâni-
A espirometria de incentivo é um recurso terapêutico ca de curta duração ou episódica com o objetivo primá-
utilizado tanto em adultos quanto em crianças para indu- rio de auxiliar a ventilação e aumentar periodicamente
zir inspirações máximas sustentadas de forma a reprodu- os volumes pulmonares e a capacidade vital. Isso ocor-
zir o suspiro e incentivar o paciente, por intermédio de re devido à transmissão da pressão positiva por meio
feedback visual, a realizar inspirações lentas e profundas9,40. da árvore brônquica até o espaço alveolar, promoven-
O primeiro espirômetro de incentivo foi desenvolvido do assim hiperinsuflação pulmonar. É aplicada pressão
por Bartlett et al.41, nos anos 70 do século passado, com supra-atmosférica entre zero e 35cmH2O nas vias
o objetivo de assegurar que o paciente reproduzisse ins- aéreas durante a fase inspiratória, retornando à pressão
piração máxima sustentada com a glote aberta até a atmosférica durante a expiração. A respiração com
capacidade pulmonar total. pressão positiva intermitente foi originalmente descrita
A inspiração máxima sustentada até a capacidade em 1947 e a sua utilização ganhou popularidade a par-
pulmonar total é descrita como padrão respiratório tir de 1950 como método para tratar e prevenir atelec-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tasias no pós-operatório e outras complicações pulmo- expansão pulmonar20,45. A pressão positiva contínua nas
nares. Atualmente, ela vem sendo questionada quando vias aéreas é uma forma de assistência ventilatória que pro-
comparada a outros modos de ventilação não-invasiva move a manutenção de um mesmo nível de pressão positi-
com máscara, devido ao importante aumento do traba- va nas vias aéreas (5 a 20cmH2O) durante todo o ciclo res-
lho respiratório20,43. piratório, promovendo o aumento da pressão transpulmo-
A respiração com pressão positiva intermitente é nar20,46. A sua aplicação ocorre de forma não-invasiva por
comumente utilizada em pacientes conscientes e cola- meio de máscaras adaptadas do tipo facial ou nasal em que
borativos por meio de respirador mecânico conectado a o paciente respira em sistema pressurizado contra um resis-
máscara facial, bocal ou adaptadores, em caso de tor limiar pressórico. Essa técnica requer fluxo gasoso con-
pacientes traqueostomizados que apresentem sinais de tínuo durante a inspiração que seja suficiente para manter a
hipoventilação ou atelectasia. O paciente em pós-opera- pressão positiva na via aérea45.
tório, sonolento, incapaz de cooperar com os exercícios Esse recurso pode ser utilizado tanto com o pacien-
de expansão torácica e huffing, beneficia-se com essa téc- te em respiração espontânea quanto em pacientes que
nica por aumentar o volume corrente e favorecer a estejam intubados, apresentando graus variados de insu-
mobilização de secreções11. ficiência respiratória aguda. As vantagens oferecidas
A literatura apresenta-se bastante controversa quanto às com a administração de pressão positiva contínua nas
suas indicações, seus efeitos fisiológicos e suas complica- vias aéreas por máscara nasal são que o recurso é simples
ções. Em 1963, Anderson et al.44, em estudo controlado e bem tolerado47, não provoca dor nem exige esforço
não-randomizado, revelaram que a utilização de respiração suplementar do paciente para a sua realização46.
com pressão positiva intermitente diariamente de três a A literatura demonstra que o uso da pressão positiva
quatro vezes foi benéfica na prevenção de complicações contínua nas vias aéreas no período pós-operatório de
pulmonares. Outros estudos confirmaram esse benefício operações cardíacas, torácicas ou abdominais melhora a
quando foi utilizada a mesma técnica em pacientes subme- hematose, revertendo a hipoxemia, recuperando a capa-
tidos a operação abdominal alta19. Entretanto, estudos pos- cidade residual funcional e reduzindo o trabalho respira-
teriores não encontraram os mesmos efeitos positivos tório46-9. Alguns estudos também confirmam sua eficácia
quando um grupo de pacientes submetidos a laparotomia no tratamento da atelectasia11,46,50.
recebeu o tratamento comparado a outro grupo que não No entanto, seus efeitos permanecem somente
utilizou essa técnica. Alguns autores afirmam que a respira- durante a utilização48,49,51. Pinilla et al.47 demonstraram a
ção com pressão positiva intermitente pode ser utilizada manutenção do aumento do índice de oxigenação
em pacientes no pós-operatório quando eles são incapazes (PO2/FiO2) com pressão positiva contínua nas vias
de aumentar o volume corrente adequadamente durante o aéreas nasais até 24 horas após sua utilização durante 12
tratamento, bem como na prevenção e no tratamento das horas. A utilização da técnica com máscara facial pós-
atelectasias pós-operatórias11. extubação ainda pode ser um recurso muito eficaz para
Segundo o guideline da American Association for Respiratory diminuir o tempo de ventilação mecânica em pacientes
Care sobre respiração com pressão positiva intermitente, submetidos a operações cardíacas, torácicas, abdominais
publicado originalmente em 1993 e revisado recentemente e transplante de pulmão51.
em 2003, essa técnica está indicada para melhorar a expan- O uso da pressão positiva contínua nas vias aéreas
são pulmonar, como nas atelectasias pulmonares clinica- em pacientes cooperativos que apresentam colapso pul-
mente significantes, somente quando outras técnicas monar segmentar no pós-operatório parece ser mais efe-
menos invasivas e dispendiosas não tenham obtido resulta- tivo na promoção da expansão do tecido pulmonar do
do importante. Também existe indicação para a aerossolte- que a respiração com pressão positiva intermitente11.
rapia e para assistir a ventilação43.
PRESSÃO POSITIVA EXPIRATÓRIA NAS VIAS AÉREAS

PRESSÃO POSITIVA CONTÍNUA NAS VIAS AÉREAS A pressão positiva expiratória nas vias aéreas consiste
As técnicas desobstrutivas que utilizam a imposição de na aplicação de pressão positiva por meio de resistor
pressão positiva nas vias aéreas são utilizadas como alterna- linear, aplicado durante a expiração, gerando pressões
tiva eficaz na mobilização de secreções e na promoção da que variam de 5cmH2O a 20cmH2O52. Esse recurso
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Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

fisioterápico possui como efeito fisiológico o aumento doença pulmonar obstrutiva crônica55,56, asma57 e no
da pressão alveolar, causando: 1) aumento da capacidade pós-operatório de intervenções abdominais e torácicas
residual funcional; 2) recrutamento alveolar; 3) aumento (ventilação).
da resistência vascular pulmonar e da permeabilidade O uso desse aparelho pode estar contra-indicado
alvéolo capilar; 4) diminuição do shunt 46. em casos de hemoptise, pneumotórax, enfisema e
Essa técnica está indicada para reduzir o aprisiona- doenças cardiovasculares descompensadas. Segundo
mento de ar na asma e na doença pulmonar obstrutiva relatos da literatura, são pouco freqüentes as complica-
crônica, auxiliar na mobilização de secreções e prevenir ções relacionadas ao flutter, porém podem ocorrer
ou reverter atelectasias18,46. Embora não tenham sido rela- pneumotórax e hiperventilação20.
tadas contra-indicações absolutas ao uso da terapia com
pressão positiva intermitente ou pressão positiva expira-
MOBILIZAÇÃO PRECOCE DO PACIENTE
tória nas vias aéreas, alguns itens devem ser cuidadosa-
A mobilização precoce do paciente no pós-operatório
mente avaliados antes do início da terapia, como a pres-
tem sido instituída como terapia efetiva na prevenção
são intracraniana maior que 20mmHg, instabilidade
dos efeitos deletérios do repouso prolongado no leito e
hemodinâmica, operação esofágica46, sinusite aguda,
da imobilização, bem como na prevenção de atelectasias
hemoptise ativa e pneumotórax não-tratado52. Existem
ou outras complicações pulmonares1,58.59.
ainda alguns riscos e complicações inerentes ao uso da
No pós-operatório, a presença de dor, os medicamen-
pressão positiva expiratória nas vias aéreas como baro-
tos administrados ou até o risco de desconectar cabos de
trauma, claustrofobia, aumento do trabalho respiratório
monitorização, drenos e soros propiciam a permanência do
e hemorragias bronquiais46.
paciente no leito por longos períodos20. A mudança de
decúbito, nos estádios iniciais de recuperação, é a principal
FLUTTER técnica para auxiliar a expansão pulmonar enquanto o
O flutter é um aparelho simples, portátil, em forma de paciente estiver no leito11,20. Pacientes nessa situação neces-
cachimbo, usado para assistir a eliminação de secreções sitarão de assistência e deverão ser encorajados a realizar a
brônquicas53-7, tendo sido desenvolvido na Suíça, no final mudança de decúbito pelo menos a cada duas horas
da década de 80 do século passado23. A fundamentação enquanto permanecerem acordados e, tão logo seja possí-
fisiológica da utilização do flutter baseia-se em três princí- vel, assumirem a posição sentada, o ortostatismo e a deam-
pios: a oscilação das vias aéreas, o aumento do fluxo bulação20. O desenvolvimento da operação laparoscópica e
aéreo intermitente e a pressão positiva na via aérea35. a melhoria dos anestésicos vêm permitindo a mobilização
O flutter utiliza o princípio da pressão positiva expira- independente dos pacientes, sendo necessárias somente a
tória nas vias aéreas, pressurizando a via aérea por meio orientação e a mobilização precoce delas11.
de resistor linear aplicado durante a expiração. O pacien- Millet et al.36 demonstraram que a mudança da posição
te durante a utilização do flutter realizará, portanto, inspi- supina para o decúbito lateral causa pequena redução do
ração subatmosférica e expiração supraatmosférica que volume pulmonar no pulmão dependente e importante
evitará o colapso prematuro das vias aéreas e promoverá aumento no pulmão supralateral. Dessa forma, observa-se
recrutamento de unidades periféricas, auxiliando na incremento na capacidade residual funcional, o que pode
mobilização de secreção20. Quando a pressão atingir valo- ser explicado pelo fato de a queda da pressão pleural no
res entre 10cmH20 a 25cmH20 durante a utilização do pulmão supralateral gerar aumento na força de expansão
aparelho, causando assim a elevação da esfera no interior nas vias aéreas e alvéolos, que, por sua vez resulta em
do cone, permitirá a passagem do fluxo expiratório. A aumento do volume pulmonar e redução da perfusão san-
elevação e a queda da esfera ocorrem várias vezes duran- güínea local. Portanto, na presença de áreas com atelectasia
te cada expiração, criando, dessa forma, uma pressão de reabsorção unilateral, o posicionamento supralateral
oscilatória endobronquial que varia de 0,8cmH20 a deste pulmão proporcionará a ele maior expansão20.
25cmH20 e aumento intermitente do fluxo aéreo, produ- Assim, a mudança de decúbito oferece importantes
zindo, com isso, o chamado “efeito flutter” 53. benefícios ao paciente tais como o aumento da capacidade
O flutter tem sido amplamente utilizado no tratamen- residual funcional e a melhora da oxigenação, além de dire-
to de pacientes com fibrose cística54, bronquiectasia35, cionar, pela ação da gravidade, o fluxo sangüíneo pulmonar
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

e a circulação linfática preferencialmente para as áreas 6 ■ Gosselink R, Schrever K, Cops P, Witvrouwen H, Leyn P,
dependentes do pulmão20. Nos lactentes e nas crianças Troosters, et al. Incentive spirometry does not enhance reco-
very after thoracic surgery. Crit Care Med. 2000;28:679-83.
também deve ocorrer mudança regular do posicionamento
7 ■ Ramona L, Doyle MD. Assessing and modifying the risk of pos-
quando encontrados no leito, sendo confortavelmente topertive pulmonary complications. Chest. 1999;115:775-
posicionados em decúbito lateral alternado ou sentados 815.
verticalmente. Mas, tão logo a condição permita, no pri- 8 ■ Scuderi J, Olsen GN. Respiratory therapy in the management of
meiro dia pós-operatório, as crianças devem permanecer postoperative complications. Resp Care. 1989;34:281-91.
9 ■ Douce FH. Incentive spirometry and other aids to lung inflatio.
preferencialmente fora do leito e iniciar precocemente a
In: Barnes TA. Core textbook of respiratory care practice. St
deambulação, mesmo com a presença de soros, drenos ou Louis: Mosby, 1994:231-41.
cateteres. Os pais devem ser orientados a estimular seus 10 ■ Hall JC, Tarala R, Harris L, Tapper J, Christiansen K. Incentive
filhos a sair do leito tão logo seja possível11. spirometry versus routine chest physiotherapy for prevention
A movimentação passiva, ativa-assistida ou ativa-resis- of pulmonary complications after abdominal surgery. Lancet.
tida dos membros superiores e inferiores tem o objetivo de 1991;337:953-6.
11 ■ Ridley SC. Cirurgia em adultos. In: Pryor JA, Webber, BA.
manter ou melhorar a amplitude de movimento articular, o
Fisioterapia para problemas respiratórios e cardíacos. Rio de
comprimento dos tecidos moles, a força e função muscu- Janeiro: Guanabara Koogan, 2002:210-33.
lar, evitando assim o surgimento de contraturas e encurta- 12 ■ Rezaiguia S, Jayr C. Prevention des complications respiratories
mentos musculares, bem como reduzir o risco de trom- apres chirurgie abdominale. Ann Fr Anesth Reanim.
boembolismo60. Esses exercícios podem ser realizados 1996;15:623-46.
13 ■ Marini JJ. Postoperative atelectasis: pathophysiology, clinical
tanto em pacientes internados em enfermarias como nos
importance, and principles of management. Resp Care.
internados em unidades de terapia intensiva60. Os alonga- 1984;29:516-22.
mentos, especialmente em pacientes submetidos a toraco- 14 ■ Parker A, Prasad A. Pediatria. In: Pryor JA, Webber, BA.
tomias e laparotomias, são essenciais para o restabeleci- Fisioterapia para problemas respiratórios e cardíacos. Rio de
mento da postura inicial, uma vez que a postura antálgica é Janeiro: Guanabara Koogan, 2002:234-63.
adotada na maioria das vezes. 15 ■ Wallis C, Prasad A. Who needs chest physiotherapy? Moving
from anecdote to evidence. Arch Dis Child. 1999;80:393-7.
Posturas como sentado e ortostatismo devem ser 16 ■ Olsen MF, Hahn I, Nordgren S, Lönroth H, Lundholm K.
assumidas, o mais precocemente possível, assim como Randomized controlled trial of prophylactic chest physiothe-
a deambulação. rapy in major abdominal surgery. Br J Surg. 1997;84:1535-8.
A alta do tratamento fisioterápico virá ao encontro da 17 ■ Hall JC, Tarala RA, Tapper J, Hall JL. Prevention of respiratory
aquisição dos objetivos propostos no pré e/ou pós-ope- complications after abdominal surgery: a randomized clinical
trial. BMJ. 1996;312:148-52.
ratório. No momento da alta hospitalar, em caso de
18 ■ Ricksten SE, Bengtsson A, Soderberg C, Thorden M, Kvist H.
necessidade, o paciente receberá orientações quanto à Effects of periodic positive airway pressure by mask on pos-
continuidade do tratamento em nível domiciliar ou toperative pulmonary function. Chest. 1986;89:774-81.
ambulatorial sob supervisão do fisioterapeuta. 19 ■ Celli BR, Rodrigues KS, Snider GL. A controlled trial of inter-
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Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

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18
ANTIBIOTICOPROFILAXIA
EM CIRURGIA

Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução do sítio cirúrgico, em pacientes que não apresentam evidên-


cias clínicas de infecção. Esse objetivo é alcançado pela
O uso de antimicrobianos na prevenção de infecções diminuição do inóculo bacteriano no momento em que as
cirúrgicas iniciou-se com o desenvolvimento dos primeiros barreiras anatômicas entre os tecidos colonizados e os não-
antimicrobianos na década de 40 do século passado. Há colonizados são rompidas pelas incisões e, principalmente,
relatos do emprego de sulfas tópicas, com sucesso, em pela redução da adesividade e multiplicação bacteriana nos
cotos de amputação durante a segunda grande guerra. Em tecidos operados. É necessário ressaltar que o uso profiláti-
1961, em estudo experimental, Burke1 definiu algumas das co de antibióticos não tem indicação na prevenção de
bases da antibioticoprofilaxia cirúrgica. Três anos depois, outras infecções pós-operatórias, como infecções urinárias
Bernard e Cole2 demonstraram, em estudo prospectivo, o e respiratórias, que têm fatores de risco próprios e não são
indiscutível benefício do emprego dos antibióticos na redu- influenciadas por essa prática.
ção do risco de infecções após operações digestivas. Não serão discutidas neste capítulo as bases e indica-
Atualmente seu emprego está consagrado como uma ções da antibioticoprofilaxia em Clínica Médica. O empre-
das condutas profiláticas, úteis na redução do risco de go de antimicrobianos em pacientes portadores de órteses
infecção do sítio cirúrgico (Capítulo 49 – Infecções do Sítio
e próteses que irão submeter-se a procedimentos invasivos
Cirúrgico). Está indicado especialmente quando o risco
está amplamente discutido no Capítulo 46 – Cirurgia no
dessa infecção for importante, seja por sua freqüência, ou
paciente com órteses e próteses.
seja por sua gravidade3-6. A avaliação do risco de ocorrer
infecção do sítio cirúrgico deve considerar principalmente
os seguintes fatores: potencial de contaminação, duração Desvantagens
do procedimento e condições clínicas do paciente7. Com
relação à gravidade da infecção, destacam-se as situações Alguns inconvenientes e desvantagens têm sido
em que, apesar de o risco da infecção ser baixo, sua ocor- observados com o emprego de antimicrobianos profiláti-
rência seria desastrosa, como em algumas operações cardía- cos em Cirurgia. Entre eles, ressaltam-se a falsa sensação
cas e neurológicas, com implante de prótese etc5. de segurança, as reações colaterais, a resistência a antimi-
crobianos e o custo8-11.

Objetivo
Falsa sensação de segurança
A palavra prophylaxis, de origem grega, designa a ação
desenvolvida para evitar uma doença. A antibioticoprofila- Constitui a maior desvantagem, pois o cirurgião que
xia cirúrgica consiste na utilização de agentes antimicrobia- tem excesso de confiança na antibioticoprofilaxia pode
nos com o objetivo de evitar o aparecimento de infecções relegar a um segundo plano os demais e imprescindí-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

veis cuidados profiláticos contra as infecções cirúrgi- drogas caras, a antibioticoprofilaxia cirúrgica compensa-
cas. “Antibiótico bom não substitui boa técnica” se em termos de relação custo-benefício4,12,14.
(Condom e Whittmann8).

Princípios básicos da
Reações tóxicas e alérgicas antibioticoprofilaxia cirúrgica
Constituem riscos potenciais sempre que se adminis-
Certos princípios básicos devem ser respeitados na
tra qualquer droga. Antecedentes de reações adversas
indicação e no emprego dos agentes antimicrobianos em
devem ser investigados no pré-operatório. No entanto,
Cirurgia8-10. No Quadro 18.1 estão sumariados alguns deles.
os antimicrobianos comumente empregados e por curto
período de tempo, como recomendado, oferecem baixo
risco para essas reações4,12. Momento da administração
Para que o antimicrobiano apresente concentração
Resistência a antimicrobianos tecidual máxima no momento da incisão dos tecidos,
deve ser administrado pela via endovenosa, imediata-
O risco de desenvolvimento de microrganismos resis-
mente antes da indução anestésica15. Sua administração
tentes é mínimo com o uso das cefalosporinas de primeira
duas horas antes do procedimento, como já foi recomen-
geração, drogas normalmente empregadas. Além disso, os
dado, pode ser responsável por níveis inadequados da
curtos períodos de administração não costumam alterar a
droga, caso ocorra atraso no início da operação11. Não há
microbiota indígena ou induzir resistência. Contudo, o uso
vantagem em iniciar-se a antibioticoprofilaxia dias ou
inadequado e/ou desnecessariamente prolongado de anti-
horas antes da operação, nem indicação de iniciá-la após
microbianos profiláticos tem sido fator importante ao sur-
o término do procedimento cirúrgico1,16,17.
gimento de cepas de bactérias resistentes7,4,13,14. Existem duas exceções ao início da antibioticoprofi-
laxia minutos antes da indução anestésica. Nas cesaria-
Custo nas, em que a administração deve ser feita após clampea-
mento do cordão umbilical, para evitar contato do anti-
O custo da antibioticoprofilaxia é relativamente baixo microbiano com o concepto e conseqüente mascaramen-
se comparado às despesas hospitalares com as infecções to de eventual processo infeccioso do recém-nascido, e
do sítio cirúrgico. Respeitadas as indicações e evitando nas operações colorretais, em que o emprego de antimi-

Quadro 18.1 .: Princípios básicos da antibioticoprofilaxia cirúrgica

Definir corretamente as indicações para o seu uso:


operações potencialmente contaminadas e contaminadas – pelo risco elevado de infecção do sítio cirúrgico
operações limpas – quando a ocorrência de infecção for desastrosa, com risco de óbito ou de seqüelas graves
Empregar antimicrobianos ativos contra os patógenos mais prevalentes, considerando o sítio cirúrgico e a operação proposta
Utilizar preferencialmente antimicrobianos bactericidas20
Respeitar o momento ideal de administração. Quase sempre iniciar o antimicrobiano minutos antes da indução anestésica
Em princípio, usar o antimicrobiano pela via endovenosa, para garantir níveis teciduais adequados
Dentre os antimicrobianos eficazes, preferir os menos tóxicos e os de menor custo4
Evitar o emprego de antimicrobianos úteis em terapia de infecções graves, de modo a prevenir a ocorrência de resistência a essas drogas4,5
Empregar antimicrobianos em doses corretas e administrá-los por períodos curtos (na maioria dos casos, apenas no peroperatório)4
Não prolongar a antibioticoprofilaxia por mais de 24 horas4
Considerar as individualidades de cada paciente e as particularidades de cada caso

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Capítulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

crobianos com o objetivo de obter a descontaminação proctológicas; e a apendicectomia (no tratamento de


seletiva do cólon deve iniciar-se cerca de 18 horas antes apendicite não-complicada)11. Não há vantagens em con-
do procedimento6,18,19. Esta última conduta, todavia, tem tinuar a antibioticoprofilaxia por mais de 24 horas3,17. A
sido progressivamente abandonada pelos proctologistas, idéia ou impressão de que o uso mais prolongado de anti-
juntamente com o preparo mecânico do cólon antes de microbianos aumenta sua eficácia é falsa, fundamenta-se
colectomias. Já em pacientes que se submeterão a trans- em mitos, sendo motivada muito mais por desconheci-
posição de segmento colônico (p.ex. para o mediastino, mento e insegurança do médico.
nas esofagocoloplastias), tanto o preparo mecânico
como o preparo químico no pré-operatório se impõem
como medidas indispensáveis, visando a redução do Espectro de ação
risco de contaminação mediastinal. A antibioticoprofilaxia deve ser dirigida contra os
microrganismos mais prevalentes em cada procedimen-
Níveis teciduais to4,8,17,21,24,25. Não há necessidade de cobertura antibiótica de
todos os possíveis patógenos. Faz-se necessário, portanto,
O agente antimicrobiano deve atingir concentrações conhecer a microbiota do sítio cirúrgico (ver Quadro 18.2)
ativas contra os possíveis patógenos no sítio cirúrgico4,5,20. e a microbiota hospitalar. Os Staphyloccocus aureus e os esta-
Para isso, é importante que se conheçam as característi- filococos coagulase-negativos, seguidos pelos Gram-nega-
cas de absorção, distribuição e penetração tecidual das tivos, particularmente a Escherichia coli, são os responsáveis
drogas mais usadas. A grande maioria das drogas atinge pela maioria das infecções do sítio cirúrgico.
concentração tecidual efetiva em até 30 minutos20,21.
Deve ser respeitada também a capacidade inibitória míni-
ma da droga sobre o agente infeccioso, utilizando doses Escolha e posologia dos agentes
corretas e intervalos adequados entre elas4. Na maioria antimicrobianos
dos procedimentos cirúrgicos de curta duração, o antimi-
crobiano pode ser administrado uma única vez. Naqueles Cefalosporinas de primeira geração
mais demorados (três horas ou mais) ou quando há perda
As cefalosporinas de primeira geração de uso endove-
importante de sangue (mais de 1.000ml) podem ser
noso (EV) são as drogas habitualmente empregadas na
necessárias doses adicionais, de acordo com a meia-vida
antibioticoprofilaxia cirúrgica5,6,20, tendo em vista as pro-
tecidual (e não a plasmática) da droga.
priedades vantajosas que apresentam e que estão suma-
riadas no Quadro 18.3.
Duração da profilaxia Entre as cefalosporinas de primeira geração, as mais
usadas são a cefazolina e a cefalotina5,20,21. A cefazolina tem
Na maioria dos procedimentos, a administração dos sido a droga de escolha, pois atinge concentração tecidual
antimicrobianos profiláticos deve-se limitar ao perope- maior e mais rápida e apresenta meia-vida mais longa15,21.
ratório4-6,14,22,23. Seus níveis teciduais devem ser mantidos Sua posologia é de 1g a 2g EV antes da indução anestési-
durante todo o período peroperatório e, preferencial- ca e de 3/3horas até o fechamento da pele. Pacientes com
mente, até três a quatro horas após o término da ope- mais de 60kg e/ou procedimentos com maior sangra-
ração20,21. Esse é o denominado período eficaz da ação mento constituem indicações para uso de dose dobrada
profilática antimicrobiana. (2g). Pacientes com diminuição da perfusão tecidual por
Com o objetivo de proceder à síntese dos tecidos choque hipovolêmico ou pela utilização de garroteamen-
com níveis teciduais ótimos de antimicrobiano e para to hemostático também devem receber 2g. Se há indica-
estender esses níveis por algumas horas de pós-operató- ção para manter o antibiótico profilático no pós-operató-
rio, mesmo que ainda não tenha chegado o momento de rio (no máximo por 24 horas), a cefazolina deve ser admi-
administrar dose adicional da droga, o cirurgião está nistrada a cada 8 horas.
autorizado a adiantá-la alguns minutos. A cefalotina apresenta posologia semelhante, contudo,
As principais indicações para emprego de antibiótico por apresentar meia vida mais curta, deve ser administrada
profilático por 24 horas incluem operações com implan- no peroperatório a cada duas horas (doses adicionais). No
te de prótese; com abertura do crânio; cardíacas; colo- pós-operatório deve ser administrada a cada 4 horas.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 18.2 .: Operações com indicação para uso de antibiótico profilático e os respectivos patógenos mais
comumente causadores de infecção do sítio cirúrgico

Operações Patógenos das infecções do sítio cirúrgico*

Transplantes de órgãos e tecidos, colocação de próteses ou implantes Staphylococcus aureus; estafilococos coagulase-negativos
Staphylococcus aureus; estafilococos coagulase-negativos;
Cardíacas
Corynebacterium; bacilos Gram-negativos
Neurológicas Staphylococcus aureus; estafilococos coagulase-negativos
Mamárias Staphylococcus aureus; estafilococos coagulase-negativos
Staphylococcus aureus; estafilococos coagulase-negativos; estrep-
Oftalmológicas
tococos
Staphylococcus aureus; estafilococos coagulase-negativos; baci-
Ortopédicas
los Gram-negativos
Torácicas (p.ex., pneumectomias) Streptococcus pneumoniae; bacilos Gram-negativos
Staphylococcus aureus; estafilococos coagulase-negativos; baci-
Vasculares
los Gram-negativos
Operações biliares, colorretais e apendicectomia Bacilos Gram-negativos; anaeróbios; enterococos
Bacilos Gram-negativos; estreptococos; anaeróbios da oro-
Gastroduodenais
faringe (p. ex. peptoestreptococos)
Staphylococcus aureus; estreptococos; anaeróbios da orofarin-
Cabeça e pescoço
ge (p. ex. peptoestreptococos)
Anaeróbios; bacilos Gram-negativos; enterococos; estrep-
Obstétricas e ginecológicas
tococos do grupo B

Urológicas Bacilos Gram-negativos; Staphylococcus aureus; enterococos

*Patógenos de fontes endógenas e exógenas.


Obs.: Os estafilococos estão associados a infecção do sítio cirúrgico em todos os tipos de operações.
Modificado de CDC (1999). Guideline for prevention of surgical site infection33.

Drogas opcionais
Quadro 18.3 .: Propriedades das cefalosporinas de primeira
geração que justificam seu largo emprego em profilaxia cirúrgica Outras drogas podem ser empregadas considerando
fatores relacionados ao paciente, ao procedimento
Atividade sobre as principais bactérias causadoras de infecção do sítio
cirúrgico: Staphylococcus aureus, S. epidermidis e os seguintes Gram-negati-
cirúrgico ou aos prováveis microrganismos envolvidos
vos: Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Proteus mirabilis na infecção do sítio cirúrgico. Essa conduta objetiva,
Boa penetração em tecidos moles, na urina, nos fluidos pleural, principalmente, ampliar ou direcionar o espectro de
pericárdico, sinovial e peritoneal ação sobre bactérias resistentes a cefalosporinas de pri-
Atividade bactericida meira geração. Em pacientes alérgicos a betalactâmicos
Boa tolerabilidade - raras reações tóxicas e alérgicas têm sido empregados: clindamicina; metronidazol e
Reduzido número de efeitos colaterais gentamicina; ou vancomicina21.
Infreqüente indução de resistência microbiana
Facilidade de administração (possibilidade de serem administradas Vancomicina
por via endovenosa sob a forma de bolus)
Grande diferença entre dosagens terapêuticas e tóxicas É indicada para pacientes alérgicos a cefalosporinas e
Custo relativamente baixo quando há grande interesse na profilaxia contra S. aureus
meticilina-resistente (MRSA)15,26. Seu espectro de ação

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Capítulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

limita-se aos Gram-positivos. Tem maior custo, é peratório. No pós-operatório, deve ser administrado 1g
nefrotóxica e ototóxica. Se infundida rapidamente, de 6/6h, no máximo por 24h.
pode produzir ruborização difusa (síndrome do
homem vermelho). Seu uso deve ser limitado também
Cefuroxima
pela crescente ocorrência de bactérias Gram-positivas
resistentes a glicopeptídeos7. Posologia: dose única no Essa cefalosporina de segunda geração tem sido
pré-operatório de 1g EV, administrada lentamente recentemente citada como opção (de segunda linha) em
durante uma hora. Se indicada no pós-operatório, usar operações neurológicas e pulmonares6,21,28. Vem sendo
1g EV de 12/12 horas ou 500mg EV de 6/6 horas. utilizada particularmente quando há necessidade de gran-
de concentração no sistema nervoso central ou quando
se pretende atingir boa cobertura para enterococos.
Gentamicina
Posologia: 750mg a 1,5g EV à indução anestésica e 750mg
Tem amplo espectro de ação contra Gram-negativos. de 3/3h até o final do procedimento.
É freqüentemente usada em associação com anaerobici-
das, como o metronidazol, em operações gastrointesti- Indicações para
nais20. Tem a desvantagem de ser nefrotóxica, não sendo
recomendada por vários autores8,10. Sua infusão rápida antibioticoprofilaxia cirúrgica
pode provocar bloqueio neuromuscular e interferir na Indicações de acordo com o grau de
recuperação pós-anestésica; deve ser infundida em 30 a contaminação do procedimento cirúrgico
40 minutos. Posologia: 1,7mg/kg EV de 8/8 horas.
Recomenda-se oferecer a dose total (5mg/kg, no máxi- Operações limpas
mo 240mg) a cada 24 horas.
Indicada apenas em pacientes com fatores de risco
significativos e em algumas situações especiais:
Metronidazol ■ operações de grande porte em pacientes idosos

(>70anos), diabéticos, desnutridos graves, obesos


É estritamente anaerobicida, eficiente e de baixo
classe III, renais crônicos e em pacientes imunodefi-
custo. Muito usado em operações colorretais15,19. Posologia:
cientes, em uso crônico de imunossupressores, ou
1g EV no pré-operatório e 500mg de 6/6h ou de 8/8
que foram submetidos previamente a radioterapia
horas no pós-operatório (24h).
(independentemente do potencial de contaminação
do procedimento);
Clindamicina ■ transplante de órgãos e tecidos (independentemen-

te do potencial de contaminação do procedimento);


É anaerobicida com ação contra alguns Gram-positivos ■ pacientes com cardiopatias congênitas, valvulopa-
e clamídia. Posologia: 600mg a 900mg EV na indução anes- tias ou próteses valvares;
tésica e 600mg de 6/6 horas no pós-operatório (24h). ■ operações sobre a aorta e grandes vasos ;
21

■ craniotomias ;
21

■ procedimentos com inserção de prótese de qual-


Cefoxitina
quer natureza (ortopédicas, cardíacas valvulares,
A vantagem dessa cefalosporina de segunda geração oftalmológicas etc.), em particular de próteses
está no maior espectro sobre anaeróbios da flora colôni- permanentes4,21;
ca, inclusive B. fragilis11,21. Contudo, além de ser mais cara, ■ alguns procedimentos especiais, como mastecto-

é potente indutora de betalactamase11,27. Pode ser utiliza- mias, hernioplastia incisional, esplenectomia em
da em operações colorretais, gineco-obstétricas e em esquistossomótico etc.8,21,29-31;
apendicectomias. Posologia: 1g a 2g EV antes da indução ■ outras intervenções em que a infecção do sítio

anestésica e, se necessário, 1g a cada três horas no pero- cirúrgico possa comprometer substancialmente a
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sobrevida do paciente ou o resultado estético-fun- Cirurgia cardíaca


cional do procedimento11,21.
Quando há circulação extracorpórea, colocação de
prótese, revascularização miocárdica ou abertura do
Operações potencialmente contaminadas coração. Nos implantes de marcapasso e de desfibrila-
Na maioria delas, há indicação. (ver Indicações específicas dor, o uso é discutível.
■ cefazolina, por 24 horas
por procedimento.)
■ vancomicina (em pacientes com alergia a betalactâ-

micos e se há alta incidência de MRSA)


Operações contaminadas

Em todos os casos, já que o inóculo de bactérias é ele- Cirurgia torácica


vado, com exceção das operações proctológicas orificiais
Há indicação nos casos de lobectomia e pneumectomia.
em pacientes imunocompetentes. (Ver Indicações específicas
Ressecção em cunha e outros procedimentos mediastinais
por procedimento.)
não-cardíacos constituem indicações relativas31,33,34.
■ cefazolina

■ cefuroxima
Operações infectadas
■ clindamicina (em pacientes com alergia a beta-lac-
Não há indicação de antibioticoprofilaxia, mas de tâmicos)
antibioticoterapia.
Cirurgia vascular
Indicações específicas por procedimentos
Operações em grandes vasos, colocação de enxerto
A seguir, são apresentadas as indicações específicas ou prótese vascular, revascularização e amputação de
em cada uma das especialidades cirúrgicas e os antimi- membro por doença isquêmica, confecção de fístula arté-
crobianos recomendados para essas profilaxias. Deve- riovenosa, operações endovasculares com prótese ou
se levar em consideração as orientações gerais discuti- angioplastia com colocação de stent 28,31.
das anteriormente. O primeiro esquema citado é o de ■ cefazolina

escolha, seguindo-se os antimicrobianos opcionais. As


posologias empregadas são as apresentadas anterior-
Neurocirurgia
mente; as posologias não-habituais e as posologias de
drogas de uso específico serão citadas. Craniotomias, operações com duração superior a seis
horas, reintervenções, operações da coluna, colocação de
Cirurgia plástica prótese interna (p.ex., derivação ventrículo-peritoneal,
placas de fixação, cimento ósseo), operações com acesso
Os agentes antimicrobianos estão indicados nos via seios paranasais, nasofaringe ou orofaringe.
enxertos, quando há extenso descolamento de tecidos ■ sulfametoxazol 800mg + trimetoprim 160mg, EV

(incluindo as hernioplastias incisionais) ou quando a em dose única peroperatória ou com doses pós-
ocorrência de infecção possa comprometer gravemen- operatórias de 12/12h ou de 8/8h, por 24 horas
te o resultado estético ou funcional do procedimento. ■ vancomicina (em pacientes com alergia a betalactâ-

No caso de inserção de prótese, o antimicrobiano deve micos e se há alta incidência de MRSA)


ser mantido por 24 horas32. ■ ceftriaxona com clindamicina (para operações

■ cefazolina com acesso via seios paranasais, nasofaringe ou


■ clindamicina (em pacientes com alergia a betalac- orofaringe)
tâmicos) ■ cefuroxima (com ou sem metronidazol)

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Capítulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

Cirurgia ortopédica adenoidectomia, timpanoplastia, estapedectoma, otoes-


clerose com colocação de prótese e mastoidectomia.
Operações com implante de próteses, artroplastia,
■ cefazolina
inserção de pinos, placas, parafusos e outros aparelhos
■ clindamicina (em pacientes com alergia a betalac-
de fixação interna, osteossíntese, operações da coluna ou
tâmicos)
da mão (> 1h)13, operações oncológicas de grande porte,
amputação de membros, trauma.
■ cefazolina, por 24 horas (usar 2g quando houver Cirurgia de cabeça e pescoço
uso de torniquete)
■ clindamicina (em pacientes com alergia a betalac-
Procedimentos com abertura da mucosa orofaríngea,
tâmicos) laríngea ou nasal; operações prolongadas, com grande área
de descolamento ou em região previamente irradiada35-7.
Quando há abertura de mucosa
Cirurgia urológica ■ gentamicina com clindamicina, por 24 horas

■ amoxicilina/clavulanato, 1,5g EV dose inicial e 1g


Pacientes com infecção urinária prévia devem rece-
de 8/8h, por 24 horas
ber antibioticoterapia orientada por antibiograma. O
Quando não há abertura de mucosa
uso de antimicrobiano, na maioria das operações uroló-
■ cefazolina
gicas, não apresenta benefício comprovado se a urina
■ clindamicina (em pacientes com alergia a betalac-
estiver estéril. Indicações ainda discutíveis: prostatecto-
mia transuretral e suprapúbica, nefrectomia, litotomia, tâmicos)
nefrostomia com molde uretral, amputação de pênis,
derivação urinária com ou sem cateter, cistoscopia em Cirurgia esofágica
paciente com tumor de próstata. Indicações absolutas:
transplante renal, biópsia transretal da próstata e colo- Sempre que houver abertura da luz do esôfago, pois
cação de prótese peniana. essas operações são contaminadas. Quando a operação é
■ cefazolina (no transplante renal, empregar 2g EV e extramucosa (p.ex. esofagocardiomiotomia), não é
manter por 24 horas) necessário o seu emprego.
■ ciprofloxacina 400mg EV (dose inicial) e 200mg de ■ cefazolina com clindamicina, por 24 horas

12/12h durante 24h no pós-operatório (em pacien- ■ gentamicina com clindamicina (em pacientes com

tes com alergia a betalactâmicos) alergia a betalactâmicos)


■ ciprofloxacina 500mg VO 2h antes do procedimento ■ amoxicilina/clavulanato, 1,5g EV dose inicial e 1g

e até 24h (para biópsia transretal da próstata) de 8/8h, por 24 horas

Oftalmologia Cirurgia gastroduodenal

A antibioticoprofilaxia é comumente indicada em res- Diminuição da motilidade e esvaziamento gástrico,


secção de segmento anterior e vitrectomia, e, principal- doença neoplásica, obstrução pilórica, hemorragia lumi-
mente, nos casos de trauma (p.ex., reparos de descola- nal, hipocloridria primária ou por uso crônico de inibido-
mento da retina) e nas operações com colocação de pró- res da secreção ácida38.
tese (p.ex., lente intra-ocular). ■ cefazolina, dose única

■ colírio de tobramicina (ver Uso de Antimicrobianos ■ gentamicina com metronidazol, dose única

Tópicos.)
Cirurgia colorretal
Otorrinolaringologia
Operações coloproctológicas (exceto procedimentos
Operações nasais sem infecção, com ou sem tampo- cirúrgicos orificiais em pacientes imunocompetentes e
namento, colocação de tubo de ventilação com ou sem operações sem abertura da luz colônica, como promon-
227
Capitulo 18.qxd 2/23/06 15:18 Page 228

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tofixação do reto), transposição de segmento colônico Colecistectomia


(p.ex., esofagocoloplastia)27,38. ■ cefazolina

Operações eletivas: Via biliar principal


■ preparo mecânico e descontaminação seletiva do ■ cefazolina com metronidazol

cólon com sulfato de neomicina 1g e eritromicina- Em pacientes com alergia a betalactâmicos


base 1g, VO, às 13, 14 e 23 horas do dia anterior à ■ gentamicina com metronidazol

operação, associados a cefazolina, EV, no per e no ■ ciprofloxacina 500mg EV com metronidazol

pós-operatório (24h)18,19,24,38 (Atualmente, o uso pré-


operatório de antimicrobianos é discutível antes de Cirurgia ginecológica
colectomias – ver Momento da administração.)
■ gentamicina com metronidazol, por 24 a 48 horas Operações na vagina e histerectomia vaginal (indi-
■ cefoxitina, no máximo, 24 horas
cações absolutas), histerectomia abdominal (indicação
Operações de urgência: relativa, ou seja, se alargada ou na dependência das
■ gentamicina com metronidazol, no peroperatório e
condições clínicas da paciente e dos níveis de infecção
por 24h do serviço), histerossalpingografia e mastectomia (indi-
cações freqüentes), miomectomia e ooforectomia
■ cefoxitina, no máximo, 24h
(indicações discutíveis)31,32,39-43.
■ cefazolina

Apendicectomia ■ clindamicina com gentamicina (em pacientes com

alergia a betalactâmicos)
Indicada antibioticoprofilaxia apenas na fase inicial
(apendicite aguda edematosa).
■ cefazolina (iniciar antes da indução anestésica e Obstetrícia
manter por 24 horas.)
Cesariana sem risco e parto normal não-complicado
■ gentamicina com metronidazol (idem)
(episiotomia): antibioticoprofilaxia não-recomendada.
■ cefoxitina (idem)
Indicações de antibioticoprofilaxia: parto ou cesariana
Obs.: Nas apendicites complicadas, oferecer regi- nos casos de gravidez ou paciente de alto risco como
me terapêutico com cobertura contra Gram-negativos nos procedimentos obstétricos de emergência (bolsa
e anaeróbios (p.ex. gentamicina com metronidazol). rota por mais de 6 horas, parto prolongado por mais de
Nos casos de apendicite complicada com necrose 12 horas, descolamento prematuro de placenta, placen-
e/ou perfuração, empregar antibioticoterapia de curta ta prévia etc.) e/ou em pacientes com doença hiperten-
duração, até paciente ficar afebril por, no mínimo, siva da gravidez, portadoras de HIV, obesas classe III,
24h; em caso de abscesso ou peritonite, empregar anti- diabéticas, em uso de corticoterapia etc. Iniciar antimi-
bioticoterapia clássica por sete a 10 dias. A primeira crobianos após clampeamento do cordão umbilical44.
dose do antibiótico terapêutico deve ser administrada ■ cefazolina 2g, após clampeamento do cordão umbi-
preferencialmente antes da indução anestésica. lical (manter por 24 horas.)
■ cefoxitina 2g (idem)

■ clindamicina com ou sem gentamicina (em pacien-


Cirurgia biliar
tes com laceração completa do reto e/ou com aler-
Operações com possibilidade de extravasamento gia a betalactâmicos) (idem)
biliar para cavidade peritoneal em pacientes de risco, ou Outras indicações de profilaxia: aborto terapêutico
seja, naqueles que apresentam com freqüência bile colo- no primeiro trimestre (doxiciclina ou penicilina G) e no
nizada: idade acima de 65 anos, colecistite aguda não- segundo trimestre (cefazolina) em pacientes de alto
complicada, icterícia obstrutiva, litíase da via biliar prin- risco. Usar clindamicina como opção em pacientes
cipal e/ou intra-hepática, operação de urgência, colangi- com alergia a betalactâmicos. Nos demais tipos de
te prévia e operação biliar anterior. aborto, avaliar antibioticoterapia.
228
Capitulo 18.qxd 2/23/06 15:18 Page 229

Capítulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

Procedimentos cirúrgicos laparoscópicos 4 ■ Ludwig KA, Carlson MA, Condon RE. Prophylactic antibiotics
in surgery. Annu Rev Med. 1993;44:385-93.
Não parece haver vantagem no uso rotineiro de anti- 5 ■ Van Kasteren ME, Gyssens IC, Kullberg BJ, Bruining HA,
bióticos profiláticos em todos os procedimentos cirúrgi- Stobberingh EE, Goris RJ. Optimizing antibiotics policy in
cos realizados por acesso laparoscópico45,46. Principais the Netherlands. V. SWAB guidelines for perioperative anti-
biotic prophylaxis. Foundation Antibiotics Policy Team. Ned
indicações: hernioplastia com tela; colecistectomia com
Tijdschr Geneeskd. 2000;144:2049-55.
colangiografia; operação de vias biliares; operação bariá- 6 ■ Waddell TK, Rotstein OD. Antimicrobial prophylaxis in surgery.
trica; apendicectomia; colectomia; histerectomia; opera- Committee on Antimicrobial Agents, Canadian Infectious
ções realizadas em pacientes de risco para infecção do Disease Society. CMAJ. 1994;151:925-31.
sítio cirúrgico (diabéticos, portadores de HIV etc.). 7 ■ Nichols RL. Postoperative infections in the age of drug-resistant
gram-positive bacteria. Am J Med. 1998;104:S11-6.
8 ■ Condon RE, Wittmann DH. The use of antibiotics in general
Uso de antimicrobianos tópicos surgery. Curr Prob Surg, 1991,12:807-907.
9 ■ Ferraz EM, Bacelar TS, Aguiar JL, Ferraz AA, Pagnossin G,
O emprego de antibioticoprofilático tópico em Batista JE. Wound infection rates in clean surgery: a poten-
Cirurgia é bastante controverso, pouco se conhecendo tially misleading risk classification. Infect Control Hosp
Epidemiol. 1992;13:457-62.
sobre suas vantagens e desvantagens. Por essa razão, ele
10 ■ Page CP, Bohnen JM, Fletcher JR, McManus AT, Solomkin JS,
deveria ser empregado apenas sob rigoroso protocolo de Wittmann DH. Antimicrobial prophylaxis for surgical wounds.
pesquisa. A vantagem teórica de seu uso é a possibilidade Guidelines for clinical care. Arch Surg. 1993;128:79-88.
de se conseguirem altas concentrações locais do antimi- 11 ■ Rodrigues MAG, de Almeida GN. Antibioticoprofilaxia cirúr-
crobiano. A escolha do antibiótico tópico a ser utilizado gica. In: Martins MA. Manual de infecção hospitalar: epide-
deve seguir princípios clássicos da antibioticoprofilaxia miologia, prevenção e controle. Rio de Janeiro: Medsi. 2001;
cirúrgica, devendo ser eficiente contra o(s) principal(is) p.435-48.
12 ■ Chen YS, Liu YH, Kunin CM, Huang JK, Tsai CC. Use of
patógeno(s) contaminante(s) do sítio cirúrgico. Além
prophylactic antibiotics in surgery at a medical center in sou-
disso, para aumentar sua absorção e o tempo de exposi- thern Taiwan. J Formos Med Assoc. 2002;101:741-8.
ção da droga na área operada, ele deve apresentar algumas 13 ■ Hoffman RD, Adams BD. The role of antibiotics in the manage-
características essenciais à sua eficácia: elevado peso mole- ment of elective and post-traumatic hand surgery. Hand Clin.
cular, baixo conteúdo lipídico e presença de carga negati- 1998;14:657-66.
va47. 14 ■ Su HY, Ding DC, Chen DC, Lu MF, Liu JY, Chang FY.
Na prática clínica, o uso tópico de antimicrobiano em Prospective randomized comparison of single-dose versus 1-
day cefazolin for prophylaxis in gynecologic surgery. Acta
operações oftalmológicas (p.ex. colírio) em substituição à Obstet Gynecol Scand. 2005;84:384-9.
administração endovenosa tem tido mais adeptos a cada 15 ■ Lewis RT. Antibiotic prophylaxis in surgery. Can J Surg.
dia. A administração tópica de tobramicina ou gentamici- 1981;24:561-6.
na antes da operação (p.ex. 24h antes) e a administração 16 ■ Classen DC, Evans RS, Pestotinik SL, Horn SD, Menlove RL,
subconjuntival de cefalotina 100mg ao final do procedi- Burke JP. The timing of prophylactic administration of anti-
mento têm sido as preferidas. biotics and the risk of surgical wound infection. N Engl J
Med. 1992;326:281-6.
17 ■ Gorecki P, Schein M, Rucinski JC, Wise L. Antibiotic adminis-
Referências tration in patients undergoing common surgical procedures
in a community teaching hospital: the chaos continues. World
1 ■ Burke JF. The effective period of preventive antibiotic action in J Surg. 1999;23:429-32.
experimental incisions and dermal lesions. Surgery. 18 ■ Solla JA, Rothenberger DA. Preoperative bowel preparation. A
1961;50:161-8. survey of colon and rectal surgeons. Dis Colon Rectum.
2 ■ Bernard HR, Cole WR. The prophylaxis of surgical infections. 1990;33:154-9.
The effect of prophylaxis of surgical infections. The effect of 19 ■ Lewis RT. Oral versus systemic antibiotic prophylaxis in elective
prophylactic antimicrobial drugs on the incidence of infec- colon surgery: a randomized study and meta-analysis send a
tion following potentially contaminated operations. Surgery. message from the 1990s. Can J Surg. 2002;45:173-80.
1964; 56:151-6. 20 ■ Takesue Y, Ohge H, Sueda T. Appropriate antibiotic prophyla-
3 ■ McDonald M, Grabsch E, Marshell C, Forbes A Single-versus xis and treatment in surgery—comparison of concepts in
multiple-dose antimicrobial prophylaxis for major surgery: a North America and Japan. Nippon Geka Gakkai Zasshi.
systematic review. Aust N Z Surg. 1998; 68:388-96. 2004;105:709-15. (resumo)

229
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

21 ■ Gribaum RS, Associação Paulista de Estudos e Controle de 35 ■ Ceccon FP, Cervantes O, Abrahão M. Antibiotic prophylaxis
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São Paulo: APECIH. 2001. 2a. ed. 1995;19:134-6.
22 ■ Esposito S. Is single-dose antibiotic prophylaxis sufficient for 36 ■ Rodrigo JP, Alvarez JC, Gomez JR, Suarez C, Fernandez JA,
any surgical procedure? J Chemother. 1999;11:556-64. Martinez JA. Comparison of three prophylactic antibiotic
23 ■ Binahmed A, Stoykewych A, Peterson L. Single preoperative dose regimens in clean-contaminated head and neck surgery.
versus long-term prophylactic antibiotic regimens in dental Head Neck. 1997;19:188-93.
implant surgery. Int J Oral Maxillofac Implants. 2005;20:115-7. 37 ■ Seven H, Sayin I, Turgut S. Antibiotic prophylaxis in clean neck
24 ■ Mangram AJ, Horan TC, Pearson ML, Silver LC, Jarvis WR, dissections. J Laryngol Otol. 2004;118:213-6.
Hospital Infection Control Practices Advisory Committee. 38 ■ Keighley MRB. Prevention of wound sepsis in gastrointestinal
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Control Hosp Epidemiol. 1999;20:250-78. 39 ■ Amorim MMR, Santos LC, Guimarães V. Fatores de risco para
25 ■ University of Wisconsin. Antimicrobial use guidelines. 8. ed. infecção pós-histerectomia total abdominal. Rev Bras
Disponível em: <http:// www.medsch.wisc.edu/clins- Ginecol Obstet. 2000;22:443-8.
ci/amcg/appendix>. 40 ■ Hager WD. Postoperative infections: prevention and manage-
26 ■ Curse PSG, Foord M. The epidemiology of wound infection. ment. In: Rock JA, Thompson JD, editors. Te Linde’s
Surg Clin North Am. 1980;60:27-40. Operative Gynecology. 8th ed. Philadelphia: Lippincott-
27 ■ Baum ML, Anish DS, Chalmers TC. A survey of clinical trials Raven; 1997. p.233-44.
of antibiotic prophylaxis in colon surgery: evidence against 41 ■ Taylor G, Herrick T, Mah M. Wound infections after hysterec-
further of no treatment controls. N Engl J Med. tomy: opportunities for practice improvement. Am J Infect
1981;305:795-9. Control. 1998;26:254-7.
28 ■ Salzmann G. Perioperative infection prophylaxis in vascular 42 ■ Hemsell DL, Johnson ER, Hemsell PG, Nobles BJ, Heard MC.
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Cardiovasc Surg. 1983;31:239-42. 1990;76:603-6.
29 ■ Antibiotic prophylaxis for herniorrhaphy and breast surgery. N 43 ■ Persson E, Bergstrom M, Larsson PG, Moberg P, Platz-
Eng J Med. 1984;322:1884-6. Christensen JJ, Schedvins K, Wolner-Hanssen P.
30 ■ Ferraz EM. Infecção da ferida na cirurgia do aparelho digestivo. Infections after hysterectomy. A prospective nation-wide
1990. Tese (Prof. Titular) – Departamento de Cirurgia da Swedish study. The Study Group on Infectious Diseases in
Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Obstetrics and Gynecology within the Swedish Society of
31 ■ Hopkins CC. Antibiotic prophylaxis in clean surgery: periphe- Obstetrics and Gynecology. Acta Obstet Gynecol Scand.
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1991;13:S869-73. em procedimentos cirúrgicos. Infect Control Hosp Epid.
32 ■ Platt R, Zaleznik DF, Hopkins CC, Dellinger EP, Karchmer 1994;15:182-8.
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33 ■ Mangram AJ, Horan TC, Pearson ML, Silver LC, Jarvis WR, 46 ■ Tocchi A, Lepre L, Costa G, Liotta G, Mazzoni G, Maggiolini
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230
Capitulo 19.qxd 2/23/06 15:18 Page 231

19
PRINCÍPIOS DA
ANTIBIOTICOTERAPIA

Renato Camargos Couto,


Tânia Moreira Grillo Pedrosa

Introdução Além dos riscos mencionados, é importante obser-


var que:
Os pacientes cirúrgicos encontram-se, com freqüen- ■ aos aspectos ligados à microbiota, se alia um sem
cia, gravemente enfermos, amplamente invadidos com o número de efeitos colaterais e interações de drogas
aparato de suporte vital. Neste tipo de população, o uso que podem ser evitados ou minimizados quando
racional de antimicrobianos torna-se arma essencial na não se usa ou quando se tem o conhecimento para
prevenção de diversas complicações. fazer a melhor opção dentro do contexto clínico de
Os antibióticos apresentam diversos riscos: um paciente, exigindo do cirurgião amplos conheci-
■ eliminam as bactérias sensíveis a eles, permitindo o
mentos médicos;
aumento da população de bactérias resistentes; ■ os custos diretos e indiretos (insumos de aplicação)
■ induzem resistência, uma vez que a bactéria possui no
dos antimicrobianos os colocam entre os ítens de
seu genoma o conjunto de gens que permite criar maior peso nos custos hospitalares.
mecanismos de resistência ao antibiótico em uso e
também a outros. Esses gens encontram-se inativos Diante de situação clínica em que a infecção é uma
pela repressão genética, mantendo-a sensível ao anti- das possibilidades, várias decisões devem ser tomadas de
biótico. Algumas drogas (ceftazidima, cefoxitina etc.) maneira rápida e correta. A primeira dúvida é se a doen-
são capazes de produzir desrepressão desses gens, ça é infecciosa. As manifestações clínicas de várias doen-
fazendo com que se manifeste a resistência não só à ças incluem febre, leucocitose ou leucopenia, choque,
droga em uso, mas também a outros antibióticos; taquipnéia e taquicardia, que são os sinais mais específi-
■ eliminam a flora anaeróbica, especialmente do trato cos da síndrome infecciosa. Portanto, a primeira questão
gastrointestinal. A maioria das bactérias que, mais é: estou diante de uma infecção? Em face de síndromes
tarde, produzirão as infecções hospitalares (entero- clínicas graves caracterizadas por sinais de sepse (taquip-
bacteriaceae, pseudomonaceae, enterococos etc.) ori- néia, taquicardia, febre, leucocitose) ou choque devem se
gina-se no intestino, vindo mais tarde a ocupar os iniciar antibióticos empíricos até que se tenha certeza
diversos sítios (pulmão, urina etc.). A quantidade des- de se tratar de doença não-infecciosa quando, então,
sas bactérias é limitada pela microbiota anaeróbica, serão suspensos.
bem menos invasiva. Os antibióticos que eliminam Tomada a decisão de se iniciarem antibióticos, deve-
os anaeróbios (vancomicina, cefalosporinas, cefoxiti- mos coletar material para cultura e definir quais são os
na, imipenem etc.) produzem grandes desequilíbrios, patógenos prováveis envolvidos na síndrome em ques-
levando ao supercrescimento de aeróbios Gram- tão. A partir dos patógenos, é possível definir várias dro-
positivos e negativos, com repercussões futuras. gas que, isoladamente ou em associação, são eficazes.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Após a etapa anterior, várias possibilidades terapêu- Principais antimicrobianos


ticas existem. Devemos levar, então, em consideração,
o sítio infeccioso provável, bem como as condições do Betalactâmicos
paciente e da instituição. As perguntas a serem respon- O grupo é constituído pelas penicilinas, cefalospori-
didas são: qual(is) a(s) droga(s) de melhor penetração nas, cefamicinas, carbapenêmicos, monobactâmicos.
no sítio e qual(is) a(s) interação(ões) dos efeitos da Esses antimicrobianos possuem uma proteína específica
droga (desejáveis e indesejáveis) com as condições dos de ligação na membrana celular conhecida como protein
diversos sistemas fisiológicos do paciente (rins, fígado, binding penicillin (PBP) e, a partir daí, interferem na sínte-
comorbidades etc.). Após esta etapa, freqüentemente se da parede celular, levando à morte bacteriana.
ainda estaremos diante de várias boas possibilidades Os mecanismos de resistência bacteriana são a produ-
para a escolha final. ção de enzimas inativadoras (betalactamases) e a modifi-
O último passo deve levar em consideração a via de cação da estrutura das protein binding penicillin, impedindo
administração e a dose mais adequada ao sítio infeccioso a ligação do antibiótico.
e às condições do paciente, o custo e as interações com Os efeitos colaterais são, em geral, comuns a todo o
outras drogas em uso. Certamente, com este passo, o grupo, variando quanto à freqüência de ocorrência de
médico terá chegado à decisão final. acordo com a droga. São eles flebite, rash cutâneo, febre,
Iniciado o uso do(s) antibiótico(s), é necessário ava- eosinofilia, teste de Coombs positivo, anemia hemolítica,
liar sua continuidade à luz da evolução clínica e dos resul- neutropenia, disfunção plaquetária, nefrite intersticial
tados da(s) cultura(s) que possibilitarão maior clareza (exceto imipenem e aztreonam), disfunção renal (somen-
diagnóstica, permitindo ajuste na decisão inicial. te cefalosporinas), aumento de aminotranferases (exceto
O acompanhamento dos efeitos colaterais esperados penicilina cristalina), diarréia, náuseas, convulsões
das drogas permite a detecção precoce deles. A própria (somente penicilina cristalina, amino, carboxi e ureído
evolução das diversas condições dos sistemas fisiológicos e penicilinas e imipenem).
das comorbidades também pode influenciar na decisão de
se manter(em) ou se mudar(em) a(s) droga(s) escolhida(s).
Devemos, finalmente, definir o tempo de tratamento Penicilinas
que deve ser o mínimo necessário para a cura já que qual-
Constitui grupo de drogas bem estabelecido e conhe-
quer dia a mais de uso agrega efeitos colaterais e custo.
cido. São rapidamente excretadas pelos rins e, portanto,
Cada sítio requer um tempo que deve ser seguido.
a dose deve ser ajustada na insuficiência renal. A hiper-
Os enganos mais comuns no dia-a-dia são: tratar
sensibilidade é o efeito colateral mais comum e manifes-
doenças não-infecciosas com antibióticos; acreditar que
ta-se com eosinofilia, doença do soro, anafilaxia e febre
drogas de última geração são melhores que drogas anti-
com os mais diferentes perfis.
gas; não suspender os antibióticos quando se configura
As penicilinas têm imunogenicidade comum, portanto
quadro não-infeccioso como causa da síndrome clínica;
a alergia a uma delas é comum a todas. Anemia hemolíti-
não ajustar a dose às condições do paciente e ao sítio de
ca, teste de Coombs positivo, leucopenia, plaquetopenia e
infecção; não estreitar o espectro diante do resultado de nefrite intersticial são raros. As convulsões só ocorrem
cultura; usar as drogas por tempo maior que o necessá- com altas doses, especialmente na insuficiência renal.
rio; não incluir o custo entre as características a serem
avaliadas para escolha das drogas; não monitorizar os
efeitos colaterais esperados; usar doses médias em PENICILINA G
pacientes graves que requerem doses máximas. Sensível às betalactamases. Usada na terapêutica de
Não há fórmulas prontas. Cada paciente, com suas Streptococcus dos grupos A, B, C, G, S. pneumoniae, L.
características específicas, tratado em instituição específi- monocytogenis, N. meningitidis e anaeróbios, exceto os pro-
ca, terá uma escolha ótima de antibióticos para o seu pro- dutores de betalactamases, como o grupo Bacteroides. A
blema. Devemos, portanto, conhecer cada antimicrobia- ocorrência de resistência entre os pneumococos é um
no para realizar a escolha certa. problema de saúde pública crescente nos Estados
232
Capitulo 19.qxd 2/23/06 15:18 Page 233

Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

Unidos e Europa. Em nosso meio, a importância de sua nos EUA 20% a 30% dos H. influenzae são produtores de
ocorrência necessita de melhor avaliação. betalactamases capazes de inativá-las. São inativas para
Apresentações: Aquosa com 1,7mEq de potássio por Enterobacter sp, Pseudomonas sp e Klebsiella sp. As duas apre-
milhão de unidades para uso endovenoso e intramuscu- sentações disponíveis no nosso meio são ampicilina e
lar. Associada à procaína com nível sustentado de 12h amoxacilina. Têm o mesmo espectro, mas a ampicilina
para uso intramuscular. Associada à benzatina com níveis deve ser usada preferencialmente por via venosa, pois
baixos sustentados por duas a três semanas, usada em tem absorção oral errática.
aplicação intramuscular para a profilaxia da febre reumá- Elas podem ser associadas a inibidores de betalacta-
tica e tratamento da sífilis. mases – o ácido clavulânico associado à amoxacilina e o
sulbactam à ampicilina. Trata-se de uma associação que
as torna ativas contra: S. aureus cujo mecanismo de resis-
PENICILINAS SEMI-SINTÉTICAS RESISTENTES ÀS PENICILINASES tência seja a produção de betalactamase e não a mudan-
No nosso meio encontra-se disponível a oxacilina, ça da proteína ligadora de betalactâmicos; H. influenzae;
usada para tratar S. aureus, produtor de penicilinase. É N. gonorrhoeae; todos os anaeróbios, incluindo B. fragilis; e
menos ativa que a penicilina cristalina para estreptoco- enterobacteriáceas produtoras de betalactamase de ori-
cos, não age em Listeria e nos anaeróbios, possuindo ação gem plasmidial. Essa associação nada acrescenta quando
errática somente no Peptoestreptococus sp. A resistência do se trata de Pseudomonas sp, Enterobacter sp, Serratia sp, cuja
S. aureus à oxacilina se estende a todos os betalactâmicos. resistência se dá também por betalactamases de origem
Essas penicilinas são usadas no antibiograma como mar- cromossômica não inibidas pelo ácido clavulânico ou
cadores de resistência aos betalactâmicos. sulbactam. No entanto, ela é ótima opção às cefalospori-
A infecção estafilocóccica pode ser determinada por nas de terceira geração para a terapêutica empírica dos
várias cepas simultaneamente, sendo algumas sensíveis e diversos quadros infecciosos graves que ocorrem nas
outras resistentes. A detecção no antibiograma das sub- crianças de dois meses a cinco anos de idade cujos agen-
populações resistentes à oxacilina é mais fácil do que a tes de maior prevalência são o S. aureus, H. influenzae e
detecção das subpopulações resistentes aos outros beta- pneumococo. A associação é também indicada nas peri-
lactâmicos. Nos casos de subpopulação resistente à oxa- tonites secundárias às catástrofes abdominais, nas afec-
cilina ela é certamente resistente a todos os representan- ções ginecológicas e nas pneumonias comunitárias do
tes do grupo. O mecanismo de resistência conhecido adulto quando se apresentam com grande gravidade, em
como intrínseco se dá pela mudança do receptor de liga- especial aqueles quadros que exigem hospitalização. O
ção dos betalactâmicos à membrana celular. seu uso nessas situações preserva as cefalosporinas de
Há cepas de S. aureus conhecidas como tolerantes e terceira geração.
que apresentam dissociação entre a concentração inibitó- A via oral da amoxacilina/clavulanato pode apresen-
ria mínima e bactericida mínima, associando-se a má res- tar efeitos colaterais relacionados ao trato gastrointesti-
posta clínica aos betalactâmicos. Um outro subgrupo é nal, caracterizados por náuseas e vômitos.
conhecido como BORSA (borderline oxacillin resistant
S. aureus) e o mecanismo provável é a produção excessiva
de betalactamase. Estes dois subtipos se apresentam CARBOXI E UREIDO PENICILINAS

como resistentes no antibiograma que usa a técnica de São penicilinas de espectro alargado semelhante à
difusão em disco. ampicilina, apresentando como vantagem maior cobertu-
Os efeitos colaterais mais comuns incluem nefrite ra para Enterobater sp, Serratia sp, Providencia sp, Morganella
intersticial, aumento de aminotransferases, icterícia sp, Aeromonas sp, Acinetobacter sp e anaeróbios, incluindo o
colestática e neutropenia. Bacteroides fragilis. Pseudomonas aeruginosa habitualmente é
resistente. Apresentam efeito sinérgico com uso de ami-
noglicosídeo associado. Penetram mal no sistema
PENICILINAS DE ESPECTRO AMPLIADO nervoso central.
São menos ativas que a penicilina cristalina para o Os efeitos colaterais são semelhantes aos das outras
estreptococo. Têm atividade contra o H. influenzae, penicilinas, acrescidos de flebite, hipocalemia e altera-
Neisseria sp, Enterobacteriaceae. Não cobrem S. aureus e ções do tempo de coagulação. A ticarcilina e piperacili-
233
Capitulo 19.qxd 2/23/06 15:18 Page 234

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

na são carboxi penicilinas e contêm 4,7mEq a 5mEq de te quando se trata de Enterobacter sp, Pseudomonas aeruginosa,
sódio/grama. As ureído penicilinas são azlocilina Serratia sp, Acinetobacter sp e Proteus indol-positivo. Nas
e mezlocilina. situações clínicas em que estas bactérias são patógenos
O espaço deste grupo de drogas na terapêutica foi potenciais, a associação com aminoglicosídeos, que é
ocupado pelas cefalosporinas de terceira geração por sinérgica, é recomendada por período de três a cinco dias.
terem maior eficácia, com menores efeitos colaterais. O Existem três mecanismos básicos de resistência:
seu papel hoje é muito limitado. ■ diminuição da afinidade pelas proteínas ligadoras de
A associação de ticarcilina ao ácido clavulânico pouco betalactâmicos (PBP) situadas na membrana celu-
ou nada muda na sua aplicabilidade clínica.Torna-a ativa lar, por mudança em sua estrutura. Este é o meca-
para S.aureus e anaeróbios produtores de betalactamase, nismo de resistência do S. aureus às penicilinas resis-
mas esta cobertura de forma alguma aumenta sua aplica- tentes a betalactamases e cefalosporinas (MRSA) e
bilidade. O que se desejava era uma melhor cobertura das de alguns gonococos e pneumococos resistentes às
bactérias Gram-negativas, especialmente Pseudomonas penicilinas;
aeruginosa, Serratia sp e Enterobacter sp, porém grande parte ■ diminuição de permeabilidade ao antibiótico dos
das betalactamases destas bactérias é de origem cromos- poros da membrana, dificultando o acesso às
sômica, não inibidas, em geral, pelo inibidor de betalacta- PBPs que se situam mais profundamente na
mase associado. membrana dos bastonetes Gram-negativos. Este
A piperacilina/tazobactam também apresenta boa mecanismo ocorre acompanhado da produção de
atuação contra betalactamases plasmidiais, mas não con- betalactamases;
tra as cromossômicas. Seu espectro de ação inclui ■ produção de betalactamases, que determina inativa-
S. aureus meticilino-sensível, Streptococcus pyogenes, anaeró- ção hidrolítica dos antibióticos. A produção de
bios e a maioria das cepas de Enterococus faecalis. Até o betalactamases pode ter codificação cromossômica
momento, parece ser uma droga interessante no trata- ou extracromossômica, por plasmídios ou trans-
mento de P. aeruginosa multirresistentes que apresentam possomos, o que confere transmissibilidade entre
cerca de 91% a 95% de sensibilidade a essa associação. espécies. As cefalosporinas são relativamente está-
Não penetra no SNC. veis diante das betalactamases de S. aureus, N. gonor-
rhoea, H. influenza. A diminuição da ação das cefalos-
Cefalosporinas e cefamicinas porinas mais novas (com exceção das de quarta
geração) para o S. aureus se deve à menor afinidade
As cefamicinas, embora não pertençam a este grupo, destas drogas com as proteínas ligadoras de betalac-
são abordadas em conjunto por suas características far- tâmicos não modificadas da bactéria. As betalacta-
macológicas, espectro e aplicabilidade clínica. A classifi- mases de bastonetes Gram-negativos de origem
cação em gerações agrupa drogas com espectro antibac- plasmidial conferem resistência às cefalosporinas, e
teriano e farmacocinética semelhantes. À medida que se as de geração mais recente são mais estáveis diante
aumentam as gerações observa-se aumento de atividade delas. Existem aquelas de espectro alargado que
para bactérias bastonetes Gram-negativas e diminuição conferem alta resistência a todas as cefalosporinas e
da ação para cocos Gram-positivos, com exceção das de ao aztreonam e são mais comumente encontradas
quarta geração, que mantêm atividade para os cocos em Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa,
Gram-positivos semelhante à das cefalosporinas de pri- Enterobacter sp, Serratia sp, Citrobacter freundii,
meira geração. Esta diminuição de ação para os cocos Morganella, Providencia que têm em seu cromossomo
Gram-positivos se dá pela diminuição da afinidade das os gens para produção de betalactamases capazes
drogas pela proteína de ligação da membrana bacteriana. de inativar as cefamicinas e cefalosporinas, incluin-
Todas são inativas para os enterococos, que vêm se do as de terceira geração. Estes gens podem se
constituindo no mais novo flagelo dos hospitais ameri- encontrar reprimidos e, portanto, incapazes de se
canos. A emergência de resistência, seja no ambiente expressarem na forma de produção enzimática. As
hospitalar, seja durante o curso de tratamento de bacté- cefalosporinas são capazes de produzir desrepres-
ria inicialmente sensível, é evento esperado especialmen- são gênica, induzindo a produção de enzimas inclu-
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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

sive no curso da terapêutica de bactéria inicialmen- diante das betalactamases de H. influenzae que as cefalos-
te sensível. A cefoxitina e a ceftazidima são os mais porinas de primeira geração e tem algum papel na tera-
potentes indutores de betalactamases. Esta é uma pêutica das otites que não respondem às drogas de pri-
das bases para a restrição do seu uso em ambiente meira linha (sulfa, amoxacilina).
hospitalar. A hipersensibilidade é o efeito colateral É um grupo de drogas de uso limitado quando se leva
mais comum e pode ocorrer de maneira cruzada em consideração o custo/ benefício. Há um sem núme-
com outros betalactâmicos. Outros efeitos adver- ro de drogas que, isoladas ou associadas, têm o mesmo
sos são aqueles comuns a todos betalactâmicos. espectro, com custo e risco (indução de betalactamases)
menor para o paciente. Raramente se encontrará uma
razão que justifique seu uso.
CEFALOSPORINAS DE PRIMEIRA GERAÇÃO
Apresentam boa atividade para cocos Gram-positi-
vos, incluindo o S. aureus. Cobrem a M. catarrhalis, CEFALOSPORINAS DE TERCEIRA GERAÇÃO
H. ducreyi, N. gonorrhoeae e os bastonetes Gram-negativos, São menos ativas que as cefalosporinas de primeira
como a E. coli, Klebsiella sp e Proteus mirabilis, especialmen- e segunda geração para S. aureus e mais ativas para os
te os de origem comunitária. São ativas contra anaeró- bastonetes Gram-negativos, incluindo P. aeruginosa.
bios susceptíveis à penicilina (exceto Bacteroides sp). Para os outros germes, elas têm atividade igual às de
As apresentações parenterais, no nosso meio, são a segunda geração:
cefalotina e a cefazolina. A cefazolina produz menos flebi- ■ a cefotaxima tem ação modesta para P. aeruginosa. É
te, pode ser usada por via intramuscular e tem meia-vida metabolizada a desacetil cefotaxima que, embora
maior que permite o uso a cada oito horas. A opção entre menos potente que a droga de origem, tem a meia-
as duas deve se basear principalmente no custo; caso ele vida mais longa, o que permite seu uso a cada oito
seja semelhante, outros aspectos nortearão a escolha. horas para infeccões moderadas. Cobre anaeróbios,
As formas orais disponíveis são a cefalexina e o cefa- inclusive 40% a 50% dos B. fragilis;
droxil, sendo que a segunda tem meia-vida maior, permi- ■ a cefodizima tem espectro semelhante à cefotaxi-
tindo o uso a cada 12 horas. Ambas não atingem níveis ma. É descrita ação imunomoduladora cujo papel
teciduais elevados. São apropriadas para a terapêutica das clínico é indefinido;
infecções urinárias ou infecções de outros órgãos quan- ■ a ceftriaxona é a mais potente cefalosporina para
do já se encontrarem controladas ou forem de pequena N. gonorrhoeae, N. meningitidis, H. influenza. Sua far-
gravidade. A opção entre as duas tem como base o custo macocinética com meia-vida de oito horas e 90% de
final e a comodidade posológica. ligação protéica permite seu uso a cada 24 horas
mesmo para infecções graves com risco de vida,
com exceção da meningite (12 em 12 horas);
CEFALOSPORINAS DE SEGUNDA GERAÇÃO
■ a ceftazidima é uma cefalosporina de terceira gera-
Possuem o mesmo espectro das cefalosporinas de pri-
meira geração, com melhor cobertura para os bastonetes ção única. Tem capacidade de induzir betalactama-
Gram-negativos aeróbios e anaeróbios. Passam a ser incluí- ses e é pouco sensível às betalactamases cromossô-
das na cobertura de Proteus vulgaris, Providencia sp, Morganella micas. Tem baixa atividade para S. aureus e
sp, Aeromonas sp. Os anaeróbios são bem cobertos, mas, das Bacteroides fragilis. É a cefalosporina de escolha para
drogas disponíveis em nosso meio, somente a cefoxitina a terapêutica de P. aeruginosa. Tem boa penetração
cobre B. fragilis. Deve-se considerar a existência de cepas de no sistema nervoso central e é a droga de escolha
anaeróbios resistentes, sendo preferível o uso de drogas para a terapêutica das meningites por P. aeruginosa.
mais ativas, como cloranfenicol, metronidazol ou clindami- Este grupo pode ser dividido em cefotaxima, cefodizi-
cina nas infecções de maior gravidade. ma, ceftriaxona e ceftazidima. As três primeiras têm espec-
Temos disponíveis a cefuroxima (via endovenosa, tro semelhante e a opção entre elas deve se basear no custo
intramuscular) e a cefuroxima axetil (via oral). A cefoxi- final, exceto nas infecções do sistema nervoso central, para
tina (endovenosa) deve ser lembrada pela elevada capaci- as quais a ceftriaxona deveria ser a droga de escolha. A
dade de induzir betalactamase. Este grupo é mais estável cobertura que conseguem dar para o S. aureus garante rela-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tiva segurança para a cobertura empírica de infecções em de Serratia sp e P. aeruginosa. Ele age sinergicamente com
que esta bactéria deva ser o agente etiológico. A ceftazidi- os aminoglicosídeos. Os mecanismos de resistência são
ma é única, sendo a droga de escolha quando se pensa em os mesmos das cefalosporinas. Não induz betalactama-
P. aeruginosa e bastonetes Gram-negativos produtores de ses. Não tem reação de hipersensibilidade cruzada com
betalactamases cromossômicas ou plasmidiais, com exce- os outros betalactâmicos, o que o torna uma boa opção
ção das plasmidiais de espectro alargado que são raras e se nesta ocorrência.
associam mais freqüentemente a Klebsiella sp. Sua cobertu- A sua aplicabilidade clínica fica limitada pelo custo,
ra ruim para S. aureus impede o seu uso como monoterapia pois possui espectro semelhante ao dos aminoglicosí-
empírica em situações em que este agente pode ser a etio- deos, exceto pela cobertura de neisserias e hemófilos.
logia da infecção: Apesar da maior toxicidade, os aminoglicosídeos são
■ a associação dessas cefalosporinas com aminoglico- infinitamente mais baratos.
sídeos é sinérgica e diminui a indução de betalacta-
mases. Deve ser usada especialmente na suspeita de
P. aeruginosa, Enterobacter sp e Serratia sp por um Tienamicinas
período de três a cinco dias; O imipenem vem com uma associação fixa com cilas-
■ as cefalosporinas de terceira geração disponíveis
tatina que diminui sua excreção renal. Possui espectro de
por via oral são a cefixime e a cefpodoxime. A cefi- ação amplo, com grande potência, com cobertura de
xime é ativa para Streptococcus pneumoniae, H. influen- cocos Gram-positivos, exceto o S. aureus meticilino resis-
zae, Neisseria e muitas enterobacteriáceas, mas não é tente e o Enterococcus faecium, todos os bastonetes Gram-
ativa para S. aureus e pode ser usada em dose única negativos, com exceção da Legionella sp e X. maltophilia e
diária. A cefpodoxime tem o mesmo espectro ante- todos os anaeróbios. Possui elevada resistência às beta-
rior, porém com meia-vida mais curta. lactamases tanto de origem cromossômica quanto plas-
midial, mas é potente indutor de betalactamases.
CEFALOSPORINAS DE QUARTA GERAÇÃO
O meropenem apresenta o mesmo espectro do imipe-
Este novo grupo, constituído pela cefpirome e cefe- nem e tem como vantagens menor ocorrência de convul-
pime, apresenta características que o tornam peculiar: sões, melhor penetração no sistema nervoso central e
menor capacidade de induzir betalactamases. Tem como
■ a cefpirome tem atividade superior às cefalospori-
efeitos colaterais reações alérgicas, neutropenia, tromboci-
nas de terceira geração quando se trata de estrepto- topenia, parestesia, aumento de transaminases, da fosfatase
cocos, S. aureus, Neisseria sp, H. influenzae e entero- alcalina e de desidrogenase lática. A apresentação intramus-
bacteriáceas, mas possui menor atividade para P. cular não pode ser usada na faixa pediátrica nem nos
aeruginosa que a ceftazidima. Parece estável diante pacientes com insuficiência renal e clearance <50ml/min.
das betalactamases de espectro alargado. Penetra O ertapenem sódico é o novo componente da clas-
no sistema nervoso central, mas seu uso neste sítio se dos carbapenêmicos. Não apresenta o mesmo
é pouco estudado; espectro de ação (e de indicação terapêutica) dos
■ a cefepime possui características semelhantes a cef-
demais agentes desta classe, pois é menos ativo para as
pirome, exceto pela aparente melhor ação sobre P. pseudomonas e acinetobacter, não devendo ser usado
aeruginosa; na terapêutica empírica das infecções hospitalares. Há
■ estas drogas podem ser de utilidade na terapêutica
maior comodidade terapêutica devido à sua maior
de germes só sensíveis a elas, especialmente os bas- meia-vida que permite posologia de dose única diária.
tonetes Gram-negativos produtores de betalacta- O seu uso se restringe a pacientes com bactérias cujo
mases alargadas. único antimicrobiano eficaz seja a tienamicina e na tera-
pêutica empírica de pacientes já submetidos a inúmeros
Aztreonam cursos de antimicrobianos, portanto sujeitos a infecções
por germes com múltipla resistência. Um erro relativa-
Este monobactâmico atua exclusivamente em basto- mente comum é usar antibióticos de última geração
netes Gram-negativos aeróbicos, incluindo muitas cepas naqueles pacientes com gravidade extrema. É bom lem-
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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

brar que não há relação entre gravidade do quadro infec- por estreptococos, S. epidermidis e S. aureus meticilino sen-
cioso e resistência bacteriana aos antibióticos, ou seja, sível e resistente. É a droga de escolha quando se trata de
um pneumococo multisensível determinará quadros tão S. aureus meticilino resistente, Enterococcus faecium, E. faeca-
graves quanto uma Pseudomonas multirresistente na lis quando resistentes à penicilina e Clostridium difficile.
dependência de outros fatores: mecanismo de defesa do Os enterococos penicilina e vancomicina resistentes
hospedeiro; retardo na intervenção terapêutica; suporte vêm se tornando grave problema nos Estados Unidos e
hemodinâmico inadequado; intensidade e qualidade da Europa. A resistência é mediada por plasmídeos. Nas
reação orgânica ao agente agressor (caráter individual). infecções por enterococos, a associação com gentamicina é
sinérgica e sabidamente benéfica.
Nas infecções por S. aureus de resposta terapêutica lenta,
Macrolídeos
a associação de gentamicina mostra-se de valor.
São drogas bacteriostáticas que agem ligando-se à subu- Nas infecções por Clostridium difficille, a vancomicina
nidade 50S do ribossomo, alterando a síntese protéica. deve ser usada por via oral e é droga de segunda escolha
Possuem ampla interação medicamentosa, como a eleva- para evitar a emergência de Enterococcus vancomicina resis-
ção do nível plasmático de teofilina, digoxina, warfarin, car- tente. A droga de primeira escolha é o metronidazol. A res-
bamazepina e ciclosporina, e prolongamento do intervalo trição de seu uso é essencial para evitar a emergência de
QT nos pacientes em uso dos anti-histamínicos astemizol resistência. A grande arma é o controle da ocorrência de
e terfenadine. Os efeitos colaterais mais comuns se referem S. aureus meticilino resistente que constitui a principal indi-
ao trato gastrointestinal (diarréia, náuseas e vômitos) e são cação da droga.
mais raros com azitromicina e claritromicina. A vancomicina é de eliminação renal, o que a torna
A forma venosa da eritromicina pode produzir flebi- economicamente interessante na insuficiência renal.
te, que é minimizada pela diluição em, pelo menos, Pode ocorrer a síndrome do homem vermelho (hipere-
250ml de solução salina. Raramente pode ocorrer surdez mia, calor difuso) e até choque por liberação de histami-
transitória e torsard points. A hepatite colestática é própria na com a infusão venosa rápida (a infusão deve ser em
do estolato. 45 minutos a uma hora). A neurotoxicidade, especial-
A eritromicina é a droga de escolha para infecções mente auditiva dose-dependente, pode ocorrer e muitas
estreptocóccicas e estafilocóccicas em pacientes alérgicos vezes é irreversível. A insuficiência renal é transitória e
aos betalactâmicos. É a droga de escolha para Legionella sp e atualmente, com preparações mais puras, tornou-se
Micoplasma sp. incomum. Raramente se vê leucopenia, trombocitopenia
A claritromicina é quatro vezes mais potente que a e eosinofilia.
eritromicina para estreptococo e S. aureus meticilino sen-
sível. Nenhuma das duas é útil para o S. aureus meticilino
resistente. É mais ativa contra Moraxella e H. influenzae. Teicoplanina
Apresenta boa atividade para o Mycobacterium avium. No
restante, é similar à eritromicina. Encontra-se disponível Apresenta o mesmo espectro, indicações e limitações
nas formas oral e venosa. da vancomicina. Tem como vantagem o uso de dose
A azitromicina é mais ativa que as duas anteriores única diária, a possibilidade da via muscular e a menor
para o H. influenzae e Moraxella, mas é semelhante à clari- incidência de efeitos colaterais. A baixa penetração no
tromicina no que se refere às outras bactérias. Está tam- sistema nervoso central limita seu uso no tratamento de
bém disponível nas formas oral e venosa. infecções nesta topografia.
A dose terapêutica para infecções profundas, para
que se atinja o mesmo índice de cura da vancomicina, é
Glicopeptídeos de 400mg/dia. Recente revisão de 200 estudos científi-
cos sugere doses de 10mg/kg/dia a 12mg/kg/dia para
Vancomicina
maximizar os resultados.
Este antigo antimicrobiano que age na síntese da A opção entre vancomicina e teicoplanina deve ter
parede celular mostra-se útil no tratamento de infecções como base, além dos aspectos farmacológicos, o custo e o
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

perfil de sensibilidade ao antibiograma, uma vez que não há tratamento; infecção em outros sítios após o controle do
100% de correlação entre as duas drogas. quadro clínico.
Os aminoglicosídeos continuam a ser drogas de pri-
meira linha para os germes sensíveis a eles. São eficazes,
Aminoglicosídeos baratos e com baixo potencial de produzir resistência no
São bactericidas que atuam no ribossomo, interferindo ambiente hospitalar, ao contrário das cefalosporinas.
na síntese protéica. Atuam contra S. aureus, Enterococcus sp, H.
influenzae, E. coli, Klebsiella sp, Enterobacter sp, Serratia sp,
Cloranfenicol
Pseudomonas aeruginosa, Proteus sp. Não atuam contra anaeró-
bios. Não devem ser usados isoladamente na terapêutica Esta droga atua na síntese protéica por meio de liga-
dos cocos Gram-positivos, pois os betalactâmicos são bem ção ao ribossomo. É bactericida para S. pneumoniae,
mais eficazes. Hemophilus sp, N. meningitidis, todos os anaeróbios, alta-
O mecanismo de resistência mais comum é de origem mente ativa para Salmonella sp, Rickettsia sp, também atuan-
plasmidial por enzima inativadora, para as quais a amica- do em P. mallei, P. pseudomallei e micoplasma e outros ger-
cina se mostra mais resistente. A alteração do sítio de mes intracelulares, como clamídia e bartonela. É bacte-
ligação ao ribossomo é rara e peculiar à E. coli, assim riostático para S. aureus. A resistência é incomum com a
como a diminuição da permeabilidade é própria do S. exceção de Salmonella sp em áreas endêmicas.
aureus. O Enterococcus sp pode apresentar qualquer um dos O efeito colateral mais freqüente é a inibição transitó-
mecanismos. ria e reversível da medula óssea e, mais raramente, pode
Os efeitos colaterais mais comuns são a ototoxicida- ocorrer neurite e hipersensibilidade. O grande estigma da
de coclear ou vestibular relacionada ao uso prolongado e droga encontra-se na aplasia de medula. A incidência
à associação com diuréticos de alça. O bloqueio neuro- desta complicação não se encontra bem definida, varian-
muscular pode ocorrer com a infusão venosa rápida. do na literatura de 1:30.000 a 1:60.000. Esta incidência é
Deve se fazer a infusão em, no mínimo, uma hora. A semelhante aos óbitos determinados por anafilaxia a
nefrotoxicidade se relaciona com a manutenção de um penicilina. Portanto, não há razões para preteri-la quan-
nível de platô elevado. do se tratar de terapêutica para germes susceptíveis a ela.
A posologia habitual dos aminoglicosídeos é em Sua grande aplicação reside nas infecções que envolvem
doses fracionadas, mas o emprego de dose única diária anaeróbios, Hemophilus sp, em especial com o aumento das
pode ser aplicável em algumas situações clínicas, por ser cepas produtoras de betalactamase, pneumococo, Rikettsia
menos nefrotóxico e propiciar menor custo e maior sp e Salmonella sp. A terapêutica empírica das pneumonias
comodidade posológica. A base do seu uso é o efeito
que envolvem crianças de dois meses a cinco anos e indiví-
pós-antibiótico longo destas drogas. Bactérias expostas à
duos acima de 60 anos é um vasto campo de sua aplicação.
droga continuam a morrer por várias horas, mesmo que
o nível sérico caia abaixo do ideal. As células tubulares
renais são capazes de incorporar o aminoglicosídeo. A Clindamicina
droga é incorporada por um sistema ativado por “gati-
lho” que dispara de acordo com o nível sérico e há um Apresenta o mesmo mecanismo de ação do cloranfe-
sistema de secreção tubular quando o nível encontra-se nicol, sendo um anaerobicida excepcional, além de cobrir
abaixo do gatilho. É por meio deste mecanismo de incor- S. aureus e estreptococos.
poração que ocorre a lesão tubular. Com o uso da dose Seus efeitos colaterais mais freqüentes são alergia,
única, o nível sérico fica abaixo do “gatilho” por maior diarréia (20%), hepatotoxicidade, raramente neutropenia,
tempo, determinando menor incorporação tubular e com trombocitopenia e colite pseudomembranosa. Sua gran-
isto menor nefrotoxicidade. A dose total de um dia é de aplicação é nas infecções anaeróbicas e seu custo é
dada de uma única vez, por via endovenosa ou muscular. comparável ao do cloranfenicol e metronidazol. O uso
Esta posologia encontra-se bem estabelecida em pacien- deve ser limitado nas endocardites por anaeróbios, por
tes não-neutropênicos nas seguintes situações: sinergis- ser bacteriostática para Bacteroides nessa situação. Não é
mo com betalactâmicos; pielonefrite desde o início do indicada para terapêutica de infecções do sistema nervo-
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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

so central por não penetrar na barreira hematoencefálica. terapêutico. É bom lembrar que, com exceção da P. aeru-
Também penetra pouco nos seios paranasais. ginosa, reservada para a ciprofloxacina, todas garantem
cobertura idêntica, o que permite iniciar com uma quino-
lona venosa de menor custo e continuar a terapêutica
Metronidazol com outra, desde que seja economicamente interessante
Atua sobre anaeróbios, Trichomonas, Giardia, (Exemplo: inicia-se com pefloxacina e continua-se com
Entamoeba. A emergência de resistência é rara. Não atua ciprofloxacina via oral, que, no momento, é mais barata).
nos anaeróbios cocos Gram-positivos que se encontram Atitude similar é usada com os betalactâmicos quando se
com freqüência envolvidos nas infecções da cavidade passa da oxacilina para a cefalexina oral na terapêutica
oral, pele, trato genital, perfurações esofágicas e pneumo- das infecções estafilocóccicas.
nias aspirativas. Nestas situações clínicas, a opção pelo A segurança na gravidez não é estabelecida. Sabe-se
cloranfenicol ou clindamicina é mais adequada. Os efei- que as quinolonas produzem lesões nas cartilagens epifi-
tos colaterais são raros e incluem náuseas, vômitos, alte- sárias de animais jovens e que sua segurança na fase de
ração do tipo dissulfiram. Apresenta efeito teratogênico crescimento não se encontra estabelecida. A experiência
potencial. Possui ótima absorção oral e retal e a troca da pediátrica, embora pequena, não detectou lesões definiti-
via venosa por estas vias é bastante segura. vas. Somente na fibrose cística seu uso encontra-se libe-
rado para crianças. Vão se acumulando, cada vez mais,
evidências de que seu uso em pediatria é seguro. Os efei-
Quinolonas tos colaterais mais freqüentes são os do trato gastrointes-
tinal, os neurológicos, como convulsão e alucinação, e
São drogas bactericidas que atuam na síntese de
raramente leucopenia e eosinofilia. Pode ocorrer síndro-
DNA. A resistência é, em geral, de origem cromossômi-
ca com mudança do sítio de ligação da droga e ocorre de me rara constituída por hemólise, coagulação intravascu-
maneira mais freqüente com o S. aureus meticilino resis- lar disseminada e insuficiência renal de mecanismo des-
tente e a P. aeruginosa. Essas drogas apresentam boa ação conhecido. É descrita a ruptura espontânea de tendão.
e se prestam para a terapêutica de infecções causadas por Essas drogas aumentam a meia vida da teofilina, levando
S. aureus meticilino sensível, Legionella sp, S. epidermidis, à toxicidade desta.
Chlamydia, Micoplasma pneumoniae, N. gonorrhoeae, M. catar- Sua aplicabilidade é bastante ampla. Nas infecções uri-
rhalis, E. coli, Klebsiela sp, Enterobacter sp, Serratia sp, nárias, as quinolonas deveriam ficar reservadas para o tra-
Salmonella sp, Shighella sp, Proteus sp, Providencia sp, Morganella tamento das infecções causadas por bactérias só sensíveis a
sp, Citrobacter sp, Aeromonas sp, Acinetobacter sp. Os anaeró- elas, usando, na grande maioria dos casos, drogas de pri-
bios não são cobertos e a P. aeruginosa só é coberta pela meira linha altamente eficazes, como os aminoglicosídeos e
ciprofloxacina. a sulfatrimetoprima.
As quinolonas de primeira geração poderiam ser divi- Elas devem ser preservadas, não as utilizando em
didas em ciprofloxacina que cobre P. aeruginosa e as quadros nos quais drogas de primeira linha são eficazes
outras que não cobrem este germe de maneira adequada. (sinusite, doença pulmonar obstrutiva crônica infectada,
Portanto, a opção pela ciprofloxacina só se justifica se infecção urinária etc.).
seu preço for inferior ao das outras ou se houver suspei- Nas infecções ósteo-articulares, é possível ótimos
ta de P. aeruginosa como agente etiológico. A norfloxaci- resultados com a forma oral, tanto nas infecções por bas-
na tem baixa absorção pela via oral, só atingindo níveis tonetes Gram-negativos (cipro 750mg bid) quanto por S.
adequados nas vias urinárias, próstata e luz intestinal. aureus. Apresenta ótimos resultados na terapêutica das
A forma venosa é disponível para a pefloxacina, diarréias, cobrindo Salmonella sp, Shigella sp, E. coli, C. jeju-
ciprofloxacina e ofloxacina e deve ser imediatamente ni, Y. enterocolitica. Pode ser usada em tratamento de pros-
abandonada quando a via oral estiver disponível. Elas tatite, de doenças sexualmente transmissíveis e de infec-
apresentam porcentagem de absorção por via oral muito ções peritoneais e de partes moles.
boa, chegando a 100% com a pefloxacina, o que torna As novas quinolonas – levofloxacina, esparfloxacina,
indiferente, para a obtenção de nível terapêutico, a via de gatifloxacina e moxifloxacina apresentam ótima cobertu-
administração. Este fato minimiza sobremaneira o custo ra para pneumococo, podendo constituir opção para
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

aquelas regiões com elevada resistência à penicilina. As As estreptograminas são rapidamente distribuídas
três últimas drogas apresentam atividade também para para os tecidos, não penetram no sistema nervoso central
anaeróbios, principalmente os cocos Gram-positivos, e não atravessam a barreira placentária em concentrações
podendo ser de utilidade nas infecções polimicrobianas significativas. São primariamente eliminadas pela bile.
que envolvam anaeróbios acima do diafragma. O efeito adverso mais comum tem sido inflamação
no sítio de administração. Outros efeitos observados
foram náuseas, vômitos, diarréia, artralgia, mialgia, fra-
Estreptograminas queza muscular e rash cutâneo.
A combinação antimicrobiana - quinupristina/dalfo- Tem sido relatada interação medicamentosa com
pristina – é o primeiro agente de uma nova classe de anti- ciclosporina (aumento em até três vezes na concentração
bióticos pertencente à família macrolídeos-lincosamidas: sérica do imunossupressor).
as estreptograminas. Seu uso foi liberado em 1999 nos Esta nova classe de antimicrobianos deve ser reserva-
Estados Unidos para o tratamento de sepse por da para uso em infecções graves, com risco de vida, para
Enterococcus faecium vancomicina-resistente, assim como as quais não haja terapêutica alternativa.
para infecções de pele e de partes moles causadas por
Staphylococcus aureus meticilino-sensível (MSSA) ou por Oxazolidinonas
Streptococcus pyogenes.
Os dois antibióticos atuam sinergicamente, interferin- As oxazolidinonas são um grupo de antibióticos sin-
do na síntese protéica e ligando-se à subunidade 50S téticos, disponibilizado para uso clínico no ano 2000, na
ribossomal. A dalfopristina inibe a fase inicial e a quinu- terapêutica de infecções por microorganismos Gram-
pristina, a fase final da formação da proteína bacteriana. positivos, especialmente patógenos multirresistentes,
A resistência está associada a ambos os componentes. como enterococo vancomicina-resistente e MRSA.
As estreptograminas são bactericidas ou bacteriostáti- Esses antibióticos são inibidores da síntese protéica,
cas e apresentam atividade contra ampla variedade de ligando-se à subunidade ribossomal 50S, mas o mecanis-
bactérias Gram-positivas; a concentração inibitória míni- mo de ação ainda não está plenamente estabelecido. Esta
ma (CIM) de 2mg/litro ou menos indica sensibilidade. ligação é competitivamente inibida pelo cloranfenicol e
São bacteriostáticas contra Enterococcus faecium vancomici- pela lincomicina.
na-resistente (CIM90 1mg/l a 4mg/l) e praticamente ina- São bacteriostáticos para uma variedade de bactérias,
tivas contra E. faecalis (CIM90 de 4mg/l a 32mg/l). São especialmente as Gram-positivas, incluindo MRSA, esta-
bactericidas contra MSSA e Streptococcus pyogenes. Estudos filococo coagulase-negativa, Enterococcus spp vancomici-
preliminares sugerem atividade contra MRSA, S. agalac- na-resistente e pneumococo penicilina-resistente. Tem
tiae, Corynebacterium jeikeium, S. epidermidis e S. pneumoniae. sido relatada sensibilidade para M. tuberculosis.
São ativas in vitro, entre outros, contra espécies de A linezolida é o antibiótico pertencente a esta classe
Mycoplasma (incluindo M. pneumoniae), Chlamydia trachoma- disponível no nosso meio. É completamente absorvida
tis, L. monocytogenesis e Bacteroides sp. Em contrapartida, o pelo trato digestivo, possibilitando a transição da tera-
H. influenzae é apenas moderadamente sensível às estrep- pêutica endovenosa para a oral. A dose, tanto endoveno-
tograminas. sa quanto oral, recomendada para adultos, é de 600mg a
A dose usual recomendada para infecções graves é de cada 12 horas. Não é necessário ajuste de doses em ido-
7,5mg/kg de peso corporal, administrada via venosa em sos e em pacientes com insuficiência renal ou disfunção
soro glicosado 5%, durante período de 60 minutos a cada hepática leve a moderada. É necessário administrar dose
oito ou 12 horas. Alguns estudos sugerem doses de suplementar após hemodiálise. Essa droga tem baixa
4,5mg/kg a 6mg/kg a cada 12 horas para pneumonia penetração no sistema nervoso central e nos ossos (14%
pneumocócica e erisipela de membros inferiores. Não é a 23% da concentração plasmática em modelos animais)
necessário ajuste de dose nos idosos, obesos e pacientes e estudos de metabolismo indicam que 80% a 85% da
com disfunção renal ou em diálise peritoneal. Experiência droga é eliminada na urina e 7% a 12% nas fezes.
limitada em crianças também tem sugerido ser desnecessá- Os eventos adversos mais comuns são os relaciona-
rio o ajuste de doses nesta faixa etária. dos com o trato gastrointestinal. Há relato de descolora-
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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

ção da língua e cefaléia, de fibrilação atrial e disfunção Fluconazol


hepática e de pancreatite.
A indicação do uso da linezolida deve ser nas infec- Este antifúngico tem ótima absorção oral atingindo
ções por microorganismos Gram-positivos multirresis- bom nível em todos os tecidos, incluindo o sistema ner-
tentes, para as quais não haja outra alternativa terapêutica. voso central. Tem excreção renal, devendo a dose ser
ajustada na insuficiência renal. É bem estabelecido seu
uso no tratamento da meningite criptocóccica e na cân-
Antifúngicos dida cutâneo-mucosa. Há dados na literatura mostrando
que pacientes maiores de 12 anos, não-neutropênicos,
Anfotericina B com candidíase sistêmica apresentam os mesmos índices
Este antifúngico poliênico atua alterando a permeabi- de cura quando comparados com pacientes que usaram
lidade celular a partir da ligação a moléculas de ergosterol anfotericina B. Os efeitos colaterais mais comuns refe-
da membrana celular. Apresenta baixa absorção por via rem-se ao trato digestivo e à hipersensibilidade. Como
oral e baixas concentrações no sistema nervoso central. Seu essa droga age inibindo a síntese do engosterol, ela atua
metabolismo e excreção são pouco entendidos. Sabe-se, como antagônico à anfotericina.
entretanto, que é necessário ajuste de dose na insuficiência
renal. Possui nefrotoxicidade dose dependente por produ- Terapêutica das infecções
zir isquemia glomerular e venular por vasoconstrição.
Produz alterações tubulares, levando à perda de bicarbona- Para cada tipo de infecção, na dependência do seu
to acompanhada da perda de potássio, para manter o anion sítio, são apresentados, no Anexo 19.1, os antimicrobia-
gap (acidose tubular renal). Há anemia por provável inibi- nos de escolha, o tempo de tratamento e a conduta diag-
ção da produção de eritropoetina. Produz náuseas, vômi- nóstica em cada caso.
tos, anorexia, flebite e, raramente, leucopenia e plaquetope-
nia. Durante a infusão podem ocorrer febre, calafrios e
queda da pressão arterial, que podem ser minimizados com Referências
premedicação com antitérmico e/ou 25mg a 50mg de
1 ■ Mandell, GL, Bennett JE, Doln R, Principles and practice of
hidrocortisona e/ou meperidina. infectious diseases, 2800 p. Churchill Livingstons Inc., 1999.
O uso da dose teste de 1mg infundida em 30 minu- 2 ■ Woodley M, Whelan A. Manual of medical therapeutics. The
tos antes de iniciar a terapêutica, já foi recomendado. Washington Manual, Little Brown, 603 p. 1995.
Porém, tal rotina encontra-se em desuso, uma vez que 3 ■ Gorbach SL, Barlett SG, Blacklow NR. Infectious diseases,
Saunders Company, 1992.
a reação anafilática é idiossincrásica e não dose-depen- 4 ■ American Academy of Pediatrics, 1997. Red Book, Committee
dente. O fato é que pacientes com doença rapidamen- on Infectious Diseases. American Academy of Pediatrics, 652
te progressiva devem receber dose plena já nas primei- p. 1997.
ras 24 horas. 5 ■ Reese RE. Handbook of antibiotics. Little Brown and Company,
A dose diária é de 0,5mg a 1mg/kg/dia e, se a opção 633 p. 2000.
6 ■ Sanford JP. Guide to antimicrobial therapy, 2001.
for por dias alternados, deve-se dobrar a dose diária, não 7 ■ Kunin, CM. Use of antibiotics. A brief expostion of the problem
ultrapassando 1,5mg/kg/dia. A manutenção da dose diá- and some tentative solutions. Ann Intern Med.1973;79:555-60.
ria, quando se usa em dias alternados, é um erro relativa-
mente comum.
A apresentação da droga em dispersão coloidal (comple-
xo de anfotericina B e sulfato de colesterol na relação 1:1) é
ligeiramente menos tóxica. A relação custo-benefício desta
apresentação está por ser estabelecida.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continua...)

Vascular Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Tromboflebite supurativa Oxacilina+gentamicina 7 a 10 dias Hemocultura
Radiografia
Tomografia computadorizada
Duplex-scan
Infecção pós-implante Cefalotina / cefazolina 2 semanas se não houver Avaliar remoção do gerador
de marca-passo bacteriemia e eletrodo
Infecção pós-bypass Cefalotina / cefazolina 4 semanas após remoção Duplex-scan
da prótese Cultura do material
Remover prótese

Sítio cirúrgico Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Superficial sem repercussão Cuidados locais 7 a 14 dias Drenagem
sistêmica Não indicados antimicrobianos
Operação com abertura de vísceras Clindamicina ou metronidazol + 7 a 14 dias Drenagem
gentamicina
OU
– Amoxacilina/clavulanato
OU
– Ampicilina/sulbactam
Operação sem abertura de vísceras Cefalotina / cefazolina 7 a 14 dias Drenagem

Fasciite necrosante Penicilina + metronidazol + ami- 14 dias Desbridamento


noglicosídeo

Gastrointestinal e hepatobiliar Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Colecistite Anaerobicida (metronidazol ou 10 a 14 dias Ultra-sonografia
Colangite clindamicina) + gentamicina + Exceto: Tomografia computadorizada é o
Diverticulite ampicilina (quadros graves e tera- Abscesso hepático – 4 a 6 semanas padrão-ouro para diagnóstico
Abscesso esplênico (1) pêutica longa) Peritonites – 14 dias dessas afecções.
Abscesso hepático (2) OU Se houver abordagem cirúrgica,
Abscesso perirretal – Amoxacilina/clavulanato enviar material para cultura.
Peritonite secundária a perfura- OU
ção de alças e peritonite primária – Ampicilina/sulbactam + genta-
micina
Abscesso pancreático e pancreati- Ciprofloxina + metronidazol
te necro-hemorrágica OU
Imipenem /cilastatina

Diarréia aguda Indicado antibiótico quando pre- 3 a 5 dias Se houver suspeita de C. difficile,
sentes: repercussão sistêmica, leu- pesquisar toxina nas fezes.
cócito fecal, sangue nas fezes. Obs.: Se há possibilidade de C.
Ampicilina difficile:
OU Metronidazol por 7 a 14 dias
Sulfatrimetoprima
OU
Fluorquinolona (norfloxacina
adulto)
Úlcera duodenal com H. pylori Bismuto coloidal + metronidazol 14 dias
+ amoxicilina (associar omeprazol)

(1) Na presença de endocardite, avaliar possibilidade de S. aureus


(2) Na presença de lesões cutâneas, avaliar possibilidade de S. aureus e lembrar da possibilidade de amebíase

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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)
Genital e doenças Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
sexualmente transmissíveis
Cancróide Azitromicina 1g VO dose única
OU
Ceftriaxona 250mg IM dose única
OU
Ciprofloxacina 500mg VO 12/12 h 3 dias
OU
Eritromicina 500mg VO 6/6h 7 dias
Cervicite purulenta Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Não-gonocócica Doxiciclina 100mg VO 12/12 14 dias Cultura de material da endocérvice
OU
Azitromicina 1g VO dose única Tratar parceiro

Gonocócica Ciprofloxacina 500mg VO dose única + esquema para


OU não-gonocócica
Ceftriaxona 125mg IM
Doença inflamatória pélvica Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
o
Ambulatorial – Temp. <38 C, leu- Ciprofloxacina 7 a 14 dias Coletar cultura de material da
cócitos < 11.000, com peristalse, OU endocérvice ou peritoneal
sem peritonite Ceftriaxona em dose única + 14 dias (doxiciclina) Dosar proteína C reativa
doxiciclina 100mg 12/12h Acompanhar por 72 horas
Hospitalizada Gentamicina EV + clindamicina Complementar 14 dias de trata- Fazer teste para sífilis e HIV
durante 48h – Após melhora, mento com a doxiciclina Drenagem cirúrgica de abscesso
iniciar doxiciclina (completando tubo ovariano, se não houver
4 dias) ou azitromicina 1g VO melhora em 48 a 72 horas
dose única.
Epididimo-orquite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
< 35 anos Ciprofloxacina 10 a 14 dias Ultra-sonografia para descartar
OU casos complicados
Ceftriaxona Abordagem cirúrgica nos casos
de abscesso
≥ 35 anos Ciprofloxacina 500mg VO 10 a 14 dias
12/12h

Granuloma inguinal Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Doxiciclina 100mg VO 12/12h 10 a 14 dias Fazer biópsia das lesões
Linfogranuloma venéreo Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Doxiciclina 100mg VO 12/12h 21 dias
Sífilis Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Contato < 90 dias, Penicilina benzatina 2,4 milhões 1 dose
Primária e secundária < 1 ano IM uma vez por semana

Secundária > 1 ano Penicilina benzatina 2,4 milhões 3 semanas


IM uma vez por semana

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)
Uretrite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Contato < 90 dias, Doxiciclina 100mg VO 12/12h 14 dias Introduzir Swab até 2cm da uretra
Primária e secundária < 1 ano OU para obter cultura
Azitromicina 1g VO dose única

Ciprofloxacina 500mg VO dose única seguida de doxiciclina Tratar parceiro


OU ou azitromicina nas doses e pelo
Ceftriaxona 125mg IM tempo acima recomendados
Vaginite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Cândida Tópico com miconazol creme 2% 7 dias Coletar secreção vaginal para
exame microscópico direto
Tricomonas Metronidazol tópico 7 dias
Inespecífica – vaginose Metronidazol 500mg 12/12h VO 7 dias
Mama Mastite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Pós-parto Cefalotina 7 a 10 dias
(com ou sem abscesso) OU
Oxacilina
OU
Cefazolina
Não-puerperal Cefalotina + metronidazol 7 a 10 dias
OU
Clindamicina
Obstétrico Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Endomiometrite pós-parto Clindamicina a) Endomiometrite não-complicada Se não há melhora clínica e da
OU EV: até 24 a 36 horas afebril e o febre nas primeiras 48 horas,
Ampicilina/sulbactam OU exame clínico com boa evolução investigar: abscesso pélvico e
Amoxicilina/clavulanato + gen- (tratamento mínimo de partes moles (tecido celular
tamicina 72 horas). subcutâneo e musculatura) e
VO: não há necessidade. tromboflebite séptica pélvica
b) Endomiometrite complicada Lembrar da possibilidade de
(tromboflebite séptica pélvica, Enterococcus
abscesso ligamentar, flegmão)
EV: até 24 a 36 horas afebril
e o exame clínico com boa
evolução (tratamento míni-
mo:72 horas).
VO: amoxicilina/ clavulanato ou
cefalexina no total de
10 a 14 dias.
Olhos, ouvido, mastóide, Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
nariz e garganta
Infecções odontogênicas Amoxicilina/clavulanato 5 a 7 dias (manter 48h após Drenagem
supurativas OU melhora dos sintomas) Radiografia dos dentes
Clindamicina Sorologia
OU Iniciar antimicrobiano no máximo
Ampicilina/sulbactam até 48h do início da doença
Mastóide Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Aguda ambulatorial Amoxacilina 10 dias Tomografia computadorizada
OU Cultura de material de drenagem
Sulfatrimetoprima do ouvido

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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)
Mastóide Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Aguda hospitalar Ceftriaxona 10 dias Mastoidectomia se há abscesso
OU em osso.
Amoxicilina/clavulanato
OU
Ampicilina/sulbactam
OU
Macrolídio (azitromicina ou cla-
ritromicina EV)
Crônica Amoxicilina/clavulanato 5 a 7 dias
OU Obs: Antibiótico somente nas
Ampicilina/sulbactam superinfecções agudas ou nas
OU infecções por Pseudomonas
Macrolídeo

Olhos Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Conjuntivite Colírio de fluorquinolona (cipro- 7 a 10 dias
Adulto floxacina ou ofloxacina)
Colírio de gentamicina
Celulite periorbitária Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
> 5 anos e adulto Cefalotina /cefazolina 7 a 10 dias
< 5 anos Amoxacilina/clavulanato 10 a 14 dias
OU
Ampicilina/sulbactam
Lesões Traumáticas Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Perfuração conjuntival Cefalotina/cefazolina EV 24 horas
Ouvido Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Otite externa Tratamento tópico: neomicina + 10 dias
corticóide
Otite externa maligna (diabético) Ceftazidima + gentamicina 10 dias
OU
Ciprofloxacina
Otite média aguda Amoxacilina ou sulfatrimetoprima 5 a 10 dias Cultura de secreção do ouvido
médio
Se toxemia-hemocultura
Resistente (crônica) Cloranfenicol 10 a 14 dias
OU
Macrolídeo (eritromicina, ou
novos macrolídeos)
Em pacientes entubados Ceftriaxona 10 a 14 dias
OU
Amoxacilina/clavulanato
OU
Ampicilina/sulbactam

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)

Vias aéreas superiores Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Faringite exsudativa Penicilina benzatina Penicilina benzatina - 1dose
OU Eritromicina - 10 dias
Eritromicina
Difteria laríngea Eritromicina ou 7 a 14 dias Swab de membrana p/ cultura
claritromicina + soro
Angina de Vincent Cloranfenicol 7 a 14 dias Cultura de exsudado da tonsilas
OU ou faringeano
Amoxicilina/clavulanato
OU
Ampicilina/sulbactam
Epiglotite Amoxacilina/clavulanato 7 a 10 dias
OU
Ceftriaxona
OU
Ampicilina/sulbactama
Sinusite Amoxicilina 14 dias Tomografia computadorizada
OU
Sulfatrimetoprima
Sinusite em paciente intubado Metronidazol + ceftriaxona 14 dias Avaliar a coleta de material
OU Pseudomonas - 21dias para cultura
Amoxicilina/clavulanato
OU
Ampicilina/sulbactam
Laringite Sintomáticos (maioria virótica)
Osteomuscular Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Músculos
Gangrena gasosa Clindamicina + penicilina 10 dias Abordagem cirúrgica

Piomiosite Oxacilina 2 a 6 semanas


Osso
Osteomielite Cefalotina / cefazolina (1) 4 - 6 semanas Radiografia
1. Hematogênica OU (2) 4 - 6 semanas Tomografia
2. Vertebral Fluorquinolona (ciprofloxacina) (3) Se amputar transfixando o Ressonância magnética
3. Com doença vascular crônica OU osso infectado - 4 semanas Biópsia óssea
4. Sem doença vascular crônica Clindamicina Se retirar o osso infectado - 2 Hemocultura
semanas
Se for próximo ao osso infec-
tado, mas tecido livre de
infecção - 1 a 3 dias
Artrite séptica
< 5 anos Ceftriaxona 21 dias

> 5 anos Oxacilina (com ou sem aminogli- BGN e S. aureus 21 dias Cultura de sinóvia por artrocentese
cosídeo) se empírico H. influenzae e Streptococcus: 14 dias Ultra-sonografia e TC
Ajustar a droga ao tipo de germe
isolado

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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)
Osteomuscular Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Gonocócica Ceftriaxona 2 dias; e mais 7 dias fluorquinolona


VO
Manter por mais 1 semana após
drenagem

Osteomielite em drepanocítico Oxacilina + cloranfenicol Mínimo 21 dias Hemocultura


OU Radiografia
Ceftriaxona
OU
Ciprofloxacina
Osteomielite relacionada à Vancomicina + aminoglicosídeo Mínimo 6 semanas Hemocultura
prótese (com ou sem rifampicina) Radiografia
OU
Rifampicina + fluorquinolona
Pele e subcutâneo Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Celulite leve Penicilina benzatina Penicilina benzantina - dose
OU única
Macrolídeos (eritromicina, claritro- Outros - 7 a 10 dias
micina)
Celulite grave Cefalotina 7 a 10 dias
< 5 anos Ampicilina/sulbactam 7 a 10 dias
OU
Amoxacilina/ clavulanato
Pé diabético Clindamicina + gentamicina ou 14 dias
fluorquinolona
Úlcera de estase com celulite Clindamicina + gentamicina ou 14 dias
fluorquinolona
Úlcera de estase sem celulite Curativo diário
Úlcera isquêmica com celulite Clindamina + gentamicina ou 14 dias
fluorquinolona
Úlcera de decúbito Clindamicina + gentamicina ou 14 dias
fluorquinolona
Lesão por mordedura (animal e Cloranfenicol ou doxiciclina 10 dias
humana)
Erisipela Penicilina procaína ou benzatina 7 dias
OU
Macrolídeos (eritromicina, claritro-
micina)
Respiratório Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Vias aéreas inferiores Doxiciclina 7 a 10 dias
Infecção em Doença OU
Pulmonar Obstrutiva Crônica Sulfatrimetoprima
(DPOC) e Bronquite OU
Cloranfenicol
OU
Eritromicina
OU
Levofloxacina/ esparfloxacina/
gatifloxacina/ moxifloxacina

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)
Respiratório Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Pneumonias comunitárias
Pacientes no ambulatório

Lactente até 5 anos Amoxacilina/clavulanato 7 a 14 dias


OU
Ampicilina/sulbactam

> 5 anos Eritromicina/azitromicina/cla- 7 a 14 dias


ritromicina

Adultos até 60 anos Eritromicina/claritromicina/ 10 a 14 dias


azitromicina
OU
Levofloxacin/esparfloxacina/
gatifloxacina/moxifloxacina

> 60 anos ou com doença Levofloxacin/esparfloxacina/ga 10 a 14 dias Sorologia


associada tifloxacina/moxifloxacina Radiografia de tórax
OU
Macrolídeo (eritromicina, clar-
itromicina, azitromicina)+
amoxacilina/clavulanato ou
ampicilina/sulbactam

Pneumonias comunitárias
Pacientes internados

28 dias a 5 anos Amoxacilina/clavulanato 10 a 14 dias Alta com:


OU Cloranfenicol
Ampicilina/sulbactam OU
OU Amoxacilina/clavulanato
Ceftriaxona

5 a 60 anos Cefalotina + macrolídeo (eritro- 10 a 14 dias


micina, claritromicina ou
aztiromicina)
OU
Quinolona no adulto
Levofloxacina/esparfloxacina/
gatifloxacina/moxifloxacina

> 60 anos Levofloxacin/esparfloxacina/ 10 a 14 dias Hemocultura


gatifloxacina/moxifloxacina Radiografia de tórax
OU
Cloranfenicol + gentamicina
OU
Eritromicina/azitromicina/
claritromicina + amoxacilina
clavulanato ou ampicilina/sul-
bactam ou ceftriaxona

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Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)
Respiratório Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Abscesso pulmonar por aspiração Cloranfenicol 4 a 6 semanas


OU
Clindamicina
OU
Amoxacilina/clavulanato
OU
Ampicilina /sulbactam

Em pacientes esplenectomizados Ceftriaxona 10 a 14 dias


OU
Ampicilina/sulbactam
OU
Amoxacilina/clavulanato
OU
Levofloxacina/ esparfloxacina/
gatifloxacina/ moxifloxacina
Neutropênico febril Ceftazidima + amicacina + oxa- 10 a 14 dias
cilina

Sepse Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Recém-nascido <72h de vida Ampicilina + gentamicina 10 a 14 dias
Recém-nascido
72h a 30 dias de vida Oxacilina + gentamicina se vier 10 a 14 dias
do domicílio
Recém-nascido
30 dias a 5 anos de vida Ceftriaxona 10 a 14 dias
Sistema nervoso Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Abscesso cerebral
Primário ou por contigüidade Foco: 6 a 8 semanas EV + 2 a 6 meses Tomografia computadorizada
1. Dentário: VO se não é feita operação Abordagem cirúrgica se há pro-
Penicilina G + metronidazol 4 semanas EV se há drenagem gressão de sinais neurológicos
2. Otite média, sinusite ou mas- cirúrgica concomitante
toidite:
Ceftriaxona + metronidazol
3. Abscesso pulmonar ou
empiema:
Penicilina G + metronidazol +
sulfametoxazol/trimetoprima
4. Endocardite: o mesmo trata-
mento escolhido para a endo-
cardite
Pós-operatório ou Pós-trauma Ceftriaxona + Vancomicina 4 semanas
(TCE)
Sistema Nervoso Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
HIV (T. gondi) Pirimetamina + sulfadiazina + 6 semanas Ver protocolo (tratamento da
ac. fólico toxoplasmose ativa)
Meningite (4) Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Recém-nascido Ampicilina + gentamicina se Streptococcus B - 14 a 21 dias
infecção comunitária. Listéria monocytogenes - 14 a 21 dias
Se I.H. veja esquema da unidade Gram-negativos - 21 dias

(4) Há evidências de que, o uso da dexametasona (0,15mg/kg/dose de 6/6h 4 dias, iniciado 15 minutos antes primeira dose de antibiótico) diminui sequela auditiva da
meningite por hemófilos.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)

Meningite (4) Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

1 a 3 meses Ampicilina + ceftriaxona N. meningitidis - 7 dias


S. pneumoniae - 10 a 14 dias, até
normalização liquórica
H. influenzae - 7 dias

3 meses a 7 anos Ceftriaxona H. influenzae - 7 dias


N. meningitidis - 7 dias
7 a 18 anos Ceftriaxona Se pneumococo: repetir líquor
dentro 24 a 48 horas para docu-
mentar cura bacteriológica
18 a 50 anos Penicilina ou ampicilina
> 50 anos Ceftriaxona + ampicilina 21 dias
Meningite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Imunodeprimidos Ceftazidima + vancomicina 21 dias
Pós-neurocirurgia e pós-trauma- Oxacilina ou vancomicina + 21 a 28 dias
tismo craniano ceftazidima
HIV Mesmo esquema indicado para Descartar tuberculose, listeria e
> 50 anos criptococose

Empiema subdural Tratar como abscesso cerebral Obs. Colher líquor de controle
Manter por 5 a 7 dias após
tornar-se afebril. Se a evolução
não for satisfatória, avaliar nova
punção dentro de 24 a 48h
Trato urinário Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Cistite Dose única (5) ou tratamento Urina rotina + urocultura
curto (3 dias): Repetir urina rotina 48h após iní-
Sulfatrimetoprima cio tratamento e, 1 semana após
Amoxicilina ou quinolona suspensão dos antibióticos repe-
Levofloxacina/ esparfloxacina/ tir urina rotina + urocultura
gatifloxacina/ moxifloxacina
Pielonefrite Aminoglicosídeo (6) 14 dias
Prostatite
Aguda Ciprofloxacina 4 semanas Urina rotina e urocultura
Ultra-sonografia

Crônica Ciprofloxacina ou 4 a 12 semanas Cultura quantitativa de líquido


Sulfatrimetoprima espermático

(4) Há evidências de que, o uso da dexametasona (0,15mg/kg/dose de 6/6h 4 dias, iniciado 15 minutos antes primeira dose de antibiótico) diminui sequela auditiva da menin-
gite por hemófilos.
(5) Nos tratamentos de dose única, usar o dobro da dose habitual
(6) Aminoglicosídeo em dose única/ diária: gentamicina - 3mg/kg ou amicacina 10 a 15mg/kg.
Obs.: Gentamicina ou amicacina devem ser usadas em dose única diária desde o início do tratamento

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20
PROFILAXIA E
TRATAMENTO DA DOENÇA
TROMBOEMBÓLICA
Cláudio Léo Gelape, Francesco Evangelista Botelho,
José Oyama Moura Leite

Introdução direto (operações pélvicas, ortopédicas etc.), quanto por


vasodilatação excessiva. A hipercoagulabilidade está rela-
A doença tromboembólica venosa pode apresentar-se cionada à diminuição do clearance de fatores da coagulação
clinicamente como trombose venosa profunda ou trom- ativados e à redução do efeito protetor do endotélio.
boembolismo pulmonar. Apesar de a segunda ser, muitas Vários fatores de risco contribuem em maior ou menor
vezes, conseqüência da primeira, elas têm peculiaridades grau para o surgimento dessa doença (Quadro 20.1).
próprias que serão abordadas neste capítulo. Estima-se
A trombose prévia é o principal fator de risco adqui-
que a doença tromboembólica ocorra em cerca de 117
rido para nova trombose venosa profunda. O paciente
em cada 100.000 pessoas1. A trombose venosa profunda
apresenta, habitualmente, outros fatores de risco associa-
acomete anualmente mais de 800.000 pessoas nos
dos, como lesão endotelial, insuficiência valvar e doença
Estados Unidos, com gastos de 2 bilhões de dólares/ano,
não contabilizando o tratamento das complicações, varicosa. A mutação do fator V de Leiden (homozigoto)
como a insuficiência venosa crônica e a embolia pulmo- é o fator mais prevalente na população e o de maior risco
nar2. O tromboembolismo pulmonar tem incidência relativo para doença tromboembólica. As grandes opera-
maior que 600.000 casos/ano nos Estados Unidos, ções e os traumas estão associados a risco variável.
levando a óbito 50.000 a 200.000 pessoas por ano2. Relacionam-se diretamente a duração do ato operatório,
Devido à magnitude desse problema e à relativa faci- imobilização peroperatória e estase venosa, a possível
lidade de prevenção, com a conseqüente possibilidade de lesão endotelial, tipo de procedimento cirúrgico e aneste-
redução das complicações, o conhecimento da doença sia, redução da fibrinólise, bem como fatores de risco do
tromboembólica venosa é de fundamental importância. paciente, incluindo seu estado de hipercoagulabilidade. A
estase venosa secundária à compressão uterina é um dos
fatores relacionados à maior ocorrência de trombose
Fatores de risco venosa profunda. Contudo, não tem sido observada dife-
A trombose venosa profunda tem como fatores de rença na freqüência entre os trimestres da gestação. A
risco para seu desenvolvimento estase venosa, lesão trombose venosa profunda é ainda mais comum após o
endotelial e hipercoagulabilidade, que, no seu conjunto, parto, especialmente após a cesariana.
recebe a denominação de tríade de Virchow2,3. A estase Tanto a terapia de reposição hormonal (estrógeno)
venosa decorre de imobilização na posição supina no como o uso de contraceptivo oral constituem situações
peroperatório e da vasodilatação secundária aos anestési- de risco, relacionadas com o aumento de fatores de
cos e com conseqüente redução do retorno venoso. A coagulação, alterações na parede vascular e na viscosi-
lesão endotelial pode ocorrer tanto por trauma venoso dade sangüínea.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 20.1.: Fatores de risco para a trombose venosa profunda, trombose venosa profunda sem causa aparente. As neo-
com respectivos riscos relativos estimados* plasias promovem a liberação de substâncias pró-coagu-
Fatores de risco Risco lantes pelas células tumorais, levando ainda à alteração da
relativo função plaquetária e à redução de fibrinólise.
estimado
1. Fatores intrínsecos
Deficiência de antitrombina 25 Profilaxia da doença tromboembólica
Deficiência de proteína C 10
Deficiência de proteína S 10
Métodos relativamente simples podem ser adotados
Mutação do Fator V de Leiden com o objetivo de evitar a doença tromboembólica
Heterozigoto 5 (trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmo-
Homozigoto 50 nar), diminuindo a incidência de suas possíveis complica-
Mutação do gen protrombina G20210A heterozigoto 2,5 ções, com menor tempo de internação hospitalar e bai-
Disfibrinogenemia 18 xos custos de tratamento. A profilaxia pode ser mecâni-
2. Fatores adquiridos ca e/ou medicamentosa.
Grandes traumas ou procedimentos cirúrgicos 5 a 200
História de tromboembolismo 50
Profilaxia mecânica
Câncer 5
Longa hospitalização por doença grave 5 O encorajamento à deambulação precoce e a movi-
Gravidez e puerpério 7 a 10 mentação ativa e passiva dos membros inferiores para
Obesidade 1a3 reduzir estase venosa e favorecer o retorno venoso cons-
Anticorpos antifosfolipídeos
tituem método barato e muito eficaz para profilaxia da
Níveis elevados de anticorpos anticardiolipina 2
doença tromboembólica no pós-operatório2.
Inibidores não-específicos (ex. lúpus) 10
Idade
O uso de meias elásticas aplicadas nos membros infe-
> 50 anos 5 riores produz compressão ascendente, facilitando o
> 70 anos 10 retorno venoso e evitando, assim, a trombose4. A com-
Terapia estrogênica pressão pneumática intermitente é outro meio eficaz de
Contraceptivos orais 5 profilaxia mecânica. Consiste em perneiras que se insu-
Reposição hormonal 2 flam periodicamente estimulando fibrinólise, favorecen-
Moduladores seletivos dos receptores de estrogênio do o retorno venoso e, conseqüentemente, evitando
5
Tamoxifeno estase sanguínea pós-operatória. São muito úteis em
Raloxifeno 3
pacientes que apresentam contra-indicação para utiliza-
3. Fatores hereditários, idiopáticos ou ambientais ção de anticoagulantes, como ocorre no pós-operatório
Obesidade 1a3 de neurocirurgias ou em politraumatizados4,5. Contudo,
Hiper-homocisteinemia 3 são recursos que não devem ser utilizados por pacientes
Elevados níveis de fator VIII 3 com insuficiência arterial periférica.
Elevados níveis de fator IX 2,3
Elevados níveis de fator XI 2,2
Profilaxia medicamentosa
*Modificado de Bates e Ginsberg3
A prevenção da doença tromboembólica com diversos
Outras condições de risco importantes incluem: dia- medicamentos é utilizada em larga escala, sendo a heparina
betes; infecções; doenças inflamatórias intestinais; infec- a droga mais utilizada atualmente. A heparina em baixas
ção pelo HIV; vasculites; isquemia arterial; tabagismo; doses (minidoses), pode ser administrada (5.000UI no sub-
desidratação; acidente vascular encefálico; infarto agudo cutâneo a cada oito ou 12 horas) de acordo com o risco de
do miocárdio; síndrome nefrótica e hemoglobinúria paro- trombose venosa profunda. Essa dosagem eleva pouco o
xística noturna. A trombose venosa profunda pode se risco de hemorragia e não acarreta alteração importante do
apresentar como síndrome paraneoplásica. Deve-se aten- coagulograma3,5. Seu uso deve ser iniciado no momento da
tar para a pesquisa de câncer oculto em pacientes com internação, nos casos de pacientes imobilizados, ou duas
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Capítulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica

horas antes do procedimento cirúrgico, em pacientes sem em consideração aspectos epidemiológicos e a existência
essa limitação. Alguns procedimentos cirúrgicos (neuroci- de fatores de risco. Este diagnóstico deve ser confirma-
rurgia) e anestésicos (bloqueio neuroaxial) têm sido consi- do com exames complementares. Alto índice de suspei-
derados contra-indicações relativas ao uso de heparina, ta diagnóstica autoriza o início do tratamento de trom-
pelo risco, ainda que pequeno, de hemorragia intracraniana bose venosa profunda devido à gravidade da doença,
e intramedular. A mesma preocupação deve se estender devendo-se então buscar a confirmação diagnóstica o
aos pacientes vítimas de politraumatismos ou de traumatis- mais rápido possível.
mo raquimedular.
A trombocitopenia induzida pela heparina devido à
Exame clínico
reação antígeno-anticorpo é ocorrência relativamente
freqüente. Geralmente acontece seis a 14 dias após o A apresentação clínica do paciente com trombose
início do uso da heparina. A contagem de plaquetas venosa profunda pode ser muito inespecífica e variada.
deve ser monitorada periodicamente. Recomenda-se a Na maior parte das vezes, há ausência de sinais patogno-
suspensão da heparina caso o número de plaquetas seja mônicos3,10. A metade dos pacientes com trombose
menor que 100.000 6-8. venosa profunda é praticamente assintomática. A outra
As heparinas de baixo peso molecular são fragmentos metade pode apresentar desde sintomas leves até qua-
originados da ação enzimática de preparados da heparina dros dramáticos, como a phlegmasia alba e cerulea dolens,
não-fracionada9. Essas heparinas apresentam como vanta- que não oferecem dificuldades diagnósticas3,10.
gens em relação à heparina não-fracionada: menor poten- As manifestações clínicas mais comuns são dor em
cial de sangramento, menor risco de trombocitopenia indu- coxa ou panturrilha, edema, calor, empastamento muscu-
zida, e principalmente, menor ligação às proteínas plasmá- lar (edema muscular), rubor, cianose ao pender-se o mem-
ticas, o que melhora seu perfil farmacocinético, permitindo bro, dor à dorsoflexão passiva do pé (sinal de Hommans),
o tratamento sem a monitoração constante com testes de entre outros. As apresentações mais graves são phlegmasia
coagulação. Geralmente, usa-se a fraxiparina 7.500UI alba e cerulea dolens que são conseqüência de extensa trom-
SC/dia, enoxaparina de 20 a 40mg SC/dia ou dalteparina bose venosa ilíaco-femoral. Caracterizam-se por dor de
de 2.500 a 5.000UI SC/dia2,5. O alto custo das heparinas de grande intensidade, edema e, respectivamente, intensa
baixo peso molecular consiste obstáculo à sua utilização. palidez e cianose. A isquemia secundária à estase venosa
Anticoagulantes orais são geralmente pouco utilizados pode ocorrer, tornando tais apresentações gravíssimas,
na profilaxia da trombose venosa profunda. Sua maior com risco iminente de perda de membro3,10.
indicação é na profilaxia por longos períodos, como nos
casos de fibrilação atrial, cardiopatias, presença de próteses
valvares e profilaxia secundária de trombose venosa pro- Exames não-invasivos
funda. Apresentam ação pró-coagulante no início de seu Alguns exames, como o doppler de onda contínua e o
uso por diminuírem inicialmente os níveis dos anticoagu- D-dímero, podem ajudar na investigação de trombose
lantes naturais (proteína C e S) para, posteriormente, inibi- venosa profunda, porém ambos apresentam precisão
rem os fatores pró-coagulantes. São monitorados pela inferior ao duplex-scan no diagnóstico da trombose veno-
medida do RNI (relação normatizada internacional) que sa profunda3,10,11.
deve ficar entre dois e quatro, dependendo de sua indica- O doppler faz parte dos instrumentos básicos diagnós-
ção (profilaxia secundária da trombose venosa profunda e ticos utilizados pelos angiologistas e cirurgiões vascula-
prótese valvar metálica, respectivamente). res. Detecta-se trombose pela ausência de fluxo (som). É
um método examinador-dependente e pode ser falho
quando não se tem experiência com sua utilização3,11.
Trombose venosa profunda O teste do D-dímero avalia o produto de degrada-
Diagnóstico ção da fibrina e sugere trombose intravascular. É um
exame realizado por meio da sua dosagem sérica de
O diagnóstico da trombose venosa profunda deve rápida execução. Possui alta sensibilidade (acima de
ser feito inicialmente pelo exame clínico, que deve levar 90%) e baixa especificidade (30% a 40%)10. Pode estar
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

positivo em pacientes com qualquer doença trom- com os membros inferiores elevados para se evitar o
boembólica com hematoma e no pós-operatório de edema e utilizar analgésicos para conforto do paciente.
diversas operações, o que dificulta o diagnóstico. Uma O tratamento específico consiste em anticoagulação
dosagem normal praticamente exclui a trombose10. com heparina e/ou cumarínico, utilização de trombolíti-
Diversos estudos têm proposto considerar as manifes- cos e trombectomia cirúrgica. A anticoagulação é o trata-
tações clínicas, a dosagem do D-dímero e o duplex no mento mais comumente utilizado. Seus objetivos princi-
rápido diagnóstico da trombose venosa profunda10. pais são evitar a propagação do trombo para outras veias,
O exame complementar mais comumente utilizado reduzir o risco de embolia pulmonar e minimizar a sín-
para o diagnóstico de trombose venosa profunda é o drome pós-trombótica. Heparinas e cumarínicos pare-
duplex-scan venoso. Apresenta valor preditivo positivo cem não ter ação fibrinolítica, porém, ao promoverem a
de 95% para tromboses proximais. Nas tromboses de estabilização do trombo, favorecem também a ação fibri-
panturrilha, apresenta sensibilidade que varia de 50% a nolítica plasmática intrínseca.
75%, com especificidade de 95%3,11. É um exame não- O tratamento anticoagulante deve ser iniciado após a
invasivo, que pode ser repetido diversas vezes e aplica- confirmação diagnóstica, mas, caso isso não possa ser feito
do sem nenhum efeito colateral. Apresenta a limitação de imediato, deve-se iniciar empiricamente o tratamento,
de também ser examinador-dependente. Este exame desde que não haja contra-indicação. As contra-indicações
tem ganhado espaço, visto que a flebografia, que é o para anticoagulação encontram-se listadas no Quadro 20.2.
padrão-ouro, apresenta sérios riscos e efeitos colate- Toda trombose venosa profunda recente deve ser tra-
rais3,11. Na presença de alta suspeita diagnóstica, com tada. Cerca de 20% dos trombos da panturrilha ascen-
duplex-scan negativo, recomenda-se a realização de dem para a veia poplítea, apresentando risco de ocorrên-
novo exame após 24 horas ou após uma semana da pri- cia de tromboembolismo pulmonar em 40% a 50% dos
meira avaliação3,11. casos2,13. O risco de tromboembolismo pulmonar em
A ressonância nuclear magnética e a tomografia pacientes com trombos restritos às veias da panturrilha é
computadorizada vêm sendo utilizadas progressivamen- de aproximadamente 10%. Com o advento da heparina
te, para avaliação de pacientes com suspeita de trombo- de baixo peso molecular e a possibilidade de tratamento
se venosa profunda. Parecem ser de especial valor para ambulatorial da trombose venosa, tornou-se consenso a
o diagnóstico de trombose em locais de difícil avaliação anticoagulação desses pacientes13.
pelo duplex-scan, como ocorre em vasos intracavitários,
principalmente na veia cava pélvica3. Quadro 20.2 .: Contra-indicações absolutas e relativas para anti-
coagulação*

Exames invasivos Contra-indicações absolutas


Hemorragias ativas
A venografia é considerada ainda hoje o padrão-ouro
Discrasia sangüínea grave ou contagem de plaquetas inferior
para o diagnóstico de trombose venosa profunda. É um
ou igual a 20.000
exame realizado com contraste, apresenta resultado Neurocirurgia ou hemorragia intracraniana há menos de dez dias
objetivo, com a demonstração do local anatômico do Cirurgia oftalmológica
trombo e da anatomia do sistema venoso. Oferece risco
Contra-indicações relativas
de nefrotoxicidade e de reações alérgicas. Suas indica-
ções mais comuns são os casos de dúvida diagnóstica ou Discrasia sangüínea leve/moderada ou trombocitopenia
de impossibilidade de se realizar o duplex-scan3,11. Metástase cerebral
Grande trauma recente
Grande procedimento cirúrgico abdominal há menos de dois dias
Tratamento Hemorragia gastrointestinal ou genitourinária há menos de 14 dias
Endocardite
O tratamento da trombose venosa profunda visa resta- Pressão arterial sistólica maior ou igual a 200mmHg
belecer o fluxo venoso e diminuir suas complicações pre- Pressão arterial diastólica maior ou igual a 120mmHg
coces e tardias. A abordagem inicial consiste em evitar ou
remover os fatores de risco, manter o paciente em repouso *Modificado de Bates e Ginsberg3

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Capítulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica

Geralmente, dá-se preferência por iniciar a anticoagu- que acarretou o abandono desse tipo de tratamento.
lação com heparina, visto que os cumarínicos tendem a Atualmente preconiza-se o uso de trombolíticos com
baixar primeiramente as proteínas C e S, que são anticoa- cateteres posicionados no interior do trombo, permitin-
gulantes naturais, para só depois de certo tempo diminuí- do ação local mais efetiva e prevenindo complicações
rem os fatores pró-coagulantes II, VII, IX e X. sistêmicas14,15. O grupo de pacientes com trombose
No esquema terapêutico com a heparina venosa, a venosa profunda que parece melhor se beneficiar do
dose inicial é de 5.000UI em bolus endovenoso, seguida tratamento trombolítico local é constituído de jovens
de infusão contínua de 18UI/Kg/h, ajustando a dose com trombose venosa extensa no segmento íleofemoral
com a finalidade de manter o PTTa (tempo de trombo- (phlegmasias) e de instalação aguda (primeiras 48
plastina parcial ativada) 1,5 a 2,5 vezes o valor contro- horas)14,15. O risco de hemorragia na terapia fibrinolítica
le2,12. A via subcutânea também pode ser utilizada com é 30% maior do que o verificado durante a hepariniza-
a seguinte abordagem: bolus de 5.000UI intravenoso ção sistêmica. Por isso, está indicado apenas nas situa-
seguido de 15.000UI a 20.000UI pela via subcutânea a ções mais graves, com o objetivo de tentar salvar o
cada 6h. O ajuste com essa abordagem é mais difícil e membro doente. Ambas as terapias devem ser sempre
foi praticamente abandonado. seguidas de anticoagulação crônica para evitar a recidi-
A heparina de baixo peso molecular também pode ser va da doença tromboembólica11.
utilizada no tratamento da trombose venosa profunda.
Não necessita de controle laboratorial. A anticoagulação é Tromboembolismo Pulmonar
atingida pela dose adequada de cada droga ajustada pelo
peso do paciente. Deve ser administrada duas vezes ao dia. A embolia pulmonar ou tromboembolismo pulmonar
Recomenda-se o emprego de nadroparina (225UI/Kg), é a impactação de um êmbolo na circulação pulmonar4.
enoxaparina (1mg/Kg) ou dalteparina (100UI/Kg)12-3. O êmbolo pode ser originado de trombos no sistema
A protamina é o antídoto da heparina (1mL de prota- venoso, átrio ou ventrículo direito. Os fatores de risco
mina para cada 1000UI de heparina). Esta droga deve ser para tromboembolismo pulmonar são os mesmos para
administrada por via endovenosa de modo lento. trombose venosa profunda, visto que pacientes com
Apresenta efeito antagonista parcial às heparinas de baixo trombose venosa profunda proximais apresentam maior
peso molecular. risco de tromboembolismo pulmonar. Além desses fato-
Os cumarínicos são antagonistas da vitamina K e res, algumas causas cardíacas podem ser relacionadas,
devem ser iniciados juntamente com a heparinização. como arritmias, insuficiência cardíaca e infarto agudo do
Essa conduta aumenta pouco o risco de sangramento e miocárdio e suas seqüelas12.
favorece a alta hospitalar mais precoce. Os cumarínicos
são contra-indicados durante a gravidez devido ao seu Diagnóstico
efeito teratogênico, porém podem ser usados pelas puér-
peras, já que essas drogas não passam pelo leite materno. O diagnóstico clínico do tromboembolismo pulmo-
A anticoagulação com cumarínico deve ser monitorada nar pode ser bastante difícil, exigindo alto índice de sus-
com o RNI que deve ficar entre 2 e 3 para o adequado peição. Os sintomas são dependentes do tamanho dos
tratamento da trombose venosa profunda. O antídoto trombos alojados na circulação pulmonar e da condição
para os cumarínicos é a vitamina K. cardiopulmonar prévia dos pacientes. As manifestações
O uso dos trombolíticos e a trombectomia na trom- clínicas são, habitualmente, inespecíficas12,16.
bose venosa profunda representam tentativa de restaurar
a patência venosa rapidamente, preservando o bom fun-
Exame clínico
cionamento valvular e prevenindo o desenvolvimento
posterior de insuficiência venosa crônica. Inicialmente, As manifestações clínicas do tromboembolismo pul-
a trombólise sistêmica com injeção de trombolíticos em monar são inespecíficas e as mais freqüentes são dispnéia
veias periféricas foi utilizada. No entanto, o sucesso e dor torácica à inspiração profunda (75% a 85%), tosse
verificado na restauração do fluxo venoso foi modesto, seca (53%) e hemoptise (30%). Outros sinais associados
associado a altas taxas de complicações sistêmicas, o também não são específicos e os mais freqüentes são
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

taquipnéia (92%), crepitações pulmonares (58%), taqui- nar. A cintilografia de perfusão é realizada por meio da
cardia (44%) e desdobramento da segunda bulha (53%)17. injeção de albumina marcada com iodo radioativo em
A gravidade das manifestações clínicas está relaciona- veia periférica, para alcançar o leito capilar pulmonar.
da, entre outras causas, ao tamanho dos êmbolos. Assim, A cintilografia de ventilação é realizada por meio da
êmbolos de tamanho pequeno, alojados na periferia do inspiração de gás marcado radioativamente que se
pulmão, determinarão quadros de sintomatologia menor, difundirá pelo parênquima pulmonar. Um defeito de
ao passo que a oclusão maciça poderá determinar qua- perfusão reflete a diminuição do fluxo sangüíneo para
dros clínicos graves com cor pulmonale agudo e morte18. aquela região pulmonar. Este achado não é específico
Essa grande variação na apresentação clínica, bem como para tromboembolismo pulmonar. Deste modo, os
a ausência de sinais e sintomas específicos, faz com que achados da cintilografia de perfusão são interpretados
grande número de episódios de embolia pulmonar não conjuntamente com a cintilografia de ventilação,
seja diagnosticado, principalmente no pós-operatório, tendo-se, então, a conclusão a respeito da possibilidade
quando manifestações clínicas pulmonares são freqüen- deste diagnóstico. Cintilografia de perfusão inalterada
temente atribuídas a pneumonias, atelectasias e insufi- praticamente afasta a possibilidade de tromboembolis-
ciência cardíaca. Faz-se então necessário alto grau de sus- mo pulmonar, pois apresenta valor preditivo negativo
peição diagnóstica, que determinará a necessidade da rea- de 91%. Por isso, ela deve ser realizada primeiramen-
lização de métodos diagnósticos objetivos18. te19. A cintilografia de ventilação-perfusão pode apre-
sentar basicamente três padrões cintilográficos e o
resultado é expresso em termos de alta probabilidade,
Exames complementares
intermediária ou baixa probabilidade de tromboembo-
Apesar de não serem métodos propedêuticos específi- lismo pulmonar20. Os critérios para a análise do teste
cos, radiografia de tórax, gasometria arterial e eletrocardio- não são completamente uniformizados, são complexos
grama são comumente realizados e podem ser úteis. Entre e muitas vezes confusos, possibilitando erros freqüen-
os exames complementares, destacam-se: teste D-dímero, tes na interpretação do exame. Cerca de 75% dos exa-
tomografia computadorizada helicoidal do tórax, cintilogra- mes são inconclusivos, isto é, são de baixa ou interme-
fia pulmonar ventilação-perfusão e angiografia pulmonar. diária probabilidade para tromboembolismo pulmo-
nar20. A freqüência de tromboembolismo pulmonar
nos pacientes, quando se realiza a angiografia pulmo-
TESTE DO D-DÍMERO
nar, varia de 14% a 30%20. Recomenda-se então a aná-
O D-dímero avalia a trombose intravascular. É um
lise da cintilografia conjuntamente com a probabilida-
exame de dosagem sérica com alta sensibilidade (90%),
de clínica (fatores de risco) de tromboembolismo pul-
porém com baixa especificidade (30% a 40%)2. Pode estar
monar. Para os pacientes com probabilidade clínica
positivo em diversas situações, como na trombose venosa
baixa e cintilografia de baixa probabilidade, a freqüên-
profunda, tromboembolismo pulmonar, no pós-operató-
cia de embolia pulmonar é menor que 4%20. Esses
rio, após traumas, entre outros. É de grande valia para a
pacientes podem ser conduzidos sem a necessidade de
exclusão do diagnóstico de tromboembolismo pulmonar10.
complementação diagnóstica com angiografia. Todos
os demais pacientes com achados inconclusivos deve-
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA HELICOIDAL riam ser submetidos a outros testes diagnósticos20.
A angiotomografia helicoidal do tórax tem mostrado
bons resultados quando há trombos nos grandes vasos
ANGIOGRAFIA PULMONAR
pulmonares, porém perde acurácia quando esses ocor-
A arteriografia pulmonar permanece como o padrão-
rem em vasos de menor calibre4,11,16.
ouro no diagnóstico do tromboembolismo pulmonar e é
definida como positiva quando se detecta defeito de
CINTILOGRAFIA PULMONAR VENTILAÇÃO-PERFUSÃO enchimento na artéria pulmonar em mais de uma proje-
É um exame que possibilita avaliar a circulação pul- ção. Achados sugestivos incluem assimetria do fluxo san-
monar e a árvore brônquica em conjunto, permitindo güíneo com segmento pulmonar de baixo fluxo, prolon-
definir a probabilidade de tromboembolismo pulmo- gada fase arterial com enchimento lento e interrupção
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Capítulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica

abrupta do contraste na artéria pulmonar21. É procedi- Terapia com heparina e anticoagulante oral
mento invasivo, oneroso e com morbidade em torno
de 5% e mortalidade em torno de 1%. Deve ser empre- O tratamento com anticoagulantes deve ser iniciado
gada em pacientes: com alta probabilidade clínica de com a suspeita clínica evitando-se o atraso até a confir-
tromboembolismo pulmonar, mas com testes não- mação diagnóstica16. Deve-se iniciar com bolus de
invasivos prévios inconclusivos; com contra-indicação 80UI/Kg de heparina, seguido da infusão contínua de
para a anticoagulação; naqueles em que se pensa reali- 18UI/Kg/h, dose corrigida de acordo com o PTTa a
cada 6h. A anticoagulação com heparina segue a mesma
zar tratamento mais agressivo (filtros de veia cava ou
linha do tratamento da trombose venosa profunda, cita-
terapia trombolítica)21. A angiografia pode ainda ser o
do anteriormente12,16. O tratamento tem como objetivo a
exame de primeira escolha em pacientes com suspeita
prevenção da progressão do trombo e a recorrência do
clínica de tromboembolismo pulmonar e instáveis
tromboembolismo pulmonar.
hemodinamicamente4,11,16.
As heparinas de baixo peso molecular também
podem ser utilizadas por apresentarem vantagens econô-
Tratamento micas e segurança no tratamento do tromboembolismo
pulmonar, fato demonstrado recentemente9,13.
Importância do tratamento e risco
Para observarmos o impacto do tratamento na Terapia trombolítica
doença tromboembólica, é necessário conhecer a his-
tória natural do tromboembolismo pulmonar não-tra- O uso de trombolíticos no tromboembolismo pul-
tado. A mortalidade da doença tromboembólica não- monar permanece assunto controverso. Os estudos
tratada é substancial. Barritt e Jordan22, em estudo publicados demonstram eficácia comprovada na lise do
prospectivo, comparando o tratamento anticoagulante trombo pulmonar, porém a freqüência de recorrência do
com nenhuma forma de tratamento no tromboembo- êmbolo pulmonar e a mortalidade permanecem inaltera-
lismo pulmonar, observaram redução substancial da dos25-6. Os resultados são melhores em pacientes jovens,
mortalidade no grupo tratado – de 38% para menos de em grandes êmbolos com repercussão hemodinâmica e
8%. Esse estudo foi interrompido por razões éticas, nas primeiras 48 horas do evento embólico14,15,25,26. As
devido à grande discrepância dos resultados entre os contra-indicações ao tratamento trombolítico encon-
grupos. Outros estudos comparativos demonstraram tram-se listadas no Quadro 20.3.
redução similar na mortalidade do grupo tratado,
determinando as diversas formas de tratamento discu- Tromboembolectomia pulmonar
tidas a seguir23,24.
O tratamento deve ser iniciado tão logo seja possí- Esta abordagem raramente está indicada. Suas indica-
vel, devido ao potencial risco de evolução fatal16. Deve- ções limitam-se ao tromboembolismo pulmonar maciço
se atentar para a manutenção da estabilidade hemodi- sem resposta ao tratamento fibrinolítico ou quando os
nâmica e evitar a progressão do trombo, bem como a trombolíticos não podem ser usados. A tromboembolecto-
recidiva do tromboembolismo pulmonar16. O paciente mia pode ser realizada cirurgicamente ou através
deve ser internado e acompanhado, mesmo em casos de cateter4,16.
em que não haja deterioração respiratória ou circulató-
ria, visto que pode haver piora clínica repentina por Interrupção da veia cava inferior
falência cardíaca ou ventilatória por novas embolias.
Recomenda-se repouso, suplementação de oxigênio, O filtro de veia cava tem sido empregado no trom-
(mesmo que não haja insuficiência respiratória), com o boembolismo pulmonar visando prevenir sua ocorrência
objetivo de reduzir a resistência vascular pulmonar. A ou recidiva. O filtro consiste num sistema que impede a
monitorização dos sinais vitais com a correção dos propagação de êmbolos para a circulação pulmonar. As
padrões hematológicos, bioquímicos e da função car- indicações para o uso do filtro de veia cava estão expres-
díaca é fundamental4,16. sas no Quadro 20.4.
257
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Nos trombos situados no território fêmuro-poplíteo, Conclusão


sem episódio de tromboembolismo pulmonar documen-
tado, essa indicação é discutível. O paciente deve ser A correta abordagem da doença tromboembólica prio-
mantido anticoagulado após o posicionamento do filtro rizando a profilaxia, atentando para o diagnóstico precoce
para se evitarem as complicações da trombose venosa e tratamento eficaz deve ser sempre preconizada pela equi-
profunda, a menos que tenha contra-indicação para anti- pe médica, com o objetivo de reduzir a morbimortalidade
coagulação4,16. O filtro de Greenfield é o modelo mais uti- dessa doença (recorrência, seqüelas e óbito).
lizado atualmente, apresentando taxas de recorrência de
tromboembolismo pulmonar menores que 4%, com Referências
patência da veia cava inferior superior de 96%27.
1 ■ Silverstein MD, Heit JA, Mohr DN, Petterson TM, O’Fallon
Quadro 20.3 .: Contra-indicações absolutas e relativas ao trata- WM, Melton LJ III. Trends in the incidence of deep vein
mento tromboembolítico thrombosis and pulmonary embolism: a 25-year population-
based study. Arch Intern Med. 1998;158:585-93.
Contra-indicações absolutas 2 ■ Messina LM, Park LK, Tierney LM Jr. Blood Vessels &
Suspeita de aneurisma dissecante de aorta Lymphatics. In: Tierney LM, McPee SJ, Papadakis MA. eds.
Pericardite aguda Current Medical Diagnosis & Treatment. New York:
Qualquer sinal de sangramento McGraw-Hill, 2004:452-4.
3 ■ Bates SM, Ginsberg JS. Clinical practice. Treatment of deep-vein
Contra-indicações relativas thrombosis. N Engl J Med. 2004;351:268-77.
Acidente vascular encefálico há menos de dois meses 4 ■ Dalen JE. Pulmonary embolism: what have we learned since
Neurocirurgia Virchow? treatment and prevention. Chest. 2002;122:1801-17.
Traumatismo craniano 5 ■ Creager MA, Dzau VJ. Vascular diseases of the extremities. In:
Aneurisma cerebral Kasper DL, Fauci AS, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL,
Câncer intracraniano Jameson JL eds. Harrison’s Principles of Internal Medicine.
Qualquer tipo de hemorragia nos últimos seis meses New York: McGraw-Hill, 2004:1491-2.
Pressão arterial sistólica maior ou igual a 200mmHg
6 ■ Diamant DS. Lower extremity amputation secondary to heparin-
associated thrombocytopenia with thrombosis. Arch Phys
Pressão arterial diastólica maior ou igual a 110mmHg
Med Rehabil. 1996;77:1090-2.
Procedimento cirúrgico há menos de dez dias
7 ■ Lam F, Hussain S, Li P. Limb loss following the use of heparin.
Retinopatia hemorrágica
J Bone Joint Surg. 2001;83:588-9.
Endocardite 8 ■ Markovich GD, Russell JM, Gagne P. Antibody-induced arterial
Gravidez ou parto thromboembolism resulting in amputation after total knee
Trauma ou ressuscitação cardiorrespiratória recentes arthroplasty. J Arthroplasty. 1997;12:350-2.
9 ■ Hirsh J. Low-molecular-weight heparin: A review of the results
of recent studies of the treatment of venous thromboembo-
lism and unstable angina. Circulation. 1998;98:1575-82.
Quadro 20.4 .: Indicações para o uso do filtro de veia cava* 10 ■ Fancher TL, White RH, Kravitz RL. Combined use of rapid D-
dimer testing and estimation of clinical probability in the
Trombos em território ilíaco-femoral ou na veia cava inferior diagnosis of deep vein thrombosis: systematic review. BMJ.
Hemorragia importante durante anticoagulação sistêmica 2004;329:821.
Tromboembolismo pulmonar recorrente na vigência de 11 ■ Lee AY, Hirsh J. Diagnosis and treatment of venous throm-
anticoagulação plena boembolism. Annu Rev Med. 2002;53:15-33.
Tromboembolismo pulmonar de repetição em pacientes com 12 ■ Chesnutt MS, Prendergast TJ. Lung. In: Tierney LM, McPee SJ,
cor pulmonale
Papadakis MA. eds. Current Medical Diagnosis & Treatment.
New York: McGraw-Hill, 2004: 274-84.
Tromboembolismo pulmonar maciço com trombo residual nos
13 ■ Meissner MH, Caps MT, Bergelin RO, Manzo RA, Strandness
membros inferiores
DE Jr. Early outcome after isolated calf vein thrombosis. J
Pós-embolectomia pulmonar
Vasc Surg. 1997;26:749-56.
Forame oval patente 14 ■ Mewissen MW, Seabrook GR, Meissner MH, Cynamon J,
Embolia séptica Labropoulos N, Haughton SH. Catheter-directed thromboly-
sis for lower extremity deep venous thrombosis: report of a
* Modificado de Dalen4 e Wood16 national multicenter registry. Radiology. 1999;211:39-49.

258
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Capítulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica

15 ■ Semba CP, Dake MD. Iliofemoral deep venous thrombosis: 21 ■ Dalen JE, Brooks HL, Johnson LW, Meister SG, Szucs MM Jr,
aggressive therapy with catheter-directed thrombolysis. Dexter L. Pulmonary angiography in acute pulmonary embo-
Radiology. 1994;191:487-94. lism: indications, techniques, and results in 367 patients. Am
16 ■ Wood KE. Major pulmonary embolism: review of a pathophy- Heart J. 1971;81:175-85.
siologic approach to the golden hour of hemodynamically 22 ■ Barritt DW, Jordan SC. Anticoagulant drugs in the treatment of pul-
significant pulmonary embolism. Chest. 2002;121:877-905. monary embolism. A controlled trial. Lancet. 1960;1:1309-12.
17 ■ Carson JL, Kelley MA, Duff A, Weg JG, Fulkerson WJ, Palevsky 23 ■ Alpert JS, Smith R, Carlson J, Ockene IS, Dexter L, Dalen JE.
HI, et al. The clinical course of pulmonary embolism. N Engl Mortality in patients treated for pulmonary embolism. JAMA.
J Med. 1992;326:1240-5. 1976;236:1477-80.
18 ■ Stein PD, Terrin ML, Hales CA, Palevsky HI, Saltzman HA, 24 ■ Perez de Llano LA, Baloira VA, Veres RA, Veiga F, Golpe GR,
Thompson BT, et al. Clinical, laboratory, roentgenographic, Pajuelo FF. Multicenter, prospective study comparing enoxa-
and electrocardiographic findings in patients with acute pul- parin with unfractionated heparin in the treatment of submas-
monary embolism and no pre-existing cardiac or pulmonary sive pulmonary thromboembolism. Arch Broncopneumo.
disease. Chest. 1991;100:598-603. 2003;39:341-5.
19 ■ Khorasani R, Gudas TF, Nikpoor N, Polak JF. Treatment of 25 ■ Urokinase pulmonary embolism trial. Phase 1 results: a coopera-
patients with suspected pulmonary embolism and intermedia- tive study. JAMA. 1970;214:2163-72.
te-probability lung scans: is diagnostic imaging underused? 26 ■ Urokinase-streptokinase embolism trial. Phase 2 results. A coo-
AJR Am J Roentgenol. 1997;169:1355-7. perative study. JAMA. 1974;229:1606-13.
20 ■ Value of the ventilation/perfusion scan in acute pulmonary 27 ■ Greenfield LJ, Proctor MC, Cho KJ, Cutler BS, Ferris EJ,
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nary embolism diagnosis (PIOPED). The PIOPED Greenfield vena caval filter. J Vasc Surg. 1994;20:458-64.
Investigators. JAMA. 1990;263:2753-9.

259
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21
O CIRURGIÃO
E AS INFECÇÕES
OCUPACIONAIS
Renato Camargos Couto,
Tânia Moreira Grillo Pedrosa

Introdução Outro conceito essencial é de que a Medicina conhe-


ce somente pequena porção dos patógenos que são vei-
Os indivíduos que trabalham em hospitais estão culados pelo sangue. Recentemente ficou estabelecida a
potencialmente expostos a uma diversidade de doenças participação de príons na determinação de quadros
infecto-contagiosas, principalmente aqueles que têm con- demenciais. Portanto, fazer exames pré-operatórios à
tato direto com os pacientes ou com dispositivos e equi- procura desses patógenos não diminui os acidentes e só
pamentos contaminados com material orgânico. Esses detecta parte do risco.
indivíduos, aqui denominados trabalhadores da área da O risco do procedimento cirúrgico é proporcional à
saúde, além de expostos às doenças infecciosas dos intensidade de sangramento, duração e risco de lesões de
pacientes, podem, por sua vez, ser fonte de transmissão pele e aspersão de sangue em mucosas determinado
de microorganismos para pacientes e outros profissio- pelas manobras cirúrgicas necessárias à realização
nais. Além disso, há que se considerar a funcionária grá- do mesmo.
vida, visto que inúmeras doenças infecciosas podem
comprometer gravemente o desenvolvimento fetal. Técnicas de barreira para biossegurança
A técnica de usar barreiras físicas que impeçam o con-
O cirurgião frente ao paciente com tato do cirurgião com sangue e fluidos corpóreos é medi-
doenças veiculadas pelo sangue da eficaz e oferece ótima relação custo-benefício. Essas
técnicas são recomendações mundialmente aceitas e
O comportamento do cirurgião frente ao paciente conhecidas como precauções-padrão. Algumas delas
com doenças veiculadas pelo sangue é dirigido mais fre- estão listadas no Quadro 21.1.
qüentemente pelos tabus do que pela técnica. Nessa
situação, é comum o medo predominar e o cirurgião se
Exposição ocupacional aos vírus
esquecer de que a maior parte desses pacientes é assinto-
mática e desconhece essa condição assim como o cirur- veiculados pelo sangue
gião que vai tratá-lo. Os três microorganismos habitualmente associados à
Ter o conhecimento da condição infecciosa do exposição ocupacional ao sangue são os vírus da hepatite
paciente, antes do procedimento cirúrgico, não diminui a B (HBV), da hepatite C (HCV) e da imunodeficiência
ocorrência de acidentes durante o ato operatório. humana (HIV).
261
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 21.1. : Precauções-padrão – medidas de biossegurança sangue no ambiente de trabalho, e com o estado de por-
tador do antígeno “e” da hepatite B do paciente fonte
Lavagem das mãos: (Quadro 21.2):
Antes e após o contato com paciente
Imediatamente após tocar sangue, fluidos corpóreos, secreções,
Quadro 21.2 .: Risco de transmissão ocupacional pelo vírus da
excreções e/ou objetos contaminados
hepatite B
Imediatamente após retirar as luvas

Luvas: Antígeno Risco de desenvolver


Colocar as luvas para tocar, ou quando for tocar, sangue, fluidos (paciente fonte) sorologia positiva
corpóreos, objetos contaminados, mucosa e pele não-intacta (TAS exposto)
Retirá-las imediatamente após o uso e lavar as mãos HbsAg positivo 37% a 62%
Máscara e Óculos: HbeAg positivo
Uso recomendado para proteger mucosas (olhos, nariz, boca) HbsAg positivo 23% a 37%
quando houver risco de spray ou respingos com sangue, fluidos
HbeAg negativo
corpóreos, secreções, excreções

Capote: TAS – Trabalhador da área de saúde


Deve ser usado quando houver risco de respingos ou spray de
sangue, fluidos corpóreos, secreções e excreções
Tire imediatamente após o uso e lave as mãos Embora o acidente percutâneo seja a forma mais
eficiente de transmissão do vírus da hepatite B, este
Equipamentos:
tipo de exposição corresponde à minoria das fontes de
Manipule equipamentos usados e sujos de maneira a não contaminar
o profissional e o paciente (mucosa, roupa)
infecção entre os trabalhadores da área de saúde. Esta
Não use objetos de um paciente em outro sem a devida limpeza e afirmativa baseia-se nas seguintes observações contidas
desinfecção em diversos estudos epidemiológicos: (1) a maioria dos
Cuidado com agulhas e instrumentos de corte, especialmente na trabalhadores da área de saúde infectados relata não se
limpeza e na hora do descarte recordar de acidente percutâneo, mas cerca de um
Nunca reencape agulhas e não retire a agulha da seringa descartável terço deles afirma ter manuseado secreções de pacien-
Na hora de algum procedimento, coloque o recipiente duro, adequa- te HBsAg positivo; (2) a demonstração de que o vírus
do para o descarte de materiais pérfuro-cortantes, o mais próximo
da hepatite B sobrevive no sangue ressecado, em
possível do leito
superfícies inanimadas, em temperatura ambiente, por
Ambiente: pelo menos uma semana. A transmissão potencial do
A limpeza do ambiente é padronizada pelo hospital que usa substân-
vírus da hepatite B, por meio do contato com superfí-
cias ativas contra vírus para superfícies com risco de contaminação
cies inanimadas contaminadas, tem sido demonstrada
Roupa: em epidemias ocorridas entre pacientes e equipe de
Manipule quando usada e suja de maneira a não contaminar assistência em unidades de hemodiálise.
profissionais, pacientes e ambiente
O sangue é o principal veículo de transmissão do
Alojamento do paciente: vírus da hepatite B. Embora o HBsAg também seja
Coloque em quarto privativo aqueles que, por qualquer motivo, detectado em vários outros fluidos corporais, incluindo
possam contaminar o ambiente leite materno, bile, líquor, fezes, secreção nasofaríngea,
saliva, sêmen, suor e líquido sinovial, sua concentração
é cerca de 100 a 1.000 vezes maior que a de partículas
infectantes do vírus. Ou seja, esses fluidos, embora
Vírus da hepatite B possam ser HBsAg positivos, não são veículos eficien-
tes de transmissão porque contêm baixos títulos de
Risco da transmissão ocupacional pelo vírus da hepatite B
partículas infectantes.
O risco da infecção pelo vírus da hepatite B está pri- Estudos norte-americanos da década de 70 mostra-
mariamente relacionado com o grau de contato com ram que a prevalência de hepatite B entre os trabalha-

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Capítulo 21 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

dores da área de saúde era cerca de dez vezes maior do ao vírus da hepatite B. Se o trabalhador da área de saúde
que na população em geral. Com a obrigatoriedade da exposto não for comprovadamente imune ao HBV,
vacinação pré-exposição e a adesão às precauções- deve ser feita sorologia para anticorpo de superfície da
padrão, vem ocorrendo declínio significativo dessa hepatite B (anti-HBsAg). Mesmo aqueles vacinados
prevalência nos últimos 20 anos.
anteriormente e cuja sorologia foi realizada num perío-
do maior que 24 meses antes da exposição devem ser
Profilaxia pós-exposição ao vírus da hepatite B novamente testados. Sabe-se que cerca de 10% a 15%
O uso da imunoglobulina hiperimune e/ou da vaci- dos indivíduos vacinados não alcançam títulos proteto-
na contra hepatite B em outras situações de risco, por res dos anticorpos. Os obesos, imunossuprimidos, os
exemplo na transmissão materno-fetal, tem-se mostrado maiores de 50 anos e os tabagistas são considerados os
bastante eficaz, com prevenção da transmissão do vírus menos responsivos à vacina e, portanto, são tidos como
para o recém-nascido em 85% a 95%, quando aplicadas grupo de risco. Recomenda-se a profilaxia após-exposi-
no nascimento. A demonstração desta eficiência reforça ção ocupacional nos casos em que o anti-HBsAg for
a recomendação da vacinação dos trabalhadores da área
menor que 10mIU/mL.
de saúde expostos, além do uso da imunoglobulina
(Quadro 21.3). A vacina tem-se mostrado segura, sem a A determinação do título de anti-HBsAg deve ser
ocorrência de efeitos colaterais graves. A gravidez e o feita entre um a seis meses após o esquema vacinal pri-
aleitamento materno não devem ser considerados con- mário ou quatro a seis meses após a administração de
tra-indicações ao uso da vacina na trabalhadora exposta imunoglobulina anti-HBV hiperimune.

Quadro 21.3. : Profilaxia pós-exposição ao vírus da hepatite B

Estado imunológico do indivíduo Tratamento (se paciente-fonte for HBsAg Comentários


exposto positivo ou desconhecido)
Não-vacinado: Uma dose de imunoglobulina hiperimune Imunoglobulina hiperimune*: 0,06ml/Kg,
anti-HBV (até 24h pós-acidente) e 1ml da intramuscular.
vacina (até 24 a 48h pós-acidente) e programar Vacina: 1ml, intramuscular (no deltóide) com
esquema vacinal completo. intervalos de zero, um e seis meses. Dosar
anti-HBsAg após (ver texto).
Aplicar a vacina e a imunoglobulina em mús-
culos distintos.
Dosar o antígeno do core da hepatite B: se
positivo suspender a vacinação.

Vacinado anteriormente:

Anti-HBsAg ≥ 10mIU/mL Nenhum tratamento

Anti-HBsAg < 10mIU/mL Uma dose da vacina (até 24 a 48h pós-aciden- Imunoglobulina hiperimune*: 0,06mL/Kg,
te) + uma dose da imunoglobulina intramuscular. Considerar outra dose em um
hiperimune (até 24h pós-acidente) mês se for indivíduo de risco (ver texto).
Vacina: 1mL IM, no deltóide.

Anti-HBs Ag desconhecido Uma dose da vacina (até 24 a 48h pós-aciden- Imunoglobulina hiperimune*: 0,06mL/Kg,
te) + uma dose da imunoglobulina intramuscular. Considerar outra dose em
hiperimune (até 24 a 48h pós-acidente) 1 mês se for indivíduo de risco (ver texto).
Vacina: 1ml IM, no deltóide.

* imunoglobulina hiperimune anti-HBV

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Vírus da hepatite C do HIV após-exposição ocupacional. No acidente percu-


tâneo, o risco está diretamente associado ao volume de
Risco da transmissão ocupacional do vírus da hepatite C sangue do paciente fonte, nas seguintes situações: dispo-
O vírus da hepatite C não é significativamente trans- sitivo visivelmente contaminado com sangue do pacien-
mitido pela exposição ocupacional ao sangue. A incidên- te, procedimento no qual a agulha foi diretamente usada
na veia ou artéria, ou acidente com perfuração profunda.
cia média de soroconversão após-exposição percutânea
Maior volume de sangue é transferido ao trabalhador da
de paciente fonte HCV positivo é de 1,8% (limites: 0% a
área de saúde exposto quando o acidente é profundo e
7%). Raramente ocorre transmissão por contato com
causado por agulhas ocas (com lúmen). O risco também
mucosa, e nenhum caso de transmissão por contato com
aumenta se o paciente fonte está em estágio terminal da
pele lesada ou íntegra foi documentado.
doença, possivelmente refletindo tanto o alto título de
Ao contrário do vírus da hepatite B, estudos epide-
HIV na fase tardia da doença, quanto a presença de
miológicos sugerem que a contaminação ambiental com
outros fatores indutores de cepas de HIV.
sangue não representa risco significativo na transmissão
Mais alto risco (>0,3%):
do vírus da hepatite C para os trabalhadores da área de ■ grande volume de sangue (agulhas ocas colocadas
saúde, com exceção das unidades de hemodiálise sem em qualquer acesso vascular: cateter venoso curto,
rigoroso controle de infecções. artigo de punção venosa com aletas laterais, cateter
O sangue é o principal veículo de transmissão. venoso central, etc.), e sangue contendo altos títulos
de HIV (pacientes em soroconversão ou em fase
Profilaxia pós-exposição ao vírus da hepatite C avançada da doença).
Risco aumentado:
Em 1994, o Advisory Committee on Imunization ■ se apenas uma das duas condições acima estiver

Practices (ACIP - Estados Unidos) revisou os dados dis- presente.


poníveis relacionados à prevenção da hepatite C, utili- Risco não-aumentado:
zando imunoglobulina, e concluiu que esse uso não tinha ■ se nenhuma das duas condições estiver presente.

sustentação. Nenhum trabalho clínico foi ainda conduzi- Risco após-exposição cutâneo-mucosa
do para se determinar o uso de drogas antivirais (interfe- Aumentado (>0,1%) se houver:
■ grande área exposta, ou
ron com ou sem ribavirina) pós-exposição ao vírus da
■ grandes volumes de sangue, ou
hepatite C. Os antivirais não são recomendados para esta
■ contato prolongado com área de lesão cutâneo-
finalidade pelo órgão norte-americano de controle de
medicamentos (FDA). Até o momento, os resultados mucosa.
epidemiológicos sugerem que é necessário que a infecção
esteja estabelecida antes do uso do interferon, de forma Profilaxia pós-exposição ao vírus
que o tratamento seja efetivo. da imunodeficiência humana
Embora ainda não exista profilaxia eficaz, a sorologia
para anti-HCV deve ser obtida do trabalhador da área de Dados referentes à infecção primária pelo vírus da imu-
saúde exposto, imediatamente após o acidente e seis a nodeficiência humana mostram que a infecção sistêmica
nove meses após. A importância da determinação da não ocorre imediatamente, ocorrendo pequena janela
infecção se deve ao fato de que parte dos infectados durante a qual o uso do anti-retroviral pós-exposição pode
desenvolverá hepatite crônica, e, nesses casos, pode prevenir ou modificar a replicação viral. O início dos anti-
haver indicação do uso de interferon ou ribavirina. retrovirais, tão logo tenha ocorrido o acidente (preferen-
cialmente até duas horas após), previne ou inibe a infecção
sistêmica por limitar a proliferação dos vírus nas células-
Vírus da imunodeficiência humana alvo iniciais ou linfonodos.
Determinação do risco pós-exposição percutânea Atualmente estão disponíveis três classes de drogas
anti-retrovirais para o tratamento da infecção pelo HIV.
Estudos epidemiológicos e laboratoriais sugerem que Esses agentes incluem os inibidores da transcriptase rever-
vários fatores podem influenciar o risco de transmissão sa (nucleosídeos e não-nucleosídeos) e os inibidores de
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Capítulo 21 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

protease. As combinações de nucleosídeos consideradas Quadro 21.4 .: Efeitos colaterais primários associados aos anti-
para a profilaxia pós-exposição são: retrovirais
■ AZT (zidovudina) + 3TC (lamivudina), considerado

ainda hoje esquema de escolha; Classe/Agente Efeitos colaterais


anti-retroviral e toxicidade
■ 3TC (lamivudina) + d4T (estavudina);
Nucleosídeos
■ d4T (estavudina) + ddI (didanosina).
Zidovudina Anemia, neutropenia, náuseas,
No mercado brasileiro, existe disponível a combinação
cefaléia, mialgia e fraqueza
de AZT 300mg + 3TC 150mg, o que facilita o emprego da
profilaxia pós-exposição. Lamivudina Dor abdominal, náuseas, diar-
réia, exantema, pancreatite
Está recomendada a associação de uma terceira droga
nas exposições de alto risco. Os agentes usualmente utiliza- Didanosina Pancreatite, acidose lática, neu-
ropatia, dor abdominal, náuseas
dos são IDV (indinavir), NFV (nelfinavir), EFV (efavi-
renz), ABC (abacavir) ou Kaletra. Abacavir Náuseas, diarréia, anorexia, dor
abdominal, insônia e hipersensi-
O efavirenz deve ser considerado a terceira droga bilidade
(exceto na gestante, como se mostra a seguir), especial-
Não-nucleosídeos
mente nas situações suspeitas de paciente fonte portador
de vírus da imunodeficiência humana resistente aos inibi- Nevirapina Exantema (incluindo
Stevens-Johnson), febre,
dores de proteases. náuseas, cefaléia, alteração
Uso de anti-retrovirais na gravidez: os dados atualmen- de PFH
te disponíveis são limitados quanto aos possíveis efeitos do Delavirdina Exantema (incluindo Stevens-
uso destas drogas no desenvolvimento do feto ou do Johnson), náuseas, diarréia,
recém-nascido. Estão descritas carcinogenicidade e/ou cefaléia, alteração de PFH
mutagenicidade in vitro com a zidovudina e demais nucleo- Efavirenz Exantema (incluindo Stevens-
sídeos, teratogenicidade com efavirenz, e hiperbilirrubine- Johnson), insônia, sonolência,
náuseas, dificuldade de
mia e cálculos renais com indinavir. Além disso, já foram concentração
relatados dois casos de doença neurológica progressiva na Inibidores de protease
França com o uso de zidovudina + lamivudina, e acidose
Indinavir Náuseas, dor abdominal, nefro-
lática fatal e não-fatal com estavudina e didanosina. litíase, hiperbilirrubinemia
Nas doses habitualmente recomendadas, a profilaxia
com zidovudina normalmente é bem tolerada pelos traba- Nelfinavir Diarréia, náuseas, dor abdominal,
fraqueza e exantema
lhadores da área de saúde. Os efeitos colaterais mais preco-
ces, associados a doses mais altas, incluem primariamente Ritonavir Fraqueza, diarréia, náuseas, alte-
ração do paladar e aumento de
sintomas gastrointestinais, fadiga e cefaléia. Os efeitos cola- colesterol e triglicérides
terais de outras drogas anti-retrovirais em pessoas não-
Saquinavir Diarréia, dor abdominal, náu-
infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana ainda seas e alteração das PFH
não são bem estabelecidos. Em adultos infectados pelo
vírus da imunodeficiência humana, a lamivudina pode cau- Amprenavir Náuseas, diarréia, exantema,
depressão
sar sintomas gastrointestinais e, em raros casos, pancreati-
te. A toxicidade do indinavir inclui sintomas gastrointesti- Lopinavir/Ritonavir Diarréia, fadiga, cefaléia, náu-
nais e, usualmente, após uso prolongado, hiperbilirrubine- seas, alterações de colesterol e
triglicérides
mia moderada (10%) e nefrolitíase (4%); esta última pode
ser minimizada com a ingestão de, pelo menos, 1,5 litro de PFH – provas de função hepática
líquidos ao dia. Durante as primeiras quatro semanas de
uso do indinavir, a incidência relatada de nefrolitíase é de Avaliação e teste da fonte da exposição
0,8% (Quadro 21.4). É contra-indicado o uso concomitan-
te de indinavir com algumas outras drogas, incluindo A pessoa, cujo sangue ou fluido corporal seja a fonte
alguns anti-histamínicos não-sedativos. da exposição ocupacional, deve ser avaliada para infec-
265
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ção pelo vírus da imunodeficiência humana. Esta avalia-


ção inclui testes sorológicos anteriores para esta infec- Quadro 21.5 .: Transmissão ocupacional e profilaxia dos vírus da
ção, sintomas clínicos e história de possível exposição hepatite A, D e E
ao vírus da imunodeficiência humana. Se o paciente-
Aspecto Hepatite A Hepatite D Hepatite E
fonte é sabidamente portador de infecção pelo HIV,
deve-se obter maiores informações sobre o estágio da Transmissão Rara Provavelmente Extremamente
ocupacional incomum rara
infecção (assintomática ou não), contagem do CD4+,
Principal Fezes Sangue Fezes
resultados de carga viral e o uso atual e prévio de dro-
modo de
gas anti-retrovirais. Esses dados devem ser analisados transmissão
conjuntamente para se decidir sobre o melhor esquema Precauções Padrão Padrão Padrão
profilático a ser indicado.
As seguintes recomendações devem ser seguidas em Profilaxia Imunoglobulina Vacina para Não-disponível
pós- (ver texto) hepatite B e
relação à prevenção da contaminação ocupacional pelo exposição imunoglobulina
vírus da imunodeficiência humana: B hiperimune
■ o uso das drogas deve ser por quatro semanas; para os
trabalhadores
■ deve-se realizar acompanhamento para detecção de
da área de
toxicidade; saúde sem
■ a sorologia deve ser realizada no momento do aci- infecção pelo
vírus B*
dente, após seis semanas, após 12 semanas e após seis
meses; * O vírus D necessita do vírus B para se tornar infectante.
■ a prevenção de transmissão secundária deve ser

mantida até seis semanas (uso de preservativo, evitar


lactação).
Principais doenças infecto-contagiosas preveníveis
com a imunização ativa:
Outros vírus das hepatites
com transmissão ocupacional Rubéola
Os outros vírus das hepatites são raramente transmi- O risco maior de aquisição de rubéola está nas uni-
tidos ocupacionalmente (Quadro 21.5). dades pediátricas. Embora considerada doença com
Os vários aspectos relacionados à exposição ocupa-
manifestação leve a moderada no adulto, são extrema-
cional, incluindo a abordagem inicial, o risco de transmis-
mente preocupantes as graves seqüelas fetais que
são, os exames sorológicos a serem solicitados e a neces-
podem advir da aquisição transplacentária em gestante
sidade de profilaxia, estão apresentados nos Quadros
21.6, 21.7, 21.8 e na Figura 21.1. com rubéola. Por esse motivo, também são considera-
dos de risco, como agentes transmissores da infecção,
os trabalhadores que desempenham suas atividades em
Recomendações de imunização ativa unidades obstétricas. O indivíduo só deve ser conside-
para trabalhadores da área da saúde rado imune à rubéola por meio de exames sorológicos
que confirmem esta imunidade e, ainda, que estes tes-
Os indivíduos que trabalham em contato com
tes sorológicos tenham sido feitos após o primeiro ano
pacientes com doenças infecto-contagiosas apresentam
de vida (para afastar a possibilidade de anticorpos
risco aumentado de adquirir e, secundariamente de
transmitir doenças passíveis de prevenção com o uso maternos). Apenas a história de rubéola é insuficiente
adequado de vacinação. A imunização ativa dos traba- para se determinar o estado de imunidade. Todas as pes-
lhadores da área de saúde deve ser uma prática rotinei- soas suscetíveis devem ser vacinadas (com MMR ou vaci-
ra nas instituições de saúde, incluindo os estabeleci- na monocomponente para rubéola) antes de iniciar ou
mentos de ensino. continuar o contato com gestantes.
266
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Capítulo 21 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

Quadro 21.8 .: Exames sorológicos a serem solicitados após-


Quadro 21.6 .: Abordagem inicial da exposição ocupacional exposição

Passo 1: Descontaminação do sítio exposto Paciente-fonte Trabalhador da área de saúde exposto


Limpar ferida com água e sabão Anti-HIV, utilizando Anti-HIV, se paciente fonte for desco-
Irrigar membranas mucosas com água limpa o teste rápido nhecido ou HIV positivo: repetir em seis
semanas, três meses e seis meses
Irrigar os olhos com água limpa ou solução oftalmológica estéril
HBsAg Anti-HBsAg quantitativo, se realizado há
Passo 2: Contacto com a comissão de controle de infecção mais de 24 meses do acidente, em traba-
hospitalar lhador da área de saúde vacinado para
hepatite B
Determinar o risco da exposição
Fazer triagem rápida para profilaxia imediata pós-exposição: HBsAg e considerar HBeAg se trabalhador
Quimioprofilaxia anti-HIV da área de saúde não-imune à hepatite B e
Imunoprofilaxia para HBV paciente-fonte for desconhecido ou
HBsAg positivo
Aconselhar
Anti-HCV Se paciente-fonte for desconhecido ou
Passo 3: Acompanhamento clínico HCV positivo:
Obter informações no mesmo dia do acidente ou no próximo dia Anti-HCV: repetir em quatro a seis
de trabalho meses
Fazer anotações e teste sorológico confidenciais ASAT e ALAT
Aconselhamento
repetir em quatro a seis meses
Prestar educação preventiva
Para diagnóstico precoce: testar
HCV-RNA quatro a seis semanas
após-exposição

Quadro 21.7 .: Risco de transmissão ocupacional dos vírus das hepatites B e C, e do vírus HIV

Vírus Risco de transmissão Material infectante


Acidente Contato com pele
pérfuro-cortante lesada ou mucosa Documentado Possível Incomum

HBV 23% a 62% Não-quantificado Sangue e derivados Sêmen, secreção Urina, fezes
vaginal, saliva, fluidos
com sangue
HCV 0% a 7% Não-quantificado Sangue Sêmen, secreção Saliva, urina,
(média - 1,8%) vaginal, saliva, fluidos fezes
com sangue
HIV 0,2% a 0,5 % Pele: Sangue e derivados; Sêmen, secreção Saliva, urina,
(média - 0,3%) Não-quantificado fluidos corpóreos vaginal, leite huma- fezes
Mucosa: 0,09% com sangue no, exsudatos
Líquido de serosas
Líquido amniótico
Saliva: durante
tratamento dentário.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O material fonte é sangue, fluido sangüíneo, outro material potencialmente infectante


ou instrumento contaminado com uma destas secreções?

Sim Não
Passo 1: Determinar o código de exposição (CE)

Outro material
Sangue ou fluido sangüíneo Não é necessária profilaxia
potencialmente infectante

Que tipo de exposição ocorreu?

Mucosa ou pele Apenas pele Exposição


não-íntegra íntegra percutânea

Profilaxia não é
Avaliar volume Avaliar gravidade
necessária

Maior gravidade: agulha


Grande:
Menor oca, lesão profunda,
Pequeno: muitas gotas, extensa
gravidade: sangue visível no
poucas gotas e aspersão de sangue,
agulha sólida, lesão dispositivo ou agulha
curta duração e/ou grande duração
superficial usada em vaso do
(muitos minutos)
paciente-fonte

CE 1 CE 2 CE 2 CE 3

Qual é o status do HIV do paciente-fonte?


Passo 2: Determinar o código de

HIV negativo HIV positivo Status desconhecido Paciente-fonte desconhecido


status do HIV (HIV CS)

Profilaxia não
é necessária

Exposição de alto título:


Exposição de baixo SIDA avançada, infecção
título: assintomático e primária pelo HIV, carga
alto valor de CD4+ viral alta ou em ascensão,
ou baixo CD4+

HIV CS 1 HIV CS 2 HIV CS desconhecido

CE HIV CS Recomendação de profilaxia


Passo 3: Determinar a profilaxia
pós-exposição ocupacional ao

1 1 Não é recomendada
1 2 Considerar esquema básico: quatro semanas de zidovudina (200mg de 8/8h) + lamivudina
(150mg de 8/8h)
2 1 Recomendado esquema básico: ver acima
HIV*

2 2 Recomendado esquema amplo: é o esquema básico mais indinavir (800mg de 8/8h) ou


nelfinavir (750mg de 8/8h)
3 1 ou 2 Recomendado esquema amplo: ver acima
desconhecido desconhecido Se o contexto da exposição sugere possível risco para HIV, e o CE é 2 ou 3, considerar
esquema básico.
CE – Código de exposição. HIV CS – Código de status do HIV. * na dependência do código de exposição e do código de status

Figura 21.1 .: Determinação da necessidade de profilaxia pós-exposição ocupacional ao HIV

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Capítulo 21 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

Sarampo com ocorrência de epidemias, é recomendada a imuni-


zação para todos os trabalhadores da área de saúde,
A ocorrência de sarampo em trabalhadores da área
anualmente, no período do outono. Considerando-se
de saúde contribui para a disseminação da doença
que os lactentes com menos de seis meses de idade não
durante epidemias. Recomenda-se que todo trabalhador
podem receber a vacina, é altamente recomendada a
da área de saúde, nascido após 1957, que vá ter contato
imunização ativa dos trabalhadores de unidades neona-
direto com os pacientes, tenha seu estado de imunidade
tais e pediátricas.
determinado. A prova de imunidade pode ser obtida
por meio de: (1) atestado médico confirmando a doen-
ça; (2) teste sorológico para anticorpo positivo ou (3) Varicela
vacinação documentada de duas doses de vacina de
vírus vivo atenuado para sarampo durante ou após o É aconselhável a determinação da imunidade à vari-
primeiro ano de vida. Embora os indivíduos nascidos cela de todos os trabalhadores da área de saúde com
antes de 1957 sejam usualmente considerados imunes, história negativa ou incerta para a doença. Nas institui-
estudos sorológicos em trabalhadores da área de saúde ções norte-americanas, a avaliação sorológica é custo-
indicam que 5% a 9% deles não possuem imunidade ao efetiva. O governo norte-americano recomenda que
sarampo10. Em situações com risco aumentado de trans- todo trabalhador da área de saúde suscetível, que tenha
missão do vírus, como no caso da epidemia que ocor- contato com pacientes imunossuprimidos ou tenha
reu na maior parte dos estados brasileiros em 1997, é alto risco de exposição, seja vacinado (vacina de vírus
recomendado que esses indivíduos recebam uma dose vivo atenuado), com exceção da trabalhadora grávida
da vacina, especialmente aqueles que não tenham con- ou que esteja amamentando. À época da elaboração
firmação da imunidade ao sarampo. deste texto não havia liberação, pelo Ministério da
Saúde, de vacina contra varicela para uso irrestrito
no Brasil.
Parotidite epidêmica
Adultos nascidos antes de 1957 são considerados Tuberculose
imunes à parotidite; aqueles nascidos em 1957 ou após
são considerados imunes se apresentarem documenta- De acordo com recomendações atuais do Centers for
ção que comprove vacinação (dose única) após o pri- Disease Control and Prevention (CDC), a vacinação com
meiro ano de vida ou evidência sorológica. BCG deve ser considerada, individualmente, em locais
com alta prevalência de M. tuberculosis multirresistente,
nas situações em que é possível a transmissão de baci-
Hepatite B
lo resistente e naquelas instituições nas quais foram
A vacinação está indicada para todos os trabalhado- adotadas medidas de controle adequadas, mas com
res da área de saúde.Ver item Exposição ocupacional aos resultado insatisfatório.
vírus veiculados pelo sangue.
Hepatite A
Influenza
Não há recomendação de vacinação pré-exposição
Determinados grupos de pacientes, como aqueles ou de uso de imunoglobulina para os trabalhadores da
com doenças cardíacas ou pulmonares crônicas, apre- área de saúde em contato com pacientes com hepatite
sentam alto risco de complicações graves por infecção A10. Em lugar disso, são fortemente enfatizadas as
por influenza. Como os trabalhadores da área de saúde medidas higiênicas, com educação dos trabalhadores
podem transmitir o vírus para os pacientes, inclusive no manuseio de materiais potencialmente infectantes.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Em situações epidêmicas, é recomendada a administra- los de um mês entre a primeira e a segunda doses; e de
ção de imunoglobulina em caso de contatos íntimos com cinco meses entre a segunda e a terceira doses. É reco-
pacientes infectados (trabalhadores da área de saúde e mendado reforço de uma dose a cada dez anos, para
outros pacientes). A imunoglobulina deve ser administra- todos os indivíduos.
da, o mais precocemente possível, até duas semanas após
o contato, na dose de 0,02 mL/Kg intramuscular. A eficá-
cia da imunoglobulina é superior a 85%, quando adminis- Doença pneumocócica
trada no período recomendado. O papel da vacina no con-
trole de epidemias ainda não foi esclarecido. A vacina anti-pneumococo está indicada nas seguin-
Esquema vacinal recomendado (sem o objetivo de tes situações:
profilaxia pós-exposição): ■ pessoas com mais de 65 anos;

■ pessoas entre dois e 65 anos, com risco aumenta-


■ HAVRIX: para pessoas acima de 18 anos, duas

doses (de 1440U.EL.) com intervalo de seis a 12 do de complicações por doença pneumocócica:
meses; para pessoas de um a 18 anos, duas doses (de doença cardiovascular crônica, doença pulmonar
720U.EL.) com intervalo de seis a 12 meses; crônica, diabetes mellitus, alcoolismo, hepatopatia crô-
■ VAQTA: para pessoas acima de 17 anos, duas nica, ou fístula liquórica;
doses (de 25U) com intervalo de seis meses; para ■ pessoas entre dois e 65 anos, com asplenia anatô-

pessoas de dois a 17 anos, duas doses (de 50U) com mica ou funcional;
intervalo de seis meses. ■ pessoas entre dois e 65 anos, que vivem em situa-

ções sociais e ambientes que favorecem a ocorrência


Doença meningocócica de doença invasiva (nos Estados Unidos, são consi-
derados os nativos do Alasca e algumas populações
Não é recomendada a vacinação de rotina. Os traba- indígenas);
lhadores da área de saúde que tenham tido contato íntimo ■ imunossuprimidos com dois ou mais anos
com secreções orofaríngeas de pacientes infectados (e que
de idade.
não tenham usado precauções adequadas) devem receber
quimioprofilaxia (rifampicina, sulfonamidas, ciprofloxaci-
na ou ceftriaxona). A ceftriaxona pode ser utilizada pela Imunização de trabalhadores da
mulher grávida. Em situações epidêmicas deve ser empre- área de saúde imunossuprimidos
gada a vacina com o polissacáride específico.
As vacinas com antígeno inativado ou morto não
representam risco para o trabalhador da área de saúde
Coqueluche
imunossuprimido e podem ser administradas como
A vacina anti-pertussis é liberada apenas para crian- recomendado para os demais trabalhadores. Outras
ças de seis meses a seis anos. Os trabalhadores da área vacinas, como a anti-Haemophilus influenzae tipo B,
de saúde em contato íntimo com secreções orofaríngeas estão recomendadas para indivíduos com a função
de pacientes infectados devem receber quimioprofilaxia imune comprometida por asplenia anatômica ou fun-
com eritromicina ou sulfametoxazol-trimetoprima. cional. Em geral, são necessárias doses maiores ou
reforços mais freqüentes.
Tétano e difteria As recomendações para imunização dos traba-
lhadores da área de saúde em condição especiais estão
O esquema vacinal primário consiste na administra- sumariadas no Quadro 21.9.
ção de três doses do toxóide tétano-difteria com interva-

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Capítulo 21 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

Quadro 21.9. : Recomendações da Advisory Committee on Imunization Practices (ACIP) para imunização dos trabalhadores da área de saúde em
condições especiais

Vacina Gravidez Infecção pelo Imunossu- Asplenia Insuficiência Diabetes Alcoolismo


HIV pressão grave renal mellitus com ou sem
cirrose
BCG C C C UI UI UI UI

Hepatite A UI UI UI UI UI UI R

Hepatite B R R R R R R R

Influenza R R R R R R R

Sarampo,
caxumba e C R C R R R R
rubéola

Meningo-
UI UI UI R UI UI UI
coco

Vacina
poliovírus UI UI UI UI UI UI UI
inativada

Vacina
poliovírus UI C C UI UI UI UI
vivo, oral

Pneumo-
UI R R R R R R
coco

Raiva UI UI UI UI UI UI UI

Tétano
R R R R R R R
Difteria

Tifóide
UI UI UI UI UI UI UI
inativada

Tifóide,
UI C C UI UI UI UI
Ty21a

Varicela C C C R R R R

Vaccinia C C C UI UI UI UI

C = contra-indicada; R= recomendada; UI= usar se indicado

271
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Referências 9 ■ Cardo DM, Culver DH, Ciesielski CA. A case-control study of


HIV seroconversion in health care workers after percuta-
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- born viruses. N Eng J Med. 1995;332:444-51. 10 ■ Imunization on health-care workers. Recommendatios of the
2 ■ Segurança e Medicina do trabalho. Editora Atlas, 28ª edição, Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) and
1995. the Hospital Infection Control Practices Advisory
3 ■ Polder, JA, Tablan, OC, Willians WW. Personnel health care. In: Committee (HICPAC). MMWR. 1997;46:1-34.
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edição, 1992. SBP. Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira
4 ■ Doebbeling BN, Wenzel RP. Nosocomial viral hepatitis and de Pediatria, 1998.
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Mandell GL, Bennett JE, Dolin R. Practice of infectious healthcare personal, 1998. Infect Control Hosp Epidemiol.
diseases. Churchill Livingstone, New York. 4ª edição, 2000. 1998;19:407-63.
5 ■ Carpenter CJ, Fischl MA, Hammer SM, Volberding PA. 13 ■ Public health service guidelines for the management of health-
Antiretroviral therapy for HIV infection in 1997. Updated care work exposures to HIV and recomendations for postex-
Recommendations of the International AIDS Society-USA posure prophylaxis. MMWR. 1998;47:1-24.
panel. JAMA. 1997;277:1962-9. 14 ■ Updated U.S. public health service guidelines for the manage-
6 ■ Bell DM, Geberding JL. Human immunodeficiency virus (HIV) ment of ocupational exposures to HBV, HCV and HIV and
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1997;102:1-126. 2001;50:1-42.
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Academy of Pediatrics. 24ª edição, 1997. isolation precautions in hospitals Am J Infect Control.
8 ■ Herwaldt LA, Pottinger JM, Carter CD. Exposure worshops. 1996;24:24-52.
Infect Control Hosp Epidemiol. 1997;18:850-71.

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SITUAÇÕES ESPECIAIS
EM CIRURGIA
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22
CIRURGIA NO PACIENTE
RECÉM-NASCIDO
E LACTENTE
Clécio Piçarro, Edson Samesima Tatsuo,
Bernardo de Almeida Campos, Marcelo Eller Miranda

Introdução A imaturidade do sistema nervoso central também


pode causar episódios de apnéia e de bradicardia pós-
Algumas doenças específicas do recém-nascido (RN) e operatórias, relacionados à anestesia geral, mesmo após
do lactente requerem tratamento cirúrgico. Obviamente, procedimentos menores. Por isso, toda criança com
para tratar os pacientes nessas faixas etárias, necessita-se menos de 50 semanas de idade gestacional corrigida
de formação e treinamento adequado. Essas crianças deve ser encaminhada para a unidade de tratamento
possuem peculiaridades fisiológicas que o cirurgião intensivo, no pós-operatório imediato, para adequada
necessita conhecer, para evitar complicações anestésicas monitorização de suas funções vitais1.
e cirúrgicas que serão detalhadas a seguir.
Sistema respiratório
Fisiologia do recém-nascido e lactente
No RN prematuro pode não ocorrer maturação pul-
Sistema nervoso central monar adequada, o que acarreta a doença da membrana
hialina. Os RN e lactentes submetidos a ventilação
O RN prematuro apresenta imaturidade do sistema mecânica prolongada podem desenvolver broncodispla-
nervoso central, tendo estrutura embrionária denominada sia pulmonar e ficar dependentes da oxigenoterapia. Se
matriz germinal, que é muito vascularizada, com vasos de o ato operatório não puder ser protelado, essas crianças
paredes finas e com escassa membrana basal, estando também devem ser encaminhadas a unidades de trata-
assim, propenso a hemorragias intraventriculares, às vezes mento intensivo no pós-operatório. Nos casos de ope-
graves, com seqüelas neurológicas. Essas hemorragias rações eletivas, deve-se aguardar a melhora da bronco-
podem ocorrer quando há mudança no fluxo sangüíneo displasia para programação cirúrgica. Crianças prematu-
cerebral, aumento da pressão intracraniana, distúrbios do ras que permanecerem em ventilação mecânica através
equilíbrio osmótico e coagulopatias. Vale ressaltar que de intubação traqueal podem desenvolver estenose
estímulos dolorosos, hipoxemia, hipercapnia, acidemia e subglótica.
flutuações na pressão arterial podem alterar a hemodinâ-
mica cerebral, resultando em hemorragias intraventricula-
Tegumento
res. Sendo assim, é necessário controlar a dor desses
pacientes, assim como evitar distúrbios metabólicos, alte- Recém-nascidos a termo e prematuros também
rações da pressão arterial e da temperatura. Com o podem apresentar imaturidade da pele e anexos. Sendo o
aumento da idade gestacional, a matriz germinal involui, calor associado à maior área de superfície corpórea, pro-
estando ausente no RN a termo1. porcionalmente, essas crianças ficam propensas a
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

hipotermia. Por isso, é essencial empregar no peropera- rio até a alta hospitalar. Devem-se colocar os riscos e as
tório medidas que diminuam essa perda de calor, como o possíveis complicações, porém de modo a não assustar os
uso de colchões térmicos e de dispositivos isolantes e o pais e a criança. O contato do médico com a criança deve
aquecimento dos líquidos infundidos. ser de modo calmo e amigável, para ganhar sua simpatia.
Com os pais, o cirurgião deve ter atitude tranqüila, porém
firme e segura, que gere confiança. Deve-se usar lingua-
Sistema cardiovascular
gem acessível, de acordo com o nível de entendimento dos
No RN pode ocorrer, de modo transitório, hiper- pais. É importante que se resolvam todas as dúvidas,
tensão pulmonar, com manutenção da circulação fetal, mesmo que seja necessário explicar várias vezes. O bom
principalmente devido à persistência do canal arterial. relacionamento médico-paciente no pré-operatório é fun-
Se houver aumento da volemia, em decorrência da infu- damental para diminuir a ansiedade dos pais, para que haja
são exagerada de cristalóides ou de hemoderivados, sucesso no tratamento cirúrgico e para que se evitem dis-
pode-se desencadear insuficiência cardíaca, através de sabores no caso de complicação cirúrgica.
shunt direito-esquerdo. Por isso, é necessário cuidado na
infusão de líquidos em RN e prematuros, também com História da doença
o objetivo de se evitar embolia gasosa.
A anamnese da doença cirúrgica em RN e lactentes
começa na vida intra-uterina. Problemas que ocorreram
Avaliação clínica e preparo pré-operatório durante a gestação e no parto podem ter relevância no
O preparo pré-operatório adequado faz parte do suces- tratamento da afecção cirúrgica (Quadro 22.1)3. Isso se
so terapêutico de qualquer afecção cirúrgica, especialmente torna mais importante no caso de doenças cirúrgicas de
em RN e lactentes. A mortalidade peroperatória, em urgência no período neonatal. Esses problemas podem
pacientes com menos de 15 anos de idade, é de apenas agravar-se caso ocorram em prematuros ou RN peque-
0,0025% (um óbito a cada 40.000 anestesias); entretanto, nos para a idade gestacional (PIG).
em recém-nascidos e lactentes, a incidência de complica- Quadro 22.1 .: História materna e problemas esperados no
ções anestésicas é de 0,43%, quase dez vezes maior do que período neonatal
em crianças maiores de um ano (0,05%)2. Qualquer situa- História materna Problemas esperados no RN
ção que aumente o risco do procedimento anestésico-cirúr- Incompatibilidade ABO-Rh Anemia hemolítica, icterícia, kernicterus
gico deve ser identificada no pré-operatório e abordada de Eclâmpsia PIG, interação dos relaxantes musculares
forma adequada e em tempo hábil. Essa abordagem deve com a terapia com magnésio
ser realizada, em conjunto, pelo cirurgião pediátrico, anes- Hipertensão PIG
tesiologista pediátrico, pediatra assistente e outros especia- Uso de drogas Aborto, PIG
listas que se façam necessários, tendo como objetivo o tra- Infecção Sepse, trombocitopenia, infecção viral
tamento da afecção cirúrgica ou de eventual doença conco- Hemorragia Anemia, choque
mitante, para que a criança adquira condição clínica ideal Polidrâmnio Atresias intestinais, anencefalia, múltiplas
antes do ato operatório, ou o melhor estado clínico possí- malformações
Oligoidrâmnio Malformações urológicas, hipoplasia pulmonar
vel, no caso de ela apresentar doença crônica.
Desproporção cefalopélvica Tocotraumatismo, hiperbilirrubinemia
Alcoolismo Hipoglicemia, malformações, síndrome alcoóli-
Preparo psicológico co fetal, PIG

PIG – recém-nascido pequeno para a idade gestacional;


O preparo psicológico é fundamental tanto para a RN – recém-nascido.
criança a ser operada quanto para sua família. O ato ope- Também é necessário coletar e conhecer detalhes
ratório gera grande ansiedade, assim como transtorno sobre órgãos e sistemas envolvidos com a doença, com
social, como falta à escola e ao trabalho. O médico deve ênfase na pesquisa de uso de medicamentos, internações
ter paciência e compreensão ao explicar como serão e operações anteriores, relatos de complicações cirúrgi-
todas as etapas do procedimento cirúrgico. É necessário cas e anestésicas, alergias, coagulopatias e passado de
que se detalhem todas as etapas, do preparo pré-operató-

274
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Capítulo 22 .: Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente

infecções (Quadro 22.2)3. Na história familiar, é impor- (0,29%), não se justificando a realização de hemograma de
tante obter informações sobre mortes inexplicáveis rotina4. Outro fato é que pacientes com anemia de leve a
durante atos anestésicos e cirúrgicos, hipertermia malig- moderada podem submeter-se com segurança a procedi-
na, distrofias neuromusculares, hemofilia, infecção por mentos cirúrgicos ambulatoriais. Hemograma de rotina
HIV e deficiência de pseudocolinesterase3. deve ser realizado apenas em procedimentos cirúrgicos que
possam ocasionar hemorragias, em pacientes com risco de
hemoglobinopatia, lactentes com história de prematuridade
Exames laboratoriais
e em crianças com menos de seis meses de vida3,5.
Exames laboratoriais são realizados para identificar alte- No caso de RN e lactentes que irão se submeter a ope-
rações que possam ser maléficas no per ou pós-operatório. rações de grande porte, principalmente de urgência, deve
Esses exames devem ser solicitados de acordo com o tipo haver maior liberdade para realização de exames laborato-
de doença, a história da criança e o procedimento a ser rea- riais, com revisão hematimétrica e bioquímica. Vale lem-
lizado. Exames de rotina como hemograma, urinálise, coa- brar a importância da realização do coagulograma e plaque-
gulograma, eletrocardiograma e radiografia de tórax não tometria em procedimentos cirúrgicos em RN, pois esses
são altamente justificáveis. A detecção de anemia laborato- podem apresentar distúrbios de coagulação devido à defi-
rial, não diagnosticada clinicamente, é extremamente baixa ciência de vitamina K, e plaquetopenia devido à septicemia.

Quadro 22.2 .: Revisão por sistemas para possíveis implicações anestésicas e cirúrgicas

Sistema Dados a se questionar Possíveis implicações

Respiratório Asma, IVAS Irritação das vias áreas, broncoespasmo, atelectasia.


Intubações pregressas Estenose subglótica
Apnéia/ bradicardia Apnéia/bradicardia pós-operatórias
Fumante no domicílio Hipersensibilidade das vias aéreas
Cardiovascular Sopros cardíacos Defeitos septais ou PCA. Evitar embolia gasosa
Cianose, Shunt direito-esquerdo
Hipertensão arterial, febre reumática Doença renal, coarctação de aorta, doença valvular
Cansaço ao mamar Insuficiência cardíaca congestiva
Neurológico Convulsões Uso de neurolépticos, distúrbios metabólicos
Trauma crânio-encefálico Hipertensão intracraniana
Distúrbio de deglutição Aspiração, doença do refluxo GE
Doença neuromuscular Deficiência de pseudocolinesterase (hipersensibilidade aos bloqueadores
neuromusculares), hipertermia maligna
Gastrointestinal Vômitos, diarréia Distúrbios metabólicos, desidratação, estômago cheio
Má-absorção Anemia, hipovitaminoses, desnutrição
Doença do refluxo GE Estômago cheio
Icterícia, insuficiência hepática Alteração do metabolismo de drogas, coagulopatias, hipoglicemia
Geniturinário Diurese Estado de hidratação, hipovolemia
ITU, nefropatias Alteração da função renal, distúrbios metabólicos
Endócrino Hipoglicemia Hipoglicemia
Uso de corticóides Insuficiência supra-renal
Hematológico Anemia Necessidade de transfusões/sulfato ferroso
Sangramentos gengivais/epistaxe, Coagulopatias
hematomas articulares, petéquias, sepse
Imunológico Alergias a drogas e alimentos, atopias Risco de maior liberação de histamina, com possibilidade de larin-
go/broncoespasmo, além de interação com drogas

GE – gastroesofágico;
IVAS – infecção de vias aéreas superiores;
ITU – infecção do trato urinário;
PCA – persistência do canal arterial.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Jejum Devido ao risco de apnéia e bradicardia no pós-ope-


ratório, todo prematuro com menos de 50 semanas de
O jejum no pré-operatório é necessário para reduzir o idade gestacional corrigida, que for submetido a procedi-
risco de aspiração pulmonar do conteúdo gástrico, na mento cirúrgico sob anestesia geral, deve ser encaminha-
indução anestésica ou no peroperatório. Entretanto, o do, no pós-operatório, à unidade de tratamento intensi-
jejum não evita a aspiração da secreção gástrica. vo para monitorização1. O ideal seria protelar os procedi-
O tempo de jejum varia com a idade, o peso e o esta- mentos eletivos. A conduta deve ser individualizada e, se
do nutricional da criança e com o tipo de doença. Existe houver fatores de risco adicionais, a operação deve ser
preocupação com o jejum prolongado em RN e lactentes,
adiada por mais tempo.
pelo risco de hipoglicemia e desidratação. Por isso, deve-
Prematuros com anemia (hematócrito menor do que
se evitar longo tempo de jejum. Líquidos claros são rapi-
30%) são mais propensos à apnéia, independentemente
damente esvaziados pelo estômago (em cerca de apenas
da idade gestacional ou pós-conceptual. Procedimentos
15 minutos); assim, podem-se oferecer líquidos claros
eletivos devem ser protelados, caso o hematócrito esteja
(água, chá, gelatina, água de coco) até duas a três horas
abaixo de 30%, e a criança deve receber suplementação
antes do início do procedimento cirúrgico. Leite materno
nutricional e ferro para corrigir a anemia, prescindindo,
não é considerado líquido claro, pois apresenta conteúdo
na maioria das vezes, de hemotransfusões6.
variável de gorduras, o que pode retardar o esvaziamento
Outros fatores como hipotermia, hipoxemia, acidose,
gástrico. O jejum para leite materno deve ser de, no míni-
hipoglicemia e efeito anestésico residual podem contri-
mo, quatro horas. Para fórmulas lácteas, o jejum deve ser
buir para a ocorrência de apnéia no prematuro. Esses
de seis horas. Para alimentos sólidos, ainda recomenda-se
jejum de oito horas3. fatores devem ser controlados continuamente, no pero-
Obviamente, para indicar operações de urgência, peratório, e corrigidos prontamente.
deve-se considerar a gravidade da doença. No tratamen- Alguns estudos sugerem que a administração de cafeí-
to cirúrgico de urgência, deve-se ter maior cuidado com na no pré-operatório reduz a incidência de apnéia em
a proteção da via aérea da criança durante a indução da crianças de risco submetidas a anestesia geral7. Contudo,
anestesia. O melhor método para se evitar a aspiração, o uso rotineiro da cafeína não é consenso.
em pacientes com estômago cheio, é usar a indução anes-
tésica com seqüência rápida. Não se deve ventilar o Displasia broncopulmonar
paciente com máscara. Depois de ser curarizado, neces-
sita-se que se comprima a cartilagem cricóide, até realizar A displasia broncopulmonar (DBP) é uma forma de
a intubação orotraqueal. doença pulmonar crônica associada à ventilação mecâni-
ca prolongada no período neonatal, com uso de altas
concentrações de oxigênio. O risco de desenvolver DBP
Situações especiais está relacionado à idade gestacional e ao peso da criança
ao nascimento, sendo que 90% dos casos ocorrem em
Prematuridade
prematuros com menos de 1600g8.
A assistência à saúde dos RN avançou muito nos últi- Apesar do risco anestésico elevado, a criança com
mos anos, permitindo aos prematuros sobrevida cada DBP freqüentemente é submetida a operações, pois com
vez maior. Por outro lado, observou-se aumento na inci- freqüência é acometida por outras afecções, próprias do
dência de afecções graves, algumas próprias do prematu- prematuro, e que necessitam de tratamento cirúrgico. Se
ro, muitas delas de tratamento cirúrgico. possível, o preparo da criança com DBP deve começar
A imaturidade dos sistemas nervoso central, respi- dias antes do procedimento, para melhorar a oxigenação
ratório e cardiovascular do prematuro submetido a e a função miocárdica.
procedimento anestésico-cirúrgico aumenta significati- Exames como hemograma, ionograma, gasometria
vamente o risco de complicações como apnéia, hipoxe- arterial, radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocar-
mia, bradicardia e colapso cardiorrespiratório. A inci- diograma são fundamentais nessas crianças. Testes fun-
dência dessas complicações diminui com o aumento da cionais geralmente exigem a cooperação da criança, o
idade gestacional corrigida. que não é possível nessa faixa etária.
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Capítulo 22 .: Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente

O uso de broncodilatadores, corticosteróides e oxigê- (Figura 22.1). Quando a criança apresenta manifestações
nio deve ser otimizado, e o acompanhamento fisioterápico sistêmicas, febre alta, coriza purulenta, tosse produtiva,
deve ser iniciado no pré-operatório e continuado no pós- crepitações, sibilos e alterações radiológicas, procedimen-
operatório. Existe a possibilidade de estenose subglótica tos eletivos devem ser protelados por seis semanas. O
devido a intubações prévias. Técnicas de bloqueio regional período de espera de seis semanas sem sintomas também
podem ser associadas. A criança com DBP tolera mal a é válido para a criança que está assintomática no momen-
hiper-hidratação devido à disfunção ventricular direita. A to da admissão, mas que apresentou, recentemente as
congestão hepática secundária à insuficiência cardíaca e a manifestações descritas. Nesse intervalo de tempo, a
hipoproteinemia podem prejudicar o metabolismo dos criança deve ser avaliada e tratada. Admite-se que criança
agentes anestésicos. A hipoxemia e a hipercarbia podem com IVAS leve (coriza serosa, afebril, ausência de mani-
produzir alcalose metabólica compensatória com hipopo- festações sistêmicas) e que será submetida a procedimen-
tassemia e hipocloremia. O uso crônico de diuréticos pode to de pequeno porte possa ser anestesiada com seguran-
acentuar as alterações hidroeletrolíticas. Deve haver aten- ça, desde que não seja intubada.
ção especial ao balanço hídrico e à possibilidade de distúr- A suspensão de uma operação tem repercussões psi-
bios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, monitorizando con- cológicas, econômicas e sociais, que devem ser conside-
tinuamente a diurese, gasometrias e dosagens iônicas, radas. Em nosso sistema de saúde público, é comum
durante e após a operação. A incidência de apnéia, bradi- que a criança e seus pais aguardem muito tempo e per-
cardia e morte súbita é maior na criança com DBP. corram grandes distâncias para realizar o procedimento
Portanto, a monitorização respiratória e cardíaca, em uni-
cirúrgico, implicando faltas ao trabalho e à escola, além
dade de tratamento intensivo, deve ser mantida por pelo
do impacto financeiro. No entanto, deve-se usar o bom
menos 24 a 48 horas após a extubação3,5,8.
senso para tais decisões e, se o procedimento cirúrgico
for adiado, deve-se esclarecer os pais que a segurança da
Infecção das vias aéreas superiores criança é prioritária.

As infecções de vias aéreas superiores (IVAS) são


muito comuns em crianças. As IVAS provocam hiper- Asma
reatividade das vias aéreas que se mantém por até seis
A asma caracteriza-se por hipersensibilidade, inflama-
semanas após o episódio agudo. A hiper-reatividade é
ção, edema e obstrução das vias aéreas. A hipersensibilida-
multifatorial. A lesão direta das vias aéreas pela infecção
viral estimula receptores e fibras aferentes colinérgicas, de é causada por alterações intrínsecas na musculatura lisa
promovendo reflexo vagal que leva ao broncoespasmo. brônquica e, por isso, a criança tem maior risco de desen-
Receptores inibitórios são lesados, potencializando o volver broncoespasmo, hipoventilação, hipercarbia,
reflexo vagal. Há também a liberação de mediadores hipoxemia e acidose. Assim como na IVAS, as alterações
inflamatórios (histamina, bradicinina e leucotrienes) e de funcionais da asma permanecem por seis semanas após o
neuropeptídeos (taquicinina), que, além de atuarem dire- evento agudo, deixando as vias aéreas reativas nesse
tamente na musculatura lisa do brônquio, também período. História recente de crises de broncoespasmo, de
potencializam o reflexo vagal atuando nos receptores episódios de IVAS, de internações e intubações prévias
colinérgicos. Além disso, a infecção viral provoca aumento deve ser pesquisada, na anamnese, assim como de medi-
da quantidade de secreção nas vias aéreas. A anestesia de cações utilizadas (broncodilatadores, corticóides, amino-
uma criança com IVAS recente aumenta o risco de compli- filina). No exame físico, pesquisa-se a presença de sinais,
cações respiratórias como broncoespasmo, laringoespas- sobretudo sibilos. Quando a criança asmática está sinto-
mo, atelectasias e hipoxemia. O risco é maior em crianças mática, todo procedimento eletivo deve ser protelado
com doenças respiratórias crônicas e asmáticas, e quando por seis semanas. Nesse período de tempo, a criança é
há necessidade de intubação traqueal9. tratada com broncodilatadores e corticóides. A conduta
Não há consenso em relação à melhor abordagem des- é a mesma numa criança sabidamente asmática que tenha
sas crianças, e a conduta deve ser individualizada, conside- apresentado episódio de IVAS recente, mesmo que
rando a urgência do procedimento e a intensidade da IVAS atualmente ela esteja assintomática.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Operação de urgência?

Não Sim Realizar o procedimento

Sinais sistêmicos? Sim Aguardar quatro a seis semanas

Não

Anestesia geral? Não Realizar o procedimento

Sim

Intubação traqueal? Não Realizar o procedimento

Sim

Outros fatores de risco? Não Realizar o procedimento

Sim Aguardar quatro a seis semanas

Figura 22.1 .: Algoritmo para a abordagem pré-operatória da criança com infecção de vias aéreas superiores (IVAS)

A criança com asma grave pode apresentar doença Crianças expostas ao cigarro são mais propensas a epi-
pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão pulmonar, sódios de laringo e broncoespasmo durante procedimento
bolhas pulmonares e pneumonite crônica. Exames como anestésico. O risco de complicações aumenta ainda mais se
a gasometria arterial, radiografia de tórax, eletrocardio- a criança for asmática ou apresentar IVAS. A exposição
grama, ecocardiograma e testes de função respiratória passiva da criança ao cigarro deve ser rotineiramente
são aconselháveis nesse subgrupo de asmáticos, pois investigada, e considerada como fator de risco para com-
permitem avaliar o grau de comprometimento cardior- plicações respiratórias peroperatórias8,10.
respiratório. É necessária a recuperação pós-operatória
em unidade de tratamento intensivo. Criança asmática
com PCO2 abaixo de 45mmHg está potencialmente em A criança com febre
insuficiência respiratória. É comum a criança apresentar febre ao ser admitida
para procedimento cirúrgico. Operações eletivas devem
Exposição ao cigarro ser canceladas e a causa da febre deve ser investigada. Em
situações de urgência tenta-se reduzir a temperatura da
A exposição da criança ao cigarro provoca hipersecre- criança antes da indução anestésica, a fim de diminuir a
ção de muco nas vias aéreas, inibição da depuração des- demanda de oxigênio. A reposição volêmica deve conside-
sas secreções, perda de surfactante, hiper-reatividade das rar a perda adicional decorrente da elevação da temperatu-
vias aéreas inferiores e superiores e disfunção da relação ra corpórea. O ácido acetilsalicílico não deve ser usado
ventilação/perfusão. Além dos efeitos locais, ocorre como antitérmico, pois altera a agregação plaquetária e
também disfunção das imunidades humoral e celular. predispõe a sangramentos. Caso tenha sido usado recente-
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Capítulo 22 .: Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente

mente, deve-se aguardar no mínimo sete dias para se ope- Para procedimentos eletivos aceitam-se hemoglobina
rar a criança. Não há evidência de associação entre febre e maior ou igual a 10g/dL e hematócrito maior do que
hipertermia maligna, mas os agentes anestésicos podem 25%, sem que haja necessidade de hemotransfusão pré-
interferir na resposta aos antitérmicos3. operatória. Valores menores (hemoglobina entre 8g/dL
e 9g/dL) são tolerados em procedimentos de pequeno
porte, que não apresentem risco de hemorragias, nas
Cardiopatias crianças com anemia crônica e naquelas abaixo de seis
Deve-se interrogar os pais da criança sobre diagnósti- meses de idade que apresentam anemia fisiológica. Antes
cos prévios de cardiopatia congênita ou adquirida e sobre de procedimentos eletivos, deve-se identificar a causa e
tratamentos prévios, medicações em uso e operações rea- tratar a anemia. Hemotransfusões devem ser evitadas e
lizadas. O sopro inocente deve ser diferenciado do sopro indicadas criteriosamente3,5,11,12.
patológico, e mesmo que a criança seja assintomática, a
detecção de um sopro demanda avaliação cardiológica. Drepanocitose
Exames como radiografias de tórax, eletrocardiograma,
ecocardiograma e, eventualmente, estudos hemodinâmi- Crianças com drepanocitose podem requerer
cos são indicados para avaliar a anatomia da cardiopatia e procedimentos cirúrgicos devido a complicações da sua
sua repercussão funcional. Shunts devem ser identificados doença (necrose isquêmica da cabeça do fêmur, osteo-
no pré-operatório, pois durante a anestesia pode haver mielites, empiema pleural, colecistolitíase, infartos esplê-
inversão ou sobrecarga do seu fluxo, edema pulmonar, cor nicos), ou por outras doenças não-relacionadas à drepa-
pulmonale agudo e embolia gasosa para o cérebro. Nos pro- nocitose (apendicite aguda, p. ex.). Essas crianças apre-
cedimentos classificados como contaminados ou poten- sentam risco de desenvolver crises de falcização e obstru-
cialmente contaminados, sempre que houver cicatriz cirúr- ção da microvasculatura no peroperatório. Essas crises
gica ou lesão anatômica no coração, indica-se a antibioti- vaso-oclusivas podem provocar síndrome torácica
coprofilaxia para endocardite bacteriana. A intubação aguda, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular
nasotraqueal também requer profilaxia, enquanto a orotra- encefálico. Hipoxemia, hipercarbia, hipovolemia, acidose
queal não. O uso de drogas, como aminofilina e epinefri- e hipotermia aumentam o risco dessas complicações. A
na, deve ser informado, pois essas drogas podem provocar drepanocitose pode estar associada a cardiomiopatia,
arritmias cardíacas, sobretudo se houver associação com nefropatia, neuropatia periférica e central, e disfunção
agentes anestésicos como o halotano. O balanço hídrico respiratória crônica, condições que constituem fatores de
perioperatório dessas crianças deve ser rigoroso5,11. risco para os procedimentos anestésico e cirúrgico.
O preparo da criança drepanocítica deve ser realizado
com o auxílio do hematologista pediátrico. Criança com
Anemias drepanocitose apresenta asplenia funcional e é mais sus-
Anemia provoca redução na capacidade de transporte ceptível a infecções por microrganismos encapsulados.
do oxigênio e leva ao aumento compensatório do débito Além da vacinação usual, ela deve ser vacinada contra
cardíaco. Procedimentos anestésico-cirúrgicos em criança pneumococo e hemófilos, além de receber quimioprofi-
anêmica promovem riscos aumentados de hipoxemia e laxia com penicilina. Após esplenectomia, a quimioprofi-
descompensação hemodinâmica. A realização do hemo- laxia é mantida a longo prazo, pois há risco de sepse pós-
grama pré-operatório não deve ser rotineira e tem indica- esplenectomia mesmo no pós-operatório tardio. O
ções precisas. Beneficiam-se desse exame: acompanhamento fisioterápico respiratório é iniciado
■ crianças que serão submetidas a procedimentos de
ainda no pré-operatório, mas é também fundamental no
médio e grande porte para os quais há risco poten- pós-operatório. A eletroforese da hemoglobina e o
cial de hemorragia; hemograma devem ser solicitados nessas crianças. Na
■ crianças abaixo dos seis meses de idade, sobretudo criança heterozigota, com traço falcêmico, os riscos
prematuras e de baixo peso; anestésico e cirúrgico são habituais, não havendo neces-
■ crianças com afecções crônicas como doenças pul- sidade de nenhum preparo especial. O risco de complica-
monares, insuficiência renal e hemoglobinopatias. ções está aumentado em crianças homozigotas com
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

genótipo HbSS, e naquelas com genótipo HbSC e HbSβ- 3 ■ Cote CJ, Todres ID, Ryan JF, Goudsouzian N. Preoperative eva-
talassemia. Quando o nível de hemoglobina é igual ou luation of pediatric patients. In: Coté CJ, Todres ID, Ryan JF,
Goudsouzian NG eds. A Practice of Anesthesia for Infants
maior do que 10g/dL, e os níveis de HbS são menores and Children. Philadelphia: WB Saunders, 2001:37-54.
do que 30%, não há necessidade de hemotransfusão ou 4 ■ Hackman T, Steward D. What is the value of preoperative
exsangüíneotransfusão no pré-operatório. Em procedi- hemoglobin determinations in pediatric outpatients?
mentos de médio e grande porte, para os quais há risco Anesthesiology. 1989;71:1168-71.
de hemorragia ou de perda volêmica para o terceiro espa- 5 ■ Maxwell LG, Deshpande JK, Wetzel RC. Preoperative evalua-
tion of children. Pediatr Clin North Am. 1994;41:93-110.
ço (íleo pós-operatório prolongado), hemotransfusão ou 6 ■ Welborn LG, Hannallah RS, Luban NL, Fink R, Ruttimann UE.
exsangüíneotransfusão são indicados no pré-operatório Anemia and postoperative apnea in former preterm infants.
para garantir níveis de hemoglobina de 10g/dL e os Anesthesiology. 1991;74:1003-6.
níveis de HbS menores do que 30%, diminuindo o risco 7 ■ Welborn LG, de Soto H, Hannallah RS, Fink R, Ruttimann
de falcização das hemácias. Valores próximos a esses UE, Boeckx R. The use of caffeine in the control of post-
anesthetic apnea in former premature infants.
limites podem ser aceitáveis em procedimentos de Anesthesiology.1988;68:796-8.
pequeno porte e sem risco de hipovolemia. Além do pre- 8 ■ Stasic AF. Perioperative implications of common respiratory
paro hematológico específico, atenção especial deve ser problems. Semin Pediatr Surg. 2004;13:174-80.
dispensada a balanço hídrico, reposição volêmica, débito 9 ■ Empey DW, Laitinen LA, Jacobs L, Gold WM, Nadel JA.
urinário, perfusão, oxigenação, controle da temperatura e Mechanism of bronchial hyperreactivity in normal subjects
after upper respiratory tract infection. Am Rev Respir Dis.
monitorização (eletrocardiografia, oximetria). O aporte 1976;113:131-9.
hídrico deve ser 1,5 vezes maior que o valor basal de 10 ■ Lakshmipathy N, Bokesch PM, Cowen DE, Lisman SR, Schmid
manutenção, que deve ser mantido até que a ingestão CH. Enviromental tobacco smoke: a risk factor for pediatric
oral seja adequada. A dor pós-operatória deve ser tratada laryngospasm. Anesth Analg. 1996;82:724-7.
com rigor, com uso de opióides, se necessário3,5,11-3. 11 ■ Section on Anesthesiology, American Academy of Pediatrics:
Evaluation and preparation of pediatric patients undergoing
anesthesia. Pediatrics. 1996;98:502-8.
12 ■ Rasmussen GE. The preoperative evaluation of the pediatric
Referências patient. Pediatr Ann. 1997;26:455-60.
13 ■ National Institutes of Health, National Heart, Lung and Blood
1 ■ Hilleir S, Krishna G, Brasoveanu E. Neonatal Anestesia. Sem Institute, Division of Blood Diseases and Resources: The
Pediatr Surg. 2004;13:142-51. management of sickle cell disease. NIH publication nº 02-2117,
2 ■ Tiret L, Nivoche Y, Hatton F, Desmonts JM, Vourc’h G. 2002 (4th edition).
Complications related to anaesthesia in infants and children.
A prospective survey of 40.240 anaesthetics. Br J Anaesth.
1988;61:263-9.

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23
CIRURGIA NO
PACIENTE
IDOSO
Marcelo Rausch,
Marcelo Fonseca Coutinho Fernandes Gomes

Introdução de novos mercados de consumo e novas formas de lazer,


o idoso é um ator que não pode mais estar ausente.
O século XX assistiu a notável aumento de expectati- A cirurgia do idoso apresenta aspectos marcantes: a
va de vida da população mundial. Um resultado imediato menor reserva fisiológica, a coexistência de doenças, as
deste processo demográfico é o aumento relativo e abso- limitações funcionais decorrentes da idade ou da própria
luto do número de idosos. Projeções estimam, no perío- doença, a aceitação do idoso na família e na sociedade, e
do de 1950 a 2025, um crescimento da população idosa a consciência do idoso quanto a si próprio. Isso exige do
de cinco vezes em países desenvolvidos e de mais de 16 médico conhecimento técnico primoroso e senso huma-
vezes em países em desenvolvimento, podendo o núme- nístico irrepreensível. Pela atual e ilimitada evolução da
ro de idosos brasileiros atingir a cifra de 32 milhões den- Medicina e, em particular, do tratamento cirúrgico, torna-
tro de 20 anos. A expectativa de vida do brasileiro era, em se impraticável a opção por cirurgião exclusivamente
1900, de 33,7 anos, em meados do século passado, de geriátrico. Os idosos, por direito, serão operados pelos
43,2 anos e, na virada do milênio, de 68,5 anos1. especialistas de cada área cirúrgica, desde que com sufi-
ciente experiência no atendimento às pessoas idosas2.
Quadro 23.1 .: Proporção da população com mais de 65 anos de Das intervenções cirúrgicas eletivas, prevalecem no
idade1 sexo masculino a hernioplastia inguinal e a prostatecto-
1985 2005
mia. No sexo feminino, cresce em freqüência a colecistec-
tomia e as operações realizadas na esfera ginecológica2.
França 12,4% 14,5%
Entre as afecções agudas, principalmente da cavidade
USA 12,0% 13,1%
abdominal, os idosos têm na obstrução intestinal a maior
Brasil 4,3% 5,8%
incidência, necessitando de diagnóstico precoce.
Infelizmente, apenas 20% dos operados voltam a gozar
de saúde plena nesse caso. A incidência de úlcera péptica
perfurada é maior no homem. Na idosa, desponta a litía-
Associada a essas mudanças, percebe-se marcante se biliar e suas complicações2.
alteração nas causas de morte do ser humano, com repre- Em algumas especialidades, como urologia e oftalmo-
sentatividade cada vez maior de doenças crônico-degene- logia, praticamente a metade das operações ocorre em
rativas (como a aterosclerose), e cada vez menor das pacientes acima de 65 anos2.
doenças infectocontagiosas (como a varíola)1. Foi recentemente sancionado pelo Senado Federal do
Hoje, no debate sobre política pública, nas interpela- Brasil o Parecer n°1301 de 2003 (redação final do Projeto
ções dos políticos em momentos eleitorais e na definição de Lei n°57 de 2003), intitulado “Estatuto do Idoso” e

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

destinado a regular os direitos assegurados às pessoas tabólicos, comuns no perioperatório, podem ser mal
com idade igual ou superior a 60 anos. O Estatuto esta- tolerados por estes pacientes4.
belece que “o idoso goza de todos os direitos fundamen- Os idosos possuem ainda risco aumentado de arrit-
tais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhe, por lei mias cardíacas e anormalidade de condução4.
ou por outros meios, todas as facilidades, para preserva- Doença coronariana sintomática ou não pode estar pre-
ção de sua saúde física e mental, e seu aperfeiçoamento sente em mais de 50% dos idosos. Como conseqüência, o
moral, intelectual, espiritual e social, em condições de leito vascular não suporta mudanças bruscas na volemia,
liberdade e dignidade” 3. como em casos de hemorragia aguda ou choque4.

Quadro 23.2 .: Efeitos do envelhecimento na função


Alterações fisiológicas do envelhecimento cardiovascular

Como regra, a função orgânica declina com a idade,


Distensibilidade da aorta e artérias sistêmicas <
mas ela geralmente continua adequada para atender à
Pressão arterial média normal
demanda metabólica de pacientes submetidos a operações
eletivas. Em estado de repouso, o declínio funcional tem Pressão arterial sistólica >
mínimas conseqüências. Porém, quando há estresse adi- Massa de ventrículo esquerdo >
cional, a resposta orgânica não é tão eficaz quanto em indi- Resposta a catecolaminas <
víduos jovens. Idade, em si, raramente é contra-indicação Arritmias cardíacas >
para tratamento cirúrgico. Os fatores de risco mais impor- Anormalidade de condução >
tantes são as doenças crônicas (como hipertensão arterial,
cardiopatia e aterosclerose generalizada), as quais são mais Extraído de Evers et al.4
prevalentes no idoso e representam alterações patológicas
em vez de eventos fisiológicos do envelhecimento4.
Envelhecimento do sistema respiratório
O envelhecimento acompanha-se de alterações na
Alterações cardiovasculares durante o
fisiologia pulmonar que comprometem a capacidade do
envelhecimento pulmão de controlar infecções e outras agressões
Com o avançar da idade, há hiperplasia das camadas ambientais. O risco infeccioso é ainda maior se conside-
íntima e média da aorta e dos grandes vasos, associada a rarmos a menor atividade do sistema imunológico em
fragmentação da lâmina elástica. A menor distensibilida- pacientes idosos4.
de e maior rigidez das artérias sistêmicas são seqüelas, As alterações mais freqüentemente encontradas são
contribuindo para aumento da pressão sistólica e aumento da rigidez da parede torácica, aumento do volume
sobrecarga cardíaca4. residual pulmonar, diminuição da capacidade de retração,
As alterações cardíacas mais freqüentemente encontra- aumento do volume de fechamento e diminuição da fun-
das são a hipertrofia miocárdica compensatória resultante ção ciliar. O idoso pode apresentar ainda cifose torácica
do aumento da pressão arterial sistólica, espessamento e acentuada, estreitamento das vias aéreas, diminuição da
calcificação do endocárdio, do átrio e das válvulas4. área de superfície alveolar e da mobilidade diafragmática4.
Embora o débito cardíaco basal permaneça inalterado Em conjunto, os efeitos clínicos destas alterações são
durante o envelhecimento, o idoso responde menos à redução gradativa da pressão arterial de oxigênio, aumen-
estimulação das catecolaminas, ficando mais dependente to do espaço morto e diminuição do volume expiratório e
da dilatação ventricular (pré-carga) para aumentar o débi- da velocidade de fluxo de ar, levando a aumento do risco
to cardíaco. Os jovens aumentam o débito cardíaco por de atelectasia e pneumonia no período pós-operatório4,5.
meio da taquicardia, enquanto o idoso consegue isso ele-
vando o volume de ejeção, principalmente por intermé- Função renal durante o envelhecimento
dio de maior volume diastólico final4.
Os idosos são dependentes de pré-carga, por isso a Há perda gradativa de parênquima e declínio da
depleção de volume intravascular e os estados hiperme- função renal durante o envelhecimento. Esta perda

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Capítulo 23 .: Cirurgia no paciente idoso

parenquimatosa deve-se principalmente à diminuição Estas alterações dificultam o manejo do paciente


da massa cortical com preservação relativa da medula cirúrgico idoso. A administração vigorosa de solução
renal. A esclerose glomerular determina perda da capa- salina 0,9%, por exemplo, pode determinar expansão
cidade de realizar a ultrafiltração do plasma, reduzindo do volume extracelular com resultante insuficiência
a taxa de filtração glomerular (TFG) em aproximada- cardíaca congestiva4.
mente 1mL/min para cada ano após os 40 anos de A dose de drogas de eliminação principalmente renal
idade. Esta redução na TFG não se manifesta por deve ser revista. Estas drogas incluem penicilinas, aminogli-
aumento nos níveis séricos de creatinina porque ocor- cosídeos, cefalosporinas, tetraciclinas, clonidina, metildopa,
re perda concomitante da massa muscular com o avan- digoxina, clorpropamida, cimetidina, lítio e procainamida4.
çar da idade. Portanto, pode-se obter um determinante O idoso apresenta ainda risco aumentado de retenção
mais correto da redução da função renal no idoso ava- urinária em decorrência da hiperplasia prostática ou alte-
liando-se o clearance de creatinina4. rações neurológicas, o que predispõe esse paciente a
infecção do trato urinário e insuficiência renal. A preva-
lência de incontinência urinária também é aumentada.
Quadro 23.3 .: Modificações pulmonares durante o envelhecimento4

Aumento da rigidez da parede torácica Quadro 23.5 .: Modificações renais durante o envelhecimento4
Cifose
Estreitamento das vias aéreas Perda gradativa do parênquima
Perda da força de contração das fibras elásticas Declínio da função renal
Diminuição da área de superfície alveolar
Diminuição da mobilidade do diafragma

Quadro 23.6 .: Conseqüências das alterações renais4


Quadro 23.4 .: Conseqüências das alterações pulmonares 4

Menor flexibilidade do túbulo para reabsorver ou


Redução gradativa da pressão arterial de oxigênio secretar carga de eletrólitos

Aumento do espaço morto Menor capacidade de acidificação renal

Diminuição da velocidade de fluxo de ar Menor depuração de drogas

Diminuição da função ciliar Menor capacidade de concentração e diluição

Diminuição dos mecanismos de defesa Sistema renina-angiotensina pouco responsivo

Aumento do risco de pneumonia e atelectasia

A diminuição da TFG torna o paciente idoso mais


Envelhecimento do aparelho digestivo
suscetível a insuficiência renal aguda caso ocorra qual- De maneira geral, o envelhecimento dos órgãos do
quer insulto nefrotóxico ou isquêmico no rim durante ou aparelho digestivo manifesta-se por redução na motilida-
após o procedimento cirúrgico4. de, na secreção e na capacidade de absorção. Felizmente,
Há ainda, com a idade, comprometimento tubular a reserva destes órgãos é tão grande que as reduções
renal, levando à menor flexibilidade do túbulo para reab- observadas nos parâmetros fisiológicos não costumam
sorver ou secretar eletrólitos, menor capacidade de acidi- resultar em deficiência real da função4.
ficar a urina, menor depuração de drogas e sistema reni- O presbiesôfago, termo dado à disfunção motora
na-angiotensina pouco responsivo. Com isso, os idosos esofágica atribuída ao envelhecimento, caracteriza-se por
apresentam capacidade reduzida de responder a situa- resposta totalmente desorganizada à deglutição e por
ções de contração de volume4. defeito no relaxamento do esfíncter esofágico inferior.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

As possíveis complicações decorrentes destas alterações (ACTH), vital na resposta orgânica ao estresse, permane-
incluem maior risco de aspiração e disfagia4. ce inalterada no idoso4.
O envelhecimento do estômago caracteriza-se por A tireóide mostra atrofia progressiva com o envelheci-
menor secreção de ácido e pepsina e atrofia da muco- mento, porém, na maioria dos casos, os níveis de
sa4. O intestino delgado apresenta progressiva e genera- hormônio estimulador da tireóide (TSH) permanecem inal-
lizada redução na altura das vilosidades mucosas. A terados e o paciente mantém-se clinicamente eutireóideo4.
redução da superfície absortiva pode levar a menor É de grande importância identificar o paciente hipo-
aproveitamento de algumas substâncias como cálcio, tireóideo no pré-operatório, já que esta condição pode
ferro, gorduras e carboidratos. A absorção de proteínas afetar até 4% da população idosa. Na maioria das vezes,
está, aparentemente, preservada. Não parece haver os sintomas de hipotireoidismo são inespecíficos (fadiga,
também alterações no trânsito intestinal4. letargia, pele seca, constipação intestinal), podendo ser
As alterações colônicas no envelhecimento incluem erroneamente atribuídos ao “envelhecimento normal”.
atrofia da mucosa, anormalidades morfológicas das O diagnóstico deve, então, ser feito por meio de busca
glândulas mucosas, infiltração celular da lâmina pró- ativa laboratorial no pré-operatório4.
pria, hipertrofia muscular da mucosa e aumento do Estima-se que a prevalência de hipertireoidismo na
tecido conjuntivo. As conseqüências são predisposição população geral seja de 0,5% a 3%, com aproximadamen-
a constipação intestinal, doença diverticular e te 15% destes pacientes tendo mais de 75 anos de idade.
formação de fecalomas4. Apenas 25% dos idosos com hipertireoidismo apresentam
os sintomas típicos da agitação e nervosismo comumente
O fígado sofre inúmeras alterações com o envelheci-
observados nos jovens. O idoso pode apresentar depres-
mento, porém a reserva hepática é tão grande que elas só
são, perda de peso, fraqueza muscular e manifestações car-
resultam em perda mínima da função real. O fluxo san-
diovasculares (fibrilação atrial, bloqueios ou insuficiência
güíneo hepático pode mostrar diminuição corresponden-
cardíaca). O diagnóstico pode ser feito pela dosagem séri-
te à medida que a massa hepatocitária relativa diminui.
ca de hormônios tireoidianos e TSH4.
Isto tem grande importância no metabolismo de certas
Os valores absolutos da secreção e da excreção
drogas, como o propranolol e o isoproterenol, que nor-
de cortisol diminuem com a idade, mas continuam
malmente são eliminados do plasma durante sua “primei-
praticamente inalterados quando expressos por grama
ra passagem” pelo fígado. A idade não altera os resulta- de creatinina4.
dos dos testes de função hepática rotineiros: bilirrubinas, O nível plasmático e a depuração de aldosterona
fosfatase alcalina e aminotransferases4. diminuem com a idade. Além disso, ocorre queda dos
A cinética e a capacidade de absorção da vesícula níveis séricos de renina. O resultado é a menor capacida-
biliar não mudam consideravelmente com o envelheci- de de resposta à restrição de sal e à depleção do volume
mento. Há, porém, aumento da produção hepática de intravascular no paciente idoso4.
colesterol com redução concomitante da síntese de áci-
dos biliares, levando a maior saturação da bile e predis-
posição à formação de cálculos4. Envelhecimento do sistema nervoso
De maneira geral, a secreção pancreática exócrina é O ser humano pode apresentar perda progressiva
minimamente afetada pela idade4. de funções neurológicas com o passar dos anos. Os
distúrbios mais freqüentes são alterações auditivas e
Endocrinologia do envelhecimento visuais, perda de memória e demência, incontinência
urinária e fecal. Os quadros demenciais e depressivos
Os níveis séricos de insulina aumentam com o enve- acentuam-se no curso de doenças agudas e graves,
lhecimento, principalmente devido à maior resistência principalmente quando associadas a distúrbios hidroe-
periférica a este hormônio4. letrolíticos ou a complicações infecciosas4.
Um ponto importante em relação à função hipofisá- Essas deficiências dificultam a obtenção de informa-
ria é que a produção do hormônio adrenocorticotrófico ções pelo médico assistente e podem impedir que o
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Capítulo 23 .: Cirurgia no paciente idoso

paciente idoso compreenda as orientações essenciais método acurado em predizer as reservas cardíacas e
quanto aos cuidados pré e pós-operatórios. pulmonares9-11.

Avaliação do paciente idoso Avaliação do estado funcional


O objetivo da avaliação do idoso é definir a extensão A inatividade foi associada à maior ocorrência de
do declínio funcional e identificar doenças coexistentes6. complicações pós-operatórias, como atelectasia, pneu-
A solicitação extensa de exames complementares para monia, trombose venosa profunda, embolia pulmonar,
pesquisa de doença em todos os órgãos dos pacientes perda de massa muscular e delirium. A mortalidade em
não é prática necessária ou economicamente viável. É pacientes restritos ao leito é dez vezes maior que em ido-
importante ajustar o exame clínico para pesquisa minu- sos funcionalmente ativos6.
ciosa de fatores, sinais e sintomas das comorbidades mais A capacidade de realizar atividades do dia-a-dia
comuns ou mais importantes. Quando o exame inicial como banhar-se, vestir-se, alimentar-se, mover-se da
identifica doença ou fatores de risco para determinada cama para a cadeira, ir ao banheiro e ter continência
doença, propedêutica avançada deve ser iniciada6. para fezes e urina deve ser pesquisada. Estima-se que
Não há dúvidas de que o aumento da idade influencia 7% dos pacientes aos 74 anos e 50% daqueles com
negativamente o resultado cirúrgico. Apesar de o declínio mais de 85 anos não conseguem desenvolver uma des-
fisiológico estar presente, ele é raramente suficiente para tas atividades12.
causar má evolução em operações eletivas não-complicadas. Um indicador útil e simples do risco de complica-
A idade cronológica é de importância relativamente peque- ções cardíacas e pulmonares, e de óbito após a opera-
na, já a existência de comorbidades piora substancialmente ção é a incapacidade de aumentar a freqüência cardíaca
o prognóstico em qualquer situação. À idade de 75 anos, o para 99bpm após dois minutos de exercício de “bicicle-
paciente tem em média cinco doenças coexistentes6-8. ta” em decúbito dorsal6.
Quadro 23.7.: Efeito de doenças concomitantes na mortalidade
perioperatória Avaliação do estado cognitivo
Estudo Idade Nº de Mortalidade (%)
comorbidades Delirium pós-operatório é definido como um estado
confusional agudo, sendo associado a aumento significa-
Seymour e Faz > 65 anos 3 ou mais 10 tivo da morbimortalidade6.
1a2 3 Demência é uma alteração crônica do estado mental
0 3 de base e é fator de risco maior para a ocorrência de deli-
Denny e Denson > 90 anos 1 ou mais 45 rium após procedimento cirúrgico13.
0 5 A etiologia do delirium é multifatorial, estando fre-
qüentemente associado a demência, distúrbios hidroele-
trolíticos e metabólicos, doenças pulmonares, hepáticas,
Modificado de: Age Aging. 1989; 18:316-26; Geriatrics. 1972;27:115-8
cardíacas, renais e cerebrais, trauma, dor, estresse,
ambiente estranho e isolamento cognitivo14.
De todas as comorbidades, as doenças cardiovascu- Uma estratégia eficaz para avaliar o estado mental do
lares são as mais prevalentes, sendo a principal causa idoso é pesquisar: (1) orientação quanto a pessoa, lugar e
de complicações pós-operatórias graves e óbito. Em tempo, (2) habilidade em listar cinco ítens (p. ex., cida-
idosos, as intercorrências pulmonares podem ser tão des, frutas, vegetais), e (3) lembrar-se de três objetos lis-
comuns quanto as cardíacas. A estratificação de risco tados previamente após período de tempo6.
baseia-se em fatores relacionados ao paciente e ao tipo As alterações do estado mental do idoso são geral-
de operação. Em idosos com doença cardíaca conheci- mente as manifestações mais precoces de complicações
da, avaliação pré-operatória rigorosa é necessária. Para pós-operatórias, demandando propedêutica adequada.
a maioria dos pacientes, entretanto, pesquisa da tole- Mais de 40% dos infartos agudos do miocárdio após
rância a exercícios e de sintomas cardiorrespiratórios é operações em pacientes entre 74 anos e 85 anos de

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

idade são silenciosos, ou pelo menos desprovidos das eletiva); e as condições clínicas do paciente no pré-ope-
manifestações clínicas clássicas15. ratório e no decorrer da operação21.
De maneira geral, o paciente geriátrico não tolera inter-
venção cirúrgica desnecessária. Desnecessária por inopor-
Avaliação do estado nutricional tuna ou por excessiva gravidade. O maior receio do idoso
O impacto da desnutrição como fator de risco para não é, geralmente, a morte, mas sim a possibilidade de dor
pneumonia pós-operatória, cicatrização deficiente e física, incapacidade profissional e completa dependência
outras complicações é plenamente sabido6. econômica. Deverá ser operado com o maior objetivo de
Estima-se que desnutrição ocorra em 15% dos restituir a qualidade de sobrevida. Em relação à quantidade,
idosos da comunidade e em até 65% daqueles o idoso sabe que já viveu2.
agudamente hospitalizados16-7. No paciente idoso sem comorbidades, a conduta não
As causas de má-nutrição senil são: diminuição do deve ser modificada baseando-se apenas no fator idade.
Entretanto, se as condições para a realização da operação
paladar, anorexia psíquica, depressão, estado doloroso
não são ideais, algumas modificações no procedimento
crônico, má-absorção intestinal, drogas anorexígenas,
podem ser feitas, entre as quais21:
refeições mal preparadas, próteses dentárias mal ajusta-
■ desdobramento em dois tempos diferentes (p. ex.,
das, ausência de dentes, e parcos recursos financeiros18.
esofagectomia e esofagoplastia no tratamento do
A medida do estado nutricional é difícil em idosos.
câncer de esôfago);
Os padrões antropométricos não levam em considera-
■ simplificação (p. ex., colecistostomia, colostomia
ção as mudanças estruturais e de composição corporal
com anestesia local);
da idade avançada. Além disso, critérios para interpre-
■ ser menos radical (p. ex., gastrectomia parcial sem
tação de exames bioquímicos não foram bem estabele-
linfadenectomia).
cidos para esta idade6. É sempre necessário analisar judiciosamente a real
A albumina sérica é provavelmente o mais forte mar- necessidade de modificação do procedimento em detri-
cador de complicações pós-operatórias. Hipoalbuminemia mento da qualidade21.
em idosos relaciona-se com internação hospitalar pro- As taxas de mortalidade atuais são significativamente
longada, maior número de reinternações e aumento da mais baixas que 20 ou 30 anos atrás, quando eram de 20%
mortalidade, independentemente de a baixa albumina ser ou mais nos procedimentos eletivos, em pacientes de 80
decorrente de mau estado nutricional ou doença crônica anos ou mais. Hoje, estas taxas encontram-se
não-identificada16,19. entre 6% e 8%21.
Hipoalbuminemia pode ainda levar a aumento dos A mortalidade operatória em situações de emergência é
níveis séricos livres de algumas drogas, como quinidina, três a dez vezes maior em relação às eletivas, devido à
warfarina, rifampicina e propranolol, aumentando os menor reserva fisiológica. A morbidade perioperatória
riscos de toxicidade20. (infarto, embolia, eventos neurológicos, disfunção renal)
também foi significativamente maior no grupo de procedi-
mento emergencial (20,7% para 7,5%). O idoso é um por-
O ato operatório no paciente idoso tador de disfunções compensadas. O encaminhamento
A segurança é condição fundamental para o sucesso em precoce para o controle eletivo de doença tratável, o alto
qualquer circunstância e o cirurgião deve ser provido de grau de suspeita em pacientes com dor abdominal e a ope-
bom senso. O ato cirúrgico objetiva solucionar o proble- ração precoce são extremamente importantes para assegu-
ma, mas não deve ser indevidamente prolongado. O “limi- rar bom prognóstico cirúrgico e para a manutenção de boa
te” de uma operação aplica-se a cada paciente individual- qualidade de vida para o paciente6,18.
mente, levando-se em consideração os vários aspectos que
interferem com os resultados, destacando-se dentre eles: a Cuidados pós-operatórios
experiência das equipes cirúrgica e anestesiológica; a exi-
gência de cada afecção, assim como o estágio evolutivo O paciente idoso, no período pós-operatório, deve
da mesma; as características da indicação (urgência ou ser monitorado de forma intensiva e eficaz. A necessida-
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Capítulo 23 .: Cirurgia no paciente idoso

de de admissão em centro de terapia intensiva e de moni- ser de manifestação atípica, e o tratamento nem sempre
torização invasiva deve ser avaliada pelo médico assisten- é eficaz devido à menor reserva fisiológica do idoso. Para
te, baseando-se em variáveis como quantidade e qualida- limitar o índice de complicações, o cirurgião deve, se
de das comorbidades, porte do ato anestésico-cirúrgico e possível, limitar a intervenção cirúrgica à tolerância
resposta do paciente ao estresse22. cardiovascular do paciente22.

Quadro 23.8.: Cuidados com o idoso no pós-operatório


Sistema respiratório
Movimentação precoce Em quase metade das mortes, no pós-operatório, a
Monitoração rigorosa pneumonia está presente. Diante de operações torácicas
Avaliação da medicação habitual e abdominais, principalmente em pacientes acamados, as
Avaliação da indicação de antibioticoprofilaxia atelectasias são freqüentes. Se o doente for enfisematoso
por tabagismo, apresentar pneumoconiose ou asma, a
Fisioterapia respiratória
otimização do sistema respiratório deve iniciar-se antes
Melhora da função cardíaca
da operação. Após o ato cirúrgico, a hidratação adequa-
Cuidados nutricionais da, mas não-excessiva, ajuda na mobilização de secreções
Avaliação laboratorial rigorosa broncopulmonares. A fisioterapia respiratória e a mobili-
Profilaxia para eventos tromboembólicos zação precoce são de suma importância na prevenção de
complicações respiratórias22.

Sistema nervoso central Aparelho digestivo


O cirurgião precisa estar atento às repercussões neu- Não se deve esperar que, no idoso, as complicações
rológicas que o paciente idoso pode sofrer no pós-opera- abdominais pós-operatórias sejam evidentes ou se
tório, já que ele tolera mal a hipoxemia, mudanças pres- acompanhem de sinais e sintomas usualmente encon-
sóricas bruscas e distúrbios hidroeletrolíticos22. trados em pacientes mais jovens. Diante de abdome
agudo, muitas vezes grave, como o decorrente de fístu-
la, a pessoa mais velha pode não ter, no início, qualquer
Sistema cardiovascular manifestação abdominal. Se o doente estiver apático e,
O repouso prolongado e a imobilização, muitas vezes principalmente, apresentar distúrbios hidroeletrolíti-
necessários após operação, têm importantes efeitos cos, o cirurgião deverá fazer investigação mais apura-
adversos sobre o sistema vascular, com maior tendência da de seu abdome. A manutenção de má evolução clí-
a fenômenos tromboembólicos. A melhor conduta para nica pós-operatória por várias horas, mesmo sem sinais
evitar-se a morbidade decorrente da vasculopatia é a abdominais nítidos, poderá indicar revisão da cavidade
fisioterapia com mobilização precoce. A contenção vas- abdominal. O ato cirúrgico e o estresse orgânico por
cular periférica com meias elásticas e o uso de anticoagu- ele desencadeado podem levar a lesão aguda de muco-
lação profilática podem ter efeito benéfico. No pós-ope- sa gastroduodenal. Dessa forma, é prudente manter o
ratório, o sistema vascular superficial deve ser examina- paciente idoso com medicação inibidora da acidez gás-
do diariamente, à procura de flebites, isquemias e trom- trica, apesar de que o estômago persistentemente com
boses. Diante dos primeiros sinais de complicação vascu- pH elevado possa ser colonizado por bactérias Gram-
lar, o tratamento deve ser iniciado e o fator predisponen- negativas hospitalares, as quais predispõem a pneumo-
te afastado22. Um miocárdio com sofrimento vascular nia22.
crônico tem maior propensão ao infarto durante a sobre-
carga cirúrgica, sendo esta complicação responsável por Sistema geniturinário
número considerável de mortes no período pós-operató-
rio. As arritmias cardíacas também tornam-se exuberan- A avaliação do volume e do aspecto do fluxo urinário é
tes após o procedimento cirúrgico. Esses quadros podem obrigatória no pós-operatório. O débito de urina mínimo

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

deve ser de 1mL/kg/h. O ideal é obter-se a urina miccio- Referências


nal, porém, em algumas situações, é difícil conseguir a mic-
ção voluntária do paciente. Essa situação é muito encontra- 1 ■ Ferreira-Santos R, Apresentação. In: Petroianu A, Pimenta LG
da no idoso, por apresentar quadros de confusão mental ou eds. Cirurgia Geriátrica. Belo Horizonte: Medsi, 1998;17-9.
2 ■ Pimenta, LG. Princípios de Cirurgia Geriátrica. Rev Méd Minas
por ter distúrbios miccionais decorrentes de baixa contrati- Gerais. 2001;11:180-6.
lidade vesical e perda do tono esfincteriano, provocando 3 ■ www.senado.gov.br, página da internet. Estatuto do Idoso.
retenção ou incontinência urinária. Afecções prostáticas ou 4 ■ Evers BM, Townsend CM, Thompson JC. Fisiologia do
operações sobre esse órgão, comuns em homens idosos, Envelhecimento. In: Zenilman ME, Roslyn JJ eds. Clínicas
Cirúrgicas da América do Norte: Cirurgia no Paciente Idoso.
agravam ainda mais os distúrbios miccionais22.
Interlivros, 1994:25-44.
Além disso, deve-se lembrar que o paciente acama- 5 ■ Doherty GM, Lonergan ET. Special Medical Problems in Surgical
do, com dor e logo após trauma operatório, ou quando Patients. In: Way LW, Doherty GM eds. Current Surgical
submetido a bloqueio anestésico raquidiano, pode ter Diagnosis and Treatment. New York. Lange, 2003:38-71.
dificuldade miccional, mesmo sem qualquer distúrbio 6 ■ Rosenthal RA, Zenilman ME. Surgery in The Eldery. In:
Townsend CM, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL eds.
prévio. Portanto, antes de conduta mais agressiva, o cirur-
Textbook of Surgery. Philadelphia. Saunders, 2001:226-47.
gião deve ter paciência e colaborar para o conforto de seu 7 ■ Escarce JJ, Shea JA, Chen W, Qiang Z, Schwartz JS. Outcomes
paciente. Em grande número de casos, consegue-se diure- of open cholecystectomy in the elderly: a longitudinal analy-
se satisfatória elevando-se, quando possível, a cabeceira da sis of 21,000 cases in the prelaparoscopic era. Surgery.
cama, ou retirando-se o paciente de seu leito e isolando-o 1995;117:156-64.
8 ■ Yancik R, Ries LG, Yates JW. Breast cancer in aging women. A
temporariamente, sob ação de analgesia eficaz.
population-based study of contrasts in stage, surgery, and sur-
vival. Cancer. 1989;63:976-81.
9 ■ Gerson MC, Hurst JM, Hertzberg VS, Banghmanr A, Rovangw
Aparelho locomotor I, Elisk V, et al: Prediction of cardiac and pulmonary compli-
cations related to elective abdominal and noncardiac thoracic
A osteoporose e a hipotrofia muscular acompanham o surgery in geriatric patients. Am J Med. 1990;88:101-7.
idoso e acentuam-se com a idade e com o tempo de inter- 10 ■ Goldman L, Caldera DL. Multifactorial index of cardiac risk in
nação hospitalar, principalmente em mulheres. Assim, o noncardiac surgical procedures. N Engl J Med.
paciente idoso deve ser cercado de cuidados, evitando-se 1977;297:845-50.
manobras bruscas ou grosseiras, que possam provocar 11 ■ Eagle KA, Berger PB, Caikins H, Chaitman BR, Ewy GA,
Fleisehmann KE, et al. Executive Summaty Report of The
luxações ou fraturas. Esses eventos são mais comuns nos American College of Cardiology (American Heart
casos de diminuição do nível de consciência22. Association Task Force on Perioperative Cardiovascular
Estados psicóticos, alterações no equilíbrio e lipoti- Evaluation for Non Cardiac Surgery). Guidelines for periope-
mias conseqüentes a distúrbios neurológicos, cardiovas- rative cardiovascular evaluation for noncardiac surgery.
Circulation. 1996;93:1278-317.
culares ou metabólicos acompanham-se de quedas em
12 ■ Rorbackmadsen M. General surgery in patients 80 years and
idosos. A baixa acuidade visual, arritmias cardíacas, fra- older. Br J Surg. 1992;79:1216.
queza muscular e o efeito de medicamentos aumentam 13 ■ Marcantonio ER, Goldman L, Mangione CM. A clinical predic-
ainda mais este risco22. tion rule for delirium after elective noncardiac surgery.
Outro efeito adverso decorrente da imobilização JAMA. 1994;271:134-9.
14 ■ Inouye SK. Delirium in hospitalized elderly patients: recognition,
prolongada do paciente idoso, que tem naturalmente a
evaluation, and management. Conn Med. 1993;57:309-15.
pele mais sensível, é a úlcera de decúbito, que também 15 ■ Kannel WB, Dannenberg AL, Abbott RD. Unrecognized myo-
terá maior probabilidade de tornar-se infectada. A pro- cardial infarction and hypertension: The Framingham Study.
teção da pele e a mudança contínua de decúbito, se não Am Heart J. 1985;109:581-5.
for possível a mobilização precoce do paciente para 16 ■ Rosenberg IH. Nutrition and aging. In: Hazzard WR, et al eds.
Principles of Geriatric Medicine and Gerontology. New
fora do leito, podem evitar a formação dessas úlceras,
York, McGraw-Hill, 1994:264-89.
que são muito mais graves em pacientes diabéticos ou 17 ■ Vellas B, Guigoz Y, Garry PJ, Nourhashen]mi F, Bennahvy D,
em pacientes com vasculopatias22. Lauque S, et al. The Mini Nutritional Assessment (MNA) and
its use in grading the nutritional state of elderly patients.
Nutrition. 1999;15:116-22.

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Capítulo 23 .: Cirurgia no paciente idoso

18 ■ Pimenta LG. Princípios Gerais da Cirurgia Geriátrica. In: 21 ■ Nunes TA. Limites da Cirurgia no Paciente Idoso. In: Petroianu
Petroianu A ed. Clínica Cirúrgica. Rio de Janeiro. Revinter, A, Pimenta LG eds. Cirurgia Geriátrica. Belo Horizonte:
2001;98-105. Medsi, 1998;309-14.
19 ■ Detsky AS, Baker JP, O´Rourke K, Johnston N, Whitwell J, 22 ■ Petroianu A. Pós-operatório do Paciente Idoso. In: Petroianu A,
Mendelson RA, et al. Predicting nutrition-associated compli- Pimenta LG eds. Cirurgia Geriátrica. Belo Horizonte: Medsi,
cations for patients undergoing gastrointestinal surgery. J 1998;333-52.
Parenter Nutr. 1987:11:440-6.
20 ■ Vestal RE. Aging and pharmacology. Cancer. 1997;80:1302-13.

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24
CIRURGIA
NA PACIENTE
GRÁVIDA
Alexandre Lages Savassi Rocha,
Paulo Roberto Savassi Rocha, Luiz Fernando Veloso

Introdução O conhecimento das particularidades inerentes à rea-


lização de operações na paciente grávida é condição pri-
A incidência de doenças que demandam tratamento mordial para que se realize tratamento eficiente da mãe
cirúrgico durante a gestação é de aproximadamente 2%1. sem comprometimento fetal.
Essas afecções representam risco adicional para a mãe e
o feto, e sua abordagem requer cuidados especiais.
Alguns aspectos devem ser considerados na abordagem Alterações anatomofisiológicas da gravidez
da paciente grávida com suspeita de afecção cirúrgica:
A gravidez determina a ocorrência de inúmeras altera-
■ as alterações anatomofisiológicas que ocorrem
ções em diversos órgãos e sistemas, as quais devem ser
durante a gravidez originam sinais e sintomas que se
conhecidas para permitir correta interpretação dos dados
confundem com manifestações de várias doenças
clínicos e proporcionar segurança ao ato operatório.
cirúrgicas, podendo tornar o diagnóstico dessas
doenças mais complexo2;
■ a propedêutica nesses casos é freqüentemente limi- Alterações cardiovasculares
tada pelos riscos potenciais de alguns exames com-
plementares (radiológicos etc.) para o feto; O débito cardíaco aumenta de 30% a 50% durante a
■ procedimentos anestésicos e cirúrgicos devem ser
gravidez. Essa elevação ocorre principalmente durante o
realizados de forma a minimizar a agressão ao feto, primeiro trimestre, alcançando o nível máximo em torno
mantendo adequadas a oxigenação materna e a per- das 24 semanas4. Posteriormente, o débito se mantém
fusão útero-placentária3; constante até o final do terceiro trimestre, quando começa
■ o uso de drogas (analgésicos, antibióticos, anestési-
a diminuir2,4.
cos etc.) deve ser criterioso; A freqüência cardíaca aumenta em cerca de dez a 15
■ a monitorização fetal é importante para detectar e
batimentos por minuto e o volume sistólico se eleva
controlar as repercussões da doença e do tratamen- (25% a 30%). Ocorre redução da resistência vascular sis-
to cirúrgico4; têmica, da pressão arterial sistólica (5 a 10mmHg) e da
■ o segundo trimestre de gestação é o período mais
pressão diastólica (10 a 20mmHg), que alcançam os
seguro para a realização de operações5; níveis mais baixos na metade da gestação4.
■ a realização de operações de urgência não deve ser Nas fases mais avançadas da gestação, o fluxo sangüí-
postergada (a doença que motiva o tratamento neo pode variar significativamente de acordo com a posi-
cirúrgico geralmente constitui risco maior para o ção adotada pela paciente. A compressão do útero gravídi-
feto que a própria operação)1; co sobre a veia cava inferior determina redução do retorno
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

venoso e da pré-carga, podendo ocasionar queda de até mais comum à esquerda. No puerpério, o risco de sua
30% do débito cardíaco quando a paciente está em ocorrência também está elevado significativamente1.
posição supina4. O aumento do hematócrito (20% a 30%) é inferior ao
O volume sangüíneo aumenta de 30% a 50% durante aumento do volume sangüíneo, o que origina a anemia
a gestação. Essa expansão faz com que sinais de hipovo- fisiológica da gravidez2,4. A contagem de leucócitos é de
lemia (taquicardia, hipotensão) sejam detectados tardia- 10.000 a 14.000 cels/mm3 ao final da gestação, podendo
mente nessas pacientes, podendo surgir somente após atingir 30.000 cels/mm3 durante o trabalho de parto e no
perda sangüínea de 30% a 35%4,5. puerpério imediato4.
Sinais clínicos que simulam insuficiência cardíaca (ter- A contagem plaquetária apresenta queda moderada,
ceira bulha, sopro sistólico de ejeção, edema de membros mantendo-se dentro dos limites de normalidade4.
inferiores) são comuns na paciente grávida saudável, assim
como alterações radiológicas (aumento do índice cardioto-
rácico, aumento da trama vascular pulmonar etc.)2. Alterações digestivas
A diminuição do tônus do esfíncter esofágico inferior
Alterações respiratórias favorece a ocorrência de refluxo gastroesofágico, sendo
comum a queixa de pirose2.
Durante a gestação ocorrem aumento progressivo do Náuseas e vômitos afetam mais de 50% das grávidas,
volume minuto (30% a 40%), diminuição do volume especialmente no primeiro trimestre. Dor abdominal e
expiratório residual e da capacidade residual funcional. O queixas dispépticas também são comuns4.
consumo de oxigênio aumenta significativamente, sendo Ocorrem relaxamento da musculatura lisa (mediada
as pacientes grávidas propensas à queda de saturação pela progesterona) e diminuição da motilidade gastroin-
da hemoglobina6. testinal, com aumento proporcional do tempo de trânsi-
Ainda no primeiro trimestre surge hiperventilação to intestinal. O deslocamento das alças pelo útero graví-
fisiológica, que determina redução da pCO2 materna dico contribui para essas alterações.
(alcalose respiratória). Essas alterações, que otimizam as O aumento da reabsorção de água nos cólons favorece
trocas gasosas entre a mãe e o feto, derivam da ação da o surgimento da constipação intestinal ou seu agravamento.
progesterona, que aumenta a sensibilidade do centro res- Alterações da motilidade da vesícula biliar durante a
piratório à elevação da pCO21. A alcalose respiratória é gestação predispõem à estase e formação de barro biliar.
compensada pela excreção renal de bicarbonato, com a A fosfatase alcalina se eleva até níveis duas vezes acima
conseqüente redução de sua concentração plasmática. dos fisiológicos, enquanto os valores das aminotransfera-
A diminuição da pCO2 e o aumento do volume cor- ses e das bilirrubinas permanecem inalterados4,5.
rente contribuem para a dispnéia freqüentemente relata-
da pelas mulheres grávidas4.
Alterações urológicas

Alterações hematológicas O aumento do débito cardíaco incrementa o fluxo san-


güíneo renal, o ritmo de filtração glomerular e o clearance de
A síntese de fatores da coagulação está alterada creatinina. Os níveis de uréia diminuem (< 15mg/dL),
durante a gravidez, podendo predispor tanto à trombose assim como os de creatinina (< 0,9mg/dL)4.
quanto à trombólise. O relaxamento da musculatura lisa mediada pela pro-
O estado de hipercoagulabilidade característico desse gesterona favorece a dilatação do sistema coletor (pelve
período, associado à compressão da veia cava inferior pelo renal, ureteres) e a estase urinária, o que torna as pacien-
útero, favorece a ocorrência de trombose venosa profunda, tes mais susceptíveis a infecções urinárias altas. A pielo-
que é cerca de duas vezes mais comum durante a gravidez4. nefrite aguda constitui causa importante de sepse mater-
A trombose acomete freqüentemente as veias ilíacas, sendo na e trabalho de parto prematuro.
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Capítulo 24 .: Cirurgia na paciente grávida

Cuidados gerais Quando for necessária a utilização de antibióticos,


deve-se priorizar as penicilinas e cefalosporinas, que são
Propedêutica seguras na gestação2. São proscritas as tetraciclinas e qui-
nolonas. Os aminoglicosídeos têm uso limitado pelo
A indicação de exames radiológicos deve ser criterio-
potencial ototóxico e nefrotóxico para a mãe e o feto,
sa durante a gravidez no intuito de minimizar a exposição
embora esses efeitos colaterais sejam raros quando essas
fetal. Por outro lado, esses exames são fundamentais para
drogas são utilizadas por períodos curtos2.
definir a conduta em várias situações, superando os ris-
cos de sua utilização. Embora não se preconize a utilização de tocolíticos
Os efeitos nocivos da radiação são mais pronuncia- em caráter profilático, esses medicamentos podem ser
dos no período de maior proliferação celular, isto é, até a necessários durante a abordagem dessas pacientes se
25ª semana. A dose total recomendada nessa fase é infe- houver ameaça de trabalho de parto prematuro1.
rior a 10rad1.
Durante as primeiras duas a três semanas, a lesão Anestesia
radioativa pode determinar falha de implantação ou
morte do embrião. Posteriormente, as lesões acometem A anestesia na paciente grávida apresenta diversas
órgãos que se encontram em desenvolvimento à época peculiaridades e requer cuidados especiais. Os seguintes
da exposição fetal1. aspectos devem ser destacados:
Atualmente considera-se que o risco de malforma- ■ risco aumentado de aspiração durante a indução
ções secundárias à radiação aumenta significativamente anestésica devido à diminuição da pressão do
a partir de 15rad1. As doses usuais empregadas em exa- esfíncter esofágico inferior e ao retardo do esvazia-
mes radiológicos (radiografia, tomografia computadori- mento gástrico3,6;
zada) são geralmente inferiores a 1rad e não ocasionam ■ tendência à hipoxemia durante os procedimentos
risco aumentado de morte fetal, malformações ou de ventilação e intubação orotraqueal6;
desenvolvimento neurológico alterado. Por outro lado, ■ diminuição da necessidade de anestésicos e maior
procedimentos terapêuticos, que utilizam doses mais propensão à intoxicação por essas drogas6;
elevadas de radiação, têm potencial significativo de cau- ■ indução e despertar da anestesia mais rápidos .
6

sar lesão fetal1.


A ultra-sonografia diagnóstica é considerada segura A teratogenicidade dos agentes anestésicos (potencial
durante a gestação, desde que se utilizem equipamentos de danos cromossômicos e/ou carcinogênicos para o feto)
apropriados1. não foi comprovada em seres humanos1. No que se refere
a esse aspecto também não existem evidências da maior
segurança de uma droga anestésica em relação às demais7.
Cuidados pré-operatórios A manutenção da oxigenação fetal durante as opera-
ções é fundamental e requer os seguintes cuidados:
É fundamental que se informe à paciente e a seus fami-
■ oxigenação materna adequada – utiliza-se oxigênio
liares os motivos da indicação cirúrgica e os riscos relaciona-
dos à mesma, incluindo a possibilidade de abortamento. suplementar no intuito de manter a saturação da
As operações eletivas devem ser feitas preferencial- hemoglobina em 100%;
■ ventilação adequada à manutenção do pH e da
mente no segundo trimestre devido ao menor risco de
abortamento, ao baixo índice de trabalho de parto pre- pCO2 fisiológicos (a hipercapnia materna pode
maturo e à menor possibilidade de efeitos teratogênicos determinar acidose fetal);
nesse período3,5. ■ manutenção do fluxo sangüíneo uterino – a ocor-

A profilaxia da trombose venosa profunda deve ser rência de hipotensão supina durante a anestesia
feita com heparina subcutânea. Dispositivos de compres- deve ser tratada imediatamente com reposição volê-
são pneumática dos membros inferiores devem ser utili- mica vigorosa, drogas vasoativas (quando necessá-
zados, sempre que possível, no peroperatório e nas fases rias) e posicionamento da paciente em decúbito
iniciais do pós-operatório (enquanto a paciente estiver lateral esquerdo (para evitar compressão da aorta e
acamada)2. A deambulação precoce é recomendável. da veia cava inferior pelo útero)3.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Monitorização fetal de lesão uterina; inclinação da mesa cirúrgica para a


esquerda de forma a minimizar a compressão da veia cava
Recomenda-se a monitorização dos batimentos car- inferior pelo útero; manutenção do pneumoperitônio
díacos fetais durante operações maternas sempre que com pressões baixas de CO2 (8 a 12mmHg); utilização de
possível. Variações fisiológicas da freqüência cardíaca sítios alternativos para introdução dos trocartes1,8,9.
fetal surgem a partir da 26ª semana aproximadamente, e
constituem sinal fidedigno de oxigenação adequada a
partir dessa fase da gestação. Em certas situações, como Apendicite aguda
durante laparotomias, essa monitorização é dificultada4.
Quando são detectados sinais de sofrimento fetal, A apendicite aguda é a doença gastrointestinal de tra-
deve-se otimizar o fornecimento de oxigênio por meio tamento cirúrgico mais comum na gravidez, ocorrendo
das medidas citadas anteriormente. Quando não se con- geralmente nos dois primeiros trimestres. Por outro lado,
segue reverter o quadro, opta-se pela realização de cesa- sua incidência é a mesma observada em mulheres não-
riana de emergência. Essa possibilidade deve ser sempre grávidas5.
discutida com a paciente no pré-operatório. Os sinais e sintomas são semelhantes aos da paciente
não-grávida (anorexia, náuseas e vômitos, dor epigástrica
ou periumbilical com posterior localização na fossa ilíaca
Principais indicações cirúrgicas na gravidez direita, febre). A partir do segundo trimestre, no entanto,
o apêndice é progressivamente deslocado superior e late-
Abdome agudo ralmente, alcançando o quadrante superior direito do
As alterações anatomofisiológicas que ocorrem na abdome no terceiro trimestre2,5. Essa migração torna
gravidez podem, especialmente no primeiro trimestre, extremamente variável o ponto de sensibilidade dolorosa
simular afecções abdominais que necessitam de trata- máxima em cada período da gravidez. No terceiro tri-
mento cirúrgico. mestre, o órgão pode não ter contato com o peritônio
Na vigência de abdome agudo, os sinais usuais estão parietal, o que dificulta o diagnóstico e pode retardar sig-
geralmente presentes na paciente grávida. No entanto, a nificativamente o tratamento, aumentando os riscos para
compressão dos órgãos intra-peritoneais e a distensão da a mãe e o feto.
parede abdominal pelo útero gravídico tendem a alterar A ocorrência de leucocitose moderada, como já visto, é
os pontos de sensibilidade dolorosa e a resposta à irrita- comum na gravidez, contribuindo pouco para o diagnósti-
ção peritoneal5. co diferencial. A presença de mais de 80% de neutrófilos é
Segundo estudos recentes, a abordagem cirúrgica nos dado que favorece o diagnóstico de apendicite aguda2,5.
casos de abdome agudo não parece aumentar, de forma Os exames de imagem são importantes para a defini-
significativa, os riscos de teratogenicidade e abortamento5. ção diagnóstica. A ultra-sonografia tem grande valor no
A laparoscopia tem sido cada vez mais utilizada primeiro trimestre, mas sua acurácia diminui com a migra-
durante a gestação, e é geralmente bem tolerada pela mãe ção do apêndice nas fases mais avançadas da gestação. A
e pelo feto1,5,8. Sua realização torna-se mais difícil a partir tomografia computadorizada apresenta sensibilidade e
do final do segundo trimestre devido ao volume uterino. especificidade acima de 90%, sendo muito útil em pacien-
Não existem evidências de que a abordagem laparos- tes obesas, para as quais a sensibilidade da ultra-sonogra-
cópica acarrete maior risco de sofrimento fetal, malfor- fia é menor5,11. A aplicabilidade da tomografia durante a
mações ou trabalho de parto prematuro1,8. Por outro gravidez é limitada pela exposição à radiação.
lado, não existem dados, na literatura, que demonstrem O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente
de forma inequívoca, a segurança do método durante a com a gravidez ectópica e a doença inflamatória pélvica no
gravidez1,8-10. primeiro trimestre, a pielonefrite aguda no segundo trimes-
Algumas recomendações referentes à realização da tre e a colecistite aguda no terceiro trimestre2.
laparoscopia na gravidez incluem: monitorização estrita A apendicectomia não deve ser postergada em
da pCO2 materna no peroperatório para detecção preco- nenhuma fase da gravidez. Apenas durante o trabalho de
ce de hipercapnia e embolia gasosa; realização do pneu- parto a operação deve ser feita após o nascimento. Nos
moperitônio por técnica aberta para minimizar os riscos casos de trabalho de parto prolongado ou suspeita de
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Capítulo 24 .: Cirurgia na paciente grávida

perfuração apendicular opta-se pela cesariana, seguida penia, deve ser considerada no diagnóstico diferencial da
pela apendicectomia5. colecistolitíase e de suas complicações5.
A ocorrência de formas complicadas da apendicite A colecistectomia deve ser realizada precocemente
(gangrena, perfuração do apêndice com peritonite) é o nos casos de recorrência das cólicas biliares (comum
principal fator relacionado à mortalidade materna, que durante a gestação), colecistite aguda, litíase da via biliar
pode atingir 4% nessas situações5,11. À medida que o principal ou pancreatite aguda biliar5. A abordagem lapa-
útero aumenta de volume, torna-se menos provável o roscópica é bem-sucedida na grande maioria das vezes,
bloqueio do apêndice pelo omento maior, o que parece especialmente nos dois primeiros trimestres.
contribuir para a ocorrência de peritonite difusa. A mor- A mortalidade fetal aumenta nos casos de atraso no
talidade fetal varia de zero a 1,5% em pacientes com tratamento, infecção associada e na vigência de pancrea-
apendicite não-complicada a 20% nos casos de perfura- tite aguda5.
ção apendicular5.
A abordagem cirúrgica pode ser feita por via laparos-
Obstrução intestinal
cópica, embora sua realização seja dificultada nas fases
mais avançadas da gravidez devido ao tamanho do útero. A obstrução intestinal ocorre mais freqüentemente
Nos casos de operação por via aberta, a incisão deve ser nos dois primeiros trimestres, sendo, na maioria das
feita sobre o ponto de maior sensibilidade dolorosa ou ser vezes, causada por aderências intra-cavitárias5.
mediana (casos de peritonite difusa). Não existe diferença O quadro clínico é semelhante ao da paciente não-
significativa nos índices de parto prematuro após apendi- grávida (dor abdominal tipo cólica, vômitos, distensão
cectomias abertas ou laparoscópicas5. abdominal, parada de eliminação de fezes e flatos). A
Na apendicite não-complicada pode ser feita dose radiografia simples de abdome geralmente confirma a
única de antibiótico ou o mesmo pode ser utilizado por suspeita diagnóstica2,5.
até 24h. Nos casos de apendicite com perfuração do O tratamento inicial consiste em reposição hidroele-
órgão, a antibioticoterapia deve ser mantida até o desapa- trolítica e cateterismo nasogástrico. A persistência do
recimento dos sinais infecciosos (febre, leucocitose)11. quadro obstrutivo e/ou o surgimento de sinais sugesti-
Podem ser utilizadas cefalosporinas de segunda geração vos de isquemia ou perfuração intestinal determinam a
ou penicilinas de amplo espectro associadas a drogas necessidade de abordagem cirúrgica. O retardo no trata-
com ação anaerobicida (metronidazol, clindamicina). mento e a ocorrência de complicações podem acarretar
Deve-se salientar que o metronidazol é contra-indicado mortalidade fetal elevada (até 40%)5.
no primeiro trimestre da gestação.
Pseudo-obstrução colônica (síndrome de Ogilvie)
Colecistolitíase
A síndrome de Ogilvie caracteriza-se por distensão
A colecistolitíase é detectada em cerca de 3% das gasosa maciça do cólon na ausência de obstrução mecâ-
mulheres grávidas, mas a grande maioria permanece nica. É mais comum no puerpério5.
assintomática durante a gestação1,5. As manifestações clí- O quadro clínico inclui náuseas, distensão abdominal
nicas, quando presentes, são semelhantes às das pacien- e parada de eliminação de fezes e flatos. O diagnóstico é
tes não-grávidas (episódios de dor em cólica, intensa, de definido pela radiografia simples de abdome. O aumento
início súbito, localizada no quadrante superior direito do diâmetro colônico acima de 10cm favorece a ocorrên-
e/ou no epigástrio; dor contínua, sinal de Murphy, febre cia de isquemia e perfuração, que ocorre geralmente na
e leucocitose nos casos de colecistite aguda). região cecal e determina aumento expressivo da mortali-
A ultra-sonografia é o exame padrão-ouro para a con- dade (até 70%)5.
firmação do diagnóstico de colecistolitíase e avaliação da A descompressão colônica constitui a medida mais
existência de processo inflamatório agudo associado2,5. importante do tratamento, podendo ser feita por meio de
A síndrome HELLP, caracterizada por pré-eclâmp- colonoscopia ou utilizando-se anticolinesterásicos (neos-
sia, hemólise, aumento de enzimas hepáticas e plaqueto- tigmina). A abordagem operatória (cecostomia descom-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pressiva) é utilizada nos casos de insucesso do tratamen- lação e controle de doenças concomitantes (hipertensão
to conservador. arterial, pré-eclâmpsia etc). O quadro apresenta resolu-
ção após o parto5.
Quando se detectam sinais de expansão do hematoma
Aneurisma de artéria esplênica
ou ruptura hepática, procede-se a cesariana. Realiza-se o
Os aneurismas da artéria esplênica são quatro vezes tamponamento do hematoma com compressas e posterior
mais comuns em mulheres, sendo a maioria delas multí- relaparotomia para retirada das mesmas.
paras. Alterações da parede arterial secundárias à ação A ruptura hepática associa-se a índices elevados de
dos hormônios reprodutivos femininos podem predis- mortalidade materno-fetal (acima de 50%). O tratamen-
por à sua ocorrência1,5. to é sempre cirúrgico. A abordagem conservadora é, via
A ruptura desses aneurismas ocorre em menos de 2% de regra, ineficaz5.
dos casos, geralmente quando a lesão tem mais de 2cm
de diâmetro5. Cerca de 25% dos casos de ruptura ocor-
rem durante a gravidez. A mortalidade fetal e materna Doença inflamatória intestinal
ultrapassa 70% nessa situação1,5. Cerca de 0,1% das mulheres em idade fértil são afeta-
A reposição volêmica e a transfusão de hemoderivados das pela doença de Crohn ou pela retocolite ulcerativa. A
são fundamentais para a estabilização do quadro hemodi- gravidez não costuma alterar, de forma significativa, o
nâmico. O tratamento cirúrgico consiste na excisão do curso dessas afecções, que geralmente podem ser contro-
aneurisma associada ou não à esplenectomia, exclusão do ladas clinicamente durante esse período12.
aneurisma (clipagem ou ligadura proximal e distal) ou A abordagem cirúrgica é indicada nos casos de falên-
embolização por meio de angiografia.
cia do tratamento clínico ou surgimento de complicações
como megacólon tóxico, perfuração colônica, obstrução
Ruptura hepática espontânea intestinal ou hemorragia digestiva baixa12.
A realização de operações para tratamento das doenças
A ruptura hepática espontânea é complicação rara e inflamatórias intestinais aumenta a mortalidade materno-
freqüentemente letal da gravidez. Noventa por cento dos fetal. Nos casos em que se realiza colectomia total, o índi-
casos são associados à pré-eclâmpsia e à síndrome ce de abortamento atinge 60% dos casos, sendo relaciona-
HELLP. A hipertensão arterial constitui fator de risco do à manipulação uterina no peroperatório12.
para sua ocorrência5. O quadro surge geralmente em
mulheres idosas, multíparas, durante o terceiro trimestre
ou na gestação a termo. Gravidez ectópica
O hematoma subcapsular é a lesão inicial precursora
da ruptura hepática. Manifesta-se com dor localizada no A gravidez ectópica é definida como qualquer gesta-
quadrante superior direito do abdome ou epigástrio, que ção que se desenvolva fora da cavidade endometrial. Ela
se irradia para o ombro direito, além de hipersensibilida- representa a principal causa de óbito materno no primei-
de à palpação local. Sinais de choque e irritação perito- ro trimestre de gravidez. Em 98% dos casos, o saco ges-
neal surgem quando ocorre a ruptura hepática, que aco- tacional se localiza na tuba uterina4.
mete mais freqüentemente o lobo direito5. Os fatores de risco para seu aparecimento incluem:
Os exames laboratoriais mostram aumento discreto história de doença inflamatória pélvica ou infertilidade,
das aminotransferases, hiperbilirrubinemia, trombocito- operação tubária prévia, tabagismo, uso de DIU, gravi-
penia, diminuição do hematócrito e alterações da coagu- dez ectópica prévia etc.
lação5. A ultra-sonografia abdominal pode revelar hema- O quadro clínico inclui relato de atraso menstrual e
toma subcapsular (assim como a tomografia computado- hemorragia uterina anormal, além de dor localizada no
rizada) e é útil para o diagnóstico diferencial com a cole- andar inferior do abdome. O diagnóstico é confirmado
cistolitíase sintomática. pela dosagem de beta-HCG (que apresenta níveis eleva-
O tratamento do hematoma subcapsular assintomáti- dos), associada à ultra-sonografia endovaginal, que pode
co consiste em repouso, correção de distúrbios da coagu- permitir a visualização do saco gestacional fora do útero4.
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Capítulo 24 .: Cirurgia na paciente grávida

Nos casos de gravidez ectópica não-rota é possível a 50% dos casos5. Nos casos de traumas graves, a morte
preservação da tuba uterina. O tratamento pode ser feito fetal atinge 15%5.
com metotrexate, desde que a paciente preencha critérios A prioridade no atendimento ao trauma da gestante
previamente estabelecidos (saco gestacional com menos deve ser a mãe, cuja sobrevivência é condição primordial
de 3 a 4cm de diâmetro, ausência de doença hepática ou para melhorar o prognóstico do feto.
renal, ausência de coagulopatias etc.). A salpingostomia
linear constitui opção para as pacientes nas quais não
pode ser realizado o tratamento com metotrexate. O pro- Indicações de cesariana na gestante com abdome agudo
cedimento consiste na abertura longitudinal da tuba ute- Em algumas pacientes com abdome agudo, torna-se
rina para retirada do saco gestacional, podendo ser reali- imperativa a realização de cesariana de urgência, cuja
zado por via laparoscópica. Não é necessário suturar a indicação deve considerar a doença abdominal em curso,
tuba após a realização da salpingotomia4. a viabilidade fetal e a fase da gravidez. A cesariana é indi-
Pacientes com gravidez ectópica rota apresentam qua- cada nas seguintes situações:
dro de abdome agudo hemorrágico, freqüentemente com
■ como medida para evitar a morte fetal nas grávidas
grave repercussão hemodinâmica. O tratamento inclui
com feto viável (casos de sepse materna grave,
reposição volêmica, transfusão de hemoderivados e a abor-
hemorragias vultosas de difícil controle, neoplasias
dagem cirúrgica (salpingectomia ou plastia tubária).
complicadas por perfuração, obstrução etc.)2;
■ em gestações avançadas, principalmente quando o

Abdome agudo traumático volume uterino dificultar a abordagem cirúrgica2;


■ nas lesões traumáticas do útero com feto viável para
Cerca de 6% a 7% das gestações são complicadas pelo tratamento de eventuais ferimentos do concepto2.
trauma, cuja abordagem se torna mais complexa devido
à necessidade de se proteger o concepto2,5. No trauma, a realização de cesariana de emergência
As medidas iniciais no atendimento à gestante com após a 26ª semana de gestação, quando os batimentos
traumatismo são semelhantes às de outros pacientes: cardíacos fetais estão presentes, resulta em sobrevida do
manter vias aéreas pérvias, ventilação pulmonar adequa- feto em 75% dos casos13.
da e estabilidade hemodinâmica e proteger a coluna cer-
vical. A manutenção da oxigenação materna e da perfu- Neoplasias
são uterina dependerá dessas condutas iniciais2.
A avaliação do trauma abdominal inclui, além do exame Neoplasias gastrointestinais
clínico, métodos de imagem (ultra-sonografia abdominal,
tomografia computadorizada) e lavado peritoneal diagnós- O câncer gástrico e o câncer colorretal são as neopla-
tico. Esse procedimento pode ser realizado sem compro- sias gastrointestinais mais freqüentes na gravidez. O
metimento do feto, realizando-se as punções em posição diagnóstico precoce é usualmente prejudicado pela
cefálica ao útero para evitar lesões do órgão5. superposição de alterações próprias da gravidez como
Deve-se considerar a diminuição da resposta à irrita- náuseas, vômitos, pirose, disfagia discreta, constipação,
ção peritoneal característica das gestantes para que se diarréia, fezes escuras pelo uso de suplementação oral de
evite retardo no diagnóstico de condições cirúrgicas2,5. ferro, anemia etc2.
Nos casos em que se indica a laparotomia (trauma Mulheres grávidas com diagnóstico de câncer gástrico
abdominal penetrante etc.), o procedimento deve ser rea- devem ser submetidas ao tratamento cirúrgico habitual.
lizado imediatamente. Não se demonstrou que a opera- As pacientes tendem a apresentar lesões avançadas à
ção constitua fator de risco independente para mortalida- época do diagnóstico, e os índices de sobrevida são geral-
de fetal5. Por outro lado, a ocorrência de hemorragia mente inferiores aos da população geral14.
intra-abdominal e/ou lesão intestinal é associada à piora Nos casos de tumores colorretais, quando o diagnós-
do prognóstico5. tico é feito na primeira metade de gestação, a ressecção
O descolamento da placenta pode ocorrer mesmo deve ser realizada. Quando a lesão é diagnosticada mais
após traumatismos leves, e resulta em perda fetal em até tardiamente, é aconselhável que se aguarde até que o feto
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

esteja viável para a realização do parto e, posteriormente, A abordagem laparoscópica tem sido utilizada no tra-
do tratamento cirúrgico15. tamento de complicações de massas anexiais, com
A quimioterapia deve ser iniciada apenas no segundo bons resultados8.
trimestre no intuito de não prejudicar o feto. O prognós-
tico materno dependerá do estadiamento tumoral, sendo
semelhante ao de pacientes não-grávidas5. Hemorragia pós-parto
Essa complicação ocorre em cerca de 5% dos partos
Câncer de mama vaginais e 6,4% das cesarianas. Cerca de 30% dos óbitos
maternos são devidos à ocorrência de quadros hemorrá-
A incidência do câncer de mama durante a gravidez é gicos graves nesse período4.
de três casos para 10.000 gestações, representando 3% de A hemorragia que surge nas primeiras 24h após o
todos os casos da doença4. parto é mais freqüente e costuma ser mais intensa que a
O diagnóstico é, muitas vezes, tardio devido às hemorragia tardia, que pode ocorrer do segundo dia à
mudanças do tecido mamário características do período sexta semana do puerpério.
gestacional. Freqüentemente, a doença já se encontra em A hemorragia precoce pode ser secundária a atonia
estádio avançado4. uterina, lacerações vaginais ou cervicais, separação anô-
A radioterapia é contra-indicada devido às altas doses mala da placenta, ruptura ou inversão uterina etc. A abor-
de radiação utilizadas, que comprometeriam seriamente o dagem cirúrgica é, muitas vezes, necessária nesses casos.
feto. A quimioterapia deve ser postergada até o segundo A hemorragia tardia é relacionada a infecção, retenção de
trimestre, evitando-se o uso de anti-metabólitos (metotre- fragmentos placentários ou coagulopatia4.
xate, fluorouracil). O tratamento cirúrgico (mastectomia) A atonia uterina constitui o principal fator etiológico da
pode ser realizado com segurança durante a gestação4. hemorragia pós-parto, representando 70% a 90% dos casos4.
O término da gravidez não modifica a história natural Após a exteriorização da placenta normalmente ocor-
da doença. O prognóstico do câncer de mama, nesses re contração do útero, que leva à compressão das arterío-
casos, é semelhante ao de mulheres não-grávidas com o las espiraladas da parede uterina. Nos casos de atonia,
mesmo estádio tumoral1,4. esse processo não ocorre de forma adequada, determi-
nando o surgimento de hemorragia persistente. Fatores
Massas anexiais predisponentes incluem: distensão excessiva do útero
(gestações múltiplas, macrossomia fetal, polidrâmnio),
A utilização rotineira da ultra-sonografia abdominal uso de oxitocina, trabalho de parto curto ou prolongado,
na propedêutica obstétrica tornou comum a detecção de grande multiparidade etc4.
massas anexiais, cuja freqüência é de uma para cada 600 O diagnóstico é baseado na palpação, que revela
gestações. Cistos de corpo lúteo e teratoma cístico benig- útero de consistência amolecida característica, e na exclu-
no são as lesões mais comuns. A incidência de lesões são de outras causas de sangramento.
malignas varia de 2% a 5%4,8. O tratamento inicial consiste na massagem uterina
Recomenda-se a conduta expectante para massas ane- bimanual e no uso de oxitocina para estimular a contração
xiais identificadas no primeiro trimestre. Lesões císticas do órgão. Outras opções medicamentosas incluem a meti-
podem apresentar resolução espontânea no decorrer lergonovina e prostaglandinas (PGF2alfa)4.
desse período gestacional. A presença de lesões maiores Nos casos de insucesso do tratamento conservador,
que 5cm aumenta os riscos de torção e ruptura, que ori- deve ser feita reexploração da cavidade uterina e procura
ginam quadro de abdome agudo8. de eventuais lacerações do órgão. Reposição volêmica
As torções anexiais constituem a principal indicação de vigorosa, transfusão de hemoderivados e avaliação das
tratamento cirúrgico nesses casos. Sua ocorrência, no provas de coagulação são outras medidas importantes.
entanto, é rara. O exame clínico revela geralmente dor A abordagem cirúrgica consiste na desvascularização
abdominal incaracterística, comportando vários diagnósti- uterina, procedimento de execução simples, com alta efi-
cos diferenciais. A ultra-sonografia com doppler pode ser útil cácia. Outra opção é a ligadura das artérias ilíacas inter-
nessas situações para confirmar a suspeita clínica4,8. nas, cujo índice de sucesso é inferior4.
298
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Capítulo 24 .: Cirurgia na paciente grávida

A embolização transarterial seletiva constitui outro 6 ■ Fanzago E. Anesthesia for non obstetric surgery in pregnant
método de tratamento dessa complicação. Em pacientes patients. Minerva Anestesiol. 2003; 69:416-27.
7 ■ Kuezkowski KM. Nonobstetric surgery during pregnancy: what
com coagulação inalterada, sua eficácia atinge 90% dos are the risks of anesthesia? Obstet Gynecol. 2003;59:52-6.
casos4. As desvantagens incluem a necessidade de mate- 8 ■ Bisharah M, Tulandi T. Laparoscopic surgery in pregnancy. Clin
rial especial e de equipe treinada, além do tempo neces- Obstet Gynecol. 2003;46:92-7.
9 ■ Fatum M, Rojansky N. Laparoscopic surgery during pregnancy.
sário para o cateterismo e a embolização seletiva dos
Obstet Gynecol Surv. 2001;56:50-9.
vasos uterinos (30 a 90 minutos)4. 10 ■ Reynolds JD, Booth JV, de la Fuente S, Punnahitananda S,
McMahon RL, Hopkins MB, et al. A review of laparoscopy
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25
CIRURGIA NO
PACIENTE EM
USO DE DROGAS
Marcelo Rausch, Marcelo Dias Sanches,
Soraya Rodrigues de Almeida

Introdução pelos pacientes. Entretanto, muitas das drogas ditas natu-


rais ou alternativas são responsáveis por interações medi-
O paciente cirúrgico que está em uso de drogas cons- camentosas e por efeitos adversos no perioperatório.
titui, muitas vezes, desafio para o médico. O período Outros fármacos, como os corticosteróides, são capazes
perioperatório é propício para ocorrência de eventos de interferir na resposta ao trauma muito tempo após a
adversos decorrentes de drogas habitualmente utilizadas interrupção do uso. Deste modo, faz-se necessária inves-
para o tratamento de afecções agudas e crônicas. Elas tigação minuciosa no pré-operatório, tanto das drogas
podem interferir diretamente no ato cirúrgico (anticoagu- em uso quanto daquelas utilizadas nos meses que antece-
lantes), alterar a resposta orgânica ao trauma (anti-hiper- deram o procedimento cirúrgico.
tensivos) e a cicatrização (corticosteróides) e causar intera- A quantidade de drogas utilizadas aumenta com a
ções com drogas utilizadas no peroperatório (anestésicos) idade. As mais freqüentes são as cardiovasculares (48%),
ou no pós-operatório (analgésicos e antiinflamatórios). As as com efeito sobre o sistema nervoso central (45%) e as
reações adversas podem ocorrer por hipersensibilidade, gastrointestinais (34%)2. Complicações pós-operatórias
idiossincrasia, defeitos no metabolismo, excesso ou defi- são até 2,5 vezes mais freqüentes entre pacientes que
ciência da dose ou por interação com outras substâncias1. estão em uso de drogas não-relacionadas com a opera-
É importante que o cirurgião e o anestesiologista ção. Reações adversas ocorrem em até 10% dos pacien-
conheçam os mecanismos de ação, efeitos farmacológi- tes que fazem uso de seis a dez fármacos e em até 40%
cos e interações medicamentosas. É necessário, também, daqueles que utilizam de dez a 20 fármacos.
conhecer as doenças, saber se há necessidade de uso con- No pós-operatório, a resposta orgânica ao trauma é
tínuo de medicação e os efeitos decorrentes da interrup- responsável pela ativação do sistema nervoso simpático e
ção do uso de determinada droga (síndrome de abstinên- por alterações endócrinas. Ocorre aumento da secreção
cia, efeito rebote). de aldosterona, vasopressina, adrenocorticotrópicos, cor-
O manuseio do paciente cirúrgico em uso de drogas ticosteróides e hormônio do crescimento, diminuição
pode requerer interrupção do uso, ajuste de dose, mudan- dos hormônios tireoidianos, aumento da resistência peri-
ça da via de administração, além de substituição de drogas férica à insulina, alterações na homeostase, função renal,
por similares ou por drogas de outro grupo farmacológico. perfusão e oxigenação teciduais, concentração das proteí-
Estima-se que até 25% a 50% dos pacientes cirúrgicos nas plasmáticas e equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-bási-
adultos estejam em uso regular de um ou mais medica- co. Todos esses eventos podem interferir na absorção, no
mentos2,3. Alguns, como ervas e homeopáticos, nem são transporte, na concentração plasmática e na ação de
considerados drogas e o uso é freqüentemente omitido diversas drogas.
301
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Interação de drogas são administradas concomitantemente, pode haver com-


petição pelas proteínas plasmáticas, resultando em maior
A interação de drogas é uma das mais importantes quantidade de droga livre de uma delas e, conseqüente-
causas de eventos adversos no paciente cirúrgico. mente, aumento do efeito. Os antiinflamatórios não-
Embora inúmeras reações entre drogas tenham sido des- esteróides (AINE), utilizados com freqüência no perio-
critas, somente um número relativamente pequeno têm peratório se ligam fortemente às proteínas plasmáticas e
significado clínico. aumentam o efeito de outras drogas.
As interações podem ser farmacocinéticas, farmaco-
dinâmicas ou mistas1.
Metabolismo

Interações farmacocinéticas Têm sido descritas inúmeras alterações no metabolis-


mo de drogas decorrentes de interações medicamento-
As interações farmacocinéticas estão relacionadas sas. Barbitúricos, carbamazepina, fenitoína e rifampicina
com absorção, distribuição, metabolismo e eliminação de são indutores de enzimas hepáticas e responsáveis por
drogas. Existem relatos de diversas interações farmacoci- aumento do metabolismo e diminuição da meia-vida do
néticas, a maioria decorrente da diminuição da absorção
warfarin e diversas drogas1. Cimetidina, alopurinol e dis-
pelo trato gastrointestinal.
sulfiram são inibidores do citocromo P-450 e diminuem
o metabolismo hepático do warfarin, teofilina, benzodia-
Absorção zepínicos e fenitoína1.

Dois tipos de interação podem ocorrer: diminuição


ou aumento da absorção. As alterações que determinam Eliminação
diminuição da absorção têm maior importância, enquan-
Embora possam ocorrer interações medicamentosas
to as relacionadas com aumento da absorção raramente
que interferem na eliminação renal de drogas, poucas têm
têm importância clínica1.
importância clínica. Algumas vezes, o efeito da interação
Atropina e codeína inibem a motilidade gástrica,
retardam a passagem para o intestino delgado e dimi- é benéfico. A probenecida diminui a excreção renal da
nuem a absorção de outras drogas. Por outro lado, meto- penicilina, aumentando seu efeito. Interação potencial-
clopramida e bromoprida aumentam a motilidade gástri- mente perigosa é associação de sais de lítio com tiazídicos.
ca, podendo aumentar a taxa de absorção intestinal de O uso prolongado pode aumentar a reabsorção de sódio
outros fármacos. no túbulo proximal, como mecanismo de compensação,
Alterações no pH do tubo digestivo podem levar à resultando em acúmulo e toxicidade1,4.
ionização de drogas com menor absorção. Antiácidos,
bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons ele- Interações farmacodinâmicas
vam o pH gástrico e diminuem a absorção do cetocona-
zol (antifúngico). Tetraciclinas formam complexo insolú- As interações farmacodinâmicas estão relacionadas
vel não absorvido com cátions, como cálcio (presente em com efeito sinérgico, antagônico ou mesmo indireto
grande quantidade no leite e derivados), alumínio, ferro, de drogas.
magnésio e outros (presentes em diversos alimentos e O efeito sinérgico ou aditivo é decorrente do uso
medicamentos) e não devem ser administradas junto simultâneo de drogas com efeito farmacológico seme-
com a alimentação1. lhante. Por exemplo, o uso concomitante de ácido acetil-
salicílico (antiagregante plaquetário) e warfarin (anticoa-
gulante) aumenta a possibilidade de hemorragia.
Distribuição
Interações farmacológicas antagônicas ocorrem
No plasma, as drogas são distribuídas ligadas às pro- quando são administradas duas drogas com efeitos tera-
teínas ou na forma livre. Entretanto, o efeito delas ocor- pêuticos contrários. Em algumas situações, as interações
re somente na forma livre. Quando diversas substâncias antagônicas podem ser benéficas, como o uso da naloxo-
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Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

na para inibir o efeito indesejado de opióides, freqüente- efeito depressor sobre o sistema nervoso central que é
mente utilizados no perioperatório. potencializado pela fenotiazina, anti-histamínicos, benzo-
Interações farmacodinâmicas indiretas ocorrem quan- diazepínicos, entre outros. O halotano sensibiliza o mio-
do o efeito de uma droga influencia indiretamente a ação cárdio para efeitos simpaticomiméticos, especialmente das
de outra. Diuréticos podem causar hipopotassemia que catecolaminas (dopamina, epinefrina, norepinefrina), com
pode provocar intoxicação digitálica ou diminuir o efeito risco de ocorrência de arritmias ventriculares, especial-
de alguns antiarrítmicos, como lidocaína e quinidina. mente em idosos, hipertensos e pacientes com hipóxia1,4.
Bloqueadores neuromusculares (succinilcolina,
Significado clínico da interação de drogas atracúrio, galamina, pancurônio, tubocurarina,
vecurônio) são utilizados na anestesia para produzir rela-
A associação de drogas pode causar interação com xamento da musculatura esquelética e, com isto, facilitar
repercussão clínica em um paciente e ser inócua em outro a ventilação mecânica e propiciar condições adequadas
que faça uso dos mesmos medicamentos. O quadro clíni- para a realização do ato cirúrgico. A combinação de blo-
co do paciente pode ser mais importante que a associação queadores neuromusculares e diversos medicamentos
de drogas. Indivíduos com hipertireoidismo, distúrbios pode resultar em aumento do bloqueio muscular. Essa
gastrointestinais, diabéticos ou etilistas podem ter respos- interação pode ocorrer com aminoglicosídeos, clindami-
ta diferente daquela de indivíduos hígidos. Se as funções cina, polimixina, lincomicina, ciclofosfamida, citrato
renal ou hepática estão alteradas, as interações relaciona- (hemoderivados), procainamida, quinidina, entre outros1.
das com metabolismo e excreção serão mais intensas. A paralisia muscular resultante pode perdurar por longo
Outros fatores relacionados com o paciente que podem tempo, sendo necessário, em alguns casos, manter o
interferir são tipo de alimentação, estado nutricional (nível paciente em ventilação mecânica. Deve-se evitar, se pos-
sérico de proteínas determina a quantidade de droga livre)
sível, o uso desses medicamentos em pacientes que utili-
e pH urinário (influencia a excreção renal de drogas).
zarão bloqueador neuromuscular. Caso não seja possível,
Fatores ligados à interação medicamentosa de impor-
deve-se realizar controle rigoroso da respiração no pós-
tância clínica incluem dose, ordem, via e intervalo de
operatório imediato.
administração, além do tempo de uso dos medicamentos.
Sabe-se que algumas interações só são importantes com Outra importante interação é o bloqueio simpático,
doses maiores, que algumas só ocorrem se a via de admi- causado por anti-hipertensivos (reserpina, clonidina, pra-
nistração for a mesma, que quanto menor o intervalo sozina, hidralazina), antidepressivos tricíclicos, fenotiazi-
entre a administração de um e outro, maior o risco de na e betabloqueadores, durante a anestesia, resultando
interações e que, muitas vezes, as interações só ocorrem em bradicardia e hipotensão arterial. No entanto, a reco-
com o uso crônico. mendação é de manter o uso desses agentes. A interrup-
ção do uso de anti-hipertensivos pode causar efeito rebo-
te e crise hipertensiva no peroperatório, problema maior
Interação medicamentosa durante a anestesia do que a hipotensão arterial ou a bradicardia (que podem
Durante a anestesia, grande variedade de medicamen- ser controladas com expansão de volume, vasopressores
tos é administrada em curto intervalo de tempo. Neste ou atropina). A interrupção abrupta do uso de betablo-
período, é alto o risco de ocorrerem efeitos adversos cau- queadores está associada com arritmias ventriculares,
sados pela interação de medicamentos utilizados pelo angina, infarto agudo do miocárdio e morte súbita2,5.
paciente com drogas anestésicas. As principais interações Drogas cardiovasculares podem deprimir o miocár-
são aumento do efeito sedativo dos anestésicos, poten- dio durante anestesia geral. Antiarrítmicos (lidocaína,
cialização do bloqueio neuromuscular ou instabilidade quinidina, procainamida) afetam a condução e a contrati-
cardiovascular. lidade cardíaca. Bloqueadores do canal de cálcio (verapa-
Anestésicos inalatórios (enflurano, halotano, isoflura- mil) potencializam o efeito inotrópico negativo do halo-
no, metoxiflurano, óxido nitroso), barbitúricos (tiopental) tano. O conhecimento do potencial de interação medica-
e analgésicos opióides (fentanil, alfentanil, sufentanil) são mentosa impõe maior cuidado, não requerendo, necessa-
utilizados na indução e/ou manutenção da anestesia e têm riamente, interrupção do uso dessas drogas1.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Drogas específicas formação de urina, aumentando a filtração glomerular ou


diminuindo a reabsorção nos túbulos renais. São usados
Cardiovasculares para tratar ou impedir a formação de ascite e edema e
para tratar a hipertensão arterial. Os diuréticos apresen-
A conduta geral em relação às drogas cardiovascula- tam poucos efeitos colaterais. Os mais significativos estão
res é de manter o uso até a manhã do dia da operação e relacionados com o equilíbrio hidroeletrolítico, já que eles
reiniciá-lo assim que a alimentação por via oral for possí- alteram o volume extracelular e podem causar desidrata-
vel. Deve-se evitar introduzir novas drogas no período ção, hipovolemia, hiponatremia e tanto hipocalemia (mais
pré-operatório devido ao risco de ocorrência de efeitos comum) quanto hipercalemia. Pode surgir alcalose meta-
inesperados e necessidade de ajuste individual de doses bólica devido à contração do volume extracelular.
da maioria das drogas no início. Atenção especial deve ser dada àqueles pacientes que,
Medicamentos de ação prolongada (digoxina, amio- além do diurético, fazem uso de digital, devido à possibi-
darona) podem ter o uso interrompido logo antes da lidade de intoxicação digitálica. Espironolactona e outros
operação e reiniciado junto com a alimentação, sem que diuréticos retentores de potássio podem causar hiperpo-
haja problema. Drogas indispensáveis ou drogas cuja tassemia que pode ter conseqüências graves, principal-
interrupção do uso está associada com efeitos indeseja- mente na presença de insuficiência renal.
dos (efeito rebote, síndrome de abstinência) não devem Não é necessário interromper o uso dos diuréticos no
ter o uso interrompido. Se o jejum pós-operatório for perioperatório, mas é importante monitorar os níveis séri-
prolongado, deve-se utilizar a mesma droga por outra via cos do sódio, potássio e cloro. A hipocalemia pode poten-
de administração (via endovenosa, de preferência). Caso ciar o efeito dos bloqueadores neuromusculares não-des-
não exista formulação para administração endovenosa da polarizantes (atracúrio, galamina, pancurônio, tubocurari-
mesma droga, deve-se trocar por droga da mesma classe. na, vecurônio), acentuar o efeito arritmogênico de diver-
Se isso não for possível, deve-se utilizar droga de classe sas drogas e causar íleo funcional com diminuição da
diferente. Outra possibilidade é utilização da via trans- absorção de drogas administradas por via oral.
dérmica. Entretanto, existe o problema do início de ação
demorado e da absorção errática devido às alterações do
volume intravascular e perfusão tecidual, comuns no BLOQUEADORES BETA-ADRENÉRGICOS

peroperatório e no pós-operatório imediato. A interrupção pré-operatória do uso de betabloquea-


dores (propranolol, atenolol, carvedilol, metoprolol,
nadolol, timolol etc.), indicados para tratamento de
Anti-hipertensivos doenças cardiovasculares, está associada com ocorrência
perioperatória de taquicardia, cefaléia, náuseas, isquemia
O uso da maioria dos anti-hipertensivos deve ser man-
e infarto agudo do miocárdio, hipertermia maligna e
tido até a manhã do dia da operação. No pós-operatório,
morte súbita2,5. Fatores desencadeantes incluem progres-
se a via oral não estiver disponível, existe grande varieda-
são da doença cardiovascular, aumento da agregação pla-
de de drogas que podem ser administradas por via paren-
quetária, desvio da curva de dissociação de oxigênio da
teral para o controle da hipertensão arterial. Entretanto, o
hemoglobina, aumento rebote da atividade da renina
controle perioperatório rígido da pressão arterial está
plasmática, mudança no metabolismo dos hormônios
associado a instabilidade autonômica, depleção de volu-
tireoidianos e aumento da atividade do sistema nervoso
me e risco de queda acentuada dos níveis pressóricos.
simpático. Geralmente, o início dos sintomas ocorre 72
Além disso, existe risco de reações adversas decorrentes
horas após interrupção do uso, com resolução rápida,
de interação de anti-hipertensivos com drogas utilizadas
logo após reintrodução dos betabloqueadores por via
durante a anestesia. Deste modo, elevações moderadas da
oral ou endovenosa (propranolol, esmolol)2.
pressão arterial são aceitas no perioperatório.
Os betabloqueadores são capazes de prevenir ocor-
rência perioperatória de infarto agudo do miocárdio em
DIURÉTICOS hipertensos sem tratamento e em pacientes de risco para
Os diuréticos (hidroclorotiazida, clortalidona, furose- o desenvolvimento de doença cardiovascular, mesmo
mida, espironolactona etc.) são drogas que promovem a quando administrados em dose única pré-operatória2,6.
304
Capitulo 25.qxd 2/23/06 15:20 Page 305

Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO AGONISTAS ALFA-ADRENÉRGICOS


Os bloqueadores dos canais de cálcio (diltiazem, vera- Os agonistas alfa-adrenérgicos (clonidina, metildopa,
pamil, nifedipina, amlodipina etc.) produzem vasodilata- guanfacina etc.) estimulam os receptores alfa-adrenérgi-
ção periférica e reduzem a resistência vascular sistêmica cos no sistema nervoso central, reduzindo a descarga
e a pressão arterial. Eles possuem efeitos inotrópico e simpática periférica. Estão associados, em maior ou
cronotrópico negativos. Apesar de haver descrição de menor grau, com hipertensão rebote após interrupção
hipotensão arterial, taquicardia e morte súbita no perio- abrupta do uso. Esse efeito é mais grave após a interrup-
peratório, não existem evidências de que o uso de blo- ção do uso da clonidina, um agonista alfa-2.
queadores dos canais de cálcio aumenta o risco anestési- Pacientes em uso crônico de clonidina devem ter esse
co-cirúrgico em pacientes sem doença cardiovascular7-10. medicamento substituído por drogas endovenosas,
Além disto, eles aumentam o índice cardíaco em pacien- como esmolol, propranolol, hidralazina, diltiazem ou
tes com função ventricular preservada, se a pressão de nitratos5. Outra alternativa é o uso de clonidina na forma
enchimento for mantida. Deste modo, é recomendada a de adesivo de absorção transdérmica. A clonidina é mais
manutenção pré-operatória do uso dos bloqueadores dos bem absorvida por via transdérmica quando aplicada no
canais de cálcio para pacientes com função cardíaca nor- tórax ou braços. O início de ação ocorre após dois a três
mal ou levemente diminuída e cautela para pacientes com dias e o efeito dura até sete dias após a aplicação ou até
disfunção ventricular, definida por fração de ejeção ven- 8h após a retirada do adesivo. Portanto, ela deve ser ini-
tricular abaixo de 40% 2,7,11. ciada pelo menos três dias antes da operação, acompa-
nhada de redução gradativa da dose da clonidina oral. A
clonidina transdérmica não deve ser utilizada em opera-
INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DA ANGIOTENSINA E
ções de grande porte, devido à absorção errática que
BLOQUEADORES DO RECEPTOR DA ANGIOTENSINA 2
pode ocorrer em conseqüência da vasoconstrição perifé-
Os inibidores da enzima conversora da angiotensina
rica e hipoperfusão tecidual desencadeadas por hipoter-
(ECA – captopril, enalapril etc.) e bloqueadores do
mia e hipovolemia, comuns nesses casos.
receptor da angiotensina 2 (losartan, valsartan etc.) estão
associados com ocorrência de hipotensão arterial na
indução da anestesia2,12. OUTRAS DROGAS ANTI-HIPERTENSIVAS
Entretanto, os dados da literatura são conflitantes. Bloqueadores dos receptores alfa-1 pós-sinápticos
Alguns estudos encontraram forte associação entre inibi- (prazosin, terazosin, doxazosin), bloqueadores adrenérgi-
dores da ECA e bloqueadores do receptor da angiotensi- cos pós-ganglionares periféricos (reserpina, guanetidina)
na 2 com hipotensão arterial perioperatória, inclusive com e vasodilatadores arteriolares periféricos (hidralazina,
necessidade do uso de aminas vasoativas13-6. Outros suge- minoxidil) são drogas menos utilizadas para o tratamen-
rem que a intensificação do efeito hipotensor da anestesia to da hipertensão arterial, não sendo consideradas de pri-
esteja relacionado com balanço inadequado de fluidos e meira escolha, devido ao grande número de efeitos cola-
sódio decorrente do jejum pré-operatório e que o uso dos terais. Todas podem potencializar os efeitos hipotenso-
inibidores da ECA deve ser evitado, porém não haveria res dos anestésicos gerais.
necessidade de interrupção se houvesse adequada manu- Associação de reserpina e guanetidina com sedativos
tenção do volume intravascular no peroperatório17. e anestésicos pode resultar em hipotensão arterial impor-
Apesar de os dados relacionados com inibidores da tante. Interrupção do uso previamente à operação (dez
ECA e com bloqueadores dos receptores da angiotensi- dias para a reserpina e dois dias para a guanetidina) deve
na 2 serem conflitantes, a recomendação atual é de inter- ser sempre considerada.
romper o uso desses medicamentos pelo menos 24h
antes da indução anestésica. Como alguns inibidores da Antiarrítmicos
ECA tem ação prolongada (≥ 24h), é mais prudente
interromper o uso por pelo menos um intervalo de dose Drogas antiarrítmicas são freqüentemente divididas
antes da operação2. Assim, o enalapril (administração de em classes de acordo com suas ações farmacológicas.
24/24h) deve ser utilizado até 48h antes da operação Algumas têm múltiplas ações enquanto outras, como
(não é utilizado na véspera nem no dia da operação). betabloqueadores (classe 2 - esmolol, propranolol, meto-
305
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

prolol) e bloqueadores dos canais de cálcio (classe 4 - darona para taquicardias ventriculares polimórficas5.
verapamil, diltiazem), também têm efeitos anti-hiperten- Alterações da concentração sérica de potássio, cálcio e
sivos. O uso de antiarrítmicos geralmente está associado magnésio contribuem para irritabilidade ventricular e
com diversos efeitos colaterais e interações medicamen- devem ser evitadas.
tosas. Entretanto, sua interrupção pode levar a arritmias
graves e às vezes fatais. Como regra geral, o uso deve ser
BLOQUEADORES DOS CANAIS DE POTÁSSIO (CLASSE 3)
mantido até o dia da operação e reiniciado o mais cedo
possível no pós-operatório5. O uso perioperatório da amiodarona permanece con-
troverso. Ela é comumente utilizada para o tratamento
de diversas arritmias, algumas letais. Sua meia-vida é em
DIGITÁLICOS torno de 58 dias e a de seu metabólito ativo (desetilamio-
Os glicosídeos digitálicos (digoxina, digitoxina) darona), de 36 dias.
aumentam o período refratário do nó atrioventricular, a Amiodarona é associada com eventos adversos perio-
velocidade e a força de contração do miocárdio, exercen- peratórios como efeitos inotrópico e cronotrópico nega-
do efeito inotrópico positivo sobre o coração. Eles tivos, vasodilatação periférica, bradicardia sinusal resis-
devem ser mantidos no perioperatório. Como têm ação tente a atropina e diminuição da resistência vascular peri-
prolongada (digoxina, meia-vida: 36h a 48h; digitoxina,
férica não-responsiva a agonistas alfa-adrenérgicos19-21.
meia-vida: sete a nove dias), podem ser interrompidos no
Entretanto, dados recentes sugerem que o uso periopera-
pré-operatório imediato e reiniciados assim que a alimen-
tório da amiodarona é relativamente seguro2,5,22,23.
tação por via oral for possível. Se o período de jejum pós-
Considerando que a interrupção do uso da amiodaro-
operatório for prolongado, pode ser utilizada digoxina
na pode precipitar arritmias potencialmente letais e que
por via endovenosa5.
Diversos medicamentos utilizados pelo paciente cirúr- seria necessário interrupção por período prolongado de
gico podem diminuir a absorção, alterar a distribuição ou tempo (acima de 45 dias) para haver diminuição do nível
diminuir a excreção da digoxina. Antiácidos, colestirami- sérico, a tendência atual é de não interromper o uso,
na, metoclopramida e sulfasalazina diminuem a absorção, especialmente se a indicação for para tratamento de arrit-
aumentando o risco de insuficiência cardíaca ou arritmias mias potencialmente letais23,24. Entretanto, deve-se ter
supraventriculares. Estas também podem ser desencadea- disponível equipe de cirurgia cardiovascular e marca-
das por distúrbios hidroeletrolíticos, comuns no periope- passo temporário para uso peroperatório, se necessário,
ratório. Amiodarona, nifedipina, quinidina, verapamil e ou implantá-lo no pré-operatório.
espironolactona aumentam a concentração sérica de digo- O uso crônico da amiodarona pode provocar fibrose
xina com risco de intoxicação digitálica, contrações ven- pulmonar que pode ser agravada com anestesia geral25.
triculares prematuras ou bloqueio atrioventricular, sendo Sempre que possível, deve-se preferir anestesia regional
recomendada redução da dose de digoxina1,18. para os usuários desse medicamento26.

BLOQUEADORES DOS CANAIS DE SÓDIO (CLASSE 1) Nitratos


Os antiarrítmicos da classe 1A (quinidina, procaina-
mida, disopiramida) são menos utilizados atualmente. O manuseio perioperatório do paciente em uso de
Procainamida endovenosa pode ser utilizada quando a nitratos depende da dose de nitratos habitualmente usada
manutenção perioperatória for essencial. Drogas da clas- e da gravidade e estabilidade da angina. A substituição
se 1C (flecainida, propafenona) não possuem alternativa por adesivos transdérmicos no peroperatório não é reco-
de uso endovenoso e devem ser trocadas por outras de mendada devido à absorção errática. O recomendado é
acordo com o tipo de arritmia que está sendo tratada. utilizar nitroglicerina endovenosa peroperatória nos casos
Constituem opções de uso endovenoso: diltiazem, beta- graves ou quando se detectarem alterações eletrocardio-
bloqueadores ou digoxina para arritmias atriais (fibrila- gráficas sugestivas de isquemia. No pós-operatório, pode-
ção ou flutter), procainamida ou amiodarona para taqui- se utilizar nitroglicerina transdérmica ou endovenosa, até
cardias ventriculares monomórficas e lidocaína ou amio- que nitratos por via oral possam ser utilizados.
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Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

Anticoagulantes e antiagregantes plaquetários Quadro 25.1 .: Manejo perioperatório dos anticoagulantes (dose
terapêutica)2,5,28,32-34
Anticoagulantes e antiagregantes plaquetários alteram
a hemostasia e são utilizados na prevenção e/ou trata- Droga Administração Meia-vida Interrupção* Reinício+
mento de tromboembolismo arterial e/ou venoso. Os Warfarin VO 2 a 4 dias 4 a 5 dias 24 horas
Heparina não-
anticoagulantes interferem na formação do coágulo de fracionada EV 1 a 2 horas 4 a 6 horas 12 horas
fibrina enquanto os antiagregantes plaquetários inibem a Heparinas de
baixo peso SC 4 a 5 horas 24 horas 24 horas
agregação plaquetária. Pacientes em uso desses medica-
molecular
mentos possuem risco aumentado de hemorragia per e
pós-operatória. Por outro lado, a interrupção do uso por VO - via oral; EV - endovenosa; SC - subcutânea
longo tempo está associada com maior incidência de * antes da operação
+ após a operação
fenômenos tromboembólicos.
No manuseio perioperatório desses pacientes deve-se ANTICOAGULANTES ORAIS
levar em conta, além do tipo de droga utilizada, os tipos Os anticoagulantes orais, entre eles o warfarin, ini-
de procedimentos cirúrgico e anestésico que serão reali- bem os fatores da coagulação dependentes da vitamina K
zados, além de fatores de risco para tromboembolismo (fatores II, VII, IX, X; proteínas C e S). Eles possuem
específicos de cada paciente. Os procedimentos cirúrgi- meia-vida longa e, geralmente, a normalização da ativida-
cos podem ser classificados em três categorias, de acor- de de protrombina (ou do RNI) ocorre quatro a cinco
do com o risco de sangramento: de baixo, médio ou alto dias após a interrupção do uso. Deste modo, o warfarin
risco. Anestesia geral envolve menor risco de complica- deve ser suspenso cinco dias antes, possibilitando redu-
ções hemorrágicas do que anestesia regional (raquidural ção do RNI para valores abaixo de 1,5 até o dia da ope-
ou peridural). Os principais fatores de risco para trom- ração, que só deve ser realizada após dosagem do RNI.
boembolismo venoso são idade avançada, imobilização Reversão do efeito do warfarin também pode ser feita
prolongada, história de acidente vascular encefálico ou administrando-se vitamina K por via oral ou parenteral,
de trombose venosa profunda, câncer, operação de gran- 24h a 48h antes do procedimento cirúrgico2,28. Se for
de porte, obesidade, trauma, varizes de membros inferio- necessária a reversão imediata, administra-se plasma fres-
res, disfunção cardíaca, presença de cateter venoso cen- co congelado, complexo concentrado de protrombina ou
tral, doença inflamatória intestinal, síndrome nefrótica, fator VIIa recombinante28.
gravidez e uso de estrógenos27. Pacientes com alto risco para ocorrência de fenôme-
De modo geral, anticoagulantes orais e antiagregantes nos tromboembólicos (pacientes com tromboembolis-
plaquetários podem ser reintroduzidos precocemente no mo pulmonar recorrente, ou portadores de válvulas car-
pós-operatório, junto com a realimentação, se os pacien- díacas mecânicas) devem ser submetidos a terapêutica de
tes estiverem estáveis e sem sinais de sangramento ou ponte com heparina não-fracionada ou heparinas de
desidratação. baixo peso molecular no período entre a interrupção do
uso do warfarin e o dia da operação2,5,28-30.

Anticoagulantes
HEPARINA NÃO-FRACIONADA
A terapêutica anticoagulante pode ser feita com anti- A heparina inibe a trombina, o fator Xa e a conversão
coagulantes orais, heparina não-fracionada e heparinas de fibrinogênio em fibrina. Tem sido a droga de eleição
de baixo peso molecular. Cada uma dessas drogas possui para anticoagulação pré-operatória devido à meia-vida
riscos e benefícios distintos em relação ao procedimento curta, entre 1h e 2h. Quando utilizada como terapêutica de
cirúrgico e seu manejo exige conduta individualizada ponte, a heparina não-fracionada é iniciada em dose tera-
(Quadro 25.1). Heparina não-fracionada e heparinas de pêutica no dia seguinte ao da interrupção do uso do warfa-
baixo peso molecular podem também ser utilizadas no rin, por via endovenosa. Como desvantagem, requer hos-
perioperatório, por via subcutânea, para profilaxia de pitalização e monitoração contínua. Pode ser utilizada em
tromboembolismo venoso, quando houver fatores de bolus de 5.000U de 4/4h ou, preferencialmente, em infu-
risco associados. são contínua na dose de 1.000 U por hora. A monitoração
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

é feita com dosagens seriadas do tempo de tromboplas- warfarin, por via subcutânea. Existem diversas drogas e
tina parcial ativado (PPTa) que deve ser mantido entre diferentes esquemas terapêuticos: enoxiparina
1,5 e 2,5 vezes o valor do controle. Se o PPTa estiver (1mg/kg/dose, de 12/12 horas) ou dalteparina
dentro do nível terapêutico, geralmente a interrupção do (120U/kg/dose, de 12/12 horas), até à véspera da ope-
uso 6h antes da operação é suficiente para normalização ração. O uso é interrompido 24h antes e reiniciado 12h a
do PPTa, a ser confirmada antes da operação. Se isso não 24h após o procedimento cirúrgico junto com warfarin
ocorrer ou se não for possível esperar esse tempo (ope- oral na dose habitual. As heparinas de baixo peso mole-
ração de emergência), pode-se neutralizar os efeitos da cular são mantidas até o warfarin atingir nível anticoagu-
heparina não-fracionada com sulfato de protamina endo- lante terapêutico (RNI entre 2,0 e 3,0), geralmente em
venosa (infundir lentamente). torno do quinto dia pós-operatório.
Quando o paciente for de alto risco para tromboem-
As heparinas de baixo peso molecular estão associa-
bolismo, deve-se reiniciar heparina não-fracionada por
das com aumento da incidência de hematoma espinhal
via endovenosa no mínimo 12h após o procedimento
após anestesia raqui e peridural, principalmente se hou-
cirúrgico, se não houver sinal de sangramento, em infu-
são contínua ao invés de bolus2,28. ver colocação de cateter para analgesia pós-operatória.
Esse evento, apesar de raro, pode ter conseqüências gra-
ves, como paraplegia, e deve ser tratado por laminecto-
HEPARINAS DE BAIXO PESO MOLECULAR mia descompressiva precoce seguida de evacuação do
As heparinas de baixo peso molecular (enoxiparina, hematoma5,31-34. Existem divergências sobre qual o
fraxiparina, dalteparina) constituem alternativa à hepari- momento ideal para interromper ou reiniciar o uso das
na não-fracionada, tanto para a profilaxia quanto para o heparinas de baixo peso molecular em anestesia regional,
tratamento dos fenômenos tromboembólicos. Têm havendo discordância entre Estados Unidos e
como vantagens a facilidade da administração subcutâ-
Europa32,34,35. Existe consenso em interromper o uso por
nea e a possibilidade de uso domiciliar. Por causa da
12h (se dose profilática) ou 24h (se dose terapêutica)
meia-vida maior que a da heparina não-fracionada, devem
antes de anestesia regional. Controvérsia existe sobre o
ser suspensas pelo menos 12h (se uso profilático) a 24h
(se uso terapêutico) antes da operação (Quadro 25.2). No tempo necessário para o reinício após anestesia regional.
caso de operação de emergência, o efeito pode ser parcial- Se foi feita apenas punção, pode variar entre 4h e 12h
mente neutralizado com sulfato de protamina28. para administração em dose única diária ou 24h para
administração duas vezes ao dia. Se foi mantido cateter
Quadro 25.2 .: Manejo perioperatório dos anticoagulantes (dose peridural para analgesia pós-operatória, este só deve ser
profilática)2,5,28,32-34
removido 12h após administração de heparinas de baixo
Heparina Heparinas de baixo peso molecular, e estas só devem ser novamente admi-
Anestesia não-fracionada peso molecular nistradas 2h a 4h após remoção do cateter, que geralmen-
Interrupção* Reinício+ Interrupção* Reinício+ te acontece no dia seguinte ao da operação2,5,28,32,34,35.
Geral 2 horas 1 hora 2 horas 2 horas
Regional
Punção 4 horas 1 hora 12 horas 4 a 12 horas Antiagregantes plaquetários
Retirar cateter Retirar cateter
4 horas após 12 horas após ÁCIDO ACETILSALICÍLICO
Cateter 4 horas dose heparina; 12 horas dose heparina; O ácido acetilsalicílico (AAS) talvez seja a droga mais
re-heparinizar re-heparinizar
1 hora após 2 horas após utilizada. Ele causa disfunção plaquetária permanente em
retirar cateter retirar cateter decorrência do bloqueio irreversível da via do tromboxa-
* antes da operação no A2 e inibição direta da cicloxigenase plaquetária 1 e 2.
+ após a operação
Como a renovação das plaquetas circulantes demora de
sete a dez dias, a recomendação é de interromper o uso
Quando utilizadas como terapêutica de ponte, as
sete a dez dias antes da operação2,5,28. Além disso, o AAS
heparinas de baixo peso molecular são iniciadas em dose
pode causar síndrome de hiperventilação e alcalose respi-
terapêutica no dia seguinte ao da interrupção do uso do
ratória por estímulo central, hipoglicemia e diminuição
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Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

do efeito corticotrópico da supra-renal e dos níveis plas- Quadro 25.3 .: Manejo perioperatório dos antiagregantes pla-
quetários2,5,28,34.
máticos de corticosteróides.
Droga Inibição plaquetária Interrupção*
ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO-ESTERÓIDES Aspirina permanente 7 a 10 dias
Os antiinflamatórios não-esteróides (AINE) inibem a Indometacina, diclofenaco, reversível 24 a 48 horas
ibuprofeno, cetoprofeno
cicloxigenase plaquetária de forma reversível e devem
Naproxeno reversível 72 horas
ser, na maioria das vezes, suspensos entre um e três dias Piroxican reversível 10 dias
antes da operação, de acordo com a meia-vida de cada Rofecoxib, celecoxib não 3 dias+
um. Como o efeito inibitório persiste enquanto o AINE Dipiridamol reversível 24 horas
permanecer na corrente sangüínea, a meia-vida é o fator Clopidogrel permanente 7 a 10 dias
determinante para definir o tempo de interrupção do uso Ticlopidina permanente 14 dias
antes da operação. Os AINE de meia-vida curta, como
indometacina, diclofenaco, ibuprofeno e cetoprofeno, * antes da operação
+ interrupção necessária por alteração na função renal
devem ser suspensos 24h antes do procedimento cirúrgi-
co. Os AINE de meia-vida longa, como naproxeno,
sulindac devem ser suspensos 72h antes. Já o piroxicam Neurológicas e psiquiátricas
deve ser suspenso dez dias antes porque possui meia-
vida mais longa. Medicamentos para o tratamento de doenças neuro-
Os AINE inibidores específicos da cicloxigenase-2 lógicas e psiquiátricas estão entre os mais utilizados pelos
(rofecoxib, celecoxib, valdecoxib) têm efeito mínimo na pacientes cirúrgicos. Os principais são antiparkinsonia-
agregação plaquetária e não interferem na coagulação. nos, anticonvulsivantes, antidepressivos, antipsicóticos
Entretanto, devem ser suspensos dois a três dias antes e ansiolíticos.
da operação por causa dos efeitos deletérios sobre a A principal preocupação relacionada ao uso dessas
função renal. drogas é que a interrupção da maioria delas pode desen-
cadear síndrome de abstinência. Ela ocorre em maior fre-
qüência nos pacientes em uso de dose alta e/ou por
OUTROS INIBIDORES DA AGREGAÇÃO PLAQUETÁRIA tempo prolongado, pode manifestar-se imediatamente
Clopidogrel e ticlopidina inibem a agregação plaque- ou alguns dias após a interrupção do uso, pode persistir
tária de forma irreversível por meio de bloqueio dos por várias semanas e é revertida após o reinício da medi-
receptores do difosfato de adenosina (ADP) na superfí- cação. As manifestações clínicas podem estar relaciona-
cie das plaquetas. Do mesmo modo que o AAS, eles das tanto com a interrupção do uso das drogas quanto
devem ser suspensos dez dias (clopidogrel) ou 14 dias com a recrudescência da doença de base. As mais
(ticlodipina) antes da operação2,28,34. O dipiridamol pro- comuns são gastrointestinais (dor abdominal, anorexia,
duz inibição reversível da agregação plaquetária, tem náuseas, vômitos), neurológicas (nervosismo, agitação,
meia-vida curta e deve ser suspenso 24h antes da opera- tremores, mal-estar), cardiovasculares (palpitação, taqui-
ção (Quadro 25.3). cardia) e psiquiátricas (ansiedade, pânico)36-9.
Novas drogas de uso endovenoso, como abciximab,
eptifibatide e tirofiban, inibem os receptores plaquetários
Antiparkinsonianos
da glicoproteína IIb/IIIa e são geralmente utilizadas em
associação com heparina nas síndromes coronarianas agu- Drogas antiparkinsonianas devem ser utilizadas até a
das e nas intervenções coronarianas percutâneas. Devido à manhã da operação e reiniciadas no pós-operatório assim
meia-via curta, esses medicamentos devem ser suspensos que possível. Embora a carbidopa/levodopa possa inte-
24h a 72h antes da operação2,28,34. Entretanto, é necessário ragir com anestésicos e causar arritmias cardíacas, os
monitoração das plaquetas, pois podem causar tromboci- benefícios de manter o uso suplantam os riscos5,40.
topenia que pode persistir por diversas semanas28. Poucas horas após interrupção da carbidopa/levodopa,
pode haver retorno dos sintomas parkinsonianos e, com
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

interrupção prolongada, pode ocorrer síndrome de absti- podem ser tanto excitatórias quanto depressoras, poden-
nência com aparecimento de sinais e sintomas similares à do também ocorrer síndrome semelhante à síndrome
síndrome neuroléptica maligna (hipertermia, hipertensão neuroléptica maligna. Os principais sinais e sintomas
arterial, rigidez muscular, alucinações, coma)41-3. incluem hipertensão ou hipotensão arterial, hipertermia,
O principal problema em relação aos antiparkinsonia- hiperreflexia, convulsões e hepatotoxicidade. Por isto, a
nos é que existem muito poucas opções para uso endo- recomendação é de que o uso seja interrompido duas
venoso (difenidramina, triexifenidila, benztropina). Essas semanas antes de operações eletivas. No caso de opera-
drogas têm ação anticolinérgica e diminuem a rigidez e a ções de urgência, o uso pode ser mantido desde que
hipocinesia. Como causam confusão pós-operatória, sejam utilizadas somente drogas seguras para os IMAO,
devem ser utilizadas na menor dose possível5. como fenilefrina, morfina, fentanil e não sejam utilizados
simpaticomiméticos, anticolinérgicos e meperidina2,5,24.
Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina
Anticonvulsivantes
no sistema nervoso central (fluoxetina, sertralina, paro-
Os anticonvulsivantes (fenitoína, carbamazepina, xetina, citalopram, fluvoxamina) são os antidepressivos
ácido valpróico, clonazepam, fenobarbital, primidona) mais utilizados atualmente, devido à alta eficácia e baixa
são amplamente utilizados. Devem ser mantidos no freqüência de efeitos colaterais. A interrupção do uso
perioperatório devido ao risco de convulsão com a inter- está associada com síndrome de abstinência, que pode
rupção do uso. Como são depressores do sistema nervo- manifestar-se um dia após a interrupção e é caracteriza-
so central, potencializam os efeitos depressores dos anes- da por náuseas, vômitos, fatiga, irritabilidade, ansieda-
tésicos, sendo necessária diminuição da dose de anestési- de, agitação, letargia, mialgia e diminuição da memória.
cos durante a operação. Como não existem interações específicas dessas drogas
com anestésicos, elas são consideradas seguras e é pru-
dente manter o uso no perioperatório. O uso crônico
Antidepressivos pode causar hiponatremia, que deve ser corrigida antes
Os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, imiprami- de procedimentos eletivos. Se o inibidor seletivo da
na, nortriptilina, desipramina) aumentam a concentração recaptação da serotonina for suspenso, o reinício deve
sináptica de norepinefrina e/ou serotonina. Possuem ser progressivo, pois, caso contrário, pode ocorrer sín-
efeitos colaterais anticolinérgicos e cardíacos, podem ter drome da serotonina (também desencadeada pelo
interação medicamentosa com anestésicos (halotano, uso concomitante de tramadol), caracterizada por insô-
pancurônio) e, raramente, desencadear arritmias cardía- nia, mioclonia, hiperreflexia, tremores, diarréia e
cas44. Podem também ter efeito aditivo com anticolinér- incoordenação motora que regridem com interrupção
gicos utilizados no perioperatório. Alguns autores reco- do medicamento2,5.
mendam interrupção do uso antes da operação, mas
como eles têm meia-vida longa, essa conduta é difícil de Antipsicóticos
ser adotada2. Deste modo, a recomendação é de que o
uso deve ser mantido até a operação e que sejam toma- Haloperidol, droperidol, flufenazina, clorpromazina e
dos todos os cuidados para evitar e/ou tratar efeitos risperidona são medicamentos comumente utilizados
adversos. A norepinefrina é droga vasopressora de elei- para tratamento das psicoses. Os principais efeitos cola-
ção para tratamento da hipotensão arterial perioperatória terais incluem sedação, depressão, distonia e hipotensão
relacionada com antidepressivos tricíclicos. arterial ortostática. No perioperatório, essas drogas
Os inibidores da monoamina-oxidase (IMAO) foram podem exacerbar a depressão do sistema nervoso central
antidepressivos bastante utilizados até há alguns anos. causada por barbitúricos e narcóticos. Eles são responsá-
Atualmente, são utilizados em menor escala e apenas veis por diversas alterações eletrocardiográficas, mas só
para depressão resistente a outras drogas. Associação raramente causam irritabilidade ventricular. Raramente,
com simpaticomiméticos de ação indireta (epinefrina, podem também causar síndrome neuroléptica maligna.
norepinefrina) ou meperidina produz interações medica- Como esses eventos são raros e como a interrupção do
mentosas graves e potencialmente fatais. As reações uso dos antipsicóticos pode desencadear discinesia ou
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Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

agitação rebote, a recomendação é de que o uso seja tir até um ano após45. No caso de procedimentos associa-
mantido no perioperatório, sempre que possível. dos a grande estresse (operações de grande porte, aneste-
O lítio é usado para tratamento da mania, da depres- sia geral) está indicada suplementação com corticosterói-
são e da desordem bipolar. Possui diversos efeitos cola- des exógenos para evitar insuficiência adrenal. O esque-
terais, sendo o hipotireoidismo o mais comum. Pode ma mais utilizado é a administração de hidrocortisona
prolongar o efeito dos relaxantes musculares despolari- endovenosa na dose de 100mg de oito em oito horas no
zantes e não-despolarizantes, porém só raramente esse dia da operação, iniciando-se no pré-operatório imediato.
efeito tem importância clínica. Os distúrbios hidroeletro- A partir do primeiro dia pós-operatório, essa dose é
líticos, comuns no perioperatório, podem levar a intoxi- reduzida em 50% por dia até ser suspensa por volta do
cação por lítio. A recomendação é manter o uso do lítio quarto dia. Se houver situações de manutenção do estres-
no perioperatório, tendo o cuidado de verificar o nível se, a hidrocortisona é mantida até haver resolução do
sérico para evitar intoxicação. quadro. Para procedimentos menores, dose pré-operató-
ria de 50mg a 100mg de hidrocortisona com repetição 6h
a 8h após a operação é suficiente5.
Ansiolíticos
O uso de dose pequena (5mg a 7,5mg em dias alter-
Benzodiazepínicos são freqüentemente utilizados nados ou menos que 5mg/dia) não está associado com
por pacientes cirúrgicos. Se o uso for esporádico ou em supressão do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal.
dose baixa, geralmente não causam problemas no perio- O uso de hidrocortisona em diabéticos exige cuidado
peratório. Entretanto, usuários crônicos de benzodiaze- especial, pois ela tem efeito hiperglicemiante que pode
pínicos em dose alta podem requerer maior dose de ser exacerbado pelo uso concomitante de aminas simpa-
drogas para indução da anestesia e maior dose de opiá- ticomiméticas.
ceos para controle da dor pós-operatória. Esses pacien-
tes também podem apresentar manifestações decorren- Tireoidianas
tes da interrupção do uso como cefaléia, mal-estar,
ansiedade, insônia, anorexia, tremores, psicoses e con- Pacientes com hipotireoidismo controlado com hor-
vulsões. O tempo de aparecimento dessas manifes- mônios tireoidianos devem fazer uso da medicação na
tações depende da meia-vida da droga utilizada e pode dose usual até o dia da operação e reiniciá-la junto com a
variar entre um e dez dias. Usuários crônicos devem realimentação. Como a meia-vida da levotiroxina é em
manter o uso até a operação e reiniciar assim que possí- torno de sete dias, o uso pode ser interrompido por
vel, geralmente junto com a realimentação. alguns dias sem problema. Pacientes que necessitarem de
jejum prolongado, L-tiroxina endovenosa pode ser admi-
nistrada, se necessário.
Endócrinas Hipotireoidismo leve não constitui problema para a
Corticosteróides operação, porém hipotireoidismo grave necessita de corre-
ção. No caso de operação de emergência, pode-se usar
A adrenal, em condição normal, produz entre 25mg e bolus em infusão lenta de 200 microgramas a 500 microgra-
30mg de cortisol por dia. Sob estresse cirúrgico, aumen- mas de L-tiroxina endovenosa, seguido por 50 microgra-
ta a produção para 200mg a 500mg por dia, dependendo mas a 100 microgramas por dia de L-tiroxina, associada
da magnitude dos procedimentos cirúrgico e anestésico. com hidrocortisona para prevenir insuficiência adrenal.
A produção endógena de cortisol geralmente retorna a No caso de pacientes com hipertireoidismo não-con-
níveis fisiológicos após o terceiro dia pós-operatório, se trolado que necessitam de operação de emergência,
não houver nenhuma condição que perpetue o estresse, devem ser tomadas medidas para evitar crise tireotóxica
como infecção, fístula, hemorragia, choque etc. no perioperatório. Betabloqueadores (propranolol,
O uso de corticosteróides em dose maior que esmolol) reduzem a atividade adrenérgica e a conversão
10mg/dia a 20mg/dia de prednisona (ou equivalente) periférica de T4 em T3. Propiltiouracil e metimazol ini-
por cinco a sete dias está associado a risco de supressão bem a síntese de novos hormônios tireoidianos, além de
do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal que pode persis- inibirem a conversão de T4 em T3 (propiltiouracil). Iodo
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

inorgânico impede a liberação de T4 e T3 da tireóide deve ser reiniciada dois a três dias após o procedimento
(deve ser administrado 1h a 2h após propiltiouracil ou cirúrgico, se não houver sinal de disfunção renal e a ali-
metimazol). Glicocorticóides diminuem a conversão mentação por via oral for possível.
periférica de T4 em T3 e previnem insuficiência adrenal. Pacientes em uso de hipoglicemiantes orais, mas com
Pancurônio, efedrina, norepinefrina, epinefrina ou controle inadequado do diabetes se beneficiarão de infu-
atropina não devem ser administrados em pacientes com são endovenosa de solução contendo insulina regular,
hipertireoidismo. Óxido nitroso, isoflurano e opióides glicose e potássio durante operações de grande porte.
são drogas seguras. Pacientes em uso de insulina de longa ação que serão
submetidos a procedimentos cirúrgicos menores (cirur-
Insulina e hipoglicemiantes orais gia ambulatorial) ou diagnósticos (endoscopia, colonos-
copia) sob anestesia e que irão se alimentar pouco tempo
O manuseio perioperatório dos diabéticos depende após podem receber metade a dois terços da dose da
de diversos fatores, como estado do controle glicêmico, insulina na manhã do procedimento e fazer controle gli-
método de controle da doença (dieta, hipoglicemiante cêmico perioperatório com glicemia capilar e administra-
oral ou insulina), período de jejum pré e pós-operatório, ção de insulina regular, se necessário. Deve-se adminis-
tipo de anestesia (local, regional ou geral) e magnitude do
trar solução de glicose 5% por via endovenosa no perio-
procedimento cirúrgico (Quadro 25.4) 46.
peratório para evitar hipoglicemia.
Nos casos de operações de grande porte associadas
Quadro 25.4 .: Manejo peroperatório do paciente com dia-
betes46. com jejum prolongado, a melhor conduta é não usar
insulina de longa ação no dia da operação. O controle gli-
Tipo de operação
Controle do diabetes cêmico peroperatório deve ser feito com glicemia a cada
Pequeno porte Grande porte
hora e administração de solução contendo insulina regu-
Bem controlado com dieta Insulina não Insulina provavel-
necessária mente não necessária lar, glicose e potássio por via endovenosa exclusiva. Na
Bem controlado com Insulina não Insulina pode ser presença de hipercalemia ou insuficiência renal não se
hipoglicemiante oral necessária necessária deve adicionar potássio à solução.
Mal controlado com Insulina pode ser Insulina regular EV
hipoglicemiante oral necessária em infusão contínua
A administração de insulina em infusão endovenosa
Controlado com insulina 1/2 ou 2/3 da dose Insulina regular EV
contínua tem vantagens sobre a insulina subcutânea por-
matinal de insulina em infusão contínua que a resposta à infusão de insulina é imediata, ao contrá-
de longa ação rio da absorção subcutânea que é errática e variável
EV - endovenosa durante a operação. A dose de insulina administrada em
infusão contínua pode ser ajustada a cada momento de
Na maioria das vezes, pacientes bem controlados acordo com a resposta individual à agressão cirúrgica a
somente com dieta não necessitam de insulina no pero- fim de manter a glicemia entre 100mg% e 200mg% 46.
peratório. O controle glicêmico é obtido com realização Podem ser administradas duas soluções em bomba de
de glicemia capilar pré-operatória e a cada uma ou duas infusão contínua: uma com 500mL de glicose 5% e
horas durante a operação com administração de insulina 10mEq de cloreto de potássio na velocidade constante
regular, se necessário. de 100mL/h (5g de glicose/h) e outra com 100mL de
Pacientes bem controlados com hipoglicemiantes solução salina 0,9% e 100 U de insulina regular na velo-
orais devem manter o uso até a véspera e interromper o
cidade inicial de 1mL/h (1U/h). Deste modo, a relação
uso no dia da operação. O controle glicêmico é feito com
inicial glicose(g):insulina(U) é 5:1 (5g de glicose para cada
glicemias a cada uma a duas horas e administração de
unidade de insulina). A velocidade de infusão da solução
insulina regular, se necessário, até que possam se alimen-
com insulina é aumentada ou reduzida em 0,5mL/h
tar novamente. Metformina e clorpropamida são exce-
ções e devem ser interrompidas pelo menos um a dois (0,5U/h) de cada vez, de acordo com a glicemia. Como a
dias antes da operação5,46. Metformina está associada com insulina se liga ao plástico do tubo de infusão, os primei-
desenvolvimento de acidose lática (complicação rara) e ros 50mL da solução devem ser desprezados para possi-
bilitar saturação dos sítios de ligação46.
312
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Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

A vantagem de utilizar duas soluções separadas, uma micina1. Esse efeito pode ser potencializado pelo uso
para glicose e outra para insulina, é de poder mudar a concomitante de lidocaína e na presença de insuficiên-
relação glicose:insulina sem necessidade de confeccionar cia renal.
nova solução. A desvantagem é a possibilidade de infun-
dir a solução com insulina mais rápido do que a com gli-
cose, com risco de hipoglicemia grave. Por isto, elas só Naturais/Alternativas
devem ser infundidas durante a operação, com vigilância É cada vez maior o número de pacientes que fazem
rigorosa do anestesiologista e sempre em bombas de uso regular de uma ou mais drogas ditas naturais ou alter-
infusão (velocidade constante das duas soluções). nativas, as ervas medicinais. Como são tidas como natu-
Como alternativa, pode-se administrar solução única rais, elas são consideradas seguras e consumidas sem
de glicose:insulina 5:1 – glicose 5% (500mL), insulina necessidade de prescrição médica. Entretanto, pouco se
regular (5U) e cloreto de potássio (10mEq), na velocida- sabe sobre os mecanismos de ação, efeitos terapêuticos e
de inicial de 100mL/h (1U de insulina/hora). Essa solu- interações medicamentosas de muitas delas.
ção é mais segura, pois o risco de hipoglicemia é menor. A incidência de uso de ervas medicinais em pacientes
Entretanto, para mudança na relação glicose:insulina é cirúrgicos varia entre 5% e 22%. Entre 38% e 70% dos
necessário confecção de nova solução. pacientes não relatam o uso aos médicos. Os motivos
O controle glicêmico pós-operatório pode ser feito incluem: pacientes não consideram ervas como drogas,
com administração subcutânea de insulina regular a cada pois muitas vezes o consumo não é para tratar nenhuma
seis horas de acordo com a glicemia, até que o paciente doença; pacientes não se sentem confortáveis em relatar
reinicie a alimentação e possa retornar o uso de hipogli- o uso aos médicos porque acreditam que estes não
cemiantes orais ou insulina de longa ação. entenderiam ou teriam reações negativas; médicos não
perguntam sobre o uso de ervas medicinais2,5.
Estrógenos As ervas mais utilizadas são equinácea, gingko biloba,
alho, ginseng, cipó de São João, efedra, kava e valeriana.
Mulheres em uso de estrógenos para contracepção ou Os principais fatores de risco perioperatório relaciona-
reposição hormonal pós-menopausa têm maior risco de dos com o uso de ervas medicinais são cardiovasculares,
ocorrência de eventos tromboembólicos. Esse risco alteração na coagulação sangüínea e sedação.
aumenta no perioperatório, especialmente em operações As ervas com efeitos cardiovasculares mais proemi-
ortopédicas dos membros inferiores e operações para nentes incluem efedra, ginseng e alho. Efedra tem poten-
tratamento de neoplasias malignas. te efeito simpaticomimético e pode causar hipertensão
Ainda não se sabe qual é o período de tempo ideal arterial e taquicardia. Ginseng aumenta, enquanto alho
para se interromper o uso de estrógenos no pré-operató- diminui (temporariamente) a pressão arterial.
rio de operações eletivas. Alguns autores recomendam Diversas ervas interferem com a coagulação sangüí-
interrupção por quatro semanas antes de operações de nea. Alho, dong quai, ginseng, ginger e danshen intera-
alto risco tromboembólico e reinício no pós-operatório gem com warfarin. Alho, ginseng, gingko biloba e ginger
quando o risco de tromboembolismo for menor (deam- inibem a agregação plaquetária e podem ser causa de san-
bulação livre). Deve-se lembrar a paciente de utilizar gramento per e pós-operatório2,5,34.
outros métodos contraceptivos nesse período. Kava, valeriana e cipó de São João têm efeito sedati-
vo e podem potenciar e/ou prolongar sedação associada
Antimicrobianos com anestésicos. Equinácea tem efeito imunossupressor
e, teoricamente, pode interferir com a cicatrização.
Os aminoglicosídeos (gentamicina, amicacina) são Ginseng tem efeito hipoglicemiante.
utilizados para antibioticoprofilaxia de diversos proce- Até o presente, os efeitos das ervas medicinais não são
dimentos cirúrgicos. Eles podem prolongar o efeito completamente conhecidos e não se sabe qual a repercus-
dos bloqueadores neuromusculares (efeito aditivo). são sobre o período perioperatório. Portanto, a recomen-
Pode ocorrer reação semelhante, embora menos inten- dação é de interromper o uso de ervas medicinais por pelo
sa, com polimixina, tetraciclina, lincomicina e clinda- menos duas semanas antes de operações eletivas2,5.
313
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Conclusão 4 ■ Schou M, Hippus H. Guidelines for patients receiving lithium


treatment who require major surgery. Br J Anaesth.
Diversas medidas podem ser tomadas para prevenir 1987;59:809-10.
5 ■ Mercado DL, Petty BG. Perioperative medication management.
eventos adversos relacionados com drogas no periopera-
Med Clin North Am. 2003;87:41-57.
tório: fazer histórico minucioso do uso de drogas de cada 6 ■ Wallace A, Layug B, Tateo I, Li J, Hollenberg M, Browner W, et
paciente; conhecer o metabolismo e efeitos adversos das al. Prophylactic atenolol reduces postoperative myocardial
drogas; interromper o uso de drogas que não são essen- ischemia. McSPI Research Group. Anesthesiology.
ciais; prevenir e estar sempre preparado para tratar as 1998;88:7-17.
7 ■ Merin RG. Calcium channel blocking drugs and anesthetics: is
complicações. the drug interaction beneficial or detrimental?
Como recomendação, drogas dispensáveis e que não Anesthesiology. 1987;66:111-3.
estão associadas com efeito rebote nem síndrome de abs- 8 ■ Lewis GB. Haemodynamic disturbances during anaesthesia in a
tinência devem ter o uso interrompido no pré-operató- patient receiving verapamil. Br J Anaesth. 1987;59:1337.
rio. Drogas indispensáveis devem ter o uso mantido até 9 ■ Moller IW. Cardiac arrest following i.v. verapamil combined
with halothane anaesthesia. Br J Anaesth. 1987;59:522-3.
a operação e reiniciado com a alimentação. Se não estão 10 ■ Gorven AM, Cooper GM, Prys-Roberts C. Haemodynamic dis-
associadas com efeito rebote nem síndrome de abstinên- turbances during anaesthesia in a patient receiving calcium
cia, breve período sem uso devido ao jejum é possível. channel blockers. Br J Anaesth. 1986;58:357-60.
Drogas com efeito rebote e/ou associadas com síndro- 11 ■ Hess W, Meyer C. Haemodynamic effects of nifedipine in
me de abstinência devem ter o uso mantido no periope- patients undergoing coronary artery bypass surgery. Acta
Anaesthesiol Scand. 1986;30:614-9.
ratório, por outra via de administração (via endovenosa, 12 ■ Colson P, Ryckwaert F, Coriat P. Renin angiotensin system anta-
de preferência) que não a oral (Figura 25.1). A seqüência gonists and anesthesia. Anesth Analg. 1999;89:1143-55.
de escolha é: mesma droga, droga da mesma classe, droga 13 ■ Coriat P, Richer C, Douraki T, Gomez C, Hendricks K,
de classe diferente. Drogas sem ação farmacológica ou Giudicelli JF, et al. Influence of chronic angiotensin-conver-
interação medicamentosa conhecidas devem, sempre que ting enzyme inhibition on anesthetic induction.
Anesthesiology. 1994;81:299-307.
possível, ter o uso interrompido no pré-operatório. 14 ■ Bertrand M, Godet G, Meersschaert K, Brun L, Salcedo E,
Coriat P. Should the angiotensin II antagonists be disconti-
nued before surgery? Anesth Analg. 2001;92:26-30.
15 ■ Brabant SM, Bertrand M, Eyraud D, Darmon PL, Coriat P. The
Drogas dispensáveis Drogas indispensáveis hemodynamic effects of anesthetic induction in vascular sur-
gical patients chronically treated with angiotensin II receptor
sem efeito rebote com efeito rebote sem efeito rebote antagonists. Anesth Analg. 1999;89:1388-92.
16 ■ Brabant SM, Eyraud D, Bertrand M, Coriat P. Refractory hypo-
tension after induction of anesthesia in a patient chronically
Interromper o uso no Não interromper Interromper o uso logo treated with angiotensin receptor antagonists. Anesth Analg.
pré-operatório o uso, trocar para antes da operação e 1999;89:887-8.
a via endovenosa reiniciar precocemente 17 ■ Tohmo H, Karanko M. Angiotensin-converting enzyme inhi-
e retornar para a por via oral ou
bitors and anaesthesia. Acta Anaesthesiol Scand.
via oral assim endovenosa, se houver
que possível jejum prolongado 1996;40:132-3.
18 ■ Landow L. Do not discontinue antiarrhythmic drugs preoperati-
vely. Anesthesiology. 1986;65:238.
Figura 25.1 .: Recomendações para o manejo perioperatório 19 ■ Liberman BA, Teasdale SJ. Anaesthesia and amiodarone. Can
de drogas Anaesth Soc J. 1985;32:629-38.
20 ■ Perkins MW, Dasta JF, Reilley TE, Halpern P. Intraoperative
complications in patients receiving amiodarone: characteris-
Referências tics and risk factors. Dicp. 1989;23:757-63.
21 ■ Gallagher JD, Lieberman RW, Meranze J, Spielman SR, Ellison
1 ■ May JR, DiPiro JT, Sisley JF. Drug interactions in surgical N. Amiodarone-induced complications during coronary
patients. Am J Surg. 1987;153:327-35. artery surgery. Anesthesiology. 1981;55:186-8.
2 ■ Pass SE, Simpson RW. Discontinuation and reinstitution of 22 ■ Chassard D, George M, Guiraud M, Lehot JJ, Bastien O, Hercule
medications during the perioperative period. Am J Health C, et al. Relationship between preoperative amiodarone treat-
Syst Pharm. 2004;61:899-912. ment and complications observed during anaesthesia for val-
3 ■ Kennedy JM, van Rij AM, Spears GF, Pettigrew RA, Tucker IG. vular cardiac surgery. Can J Anaesth. 1990;37:251-4.
Polypharmacy in a general surgical unit and consequences of 23 ■ Teasdale S, Downar E. Amiodarone and anaesthesia. Can J
drug withdrawal. Br J Clin Pharmacol. 2000;49:353-62. Anaesth. 1990;37:151-5.
314
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Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

24 ■ Smith MS, Muir H, Hall R. Perioperative management of drug 35 ■ Bergqvist D, Wu CL, Neal JM. Anticoagulation and neuraxial
therapy, clinical considerations. Drugs. 1996;51:238-59. regional anesthesia: perspectives. Reg Anesth Pain Med.
25 ■ Kay GN, Epstein AE, Kirklin JK, Diethelm AG, Graybar G, 2003;28:163-6.
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Thrombolytic Therapy. Chest. 2004;126:338S-400S. 40 ■ Spell NO, 3rd. Stopping and restarting medications in the perio-
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heparin as bridging anticoagulation during interruption of 42 ■ Serrano-Duenas M. Neuroleptic malignant syndrome-like, or—
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315
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26
CIRURGIA NO
PACIENTE
ALCOOLISTA
Henrique Oswaldo da Gama Torres

Introdução de do problema e das prováveis diversas interfaces do


alcoolismo com vários aspectos da clínica cirúrgica1.
O consumo excessivo de álcool por pacientes que vão Na questão dos acidentes, especificamente, dados do
ser submetidos a procedimentos cirúrgicos deve ser sempre Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre
objeto de atenção dos médicos, seja em virtude da dificulda- os custos dos acidentes de trânsito no Brasil mostram,
de de seu diagnóstico, seja pelas suas importantes implica- em resultados preliminares, que 53% do total dos pacien-
ções nos desfechos cirúrgicos e no manejo pós-operatório. tes atendidos por acidentes de trânsito no Ambulatório
A literatura está repleta de dados epidemiológicos que de Emergência do Hospital das Clínicas de São Paulo, em
demonstram a importância do consumo etílico em situa- período determinado, estavam com índices de alcoolemia
ções de urgência e relacionam o consumo excessivo de em seus exames de sangue superiores aos permitidos pelo
álcool com piora dos desfechos. Código de Trânsito Brasileiro, sendo a maioria pacientes
Segundo o DATASUS, no ano de 2001, ocorreram no do sexo masculino, com idades entre 15 e 29 anos. A
Brasil 84.467 internações para o tratamento de problemas mortalidade chega a 30 mil óbitos/ano, cerca de 28% das
relacionados ao uso do álcool. No mesmo período, mortes por todas as causas externas. Das análises em víti-
foram emitidas 121.901 AIHs (Autorizações de mas fatais do IML/SP, elevações significativas do nível
Internação Hospitalar) para internações relacionadas ao de alcoolemia encontrado chegam a 96,8%. Segundo
dados preliminares deste mesmo estudo, a despesa do
alcoolismo. A média de permanência hospitalar foi de
SUS com estes agravos consome recursos substanciais do
27,3 dias e o custo anual para o SUS, somente com as
tesouro nacional e do seguro obrigatório de danos pes-
internações, foi de mais de 60 milhões de reais. Estes
soais por veículos automotores terrestres (DPVAT) com
números não incluem os gastos com tratamentos ambu-
internações e tratamentos1.
latoriais, internações e outras formas de tratamento de A relação entre o uso do álcool, outras drogas e os
doenças indiretamente provocadas pelo consumo do eventos acidentais ou situações de violência é proporcio-
álcool, como aquelas que atingem os aparelhos digestivo nal ao aumento na gravidade das lesões e à diminuição
e cardiovascular, câncer (principalmente hepático, de dos anos potenciais de vida da população, expondo as
esôfago e de mama), deficiências nutricionais, doenças do pessoas a comportamentos de risco. Acidentes e violên-
feto e recém-nascidos de mãe alcoolista, as doenças neu- cia representam a segunda causa de mortalidade geral no
rológicas e o agravamento de outras doenças psiquiátri- Brasil, sendo a primeira causa de óbitos entre pessoas de
cas provocadas pelo álcool, assim como os agravos dez a 49 anos de idade. Esse perfil se mantém nas séries
decorrentes de acidentes ou violência. Entretanto, são históricas do sistema de mortalidade do Ministério da
capazes de fornecer uma dimensão razoável da magnitu- Saúde, nos últimos oito anos1.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Dados da América do Norte e da Europa são também Classificação


eloqüentes. Um em cada cinco pacientes admitidos em
hospital geral apresenta consumo excessivo de álcool2,3. As conceituações do uso excessivo de álcool definem
O risco de dar entrada em hospital aumenta com o con- situações heterogêneas e freqüentemente difíceis de
sumo etílico3. Entre 1982 e 1988, o álcool foi um fator serem separadas umas das outras. Incluem os casos mais
em 53% das 360.000 mortes em estradas nos Estados graves, tais como aqueles de dependência e os casos
menos graves de consumo pesado, de risco, ou nocivo.
Unidos. Em 1987, os acidentes automobilísticos relacio-
As situações mais graves e evidentes são normalmente
nados com uso de álcool foram responsáveis por 57%
mais fáceis de se detectar e suas implicações para a saúde
dos anos de vida potencial perdidos em traumas rodoviá-
ou seus eventuais riscos em candidatos a procedimentos
rios e, durante aquele ano, o trauma foi responsável por
cirúrgicos são bem definidos. Estes encontram-se relacio-
80% dos mais de 1,5 milhões de anos de vida potencial nados principalmente ao acometimento de sistemas orgâ-
perdidos por causas relacionadas ao álcool4. nicos pelo consumo crônico do álcool ou ao advento da
Em pacientes submetidos a operação do trato diges- síndrome de abstinência no período pós-operatório.
tivo ou após trauma, a incidência de consumo excessivo As classificações contidas no DSM-IV (Diagnostic and
de álcool alcança ou excede a 50%3,5,6. Em pacientes com Statistical Manual of Mental Disorders da Sociedade
carcinoma do trato digestivo proximal, a prevalência de Americana de Psiquiatria - APA) e no CID-10 (Código
alcoolismo crônico excede 50%. A mortalidade registra- Internacional das Doenças) são razoáveis para o diagnós-
da em uma unidade de terapia intensiva alcançou 50% tico da dependência e dos níveis mais graves de consu-
em alcoolistas crônicos contra 26% em não-alcoolistas7. mo, mas sua capacidade para o diagnóstico das formas
Quando comparados a não-alcoolistas, pacientes que menos graves, classificadas como consumo pesado, de
abusavam de álcool, admitidos em uma unidade de tera- risco ou nocivo, é menor. Nas situações cirúrgicas, cerca
pia intensiva após trauma, apresentaram maior incidência de 50% dos bebedores não se encontram no grupo dos
de pneumonia, complicações cardíacas e desordens dependentes, tornando, portanto, limitado o alcance
hemorrágicas, e a mediana da permanência na unidade daqueles sistemas de classificação3,7,10-2.
foi maior em nove dias, a despeito das semelhanças dos Nas faixas de consumo sem dependência, mas com
scores de gravidade TRISS (Trauma Injury Severity Score) e potencial de provocar danos, caracterizadas com consu-
APACHE (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation) mo pesado, de risco ou nocivo, podem estar presentes
à admissão5. A permanência pós-operatória em unidade pacientes assintomáticos e sem repercussões imediata-
de terapia intensiva em pacientes submetidos a operação mente evidentes no campo psicossocial. O desafio do clí-
de tumores do trato digestivo proximal foi significativa- nico em atenção primária diz respeito, em grande parte,
mente prolongada em alcoolistas, devido à incidência aos pacientes deste último grupo. Os médicos desempe-
nham papel fundamental no reconhecimento dos proble-
mais elevada de sepse e pneumonia.
mas relacionados ao consumo de álcool, no início da
Pacientes que abusam de álcool podem ter aumen-
terapêutica, no aconselhamento das opções terapêuticas
to de duas a cinco vezes na morbidade pós-operató-
disponíveis, no acompanhamento da resposta e na pre-
ria3,6. As complicações mais comuns são infecções,
venção das recaídas. Grande parte dos pacientes que
insuficiência cardíaca e respiratória, episódios de san- serão submetidos a procedimentos cirúrgicos já terão
gramento e síndrome de abstinência3,6. tido acesso a algum tipo de rastreamento em atenção pri-
Por tudo isso, fica evidente a necessidade de se bus- mária. Por outro lado, a responsabilidade do cirurgião
car diagnosticar o consumo excessivo de álcool no como participante de uma equipe de saúde não se resu-
período pré-operatório, quando possível, e mesmo em me ao ato operatório e à prevenção de suas complica-
situações de urgência, quando algumas medidas podem ções. O período que vai desde a indicação cirúrgica até à
ser tomadas, por exemplo em relação à conduta anes- alta hospitalar constitui excelente oportunidade para que
tésica e à profilaxia e tratamento da síndrome de absti- problemas de saúde venham à tona e possam ser aborda-
nência. Existem evidências na literatura de que a absti- dos adequadamente pelos médicos e equipes de saúde.
nência pré-operatória, quando possível, pode melhorar De qualquer forma, estudos recentes têm evidenciado a
os desfechos pós-operatórios6,8,9. importância da detecção do consumo crônico de álcool em
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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

indivíduos assintomáticos no período pré-operatório, pois, Uma definição, por exemplo estabelece consumo mode-
a partir de determinado limiar, mesmo na ausência de rado como até 28 doses por semana, sem sessões de con-
alterações orgânicas e psicossociais evidentes, podem ocor- sumo pesado (mais oito doses)13. O consumo de risco,
rer desfechos adversos no período pós-operatório1,3,6,8,9. reconhecido pela OMS como uma desordem distinta,
Os esquemas de classificação diagnóstica podem ser definida a partir da presença de risco para conseqüências
usados pelos clínicos para estratificar os pacientes com res- adversas do álcool, tem sido definido por alguns autores
peito à gravidade, prognóstico e regimes de tratamento. também a partir de um limiar de consumo mais elevado
Entretanto, devemos ficar atentos para as variações das (21 doses por semana ou pelo menos três sessões sema-
classificações quanto aos níveis de consumo e para a con- nais de mais de sete doses). Para todos os efeitos, como
fusão e sobreposição das terminologias. No Quadro 26.1 as definições de consumo pesado e consumo de risco
encontram-se algumas das classificações mais conhecidas. podem basear-se em patamares de consumo, estes auto-
Outras classificações podem ser encontradas, de cará- res as consideram conjuntamente, usando os patamares
ter complementar ou, às vezes, ligeiramente divergentes. mais elevados (21 doses por semana)14-5.

Quadro 26.1 .: Classificação das desordens relacionadas ao consumo de álcool

Categoria Organismo Definição


Consumo moderado NIAAA <2 doses/dia (homens);
<1 dose/dia (mulheres e homens >65 anos)
>14 doses/semana ou >4 doses/ocasião
(homens);
Consumo pesado NIAAA
>7 doses/semana ou >3 doses/ocasião
(mulheres e homens >65 anos)
Consumo de risco OMS Em risco para conseqüências adversas do álcool
Consumo nocivo OMS (CID 10 F10-1) Álcool está causando dano físico ou psicológico
Ocorrência de um ou mais dos seguintes even-
tos em um ano: uso recorrente resultando em
falha no cumprimento de obrigações importan-
tes; uso recorrente em situações de risco; pro-
Abuso APA
blemas legais recorrentes relacionados ao álcool
(dirigir sob influência do álcool p. ex.); uso con-
tínuo, a despeito de problemas interpessoais ou
sociais causados ou exacerbados pelo álcool
Ocorrência de três ou mais dos seguintes even-
tos em um ano: tolerância; aumento da quanti-
dade para conseguir efeito; menor efeito com a
mesma quantidade; sintomas de abstinência;
elevado dispêndio de tempo para obter bebida,
para seu uso ou para recuperar de seus efeitos;
Dependência APA (≈ CID 10 F10-2) abandono ou diminuição de atividades impor-
tantes por causa da bebida; beber mais ou por
mais tempo que o desejado; desejo persistente
ou esforços infrutíferos para reduzir ou suspen-
der o consumo; consumo contínuo, apesar do
conhecimento de problema psicológico causa-
do ou exarcebado pelo álcool

NIAAA: National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (EUA)


APA: American Psychiatric Association (EUA)
1 dose (dose de destilado de ! 30ml; ≈ 1 lata de cerveja; ≈ 1 copo de vinho) = 12 g de álcool

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Capitulo 26.qxd 2/23/06 15:20 Page 320

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Embora o risco cirúrgico em pacientes que conso- Efeitos metabólicos


mem álcool possa não apresentar correlação direta com
estes esquemas de classificação, eles podem chamar a Cada grama de álcool fornece 7,1kcal, valor que exce-
de o conteúdo energético de carboidratos e proteínas. Em
atenção para patamares de consumo em que o risco
alguns alcoolistas, este valor pode ser responsável pela
pré-operatório esteja efetivamente aumentado. Tem
metade ou mais da ingestão calórica, ocupando o lugar de
sido demonstrado, de forma conclusiva, que pacientes
nutrientes adequados e provocando desnutrição, incluin-
assintomáticos com consumo diário de mais de 60g de do deficiência de tiamina, folato e outras vitaminas.
álcool (cinco doses), por vários meses ou anos, encon- Outras causas de desnutrição podem estar relacionadas a
tram-se em risco de apresentarem maior incidência de complicações gastrointestinais (hepática e pancreática) e à
complicações pós-operatórias não relacionadas a hepa- degradação de nutrientes, como no caso da vitamina A.
topatia. Tanto em estudos retrospectivos quanto pros- Apesar do elevado valor calórico do etanol, o consu-
pectivos, as complicações mais encontradas foram mo prolongado de 2.000 calorias alcoólicas ao dia não
infecciosas, seguidas por desordens da coagulação e produz o ganho de peso esperado, provavelmente por-
insuficiência cardiorrespiratória com necessidade de que a produção energética derivada da oxidação lipídica
tratamento em terapia intensiva. Cerca de metade das por mitocôndrias danificadas é deficiente e devido à
complicações consistiram de infecção do sítio cirúrgi- impossibilidade de conservação de energia química por
co, hematomas e deiscência de sutura, requerendo vias microssomais que oxidam o álcool1,18.
intervenção terapêutica3,6,8,9,16,17. O consumo de 60g/dia A oxidação do álcool via desidrogenase alcoólica pro-
(420g/semana, equivalente a 35 doses/semana) coloca duz acetaldeído, por sua vez convertido a acetato. Ambas
os pacientes, quando assintomáticos, na faixa de con- as reações reduzem o NAD a NADH. O excesso desse
sumo pesado/de risco. Tornam-se necessários, portan- último desencadeia uma série de distúrbios metabólicos,
to, instrumentos para diagnosticar pacientes nesta faixa que incluem excesso de ácido lático e hiperuricemia. Além
de consumo e quantificar a ingestão etílica. disso, o excesso de NADH se opõe à gliconeogênese, favo-
recendo a hipoglicemia, eleva os níveis de glicerofosfato e
O diagnóstico pré-operatório do consumo de álcool
inibe a oxidação dos lipídios no ciclo de Krebs, o que, por
pode reduzir a morbimortalidade relacionada à síndro-
sua vez, favorece a esteatose e a hiperlipidemia1,18.
me de abstinência alcoólica por meio de medidas pro-
O acetaldeído possui propriedades tóxicas. Inibe o
filáticas e terapêuticas e, nos casos mais graves, reduzir
reparo de nucleoproteínas alquiladas, diminui a atividade
as complicações por meio do controle pré-operatório de enzimas importantes nos ciclos metabólicos e diminui o
das disfunções orgânicas relacionadas ao etilismo. consumo de oxigênio pelas mitocôndrias danificadas.
Promove ainda a morte celular por meio da diminuição dos
níveis celulares de glutationa reduzida, da peroxidação dos
Efeitos do álcool que podem afetar
lipídios e do aumento de efeito tóxico de radicais livres1,18.
o prognóstico cirúrgico O consumo crônico do etanol produz indução do sis-
tema microssomal via aumento do citocromo P4502E1,
O aumento da morbidade pós-operatória no grupo de
que, além de responsável pela tolerância metabólica ao
pacientes que consome quantidades elevadas de álcool,
etanol e pelo aumento do metabolismo de vários medica-
independentemente da presença de sintomas relaciona-
mentos, relaciona-se ao aumento importante da capaci-
dos ao alcoolismo ou de evidências de dependência, tem dade de conversão de muitas substâncias exógenas em
importantes conseqüências orgânicas, psicológicas e eco- metabólitos altamente tóxicos, incluindo solventes
nômicas. A ordem de magnitude envolvida é semelhante industriais, agentes anestésicos (como o enflurano e o
àquela dos fatores de risco mais comuns implicados no metoxiflurano) e medicamentos de uso comum (isoniazi-
aumento da morbidade operatória. Entretanto, o abuso da, fenilbutazona e acetaminofen)1,18.
de álcool não é incluído nas avaliações de risco pré-ope- Já o consumo agudo inibe o metabolismo de drogas
ratório mais comumente utilizadas. Urge, portanto, que pelo fígado devido à competição pelo citocromo
se passe a fazê-lo. Os principais efeitos e complicações P4502E1. O consumo concomitante de álcool e drogas
serão discutidos. como tranqüilizantes, barbitúricos e opióides pode elevar
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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

perigosamente seus níveis. Assim, o efeito global do uso alterados em pacientes submetidos a operações de maior
simultâneo de drogas diversas e álcool é difícil de se porte, alcoolistas ou não, em pacientes nas faixas de con-
determinar. Provavelmente, este efeito vai variar com as sumo elevado de álcool, eles já estão alterados no perío-
quantidades utilizadas, a afinidade relativa do álcool e da do pré-operatório. Comparativamente aos pacientes abs-
droga em questão com o processo de detoxificação pelo tinentes ou de baixo consumo, a resposta torna-se mais
sistema microssomal e a gravidade da lesão hepática sub- reduzida ainda no pós-operatório19,20.
jacente. Tais variáveis certamente estarão envolvidas na Há demonstrações, tanto experimentais quanto em
avaliação do paciente que consome álcool e é submetido seres humanos, de que as respostas imunológicas mediadas
a anestesia para realizar procedimentos cirúrgicos, princi- por células e reguladas por linfócitos T helper (Th) do tipo 1
palmente nas emergências1,18. estão comprometidas, provavelmente relacionadas a dese-
Importa também assinalar que a indução do cito- quilíbrio entre os Th1 e os Th2, com redução da relação
cromo P4502E1 é fator contributivo para a ativação de Th1/Th2. Assim como ocorre com os testes cutâneos de
substâncias carcinogênicas, aumentando, por exemplo hipersensibilidade tardia, esta relação altera-se normalmen-
a mutagenicidade de produtos derivados do tabaco. O te no período pós-operatório em todos os pacientes sub-
abuso de álcool relaciona-se ao aumento na incidência metidos a procedimentos cirúrgicos de maior porte, mas
de câncer do trato digestivo, respiratório e, possivel- ela já se encontra alterada em pacientes etilistas crônicos
mente, de mama1,18. antes da operação, acentuando-se no pós-operatório19.
Em relação aos linfócitos T citotóxicos (Tc), a relação
Tc1/Tc2 encontra-se reduzida em alcoolistas, permane-
Imunossupressão cendo significativamente reduzida no período pós-ope-
A literatura já contém várias evidências de que a inci- ratório, ao contrário do que ocorre com os abstinen-
dência de complicações infecciosas após operações é tes/consumidores moderados de álcool, em quem a rela-
maior em pacientes que abusam de álcool. Também é ção Tc1/Tc2 aumenta durante a operação, permanecen-
mais elevada a incidência de complicações e o tempo de do elevada no pós-operatório19.
permanência em unidade de terapia intensiva em alcoo- As alterações dos linfócitos encontram paralelismo em
listas que sofreram politrauma. alterações das citocinas. A relação entre o interferon (IFN)
Como já assinalado, pacientes que consomem mais de tipo gama e a interleucina (IL10) em células de sangue total
60g de álcool por dia têm risco de complicações pós-ope- estimuladas por lipopolissacárides em pacientes nas faixas
ratórias três a quatro vezes maior do que aqueles que elevadas de consumo etílico encontra-se reduzida durante
consomem quantidades inferiores a este patamar. a operação, permanecendo assim até o quinto dia pós-ope-
Estudos aleatórios já demonstraram que a interrupção do ratório. Trata-se exatamente de citocinas relacionadas aos
consumo etílico por um mês nestes pacientes reduz a linfócitos T helper e linfócitos T citotóxicos19.
incidência de complicações pós-operatórias3,5,6,8,9,12. Foi demonstrada a elevação da IL1β plasmática em
As complicações infecciosas, atribuídas à imunossu- alcoolistas no pré-operatório, com redução significativa
pressão dos alcoolistas, parecem constituir o principal após a operação, e aumento da IL10 durante a mesma em
tipo de complicação pós-operatória neste grupo de alcoolistas, mantendo-se a elevação até o quinto dia.
pacientes. Infecções urinárias, traqueobronquites e pneu- Concentrações significativamente reduzidas das citocinas
monia encontram-se entre as infecções mais freqüentes. pró-inflamatórias fator de necrose tumoral (FNT) tipo
A incidência aumentada de pneumonia já foi documenta- alfa, IL1 tipo beta, IL6 e IL8 foram encontradas na fase
da em diversos estudos sobre alcoolistas em unidades de inicial do choque séptico em pacientes com história de
trauma, afetando o tempo de permanência em ventilação abuso de álcool20.
mecânica e na unidade de terapia intensiva. O tabagismo
e a síndrome de abstinência alcoólica tratada com seda- Efeitos cardiovasculares do álcool
ção constituem importantes fatores contributivos.
Pacientes que consomem álcool sistematicamente, Embora o consumo leve a moderado de álcool
em doses elevadas, são imunossuprimidos. Embora os (menos de 20g ou duas doses/dia) possa exercer efeito
testes cutâneos de hipersensibilidade tardia encontrem-se protetor para a morbimortalidade da doença coronaria-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

na, o consumo crônico excessivo de álcool pode estar alcoolistas que estejam alcoolizados, potencializando
associado a insuficiência cardíaca congestiva, hiperten- o efeito depressor do miocárdio de determinadas
são, arritmia e morte súbita. É considerado a maior causa drogas anestésicas21.
de miocardiopatia dilatada secundária no mundo ociden- Depressão miocárdica pode ser produzida em pacien-
tal4,21. Alcoolistas apresentam até cinco vezes mais com- tes não-alcoolistas, mesmo com quantidades de álcool
plicações cardíacas no período pós-operatório que absti- consideradas como consumo social. Os efeitos hemodi-
nentes ou consumidores leves8. nâmicos agudos do álcool parecem depender dos níveis
A miocardiopatia alcoólica ocorre em pacientes entre séricos, já que os mesmos podem ser revertidos após 15
30 e 55 anos de idade, que tenham sido consumidores pesa- a 30 minutos de hemodiálise. Consumo crônico prévio
dos por pelo menos dez anos. Embora a miocardiopatia parece modular a resposta à exposição aguda ao álcool.
alcoólica seja observada em alcoolistas em situação social Indivíduos alcoolistas, sem aparente disfunção miocárdi-
de intensa degradação, possível ou comprovadamente aco- ca, necessitam de maiores doses que indivíduos abstinen-
metidos por cirrose alcoólica, muitos de seus portadores tes ou consumidores leves para que a disfunção miocár-
são de extrato socioeconômico elevado, bem nutridos e dica seja observada. Já os alcoolistas com disfunção mio-
sem complicações orgânicas do alcoolismo, como hepato- cárdica necessitam de quantidades menores para que o
patia e neuropatia periférica, ensejando a necessidade de efeito hemodinâmico seja observado21.
elevado nível de suspeita clínica para se definir a etiologia Em situações de urgência, quando os pacientes atendi-
alcoólica da cardiopatia21. dos forem alcoolistas desnutridos, deve-se estar atento
Alterações mais discretas podem ser encontradas, tais para o risco do beribéri cardíaco. Clinicamente, trata-se de
como dano miocárdico subclínico e arritmia, na ausência insuficiência cardíaca com débito elevado, com falência bi-
de insuficiência cardíaca franca. Como resultado do efeito ventricular e vasodilatação cutânea nas fases iniciais. É
tóxico direto do álcool sobre a ultra-estrutura e função da decorrente da deficiência de tiamina, que pode ser precipi-
mitocôndria, alterações do acoplamento eletromecânico tada pelo uso de soluções intravenosas com glicose. São de
com disfunção da contratilidade podem ocorrer antes da particular ajuda no diagnóstico a existência concomitante
dilatação. Cerca de um terço dos pacientes que abusam do de sinais de deficiências vitamínicas do complexo B (glos-
álcool apresentam evidência de miocardiopatia pré-clínica, site dolorosa, lesões cutâneas hiperceratóticas, anemia
com alterações da fração de ejeção8. Estas alterações subclí- macrocítica), alterações neurológicas (parestesias, hiporre-
nicas podem predispor a complicações cardíacas pós-ope- flexia, alterações cognitivas) e a presença de acidose meta-
ratórias, tais como insuficiência cardíaca e arritmia8. bólica21. Na dúvida, o uso de tiamina intravenosa antes de
A avaliação cardiovascular pré-operatória em pacientes procedimento cirúrgico de urgência e sua manutenção no
que se encontram nas faixas mais elevadas de consumo de pós-operatório, em pacientes com as características enu-
etanol é obrigatória, com atenção especial para a função meradas, pode evitar o risco de desenvolvimento do qua-
miocárdica. Entre os pacientes assintomáticos, esta disfun- dro. A tiamina poderá também evitar as complicações
ção pode ser reversível após um mês de abstinência. A mio- neurológicas da síndrome de Wernicke-Korsakoff.
cardiopatia alcoólica sintomática pode melhorar em cerca Oitenta por cento dos pacientes com síndrome de
de metade dos pacientes após período de abstinência de Wernicke-Korsakoff têm neuropatia periférica. Portanto,
três a seis meses, quando também deverão fazer uso dos a presença de neuropatia já é indicador importante da
tratamentos padrão para a insuficiência cardíaca (inibidores necessidade de uso de tiamina.
da enzima de conversão da angiotensina, diuréticos, even- A profilaxia da síndrome de abstinência pós-operató-
tualmente digitálicos e betabloqueadores específicos)8. ria poderá evitar também o desenvolvimento de quadros
Quando possível, operações eletivas deverão ser adiadas cardiovasculares mais graves, relacionados ao estado de
até que haja condições clínicas adequadas. grande ativação adrenérgica, característico da síndrome.
Em situações de urgência, o anestesista deve levar A hipocalemia presente no período pós-operatório,
em conta a possibilidade de alteração da função miocár- quando há aumento do tônus adrenérgico, pode acen-
dica prévia nos pacientes suspeitos de alcoolismo crôni- tuar-se caso ocorra síndrome de abstinência8.
co. Devem também atentar para os efeitos depressores A hipoxemia foi observada em 18% dos alcoolistas
do álcool sobre o miocárdio, mesmo em pacientes não- crônicos, submetidos a operações de grande porte na
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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

segunda noite de pós-operatório. A associação de hipo- contribui para o diagnóstico da etiologia alcoólica da
calemia e hipoxemia pode reduzir o limiar arritmogênico hepatopatia ou para a concomitância de consumo de
nos alcoolistas que já apresentam freqüência aumentada álcool com hepatopatia de outra etiologia22.
de arritmias, independentemente de serem ou não sub- A definição diagnóstica da etiologia alcoólica é impor-
metidos a procedimentos cirúrgicos3. tante, pois a abstinência alcoólica pode fazer regredir o qua-
dro clínico da esteatose e da hepatite, além de modificar
favoravelmente os desfechos pós-operatórios.
Hepatopatia As formas leves de esteatose, aparentemente não afetam
O dano hepático relacionado ao uso crônico do per si os desfechos cirúrgicos. Entretanto, são indicativas de
álcool tem sido classificado classicamente como esteato- consumo elevado de álcool, que pode, pelas alterações imu-
se hepática, hepatite alcoólica e cirrose. Com freqüência, nológicas e cardiovasculares já enumeradas, afetá-los.
a diferenciação é problemática, pois os diversos estágios A hepatite alcoólica pode evoluir de forma pouco sin-
podem estar presentes simultaneamente no mesmo indi- tomática, clinicamente semelhante à esteatose, ou de forma
víduo. A expressão esteato-hepatite é usada para designar mais grave, quando apresenta, além das alterações labora-
aquelas situações em que convivem esteatose e inflama- toriais já descritas, alterações da coagulação, icterícia,
ção, sendo os sinais de inflamação que definem o critério hipoalbuminemia e até coma hepático, com elevada morta-
histológico de hepatite22. Número não-desprezível de lidade. Embora boa parte da literatura já não descreva a
alcoolistas com dano hepático cursam com hepatite crô- esteatose e a hepatite separadamente, muitos clínicos utili-
nica, histologicamente indistinguível de hepatite crônica zam o termo hepatite para designar as formas mais graves.
de etiologia viral, sendo que parte significativa dos Pacientes com hepatite alcoólica definida, sempre que
pacientes com formas graves de hepatopatia alcoólica possível, devem aguardar a melhora do quadro clínico e
são portadores de marcadores do vírus da hepatite B. manter abstinência por períodos prolongados, antes de
Número também significativo de alcoolistas, em algumas serem submetidos a procedimentos cirúrgicos de maior
séries, são infectados com o vírus C, sendo que alcoolis- porte. Embora nunca se tenha comprovado papel direto
tas com hepatopatia crônica apresentam prevalência da desnutrição na lesão hepática do álcool, há forte asso-
ainda mais elevada de hepatite pelo vírus C22. ciação entre hepatopatia alcoólica e desnutrição. As prová-
Etiologia alcoólica deve ser fortemente suspeitada em veis causas incluem os efeitos já aludidos do etanol no
pacientes com hepatopatia que ingerem mais de 80g de metabolismo energético, a redução da ingestão oral, a
álcool por dia, sendo bastante provável com doses supe- redução da capacidade sintética hepática e, provavelmen-
riores a 60g/dia, por muitos anos. Pacientes do sexo femi- te, o estado inflamatório sistêmico23. A mortalidade em
nino são mais sensíveis e podem apresentar dano hepático seis meses de pacientes gravemente desnutridos com
com doses bem mais baixas, entre 20g/dia e 40g/dia. hepatite alcoólica pode ser substancial e significativamen-
A esteatose e a esteato-hepatite podem ser assintomá- te maior do que a de pacientes desnutridos leves, e os
ticas ou cursar com leve desconforto na região do hipo- pacientes que conseguem recuperar parcialmente seu esta-
côndrio direito, acompanhadas ou não por hepatomega- do nutricional podem ter melhores desfechos clínicos23.
lia de tamanho variável. Do ponto de vista laboratorial, Como a desnutrição grave é isoladamente fator de piora
os níveis de aminotransferases encontram-se normais ou de desfechos cirúrgicos, a idéia de se promover repleção
discretamente elevados, em geral até quatro vezes22. nutricional neste grupo de pacientes que necessitem de
Elevações superiores a dez vezes são incomuns e devem eventual operação é lógica. Entretanto, a oferta de terapia
tornar mais cuidadosa a definição da etiologia alcoólica nutricional, enteral ou parenteral, não parece ter efeito sig-
para o insulto hepático. Alterações das bilirrubinas, ativi- nificativo nos desfechos clínicos adversos. A recuperação
dade de protrombina e albumina sérica são incomuns. A nutricional parece fazer parte da recuperação global do
gama-glutamil-transpeptidase encontra-se normalmente paciente com hepatite alcoólica, envolvendo melhora do
aumentada. Os níveis de aspartato-aminotransferase anabolismo e do apetite e não sendo responsável, isolada-
(AST) costumam estar até duas vezes mais elevados que mente, pela melhoria dos desfechos clínicos. É provável
os de alanino-aminotransferase (ALT). Esta alteração da também que, além do estado nutricional, fatores relaciona-
relação ALT/AST, atribuída à deficiência de piridoxina, dos aos diversos outros sistemas orgânicos estejam envol-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

vidos na piora do prognóstico cirúrgico dos pacientes com Quadro 26.2 .: Classificação de Child-Pugh
hepatopatia alcoólica. Dessa forma, a nutrição artificial
Pontos*
encontra-se indicada na hepatite alcoólica em situações em
1 2 3
que a ingestão oral encontra-se abaixo das necessidades dos
pacientes. A restrição protéica é contra-indicada, a não ser Albumina > 3,5g/dL 2,8 – 3,5g/dL < 2,8g/dL
quando há encefalopatia hepática22. Tempo de protrom-
Na cirrose alcoólica, os desfechos pós-operatórios bina prolongamento <4 4–6 >6
dependem da função hepatocelular, bem como da inexis- RNI < 1,7 1,7 – 2,3 > 2,3
tência de hepatite alcoólica concomitante. As principais Bilirrubina§ < 2mg/dL 2 - 3mg/dL > 3mg/dL
funções do fígado que afetam a capacidade orgânica de res-
ponder à agressão da anestesia e do procedimento cirúrgi- Ascite Ausente Leve - Acentuada
moderada
co incluem metabolismo, detoxificação e excreção de com-
ponentes endógenos, drogas e toxinas, síntese de proteínas Encefalopatia Ausente Grau I – II Grau III - IV

plasmáticas, glicose e fatores de coagulação. As hepatopa-


tias crônicas podem afetar também outros sistemas orgâni- * classe A = 5 – 6 pontos, B = 7 – 9 e C = 10 – 15
§ para doenças colestáticas 1 ponto para bilirrubina < 4 mg/dL, 2 para bilirrubi-
cos fundamentais para o enfrentamento da agressão cirúr- na = 4 a 10mg/dL, 3 para bilirrubina >10 mg/dL
gica, como o renal, o cardiovascular e o respiratório.
As alterações hemodinâmicas que acompanham a ope-
Atenção para as complicações não-hepáticas, a síndro-
ração parecem ser o fator fundamental que explica a sus-
me hepatopulmonar, a síndrome hepato-renal e o estado
ceptibilidade de pacientes com doença hepática avançada à
hiperdinâmico é particularmente requerida quando se con-
insuficiência hepática e à morte pós-operatórias. O fluxo
templa operar cirróticos. Entretanto, sua presença normal-
sangüíneo hepático total, especialmente na artéria hepática, mente implica dano hepatocelular grave, com escore de
encontra-se reduzido durante a anestesia geral e a operação. Child-Pugh elevado e alta mortalidade. Pacientes nestas
O impacto desta redução na oferta de oxigênio ao fígado é condições devem ser considerados para transplante hepáti-
crítico e leva a redução dramática da já diminuída função co, antes de se submeterem a procedimentos cirúrgicos de
hepatocelular restante. Entre os anestésicos inalatórios, o grande porte, quando possível.
halotano demonstra a redução mais significativa do fluxo O transplante hepático em pacientes com hepatopatia
arterial hepático. Este se encontra bem preservado quando alcoólica tem gerado controvérsia, mas a maioria dos cen-
se usa o isofluorano, se a pressão arterial não se reduzir em tros aceita alcoolistas sob rigoroso critério de seleção. A
mais de 30%. Embora a cirrose atenue a responsividade a identificação do alcoolista em risco de recidiva no pós-
diversos vasopressores, drogas alfa-adrenérgicas, como a transplante constitui grande desafio para as equipes trans-
fenilefrina, têm o potencial de reduzir o fluxo arterial hepá- plantadoras. Embora alguns afirmem que a abstinência
tico e deveriam, quando possível, ser evitadas24. confirmada por seis meses antes do transplante seja capaz
As características mais comuns da doença hepática de predizer abstinência pós-transplante, outros argumen-
avançada são a base para o sistema de classificação da gra- tam que a sobriedade somente pode ser prevista a partir de
vidade da hepatopatia de Child-Pugh (Quadro 26.2). A gra- uma combinação de fatores. Alcoolistas que se mantém
vidade de cada um destes achados recebe uma graduação sóbrios no período pós-transplante obtêm sobrevida de até
de 1 a 3 e o escore pode ser somado até 15 pontos. A clas- 85% em cinco anos22.
sificação original de Child-Turcotte se aplicava a pacientes
que iam se submeter à operação de hipertensão portal, mas
Alterações da coagulação
estudos subseqüentes mostraram sua aplicação em outros
procedimentos intra-abdominais. Alterações da coagulação são mais freqüentes entre
Índices de mortalidade de 10%, 31% e 78% já foram alcoolistas e as necessidades transfusionais são significa-
demonstrados para cirróticos submetidos a operação tivamente mais elevadas. Estas alterações resultam não
abdominal não relacionada à cirrose, e classificados como somente da hepatopatia, mas também de alterações indu-
A, B e C, respectivamente24-5. zidas pelo álcool na função plaquetária e na fibrinólise.
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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

Pacientes alcoolistas apresentam contagem e volume drome. O resultado final relaciona-se ao aumento de ati-
plaquetário reduzidos. A trombopoiese encontra-se inibida vidade dos sistemas excitatórios e redução de atividade
no nível da maturação dos megacariócitos. A agregação dos sistemas inibitórios. Os efeitos adrenérgicos decor-
plaquetária encontra-se reduzida em resposta a diversos rentes da liberação de noradrenalina são predominantes,
estímulos e o tempo de sangria pode estar aumentado. mas não explicam todo o cortejo de sintomas. A despei-
O consumo moderado de álcool reduz o nível de to da manutenção prolongada da abstinência, alterações
fibrinogênio. Esta alteração pode estar na gênese do efei- seletivas de alguns neurotransmissores podem se manter,
to benéfico do álcool em doses baixas sobre a incidência como a redução da atividade da neurotransmissão do
das cardiopatias. O álcool aumenta a atividade fibrinolíti- GABA e da serotonina18.
ca pelo aumento da liberação de ativadores e redução dos Estas alterações parecem estar na gênese de um fenô-
inibidores do plasminogênio. meno que ocorre em pacientes em uso prolongado e
Pacientes cirúrgicos que abusam de álcool apresen- contínuo de doses mais elevadas de álcool, que é uma
tam aumento do tempo de sangria antes, durante e após tendência a repetir crises de abstinência progressivamen-
a operação, a despeito da ativação da coagulação relacio- te mais graves após ocorrência de um primeiro episódio.
nada às operações. Esta alteração pode ser a responsável Estes pacientes desenvolvem pensamentos obsessivos
pela incidência aumentada de sangramento em alcoolis- por álcool, associados ao desejo intenso e contínuo de
tas, mesmo não-hepatopatas, que se submetem a opera- seu uso. Por isso, é importante que o cirurgião esteja
ção3,6,8. O risco de complicações tromboembólicas pós- atento à história pregressa de síndrome de abstinência
operatórias parece não ser maior em pacientes que abu- quando se cogita realização do procedimento cirúrgico
sam de álcool do que em pacientes não-alcoolistas. eletivo, pois o risco de desenvolvimento de abstinência
Quando o consumo é interrompido, a síntese de plaque- poderá ser maior em pacientes que já a tenham apresen-
tas e de tromboxane aumentam e a alteração do tempo tado anteriormente18,26-7.
de sangria tende a se normalizar a partir de uma semana, Já se estimou o risco de desenvolvimento de síndro-
mas as implicações deste fato são incertas para pacientes me de abstinência alcoólica em 8% dos pacientes admiti-
alcoolistas cirúrgicos3,6,8. dos em hospital geral28. Estudos já mostraram incidência
de 16% em pacientes no período pós-operatório, e 31%
em pacientes em unidades de trauma5,12,18.
Síndrome de abstinência alcoólica
Se a síndrome de abstinência alcoólica já é grave por
De maneira simplificada, a síndrome de abstinência si, com mortalidade de até 5% mesmo em casos tratados,
alcoólica é um estado de hiperexcitabilidade do sistema pacientes que desenvolvem essa síndrome no período
nervoso central. Para fazer frente ao efeito depressor pós-operatório ou pós-trauma apresentam aumento do
sobre o sistema nervoso central do etanol em doses ele- tempo de internação em centro de tratamento intensivo,
vadas, é desencadeado mecanismo adaptativo que envol- tempo de ventilação mecânica e incidência aumentada de
ve vários neurotransmissores, cujo efeito final é excitató- pneumonias. Os casos não diagnosticados podem evo-
rio. Quando não há consumo de álcool, esta excitação luir de forma mais grave, necessitando também de doses
não encontra oposição e o resultado clínico é consubs- mais elevadas de sedativos, o que contribui para o maior
tanciado na síndrome de abstinência alcoólica18. tempo de ventilação mecânica.
O mecanismo mais aceito para explicar a adaptação A síndrome de abstinência alcoólica pode ser desen-
ao uso crônico do álcool é um aumento compensatório cadeada também em situações de estresse, como infec-
de resposta da via do AMP cíclico, cronicamente depri- ções, dor, traumas, além da operação. É provável que
mida pelo efeito do etanol. Ocorre então dependência essas situações desencadeiem desequilíbrios adicionais
fisiológica do álcool e, na interrupção do seu uso, um nos neurotransmissores envolvidos na síndrome. A
pico de atividade na via do AMP cíclico. Vários neuro- melhor forma de prevenir o desenvolvimento dessa sín-
transmissores sofrem interferência desta via e têm papel drome no período pós-operatório é realizar o diagnósti-
provável na síndrome – glutamato, ácido gama-aminobu- co da dependência alcoólica no pré-operatório e promo-
tírico (GABA), dopamina, serotonina e endorfina – o ver a abstenção neste período. As estratégias para o diag-
que, em parte, explica a complexa fisiopatologia da sín- nóstico do alcoolismo são discutidas a seguir. A história
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

e o exame físico estabelecem o diagnóstico da síndrome Diazepínicos de ação mais prolongada como clordia-
de abstinência. Seus critérios diagnósticos encontram-se zepóxido e diazepam são habitualmente utilizados por
listados no Quadro 26.3. proporcionarem uma retirada mais suave. Em caso de
hepatopatia grave, os de ação curta como o oxazepan são
recomendáveis. As doses podem ser modificadas confor-
Quadro 26.3 .: Critérios diagnósticos para a síndrome de absti-
me as necessidades, sendo aumentadas ou reduzidas con-
nência alcoólica
forme a resposta25,26.
A. Cessação (ou redução) do consumo de álcool que tenha sido pesado e Quadro 26.4 .: Relação dos sintomas e cronologia na síndrome de
prolongado abstinência alcoólica
B. Dois ou mais dos seguintes sinais e sintomas, que se desenvolvem em
período de algumas horas a poucos dias depois do critério A: Momento do aparecimento
1. Hiperatividade autonômica (sudorese ou freqüência cardíaca > 100 Sintomas
após interrupção do álcool
bpm) Sintomas menores de abtinência:
2. Aumento de tremores nas mãos insônia, tremores, ansiedade leve, 6 a 12 horas
3. Insônia desconforto gastrointestinal, dor
4. Náuseas ou vômitos de cabeça, diaforese, palpitações,
5. Alucinações ou ilusões transitórias de caráter visual, tátil ou auditivo anorexia
Alucinações alcoólicas: alucinações 12 a 24 horas*
6. Agitação psicomotora
visuais, auditivas e táteis
7. Ansiedade
8. Convulsões tipo grande mal Convulsões da abstinência: convul- 24 a 48 horas**
C. Os sintomas no critério B causando comprometimento significativo sões tônico-clônicas generalizadas
na função ocupacional, social ou outra Delirium tremens: alucinações (predo-
D. Os sintomas não devem ser decorrentes de outra condição médica e minantemente visuais), desorienta- 48 a 72 horas***
não devem ser mais bem explicados por outra desordem mental ção, taquicardia, hipertensão, febre
baixa, agitação e diaforese

* Sintomas normalmente resolvidos em 24 h.


** Sintomas podem ser relatados mais cedo, a partir de duas horas após interrup-
ção do álcool. Outras causas devem ser aventadas se convulsões são focais e se
Além da identificação dos sintomas de abstinência, o convulsões ocorreram depois de 48h.
*** Fatores de risco de delirium tremens: doença aguda intercorrente, história prévia
exame físico e a propedêutica laboratorial devem levar em de delirium tremens e convulsões da síndrome de abstinência alcoólica, idosos, hepa-
conta complicações como arritmia, insuficiência cardíaca, topatia, e sintomas mais graves ao início da síndrome de abstinência alcoólica.

doença coronariana, sangramento gastrointestinal, infec-


Nos casos urgentes ou naqueles em que a operação
ções, hepatopatia, comprometimento do sistema nervoso
central e pancreatite. Distúrbios hidroeletrolíticos como deve ser realizada sem guardar período adequado de abs-
hipocalemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia são tenção, a profilaxia da síndrome de abstinência tem sido
comuns nessa síndrome e devem ser sempre diagnostica- recomendada5,12,18,30,31. Questionário realizado em 672
dos e tratados26-7. A relação dos sintomas com a cronologia serviços de Cirurgia indicou que o tratamento profilático
encontra-se descrita no Quadro 26.4. era realizado em 72% deles30-1.
A literatura recomenda a utilização de instrumentos O tratamento profilático também tem como esteio os
para avaliação da gravidade, da monitorização clínica benzodiazepínicos. Clordiazepóxido, diazepam ou lora-
e da medicação29. zepam podem ser dados por via oral nas doses já comen-
Quando se faz a tentativa de se promover a abstenção tadas ou em doses parenterais equivalentes às orais.
e desintoxicação pré-operatória nos pacientes dependen- Para o tratamento da abstinência instalada, os benzo-
tes, a síndrome de abstinência alcoólica pode sobrevir. diazepínicos são também as drogas de escolha. Serão
Neste caso, o tratamento pode ser realizado com benzodia- usados nas doses indicadas e titulados de acordo com as
zepínicos orais em caráter ambulatorial nos quadros mais necessidades. Além das especialidades farmacêuticas
leves26-7. Os fármacos mais usados, com suas respectivas mencionadas, flunitrazepam por via intravenosa tem sido
doses, encontram-se expressos no Quadro 26.5. também recomendado30-1.

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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

A definição clara das doses de tratamento é difícil, sa, podendo melhorar sintomas de abstinência leve a
principalmente nos casos em que a síndrome de absti- moderada. Provavelmente não evita a evolução para deli-
nência alcoólica se instala no período pós-operatório ou rium tremens e não impede convulsões. O betabloqueador
em unidade de tratamento intensivo. As doses podem ser propanolol pode ser usado em pacientes com doença coro-
aumentadas em até 100 vezes quando comparadas com nariana conhecida para reduzir a sobrecarga ao sistema car-
aquelas oferecidas a pacientes psiquiátricos que se inter- diovascular imposta pela síndrome de abstinência alcoólica.
nam para desintoxicação. Dosagens de diazepam de até Entretanto, seu uso rotineiro não é recomendado, pois
2.000mg/dia já foram utilizadas. A relutância em admi- pode mascarar a evolução para delirium tremens, impedindo
nistrar estas doses excepcionalmente altas pode, com com isso a instituição da terapêutica adequada. O haloperi-
alguma freqüência, resultar em tratamento insuficiente dol é utilizado em caso de alucinações não-revertidas com
dessa síndrome26. o tratamento por diazepínicos26,27,30,31.
As doses de benzodiazepínicos podem ser ministra- Anticonvulsivantes também podem ter papel adju-
das em esquemas de horário definido ou por meio de vante. A carbamazebina, além do seu efeito específico,
regimes baseados na sintomatologia. Para este fim, utili- pode tratar com eficácia sintomas de abstinência leve a
zam-se escalas de pontuação da gravidade, a medicação é moderada. Estudos neste sentido também já foram reali-
ministrada quando o paciente atinge determinada pon- zados com o valproato26,27.
tuação na escala. Regimes baseados na sintomatologia A clonidina pode ser usada por via intravenosa naque-
têm resultado no uso de dose total menor e em menor les casos mais graves, mas apresenta efeitos cardiovascula-
duração do tratamento. res importantes como bradicardia e hipotensão. Como é
Medicações adjuvantes podem ser usadas para situa- possível que a necessidade de seu uso se deva, em parte, a
ções específicas. A clonidina, alfa-adrenérgico de ação cen- situações em que a dose de diazepínico adequada não foi
tral, tem sido usada em caso de atividade autonômica inten- ministrada, seu uso deve ser cuidadosamente pesado26,27,30,31.

Quadro 26.5 .: Benzodiazepínicos orais mais usados no tratamento da abstinência alcoólica

Fármaco Dose Freqüência Efeitos Efeitos adversos


Clordiazepóxido 25 – 100 mg Cada 4 a 6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,
síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Delirium tremens
Diazepam 5 – 10 mg Cada 4 a 6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,
síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Delirium tremens
Oxazepam 15 – 30 mg Cada 4 a 6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,
síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Delirium tremens
Lorazepam 1 – 4 mg Cada 4 a 6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,
síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Delirium tremens

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Alterações da resposta orgânica Diagnóstico


O consumo agudo de álcool ativa o eixo hipotálamo- No Brasil, aproximadamente 20% dos pacientes tra-
pituitário-adrenal com conseqüente aumento do hormô- tados na rede primária bebem em um nível considerado
nio adrenocorticotrópico (ACTH), tanto em estudos de alto risco. Estas pessoas têm seu primeiro contato
experimentais quanto clínicos. Na vigência de consumo com os serviços de saúde por intermédio de clínicos
abusivo prolongado, o eixo pode permanecer ativado e gerais e, nesta fase, há baixo índice de detecção do con-
esta ativação contínua pode provocar, inclusive, pseudo- sumo de risco. Embora tais índices provavelmente não
síndrome de Cushing. O trauma cirúrgico ativa mais o difiram dos internacionais, têm repercussão negativa
eixo hipotálamo-pituitário-adrenal e a atividade simpáti- sobre as possibilidades de diagnóstico e tratamento. Em
ca em alcoolistas que em não-alcoolistas. geral, o foco da atenção encontra-se voltado para as
A resposta ao estresse aumentada em pacientes que doenças clínicas decorrentes da dependência – que ocor-
abusam de álcool pode contribuir para a imunossupres- rem tardiamente – e não para a dependência subjacente1.
são, comprometimento da hemostasia e aumento das Via de regra, o período médio entre o primeiro proble-
demandas sobre o coração, que, reunidos, podem contri- ma decorrente do uso de álcool e a primeira intervenção
buir para o aumento da morbidade pós-operatória. voltada para este aspecto é de cinco anos; a demora para
A abstinência alcoólica provoca resposta orgânica ao iniciar o tratamento e a sua inadequação pioram o prognós-
estresse, com aumento dos níveis de catecolaminas pro- tico. Dentre inúmeros fatores que favorecem a ineficácia da
porcional à gravidade dos sintomas. Pacientes que abu- assistência disponível, destaca-se a crença errônea de que
sam de álcool em síndrome de abstinência apresentam os pacientes raramente se recuperam1.
morbimortalidade pós-operatória aumentada, quando Da mesma forma, o diagnóstico pré-operatório do con-
comparada aos pacientes que abusam de álcool, mas não sumo excessivo de álcool tem sido realizado com menor
freqüência do que seria desejável. Estudos mostram índices
desenvolvem abstinência, o que, em parte, pode estar
diagnósticos variando entre 1% e 24% entre pacientes
relacionado à resposta orgânica8.
cirúrgicos avaliados por meio de rotina clínica18. Trata-se,
portanto, de situação que deve ser melhorada. Para isso,
Distúrbios hidroeletrolíticos juntamente com a história clínica e o exame físico, que
devem incluir história detalhada para definir a quantidade e
A par dos distúrbios ácido-básicos comentados, a freqüência do consumo etílico e o exame dos órgâos alvo
deficiência de tiamina pode causar acidose metabólica de do etilismo crônico, encontram-se disponíveis métodos de
difícil controle, caso não haja reposição da vitamina. entrevista direcionados e exames laboratoriais.
Alcoolistas estão sujeitos a distúrbios hidroeletrolíti- A utilização do questionário CAGE (Quadro 26.6),
cos diversos, incluindo hipocalemia, hiponatremia, hipo- associada a marcadores laboratoriais, pode aumentar a
magnesemia e hipofosfatemia. detecção do consumo excessivo de álcool no período pré-
A correção rápida da hiponatremia pode provocar operatório para 72%, realizando-se uma consulta pré-ope-
mielinose pontina, síndrome caracterizada por quadripa- ratória, e para até 91%, realizando-se três consultas antes
resia e lesões ocasionalmente encontradas à ressonância do ato cirúrgico e confrontando o paciente com seus exa-
magnética. Embora não seja exclusiva de alcoolistas, eles mes laboratoriais3.
são especialmente vulneráveis. Os principais métodos de entrevista dirigida, que aten-
A deficiência de potássio e fósforo pode ter relação dem a requisitos de simplicidade e eficácia para uso na prá-
com o desenvolvimento da rabdomiólise, síndrome tica rotineira são o CAGE (Quadro 26.6) e o AUDIT
decorrente da destruição maciça de musculatura esquelé- (Quadro 26.7). Os sistemas de classificação diagnóstica
tica, que tem os alcoolistas como um dos grupos de com base no DSM IV e no CID 10, além da já comentada
maior risco. Uma de suas complicações mais temidas é a deficiência na detecção de casos que não envolvam abuso
insuficiência renal mioglobinúrica. ou dependência, são de aplicação difícil na rotina clínica.
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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

Quadro 26.6 .: Questionário CAGE co18. A GGT é uma enzima microssomal e, como tal, pas-
sível de indução pelo álcool e outras drogas. Sua altera-
C Cut down Já sentiu que deveria diminuir (cut ção, portanto, não implica necessariamente hepatopatia
down) a quantidade de bebida ou alcoólica, mas pode indicar consumo pesado. Seu perfil
mesmo parar de beber?
de sensibilidade, 34% a 85%, e especificidade, 11% a
A Annoyed Já se sentiu aborrecido (annoyed)
por pessoas que criticaram a forma 85%, não é muito adequado para um teste diagnóstico17.
como bebe? Mais de um terço dos pacientes que consomem 80g ou
G Guilty Já se sentiu mal ou culpado (guilty) mais de etanol por dia podem não apresentar alteração
devido à bebida? desta enzima e a mesma não se eleva no curso de sessões
E Eye-openner Já bebeu pela manhã (eye-openner de consumo pesado. A alteração das aminotransferases
drink) para diminuir o nervosismo (AST e ALT) já é indicativa de lesão do hepatócito e,
ou para rebater a ressaca? portanto, deveria estar associada a situações de consumo
mais intenso de etanol e hepatopatia alcoólica, o que
implica que história clínica e alterações orgânicas deve-
riam permitir diagnóstico mais fácil. Seu uso no rastrea-
mento das desordens relacionadas ao consumo de álcool
O questionário CAGE é pontuado por meio da atribui- em pacientes assintomáticos seria, portanto, limitado.
ção de um ponto para cada pergunta respondida de forma Há, no entanto, que se considerar o diagnóstico diferen-
positiva. Como usa a palavra “já”, é um instrumento que cial entre esteatohepatite alcoólica e não-alcoólica, qua-
não distingue problemas passados com consumo de álcool dros freqüentemente assintomáticos ou oligossintomáti-
de problemas presentes. Tem sensibilidade de 43% a 97% cos, em que a GGT encontra-se igualmente elevada.
e especificidade que varia de 70% a 97% para abuso e Conforme já comentado, a razão AST/ALT superior a
dependência de álcool, quando o corte de dois pontos é dois é indicativa de etiologia alcoólica22.
estabelecido. Mais recentemente, a transferrina deficiente em carboi-
O questionário AUDIT foi desenvolvido pela drato, ainda não incorporada na rotina clínica no Brasil, tem
Organização Mundial de Saúde como parte de um esforço sido usada sozinha ou em combinação com outros marca-
colaborativo internacional para desenvolver técnicas de dores laboratoriais e questionários de rastreamento para
identificação e tratamento de pacientes com níveis de con- aumentar a capacidade diagnóstica. Esta anormalidade da
sumo caracterizados como de risco e consumo nocivo de síntese da transferrina, que a torna deficiente de seus trissa-
álcool, em ambiente de cuidado primário. A contagem de cárides terminais, aparece quando um indivíduo consome
pontos totalizando oito ou mais é indicativa de desordens 50g a 80g de etanol de forma regular, por pelo menos uma
relacionadas ao consumo de álcool. Alguns autores utili- semana, e se normaliza lentamente, durante a abstinência,
zam ponto de corte de 11, que permite alcançar maior com meia vida de 15 dias. Sensibilidade de 81% a 94% e
especificidade. A sensibilidade e a especificidade para estes especificidade de 91% a 100% para consumo atual de álcool
níveis de consumo variaram, respectivamente, entre 33% a superior a 60g/dia têm sido relatadas em diversos estudos.
70% para a sensibilidade e entre 73% a 97% para a especi- Algumas diferenças de resultados podem relacionar-se à
ficidade, conforme o ponto de corte tenha sido de oito ou metodologia empregada. Falsos-positivos podem ser
11, e se o teste baseou-se no consumo atual ou no consu- encontrados devido a alterações genéticas e na presença de
mo ao longo da vida14. insuficiência hepática grave, o que torna o exame inadequa-
Os exames laboratoriais classicamente utilizados para do para o rastreamento de alcoolistas com hepatopatia17.
o diagnóstico de desordens relacionadas ao consumo de Poderá, quando disponível, tornar-se exame de grande uti-
álcool são o volume corpuscular médio (VCM) e a gama- lidade no rastreamento pré-operatório. Tem sido conside-
glutamil-transferase (GGT). Entretanto, estes exames rada muito útil em situações de urgência, quando há impos-
não são tão efetivos quanto os questionários CAGE e sibilidade de se obter história clínica adequada16,17.
AUDIT para o rastreamento dessas desordens. A sensi- O Quadro 26.8 oferece um roteiro para o diagnósti-
bilidade do VCM varia entre 34% e 89%, e a especifici- co pré-operatório das desordens relacionadas ao consu-
dade entre 26% e 91%, dependendo do contexto clíni- mo de álcool.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 26.7 .: Questionário AUDIT (Alcohol Use Disorders Idendification Test)

1- Com qual freqüência você consome bebidas que contêm álcool?


(0) Nunca (3) 2-3 vezes/semana
(1) Mensalmente ou menos (4) 4 ou mais vezes/semana
(2) 2-4 vezes/mês

2- Quantas doses (ou equivalente) você consome em um dia típico quando está bebendo?
(0) Nenhum (3) 5 ou 6
(1) 1 ou 2 (4) 7 ou mais
(2) 3 ou 4
3- Com qual freqüência você consome seis ou mais doses (ou equivalente) por ocasião?
(0) Nunca (3) Semanalmente
(1) Menos que uma vez/mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente
4- Com qual freqüência durante o último ano você achou que não era capaz de parar de beber após ter iniciado?
(0) Nunca (3) Semanalmente
(1) Menos que uma vez/mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente
5- Com qual freqüência durante o último ano você deixou de cumprir tarefas de sua responsabilidade por causa da bebida?
(0) Nunca (3) Semanalmente
(1) Menos que uma vez/mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente
6 - Com qual freqüência durante o último ano você necessitou de uma primeira dose pela manhã para dar conta de começar o dia após uma bebedeira?
(0) Nunca (3) Semanalmente
(1) Menos que uma vez/mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente
7 - Com qual freqüência durante o último ano você teve sentimentos de culpa ou remorso depois de beber?
(0) Nunca (3) Semanalmente
(1) Menos que uma vez/mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente
8 - Com qual freqüência durante o último ano você não conseguiu lembrar-se o que aconteceu na noite anterior por ter bebido?
(0) Nunca (3) Semanalmente
(1) Menos que uma vez/mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente
9 – Você ou alguma outra pessoa já foram feridas devido ao seu consumo de álcool?
(0) Nunca (4) Sim, no último ano
(2) Sim, mas não no último ano

10 – Alguma vez um parente, um amigo, um médico ou algum outro trabalhador da saúde se mostrou preocupado com seu consumo de álcool ou
sugeriu que você o reduzisse?
(0) Nunca (4) Sim, no último ano
(2) Sim, mas não no último ano

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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

Quadro 26.8 .: Diagnóstico em consulta de avaliação sibilidade para o diagnóstico de alcoolismo quando usados
pré-operatória de desordens relacionadas ao consumo de álcool em associação à mesma. Como já assinalado, a transferrina
deficiente em carboidrato não diferencia bebedores pesa-
1 – Indagar sobre consumo atual ou passado de bebidas alcoólicas dos de dependentes, mas seu uso tem sido defendido com
2 – Determinar, da maneira mais precisa possível, a quantidade e a o objetivo de se detectar consumo de álcool em pacientes
freqüência do consumo de álcool, especificando nominalmente admitidos em unidades de trauma e buscar prevenir even-
o tipo de bebida usado tuais complicações relacionadas ao alcoolismo, principal-
3 – Realizar questionário CAGE ou AUDIT para precisar melhor mente à abstinência alcoólica15-6.
a existência de desordem relacionada ao consumo de álcool
4 – Obter exames laboratoriais (GGT e VCM) em conjunto com
os exames pré-operatórios de rotina e confrontá-los com os Aspectos terapêuticos
pacientes em consulta de retorno, quando não foi possível defi-
nir precisamente a existência de desordem relacionada ao consu- A Figura 26.1 contém tentativa de sumariar a aborda-
mo do álcool nem a quantidade e freqüência do consumo gem pré-operatória de etilistas pesados ou dependentes.
Vários aspectos já foram discutidos ao longo do
GGT – gama-glutamiltranspeptidase
VCM – volume corpuscular médio
texto. Em resumo, os principais pontos a serem levados
em conta são:
■ definição diagnóstica pré-operatória de consumo

Grande importância tem sido dada ao diagnóstico de pesado e de dependência;


dependência alcoólica em situações de urgência, já que a ■ consumo crônico ou agudo em paciente dependente;

prevenção ou redução dos efeitos da síndrome de abstinên- ■ existência de sintomatologia ou disfunções orgâni-

cia podem modificar sobremaneira a morbimortalidade de cas decorrentes do consumo crônico do álcool;
pacientes atendidos em situações de emergência clínica ou ■ existência de dependência, risco de abstinência ou

cirúrgica, incluindo a Cirurgia do Trauma. Neste contexto, história de síndrome de abstinência alcoólica;
a história clínica e os questionários de rastreamento per- ■ procedimento cirúrgico eletivo ou de urgência.

dem importância para instrumentos de caráter laboratorial, Nos casos de operação eletiva, em pacientes depen-
pela dificuldade de realização da anamnese. dentes ou nos assintomáticos que ingerem mais de
As dosagens das concentrações sangüíneas de álcool, 60g/dia de etanol, a melhor conduta é sempre a tentativa
embora úteis, podem encontrar-se negativas em pacientes de se obter abstenção pré-operatória do uso do etanol,
posteriormente diagnosticados como dependentes, em que poderá ser de 30 dias no caso dos assintomáticos.
percentual que chega a 40%. Pacientes admitidos na sala de Concomitantemente, o controle clínico das eventuais dis-
emergência com níveis baixos de álcool no sangue podem funções orgânicas será realizado, conforme já discutido,
ser usuários crônicos ou consumidores agudos. Por outro juntamente com o tratamento de deficiências nutricionais
lado, pacientes com concentrações elevadas não podem ser e de eventual síndrome de abstinência alcóolica.
considerados dependentes e, portanto, não necessariamen- Nas operações de urgência, os cuidados anestésicos
te encontrar-se-ão em risco de abstinência16. Estudos reali- são de particular importância, sempre se levando em
zados em pacientes politraumatizados, admitidos em uni- conta as disfunções orgânicas, os distúrbios hidroeletro-
dades de tratamento intensivo, mostram que níveis eleva- líticos e ácido-básicos, as deficiências vitamínicas (parti-
dos de transferrina deficiente em carboidrato correlacio- cularmente de tiamina) e o risco nunca desprezível do
nam-se com maior tempo de internação na terapia intensi- desenvolvimento de síndrome de abstinência alcóolica.
va, maior tempo de ventilação mecânica e maior incidência A questão do diagnóstico pré-operatório do abuso de
de complicações, inclusive de abstinência alcoólica. Neste álcool em pacientes submetidos a operações de urgência
grupo, a sensibilidade e a especificidade da transferrina deverá ser sempre cuidadosamente avaliada.
deficiente em carboidrato é superior aos marcadores con- Conforme já comentado, em pacientes etilistas crô-
vencionais, como a gama-glutamiltranspeptidase e amino- nicos, a indução do sistema microssomal contribui para
transferases16. Entretanto, estes marcadores podem contri- tolerância metabólica ao álcool, podendo afetar tam-
buir para o diagnóstico de alcoolismo quando a transferri- bém o metabolismo de outras drogas, tais como o pen-
na deficiente em carboidrato é negativa, ou aumentar a sen- tobarbital, propanolol, meprobamato, antipirina, tol-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

butamida, warfarina, diazepam e rifampicina. Além Em contraste com o consumo crônico de etanol, que
disso, uma característica clínica muito importante do induz o metabolismo hepático de drogas, o consumo
sistema P-4502E1 é sua extraordinária capacidade de agudo pode inibi-lo, devido à competição direta pelo siste-
converter muitas substâncias em metabólitos altamen- ma P-4502E1. Em vista dos efeitos opostos do consumo
te tóxicos. Estas drogas incluem anestésicos, tais como crônico e agudo sobre o metabolismo, é difícil predizer o
o enflurano, drogas de uso comum, como isoniazida, efeito global do uso concomitante de álcool e anestésicos
fenilbutazona e acetaminofen. A cinética plasmática do em pacientes etilistas. Este pode variar com as quantidades
flúor após a anestesia com sevoflurano tem sido tam- utilizadas, a afinidade relativa do álcool e das outras drogas
bém relacionada à atividade do sistema P-4502E1. pelo processo de detoxificação hepática e a gravidade da
Dessa forma, a função renal de alcoolistas deve ser ava- doença hepática subjacente, que pode sobrepujar a capaci-
liada após anestesia com sevoflurano18. dade metabólica relacionada à indução enzimática18.

Não
Operação eletiva? Urgência

Sim

Assintomáticos Disfunções orgânicas? Dependência? Consumo Consumo


> 60g de álcool/dia? agudo crônico

Sim Consumo
indefinido? Hepatite? Miocardiopatia?

Realizar Cage, Aguardar Pode reverter em Tentativa de


Audit resolução três a seis meses desintoxicação
VCM e gama-GT e abstinência

sugestivo de
consumo
Cuidados anestésicos • Definir diagnóstico de alcoo-
pesado
• Seqüência rápida lismo nos casos suspeitos
• Depressão cardio- • Avaliar disfunções orgânicas
vascular e coagulação
• Repor tiamina
Abstenção etílica Procedimento cirúrgico • Avaliar e tratar distúrbios
por 1 mês hidroeletrolíticos e ácido-
básicos
• Proceder cuidados anestésicos
• Avaliar disfunções orgânicas
• Avaliar profilaxia da síndro-
me de abstinência alcoólica

Figura 26.1 .: Principais passos para a abordagem pré-operatória de etilistas pesados ou dependentes

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Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

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13 ■ Chick J. Alcohol. health and the heart: implications for clini- hol-dependent patients admitted to the intensive care unit after
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14 ■ Fiellin DA, Reid MC, O’ Connor PG. Screening for alcohol 31 ■ Spies CD, Dubisz N, Neumann T, Blum S, Muller C,
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15 ■ Reid MC, Fiellin DA, O’Connor PG. Hazardous and harmful results of a prospective, randomized trial. Crit Care Med.
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1999;159:1681-9.

333
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27
CIRURGIA NO PACIENTE
COM TRANSTORNOS
PSIQUIÁTRICOS
Rodrigo Nicolato,
José Carlos Cavalheiro da Silveira

Introdução foram decorrentes de tentativa de auto-extermínio. Em


Oxford (Reino Unido), quase 60% dos pacientes que
Transtornos psiquiátricos são comuns em hospitais tentaram auto-extermínio não foram avaliados por psi-
gerais, em enfermarias clínicas ou cirúrgicas. Dependendo quiatras, como demonstraram Hickey et al.4
do quadro psiquiátrico do paciente, doenças clínicas e Em nosso meio, a identificação de quadros psiquiátri-
cirúrgicas também podem ser importantes comorbidades. cos é relativamente baixa, apesar de diversos estudos
Os principais objetivos deste capítulo são compreender, indicarem a importância do tratamento psiquiátrico e psi-
identificar e sugerir o tratamento das principais síndromes cológico em pacientes internados em hospital geral,
e intercorrências psiquiátricas. fazendo com que haja menor permanência, melhor ade-
são e menor utilização de serviços médicos5,6. Botega e
Smaira7 enumeram as principais causas do não-reconhe-
Transtornos psiquiátricos prevalentes cimento das síndromes psiquiátricas e elas estão expres-
Happel et al.1 investigaram os quadros psiquiátricos sas no Quadro 27.1.
mais prevalentes no setor de emergência de hospitais Quadro 27.1 .: Principais causas do não-diagnóstico dos transtor-
gerais (que possuem serviços de psiquiatria) e diagnos- nos psiquiátricos em pacientes internados
ticaram: depressão (21,8%); uso de álcool e substâncias
de abuso (20,4%); transtorno de personalidade (16%); Os pacientes se referem mais a queixas somáticas, desprezando
esquizofrenia (11,6%) e transtorno bipolar (2,1%). as psicológicas
Cremniter et al.2 publicaram estudo relatando que 457 O médico não capta as “pistas” deixadas pelos pacientes
pacientes foram encaminhados por médicos não-psi- O médico aceita a negação sobre a doença dos pacientes
quiatras ao serviço de emergência de um hospital geral Falta de treinamento adequado sobre saúde mental
francês e, após avaliação psiquiátrica, os diagnósticos Falta de tempo e de privacidade para melhor avaliação
mais comuns foram: transtornos afetivos (28%); trans- Sintomas são caracterizados como integrantes e justificados pelos
tornos de ajustamento (19%); síndromes psicóticas quadros clínicos
(16%); transtornos de personalidade (11%); abuso ou O médico reconhece o problema, mas não realiza o diagnóstico
dependência de álcool (7%); abuso ou dependência de psiquiátrico
drogas (6%); ansiedade (6%); demência (4%) e outros, O problema é reconhecido e diagnosticado, mas não se faz o registro
no prontuário
como delirium (2%). Tentativas de suicídio são também
comuns em hospitais gerais. Borges et al.3, em estudo Médicos detêm a investigação ao encontrarem uma causa física

realizado na Cidade do México, observaram que 2.2% O médico só faz o diagnóstico psiquiátrico, quando se sente seguro no
manejo do caso
dos atendimentos de emergência de um hospital geral
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Baseando-se em dados retrospectivos de prontuários, ■ dificuldade no diagnóstico diferencial entre qua-


Tamai8, em pacientes internados em enfermaria de cardio- dros hístero-conversivos e convulsivos, que
logia, encontrou as seguintes taxas de quadros psiquiátri- podem coexistir;
cos: transtorno depressivo (26,7%); distúrbio orgânico ■ transtornos somatoformes, nos quais, de maneira
(25,7%) e reação de ajustamento (8,9%). Nessa mesma inconsciente e por motivações psicológicas, o pacien-
linha de investigação, Smaira9, em 1999, citado por Botega te apresenta manifestações físicas, sem alterações nos
e Samaira7, em estudo de caso-controle com 47 casos e 94 exames propedêuticos. Salienta-se que nada impede a
controles, encontrou a seguinte freqüência de síndromes associação de transtornos somatoformes e doenças
psiquiátricas em pacientes internados em hospital geral: clínico-cirúrgicas;
■ casos: transtorno orgânico (30%); dependência quí- ■ agravamento do quadro clínico-cirúrgico em decor-
mica (21%); transtorno de ansiedade (21%) e trans- rência do atraso no tratamento em pacientes deprimi-
torno depressivo (13%); dos e ansiosos;
■ controles: sem afecção (72%); transtornos de ansie- ■ procrastinação do atendimento clínico-cirúrgico, por
dade (10%); dependência química (7%) e transtorno não considerar a associação de afecções psiquiátricas
depressivo (7%). e clínico-cirúrgicas;
Spinelli et al.10 analisaram, em estudo retrospectivo, ■ não-reconhecimento de que o quadro de delirium
pacientes internados em hospital geral e observaram que as (confusão mental aguda) exige avaliação clínica e
principais síndromes psiquiátricas foram: síndromes psi- laboratorial imediata, com o objetivo de diagnosticar
quiátricas orgânicas (demência, delirium e outras) em 28,8% a causa deste quadro neuropsiquiátrico sempre
dos casos; transtorno de ansiedade em 21,6%; síndrome secundário a doença clínico-cirúrgica ou a intoxicação
depressiva em 18,3% e síndrome psicótica em 8,3% dos secundária ao uso de fármacos ou drogas;
casos. Os estudos citados se basearam na análise de inter- ■ preconceito na avaliação de pacientes com doenças
consultas psiquiátricas. psiquiátricas, não se considerando que os psicofárma-
Dentro de um contexto médico-psiquiátrico em hospi- cos podem apresentar diversos efeitos colaterais e jus-
tal geral, diversas situações podem ocorrer, havendo neces- tificar vários quadros clínicos; muitas doenças clínicas
sidade de adequada interação entre psiquiatras e não-psi- e algumas drogas podem mimetizar manifestações
quiatras para sua correta condução. Algumas delas são: psiquiátricas, sobretudo em idosos e em pacientes sem
■ abstinência alcoólica, levando a quadro de delirium-tre-
história familiar e pessoal de doença psiquiátrica;
mens, em decorrência do desconhecimento da depen- ■ complicações clínico-cirúrgicas, implicando a necessi-
dência de etílicos. Em pacientes alcoolistas, o não- dade de maior conhecimento de psicofarmacologia
aprofundamento na investigação clínica pode retar- em situações especiais: gestantes, idosos, crianças,
dar o diagnóstico de pneumonia aspirativa, hemato- transplantados e pacientes com insuficiência renal,
ma subdural e demais sangramentos por lesão hepáti- insuficiência hepática, insuficiência coronariana, dia-
ca, úlceras, pancreatite e síndrome de Wernick- betes mellitus, lesões prostáticas, glaucoma e obesidade;
Korsakoff (agravada por aplicação de glicose, não ■ complexidade e importância da avaliação pré-opera-
antecedida por uso de tiamina); tória e do preparo psicológico em pacientes a serem
■ interrupção do tratamento clínico ou discordância
transplantados e em obesos mórbidos.
com o tratamento cirúrgico, apesar das indicações
médicas, em decorrência de reação de ajustamento Principais síndromes psiquiátricas
secundária a diagnóstico clínico-cirúrgico importante
e mecanismos psicológicos de negação; Depressão
■ dificuldades e intercorrências nas relações com pro-

fissionais de saúde, pela presença de grave transtorno As principais síndromes psiquiátricas são a depressão,
de personalidade; o transtorno de ajustamento e a ansiedade.
■ simulação, com objetivo de ganho legal, como atesta- A depressão é o transtorno psiquiátrico mais prevalen-
dos e transtorno factício (síndrome de Munchausen), te em hospitais gerais, em interconsultas psiquiátricas, atin-
no qual o paciente simula quadros clínicos graves, gindo de 20% a 33% dos pacientes internados11,12, sendo
tentando ludibriar a equipe de saúde; provável que pacientes com afecções clínico-cirúrgicas
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Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

apresentem mais freqüentemente quadros depressivos do Em virtude destas situações complexas, Cavanaugh16
que pacientes sem doenças clínicas. Freqüentemente, os (citado por Botega et al.12), fez algumas proposições para
casos de depressão são subdiagnosticados e subtratados. minimizar o problema de manifestações físicas que se
A depressão pode tanto ser predisposta por doenças crô- confundem com as de origem depressivas. Fadiga e alte-
nicas, como pode agravar a situação clínica de muitos rações de sono e apetite, do peso e da psicomotricidade
pacientes. A relação entre depressão e coronariopatia ajudam a corroborar o diagnóstico, quando: a) são exces-
tem sido muito estudada: pacientes coronariopatas que sivos em relação ao esperado, considerando-se a condi-
apresentam depressão no pós-infarto agudo do miocár- ção física do paciente e a etapa do tratamento; b) surgem
dio têm maior mortalidade em relação aos pacientes associados temporalmente às manifestações cognitivas e
infartados sem depressão; por outro lado, pacientes afetivas de depressão, como humor depressivo e anedo-
deprimidos têm maior possibilidade de apresentar coro-
nia (interesse ou prazer diminuídos). O sentimento de
nariopatia13,14. Disfunções serotonérgicas parecem ser o
desesperança é também importante sintoma depressivo
elo entre depressão e infarto agudo do miocárdio15. A
observado em pacientes internados em hospital geral.
prevalência de depressão também é maior em outros
quadros clínicos, como esclerose múltipla, doença de Segundo o DSM-IV, constituem critérios para
Cushing, diabetes mellitus, doença de Parkinson, insuficiên- depressão maior17:
cia renal e acidente vascular encefálico. A- Presença de cinco (ou mais) das seguintes manifes-
A relação entre depressão e doenças clínico-cirúrgicas tações clínicas, durante o mesmo período de duas sema-
pode contemplar as seguintes situações: nas, sendo pelo menos uma delas humor deprimido ou
■ a depressão pode, pela existência de manifestações perda do interesse ou prazer.
físicas (insônia, dor, alteração de apetite e do peso, Obs.: Não incluir manifestações nitidamente relacio-
desânimo), mimetizar doenças clínico-cirúrgicas. nadas a uma condição médica geral ou a alucinações e
Com freqüência, as manifestações físicas da depressão delírios incongruentes com o humor.
são objetos de estudos que denotam a presença real de ■ humor deprimido na maior parte do dia ou quase

sintomas não-cognitivos, como os sintomas álgicos; todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., o
■ manifestações próprias de doenças clínico-cirúrgi- paciente sente-se triste ou vazio) ou observação feita
cas podem mimetizar quadros depressivos; por outros (p. ex., chora muito).
■ a depressão com predomínio de manifestações físi- Obs.: em crianças e adolescentes, pode ser humor
cas pode não ser reconhecida; tais manifestações irritável.
são justificadas pela presença de doenças clínico- ■ interesse ou prazer acentuadamente diminuídos por
cirúrgicas; todas ou quase todas as atividades na maior parte
■ pode haver simplesmente uma coincidência: pre-
do dia ou quase todos os dias (indicado por relato
sença de depressão e doença clínico-cirúrgica; subjetivo ou observação feita por outros);
■ a depressão pode ser secundária à doença clínico-
■ perda ou ganho significativo de peso sem estar em
cirúrgica e ao uso de medicamentos ou drogas;
dieta (p. ex., mais de 5% do peso corporal em um
■ a depressão pode agravar ou desencadear doenças
mês); diminuição ou aumento do apetite quase
clínico-cirúrgicas;
■ doenças clínico-cirúrgicas podem desencadear qua-
todos os dias.
■ insônia ou hipersonia quase todos os dias;
dros depressivos;
■ agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias
■ as manifestações clínicas depressivas podem não

ser suficientes para caracterizar uma depressão (observáveis por outros, não meramente sensações
maior, sendo muitas vezes provocadas pelas dificul- subjetivas de inquietação ou de estar mais lento);
dades e tensões resultantes do diagnóstico de uma ■ fadiga ou perda de energia quase todos os dias;

doença clínico-cirúrgica, como no transtorno de ■ sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou ina-

ajustamento com manifestações depressivas, geral- dequada (que pode ser delirante), quase todos os
mente quadro mais brando e fronteiriço entre dias (não meramente auto-recriminação ou culpa
depressão e normalidade. por estar doente);
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

■capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, segundo episódio ou distimia (episódio depressivo crô-
ou indecisão, quase todos os dias (por relato subje- nico, leve e que dura pelo menos dois anos), por um
tivo ou observação feita por outros); prazo de dois anos e, do terceiro episódio em diante (ou
■ pensamentos de morte recorrentes (não apenas se o primeiro e segundo episódios forem muito graves,
medo de morrer), ideação suicida recorrente sem por exemplo, com tentativas de auto-extermínio), por
um plano específico, tentativa de suicídio ou plano um prazo de cinco anos.
específico para cometer suicídio. Há tendência de se prolongar o tratamento da depres-
B- As manifestações não satisfazem os critérios para são em idosos, com o propósito de evitar depressões asso-
um episódio misto. ciadas ao transtorno bipolar, em que pode haver viragem
C- As manifestações causam sofrimento clinicamente (mudança de quadro) para mania (composto pela tríade de
significativo ou prejuízo no funcionamento social ou humor exaltado ou irritado, pensamento acelerado e fala
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida rápida, além de aumento da atividade e impulsividade),
do indivíduo. hipomania (quadro mais leve do que a mania) ou agrava-
D- As manifestações não se devem aos efeitos fisio- mento do episódio misto (sintomas de depressão e mani-
lógicos diretos de uma substância (p. ex., abuso de droga formes concomitantes), sobretudo com o uso apenas de
ou medicamento) ou de uma condição médica geral (por antidepressivos, principalmente os tricíclicos, sem o uso de
ex., hipotireoidismo); estabilizadores de humor, como carbonato de lítio, carba-
E- As manifestações não são mais bem explicadas por mazepina, valproato de sódio e antipsicóticos atípicos,
luto, ou seja, após a perda de um ente querido, persistem como olanzapina, quetiapinia e clozapina.
por mais de dois meses ou são caracterizados por acen- As classes mais comuns de antidepressivos em uso
tuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com nos hospitais gerais18 são:
desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo A- Antidepressivos tricíclicos: são anticolinérgicos e
psicomotor. bloqueiam a captação de noradrenalina (sobretudo) e
Doenças neurológicas (doença de Parkinson; doença serotonina (em menor intensidade, com exceção da
de Alzheimer; esclerose múltipla; acidente vascular ence-
clomipramina):
fálico), endocrinopatias (hipo e hipertiroidismo; diabetes
■ amitriptilina – iniciar com 25mg/dia e aumentar a
mellitus; síndrome de Cushing; doença de Addison), neo-
plasias, doenças infecciosas (AIDS, encefalite, gripe, dose progressivamente até a dose terapêutica
mononucleose, sífilis terciária) e diversos medicamentos (75mg/dia a 300mg/dia). É o que apresenta maior
(anti-hipertensivos, cimetidina, flunarizina, fenitoína, bloqueio colinérgico, com taquicardia, sedação,
corticosteróides, levodopa, propranolol) podem asso- ganho de peso, arritmia cardíaca, retenção urinária,
ciar-se à depressão ou mesmo causá-la. E o que fazer agravamento de glaucoma, constipação e boca seca;
■ nortriptilina – iniciar com 25mg/dia e aumentar dose
nessas situações em que há depressão associada a doen-
ças clínicas ou ao uso de medicamentos capazes de levar até atingir a dose terapêutica (50mg/dia a 150mg/dia)
à depressão? Deve-se investigar história familiar ou pes- É o antidepressivo mais tolerado do grupo dos
soal de depressão, episódios prévios, analisando as com- tricíclicos, com menos efeitos colaterais e menor
plexas situações entre doenças clínico-cirúrgicas e bloqueio colinérgico;
depressão (já citadas neste capítulo). Se possível, ao se ■ clomipramina – iniciar com 25mg/dia e aumentar a

concluir pela presença de depressão (e não simplesmen- dose até atingir a dose dose terapêutica (75mg/dia
te manifestações depressivas decorrentes das doenças clí- a 300mg/dia). Está indicada para transtorno obses-
nicas ou uso de medicamentos), deve-se tratar com os sivo-compulsivo (por apresentar maior bloqueio da
antidepressivos mais apropriados para o caso, pois espe- captação de serotonina entre os tricíclicos), possui
rar que ocorra a cura das potenciais doenças ou a suspen- efeitos colaterais semelhantes aos da amitriptilina;
são dos medicamentos pode ser inconveniente e a pro- ■ imipramina – iniciar com 25mg/dia e atingir dose

crastinação do tratamento para a depressão pode ter gra- terapêutica de 75mg/dia a 300mg/dia. Apresenta
ves conseqüências. Geralmente, o primeiro episódio efeitos colaterais intermediários entre nortriptili-
depressivo deve ser tratado por seis meses a um ano; o na e amitriptilina;
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Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

■ maprotilina (é um tetracíclico, mas sempre é colo- refeições para diminuir essa ocorrência. É bem
cado no grupo dos tricíclicos por afinidades bio- tolerado, como o citalopram e o escitalopram;
químicas) – iniciar com 25mg/dia e aumentar até ■ paroxetina – dose inicial de 20mg/dia e dose tera-

atingir a dose terapêutica (75mg/dia a pêutica de 20mg/dia a 60mg/dia. Dos serotonér-


225mg/dia). Doses maiores associam-se à maior gicos, é o que apresenta certa inibição de captação
possibilidade de crises convulsivas. da noradrenalina e também o que apresenta, com
Obs: o uso endovenoso de clomipramina e/ou maior freqüência, a síndrome de retirada e apro-
maprotilina só é recomendado em caso de impedimen- vação para o tratamento da fobia social.
to do uso oral e não se associa a menor latência de res- C- Outros antidepressivos:
posta antidepressiva. ■ venlafaxina – é um inibidor de captação de sero-

B- Inibidores seletivos de recaptação de serotonina: tonina e noradrenalina. Dose inicial de 75mg (se a
■ fluoxetina – dose inicial de 20mg/dia e dose tera- apresentação for XR) e dose terapêutica de
pêutica de 20mg/dia a 60mg/dia. É o serotonérgi- 75mg/dia a 225mg/dia. Os efeitos secundários
co de maior meia vida. Assim como outros seroto- são serotonérgicos e noradrenérgicos.
nérgicos, a fluoxetina pode ser utilizada no trata- Geralmente é bem tolerada e com eficácia compa-
mento de síndromes ansiosas, geralmente associa- rada à dos tricíclicos;
das à pequena dosagem de benzodiazepínicos, no ■ duloxetina – é um inibidor de captação de seroto-

início do tratamento. Por força de seu principal nina e noradrenalina. Dose inicial de 60mg e dose
metabólito, a norfluoxetina, a meia-vida da fluoxe- terapêutica de 60 mg/dia a 120mg/dia;
tina pode chegar a 35 dias. Efeitos colaterais ■ mirtazapina – também apresenta dupla ação

comuns aos demais serotonérgicos, como disfun- (agindo sobre a serotonina e a noradrenalina).
ção gástrica e nervosismo paradoxal, podem estar Este antidepressivo é bem tolerado, com boa ação
presentes nos primeiros dias de tratamento. Não sedativa, mas pode aumentar o peso em determi-
deve ser usado à noite (pode provocar insônia) e nadas pessoas, por efeitos histaminérgicos. Dose
não há qualquer necessidade de ser fracionado ao inicial de 15mg/dia ou 30mg/dia, e dose terapêu-
longo do dia, por causa da meia-vida longa; tica de 15mg/dia a 45mg/dia;
■ fluvoxamina – dose inicial de 150mg/dia e dose ■ bupropiona – dupla ação – age sobre a dopamina

terapêutica de 150mg/dia a 300mg/dia. e a noradrenalina. Dose inicial de 75mg/dia ou


Apresenta meia-vida menor do que a da fluoxeti- 150mg/dia, e dose terapêutica até 450mg/dia.
na e efeitos colaterais semelhantes. Possui bom Deve ser usada com cautela em pacientes com
efeito no tratamento do transtorno obsessivo- epilepsia. Não provoca aumento de peso. Não
compulsivo; trata ansiedade.
■ citalopram – dose inicial de 20mg e dose terapêu- Apesar de não haver consenso sobre o tempo de
tica de 20mg/dia a 60mg/dia. É muito bem tole- uso, a Associação Americana de Psiquiatria19 (citada
rado e com baixo índice de interações medica- por Souza20) recomenda o uso de antidepressivos após
mentosas, além de baixa incidência de efeitos o primeiro episódio depressivo por um ano, após dois
adversos cardiovasculares; episódios por dois ou três anos e, se forem três ou mais
■ escitalopram – dose inicial de 10mg/dia e dose episódios, por cinco anos ou mais. Deve-se também,
terapêutica de 10mg/dia a 20mg/dia. Também é avaliar a freqüência e a intensidade dos episódios
bem tolerado e com baixos índices de interações depressivos atuais e anteriores, antes de se decidir
medicamentosas, com estudos que apontam para sobre o tempo de uso da medicação antidepressiva.
maior eficácia em relação ao citalopram (o escita- Paciente com um único episódio depressivo, mas com
lopram é um estiômero do citalopram); tentativa de auto-extermínio, deve ser bem monitora-
■ sertralina – dose inicial de 50mg/dia e dose tera- do, assim como aquele que, nos últimos três anos, teve
pêutica de 50mg/dia a 200mg/dia. Apresenta vários episódios de depressão. Por outro lado, pacien-
efeitos gástricos intensos nos primeiros dias de te que tem 55 anos de idade e teve o primeiro episódio
tratamento, devendo ser administrado junto às aos 23 anos, o segundo aos 40 anos e o terceiro aos 52,

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sem tentativa de auto-extermínio, pode exemplificar mente seguros, em virtude do baixo risco de intera-
um caso mais leve. O antidepressivo leva de 14 a 21 dias ções medicamentosas;
para fazer efeito e a troca dele, nesse período, só se justi- ■ os tricíclicos causam hipotensão ortostática e
fica se houver efeitos colaterais importantes. Os antide- taquicardia (que podem ser prejudiciais em coro-
pressivos também podem ser utilizados em transtornos nariopatas) e devem ser evitados em pacientes
ansiosos, associados ou não a benzodiazepínicos. As psi- com acidente vascular encefálico e, ainda, em
coterapias interpessoal, cognitivo-comportamental e psi- pacientes com defeito de condução cardíaca;
codinâmica breve podem ser muito úteis, associadas ao ■ em pacientes que apresentam insuficiência renal,
uso de antidepressivo, para tratar depressão e ansiedade. os tricíclicos são prejudiciais, devendo-se optar
Psicoterapia de grupo pode ser útil no tratamento do pelos serotonérgicos e pelos estabilizadores de
transtorno de ajustamento. humor. Os preferidos são a carbamazepina e o
valproato de sódio;
D- Recomendações para o uso de antidepressivos em hospi- ■ em pacientes com lesão hepática, deve-se evitar o
tais gerais uso de tricíclicos e sertralina. Há evidências de que
Essas recomendações foram feitas pelo Dr. Marco a paroxetina (iniciando-se por doses menores)
Antônio Brasil, durante Programa de Educação possa ser uma boa opção nesta situação. O lítio é
Continuada da Associação Brasileira de Psiquiatria21: mais bem tolerado em decorrência da mínima elimi-
■ iniciar o uso de antidepressivos com doses mais bai- nação hepática, ao contrário do valproato de sódio
xas que as habituais, como 5mg/dia de paroxetina e da carbamazepina;
ou 12,5mg/dia de amitriptilina, em doses fraciona- ■ em pacientes com diabetes mellitus, os serotonérgicos
das, para melhorar a tolerância; representam boa opção, podendo provocar hipogli-
■ o limiar para o uso de antidepressivo, em pacientes cemia (sobretudo a fluoxetina), pois os tricílicos
com afecções clínico-cirúrgicas, deverá ser um pouco aumentam o apetite por carboidratos e podem pio-
mais alto (a não ser em pacientes gravemente depri- rar o quadro.
midos e com manifestações persistentes), em virtude
de interações entre antidepressivos e fármacos clíni-
Transtornos de ajustamento
cos e alterações metabólicas, resultantes das doenças;
■ os inibidores seletivos de recaptação de serotonina Os transtornos de ajustamento são quadros fronteiri-
são a primeira escolha, embora os tricíclicos sejam ços de reações normais a estressores psicossociais, como
vantajosos para casos muito graves (venlafaxina diagnósticos de doenças graves, internações, doenças em
também pode ser útil, além de mirtazapina, bupro- familiares, aposentadoria, desemprego, término de rela-
piona e duloxetina) e também possam ser lembra- cionamento amoroso. Se após o advento dos estressores,
dos como importante ferramenta e terapêutica para houver o preenchimento de critérios diagnósticos para
casos graves de depressão e outros quadros psiquiá- depressão ou ansiedade, estes diagnósticos devem ser
tricos agudos; valorizados. O tratamento dos transtornos de ajustamen-
■ em casos de pacientes com hemorragia gástrica pré- to pode ser feito com a prescrição, se houver necessida-
via, deve-se evitar o uso de serotonérgicos ou ter de, de benzodiazepínicos ou até mesmo com prova tera-
muita cautela no uso dos mesmos; pêutica com antidepressivos. Psicoterapia individual ou
■ a paroxetina pode causar síndrome de descontinua- terapia de grupo, em pacientes que tenham a mesma
ção ou retirada, devendo ser evitada em pacientes afecção, também podem ser interessantes. Os pacientes
que negligenciam o tratamento; podem apresentar manifestações depressivas e/ou de
■ a fluoxetina relaciona-se com lesões de pele e agita- ansiedade, com pertubação da conduta além de outras
ção (incontrolável para pequena quantidade de inespecíficas, como irritabilidade e insônia.
pacientes) e sua meia-vida impede a síndrome de Os critérios diagnósticos para transtornos de ajusta-
retirada em muitos casos; mento, segundo o DSM-IV17, são os seguintes:
■ o citalopram (o escitalopram parece seguir os A- Desenvolvimento de sintomas emocionais ou
padrões do citalopram) e a sertralina são relativa- comportamentais em resposta a um estressor (ou a múl-
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Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

tiplos estressores), ocorrendo dentro de três meses após que podem ser a causa da ansiedade. Algumas substâncias
o início do estressor (ou estressores). com efeitos farmacológicos também podem se associar à
B- Esses sintomas ou comportamentos são clinica- ansiedade, como cocaína, álcool (abstinência), simpatico-
mente significativos, como evidenciado por qualquer um miméticos, digital, corticóide e cafeína.
dos seguintes quesitos: Os quadros ansiosos mais comuns são transtorno de
■ sofrimento acentuado, que excede o que seria espe- pânico, ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-
rado da exposição ao estressor; compulsivo, fobia social e fobia específica. O transtorno
■ prejuízo significativo ao comportamento social ou de ajustamento, já citado, também pode apresentar-se
profissional (acadêmico). com manifestações de ansiedade, em resposta a diversos
C- A perturbação relacionada ao estresse não satisfaz estressores psicossociais.
os critérios para outro transtorno específico do Eixo I, O tratamento, de maneira resumida, envolve, atual-
nem é meramente uma exacerbação de um transtorno mente, a prescrição de antidepressivos, sobretudo tricí-
preexistente do Eixo I ou do Eixo II. clicos, venlafaxina, mirtazapina e serotonérgicos (os mais
D- Cessado o estressor (ou sua conseqüência), as utilizados, que podem apresentar piora inicial da ansieda-
manifestações não persistem por mais de seis meses. de, sobretudo a fluoxetina, associados ou não a benzo-
Especificar: diazepínicos, no início do tratamento) ou de benzodiaze-
■ agudo: se a perturbação dura menos de seis meses; pínicos isoladamente, para efeito mais rápido. Observa-
■ crônico: se a perturbação dura seis meses ou mais. se boa tolerabilidade, embora possam ocorrer efeitos
colaterais como agitação paradoxal (em idosos, crianças e
em pacientes com lesão do sistema nervoso central), pre-
Ansiedade
juízo de memória, quedas em idosos, dependência e con-
O mesmo raciocínio para a relação entre depressão e fusão mental (benzodiazepínicos de meia-vida curta). Os
doenças clínico-cirúrgicas é válido para ansiedade e sua benzodiazepínicos podem ser prejudiciais a alguns tipos
relação com essas doenças. A ansiedade é um sentimento de psicoterapia, como a cognitivo-comportamental, mas
comum, que provoca desconforto, diante do desconheci- ainda são importantes e muito utilizados, como em
do. Para Sims22, ansiedade é uma emoção tão universal que pacientes com transtorno de ajustamento ou insônia. O
poderia ser considerada má-adaptação não senti-la; ela é benzodiazepínico mais tolerado, em um contexto médi-
parte necessária da resposta do organismo ao estresse. co-geral, seria o lorazepam (mais bem tolerado em casos
A ansiedade patológica envolve resposta a estressores de disfunções hepáticas, por não possuir metabólitos ati-
(ou a percepção dos mesmos) de maneira exagerada, vos, ter meia vida intermediária e, sobretudo, por ser
contínua, prejudicial e mais duradoura que a ansiedade metabolizado por conjugação simples, que é preservada
fisiológica, além de cursar com manifestações mentais e em hepatopatias, a não ser em casos de encefalopatia
físicas. As mentais são: tensão, nervosismo, irritabilidade, hepática, quando seu uso deve ser cauteloso, como para
sentimentos de temor e ameaça, antecipação ansiosa, os demais benzodiazepínicos), em duas ou três vezes por
dificuldade para relaxar, preocupação com coisas triviais, dia, na dosagem de 1mg/dia a 6mg/dia (comprimidos de
pânico, sensação de estranheza, dificuldade de concen- 1mg e 2mg)23.
tração, insônia e insegurança. As somáticas e autonômi- A insônia que dura poucos dias, quando as medidas
cas são: falta de ar, palpitação, tensão muscular, sudore- higiênicas falharem, pode ser abordada com benzodiaze-
se, tontura, boca seca, palidez, parestesias, diarréia e tre- pínicos com propriedades hipnóticas24, como o midazo-
mor. Logicamente, é fundamental o diagnóstico diferen- lam, na dose de 7,5mg/dia a 15mg/dia e hipnóticos não-
cial com diversas condições psiquiátricas e clínico-farma- benzodiazepínicos (são mais seletivos, ativando um dos
cológicas que podem originar, mimetizar ou agravar as sítios de ligação dos benzodiazepínicos) com menos efei-
manifestações de ansiedade. Hipoglicemia, vertigem, aci- tos mio-relaxantes e menos sedação no dia seguinte ao da
dente vascular encefálico, doenças pulmonares e cardíacas prescrição, como zaleplon e zolpidem (5mg/dia a
(p. ex., infarto agudo do miocárdio), hipertensão arterial, 10mg/dia; comprimidos de 10mg), além do zopiclone
hipertireoidismo, hipoglicemia, anemias, infecções, porfi- (3,75mg/dia a 7,5mg/dia; comprimidos de 7,5mg).
ria e epilepsia são algumas das diversas condições médicas Psicoterapia de apoio, psicodinâmica breve e terapia cog-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

nitivo-comportamental podem ser muito importantes vamente intacta; desorientação temporal, assim como, em
para o tratamento dos ansiosos. casos mais graves, espacial e pessoal);
Embora o diagnóstico psiquiátrico seja clínico e C. Perturbações psicomotoras (hipo ou hiperativida-
baseado no que se observa do fenômeno e da psicopa- de e mudanças imprevisíveis de uma para outra; tempo
tologia ao corte transversal, além da avaliação do curso de reação aumentado; aumento ou diminuição do fluxo
longitudinal e dos critérios diagnósticos, em determina- da fala; intensificação da reação de susto);
das situações, escalas para rastreio de manifetações de D. Perturbação do ciclo sono-vigília (insônia ou, em
ansiedade e depressão podem ser importantes. Em casos graves, perda total do sono ou reversão do ciclo
nosso meio, existe a escala hospitalar de ansiedade e sono-vigília; sonolência diurna; piora noturna dos sinto-
depressão, que é uma escala de autopreenchimento com mas; sonhos perturbadores ou pesadelos, os quais
sete ítens para depressão e sete ítens para ansiedade. podem continuar como alucinação após o despertar);
Não figuram nesta escalas manifestações físicas de E. Perturbações emocionais, por exemplo: depressão,
depressão e ansiedade, para que não haja superposição ansiedade ou medo, irritabilidade, euforia, apatia ou per-
de depressão e/ou ansiedade com doenças clínicas. plexidade abismada.
Esta escala foi validada, em nosso meio, por Botega11,25, O início é usualmente rápido, o curso flutuante ao
em enfermarias de hospitais gerais e em epilépticos correr do dia e a duração total da condição é menor que
ambulatoriais. A pontuação em cada escala (seja depres- seis meses. O quadro clínico é tão característico que o
são ou ansiedade), vai de 0 a 21 pontos. Até 7 pontos é diagnóstico pode ser feito mesmo que a causa subjacen-
indicativo de ausência de ansiedade ou depressão e mais te não esteja completamente esclarecida.
de 7 pontos em cada subescala indica a presença de Inclui: síndrome cerebral aguda; estado confusional
ansiedade e/ou depressão (Quadro 27.2). agudo (não-alcoólico); psicose infecciosa aguda; reação
orgânica aguda; síndrome psicorgânica aguda.
A importância do delirium é indicar que o paciente deve
Delirium e outras condições correlatas
ser avaliado prontamente do ponto de vista clínico-labo-
O quadro de delirium também é chamado de confusão ratorial-toxicológico, pois este quadro é secundário a
mental aguda, embora esta denominação seja controver- várias condições médicas, como infecções de sistema ner-
sa. A sua prevalência é alta em hospitais gerais: 10% a voso central, hipotensão, hipoglicemia, hiperglicemia,
30% dos pacientes internados em hospitais gerais podem infarto agudo do miocárdio, infecção urinária, pneumo-
apresentar delirium e, em idosos, esta taxa pode chegar a nia, distúrbios hidroeletrolíticos, abstinência de álcool
50% dos pacientes internados26. Delirium é uma síndrome (delirium-tremens), uso de substâncias anticolinérgicas
clínico-neuropsiquiátrica, caracterizada por rebaixamen- (prednisolona, cimetidina, digoxina, antidepressivos tricí-
to do nível da consciência, flutuação do nível da cons- clicos, antipsicóticos de baixa potência), carbonato de
ciência e dos sintomas em geral, comprometimento lítio, sepse, meningite, tumores, febre, operação cardíaca,
generalizado do funcionamento cognitivo. O critério acidente vascular encefálico, epilepsia, operação de
diagnóstico do CID-10 é mais elucidativo, como descri- fêmur, hemorragias, queimaduras extensas, reumatopa-
to abaixo, em relação aos critérios do DSM-IV. tias, intoxicação medicamentosa, intoxicação devido a
Os critérios diagnósticos para delirium segundo a álcool ou drogas, tireoidopatias, insuficiência renal e
CID-10 são: hepática, hematoma subdural. Logo, quaisquer doenças
A. Comprometimento da consciência e atenção (em clínico-cirúrgicas e medicações, sobretudo em idosos, são
continuum de obnubilação ao coma; capacidade reduzida passíveis de provocar o quadro de delirium e, se não debe-
para dirigir, focar, sustentar e mudar a atenção); lada a causa, o paciente pode falecer, devido à condição
B. Perturbação global da cognição (distorções percepti- médica de base ou evoluir para demência potencialmente
vas, ilusões e alucinações mais freqüentemente visuais; reversível. Não se trata de um quadro para se encaminhar
comprometimento do pensamento abstrato e compreen- para hospital psiquiátrico e sim para hospital geral. Nada
são, com ou sem delírios transitórios, mas tipicamente com impede que um paciente com transtornos psiquiátricos,
algum grau de incoerência, comprometimento das memó- seja pelo uso de medicamentos ou por apresentar comor-
rias imediata e recente, mas com a memória remota relati- bidades clínico-cirúrgicas, apresente quadro de delirium.
342
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Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

Quadro 27.2 .: Escala hospitalar de ansiedade e depressão

Por favor, leia todas as frases. Marque com X a resposta que melhor corresponder a como você tem se sentido na última
semana. Não é preciso ficar pensando muito em cada questão.Vale mais a sua resposta espontânea.
Eu me sinto tenso ou contraído-Ans Estou lento (lerdo) para pensar e fazer as coisas-Dep
( ) 3- a maior parte do tempo ( ) 3- quase sempre
( ) 2- boa parte do tempo ( ) 2- muitas vezes
( ) 1- de vez em quando ( ) 1- de vez em quando
( ) 0- nunca ( ) 0- nunca

Eu ainda sinto gosto (satisfação) pelas mesmas coisas de que Tenho uma sensação ruim de medo (como um frio na espinha
costumava gostar-Dep ou um aperto no estômago...)-Ans
( ) 0- sim do mesmo jeito que antes ( ) 0- nunca
( ) 1- não tanto quanto antes ( ) 1- de vez em quando
( ) 2- só um pouco ( ) 2- muitas vezes
( ) 3- já não sinto prazer em nada ( ) 3- quase sempre
Eu sinto uma espécie de medo, como se alguma coisa ruim Eu perdi o interesse em cuidar da aparência-Dep
fosse acontecer-Ans
( ) 3- sim de um jeito muito forte ( ) 3- completamente
( ) 2- sim mas não tão forte ( ) 2- não estou mais me cuidando como eu deveria
( ) 1- um pouco, mas não tão forte ( ) 1- talvez não tanto quanto antes
( ) 0- não sinto nada disso ( ) 0- me cuido do mesmo jeito que antes
Dou risada e me divirto quando vejo coisas engraçadas-Dep Eu me sinto inquieto, como se eu não pudesse ficar parado em
lugar nenhum-Ans
( ) 0- do mesmo jeito que antes ( ) 3- sim, bastante
( ) 1- atualmente um pouco menos ( ) 2- bastante
( ) 2-atualmente bem menos ( ) 1- um pouco
( ) 3- não consigo mais ( ) 0- não me sinto assim
Estou com a cabeça cheia de preocupações-Ans Fico esperando animado as coisas boas que estão por vir-Dep

( ) 3- a maior parte do tempo ( ) 0- do mesmo jeito que antes


( ) 2- boa parte do tempo ( ) 1- um pouco menos que antes
( ) 1- de vez em quando ( ) 2- bem menos que antes
( ) 0- raramente ( ) 3- quase nunca
Eu me sinto alegre-Dep De repente, tenho a sensação de entrar em pânico-Ans
( ) 3- nunca ( ) 3- a quase todo momento
( ) 2- poucas vezes ( ) 2- várias vezes
( ) 1- muitas vezes ( ) 1- de vez em quando
( ) 0- a maior parte do tempo ( ) 0- não sinto isso

Consigo ficar sentado à vontade e me sentir relaxado-Ans Consigo sentir prazer ao assistir a um bom programa de TV,
de rádio, ou quando leio alguma coisa-Dep
( ) 0- sim, quase sempre ( ) 0- quase sempre
( ) 1- muitas vezes ( ) 1- várias vezes
( ) 2- poucas vezes ( ) 2- poucas vezes
( ) 3- nunca ( ) 3- quase nunca

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

As mesmas doenças ou medicações podem ocasionar 3 ■ Borges G, Saltijeral MT, Bimbela A, Mondragon L. Suicide
agressividade e manifestações psicóticas secundárias à con- attempts in a sample of patients from a general hospital. Arch
Med Res. 2000;31:366-72.
dição médica geral, como alucinações e delírios. Como 4 ■ Hickey L, Hawton K, Fagg J, Witzel H. Deliberate self-harm
exemplo, em 1999, Nicolato et al.26 relataram o caso clínico patients who leave the accident and emergency department
de uma paciente idosa, com surgimento de delírios somáti- without a psychiatric assessment. A neglected population at
cos de infestação e alucinações visuais e táteis (síndrome de risk of suicide. J Psychosom Res. 2001;50:87-93.
Ekbom), secundários a hipertiroidismo. 5 ■ Lyons JS, Hammer JS, Strain JJ, Fulop G. The timing of psychia-
tric consultation in the general hospital and length of hospi-
O tratamento de delirium (sobretudo o quadro com tal stay. Gen Hosp Psych. 1986;8:159-62.
manifestações de agitação, pois o quadro de apatia não 6 ■ Hengeveld MV, Ancion FAJM, Rooijmans HGM. Psychiatric
necessita de psicofármacos), agitação e psicose envolve, se consultations with depressed medical inpatients : a randomi-
possível, a resolução dos quadros médicos de base, após zed contolled cost-efectiveness study. Int Psych Med.
extensa avaliação clínico-laboratorial-toxicológica (hemo- 1988;18:33-43.
7 ■ Botega NJ, Smaira SI. Morbidade psiquiátrica no hospital geral.
grama completo, eletrólitos, exame de urina, radiografia de In: Botega, NJ. Prática psiquiátrica no hospital geral: inter-
tórax, enzimas hepáticas, creatinina e fundo de olho são consulta e emergência. 2006, 2.ed. Porto Alegre, Artmed.
exames de rotina, podendo ser necessário, em situações 8 ■ Tamai S. A interconsulta psiquiátrica em cardiologia: estudo de
especiais, tomografia computadorizada do encéfalo, res- 101 casos. J Bras Psiq.1995;44:631-6.
sonância magnética e até exame do líquor, além de VDRL, 9 ■ Smaira SI. Transtornos psiquiátricos e solicitações de intercon-
sulta psiquiátrica em hospital geral : um estudo de caso-con-
dosagem de ácido fólico, dosagem de B12 e exame toxico- trole. 1999: Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina de
lógico), o uso de antipsicóticos não-anticolinérgicos, como Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo.
o haloperidol, oral ou intramuscular de 0,5mg/dia a 10 ■ Spinelli MA, Toledo ML, Cantinelli F. Interconsulta psiquiátrica
3mg/dia (ou doses mais altas, se necessário). Anti- no hospital geral: comunicação inicial de uma experiência.
psicóticos atípicos, como olanzapina (oral e intramuscular Rev Assoc Med Bras. 1996;42:175-84.
11 ■ Botega NJ. Transtornos do humor em uma enfermaria de clíni-
– 2,5mg/dia a 5mg/dia), risperidona (0,25mg/dia a ca médica e validação de escala de medida (HAD) de
1mg/dia) e quetiapina (oral – 12,5mg/dia a 100mg/dia) ansiedade e depressão. Rev Bras Saúde Pública-SP.
estão sendo utilizados como opção em alguns serviços de 1995;29:355-63.
interconsulta, com êxito, por não apresentarem manifes- 12 ■ Botega NJ, Furlanetto L, Fráguas Jr, R. Depressão In: Botega,
NJ. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e
tações extrapiramidais em doses habituais, mas necessitam
emergência. 2006, 2.ed. Porto Alegre, Artmed.
de mais ensaios clínicos para se viabilizarem como ferra- 13 ■ Carney RM. Major depressive disorder predicts cardiac events in
mentas tão seguras como o haloperidol27-8. Os benzodiaze- patients with coronary artery disease. Psychos Med.
pínicos podem ser importante opção para o tratamento de 1988;50:637-43.
abstinência de álcool e dos próprios benzodiazepínicos. O 14 ■ Frasure-Smith N, Lesperenace F, Talajic M. Depression follo-
wing myocardial infarction: impact on 6-month survival.
tratamento medicamentoso destas condições orgânicas
JAMA. 1994;271:1082.
deve ser revisto diariamente, quanto à manutenção ou não 15 ■ Corrêa H, Laghrissi-Thode, F, Volpe FM, Oliveira JC. Depressão
dos psicofármacos, bem como dosagem e efeitos colate- após infarto do miocárdio. J Bras Psiq. 1999;48:163-7.
rais dos mesmos. Correção de déficits sensoriais (exemplo: 16 ■ Cavanaugh S. Depression in the medically ill. Critical issues in
visão e audição comprometidas) são importantes medidas. diagnostic assessment. Psychosomatics. 1995;36:48-59.
17 ■ Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
4a edição. DSM-IV 1995. Porto Alegre. Artes Médicas.
18 ■ achna JS, Lane RD, Gelenberg AJ. Psicofarmacologia. In: Rundell
Referências JR, Wise MG. Princípios de Psiquiatria de Consultoria e
Ligação. 2004. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan.
1 ■ Happel B, Summers M, Pinikahana J. The triage of psychiatric 19 ■ American Psychiatric Association. Steering commitee on practi-
patients in the hospital emergency department: a comparison ce guidelines. Washington DC; 1996: APA Practice
between emergency department nurses and psychiatric nur- Guidelines.
ses consultants. Accid Emerg Nurs. 2002;10:65-71. 20 ■ Souza FGM. Tratamento da depressão. In: Guias de Medicina
2 ■ Cremniter D, Payan C, Meidinger A, Batista G, Fermanian J. Ambulatorial e Hospitalar. UNIFESP/ Escola Paulista de
Predictors of short-term deterioration and compliance in Medicina. 2002: São Paulo, Manole.
psychiatric emergences : a prospective study of 457 patients 21 ■ Brasil MAA. Aula de depressão e doença clínica. 2005- Programa
referends to the emergency room of a general hospital. de Educação Continuada- Associação Brasileira de
Psychiatry Res. 2001;104:49-59. Psiquiatria- acessada em 01 de novembro de 2005

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Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

http://www3.ecurso.com.br/ 26 ■ Nicolato R, Dias FF, Fuzikawa C, Coelho JLP, Corrêa ACO.


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22 ■ Sims A. Ansiedade, pânico, irritabilidade, fobia e obsessão. In: 1999;1:24-6.
Sims A. Sintomas da mente. Introdução à psicopatogia des- 27 ■ Skrobik YK, Bergeron N, Dumont M, Gottfried SB. Olanzapine
critiva. 2a ed. 2001: Porto Alegre, Artmed. vs haloperidol: treating delirium in a critical care setting.
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2002: Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan. Amisulpride versus quetiapine for the treatment of delirium:
24 ■ Cabreras CC, Sponholz Jr A. Ansiedade e insônia. Depressão In: a randomized, open prospective study. Int Clin
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25 ■ Botega NJ. Validação da escala hospitalar de ansiedade e
depressão em pacientes epilépticos ambulatoriais. J Bras Psiq.
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28
CIRURGIA
NO PACIENTE
DESNUTRIDO
Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Introdução em qualquer uma das etapas desse equilíbrio, o risco de o


indivíduo desenvolver desnutrição é eminente3.
A desnutrição interfere em praticamente todos os sis- A doença, quase sempre, incorre em modificações do
temas orgânicos, afetando as funções mecânicas, metabó- metabolismo do paciente, não só pela própria enfermida-
licas, imunológicas e funcionais. Em conseqüência, a mor- de, como também pelo tratamento efetuado. Essa situa-
bimortalidade cirúrgica, o tempo de internação e os cus- ção pode determinar diminuição da ingestão de alimentos
tos hospitalares estão diretamente relacionados com o ou até jejum, acompanhado, em geral, de aumento das
estado nutricional do doente. Por isso, pacientes desnutri- necessidades nutricionais, assim como utilização alterada
dos devem ser avaliados no pré-operatório e, se necessá- dos alimentos, caracterizando desequilíbrio metabólico.
rio, submetidos a terapia nutricional, por sete a dez dias. Existe, conseqüentemente, na doença, enorme potencial
A freqüência de desnutrição em pacientes hospitaliza- de alteração da composição corpórea (diminuição de
dos foi descrita como sendo entre 10% e 50%1. No massa muscular e tecido adiposo) e das funções orgânicas
Brasil, o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional do indivíduo3. A esse estado denomina-se desnutrição.
Hospitalar avaliou 4.000 doentes adultos, internados pelo Segundo Jellife4, a desnutrição é um estado mórbido
Sistema Único de Saúde em hospitais gerais, e identificou secundário à deficiência ou ao excesso, relativos ou abso-
prevalência de desnutrição de 48,1%, sendo 12,6% deles lutos, de um ou mais nutrientes essenciais.
desnutridos graves2. A terminologia e a definição dos diferentes estados da
A definição de desnutrição é ampla, motivo pelo qual desnutrição têm sido ponto de controvérsia ao longo de
vários autores ao longo dos anos têm utilizado nomencla- decênios, sendo que o termo desnutrição protéico-calóri-
turas diferentes. Por se tratar de quadro carencial de ca refere-se ao conceito antigo e questionável5, que surgiu
macro e micronutrientes, é preferível usar-se um termo após inúmeras dúvidas sobre o diagnóstico de kwashior-
genérico, como desnutrição pluricarencial. kor ou desnutrição protéica das crianças.
A palavra kwashiorkor, inicialmente usada no princípio
do século XX para definir o estado nutricional de crian-
Desnutrição ças africanas desnutridas, significa, na língua de Gana, “a
Definição doença da criança substituída”. Na verdade, essa palavra
foi usada pela Dra. Cicely Williams para definir a síndro-
O estado nutricional adequado é reflexo do equilíbrio me (mais tarde identificada como desnutrição protéica)
entre a ingestão balanceada de alimentos e o consumo de que ocorreu em crianças privadas do aleitamento mater-
energia necessário para manter as funções diárias do no, em conseqüência do nascimento de um novo bebê.
organismo. Sempre que existir algum fator que interfira Essas crianças foram, por conseguinte, alimentadas com
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mingaus ricos em carboidratos e pobres em proteínas, e Na verdade, a desnutrição é uma síndrome carencial
apresentaram baixo peso, crescimento inadequado, de macro e micronutrientes, podendo, no entanto, haver
edema de membros inferiores e ascite5. O uso da palavra a predominância de determinado tipo de deficiência
kwashiorkor tem prevalecido ao longo de decênios, muito sobre os outros. Por conseguinte, o termo mais adequa-
mais pelo seu valor histórico do que por sua correta apli- do para defini-la deveria ser desnutrição pluricarencial.
cabilidade na definição do estado nutricional.
Logo após a II Guerra Mundial, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) enviou pesquisadores para os
Etiologia
países subdesenvolvidos para investigarem as causas e Entre os principais fatores de risco associados ao
a freqüência do kwashiorkor. O Brasil enviou relatório desenvolvimento da desnutrição comunitária, pode-se
no qual enfatizou as diferenças entre o kwashiorkor e o citar a falta de recursos financeiros para adquirir os ali-
marasmo, este último também chamado de jejum par- mentos, tanto em quantidade como em qualidade. Outro
cial ou desnutrição hipocalórica. Os casos intermediá- fator é o desconhecimento sobre a importância da ali-
rios entre o kwashiorkor e o marasmo foram também mentação balanceada e adequada (principalmente com a
descritos. Como conclusão dos relatórios, passou-se de cultura das comidas pré-preparadas e rápidas). Além
nome nativo (tipo código) para nome causal: desnutri- disso, soma-se a ausência de utensílios para a preservação
ção protéica4. No mesmo período, em razão de se crer e preparação adequada dos alimentos. Os fatores emo-
que as taxas de kwarshiorkor eram exorbitantes no cionais, como depressão e isolamento social (principal-
mundo, as Nações Unidas desenvolveram um grupo de mente de idosos), não podem ser também ignorados.
estudo e de aconselhamento em suplementação de pro- Os pacientes hospitalizados, além dos fatores comuni-
teínas para estimular a produção de dietas infantis ricas tários mencionados, podem sofrer influência de outras
nesse nutriente. variáveis de risco para o desenvolvimento de desnutrição,
Posteriormente, na década de 70 do século passado, inerentes à própria doença e à hospitalização por si só.
dúvidas começaram a surgir sobre a realidade do quadro Por muitos anos, acreditou-se que a principal causa da
de desnutrição protéica. Os estudos dietéticos epide- perda de peso em doentes internados fosse aumento do
miológicos mostraram que quase todas as dietas, em paí- gasto energético e do catabolismo associados ao estresse
ses diferentes, atingiram as necessidades protéicas deter- metabólico. Isso decorreu, essencialmente, do uso inade-
minadas pela OMS, ao contrário das necessidades ener- quado de métodos não precisos para quantificar o gasto
géticas que se encontraram abaixo das recomendadas. energético. As medidas do gasto energético total (GET)
McClaren, em estudo provocativo denominado "O foram, até recentemente, realizadas apenas em pacientes
grande fiasco da proteína", mostrou que o marasmo foi gravemente enfermos, internados em unidades de trata-
muito mais prevalente que o kwashiorkor e atacou vigo- mento intensivo, nos quais foi possível medir continua-
rosamente a política adotada pelas Nações Unidas6. mente o consumo de oxigênio e a produção de dióxido
Gopalan, na Índia, mostrou que as crianças desenvolve- de carbono. Os resultados obtidos têm sido muito variá-
ram tanto marasmo como kwashiorkor, independente- veis, porém os valores medianos não têm sido tão dife-
mente de ingestão dietética quantitativa e qualitativa- rentes quando comparados a indivíduos sadios. Mesmo
mente semelhantes5. Para contemporizar essa falta de em pacientes com câncer de pulmão e síndrome da imu-
consenso, o termo desnutrição protéico-calórica ou nodeficiência adquirida, tem-se demonstrado, por meio
energética surgiu como a terminologia que abrangeu o de medidas com isótopos marcados, que o GET não se
grande espectro da síndrome: de um lado, o marasmo, encontra aumentado, ao contrário do demonstrado em
refletindo deficiência de energia; do outro lado, o kwas- alguns estudos anteriores. Pelo contrário, o GET encon-
hiorkor, resultado de relativa deficiência de proteínas. tra-se muitas vezes diminuído por causa do repouso no
Assim, a herança da terminologia, proveniente dos estu- leito e conseqüente diminuição da atividade física, sendo
dos infantis, foi adotada para populações adultas e con- esta última uma variável importante para composição
tinua sendo usada até o momento, sem considerar as dos níveis de GET 7.
deficiências de micronutrientes, que também ocorrem O fator determinante da perda de peso não parece,
em conjunto com as de macronutrientes. então, ser o GET, mas sim a presença de outras variá-
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Capítulo 28 .: Cirurgia no paciente desnutrido

veis, como a resposta orgânica ao trauma e a presença Quadro 28.1 .: Etiologia da desnutrição
de infecção e inflamação que interferem negativamente
Fatores socioeconômicos e culturais
sobre a vontade de comer, a capacidade de absorver Falta de recursos financeiros
nutrientes e a manutenção da composição corpórea. Isolamento social, principalmente do idoso e do demente
Essas alterações são secundárias à liberação de citoci- Desconhecimento sobre alimentação balanceada
Preferências alimentares (p. ex., vegetarianismo)
nas, glicocorticóides, catecolaminas, insulina e fatores
de crescimento relacionados à insulina, os quais são Fatores emocionais
fundamentais para desencadear a resposta orgânica. A Depressão
Ansiedade
absorção de nutrientes pode ou não ser influenciada
Fatores relacionados à doença
por essa cascata de eventos, mas, em pacientes com
Obstrução
doenças do trato gastrointestinal, este é mais um fator Má-absorção
nas causas da desnutrição8. Aumento da demanda metabólica
A diminuição da ingestão de alimentos é crucial no Perdas aumentadas
Doenças crônicas preexistentes
desenvolvimento da desnutrição relacionada à doença. Imposição de restrições alimentares
Entre as causas, é possível verificar o papel das substân-
Outros fatores
cias que atuam no sistema nervoso central. Como exem-
Desconhecimento e não-valorização dos aspectos nutricionais por
plos, destacam-se a liberação de citocinas por tumores parte das equipes de saúde
malignos, a obstrução da orofaringe e do trato gastroin- Internação prolongada
testinal alto por lesões inflamatórias e tumorais, os fato- Ausência de dentes
res emocionais, como depressão e doenças psiquiátricas,
e a dor. Outros exemplos são os problemas respiratórios
e a incapacidade de comer sozinho por demência e/ou Fisiopatologia
restrição física.
A piora do estado nutricional em indivíduos previa-
A má-absorção intestinal de nutrientes, decorrente de
mente sadios resulta em numerosas deficiências funcio-
doenças do trato gastrointestinal, como no caso de insu-
nais como apatia, letargia, alterações da capacidade inte-
ficiência pancreática, síndrome do intestino curto, doen-
lectual, depressão, ansiedade, irritabilidade, além de
ças inflamatórias intestinais, fístulas digestivas e entero-
perda de peso e diminuição das capacidades respiratória,
patias, é outro fator de risco para o desenvolvimento da
cardíaca e termorregulatória. Em crianças e adolescentes,
desnutrição relacionada com a doença. o retardo do crescimento é outro sinal5.
A presença de doenças crônicas, como insuficiência Diversos fenômenos orgânicos ocorrem como con-
renal crônica, hepatopatias, doença pulmonar obstrutiva seqüência da desnutrição e afetam praticamente todos os
e outras, são causas de distúrbios metabólicos que inter- sistemas. Um dos mais afetados é o trato gastrointestinal
ferem na utilização e mobilização de nutrientes corpo- que, além da sua função na digestão e na absorção de
rais, afetando o estado nutricional dos doentes ao longo nutrientes, é considerado importante órgão imunológico
dos anos. ao atuar como barreira à entrada de microrganismos.
Por último, o desconhecimento médico sobre ques- Os componentes da barreira intestinal são a própria
tões nutricionais é mais uma das causas, esta iatrogênica, mucosa intestinal, a mucina, a microbiota simbiótica,
de desnutrição. A ausência de condutas de avaliação do os anticorpos secretórios específicos (p.ex., a IgA
estado nutricional e de tratamento precoce não só dos secretória), os macrófagos e outras células imunológi-
pacientes com carências prévias, mas também daqueles cas da lâmina própria do intestino e dos linfonodos
que, por força da enfermidade, têm a ingestão e a absor- mesentéricos. Todos esses componentes dependem de
ção de nutrientes diminuídas, com concomitante aumen- nutrição adequada para a sua preservação. As células
to do gasto energético, induz à piora do estado nutricio- epiteliais do intestino são renovadas a cada dois a três
nal à medida que os pacientes permanecem internados dias, graças a substratos nutritivos recebidos pelo
por períodos maiores de tempo. No Quadro 28.1 estão lúmen intestinal e sangue. Assim sendo, a ausência de
resumidas as principais causas de desnutrição. nutrientes, a diminuição do fluxo circulatório e fenô-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

menos hormonais podem interferir diretamente na te diminuição do número de bactérias fagocitadas por
capacidade de regeneração da mucosa intestinal. O célula. A expressão do MHC correlacionou-se direta-
melhor estímulo trófico para a proliferação de células mente com a gravidade do estado nutricional.
é a presença de nutrientes no lúmen intestinal. O Recentemente, Twomey et al.11 evidenciaram que a des-
jejum, por curto período de tempo, em indivíduos nutrição diminui a capacidade das enzimas mitocon-
voluntários sadios resulta em alterações das enzimas, driais dos linfócitos.
do fluxo sangüíneo, do tempo de trânsito intestinal, do A capacidade muscular de indivíduos desnutridos
tamanho das vilosidades intestinais, da absorção e da encontra-se significativamente diminuída. Voluntários
permeabilidade intestinal e do turnover de células. O sadios tiveram sua função muscular avaliada por meio da
intestino grosso sofre, também, com o jejum, à medi- medida da força da mão (dinamometria manual) e esta foi
da que parece perder sua capacidade de absorver água diretamente correlacionada com a massa muscular total
e eletrólitos, apesar de ter sua capacidade secretória deles. Dessa forma, a diminuição de massa muscular
estimulada. Roediger8 mostrou que mesmo o íleo tem encontrada em estados nutricionais depauperados está
sua atividade secretória aumentada durante períodos associada à diminuição da capacidade funcional. A asso-
de jejum, o que pode explicar os episódios de diarréia ciação entre desnutrição e diminuição da capacidade fun-
em pacientes com desnutrição grave, associados a cional é provável fator causal de maior incidência de
mortalidade aumentada. Winter et al.9 mostraram dimi- pneumonias em pacientes desnutridos. Estes doentes têm
nuição da função digestiva em pacientes desnutridos alteração da capacidade contrátil dos músculos respirató-
(síntese protéica, secreções gastropancreáticas e absor- rios com concomitante fadiga respiratória precoce. Esse
ção de gorduras e xilose) quando comparada com a de
estado dificulta a expectoração, o que favorece o cresci-
indivíduos sadios.
mento bacteriano. Zeiderman e Jchahon15 mostraram
A função imunológica de doentes desnutridos é alte-
que pacientes com câncer gastrointestinal e com perda de
rada, o que provavelmente incorre na incidência aumen-
peso apresentaram também diminuição da força de con-
tada de complicações infecciosas vistas nesse grupo de
tratilidade do músculo adductor pollicis. As alterações fun-
pacientes. Contudo, é extremamente difícil conseguir
cionais musculares da desnutrição surgem antes das
definir como a imunidade desses indivíduos é afetada
mudanças dos parâmetros antropométricos e laboratoriais.
em conseqüência somente da desnutrição, sem sofrer a
Pacientes submetidos a tratamento cirúrgico têm
interferência de outros fatores de confusão, principal-
mente porque a presença de doenças crônicas e imuno- retardo de cicatrização com aumento de probabilidade
lógicas por si só alteram a imunidade. Alguns estudos de deiscência da ferida operatória e das anastomoses. O
têm mostrado que a desnutrição é fator de risco para processo de cicatrização está intimamente relacionado
diminuição da resposta imunológica10,11. Segundo com a capacidade de produção de colágeno, o que por
Chandra e Kumary12, a imunidade celular encontra-se sua vez está diretamente relacionado com os estoques de
prejudicada em presença de desnutrição. Pacientes des- proteínas disponíveis. Haydock e Hill16 mostraram que
nutridos com câncer de cabeça e pescoço tiveram a pacientes desnutridos tiveram diminuição da produção
expressão do HLA-DR de monócitos significativamen- de hidroxiprolina, proteína percursora do colágeno. A
te diminuída quando comparada com a de pacientes desnutrição também diminui o fluxo sangüíneo esplânc-
não-desnutridos11. Ek et al.13 mostraram que indivíduos nico, o que por si só interfere na motilidade do trato gas-
idosos desnutridos apresentaram boa correlação entre a trointestinal, aumentando a ocorrência de íleo adinâmi-
resposta a testes de sensibilidade cutânea diminuída e co no pós-operatório.
parâmetros antropométricos também diminuídos. Esse A farmacocinética de algumas drogas, como os ami-
mesmo grupo de pacientes apresentou risco aumentado noglicosídeos, encontra-se alterada, principalmente
para o desenvolvimento de úlceras de decúbito e maior quando coexiste hipoalbuminemia. A albumina é carrea-
mortalidade. Welsh et al.14 mostraram que pacientes dora de diversos metabólitos.
cirúrgicos desnutridos apresentaram redução do com- Em resumo, as complicações advindas da desnutri-
plexo de histocompatibilidade maior tipo II (MHC) ção têm impacto negativo na morbidade e mortalidade
quando estimulados com interferon-!, com conseqüen- dos doentes desnutridos.
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Capítulo 28 .: Cirurgia no paciente desnutrido

Diagnóstico Reilly et al.23 identificaram, à internação, pacientes com


risco de desnutrição e os analisaram em função de com-
Existem diversas maneiras de se realizar a avaliação plicações, tempo de internação e custos. Esses autores
do estado nutricional, sem que, no entanto, exista a téc- mostraram que os doentes com algum fator de risco para
nica considerada padrão-ouro, ou seja, aquela que apre- desnutrição apresentaram aumento do número de com-
senta alta sensibilidade e especificidade. Na realidade, a plicações, do tempo de internação e da mortalidade. Os
avaliação nutricional ideal ainda não foi definida, talvez custos associados a esses pacientes estiveram aumentados
devido à complexidade das variações individuais em rela- em cerca de US$ 1.700,00. Meguid et al.21 evidenciaram
ção à composição corpórea e à resposta de cada um às que pacientes desnutridos tiveram permanência hospita-
doenças e situações de estresse. Dever-se-ia, porém, pre- lar aumentada, com concomitante aumento dos custos de
ferir como técnica mais adequada aquela que fosse práti- cerca de US$ 5.000,00 por doente, o que acarretou gasto
ca e fácil de ser realizada pela maioria dos analisadores, anual estimado de 18 bilhões de dólares americanos. Mais
que não fosse invasiva, nem demandasse aparelhos, que recentemente, Chima et al.24 mostraram, por meio de
pudesse ser realizada à beira do leito e tivesse sensibilida- estudo prospectivo, que pacientes com algum fator de
de e especificidade apropriadas. risco para desnutrição apresentaram em relação a contro-
O objetivo da avaliação nutricional é diagnosticar o les nutridos tempo médio de internação significativamen-
estado nutricional e identificar pacientes com risco te superior (seis dias versus quatro dias). Além disso, os
aumentado de complicações devido ao seu estado caren- pacientes desnutridos representaram maior custo hospita-
cial e, conseqüentemente, criar opções para tratamento lar (US$ 6.196,00 versus 4.563,00) e maior risco de interna-
com o intuito de diminuir a morbidade e mortalidade. Este ção domiciliar após a alta hospitalar (31% versus 12%).
assunto é discutido com mais detalhes no Capítulo 7 – No Brasil, o IBRANUTRI25 evidenciou que pacientes
Nutrição e Cirurgia. desnutridos apresentaram incidência de complicações
significativamente aumentada quando comparados com
Impacto da desnutrição na os nutridos (27% versus 16,8%). O tempo de internação
hospitalar e a mortalidade foi maior no grupo de pacien-
morbimortalidade operatória tes desnutridos (16,7 dias versus 10,1 dias e 12,4% versus
Pacientes hospitalizados desnutridos apresentam pro- 4,7%, respectivamente).
babilidade de complicações na sua evolução clínica entre
duas e 20 vezes maior, quando comparados com enfermos Indicações de terapia nutricional
nutridos17. Pacientes com desnutrição grave tiveram índices
de complicações de 42%, enquanto aqueles com desnutri- Pacientes desnutridos graves beneficiam-se de terapia
ção moderada apresentaram 9%18. Weinsier et al.19 mostra- nutricional pré-operatória quando vão submeter-se a
ram que pacientes desnutridos tiveram índice de mortalida- operações programadas, principalmente nos casos de
de três vezes superior ao daqueles que se encontravam grande porte. O estudo do Veterans Administration26 mos-
nutridos. Seltzer et al.20 registraram que doentes com perda trou que pacientes desnutridos graves que receberam
de peso acima de 4,5kg tiveram aumento de 19 vezes na nutrição parenteral pré-operatória tiveram significativa
mortalidade. Meguid et al.21 identificaram, em pacientes redução de complicações, principalmente infecciosas. O
submetidos a tratamento cirúrgico de câncer colorretal, mesmo resultado não foi encontrado em pacientes nutri-
mortalidade de 12% em pacientes desnutridos e de 6% em dos ou desnutridos moderados. Nesses últimos, de acor-
pacientes nutridos. do com a situação, também se faz necessário o retardo
A desnutrição influencia negativamente a evolução do procedimento cirúrgico. Em situações em que o
dos pacientes, com concomitante aumento do tempo de paciente tiver que se submeter a propedêutica comple-
internação e custos. Robinson et al.22 mostraram que mentar que demande acréscimo de dias em jejum, a tera-
pacientes desnutridos à internação tiveram seu tempo de pia nutricional também deverá ser avaliada. Este assunto
permanência hospitalar aumentado em média seis dias, é detalhadamente abordado no Capítulo 7 – Nutrição e
quando comparados ao grupo de pacientes nutridos, com Cirurgia. No Quadro 28.2, estão expressas as indicações
um aumento de gastos de US$ 9.000,00 por paciente. principais de terapia nutricional perioperatória.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 28.2 .: Indicações de terapia nutricional perioperatória normatizar a prática da terapia nutricional no país. No
entanto, não basta que essas leis tenham sido criadas e
Pré-operatório
Pacientes desnutridos graves
publicadas; é importante que sejam difundidas e postas
Pacientes desnutridos moderados com outras comorbidades ou em prática. As informações sobre a prevalência de des-
fatores de risco, que demandam preparo pré-operatório nutrição e o impacto desta sobre a morbidade, a mortali-
Pós-operatório dade, o tempo de internação e os custos hospitalares
Pacientes submetidos a grandes operações, independentemente também devem ser conhecidas pelos profissionais de
do estado nutricional saúde. Para isso, é fundamental que o ensino de Nutrição
Pacientes desnutridos que permanecerão em jejum por mais de
e de Terapia Nutricional passem a ser rotineiros.
cinco dias
Pacientes nutridos que permanecerão em jejum por mais de
sete dias
Referências
1 ■ Bistrian BR, Blackburn GL, Vitale J, Cochran D, Naylor J.
Prevalence of malnutrition in general medical patients.
JAMA. 1976;235:1567-70.
Conclusão 2 ■ Waitzberg DL, Caiaffa WT, Correia MITD. Hospital malnutri-
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dade e custos está bem demonstrada na literatura, como 3 ■ Carvalho EB, Sales TRA. Avaliação nutricional – a base da esco-
já mencionado. Sendo a desnutrição primária aquela lha terapêutica. In: Carvalho EB (ed). Manual de suporte
decorrente do meio social, a secundária uma conseqüên- nutricional. Medsi, Rio de Janeiro, 1992, cap.3., p. 21-39.
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iatrogênico do médico/hospital8. Diversas atitudes
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devem ser tomadas para tentar mudar esse quadro. O of the problem. Clin Nutr. 1997;16:3S-9S.
ideal seria intervir nas diferentes etapas associadas a esse 6 ■ Mclaren DS. A fresh look at protein-energy malnutrition in the
estado carencial, com os seguintes objetivos: hospitalized patient. Nutrition. 1988;4:1-6.
■ melhorar o conhecimento da população sobre a ali- 7 ■ Green CJ. Existence, causes and consequences of disease-related
malnutrition in the hospital and the community, and clinical
mentação adequada por intermédio de campanhas
and financial benefits of nutritional intervention. Clin Nutr.
educacionais populares. Nestas, deveriam ser salien- 1999;18:3-28.
tados os aspectos nutricionais de grupos de alimentos 8 ■ Roediger WEW. Famine, fiber, fatty acids, and failed colonic
e fornecidas informações para que mesmo a popula- absorption: does fiber fermentation ameliorate diarrhea? J
ção mais pobre possa ingerir alimentos de baixo Parent Enter Nutr. 1994;18:4-8.
9 ■ Winter TA, Ogden JM, Lemmer E. The vicious circle of malnu-
custo, porém ricos em nutrientes saudáveis;
trition, maldigestion, and malabsorption; response to specia-
■ introduzir técnicas de triagem nutricional para
lized refeeding. Nutrition. 1994;10:489.
serem executadas à admissão hospitalar dos pacien- 10 ■ Van Bokhorst MA, Van Der Schueren DE, Von Blomberg
tes ou mesmo indicar a avaliação nutricional como VDF, Fiezebos RK. Differences in immune status between
rotina admissional hospitalar; well-nourished head and neck cancer patients. Clin Nutr.
1998;17:107-11.
■ estimular a consciência dos profissionais de saúde
11 ■ Twomey C, Briet F, Jeejeebhoy KN. Adverse effect of malnutri-
para os aspectos nutricionais, por meio do ensino tion on lymphocyte mitochondrial complex I activity in
da Nutrição. Para isso, seria fundamental sensibili- humans. Clin Nutr. 1999;5:18.
zar o Ministério da Educação para o assunto, via 12 ■ Chandra RK, Kumary S. Effects of nutrition on the immune
fornecimento de dados que comprovem a associa- system. Nutrition. 1994;10:207-10.
13 ■ Ek A-C, Larsson J, Von Schenck H, Throslun S, Unossson M,
ção entre a carência do ensino de Nutrição versus a
Bjurulf P. The correlation between anergy, malnutrition and
realidade da desnutrição hospitalar e o impacto cau- clinical outcome in na elderly hospital population. Clin Nutr.
sado por ela na evolução do paciente. 1990;9:185-9.
14 ■ Welsh FKS, Farmey SM, Ramsden C, Guillou PJ, Reynolds JV.
Sem dúvida, as portarias 272 e 337, assim como a 38 Reversible impairment in monocyte major histocompatibility
do Ministério da Saúde do Brasil (1998, 1999)27 foram complex class II expression in malnourished surgical patients.
atos importantes que o governo brasileiro adotou para J Parent Enter Nutr. 1996;20:344-8.

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Capítulo 28 .: Cirurgia no paciente desnutrido

15 ■ Zeiderman MR, Jchahon MJ. The role of objective measurement 22 ■ Robinson G, Goldstein M, Levin GM. Impact of nutritional sta-
of skeletal muscle function in the pre-operative patient. Clin tus on DRG length of stay. J Parent Enter Nutr. 1987;11:49-
Nutr. 1989;8:161-6. 51.
16 ■ Haydock DA, Hill GL. Impaired wound healing in surgical 23 ■ Reilly JJ, Hull SF, Albert N, Waller A, Bringardener S. Economic
patients with varying degrees of malnutrition. J Parenter impact of malnutrition: a model system for hospitalised
Enteral Nutr. 1986;10:550-4. patients. J Parent Enter Nutr. 1988;12:371-6.
17 ■ Buzby JP, Mullen JL, Mattews DC, Hobbs CL, Rosato EF. 24 ■ Chima CS, Barco K, Dewitt JLA, Maeda M, Teran JC, Mullen
Prognostic nutritional index in gastrointestinal surgery. Am J KD. Relationship of nutritional status to length of stay, hos-
Surg. 1980;139:160-7. pital costs, and discharge status of patients hospitalized in the
18 ■ Detsky AS, Baker JP, O'Rourke K, Goel V. Perioperative parente- medicine service. Aliment Pharmacol Ther. 1997;11:975-8.
ral nutrition: a meta-analysis. Ann Int Med. 1987;107:195-203. 25 ■ Correia MITD, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on
19 ■ Weinsier RL, Hunker EM, Krumdieck CL, Butterworth CE. morbidity, mortality, length of hospital stay and costs evalua-
Hospital malnutrition: a prospective evaluation of general ted through a multivariate model analysis. Clin Nutr.
medical patients during a course of hospitalization. Am J Clin 2003;22:235-9.
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21 ■ Meguid M, Mughal M, Meguid V. Risk-benefit analysis of malnu- 27 ■ Governo Brasileiro, Ministério da Saúde, portarias 272 de 1998 e
trition and preoperative nutritional support: a review. 337 de 14 de abril de 1999.
Nutrition. 1987;3:25.

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29
CIRURGIA NO
PACIENTE
OBESO MÓRBIDO
Marco Túlio Costa Diniz, Soraya Rodrigues de Almeida Sanches,
Alexandre Lages Savassi Rocha

Introdução hospitalar e abordagem multidisciplinar (cirurgião, clínico


ou endocrinologista, anestesiologista, enfermeira, fisiotera-
Define-se como paciente obeso mórbido ou obeso peuta, psicólogo, nutricionista etc.) são elementos impor-
classe III aquele que apresenta índice de massa corpórea tantes para a obtenção de bons resultados2.
(IMC) igual ou maior que 40kg/m2. 1
A incidência da obesidade mórbida tem aumentado de
forma alarmante em vários países do mundo (inclusive no Fatores de risco associados à obesidade
Brasil), atingindo proporções epidêmicas. Além de ocasio-
nar piora significativa da qualidade de vida, a doença favo- A obesidade mórbida relaciona-se diretamente ao sur-
rece o surgimento de inúmeras afecções e determina mor- gimento de diversas doenças, algumas das quais determi-
talidade precoce e elevada nesse grupo de pacientes. nam aumento do risco anestésico-cirúrgico. O diagnósti-
Indivíduos entre 25 e 34 anos apresentam mortalidade co e controle dessas condições constituem a etapa inicial
cerca de 12 vezes maior que a da população geral2. do preparo pré-operatório.
O número de operações realizadas em pacientes A solicitação indiscriminada de exames pré-operatórios
obesos mórbidos tem aumentado, compreendendo de maior complexidade para esses pacientes não encontra
atualmente cerca de 1% a 2% dos procedimentos cirúr- respaldo na literatura2. A propedêutica pré-operatória,
gicos3. Isso se deve, em grande parte, à difusão das ope- assim como nos pacientes com peso normal, deve ser dire-
rações utilizadas para tratamento da obesidade mórbida cionada pelo exame clínico e pelas doenças preexistentes.
(operações bariátricas).
A perda de 5% a 10% do peso corporal pode contri-
A obesidade mórbida aumenta significativamente a
buir significativamente para o controle das comorbidades
dificuldade técnica de vários procedimentos e torna
existentes, e deve ser recomendada a todos os pacientes5.
necessária infra-estrutura hospitalar especial. Os pacien-
tes apresentam freqüentemente condição clínica precária Embora se considere que obesos mórbidos apresentem
e várias comorbidades, tolerando mal as complicações2. maior incidência de complicações pós-operatórias, esse
Esses fatores fazem com que eles constituam grupo à conceito tem sido questionado, não havendo evidências
parte no contexto da clínica cirúrgica. científicas que o comprovem6,7. Por outro lado, a ocorrên-
Deve-se salientar que a obesidade mórbida não repre- cia de complicações é muitas vezes desastrosa devido ao
senta contra-indicação à realização de operações que cons- equilíbrio extremamente frágil das funções orgânicas desses
tituam a melhor alternativa terapêutica4. Por outro lado, pacientes. As principais comorbidades dos obesos mórbi-
preparo pré-operatório cuidadoso, adequação do ambiente dos estão sumariadas no Quadro 29.1.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 29.1 .: Principais comorbidades em pacientes obesos A perda de pelo menos 10% do peso corporal pro-
mórbidos porciona melhora efetiva do quadro, constituindo um
dos pilares do tratamento. O paciente deve ser orientado
Distúrbios respiratórios a dormir em decúbito lateral (nessa posição, é menor o
Distúrbios cardiovasculares risco de obstrução das vias aéreas) e a evitar o uso de
Dislipidemia álcool e sedativos8.
Diabetes mellitus
A utilização do CPAP (continuous positive airway pressure),
que consiste na aplicação de ar comprimido por meio de
Trombose venosa profunda de membros inferiores
máscara nasal firmemente aderida à face do paciente, pode
Síndrome metabólica
ser necessária durante o sono no intuito de prevenir o
Artropatias
colapso da via aérea8.
Alterações hepáticas
A hipoventilação do obeso se caracteriza pela ocor-
rência de hipoxemia (PO2 < 55mmHg) e/ou hipercapnia
(PCO2 > 47mmHg) de caráter crônico, que ocorre(m)
Distúrbios respiratórios devido a diversos fatores: aumento da demanda ventila-
tória e do consumo de oxigênio, ineficiência da muscula-
A obesidade é fator de risco independente para a tura respiratória, diminuição da complacência pulmonar
síndrome de apnéia obstrutiva do sono, que ocorre em e do volume expiratório residual, aumento da produção
mais de 40% dos obesos mórbidos (principalmente de CO2, diminuição do reflexo genioglosso e da resposta
nos do sexo masculino)8. A síndrome tem caráter crô- central à hipercapnia e à hipoxemia5,8.
nico e progressivo, caracterizando-se pela ocorrência A síndrome de Pickwickian representa o estágio mais
de episódios de obstrução total ou parcial das vias avançado da hipoventilação8. A hipoxemia grave e pro-
aéreas durante o sono, de forma cíclica e repetitiva. A longada determina o surgimento de hipertensão pulmo-
interrupção do fluxo aéreo resulta em hipoxemia e nar, que pode originar quadro de insuficiência cardíaca
hipercapnia. Ocorrem inúmeros “microdespertares” (cor pulmonale). A ocorrência de arritmias atriais e ventri-
culares é freqüente nessas situações5,8.
durante o sono, durante os quais a patência das vias
aéreas é restabelecida, evitando as conseqüências da
hipoxemia prolongada5,8. Distúrbios cardiovasculares
Nos indivíduos que apresentam essa síndrome, o
sono é fragmentado e não-reparador, o que resulta em A obesidade mórbida constitui fator de risco inde-
sonolência excessiva no período diurno. Outros acha- pendente para doença cardiovascular em ambos os
sexos. Relata-se incidência de 25% a 60% de hipertensão
dos clínicos incluem ronco alto, fadiga, déficits cogni-
arterial sistêmica e de 50% a 75% de coronariopatia nes-
tivos e alterações comportamentais8.
ses pacientes5. O risco de morte súbita também é signifi-
A síndrome da apnéia obstrutiva do sono é reconhe-
cativamente maior. Esses distúrbios são os principais res-
cida atualmente como causa secundária de hipertensão
ponsáveis pelos índices elevados de morbimortalidade
arterial sistêmica, freqüentemente refratária à terapia observados em obesos mórbidos.
medicamentosa e que apresenta maior tendência a cau- A resistência à insulina e a hiperinsulinemia, freqüente-
sar lesões de órgãos-alvo, como a hipertrofia ventricu- mente associadas à obesidade mórbida, constituem tam-
lar esquerda8. Além disso, a síndrome favorece o surgi- bém fatores de risco independentes para doenças cardio-
mento ou agravamento de condições como insuficiên- vasculares. A hiperinsulinemia relaciona-se diretamente à
cia cardíaca congestiva, isquemia miocárdica, arritmias hipertrofia ventricular esquerda e ao aumento da relação
cardíacas e distúrbios do metabolismo da glicose8. entre a massa ventricular esquerda e o volume diastólico
O diagnóstico é confirmado por meio de polissono- final1,9. Estudos prospectivos e epidemiológicos têm
grafia, exame que monitora o sono de forma contínua, demonstrado sua associação com as doenças isquêmica
avaliando também oxigenação, movimentos respiratórios coronariana e vascular cerebral, atuando como fator de
e atividade cerebral (por meio de eletroencefalografia)8. hipertrofia vascular9,10.
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Capítulo 29 .: Cirurgia no paciente obeso mórbido

Dislipidemia central)11. Sua etiologia é complexa, relacionando-se a


alterações bioquímicas ainda parcialmente compreendi-
A prevalência da dislipidemia em pacientes com obe-
das. Resistência à insulina, disfunção endotelial e ativação
sidade mórbida varia entre 15% e 25%. São mais comuns
crônica do sistema imunológico são elementos importan-
a elevação dos triglicérides e a diminuição do HDL-
tes na sua fisiopatologia11.
colesterol. O aumento do LDL-colesterol é observado
Clinicamente, a síndrome metabólica se caracteriza
principalmente nos pacientes com obesidade visceral1,5.
Essas alterações contribuem para o agravamento do per- pela associação de diversos distúrbios - alterações do
fil aterogênico, especialmente quando associadas a outros metabolismo da glicose (intolerância à glicose, diabetes
fatores de risco (tabagismo, hipertensão arterial etc.)1,5. mellitus), dislipidemias (hipercolesterolemia, níveis baixos
de HDL, hipertrigliceridemia), hipertensão arterial, insu-
ficiência cardíaca, apnéia obstrutiva do sono - os quais
Diabetes mellitus favorecem direta ou indiretamente o surgimento da ate-
A associação entre obesidade mórbida e diabetes melli- rosclerose11. A ocorrência de estado pró-trombótico (ele-
tus tipo 2 está bem estabelecida, observando-se aumento vação do fibrinogênio, ativação de vias de coagulação
exponencial do risco à medida que se eleva o índice de etc.) associado parece contribuir para o aumento da inci-
massa corpórea5. dência de eventos cardiovasculares aterotrombóticos
O diabetes mellitus tipo 2 se caracteriza por resistência observado nesses pacientes11-3.
insulínica (agravada pelo acúmulo de tecido adiposo vis- A perda de peso é condição primordial para evitar ou
ceral), aumento da produção hepática de glicose e insufi- minimizar as conseqüências da síndrome metabólica11. A
ciência pancreática na produção de insulina. diminuição de 5% a 10% do peso proporciona melhora
A hiperglicemia crônica é responsável pela glicotoxicida- do perfil metabólico, além de facilitar o controle dos
de, que determina o agravamento da resistência insulínica e níveis pressóricos5,11.
ocasiona o distúrbio secretório das células betapancreáticas5.
Complicações crônicas do diabetes mellitus incluem
neuropatia, nefropatia, retinopatia e alterações macrovas- Artropatias
culares. Distúrbios de cicatrização e risco aumentado de
A deambulação dos pacientes pode ser extremamen-
infecção constituem problemas que podem afetar a evo-
te dificultada por dores articulares e artropatias degene-
lução pós-operatória.
rativas secundárias ao excesso de peso, que acometem
freqüentemente as articulações dos joelhos e tornozelos,
Trombose venosa profunda de membros inferiores além da coluna vertebral.
Essas alterações podem impedir a movimentação
A obesidade mórbida se associa freqüentemente à
adequada no pós-operatório, agravando problemas
estase venosa de membros inferiores e constitui fator de
como retenção de secreções na árvore respiratória e íleo
risco independente para trombose venosa profunda.
funcional e favorecendo a ocorrência de trombose veno-
Após operações bariátricas, essa complicação atinge até
2,6% dos casos2. O tromboembolismo pulmonar tam- sa profunda de membros inferiores2.
bém é mais comum em pacientes obesos mórbidos, acar-
retando índices elevados de mortalidade2,5. Alterações hepáticas
É importante que se descarte a ocorrência de trombose
venosa profunda durante o pré-operatório, evitando-se a A esteatose hepática e a esteato-hepatite não-alcoóli-
realização de qualquer operação na vigência do quadro. ca estão diretamente relacionadas à obesidade, sendo
mais prevalentes e graves nos pacientes obesos mórbi-
dos14. Existem casos de evolução para cirrose hepática, e
Síndrome metabólica
mesmo pacientes em estádios menos avançados da doen-
A síndrome metabólica (ou plurimetabólica) é asso- ça podem apresentar alterações como hipoalbuminemia
ciada ao acúmulo de tecido adiposo visceral (obesidade e distúrbios de coagulação5,14.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Adequação do ambiente hospitalar medicamentos anti-hipertensivos e antiarrítmicos, sus-


pensão de hipoglicemiantes orais e substituição por insu-
Materiais cirúrgicos lina no período pré-operatório, entre outros.
O equipamento anestésico deve incluir materiais de
ventilação mecânica e intubação compatíveis com o Peroperatório
porte dos pacientes obesos.
O instrumental cirúrgico (pinças, tesouras, porta-agu- O posicionamento do paciente na mesa cirúrgica
lhas etc.) também deve ter comprimento maior que o habi- requer especial atenção, em particular com a proteção
tual, de forma a tornar viável a realização das operações. das áreas de pressão, pelo elevado risco de úlceras de
decúbito e lesões nervosas nos grandes obesos.
Lesões do plexo braquial e nervo ciático podem ocor-
Mobiliário rer com maior freqüência no obeso. Lesões de estira-
mento podem ser causadas por abdução extrema do
Os leitos hospitalares devem ser adequados aos
braço ou por compressão. Os nervos ciático, femoral,
pacientes obesos, com dimensões apropriadas e resistên-
cutâneo lateral e ulnar são susceptíveis às lesões de tra-
cia superior aos demais. A possibilidade de transporte do
ção. Essas lesões estão relacionadas com índice de massa
paciente no próprio leito para outras unidades (centro de
corpórea > 38kg/m2. Pacientes do sexo masculino são
terapia intensiva, setor de radiologia, centro cirúrgico
mais propensos ao desenvolvimento de neuropatia2.
etc.) e o controle automático facilitam a mobilização des-
A posição supina é mal tolerada. Nessa posição ocor-
ses pacientes.
re aumento do débito cardíaco, do consumo de O2 e do
As mesas cirúrgicas devem ser adequadas para supor-
trabalho respiratório. A compressão da veia cava inferior
tar pacientes com mais de 200kg e permitir alterações de
pode levar à hipotensão no período peroperatório, que
posição (elevação e abaixamento, proclive etc.), facilitan-
pode ser evitada com a lateralização da mesa cirúrgica ou
do a execução dos procedimentos anestésicos (punções,
utilização de coxim sob o paciente.
bloqueios etc.) e cirúrgicos.
Pela possibilidade de indução anestésica e intubação
mais complicadas, recomenda-se a presença de dois
Pré-operatório anestesiologistas no momento da indução anestésica.
A monitorização deve incluir monitorização eletro-
A avaliação pré-operatória é de fundamental impor- cardiográfica contínua, oximetria de pulso, capnografia,
tância nestes pacientes. Deve-se avaliar história clínica, capnometria e análise dos gases expirados. Deve-se
condições físicas, exames pré-operatórios, medicamentos determinar as medidas do volume corrente, freqüência
de uso rotineiro e antecedentes anestésicos e cirúrgicos. respiratória, volume minuto, pressão das vias aéreas,
A avaliação pré-anestésica também é aconselhável. Os complacência pulmonar, fração inspirada de O2 e grau
pacientes devem ser avaliados corretamente quanto à difi- do bloqueio neuromuscular (estimulador de nervos peri-
culdade de intubação orotraqueal: operações prévias, ava- féricos). O manguito para monitorização da pressão arte-
liação da abertura da boca, posição e estado dos dentes, rial deve ser adequado ao diâmetro do braço para aferi-
conformação da mandíbula, distâncias esterno-mento e ção correta.
tireo-mento e mobilidade do pescoço. A equipe anestési- Medidas mais invasivas de monitorização como pres-
ca deve ter condições de utilizar algumas medidas de são venosa central (PVC) e pressão intraarterial (PIA)
exceção, como intubação com o paciente acordado, fibro- podem estar indicadas de acordo com a avaliação pré-
broncoscopia e mesmo cricotireotomia e traqueostomia. operatória e o porte da operação.
Devido ao elevado risco de trombose venosa profun- A pré-oxigenação durante três a cinco minutos é pri-
da e tromboembolismo pulmonar, preconiza-se o início mordial antes da indução anestésica. Pode ser necessária
de heparinização profilática 12 horas antes do procedi- a utilização de manobra de Sellick para se evitar aspiração
mento cirúrgico. broncopulmonar.
Vários cuidados pré-operatórios são semelhantes aos A utilização de cateterismo vesical de demora para
destinados a pacientes não-obesos, como manutenção de monitorização do débito urinário está indicada nos
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Capítulo 29 .: Cirurgia no paciente obeso mórbido

pacientes com comorbidades graves e nos excessivamen- Em casos selecionados, está indicado o uso de CPAP
te obesos, pela dificuldade de mobilização no pós-opera- ou BIPAP, além de fisioterapia respiratória.
tório imediato. A utilização de recipientes como “marre- Deve-se manter a cabeceira do paciente elevada para
cos” e “comadres” é extremamente difícil nos obesos e melhor oxigenação, além de analgesia adequada. O uso
muitas vezes constrangedora. de opióides no pós-operatório pode levar à depressão
A exposição cirúrgica pode ser difícil no paciente respiratória.
obeso mórbido. O serviço de Cirurgia deve ser equipado A imobilização prolongada deve ser evitada devido ao
com material cirúrgico adequado como afastadores, vál- alto risco de este paciente desenvolver tromboembolis-
vulas e instrumentos longos. mo pulmonar. Está recomendada a manutenção da hepa-
Algumas rotinas que regem a boa técnica cirúrgica rina profilática por pelo menos dez dias.
devem ser mais cuidadosas no paciente obeso como
hemostasia rigorosa e prevenção de espaço vazio. A utiliza- Complicações cirúrgicas
ção de fios cirúrgicos mais calibrosos (nº 5) possibilitou a
redução da incidência de hérnia incisional em pacientes Pacientes com obesidade mórbida apresentam morta-
operados no Instituto Alfa de Gastroenterologia – lidade de 6,6% comparada com 2,6% em pacientes não-
Hospital das Clínicas da UFMG. obesos submetidos a operações gastrointestinais. Esses
Nos casos de procedimentos laparoscópicos, deve-se pacientes apresentam alta incidência de comorbidades,
lembrar que a complacência pulmonar pode ser reduzida incluindo diabetes mellitus, hipertensão arterial, hipertrofia
pelo pneumoperitônio. É necessário aumento do volume de ventrículo esquerdo, refluxo gastroesofágico e com-
minuto para adequação da respiração. plicações cardiopulmonares (síndrome da hipoventilação
A obesidade mórbida era considerada contra-indica- associada a obesidade, apnéia do sono, hipertensão pul-
ção relativa ao procedimento laparoscópico. Atualmente, monar e insuficiência ventricular direita) 2,16.
essa via de acesso também demonstra superioridade em Em um estudo que avaliou 6.336 pacientes obesos
mórbidos submetidos a operações eletivas, observou-se
relação a vários aspectos, como redução da dor pós-ope-
que a obesidade aumentou o risco de infecção do sítio
ratória, redução do período de internação, menor inci-
cirúrgico. Entretanto, o efeito da obesidade em outros
dência de hérnia incisional etc.
tipos de complicações pós-operatórias não foi estatistica-
O uso de meias elásticas e/ou de compressão intermi-
mente significativo6.
tente dos membros inferiores nos períodos per e pós-
operatório imediato está indicado para diminuir o risco
de fenômenos tromboembólicos. Seroma
Ao final do procedimento, atenção redobrada deve
O seroma ocorre após procedimentos cirúrgicos com
ser tomada com a extubação. O paciente deve apresentar
grandes descolamentos de pele e subcutâneo. No pacien-
nível adequado de consciência, evitando, assim, a possi-
te obeso mórbido é freqüente o aparecimento de seroma.
bilidade de obstrução das vias aéreas e broncoaspiração.
Habitualmente ocorre drenagem espontânea da coleção
pela ferida cirúrgica.
Pós-operatório O tratamento do seroma consiste na punção e/ou
drenagem dele. Nos casos de pequenos seromas, pode-se
A permanência destes pacientes em unidades de trata- optar pelo tratamento conservador.
mento intensivo no pós-operatório imediato é recomen-
dada. No entanto, a decisão sobre esse procedimento
Infecção de sítio cirúrgico
depende do exame clínico e avaliação anestésica nos perío-
dos per e pós-operatório imediato. A obesidade mórbida constitui fator de risco para
Pacientes obesos apresentam risco de desenvolver infecção do sítio cirúrgico, especialmente infecções
insuficiência respiratória no pós-operatório. A utilização esternais e mediastinais22,26. Devem ser utilizados antibió-
rotineira de O2 por cateter ou máscara nasal está indica- ticos profiláticos de acordo com o tipo de operação a ser
da nas primeiras horas. realizada. Nguyen et al.15 observaram incidência de infec-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ção do sítio cirúrgico em 10,5% dos pacientes submeti- A combinação de todos esses fatores, associada aos
dos a bypass gástrico convencional. Esse índice se reduz a procedimentos cirúrgicos abdominais com pacientes na
1,3% na via laparoscópica. Diversos autores a conside- posição supina por várias horas, contribui para o desen-
ram também como fator adicional de risco para outras volvimento da trombose venosa profunda e tromboem-
operações, argumentando que nos obesos a área da feri- bolismo pulmonar.
da é maior, o fluxo sangüíneo para o local da incisão é O diagnóstico da trombose venosa profunda ao
proporcionalmente menor, existe maior dificuldade téc- exame clínico é extremamente difícil. O duplex scan é o
nica e o tempo cirúrgico é mais prolongado. melhor teste para o diagnóstico, mas sua interpretação
pode ser difícil nos pacientes obesos.
A embolia pulmonar ocorre subitamente, podendo
Atelectasia
ser fatal. A massagem cardíaca externa geralmente é ine-
Em pacientes obesos mórbidos são comuns as com- ficaz nos pacientes obesos mórbidos. Pacientes com sín-
plicações respiratórias, especialmente após operações drome de hipoventilação associada à obesidade e cor pul-
abdominais. A dor pós-operatória limita a expansibilida- monale apresentam pequena reserva pulmonar e risco alto
de pulmonar, levando à formação de atelectasias. de morte após embolia pulmonar leve ou moderada.
A atelectasia decorre do colabamento de um ou mais Medidas preventivas devem ser iniciadas no pré-ope-
segmentos dos lobos pulmonares. Ocorre geralmente ratório, como heparina, administrada por via subcutânea
nas primeiras 24 horas de pós-operatório. Febre e taqui- (5.000UI de 8 em 8 horas), ou heparina de baixo peso
cardia são os sinais mais freqüentes. A fisioterapia respi- molecular. As doses devem ser maiores que as adminis-
ratória deve ser realizada, incluindo o uso de espirôme- tradas a pacientes não-obesos, apesar de não haver con-
tros de incentivo. Em pacientes com apnéia do sono, senso na literatura. Esse medicamento deve ser mantido
preconiza-se o uso de CPAP. durante a hospitalização. Embora também não exista
As técnicas laparoscópicas proporcionam menor inci- consenso em relação ao tempo de uso da heparina,
dência de atelectasia no pós-operatório devido a menor alguns estudos preconizam a manutenção por pelo
intensidade da dor. A adequada analgesia pós-operatória menos dez dias17.
diminui a incidência de complicações respiratórias2. O uso peroperatório de meias elásticas e/ou de com-
pressão pneumática intermitente e a deambulação precoce
no pós-operatório também são medidas fundamentais.
Tromboembolismo pulmonar
Provavelmente, a causa mais comum de morte súbita Hérnia incisional
em pacientes obesos mórbidos submetidos a procedi-
mentos cirúrgicos é a embolia pulmonar. Esta pode A incidência de hérnia incisional pode atingir 15% a
ocorrer no pós-operatório imediato ou tardio. A incidên- 20% dos pacientes obesos mórbidos submetidos a lapa-
cia de trombose venosa profunda e tromboembolismo rotomia17,18. Quando o paciente apresenta hérnia incisio-
pulmonar é de 2,6% e 0,95%, respectivamente2. nal prévia, essa incidência pode duplicar.
Vários fatores contribuem para o aumento da inci- A etiologia da hérnia incisional é multifatorial. O
dência de trombose venosa profunda e tromboembolis- paciente obeso mórbido apresenta aumento da pressão
mo pulmonar nestes pacientes. A maioria dos obesos intra-abdominal. Vários pacientes apresentam algum
mórbidos são sedentários. Alguns apresentam degenera- grau de disfunção respiratória, como apnéia do sono, sín-
ções articulares, o que limita ainda mais a realização de drome de hipoventilação do obeso, o que acarreta
exercícios físicos. Muitos ficam acamados grande parte aumento da pressão intra-abdominal.
do dia. Outros fatores que contribuem para a maior inci- A infecção do sítio cirúrgico também contribui para
dência de fenômenos tromboembólicos são: estase veno- formação da hérnia incisional.
sa e varizes de membros inferiores, policitemia secundá- A dificuldade técnica para o fechamento da laparoto-
ria a hipoxemia crônica e níveis mais elevados de inibido- mia e o uso de fios inadequados também estão implica-
res da fibrinólise (PAI 1). dos no aparecimento da hérnia incisional.
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Capítulo 29 .: Cirurgia no paciente obeso mórbido

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30
CIRURGIA
NO PACIENTE
IMUNODEPRIMIDO
Célia Maria Ferreira Couto

Introdução tornado cada vez mais freqüentes, não é raro que o cirur-
gião seja solicitado a intervir nesses pacientes.
A influência negativa do tratamento cirúrgico e da Entre as situações que levam à imunodepressão, des-
anestesia geral sobre a função imunológica tem sido tacam-se a síndrome de imunodeficiência adquirida e o
demonstrada1,2. A intervenção cirúrgica causa, em indiví- uso terapêutico de agentes imunossupressores, seja para
duos imunocompetentes, imunodepressão transitória, tratamento de neoplasias ou doenças auto-imunes, seja
cuja extensão se correlaciona com a intensidade da agres- para imunossupressão pós-transplante. Neste capítulo,
são. O estresse cirúrgico provoca, geralmente, elevação discutiremos a ocorrência de doenças abdominais cirúrgi-
dos leucócitos, às custas de neutrofilia, mas a contagem cas em algumas dessas situações.
de linfócitos sofre declínio que parece ser mediado por
aumento da apoptose3. A depressão da imunidade celular
é demonstrada por meio da redução da reatividade a tes- Cirurgia digestiva em condições específicas
tes cutâneos de hipersensibilidade tardia, assim como de imunodepressão
pela depleção transitória de linhagens de linfócitos T e
monócitos que expressam o antígeno HLA-DR1,2. A Infecção pelo HIV e AIDS
habilidade dos monócitos periféricos de expressar o O número de casos de infecção pelo vírus da imuno-
HLA-DR é crítica para o reconhecimento de antígenos deficiência humana (HIV) e síndrome de imunodefi-
estranhos e para a resposta imunológica mediada pelos ciência adquirida (AIDS) continua a aumentar no
linfócitos T-auxiliares, sendo de crucial importância no mundo. Os avanços no tratamento médico combinado
pós-operatório1. A imunossupressão pós-operatória vêm possibilitando aumento da sobrevida, atraso na
parece ser fator relevante para o desenvolvimento de progressão da AIDS e, provavelmente, melhora da qua-
infecções e disseminação metastática nesse período2. lidade de vida dos pacientes. Conseqüentemente,
Pacientes imunodeprimidos podem apresentar doen- afecções de tratamento cirúrgico não-relacionadas à
ças abdominais que requerem intervenção cirúrgica eleti- AIDS ou complicações abdominais de infecções opor-
va ou de urgência, seja por condições relacionadas à pró- tunísticas ou neoplasias levam um número crescente de
pria imunossupressão, seja por doenças que ocorrem pacientes portadores de HIV ou com AIDS a necessitar
também em pacientes imunocompetentes. Nesses da intervenção cirúrgica.
pacientes, o estresse cirúrgico pode agravar a imunode- A infecção pelo HIV leva a declínio gradual dos linfó-
pressão de base, contribuindo para a elevação das com- citos T-auxiliares (CD4+), predispondo a infecções por
plicações pós-operatórias, em especial as infecciosas. germes oportunistas ou neoplasias que caracterizam a
Como as condições associadas à imunodepressão têm-se síndrome clínica da AIDS. Os pacientes infectados pelo
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

HIV evoluem em estágios que vão desde a infecção enterorragia, dor abdominal e febre. A ileíte terminal
assintomática com contagem adequada de linfócitos T por CMV pode mimetizar a apendicite aguda5. Úlceras e
CD4+ até aqueles com imunodeficiência estabelecida e perfuração podem ocorrer em sítios múltiplos no jeju-
que preenchem os critérios de diagnóstico de AIDS. no, íleo ou cólon e levar a peritonite, com indicação
Cerca de 50% a 90% dos pacientes com AIDS apresen- cirúrgica de urgência9. Peritonite pode ser causada tam-
tarão manifestações abdominais, especialmente diarréia e bém por outros germes oportunistas como
dor abdominal. Desses, 12% necessitarão de atendimento Mycobacterium avium complex, Mycobacterium tuberculosis,
médico de urgência devido à dor abdominal, demandando Cryptococcus neoformans e Strongyloides9.
avaliação do cirurgião4. Em 2% a 5%, a exploração cirúrgi-
ca será necessária5,6. Infecções oportunísticas e neoplasias Quadro 30.1 .: Classificação do CDC para infecção por HIV e
AIDS em adolescentes e adultos e definição de casos de AIDS7
caracterizam as complicações abdominais da AIDS, fre-
qüentemente mimetizando outras doenças comuns. Na Critério Clínico
maioria dos casos, haverá indicação apenas de tratamento Categoria A
clínico, mas pode ser necessária abordagem cirúrgica eleti- Infecção aguda pelo HIV, infecção assintomática pelo HIV, linfadenopatia
generalizada persistente
va ou de urgência. Por outro lado, pacientes com infecção
por HIV que não apresentam critério para diagnóstico de Categoria B
Angiomatose bacilar, candidíase orofaringeana, candidíase vaginal persis-
AIDS (imunodeficiência estabelecida) apresentarão um tente, displasia ou carcinoma in situ cervical, febre ou diarréia de duração
espectro de doenças cirúrgicas e complicações semelhantes maior que um mês, leucoplasia pilosa oral, herpes zoster envolvendo mais
às dos pacientes soronegativos. de um episódio ou dermátomo, púrpura trombocitopênica idiopática, liste-
riose, doença inflamatória pélvica, neuropatia periférica
O Quadro 30.1 mostra os critérios de classificação da
infecção pelo HIV, estabelecidos pelo Centers for Diseases Categoria C
Candidíase bronquial, traqueal, pulmonar ou esofágica, câncer cervical
Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos e invasivo, coccidioidomicose disseminada ou extrapulmonar, criptococose
amplamente utilizados, para a definição de AIDS7. extrapulmonar, criptosporidose intestinal crônica, citomegalovirose (outra
que não hepática, esplênica ou nodal), retinite por citomegalovírus, encefa-
lopatia relacionada ao HIV, herpes simples, histoplasmose disseminada ou
extrapulmonar, isosporíase intestinal crônica, sarcoma de Kaposi, linfoma
Afecções cirúrgicas relacionadas à AIDS de Burkitt, linfoma imunoblástico, linfoma cerebral primário, Mycobacterium
avium, M. kansasii ou outras espécies de micobactéria disseminada ou extra-
Em pacientes com AIDS, dados de literatura referem pulmonar, Mycobacterium tuberculosis (qualquer sítio), pneumonia por
que as afecções cirúrgicas que demandam laparotomia Pneumocystis carinii, pneumonia recorrente, leucoencefalopatia multifocal
progressiva, sepse por Salmonella recorrente, toxoplasmose cerebral, caque-
são causadas por doenças relacionadas à imunodepressão xia causada pelo HIV
em 37% a 94% dos casos; o restante se deve a afecções
Critério laboratorial
não-relacionadas à AIDS8-11. Em alguns pacientes porta-
Categoria A
dores de HIV, o diagnóstico de AIDS é estabelecido no Contagem de linfócitos CD4+ ≥ 500 células/mL
ato operatório8,9. Categoria B
Contagem de linfócitos CD4+ entre 200 e 499 células/mL
Categoria C
INFECÇÃO GASTROINTESTINAL POR CITOMEGALOVÍRUS (CMV) Contagem de linfócitos CD4+ < 200 células/mL
E OUTROS AGENTES OPORTUNISTAS
Definição de caso de AIDS
A infecção pelo CMV é comum no paciente com
Categoria clínica ou laboratorial C ou porcentagem de CD4+ em relação
AIDS e pode acometer o trato digestivo desde o esôfago aos linfócitos totais < 14%
até o cólon, usualmente quando a contagem de CD4+
está abaixo de 200 células/mL. O tratamento é usual-
mente clínico. Febre e perda de peso são comuns. O aco-
metimento gástrico pode causar dor epigástrica, náuseas, LINFOMAS
vômitos e/ou plenitude pós-prandial. Pode haver sangra- Os linfomas que ocorrem no paciente com AIDS são
mento. Complicações como obstrução, perfuração e fis- linfomas não-Hodgkin, quase que exclusivamente deri-
tulização podem demandar tratamento cirúrgico. vados das células B, como o linfoma de Burkitt ou
Quando a infecção por CMV acomete intestino delgado Burkitt-like e os imunoblásticos de grandes células.
ou cólon, as manifestações mais comuns são diarréia, Apresentam alto grau de malignidade, são usualmente
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Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

extranodais e podem acometer qualquer parte do apa- tos terapêuticos, como drenagem de abscessos, ressecção
relho digestivo. São manifestações comuns enterorra- de neoplasia e tratamento de obstrução. Esplenectomia
gia e obstrução intestinal, além de febre, sudorese e pode estar indicada para tratamento da púrpura trombo-
perda de peso. Métodos de imagem como tomografia citopênica, associada à imunodeficiência. Essa condição
computadorizada do abdome e exame endoscópico pode ocorrer em pacientes HIV-positivos assintomáticos
com biópsia do segmento acometido são úteis no diag- ou com AIDS. Estes pacientes não respondem tão bem
nóstico. O tratamento usual é a quimioterapia, even- à corticoterapia quanto os HIV-negativos com púrpura
tualmente associada à radioterapia. Nos casos obstruti- trombocitopênica idiopática. Alguns pacientes melho-
vos, intervenção cirúrgica pode estar indicada, assim ram com o tratamento anti-retroviral combinado, mas
como quando há perfuração, com peritonite ou forma- outros necessitarão de esplenectomia para controlar a
ção de coleção intra-abdominal8. trombocitopenia refratária13,14. Os resultados da esplenec-
tomia são bons em pacientes HIV-positivos sem AIDS,
com elevação significativa da contagem de plaquetas e de
SARCOMA DE KAPOSI
linfócitos CD4+15. Nesses doentes, a esplenectomia não
Este tumor de origem multicêntrica pode atingir
parece acelerar a progressão da imunodeficiência. Por
qualquer órgão, sendo mais freqüente no intestino del-
outro lado, pacientes com AIDS e púrpura trombocito-
gado que no cólon. A maioria dos pacientes apresenta
pênica apresentam morbidade e mortalidade considerá-
também lesões cutâneas características. No trato
veis após esplenectomia, sendo o procedimento rara-
digestivo, as lesões típicas são nodulações de colora- mente indicado nesses casos16.
ção vermelho-escura, sésseis e profundas. Podem cau-
sar hemorragia e obstrução do trato digestivo, sendo
esta última a apresentação cirúrgica mais relatada na DOENÇAS PERIANAIS

literatura. Sua ocorrência, entretanto, é mais rara que a Os procedimentos anorretais estão entre as opera-
dos linfomas8,9. ções mais indicadas em pacientes homossexuais HIV-
positivos. As doenças anorretais aumentaram em fre-
qüência e gravidade após o advento da AIDS17.
COLECISTITE ACALCULOSA E DOENÇA DE VIAS BILIARES
Condilomas acuminados extensos, fístulas anais, doença
Pacientes HIV positivos com quadro clínico de colecis- hemorroidária e abscessos perirretais estão entre as
tite aguda podem apresentar a forma acalculosa da doença, doenças com indicação cirúrgica. Atraso na cicatrização
rara em indivíduos imunocompetentes. Citomegalovírus, tem sido descrito nos pacientes com maior grau de imu-
Cryptosporidium, Cryptococcus, Mycobacterium avium complex nossupressão, com contagem baixa de CD4+, especial-
e Salmonella são agentes envolvidos. As manifestações mente nos procedimentos realizados para tratamento de
clínicas são semelhantes àquelas da colecistite aguda abscessos e fístulas perianais, úlceras anorretais e cân-
calculosa. O tratamento definitivo é a colecistectomia12. cer18. A prática de sexo anal receptivo aumenta o risco de
Em muitos pacientes pode haver colangiopatia associa- carcinoma de células escamosas do ânus em 25 a 50
da, com elevação de enzimas hepáticas. Obstrução vezes em relação à população heterossexual17. O estado
biliar extra-hepática pode ser causada por compressão de imunodepressão eleva ainda mais o risco de ocorrên-
externa do ducto biliar comum por linfonodos portais cia, especialmente em pacientes com AIDS em estágio
aumentados ou por linfoma do ducto biliar comum. avançado. Freqüentemente, há história prévia de infec-
ção por papilomavírus ou herpes simples17. As considera-
LINFADENOPATIA E ORGANOMEGALIA ABDOMINAL ções terapêuticas são as mesmas que as dos pacientes
O aumento de órgãos intra-abdominais ou linfono- HIV-negativos.
dos pode ser causado por infecções oportunísticas ou
neoplasias. Laparotomia exploradora diagnóstica, entre- Avaliação de pacientes com AIDS e queixas
tanto, não é indicada na maioria dos casos, nos quais o abdominais agudas
diagnóstico pode ser obtido por meio de punção guiada
por ultra-sonografia ou tomografia computadorizada. Quando o cirurgião é solicitado a avaliar um paciente
Laparotomia é, geralmente, reservada para procedimen- com AIDS e quadro clínico sugestivo de abdome agudo,
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

o desafio diagnóstico passa pela gama variada de doenças Em pacientes com dor abdominal aguda, a laparosco-
que podem se apresentar. Algumas vezes, o paciente pia tem-se mostrado um procedimento seguro e eficaz,
apresentará doença de tratamento clínico, porém simu- sendo recomendada por diversos autores19-21. A laparosco-
lando doenças de tratamento cirúrgico mais comuns. pia pode ser uma “ponte” entre os procedimentos diag-
Este é o caso, por exemplo, do paciente com dor nósticos não-invasivos e a laparotomia, de maior morbida-
aguda na fossa ilíaca direita (FID), sugestiva de apendici- de, que deve ser, por esse motivo, evitada ou retardada em
te aguda. Savioz et al.5 descrevem uma série de 17 pacien- pacientes com AIDS. Além da boa visualização de todo o
tes HIV-positivos com dor aguda na FID. Dos 11 abdome, a laparoscopia permite a coleta de biópsia para
pacientes sem AIDS, dez apresentaram apendicite aguda exame anatomopatológico e de líquidos para citologia e
e um não apresentou alterações à laparoscopia. Por outro cultura. Terapia definitiva pode ser realizada, ou pode
lado, apenas dois dos seis pacientes com AIDS apresen- guiar a laparotomia. Box et al.20 descrevem dez pacientes
taram apendicite aguda. Dos outros quatro, uma apre- com AIDS e dor abdominal, submetidos a laparoscopia.
sentou salpingite aguda e os três restantes, doenças rela- Como pode ser evidenciado no Quadro 30.2, em todos os
cionadas à AIDS: ileíte terminal por CMV, sarcoma de casos o procedimento foi útil para o diagnóstico e, em
Kaposi do apêndice e abscesso por Streptococcus milleri na quatro deles, também para o tratamento.
FID. Infecção por micobactéria e linfoma não-Hodgkin
são outras doenças relacionadas à AIDS que podem cau- Complicações pós-operatórias
sar dor na FID5. O diagnóstico de apendicite aguda em
pacientes com HIV/AIDS é ainda mais dificultado pelo Não existem dados prospectivos na literatura sobre a
fato da leucocitose estar ausente na maioria, não descar- mortalidade e morbidade pós-operatória de pacientes
tando, mas podendo atrasar o diagnóstico e a interven- HIV-positivos. Os dados existentes são descritivos,
ção cirúrgica5,19. Savioz et al.5 sugerem que a utilização de retrospectivos e inconsistentes, com relatos documen-
tomografia computadorizada pode auxiliar no diagnósti- tando desde evolução pós-operatória altamente favorável
co pré-operatório. até morbimortalidade proibitivamente elevada. A avalia-

Quadro 30.2 .: Apresentação clínica e evolução de pacientes com AIDS e dor abdominal submetidos a laparoscopia20
Diagnóstico Diagnóstico Procedimento Conversão
pré-operatório pós-operatório Complicação
realizado para aberta
Inespecífico
FOI, dor abdominal Linfoma peritoneal difuso Laparoscopia diagnóstica Não Ausente
FOI, dor abdominal Peritonite por CMV Laparoscopia diagnóstica Não Ausente
Dor abdominal Melanoma metastático para ID Ressecção do ID assistida Não Ausente
pela laparoscopia
Dor em QSD
Colecistite aguda Adenocarcinoma de vesícula Colecistectomia laparoscópica Não Ausente
Colecistite aguda Colecistite aguda por CMV e Colecistectomia laparoscópica Não Ausente
criptosporidose
Colecistite aguda Abscesso hepático miliar Laparoscopia diagnóstica Não Ausente
Dor em QID
Apendicite aguda Apendicite aguda com perfuração focal Apendicectomia laparoscópica Não Ausente
Apendicite aguda Ileíte/tiflite aguda Laparoscopia diagnóstica Não Ausente
Apendicite aguda Ulceração perfurada do ID Ressecção aberta do ID Sim Obstrução do ID
Apendicite aguda Cisto ovariano hemorrágico infectado Salpingo-ooforectomia aberta Sim Pneumonia

FOI - febre de origem indeterminada; CMV- citomegalovírus; ID- intestino delgado; QSD- quadrante superior direito; QID- quadrante inferior direito

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Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

ção desses estudos é complexa, dada a grande variedade pacientes soronegativos. Nesta mesma linha, Tran et al.22
das populações estudadas, procedimentos cirúrgicos e encontraram correlação estatística entre mortalidade
métodos de coleta de informações sobre as complicações pós-operatória e baixa contagem total de leucócitos e
cirúrgicas. Assim, após operações do trato alimentar, há porcentagem de linfócitos pré-operatória, baixa conta-
relatos de morbidade e mortalidade que variam de zero a gem absoluta de CD4+ pós-operatória e alta carga viral
88% e zero a 80%, respectivamente22. plasmática pós-operatória. Após análise multivariada,
Em uma revisão de literatura, Rose et al.23 encontra- encontraram a contagem pós-operatória de CD4+ como
ram 22 estudos que descreveram a taxa de complicações fator de risco independente para complicações tanto
pós-operatórias em pacientes infectados e não-infecta- infecciosas quanto não-infecciosas. Outros estudos,
dos pelo HIV. Em sete, o risco relativo de complicações entretanto, não encontraram os mesmos resulados2,26.
foi significativamente elevado nos pacientes HIV-positi-
vos (p<0,05), enquanto nos outros 15 não houve dife-
Considerações nutricionais
rença estatística. Dezoito estudos descreveram complica-
ções pós-operatórias em pacientes em estágio precoce e Há muitos anos se conhece o papel da desnutrição no
avançado da infecção pelo HIV. Em seis, as complica- aumento das complicações e da mortalidade pós-opera-
ções cirúrgicas foram significativamente mais freqüentes tória. Em 1936, o estudo clássico de Studley demonstrou
nos pacientes com doença avançada. Nos outros 12, as aumento da mortalidade em pacientes com perda de
taxas de complicações não foram significativamente dife- peso acentuada no pré-operatório, submetidos a trata-
rentes ou comparações formais não puderam ser realiza- mento cirúrgico de úlcera péptica. Nesse estudo, a mor-
das devido a tamanhos de amostra muito pequenos e/ou talidade foi de 33,3% para pacientes com perda de peso
ausência de informações suficientes. acima de 20%, contra 3,5% para aqueles que não haviam
Muito se tem publicado acerca dos fatores de risco para apresentado perda de peso27.
complicações pós-operatórias nos pacientes com HIV. Desnutrição, perda de peso e depleção de tecido cor-
Mais uma vez os dados de literatura são controversos. poral magro são de ocorrência freqüente em pacientes
A morbimortalidade pós-operatória de pacientes com com infecção pelo HIV e AIDS e estão associadas ao
AIDS instalada, submetidos a operações abdominais de aumento de morbidade e mortalidade28. O estado nutri-
urgência, tem sido relatada como elevada, com taxas con- cional é afetado por vários fatores, incluindo redução da
sideravelmente menores em procedimentos eletivos11. ingestão oral devido a anorexia, estomatite, odinofagia,
Entre as operações de urgência, relata-se ainda que a alteração do paladar, distúrbios gastrointestinais como
mortalidade pós-operatória é significativamente maior náuseas e vômitos, diarréia, má-absorção, alteração do
quando a causa da operação é uma infecção oportunísti- metabolismo intermediário e do aproveitamento dos
ca ou uma neoplasia, em oposição a doenças não relacio- nutrientes, e hipermetabolismo com aumento do gasto
nadas à AIDS, como apendicite aguda10,11. Davis et al.24 energético e efeitos colaterais da medicação utilizada.
encontraram maior risco de complicações de ferida ope- Essas complicações podem ser causadas pela própria
ratória e retardo de cicatrização em pacientes HIV-posi- infecção pelo HIV, pelas doenças oportunísticas e pelo
tivos com neoplasias malignas intra-abdominais. tratamento empregado.
Embora também objeto de controvérsia, o estado A síndrome de caquexia da AIDS é descrita como
imunológico do paciente é um dos fatores de risco mais perda de peso involuntária superior a 10% do peso cor-
relatado para complicações pós-operatórias. Savioz et poral usual, acompanhada por diarréia crônica ou por
al.25 encontraram risco de complicações infecciosas acima fraqueza crônica e febre documentada, na ausência de
de 50% para pacientes com taxas de CD4+ menores que doenças intercorrentes que possam explicar os achados7.
200/mm3, submetidos a operações contaminadas. Entre Após o emprego da terapia anti-retroviral combinada,
as complicações infecciosas, relatam o risco aumentado muitos pacientes que anteriormente haviam emagrecido
para o desenvolvimento de infecções oportunísticas ou experimentaram ganho de peso. Para a maioria desses
agravamento de infecções pré-existentes. Por outro lado, indivíduos, entretanto, o ganho de peso não reflete
pacientes com contagem de CD4+ maior que 500/mm3 ganho de massa corporal magra, e sim ganho de gordura
apresentaram índice de complicações semelhantes às de corporal que pode ser redistribuída para a região dorso-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

cervical e visceral. Esse acúmulo e redistribuição da gor- Recomendações para a prevenção da transmissão
dura corporal caracteriza a lipodistrofia, associada princi- ocupacional do HIV
palmente aos esquemas terapêuticos que empregam ini-
O sangue é a principal fonte de transmissão ocupa-
bidores de protease28. A deficiência relativa do tecido cor-
cional do HIV. O maior risco de contaminação é por
poral magro que esses pacientes apresentam, mesmo sem
meio de inoculação percutânea. O risco de infecção após
perda de peso significativa, pode associar-se a pior evo- acidente com punção percutânea contaminada por HIV
lução clínica28. é de aproximadamente 0,3% (intervalo de confiança 0,2-
Pacientes com HIV/AIDS que necessitam de interven- 0,5%)30. Para o cirurgião, acidente na manipulação de
ção cirúrgica freqüentemente se apresentarão com deple- material cirúrgico cortante contaminado pode ser causa
ção do estado nutricional, aumentando o risco de compli- de infecção. A exposição de mucosas ou pele lesada a
cações pós-operatórias. Para pacientes a serem submetidos sangue contaminado pelo HIV também tem risco poten-
a operação eletiva, recomenda-se avaliação nutricional pré- cial de soroconversão, porém mais baixo que a punção
operatória, com indicação de intervenção nutricional percutânea30,31. O risco para exposição de mucosas é esti-
naqueles que apresentam desnutrição significativa. mado em 0,09% (intervalo de confiança 0,006% a
O principal método eletivo de intervenção nutricional 0,5%)30. A transmissão do HIV por acidente com mani-
é o aconselhamento nutricional com adequação da dieta pulação de fluidos corporais como sêmen, secreção vagi-
oral e o emprego de suplementos nutricionais29. Para os nal, líquor, líquidos peritoneal, pleural, pericárdico, sino-
pacientes que não conseguem alcançar ingestão adequa- vial e amniótico é menos documentada, mas as recomen-
da por via oral, está indicado o emprego de nutrição ente- dações para prevenção de transmissão ocupacional do
ral pré-operatória. A nutrição parenteral deve ser reserva- HIV se estendem a esses líquidos32.
O Quadro 30.4 lista as precauções recomendadas para
da a pacientes que não apresentam condições para a
redução do risco de contaminação cirúrgica por HIV31-3.
absorção dos nutrientes por via digestiva.
Pacientes desnutridos que se submetem a operação Quadro 30.4 .: Recomendações para prevenção da transmissão ocu-
de urgência devem ter atenção nutricional especial no pacional do HIV durante o ato operatório
pós-operatório, devido ao elevado potencial de compli- Precauções-padrão
cações. Em pacientes gravemente desnutridos, pode Realizar anti-sepsia cuidadosa
estar indicada nutrição parenteral até que a utilização do Manipular cuidadosamente materiais pérfuro-cortantes durante o ato
trato digestivo para alimentação seja possível e adequada. operatório
A maioria dos autores sugere que os pacientes com Usar barreiras protetoras: máscara, gorro, luvas e capote
HIV/AIDS apresentam necessidades nutricionais Usar proteção ocular, especialmente em procedimentos de maior risco
de aspersão de sangue ou fluidos corporais em spray
aumentadas. O Quadro 30.3 apresenta um dos esquemas
Não passar instrumentos cortantes mão-a-mão entre os profissionais duran-
sugeridos para cálculo das necessidades, de acordo com a te a operação
categoria clínica em que se encontra o paciente29. A ava-
Não utilizar o dedo como guia da agulha durante sutura
liação deve ser individualizada e a progressão da oferta
Não reencapar agulhas utilizadas
deve ser gradual, de acordo com a tolerância.
Não remover, com as mãos, agulhas usadas de seringas descartáveis
Quadro 30.3 .: Necessidades nutricionais específicas para os Desprezar materiais pérfuro-cortantes de maneira adequada
diferentes estágios da infecção pelo HIV e AIDS29
Precauções-extras a serem utilizadas em pacientes de alto risco
Categoria Recomendação Recomendação Usar duas luvas (sempre novas)
clínica calórica protéica
Usar proteção ocular (com aletas laterais)
A 30-35 Kcal/Kg de peso 1,1-1,5 g/Kg de peso
Usar proteção para os pés
B 35-40 Kcal/Kg de peso 1,5-2,0 g/Kg de peso
C 40-50 Kcal/Kg de peso 2,0-2,5 g/Kg de peso
As precauções universais são aquelas que devem ser
Obs: Em pacientes gravemente desnutridos e/ou com quadro agudo de inflamação tomadas durante procedimentos invasivos para todos os
sistêmica/infecção recomenda-se iniciar com 20-25 Kcal/Kg e aumentar gradual-
mente de acordo com a tolerância e a evolução do quadro clínico geral. pacientes. Não implicam habitualmente custos extras. A

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Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

passagem de materiais pérfuro-cortantes como agulhas e avaliação do tratamento anti-retroviral utilizado pelo
bisturis entre cirurgiões e instrumentadores deve ser evita- paciente ajudam a definir o esquema de profilaxia pós-
da, pois há risco de lesão inadvertida de algum profissional. exposição (PPE) a ser indicado ao profissional de saúde.
O uso do dedo em cavidades corporais como a pelve, por Se o estado sorológico do paciente for desconhecido,
exemplo, para guiar a confecção da sutura é fonte potencial deve ser solicitado a ele o consentimento para a realiza-
de transmissão do HIV para o cirurgião31. ção da sorologia para o HIV. Se a sorologia for negativa,
Quando procedimentos invasivos são realizados em usualmente não é necessário acompanhamento do pro-
pacientes portadores de HIV ou que apresentam compor- fissional de saúde, exceto quando o paciente é de grupo
tamento de risco, recomenda-se a adoção de precauções- de risco de infecção por HIV, pois pode se encontrar em
extras. Considera-se comportamento de risco: promis- fase precoce da infecção, antes da viragem sorológica.
cuidade sexual e uso ilícito de drogas injetáveis. Nestes casos, a indicação de PPE deve ser avaliada em
O uso de duas luvas reduz a freqüência de perfuração base individual. Deve-se acompanhar o profissional de
da luva interna, e pode se mostrar vantajoso34. Recomenda- saúde com exame sorológico logo após a exposição e
se a utilização de óculos protetores. O uso de proteção para depois de três e seis meses30.
os pés é desejável, uma vez que os sapatos são usualmente Quando indicada, a PPE deve ser iniciada o mais
porosos e podem se “contaminar” com sangue31. breve possível, com duração de quatro semanas. Na
A identificação dos pacientes de alto risco requer his- maioria dos casos, estará indicado o tratamento com dois
tória clínica e exame físico cuidadosos. Isso é importan- inibidores da transcriptase reversa, usualmente a zidovu-
te porque a utilização das precauções-extras traz algumas dina e a lamivudina. Nos casos de maior risco potencial
desvantagens, como a redução da sensibilidade com o de transmissão, recomenda-se a associação de um inibi-
uso de duas luvas e o desconforto e interferência na visão dor da protease, o indinavir ou o nelfinavir30.
em decorrência da proteção ocular31. O Quadro 30.5 resume as recomendações para a PPE
ocupacional ao HIV.
Recomendações para o tratamento da exposição Quadro 30.5 .: Esquemas de profilaxia medicamentosa pós-
ocupacional ao HIV exposição ocupacional ao HIV30

Tipo de Situação em que Esquema


A exposição ao sangue ou aos líquidos corporais lis-
esquema se aplica medicamentoso
tados no item anterior colocam o profissional de saúde
Básico Exposição ocupacional 28 dias de tratamento combina-
sob risco de contrair infecção pelo HIV. Nesses casos, ao HIV para os quais do com zidovudina 600mg/dia
pode estar recomendada a utilização de profilaxia medi- há risco reconhecido (300mg, 2 vezes ao dia, ou
camentosa combinada por quatro semanas. Por esse de transmissão 200mg, 3 vezes ao dia, ou
100mg a cada 4 horas) + lamivu-
motivo, o manejo desses profissionais deve ser conside- dina 150mg, 2 vezes ao dia
rado com urgência. Expandido Exposição ocupacional Esquema básico + indinavir
O risco de transmissão do HIV é maior quando maior ao HIV com risco 800mg, 3 vezes ao dia, ou nelfi-
volume de sangue for inoculado e quando a carga viral do aumentado de trans- navir 750mg, 3 vezes ao dia
missão (ex: maior volu-
paciente for elevada – por exemplo, em pacientes com me de sangue inocula-
AIDS em fase terminal. Nestes casos, a probabilidade de do ou maior carga viral)
infecção excede o risco médio de 0,3%30.
A ferida ou o local da pele do profissional de saúde que
entrou em contato com sangue deve ser lavado com água e
sabão, e membranas mucosas devem ser limpas com asper- O profissional de saúde exposto ao HIV deve ser
são de água. Não há evidências de que o uso de anti-sépti- aconselhado a buscar avaliação médica em caso de apre-
cos reduza o risco de infecção por HIV30. sentar qualquer doença aguda durante o período de
O paciente que foi a fonte do material contaminado seguimento. Manifestações como febre, rash, mialgia,
deve ser avaliado quanto à presença de infecção por HIV. fadiga, mal-estar ou linfadenopatia podem ser indicação
Se o paciente for portador do HIV, há indicação de profi- de infecção aguda por HIV, embora possam ser também
laxia medicamentosa. A carga viral, contagem de CD4+ e causadas por reação a droga ou outra doença aguda qual-

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

quer. Fazem parte também do aconselhamento ao profis- O dano da mucosa ileocecal é provavelmente a lesão
sional exposto ao HIV recomendações visando a preven- inicial e parece ser multifatorial. O início dos sintomas
ção de possível transmissão secundária, caso ele tenha se após a administração dos quimioterápicos sugere que a
infectado. Durante o período de seguimento, especial- lesão da mucosa induzida por esses agentes desempenhe
mente nas primeiras seis a 12 semanas, quando a maioria papel importante na iniciação do processo patogênico. A
dos pacientes infectados apresenta soroconversão, acon- mucosa gastrointestinal apresenta células altamente pro-
selha-se a abstinência sexual ou uso de preservativo, evitar liferativas. A lesão citotóxica induzida pelos quimioterá-
gravidez e doação de sangue, órgãos, tecidos ou sêmen30. picos impede a replicação adequada dessas células e a
Se em fase de aleitamento, deve-se considerar a desconti- reposição natural das células descamadas, ocasionando
nuidade, devido ao risco de transmissão do HIV pelo leite perda da integridade da mucosa38. Outros fatores envol-
materno. O aleitamento deve também ser descontinuado vidos na lesão incluem infecção local por bactérias ou
se estiver indicado o uso da PPE30. fungos, necrose de infiltrados neoplásicos intramurais,
isquemia da mucosa devido a hipotensão induzida por
sepse, hemorragia intramural secundária a trombocitope-
Pacientes neutropênicos
nia grave e alteração da microbiota intestinal normal
Neutropenia é a condição na qual o número de neu- induzida pelo uso de antimicrobianos38,39. Uma vez ocor-
trófilos no sangue periférico cai abaixo de 1.500 células rida a lesão primária da mucosa, uma série de eventos se
por mililitro. Evolui com prejuízo da resposta imunoló- sucede, sendo o mais comum deles a sepse. A infecção
gica, possibilitando o desenvolvimento de infecções. As secundária da mucosa danificada agrava a lesão, podendo
causas de neutropenia são numerosas, incluindo reação a provocar necrose tecidual, perfuração do cólon e perito-
drogas, doenças auto-imunes, desordens congênitas, nite. Hemocultura é geralmente positiva, sendo comum
infecções, aplasia de medula óssea, neoplasias malignas o isolamento de Clostridium septicum, Clostridium difficile,
hematológicas e também síndrome da imunodeficiência Escherichia coli, Pseudomonas spp., Klebsiella ou Enterobacter.
adquirida. A neutropenia iatrogênica ocorre com fre- Candida pode ser isolada e não é incomum o achado de
qüência crescente, como complicação de quimioterapia mais de um microrganismo38.
em altas doses, cada vez mais empregada para tratamen- As manifestações clínicas da enterocolite neutropêni-
to de neoplasias hematológicas e sólidas e no transplante ca são inespecíficas. Classicamente, quando decorrente de
de medula óssea. quimioterapia, as manifestações iniciam-se entre sete e
Entre as complicações gastrointestinais observadas dez dias após a administração dos medicamentos38,39. É
no paciente neutropênico, a enterocolite neutropênica clinicamente caracterizada por neutropenia, febre, dor ou
pode demandar tratamento cirúrgico. Sua principal causa desconforto abdominal agudo, especialmente no qua-
é a neutropenia iatrogênica, razão pela qual tem sido des- drante inferior direito e, algumas vezes, náuseas, vômitos
crita com maior freqüência em adultos35. e/ou diarréia aquosa ou sanguinolenta. O exame físico
pode revelar massa dolorosa no quadrante inferior direi-
to, que representa usualmente o ceco espessado, distendi-
Síndrome da enterocolite neutropênica
do e cheio de líquido38. Distensão abdominal, sinais de
A enterocolite neutropênica, também chamada de irritação peritoneal e ascite também podem ocorrer38-9.
tiflite, síndrome ileocecal ou enterocolite necrotizante, é Entretanto, mesmo nos pacientes mais graves, os achados
um processo inflamatório que envolve segmentos do íleo físicos podem ser discretos40. Dor abdominal é descrita
terminal, do ceco e do cólon ascendente e pode evoluir em cerca de 75% dos pacientes, e 60% a 69% apresentam
com úlcera, necrose e perfuração36. Mais raramente, pode desconforto à palpação do quadrante inferior direito do
atingir também outros segmentos do intestino delgado e abdome36. Em alguns casos, a doença pode evoluir para
do cólon37. Embora essa condição venha sendo progres- complicações de tratamento cirúrgico, como necrose
sivamente mais reconhecida e relatada em adultos, a etio- intestinal, perfuração de alça, estenose, fístula, sangra-
logia, a patogênese e o melhor recurso terapêutico ainda mento maciço ou abscesso39. Choque séptico e pseudo-
são objeto de controvérsia38. obstrução do cólon são outras complicações graves39.
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Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

O diagnóstico diferencial se faz com outras manifes- da em um paciente 17 dias após o início dos sintomas,
tações digestivas que podem ocorrer nesses pacientes, devido à deterioração clínica progressiva, sendo encon-
como mucosite induzida por quimioterápicos, colite trada necrose intestinal. Por fim, um paciente foi levado
pseudomembranosa, colite isquêmica, doença enxerto à laparotomia de urgência devido à hipótese diagnóstica
versus hospedeiro aguda e infecções invasivas por de apendicite aguda. Encontrado espessamento e infla-
microorganismos oportunistas40,41. mação do ceco com apêndice inalterado, optou-se por
O estudo radiológico é o exame complementar mais não se realizar ressecção e o paciente foi submetido a tra-
adequado para avaliação diagnóstica. A radiografia simples tamento clínico com sucesso.
do abdome pode ser útil quando apresenta achados posi- O tratamento conservador inclui a ressuscitação volê-
tivos38. Obstrução do intestino delgado distal, espessamen- mica com reposição hidroeletrolítica vigorosa, antimicro-
to da parede intestinal, massa no quadrante inferior direi- bianos de largo espectro, transfusão apropriada de
to ou ausência de gás no abdome ou no quadrante inferior hemoderivados, administração do fator estimulador de
direito são achados sugestivos. “Impressões digitais” loca- colônias de granulócitos (G-CSF) e suporte inotrópico
lizadas ou difusas, características de edema de mucosa, quando indicado38-41. Freqüentemente, será necessária a
podem aparecer. Pneumoperitônio é característico de per- admissão do paciente em unidade de terapia intensiva.
furação intestinal. Ocasionalmente, pode-se identificar Descompressão gástrica por meio de cateterismo naso-
pneumatose intestinal. gástrico e suspensão da alimentação oral podem ser
A ultra-sonografia abdominal pode demonstrar disten- benéficas. Nutrição parenteral pode ser necessária.
são de alças, espessamento de parede intestinal, alça intes- Pacientes com íleo prolongado podem se beneficiar do
tinal cheia de líquido, líquido pericolônico ou ascite39. Pode uso de prostigmina, outros agentes procinéticos ou
ser útil no acompanhamento evolutivo do paciente38. cateter retal. Acompanhamento clínico cuidadoso é reco-
Os achados da tomografia computadorizada do abdo- mendado, incluindo avaliação freqüente pelo mesmo
me são similares aos da ultra-sonografia, porém a tomo- cirurgião e tomografia computadorizada ou ultra-sono-
grafia pode ser mais acurada na avaliação do espessamen- grafia de abdome seriados, para monitorização do pro-
to de parede cecal38. Além disso, pode demonstrar a pre- gresso do tratamento ou detecção de sinais que indiquem
sença de pneumatose intestinal ou pneumoperitônio36,37. A a necessidade de intervenção cirúrgica.
tomografia tem sido considerada pela maioria dos autores Alguns pacientes evoluirão com complicações de tra-
como o melhor recurso diagnóstico complementar36,38,40. tamento cirúrgico. As indicações mais evidentes incluem:
A escolha do tratamento adequado é, muitas vezes, um 1) sangramento intestinal persistente apesar da correção
dilema para o hematologista e o cirurgião, uma vez que o da coagulopatia; 2) perfuração intestinal livre na cavida-
paciente apresenta achados clínicos sugestivos de abdome de; 3) sinais de peritonite generalizada38-40. Pacientes que
agudo. A experiência acumulada com a enterocolite neu- evoluem com sinais clínicos de deterioração, sugestivos
tropênica tem levado a maioria dos autores a indicar o tra- de sepse descontrolada, como necessidade de doses cres-
tamento conservador como a abordagem de escolha36-8,40. centes de agentes inotrópicos e aumento do seqüestro de
A maioria dos estudos publicados na literatura sobre líquidos, também têm indicação cirúrgica38,39. A doença
enterocolite neutropênica é composta por relatos de de base influi em parte na decisão de levar o paciente à
casos isolados. Os primeiros relatos de tratamento con- operação. Assim, paciente em tratamento inicial de leuce-
servador mostraram mortalidade de 50% a 100%, mia terá, provavelmente, indicação cirúrgica mais agres-
enquanto os autores que optaram por intervenção cirúr- siva que paciente em estágio terminal e refratário aos
gica precoce relataram mortalidade menor, em torno de esquemas de quimioterapia38.
25%38. Entretanto, relatos mais recentes demonstram O procedimento cirúrgico de escolha é usualmente a
boa evolução para a maioria dos pacientes submetidos a hemicolectomia direita38,40. Procedimentos menos exten-
tratamento clínico, sem necessidade de intervenção sos, como apendicectomia ou cecostomia, podem ser
cirúrgica38,40. Song et al.41 relataram 14 casos de enteroco- inadequados, uma vez que a extensão da necrose da
lite neutropênica sem mortalidade, sendo que 12 pacien- mucosa é freqüentemente maior que aquela visível por
tes foram submetidos a tratamento conservador. meio da inspeção da serosa38. Durante o procedimento, o
Intervenção cirúrgica com ressecção intestinal foi realiza- cirurgião deve decidir se realiza anastomose primária tér-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mino-terminal ou a exteriorização do intestino. Na maio- 12 ■ Flum DR, Steinberg SD, Sarkis AY, Pacholka JR, Wallack MK.
ria dos casos, estará indicada a realização de ileostomia The role of cholecystectomy in acquired immunodeficiency
syndrome. J Am Coll Surg. 1997;184:233-9.
terminal com fístula mucosa, ficando a anastomose pri-
13 ■ Scaradavou A. HIV-related thrombocytopenia. Blood Rev.
mária reservada para casos selecionados38,40. 2002;16:73-6.
Pacientes que evoluíram bem com o tratamento clíni- 14 ■ Tyler DS, Shaunak S, Bartlett JA, Iglehart JD. HIV-1-associated
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Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

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31
CIRURGIA
NO PACIENTE
ICTÉRICO
Marco Antonio Cabezas Andrade,
Paula Martins

Introdução 10% a 15% da destruição de eritrócitos maduros na


medula óssea (eritopoiese ineficaz) ou dos grupos heme
O termo icterícia traduz o sinal físico secundário à das hemeproteínas hepáticas, como citocromo P450, C e
impregnação da pele, esclera e membranas mucosas pela b5, da mioglobulina, da catalase, da peroxidase e da pir-
bilirrubina sérica. A bilirrubina é um composto tetrapiró- rolase do triptofano2. Nas células linforreticulares do
lico amarelado com duas cadeias de ácidos propiônicos, baço, da medula óssea e do fígado a molécula de hemo-
que apresenta fração lipossolúvel (não-conjugada) e uma globina é fragmentada pela ação da hemeoxigenase em
hidrossolúvel (conjugada). A icterícia é observada quan- globina, ferro e grupamento heme. Esse sofre oxidação,
do os valores da bilirrubina ultrapassam níveis séricos de transformando-se em bileverdina, que é reduzida em
0,5mg/dL a 1,0mg/dL. Ao atingir valores acima de bilirrubina, ou fração não-conjugada. A bilirrubina não-
2,5mg/dL, a bilirrubina se deposita nos tecidos empres- conjugada é um composto insolúvel em água e lipossolú-
tando-lhes coloração amarela, mais evidente na esclera. vel, incapaz de ser excretado na bile, mas capaz de atra-
Sua alta concentração nos tecidos ocorre no espaço intra- vessar a barreira encefálica e a placenta. A bilirrubina libe-
celular, onde é capaz de determinar lesões irreversíveis de rada no plasma é transportada até o fígado, ligada à albu-
vários órgãos-alvo1,2. mina por meio de ligação reversível entre duas moléculas
A icterícia pode ser observada em pacientes nos perío- de bilirrubina e uma de albumina, sendo praticamente
dos pré- e pós-operatórios, sendo responsável por eleva- nula a quantidade de bilirrubina livre no plasma. No fíga-
das taxas de morbimortalidade mediadas pela ação citotó- do, é captada de forma reversível e dissociada da albumi-
xica dos sais biliares, pelos altos índices de bilirrubina e na por meio das proteínas receptoras intracelulares Y, Z
pelo aumento das endotoxinas3,4. Diversos cuidados pré, e ligadina. No interior dos hepatócitos, é conjugada no
per e pós-operatórios com esse grupo de pacientes são retículo endoplasmático pela enzima bilirrubina-UDP-glu-
necessários, já que o próprio ato cirúrgico pode agravar o coronil transferase em mono e diglucoronídeos de bilirru-
fator responsável pela icterícia, predispondo a complica- bina, ou forma hidrossolúvel da bilirrubina que é capaz de
ções de gravidade variável. Essas decorrem, principalmen- ser excretada na bile e na urina. A bilirrubina conjugada
te, das alterações da defesa sistêmica e orgânica, da micro- que é excretada na bile não é absorvida nos intestinos
biota intestinal e da integridade das mucosas2-4. onde é convertida por bactérias em urobilinogênio2.
A bile hepática é isotônica em relação ao plasma e é
Metabolismo da bilirrubina composta de água, eletrólitos, ácidos biliares (como o áci-
dos desoxicólico, cólico e quenodesoxicólico), sais bilia-
Cerca de 4mg/kg de bilirrubina são produzidos por res, bilirrubina conjugada, lípides (principalmente o
dia no organismo, sendo 80% a 85% derivadas do cata- colesterol) e lecitina14. O principal sítio de reabsorção da
bolismo do grupo heme da hemoglobina das hemácias e bile é o íleo terminal e ela se faz por mecanismos de
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

transporte ativo. Dos seus componentes, os sais biliares Quadro 31.1 .: Classificação das ictéricias e principais afecções
retomam a circulação êntero-hepática e a bilirrubina é associadas
excretada na urina como urobilinogênio.
Alterações na quantidade de bilirrubina formada em Icterícia por aumento da fração não-conjugada da bilirrubina
sua captação pelo fígado ou em sua conjugação hepática Aumento na produção Aumento da hemólise nas anemias
determinarão variações nos níveis séricos de bilirrubina hemolíticas congênitas e adquiridas
não-conjugada. Falhas na excreção da bilirrubina conju- Reabsorção de coleções sangüíneas
(hematomas, hemotórax, fraturas)
gada do hepatócito para as vias biliares ou dessas para o Eritropoiese ineficaz nas anemias fer-
duodeno determinarão aumento dos níveis séricos da ropriva, perniciosa, sideroblástica, sín-
bilirrubina conjugada. dromes talassêmicas, porfiria eritro-
poiética e intoxicação pelo chumbo

Falha na captação hepática Doença de Gilbert


Classificação das icterícias e principais Sepse
Drogas (contraste radiológico, ácido
afecções associadas flavaspídico)

No estudo da icterícia, é de grande importância conhe- Diminuição da conjugação Doença de Gilbert, de Lucey-Driscoll e
cer qual a fração da bilirrubina que se encontra elevada. A hepática síndrome de Cringler-Najjar tipos I e II
Doenças hepatocelulares
determinação da fração responsável pela hiperbilirrubine- Icterícia neonatal
mia permite classificar as icterícias de acordo com o meca- Sepse
nismo envolvido, o que norteia a abordagem terapêutica Inibição por drogas (cloranfenicol)
do paciente. O Quadro 31.1 resume a classificação das Icterícia por aumento da fração conjugada da bilirrubina
icterícias e as principais afecções relacionadas.
Falha na excreção hepática Defeitos congênitos na excreção de bile:
desordens familiares como síndrome de
Dubin-Johnson, de Rotor, colestase
Icterícia pré-operatória recorrente intra-hepática familiar benigna
Disfunção hepática primária: doenças
Avaliação e abordagem pré-operatória dos hepatocelulares como as hepatites agu-
das e crônicas, sepses, cirroses incluíndo
pacientes ictéricos a biliar primária
Defeitos adquiridos da excreção da
História clínica detalhada e exame físico cuidadoso bilirrubina: complicações cirúrgicas,
do paciente ictérico são fundamentais para a obtenção colestase intra-hepática incluindo a
de dados que demonstrem a natureza e a causa da icterí- induzida por drogas
cia5. É importante conhecer a forma de início, a progres- Obstrução biliar extra-hepá- Desordens congênitas como doença de
são e os fatores associados à icterícia. Alterações como tica mecânica Caroli e atresia das vias biliares
Neoplásicas: tumores da cabeça do
colúria, acolia e prurido em ictéricos indicam aumento pâncreas, dos ductos biliares, da ampo-
da fração conjugada e sugerem colestase, sendo a colú- la de Vater
ria o principal sinal de colestase6. Pesquisar a presença de Inflamatórias: colangite primária este-
dor e sintomas digestivos é obrigatório. No estudo da nosante
Iatrogenia pós colecistectomias ou pro-
dor, associada à icterícia, deve ser sempre determinado o cedimentos nas vias biliares
tipo, a duração, a intensidade, a localização, a periodici- Cálculos
dade, os fatores desencadeantes e associados. As mani- Parasitose: ascaridíase
festações clínicas digestivas mais comuns são náuseas,
vômitos, intolerância alimentar, anorexia, diarréia e
perda de peso. Dor abdominal recorrente, náuseas e
vômitos sugerem cálculos biliares. Vesícula distendida e A presença de icterícia sem acolia e colúria associada
dolorosa pode indicar presença de colecistolitíase7. Dor à astenia, fraqueza e anemia caracteriza os processos
epigástrica recorrente, irradiada para o dorso, emagreci- hematológicos que, se crônicos e recidivantes, represen-
mento e vesícula biliar palpável indolor são achados clí- tam as formas congênitas e familiares. A esplenomegalia
nicos freqüentes nos tumores de cabeça de pâncreas8. pode ser encontrada nas anemias hemolíticas9,10.
376
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Capítulo 31 .: Cirurgia no paciente ictérico

Traumas com hematomas ou fraturas e história de moderada da fosfatase alcalina, gamaglutamil-transpeptida-


embolia pulmonar podem explicar a icterícia9. Na anam- se e 5-nucleotidase. Nas obstruções biliares pode ocorrer
nese, a investigação dos hábitos sexuais, dos anteceden- discreta elevação das aminotransferases, porém as enzimas
tes de parasitose intestinal e da história familiar podem de colestase (ou canaliculares) elevam-se muito, principal-
nortear o diagnóstico etiológico da icterícia11. O uso de mente a fosfatase alcalina que atinge de duas a três vezes
drogas, álcool ou a exposição a tóxicos em pacientes icté- seu valor fisiológico12. Outros testes como o perfil eletrofo-
ricos devem ser pesquisados porque se correlacionam rético das proteínas, as provas da coagulação e o perfil enzi-
intimamente com as hepatites por drogas ou vírus12. mático complementam o diagnóstico das hepatopatias1.
Transfusões de hemoderivados, manipulações urológi- Procedimentos diagnósticos mais sofisticados são
cas, procedimentos odontológicos, procedimentos cirúr- necessários para a determinação da causa das hiperbilirru-
gicos, acidentes pérfuro-cortantes com materiais biológi- binemias com predomínio da fração conjugada, principal-
cos precedendo a icterícia podem sugerir contaminação mente nos casos de colestase quando é necessário locali-
com vírus hepatotróficos. Nas transfusões de hemoderi- zar o nível da obstrução6. Quando existe suspeita de obs-
vados, atenção deve ser dada à possibilidade de reação trução biliar, métodos não-invasivos, como ultra-sono-
transfusional. Operações na área hepatobiliar seguidas de grafia, tomografia abdominal, ressonância magnética, são
icterícia associam-se a hepatites, lesões iatrogênicas da indicados para avaliar o calibre da via biliar14. A ultra-
vias biliares, cálculos residuais ou evolução da doença sonografia, por ser um método de menor custo, é o pri-
hepatobiliar de base. meiro a ser solicitado. O achado de dilatação biliar traduz
O exame físico fornece informações quanto ao está- a presença de obstrução mecânica da via biliar e sua
gio da doença. A associação de icterícia, desnutrição, ausência favorece o diagnóstico de colestase intra-hepáti-
ascite, aranhas vasculares, ginecomastia, circulação ca. Na presença de dilatação biliar, é importante verificar
colateral, irregularidade e retração hepática, por exemplo, o nível da obstrução, que pode ser definido pela colangio-
são achados comuns nas fases mais avançadas dos grafia. Esta pode ser por punção da via biliar dilatada
pacientes cirróticos12. (transparieto-hepática) ou endoscópica. A colangiografia
De acordo com a suspeita clínica do tipo de icterícia, transparieto-hepática é método simples, barato e eficaz na
exames laboratoriais de rotina devem ser realizados, per- presença de dilatação. A colangiopancreatografia endos-
mitindo o esclarecimento da causa em 85% dos casos. O cópica retrógrada é um método mais caro, complexo, mas
exame fundamental é a dosagem da bilirrubina total e de muito bom, especialmente na ausência de dilatação biliar
suas frações, a conjugada (direta) e a não-conjugada evidente e em associação com doenças pancreáticas, pois
(indireta), pois, a partir dele, é estabelecida a classificação possibilita a realização de biópsias da ampola de Vater e
das icterícias que norteia a necessidade de propedêutica de esfincterotomia com retirada de cálculos15. A biópsia
complementar6. Nos casos de aumento da bilirrubina hepática é restrita a alguns casos de colestase com forte
indireta, o hemograma assume papel importante, pois a suspeita de causa intra-hepática, para os quais a obstrução
maioria dessas icterícias está ligada a reações hemolíticas extra-hepática foi excluída por meio de colangiografia.
ou a eritropoiese ineficaz. Esse exame fornece o diagnós- Atualmente, a colangiorressonância, quando disponí-
tico nas anemias com esferocitose ou eliptocitose, perni- vel, é o método de escolha por ser não-invasivo, dispen-
ciosa, aguda com formação de hematomas ou associada sar uso de contraste e apresentar acurácia elevada. Seus
a fraturas5,9,10. Em contrapartida, o hemograma oferece inconvenientes incluem custo elevado e não ter caráter
pouca ajuda nos quadros de icterícia à custa de bilirrubi- terapêutico.
na indireta por defeitos na captação ou conjugação hepá-
ticas, nos quais a clínica direcionará o diagnóstico. Nas Procedimentos cirúrgicos em pacientes ictéricos
icterícias com predomínio da fração direta, os testes da
função hepática tornam-se obrigatórios1. Nas doenças A icterícia pode ou não ser secundária à afecção cirúr-
hepatocelulares agudas ou subagudas, os níveis de ami- gica. Dessa forma, o paciente ictérico, além da doença de
notransferases elevam-se muito, o que não ocorre nas de base responsável pela icterícia, pode apresentar outra
evolução crônica. Nesses casos, o aumento das amino- afecção, essa de tratamento cirúrgico, relacionada com
transferases não é tão intenso e ocorre elevação de leve a sua raça, sexo e faixa etária, atividade física e laboral.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

História e exame físico

Dosagem das bilirrubinas

Aumento da fração Aumento da fração conjugada


não-conjugada

Hemograma Aminotransferases Enzimas colestáticas


Testes de coagulação

Inalterado Alterado Alteradas Inalteradas Alterados Inalterados

Anemia hemolítica Disfunção Colestase ou Disfunção Defeito congêni-


Defeito de captação
Reabsorção de hepatocítica defeito hepatocítica* to de excreção
ou conjugação da
coleções congênito de
bilirrubina
excreção

Suspeita de colestase

Extrahepática (obstrução) Intrahepática

Ultra-sonografia Observação, remoção de


ou tomografia agentes incitantes
Não Não
Colangiografia
Obstrução percutânea ou Ductos dilatados Testes especiais,
Sim retrógrada Sim biópsia hepática

Tratamento:
cirúrgico,
endoscópico ou
percutâneo
* Apenas nos casos de testes de coagulação alterados

Figura 31.1 .: Abordagem do paciente ictérico


Entretanto, se tal afecção não se tratar de quadro de dio de drenagens externas e/ou internas da via biliar com
urgência, seu tratamento deverá ser postergado até o conseqüente redução da icterícia22-5. A passagem de pró-
completo esclarecimento da icterícia, visto que a mortali- teses endoscópicas nos casos de estenose biliar ou a
dade cirúrgica de pacientes ictéricos chega a 14%, princi- extração endoscópica de cálculos da via biliar têm sido
palmente por insuficiência renal16. procedimentos cada vez mais freqüentes em decorrência
Os principais procedimentos cirúrgicos indicados em de seu sucesso terapêutico18,21. A extração de cálculos pode
pacientes ictéricos visam tratar a causa da icterícia ou ser associada à papilotomia endoscópica que permite dre-
diminuir sua intensidade, por meio de tratamento defini- nagem biliar ampla e segura, com menor índice de compli-
tivo ou paliativo da doença de base17-20. Os procedimen- cações do que o das operações abertas15. Em contrapartida,
tos podem ser percutâneos, endoscópicos ou cirúrgicos21. os procedimentos cirúrgicos, na maioria dos casos, repre-
Os percutâneos permitem apenas a paliação por intermé- sentam a forma definitiva de tratamento da doença de base.
378
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Capítulo 31 .: Cirurgia no paciente ictérico

Classificam-se em operações de ressecção ou de drenagem. Cuidados pré, per e pós-operatórios em


As de ressecção incluem colecistectomia, hepatectomia, pacientes ictéricos
duodenopancreatectomia e ressecção de tumores pan-
creáticos ou das vias biliares17,19,21,26. As operações de dre- Pacientes com ictéricia desenvolvem grande número
nagem compreendem coledocotomia com exploração do de complicações pós-operatórias que podem culminar
colédoco, papilotomia e anastomoses biliodigestivas. em óbito2,3,16,28. Vários cuidados especiais são importan-
tes com o objetivo de diminuir a morbimortalidade
neste grupo22. A bilirrubina não excretada na bile por
Complicações perioperatórias em decorrência qualquer causa leva a: diminuição do fluxo sangüíneo
da icterícia hepático; queda da pressão no sistema porta; deposição
As complicações perioperatórias dos pacientes ictéri- de pigmentos e imunocomplexos na membrana basal
cos são decorrentes de alterações bioquímicas e fisiológi- dos glomérulos renais; aumento da sensibilidade hepáti-
cas3,27. O paciente ictérico, com fígado colestático, apresen- ca e renal às hemorragias; sangramentos; predisposição
ta alterações do metabolismo dos carboidratos com dimi- às infecções por supercrescimento bacteriano, com con-
nuição das reservas de glicogênio hepático, intolerância à seqüente alteração da microbiota intestinal e apareci-
glicose e dificuldade da transformação do glicogênio hepá- mento de endotoxinas e bactérias no sistema porta2,3.
tico em glicose, conseqüentemente com tendência à hipo- Nos casos em se que observa o aumento da fração con-
glicemia2. A síntese de proteínas e de fatores de coagulação jugada, as substâncias excretadas na bile não chegam à
encontram-se diminuídas, favorecendo a desnutrição, o luz intestinal, sendo refluídas para o sangue e a linfa.
sangramento e a dificuldade de metabolismo das drogas Interrompe-se a circulação êntero-hepática. Ocorre
anestésicas, com respectivo aumento da hepatotoxicidade lesão do citocromo P450 do hepatócito, aumento do
delas e dificuldade de extubação do paciente. Devido às ácido quenodesoxicólico, dos ácidos biliares, do coleste-
alterações no sistema cardiovascular, provavelmente rol, da lipoproteína X e das endotoxinas. Além disso,
secundárias ao peptídeo natriurético, observa-se circula- observa-se diminuição da IgA intraluminar, da integrida-
ção hiperdinâmica, com diminuição da volemia e da con- de da mucosa intestinal e da absorção de vitamina K3,29.
tratilidade do miocárdio, vasodilatação sistêmica e dimi- Os cuidados pré e pós-operatórios devem ser toma-
nuição da resposta a epinefrina e angiotensina II2,16. dos visando à correção da hipoglicemia, da desnutrição
Conseqüentemente há tendência à hipotensão, sobrecarga proteico-calórica, das hipovitaminoses, da desidratação,
cardíaca, taquicardia e má-perfusão tecidual. Algumas dos distúrbios eletrolíticos e ácido-básicos, do prurido e
vezes, essas alterações determinam insuficiência cardíaca de suas conseqüências, do aumento das endotoxinas e do
de grau variável com falência da bomba, choque cardiogê- supercrescimento bacteriano.
nico e suas conseqüências. A desidratação e a hipotensão Os pacientes devem ser instruídos a não se coçarem,
podem determinar má-perfusão hepática e renal com a manter suas unhas curtas e limpas, e a lavar o abdome
lesões desses órgãos. Nos rins, a baixa perfusão renal asso- e as escaras com PVP-I degermante. Nos casos de pruri-
ciada às lesões do parênquima renal pode determinar anú- do mais intenso, indicar o uso de:
ria e insuficiência renal aguda27. Lesão renal, desidratação,
■ anti-histamínicos VO de 6/6h ou 8/8h,
desnutrição e infecções geralmente determinam distúrbios
■ diazepam VO de 10mg,
hidroeletrolíticos, principalmente acidose metabólica e
■ colestiramina VO 1g de 4/4h, que aumenta a excre-
distúrbios de sódio e potássio. Pacientes ictéricos geral-
ção dos sais biliares pelo seu efeito catártico (usar
mente, toleram mal a hipoxemia e, quando a icterícia é
secundária à anemia hemolítica, podem apresentar crises somente na vigência de icterícia obstrutiva parcial).
hemolíticas com hipóxia tecidual e sofrimento dos tecidos. A melhora do estado nutricional pode se fazer por
Cuidados com a hidratação, a perfusão renal, a oxige- meio de:
nação, a glicemia, a monitorização peroperatória da fun- ■ aumento da reserva de glicogênio seis a 12h antes

ção cardíaca e dos níveis de eletrólitos, além da escolha da operação, com a infusão de solução de glicose,
de drogas anestésicas não-hepatotóxicas, são cuidados insulina e potássio (GIK) descrita a seguir, avalian-
perioperatórios determinantes do sucesso da evolução do a necessidade de sua repetição por meio da dosa-
dos pacientes ictéricos. gem de glicemia e ionograma;
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

SGI 5%: 350ml endotelial não funciona adequadamente e as toxinas


SGH 50% 150ml ganham a corrente sangüínea, causando lesões sistêmicas
Insulina regular 10unidades em vários órgãos, principalmente no rim20. A melhor pro-
KCl 10% 40 a 60mEq/L
filaxia é a manutenção de bom fluxo renal16,27-9. Hidratação
■ dieta hiperprotéica e hipolipídica (enteral ou paren- oral e parenteral capaz de manter débito urinário maior
teral) na ausência de insuficiência hepática; que 100ml/h é, em geral, obtida com:
■ complemento de vitaminas ADEK, sendo a vitami- ■ reposição de um a dois litros de líquidos acima da

na K necessária na dose de 10mg/dia durante os necessidade diária do paciente no pré, per e pós-
três dias anteriores ao da operação, já que sua reser- operatório;
va orgânica é muito pequena; ■ uso de 100ml a 200ml de manitol a 10% no per e no

■ administração de albumina humana nos casos de icte- pós-operatório imediato. Nos casos graves, a infusão
rícia prolongada ou alterações hepáticas secundárias; deve ser mantida até o segundo dia pós-operatório.
■ administração de vitamina C na dose de 1g a 2g, Cuidados especiais devem ser tomados com pacien-
duas vezes ao dia, na tentativa de prevenir distúr- tes idosos e cardiopatas;
bios da cicatrização. ■ uso de sais biliares por via oral e de desoxicolato de

Constituem medidas essenciais as correções dos dis- sódio;


■ uso de taurocolato de sódio no pré-operatório três
túrbios hidroeletrolíticos e ácido- básicos. A desidratação
é corrigida, preferencialmente, com soluções pobres em a seis dias antes da operação, na tentativa de dimi-
sódio devido à baixa capacidade renal de excretar tal íon nuir as endotoxinas;
■ uso de dissacarídeo sintético, a lactulose, na dose de
e aos baixos níveis de albumina dos pacientes ictéricos30.
A esteatorréia, que pode estar presente devido à falta de 30ml via oral de 6/6h, como laxativo para diminuir
bile na luz intestinal, causa desidratação, com perda de a população bacteriana da luz intetinal.
potássio, sódio, bicarbonato etc. Ionograma para contro- As endotoxinas podem afetar as prostaglandinas
lar os déficits de eletrólitos se faz necessário e, nos casos da mucosa gastroduodenal causando lesões agudas
mais graves, também gasometria arterial. (LAMGD)3. A inibição da secreção ácida do estômago
Nos pacientes com icterícia de padrão obstrutivo de com antagonistas dos receptores H2 ou com inibidores da
longa duração, com níveis de bilirrubina direta acima de bomba de prótons, um a dois dias antes do procedimento
8mg/dL, duas complicações graves e muitas vezes fatais cirúrgico, no peroperatório e no pós-operatório, parecem
podem ocorrer: insuficiência renal aguda e colangite1,2. prevenir a hemorragia digestiva secundária a essas lesões.
Estudo clínico realizado no HC-UFMG revelou que o A infecção da árvore biliar secundária ao processo obs-
clearance de creatinina desses pacientes encontra-se altera- trutivo – colangite – surge pela estase biliar prolongada ou
do no pós-operatório em 70% a 80% dos casos16. Oligú- após procedimentos invasivos nas vias biliares. Instalada a
ria é observada em 40% a 60% dos pacientes, sendo que infecção, é necessário seu rápido diagnóstico e tratamento,
9% a 15% deles desenvolvem insuficiência renal aguda. pois ela determina elevada mortalidade2. O número de
Destes, 50% evoluem para o óbito. Estudo semelhante bactérias presentes na via biliar aumentam, na vigência de
demonstrou mortalidade de 14% por insuficiência renal processo obstrutivo, causando colangite, que pode levar ao
aguda em grupo de pacientes com icterícia obstrutiva2. aparecimento de microabscessos hepáticos e de septice-
Tais achados demonstram que os rins de pacientes ictéri- mia11,20. Os sintomas clássicos da colangite correspondem à
cos são mais sensíveis a situações de estresse cirúrgico, tríade de Charcot definida como febre com calafrios, dor no
devido a lesões nos glomérulos e túbulos renais3. É pro- hipocôndrio direito e icterícia. As bactérias mais comumen-
vável que tais alterações decorram da ausência de bile no te envolvidas são Escherichia coli, Klebsiella sp, Enterobacter sp,
trato gastrointestinal, propiciando aumento de bactérias Staphylococcos aureus e anaeróbios. O tratamento consiste
Gram-negativas na luz intestinal, que são fonte de endoto- obrigatoriamente de antibioticoterapia e drenagem da via
xinas que podem ser absorvidas para o sistena porta2,4,29. biliar. Como antibioticoterapia, pode-se empregar cefalos-
Em situação fisiológica, estas são retidas pelo sistema retí- porinas de terceira ou quarta geração, clindamicina ou
culo-endotelial e eliminadas na bile. Entretanto, na icterí- metronidazol e aminoglicosídeos (observar a função renal),
cia obstrutiva, devido à colestase, o sistema retículo- numa associação de pelo menos dois dos grupos citados.
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Capítulo 31 .: Cirurgia no paciente ictérico

Nos quadros graves com previsão de tratamento prolonga- Quadros graves que evoluem com choque de qualquer
do recomenda-se associar a ampicilina à gentamicina e a natureza com hipoxemia prolongada podem cursar com
um anaerobicida (metronidazol ou clindamicina). A drena- icterícia. A icterícia nesses casos, é conseqüente ao dano
gem biliar é imprescindível, podendo ser percutânea, hepático secundário ao hipofluxo hepático com necrose na
endoscópica ou cirúrgica20,22. O uso de corticóides visando zona hepatocelular do lóbulo central. O grau de necrose
a proteção dos hepatócitos é controvertido. lobular depende da duração do baixo fluxo, podendo evo-
Cuidados específicos devem ser tomados no perope- luir com insuficiência hepática, necrose maciça e óbito.
ratório para permitir menor índice de complicações. Os O tipo menos comum de icterícia pós-operatória
cuidados básicos são: ocorre do 1º ao 2º dia de pós-operatório e tem padrão
■ fazer a monitorização peroperatória cardiovascular colestático, sendo chamado de colestase intra-hepática
de pressão venosa central e da pressão intraarterial; pós-operatória benigna. Regride até a segunda ou tercei-
■ controlar a infusão de líquidos (pela pressão venosa ra semana e não tem causa conhecida.
central e pelo fluxo urinário); Pacientes submetidos a procedimentos na vesícula ou
■ corrigir distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-bási- nas vias biliares e que desenvolvem icterícia no pós-ope-
cos, por meio do monitoramento da gasometria, ratório podem apresentar lesão iatrogênica da via biliar
glicemia e ionograma; principal. Icterícias no pós-operatório imediato ou tardio
■ manter o fluxo renal no mínimo de 100ml/h;
também podem ocorrer devido a presença de cálculo resi-
■ avaliar o grau de acometimento da função cardio-
dual na via biliar ou a estenose cicatricial da via biliar junto
vascular, renal, metabólica e da coagulação; a ligadura do cístico. Esse quadro pode manifestar-se
■ usar anestésico de baixa toxicidade hepática, capaz
como colangite, devendo ser tratado como tal.
de melhor preservar o fluxo sangüíneo hepático,
Icterícia branda e mínima, que regride espontanea-
como o isofluorano e os opióides;
■ empregar hemoderivados (concentrado de hemá-
mente, pode ser observada após colecistectomia realiza-
cias, plaquetas, plasma fresco e fatores específicos da no tratamento de colecistite aguda.
da coagulação) apenas quando necessário. Várias são as causas de icterícia pós-operatória. No
Quadro 31.2 estão sumariadas as principais causas de
icterícia pós-operatória.
Icterícia pós-operatória
Causas Quadro 31.2 .: Principais causas de icterícia pós-operatória

A icterícia pós-operatória constitui importante condi- Descompensação da doença hepática ou hematológica de base
ção clínica por traduzir diversas doenças de implicações Reabsorção de coleções
prognósticas diferentes e por causar apreensão ao
Hepatite medicamentosa:
paciente e a seus familiares5. Pode surgir no pós-operató-
forma colestática
rio imediato ou demorar meses para se manifestar. A forma hepatítica
icterícia precoce torna obrigatória a exclusão do agrava-
Hepatite viral
mento ou descompensação da doença hepática ou hema-
Pós-transfusional:
tológica de base, como a cirrose, anemias hemolíticas ou
por sangue estocado
doença de Gilbert. As hepatites medicamentosas por
por incompatibilidade sangüínea
sensibilidade a anestésicos, principalmente em pacientes
Perfusão hepática prejudicada
submetidos a exposição anestésica de repetição, e as
hepatites virais contraídas no pré-operatório podem se Colestase intra-hepática pós-operatória benigna
manifestar no pós-operatório. A hepatite medicamento- Obstrução da via biliar principal:
sa pode ocorrer na forma colestática ou na hepatítica. ligadura inadvertida
Caso tenham ocorrido transfusões de hemoderiva- estenose cicatricial parcial com ou sem colangite
dos, pode surgir icterícia devido à hemólise por incompa- cálculo residual
tibilidade sangüínea ou por lise de hemácias velhas esto- Pós-colecistectomia
cadas por longos períodos em bancos de sangue.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Diagnóstico diferencial icterícia pode ocorrer em qualquer época do pós-opera-


tório, sendo, respectivamente, “flutuante”, variável e
Vários exames permitem diagnosticar as causas da progressiva. Também se manifestam com acolia e acha-
icterícia pós-operatória. O aumento da fração não-conju- do ultra-sonográfico de dilatação da via biliar a montan-
gada é visto nas anemias hemolíticas, em que se obser- te da obstrução14. Nesses casos, a ultra-sonografia per-
vam alterações no hemograma, como queda do hemató- mite não só determinar o nível da obstrução, mas tam-
crito e alterações morfológicas das hemácias10,22. Nas bém inferir sua causa.
doenças relativas a defeito de captação e conjugação, a
história pregressa do paciente, associada à elevação da
fração não-conjugada com a deficiência de enzimas espe- Tratamento
cíficas, ajuda no diagnóstico. O diagnóstico nas hemóli-
ses secundárias a transfusões sangüíneas não costuma ser O tratamento da icterícia pós-operatória depende da
difícil, pois, além da história transfusional, observa-se sua causa, porém sempre se deve procurar corrigir e
aumento da fração não-conjugada e da aminotransferase diminuir os efeitos deletérios da icterícia sobre o organis-
do aspartato de origem eritrocitária, associado à redução mo. As medidas de suporte clínico visam:
dos valores hematimétricos. ■ manter hidratação vigorosa (além das necessidades

As hepatites virais pós-operatórias acompanham-se diárias de água), na tentativa de se preservar o rim;


■ nutrir o paciente e procurar refazer as reservas de
de quadro de prostração, mialgia, febre com aumento das
aminotransferases e das bilirrubinas e alteração do tempo glicogênio hepático;
■ corrigir os distúrbios hidroeletrolíticos, ácido-bási-
de protombina, com marcadores virais específicos pre-
cos e as hipovitaminoses;
sentes. Já nas hepatites medicamentosas, assim como nas
■ diminuir as endotoxinas por meio do uso de lactu-
hepatites virais, as manifestações clínicas estão presentes
lose e sais biliares;
e fenômenos de hipersensibilidade podem estar associa- ■ prevenir e tratar as infecções com antibioticoterapia
dos, além de febre, artralgia, erupções cutâneas e prurido. e drenagem precoce da via biliar.
O hemograma apresenta leucocitose e eosinofilia impor-
tante. Na hepatite medicamentosa exclusivamente hepá-
tica, ocorre considerável aumento das aminotransferases Referências
e alteração da atividade de protrombina. Já na hepatite
colestática, a alteração das aminotransferases é discreta e 1 ■ Burra P, Masier A. Dynamic tests to study liver function. Eur
Rev Med Pharmacol Sci. 2004;8:19-21.
ocorre grande elevação da fosfatase alcalina.
2 ■ Kapitulnik J. Bilirubin: an endogenous product of heme degra-
A colestase intra-hepática benigna evolui com dation with both cytotoxic and cytoprotective properties.
aumento da bilirrubina direta (fração conjugada) e com Mol Pharmacol. 2004;66:773-9.
leve alteração das aminotransferases e da fosfatase 3 ■ Penkov N. Pathogenetic mechanisms in biliary obstruction.
alcalina. A biópsia hepática mostra colestase sem necro- Khirurgiia (Sofiia). 2003;59:39-45.
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se associada. JS, Matkin J, et al. Endotoxemia in obstructive jaundice. Am
Pacientes com quadro de choque e conseqüente J Surg. 1988;155:314-21.
baixo fluxo apresentam elevação da bilirrubina, aumento 5 ■ Labori KJ, Raeder MG. Diagnostic approach to the patient with
das aminotransferases (acima de 500UI/dL) e, em alguns jaundice following trauma. Scand J Surg. 2004;93:176-83.
casos, aumento do tempo de protrombina. Nos casos 6 ■ Maurantonio M, Venezia L, Carulli L, Lombardini S, De Santis
M, et al. Cholestatic icterus: is there still a role for the clinic?
mais graves, podem evoluir com todos os sinais clássicos Ann Ital Med Int. 2004;19:131-43.
de insuficiência hepática. 7 ■ De Keuleneer R, Maassarani F, Lallemand B. Mirizzi syndrome
A icterícia pós-operatória de padrão colestático with a double biliary fistula. Acta Chir Belg. 2002;102:345-7.
secundária à ligadura acidental da via biliar (iatrogênica) 8 ■ House MG, Choli MA. Palliative therapy for pancreatic/biliary
é precoce, progressiva e leva à acolia. A ultra-sonogra- cancer. Surg Oncol Clin N Am. 2004;85:491-503.
9 ■ Dhaliwal G, Cornett PA, Tierney LM Jr. Hemolytic anemia. Am
fia abdominal revela dilatação das vias biliares intra e Fam Physician. 2004;69:2599-606.
extra-hepáticas com área de obstrução abrupta do colé- 10 ■ Shah A. Hemolytic anemia. Indian J Med Sci. 2004;58:400-4.
doco. Na presença de cálculo residual do colédoco ou 11 ■ Kurland JE, Brann OJ. Pyogenic and amebic liver abscess. Curr
de estenoses parciais no nível da ligadura do cístico, a Gastroenterol Rep. 2004;6:273-9.

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Capítulo 31 .: Cirurgia no paciente ictérico

12 ■ Pelletier G, Roulot D, Davion T, Masliah C, Causse X, Oberti F, 22 ■ Aly EA, Johnson CD. Preoperative biliary drainage before resec-
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Hepatology. 2003;37:887-92. Gouma DJ. A meta-analysis on the efficacy of preoperative
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32
CIRURGIA
NO PACIENTE
COM DOENÇA HEPÁTICA
Cláudia Alves Couto, Cláudio Léo Gelape,
Agnaldo Soares Lima

Introdução A despeito do avanço das técnicas anestésicas e dos cui-


dados cirúrgicos (banco de sangue e unidades de terapia
Pacientes com doença hepática podem apresentar sig- intensiva) nos últimos quatro decênios, pacientes com
nificativas complicações pós-operatórias1. O complexo hepatopatia em fase avançada continuam a apresentar altas
funcionamento hepático, a resposta orgânica ao procedi- taxas de morbimortalidade pós-operatória7. Entretanto, a
mento cirúrgico, o efeito imprevisível de alguns medica- identificação e o controle dos fatores de risco associados à
mentos e o procedimento anestésico são alguns fatores doença hepática podem melhorar a sobrevida1,7.
desafiadores na abordagem dos pacientes com doença
hepática que se submetem a tratamento cirúrgico. A
anestesia e o estresse cirúrgico são importantes fatores Principais doenças hepáticas
associados à descompensação da função do fígado, sendo A doença hepática alcoólica e as hepatites crônicas
responsáveis por alta morbimortalidade pós-operatória2. virais B e C são as principais afecções hepáticas crônicas
Pacientes cirróticos, que freqüentemente são candidatos que podem evoluir para cirrose e insuficiência hepática.
a operações eletivas ou de urgência, apresentam risco Na atualidade, estas afecções constituem os diagnósticos
cirúrgico mais elevado que o da população geral para mais freqüentes em pacientes da lista de espera para
qualquer tipo de procedimento3. transplante hepático. As hepatopatias auto-imunes,
Várias afecções requerem tratamento cirúrgico nestes colestáticas e metabólicas, a hepatopatia medicamentosa
pacientes, tais como colelitíase, hérnia umbilical, compli- e, mais recentemente, a esteato-hepatite não-alcoólica são
cações da úlcera péptica e neoplasias do trato gastrointes- outras causas importantes de doença hepática crônica8.
tinal3,4. De fato, essas afecções são mais comuns em cir- As hepatites agudas, que eventualmente podem se
róticos do que em indivíduos sadios3. Hemorragia gas- manifestar como hepatite fulminante, podem ser de ori-
trointestinal (decorrente de hipertensão porta e ruptura gem viral, medicamentosa ou auto-imune. As etiologias
de varizes esofágicas) além do carcinoma hepatocelular sofrem variações regionais e, em número expressivo de
constituem condições que freqüentemente exigem abor- casos, a origem não é identificada8.
dagem cirúrgica.
Estima-se que 10% dos pacientes com doença hepáti-
ca serão submetidos a algum procedimento cirúrgico
Resposta orgânica ao procedimento
durante os dois últimos anos de suas vidas5,6. Atualmente, cirúrgico no paciente com doença hepática
cresce o número de pacientes com afecções hepáticas no
mundo e, conseqüentemente, a necessidade de procedi- É bem documentado que o paciente com doença
mentos cirúrgicos nesse grupo de pacientes. Na avaliação hepática apresenta resposta orgânica aumentada no pós-
do risco operatório, deve-se definir o tipo de doença operatório, dependente da magnitude do trauma cirúrgi-
hepática, o grau do acometimento da função hepática e a co. A resposta de estresse catabólico hepático representa
complexidade do procedimento cirúrgico1. parte da resposta orgânica pós-operatória. O fígado é
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

responsável por, pelo menos, duas funções da resposta entre os anestésicos voláteis, deve-se dar preferência ao
orgânica ao trauma: síntese de proteínas de fase aguda e isoflurano e o sevoflurano.
aumento da síntese de uréia. Estudo demonstrou que
pacientes com doença hepática crônica causada pelo vírus
C mantinham a resposta orgânica após colecistectomia Avaliação do paciente com doença
laparoscópica ou laparotômica. Não houve diferença no hepática e cuidados pré-operatórios
clareamento de nitrogênio hepático, comparando-se A avaliação clínica pré-operatória de todos os pacien-
pacientes cirróticos àqueles com hepatite C9. Nos pacien- tes com suspeita de doença hepática aguda ou crônica é
tes cirróticos, houve aumento do glucagon e da norepine- de fundamental importância. Inicia-se a investigação clí-
frina no pós-operatório. A resposta da insulina e do corti- nica pela anamnese e pelo exame clínico detalhados1,14.
sol plasmático nos pacientes cirróticos e naqueles com Deve-se questionar a respeito do consumo alcoólico e de
hepatite C foram semelhantes após colecistectomia lapa- atividades que estão ligadas a risco aumentado de doen-
rotômica ou laparoscópica9,10. Com base no perfil hormo- ças virais, como o uso de drogas ilícitas. História familiar
nal, pacientes com cirrose podem ser diferenciados de de hepatopatias pode ser significativa. Deve-se, ainda,
pacientes com função hepática fisiológica pela resposta investigar história de alterações no nível de consciência,
aumentada ao glucagon observada nos primeiros9. icterícia, hematêmese e melena, aumento do volume
abdominal, uso de medicamentos e diagnóstico prévio de
hepatite. Os sinais periféricos de insuficiência hepática,
Anestesia no paciente com doença hepática como icterícia, ginecomastia, rarefação dos pêlos, ara-
Pacientes com doença hepática são particularmente nhas vasculares, ascite, hepatoesplenomegalia, edema de
susceptíveis aos efeitos dos anestésicos, sedativos e rela- membros inferiores e encefalopatia, devem ser obrigato-
xantes musculares utilizados no ato operatório1. A admi- riamente pesquisados. A palpação do abdome pode iden-
nistração de anestésicos, por via inalatória ou espinhal, tificar fígado aumentado e endurecido ou esplenomega-
leva à diminuição do fluxo sangüíneo hepático, o que lia, levando ao diagnóstico de hepatopatias que deman-
pode contribuir para a disfunção do fígado. Além dos darão cuidados no pré e pós-operatório.
agentes anestésicos utilizados, hemorragia peroperatória, As provas de investigação laboratorial incluem hemo-
ventilação mecânica e aumento da resistência do fluxo grama completo, glicemia, função renal, proteínas totais
esplâncnico podem levar à isquemia hepática manifesta- e frações, coagulograma, eletrólitos e enzimas hepáticas.
da por disfunção pós-operatória11. Outros exames a serem solicitados, em casos seleciona-
Hepatite induzida por agentes anestésicos é conheci- dos, incluem dosagem de fibrinogênio sérico, gasometria
da e ocorre raramente (1 em 35.000 exposições)12. Idade arterial e radiografia de tórax. Em situações específicas,
acima de 60 anos, obesidade, múltiplas anestesias, níveis testes para hepatites virais, doenças auto-imunes, doença
de bilirrubina acima de 10mg/dL, tempo de protrombi- de Wilson, deficiência de alfa 1-antitripsina e hemocro-
na acima de 20 segundos são fatores associados a hepati- matose hereditária poderão ser necessários1.
te por halotano. Isoflurano raramente causa hepatite e é Ultra-sonografia abdominal, tomografia computado-
o anestésico de escolha nos hepatopatas12. rizada e ressonância nuclear magnética do abdome são
Múltiplos fatores podem afetar o metabolismo de testes não-invasivos e úteis para avaliação de ductos bilia-
res dilatados e hipertensão porta. A realização de biópsia
diversas drogas utilizadas no peroperatório. Disfunção
hepática pode ser necessária para esclarecimento diag-
hepatocelular, colestase, aumento do volume de distri-
nóstico antes do procedimento cirúrgico eletivo14.
buição na ascite, hipoalbuminemia e redução do fluxo
sangüíneo hepático podem alterar o metabolismo das
várias drogas utilizadas no ato cirúrgico. É prudente, em Pacientes assintomáticos
hepatopatas, diminuir em 50% a dose dos analgésicos
narcóticos, tais como morfina e meperidina13. Os blo- Na prática diária, são comuns avaliações clínicas pré-
queadores neuromusculares apresentam atividade e toxi- operatórias voltadas para os sistemas cardiovascular,
cidade aumentadas, devido à diminuição da pseudocoli- respiratório e renal e que negligenciam, muitas vezes, a ava-
nesterase em hepatopatas13. Entre os relaxantes muscula- liação digestiva e nutricional, reduzindo a possibilidade de
res, o atracúrio e o cisatracúrio são os mais apropriados; detecção de hepatopatia oligo ou assintomática, que possa
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Capítulo 32 .: Cirurgia no paciente com doença hepática

agravar-se no pós-operatório. Avaliação laboratorial pré- Pacientes assintomáticos, com elevação das amino-
operatória para triagem de doenças hepáticas em pacientes transferases (até quatro vezes o valor da normalidade) ou
assintomáticos não tem sido recomendada rotineiramente elevação isolada da fosfatase alcalina ou da gamaglutamil-
devido ao baixo valor preditivo positivo dos testes e à baixa transpeptidase, e pacientes com esteatose hepática, hepati-
prevalência das doenças hepáticas em geral1. No entanto, te crônica leve e hepatopatia medicamentosa discreta
qualquer suspeita de doença hepática na avaliação pré-ope- apresentam risco operatório mínimo1. A Figura 32.1
ratória (anamnese e exame físico) deve ser investigada com resume a conduta pré-operatória nos pacientes com
exames laboratoriais específicos1. doença hepática.

Assintomático Avaliação clínica pré-operatória Risco operatório mínimo

Avaliar doença e
Esquistossomose Boas condições cirúrgicas
P reserva hepática
A
C
I Hepatite
E Adiar operação eletiva por 30 dias após normalização de aminotransferases e bilirrubinas
viral aguda
N
T
E
Hepatite crônica Risco operatório não-proibitivo
C
O
M
Esteatose Exames bioquímicos
D Risco cirúrgico não está aumentado
hepática hepáticos inalterados
O
E
N
Ç Hepatite Interromper o álcool um a três Aguardar normalização dos níveis
A alcoólica meses antes da operação eletiva séricos de bilirrubinas

H
E
Corrigir coagulopatias
P
Á
Child A
T
I Preparar o paciente e tratar as Controlar ascite
C complicações no pré-operatório
A

Cirrose Child B Prevenir encefalopatia e infecções

Operar apenas em situações


Child C Risco cirúrgico proibitivo
excepcionais e de emergência

Figura 32.1 .: Conduta pré-operatória no paciente com doença hepática

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Pacientes com esquistossomose ticos. Os pacientes cirróticos apresentam, com freqüên-


forma hepatoesplênica cia, retenção hidrossalina, piora da ascite, comprometi-
mento da função renal, encefalopatia e risco aumentado
O paciente com esquistossomose hepatoesplênica tem, de hemorragia ou de infecções graves no período pós-
em princípio, boas condições operatórias. No entanto, sua operatório. Estes pacientes se beneficiam muito do trata-
reserva hepática deve ser cuidadosamente avaliada, pela mento pré-operatório adequado da coagulopatia, ascite,
possibilidade de coexistirem outras hepatopatias, secundá- peritonite bacteriana espontânea e encefalopatia1,14.
rias à infecção crônica pelos vírus das hepatites B ou C, ou O risco cirúrgico correlaciona-se bem com a classifi-
ao alcoolismo. Tais fatores podem agravar o comprometi- cação de Child-Pugh17,18 (Quadro 32.1), na qual os pacien-
mento funcional do órgão, levando à descompensação tes são estratificados em diferentes categorias de risco,
hepática pós-operatória. com base na reserva sintética dos hepatócitos. O pacien-
te classificado como Child A, com cirrose compensada,
apresenta melhores condições de se submeter a procedi-
Pacientes com hepatite viral aguda ou crônica
mento cirúrgico de maior complexidade. Foi relatada
Historicamente, as hepatites agudas virais ictéricas têm mortalidade de 10% e 30%, em pacientes classificados
constituído importante contra-indicação a operações de como Child A e Child B, respectivamente, submetidos a
grande porte. Há registro de mortalidade de 9,5%, verifica- operação abdominal eletiva19. Os pacientes Child B
da num grupo de 42 pacientes com hepatites agudas, icté- podem tolerar o procedimento cirúrgico desde que ade-
ricos, operados na impossibilidade do diagnóstico diferen- quadamente preparados no pré-operatório. Entretanto,
cial com obstrução das vias biliares15. recomenda-se evitar ressecções hepáticas maiores nesse
Pacientes com hepatites virais agudas, especialmente os grupo. Nos pacientes Child C submetidos a shunts porto-
que apresentam aminotransferases elevadas acima de quatro sistêmicos, procedimentos no trato biliar, ressecções
vezes e níveis de bilirrubina elevados, apresentam risco sig- hepáticas e operações pancreáticas, foram descritas taxas
nificativo de morbimortalidade pós-operatória. A operação de mortalidade pós-operatória de até 75%. Sepse,
eletiva deve ser adiada por 30 dias, após normalização das hemorragia gastrointestinal, falência hepática e insufi-
enzimas hepáticas durante a fase de hepatite aguda e a ope- ciência de múltiplos órgãos são complicações freqüente-
ração de urgência realizada apenas se absolutamente neces- mente observadas e podem levar o paciente ao óbito19.
sária1,14. Nos pacientes com hepatite crônica C, não houve
aumento na freqüência de complicações pós-operatórias16. Quadro 32.1.: Classificação de Child-Tourcotte modificada por
Pugh16,17

Pacientes com doença hepática alcoólica Pontos 1 2 3


Bilirrubinas (mg/dL) 1a2 2a3 >3
O risco de complicações nos pacientes com doença Albumina (g/dL) >3,5 2,8 a 3,5 <2,8
hepática alcoólica está relacionado à gravidade da doença Ascite ausente fácil controle difícil controle
hepática. Na esteatose hepática com exames bioquímicos Encefalopatia não grau I e II grau III e IV
hepáticos inalterados, o risco cirúrgico não está aumenta- Tempo de <4seg 4 a 6seg >6seg
do. Entretanto, pacientes com hepatite alcoólica e cirrose Protrombina
( seg - controle )
têm alta morbimortalidade cirúrgica. Podem apresentar
aumento das infecções do sítio cirúrgico, delirium e sangra-
Child A - 5 ou 6 pontos, Child B - 7 a 9 pontos, Child C - 10 a 15 pontos
mentos. Recomenda-se aguardar a normalização dos níveis
séricos de bilirrubinas e a interrupção do álcool um a três
meses antes da operação eletiva1,14.
MELD (model for end-stage liver disease) é outro sistema
de avaliação de risco, utilizado desde 1999 por vários
Pacientes com cirrose hepática autores. Foi desenvolvido para avaliação de sobrevida de
pacientes candidatos ao shunt porto-sistêmico transjugu-
Os níveis de albumina sérica e a atividade de pro- lar intra-hepático (TIPS) e ao transplante hepático. Esse
trombina são, certamente, importantes índices prognós-
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Capítulo 32 .: Cirurgia no paciente com doença hepática

sistema baseia-se nos níveis de bilirrubina, creatinina, ção do fluxo sangüíneo da artéria hepática. Ocorrem, em
RNI e na causa da doença hepática. Atualmente, o siste- conseqüência disso, diminuição da disponibilidade de
ma MELD tem sido também utilizado na avaliação de oxigênio para o fígado e lesão dos hepatócitos nas
risco do paciente com doença hepática que se submete à regiões centrolobulares24. Esta lesão é mais intensa e
operação não-hepática20. duradoura em pacientes com hipotensão arterial e naque-
No preparo dos pacientes cirróticos é essencial tratar les submetidos a operações cardíacas com circulação
a ascite (dieta hipossódica, repouso no leito, diuréticos e, extracorpórea. Geralmente, ocorre rápida elevação das
eventualmente, paracentese); administrar vitamina K aminotransferases e hiperbilirrubinemia de grau variável.
(10mg, EV ou IM, dependendo do diluente, por três dias Coagulopatias devem ser corrigidas. Todas as proteí-
consecutivos) em pacientes com tempo de protrombina nas e inibidores da coagulação são sintetizados no fígado,
prolongado, avaliar e prescrever terapia nutricional, com exceção do fator de Von Willebrand13. Alguns servi-
quando necessário; hidratar adequadamente pacientes ços têm utilizado o tromboelastograma, por favorecer o
ictéricos para evitar complicações renais, entre outros. melhor controle da coagulopatia e a redução do número
de transfusões. Deve-se, ainda, evitar altas doses de anes-
tésicos e medicamentos sabidamente hepatotóxicos12.
Pacientes desnutridos
Pacientes cirróticos Child C apresentam via de regra Procedimentos cirúrgicos
deficiências nutricionais, hiper-hidratação e hipermetabo-
em pacientes com doença hepática
lismo21. Há deficiências nos ácidos graxos e os estoques
de glicogênio hepático estão diminuídos, acarretando Pacientes com doença hepática são freqüentemente
risco de hipoglicemia transoperatória22. As deficiências submetidos a procedimentos cirúrgicos, relacionados ou
vitamínicas, principalmente nos pacientes cirróticos de não à doença hepática. Com o melhor tratamento ofere-
etiologia etílica, são freqüentes e podem resultar em ence- cido aos pacientes cirróticos e a perspectiva do trans-
falopatia e em deficiências na cicatrização23. plante hepático, as intervenções cirúrgicas são freqüen-
temente possíveis e necessárias nesse grupo.
Os procedimentos cirúrgicos mais freqüentes nos cir-
Cuidados peroperatórios com róticos são colecistectomia, correção de hérnia umbilical,
o paciente com doença hepática tratamento de complicações de doenças ulcerosas pépti-
cas e de neoplasias do trato gastrointestinal3,4. A preva-
O risco de complicações e a mortalidade peroperató- lência de litíase vesicular na cirrose hepática é cerca de
ria estão aumentados em pacientes com cirrose que se duas a três vezes maior que na população em geral. Cerca
submetem a anestesias e a procedimentos cirúrgicos. de 30% dos pacientes com cirrose apresentam litíase
Classificação de Child-Pugh, presença de ascite, elevação vesicular. Nos pacientes Child A, a morbimortalidade
da creatinina, infecção pré-operatória, doença pulmonar cirúrgica pelo acesso convencional é semelhante àquela
obstrutiva crônica, hemorragia digestiva alta, classifica- pelo acesso laparoscópico4.
ção ASA (Sociedade Americana de Anestesiologia) e Mulheres com cirrose hepática são mais freqüente-
hipotensão arterial peroperatória são fatores indepen- mente submetidas a histerectomia do que a população
dentes associados à maior incidência de complicações e geral, geralmente devido a sangramento. Nesse grupo foi
maior mortalidade no peroperatório18. verificado aumento de onze vezes na mortalidade
No peroperatório, o controle hemodinâmico do pós-operatória25.
paciente é de fundamental importância, devendo-se evi- Outros procedimentos cirúrgicos são realizados para
tar hipovolemia, hipotensão arterial e hipoxemia. Tais tratamento de complicações da doença hepática, como
distúrbios constituem uma das causas mais freqüentes de hemorragia gastrointestinal (devida à hipertensão porta)
disfunção hepática pós-operatória. A diminuição do e carcinoma hepatocelular4.
fluxo sangüíneo da veia porta e a redução da pressão par- Operações cardiovasculares, operações de shunts porto-
cial de oxigênio no sangue porta são acompanhados de sistêmicos, esplenectomias, operações gastrointestinais e
vasoconstrição esplâncnica, com subseqüente diminui- ortopédicas que envolvem os ossos da pelve são procedi-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mentos associados à maior incidência de complicações de lesão hepatobiliar. Entre elas destacam-se hipotensão
perioperatórias em pacientes cirróticos18. Embora a inci- arterial, grandes destruições teciduais, infecções e o uso
dência de complicações após operações cardíacas com cir- de certos medicamentos ou anestésicos (Quadro 32.2).
culação extracorpórea seja elevada em pacientes cirróticos Nos pacientes com doença hepática, as mesmas condi-
Child A, eles podem tolerar o procedimento satisfatoria- ções podem agravar hepatopatia preexistente.
mente. No entanto, em pacientes cirróticos Child B e C, a
mortalidade tem tornado esse procedimento proibitivo Quadro 32.2.: Icterícia pós-operatória*
(50% e 100% respectivamente)26. Talvez a operação sem
circulação extracorpórea seja alternativa aceitável nesse Doença hepática preexistente
grupo de pacientes. Quanto às ressecções hepáticas em Aumento da produção de bilirrubina
pacientes com afecções hepáticas, habitualmente no trata- Hemólise Medicamentos
mento de hepatocarcinoma, a mortalidade cirúrgica pode Hemoglobinopatias
Transfusões sangüíneas
ser muito elevada, se não forem observados alguns cuida- Operações cardíacas (válvulas)
dos na avaliação e no preparo pré-operatórios12,18. Operações de hipertensão
porta (derivações)
Reabsorção de hematomas
Cuidados pós-operatórios Disfunção hepatocelular
com o paciente com doença hepática Padrão hepatite Hipotensão arterial
Anestésicos
As alterações hepáticas que acontecem comumente Medicamentos
no pós-operatório de procedimentos cirúrgicos, em Vírus
geral, devem ser conhecidas. A ocorrência de leves alte- Padrão colestase Colestase intra-hepática
rações das provas de função hepática no pós-operatório pós-operatória benigna
é fato relativamente freqüente; pequenas elevações dos Medicamentos
Sepse
níveis séricos de aminotransferases ou de bilirrubinas em
Obstrução do trato biliar
operações de grande porte, não-complicadas, são geral-
mente transitórias, regredindo espontaneamente após Coledocolitíase
Ligadura inadvertida
alguns dias. Essas alterações estão associadas a leve infil- Estenose
trado sinusoidal de polimorfonucleares evidenciados ao Pancreatite pós-operatória
exame histológico de fragmento de fígado obtido duran- Outras causas
te o ato cirúrgico enquanto a microscopia eletrônica evi- Hiperbilirrubinemia
dencia discretas alterações de significado duvidoso27. Tais familial congênita
Colecistite pós-operatória
fatos sugerem que o ato cirúrgico, por si, não constitua Embolia pulmonar
causa maior de disfunção ou dano hepático importante. Nutrição parenteral
São observadas, por vezes, alterações hepáticas de Doença inflamatória intestinal
maior gravidade no pós-operatório, inclusive com qua-
dros de insuficiência hepatocelular importante, que * Modificado de Becker e Lamont27

devem ser consideradas à luz de cuidadoso diagnóstico


diferencial. Tais distúrbios hepatobiliares são, em geral, Nesses pacientes, as alterações da função do fígado
abordados a partir da presença de icterícia (Quadro 32.2). resultam em mudanças na farmacocinética de anestésicos,
Esta manifestação clínica tem sido observada, por dife- relaxantes musculares, analgésicos e sedativos. O risco de
rentes autores, em 4% a 23% dos pacientes submetidos a hemorragia está aumentado, bem como a susceptibilidade
operações abdominais e torácicas. Enquanto a icterícia é a infecções, devido à hipertensão porta, ao funcionamen-
manifestação não-usual no pós-operatório em geral, foi to inadequado do sistema retículo-endotelial hepático e a
relatada a prevalência de 47% em pacientes cirróticos27,28. alterações no sistema imunológico12.
Algumas circunstâncias especiais, freqüentes na prática Vários outros medicamentos podem levar a doenças
diária, podem criar condições propícias ao aparecimento hepáticas no pós-operatório, apresentando-se como qua-

390
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Capítulo 32 .: Cirurgia no paciente com doença hepática

dro de hepatite ou padrão colestático2. Entre as drogas 5 ■ Jackson FC, Christophersen EB, Peternel WW. Preoperative
capazes de causar hepatite destacam-se tetraciclinas, management of patients with liver disease. Surg Clin North
Am. 1968;48:907-30.
metildopa, amiodarona, rifampicina, ketoconazol, isonia- 6 ■ Propst A, Propst T, Zangerl G, Ofner D, Judmaier G, Vogel W,
zida, sulfonamidas, quinidina e verapamil. Entre os medi- et al. Prognosis and life expectancy in chronic liver disease.
camentos associados a quadros de colestase estão feno- Dig Dis Sci. 1995;40:1805-15.
tiazinas, eritromicina, clorpropramida, nitrofurantoínas, 7 ■ Wiklund RA. Preoperative preparation of patients with advanced
liver disease. Crit Care Med. 2004;32:106-15.
metildopa e tiazidas. Deve-se lembrar que as hepatites 8 ■ Greenberger NJ. History taking and physical examination in the
por drogas geralmente se manifestam por calafrios, patient with liver disease. In: Schiff ER, Sorrell MF, Maddrey
febre, erupção da pele, prurido e artralgias2. WC. Diseases of the liver. 8 ed. Philadelphia: J.B. Lippincott
Co, 1998.
9 ■ Lausten SB, El-Sefi T, Marwan I, Ibrain TM, Jensen LS, Grofte
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patients with cirrhosis and chronic hepatitis. World J Surg.
no paciente com doença hepática 2000;24:365-71.
10 ■ Heindorff H, Schutze S, Mogensen T, Almdal T, Kehlet H,
As principais complicações pós-operatórias no Vilstrup H. Prevention of postoperative increase in urea
paciente com doença hepática ocorrem devido à piora da synthesis and amino acid clearance by neural and hormonal
blockade. Surgery. 1992;111:543-50.
função hepática ou à presença de infecção. Pacientes cir-
11 ■ Hanson KM, Johnson PC. Local control of hepatic arterial and
róticos apresentam maior incidência de infecções bacte- portal venous flow in the dog. Am J Physiol. 1966;211:712-20.
rianas, em especial as infecções pulmonares, urinárias, do 12 ■ Friedmen LS. The risk of surgery in patients with liver disease.
líquido ascítico e em acessos venosos profundos. A insu- Hepatology. 1999;29:1617-23.
ficiência hepatocelular se manifesta pela presença de 13 ■ Gholson CF, Provenza JM, Bacon BR. Hepatologic considera-
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encefalopatia, ascite, icterícia e acidose metabólica. A J Gastrointest Surg. 1999;3:286-91.
queda da albumina e da atividade de protrombina ocorre 14 ■ Faust TW, Reddy KR. Postoperative jaundice. Clin Liver Dis.
freqüentemente no pós-operatório de intervenções de 2004;8:151-66.
grande porte. No paciente inicialmente estável no pós- 15 ■ Harville DD, Summerskill WH. Surgery in acute hepatitis, causes
and effects. JAMA. 1963;184:258-61.
operatório, a infecção em sítio extra-hepático pode se 16 ■ O’Sullivan MJ, Evoy D, O’Donnell C. Gallstones and laparosco-
manifestar ainda com sinais de descompensação hepática. pic cholecystectomy in hepatitis C patients. Ir Med J.
Estudo realizado em 733 pacientes cirróticos submeti- 2001;94:114-7.
dos a operações diversas demonstrou que a pneumonia 17 ■ Pugh R, Murray-Lyon I. Transection of the oesophagus in blee-
ding oesophageal varices. Br J Surg. 1973;60:646-52.
foi a complicação pós-operatória mais freqüente, ocor-
18 ■ Ziser A, Plevak DJ, Wiesner RH, Rakela J, Offord KP, Kenneth
rendo em 59 deles (8%). Outras complicações pós-opera- P, et al. Morbidity and mortality in cirrhotic patients under-
tórias freqüentes foram ventilação mecânica prolongada going anesthesia and surgery. Anesthesiology. 1999;90:42-53.
(7,8%), outras infecções (7,5%), aparecimento ou agrava- 19■ Garrison RN, Cryer HM, Howard DA, Polk Jr HC.
mento de ascite (6,7%) e arritmia cardíaca (5%)18. Classification of risk factors for abdominal operations in
patients with hepatic cirrhosis. Ann Surg. 1984;199:648-55.
20 ■ Farnsworth N, Fagan SP, Berger DH, Awad SS. Child-Turcotte-
Pugh versus MELD score as a predictor of outcome after
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4 ■ Savassi-Rocha PR, Sanches MD. Colecistectomia em cirróticos: 23 ■ Kril JJ, Butterworth RF. Diencephalic and cerebellar pathology
convencional ou laparoscópica? Arq Gastroenterol. in alcoholic and nonalcoholic patients with end stage liver
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391
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

24 ■ Ellenberg M, Osserman KE. Role of schock in production of 27 ■ Nyberg LM, Pockros PJ. Postoperative Jaundice. In: Schiff ER,
central liver necrosis. Am J Med. 1951;11:170-80. Sorrell MF, Maddrey WC. Diseases of the liver. 8 ed.
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Sorensen HT. Thirty-day postoperative mortality after hyste- 28 ■ Chu CM, Chang CH, Liaw YF, Hsieh MJ. Jaundice after open
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based cohort study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 29 ■ Evans C, Evans M, Pollock AV. The incidence and causes of
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392
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33
CIRURGIA
NO PACIENTE
DIABÉTICO
Davidson Pires de Lima, Leonardo Maurício Diniz,
Flávio Palhano de Jesus Vasconcelos

Introdução processos anabólicos e catabólicos estão em fina sintonia,


tendo a finalidade de fornecer substrato energético aos
As operações em pacientes com diabetes mellitus são diversos órgãos e tecidos do corpo. Os órgãos mais ati-
eventos comuns e, já na década de 60, estimava-se que vos metabolicamente são o cérebro e o fígado. Os tecidos
cerca de 50% dos diabéticos seriam submetidos a algum adiposo e muscular apresentam padrões metabólicos
tipo de procedimento cirúrgico durante suas vidas1. Três peculiares, diferentes quanto aos mecanismos e tipos de
quartos dos pacientes cirúrgicos diabéticos estarão com fontes energéticas utilizadas. A integração de todo o
mais de 50 anos de idade e estatísticas escassas demons- metabolismo é feita pelo sistema endócrino por meio das
tram índices de mortalidade muito variáveis, entre 3,6% e ações da insulina, glucagon, cortisol, catecolaminas e hor-
13,2%, sendo as principais causas doenças cardiovascula- mônio do crescimento.
res (51%) e infecções (21%)1,2. Além das indicações cirúr- O cérebro é órgão de intensa atividade metabólica,
gicas comuns à população geral, os pacientes diabéticos, consome 60% da glicose disponível no organismo, mas
devido às complicações de sua doença, são freqüentemen- não possui reservas energéticas. Depende, portanto, do
te submetidos a vitrectomia, facectomia (tratamento da fornecimento contínuo de glicose, seu principal com-
catarata), transplante de rim e pâncreas, implantação de bustível, que atinge o meio intracelular das células ner-
prótese peniana, desbridamento de úlceras cutâneas e vosas sem a necessidade da insulina. Durante o jejum
reparos vasculares. O controle metabólico tem como prolongado, se houver escassez de glicose, o cérebro
objetivo manter os índices de morbimortalidade periope- pode substituí-la pelos corpos cetônicos (acetoacetato e
ratória semelhantes aos dos pacientes sem diabetes2,3. No hidroxibutirato), substâncias sintetizadas no fígado a
entanto, apesar de haver muitas diretrizes para estabiliza- partir da acetil-coenzima A, produzida pela oxidação
ção metabólica perioperatória dos pacientes diabéticos, a dos ácidos graxos4.
maioria delas, em vez de obedecer a critérios científicos, O tecido muscular, ao contrário do cérebro, é capaz
baseia-se em dogmas e idiossincrasias2,3. de armazenar a glicose na forma de glicogênio, garantin-
do a maior reserva de carboidrato do organismo, corres-
Resposta orgânica ao pondendo a 1.200Kcal de energia. Esse tecido não expor-
ta glicose a outras partes do corpo e a utiliza preferencial-
procedimento cirúrgico mente durante a atividade física. Nos períodos de repou-
O metabolismo fisiológico so, 90% da energia utilizada nesse tecido provém dos áci-
dos graxos, proteínas e dos corpos cetônicos1.
O metabolismo nos seres humanos consiste em O tecido adiposo é uma grande reserva de energia e
mecanismo hormonal integrado e harmônico, no qual alberga cerca de 135.000Kcal na forma de triglicérides,
393
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

considerando um homem de 70Kg. Sob a ação de lipase nio do crescimento tem a peculiaridade de estimular a
hormônio-sensível, os triglicérides liberam glicerol e áci- síntese de proteínas, exercendo efeito anabólico.
dos graxos que serão captados pelo fígado. O primeiro Entretanto, esse hormônio impede a captação de glicose
participará da gliconeogênese e o segundo, durante o pelo músculo e facilita a produção e liberação dos ácidos
jejum, será precursor dos corpos cetônicos. graxos e corpos cetônicos1. Deve-se ressaltar que,
O fígado possui capacidade de armazenar 400Kcal na mesmo no jejum, há secreção basal de insulina, de suma
forma de glicogênio. Durante o jejum, esse órgão libera importância para restringir a magnitude do catabolismo,
glicose por intermédio do mecanismo de glicogenólise ou o que equivale a uma espécie de contenção da lipólise,
quebra do glicogênio. A gliconeogênese, outro processo proteólise, glicogenólise e gliconeogênese.
metabólico capaz de suprir as necessidades de energia, Os pacientes diabéticos, por serem carentes de insuli-
consiste na produção e liberação da glicose formada a na, não têm a capacidade de controlar a intensidade des-
partir de precursores provenientes do tecido muscular ses processos, sobretudo quando expostos ao estresse
(lactato e alanina), adiposo (glicerol) e dos aminoácidos cirúrgico. Como conseqüência, estão susceptíveis aos
adquiridos na dieta. Nos períodos pós-alimentares, ocor- eventos metabólicos que culminam com a cetoacidose
re síntese de ácidos graxos cuja liberação hepática se dá na diabética grave ou até com o óbito2.
forma de lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL)5. Em suma, no período pós-alimentar, a insulina preva-
Uma vez considerados os eventos metabólicos em lece sobre os hormônios contra-reguladores, gerando
cada órgão, é necessário entender como ocorrerá a inte- preponderância dos mecanismos anabólicos. Ao contrá-
gração desses processos, tanto no estado pós-alimentar rio, durante o jejum, há redução da concentração de insu-
quanto no jejum. lina, excesso relativo de hormônios catabólicos e
Nos períodos pós-alimentares, prevalecem os efeitos mudança harmônica do metabolismo, prevalecendo os
anabólicos cujo objetivo é acumular energia, seja na efeitos catabólicos. Os problemas surgem nos casos de
forma de glicogênio, triglicéride ou proteína. A insulina catabolismo muito intenso (pós-operatório) ou na defi-
é o principal hormônio anabólico e seu principal estimu- ciência de insulina, como ocorre no diabetes.
lador fisiológico é a glicose. Sua ação consiste em incen-
tivar a captação da glicose pelos tecidos muscular e adi- O metabolismo no jejum e na lesão cirúrgica
poso, além de inibir o fígado em suas funções de glico-
nos pacientes diabéticos e não-diabéticos
genólise e gliconeogênese. No metabolismo dos ami-
noácidos, há tendência para o estímulo à síntese e para a A insulina é o principal hormônio de efeito anabólico,
inibição ao catabolismo das proteínas. Quanto aos lipí- promove a captação da glicose pelos tecidos muscular e
dios, a insulina tem efeito lipogênico uma vez que esti- adiposo e, no fígado, inibe tanto a gliconeogênese quanto
mula a síntese dos triglicérides (a partir dos ácidos gra- a glicogenólise. A adrenalina, o glucagon, o cortisol e o
xos produzidos no fígado) e evita a lipólise ao coibir a hormônio do crescimento são hormônios conhecidos
ação da lipase lipoprotéica13. como contra-reguladores ou catabólicos, uma vez que
O glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o hormô- atuam, de uma maneira geral, antagonizando as ações da
nio do crescimento têm, de uma maneira geral, efeito insulina. Essas substâncias estimulam a lipólise, a cetogê-
oposto ao da insulina e, por isso, são denominados cata- nese e elevam a glicemia, tanto estimulando a gliconeogê-
bólicos ou contra-reguladores. Prevalecem sobre a insu- nese e glicogenólise no fígado, quanto inibindo a captação
lina nos estados de jejum, quando o fornecimento da periférica da glicose pelos tecidos adiposo e muscular.
energia ao organismo deixa de provir da alimentação, Os traumas cirúrgico e anestésico geram resposta
tornando-se necessário mobilizar as reservas de glicose, neuroendócrina, com liberação dos hormônios contra-
ácidos graxos e aminoácidos. O cortisol exerce sua prin- reguladores, cuja magnitude dependerá do tipo de opera-
cipal função degradando as proteínas e aumentando o ção e de suas eventuais complicações – sepse, hipoten-
fluxo dos precursores da gliconeogênese para o fígado. O são, acidose. Pacientes não-diabéticos apresentam, para-
glucagon, por sua vez, age no fígado, estimulando a ceto- lelamente, aumento da secreção insulínica e, dessa forma,
gênese, a gliconeogênese e a glicogenólise. As catecola- garantem a homeostase metabólica, ao passo que os indi-
minas estimulam a lipólise e a glicogenólise, e o hormô- víduos diabéticos, pela incapacidade anabólica (deficiên-
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Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

cia de insulina), estarão sujeitos a intenso catabolismo de hipoglicemia, cujos sinais e sintomas podem ser mas-
que se traduzirá em hiperglicemia, cetogênese e degrada- carados pelos anestésicos e betabloqueadores8,9. O risco
ção das proteínas7. Desta forma, se não houver forneci- de lesão grave dos sistemas cardiovascular e nervoso,
mento de insulina exógena a esses pacientes, prevalece- conseqüentes à hipoglicemia assintomática, é talvez a
rão os mecanismos catabólicos cujas conseqüências explicação para a falta de estudos sobre quão intensivo
esperadas são diurese osmótica, desidratação, distúrbios deva ser o tratamento e o controle metabólico em
hidroeletrolíticos, instabilidade hemodinâmica e com- pacientes cirúrgicos.
prometimento da perfusão dos órgãos e tecidos. A per- Quanto à rigidez do controle glicêmico a ser persegui-
sistência e o agravamento desse estado metabólico fazem do, estudo recente, randomizado e controlado11 avaliou o
com que se estabeleça a cetoacidose diabética ou estado impacto de submeter pacientes cirúrgicos, internados em
hiperglicêmico hiperosmolar8. Como será discutido a unidade de tratamento intensivo, a controle rigoroso da
seguir, ainda existem as complicações conseqüentes à glicemia, a despeito de serem ou não diabéticos. Após 12
hiperglicemia que também contribuirão para aumentar meses de avaliação, foi demonstrada redução significativa
significativamente a morbimortalidade perioperatória. de morbidade e mortalidade nos pacientes cuja glicemia
foi mantida entre 80mg/dL e 110mg/dL. O contrário
ocorreu no grupo controle, no qual a glicemia foi manti-
Efeitos deletérios da hiperglicemia da conforme conduta denominada convencional, ou seja,
A hiperglicemia crônica tem reconhecido papel na entre 180mg/dL e 215mg/dL11.
patogênese das complicações do diabetes e, assim,
pacientes diabéticos estão sob maior risco de insuficiên- Diabetes e anestesia
cia renal, insuficiência coronariana, acidente cérebro-vas-
cular e infecções durante ou após o procedimento cirúr- Os bloqueios espinhal, epidural ou esplâncnico
gico, sendo que glicemias acima de 200mg/dL a podem modular a secreção de hormônios catabólicos e da
250mg/dL parecem estar fortemente associadas a essas insulina. O aumento perioperatório dos níveis de glicose,
intercorrências9. A hiperglicemia aguda também parece adrenalina e cortisol, observado em não-diabéticos sub-
estar associada à maior morbimortalidade. Estudos reali- metidos à anestesia geral é bloqueado durante a anestesia
zados em pacientes internados devido a infarto agudo do epidural. No entanto, não existem evidências de que essa
miocárdio compararam o risco de morte entre três gru- técnica, associada ou não à anestesia geral, promova
pos avaliados. Os pacientes que na internação receberam algum benefício aos diabéticos. A anestesia regional pode
o diagnóstico de diabetes tiveram risco de óbito quatro provocar hipotensão em pacientes com neuropatia auto-
vezes maior em relação aos sabidamente diabéticos que nômica. Além disso, a lesão vascular e o abscesso epidu-
já estavam em tratamento ambulatorial regular. Estes, ral são mais comuns nos pacientes diabéticos12. Bloqueios
por sua vez, tiveram risco de óbito duas vezes superior em nível torácico alto (T2 a T6) inibem a secreção de
ao dos pacientes não-diabéticos9. insulina, enquanto bloqueios em níveis mais baixos (T9-
Em diabéticos bem controlados, a melhor evolução T12) parecem não interferir nos níveis desse hormônio,
pós-operatória parece se dever à intensificação do pro- promovendo melhor controle metabólico13.
cesso de cicatrização (p. ex., da ferida cirúrgica) e à Embora os agentes anestésicos atuem sobre vários
menor incidência de complicações infecciosas, como eixos hormonais envolvidos no metabolismo da glicose,
infecção urinária, pneumonia ou sepse. O estudo não existem claras evidências sobre os possíveis benefí-
Diabetes Control and Complication Trial, o DCCT, mostrou cios ou prejuízos aos pacientes diabéticos a eles expos-
benefícios em manter-se a glicemia dentro de valores tos13,14. Sabe-se que o etomidato bloqueia a produção
considerados fisiológicos, à custa do aumento do risco supra-renal do cortisol, reduzindo a resposta hiperglicê-
de hipoglicemia10. Entretanto, não se sabe qual deve ser mica ao trauma. Os benzodiazepínicos, quando em infu-
o nível de controle metabólico para que se atinjam esses são venosa contínua, podem inibir a secreção hipofisária
objetivos no paciente cirúrgico. A orientação de alguns do ACTH, reduzindo o cortisol secretado pelas supra-
autores é manter o limite inferior da glicemia entre renais, o que não é observado quando empregadas doses
100mg/dL a 150mg/dL, com especial atenção ao risco habituais para sedação. Os opióides bloqueiam efetiva-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mente o sistema nervoso simpático e o eixo hipotálamo- A função renal também merece atenção nos pacientes
hipofisário, abolindo a secreção dos hormônios catabóli- com baixo débito cardíaco ou com perspectiva de sub-
cos e promovendo eventual benefício aos pacientes dia- meterem-se a exames que requeiram meios de contraste.
béticos12. O isoflurano causa aumento do hormônio do Habitualmente, dosa-se a uréia e a creatinina. No entan-
crescimento e da glicemia, enquanto o enflurano parece to, os exames mais precisos são as dosagens de microal-
não interferir no metabolismo dos carboidratos. O halo- buminúria e a depuração da creatinina endógena em
tano está associado à hiperglicemia leve, embora não se urina de 24 horas. Os pacientes com alterações nesses
saiba qual o real significado clínico dessa alteração. exames não podem ser expostos a contrastes radiológi-
cos e a drogas potencialmente nefrotóxicas.
O rastreamento das neuropatias autonômicas é reali-
Avaliação pré-operatória zado no exame clínico, explorando sinais e sintomas
do paciente diabético observados nesse tipo de complicação. A disautonomia
leva à alteração da resposta cardiovascular ao estresse
A avaliação clínica pré-operatória cuidadosa dos anestésico e cirúrgico, o que acarreta alto risco de arrit-
pacientes diabéticos tem como objetivo conhecer o esta- mia cardíaca8. A presença de hipotensão ortostática
do metabólico atual, detectar as possíveis complicações implica rigorosa monitorização perioperatória da pressão
do diabetes e, dessa forma, promover per e pós-operató- arterial e da volemia, ao passo que a gastroparesia deter-
rios com os menores índices de morbidade e mortalida- mina risco de aspiração e dificuldade de reassumir dieta
de possíveis. oral no pós-operatório7. Complicações como retenção
Inicia-se com a correta identificação do tipo de diabe- vesical e infecção urinária ocorrem, principalmente, nos
tes em questão, dos medicamentos utilizados e, nos pacientes com bexiga neurogênica.
pacientes insulino-requerentes, do esquema de insulina As radiografias de tórax deverão ser solicitadas em
prescrito. caso de história de doença pulmonar ou na presença de
O controle metabólico deve ser feito por meio dos fatores de risco como tabagismo7.
exames de hemoglobina glicosilada (HbA1C) ou proteína Merece atenção o fato de que todos esses exames são
glicosilada (frutosamina). O primeiro reflete o controle necessários, sobretudo em pacientes com muitos anos de
glicêmico nos dois a três meses prévios, enquanto o doença, que apresentam complicações crônicas e que
segundo é um índice do controle obtido durante os 15 a serão submetidos a grandes operações sob anestesia geral
30 dias precedentes15. Além disso, é importante obter prolongada. Em pacientes com diagnóstico recente de
informações sobre hipoglicemias e sobre eventos agudos, diabetes (habitualmente menos de cinco anos), não insu-
como cetoacidose ou estado hiperglicêmico hiperosmolar. lino-requerentes e que se submeterão a pequenos proce-
A ênfase no exame cardiovascular dos pacientes dia- dimentos cirúrgicos sob anestesia local, basta avaliar a
béticos reside no fato de essa complicação ser a principal glicemia em jejum e os valores da hemoglobina glicosila-
responsável pela mortalidade cirúrgica, em cerca de 30% da ou da frutosamina14.
a 51% deles2,8. Operações em pacientes com história de
infarto agudo do miocárdio podem atingir índices de 6%
de óbito, se realizadas dentro de três meses, 2% em até Cuidados peroperatórios
seis meses e de 1,5% se após seis meses do evento. com o paciente diabético
Portanto, caso seja possível, após evento coronariano
deve-se adiar qualquer procedimento eletivo10. A avalia- Para o paciente diabético, consideraremos como
ção clínica pré-operatória deve ser complementada com peroperatório o período que se inicia com os procedi-
eletrocardiograma de repouso e, em caso de alterações mentos para sua estabilização metabólica e termina com
desse exame ou de história clínica muito sugestiva, deve- o fim do ato operatório.
se indicar testes mais sensíveis, tais como teste ergomé-
trico, ecocardiograma de estresse com dobutamina, cinti- Pacientes com diabetes do tipo 1
lografia do miocárdio ou cineangiocoronariografia. A
pressão arterial deve estar devidamente controlada, pre- O primeiro princípio a ser considerado é que os
ferencialmente abaixo de 140x90mmHg8. pacientes com diabetes do tipo 1 sempre necessitarão de
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Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

insulinemia basal para prevenção de cetoacidose. O a hipoglicemias e hiperglicemias muitas vezes acentuadas
segundo princípio é fornecer provisão de carboidrato na e não-diagnosticadas. Este efeito “montanha-russa” pode
forma de glicose para evitar hipoglicemia e fornecer ter como conseqüências lipólise, cetogênese e dano neu-
substrato calórico preventivo à cetogênese9. Uma tercei- rológico secundário à hipoglicemia grave13. A infusão con-
ra orientação é, sempre que possível, iniciar a operação tínua de insulina endovenosa tem sido considerada a
na parte da manhã. Mas é preciso esclarecer que ainda forma de controle mais racional, fisiológica e efetiva a ser
não existem estudos prospectivos, randomizados e con- adotada no peroperatório, podendo ser implementada por
trolados que definam a melhor maneira de proporcionar meio de soluções de insulina e glicose tanto associadas na
um bom controle pré e peroperatório. mesma solução quanto em frascos distintos8,13.
Idealmente, os pacientes com diabetes do tipo 1 O esquema de infusão combinada glicose-insulina-
devem apresentar hemoglobina glicolisada menor que potássio, também conhecido como GIK, foi proposto por
7,0%. Nos casos de mau controle da glicemia, justifica-se Alberti et al.2 e consiste na preparação de solução cuja rela-
intensificação do tratamento, ainda em atendimento ção glicose/insulina preconizada é aproximadamente
ambulatorial, nos dias ou semanas precedentes ao ato 3,2g/UI2,3. Deve-se ressaltar que será sempre necessário
operatório. Embora cause significativo aumento do acrescentar potássio ao esquema para evitar a hipopotasse-
custo, muitas vezes haverá a necessidade de internação mia induzida pela ação da insulina. Existem duas possibi-
24 a 48 horas antes da operação para que se garanta lidades de preparo da solução de GIK e, independente-
melhor controle metabólico. mente do esquema, a velocidade de infusão inicial deve ser
O manuseio das doses de insulina na véspera do pro- de 100mL/hora. Antes da conexão do equipo ao paciente,
cedimento cirúrgico dependerá dos tipos e esquemas recomenda-se lavá-lo com 50mL da solução para evitar a
terapêuticos adotados previamente, como também do suposta adsorção da insulina ao plástico, no início de infu-
são endovenosa13,14. O esquema a ser escolhido dependerá
momento estimado para início do plano de insulinotera-
da magnitude da insulinoterapia prévia e também pode ser
pia peroperatória.
adotado em pacientes com diabetes do tipo 2 (Quadros
Nos casos de opção por aplicação subcutânea da
33.1 e 33.2), conforme será discutido posteriormente8.
insulina, os pacientes em uso de insulina de ação interme-
diária (NPH, lenta) ou prolongada (ultralenta, glargina) Quadro 33.1.: GIK: usuários de insulina (>50UI/dia)8
devem jantar normalmente na noite anterior à operação,
junto com dois terços, ou um pouco mais, da dose habi- Glicemia em jejum de 120-180mg/dL
tual de insulina9. Soro glicosado a 5%.....1000mL
A escolha pela infusão venosa de insulina regular Insulina regular.................15UI
implica suspender a dieta após o jantar na noite anterior Cloreto de potássio........20mEq
ao ato cirúrgico e, quanto à dose noturna da insulina, pro- Glicemia > 180mg/dL – aumentar a dose de insulina em 5UI
ceder da mesma maneira citada anteriormente. Na manhã Glicemia < 120mg/dL – reduzir a dose de insulina em 5UI
seguinte, deve-se omitir qualquer aplicação subcutânea e, Velocidade inicial da infusão: 100mL/h
pelo menos três horas antes do início do procedimento Perfundir o equipo com 50mL da solução antes de iniciar infusão
cirúrgico, iniciar a infusão venosa da insulina16.
Nos pacientes em uso ambulatorial de bomba de GIK – solução de glicose, insulina e potássio
insulina, a orientação preconizada consiste em desligar o
equipamento e, logo em seguida, iniciar o esquema de Os autores que adotam esse método afirmam que, para
infusão venosa de insulina. Não existem estudos com- a maioria dos pacientes, não será necessária nenhuma
provando a segurança em manter, no peroperatório, mudança na combinação de insulina e glicose numa mesma
infusão por meio da bomba de insulina e, portanto, este solução. Além disso, alegam que a infusão da solução de
procedimento deve ser evitado9,13. GIK é considerada método seguro, uma vez que, se hou-
Há um certo consenso em não recomendar o contro- ver variação na velocidade de infusão da solução, o forne-
le metabólico peroperatório por meio da aplicação de cimento tanto da glicose quanto da insulina será alterado
insulina regular em bolus, uma vez que este método é con- conjuntamente, não expondo o paciente a grandes flutua-
siderado não-fisiológico e perigoso, pois expõe o paciente ções glicêmicas. Tal fato impede complicações secundárias

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

a hiperglicemias ou hipoglicemias. Como será abordado 20mEq de cloreto de potássio (KCl). Simultaneamente,
posteriormente, no método de infusão de glicose e insulina inicia-se a infusão da solução de 25UI de insulina regular
em soluções separadas, a interrupção ou aumento inadver- em 250mL de solução de cloreto de sódio (NaCl) 0,9%
tido da infusão de uma das soluções representa grande (0,1UI/mL), a uma velocidade de 15 a 20mL/hora, o que
risco de hipoglicemia ou hiperglicemia catastróficas3. corresponde a 1,5 a 2,0UI/h. Os ajustes deverão ser fei-
Portanto, a GIK pode ser boa opção a ser adotada em hos- tos de acordo com as glicemias obtidas no peroperatório,
pitais onde não há equipe devidamente treinada para o por meio da medida de glicemias capilares, realizadas em
manuseio da infusão separada de insulina e glicose9. glicosímetros devidamente calibrados. Com o objetivo
de garantir a confiabilidade deste equipamento, é muito
Quadro 33.2 .: GIK: usuários de dieta, hipoglicemiante oral ou
insulina (<50UI/dia)8
importante comparar sistematicamente os valores das
glicemias capilares às glicemias colhidas simultaneamen-
Glicemia de jejum de 120-180mg/dL te a partir do sangue venoso e encaminhadas ao labora-
Soro glicosado a 5%........1000mL tório. No Quadro 33.3, estão as diretrizes gerais
Insulina regular.....................10UI desse método.
Cloreto de potássio..............20mEq
Glicemia > 180mg/dL – aumentar a dose de insulina em 5UI
Pacientes com diabetes do tipo 2
Glicemia < 120mg/dL – reduzir a dose de insulina em 5UI
Velocidade inicial da infusão: 100mL/h Inicialmente, com o intuito de atingir o controle
Perfundir o equipo com 50mL da solução antes de iniciar infusão
metabólico e avaliar o risco anestésico, indicava-se inter-
nar os pacientes diabéticos dois a três dias antes da ope-
GIK – solução de glicose, insulina e potássio ração. Essa conduta mostrou-se dispendiosa e desneces-
sária para a maioria dos pacientes, uma vez que esses pro-
cedimentos podem ser realizados em caráter ambulato-
A desvantagem da solução de GIK consiste no fato
rial. Atualmente, recomenda-se internar os pacientes um
de que, se houver necessidade de alterar a dose de insuli-
dia antes do procedimento cirúrgico, período no qual
na, nova solução deverá ser preparada, comprometendo
pode-se conseguir bom controle metabólico com menor
a flexibilidade desse esquema3,9.
custo para o sistema de saúde3. Vale ressaltar que, em
O método de infusão de insulina e glicose em solu-
alguns casos, será necessária a admissão hospitalar mais
ções distintas é uma opção dos centros que disponham
precoce, em até 48 horas, no pré-operatório9.
de bombas de infusão, monitores de glicemia e equipe
Uma questão comum do pré-operatório de pacientes
treinada, com interação harmônica entre os profissionais
diabéticos do tipo 2 é determinar quando devemos inter-
envolvidos: médico assistente, anestesiologista, cirurgião
e enfermeiros8. Esse método permite rápida obtenção do romper o uso dos antidiabéticos orais. Pacientes usuários
controle metabólico e pode ser mantido até que o pacien- de clorpropamida, uma sulfoniluréia de meia-vida longa,
te assuma a alimentação via oral. devem ser orientados a suspendê-la 48 a 72 horas antes
O algoritmo para condução desse esquema baseia-se do ato cirúrgico podendo, nesse período, substituí-la por
na cinética entre insulina e glicose, no fornecimento de uma sulfoniluréia de segunda geração13. Esta classe é
aporte de potássio e no ajuste dos parâmetros de acordo representada por hipoglicemiantes de meia-vida curta
com situações específicas, entre as quais destacam-se (glibenclamida, gliburida, gliclazida, glipizida ou glimepi-
obesidade, sepse, corticoterapia e operações cardíacas, rida) e que, portanto, permitem sua suspensão na manhã
condições em que há previsão de maior necessidade de da operação. A metformina deve ser suspensa entre 24 a
insulina8. Geralmente, os pacientes necessitam de 0,3- 48 horas antes do procedimento cirúrgico para evitar o
risco de acidose lática em casos de instabilidade hemodi-
0,4UI de insulina para cada grama de glicose. Assim,
nâmica ou de insuficiência renal, conseqüentes ao proce-
como proposta para início de tratamento, pode-se infun-
dimento, ou suas eventuais complicações3,7. As tiazolidi-
dir a glicose na forma de soro glicosado a 5%, a uma
nedionas (pioglitazona e rosiglitazona), outra classe de
velocidade de 100mL/hora, o que fornecerá o equivalen-
sensibilizadores da ação insulínica, podem ser interrom-
te a 5g/h. A cada litro desta solução, deve-se acrescentar
pidas na manhã da operação. A mesma conduta pode ser
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Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

adotada em pacientes usuários de inibidores da alfa-gli- que não invadem grandes cavidades do corpo, não utili-
cosidase (acarbose e miglitol)7. zam anestesia geral e têm duração prevista inferior a duas
horas3. A infusão venosa de insulina, seja na forma de
Quadro 33.3 .: Diretrizes para a infusão de insulina e glicose em GIK, seja em soluções separadas, está indicada em
soluções separadas no perioperatório8
pacientes que apresentem glicemia de jejum superior a
SGI5% à velocidade de infusão de
200mg/dL (Quadros 33.1, 33.2 e 33.3). Esse grau de des-
100mL/h - 5g/h controle, se mantido, acarreta risco de induzir a diurese
Glicose + potássio osmótica, prejudicar a cicatrização e predispor a infec-
KCl – 20mEq por litro ções. A aplicação subcutânea de insulina regular nesses
Insulina regular (50UI) + NaCl 0,9% (500mL) – 0,1UI/mL
pacientes é considerada método impreciso e ineficaz3,13.
Pacientes controlados com baixas doses de insulina
Perfundir o equipo com 50ml da solução da insulina antes de
(<50UI/dia), dieta ou drogas orais e que, na manhã da
iniciar infusão
operação, apresentem glicemia inferior à 180mg/dL,
Início da infusão de insulina provavelmente não necessitarão de nenhum tratamento
0,02UI/Kg/h – (paciente de 70Kg – 1,4UI/h = 14mL/h) especial no peroperatório, podendo ser acompanhados
Revascularização miocárdica.................. 0,06UI/Kg/h da mesma forma que os não-diabéticos. Nesses casos,
Corticoterapia...........................................0,04UI/Kg/h
eventuais hiperglicemias podem ser corrigidas com insu-
Infecção grave..........................................0,04UI/Kg/h
lina regular subcutânea (Quadro 33.4).
Ajustes na infusão de insulina
Insulina
Glicemia (mg/dL) UI/hora mL/hora Quadro 33.4 .: Diretrizes para operações de pequeno porte em
pacientes com diabetes mellitus do tipo 2 8
<80 0,0 0,0
81-100 0,5 5,0
101-140 1,0 10 Marcar a operação para a manhã (primeiro horário da agenda)
141-180 1,5 15 Suspender dieta após o jantar, na noite anterior
181-220 2,0 20 Monitorizar a glicemia no perioperatório
221-260 2,5 25 Usuários de insulina (<50UI/dia)
261-300 3,0 30 Manter a dose noturna de NPH ou lenta
301-340 4,0 40 Na manhã da operação – Aplicar metade da dose diurna da NPH
>341 5,0 50 ou lenta
Usuários de hipoglicemiantes orais
Glicemias <80mg/dL – interromper insulina e aplicar 25mL de
solução glicosada a 50% Fornecer a medicação até a noite anterior
Se necessário, aplicar insulina regular SC conforme indicado:

SGI - soro glicosado isotônico


Glicemia (mg/dL) Insulina regular (UI)
KCl - cloreto de potássio (de 4/4 ou de 6/6 horas)
NaCl - cloreto de sódio
<120 0
120-160 4
Os pacientes diabéticos do tipo 2 controlados com 161-200 6
doses altas de insulina e com indicação de operação de 201-240 8
>240 10
grande porte ou que se submeterão a anestesia geral
devem receber o mesmo tipo de preparo que os diabéti- Infundir soro glicosado a 5% - 100mL/hora
Pós-operatório
cos do tipo 1, conforme discutido anteriormente e exem- Dieta oral suspensa - continuar com o esquema acima
plificado nos Quadros 33.1, 33.2 e 33.3 3,5. Dieta oral liberada - aplicar a dose noturna usual de insulina
As recomendações são incertas e controversas quan-
do se trata das operações de pequeno porte, ou seja, as

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Monitorização peroperatória oral. A partir daí, programa-se iniciar o esquema de insu-


do paciente diabético lina subcutânea, cuja dose pode ser estimada seguindo
certas orientações. Muitas vezes, o tratamento ambulato-
Deve-se iniciar a infusão endovenosa de insulina, no rial prévio não servirá como bom parâmetro, principal-
mínimo, duas horas antes da operação, para garantir titu- mente devido a duas circunstâncias. Primeiramente, um
lação da dose de insulina e estabilização metabólica do mau controle metabólico pré-operatório impede que o
paciente. Uma vez iniciada a infusão, a glicemia deve ser esquema ambulatorial de insulina seja uma boa estimati-
monitorizada a cada hora ou a cada 30 minutos em va às demandas do paciente. Em segundo lugar, a inten-
pacientes submetidos à operação cardíaca. No pós-ope- sa resistência insulínica faz com que se prescrevam, na
ratório, deve-se manter monitorização de uma em uma ocasião da alta hospitalar, doses mais altas de insulina em
hora e, após estabilização, pode-se aumentar o intervalo relação ao regime ambulatorial antecedente9.
dos exames. A pesquisa de cetonas na urina está indicada O tratamento com insulina subcutânea pode ser esti-
em pacientes diabéticos do tipo 1 com glicemias superio- mado por meio do somatório das doses fornecidas nas
res a 250mg/dL9. últimas 24 horas. Metade desse total é destinada às insu-
linas de ação intermediária ou prolongada e o restante
representa a quantidade de insulina rápida ou ultra-rápi-
Cuidados pós-operatórios da. Se empregarmos insulina intermediária (NPH ou
com o paciente diabético lenta), dois terços da dose calculada devem ser aplicados
de manhã e um terço à noite. Se a opção for pela insuli-
Interrupção dos esquemas de infusão na glargina, inicia-se com aplicação em dose única de
venosa de insulina 80% da insulina basal calculada, habitualmente à noite.
O pós-operatório representa um período no qual Se o paciente for usuário de bomba de insulina, reinicia-
podem surgir algumas dificuldades adicionais ao contro- se a infusão conforme programação empregada no pré-
le glicêmico. A primeira dificuldade provém da resposta operatório, ciente da possibilidade de eventuais aumen-
orgânica provocada pelo estresse cirúrgico, o que leva a tos do fluxo nos primeiros dias do pós-operatório9.
intensa secreção dos hormônios contra-reguladores, É muito importante ressaltar que a suspensão prema-
estabelecendo-se estado de resistência insulínica. tura da insulina endovenosa pode provocar hiperglicemia
Acrescente-se a imprevisibilidade do padrão alimentar acentuada nas 24 horas subseqüentes. Para evitar essa
dos pacientes e a falta de critérios que estabeleçam as complicação, a insulina endovenosa deve ser interrompi-
necessidades de insulina de cada paciente. da alguns minutos após início do esquema subcutâneo.
O esquema de infusão endovenosa da insulina, inicia- Se a insulina regular e a insulina de ação prolongada
do no pré-operatório, é mantido até que o paciente reas- (NPH, lenta ou glargina) forem aplicadas juntas, a infu-
suma a ingestão oral de alimentos sólidos, momento que são deverá ser interrompida 30 a 45 minutos após. Se, em
pode ser crítico e demorado em pacientes com gastropa- vez da insulina regular, forem prescritas as insulinas lis-
resia diabética, susceptíveis a náuseas e vômitos. A infu- pro ou aspart, a infusão venosa poderá ser interrompida
são separada de glicose e insulina (Quadro 33.3), mesmo 15 a 30 minutos após a aplicação subcutânea. Se optar-
durante o pós-operatório, parece ser mais eficaz que a mos por utilizar somente insulina de ação prolongada,
solução GIK (Quadros 33.1 e 33.2) e mais segura que o será necessário manter a infusão de insulina endovenosa
controle por meio de aplicações subcutâneas de insulina até 90 a 120 minutos após a aplicação subcutânea.
regular conforme a glicemia5. Durante essa fase, reco- (Quadro 33.5).
menda-se monitorizar a glicemia capilar a cada duas a Os pacientes que forem submetidos a tratamento
quatro horas para que se mantenha a glicemia entre intensivo deverão ser mantidos em infusão endovenosa
120mg/dL e 180mg/dL. O potássio no plasma deve ser de insulina durante todo o pós-operatório, até que se
dosado a cada seis horas com intuito de mantê-lo nos tenha segurança sobre a disponibilidade da via subcutâ-
seus níveis fisiológicos. nea, uma vez que esta pode se tornar ineficaz e imprevi-
Como exposto anteriormente, a infusão será inter- sível, sobretudo nos casos em que houver instabilidade
rompida no momento em que o paciente tolerar dieta hemodinânica e má perfusão tecidual periférica.
400
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Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

Quadro 33.5 .: Momento da interrupção da insulina venosa a par-


Procedimentos cirúrgicos de urgência
tir do início do tratamento subcutâneo9 em pacientes diabéticos
Insulinoterapia subcutânea Tempo de espera para Na maioria das urgências cirúrgicas, pode-se atrasar o
interromper a infusão venosa início do procedimento em quatro a seis horas, com o
Insulinas NPH, lenta ou glargina 30 a 45 minutos
objetivo de preparar adequadamente o paciente. A avalia-
+ insulina regular ção laboratorial pré-operatória restringe-se a excluir a
Insulinas NPH, lenta ou glargina 15 a 30 minutos cetoacidose diabética por meio de medida da glicemia,
+ insulina ultra-rápida (lispro gasometria arterial, eletrólitos, cálculo da lacuna de
ou aspart) ânions e pesquisa de corpos cetônicos no sangue ou na
Insulinas NPH, lenta ou glargina 90 a 120 minutos urina. Na presença da cetoacidose, deve-se iniciar o tra-
tamento com hidratação, insulinoterapia e correção dos
distúrbios hidroeletrolíticos. Uma vez corrigida a acidose
e reduzida a glicemia a valores inferiores a 250mg/dL,
procede-se da mesma maneira indicada nos casos de ope-
Algumas orientações gerais para o pós-operatório de ração eletiva, com a escolha de método de infusão veno-
pacientes diabéticos que receberam infusão endovenosa sa de insulina, como mostrado no Quadro 33.66. Um
de insulina são mostradas no Quadro 33.6. Após a alta resumo destas condutas está exposto no Quadro 33.7.
hospitalar, a primeira consulta com o médico assistente
deve ocorrer dentro de duas semanas, ou mesmo antes.
Quadro 33.7 .: Condutas no paciente diabético com indicação da
operação de urgência 2
Quadro 33.6 .: Condutas no pós-operatório em paciente que
recebeu infusão endovenosa de insulina2
Realizar exame clínico à procura de sinais e sintomas de cetoacidose
Verificar glicemia em jejum, ionograma, gasometria, uréia e creatinina,
Realizar glicemias capilares a cada duas a quatro horas
corpos cetônicos
Dosar o potássio sérico a cada seis horas enquanto se mantiver a
Em caso de cetoacidose adiar a operação por algumas horas até o
infusão venosa de insulina
controle metabólico
Continuar a infusão venosa até o início da dieta oral
Monitorizar glicemia e potássio a cada duas a quatro horas
Implementar insulinoterapia subcutânea
Avaliar a necessidade de antibióticos

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401
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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402
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34
CIRURGIA NO PACIENTE
COM DISFUNÇÕES
TIREOIDIANAS
Maria de Fátima Haueisen Sander Diniz, Graziella Mattar Vieira de Alvarenga,
Thaís Pereira Costa Magalhães

Introdução se-á apenas o termo hipertireoidismo. O Quadro 34.1


relaciona as principais causas de hipertireoidismo.
As disfunções tireoidianas são relativamente comuns
na população em geral, especialmente em mulheres e
com o avançar da idade. Como as doenças tireoidianas Quado 34.1.: Causas de hipertireoidismo*
são freqüentes, é muito provável que, entre os diversos
pacientes encaminhados para o tratamento de afecções Hiperfunção da glândula Ausência de hiperfunção
tireóide (hipertireoidismo) da glândula tireóide
cirúrgicas, possa haver pacientes com hipo ou hipertireoi-
dismo e, certamente, muitos sem diagnóstico prévio. A Doença de Graves Hormônio tireoidiano exógeno
despeito dessa possibilidade, não existem evidências que
Bócio multinodular tóxico Tecido tireoidiano ectópico
sustentem a indicação de triagem rotineira de doenças
(struma ovarii, câncer tireoidiano
tireoidianas em avaliações pré-operatórias, desde que a metastático)
anamnese e o exame físico não revelem indícios de alte-
Adenoma tóxico (bócio Tireoidite subaguda
rações da glândula1. uninodular tóxico)
Confirmado o diagnóstico de doença tireoidiana, cui- Induzido por iodo Tireoidite com tireotoxicose
dados especiais devem ser considerados antes, durante e (Jod-Basedow) transitória (indolor, silenciosa,
após a operação, ainda que a maioria dos pacientes com pós-parto)
a doença compensada não necessite de medidas diferen- TSH-oma
tes das adotadas para pacientes eutireóideos.
Resistência hipofisária ao
hormônio tireoidiano
Hipertireoidismo Mola hidatiforme

O estado clínico resultante do excesso de hormônios


circulantes é conhecido por tireotoxicose. Deve-se à *Modificado de Davis e Larsen7
excessiva produção, liberação ou ingestão dos hormônios
tireoidianos. O termo hipertireoidismo é reservado às
situações em que há hiperfunção glandular com excessi-
va produção hormonal. Entretanto, freqüentemente, No clássico estudo original de Tunbridge et al.3 realiza-
esses termos são empregados como sinônimos, como na do na Inglaterra entre 1972 e 1974, a prevalência do hiper-
excelente revisão de Cooper2. Neste capítulo, empregar- tireoidismo entre mulheres foi de 0,5%. Em pesquisa mais

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

recente, realizada nos Estados Unidos, a prevalência mento de arritmias cardíacas, pode levar à tireotoxicose,
encontrada foi igualmente de 0,5%4. seja pelo efeito Jod-Basedow (hipertireoidismo do tipo
I), seja por tireoidite destrutiva (hipertireoidismo tipo II).
Muito raramente, o hipertireoidismo é secundário a
Etiologia tumores produtores de TSH (TSHomas) ou de altas con-
As causas de hipertireoidismo podem ser endógenas, centrações de gonadotrofinas coriônicas, como na mola
como em pacientes com doença de Graves, bócios uni hidatiforme. Também muito raro é o hipertireoidismo
ou multinodulares tóxicos, ou exógenas, quando do uso associado ao teratoma ovariano com tecido tireoidiano
de levotiroxina em doses elevadas. funcionante (struma ovarii) ou ao câncer diferenciado da
A doença de Graves constitui a causa mais comum de tireóide, primário ou metastático. Nos casos de resistên-
hipertireoidismo, representando 60% a 80% dos casos. A cia aos hormônios tireoidianos que afete predominante-
prevalência varia entre as populações, sendo maior em mente a região hipofisária, podem ocorrer manifestações
áreas ricas em iodo. Pode ocorrer em até 2% das mulhe- clínicas de hipertireoidismo2,6-10.
res, sendo dez vezes menos comum em homens. É rara Os achados fisiopatológicos, a apresentação clínica e
na infância, com pico de incidência entre os 20 e 50 anos. o tratamento são peculiares a cada condição2,5-9.
Trata-se de doença com caráter auto-imune, relacionada
à presença de auto-anticorpos estimuladores do receptor Exame clínico
do hormônio tireotrófico (TSH)2,5-7.
Cerca de 25% dos casos de hipertireoidismo devem- A gravidade dos sintomas do hipertireoidismo geral-
se aos bócios com nódulos hiperfuncionantes e com fun- mente se correlaciona com o nível dos hormônios circu-
ção autônoma em relação ao TSH. São os bócios unino- lantes, etiologia, a idade do paciente e suas comorbida-
dulares (adenomas tóxicos) ou multinodulares tóxicos. des, além da sensibilidade individual à sobrecarga hor-
Geralmente são encontrados na população idosa, mas, monal10. A apresentação clínica é variada. As manifesta-
nas áreas pobres em iodo, acontecem em pessoas ções características do hipertireoidismo, incluem nervo-
mais jovens. sismo, insônia, emagrecimento, tremor de extremidades,
O uso de levotiroxina em doses elevadas, seja na palpitações, fadiga, intolerância ao calor, taquicardia, pele
terapia supressiva da doença nodular tireoidiana, no quente e úmida, aumento da glândula tireóide e as altera-
seguimento pós-operatório do câncer diferenciado de ções de personalidade. Num outro extremo, observa-se o
tireóide ou no tratamento do hipotireoidismo, represen- hipertireoidismo apatético, mais comum em pacientes
ta importante causa de tireotoxicose iatrogênica. O idosos, que não exibem sintomas de hiperatividade adre-
Estudo Colorado demonstrou que 22% dos pacientes nérgica, mas astenia, prostração grave, fraqueza muscu-
em uso de tiroxina tinham níveis do TSH abaixo do lar, depressão, apresentando-se com ou sem bócio.
fisiológico4. Lamentavelmente, destaca-se como causa Nesses casos, as únicas manifestações podem ser fibrila-
iatrogênica de hipertireoidismo o uso indiscriminado de ção atrial ou insuficiência cardíaca congestiva resistentes
hormônios tireoidianos com o objetivo de emagreci- aos tratamentos usuais e perda de peso2,5-10.
mento, já que essas medicações podem ser manipuladas A etiologia do hipertireoidismo pode ser suspeitada a
e vendidas livremente. partir da história clínica e dos achados ao exame físico.
As tireoidites de Hashimoto, pós-parto, silenciosas e Todas as manifestações clínicas costumam ser mais exu-
subagudas, podem cursar com hipertireoidismo transitó- berantes na doença de Graves, sendo que o bócio difuso
rio e, geralmente, sem maior gravidade. Nessas situações, com oftalmopatia, dermatopatia tibial e acropatia são
a apoptose celular ocasiona liberação dos hormônios característicos desta doença. Muitas vezes, observa-se
pré-formados na tireóide para a circulação. frêmito e/ou sopro no bócio hiperfuncionante. É
É importante lembrar do hipertireoidismo induzido comum a associação com outras doenças de caráter auto-
pelo iodo (efeito Jod-Basedow), mais comum em pacien- imune como o diabetes mellitus tipo 1 e o vitiligo. No ade-
tes com doenças tireoidianas nodulares ou com Graves noma tóxico há presença de nódulo tireoidiano único,
subclínico expostos a altas concentrações de produtos geralmente volumoso (maior que 3cm). Os bócios multi-
iodados. A amiodarona, largamente utilizada no trata- nodulares muitas vezes são volumosos e mergulhantes
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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

no mediastino. Pode haver manifestações de compressão desnutrição, na síndrome nefrótica, em algumas doenças
da traquéia (dispnéia e roncos) ou da drenagem venosa de depósito etc5-8,11,12.
cervical (manobra de Pemberton positiva). Nas tireoidi- Em pacientes com níveis hormonais elevados e TSH
tes, as manifestações clínicas geralmente são mais leves. não-suprimido ou elevado, deve-se suspeitar de tumor
O Quadro 34.2 relaciona as principais manifestações clí- secretor de TSH ou resistência aos hormônios tireoidianos.
nicas do hipertireoidismo. A hipercalcemia está presente em 10% dos pacientes
hipertireóideos, devido ao aumento da remodelação
óssea. Também podem ser observadas redução do coles-
Quadro 34.2 .: Manifestações clínicas do hipertireoidismo
terol total, anemia microcítica, neutropenia, trombocito-
penia, hipocalemia, elevação da ferritina, e hiperbilirrubi-
Sintomas Freqüência (%) nemia, essa última em casos mais graves10.
Nervosismo 35-99 A captação do iodo radioativo (RAIU) em 24 horas e
Sudorese 45-95
a cintilografia da tireóide (tireograma) podem ser úteis na
diferenciação entre tireoidites, doença de Graves e
Intolerância ao calor 22-92
bócios nodulares tóxicos. A captação encontra-se eleva-
Palpitações 22-89
da em praticamente 100% dos casos de doença de
Fadiga e fraqueza 27-88 Graves, com hiperconcentração difusa do radiofármaco.
Perda de peso 50-85 Ao contrário, nos casos de tireoidite a captação é muito
Dispnéia 41-81 baixa ou ausente. Nos bócios nodulares tóxicos, a cinti-
Hiperfagia 10-65 lografia revela áreas focais de hipercaptação do iodo e
Diarréia 04-36 captação baixa ou ausente no restante da glândula2,5-7.
Sinais A dosagem de anticorpos anti-receptor do TSH e
Taquicardia 50-100 antitireoperoxidase auxiliam pouco no diagnóstico dife-
Bócio 37-100
rencial e não deve ser realizada de forma rotineira.
A ultra-sonografia da tireóide com Doppler pode aju-
Tremor 32-97
dar no diagnóstico diferencial do hipertireoidismo por
Retração palpebral 34-80
amiodarona, mostrando-se inalterada ou com hiperfluxo
Hiperatividade 39-80
na tireotoxicose do tipo I e com padrão heterogêneo ou
Fibrilação atrial 03-38 com hipofluxo, na do tipo II. O Quadro 34.3 resume os
achados laboratoriais e cintilográficos nos casos de
*Modificado de Weetman6, Davis e Larsen7, Lazarus8, Leenhardt et al.10
tireotoxicose.

Diagnóstico Tratamento
Caracteristicamente, há redução do TSH e aumento Há várias modalidades de tratamento que serão
do T4 e T3 livres, respectivamente tiroxina (tetraiodoti- empregadas adequadamente de acordo com a etiologia
ronina) e triiodotironina. Cerca de 1% dos pacientes do hipertireodismo, idade, comorbidades do paciente,
apresentarão supressão do TSH sem que haja aumento presença ou não de bócio volumoso, intolerância aos
de T4 livre, com aumento apenas de T3, seja total ou medicamentos ou radioiodo etc6,7,10,14.
livre. Essa condição é conhecida como T3 toxicose e é Os betabloqueadores são úteis no manejo das formas
mais freqüente em pacientes idosos com doença nodular moderadas e graves do hipertireoidismo de qualquer
da tireóide. etiologia, aliviando sintomas como a taquicardia e tremo-
A avaliação da fração livre de tiroxina (T4l) é sempre res de extremidades. Na maioria das vezes, constituem o
preferível à da tiroxina total, já que alterações nas proteí- único tratamento sintomático nas tireoidites, com exce-
nas ligadoras de tiroxina (TBG) podem interferir nos ção da tireoidite subaguda. Nas demais etiologias do
valores totais, sem mudança nas frações livres. É o que hipertireoidismo, são utilizados até que as drogas antiti-
acontece na cirrose hepática, no uso de estrogênios, na reoidianas reduzam a síntese hormonal, quando são des-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 34.3 .: Diagnóstico diferencial da tireotoxicose*

T4 livre T3 livre TSH Anticorpos Captação do


iodo radioativo
Doença de Graves ↑ ↑ ↓ + i ou ↑
T3 toxicose i ou ↑ ↑ ↓ − i ou ↑
Bócio tóxico multinodular i ou ↑ i ou ↑ ↓ − i ou ↑
Adenoma tóxico i ou ↑ ↑ ↓ − i ou ↑
Tireoidite pós-parto ↑ i ou ↑ ↓ + ↓
Jod Basedow ↑ i ou ↑ ↓ − i ou ↑
Tireotoxicose factícia i ou ↑ i ou ↑ ↓ − ↓
Tireoidite subaguda ↑ ↑ ↓ + ↓
Mola hidatiforme ↑ ↑ ↓ − ↑
Carcinoma funcionante da tireóide ↑ ↑ ↓ − ↑
Hipertireoidismo hipofisário ↑ ↑ ↑ − ↓
Struma ovarii ↑ ↑ ↓ − ↓

* Modificado de Weetman6 e Lazarus8


↑ : Aumentado
↓ : Diminuído
+ : Positivo
− : Negativo
i : Inalterado

continuados gradativamente. O uso de betabloqueadores, sob rigorosa monitorização dos níveis séricos da droga
mesmo os seletivos, em pacientes asmáticos, com insufi- (0,5mEq/L a 1mEq/L) e de seus efeitos colaterais2,6,7.
ciência vascular periférica ou insuficiência cardíaca conges- Como em toda doença auto-imune, a doença de
tiva descompensada, pode ser danoso. O propranolol, Graves tem tendência a desenvolver recidivas e remis-
entretanto, pode ser útil no controle de taquicardias supra- sões. Não há cura e o tratamento consiste em reduzir a
ventriculares que estejam agravando a insuficiência cardía- produção hormonal. São três as opções terapêuticas:
ca. Em geral, todos os betabloqueadores são eficazes, pre- drogas antitireoidianas ou tionamidas, iodo radioativo, e
ferindo-se os de longa duração para o manejo dos pacien- o tratamento cirúrgico. Na escolha consideram-se alguns
tes cirúrgicos. Dessa forma, evita-se o uso intravenoso no fatores, como a preferência e experiência do médico, a
per e pós-operatório, enquanto o paciente não puder usar idade e preferência do paciente, o tamanho do bócio, a
habilidade do cirurgião, a disponibilidade e o custo do
a via oral. As doses devem ser individualizadas, sugerindo-
tratamento, entre outros. Os três tratamentos estão asso-
se: propranolol (20mg a 40mg a cada seis a oito horas, até
ciados à melhora similar na qualidade de vida e na satis-
320mg/dia); atenolol (25mg a 100mg/dia em dose única
fação dos pacientes. Nos EUA, 70% dos especialistas
ou dividida a cada 12 horas)6,7. optam pelo tratamento inicial com radioiodo. Nos
Bloqueadores do canal de cálcio como o diltiazem demais países, as drogas antitireoidianas constituem a
(60mg a 90mg a cada oito horas) e o verapamil (40mg a escolha para 80% dos médicos, principalmente em
80mg a cada oito horas) constituem uma opção terapêu- pacientes jovens com bócios pouco volumosos15.
tica para o tratamento das arritmias supraventriculares se As drogas antitireoidianas comercialmente disponí-
houver contra-indicação ao uso dos betabloqueadores. O veis no Brasil são o metimazol (tiamazol) e o propiltiou-
carbonato de lítio (600mg a 1.200mg/dia) é uma alterna- racil (PTU). As drogas antitireoidianas não inibem a cap-
tiva para os casos graves, em pacientes intolerantes às tação de iodo pela glândula nem afetam a liberação de
drogas antitireoidianas e ao radioiodo. Seu uso deve ser hormônios já sintetizados. Agem na inibição da organifi-
restrito ao período de preparo pré-operatório e sempre cação e no acoplamento das iodotirosinas. As tionamidas
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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

poderiam também exercer efeito imunossupressivo por Aproximadamente 1% a 5% dos pacientes apresentam
reduzirem os níveis de anticorpos estimulantes do recep- algum tipo de efeito colateral às drogas antitireoidianas.
tor do TSH. Entre as drogas antitireoidianas, o metima- Os efeitos adversos mais comuns são febre, sintomas gas-
zol é o fármaco de escolha por proporcionar maior ade- trointestinais, erupções e prurido cutâneo e artralgias.
são ao tratamento (tomada única diária, mas doses maio- Agranulocitose, síndrome semelhante ao lúpus, vasculites
res geralmente são divididas em duas vezes ao dia), maior e lesão hepática são reações graves desses medicamentos,
segurança, menor custo e, possivelmente, maior eficá- embora raras. A agranulocitose se desenvolve quase sem-
cia16,17. O propiltiouracil constitui a droga de escolha em pre dentro de 90 dias do início do tratamento, em 0,2% a
algumas situações especiais, como na gestação e na crise 0,5% dos casos. Porém, a monitorização freqüente do leu-
tireotóxica (pelo benefício teórico de inibir a conversão cograma não é necessária porque não prediz a ocorrência
periférica de T4 em T3). da agranulocitose. Deve-se orientar o paciente a procurar
As doses iniciais variam de 10mg a 40mg por dia de atendimento médico imediato em caso de febre, faringite
metimazol e, para o propiltiouracil, de 200mg a 400mg. ou outro sinal de infecção. O metimazol pode causar
Doses mais elevadas, apesar de reduzirem mais rapida- hepatite colestática, mas a maioria recupera-se bem com a
mente os níveis hormonais, não aumentam as probabili- suspensão da droga. Já o propiltiouracil está mais associa-
dades de remissão da doença e, por outro lado, aumentam do ao dano hepatocelular, podendo levar à hepatite fulmi-
o risco de reações colaterais. Na gravidez, a dose ideal é a nante. Não há indicação para monitorização rotineira da
necessária apenas para manter o T4 livre no limite supe- função hepática em pacientes em uso de drogas antitireoi-
rior da normalidade, numa tentativa de se reduzir o risco dianas. Como existe reação cruzada entre as drogas antiti-
reoidianas, a presença de efeitos colaterais moderados a
de hipotireoidismo fetal. Ao final da gestação, quando a
graves contra-indica definitivamente o tratamento com
gravidade do hipertireoidismo pode declinar, as doses
este grupo de fármacos6,7,10,16,17.
podem ser reduzidas ou até a droga pode ser suspensa.
O iodo radioativo (I131) é o tratamento de escolha para
Os valores de T4 livre decrescem em quatro a 12
muitos clínicos, mas, no Brasil, é mais empregado como
semanas de tratamento. As concentrações de T3 retor-
alternativa à falência do tratamento com drogas antitireoi-
nam para níveis fisiológicos mais lentamente que os
dianas; nas recidivas após suspensão destas drogas; como
níveis de T4 e os valores de TSH podem permanecer
primeira escolha em mulheres que não possam esperar
suprimidos por muitos meses, sem significar insucesso
muitos anos para engravidar; nos bócios nodulares tóxi-
do tratamento. O T4 livre é o melhor exame para reava- cos15. Seguro (usado há mais de 50 anos, por via oral, indo-
liação da dose terapêutica quando o paciente retorna para lor e sem necessitar de hospitalização) e com custo acessí-
controle. As consultas serão a cada quatro a seis semanas vel, causa hipotireoidismo na grande maioria dos pacientes
nos primeiros seis meses. Com a redução dos níveis hor- ao final de dez anos. Por ser formalmente contra-indicado
monais, as doses das drogas antitireoidianas podem ser na gestação, deve-se solicitar β-HCG rotineiramente antes
reduzidas ao mínimo necessário para o bom controle clí- do tratamento de mulheres em idade fértil. A amamenta-
nico (5mg a 10mg/dia de metimazol). A duração média ção e a gravidez são contra-indicadas por seis a 12 meses
do tratamento é de 12 a 18 meses. Maior tempo de trata- após o radioiodo e as mulheres em idade fértil necessitam
mento não melhora as taxas de remissão16. Por outro de métodos contraceptivos seguros nesse período. A fun-
lado, tratamentos com menos de seis meses de duração ção tireoidiana retorna ao habitual em dois a seis meses e
elevam as taxas de recidiva da doença, que geralmente o hipotireoidismo desenvolve-se a partir de quatro a 12
ocorrem nos seis meses iniciais após a suspensão da(s) meses após o tratamento. Mais de 20% dos pacientes
droga(s) antitireoidiana(s). O aumento do T3 é um sinal necessitam de uma segunda dose de I131 para obter o euti-
precoce de recidiva, sendo sua monitorização útil no reoidismo, o que deve ser reavaliado depois de seis a 12
acompanhamento posterior. Nos bócios nodulares tóxi- meses da primeira dose6,7,15.
cos, as drogas antitireoidianas não curam o hipertireoi- O iodo radioativo pode piorar a oftalmopatia, princi-
dismo. Sua utilidade está em levar o paciente ao eutireoi- palmente se o hipertireoidismo for grave ou o paciente
dismo para que possa se submeter ao tratamento defini- fumante. Para prevenir a piora da oftalmopatia, há indica-
tivo com radioiodo ou com procedimento cirúrgico. ção de corticosteróides com início após alguns dias do tra-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tamento, reduzindo a dose até sua suspensão definitiva pode ser tratado com iodo radioativo em altas doses, mas
depois de dois a três meses18. Embora a crise tireotóxica o tratamento cirúrgico é uma ótima opção para pacientes
seja rara após o uso do I131, deve-se atentar para a tireoidi- com sintomas compressivos, múltiplos nódulos hipocap-
te actínica que ocorre em menos de 10% dos casos, cau- tantes ou bócio mergulhante. A decisão pela terapêutica
sando piora do hipertireoidismo. Por isso, o pré-tratamen- cirúrgica deve levar em conta o risco operatório dos
to com drogas antitireoidianas para se atingir o eutireoidis- pacientes, pois muitos estão em idade avançada, com múl-
mo, principalmente para idosos e aqueles com doença car- tiplas comorbidades. A principal complicação clínica da
diovascular, deve ser adotado como conduta cautelosa. tireoidectomia é o hipotireoidismo, que ocorre em até 50%
Entretanto, o uso de propiltiouracil resulta em graus dos pacientes, após seguimento prolongado. As lesões do
aumentados de falência terapêutica ao I131. As drogas anti- nervo laríngico recorrente e o hipoparatireoidismo definiti-
tireoidianas são suspensas cerca de sete dias antes do vo são complicações raras (2% a 3% dos casos) e estão
radioiodo e, para a maioria dos pacientes, não é necessário diretamente relacionadas com a experiência do cirurgião6,7.
reintroduzi-las. Os betabloqueadores são utilizados para o
Quadro 34.4 .: Indicações para tireoidectomia em pacientes com
controle dos sintomas depois do radioiodo15,16. hipertireoidismo*
A dose de I131 necessária para o controle do hiperti-
reoidismo varia com a etiologia e o tamanho do bócio. Indicações absolutas Indicações relativas
Bócios volumosos e nodulares são mais resistentes à irra-
Reação grave a drogas antiti- Oftalmopatia grave
diação, exigindo doses mais elevadas. Entretanto, como reoidianas e impossibilidade
o radioiodo se concentra preferencialmente nos nódulos ou contra-indicação ao
hiperfuncionantes, muitos pacientes com bócios uni ou radioiodo
multinodulares tóxicos ficam eutireoidianos após este Atividade da doença mesmo Tireoidite grave pela amiodarona,
tratamento. As taxas de cura do hipertireoidismo variam com tratamento máximo ou refratária ao tratamento clínico
depois do radioiodo
de 60% a 90%, dependendo da dose de I131 utilizada15,16.
Primeiro tratamento do hipertireoidismo, a tireoi-
Doença de Graves ou bócio Necessidade de controle mais
dectomia é atualmente empregada em 1% dos casos. nodular tóxico associados rápido do hipertireoidismo
Está reservada para circunstâncias específicas, como res- com nódulo suspeito ou (Graves ou bócio nodular tóxico)
posta precária aos antitireoidianos principalmente maligno
durante a gestação; reações adversas a drogas antitireoi- Gestantes não-controladas Preferência do paciente (inapti-
dianas e impossibilidade de usar o radioiodo; bócio adequadamente com drogas dão para seguir o tratamento
antitireoidianas clínico e medo do radioiodo)
muito volumoso, causando desconforto; presença de
oftalmopatia grave; presença de nódulo potencialmente Bócio volumoso (Graves ou Desejo de engravidar em curto
maligno; preferência do paciente (medo do radioiodo). bócio multinodular tóxico) prazo
Nos pacientes com doença de Graves, o encontro de um com sintomas compressivos**
nódulo hipocaptante implica elevado risco de malignida-
de (até 20%)13. É realizada a tireoidectomia total ou sub- Crianças
total para se evitar a recidiva da doença. Nos casos de
oftalmopatia grave e na presença de nódulos suspeitos
* Modificado de Boger e Perrier13 e Langley e Burch14. ** Indicação relativa
de malignidade, a tireoidectomia total é considerada o segundo autores que preferem o radioiodo.
procedimento de escolha13,19. O Quadro 34.4 relaciona as
principais indicações para tireoidectomia em pacientes Um outro tratamento definitivo proposto para os ade-
com hipertireoidismo. nomas tóxicos é a injeção de etanol no nódulo, guiada por
O bócio uninodular tóxico tem o radioiodo como o ultra-sonografia. O etanol reduziria o volume no nódulo e
tratamento mais comum nos EUA. A terapêutica cirúrgi- normalizaria a função tireoidiana na maioria dos pacientes,
ca é a escolha em outros países. Nesse caso, a lobectomia segundo os autores que têm utilizado este procedimento20.
ou mesmo a nodulectomia proporcionam a cura da A tireoidite subaguda granulomatosa é tratada com
maioria dos pacientes que, raramente, desenvolvem salicilatos ou outros antiinflamatórios não-esteróides, e
hipotireoidismo posterior. O bócio multinodular tóxico com betabloqueadores até a melhora dos sintomas. Os

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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

casos mais graves podem se beneficiar de corticóides sis- Atualmente, graças aos cuidados perioperatórios, em
têmicos. No hipertireodismo induzido pela amiodarona, especial ao uso das tionamidas, apenas 1% dos pacientes
esta não precisa ser suspensa para tratar o paciente, falecem, isso porque os pacientes hipertireóideos com
embora seja o recomendado nos casos de arritmias que indicação de tratamento cirúrgico devem ser operados
não envolvam risco à vida. Utilizam-se as drogas antiti- apenas quando estiverem clínica e laboratorialmente
reoidianas na tireotoxicose do tipo I, necessitando-se compensados1,13,14. O tempo mínimo necessário para o
geralmente de doses altas, enquanto os corticóides são o preparo pré-operatório adequado é de três a quatro
tratamento de escolha no tipo II6,7. semanas. Na doença de Graves, como a tireoidectomia
tem sido indicada principalmente para os pacientes de
difícil controle e os com grandes bócios, a reserva tireoi-
Riscos perioperatórios
diana de hormônios pré-formados costuma ser grande e
O maior risco a que o paciente com hipertireoidismo as manifestações clínicas bastante intensas. Então, maior
não-identificado ou inadequadamente tratado está sujeito tempo de uso de drogas antitireoidianas pode ser neces-
ao ser operado é a tempestade tireoidiana ou crise tireotó- sário até a melhora do paciente. O objetivo do tratamen-
xica. É uma entidade rara, mas ameaçadora à vida1,7. to clínico com as tionamidas e os betabloqueadores é
O efeito do excesso de hormônios tireoidianos sobre o manter o T4 livre e o T3 dentro dos limites da normali-
sistema cardiovascular, por si só, eleva o risco operatório. dade. Como o eixo hipotálamo-hipófise permanece alte-
Esses pacientes devem ser avaliados e devidamente con- rado por mais tempo, o TSH, às vezes, fica suprimido
trolados para doença cardiopulmonar no pré-operatório. (abaixo do fisiológico) por meses, mesmo quando o
A monitorização cardíaca é fundamental, porque as arrit- paciente está melhor e apto à operação6,7. O uso de dro-
mias, especialmente as taquiarritmias e a fibrilação atrial, gas antitireoidianas e betabloqueadores para o controle
são mais prevalentes no hipertireoidismo. Ademais, a do hipertireoidismo foi discutido anteriormente.
isquemia miocárdica ou insuficiência cardíaca podem se O uso de soluções iodadas para reduzir o fluxo san-
desenvolver ou piorar21. güíneo, a friabilidade e o sangramento da tireóide no pré-
Como os pacientes com hiper ou hipotireoidismo operatório da doença de Graves é uma prática muito
podem apresentar coagulopatias, deve-se suspender os difundida. As soluções de iodeto de potássio (duas a
anticoagulantes orais e os salicilatos no pré-operatório. A cinco gotas a cada oito horas por dez a 15 dias) e lugol
hemostasia precisa ser rigorosa para evitar hematomas (três a cinco gotas a cada oito horas por dez a 15 dias) são
perioperatórios1,7. usadas há mais de 60 anos no preparo das tireoidecto-
Uma importante complicação perioperatória da tireoi- mias, sendo tratamento mais antigo que as tionamidas13.
dectomia é a hipocalcemia que atinge até 50% dos pacien- Entretanto, ainda há controvérsias sobre seus benefícios
tes. Pode acontecer até 72 horas depois da operação, reais, pois há carência de estudos controlados que ava-
sendo secundária a hipoparatireoidismo, transitório na liem se a redução da vascularização da glândula provém
maioria das vezes10,13. O hipoparatireoidismo permanente é do controle adequado do hipertireoidismo ou se real-
incomum (2% a 3%) quando a tireoidectomia é realizada mente da ação do iodo14. Há estudos que mostram ausên-
por cirurgiões experientes. Deve-se dosar o cálcio rotinei- cia de efeito do iodo; outros, redução do fluxo sangüíneo
ramente no perioperatório e buscar ativamente por dises- sem significância clínica perioperatória22-4. Há autores,
tesias, câimbras, fraqueza muscular e pela presença dos inclusive, que acreditam ser o propranolol o agente que
sinais de Trousseau e Chvostek. efetivamente reduz o fluxo sangüíneo para a tireóide25-7.
Prudente é a opinião de Langley e Burch que recomen-
Tratamento pré-operatório dam que, uma vez que o paciente esteja bem controlado
com outras medicações, a tireoidectomia não deve ser
Pacientes candidatos à tireoidectomia adiada por mais dez dias, caso o objetivo da administra-
ção do iodo seja apenas reduzir a vascularização da glân-
PACIENTE EUTIREÓIDEO
dula14. É sempre bom lembrar que o iodo é contra-indi-
A mortalidade da tireoidectomia em pacientes com cado no preparo para a tireoidectomia de pacientes com
hipertireoidismo no início do século XX era de até 20%. bócios nodulares tóxicos.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Depois da realização da tireoidectomia, total ou contraste iodado, sob risco de piora da função renal e de
subtotal, as drogas antitireoidianas são suspensas defi- ocorrência de acidose lática.
nitivamente e os betabloqueadores reduzidos de forma Os glicocorticóides, além de reduzirem a conversão
gradativa até à suspensão definitiva em uma a duas periférica de T3 a T4, diminuem o risco de falência adre-
semanas. A função tireoidiana deve ser revista periodi- nal perioperatória. Utiliza-se a hidrocortisona, na dose de
camente, porque o hipotireoidismo é uma conseqüên- 100mg a cada oito horas, por via intravenosa, ou a beta-
cia esperada depois das grandes ressecções tireoidia- metasona na dose de 0,5mg a cada seis horas, ou, ainda,
nas, e a reposição da levotiroxina, imprescindível após a dexametasona (1mg de 12 em 12 horas). A dose do cor-
a tireoidectomia total14. ticóide pode ser reduzida no primeiro dia de pós-opera-
tório e suspensa em 72 horas1,14,28-31.
PACIENTE EM TIREOTOXICOSE
Os contrastes iodados e as tionamidas devem ser sus-
pensos imediatamente após a tireoidectomia. Todavia, o
Não é indicado realizar tireoidectomia quando o efeito tecidual do excesso dos hormônios tireoidianos per-
paciente se encontrar em tireotoxicose. Entretanto, há manece por alguns dias após a operação. Para minimizar
situações de hipertireoidismo acentuado, com elevada esses efeitos, os betabloqueadores são mantidos por cerca
morbidade e necessidade de controle rápido da hiper- de uma semana no pós-operatório em doses progressiva-
função tireoidiana. Nesses casos excepcionais, não há mente menores, até a sua suspensão definitiva14.
possibilidade de aguardar semanas até atingir o eutireoi- Os pacientes operados em tireotoxicose merecem
dismo. Diversos autores preconizam esquemas terapêu- cuidados redobrados quanto ao risco de arritmias, agra-
ticos de preparo rápido, de forma a proporcionar con- vamento da insuficiência cardíaca e hipoxemia. Os
dições mínimas de segurança para que o paciente possa pacientes idosos e muito emagrecidos, em especial,
ser submetido ao procedimento cirúrgico1,28-31. Todos podem apresentar fraqueza muscular, o que implica risco
associam as drogas antitireoidianas em doses altas, beta- de intubação prolongada1,14.
bloqueadores, soluções iodadas e glicorticóides. O pro-
piltiouracil (150mg a 200mg de seis em seis horas) ou o
metimazol (20mg a 40mg de 12 em 12 horas) e os beta- Pacientes candidatos a procedimentos
bloqueadores são usados por via oral. cirúrgicos não-tireoidianos
O iodeto inibe a secreção de hormônios pela glându-
PACIENTE EUTIREÓIDEO
la e os contrastes iodados são potentes inibidores da con-
versão de T4 em T3. A tionamida deve ser oferecida pelo Qualquer procedimento cirúrgico pode ser realizado
menos uma hora antes da administração do iodeto, para em pacientes com doença tireoidiana, desde que esteja
prevenir que o iodo atue como substrato para a formação eutireóideo. Ao realizar a avaliação clínica pré-operatória,
adicional de hormônio tireoidiano. Recomenda-se a solu- o cirurgião deve indagar pacientes com doença tireoidiana
ção de iodeto de potássio (cinco gotas a cada seis a 12 sobre manifestações de tireotoxicose. O exame físico e os
horas por via oral) ou de lugol (quatro a oito gotas a cada exames de função tireoidiana complementam a anamnese.
oito horas). Entretanto, os contrastes radiográficos são Um contato com o clínico ou endocrinologista do pacien-
preferidos aos iodetos, porque, além de bloquearem a te deve ser feito no pré-operatório sempre que necessário,
liberação dos hormônios tireoidianos, reduzem rapida- para maiores esclarecimentos.
mente as concentrações de T3 e podem ser administra- As drogas antitireoidianas devem ser mantidas no
dos tanto pela via oral, quanto pela venosa32. O ácido perioperatório e, caso a via oral esteja impedida, adminis-
iopanóico, citado em artigos de referência, não está mais tradas pela via retal33. Os betabloqueadores de ação pro-
disponível nos Estados Unidos ou no Brasil. Como alter- longada, como o atenolol, são preferidos no dia da opera-
nativa pode-se utilizar ioxitalamato de meglumina, ami- ção e serão retomados, se possível, no dia seguinte ao pro-
dotrizoato de meglumina ou iopamidol (1ml a 2ml a cada cedimento cirúrgico. Se necessário, podem ser usados por
12 horas), ou diatrizoato de meglumina (3ml a 6ml a cada via endovenosa, sob monitorização cardiovascular1,14,30.
12 horas). Os contrastes iodados estão proscritos em É necessária atenção especial para pacientes com bócios
caso de alergia ao iodo. É fundamental suspender o uso nodulares, principalmente os com função autônoma, pelo
do metformin dois dias antes de iniciar o uso de qualquer risco de desenvolverem hipertireoidismo iodo-induzido no
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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

pós-operatório, após o contato com substâncias iodadas que pode esquecer de manter as drogas antitireoidianas no
são freqüentemente utilizadas para anti-sepsia e como auxi- pós-operatório das doenças não-tireoidianas. A suspen-
liares diagnósticos (contrastes radiográficos)13. são, associada ao estresse cirúrgico e ao contato com
substâncias iodadas, pode agravar o hipertireoidismo
preexistente e até precipitar crise tireotóxica1,14.
PACIENTE EM TIREOTOXICOSE
A utilização de glicocorticóides também é recomen-
Todas as operações eletivas devem ser adiadas até dada para o controle perioperatório dos pacientes em
que o paciente esteja clínica e laboratorialmente eutireói- tireotoxicose que serão submetidos às operações não-
deo, não havendo justificativa para submetê-lo a riscos tireoidianas1,14.
desnecessários. Entretanto, algumas vezes, paciente Nas emergências cirúrgicas, quando não há tempo de
ainda mal controlado ou sem diagnóstico prévio do realizar nenhum preparo antes do procedimento cirúrgi-
hipertireoidismo pode exibir uma condição que exija tra- co, inicia-se prontamente o betabloqueador por via
tamento cirúrgico em curto prazo. Nesse caso, o uso venosa com a opção de se associar contraste radiográfi-
combinado de tionamida, contraste iodado, betablo- co14. O risco perioperatório é muito elevado nesses casos.
queador e glicocorticóide reduz rapidamente os níveis
de T3 em cerca de cinco dias, proporcionando controle
que, embora não seja ótimo, proporciona maior segu- Crise tireotóxica
rança à realização da operação a partir do sexto ao déci- Exame clínico
mo dia de terapêutica28,29,31.
No caso de procedimentos cirúrgicos de urgência em A crise tireotóxica é uma emergência médica que,
paciente com hipertireoidismo leve, o procedimento embora rara, apresenta mortalidade de até 40% por colap-
pode ser realizado sob betabloqueio iniciado no pré- so cardiovascular. Geralmente ocorre em pacientes com
operatório. O propranolol é considerado droga de esco- baixa adesão ao tratamento e que interrompem as tionami-
lha, porque também inibe a conversão periférica de T4 das34. Entretanto, hipertireóideos em tratamento regular
em T3. Porém, como esse efeito só é pleno após alguns podem apresentar crise tireotóxica na vigência de fatores
dias, outros betabloqueadores podem ser utilizados, precipitantes como infecções, traumas, parto, doenças sis-
sendo igualmente efetivos. Devem ser administrados na têmicas agudas e graves (infarto agudo do miocárdico, aci-
dose suficiente para manter a freqüência cardíaca em dente vascular encefálico, tromboembolismo pulmonar) e
torno de 80 batimentos por minuto (iniciar com propra- uso de contrastes iodados. Como normalmente só são
nolol, 40mg a 80mg a cada 8 horas, caso a via oral possa encaminhados para tireoidectomia pacientes já tratados e
ser utilizada ou 0,5mg a 1mg por via venosa lenta, admi- em eutireoidismo, a ocorrência de crise tireotóxica nessa
nistrado sob monitorização cardiovascular durante dez a situação é rara. Por outro lado, sempre há risco nas primei-
15 minutos e repetido a cada duas a três horas, se neces- ras 24 horas de pós-operatório, quando um paciente com
sário) e mantidos no pós-operatório até que a doença hipertireoidismo não diagnosticado é submetido a qualquer
tireoidiana esteja controlada1,14. operação não-tireoidiana.
Para o preparo mais rápido para as operações de O diagnóstico da crise tireotóxica é clínico, uma vez
urgência, as drogas antitireoidianas (tionamidas) e os que os níveis séricos hormonais elevados se superpõem
iodetos podem ser administrados, como já descrito ante- aos de pacientes com hipertireoidismo grave não-com-
riormente. Pode-se usar o propiltiouracil (150mg a plicado. O quadro clínico decorre do hipermetabolismo
200mg a cada seis horas) ou o metimazol em dose equi-
e da resposta adrenérgica acentuada. Segundo a maioria
valente, por via oral ou retal. A via retal é uma opção
dos autores, os indicadores da crise tireotóxica são febre,
importante até que se possa usar a via oral33. Entre as tio-
namidas, prefere-se o propiltiouracil ao metimazol, visto aumento acentuado da freqüência cardíaca (mais de
que a primeira pode reduzir rapidamente a concentração 140bpm) com ou sem fibrilação atrial, outras taquiarrit-
de T3. Entretanto, quando contraste iodado é associado mias ou insuficiência cardíaca e alterações mentais (agita-
ao metimazol, o benefício do propiltiouracil é anulado, já ção extrema, delírio, confusão mental, psicose, letargia
que, naquela associação, o metimazol é mais potente em ou coma). O quadro gastrointestinal, representado por
inibir a conversão periférica dos hormônios. Não se diarréia, náuseas e vômitos, dor abdominal, icterícia e
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

insuficiência hepática, pode confundir o diagnóstico com Os regimes terapêuticos são os seguintes: betablo-
condições abdominais agudas6,7,35-8. Os níveis séricos de queador para o controle dos sintomas, tionamidas para o
cortisol podem estar inapropriadamente adequados para bloqueio da síntese hormonal, contraste iodado para blo-
uma situação de estresse grave como é a crise tireotóxica, quear a secreção hormonal e glicocorticóides para redu-
precipitando quadro de insuficiência adrenal. Burch e zir a conversão de T4 em T3 e, possivelmente, prevenir
Wartofsky36 propuseram escala clínica para que o diag- a falência adrenal. O carbonato de lítio constitui alterna-
nóstico da crise tireotóxica fosse mais rápido. O impor- tiva para inibir a liberação dos hormônios tireoidianos,
tante é não retardar o tratamento, que deve ser iniciado quando houver contra-indicação ou intolerância às dro-
antes mesmo do resultado dos exames coletados. gas antitireoidianas e aos iodados. É necessário manter
seus níveis séricos monitorizados e menores que
1mEq/L. A colestiramina adsorve os hormônios tireoi-
Tratamento dianos no intestino delgado e reduz sua circulação ênte-
As opções terapêuticas para a crise tireotóxica são ro-hepática. É uma alternativa para reduzir um pouco os
essencialmente as mesmas para o hipertireoidismo não- níveis séricos dos hormônios. Quando o quadro clínico
complicado, exceto em relação à posologia, pois as doses se agrava, a despeito de todos os cuidados intensivos,
são ministradas em maior quantidade e freqüência. O hemodiálise ou plasmaferese podem ser utilizadas37-9. O
suporte intensivo é essencial, já que a mortalidade em Quadro 34.5 resume o tratamento da crise tireotóxica.
conseqüência dessa complicação é muito alta.
Como as perdas (gastrointestinais e pela sudorese) são
elevadas, a hidratação venosa é fundamental para prevenir
Hipotireoidismo
a hipovolemia. Em pacientes idosos ou com disfunção car- O hipotireoidismo é definido como a síndrome clíni-
díaca moderada a grave, a reposição hidroeletrolítica deve ca secundária à ação deficiente dos hormônios tireoidia-
ser monitorizada com o auxílio da pressão venosa central nos. Na absoluta maioria das vezes, resulta da produção
e/ou de cateter de Swan-Ganz. As glicemias devem ser insuficiente destes hormônios e, raramente, da resistên-
monitorizadas e corrigidas sempre que necessário. cia tecidual à sua ação. Trata-se da afecção tireoidiana
Arritmias e insuficiência cardíaca devem ser tratadas por mais freqüente, que predomina em mulheres, especial-
meio das medidas habituais, levando-se em conta que o mente a partir da meia-idade. O risco de desenvolver
mais importante é o controle do próprio hipertireoidismo. hipotireoidismo é maior quando há história familiar de
O uso de betabloqueadores de ação ultra-rápida, como o doenças tireoidianas auto-imunes, história pessoal de
esmolol, pode ser útil para arritmias graves. Agentes inotró- outras doenças auto-imunes (diabetes tipo 1, vitiligo,
picos e digoxina podem ser necessários em casos compli- insuficiência adrenal primária, anemia perniciosa etc.),
cados, mas sua administração deve, preferencialmente, ser tratamento cirúrgico ou irradiação prévia da tireóide e
monitorizada de forma invasiva. O fenobarbital ou benzo- nas síndromes de Down e Turner40-3.
diazepínicos podem ser utilizados para o controle da agita-
ção e hipercinesia. O suporte respiratório com ventilação
mecânica pode ser necessário37-9. Etiologia
As causas precipitantes da crise, incluindo rastrea-
Os distúrbios primários da tireóide (hipotireoidismo
mento rigoroso de infecções, devem ser identificadas e
primário) são responsáveis por cerca de 95% dos casos
tratadas. A hipertermia pode ser controlada com o para-
da doença. A doença pode ser congênita, seja por disge-
cetamol. Evita-se o ácido acetilsalicílico por aumentar os
nesia da glândula, seja por deficiências enzimáticas (dis-
níveis de T3 e T4 livres, interferindo com sua ligação às
hormonogênese) ou defeitos no receptor do TSH. A
proteínas ligadoras. Em alguns casos, compressas de
causa mais comum de hipotireoidismo adquirido é a
álcool ou água gelada podem ser úteis10,35-9.
tireoidite crônica auto-imune, também chamada de

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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

Quadro 34.5 .: Tratamento da crise tireotóxica* tireoidite de Hashimoto. É sete vezes mais comum em
mulheres do que em homens e sua incidência aumenta
Suporte intensivo
com a idade. Há uma clara predisposição genética. O
Suporte hemodinâmico
hipotireoidismo primário também pode ser conseqüên-
Oxigênio/ Suporte respiratório
Hidratação/ Nutrição cia de lesão da glândula secundária ao tratamento cirúrgi-
Controle da temperatura corporal co ou à irradiação (externa ou por I131); da deficiência de
Sedação iodo; do uso de drogas (lítio, amiodarona, interferon alfa,
Identificação e tratamento das causas talidomida, drogas antitireoidianas, iodetos); da hemo-
Controle dos sintomas cromatose e de outras doenças infiltrativas40-3.
Betabloqueadores Formas transitórias de hipotireoidismo podem ocor-
Propranolol 40 a 80mg ou A cada 4 a 6h/ via oral rer nas tireoidites subaguda, pós-parto e silenciosa.
0,5 a 1mg/IV*1 Em 10 a 15min/IV a Nessas condições, o hipotireoidismo ocorre após tireo-
cada 2 a 3h
toxicose transitória, e a maioria dos pacientes retorna ao
Atenolol 50 a 100mg A cada 12h/ via oral eutireoidismo depois de algumas semanas.
Esmolol 0,05 a O hipotireoidismo central ou secundário é conseqüência
0,1mg/kg/minuto*1,2 de doenças hipotalâmicas ou hipofisárias. As causas mais
Controle da síntese hormonal comuns são adenomas pituitários, passíveis de tratamento
Drogas cirúrgico ou radioterápico. Outras causas de hipotireoidismo
antitireoidianas incluem doenças infiltrativas do hipotálamo e hipófise (sar-
Propiltiouracil*3 600 a 1000mg/dose A cada 4 a 6h/ via oral
inicial de 200 a 300mg
coidose, hemocromatose, histiocitose), traumatismos crania-
nos que ocasionem a transecção da haste hipofisária, hipofi-
Metimazol*3,4 60 a 100mg/dose A cada 6 a 8h/ via oral site linfocítica auto-imune, insuficiência vascular como na
inicial de 20 a 30mg
síndrome de Sheehan40-3. O Quadro 34.6 sumaria as princi-
Inibição da conversão de T4 a T3 e/ou a liberação pela tireóide pais causas de hipotireoidismo.
Contrastes
iodados*5
Ioxitalamato de 2mL A cada 12h/via oral ou
Exame clínico
meglumina (300mg venosa (4mL/dia)
de iodo/mL de O hipotireoidismo manifesto está associado a vários
solução) sinais e sintomas incluindo pele seca, pálida e fria, edema
Iopamidol (300 a 2mL A cada 12h/via oral ou periorbitário e de extremidades, cansaço fácil, bradicardia,
370mg de iodo/mL venosa (4mL/dia) bradipsiquismo, intolerância ao frio, constipação, ganho
de solução) de peso leve, anemia, fraqueza muscular, hipermenorréia,
Diatrizoato de 6mL A cada 12h/via oral ou galactorréia. As manifestações neurológicas incluem a
meglumina (85mg venosa (12mL/dia) depressão, alterações cognitivas, principalmente déficit de
de iodo/mL de
solução) memória, neuropatia periférica com câimbras e diseste-
sias, ataxia, convulsões e até coma40-3.
Iodeto de potássio 5 gotas A cada 6 a 12h/via oral
ou Apresentações atípicas também podem ocorrer e
Solução de lugol 4 a 8 gotas A cada 8h/via oral incluem hipotermia, insuficiência cardíaca congestiva,
derrame pleural e pericárdico, íleo funcional adinâmico e
Hidrocortisona 100mg A cada 8h/via venosa
coagulopatia.
Carbonato de 300mg A cada 6 a 8h/via oral Nos pacientes com tireoidite auto-imune, a glândula
lítio *6
tireóide está difusamente aumentada, com consistência
* Modificado de Davis e Larsen6, Schiff e Welsh30, Burch e Wartofsky36, Ross37, elástica a firme e contorno irregular. Entretanto, princi-
Goldberg e Inzucchi38, Ringel39 *1Sob monitorização cardiovascular rigorosa. *2Para palmente em indivíduos mais velhos, a tireóide pode não
casos graves e arritmias. *3Usar por cateter nasogástrico ou via retal, caso a via oral
esteja indisponível. *4Em doses altas, a eficácia é semelhante ao propiltiouracil, ser palpável. Os pacientes com tireoidite subaguda rela-
embora não reduza a conversão periférica de T4 a T3. *5Iniciar somente depois de
duas a três horas das drogas antitireoidianas. *6Como alternativa nos casos de aler-
tam dor na região cervical. No hipotireoidismo central
gia ao iodo ou em associação aos iodados. Necessário monitorizar os níveis séricos. podem estar presentes as alterações clínicas decorrentes
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

da causa básica (hemianopsias nos tumores, p. ex.) ou das fisiológicos por mais tempo que o T4 livre e, portanto, não
outras deficiências hormonais freqüentemente associa- auxilia no diagnóstico do hipotireoidismo11.
das. O Quadro 34.7 resume as alterações clínicas mais
freqüentes no hipotireoidismo.
Quadro 34.7 .: Manifestações clínicas do hipotireoidismo*

Quadro 34.6 .: Etiologia do hipotireoidismo* Sintomas Freqüência em pacientes


com hipotireoidismo (%)
Primário com bócio Pele seca 60-100
Adquirido 52-90
Fadiga e fraqueza
Tireoidite de Hashimoto
Drogas que bloqueiam a síntese ou secreção de T4 (lítio, Intolerância ao frio 35-95
sulfonamida, iodeto) 50-75
Ganho de peso
Infiltração tireoidiana (amiloidose, hemocromatose, sarcoidose)
Deficiência de iodo (bócio endêmico) Rouquidão 28-75
Congênito Bradipsiquismo 45-68
Defeitos de organificação
Defeito no transporte ou utilização de iodo Constipação 32-65

Hipotireoidismo atrófico Redução da sudorese 10-65

Adquirido Parestesia 18-60


Hashimoto Hipoacusia 05-30
Pós-tratamento ablativo com radioiodo, procedimento cirúrgico
Sinais
Congênito
Agenesia ou displasia tireoidiana Pele e cabelos ásperos 70-100
Defeito no receptor de TSH Bradicinesia 70-90
Insensibilidade idiopática ao TSH
Pele fria 70-90
Hipotireoidismo transitório
Edema periorbital 40-90
Tireoidite subaguda, indolor, tireoidite pós-parto
Hiporreflexia 24-77
Hipotireoidismo central
Bradicardia 10-58
Adquirido
Origem hipofisária (secundário)
* Modificado de Larsen e Davis40, Schlienger41, Roberts e Ladenson42
Origem hipotalâmica (terciário)
Dopamina ou paciente crítico
Congênito A detecção de auto-anticorpos circulantes confirma o
Anormalidade estrutural ou deficiência de TSH diagnóstico de tireoidite auto-imune naqueles pacientes
Defeito no receptor de TSH
com apresentação clínica típica – bócio difuso com ou
Resistência ao hormônio tireoidiano sem hipotireoidismo. Porém, exames laboratoriais rara-
Generalizada mente são necessários para diagnosticar a causa do hipoti-
Predominantemente hipofisária
reoidismo, o que pode ser feito por meio da história clíni-
ca. Os anticorpos antiperoxidase estão presentes em 95%
* Modificado de Larsen e Davis40.
dos indivíduos afetados, enquanto anticorpos antitireoglo-
bulina estão presentes em apenas 60% deles. Em presença
de anticorpos, elevações mínimas do TSH predizem maior
Diagnóstico risco de hipotireoidismo clínico subseqüente11,40,42.
Em algumas circunstâncias, o TSH perde a sensibili-
A medida sérica do TSH é o teste de primeira escolha
dade para o diagnóstico. Os pacientes com hipotireoidis-
para o diagnóstico do hipotireoidismo. O aumento de TSH
mo central apresentam-se com TSH diminuído ou ina-
identifica aqueles pacientes com hipotireoidismo primário,
propriadamente inalterado em relação aos níveis do T4
independentemente da causa ou gravidade. Quando o TSH
livre. Portanto, se há suspeita de hipotireoidismo central,
está aumentado, deve-se repeti-lo junto com a dosagem de
o T4 livre deve ser medido em conjunto com o TSH. É
T4 livre, que se encontra diminuído no hipotireoidismo. É
importante investigar o restante da função hipofisária,
desnecessária a dosagem do T3, que permanece em níveis

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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

em busca de outras deficiências hormonais, especialmen- prolongado, insuficiência cardíaca, hiponatremia ou


te a insuficiência adrenal secundária. Os métodos de ima- delirium, podem apresentar como causa um hipotireoidis-
gem para visibilizar a sela túrcica (tomografia computa- mo previamente não-diagnosticado30.
dorizada ou ressonância nuclear magnética) estão tam-
bém indicados, para investigação etiológica40,41.
Quadro 34.8 .: Evolução pós-operatória de pacientes hipotireóideos
Há algumas situações em que o aumento do TSH
pode não ser indicativo de doença tireoidiana, como na Autores Weinberg et al.46 Ladenson et al.47
insuficiência adrenal, na falência renal, na exposição a
Número 59 em hipotireoidis- 40 em hipotireoidis-
temperaturas muito baixas e na fase de recuperação de de pacientes mo versus 59 em mo versus 80 em
doenças graves. O uso de anticonvulsivantes pode redu- eutireoidismo eutireoidismo
zir o TSH e o T4 livre, o que pode ser confundido com Parâmetros avaliados
hipotireoidismo central11,40,42,43. Tempo cirúrgico = =

Tempo de recupera- = =
Riscos perioperatórios ção anestésica
Tempo de = =
O hipotireoidismo descompensado pode afetar as hospitalização
funções: cardiovasculares (redução da freqüência, força Arritmias = =
de contração e débito cardíaco); respiratórias (fraqueza
Uso de vasopressores = não relatado
da musculatura respiratória com hipoventilação e menor
resposta à hipoxemia e hipercapnia); neuromusculares Complicações = =
hemorrágicas
(fraqueza muscular, hiporreflexia, alteração das enzimas
musculares); gastrointestinais (redução do metabolismo Complicações = =
pulmonares
hepático, lentidão do esvaziamento gástrico, constipa-
ção); endócrino-metabólicas (redução da síntese do cor- Distúrbios hidroele- = não relatado
trolíticos
tisol, redução da depuração de água livre com hiponatre-
mia, elevação da creatinina sérica). O metabolismo de Óbitos = =
algumas drogas também pode estar alterado, secundaria- Infarto agudo do = não relatado
mente à menor expressão de enzimas hepáticas envolvi- miocárdio
das no metabolismo das drogas. Conseqüentemente, Insuficiência cardíaca não relatado > nas operações
observa-se aumento da sensibilidade aos agentes anesté- congestiva cardíacas
sicos, sedativos e anticonvulsivantes30,41,44,45. Complicações não relatado > no
Apesar de essas disfunções serem potencialmente gastrointestinais hipotireoidismo
danosas no período perioperatório, não há estudos ran- Hipotensão = > nas operações
não-cardíacas
domizados, prospectivos, comparando o desfecho cirúr-
gico dos pacientes eutireóideos e hipotireóideos. Dois Complicações não relatado > no
neuropsíquicas hipotireoidismo
estudos retrospectivos avaliaram o que ocorre nos
pacientes com hipotireoidismo que são submetidos a = igual
operação e concluíram que não há evidência que justifi- > maior
que a necessidade de adiar procedimentos cirúrgicos em
pacientes com hipotireoidismo leve ou moderado e há Tratamento perioperatório
evidência insuficiente para fazer recomendações para
pacientes com hipotireoidismo grave. Por outro lado, a O tratamento de escolha do hipotireoidismo é a levo-
intervenção cirúrgica pode precipitar o desenvolvimento tiroxina. A dose necessária para um controle adequado
de coma mixedematoso em pacientes com hipotireoidis- está relacionada ao peso corporal (média de
mo grave1,46,47. O Quadro 34.8 resume esses estudos. 1,6mcg/kg/dia a 1,8mcg/kg/dia). A dose é geralmente
Pacientes que, no perioperatório, necessitem suporte maior em pacientes tireoidectomizados do que naqueles
ventilatório prolongado ou dificuldade de extubação, íleo com tireoidite auto-imune. A dose necessária para pacien-

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tes com hipotireoidismo subclínico é geralmente menor: les com nível de tiroxina muito baixo, são considerados
cerca de 0,5mcg/kg/dia. Em pacientes jovens e saudáveis, como de alto risco. Nesse caso, só devem ser operados
inicia-se o tratamento com 75mcg/dia a 100mcg/dia. em situação de emergência. Para o hipotireoidismo
Entretanto, em idosos e debilitados, administra-se grave, alguns autores recomendam o uso isolado ou
12,5mcg/dia a 25mcg/dia, com aumento gradativo da combinado de T3, para uma normalização mais rápida
dose (12,5mcg/dia a 25mcg/dia a cada duas a quatro do metabolismo. Entretanto, o T3 não está atualmente
semanas). Nos pacientes com insuficiência coronariana disponível no Brasil. A alternativa terapêutica é utilizar a
conhecida, duas condutas são sugeridas. A primeira é levotiroxina em doses de 200mcg a 300mcg no primeiro
administrar a tiroxina da mesma forma que para pacientes dia e de 50mcg por dia, a partir do segundo dia. Contudo,
debilitados, mantendo-os sob rigorosa supervisão clínica e pacientes idosos ou com maior risco cardiovascular não
eletrocardiográfica, com ou sem a concomitância dos devem receber doses altas de reposição1,48.
betabloqueadores. Por outro lado, há autores que advo- Nos pacientes hipotireóideos em tratamento crônico e
gam o tratamento da doença coronariana por angioplastia bem controlados, a impossibilidade de usar a via oral por
ou por operação de revascularização miocárdica, antes de alguns dias e de receber o hormônio tireoidiano no perío-
iniciar o tratamento do hipotireoidismo9,41,42. do pós-operatório não deve ser motivo de preocupação,
Atenção especial deve ser dada às drogas e condições uma vez que a meia-vida da tiroxina é de sete dias. Porém,
clínicas que diminuam a absorção (como alimentos deriva- se esse tempo se estende para mais de cinco a sete dias, o
dos da soja; sais de ferro, alumínio e cálcio) ou acelerem o paciente deve receber tiroxina endovenosa ou intramuscu-
metabolismo da tiroxina (anticonvulsivantes). Por isso, a lar, numa dose correspondente a 80% da dose oral usual1,48.
tiroxina deve ser ingerida em jejum, com água, pelo menos
20 a 30 minutos antes da primeira alimentação matinal41,42. Controle hidroeletrolítico
A monitorização laboratorial é apropriada em seis a oito
semanas depois do início do tratamento. Novos ajustes da No hipotireoidismo pode haver hiponatremia por
dose da tiroxina serão necessários de acordo com os níveis redução na excreção de água livre. Entretanto, essa alte-
do T4 livre e do TSH. No hipotireoidismo primário, o ração só costuma ser grave no coma mixedematoso. O
TSH deve ser monitorado com o objetivo de mantê-lo na tratamento da hiponatremia com soluções salinas iso ou
metade inferior do valor de referência. Nos pacientes com hipertônicas geralmente só está indicado quando o sódio
hipotireoidismo central, os valores do T4 livre devem ficar atinge valores inferiores a 120mEq/L38,39,48.
acima da metade superior da normalidade42.
Outros cuidados
Hormônio tireoidiano
Raramente, a doença de Addison pode estar presente
Os pacientes com hipotireoidismo leve a moderado em pacientes com hipotireoidismo primário. No hipoti-
podem se submeter a procedimento cirúrgico de urgên- reoidismo secundário, pode haver baixa reserva pituitária
cia ou emergência, sem atraso, a despeito da possibilida- de outros hormônios também. Se a deficiência de corti-
de da ocorrência de complicações peroperatórias meno- sol é considerada provável, então deve-se coletar amos-
res. É prudente adiar os procedimentos eletivos até que tra de sangue para exame e administrar prontamente cor-
o paciente esteja eutireóideo. Se a operação não puder ser ticóide em dose de estresse.
adiada e o diagnóstico for feito no pré-operatório, deve- No pós-operatório, deve-se atentar para as manifesta-
se então iniciar levotiroxina em dose alta de substituição ções neuropsiquiátricas, e para o risco de íleo funcional e
(1,6mcg/kg/dia). Pacientes idosos ou com doença car- de processos infecciosos que podem ocorrer sem a pre-
diovascular devem receber inicialmente dose diária de sença de febre1,46,47.
25mcg, que será aumentada a cada seis semanas1,42.
Os pacientes com hipotireoidismo grave, caracteriza- Coma mixedematoso
do por coma mixedematoso ou por sintomas importan-
tes de hipotireoidismo crônico associado a derrame peri- O termo coma mixedematoso é usado para designar
cárdico, alteração mental, insuficiência cardíaca, ou aque- um hipotireoidismo clinicamente muito grave, com alte-
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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

rações do estado mental. Entretanto, não é necessária a ral. A radiografia também é útil para detecção de pneumo-
presença do coma para o diagnóstico. Na verdade, trata- nias. Se houver suspeita de derrame pericárdico, este pode
se de um evento raro, com incidência maior em mulhe- ser visibilizado no ecocardiograma. O exame de urina é
res idosas (80% dos casos), na maioria das vezes com importante para afastar infecção urinária como desenca-
hipotireoidismo de longa duração (ainda que sem diag- deador do processo40,41,48,49.
nóstico prévio). Ocorre principalmente em situações de Diante da suspeita de coma mixedematoso, o trata-
interrupção do tratamento, associadas a situações de mento deve ser prontamente instituído, antes mesmo do
estresse de qualquer natureza (infecção, trauma, infarto resultado dos exames laboratoriais. Demora no trata-
miocárdico, acidente vascular encefálico, procedimentos mento, idade avançada, múltiplas comorbidades e insufi-
cirúrgicos etc.) e/ou uso de drogas depressoras do siste- ciência respiratória constituem fatores de pior prognósti-
ma nervoso central. Em países do hemisfério norte, a co. Os pacientes devem ser tratados no centro de trata-
incidência está caracteristicamente aumentada nos meses mento intensivo e receber assistência ventilatória preco-
de frio intenso, quando as demandas metabólicas tor- ce, evitando-se a depressão respiratória e o óbito. É
nam-se maiores. O diagnóstico correto do coma mixede- necessário monitorizar a função cardiovascular, excluin-
matoso é fundamental. O tratamento precoce reduz o do a presença de infarto agudo do miocárdico.
risco, mas, a despeito dos cuidados intensivos, a mortali- Recomenda-se, para maior segurança na reposição
dade é de 20% a 50%40,41,48,49. hidroeletrolítica, o uso de cateter de Swan-Ganz. Os
O coma mixedematoso caracteriza-se pela disfunção agentes inotrópicos e vasopressores devem ser evitados a
progressiva dos sistemas nervoso central, cardiovascular princípio, pelo risco de desencadear arritmias à medida
e respiratório. Paciente cursa com alterações variáveis do que a tiroxina é administrada. A hipotermia deve ser
estado mental (sonolência, apatia, letargia, estupor, minimizada com o auxílio de cobertores. A hiponatremia
coma, psicose) e hiporreflexia generalizada. A hipoten- deve ser abordada com cautela, pelo risco de causar
são arterial está constantemente associada à bradicardia. hipervolemia num paciente idoso e com função cardio-
Ocorre menor resposta aos estímulos respiratórios, vascular comprometida. Quando o sódio está menor que
levando à hipoventilação. A temperatura corporal está 120mEq/L e há alterações mentais significativas, admi-
reduzida (hipotermia) e não é incomum o encontro de nistram-se soluções salinas iso ou hipertônicas, lenta-
temperaturas axilares inferiores a 35ºC, mesmo na vigên- mente, de forma a elevar o sódio para >120mEq/L. Se o
cia de infecções. As convulsões ocorrem em 20% dos paciente estiver assintomático e com sódio superior a
pacientes, geralmente associadas à hiponatremia que 120mEq/L, a conduta é expectante, uma vez que a admi-
pode ser grave (sódio inferior a 110mEq/L)41. nistração da tiroxina costuma corrigir o distúrbio.
É importante suspeitar de coma mixedematoso em Hidrocortisona em doses de estresse (100mg de oito em
pacientes atendidos em serviços de urgência com história oito horas por via venosa) são recomendadas para todos
de piora progressiva do estado mental ou coma, apresen- os pacientes com coma mixedematoso, mesmo se não
tando edema e palidez faciais, pele seca e fria, bradicardia, houver evidência de insuficiência adrenal. A hipoglicemia
hipotensão, hipotermia, cicatriz de tireoidectomia ou histó- deve ser corrigida e possíveis infecções, rastreadas e
ria prévia de uso de tiroxina ou radioiodo. A presença de vigorosamente tratadas.
bócio é pouco comum no hipotireoidismo do idoso. Os Como a absorção oral de qualquer medicamento fica
exames laboratoriais mostram TSH habitualmente muito muito prejudicada, prefere-se administrar a tiroxina pela
elevado, exceto no hipotireodismo central, e T4 livre muito via venosa, em infusão lenta ou em bolus. A dose inicial é
reduzido. A punção liquórica pode revelar o aumento da alta (100mcg a 500mcg/dia no primeiro dia) para saturar
pressão e da concentração de proteínas. Outras alterações os receptores periféricos, proporcionando melhora mais
laboratoriais do coma mixedematoso são anemia, leucope- rápida. Na impossibilidade de conseguir o hormônio
nia, trombocitopenia, hipoglicemia, hipoxemia, hipercap- para uso parenteral, pode ser administrado através de
nia, acidose metabólica, elevação da creatinina, creatinofos- cateter nasogástrico. A partir do primeiro dia de trata-
foquinase, aminotransferases e LDH. O eletrocardiograma mento, as doses recomendadas variam de 75mcg a
revela bradicardia e baixa voltagem dos registros. A radio- 100mcg/dia. A via oral deve voltar a ser utilizada somen-
grafia do tórax pode mostrar cardiomegalia e derrame pleu- te quando o paciente apresentar melhora. Embora alguns
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

autores recomendem a reposição concomitante de T3, 15 ■ Andrade VA, Gross JL, Maia AL. Iodo radioativo no manejo do
como se trata de doença rara, não há estudos controlados hipertireoidismo da doença de Graves. Arq Bras Endocrinol
Metabol. 2004;48:159-65.
que avaliem os benefícios de cada tipo de terapêutica. 16 ■ Cooper DS. Antithyroid drugs in the management of patients with
Há inclusive relato segundo o qual a reposição do T3 Graves’disease: an evidence- based approach to therapeutic
pode aumentar a mortalidade dos pacientes com coma controversies. J Clin Endocrinol Metab. 2003;88:3474-81.
mixedematoso38-40. 17 ■ Ross DS. Thionamides in the treatment of Graves’ disease.
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O maior risco da administração de altas doses de hor- 18 ■ Bartalena L, Pinchera A, Marcocci C. Management of
mônios tireoidianos é precipitar arritmias, infarto miocárdi- Graves’ophthalmopathy: reality and perspectives. Endocrine
co ou morte súbita. Portanto, é necessário um bom julga- Rev. 2000;21:168-99.
mento clínico antes da instituição de altas doses de tiroxina 19 ■ Alsanea O, Clark OH. Treatment of Graves’disease: the advan-
tages of surgery. Endocrinol Metab Clin North Am.
em pacientes muito debilitados, idosos, com cardiopatia 2000;29:321-37.
grave ou múltiplas comorbidades. Nesses casos, é pruden- 20 ■ Martino E, Murtas ML, Loviselli A, Piga M, Petrini L, Miccoli P,
te iniciar a reposição de tiroxina com doses menores48. et al. Percutaneous intranodular ethanol injection for treat-
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Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

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35
CIRURGIA NO PACIENTE
COM OUTRAS
ENDOCRINOPATIAS
Anelise Impellizzieri Nogueira,
Flávio Palhano de Jesus Vasconcelos

Introdução sado, com o aparecimento de novas técnicas laboratoriais


para dosagem do cálcio, houve aumento no diagnóstico de
Neste capítulo discutiremos as condutas perioperató- hiperparatireoidismo primário, sobretudo da forma assin-
rias no paciente que sofre de afecção endócrina. O diabe- tomática, em contraposição à redução na incidência das
tes mellitus e as doenças da tireóide serão abordados em formas clássicas acima descritas3.
outros capítulos deste livro.

Tratamento
Distúrbios das paratireóides
O tratamento cirúrgico está indicado nos pacientes
Hiperparatireoidismo primário com comprometimento renal ou ósseo. Nos casos assin-
tomáticos, sem evidências de fatores de risco para a pro-
Exame clínico gressão da doença, pode-se optar pelo acompanhamento
O hiperparatireoidismo primário pode ser causado clínico por meio de dosagens semestrais do cálcio total no
por adenoma (80%), hiperplasia (15%) ou carcinoma de sangue e medidas anuais da densitometria óssea e da crea-
paratireóide (<1%). A maioria é constituída por adeno- tinina sérica3,4. As indicações do tratamento cirúrgico em
mas de ocorrência esporádica. Entretanto, em 10% dos pacientes assintomáticos estão expressas no Quadro 35.1.
casos, a hiperplasia das paratireóides poderá apresentar- Nos casos de hiperplasia das paratireóides, a operação
se na forma de hiperparatireoidismo primário familiar pode consistir na remoção das paratireóides, poupando
isolado ou estar associada a outros tumores endócrinos 30mg a 50mg de tecido glandular; remoção de todas as
(neoplasias endócrinas múltiplas dos tipos 1 e 2A)1. glândulas aumentadas de tamanho e biópsia das conside-
As lesões ósseas clássicas são osteíte fibrosa, osteopenia
e osteoporose, fatores de risco para dor e fratura. O quadro Quadro 35.1 .: Critérios para o tratamento cirúrgico do hiper-
renal, caracterizado por nefrolitíase recidivante, diabetes paratireoidismo primário assintomático4
insípido e nefrocalcinose, traduz-se, clinicamente, na forma
de cólica nefrética, poliúria, polidipsia e insuficiência renal. Cálcio total >1,0mg acima do limite superior da normalidade
São descritas as manifestações neuropsiquiátricas (fraqueza, Cálcio urinário > 400mg/dia
apatia, depressão e coma) e gastrointestinais (constipação, Densidade óssea < -2,5 desvios-padrão no escore T
anorexia, náuseas, vômitos e dor abdominal), calcificação Queda da depuração de creatinina em 30% em relação ao normal
das conjuntivas, ceratopatia em banda e hipertensão arterial Idade inferior a 50 anos
sistêmica2. A partir do início da década de 70 do século pas-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

radas normais, ou extração de todas as paratireóides com absorção intestinal do cálcio, hipocalcemia e perda do efei-
autotransplante de fragmentos para o antebraço não- to inibitório do calcitriol sobre a secreção do paratormônio,
dominante. Além disso, deve-se tentar encontrar uma o que leva ao hiperparatireoidismo secundário. O hiperpa-
quinta glândula, habitualmente ectópica2. ratireoidismo terciário configura-se quando as paratireói-
des, após longo e intenso período de estímulo, assumem
autonomamente a produção hormonal7.
Considerações pré-operatórias
O tratamento inicial é instituído por meio da restrição
Na conferência realizada no National Institute of do fósforo na dieta, uso de quelante do fósforo e de um
Heath (NIH), em 1990, postulou-se que “o maior desafio análogo da vitamina D (calcitriol). Os sais de alumínio, que-
em localizar o adenoma de paratireóide é encontrar um cirurgião lantes do fósforo, foram substituídos pelos sais de cálcio,
experiente”5. No entanto, avanços nos métodos de imagem tais como o carbonato, uma vez que o acúmulo do alumí-
estimularam a tentativa de localização pré-operatória da nio no organismo está associado à osteomalácia e aos trans-
doença. Os exames mais utilizados são a cintilografia tornos neuropsiquiátricos (demência, crises convulsivas). A
com Tc99m-sestamibi, ultra-sonografia, tomografia com- despeito dessas medidas, muitos pacientes evoluirão com
putadorizada e ressonância nuclear magnética. Estes tes- elevação acentuada do paratormônio e a paratireoidecto-
tes, isolados ou em conjunto, têm sensibilidade de 60% a mia é uma opção terapêutica quando os níveis deste hor-
80%, enquanto um bom cirurgião localiza a doença com mônio atingem a ordem de 800pg/mL a 1.000pg/mL e
sensibilidade de 95%4. estão associados tanto à osteíte fibrosa grave quanto à cal-
cificação de partes moles8. Embora a influência do parator-
mônio sobre o prurido seja ainda questionável, esta condi-
Riscos perioperatórios ção persiste como indicação à operação, uma vez que se
No pós-operatório imediato, deve-se estar atento ao observa melhora em alguns pacientes9.
risco de hipocalcemia sintomática, que se manifesta na A técnica cirúrgica utilizada pode ser a paratireoidecto-
forma de parestesia, tetania, crises convulsivas e laringoes- mia subtotal, deixando-se um fragmento de cerca de 40mg
pasmo. Nesse contexto, a hipocalcemia pode ser conse- a 60mg. No entanto, uma recidiva significa necessidade de
qüente ao hipoparatireoidismo pós-operatório ou à síndro- nova cervicotomia, geralmente associada a maior morbida-
me da fome óssea, cuja explicação reside na avidez óssea de. Por isso, prefere-se a paratireoidectomia total com
por cálcio e fósforo. Ao contrário do que ocorre nesta sín- autotransplante de fragmento de paratireóide no antebraço
drome, no hipoparatireoidismo observa-se hiperfosfate- onde não se encontre a fístula arteriovenosa7,8.
mia, secundária à deficiência do paratormônio2. Nos pacientes submetidos ao transplante renal, espe-
ra-se a regressão do hiperparatireoidismo durante perío-
do de um a dez anos1.
Complicações da paratireoidectomia
As principais complicações são: lesão do nervo larín- Hipoparatireoidismo
gico recorrente, paralisia das cordas vocais e sangramento.
O hipoparatireoidismo pode surgir após a retirada ou lesão Etiologia e exame clínico
das paratireóides inalteradas. Nas mãos de cirurgião expe-
A causa mais comum de hipoparatireoidismo é a
riente, estas complicações ocorrem em 1% dos casos6.
remoção ou destruição das paratireóides durante uma
operação, geralmente para ressecção de tumores do pes-
Hiperparatireoidismo secundário (associado coço, tireoidectomias e paratireoidectomias. Menos
à doença renal) comum, o hipoparatireoidismo pode ser auto-imune,
congênito, secundário a defeito na síntese do paratormô-
A insuficiência renal crônica causa retenção de fosfato nio ou causado por distúrbios da secreção do paratormô-
e alteração no metabolismo da vitamina D, com síntese nio, desencadeados pela hipomagnesemia e alcalose res-
deficiente do seu metabólito mais potente, a 1,25(OH)2 piratória crônica. O pseudo-hipoparatireoidismo, resis-
vitamina D (calcitriol). As conseqüências são redução na tência ao paratormônio, é observado nos pacientes com
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Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

elevação deste hormônio, associado a hipocalcemia e na). A insuficiência supra-renal secundária não está asso-
hiperfosfatemia10. ciada à carência do mineralocorticóide e consiste em
A hipocalcemia provoca aumento de excitabilidade hipocortisolismo conseqüente à deficiência da secreção
neuromuscular e deposição do cálcio nos tecidos. Os hipofisária do hormônio adrenocorticotrófico12.
pacientes podem apresentar parestesias, tetania, crises A tuberculose ainda é a principal causa de insuficiên-
convulsivas, catarata e calcificação dos núcleos da base cia supra-renal primária nos países em desenvolvimento,
que, em estágios avançados, é causa de distúrbios do enquanto que, em países ricos, predomina a doença
movimento. supra-renal auto-imune. Os outros fatores etiológicos
Ao exame clínico, os pacientes podem apresentar estão descritos no Quadro 35.2.
contração dos músculos faciais após a percussão do
nervo facial, cerca de 2cm anterior ao lobo da orelha. Quadro 35.2 .: Causas de insuficiência adrenal primária12
Este é o sinal de Chvostek, pouco específico e presente
em 25% das pessoas sem doença. O sinal de Trousseau, Auto-imunes
mais específico que o anterior, consiste no espasmo do Adrenalite isolada
Síndrome poliglandular auto-imune do tipo 1
carpo, observado por meio da manutenção do manguito - adrenalite, hipoparatireoidismo, candidíase mucocutânea
do esfigmomanômetro inflado 20mmHg acima do valor Síndrome poliglandular auto-imune do tipo 2
da pressão sistólica, durante três minutos. Os pacientes - adrenalite, tireoidite, diabetes mellitus do tipo 1

hipocalcêmicos podem apresentar alterações eletrocar- Infecciosas


tuberculose, Aids, fungos
diográficas como prolongamento do intervalo QT11.
Causas genéticas
adrenoleucodistrofia, hiperplasia adrenal congênita
Tratamento Hemorragia
anticoagulantes, choque séptico, meningococcemia, anticorpo
O objetivo do tratamento é aliviar os sintomas e man- anti-fosfolípide
ter o cálcio dentro dos limites da normalidade, entre Infiltração
8,5mg/dL e 9,2mg/dL. Para isso, a dose de reposição de metástases, linfoma, amiloidose, sarcoidose, hemocromatose
cálcio elementar a ser fornecida varia entre 1,5g/dia a Adrenalectomia bilateral
3,0g/dia. Os sais de cálcio (carbonato, lactato, citrato) são Drogas
utilizados como fonte de cálcio elementar, cuja disponibi- cetoconazol, etomidato
lidade é dependente do tipo de sal empregado. O carbo-
nato de cálcio é o mais utilizado, tem o menor custo e
O uso crônico de corticóide suprime a produção
apresenta o maior teor de cálcio elementar (40%).
hipofisária do hormônio adrenocorticotrófico, sendo a
Portanto, 1,5g de cálcio elementar corresponde a três
principal causa de insuficiência supra-renal secundária.
comprimidos de 1.250mg de carbonato de cálcio.
Tumores, operações ou radioterapia na região hipotála-
Habitualmente, acrescenta-se vitamina D em preparações
mo-hipofisária podem causar insuficiência supra-renal
de ação curta (calcitriol) ou prolongada (colecalciferol)2.
secundária, geralmente associada à deficiência de outros
hormônios hipofisários12.
Distúrbios da glândula supra-renal
Exame clínico
Insuficiência supra-renal
O sinal mais específico de doença de Addison é a
Etiologia
hiperpigmentação cutaneomucosa causada pela ação do
A insuficiência supra-renal primária, doença de excesso do hormônio adrenocorticotrófico sobre os
Addison, consiste na destruição de mais de 90% do cór- melanócitos. Acomete áreas expostas ao sol, à fricção e
tex de ambas supra-renais, o que gera deficiência de gli- ao traumatismo, em geral cicatrizes recentes, cotovelos,
cocorticóide (cortisol) e mineralocorticóide (aldostero- axilas, mamilos, dobras palmares e mucosas12. Os sinais e

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sintomas são inespecíficos tais como fraqueza generaliza- valor do hormônio adrenocorticotrófico é invariavel-
da, mal-estar, anorexia, perda de peso, náuseas e vômitos, mente elevado, chegando habitualmente a valores supe-
hipotensão ortostática e amenorréia2. Nos casos de adre- riores a 100pg/mL (valor fisiológico a 9-52pg/mL)3.
nalite auto-imune, há vitiligo em 10% a 20% dos casos3. A suspeita de insuficiência adrenal em pacientes críti-
A insuficiência secundária pode estar presente em cos (sepse, trauma) deve ser avaliada de forma distinta.
pacientes com história de doença hipofisária1. Não há Segundo alguns autores, valores de cortisol inferiores a
hiperpigmentação ou deficiência de mineralocorticóide e 15!g/dL confirmam o diagnóstico enquanto valores
o quadro clínico é composto por astenia, letargia, anore- acima de 34!g/dL excluem essa possibilidade. Quando
xia, náuseas e vômitos. o cortisol estiver dentro destes limites, estará indicado o
A crise adrenal é caracterizada por vômitos, hipoten-
teste com hormônio adrenocorticotrófico. Se a diferença
são grave, choque hipovolêmico, dor abdominal, febre e
entre o valor pós-estímulo e o basal for inferior a
hipoglicemias1.
9!g/dL, o diagnóstico será bastante provável, devendo-
se iniciar a reposição venosa de glicocorticóide16-7.
Diagnóstico

Os pacientes com hipocortisolismo apresentam anemia, Tratamento


neutropenia, linfocitose e eosinofilia. A hiponatremia e a
hipercalemia, comuns na carência de cortisol e aldosterona, A reposição crônica de glicocorticóide é feita com
são compatíveis com as formas primárias2. Como as altera- hidrocortisona, na dose diária de 15mg a 25mg, habitual-
ções clínicas e laboratoriais são inespecíficas, os testes dinâ- mente fracionada a fim de fornecer dois terços da dose pela
micos da função supra-renal são fundamentais à confirma- manhã e o terço restante cerca de seis a oito horas após, na
ção de suspeita clínica. O teste com hormônio adrenocorti- tentativa de mimetizar a secreção fisiológica12. No nosso
cotrófico sintético consiste em medidas do cortisol zero, 30 meio, como a apresentação oral da hidrocortisona só está
e 60 minutos após estímulo, o que permite o diagnóstico disponível em farmácias de manipulação, comumente
das insuficiências primárias. Nas formas secundárias, a res- emprega-se a prednisona, cuja dose habitual é de 5mg de
posta ao hormônio adrenocorticotrófico pode ser adequa- manhã, associada ou não a 2,5mg à tarde14. Podem-se tam-
da nos casos de início recente, o que não ocorre no pacien- bém utilizar os glicocorticóides de ação prolongada, desde
te acometido pela doença há alguns meses ou anos. Valores que respeitada a equivalência à dose de hidrocortisona
pós-estímulo inferiores a 18!g/dL confirmam o diagnósti- (Quadro 35.3). A resposta ao tratamento é constatada por
co, enquanto valores acima diminuem muito a probabilida- meio do exame clínico12.
de da doença12-5. Alguns autores sugerem valores de corte O mineralocorticóide deve ser reposto na forma de flu-
de 15!g/dL para doença de Addison e 18-22!g/dL para drocortisona (0,05mg a 0,2mg) e está indicado aos pacien-
insuficiência secundária16. Esse teste pode estar inalterado
tes com insuficiência supra-renal primária. Esse tipo de
em casos de insuficiência primária leve e em formas secun-
reposição é monitorizado por meio de medidas periódicas
dárias de início recente. Nesses casos, indica-se o teste da
da pressão arterial (em decúbito e ortostatismo), do sódio,
tolerância à insulina, considerado o padrão-ouro para o
de potássio e da atividade da renina plasmática15.
diagnóstico, uma vez que esse teste avalia todo o eixo hipo-
tálamo-hipófise-supra-renal. Esse exame é contra-indicado A reposição do glicocorticóide durante o estresse
a pacientes com insuficiência coronariana, epilepsia e pan- requer algumas orientações específicas. Existem varia-
hipopituitarismo15,16. Ele consiste em medir o cortisol nos ções em relação aos protocolos propostos (Quadros
tempos zero, 30, 60, 90 e 120 minutos, após infusão veno- 35.4 e 35.5)12-8.
sa de 0,1U/Kg de insulina regular. Os valores de cortisol Os pacientes com insuficiência adrenal devem sem-
acima de 18!g/dL excluem o diagnóstico. pre portar cartão de identificação contendo informações
A dosagem do hormônio adrenocorticotrófico no sobre a sua doença, seus medicamentos e as providências
plasma permite a diferenciação entre as causas primárias a serem tomadas em intercorrências que requeiram
e secundárias de insuficiência supra-renal. Naquelas, o aumento da dose do glicocorticóide.
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Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

Quadro 35.3 .: Equivalência de doses de corticóides (em mg)


Preparação do Efeito Efeito Meia vida
esteróide Glicocorticóide Mineralocorticóide biológica (horas) Formulações
Hidrocortisona
1 1 6–8 VO, EV, IM
(equivalente ao cortisol)
Prednisona 4 0,1–0,2 18–36 VO
Metilprednisolona 5 0,1–0,2 18–36 EV
Dexametasona 30 <0,1 36–54 VO, EV
Fludrocortisona 0 20 18–36 VO

VO - via oral; EV - endovenoso; IM - intramuscular

Hiperfunção da glândula supra-renal


Quadro 35.4 .: Reposição de glicocorticóide durante estresse4 Síndrome de Cushing
Doença febril ou estresse leve CLASSIFICAÇÃO, ETIOLOGIA E INCIDÊNCIA
Dobrar ou triplicar a dose até à melhora A síndrome de Cushing consiste no excesso de glico-
Comunicar ao médico em caso de vômitos ou piora do quadro
corticóide. Os fatores etiológicos são classicamente divi-
Doença que exija hospitalização didos em dependentes de hormônio adrenocorticotrófi-
Gravidade moderada – hidrocortisona 50mg IV de 12/12 horas co (84% dos casos) ou independentes (16% dos casos)
Gravidade acentuada – hidrocortisona 100mg IV 8/8 horas (Quadro 35.6).
Operações ou métodos propedêuticos
Pequenas operações, anestesia local – sem necessidade de dose de Quadro 35.6 .: Causas de síndrome de Cushing
estresse
Enemas, endoscopias, arteriografias – hidrocortisona 100mg IV logo Hormônio adrenocorticotrófico – dependente
antes de iniciar o procedimento
Adenoma hipofisário
Grandes operações
Neoplasia não-hipofisária
Hidrocortisona 100mg EV antes da indução anestésica
Primeiras 24 horas – hidrocortisona 100mg EV de 8/8 horas Operações ou métodos propedêuticos
Reduzir dose pela metade a cada dia até níveis de manutenção
Iatrogênico
Gestantes Neoplasia adrenal (adenoma, carcinoma)
3o trimestre - aumento da dose do glicocorticóide (5-10mg de Hiperplasia nodular adrenal
hidrocortisona) Factícia
Trabalho de parto – hidrocortisona 50mg EV de 6/6 horas até o
parto
Retirada até dose de manutenção
A corticoterapia crônica é a causa mais comum da
síndrome de Cushing. Deve ser sempre considerada nos
pacientes com sinais e sintomas de hipercortisolismo.
Quadro 35.5 .: Reposição de glicocorticóide durante ato cirúrgico
Entre as causas deste quadro, destaca-se a doença de
Pequena operação
Cushing, responsável por cerca de 70% dos casos e que
Hidrocortisona 25mg EV no pré-operatório consiste na hipersecreção do hormônio adrenocortico-
Operação de médio porte (colecistectomia, histerectomia etc.) trófico por um microadenoma hipofisário19,20. Entre
Hidrocortisona 50-75mg/dia EV (fracionar as doses) 15% a 20% dos pacientes apresentam este quadro têm
Operação de grande porte neoplasia supra-renal. Eles não se encontram sob con-
(Revascularização do miocárdio, pancreatectomia etc.) trole hipotálamo-hipofisário e secretam esteróides adre-
Hidrocortisona 100-150mg EV durante 24 horas (ex. 50mg de 8/8h ou nais de forma autônoma. Em geral, esses tumores são
infusão contínua) unilaterais e metade é de natureza maligna. Os adeno-
Manter por três dias e, após, iniciar retirada mas são geralmente encapsulados e medem entre 1cm e

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

6cm. Já os carcinomas são habitualmente grandes Clinicamente é impossível distinguir a síndrome de


(>4cm) podendo, inclusive, ser palpáveis. Habitu- Cushing decorrente de um tumor adrenal daquela secun-
almente são encapsulados, altamente vascularizados, dária à doença de Cushing. Já no caso da síndrome de
com áreas de hemorragia e necrose. Cushing por hormônio adrenocorticotrófico ectópico,
Duas entidades adicionais causam hiperplasia nodu- especialmente por carcinomas pulmonares, os aspectos
lar: displasia micronodular pigmentada (um distúrbio cushingóides podem estar ausentes, predominando os
familiar, autossômico dominante, que ocorre em crianças sinais de malignidade (anemia, anorexia, perda de peso
e adultos jovens) e hiperplasia adrenocortical macrono- etc.), associados à hipopotassemia (presente em quase
dular, de etiologia pouco compreendida, com caracterís- 100% dos casos), hipertensão, fraqueza muscular intensa
ticas bioquímicas inicialmente de excesso de hormônio e hiperpigmentação20.
adrenocorticotrófico hipofisário e com adenomas de
supra-renal. Em geral, nestes casos, esses indivíduos
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL E DE IMAGEM
apresentam hiperplasia nodular de ambas as glândulas
A avaliação diagnóstica dos casos suspeitos de
supra-renais, muitas vezes em conseqüência da estimula-
Cushing requer a realização de exames para confirmar o
ção prolongada com hormônio adrenocorticotrófico na
hipercortisolismo e outros para determinar sua etiologia,
ausência de adenoma hipofisário.
conforme demonstrado no Quadro 35.6.
Os tumores não-hipofisários podem secretar polipep-
Quando há suspeita de Cushing, vários testes são pre-
tídeos que causam hiperplasia supra-renal bilateral e são
conizados, dependendo do protocolo de cada serviço.
indistinguíveis do hormônio adrenocorticotrófico ou do
hormônio liberador da corticotrofina (CRH) do ponto No teste de supressão noturna com 1mg de dexametaso-
de vista biológico, químico ou imunológico. A maioria na, esta deve ser ingerida às 23 horas e o cortisol plasmá-
destes tumores localiza-se nos pulmões (carcinoma tico colhido na manhã seguinte. Indivíduos sem doença
brônquico de pequenas células), sendo mais comuns em devem suprimir o cortisol plasmático para níveis
homens com idade entre 40 anos e 60 anos19. < 1,8!g/dL. Este teste tem sido utilizado como triagem,
sendo necessária a confirmação com a dosagem de corti-
sol livre em urina de 24 horas cujos, valores, para serem
EXAME CLÍNICO considerados fisiológicos, não devem exceder 50!g21. A
As principais características da síndrome de Cushing ausência de ritmo diurno de cortisol é característica mar-
estão listadas no Quadro 35.7. A grande maioria delas é cante da síndrome de Cushing. Se a dosagem do cortisol
inespecífica e pode ser freqüentemente encontrada em à meia noite for superior a 7!g/dL, a possibilidade de
pacientes obesos ou com síndrome metabólica. Em hipercortisolismo deve ser considerada. A dosagem de
crianças, as características são as mesmas que as observa- cortisol salivar à meia noite vem ganhando cada vez mais
das nos adultos, porém chama atenção a diminuição da força no diagnóstico de hipercortisolismo e seu valor
velocidade de crescimento. fisiológico é inferior a 0,1!g/dL22.
A determinação da causa do hipercortisolismo é
Quadro 35.7.: Aspectos clínicos da síndrome de Cushing
muito difícil e requer uma série de exames laboratoriais,
sendo que, muitas vezes, não se define a origem do
Obesidade central 95%
excesso de cortisol. A dosagem de hormônio adrenocor-
Hipertensão arterial 85%
ticotrófico plasmático auxilia o diagnóstico, uma vez que
Face em lua cheia 75%
Hirsutismo 75%
níveis menores que 5pg/mL, associados a resposta ate-
Intolerância à glicose 75% nuada ao hormônio liberador de corticotrofina
Hiperlipidemia 75% (<10pg/mL), sugerem tumores adrenais, hiperplasia
Impotência 85% adrenal bilateral e síndrome de Cushing factícia20.
Pletora facial 70% Pacientes com tumores secretores de hormônio adreno-
Estrias violáceas 70% corticotrófico apresentam níveis habitualmente superio-
Transtornos neuropsiquiátricos 85% res a 10pg/mL19,21. A grande dificuldade consiste na iden-
Osteopenia 80% tificação da origem do tumor produtor do hormônio
adrenocorticotrófico, se hipofisária ou ectópica. Nestes
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Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

últimos, os níveis do hormônio adrenocorticotrófico dução de tratamentos mais modernos, a prevalência de


são geralmente muito elevados e não apresentam res- complicações cardiovasculares continua elevada23.
posta efetiva ao estímulo do hormônio liberador de cor- Neoplasia supra-renal: uma vez estabelecido o diag-
ticotrofina. O cateterismo do seio petroso inferior é, até nóstico de adenoma ou carcinoma, procede-se à explora-
o momento, o exame que melhor define a origem da ção das supra-renais, com excisão do tumor. Os adeno-
hipersecreção do hormônio adrenocorticotrófico. mas < 6cm podem ser ressecados por técnicas laparoscó-
Consiste em definir se há um gradiente de concentração picas. A taxa de cura é de praticamente 100%. Já os car-
entre o hormônio adrenocorticotrófico medido no seio cinomas têm prognóstico reservado, com taxa de sobre-
petroso inferior e no sangue periférico, demonstrando vida inferior a três anos. É indicada a remoção do tumor
assim se o hormônio adrenocorticotrófico é ou não primário, mesmo quando metástases estão presentes,
proveniente da hipófise. para melhorar a resposta ao mitotano, um agente adreno-
Quando se trata de síndrome de Cushing hormônio lítico. A radioterapia do leito tumoral e das metástases
adrenocorticotrófico-dependente, a ressonância magné- tem valor limitado.
tica da hipófise deve ser realizada, com identificação do Doença de Cushing: o tratamento para a doença de
adenoma em 50% a 60% dos casos. Entretanto, é impor- Cushing é a ressecção transesfenoidal do adenoma hipo-
tante a atenção ao fato de que cerca de 10% da popula- fisário. Ocasionalmente, a adrenalectomia bilateral é indi-
ção na faixa entre 20 e 50 anos apresenta tumores inci- cada para pacientes que não respondem à operação ou
dentais na hipófise. Os tumores ectópicos devem ser radioterapia. A síndrome de Nelson é uma complicação
pesquisados por meio de tomografia computadorizada potencial nestes pacientes23.
ou ressonância nuclear magnética de tórax e abdome19,21. Síndrome de Cushing ectópica: o carcinoma brônqui-
co de pequenas células e os carcinóides brônquicos são a
Quadro 35.8 .: Diagnóstico laboratorial da síndrome de Cushing causa mais comum desta síndrome, entretanto tumores
Quando há suspeita de hipercortisolismo intestinais produtores de hormônio adrenocorticotrófi-
Cortisol salivar às 23 horas co, carcinóides do timo, tumores endócrinos do pân-
Teste da supressão noturna com 1mg de dexametasona creas, cistoadenomas pancreáticos, carcinoma medular
Cortisol livre em urina de 24 horas
Níveis plasmáticos de cortisol à meia noite
da tireóide e feocromocitomas também são implicados
nesta síndrome. Nestes casos, o tratamento é a remoção
Para determinar a causa do hipercortisolismo
do tumor primário. Redução cirúrgica de tumores irres-
Dosagem do hormônio adrenocorticotrófico basal e pós-estímulo
com hormônio liberador de corticotrofina e/ou vasopressina secáveis, com ou sem adrenalectomia bilateral, pode
Cateterismo do seio petroso levar à melhora paliativa. Tratamento medicamentoso
Teste de supressão com altas doses de dexametasona com cetoconazol, metirapona, aminoglutetimida e mito-
Para localização tano pode reduzir a produção excessiva de glicocorticói-
Exames de imagem - ressonância magnética, tomografia computa- des em casos inoperáveis.
dorizada, octreoscan etc.

RISCOS, COMPLICAÇÕES E TERAPÊUTICA PERIOPERATÓRIA


TRATAMENTO Em virtude da possibilidade de atrofia da glândula
O passo mais importante para o tratamento correto supra-renal contra-lateral, o paciente recebe tratamento
da síndrome de Cushing, sem dúvida, é o diagnóstico pré e pós-operatório, como se a suprarenalectomia fosse
etiológico correto, pois a abordagem terapêutica varia de total, mesmo quando a lesão é unilateral, sendo os proce-
acordo com a causa da síndrome. O tratamento engloba dimentos de rotina semelhantes aos do paciente addiso-
mais que apenas a correção do hipercortisolismo. Ele niano submetido à operação eletiva, com hidrocortisona
inclui também o tratamento de suas complicações (hiper- intravenosa 100mg, a cada 6 a 8 horas. Porém, alguns
tensão, diabetes, osteoporose etc.) e daquelas decorren- autores não recomendam a reposição de corticóide no
tes da terapia utilizada20. pré-operatório de pacientes com doença de Cushing,
Vários estudos têm demonstrado que, antes da intro- pois realizam dosagem de cortisol a cada seis horas,
dução da terapia adequada, a taxa de mortalidade para durante três dias, para avaliação mais rápida do resultado
síndrome de Cushing era de 50%. Mesmo após a intro- cirúrgico. O nível ideal do cortisol nestes casos é

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

<2!/dL, com sintomas de insuficiência adrenal inicial, hipertensão, hipopotassemia, atividade da renina plasmá-
quando então é iniciada a reposição de glicocorticóide24. tica suprimida e aumento da excreção de aldosterona.
Reposição de corticóide deve ser realizada em todos A prevalência do hiperaldosteronismo primário entre
os pacientes por um período de seis a 18 meses após a a população de hipertensos é desconhecida, sendo classi-
operação, na dose de prednisona 5mg pela manhã e camente estimada entre 0,05% e 2%; porém, em estudos
2,5mg à tarde (16 horas). Em alguns casos, a reposição recentes, estes índices elevam-se para quase 10%. Dessa
poderá ser necessária por anos, até que a supra-renal con- forma, parece ser uma das causas endócrinas mais
tra-lateral ao tumor reassuma o funcionamento adequa- comuns de hipertensão secundária.
do. Reposição inadequada resulta em insuficiência adre- No aldosteronismo primário, a causa da produção
nal, enquanto doses elevadas podem determinar as carac- excessiva reside na glândula supra-renal; enquanto no
terísticas da síndrome de Cushing. A dose e o tempo de secundário é extra-supra-renal.
uso devem ser monitorados clinicamente e o tratamento Aldosteronismo primário: a doença foi primeiramen-
pode ser interrompido quando o nível de cortisol plas- te descrita por Conn e devia-se a um adenoma de supra-
mático for > 6!g/dL. Um teste de tolerância à insulina renal produtor de aldosterona. A maioria é unilateral e,
geralmente, de pequeno tamanho. Raramente trata-se de
poderá ser realizado para avaliar a reserva adrenal.
carcinoma supra-renal. É mais comum em mulheres,
Níveis elevados de glicocorticóides estão relaciona-
com pico de incidência entre 30 e 50 anos. Em muitos
dos à elevação dos fatores de coagulação, especialmente
casos, os pacientes apresentam características clínicas e
o fator VIII e fator de Von Willebrand, níveis elevados
bioquímicas de aldosteronismo primário, porém não se
de PAI-1 e prejuízo na capacidade fibrinolítica. É descri-
detecta nódulo de supra-renal27. Estes pacientes apresen-
ta incidência aumentada de tromboembolismo pós-ope- tam hiperaldosteronismo idiopático, ou hiperplasia
ratório em pacientes com Cushing, especialmente naque- nodular da supra-renal, cuja causa é desconhecida, e
les com carcinoma supra-renal e hormônio adrenocorti- apresentam boa resposta ao uso da espironolactona.
cotrófico ectópico25.
Níveis de PTT se correlacionam bem com níveis de
cortisol urinário e podem ser utilizados como parâmetro SINAIS E SINTOMAS

para avaliação pré-operatória de pacientes com síndrome A maioria dos sinais e sintomas relacionados ao hipe-
de Cushing, determinando a necessidade de profilaxia pré e raldosteronismo é inespecífica. A hipersecreção de aldos-
pós-operatória para fenômenos tromboembólicos26. terona aumenta a troca tubular distal de íons sódio intra-
Alcalose hipocalêmica está presente em 95% dos tubulares por íons de potássio e hidrogênio secretados,
com depleção progressiva do potássio corporal e desen-
casos de Cushing ectópico e em apenas 10% daqueles
volvimento de hipopotassemia. Esta ocorre espontanea-
com doença de Cushing, devendo ser avaliada e corrigi-
mente em 80% a 90% dos pacientes e pode também ser
da no pré-operatório. Acredita-se que seja secundária a
provocada por sobrecarga de sódio naqueles com potás-
um estado de excesso de mineralocorticóide.
sio inalterado28. A maioria dos pacientes apresenta hiper-
As características da síndrome de Cushing desapare-
tensão diastólica, que pode ser grave, e cefaléia. A hiper-
cem em um período de dois a 12 meses. Hipertensão e tensão deve-se ao aumento da reabsorção de sódio e
diabetes melhoram, mas raramente desaparecem por expansão do volume extracelular28. A depleção de potás-
completo. A osteopenia melhora rapidamente, porém sio é responsável por fraqueza muscular e fadiga. A
fraturas ou deformidades são irreversíveis. poliúria resulta do comprometimento da concentração
urinária que está associada à polidipsia. Edema periférico
Hiperaldosteronismo primário é raro.
Os sinais radiológicos de aumento do ventrículo
ETIOLOGIA esquerdo são, em parte, secundários à hipertensão.
Representa grupo de desordens em que existe produ- Contudo, a hipertrofia ventricular esquerda é despropor-
ção excessiva de aldosterona pela zona glomerular do cional ao nível de pressão arterial e ocorre redução da
córtex adrenal, independentemente do estímulo fisiológi- mesma após a retirada do adenoma, mesmo sem a nor-
co do sistema renina-angiotensina. É caracterizado por malização dos níveis pressóricos. Os sinais eletrocardio-
428
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Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

gráficos de depleção de potássio incluem ondas U proe- ou elevação nos níveis de aldosterona induzidos pelo
minentes, arritmias cardíacas e extrassístoles. hormônio adrenocorticotrófico. Nos casos de hiperpla-
sia, nenhuma lateralização é observada. Os pacientes não
devem estar em uso de espironolactona e inibidores da
DIAGNÓSTICO
enzima conversora de angiotensina por, no mínimo, seis
Os achados laboratoriais dependem da duração e
semanas.
intensidade da depleção de potássio. A hipopotassemia
pode ser intensa (<3mmol/L). Nas formas leves, os
níveis podem ser inalteradas. A hipernatremia e a alca- TRATAMENTO
lose metabólica podem estar presentes, assim como a A remoção cirúrgica do adenoma secretor de aldoste-
hipomagnesemia. rona corrige a hipocalemia em, virtualmente, 100% dos
O diagnóstico é sugerido pela presença de hipopotas- pacientes enquanto a melhora nos níveis pressóricos
semia em pacientes hipertensos que não estejam rece- ocorre em 90%, e a cura da hipertensão em 60% a 70%
bendo diuréticos que aumentam a excreção de potássio. dos casos.
Também deve-se investigar pacientes hipertensos jovens A remoção cirúrgica da glândula afetada é o tratamento
ou quando a hipertensão arterial evolui de forma grave mais apropriado para pacientes com aldosteronoma solitá-
ou apresenta-se refratária ao tratamento medicamentoso. rio unilateral. Estes tumores são habitualmente pequenos
O diagnóstico bioquímico do hiperaldosteronismo (1cm a 2cm) e, desta forma, a adrenalectomia laparoscópi-
requer a demonstração de níveis elevados de aldosterona ca é a abordagem preferida28. Se há suspeita de carcinoma
e supressão da atividade da renina plasmática. A avalia- produtor de aldosterona, extremamente raro, deve-se reali-
ção inicial consiste na dosagem da aldosterona plasmáti- zar adrenalectomia por via transabdominal.
ca e da atividade da renina, com o paciente em ortostatis-
mo. O hiperaldosteronismo primário é suspeitado se a
razão entre aldosterona e renina for superior a 20-3027. SUPORTE TERAPÊUTICO PERIOPERATÓRIO

Os níveis de aldosterona precisam ser maiores que É recomendado o uso pré-operatório de espironolac-
15ng/dL e a ingestão de sal irrestrita para a realização tona e potássio com o intuito de normalizar os níveis de
desta avaliação. potássio e corrigir a alcalose, antes da anestesia27. A
A dosagem da aldosterona urinária é a melhor melhora dos níveis pressóricos com o uso da espirono-
forma de comprovar o hiperaldosteronismo. Após o lactona é um indicador de boa resposta terapêutica após
controle da pressão arterial e da hipopotassemia, o a adrenalectomia. O sucesso da operação também é
paciente é submetido dieta rica em sódio por três dias. influenciado pela duração e gravidade da hipertensão e
No terceiro dia, colhe-se a urina de 24 horas para dosar pela presença de alterações histológicas nos rins. Idade
a aldosterona, o sódio e o potássio. Excreção de aldos- maior que 50 anos, sexo masculino e presença de múlti-
terona maior que 12!g/dL em 24 horas, com sódio plos nódulos nas adrenais são também características
urinário superior a 200mEq, são fortemente sugestivos relacionadas a piores resultados após adrenalectomia.
de hiperaldosteronismo27,28. Estes pacientes geralmente não necessitam de corticói-
Uma vez demonstrada a hipossecreção de renina e a des no pós-operatório, mas podem vir a necessitar de repo-
incapacidade de suprimir a secreção de aldosterona, é sição de mineralocorticóides. Pode ocorrer hipoaldostero-
necessário localizar os adenomas produtores de aldoste- nismo transitório, que se resolve em cerca de três meses.
rona por tomografia computadorizada do abdome, usan-
do tomógrafos de alta resolução, pois alguns tumores são Feocromocitoma
menores que 1,0cm. Se a tomografia computadorizada
for negativa, o cateterismo transfemoral percutâneo da ETIOLOGIA
veia supra-renal bilateral com coleta de amostras pode Feocromocitomas são tumores produtores de cateco-
demonstrar um aumento de duas a três vezes nas con- laminas que se originam das células cromafins, derivadas
centrações plasmáticas de aldosterona no lado acometi- da crista neural. Estão localizados na medula supra-renal
do. É importante a dosagem concomitante de cortisol em cerca de 90% dos casos. Os 10% restantes encon-
para garantir que a falsa localização não reflete diluição tram-se fora das supra-renais e recebem o nome de para-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

gangliomas29,30. É uma doença rara, com incidência anual exame ainda não se encontra amplamente disponível,
de dois a oito casos por milhão de pessoas, mais comu- podem-se dosar as metanefrinas fracionadas em urina de
mente esporádica e com forma hereditária em 10% dos 24 horas, exame com grande sensibilidade (96% a 97%),
casos (Quadro 35.9)27. mas com baixa especificidade (45% a 82%)6. A dosagem
das catecolaminas, no sangue ou urina, apresenta menor
Quadro 35.9 .: Formas hereditárias do feocromocitoma2 sensibilidade, uma vez que pode estar inalterada em
Freqüência de pacientes normotensos ou em períodos assintomáticos
Doença Fenótipo entre os paroxismos35. Comparativamente aos outros tes-
feocromocitoma
Hemangioblastoma no SNC e
tes, a dosagem urinária do ácido vanilmandélico é a que
Von Hippel- 10% a 20%
Lindau retina; tumores ou cistos apresenta menor sensibilidade (46% a 77%) e maior
renais ou pancreáticos especificidade (86% a 99%), segundo alguns autores34.
NEM 2A Sín- Carcinoma medular da tireói- 50% Testes dinâmicos com clonidina e glucagon não são roti-
drome de Sipple de; hiperparatireoidismo neiramente utilizados e estão indicados quando a suspei-
NEM 2B Carcinoma medular da tireói- 50% ta clínica permanece a despeito de os testes basais serem
de; hiperparatireoidismo e inalterados31. Medicamentos que podem causar resulta-
neuromas cutaneomucosos
dos falso-positivos são antidepressivos tricíclicos, antip-
Feocromocitoma 20% (?)
familiar sicóticos, levodopa, etanol, descongestionantes, anfeta-
mínicos, sotalol, metildopa e suspensão da clonidina29.
SNC - sistema nervoso central Após confirmação bioquímica, inicia-se a tentativa de
localização do tumor por meio da tomografia computa-
EXAME CLÍNICO dorizada ou da ressonância magnética36. Para tumores
Hipertensão arterial é a manifestação mais comum e, supra-renais, a tomografia computadorizada apresenta
na maioria dos casos, apresenta-se de forma sustentada. sensibilidade de 98% com especificidade de 92%. A res-
Um menor número de pacientes permanecerá normo- sonância magnética possui maior sensibilidade que a
tenso entre os paroxismos, que podem ter duração de 15 tomografia computadorizada e mostra um hiper-sinal
a 20 minutos e são constituídos pela tríade clássica com- característico, mas não específico, em T26. A cintilografia
posta por cefaléia, sudorese e palpitações29. Há possibili- com metaiodobenzilguanidina tem sensibilidade de 77%
dade de feocromocitoma quando um paciente hiperten- a 90% e especificidade entre 95% a 100%. É indicada
so apresentar hipotensão ortostática, diarréia, emagreci- para detecção de metástases ou múltiplos tumores36.
mento, febre e dores no tórax e no abdome30. As maiores
complicações são conseqüências do acometimento car-
diovascular (arritmias, infarto, edema pulmonar) e neuro- TRATAMENTO PRÉ-OPERATÓRIO

lógico (acidente vascular encefálico)31. Os sintomas de A redução da mortalidade perioperatória foi conse-
feocromocitoma podem ser desencadeados por algumas qüência do uso dos alfabloqueadores e expansão do
drogas dentre as quais destacam-se antidepressivos tricí- volume intravascular no pré-operatório, conforme crité-
clicos, metoclopramida, naloxona e betabloqueadores rios para o preparo do paciente (Quadro 35.10)32. Além
quando não precedidos pelos alfabloqueadores32,33. disso, houve aperfeiçoamento dos métodos de localiza-
ção do tumor e da monitorização hemodinâmica, culmi-
nando com o advento da cirurgia laparoscópica, conside-
DIAGNÓSTICO rada atualmente o tratamento de escolha37-8.
A propedêutica inicia-se com os exames bioquímicos
cujo objetivo é evidenciar, laboratorialmente, a elevação
Quadro 35.10 .: Critérios para preparo pré-operatório4
dos níveis de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina)
ou de seus metabólitos (metanefrina e normetanefrina). Pressão arterial < 160x90mmHg
A dosagem das metanefrinas livres no plasma tem sido Hipotensão ortostática > 80x45mmHg
considerada exame de alta sensibilidade (97% a 99%), gran- ECG sem alteração do segmento ST
de especificidade (82% a 96%) e, portanto, o teste de pri- ECG < 1 extra-sístole ventricular a cada cinco minutos
meira escolha para o início da propedêutica34,35. Como esse

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Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

O controle da pressão arterial é feito por meio do blo- Doença hipotalâmica, hipofisária
queio dos receptores alfaadrenérgicos, utilizando-se a
e hipopituitarismo
fenoxibenzamina (10mg, de 12/12 horas) ou a prazosina,
droga de referência, cuja dose máxima é 2mg a 5mg, de Tumores da hipófise
8/8 horas ou 6/6 horas30. A doxazosina e a terazosina
são também eficazes30-2. Os betabloqueadores somente Os adenomas hipofisários são a causa mais comum
deverão ser introduzidos se houver taquicardia após o de síndromes de hipersecreção e hipossecreção hormo-
bloqueio alfa. A adição desta droga antes de um alfablo- nal hipofisária em adultos. Eles são responsáveis por
queador piora a hipertensão31. Bloqueadores dos canais cerca de 10% de todas as neoplasias intracranianas. Na
de cálcio constituem outra opção com a vantagem de não necropsia, até um quarto de todas as glândulas hipofisá-
causarem hipotensão ortostática e de poderem ser utili- rias abrigam um microadenoma insuspeito (< 10mm de
zados em pacientes normotensos31,32. A metirosina é um diâmetro). De modo semelhante, os exames de imagem
bloqueador da síntese de catecolaminas que pode ser da hipófise detectam pequenas lesões hipofisárias em,
associada aos alfabloqueadores na dose de 1g a 4g ao pelo menos, 10% dos indivíduos sem doença.
dia39. Já foram descritos efeitos extrapiramidais, diarréia,
ansiedade e cristalúria durante o seu emprego32. O trata- Patogenia
mento deve ser instituído entre 10 a 14 dias antes da ope-
ração, embora não existam evidências que comprovem Os adenomas hipofisários são neoplasias benignas
nítido benefício. Para evitar ou atenuar a hipotensão após que se originam de um dos cinco tipos celulares da ade-
a retirada do tumor, recomenda-se expansão de volume noipófise. Podem originar-se das células lactotróficas,
intravascular e dieta rica em sódio31. somatotróficas, corticotróficas, tireotróficas ou gonado-
tróficas, as quais hipersecretam, respectivamente prolac-
tina, hormônio do crescimento, hormônio adrenocorti-
TRATAMENTO PEROPERATÓRIO
cotrófico, tireotrofina e gonadotrofinas (Quadro 35.11).
Adequado preparo pré-operatório não garante a pre-
Os tumores plurihormonais (combinações de hormônio
venção de todas possíveis complicações e as eventuais
do crescimento, prolactina, hormônio tireotrófico e hor-
crises hipertensivas devem ser controladas pelo nitro-
mônio adrenocorticotrófico) podem apresentar caracte-
prussiato de sódio32-40. Os betabloqueadores estão indica-
rísticas clínicas mistas das síndromes hipersecretoras
dos no tratamento da taquicardia e o esmolol, por ter
hormonais. Morfologicamente, esses tumores podem
curta ação, é considerado a droga ideal40. A hipotensão
surgir de um único tipo celular polissecretor ou consistir
pode surgir à interrupção da drenagem venosa da supra-
de células com função mista em um mesmo tumor42.
renal e deve ser controlada com reposição de volume e
Os tumores hormonalmente ativos são caracterizados
uso de vasopressores (noradrenalina)30.
por secreção hormonal autônoma com diminuição da res-
ponsividade às vias fisiológicas de inibição. A produção
TRATAMENTO PÓS-OPERATÓRIO hormonal nem sempre correlaciona-se com o tamanho do
Nas primeiras 48 horas após a operação há risco de tumor. Pequenos adenomas podem causar perturbações
hipoglicemia causada por hiperinsulinemia secundária à clínicas significativas, enquanto adenomas maiores que
perda da inibição noradrenérgica e à depleção do glicogê- produzem menos hormônio podem ser clinicamente silen-
nio32. A insuficiência supra-renal pode surgir após ressec- ciosos e permanecer não-diagnosticados, caso não haja
ção de feocromocitomas bilaterais41. A normalização da nenhum efeito compressivo em estruturas adjacentes.
pressão arterial ocorre em cerca de 38% dos casos. A Cerca de um terço dos adenomas é clinicamente não-fun-
persistência da hipertensão arterial pode ser explicada cionante e não produz nenhuma síndrome hipersecretora
pela permanência de tecido tumoral, ligação acidental da clínica diferente. A maioria origina-se das células gonado-
artéria renal ou coexistência de hipertensão essencial29,30. tróficas e pode secretar subunidades hormonais glicopro-
As metanefrinas e as catecolaminas urinárias deverão ser téicas alfa e beta ou, muito raramente, gonadotrofinas cir-
dosadas a partir da segunda semana pós-operatória e culantes intactas. Os carcinomas hipofisários com metásta-
anualmente nos próximos cinco anos29-32. se extracraniana documentada são extremamente raros.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 35.11 .: Classificação dos adenomas hipofisários

Origem celular do
Produto hormonal Síndrome clínica
adenoma
Lactotrofo Prolactina Hipogonadismo, galactorréia
Hormônio folículo estimulante, hormônio
Gonadotrofo Silencioso, hipogonadismo
luteinizante, subunidade
Somatrotofo Hormônio do crescimento Acromegalia/gigantismo
Corticotrofo Hormônio adrenocorticotrófico Doença de Cushing
Célula pluriormonal Qualquer Mista
Tireotrofo Hormônio tireotrófico Tireotoxicose
Célula nula Nenhum Insuficiência hipofisária
Prolactina Hipogonadismo, galactorréia
Célula mista
Hormônio do crescimento Acromegalia

Os craniofaringiomas são derivados da bolsa de sonância magnética, pode ser muito semelhante à de um
Rathke, originam-se próximo ao pedículo hipofisário e adenoma hipofisário agressivo. O diagnóstico definitivo
estendem-se comumente para a cisterna supra-selar. somente será possível por meio do exame anatomopatoló-
Esses tumores são freqüentemente grandes e invasivos e, gico do tecido ressecado durante a operação.
à tomografia computadorizada, comumente podem ser
observadas calcificações. Mais da metade dos pacientes
apresenta esses tumores antes dos 20 anos, geralmente Exame clínico
com sinais de aumento da pressão intracraniana, incluin- As manifestações clínicas das lesões selares variam de
do cefaléia, vômitos, papiledema e hidrocefalia. Os sinto- acordo com a localização anatômica da massa e a direção
mas associados incluem alterações no campo visual, alte- de sua extensão. O teto dorsal da sela apresenta a menor
rações da personalidade, deterioração cognitiva, lesão do
resistência à expansão do tecido mole do interior dos
nervo craniano, problemas do sono e ganho de peso. A
limites da sela; em conseqüência, os adenomas hipofisá-
disfunção da adenoipófise e o diabetes insípido são
rios freqüentemente estendem-se em direção supra-selar.
comuns. Cerca de metade das crianças com essa doença
A invasão óssea também pode ocorrer mais tarde.
apresenta atraso no crescimento42.
As cefaléias são manifestações comuns de pequenos
O tratamento geralmente envolve a ressecção cirúrgica
transcraniana ou transesfenoidal, seguida pela radiação tumores intra-selares, mesmo sem extensão supra-selar
pós-operatória do tumor residual. Essa abordagem pode demonstrável. A extensão supra-selar pode levar à perda
resultar em sobrevida a longo prazo e cura definitiva, mas visual por meio de vários mecanismos, dos quais o mais
a maioria dos pacientes requer a reposição de um ou mais comum é a compressão do quiasma óptico. A compres-
hormônios hipofisários durante toda a vida. Se o pedículo são do pedículo hipofisário por massa intra-selar pode
hipofisário não estiver envolvido e puder ser preservado comprimir os vasos portais, rompendo o acesso hipofi-
na época da operação, a incidência de disfunção da hipófi- sário aos hormônios hipotalâmicos e à dopamina; isso
se anterior subseqüente será significativamente menor43. resulta em hiperprolactinemia e na perda concomitante
As metástases hipofisárias ocorrem em cerca de 3% dos de outros hormônios hipofisários. Esse fenômeno de
pacientes com câncer. Os depósitos metastáticos transpor- “secção do pedículo” também pode ser causado por
tados pelo sangue são encontrados quase exclusivamente traumatismo, lesão “em chicotada” com compressão do
na neuro-hipófise. Assim, o diabetes insípido pode ser uma pedículo pelo clinóide posterior ou por fraturas da base
característica da apresentação de metástases hipofisárias de do crânio. A invasão lateral de massa pode penetrar o
tumores de pulmão, trato gastrointestinal, mama e outros. seio cavernoso e comprimir seu conteúdo neural, levan-
Cerca de metade das metástases hipofisárias origina-se de do à paralisia dos nervos cranianos III, IV e VI, assim
câncer de mama. A imagem de uma lesão metastática, à res- como a efeitos sobre os ramos oftálmico e maxilar do
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Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

quinto nervo craniano. Os pacientes podem apresentar entanto, para massa selar sem características clínicas
diplopia, ptose, oftalmoplegia e diminuição da sensação óbvias de excesso hormonal, os exames laboratoriais
facial, de acordo com a extensão da lesão neural. A exten- visam determinar a natureza do tumor e avaliar a pos-
são para o seio esfenóide indica que a massa hipofisária sível presença de hipopituitarismo. Quando há suspei-
erodiu através do assoalho selar. A compressão direta do ta de adenoma hipofisário com base na ressonância
hipotálamo por massa hipofisária invasiva pode causar nuclear magnética, a avaliação hormonal inicial geral-
seqüelas metabólicas importantes, puberdade precoce ou mente inclui: (1) prolactina basal; (2) fator de cresci-
hipogonadismo, diabetes insípido, distúrbios do sono, mento semelhante à insulina; (3) cortisol livre na urina
distermia e transtornos do apetite42,44. de 24h e/ou teste de supressão com dexametasona
(lmg) oral à noite; (4) níveis da subunidade ", hormô-
nio folículo estimulante e hormônio luteinizante; (5)
Diagnóstico
provas de função tireoidiana. A avaliação hormonal
As imagens da ressonância nuclear magnética permi- adicional pode ser indicada a partir dos resultados des-
tem a visibilização precisa da glândula hipófise, do hipo- ses testes. A história menstrual, o nível de testosterona,
tálamo, pedículo hipofisário, tecido hipofisário e cister- o cortisol das oito horas da manhã e após estímulo com
nas supra-selares adjacentes, seio cavernoso, seio esfe- hormônio adrenocorticotrófico e os exames de função
noidal e quiasma óptico. A densidade do adenoma geral- tireoidiana permitem identificar possíveis deficiências
mente é menor que a do tecido adjacente nas imagens de hormônio hipofisiários42,44.
pesadas em Tl, e o sinal torna-se hiperintenso nas ima- Avaliação histológica: a coloração imunoistoquímica
gens pesadas em T2. O elevado conteúdo de fosfolipídio das amostras de tumor hipofisário obtidas durante opera-
da neuro-hipófise resulta num sinal brilhante. As massas ção transesfenoidal confirma os exames clínicos e laborato-
selares são comumente encontradas como achados inci- riais e fornece o diagnóstico histológico quando os exames
dentais na ressonância nuclear magnética, e a maioria hormonais não são positivos e em casos de tumores clini-
delas é de adenomas hipofisários (incidentalomas)43. Esse camente não-funcionantes. Ocasionalmente, a determina-
achado é consistente com a observação de que microade- ção ultra-estrutural por microscopia eletrônica é necessária
nomas hipofisários clinicamente silenciosos podem ser para o diagnóstico.
identificados em até 25% das hipófises em séries de
necropsia. Na ausência de hipersecreção hormonal, essas Tratamento
pequenas lesões podem ser monitoradas com segurança
pela ressonância nuclear magnética, que é realizada GERAL
anualmente, e depois menos freqüentemente, se não O tratamento bem-sucedido das massas selares exige
houver evidências de crescimento. A ressecção deve ser diagnóstico preciso, assim como a seleção das modalida-
considerada para macroadenomas descobertos inciden- des terapêuticas ideais. A maioria dos tumores hipofisá-
talmente, pois cerca de um terço torna-se invasivo ou rios é benigna e de crescimento lento. As características
causa efeitos compressivos locais. Se a hipersecreção clínicas resultam dos efeitos locais de massa e de síndro-
hormonal for evidente, tratamentos específicos são indi- mes de hipo ou hipersecreção hormonal, causadas direta-
cados43. Quando massas maiores (>1cm) são encontra- mente pelo adenoma ou como conseqüência do trata-
das, elas também devem ser distinguidas das lesões não- mento. Assim, esses pacientes necessitam de tratamento
adenomatosas. e acompanhamento vitalícios42,43.
Avaliação oftalmológica: todos os pacientes, especial- A melhora da tecnologia da ressonância nuclear mag-
mente aqueles com macroadenomas (>1cm) devem rea- nética, os avanços na operação transesfenoidal e na
lizar campimetria para avaliação de comprometimento radioterapia estereotáxica (incluindo a radioterapia com
do quiasma óptico. bisturi gama) e os novos agentes terapêuticos melhora-
Investigação laboratorial: as características clínicas ram o tratamento do tumor hipofisário. Os objetivos do
de apresentação dos adenomas hipofisários funcionais tratamento incluem a normalização do excesso de secre-
(p. ex., acromegalia, prolactinomas ou doença de ção hipofisária e a diminuição ou ablação das grandes
Cushing) devem guiar os exames laboratoriais. No massas tumorais com alívio da compressão de estruturas
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

adjacentes. A função residual da adenoipófise deve ser RADIOTERAPIA


preservada e, às vezes, pode ser restaurada por remoção A radioterapia pode ser usada como tratamento pri-
da massa tumoral. Idealmente, a recorrência do adenoma mário para massas hipofisiárias. Entretanto, é mais
deve ser evitada. comumente empregada como complemento, aos trata-
mentos clínico e cirúrgico. A função da radioterapia no
tratamento do tumor hipofisário depende de múltiplos
OPERAÇÃO TRANSESFENOIDAL
A ressecção transesfenoidal, mais do que a trans- fatores, incluindo natureza do tumor, idade do paciente e
frontal, é a abordagem cirúrgica desejada para os tumo- disponibilidade de operação e radiação especializadas.
res hipofisários, exceto para a rara massa supra-selar Devido à lentidão relativa do início da sua ação, a radio-
invasiva, adjacente à fossa frontal ou média, aos nervos terapia geralmente é reservada para o pós-operatório.
ópticos, ou que penetra posteriormente atrás do clivo. Como adjuvante da operação, usa-se a radiação para tra-
A operação transesfenoidal também evita a invasão tar o tumor residual na tentativa de evitar o recrescimen-
craniana e a manipulação do tecido cerebral. Além da to. A irradiação oferece o único meio eficaz de ablação
correção da hipersecreção hormonal, a operação hipo- do tecido tumoral residual significativo, derivado de
fisária está indicada para lesões em massa que invadem tumores não-funcionantes. Os tecidos tumorais secreto-
as estruturas adjacentes. A descompressão e a ressec- res de prolactina, hormônio do crescimento e hormônio
ção cirúrgica são necessárias para a massa hipofisária adrenocorticotrófico também são receptivos ao trata-
em expansão, acompanhada por cefaléia persistente, mento clínico.
defeitos progressivos do campo visual, paralisias de
nervos cranianos, hidrocefalia interna e, ocasionalmen- CLÍNICO
te, hemorragia hipofisária e apoplexia. O tratamento clínico dos tumores hipofisários é alta-
Os sinais pré-operatórios de compressão local, mente específico e depende do tipo de tumor. Para os
incluindo os defeitos do campo visual ou o comprometi- prolactinomas, os agonistas da dopamina são o tratamen-
mento da função hipofisária podem ser revertidos pela to de escolha. Para a acromegalia e os tumores secretores
operação, particularmente quando esses déficits não são de hormônio tireotrófico, os análogos da somatostatina
de longa duração. Para tumores grandes e invasivos, é
e, ocasionalmente, os agonistas da dopamina são indica-
necessário determinar o equilíbrio ideal entre a ressecção
dos. Os tumores secretores de hormônio adrenocortico-
máxima do tumor e a preservação da função da adenoi-
trófico e os não-funcionantes, em geral, não são respon-
pófise, especialmente para preservar o crescimento e a
sivos à medicação e exigem operação e/ou irradiação.
função reprodutora em pacientes mais jovens.
O uso pré-operatório de glicocorticóide está indicado
para aqueles pacientes com hipopituitarismo e com baixa Hipopituitarismo
resposta ao estímulo com hormônio adrenocorticotrófi-
co, conforme discutido em tópicos anteriores45. Manifesta-se por diminuição ou ausência de secreção
O tamanho do tumor e o grau de invasão determinam de um ou mais hormônios hipofisários. Os sinais e sinto-
em grande escala a incidência de complicações cirúrgicas. mas têm habitualmente aparecimento lento e insidioso,
A mortalidade operatória é cerca de 1%. O diabetes insí- dependendo da doença de base. Pode ser primário, quan-
pido transitório (cerca de dois dias de duração) e o hipo- do se trata de destruição da hipófise anterior, ou secun-
pituitarismo ocorrem em até 20% dos pacientes. O dia- dário, quando a lesão é hipotalâmica. A etiologia é varia-
betes insípido permanente, a lesão do nervo craniano, a da, mas sua identificação é de vital importância para
perfuração do septo nasal ou distúrbios visuais podem orientar o tratamento adequado. Entre as causas podem
ser encontrados em até 10% dos pacientes. Fístula liquó- ser identificados defeitos no desenvolvimento e defeitos
rica ocorre em 4% dos pacientes45,46. Uma forma transitó- estruturais, traumas (cirúrgicos, radiação, acidentes), neo-
ria de secreção inapropriada de hormônio antidiurético, plasias, infiltrações (hemocromatose, sarcoidose etc.)
com hiponatremia sintomática, ocorre em 10% dos lesões vasculares (apoplexia hipofisária), infecções, doen-
pacientes, cinco a 14 dias após a operação. ças imunológicas, iatrogenia e causas idiopáticas45.
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Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

Sinais e sintomas Em homens, recomenda-se o uso de enantato ou cipio-


nato de testosterona intramuscular 100mg a 200mg, a
As manifestações clínicas dependem de que hormô-
cada 14 a 21 dias. Atualmente, também é possível o uso
nios são perdidos e da extensão da deficiência hormonal.
de testosterona gel. Para espermatogênese, utiliza-se
O curso clássico de desenvolvimento do hipopituitaris-
gonadotrofina coriônica e menotropinas.
mo é o desenvolvimento inicial de deficiência de hormô-
nio do crescimento e gonadotrofinas, seguido por defi-
ciência de produção de hormônio tireotrófico e hormô- Tratamento perioperatório
nio adrenocorticotrófico e, finalmente, de prolactina. A
deficiência de hormônio do crescimento causa distúrbios O tratamento é realizado por meio da reposição de
de crescimento em crianças e alteração da composição cada hormônio que se encontra abaixo do ideal. Neste
corporal em adultos. A deficiência de gonadotrofinas caso, a deficiência de hormônio adrenocorticotrófico é
causa distúrbios menstruais e infertilidade em mulheres, tratada com glicocorticóides, como descrito anterior-
e diminuição da função sexual, infertilidade e perda das mente na seção insuficiência adrenal; assim como a defi-
características sexuais em homens. A deficiência de hor- ciência de hormônio tireotrófico com tiroxina, conforme
mônio tireotrófico leva a atraso de crescimento em crian- descrito no tópico hipotireoidismo.
ças e características de hipotireoidismo em adultos. A A reposição de glicocorticóides e de hormônio tireoi-
deficiência de hormônio adrenocorticotrófico leva à diano e o controle de possível diabetes insípido são de fun-
redução do cortisol, porém com preservação dos minera- damental importância para uma operação sem intercor-
locorticóides. A deficiência de prolactina leva à incapaci- rências. É necessário cautela ao se prescrever hormônio
dade de amamentação. Quando as lesões envolvem os tireoidiano a paciente com baixa reserva de hormônio
tratos hipofisários posteriores, pode haver deficiência de adrenocorticotrófico, pois o mesmo pode precipitar crise
vasopressina com poliúria e polidipsia. adrenal. A reposição deve ser iniciada pelos glicocorticói-
des, seguido pelo hormônio tireoidiano1,2. Deve-se proce-
Diagnóstico der no pré-operatório destes pacientes com reposição de
hidrocortisona intravenosa 100mg, a cada seis horas. Nos
Na investigação da deficiência hormonal, inicialmen- dois dias seguintes, deve-se realizar dosagem de cortisol
te deve-se definir se a doença é hipofisária (insuficiência plasmático. Caso ele seja >10!g/dL em paciente sem
secundária) ou conseqüente à lesão das glândulas estimu- intercorrências, recomenda-se a utilização de hidrocortiso-
ladas pelos hormônios da hipófise, ou seja, gônadas, na oral 20mg pela manhã e 10mg à tarde (ou outro corti-
tireóide e supra-renais (insuficiência primária). Dessa
cóide com equivalência de dose).
forma, a propedêutica laboratorial consiste em dosar os
hormônios dos eixos hipófise-tireóide (TSH, T4 livre),
hipófise-gonadal (hormônio luteinizante, hormônio folí- Diabetes insípido
culo estimulante, estradiol e testosterona) e hipófise-
adrenais (hormônio adrenocorticotrófico). Os demais Etiologia
hormônios hipofisários a serem dosados são a prolactina,
A neuro-hipófise produz dois hormônios: arginina-
o hormônio do crescimento (basal e após estímulo) e o
vasopressina ou hormônio antidiurético e ocitocina. O
IGFI. Testosterona baixa é um indicador sensível de
hipopituitarismo tanto em homens quanto em mulheres. hormônio antidiurético atua nos túbulos renais induzin-
A reposição de hormônios sexuais é fundamental do a retenção hídrica, o que aumenta a concentração da
para homens e mulheres. Na mulher o uso de estrógeno urina. Sua deficiência causa diabetes insípido, caracteriza-
previne a osteoporose e mantém as características do pela produção de grandes quantidades de urina diluí-
sexuais secundárias. Existem várias preparações de estró- da. Pode decorrer de causas primárias, que corresponde
geno disponíveis, como o estradiol oral 1mg/dia a a cerca de 1% a 2% dos casos, ou adquiridas, que é o caso
2mg/dia, associado à progesterona (medroxiprogestero- da grande maioria. As causas estão listadas abaixo:
na 5mg/dia a 10mg/dia, 10 dias do mês). Para indução ■ diabetes insípido central: inabilidade em secretar e/ou
de ovulação, preconiza-se o uso de citrato de clomifeno47. sintetizar hormônio antidiurético;
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

■ diabetes insípido nefrogênico: há resposta renal ina- No Quadro 35.12, destacam-se as diferenças entre
dequada à arginina-vasopressina; diabetes insípido e síndrome inapropriada de hormônio
■ diabetes insípido transitório da gravidez: produzido antidiurético.
pelo metabolismo acelerado da arginina-vasopressina;
■ polidipsia primária: há excessiva ingestão de líquidos, Quadro 35.12 .: Diferenças entre diabetes insípido (DI) e secreção
sem excreção proporcional. inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH)

DI SIADH
Etiologia ↓ secreção do ADH ↑ liberação do ADH
Diagnóstico
Diurese > 30ml/kg/h
Urina
O início habitualmente é abrupto. O volume urinário Densidade < 1.002
ultrapassa 50ml/Kg de peso corporal, com osmolalidade Sódio < 15mEq/L > 20mEq/L
urinária < 200mmol/Kg e densidade urinária < 1.005, Osmolalidade ↓ ↑
com níveis de sódio plasmático > 143mEq/L. A poliúria Plasma Sódio ↑ ↓
resulta em polidipsia, enurese e/ou nictúria. Os sinais clí- Osmolalidade ↑ ↓
nicos de desidratação são incomuns, a menos que a Volemia ↓ inalterada ou ↑
ingestão hídrica seja reduzida48-52.

Tratamento
Síndrome da produção inapropriada do
O tratamento depende da causa de base, como a
hormônio antidiurético
retirada de possíveis drogas que possam causar a secre-
Esta síndrome se caracteriza por hiponatremia euvolê- ção inapropriada de hormônio antidiurético, e a ressec-
mica, com concentração urinária inapropriada. É impor- ção cirúrgica do tumor (pior prognóstico). Devem-se
tante excluir outras causas de hiponatremia euvolêmica restringir líquidos, iniciar diuréticos de alça caso a
como hipotireoidismo e insuficiência adrenal. Geralmente osmolalidade plasmática seja muito baixa com necessi-
é um diagnóstico de exclusão. Produção ectópica de hor- dade de rápida correção. Nestes casos, deve-se repor
mônio antidiurético é a causa mais comum de secreção ina- potássio e magnésio via parenteral.
Em situações de emergência, com hiponatremia
propriada de hormônio antidiurético e, quase sempre,
muito grave, deve-se administrar solução salina 3%, a
deve-se a carcinoma broncogênico de pequenas células.
velocidade de 0,1mL/Kg/min54. Esta reposição deve
ser cautelosa, uma vez que pode precipitar insuficiên-
Critérios diagnósticos cia cardíaca e levar à mielinólise pontina. Algumas dro-
gas podem ser utilizadas nos casos refratários, como a
Na vigência de sinais e sintomas de intoxicação demeclociclina, 1g/dia a 2g/dia, via oral. Esta droga
hídrica, deve-se medir o sódio sérico. Se ele estiver causa uma forma de diabetes insipido nefrogênico e
baixo, sem aumento na glicemia ou outros solutos, e o alterações na função renal. Carbonato de lítio pode ser
potássio também estiver baixo, deve-se excluir hipoti- utilizado, porém com doses muito altas e tóxicas.
reoidismo, insuficiência adrenal e utilizar critérios para
definir secreção inapropriada de hormônio antidiuréti-
co53,54. Os critérios incluem: Referências
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36
CIRURGIA NO
PACIENTE
HIPERTENSO
Luiz Otávio Savassi Rocha,
Guilherme Asmar Alencar

Introdução de que pudessem prejudicar a homeostase cardiovascu-


lar peroperatória.
Na primeira metade do século passado, um procedi- Por conseguinte, há 50 anos atrás, a posição do clínico,
mento anestésico-cirúrgico de maior vulto em paciente do anestesiologista e do cirurgião frente a um procedimen-
hipertenso costumava despertar grande temor pelo fato to anestésico-cirúrgico no paciente hipertenso era marcada
de se acompanhar de expressiva morbidade e de morta- pela insegurança e por dupla preocupação: de um lado, a
lidade não-desprezível, máxime naqueles casos em que,
consciência do risco aumentado, em presença de hiperten-
ao lado da elevação das cifras tensionais, existia acome-
são não-controlada e, de outro lado, o receio de possíveis
timento dos chamados órgãos-alvo1.
complicações relacionadas com os medicamentos utiliza-
Com o advento dos primeiros hipotensores – deriva-
dos para o controle das cifras tensionais.
dos da raiz da Rauwolfia serpentina –, começaram a ser rela-
A partir, sobretudo, de uma série de estudos pionei-
tados efeitos adversos quando seus usuários eram subme-
ros realizados por Prys-Roberts et al.4,5 – os dois primei-
tidos a procedimentos sob anestesia geral. Em vista disso,
ros publicados em 1971–, passou-se a investigar, de
passou-se a recomendar a interrupção, dias antes de qual-
forma sistemática, a questão do perioperatório em
quer intervenção cirúrgica, de drogas como a reserpina,
pelo receio de que pudessem provocar bradicardia e hipertensos tratados e não-tratados, explorando-lhes o
hipotensão arterial peroperatórias. Na verdade, tais alte- perfil hemodinâmico e comparando os resultados com
rações pareciam decorrer de outros fatores, não ligados aqueles observados em normotensos.
diretamente à droga (variações posicionais, perda sangüí- A despeito de se detectarem falhas metodológicas em
nea, manipulação cirúrgica etc.), embora pudessem tam- muitos dos trabalhos que versam sobre a matéria, a aná-
bém dever-se a doses excessivas dos anestésicos adminis- lise da literatura acumulada nos três últimos decênios per-
trados por via inalatória, pois, como se demonstrou expe- mite extrair alguns preceitos, embora suscite novos ques-
rimentalmente, a depleção, tanto central quanto periféri- tionamentos. Seja como for, parece que a flutuação dos
ca, de noradrenalina, induzida por simpaticolíticos como parâmetros hemodinâmicos – e, provavelmente, a mor-
a reserpina, associa-se a significativa redução, dose- bidade ligada ao ato cirúrgico – é maior nos hipertensos
dependente, na concentração alveolar mínima (MAC) do não-tratados, principalmente se coexistir acometimento
halotano2,3. Surgiram, depois da reserpina, a metildopa e a significativo dos chamados órgãos-alvo (presença de
guanetidina, hipotensores mais potentes em relação aos coronariopatia, hipertrofia ventricular esquerda, depres-
quais passou a prevalecer a mesma recomendação – ou são do estado contrátil do miocárdio, retinopatia, insufi-
seja, sua descontinuação no pré-operatório –, sob pena ciência renal, dano cerebral)6-12.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Aspectos fisiopatológicos propostas diversas estratégias para minimizar tais pertur-


bações, estratégias essas que têm em comum a tentativa
Hiperatividade simpática perioperatória de bloquear a atividade adrenérgica exaltada.
Observa-se, em hipertensos não-controlados, respos- Na medida em que se acompanha do aumento da
ta exagerada a estímulos que, habitualmente, provocam pressão arterial, do inotropismo e da freqüência cardíaca,
resposta hipertensora, em geral acompanhada de mani- o aumento do tônus simpático determina maior consu-
mo de oxigênio pelo miocárdio, o que, sem dúvida, é pre-
festações de hiperatividade simpática, no perioperatório
judicial, mormente em presença de hipertrofia ventricu-
(hipertensão arterial aguda perioperatória). Entre tais
lar esquerda e/ou coronariopatia significativa. Convém,
estímulos, incluem-se a laringoscopia/intubação traqueal
no entanto, lembrar que a hiperatividade simpática pode
e a incisão cirúrgica (Quadro 36.1). Por outro lado, não
ser acompanhada de efeitos benéficos insuspeitados16.
parece diferir muito da usual a resposta a esses estímulos
Assim, por paradoxal que à primeira vista possa parecer,
por parte dos hipertensos bem-controlados.
a vasoconstrição coronariana adrenérgica, que ocorre
Quadro 36.1 .: Estímulos que podem provocar resposta hiperten- fisiologicamente durante o exercício físico – bem como
sora, no perioperatório5,7,13-15 durante as emoções e os reflexos barorreceptores –,
garante a adequada perfusão da camada subendocárdica,
Laringoscopia/ intubação traqueal pois, atuando principalmente nos vasos de pequeno cali-
Incisão cirúrgica bre, promove distribuição uniforme e equilibrada do
Esternotomia fluxo sangüíneo transmural na parede do ventrículo
Anestesia superficial esquerdo17. É claro que, em alguns coronariopatas com
Acidose estenose aterosclerótica crítica excêntrica, a simples
Hipoxemia
vasoconstrição adrenérgica pode aumentar o grau de
obstrução no nível do segmento estenótico e ser deleté-
Hipercapnia
ria. Em se tratando de lesões relativamente fixas, no
Distensão vesical
entanto, a constrição dos pequenos vasos nas camadas
Clampeamento da aorta mais externas do ventrículo esquerdo, distalmente ao
Endarterectomia da carótida segmento estenótico, pode ser vantajosa, evitando o
Tração mesentérica “roubo” transmural e propiciando perfusão adequada da
Tremor pós-operatório camada subendocárdica.
Extubação Por conseguinte, o aumento do tônus simpático impli-
Despertar da anestesia
ca, ao mesmo tempo, aumento do consumo de oxigênio
pelo miocárdio (efeito indesejável) e, por intermédio da
vasoconstrição coronariana adrenérgica, melhor irrigação
Ultimamente, têm recebido grande atenção as altera- da camada subendocárdica (efeito desejável). Ademais, é
ções circulatórias desencadeadas pela laringoscopia/intu- notória a importância do simpático na manutenção da
bação traqueal, destacando-se a elevação, por vezes acen- homeostase circulatória frente à hipovolemia – secundária,
tuada, da pressão arterial média, acompanhada de taqui- por exemplo ao sangramento perioperatório –, a despeito
cardia e, não raramente, de arritmias cardíacas e evidên- dos problemas que possam advir da estimulação adrenérgi-
cias de isquemia miocárdica. Parece existir estreita corre- ca excessiva. Assim, como toda tentativa de adaptação, a
lação entre o aumento da concentração plasmática de hiperatividade simpática implica vantagens e desvantagens,
noradrenalina e a abrupta elevação da pressão arterial – que devem ser cuidadosamente avaliadas a cada momento.
que dura, em geral, de cinco a 10 minutos –, indicando
hiperatividade simpática reflexa14. As perturbações
hemodinâmicas desencadeadas pela laringoscopia/intu- Auto-regulação do fluxo sangüíneo cerebral
bação traqueal são particularmente deletérias para os Sabe-se que, dentro de determinados limites (pressões
hipertensos, em especial para aqueles (cerca de 60%) arteriais médias entre 60mmHg e 150mmHg, no caso dos
com coronariopatia associada. Assim sendo, têm sido normotensos), o fluxo sangüíneo cerebral mantém-se
440
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Capítulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

constante em conseqüência da auto-regulação vasomotora, tentorial ou através do forame magno), com todas as suas
independentemente de estímulos neurogênicos18-20. Abaixo conseqüências. No entanto, é preciso lembrar que, se por
do limite inferior (pressão arterial média menor que um lado é urgente a necessidade de se reduzirem as cifras
60mmHg), o fluxo sangüíneo cerebral decresce por insufi- tensionais elevadas nesses casos, por outro lado não é
ciência da resposta vasodilatadora, embora possam não recomendável que, para atingir esse objetivo, sejam utili-
surgir de imediato manifestações ligadas à hipóxia cerebral, zadas drogas vasodilatadoras como a nifedipina e a hidra-
em razão da extração aumentada de oxigênio por parte do lazina, por causa de seu efeito desfavorável sobre a pres-
tecido nervoso encefálico. Acima do limite superior (pres- são intracraniana e a pressão de perfusão. Devem ser pre-
são arterial média maior que 150mmHg), os vasos marca- feridos, para o controle da hipertensão arterial nessas cir-
damente contraídos podem tornar-se subitamente dilata- cunstâncias, os inibidores da enzima conversora da
dos, determinando hiperperfusão sob pressão elevada, angiotensina I, os bloqueadores dos receptores beta-
acompanhada de necrose fibrinóide da parede arteriolar, adrenérgicos e, talvez, os bloqueadores dos receptores
micro-hemorragias, microinfartos e edema cerebral. Na alfa-adrenérgicos, cujo uso não parece oferecer riscos
realidade, o fator determinante dos limites da auto-regula- para o exercício pleno da auto-regulação cerebral20,21.
ção é a pressão de perfusão cerebral (cujo valor é dado pela
diferença entre a pressão arterial média e a pressão intracra-
Pré-operatório
niana) e não propriamente a pressão arterial média; não
obstante, na ausência da hipertensão intracraniana, as varia- Avaliação clínica
ções da pressão de perfusão acompanham as variações da
pressão arterial. O aumento do risco anestésico-cirúrgico em hiper-
Nos hipertensos crônicos, a auto-regulação do fluxo tensos parece depender, basicamente, da presença de
sangüíneo cerebral é preservada, mas os limites inferior e complicações em órgãos-alvo (coração, rim e sistema
superior deslocam-se no sentido de valores mais altos de nervoso central). No caso específico da insuficiência
coronariana, sua presença nem sempre é evidente no pré-
pressão arterial média (algo em torno de 110 e
operatório, a menos que se realizem exames mais refina-
180mmHg, respectivamente). Isso equivale a dizer que o
dos (e, quase sempre, muito dispendiosos), capazes de
cérebro do hipertenso crônico tem maior dificuldade de
detectar alterações não evidenciadas pelo eletrocardio-
lidar com quedas abruptas da pressão arterial, tolerando
grama de repouso. Tais exames encontram-se listados no
melhor sua elevação. Destarte, hipertensos podem apre-
Quadro 36.2.
sentar manifestações de isquemia cerebral quando sua
pressão arterial média cai a níveis que seriam bem tolera- Quadro 36.2. : Exames complementares empregados na avaliação
dos por normotensos; em contrapartida, normotensos da insuficiência coronariana22-24
com elevação súbita da pressão arterial (crianças com
glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica ou gestantes Teste ergométrico
Monitoração eletrocardiográfica ambulatorial (Holter)
com doença hipertensiva específica da gravidez) podem
desenvolver encefalopatia hipertensiva ao atingirem Cintilografia miocárdica
níveis tensionais perfeitamente bem tolerados por hiper- Ecocardiograma durante infusão de dobutamina
tensos crônicos. Com o tratamento eficaz da hipertensão Coronariotomografia ultra-rápida (por emissão de elétrons)
arterial, a curva de auto-regulação dos hipertensos pode Tomografia computadorizada por múltiplos detectores
voltar a exibir as mesmas características da curva de auto- Cineangiocoronariografia
regulação dos normotensos.
Nos pacientes com lesões expansivas intracranianas, a
auto-regulação do fluxo sangüíneo cerebral costuma Durante a entrevista médica, é fundamental que se
estar seriamente prejudicada, de modo que picos hiper- faça meticuloso levantamento do uso de outras drogas
tensivos devem ser evitados a todo custo, visto que pro- além dos hipotensores, como, por exemplo os digitáli-
movem elevação ainda maior da pressão intracraniana e cos, que podem aumentar o risco perioperatório de arrit-
redução da pressão de perfusão, predispondo ao sofri- mias ventriculares ou de bloqueio atrioventricular, e a
mento cerebral e à herniação da massa encefálica (trans- amiodarona, antiarrítmico de meia-vida plasmática extre-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mamente longa, que pode provocar, no decurso da anes- Monitoração hemodinâmica invasiva
tesia geral, grave bradicardia resistente à atropina.
Reveste-se de grande importância a ocorrência de Em hipertensos com reserva cardiovascular muito
infarto do miocárdio (em especial se desacompanhado diminuída, candidatos a intervenções cirúrgicas de gran-
de onda Q patológica) nos seis meses e, particularmente, de porte, uma questão que precisa ser definida no pré-
nos três meses que antecedem o ato cirúrgico, pelo maior operatório diz respeito à necessidade ou não de se indi-
risco de reinfarto no peroperatório e, em especial, no car a monitoração hemodinâmica invasiva com cateter-
pós-operatório imediato25. Deve ser enfatizado, porém, balão de Swan-Ganz.
que tais pacientes não constituem grupo homogêneo, Utilizado de forma crescente há mais de três decê-
estando o risco de reinfarto mais diretamente ligado à sua nios, o cateter de Swan-Ganz possibilita a mensuração de
situação funcional, avaliada pelo teste de esforço e/ou importantes parâmetros hemodinâmicos, incluindo a
pela monitoração eletrocardiográfica ambulatorial pressão capilar pulmonar (que equivale à pressão de
(Holter), do que, propriamente, à idade do infarto do enchimento do ventrículo esquerdo, desde que não haja
miocárdio prévio26. O infarto pós-operatório costuma ser alteração significativa na complacência dessa câmara); a
indolor e acompanhar-se de expressiva mortalidade, pressão em artéria pulmonar; as resistências vasculares
ocorrendo, sobretudo, nas primeiras 48 horas após a sistêmica e pulmonar; o débito cardíaco (método da ter-
operação27,28. Tal constatação contradiz observações modiluição). O uso do referido cateter permite medir
anteriores, segundo as quais o pico de incidência do também, em amostras de sangue retiradas da artéria pul-
infarto do miocárdio situar-se-ia um pouco mais adiante, monar, a pressão parcial de oxigênio venoso e a satura-
ou seja, no período compreendido entre o 3º e o 5º dia ção de oxigênio venoso misto. A partir dessas variáveis –
pós-operatório. A razão dessa discrepância parece residir ao lado, evidentemente, da medida da taxa de hemoglo-
na realização, mais difundida atualmente, de traçados ele- bina, da saturação da hemoglobina no sangue arterial e
trocardiográficos seriados no pós-operatório imediato dos gases arteriais – pode-se fazer completa avaliação do
(prática recomendável em pacientes de alto risco, mesmo transporte e da utilização do oxigênio, de fundamental
se assintomáticos), ao lado de determinações mais fre- importância no manuseio de pacientes em estado crítico.
qüentes dos níveis sangüíneos das enzimas (em especial Assim, em presença de grave acometimento cardiovascu-
da CK-MB), possibilitando a detecção de necrose mio- lar, o cateter em artéria pulmonar pode ajudar na tomada
cárdica desacompanhada de onda Q patológica29. de decisões importantes, como a escolha das drogas a
Importa assinalar que, na ausência de sintomatologia típi- serem administradas e o ritmo ideal de infusão de líqui-
ca, fala a favor de infarto pós-operatório a presença de dos no perioperatório.
hipotensão inexplicável, insuficiência ventricular esquer- No entanto, apesar de todas as vantagens acima apon-
da, arritmias cardíacas e, em especial nos pacientes ido- tadas, são escassos os ensaios clínicos controlados que
sos, alteração do estado mental (delirium). demonstram, de forma inequívoca, que a cateterização da
Também os hipertensos com insuficiência cardíaca artéria pulmonar associa-se à melhora do prognóstico, a
correm risco significativamente maior no perioperatório, não ser, talvez, em casos selecionados10,11,30. Ademais, as
devendo, na medida do possível, ser cuidadosamente complicações inerentes ao procedimento não podem ser
compensados no pré-operatório, durante período não negligenciadas, relacionando-se seja com a punção de vaso
inferior a uma semana. central (pneumotórax, hemotórax, embolia gasosa, lesão
Pode, eventualmente, ser necessária a investigação de do ducto torácico), seja com a passagem do cateter (arrit-
causas de hipertensão secundária, quando da avaliação mias cardíacas), seja com sua permanência (tromboembo-
clínica pré-operatória de pacientes com hipertensão lismo pulmonar, ruptura da artéria pulmonar, infecção,
arterial grave, em especial se recém-diagnosticada. ruptura do balonete etc.)31,32.
Nesses casos, impõe-se a pesquisa de coarctação da Destarte, para que o uso do cateter de Swan-Ganz
aorta, doença renal parenquimatosa, hipertensão reno- não se converta num mero (e perigoso) exercício lúdico,
vascular e hipertensão endócrina (síndromes de hiper- é preciso que se tomem várias precauções. Algumas
mineralocorticismo e feocromocitoma). encontram-se listadas no Quadro 36.3.
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Capítulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

Quadro 36.3 .: Precauções no emprego do cateter de Swan- A julgar pelas publicações mais recentes sobre a maté-
Ganz10,11,30,32 ria, parece que um período de abstinência de pelo menos
quatro a seis semanas (e, idealmente, de oito semanas ou
Identificar corretamente os pacientes mais propensos a se beneficiarem mais) seria necessário para diminuir a incidência de com-
do seu uso (aqueles com coronariopatia grave, infarto do miocárdio plicações pós-operatórias relacionadas ao tabagismo34-41.
recente e/ou insuficiência cardíaca avançada, quando submetidos a
intervenções de grande porte)
Alguns estudos sugerem que a simples redução no núme-
Observar cuidadosamente as técnicas de utilização
ro de cigarros fumados não seria suficiente para se atin-
gir tal objetivo35,38,41. Por sua vez, outros estudos dão a
Colocar o cateter precocemente no curso de uma crise hemodinâmica,
ou mesmo antes, como no caso específico do pré-operatório, e não entender que um período de abstinência de menos de
como última medida quatro semanas seria, paradoxalmente, mais deletério do
Ater-se ao tempo necessário de monitoração, evitando permanência que a manutenção do tabagismo até a véspera do ato
prolongada cirúrgico, no que diz respeito à incidência de complica-
Avaliar os parâmetros passíveis de obtenção a curtos intervalos de ções respiratórias37,40.
tempo e, a partir dos resultados obtidos, corrigir prontamente os des-
vios observados

Indicação cirúrgica e estratégia pré-operatória


Com base nos estudos realizados por Prys-Roberts et
Tabagismo e cirurgia al.4 a partir de 1971, recomendava-se que os pacientes
Um outro tópico que deve merecer atenção refere-se hipertensos tivessem adiada a operação até o controle
dos níveis tensionais4. Atualmente, admite-se que, diante
às operações em hipertensos tabagistas, particularmente
dos avanços das técnicas anestésicas e de monitoração
sujeitos às complicações perioperatórias.
peroperatória, pacientes hipertensos com pressão sistóli-
É sabido que a interrupção do hábito de fumar por
ca menor que 180mmHg e pressão diastólica menor que
período de 12 a 24 horas traz benefícios indiscutíveis ao
110mmHg, na ausência de lesão de órgãos-alvo, podem
paciente, pois se acompanha da eliminação do monóxido
ser operados sem aumento do risco de complicações car-
de carbono (importante veneno respiratório) e da nicoti- diovasculares graves9-12,28.
na (alcalóide do tabaco, responsável pela tabaco-depen- No que concerne aos pacientes com pressão arterial
dência e pela liberação de catecolaminas endógenas). igual ou superior a 180x110mmHg, não existe consenso
Com efeito, a meia-vida de eliminação da carboxiemo- sobre a melhor conduta a ser adotada. Assim, enquanto
globina varia de quatro horas em repouso até uma hora alguns defendem o adiamento dos procedimentos cirúr-
durante exercício violento. Assim, após 12 horas de abs- gicos eletivos até o controle das cifras tensionais, outros
tinência, observa-se a normalização da curva de dissocia- acreditam que, na ausência de acometimento significati-
ção da hemoglobina (desviada para a esquerda, sob efei- vo de órgãos-alvo, tal conduta não reduz o risco
to do monóxido de carbono), de modo a favorecer a libe- peroperatório9-12,28,42-4.
ração de oxigênio para os tecidos. Por sua vez, a meia- Desde que não existam contra-indicações, os medica-
vida plasmática da nicotina inalada é da ordem de 30 a 60 mentos mais recomendados nos hipertensos não-contro-
minutos, o que garante sua eliminação após uma noite de lados, candidatos a operações de grande porte, são os
abstinência33. betabloqueadores, cujos benefícios no peroperatório têm
É sabido, também, que, no tocante ao aparelho respi- sido comprovados em pacientes de alto risco9,10,12,28,43,45-7.
ratório, a interrupção do tabagismo restabelece a função No caso específico dos hipertensos não-controlados,
ciliar, aumenta o clearance das secreções traqueobrônqui- parece que os betabloqueadores, mesmo quando inicia-
cas, reduz a secreção de muco, diminui a obstrução das dos horas antes da operação, podem reduzir o risco de
vias aéreas e melhora a função imunológica. No entanto, isquemia miocárdica perioperatória e atenuar a flutuação
como tais benefícios não se fazem sentir da noite para o da pressão arterial (que, idealmente, não deveria variar
dia (como no caso do monóxido de carbono e da nicoti- mais de 20% em relação ao seu valor basal)28. Além disso,
na), o tabagista deveria abandonar o hábito algum tempo diminuem o risco de fibrilação atrial pós-operatória.
antes do procedimento cirúrgico, para diminuir o risco Em relação aos hipertensos bem-controlados, a ten-
de complicações pulmonares perioperatórias. dência atual é manter a medicação hipotensora até à
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

manhã da cirurgia, exceção feita, talvez, para os diuréti- O uso do citrato de fentanila (narcoanalgésico com
cos (desde que não coexista insuficiência cardíaca con- efeitos mínimos sobre o sistema cardiovascular) pode ser
gestiva), os inibidores da enzima conversora da angioten- benéfico na medida em que reduz a necessidade de dro-
sina (IECAs) e os antagonistas dos receptores AT-1 da gas (como os barbitúricos) tradicionalmente utilizadas
angiotensina II (ARAIIs). No caso dos diuréticos tiazídi- para indução da anestesia, diminuindo o grau de depres-
cos, seu efeito hipotensor pode prolongar-se por sema- são cardiovascular e o risco de hipotensão arterial7,13.
nas ou, eventualmente, meses após sua interrupção.
O manuseio dos IECAs e dos ARAIIs nos candida-
tos a tratamento cirúrgico é particularmente polêmico. Laringoscopia/intubação traqueal
Alguns autores recomendam sua suspensão na manhã da Embora picos hipertensivos, acompanhados de evi-
operação (IECAs) ou, pelo menos, 24 horas antes dências de hiperatividade simpática, possam ocorrer a
(ARAIIs), pelo receio de que tais classes de anti-hiperten- qualquer momento durante a anestesia (especialmente
sivos possam promover episódios de hipotensão arterial em hipertensos não-controlados), espera-se que essas
no peroperatório, com resposta inadequada à efedrina e manifestações coincidam, principalmente, com a larin-
à fenilefedrina9-11,48,49. Receia-se, também, que os IECAs goscopia/intubação traqueal, a incisão da pele, a extuba-
possam prejudicar a função renal no pós-operatório49. ção e o despertar da anestesia.
Outros autores expressam opinião divergente, afir- Diversas estratégias têm sido preconizadas para ate-
mando que os IECAs poderiam beneficiar seus usuários, nuar a atividade adrenérgica exaltada que acompanha a
tanto no peroperatório, quanto no pós-operatório45,50-2. laringoscopia/intubação traqueal. Essas estratégias estão
Defendem que a suspensão desses medicamentos no listadas no Quadro 36.4.
pré-operatório poderia predispor a eventos isquêmicos
em presença de insuficiência cardíaca congestiva ou
infarto do miocárdio prévio. Ademais, sugerem que os Quadro 36.4. : Opções técnicas para reduzir a atividade adrenér-
gica secundária à laringoscopia/intubação traqueal em pacientes
IECAs atenuariam a resposta simpática, protegendo o
hipertensos
coração contra a isquemia e as lesões de reperfusão e, até
mesmo, melhorando a filtração glomerular nos pacientes Anestesia tópica da orofaringe
submetidos a cirurgia cardíaca. Redução da duração da laringoscopia para menos de 15 segundos
Diante de tais controvérsias, fica a seguinte questão: Emprego da lidocaína endovenosa
não estaria o risco atribuído a essas drogas, na verdade, Uso, na indução da anestesia, do citrato de fentanila
associado às condições para as quais elas são prescritas? Emprego, em procedimentos de curta duração, do alfentanil, morfi-
nomimético derivado do citrato de fentanila53
Intubação traqueal retrógrada
Controle perioperatório Uso, à guisa de medicação pré-anestésica, do urapidil, dos betablo-
queadores e da clonidina
Indução anestésica
A indução da anestesia com drogas por via endoveno-
sa (tiopental, meto-hexital, diazepam, droperidol) acom- A intubação traqueal retrógrada deve ser reservada
panha-se de significativa redução da pressão arterial, efei-
para os casos de intubação particularmente difícil
to particularmente indesejável em hipertensos com aco-
(pacientes com anquilose da articulação temporomandi-
metimento de órgãos-alvo (como naqueles com corona-
bular, artrite reumatóide grave, síndrome de Pierre-
riopatia obstrutiva associada, nos quais a perfusão mio-
Robin ou posição anterior extrema da laringe), nos quais
cárdica depende diretamente dos níveis tensionais)5,13,14.
se prevê a necessidade de laringoscopias repetidas, espe-
Em pacientes recebendo betabloqueadores, há evi-
cialmente danosas para os hipertensos com coronario-
dências de que a redução da pressão arterial associada à
patia associada. Utiliza-se cateter radiopaco, introduzido
indução da anestesia é menos expressiva nos usuários do
na traquéia através da membrana cricotireóidea, e daí
oxprenolol (betabloqueador com acentuada atividade
impulsionado até à orofaringe e à boca (com auxílio da
simpaticomimética intrínseca) do que nos usuários do
labetalol ou do atenolol. laringoscopia direta), onde serve de guia para o tubo

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Capítulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

endotraqueal. A intubação traqueal retrógrada parece ção adrenérgica; assim, em presença de betabloqueio
promover menor elevação da pressão arterial e menos não-cardiosseletivo, os receptores beta2 vasculares não
taquicardia quando comparada com múltiplas laringos- podem ser estimulados, permitindo vasoconstrição alfa-
copias, oferecendo vantagens sobre a intubação nasal adrenérgica intensa, sem oposição, acompanhada de
“cega”, o uso do laringoscópio de fibra óptica e a tra- hipertensão arterial e de aumento do risco de sangramen-
queostomia. Ademais, a técnica pode ser utilizada com to pós-operatório. Uma forma de antagonizar as pertur-
segurança mesmo em pacientes submetidos a bypass car- bações hemodinâmicas relacionadas com a laringosco-
diopulmonar, com risco de sangramento em conseqüên- pia/intubação traqueal, restabelecendo a resposta simpá-
cia da heparinização, hiperfibrinólise, diluição dos fato- tica minutos depois (de forma a permitir melhor adapta-
res de coagulação e alteração da função plaquetária. ção à hipovolemia), sem o inconveniente (no caso de
O urapidil, hipotensor utilizado na Europa há vários cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea) de hiper-
anos, é capaz de prevenir, quando administrado por via tensão arterial pós-operatória secundária à vasoconstri-
endovenosa, na dose de 0,6mg/kg, 10 minutos antes da ção alfa-adrenérgica, seria a utilização de betabloqueador
indução anestésica, a elevação da pressão arterial relaciona- cardiosseletivo de ação ultra-rápida, como o esmolol.
da à laringoscopia, sendo que uma dose adicional, ao final Administrada por via endovenosa, em bolus, na dose
da operação, previne também o aumento das cifras tensio- média de 150mg, dois minutos antes da laringoscopia, a
nais, coincidente com o despertar da anestesia15,21. O urapi- droga tem-se mostrado eficaz no controle da taquicardia
dil possui ação central (diferente daquela da clonidina, visto e, embora com eficácia variável, também no controle da
não estarem envolvidos os receptores adrenérgicos alfa2) e hipertensão arterial, ambas relacionadas com o procedi-
ação vasodilatadora periférica decorrente, sobretudo, do mento. O esmolol parece ser, com esse objetivo, superior
bloqueio dos receptores alfa1 pós-sinápticos. Uma vanta- à lidocaína e ao citrato de fentanila. Como a meia-vida
gem do urapidil sobre outros vasodilatadores, como o plasmática de eliminação dessa droga é de cerca de nove
nitroprussiato de sódio, a nifedipina e a hidralazina, pren- minutos – a do propranolol é de cerca de três a cinco
de-se ao fato de seu uso poder ser estendido aos pacientes horas, e a do nadolol de 14 a 48 horas –, seu efeito logo
com hipertensão intracraniana (e inadequação da auto- se dissipa, nada impedindo, porém, que a droga seja
regulação vasomotora), pois não se acompanha de aumen- novamente administrada, no decurso da anestesia, com o
to do volume sangüíneo cerebral, preservando a pressão de objetivo de antagonizar a hiperatividade adrenérgica
perfusão (o nitroprussiato de sódio, p. ex., se administrado secundária a estímulos outros que não a laringoscopia.
a pacientes neurocirúrgicos antes da abertura da dura- A pré-medicação com clonidina (0,004mg/kg a
máter, pode provocar acréscimo adicional da pressão intra- 0,006mg/kg, por via oral, 90 a 120 minutos antes da
craniana, com diminuição da pressão de perfusão e hernia- intervenção cirúrgica) parece ser relativamente segura e,
ção do conteúdo cerebral). mais que isso, vantajosa. Já à admissão no bloco cirúrgi-
A administração dos betabloqueadores, à guisa de co, nota-se seu efeito sedativo, que se reflete em níveis
medicação pré-anestésica, pode minimizar as manifesta- mais baixos de pressão arterial e freqüência cardíaca.
ções de hiperatividade simpática decorrentes da laringos- Observa-se substancial redução da resposta simpática
copia. Entretanto, os betabloqueadores de meia-vida quando da laringoscopia/intubação traqueal e menor
plasmática mais longa contrapõem-se também às mani- oscilação dos níveis tensionais no peroperatório, na
festações de hiperatividade simpática desencadeadas pela medida em que a droga mostra-se capaz de nivelar a
superficialização do nível da anestesia e pela hipovole- seqüência de “picos” e “vales” da chamada “anestesia
mia. Ademais, no caso da revascularização miocárdica, os alpina” (alguns se referem à anestesia em hipertensos
betabloqueadores não-cardiosseletivos de ação mais com a expressão “anestesia alpina”, pois a oscilação das
duradoura (como o propranolol e, sobretudo, o nadolol), cifras tensionais costuma lembrar uma série alternada de
embora possam ser úteis na medida em que talvez dimi- “picos” e “vales”). A clonidina reduz também a resposta
nuam o risco de infarto do miocárdio perioperatório, adrenérgica no pós-operatório imediato, incluindo o
podem trazer problemas no pós-operatório imediato. período em que o paciente é transferido para o centro de
Como se sabe, as horas que se seguem à circulação extra- tratamento intensivo ou a enfermaria, durante o qual ele
corpórea costumam acompanhar-se de intensa estimula- se mostra particularmente vulnerável, visto não estar
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mais tão atentamente monitorado quanto no peroperató- cárdio, são vasodilatadores. Ademais, se não corrigida
rio. Ademais, a clonidina diminui o tremor pós-operató- no pré-operatório, a hipocalemia secundária à diuretico-
rio e o tempo de duração da assistência ventilatória após terapia e agravada pela ventilação mecânica – hipocale-
o término da operação, já que dispensa, no peroperató- mia hipocápnica aguda – pode potencializar o efeito dos
rio, por seu efeito estabilizador hemodinâmico, o apro- relaxantes musculares, propiciar o aparecimento de
fundamento da anestesia com anestésicos voláteis e/ou arritmias cardíacas (máxime em pacientes digitalizados)
narcóticos em doses elevadas, como recurso para atenuar e acompanhar-se de elevada incidência de íleo pós-ope-
a resposta circulatória a estímulos vários. Assim, os bene- ratório. Por sua vez, os diuréticos que retêm potássio
fícios da pré-medicação com clonidina não se restringem (como a espironolactona, a amilorida e o triantereno)
à proteção conferida durante a laringoscopia/intubação podem acentuar a hipercalemia induzida pela succinilco-
traqueal, mas se estendem ao período pós-operatório lina, mormente se coexistir insuficiência renal, trauma
imediato. No entanto, o uso da droga como pré-anesté- extenso, queimadura grave ou distúrbio neurológico
sico não é isento de riscos, impondo-se algumas precau- acompanhado de déficit motor.
ções no sentido de minimizá-los. As doses dos anestési- A manutenção da anestesia geral pode ser obtida, no
cos e narcóticos devem ser reduzidas em 25% a 50%, a hipertenso, com as técnicas usuais, não se identificando
reposição volêmica deve ser iniciada antes da indução e, um agente anestésico específico (por via inalatória ou
ao final da anestesia, na fase de reaquecimento, a pressão endovenosa) que se tenha mostrado particularmente
arterial deve ser cuidadosamente monitorada, tendo em vantajoso em relação aos demais. Mais importante que a
vista a possibilidade de hipotensão secundária à vasodila- escolha do agente anestésico é a identificação e corre-
tação periférica. ção, no pré-operatório, de complicações como insufi-
ciência cardíaca, hipovolemia, arritmias, hipoxemia, dis-
Manutenção da anestesia geral túrbios eletrolíticos e ácido-básicos, ao lado da cuidado-
sa monitoração peroperatória dos dados vitais, com o
De modo geral, surgem poucas complicações duran- auxílio de métodos não-invasivos (oximetria de pulso,
te intervenções cirúrgicas em hipertensos como resulta- capnometria, eletrocardiograma) e, se for o caso, tam-
do da interação entre hipotensores e agentes anestésicos. bém de métodos invasivos (cateter em artéria radial,
Importa, no entanto, lembrar que anestésicos inalatórios cateter de Swan-Ganz).
podem potencializar a bradicardia induzida pelos beta- Diversos estímulos peroperatórios (esternotomia, tra-
bloqueadores, efeito reversível pela administração do ção mesentérica, endarterectomia da carótida, eletrocau-
glicopirrolato, um anticolinérgico sintético7; além disso, terização etc.) podem provocar elevações transitórias da
nos pré-tratados com betabloqueadores, pode tornar-se pressão arterial. O aprofundamento do nível da anestesia
evidente o efeito inotrópico negativo da quetamina, em geral suprime essas elevações, mas apresenta incon-
anestésico não-barbitúrico que provoca um estado venientes, especialmente em pacientes com disfunção
conhecido como anestesia dissociativa e que costuma sistólica ventricular, pois os anestésicos, em sua maioria,
ser utilizado para breves procedimentos diagnósticos e são depressores do miocárdio. Além disso, o aprofunda-
terapêuticos que não requerem relaxamento muscular. mento do nível da anestesia retarda o despertar do
No que concerne aos antagonistas do cálcio, pode haver paciente e prolonga a depressão respiratória pós-opera-
a potencialização, por parte do halotano, do efeito tória. Por conseguinte, para manter melhor estabilidade
adverso do verapamil sobre a condução atrioventricular hemodinâmica peroperatória, preconizam-se estratégias
e, por parte da nifedipina, do efeito hipotensor do enflu- alternativas. As opções vão desde a já citada pré-medica-
rano e do isoflurano7,13. Em relação aos diuréticos, sua ção com clonidina, até a administração peroperatória de
manutenção até a data da intervenção cirúrgica pode tra- hipotensores de ação curta, como o nitroprussiato de
zer alguns problemas no perioperatório. A hipovolemia sódio, apesar da desvantagem, dependente do aumento
induzida por essas drogas pode provocar hipotensão da atividade de renina plasmática, da elevação da pressão
peroperatória, mormente nos pacientes medicados com arterial após sua retirada abrupta (efeito rebote). Se asso-
halotano ou enflurano que, além de depressores do mio- ciados ao nitroprussiato de sódio, os betabloqueadores
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Capítulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

impedem tanto a elevação da atividade da renina plasmá- caso, a elevação dos níveis tensionais resulta, basicamen-
tica quanto a hipertensão rebote. te, da disfunção dos barorreceptores, podendo acompa-
nhar-se de evidente deterioração neurológica ou de aci-
dente vascular encefálico pós-operatório.
Anestesia regional Uma avaliação de 1.844 pacientes (58% deles com
O bloqueio lombar (T8-L5/S1) e mediotorácico história de hipertensão prévia) revelou que 3,25% deles
(T4-T12), com anestésicos locais, costuma ser bem tole- (60 pacientes) desenvolveram hipertensão arterial no
rado pelos hipertensos bem-controlados, com poucos pós-operatório imediato (pressão sistólica acima de
efeitos adversos sobre seus parâmetros hemodinâmicos7. 190mmHg e pressão diastólica acima de 100mmHg, em
A pressão arterial experimenta redução, em geral, inferior pelo menos duas medidas consecutivas). A elevação dos
a 15%, no caso do bloqueio lombar, e inferior a 10%, no níveis tensionais ocorreu, em 85% dos casos, nos primei-
caso do bloqueio torácico. Ademais, a combinação de ros 30 minutos após o término do ato cirúrgico e durou,
em média, duas horas; em 13 pacientes durou três horas
anestesia superficial com bloqueio toracolombar tam-
ou mais, sendo que as complicações atribuíveis à hiper-
bém costuma ser bem tolerada. No entanto, em hiper-
tensão restringiram-se a este grupo54. Deve, porém, ser
tensos não-tratados ou malcontrolados, o bloqueio epi-
ressaltado que a elevação pós-operatória da pressão arte-
dural pode acompanhar-se de acentuada hipotensão,
rial pode, eventualmente, ser bem mais tardia, ocorrendo
com queda da pressão sistólica superior a 50%, a ponto
somente 48 horas após o término da operação; tal fato é
de tornar imperativo o uso de vasopressores7. Deve ser
observado em especial após grandes operações abdomi-
ressaltado que a presença de hipovolemia não detectada
nais, devendo-se à mobilização de líquido a partir do
no pré-operatório (e secundária, p. ex., à manutenção da
compartimento extravascular.
diureticoterapia até a data do procedimento cirúrgico)
Entre as principais causas de hipertensão arterial
pode agravar sobremaneira a hipotensão desencadeada
aguda pós-operatória, destacam-se: presença de dor; dis-
pelo bloqueio epidural.
tensão vesical (num estudo, o aumento médio da pressão
arterial foi de 28/14mmHg)55; despertar da anestesia;
Hipertensão arterial induzida pelo torniquete hipoxemia; hipercapnia (PCO2 > 50mmHg); reação ao
tubo endotraqueal; aspiração de secreções; excesso de
Como o próprio nome indica, a hipertensão arterial infusão de líquidos; hipertensão rebote desencadeada
induzida pelo torniquete decorre do garroteamento pela prática de hipotensão deliberada peroperatória;
dos membros durante operações ortopédicas e ainda hipotermia, acompanhada de vasoconstrição periférica e
não tem explicação plenamente convincente. Apesar tremores generalizados (ocasionando, além da hiperten-
de não se ter observado aumento dos níveis plasmáti- são arterial, aumento, em duas ou três vezes, do consu-
cos de noradrenalina, aventa-se a hipótese de que a mo de oxigênio)15; estado confusional agudo (delirium),
estimulação mecânica do garroteamento sobre as fibras acompanhado de depressão do estado de consciência e
nociceptivas de condução lenta (tipo C) possa aumen- agitação psicomotora (mais comum em idosos); e, final-
tar a atividade simpática eferente. A associação de mente, a chamada “síndrome de descontinuação”
anestesia regional à geral, inalatória, atenua o efeito (Quadro 36.5).
hipertensivo do torniquete. O tratamento da hipertensão arterial aguda pós-ope-
ratória consiste, sempre que possível – e antes da prescri-
ção indiscriminada de hipotensores –, na remoção da(s)
Hipertensão aguda pós-operatória
causa(s) subjacente(s), ou seja, no aquecimento do
A hipertensão aguda que surge no pós-operatório paciente, no controle da dor, na correção da hipoxemia
imediato – tanto em hipertensos quanto em normoten- e/ou hipercapnia, no alívio da distensão vesical. Não
sos, mas, sobretudo, naqueles – é mais comum após sendo possível o tratamento etiológico, ou no caso de a
determinados procedimentos cirúrgicos, como operação hipertensão prolongar-se por mais de três horas, impõe-
sobre a aorta, troca da valva aórtica, revascularização se o tratamento medicamentoso, na tentativa de se evi-
miocárdica e endarterectomia da carótida. No último tarem possíveis complicações ligadas à elevação da pres-
447
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

são arterial. Vários hipotensores, geralmente por via um súbito aumento dos níveis de catecolaminas circulan-
endovenosa, podem ser administrados, dependendo do tes e à ativação do sistema renina-angiotensina. No caso
contexto clínico: o labetalol (bloqueador competitivo do propranolol, outros fatores poderiam contribuir,
dos receptores alfa e beta-adrenérgicos das arteríolas), a incluindo maior sensibilidade dos receptores às catecola-
hidralazina, a metildopa e o nitroprussiato de sódio. A minas endógenas e aumento do número de receptores
hipertensão arterial aguda que surge no pós-operatório beta-adrenérgicos disponíveis.
de revascularização miocárdica responde a medidas A descontinuação da clonidina acompanha-se de
como o bloqueio unilateral do gânglio estrelado, a anes- expressivo aumento da pressão arterial (ao lado de mani-
tesia epidural torácica, o bloqueio alfa-adrenérgico e a festações outras, como ansiedade, tremores, náuseas,
infusão de nitroprussiato de sódio. A elevação dos níveis vômitos, insônia, cefaléia etc.); a descontinuação dos
tensionais após ritidectomia (lifting) aumenta o risco de betabloqueadores é seguida, sobretudo, de manifesta-
hematoma pós-operatório e pode ser evitada pela admi- ções de hiperatividade simpática, sendo menos expressi-
nistração da clorpromazina que, além do efeito hipoten- va a elevação das cifras tensionais. Quando da associa-
sor, apresenta também propriedades sedativa e antiemé- ção da clonidina com betabloqueadores não-cardiossele-
tica. No caso da síndrome de descontinuação (que mere- tivos (como o propranolol), a descontinuação da cloni-
cerá comentário à parte), o melhor tratamento consiste dina e a manutenção do betabloqueador resulta em
na imediata reintrodução da droga que vinha sendo uti- manifestações clínicas mais exuberantes, visto que os
lizada no pré-operatório. alfa-receptores ficam sem oposição em virtude do blo-
queio dos betareceptores periféricos.
Quadro 36.5 .: Causas possíveis de hipertensão arterial aguda
No caso específico do pós-operatório, é possível
pós-operatória (embora infreqüente) a ocorrência da síndrome de des-
continuação, mesmo quando se administra a última dose
Dor pós-operatória malcontrolada do hipotensor na manhã da operação, uma vez que, 24 a
Distensão vesical 72 horas depois (período em que habitualmente surgem
Despertar da anestesia as manifestações clínicas), pode não ter sido reinstituída
Hipoxemia a via oral. Em pacientes recebendo doses elevadas de clo-
Hipercapnia nidina no pré-operatório (acima de 1,0mg/dia), mais
Reação ao tubo endotraqueal sujeitos a desenvolverem a síndrome, a necessidade de
Aspiração de secreções reintrodução precoce da droga, por via oral, no pós-ope-
Excesso de infusão de líquidos ratório imediato, pode ser evitada, reduzindo-se cuidado-
Hipotensão deliberada peroperatória samente, no pré-operatório, a posologia da preparação
Resposta orgânica à hipotermia oral; pode-se também aplicar clonidina tópica, de com-
Delirium, acompanhado de agitação psicomotora provada eficácia, mantendo-se a preparação oral por 48
Síndrome de descontinuação ou privação horas, período necessário para que sejam atingidos níveis
terapêuticos pela via transdérmica. Nos usuários dos
betabloqueadores, a síndrome de descontinuação pode
ser prevenida ou tratada, administrando-os por via endo-
A chamada síndrome de descontinuação ocorre numa venosa, a despeito das dificuldades de fazê-lo em pacien-
pequena porcentagem de hipertensos que param abrup- tes internados em enfermarias gerais. Importa assinalar,
tamente de tomar a medicação hipotensora. É dose-rela- porém, que parece haver alguma absorção dessas drogas
cionada e é mais comum em usuários de drogas antiadre- quando administradas por via oral, mesmo em presença
nérgicas de ação central predominante (como a clonidi- de íleo pós-operatório; ademais, parece que o proprano-
na) ou de betabloqueadores (como o propranolol), bem lol pode ser bem absorvido por via sublingual.
como no caso de regimes combinados (clonidina associa- A despeito da possível ocorrência de hipertensão
da a betabloqueador). A síndrome ocorre, em geral, 24 a arterial aguda pós-operatória, o fato é que, por razões
não muito bem compreendidas, grande contingente de
72 horas após a interrupção do tratamento, devendo-se a
hipertensos crônicos experimenta redução espontânea
448
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Capítulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

da pressão arterial – chegando, às vezes, a níveis de nor- anesthetic requirement (MAC). Anesthesiology. 1968;29:1153-8.
motensão – nos dias subseqüentes a operações de gran- 4 ■ Prys-Roberts C, Meloche R, Foëx P. Studies of anaesthesia in
relation to hypertension. I: Cardiovascular responses of trea-
de porte, não necessitando de tratamento até a alta hos- ted and untreated patients. Br J Anaesth. 1971;43:122-37.
pitalar, ou mesmo além dela, pois, eventualmente, o 5 ■ Prys-Roberts C, Greene LT, Meloche R, Foëx P. Studies of
fenômeno pode persistir por algumas semanas. anaesthesia in relation to hypertension. II: Haemodynamic
consequences of induction and endotracheal intubation. Br J
Anaesth. 1971;43:531-46.
Conclusões 6 ■ Goldman L, Caldera DL. Risks of general anesthesia and electi-
ve operation in the hypertensive patient. Anesthesiology.
Não existe resposta categórica para todas as ques- 1979;50:285-92.
7 ■ Prys-Roberts C. Anesthetic management of the hypertensive
tões relacionadas com o tema Cirurgia no paciente hiperten- patient. Acta Anaesth Belg. 1988;39:9-12.
so, pois o grande número de variáveis torna muito difí- 8 ■ Roizen MF. Anesthetic implication of concurrent diseases. In:
cil a realização de ensaios controlados. Seja como for, Miller RD, ed. Anesthesia. New York, Edinburg, London,
parece bem documentado que a flutuação perioperató- Melbourne, Tokyo: Churchill-Livingstone, 1990:793-893.
ria dos parâmetros hemodinâmicos é menos marcante 9 ■ Fleisher LA. Preoperative evaluation of the patient with hyper-
tension. JAMA. 2002;287:2043-6.
em hipertensos adequadamente tratados. Ademais, 10 ■ Eagle KA, Berger PB, Calkins H, Chaitman BR, Ewy GA,
acredita-se que a maior estabilidade hemodinâmica Fleischmann KE, et al. ACC/AHA guideline update on
perioperatória diminua a morbidade do ato anestésico- perioperative cardiovascular evaluation for noncardiac sur-
cirúrgico, particularmente em hipertensos com acome- gery. A report of the American College of Cardiology /
American Heart Association Task Force on Practice
timento de órgãos-alvo. Por conseguinte, é sempre Guidelines (Committee to update the 1996 guidelines on
desejável um controle ótimo da pressão arterial no pré- perioperative cardiovascular evaluation for noncardiac sur-
operatório, devendo manter-se a medicação hipotenso- gery) 2002. American College of Cardiology Web site.
ra (exceção feita, talvez, para os diuréticos, os IECAs e Disponível no http:/www.acc.org
os ARAIIs) até a data do procedimento cirúrgico. Em 11 ■ Halaszynski TM, Juda R, Silverman DG. Optimizing postopera-
tive outcomes with efficient preoperative assessment and
hipertensos não-tratados, parece desnecessário adiar management. Crit Care Med. 2004;32:S76-S86.
uma intervenção cirúrgica eletiva, desde que a pressão 12 ■ Howell SJ, Sear JW, Foëx P. Hypertension, hypertensive heart
arterial seja inferior a 180x110mmHg e que não haja disease and perioperative cardiac risk. Br J Anaesth.
acometimento expressivo de órgãos-alvo. No caso de 2004;92:570-83.
13 ■ Prys-Roberts C. Anaesthesia and hypertension. Br J Anaesth.
hipertensão arterial aguda pós-operatória, deve-se
1984;56:711-24.
remover, sempre que possível, a(s) causa(s) desenca- 14 ■ Low JM, Harvey JT, Prys-Roberts C, Dagnino J. Studies of
deante(s), deixando para um segundo tempo, caso anaesthesia in relation to hypertension. VII: Adrenergic res-
necessária, a administração de hipotensores. ponses to laryngoscopy. Br J Anaesth. 1986;58:471-7.
Finalmente, deve ser ressaltado que, tanto no perope- 15 ■ Heuser D, Guggenberger H, Fretschner R. Acute blood pressu-
re increase during the perioperative period. Am J Cardiol.
ratório quanto no pós-operatório imediato, em que pese 1989;63:26c-31c.
todo o embasamento teórico a servir de diretriz, nada 16 ■ Roizen MF. Should we all have sympathectomy at birth? Or at
substitui a avaliação, momento a momento, do paciente, least preoperatively? Anesthesiology. 1988;68:482-4.
visto que, não raramente, suas reações são muito peculia- 17 ■ Feigl EO. The paradox of adrenergic coronary vasoconstriction.
Circulation. 1987;76:737-45.
res e fogem à expectativa, devendo merecer atendimento
18 ■ Barry DI. Cerebrovascular aspects of antihypertensive treat-
individualizado e variável de caso para caso. ment. Am J Cardiol. 1989;63:14c-8c.
19 ■ Paulson OB, Waldemar G, Schmidt JF, Strandgaard S. Cerebral
circulation under normal and pathologic conditions. Am J
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rauwolfia. Anesthesiology. 1964;25:142-7. intraoperative hypertensive emergencies in patients with
3 ■ Miller RD, Way WL, Eger EI. The effects of alpha-methyldopa, intracranial disease. Am J Cardiol. 1989;63:43c-7c.
reserpine, guanethidine, and iproniazid on minimum alveolar 22 ■ Taylor AJ, Merz CNB, Udelson JE, Abrams J, Blumenthal RS,

449
Capitulo 36.qxd 2/23/06 15:22 Page 450

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Brady TJ, et al. Bethesda conference report. 34th Bethesda 39 ■ Farquhar D. Encouraging smoking cessation means fewer posto-
Conference: “Can atherosclerosis imaging techniques impro- perative complications. CMAJ. 2002;166:1569.
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450
Capitulo 37.qxd 2/23/06 15:22 Page 451

37
CIRURGIA
NO PACIENTE COM
DOENÇA CARDÍACA
Christiano Gonçalves Araújo,
Antônio Luiz Pinho Ribeiro

Introdução lar, diabetes mellitus, nefropatia, alcoolismo, tabagismo, pre-


sença de doença pulmonar obstrutiva crônica, asma etc.)
Nos Estados Unidos, estima-se que, a cada ano, em também devem ser pesquisados clinicamente, com a avalia-
torno de 27 milhões de pacientes sejam submetidos a ção do tempo de evolução e do acometimento de órgãos-
anestesia para operação não-cardíaca, dos quais aproxi- alvo3. Medicamentos em uso pelo paciente, mesmo que
madamente oito milhões possuem doença coronariana negligenciados por ele, devem ser conhecidos e avaliados
conhecida ou fatores de risco para a mesma1. Estima-se quanto ao tempo de uso e a dosagem, assim como relato de
que ocorram 50.000 infartos do miocárdio e um milhão atopias ou possíveis alergias medicamentosas3.
de complicações cardíacas no perioperatório. Portanto é Na anamnese, deve-se avaliar sempre a capacidade
essencial a realização da avaliação recente e objetiva do funcional do paciente. Considerando que há uma boa
estado clínico do paciente no pré-operatório, com o obje- correlação entre a capacidade física do indivíduo e o con-
tivo de propor medidas que diminuam esse risco a curto, sumo máximo de oxigênio obtido por meio do teste
médio e longo prazo. ergométrico4, o conhecimento da presença de sintomas,
A avaliação clínica pré-operatória visa, dentre outros, por exemplo aos esforços, poderia justificar necessidade
estimar o risco cardiovascular do paciente ao ser submeti- de realizar a avaliação funcional do paciente por algum
do a procedimento cirúrgico não-cardíaco. Ao invés de método complementar3,5. A capacidade funcional pode
simplesmente liberar o paciente para a operação, a avaliação ser expressa em equivalentes metabólicos (MET – “meta-
pré-operatória do paciente cardiopata deve auxiliar na pre- bolic equivalent”); o consumo de oxigênio de um homem
venção e no manejo das intercorrências e complicações que de 40 anos e 70kg em repouso é de 3,5ml/kg/minuto, ou
possam acontecer no per ou pós-operatório2,3. 1MET. Deste modo, a capacidade funcional pode ser
considerada excelente (>10MET), boa (7-10MET),
Exame clínico do paciente moderada (4-7MET), ruim (<4MET) ou incerta.
Expressar a capacidade funcional em MET permite a
A anamnese é etapa fundamental no diagnóstico de comparação da condição cardiovascular obtida por dife-
condições cardíacas e não-cardíacas que possam aumentar rentes protocolos de ergometria. Adicionalmente, o fato
o risco anestésico-cirúrgico do paciente cardiopata. Assim, de o paciente ser capaz de realizar, em sua vida cotidiana,
deve-se procurar identificar e caracterizar com cuidado a atividades físicas cujo consumo máximo de oxigênio é
presença de doença coronariana (relato de angina estável ou conhecido (Quadro 37.1) permite correlacionar a capaci-
instável, passado de infarto do miocárdio prévio), de insu- dade funcional ao teste ergométrico, auxiliando na defini-
ficiência cardíaca, de arritmias cardíacas sintomáticas, além ção do risco cirúrgico3,4. De modo geral, os riscos perope-
do uso de marcapasso ou desfibrilador. Fatores de risco ratório e pós operatório mediato e tardio estão aumenta-
para doença cardiovascular e presença de condições clínicas dos se o paciente é incapaz de realizar atividades que
associadas (p.ex. doença arterial periférica e cerebrovascu- demandem o equivalente a 4MET na vida cotidiana3.
451
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 37.1 .: Estimativa de consumo máximo de oxigênio (em MET) para diferentes atividades habituais

Atividades leves (MET) Atividades moderadas (MET) Atividades vigorosas (MET)


Escrever 1,7 Caminhar (5 km/h) 3,3 Dança de salão (rápida) 5,5
Cozinhar 2,0 Andar de bicicleta (lentamente) 3,5 Andar de bicicleta (moderadamente) 5,7
Tocar flauta 2,0 Tocar bateria 3,8 Dança (aeróbica ou balé) 6,0
Tocar piano 2,3 Ginástica leve 4,0 Tênis (em dupla) 6,0
Jogar sinuca 2,4 Cuidar do jardim (sem carregar peso) 4,4 Karatê ou judô 6,5
Caminhar (3 km/h) 2,5 Nadar lentamente 4,5 Subir ladeira sem carga 6,9
Tocar violino 2,6 Caminhar (6,5 mph) 4,5 Nadar rapidamente 7,0
Dança de salão (lenta) 2,9 Cortar madeira 4.9 Subir ladeira com carga de 5 kg 7,4
Jogar vôlei (não-competitivo) 2,9 Jogging (1 km em 6 min) 10,2
Squash 12,1

Estimativa válida para atividade realizada com intensidade habitual e no plano, exceto nos casos especificados. MET indica equivalente metabólico e equivale ao consumo de
oxigênio em repouso de 3,5 ml/kg/min. (Adaptado de Fletcher GF. Exercise standards : a statement for healthcare professionals from the American Heart Association.
Circulation. 2001;91:580-615.)

O exame físico deve ser o mais completo possível, Quadro 37.2 .: Indicadores clínicos de complicações cardiovasculares
tendo atenção especial com a medida da pressão arterial
(avaliar sempre na posição sentada, supina e ortostática) e Preditores maiores
demais dados vitais; palpação dos pulsos arteriais; avaliação Doença coronariana instável: infarto do miocárdio agudo (até sete
da pressão venosa jugular, hepatomegalia e edema; auscul- dias do evento) ou infarto do miocárdio recente (até 30 dias)
sem estratificação ou com isquemia residual significativa; angina
ta pulmonar e cardíaca minuciosa, valorizando a presença
instável ou estável grave (CCS III e IV)
de ruídos adventícios, sopros e bulhas acessórias3. Insuficiência cardíaca congestiva descompensada
Arritmias graves, bloqueio átrio-ventricular de alto grau, arritmia
ventricular sintomática na presença de cardiopatia de base,
Indicadores clínicos de aumento arritmia supraventricular sem controle da resposta ventricular
do risco cardiovascular Preditores intermediários
Angina estável leve (CCS I e II)
Determinadas condições clínicas determinam o História de infarto miocárdio antigo ou presença de ondas Q
aumento do risco de complicações cardiovasculares patológicas
peroperatórias – infarto agudo do miocárdio, disfunção Insuficiência cardíaca prévia ou compensada
Diabetes mellitus principalmente insulino-dependente (considerar
ventricular, arritmias graves e óbito. Tais marcadores de tempo de doença)
risco não são, entretanto, variáveis estáticas, dependendo Insuficiência renal (considerar grau e tempo de evolução)
do tempo de evolução e do grau de atividade da doença, Preditores menores
da instabilidade clínica em que se encontra o paciente e Pacientes idosos
do grau de acometimento de possíveis órgãos-alvo3,6,7. Alterações eletrocardiográficas: sobrecarga ventricular esquerda,
Esses indicadores clínicos são classificados em três bloqueio de ramo esquerdo, alterações de segmento ST e onda T
categorias e podem ser vistos no Quadro 37.2. Ritmo não-sinusal
Capacidade funcional ruim (< 4MET)
Ao considerar esses indicadores deve-se levar em Acidente vascular encefálico prévio
conta também a possível associação dos mesmos e, prin- Hipertensão arterial sistêmica sem controle
cipalmente, o risco de complicações cardiovasculares
associado aos vários tipos de procedimentos não-cardía-
cos. (Quadro 37.3)

452
Capitulo 37.qxd 2/23/06 15:22 Page 453

Capítulo 37 .: Cirurgia no paciente com doença cardíaca

Quadro 37.3 .: Risco cardiovascular dos diferentes procedimentos


■ Presença de preditores clínicos menores e capacida-
cirúrgicos de funcional estimada clinicamente superior a
4MET, em paciente assintomático: não prosseguir
Alto risco cardiovascular (> 5%) com propedêutica, exceto se a capacidade funcional
Procedimentos maiores em situação de emergência, estimada for ruim e o procedimento cirúrgico for
principalmente nos idosos
de alto risco;
Procedimentos vasculares maiores, principalmente da aorta ou de
■ Procedimento cirúrgico de baixo risco, em paciente
seus grandes ramos
Procedimentos cirúrgicos de longa duração, associados a assintomático: em geral não é necessária propedêu-
considerável translocação de fluidos e/ou sangramentos tica cardiovascular adicional.
Intermediário risco cardiovascular (entre 1% e 5%) Variáveis ergométricas associadas a risco significati-
Endarterectomia de carótida vamente aumentado de eventos (<4MET; alterações
Operação de cabeça e pescoço patológicas acentuadas do segmento ST ou angina, prin-
Operação intraperitoneal e intratorácica cipalmente se presentes em baixa carga de esforço; queda
Operação ortopédica
Operação prostática
ou resposta pressórica em platô) apresentam valor predi-
tivo positivo de 5% a 25% para eventos maiores no pero-
Baixo risco cardiovascular (< 1%)
peratório. Caso esses fatores de risco estejam ausentes,
Procedimentos cirúrgicos endoscópicos
Procedimentos superficiais
observa-se valor preditivo negativo em torno de 95%5,8.
Facectomia (tratamento cirúrgico de catarata) Propedêutica adicional (p.ex. cintilografia miocárdica,
Procedimentos cirúrgicos das mamas ecocardiograma com ou sem estresse farmacológico,
cateterismo cardíaco etc.) deve ser realizada caso não seja
possível realizar medida objetiva da capacidade funcional
ou caso a avaliação ergométrica esteja alterada ou insufi-
ciente; principalmente em pacientes com vários marca-
dores de risco e/ou a serem submetidos a procedimento
É importante o contato entre o cirurgião e o clínico cirúrgico maior2,3,6. As indicações específicas estão resu-
sempre que houver dúvida a respeito do procedimento a midas no Quadro 37.4.
ser realizado e do melhor preparo pré-operatório.

Avaliação nas cardiopatias específicas


Avaliação propedêutica geral
Doença coronariana
A avaliação pré-operatória específica do paciente car-
diopata ou com suspeita de cardiopatia deve considerar o Em pacientes que sabidamente apresentam doença
risco do procedimento cirúrgico proposto e os predito- coronariana (passado de infarto do miocárdio, história
res clínicos de risco já citados. Assim, sugere-se a seguin- pregressa de revascularização miocárdica ou angioplastia,
te conduta clínica pré-operatória: cineangiocoronariografia prévia com alterações) é funda-
■ Presença de preditores clínicos maiores: priorizar a
mental avaliar se a doença está estável, se ela já foi estra-
tificada clinicamente (em relação à isquemia residual, aos
estabilização clínica do paciente;
sintomas e à função ventricular) e quando foi realizada a
■ Presença de preditores clínicos intermediários e
última avaliação cardiológica. Se houve alguma mudança
procedimento cirúrgico de alto risco cardiovascular:
clínica na dependência do risco do procedimento cirúrgi-
realizar mensuração objetiva da capacidade funcio- co e da capacidade funcional do paciente, deve-se decidir
nal e continuar com propedêutica de acordo com sobre a necessidade de solicitar propedêutica adicional.
indicação clínica; Pacientes que tenham apenas fatores de risco sem
■ Procedimento cirúrgico de risco intermediário e capa- doença coronariana podem ser submetidos a avaliação
cidade funcional, estimada pela anamnese, superior a usual conforme já exposto. Contudo aqueles com mais
4MET, em paciente assintomático: não é necessário de três fatores de risco e que não fazem atividades supe-
prosseguir com propedêutica; riores a 4MET em sua vida diária podem requerer avalia-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 37.4 .: Recomendações para o uso de métodos complementares na avaliação pré-operatória3

Indicação Classe I (indicado) Classe IIa (evidência Classe IIb (evidência Classe III (não-indicado)
favorece indicação) questionável)
■ ECG de 12 ■ episódio recente de dor torá- ■ diabéticos assintomáticos ■ revascularização miocárdica ■ como teste de rotina em assin-
derivações cica ou equivalente isquêmico prévia tomáticos que serão submeti-
em pacientes de risco médio a ■ assintomáticos: dos a operação de baixo risco
alto que serão submetidos a homens > 45 anos ou
procedimento de risco médio mulheres > 55 anos, com
a alto dois ou mais fatores de risco
■ admissão hospitalar prévia
por causa cardíaca

■ avaliação pré-ope- ■ insuficiência cardíaca atual ou ■ insuficiência cardíaca prévia ou ■ como teste de rotina na ausên-
ratória da função de controle pobre dispnéia de origem indetermi- cia de insuficiência cardíaca
ventricular nada
■ teste de esforço ■ avaliação diagnóstica em ■ avaliação de capacidade de ■ avaliação diagnóstica em ■ para o teste de esforço, uso
ou de estresse far- pacientes com probabilidade esforço quando a avaliação pacientes com probabilidade para fins diagnósticos em
macológico pré-teste intermediária para subjetiva não é confiável pré-teste baixa ou alta para pacientes com alteração
DAC DAC; de pacientes com infra eletrocardiográfica que impe-
■ avaliação prognóstica para ST < 1mm, em uso de digital ça a análise do teste, como
DAC comprovada ou suspeita ou com critério para hipertro- síndrome de pré-excitação,
■ avaliação de mudança de status fia ventricular esquerda ritmo de marcapasso, infra de
clínico ■ detecção de reestenose em ST > 1mm ou bloqueio de
■ demonstração de isquemia indivíduos assintomáticos de ramo esquerdo
miocárdica antes de revascula- alto risco nos meses iniciais ■ comorbidade grave que limite
rização após a angioplastia a expectativa de vida ou a pos-
■ avaliação da eficácia da terapia sibilidade de revasculariza ção
médica para DAC ■ rastreamento de rotina em
■ avaliação prognóstica após sín- homens ou mulheres sem
drome coronariana aguda doença coronariana
■ investigação de ectopia ventri-
cular isolada em jovens
■ coronariografia ■ pacientes com DAC suspeita ■ múltiplos marcadores de risco ■ infarto perioperatório ■ operação não-cardíaca de baixo
ou diagnosticada clínico intermediário e opera- ■ angina classe III ou IV estabili- risco, DAC sabida e ausência de
■ evidências de alto risco de des- ção vascular planejada (consi- zada com medicamentos e resultado de alto risco aos testes
fecho adverso baseado nos derar testes não-invasivos pri- operação planejada de baixo não-invasivos
testes não-invasivos meiro) risco ou menor ■ assintomático após revasculari-
■ angina não-responsiva à tera- ■ região de isquemia moderada zação miocárdica com excelen-
pia médica adequada ou grande ao teste não-invasi- te capacidade funcional
■ angina instável, particularmen- vo mas sem características de (≥ 7 MET).
te para operação de risco inter- alto risco ou depressão da fra- ■ angina estável leve com boa fun-
mediário ou alto ção de ejeção do ventrículo ção ventricular e ausência de
■ resultados de testes não-invasi- esquerdo resultado de alto risco aos testes
vos equívocos em pacientes ■ testes não-invasivos não diag- não- invasivos
de alto risco clínico a serem nósticos em pacientes de risco ■ não candidatos para revasculari-
submetidos a operação de clínico intermediário submeti- zação miocárdica devido a doen-
alto risco dos a operação de risco elevado ça médica concomitante, fração
■ operação cardíaca urgente na de ejeção < 20% ou recusa em
convalescença do infarto. considerar a revascularização
■ candidatos a transplante de fíga-
do, pulmão ou rim com mais
que 40 anos como parte da ava-
liação rotineira, exceto quando
os testes não-invasivos revelam
alto risco para desfecho adverso

DAC – doença arterial coronariana


Modificado de Eagle et al.3

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Capítulo 37 .: Cirurgia no paciente com doença cardíaca

ção funcional antes de procedimento cirúrgico de inter- paciente estar betabloqueado (freqüência cardíaca entre
mediário a elevado risco. 55 e 60 bpm) no início do ato cirúrgico.
Caso haja necessidade de revascularização miocárdica O uso de outras medicações tem menor respaldo na
antes da operação não-cardíaca, as indicações são as mes- literatura, pois foram utilizados em estudos isolados e
mas já estabelecidas pela literatura9,10 e não mudam pelo com pequenas casuísticas. A nitroglicerina pode ser utili-
fato do paciente encontrar-se em pré-operatório. É impor- zada no peroperatório em pacientes com sinais ativos de
tante avaliar a estabilidade da doença coronariana e a pos- isquemia e sem hipotensão3. As estatinas devem ser man-
sibilidade de adiar o procedimento cirúrgico não-cardíaco. tidas nos pacientes que apresentam indicação para seu
Pacientes que realizam revascularização miocárdica no pré- uso e podem ser utilizadas com o intuito de proteção
operatório devem aguardar idealmente pelo menos 30 dias perioperatória em pacientes com doença coronariana (ou
após a mesma para serem submetidos ao outro procedi- com vários fatores de risco) e que serão submetidos a
mento. Pacientes que requeiram angioplastia no pré-opera- operação de grande porte17.
tório precisam aguardar pelo menos quatro semanas em O ácido acetilsalicílico, quando utilizado em pacientes
caso de stents convencionais (tempo mínimo de uso da que já sofreram infarto ou acidente vascular encefálico,
associação ácido acetilsalicílico e clopidogrel e de risco ele- não deve ser suspenso antes de pequenas operações.
Existem vários relatos de eventos causados pela suspen-
vado de trombose intra-stent 11). Contudo, não deve-se
são do ácido acetilsalicílico no pré-operatório. Nos casos
aguardar mais do que oito semanas após o procedimento,
de revascularização miocárdica deve-se suspender o
pois esse é o período em que se inicia o risco da reesteno-
ácido acetilsalicílico apenas cinco dias antes do procedi-
se. Embora os dados sejam recentes, sugere-se aguardar
mento se o paciente está sem angina. Caso o paciente
pelo menos dois meses após uso de stents eluídos com dro-
esteja apresentando angina, a operação deve ser realizada
gas, devido à necessidade do uso de clopidogrel por tempo
com ele em uso da droga. Para operações em órgãos
mais prolongado12,13. nobres em que a hemorragia seria muito grave (cérebro,
Algumas medicações foram testadas no período olho), deve-se suspender o ácido acetilsalicílico duas
perioperatório com ótimos resultados na prevenção de semanas antes do procedimento.
eventos cardiovasculares e são especialmente valiosas nos
pacientes com doença coronariana. Dentre esses medica-
mentos, os betabloqueadores constituem um dos mais Hipertensão arterial sistêmica
valiosos e devem ser utilizados nas seguintes situações:
Pacientes hipertensos devem estar controlados e ter seu
■ pacientes com doença coronariana. Estudos recen-
esquema anti-hipertensivo mantido até o dia da operação.
tes evidenciam que mesmo em pacientes com Na avaliação clínica pré-operatória, deve-se procurar iden-
isquemia leve a moderada (pela cintilografia mio- tificar sinais de acometimento de órgãos-alvo, doenças car-
cárdica ou pelo ecocardiograma de estresse), o uso diovasculares associadas e possíveis efeitos colaterais do
de betabloqueador se equivale ao emprego de uso de anti-hipertensivos (p.ex. hipocalemia)3,18.
medidas de revascularização, trazendo proteção
equivalente3,14-6;
■ pacientes que já utilizam betabloqueadores para
Insuficiência cardíaca
controle de hipertensão arterial sistêmica ou História pregressa de sintomas compatíveis com insufi-
arritmias; ciência cardíaca deve ser esclarecida, freqüentemente com
■ pacientes com fatores de risco para doença corona- o uso do ecocardiograma transtorácico para diagnosticar,
riana a serem submetidos a operações de interme- classificar e quantificar possível disfunção miocárdica3,19.
diário ou alto risco cardiovascular. Pacientes estáveis que já tenham o diagnóstico de insufi-
Embora os betabloqueadores mais utilizados nos ciência cardíaca e que tenham sua afecção identificada,
estudos científicos tenham sido o atenolol e o bisoprolol, quanto ao tipo e etiologia, prescindem da repetição da pro-
outros foram utilizados em estudos menores e não há pedêutica (p.ex., do ecocardiograma). Deve-se procurar,
preferência particular por nenhum deles. Podem ser ini- entretanto, fazer com que o paciente esteja euvolêmico
ciados sete a 14 dias antes do procedimento, devendo o (avaliar exame clínico e radiografia de tórax) e tenha sua
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

medicação mantida no período pré-operatório. Pacientes de reconhecer e estratificar o risco de uma possível afecção
descompensados não devem ser submetidos a procedi- clínica subjacente, pois essa se associa mais freqüentemen-
mento cirúrgicos eletivos. te com complicações cardiovasculares peri-operatórias do
que a arritmia isoladamente. Arritmias graves (p.ex., blo-
queio átrio-ventricular avançado, arritmias ventriculares
Doença cardíaca valvular sintomáticas e complexas) devem ser tratadas no pré-ope-
Na condução pré-operatória da doença cardíaca valvu- ratório. Nas arritmias crônicas (ex., fibrilação atrial), o mais
lar deve-se atentar para a realização de profilaxia antibióti- importante é manter a resposta ventricular controlada.
ca como já estabelecido na literatura3,20. Dentre as valvulo- Pacientes com arritmia que necessitem de drogas anti-
patias que apresentam maior risco de complicações desta- arrítmicas (p.ex., amiodarona, betabloqueadores etc.) para
cam-se a estenose aórtica grave e sintomática e a estenose estabilização clínica devem manter o uso das mesmas e
mitral grave. controlar possíveis fatores precipitantes ou agravantes de
Pacientes com estenose mitral leve a moderada, para os fenômenos arrítmicos, como hipocalemia, hipoxemia e
quais não esteja indicada a correção cirúrgica, se benefi- aumento do intervalo QT. Pacientes selecionados devem
ciam do controle da freqüência cardíaca no pré-operató- fazer uso profilático de betabloqueadores, que reduzem a
rio, pois a taquicardia pode reduzir o período de enchi- incidência de arritmias no peroperatório3,22,23. As indicações
mento diastólico e levar a congestão pulmonar. Por outro para o marcapasso temporário são praticamente idênticas
lado, naqueles com insuficiência aórtica sem indicação àquelas do implante do marcapasso permanente23.
cirúrgica há benefício no aumento da freqüência cardíaca, Pacientes com distúrbios da condução intraventricular,
devendo-se evitar uso de medicações cronotrópicas nega- bloqueio bifascicular associado ou não a bloqueio átrio-
tivas. Nesta situação, o uso judicioso e individualizado de ventricular de 1º. grau não necessitam de implante de mar-
diuréticos e de medicamentos que diminuam a pós-carga capasso temporário na ausência de história de síncope ou
pode ser necessário, como nos casos de insuficiência bloqueio mais avançado, já que o risco de bloqueio perio-
mitral significativa não-cirúrgica. peratório é muito baixo3. A indicação do marcapasso tem-
Pacientes anticoagulados em decorrência do uso de porário indiscriminadamente em pacientes em uso de
prótese mecânica (ou biológica associada a fibrilação atrial) amiodarona não tem amparo na literatura médica, sendo
e que vão se submeter a procedimentos odontológicos ou que a amiodarona não está relacionada a complicações
cirúrgicos superficiais necessitam apenas de interrupção do perioperatórias maiores em diferentes estudos, estando
anticoagulante oral três dias antes do procedimento, deven- inclusive indicada na prevenção de fibrilação atrial em ope-
do retornar o uso logo após o mesmo. Naqueles pacientes ração cardíaca em pacientes com valvulopatia24.
submetidos a procedimentos cirúrgicos com maior risco de
sangramento ou em situações em que o risco de trom-
Portadores de desfibrilador e marcapasso cardíaco
boembolismo sem anticoagulação é elevado (p.ex. prótese
mecânica em posição mitral, prótese de Bjork-Shiley, trom- Diferentes interferências magnéticas e elétricas sobre
bose ou embolia recente da prótese, e três ou mais dos o funcionamento dos marcapassos e desfibriladores
seguintes critérios: presença de fibrilação atrial, embolia podem ocorrer durante a intervenção cirúrgica e podem
prévia em qualquer época, trombofilia, prótese mecânica e ser evitadas, pelo menos em parte. O uso do eletrocauté-
fração de ejeção inferior a 30%)3 é necessário suspender o rio durante a operação é a mais importante causa de inter-
anticoagulante oral cinco dias antes e substituir por hepari- ferência elétrica e potencial dano cardíaco. O uso do ele-
na. No período pré-operatório sugere-se manter heparina trocautério acarreta risco de inibição do marcapasso, de
de baixo peso molecular até 12 horas antes e heparina não- mudança de modos de estimulação, de aumento da fre-
fracionada até quatro a seis horas antes da operação3,20,21. qüência cardíaca naqueles dispositivos dotados de biosen-
sor, de deflagração do desfibrilador e de dano muscular
Arritmias e distúrbios da condução na extremidade do cabo eletrodo, que pode levar a falhas
de captura ou de sensibilidade. O risco de complicações,
Na presença de arritmias ou distúrbios da condução é entretanto, depende de inúmeros fatores, sendo maior se
fundamental a avaliação clínica cuidadosa, com o objetivo o eletrocautério é unipolar, se o marcapasso é unipolar, se
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Capítulo 37 .: Cirurgia no paciente com doença cardíaca

há proximidade entre o eletrocautério e o sistema de esti- anestesia regional (raqui e peridural) seja superior à geral
mulação cardíaca e se a placa do cautério é colocada do em pacientes de alto risco cardiovascular3,27.
lado contralateral ao uso do mesmo, de forma a favore-
cer que os dois campos elétricos se sobreponham.
Pacientes dependentes do marcapasso também são parti- Considerações sobre o peroperatório
cularmente susceptíveis a inibição do aparelho pela ativi-
No per e pós-operatório imediato, deve-se preocupar
dade elétrica do eletrocautério3.
especialmente com a ocorrência de infarto agudo do
Diversos cuidados devem ser tomados para se evitar as
miocárdio (principalmente infarto miocárdico sem
complicações e danos descritos acima. Uma avaliação com-
supradesnivelamento de segmento ST) e/ou de arritmias.
pleta do sistema de estimulação cardíaca deve ser feita por
Isquemia miocárdica nesse período é fator determinante
profissional especializado logo antes e após a operação. Na
de mortalidade cirúrgica, em especial quando cursa de
visita inicial, devem ser determinados o grau de dependên-
cia e os limiares de estimulação e sensibilidade. Recursos forma silenciosa, ou seja sem dor. Alterações hemodinâ-
especiais, como a resposta de freqüência cardíaca mediada micas inesperadas ajudam na suspeita dessa complicação.
por sensores e a função de desfibrilação dos desfibriladores No entanto, deve-se procurá-la também ativamente em
implantáveis devem ser temporariamente desligados antes pacientes com indicadores clínicos maiores e intermediá-
do procedimento, sendo restabelecidos no pós-operatório. rios que vão se submeter a procedimentos cirúrgicos
Em pacientes dependentes do marcapasso, este deve ser com risco cardiovascular alto ou intermediário. A melhor
programado para manter-se sem sensibilidade durante o estratégia parece ser a realização de eletrocardiograma
procedimento cirúrgico, em modo de estimulação VOO, basal no pós-operatório imediato e diariamente nos dois
de forma a impedir longos períodos de assistolia que pode- primeiros dias de pós-operatório. Em casos duvidosos,
riam advir do uso prolongado do eletrocautério. Sempre o deve-se solicitar dosagem de troponina sérica, pois as
mais distante possível do gerador, o uso do cautério deve dosagens de CK-total e CK-MB apresentam altas taxas
ser restrito ao mínimo e por períodos curtos, já que a moni- de resultados falso-positivos3,24,25,29.
torização eletrocardiográfica também pode ficar prejudica- A ocorrência de arritmias no per e pós-operatório é
da. O sistema de estimulação deve ser revisto no pós-ope- relativamente comum e usualmente deve-se a dor, infec-
ratório imediato3. ção, hipotensão, hipoxemia e alterações metabólicas ou
hidroeletrolíticas. Antes de se optar pela cardioversão
elétrica ou química, ou pelo uso prolongado de medica-
Terapêutica pré-operatória ções anti-arrítmicas, deve-se avaliar a presença de reper-
O uso de betabloqueadores e de outras drogas, e a cussão clínica, definir o tipo da arritmia mas, principal-
revascularização miocárdica pré-operatória já foram mente, corrigir os possíveis fatores precipitantes3,30-3. Em
comentados anteriormente. Embora não haja subsídio pacientes selecionados deve-se utilizar betabloqueado-
na literatura que comprove diminuição da mortalidade, a res profilaticamente.
realização de preparo pré-operatório em CTI com ou
sem uso do cateter de Swan-Ganz (cateter de artéria pul-
monar) é outra medida que pode ser utilizada em casos
Conclusão
selecionados de alto risco cardiovascular3,26-8. A avaliação clínica pré-operatória deve procurar
identificar e estratificar as comorbidades presentes, com
atenção especial aos indicadores clínicos (maiores e
Considerações sobre a anestesia intermediários) e ao risco cirúrgico do procedimento
De modo geral, tanto a escolha da anestesia quanto da proposto. A prevenção de complicações como uso de
melhor monitorização perioperatória fica a cargo da equipe betabloqueadores deve ser feita nos casos indicados,
responsável pela anestesia. Todas as técnicas anestésicas enquanto a revascularização miocárdica deve ser realiza-
têm influência na hemodinâmica do paciente, com reper- da apenas nos casos em que este procedimento se mos-
cussões diretas e indiretas no sistema cardiovascular, não tra necessário independentemente da indicação da ope-
existindo técnica anestésica ideal. Não há evidências de que ração não-cardíaca.
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459
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38
CIRURGIA
NO PACIENTE
COM DOENÇA PULMONAR
Valéria Maria Augusto, Frederico Ozanan de Fúccio,
Thiago Augusto Neves

Introdução reduzida em 50% a 60% e a capacidade residual funcio-


nal, em aproximadamente 30%. A redução máxima
As complicações pulmonares contribuem significati-
observada nessas variáveis ocorre no primeiro e segundo
vamente para a morbimortalidade pós-operatória. A ava-
dia pós-operatório, havendo retorno gradual aos valores
liação clínica pré-operatória tem sido classicamente dire-
cionada na busca de fatores de risco para complicações pré-operatórios a partir do quinto dia. A disfunção do
cardíacas. Entretanto, estas são raras em pacientes hígi- diafragma pelo trauma cirúrgico parece ser o principal
dos, sendo mais comuns num grupo selecionado de fator responsável por essas alterações, mas a dor e a imo-
pacientes e quando submetidos a procedimentos de alto bilização, comuns no pós-operatório, são também cau-
risco. Estudo realizado em 2.291 pacientes submetidos a sas importantes. Observa-se ainda diminuição do volu-
laparotomias eletivas demonstrou que as complicações me corrente e perda transitória do suspiro, que são com-
pulmonares foram significativamente mais freqüentes pensadas por aumento na freqüência respiratória, man-
do que as complicações cardíacas e estiveram associadas tendo assim a relação ventilação/minuto. Nas operações
a tempo consideravelmente maior de internação1. Além
de cabeça e pescoço, a inibição da tosse e a disfunção do
disso, pacientes tabagistas freqüentemente consideram
sistema mucociliar são fatores predisponentes importan-
normal apresentar sintomas respiratórios, e, muitas
vezes, apresentam doença pulmonar obstrutiva crônica tes para o surgimento de complicações. O efeito residual
não-diagnosticada até o momento da indicação de algum da anestesia e os narcóticos administrados no pós-opera-
procedimento cirúrgico. Em operações não-cardíacas, tório podem provocar depressão do centro respiratório.
portanto, o foco primário de atenção para as complica- A repercussão das operações abdominais baixas na fun-
ções não-cirúrgicas deve ser o pulmão, e não o sistema ção respiratória é semelhante, porém numa escala
cardiovascular, como é prática habitual1,2. menor. Habitualmente, não há modificação das variáveis
As complicações pós-operatórias pulmonares pulmonares em operações de extremidades3-6.
incluem atelectasia, infecção pulmonar – que, por sua Como os pacientes com doença pulmonar apresen-
vez, inclui bronquite e exacerbação da doença pulmonar
tam função ventilatória já comprometida, as complica-
obstrutiva crônica –, tempo prolongado de ventilação
mecânica, insuficiência respiratória e broncoespasmo. ções pulmonares perioperatórias podem evoluir mal e
Deve-se saber diferenciá-las das respostas fisiológicas do apresentar mau prognóstico. É necessário identificar os
pulmão ao ato cirúrgico. fatores preditivos de risco para essas complicações no
Nas operações torácicas e abdominais superiores, o perioperatório, para intervir preventivamente e minimi-
volume expiratório final diminui, a capacidade vital fica zar esse risco.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Fatores de risco para 12,8% para os fumantes prévios e de 22,0% para os


fumantes ativos; o risco relativo ajustado foi de 4,2.
complicações pulmonares
Nesse estudo, os fumantes ativos que relataram redução
Os fatores de risco para complicações pulmonares do número de cigarros diários antes do ato cirúrgico tive-
podem estar relacionados ao paciente ou ao procedimen- ram risco ainda maior para complicações pulmonares12.
to anestésico-cirúrgico.
Classificação anestesiológica (ASA)
Relacionados ao paciente Pacientes classificados como ASA maior ou igual a
Doença pulmonar obstrutiva crônica três apresentam risco relativo entre 1,5 e 3,2 para compli-
cações pulmonares pós-operatórias2.
É o fator de risco isolado mais importante para o
desenvolvimento de complicações pulmonares no pós-
operatório. Em diferentes estudos, pacientes com doen- Obesidade
ça pulmonar obstrutiva crônica apresentaram risco rela- Vários estudos envolvendo grande número de
tivo que variou de 2,7 a 6,0 2,7,8. pacientes avaliaram se a obesidade constituía fator de
risco para complicações pulmonares pós-operatórias;
Asma seus resultados foram contraditórios. Uma compilação
de seis estudos, totalizando 4.526 pacientes, concluiu que
Apesar dos relatos anteriores de maior número de o risco de complicações pulmonares foi idêntico em obe-
complicações pós-operatórias, os asmáticos, quando sos e não-obesos. Apesar da controvérsia, interpretação
bem controlados (sem sibilos no exame físico, sem tosse ponderada da literatura sugere que a obesidade não-mór-
etc.) e com pico de fluxo maior que 80% do esperado, bida é fator de risco isolado para complicações pulmona-
possuem risco relativo igual ao de não-asmáticos. Em res. As discrepâncias são provavelmente fruto da não-
estudo publicado em 1996 pela Clínica Mayo, entre 706 distinção por alguns estudos dos casos de obesidade iso-
pacientes asmáticos operados, a incidência de broncoes- lada e daqueles com suas comorbidades2.
pasmo perioperatório foi de 1,7% (12 casos). Houve dois Pacientes obesos mórbidos com apnéia obstrutiva do
casos de laringoespasmo dos quais, apenas um evoluiu sono parecem apresentar maior risco de hipercapnia e
para insuficiência respiratória, sem apresentar seqüelas. hipoxemia, além de maior risco de transferência para uni-
Não houve mortes. Nos 14 casos complicados, os fato- dade de tratamento intensivo.
res de risco identificados foram idade avançada e doença
ativa, com uso recente de broncodilatadores9.
Idade
É também questão controversa. Estudos recentes suge-
Tabagismo
rem aumento do risco de complicações pulmonares em
Fumantes têm risco aumentado para complicações idosos. Estes estudos, porém, não foram ajustados para o
pulmonares pós-operatórias, mesmo na ausência de estado de saúde ou a presença de doença pulmonar prévia
doença pulmonar obstrutiva crônica10. Fumantes de mais e, portanto, não conseguiram demonstrar se a idade cons-
de 20 anos-maço possuem risco maior do que aqueles titui realmente fator de risco isolado para essas complica-
com menos de 20 anos-maço11. Por si só, o tabagismo ções. Estudos ajustados têm demonstrado que a idade não
acarreta hiperatividade brônquica e aumento da secreção é fator de risco isolado para complicações pulmonares7,13,14.
pulmonar, inflamações de vias aéreas e aumento do volu-
me de fechamento do espaço alveolopulmonar. Estudo Infecção virótica das vias aéreas
americano, publicado em 1998, avaliou 410 pacientes
submetidos a procedimentos cirúrgicos não-cardíacos Embora não seja fator proibitivo, é razoável o adia-
eletivos e observou índice não-ajustado de complicações mento de procedimento cirúrgico eletivo durante episó-
pulmonares de 4,9% para os que nunca fumaram, de dio de infecção virótica das vias aéreas.
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Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

Fatores metabólicos nares pós-operatórias21,23,24. Estudo envolvendo 520 pacien-


Em estudo envolvendo 81.719 pacientes, valor de albu- tes mostrou incidência de 8% de pneumonia após procedi-
mina sérica menor que 3g/dL e de uréia maior que 1,5 vez mentos com duração menor do que duas horas e de 40%
o limite máximo foram preditivos de insuficiência respira- após procedimentos com duração maior do que quatro
tória aguda no pós-operatório15. horas. Em uma série de 59 pacientes com doença pulmo-
nar obstrutiva crônica grave, a incidência de complicações
pulmonares foi de 4% após procedimentos com duração
Relacionados ao procedimento menor do que uma hora, 23% após procedimentos com
anestésico-cirúrgico duração entre uma e duas horas, 48% após procedimentos
Sítio cirúrgico com duração de duas a quatro horas e 73% após procedi-
mentos com duração superior a quatro horas22.
O local da operação é o fator preditivo mais importan-
te do risco de complicações pulmonares no pós-operató-
rio. A incidência dessas complicações é inversamente pro- Tipo de anestesia
porcional à distância entre o diafragma e a incisão.
Portanto, o risco é maior nos procedimentos torácicos e Estudos mais antigos compararam procedimentos
abdominais superiores14,16,17. A freqüência de complicações cirúrgicos realizados sob anestesia geral e sob raquianes-
pulmonares pós-operatórias após procedimentos cirúrgi- tesia ou peridural e não evidenciaram diferença significa-
cos no andar superior do abdome varia de 17% a 76%; tiva na incidência das complicações pulmonares16,23,25.
após procedimentos torácicos, de 19% a 59% e após ope- Vários outros, porém, mostraram aumento significativo
rações no andar inferior do abdome, de 0% a 5%18. no número de mortes e na freqüência de complicações
Operações neurológicas e de cabeça e pescoço associam-se pulmonares quando foi usada a anestesia geral24,26-8.
especialmente à pneumonia por broncoaspiração. Agentes inalatórios utilizados na anestesia geral reduzem
a motilidade mucociliar e propiciam a retenção de secre-
ção bronco-pulmonar. Quanto maior o tempo anestési-
Abordagem laparoscópica versus laparotômica
co, maior é o risco de complicações respiratórias. A
Em estudo comparativo de pacientes submetidos a maior revisão literária sistemática sobre o tema avaliou
colecistectomias laparotômicas e a colecistectomias lapa- 141 estudos, com um total de 9.559 pacientes. A conclu-
roscópicas observou-se que, seis horas após os procedi- são foi de que os procedimentos sob raquianestesia ou
mentos, ambos os grupos apresentaram parâmetros respi- anestesia peridural estiveram associados a risco menor de
ratórios em média 40% a 50% piores do que no pré-opera- complicações pulmonares: redução de 39% no risco de
tório. O grupo submetido à laparotomia, entretanto, apre- pneumonia, 59% no risco de depressão respiratória e
sentou parâmetros espirométricos significativamente mais 44% no risco de tromboembolismo pulmonar
alterados e necessitou de maior tempo para a recuperação (p<0,001)29. Pode-se, a partir desses estudos, concluir
dos parâmetros fisiológicos. Essa variação foi notada prin-
que, nos pacientes com doença pulmonar, o bloqueio
cipalmente nos pacientes com doença pulmonar obstrutiva
neuroaxial deve substituir a anestesia geral sempre que
crônica ou com insuficiência cardíaca congestiva. O grupo
submetido a colecistectomia laparoscópica apresentou possível. Os bloqueios de nervos periféricos associam-se
menor freqüência de complicações pulmonares pós-opera- com risco ainda menor de complicações pulmonares.
tórias19,20. As laparotomias longitudinais estiveram associa-
das a maior índice de complicações respiratórias do que as Bloqueadores neuromusculares
laparotomias transversas17,21.
O pancurônio, um bloqueador neuromuscular de
longa duração de ação, leva a incidência maior de bloqueio
Duração do procedimento
neuromuscular residual (26%), que resulta em ocorrência
Procedimentos com duração superior a três ou quatro maior de complicações pulmonares (16,9%), em compara-
horas são associados a maior risco de complicações pulmo- ção ao uso de vecurônio ou atracúrio (4,8%)24,30-2.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Fração inspirada de oxigênio tumam considerá-los normais. Ao avaliar o paciente no pré-


operatório, o clínico não é mais aquele responsável por libe-
A administração de frações inspiradas excessivas de rá-lo ou não para a operação. O clínico, internista ou pneu-
oxigênio pode levar à piora das trocas gasosas e à hiper- mologista devem identificar e preparar o paciente com
carbia nos pacientes com doença pulmonar obstrutiva doença pulmonar, redefinindo problemas e orientando con-
crônica. Na abordagem dessa doença, o objetivo é man- dutas para o pré, per e pós-operatório, com a finalidade de
ter a saturação da hemoglobina acima de 90%, o que sig- minimizar riscos e complicações33.
nifica PO2 superior a 60mmHg. Como o paciente com
doença pulmonar obstrutiva crônica grave, que apresen- Quadro 38.1 .: Fatores de risco para complicações pulmonares
ta hipercarbia em condições basais, pode ter o centro res- pós-operatórias
piratório menos sensível às frações elevadas de CO2, seu
estímulo principal à ventilação e à hiperventilação passa Fatores relacionados ao paciente
a ser a hipoxemia. Ao respirar frações elevadas de O2, Doença pulmonar obs- Em pacientes com fator de risco
durante e após a anestesia, o centro respiratório desses trutiva crônica (tabagismo e idade), o diagnóstico
deve ser buscado ativamente
pacientes perde seu principal estímulo à ventilação. A
hipoventilação pode ocorrer em pacientes recém-extuba- Tabagismo Deve sempre levar à investigação de
doença pulmonar obstrutiva crônica,
dos e com O2 por cateter ou máscara facial, no pós-ope-
embora seja fator de risco mesmo na
ratório imediato. Por outro lado, a presença de fração ausência dela
elevada de O2 no ar alveolar leva à formação de microa- Asma A história de asma deve levar à realiza-
telectasias, uma vez que ela se dá à custa de redução da ção de espirometria para verificar o grau
fração de nitrogênio. O nitrogênio, por não atravessar a de controle da doença e determinar se
há obstrução do fluxo aéreo
membrana alvéolo-capilar, é o gás que contribui para
manter os alvéolos abertos, já que compreende cerca de Obesidade A literatura é controversa; comorbida-
des relacionadas à obesidade interfe-
70% do gás alveolar. A redução do nitrogênio do ar rem na interpretação dos estudos
alveolar, em decorrência da ventilação com altas frações
Idade Acima de 70 anos, é difícil não haver
de oxigênio pode, portanto, resultar em colapso de uni-
doenças associadas
dades alveolares, piorando a troca gasosa.
O Quadro 38.1 apresenta os principais fatores de Fatores relacionados ao procedimento
risco para complicações pulmonares pós-operatórias. Sítio cirúrgico Quanto mais próximo do diafragma,
maior o risco de complicações
pulmonares
Avaliação clínica pré-operatória Extensão da lesão Incisões maiores e laparotomias
longitudinais têm risco aumentado
A história clínica e o exame físico são os componentes
mais importantes da avaliação clínica pré-operatória, inclusi- Duração do ato cirúrgico Procedimentos com duração superior
ve em pacientes com doença pulmonar6,14,20. Os fatores de a três horas têm risco aumentado para
pneumopatas
risco citados anteriormente devem ser identificados. Dados
da história que sugiram doença pulmonar crônica – intole- Tipo de anestesia Anestesia geral, em pneumopata, para
realização de operação abdominal alta
rância aos exercícios físicos, dispnéia e tosse – devem ser
tem maior risco do que bloqueio
investigados e o exame físico deve ser voltado para as evi- neuroaxial
dências de doença pulmonar obstrutiva – redução dos sons Medicação anestésica Pancurônio está associado a maior
respiratórios, roncos, sibilos e/ou aumento do tempo expi- índice de complicações pulmonares
ratório8. É importante lembrar que a investigação cuidadosa pós-operatórias
de manifestações pulmonares no pré-operatório leva, mui- Uso de altas frações de A redução do nitrogênio alveolar leva
tas vezes, à suspeição e ao diagnóstico de doenças pulmona- O2 no ar inspirado a microatelectasias, piorando a troca
gasosa
res ainda não detectadas. Esse fato é particularmente impor-
tante em pacientes tabagistas que, freqüentemente, apresen-
tam sintomas respiratórios, principalmente tosse, mas cos-
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Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente pneumopata

Os exames complementares são úteis na avaliação de que avaliaram a função pulmonar pré-operatória. As indi-
pacientes com alterações no exame clínico (anamnese ou cações do American College of Physicians para solicitação de
exame físico). Devem, portanto, ser solicitados apenas análise dos gases arteriais no pré-operatório incluem: 1)
quando realmente necessários, seja no diagnóstico, seja pacientes que serão submetidos à ressecção pulmonar (ver
na avaliação de resposta terapêutica. As exceções a esta Avaliação clínica pré-operatória em pacientes a serem submetidos a
regra são os pacientes que se submeterão a ressecção pul- ressecção pulmonar); 2) pacientes com dispnéia e/ou tabagis-
monar, situação em que os dados laboratoriais e da fun- tas que serão submetidos a procedimentos abdominais
ção pulmonar devem ser sempre conhecidos. altos ou a revascularização miocárdica36.
Os exames complementares mais usados na avaliação
desses pacientes são espirometria, gasometria arterial,
radiografia de tórax e testes de tolerância ao exercício. Radiografia de tórax
A literatura atual disponível não define de forma
Espirometria segura os pacientes que se beneficiariam com a realização
de radiografia de tórax no pré-operatório. Os critérios
A espirometria realizada de rotina no pré-operatório empregados justificam sua realização em pacientes com
– em pacientes sem sinais de doença pulmonar ou em idade acima de 60 anos ou com achados clínicos sugesti-
pacientes que não serão submetidos a ressecção pulmo- vos de doença cardíaca ou pulmonar37.
nar – não auxilia na avaliação do risco de complicações
pulmonares pós-operatórias, sendo considerada, portan-
to, desperdício de tempo e dinheiro. Entretanto, pacien-
Testes de tolerância ao exercício
tes com doença pulmonar obstrutiva crônica identificada Os testes de tolerância ao exercício são de rotina ape-
na avaliação pré-operatória e tratada adequadamente nas no pré-operatório de candidatos a ressecção
apresentam índices de complicações inferiores aos casos pulmonar (ver Avaliação clínica pré-operatória em pacientes a
não-identificados. Os pacientes com doenças pulmona- serem submetidos a ressecção pulmonar).
res que cursam com distúrbios restritivos, por sua vez,
apresentam risco maior do que aqueles com distúrbios
obstrutivos. A espirometria na avaliação clínica pré-ope- Estratégias para prevenção de
ratória deve ser realizada nos seguintes casos: 1) pacien- complicações pulmonares pós-operatórias
tes que serão submetidos a ressecção pulmonar (ver
Avaliação clínica pré-operatória em pacientes a serem submetidos a As estratégias para prevenir complicações pós-opera-
ressecção pulmonar) ou que serão submetidos a operações tórias podem ser adotadas no pré, per e pós-operatório.
cardíacas; 2) pacientes com dispnéia ou intolerância ao
exercício, de etiologia duvidosa (cardíaca ou pulmonar)
No pré-operatório
mesmo após exame clínico; 3) pacientes com doença pul-
monar obstrutiva crônica ou asma, nos quais o exame clí- As estratégias pré-operatórias devem ser reservadas
nico não determina se há obstrução do fluxo aéreo, pois, para pacientes que possuem risco maior do que o habi-
nesses casos, medidas pré-operatórias podem ser adota- tual para complicações pulmonares pós-operatórias, isto
das para minimizar a obstrução8,34,35. é, pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica,
tabagistas ou asmáticos não-controlados que serão sub-
metidos a procedimentos torácicos ou abdominais altos,
Gasometria arterial
sob anestesia geral ou com duração superior a três horas.
Não há dados que comprovem que o achado de hiper-
carbia (pCO2>45mmHg) auxilia na identificação de Interrupção do tabagismo
pacientes com risco aumentado de complicações pós-ope-
ratórias, que não foram identificados clinicamente. Por sua Como dito anteriormente, fumantes apresentam risco
vez, a hipoxemia (pO2<60mmHg) isoladamente constitui aumentado de desenvolver complicações pulmonares
fator preditivo de complicações pulmonares em estudos mesmo na ausência de doença pulmonar crônica, portan-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

to devem ser aconselhados a interromper o tabagismo Controle da asma


pelo menos dois meses antes de procedimento cirúrgico
A asma só é considerada fator de risco para complica-
eletivo. Período de abstinência menor do que oito sema-
ções pulmonares no pós-operatório se mal controlada.
nas aparentemente não leva a redução significativa do Pacientes asmáticos devem, sempre que possível, obter o
risco de complicações pulmonares, podendo ser até res- controle total da doença antes do ato operatório. A obs-
ponsável por aumento na incidência dessas complica- trução ao fluxo aéreo deve ser minimizada no pré-opera-
ções, de acordo com algumas séries. Em estudo prospec- tório por meio do uso de corticóides inalatórios e/ou de
tivo de pacientes submetidos a revascularização miocár- broncodilatadores, de acordo com a gravidade e classifi-
dica, um terço dos tabagistas ativos, 14,5% dos ex-taba- cação do caso. Estudo realizado em pacientes com asma
gistas com mais de dois meses de abstinência e 57,1% grave demonstrou que o índice de complicações pulmo-
dos ex-tabagistas com menos de dois meses de abstinên- nares nos pacientes que receberam corticoterapia sistêmi-
cia desenvolveram complicações pulmonares. Nesse ca foi semelhante ao observado em indivíduos hígidos.
mesmo estudo, ex-tabagistas com mais de seis meses de Outros estudos comprovaram a eficácia e a segurança do
abstinência tiveram uma incidência de complicações pul- uso de corticoterapia sistêmica no pré-operatório. Parece,
monares de 11,1%, semelhante à dos pacientes que portanto, razoável que pacientes asmáticos com sintomas
persistentes ou pico de fluxo abaixo de 80% do esperado,
nunca foram tabagistas – 11,9%38.
apesar de tratamento adequado, devam receber corticote-
rapia sistêmica no pré-operatório40-2.
Tratamento da doença pulmonar obstrutiva crônica Pacientes com asma ou doença pulmonar obstrutiva
crônica devem ser liberados para o procedimento cirúr-
Como a doença pulmonar obstrutiva crônica consti- gico eletivo sem evidências de broncoespasmo ativo.
tui o fator de risco isolado mais importante, os pacientes
com esta doença devem ser tratados vigorosamente até
que atinjam os melhores patamares de função pulmonar Uso de antibióticos
possíveis. Estudo retrospectivo realizado em pacientes Os antimicrobianos devem ser reservados a pacientes
com doença pulmonar obstrutiva crônica que foram sub- com evidências de infecção bacteriana, não sendo úteis
metidos a anestesia geral comparou os índices de compli- se usados de rotina em pacientes com doença pulmonar
cações pulmonares em pacientes tratados com preparo obstrutiva crônica ou asma, a não ser que estejam presen-
pré-operatório (diversas combinações de uso de bronco- tes bronquiectasia ou imunodeficiência36. Se for eletivo, o
dilatadores, antibioticoterapia e corticoterapia sistêmica) procedimento deve ser adiado até o término do trata-
e em pacientes que não o fizeram. A incidência de com- mento. O uso indiscriminado de antibióticos profiláticos
plicações pulmonares foi de 23% no primeiro grupo e de no pré-operatório não reduz a incidência de complica-
35% no segundo grupo38. Todos os pacientes com doen- ções pulmonares. Essa afirmativa foi comprovada por
ça pulmonar obstrutiva crônica, sintomáticos ou não, estudos clássicos43,44.
devem ser preparados, antes do ato cirúrgico, sempre
que o tempo permitir. Embora, conforme mencionado, a
PCO2 elevada não seja contra-indicação absoluta para o Educação do paciente no pré-operatório
tratamento cirúrgico em pacientes com doença pulmonar Ventilação com pressão positiva, espirometria de
obstrutiva crônica, ela é importante indicador de que o incentivo e exercícios de respiração profunda foram
cuidado pré-operatório precisa ser o melhor possível. igual e altamente eficazes na redução das complicações
Pacientes de alto risco para complicações pulmonares pulmonares pós-operatórias24.
que se submeteram a procedimentos cirúrgicos abdomi- Quinze minutos diários, por quatro dias, de qualquer
nais, quando preparados com interrupção do tabagismo, uma das três técnicas reduziram pela metade a incidên-
uso de broncodilatadores, antibioticoterapia e fisiotera- cia dessas complicações23. A educação do paciente para
pia respiratória, apresentam incidência de 22% de com- a realização dessas técnicas antes do procedimento
plicações pulmonares pós-operatórias, em comparação a cirúrgico facilita sua execução no pós-operatório, tor-
60% do grupo controle39. nando-as mais efetivas. Estudo randomizado e controla-
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Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

do selecionou pacientes em um grupo que recebeu te alto de evoluir com essas complicações pulmonares.
informações sobre mobilização precoce e treinamento Vias alternativas de acesso, mais distantes do diafragma,
em fisioterapia respiratória no pré-operatório e um devem ser preferidas. Os procedimentos laparoscópicos,
grupo controle. Complicações pulmonares pós-operató- quando viáveis, devem substituir os procedimentos
rias ocorreram em 6% dos indivíduos do primeiro grupo laparotômicos22,23,45.
e em 27% dos indivíduos do grupo controle (p<0,001).
Dos pacientes de alto risco, 15% tiveram complicações
pulmonares no grupo treinado e mais da metade as tive- No pós-operatório
ram no grupo controle31,32.
O controle da dor pós-operatória e a fisioterapia res-
piratória – exercícios de respiração profunda, espirome-
No peroperatório tria de incentivo, respiração com pressão positiva inter-
mitente e respiração com pressão positiva constante –
A duração da anestesia e da operação, o tipo de anes- realizadas no pós-operatório, podem reduzir a incidência
tesia e o acesso cirúrgico interferem no risco cirúrgico do de complicações pulmonares em pacientes selecionados.
paciente com doença pulmonar.

Manobras de expansão pulmonar


Escolha do tipo de bloqueio
O objetivo de todas as manobras fisioterápicas é, por
Uma vez que procedimentos cirúrgicos feitos sob
meio do esforço inspiratório, desfazer microatelectasias e
anestesia peridural ou raquianestesia apresentam incidên-
corrigir os volumes pulmonares reduzidos com o ato
cia bem menor de complicações pulmonares pós-opera-
anestésico-cirúrgico. O aprendizado dessas técnicas,
tórias, deve-se dar preferência a esses bloqueios neuroa-
xiais sempre que possível. Não há, entretanto, consenso antes do procedimento aumenta, inegavelmente, a eficá-
de que a anestesia geral apresente maior risco quando se cia delas na prevenção dessas complicações32. O exercício
trata de operação abdominal baixa. Nesses casos, a esco- de respiração profunda é um componente da fisioterapia
lha do tipo de anestesia deve ser individualizada26-8,45. respiratória e a espirometria de incentivo é um exercício
de respiração profunda auxiliado por aparelho. Ambas as
técnicas aparentam ser igualmente efetivas. Elas são
Escolha do bloqueador neuromuscular capazes de reduzir, pela metade, o risco de complicações
pulmonares pós-operatórias. Estudo realizado com
O pancurônio, bloqueador neuromuscular de longa
pacientes submetidos a operações abdominais mostrou
duração de ação, é mais propenso a gerar bloqueio residual,
que os exercícios de respiração profunda têm o melhor
que leva a hipoventilação e aumento das complicações pul-
monares pós-operatórias. Em pacientes com doença pul- custo-benefício para pacientes com baixo risco para tais
monar deve-se, portanto, evitar o uso do pancurônio45-7. complicações pulmonares e que a espirometria de incen-
tivo tem a melhor relação custo-benefício em pacientes
com doença pulmonar. Meta-análise de 14 estudos con-
Cuidados com o tempo de duração e o tipo de firmou os achados anteriores21,24,31.
ato cirúrgico
Procedimentos com duração superior a três ou quatro Respiração com pressão positiva intermitente
horas são associados a maior incidência de complicações
pulmonares no pós-operatório. Em pacientes com pneu- A respiração com pressão positiva intermitente,
mopatia, principalmente nos casos graves, deve-se pro- muito utilizada nas décadas de 60 e 70 do século passa-
gramar, sempre que possível, procedimento mais rápido do, está sendo abandonada, por não ser mais efetiva do
e menos ambicioso. Além disso, deve-se lembrar de que que métodos mais simples; além de ser mais cara e de
os procedimentos torácicos, abdominais altos e de corre- execução mais complexa, pode ocasionar complicações
ção de aneurisma aórtico apresentam risco especialmen- inerentes à técnica, como distensão abdominal23.
467
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Respiração com pressão positiva contínua O Quadro 38.2 resume as principais medidas profilá-
ticas das complicações pulmonares pós-operatórias.
Apesar de ser mais onerosa e de poder levar a algumas
complicações (desconforto, distensão gástrica, hipoventila-
ção e barotrauma), a respiração com pressão positiva con- Quadro 38.2 .: Estratégias para a redução das complicações
tínua é uma técnica mais eficiente do que a espirometria de pulmonares pós-operatórias
esforço e do que os exercícios de respiração profunda em
prevenir complicações pulmonares no pós-operatório. Estratégias Interrupção do tabagismo
Além disso, não requer esforço do paciente e sua execução pré-operatórias Tratamento da doença pulmonar obstrutiva
não é dolorosa. Uma revisão crítica sobre as manobras de crônica
expansão pulmonar recomendou o uso da respiração com Controle da asma
Educação para o cuidado respiratório pós-
pressão positiva contínua como intervenção secundária operatório
nos casos de atelectasias refratárias ou como prevenção pri- Estratégias Anestesia individualizada. Bloqueio axial se
mária em pacientes pouco cooperativos ou incapazes de peroperatórias possível
executar os exercícios respiratórios39,48,49. Escolha de bloqueador neuromuscular: evitar
o pancurônio
Menor duração possível para o ato cirúrgico
Controle da dor Preferência por procedimentos laparoscópicos

Estratégias Manobras de expansão pulmonar


O controle adequado da dor no pós-operatório ajuda pós-operatórias Respiração com pressão positiva contínua
a prevenir a ocorrência de complicações pulmonares, pois Controle eficiente da dor
estimula o paciente a deambular mais precocemente e a
executar os exercícios respiratórios de forma mais vigoro-
sa. Há algum tempo se discute se o melhor controle da
dor é atingido com opióides parenterais ou com anestési-
cos epidurais e qual dos dois métodos reduziria mais a Avaliação clínica pré-operatória em
incidência dessas complicações. Os resultados de vários pacientes a serem submetidos
estudos foram muito controversos. Estudo de meta-aná-
lise realizado em 1998 avaliou 65 estudos randomizados e a ressecção pulmonar
controlados e concluiu que tanto a analgesia epidural com No Brasil, o câncer de pulmão é o mais letal dos
anestésicos locais quanto a analgesia epidural com opiói- tumores malignos no sexo masculino e o segundo mais
des reduziram a incidência de complicações pulmonares, letal no sexo feminino59. A ressecção pulmonar continua
incluindo infecções, sendo, neste quesito, mais eficazes sendo a única intervenção curativa em pacientes com
do que a analgesia parenteral com opióides. A mesma câncer de pulmão localizado, com exceção do subtipo de
meta-análise avaliou a analgesia por bloqueio dos nervos pequenas células. Uma série detectou aproximadamente
intercostais e concluiu que esse procedimento auxiliou no 70% de sobrevida em cinco anos em pacientes com cân-
controle da dor, mas a incidência de complicações pulmo- cer de pulmão no estádio I (sem metástases linfonodais
nares não diminuiu significativamente50-5. ou a distância) submetidos a procedimento cirúrgico.
Dos pacientes estádio I não-operados, apenas dois tive-
ram sobrevida maior que cinco anos60. Como a maioria
Estimulantes respiratórios
dos pacientes com câncer de pulmão é tabagista e uma
O doxapram é um estimulante respiratório que age boa parte apresenta doença pulmonar obstrutiva crônica,
tanto no sistema nervoso central quanto nos quimiorre- os candidatos às ressecções pulmonares já apresentam
ceptores carotídeos. Os estudos realizados com a droga função pulmonar comprometida antes mesmo do proce-
no período pós-operatório envolveram número relativa- dimento, sendo ele, portanto, de alto risco.
mente pequeno de pacientes e não mostraram de manei- Desde a descrição da primeira pneumectomia bem-
ra consistente redução na incidência de complicações sucedida para tratamento do câncer de pulmão em 1933,
pulmonares56-8. tenta-se identificar, por meio de exames complementares,

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Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

quais os pacientes que são de alto risco para esse procedi- que a prevista, seguida de recuperação funcional signifi-
mento e qual o limite em que o comprometimento da fun- cativa com o passar do tempo67. Estudos mais recentes
ção pulmonar torna o risco cirúrgico proibitivo61. Diversos não somente confirmaram como quantificaram esses
estudos foram feitos para tentar identificar esse limite. mesmos achados: há maior risco no pós-operatório com
O volume expiratório forçado no primeiro segundo razão de probabilidade de 1,46 para cada decréscimo de
(VEF1) é a variável espirométrica de maior valor no pré- 0,2 litros no VEF1 pós-operatório previsto68.
operatório e correlaciona-se bem com o grau de disfun-
ção pulmonar nos pacientes com doença pulmonar obs-
trutiva crônica, além de proporcionar medida indireta da Medidas de troca gasosa
reserva pulmonar. Em uma série de estudos que avalia-
ram as variáveis espirométricas, VEF1 < 60% do espera- Apesar de os valores espirométricos, principalmente
do no pré-operatório foi o achado preditivo mais fiel o VEF1, se correlacionarem com a gravidade da doença
para as complicações pulmonares pós-operatórias nos pulmonar obstrutiva crônica, eles não trazem medidas
casos de ressecção pulmonar62-5. Outros estudos mostra- diretas do grau de disfunção da troca gasosa. Para este
ram que os pacientes com VEF1 > 2 litros toleram bem fim, precisamos de exames complementares mais especí-
a pneumectomia e aqueles com VEF1 entre 1 e 1,5 litro ficos, citados a seguir.
toleram bem a lobectomia63,65. No entanto, apesar do alto
valor preditivo do VEF1, é muito difícil fixar um valor
Capacidade de difusão do monóxido de carbono
proibitivo para o procedimento, pois há outras variáveis
importantes, tais como volume de parênquima viável que É variável com grande potencial preditivo para com-
será retirado, gravidade das comorbidades pulmonares, plicações pulmonares e mortalidade no pós-operatório,
peso, sexo e idade dos pacientes66. principalmente quando associada ao VEF1 e à cintilogra-
O risco cirúrgico desses pacientes pode ser previsto fia pulmonar de perfusão. Estudo publicado em 2003
de um modo melhor levando-se em conta a extensão da mostrou que, quando o VEF1 e a capacidade de difusão
ressecção e quanto o tecido a ser retirado vinha contri- do monóxido de carbono estão acima de 60% do espera-
buindo para a função pulmonar total. Essa estimativa se do, o paciente apresenta baixo risco para complicações e
baseia na hipótese de que cada segmento pulmonar fun- pode se submeter inclusive a pneumectomia, sem neces-
cionante a ser ressecado contribui para uma porcentagem sidade de outros exames complementares. Quando
fixa da função pulmonar. Considera-se adequada a pre- ambas as variáveis estão abaixo de 60% do esperado,
sença de dez segmentos no pulmão direito e nove no deve ser realizada cintilografia pulmonar de perfusão
esquerdo, perfazendo um total de 19 segmentos. Esses para estimar o risco de complicações pós-operatórias. A
valores podem ser estimados por meio da cintilografia difusão do monóxido de carbono prevista para o pós-
pulmonar de perfusão e da espirometria feitas no pré-
operatório pode ser estimada da mesma forma que o
operatório, mesmo sendo algumas vezes difícil prever se
VEF1. Se o valor estimado para o pós-operatório for
a ressecção será realmente necessária até o momento do
maior ou igual a 40% do esperado, para as duas variáveis,
ato cirúrgico. A estimativa do VEF1 pós-operatório se
o paciente pode se submeter à ressecção. Caso contrário,
faz da seguinte maneira:
será necessário o teste de exercício64.
VEF1 pós-operatório = VEF1 pré-operatório
X número de segmentos pulmonares funcionan- Gasometria arterial
tes no pós-operatório/número de segmentos
pulmonares funcionantes no pré-operatório. A pO2 em repouso não se relaciona bem com a mor-
bimortalidade no pós-operatório da ressecção pulmonar,
A correlação entre a função pulmonar pós-operatória pois as vias aéreas do segmento pulmonar ressecado
prevista e a real tem sido mais precisa nos estudos sobre podem estar total ou parcialmente obstruídas. A pO2
pneumectomia. O pós-operatório da lobectomia, ao con- pode até aumentar após a remoção da região acometida69.
A pCO2 > 45mmHg isolada também não é contra-
trário, apresenta perda inicial de função bem maior do
indicação para ressecção pulmonar. Contudo, pacientes
469
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

hipercápnicos geralmente têm um baixo VEF1 previsto 4 ■ Ford GT, Whitelaw WA, Rosenal TW, Cruse PJ, Guenter CA.
para o pós-operatório e ruim no teste de exercício, o que Diaphragm function after upper abdominal surgery. Am Rev
Respir Dis. 1983;127:431-6.
na maioria das vezes invibializa o procedimento63. 5 ■ Sugimachi K, Ueo H, Natsuda Y, Kai H, Inokuchi K, Zaitsu A.
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Testes de exercício 6 ■ Tisi GM. Preoperative evaluation of pulmonary function.
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pois avaliam indiretamente as funções ventilatória, car-
abdominal surgery in patients with and without obstructive
diovascular e a utilização do oxigênio pelos tecidos. A lung disease. Chest. 1993;104:1445-51.
previsão de VEF1 ou capacidade de difusão de monóxi- 8 ■ Lawrence VA, Dhanda R, Hilsenbeck SG, Page CP. Risk of pul-
do de carbono no pós-operatório abaixo de 40% do monary complications after elective abdominal surgery.
Chest. 1996;110:744-50.
esperado define o paciente como de grande risco para 9 ■ Warner DO, Warner MA, Barnes RD, Offord KP, Schroeder
complicações e óbito. Pacientes nesse grupo merecem DR, Gray DT, et al. Perioperative respiratory complications
testes de exercício para melhor definição de tal risco72. in patients with asthma. Anesthesiology. 1996;85:460-7.
Existem testes avançados para esse fim, com monitora- 10 ■ Wightman JA. A prospective survey of the incidence of postope-
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mento eletrocardiográfico e do consumo de oxigênio por 11 ■ Warner MA, Divertie MB, Tinker JH. Preoperative cessation of
minuto, que permitem o cálculo do consumo máximo de smoking and pulmonary complications in coronary artery
oxigênio – VO2max –, variável que divide os pacientes bypass patients. Anesthesiology. 1984;60:380-3.
em três grupos: 12 ■ Bluman LG, Mosca L, Newman N, Simon DG. Preoperative
smoking habits and postoperative pulmonary complications.
■ VO2max > 20ml/Kg/min: risco habitual;
Chest. 1998;113:883-9.
■ VO2max < 15ml/Kg/min: risco aumentado para 13 ■ Djokovic JL, Hedley-White J. Prediction of outcome of surgery
complicações; and anesthesia in patients over 80. JAMA. 1979;242:2301-6.
■ VO2max < 10ml/Kg/min: risco muito aumentado
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para complicações. Scand. 2001;45:345-8.
Estudos recentes mostraram que o simples teste de 15 ■ Arozullah AM, Daley J, Henderson WG, Khuri SF.
subir escadas, apesar de não-padronizado, é econômico e Multifactorial risk index for predicting postoperative respira-
tory failure in men after major noncardiac surgery. The natio-
eficiente para prever complicações cardiopulmonares nal veterans administration surgical quality improvement pro-
pós-operatórias. Estima-se que o paciente capaz de subir gram. Ann Surg. 2000;232:242-53.
cinco lances de escada se encaixe no primeiro grupo e 16 ■ Gracey DR, Divertie MB, Didier EP. Preoperative pulmonary
que aquele que não consegue completar o primeiro lance preparation of patients with chronic obstructive pulmonary
disease. Chest. 1979;76:123-6.
se encaixe no último. Pacientes que apresentam queda na 17 ■ Brooks-Brunn JA. Predictors of postoperative complications
saturação de oxigênio durante o exercício também apre- following abdominal surgery. Chest. 1997;111:564-71.
sentam risco aumentado para ressecção70,71. 18 ■ Mohr DN, Jett JR. Preoperative evaluation of pulmonary risk
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470
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Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

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472
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39
CIRURGIA
NO PACIENTE
COM DOENÇA RENAL
José Augusto Meneses da Silva,
Nildo Medeiros Dantas

Introdução ocorrem nos períodos peroperatório e pós-operatório.


Esta população apresenta mortalidade cirúrgica elevada e
Pacientes com doença renal apresentam várias altera- alta morbidade; portanto, são fundamentais monitoriza-
ções clínicas, que podem causar complicações no perope- ção e cuidados específicos nos períodos pré, per e
ratório e pós-operatório. Por essa razão, esses pacientes pós-operatórios.
devem ser cuidadosamente avaliados no período pré-ope- Pacientes com doença renal até o estágio dois apre-
ratório com o objetivo de se prevenirem tais complicações. sentam menor risco cirúrgico. Pacientes que se encon-
Pacientes com doença renal devem ser classificados tram a partir do estágio três apresentam progressivamen-
em relação à sua de função renal. Uma maneira prática te maior risco cirúrgico, sendo necessários maior contro-
para essa classificação pode ser por meio da medida do le, monitorização e cuidados mais intensivos.
clearance de creatinina, que é estimado pela dosagem sérica O período peroperatório resulta em alterações fisiológi-
da creatinina. Atualmente, existem várias fórmulas para se cas importantes, com múltiplos efeitos colaterais.
estimar a função renal, com resultados bem próximos ao Distúrbios hidroeletrolíticos, exposição a toxinas, altera-
clearance de creatinina convencional. Assim sendo, tais fór- ções hormonais e hemodinâmicas podem causar perda da
mulas são usadas com maior freqüência, devido à sua rapi- função renal agudamente. Os pacientes com doença renal
dez e simplicidade. em estágios mais avançados apresentam risco aumentado
A classificação da função renal apresenta cinco está- das referidas complicações, devido à inabilidade renal de se
gios: o primeiro estágio apresenta clearance de creatinina adaptar aos tais fatores causados pelo ato cirúrgico.
maior que 90ml por minuto, por 1,73m2 de superfície O objetivo deste capítulo será discutir a prevenção, o
corpórea, e albuminúria persistente; o estágio dois varia manejo e o tratamento desta população específica, prin-
de 60ml por minuto a 89ml por minuto, por 1,73m2; o cipalmente dos pacientes com doença renal em estágio
estágio três varia de 30ml por minuto a 59ml por minuto, cinco, já em tratamento de terapia renal substitutiva.
por 1,73m2; o estágio quatro varia de 15ml por minuto a
29ml por minuto, por 1,73m2; e o estágio cinco, também
conhecido como estágio terminal, com clearance abaixo de
Morbidade e mortalidade cirúrgica
15ml por minuto, por 1,73m2 de superfície corpórea. A mortalidade cirúrgica entre os pacientes com
A partir dessa classificação, podemos avaliar aquele doença renal em terapia renal substitutiva é de aproxi-
grupo de pacientes com maior probabilidade de desen- madamente 4%, podendo variar entre 0% a 47% em
volver complicações cirúrgicas devido tanto a razões casos de emergência. A taxa de morbidade é, em média,
renais como a não-renais: hipercalemia, infecções, arrit- 54%, variando de 12% a 64%1. A mortalidade e a mor-
mias e hemorragias. Comumente, essas complicações bidade entre os pacientes submetidos a cirurgia cardía-
473
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ca é de 10% e 46%, respectivamente. As causas destas Diálise intensiva


elevadas morbidade e mortalidade devem-se a vários
fatores, como alta incidência de coronariopatia e dis- Acredita-se que, em pacientes submetidos à terapia
renal substitutiva, intensificar as doses de diálise pode
função miocárdica, difícil controle hidroeletrolítico e
melhorar a evolução e prevenir complicações nos perío-
ácido-básico, dificuldade de excretar e/ou metabolizar
dos per e pós-operatório. Portanto, alguns autores preco-
anestésicos e analgésicos, aumento de complicações nizam diálise diária por alguns dias antes das operações
hemorrágicas, difícil controle pressórico, incluindo cardíacas e, em alguns casos, também durante o perope-
hipertensão e hipotensão arterial. ratório23. Entretanto, apesar desses benefícios, melhora
importante na mortalidade não tem sido observada com
a diálise intensiva. Em geral, preconiza-se uma sessão de
Controle clínico diálise no dia anterior ao da operação.
Para se fazer um bom controle clínico no pré, per e
pós-operatório, são necessárias avaliação laboratorial Controle hidroeletrolítico
completa, avaliação nutricional, controle hídroeletrolíti-
co, controle da pressão arterial sistêmica, avaliação e con- Um bom controle hidroeletrolítico é fundamental
trole cardiovascular, administração adequada de antibió- para prevenir ou atenuar as possíveis complicações no
ticos, controle metabólico da glicose, bom acesso endo- per e no pós-operatório. Avaliação adequada do volume
venoso e considerações anestésicas específicas. extracelular, antes da operação, é necessária para se esti-
mar a quantidade de líquidos que deve ser administrada.
Se o paciente recebe grande quantidade de líquidos
Testes laboratoriais durante a operação, podem ocorrer hipervolemia e pos-
sível edema pulmonar, sendo necessárias medidas ade-
Os testes laboratoriais de rotina no pré-operatório quadas para o seu tratamento imediato, incluindo diálise
são: ionograma, glicemia em jejum, uréia, creatinina, cál- de emergência sem heparina para evitar hemorragia.
cio, fósforo, magnésio, albumina, hemograma completo Deve-se observar e tratar hipercalcemia e/ou hipocale-
e coagulograma. Outros testes devem ser realizados, mia no período pós-diálise, ajustando a concentração do
dependendo das necessidades individuais de cada pacien- dialisado. Se muito líquido é removido, há o risco de
te; incluindo, por exemplo os pacientes anêmicos que hipotensão arterial, principalmente durante a anestesia
necessitam de avaliação específica como dosagem de que induz a vasodilatação sistêmica, o que causa várias
ferro, ferritina etc. Se o paciente usa drogas cuja concen- complicações, incluindo trombose da fístula artério-
tração sérica é importante como a digoxina, essas devem venosa do paciente em hemodiálise.
ser dosadas. Portanto, uma discussão entre o cirurgião e o anestesio-
logista em relação ao volume peroperatório desejável
torna-se importante. O tipo e a quantidade do líquido a ser
Nutrição administrado devem ser constantemente revistos. Em
pacientes com doença renal até o estágio dois pode ser
A recuperação e a cicatrização do paciente dependem
administrado o ringer-lactato, uma solução que contém
do seu estado nutricional. Assim sendo, a avaliação
potássio. Nos pacientes com doença renal em estágios mais
nutricional no período pré-operatório torna-se funda-
avançados, a partir do estágio três, a solução a ser adminis-
mental. Tal avaliação pode ser feita por meio da antro- trada deve ser a salina isotônica. Entretanto, pacientes com
pometria, avaliação global subjetiva, taxa de catabolismo alterações ácido-básicas e hidroeletrolíticas específicas
protéico e concentração sérica da albumina. Em caso de necessitam de diferentes tipos de soluções.
desnutrição, várias condutas podem ser usadas para Em casos de operações de emergência, não há tempo
melhorar o estado nutricional, como eliminar drogas para avaliação e tratamento adequado do estado hidroe-
que diminuem o apetite, tratar gastroparesias, usar letrolítico e ácido-básico do paciente. Nesses casos,
suplementos nutricionais e, nos pacientes em terapia hipercalemia é a anormalidade mais comum e importan-
renal substitutiva, adequar e intensificar a diálise. te que ocorre como complicação no período per e
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Capítulo 39 .: Cirurgia no paciente com doença renal

pós-operatório. Assim sendo, a avaliação pré-operatória volemia. Nesses casos e, principalmente, em operações
imediata, deve incluir dosagem da concentração de de emergência, a terapia parenteral está indicada, sendo
potássio sérico e eletrocardiograma (cujas alterações são os agentes mais usados o enalapril, o labetalol, a hidrala-
observadas quando o potássio sérico excede 6,0mEq/L a zina (que deve ser usada com bloqueadores beta-adrenér-
6,5mEq/L). Essas alterações resultam do gradiente gicos para minimizar o efeito da ativação simpática refle-
transcelular do potássio. Por essa razão, pacientes em xa), o diltiazem e/ou a nitroglicerina. Se o paciente for
diálise freqüentemente não demonstram as alterações monitorado em unidade de terapia intensiva, nitroprus-
eletrocardiográficas, porque o potássio corporal total e siato endovenoso pode também ser utilizado.
intracelular está quase sempre mais elevado. Portanto, o Uma vez tolerada a ingestão oral, o regime anti-hiper-
julgamento clínico nesse grupo de pacientes é mais tensivo habitual pode ser iniciado. Importante salientar
importante do que os exames complementares. que estas medicações devem ser gradualmente introduzi-
Se não há alterações eletrocardiográficas e o paciente das porque as necessidades medicamentosas no período
encontra-se estável com potássio até 6,0mEq/L a pós-operatório podem ser diferentes das habituais.
6,2mEq/L, a operação pode ser iniciada com monitori- Hipotensão em pacientes com doença renal pode
zação rigorosa peroperatória pelo anestesiologista. Se há resultar de uma série de fatores, como: remoção excessi-
alterações eletrocardiográficas sugestivas de hipercalemia va de líquidos pela diálise ou uso de diuréticos; disfunção
e a diálise não pode ser realizada antes da operação, o tra- do ventrículo esquerdo; disfunção do sistema nervoso
tamento clínico deve ser iniciado, incluindo cálcio endo- simpático devido à neuropatia autonômica diabética;
venoso nos casos de hipercalemia grave. Glicose e insu- disautonomia adquirida, comum em pacientes com
lina, agonistas beta-adrenérgicos, bicarbonato de sódio e doença renal; uso de medicações simpaticolíticas; tampo-
resinas trocadoras de cátions podem ser usadas. namento pericárdico; e vasodilatação devida ao uso de
A administração de glicose e insulina é o método mais analgésicos narcóticos, ou de outras medicações usadas
efetivo para mobilizar potássio extracelular para dentro para aliviar a dor ou a ansiedade.
da célula, em pacientes com doença renal. Agonistas
beta-adrenérgicos, tais como albuterol, são menos efeti-
vos. Bicarbonato de sódio produz pouca redução do Avaliação cardiovascular
potássio sérico e pode induzir a sobrecarga de volume. Coronariopatia e disfunção miocárdica são as comor-
Sua indicação principal seria nos casos de acidose meta- bidades mais freqüentes entre os pacientes com doença
bólica grave. Um estudo mostrou as mudanças no potás- renal, principalmente em estágios mais avançados. Em
sio sérico em pacientes com hipercalemia, com após uma alguns estudos, aproximadamente 50% dos pacientes em
hora de iniciado cada tipo de terapia em particular nos diálise que se submetem a algum tipo de operação apre-
pacientes com doença renal em estágio 5. Nenhuma sentam doença cardiovascular5-6.
mudança foi observada com o bicarbonato de sódio, A cardiopatia resulta em importantes morbidade e
com pouca ou nenhuma acidose metabólica. Ocorrem mortalidade nos pacientes com doença renal em estágios
redução de 0,3mEq/L de potássio com a epinefrina, uma quatro e cinco, mesmo naqueles não submetidos a ope-
resposta similar ao uso do albuterol, o qual não tem ati- rações. Em um estudo prospectivo envolvendo 305
vidade alfa-adrenérgica. Ocorrem redução de pacientes em diálise seguidos por quatro anos, 114 apre-
0,85mEq/L de potássio com o uso de insulina e glicose, sentaram eventos cardiovasculares e 89 faleceram por
e redução de 1,3mEq/L com a hemodiálise4. esta causa7. A mortalidade é dez vezes maior do que na
população geral e 44 vezes mais alta entre os pacientes
Controle pressórico com doença renal diabética.
A avaliação dos pacientes com suspeita ou conhecida
A hipertensão arterial é muito comum entre os cardiopatia antes de operações não-cardíacas requer a
pacientes com doença renal, portanto terapia específica individualização de cada paciente com relação ao seu esta-
no período pré-operatório é importante. do clínico, presença de outros fatores de risco e, o tipo de
Terapia anti-hipertensiva pode ser necessária se a operações a que irão se submeter. Em geral, força tarefa
pressão arterial persiste alta, mesmo após controle da do Colégio de Cardiologia e da American Heart Association
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

têm publicado guias práticos para avaliação peroperatória tório. A ecocardiografia bidimensional é preferida por
de operações não-cardíacas. Elas enfatizam que a estima- fornecer detalhes de anomalias valvulares além das alte-
tiva do risco peroperatório deve integrar determinantes rações miocárdicas. Se houver ainda dúvida diagnóstica,
clínicos de risco, incluindo a capacidade funcional, o risco pode-se realizar o ecocardiograma transesofágico ou a
específico cirúrgico e os resultados dos testes de esforço, ventriculografia cintilográfica.
quando são realizados8-9. Estes testes, além de identificarem pacientes que irão
Em outro estudo utilizando o risco clínico estratificado requerer angiografia coronariana, ou que apresentam alto
para pacientes com doença renal em estágio cinco, estes risco cirúrgico, podem também indicar procedimentos que
pacientes foram, primeiramente, estratificados com base auxiliem na redução da morbidade cardíaca peroperatória.
na idade (menor ou maior que 50 anos), história de angi- Tais procedimentos incluem terapia medicamentosa
na, diabetes tipo 1, insuficiência cardíaca congestiva e pre- intensiva, revascularização profilática e monitorização
sença de eletrocardiograma alterado (excluindo presença peroperatória rigorosa. Nos casos de operação de emer-
de hipertrofia do ventrículo esquerdo). Entre os pacientes, gência, quando não há tempo para se avaliar devidamente
aproximadamente 50% não apresentaram nenhuma das o paciente, é fundamental, pelo menos, identificar o risco
características citadas acima sendo classificados como operatório cardíaco do ponto de vista clínico, e avaliar os
grupo de baixo risco, sem nenhum outro teste cardíaco benefícios e malefícios que a operação poderá causar em
realizado. Outro grupo de pacientes que apresentou um termos de eventos cardiovasculares significantes.
ou mais dos fatores de risco citados acima foi submetido
ao teste de cintilografia miocárdica com tálium (grupo de
Controle de hemorragia e coagulação
alto risco). A mortalidade cardíaca total foi de 17% e 1%
nos pacientes de alto risco e nos de baixo risco respectiva- Uma tendência aumentada a hemorragias pode ocorrer
mente. Pacientes do grupo de alto risco com teste do em pacientes com doença renal11. Isso freqüentemente
tálium positivo apresentaram mortalidade cardíaca mais manifesta-se por sangramentos na cicatriz cirúrgica ou
elevada do que aqueles sem alterações ao teste cintilográ- mesmo por hemorragia à distância. Entretanto, nem todos
fico com tálium10. os pacientes com doença renal apresentam diáteses hemor-
Assim sendo, critérios clínicos podem estratificar rágicas, sendo que alguns podem até mesmo apresentar
pacientes de acordo com o seu risco. Pacientes com estados de hipercoagulabilidade12. A hemorragia em
baixo risco geralmente não requerem avaliações mais pacientes urêmicos correlaciona-se mais com tempo de
detalhadas antes da operação. Pacientes com alto risco sangramento prolongado devido, principalmente, a disfun-
requerem testes mais específicos. ção plaquetária comum neste grupo de pacientes. As prin-
Existem, atualmente, vários testes não-invasivos cipais razões desta disfunção são a presença de toxinas urê-
para avaliar a presença de coronariopatia. Todos estes micas, anemia, hiperparatireoidismo secundário e o uso de
testes podem ser utilizados, dependendo da experiên- ácido acetilsalicílico.
cia de cada serviço para interpretá-los adequadamente. A correção da disfunção plaquetária está recomenda-
É importante salientar que pode haver problemas na da em pacientes com hemorragia ativa. Grande número
realização e interpretação de alguns testes devido à de modalidades terapêuticas pode ser usado, entre elas, o
própria doença renal. Isso inclui alterações no eletro- aumento do hematócrito de 25% para 30% por meio de
cardiograma e na cintilografia com tálium, induzidas transfusões sangüíneas, o uso de desmopressina na dose
pelas alterações metabólicas da própria doença e tam- de 0,30mcg/kg endovenosa ou intranasal, crioprecipita-
bém pela inabilidade do paciente de tolerar adequada- dos (dez unidades intravenosas a cada 12 horas a 24
mente o teste de esforço. Os testes atualmente em uso horas) e diálise15.
e com bons resultados são a cintilografia miocárdica Alguns estudos têm encontrado boa correlação entre
com tálium e o uso de dipiridamol. Se houver contra- hemorragia clínica e tempo de sangramento, medido
indicação, a ecocardiografia de estresse com dobutami- tanto no braço quanto no dedo13,14. Entretanto, outros
na torna-se boa indicação. autores questionam o valor desse teste, uma vez que
Outros testes não-invasivos para avaliar a disfunção tempo de sangramento fisiológico não prediz com segu-
miocárdica podem ser realizados no período pré-opera- rança a hemorragia pós-operatória, assim como teste de
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Capítulo 39 .: Cirurgia no paciente com doença renal

sangramento prolongado prediz hemorragia excessiva. nemia. Outras recomendações incluem soluções intrave-
Além do mais, a técnica para se fazer o teste apresenta nosas contendo dextrose, se o paciente está em jejum
variações entre os laboratórios, tornando este teste pré- prolongado, e ajuste adequado do uso de insulina.
operatório não-recomendável. As exceções seriam os Pacientes com doença renal não-diabéticos podem
casos de biópsia renal e de complicações hemorrágicas também apresentar intolerância à glicose. Como conse-
pós-operatórias, que não apresentam causa clara de diáte- qüência, podem apresentar hiperglicemias nos períodos
se hemorrágica, com protrombina, tempo de tromboplas- per ou pós-operatórios, especialmente quando recebem
tina parcial e plaquetas inalterados16. soluções parenterais contendo glicose. Portanto, con-
Nos pacientes em hemodiálise é recomendável não trole rigoroso da glicemia torna-se obrigatório nos
usar heparina no dia da operação. Se a heparina for pacientes com doença renal, nos períodos pré, per e
usada, deve-se esperar, no mínimo, quatro horas para se pós-operatórios.
normalizarem os parâmetros da coagulação antes de se
iniciar a operação. Se a operação for de emergência, o
efeito da heparina pode ser revertido com o uso de pro- Acesso endovenoso
tamina. Nas grandes operações, diálise com heparina
Freqüentes punções endovenosas são comuns em
deve ser evitada por 24 a 48 horas, principalmente nos
casos de risco de sangramento pós-operatório de difícil pacientes hospitalizados, podendo destruir futuros aces-
controle ou naqueles em que a hemorragia possa ter con- sos vasculares para hemodiálise em pacientes com doen-
seqüências catastróficas. ça renal. Também devido à possível estenose de subclá-
via, cirurgiões e anestesiologistas devem evitar, sempre
que possível, o implante de cateteres centrais nesta veia.
Antibioticoterapia Se o paciente já apresenta fístula artério-venosa, a colo-
cação de cateter central deve ser feita sempre no
Em geral, antibióticos pré, per e pós-operatórios
lado oposto.
devem ser administrados de acordo com os princípios
A mensuração da pressão arterial ou a punção em
clínicos e cirúrgicos gerais, incluindo ajuste apropriado
das doses em pacientes com insuficiência renal17. veias periféricas no braço onde já existe acesso artério-
Pacientes em terapia renal substitutiva que recebem venoso para hemodiálise deve ser sempre evitada. A
antibióticos antes de operações para acesso vascular ou monitorização do funcionamento do acesso vascular
acesso peritoneal apresentam menos complicações infec- para hemodiálise deve ser realizada periodicamente por
ciosas do que aqueles que não recebem tais agentes18,19. ausculta com estetoscópio e, em caso de obstrução,
devem-se tomar todas as medidas necessárias para o rápi-
do restabelecimento do fluxo nesse acesso.
Metabolismo da glicose
Uma das principais causas de doença renal é o diabetes Efeitos da anestesia na função renal
mellitus. Portanto, um bom controle glicêmico de pacien-
tes diabéticos que irão submeter-se a qualquer tipo de Cardiovasculares
operação é muito importante. Sabidamente, estes pacien-
tes, quando hospitalizados, apresentam controle glicêmi- A causa mais comum de morte nos pacientes com
co mais difícil, devido principalmente à mudança na ativi- insuficiência renal crônica é a doença cardiovascular,
dade física ou a comorbidades agudas, tais como infec- sendo a hipertensão arterial a enfermidade mais freqüen-
ções, vômitos e diarréia, falta de apetite etc. Assim sendo, te. A hipertrofia ventricular esquerda, em combinação
tanto hiperglicemia quanto hipoglicemia podem ser com anemia, é encontrada em até 75% dos pacientes que
observadas após a internação. Por essa razão, pacientes iniciam tratamento dialítico. A insuficiência cardíaca
com doença renal e diabéticos devem ser cuidadosamen- como resultado de isquemia miocárdica ou de hiperten-
te monitorados com medidas da glicemia pré-prandial e são arterial pode ser exacerbada pela uremia e shunts vas-
noturna, monitorização de eletrólitos séricos, observação culares para hemodiálise. Na atualidade, a pericardite
do bicarbonato de sódio e lacuna de ânions séricos e ceto- urêmica é rara22,25.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Pacientes hipertensos mostram exagerada oscilação resistência vascular e conseqüente comprometimento da


pressórica durante a indução anestésica e intubação oro- função renal. A concentração sérica de catecolaminas cai
traqueal. Enquanto não há clara evidência de que essa durante a anestesia geral, em uma extensão que varia con-
resposta pressórica é a causa de mortalidade e morbida- forme o agente anestésico e a dose. O estresse cirúrgico e
de no pós-operatório, é prudente buscar adequado con- a isquemia tecidual são poderosos estimuladores da libera-
trole da pressão arterial, realizar diálise pré-operatória e ção de catecolaminas. Assim, agentes inalatórios como
adotar técnicas que minimizem a instabilidade cardiovas- halotano, enflurano e isoflurano, que não provocam
cular21. A medicação anti-hipertensiva deve ser mantida aumento de catecolaminas, freqüentemente deprimem a
no pré-operatório. função renal de forma leve23.
Medicações pré-operatórias como benzodiazepínicos O sistema renina-angiotensina pode ser estimulado
podem ser usadas, pois são de excreção hepática, predo- por vários fatores, como pressão de perfusão renal redu-
minantemente. Entretanto, a duração e a atividade de zida e depleção de volume extracelular. Trauma cirúrgico
seus metabólitos são prolongadas na insuficiência renal. e choque hemorrágico causam intenso estímulo nesse
Pacientes em tratamento dialítico e em uso de anti- sistema. Na anestesia epidural, ocorre supressão do siste-
hipertensivos podem apresentar hipotensão arterial pro- ma renina-angiotensina, provavelmente devido à perda
funda, após indução anestésica, causada por depleção de de tônus simpático renal. A hidratação pré-operatória
volume intravascular após diálise e efeito aditivo de dro-
adequada parece atenuar a liberação operatória de renina.
gas anestésicas e drogas anti-hipertensivas ou por neuro-
A secreção de aldosterona é controlada fisiologicamente
patia autonômica. Hipotensão arterial prolongada no
pelo sistema renina-angiotensina. A anestesia pode alte-
peroperatório é forte indicativo de insuficiência renal
rar seu controle, mas alterações na liberação de aldoste-
aguda no pós-operatório20.
rona não causam significativas alterações da função renal
no pré-operatório.
Neuroendócrinos Prostaglandinas são produzidas pelo rim e antagoni-
zam o efeito vasoconstritor renal do sistema renina-angio-
O sistema neuroendócrino é estimulado por altera-
tensina. As prostaglandinas tornam-se importantes na
ções cardiovasculares durante procedimentos anestési-
manutenção do ritmo de filtração glomerular e função
cos e cirúrgicos, por meio da atividade simpática renal e
tubular, quando a função renal está comprometida.
hormonal. Assim, efeito vasoconstritor renal é produzi-
Antiinflamatórios não-esteróides, utilizados como medi-
do por angiotensina II, endotelinas e catecolaminas,
cação pré-anestésica e para tratamento de dor operatória,
enquanto vasodilatação renal é desencadeada por prosta-
podem afetar a função renal dependente da síntese de
glandinas, cininas e óxido nítrico. A combinação do efei-
to vasoconstritor renal, associado à hipotensão arterial e prostaglandinas. Como conseqüência, ocorre redução de
ao uso de drogas é fundamental na piora da função renal, ritmo de filtração glomerular e precipita-se a falência renal.
nos pacientes com doença renal. Os efeitos diretos dos agentes anestésicos estão rela-
Os anestésicos inalatórios, com exceção do halotano cionados à auto-regulação do fluxo renal, transporte de
e do óxido nitroso, são depressores cardíacos, e provo- sódio e nefrotoxicidade direta. A auto-regulação é manti-
cam diminuição na resistência vascular sistêmica e pres- da com tiopental, fentanil e halotano. O transporte de
são arterial média. Muitos agentes anestésicos também água não sofre influência direta com uso de tiopental e
causam aumento da resistência vascular renal. Essa com- halotano, embora esses agentes causem alterações dose-
binação hemodinâmica resulta em depressão do fluxo dependente no hormônio anti-diurético e reabsorção
sangüíneo renal e redução do ritmo de filtração glomeru- tubular de água.
lar no peroperatório20. O transporte de sódio é estimulado por doses peque-
Dor, ansiedade e estresse aumentam a atividade sim- nas de alguns anestésicos como halotano, óxido nitroso e
pática renal, que produz vasoconstrição renal, com redu- tiopental, mas é inibido em doses elevadas. A inibição é
ção do ritmo de filtração glomerular e do fluxo sangüíneo possivelmente um efeito direto, enquanto o estímulo
renal, com conseqüente liberação de renina. A pressão pode ser causado por interação com catecolaminas,
arterial é freqüentemente mantida às custas do aumento da angiotensina II e aldosterona.
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Capítulo 39 .: Cirurgia no paciente com doença renal

A avaliação anestésica pré-operatória é essencial no 10 ■ Le A, Wilson R, Douek K, Pulliam L, Tolzman D, Norman D,


paciente com déficit renal. A função cardiorrespiratória et al. Prospective risk stratification in renal transplant candi-
dates for cardiac death. Am J Kidney Dis. 1994;24:65-71.
deve ser otimizada, assim como o balanço hidroeletrolí- 11 ■ Remuzzi, G. Bleeding in renal failure. Lancet. 1988;1:1205-8.
tico. O limite de fluido diário deve ser avaliado. Paciente 12 ■ Pivalizza EG, Abramson DC, Harvey A. Perioperative hyper-
com doença renal grave ou em programa de diálise crô- coagulability in uremic patients: a viscoelastic study. J Clin
nica deve estar, no pré-operatório, clinicamente euvolê- Anesth. 1997;9:442-5.
mico, normotenso, normonatrêmico, normocalêmico, 13 ■ Steiner RW, Coggins C, Carvalho AC. Bleeding time in uremia: a
useful teste to assess clinical bleeding. Am J Hematol.
não-acidótico, com anemia corrigida e sem disfunção 1979;7:107-17.
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40
ABORDAGEM
DO PACIENTE
ONCOLÓGICO
João Gabriel Marques Fonseca,
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução benefício da implantação de programas educativos de


prevenção e de detecção precoce do câncer, com base
O câncer constitui a segunda causa de óbito, atrás ape- nas características gerais da população e na incidência dos
nas das afecções cardiovasculares. Parkin et al.1 estimaram, principais tipos de câncer2.
para o ano de 2000, que o número de casos novos de cân- O diagnóstico precoce e a terapêutica multimodal têm
cer no mundo seria superior a 10 milhões, entre os quais, contribuído de maneira significativa para a melhoria da
53% ocorreriam nos países em desenvolvimento. Como o sobrevida dos pacientes, em quase todos os tipos de cân-
Brasil não possui registro nacional de câncer, não é possível cer. O câncer sólido, na sua fase inicial, freqüentemente
conhecer o número de novos casos de câncer que são diag- tem sido curado, por meio de ressecção cirúrgica.
nosticados a cada ano. Por isso, as estimativas anuais têm Contudo, em especial em estádios mais avançados, o tra-
sido de grande valor. As estimativas para o ano de 2005 tamento do câncer tem incluído, freqüentemente, a aplica-
apontaram a ocorrência de cerca de 450.000 casos novos de ção de mais de um método terapêutico. A combinação de
câncer em nosso país2. Os tipos mais incidentes, à exceção métodos visa obter índices maiores de cura, com menor
dos tumores de pele não-melanomas, foram os de próstata toxicidade, menores perdas anatômicas e maior preserva-
e pulmão, no sexo masculino, e os de mama e colo do ção da estética e da função dos órgãos comprometidos.
útero, no feminino, acompanhando a mesma tendência Os processos de decisão, nos casos para os quais exista
observada no mundo. Ainda de acordo com essas estimati- mais de uma opção terapêutica, devem ser discutidos com
vas, o câncer de pele não-melanoma foi indicado como o base em conhecimentos estabelecidos, ou seja, o processo
mais incidente na população brasileira (113 mil casos de tomada de decisões deve envolver o compromisso
novos), seguido pelos tumores de mama feminina (49 mil), com a escolha da melhor conduta, caso a caso.
próstata (46 mil), pulmão (26 mil), cólon e reto (26 mil),
estômago (23 mil) e colo do útero (21 mil)2.
A análise da distribuição da incidência e mortalidade
Hospital especializado em Oncologia
por câncer é fundamental para a compreensão dos aspec- O câncer constitui afecção complexa, que envolve
tos epidemiológicos e para o conhecimento dos fatores alto custo e, por isso, representa importante desafio pro-
etiológicos e prognósticos envolvidos em cada tipo espe- pedêutico-terapêutico. Para seu adequado manejo, é
cífico de câncer, além de auxiliar na prevenção da doen- imprescindível a existência de profissionais especializa-
ça, bem como no planejamento e no gerenciamento dos dos e adequadamente treinados, além de apropriada
serviços de saúde. Quanto mais avançado o estádio da infra-estrutura hospitalar. No foco de interesse deve estar
doença, maior é o custo do diagnóstico e do tratamento o paciente, para que ele possa receber o melhor, mais
e menor a possibilidade de cura. Por isso, é grande o atualizado e mais específico tratamento para o seu caso.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Por isso, priorizar o encaminhamento de pacientes onco- o cirurgião mais iatrogênico, contribuindo decisivamente
lógicos para hospitais especializados em câncer ou para para o sofrimento do paciente e de seus familiares.
hospitais de nível terciário de atenção à saúde (p. ex., hos- O cirurgião oncológico pode ser formado de duas
pitais universitários) seria recomendável. Outras institui- maneiras principais. Ele pode iniciar sua formação com o
ções hospitalares de caráter generalista deveriam priorizar treinamento em Cirurgia Geral e, numa segunda etapa, ser
o atendimento de pacientes com afecções benignas. exposto a programa específico de Oncologia cirúrgica.
Neste caso, ele fará a residência médica em Cirurgia
Oncológica que, apesar de dar ênfase para afecções e ope-
Cirurgia Oncológica rações intraperitoneais, inclui ainda treinamento em ope-
A Cirurgia foi a primeira modalidade de tratamento rações oncológicas do retroperitônio, do tórax, da cabeça
do câncer e permanece como aquela que oferece maior e do pescoço. Essa formação abrangente favorece a reali-
esperança de cura e melhora efetiva dos sintomas, sinais zação de operações alargadas que, quando necessárias,
e da qualidade de vida dos doentes. O papel do cirurgião implicam atuar em diferentes regiões anatômicas e realizar
diante dos cânceres sólidos confunde-se com a própria procedimentos cirúrgicos específicos. Outra maneira de
história da Cirurgia. Estima-se que mais de 90% dos formar o cirurgião oncológico é a partir do treinamento
pacientes com esse tipo de câncer se submeterão, em inicial na Cirurgia Geral, da especialização em uma das
algum momento, a tratamento cirúrgico, sendo que, em áreas de atuação (Ginecologia, Cirurgia do Aparelho
60% dos casos, a Cirurgia será a principal ou a única Digestivo, Urologia etc.) e da superespecialização em
forma de tratamento oncológico. Oncologia (Cirurgia Oncológica Digestiva, Oncologia
Grandes operações por vezes pouco contribuem para Ginecológica etc.)
a vida do paciente. Outras vezes, as ressecções radicais Dessa forma, na prática, cirurgiões gerais e, principal-
ou alargadas, algumas com graves mutilações cirúrgicas, mente, especialistas não apenas podem conduzir casos
constituem a forma mais adequada e segura para vencer oncológicos3, como talvez sejam aqueles que mais freqüen-
o processo neoplásico. A utilização de regras preestabe- temente tratem pacientes com câncer. A participação do
lecidas e o respeito a rotinas e consensos são úteis e dão cirurgião no diagnóstico, estadiamento tumoral, tratamen-
amparo legal ao exercício profissional. Os avanços, em to e na pesquisa de novas modalidades propedêutico-tera-
particular nessa área, devem ser alcançados por meio de pêuticas, assim como sua atuação nas fases mais difíceis da
projetos de pesquisa aprovados por comissões de ética, existência do paciente (recorrência e fase terminal) é que
desenvolvidos com respeito e cautela, e acompanhados vão caracterizá-lo como especialista em Cirurgia
com o máximo de rigor científico. Oncológica. A integração do cirurgião oncológico com a
A Cirurgia Oncológica apresenta vários e diferentes equipe multidisciplinar também é essencial ao bom resulta-
objetivos e deve sempre se fundamentar em princípios do da terapêutica a ser empregada.
que nortearão sua prática. Esses assuntos serão discuti-
dos adiante, neste mesmo capítulo.
Diagnóstico e indicação cirúrgica
Diante da suspeita de câncer, seja pela presença de
Cirurgião oncológico
quadro clínico compatível, seja pela existência de fatores
O cirurgião que atende e opera pacientes com câncer de risco, torna-se imprescindível a realização de avalia-
deve compreender o processo biológico que está enfren- ções complementares que permitam seu diagnóstico e
tando, para não perder de vista os objetivos, as vantagens sua confirmação histológica. As avaliações pré-operató-
e, principalmente, as limitações de sua prática. É impres- rias do estado geral do paciente e da extensão da dissemi-
cindível que ele conheça e vivencie os princípios da nação tumoral (estadiamento pré-operatório) também
Cirurgia Oncológica, saiba indicar corretamente as ope- são essenciais na escolha da terapêutica ideal. Nos casos
rações e tenha condições técnicas para realizá-las. A inex- de indicação cirúrgica, o estadiamento pré-operatório
periência do cirurgião que atua nessa área limita sua capa- deve ser complementado com a avaliação macroscópica
cidade de resolução dos problemas do paciente; mas, peroperatória e com eventuais exames realizados duran-
sem dúvida, é a imaturidade que, quando presente, torna te a operação. Entre eles, destacam-se o exame histoló-

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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

gico peroperatório por corte de congelação e a ultra- Ressecável é o tumor que apresenta condições de ser
sonografia peroperatória. Por meio dessas avaliações, removido, respeitando sempre a relação custo-benefício.
define-se a possibilidade de operar o paciente (operabi-
lidade), de ressecar seu tumor (ressecabilidade) e, prefe-
rencialmente, de fazê-lo com radicalidade oncológica Avaliação do paciente com câncer
(ressecabilidade com finalidade curativa). Após a reali-
zação das ressecções e por meio do exame anatomopa- Avaliação clínica geral
tológico da peça cirúrgica, devem ser confirmados o
Pacientes com câncer apresentam freqüentemente com-
diagnóstico histológico e seu estadiamento. O prognós-
prometimento de suas condições clínicas, em decorrên-
tico do paciente e a necessidade de tratamento adjuvan-
te dependem, diretamente, do estadiamento tumoral cia não apenas da presença do tumor, mas também de
final e do tipo de ressecção realizada quanto à existên- sua idade (os pacientes geralmente são idosos), da exis-
cia ou não de doença residual. (Figura 40.1) tência de doenças e outras condições mórbidas associa-
É importante distinguir os conceitos de ressecabilida- das (tabagismo, etilismo etc.), e da ocorrência de compli-
de e operabilidade. Operável é o doente que apresenta cações (hemorragia, obstrução, desnutrição etc.) que são
condições para ser submetido à terapêutica cirúrgica e causas de graves repercussões orgânicas. Além disso,
concorda com a realização do procedimento cirúrgico. esses pacientes são candidatos a receber tratamentos

Suspeita de avaliação clínica e exames complementares


câncer

verificação das condições clínicas


diagnóstico tumoral e confirmação histológica
estadiamento tumoral pré-operatório

Indicação cirúrgica

Operabilidade (paciente) Procedimento


cirúrgico

estadiamento peroperatório
(avaliação macroscópica peroperatória etc.)

Ressecabilidade
(tumor)

Ressecabilidade com finalidade curativa (tumor)


(preferencial)

diagnóstico histológico e estadiamento finais

definição do prognóstico e de eventual tratamento


adjuvante

Figura 40.1 .: Algoritmo com o manejo do paciente oncológico que apresenta indicação de tratamento cirúrgico

483
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

agressivos, que também podem acarretar prejuízo à sua Avaliação global do paciente
saúde, seja pelas complicações perioperatórias observa- (performance status)
das em pacientes tratados cirurgicamente, seja pela toxi-
cidade e pelos efeitos colaterais das demais formas de O performance status (PS) do paciente constitui ava-
terapia oncológica. Por essa razão, é imprescindível que liação de caráter subjetivo, porém, se feita e registrada de
o paciente seja adequadamente avaliado antes de ser rea- modo criterioso e a cada consulta, passa a ser importan-
lizado o tratamento, sendo o resultado dessa avaliação te na avaliação global do paciente com câncer. Uma piora
importante inclusive na tomada da decisão terapêutica. progressiva no PS pode predizer a progressão da doença.
Dessa forma, esse simples parâmetro pode auxiliar na
solicitação de exames complementaras e na definição da
conduta propedêutico-terapêutica3. Entre as escalas de
Marcadores tumorais séricos PS já validadas, destacam-se a de Karnofsky, do American
Um dos principais focos da saúde pública tem sido a Joint Committee on Cancer (AJCC) e a da Eastern Cooperative
busca de métodos que auxiliem na detecção precoce do Oncology Group (ECOG)3. A primeira é mais detalhada e
câncer, no monitoramento da eficácia de seu tratamento exata; a segunda, mais simples e objetiva. (Quadro 40.2)
e no diagnóstico de eventuais recidivas e metástases. Os
marcadores tumorais são substâncias produzidas pelo
Estadiamento tumoral
tumor ou pelo hospedeiro, que têm sido empregadas
para diferenciar neoplasias de tecido inalterado, por meio A estratégia terapêutica do câncer tem no estadiamento
de sua mensuração no sangue ou em outras secreções4. uma de suas peças fundamentais. Conhecer o estádio tumo-
Essas substâncias podem ser antígenos oncofetais, anti- ral, ou seja, a fase da doença que se pretende tratar, é essen-
corpos, hormônios, enzimas, isoenzimas, proteínas de cial ao sucesso do tratamento. Por sua vez, para avaliar ade-
adesão, proteínas secretórias, carboidratos epítopes quadamente o estadiamento tumoral, é mister conhecer os
(marcadores mucínicos) e produtos de oncogenes5. principais tipos de disseminação do tumor que está sendo
Vários marcadores tumorais têm surgido nos últimos avaliado (contínua, contígüa, linfática, hematogênica, trans-
anos, contudo faltam estudos que os validem para uso peritoneal etc.). Esse é um bom exemplo de importante
rotineiro na prática clínica, especialmente com o objetivo conhecimento de patologia aplicado à atividade clínica.
de rastreamento e diagnóstico. A maioria deles vem
sendo empregada com o objetivo de favorecer o diagnós-
tico precoce de recidivas loco-regionais ou de metástases Objetivos
a distância6-8. Alguns marcadores tumorais têm sido tam-
O conhecimento da extensão da disseminação tumo-
bém considerados fatores prognósticos, como é o caso
ral permite definir, com maior segurança, a melhor tera-
do antígeno cárcino-embrionário9. No Quadro 40.1,
pêutica, evitando-se o tratamento incompleto, que pode-
estão sumariadas as características de um marcador
ria levar ao comprometimento da radicalidade oncológi-
tumoral ideal, meta ainda não alcançada.
ca, e o tratamento excessivo, que poderia cursar com des-
necessária morbidade perioperatória. Infelizmente, os
métodos propedêuticos não têm alcançado a acurácia
Quadro 40.1 .: Características de um marcador tumoral ideal desejada, tanto no diagnóstico quanto no estadiamento
dos tumores. Em conseqüência dos erros observados
Fácil mensuração nessa avaliação propedêutica, observa-se grande prejuízo
Ausente em doenças benignas aos pacientes, com necessidade de se repetirem exames,
Detectável em estádios iniciais do câncer
com conseqüente atraso e aumento do custo do trata-
mento, tomada de decisão terapêutica equivocada, reali-
Relação direta entre seu nível e a extensão do tumor
zação de ressecções sub ou superdimensionadas, defini-
Relação inversa com a eficácia do tratamento
ção prognóstica falha, entre outros problemas. O reco-
Baixo custo nhecimento das causas de erros e das limitações de cada
exame é essencial na escolha dos melhores métodos pro-
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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

pedêuticos a serem utilizados no diagnóstico e estadia- tórax, abdome etc.); ressonância magnética (angiorresso-
mento dos diversos tipos de câncer. nância, colangiorressonância etc.); endoscopia (digestiva
alta, laparoscopia, broncoscopia etc.); endossonografia (do
esôfago, do estômago ou do reto); PET-scan; linfografia,
Exames propedêuticos pré e peroperatórios
pesquisa de linfonodo sentinela, cintilografia etc. As im-
Além do exame clínico que pode ser muito útil no esta- pressões clínicas e imaginológicas, no entanto, não consti-
diamento tumoral (por exemplo, nódulo cervical, ascite, tuem guia absolutamente confiável. Decisões quanto à in-
massa pélvica palpável, icterícia, prateleiras de Bloomer viabilidade de se realizar ressecções com finalidade curativa
etc.), vários exames podem ser empregados para aprofun- devem se basear em resultados histológicos ou citológicos.
dar o estadiamento tumoral pré-operatório. Entre eles, des- Por exemplo, a presença de líquido peritoneal não significa
tacam-se: radiografia de tórax; ultra-sonografia (cervical, obrigatoriamente ascite neoplásica e carcinomatose
abdominal etc.); tomografia computadorizada (crânio, peritoneal. É importante sua confirmação citológica.

Quadro 40.2 .: Escalas de Karnofsky e ECOG empregadas na definição do performance status (na avaliação subjetiva do paciente
com câncer)

Karnofsky ECOG
Sem queixas ou sem evidência de doença 100 Atividade normal 0
Capaz de exercer todas as atividades pré-doença sem res-
trição
Capaz de atividades físicas habituais 90 Restrição a atividades mais vigorosas, porém permanece 1
Poucos sinais ou sintomas da doença ambulatorial, sendo capaz de trabalhos leves e de nature-
za sedentária

Capaz de exercer atividade habitual com esforço 80


Alguns sinais e sintomas da doença
Cuida-se sozinho 70 Capaz de cuidar de si próprio totalmente, mas 2
Incapaz de exercer atividade habitual ou trabalho incapaz de trabalhar
ativo Ambulatorial e não-acamado em mais de 50% do
tempo
Ocasionalmente necessita de assistência
Necessita de assistência ocasional, mas é capaz de 60
cuidar da maior parte de suas próprias necessidades
Necessita de considerável assistência e cuidados 50 Capacidade limitada de cuidar-se 3
médicos freqüentes Confinado a cama ou cadeira em mais de 50% das
horas diurnas
Ambulatorial 50% do tempo ou menos
Cuidados constantes
Incapacitado 40
Necessita de cuidados especiais
Incapacidade acentuada 30 Acamado 4
Indicada hospitalização, embora a morte não seja Totalmente incapaz
iminente Não consegue cuidar de si próprio
Pode necessitar de hospitalização
Muito doente 20
Necessita de hospitalização e tratamento de suporte
Moribundo 10
Processo fatal progredindo rapidamente

Morto 0

ECOG – Eastern Cooperative Oncology Group

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O material deve ser enviado ao serviço de patologia com Quadro 40.3 .: Bases do estadiamento TNM
fixação em álcool (em partes iguais). Na ausência de ascite,
Classificação TNM
o lavado peritoneal peroperatório pode ser realizado nos
T - Tumor primário
cânceres do tubo digestivo. Basta instilar cerca de 50mL de
Tx Tumor primário não pode ser avaliado
solução salina em área próxima ao câncer e o aspirado é
T0 Não há evidência de tumor primário
enviado para citologia (idealmente deve-se centrifugá-lo).
Tis Tumor in situ
Células mesoteliais devido a reação inflamatória intensa
T1 a T4 Tamanho crescente e/ou extensão local do tumor primário
podem ser confundidas com células tumorais. A presença
de sangue no lavado peritoneal dificulta também a sua ava- N - Linfonodos
liação. O diagnóstico de células malignas no lavado tem Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados
valor prognóstico nos tumores malignos intraperitoneais3. N0 Ausência de metástases em linfonodos regionais
Durante o procedimento cirúrgico, o estadiamento N1 a N3 Comprometimento crescente dos linfonodos regionais
deve ser complementado por meio da exploração cirúrgica Obs. metástases em linfonodos não-regionais devem ser conside-
radas metástases à distância
e de exames complementares, que irão ratificar ou retificar
a impressão pré-operatória. Os principais métodos empre- M - Metástases à distância
gados no estadiamento tumoral peroperatório são a avalia- Mx Presença de metástases à distância não pode ser avaliada

ção macroscópica feita pelo cirurgião, o exame histológico M0 Ausência de metástases à distância

por corte de congelação e o exame ultra-sonográfico. M1 Presença de metástases à distância

Regras gerais do sistema TNM Aspectos genéticos e moleculares


O sistema TNM (tumor, linfonodo e metástase) para
do câncer
classificação dos tumores malignos foi desenvolvido em O conhecimento em relação ao câncer evoluiu muito
meados do século passado. A partir da década de 80 do entre a descrição da estrutura molecular dos ácidos nucléi-
século passado, a AJCC, o UICC e demais organismos cos, por Watson e Crick11, e a publicação dos resultados do
internacionais procuraram uniformizar, atualizar e desen- projeto Genoma Humano, em 200012. A partir do conheci-
volver novas classificações10. As regras gerais empregadas mento detalhado das alterações moleculares que consti-
no sistema TNM estão expressas no Quadro 40.3. tuem a base do desenvolvimento tumoral, concluiu-se que
A classificação TNM para descrever a extensão ana- o câncer é uma doença genética. O crescimento e a disse-
tômica dos cânceres considera três componentes: T- minação tumoral são marcados por alterações nos genes de
extensão do tumor primário; N- ausência ou presença e origem somática ou genética, propriamente dita. Esses
extensão das metástases linfonodais (linfonodos regio- conhecimentos moleculares, em franca evolução, consti-
nais); M- Ausência ou presença de metástases a distância. tuem a base da carcinogênese e têm permitido compreen-
Essa classificação pode ser clínica, cirúrgica ou anatomo- der as alterações cromossômicas relacionadas a diversos
patológica, dependendo do momento em que ela é reali- tipos de câncer e entender os vários processos relacionados
zada. O estadiamento clínico (cTNM) baseia-se nos ao desenvolvimento e progressão da doença maligna.
achados clínicos, exames de imagem, endoscopias, Na prática, as seguintes conquistas têm sido conside-
biópsias e outros exames pré-operatórios. A classificação radas os principais avanços nesse conhecimento: a) des-
cirúrgica (sTNM) deve considerar também os aspectos coberta de marcadores tumorais moleculares, que tem
peroperatórios, ou seja, observados durante a exploração permitido avaliação prognóstica mais adequada e melhor
cirúrgica: avaliação macroscópica, ultra-sonografia, predição da resposta ao tratamento antineoplásico; b)
exame histológico por corte de congelação etc. A classi- desenvolvimento de agentes antineoplásicos com alvo
ficação anatomopatológica (pTNM) deve basear-se ainda molecular definido, ou seja, específicos para alterações
nos exames macro e microscópico da peça cirúrgica, e das células neoplásicas (drogas antiangiogênicas e anti-
quase sempre coincide com a classificação final (fTNM). metástases, antiproliferativas e pró-apoptóticas); c) diag-
Após a definição das categorias T, N e M, elas podem ser nóstico de síndromes genéticas que predispõem ao cân-
agrupadas por estádios (I a IV, com subdivisões). A pre- cer, ou seja, identificação de populações de alto risco
sença de metástases a distância define o estádio IV. (aconselhamento genético e prevenção secundária)13.
486
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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

Preparo pré-operatório do paciente Quadro 40.4 .: Preparo pré-operatório do paciente oncológico

com câncer Preparo psicológico


Aceitação e autorização para realização de procedimentos mutiladores
Pacientes oncológicos apresentam maior risco de apre-
Terapia nutricional (enteral ou parenteral)
sentar complicações perioperatórias em decorrência de
Correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos
serem freqüentemente idosos, desnutridos, imunodeficien-
Correção da anemia
tes, etilistas, tabagistas e, algumas vezes, por terem sido
Correção dos distúrbios de coagulação
submetidos à terapêutica neoadjuvante com químio e/ou Otimização da função respiratória
radioterapia. Se, por um lado, a radioterapia pré-operatória Profilaxia de infecções cirúrgicas
aumenta a possibilidade de necrose de retalhos, fístulas Profilaxia de complicações tromboembólicas
anastomóticas e lesões actínicas diversas, os quimioterápi- Preparos específicos (relacionados ao paciente ou à operação a ser realizada)
cos são potencialmente tóxicos para o coração, o pulmão,
a medula óssea e os rins. Pacientes em quimioterapia neo-
adjuvante apresentam-se freqüentemente com acentuado Princípios da Cirurgia Oncológica
comprometimento do estado nutricional e imunológico.
Entre as complicações pós-operatórias, as mais freqüentes O procedimento cirúrgico pode ter finalidade curativa
têm sido as infecciosas e as tromboembólicas. ou paliativa. A ressecção com finalidade curativa está indi-
A fadiga também constitui condição comum em pacien- cada sempre que não ficar definida a presença de doença
tes oncológicos14. Fatores fisiológicos e fisiopatológicos avançada, ou seja, quando não estiver confirmada a exis-
inter-relacionados contribuem para o desenvolvimento tência de metástases a distância. Ela consiste na exérese do
desse sintoma e incluem depressão, anemia, infecção, radio- tumor com margens de segurança suficientes para se
terapia, quimioterapia, desnutrição, perda de massa muscu- obterem bordas cirúrgicas livres de neoplasia, na remoção
lar, imobilidade, alterações do sono e liberação de citoci- de linfonodos regionais suspeitos ou não (linfadenectomia
nas14,15. Com o objetivo de prevenir e tratar a fadiga, inter- radical) e na ressecção de estruturas, órgãos ou segmentos
venções não-farmacológicas (repouso, sono, exercício físi- de órgãos eventualmente envolvidos por contigüidade. É
co e redução do estresse) e farmacológicas deveriam ser sis- muito importante realizar a operação em monobloco e tra-
tematicamente implementadas tanto no pré-operatório balhar longe da neoplasia. Contudo, em alguns casos, é
quanto no pós-operatório de procedimentos oncológicos15. possível prescindir da linfadenectomia, considerando a
No preparo pré-operatório do paciente com câncer, baixa freqüência de metástases linfáticas observada, por
várias medidas devem ser sistematicamente tomadas; no exemplo, nos carcinomas foliculares da tireóide, nos tumo-
Quadro 40.4 estão sumariadas algumas delas. A correção res estromais gastrointestinais e em alguns carcinomas
da anemia, por meio da transfusão de concentrado de digestivos intramucosos.
hemácias, além do risco de transmissão de infecções virais, Um princípio essencial da Cirurgia Oncológica é o
pode propiciar a ocorrência de complicações microcircula- planejamento cirúrgico. É inaceitável o cirurgião
tórias e imunossupressoras, sendo esta última associada ao conhecer seu paciente na mesa cirúrgica, em particular
maior risco de infecção pós-operatória e recidiva tumoral16. se o paciente tem câncer. A primeira operação é a
Contudo, não podemos evitar a transfusão de sangue e melhor, senão a única, oportunidade de curar uma neo-
derivados nas operações oncológicas de grande porte, plasia18. Dessa forma, é imprescindível o adequado
envolvendo perdas sangüíneas consideráveis e em pacien- conhecimento sobre o comportamento e a extensão da
tes com concentrações de hemoglobina abaixo de 10g/dL, doença que se pretende tratar, para se planejar adequa-
especialmente naqueles muito idosos, com doença arterial damente a estratégia terapêutica, a tática e as técnicas
coronariana ou outras condições mórbidas importantes. cirúrgicas. Com isso, seria mais fácil evitar a permanên-
As operações oncológicas, especialmente as abdomi- cia tumoral e a futura recidiva clínica, que poderiam
nopélvicas, têm cursado com alto risco de complicações agravar substancialmente o prognóstico e que, em mui-
tromboembólicas, com mortalidade que atinge 29% em tos casos, até poderiam ser consideradas iatrogênicas.
pacientes não-tratados. A prevenção, o diagnóstico e o Certamente, sempre que possível e seguro para o
tratamento permanecem como um dos grandes desafios paciente, o tratamento cirúrgico em um só tempo é mais
no manejo do paciente com câncer17. vantajoso e desejável. No entanto, em alguns casos, em
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

particular em pacientes idosos e/ou com maior risco mia total profilática tem sido indicada em pacientes que
cirúrgico, pode ser interessante realizar o procedimento apresentam história familiar de carcinoma gástrico e
cirúrgico em dois ou mais tempos. Desse modo, aumen- mutação CDH do gene E-caderina, em conseqüência do
ta-se a tolerância ao procedimento, reduzindo a morbi- grande risco de desenvolverem tumores do tipo difuso
mortalidade operatória. Nesses casos, é importante que o de Laurén do tipo familiar19. Outros exemplos de ressec-
paciente e seus familiares sejam orientados sobre os ção preventiva incluem pacientes com: retocolite ulcera-
motivos que justificaram essa conduta, para entenderem tiva de longa evolução e difícil controle clínico; lesões
o ocorrido e aceitarem mais facilmente a necessidade de pré-cancerosas da pele; leucoplasia da mucosa oral; dis-
outra(s) intervenção(ões). plasias de alto grau do colo uterino, da mucosa gástrica
Na tentativa de melhorar a qualidade de vida pós- etc.; testículo ectópico (indicada orquiopexia para facili-
operatória, além da preocupação em definir técnicas de tar o diagnóstico de eventual futuro câncer ou orquiecto-
reconstrução mais funcionais, os cirurgiões têm se mia para prevenir sua ocorrência)18.
preocupado também em realizar ressecções tumorais
mais econômicas e por meio de procedimentos menos
agressivos, respeitando as particularidades de cada Diagnóstico e estadiamento
caso. Com o advento da Cirurgia Laparoscópica, o
interesse dos cirurgiões em incorporar as vantagens do Em alguns poucos casos, o diagnóstico e o estadia-
método no tratamento do câncer também tem sido mento do tumor acabam não sendo factíveis a partir do
grande. Contudo, esse assunto é ainda controverso e o exame clínico e dos exames complementares e o pacien-
acesso videocirúrgico em operações oncológicas deve te precisa ser submetido a procedimento cirúrgico com
ser empregado sob rigoroso protocolo de pesquisa. interesse propedêutico. Nessa situação, devem ser toma-
Vale lembrar que a implantação de células tumorais na dos alguns cuidados para garantir o sucesso do procedi-
parede abdominal (nos portais), apesar de não parecer mento e que incluem: a) escolha correta do local e da téc-
freqüente, deve ser mais bem avaliada. nica de coleta do material para exame histopatológico, de
Outros importantes princípios da Cirurgia Oncológica modo a propiciar material suficiente para o diagnóstico e
são discutidos em tópicos desse mesmo capítulo. minimizar o risco de disseminação tumoral; b) zelo com
a fixação e encaminhamento do espécime ao patologista.
A biópsia excisional é geralmente a preferida; contudo,
Objetivos da Cirurgia Oncológica em alguns tumores superficiais (mama, tireóide etc.) ou
Apesar de o objetivo central do tratamento cirúrgico quando é possível realizar o procedimento ecoguiado, a
do câncer ser o seu controle loco-regional, visando a cura punção aspirativa com agulha fina constitui um bom
do paciente, vários outros importantes objetivos preci- método tanto para permitir o diagnóstico histológico do
sam ser destacados e serão discutidos adiante. tumor quanto para confirmar a presença de metástase a
distância. A acurácia aumenta significativamente com a
experiência do cirurgião e do patologista com o método.
Prevenção
As ressecções estão indicadas no tratamento de algu- Cura
mas afecções pré-cancerosas, com o objetivo de prevenir
a ocorrência e disseminação dos tumores. Na polipose A cura do paciente depende principalmente do diag-
colônica familiar, doença de caráter autossômico domi- nóstico do câncer em fase precoce e da escolha adequa-
nante, deve-se indicar precocemente a colectomia total da e execução correta do procedimento cirúrgico. Com o
ou a proctocolectomia total, preferencialmente antes dos objetivo de alcançar a cura do câncer com a terapêutica
25 anos de idade. Os pólipos do tubo digestivo, princi- cirúrgica, é imprescindível o respeito a uma série de cui-
palmente os pólipos adenomatosos maiores de 2cm e os dados para se prevenir a disseminação peroperatória da
pólipos vilosos colônicos, por apresentarem importante neoplasia e evitar a recidiva tumoral. Os principais cuida-
potencial de malignização, também devem ser removidos dos peroperatórios que têm sido citados com esse obje-
e adequadamente examinados. Atualmente, a gastrecto- tivo estão expressos no Quadro 40.5.
488
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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

Quadro 40.5 .: Cuidados peroperatórios citados na prevenção da Redução do tumor


disseminação peroperatória e na recidiva tumoral
A redução do tumor, também conhecida como
Realizar incisão cirúrgica ampla e em local adequado citorredução, tem sido indicada principalmente em
Proteger tecidos vizinhos, parede abdominal e segmentos distais e proximais cânceres que, apesar de serem por princípio sensíveis a
do tubo digestivo químio e/ou a radioterapia, em decorrência de suas
Isolar o tumor com compressas (nos tumores digestivos especialmente quan- grandes dimensões acabam por responder mal a essas
do há invasão tumoral da serosa)
modalidades terapêuticas. A ressecção cirúrgica, nessa
Evitar a manipulação excessiva e a ruptura do tumor
situação, além de reduzir as manifestações próprias de
Remover o tumor com margens de segurança amplas (proximal, distal e radial)
seu tamanho e decorrentes de compressões locais,
Retirar todos os linfonodos regionais de drenagem da região onde está o
tumor favorece a ação dos agentes quimioterápicos. Câncer
Ressecar estruturas ou órgãos suspeitos de estarem infiltrados pela neoplasia; de ovário, carcinoma testicular e tumores de ilhotas
Realizar, sempre que possível, a operação em monobloco e trabalhar longe do pancreáticas constituem alguns dos tumores que têm
tumor sido operados com essa finalidade.
Ligar os pedículos venosos antes dos arteriais e no início do procedimento para
evitar a disseminação hematogênica
Trocar as luvas e os instrumentos cirúrgicos, após a ressecção tumoral Reconstrução
Aplicar clipes metálicos, sempre que necessário, para orientar o campo de
radioterapia pós-operatória As ressecções cirúrgicas freqüentemente implicam
mutilações, perda de tecidos, ablação de órgãos. É
imprescindível que o cirurgião se preocupe em oferecer
Paliação a melhor correção para esse defeito, considerando que
esta etapa do tratamento está estreitamente relacionada
As operações com esta orientação visam sobretudo com a qualidade de vida do paciente. Por meio de pro-
melhorar a qualidade de vida, apesar de também preveni- cedimentos bem indicados e executados, como implan-
rem algumas complicações que colocariam em risco a vida te de próteses (olhos, pênis, testículos etc.), rotação de
do paciente. Dessa forma, particularmente quando a opera- retalhos (p. ex., miocutâneos, para recompor grandes
ção paliativa inclui a ressecção do tumor, observa-se perdas teciduais), utilização de enxertos e transposição
aumento da sobrevida do paciente, com freqüência de de órgãos (p. ex., esofagocoloplastia), é possível favore-
forma estatisticamente significativa. Por princípio, os proce- cer a recuperação funcional e psicossocial do paciente.
dimentos cirúrgicos paliativos devem apresentar baixa mor-
bimortalidade, para se justificarem do ponto de vista da rela-
ção risco-benefício. Eles têm sido indicados na presença de Aspectos psicológicos do paciente
dor, obstrução, hemorragia e infecção. No Quadro 40.6, com câncer
estão sumariadas as principais indicações de tratamento
cirúrgico paliativo com as respectivas opções terapêuticas. Transdução e câncer
Um dos problemas centrais da Psicooncologia é a
Quadro 40.6 .: Indicações de tratamento cirúrgico paliativo com
suas respectivas opções terapêuticas chamada transdução, ou seja, a capacidade de um pro-
blema físico ocasionar uma experiência psicológica e
Obstrução (digestiva, Drenagem interna e externa (ostomia), vice-versa. Seria a partir dessa importante interação que
biliar, urinária etc.) by-pass, ressecção tumoral etc. um evento mental poderia afetar o corpo, favorecendo
Hemorragia Ressecção do tumor, ligadura vascular etc. a ocorrência de enfermidades. Inúmeros pesquisado-
Infecção Drenagem, desbridamento e ressecção de res20-3 têm procurado estabelecer ligações entre variados
tumores ulcerados e infectados de superfí-
cie (cabeça e pescoço, membros, pênis,
eventos psicológicos e o desenvolvimento do câncer.
mama etc.) Ainda que o assunto necessite ser mais bem avaliado,
Dor (secundária a obs- Ressecção tumoral, drenagem, cordoto- tem sido observada associação entre perdas (separa-
trução, fratura, infec- mias, infiltração de raízes nervosas etc. ções, enlutamentos, desemprego etc.), isolamentos
ção, infiltração tumoral)
emocionais e traumas, e o aparecimento de câncer anos

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mais tarde. Sentimentos profundos e crônicos de ocasiona estresse, podendo também precipitar uma crise.
mágoa e culpa têm sido também considerados impor- No Quadro 40.7, estão sumariadas definições de alguns
tantes na gênese dessa afecção. importantes termos empregados em Psicooncologia24.

Conhecimento da doença pelo paciente Quadro 40.7 .: Definições de alguns termos empregados em
Psicooncologia
Dar ou não conhecimento da natureza de sua doença Termo Definições
aos pacientes oncológicos tem sido uma das questões mais
Eventos de vida Mudanças no ambiente social que geram
discutidas no manejo desses pacientes. Os avanços prope- repercussões e requerem ajustamentos
dêutico-terapêuticos em Oncologia têm favorecido a Estresse Estado interno de ativação ocasionado por
melhoria nos índices de sobrevida, com significativas taxas um evento de vida
de remissão e cura. Contudo, a partir desses resultados e da Crise Estado temporário, mas amplo, de desequi-
líbrio ocasionado por um evento de vida
“cronificação” da doença, passou-se a exigir dos pacientes
Enfrentamento Adaptação empregada em condições difí-
esforços redobrados no sentido de permanecerem sob ceis e de desequilíbrio
constante vigilância, para viabilizar o diagnóstico precoce de Adaptação Contínua interação entre o paciente e o
eventual recidiva tumoral. Esse processo gera, em pacientes ambiente, portanto com implicações e
mal informados, questionamentos e dúvidas; nos conscien- estratégias mais abrangentes do que as do
enfrentamento
tes, angústia e medo. Contudo, em qualquer das situações, Suporte social Informação que leva o paciente a sentir-se
saber exatamente o que está acontecendo parece favorecer amparado, amado e estimado
a integração do paciente com a equipe de saúde, melhorar
seu entendimento dos fatos, aumentar sua aderência ao
acompanhamento clínico-oncológico e, conseqüentemen-
te, facilitar o suporte psicológico tanto ao paciente quanto
aos seus familiares. Por isso, atualmente não se pode igno- Relação médico-paciente oncológico
rar as dimensões humana e existencial do câncer, uma vez
que a abordagem de seus aspectos psicológicos e psicosso- Inicialmente é preciso definir, a partir de adequada
ciais constitui parte essencial do tratamento24. relação médico-paciente, as necessidades individuais e
O conhecimento e o saber são importantes elemen- específicas de cada paciente. Aqui a estratégia é escutar o
tos ampliadores de limites e redefinidores de horizontes; paciente e seus familiares. Com o conhecimento do diag-
ao contrário, o desconhecimento e a ignorância são limi- nóstico do câncer observam-se comportamentos diver-
tadores de experiências e de crescimento. A desinforma- sos, dependendo de inúmeros fatores, a maioria deles
ção marginaliza o paciente do processo no qual ele é o relacionada a características pessoais, a vivências e ao
principal interessado. A dúvida gera ainda mais angústia período da vida do paciente, mas também ao apoio fami-
e sofrimento. Vale, entretanto, lembrar que toda regra liar recebido e ao auxílio profissional disponível. Com
admite exceções. freqüência são observados, em um mesmo paciente, dife-
Na tentativa de combater o estigma do câncer, inúme- rentes comportamentos, atualmente considerados fases
ras campanhas de esclarecimento à população têm sido vei- de um mesmo processo.
culadas, o que tem favorecido o melhor entendimento do Inicialmente, é comum que a súbita confrontação
que é o câncer, de suas diversas opções terapêuticas e das com a própria vulnerabilidade gerem, no paciente, medos
possibilidades de sucesso. Com isso, estabeleceu-se um fundamentais, em particular da mutilação, da dependên-
novo padrão de relacionamento entre os profissionais de cia, da alienação e da morte. O comportamento do
saúde e os pacientes oncológicos, que passaram a exigir paciente pode ser regressivo, buscando a autoproteção,
muito mais informação, tempo e atenção e a demandar ou de enfrentamento, caso em que o indivíduo tenta
mudanças comportamentais adaptativas desses profissio- assumir o domínio sobre a situação24. Em qualquer das
nais, para conviverem com a nova realidade. situações, o paciente demanda atenção, necessita de
O conhecimento pelo paciente da existência do cân- informações e a interação estreita com o seu médico é
cer, um dos eventos de vida atualmente mais estudados, fundamental para o sucesso do tratamento.

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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

Suporte psicológico do paciente com câncer micas com a finalidade de possibilitar o acesso ao trata-
mento, alertam para possíveis psicopatologias, bem
Uma boa qualidade de vida é primordial e as relações como integram pacientes e familiares ao ambiente ambu-
humanas afetivas constituem a base para alcançá-la. latorial e hospitalar.
Todavia, também é mister o controle de transtornos fre-
qüentes, como dor, náuseas, inapetência, depressão, falta
de libido, impotência, depressão e ansiedade, para se resti- Resultado do tratamento oncológico
tuir o equilíbrio psicológico do paciente, facilitando sua
interação com o meio. Vários pacientes receberão apoio O resultado do tratamento oncológico tem sido ava-
psicológico de seu próprio médico e dos demais profissio- liado e classificado em diferentes momentos e de formas
nais de saúde envolvidos diretamente em seu atendimento. distintas. Em pacientes submetidos a tratamento cirúrgi-
Contudo, outros precisarão ser atendidos por profissionais co, a primeira avaliação do tratamento realizado é o pró-
especializados, seja para tratamento de transtornos psicoló- prio resultado anatomopatológico. É importante que o
gicos específicos, seja para realização de psicoterapia. cirurgião biopsie lesões em que haja suspeita de metásta-
O suporte psicológico ao paciente com câncer não se (hepática, peritoneal etc.) e envie ao patologista junta-
deve ser visto como preparação para a morte (apesar de mente com as peças cirúrgicas devidamente fixadas e com
ser este um objetivo importante), pois muitos doentes, as margens cirúrgicas identificadas de modo adequado.
mesmo estando curados, necessitam desse suporte. Ele Desenho esquemático com os pontos críticos pode facili-
também é imprescindível no momento da eventual tar o trabalho do patologista, diminuindo as probabili-
recorrência do tumor. De acordo com Silveira e dades de erro3. Em casos duvidosos, essas lesões e as mar-
Chaves24, “o sofrimento compartilhado é o princípio da gens devem ser examinadas no peroperatório por meio
comemoração coletiva das vitórias alcançadas e o do exame histológico por corte de congelação. Reco-
sucesso de um empreendimento em favor da vida não menda-se também biopsiar o tecido do antigo leito tumo-
depende apenas de quanto se conseguiu, mas o que e ral. A comprovação histopatológica é fundamental para a
como se conseguiu.” correta definição da doença residual. Processos inflama-
As principais condutas empregadas no suporte psico- tórios ou fibróticos pós-radioterapia podem ser confundi-
lógico ao paciente com câncer estão expressas no dos macroscopicamente com tecido neoplásico.
Quadro 40.8. O prognóstico e o tratamento pós-operatório serão
diferentes dependendo do tipo de intervenção realizada.
É considerada operação curativa (R0) aquela na qual,
Quadro 40.8 .: Condutas empregadas no suporte psicológico ao macroscopicamente, não se observa câncer residual e em
paciente com câncer que os limites microscópicos da ressecção estão livres de
acometimento tumoral3. Uma ressecção R1 é aquela na
Diminuir a preocupação com a doença qual ficou doença residual microscópica. Quando, após a
Restituir a autoestima e a autoimagem ressecção cirúrgica, permanece doença residual visível
Estimular o enfrentamento e a adaptação, valorizando o suporte psico-social (macroscópica) ela é categorizada como R2.
Controlar a ansiedade Em um segundo momento, a solicitação de marcado-
Tratar a depressão
res tumorais e de exames de imagem (tomografia etc.)
Recorrer, quando necessário, à psicofarmacologia
poderá ser útil tanto para diagnosticar recidivas em
Trabalhar individualmente ou em grupo (esse último, importante para desen-
volver suporte mútuo, com ênfase na expressão afetiva) pacientes submetidos a ressecção R0 ou R1 quanto para
mensurar o resultado do tratamento adjuvante em
pacientes com doença residual macroscópica (R2) ou
com tumores irressecáveis.
Na dependência da resposta alcançada, o resultado do
Assistentes sociais também constituem profissionais tratamento não-cirúrgico tem sido classificado em remis-
importantes no atendimento ao paciente oncológico, são completa, remissão parcial, resposta mínima e estabi-
pois realizam triagens, avaliam as condições sócioeconô- lização da doença25. (Quadro 40.9)

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 40.9 .: Resultado do tratamento não-cirúrgico na depen- Nunca, entretanto, o paciente torna-se totalmente fora
dência da resposta alcançada de possibilidade terapêutica, pois vários tratamentos sin-
Resultados alcançados Descrição tomáticos e de reposição, além de inúmeros cuidados,
Remissão completa Não-evidência de qualquer lesão tumoral podem e devem ser a ele ministrados.
por pelo menos quatro semanas
Remissão parcial Diminuição de pelo menos 50% das
lesões mensuráveis por pelo menos qua- Suporte clínico
tro semanas, sem o aparecimento de
novas lesões O suporte clínico a pacientes fora de possibilidade
Resposta mínima Resposta objetiva, contudo sem alcançar terapêutica oncológica é o conjunto de cuidados necessá-
a magnitude da resposta parcial
Estabilização da doença Não-redução significativa das lesões diag-
rios para assegurar alívio e dignidade de vida a esses
nosticadas, contudo sem progressão da pacientes. É indispensável que:
doença
■ todos os esforços sejam feitos no sentido de pro-

porcionar controle da dor do paciente. O encami-


Acompanhamento do paciente com câncer nhamento precoce do doente para serviços especia-
lizados em dor crônica e a participação de especia-
O retorno ambulatorial pós-operatório é imprescindível listas em analgesia devem ser sempre considerados;
para o adequado acompanhamento da evolução do pacien- ■ sejam utilizados todos os recursos disponíveis para

te oncológico. É importante o médico conscientizar o proporcionar ao paciente dignidade e conforto. O


paciente da necessidade de seu retorno para esse acompa- mobiliário, as roupas, o posicionamento do pacien-
nhamento. Alguns deles não retornam por falta de orienta- te, seu conforto térmico, os cuidados especiais com
ção adequada. O controle clínico-cirúrgico deve compreen- seus deslocamentos, o atendimento às suas necessi-
der avaliação da qualidade de vida, diagnóstico de eventuais dades fisiológicas, a ajuda para alimentação, os cui-
complicações e seqüelas pós-operatórias, assim como veri- dados com o sono e tudo mais que possa propor-
ficação da capacidade de adaptação digestiva, nutricional, cionar algum bem-estar deve ser providenciado;
comportamental, psicossocial e postural do paciente. O ■ seja dado ao paciente o direito de contar com a pre-
controle oncológico, por sua vez, consiste no diagnóstico e sença permanente de familiares e, sempre que pos-
tratamento de eventuais metástases à distância e de recidi- sível, permanecer e falecer em seu domicílio. Em
vas loco-regionais. Controle trimestral no primeiro ano, condições ideais, sob o ponto de vista ético, o
semestral até o quinto ano e, a partir daí, anual tem sido paciente só deve permanecer no hospital quando os
uma boa rotina, comum em serviços de Oncologia cirúrgi- recursos lá oferecidos forem significativamente
ca3. Exames complementares periódicos e/ou orientados melhores ou mais efetivos do que os disponíveis na
pelo exame clínico podem identificar recidivas tratáveis ou casa do paciente;
um segundo tumor primário (multicêntrico metacrônico). ■ nunca se abandone o paciente. O atendimento
A solicitação desses exames deve obedecer a rotinas pré- médico não cessa, mesmo se os recursos terapêuti-
estabelecidas de modo a sistematizar condutas consensuais. cos acabarem;
Contudo, essas rotinas devem considerar que a realização ■ nos pacientes fora de possibilidade terapêutica onco-
excessiva e desnecessária de exames representa custos adi- lógica e em estado terminal é recomendável que:
cionais e acarreta sempre estresse para o paciente.
■ recebam terapêutica de reposição (hidratação,

transfusão de hemoderivados, nutrição), sintomáti-


Paciente fora de possibilidade ca e de apoio logístico (antibioticoterapia);
■ não recebam terapêutica de substituição de fun-
terapêutica oncológica
ções vitais como aminas vasoativas, reanimação car-
Em alguns casos, o câncer já é diagnosticado em fases diopulmonar, ventilação mecânica e diálise. A substi-
muito avançadas; em outros, a terapêutica falha e a doen- tuição de uma função vital em paciente cuja situação
ça avança velozmente. Em ambos, atinge-se a delicada clínica é grave e irreversível contribui apenas para
situação da ausência de opções terapêuticas oncológicas. prolongar-lhe o morrer.
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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

No Quadro 40.10, estão sumariados esses principais O apoio emocional ao paciente por parte da equipe de
cuidados a serem garantidos aos pacientes fora de possi- saúde e em particular pelo seu médico também é essencial,
bilidade terapêutica oncológica26. pois algumas vezes o paciente pode minimizar ou até omi-
tir seus sintomas álgicos. Não é incomum que ele proceda
Quadro 40.10 .: Cuidados a serem assegurados aos pacientes fora de dessa forma por não querer reconhecer que a doença está
possibilidade terapêutica oncológica progredindo ou por não desejar usar opióides, seja pelo
medo de ficar viciado, seja pela resistência em usar "droga
Aliviar eficientemente a dor de paciente terminal".
Proporcionar dignidade e conforto No controle da dor crônica, uma boa conduta é seguir
Dar ao paciente o direito de contar com a presença permanente de familiares protocolos terapêuticos. O primeiro passo é escolher o tipo
Nunca abandonar o paciente
de analgésico a ser empregado: não-opióide, opióide ou a
Oferecer terapêutica de reposição, sintomática e de apoio logístico
combinação de ambos. A associação de um antiinflamató-
Não oferecer terapêutica de substituição de funções vitais
rio não-esteróide (ação periférica) com um opióide (ação
central) é quase sempre uma opção interessante. O segun-
do passo é definir a necessidade de utilizar drogas adjuvan-
Controle da dor
tes que poderiam aumentar o efeito dos analgésicos e pro-
Dor persistente é raramente problema em pacientes duzir alívio de outros sintomas30.
com câncer inicial e sem metástases. No entanto, com a Respeitando outra regra básica do tratamento da dor
progressão da doença, a dor surge de forma persistente27,28 crônica, os analgésicos devem ser administrados regular-
e cerca de 90% dos pacientes com câncer avançado apre- mente, e nunca quando necessários. Doses extras, no
sentam dor moderada a acentuada. Metade dos casos de entanto, podem ser essenciais ao bom controle da dor.
dor crônica por câncer ocorre pelo comprometimento Uma técnica utilizada nos casos de persistência dos sinto-
ósseo. O envolvimento de nervos, infiltração de partes mas álgicos é administrar dose extra de 50% da dose regu-
moles e do trato gastrointestinal corresponde à outra lar uma ou duas horas após seu emprego. Caso a necessi-
metade dos casos. Apenas uma pequena parte dos pacien- dade de doses extras persista por mais de dois dias, deve-
tes tem dor crônica como seqüela do tratamento cirúrgi- se aumentar a dose regular ou reduzir o intervalo de admi-
co, quimioterápico ou radioterápico (neurite, enterite, cis- nistração. O aumento da dose regular de um certo medi-
tite, paniculite etc.). camento deve levar em conta principalmente seus efeitos
O controle da dor deve ser visto por quem trata o colaterais. Altas doses de analgésico aumentam a possibili-
paciente oncológico de forma prioritária. Com os recursos dade de sedação ou torpor, de náuseas e de constipação.
hoje disponíveis, nada justifica deixá-lo sofrer desnecessa- Por exemplo, o paciente pode ficar muito sonolento e
riamente. Pacientes idosos, do sexo feminino e aqueles tra- letárgico, ao se aumentar a dose do opióide, sendo neces-
tados por não-especialistas têm sido os que recebem sário ajustá-la até se obter melhor equilíbrio entre o con-
menos medicação analgésica e, conseqüentemente, apre- trole da dor e o conforto do paciente e de sua família. O
sentam maior risco de não terem uma boa analgesia. uso de antieméticos profiláticos pode ser útil no início do
Estima-se que um terço dos pacientes em tratamento uso do opióide, contudo as náuseas tendem a desaparecer
oncológico apresente quadro doloroso e que um quarto com o uso crônico do analgésico. A constipação, sintoma
deles morra sem obter alívio adequado da dor. mais freqüente com o uso de opióides, deve ser prevenida
A avaliação sistemática do paciente com dor crônica e tratada por meio de orientações dietéticas, uso de laxati-
deve ser feita por meio de anamnese específica, tentando- vos ou de lavagem intestinal.
se, em toda consulta, mensurar a dor numa escala analógi- A morfina é a base da analgesia em Oncologia29,
ca não-visual que varia de 0 a 10. Essa seria uma maneira de podendo ser administrada pela via oral, 30mg a cada três
ajudar no ajuste da dose do analgésico ou na definição da ou quatro horas. Também existem cápsulas de morfina
necessidade de modificar o tipo ou a técnica de analgesia. de liberação lenta com analgesia por oito a 12 horas. A
O limiar para dor é muito variável de paciente para pacien- morfina é o padrão de comparação com os outros narcó-
te e depende de vários aspectos culturais, psicossociais e ticos e é o protótipo dos analgésicos opióides agonistas
psicológicos, por isso as doses devem ser individualizadas29. fortes29. Desta forma, quando for necessário mudar o

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

opióide, é importante calcular a dose-limite equivalente à tempo. Contudo, é evidente que a formação humanís-
dose de morfina que controla a dor. A dose do novo tica do médico faz grande diferença em situações de
opióide pode não ser suficiente, e é importante estar limite terapêutico36. Quanto maior for o repertório de
atento para aumentá-la, principalmente em caso de dor conhecimentos e de reflexão crítica de um médico,
acentuada. A meperidina não é recomendada para uso mais apto ele estará para encarar situações-limite e con-
crônico, por desenvolver metabólito tóxico (a nor-mepe- duzi-las com tranqüilidade e eficiência. Infelizmente,
ridina, que produz tremores, mioclonias e convulsões) e também nesse sentido, o ensino médico tanto de gra-
ter meia-vida plasmática muito curta. duação quanto de pós-graduação é falho.
A maioria dos pacientes tem melhor controle com Dessa forma, as atuais escolas de Medicina têm dedi-
uso de drogas associadas. Exemplos clássicos de associa- cado muito pouco tempo, em seus currículos, à discussão
ção incluem codeína e propoxifeno associados à aspirina dos limites do ato terapêutico e da morte sobre o aspec-
ou ao acetaminofeno. A associação de antidepressivos, to de processo biológico. O médico é preparado para se
anticonvulsivantes e corticóides pode ser útil. No con- sentir um antídoto da morte e o falecimento de um
trole de dor óssea localizada, a radioterapia e a imobiliza- paciente costuma ser interpretado como fracasso pes-
ção de fraturas patológicas devem ser sempre considera- soal. Por outro lado, o médico tem enorme dificuldade
das. Técnicas não-farmacológicas e invasivas podem ser em encarar a própria morte. Estudos têm demonstrado
úteis no controle da dor e incluem analgesia regional, que médicos têm muito mais medo da morte do que gru-
bloqueios simpáticos e neurólises, ablação de vias nervo- pos-controle e é claro que isso prejudica enormemente
sas, ablação hipofisária etc.31 sua relação com o paciente em situação terminal26.
Grande parte da dificuldade encontrada pelos médi-
cos para lidar com pacientes fora de possibilidade tera-
Assistência psicológica
pêutica oncológica está relacionada com a forma como
O acompanhamento e o tratamento de pacientes fora nós, oriundos de cultura científico-racionalista, encara-
de possibilidade terapêutica oncológica sempre se cons- mos o tempo. Vivemos imersos na experiência do tempo
tituíram em grandes desafios para os médicos. Em tem- linear, que flui inexoravelmente do passado para o pre-
pos atuais, esse desafio se transformou em transtorno: sente e deste para o futuro. Nossa cultura – judaico-cris-
poucos médicos encaram essa questão. Na maior parte tã-ocidental – condicionou-nos a encarar o passado
das vezes, os médicos adotam posturas que os poupam como uma lição, o futuro como um ideal e o presente
do contato direto, intenso e, freqüentemente, doloroso como um problema. Somos uma cultura futurista, que
com o paciente e seus familiares. projeta as ações para o futuro. O sofrimento é aceito
Uma questão muito relevante de nossa cultura é que como preparação para a “felicidade que virá depois”.
ela se recusa a aceitar a morte como culminância do pro- Os pacientes fora de possibilidade terapêutica oncoló-
cesso de viver; a morte é vista como terrível destruidora gica representam a inexistência do depois; o depois, nesse
da felicidade. Um provérbio oriental afirma que “a morte caso, significa a morte e a morte é o imprevisível, o desco-
é o oposto do nascimento e não da vida”. Esse provér- nhecido, o incontrolável. As inúmeras teorias e doutrinas
bio soa estranho para nós, exatamente porque ele propõe que cultuam e racionalizam a morte são formas muito efi-
a morte como parte da vida - o estágio final de um ciclo cientes de atenuar essa sensação de imprevisibilidade e de
e a conseqüência natural do processo de viver. incontrolabilidade. O materialismo impõe um niilismo em
Os cursos médicos reafirmam essa posição da relação ao futuro, enquanto uma visão espiritualizada ofe-
sociedade e também negam a morte como conseqüên- rece outra dimensão para a vida, e para a vida depois da
cia natural da vida. O estudo do processo de morte é, morte. A morte é compreendida como passagem, viagem.
em geral, reduzido a seus aspectos anatomopatológi- Com essa visão, alguns têm trabalhado com o conceito de
cos, fisiopatológicos e médico-legais. Raramente a passagem, de formulação espiritualista, critério necessário
morte é tratada num curso médico em seus aspectos e suficiente neste momento final37.
sociais, existenciais e religiosos32-5. Propostas de disci- Outro aspecto relevante da participação do tempo da
plinas humanísticas em cursos médicos têm sido vistas relação médico-paciente está ligado à dualidade tempo
como poéticas ou como perda institucionalizada de racional/tempo vivencial: o tempo racional é o tempo
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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

medido (cronométrico, do relógio), também chamado tibetanos à terapia, Kübler-Ross aliou ao seu trabalho
tempo conceitual; o tempo vivencial é o tempo psicoló- somático amplo suporte espiritual.
gico, o tempo de experiência, o tempo vivido. Na maior É essencial refletirmos sobre a postura do médico,
parte das relações médico-paciente, o médico utiliza o clínico ou cirurgião, diante de um paciente com neopla-
tempo racional, imparcial e frio. O paciente, ao contrário, sia considerada fora de possibilidade terapêutica oncoló-
vive a experiência do tempo psicológico. Quanto mais gica, ou seja, no processo do morrer. Adiante chamamos
grave for o estado clínico do paciente, mais nítida costu- a atenção para alguns aspectos da conduta e da postura
ma ser essa distinção. Embora raramente o médico se dê do médico que podem contribuir para relação médico-
conta, essa diferença na forma de encarar o tempo cons- paciente-familiares mais efetiva e afetiva.
titui um dos obstáculos mais freqüentes para uma relação
médico-paciente produtiva. O médico usa o tempo cro-
Relação médico-paciente-familiares
nométrico/conceitual para demarcar dados evolutivos e
prognósticos. O paciente, por sua vez, vê esse tempo Uma expressão muito utilizada na linguagem popular
como ameaça de finitude: um tempo amedrontador. É diz que o médico desenganou o paciente (donde se pre-
muito freqüente que médico e paciente conversem como sume que, até então, ele estava enganando o paciente).
se fossem surdos: o médico assentado em bases racionais Atitude eticamente repugnante, desenganar significa, na
e o paciente em bases emocionais26. prática, abandonar o paciente, entregá-lo ao mundo não-
Em conseqüência de todas essas distorções, o médico médico. Uma das maiores dificuldades que os médicos
se sente, e efetivamente está, despreparado tanto diante sentem diante de pacientes sem possibilidade terapêutica
da demanda de ser apenas um ser humano, solidário com oncológica é a sensação de impotência absoluta. Essa
outro ser humano, quanto para conviver com questões sensação gera frustração e desgaste e é muito difícil con-
ainda mais complexas que emergem nos casos de dificul- viver com ela. Muitos médicos se sentem profundamen-
dades socioeconômicas, como o abandono do paciente, te incomodados quando percebem que não podem ofe-
e nos casos de dor intensa, como a eutanásia e o suicídio. recer mais nada de objetivo ao paciente. Nessa situação,
Na maioria das vezes, a atenção médica dirigida a o médico esquece que, mesmo quando não houver mais
pacientes fora de possibilidade terapêutica oncológica propostas terapêuticas no sentido técnico da palavra, ele
concentra-se exclusivamente em sua doença e no comba- sempre poderá atender ao paciente, estar presente e com-
te aos sintomas, ficando a pessoa do paciente relegada a partilhar com ele essa fase de sua vida. É justamente para
um segundo plano. O sofrimento do paciente “terminal” essa dimensão humana da relação médico-paciente que
vai muito além das dores e dos incômodos físicos. Mudar os médicos não tem sido preparados.
planos previamente estabelecidos, metas de vida, sonhos De alguma maneira, a formação excessivamente tecno-
acalentados por anos não é tarefa fácil e requer do lógica da Medicina atual amplia ainda mais essa indisponi-
paciente grande disposição para adaptação e para aceita- bilidade do médico. Nos tempos atuais, é muito difícil para
ção desse doloroso processo. o médico prover suporte emocional adequado a um
Elizabeth Kübler-Ross, uma psiquiatra suíça radicada paciente “terminal”. Geralmente, quanto mais jovem é o
nos Estados Unidos, passou a vida trabalhando com a médico, maior é essa dificuldade, em parte decorrente de
doença e a terminalidade. Longos anos de experiência sua própria juventude, em parte da falta de postura crítica.
nessa área permitiram que ela desenvolvesse uma formu- Um outro grande problema que se observa nos dias
lação com os principais estágios do morrer. Assim, defi- atuais é o isolamento físico e emocional a que são subme-
niu a existência de cinco etapas preparatórias para tidos esses pacientes. Toda a história de vida, as deman-
pacientes que se aproximam da morte: negação e isola- das emocionais e sociais são, com freqüência, deixadas de
mento; raiva; negociação ou barganha; depressão; aceita- lado. Muitos são sedados para que os familiares tenham
ção38. Foi ela que reintroduziu a ética e a dignidade ao sossego, sem que seja feita uma verdadeira avaliação se
processo do morrer, por meio de conduta que consiste aquele era realmente o desejo do paciente. Por outro
em ouvir o paciente em suas necessidades e atendê-lo em lado, a idéia de salvar a vida a qualquer custo costuma
seus direitos. Sem filiação religiosa e, freqüentemente, justificar atitudes altamente questionáveis do ponto de
acompanhada por assistentes que introduziam conceitos vista ético. Não raro se vê alguém ser submetido a extre-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mos terapêuticos que lhe prolonguem mais o morrer que não fez. O médico não deve mentir. Omitir informações
a vida. São atitudes que não levam em consideração a muitas vezes é necessário; mentir não.
qualidade da vida, mas somente o tempo de sobrevida26.
Diálogo entre o médico e a família do paciente
Diálogo entre o médico e o paciente
Os familiares do paciente fora de possibilidade terapêu-
Uma das decisões mais difíceis e angustiantes para o tica oncológica precisam de cuidados, de atenção e de aten-
médico é revelar ou não ao paciente a inexistência de dimento tanto quanto o paciente. Parentes próximos
recursos terapêuticos. A maioria dos médicos evita ao devem ser informados sobre a situação clínica do paciente,
máximo as situações em que haja a possibilidade desse mas deve-se estar atento ao melhor momento e local para
tipo de diálogo. Vários expedientes são inconsciente- isso. Esses familiares costumam estar sob grande tensão
mente utilizados para evitar o risco de ter que entrar emocional e é necessário cuidado para abordá-los. Muitas
nesse assunto com o paciente: visitas rápidas, ênfase ao vezes, a tensão torna as pessoas agressivas, rudes e pouco
exame físico ou a resultados de exames complementares, colaborativas. Quando o médico se mostra solícito e aten-
visitas coletivas (corridas de leitos), adiamentos justifica- cioso, o diálogo é muito mais produtivo. Esse cuidado deve
dos por novos exames etc. se estender ao período que se segue à morte do paciente.
Além das dificuldades do médico, há ainda a dificulda-
de do paciente em encarar sua situação. Todos nós, na vida Necessidade da continuidade do atendimento
cotidiana usual e mesmo sem nenhuma ameaça especial à
nossa integridade, temos dificuldade em colocar claramen- O ponto central do atendimento do paciente fora de
te as emoções para outra pessoa. As perguntas feitas pelo possibilidade terapêutica oncológica é manter o relacio-
paciente em estado grave podem pertencer a duas catego- namento com seu médico (que deve assumir o gerencia-
rias distintas: perguntar algo porque quer conversar ou por- mento nessa fase). A ausência do médico retira do
que quer saber outra questão. Cabe ao médico decifrar o paciente aquilo que ele mais precisa: a esperança. Uma
verdadeiro anseio. Quando o paciente faz uma pergunta das principais funções do médico no trato com esses
dessas ao médico e este a considera como uma pergunta pacientes é a de maternagem: cuidar do paciente não ape-
objetiva, ele está fechando as portas para o diálogo. É nas como paciente, mas como ser humano que precisa da
muito freqüente que o paciente pergunte ao médico: “Eu ajuda de outro ser humano.
vou morrer?” Se o médico lhe responder objetivamente: A continuidade do atendimento é fundamental para
“Claro que sim, todos vamos morrer!” estará interrompen- minorar sofrimentos e assegurar um final de vida digno.
do o diálogo. O paciente que faz perguntas como essa não O paciente deve portar relatórios detalhados de seu caso,
está querendo saber o óbvio; certamente o que ele quer ser bem orientado pelo seu médico em relação às possí-
saber é como ele realmente está, se há a possibilidade de veis situações de urgência e quanto aos serviços ambula-
morte em curto prazo, se há possibilidade de sofrimento toriais e hospitalares que ele poderá procurar na sua
etc. É muito difícil para o paciente encarar essas dúvidas, ausência. Essa segurança é um dos fatores mais relevan-
por isso não se deve esperar que suas perguntas sejam cla- tes na construção de relação de confiança mútua e con-
ras e diretas; o paciente vai perguntar da forma que ele con- tribui decisivamente para melhorar a qualidade de vida
seguir. Cabe ao médico descobrir o conteúdo implícito da do paciente. Infelizmente, esse cuidado tem sido pouco
pergunta e tentar responder a ele. Isso exige experiência e freqüente em nosso meio e, em geral, o paciente peregri-
discernimento crítico. Quando o paciente consegue ter um na numa verdadeira via sacra até conseguir ser atendido,
diálogo efetivo e afetivo com o médico, ele sente-se mais muitas vezes de forma precária.
seguro, mesmo diante de um grande sofrimento físico.
Também o médico se sentirá melhor. Pesquisa em Oncologia
O médico deve evitar a utilização de termos técnicos,
a formulação de prognósticos rígidos, explicações exces- Ainda hoje, a colocação de pacientes em protocolos
sivas, expressões que levem à desesperança e, acima de de pesquisa em Oncologia tem-se defrontado com difi-
tudo, nunca deve responder a perguntas que o paciente culdades. A opção por um tratamento novo e que ainda
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Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

não foi plenamente estudado com freqüência não é Referências


bem-aceita pelos pacientes. É preciso que eles conhe-
çam todos os aspectos que fundamentam o estudo cien- 1 ■ Parkin DM, Whelan SL, Ferlay J, Raymond L, Young J. Cancer
tífico em curso, para que se sintam prestigiados em par- incidence in five continents. vol.7. IARC Scientific
Publications; no. 143, Lyon, 1997.
ticipar, seja por auxiliar a evolução da Ciência, seja por 2 ■ http://www.inca.gov.br/estimativa/2005/
poder se beneficiar de nova terapêutica, disponível para 3 ■ http://www.cbc.org.br/autoavaliacao_cir_oncologica/cirur-
poucos. É também imprescindível que os pacientes não gia_oncologica.htm
só conheçam os eventuais riscos e os possíveis efeitos 4 ■ Chan DW, Sell S. Tumor markers. In: Burtis, Ashwood eds.
Tietz Textbook of Clinical Chemistry. 2 ed. Philadelphia PA:
colaterais da terapêutica estudada, como também
WB Sauders Co. 1994:897-927.
tenham garantido o tratamento e controle dessas com- 5 ■ Pizão PE, Araújo BCAB, Rinck Jr JA. Marcadores tumorais séri-
plicações e intercorrências. cos: situação atual e perspectivas. In: Castro LP, Savassi-
Comitês de ética em pesquisa devem não apenas Rocha PR, Rodrigues MAG, Murad A. Tópicos em
aprovar, mas também acompanhar e rever os relatórios Gastroenterologia 12. Rio de Janeiro: Medsi. 2002:57-80.
6 ■ Pietra N, Sarli I, Costi R, Ouchemi C, Gratarola M, Peracchia A.
periódicos com os resultados desses estudos. Caso haja
Role of follow-up in management of local recurrence of colo-
toxicidade ou complicações além das esperadas, a pesqui- rectal cancer: a prospective randomized study. Dis Colon
sa deve ser interrompida e reavaliada. Protocolos unifica- Rectum. 1998;41:1127-33.
dos, que envolvam várias instituições ou grupos (estudos 7 ■ Tobaruela E, Enriquez JM, Diez M, Camunas J, Muquerza J,
multicêntricos), economizam recursos e tempo na busca Granell J. Evaluation of serum carcinoembryonic antigen
monitoring in the follow-up of colorectal cancer patients with
de novos avanços.
metastatic lymph nodes and a normal preoperative serum
É muito importante que os cirurgiões estejam envol- level. Int J Biol Markers. 1997;12:18-21.
vidos na pesquisa oncológica, discutindo os fundamen- 8 ■ Marrelli D, Pinto E, Stefano A, Farnetani M, Garosi L, Roviello
tos, as indicações e oferecendo subsídios para o estadia- F. Clinical utility of CEA, CA 19-9, and CA 72-4 in follow-up
mento tumoral e para a análise do resultado terapêutico of patients with resectable gastric cancer. Am J Surg.
2001;181:16-9.
alcançado. Muitas vezes, os dados relacionados à doença
9 ■ Wiratkapun S, Kraemer M, Seok-Choen F, Ho YH, Eu KW. High
residual e aos resultados das terapêuticas empregadas são preoperative serum carcinoembryonic antigen predicts metas-
distorcidos, pois a informação cirúrgica registrada em tatic recurrence in potentially curative colonic cancer: results of
prontuário é falha ou susceptível a errôneas interpretações. a five-year study. Dis Colon Rectum. 2001;44:231-5.
Os estudos clínicos realizados em Oncologia apresen- 10 ■ Fleming, I.D. et al. AJCC cancer staging manual. 5. ed. Nova
York: Lippincott Raven, 1998.
tam quatro fases distintas25 com objetivos diferentes, que 11 ■ Watson JD, Crick FH. Molecular structure of nucleic acids: a
estão apresentadas no Quadro 40.11. structure for deoxyribose nucleic acid. Nature. 1953;4356
apud Nature. 1974;248:765.
Quadro 40.11 .: Objetivos dos estudos clínicos realizados em 12 ■ Venter JC, Adams MD, Myers EW, Li PW, Mural RJ, Sutton
Oncologia GG, et al. The sequence of the human genome. Science.
2001,291:1304-51.
Sem grupo controle 13 ■ Ferreira CG, Souza PHA. Aspectos genéticos e moleculares apli-
Estudos de Objetivos cados à Gastroenterologia. In: Castro LP, Savassi-Rocha PR,
Rodrigues MAG, Murad A. Tópicos em Gastroenterologia
Fase I Estabelecer a toxicidade e a dose máxima tolerada 12. Rio de Janeiro: Medsi. 2002:37-56.
de certa droga ou esquema de drogas 14 ■ Kaasa S, Loge JH, Knobel H, Jordoy MS, Brenne E. Fatigue:
Fase II Avaliar a taxa de resposta nos casos de inexistên- measures and relation to pain. Acta Anesthesiol
cia de terapêutica convencional eficaz Scand.1999;43:939-47.
15 ■ Christensen T, Kehlet H. Postoperative fatigue. World J Surg.
Com grupo controle 1993;17:220-5.
Estudos de Objetivos 16 ■ Taylor RW. Preliminary impact of allogenic packed red blood
cell transfusion on nosocomial infection rates in the critical ill
Fase III Comparar duas modalidades terapêuticas e avaliar
suas eficácias: intervalo livre de doença, sobrevida
patient. Crit Care Med. 2002;30:2249-54.
global e toxicidade 17 ■ Geerts WH, Heit JA, Clagett GP. Prevention of venous throm-
boembolism. Chest. 2001;119 Suppl 1:132s-75s.
Fase III Comparar, por meio de integração multidisciplinar,
um tratamento experimental com o convencional 18 ■ Nunes TA. Princípios da Cirurgia Oncológica. In: Petroainu A.
Clínica Cirúrgica: texto e auto-avaliação. Rio de Janeiro:
Revinter. 2001:638-44.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

19 ■ Moran CJ, Joyce M, McAnena OJ. CDH1 associated gastric can- 28 ■ Twycross RG, Fairfield S. Pain in far advanced cancer. Pain.
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41
CIRURGIA
NO PACIENTE
HEMATOLÓGICO
Evandro Maranhão Fagundes, Ana Beatriz Firmato Glória,
Ricardo Vilas Freire de Carvalho

Introdução globina estiver menor que 7g/dL, exceto nos pacientes ido-
sos, nos cardiopatas, com insuficiência cardíaca grave ou
O paciente hematológico pode apresentar alterações infarto agudo do miocárdio ou nos casos em que se obser-
hereditárias ou adquiridas de hemácias, hemoglobina, va grande risco de sangramentos volumosos. Por isto, acei-
leucócitos, sistema imunológico, plaquetas, fatores de ta-se a indicação de transfusão para manter a hemoglobina
coagulação, proteínas pró-coagulantes e viscosidade san- entre 7,0g/dL e 9,0g/dL1. É recomendado que a equipe
güínea. A grande maioria destas alterações manifesta-se cirúrgica faça previsão do risco hemorrágico do procedi-
na forma de doença sistêmica. O presente capítulo, no mento e providencie reserva de concentrado de hemácias
entanto, abordará situações relevantes para a clínica cirúr- no banco de sangue. A mortalidade de pacientes com
gica no paciente com doença própria do sistema hemo- hemoglobina menor ou igual a 5,0g/dL no pós-operatório
linfopoiético. Serão dados destaques para algumas situa- imediato é maior do que para aqueles com taxas maiores de
ções especiais. Os distúrbios de coagulação, o uso de hemoglobina1. No entanto, é desaconselhada a transfusão
anticoagulantes e as trombofilias serão discutidos em profilática de concentrado de hemácias com base apenas na
outro capítulo. antecipação de sangramento operatório.
As anemias podem ocorrer devido à perda sangüínea
Doenças das hemácias e da hemoglobina volumosa e abrupta, devido à diminuição da produção ou
devido ao aumento da destruição (hemólise)2. As causas e
As desordens associadas às hemácias são as anemias e os mecanismos de anemia estão resumidos no Quadro
as policitemias. 41.1. Os transtornos falciformes e as anemias hemolíticas
auto-imunes serão discutidas com mais detalhes.
Anemias
Síndromes falciformes
A indicação cirúrgica em pacientes com anemia é situa-
ção freqüente na prática médica. Todo esforço deve ser As síndromes falciformes englobam doenças heredi-
feito para identificar a causa da anemia e, se possível, tratá- tárias caracterizadas pela presença da hemoglobina S. A
la antes da operação. Se, no entanto, isto não for possível, hemoglobina S é produzida a partir de mutação genética
o paciente poderá receber transfusão de concentrado de da cadeia beta da globina que substitui a adenina pela
hemácias. Em pacientes clinicamente graves, a estratégia de timina e determina a codificação de valina em vez de glu-
transfundir hemácias quando a hemoglobina estiver menor tamina na posição seis. Esta modificação estrutural inter-
que 10g/dL não é superior, em relação à taxa de mortalida- fere nas propriedades físico-químicas da molécula de
de em 30 dias, à estratégia de transfundir quando a hemo- hemoglobina no estado desoxigenado, provocando altera-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ções de morfologia e de reologia das hemácias que são res- transfundidos. A taxa de mortalidade peroperatória é de
ponsáveis pelas manifestações clínicas. O termo anemia aproximadamente 10% se as medidas preventivas não são
falciforme é reservado para a homozigose SS. No entanto, adotadas. A mortalidade diminui para menor que 3%
a hemoglobina S pode estar associada a outras variantes quando transfusões são realizadas no pré-operatório para
hereditárias da hemoglobina (Hb C, beta talassemia, entre reduzir a proporção de hemoglobina S 3. Ensaios clínicos
outras). Os pacientes com síndromes falciformes apresen- prospectivos multicêntricos que estudaram as taxas de
tam anemia hemolítica crônica, crises vasooclusivas dolo- complicações peroperatórias entre pacientes selecionados
rosas, lesões de órgãos-alvo como sistema nervoso central, aleatoriamente para receber regime de transfusão perope-
pulmões, rins e fígado, úlceras cutâneas crônicas de mem- ratório conservador, correção da hemoglobina para
bros inferiores, priapismo e maior susceptibilidade a infec- 10g/dL, ou regime agressivo para redução da hemoglobi-
ções. Os indivíduos com hemoglobina AS não apresentam na S para menos do que 30% demonstraram que os regi-
as manifestações usuais das síndromes falciformes e são mes conservadores eram tão eficazes quanto os agressi-
considerados portadores do gene. vos na prevenção de complicações no peroperatório. Os
Quadro 41.1 .: Causas e mecanismos de anemia regimes conservadores apresentaram, ainda, a metade das
complicações transfusionais3,4. As principais complica-
Mecanismo Causas de anemia Exemplo ções observadas são a síndrome torácica aguda e as crises
Perda de sangue Perda aguda de hemácias Politraumatismo vasooclusivas que podem ocorrer em 10% e 5% dos
Deficiência de ferro Perda crônica de sangue casos, respectivamente.
Deficiência de B12 Gastrectomia
Deficiência de folato Síndromes de má-absorção
A avaliação pré-anestésica é essencial para programar
Diminuição da Metabolismo alterado do Anemia da doença crônica medidas profiláticas e minimizar os riscos de hipoxemia,
produção ferro hipoperfusão, estase, desidratação e acidose. Para tanto,
Perda da célula eritróide Anemia aplástica é importante internação hospitalar na véspera para garan-
precursora
Alterações clonais na Mielodisplasias
tir hidratação venosa adequada e monitorização não-
célula precursora invasiva da tensão de oxigênio no peroperatório, provi-
Substituição da hemato- Leucemias denciar monitorização da temperatura, assim como reali-
poiese fisiológica
zar medidas para evitar a hipotermia e o uso de agentes
Auto-anticorpos Anemia hemolítica auto-
imune
hipotensores, manter hidratação adequada no pós-opera-
Mecânica Anemia hemolítica tório e estimular a mobilização precoce. Não há contra-
Destruição microangiopática indicação para o uso de quaisquer tipos de anestésicos,
aumentada Alterações da hemoglo- Drepanocitose, talassemia assim como não existe para o emprego de anestesia geral.
bina
Alterações da membrana Esferocitose
Os pacientes que tiverem indicação de torniquetes
Alterações de enzimas Deficiência de G6PD devem ser preparados, no pré-operatório, com exsangüí-
intra-eritrocitárias neo-transfusão. Os torniquetes criam reservatório estáti-
co de sangue que predispõe à falcização e à liberação de
êmbolos de células falcizadas. Os dados em relação às
Os pacientes com síndromes falciformes freqüente- complicações pós-uso de torniquete são limitados. No
mente precisam de procedimentos cirúrgicos para trata- entanto, o conhecimento da fisiopatologia torna lógico a
mento de complicações relacionadas à doença de base ou exsangüíneo-transfusão nesta situação. Os pacientes fal-
de outras condições não-relacionadas. As complicações no cêmicos são considerados de alto risco para trombose
per e pós-peratórios são comuns devido aos fenômenos venosa profunda e a profilaxia para TVP deve ser orien-
vasooclusivos precipitados pela hipoxemia, hipoperfusão, tada pelo risco do procedimento cirúrgico em questão.
acidose, desidratação, estase sangüínea e hipotermia, que
podem ocorrer durante a anestesia e o ato operatório. Em
Anemias hemolíticas auto-imunes
uma série de casos, que compreendeu crianças submetidas
a grandes operações eletivas, 35% dos pacientes que não As anemias hemolíticas auto-imunes são provocadas
receberam transfusões no pré-operatório tiveram compli- pela destruição acentuada de hemácias por auto-anticor-
cações pulmonares contra nenhum caso nos pacientes pos. Elas são classificadas em anemias por anticorpos

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Capítulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

“quentes” e anemias por anticorpos “frios”. Os anticor- hemodiluição gradativa. Em situações de urgência,
pos “quentes” são geralmente da classe IgG e reagem porém, a flebotomia pode ser realizada em paralelo com
melhor à temperatura de 37oC. A hemólise ocorre no sis- infusão de solução salina para que o volume sangüíneo
tema reticuloendotelial do baço, e o tratamento envolve não seja reduzido drasticamente.
o uso de corticosteróides e esplenectomia à semelhança
da púrpura trombocitopênica imunológica (seção doen-
Policitemia vera e outras síndromes mieloproliferativas
ças das plaquetas). Os anticorpos “frios” são geralmente
da classe IgM e reagem melhor à temperatura de 0o a A policitemia vera é doença mieloproliferativa que
5oC. A hemólise ocorre, geralmente, no fígado. Os cor- se caracteriza por aumento absoluto não só de hemá-
ticosteróides e a esplenectomia não são eficazes e por cias, mas também de leucócitos e plaquetas. As outras
isso não estão indicados. Para o cirurgião, as anemias doenças do grupo se caracterizam mais pelo aumento
hemolíticas auto-imunes têm importância particular do número de plaquetas (trombocitemia essencial) ou
devido à dificuldade em realizar e interpretar os testes de dos leucócitos granulócitos (leucemia mielóide crônica)
compatibilidade com o doador para eventual transfusão. ou pela presença de fibrose na medula óssea (metapla-
Freqüentemente, o banco de sangue pode fornecer uma sia mielóide agnogênica com mielofibrose). Elas apre-
unidade de hemácias não totalmente compatível. Para os sentam em comum a proliferação exagerada de tecido
pacientes com anemia hemolítica auto-imune por anti- mielóide alterado e a possibilidade de evolução para
corpo “frio”, submetidos à anestesia geral, é importante mielofibrose ou leucemia mielóide aguda. Na policite-
o cuidado de mantê-los aquecidos para evitar exacerba- mia vera, a principal causa de morte é trombose, embo-
ção da hemólise. Se transfusões de hemácias forem ra quadros hemorrágicos graves possam ocorrer devido
necessárias, elas deverão ser realizadas com hemácias à disfunção plaquetária própria da doença e ao uso de
lavadas e aquecidas à temperatura corporal5. antiagregantes plaquetários freqüentes nestes pacientes.
O risco de hemorragia é paradoxalmente maior em pacien-
tes com trombocitose em torno de 1.500.000/mm3. Esta
Policitemias disfunção plaquetária será discutida em maiores deta-
O termo policitemia é utilizado como sinônimo de lhes na seção sobre doenças das plaquetas Antes da
eritrocitose, que significa aumento do número das hemá- operação é recomendado reduzir a massa eritrocitária e
cias. A policitemia pode ser relativa ou absoluta. A poli- manter o hematócrito em torno de 45% com fleboto-
citemia relativa é observada em situações de retração do mias. É importante também lembrar que os pacientes
com risco elevado de trombose (idade superior a 60
volume plasmático como na desidratação ou no uso
anos, episódio prévio de fenômenos trombóticos)
excessivo de agentes diuréticos. As policitemias absolu-
poderão receber doses baixas de ácido acetilsalicílico,
tas podem ser decorrentes de anormalidades próprias do
que aumenta o risco hemorrágico6.
sistema hematopoiético, como policitemia vera, ou ocor-
rerem no contexto de distúrbios sistêmicos, tais como
doença pulmonar obstrutiva crônica, cardiopatias congê- Doenças dos leucócitos e do sistema
nitas, tumores hepáticos, doenças cerebelares e renais. As
principais conseqüências da policitemia são aumento da
imunológico
viscosidade sangüínea, diminuição na velocidade do A medula óssea produz duas linhagens distintas de
fluxo e diminuição da oferta de oxigênio. A oferta de oxi- células: a linhagem mielóide e a linfóide. A linhagem mie-
gênio para os tecidos é ótima quando o hematócrito está lóide é ainda subdividida em linhagens eritrocítica (discu-
em torno de 40% e diminui progressivamente à medida tida anteriormente), megacariocítica ou plaquetária e gra-
que o hematócrito aumenta a partir daquele valor. O nulocítica. A linhagem granulocítica é dividida ainda em
paciente submetido a tratamento cirúrgico nesta situação neutrófilos, monócitos, eosinófilos e basófilos. A linha-
tem risco aumentado de hipóxia em virtude da anestesia. gem linfóide é dividida em linfócitos B, linfócitos T e
O paciente com policitemia deve ser submetido a várias plasmócitos. Os distúrbios dos leucócitos que são rele-
sessões de flebotomia para diminuir o hematócrito para vantes no contexto cirúrgico são aqueles caracterizados
45%. A redução não deve ser abrupta para permitir a pela diminuição do número de células normais e conse-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

qüente alteração das funções de fagocitose (neutrófilos e pelo processo habitual de higienização. O diagnóstico é
monócitos), imunidade celular (linfócito T) e humoral difícil e deve ser suspeitado sempre que o paciente quei-
(linfócito B). O paciente imunodeprimido será discutido xar-se de dor na região. O exame local deve incluir inspe-
no capítulo específico, porém algumas situações espe- ção e palpação leve da região. O toque retal, se possível,
ciais serão lembradas no presente capítulo. deve ser evitado para minimizar o risco de disseminação
da infecção. O tratamento inclui, além da drenagem e de
medidas locais, o uso de agentes antimicrobianos com
Neutropenia atividade anaerobicida. A tiflite caracteriza-se pela infla-
A incidência de infecções graves aumenta significati- mação do ceco, porém todo o intestino grosso pode ser
vamente7 quando o número absoluto de neutrófilos está acometido. O quadro pode ser grave e evoluir para mega-
abaixo de 1.000/mm3. Quando este número é de cólon tóxico. A inflamação do ceco pode simular abdo-
100/mm3, a incidência de infecções chega a 60%. Os me agudo cirúrgico.
pacientes que recebem quimioterapia para tratamento de O paciente neutropênico sem febre que tiver indica-
neoplasias, principalmente as hematológicas (leucemias ção cirúrgica deverá ser abordado da mesma forma que o
agudas, linfomas e mieloma múltiplo), apresentam risco paciente não-neutropênico. A necessidade de antibióti-
elevado de neutropenia. A neutropenia grave ocorre tam- cos será guiada pelo motivo e pelas condições da opera-
bém em outras situações como anemia aplástica, neutro- ção. No entanto, caso a antibioticoterapia seja necessária,
penia congênita, mielodisplasias, leucemia de grandes lin- é recomendado que se sigam as regras de cobertura anti-
fócitos granulares e transplante de células tronco hema- bacteriana citadas anteriormente.
topoiéticas (medula óssea). Alguns pacientes apresentam distúrbios de imunidade
As infecções nos pacientes neutropênicos apresen- humoral e celular. Este é o caso daqueles com leucemia
tam grande morbidade e elevadíssima taxa de mortali- linfóide crônica e mieloma múltiplo. Também neste
dade. Os sinais clássicos de infecção nem sempre estão cenário a indicação da antibioticoterapia deve ser basea-
presentes, com exceção da febre cuja presença é utiliza- da no motivo e nas condições da operação. Entretanto,
da para desencadear uma série de medidas, quase sem- esses pacientes apresentam risco elevado de infecções
pre empíricas, visando ao tratamento o mais precoce- por bactérias encapsuladas (hemófilo, pneumococo) e
mente possível. O risco de morte de um paciente neu- infecções viróticas. Estas infecções devem ser lembradas
tropênico grave infectado é de 80% nas primeiras 24 em caso de febre no pós-operatório.
horas, caso não receba o tratamento com antibióticos
de largo espectro. Os agentes microbianos mais Disfunção do baço, asplenia e esplenectomia
comuns são as bactérias Gram-positivas e bactérias
Gram-negativas. Outros agentes, tais como fungos O baço é um órgão do sistema linfático que tem fun-
leveduriformes (Candida), fungos filamentosos ções imunológicas importantes. A asplenia se refere à
(Aspergillus), herpes simples, herpes zoster, citomega- perda de função do baço. Esta perda pode ser devida à
lovírus, também são freqüentes, mas geralmente ocor- remoção cirúrgica do órgão, a traumatismo seguido de
rem após alguns dias ou semanas de neutropenia febril ruptura ou atrofia conseqüente a múltiplos infartos,
tratada com antibacterianos. Os antibióticos usualmente como observado na anemia falciforme. Várias doenças
empregados no tratamento inicial de paciente neutropê- hematológicas são acompanhadas por disfunção esplêni-
nico febril são as cefalosporinas de terceira e quarta gera- ca. Entre elas destacam-se as síndromes falciformes,
ção com atividade contra pseudomonas (p. ex., ceftazidi- talassemia maior, trombocitemia essencial e doenças lin-
me, cefepime), os aminoglicosídeos e a vancomicina7. foproliferativas, tais como leucemia linfóide crônica, lin-
O paciente neutropênico com freqüência desenvolve fomas de Hodgkin e não-Hodgkin.
complicações que a clínica cirúrgica é chamada a opinar. Indivíduos esplenectomizados ou asplênicos apresen-
Entre as complicações destaca-se o abscesso na região tam maior susceptibilidade a sepse provocada por bacté-
perianal e a tiflite ou enterocolite do neutropênico. A rias encapsuladas tais como pneumococo, meningococo,
região perianal é foco comum de infecções devido à e Haemophilus influenzae. Tais infecções são, geralmente,
colonização bacteriana local e microtraumas provocados fulminantes e com taxa de mortalidade de 38% a 70% 8.
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Capítulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

O risco de infecção é maior nos primeiros dois anos após amoxacilina para uso imediato quando ele apresen-
a esplenectomia, embora possa ocorrer até muitos anos tar sinais e sintomas de infecções respiratórias e
após a operação. É mais comum em crianças e adultos estiver distante de atendimento médico adequado;
jovens, em pacientes com neoplasias ou outras doenças ■ profilaxia contra malária para os pacientes asplêni-
de base (p. ex., hemoglobinopatias). Devido à elevada cos que vivem em áreas endêmicas porque eles
morbimortalidade relacionada com a sepse pós-esplenec- apresentam maior risco de parasitemia. Para aqueles
tomia, estratégias de prevenção têm sido desenvolvidas e que viajam para áreas endêmicas é recomendado o
divulgadas. Embora existam pontos de divergência, de uso diário de 100mg de doxiciclina;
um modo geral recomendam-se as seguintes medidas ■ uso de amoxacilina e clavulanato em situações de feri-
para o paciente asplênico8,9: das e mordidas provocadas por animais e humanos.
■ autoimplantação do baço e esplenectomia subtotal

quando possível, porque estas técnicas têm sido asso-


Doenças das plaquetas
ciadas a diminuição no risco de bacteriemia e malária;
■ imunização com vacina antipneumococo, anti-hae- A plaquetopenia é definida como contagem de plaque-
mophilus, antimeningococo e antiinfluenza. A vacina tas menor que 150.000/mm3. No entanto, para fins clíni-
pneumovax é obtida de polissacarídeo pneumocó- cos, a plaquetopenia é importante quando o número cai
cico de 23 sorotipos (os mais prevalentes) e tem para menos de 20.000/mm3. Abaixo desse valor, as hemor-
cobertura para aproximadamente 73% das cepas ragias espontâneas são mais freqüentes e perigosas.
envolvidas na sepse pós-esplenectomia. Idealmente, a É importante saber a causa da plaquetopenia. Os
vacina deveria ser administrada duas semanas antes principais mecanismos são: diminuição da produção por
da operação porque a resposta imunológica parece infiltração da medula óssea secundária a neoplasia ou por
ser melhor com baço intacto. Um reforço é recomen- hipoplasia do setor megacariocítico; aumento da destrui-
dado três a cinco anos depois. A vacinação não deve ção provocado por autoanticorpos e hiperesplenismo; e
ser feita para pacientes em uso de drogas imunossu- aumento do consumo desencadeado por aceleração do
pressoras, quimioterapia ou radioterapia. Para este processo de coagulação. Esta última situação acontece na
grupo, deve-se aguardar pelo menos seis meses após coagulação intravascular disseminada e na púrpura trom-
a interrupção do tratamento10. Também é recomen- bocitopênica trombótica. Além do quadro clínico, do
dada dose única da vacina de conjugado protéico de hemograma e do coagulograma, o mielograma é quase
Haemophilus influenzae tipo b e da vacina antimeningo- sempre necessário para diferenciar o mecanismo de
coco. Embora o papel do meningococo na sepse pós- causa da plaquetopenia. A diferenciação é extremamente
esplenectomia não seja claramente estabelecido, a importante, uma vez que as plaquetopenias auto-imunes
gravidade dessa infecção justifica a vacinação. A vaci- respondem, em geral, rapidamente à introdução de corti-
na disponível imuniza contra as cepas A e C. A vaci- costeróides ou imunoglobulina humana e não respon-
na antiinfluenza é recomendada anualmente para dem à transfusão de concentrado de plaquetas. Por outro
todos os pacientes asplênicos. A asplenia não é con- lado, as plaquetopenias graves provocadas por infiltração
tra-indicação para outras vacinas de rotina, mesmo ou hipoplasia da medula óssea devem ser tratadas provi-
aquelas que utilizam vírus vivos atenuados; soriamente com transfusões. De um modo geral, reco-
■ antibioticoprofilaxia com penicilina confere prote- menda-se que pacientes com menos de 50.000 plaquetas
ção contra infecções pneumocócicas em crianças por mm3 recebam transfusão. A literatura recente sugere
com drepanocitose. O mesmo raciocínio é empre- que este limiar de 50.000/mm3 é muito alto para pacien-
gado para pacientes esplenectomizados, embora tes que irão realizar procedimentos com baixo risco de
estudos nessa situação específica não tenham sido hemorragia, como biópsia hepática transjugular, punção
realizados. Algumas recomendações sugerem man- venosa central, punção lombar e broncoscopia. Por
ter antibiótico profilático por três a cinco anos após outro lado, para aqueles pacientes que irão se submeter a
a esplenectomia. Outros sugerem manter antibioti- operações em locais de grande risco de hemorragia,
coprofilaxia indefinidamente. É fortemente reco- como operações cardíacas ou em regiões nas quais
mendado deixar o paciente com receita válida de pequena hemorragia poderá causar seqüela, como ope-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

rações neurológicas e oftalmológicas, recomenda-se paciente com púrpura trombocitopênica imunológica é


que o limite mínimo de plaquetas seja 100.000/mm3 11. freqüentemente usuário de corticosteróide e deve rece-
Uma regra de senso comum é que os procedimentos ber doses adicionais para compensar o eventual bloqueio
cirúrgicos em pacientes plaquetopênicos devam ser fei- do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal. Os cuidados
tos ou acompanhados apenas por cirurgiões experien- com o paciente esplenectomizado foram descritos
tes, uma vez que o risco de hemorragia também depen- anteriormente.
de da técnica cirúrgica.

Disfunções plaquetárias
Púrpura trombocitopênica imunológica
As disfunções plaquetárias hereditárias e os distúrbios
A púrpura trombocitopênica imunológica ocorre dos fatores da coagulação sangüínea são abordados no
quando as plaquetas sofrem destruição prematura no sis- capítulo sobre hemostasia. As disfunções plaquetárias
tema reticuloendotelial do baço por ação de autoanticor- adquiridas são causas comuns de hemorragia associada à
pos IgG. A forma aguda ocorre principalmente em crian- operação, especialmente aquelas relacionadas ao uso de
ças, tem início abrupto com manifestações cutâneas drogas antiagregantes plaquetárias. As insuficiências renal
(petéquias e equimoses) exuberantes, apresenta remis- e hepática cursam com distúrbios complexos da hemosta-
sões espontâneas em cerca de 90% dos casos e freqüen- sia nos quais os defeitos de função das plaquetas geral-
temente é precedida por quadro virótico. A forma crôni- mente estão presentes. A abordagem terapêutica destes
ca ocorre em adultos, tem início insidioso e é comumen- pacientes inicia-se no pré-operatório com a suspensão de
te diagnosticada em paciente assintomático que realiza drogas inibidoras da função plaquetária, bem como trata-
exames laboratoriais periódicos.
mento da uremia. As transfusões de hemocomponentes
Para as crianças com púrpura trombocitopênica imu-
específicos podem ser eficazes na prevenção e no trata-
nológica aguda o tratamento está indicado quando o
mento da hemorragia, assim como o uso da desmopressi-
número de plaquetas for menor que 20.000/mm3 e o
na, dos agentes antifibrinolíticos e da aprotinina.
paciente apresentar hemorragia. Está indicado também
A doença de Von Willebrand adquirida é uma disfun-
quando a plaquetopenia grave persistir por mais de seis
ção plaquetária associada a diversas doenças, sendo mais
meses após o diagnóstico. Para o adulto com púrpura
comum nas gamopatias monoclonais, doenças linfoproli-
trombocitopênica imunológica crônica o tratamento far-
ferativas e mieloproliferativas. A etiopatogenia ainda não
macológico está indicado quando o número de plaquetas
for menor que 20.000/mm3 ou maior que 20.000/mm3, foi inteiramente elucidada, porém sabe-se que auto-anti-
mas com hemorragia ativa. A prednisona é o tratamento corpos contra o fator de Von Willebrand e adsorção do
de escolha inicial. A taxa de resposta completa ou parcial fator de Von Willebrand por células tumorais ou plaque-
é superior a 60%. Para os pacientes que não respondem tas ativadas participam do processo. A gravidade do san-
à corticoterapia, a esplenectomia é a segunda opção. gramento varia, consideravelmente, entre os pacientes.
Cerca de 80% dos pacientes apresentam recuperação Com relação às doenças mieloproliferativas crônicas, que
total ou parcial após a esplenectomia. Na criança, a esple- podem cursar com trombocitemia (contagem plaquetária
nectomia é protelada até um ano após o diagnóstico devi- maior ou igual a 600.000/mm3), existe correlação inversa
do à maior possibilidade de remissão espontânea12. entre contagem plaquetária e concentração plasmática
Os pacientes que se submeterão a esplenectomia ele- dos grandes multímeros do fator de Von Willebrand. Os
tiva deverão receber prednisona oral para aumentar o pacientes com desordens mieloproliferativas e números
nível de plaquetas para 50.000/mm3 ou mais. Em situa- de plaquetas maior ou igual a 1.500.000/mm3 têm com-
ções de urgência nas quais não haverá tempo para se prometimento da hemostasia primária. Já a trombocite-
aguardar a elevação de plaquetas, pode-se utilizar imuno- mia reativa, apesar de também apresentar redução dos
globulina humana na dose de 0,4g/ kg de peso/ dia por grandes multímeros do fator de Von Willebrand, não cos-
cinco dias ou pulsoterapia por três dias com 1g de metil- tuma evoluir com sangramento. O tratamento da doença
prednisolona por dia para elevar a contagem de plaque- de base pode reverter as manifestações clínicas. As
tas. Para a esplenectomia, é necessário lembrar que o opções para prevenção e tratamento das hemorragias
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Capítulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

incluem desmopressina, concentrados de fator de Von na prática clínica estão detalhados no Quadro 41.2.
Willebrand e imunoglobulinas13. Algumas considerações sobre transfusões de plaquetas e
plasma fresco congelado são necessárias14-5.
A transfusão de concentrado de plaquetas está indica-
Transfusões de hemocomponentes da para os pacientes com sangramento ativo e contagem
Os hemocomponentes estão disponíveis a partir de de plaquetas menor que 50.000/mm3, em uso de antia-
doação voluntária de pessoa saudável que passa por tria- gregantes plaquetários ou com disfunção plaquetária
gem clínica e laboratorial. O sangue total doado é fracio- hereditária. O uso profilático de concentrado de plaque-
nado em diversos componentes e armazenado por tas está indicado para procedimentos cirúrgicos, em
tempo variável no banco de sangue. Quando um pacien- geral, se a contagem de plaquetas for menor que
te necessita de transfusão, o médico assistente faz a soli- 50.000/mm3 ou para procedimentos cirúrgicos cardía-
citação ao banco de sangue que se encarrega de classifi- cos, oftalmológicos e neurológicos com menos de
car o sangue do paciente, fazer os testes de compatibili- 100.000/mm3. Está indicado também para recém-nasci-
dade e escolher o melhor produto. Os hemocomponen- dos com sepse e plaquetometria menor que
tes, suas composições e os critérios para suas utilizações 30.000/mm3, pacientes em quimioterapia e plaquetas

Quadro 41.2 .: Hemocomponente: características e indicações

Elemento Hemocomponente Características Indicações


Concentrado de hemácias Volume 300ml, hematócrito 60% a 80% Reposição de hemoglobina. Doses: paciente
padrão (CHM) < 30kg: 10mL/kg; > 30kg: uma unidade (300mL)
eleva 1,0g/dL de hemoglobina
CHM filtradas Deleucocitação total Prevenção de reações febris aos antígenos leucocitá-
rios e de infecção por citomegalovírus em imunossu-
primidos
CHM irradiadas Inativação de linfócitos pela irradiação Prevenção de doença do enxerto versus hospedei-
Hemácias ro no paciente imunossuprimido.
CHM fenotipadas Antígenos eritrocitários conhecidos Transfusão em pacientes com anticorpos irregula-
res contra antígenos eritrocitários.
CHM lavadas Adição de solução salina e separação das Reações alérgicas às proteínas plasmáticas.
hemácias do plasma Deficientes de IgA
CHM negativas para Pesquisa a presença de hemoglobina S Pacientes com hemoglobina S
hemoglobina S
Concentrado de plaque- Obtida de uma doação de sangue total Reposição de plaquetas. A dose recomendada é
tas (CP) padrão radiada de uma unidade para cada 5 a 10kg/de peso. Nos
ou não casos de pacientes com refratariedade à transfu-
Plaquetas CP aférese irradiada ou Obtida de uma doação de plaquetas de um são de plaquetas, é recomendado o uso de plaque-
não (uma bolsa de aférese único doador por aférese. tas por aférese de doador HLA compatível
equivale a oito bolsas de
CP padrão)
Plasma fresco congelado Contém: protrombina, proteína C, fatores Reposição dos fatores de coagulação citados
VII, IX, X, XI, XII, plasminogênio, pré- ao lado
Fatores de calicreína, antitrombina III
coagulação
Crioprecipitado Fibrinogênio, fator de von Willebrand, fator Sangramento por deficiência de fibrinogênio ou
VIII, fator XIII e fibronectina disfibrinogenemias, deficiência dos fatores cita-
dos ao lado, profilaxia de sangramentos pré-pro-
cedimentos invasivos nos pacientes com as defi-
ciências específicas. Doses – Quatro bolsas para
cada 10kg de peso como dose de ataque. Uma
bolsa para cada 10kg de peso como manutenção

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

inferiores a 10.000/mm3 ou a 20.000/mm3, quando esti- da, entre outros). O quadro clínico é grave e proporcio-
verem com febre. Por outro lado, as transfusões de pla- nal à quantidade de sangue infundido. Os sinais e sinto-
quetas estão contra-indicadas como uso profilático na púr- mas, que podem ocorrer após infusão de 10ml a 15ml de
pura trombocitopênica imunológica, púrpura trombocito- hemácias incompatíveis, são febre acompanhada de cala-
pênica trombótica, HELLP síndrome, síndrome hemolíti- frios, dor torácica, lombar ou no local de infusão, dis-
co-urêmica e plaquetopenia induzida por heparina. pnéia, náuseas, hemoglobinúria, oligúria e anúria, insufi-
A transfusão de plasma fresco congelado está indica- ciência renal aguda, hipotensão arterial, choque cardio-
da: no tratamento de sangramento em pacientes com circulatório. Em pacientes anestesiados, os sinais podem
RNI>1.8 e/ou PTTa>1,5 vez o valor do controle; na ser sangramento no sítio cirúrgico, hipotensão e hemo-
reposição de fatores de coagulação quando não houver globinúria. Em casos de suspeita de reação hemolítica
concentrado liofilizado específico; na profilaxia pré-pro- transfusional aguda, deve-se interromper, imediatamen-
cedimentos cirúrgicos em pacientes com as alterações te, a infusão do hemocomponente, iniciar infusão de
mencionadas ou com deficiência específica de fator de cristalóides e diuréticos de alça para manter débito uriná-
coagulação quando não houver produto liofilizado; no rio de 100ml/hora. O banco de sangue deve ser notifica-
tratamento de tromboses ou no preparo pré-operatório do imediatamente.
dos pacientes com deficiência de antitrombina III (quan-
do não houver composto liofilizado). As doses emprega- Reação febril não-hemolítica
das são 10ml/kg/dose a 15ml/kg/dose de produto
ABO/Rh D compatível. O plasma fresco congelado Por definição, a reação febril é o aumento da tempe-
está, no entanto, contra-indicado para reposição de albu- ratura corporal do paciente, maior ou igual a um grau
mina, tratamento de queimados, reposição de volume centígrado, em relação à temperatura pré-transfusional,
circulatório sem déficit de fatores de coagulação, com- sem nenhuma outra causa aparente. Geralmente não
plementação de nutrição parenteral, manutenção de provoca risco de morte. A freqüência estimada deste tipo
pressão oncótica, correção profilática de alterações da de reação é variável, estando em torno de 0,5% a 5%. Os
coagulação sem previsão de procedimentos invasivos e mediadores são citocinas proinflamatórias, contamina-
aceleração de processo cicatricial. ção bacteriana e aloimunização com antígenos plaquetá-
rios ou leucocitários. Sua importância deve-se ao diag-
nóstico diferencial com a reação hemolítica aguda. A
Reações transfusionais
transfusão deve ser interrompida e, devido à possibilida-
Reação transfusional é definida como todo e qualquer de de contaminação bacteriana, a bolsa deve ser despre-
evento adverso que ocorra durante ou após a transfusão zada. O paciente é tratado com antitérmicos e meperidi-
de um hemocomponente. A incidência geral é de 3% a na para a redução dos tremores. Medidas preventivas
10%. As reações transfusionais podem ser classificadas estão indicadas a partir do segundo episódio.
quanto ao mecanismo em imunológicas e não-imunoló-
gicas e quanto ao momento de ocorrência em imediatas
Reações alérgicas
e tardias. Reações imediatas são aquelas que ocorrem
durante ou em até 24 horas após a transfusão. Reações alérgicas são freqüentes com incidência um
pouco inferior à da reação febril não-hemolítica.
Reação hemolítica aguda Normalmente não se acompanham de febre e podem ter
manifestações cutâneas (urticariformes), respiratórias
Esta reação geralmente ocorre por incompatibilidade (estridor laríngeo, broncoespasmo, dispnéia, congestão e
ABO e é mediada por anticorpos IgM com ativação do prurido nasal) e cardiovasculares (choque). Estas reações
complemento. A quase totalidade das reações hemolíti- podem ter maior gravidade nos pacientes com deficiên-
cas agudas é secundária a falha humana (identificação cia de IgA. O tratamento inclui a interrupção da transfu-
incorreta de amostra, coleta de amostra em outro pacien- são, o uso de anti-histamínicos e outras medidas depen-
te, infusão de hemocomponente sem conferência dos dendo da gravidade clínica. Deve-se buscar o reconheci-
dados de identificação do receptor e da bolsa transfundi- mento do paciente com deficiência de IgA. Algumas
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Capítulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

medidas preventivas podem ser adotadas naqueles com dade sangüíneas possam ser realizadas com rapidez. O
história de reações alérgicas transfusionais prévias e hemograma com contagem de plaquetas e a análise da coa-
incluem a pré-medicação com anti-histamínicos ou glico- gulação também são importantes para determinar a indica-
corticóides, o uso de concentrado de hemácias lavadas e ção e o tipo de hemocomponente a ser transfundido.
hemocomponentes sem IgA. O banco de sangue deve, se possível, fornecer hemá-
cias do mesmo grupo e compatíveis com o receptor. Em
situações extremas, pode ser necessário utilizar hemácias
Lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão
do grupo O Rh(D) negativo sem provas de compatibilida-
Esta reação é mediada por anticorpos leucocitários de com o receptor. No entanto, as hemácias O negativo
do doador e receptor com ativação do complemento. nem sempre estão disponíveis e a seguinte política transfu-
Manifesta-se por insuficiência respiratória aguda devido sional é orientada caso não se consiga transfusão isogrupo
ao edema pulmonar não-cardiogênico, que surge dentro com o paciente: transfundir hemácias O positivo para o
de uma a seis horas após a transfusão. É uma reação receptor Rh positivo; transfundir hemácias O negativo
grave com risco de 5% a 10% de óbito que ocorre na para o receptor Rh negativo; e transfundir hemácias O
proporção de um caso para 5.000 transfusões. positivo para o receptor O negativo. Neste último caso,
deve-se alertar o médico assistente. As transfusões de pla-
quetas devem ser feitas utilizando os mesmos critérios
Reações não-imunológicas agudas
descritos no ítem Transfusão de hemocomponentes.
Estas reações incluem a sobrecarga circulatória que Esses pacientes utilizam grandes quantidades de san-
pode ocorrer em indivíduos propensos, contaminação da gue e correm os riscos de complicações adicionais rela-
unidade do hemocomponente por bactérias e hemólise cionadas às transfusões. São elas: hipocalcemia secundá-
por mecanismos físico-químicos. ria à quelação do cálcio pelo citrato que é o anticoagulan-
te utilizado na estocagem de sangue; hipotermia que
ocorre devido à transfusão de grandes volumes de hemo-
Reações tardias componentes armazenados a 4ºC; síndrome do descon-
Eventualmente, as reações hemolíticas por incompati- forto respiratório do adulto que é provavelmente de ori-
bilidade de antígenos eritrocitários não-ABO podem ocor- gem multifatorial; e coagulação intravascular dissemina-
rer após 24 horas do término da transfusão. Outras reações da que também é de natureza multifatorial.
tardias incluem a doença do enxerto versus hospedeiro, que
é mediada por linfócitos do doador no paciente imunossu- Referências
primido, e as doenças infecciosas transmitidas pelo sangue.
Os agentes e doenças mais comumente transmitidos e para 1 ■ Hebert PC, Yetisir E, Martin C, Blajchman MA, Wells G,
os quais os testes sorológicos no doador são realizados de Marshall J, et al. A multicenter randomized controlled clinical
rotina são: vírus da hepatite B, vírus da hepatite C, vírus da trial of transfusion requirements in critical care. N Engl J
Med. 1999;340:409-17.
imunodeficiência humana adquirida, vírus linfotrópico de
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Wintrobe´s Clinical Hematology 11th edition, Lipppincott
Williams & Wilkins, Philadelphia, 2004, 947-8.
Transfusão maciça 3 ■ Vichinsky EP, Haberkern CM, Neumayr L. A comparison of
conservative and aggressive transfusion regimens in the
A transfusão maciça de sangue é definida quando há perioperative management of sickle cell disease. The preope-
reposição transfusional para perda sangüínea de pelo rative transfusion in sickle cell disease study group.
menos uma volemia em 24 horas16. A prioridade do aten- N Engl J Med. 1995;333:206-13.
dimento nessas situação é o restabelecimento do volume 4 ■ Koshy M, Weiner SJ, Miller ST. Surgery and anesthesia in sickle
cell disease. Cooperative study of sickle cell disease. Blood.
plasmático, o que é feito geralmente com infusão de cris- 1995;66:3676-84.
talóides. O banco de sangue deve ser comunicado imedia- 5 ■ Neff AT. Autoimune hemolytic anemias. In: Greer JP, Foerster
tamente, para que as provas de classificação e compatibili- J, Lukens JN, Rodgers GM, Paraskevas F, Glader B.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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42
ASPECTOS ÉTICO-LEGAIS E
PSICOSSOCIAIS DOS TRANSPLANTES
DE ÓRGÃOS E TECIDOS

Walter Antônio Pereira, Márcio Alberto Cardoso,


Emma Elisa Carneiro de Castro, Márcia Aparecida de Abreu Fonseca

Introdução legislação específica sobre o tema. Devemos entender que


o legislador, considerando temas médicos, é sempre pro-
Os transplantes de órgãos e tecidos constituem um vocado pela evolução da ciência que, transpondo desafios
dos maiores sucessos da medicina moderna, graças à evo- antes inimagináveis, oferece ao jurista situações carentes
lução da ciência, a partir de grande sonho da humanidade de definição legal. Durante esse período, os médicos agi-
desde os primórdios da civilização, manifestado por meio ram tomando como parâmetros os aspectos científicos,
de histórias e lendas.
morais e éticos da profissão, culminando na elaboração de
A partir do século XVIII, desenvolveram-se, de
suporte legal e de legislação para a realização dos futuros
forma progressiva, as técnicas cirúrgicas e de preservação
transplantes de órgãos. Os objetivos básicos dessa legisla-
de órgãos, os medicamentos imunossupressores, antibió-
ção eram os de resguardar os direitos das pessoas envolvi-
ticos e métodos diagnósticos mais precisos1.
Peter Medawar, prêmio Nobel de Medicina em 1960, de das, principalmente os do doador, tanto cadáver quanto
nacionalidade britânica, mas nascido em Petrópolis, RJ, em vivo, e de assegurar a gratuidade da cessão dos órgãos
28/2/1915, foi o maior responsável por desvendar os ou tecidos.
vários aspectos da resposta imunológica, o que tornou viá- Em 10 de agosto de 1968, foi sancionada a lei nº
vel a aplicação clínica dos transplantes em seres humanos2. 5.479, criando dispositivos “retirada e transplante de teci-
Atualmente, a medicina regenerativa, com a clonagem dos, órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêuti-
terapêutica, nanobioengenharia, indução de tolerância ca e científica” e dando outras providências. Essa lei per-
imunológica e diferenciação celular a partir de células- maneceu durante quase 25 anos, auto-aplicável na maio-
tronco representam, desde já, nova fase evolutiva dos ria de seus dispositivos, por ausência completa de outros
transplantes. dispositivos legais sobre o tema3. Só a partir da década de
Em paralelo a essa evolução, houve a necessidade de 80 do século passado, com os transplantes cada vez mais
serem estabelecidos novos critérios de morte e uma legis- freqüentes e com resultados satisfatórios, graças à evolu-
lação que adequasse essa nova realidade terapêutica às ção da imunogenética e ao aparecimento de novas drogas
demandas da sociedade. imunossupressoras, os médicos e legisladores retomaram
as discussões sobre os aspectos éticos, buscando assegu-
rar suportes legais para os procedimentos4. Longas análi-
Legislação ses e reflexões discorreram sobre doadores, receptores e,
Até 1968, quando foi realizado o primeiro transplante principalmente, quanto à definição do diagnóstico da rea-
de coração no Brasil, amparado no critério de morte ence- lidade da morte, tendo como pilares resguardar os direi-
fálica do doador, não existia em nosso país nenhuma tos do doador e garantir a gratuidade do ato5.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Considerando que múltiplos transplantes de órgãos exi- São pontos importantes dessa lei:
gem a vitalidade dos tecidos transplantados, o primeiro Art. 2º. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos,
grande desafio, ético e legal, apresentado na terapêutica dos órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada
transplantes de doadores-cadáveres foi a definição do diag- por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equi-
nóstico de morte, uma vez que não mais se poderia firmar pes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente
unicamente no critério de parada irreversível dos batimen- autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único
tos cardíacos. Um novo conceito firmou-se: o critério da de Saúde.
morte encefálica, hoje devidamente definida em resolução
do Conselho Federal de Medicina6. Art.3º. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes
do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deve-
rá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e
Código de Ética Médica registrada por dois médicos não-participantes das equipes de
O Código de Ética Médica, contendo a legislação dos remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos
Conselhos de Medicina, aprovado na resolução n.º 1.246 e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal
do Conselho Federal de Medicina de 8 de janeiro de de Medicina.
1988, em seu capítulo VI, trata da doação e do transplan- Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pes-
te de órgãos e tecidos (Quadro 42.1)
soas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêu-
tica dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior
Quadro 42.1 .: Doação e transplante de órgãos e tecidos (capítulo de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o
VI do código de ética médica) segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por
duas testemunhas presentes à verificação da morte. (nova
É vedado ao médico:
Art. 72 – Participar do processo de diagnóstico da morte ou da deci-
redação determinada pela Lei 10.211, de 23 de março
são de suspensão dos meios artificiais de prolongamento da vida de de 2001).
possível doador, quando pertencente à equipe de transplante.
Art. 73 – Deixar, em caso de transplante, de explicar ao doador ou Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou par-
ao seu responsável legal, e ao receptor ou ao seu responsável legal, tes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita
em termos compreensíveis, os riscos de exames, operações ou
desde que permitida expressamente por ambos os pais ou por
outros procedimentos.
Art. 74 – Retirar órgão de doador vivo, quando interdito ou incapaz, seus responsáveis legais.
mesmo com autorização de seu responsável legal.
Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos,
órgãos ou partes do corpo de pessoas não-identificadas.
Art. 8º Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadá-
Fica claro nos dispositivos a proibição de comerciali-
ver será imediatamente necropsiado, se verificada a hipótese
zação de órgãos ou tecidos humanos e a necessidade de
consentimento esclarecido (verbal e escrito) do doador do parágrafo único do art. 7º, e, em qualquer caso, condigna-
vivo, usando o profissional médico de linguagem ade- mente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes
quada ao leigo e de fácil entendimento, o mesmo sendo do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento.
aplicado ao receptor2. (nova redação determinada pela Lei 10.211, de 23 de março
de 2001).

Resoluções e leis Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor


gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo
A partir de fevereiro de 1997 passou a vigorar a lei n.º vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge
9.434, considerando as alterações determinadas pela ou parentes cosangüíneos até o quarto grau, inclusive, na
Medida Provisória n.º 1.959-27, de 24 de outubro de forma do § 4º deste artigo, ou em qualquer outra pessoa,
2000, e a Lei n.º 10.211, de 23 de março de 2001, e que mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à
dispunham sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes medula óssea. (nova redação determinada pela Lei 10.211,
do corpo humano para fins de transplante e tratamento2.
de 23 de março de 2001).
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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se Art. 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de
tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes saúde, notificar, às centrais de notificação, captação e distri-
do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de buição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnós-
continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não tico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos.
represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e
saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitá-
vel, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovada- Sanções penais e administrativas
mente indispensável à pessoa receptora.
Dos Crimes
§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escri-
to e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pes-
parte do corpo objeto da retirada. soa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:
§ 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa de 100 a 360
responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concre- dias-multa.
tização.
§ 1º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de
§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilida- recompensa ou por outro motivo torpe:
de imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa de 100 a 150
transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de
dias-multa.
ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judi-
cial e o ato não oferecer risco para a sua saúde. § 2º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para
o ofendido:
§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes
de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de teci- I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de
dos para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato 30 dias;
não oferecer risco à sua saúde ou à do feto. II - perigo de vida;
§ 8º O autotransplante depende apenas do consentimento do
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se
ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais ou respon- IV - aceleração de parto:
sáveis legais. Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa de 100 a 200
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consen- dias-multa.
timento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de § 3º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o
espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os ofendido:
riscos do procedimento.
I - incapacidade permanente para o trabalho;
§ 1º Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz
ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a II - enfermidade incurável;
manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsá-
veis legais. IV - deformidade permanente;

§ 2º A inscrição em lista única de espera não confere ao pre- V - aborto:


tenso receptor ou à sua família direito subjetivo a indeniza- Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa de 150 a
ção, se o transplante não se realizar em decorrência de altera- 300 dias-multa.
ção do estado de órgãos, tecidos e partes, que lhe seriam des-
§ 4º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta em morte:
tinados, provocada por acidente ou incidente em seu transpor-
te. (nova redação determinada pela Lei 10.211, de 23 de Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360
março de 2001). dias-multa.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais
corpo humano: ou daquelas em que o Estado é acionista, pelo prazo de
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa de 200 a 360 cinco anos.
dias-multa. Art. 22. As instituições que deixarem de manter em arqui-
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, vo relatórios dos transplantes realizados, conforme o dispos-
intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a to no art. 3º, § 1º, ou que não enviarem os relatórios men-
transação. cionados no art. 3º, § 2º, ao órgão de gestão estadual do
Sistema Único de Saúde, estão sujeitas a multa de 100 a
Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, 200 dias-multa.
órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem
sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei. § 1º Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que dei-
xar de fazer as notificações previstas no art. 13.
Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa de 150 a 300
dias-multa. § 2º Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de ges-
tão estadual do Sistema Único de Saúde poderá determinar a
Art. 17. Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes desautorização temporária ou permanente da instituição.
do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em
desacordo com os dispositivos desta Lei. Art. 23. Sujeita-se às penas do art. 59 da Lei nº 4.117, de
27 de agosto de 1962, a empresa de comunicação social que
Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa de 100 a veicular anúncio em desacordo com o disposto no art. 11.
250 dias-multa.
Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o
dispositivo no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único: Aspectos psicossociais
Pena - reclusão de seis meses a dois anos. O candidato ao transplante
Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspec-
to condigno para sepultamento, ou deixar de entregar ou Os pacientes que entram nos programas de transplan-
retardar sua entrega aos familiares ou interessados: te passam necessariamente por etapas sucessivas de avalia-
ções somáticas e, muitas vezes, por avaliações psíquicas.
Pena - detenção de seis meses a dois anos. Nessas etapas, podemos perceber a importância de
Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo ajuda psicológica que possibilite melhor adaptação do
com o disposto no art. 11: sujeito face às exigências de operação tão complexa.
A tomada de consciência da necessidade de se fazer
Pena - multa de 100 a 200 dias-multa. um transplante é sempre difícil, pois aparecem medos,
inquietações e angústias. Em alguns casos, o comprome-
timento físico não é tão aparente, seja pela fase inicial da
Das Sanções Administrativas doença ou pelo tipo específico de transplante. A qualida-
Art. 21. Nos casos dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16 e de de vida, ainda preservada, remete o indivíduo a ques-
17, o estabelecimento de saúde e as equipes médico-cirúrgicas tionamentos sobre a pertinência da operação. Uma
envolvidas poderão ser desautorizadas temporária ou permanen- balança imaginária se apresenta no discurso do paciente,
temente pelas autoridades competentes. pesando os possíveis riscos e benefícios do transplante.
Também podem surgir fantasias de que a evolução da
§ 1º Se a instituição é particular, a autoridade competente doença ficará estagnada, não avançará e que a indicação
poderá multá-la em 200 a 360 dias-multa e, em caso de rein- do transplante será rediscutida.
cidência, poderá ter suas atividades suspensas temporária ou Quando o paciente assume a doença e suas conse-
definitivamente, sem direito a qualquer indenização ou com- qüências, a angústia de morte torna-se mais real e o sujei-
pensação por investimentos realizados. to se sente ameaçado em sua existência. Ele poderá apre-
§ 2º Se a instituição é particular, é proibida de estabelecer sentar temor e angústia em relação à sua integridade físi-
contratos ou convênios com entidades públicas, bem como se ca ou psíquica, incertezas quanto ao desenvolvimento da
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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

doença, bem como da operação e do que virá depois, escolha de um ou outro pólo parece mobilizar o sujeito
apreensão e medo da perda de um órgão que deverá ser de maneira a não ter que enfrentar diretamente o pensa-
substituído e preocupações quanto ao seu futuro pessoal, mento do ato cirúrgico em si.
familiar e social7. A fase de espera do órgão é, para a maioria dos pacien-
Todas essas angústias, temores e incertezas atingem o tes, um período de tortura psicológica, na medida em que
núcleo da personalidade, este lugar imaginário onde o amor ela os faz viver, ao mesmo tempo, intensos sentimentos de
e a estima de si se constroem. Esse núcleo corre o risco de impotência e de total dependência, deixando o campo livre
se enfraquecer, de se fissurar e se desintegrar, o que abre para a liberação de angústias e fantasias arcaicas assustado-
caminho a sentimentos de impotência e ao desespero, que ras. As manifestações psicológicas desse período parecem
podem chegar à resignação, à recusa e até ao abandono da marcadas por sentimentos de falta de esperança, degrada-
luta contra a doença, levando o paciente a não aderir ao tra- ção, medo, bem como de ansiedade, irritabilidade, isola-
tamento ou mesmo a recusar o transplante. mento e clara diminuição da vida fantasmática.
O paciente interroga-se sempre sobre seu desejo de Parece ser difícil para o sujeito falar de seus sentimen-
transplante. A maioria ressalta essa situação paradoxal, tos em relação à morte, de seus medos e fantasias.
exprimindo o sentimento de não ter escolha, já que se Atitudes de isolamento e idéias de culpabilidade e indig-
trata de um contexto de vida ou de morte. nação dirigidas à morte do doador aparecem normal-
Quando é anunciado ao paciente que ele poderá sub- mente após o anúncio do transplante e durante essa fase
meter-se a um transplante, seu estado de degradação de espera do órgão. “Esse sentimento de culpa, que se
somática é particularmente importante, ainda que mais manifesta por ruminações mórbidas, intensifica-se nos
expressivamente constatado em seus exames, e ele perce- finais de semana devido ao maior número de acidentes
be que os tratamentos convencionais feitos até aquele nas estradas, ‘sua chance’ de obter um órgão torna-se,
momento não garantirão mais sua existência ou, em então, mais provável”9.
alguns casos, nível de vida satisfatório. Nesse momento, A situação de espera de um órgão parece ser, para o
esse paciente pode experimentar uma série de dificulda- paciente, momento de instabilidade, estresse e ansiedade,
des psicológicas, que consistem em sintomas de angústia pois os acontecimentos são muito imprevisíveis, levando
e depressão. em conta a disponibilidade de um órgão e também as
Inicialmente, o paciente passa a ter esperança idealizada complicações do tratamento. Tudo é, fora a certeza da
da cura, encara o tratamento como uma chance que lhe foi necessidade do transplante, de alguma forma imprevisí-
dada, já que com o avançar da doença compromete-se e vel: a duração dessa espera, o encontro do doador com-
debilita-se física e emocionalmente dia após dia8. Surge, patível, as possibilidades de sobreviver a essa espera, o
nesse momento, o sentimento onipotente de que poderá resultado da operação a ser feita e a aceitação ou rejeição
renascer, que todos os seus problemas poderão ser resolvi- do órgão a ser transplantado. O paciente oscila entre
dos e que grande transformação está por acontecer. períodos de esperança e desesperança, entre espera de
Mas, em alguns tipos de transplante, como, o cardía- vida e espera de morte. Não sabe quando será solicitado
co ou o hepático, simultaneamente a esses sentimentos seu comparecimento ao hospital para se submeter à ope-
de euforia, o anúncio do transplante desperta no pacien- ração e pode vivenciar momentos de depressão, regres-
te verdadeiro choque emocional e também estado de são e perturbações da imagem corporal.
pânico: um veredicto de morte iminente e a esperança de Os familiares participam de todo o processo vivido
sobrevida condicionada. Confrontados entre esses dois pelo paciente e reagem aos acontecimentos a partir do
pólos, inevitavelmente aparecem reações ânsio-depressi- papel, função e história de cada um na dinâmica familiar.
vas intensas, devido à utilização de mecanismos de defe- É comum a emergência de antigos conflitos, rivalidades
sa, tais como resistência, negação, isolamento etc. A e segredos nesse momento de tensão e incertezas. As ati-
angústia gerada pode fazer com que o paciente opte tudes para com o membro doente e mesmo para com as
inconscientemente por uma das alternativas e se posicio- equipes assistentes estão mediadas por essa estrutura.
ne como aquele que não resistirá à operação (a morte) ou Outro fator importante nessa etapa de espera é a rela-
aquele que se tornará mais saudável que antes, inclusive ção do paciente com a morte. “Nesse contexto, a morte
mais feliz (a idealização da cura). De qualquer forma, a apresenta-se de uma forma paradoxal; onipresente de um
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

lado (risco de complicação letal, esperança de vida reduzi- como às equipes que realizam essas operações. As moda-
da, morte de outros pacientes), sendo, por outro lado, mar- lidades de intervenções psicológicas e psiquiátricas ainda
cada pela banalização e a rotina dos cuidados que se desen- variam muito de um serviço para outro, mas existe atual-
volvem segundo um ritmo imutável”10. mente um consenso em relação às necessidades e aos
A questão da morte do doador remete o sujeito à sua benefícios dessas intervenções.
própria morte, em jogo difícil de ser elaborado. Mas, Uma intervenção do porte de um transplante mobili-
quase sempre somente após o transplante, o paciente fala za toda estrutura familiar e, nesse contexto, o transplan-
do seu desconforto e culpabilidade diante da espera da te deve ser abordado na sua totalidade: receptor, doador,
morte de um doador, de sua atenção ao barulho da sire- suas famílias e a sociedade à qual pertencem. É importan-
ne e das notícias dos acidentes. Nesse momento de espe- te lembrar que, entre outros fatores, o paciente terá suas
ra, ele tende a se calar, se fechar, negando a própria morte atitudes e crenças influenciadas pelo grupo social a que
e a morte do outro. pertence e pela religião que pratica.
Nesse momento, a escuta psicoterápica da angústia e O sucesso desses procedimentos cirúrgicos pode ser
o encorajamento à verbalização das realidades do trans- comprometido se essa localização social do paciente não
plante são, para o paciente, a forma mais estruturante de for levada em conta, e essa situação poderá ser determi-
se comprometer com o processo do transplante11. O nante no momento de decidir sobre doação de órgãos ou
paciente precisa, a todo momento, estar ciente de todas tomar a decisão de recebê-los.
as implicações decorrentes da terapêutica à qual irá sub- Outro fator que devemos considerar é a autorização
meter-se e poderá falar de suas ansiedades em relação a do paciente, se possível por escrito, para realização da
elas nessa escuta. intervenção. Os pacientes e suas famílias devem ser
O transplante constitui mudança radical na vida do informados da maneira mais detalhada possível em rela-
indivíduo e de sua família, pois sabemos que a decisão de ção ao transplante, aos aparelhos e medicamentos utiliza-
fazê-lo é muito importante para eles, apesar dos receios, dos, ao problema da rejeição, ao risco de vida e aos trata-
das ansiedades e das angústias que suscita. mentos medicamentosos pós-transplante. Também
Inicialmente, a perspectiva de se submeter a uma série
nesse momento as dimensões emocionais desse proces-
de exames, consultas e avaliações para constatar se seu esta-
so devem ser corretamente avaliadas e cuidadas.
do orgânico permite tal tratamento e, em seguida, a espera
do doador, que muitas vezes é longa, levam o paciente a
sofrer modificações psicológicas importantes e nos mos- O paciente transplantado
tram o grau de angústia que ele pode estar vivenciando.
Os aspectos emocionais relacionados aos transplan- Nesse segundo momento, a possibilidade de um futu-
tes são complexos, pois envolvem dimensões frente às ro torna-se realidade dando ao sujeito maior capacidade
quais as pessoas não estão adaptadas e para as quais não de elaboração. Ele quer falar de sua experiência, está ali-
foram preparadas. Esses aspectos podem variar muito de viado por ter passado pela operação e se autoriza a falar
um tipo de transplante a outro, pois as situações não são do medo anterior12.
homogêneas; vão depender do tipo de órgão transplanta- O encontro pré-operatório é mais difícil, o paciente
do e também do fato de o doador estar vivo ou morto. normalmente é mais resistente, apresenta dificuldades
Podemos dizer que as fantasias suscitadas pela doa- em falar da morte, do medo e das fantasias. Após o trans-
ção se relacionam intimamente com a representação cor- plante, ele apresenta mais facilidade de se abrir, de relatar
poral no sentido de doar não um objeto qualquer, mas suas experiências e de falar do que já passou.
parte de seu próprio corpo. Sabemos que nosso corpo é Alguns pacientes são mais reivindicativos e exigem
representado imaginariamente por cada um de nós. Essa melhora imediata de suas condições de vida.
representação singular, no caso da doação ou recepção Normalmente, são os pacientes que não estavam bem
de órgãos sofre pressões, colocando-nos frente à morte. integrados socialmente e que esperavam que a interven-
Entretanto, a evolução das técnicas utilizadas nos ção resolvesse de forma mágica e, imediatamente, todos
transplantes não foi adequadamente acompanhada do os seus problemas, sejam eles sociais, afetivos ou
suporte emocional aos pacientes, a seus familiares, bem profissionais13.
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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

Os aspectos psicológicos mais importantes verifica- Pós-operatório tardio


dos no período pós-operatório variam consideravelmen-
te entre a fase precoce (pós-operatório imediato) e a fase O retorno ao ambiente familiar constitui período parti-
tardia (após a saída do hospital). cularmente delicado, no qual o paciente vai ter de adaptar-
se a novo modo de vida, inclusive com os incômodos de
Pós-operatório imediato um tratamento imunossupressor para o resto da vida.
Os momentos de depressão e euforia se alternam: a
O período no centro de tratamento intensivo (CTI), euforia vem do sentimento de ter tido acesso a uma nova
para muitos pacientes, pode vir a ser apagado da memória, vida, e a depressão vem do caráter alienante da dívida que
mesmo para aqueles que ficaram mais tempo conscientes. eles fizeram. O transplante é também uma perda para o
Somente num momento posterior é que algumas lembran- sujeito, o órgão retirado. Esse órgão pode ser motivo de
ças podem vir à tona, com possibilidade de serem analisa- muitas fantasias, “o que fizeram com ele?”, e o paciente
das. Muitos pacientes se queixam ou se envergonham de passa por momento de luto no qual terá de elaborar essa
comportamentos no CTI, lembrados ou não. Não é raro o perda para aceitar o novo órgão.
relato de que, inicialmente, não tinham certeza de estarem Toda a problemática da dívida é a expressão da culpa
vivos. Precisaram se certificar disso14. relacionada ao transplante. Os pacientes falam da doação
Logo após a saída do CTI, a tomada de consciência da vida da qual foram beneficiados, mas em seus discur-
do sucesso da operação e o clima de segurança intra- sos percebemos que eles não se esquecem da morte do
hospitalar dão ao paciente a possibilidade de concretizar doador. O órgão transplantado torna-se então doação de
seu antigo sonho de fazer novos projetos para a vida morte e culpa de vida: para se pagar a dívida feita, seria
futura, o que o leva, quase sempre, a passar um período necessário que o paciente renunciasse à sua própria vida
de bem-estar psicológico, acompanhado muitas vezes de para deixar o órgão transplantado encontrar, “no além”,
certa euforia ou de estado hipomaníaco. Esse momento seu proprietário original.
é vivido pelos pacientes como um renascimento e um alí- Encontramos também, nesse pós-operatório, certa
vio enorme. O medo da rejeição parece ser, nesse come-
insatisfação nos pacientes que esperavam ficar “curados”,
ço, a única preocupação do sujeito, o que desencadeia
que o transplante iria resolver tudo e que eles deixariam
regularmente ansiedade.
essa condição de doentes.
Passado esse momento, o aparecimento dos primei-
Algumas vezes, a recuperação é tão rápida, com retoma-
ros sinais de rejeição ou de complicações reativa sen-
da efetiva da capacidade física e mental, além da disposição,
sações de ansiedade e depressão. Nesse contexto, podem
que os pacientes, atendendo talvez a um desejo inconscien-
surgir questionamentos acerca da própria identidade.
Alguns pacientes chegam a verbalizar claramente: “Posso te de apagar a experiência vivida da doença e da operação,
dizer que sou eu mesmo?” deixam de tomar os medicamentos e/ou de comparecer
Mas, de uma forma geral, essa etapa no hospital gera aos controles e exames médicos; isso, geralmente, propicia
confiança no paciente; ele se sente protegido pelas equi- o processo de rejeição, com interrupção brusca das ativida-
pes médica e de enfermagem e se entrega a esse senti- des por nova hospitalização. Esta última é, particularmente,
mento de segurança. vivenciada com frustração, culpa e certo constrangimento
O fim da hospitalização, por outro lado, leva o para com as equipes assistentes.
paciente a alteração do humor, caracterizada por tristeza O futuro continua, para eles, em sua forma interroga-
e astenia, provavelmente ligadas ao medo de sair desse tiva, pois existe sempre a possibilidade de rejeição, de
ambiente seguro do qual ele se tornou dependente. infecções ou de outras complicações somáticas. Por isso,
Distanciar-se das equipes que estão cuidando dele pode o sujeito fica em situação de alerta e, de forma hipocon-
provocar inseguranças e mesmo certo temor de que ele dríaca, presta atenção a todos os sinais de seu corpo.
próprio, ou sua família, não consiga dar continuidade a Diante de qualquer complicação, ele entra geralmente em
esses cuidados e que seu estado orgânico venha a se com- uma fase de desilusão e de depressão.
plicar. Em contrapartida, há grande necessidade de retor- Podemos perceber também que, alguns meses depois
nar ao ambiente doméstico, como afirmação de que a do transplante, esses pacientes que sonharam resolver
afecção foi vencida. todas as suas dificuldades e problemas com a operação
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

passam por períodos de depressão, que podem compro- implicações, tanto na fase da procura do doador como
meter seu estado orgânico. depois de encontrá-lo.
As formas de adaptação a essa nova vida são diferen-
tes segundo os vários tipos de transplante, principalmen-
Distúrbios psiquiátricos e psicofarmacológicos
te os relativos ao coração. Como vimos anteriormente, o
coração é órgão carregado de simbolismos e o paciente A avaliação do paciente que apresenta problemas psi-
que passou por transplante deste órgão pode passar por quiátricos no pré, per ou pós-operatório do transplante
fases de se questionar se os sentimentos vividos afetiva- de órgãos é muito complexa e requer cuidado especial
mente pelo doador agora serão seus: “Vou deixar de gos- tanto na anamnese quanto no tratamento7.
tar das pessoas de quem gostava?”, “Meus sentimentos Os problemas psiquiátricos apresentados pelos
vão se misturar aos do doador?”. pacientes podem existir previamente à operação, ocorrer
devido ao processo do transplante ou serem precipita-
dos pelo mesmo.
A família dos transplantados Os transtornos psiquiátricos que aparecem com
A família do paciente que integra um grupo de trans- maior freqüência são, no pré-transplante, a presença de
plantes também passa por períodos de grande ansieda- ansiedade, alterações do ritmo sono-vigília (insônia ou
de, angústia e inquietações, pois é igualmente atingida sonolência), quadros depressivos, recidiva de quadros
em sua segurança e equilíbrio. Vivenciar, lado a lado, psicóticos anteriores que estavam estabilizados ou o
aparecimento de transtorno psiquiátrico orgânico agudo
todo esse doloroso percurso de um ente querido é extre-
devido ao agravamento do quadro metabólico ou devi-
mamente difícil, principalmente sabendo de todos os
do ao tratamento.
transtornos, dificuldades e ameaças de morte que essa
No peroperatório, as crises de ansiedade represen-
intervenção acarreta.
tam os problemas mais freqüentes.
No caso da criança candidata ao transplante, os pais
No pós-operatório, além dos quadros já citados, o
e demais familiares são mobilizados de forma ainda mais delirium pode aumentar sua freqüência, e seu tratamento
significativa. Desde a concepção, a criança ocupa um eficaz pode condicionar o êxito ou não do transplante.
lugar imaginário para seus pais. Ao adoecer, especial- Outra questão importante é o problema da prescrição
mente quando ainda bebê, a criança é marcada por todas de psicofármacos para uma pessoa que está debilitada e que
as fantasias decorrentes dessa experiência e pelo olhar poderá estar fazendo uso de imunossupressores. Nesse
dos pais a ela dirigido, olhar que resulta do que eles caso, deveremos estar atentos à possibilidade de interação
puderam elaborar do ocorrido7. de drogas que pode diminuir a eficácia de uma delas ou
É extremamente importante a participação da família aumentar a toxicidade da outra. Por isso, antes da adminis-
nestes processos, cujo posicionamento frente à criança é tração de nova droga, deve-se avaliar a situação clínica do
fundamental para que ela possa assimilar e significar a paciente junto com a equipe que o está acompanhando, na
vivência da doença. Sentimentos de culpa, impotência, tentativa de prever as interações possíveis entre o novo
frustração e temores podem ser vividos pelos pais fren- medicamento e os que ele já está utilizando.
te ao adoecer do filho, propiciando atitudes ambíguas na A melhor seleção possível de pacientes não exclui o
educação do mesmo. Dessa forma, a criança doente risco de aparecimento de transtornos psiquiátricos.
tende a apresentar condutas regressivas e relacionamen- Ainda não há conhecimento suficientemente seguro do
to simbiótico com os pais, especialmente com a mãe. mecanismo de aparecimento desses transtornos; sabe-
A equipe de psicologia pode intervir junto às famílias mos, porém, a gravidade que representam, principal-
dando suporte emocional, ouvindo suas dificuldades, mente nos casos agudos.
queixas, discutindo todas essas questões relativas à
perda, à culpabilidade, mas também orientando nas fases
Transtornos mentais orgânicos
de crise e complicações somáticas do paciente. Essas
questões familiares tornam-se mais conflitivas quando Esses quadros são aqui relatados por terem uma afec-
se trata de doação de doador vivo, que acarreta múltiplas ção orgânica demonstrável. Eles podem aparecer no pré e
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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

no pós-operatório imediato dos pacientes que apresentam A confusão mental era a entidade diagnóstica utiliza-
problemas metabólicos, principalmente naqueles que da para nomear esses sinais; atualmente, o termo delirium
foram submetidos a transplantes cardíacos e/ou hepáticos. passou a ser utilizado internacionalmente7.
O delirium é o mais representativo desses transtornos.
O que caracteriza este sintoma são as flutuações das fun-
Estados psicóticos agudos
ções cerebrais de uma hora para outra, de um dia para
outro, e mesmo de um minuto para outro. Essas flutua- Os estados psicóticos agudos podem ocorrer alguns
ções são mais visíveis em relação à consciência, orienta- dias ou semanas após a operação. Os temas do delírio são
ção, atenção, emoção, ao ciclo sono-vigília, senso-per- variados, aparecendo de forma mais freqüente o da per-
cepção, afeto, comportamento motor, e podem ser cau- seguição, embora possa apresentar-se a negação do ato
sados por etiologia sistêmica subjacente, tais como pro- cirúrgico ou da doença que o provocou. Sua freqüência
blemas de metabolismo, febre transitória, hipoxemia, no transplante cardíaco é comparável à da operação torá-
isquemia, uso de medicamentos ou sua privação. cica. Existe conflito entre as possíveis etiologias. Uma
Essas flutuações podem também ser causadas por even- tentativa é relacionar esses estados à circulação extracor-
tos externos, tais como aumento ou diminuição dos estímu- pórea, e outra é ligada ao papel traumático do ambiente
los. As variações de intensidade, evoluindo de leve a grave, pré, per e pós-transplante. Os distúrbios do sono, a perda
podem fazer com que ele venha a passar despercebido. dos ritmos fisiológicos, a angústia face à morte existente
Ele pode apresentar ligeiras variações da atenção, evo- no CTI são acentuados pela tecnologia utilizada e pela
luindo de quase-normalidade, até nível mais grave, no qual
mudança nos contatos interpessoais, causada pelas medi-
o paciente apresenta confusão mental, distorções da per-
das de assepsia devido ao tratamento imunossupressor
cepção, apresentando ilusões passageiras ou quadros de
(máscaras, aventais, luvas etc.).
alucinações e delírios. Esses sintomas diferem dos quadros
Algumas medidas podem favorecer a prevenção des-
psiquiátricos, tais como esquizofrenia, depressão com sin-
ses distúrbios psicóticos: uma relação médico-paciente
tomas psicóticos e mania, pois não são sistemáticos, e os
mais próxima, em que a personalidade do paciente é con-
pacientes podem revertê-los após explicação do que está
siderada, o estabelecimento de ambiente com objetos
acontecendo com eles naquele momento. As alucinações
familiares e a luta contra os distúrbios do sono.
auditivas predominam nos quadros psiquiátricos funcio-
nais, com a possibilidade de alteração de toda a senso-per-
cepção do paciente, que pode ver animais de tamanhos Complicações psiquiátricas de origem iatrogênica
variados e formas estranhas, sentir odores bizarros e ter
sensações táteis as mais diversas. Alguns medicamentos utilizados para melhorar a
Devido à possibilidade de rejeição e complicações do situação clínica do paciente podem provocar o apareci-
ato cirúrgico, a equipe médica, não raro, preocupa-se mento de complicações psiquiátricas, as quais podem
com a integridade funcional do órgão transplantado e melhorar com a retirada dos mesmos.
esquece-se da pessoa que recebeu o transplante; neste A nifedipina pode provocar episódios delirantes agudos
caso, delirium e outros problemas emocionais do paciente com colorido paranóide, sintomas que melhoram com a
são subestimados ou não são diagnosticados, o que é retirada do produto15. Existem relatos de crise maníaca
muito grave, pois vários estudos têm mostrado a relação após o uso do diltiazem, que melhorou com a retirada do
entre quadro psiquiátrico agudo e fatalidade iminente. produto e que não se repetiu com sua reintrodução, e de
Isso é explicado, em parte, pela doença que o provocou, confusão mental e sintomas depressivos com o verapamil.
sendo outro fator importante o próprio delirium, que em A nifedipina pode promover a atenuação dos efeitos
si mesmo pode ser fatal, mas que é, às vezes, reversível, periféricos e centrais da noradrenalina, o que explicaria o
se diagnosticado e tratado corretamente. aparecimento de sintomas depressivos. Os digitálicos
Um fator a ser lembrado é a confusão feita entre deli- provocam distúrbios psíquicos, principalmente em caso
rium e delírio: o primeiro apresenta os sintomas expres- de sobredosagem, favorecendo a ocorrência de astenia,
sos acima, o segundo representa alteração do pensamen- insônia, delirium e, às vezes, crises convulsivas. Sintomas
to e faz parte de vários quadros psiquiátricos. depressivos foram relatados com o tratamento prolonga-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

do. A alfametildopa pode levar a insônia, sintomas Os transtornos de ansiedade são os mais representati-
depressivos e, mais raramente, a distúrbios psicóticos. vos, pois aparecem quando mudança importante ocorre na
Diuréticos, freqüentemente associados aos digitáli- vida da pessoa e ela deve adaptar-se à nova realidade.
cos, ocasionariam perturbações iônicas, que estariam na Alguns transtornos de ansiedade, tais como o obses-
origem dos distúrbios psíquicos. sivo-compulsivo e o de pânico (não-tratado), seriam con-
Os tiazídicos provocariam astenia e sonolência decor- tra-indicações formais ao transplante, pois poderiam
rentes de hipopotassemia e hiponatremia e a amilorida, inviabilizá-lo.
distúrbios ansiodepressivos e insônia. As situações pré e pós-operatórias podem predispor
ao aparecimento de fenômenos de ansiedade perfeita-
mente normais à situação, mas que merecem tratamento
Transtornos psiquiátricos anteriores quando têm sua intensidade aumentada.
As pessoas que apresentavam transtornos psiquiátri- Os quadros mais freqüentes são transtornos mistos
de ansiedade e depressão, reação aguda ao estresse, trans-
cos anteriores podem apresentar recaída no período ime-
tornos do ajustamento, transtorno de somatização e sín-
diato que se segue ao transplante, mais freqüentemente
drome de despersonalização/desrealização16.
com o surgimento de transtornos do humor, particular-
Alguns dos seguintes sintomas devem estar presentes
mente os bipolares, e de transtornos esquizofrênicos.
para que possamos caracterizar quadro de ansiedade:
apreensão (dificuldade de concentração, queixas de nervo-
Alterações do humor e da ansiedade sismo, preocupações), tensão motora (cefaléias, tremores,
dificuldade para relaxar, tensão muscular aumentada, tre-
Os transtornos do humor (afetivos) e de ansiedade mores), hiperatividade autonômica (sudorese, sensação de
podem ser precipitados pelos períodos pré e pós-opera- cabeça leve, palpitações, desconforto epigástrico, taquip-
tório, embora possam ser anteriores a eles. Existe tam- néia, taquicardia, tontura, boca seca).
bém a possibilidade de acentuação dos sintomas devido Esses sintomas podem ser particularmente agravados
aos procedimentos cirúrgicos e terapêuticos (anestesia, pela situação de espera do transplante ou da operação
mudanças metabólicas, medicamentos e estresse). iminente, podendo levar o paciente a reação aguda ao
Os transtornos do humor caracterizam-se por altera- estresse.
ção no comportamento da pessoa – seu humor pode Podemos ter também transtorno de ajustamento, no
estar deprimido ou exaltado – e podem ou não estar qual o paciente pode apresentar angústia difusa que afeta
acompanhados de ansiedade e sintomas psicóticos. suas relações sociais e seu comportamento adaptativo.
As seguintes manifestações clínicas poderão aparecer Em adolescentes, pode surgir comportamento dramático
com intensidade, variando de leve a grave: humor ou agressivo.
depressivo (tristeza, desespero, pessimismo, baixa auto- A síndrome de despersonalização/desrealização pode
estima), alterações do ritmo sono-vigília, perda ou ocorrer nas experiências de proximidade com a morte,
aumento do apetite, sentimentos de indignidade ou de associadas a momentos de risco de vida. A pessoa quei-
culpabilidade, crises de choro, visão pessimista do futuro xa-se de que não é mais a mesma, que seu corpo e/ou o
e idéias de suicídio16. Estima-se que a incidência de suicí- ambiente estão alterados em qualidade, ficando remotos,
dio, nos períodos pré e pós-operatório, é de 100 a 400 irreais e automatizados. Ela acha que seus pensamentos,
vezes superior à da população em geral, se incluirmos o emoções e sensações não lhe pertencem, que seu corpo
não-seguimento das prescrições e outros meios de suicí- está sem vida e distante.
dio passivo. As pessoas mais expostas são aquelas que
apresentam antecedentes de distúrbios do humor ou de
Diagnóstico de morte encefálica
transtornos de personalidade. A depressão é acompanha-
da por vivência de desilusão causada por desejos que não Quando foi publicada a resolução n.º 1.346/91 do
são realizados ou por dificuldades de relacionamento Conselho Federal de Medicina sobre o diagnóstico de
que a pessoa esperava resolver magicamente com o morte encefálica, ainda estava em vigência a lei de trans-
transplante. plantes sancionada em 10 de agosto de 1968. Tal resolu-
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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

ção definiu os critérios para este diagnóstico, dirimindo intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas
dúvidas na interpretação de critérios médicos à luz dos faixas etárias.
conhecimentos técnico-científicos universalmente acei-
Art. 2º. Os dados clínicos e complementares observados
tos na época.
quando da caracterização da morte encefálica deverão ser
Deve-se considerar que a morte encefálica difere
registrados no termo de declaração de morte encefálica anexo
médica e legalmente da morte cerebral: na primeira situa-
a esta Resolução.
ção, existe comprometimento irreversível da vida de rela-
ção e vegetativa; na segunda situação, o comprometi- Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer
mento interessa apenas à vida de relação sem o critério acréscimos ao presente termo, que deverão ser aprovados pelos
de irreversibilidade assegurado. No primeiro caso, não Conselhos Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo
existe vida, não existe pessoa e sim cadáver, o que juridi- vedada a supressão de qualquer de seus itens.
camente não se observa na segunda situação3,17. Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de pro-
Em 10 de setembro de 1997, passou a vigorar a reso- cesso irreversível e de causa conhecida.
lução CFM n.º 1.480/97, que definiu critérios de diag-
nóstico da morte encefálica, aplicáveis em crianças de Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para cons-
sete dias a dois anos de idade. tatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência
de atividade motora supra-espinal e apnéia.

Resolução do Conselho Federal de Medicina Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas
necessárias para a caracterização da morte encefálica serão defi-
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições confe- nidos por faixa etária, conforme abaixo especificado:
ridas pela Lei n.º 3.268, de 30 de setembro de 1957, regula-
- de sete dias a dois meses incompletos - 48 horas;
mentada pelo Decreto n.º 44.045, de 19 de julho de 1958 e,
- de dois meses a um ano incompleto - 24 horas;
CONSIDERANDO que a Lei n.º 9.434, de 4 de feve- - de um ano a dois anos incompletos - 12 horas;
reiro de 1997, que dispõe sobre a retirada de órgãos, tecidos - acima de dois anos - seis horas.
e partes do corpo humano para fins de transplante e trata-
mento, determina em seu artigo 3º que compete ao Conselho Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para
Federal de Medicina definir os critérios para diagnóstico de constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma
morte encefálica; inequívoca:

CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das - ausência de atividade elétrica cerebral ou
funções encefálicas eqüivale à morte, conforme critérios já bem - ausência de atividade metabólica cerebral ou
estabelecidos pela comunidade científica mundial; - ausência de perfusão sangüínea cerebral.

CONSIDERANDO o ônus psicológico e material causa- Art. 7º. Os exames complementares serão utilizados por
do pelo prolongamento do uso de recursos extraordinários faixa etária, conforme abaixo especificado:
para o suporte de funções vegetativas em pacientes com para- - acima de dois anos - um dos exames citados no Art. 6º,
da total e irreversível da atividade encefálica; alíneas “a”, “b” e “c”;
CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação - de um a dois anos incompletos: um dos exames citados no
para interrupção do emprego desses recursos; Art. 6º, alíneas “a”, “b” e “c”. Quando optar-se por ele-
troencefalograma, serão necessários dois exames com inter-
CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios valo de 12 horas entre um e outro;
para constatar, de modo indiscutível, a ocorrência de morte; - de dois meses a um ano incompleto - dois eletroencefalo-
CONSIDERANDO que ainda não há consenso sobre a gramas com intervalo de 24 horas entre um e outro;
aplicabilidade desses critérios em crianças menores de sete - de sete dias a dois meses incompletos - dois eletroencefalo-
dias e prematuros, resolve: gramas com intervalo de 48 horas entre um e outro.
Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da Art. 8º. O termo de Declaração de morte encefálica, devida-
realização de exames clínicos e complementares durante mente preenchido e assinado, e os exames complementares
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

utilizados para diagnóstico da morte encefálica deverão ser ■ instalar cateter traqueal de oxigênio com fluxo de
arquivados no próprio prontuário do paciente. seis litros por minuto;
■ observar se aparecem movimentos respiratórios
Art. 9º. Constatada e documentada a morte encefálica, deve-
por dez minutos ou até quando o pCO2 atingir
rá o Diretor Clínico da instituição hospitalar, ou quem for
55mmHg.
por ele delegado, comunicar tal fato aos responsáveis legais do
paciente, se houver, e à Central de notificação, captação e dis-
tribuição de órgãos a que estiver vinculada a unidade hospi- Exame complementar
talar onde o mesmo se encontrava internado.
O exame clínico deve estar acompanhado de exame
Art. 10. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua complementar que demonstre inequivocamente a ausência
publicação e revoga a Resolução CFM n.º 1.346/91. de circulação sangüínea intracraniana ou atividade elétrica
cerebral, ou atividade metabólica cerebral. Observar o dis-
posto abaixo com relação ao tipo de exame e à faixa etária.
Observações Em pacientes com dois anos ou mais – um exame
complementar entre os abaixo mencionados:
Interessa, para o diagnóstico de morte encefálica,
■ atividade circulatória cerebral: angiografia, cintilo-
exclusivamente a arreatividade supra-espinal.
Conseqüentemente, não afasta este diagnóstico a pre- grafia radioisotópica, doppler transcraniano, monito-
sença de sinais de reatividade infra-espinal (atividade rização da pressão intracraniana, tomografia com-
reflexa medular), tais como: reflexos osteotendinosos putadorizada com xenônio, tomografia por emissão
(“reflexos profundos”), cutâneo-abdominais, cutâneo- de fótons (SPECT) e pósitrons (PET);
■ atividade elétrica: eletroencefalograma;
plantar em flexão ou extensão, cremastérico superficial
■ atividade metabólica: PET, extração cerebral de
ou profundo, ereção peniana reflexa, arrepio, reflexos
flexores de retirada dos membros inferiores ou supe- oxigênio.
riores, reflexo tônico cervical3,17. Para pacientes abaixo de dois anos:
■ de um ano a dois anos incompletos: dois eletroen-

cefalogramas com intervalo de 12 horas;


Prova calórica ■ de dois meses de idade a um ano incompleto: dois

Certificar-se de que não há obstrução do canal auditi- eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas;
■ de sete dias a dois meses de idade (incompletos): dois
vo por cerúmen ou qualquer outra condição que dificul-
eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas.
te ou impeça a correta realização do exame:
■ usar 50ml de líquido (solução salina 0,9%, água etc.) Uma vez constatada a morte encefálica, cópia deste
próximo de zero grau Celsius em cada ouvido; termo de declaração deve obrigatoriamente ser enviada
■ manter a cabeça elevada em 30 graus durante a prova; ao órgão controlador estadual (Lei 9.434/97, Art. 13).
■ constatar a ausência de movimentos oculares.

Referências
Teste da apnéia
1 ■ Pereira WA. ed. Manual de Transplantes de Órgãos e Tecidos. 3ª
No doente em coma, o nível sensorial de estímulo para ed. Rio de Janeiro: Medsi. Guanabara Koogan; 2004.
desencadear a respiração é alto, necessitando-se da pCO2 2 ■ Pereira WA. História dos transplantes. In: Pereira WA ed.
Manual de Transplantes de Órgãos e Tecidos. 3ª ed. Rio de
de até 55mmHg, fenômeno que pode determinar um Janeiro: Medsi Guanabara Koogan: 2004:1-8.
tempo de vários minutos entre a desconexão do respirador 3 ■ Cardoso MA, Matos AN. Aspectos legais e éticos. In: Pereira
e o aparecimento dos movimentos respiratórios, caso a WA ed. Manual de Transplantes de Órgãos e Tecidos. 3ª ed.
região ponto-bulbar ainda esteja íntegra. A prova da Rio de Janeiro: Medsi Guanabara Koogan; 2004:9-57.
apnéia é realizada de acordo com o seguinte protocolo: 4 ■ Constituição da República Federativa do Brasil - 1988. Secção II,
da Saúde.
■ ventilar o paciente com O2 de 100% por dez minutos; 5 ■ França GV. Tanatologia médico-legal. In: França GV. Medicina
■ desconectar o ventilador; Legal. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan; 1995:225-80.

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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

6 ■ França GV. Doação e transplante de órgãos e tecidos. In: França 12 ■ Engle D. Psychosocial aspects of the organ transplant experien-
GV. Comentários ao Código de Ética Médica. Rio de Janeiro, ce: what has been stablished and we need for the future. J Clin
Guanabara Koogan; 1994:74-82. Psychol. 2001;57:521-49.
7 ■ Castro EEC, Fonseca MAA, Castro JO. Dimensões psicológicas 13 ■ Eudier F, Caggia M, Badiche A. La qualité de vie du transplanté
e psiquiátricas. In: Pereira WA ed. Manual de Transplantes de hépatique en pré et post opératoire. Psychol Med. 1994;
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Med. 1992; 24 (Suppl.4):377-9.

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TRANSPLANTE DE
ÓRGÃOS ABDOMINAIS –
ASPECTOS CLÍNICOS
Luiz Fernando Veloso, Agnaldo Soares Lima,
Walkíria Wingester Vilas Boas

Transplantes de órgãos sólidos no tui a principal indicação da substituição do órgão em falên-


cia. São exemplos algumas doenças colestáticas crônicas
Brasil e no mundo
com prurido intratável ou com osteopenias graves6, doen-
Os transplantes de órgãos sólidos têm sido realizados ças hepáticas sem insuficiência orgânica franca, com atra-
no Brasil desde 19671. Desde então, a freqüência anual so do crescimento da criança7, entre outros.
com que esse procedimento tem sido realizado aumentou Atualmente, o rim e o fígado encabeçam a lista dos
progressivamente. Essa tendência de crescimento ocorreu órgãos mais transplantados no mundo. No Brasil, eles
especialmente na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. representam 70% e 20% dos órgãos sólidos transplanta-
Na década de 80 do século passado, registrou-se sig- dos a cada ano, respectivamente8.
nificativa melhoria nos resultados obtidos, conseqüência, Estima-se que, em 2004, tenham sido transplantados
principalmente, de avanços na terapia imunossupressora, no Brasil mais de 3.000 rins, 1.000 fígados, 200 corações,
na conservação de órgãos e na técnica cirúrgica. 150 pâncreas-rim e 60 pâncreas isolados8. Esses números
Após a conferência de consenso do National Institute colocam nosso país na vice-liderança mundial em número
of Health realizado em 1983, o número de transplantes de transplantes realizados, (bem) atrás dos Estados Unidos
hepáticos realizados no mundo cresceu exponencial- da América. A julgar pelo tamanho da população brasilei-
mente. A partir dessa data, o transplante de fígado dei- ra, o Brasil é, entre os países líderes nessa atividade, o que
xou de ser considerado uma atividade experimental e, apresenta maior potencial de crescimento.
rapidamente, passou a ser empregado em grande núme- Em decorrência do aumento crescente do número de
ro de pacientes. transplantes de órgãos sólidos que vêm sendo realizados
Em conseqüência da progressiva melhoria dos resul- no Brasil, o médico brasileiro passará a deparar, cada vez
tados obtidos, observou-se rápida expansão das situações mais freqüentemente, com pacientes cujos órgãos foram
clínicas em que um transplante de órgão está indicado ou serão substituídos. Desse modo, torna-se imperativo
(Quadro 43.1)2. que, em curto espaço de tempo, os fundamentos da clíni-
Observou-se, nos últimos anos, redução progressiva ca cirúrgica de transplante de órgãos sejam integrados ao
do risco envolvido no transplante de órgãos sólidos. A currículo mínimo de formação do médico e do cirurgião
qualidade de vida pode ser significativamente melhorada brasileiros. Este capítulo, longe de abranger toda a clíni-
pela substituição de órgãos em falência de função3-5. Por ca de controle de pacientes transplantados, visa fornecer
essas razões, transplantes passaram a apresentar relação os principais elementos que nela interferem, bem como
risco-benefício favorável, também, em contextos clínicos as informações necessárias para a identificação e o con-
cujo impacto da doença sobre a qualidade de vida consti- trole dos potenciais doadores de órgãos.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 43.1 .: Principais indicações de transplante de órgãos realizados no país, 1.528 foram viabilizados a partir de
abdominais segundo o tipo de enxerto. Lista por ordem decrescente enxertos captados em pacientes em morte encefálica.
de freqüência, segundo United Network for Organ Sharing2 Segundo a mesma fonte e para o mesmo período, dos
Órgão Principais indicações de Transplante
4.162 transplantes de tecidos realizados, 3.588 foram
Nefropatia diabética
provenientes de doadores nessa condição clínica8.
Nefroesclerose da hipertensão arterial Em relação aos órgãos sólidos, apenas o rim apresen-
Glomérulo esclerose focal (segmentar) ta equilíbrio quanto aos doadores empregados (53% e
Rim
Nefropatia por IgA 47% dos doadores, respectivamente, em morte encefáli-
Hipertensão maligna ca e vivos). A proporção de pacientes submetidos a
Glomerolonefrite membranosa transplante hepático a partir de doadores vivos no Brasil
Cirrose pelo vírus da hepatite C tem aumentado rapidamente nos últimos anos, alcançan-
Cirrose alcoólica do 18% dos transplantes realizados no primeiro semestre
Cirrose criptogênica de 20048. Para os demais órgãos transplantados, apenas
Cirrose pelo vírus da hepatite B excepcionalmente têm sido realizados transplantes a par-
Cirrose biliar primária
tir de doadores vivos.
Colangite esclerosante primária
Fígado Hepatite auto-imune
Hepatocarcinoma Definição do doador
Hepatite fulminante
Atresia de vias biliares Segundo a legislação brasileira, podem ser doadores
Ductopenia biliar (síndrome de Alagile) pacientes em estado de morte encefálica, comprovada
Distúrbios metabólicos do fígado (doença de por rígido protocolo internacional de diagnóstico dessa
Wilson; hemocromatose; amiloidose familiar).
condição, que não representem risco de transmissão de
Diabetes mellitus tipo I com insuficiência renal crôni-
algumas doenças ao receptor. Podem ser doadoras, tam-
Pâncreas-Rim ca, em fase de diálise ou na iminência da necessida-
bém, pessoas vivas e saudáveis que, por livre vontade,
de de diálise
optarem por dispor de partes de seus órgãos a seus
Pâncreas Diabetes mellitus tipo I lábil sem insuficiência renal
parentes de até quarto grau ou cônjuges, desde que esse
Síndrome do intestino curto (enterocolite necroti- gesto seja potencialmente compatível com a vida normal
zante; vólvulo; má-rotação intestinal; gastrosquise;
Intestino atresia intestinal; múltiplas ressecções; isquemia
após a doação.
mesentérica) Os critérios para definição e comprovação da morte
Miopatia visceral encefálica em determinado indivíduo com lesão no siste-
ma nervoso central foram estabelecidos, na legislação bra-
sileira, pela lei nº 9.434 de 4 de fevereiro de 1997 e regula-
O doador de órgãos mentados pelo Conselho Federal de Medicina pela resolu-
Doador de órgãos constitui a fonte da qual o tecido ção CFM 1.480/97. Esses critérios seguem regras interna-
ou órgão a ser transplantado é retirado. Os doadores cionais estritas para garantir a segurança do doador.
O protocolo de diagnóstico de morte encefálica visa
podem ser pessoas vivas ou em morte encefálica (antes
determinar, indubitavelmente, a condição de lesão do sis-
ou após a parada cardíaca). A freqüência com que essas
tema nervoso central irreversível e incompatível com a
diferentes fontes são empregadas varia com o tempo his-
vida. Desse modo, a inatividade irreversível de todas as
tórico, o órgão ou tecido transplantado e o país conside- estruturas superiores ao tronco encefálico deve ser
rado. Outras opções de fonte de órgãos e tecidos (ani- demonstrada com especificidade de 100%.
mais, por exemplo) são consideradas experimentais. Os exames complementares a serem realizados para
De modo geral, no Brasil, a fonte de órgãos mais fre- constatação da morte encefálica deverão demonstrar, de
qüentemente empregada é o doador no estado de morte forma inequívoca, ausência de atividade elétrica, de ativi-
encefálica. De acordo com a Associação Brasileira de dade metabólica e de perfusão sangüínea no cérebro.
Transplante de Órgãos (ABTO), no primeiro semestre Os critérios empregados são uma seqüência de testes
do ano 2004, do total de 2.417 transplantes de órgãos aplicados por especialistas não vinculados a serviços de
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Capítulo 43 .:Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

transplantes. São realizados, pelo menos, dois exames neu- do doador, no entanto, são diretamente dependentes da
rológicos para diagnóstico da morte encefálica. Esses exa- qualidade da medicina intensiva prestada a ele entre sua
mes devem ser realizados num momento em que não haja admissão hospitalar e o momento do pinçamento vascu-
mais efeito de drogas cujas ações possam interferir na ati- lar e da conservação dos órgãos para transplante9.
vidade elétrica cerebral. O intervalo mínimo entre as duas O Sistema Nacional de Transplantes, por meio de
avaliações clínicas, necessárias para a caracterização da suas centrais de captação de órgãos, identifica, anualmen-
morte encefálica, é definido por faixa etária: de sete dias a te, aproximadamente 5.000 potenciais doadores de
dois meses incompletos - 48 horas; de dois meses a um órgãos. Entretanto apenas 1.300 se tornam efetivos doa-
ano incompleto - 24 horas; de um ano a dois anos incom- dores. Do total de doações não-efetivadas, 45,7% ocor-
pletos - 12 horas; acima de dois anos - seis horas. rem por más condições clínicas do doador. Outros 37%
Além da comprovação da total e irreversível inatividade das não-efetivações das doações ocorrem por recusas da
do sistema nervoso central, a legislação determina que as família em relação à doação8.
mesmas doenças rastreadas em doadores de hemoderiva- Esses dados justificam a necessidade de intensos
dos sejam pesquisadas nesses pacientes antes que sejam esforços de esclarecimento da população. A segunda
considerados doadores de órgãos. São realizados os seguin- medida que poderá resultar na ampliação significativa do
tes testes sorológicos: HBsAg, anti-HBc, anti-HCV, anti- número de doadores é a educação médica. A identifica-
HIV, testes para doença de Chagas e sífilis. ção do potencial doador, bem como o adequado cuidado
A utilidade de doadores com exames sorológicos dedicado a ele até o momento da concretização da doa-
positivos tem sido revista. Em muitos países, doadores ção, são elementos fundamentais para o crescimento da
com algumas dessas sorologias positivas têm sido empre- atividade de transplantes. O conhecimento sobre fisiolo-
gados com segurança, por meio da seleção de receptores gia da morte encefálica e da atenção médica ao potencial
que já apresentem a mesma doença que o doador e por doador é pré-requisito necessário a todo médico que
meio do uso de medidas de profilaxia e/ou tratamento da cuida de pacientes que potencialmente possam evoluir
doença potencialmente transmitida pelo doador. para morte encefálica.
Finalmente, a anuência da família do paciente em
morte encefálica é fundamental para a efetivação da doa-
Fisiologia da morte encefálica
ção. Embora a propriedade dos cadáveres seja do
Estado, e a doação compulsória seja empregada em Os eventos que, mais freqüentemente, levam à morte
alguns países do mundo, a legislação brasileira prefere encefálica são o traumatismo cranioencefálico e os aci-
definir como doadores apenas pacientes cujas famílias dentes vasculares encefálicos. Mais raramente, tumores
concordem e assinem termo de doação padronizado. cerebrais, asfixia e complicações de neurocirurgias tam-
Qualquer paciente que preencha os critérios menciona- bém levam à lesão irreversível do encéfalo.
dos pode ser considerado doador de órgãos, embora algu- O estado de morte encefálica caracteriza-se pela
mas outras variáveis clínicas necessitem ser avaliadas. ausência de função do cérebro e do tronco encefálico
É fundamental reconhecer que características do doa- com repercussões sistêmicas que, invariavelmente, se
dor são os principais determinantes do sucesso do trans- agravam até a ocorrência da parada cardíaca.
plante de qualquer órgão. A história clínica pregressa, A capacidade de manutenção da homeostase, em
bem como o evento que desencadeou a morte encefálica pacientes que apresentam morte encefálica, está muito
e as condições clínicas atuais do doador são determinan- limitada. A integração dos reflexos neurovegetativos e
tes da função do enxerto captado e transplantado. Cada dos circuitos neuroendócrinos está inviabilizada com
órgão apresenta diferentes graus de vulnerabilidade a exceção dos mais primitivos reflexos integrados na
esses insultos, determinantes da função do enxerto. medula espinhal.
Algumas das características dos doadores que influen- Desse modo, a homeostase hemodinâmica, hidroele-
ciam a viabilidade dos enxertos captados não podem ser trolítica e ácido-básica, bem como os mecanismos ter-
modificadas (idade, obesidade, doenças sistêmicas, espe- morregulatórios, estão comprometidos.
cialmente se mal controladas e com lesões em seus res- Esses pacientes apresentam amplas flutuações da
pectivos órgãos-alvo). Outras importantes características pressão arterial, especialmente quando manipulados nas
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mudanças de decúbito e nos procedimentos invasivos. qüentemente, o paciente não recebe nenhuma forma de
Qualquer estímulo externo pode desencadear respostas nutrimentos, ou pode utilizá-los apenas de modo limita-
hemodinâmicas variadas, embora a tendência, ao longo do. Dessa forma, há uma tendência à desnutrição e
do tempo, seja a degeneração para a hipotensão. Essa depleção das reservas de energia dos órgãos, especial-
instabilidade hemodinâmica se deve tanto a variações na mente do fígado. O tempo de isquemia tolerado pelos
resistência vascular sistêmica e na capacitância venosa enxertos é amplamente dependente dessas reservas9.
quanto às respectivas respostas do miocárdio, fazendo
variar inadequadamente o débito cardíaco. De modo glo-
Cuidados com o doador
bal, há uma tendência à má perfusão dos órgãos e teci-
dos, com acidose metabólica. Conhecendo os mecanismos fisiopatológicos associa-
A ausência de função da hipófise acompanha o qua- dos à morte encefálica, cabe ao médico que assiste os
dro clínico e dá origem ao diabetes insipidus. Ocorrem per- órgãos de até dez receptores, reunidos em um organismo
das volumosas de urina hipotônica. Os pacientes, que até de frágil equilíbrio, adotar as seguintes medidas:
então eram cuidadosamente mantidos normo ou hipovo-
■ manter a perfusão adequada dos órgãos por meio
lêmicos na tentativa de reduzir o edema cerebral, tor-
do cuidadoso equilíbrio entre combate à desidrata-
nam-se rapidamente desidratados. Diagnosticada a
ção (reposição volêmica, emprego de desmopres-
morte encefálica, a reposição de líquidos deve, então, ser
vigorosa e adequada. O uso de solução glicosalina quase sina) e uso da menor dose necessária de catecola-
sempre é necessário para evitar a hipernatremia10. Os minas vasoativas;
níveis séricos de potássio devem ser monitorados a inter- ■ manter o equilíbrio hidroeletrolítico, combatendo

valos regulares e a reposição do íon evita a parada cardía- especialmente a hipernatremia (uso de soluções gli-
ca precoce. cosalinas) e a hipocalemia;
É útil o controle da pressão venosa central para orien- ■ manter a temperatura corporal (aquecendo as solu-

tar a reposição hídrica. A diminuição da resposta da pres- ções a infundir e reduzindo as perdas de calor);
são arterial à adequada infusão de líquidos indica a neces- ■ manter aporte de energia para evitar a depleção
sidade do uso de aminas. Esse uso contribui para a das reservas de energia dos futuros enxertos.
melhor preservação do enxerto devido à melhor perfu- Sempre que possível, dar preferência à nutrição
são do órgão11. No entanto, em doses elevadas, elas indu- enteral, que mantém a reserva energética e o estí-
zem má perfusão esplâncnica, podendo comprometer mulo trófico às vísceras abdominais;
gravemente a viabilidade dos órgãos abdominais. Além
■ manter a mínima agressão bárica e secundária a ele-
disso, as catecolaminas aceleram a depleção do glicogê-
vadas frações de oxigênio no ar inspirado, além de
nio hepático, reduzindo a tolerância do órgão à isquemia
fria e à conservação do enxerto. O uso prolongado des- combater intensivamente a atelectasia pulmonar,
sas drogas leva a lesões do miocárdio que reduzem sua caso o paciente seja potencial doador de pulmões;
■ diagnosticar e tratar prontamente infecções.
tolerância à conservação, afetando negativamente a fun-
ção do enxerto cardíaco após o transplante. Adotando essas medidas, o número de efetivos doa-
O centro regulador da temperatura é não-funcionan- dores poderá crescer significativamente.
te e, juntamente com a reposição volumosa de líquidos
não aquecidos, leva à hipotermia e à subseqüente instala- Marcadores da função do enxerto relacionados
ção de acidose lática por vasoconstricção reflexa. A evo- ao doador
lução desfavorável, em cascata, de hipotermia, hipoten-
são, acidose e hipopotassemia contribui para a parada Diversos estudos identificaram variáveis do doador
cardíaca, com conseqüente perda dos enxertos12. associadas à viabilidade e função do enxerto após o
Muitas vezes, pacientes evoluem para morte encefáli- transplante. Análises multivariadas são raras nesse
ca após longos períodos de terapia intensiva, com insta- campo e precisam ser realizadas. No entanto, algumas
bilidade hemodinâmica, infecções e uso de drogas tóxi- dessas variáveis aparecem repetidamente, em diversos
cas para diversos órgãos e tecidos. Por essas razões, fre- estudos, como determinantes da função do enxerto9.
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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

A idade do doador, o uso de catecolaminas vasoativas transplante15. É difícil medir objetivamente o impacto de
em doses elevadas por tempo prolongado, o tempo de diferentes combinações dessas variáveis.
internação do doador nas unidades de tratamento inten- Na falta de uma medida específica e quantitativa, a acei-
sivo e a hipotensão arterial são marcadores que têm sido tação de um enxerto para transplante é feita pela reunião de
associados à disfunção de diferentes tipos de enxerto. todas as informações clínicas e as laboratoriais disponíveis,
A esteatose microvesicular do fígado e a presença de considerando-se, ainda, o efeito da escassez de órgãos
hipernatremia no doador são marcadores de disfunção do sobre a mortalidade na lista de espera (da ordem de 30% ao
enxerto hepático13. Outros fatores que podem estar asso- ano para listas de espera por enxerto hepático).
ciados à disfunção do enxerto hepático são a presença de
aminotransferases e gamaglutamiltranspeptidase elevadas,
além de o doador ser do sexo feminino (quanto o enxerto Conservação de órgãos
é transplantado em receptor do sexo masculino). A técnica de conservação de órgãos é fundamentada
Embora cada um desses fatores provavelmente tenha em dois princípios: (1) redução da atividade metabólica e
efeitos sobre a função do enxerto hepático, constitui
do consumo de energia pelas células; (2) manutenção do
tarefa árdua medir a soma dos efeitos dos fatores positi-
equilíbrio eletrolítico e osmótico entre os meios intra e
vos e negativos de cada doador. Atualmente, a experiên-
extracelulares durante a isquemia16.
cia acumulada das equipes tem sido empregada, de modo
A redução da atividade metabólica celular é garantida
subjetivo, nessa decisão.
pela hipotermia que, reduzindo a atividade enzimática
Briceño et al.14 publicaram relevante artigo que ensaia-
por mecanismos físico-químicos, reduz, conseqüente-
va reunir matematicamente esses fatores de modo a con-
mente, o consumo de energia e oxigênio pelos tecidos,
tribuir para a construção de uma medida objetiva do
aumentando a tolerância deles à isquemia.
risco de disfunção do enxerto. A partir de dados do doa-
Em conseqüência da redução da atividade metabóli-
dor (idade, tempo de terapia intensiva, uso de catecola-
minas, natremia, bilirrubinemia, concentração das ami- ca, todas as atividades de homeostase celulares funcio-
notransferases e tempo de isquemia fria) foi possível esti- nam precariamente durante o período de isquemia fria.
mar, objetivamente, a sobrevida e o risco de função retar- Desse modo, a manutenção do meio intracelular funcio-
dada do enxerto. na apenas precariamente, tendendo o interior das células
Além dos marcadores universais de disfunção de a acumular água (degeneração hidrópica) e sódio, a per-
enxertos, a história prévia de diabetes, a hiperglicemia, der potássio, havendo também depleção do glicogênio e
bem como a obesidade do doador, são os principais mar- acúmulo de radicais livres.
cadores de mau funcionamento do enxerto pancreático. Com o objetivo de reduzir tais alterações intracelula-
Do mesmo modo, a creatininemia elevada associa-se à res decorrentes da ausência de atividade de homeostase
disfunção do enxerto renal. Longo tempo de jejum, sem desencadeada pela hipotermia, várias soluções de conser-
o emprego de nutrição enteral, está associado a disfunção vação foram desenvolvidas.
do enxerto intestinal. De modo genérico, as soluções de conservação têm
Os doadores que escapam aos limites “ótimos” da o efeito de preencher o meio vascular e extracelular.
avaliação clínica ou laboratorial são chamados “doadores Elas apresentam concentrações iônicas e pressão
não-ideais” ou “doadores marginais”. A utilização de osmótica semelhantes ao intracelular, evitando, desse
doadores não-ideais amplia o número de enxertos dispo- modo, a perda de potássio e a entrada de sódio e água
níveis, mas tende a aumentar a mortalidade, a morbida- para o intracelular. Além disso, as soluções de conser-
de, a perda de enxertos por não-funcionamento primário vação apresentam em sua composição sistemas tampão
e a necessidade de retransplante. que diminuem a intensidade dos efeitos da acidose e da
Diante da oferta de um doador, uma equipe de trans- presença dos radicais livres de oxigênio, conseqüência
plante deve estimar, com base em dados demográficos do metabolismo anaeróbio.
(idade, sexo, índice de massa corpórea), tempo de hospi- Cada órgão ou tecido, em função de sua reserva de
talização, exames laboratoriais e hemodinâmicos, qual é a energia, da intensidade metabólica e tolerância ao meta-
probabilidade de funcionamento do enxerto após o bolismo anaeróbio, tolera diferentes tempos de isquemia.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

A solução de conservação mais conhecida é a solução cavidade, separadamente ou em blocos, dependendo das
da Universidade de Wisconsin. Ela é considerada padrão- preferências das equipes e da destinação dos órgãos.
ouro em estudos de comparação com outras soluções por O transporte e posicionamento do paciente na mesa de
apresentar excelentes características quanto à conservação operação constituem fases críticas do procedimento.
de órgãos, tendendo a ser superior às demais, especialmen- Instabilidade hemodinâmica, arritmias e paradas cardíacas
te para órgãos menos tolerantes à isquemia e para tempos não são raras, contribuindo para perda de enxertos.
de conservação mais prolongados16. O paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal
Muitas outras soluções têm sido desenvolvidas, apre- horizontal e, após ser monitorizado, deve receber generosa
sentando variações em seus componentes, mas quase sem- dose de relaxantes musculares.
pre com os mesmos princípios físico-químicos. Vale desta- Feita a anti-sepsia e o posicionamento dos campos
car, pela freqüência com que são empregadas, as soluções cirúrgicos, realiza-se laparotomia xifopúbica, associada ou
de Colins, Celsior e HTK16-7. não a esternotomia mediana (para captação de órgãos
A solução de Celsior tem sido cada vez mais freqüente- torácicos). Uma segunda incisão abdominal, transversal,
mente empregada e parece apresentar perfil de segurança na altura da cicatriz umbilical, pode facilitar o acesso ao
na conservação de órgãos abdominais semelhante ao da abdome, especialmente nos casos em que a toracotomia
solução de Wisconsin, pelo menos para os tempos de não for realizada.
isquemia considerados habituais16-22. Alguns aspectos da inspeção dos órgãos abdominais
são relevantes. Quanto ao fígado, a consistência, as carac-
terísticas das bordas e a cor (pesquisa de esteatose) devem
Técnica cirúrgica para retirada de múltiplos ser registradas. O pâncreas ideal tem consistência macia,
órgãos abdominais mas firme, tem cor de carne de salmão, com mínima quan-
tidade de tecido amarelado entremeado. Nos rins deve-se
A retirada simultânea de múltiplos órgãos abdominais verificar a existência de tumores sólidos ou císticos.
(fígado, pâncreas, rins e intestino delgado) do mesmo doa- Para a captação dos rins, os ureteres são seccionados na
dor é viável. O maior número possível de órgãos deve ser pelve anatômica e, mantendo-os em bloco com os vasos e
captado de cada doador. A maioria das variações anatômi- o tecido conjuntivo que os envolve, eles são liberados até o
cas vasculares, reconhecidas no passado como contra-indi- pólo inferior dos rins. Secciona-se a aorta e a veia cava infe-
cações à retirada de órgãos que compartilhassem a mesma rior logo acima do ponto onde foram canulados e disseca-
irrigação, são consideradas, atualmente, indicações a modi- se cranialmente, em plano posterior logo anteriormente aos
ficações da técnica padrão de captação, viabilizando a reti- músculos da parede posterior do abdome. Os rins são
rada de todos os órgãos. mobilizados a partir de suas bordas laterais, completando-
Cabe ressaltar, no entanto, que existe uma hierarquia de se sua remoção da cavidade abdominal.
preferências de um órgão sobre o outro para os excepcio- A captação de enxerto de intestino é excepcional. O
nais casos em que algum dos órgãos necessite ser prejudi- segmento preferido é o íleo terminal por suas característi-
cado ou perdido para a captação segura de outro. Essa cas de absorção peculiares, embora apresente maior carga
prioridade é fundamentada na demanda, gravidade e mor- de linfócitos em sua parede. A extensão depende do tama-
talidade global (e não individual) dos pacientes em lista de nho do receptor. Um segmento de intestino delgado acom-
espera de cada órgão. Assim, a seqüência de prioridade panhado de seus vasos mesentéricos superiores é retirado.
decrescente dos órgãos abdominais é a que se segue: fíga- Os vasos ilíacos comuns, internos e externos são retira-
do, pâncreas, rins e intestino. dos para servirem de enxertos vasculares.
A técnica tem como objetivo realizar o inventário da Finalmente, o cadáver tem sua parede abdominal
cavidade abdominal, pesquisando tumores, infecções, trau- reconstituída.
matismos, sinais macroscópicos de doenças ou alterações
dos órgãos a serem captados, bem como variações anatô-
Cirurgia de mesa ou Back-Table
micas dos vasos desses órgãos. Em seguida, realiza-se a
perfusão in situ dos órgãos a serem captados, bem como Antes do implante, cada um dos enxertos deverá ser
seu resfriamento. Finalmente, os órgãos são retirados da preparado por meio de dissecção fina realizada em con-
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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

dições hipotérmicas. O enxerto, acondicionado dentro de A primeira medida de tratamento da hipotensão deve
saco plástico estéril contendo solução de conservação, é ser administração de líquidos. A administração de mistura
colocado dentro de recipiente contendo gelo estéril. Os de cristalóides e colóides, bem como de sangue, geralmen-
vasos são cuidadosamente dissecados e os tecidos desne- te corrige a hipovolemia e aumenta o débito urinário.
cessários são removidos. Lesões arteriais ocorridas durante Para retirada de pulmão e pâncreas, colóides são pre-
a operação no doador ou variações anatômicas arteriais exi- feridos aos cristalóides. A reposição excessiva pode
gem reconstrução durante a preparação do enxerto. resultar em edema e perda dos órgãos.
Se necessário, o inotrópico de escolha é a dopamina.
Contudo, outras drogas como norepinefrina, epinefrina,
Anestesia em transplante de vasopressina e dobutamina podem ser necessárias para
órgãos abdominais manter a estabilidade hemodinâmica durante os últimos
estágios da dissecção dos órgãos e retirada.
O papel do anestesiologista em transplante de órgãos Relaxantes musculares não-despolarizantes de longa
envolve o cuidado anestésico com doadores e receptores ação devem ser usados para favorecer a exposição intra-
de órgãos e com pacientes que já receberam transplantes abdominal e intratorácica, assim como para suprimir a
e necessitam de uma outra operação. Para tal, é necessá- atividade neuromuscular mediada por reflexos somáticos
rio conhecimento em múltiplas disciplinas, tão diversas espinhais. Pacientes em morte encefálica não têm per-
como preservação de órgãos, ética biomédica, imunolo- cepção de dor, portanto não necessitam analgesia.
gia de transplantes, fisiologia de morte cerebral e clínica Contudo, anestésicos voláteis ou narcóticos podem ser
geral de doenças em estágio terminal de órgãos com usados para manter estabilidade hemodinâmica decor-
potencial de substituição por transplante. rente de variações na freqüência cardíaca e pressão arte-
rial que podem ocorrer com estímulo cirúrgico resultan-
Anestesia do doador de órgãos do em reflexos espinhais intactos. Embora essa instabili-
dade hemodinâmica possa responder a drogas vasoati-
A correção dos distúrbios da homeostase presentes vas, os anestesiologistas se sentem mais confortáveis em
no paciente em morte encefálica pode ter impacto na via- usar anestésicos inalatórios.
bilidade dos órgãos que serão retirados. As recomenda- Vasodilatadores podem ser administrados durante a
ções para cuidados durante a operação de retirada de perfusão com a solução de preservação com o objetivo
órgãos estão resumidas no Quadro 43.2. de reduzir a resistência vascular sistêmica e permitir
melhor distribuição dela.
Quadro 43.2 .: Recomendações de cuidados anestésicos duran- Bradicardia clinicamente significativa, em pacientes
te a operação de retirada de órgãos em morte encefálica, não responde a atropina. Por essa
razão, cronotrópicos de ação direta (isoproterenol)
Manter a pressão arterial sistólica acima de 100mmHg ou a pressão podem ser necessários.
arterial média entre 70mmHg e 110mmHg
Depois que todos os órgãos doados são removidos,
Manter a pressão parcial de oxigênio, no sangue arterial, acima de
100mmHg, preferencialmente, com a fração de oxigênio do ar inspira-
suporte circulatório e ventilatório são descontinuados e a
do até 40% participação do anestesiologista termina.
Manter débito urinário entre 1ml/kg/hora e 1,5 ml/kg/hora
Manter a concentração de hemoglobina no sangue acima de 10g/dL
Anestesia do receptor de órgãos
Manter a pressão venosa central entre 5mmHg e 10mmHg
Anestesia no transplante de rim
DOENÇA RENAL EM ESTÁGIO FINAL
Para cumprir os objetivos definidos no Quadro 43.2, Doença renal em estágio final pode resultar de numero-
o anestesiologista deve utilizar monitorização padrão, sas causas; todas elas levam à síndrome urêmica. Pacientes
cateter vesical de demora, e medidas de pressão invasivas urêmicos são incapazes de regular o volume e composição
arterial e venosa central (às vezes, é necessário monitori- dos líquidos corporais, resultando em sobrecarga de volu-
zar a pressão de capilar pulmonar). me, acidemia e desequilíbrio de eletrólitos como potássio,
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

fósforo, magnésio e cálcio. Além disso, existe, usualmente, cos. Após a diálise, é importante verificar a volemia final
disfunção secundária de outros órgãos. do paciente, o hematócrito final, eletrólitos, níveis de
Mesmo pacientes mantidos por diálise podem apre- bicarbonato e se existe qualquer efeito residual de hepari-
sentar neuropatia periférica, derrames pleural e pericárdi- na. A maioria dos pacientes urêmicos tem níveis de hemo-
co, osteodistrofia renal e gastrointestinal, bem como dis- globina entre 6g/dL e 8g/dL, contudo devido a mudanças
função imunológica. Doença cardiovascular é a causa compensatórias que promovem a liberação de oxigênio
predominante de morte em pacientes com doença renal tecidual, transfusão não é obrigatória. Como a transfusão
crônica ou depois do transplante renal. Infarto agudo do pode aumentar a sobrevida do enxerto, alguns serviços
miocárdio, parada cardíaca de etiologia desconhecida, transfundem por esse motivo. Derrames pleural e pericár-
arritmia cardíaca e cardiomiopatia representam mais de dico podem necessitar tratamento antes do transplante se
50% das mortes em pacientes mantidos por diálise. existir redução funcional.
Tanto a cardiomiopatia dilatada como a hipertrofia con- Avaliação pré-operatória da função cardíaca é de cen-
cêntrica podem ocorrer em resposta a aumentos no volu- tral importância e ditada pela doença renal subjacente,
me intravascular e na pós-carga. O acúmulo de toxinas sua duração e comorbidades. O eletrocardiograma pode
urêmicas e ácidos metabólicos contribuem para disfun- ser suficiente para um paciente jovem com doença renal
ção do miocárdio. Hiperreninemia pode levar a aumento de diagnóstico recente não relacionado a diabetes.
na resistência vascular sistêmica e da pressão arterial. Ecocardiograma de estresse e cateterismo cardíaco
Uremia causa mudanças no metabolismo lipídico, levan- podem estar indicados em paciente renal crônico com
do a aumento nas concentrações séricas nas triglicérides diabetes. Muitos pacientes diabéticos e idosos não são
e redução nas de lipoproteínas de alta densidade. capazes de se submeter a teste ergométrico e podem ter
Grande número de candidatos a transplante renal é isquemia cardíaca silenciosa.
diabético. Pacientes com doença renal crônica e diabetes Embora o sangue do receptor deva ser colhido para
têm maior risco cardiovascular que pacientes com uremia prova cruzada, transfusão é incomum, porque a perda de
apenas. Uremia crônica causa atraso do esvaziamento sangue é geralmente mínima.
gástrico, mesmo nos pacientes sob controle com diálise.
O atraso no esvaziamento gástrico é mais freqüente se o
MANEJO PEROPERATÓRIO NO TRANSPLANTE DE RIM
paciente urêmico é diabético. Pacientes com doença
Embora anestesia regional seja utilizada por alguns
renal crônica geralmente têm anemia normocítica e nor-
anestesiologistas, o uso da anestesia geral é mais comum.
mocrômica secundária a eritropoese reduzida.
Não existem diferenças nos resultados obtidos em pacien-
Associação entre insuficiência renal e tendência a sangra-
tes submetidos a anestesia geral balanceada (inalatório e
mento tem sido identificada; ocorre disfunção plaquetá-
opióides) ou anestesia geral endovenosa total (propofol e
ria secundária à uremia. Embora esse defeito qualitativo
opióides). Pacientes com doença coronariana sintomática
possa ser identificado no paciente urêmico, estudos têm
ou história de insuficiência cardíaca congestiva, além da
apontado que estado protrombótico possa coexistir com
monitorização básica, devem ser monitorados para o
uremia. Um estudo tromboelastográfico encontrou coa-
desenvolvimento de isquemia cardíaca ou grave instabilida-
gulabilidade aumentada e fibrinólise reduzida. Uremia
de hemodinâmica. Para tanto, cateter de artéria pulmonar
pode causar ainda distúrbios do sistema nervoso central
ou ecocardiograma transesofágico, e pressão arterial invasi-
e neuropatia autonômica.
va devem ser empregados. Nos demais pacientes, um cate-
ter de pressão venosa central (mantida entre 10mmHg e
CONSIDERAÇÕES PRÉ-ANESTÉSICAS NO TRANSPLANTE DE RIM 15mmHg) é suficiente para monitorizar volume intravas-
Devido ao tempo de isquemia tolerável de 48 horas cular para ótima perfusão renal.
para os rins, enxertos de doador cadáver podem ser trans- Pacientes devem ser considerados com risco aumenta-
plantados semi-eletivamente. Tempo suficiente é disponí- do para aspiração pulmonar durante a indução anestésica.
vel para prova de compatibilidade ABO, cruzamento de Succinilcolina não está contra-indicada no paciente renal
linfócitos do doador com soro do receptor e, em alguns crônico; o aumento do potássio sérico depois da dose de
centros, tipagem HLA. Além disso, diálise pode preceder intubação é o mesmo (aproximadamente 0,6mEq/L)
o transplante para corrigir distúrbios eletrolíticos e volêmi- encontrado em pacientes hígidos. Atracúrio e cisatracúrio
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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

têm sua duração de ação independente dos rins e do fíga- venosas resulta em baixa resistência vascular sistêmica e
do, sendo boas indicações para o paciente renal crônico. alto débito cardíaco. Shunts intrapulmonares são também
Vecurônio tem mostrado duração de ação prolongada na freqüentemente vistos, levando a hipoxemia que também
doença renal crônica. O metabolismo do sevoflurano tem pode ser aumentada por derrames pleurais e atelectasias.
sido implicado em toxicidade renal, embora nenhum estu- Função renal pode estar reduzida devido à síndrome hepa-
do controlado esteja disponível para claramente indicar o torrenal ou azotemia pré-renal. Ascite pode estar presente
perigo ou a segurança dessa situação nesses pacientes26. O como resultado de hipertensão venosa, síntese reduzida de
anestésico inalatório isoflurano tem sido usado sem proble- albumina e retenção de sódio e água devido ao excesso
mas. Com relação ao controle da dor perioperatória, drogas relativo de aldosterona e hormônio antidiurético.
como morfina, meperidina, ou oxicodona devem ser usa- Coagulação sangüínea é alterada porque, com exceção do
das com cautela, pois elas, ou alguns de seus metabólitos fator VIII, do ativador do plasminogênio tecidual e do ini-
ativos, são dependentes da excreção renal. Em contraste, bidor do ativador do plasminogênio, a síntese de procoa-
fentanil, sulfentanil, alfentanil e remifentanil são alternati- gulantes e anticoagulantes do organismo é feita no fíga-
vas seguras. do23. O fígado é também o local de clareamento de ativa-
Hipotensão pode ocorrer depois da desclampagem dor de plasminogênio e fatores de coagulação ativados.
dos vasos ilíacos e reperfusão do enxerto. Uma vez que a Hiperesplenismo pode reduzir a contagem de plaquetas.
função do enxerto renal é criticamente dependente de Eventualmente, o sistema nervoso central é afetado, resul-
adequada perfusão, todo esforço deve ser feito para evi- tando em encefalopatia tóxica progressiva e edema cere-
tar episódios de marcada hipotensão. Neste momento, a bral que anuncia a morte.
pressão sangüínea é mantida no limite superior da nor-
malidade por meio da redução da profundidade da anes-
tesia, administração de bolus de cristalóides e, se necessá- CONSIDERAÇÕES PRÉ-ANESTÉSICAS NO TRANSPLANTE DE FÍGADO

rio, infusão temporária de dopamina. Em adição à manu- Candidatos ao transplante de fígado apresentam
tenção de perfusão adequada no peroperatório, a produ- amplo espectro clínico, variando de fadiga crônica com
ção de urina é freqüentemente estimulada com o empre- suave icterícia ao coma com falência de múltiplos
go de manitol e diuréticos de alça. O manitol, além de órgãos. Certas doenças incomuns, tratadas por trans-
diurético, pode ter efeito de proteção das células de plante hepático, têm implicações adicionais para o
revestimento dos túbulos renais. Ele é usualmente admi- anestesiologista. Por exemplo, após transplante devido
nistrado aos doadores antes da retirada e, nos receptores, à síndrome de Budd-Chiari, os pacientes podem neces-
justamente antes da reperfusão do enxerto. sitar de anticoagulação. Em crianças com síndrome de
Ao final do procedimento, os pacientes são desperta- Crigler-Najjar, drogas que interferem na ligação da
dos, extubados e levados à sala de recuperação anestésica. bilirrubina à albumina devem ser evitadas24.
Em geral, os pacientes submetidos a transplante renal têm Muitas alterações fisiológicas associadas a doença
baixa incidência de admissão pós-operatória em centro de hepática terminal não são corrigíveis até o transplante.
tratamento intensivo. Portanto, a principal ênfase na avaliação pré-anestésica
é identificar as áreas mais importantes de comprometi-
mento fisiológico e tratar aquelas que colocam em
Anestesia no transplante de fígado
risco uma indução segura.
O fígado tem numerosas funções sintéticas e metabó- Aquecimento dos líquidos endovenosos a serem infun-
licas. Doença hepática em estágio final tem complicações didos, umidificação e aquecimento dos circuitos anestési-
que se estendem a quase todos os sistemas do organismo. cos, colchão térmico, e enfaixamento da cabeça e extremi-
O processo de doença que destrói a arquitetura hepática dades são essenciais antes da indução anestésica.
resulta em hipertensão portal e no desenvolvimento de O tromboelastógrafo é também preparado na maioria
extensa rede de colaterais venosas na parede abdominal, dos centros como um meio rápido de elucidar a necessida-
mesentério, retroperitônio e trato gastrointestinal. Ao lado de de específicas reposições de produtos sangüíneos.
da significante morbidade associada com hemorragia de A equipe médica deve estar ciente do potencial para
varizes esofágicas, extensa rede de comunicações arterio- contaminação infecciosa e tomar as devidas precauções.
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capitulo 43. qxd 2/23/06 15:24 Page 532

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

MANEJO PEROPERATÓRIO NO TRANSPLANTE DE FÍGADO Quadro 43.4 .: Objetivos do anestesiologista durante o estágio
Transplante hepático envolve manipulação de gran- anepático
des estruturas vasculares e a possibilidade de transfusão
rápida é vital para um bom prognóstico. No mínimo, Preparar para reperfusão com as seguintes condições:
dois acessos venosos periféricos calibrosos devem estar ■ adequado volume intravascular
disponíveis. Devido aos grandes desvios no volume ■ níveis séricos de potássio e cálcio aceitáveis
intravascular e à possibilidade de hipotensão na reperfu- ■ déficit de bases aceitável
são do enxerto, a monitorização invasiva com cateteres Dar suporte durante a reperfusão
de pressão arterial sistêmica e pulmonar é necessária2,3.
Pacientes em estágio terminal de doença hepática têm
numerosas razões para apresentar esvaziamento gástrico Quadro 43.5 .: Objetivos do anestesiologista durante o estágio
retardado, tais como ascite ou sangramento gastrointesti- neo-hepático
nal alto ativo. Portanto, cuidados para evitar aspiração
pulmonar na indução anestésica são necessários. Se não Otimizar parâmetros hemostáticos
há instabilidade hemodinâmica, propofol pode ser usado Otimizar líquidos e eletrólitos
na indução. Embora o metabolismo da succinilcolina Considerar possibilidade de extubação na sala cirúrgica
possa estar teoricamente prolongado devido à redução Controlar a dor pós-operatória
da produção de pseudocolinesterase em pacientes com Preparar para transporte
insuficiência hepática, não há repercussão clínica com o
emprego de uma única dose à intubação. Similarmente,
apesar de existirem novos relaxantes musculares que não A reposição volêmica é ditada pelas necessidades
dependeriam do fígado e rim para metabolismo e excre- individuais do paciente. Se cristalóide ou colóide, é
ção, a duração do procedimento, aliada à possibilidade de uma decisão pessoal. A escolha da solução de reposi-
titulação clínica dos efeitos desejados permite o uso de ção deve ser orientada pelo sódio e potássio séricos do
drogas mais antigas e de menor custo. A ação vagolítica paciente. É muito freqüente a hiponatremia, e o cuida-
do pancurônio pode, de fato, ser desejável em alguns do com grandes mudanças agudas no sódio sérico é
pacientes em uso de betabloqueadores23. particularmente importante porque se associa com o
A manutenção da anestesia é, usualmente, feita com desenvolvimento de mielinose pontina central, compli-
combinação de agentes inalatórios e opióides. Embora o cação neurológica devastadora.
isoflurano tenha longa história de uso, o desflurano tem A reposição de produtos sangüíneos é dirigida por eri-
algumas vantagens potenciais. Desflurano parece reduzir trograma e avaliação da coagulação (laboratorial e trom-
menos o fluxo sangüíneo esplâncnico que o isoflurano. O boelastograma). Se o paciente tem fibrinólise aumentada e
desflurano sofre menos metabolismo oxidativo, tornando- ausência de contra-indicações, muitos centros administram
o mais desejável. Óxido nitroso não é usado. antifibrinolíticos profiláticos. Aprotinina é um dos mais
O procedimento cirúrgico consiste em três estágios: usados, com doses variando de 2 milhões de KUI de ata-
pré-anepático, anepático e neo-hepático23. (Quadros que, seguidos de 500.000KUI/h a 1 milhão-KUI/h de ata-
43.3, 43.4 e 43.5) que, seguidos de 150.000KUI/h.
A maior parte das medidas tomadas nesta fase visa
Quadro 43.3 .: Objetivos do anestesiologista durante a fase alcançar reperfusão estável e evitar ou minimizar a sín-
pré-anepática drome de reperfusão. Essa síndrome ocorre em até 30%
dos casos e é definida como redução de 30% ou mais na
Manter a normotermia pressão arterial média durando no mínimo um minuto
Obter valores laboratoriais e hemodinâmicos de base dentro dos primeiros cinco minutos de reperfusão, ou
Avaliar e corrigir anormalidades laboratoriais e hemodinâmicas uma pressão arterial média menor que 60mmHg no
Estabelecer bom débito urinário mesmo período.
Repor perdas com líquidos e produtos sangüíneos apropriados Além da síndrome de reperfusão com suas conse-
qüências e dificuldades de controle, outra grande preocu-
pação é a coagulopatia. Os fatores que contribuem para
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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

a coagulopatia desta fase são: dramático aumento na ati- é boa opção de opióide. A escolha do relaxante muscular
vidade do ativador de plasminogênio (acelera fibrinólise), deve levar em consideração o grau de disfunção renal.
liberação de heparina ou heparinóides do novo enxerto, Além da monitorização padrão, pacientes recebendo
consumo de fatores I, V e VIII pelo excesso de plasmi- transplante de pâncreas necessitam de acesso venoso
na, atividade proteolítica aumentada, hipotermia, hipo- central. Em pacientes com significativa doença cardio-
calcemia e acidose. Fibrinólise grave geralmente indica vascular, a monitorização arterial sistêmica e a pulmonar
pobre função do enxerto. devem ser consideradas.
Avaliação do enxerto é uma importante parte da fase Níveis de glicemia devem ser dosados no mínimo a
neo-hepática. Evidência de boa função metabólica inclui a cada hora, com o objetivo de mantê-los entre
habilidade de manter níveis de cálcio ionizado sem suple- 100mg/dL e 200mg/dL. Tal objetivo é alcançado por
mentação, normalização do déficit de bases e aumento da meio de infusão contínua de insulina regular a uma taxa
temperatura em direção à normotermia. A aparência do de 1-5U/h, com concomitante administração de glico-
enxerto deve ser boa e uniforme, e a produção de bile pode se (solução salina 0,45% com glicose 5%) quando as
ser vista antes do fechamento abdominal. glicemias forem menores de 150mg/dL.
Critérios adequados para extubação precoce são: nor- Células betapancreáticas podem iniciar liberação de
motermia, ausência de encefalopatia ou outra doença insulina tão cedo quanto cinco minutos após a reperfu-
extra-hepática pré-operatória, diferença alveoloarterial são. Somatostatina pode ser administrada para reduzir
menor que 150mmHg, ausência de necessidade de secreção pancreática.
suporte hemodinâmico e boa função do enxerto23. A maioria dos pacientes pode ser extubada na sala de
operações. Na sala de recuperação, a monitorização da
glicemia, da hemoglobina, dos eletrólitos, do equilíbrio
Anestesia no transplante de pâncreas ácido-básico e em alguns serviços, da troponina (para
diagnosticar isquemia cardíaca silenciosa em diabéticos)
Transplante pancreático é usualmente indicado para
devem ser realizadas25.
pacientes diabéticos com complicações muito graves e
rapidamente progressivas da doença que superam os
efeitos colaterais da imunossupressão24. Imunossupressão em transplantes de
órgãos abdominais
CONSIDERAÇÕES PRÉ-ANESTÉSICAS NO TRANSPLANTE DE PÂNCREAS
A abordagem pré-operatória consiste em avaliação Os avanços na terapia imunossupressora permitiram
dos sistemas orgânicos mais afetados pelo diabetes (arté- melhorar os resultados obtidos com transplantes de
rias coronárias, sistema renal, sistema nervoso autôno- órgãos sólidos. De modo global, as novas drogas, desen-
mo, neuropatia sistêmica, gastroparesia, e dificuldade de volvidas a partir da década de 80 do século passado, apre-
intubação); estudos metabólicos; teste de níveis de peptí- sentam potência imunossupressora e seletividade de ação
deo C no soro e na urina (peptídeo conectante é liberado maiores que as antigas drogas empregadas27.
da proinsulina antes da sua liberação na circulação); e Atualmente, tem-se observado ampliação do espectro
níveis de hemoglobina glicosilada (índice do controle gli- de moléculas imunossupressoras disponíveis para a prá-
tica clínica. A prednisona e os inibidores de calcineurina
cêmico nos últimos meses).
(ciclosporina e tacrolimus) são as drogas mais emprega-
das. Um grupo menor de pacientes recebe micofenolato
MANEJO PEROPERATÓRIO NO TRANSPLANTE DE PÂNCREAS mofetil, quase sempre associado a inibidores da calcineu-
Anestesia geral é induzida com agentes apropriados rina. A rapamicina e os anticorpos monoclonais antilin-
para condições clínicas de base do paciente, seguida por focitários (basilixmab® e daclizumab®) são empregados
intubação endotraqueal. A anestesia balanceada é a técni- em poucos casos.
ca usada para manter a anestesia geral. Em pacientes com A terapia imunossupressora para transplante de órgãos
insuficiência renal, isoflurano ou desflurano podem ser sólidos, embora varie segundo o órgão transplantado e as
utilizados. Os metabólitos da morfina e meperidina peculiaridades clínicas de cada receptor, pode ser didatica-
podem levar a toxicidade na insuficiência renal. Fentanil mente dividida em imunossupressão de indução, de manu-
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capitulo 43. qxd 2/23/06 15:24 Page 534

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tenção, de controle de episódios de rejeição celular aguda administrada a cada 12 horas, num total de seis doses.
ou para tratamento de rejeição crônica28. Hiperglicemia, hipertensão arterial, edema e complica-
A imunossupressão de indução é realizada para pro- ções infecciosas, mormente infecções fúngicas superfi-
filaxia da rejeição hiperaguda. Essa forma de agressão ciais e infecções virais, são freqüentes. Outra opção de
intensa e inespecífica ao enxerto ocorre nos primeiros tratamento da rejeição celular aguda é o emprego de
dias após o transplante e, freqüentemente, evolui para tacrolimus em doses suficientes para manter concentra-
perda do órgão transplantado. O emprego de elevadas ções sangüíneas entre 15ng/mL e 20ng/mL. Essa opção
doses de metilprednisolona, antes e logo após a revas- de tratamento tem elevada eficácia, podendo ser empre-
cularização do enxerto, tem tornado essa forma de gada, inclusive, nos raros casos de rejeição resistente ao
rejeição muito rara28. tratamento com corticóides. O tacrolimus tem sido
A imunossupressão de manutenção segue a de indu- empregado no tratamento da maioria dos episódios de
ção e, quase invariavelmente, emprega-se associação de rejeição celular aguda, em pacientes submetidos a trans-
drogas. Usualmente, um inibidor de calcineurina (fre- plante hepático.
qüentemente o tacrolimus) é associado à prednisona. O A rejeição crônica constitui evento bem mais raro que
objetivo principal dessa fase da imunossupressão é con- a rejeição aguda na prática clínica do transplante de
trolar a relação do enxerto com o receptor, reduzindo órgãos sólidos. Independentemente do órgão transplan-
risco de rejeição celular aguda. Esse risco é maior nos pri- tado acometido, essa forma de rejeição é de difícil trata-
meiros três meses após o transplante. O risco máximo mento. A rapamicina tem sido empregada nesse contex-
coincide com a segunda e a terceira semana após o proce- to. No entanto, freqüentemente o curso da doença não
dimento, é progressivamente menor a partir da quarta pode ser modificado. O retransplante constitui a opção
semana e tende a desaparecer após o sexto mês28. Por essa de tratamento eficaz quando o enxerto apresenta disfun-
razão, os protocolos empregam doses maiores de imu- ção irreversível, a despeito do tratamento medicamento-
nossupressores logo após o transplante, reduzindo-as so. A rejeição crônica é a causa de 22% dos retransplan-
progressivamente. Na maioria dos casos, após o terceiro tes de fígado na experiência européia29.
mês, o uso da prednisona é interrompido. Os inibidores de calcineurina são absorvidos no
Em alguns pacientes, a manutenção da imunossu- intestino (dependente da presença da bile, sobretudo
pressão é realizada com esquemas tríplices, associan- no caso da ciclosporina); são metabolizados pelo cito-
do-se o micofenolato mofetil ao corticóide e ao inibi- cromo P450 3A, principalmente no fígado, e são excre-
dor da calcineurina. Essa opção é particularmente útil tados essencialmente pela bile e pelos rins. No sangue,
em pacientes com velocidade de depuração renal da essas moléculas ligam-se a proteínas específicas para
creatinina inferior a 50ml/minuto. Com o regime imu- serem transportadas27.
nossupressor tríplice, a dose de tacrolimus ou ciclospo- No meio intracelular, após formarem um complexo
rina (drogas nefrotóxicas) pode ser reduzida. Outra com a calmodulina e cálcio, inibem a defosforilação e
opção empregada em pacientes com disfunção renal é translocação da unidade citoplasmática do fator nuclear
o uso de anticorpos monoclonais antilinfocitários de células T ativadas, inibindo a transcrição do gene de
(Basilixmab® e Daclisumab®). Administrados no dia do linfocinas, especialmente da interleucina II. Isso resulta
transplante e no terceiro ou quarto dia pós-operatório, na inibição da proliferação de células T e impede a ativa-
permitem retardar o início do uso dos inibidores da cal- ção de macrófagos e células B27. Essas drogas têm efeitos
cineurina para o final da primeira semana. Essa última mais seletivos sobre a via da inflamação relacionada à
opção é mais empregada em pacientes que recebem rejeição celular que os corticóides.
enxertos renais, enquanto a primeira é utilizada, mais Os corticóides inibem a síntese da maioria das inter-
freqüentemente, entre pacientes que têm disfunção leucinas e estimulam a migração das células T circulantes
renal sem indicação de transplante renal. do espaço intravascular para os tecidos linfóides, inibin-
Para o tratamento de episódios de rejeição celular do diversas vias de ativação da inflamação.
aguda, duas opções são geralmente empregadas. A pulso- A biodisponibilidade da ciclosporina e do tacrolimus
terapia com metilprednisolona é opção eficaz na maioria é influenciada pelo uso de outras drogas, conforme ilus-
dos casos. Habitualmente, a dose de 5mg/kg de peso é tra o Quadro 43.6. A farmacocinética dessas drogas,
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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

mesmo na ausência da ação de outros medicamentos, mente corrigidos, especialmente no período pós-operató-
apresenta ampla variação entre indivíduos e, no mesmo rio imediato, quando essas ocorrências são mais repetidas e
indivíduo, em momentos diferentes. Cabe ressaltar que a sobretudo lesivas ao paciente30.
função do enxerto hepático e a isoforma do citocromo Quadro 43.7 .: Efeitos colaterais do tacrolimus e ciclosporina
P450 3A interferem de modo significativo nas concen-
trações sangüíneas dos inibidores da calcineurina27. Sistema orgânico ou
Efeitos
órgão-alvo
Quadro 43.6 .: Principais drogas que interferem na farmacocinéti- Sistema cardiovascular Hipertensão arterial sistêmica
ca e toxicidade do tacrolimus e da ciclosporina Elevação de escórias; insuficiên-
Sistema renal cia renal; hipercalemiaT; hipomag-
Aumenta Diminui Aumenta nesemia
Classe de
concentração concentração toxicidade Cefaléia; tremoresT; parestesias;
Droga renal Sistema nervoso central
no sangue no sangue confusão mentalT; convulsãoT
Fluconazol Pele Hirsutismo; acneC
Antifúngicos Cetoconazol Hipertrofia gengivalC; diarréia; náu-
Itraconazol Sistema digestivo
seas e vômitos
Gentamicina Fígado Colestase
Eritromicina Rifampicina Tobramicina
Antimicrobianos Sistema hematopoiético Síndrome hemolítico-urêmica
Claritromicina Nafcilina Vancomicina
Cotrimoxazol Mamas Fibroadenomatose
Diltiazem Sistema metabólico Diabetes mellitus; hiperlipidemia
Bloqueadores
Nicardipina Ossos Dor óssea
canal de cálcio
Verapamil
Todos os antiin- T= Efeito colateral mais freqüente entre pacientes tratados com tracolimus;
Antiinflama- C= Efeito colateral mais freqüente entre pacientes tratados com ciclosporina.
flamatórios não-
tórios
esteróides O micofenolato mofetil habitualmente é bem tolerado.
Glicocorticóides Os principais efeitos colaterais são diarréia (que usualmen-
Danazol
Octreotide te melhora espontaneamente na primeira semana de trata-
Metoclopramida
Ticlopidina mento), leucopenia, plaquetopenia e anemia. Em alguns
Outros Bromocriptina
Inibidores de pacientes os efeitos colaterais determinam a suspensão do
Cisaprida
protease
Alopurinol uso da medicação. Pacientes com infecções graves ativas
Suco de uva não devem receber essa medicação27.
Ciclosporina e tacrolimus não devem ser administrados concomitantemente já que,
nesse contexto, a concentração sangüínea e o risco de toxicidade aumentam signi-
ficativamente. Quando uma dessas drogas necessitar ser substituída pela outra, um Assistência médica pós-operatória
intervalo de dois dias sem a administração de inibidores da calcineurina deve ser
respeitado antes do início da administração da droga substituta. ao transplantado
A concentração no sangue do tacrolimus ou da ciclos- Principais cuidados e medicações
porina deve ser medida freqüentemente, de modo a per- Habitualmente, após a realização do transplante
mitir que níveis adequados sejam obtidos, individualizan- hepático, do pâncreas ou do intestino, os pacientes são
do-se as doses. conduzidos a centro de tratamento intensivo. Alguns
Mesmo empregando a estratégia de dosagem diária da serviços têm transferido até 40% dos pacientes submeti-
concentração no sangue, é elevada a freqüência de níveis dos a transplante hepático diretamente às unidades de
inadequados30. Efeitos colaterais relacionados a concentra- cuidados intermediários ou enfermarias31. Embora o
ções inadequadas dos inibidores de calcineurina são nume- custo relacionado ao procedimento possa ser reduzido, a
rosos e freqüentes (Quadro 43.7). Os efeitos secundários a relação entre o risco e o benefício dessa abordagem pre-
concentrações elevadas, são responsáveis por significativa cisa ser mais bem avaliada. A rápida transferência do
morbidade pós-operatória30. É necessária vigilância para paciente para unidades onde a prevalência de germes
que concentrações adequadas desses imunossupressores multirresistentes é menor pode ser benéfica para os
sejam obtidas e efeitos colaterais sejam evitados ou pronta- transplantados estáveis.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Pacientes submetidos a transplante do rim são, geral- morbidade e mortalidade associadas, justificam o
mente, encaminhados diretamente a enfermarias de cui- emprego profilático dessas drogas nos primeiros
dados intermediários. Perdas renais volumosas de água seis meses após o transplante32;
são comuns nos primeiros dias após o transplante, exi- ■ fluconazol: pacientes com risco aumentado de
gindo cuidados especiais. infecções fúngicas profundas (ver Complicações infec-
Antibioticoprofilaxia é empregada, habitualmente,
ciosas) devem receber fluconazol32. Cabe ressaltar
por 48 horas. Cabe ressaltar que os pacientes recebem
que o momento da interrupção do seu uso pode
doses elevadas de corticóide (até 1.000mg de metilpred-
implicar alterações da farmacocinética dos inibido-
nisolona) durante a operação. Os antimicrobianos
empregados variam entre diferentes serviços. No res de calcineurina, reduzindo suas concentrações
Hospital das Clínicas da UFMG, emprega-se a associa- sangüíneas e favorecendo a ocorrência de rejeição
ção de ampicilina e cefotaxima por três dias. Pacientes celular do enxerto. É recomendável que a concen-
com risco aumentado de infecções fúngicas (definidos a tração sangüínea residual do tacrolimus ou da
seguir) recebem profilaxia com fluconazol. ciclosporina seja monitorada três a sete dias após a
No período pós-operatório imediato, os pacientes suspensão do fluconazol para ajuste da dose;
transplantados são monitorados clínica e laboratorial- ■ omeprazol: deve ser empregado enquanto a dose de
mente, pelo menos, quatro vezes a cada 24 horas. O prednisona utilizada for superior a 10mg por dia;
objetivo dessa abordagem é detectar, em tempo hábil, ■ lamivudina e imunoglobulina humana anti-HBs:
complicações. Desvios da normalidade, potencialmente pacientes com cirrose pelo vírus B da hepatite podem
graves ou fatais, são comuns nesse período. Além dos
ser tratados por transplante hepático desde que a
exames laboratoriais, alguns serviços incluem dopplerflu-
replicação viral possa ser inibida antes do transplante
xometria diária nos primeiros dias após o transplante,
para verificação dos estado das anastomoses vasculares. e os níveis adequados de anticorpos anti-HBs (ideal-
A abordagem diagnóstica e terapêutica dessas complica- mente acima de 100U/L) sejam mantidos, indefinida-
ções é discutida na seção seguinte. mente, no período pós-operatório. Após o transplan-
Alguns medicamentos são rotineiramente empregados te, todos os pacientes devem receber lamivudina,
após a alta hospitalar. Essas drogas estão listadas a seguir: 100mg ao dia, e imunoglobulina humana anti-HBs,
■ carbonato de cálcio: O uso de inibidores de calci- regularmente, de modo a manter níveis séricos ade-
neurina e de corticóides induz perda renal, redução quados de anticorpos.
da absorção intestinal e perda óssea de cálcio. A
reposição de cálcio tem o objetivo de minorar esses Precauções
efeitos, embora poucos estudos sobre a eficácia
desse tratamento tenham sido realizados. Cabe res- Aglomerações de pessoas devem ser evitadas pelos
saltar que pacientes cirróticos com doenças colestá- pacientes transplantados, pelo menos nos primeiros seis
ticas freqüentemente se apresentam com osteope- meses. O risco de doenças respiratórias de transmissão
aérea deve ser evitado. Doenças virais transmitidas desse
nia ao transplante. Em geral, após a interrupção do
modo são freqüentes entre os pacientes transplantados
uso do corticóide, ou quando a dose empregada já
podendo, no mínimo, complicar o diagnóstico diferen-
for menor que 10mg por dia, a reposição de cálcio cial com doenças que precisam ser tratadas prontamente
é interrompida; nesses pacientes, por exemplo, citomegalovirose. A
■ óxido de magnésio: os inibidores de calcineurina tuberculose é prevalente na população geral e tem sido
induzem perda renal de magnésio, especialmente detectada freqüentemente em pacientes transplantados.
nos primeiros meses após o transplante; O uso de máscaras comuns (que não filtram o bacilo da
■ sulfametoxazol-trimetropima: o risco de ocorrência tuberculose) tem sido recomendado nos primeiros seis
de infecção pelo Pneumocistis carinii, bem como a meses após o transplante de órgãos sólidos. A máscara deve

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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

ser empregada sempre que aglomerações de pessoas ou o hematúria são sinais de complicação do enxerto pancreá-
contato com pessoas doentes não puderem ser evitados. tico. Esses sinais merecem pronta investigação, na maio-
No ambiente familiar, não há necessidade de isolamen- ria das vezes exigindo outra hospitalização.
to ou emprego de utensílios exclusivos para o paciente. Além do exame clínico geral e dirigido, exames com-
Quanto aos alimentos, devem ser preparados com os plementares são realizados rotineiramente. Provas de fun-
cuidados habituais de higiene. Devem ser evitados alimen- ção hepática, glicemia em jejum, uréia, creatinina, ionogra-
tos ingeridos crus e frutos do mar, pelas dificuldades em ma completo, RNI, tempo parcial de tromboplastina ati-
obter higienização adequada. Esses últimos podem servir vado e hemograma são realizados, a cada consulta.
como agentes de veiculação de protozoários e fungos, Antigenemia para citomegalovírus deve ser realiza-
especialmente nos primeiros seis meses de transplante. da semanalmente entre a terceira semana e o terceiro
Animais de estimação, especialmente as aves, são fon- mês, nos pacientes receptores CMV positivos (anticor-
tes de protozoários e fungos, devendo ser evitado o con- pos anti-CMV IgG positivos antes do transplante). A
tato com eles e com seus dejetos, nos primeiros meses antigenemia é capaz de detectar a replicação do vírus,
após o transplante32. em média, uma semana antes da manifestação da doen-
ça. O exame positivo, na ausência da síndrome do
CMV, é suficiente para indicar o tratamento com gan-
Acompanhamento pós-operatório ciclovir por 14 dias a 21 dias32.
O objetivo do acompanhamento ambulatorial é detec-
tar, precocemente, alterações na função do enxerto, com- Complicações dos transplantes
plicações infecciosas e metabólicas. No primeiro semestre,
a freqüência com que complicações se apresentam é eleva- São numerosas as complicações que podem ocorrer
da, especialmente nas primeiras quatro semanas após o após os transplantes de órgãos sólidos. A freqüência de
transplante. A morbimortalidade relacionada a elas pode complicações e a mortalidade variam com o órgão trans-
ser significativamente reduzida pela intervenção precoce. plantado, bem como o período pós-operatório (precoce
Os protocolos de acompanhamento pós-operatório ou tardio).
ambulatorial apresentam variações em diferentes servi- Didaticamente, as complicações pós-operatórias
ços. No HC-UFMG, consultas regulares são realizadas podem ser classificadas em vasculares, imunológicas,
semanalmente nos primeiros dois meses, a cada três infecciosas, metabólicas e neoplásicas.
semanas do terceiro ao sexto mês, a cada seis semanas no
segundo semestre pós-operatório e trimestralmente a
Complicações vasculares
partir do segundo ano.
A cada consulta, o exame clínico deve atentar, espe- As complicações vasculares determinam importan-
cialmente, para a aderência ao tratamento medicamento- te morbidade e mortalidade. Até 33% dos retransplan-
so, sinais de doenças infecciosas, de disfunção do enxer- tes de fígado são realizados para tratar complicações
to e de efeitos colaterais da medicação empregada. técnicas, geralmente de natureza vascular29.
Obesidade, hipertensão arterial, lesões da pele e As tromboses e estenoses das anastomoses dos
mucosas (vesículas, alterações da sensibilidade da pele, vasos que irrigam ou drenam os enxertos são compli-
placas mucosas sugestivas de candidíase oral), síndromes cações freqüentemente graves. Embora possam ocor-
gripais, mialgias, tremores finos das extremidades, altera- rer em qualquer época após o transplante, na maioria
ções do volume urinário e edema são os sinais mais fre- dos casos elas ocorrem nas primeiras semanas do
qüentes de efeitos colaterais relacionados à medicação pós-operatório.
imunossupressora e infecções. A ocorrência dessas complicações está, em geral,
Prurido, icterícia, sangramento, encefalopatia e dor associada a defeitos técnico-operatórios. O risco de
lombar são sinais de disfunção do enxerto hepático. trombose arterial é maior entre as crianças pequenas
Alterações do volume urinário, edemas, hipertensão, (especialmente com peso inferior a 10kg) e nos pacien-
hematúria macroscópica são sinais de disfunção do tes transplantados em equipes com pequena experiên-
enxerto renal. Glicemias elevadas, dor na fossa ilíaca e cia em transplante31.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Trombofilias não-tratadas ou mesmo induzidas Complicações imunológicas


pelo transplante podem ser a causa de tromboses. No
transplante hepático, particularmente, disfunções da As formas de apresentação, a morbidade e o trata-
coagulação caracterizam todas as cirroses, sobretudo mento das rejeições foram descritos anteriormente (ver
na síndrome de Budd-Chiari. Até a terça parte dos Imunossupressão em transplantes de órgãos abdominais).
pacientes cirróticos que serão submetidos a transplan-
te hepático, com hipoprotrombinemia e plaquetope- Complicações infecciosas
nia, apresenta sinais de hipercoagulabilidade ao trom-
boelastograma. A retomada da síntese de proteínas pró Os pacientes submetidos a transplantes de órgãos
e anticoagulantes pelo enxerto hepático não ocorrem sólidos estão sujeitos a complicações infecciosas
simultaneamente. Desse modo, estados hipercoagulá- comuns às operações abdominais, como pneumonia,
veis podem ocorrer nas primeiras horas após a reper- infecção urinária e do sítio cirúrgico.
fusão do enxerto. De outro modo, pacientes transplantados estão
Infecções e inflamações nas proximidades dos expostos a infecções bacterianas, virais e fúngicas espe-
vasos anastomosados (coleções, fístulas, rejeição) tam- cíficas desse grupo de indivíduos. Infecções causadas
bém induzem a cascata da coagulação e predispõem à por germes da microbiota de diferentes sítios, que
trombose. Infecções por citomegalovírus podem indu- estão em estado de equilíbrio com o hospedeiro são
zir alterações das paredes dos vasos arteriais com este- comuns após o transplante.
nose e trombose tardias. As infecções da boca e do esôfago causadas por
Candida sp são habituais nas primeiras semanas após a
As tromboses devem ser prontamente tratadas,
operação. Candidíase da boca pode ser tratada com
quase sempre por reintervenção cirúrgica, de modo a
estatinas, enquanto a esofágica exige tratamento com
reduzir a intensidade dos danos ao enxerto31. As este-
imidazólicos.
noses podem ser tratadas por reintervenção cirúrgica
Mais raramente, infecções fúngicas profundas (em
ou, mais freqüentemente em nosso meio, por procedi-
90% das vezes, causada por cândidas) podem ocorrer.
mentos percutâneos endovasculares.
Alguns fatores de risco para essa forma grave da doen-
Nos transplantes hepáticos, a trombose porta
ça são reconhecidos: transfusão de hemoderivados em
comumente se associa à perda do enxerto. A trombo- grandes volumes (>3unidades), abertura da luz do tubo
se da artéria hepática pode causar perda do enxerto, digestivo, insuficiência renal, reoperações, grave dis-
colestase, fístulas biliares, coleções biliares intra-hepá- função orgânica (Child C). Na presença de dois ou
ticas por necrose da via biliar e, necrose do parênqui- mais desses fatores de risco, está indicada profilaxia
ma hepático. Quanto mais precoce a ocorrência das com fluconazol. O tratamento da candidíase sistêmica
tromboses no período pós-operatório mais graves e ou profunda freqüentemente exige tratamento com
intensas costumam ser essas alterações31. Geralmente, anfotericina B ou fluconazol em doses elevadas32.
o retransplante é necessário, embora o diagnóstico e A reativação dos vírus do grupo herpes ocorre fre-
tratamento precoces dessa complicação possam evitar qüentemente. A infecção da pele e das mucosas causa-
a perda do enxerto. da pelo Herpes simples ocorre principalmente no primei-
Nos transplantes de pâncreas, tanto tromboses arte- ro mês após o transplante. Geralmente, aciclovir,
riais quanto venosas freqüentemente cursam com administrado por via oral, é suficiente para controlar
perda do enxerto. No transplante do rim, as tromboses a doença32.
dos vasos anastomosados são menos comuns. Setores O citomegalovírus, outro vírus do grupo herpes, no
do rim mal perfundidos podem, no entanto, ocorrer estado latente, é muito prevalente na população brasi-
por defeitos na técnica de captação e conservação do leira. Sua reativação após o transplante não é rara. A
órgão. Vasos polares, na maioria das vezes, são termi- ocorrência dessa infecção é, mais comum, entre a ter-
nais, com pobre rede de comunicantes com os vasos ceira semana e o terceiro mês após o transplante32.
principais, devendo ser reconstruídos. Fístulas uriná- Ela usualmente se manifesta por quadro clínico
rias de difícil tratamento podem ocorrer quando semelhante ao da gripe, com febre, sintomas respirató-
regiões próximas à pelve renal ficam isquêmicas. rios e mialgia.
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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

Hepatite pode ocorrer, principalmente se o enxerto Hipercolesterolemia está associada, principalmente,


transplantado for o fígado. Ocorre aumento de amino- ao uso de corticóides. Os inibidores de calcineurina tam-
transferases, fosfatase alcalina, gamaglutamiltranspep- bém estão envolvidos; tacrolimus parece induzir dislipi-
tidase e bilirrubinas, sendo clínica e bioquimicamente demias menos freqüentemente que a ciclosporina. Além
indistinguível da rejeição celular aguda e da trombose da conhecida associação com doenças cardiovasculares, a
da artéria hepática. O diagnóstico diferencial é feito hipercolesterolemia pode estar associada a uma forma de
com o auxílio do doppler dos vasos hepáticos (sem rejeição crônica, cuja base fisiopatológica é a obstrução
alterações), da antigenemia para CMV (positiva em de vasos arteriais de médio e grosso calibre (síndrome
90% das vezes) e, quando persistir a dúvida, por meio dos ductos biliares evanescentes, e outro quadro seme-
de biópsia do fígado. lhante acometendo enxertos renais)34. Vigilância semes-
O tratamento deve ser feito com ganciclovir durante tral deve ser realizada. Na presença de dislipidemia, a
três semanas. Pacientes CMV negativos que tenham redução ou suspensão do uso do corticóide, o controle
recebido enxertos captados de doadores CMV positivos da dieta e do peso e pronto tratamento medicamentoso
devem receber profilaxia com a droga por 100 dias32. estão indicados. O benefício do uso de drogas hipolipe-
A infecção respiratória causada pelo Pneumocystis miantes foi demonstrado inequivocamente entre pacien-
carinii ocorre, mais freqüentemente, nos primeiros seis tes transplantados do coração e do rim. Entre os pacien-
meses após o transplante. Com a instituição de profila- tes transplantados do fígado ou pâncreas tem-se também
xia, essa complicação virtualmente desapareceu. A empregado essas drogas, enquanto evidência contunden-
droga empregada na maioria das vezes, nessa situação, te contrária não seja obtida. A rapamicina pode ter efeito
é a associação sulfametoxazol-trimetropima, durante hipolipemiante e mesmo regredir algumas lesões arteriais
34.
os primeiros seis meses após o transplante. Nos estabelecidas
pacientes alérgicos à sulfa, pode-se empregar a penta- Intolerância à glicose constitui parte das síndromes
midina administrada em aerosol32. clínicas desencadeadas pelas doenças que serão tratadas
por transplantes de fígado, pâncreas ou rins. Embora
essa disfunção tenda a ser agravada no período pós-
Complicações metabólicas operatório imediato (pelo emprego de drogas imunos-
Para a população total de transplantados, as doenças supressoras, de catecolaminas vasoativas, pela resposta
cardiovasculares são a terceira causa de morte após um ao trauma, por disfunção de enxertos hepáticos e pan-
ano do transplante. O risco dessas doenças é maior entre creáticos), na maioria dos casos, ela desaparece após o
os pacientes transplantados que na população geral33. terceiro mês de transplante. Em até 15% dos pacientes
Pacientes submetidos a transplante hepático há um submetidos a transplante de fígado será necessário o
ano ou mais, cuja doença primária não incluía câncer uso de insulina após o primeiro trimestre34. Em alguns
ou hepatite viral, têm grande probabilidade de sobrevi- dos pacientes submetidos a transplante pancreático,
verem longos períodos com qualidade de vida seme- podem ser necessárias pequenas doses de insulina.
lhante à da população geral. A principal causa de morte Emagrecimento, redução da dose dos imunossupresso-
nesse grupo de pacientes é a doença cardiovascular res, dieta controlada e prática de atividades físicas
associada a dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes devem ser medidas instituídas para o controle do diabe-
mellitus e obesidade34. tes e da obesidade.
O uso de inibidores de calcineurina e de corticoste-
róides contribui para a ocorrência de hipertensão arte- Neoplasias
rial sistêmica. Embora ajustes na dose dos imunossu-
pressores possam contribuir para o controle da pressão A doença linfoproliferativa relacionada ao trans-
arterial, a maioria dos pacientes vai necessitar de drogas plante constitui um linfoma associado à infecção pelo
anti-hipertensivas. Os bloqueadores dos canais de cál- vírus Epstein-Baar (EBV). Essa doença se manifesta
cio são as drogas mais eficazes. Os inibidores da enzima habitualmente por linfadenomegalia generalizada e
de conversão da angiotensina são, quase invariavelmen- ocorre em 1% a 3% dos pacientes submetidos a trans-
te, ineficazes34. plante hepático32. As crianças, os portadores do EBV
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

antes do transplante e os pacientes que receberam pela qualidade de vida dos pacientes, varia segundo o
OKT3 (anticorpo antilinfocitário pouco utilizado atual- órgão e o período considerados.
mente) apresentam riscos maiores de desenvolvimento Ocorreu melhora progressiva desses resultados,
da doença que os demais pacientes. Pacientes portado- especialmente após a década de 80 do século passado.
res do vírus parecem se beneficiar de profilaxia. O risco Diversos eventos concorreram para essa trajetória: evo-
de manifestação da doença causada pelo EBV aumenta lução da técnica operatória, maior domínio sobre a clí-
até em dez vezes em pacientes que apresentam doenças nica cirúrgica, métodos diagnósticos mais eficazes e dis-
causadas pelo CMV32. Por essa razão, muitos autores poníveis, avanços na farmacologia da imunossupressão
recomendam o emprego de ganciclovir na profilaxia de e da conservação de órgãos, entre outros.
ambas as reinfecções em pacientes portadores do EBV, Pacientes submetidos a transplante hepático na Europa,
especialmente em crianças. antes de 1985, tinham probabilidade de sobreviver um ano
A infecção pelo herpes vírus 8 está associada ao apa- de apenas 34%. Dos pacientes transplantados entre 1990 e
recimento do sarcoma de Kaposi. 1994, 76% sobreviveram pelo menos um ano. A última
Outras neoplasias apresentam maior risco de ocorrên- coorte analisada, transplantada em 2001, apresentou sobre-
cia entre pacientes transplantados. Câncer de pele tem sua vida de 83% ao final de um ano. As principais causas de
prevalência substancialmente aumentada após o transplan- óbito nesses pacientes são disfunções de outros órgãos
te. O risco pode ser controlado por medidas simples de (30%), sepse (20%), recorrência da doença hepática (17%),
proteção contra radiação solar e vigilância da pele34. complicações técnicas (6%), óbitos peroperatórios (5%) e
O adenocarcinoma do cólon, entre os pacientes não-função primária do enxerto (3%)29.
transplantados por colangite esclerosante primária, tem A experiência norte-americana testemunhou a mesma
seu risco aumentado em quatro vezes após o transplan- evolução35. Infelizmente, o Brasil, segundo maior país do
mundo em número de transplantes, tem registros precários
te quando comparado com o período pré-transplante.
sobre a evolução dos pacientes transplantados.
É necessária vigilância endoscópica periódica entre os
A sobrevida de pacientes e enxertos transplantados
pacientes que não foram submetidos a colectomia. Até
na Europa, nos Estados Unidos e no Hospital das
15% e 21% dos pacientes apresentam displasias da
Clínicas da UFMG está resumida no Quadro 43.8 e nas
mucosa do cólon cinco e oito anos após o transplante,
Figuras 43.1, 43.2 e 43.3.
respectivamente34.
No HC-UFMG ocorreu, especialmente nos últimos
O risco de displasia e carcinoma espinocelular do
três anos, significativo aumento da freqüência de transplan-
colo do útero aumenta após o transplante34. Uma vigi-
tes hepáticos realizados. Paralelamente a esse crescimento,
lância sistematizada é necessária. os resultados têm melhorado ano a ano, conforme pode ser
observado no Quadro 43.8 e nas figuras 43.2 e 43.3. A
Sobrevida e prognóstico coorte de transplantes realizados em 2003 e 2004 apresen-
tou sobrevida dos receptores e enxertos superior a 80%,
O resultado dos transplantes, medido pela sobrevida tornando-se comparável aos melhores resultados registra-
dos pacientes e dos enxertos, pela morbidade associada e dos na Europa29 ou nos Estados Unidos35 (Figura 43.3).

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Capítulo 43 .:Transplante de órgãos abdominais – aspectos clínicos

Quadro 43.8 .: Taxas de sobrevida (%) de pacientes receptores e enxertos segundo o órgão transplantado, o período e a fonte da informação
Fonte Órgão Período Tipo 1 ano 3 anos 5 anos 10 anos
UNOS Rim 1996-2001 Paciente* 95,6 95,6 85,1 -
Enxerto* 91,3 90,8 70,4 -
UNOS Pâncreas-Rim 1996-2001 Paciente* 94,6 89,9 84,7 -
Enxerto* 91,8 83,8 75,1 -
UNOS Pâncreas 1996-2001 Paciente* 95,1 88,3 79,2 -
Enxerto* 78,2 61,9 48,4 -
UNOS Intestino 1996-2001 Paciente* 75,2 54,7 47,7 -
Enxerto* 71,8 47,7 40,9 -
UNOS Fígado 1996-2001 Paciente 86,1 78,0 72,3 -
1996-2001 Enxerto 80,7 71,2 64,5 -
ELTS 1968-2001 Paciente 80,0 - 70,0 62,0
1995-2000 Paciente 83,0 - 72,0 -
1990-1994 Paciente 76,0 - 65,0 58,0
1968-2001 Enxerto* 75,0 67,0 63,0 55,0
HC-UFMG 1994-2004 Paciente 71,6 95,6 65,4 65,4
Tx 1-100 Paciente** 55,9 52,7 51,2 51,2
Tx 101-200 Paciente** 79,2 74,2 - -
Tx 201-288 Paciente** 81,7 - - -
1994-2004 Enxerto 67,9 64,1 60,4 60,4

UNOS: United Network for Organs Sharing35; ELTS29: European Liver Transplantation Society; HC-UFMG: Hospital das Clínicas da UFMG (dados não publicados);
*Contempla apenas primeiros transplantes (excluídos os re-transplantes);
** Transplantes classificados em ordem cronológica (do 1° ao 100°, do 101° ao 200° e do 201° ao 288°).

Figura 43.1 .: Sobrevida acumulada de pacientes receptores submetidos a transplante hepático na Europa, segundo a época da realização
da operação. Fonte: European Liver Transplantation Society29
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ÉPOCA: Os pacientes foram classificados segundo a ordem cronológica da realização ANO TX: Coortes de pacientes definidas segundo o ano da realização do transplante.
do transplante hepático; Tx 0 a 100: do 1º ao 100º transplante (93 pacientes); Tx 101 94-2000:n=84 pacientes; 2001:n=42 pacientes; 2002:n=30 pacientes; 2003:n=52
a 200: do 101º ao 200º transplante (96 pacientes); Tx 201 a 288: do 201º ao 288º trans- pacientes; 2004:n=66 pacientes. LogRanK=9,73; Graus de Liberdade=4; Valor
plante (88 pacientes). LogRanK = 15,69; Graus de Liberdade = 2; Valor p = 0,0004. p=0,0453.

Figura 43.2 .: Sobrevida acumulada dos pacientes transplanta- Figura 43.3 .: Sobrevida acumulada dos pacientes transplanta-
dos no Instituto Alfa de Gastroenterologia do HC-UFMG, na dos no Instituto Alfa de Gastroenterologia do HC-UFMG, na
dependência da época do transplante hepático dependência do ano da realização do transplante hepático

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44
CIRURGIA
NO PACIENTE COM
DISTÚRBIOS DE DEGLUTIÇÃO
Patrícia Vieira Salles, José Maria Porcaro Salles,
Juliana Boechat Álvares

Introdução depende dos seguintes pares de nervos cranianos:


V, VII, IX, X e XII.
A deglutição é um ato neuromuscular complexo que Antes de passarmos ao estudo das fases da deglutição,
envolve estruturas da cavidade oral, da faringe, da laringe devemos destacar a função laríngea. A laringe humana
e do esôfago, em uma seqüência altamente coordenada possui três funções básicas: proteção da árvore brônqui-
de movimentos1, cujo resultado é a propulsão do bolo ali- ca, respiração e fonação. A perda da função protetora
mentar da cavidade oral para o estômago. Qualquer alte- (função mais importante), que pode ser temporária ou
ração nesse processo implica o aparecimento de disfagia, definitiva, implica o aparecimento de aspiração bronco-
que pode ser esofágica ou orofaríngea. Essa última é pulmonar e conseqüente pneumonia aspirativa.
motivo de nossa discussão. O processo fisiológico de deglutição pode ser dividi-
As causas da disfagia, assim como suas conseqüên- do em três fases2: oral, faríngea e esofágica. A fase oral
cias, são múltiplas e atravessam as fronteiras da habili- pode ser dividida nas fases oral preparatória e oral pro-
dade de ampla variedade de especialidades clínicas. priamente dita, sendo ambas conscientes e voluntárias. A
Logo, os pacientes disfágicos serão sempre atendidos fase oral preparatória envolve o processamento dos ali-
por equipe multidisciplinar. mentos pela mastigação e sua mistura com a saliva for-
O estudo das disfagias deve iniciar-se pelo conhecimen- mando o bolo alimentar, assim como o seu posiciona-
to dos mecanismos fisiológicos da deglutição, passando mento no dorso da língua. Já a fase oral, propriamente
pelas causas e pelos efeitos dos distúrbios, pelos métodos dita, inicia-se após o bolo alimentar estar adequadamente
utilizados para o seu diagnóstico, assim como pelas medi- preparado e posicionado no dorso da língua. A língua
das terapêuticas para melhorar ou resolver o problema. pressiona o bolo alimentar contra o centro do palato
duro, o palato mole se eleva, os lábios selam-se e a base
da língua se deprime, iniciando a fase faríngea, que é tam-
A deglutição adequada bém o início da fase reflexa da deglutição.
A fase faríngea refere-se ao transporte do bolo ali-
A deglutição é uma função neuromuscular que mentar da cavidade oral para a faringe e desta para o esô-
envolve estruturas anatômicas da cavidade oral, da fago. Após a entrada do bolo na orofaringe, uma seqüên-
faringe, da laringe e do esôfago. Esse processo exige cia rápida e coordenada de movimentos acontece até sua
perfeita coordenação nervosa central e periférica. chegada ao esôfago, representando uma fase consciente e
Quatro pares de nervos cranianos (V, VII, IX e X) for- involuntária da deglutição. Nessa fase ocorre aumento na
necem informações aferentes, relacionadas ao gosto e à pressão intra-oral, decorrente dos seguintes eventos:
sensibilidade orofaríngea. O controle motor dos dois fechamento dos lábios, tensão no músculo orbicular dos
primeiros estágios da deglutição (fases oral e faríngea) lábios, fechamento do esfíncter velofaríngeo, fechamen-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

to da prega vocal e da prega vestibular, elevação e anterio- oral ou na fase faríngea da deglutição, e disfagias esofá-
rização da laringe – esses movimentos ocorrem em con- gicas ou baixas, quando o problema encontra-se na
junto com o movimento de piston da língua, criando ini- fase esofágica.
cialmente pressão negativa na faringe que se organiza As disfagias podem acometer qualquer das três fases
como tubo e recebe o bolo alimentar. Em seguida, ocorre da deglutição de forma isolada ou conjunta. Alterações
a contração dos músculos faríngeos, a abertura do esfínc- na fase oral podem ser causadas pelo não-selamento
ter esofagiano superior, possibilitando nova diferença de labial, decorrente de disfunção do nervo facial ou de
pressão e passagem direta do bolo alimentar da faringe alguma seqüela estrutural neste orifício; pela diminuição
para o esôfago. Esta é uma fase extremamente rápida, com dos movimentos mandibulares que prejudicam a função
duração de, aproximadamente, 800 milisegundos. mastigatória, impedindo que o alimento seja quebrado
A última fase da deglutição, a fase esofágica, que é até uma consistência adequada para deglutição, e pela
inconsciente e involuntária, resulta dos movimentos diminuição ou perda do controle da língua. A incoorde-
peristálticos da parte proximal do esôfago à parte distal,
nação dos movimentos da língua é a alteração da fase oral
permitindo a passagem do alimento pelo esôfago e sua
mais perigosa e a que leva aos maiores riscos de aspira-
entrada no estômago. Qualquer alteração levará à disfa-
ção. Alterações na sensibilidade também causam dificul-
gia baixa ou esofágica, o que não representa o foco de
dades de deglutição nesta fase.
atenção deste capítulo.
Alterações na fase faríngea, assim como na fase oral,
podem ser causadas por seqüelas neurológicas ou estru-
Caracterização e classificação dos turais. A redução da função velofaríngea pode levar a
distúrbios de deglutição retorno do alimento para a cavidade nasal; a diminuição
do peristaltismo faríngeo leva à estase em valécula e seios
A dificuldade para deglutir, denominada disfagia, piriformes; a redução da elevação e anteriorização da
pode ser entendida como um distúrbio que dificulta ou laringe pode levar à aspiração durante a deglutição.
impossibilita a ingestão segura, eficiente e confortável Alterações na sensibilidade também levam a dificuldades
de alimento via oral. A disfagia é acompanhada fre- de deglutição nesta fase.
qüentemente por outros problemas, tais como rouqui- A fase esofágica, por outro lado, pode estar com-
dão, dor, obstrução das vias aéreas e digestivas superio- prometida pela presença de hérnia de hiato ou pela per-
res. Como conseqüências mais graves da disfagia, cita- manência de cateter nasogástrico que causam refluxo
mos a aspiração laringo-traqueal, a pneumonia aspirati- gastroesofágico e possível aspiração. Obstrução esofá-
va, a desnutrição e a desidratação, o emagrecimento, a gica parcial ou total, por tumores, impedindo ou difi-
perda de competência do sistema imunológico em fun-
cultando a progressão do bolo alimentar, assim como
ção da desidratação e da desnutrição, a baixa resistên-
doenças esofágicas com distúrbios motores (p. ex.,
cia a processos terapêuticos mais agressivos e, even-
doença de Chagas) levam a ondas peristálticas anárqui-
tualmente, a morte3.
cas, causando disfagia baixa e eventuais aspirações em
A disfagia não é uma doença, e sim sintoma ou sinal
de uma doença de base. A dificuldade para engolir pode decorrência de refluxo ou regurgitação.
ser congênita ou adquirida, permanente ou transitória, As queixas mais comuns de pacientes com disfagias
resultante de causas diversas, tais como: neurogênicas, orofaríngeas são: dificuldade da manipulação oral e
mecânicas, psicogênicas, iatrogênicas ou por degenera- propulsão do bolo alimentar da boca para o esôfago;
ção neuromuscular própria da idade. sensação de parada do alimento ou sensação de resí-
Os distúrbios da deglutição são alterações de qual- duos alimentares na garganta, que exigem clareamento
quer afecção neurológica (central ou periférica) – disfa- por meio do pigarreio e de deglutições múltiplas; tosse
gias neurogênicas ou de tumores da região de cabeça e antes, durante ou após a deglutição; sensação de engas-
pescoço ou do trato esofágico, assim como de trauma- gos ou afogamento; alteração da voz imediatamente
tismos na região cervical – disfagias mecânicas. Além após deglutir; falta de ar imediatamente após ou duran-
disso, podem ser classificadas como disfagias orofarín- te a alimentação; falsa rota ao deglutir, provocando
geas ou altas, quando o problema encontra-se na fase afogamento ou tosse4.
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Capítulo 44 .: Cirurgia no paciente com distúrbios de deglutição

O impacto dos distúrbios de deglutição A avaliação clínica da deglutição, realizada por


no paciente cirúrgico fonoaudiólogo, inicia-se pela anamnese, com destaque
para a queixa principal e a perda ponderal, registrando-se
O paciente que será submetido a intervenção cirúrgi- também a história pregressa da doença. No exame físico
ca deverá ter condição clínica adequada de acordo com deve-se observar o estado geral, estado nutricional e a
padrões nutricionais, laboratoriais e imunológicos. Os hidratação, a elasticidade e o turgor cutâneos, a presença
pacientes, quando em condições clínicas ideais, terão ou ausência de vias alternativas de alimentação, o uso de
recuperação pós-operatória rápida e com menores pro- ventilação mecânica e traqueostomia, o uso de medica-
babilidades de complicações. mentos, o grau de consciência – se preservado, abolido
Sabe-se que a disfagia resulta em desnutrição progres- ou diminuído –, ou, ainda, se existem sinais de demência.
siva. A associação desses dois fatores, quando não insti- Deve-se identificar, também, em qual fase da deglutição
tuídos os cuidados adequados, levará à rápida deteriora- ocorre a disfagia, se há aspiração e/ou penetração larín-
ção clínica do paciente6. gea e qual a doença de base que levou o paciente a desen-
A desnutrição surge como conseqüência de: (1) inca- volver o distúrbio. Por fim, quando o paciente estiver
pacidade de se alimentar; (2) má-absorção; (3) perdas sob a atenção de um cuidador, faz-se necessário conhe-
digestivas; ou (4) consumo energético excessivo7. cê-lo e tomar as suas impressões sobre o paciente.
O paciente em pós-operatório sem complicações per- A avaliação física propriamente dita inicia-se com a
manece por certo período sem alimentar-se por via natu- avaliação do sistema estomatognático quanto a postura,
ral, tem consumo energético maior que o habitual em aspecto, função e mobilidade. Especial atenção é dada à
conseqüência de sua doença de base, somada ao trauma língua, ao palato mole, aos lábios e aos músculos bucina-
anestésico-cirúrgico. Além disso, sua função gastrointes- dor (VII nervo craniano) e elevadores da mandíbula (raiz
tinal é alterada em maior ou menor grau. Só por esses motora do V nervo craniano). Na face devemos pesqui-
eventos deve-se considerar o pós-operatório imediato sar a capacidade do indivíduo de perceber e discriminar
como período crítico. Se a esses fatos se somarem outras variações de intensidade de pressão, temperatura e
complicações, tais como perdas digestivas ou infecções, outros estímulos mecânicos (raízes sensitivas do V nervo
o seu declínio clínico se fará de forma mais rápida. craniano), além do tônus facial. É importante observar os
Assim, o quadro de disfagia, por si só, é fator de risco dentes e seu estado de preservação, a presença e a adapta-
para o paciente devido à possibilidade do desenvolvi- ção de próteses, assim como as glândulas salivares, relacio-
mento de broncoaspirações e infecção pulmonar. Esses nando-as à queixa e história de xerostomia ou sialorréia.
pacientes são, então, mais susceptíveis de sofrerem alte- Deve-se avaliar também o sentido da gustação (VII e
ração significativa do seu já frágil equilíbrio clínico, com IX pares de nervos cranianos), e a sensibilidade da língua
aumento da morbimortalidade. (V e IX nervos), assim como a função da língua (XII par),
dando especial atenção à presença de movimentos invo-
Como avaliar os distúrbios de deglutição luntários ou à rigidez. O exame do palato envolve o V, IX
e X pares cranianos, devendo ser observado por visão
A avaliação, o diagnóstico e o tratamento da disfagia direta se há ou não presença de paralisia.
orofaríngea são feitos por equipe multidisciplinar, coor- Em seguida, processa-se a avaliação das funções de
denada por fonoaudiólogo. Fazem parte dessa equipe respiração, mastigação e deglutição. A respiração é ava-
cirurgião de cabeça e pescoço, otorrinolaringologista, liada quanto ao tipo e modo respiratório, verificando se
neurologista, nutrólogo, nutricionista e imaginologista. o paciente encontra-se eupnéico, taquipnéico ou bradip-
O estudo da deglutição é feito pela avaliação clínica e, néico. A mastigação é avaliada oferecendo-se ao pacien-
quando necessário, por exames de imagem que possibili- te um alimento sólido. A partir daí, verificam-se os
tam a complementação diagnóstica. Entre os exames uti- seguintes aspectos: qual o tipo de incisão (mordida) utili-
lizados encontram-se a fibronasolaringoscopia da deglu- zada ou se o paciente pica o alimento e o coloca na boca;
tição e a videofluoroscopia da deglutição. Esses exames a qual lado o alimento é levado e o tipo mastigatório uti-
não são indicados nos casos em que a avaliação clínica lizado para a formação do bolo alimentar, se bilateral
apresenta sinais claros de aspiração laringo-traqueal. alternada, bilateral simultânea, unilateral direita ou unila-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

teral esquerda. Por fim, avalia-se a deglutição, quando em todo e qualquer protocolo de exame videofluoroscó-
possível, nas três consistências alimentares (sólida, líquida pico da deglutição9.
e pastosa), para determinação da fase alterada e verificação
da presença de penetração e/ou aspiração pulmonar.
Os exames complementares devem ser realizados nos Preparo pré-operatório e cuidados
casos de dúvida quanto à presença de aspiração ou quan- peroperatórios
do há necessidade de verificação de possível paralisia
O preparo pré-operatório envolverá sempre uma
laríngea ou ainda para determinar a fase da deglutição
equipe multidisciplinar. Deve-se considerar a complexi-
que se encontra comprometida, além de buscar algum
dade deste ato neuromuscular que é a deglutição, as inú-
fator anatômico/estrutural que possa estar contribuindo
meras causas e as diversas conseqüências da disfagia oro-
ou ocasionando a disfagia.
faríngea. Nesse grupo devem se incluir, no mínimo, além
A fibronasolaringoscopia da deglutição tem por obje-
do fonoaudiólogo, o cirurgião de cabeça e pescoço, o
tivo a localização topográfica e o momento da deglutição
otorrinolaringologista, o nutrólogo, o nutricionista, o
em que as alterações são mais evidentes e mais significa-
imaginologista, além do especialista que trata das doen-
tivas. Ela permite ainda a observação morfológica das
ças de base que a estão causando.
estruturas das vias aéreas e digestivas superiores (VADS),
Além da avaliação clínica e laboratorial, própria da
fossas nasais, rinofaringe, esfíncter velofaríngeo, orofa-
doença que resultou na indicação cirúrgica, esses pacien-
ringe, hipofaringe e laringe. Ela serve ainda para testar a tes deverão ser submetidos, quando já não o foram, aos
sensibilidade faríngea e laríngea e para verificar a eficácia exames clínicos e complementares específicos para o
das manobras posturais que interferem na deglutição. É diagnóstico e tratamento das eventuais complicações das
usada também para confirmação da presença de penetra- disfagias orofaríngeas, em especial a aspiração bronco-
ção laríngea e/ou aspiração traqueal suspeitadas pela ava- pulmonar e a desnutrição.
liação clínica8. Este exame permite a avaliação da degluti- Nesse momento, deve-se levar em conta a possibilida-
ção até o início da movimentação da epiglote, quando de de reversão ou não da causa da disfagia, a complexidade
sua posição horizontal e a contração faríngea impedem a da operação a ser realizada, correlacionando-a com o
visualização. Após o término da deglutição é que se volta tempo necessário para a correção da disfagia (e aquele dis-
a identificar as estruturas e a localização do contraste ali- ponível antes da realização do ato cirúrgico indicado), esta-
mentar e das secreções. Portanto, a fibronasolaringosco- do nutricional do paciente e presença de infecção pulmo-
pia da deglutição não nos permite uma avaliação do nar. Deve-se considerar ainda que os pacientes com disfa-
momento da deglutição. gia orofaríngea têm sempre equilíbrio nutricional frágil, o
Para a visualização e avaliação completa das fases oral que pode reduzir sua tolerância aos tratamentos propostos,
e faríngea da deglutição, a videofluoroscopia da degluti- em especial aqueles que incluam rádio e quimioterapia.
ção é o melhor dos exames9. Ela permite a observação Sabe-se que as disfagias orofaríngeas de causa neuro-
dinâmica das estruturas associadas à deglutição durante gênica são progressivas, sem possibilidade de resolução
as fases oral, faríngea e esofágica. O principal objetivo em curto prazo. Esses pacientes necessitam de procedi-
deste exame é determinar se o paciente pode alimentar- mentos fonoaudiológicos que podem melhorar ou retar-
se, de modo seguro, por via oral, se apresenta condições dar o processo, mas que demandam tempo de treina-
de suprir suas necessidades nutricionais básicas, ou se é mento longo para atingir esse objetivo. Em casos selecio-
necessária a indicação de meios alternativos para alimen- nados, nos quais a aspiração manifesta ou silenciosa é
tação. É também importante para o estabelecimento da uma realidade e o risco de pneumonia por aspiração é
presença de aspiração ou microaspiração, especialmente alto, pode-se necessitar de tratamento cirúrgico tal como
quando há alteração do reflexo de tosse, conhecida como a separação laringo-traqueal10 ou miotomia do músculo
aspiração silenciosa. Por fim, serve para a verificação do cricofaríngeo11. Nesses casos, necessita-se ainda estabele-
resultado das manobras facilitadoras posturais e de lim- cer se o procedimento deve anteceder o ato cirúrgico
peza de recessos faríngeos, assim como para a escolha da principal ou ser realizado concomitantemente. Nessa
consistência de alimento mais adequada ao paciente10. fase ainda deve-se avaliar a necessidade de se criar uma
Uma avaliação do trânsito esofágico deve ser efetuada via alternativa de nutrição, considerando-se o tempo que
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Capítulo 44 .: Cirurgia no paciente com distúrbios de deglutição

será necessário para o indivíduo voltar a alimentar-se pela Os pacientes devem iniciar rapidamente o processo
via fisiológica. A partir dessa decisão, opta-se pelo uso de de deambulação, manter ou iniciar a reabilitação fonoau-
cateter nasoentérico ou, ainda, gastrostomia ou jejunos- diológica e a fisioterapia respiratória. Aqueles que fica-
tomia. Nos casos em que o refluxo gastroesofágico não rem alguns dias impedidos de utilizar a via oral devem
constitua problema, opta-se por cateter nasoentérico ou receber nutrição por via alternativa, lembrando sempre
gastrostomia. Nunca é demais repetir que a realização de que a via enteral é a de escolha. Essa via é mais segura, de
traqueostomia, embora facilite a toalete da árvore brôn- menor custo, mais fisiológica e tem maior eficácia por
quica, piora o quadro de disfagia13. Esse procedimento restaurar a função gastrointestinal mais rapidamente15.
dificulta ou elimina alguns mecanismos fisiológicos da Em geral, usa-se cateter nasoentérico de silicone de
deglutição, tais como elevação e anteriorização da laringe pequeno diâmetro ou gastrostomia ou jejunostomia
e a criação de zona de alta pressão infra-glótica necessá- quando houver impedimento para a passagem do cateter.
ria para a tosse produtiva. A alimentação parenteral periférica complementar ou
Em caso de pacientes desnutridos, existem ainda algu- parenteral total devem ser consideradas nos casos em
mas controvérsias se devem ou não ser nutridos por um que a função do trato gastrointestinal estiver parcial ou
certo período antes de se instituir a terapêutica adequada14. totalmente comprometida, não sendo possível, portanto,
Parece haver consenso que, nos casos de desnutrição leve a nutrição enteral adequada.
e moderada, não se institui a nutrição pré-operatória. Em Os cuidados com a nutrição e prevenção de infecção
doentes com desnutrição grave, a terapia nutricional deve- pulmonar ou outras infecções visam à profilaxia das
rá ser instituída e associada, simultaneamente, à fisiotera- complicações pós-operatórias e ao preparo do paciente
pia respiratória e eliminação do tabaco e do álcool. Nesses para possíveis terapêuticas co-adjuvantes. Sabe-se que
casos restará ainda a escolha da via de nutrição que varia- essas últimas levam sempre à queda no estado nutricio-
rá entre a nutrição enteral, (via de escolha sempre que pos- nal do paciente durante o seu curso. Assim, o objetivo da
sível), ou parenteral periférica associada à enteral ou, ainda, terapia nutricional, quando necessária, é prevenir ou
a parenteral total e a escolha do tipo de dieta a ser instituí- reverter a perda tecidual, suprir as necessidades nutri-
da. Essa decisão caberá ao nutrólogo e ao nutricionista, cionais num período de catabolismo, permitir o uso de
após análise do volume a ser ingerido por via oral e avalia- todas as modalidades terapêuticas possíveis, melhorar a
ção dos riscos do uso dessa via num paciente debilitado e evolução clínica do paciente e, finalmente, prolongar a
com risco de aspiração traqueal. sobrevida com qualidade14.
Esses pacientes, mesmo se não apresentarem quadro
infeccioso evidente, são operados em uso de antibióticos
profiláticos, que deverão ser iniciados pouco antes do iní-
Complicações nos pacientes com
cio do ato cirúrgico e mantidos por período de 24 horas. distúrbios de deglutição
Finalmente, os distúrbios metabólicos e as infecções pree-
Os pacientes disfágicos, dependendo da gravidade do
xistentes serão tratados no pré-operatório.
distúrbio, permanecem no limiar da normalidade, num
Os cuidados peroperatórios, por sua vez, são os mes-
equilíbrio precário que pode facilmente se romper diante
mos de qualquer outra operação.
de nova doença ou de processo terapêutico, o qual altera-
ria pouco o estado geral de paciente não-disfágico. As
Cuidados pós-operatórios complicações mais comuns nos pacientes com distúrbios
de deglutição são as infecções pulmonares que se seguem
Os cuidados pós-operatórios não variam muito à aspiração traqueal de alimentos e de saliva.
daqueles de pacientes não-disfágicos. Entretanto, cuida- As outras complicações possíveis são cicatrização
dos adicionais devem ser dispensados a eles devido ao seu precária decorrente do estado nutricional com conse-
equilíbrio nutricional e de função respiratória mais frágeis. qüente aumento nos índices de deiscência de suturas do
Há maior possibilidade de complicações graves num trato digestivo ou de pele e subcutâneo, de infecção de
momento em que se somam problemas existentes àque- ferida operatória pela imunossupressão, resposta inade-
les conseqüentes ao trauma anestésico-cirúrgico ou tera- quada a terapias co-adjuvantes do câncer e conseqüente
pias co-adjuvantes tais como radioterapia e quimioterapia. diminuição da sobrevida.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Conclusão 6 ■ Andrade PVB, Lameu EB. Avaliação nutricional em pacientes


disfágicos. In: Costa M, Castro LP Tópicos em deglutição e
As disfagias orofaríngeas são alterações que merecem disfagia. Rio de Janeiro: Medsi; 2003.
7 ■ Manrique D. Avaliação otorrinolaringológica da deglutição. In:
especial atenção e envolvimento de equipe interdiscipli-
Furkim AM, Santini CS. Disfagias orofaríngeas. Carapicuíba:
nar. O paciente disfágico, principalmente o paciente dis- Pró-fono; 1999.
fágico que será submetido à intervenção cirúrgica, 8 ■ Costa M, Monteiro JS. Exame videofluoroscópio das fases oral e
encontra-se fragilizado, tanto clínica quanto emocional- faríngea da deglutição. In: Costa M, Castro LP. Tópicos em
mente. Dessa forma, devido ao alto grau de complexida- deglutição e disfagia. Rio de Janeiro: Medsi; 2003.
9 ■ Gonçalves MIR, Vidigal MLN. Avaliação videofluoroscópica
de do quadro, um indivíduo disfágico que será operado das disfagias. In: Furkim AM, Santini, CS. Disfagias orofarín-
deverá ser avaliado por todos os membros da equipe, e geas. Carapicuíba: Pró-fono; 1999.
esta, em conjunto, tomará a decisão sobre a melhor con- 10 ■ Zocratto OB. A cirurgia de separação laringotraqueal: análise dos
duta, proporcionando um bom prognóstico. resultados obtidos em 60 pacientes. (dissertação). Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2004
11 ■ Koch,WM Distúrbio da deglutição – diagnóstico e terapia. Clin.
Referências Cir. Am. Norte. 1993;3:613-25.
12 ■ Porcaro-Salles JMP, Milagres KVM, Salles PV. Qual o manejo
1 ■ Douglas CR. Fisiologia da deglutição. In: Douglas, C.R. ideal da traqueostomia? In: Castro LP, Savassi, PR, Melo JRC,
Patofisiologia oral. São Paulo, Pancast, 1998. p. 273-85. Costa, MMB.Tópicos em gastroenterologia 10 – deglutição e
2 ■ Perlman A, Shulze-Delrien K. Deglutition and its disorders. disfagia. 1ª Ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2000; p. 225-35.
Singular Publishing Ltda, 2nd, 1997. 13 ■ Souba WW. Nutritional support, In: DeVita Jr. VT, Hellman S,
3 ■ Peralta MC, Esnaola y Rojas MM, Gagliardi LC, et al. Factores Rosenberg SA – Cancer, principles and practice of oncology.
predictivos de disfagia en pacientes con un evento cerebro- 5th Ed., Philadelphia- New York: Lippincott-Raven; 1997 p.
vascular agudo. Rev Neurol Arg. 2000; 25:57-62. 2841-56.
14 ■ Goodwin WJ, Byers PM. Controle nutricional do paciente com
4 ■ Betran O. O fundamental da avaliação clínica no paciente disfá-
câncer da cabeça e do pescoço. Clin.Cir. Am. Norte.
gico. In: Costa M., Castro LP. Tópicos em deglutição e disfa-
1993;3:643-56.
gia. Rio de Janeiro: Medsi; 2003.
15 ■ Costa M, Castro LP. Tópicos em Gastroenterologia. Deglutição
5 ■ Rosenfeld RS, Leite CTC, Abrahão V. Perfil nutricional nas dis-
fagias neurogênicas. In: Costa M, Castro LP. Tópicos em e Disfagia. Rio de Janeiro: Medsi; 2003.
Deglutição e Disfagia. Rio de Janeiro: Medsi; 2003. 16 ■ Furkim AM, Santini CS. Disfagias orofaríngeas. Carapicuíba:
Pró-fono; 1999.

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45
CIRURGIA NOS PACIENTES
NEUROLÓGICO
E REUMÁTICO
Rosa Weiss Telles, Gilda Aparecida Ferreira,
Rodrigo Santiago Gomez, Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução principais problemas clínicos em pacientes candidatos


a operações neurológicas e as complicações gerais mais
Pacientes com doenças ou comorbidades neurológi- importantes relacionadas a esse tipo de intervenção.
cas e reumáticas apresentam sabidamente maior risco
cirúrgico, em particular em decorrência das manifesta-
ções ou repercussões sistêmicas dessas afecções. Nessa Doenças neurológicas
situação, freqüentemente, internistas são convidados a
Doença de Parkinson
auxiliar na avaliação médica pré-operatória e na condu-
ção de eventuais complicações perioperatórias, com os A doença de Parkinson é uma das afecções neurológi-
objetivos de: identificar os fatores que aumentam o risco cas mais freqüentemente encontradas na avaliação clínica
da operação; quantificar esse risco, com a finalidade de pré-operatória. Consiste em processo degenerativo lento
avaliar a conveniência operatória (indicação cirúrgica e e progressivo, caracterizado fisiopatologicamente por
momento operatório); identificar e controlar condições depleção de dopamina na substância negra mesencefáli-
médicas coexistentes, incluindo o uso de medicamentos; ca. A grande maioria dos casos é idiopática, mas ateros-
tomar medidas que previnam as complicações periopera- clerose, infecção e medicamentos podem também produ-
tórias, e, caso elas ocorram, diagnosticá-las precocemen- zir síndrome parkinsoniana1.
te e tratá-las de maneira adequada.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Paciente neurológico Existem quatro manifestações cardinais da doença


de Parkinson: a) tremores; b) rigidez, produzida pela
A avaliação clínica, o preparo pré-operatório e a hipertonicidade simultânea entre músculos agonistas e
conduta perioperatória no paciente com doença neuro- antagonistas; c) hipocinesia, que leva à lentidão em ini-
lógica apresentam especificidades relevantes, que ciar os movimentos e em associar movimentos autonô-
devem ser cuidadosamente consideradas com o objeti- micos; d) comprometimento dos reflexos posturais.
vo de reduzir as complicações pós-operatórias e a mor- Outras manifestações observadas são hipotensão pos-
talidade cirúrgica. São discutidos, no presente capítulo, tural, inabilidade em controlar a temperatura corporal,
os cuidados pré, per e pós-operatórios em pacientes sudorese anormal e sialorréia, secundárias à disfunção
com afecções neurológicas ou com afecções vasculares autonômica. Em decorrência dessa disfunção, observa-se
do sistema nervoso central. Também são abordados os também alteração da resposta à hipovolemia.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

CONDIÇÕES ASSOCIADAS Quadro 45.1 .: Cuidados perioperatórios no paciente com


Pacientes parkinsonianos, especialmente em estágio doença de Parkinson*
avançado, podem apresentar demência concomitante. Cuidados pré-operatórios
Disfagia e complicações pulmonares são condições Realizar provas de função pulmonar e gasometria arterial
importantes e que freqüentemente se associam à doença Suspender os medicamentos antiparkinsonianos na noite anterior à
de Parkinson. operação
Cuidados pós-operatórios
Espirometria de incentivo
Disfagia Drenagem postural e percussão
A disfagia dos parkinsonianos deve-se especialmente Retornar com medicamentos antiparkinsonianos assim que líquidos
à disfunção faríngea. Aspiração durante a sedação, decor- puderem ser ingeridos (se esse retorno ocorrer após uma semana ou
rente dessa disfunção faríngea, é importante problema mais, reiniciar com a metade da dose empregada no pré-operatório)
perioperatório a ser evitado nesses pacientes. Além das Avaliar necessidade de empregar medicamentos intramusculares ou
endovenosos
manobras anestesiológicas de “estômago cheio”, sugere-
Monitorizar hidratação e aporte de fluidos
se o emprego de pró-cinéticos e de inibidores H2 ou
Acompanhar débito urinário
omeprazol. Deve-se evitar o uso de metoclopramida,
Observar eventual ocorrência de síndrome de privação dos medica-
pois pode piorar a síndrome parkinsoniana. mentos suspensos (confusão mental, taquicardia, alucinação e oscila-
ção da pressão arterial)

Complicações pulmonares * Modificado de Merli e Bell1


As complicações pulmonares no período periopera-
tório estão diretamente relacionadas ao comprometi- MEDICAMENTOS
mento restritivo pulmonar, secundário à rigidez e à hipo- Grandes preocupações nos pacientes parkinsonianos
cinesia dos músculos respiratórios. Esse problema é exa- são tanto a disfunção motora decorrente da suspensão
cerbado com a suspensão da medicação antiparkinsonia- dos medicamentos quanto os próprios efeitos adversos
na. Cifose, disfunção faríngea e sialorréia podem agravar potenciais desses medicamentos.
ainda mais o problema. A levodopa constitui o medicamento mais eficiente e
proporciona melhora importante das manifestações clí-
nicas da doença. Contudo, tem meia-vida curta (de uma
CUIDADOS PERIOPERATÓRIOS
a três horas), por isso é essencial traçar plano para rein-
A avaliação clínica pré-operatória pode incluir a rea- trodução rápida do medicamento no pós-operatório.
lização de provas de função pulmonar e gasometria O sistema cardiovascular é particularmente afetado
arterial, para avaliar o grau de comprometimento da pela terapia antiparkinsoniana. A dopamina, metabólito
função respiratória. da levodopa e levodopa/carbidopa, age nos três recepto-
Os cuidados pós-operatórios devem incluir espiro- res do sistema cardiovascular1,2. A dopamina age nos
metria de incentivo, drenagem postural e percussão, receptores beta-adrenérgicos miocárdicos, em decorrên-
assim como retorno com os medicamentos antiparkin- cia da liberação de noradrenalina, e pode ser arritmogêni-
sonianos o mais brevemente possível. A necessidade de ca. Além disso, a dopamina afeta os receptores alfa-adre-
encaminhar o paciente, no pós-operatório, para centro nérgicos, causando vasoconstricção e elevação da pres-
de tratamento intensivo dependerá do grau de doença são arterial. Vasodilatação dos vasos renais e mesentéri-
pulmonar, da necessidade de reposição de volume em cos decorrente do estímulo dos receptores dopaminérgi-
pacientes com hipotensão e da presença de condições cos pode resultar em hipotensão. Dessa forma, no perío-
mórbidas associadas. do perioperatório, essas complicações causadas pelos
Dessa forma, os principais cuidados perioperatórios medicamentos – hipotensão, hipertensão e arritmia –
a serem tomados com os pacientes com doença de devem ser evitadas.
Parkinson envolvem cuidados fisioterápicos pós-ope- A bromocriptina, pramipexol e a pergolida, outros
ratórios, hidratação adequada e correto emprego dos agonistas dos receptores dopaminérgicos, apresentam
medicamentos antiparkinsonianos (Quadro 45.1). meia-vida mais longa que a levodopa, podendo ser
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Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

empregados no controle pós-operatório1,3. Apresentam sença de doença cerebrovascular está presente em cerca
como principal efeito colateral a hipotensão ortostática, de 10% dos casos5.
além de confusão mental e alucinações.
Se o paciente não puder tomar medicamentos pela via
AVALIAÇÃO CLÍNICA E PREPARO PRÉ-OPERATÓRIO
oral, deve-se administrá-los pela via enteral (cateter
O maior problema não é diagnosticar, tampouco
nasoentérico) no pós-operatório. Entre os efeitos colate-
classificar as convulsões (generalizada tônico-clônica,
rais mais freqüentes, destacam-se náuseas, vômitos, arrit-
complexa parcial, simples parcial e ausência), mas mani-
mias cardíacas e hipotensão postural, além de discinesias
pular as drogas anticonvulsivantes e prevenir os ataques
(movimentos anormais), agitação e confusão mental,
recorrentes, no perioperatório. A ocorrência de convul-
esses relacionados com dosagem excessiva1.
sões nesse período pode resultar de controle clínico ina-
A retirada abrupta dos agonistas dos receptores dopa-
dequado no pré-operatório. O conhecimento da farma-
minérgicos e especialmente da levodopa que apresenta
cocinética e da toxicidade das drogas empregadas tam-
meia-vida mais curta está associada à sindrome neurolép-
tica maligna, podendo ocorrer agravamento das altera- bém é importante para possibilitar a escolha do melhor
ções motoras. Além disso, em decorrência dessa síndro- medicamento para cada caso, prevenir essa recorrência
me, podem ser observadas instabilidade autonômica, das convulsões, além de possibilitar a redução das rea-
hipertermia e disfunção extrapiramidal. ções adversas6. O agravamento das convulsões com o
emprego de drogas antiepilépticas tem sido descrito e
constitui difícil problema clínico7,8.
Tumor cerebral
Pacientes com tumores cerebrais apresentam fre- CONDUTA PERIOPERATÓRIA
qüentemente déficits neurológicos, com diminuição do No pré-operatório de procedimentos de urgência ou
nível de consciência, distúrbios da deglutição, compro- eletivos, os pacientes devem ser classificados em bem-
metimento do mecanismo de tosse e mobilidade prejudi- controlados ou mal-controlados. Os fatores que contri-
cada. Por essa razão, esses pacientes são mais sujeitos a buem para o mau controle do paciente são principalmen-
apresentar complicações potencialmente graves como te a não-aderência ao tratamento, o uso de álcool e a pre-
pneumonia de aspiração, complicações tromboembóli- sença de comorbidades. Na avaliação clínica pré-opera-
cas, delirium e distúrbios hidroeletrolíticos. tória do paciente que tem convulsão é necessário coletar
Entre os cuidados perioperatórios salienta-se a neces- informações em relação à etiologia da convulsão, classifi-
sidade de: avaliar cuidadosamente os déficits motores e cação, freqüência, medicamentos em uso, aderência à
sensitivos, com o objetivo de possibilitar futuras compa- terapêutica e presença de efeitos colaterais. Pacientes sob
rações; monitorizar e tratar distúrbios hidroeletrolíticos e terapêutica anticonvulsivante que estiverem bem-contro-
hiperglicemia, secundários a redução da ingestão alimen- lados devem ser mantidos com a dosagem usual dos
tar, vômitos e uso de corticosteróides. medicamentos até o dia da operação, retomando-os no
pós-operatório assim que possível. Caso o tempo de
jejum seja prolongado, avaliar o uso de medicamentos
Epilepsia
pela via parenteral (p. ex. fenitoína).
Estimativas norte-americanas revelam que, no míni- O desenvolvimento de novos anticonvulsivantes
mo, um milhão de pessoas naquele país apresentam epi- (vigabatrin, felbamate, gabapentina, lamotrigine etc.)
lepsia (convulsões recorrentes) e que pelo menos dez tem permitido melhor adaptação do tratamento às
vezes esse número de pessoas consulta o médico ou vai questões individuais de cada paciente, com maior efi-
ao hospital em decorrência de episódio de convulsão4. ciência e melhor tolerância8,9. Contudo, a fenitoína e o
Com essa prevalência, as convulsões constituem condi- fenobarbital continuam sendo as drogas mais larga-
ção freqüentemente relatada na avaliação clínica pré-ope- mente empregadas6,8. No pós-operatório, a fenitoína
ratória. Sua incidência é maior em homens do que em deve ser administrada em solução salina e numa veloci-
mulheres, acometendo principalmente indivíduos no pri- dade inferior a 50mg por minuto, para reduzir o risco
meiro ano de vida e aqueles com mais de 75 anos5. A pre- de problemas cardiovasculares, como hipotensão e
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

bloqueio atrioventricular10. Ela não deve ser adminis- Demência


trada pela via intramuscular devido à sua absorção errá-
tica. Pela via endovenosa deve ser administrada em Os pacientes que não foram previamente avaliados
doses fracionadas. O fenobarbital pode ser dado pelas devem ter sua demência avaliada no pré-operatório, com
o objetivo de mensurar o déficit cognitivo e definir a gra-
vias endovenosa ou intramuscular (ou retal, se disponí-
vidade da doença. Outros objetivos dessa avaliação são
vel), quando a via oral estiver inviabilizada. Da mesma
diagnosticar as causas prováveis e verificar a possibilida-
forma da fenitoína, sua administração parenteral deve
de ou não de tratamento. São várias as causas de demên-
ser feita por meio de doses fracionadas.
cia, mas a maioria dos casos é do tipo Alzheimer.
É recomendável que pacientes com traumatismo
Geralmente, a demência se instala de forma lenta e
craniano, tumores e abscessos cerebrais recebam profi-
gradual. O estado confusional caracterizado por altera-
laticamente fenitoína no período perioperatório,
ção abrupta na cognição e na atenção está associado a
devendo a profilaxia ser mantida, no mínimo, até três
condições agudas freqüentemente removíveis, como dor,
meses de pós-operatório11-3.
desidratação, distúrbios eletrolíticos e doenças cardiores-
Dosagem dos níveis séricos das drogas anticonvul-
piratórias, e é conhecido como delirium. Mesmo doentes
sivantes deve ser solicitada em pacientes que serão sub-
que já apresentem demência conhecida, caso manifestem
metidos a craniotomia, quando tiver sido introduzido
piora aguda do estado mental devem ser avaliados, com
um novo medicamento anticonvulsivante e/ou quando
o objetivo de diagnosticar a presença dessas condições
for observada mudança no padrão das convulsões.
mórbidas associadas.
Hemograma completo, creatinina, eletrólitos e provas
Na avaliação clínica pré-operatória, dependendo do
de função hepática devem ser obtidos para avaliar os
déficit cognitivo, as informações serão prestadas por fami-
efeitos tóxicos dos medicamentos, em pacientes com
liares ou cuidadores. Também dificilmente o consentimen-
início recente dos medicamentos ou naqueles mal-
to informado será obtido diretamente do paciente1.
compensados. Nas operações de emergência, os exa-
Os medicamentos empregados nos casos de demên-
mes coletados no pré ou peroperatório irão orientar os
cia, por exemplo, as anticolinesterases, podem apresentar
ajustes de doses, no pós-operatório, caso necessário1.
como efeitos colaterais diarréia, náuseas, vômitos, cefa-
léia, fadiga e tonteira. Na dependência da droga usada
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS (p.ex., tacrina), deve-se solicitar provas de função hepáti-
As dosagens dos medicamentos pré-anestésicos pre- ca e evitar o emprego de anestésicos de metabolização
cisam ser reduzidas, considerando-se as propriedades hepática. Contudo, deve-se ressaltar que, atualmente,
sedativas dos anticonvulsivantes. Observa-se, ainda, em essa droga está em franco desuso pela dificuldade poso-
decorrência do uso dessas drogas, maior velocidade na lógica de quatro tomadas e por sua hepatotoxicidade
metabolização de relaxantes musculares não-despolari- (presente em até 40% dos casos). A rivastigmina e o
zantes e de alguns analgésicos e hipnóticos, o que exige, donepezil são os inibidores da acetilcolinesterase mais
geralmente, doses mais altas. empregados no momento, por apresentarem melhores
Alguns medicamentos estão relacionados com menor resultados com menores efeitos colaterais.
limiar para convulsões e devem ser evitados. Entre eles,
destacam-se penicilinas, imipenem, amitriptilina, fenotia-
Miastenia gravis
zidas e meperidina.
Anestésicos de uso endovenoso, apesar de terem Miastenia gravis é uma doença auto-imune adquirida,
ação epileptiforme, apresentam também ação anticon- caracterizada por fraqueza muscular e fadiga, que resulta da
vulsivante, já tendo sido empregados com sucesso no ação de anticorpos contra os receptores da acetilcolina da
tratamento de convulsões. Entre os agentes de uso ina- musculatura esquelética14-6. A doença muscular é generali-
latório, o desflurano é o único que parece não provo- zada em 85% dos casos e está confinada à musculatura
car atividade epileptiforme semelhante à convulsão; os extra-ocular em 15% dos pacientes17. As mulheres são mais
demais podem apresentar tal efeito (halotano, óxido afetadas do que os homens, mas não há predileção racial ou
nitroso, isoflurano, enflurano). geográfica. Os anticorpos contra os receptores da acetilco-
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Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

lina estão presentes em 80% a 90% dos pacientes com mias- sinais e sintomas miastênicos28. A corticoterapia deve ser
tenia gravis. Os anticorpos são do tipo IgG1. Outras doenças introduzida em baixas doses para evitar agravamento da
auto-imunes podem estar presentes e complicar a evolução fraqueza29. Se agentes citotóxicos estiverem sendo
pós-operatória. A doença tireoidiana é a mais comum, empregados, sugere-se que sejam avaliados seus possí-
ocorrendo em cerca de 10% dos pacientes18. Contudo, a veis efeitos adversos antes do procedimento cirúrgico.
ocorrência de disfunção tireoidiana induzida pela auto- Plasmaferese para remover os anticorpos contra os
imunidade é fenômeno muito raro na miastenia gravis19. receptores da acetilcolina constitui outra opção terapêu-
Artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome tica. Deve ser empregada quando houver risco de morte,
de Sjogren e anemia perniciosa também podem estar asso- no pré-operatório de timectomias e quando as outras
ciadas em pacientes miastênicos20,21. Doenças tímicas são modalidades tiverem falhado no tratamento da afec-
comuns e atualmente são consideradas como elemento da ção14,24. As principais complicações da plasmaferese são
doença. Os timomas ocorrem em aproximadamente 10% distúrbios hidroeletrolíticos, trombose e remoção de
dos pacientes com essa afecção22. fatores da coagulação.
Leventhal et al.30 desenvolveram avaliação preditiva
da necessidade de ventilação mecânica no pós-operatório
OPÇÕES TERAPÊUTICAS em pacientes miastênicos. Essa avaliação inclui duração
Os objetivos atuais da terapia da miastenia incluem a da miastenia gravis, história de doença pulmonar crônica,
restauração dos receptores da acetilcolina, a redução dos dosagem de piridostigmina e capacidade vital respirató-
auto-anticorpos e a eliminação da resposta imunológica ria, tendo demonstrado índice de acerto de cerca de 90%
alterada15. O tratamento medicamentoso prolongado é (Quadro 45.2).
freqüentemente necessário, contudo pode acarretar risco
de graves efeitos colaterais. O tratamento ideal da mias- Quadro 45.2 .: Fatores preditivos do risco de necessidade de
tenia deveria eliminar a resposta imunológica alterada, ventilação mecânica pós-operatória em pacientes com miastenia
gravis *
sem, contudo, inibir o sistema imunológico.
A timectomia tem sido advogada em pacientes de Fatores pré-operatórios Pontos
ambos os sexos com doença generalizada, pois têm Duração da miastenia gravis > seis anos 12
sido relatados aumento da sobrevida em cinco e dez História de doença pulmonar crônica 10
Piridostigmina dose >750mg por dia 8
anos e longo tempo de remissão da doença com essa Capacidade vital <2,9 litros 4
terapêutica16,21,23,24. Anticolinesterases, esteróides, imu-
Escore do paciente Predição
nossupressores, imunomoduladores e plasmaferese
< 10 Possibilidade de extubação
constituem outras modalidades de tratamento da mias- 10-34 Necessidade de ventilação mecânica
tenia gravis1,16,17,20,24,25. É imprescindível o conhecimento
*Modificado de Leventhal et al.30
dessas opções terapêuticas para o controle da doença
no período perioperatório.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
Os anestésicos locais do grupo éster (cocaína, procaí-
CONDUTA PERIOPERATÓRIA na, ametocaína) devem ser evitados, pois eles são hidro-
A piridostigmina é a anticolinesterase mais freqüente- lisados pela colinesterase. Os anestésicos locais do grupo
mente empregada no tratamento da miastenia gravis. Essa amido (lidocaína, prilocaína, nepivacina, bupivacaína)
medicação está disponível na forma oral e parenteral. Em podem ser empregados1.
operações eletivas essa droga deve ser suspensa na noite Os aminoglicosídeos (gentamicina, tobramicina, amica-
anterior à operação e deve ser reintroduzida o mais preco- cina, neomicina, kanamicina, estreptomicina) reduzem a
cemente possível. Se a via oral não puder ser utilizada, quantidade de acetilcolina liberada na junção neuromuscu-
empregar as vias intramuscular ou endovenosa26. lar31. Essas drogas, portanto, devem ser evitadas ou utiliza-
A terapia imunossupressora para miastenia gravis inclui das com cautela nos pacientes com miastenia gravis.
prednisona, azatioprina ou 6-mercaptopurina16,27. O A administração de magnésio, morfina, quinidina,
tacrolimus (FK506), por suas propriedades imunossu- procainamida e bloqueadores beta-adrenérgicos pode
pressoras, também tem sido empregado para reduzir os agravar o defeito de transmissão neuromuscular e piorar

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

o quadro clínico. Da mesma forma, devem ser evitadas pacientes susceptíveis ao distúrbio, contudo, mais recen-
ou usadas com cuidado1,32. temente, esses índices têm demonstrado ser significativa-
mente inferiores42-4. Dessa forma, o diagnóstico da sus-
ceptibilidade para hipertermia maligna deve ser feito por
Hipertermia maligna
meio de: a) história familiar de reações incomuns ou
Hipertermia maligna é um raro, mas fatal distúrbio far- óbito durante anestesia; b) história pregressa de reações
macogenético. Esse distúrbio, descrito pela primeira vez na incomuns à anestesia; c) exame físico, com diagnóstico
década de 40 do século passado, ocorre em um a cada de fraqueza muscular; d) solicitação da dosagem sérica da
15.000 pacientes submetidos a anestesia33-5. Há evidências creatinoquinase, nos casos suspeitos a partir das histórias
de que essa complicação ocorra mais freqüentemente em familiar e pregressa e do exame físico. O teste de contra-
adultos do que em crianças36. Os pacientes com hiperter- tura muscular in vitro deveria ser realizado se permanecer
mia maligna apresentam estado hipermetabólico importan- a suspeita em relação a essa susceptibilidade33,39.
te, com rigidez muscular, elevação da temperatura, hiper-
carbia, hipoxemia, hipercalemia e acidose metabólica33,36,37.
CONDUTA PERIOPERATÓRIA
Espasmo do músculo masseter observado à indução anes-
tésica constitui pródromo freqüente da doença33. Dantrolene sódico é o medicamento de escolha
Taquicardia, taquipnéia, arritmia, cianose e alterações cutâ- tanto no tratamento da hipertermia maligna como em
neas podem também ocorrer. Se esses sinais e sintomas sua profilaxia em pacientes de risco. Trata-se de deriva-
não são prontamente reconhecidos, o paciente pode evo- do da hidantoína que atenua a liberação de cálcio do
luir para óbito em decorrência do agravamento da acidose retículo sarcoplasmático. Como terapêutica, deve ser
e da hipertermia. A incidência de episódio fulminante de administrado endovenosamente, na dose de 1mg a 2mg
hipertermia maligna é de 1:62.000 a 1:84.000 anestesias33. por kg a cada cinco a dez minutos, até uma dose total
Essa complicação decorre da exposição a agente anes- de 10mg por kg37,45. Pacientes susceptíveis podem ser
tésico volátil, a relaxantes musculares despolarizantes ou à pré-tratados com 4mg a 7mg por kg por dia, em doses
succinilcolina33,34. Óxido nitroso, anestésicos endovenosos, fracionadas, iniciando-se 24 horas antes do procedi-
relaxantes musculares não-despolarizantes, benzodiazepí- mento anestésico-cirúrgico46,47.
nicos e opióides não desencadeiam a hipertermia maligna. Durante episódio de hipertermia maligna, deve-se
Pacientes com certas doenças, como a distrofia muscular imediatamente interromper o uso do anestésico desenca-
de Duchene, apresentam susceptibilidade à doença e não deante e, sempre que possível, cancelar o procedimento
devem receber os agentes anestésicos desencadeadores33. cirúrgico33. O tratamento da elevação da temperatura, a
Algumas síndromes com achados semelhantes àqueles correção da acidose metabólica e a oferta adequada de
observados na hipertermia maligna devem ser do conheci- oxigênio (hiperventilação com 100% de oxigênio) cons-
mento dos anestesiologistas, entre elas a doença do núcleo tituem cuidados primários concomitantes à administra-
central e a rabdomiólise excessiva38. ção do dantrolene, a serem tomados em centro de trata-
mento intensivo, onde o paciente deve permanecer por,
DIAGNÓSTICO PRÉ-OPERATÓRIO DO RISCO no mínimo, 24 horas.
Embora geneticamente heterogênea, mutações do
gene RyR1 associam-se com a maioria dos casos relata-
Doenças vasculares do sistema nervoso central
dos de hipertermia maligna38,39. Trata-se de condição
transmitida por herança autossômica dominante, mas a Sopro carotídeo assintomático
identificação dos pacientes susceptíveis é difícil em
decorrência da baixa sensibilidade e especificidade dos Durante a avaliação clínica pré-operatória, freqüente-
testes diagnósticos. O teste da contratura muscular in mente se depara com o diagnóstico de sopro carotídeo
vitro com cafeína e halotano é um exame invasivo, incô- assintomático. Estima-se que esse sopro ocorra em cerca
modo e que requer acesso a centro especializado33,38,40,41. A de 4% dos pacientes acima de 45 anos e em 16% dos que
dosagem da creatinoquinase sérica apresentaria índice de serão submetidos a operação vascular periférica48. O
confiabilidade em torno de 70% na identificação dos sopro se torna audível quando a estenose é superior a
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Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

50% da luz arterial, e os sintomas só acontecem quando Elmore et al.54 observaram que a estenose carotídea rela-
o diâmetro luminal está reduzido em mais de 80%49. cionou-se significativamente com o diabetes e com a
Como marcador da presença de doença arterial caro- coronariopatia exclusivamente nos pacientes com este-
tídea extracraniana, sopros são fatores de risco para aci- nose intracraniana, não sendo isso observado na doença
dentes vasculares, mas esse risco não é maior do que 2% carotídea extracraniana.
anualmente48,50. Pacientes com sopro carotídeo assinto- Chambers e Norris51 demonstraram que a presença de
mático submetidos a operações vasculares não-carotí- doença cardíaca preexistente e o grau da estenose carotí-
deas eletivas não têm apresentado maior risco de aciden- dea foram os maiores preditores da ocorrência de eventos
tes vasculares do que pacientes sem sopro1. Em decor- isquêmicos cerebrais e cardíacos em pacientes com sopro
rência dessa observação, a realização de propedêutica carotídeo assintomático. Na dependência do risco de
específica para avaliar o grau de doença carotídea e a ocorrência de complicações, Sundt et al.55 classificaram os
associação de doenças cardíacas devem ser consideradas pacientes a serem submetidos a endarterectomia carotídea
apenas em pacientes de risco. Observa-se maior suscep- em quatro grupos (Quadro 45.4). Os grupos foram cate-
tibilidade a eventos isquêmicos cerebrais em homens e gorizados na dependência da condição da doença neuroló-
em pacientes com doença cardíaca isquêmica concomi- gica concomitante e dos fatores clínicos de risco, que
tante48,51. O grau de estenose carotídea tem sido conside- incluíram hipertensão (pressão arterial superior a
rado um dos principais indicadores da ocorrência e da 180/110mmHg), insuficiência cardíaca congestiva, angina,
gravidade das seqüelas neurológicas51. infarto do miocárdio há menos de seis meses, doença pul-
monar obstrutiva crônica, obesidade e idade acima de 70
anos. O risco de déficit neurológico em pacientes dos gru-
Doença cerebrovascular e acidente vascular encefálico
pos 3 e 4 foi, respectivamente, de 7% e 10%.
Ocasionalmente, o clínico que avalia o paciente no
pré-operatório poderá ser consultado em relação ao risco Quadro 45.3 .: Fatores de risco para a ocorrência de acidente vas-
de acidente vascular encefálico em paciente a ser subme- cular encefálico (AVE)
tido a operação não-cardiovascular e que apresentou aci-
dente vascular prévio ou recente, e/ou que tem experi- Idade avançada
mentado episódios de isquemia transitória. Tabagismo
Pacientes com acidente vascular recente apresen- Hipertensão arterial
Fibrilação atrial (presente em um terço dos pacientes)
tam risco dez vezes maior de sofrerem novo acidente
AVE prévio recente (há menos de duas semanas)
no perioperatório. Por essa razão, sugere-se aguardar Algumas operações cardíacas, carotídeas e aortoilíacas (risco de 1% a 5%)
duas semanas após acidente vascular encefálico para História de ataque isquêmico transitório
submeter o paciente a endarterectomia, com o objetivo
de reduzir as taxas de complicações e a mortalidade1,52.
Vale ressaltar que, nos casos de acidente vascular
hemorrágico, advoga-se aguardar, no mínimo, quatro
Quadro 45.4 .: Classificação do risco de déficit neurológico em
semanas para realizar procedimento cirúrgico cardíaco. pacientes a serem submetidos a endarterectomia carotídea55
Por outro lado, história de ataque isquêmico transitó-
rio, à semelhança do que ocorre na angina instável, repre- Descrição Risco *
senta risco de ocorrência de acidente vascular e de con- Grupo 1 Neurologicamente estável, sem problemas clínicos 1%
seqüente aumento da mortalidade52,53. Outros fatores de graves, sem lesão angiográfica
risco para ocorrência de acidente vascular encefálico Grupo 2 Neurologicamente estável, sem problemas clínicos 2%
estão sumariados no Quadro 45.3. graves, com lesão angiográfica significativa
Grupo 3 Neurologicamente estável, com problemas clínicos 7%
A doença cerebrovascular está freqüentemente asso- graves, com ou sem lesão angiográfica significativa
ciada ao diabetes mellitus e à hipertensão arterial, sendo Grupo 4 Neurologicamente instável, com ou sem proble- 10%
inclusive por alguns considerada marcador de doença mas clínicos graves, com ou sem lesão angiográfica
significativa
cardíaca isquêmica51,53. Por essa razão, avaliação cardíaca
completa é desejável no pré-operatório nesses pacientes. * Risco de déficit neurológico

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Doença cardíaca é a principal causa de óbito em pacien- Hemorragia subaracnóide


tes com história de ataque isquêmico transitório, naqueles
sobreviventes de acidentes vasculares encefálicos e nos A hemorragia intracraniana é importante causa de aci-
dente vascular encefálico e apresenta como fatores etio-
pacientes submetidos a endarterectomia carotídea56-8. A
lógicos aterosclerose, tromboembolismo, hipertensão e
presença de doença cardíaca associada deve ser pesquisada
hemorragia subaracnóide. Essa, por sua vez, consiste em
na história, no exame físico e nos exames complementares.
evento fisiopatologicamente complexo que resulta em
É recomendada também a realização de teste não-invasivo
várias alterações intracranianas e sistêmicas61. Os objeti-
para avaliar o grau de obstrução carotídea em pacientes sin-
vos da condução perioperatória do paciente com hemor-
tomáticos. Atualmente, o método de escolha é o duplex-scan
ragia subaracnóide incluem a prevenção do ressangra-
das carótidas, que tem como principais indicações: pacien-
mento, da isquemia e das demais complicações secundá-
te neurologicamente instável a ser submetido a procedi-
rias, como hipertensão, pneumonia, trombose venosa
mento cirúrgico não-cardiovascular eletivo e paciente a ser
profunda, tromboembolismo pulmonar, sangramento
submetido a procedimento carotídeo ou cardíaco – asso- gastrointestinal e outros problemas metabólicos62.
ciados ou separados1. A hipertensão, que pode ser causa ou conseqüência
Na avaliação clínica pré-operatória, é preciso coletar da hemorragia intracraniana, é outro problema a ser con-
informações sobre o uso de medicamentos, como, anti- tornado; contudo, ainda não é consenso qual medica-
plaquetários e/ou anticoagulantes. O ácido acetilsalicíli- mento deve ser empregado e quais os níveis pressóricos
co, nas doses de 50mg a 325mg, tem sido cada vez mais devem ser mantidos1,63.
empregado por reduzir significativamente a ocorrência Outros cuidados perioperatórios nesses pacientes
de acidente vascular encefálico e infarto miocárdico em incluem: a) profilaxia contra trombose venosa profunda
pacientes com doença cerebrovascular, incluindo aque- (p.ex. compressão pneumática intermitente), especial-
les com ataque isquêmico transitório53,59. Essa proteção mente após operações prolongadas e em pacientes aca-
parece ser ainda mais importante quando se associa ao mados64; b) emprego de bloqueadores de bomba protôni-
ácido acetilsalicílico outro antiagregante plaquetário, ca ou inibidores H2 para prevenir sangramento gastroin-
como o dipiridamol (400mg ao dia)60. Por sua vez, testinal; c) fisioterapia respiratória e demais cuidados
pacientes vítimas de acidente tromboembólico secun- para prevenir complicações respiratórias. Em pacientes
dário a doença valvular cardíaca, prótese valvular ou com hemorragia subaracnóide espontânea, o agravamen-
arritmia cardíaca freqüentemente estão em uso de war- to dos déficits neurológicos acompanha-se de maior
farin. É recomendável a suspensão dessa droga três a ocorrência de disfunção cardiopulmonar65. Pacientes
quatro dias antes do procedimento cirúrgico e início da com grave instabilidade neurológica devem ser mantidos
infusão de heparina, esta mantida até algumas horas intubados e mantidos em ventilação mecânica1.
antes da operação. O reinício da heparina no pós-ope-
ratório deve ser avaliado caso a caso; em pacientes com
prótese valvular mitral, o reinício deve ser mais preco- Deterioração neurológica
ce. A reintrodução do anticoagulante oral deverá ser Hipertensão arterial induzida, hipervolemia e
considerada quando a dieta oral for restabelecida. hemodiluição (terapia do triplo H) têm sido emprega-
Além do controle pré-operatório da hipertensão das em pacientes com deterioração neurológica secun-
associada, é necessário controlar o diabetes mellitus, con- dária a vasoespasmo54,66. Essa terapia pode ser viabiliza-
siderando que a hiperglicemia pode piorar a doença da com o aumento da infusão hídrica, mas ressalta-se a
isquêmica. Esses controles devem ser mantidos no per necessidade de evitar a congestão pulmonar e de moni-
e pós-operatório. torizar a melhora da condição neurológica66-8. Se a
A presença de déficits neurológicos, em decorrência, expansão volumétrica não for capaz de aumentar a
por exemplo, de paralisia dos pares cranianos, pode difi- pressão arterial ou melhorar a função neurológica,
cultar o paciente a deglutir, tossir e proteger as vias agentes vasopressores, como dobutamina e dopamina,
aéreas. Nesses pacientes, a história de aspiração constitui podem ser necessários, mas devem ser usados cuidado-
um indicativo para usar pró-cinéticos e bloqueadores de samente69. Além da terapia do triplo H, em pacientes
bomba protônica. com hemorragia subaracnóide associada a vasoespas-
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Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

mo, tem sido discutido o valor do emprego de antago- Quadro 45.6 .: Medidas para prevenir o agravamento ou reduzir a
nistas do cálcio, fibrinolíticos e agentes antioxidantes, hipertensão intracraniana
antes, durante e após o tratamento cirúrgico ou endo-
vascular para o controle do sangramento (p.ex. aborda- Realizar hiperventilação
Manter cabeceira elevada
gem do aneurisma)70. Usar diuréticos de alça e/ou agentes osmóticos
As principais causas de deterioração da função neuro- Empregar corticosteróides
lógica estão sumariadas no Quadro 45.5. Controlar as convulsões
Evitar a infusão endovenosa de soluções hipotônicas e/ou glicosadas
Evitar soluções hipotônicas

Quadro 45.5 .: Principais fatores relacionados à deterioração


neurológica progressiva* Hipertensão arterial
INTRACRANIANOS SISTÊMICOS O controle da hipertensão arterial é fundamental em
Relacionados à hemorragia Metabólico pacientes cirúrgicos, com o objetivo de manter a adequa-
subaracnóide ou aneurisma Hiponatremia e hipernatremia da perfusão cerebral. Para esse controle, são freqüente-
Vasoespasmo Alcalose metabólica mente empregadas drogas endovenosas, considerando
Hidrocelafia Acidose metabólica
Hemorragia subaracnóide recorrente
sua eficácia, rapidez de ação, facilidade de ajuste etc.
Pulmonar
Hematoma intracerebral
Hematoma subdural Hipoxemia
Alcalose respiratória
Edema cerebral
Acidose respiratória
Delirium pós-operatório
Aumento do aneurisma
Tromboembolismo arterial Tromboembolismo pulmonar
Pacientes neurocirúrgicos apresentam maior risco de
Convulsões Cardiovascular
Relacionados ao
apresentar delirium pós-operatório e essa condição está
Hipotensão
procedimento cirúrgico Hipertensão
associada com maior morbimortalidade cirúrgica. Os
Obstrução arterial Arritmias fatores relacionados à ocorrência dessa complicação
Obstrução venosa Insuficiência hepática e renal estão expressos no Quadro 45.7.
Hematoma epidural Entre os medicamentos empregados no perioperató-
Hematoma subdural Farmacológica
Hematoma intracerebral Psicose por esteróides
rio e que estão relacionados com a ocorrência de delirium,
Edema cerebral Overdose de sedativo ou analgésico
Encefalopatia hipertensiva Idiossincrasia dos antihipertensivos
Meningite asséptica Quadro 45.7 .: Fatores relacionados à ocorrência de delirium
Meningite purulenta DESCONHECIDOS pós-operatório
Trombose aneurismática
Convulsões Fatores predisponentes
Relacionados à angiografia Idade superior a 70 anos
Demência pré-existente
*Modificado de Peerles71 Episódio prévio de delirium
Dano funcional cerebral
Déficits cognitivos conhecidos
Uso abusivo de álcool
Anemia
Principais problemas no paciente neurocirúrgico
Fatores precipitantes
Hipertensão intracraniana Desidratação e hipovolemia
Distúrbios eletrolíticos (p.ex. hiponatremia)
Vários pacientes submetidos a neurocirurgia, em Distúrbios metabólicos (hipoxemia, hipercarbia, hiperglicemia)
particular para remoção de tumores cerebrais, apresen- Complicações cardiorespiratórias
tam hipertensão intracraniana nos períodos pré e Infecções pós-operatórias
Uso de medicamentos (analgésicos opióides, anestésicos etc.)
perioperatórios. Com o objetivo de reduzir ou prevenir
Hemorragia intracraniana
o agravamento da hipertensão intracraniana, deve-se Edema cerebral
adotar uma série de medidas, que se encontram suma- Hipóxia ou hipoperfusão cerebral
riadas no Quadro 45.6.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

destacam-se corticosteróides em altas doses, analgésicos pericardite e hipercoagulabilidade; dos efeitos colaterais
opióides, anestésicos (p.ex. cetamina), benzodiazepínicos dos medicamentos empregados, especialmente dos cor-
e bloqueadores-H2. ticóides e antiinflamatórios não-esteróides; e de proble-
mas articulares específicos, incluindo contraturas, insta-
bilidades articulares e compressões74,75.
Hiponatremia
Embora freqüentemente confinada a articulações, a
A hiponatremia constitui freqüente e importante pro- artrite reumatóide pode acometer pele, olhos, coração, pul-
blema nos pacientes neurocirúrgicos, em especial naque- mão e, raramente, causar vasculite. Pacientes com essa
les que apresentam lesão do sistema nervoso central. afecção podem apresentar doença articular cervical, com
Pode acarretar confusão mental, convulsões e até coma. risco de graves complicações perioperatórias. A presença
Entre as causas de hiponatremia pós-operatória em de condições mórbidas associadas, como doenças cardio-
pacientes neurológicos destacam-se a síndrome da pro- vasculares e déficits cognitivos, pode comprometer tanto
dução inapropriada do hormônio antidiurético e a sín- os resultados do procedimento cirúrgico propriamente
drome neurológica perdedora de sódio. O diagnóstico dito, como os do programa de reabilitação pós-operatória76.
diferencial entre essas duas condições é importante, pois
seu tratamento é diferente. Na síndrome da produção
inapropriada do hormônio antidiurético, observa-se Principais problemas no paciente reumático
hiponatremia com urina hipertônica, e o tratamento é a Anemia
restrição hídrica. Na síndrome neurológica perdedora de
sódio, observam-se sinais de redução da volemia, e sua O paciente reumático pode apresentar anemia devido
terapêutica constitui-se em hidratação e reposição de à doença crônica, deficiência de ferro ou hemólise.
sódio. Outras causas estão listadas no Quadro 45.8. Freqüentemente, a anemia tem causa mista, por exem-
plo, associada à doença crônica e ferropenia secundária
Quadro 45.8 .: Causas de hiponatremia pós-operatória no paciente ao uso de antiinflamatórios na artrite reumatóide77,78.
neurológico
Os critérios utilizados para administrar transfusão de
hemácias levam em consideração o nível da hemoglobi-
Síndrome da produção inapropriada do hormônio antidiurético
Síndrome neurológica perdedora de sódio
na e as condições clínicas dos pacientes. Transfusões de
Hipotireoidismo hemácias são raramente necessárias com hemoglobina
Insuficiência supra-renal acima de 10g/dL e freqüentes quando a hemoglobina se
Medicamentos (p.ex. diuréticos) encontra abaixo de 6g/dL79. A presença de doença car-
Hiponatremia dilucional (cirrose, síndrome nefrótica, insuficiência cardíaca) diovascular ou pulmonar e o risco de sangramento
Pseudohiponatremia (hiperglicemia, hipertrigliceridemia etc.)
durante a operação devem ser considerados ao se decidir
sobre a necessidade de transfusão80. O uso da eritropoie-
tina e da doação autóloga de sangue são alternativas à
Paciente reumático transfusão heteróloga de hemácias79.
O conhecimento básico em relação às principais
doenças reumáticas inflamatórias (artrite reumatóide, Idade avançada
lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica e
espondilite anquilosante) é essencial para a correta con- As doenças reumáticas em pacientes idosos consti-
dução pré, per e pós-operatória dos pacientes72,73. Os tuem condições mórbidas importantes a serem atendi-
pacientes com afecções reumáticas crônicas freqüente- das em serviços de cuidados primários. Na seleção da
mente requerem intervenções cirúrgicas (p.ex. opera- melhor modalidade terapêutica (farmacológica ou não-
ções ortopédicas múltiplas no tratamento das complica- farmacológica), deve-se considerar a necessidade de
ções da artrite reumatóide)73,74. Esses pacientes apresen- manter e ampliar a qualidade de vida do paciente e o seu
tam maior risco cirúrgico em decorrência das manifes- nível de independência76.
tações sistêmicas dessas doenças, incluindo, entre Entre as doenças reumáticas mais freqüentes em
outras, anemia, trombocitopenia, fibrose pulmonar, pacientes geriátricos destacam-se a polimialgia reumá-
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Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

tica, a arterite de células gigantes, a artropatia cristalina Embora a incidência seja muito variável, acredita-se
(gota ou pseudogota) e a doença articular degenerati- que até 86% dos pacientes com artrite reumatóide
va76. As manifestações iniciais dessas doenças em ido- tenham algum grau de envolvimento da coluna cervi-
sos podem diferir dos achados típicos encontrados em cal87. Vários fatores parecem estar associados com a ins-
pacientes mais jovens. Com freqüência, observam-se tabilidade C1-C2: uso de esteróides, fator reumatóide
apenas manifestações inespecíficas, declínio das fun- positivo no soro, nódulos reumatóides e doença articu-
ções orgânicas e confusão mental. lar erosiva periférica83,88.
Pacientes idosos requerem procedimentos cirúrgicos Os pacientes com essa complicação podem apresen-
tar dor irradiada para a região occipital, fraqueza muscu-
com maior freqüência do que os mais jovens e, geralmen-
lar, parestesias, dormências e sensação de choque quan-
te, apresentam maior morbimortalidade. O maior risco
do movimentam o pescoço72. Desta forma, é essencial
cirúrgico desses pacientes não se relaciona diretamente
investigar a presença de sintomas neurológicos83.
com sua idade cronológica, mas com a presença de
A manipulação do pescoço para intubação durante
comorbidades e a diminuição da reserva orgânica. Isso
anestesia geral leva a pressão sobre o eixo atlantoaxial82.
faz com que eles fiquem mais susceptíveis a delirium pós- Se a articulação C1-C2 estiver instável, pode ocorrer
operatório, sensibilidade aos medicamentos e complica- lesão grave da medula espinhal82. Daí a importância de
ções pulmonares e cardíacas75. avaliar rotineiramente, no pré-operatório, a presença de
doença cervical nesses pacientes.
Diabetes mellitus Para se avaliar a estabilidade de C1-C2, é necessário rea-
lizar, no pré-operatório, radiografias da coluna cervical e da
A presença de diabetes mellitus associado aumenta sig- articulação atlantoaxial nas incidências anteroposterior,
nificativamente o risco de infecção pós-operatória e de lateral em extensão e flexão, lateral com flexão máxima e
complicações cardíacas. O controle glicêmico e a preven- transoral82,88 (com a boca aberta). O diagnóstico de subluxa-
ção da cetoacidose são imprescindíveis e devem ser ção atlantoaxial é feito quando a distância entre o atlas e o
garantidos a partir de uma série de condutas, dependen- processo odontóide for maior que 3,0mm com a coluna
do de se tratarem de diabéticos do tipo 1 ou do tipo 2 75,81. cervical em flexão máxima89. Nesses casos, é essencial rea-
lizar cuidadosa avaliação neurológica e o anestesiologista
deve ser informado. A ressonância nuclear magnética tam-
Doenças articulares cervicais bém pode fazer o diagnóstico90.
Pacientes com artrite reumatóide podem apresentar
acometimentos da articulação C1-C282,83 e cricoaritenói- ARTRITE CRICOARITENOIDIANA
de84-6, ambos responsáveis por dificuldades e complica- A artrite cricoaritenoidiana pode limitar a acessibilida-
ções relacionadas à intubação orotraqueal e, conseqüen- de às vias aéreas. Essa articulação laríngea, quando infla-
temente, à ventilação do paciente. mada ou anquilosada, reduz a movimentação das cordas
vocais e fixa as cordas em adução, tornando a intubação
sempre difícil e, em alguns casos, impossível72.
INSTABILIDADE NA ARTICULAÇÃO C1-C2
Clinicamente, cerca de 25% dos pacientes com artrite
O mesmo processo que acomete as articulações reumatóide apresentam doença cricoaritenoidiana, mas
periféricas de pacientes com artrite reumatóide pode estudos de necropsia mostram índices de até 85%84,85.
acometer a coluna cervical, levando a lesão de ligamen- Esses pacientes podem experimentar estridor, dispnéia,
tos, erosões ósseas e alteração das articulações sino- rouquidão, disfagia, odinofagia, sensação de inchaço na
viais. A estabilidade C1-C2 é mantida pelos ligamentos garganta, dor com a fala, e irradiação da dor para os ouvi-
transverso, alar e apical. O enfraquecimento e poste- dos85,86. A laringoscopia indireta permite o diagnóstico.
rior ruptura desses ligamentos associado à erosão do A intubação traumática pode aumentar o edema cricoa-
processo odontóide de C2 pode levar à subluxação da ritenoidiano, ocasionando estridor e obstrução da via aérea
articulação atlantoaxial, causando compressão da no pós-operatório. Vários estudos destacam o maior risco
medula espinhal72. de os pacientes com artrite reumatóide apresentarem insu-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ficiência respiratória pós-extubação84,86,91. Nesses casos, a séptica, todo paciente no pós-operatório com uma arti-
reintubação geralmente é tecnicamente impossível, e a tra- culação inflamada deveria ser submetido a artrocentese
queostomia de urgência deve ser realizada. com exame do líquido sinovial72.
Os pacientes sintomáticos devem ser submetidos à A gota é freqüentemente observada em pacientes
laringoscopia indireta pré-operatória. Se houver adução transplantados e em uso de ciclosporina. Essa droga
acentuada das cordas vocais, a realização de traqueosto- pode causar hiperuricemia pós-operatória em até 80%
mia eletiva é mais segura. Em casos leves, pode-se preve- dos transplantados cardíacos98.
nir o risco de obstrução das vias aéreas por meio da umi-
dificação do ar e do uso sistêmico de esteróides84.
Complicações no paciente com lúpus eritematoso sistêmico

Infecção O lúpus eritematoso sistêmico constitui doença auto-


imune que afeta primariamente articulações, pele, rins, sis-
Os pacientes com artrite reumatóide são mais pro- tema nervoso central, serosas e células sangüíneas. São
pensos à artrite séptica estafilocócica92. Articulações escassos os dados em relação à evolução perioperatória dos
com sinais inflamatórios desproporcionais ao resto da pacientes com essa afecção. Operações de emergência,
atividade da doença devem ser puncionadas para se envolvimento renal, acometimento de múltiplos órgãos e
excluir artrite séptica. uso de doses mais elevadas de prednisona estariam associa-
Pacientes com doenças reumáticas que são usuários dos com maiores índices de complicações pós-operatórias.
crônicos de esteróides parecem ser mais susceptíveis a Entre elas, têm se destacado infecções do sítio cirúrgico,
infecção cirúrgica do que aqueles que não utilizam esses fraturas patológicas (osteoporose), trombose venosa pro-
medicamentos93. No pré-operatório, é importante afastar funda, tromboembolismo pulmonar, hipertensão, insufi-
focos infecciosos prévios (p.ex. urinários, dentários ciência renal e complicações laríngeas e respiratórias72,99,100.
etc.)72. Antibioticoprofilaxia cirúrgica, com cobertura efe- O envolvimento de válvulas cardíacas ocorre fre-
tiva contra estafilococos, está indicada tanto em pacien- qüentemente em pacientes com lúpus eritematoso sistê-
tes em uso de corticosteróides quanto naqueles que irão mico, podendo levar a sinais e sintomas de insuficiência
ser submetidos a implante de prótese ortopédica72,93. valvular ou evoluir de forma assintomática, sendo detec-
tado apenas por meio de ecocardiograma transesofágico.
Devido ao risco de endocardite bacteriana, tem sido
Crise de gota
recomendada a profilaxia com antibióticos da mesma
A gota ocorre em aproximadamente 0,2% da popula- forma que a recomendada para pacientes com valvulopa-
ção, predominantemente em idosos do sexo masculino tia secundária à febre reumática101,102.
com altos níveis séricos de ácido úrico. Trata-se de parte Os anticorpos anticardiolipina e anticoagulante lúpi-
de espectro de condições clínicas que inclui obesidade, co estão presentes em aproximadamente um terço dos
diabetes mellitus, hiperlipidemia com hipertrigliceridemia e pacientes com lúpus eritematoso sistêmico100,103. Esses
doença arterial coronariana95. anticorpos estão associados ao prolongamento no tempo
Apesar de alguns autores considerarem que um pro- de tromboplastina parcial ativada e ao aumento do risco
cedimento cirúrgico pode precipitar a crise de gota, de trombose104. Por essa razão, a profilaxia apropriada
pouco se conhece sobre essa associação e não se sabe para complicações tromboembólicas deve ser sempre
a real incidência dessa complicação no pós-operatório implementada nesses casos72.
em geral72. Linton et al.96 observaram que pacientes
com passado de gota apresentavam alto índice (86%) Complicações no paciente com esclerose sistêmica
de recorrência da crise de gota no pós-operatório.
Além disso, crises de gota em pacientes internados A esclerose sistêmica é uma doença decorrente da
podem ser mais difíceis de controlar97. Ainda assim, deposição inadequada e excessiva de colágeno nos teci-
acredita-se que o tratamento dessa complicação é mais dos. O grau de envolvimento orgânico nesses pacientes
seguro do que sua profilaxia em todos os pacientes72. precisa ser cuidadosamente avaliado no pré-operatório.
No diagnóstico diferencial entre crise gotosa e artrite A doença pode prejudicar as funções cardíaca, pulmonar
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Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

e renal, e acometer o trato gastrointestinal e o sistema inflamação, fibrose e ossificação da entese (local de inser-
musculoesquelético105. ção de um ligamento, cápsula ou músculo ao osso). As
Alguns aspectos anestésico-cirúrgicos precisam ser manifestações extra-articulares incluem uveítes, fibrose
valorizados na condução dos pacientes com esclerose sis- nos lobos superiores do pulmão, insuficiência aórtica e
têmica: a) os anestésicos locais apresentam efeito mais alteração no sistema de condução cardíaca. Cerca de 10%
prolongado106; b) a intubação orotraqueal pode ser difícil dos pacientes com espondilite anquilosante apresentam
em decorrência da dificuldade para a abertura da boca72; comprometimento cardíaco.
c) devem ser empregados líquidos aquecidos para prevenir No pré-operatório, deve-se avaliar a coluna vertebral,
a ocorrência de vasoespasmos arteriais, do fenômeno de pois os pacientes com anquilose importante da coluna torá-
Raynaud, e de hipotermia105,107; d) a pele do paciente com cica podem apresentar complicações respiratórias pós-ope-
esclerose sistêmica pode dificultar a ausculta dos sons de ratórias e os pacientes com anquilose da coluna cervical
Korotkoff e a punção de acesso endovenoso106. podem apresentar fraturas vertebrais após pequenos trau-
Estima-se que dois terços dos pacientes com esclero- mas82. Alguns pacientes com espondilite anquilosante não
se sistêmica apresentem alteração da função pulmo- podem ser intubados112. O emprego de máscara laríngea
nar105,108, com padrão restritivo à espirometria, e um terço, pode ser boa solução para esses casos113. Embora alguns
hipertensão pulmonar109,110. Em decorrência da dismotili- anestesistas tenham evitado a anestesia peridural e raquidia-
dade esofágica e da incompetência do esfíncter esofágico na nesses doentes devido à fibrose espinhal e ao risco de
inferior, observa-se aumento do risco de aspiração pul- sangramento pelo uso de drogas, outros têm utilizado esses
monar, devendo todos os cuidados ser tomados para evi- procedimentos com sucesso em pacientes selecionados72,114.
tar essa grave complicação72,105. Uma das limitações do resultado de procedimentos
A esclerodermia pode ainda reduzir o fluxo arterial ortopédicos em pacientes com essa afecção é a formação
coronariano e afetar o miocárdio (fibrose miocárdica), óssea heterotópica, que deve ser prevenida com o empre-
provocar arritmias (ventriculares e supraventriculares) e go de baixas doses de radiação ou com o uso de medica-
ocasionar doença pericárdica e insuficiência cardíaca mentos, como a indometacina e o ibuprofeno72.
congestiva em até 10% dos pacientes72,109,110. Na prope-
dêutica desses pacientes tem sido sugerida a realização de
Uso de medicamentos
testes de função pulmonar, tomografia computadorizada
de alta resolução dos pulmões e ecodopplercardiogra- Em decorrência das alterações fisiológicas observadas
fia105,111. Deve-se também proceder à avaliação pré-opera- em pacientes reumáticos, em especial nos idosos, observa-
tória com vista a diagnosticar doença do sistema de con- se redução da reserva funcional, tornando-os mais suscep-
dução e isquemia miocárdica72. A monitorização com tíveis aos efeitos adversos da terapêutica farmacológica,
cateter de Swan-Ganz pode ser útil em pacientes com incluindo salicilatos, antiinflamatórios não-esteróides, cor-
hipertensão pulmonar e doença cardíaca associada. ticosteróides, analgésicos narcóticos, alopurinol e colchici-
Embora o tratamento medicamentoso (inibidores da na. É preciso estar alerta em relação ao risco de hepatoxici-
enzima conversora da angiotensina) tenha revolucionado dade e de sangramento gastrointestinal oculto115. Também
o tratamento da hipertensão e da crise renal na esclero- é necessário avaliar o risco-benefício da manutenção dos
dermia104,110, é necessário, em todos os pacientes, contro- medicamentos para controlar a artrite, considerando-se o
le cuidadoso da pressão arterial perioperatória e do volu- aumento do risco de sangramento perioperatório, de dis-
me líquido a ser administrado. túrbios cicatriciais e de infecção do sítio cirúrgico72.
A maioria dos pacientes reumáticos utiliza antiinflama-
Complicações no paciente com espondilite anquilosante tórios não-esteróides. Esses medicamentos prolongam o
tempo de sangramento, pela inibição da agregação plaque-
A espondilite anquilosante é uma doença inflamatória tária. Existem relatos de aumento do sangramento periope-
crônica que acomete as articulações sacroilíacas, em ratório em revascularização miocárdica116, operação de qua-
graus variáveis a coluna vertebral e, em menor extensão, dril117, e procedimentos ginecológicos e abdominais118. Para
as articulações periféricas. Associa-se à presença do mar- a realização de procedimentos oftalmológicos e neuroci-
cador genético HLA-B27. Caracteristicamente, ocorre rúrgicos, é imprescindível que a função plaquetária esteja
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

adequada. Nesses casos, essas drogas devem ser suspensas Quadro 45.9 .: Toxicidade das principais drogas empregadas
sete a dez dias antes da operação, podendo ser substituídas em pacientes com doenças reumáticas
por prednisona em baixas doses, com o objetivo de manter Droga Toxicidade
o controle da doença inflamatória119. Antimaláricos (p.ex. Retiniana, gastrointestinal
Os pacientes com doenças reumáticas, especialmente difosfato de cloroquina)
aqueles com lúpus eritematoso sistêmico, podem apre- Azatioprina Gastrointestinal, hepática e hematológica
sentar comprometimento da função renal. Apesar dos Ciclofosfamida Hematológica
antiinflamatórios não-esteróides não diminuírem a filtra- Penicilamina Hematológica, renal, pulmonar, miastenia
gravis (raro)
ção glomerular renal de forma significativa em pacientes Metotrexato Hepática, hematológica, pulmonar
com função renal adequada, o ritmo de filtração glome-
rular pode diminuir significativamente em pacientes com
insuficiência renal crônica, e, portanto, devem ser evita- Condução clínica
dos nessa situação120,121.
Os pacientes em uso crônico de corticóides podem Os novos conceitos relacionados à abordagem cirúrgi-
apresentar insuficiência supra-renal após operações se não ca dos pacientes reumáticos devem incluir, além de adequa-
receberem “dose de estresse” de corticóide no período da avaliação clínica pré-operatória, cuidadosa assistência
perioperatório122. Assim como pacientes com a síndrome médica perioperatória, técnicas anestésicas modernas e
da imunodeficiência adquirida secundária à infecção pelo analgesia eficiente no pós-operatório72,74. Essas condutas
HIV, pacientes em uso crônico de corticóides e, principal- visam tanto ao controle da doença reumática, quanto a
mente, imunossupressores têm risco maior de infecções redução das taxas de complicações pós-operatórias.
oportunísticas, especialmente pelo Pneumocystis carinii 123,124. Entre os cuidados pós-operatórios, destaca-se ainda a
A avaliação clínica pré-operatória deve incluir prope- profilaxia de contraturas e rigidez articular, geralmente rela-
dêutica para diagnosticar os eventuais efeitos tóxicos das cionadas com a imobilização prolongada119. Além do estí-
drogas em uso: exame hematológico completo com con- mulo à mobilização e à deambulação, sob orientação fisio-
tagem de plaquetas, para drogas com toxicidade hemato- terápica, estão indicados cuidados para reduzir a pressão
lógica; exame de urina, uréia e creatinina, para medica- em áreas como sacro, calcanhares e cotovelos. Articulações
mentos nefrotóxicos (Quadro 45.9). Os estudos72,115,125 instáveis devem ser imobilizadas para evitar lesões72.
que avaliaram o risco de complicações pós-operatórias
cicatriciais e infecciosas em pacientes em uso de metotre-
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46
CIRURGIA NO PACIENTE
COM ÓRTESES
E PRÓTESES
Teresa Cristina de Abreu Ferrari,
Cláudia Murta de Oliveira

Introdução midade, ou para melhorar a função de partes móveis do


corpo. Assim, talas, muletas, cadeiras ortopédicas, cole-
Um dos grandes avanços da Medicina nos últimos tes, aparelhos ortopédicos para os membros e tutores são
decênios é a possibilidade de se substituirem órgãos ou exemplos de órteses. Prótese (sendo também correta a
estruturas anatômicas comprometidas, por meio de pro- grafia próstese) é definida como substituto artificial de uma
cedimentos cirúrgicos, implantando-se materiais protéti- parte perdida acidentalmente ou retirada de modo inten-
cos. Tais abordagens cirúrgicas vêm sendo aprimoradas cional ou que, permanecendo no corpo, é de muito pouca
e, atualmente, podem ser citadas como relevantes, não ou nenhuma utilidade, podendo produzir dano.
apenas pela grande freqüência com que são realizadas, Para fins práticos, será utilizada, ao longo deste capí-
mas também pela importância clínica de tais procedimen- tulo, a palavra prótese, como referência a dispositivos
tos como a implantação de próteses cardíacas valvares implantados tais como próteses vasculares, ortopédicas
biológicas e mecânicas, próteses articulares e penianas,
(em especial as articulares), neurológicas, penianas,
dispositivos vasculares e válvulas de derivação ventrícu-
mamárias etc. O termo órtese deve ficar reservado a dis-
lo-peritoneal, entre outras. Nos Estados Unidos, estima-
positivos de uso externo e, portanto, sem grande relevân-
se que sejam implantadas, anualmente, mais de 20.000
cia quando o paciente se submete a procedimentos cirúr-
próteses penianas1 e mais de 500.000 próteses articulares,
gicos, a não ser pelo controle de comorbidades associa-
sendo mais freqüentes as de quadril e de joelho2,3.
das e prevenção de trombose venosa profunda, que são
Apesar de a disfunção do material implantado ser a
abordados em outros capítulos desta obra.
complicação mais comum, a mais temida delas é a ocor-
rência de infecção, devido à sua elevada morbimortalida-
de, dificuldade de abordagem e alto custo do tratamento. Preparo pré-operatório de pacientes
Portanto, os procedimentos cirúrgicos constituem-se em
fonte potencial de bacteriemia, com possibilidade de
com órtese e prótese
infecção secundária da prótese. Este aspecto será o tema Atenção especial deve ser dada ao paciente portador
central do capítulo. de prótese que vai ser submetido a procedimento cirúr-
gico, seja este eletivo ou de urgência, devido ao risco de
bacteriemia durante a manipulação de tecidos no pero-
Definição dos termos órtese e prótese
peratório e conseqüente possibilidade de implante bac-
O termo órtese ou ortose (do grego orthosis = ação de teriano no dispositivo prostético. Deve-se enfatizar que
endireitar) refere-se a dispositivo ou aparelho ortopédico essas medidas não se restringem ao peroperatório. Os
usado para suportar, alinhar, prevenir ou corrigir defor- cuidados devem ser iniciados no pré e estendidos ao
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pós-operatório. Os principais cuidados recomendados estético, que se reveste de maior significado nas mamo-
são descritos a seguir2,4. plastias com implantes de prótese mamária.
Medidas pré-operatórias: realizar avaliação clínica cuida- Sem dúvida, as complicações infecciosas são as mais
dosa, incluindo pesquisa e tratamento de infecções oli- temidas, por sua elevada morbimortalidade, pela dificul-
gossintomáticas, tais como bacteriúria assintomática, dade de tratamento e pelo alto custo da terapêutica, o
infecção urinária, impetigo, furúnculos e dermatites qual pode ultrapassar em seis vezes o preço da operação
infectadas; encaminhar o paciente para tratamento odon- de implante prostético inicial1.
tológico, quando necessário; manter controle glicêmico
rigoroso em pacientes com diabetes mellitus; reduzir, ao Mecanismos e fatores predisponentes
mínimo possível, o tempo de internação no pré-operató-
de infecção em prótese
rio, para se evitar colonização do paciente por microbio-
ta hospitalar resistente. Deve-se administrar antibiótico O principal fator para o desenvolvimento de infec-
profilático de largo espectro em pacientes sabidamente ção em próteses é a contaminação inicial do dispositivo
colonizados por germes resistentes ou com período de implantado, com formação de biofilme. Este biofilme é
internação prolongado, especialmente se esses pacientes composto por colônias bacterianas (e algumas vezes
estiveram internados em unidade de terapia intensiva ou fúngicas) bem organizadas, que crescem sobre a super-
fizeram uso prolongado de antimicrobianos. fície do material implantado, e por uma matriz acelular
Medidas peroperatórias: reduzir o número de pessoas na de exopolissacarídeos. Após a adesão bacteriana, ocor-
sala cirúrgica; fazer preparo adequado da pele; manter téc- rem crescimento e maturação das colônias de microrga-
nica asséptica durante todo o ato operatório e realizar pro- nismos. As bactérias que ficam aderidas à superfície
filaxia antimicrobiana adequada para cada procedimento prostética são protegidas pelo restante do biofilme e se
cirúrgico, que deverá ser iniciada no momento da indução comportam de maneira diferente daquelas que estão
anestésica, por via endovenosa, na dose máxima recomen- mais expostas, podendo exibir alterações fenotípicas
dada para cada antimicrobiano, levando-se em considera- em relação à susceptibilidade aos antimicrobianos. A
ção o peso do paciente e sua função hepática e renal. organização em microcolônias, com matriz extracelular,
Medidas pós-operatórias: retirar cateter vesical e cateteres permite o intercâmbio de moléculas, nutrientes e mate-
venosos o mais precocemente possível; realizar profilaxia rial genético. A difusão do antimicrobiano para o inte-
para trombose venosa profunda, nos casos em que o rior do biofilme é dificultada e, além disso, o baixo
paciente permanecer mais restrito ao leito; e estar atento metabolismo bacteriano e a baixa tensão de oxigênio
para o diagnóstico precoce de infecções pós-operatórias, local permitem que a bactéria se torne resistente à ação
sem postergar início de antibioticoterapia, quando indi- dos agentes antimicrobianos1. Alguns microorganismos
cado. No pós-operatório tardio, prescrever antibiótico passam a não exibir alvos para os antimicrobianos ou
profilático conforme recomendação da literatura. desenvolvem bombas de efluxo que, ao expulsarem a
droga, conferem resistência ao medicamento. Essa
estrutura de organização em biofilme tem sido descrita
Complicações associadas ao uso de prótese para uma série de bactérias (tanto Gram-negativas
quanto Gram-positivas), fungos (Candida albicans e não-
As complicações mais comuns dos dispositivos pro- albicans e Aspergillus sp) e também algas, estas com
téticos são as disfunções mecânicas, sejam elas em próte- importância industrial (sistemas hídricos).
ses cardíacas valvares, articulares ou penianas, algumas A realização de outro procedimento cirúrgico, conco-
vezes exigindo procedimento cirúrgico de urgência para mitante ao de implante da prótese, está associada à maior
sua correção, como é o caso das insuficiências graves de ocorrência de infecção; como exemplo, pode ser citada a
próteses valvares cardíacas. Pacientes com mau funcio- herniorrafia durante implante de prótese peniana1.
namento de derivação ventrículo-peritoneal também Dentre os fatores predisponentes de infecção nessas
podem necessitar de troca do dispositivo ou derivação situações podem ser citados: maior manipulação cirúrgi-
ventricular externa provisória. Outra complicação ca, maior trauma tecidual, tempo mais prolongado de
importante, apesar de rara, diz respeito ao mau resultado exposição do sítio cirúrgico, com risco aumentado de
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Capítulo 46 .: Cirurgia no paciente com órteses e próteses

contaminação bacteriana dos tecidos, e formação de apresentar mais efeitos colaterais e estar associada ao
coleções como seromas e hematomas que irão predispor risco de seleção de bactérias resistentes, não se deve usar
à ocorrência de infecção. a vancomicina para antibioticoprofilaxia de rotina. Para a
Outro fator predisponente de infecção em próteses é a sua administração, esta droga deve ser diluída em 100ml
imunodepressão, destacando-se as condições associadas a de solução salina 0,9% e ser infundida lentamente duran-
alterações quantitativas ou qualitativas dos neutrófilos. Na te 30 a 60 minutos para reduzir-se o risco de reações rela-
artrite reumatóide e no diabetes mellitus, por exemplo a reco- cionadas à infusão. A mais comum dessas reações é
nhecida disfunção da quimiotaxia e da fagocitose parece caracterizada por rash e prurido cutâneos que acometem
estar implicada na ocorrência de bacteriemias mais dura- a face e a região cervical e, em alguns casos, todo
douras e freqüentes, com conseqüente aumento do risco o corpo.
de infecções, tanto de manifestação precoce como de Apesar de as infecções tardias estarem geralmente
ocorrência tardia, em próteses ortopédicas3. relacionadas a bacteriemia com subseqüente implante na
prótese, faltam dados na literatura que comprovem o
benefício da antibioticoprofilaxia para prevenção de
Antibioticoprofilaxia de infecção em prótese
infecções em próteses articulares quando o paciente que
As medidas recomendadas para se prevenir infecção possui tais dispositivos se submete a procedimentos que
em próteses foram relacionadas anteriormente nesse possam cursar com bacteriemia, incluindo-se tratamento
capítulo. Por se tratar de aspecto mais complexo, a anti- odontológico2. As infecções tardias manifestam-se habi-
bioticoprofilaxia será discutida de forma mais detalhada. tualmente por dor local, sendo raras as manifestações sis-
têmicas. Os germes mais comumente isolados são os
estafilococos, tanto S. aureus quanto os coagulase-negati-
Antibioticoprofilaxia na vigência de próteses ortopédicas vos. Considerando-se este dado epidemiológico, muito
Pacientes idosos, em uso de imunodepressores, dia- se discute em relação à antibioticoprofilaxia para proce-
béticos ou com artrite reumatóide têm sido considera- dimentos odontológicos, visto que os germes da micro-
dos como de maior risco para infecção em próteses biota oral que causam bacteriemia durante manipulação
articulares1,2,5-7. são diferentes dos relatados nas infecções de próteses
As infecções precoces das próteses ortopédicas, defi- ortopédicas. Alguns autores ponderam ainda que, devido
nidas como aquelas que ocorrem no primeiro mês após a à natureza relativamente avascular do osso, associada à
operação com implante do dispositivo, manifestam-se necessidade de bacteriemia mais prolongada e de maior
habitualmente por dor persistente. Febre, edema e drena- monta para que haja implante na prótese, o custo e o
gem de secreção pela ferida operatória ocorrem em uma risco de efeitos colaterais da antibioticoprofilaxia para
minoria de pacientes2. O uso de antimicrobiano no pequenos procedimentos ultrapassam os benefícios do
momento da indução anestésica reduz a incidência de seu uso3. Apesar de não haver consenso na literatura,
infecções do sítio cirúrgico8. A duração da antibiotico- pois faltam estudos multicêntricos randomizados e com
profilaxia deve ser de 24 horas e, exceto se o paciente número adequado de pacientes, muitos autores recomen-
estiver colonizado por germe resistente, estiver internado dam antibioticoprofilaxia para procedimentos odontoló-
por tempo prolongado, ou a instituição apresentar índi- gicos; entretanto, não há respaldo para tal uso rotineiro,
ces elevados de infecção pós-operatória por Staphylococcus devendo-se avaliar cada paciente de forma individualiza-
aureus resistente à oxacilina ou por estafilococos coagula- da, levando-se em consideração o risco e a intensidade da
se-negativos, a droga de escolha é uma cefalosporina de bacteriemia, custo e toxicidade do uso do antimicrobiano
primeira geração (p. ex. cefazolina na dose de um a dois e fatores individuais do paciente2,5-7. Cabe ainda comentar
gramas por via endovenosa, a cada oito horas). Para as que, embora as infecções tardias resultem, na maioria das
situações especiais listadas anteriormente, recomenda-se vezes, de bacteriemia, devido à natureza indolente dos
o uso de vancomicina, na dose de um grama à indução germes que causam infecção em próteses ortopédicas, a
anestésica, com dose de repique após 12 horas (ou contaminação da ferida no peroperatório pode manifes-
500mg à indução, com duas doses subseqüentes com tar-se como infecção na prótese meses após o procedi-
intervalo de oito horas). Por ser droga de maior custo, mento cirúrgico.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Antibioticoprofilaxia na vigência de cateter de diálise, longada. Alguns autores sugerem que indivíduos portado-
derivação ventrículo-peritoneal e marca-passo cardíaco res de S. aureus em fossas nasais sejam submetidos a trata-
mentos de descolonização, com mupirocina nasal, tendo
Nas infecções associadas a cateter de diálise, dispositivo sido demonstrada redução nas taxas de bacteriemia12.
de derivação ventrículo-peritoneal e marca-passo cardíaco, Não há, na literatura, qualquer orientação específica
os germes isolados quase sempre são os da pele, ou outros que diga respeito às próteses implantadas no sistema ner-
que não os da microbiota da orofaringe. Assim, não existe voso central12.
recomendação de antibioticoterapia profilática para proce-
dimentos odontológicos5, devendo a antibioticoprofilaxia
para procedimentos cirúrgicos seguir as mesmas recomen- Antibioticoprofilaxia da endocardite infecciosa na vigência
dações feitas para pacientes sem tais dispositivos. de prótese valvar cardíaca e de enxertos vasculares
Existem, entretanto, vários relatos de casos de perito-
Antibioticoprofilaxia para endocardite infecciosa é rea-
nite em pacientes submetidos a diálise peritoneal após
lizada rotineiramente em diversos países desenvolvidos a
realização de colonoscopia, particularmente quando é
despeito do fato de não existirem estudos prospectivos
realizada polipectomia, o que tem sido atribuído à trans-
que confirmem o seu benefício. Classicamente, é admitido
locação bacteriana para a cavidade peritoneal9-11.
que a patogenia da endocardite infecciosa envolve a
Portanto, diversos autores recomendam o uso de ampi-
seguinte seqüência de eventos: formação de pequeno
cilina (dois gramas) de um aminoglicosídeo (p. ex., gen-
trombo em superfície endotelial alterada, infecção secun-
tamicina, 180-240mg), associados ou não ao metronida-
dária por bactérias que circulam transitoriamente na cor-
zol (500mg), por via endovenosa, imediatamente antes
rente sangüínea e proliferação bacteriana com conseqüen-
do procedimento. Adicionalmente, é recomendada a dre-
te formação de vegetação nas válvulas cardíacas. Como a
nagem do líquido dialítico antes da intervenção cirúrgica.
ocorrência de bacteriemia é evento crucial na gênese da
Infecções tardias (mais de três meses após o ato cirúr-
endocardite infecciosa, tem sido admitido que a prevenção
gico) em sítios de fístula arteriovenosa podem ter sua ori-
ou tratamento imediato de bacteriemia transitória possa
gem em patógenos de crescimento insidioso inoculados
interferir na seqüência de eventos e prevenir a infecção do
no momento da confecção da fístula (o principal exem-
endocárdio alterado.
plo são os estafilococos), introduzidos no local por pun-
Estudos experimentais em animais demonstram que a
ção por agulha ou, ainda, resultar de disseminação hema- endocardite infecciosa pode ser produzida se bactérias
togênica após quebra da barreira epitelial, tal como ocor- que têm o potencial de causar endocardite (p. ex., os
re em operações em geral e pequenos traumas12. Todo estreptococos) são injetadas em animais que tiveram suas
paciente com insuficiência renal avançada, em programa válvulas cardíacas traumatizadas, como decorrência do
de hemodiálise, pode ser considerado imunodeprimido, uso de cateter vascular13. Entretanto, a infecção não se
devendo-se dar atenção especial ao seu preparo para pro- desenvolve se antimicrobiano com atividade contra
cedimentos cirúrgicos, tanto eletivos quanto de urgência. estreptococo é administrado imediatamente antes ou até
Pacientes que tenham apresentado infecção nos últimos 30 minutos após a inoculação dos microrganismos14. Por
meses por germe resistente, que estejam sabidamente outro lado, a endocardite não é prevenida se a adminis-
colonizados por eles ou internados por tempo prolonga- tração do antimicrobiano é retardada por seis horas após
do devem receber antibioticoprofilaxia dirigida para tais a injeção das bactérias. A proteção também é abolida se
germes: vancomicina para estafilococos meticilino-resis- se administra penicilinase após a injeção de amoxacilina e
tentes (MRSA) e cefalosporina de segunda, terceira ou estreptococos em animais suscetíveis.
quarta geração ou, em casos selecionados, carbapenêmi- Esses dados sugerem que a profilaxia antimicrobia-
co, no caso de bastonetes Gram-negativos resistentes. na pode prevenir endocardite tanto por destruir as bac-
Cabe salientar que esta profilaxia deve se restringir ao térias antes de sua implantação no endotélio alterado,
período mínimo de tempo possível, sendo muitas vezes quanto após sua adesão à área lesada do endocárdio.
adequado utilizar apenas uma dose, à indução anestésica. Estudos em seres humanos mostram resultados
Como a eliminação da droga estará reduzida devido à insu- conflitantes e falência da antibioticoterapia profilática é
ficiência renal, o antimicrobiano terá sua meia-vida pro- observada algumas vezes. A American Heart Association
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Capítulo 46 .: Cirurgia no paciente com órteses e próteses

padronizou recomendações de antibioticoprofilaxia Enxerto vascular sintético implantado há menos de 12


para endocardite infecciosa, que são periodicamente meses é considerado de alto risco para infecção. Estudos
revistas e têm sido amplamente empregadas15. Tais em animais sugerem que, após um ano, o enxerto está ade-
recomendações se fundamentam em resultados de quadamente recoberto por pseudoíntima. Tais estudos
estudos in vitro, experiência clínica, dados de modelos sugerem também que uma única dose de antimicrobiano
experimentais e observação da concordância entre as pode reduzir o risco de infecção antes do desenvolvimen-
bactérias que mais freqüentemente se associam a bac- to da pseudoíntima16,17. Assim, durante os primeiros 12
teriemia a partir de determinado sítio e aquelas que meses de implante do enxerto vascular, os pacientes são
mais comumente causam endocardite. considerados de risco alto/moderado para desenvolvimen-
Procedimentos dentários induzem bacteriemia por to de endocardite infecciosa, estando indicada a antibioti-
espécies que comumente estão associadas a endocardi- coprofilaxia, como descrito nos Quadros 46.1 e 46.2.
te e estudos mostram que a freqüência de hemocultu- Encontram-se discriminados nos Quadros 46.3 e 46.4
ras positivas é menor em pacientes que recebem anti- os regimes profiláticos recomendados para endocardite
bioticoprofilaxia para procedimentos odontológicos2,5. bacteriana, considerando-se diversos procedimentos15.
Tal aspecto, associado ao dado de que cerca de 50%
das endocardites infecciosas são causadas por germes Quadro 46.1 .: Procedimentos dentários e profilaxia para
endocardite bacteriana
que fazem parte da microbiota oral5, é que fundamen-
tam o uso de antibiótico profilático em indivíduos com
prótese valvar e outras lesões cardíacas que se subme- Antibioticoprofilaxia Antibioticoprofilaxia
recomendada * não-recomendada
tem a procedimentos dentários. Entretanto, deve-se
levar em consideração que a escovação diária dos den- Extração dentária Anestesia local, desde que
não seja intraligamentar
tes também está associada com bacteriemia, apesar de
menos duradoura e provavelmente com menor núme- Procedimentos periodontais, Tratamento endodôntico
incluindo raspagem ou aplaina- de canal
ro de germes, não sendo esta bacteriemia passível de mento radicular, sondagem e
prevenção5. O real valor da antibioticoprofilaxia ainda manutenção periódica
não está inequivocamente comprovado; entretanto, Implantes e reimplantes Retirada de sutura e
mesmo que ela fosse 100% eficaz, apenas uma minoria dentários confecção de moldes
de casos de endocardite seria prevenida, devendo-se Instrumentação endodôntica Colocação ou remoção de
avaliar o impacto dessas medidas em saúde pública2. e operação além da extremi- aparelhos ortodônticos ou
Pacientes candidatos a antibioticoprofilaxia, em dade da raiz dentária prostodônticos
relação ao risco de desenvolver endocardite infecciosa, Injeção intraligamentar de Tratamentos com flúor, radio-
são aqueles classificados como de alto risco (próteses anestésico local grafias dentárias e ajuste de
aparelho ortodôntico
valvares cardíacas, episódio prévio de endocardite bac-
teriana, cardiopatia congênita complexa cianosante e Limpeza profilática em que se Colocação de lençol de borra-
antevê que haverá sangramento cha (para isolamento absoluto
shunts cirúrgicos sistêmico-pulmonares) e de risco dos dentes)
moderado (inclui a maioria das outras má-formações
Colocação de fios de algodão Dentística restauradora com
cardíacas congênitas, as disfunções valvares adquiridas, com antibiótico dentro do ou sem afastamento gengival
miocardiopatia hipertrófica e prolapso de valva mitral sulco gengival
com regurgitação)15. Os Quadros 46.1 e 46.2 listam as Colocação inicial de anéis orto- Exérese de dente da decídua
situações em que a antibioticoprofilaxia deve ser reali- dônticos, mas não de brackets primária
zada, considerando-se vários procedimentos cirúrgi-
cos, inclusive os odontológicos, em pacientes com val- Modificado de Dajani et al.15.
vas cardíacas prostéticas e outras lesões cardíacas15. * Profilaxia recomendada para pacientes de riscos alto e moderado.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 46.2 .: Procedimentos cirúrgicos e profilaxia para endocardite bacteriana

Antibioticoprofilaxia Antibioticoprofilaxia
recomendada não-recomendada
Trato respiratório: tonsilectomia, adenoidectomia, procedimentos cirúr- Trato respiratório: intubação endotraqueal, broncoscopia com
gicos que envolvam mucosa respiratória e broncoscopia com broncos- broncoscópio flexível (com ou sem biópsia)#, timpanosto-
cópio rígido mia/colocação de tubo timpânico
Trato gastrointestinal*: escleroterapia de varizes esofágicas, dilatação Trato gastrointestinal: ecocardiograma transesofagiano#, endos-
de estenose de esôfago, colangiografia endoscópica retrógrada com copia com ou sem biópsia#
obstrução biliar, operações de trato biliar e operações que envolvam
mucosa intestinal
Trato gênito-urinário: operações de próstata, cistoscopia e dilatação Trato gênito-urinário: histerectomia vaginal#, parto vaginal#e cesaria-
uretral na. Se não houver infecção: cateterização uretral, curetagem e dilata-
ção uterina, aborto terapêutico, inserção ou remoção de dispositivos
intra-uterinos e procedimentos de esterilização

Outros: cateterização cardíaca (incluindo angioplastia com balão),


implante de marca-passos cardíacos/desfibriladores/stents corona-
rianos e circuncisão

Modificado de Dajani et al.15


* Profilaxia recomendada para pacientes de alto risco, sendo opcional para pacientes de risco moderado
#
Profilaxia opcional para pacientes de alto risco

Quadro 46.3 .: Regimes profiláticos para endocardite bacteriana em procedimentos dentários, orais, esofágicos e do trato respiratório

Situação Antimicrobiano Regime*


Profilaxia padrão Amoxicilina 2g via oral (VO) uma hora antes do procedimento
Incapazes de tomar Ampicilina 2g por via endovenosa (EV) ou intramuscular
medicação oral (IM), 30 minutos antes do procedimento

Alérgicos à penicilina Clindamicina ou 600mg VO


Cefalexina/cefadroxil ou 2g VO
Azitromicina/claritromicina 500mg VO uma hora antes do procedimento

Alérgicos à penicilina e sem Clindamicina ou 600mg EV


possibilidade de uso da via Cefazolina 1g EV uma hora antes do procedimento
oral

Modificado de Dajani et al.15


* Doses para adultos

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Capítulo 46 .: Cirurgia no paciente com órteses e próteses

Quadro 46.4 .: Regimes profiláticos para endocardite bacteriana JM eds. Infecção hospitalar e outras complicações não-infec-
em procedimentos dos tratos gênito-urinário e gastrointestinal ciosas da doença. Rio de Janeiro: Medsi, 2003:573-8.
(exceto esôfago) 5■ Infectious Diseases Society of America Emerging Infections
Network. Decision-making on the use of antimicrobial
Situação Antimicrobiano Regime* prophylaxis for dental procedures: a survey of infectious disea-
Pacientes de Ampicilina mais 2g IM/EV se consultants and review. Clin Infect Dis. 2002;34:1621-6.
alto risco gentamicina 1,5mg/kg (até 120mg) 6■ Rose R. Routine prophylatic antibiotics for arthroplasty patients
IM/EV receiving dental care: is it necessary? West Indian Med J.
30 minutos antes do 2003;52:317-20.
procedimento 7■ Averns HL, Kerry R. Role of prophylatic antibiotics in the pre-
Seis horas após: vention of late infection of prosthetic joints. Results of a
ampicilina 1g IM/EV questionnaire and review of the literature. Br J Rheumatol.
ou amoxacilina 1g VO
1995;34:380-2.
Pacientes de Vancomicina mais 1g (infusão lenta) 8■ Young EJ, Sugarman B. Infections in prosthetic devices. Surg
alto risco gentamicina 1,5mg/kg (até 120mg) Clin North Am. 1988; 68:167-80.
alérgicos à IM/EV 9■ Bac DJ, van Blankenstein M, de Marie S, Fieren MW. Peritonitis
penicilina 30 minutos antes do
following endoscopic polypectomy in a peritoneal dialisis
procedimento
patient: the need of antibiotic prophylaxis. Infection.
Pacientes Amoxicilina 2g VO uma hora antes 1994;22:220-3.
de risco ou do procedimento 10 ■ Ray SM, Piraino B, Halley J. Peritonitis following colonoscopy in
moderado Ampicilina 2g EV/IM 30 minutos
a patient dialysis patient. Perit Dial Int. 1990;10:97-9.
antes do procedimento
11 ■ Peterson JH, Weesner RE, Giannella RA. Escherichia coli peritoni-
Pacientes Vancomicina 1g EV - terminar a tis after left-sided colonoscopy in a patient on continuous
de risco infusão 30 minutos ambulatory peritoneal dialysis. Am J Gastroenterol.
moderado antes do procedimento 1987;82:171-3.
alérgicos à 12 ■ Nafziger DA, Saravolatz LD. Infection in implantable prosthetic
penicilina
devices. In: Wenzel RP, ed. Prevention and control of nosoco-
mial infections. Baltimore: Williams & Wilkins, 1997:889-923.
Modificado de Dajani et al.15
13 ■ Glauser MP, Grancioli P. Relevance of animal models to the
* Doses para adultos
prophylaxis of infective endocarditis. J Antimicrob
Chemother. 1987;20:87-95.
14 ■ Durack DT. Prevention of infective endocarditis. N Engl J Med.
Referências 1995;332:38-46.
15 ■ Dajani AS, Taubert KA, Wilson W, Bolger AF, Bayer A, Ferrieri
1 ■ Silverstein A, Donatucci CF. Bacterial biofilms and implantable P, et al. Prevention of bacterial endocarditis: recommenda-
prosthetic devices. Int J Impot Res. 2003;15:S150-4. tions by the American Heart Association. JAMA.
2 ■ Segreti J. Is antibiotic prophylaxis necessary for preventing pros- 1997;277:1794-801.
thetic device infection? Infect Dis Clin North Am. 16 ■ Moore WS, Malone JM, Keon K. Prosthetic arterial graft mate-
1999;13:871-7. rial; influence on neointimal healing and bacteriemia infecti-
3 ■ Blackburn WD, Alarcón GS. Prosthetic joint infections: a role bility. Arch Surg. 1980;115:1379-83.
for prophylaxis. Arthritis Rheum. 1991;34:110-7. 17 ■ Malone J, Moore WS, Campagne G, Bean B. Bacteriemia infecti-
4 ■ Didier MEV. Prevenção das infecções em próteses cardiovascu- bility of vascular grafts: the influence of pseudointimal integrity
lares e ortopédicas. In: Couto RC, Pedrosa TMG, Nogueira and duration of graft function. Surgery. 1975;78:211-7.

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47
CIRURGIA
NA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA
Mauro Ivan Salgado, Pedro Américo de Souza,
Lyster Dabien Haddad

Introdução do a continuidade das pesquisas e procura por novos


medicamentos e terapias.
Na história da humanidade, a deficiência sempre foi Esses acontecimentos possibilitaram mudança de
uma realidade tormentosa e inesquecível para o ser paradigma no cuidado com os deficientes: do abandono
humano. No início, a deficiência o aterrorizava pela inca- total nos primeiros tempos à assistência integral nos dias
pacidade de ser compreendida e de não se vislumbrar de hoje. A pessoa com deficiência passou a ter direito
qualquer remédio para curá-la, sendo a fuga o caminho prioritário à vida e à saúde com dignidade, como qual-
mais fácil. Por isso, abandonavam-se crianças com defei- quer outro ser humano. Não se vive ainda o momento
to físico e feridos de guerra. ideal de atenção à deficiência, mas a sociedade evoluiu
O homem ultrapassou muitas barreiras e evoluiu ao consciente de ser a guardiã dos direitos dos deficientes,
longo de milênios. Seguiu-se dolorosa e longeva trajetória que muitas vezes são incapazes de se cuidarem sozinhos
que o obrigou a fixar-se em diversos lugares na terra. A de forma digna.
deficiência era como sua sombra: jamais o abandonou e, de Pessoas com deficiência, cada vez mais, passam a gozar
forma implacável, sinalizava para a sua vulnerabilidade. de direitos relativos à cidadania. Necessitam de melhor
Nos últimos séculos, muitas pessoas com deficiência atenção à saúde, à educação, ao esporte e ao lazer, bem
sobreviveram por milagre e deixaram um legado valioso como maior acesso ao transporte, ao emprego e à renda. E
para a humanidade. Uma pessoa com deficiência reúne ainda a adequação dos mais diversos recursos demandados
possibilidades de viver adequadamente e produzir para o atendimento a esses direitos. Por outro lado, a aten-
melhor do que uma pessoa comum. Exemplos: ção correta dada aos deficientes tem levado a maior longe-
Beethoven, após a quase surdez, compôs sua famosa vidade e participação deles na vida em sociedade.
Segunda Sinfonia; Helen Keller, surda e cega, evoluiu na A Organização Mundial de Saúde reconheceu que a
educação graças à sua professora Ann Sullivan; Goya, Classificação Internacional de Doenças não atendia às
quase surdo, pintou “Os fuzilamentos de 3 de maio de especificidades e necessidades das pessoas com deficiên-
1803”, sua obra-prima sobre a crueldade humana; cia. Implantou, a partir de 2004, a Classificação
Stephen Hawking, inglês com grave doença neuromuscu- Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde2.
lar adquirida, tornou-se físico brilhante1. Essa classificação refere-se às condições de saúde e aos
A grande evolução da Medicina no aspecto científico aspectos relativos às funções e estruturas do corpo, às ati-
e tecnológico mostra aumento da população com defi- vidades e à participação por pessoas com deficiência na
ciência e seqüelas graves. O prolongamento da vida pos- vida em sociedade.
sibilitou que um número crescente de pessoas que preci- Nesse contexto, os procedimentos cirúrgicos cum-
sam de múltiplos cuidados continuem vivas, incentivan- prem papel crucial, no sentido de propiciar melhores
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

condições de vida, incrementando o bom funcionamen- junho de 1994. O documento reafirma o direito de todas
to orgânico. Este capítulo refere-se à possibilidade do as pessoas à educação, conforme a Declaração Universal
exercício de variadas atividades, bem como à participa- dos Direitos Humanos de 1984: renova, dessa maneira, o
ção na vida em sociedade de pessoas com deficiência físi- empenho da “urgência de ser o ensino ministrado no sis-
ca, mental, visual, auditiva e múltipla. tema comum de educação a todas as crianças, jovens e
adultos com necessidades educativas especiais”4,5.

Conceito Quadro 47.1 .: Quem são as pessoas com deficiência (PD)?


A multiplicidade de termos usados para denominar as PD - OMS Forma clí- Caráter da Autonomia
deficiências é uma grande dificuldade para a universaliza- nica doença da PD
ção de conceitos. É importante evitar termos depreciati- Física Congênita Permanente Independente
vos, ambíguos ou controversos, tais como mongolóide,
retardado, hipodotado, excepcional, especial, entre Auditiva Adquirida: Progressiva Parcialmente
trauma, dependente
outros. Uma boa forma de conceituação é a adotada pela operação,
coordenadoria nacional para integração da pessoa com doença,
deficiência (CORDE), do Ministério da Justiça em abandono
etc.
Brasília, que propõe “pessoa com deficiência, PD” (people
with disability; personas com discapacidad), compreendendo a Visual Temporária Dependente

“deficiência como toda perda ou anormalidade de uma Mental


estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica Múltiplas
que gere incapacidade para o desempenho de atividade,
dentro do padrão considerado normal para o ser huma- Proposta de classificação genérica, começando pelos menos incapacitados
no.” Esse conceito foi aceito na Conferência Inter- ou pelas deficiências que não impeçam a participação na sociedade por
meio do trabalho.
governamental Íbero-americana sobre políticas para OMS – Organização Mundial de Saúde
Pessoas Idosas e Incapacitadas em Cartagena de Índias
(Colômbia, outubro de l992). Para a Organização
Internacional do Trabalho, segundo a sua Classificação A Declaração dá ênfase à cooperação do Banco
159, regulamentada no Brasil pelo Decreto-Lei 129, de Mundial, da Organização Mundial de Saúde,
22-5-91, pessoa com deficiência é toda pessoa cujas pos- Organização Internacional do Trabalho, Organização
sibilidades de obter, conservar e progredir em um empre- das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
go adequado fiquem substancialmente reduzidas devido Cultura (UNESCO) e do Fundo das Nações Unidas para
a uma incapacidade3. a Infância (UNICEF), para que apoiem todo debate
Para a Organização Mundial de Saúde as pessoas com sobre educação especial e estimulem a comunidade aca-
deficiências correspondem a 10% da população geral em dêmica a intensificar a pesquisa, os sistemas de intercâm-
tempos de paz, assim distribuídas: PD física – 2%; PD bio e a criação de centros regionais de informação e
auditiva – 1,5%; PD mental – 5%; PD visual – 1%; e PD documentação. Também orienta o planejamento oficial
múltiplas – 1%.(Quadro 47.1) No Mapa da Deficiência da educação, centrado na educação de todas as pessoas,
de 2002, segundo a Fundação Getúlio Vargas, o Brasil de todas as regiões do país e de qualquer condição eco-
apresenta o índice de 14,5%, o estado de Minas Gerais, nômica, em qualquer escola.
14,9% e o estado da Paraíba, 18,8%. Para que os dados A linha de ação proposta é o acolhimento de todas as
estatísticos possam ser bem representativos, deve-se evi- crianças, independentemente de suas condições físicas,
tar extrapolação da terminologia “especial” com tendên- intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Ou
cia à generalização. O correto é dizer pessoa com defi- seja: a escola precisa ter como proposta fundamental uma
ciência que necessita de educação especial. pedagogia centralizada na criança. Todas as crianças,
A educação especial tornou-se marco internacional a sempre que possível, devem aprender, juntas, indepen-
partir da “Declaração de Salamanca e Linha de Ação”, dentemente de suas dificuldades e diferenças. Também
elaborada na cidade do mesmo nome, na Espanha, em devem freqüentar a escola mais próxima de sua casa. Por

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Capítulo 47 .: Cirurgia na pessoa com deficiência

outro lado, toda escola deve oferecer oportunidades iguais conceito, um sentido ético que consistia na virtude e na
e facilitar a integração social de pessoas com deficiência, capacidade de julgar desenvolvida pelo homem pruden-
proporcionando também educação continuada para defi- te, prevalecendo exigências de ordem prática sobre as
cientes adultos. As boas escolas especiais podem ser consi- especulativas. Naquela época, eram comuns mecanismos
deradas como um valioso recurso para a criação de escolas de exclusão e extermínio que avançaram pela Idade
integradoras. Podem, inclusive, auxiliar na formação de Média até o Estado Moderno, como o exemplo da segre-
educadores. Toda pessoa com deficiência necessita de edu- gação dos leprosos.
cação especial de qualidade. No Estado absoluto os vagabundos seriam flagela-
Os diferentes tipos de deficiência e os aspectos gerais dos. A legislação incorporou a prática caritativa, conce-
das pessoas com deficiência estão sumariados nos dendo aos incapacitados para o trabalho o direito à licen-
Quadros 47.2 e 47.3. ça para pedir esmolas. Quanto a essas esmolas,
Montesquieu dizia que “não preenchem de modo algum
as obrigações do Estado, que deve a todos os cidadãos
Ética/Direitos legais subsistência, alimentação, vestimenta conveniente e
gênero de vida que não seja contrário à saúde.” A
As primeiras leis escritas em Esparta e Atenas mostra- Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos de
vam a ação do Estado centrada na política de extermínio. 1793 expressa, no artigo XXI, que “os auxílios públicos
Se a cidade estivesse sitiada, “todos os inúteis deveriam ser são uma dívida sagrada.”
mortos.” No livro III da República de Platão, medidas O homem-máquina do Estado Moderno incorporou
eugênicas visavam fortalecer a unidade do Estado. Apesar a idéia de disciplina e organização a serviço da produção
da agressividade para sobrevivência da pólis, os gregos cria- fabril. Compreendeu também a importância do cérebro e
ram o conceito de isonomia, de igualdade dos cidadãos não do músculo para elevação da produção e do bem-
6
diferentes, o que antevia tratar desigualmente os desiguais . estar social. Cresceu o número de deficiências pelos abu-
Os romanos previram a Pena do Talião na lei das XII sos da produção sem controle e a Lei Fabril de 8-6-1847
Tábuas, “olho por olho, dente por dente”, do Código de reduziu para onze horas diárias a jornada de trabalho das
Hamurabi. A palavra jurisprudência agregava, no seu mulheres e dos menores.

Quadro 47.2 .: Tipos de deficiência

Física Auditiva Visual Mental


Sensoriomotor e/ou osteoneuromuscular Audiocomunicação Visão Cérebro e Sistema Nervoso
Traumática Distúrbio de linguagem Visão subnormal Deficiência mental
Paralisia infantil Distúrbio da fala Cegueira uni- e biocular - limítrofe, leve, moderada e profunda
Paralisia cerebral - gagueira, dislexia Deficiência visual Doença mental
Mono-, bi-, tri-, para-, tetraplegia Distúrbio da audição - depressão, ansiedade, medo
Distrofias musculares - fobias, esquizofrenia, autismo
Doença de Alzheimer - paranóia, problemas de conduta
Esclerose sistêmica - suicídio e outras
Malformações graves Doenças neurológicas
Doença cerebrovascular - Parkinson, infecciosas, traumatismos,
Alzheimer
Alterações do desenvolvimento
Doenças neuromusculares

A prevenção das deficiências requer: exame pré-nupcial, curso de noivos, gravidez com pré-natal (evitar o uso de drogas e medicamentos), parto em local adequado,
neonatologista no berçário, acompanhamento médico e pediátrico, uso de vacinas. Se a criança apresentar alguma deficiência, avisar à família e orientá-la em relação ao
que fazer e para onde encaminhá-la. Tranqüilizá-la e ajudá-la, mencionando as prováveis potencialidades que podem ser trabalhadas.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 47.3 .: Aspectos gerais das pessoas com deficiência (PD)

PD - OMS Aspectos gerais Dificuldades Necessidades específicas


Física Movimento Locomoção e movimento Cadeira de rodas, muletas, bengalas, órteses, próteses,
tutores, calçados e equipamentos especiais
Auditiva Audiocomunicação Escutar, ler, escrever, comunicação Próteses, tratamento cirúrgico, LIBRAS – Língua
Brasileira de Sinais
Visual Visão Enxergar, escutar, locomoção Correção visual, tratamento cirúrgico, bengala, Braille,
sinais sonoros
Mental Compreensão e Autonomia, agitação, convulsão Medicamentos, familiares, cuidadores
comportamento e agressividade
Múltipla Associadas

O deficiente necessita da presença constante de cuidador experiente e educação especial o mais cedo possível. No pós-operatório: fisioterapia, educação física,
terapia ocupacional, ludoterapia, musicoterapia, dentre outras.
OMS - Organização Mundial de Saúde

Após a Primeira Guerra Mundial, a Organização demais pessoas.” Ela desvincula a deficiência de um con-
Internacional do Trabalho publicou, em 1925, a reco- texto exclusivamente clínico-terapêutico, associando-a
mendação nº 22, o primeiro reconhecimento internacio- também às condições sociais e educacionais. Conceitua
nal de amparo legal para os portadores de deficiência. reabilitação como “o processo que visa conseguir que
Depois da Segunda Guerra Mundial afloraram, como pessoas com deficiência estejam em condições de alcan-
questão do Estado e de toda a sociedade, os cuidados çar e manter situação funcional ótima do ponto de vista
com os deficientes. Na seqüência, foram editadas duas físico, sensorial, intelectual, psíquico ou social, de modo
recomendações importantes, a de nº 71, para que se a contar com meios para modificar sua própria vida e ser
criassem condições de trabalho para os deficientes, e a de mais independente.” A Organização das Nações Unidas
nº 99, para que fossem reabilitados profissionalmente e reconheceu nas diversas atividades (educacionais, labo-
pudessem ter emprego adequado. rais, esportivas e de lazer) e na efetiva participação na
O Brasil, desde a década de 50, é parceiro ativo da vida social elementos vitais para o efetivo processo de
Organização Internacional do Trabalho. Esteve presente reabilitação das pessoas.
na Organização das Nações Unidas quando foi aprovada
a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Necessidades básicas/pré-operatório
Deficiência, em 1975, e tem incentivado a ação dos
Conselhos de Assistência Social, que garantem a partici- Algumas informações importantes podem ser obtidas
pação dos comprometidos com a defesa dos direitos das no contato telefônico recebido para agendar a primeira
pessoas com deficiência. A Lei 7.853, de 24-12-89, regu- consulta. É melhor marcar uma consulta inicial apenas
lamentada pelo Decreto nº 3.298, de 20-12-99, dispõe com os pais/cuidadores quando se percebe que a deficiên-
sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa cia é grave e pode interferir na comunicação.
com Deficiência, consolida normas de proteção, define Posteriormente, marca-se com o paciente, que vem acom-
denominações e dá outras providências. panhado de um cuidador.
A Assembléia Geral da Organização das Nações No grupo de pacientes com doença mental, não é
Unidas aprovou na Resolução 48/96 uma conceituação raro o paciente chegar, ficar estático e mostrar resistência
do termo deficiência, considerada avanço social, educa- ao entrar na sala, por se tratar de ambiente estranho,
cional e jurídico. Segundo essa Resolução, deficiência “é interpretado como sinal de perigo. Depois de muito
a perda ou limitação de oportunidades de participar da esforço, se o paciente conseguir ultrapassar a porta, usar
vida comunitária em condições de igualdade com as estímulos que possam sensibilizá-lo positivamente.
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Capítulo 47 .: Cirurgia na pessoa com deficiência

Quadro 47.4 .: O atendimento da pessoa com deficiência - I


Dependendo da dificuldade, examinar o paciente onde
estiver, de forma improvisada, mas correta. Só ao térmi-
Dependência Profissional Passos Barreiras
no do exame, ele poderá sentir-se mais à vontade. Estar
Fundamentais
atento a minúcias do exame que são fundamentais. Alimentação Competência Prevenção Ausência de
Evitar examinar o paciente apressadamente, exceto estacionamento
durante uma emergência. Agir com muita calma e cuida- e rampas
do, pois apenas o toque de estranhos pode desencadear Medicamentos Conhecimento Avaliação Apoio público
agitação e agressividade. médica e educacional
A primeira consulta é, com certeza, a mais importan- Atividade de Paciência Terapias espe- Portas estreitas
te. Os pais/cuidadores chegam com muita expectativa e vida diária cíficas
- habilitação
demonstram claramente que desejam ser devidamente - reabilitação
ouvidos, compreendidos e atendidos. A melhor forma Cuidados de Segurança Obstáculos
de examinar a pessoa com deficiência é com sua coope- enfermagem físicos diversos
ração, quando possível. Raramente o exame do pacien- Escola / Visão global Apoio familiar Barreira acústi-
te agressivo é feito sem contenção física ou sedação. O Clínica ca e visual
medo exagerado desses pacientes compromete a preci- Apoio familiar Tranqüilidade Ação educativa Discriminação
(escola)
são da avaliação. Na anamnese, é registrada a história - lazer e
do paciente e são avaliados os exames complementares. esportes
Se necessário, novos exames serão solicitados. Feito o Próteses e Bom senso Dificuldade de
diagnóstico médico, é estabelecido o prognóstico e pro- órteses transporte
posto o tratamento. Transporte e Responsabilidade Preparação Adaptações
Na primeira consulta, um detalhe importante é a ava- locomoção para o trabalho técnicas caras
liação da cooperação do paciente com o exame clínico. Trabalho e Adaptabilidade Legislação
Inicialmente, esta prova consiste em pedir a colaboração renda

da família para ajudar o paciente durante o exame, sem


contrariá-lo. Com esta ressalva, deve-se reunir calma,
tranqüilidade, equilíbrio e paciência como fatores favorá-
veis ao sucesso do atendimento. Quando o paciente per-
Pessoas com deficiência física
mitir ser examinado sem relutância, pode-se inferir que o
atendimento acontecerá no ambulatório. Quando o Aspectos gerais
paciente não entrar no consultório, o atendimento possí-
vel poderá acontecer sob sedação ou anestesia geral. É importante diferenciar deficiência física, incapaci-
É importante não esquecer, em momento algum, que se dade e deficiência permanente. Deficiência física é carac-
cuida de uma pessoa diferente, portadora de deficiência, terizada como “alteração completa ou parcial de um ou
com necessidade de atendimento fora dos padrões. Nesse mais segmentos do corpo humano, acarretando o com-
momento, um dos aspectos mais importantes é a existên- prometimento da função física, ... membros com defor-
cia imprescindível de apoiador, atendente ou cuidador, que
midade congênita ou adquirida, exceto as deformidades
acompanhe permanentemente a pessoa deficiente. Essa
estéticas e as que não produzam dificuldades para o
pessoa precisa ter desembaraço intelectual, de forma que
desempenho de funções.” Incapacidade é a redução efe-
possa cooperar, de um modo geral, com os cuidados neces-
sários ao deficiente e dar informações corretas para a equi- tiva e acentuada da capacidade de integração social, com
pe médica na continuidade do atendimento7,9. necessidade de uso de equipamentos, adaptações, meios
O atendimento da pessoa com deficiência demanda ou recursos especiais para receber ou transmitir informa-
uma série de cuidados e varia com o tipo de deficiência, ções necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempe-
grau de dependência e o local do atendimento, entre nho de função ou atividade. Deficiência permanente é a
outros (Quadros 47.4 e 47.5). que ocorreu ou se estabilizou durante período de tempo
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

suficiente para não permitir recuperação ou sem proba- uma rampa ou degraus, use a “marcha-ré”, para evitar
bilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos. que a pessoa perca o equilíbrio e caia para a frente.
Preste atenção! Não se apóie na cadeira de rodas. Ela
é como uma extensão do corpo da pessoa, principalmen-
Quadro 47.5 .: O atendimento da pessoa com deficiência – II te quando se pensa no condutor que tem autonomia de
movimento ou naqueles que usam tecnologia avançada
O local de atendimento em suas cadeiras. Em muitos casos, quando ocorre inca-
Consultório Não exige muita diferenciação profissional pacitação mais grave, a cadeira de rodas é conduzida por
A rotina médica de atendimento se mantém outra pessoa, geralmente cuidador ou familiar.
Clínica, creche, Exige melhor preparação do profissional.
asilo Ele deve ter ou adaptar material para os
atendimentos Cuidados per e pós-operatórios
O profissional está familiarizado com o
ambiente e a dinâmica de atendimento A deficiência física manifesta-se por malformações,
Residência Exige também maior preparação profissional seqüelas de paralisia cerebral, acidente vascular encefálico,
e capacidade para se adaptar às diversas câncer, diabetes, traumatismo crânio-encefálico, lesões
situações medulares, amputações, luxações, entre outras. Na paralisia
Evitar, se possível, a hospitalização do
paciente com doença crônica incapacitante cerebral, há necessidades cirúrgicas relativas às correções e
de longa duração adequações ósseas, musculares, ligamentares, articulares e
Hospital Exige maior preparação profissional às contraturas. Na impossibilidade de “cura” de uma lesão
Evitar a hospitalização ao máximo medular, há necessidade de compensar funções compro-
Na impossibilidade, intervir com a maior metidas. Nos ferimentos abertos, promover o fechamento
cautela e cuidado
da dura spinalis; na estabilização óssea, restaurar a capacida-
de de sobrecarga das vértebras. Intervir nos caso de hema-
tomielia, hematomas intramedulares ou epidurais e na eli-
minação de fragmentos ósseos. De um modo geral, são
hospitalizações longas ou retornos contínuos prolongados
Dificuldades e necessidades específicas
de acompanhamento, com múltiplos curativos e uso de
É bom sempre relembrar e reler estas orientações. enxertos, próteses e medicamentos. É importante tranqüi-
Atenção, muito cuidado! Se quiser ajudar, pergunte antes lizar os pacientes que ficam exaustos com o tratamento10-3.
se a pessoa necessita de ajuda. Jamais insista. A ajuda não
pedida é considerada agressão. Se aceitar, pergunte, com
clareza, que tipo de ajuda a pessoa necessita. De um Pacientes com deficiência auditiva
modo geral, o deficiente prefere desenvolver atividades
Aspectos gerais
difíceis sozinho, sem qualquer auxílio.
As pessoas usam cadeiras de rodas em diversas situa- Deficiência auditiva é a perda parcial ou total das possi-
ções. Além dela, usam bengala, muletas, próteses e órte- bilidades auditivas sonoras. Há vários graus de surdez: sur-
ses, cateteres, lentes, alimentos, medicamentos, animais, dez leve perda de 25 a 40 decibéis (dB); surdez moderada
bolsas de colostomia, e aparelhos (holters) de uso contí- de 41 a 55dB; surdez acentuada de 56 a 70dB; surdez grave
nuo para avaliação funcional. Novas e avançadas tecno- de 71 a 90dB, surdez profunda acima de 91dB e anacusia.
logias continuam a ser incorporadas para os deficientes.
Se dirigir a palavra à pessoa com deficiência e tudo
indicar que a conversa vai ser demorada, sente-se, com Dificuldades e necessidades específicas
sinais claros de disponibilidade, de modo a ficar no Coloque-se defronte ao surdo, tomando cuidado
mesmo nível do olhar do usuário de cadeira de rodas. para que ele enxergue sua boca. Fale claramente, em
Esta é uma forma delicada de procurar tratá-la com igual- velocidade adequada. Pessoas de bigode ou que
dade. Sempre demonstre sua disponibilidade a ajudar. Ao tenham o hábito de movimentar a cabeça para os lados
auxiliar uma pessoa que usa cadeira de rodas a descer não conseguirão comunicar-se adequadamente com o

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Capítulo 47 .: Cirurgia na pessoa com deficiência

surdo. O tom de voz exaltado incomoda também ao 10º. As causas mais comuns da cegueira são glaucoma,
surdo. Jamais grite; fale com o tom de voz adequado, rubéola, catarata, degeneração macular senil, trauma
exceto quando lhe pedirem para levantar a voz. ocular, infecções e deficiência de vitamina A. A ceguei-
Tenha o maior cuidado com sua expressão corpo- ra é uma deficiência grave e incapacitante. Existem
ral, para que não fale com o corpo o que o pensamen- mais de 1,5 milhões de cegos menores de 15 anos no
to não está dizendo. Aprenda como se expressar, Brasil, marginalizados socialmente. Embora dois ter-
pedindo ajuda. Os surdos não podem entender as ços dos casos de cegueira sejam passíveis de preven-
mudanças sutis do tom de sua voz indicando sarcasmo ção, ainda há que se trabalhar muito para atender e
ou seriedade. Mas saberão “ler”, com certeza, expres- educar os cegos e evitar a ocorrência de novos casos.
sões faciais, gestos ou movimentos do corpo para
entender o que você quer comunicar.
Ao conversar com uma pessoa surda, mantenha Dificuldades e necessidades específicas
sempre o contato visual; pois se você dispersar o olhar,
Deve-se oferecer ajuda ao cego que demonstre
ela pensará que a conversa acabou. Se você não enten-
necessitar dela. Uma pessoa parada, sozinha numa
der o que um surdo fala, peça que ele repita sua fala. Se
esquina, pronta para atravessar uma rua, de bengala na
mesmo assim não conseguir entender, peça que escre-
va. Se ainda assim estiver difícil, peça a ajuda de uma mão e óculos escuros, calada, sem sair do lugar, apresen-
intérprete de libras ou familiar. O importante é comu- ta forte indicativo de cegueira. Aproxime-se dela com
nicar-se de alguma forma. naturalidade e ofereça ajuda. Pergunte-lhe se ela está
Se o surdo estiver acompanhado de intérprete, fale precisando de ajuda. Quer atravessar uma rua? Ir ao
diretamente à pessoa surda, não ao intérprete. No diálo- banheiro? Nunca a agarre pelo braço. Ofereça seu braço
go com o surdo, seja muito paciente e atencioso. Não se para que ela o segure, geralmente no cotovelo, e alerte-a
preocupe se o surdo perder a paciência facilmente; mui- sobre a existência de obstáculos, tais como meios-fios,
tas vezes isso ocorre devido às inúmeras dificuldades degraus, grades e outros.
que sempre enfrenta no dia-a-dia para integrar-se com Para caminhar em lugares estreitos, onde só cabe uma
pessoas fora de sua comunidade surda. De um modo pessoa de cada vez, ponha-se na dianteira e ofereça o seu
geral, o surdo se sente melhor, mais seguro e relaxado braço para que a pessoa cega possa segurá-lo no cotove-
junto aos seus iguais. Se por um lado isso é bom, por lo. Ao conversar com um cego, necessitando retirar-se,
outro limita sua vida e as possibilidades de novas rela- informe-o disso, assim, ele não terá o desconforto de
ções ao desfocar sua visão de áreas que desconhece. ficar falando sozinho. Ao falar em distâncias, refira-se a
metros, por exemplo “uns cinco metros para a frente”.
Guie o cego para sentar-se em uma cadeira, colo-
Cuidados per e pós-operatórios cando suas mãos na cadeira. Informe-o sobre a presen-
Mantenha o paciente sempre apoiado por alguém ça de encosto alto, ausência de braços ou outro detalhe
que consiga comunicar-se adequadamente com ele, relevante. Ao perceber uma pessoa com visão subnor-
tanto no momento dos primeiros exames quanto mal (enxerga com muita dificuldade), proceda da
durante a hospitalização. O paciente deve estar com- mesma forma, oferecendo ajuda ao notar que ela está
pletamente informado sobre o procedimento médico a com dificuldades.
que vai ser submetido, sentindo-se amparado por uma Não deixe de falar de coisas inadequadas quanto ao
pessoa do seu “mundo” de surdo. vestuário, postura e apresentação pessoal de um cego.
Faça-o com naturalidade para que ele não passe por
situações constrangedoras. Ao apresentar um cego a
Pacientes com deficiência visual alguém, faça-o na posição correta, de frente para a pes-
soa a quem você o está apresentando, para evitar que ele
Aspectos gerais
estenda a mão para o lado contrário. Não deixe nada no
Considera-se cegueira a acuidade visual de um caminho por onde o cego costuma passar. Portas entrea-
paciente menor que 0,05 ou campo visual menor que bertas são um risco para sua integridade física14.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Cuidados per e pós-operatórios Quadro 47.6 .: Níveis ou graus de classificação da deficiência


mental
Quando o paciente fica cego, seu problema mais
grave é reaprender a andar. No pós-operatório, o Deficiência Escala de Escala
paciente, com os olhos vendados, perde a noção de Mental Stanford-Binet WISC
espaço e tempo e não consegue realizar as mesmas tare- Leve 63-52 69-55
fas que fazia com os olhos abertos. Um cuidador será o Moderada 51-36 54-40
maior apoio que ele poderá ter até se adaptar com a Acentuada 35-20 39-25
nova vida. Além disso, deve-se dar-lhe atenção especial Profunda 19 e menos 24 e menos
e orientações quanto aos cuidados que deverá ter para
evitar acidentes e outras complicações, como algum
trauma na ferida operatória. Geralmente, os pacientes
estão em ambiente físico desconhecido e devem ser Continue a incentivá-la a fazer tudo sozinha, mesmo
guiados e auxiliados até que sua deambulação seja segu- que inicialmente tenha dificuldades e precise de ajuda.
ra. É oportuno informar detalhes do ambiente para o Sua ajuda deve ser muito discreta para não deixá-la sen-
paciente, além dos cuidados pessoais em relação ao pro- tir-se tolhida da oportunidade de ação. Ajudando somen-
cedimento cirúrgico. te quando necessário, evita-se a dependência gerada pela
superproteção.
Deficiência mental e doença mental A deficiência mental não é uma doença. É uma con-
dição que limita de maneira variável o quociente de inte-
Aspectos gerais ligência. Pode ser conseqüência de alguma doença, trau-
ma ou infecção15-7. Uma boa reabilitação, dependendo do
Deficiência mental
grau de deficiência, permite reintegrar o indivíduo para
A deficiência mental é caracterizada pela incidência que possa ter uma vida ativa normal. Trate a criança, o
simultânea de funcionamento intelectual significativa- adolescente e o adulto deficiente mental exatamente
mente inferior à média, antes dos dezoito anos, e limita- como são, respeitando seu tempo e nível mental. Fale
ções associadas a duas ou mais das seguintes áreas de devagar, com clareza, de forma que possa ser entendível
habilidades adaptativas: comunicação, cuidado pessoal, e não perca a paciência se tiver de repetir a fala.
habilidades sociais e acadêmicas, utilização da comunida-
de, saúde segurança, lazer e trabalho. O deficiente men-
tal apresenta capacidade cognitiva significativamente Doença mental
baixa e dificuldade nas seguintes áreas: comunicação, cui-
dado pessoal, saúde, segurança e não-observância de É necessário não confundir doença mental com defi-
normas de convívio social. A deficiência mental pode ciência mental. A pessoa com doença mental tem inteli-
variar de leve a profunda (Quadro 47.6). Pessoas com gência normal e parece não ter qualquer alteração de
baixo quociente de inteligência, mas com boa capacidade comportamento ao primeiro contato. Posteriormente,
de se adaptar socialmente e de zelar por sua saúde, segu- demonstrará oscilação de comportamento, de forte afeti-
rança, lazer e trabalho, jamais serão identificadas como vidade a agressividade incontida contra si e contra o
deficientes mentais. outro. Não é aconselhável retirar os medicamentos em
De um modo geral, a pessoa com deficiência mental
uso. O médico psiquiatra ou neurologista deve ser o
encara o mundo e a vida com otimismo: é alegre, cari-
ponto de apoio para o atendimento adequado desses
nhosa, bem disposta e comunicativa. Expresse alegria ao
encontrá-la e mantenha a conversa até quando for possí- pacientes. Normalmente, é necessário parecer escrito
vel. Seja atencioso e agradável. Incentive-a a fazer várias para o médico anestesista informando as medicações em
atividades, encorajando-a e estando por perto como um uso e a necessidade ou não de interrupção durante o pro-
amigo pronto para ajudar. Transmita segurança e seja cedimento anestésico-cirúrgico para evitar complicações
autêntico, o mais natural possível. no pós-operatório.
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Capítulo 47 .: Cirurgia na pessoa com deficiência

Dificuldades e necessidades específicas e de acompanhamento permanente do paciente com exa-


mes clínicos freqüentemente revistos. A vigilância é a
A síndrome de Down é usada aqui como modelo das eterna segurança da prevenção de danos maiores que
necessidades cirúrgicas de uma pessoa com deficiência podem ocorrer em paciente sem acompanhamento. O
mental. Doença congênita cardíaca com implicações cirúr- paciente acompanhado pode obter ajuda imediata no
gicas que acontece em cerca de 40% desses pacientes. momento da ocorrência da lesão. Dentre as deficiências
Perda auditiva atribuída a anormalidades da cadeia ossicu- múltiplas, aqui serão apresentadas a surdo-cegueira, a
lar e estenose do meato auditivo externo ocorre em 8% a síndrome de Down e o autismo simultâneos.
80% dos pacientes com síndrome de Down. O estrabismo
é encontrado em 33% deles e, quando não corrigido, pode
levar à cegueira; 3% deles apresentam catarata. Subluxações Dificuldades e necessidades específicas
da patela e luxação dos quadris são freqüentes e a instabili-
A surdo-cegueira pode ser congênita ou adquirida; sua
dade atlanto-axial aparece em 12% a 20%. A fusão incom-
barreira mais grave é a comunicação. Para comunicar-se
pleta dos arcos vertebrais da parte inferior da coluna verte-
com pessoas surda-cegas, existem alguns sistemas alfabéti-
bral acontece em 37%. A equipe de saúde tem de estar
cos: 1) no alfabeto dactilológico, as letras do alfabeto se
extremamente atenta aos detalhes clínicos na hora do
formam mediante diferentes posições dos dedos da mão;
exame desses pacientes para não deixar passar desapercebi-
2) no alfabeto de escrita manual, o dedo indicador da pes-
do um aspecto que poderá ter grande repercussão no
soa surda-cega, como um lápis, escreve cada letra sobre a
desenvolvimento futuro do paciente18. mão; 3) tablitas alfabéticas são tábuas que têm letras
comuns, escritas em maiúscula ou em braile. O interlocu-
Cuidados per e pós-operatórios tor vai assinalando cada letra para formar uma palavra com
o dedo do surdo-cego; 4) os meios técnicos com saída
Nesses casos, o desejável é que o apoiador, familiar Braile são máquinas utilizadas pela pessoa surda-cega que
ou cuidador, de preferência informado sobre o procedi- conhece o braile. A mais conhecida é a tela touch, com
mento cirúrgico que deverá ocorrer, possa traduzir os teclado comum e teclas de máquina braile. O dedo posi-
acontecimentos adequadamente para o paciente. Essa cionado sente a letra braile sempre que as teclas são toca-
etapa de preparação deve começar no pré-operatório e das, formando, assim, letra por letra, as palavras. Os siste-
será finalizada quando o profissional der alta para o mas não-alfabéticos são a Língua de sinais – Libras, e a
paciente. Deve ser ressaltado que, em pacientes com Tadoma: percepção da vibração das palavras com a mão
deficiência mental, podem acontecer quadros de agitação sobre os órgãos que produzem a fala. Compreende-se,
e psicose após procedimento anestésico. Medicamentos assim, a exigência de um cuidador diferenciado acompa-
de uso contínuo devem ser restabelecidos o quanto nhando permanentemente o surdo-cego.
antes. O contato precoce com familiares e cuidadores é A síndrome de Down é usada aqui devido à associa-
fundamental, como também a comunicação precisa entre ção da deficiência mental com o autismo ou transtono
os membros da equipe de saúde. invasivo do desenvolvimento. O atendimento clínico
correto é a principal ajuda para que o paciente tenha con-
dições cirúrgicas adequadas. As orientações e os acompa-
Pacientes com deficiência múltipla nhamentos devem ser bem precisos.
Aspectos gerais
Cuidados per e pós-operatórios
O enfrentamento de uma deficiência é difícil, mas não
é incomum a associação de incapacidades. Deficiência Os casos citados exigem vigilância pós-operatória exte-
múltipla é a associação de duas ou mais deficiências em nuante, pois o surdo-cego, por sua extrema dependência,
uma mesma pessoa. São inúmeras, contudo, nem sempre exige muita paciência nas prescrições dos cuidados de
são identificadas, já que seus sinais clínicos podem estar repouso e uso de curativos e drenos. Com certeza, só com
mascarados ou sobrepostos por outros problemas que a criação de novas alternativas e boa capacidade de adapta-
sobressaem. O melhor é manter relação de proximidade ção, os cuidadores podem conseguir resultados satisfató-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

rios com esses pacientes. É fundamental que estejam aten- Referências


tos para detalhes importantes: o paciente com síndrome de
Down, pela alegria permanente e inocência infantil caracte- 1 ■ Araújo F. O que você pode fazer pelo deficiente auditivo.
rística, é mais fácil de ser tratado; e o autista, pela movimen- Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 1986: 82p.
2 ■ www3.who.int/icf
tação pendular do corpo, quando se sente em perigo ou 3 ■ Salgado MI. A boca no atendimento das pessoas portadoras de
impedido de agir espontaneamente de forma solitária, agri- deficiência. In: Petroianu A, Pimenta LG. Clínica e Cirurgia
de a si próprio e aos outros. Geriátrica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan 1999. p.196-205.
4 ■ Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades
Educativas Especiais. Trad. Cunha EA. Brasília: CORDE 1997.
Conclusão 5 ■ Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei
no.9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DOU 1996.
Compreende-se, assim, a importância da observância 6 ■ Assis OQ. O Estado e as pessoas portadoras de deficiência. Rev
Univ Cruzeiro do Sul 1997:7-17.
de detalhes no atendimento de pessoas com deficiência.
7 ■ Salgado MI, Valadares ER. Para compreender a deficiência. Belo
Por isso, não é demais relembrar que, ao atender uma Horizonte. Faculdade de Medicina da UFMG. 2000: 464p.
pessoa com deficiência, não se deve fazer movimentos 8 ■ Salgado MI. A assistência odontológica. In: Camargos Jr W.
bruscos. Pergunte sempre. Atenda prontamente com Ministério da Justiça. Transtornos invasivos do desenvolvi-
redobrada atenção e calma. Nunca faça nada de forma mento. Brasília: Terceiro Milênio 2002:220-6.
9 ■ Carvalho IO, Salgado MI. Mostre seu filho. Belo Horizonte.
agitada, impaciente ou rápida. Respeite, procurando des- Coordenadoria de pais SES MG. 1996:180p.
cobrir o ritmo e o tempo do deficiente. Doe-se, sempre 10 ■ Souza PA. Aspectos motivacionais na reabilitação da paralisia
com muito amor e paciência. Seja atencioso e delicado, cerebral. In: Lima CLA, Fonseca LF. Paralisia cerebral.
mesmo que não haja reconhecimento e aconteça agres- Neurologia. Ortopedia. Reabilitação. Rio de Janeiro:
são verbal ou física por parte da pessoa com deficiência. Guanabara Koogan, 2004. p.211-9.
11 ■ Souza PA. Esporteterapia como indutora da neuroplasticidade
Esse fato ocorre, geralmente, com deficientes carentes, na paralisia cerebral. In: Lima CLA, Fonseca LF. Paralisia
sofridos e descompensados. cerebral. Neurologia. Ortopedia. Reabilitação. Rio de Janeiro:
Compreende-se, também, que relatos de experiências Guanabara Koogan, 2004. p.421-30.
de enfrentamento da deficiência foram os alicerces de 12 ■ Souza PA. O Esporte na paraplegia e tetraplegia. Rio de Janeiro:
construção da ampla legislação mundial de direitos dos Guanabara Koogan, 1994:93p.
13 ■ Stock, D. Die Rehabilitation traumatisch Querschnittgelähmter.
deficientes. Essas leis mudaram a política da deficiência e Melsungen, Bibliomed 1980.
os cidadãos deficientes são atualmente mais respeitados e 14 ■ Fundação Hilton Rocha: Ensaio sobre a problemática da ceguei-
amparados. Apesar disso, sempre há carência de infor- ra. Prevenção. Recuperação. Reabilitação. Belo Horizonte,
mações adequadas sobre a vivência da doença transmiti- 1987.
da pelos próprios deficientes. Essas informações podem 15 ■ Basso A, Previgliano I, Duarte JM, Ferrari N. Advances in mana-
gement of neurosurgical trauma in different continents.
ajudar na formação do médico, além de auxiliá-lo muito World J Surg. 2001;25:599-630.
na composição de equipe de atendimento de saúde mais 16 ■ Lezzoni LI, McCarthy EP, Davis RB, Siebens H. Mobility pro-
humana e atenciosa. É essencial que o médico reconheça blems and perceptions of disability by self respondents and
a importância de sua profunda responsabilidade com proxy respondents. Med Care. 2000;38:1051-7.
aqueles que vivem a deficiência no dia-a-dia e cumpra o 17 ■ Haddad LD. Estudo da função respiratória em doença de
Parkinson: comparação de controles com pacientes sem e em
seu papel. Espera-se que a sociedade consiga ajudar a uso de Levodopa, correlacionando nível plasmático dessa medi-
criar e votar o “Estatuto da pessoa com deficiência”, cação e gravidade da doença. (Dissertação de mestrado). Belo
atualmente em discussão, moderno e ágil, com visão de Horizonte: Instituto de Ciências Biológicas da Universidade
futuro e totalmente humanizado. Federal de Minas Gerais; 1998.
18 ■ Schwartzman JS. Síndrome de Down. São Paulo, Mackenzie:
Memnon. 1999.

586
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COMPLICAÇÕES
PÓS-OPERATÓRIAS
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48
FEBRE E
HIPOTERMIA
NO PÓS-OPERATÓRIO
Soraya Rodrigues de Almeida, Paulo Roberto Savassi Rocha,
Marcelo Dias Sanches

Introdução beladona (escopolamina, atropina), transfusões de


hemoderivados, reações alérgicas ou de hipersensibili-
O trauma cirúrgico provoca no organismo inúmeras dade a drogas, inclusive anestésicos e antimicrobianos,
alterações fisiológicas que são conhecidas como res- crise tireotóxica, jejum prolongado, desidratação,
posta orgânica ao trauma. A febre está quase sempre tumores malignos não-ressecados etc. Por outro lado, o
presente e faz parte desta resposta fisiológica, especial- indicador mais freqüente de infecção no pós-operató-
mente nos primeiros dias. Ela constitui mecanismo rio é a febre, o que provoca grande ansiedade ao médi-
adaptativo importante para a sobrevivência do organis- co assistente.
mo, favorecendo a resposta imunológica por meio do
Freischlag e Busuttil3 realizaram estudo prospectivo
aumento da migração e da atividade bactericida dos
em 464 pacientes submetidos a operações abdominais e
neutrófilos e macrófagos, estímulo da síntese de proteí-
encontraram febre pós-operatória significativa em
nas de fase aguda, inibição do crescimento bacteriano,
somente 15% dos casos. Destes, em apenas 27% a
aumento da sequestração de ferro e indução de sono-
infecção foi comprovada por meio de cultura, demons-
lência e anorexia1,2. Ao contrário da febre, a hipotermia
não faz parte da resposta orgânica ao trauma. Ela ocor- trando especificidade muito baixa da temperatura
re principalmente no per e no pós-operatório imediato como indicador de infecção. Em 74% dos pacientes
devido, principalmente, à alteração da termorregulação com infecção, a história e o exame físico forneceram
pela ação dos agentes anestésicos. informações que orientaram para a realização de exame
Na maioria dos pacientes, sobretudo naqueles sub- confirmatório. Fanning et al.4 avaliaram 537 pacientes
metidos a grandes incisões, costuma ocorrer, no pero- submetidos a operações ginecológicas e constataram
peratório, diminuição da temperatura corporal, com febre pós-operatória em 39% dos casos. Destes, em
queda de 1ºC a 1,5ºC da temperatura corporal. Nas pri- 92% não foi encontrada nenhuma infecção ou compli-
meiras 24 a 72 horas de pós-operatório ocorre elevação cação pós-operatória.
que oscila entre 0,5ºC e 1,5ºC acima da fisiológica. Muitas vezes, para se investigar a febre pós-operatória,
Atribui-se essa elevação da temperatura à absorção de é necessário apenas observação clínica com acompanha-
sangue, soro e linfa da região manipulada e às altera- mento da curva térmica. Se a febre persiste e o exame clíni-
ções próprias do período de injúria. co não fornece dados suficientes para o diagnóstico, a pro-
Diversas condições não-sépticas podem determinar pedêutica deve incluir exames laboratoriais e de imagem, de
febre pós-operatória. Elas incluem uso de derivados da acordo com a suspeita clínica.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Febre pós-operatória Complicações febris no pós-operatório

Definição É grande o número de afecções acompanhadas de febre


que podem ocorrer no pós-operatório (Quadro 48.1)6.
A febre é definida como distúrbio da termorregulação Algumas, como a infecção do sitio cirúrgico, são comuns
no qual o limiar térmico hipotalâmico se encontra eleva- em qualquer tipo de procedimento cirúrgico, enquanto
do. Para elevar a temperatura corporal no nível determi- outras são particulares do órgão ou da região operada.
nado pelo centro termorregulador, o organismo passa a
usar mecanismos naturais de conservação de calor. Quadro 48.1 .: Causas de febre no pós-operatório*
Assim, o paciente febril apresenta aumento da atividade Causas mais freqüentes Causas menos freqüentes
muscular (calafrios), vasoconstrição periférica, sente frio Infecção do sítio cirúrgico Hipertermia maligna
e procura se agasalhar1. Flebite por cateter endovenoso Crise tireotóxica
A febre deve ser distinguida da hipertermia. Nesta, Atelectasia Reação a drogas
ocorre perda da capacidade de termorregulação do Pneumonia Choque pirogênico
hipotálamo, com aumento da produção de calor (sem Embolia pulmonar Sinusite maxilar
correspondente aumento da perda) e elevação progres- Infecção urinária Candidíase sistêmica
Hematoma Corpo estranho
siva da temperatura1.
Colecistite aguda
Pancreatite aguda
Patogenia Colite pseudomembranosa
Febre pós-esplenectomia
A febre pode ser produzida por vários estímulos, Doenças hemotransfusionais
incluindo bactérias e suas endotoxinas, vírus, fungos, rea-
*Modificado de Almeida et al.6
ções imunológicas, hormônios (progesterona), medica-
mentos etc. Estas substâncias são denominadas pirogê-
nios exógenos e induzem a febre por meio de diversos
mecanismos, como produção e liberação de citocinas A febre de origem central pode ocorrer no pós-ope-
pró-inflamatórias nos tecidos, circulação e sistema ner- ratório de operações neurológicas, por sangramento no
voso central, estimulação de fibras aferentes do nervo terceiro ventrículo ou por disseminação tumoral (menin-
vago e, provavelmente, de nervos periféricos, e ação dire- gite asséptica). No pós-operatório de intervenções cirúr-
ta no sistema nervoso central2,5. gicas cardiovasculares, a febre pode ser causada por
O principal mecanismo desencadeador de febre, em osteomielite do esterno, síndrome pós-pericardiotomia e
resposta aos pirogênios exógenos, é por intermédio da complicações relacionadas com o emprego da circulação
produção, pelos leucócitos (monócitos/macrófagos e extra-corpórea, como bacteriemia, hemólise e pneumo-
neutrófilos), de citocinas pró-inflamatórias denominadas nia8. Empiema após operações torácicas, cardíacas ou
pirogênios endógenos1,2,5-7. Os principais pirogênios pulmonares constitui quadro grave que se acompanha de
endógenos são as interleucinas 1, 6 e 8, o fator de necro- febre. Nos procedimentos urológicos, a manipulação do
se tumoral, o interferon e a proteína inflamatória 1 do trato urinário é o mais importante fator causador de
macrófago. A interleucina 1 é a citocina pirogênica mais infecção urinária9. Após operações ginecológicas e obsté-
potente no homem2. tricas, pode ocorrer a síndrome do choque tóxico10.
Os pirogênios endógenos são liberados na corrente O paciente politraumatizado apresenta, em geral,
sangüínea e atingem o sistema nervoso central. Neste múltiplas portas de entrada para infecção. Nele, a reab-
nível, eles induzem a liberação de mediadores centrais, sorção de tecidos lesados e hematomas e o hipermetabo-
especialmente a prostaglandina E2, que regulam o ter- lismo resultante da resposta orgânica ao trauma são tam-
mostato do hipotálamo para cima, causando febre. Deste bém causas de elevação da temperatura corporal. No
modo, ocorre aumento da produção, acompanhado por paciente oncológico, a febre pode ter origem na produ-
diminuição da perda, de calor até que um ponto estável ção de pirogênio pelo tumor, na necrose ou na infecção
mais elevado seja alcançado1,2,5. da neoplasia11,12. Se há febre no pós-operatório, deve-se

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Capítulo 48 .: Febre e hipotermia no pós-operatório

investigar se ela se origina do tumor primário não com- INFECÇÃO DE CAVIDADES OU ÓRGÃOS

pletamente ressecado ou de metástases13. A infecção intra-abdominal pós-operatória ocorre em


pelo menos 2% de todos os pacientes submetidos à lapa-
rotomia e em até 23% dos que foram inicialmente opera-
Complicações febris mais comuns dos em virtude de sepse intra-abdominal.
Hematoma A febre da peritonite secundária a fístula pós-opera-
tória manifesta-se entre o 4º e 8º dia pós-operatório e
A formação de coleções sangüíneas no pós-operató- está acompanhada de taquicardia persistente, íleo funcio-
rio está relacionada a hemostasia deficiente ou a coagulo- nal, vômitos, dor abdominal e leucocitose. Podem ocor-
patia. A hipertensão arterial não-controlada tem sido rer choque e sinais de falência multissistêmica.
também incriminada como fator predisponente. A febre A febre decorrente de abscesso localizado tem,
é devida à liberação de pirogênio endógeno dos leucóci- geralmente, início mais tardio, entre o 6º e o 10º dia
tos seqüestrados14. Se ocorre infecção do hematoma, a pós-operatório. Habitualmente é de intensidade mode-
febre é elevada e se torna persistente até que a coleção rada, raramente ultrapassa a temperatura de 38ºC e é de
seja drenada. predominância vespertina. Quando o abscesso é causa-
do por corpo estranho, a febre pode ocorrer até sema-
nas após a operação.
Infecção do sítio cirúrgico

A infecção do sítio cirúrgico é definida como aquela Atelectasia


que ocorre nos tecidos manipulados durante a operação.
Ela pode ser diagnosticada até 30 dias após o procedi- A atelectasia é a causa mais comum de febre nas primei-
mento ou, no caso de implante de prótese, até um ano ras 48 horas de pós-operatório. É mais freqüente nos taba-
após sua realização15. gistas e nos pacientes submetidos a anestesia geral e a inci-
É dividida em três categorias anatômicas distintas, sões torácicas ou abdominais altas. Dependendo da popu-
de acordo com a região acometida: incisional superfi- lação estudada e dos critérios diagnósticos utilizados, pode
cial, incisional profunda e infecção de cavidades ocorrer em 6% a 76% dos pós-operados.
ou órgãos15. A fisiopatologia da febre na atelectasia está relaciona-
da à penetração sangüínea de bactérias previamente pre-
sentes na área pulmonar afetada ou introduzidas por
INFECÇÃO INCISIONAL (SUPERFICIAL E PROFUNDA) aspiração. Taquipnéia e taquicardia acompanham a eleva-
O índice global de infecção incisional é de 4,7%. ção da temperatura como parte dos sinais e são tão mais
Varia desde 1,5% a 2,1% nas operações limpas, 3,3% a intensas quanto maior a área afetada. A presença de febre
7,7% nas potencialmente contaminadas, 6,4% a 15,2% não é, entretanto, obrigatória na atelectasia. Assim, o
nas contaminadas, até 7,1% a 40% nas infectadas15-7. sinal é de baixa sensibilidade e especificidade para o diag-
Na infecção superficial restrita à pele, a febre e os nóstico da atelectasia18.
sinais de infecção sistêmica são pouco freqüentes, e sua
presença deve alertar para a possibilidade de outras
Pneumonia
infecções. Nos abscessos subcutâneos e nas infecções
incisionais profundas, a febre é, comumente, acima de A infecção pulmonar constitui complicação febril
38oC, tem início por volta do 4º ao 6º dia de pós-ope- pós-operatória grave. Acarreta mortalidade elevada,
ratório e persiste até que haja drenagem do abscesso sendo a principal causa de morte por infecção hospitalar
e/ou desbridamento de tecidos necróticos. Algumas e a complicação pulmonar aguda que mais leva ao óbito.
infecções por estreptococos e por anaeróbios, especial- A pneumonia pode ter início de uma atelectasia e a dife-
mente Clostridium sp., manifestam-se precocemente, e renciação clínica com tal entidade é, às vezes, difícil. O
os sinais e sintomas podem estar presentes de 12 a 24 diagnóstico comumente é feito por volta do 4º dia pós-
horas após a operação. operatório. Os principais sinais e sintomas incluem febre,
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

eliminação de escarro purulento em pacientes sem doença de ágar. Usando essa técnica, foi possível a diferenciação
pulmonar prévia e dor torácica. entre colonização e infecção do cateter. Em sua série, as
extremidades do cateter que revelaram número maior ou
igual a 15 unidades formadoras de colônias tiveram risco
Embolia pulmonar
de bacteriemia de 36%. Não houve quaisquer episódios
A embolia pulmonar é uma complicação da trombo- de bacteriemia nos pacientes com menos de 15 unidades
se venosa profunda e não constitui entidade separada. Os formadoras de colônias.
fatores predisponentes incluem história de trombose A incidência da sepse do cateter varia de 2,8% a 18%
profunda, câncer, idade avançada, tabagismo, obesidade, dos pacientes cateterizados. Ela depende também do
repouso prolongado no leito, cardiopatias, uso de anti- tempo de cateterismo, do material utilizado na confecção
concepcionais e anestesia geral. do cateter e do sítio de implantação do cateter15. A cate-
O quadro clínico da embolia é constituído de taquip- terização da veia jugular interna está associada a maior
néia, hemoptise, atrito pleural, ritmo de galope e cianose, risco de infecção15.
quando típico. No entanto, os sinais e sintomas podem Os microrganismos mais comuns na sepse do cateter
ser inespecíficos ou se manifestar apenas como febre de são o estafilococo coagulase-negativo (37%), o enteroco-
origem indeterminada. co (13%) e o Staphylococcus aureus (12,6%). Bactérias
O aparecimento de febre é freqüente sendo, às vezes, Gram-negativas (14%) e Cândida spp. (8%) também são
elevada no início da doença (>39ºC). Ocorre queda da agentes importantes15.
temperatura no 5º dia e, por volta do 7º dia, a maioria dos Outros tipos de infecção relacionados com o cateter
pacientes já está afebril. O início da embolia é freqüente- são as infecções no local de saída ou no túnel subcutâ-
mente súbito e, muitas vezes, segue-se aos primeiros neo, que podem levar à formação de abscesso, principal-
movimentos após repouso prolongado. Sinais de trom- mente no paciente imunocomprometido. Também
bose venosa profunda podem ou não estar presentes. podem surgir tromboflebite séptica e, raramente, osteo-
mielite da clavícula e mediastinite.
Sepse do cateter
A sepse do cateter afeta pacientes com cateteres Infecção urinária
venosos centrais introduzidos para uso por curto ou A infecção do trato urinário tem sido apontada como a
longo prazo. A definição de sepse do cateter baseia-se em causa mais freqüente de infecção nosocomial9. Mais da
critérios clínicos, bem como em análises bacteriológicas
metade das septicemias por Gram-negativos são originárias
quantitativas e semiquantitativas. Ela é definida como
do trato urinário. O cateterismo uretral e a instrumentação
uma febre, com ou sem leucocitose, que cede depois da
do trato geniturinário são importantes fatores causais9.
retirada do cateter venoso central. Essa definição é
A febre faz parte do quadro clínico, que inclui ainda
abrangente e, como esperado, tem baixa especificidade.
espasmo vesical, disúria, hematúria e piúria nas infecções
Os critérios clínicos para o diagnóstico da sepse do
de vias baixas. Dor no flanco e calafrios associados ou
cateter e a retirada empírica dele estão associados a
não às demais manifestações referem-se a acometimento
índice de falsa-positividade de 85%. A definição bacte-
riológica qualitativa da sepse do cateter diz respeito à do trato urinário superior. Picos febris podem ocorrer
infecção que tem microrganismos idênticos cultivados durante o período de cateterismo ou se iniciar em até 48
tanto na extremidade do cateter venoso central quanto horas após a retirada de cateter vesical. O diagnóstico
no sangue retirado perifericamente na ausência de específico é realizado, habitualmente, por volta do 4º dia
outros focos bacteriológicos investigados de infecção pós-cateterismo e depende da cultura da urina.
por aquele microrganismo15.
Para aumentar mais a especificidade de se distinguir a Causas menos comuns
infecção da colonização do cateter, Maki et al.19 desenvol-
veram a técnica de cultura semiquantitativa da extremida- Diversas situações podem ocorrer no período perio-
de do cateter que envolve a rolagem do cateter em placa peratório e cursar com febre. Muitas delas, apesar de
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Capítulo 48 .: Febre e hipotermia no pós-operatório

infreqüentes, devem ser reconhecidas, pois causam eosinofilia. A suspensão da droga deve causar desapare-
repercussões graves. cimento da febre em 72 horas.
No período peroperatório, a ocorrência de hipertermia A infusão venosa de pirogênios exógenos provoca rapi-
maligna relacionada a anestesia constitui síndrome rara. A damente calafrios intensos, palidez cutânea, ansiedade e
temperatura pode atingir valores tão altos quanto 44ºC. A febre. Podem estar presentes broncoconstrição e cianose.
febre é o resultado de vários distúrbios bioquímicos que A sinusite maxilar causa febre em pacientes em uso de
ocorrem no músculo esquelético. Entretanto, pode ser um cateter nasogástrico ou naqueles em que foi realizada
sinal tardio, ocorrendo dentro de 30 minutos da indução intubação nasotraqueal10. O quadro clínico típico é de
em apenas 70% dos pacientes. A droga mais comumente tosse, drenagem de secreção purulenta pelo nariz e de
relacionada ao aparecimento da hipertermia maligna é a dor à compressão do seio maxilar. Entretanto, a presen-
succinilcolina. A taxa de mortalidade excedia a 70% antes ça desses sintomas não é obrigatória.
do uso terapêutico do dantrolene (um análogo da difenil- Pacientes em uso prolongado de antimicrobianos de
hidantoína). Atualmente, a taxa de mortalidade é de apro- largo espectro são candidatos à proliferação e dissemina-
ximadamente 10%20. ção de candidíase sistêmica, e o quadro clínico é de febre
No período pós-operatório imediato, a desidratação e inexplicada, leucocitose e hipotensão arterial.
o hipermetabolismo secundários ao estresse cirúrgico A colecistite aguda acalculosa é uma complicação
induzida pelo estresse após procedimento cirúrgico ou
podem causar febre. Outras alterações da temperatura
trauma. Os sinais típicos são febre e leucocitose, além de
nesse período podem ser devidas a reajustes do termos-
fenômenos similares à colecistite calculosa.
tato hipotalâmico, que permanece paralisado durante a
Devemos lembrar ainda outras causas de febre, como a
anestesia geral, ou a bacteriemias, que ocorrem após
colite pseudomembranosa induzida pelo uso de antimicro-
manipulação de focos infecciosos.
bianos, a pancreatite pós-operatória e a febre pós-esplenec-
A crise tireotóxica ocorre em pacientes com hiperti-
tomia. Finalmente, uma causa que não deve ser esquecida
reoidismo e é secundária a trauma ou estresse cirúrgico. é a presença de corpo estranho pós-operatório.
A temperatura elevada é sinal constante. Os demais sinais
de hiperfunção tireoidiana também estão presentes.
A hemoterapia tem grande potencial para a transmis- Propedêutica no paciente pós-operado febril
são de infecções diversas. As hepatites virais, a doença de
O acompanhamento do paciente pós-operado requer
Chagas, a sífilis, a citomegalovirose e a mononucleose
observação meticulosa e exame clínico seriado. A medi-
infecciosa são exemplos de doenças passíveis de trans-
da da temperatura tem extremo valor neste período, uma
missão pela hemoterapia e que se manifestam com febre
vez que a febre pode ser alerta para a presença de com-
em pelo menos alguma fase da infecção. A febre por plicações, infecciosas ou não. A correlação entre o dia de
citomegalovírus é pouco diagnosticada. Acredita-se ser início da febre no pós-operatório com o tipo de operação
ela a etiologia de algumas febres de origem indetermina- e com os procedimentos realizados deve servir como
da no pós-operatório10. O intervalo de tempo entre a base para o diagnóstico (Quadro 48.2).
transfusão e o primeiro surto febril é, em média, de 21 Alguns exames complementares podem servir de
dias. Pode haver leucopenia e linfocitose. orientação quanto à etiologia do processo febril. Entre
A reação a drogas é uma condição febril por vezes eles, destacam-se o leucograma, a velocidade de
superestimada por falta de critério diagnóstico. hemossedimentação, culturas (sangue, urina, secre-
Potencialmente, qualquer droga pode causar febre. ções) e métodos de imagem (ultra-sonografia, tomo-
Trata-se de reação de hipersensibilidade ainda mal com- grafia computadorizada).
preendida. As drogas mais comumente envolvidas são O leucograma varia com o sexo, a idade, a raça, além
antimicrobianos, antiarrítmicos, anti-hipertensivos, anti- de ter relação com o horário da colheita do sangue e/ou
convulsivantes e tranqüilizantes. O tempo prolongado de atividade física. Leucocitose discreta pode ser secundária
uso de um medicamento não o exclui como causa de a estímulos emocionais ou físicos, uso de drogas, destrui-
febre. Chama a atenção a ausência de taquicardia no ção de tecidos, necrose, hemorragia ou hemólise, todos
paciente febril por drogas. Podem ocorrer rash cutâneo e comuns no paciente cirúrgico. Na vigência de infecção,
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pode haver leucocitose, leucopenia ou níveis fisiológicos Em pacientes submetidos a cateterismo vesical ou a
de leucócitos, de acordo com a fase da resposta medular instrumentação do trato urinário, deve-se pesquisar
à infecção. Por isso, os leucogramas seriados são mais infecção urinária, por meio da realização de exame de
representativos do que o resultado de um exame isolado. urina de rotina, Gram de gota não-centrifugada e urocul-
A contagem diferencial dos leucócitos pode evidenciar tura. A observação de número igual ou maior de 105
neutrofilia, desvio para a esquerda e eosinopenia, freqüen- unidades formadoras de colônias/mL é indicativa de
tes nas infecções bacterianas, como também expressar o infecção apenas para bastonetes Gram-negativos. Para
grau de exigência medular e alterações morfológicas cocos, como Staphylococcus saprophyticus, mesmo as conta-
secundárias, como granulações tóxicas e corpos de Döhle. gens entre 5.000 e 50.000 unidades formadoras de colô-
As proteínas da fase aguda (fibrinogênio, haptoglobi- nias/mL, na vigência de quadro clínico compatível, são
na, proteína C reativa etc.) encontram-se aumentadas nos indicativas de infecção.
distúrbios infecciosos. A proteína C reativa, apesar de A radiografia de tórax em PA e perfil pode evidenciar
não-específica, é bastante sensível e pode ser útil na dife- atelectasia e/ou pneumonia, que se manifesta(m) por áreas
renciação entre processo inflamatório e infeccioso. A de consolidação pulmonar com características muitas
velocidade de hemossedimentação encontra-se elevada vezes bem definidas. Na primeira, podem existir imagens
na presença de processo infeccioso devido à liberação de de hipotransparência de forma irregular, disposta em lâmi-
fatores plasmáticos (fibrinogênio e globulinas). nas, ou, inclusive, não haver qualquer tipo de alteração.
Em casos selecionados, devem-se realizar hemocultu- Na embolia pulmonar, a radiografia de tórax geral-
ras. São colhidas três amostras em um período de 24 mente só ajuda a excluir outras afecções, pois não é inco-
horas. Os intervalos entre as coletas são determinados mum ela se mostrar inalterada, mesmo na presença de
pela situação clínica, pois a maioria das bacteriemias é embolia maciça. A cintilografia para mapeamento pul-
intermitente. monar de ventilação/perfusão com radioisótopos é o
Quando há suspeita de bacteriemia e/ou sepse procedimento mais utilizado no diagnóstico de embolia
relacionada(s) ao cateter venoso, devem-se colher inicial- pulmonar. Infelizmente, esses dados podem ser inespecí-
mente duas amostras de sangue periférico em veia distan- ficos. Os resultados negativos do mapeamento são acei-
te do cateter para hemocultura. Deve-se examinar o local tos, porém os positivos precisam ser confirmados.
de inserção à procura de sinais flogísticos. Se houver secre- Outros exames indicativos de embolia incluem dosagem
ção, colher swab para Gram e cultura antes da anti-sep- do dímero D, ecocardiograma e ressonância magnética.
sia. Deve-se enviar, ainda, ao laboratório a ponta distal A angiografia pulmonar fornece diagnóstico definiti-
do cateter retirado (5 a 7cm) para a realização de cultura vo. Falha de enchimento e nítida amputação à angiogra-
semiquantitativa pela técnica de Maki19. fia são diagnósticos de embolia pulmonar. A angiotomo-

Quadro 48.2 .: Evolução e propedêutica do paciente cirúrgico febril*


Peroperatório e
Pré-operatório pós-operatório Até 2º DPO 6º ao 15º DPO Após 15º DPO
imediato
A doença-base pode Reação a drogas anesté- Flebites por cateter, infec- Embolia pulmonar, febre por Hepatite, citomegalo-
Considerações ser febril desde o sicas, tireotoxicose, bac- ção urinária, infecção do drogas, corpo estranho, infec- vírus, mononucleose,
importantes pré-operatório teriemia, distúrbios sítio cirúrgico (incisional), ção do sítio cirúrgico doença de Chagas,
hidroeletrolíticos pneumonia, febre por (órgãos/cavidades) malária, sífilis, toxo-
droga plasmose, SIDA
Propedêutica Exames para diag- Exame clínico, ionogra- Radiografia de tórax, leu- Leucograma, culturas (urina, Exames sorológicos,
nóstico da doença- ma, função tereoidiana cograma, urina rotina, cul- sangue, secreções), VHS, gaso- provas de função
base turas (urina, sangue, secre- metria arterial, radiografia de hepática, pesquisa de
ções), US, TC, cintilografia tórax, US, TC, cintilografia parasitas

DPO - dia de pós-operatório; US - ultra-sonografia; TC - tomografia computadorizada; VHS - velocidade de hemosedimentação; SIDA - síndrome da imunodefi-
ciência adquirida.
*Modificado de Almeida et al.6

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Capitulo 48.qxd 2/23/06 15:25 Page 593

Capítulo 48 .: Febre e hipotermia no pós-operatório

grafia computadorizada de tórax, por não ser invasiva, cadeadas. A fibrilação atrial é achado comum e o risco de
vem sendo utilizada para o diagnóstico de embolia pul- fibrilação ventricular está sempre presente.
monar em substituição à angiografia. Apresenta sensibi- A hipotermia grave é incompatível com a vida.
lidade de 53% a 100% e especificidade de 81% a 100%, Abaixo de 20ºC, a totalidade dos pacientes apresenta
com risco de resultado falso negativo de 20% para as parada cardíaca em assistolia.
embolias periféricas21-3. As causas mais comuns de hipotermia incluem o pro-
Diante da suspeita de abscessos intracavitários, os cedimento cirúrgico, e o uso de anestésicos e analgésicos,
exames de imagem são utilizados na propedêutica e até especialmente os opióides26. Durante o procedimento
na terapêutica. A escolha entre radiografia convencional, cirúrgico, ocorre diminuição da temperatura corporal.
ultra-sonografia, tomografia computadorizada, cintilo- Inicialmente, nas primeiras horas, ocorre rápida perda de
grafia e outras deve ser efetuada considerando a eficácia calor, representando queda de 1ºC a 1,5ºC e podendo
de diagnóstico, a disponibilidade e o custo. chegar até 3ºC, na temperatura corporal. Isso pode ser
Em estudo comparando cintilografia, ultra-sonogra- explicado pela ação das drogas anestésicas, que promo-
fia e tomografia computadorizada, para identificar e loca- vem vasodilatação periférica e inibem a ação central da
lizar abscessos intra-abdominais, observou-se sensibili-
termorregulação, aliada à diminuição do metabolismo
dade de 85%, 82% e 98%, respectivamente, com especi-
basal dos pacientes durante a anestesia geral.
ficidade de 95% para as três técnicas24.
Pacientes submetidos a analgesia por bloqueio apre-
Sempre que existirem sinais e sintomas de localização,
sentam hipotermia mais acentuada, pois esse tipo de
a ultra-sonografia e a tomografia computadorizada deve-
analgesia promove bloqueio do sistema nervoso simpáti-
rão ser feitas primeiro. Diante de abscessos ocultos ou
co periférico e dos nervos motores que são responsáveis
febre sem causa conhecida, deve-se optar pela cintilogra-
fia, pois esta permite investigação de todo o corpo25. pela termorregulação por meio da vasoconstrição perifé-
rica e de tremores.
A hipotermia peroperatória está associada, ainda, ao
Hipotermia tipo e à duração do procedimento cirúrgico. Nas opera-
ções abdominais, quanto maior o tamanho da incisão,
Hipotermia é definida como situação na qual a tem- maior é a área de peritônio e das alças intestinais expos-
peratura corporal está abaixo de 35ºC. Pode ser classifi-
tas e maior é a perda de calor. Nas operações cardíacas
cada, de acordo com a sua gravidade, em leve (tempera-
com circulação extracorpórea, hipotermia leve pode ser
tura corporal entre 35ºC e 33ºC), moderada (temperatu-
induzida para reduzir a incidência de dano neurológico27.
ra corporal entre 32ºC e 30ºC) e grave (temperatura cor-
A temperatura ambiente da sala cirúrgica pode contri-
poral abaixo de 30ºC).
buir para a perda de calor, especialmente se o paciente
Idosos, crianças e indivíduos magros são mais suscep-
ficar exposto28. A reposição volêmica com soluções à
tíveis ao desenvolvimento da hipotermia. A extensão e a
natureza dos distúrbios fisiológicos que ocorrem duran- temperatura ambiente também contribui para a instala-
te a hipotermia dependem do nível da temperatura cor- ção da hipotermia. Medidas de prevenção incluem uso de
poral. Os primeiros sinais decorrem de alterações no sis- dispositivos que evitam a perda de calor (ventilador com
tema nervoso central (ataxia, amnésia, voz arrastada, ar aquecido direcionado para o paciente, enfaixamento
comportamento estranho, alucinações). com algodão ortopédico, cobertura com plásticos) e
Na hipotermia leve ocorrem alterações cardiovascula- infusão de soluções aquecidas entre 38ºC e 39ºC. É
res para manter a temperatura e a hemostasia. Este nível importante lembrar que derivados do sangue devem ser
é ainda considerado seguro para os pacientes. aquecidos em banho-maria e nunca no microondas nem
Na hipotermia moderada (abaixo de 32ºC), a recupe- em água fervente (ebulidor).
ração espontânea não é mais possível, pois o organismo Geralmente, após procedimento cirúrgico, são neces-
perde a capacidade de produzir calor por meio das con- sárias de duas a cinco horas para que a temperatura corpo-
trações musculares (calafrios) e o ritmo metabólico dimi- ral retorne aos valores fisiológicos. Esse tempo é necessá-
nui progressivamente. Quando a temperatura corporal rio para que as drogas anestésicas sejam metabolizadas. O
atinge 28ºC, arritmias cardíacas graves podem ser desen- uso de analgésicos opióides nesse período pode agravar a
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

hipotermia. O paciente deve permanecer seco e coberto, 15 ■ Mangram AJ, Horan TC, Pearson ML, Silver LC, Jarvis WR.
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594
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49
INFECÇÕES
DO SÍTIO
CIRÚRGICO
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução Infecções do sítio cirúrgico


Entre as complicações pós-operatórias, destacam-se as Infecções do sítio cirúrgico são aquelas que acome-
infecções, não apenas pela sua freqüência, mas também tem tecidos, órgãos ou cavidades incisados ou manipula-
pelo risco de evoluírem com outras complicações, seqüelas dos durante o procedimento cirúrgico. Podem ocorrer
e óbito a curto e longo prazo. Além disso, deve-se ressaltar até o 30º dia de pós-operatório ou até o primeiro ano em
o alto custo que representa seu tratamento e controle. caso de colocação de prótese. A simples presença dos
microrganismos nos tecidos do paciente não define a
existência de infecção cirúrgica. Esta deve ser definida
Infecções cirúrgicas como o produto da entrada, crescimento e efeitos fisio-
Podem ser consideradas infecções cirúrgicas aquelas patológicos desses microrganismos sobre os tecidos
que são de tratamento prioritariamente cirúrgico, como o orgânicos e sobre o hospedeiro. Seu diagnóstico baseia-
empiema pleural e o abscesso de partes moles que exigem se, portanto, em critérios clínicos e laboratoriais.
drenagem cirúrgica, a fasciíte necrosante que impõe a rea-
lização de desbridamento etc. Contudo, neste capítulo, o Epidemiologia
conceito empregado para infecções cirúrgicas é outro, e o
termo refere-se às infecções pós-operatórias decorrentes As infecções do sítio cirúrgico estão entre as princi-
da internação, de procedimentos invasivos ou da própria pais causas de óbito pós-operatório. Sua incidência varia
operação. Quando decorrem diretamente do procedi- entre os diversos serviços e depende da qualidade das
mento cirúrgico e acontecem no local manipulado cirur- medidas de prevenção e controle adotadas. Quando elas
gicamente, são denominadas infecções do sítio cirúrgico. ocorrem, demandam maior utilização de procedimentos
Uma outra entidade importante é a infecção cirúrgica diagnósticos e terapêuticos, maior tempo de internação
do paciente. Esta se localiza à distância do sítio cirúrgico, hospitalar e aumentam o índice de reoperações.
mas acontece indiretamente pela realização da operação Acompanham-se, portanto, de prejuízo à saúde do
(da internação, da execução de procedimentos invasivos, paciente, prejuízo social pelo absenteísmo ao trabalho e
das seqüelas cirúrgicas etc). Infecção urinária em paciente ao convívio familiar, além de prejuízo financeiro ao siste-
submetido a cateterismo vesical peroperatório e pneumo- ma de saúde. Medidas de prevenção e controle, associa-
nia em paciente submetido a ressecção de tumor orolabial das ao diagnóstico precoce e tratamento adequado,
são exemplos de infecções cirúrgicas do paciente. Essas impõem-se como meios eficazes para prevenir e minimi-
entidades são abordadas em outros capítulos deste livro. zar as conseqüências das infecções do sítio cirúrgico.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Infecções hospitalares dependentes da técnica cirúrgica, da equipe cirúrgica ou


do ambiente operatório.
As infecções que ocorrem após os primeiros trinta
dias da realização, em ambiente hospitalar, de procedi-
mentos cirúrgicos devem ser consideradas hospitalares, RELACIONADOS COM O HOSPEDEIRO

mesmo quando o diagnóstico é feito no ambulató- A defesa do hospedeiro contra infecções pode ser
rio/consultório após a alta hospitalar. Em contrapartida, representada pela barreira cutâneo-mucosa, que é uma
quando pacientes com infecção pós-operatória são trans- barreira de integridade física, química e imunológica.
feridos de um hospital para outro, a título de vigilância Considerando que a diérese acarreta perda da integridade
epidemiológica, para o hospital que os recebeu, essa física, abre-se uma porta às infecções.
infecção deve ser considerada comunitária. Ressalta-se, Entre os fatores de risco para infecção pós-operatória,
entretanto, que no trato com o paciente, pela presença de relacionados com o paciente, a idade avançada, a obesida-
infecção ocasionada por germes hospitalares e, muitas de e o diabetes mellitus (especialmente descompensado) têm
vezes, multirresistentes, a conduta terapêutica, os cuida- sido considerados os mais importantes7. Esses e outros
fatores que aumentam o risco de infecção do sítio cirúrgi-
dos e as precauções devem considerar estes fatos.
co, principalmente por comprometer a defesa orgânica
sistêmica, encontram-se listados no Quadro 49.1.
Origem da contaminação Extremos de idade aumentam o risco de infecção.
A origem da contaminação e, conseqüentemente, das
infecções do sítio cirúrgico pode ser endógena ou exóge- Quadro 49.1 .: Fatores relacionados com o hospedeiro que
na. A principal fonte exógena é a equipe cirúrgica, mas ela aumentam o risco de infecção do sítio cirúrgico
pode também ser oriunda do ambiente inanimado1.
Estima-se, no entanto, que 60% a 70% dessas infecções Idade (senilidade e prematuridade)
tenham origem endógena, ou seja, originam-se da própria Desnutrição
microbiota do paciente2-4. Deve-se ressaltar que a micro- Obesidade
biota indígena responsável pelas infecções cirúrgicas é a Leucopenia e outros distúrbios imunológicos
microbiota indígena transitória, que se modifica. A maior
Uso de corticóides e imunossupressores
permanência hospitalar do paciente no pré-operatório
Tabagismo
favorece a colonização da pele pela microbiota hospitalar,
Transfusão pré-operatória
ou seja, por microrganismos muitas vezes mais virulentos
e multirresistentes5. A infecção do sítio cirúrgico pode ser Existência de comorbidades (ASA > 2)
até duas vezes mais freqüente em pacientes que permane- Diabetes mellitus descompensado
cem por cinco a sete dias internados no pré-operatório, Esplenectomia em esquistossomóticos
em comparação àqueles que ficam um dia apenas6. Doença oncológica (questionável)
Colonização por microrganismos patogênicos
Fatores de risco Infecção coexistente

Diversos fatores de risco têm sido apontados no


desenvolvimento de infecção do sítio cirúrgico, como
idade avançada, desnutrição, obesidade, diabetes mellitus, Pacientes com idade acima de 65 anos parecem apresen-
baixo nível socioeconômico, tempo cirúrgico aumenta- tar infecção do sítio cirúrgico com maior freqüência3,8-12.
do, hospitalização pré-operatória prolongada e grande As taxas de infecção do sítio cirúrgico aumentam com o
carga infectante de microrganismos. prolongamento da internação hospitalar pré-operatória,
Dessa forma, o risco de desenvolvimento dessa infec- o que pode acontecer também pela coexistência de con-
ção depende de fatores relacionados ao paciente, ao dições mórbidas que requerem correção antes da opera-
agente infeccioso e ao procedimento cirúrgico. Entre ção e que em idosos são mais comuns. Os prematuros
esses últimos fatores, podem ser distinguidos aqueles também são mais sujeitos a essas infecções, provavel-

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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

mente em decorrência da imaturidade dos mecanismos O tabagismo influencia negativamente o processo de


de defesa antibacteriana. cicatrização. Vários estudos o apontam como importan-
A desnutrição grave está associada à ocorrência de te fator de risco para infecção do sítio cirúrgico6,12,26. Um
deficiência de cicatrização, infecções cirúrgicas e morte. deles identificou o tabagismo como fator de risco inde-
Em geral, aceita-se que a desnutrição aumenta o risco de pendente para infecção esternal e mediastinal em pacien-
infecção do sítio cirúrgico, embora associação epidemio- tes submetidos à cirurgia cardíaca6.
lógica consistente seja de difícil demonstração em todas A transfusão de hemoderivados contendo leucócitos
as especialidades cirúrgicas6,13,14. A nutrição parenteral parece constituir fator de risco para o desenvolvimento
total e a nutrição enteral têm surgido como opções para de infecção do sítio cirúrgico. Entretanto, a análise críti-
recuperação nutricional pré-operatória14-6, apesar de nem ca da metodologia e de variáveis intervenientes dos atu-
todos os estudos terem demonstrado redução das infec- ais estudos não permite considerar a transfusão sangüí-
ções do sítio cirúrgico com essas condutas17-9. Atual- nea pré-operatória como fator de risco independente
mente, a terapia nutricional está indicada em diversas para infecção do sítio cirúrgico26,28.
circunstâncias, mas não deve ser considerada sistemati- A existência de comorbidades, em especial quando o
camente como meio preventivo de infecção do sítio risco anestésico-cirúrgico do paciente é moderado a alto
cirúrgico. Deve-se empregar terapia nutricional pré (ASA maior ou igual a 3), também tem sido apontada
e/ou pós-operatória em operações eletivas de maior como fator de risco para infecção do sítio cirúrgico.
porte e em pacientes gravemente desnutridos, conside- Doenças agudas ou crônicas descompensadas devem
rando a grande morbidade das potenciais complicações motivar, sempre que possível, o adiamento do procedi-
pós-operatórias, entre as quais a infecção do sítio cirúr- mento eletivo.
gico16,20. Essa terapia tem-se mostrado particularmente A contribuição do diabetes mellitus é controversa como
importante em certas operações oncológicas de grande fator de risco isolado26,27. A doença descompensada
porte, após repetidas operações em politraumatizados, e (hiperglicemia persistente) indiscutivelmente aumenta o
em pacientes com grandes complicações cirúrgicas que risco de infecção do sítio cirúrgico22,29,30. Níveis de glice-
impedem a alimentação oral ou que levam a estado mia acima de 200mg/dL nas primeiras 48 horas de pós-
hipermetabólico. operatório têm-se associado à maior taxa de infecção do
Vários estudos apontam a obesidade, especialmente sítio cirúrgico. Pacientes com diabetes apresentam defei-
classe III, como fator de risco para infecção do sítio tos na quimiotaxia, aderência e fagocitose dos granulóci-
cirúrgico4-6,21,22. O risco decorre do menor fluxo sangüíneo tos, que se tornam menos aptos à defesa contra infecções
na ferida cirúrgica, da maior dificuldade técnica e do fúngicas e bacterianas. Em estudo nacional realizado no
tempo cirúrgico que, geralmente, é mais prolongado nes- perioperatório de operações ginecológicas, a maioria das
ses pacientes1-5,9,11,23. Outras justificativas para este maior pacientes diabéticas era tipo 2, e o procedimento cirúrgi-
risco tem sido a associação da obesidade com o diabetes co só foi realizado quando a glicemia estava abaixo de
mellitus e com a má-higiene24. Existem alguns estudos que 180mg/dL; mesmo monitorizando-se a glicemia com
associam o aumento da freqüência de infecção do sítio hemoglicoteste e administrando-se insulina simples no
cirúrgico à medida que se observa o aumento da espessu- pré e pós-operatório imediato, o risco de infecção foi seis
ra do tecido celular subcutâneo25. vezes maior na presença de diabetes mellitus21.
Imunodeficiências primárias ou adquiridas aumentam Ao contrário do que já foi descrito no passado, a pre-
o risco de infecção do sítio cirúrgico. Dentre essas, des- sença de doença maligna como indicação cirúrgica pare-
taca-se a infecção pelo HIV (human immunodeficiency virus). ce não apresentar correlação independente com o
A corticoterapia tem efeito negativo sobre a cicatrização aumento do risco de infecção do sítio cirúrgico21,31,32.
da ferida cirúrgica, além de suprimir as defesas imunoló- Através da corrente sangüínea, microrganismos
gicas. Assim, pacientes em uso de corticóides e imunos- podem alcançar a ferida operatória a partir de infecção
supressores no pré-operatório estariam predispostos à distante do sítio cirúrgico33-5. Sua presença é considerada
infecção do sítio cirúrgico; contudo, a literatura é contra- um dos fatores de risco mais importantes para o desen-
ditória a esse respeito26,27. volvimento de infecções incisionais26.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Os Staphylococcos aureus colonizam as narinas de cerca RELACIONADOS COM A TERAPÊUTICA EMPREGADA

de 30% das pessoas sadias e a ocorrência de infecção do Entre os fatores de risco para infecções cirúrgicas
sítio cirúrgico por esse patógeno está associada com sua envolvidos com a terapêutica empregada destacam-se
identificação nas narinas dos pacientes no pré-operató- aqueles relacionados com o procedimento cirúrgico, a
rio36. Recente análise de multivariáveis demonstrou que a equipe cirúrgica, o ambiente cirúrgico e os cuidados
colonização pelo S. aureus foi o fator de risco indepen- pós-operatórios.
dente mais potente para o desenvolvimento de infecção
do sítio cirúrgico em operações cardiotorácicas37. A RELACIONADOS COM O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO
mupirocina aplicada às narinas pode erradicar o S. aureus O fator de risco para infecção do sítio cirúrgico rela-
e seu uso, em pacientes colonizados, tem sido apontado cionado com o procedimento cirúrgico mais classica-
como forma de prevenção de infecção do sítio cirúrgico. mente citado e estudado é o grau de contaminação da
A eficácia desta conduta não está ainda definitivamente operação. Contudo, outros têm sido atualmente conside-
comprovada38. O uso da mupirocina intranasal em pro- rados importantes como a natureza da operação (urgên-
fissionais de saúde tem taxa de sucesso superior a 90% cia ou eletiva), a duração do procedimento e vários
após cinco dias de tratamento, mas precisa ser mais bem aspectos relacionados à técnica operatória.
estudado, uma vez que o desenvolvimento de resistência De acordo com o grau de contaminação das opera-
também é rápido. ções, elas têm sido classificadas em: 1) limpas; 2) poten-
cialmente contaminadas; 3) contaminadas; e 4) infectadas
RELACIONADOS COM OS MICRORGANISMOS ou sujas (Quadro 49.2). As taxas de infecção do sítio
Os principais fatores relacionados aos microrganis- cirúrgico dependem diretamente desse grau de contami-
mos são a carga infectante e a virulência. Carga infectan- nação26. Em operações limpas variam de 1% a 5%, nas
te refere-se ao número de bactérias necessário para que potencialmente contaminadas, de 3% a 11%; nas conta-
ocorra infecção. Tem sido demonstrado que a contami- minadas de 10% a 17% e, nas infectadas, geralmente
nação da ferida cirúrgica com mais de 105 bactérias por encontram-se acima de 27%. A taxa de infecção em pro-
grama de tecido aumenta significativamente o risco de cedimentos limpos é um dos melhores indicadores do
infecção do sítio cirúrgico39. Na presença de corpo estra- controle das infecções hospitalares. Contudo, para que
nho, hematoma ou tecido desvitalizado, esse número seja confiável, é necessário o acompanhamento pós-ope-
pode ser tão pequeno quanto 100 bactérias por grama de ratório ambulatorial do paciente.
tecido. O mesmo tem sido observado em pacientes A natureza da indicação cirúrgica (eletiva, urgência ou
imunossuprimidos8,11,40. emergência) também parece interferir na incidência de
Por sua vez, virulência é a capacidade do microrganis- infecção do sítio cirúrgico41. Após operações de emer-
mo de invadir os tecidos do hospedeiro, multiplicar-se e gência e mesmo de urgência, a ocorrência dessa infecção
produzir-lhe danos. Por exemplo, cápsulas de polissaca- seria maior do que após procedimentos eletivos, devido
rídeos da superfície bacteriana inibem a fagocitose, um ao caráter normalmente mais grave da doença cirúrgica,
processo crítico da defesa primária dos tecidos contra ao pior estado clínico do paciente, à maior dificuldade
infecção do sítio cirúrgico. Certas cepas de clostrídios e técnica e ao pior preparo pré-operatório dos pacientes.
estreptococos produzem exotoxinas com o poder de A associação entre tempo cirúrgico prolongado e
romper as membranas celulares. Uma variedade de infecção do sítio cirúrgico tem sido descrita em diversos
microrganismos, incluindo estafilococos coagulase-nega- estudos, possivelmente pelo aumento do potencial de
tivos, produzem glicocálix e um componente associado contaminação do campo cirúrgico42-4. No decorrer do
chamado slime, que protegem fisicamente a bactéria da procedimento cirúrgico, observa-se proliferação micro-
fagocitose ou inibem a ligação ou penetração de agentes biana, possivelmente, a partir da descamação do tecido
antimicrobianos. epitelial ou da excessiva manipulação, e os microrganis-
Um outro fator relacionado aos microrganismos e mos podem atingir os tecidos mais profundos. Acredita-
que influencia negativamente a prevenção e o tratamen- se que, para cada hora transcorrida além do tempo cirúr-
to das infecções do sítio cirúrgico é a resistência aos gico habitual, o risco de infecção do sítio cirúrgico
antimicrobianos. dobre42. O aumento da duração cirúrgica pode estar tam-
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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

bém associado às dificuldades técnicas em casos de manuseio delicado dos tecidos, com redução do trauma
maior complexidade, ao estado do paciente (aderências, tecidual, deve ser preocupação constante da equipe cirúrgi-
obesidade, reoperação), às operações oncológicas e à ca. Corpo estranho, tecido desvitalizado ou hematoma fun-
inexperiência do cirurgião; todos eles fatores de risco cionam como foco de proliferação de microrganismos
independentes para infecção. Uma boa experiência e livres das defesas teciduais, aumentando sobremaneira a
habilidade técnica do cirurgião são determinantes de incidência de infecção do sítio cirúrgico. Para prevenir sua
diminuição do tempo operatório45. ocorrência, portanto, é essencial realizar boa hemostasia
(sem uso excessivo de eletrocautério), evitar espaços mor-
Quadro 49.2 .: Classificação das operações quanto ao grau de tos e usar adequadamente drenos, próteses e materiais de
contaminação
sutura. Os fios monofilamentares são melhores que os
trançados, pois não oferecem reentrâncias para abrigo de
microrganismos46,47. Por sua vez, os fios não-absorvíveis
Operações limpas Aquelas onde não se encontra infecção parecem apresentar maior capacidade de atrair bactérias
ou processo inflamatório no sítio cirúr-
gico e não há abertura dos tratos respi- para sua superfície; entre os fios absorvíveis, o polidioxano-
ratório, digestivo, genital e/ou urinário. ne tem apresentado baixa adesividade bacteriana, tanto
Além disso, não há falha da técnica para E. coli, quanto para S. aureus47. Os drenos não devem
asséptica, as feridas são fechadas pri- ser colocados através da incisão, mas por contra-abertura e,
mariamente e, se necessário, drenadas
em sistema fechado preferencialmente, em sistema fechado, para diminuir o
risco de infecção44,48,49 (Quadro 49.3).
Operações potencialmente Procedimentos nos quais o(s) trato(s)
contaminadas respiratório, digestivo, genital e/ou uri-
nário é(são) aberto(s) sob condições
controladas, sem contaminação grossei- Quadro 49.3 .: Fatores relacionados com a técnica cirúrgica e
ra. Operações envolvendo trato biliar, que comprometem a defesa orgânica local, favorecendo a infecção
apêndice, vagina e orofaringe, sem evi- do sítio cirúrgico
dência de infecção ou falha da técnica
asséptica, estão incluídas nesta categoria
Desrespeito à técnica asséptica
Operações contaminadas Operações com quebra da técnica assép- Manuseio agressivo dos tecidos
tica ou contaminação grosseira a partir
do trato gastrointestinal, biliar e/ou Hemostasia insuficiente (hematoma)
gênito-urinário, na presença de bile e/ou Cauterização excessiva
urina colonizadas, e feridas com proces-
so inflamatório agudo não-purulento Ligadura em massa
estão incluídas nesta categoria. Incluem Presença de corpo estranho e de tecidos desvitalizados
também feridas traumáticas abertas,
Uso de fios cirúrgicos pouco inertes e multifilamentados
com menos de seis horas de evolução
Uso indiscriminado de drenos em sistema aberto
Operações sujas ou Aquelas com infecção clínica preexis-
infectadas tente ou com perfuração de víscera oca. Exteriorização de dreno na ferida cirúrgica principal
Esta definição sugere que os microrga- Manutenção de espaço-morto
nismos causadores da infecção do sítio
cirúrgico estavam presentes no campo Contaminação grosseira do campo cirúrgico
operatório antes mesmo do procedi-
mento cirúrgico. Incluem as feridas
traumáticas abertas, tardias (mais de É importante também a prevenção da hipotermia
seis horas de evolução) ou com tecido
desvitalizado perioperatória (temperatura abaixo de 36ºC), sob pena de
reduzir a oxigenação tecidual e deprimir a função fagoci-
tária, favorecendo a infecção do sítio cirúrgico50.
Adaptado de Mangram et al.26

A realização de técnica cirúrgica correta, respeitando os RELACIONADOS COM A EQUIPE CIRÚRGICA

princípios de Halsted, é essencial e constitui a medida mais Os fatores de risco para infecções do sítio cirúrgico
importante na prevenção da infecção do sítio cirúrgico. O dependem diretamente da higiene, paramentação e

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

degermação das mãos e antebraços da equipe cirúrgica. O rexidina. A anti-sepsia das mãos e dos antebraços do
cirurgião e sua equipe devem manter higiene pessoal cuida- cirurgião, também denominada escovação das mãos do
dosa para não serem carreadores de patógenos ao ambien- cirurgião, constitui processo que visa à remoção de suji-
te hospitalar, especialmente às zonas críticas como o cen- dades e detritos, à redução substancial ou eliminação da
tro cirúrgico. As unhas devem ser mantidas curtas e limpas. microbiota transitória e à redução parcial da microbiota
Não se devem usar unhas artificiais. Os cabelos e as barbas residente. A maioria dos autores e dos protocolos tem
devem ser mantidos adequadamente higienizados. recomendado realizar essa anti-sepsia com PVP-I deger-
A circulação no centro cirúrgico deve ser feita com mante ou gluconato de clorexidina, com auxílio de esco-
roupa limpa própria, mantendo-se apenas a roupa íntima va macia ou esponja de poliuretano esterilizadas, interes-
por baixo. Gorro e máscara protegem o campo cirúrgico sando desde a ponta dos dedos até a região acima dos
e os instrumentais contra pêlos e detritos da pele, sendo cotovelos, durante pelo menos cinco minutos52-5.
obrigatório seu uso por todos que circulam no bloco Tempos menores são comprovadamente insuficientes, a
cirúrgico. O gorro deve cobrir todo o cabelo (cabelos não ser que o cirurgião saia de um procedimento de
maiores podem demandar dois gorros) e a máscara menos de 60 minutos diretamente para outro; neste caso,
cobrir a boca e o nariz. Os gorros são materiais baratos e a anti-sepsia pode durar três minutos56-8. Atenção especial
diminuem a contaminação bacteriana do campo cirúrgi- deve ser dada aos espaços subungueais e pregas interdi-
co, proveniente do cabelo e do couro cabeludo. Apesar gitais. Em alguns casos, o uso de escova é imprescindível
de alguns estudos questionarem o valor do uso da más- para garantir a limpeza dos leitos subungueais. Após
cara durante a operação no controle de infecções incisio- degermação, enxaguar, manter os braços em flexão com
nais, o risco para a equipe cirúrgica de se expor ao sangue as mãos para cima e secar com compressa esterilizada,
e a outros fluidos corporais do paciente torna seu uso respeitando o sentido dedos-cotovelo. A luva química
com PVP-I degermante ou tintura não é obrigatória,
obrigatório, constituindo medida de precaução padrão
sendo desencorajada em alguns serviços. As principais
ou universal. O CDC recomenda, na sala cirúrgica, o uso
características dos principais anti-sépticos estão sumaria-
de máscaras que cubram a boca e o nariz, sempre que a
das no Quadro 49.5.
operação estiver por começar, em andamento ou se hou-
ver material cirúrgico estéril exposto. Os aventais usados Quadro 49.4 .: Conceitos de anti-sepsia e anti-sépticos
pelos profissionais no campo cirúrgico devem ser espes-
sos, resistentes e de preferência impermeáveis para pro-
teger o campo do contato com fragmentos da pele da
Anti-sepsia Procedimento empregado para destrui-
equipe cirúrgica e esta dos fluidos e secreções do pacien- ção de germes da pele e de mucosas, por
te. As luvas cirúrgicas são barreiras eficazes contra a con- meio do uso de agentes anti-sépticos
taminação do sítio cirúrgico. Devem ser trocadas sempre
Anti-sépticos Substâncias providas de ação letal ou
que ocorrer perfuração1,5,51. Os propés (protetores de cal- inibitória da reprodução microbiana,
çados) são recomendados, apesar de não influenciarem preferencialmente hipoalergênicas e de
na incidência de infecção do sítio cirúrgico1,4,10. Podem ser baixa causticidade, de ação rápida e
prolongada, destinadas a aplicações em
substituídos por calçados destinados a uso individual e pele e em mucosas
exclusivo no centro cirúrgico. Neste ambiente, adornos
como anéis, relógios e pulseiras não devem ser usados e
objetos pessoais como bolsas, jornais, entre outros, não RELACIONADOS COM O AMBIENTE CIRÚRGICO
devem ser levados à sala cirúrgica. Alguns aspectos relacionados com o ambiente cirúrgi-
Na anti-sepsia das mãos e antebraço da equipe cirúr- co podem influenciar o risco de infecções do sítio cirúrgi-
gica, o agente anti-séptico deve, idealmente, ter amplo co, como o espaço físico das salas cirúrgicas, que deve ser
espectro contra os microrganismos, ser de ação rápida e suficiente para circulação da equipe, de modo a evitar
ter efeito residual. Os conceitos de anti-sepsia e de agen- contaminações acidentais. Atualmente, com o emprego
tes anti-sépticos estão apresentados no Quadro 49.4. Os de vários equipamentos no peroperatório (videolaparos-
anti-sépticos mais usados na prática cirúrgica têm sido os cópio, microscópico cirúrgico, radioscopia etc.), as salas
iodóforos (polivinil-pirrolidona-iodo ou PVP-I) e a clo-
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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

cirúrgicas idealmente devem ter mais de 20m2. Na sala das vias aéreas da equipe cirúrgica e do paciente. A ven-
cirúrgica, pisos e paredes devem ser de materiais lisos, tilação deve ser feita com ar filtrado e pressão positiva,
não-porosos, laváveis e resistentes ao fogo. em relação aos corredores e áreas adjacentes. É também
O ar do ambiente cirúrgico constitui importante veí- importante que o sistema de ar condicionado permita
culo de contaminação bacteriana. A concentração destes adequado controle da umidade (50% a 60%) e da tempe-
microrganismos no ar é, no princípio da operação, baixa, ratura (21ºC a 24ºC). É necessário manter um mínimo de
mas aumenta no seu transcorrer, principalmente pela dis- 15 trocas de ar por hora. A admissão do ar deve ser feita
persão de restos epidérmicos e de bactérias provenientes próximo ao teto e sua exaustão próximo ao piso.

Quadro 49.5 .: Características dos principais anti-sépticos atualmente empregados na prática hospitalar

Álcool etílico Álcool iodado Iodóforos Clorexidina


a 70% 0,5% a 1% (PVP-I) 0,5% c/ álcool; 2% a 4% aquosa

Eficiência Boa Boa Ótima Excelente

Gram + +++ +++ +++ +++


Gram – +++ +++ +++ ++
Vírus +++ +++ ++ +
Micobactérias +++ +++ + +
Fungos +++ ++ ++ +

Velocidade de ação Rápida Intermediária Intermediária Intermediária

Efeito residual Ausente Ausente Menor (4h) Maior (5-6h)


Atividade reduzida em pre- Sim Sim Sim Não
sença de material orgânico

Reações de hiper- Ausente Ao iodo Ao iodo Raras


sensibilidade (questionável)

Efeitos colaterais e Mínima; resse- Irritações e Irritações e quei- Baixa toxidade; ceratite e
toxicidade camento da queimaduras maduras menos ototoxidade se aplicado nos
pele* comuns comuns ** olhos/ ouvidos de RN

Custo Baixo Baixo Médio Alto

Principais indicações Anti-sepsia das mãos Preparo do campo em Degermação pré-ope- Degermação das mãos da
antes e após manipu- procedimentos invasi- ratória e das mãos da equipe cirúrgica
lar o paciente vos ou cirúrgicos de equipe cirúrgica
(degermante) Preparo do campo cirúrgico
Anti-sepsia da pele curta duração – p. ex.,
antes de punção biópsias de pele Anti-sepsia de muco-
venosa sas (tópico)
Preparo do campo
cirúrgico (tintura)

Observações Não deve ser uti- Deve ser acondi- Não deve ser Deixa mancha
lizado em mãos cionado em fras- usado em recém- nas roupas
úmidas co âmbar e remo- nascidos
vido após proce-
dimento

* Para evitar o ressecamento da pele pelo seu uso repetido, disponibilizar nos lavabos das enfermarias álcool etílico com glicerina (2%)
** Especialmente na genitália, em peles mais finas e se permanecerem por longos períodos

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Manutenção preventiva e periódica do sistema de venti- tempo operatório, pela maior gravidade dos casos opera-
lação é imprescindível. O emprego de ventilação com dos, mas seguramente, também, pela maior circulação de
fluxo laminar e de irradiação ultravioleta não se justifi- pessoas no centro cirúrgico.
cam rotineiramente1,43,59,60.
A limpeza do ambiente hospitalar constitui aspecto
RELACIONADOS COM OS CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS
essencial no controle de qualquer infecção nosocomial.
Apesar de a maioria das infecções do sítio cirúrgico
A desinfecção de superfície (piso, paredes, mesa cirúrgi-
ocorrer pela contaminação peroperatória1, ela pode
ca, maca etc.) deve ser realizada na eventualidade de qual-
dever-se à contaminação pós-operatória quando não há
quer contaminação e periodicamente de acordo com
fechamento primário da ferida, ou quando ocorrem deis-
rotina da Comissão de Controle de Infecções
cência, manipulação excessiva ou deslizes técnicos no
Hospitalares. Os instrumentos cirúrgicos, campos, com-
manejo pós-operatório da ferida operatória. A realização
pressas, entre outros, devem estar devidamente esterili-
e a manutenção de curativos e a retirada de pontos cons-
zados; na impossibilidade de se respeitar este princípio
tituem momentos críticos que devem ser discutidos.
(como é o caso de instrumentos de operação laparoscó-
Os curativos mantêm umidade e temperatura ade-
pica), esses instrumentos devem ser submetidos, no
quadas nas feridas cirúrgicas, protegem contra traumas
mínimo, a desinfecção de alto nível. Conceitos e exem-
mecânicos e contaminações do meio externo e absor-
plos de técnicas de limpeza, desinfecção e esterilização
vem as secreções, favorecendo a epitelização e cicatriza-
estão listados no Quadro 49.6.
ção. Por meio de seu efeito compressivo, ajudam a pre-
Quadro 49.6 .: Conceitos de limpeza, desinfecção e esterilização venir a formação de hematomas e seromas. Além disso,
oferecem conforto físico e psicológico ao paciente. A
utilização dos curativos é um meio de prevenção das
Limpeza Procedimento de remoção de sujidade e infecções do sítio cirúrgico; contudo, alguns princípios
detritos para manter em estado de asseio as
devem ser respeitados.
superfícies e os artigos, reduzindo a popula-
ção microbiana. Deve preceder a desinfecção Os curativos devem ser feitos com técnica e material
e a esterilização. asséptico, logo após o término da operação, e mantidos por
Principais técnicas – limpeza mecânica com 24 a 48 horas, sem serem molhados. A troca deve ser feita
água, detergentes e/ou produtos enzimáticos.
antes de 24h apenas se acumularem secreções, também sob
Desinfecção Procedimento que promove a destruição de condições assépticas, evitando-se a manipulação vigorosa
microrganismos patogênicos na forma vegeta- da ferida, e usando-se para limpeza a solução salina 0,9% e,
tiva, presentes em superfícies inertes, por meio em casos selecionados, PVP-I tópico. Após 48 horas, as
da aplicação de agentes químicos ou físicos.
Pode ser de baixo, médio ou alto nível. feridas suturadas devem ser mantidas preferencialmente
Principais técnicas – glutaraldeído, álcool, descobertas. Na presença de foco infeccioso nas proximi-
iodóforos e compostos clorados fenólicos. dades da ferida (colostomias, infecção), mantém-se curati-
Esterilização Procedimento que promove a destruição de
vo oclusivo impermeável que, além de favorecer a cicatri-
todas as formas microbianas (bactérias, fun- zação, evita a contaminação bacteriana.
gos, vírus e esporos) presentes em superfícies O momento ideal para a retirada dos pontos deve res-
inertes, por meio da aplicação de processos peitar o processo de cicatrização e outros aspectos da feri-
físicos e/ou químicos.
Principais técnicas – óxido de etileno, estu- da operatória. Sua retirada precoce pode levar à deiscência
fas elétricas (calor seco), autoclave (calor da ferida e seu adiamento faz com que o fio funcione como
úmido) e radiação. corpo estranho levando a reações inflamatórias. Normal-
mente, retiram-se os pontos em torno do 10º dia pós-ope-
ratório. Nas feridas em áreas sem tensão, onde a irrigação
Deve haver controle do trânsito de pessoas na sala sangüínea é intensa (como na face) e quando se deseja
cirúrgica, que deve ser limitado ao pessoal de apoio devi- melhor resultado estético, os pontos podem ser retirados
damente treinado. Os procedimentos cirúrgicos realiza- no 5º dia pós-operatório e substituídos por fitas micropo-
dos em hospitais universitários apresentam maiores taxas rosas até que a ferida alcance maior resistência tênsil. Ao se
de infecção do sítio cirúrgico, provavelmente pelo maior retirarem os pontos de sutura, deve-se fazer a anti-sepsia da

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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

ferida e utilizar instrumental esterilizado. Corta-se o fio caso é freqüentemente denominada “celulite”. Ela é
rente à pele e traciona-se a maior extremidade, de modo relativamente comum, mas deve ser diferenciada da res-
que a mínima quantidade de fio externo passe por dentro posta inflamatória ao trauma que normalmente ocorre
da ferida, evitando a contaminação do trajeto. Nas suturas na ferida operatória e de eventuais reações de corpo
transversais à linha de incisão, a tração deve ser direciona- estranho aos fios cirúrgicos ou próteses. Outras vezes,
da para a borda contra-lateral e, nas suturas longitudinais determina área de maior inflamação, circunscrita e
(intradérmicas), a tração é feita seguindo a linha de incisão, tumefeita, denominada abscesso (tecido subcutâneo
contendo a ferida com uma gaze estéril para impedir seu infectado e necrosado que geralmente se liquefaz levan-
estiramento. Tais técnicas evitam a deiscência da ferida do a flutuação).
operatória. Se durante a retirada dos pontos ocorrer lesão
da pele ou deiscência da ferida, devem-se fazer curativos ou
Infecção incisional profunda
mesmo considerar a ressutura.
Envolve obrigatoriamente o plano músculo-aponeu-
Classificação rótico da ferida operatória. Apresenta caráter mais grave
por comprometer tecidos funcionalmente mais nobres,
As infecções do sítio cirúrgico são classificadas de como fáscias, aponeuroses, músculos, tendões, vasos e
acordo com sua localização anatômica em infecções inci- nervos, e por colocar em risco as cavidades (p.ex., a
sionais, que acometem os tecidos parietais incisados, e abdominal) protegidas por estes planos parietais. Pode
infecção de órgãos ou cavidades. As infecções incisionais evoluir com abscedação e, principalmente, com necrose
podem ser superficiais e/ou profundas e representam (fasciíte ou miosites necrosantes). Pode estar ou não
70% a 80% das infecções do sítio cirúrgico1 (Figura 49.1). acompanhada de infecção incisional superficial.

Infecção de órgãos ou cavidades


São aquelas que acometem qualquer região anatômica
que foi aberta ou manipulada durante a operação, a exce-
ção dos tecidos parietais. Com freqüência, decorrem de
deiscência de suturas ou anastomoses gastrointestinais
ou são complicações de condição mórbida pré-existente
ou do tratamento cirúrgico do abdome agudo (colecisti-
te aguda, apendicite aguda, úlcera perfurada e perfura-
ções intestinais, traumáticas ou não).
São graves, pois podem evoluir mais freqüentemente
com septicemia. Constituem exemplos a endocardite
após troca de válvula cardíaca, os abscessos intra-abdo-
minais após laparotomias, o empiema pleural após tora-
cotomias, a meningite após craniotomias e a infecção uri-
nária após prostatectomia convencional.

Infecção do sítio cirúrgico com extensão regional


Figura 49.1 .: Classificação topográfica das infecções do sítio
cirúrgico de acordo com sua localização e os tecidos envolvidos As infecções do sítio cirúrgico podem estender-se a
tecidos, órgãos ou cavidades regionalmente próximos ao
local operado por meio da disseminação dos microrga-
Infecção incisional superficial
nismos por contigüidade, via linfática ou através de espa-
Acomete apenas a pele e/ou subcutâneo do local da ços naturais como bainhas musculares e tendinosas.
incisão. Pode determinar hiperemia, calor e dor; nesse Empiema pleural decorrente de abscesso subfrênico

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

num paciente submetido a colecistectomia e gangrena de patógenos desde que se faça rigoroso preparo do campo
Fournier no pós-operatório de procedimento ano-retal operatório. Contudo, pêlos na linha de incisão podem
são bons exemplos. funcionar como corpos estranhos na ferida operatória,
dificultando a aproximação de suas bordas e a realização
de curativos. Quando a remoção dos pêlos é feita por
Profilaxia raspagem (tricotomia com lâmina), aumenta-se significa-
Todos os esforços devem ser empreendidos na tenta- tivamente o índice de infecção do sítio cirúrgico, se com-
tiva de prevenir a ocorrência das infecções do sítio cirúr- parada com sua remoção por tonsura, com tricotomiza-
gico. Com este objetivo podem-se tomar medidas tanto dor elétrico (clipper) ou com a não-remoção42,61. O risco
para reduzir a contaminação bacteriana, quanto para aumentado da raspagem é atribuído a pequenas lesões da
melhorar a defesa orgânica do hospedeiro. pele (escoriações), causadas pela lâmina, que funcionam
como focos de proliferação bacteriana. O momento da
retirada dos pêlos também é outro aspecto importante.
Melhora da defesa orgânica Observam-se taxas de infecção do sítio cirúrgico de 3,1%
com raspagem imediatamente antes da operação, de
Por meio de adequada avaliação e preparo pré-opera-
7,1% 24 horas antes e maiores de 20% quando a raspa-
tório, em particular nos pacientes com maior risco anes-
gem é feita mais que 24 horas antes do ato cirúrgico61. As
tésico-cirúrgico, é possível reduzir o risco de complica-
recomendações são para se evitar a remoção de pêlos
ções perioperatórias, inclusive o risco de infecções cirúr-
sempre que possível; realizá-la no máximo duas horas
gicas. Constituem condutas particularmente importantes:
antes da intervenção, preferencialmente na sala ou ante-
terapia nutricional em pacientes com desnutrição acen- sala cirúrgica e antes da anti-sepsia da pele; restringi-la à
tuada; interrupção do tabagismo; redução da obesidade área da incisão; preferir a tonsura à tricotomia; preferir a
sob rigoroso controle clínico-endocrinológico e nutricio- tricotomia elétrica à tricotomia com lâmina1,44,62,63. Se o
nal; controle da hiperglicemia em pacientes diabéticos paciente não costuma apresentar reação alérgica cutânea
descompensados; diagnóstico (p.ex., urocultura) e trata- à depilação química (cremes depilatórios), essa técnica
mento de infecções prévias (p.ex., infecção urinária); e pode ser utilizada com vantagens em relação à raspagem
tratamento de demais comorbidades. do pêlo61. Contudo, deve-se evitar seu uso próximo dos
olhos e da genitália, porque pode provocar irritação.
Redução da contaminação bacteriana
DEGERMAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
A redução da contaminação bacteriana do sítio cirúr-
gico deve ser alcançada a partir de inúmeras medidas, a O banho pré-operatório com anti-sépticos degerman-
serem tomadas em vários momentos e por diversos pro- tes (PVP-I ou clorexidina), conhecido como degermação
fissionais. No Quadro 49.7, estão sumariadas várias medi- pré-operatória, deve enfatizar a futura área cirúrgica e ser
realizado, preferencialmente, uma a duas horas antes de
das que visam evitar as infecções cirúrgicas, especialmen-
o paciente ser encaminhado ao centro cirúrgico. O obje-
te por meio da redução da contaminação bacteriana.
tivo dessa degermação é eliminar a sujidade, a oleosidade
Todas as medidas preventivas apresentadas no Quadro
e os patógenos presentes na pele. Alguns estudos mos-
49.7 são igualmente importantes; algumas já foram discuti-
tram que sua realização diminui a colonização da pele;
das, neste capítulo, quando foram apresentados os princi-
outros que ele pode também reduzir a incidência de
pais fatores de risco para infecção do sítio cirúrgico.
infecção incisional, especialmente em operações limpas26.
Adiante, salientaremos aspectos importantes do uso crite-
Contudo, diferentemente do banho com água e sabão,
rioso da tricotomia pré-operatória, da degermação pré-
que é consensual, seu emprego rotineiro é controverso,
operatória e do preparo do campo cirúrgico.
exigindo mais estudos e reflexões3,26. O CDC tem reco-
mendado, na prevenção da infecção do sítio cirúrgico,
USO CRITERIOSO DA TRICOTOMIA PRÉ-OPERATÓRIA seu emprego na noite anterior e na manhã da operação.
Os pêlos possuem microbiota própria responsiva à No entanto, alguns serviços têm empregado a degerma-
anti-sepsia e não são considerados fontes importantes de ção pré-operatória apenas em situações de maior risco,
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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

como implantes de prótese, operações cardíacas, opera- A degermação e anti-sepsia da pele visam remover
ções cranianas etc. detritos e impurezas da superfície da pele e destruir ou
inibir as microbiotas indígenas transitórias e residentes
Quadro 49.7 .: Medidas que visam prevenir a ocorrência de na região do campo operatório. Entre os diversos anti-
infecção do sítio cirúrgico sépticos existentes, os mais utilizados são o PVP-I, o glu-
conato de clorexidina e as soluções alcoólicas64,65. O
Garantir adequada limpeza e desinfecção do ambiente hospitalar álcool tem as desvantagens de não ter atividade residual
Reduzir o tempo de internação pré-operatório e de ser inflamável. Os iodóforos e o gluconato de clore-
Projetar instalações adequadas, garantir manutenção de sistema xidina apresentam ação residual64,66. A clorexidina tem
de ventilação etc. como vantagens maior tempo de ação residual, redução
Não armazenar materiais, equipamentos e soluções nas salas mais eficiente da microbiota da pele e o fato de não ser
cirúrgicas inativada pelo sangue ou proteínas plasmáticas26,65-7.
Realizar esterilização do instrumental cirúrgico, campos, com- Apesar disso, não existem estudos comparando adequa-
pressas etc. damente os efeitos desses anti-sépticos na prevenção da
Reduzir o trânsito na sala cirúrgica infecção do sítio cirúrgico. Recomenda-se aplicar o PVP-
I degermante, remover o excesso de espuma com com-
Adotar postura apropriada na sala cirúrgica
pressa esterilizada seca ou úmida (solução salina) e,
Manter higiene pessoal adequada (equipe cirúrgica)
então, aplicar o PVP-I tintura, utilizando pinça e gazes
Realizar paramentação adequada com o uso sistemático, na sala esterilizadas. Os movimentos devem ser uniformes, par-
cirúrgica, de roupas próprias, gorros e máscaras
tindo das áreas menos contaminadas para as mais conta-
No campo cirúrgico, além de gorros e máscaras, a equipe minadas e descartando a gaze antes de retornar ao ponto
cirúrgica deve utilizar capotes e luvas estéreis e óculos de pro- inicial. A aplicação de anti-sépticos deve ser ampla (30cm
teção (equipamentos de proteção individual)
ao redor da futura incisão), possibilitando ampliação da
Proceder degermação correta das mãos e antebraços (equipe incisão e permitindo a inserção de drenos. A solução
cirúrgica) deve secar espontaneamente. Ao término do procedi-
Avaliar o emprego da degermação pré-operatória (banho com mento cirúrgico, o excesso da solução anti-séptica deve
anti-séptico degermante) ser removido com compressa embebida em solução sali-
Usar criteriosamente a retirada dos pêlos (tricotomia pré- na. O contato prolongado com a pele do paciente, prin-
operatória) cipalmente das soluções alcoólicas e mormente nas áreas
Realizar adequado preparo do campo cirúrgico perineais e genitais, deve ser evitado sob pena de causar
Empregar corretamente a antibioticoprofilaxia cirúrgica (ver irritação e queimadura. Nos raros pacientes alérgicos ao
Capítulo 18) PVP-I, pode-se empregar a clorexidina. Não se deve apli-
Realizar técnica cirúrgica correta car álcoois (etílico ou iodado) após PVP-I ou clorexidina,
Reduzir a duração da operação, sem comprometer a eficiência
já que os primeiros anulam o efeito residual dos últimos
da mesma (não confundir PVP-I tintura com álcool iodado).
Lavar adequadamente as mãos antes e após examinar o pacien-
A anti-sepsia de mucosas requer a utilização de anti-
te cirúrgico (pré e pós-operatório) sépticos ativos em presença de muco, em soluções aquo-
sas sem detergentes, não irritantes para as mucosas. Para
Empregar e realizar corretamente curativos e retirada de
pontos
isso, utilizam-se duas aplicações de PVP-I tópico. Neste
caso, aguardar pelo menos dois minutos após a última
aplicação para iniciar o ato cirúrgico.
O emprego de campos cirúrgicos objetiva estabelecer
PREPARO DO CAMPO CIRÚRGICO barreira asséptica para reduzir a passagem de microrganis-
O preparo do campo cirúrgico é realizado por meio mos de áreas não-estéreis para estéreis. O benefício do uso
da anti-sepsia da pele e da delimitação da área cirúrgica de campos adesivos plásticos descartáveis, alguns inclusive
com a colocação de campos de tecido (reutilizáveis) ou impregnados com soluções anti-sépticas, tem sido avalia-
de plástico (descartáveis). do8, contudo seu uso rotineiro não está, por hora, indicado.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Principais patógenos que utilizaram antimicrobianos anteriormente e nos


casos de maior gravidade clínica. Tem-se observado
Os agentes etiológicos das infecções do sítio cirúrgi- aumento da incidência de infecções causadas por
co mais freqüentemente isolados são os Staphylococcus Klebsiella sp., Enterobacter sp. e Acinetobacter sp. em hospitais
aureus, seguidos pelos estafilococos coagulase negativa, brasileiros, provavelmente devido ao uso abusivo de
Enterococcus spp. e Escherichia coli. cefalosporinas, que leva à seleção dessas bactérias.

Bactérias Gram-positivas Anaeróbios


O Staphylococcus aureus é, isoladamente, o microrganismo São freqüentes nas operações colo-retais (Bacterioides
mais prevalente, seguido pelo estafilococo coagulase-nega- fragilis) e ginecológicas. O Clostridium perfringens é capaz de
tiva (principalmente S. epidermidis) e pelo enterococo; os produzir infecções necrosantes de alta gravidade, geral-
dois primeiros especialmente em operações limpas, e em mente associadas a falhas no processo de esterilização do
sítio superficial1-4,26,35. O S.aureus é bactéria muito patogênica, material cirúrgico.
com alto poder de invasão e grande produção de toxinas, o
que favorece o estabelecimento de infecção68,69. O aumento
na freqüência de infecções por estafilococos coagulase- Fungos
negativa parece estar relacionado ao aumento de operações
com implante de prótese e ao uso profilático de cefalospo- São menos comuns. Candida albicans ocorre particular-
rinas, uma vez que essas bactérias são geralmente resisten- mente em imunodeprimidos, desnutridos graves, diabéti-
tes aos beta-lactâmicos70. O enterococo tem assumido cos descompensados, pacientes usando antimicrobianos
papel importante na gênese das infecções do sítio cirúrgico, de amplo espectro e/ou nutrição parenteral central.
provavelmente também pelo uso freqüente de celalospori-
nas em profilaxia cirúrgica. Tem sido valorizada sua identi- Diagnóstico
ficação em abscessos de origem polimicrobiana após ope-
rações colo-retais e ginecológicas. Diagnóstico clínico
Os estreptococos são menos comuns, porém impor-
A infecção do sítio cirúrgico, outrora denominada
tantes, pois determinam infecções incisionais freqüente-
mente graves e com curto período de incubação (menor infecção da ferida cirúrgica, é responsável por cerca de um
que três dias). Infecções incisionais diagnosticadas antes quarto das infecções hospitalares e por 30% a 40% das
do segundo dia pós-operatório, geralmente, são atribuí- infecções em pacientes cirúrgicos. O período de observa-
das ao estreptococo hemolítico do grupo A. A principal ção para definição das infecções do sítio cirúrgico é de 30
fonte de contaminação é a própria microbiota do pacien- dias, pois cerca de 97% delas são diagnosticadas até o 21º
te; contudo, profissionais de saúde colonizados por dia após a alta hospitalar. Em procedimentos cirúrgicos
estreptococos também foram identificados como possí- com curto período de hospitalização pós-operatória, as
veis fontes de surtos. infecções se manifestarão no domicílio do paciente e serão
diagnosticadas no ambulatório de egressos ou no pronto-
atendimento se o paciente apresentar-se mais enfermo.
Bactérias Gram-negativas
Podem ocasionar até 40% das infecções do sítio MANIFESTAÇÕES SISTÊMICAS
cirúrgico, principalmente quando há abertura do trato A febre constitui a manifestação sistêmica mais fre-
gastrointestinal1,2,35. Porém, em cerca de 60% das opera- qüente da infecção cirúrgica, podendo ocorrer em até
ções do trato digestivo e respiratório, urinário e gineco- 15% dos pós-operatórios não-complicados e estar ausen-
lógico, a infecção é polimicrobiana. A Escherichia coli é um te em mais da metade dos pacientes com infecção do
dos microrganismos mais comuns (depois dos estafiloco- sítio cirúrgico. A ausência da febre é observada especial-
cos e enterococos). Pseudomonas aeruginosa é comum em mente em pacientes com infecção incisional superficial
pacientes com longa permanência hospitalar, naqueles sem abscedação e nos imunossuprimidos. Quando pre-
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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

sente, a febre, geralmente, precede as manifestações vimento da ferida). A drenagem purulenta e a necrose
locais da infecção do sítio cirúrgico. tecidual constituem sinais específicos da infecção.
Outros sinais e sintomas da infecção do sítio cirúrgico Devem ser colhidas amostras das secreções e/ou dos
incluem mal-estar, adinamia, prostração e anorexia; con- tecidos para Gram, cultura e antibiograma.
tudo, essas são ocorrências comuns nos primeiros dias de Ao examinarmos uma ferida pós-operatória, podemos
pós-operatório não-complicado. Em infecções do sítio considerá-la infectada, possivelmente infectada ou não-
cirúrgico mais graves, pode-se observar taquicardia, vaso- infectada (Quadro 49.8). A título de vigilância epidemio-
dilatação periférica, hipotensão e choque, taquipnéia e lógica e em estudos científicos devem-se considerar todas
hipoxemia, icterícia, coagulopatia, torpor e coma. as feridas possivelmente infectadas como infectadas.
Habitualmente, a febre e as demais manifestações sis-
têmicas surgem a partir do 5º dia pós-operatório; contu-
Quadro 49.8 .: Classificação das feridas pós-operatórias
do, infecções por estreptococos e por anaeróbios, espe-
cialmente Clostridium sp., manifestam-se precocemente, e
Feridas cirúrgicas Características
os sinais e sintomas podem estar presentes antes de 12
horas do término da operação (Figura 49.2). Não-infectadas Feridas cirúrgicas sem sinais flogísticos,
sem exsudação e sem necrose

Possivelmente infectadas Feridas cirúrgicas com sinais flogísticos


e/ou com exsudação não-purulenta, mas
sem necrose e sem purulência

Infectadas Ferida cirúrgica com presença de secre-


ção purulenta e/ou necrose

Diagnóstico laboratorial
O leucograma, a velocidade de hemossedimentação e
a proteína C reativa podem auxiliar no diagnóstico de
infecção do sítio cirúrgico, porém não são específicos e,
com freqüência, mostram-se alterados devido ao próprio
trauma cirúrgico.
As contagens médias de leucócitos são relativamente
maiores em pacientes com febre de origem infecciosa do
Figura 49.2 .: Infecção polimicrobiana, incluindo anaeróbios, que naqueles sem infecção. Geralmente, encontram-se
com febre e enfisema subcutâneo precoces após cesariana. acima de 12.000 leucócitos/mm3, porém menos da
Extensas áreas de necrose.
metade dos pacientes com infecção do sítio cirúrgico
tem leucocitose. O exame pode demonstrar neutrofilia
MANIFESTAÇÕES LOCAIS
com desvio para esquerda, eosinopenia e granulações
As principais manifestações locais das infecções do tóxicas nos neutrófilos.
sítio cirúrgico são sinais inflamatórios, exsudação (puru- Elevações da proteína C reativa e da velocidade de
lenta ou não) e necrose. A dor, quase sempre presente hemossedimentação são indicadores de processo infla-
nas infecções do sítio cirúrgico, pode, entretanto, decor- matório, possivelmente infeccioso. Contudo, não há
rer da própria incisão ou de alguma complicação, não estudos definindo seu valor no diagnóstico das infecções
necessariamente infecciosa. A “celulite” caracteriza-se do sítio cirúrgico.
pela presença de hiperemia, edema, calor e dor na ferida
operatória. O diagnóstico diferencial de infecção incisio- Diagnóstico etiológico
nal superficial deve ser feito com a resposta inflamatória
local ou reação alérgica ao fio cirúrgico (hiperemia ou Dados clínicos e microbiológicos são igualmente úteis
microabscessos apenas no local dos pontos, sem envol- para tentarmos fazer o diagnóstico etiológico da infecção

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

do sítio cirúrgico. São várias as justificativas para amostra, uma vez que deles dependerá, também, o isola-
empreender esforços nesse sentido e elas incluem a neces- mento do provável agente etiológico71.
sidade de utilizarmos antibioticoterapia eventualmente O diagnóstico microbiológico deve ser sempre pre-
empírica; definirmos os principais patógenos envolvidos cedido do diagnóstico clínico, pois, em feridas coloni-
nas infecções cirúrgicas em um certo serviço; conhecer- zadas por bactérias, o simples isolamento de microrga-
mos a microbiota hospitalar prevalente; e procedermos a nismo não necessariamente significa infecção. Em con-
cuidados adicionais (precauções, isolamentos etc.) nos trapartida, culturas de feridas infectadas podem ser
casos de infecções por microrganismos multirressistentes. falso-negativas, devido a erros de técnica ou uso de
antimicrobianos.
DADOS CLÍNICOS
Antes do acesso aos resultados microbiológicos, Diagnóstico epidemiológico
alguns dados clínicos devem ser considerados no auxílio
do diagnóstico etiológico, tais como o tipo de interven- O diagnóstico dos casos de infecção do sítio cirúrgi-
ção realizada; tecidos, órgãos ou cavidades manipulados co de um serviço ou hospital é essencial para o controle
na operação (Quadro 49.9); características das manifesta- de qualidade do atendimento prestado. Ele é obtido e
ções locais (aspecto e odor das secreções, presença de gás analisado por meio do sistema de vigilância epidemioló-
e necrose nos tecidos, entre outros); tempo decorrido gica das infecções hospitalares, preferencialmente pelo
entre a operação e o aparecimento das manifestações método de busca ativa (p. ex., método NNIS) e utilizan-
locais ou sistêmicas etc. do critérios diagnósticos pré-estabelecidos e discutidos
adiante. O componente cirúrgico do método de vigilân-
cia NNIS define o índice de risco de infecção cirúrgica
Quadro 49.9 .: Relação das principais bactérias envolvidas no surgi-
(IRIC), que avalia as seguintes variáveis: potencial de
mento de infecções do sítio cirúrgico dependendo do tipo de operação
contaminação da operação, duração cirúrgica, e risco
anestésico-cirúrgico (ASA ou APACHE)72. São conside-
Tipos de operações Principais bactérias envolvidas
rados fatores de risco: operações contaminadas ou infec-
Limpas Estafilococos (principalmente da pele do tadas, procedimentos com duração superior à esperada e
próprio paciente)
predefinida em banco de dados atualizado (cutpoint), e
Biliares Gram-negativos (principalmente) pacientes classificados como ASA III, IV ou V.
Gram-negativos (enterobactérias), Empregando-se esse índice, é possível comparar taxas de
Coloproctológicas
anaeróbios e enterococos infecção do sítio cirúrgico intra e interinstitucionalmente.
Constitui missão e medida reconhecidamente eficaz das
Gineco-obstétricas Anaeróbios
Comissões de Controle de Infecções Hospitalares divul-
gar periodicamente as taxas de infecção do sítio cirúrgico
dos diferentes serviços e dos cirurgiões (divulgação
EXAMES MICROBIOLÓGICOS sigilosa), informando a microbiota prevalente e sua resis-
Sempre que houver suspeita de infecção do sítio tência aos antimicrobianos.
cirúrgico, deve-se procurar identificar o agente infeccio-
so e sua sensibilidade a antibióticos, para que, caso venha
a ser necessário, o tratamento antimicrobiano seja dire- Diagnóstico ambulatorial
cionado e eficiente. Devem ser colhidas amostras de Inúmeros casos de infecção do sítio cirúrgico são diag-
secreção ou tecido para exame direto e, após coloração nosticados com o paciente já fora do hospital, particular-
pelo Gram, cultura em meio aeróbio e anaeróbio (exige mente se a operação foi limpa e o tempo de internação foi
coleta especial) e antibiograma. Nas infecções graves curto, como acontece em pacientes operados em leito-dia
com bacteriemia, devem ser colhidas hemoculturas por ou leito-móvel. Esses casos costumam não ser notificados
ocasião dos picos febris. aos Serviços de Controle de Infecções Hospitalares, com
O êxito de um exame microbiológico depende muito prejuízo para todos. Por essa razão têm sido montados, em
da maneira como são feitos a coleta e o transporte da todos os hospitais, ambulatórios de egressos gerenciados

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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

por funcionários desses serviços, onde todos os pacientes Tabela 49.11 .: Infecção incisional profunda
cirúrgicos deveriam ser examinados no pós-operatório.
Uma forma de garantir esse retorno tem sido restringir o Infecção que ocorre nos primeiros 30 dias de pós-operatório se não
número de salas de curativos e retiradas de pontos e inseri- há prótese no local, ou no primeiro ano de pós-operatório no caso
las nos ambulatórios de egressos. de colocação de prótese; parece estar relacionada à operação;
acomete os tecidos moles profundos (planos músculo-aponeuróti-
cos) da incisão; e preenche, no mínimo, um dos seguintes critérios:
Critérios diagnósticos 1. Drenagem de secreção purulenta da região profunda da ferida oper-
Em 1988, o CDC padronizou os critérios de defini- atória – fáscias e músculos –, mas sem acometimento de órgãos ou
cavidades do sítio cirúrgico;
ção de infecção de sítio cirúrgico e, em 1992 e 1999, tais
2. Deiscência espontânea ou abertura deliberada feita pelo cirurgião,
critérios foram reformulados e publicados26,73. Nos
com o paciente apresentando, no mínimo, um dos seguintes sinais e
Quadros 49.10, 49.11 e 49.12, estão listados os critérios sintomas: febre (>38º C), dor localizada ou sensibilidade, a menos
diagnósticos do CDC para os diferentes tipos de infecção que a cultura a partir de material coletado neste nível seja negativa;
do sítio cirúrgico. 3. Abcesso ou outra evidência de infecção envolvendo a região profun-
O critério “diagnóstico de infecção feito por cirurgião da da ferida operatória, diagnosticados ao exame direto, durante
ou médico assistente” deve ser adotado com parcimônia, reoperação, por exame histopatológico ou por método de imagem;
uma vez que pode favorecer a falta de uniformização no 4. Diagnóstico de infecção incisional profunda, feito por cirurgião ou
diagnóstico. Há relatos, na literatura, de discrepâncias médico assistente.
entre diagnósticos clínicos e epidemiológicos, dependen- Obs. Infecção que envolve região superficial e profunda da incisão é
do dos critérios empregados; um exemplo dessa situação considerada infecção incisional profunda;
é a infecção nos locais de inserção de drenos74. Infecção de órgãos ou cavidades que drena através da incisão é
considerada infecção incisional profunda.
Tabela 49.10 .: Infecção incisional superficial
Horan et al.73; Mangram et al..26
Infecção que ocorre nos primeiros 30 dias de pós-operatório; envolve
apenas pele ou subcutâneo no local da incisão e preenche, no mínimo,
um dos seguintes critérios:
Tabela 49.12 .: Infecção de órgãos ou cavidades
1. Drenagem de secreção purulenta da parte superficial da ferida ope-
ratória – pele e subcutâneo – com ou sem confirmação laboratorial; Infecção que ocorre nos primeiros 30 dias de pós-operatório se não
2. Microrganismo isolado em cultura obtida de maneira asséptica de há prótese no local, ou no primeiro ano de pós-operatório no caso
fluido ou tecido colhidos da parte superficial da ferida operatória; de colocação de prótese; parece estar relacionada à operação; aco-
3. No mínimo, um dos seguintes sinais ou sintomas de infecção: mete qualquer parte da anatomia que foi aberta ou manipulada
febre (sem causa definida), dor ou sensibilidade, edema localizado, durante a operação (além da incisão) e preenche, no mínimo, um
hiperemia ou calor ao redor da ferida, acompanhados da abertura dos seguintes critérios:
deliberada da mesma pelo cirurgião, com obtenção de cultura posi-
1. Drenagem de secreção purulenta por dreno colocado no interior de
tiva ou não-realização de cultura. A obtenção de cultura negativa
órgão ou cavidade;
invalida este critério.
2. Microrganismo isolado em cultura obtida assepticamente de fluido
4. Diagnóstico de infecção incisional superficial, feito por cirurgião ou
ou tecido de órgão ou cavidade;
médico assistente.
3. Abscesso ou outra evidência de infecção envolvendo órgão ou cavi-
Obs. As seguintes condições não são consideradas infecções do sítio dade ao exame direto, durante reoperação, por exame histopatológi-
cirúrgico: co ou por método de imagem;
Mínima inflamação ou descarga nos orifícios de passagem dos 4. Diagnóstico de infecção de órgãos ou cavidades feito por cirurgião
pontos de sutura; ou médico assistente.
Infecção de episiotomia e em circuncisão de recém-nascido (exis- Obs. Se a área ao redor da incisão do dreno apresentar infecção, esta
tem critérios específicos); não é registrada como infecção do sítio cirúrgico, mas como infecção
Queimadura infectada. de pele ou tecidos moles, dependendo de sua profundidade.

Adaptado de Mangram et al.26 Horan et al.73; Mangram et al.26

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Complicações VIA DE ADMINISTRAÇÃO E DURAÇÃO DA TERAPÊUTICA


Em pacientes internados, com infecções mais graves,
As infecções do sítio cirúrgico, além do sofrimento e dá-se preferência à via parenteral. Em pacientes ambula-
custo direto que provocam, podem acarretar, como con- toriais, com infecções menos graves, pode-se empregar
seqüência, complicações precoces ou tardias, agravando a via oral. A suspensão do antimicrobiano deve conside-
o prognóstico do paciente e piorando sua qualidade de rar vários aspectos, como o desaparecimento da febre, a
vida75. As complicações precoces podem ser locais ou sis- melhora clínica do paciente e a normalização do leuco-
têmicas, como a evisceração e a sepse, respectivamente. grama. Quando indicada em infecções incisionais, a tera-
Entre as complicações tardias, destacam-se as hérnias pêutica antimicrobiana deve durar, geralmente, entre
incisionais, cicatrizes hipertróficas e retrações cicatriciais, sete e dez dias.
limitações de movimento, aderências intraperitoneais e
obstrução intestinal etc.
Local

Tratamento O tratamento local da infecção do sítio cirúrgico é


imprescindível, independentemente do tipo e da profun-
O tratamento das infecções incisionais superficiais didade da infecção, mas varia enormemente, podendo
baseia-se fundamentalmente na abordagem local, sendo, ser feito por meio de medidas mecânicas, físicas e/ou
na maioria dos casos, desnecessário o tratamento sistê- químicas (Quadro 49.13).
mico. Ao contrário, nos demais pacientes, costuma ser
também essencial o tratamento sistêmico, que inclui a Quadro 49.13 .: Opções de tratamento local nas infecções do
antibioticoterapia, e, em alguns casos, a terapia nutricio- sítio cirúrgico
nal e o tratamento de eventuais distúrbios secundários.
Aplicação de calor local
Abertura da ferida operatória
Antibioticoterapia sistêmica
Drenagem de coleção purulenta
A antibioticoterapia sistêmica pode ser essencial para Retirada de corpo estranho
controlar a propagação do processo infeccioso e prevenir Desbridamento de tecidos necróticos
suas complicações, principalmente em pacientes com infec- Utilização de drenos
ções incisionais profundas e/ou de órgãos ou cavidades. Limpeza e curativos diários

Emprego de antibióticos e anti-sépticos tópicos


INDICAÇÕES Emprego do açúcar cristal
Constituem indicações para antibioticoterapia sistê- Emprego de desbridantes químicos
mica: pacientes imunossuprimidos, incluindo diabéticos
e desnutridos graves; infecção com repercussão sistêmi-
ca (toxemia); infecção com necrose tecidual; infecções de APLICAÇÃO DE CALOR LOCAL

órgãos ou cavidades; infecções incisionais após procedi- A aplicação de calor local parece favorecer a resolu-
mentos cirúrgicos com inserção de prótese; infecções em ção dos processos infecciosos superficiais e acelerar a
áreas esteticamente ou funcionalmente nobres, incluindo flutuação dos abscessos de partes moles.
aquelas próximas a cartilagens, nas mãos etc.
ABERTURA DA FERIDA OPERATÓRIA

ESCOLHA DAS DROGAS E DOSES A abertura da ferida operatória, muitas vezes poster-
A antibioticoterapia, inicialmente, deve ser empírica, gada pelo cirurgião, pode ser essencial para o controle do
considerando os dados clínicos e o conhecimento dos processo infeccioso, em particular quando existe absces-
dados epidemiológicos do hospital como microbiota pre- so, corpo estranho (especialmente fios cirúrgicos no sub-
valente e resistência aos agentes antimicrobianos. A anti- cutâneo) e tecidos necróticos. A ampla abertura da ferida
bioticoterapia específica deve ser orientada pela cultura e permite a drenagem de secreções acumuladas com remo-
pelo antibiograma. ção de bactérias, piócitos, tecidos desvitalizados e corpos
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Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

estranhos. Nesses casos, a irrigação da ferida com ção nos tecidos e podem ocasionar toxicidade tecidual,
solução salina 0,9% é útil no controle da infecção. Os dermatite de contato e modificar a coloração dos tecidos,
abscessos profundos ou em cavidades podem ser drena- dificultando o acompanhamento. Além disso, podem
dos cirurgicamente ou por meio de punções guiadas por selecionar resistência rapidamente. Ao serem usados,
ultra-sonografia. O desbridamento dos tecidos necróti- deveria se evitar sua aplicação por mais de três vezes e
cos é imprescindível para o controle das infecções necro- sua escolha deveria, preferencialmente, obedecer aos tes-
santes. Tais tecidos funcionam como abrigos de micror- tes de sensibilidade antimicrobiana.
ganismos. Deve ser avaliada também a ressecção de O açúcar cristal está indicado em feridas infectadas,
alguns tecidos ou órgãos que sejam sedes e fontes de particularmente supurativas. Por meio de seu efeito hipe-
infecção. Nas fasciítes necrosantes, a oxigenoterapia rosmolar, tem ação bactericida, reduz o edema e melho-
hiperbárica tem sido empregada com bons resultados7. ra a irrigação tecidual. Também parece estimular os
macrófagos e promover a granulação da ferida. Após
limpeza da ferida, deve ser aplicada camada fina de açú-
UTILIZAÇÃO DE DRENOS
car, mantida sob curativo. Esse cuidado deve ser repeti-
Em casos selecionados, para drenagem de abscessos do três a quatro vezes ao dia, até a granulação. É contra-
parietais mais profundos ou de cavidades, torna-se essen- indicado em feridas e lesões isquêmicas.
cial a colocação de drenos. Esses dispositivos também O emprego dos desbridantes químicos pode ser vanta-
podem ser úteis para drenar abscessos subcutâneos, joso na presença de tecidos necróticos. A papaína está
quando se pretende evitar a abertura muito extensa da indicada para as feridas necróticas e na presença de fibri-
ferida cirúrgica (operações plásticas), e com o objetivo de na; contudo, encontra-se contra-indicada nas lesões isquê-
facilitar a saída da secreção e prevenir o fechamento pre- micas, nas quais provoca dor por irritação das terminações
coce da pele. nervosas. Por sua vez, a colagenase a 10% apresenta ação
desbridante e fibrinolítica, sem ação bactericida, e está
LIMPEZA E CURATIVOS PERIÓDICOS indicada para lesões isquêmicas e feridas necróticas.
Para o controle das infecções incisionais, é imperati-
va a realização de limpeza da ferida cirúrgica e curativos Isolamento e medidas de precauções
periódicos. A freqüência desses cuidados varia de caso
para caso, podendo ser prescritos para a enfermagem Alguns pacientes cirúrgicos apresentam infecção do
executar. Vale, entretanto, lembrar que os desbridamen- sítio cirúrgico causadas por microrganismos multirresis-
tos e, no mínimo, um curativo diário devem ser feitos tentes. Considerando a presença de secreções no sítio
pelo médico do paciente. cirúrgico, necessidade de manipulação diária da ferida
cirúrgica e risco de disseminação de infecções, cuidados
de isolamento e precauções devem ser adotados.
EMPREGO DE AGENTES TÓPICOS

A utilização de agentes tópicos pode ter valor em “Uma infecção pode representar apenas taxa de 1% para o
casos específicos; entre eles destacam-se os anti-sépti-
cirurgião, mas 100% de sofrimento para quem a contraiu”.
cos e antibióticos tópicos, os desbridantes químicos e
JC Goligher
o açúcar cristal.
As soluções anti-sépticas (PVP-I aquoso ou clorexidi-
na) podem ser utilizadas para limpeza das feridas infecta- Referências
das; contudo, seu uso deve ser criterioso, pois além de
poderem ser inativadas na presença de matéria orgânica 1 ■ Gardner JS. Guideline for prevention of surgical wound infec-
(PVP-I), podem promover reação inflamatória e dificul- tions. Centers for Disease Control and Prevention, 1985.
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50
OUTRAS
COMPLICAÇÕES
DO SÍTIO CIRÚRGICO
Tarcizo Afonso Nunes, Giselle Silva Costa Martins,
Bruno Righi Rodrigues de Oliveira

Introdução Hematoma
As complicações no sítio cirúrgico são freqüentes e de O hematoma é uma das complicações mais comuns
gravidade variável, podendo significar transtorno impor- da ferida operatória e caracteriza-se pela presença de san-
tante no tratamento das afecções cirúrgicas. Surgem em gue e coágulos no espaço subdérmico. Pode decorrer de
decorrência da doença que motivou a operação, de hemostasia inadequada, sobretudo nas feridas extensas e
outras doenças sistêmicas que não foram diagnosticadas em pacientes em uso de ácido acetilsalicílico e anticoagu-
e corrigidas no pré-operatório e da falta de cuidados ade- lantes, assim como na presença de discrasia sangüínea,
quados no peroperatório. A maioria das complicações no icterícia obstrutiva, hipertensão arterial e tosse.
sítio cirúrgico é passível de prevenção e o resultado do Geralmente causa elevação da pele com alteração das
seu tratamento é, geralmente, satisfatório. bordas da incisão cirúrgica, ocasionando desconforto e
dor no local de maior tumefação, podendo ocorrer extra-
vasamento de sangue. O tipo de tratamento depende da
Complicações superficiais extensão do hematoma. Quando discreto e estável, apli-
ca-se compressão e calor sobre o hematoma, medica-
Seroma
mentos sintomáticos e, raramente, são necessários proce-
O seroma decorre do acúmulo de líquido de aspecto dimentos de drenagem, uma vez que o sangue será absor-
seroso e de origem plasmática ou linfática. É mais fre- vido pelo organismo. O hematoma volumoso requer,
qüente em pacientes obesos e submetidos a descolamen- geralmente, tratamento cirúrgico, que consiste na abertu-
tos extensos do tecido subcutâneo, principalmente quan- ra da incisão, hemostasia do vaso sangrante, quando pre-
do é necessária a transecção de grande número de vasos sente, e nova sutura do tecido subcutâneo e pele. Embora
linfáticos e não se consegue eliminar o espaço vazio. As o hematoma predisponha à infecção, não se justifica a
queixas principais são desconforto, dor e abaulamento profilaxia com antimicrobianos1-3.
mais acentuados na ferida cirúrgica. À palpação, identifi-
ca-se tumefação e flutuação sob a pele. O tratamento
dessa afecção depende dos sintomas e da progressão do
Distúrbios cicatriciais
volume do líquido. Quando esse volume é reduzido e Aspectos gerais da cicatrização
estável, deve ser mantido sob observação. Quando mais
acentuado, aspira-se o líquido através de agulha, após A cicatrização é um processo dinâmico e complexo
anti-sepsia rigorosa, uma vez que é facilmente infectado. em que o organismo procura reparar o dano causado pelo
A punção deve ser realizada na linha de sutura e, na maio- trauma. Esse processo ainda não está totalmente esclare-
ria das vezes, dispensa anestesia. O índice de recidiva é cido em todas as suas fases. Inicia-se com vasoconstrição
elevado e podem ser necessárias várias punções. e formação do coágulo (hemostasia), combate à infecção,
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

angiogênese, contração da ferida (para reduzir a área a ser das da ferida e a cicatrização se processa de forma seme-
reparada) e epitelização. Os eventos que ocorrem no lhante à da cicatrização por primeira intenção.
processo cicatricial têm o objetivo de isolar o meio inter- A cicatrização por segunda intenção ocorre quando a
no do externo para proteger o organismo da infecção e ferida é mantida aberta. A ação dos miofibroblastos pro-
sangramento. O tecido cicatricial tem estrutura e elastici- move contração das bordas da ferida de profundidade
dade diferentes das do tecido íntegro. A presença de teci- total, que é definida como o movimento centrípeto para
do fibroso e retrátil em excesso pode ser mais prejudicial facilitar o fechamento do defeito cutâneo. A fase infla-
do que o próprio trauma, como ocorre na estenose cáus- matória e o tempo de reepitelização são prolongados e há
tica do esôfago, na cirrose hepática, nas contraturas da maior produção de colágeno.
pele em regiões cervicais e nas articulações, ocasionando
problemas clínicos, sociais e psicológicos graves. No sen- Quelóide e cicatriz hipertrófica
tido de evitar esses danos, é importante que o cirurgião
entenda o processo da cicatrização, para aperfeiçoar a ree- As cicatrizes hipertróficas e queloidianas apresentam
pitelização e reparo das feridas, evitando assim cicatrizes excesso de tecido cicatricial, que simula tumores dérmi-
inestéticas, retráteis, deformantes e fibroproliferativas. cos e pode causar deformidades estéticas e funcionais.
A profundidade do trauma da pele tem influência no Apresentam fibroblastos atípicos, excesso de componen-
resultado da cicatrização. Quando envolve somente a tes da matriz extracelular e deposição maciça do coláge-
epiderme e parte da derme, como ocorre nos procedi- no devido à sua maior produção e menor degradação.
mentos de peeling, dermoabrasão e nas queimaduras de Essas cicatrizes são espessas e elevadas, de superfície
segundo grau, a cicatrização se processa rapidamente, bocelada ou lisa, sua coloração varia de rosada a púrpu-
quase exclusivamente por reepitelização, tornando a ra, podendo permanecer avermelhada indefinidamente.
cicatriz imperceptível. A presença da derme íntegra no Afetam homens e mulheres em proporção semelhante;
leito da ferida favorece a reepitelização a partir de células sua etiologia é desconhecida, mas pode ser influenciada
dos folículos pilosos e das glândulas sebáceas; não ocorre pelos seguintes fatores:
a formação de tecido de granulação e não há contração. ■ hereditariedade – nos casos graves, é freqüente a

Trauma envolvendo a espessura total da derme, sub- história familiar positiva e a presença do gen autos-
cutâneo e tecidos mais profundos cicatriza com forma- sômico dominante, mas não está totalmente escla-
ção de tecido de granulação e a epitelização se processa a recido o padrão de transmissão genética6;
partir das margens da ferida. Nesse caso, a contração da ■ raça – mais comum em negros e asiáticos que em

ferida é importante para diminuir a área a ser reparada, caucasianos7;


sendo benéfica em regiões em que a pele é frouxa. ■ hormonal – tendência ao crescimento durante a

Entretanto, pode causar retrações e deformidades nas gestação e puberdade8;


áreas de articulações4,5. ■ idade – é mais freqüente no segundo decênio de

Trauma subdérmico promove a destruição da arquite- vida e mais rara em crianças e idosos, embora possa
tura da gordura subcutânea, como nas lipoaspirações, e ocorrer em qualquer idade9;
■ local – são mais freqüentes nas regiões superiores
desencadeia as fases da cicatrização, exceto a reepitelização.
O tipo de cicatrização também influencia o resultado do tronco, ombros e pré-esternal, sendo raros em
da cicatrização. A cicatrização por primeira intenção pálpebras, palmas das mãos, córneas e mucosas8,9.
ocorre quando as bordas da ferida são aproximadas por
meio de sutura ou fita hipoalergênica porosa, poucas MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
horas após o trauma. A superfície da ferida é mínima e os Os sintomas mais freqüentes são prurido e dor, mas
eventos da cicatrização ocorrem simultaneamente em a maior preocupação dos pacientes é com a estética. A
toda sua extensão. diferenciação entre cicatriz hipertrófica e quelóide é
A cicatrização por primeira intenção tardia está indi- motivo de controvérsia, mesmo frente a vários estudos
cada quando a ferida está contaminada e é mantida aber- envolvendo técnicas histológicas, cultura de tecidos e
ta para facilitar a limpeza local e a ação dos neutrófilos. microscopia eletrônica. Alguns autores consideram que
Uma vez debelada a infecção, aplica-se a sutura das bor- ambas resultam do mesmo processo evolutivo e que
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Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

não há normas consistentes para sua diferenciação a tempo recomendado. Entretanto, se ela é emprega-
histologia e, às vezes, a classificação clínica não coinci- da por menor tempo, pode ocorrer recrudescimen-
de com a histológica9,10. Algumas características podem to da lesão14. Este tipo de tratamento pode ser asso-
sugerir o diagnóstico: ciado a tratamento cirúrgico ou a placas de silicone;
■ cicatrizes hipertróficas podem ser observadas a par- ■ placas de silicone – são empregadas lâminas de sili-
tir da terceira semana após o estímulo inflamatório, cone gel, fixadas por fitas microporosas adesivas
assemelhando-se a uma placa espessa, às vezes eri- ou sob malhas compressivas, durante 24 horas, no
tematosa e, nesta fase, indistinguível do quelóide. período de quatro a seis meses. O silicone gel pro-
Acometem somente a ferida, tendem à remissão no move aumento da temperatura da cicatriz, resultan-
período entre seis meses a um ano e, geralmente, do no aumento da ação da colagenase. Além disso,
não apresentam história familiar. Na maioria das promove a hidratação do estrato córneo, tornando
vezes, resultam de feridas que cicatrizaram por o tecido cicatricial menos denso, o que facilita a
segunda intenção (queimaduras, perda de substân- injeção de medicamentos intralesionais15. A placa de
cia), com a fase inflamatória prolongada (isquemia, silicone pode ser empregada de forma isolada ou
infecção), ou que resultaram de técnica cirúrgica associada a outros métodos terapêuticos, sendo
inadequada quanto ao tipo de fio e sutura, tensão indicada profilaticamente nos pacientes com pre-
mecânica na ferida, linha de sutura contrariando disposição à formação de cicatrizes hiperplásicas e
linhas de força da pele etc.11; quelóides. É bem tolerada, indolor, sendo descrita
■ quelóides aparecem geralmente um ano após o apenas dermatite como complicação, que é tratada
trauma, invadem a pele íntegra não regridem espon- pela suspensão do uso da placa por dois a três dias e
taneamente, apresentam característica recidivante e por meio da higiene local com água e sabão neutro6,11;
história familiar positiva. São resultantes, na maio- ■ corticóides – são empregados como tratamento de
ria das vezes, de traumas mínimos, como vacinas, primeira linha para quelóides recentes. A triancino-
picada de inseto e acne, entre outros, podendo tam- lona acetonida é o corticóide de eleição para aplica-
bém ocorrer espontaneamente12. ção intralesional, na dose de 10mg a 40mg, em
O diagnóstico diferencial das cicatrizes queloidianas intervalos de três a quatro semanas16. Atua inibindo
faz-se com fibromatoses, dermatofibrossarcoma protube- a síntese de colágeno e glicosaminoglican por inibir
rans, lupus vulgar, micose de Jorge Lobo e hanseníase. a TGFb, reduz o processo inflamatório e aumenta
Essas afecções apresentam crescimento de tecidos cutâ- as proteinases, contribuindo para a degradação das
neos, mimetizando tumores12. fibras colágenas17-8. A resposta ao tratamento é
variável, com 50% a 100% de bons resultados e 9%
TRATAMENTO a 40% de recorrência, quando aplicado isoladamen-
A terapêutica dos quelóides apresenta ainda resulta- te. As cicatrizes recentes apresentam melhor res-
dos insatisfatórios, embora novas pesquisas tenham posta que as antigas, mas o prurido e a dor regridem
apontado direções para tratamento mais eficaz. As prin- em todas as cicatrizes tratadas11. Essa medicação
cipais modalidades terapêuticas são: pode ser associada a outras formas de tratamento,
■ compressão da cicatriz – consiste em comprimir a como cirurgia, placas de silicone e malhas compres-
cicatriz com malha de tecido elástico, sob pressão sivas. O uso tópico de creme de hidrocortisona
de 24 a 30mmHg, 24 horas por dia, durante 12 mostrou-se eficaz somente em 20% dos pacientes,
meses. Acredita-se que o mecanismo de ação seja razão pela qual tem sido pouco utilizado atualmen-
secundário à isquemia tecidual e hipóxia e, conse- te5. Os efeitos colaterais estão relacionados, princi-
qüentemente, à redução da proliferação dos fibro- palmente, com o local da aplicação, geralmente
blastos e síntese do colágeno e à reorganização das quando a medicação é injetada fora do tecido cica-
fibras paralelamente à epiderme13. A lesão apresen- tricial, e não depende da dose. Os efeitos adversos
ta melhoria em 60% dos casos, com redução de mais comuns são telangiectasias, hipopigmentação
75% do volume original da cicatriz quando a com- e síndrome de Cushing, mas são reversíveis seis a
pressão é utilizada como método isolado e pelo 12 meses após o término do tratamento7;
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

■ crioterapia – o nitrogênio líquido aplicado por 15 a ■ laser – o laser atua promovendo reação tecidual térmi-
20 segundos sobre a cicatriz, promove o congela- ca. O tratamento com laser de dióxido de carbono e
mento dos tecidos e a destruição das camadas celu- de argônio não apresentou vantagens quando compa-
lares em decorrência da anóxia. Deve ser emprega- rados com a excisão cirúrgica, mas o laser vascular-speci-
do em intervalos de três semanas até a melhoria na fic pulsed dye-585nm (PDL) promove fototermólise das
textura e espessura da cicatriz. Essa terapêutica está células endoteliais dos vasos das cicatrizes e melhoria
indicada, isoladamente, para o tratamento de peque- da textura, espessura, eritema e prurido das cicatrizes
nas lesões. Nas lesões maiores, a crioterapia atua hipertróficas e quelóides. Ainda não existe consenso
como adjuvante, porque facilita a introdução dos sobre o mecanismo de ação do PDL e seus benefícios,
corticóides. O uso combinado com corticóide pro- sendo necessários novos estudos com acompanha-
duz resposta satisfatória em 84% dos casos. O prin- mento dos pacientes por períodos mais longos22-4.
cipal efeito adverso é a hipopigmentação da pele6;
■ radioterapia – as doses de radiações preconizadas NOVOS TRATAMENTOS
são de 300 rads por aplicação durante quatro a ■ bloqueadores dos canais de cálcio – estes medica-
cinco dias, ou 500 rads por aplicação durante três mentos atuam reduzindo a incorporação da prolina à
dias. Quando associada à cirurgia, a radioterapia matriz extracelular e, assim, aumentam a sua degrada-
deve ser iniciada no primeiro ou segundo dia pós- ção. Podem ser usados na forma de creme tópico na
operatório, com 88% a 90% de bons resultados. concentração de 4% a 7% e por injeção intralesional.
Radioterapia deve ser evitada nas crianças, porque Podem ser associados ao tratamento cirúrgico, ini-
prejudica o crescimento ósseo16; ciando o uso tópico ou intralesional logo após a ope-
■ tratamento cirúrgico – a ressecção da cicatriz tem ração. Entre os bloqueadores do canal de cálcio, o
como objetivos melhorar a estética, aliviar a tensão mais utilizado é o verapamil, que tem se mostrado
local e reorientar as forças de contração da pele. promissor no tratamento das cicatrizes hipertróficas e
Nos quelóides pequenos, pode-se realizar ressecção quelóides, quando aplicado por período longo11,25;
da cicatriz e avanço das bordas da ferida, zetaplas- ■ imiquimod. (imunomodulador) – essa substância
tia ou mudança de trajeto da cicatriz. Em grandes induz a produção local de IFNa, IFNg, IL-1 e
quelóides pode-se reduzir a recidiva mediante a res- TNFa. Deve ser aplicada sobre a linha de sutura e
secção intramarginal, que consiste em manter fina ao redor da mesma, sob a forma de creme a 5%, a
camada de tecido cicatricial nas margens da partir do dia da operação, até completar oito sema-
lesão19,20. Dependendo da localização e do tamanho nas. Berman e Villa26 empregaram creme com imi-
da cicatriz, procede-se a ressecções parciais seria- quimod após excisão cirúrgica em 13 quelóides de
das, confecção de retalhos, expansão de tecido ou 12 pacientes. Em 24 meses não ocorreram recidivas
enxertia de pele, mas é freqüente o aparecimento de em 11 lesões de dez pacientes, que compareceram
quelóide na área doadora do enxerto. No tratamen- ao retorno. Efeitos colaterais, tais como hipercro-
to das cicatrizes hipertróficas e queloidianas, é mia, hiperemia e eczema podem ocorrer, com
indispensável evitar a tensão na ferida, manter o tra- remissão espontânea na maioria dos casos26;
jeto da ferida no sentido das linhas de força da pele, ■ interferons – são glicoproteínas com propriedades
empregar princípios da técnica pouco traumática e antivirais e antiproliferativas. Promovem o aumen-
escolher material de síntese adequado11. O trata- to da ação da colagenase, reduzem a síntese do colá-
mento cirúrgico, isoladamente, apresenta recidiva geno e da glicosaminoglicans e induzem a apopto-
em 45% a 100% dos casos, no período médio de se. O tratamento com esses medicamentos apresen-
12,9 meses de pós-operatório21. Portanto, esta tera- tou bons resultados, inclusive em quelóides recor-
pêutica deve ser complementada com outros tipos rentes, mas o uso dessa terapia é limitado devido ao
de tratamento, tais como corticoterapia intralesio- custo elevado. Podem surgir efeitos adversos,
nal, radioterapia, malha compressiva ou placas de semelhantes aos de estado gripal, tais como febre
silicone, e os pacientes devem ser acompanhados baixa por 48 a 72 horas e cefaléia, quando aplicados
por, no mínimo, dois anos21; intralesional26.
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Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

Retrações ou contraturas Etiopatogenia

A retração é processo fisiológico e benéfico na cica- Na etiologia da evisceração estão envolvidos vários
trização das feridas, uma vez que facilita o seu fecha- fatores relacionados com a doença em questão, o
mento mais rápido pela redução de sua superfície de paciente e suas afecções associadas, o material cirúrgi-
exposição e atuação dos fibroblastos, que apresentam co e a equipe médica. Os principais fatores são: fios
características morfológicas e bioquímicas da muscula- cirúrgicos com baixa resistência e nós incorretos; falha
tura lisa e dos fibroblastos. A contratura torna-se ina- na sutura da aponeurose devido à aplicação dos pontos
dequada quando o encurtamento do tecido cicatricial nas proximidades das bordas da ferida aponeurótica e
persiste após ocorrer a reepitelização e resulta em permanência de aberturas nas extremidades da incisão;
perda da função, deformidades e limitação dos movi- falhas na anti-sepsia da pele e na limpeza da ferida
mentos, sobretudo quando a cicatriz encontra-se sobre cirúrgica; ocorrência de seroma e hematoma; contami-
as articulações. Teoricamente, pode-se inibir a contra- nação da ferida e infecção incisional; obesidade; idade
ção por meio da inibição da migração, adesão e multi- avançada; icterícia; diabetes mellitus não-controlado; ure-
plicação dos fibroblastos4,5,27. mia; desnutrição; escorbuto; toxemia; anemia; alcoolis-
mo; infecção; neoplasia; doença do colágeno; uso de
corticóides e quimioterápicos; vômitos; tosse; soluços;
Cicatrizes alargadas
íleo funcional; distensão abdominal; operações de
A cicatriz se torna alargada em decorrência do afasta- urgência, sobretudo devido a peritonite; relaparoto-
mento das bordas após a retirada dos pontos da pele. mias; fístulas anastomóticas; anestesia sem o devido
Isso ocorre porque o processo de cicatrização é lento e a relaxamento da parede abdominal durante a laparorra-
resistência à tensão na cicatriz com 14 dias de evolução é fia etc.29,30.
de apenas 5% da força do tecido original. Por outro lado,
os pontos de pele devem ser retirados mais precocemen-
Manifestações clínicas
te, para evitar a formação de marcas definitivas e com-
prometer a estética. No sentido de prevenir o alargamen- A evisceração surge com maior freqüência entre o
to da cicatriz, torna-se necessário aplicar fitas adesivas quarto e o sétimo dia pós-operatório, de maneira súbita
microporosas, para manter a aproximação das bordas ou ou gradual, cujo quadro clínico é variável e depende prin-
efetuar pontos dérmicos sepultados, sobretudo em áreas cipalmente da etiologia. A manifestação clínica inicial
de maior tensão da pele. A resistência efetiva da cicatriz mais freqüente é a drenagem de secreção sero-hemorrá-
surge em até dois anos após o trauma e é fornecida pelas gica pela ferida cirúrgica, sensação de ruptura dos pontos
fibras colágenas4. cirúrgicos após esforço, dor e desconforto abdominal de
intensidade variável. Quando a evisceração é conseqüên-
cia de peritonite, sobretudo por fístulas digestivas, o qua-
Complicações parietais dro clínico manifesta-se por dor e distensão abdominal,
Evisceração dispnéia, desidratação, taquicardia, hipotensão e choque
séptico. Nas infecções incisionais, o processo de ruptura
A evisceração é a ruptura de todas as camadas da é gradual e inicia-se com a formação de abscesso, drena-
parede abdominal com exposição das vísceras, podendo gem de secreção purulenta e, posteriormente, a separa-
ocorrer após laparotomia, independentemente do sexo e ção das camadas profundas. Dependendo da extensão da
idade, e está associada a mortalidade elevada. Predomina abertura e local da ferida, pode-se identificar omento,
nos pacientes acima de 60 anos e em homens na propor- fígado, intestino delgado e cólon, aderidos às bordas do
ção de 3:1. Sua incidência permaneceu em torno de 5% músculo. Às vezes, apenas as bordas da pele se afastam e
por cerca de 50 anos, mas foi reduzida para cerca de 1% permitem a identificação de tecido granulomatoso, que
a partir do desenvolvimento de fios cirúrgicos de melhor durante a exploração mais pormenorizada, permite diag-
qualidade e da realização da laparorrafia em bloco28. nosticar a presença de evisceração extensa.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Tratamento ■ empregar técnica de laparotomia menos traumática,


usando bisturi frio ou eletrocautério;
Após o diagnóstico de evisceração, o tratamento deve ■ empregar medidas para prevenir complicações do
ser iniciado mediante curativo com compressas estéreis e tempo cirúrgico principal, como fístulas anastomó-
úmidas sobre a área exposta da cavidade abdominal e apli- ticas, infecções etc.;
ca-se atadura de crepom com compressão moderada. ■ preocupar-se com a ferida cirúrgica no sentido de
Enquanto são tomadas as providências para o procedimen- se evitar a presença de corpo estranho, sangramen-
to cirúrgico, o paciente deve receber reposição hidroeletro- to, tecido desvitalizado, espaço vazio, contamina-
lítica vigorosa (para compensar as perdas pela laparosto- ção, sobretudo nas operações contaminadas e
mia) e submeter-se à avaliação clínica e laboratorial. infectadas;
A anestesia geral é preconizada, uma vez que possibili- ■ empregar a via de acesso mais adequada. Sabe-se
ta a exploração pormenorizada da cavidade e o relaxamen- que a incidência de evisceração é quase nula na via
to adequado da parede abdominal no momento da lapa- laparoscópica e menor na laparotomia transversa
rorrafia. O procedimento cirúrgico consiste em: retirar o em comparação com a longitudinal;
material de sutura da primeira laparorrafia; desfazer as ade- ■ evitar a exteriorização de ostomia e dreno na
rências das alças intestinais e do omento com as margens mesma incisão da laparotomia;
da ferida; explorar e limpar a cavidade abdominal com ■ empregar fios adequados. Sabe-se que a aponeuro-
solução salina morna; posicionar adequadamente as vísce- se suturada adquire 40% e 80% de sua força inicial
ras; suturar a parede abdominal com pontos, abrangendo em quatro semanas e em um ano, respectivamente.
cerca de 3cm da aponeurose de cada lado e com 1cm de O fio de absorção rápida (categut), portanto, não
distância entre eles; usar pontos de contenção de sutura deve ser empregado. Os fios inabsorvíveis monofi-
(p.ex., subtotais). Na evisceração decorrente de peritonite, lamentares (nylon, polipropileno) apresentam
pode ser necessário realizar estomia, laparostomia e/ou pouca reação local e permitem boa cicatrização,
contenção do conteúdo abdominal com bolsa de Bogotá. mesmo com tecido infectado, mas podem causar
dor local persistente e formação de sinus. O fio mais
Prognóstico indicado é o monofilamentar de absorção lenta
(polidiaxonone), por ser mais resistente que o nylon
O prognóstico do paciente depende principalmente e o polipropileno e manter 40% de sua força após
da doença que motivou o tratamento cirúrgico inicial e quatro semanas;
da causa da evisceração. É favorável quando o diagnósti- ■ empregar técnica de laparorrafia adequada, que
co e o tratamento são precoces, especialmente nas deis- consiste em aplicar os pontos a 1cm do bordo da
cências incompletas sem exposição de vísceras, infecção aponeurose, mantendo-se a distância de 1cm entre
e outros agravantes, mas é desfavorável na presença de os pontos, contínuos ou separados. A sutura envol-
supurações extensas e peritonite. A mortalidade varia de vendo o peritônio, provavelmente, não altera a inci-
0% a 57%, com média de 28%28. dência de evisceração;
■ empregar suturas de contenção (pontos totais ou
subtotais) nos pacientes que apresentam fatores de
Prevenção
risco para deiscência da sutura aponeurótica, como
A evisceração é uma complicação grave e que exige obesidade, desnutrição, tosse crônica, incisões
operação subseqüente, tempo prolongado de internação extensas, ascite, várias laparotomias etc.
e, às vezes, causa a morte do paciente. Portanto, faz-se
necessário investir na prevenção em todo o período Hérnia incisional
perioperatório, por meio das seguintes medidas28,31:
■ realizar fisioterapia respiratória no pré-operatório As hérnias incisionais ou eventrações são suspeitadas
nos pacientes tabagistas e/ou com doenças pulmo- nos casos de abaulamento visível ou palpável no abdome
nares crônicas, uma vez que a tosse no pós-opera- devido à protusão de vísceras, geralmente quando o
tório está presente em 75% dos casos; paciente encontra-se em pé ou realiza esforços. Decorre da
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Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

deiscência parcial da sutura da parede abdominal, quando ou recidivante. Atualmente, essa prótese está sendo lar-
uma ou mais camadas estão separadas, mas a pele ou o gamente usada, devido ao elevado índice de recidiva
peritônio permanece íntegro. Essa complicação ocorre em observado com outras técnicas e o advento da tela de
10% dos pacientes submetidos a laparotomia e em 23% monofilamento de polipropileno (márlex), que reduziu
daqueles que cursam com infecção do sítio cirúrgico30,31. significativamente o índice de complicações. Entretanto,
para que os resultados sejam bons, algumas orientações
técnicas são necessárias: colocar a tela preferencialmente
Etiopatogenia
em posição pré-peritoneal e nunca em contato direto
Na etiopatogenia da hérnia incisional estão envolvi- com as alças intestinais; cobrir todo o defeito da parede
dos fatores relacionados à técnica cirúrgica (tipo de inci- abdominal de modo que as extremidades da tela ultrapas-
são, fios e suturas inadequados, doenças sistêmicas etc.) sem cerca de 3cm além das bordas do anel herniário,
e ao paciente (desnutrição, tosse, constipação, obesidade, onde haverá incorporação do tecido conectivo levando a
ascite, vômitos e íleo pós-operatório, soluços, retenção sua fixação permanente na parede abdominal; usar fios
urinária etc). A infecção incisional é um dos fatores mais inabsorvíveis (polipropileno) em pontos separados ou
importantes, podendo ainda estar relacionada com a téc- contínuos. O índice de recorrência da hérnia incisional
nica cirúrgica, com a doença que motivou a operação e varia de 0% e 10% em 12 meses de seguimento31.
com o estado geral do paciente. As principais complicações decorrentes do uso da tela
são as seguintes: seroma, hematoma e infecção incisional,
rejeição, aderências de alças intestinais causando obstru-
Manifestações clínicas
ção e fístula. Karakousis et al.32 demonstraram que a tela,
A queixa mais freqüente é o abaulamento no abdome em contato com alças intestinais, cria aderências e leva à
associado ou não a dor, principalmente quando o pacien- formação de fístulas em 25% dos casos. Quando a tela é
te encontra-se em ortostatismo ou realiza esforços. As aplicada em posição pré-peritoneal, o saco herniário
hérnias incisionais, sobretudo as volumosas, podem cau- (tecido autólogo) deve ser preservado e mantido entre a
sar as seguintes complicações: perda do domicílio das tela e o conteúdo intraperitoneal, para reduzir o risco de
alças intestinais; alterações no sistema respiratório devi- complicações. Na presença de contaminações grosseiras
do à flacidez dos músculos da parede abdominal e abai- da cavidade abdominal, não se recomenda o uso de tela.
xamento do músculo diafragma; alterações na coluna Após hernioplastia incisional, a taxa de recorrência tem
lombossacra devido à mudança do centro de gravidade; sido significativamente inferior quando se emprega a tela
encarceramento, obstrução e isquemia intestinal; ulcera- de polipropileno em comparação com a sutura primária e
ção, isquemia e infecção da pele etc. confecção de retalhos fasciais e não tem sido observada
diferença significativa na incidência de complicações31,33.
A correção da hérnia incisional por laparoscopia,
Tratamento
empregando-se tela sintética, mostrou-se efetiva e tão
O tratamento da hérnia incisional é cirúrgico e está segura quanto a hernioplastia convencional, mas sem
indicado na maioria dos pacientes. As operações são vantagens significativas, exceto quanto à redução do
geralmente extensas e com recorrência em até 49% dos tempo de hospitalização31.
casos30,31. Várias técnicas cirúrgicas têm sido emprega- As técnicas cirúrgicas que empregam retalhos da
das, tais como sutura direta com ou sem incisões relaxa- parede abdominal têm sido usadas no tratamento da hér-
doras das aponeuroses; enxerto de fáscia; enxerto de nia incisional, em menor escala, em função da preferên-
pele; mioplastias; retalhos da parede abdominal (múscu- cia pelo uso da tela sintética. A técnica de Ramirez con-
los reto, oblíquo maior e grande dorsal, tensor da fáscia siste em incisar longitudinalmente a aponeurose do mús-
lata); enxerto de pericárdio bovino e dura-máter e uso culo oblíquo externo de ambos os lados, separando-a do
de próteses sintéticas (nylon, teflon, ivalon, tântalo, aço músculo. O folheto posterior da aponeurose dos múscu-
inoxidável, márlex). los retos é também seccionado e liberado longitudinal-
O emprego de tela sintética foi proposto como alter- mente. Assim, ocorre ganho de alguns centímetros de
nativa para o tratamento da hérnia incisional volumosa tecido aponeurótico, permitindo o fechamento primário
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

da parede abdominal. Esta técnica pode ser usada como inferior, ressecção alargada de neoplasias ginecológicas,
procedimento único ou associada à tela sintética ou peri- operações da coluna vertebral com acesso anterior, linfa-
cárdio bovino no fechamento da parede abdominal,nos denectomia nos tumores renais e de testículo, tratamen-
casos de defeitos complexos decorrentes de ressecção de to cirúrgico de aneurismas abdominais rotos e inflamató-
neoplasias e politraumatismos34-5. rios, neurectomia pré-sacral laparoscópica para tratamen-
A técnica de Lázaro da Silva36,37 consiste em corrigir o to de dor pélvica, transplante cardíaco e hepático38. O tra-
defeito na parede abdominal por meio de três planos, tamento cirúrgico das afecções da aorta abdominal é a
empregando-se dois retalhos do saco herniário (peritô- causa mais comum de ascite quilosa pós-operatória, mas
nio), dois retalhos da aponeurose anterior e dois da apo- representa menos que 1% de todas as complicações
neurose posterior do músculo reto do abdome. dessa operação.
Embora, atualmente, o uso da tela sintética seja con-
siderado freqüentemente rotina no tratamento da hérnia
incisional, recomenda-se a técnica de Lázaro da Silva Manifestações clínicas
como a primeira opção, com base nas vantagens seguin-
tes: realizam-se três suturas em planos e posições dife- Os achados clínicos mais comuns são distensão abdo-
rentes; recompõe-se a posição dos músculos ântero-late- minal e dispnéia devido ao acúmulo de líquido na cavida-
rais do abdome; faz-se a reconstrução das bainhas dos de abdominal, sinais da presença desse líquido ao exame
músculos retos e da linha alba, que são importantes para do abdome e ganho de peso desproporcional.
o restabelecimento das funções da parede abdominal; Habitualmente, esse quadro tem resolução rápida, mas
emprega-se o saco herniário, que é uma estrutura resis- eventualmente surgem dor abdominal, náuseas e vômi-
tente e constituída de elementos do próprio paciente, tos, desnutrição e hipoproteinemia. Pode atuar como
portanto sem risco de rejeição, sem custos adicionais, meio de disseminação intraperitoneal de neoplasias
além de cursar com menor incidência de aderências, obs- malignas.
trução e fístula intestinal. Os índices de recidiva dessa
técnica são comparáveis aos relatados com o uso da tela,
Exames complementares
dependendo da experiência do cirurgião.
A tomografia computadorizada do abdome não apre-
senta sinais específicos. A densidade se assemelha à da
Complicações de cavidades
água com coeficiente de atenuação idêntico, sendo indis-
Quilomas tinguível das secreções entéricas, da bile, urina ou ascite.
Pode mostrar aparecimento gradual de interface óleo-
Etiopatogenia água na coleção peritoneal quando o paciente permanece
em posição horizontal por período prolongado. Esse sinal
Ascite quilosa é o acúmulo de linfa na cavidade abdo-
é raro, mas, quando encontrado, sugere o diagnóstico de
minal. Trata-se de condição rara, causada, na maioria das
ascite quilosa. Existem várias técnicas de imagem que bus-
vezes, por doenças que interferem nos canais linfáticos
abdominais ou retroperitoneais, tais como defeitos con- cam delinear o sistema linfático por meio da opacificação
gênitos do sistema linfático, infecções (filariose, tubercu- dos canais linfáticos com emulsões orais ricas em lipídeos,
lose peritoneal), cirrose hepática, neoplasias malignas, tais como linfangiografia bipedal, linfocintilografia, linfo-
trauma abdominal e lesão cirúrgica. cintilografia com tecnécio e linfangioscintilografia.
Ascite quilosa pós-operatória pode ocorrer em decor- O diagnóstico é confirmado pela exteriorização de
rência de trauma no ducto torácico, cisterna quilosa ou líquido de aspecto leitoso ou turvo, inodoro, alcalino e
seus tributários maiores, em associação com o aumento estéril, espontânea pela ferida operatória ou através de
na produção de linfa, obstrução da drenagem linfática do drenos abdominais ou paracentese. A dosagem de trigli-
abdome e formação de fístulas linfoperitoneais. É com- cérides nesse líquido é duas a oito vezes superior ao valor
plicação rara de operações retroperitoneais ou mediasti- plasmático (0,4 a 4mg/dL), a gravidade específica é
nais, tais como derivações aortofemoral, esplenorrenal, maior do que a do soro e a dosagem de proteínas é habi-
mesentérico-cava, ressecção e reconstrução de veia cava tualmente maior que 3mg/dL. Exame microscópico
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Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

corado pelo Sudan III mostra glóbulos gordurosos e leu- jornada de trabalho extenuante; procedimento conturba-
cócitos com predominância linfocítica38,39. do pela falta de padronização do ato cirúrgico em que os
membros da equipe não têm função definida; instrumen-
tos cirúrgicos sobre o paciente; uso de compressa e gaze
Tratamento
na cavidade sem estarem reparados por pinça; falta de
O tratamento clínico é a primeira opção e deve ser cuidados na fase final da operação, quando termina o
instituído com os objetivos seguintes: reduzir o fluxo lin- tempo principal, e de explorar exaustivamente a cavidade
fático nos canais mesentéricos, que confluem com os lin- antes do seu fechamento, independentemente do resulta-
fáticos retroperitoneais e torácicos; reduzir as perdas do da contagem de compressas41.
nutricionais e aliviar os sintomas mecânicos. Esse trata-
mento consiste em paracenteses repetidas; uso de diuré- Manifestações clínicas
ticos e somatostatina; dieta rica em proteínas, pobre em
gorduras, contendo triglicerídeos de cadeia média e com As queixas devidas ao corpo estranho são variáveis e
restrição de sal; eventualmente, nutrição parenteral total. dependem do tipo e da sua localização. A compressa
O tratamento clínico deve ser mantido por quatro a oito geralmente provoca reação tipo corpo estranho assépti-
semanas nos pacientes com ascite caracterizada como ca, com reação fibroblástica e encapsulação completa e,
leve a moderada, com 50% de bons resultados38. conseqüentemente, inflamação discreta. Nesses casos, a
O tratamento cirúrgico está indicado quando houver manifestação clínica ocorre tardiamente, como se fosse
falha no tratamento clínico, sobretudo para os pacientes tumor abdominal, e os sintomas são discretos. Mas os
em bom estado geral e nos quais os métodos de imagens sintomas podem surgir mais precocemente e mais graves
foram capazes de demonstrar o local da fístula. Esse tra- devido à formação de aderências das alças intestinais,
tamento tem os objetivos de explorar a cavidade abdomi- causando obstrução, fístula, perfuração, peritonite e abs-
nal e laquear os vasos linfáticos lesionados. Em pacientes cesso quando ocorre contaminação bacteriana. Algumas
com estado geral comprometido, pode ser indicada a vezes, o corpo estranho pode ser eliminado pela incisão
derivação peritônio-venosa, apesar de apresentar resulta- cirúrgica ou através do tubo digestivo. Com freqüência,
dos insatisfatórios e índices não-desprezíveis de compli- os corpos estranhos são descobertos nos pós-operatório
cações38,39. O melhor tratamento da ascite quilosa pós- tardio, quando o paciente é submetido a exames de ima-
operatória é a sua prevenção. Durante o procedimento gens (radiografia, ultra-sonografia etc.) ou durante a lapa-
cirúrgico, os canais linfáticos devem ser identificados e rotomia exploradora.
ligados corretamente. A maioria dos pacientes apresenta O diagnóstico deve iniciar-se pela anamnese, sendo
boa resposta ao tratamento clínico e o prognóstico importante indagar-se sobre as informações seguintes:
depende, também, da doença de base. operações prévias e onde foram realizadas; equipe médi-
ca; horário da operação e caráter urgente ou eletivo etc.
O exame físico pouco contribui para o diagnóstico, exce-
Corpo estranho to quando ocorre a eliminação espontânea do corpo
A presença de corpo estranho após operações intra- estranho e palpação de tumor abdominal, que surgiu
abdominais é complicação passível de ocorrer e sua inci- após o procedimento cirúrgico.
dência tem sido estimada em 1 por 1.000 a 1.500 laparo-
tomias40. Esse fato pode significar risco para o paciente e Exames complementares
responsabilização ético-legal da equipe médica, sobretu-
do do cirurgião. O radiograma simples é capaz de diagnosticar o
Os principais objetos deixados em sítios cirúrgicos corpo estranho radiopaco, mas, em se tratando de com-
são gazes, compressas, agulhas, pinças e drenos. Os prin- pressa cirúrgica, este diagnóstico é mais difícil, embora
cipais fatores que contribuem para essa complicação são: possa ser identificado o marcador radiopaco (quando
obesidade; operações de urgência, sobretudo para trata- presente), e imagem “em miolo de pão”, associada à irre-
mento do trauma; tempo cirúrgico prolongado; inexpe- gularidade na distribuição das alças intestinais na cavida-
riência do cirurgião; equipe médica incompleta e com de abdominal. A ultra-sonografia e a tomografia compu-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tadorizada podem identificar a presença de tumor cístico cutânea, distensão da cavidade abdominal ou restrição
com estruturas amorfas ou espongiformes, associadas a pulmonar se o local for a cavidade torácica (insuficiência
bolhas gasosas no seu interior42-4. respiratória grave), exteriorização do sangue através de
drenos ou da incisão cirúrgica. À palpação do abdome,
Tratamento observa-se distensão e sinais decorrentes da presença de
líquido com sinais discretos de irritação peritoneal.
O tratamento do corpo estranho é quase sempre Quando o sangramento ocorre nos dias subseqüentes ao
cirúrgico e consiste na sua retirada, considerando-se a pós-operatório de operações abdominais, é importante o
localização e os órgãos envolvidos. diagnóstico diferencial com peritonite.
O comportamento da equipe médica frente ao diag-
nóstico de corpo estranho pós-operatório deve ser dis-
creto. Deve-se evitar divulgar o fato em todo o hospital Exames complementares
e, principalmente, para a imprensa leiga. Usar esse fato Na vigência de hemorragia grave, os exames comple-
para tripudiar os médicos responsáveis por esse infortú- mentares têm menor importância para o diagnóstico e as
nio é condenável, entretanto informá-los é importante
condutas iniciais. Entretanto eles são importantes para a
como ensinamento e para que seja discutida a maneira de
avaliação subseqüente do paciente e para o diagnóstico
relatar o ocorrido ao paciente.
diferencial com outras afecções, sobretudo quando o
sangramento é menos intenso. Deve ser solicitada avalia-
Hemorragia intracavitária ção laboratorial completa com maior ênfase ao hemogra-
ma. Radiografia, ultra-sonografia e tomografia computa-
A hemorragia no sítio cirúrgico é uma das complica- dorizada do abdome são capazes de mostrar a presença
ções mais graves no pós-operatório, dependendo da sua de líquido na cavidade peritoneal; entretanto, nas hemor-
localização e intensidade. Exige atitudes rápidas no seu
ragias volumosas, a exploração do sítio cirúrgico deve ser
diagnóstico e tratamento.
feita antes da realização desses exames. Punção abdomi-
nal e aspiração de sangue definem o diagnóstico.
Etiopatogenia
As principais condições que contribuem para o sangra- Tratamento
mento no sítio cirúrgico são: alterações na coagulação san-
güínea em decorrência de doenças ou do uso de medica- As condutas iniciais visam manter as funções vitais do
mentos anticoagulantes e/ou antiplaquetários; processo paciente por meio das medidas seguintes: oxigenação;
inflamatório envolvendo vasos sangüíneos (pancreatite, reposição volêmica, inicialmente com colóides e crista-
peritonite, fístulas digestivas etc.); hemostasia deficiente; lóides e, posteriormente, com a transfusão de derivados
soltura precoce dos fios cirúrgicos; elevação brusca na pres- do sangue (concentrado de hemácias, plasma congelado,
são sangüínea; reoperações; trauma do baço nas operações plaquetas etc.); suspensão das medicações anticoagulan-
gástricas e do cólon esquerdo; operações nos grandes vasos tes, monitoração das funções vitais e do volume urinário.
abdominais e torácicos (aneurisma, trombose); transplante Em sangramento de pouca intensidade ou com indícios
de órgãos, sobretudo de fígado, em decorrência de deficiên- de ter cessado, o paciente deve ser mantido em observa-
cia na coagulação sangüínea, hipertensão porta, área de dis- ção rigorosa. Quando o sangramento é de grande monta,
secção extensa e várias anastomoses vasculares etc. a exploração imediata do sítio cirúrgico se faz necessária,
para realização dos procedimentos seguintes: ligadura de
vaso sangüíneo quando identificado; sutura de áreas
Manifestações clínicas
cruentas no sangramento difuso; sutura do omento sobre
Dependem da intensidade do sangramento e do áreas cruentas de órgãos sólidos como fígado e baço; uso
período pós-operatório. Na presença de hemorragia de redes hemostáticas, compressão com a utilização de
intensa, o paciente apresenta-se com taquicardia, pulso compressas, que serão retiradas quando houver a estabi-
fino, taquipnéia, dispnéia, hipotensão arterial, palidez lização do paciente.
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Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

Conclusão 13 ■ Sawada Y. Alterations in pressure under elastic bandages: expe-


rimental and clinical evaluation. J Dermat. 1993;20:767-72.
Em muitas ocasiões, embora a operação seja correta- 14 ■ Berman B, Bieley H. Keloids. J Am Acad Dermat. 1995;33:117-
mente indicada e o procedimento cirúrgico principal seja 23.
15 ■ Oliveira GV, Nunes TA, Magna LA, Cintra ML, Zarpelon S,
executado de modo adequado, o paciente apresenta Kitten GT, et al. Silicone versus nonsilicone gel dressing: a
complicações no sítio cirúrgico, decorrentes de falhas em controled trial. Dermat Surg. 2001;27:721-6
outros momentos do tratamento. Para evitar que isso 16 ■ Kelly AP. Medical and surgical therapies for keloids. Dermatol
ocorra, é necessário investir na prevenção e no tratamen- Ther. 2004;17:212-8.
to precoce dessas complicações. No pré-operatório 17 ■ Mc Coy BJ, Diegelmann RF, Cohen IK. In vitro inhibition of cell
devem ser realizados anamnese, exame físico, exames growth collagen syntesis and prolyl hidroxylase activity by
triancinolone acetonide. Proc Soc Exp Biol Med.
complementares para identificar e tratar as doenças asso- 1980;163:216-22.
ciadas antes da operação. No peroperatório, o procedi- 18 ■ Murray JC. Scars and keloids. Dermatol Clin. 1993;11:697-708.
mento cirúrgico deve ser seguro, principalmente quanto 19 ■ Cosman B, Wolff M. Correlation of keloid recurrence with com-
às anastomoses e viabilidade das alças intestinais, sutura pleteness of local excision: a negative report. Plast Reconstr
dos recessos e aberturas do mesentério e mesocólon. Surg. 1972;50:163-6.
Outros cuidados peroperatórios: hemostasia e limpeza 20 ■ Rockwell WB, Cohen IK, Ehrlich HP. Keloids and hipertrophic
scars: a comprehensive review. Plast Reconstr Surg.
da cavidade abdominal; posicionamento adequado das 1989;84:827-37.
alças intestinais; revisão da cavidade abdominal à procu- 21 ■ Lawrence WT. In search of the optimal treatment of keloids:
ra de corpo estranho; hemostasia, limpeza da ferida cirúr- report of a series and a review of the literature. Ann Plast
gica e fechamento adequado de todos os planos da pare- Surg. 1991;27:164-78.
de abdominal. No pós-operatório, o paciente deve ser exa- 22 ■ Alster TS. Improvement of erythematous and hipertrophic scars
by 585nm pulsed dye laser. Ann Plast Surg. 1994;32:186-90.
minado pelo menos duas vezes ao dia, para que as compli-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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51
VIAS DE
ACESSO E
SUAS COMPLICAÇÕES
Alexandre de Andrade Souza, Rodrigo Gomes da Silva,
Paulo Roberto Savassi Rocha

Introdução abaixo do ângulo da mandíbula (Figura 51.1). Esta inci-


são pode ser estendida mais anteriormente, até a região
Via de acesso é o método pelo qual o cirurgião alcan- submentoniana, caso o esvaziamento cervical seja neces-
ça o processo patológico que necessita de reparação sário como complementação da parotidectomia.
cirúrgica. As vantagens e desvantagens das incisões em A incisão é feita na pele e no subcutâneo, e o retalho
operações de cabeça e pescoço, torácicas e abdominais é levantado anteriormente acima da fáscia pré-parotídea e
serão discutidas neste capítulo. póstero-inferiormente até exposição do músculo esterno-
cleidomastóideo. Deve-se ter atenção aos ramos do
nervo facial que se localizam superficialmente, no nível
Incisões e acessos em cabeça e pescoço do músculo masseter, emergindo da glândula parótida1.
A especialidade de cirurgia de cabeça e pescoço trata Logo, o levantamento do retalho é interrompido no limi-
as afecções benignas e malignas desse segmento anatômi- te anterior da glândula parótida.
co, excluindo-se o sistema nervoso central.
O tratamento cirúrgico das doenças neoplásicas da
cabeça e do pescoço deve ter como objetivo a ressecção
completa do tumor com o intuito curativo. Uma boa
exposição das estruturas a serem dissecadas, com o míni-
mo de mutilação possível tem por conseqüência uma
recuperação pós-operatória satisfatória, com menor mor-
bidade. Dessa forma, o acesso cirúrgico e a incisão a ser
realizada são de fundamental importância. A seguir, des-
creveremos as principais incisões e os acessos mais utili-
zados em cabeça e pescoço.

Glândulas parótida e submandibular


Glândula parótida – a incisão começa anteriormente à
orelha, acima do tragus, em um sulco cutâneo pré-auricu-
lar. É estendida inferiormente até o lóbulo da orelha e, Figura 51.1 .: Linha de incisão para parotidectomia com a forma
então, é angulada posteriormente ao nível do lobo sendo, de um “S” itálico. A linha tracejada mostra o tumor de parótida a
em seguida, direcionada anteriormente na região cervical, ser ressecado

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Glândula submandibular - A incisão transversal é feita estético e funcional. Como os sulcos naturais da pele no
abaixo, paralelamente à borda inferior da mandíbula, vermelhão do lábio estão em direção radial ao longo da
seguindo as linhas de força do pescoço. Para se evitar circunferência da boca, as incisões nessa região devem
lesão do ramo marginal do nervo facial, a incisão deve ser, preferencialmente, nesse sentido.
se situar 1 a 2cm abaixo da borda inferior da mandíbu- Nos tumores com até 1/3 da extensão do lábio infe-
la (Figura 51.2). Durante o levantamento do retalho rior, a incisão em “V”, em toda a profundidade do lábio,
superior, no plano subplatismal, o ramo marginal do com fechamento primário, é a melhor opção. Para tumo-
nervo facial é dissecado no tecido situado profunda- res com acometimento de até 2/3 do lábio, a incisão em
mente ao platisma2. “W” tem uma boa aplicação. Em tumores com mais de
2/3 de comprometimento do lábio, após a ressecção da
lesão com margem de segurança, procede-se a reconstru-
ção do defeito cirúrgico. Em mais de 75% desses casos,
a técnica mais utilizada é a de Karapandzic, que propor-
ciona bom resultado estético e funcional. O princípio
dessa técnica é a mobilização e utilização da pele, das par-
tes moles e mucosa da parte inferior da região naso-
labial, que são desviadas medialmente, preservando a
inervação e a irrigação do músculo orbicular dos lábios3,4.

Tumores da cavidade oral e orofaringe


Existem vários acessos cirúrgicos para ressecção de
tumores primários da cavidade oral. A escolha do acesso
Figura 51.2 .: Linha de incisão para ressecção de tumores de depende do tamanho e localização do tumor primário,
glândula submandibular profundidade da infiltração e proximidade ou infiltração
da mandíbula ou maxila.
Em tumores que invadem a mandíbula, a operação de
É importante salientar que a menor operação para comando (composta) é utilizada de rotina na cirurgia de
tumores de glândulas salivares é a ressecção completa cabeça e pescoço e inclui a ressecção em monobloco do
do tumor, incluindo tecido glandular adjacente. A tumor primário, juntamente com a mandíbula e o esva-
biópsia incisional ou enucleação é conduta inaceitável ziamento cervical5.
por aumentar o risco de recidiva tumoral além do risco Vários acessos cirúrgicos são utilizados para a ressec-
de lesão do nervo facial. Portanto, todos os nódulos na ção de tumores da boca e orofaringe, entre eles:
região parotídea ou submandibular devem ser tratados
■ transoral – lesões malignas, hiperceratose, ceratose
como tumores de glândula salivar até que se prove o com displasia e carcinoma in situ da cavidade oral
contrário e o acesso para a ressecção dos mesmos são podem ser tratadas por exérese peroral. É aconse-
os descritos acima. lhável nos casos de lesões focais e limitadas em
extensão na superfície e profundidade. Tumores
pequenos, do terço anterior da língua, também são
Lábios
ressecados por essa via;
■ mandibulotomia – excelente via para abordagem
A ressecção de tumores dos lábios varia de acordo
com a extensão do tumor. A incisão deve abranger toda cirúrgica de tumores da boca e orofaringe. Essa téc-
a lesão, com margem de segurança, levando em conside- nica poupa a mandíbula de uma ressecção. A man-
ração, sempre que possível, a função e a estética do lábio. dibulotomia pode ser lateral (no corpo ou ângulo da
mandíbula), na linha média ou paramediana6-8;
Lesões superficiais, envolvendo o vermelhão e muscula-
■ retalho facial inferior – geralmente utilizado em
tura subjacente do lábio, são bem ressecadas por meio de conjunto com a mandibulotomia com uma excelen-
incisão elíptica sob anestesia local, com ótimo resultado te exposição para ressecção de tumores da boca e

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Capítulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

orofaringe7, 8. A incisão inicia-se na porção média do Esvaziamento cervical


lábio inferior, que é seccionado, estende-se até o
mento, segue lateralmente no pescoço, na altura do A maioria dos tumores da cabeça e do pescoço metas-
osso hióide. O retalho é levantado em toda a sua tatiza inicialmente para o pescoço e aproximadamente
espessura, preservando ou não a mandíbula; 40% dos pacientes com carcinomas escamosos da cavi-
■ retalho em viseira – evita a separação do lábio infe-
dade oral e faringe apresentam-se com disseminação
rior e mento na linha média. A cavidade oral é regional da doença no momento do diagnóstico. Dessa
exposta por meio de incisão cutânea transversa forma, a conduta para os linfonodos cervicais se torna
única, de um processo mastóide ao outro, ao longo componente muito importante para a estratégia global de
de um sulco natural da pele cervical. É adequado tratamento desses pacientes.
para tumores anteriores da boca. Tem como des- A incisão do pescoço deve ser planejada para se obter
vantagem a anestesia da pele do mento e lábio infe- exposição adequada das estruturas a serem dissecadas,
rior devido à secção dos nervos mentonianos; um bom suprimento sangüíneo para os retalhos (particu-
■ retalho facial superior – incisão de Weber Ferguson larmente em pescoço previamente irradiado, por apre-
utilizada em maxilectomias (vide tumores de nariz e sentarem irrigação diminuída) e uma boa estética, sempre
seios maxilares). que possível13. Existem várias incisões descritas na litera-
Tumores benignos e malignos da cavidade oral e tura, sendo que cada cirurgião tem a sua de preferência.
orofaringe podem ser tratados por via transoral em As incisões mais comumente utilizadas nos esvaziamen-
alguns casos, principalmente tumores pequenos e tos cervicais são comentadas a seguir.
benignos. No caso dos tumores malignos, uma exposi- Incisão de Mac Fee – incisões horizontais e paralelas
ção adequada é fundamental para a ressecção com mar- superiores (abaixo da mandíbula) e inferiores (acima da
clavícula). Proporciona excelente resultado estético e
gem de segurança e também para a reconstrução, exi-
boa viabilidade do retalho, mas com certa limitação da
gindo acessos mais amplos9,10.
exposição. Pode ser empregada para dissecção linfonodal
em todos os níveis do pescoço14,15.
Lesões congênitas, cistos e linfangiomas da Incisão Schobinger e Conley – incisão horizontal superior
região cervical do processo mastóide ao mento passando ao nível do
osso hióide e com extensão vertical posteriormente até a
A incisão deve seguir as linhas de força da pele do clavícula. Proporciona excelente exposição no esvazia-
pescoço, sobre a lesão a ser ressecada11. É fundamental o mento cervical de todos os níveis e ótima viabilidade do
conhecimento da anatomia da região cervical e da afec- retalho. Utilizada nos casos de ressecção de tumores de
ção a ser tratada para evitar lesão de estruturas nobres boca e orofaringe, associada ao esvaziamento cervical16
durante o acesso cirúrgico. (Figura 51.3).
Incisão em “U” – oferece ótima exposição do pescoço,
bilateralmente, e boa viabilidade do retalho. Empregada
Tumores do corpo carotídeo nos esvaziamentos cervicais bilaterais, juntamente com
ressecção de tumores da laringe/faringe16,17.
Tumores do corpo carotídeo são tumores altamente
Incisão em “H” – incisões longitudinais e bilaterais, na
vascularizados, com risco grande de sangramento no região lateral do pescoço, desde a mastóide até a clavícu-
peroperatório. Dessa forma, a artéria carótida deve ser la, unidas por outra incisão transversa, no nível do osso
dissecada superior e inferiormente ao tumor para que, no hióide (Figura 51.4). Proporciona ótima exposição e boa
caso de qualquer sangramento maior, a mesma possa ser viabilidade dos retalhos nas ressecções de tumores da
clampada, até que o sangramento seja controlado. Assim, laringe/faringe, associada aos esvaziamentos cervicais
dependendo do tamanho do tumor, a incisão é feita no bilaterais16,17. Permite também o isolamento da traqueos-
sentido longitudinal, seguindo a borda anterior do mús- tomia do campo cirúrgico.
culo estercleidomastóideo (tumores maiores que exigem Incisão supra-omohióidea – a incisão é feita desde o pro-
uma área de exposição maior) ou transversa, em um cesso mastóide até a linha média, no submento, através
sulco da pele, na região do tumor (tumores pequenos)12. de um sulco cervical no nível do osso hióide, a pelo
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

menos dois dedos abaixo do ângulo da mandíbula. No lando os retalhos superior e inferiormente19. Outra opção
nível da região submandibular, durante o descolamento seria a incisão em “T”, com a parte transversa da incisão
do retalho superior, o ramo marginal do nervo facial deve sobre a cartilagem tireóide e a parte longitudinal, media-
ser identificado e preservado no plano subplatismal18. na, iniciando na incisão transversa e estendendo até
a traquéia.
Na maioria das vezes, as operações em laringe e
faringe são associadas à confecção de traqueostomia.
Sempre que possível, a traqueostomia deve ficar isola-
da da ferida cirúrgica para se evitar maior contamina-
ção do campo cirúrgico19,20.
O acesso cirúrgico para ressecção de tumores da
parede posterior da faringe é feito por meio de faringo-
tomia supra-hióidea ou com a secção mediana do osso
hióide. Esse acesso é feito com incisão transversa, na
linha média, no nível do osso hióide, com rebatimento
dos retalhos superiores e inferiores. Geralmente é utiliza-
do para ressecção de tumores benignos ou pequenas
Figura 51.3 .: Incisão de Schobinger e Conley em paciente com
metástase cervical de carcinoma espinocelular de pele de couro
lesões malignas, já que a exposição é limitada. Para os
cabeludo casos de tumores malignos maiores, o acesso por meio
da mandibulo-glossotomia mediana (a Trotter) propor-
ciona exposição mais adequada21.
Para o tratamento do divertículo de Zenker, a exposi-
ção cirúrgica do esôfago cervical e faringe é melhor obti-
da por meio de acesso cervical esquerdo longitudinal, na
borda anterior do músculo esternocleidomastóideo.

Traqueostomia
A traqueostomia é utilizada como procedimento iso-
lado para aqueles pacientes com obstrução respiratória
alta ou intubação orotraqueal prolongada, com intenção
de reduzir as lesões laríngeas e traqueais por intubação
prolongada e melhorar a ventilação do paciente. A tra-
queostomia também pode ser realizada como parte de
Figura 51.4 .: Incisão em “H” para ressecções de tumores da outras operações, como ressecção de tumores de boca,
laringe/faringe associada aos esvaziamentos cervicais bilaterais faringe ou laringe.
Para a realização de traqueostomia, dois tipos de inci-
são podem ser utilizadas. A longitudinal, na linha média,
Laringe e faringe que tem como vantagem um melhor acesso à traquéia e
menor sangramento, uma vez que o sentido longitudinal
A incisão para abordagem da laringe e/ou faringe será da incisão é o mesmo dos vasos do pescoço. Em contra-
feita conforme o tratamento proposto. Caso o esvazia- partida, a incisão transversa oferece melhor resultado esté-
mento cervical esteja incluído na programação cirúrgica, tico por seguir as linhas naturais da pele do pescoço. Em
a incisão será feita incluindo a região cervical a ser esva- ambas, a incisão deve se situar a aproximadamente dois a
ziada. Quando apenas a laringe for abordada, a incisão da três centímetros acima da fúrcula esternal, proporcionan-
pele será transversa, sobre a cartilagem tireóide, desco- do exposição da traquéia no nível do II ao IV anel traqueal
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Capítulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

(local onde a traquéia será aberta). A hiperextensão cervi- mentares (radiografia simples da coluna cervical em inci-
cal contribui para melhor exposição da traquéia. dência lateral, pan-endoscopia das vias aéreas e digesti-
Um outro tipo de técnica para traqueostomia que tem vas, esofagografia com contraste iodado na suspeita de
sido utilizada é a percutânea, em que uma pequena inci- lesão esofágica, entre outros), poderemos definir pelo
são da pele é realizada e, em seguida, a traquéia é puncio- tratamento cirúrgico ou a conduta observacional24,25.
nada com uma agulha sob visão direta (por meio de Quando apenas um lado do pescoço necessita ser
fibrobroncoscopia). Através da agulha é passado um fio explorado, a incisão acompanhando a borda anterior do
guia e depois dilatadores com calibres progressivos pela músculo esternocleidomastóideo proporciona excelente
pele até a traquéia, até que a cânula possa ser introduzi- exposição. Pode ser estendida da clavícula até o processo
da. Com esta técnica, a incisão da pele se torna mínima, mastóide, ou até o mediastino, caso seja necessário.
porém existem algumas desvantagens como a necessida- Quando os dois lados do pescoço precisam ser
de de dois médicos para a realização do procedimento explorados, a incisão bilateral ao nível da borda anterior
(enquanto um faz a traqueostomia o outro deve estar do músculo esternocleidomastóideo é uma opção. Con-
observando a luz traqueal com o fibroscópio, para se evi- tudo a incisão em colar, 3 a 4cm acima da clavícula,
tar lesão da parede posterior) e um custo mais elevado estendida para cima até no ângulo da mandíbula, bilate-
que a técnica tradicional. ralmente, é a melhor opção. O retalho de pele é elevado
superiormente, o músculo esternocleidomastóideo é
descolado lateralmente, expondo a bainha carotídea e as
Trauma vísceras cervicais.
Os ferimentos penetrantes do pescoço apresentam
dificuldades tanto na sua avaliação como na conduta a Tireóide e paratireóides
ser adotada para o tratamento. A exploração sistemática
de todo ferimento que ultrapasse o platisma foi substituí- Para uma boa exposição, o paciente deve ser colocado
da pela conduta seletiva conservadora. Naqueles pacien- em decúbito dorsal, com leve hiperextensão cervical, de
tes com sintomas bem definidos e específicos, como forma a anteriorizar as estruturas medianas do pescoço.
sangramento volumoso, obstrução de via aérea superior, Uma incisão cervical em colar, 2 a 3cm acima da fúr-
a exploração cervical imediata é a regra. Nos pacientes cula esternal (incisão de Kocher), da borda anterior de
que se encontram assintomáticos, a opção entre a explo- um músculo esternocleidomastóideo ao outro, com pos-
ração cervical imediata ou a conduta expectante e obser- terior elevação do retalho, é o acesso rotineiramente rea-
vacional ainda não está bem definida, embora hoje têm- lizado para operação da glândula tireóide e paratireóide
se optado pela segunda opção22. (Figura 51.5). Bócios mergulhantes também podem ser
Em 1979, Roon e Christiansen23 propuseram a divisão ressecados por essa via na maioria das vezes, sem a
do pescoço em três zonas. Assim, traçaram duas linhas necessidade de esternotomia26,27.
horizontais e paralelas na face anterior do pescoço, uma
no nível da cartilagem cricóide e outra no ângulo da man-
díbula. Foram definidas, assim, três zonas: zona I, da cla-
vícula até a cartilagem cricóide; zona II, da cricóide ao
ângulo da mandíbula; e III, do ângulo da mandíbula até a
base do crânio. Com isso, pode-se definir em qual zona
haverá maiores possibilidades de determinado tipo de
lesão. Assim, traumas perfurantes na zona I têm signifi-
cativa incidência de hemopneumotórax, associado a
lesões dos vasos subclávios; a zona II caracteriza-se pela
multiplicidade de lesões e a zona III está associada a
maior número de lesões cranianas e raquimedulares23.
Dependendo do local do trauma, da história clínica e Figura 51.5 .: Incisão cervical em colar (Kocher) para tireoidecto-
da sintomatologia do paciente, além dos exames comple- mias e paratireoidectomias

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quando o esvaziamento cervical for necessário, a A incisão começa na linha média do lábio superior (que é
incisão pode ser estendida até a borda do músculo trapé- seccionado), estende-se até a columela, curva-se em
zio bilateralmente, na parte inferior do pescoço. Essa torno do vestíbulo nasolabial e segue até o canto medial
incisão proporciona exposição adequada para dissecção do olho32,33 (Figura 51.6).
linfonodal regional na parte lateral do pescoço e medias-
tino superior, além da tireoidectomia total, e ainda é este-
ticamente muito boa.

Tumores do couro cabeludo e da pele da face


A extensão da ressecção das lesões de couro cabelu-
do depende principalmente da profundidade de infiltra-
ção do tumor. Tumores profundamente infiltrativos exi-
gem, muitas vezes, a ressecção de toda a espessura do
couro cabeludo. Aquelas lesões aderidas ou que infiltram
o crânio exigem ressecção da tábua externa do crânio ou
até da dura mater. Figura 51.6 .: Incisão de Weber-Fergusson (rinotomia lateral,
Pequenas lesões da pele da face são excisadas na com secção mediana do lábio superior). Observa-se também a
direção das linhas da pele, que estão em ângulo reto extensão subciliar para exenteração da órbita ou maxilectomia total
com os músculos faciais. Incisão elíptica adapta-se
melhor a essas lesões pequenas. Tumores maiores e
Para exposição adicional do seio etmóide, a extensão
profundamente invasivos exigem melhor programação
da incisão anterior até a borda medial da sobrancelha –
da ressecção e reconstrução28.
Incisão de Linch – é a mais utilizada 34.
A extensão subciliar ao longo da margem tarsal da
Tumores do nariz e seios da face pálpebra inferior até o canto lateral proporciona uma
exposição da parte lateral e póstero-lateral da maxila e
O paciente é colocado em posição supina, com ele- está indicada para as maxilectomias totais.
vação da metade superior do corpo em trinta graus. Os Quando se associa a maxilectomia com exenteração
olhos devem estar bem protegidos com protetor cór- da órbita, a incisão de Weber-Ferguson com extensão
neo de cerâmica ou por meio de sutura das pálpebras subciliar e supraciliar circunferencialmente nos dá uma
com fio nylon fino. boa exposição da órbita 35.
Para tumores pequenos, localizados na parte inferior
da cavidade nasal e que não são acessíveis através do ves-
tíbulo nasal, o melhor acesso é via rinotomia lateral. Essa Ressecções crânio-faciais
incisão causa deformidade estética e funcional mínima,
A ressecção dos tumores envolvendo a fossa craniana
além de oferecer excelente exposição da parte inferior da
anterior exige acesso craniano e facial para se obter boa
cavidade nasal e septo29,30. Um outro acesso é o tipo de-glo-
ving cuja incisão gengivo-labial evita a necessidade de exposição das estruturas dessa região e, conseqüente-
cicatriz na pele, mas oferece exposição limitada da parte mente, diminuir a morbidade e uma ressecção completa
anterior da fossa nasal31. e em monobloco do tumor. Para a craniotomia, rotinei-
Tumores malignos da infra-estrutura da maxila podem ramente, utiliza-se a incisão coronal (na linha do cabelo)
ser adequadamente ressecados por maxilectomia parcial. bifrontal e incisão de Weber–Ferguson para a face36.
Em casos de lesões pequenas, localizadas anteriormente, Pode-se utilizar incisão supra-orbitária unilateral para
essa ressecção pode ser realizada por via transoral32. craniotomia frontal limitada em casos de tumores de
Lesões maiores do palato, da gengiva e do antro órbita envolvendo o teto orbitário.
maxilar ou além dos limites do antro requerem exposição Em tumores da fossa média, a exposição deve ser
maior. A incisão de Weber-Fergusson é a melhor opção. extensa para proteção de estruturas vitais além de ressecção

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Capítulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

em monobloco adequada. O plano de ressecção inclui inci- músculo oblíquo interno iniciam-se póstero-lateralmente
são facial média, estendendo-se da região occipto-parietal, na fáscia tóraco-lombar, na crista ilíaca e na metade lateral
até a região frontal, descendo pela extremidade medial da do ligamento inguinal. Superiormente, fixa-se nas margens
sobrancelha. Nesse ponto, a incisão contorna a fissura pal- inferiores das três ou quatro últimas costelas. Sua borda
pebral e continua como incisão de Weber-Ferguson. inferior forma um arco no funículo espermático, e pode se
Inferiormente, o lábio inferior é dividido e a incisão é fundir com a aponeurose do músculo transverso do abdo-
estendida até o pescoço, do mesmo lado da lesão. O reta- me, formando o tendão conjunto. O músculo transverso
lho é levantado em toda a sua extensão e espessura37-9. origina-se das bordas internas das seis últimas costelas, da
Os tumores originados no canal auditivo, seja a parte fáscia toraco-lombar, da borda interna da crista ilíaca e do
cartilaginosa ou óssea, requerem ressecção do osso tem- terço lateral do ligamento inguinal. Um pequeno músculo
poral, seja ela parcial ou total, dependendo da extensão triangular, presente em 90% dos casos, denominado mús-
do tumor. A incisão para acesso dessa região pode ser culo piramidal, origina-se do púbis e insere-se na linha alba.
póstero-auricular, sendo que, muitas vezes, o pavilhão As aponeuroses desses três principais músculos fun-
auricular ou parte dele também é incluído na ressecção36. dem-se na borda lateral do músculo reto do abdome, for-
mando a linha semilunar e prolongam-se medialmente, de
modo diverso, para formar as bainhas anterior e posterior
Acesso cirúrgico a vértebras cervicais do reto. Próximo ao esterno, somente o músculo transver-
O acesso cirúrgico à coluna vertebral na região cervi- so situa-se entre o reto e a fáscia transversalis. Logo acima
cal está indicado para ressecção de tumores nos corpos da cicatriz umbilical, a bainha anterior do reto é formada
vertebrais ou para as laminectomias de descompressão pela fusão da aponeurose do oblíquo externo e uma divisão
ou exposição da medula espinhal. Esse acesso pode ser anterior da aponeurose do oblíquo interno. De modo simi-
anterior ou posterior. lar, a bainha posterior é constituída por uma divisão poste-
Para as primeiras vértebras (1-3), o acesso mais uti- rior do oblíquo interno e do músculo transverso do abdo-
lizado é por mandibulotomia mediana. As vértebras me. Alguns centímetros abaixo da cicatriz umbilical, as
cervicais médias são mais bem expostas por meio de fusões das aponeuroses dos três músculos passam a ser
incisão cervical transversa na região cervical média, apenas anterior. Esse ponto de transição constitui a linha
com rebatimento lateral do músculo esternocleidomas- arqueada. Desse modo, abaixo da linha arqueada, apenas a
tóideo e da bainha carotídea. Uma incisão cervical em fáscia transversalis está posteriormente ao músculo reto.
colar baixo, associada a outra vertical, na linha média, Na linha mediana, a fusão dessas fáscias forma, entre os
sobre o esterno – incisão em “T” – é a abordagem uti- dois músculos reto do abdome, a linha alba.
lizada para acesso às vértebras cérvico-torácicas. A inervação da parede abdominal advém do quinto
ao décimo segundo nervos torácicos, que se situam entre
o oblíquo interno e o transverso, o nervo ilioipogástrico
Anatomia da parede abdominal e e o nervo ilioinguinal.
incisões abdominais A irrigação do músculo reto abdominal é feita pelas
artérias epigástricas superior e inferior que formam uma
Anatomia cirúrgica da parede abdominal anastomose longitudinal. A superior é continuação da arté-
ria torácica interna e a inferior é ramo da artéria ilíaca exter-
A região lateral do abdome é composta pelos múscu- na. Pequenos ramos dessas artérias perfuram a bainha ante-
los oblíquo externo, oblíquo interno e transverso. As rior do reto e suprem o tecido subcutâneo dessa região. Os
aponeuroses desses músculos formam as bainhas ante- músculos e o tecido subcutâneo ântero-laterais do abdome
rior e posterior do músculo reto abdominal, que se situa são supridos pelas artérias intercostais.
na região anterior do abdome.
O músculo oblíquo externo origina-se na borda externa Incisões abdominais
da quinta à décima segunda costela e fixa-se inferiormente
no tubérculo púbico e crista ilíaca ântero-superior. O As incisões abdominais podem ser realizadas em
espessamento da sua aponeurose entre esses dois pontos diferentes sentidos: longitudinal, transversal/oblíquo
anatômicos constitui o ligamento inguinal. As fibras do ou combinado.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Incisões longitudinais lateral42,46. Na paramediana medial, a incisão na bainha do


reto é realizada próxima à linha alba. Na paramediana late-
As incisões longitudinais podem ser medianas ou ral, procede-se à incisão próxima à linha semilunar. Mesmo
paramedianas. Apesar de serem contra as linhas de força assim, em ambas, o músculo reto é rebatido lateralmente.
da pele, são bastante utilizadas. Essas incisões têm a Os resultados da paramediana lateral são superiores aos da
grande vantagem de atingir simultaneamente o andar
paramediana medial42. A maior vantagem da paramediana
superior e inferior do abdome.
sobre a mediana seria o fato de a incisão localizar-se mais
A incisão mediana pode ser utilizada para doenças no
próxima ao sítio cirúrgico. Outra vantagem seria que, com
andar superior e inferior do abdome. A linha alba é pra-
a presença do músculo reto entre as rafias das bainhas ante-
ticamente avascular e, por esse motivo, o sangramento é
rior e posterior, a taxa de hérnia incisional seria menor.
reduzido durante sua realização, resultando em rapidez
Estudos clínicos com incisões paramedianas têm mostrado
no procedimento. Pode ser supra-umbilical, infra-umbi-
taxas de hérnia incisional consistentemente menores de
lical ou médio-umbilical. A incisão da pele próxima à
1%41,42,44. Por outro lado, a taxa de hérnia incisional com
cicatriz umbilical pode ser curvilínea, para um dos lados,
incisões medianas situa-se entre 5% e 19%41,44. Na hiperten-
ou centrada na cicatriz umbilical. Após a incisão da pele,
são porta, a incisão paramediana pararretal interna esquer-
subcutâneo e aponeurose, a abertura do peritônio deve
da supra-umbilical tem a vantagem de evitar o ligamento
ser realizada em um ponto próximo ao umbigo.
falciforme que contém a veia umbilical recanalizada devido
Inferiormente, isso evita a abertura inadvertida da bexiga
ao aumento da pressão no sistema porta. Uma desvanta-
e, superiormente, a secção do ligamento falciforme. Se
gem da paramediana em relação à mediana seria o fato de
necessário para a exposição, o ligamento falciforme pode
o fechamento da parede abdominal levar mais tempo. No
ser ligado e seccionado. Para melhor exposição no andar
entanto, estudo prospectivo randomizado mostrou que o
superior, a ressecção do apêndice xifóide pode ser realiza-
tempo médio foi maior em apenas seis minutos na parame-
da. Inferiormente, a bexiga deve ser identificada e a inci-
são deve ser lateralmente à mesma. A colocação de cate- diana42. Na incisão paramediana, a extensão da incisão
ter vesical de demora em incisões do andar inferior esva- superiormente é limitada pelos arcos costais. Apesar dessas
zia a bexiga e ajuda a reduzir sua lesão inadvertida40-2. evidências, a incisão mediana tem sido preferida em relação
Em reoperações, a presença de aderências entre alças e à paramediana em muitos serviços de Cirurgia Geral. É
a parede abdominal é freqüentemente observada. Nesses mais rápida de se fazer e de fechar, o sangramento é menor
casos, pode-se prolongar a incisão antiga até um ponto vir- e o acesso é, geralmente, adequado.
gem, para que seja possível a abertura do peritônio em local
de menor probabilidade de aderência de alça intestinal. Incisões transversas
A incisão mediana supra-umbilical pode ser utilizada
para procedimentos no estômago, fígado e baço. As Os estudos com incisões tranversas são mais escassos
médio-umbilicais são adequadas para ressecções intesti- do que os estudos com incisões longitudinais47. Nenhuma
nais. As infra-umbilicais são utilizadas para colectomias, vantagem foi observada ao ser comparada com a incisão
apendicectomia com peritonite e operações sobre órgãos mediana em relação à taxa de hérnia incisional. Como essas
da pelve. No trauma, a incisão mediana xifo-púbica per- incisões seccionam a musculatura transversalmente, o
mite rápido acesso à cavidade abdominal, com ampla potencial para sangramento é maior. O tempo para sua rea-
exposição dos órgãos. lização também é maior, quando comparado com a da inci-
As incisões paramedianas são realizadas a 2-3 cm da são mediana. Outra desvantagem seria o fato de não permi-
linha mediana e podem ser feitas à direita ou à esquerda, de tir o acesso aos andares superior e inferior simultaneamen-
acordo com o órgão a ser operado. Após a abertura da pele te. No entanto, quando a doença a ser tratada se restringe a
e do subcutâneo, faz-se a incisão na bainha anterior do um dos andares abdominais, sua exposição é excelente e
reto. Após a exposição do músculo, este deve ser rebatido tem sido muito utilizada. Exemplos como duodenopan-
no sentido medial para lateral. Dessa forma, evita-se a sec- createctomia ou ressecção em lobo direito do fígado
ção dos nervos que chegam ao músculo reto lateralmente. podem ser citados. Não se observou diferença significativa
Denomina-se assim esta incisão como paramediana parar- entre a incisão transversa bilateral e a mediana. A dor pós-
retal interna. Existem ainda duas variações: a medial e a operatória em incisões oblíquas é menor que na mediana42.
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Capítulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

A incisão subcostal direita é chamada de incisão de acima da sínfise púbica. A aponeurose dos músculos reto
Kocher, em referência ao cirurgião que a descreveu: do abdome é seccionada bilateralmente no sentido trans-
Theodore Kocher. É realizada a, aproximadamente, 2cm a versal. Os músculos são rebatidos superior e inferior-
3cm do rebordo costal direito. Próximo à linha mediana, mente. O peritônio é aberto no sentido longitudinal até a
pode-se colocá-la entre 2cm e 5cm do apêndice xifóide, cicatriz umbilical, superiormente, e até a sínfise púbica,
dependendo do julgamento do cirurgião. Pode também inferiormente. A maior vantagem dessa incisão é o seu
ser prolongada para a esquerda, fornecendo amplo aces- resultado cosmético. Por outro lado, sua exposição é
so ao andar superior do abdome e ao retroperitônio. A limitada à pelve.
secção do reto abdominal é realizada no mesmo sentido
da incisão da pele. A artéria epigástrica superior deve ser
Incisões combinadas
ligada. Os músculos oblíquos podem ser seccionados ou
divulsionados de acordo com a direção de suas fibras. A Várias combinações de incisão podem ser realizadas a
seguir, o peritônio é seccionado entre pinças para se evitar fim de se obter melhor exposição. Por exemplo, os gran-
a secção inadvertida do cólon ou da vesícula biliar. A inci- des tumores pélvicos, como o sarcoma, podem ser resse-
são subcostal pode ser realizada exclusivamente à esquerda, cados por meio de uma incisão mediana, associada à inci-
quando se vai proceder à operação sobre a cauda do pân- são transversa tipo Pfannenstiel. Tumores retroperito-
creas ou no baço. À direita, fornece ótima exposição da neais extensos podem requerer incisão mediana ampla
vesícula biliar e da via biliar extra-hepática. combinada com incisão transversa em forma de “T”. Já
Em pacientes pediátricos, a incisão transversa com lesões que envolvem o abdome e o tórax podem ser
divisão dos músculos é, muitas vezes, preferida em rela- abordadas com incisão tóracoabdominal. Nesta última
ção às incisões longitudinais. Nesses casos, a incisão é incisão, o paciente pode ser colocado em decúbito late-
semelhante à subcostal, mas é realizada em sentido trans- ral, com coxins colocados abaixo do seu dorso. Em geral,
versal em vez de oblíquo. no oitavo espaço intercostal pode-se ter acesso conjunta-
A incisão para realização de apendicectomia na apen- mente com uma incisão mediana ou paramediana.
dicite aguda é freqüentemente a incisão transversa
(Rockey-Davis) ou oblíqua na fossa ilíaca direita. Esta
última é denominada incisão de McBurney. É colocada
Complicações das vias de acesso abdominais
na junção dos terços médio e lateral de uma linha imagi- As incisões abdominais podem complicar com dor,
nária entre a espinha ilíaca ântero-superior e a cicatriz infecção, seroma, hematoma, hérnia incisional, deiscên-
umbilical. No entanto, após o relaxamento dado pela cia parcial da ferida operatória e evisceração.
anestesia e a melhor palpação do plastrão apendicular, a A dor pós-operatória da incisão oblíqua/transversa é
incisão deve ser realizada sobre o mesmo. O tamanho da menor que a secundária à mediana ou paramediana42.
incisão varia de acordo com o biótipo do paciente e do A infecção incisional é o maior fator de risco para o
estádio de evolução da apendicite aguda. surgimento da eventração (hérnia incisional). Não existe
Após a incisão da pele, o tecido subcutâneo é secio- diferença entre as taxas de infecção e o tipo de incisão
nado até se observar a aponeurose do músculo oblíquo realizada42. As taxas de infecção incisional podem ser
externo. Esta é secionada na direção de suas fibras, minimizadas com a utilização de antibióticos profiláticos.
dando acesso ao músculo oblíquo interno, também com Em cirurgia colorretal, por exemplo, a não-utilização de
divulsão de suas fibras até o tranverso. O peritônio é sec- antibioticoprofilaxia resulta em taxa de infecção de até
cionado entre pinças e tem-se o acesso à cavidade perito- 70%. Os antibióticos devem ser iniciados na indução
neal. Se necessário prolongamento medial da incisão, o anestésica e mantidos por até 24 horas. Na maioria das
músculo reto abdominal pode ser retraído medialmente vezes, apenas a dose inicial é suficiente.
ou seccionado transversalmente. Seroma é a coleção de líquido serossangüinolento
A incisão de Pfannenstiel é freqüentemente utilizada ou seroso que se forma na ferida operatória. Grandes
pelos obstetras e ginecologistas para realização de cesa- descolamentos de tecidos são a principal causa dos
riana ou operações sobre os órgãos pélvicos. É uma inci- seromas. Eles podem ser evitados com a colocação de
são transversa, de aproximadamente 12 a 15cm, logo drenos de sucção no subcutâneo, que devem ser exte-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

riorizados por contra-abertura. Uma vez formado, o na linha de sutura da pele. Após a evacuação do líqui-
seroma pode ser puncionado sob condições assépticas do, faz-se curativo compressivo que, muitas vezes,
ou através de pequena abertura de um ou dois pontos exige o enfaixamento do abdome.
O hematoma de ferida operatória caracteriza-se
pela coleção de sangue abaixo da linha de sutura. A
coloração da pele é arroxeada e forma-se tumoração
A endurecida no local. Geralmente, o tratamento conser-
vador com calor local é suficiente e, em poucas sema-
nas, ocorre a resolução completa da complicação. A
pele recupera sua cor normal e o hematoma é lenta-
mente absorvido.
A deiscência parcial da ferida operatória caracteriza-
se pela ruptura de um plano de sutura superficial.
Em geral, as suturas da pele e do subcutâneo se rom-
pem devido à infecção, restando íntegra a aponeurose.
Necrose da borda da pele pode ocorrer. Nessa situação,
instituir cuidados locais na ferida, com utilização de anti-
B bióticos em casos selecionados, e deixar a cicatrização se
realizar por segunda intenção é a melhor conduta.
Pacientes diabéticos, imunossuprimidos e com celulite
extensa devem receber antibioticoterapia sistêmica.
A evisceração ou deiscência total da ferida operató-
ria abdominal é uma das complicações mais graves das
vias de acesso abdominais. Associa-se com mortalida-
de de até 30%. Sua incidência varia entre 0,5% a 5%.
Pode ser incompleta, também denominada eventração,
quando o peritônio evita a saída das alças intestinais da
cavidade abdominal, ou completa, na qual as vísceras
Figura 51.7 .: Incisão mediana combinada com incisão trans- são exteriorizadas. A evisceração que ocorre dentro de
versa para acesso de sarcoma retroperitonial 4 a 5 dias tem sido associada a erro técnico no
A - Peroperatório; B - Pós-operatório imediato fechamento do abdome e aquelas tardias, em geral,
ocorrem pela presença de fatores predisponentes.

A B

Figura 51.8 .: Incisão toracoabdominal para ressecção de sarcoma em quadrante superior esquerdo do abdome e tórax
A - Aspecto tomográfico; B - Aspecto peroperatório

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Capítulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

Na maioria das vezes, a associação de problemas técnicos Incisões torácicas


com fatores de riscos ocorre. Pacientes do sexo masculi-
no, idosos, obesos, desnutridos, diabéticos, urêmicos, ope- Incisão póstero-lateral
rações de urgência ou prolongadas, relaparotomias, tosse A incisão torácica mais comum é a póstero-lateral48,49.
incontrolável, infecção incisional, abscesso intra-abdomi- Com o paciente em decúbito lateral contra-lateral ao lado
nal estão associados a maior risco de evisceração. Os fios a ser operado, a incisão inicia-se entre o ponto médio da
de sutura para fechamento da parede abdominal que têm borda vertebral da escápula e o processo espinhoso da
menor risco de evisceração são o polipropilene, inabsorví- vértebra torácica, onde se secciona pequena porção do
vel, e o polidioxanone, absorvível. No entanto, o polidio- músculo trapézio50. A seguir, em forma curvilínea, a inci-
xanone, que mantém sua força tênsil por seis meses, asso- são passa inferiormente ao ângulo inferior da escápula e
cia-se com menor taxa de dor e formação de sinus na feri- cursa anteriormente, seccionando-se os músculos latíssi-
da operatória45. Não existe relação entre o tipo de incisão mo dorsal e serrátil anterior. O espaço pleural pode ser
e a taxa de evisceração. alcançado entre dois arcos costais ou por meio da ressec-
ção de um arco costal. Em geral, o tórax é aberto no
quinto espaço intercostal. Uma das complicações do pri-
meiro acesso é a fratura iatrogênica da costela.

Toracotomia intercostal anterior


A toracotomia anterior ou ântero-posterior consiste em
incisão curvilínea abaixo da borda inferior do músculo pei-
toral maior, na dobra infra-mamária. Inicia-se a 2 ou 3cm
medial ao esterno e cursa superiormente em direção à axila.
O tórax é aberto no quarto ou quinto espaço intercostal49.

Figura 51.9 .: Evisceração com exteriorização do omento


maior em paciente desnutrido

A hérnia incisional é importante complicação tardia do


fechamento da parede abdominal. A taxa de incidência da
hérnia incisional, em estudos com pelo menos um ano de
acompanhamento médio para incisões medianas, varia
entre 5% e 19%41-2. Essa taxa pode estar subestimada visto
que, em um estudo, 35% das hérnias incisionais ocorreram
cinco anos ou mais após a operação abdominal. Figura 51.10 .: Deiscência parcial de ferida operatória, com expo-
sição de tela de polipropileno
Aproximadamente um terço dos pacientes apresenta dor,
encarceramento e/ou estrangulamento. Reparos com pró-
teses de polipropileno têm sido o tratamento de escolha, já Esternotomia
que a taxa de recorrência após técnicas sem tela podem ser
tão altas quanto 40%. Estudos comparando incisão para- A maior vantagem da secção do esterno é a possibili-
mediana lateral versus mediana mostraram menor taxa de dade de acesso ao tórax bilateralmente, além de ser o
hérnia incisional no primeiro tipo de incisão41. A parame- acesso mais direto ao mediastino anterior. Com esse tipo
diana medial não tem clara vantagem sobre a mediana42. de incisão, a taxa de complicações pulmonares pós-ope-
ratória é menor48.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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COMPLICAÇÕES
DA LAPAROSCOPIA

Aloísio Cardoso Júnior,


Paulo Roberto Savassi Rocha

Introdução A difusão da laparoscopia, entretanto, revelou com-


plicações cirúrgicas específicas dessa via de acesso.
A laparoscopia ou celioscopia é a via de acesso à cavi- Aspectos técnicos, como a visão ampliada e bidimensio-
dade celômica, realizada pela introdução de instrumentos nal proporcionada pelos monitores de vídeo, a imagem
ópticos através da parede ântero-lateral do abdome. angulada, a introdução de instrumentos às cegas na cavi-
Kelling1, em 1901, utilizando um cistoscópio, conduziu o dade celômica, a impossibilidade de palpação das estrutu-
primeiro exame da cavidade celômica, em um cão. Uma ras anatômicas e as alterações fisiológicas induzidas pelo
década mais tarde, Jacobeus2 realizou a primeira laparos- pneumoperitônio, foram identificados como fatores que
copia no ser humano. Naquela época, procedia-se apenas contribuíram para a ocorrência das complicações especí-
ao exame das vísceras intraperitoneais e, eventualmente, ficas. Essas complicações estão relacionadas à introdução
algumas biópsias. da agulha de Veress e dos trocartes, ao pneumoperitônio,
O desenvolvimento de micro-câmeras, capazes de à dissecção cirúrgica e à parede abdominal, conforme
captar as imagens obtidas pelos instrumentos ópticos e mostrado no Quadro 52.1.
transmiti-las a monitores de vídeo, proporcionou aos Felizmente, complicações maiores são raras e ocorrem
cirurgiões maior versatilidade na dissecção das estruturas em menos de 1% dos pacientes operados3.
anatômicas, dando origem à era da laparoscopia (videola-
paroscopia) terapêutica. Em 1987, Phillipe Mouret reali-
zou, na França, a primeira colecistectomia laparoscópica.
Quadro 52.1 .: Complicações da cirurgia laparoscópica
Desde então, houve rápida difusão da cirurgia laparoscó-
pica que, atualmente, encontra indicação em vários Agulha* e Pneumoperitônio Dissecção Parede
outros procedimentos terapêuticos, tais como: cirurgia Trocartes abdominal
anti-refluxo; cirurgia gástrica; cardiomiotomia; colecto- Lesão vascular Embolia gasosa Perfuração Infecção
(CO2) visceral incisional
mias; adrenalectomia; hernioplastia inguinal e ventral e, Lesão visceral Hipercapnia Hemorragia Hérnia
mais recentemente, cirurgia oncológica e bariátrica. incisional
As vantagens proporcionadas pelo menor trauma Embolia gasosa Acidose Estenoses Hérnia de
cirúrgico, como a redução da dor pós-operatória, do (CO2) respiratória Richter
Hemorragia Enfisema subcutâneo Metástases
tempo de internação e do afastamento do trabalho, alia- nos portais Pneumotórax
das ao melhor aspecto estético das pequenas incisões uti-
Pneumomediastino
lizadas nesse método, foram responsáveis pela sua aceita-
ção em todo o mundo. * Agulha de Veress

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O Quadro 52.2 mostra o panorama das complicações atóxico, solubilizar-se rapidamente no sangue (diminuin-
maiores da colecistectomia laparoscópica, sua mortalida- do a possibilidade de embolia gasosa), não ser inflamável
de e a incidência de conversão. (possibilitando o uso de eletrocautério), ser eliminado na
expiração e apresentar baixo custo9.
Quadro 52.2 .: Complicações maiores da colecistectomia lapa- O estabelecimento do pneumoperitônio, por meio da
roscópica insuflação de gás carbônico (CO2), traz consigo riscos
Autor/ Ano n Complicações Mortalidade Conversão inerentes à utilização do instrumental cirúrgico (agulha
ref. (%) (%) (%) de Veress, trocarte de Hasson), ao aumento da pressão
Cuschieri 1991 1.236 1,6 0 3,6 intraabdominal, à absorção sistêmica de CO2 e à sua inje-
et al.4
ção intravascular inadvertida.
Larson 1992 1.963 2,0 0,1 4,5 A técnica para obtenção do pneumoperitônio pode
et al.5
ser aberta (introdução do primeiro trocarte sob visão
Deziel 1993 77.604 2,0 0,04 1,2
et al.6 direta) ou fechada (introdução da agulha de Veress ou do
Savassi-
primeiro trocarte às cegas).
Rocha 1997 33.563 3,1 0 3,4 A maior parte das lesões graves relacionadas à inser-
et al.7 ção da agulha de Veress ou de trocartes, para realização
do pneumoperitônio, ocorre na aorta abdominal, veia
ref. - referência bibliográfica; n - casuística
cava inferior, vasos ilíacos e mesentéricos, intestinos e
bexiga urinária.
As lesões iatrogênicas dos ductos biliares são compli-
cações graves das colecistectomias convencionais e lapa-
roscópicas. Savassi Rocha et al.8 realizaram estudo multi- Pneumoperitônio aberto
cêntrico para avaliar as lesões biliares iatrogênicas, por O pneumoperitônio aberto é realizado, usualmente, por
meio de questionário enviado a 220 instituições brasilei- meio de incisão de cerca de 10mm a 11mm, infra ou supra-
ras (respondido por 170 instituições). Concluíram que a umbilical. Os tecidos são cuidadosamente dissecados,
incidência dessas lesões (0,18%) foi similar àquela repor- plano a plano, até que seja incisado o peritônio parietal sub-
tada nas colecistectomias abertas. jacente. Dessa forma, o primeiro trocarte é introduzido na
As complicações inerentes à operação laparoscópica cavidade peritoneal sob visão direta, com o intuito de pre-
podem ser minimizadas pelo adequado treinamento do venir lesões viscerais ou vasculares inadvertidas.
cirurgião. Assim, ultrapassada a curva de aprendizado, a Apesar da maior segurança proporcionada pela intro-
incidência das referidas complicações se reduz, significa- dução do primeiro trocarte sob visão direta, essa técnica
tivamente, como será discutido adiante, neste capítulo. não é isenta de lesões viscerais10. Alças intestinais podem
Passados 18 anos da primeira colecistectomia laparos- estar aderidas ao peritônio parietal da região periumbili-
cópica, essa via de acesso ocupa importante lugar no tra- cal e serem lesadas durante sua secção. Entretanto, a téc-
tamento cirúrgico de várias doenças dos órgãos intraperi- nica aberta facilita a identificação imediata da lesão e eli-
toneais e retroperitoneais (rins, glândulas supra-renais). mina, quase completamente, a possibilidade de lesões
vasculares maiores.
Complicações relacionadas
ao pneumoperitônio Pneumoperitônio fechado
A cavidade celômica é um espaço virtual que necessi- A realização do pneumoperitônio, por técnica fecha-
ta ser ampliado para que se possa visualizar e dissecar, da, implica a introdução da agulha de Veress e/ou do pri-
com segurança, as diferentes estruturas anatômicas. meiro trocarte às cegas. Existem três opções:
Assim, pode-se lançar mão da elevação, por tração, da ■ punção com agulha de Veress e insuflação de

parede anterior do abdome ou da insuflação de gases na CO2, seguidas da introdução do primeiro tro-
cavidade celômica. Preferencialmente, o CO2 tem sido carte às cegas. A agulha de Veress e o trocarte são
utilizado para realização do pneumoperitônio por ser usualmente introduzidos em incisão supra ou

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Capítulo 52 .: Complicações da laparoscopia

infraumbilical. Este é o método mais utilizado pelos lha de Veress, que deve ser recuada. Nesses casos, deve-
cirurgiões porque cria um espaço real entre a pare- se realizar outra punção.
de abdominal anterior e as vísceras intraperitoneais, O enfisema subcutâneo ou pré-peritoneal, provenien-
fornecendo maior margem de segurança para a te da insuflação de CO2, não causa repercussão clínica,
penetração do primeiro trocarte na cavidade celô- na maioria dos casos, sendo reabsorvido em torno de 24
mica. Eventualmente, pode-se optar pela punção a 48 horas. Raramente, o enfisema é grande o suficiente
com agulha de Veress na região subcostal esquerda; para causar hipercapnia e acidose respiratória18. Caso
■ introdução do primeiro trocarte às cegas, sem ocorra, o tratamento a ser instituído consiste na diminui-
utilização prévia da agulha de Veress. Nesse ção da pressão de insuflação abdominal, associada à
método, o primeiro trocarte também é introduzido às hiperventilação do paciente.
cegas, mas sem a realização prévia de pneumoperitô- Diferentemente, a embolia pulmonar por CO2 é um
nio. Talvez, por este motivo, não encontre muitos quadro muito grave e está quase sempre relacionada à
adeptos entre os cirurgiões, que se sentem mais segu- insuflação de CO2 intravascular ou no interior de
ros utilizando a técnica antes descrita. Jacobson ana- órgãos parenquimatosos19.
lisou série de 1.223 pacientes submetidos a essa técni- Durante a instalação do pneumoperitônio, a ocorrên-
ca, sem lesões vasculares ou viscerais11,12; cia de hipotensão arterial, distensão venosa jugular,
■ introdução de trocarte óptico. Esses trocartes taquicardia, cianose e sopro cardíaco (“roda de moinho”)
podem ser acoplados à óptica e à câmera, possibili- induzem ao diagnóstico de embolia gasosa pulmonar.
tando a transposição dos planos músculo-aponeuró- Neste caso, as seguintes medidas precisam ser tomadas,
ticos da parede abdominal sob visão, tentando dimi- imediatamente:
nuir a ocorrência de lesões vasculares e viscerais. ■ interrupção da insuflação de CO2;

A melhor técnica para realização do pneumoperitônio ■ desinsuflação da cavidade celômica;

ainda não foi claramente estabelecida, podendo ocorrer ■ posicionamento do paciente em decúbito lateral

complicações vasculares e viscerais em todas as técnicas esquerdo e Trendelenburg;


empregadas13-7. Na realidade, o cirurgião deve dominar, ■ hiperventilação;

pelo menos, uma técnica fechada e outra aberta, para que ■ introdução de cateter venoso central e aspiração

possa individualizar a sua escolha. do CO2.


A técnica aberta é recomendável na presença de cica- O êxito destas medidas será tanto maior quanto mais
trizes próximas ao umbigo e, como alternativa, em casos precocemente elas forem instituídas.
onde haja dificuldades com a técnica fechada.
Vale ressaltar que a capacidade de identificar, imedia-
tamente, lesões acidentais é uma habilidade importante Pneumotórax e pneumomediastino
para o cirurgião laparoscópico. Lesões não-identificadas O pneumotórax e o pneumomediastino podem ocor-
no peroperatório serão tratadas tardiamente, resultando rer em virtude da solução de continuidade aberta no peri-
em significativa morbimortalidade. tônio parietal, para a qual o CO2 pode ser propelido, em
conseqüência da pressão intra-abdominal elevada. O gás
Insuflação de CO2 carbônico pode progredir até alcançar a região subpleu-
ral, causando ruptura da pleura parietal.
A insuflação de CO2 fora da cavidade celômica, devi- Outro mecanismo pode ser observado durante as
da ao posicionamento incorreto da agulha de Veress, operações laparoscópicas da transição esofagogástrica.
pode ocorrer na parede abdominal (enfisema subcutâneo Nesses casos, pode-se lesar as pleuras parietais mediasti-
ou pré-peritoneal), no interior de vasos sangüíneos nais, durante a dissecção da região hiatal, causando pneu-
(embolia gasosa), em vísceras ocas ou maciças, no motórax e/ou pneumomediastino.
mesentério e mesocólon e no retroperitônio (retropneu- O pneumotórax pequeno pode ser tratado conserva-
moperitônio). Geralmente, a aspiração de sangue ou doramente, observando-se rigorosamente o paciente. Os
secreção entérica e/ou a pressão de insuflação demasia- casos moderados ou graves devem ser submetidos a tora-
damente elevada denunciam a posição incorreta da agu- cocentese para aspiração do CO2 ou a toracostomia com
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

drenagem fechada em selo d’água. Pneumotórax hiper- pela clipagem dos vasos sangrantes. Terminada a opera-
tensivo é raro e demanda a desinsuflação da cavidade ção, observa-se a hemostasia dos portais.
celômica concomitantemente à inserção de cateter veno- As lesões vasculares maiores, causadas pelos trocar-
so curto calibroso no segundo espaço intercostal ante- tes, são muito graves, na maior parte dos casos. Aorta
rior, linha medioclavicular, enquanto se providencia a abdominal, veia cava inferior e vasos ilíacos são os
drenagem torácica. vasos mais freqüentemente lesados. A incidência de
lesão vascular maior causada por trocarte é de 0,01% a
0,06% das laparoscopias19-21.
Complicações relacionadas à inserção No Quadro 52.3 estão relatados os fatores mais fre-
dos trocartes qüentemente envolvidos nas lesões vasculares maiores.
Quadro 52.3 .: Fatores associados às lesões vasculares maiores
A inserção de trocartes, na cavidade celômica, via
parede ântero-lateral do abdome, pode causar lesões vas-
culares menores e maiores, lesões de vísceras ocas e Inabilidade técnica

maciças do aparelho digestivo e da bexiga urinária. Inobservância dos pontos de reparo anatômico
Enquanto as lesões causadas pela agulha de Veress Posicionamento inadequado do paciente
podem ser tratadas conservadoramente, em boa parte Não-elevação da aponeurose durante a punção
dos casos, as lesões por trocartes são mais extensas e Direção incorreta na introdução do trocarte
quase sempre necessitam reparo cirúrgico. As lesões do
intestino delgado são as mais freqüentes, podendo o seg-
mento lesado ser exteriorizado, reparado e recolocado na A ocorrência abrupta de choque hipovolêmico, coin-
cavidade celômica, o que permite o término do procedi- cidindo com a inserção do trocarte, deverá desencadear a
mento laparoscópico. A correção da lesão por laparosco- seguinte conduta pelo cirurgião:
pia também é possível. ■ reduzir a pressão de insuflação (diminuindo-se a

Lesões vasculares menores podem ocorrer durante a possibilidade de embolia gasosa);


passagem do trocarte pelos tecidos da parede abdominal ■ realizar rápida laparoscopia, rastreando-se a cavida-

(artérias epigástricas inferiores e superiores) ou na cavidade de abdominopélvica em busca de hemoperitônio


celômica (omento maior, mesentério, mesocólon). ou hematoma retroperitoneal;
A transiluminação da parede abdominal, utilizando-se ■ verificar, durante a laparoscopia, se há sangue com-

a óptica, permite a visualização da vasculatura da parede patível com a gravidade do choque, que deverá
abdominal e a escolha das regiões de punção. Cuidado impor laparotomia exploradora imediata, para
adicional deve ser dado aos casos de pacientes com abordagem da lesão. Em pacientes instáveis, com-
hipertensão porta, devido à circulação colateral presente primir o ponto de sangramento até que haja condi-
na parede abdominal. Caso ocorra sangramento de maior ções adequadas de instrumental cirúrgico, anestési-
monta, a hemostasia será conseguida pela aplicação de cas, acessos venosos e hemoderivados para que a
ponto em “U” ou “X”, interessando o plano músculo- abordagem da lesão seja iniciada;
■ formular como hipóteses mais prováveis embolia
aponeurótico. Eventualmente, será necessário o aumen-
to da incisão na pele para o controle direto do vaso san- gasosa, arritmia cardíaca e pneumotórax hipertensivo,
grante, por meio de sua eletrocoagulação ou ligadura. nos casos em que não for detectado sangue na cavi-
Outra opção é introduzir cateter de Foley através da inci- dade abdominopélvica ou hematoma retroperitoneal.
são até a cavidade, seguida da insuflação do balonete e As lesões de vísceras ocas intra-abdominais (estôma-
tração contra a parede. Esta conduta permite interrom- go, duodeno, intestinos e bexiga urinária) e maciças (fíga-
per o sangramento por meio da compressão exercida do e baço) durante a inserção de trocartes também neces-
pelo balão insuflado sobre o vaso sangrante, facilitando a sitam de reparo cirúrgico, na maior parte das vezes.
identificação do mesmo e a hemostasia definitiva. Quando houver segurança, o reparo das lesões viscerais
Nas lesões vasculares menores, intraperitoneais, a poderá ocorrer por via laparoscópica. Deve-se levar em
hemostasia poderá ser realizada pela eletrocoagulação ou conta a experiência do cirurgião com técnicas operatórias

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Capítulo 52 .: Complicações da laparoscopia

laparoscópicas avançadas. O cateterismo nasogástrico e a Quadro 52.4 .: Fatores possivelmente associados à recorrência
orientação para que o paciente urine, logo antes da indução de tumores nos portais laparoscópicos
anestésica, reduzem o risco de lesão gástrica e de bexiga,
durante o estabelecimento do pneumoperitônio. Efeito nocivo do CO2 sobre a imunidade intraperitoneal
Efeito estimulador do CO2 no tumor
Inoculação mecânica
Complicações relacionadas à Trauma ao tecido pelo trocarte
parede abdominal Turbulência do gás na cavidade peritoneal
Vazamento ao redor dos trocartes
As principais complicações sediadas na parede abdo-
Modificado de Bonjer et al.27
minal incluem a infecção do sítio cirúrgico, a hérnia inci-
sional, a hérnia de Richter e as metástases tumorais.
As infecções incisionais, nas operações laparoscópicas, Curva de aprendizado na cirurgia
são pouco freqüentes e de pequena gravidade. O portal
laparoscópica
mais acometido costuma ser aquele pelo qual se retirou a
peça cirúrgica. Cuidados para se evitar a contaminação da A capacidade técnica do cirurgião laparoscópico obe-
ferida durante a retirada do espécime (como o uso de endo- dece a curva de melhoria do seu desempenho, que se
bags para vesículas perfuradas) podem contribuir para dimi- reflete diretamente na incidência de complicações opera-
nuir sua incidência. tórias. O índice de complicações diminui após 30 a 50
As hérnias incisionais podem ocorrer nas cicatrizes procedimentos laparoscópicos, sendo quatro vezes
cirúrgicas de portais de acesso laparoscópico, principal- menor após o centésimo paciente operado28.
mente no umbilical. Incidem em 0,3% a 0,5% dos pacien- Zmora et al.26 verificaram, em estudo de revisão,
tes submetidos às operações por laparoscopia22. Há dife- que a incidência de metástases do câncer colorretal, em
rentes convicções entre os cirurgiões sobre a necessidade portais laparoscópicos, é de 1% em séries com mais de
de síntese da aponeurose em incisões de até 10mm de 50 pacientes operados, sugerindo que esta ocorrência
extensão. Entretanto, grande parte não a realiza. esteja intimamente relacionada à curva de aprendizado
Controvérsias à parte, o fechamento da aponeurose em dessas operações.
feridas de 10mm ou maiores, cumpre também o papel de
prevenir a ocorrência de hérnias de Richter nos portais uti-
lizados na operação laparoscópica23. Profilaxia das complicações
Em relação à cirurgia oncológica laparoscópica, uma da laparoscopia
preocupação é a recorrência da doença na ferida operató-
ria. Apesar de sua fisiopatologia ainda não ter sido comple- A profilaxia das complicações laparoscópicas, como
tamente esclarecida, o contato direto de células tumorais em todas as operações, inicia-se pela indicação cirúrgica
com a ferida dos portais de acesso, a dispersão de células criteriosa e pelo adequado preparo pré-operatório dos
neoplásicas pelo pneumoperitônio e a retirada e reintrodu- pacientes. A avaliação dos sistemas respiratório e cardio-
ção freqüente do instrumental através dos portais são vascular deve ser rigorosa, devido às alterações desenca-
apontados como fatores envolvidos na gênese dessas deadas pelo pneumoperitônio. Pacientes com baixa
metástases (implantes tumorais). reserva cardiopulmonar poderão apresentar complica-
A incidência desta complicação diminuiu, nos últimos ções peroperatórias.
anos, a patamares comparáveis aos da operação convencio- Os cuidados descritos abaixo são fundamentais para
nal, ocorrendo em cerca de 1% a 2% dos pacientes24-6. Isto se minimizar o risco das complicações específicas da
se deve, provavelmente, à melhor seleção dos doentes e ao cirurgia videolaparoscópica:
aprimoramento da técnica laparoscópica. ■ testar o equipamento e verificar a disponibilidade

No Quadro 52.4 estão expressos os possíveis fatores do material necessário;


que influenciam as recorrências de tumores nos portais ■ realizar profilaxia da trombose venosa profunda e,

laparoscópicos. conseqüentemente, do tromboembolismo pulmo-


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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

nar; apesar de haver controvérsia sobre o papel da ■ atentar para o posicionamento incorreto da agulha
cirurgia laparoscópica na gênese desses eventos, a de Veress em obesos; pressões de insuflação altas
elevação da pressão intraabdominal e a posição de denunciam essa situação;
proclive favorecem o desenvolvimento de trombo- ■ transiluminar a parede abdominal com a óptica,

se venosa profunda29. Pacientes com varizes de orientando os locais de incisão;


■ limitar a extensão do trocarte a ser introduzida na
membros inferiores, idade maior que 60 anos, imo-
bilidade por mais de 72 horas, história pregressa de cavidade celômica, apoiando o dedo indicador em
sua extremidade distal;
trombose venosa profunda ou tromboembolismo,
■ introduzir o trocarte umbilical em direção ao pro-
obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica,
montório sacral;
acidente vascular cerebral prévio, doença maligna e
■ realizar inventário da cavidade celômica logo após a
gravidez apresentam maior risco de trombose introdução da óptica no abdome; inspecionar a
venosa profunda; região subjacente ao primeiro trocarte com cuida-
■ solicitar ao paciente que urine logo antes da indução do, em busca de lesões inadvertidas;
anestésica; isto reduz a possibilidade de lesão da ■ manter a pressão intraabdominal em torno de
bexiga urinária, durante o estabelecimento do pneu- 12mmHg; além de ser suficiente para fornecer
moperitônio; realizar cateterismo vesical nos proce- amplo campo operatório, compromete pouco o
dimentos cirúrgicos mais prolongados; retorno venoso;
■ realizar cateterismo nasogástrico ou orogástrico, ■ evitar o uso de eletrocautério próximo à via biliar

antes da realização da primeira punção abdomi- principal;


nal, reduzindo-se a possibilidade de lesões gástri- ■ lavar e aspirar a região dissecada, caso tenha ocorri-

cas; algumas vezes, a distensão gástrica ocorre do contaminação;


devido ao procedimento de ventilação e intuba- ■ recuperar o maior número possível de cálculos, nos

ção orotraqueal; casos de perfuração peroperatória da vesícula biliar;


■ revisar as regiões operadas, retirar gazinhas monta-
■ inspecionar e palpar o abdome antes da primeira
punção, detectando-se cicatrizes cirúrgicas, circula- das e remover coágulos e clipes soltos na cavidade;
ção colateral e visceromegalias; deve-se evitar a atentar para a hemostasia;
■ retirar primeiro os trocartes de manipulação e obser-
incisão sobre as cicatrizes abdominais; na presença
var, utilizando-se a óptica, se ocorre sangramento da
de cicatriz próxima à região umbilical, realizar o
ferida operatória com escoamento para a cavidade
pneumoperitônio aberto para minimizar a ocorrên-
peritoneal, após a retirada de cada trocarte;
cia de lesões de vísceras ocas;
■ esvaziar lentamente o pneumoperitônio;
■ escolher a técnica adequada de pneumoperitônio;
■ realizar a síntese da aponeurose.
caso haja falha nas tentativas iniciais de realização Assim, o adequado treinamento do cirurgião e os cui-
de pneumoperitônio fechado, mudar a tática (téc- dados com a técnica e a tática cirúrgica devem minimizar
nica de Hasson); a ocorrência de complicações da laparoscopia a níveis
■ tracionar anteriormente a aponeurose justaumbili- plenamente aceitáveis.
cal durante a inserção da agulha de Veress, a insta-
lação do pneumoperitônio e a introdução do pri-
meiro trocarte; Referências
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Capítulo 52 .: Complicações da laparoscopia

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53
CHOQUE
E CIRURGIA

João Baptista de Rezende Neto

Introdução ou < 36ºC, freqüência cardíaca > 90 batimentos/minuto,


freqüência respiratória > 20 incursões/minuto ou
Define-se choque como o estado de baixa perfusão PCO2 < 32mmHg, leucometria > 12.000/mm3 ou
tecidual, resultando na oferta inadequada de substratos < 4.000/mm3 ou, ainda, a presença de 10% de formas
essenciais, oxigênio e glicose às células1-3. Caso não seja imaturas de leucócitos8. Se houver falência multiorgânica,
prontamente tratado, pode causar falência de múltiplos o pulmão é o primeiro órgão a sofrer, seguido pelo fíga-
órgãos ou tornar-se irreversível, provocando a morte. do, sistema gastrointestinal e rins9. Uma das razões para
Apesar dos avanços do conhecimento fisiopatológico, a essa ocorrência é o fato de a rede vascular pulmonar ser
morbidade e mortalidade do choque ainda são elevadas. um dos mais importantes reservatórios de neutrófilos do
No mundo, morrem de choque hemorrágico, devido ao organismo10. Estão contidos, nessa rede, 50% a 60% do
trauma, aproximadamente dois milhões de pessoas por total de neutrófilos intravasculares10.
ano. No caso de choque séptico, somente 55% a 65% dos
Estudos clínicos e experimentais chegaram às seguin-
pacientes conseguem sobreviver1,4.
tes teorias para explicar os mecanismos envolvidos nas
lesões orgânicas causadas pelo choque:
Fisiopatologia do choque ■ teoria gastrointestinal;

■ teoria dos macrófagos e polimorfonucleares;


O estado de choque desencadeia intenso estresse no ■ teoria da microcirculação;
organismo, provocando alterações endócrino-metabóli- ■ teoria das interações entre as células endoteliais e os
cas como a síndrome da resposta inflamatória sistêmica leucócitos;
(SIRS), processo adaptativo complexo não necessaria- ■ teoria dos dois insultos.
mente patológico1,5.
O problema da SIRS, nos estados de choque, não se Evidentemente essas teorias se sobrepõem sendo,
refere à mera presença ou ausência dela, mas sim às suas inclusive, seqüenciais em alguns casos.
conseqüências6. A SIRS, quando apropriada, é capaz de oti- A teoria gastrointestinal baseia-se no fato de que pro-
mizar o meio interno do hospedeiro, permitindo-lhe elimi- dutos bacterianos ou as próprias bactérias do tubo diges-
nar bactérias, remover tecidos desvitalizados e iniciar pro- tivo podem translocar-se durante períodos de baixa per-
cesso de reparação tecidual. No entanto, os vários tipos de fusão tecidual, contribuindo para a SIRS e falência mul-
choque são capazes de provocar SIRS mal adaptada, a qual tiorgânica11. Apesar de não ter sido confirmada a presen-
pode culminar na falência multiorgânica7. ça de bactérias no sistema porta de doentes politraumati-
A SIRS caracteriza-se, clinicamente, pela presença de zados graves, a teoria gastrointestinal tem sido utilizada
dois ou mais dos seguintes achados: temperatura > 38ºC para explicar falência multiorgânica em pacientes com
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

bacteriemia, nos quais não se detecta foco infeccioso. na na prática clínica devido à grande sobreposição de res-
Isso ocorre em até 30% dos casos11-13. postas, variabilidade temporal de ação e locais de produ-
A teoria dos macrófagos e dos polimorfonucleares ção22,23. No entanto, no trauma, os níveis de IL-6 são con-
baseia-se no fato de essas células serem fontes importantes siderados confiáveis para estabelecer prognóstico dos
de mediadores inflamatórios desencadeadores de SIRS exa- pacientes com falência multiorgânica24.
cerbada e falência multiorgânica. A cada minuto, aproxima- Clinicamente existem padrões específicos para deter-
damente dez milhões de novos granulócitos são liberados minar a falência de alguns órgãos ou sistemas1,6,7,25.
da medula óssea para a corrente sangüínea com potencial Falência do sistema respiratório é caracterizada pela
para provocar danos teciduais por auto-agressão14,15. necessidade de ventilação assistida para se obter troca
A teoria da microcirculação baseia-se no fato de que gasosa adequada6,9,26. Falência renal é caracterizada pela
o choque hipovolêmico prolongado pode causar SIRS e incapacidade dos rins de regular a volemia e eletrólitos e
falência multiorgânica devido ao fenômeno de reperfu- eliminar escórias6,9. Hipotensão e débito cardíaco inade-
são. Observa-se esse fenômeno na reperfusão de áreas quados, implicando necessidade de suporte mecânico ou
isquêmicas do tubo digestivo, das extremidades e na des- farmacológico, caracterizam a falência do sistema cardio-
compressão da síndrome de compartimento abdominal6. vascular6,9. Embora a insuficiência hepática na falência
A teoria da interação entre os leucócitos e o endotélio multiorgânica ainda não tenha sido definida com preci-
vascular refere-se à capacidade dessas células de lesar são, o aumento das enzimas hepáticas, a elevação da bilir-
órgãos à distância do local da agressão inicial. As intera- rubina sérica e o coma hepático fazem parte do quadro
ções entre as moléculas de adesão do endotélio vascular e clínico6,9. Sepse sem origem definida e de difícil controle
os receptores dos polimorfonucleares constituem o pri- sugere falência imunológica6,9. Falência do sistema mús-
meiro passo para a transmigração endotelial destes em culo-esquelético é caracterizada pela perda da força mus-
direção aos órgãos-alvo da SIRS6. cular, comprometendo a ventilação e a deambulação e
Embora a falência multiorgânica em pacientes críticos facilitando o aparecimento de úlceras de decúbito6,9. A
possa ocorrer após uma única agressão (trauma, processo depressão do sensório ou o coma estão presentes na
infeccioso, intervenção cirúrgica) observa-se, com maior falência do sistema nervoso central9. A falência do siste-
freqüência, a ocorrência de agressões adicionais6,16. ma gastrointestinal é caracterizada pela incapacidade da
A teoria dos dois insultos baseia-se no fato de que a manutenção do estado nutricional pela via enteral, sendo
agressão inicial é capaz de condicionar a cascata inflamató- necessária a nutrição parenteral11. Hemorragia digestiva,
ria, tornando o organismo hipersensível, do ponto de vista perfuração visceral e translocação bacteriana também
imunológico, a uma segunda agressão6. A presença desta, podem ocorrer na falência do sistema gastrointestinal11.
durante o condicionamento inflamatório máximo, propicia Finalmente, a presença de coagulação intravascular disse-
o desenvolvimento da SIRS exacerbada, capaz de provocar minada ou alterações específicas das plaquetas (conta-
a falência multiorgânica6. A segunda lesão pode variar gem menor do que 50 x 109/L), associadas ou não à leu-
desde uma nova operação, por exemplo fixação de fraturas, cocitose ou à leucopenia (contagem maior ou igual a 30
até à síndrome de compartimento abdominal3,6,17,18. x 106/L ou menor do que 2.5 x 106/L), caracterizam a
Todos os mecanismos descritos anteriormente têm falência hematológica6,9.
como mediadores fundamentais as citocinas. Estas são
pequenos polipeptídeos produzidos por várias células,
inclusive epiteliais e endoteliais, em resposta a diferentes
Tipos de choque
estímulos, como lesão tecidual, choque e infecção3,6,17-20. Choque hipovolêmico
As citocinas são indispensáveis na inflamação e na coor-
denação do processo de cicatrização19. Na fase aguda da Choque hipovolêmico não se origina necessariamente
SIRS são liberadas as citocinas IL-1 e o fator de necrose de sangramento5. Perdas de fluidos pelo sistema gastroin-
tumoral-α (FNT-α) os quais induzem a liberação de testinal, pele (queimaduras) e para o “terceiro espaço”
outras citocinas como IL-8 e IL-621,22. (peritonites) também podem causar choque hipovolêmico,
A utilização da dosagem das citocinas em pacientes além de outras situações que levam à desidratação5. No
com SIRS e o bloqueio de suas ações ainda não são roti- trauma e no período pós-operatório imediato, qualquer
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Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

paciente com taquicardia e pele fria está em choque hemor- de hipovolemia grave. Em crianças, para que ocorram os
rágico, até que se prove o contrário. primeiros sinais de choque, é necessária a perda de 25% do
Com o intuito de simplificar a avaliação de pacientes volume sangüíneo e, para que haja hipotensão, a perda san-
com sangramento, o choque hemorrágico é dividido em güínea deve atingir 45% do volume sangüíneo total27.
quatro classes que servem para orientar a sua gravidade27. O tratamento do choque hemorrágico baseia-se em
Classe I: representa perda de até 15% do volume san- dois princípios básicos: controle do sangramento e restau-
güíneo (750mL para adultos de 70kg). Nessa classe, a ração da oferta de oxigênio aos tecidos. Para o controle do
taquicardia é mínima e não há alteração na pressão arterial sangramento externo preconiza-se, inicialmente, a com-
sistólica. O débito urinário é adequado, assim como o pressão. Sangramentos intra-cavitários poderão necessitar
estado neurológico. Pode ser necessária a administração de tratamento cirúrgico, principalmente no choque hemor-
de cristalóides, mas, em aproximadamente 24 horas, há rágico classe IV.
restauração do volume intravascular a partir do líquido Para restaurar perfusão e oxigenação dos tecidos, deve-
intersticial e intracelular. se fornecer oxigênio suplementar objetivando saturação
Classe II: representa perda de 15% a 30% do volume de arterial de oxigênio acima de 95%. Em seguida, dois aces-
sangue (750mL a 1500mL para adultos de 70kg). Há taqui- sos venosos calibrosos (pelo menos 16G), com cateteres
cardia, taquipnéia e diminuição da pressão de pulso, isto é, curtos, preferencialmente nos membros superiores, devem
a diferença entre a pressão arterial sistólica e a pressão arte- ser obtidos. Outras opções para punção venosa são: veias
rial diastólica. O débito urinário é reduzido para 20mL/h a femorais, jugulares, subclávias (o que pode causar pneumo-
30mL/h e o paciente geralmente apresenta ansiedade. O tórax em 2% dos casos), punção intra-óssea (crianças
choque classe II requer a administração de cristalóides, menores do que seis anos) e a dissecção da veia safena
além da avaliação pelo cirurgião. magna no nível do maléolo medial27. A escolha irá depen-
Classe III: representa perda de aproximadamente der, entre outros fatores, da experiência do médico.
2000mL de sangue em adultos de 70kg (30% a 40% do As soluções utilizadas para reposição no choque hipo-
volume sangüíneo total). Essa classe de choque é a primei- volêmico devem ser infundidas inicialmente em bolus. A
ra na qual há verdadeiramente diminuição da pressão arte- solução de Ringer lactato aquecida a 39oC é a preconizada
rial sistólica. Há taquicardia importante além de taquipnéia, atualmente27. Em adultos, infunde-se inicialmente um a
confusão mental e oligúria (5mL/h a 15mL/h). Pacientes dois litros e, em crianças, 20mL/kg27. A utilização do
dessa classe de choque podem necessitar hemotransfusão e Ringer lactato parece melhorar a acidose metabólica do
tratamento cirúrgico para controle da hemorragia. choque mais do que a solução de cloreto de sódio a 0,9%,
Classe IV: representa choque grave por perda aguda pois o isômero L-lactato é metabolizado no fígado e no
de mais de 2000mL de sangue em adultos de 70kg, ou rim, gerando bicarbonato que age como tampão28-30.
seja, mais de 40% do volume sangüíneo total. Não se con- A meta hemodinâmica a ser alcançada com a reposição
segue medir a pressão arterial. Os sinais de choque (hipo- volêmica ainda é motivo de debate2,31. Do ponto de vista
perfusão tecidual) são marcantes. O paciente apresenta-se prático, deve-se basear nos seguintes dados: normalização
confuso e letárgico; a intervenção cirúrgica se impõe, na do déficit de base à gasometria arterial (entre – 3,3mEq/L
maioria das vezes . e +2,3mEq/L), medidas seriadas da hemoglobina, débito
Alguns pacientes apresentam particularidades que urinário (≥0,5mL/kg/h em adultos e 1mL/kg/h em crian-
devem ser observadas no tratamento do choque hemorrá- ças), saturação arterial de oxigênio (≥95%), normalização
gico. Atletas possuem maior reserva fisiológica. Portanto, da pressão arterial sistólica, normalização da freqüência car-
as manifestações comuns de hipovolemia podem não estar díaca e manutenção da pressão venosa central entre
presentes. Pacientes idosos comportam-se de maneira 8mmHg e 15mmHg2,27. Caso seja utilizado cateter em arté-
oposta a dos atletas. Além disso, é mais freqüente, nesse ria pulmonar (Swan-Ganz) ou métodos menos invasivos
grupo, o uso de medicamentos como betabloqueadores, e para avaliar o débito cardíaco, objetiva-se índice de oferta
também de marca-passo, que são capazes de mascarar a de oxigênio maior do que 500mL/min/m2.
taquicardia como indicador de hipovolemia27. As crianças No choque hemorrágico, a reposição volêmica com
são capazes de responder ao choque hemorrágico com des- cristalóides aumenta a oferta de oxigênio aos tecidos por
carga simpática muito intensa retardando, portanto, sinais aumentar o débito cardíaco. No entanto, a hemodiluição
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pode prejudicar o transporte de oxigênio. Experimental- ativando o sistema de coagulação extrínseco sem causar
mente, hemodiluição aguda é tolerada até taxa de hemoglo- hipercoagulação sistêmica2.
bina de 7g/dL e hematócrito de 21% (regra 7:21). Abaixo
disso, os efeitos benéficos do aumento do débito cardíaco
tornam-se menos relevantes5. Em pacientes cardiopatas,
Choque cardiogênico
taxa de hemoglobina ≥ 10g/dL deve ser objetivada. A Choque cardiogênico ocorre quando a redução da per-
transfusão de concentrado de hemácias (39ºC) de tipo espe- fusão tecidual se deve à dificuldade do coração em bom-
cífico é preferível, exceto em pacientes instáveis com bear sangue aos tecidos. É a complicação mais grave do
hemorragia classe IV. Nesses casos, a infusão de concentra- infarto agudo do miocárdio, ocorrendo em 6% a 8% dos
do “O” negativo está indicada27. Em adulto de 70kg, uma casos. A necrose de mais de 40% da massa muscular do
unidade de concentrado de hemácias aumenta o hematócri- ventrículo provoca choque cardiogênico5,35. Nessa situação,
to em, aproximadamente, 3% e a hemoglobina em 1g/dL7. a taxa de mortalidade em 30 dias é de até 50%5,35.
Transfusões maciças de sangue, colóides ou cristalóides Em operações não-cardíacas, a incidência geral de com-
podem causar coagulopatia dilucional associada a hipoter- plicações cardiovasculares é de 13%36,37. O infarto agudo do
mia e acidose metabólica28. Em geral, pacientes que rece- miocárdio é responsável por, aproximadamente, 4% dessas
bem mais de dez unidades de concentrado de hemáceas complicações e ocorre até o primeiro dia de pós-operatório
desenvolvem trombocitopenia, diminuição da concentra- em 47% dos casos36. O risco de complicação cardiovascu-
ção de fibrinogênio e tempo de protrombina prolongado28. lar é maior nos pacientes com infarto agudo do miocárdio
A correção dos distúrbios de coagulação deve ser feita, na prévio, insuficiência cardíaca congestiva, angina e diabetes
maioria das vezes, somente após exames laboratoriais28. mellitus, principalmente os mais idosos e com doença mal
Plaquetas devem ser infundidas nos casos de sangramento controlada37. A associação desses fatores aumenta a inci-
difuso (microvascular) com plaquetopenia 50 x 109/L33. A dência de complicações, atingindo índices de 15% a 20%
posologia é de uma unidade para cada 10kg de peso corpo- quando três ou mais estiverem presentes37.
ral. Plasma fresco congelado está indicado, no peroperató- Do ponto de vista fisiopatológico ocorre, no choque
rio, quando o tempo de protrombina ou de tromboplasti- cardiogênico, redução da fração de ejeção dos ventrículos e
na parcial estiverem elevados > 1,5 vez o fisiológico33. do débito cardíaco. Mecanismos compensatórios, por meio
Administram-se 10mL/kg a 15mL/kg e o objetivo é alcan- de hiperestimulação simpática, provocam aumento da
çar um mínimo de 30% da concentração normal dos fato- resistência vascular periférica (pós-carga), taquicardia e
res de coagulação. retenção de água e sódio pelos rins. Isso aumenta o consu-
A auto-hemotransfusão (sangue autólogo) é outra mo de oxigênio do miocárdio, o que agrava a isquemia e
opção de reposição no choque hemorrágico. O sangue eleva as pressões das câmaras cardíacas, culminando na
obtido do campo operatório pode ser submetido à lavagem falência uni ou biventricular, hipotensão arterial e edema
e centrifugação ou ser reinfundido após filtração somen- pulmonar cardiogênico5,35,38. Comparado às outras causas
te27,28. Auto-hemotransfusão de sangue da cavidade abdo- de choque, o cardiogênico se diferencia pela baixa perfusão
minal na vigência de lesão de víscera oca é motivo de con- tecidual associada à volemia adequada5,35.
trovérsia, pois pode induzir coagulação intravascular mais Além do infarto agudo do miocárdio, existem outras
precocemente. Entretanto, o índice de infecção sistêmica causas de choque cardiogênico, entre as quais,
parece não aumentar34. arritmias cardíacas, miocardites, disfunções valvulares car-
A infusão de substitutos do sangue (hemoglobina poli- díacas, lesões dos músculos papilares ou septais e
merizada) na fase pré-hospitalar, está atualmente em estu- contusão miocárdica5,27,35.
do (fase III). As principais vantagens sobre as hemotrans- Não existem exames laboratoriais específicos para o
fusões são validade prolongada em temperatura ambiente, diagnóstico do choque cardiogênico. Exames gerais utiliza-
fácil obtenção, mínimo risco de transmissão de doenças e dos na avaliação de pacientes com isquemia cardíaca, por
menor resposta inflamatória sistêmica2. A utilização do exemplo enzimas (creatinakinase, troponina, mioglobina e
fator VII recombinante ativado (rFVIIa) trouxe benefício desidrogenase lática), hemograma, lactato, ionograma, per-
importante para o controle dos distúrbios de coagulação. O fil da coagulação e gasometria arterial, podem auxiliar no
rFVIIa se liga ao fator tecidual exposto na lesão endotelial, diagnóstico. A radiografia simples do tórax é útil para des-
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Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

cartar outras causas de choque (hemotórax ou pneumotó- monar maciça, pois os trombos localizados nessa região
rax) e avaliar sinais de insuficiência cardíaca congestiva5. O apresentam lise espontânea5,42. A trombose venosa profun-
eletrocardiograma, caso seja normal, não descarta o choque da acomete aproximadamente 12% dos pacientes submeti-
cardiogênico. O ecocardiograma é útil na determinação de dos a operações não-cardíacas e não-ortopédicas. Nesses
áreas de acinesia ou hipocinesia da parede ventricular, além dois tipos de operações, a incidência é maior36,37. A maioria
de demonstrar alterações nas válvulas cardíacas5. dos casos de embolia pulmonar (50%) ocorre entre o pri-
Os parâmetros hemodinâmicos apresentados pelos meiro e o terceiro dia de pós-operatório36. No entanto,
pacientes com choque cardiogênico são pressão arterial sis- demonstrou-se em estudo clínico que 25% dos casos ocor-
tólica menor do que 90mmHg por pelo menos 30 minutos rem entre o 15º e o 30º dia de pós-operatório43.
e índice cardíaco menor do que 1,8L/min/m2, na presença A embolia pulmonar maciça é observada quando mais
de pressão de oclusão do capilar pulmonar elevada (maior de 50% do segmento vascular pulmonar é acometido, cau-
do que 18mmHg)5,35,38. sando choque obstrutivo, principalmente em pacientes
O tratamento do choque cardiogênico é dirigido para a com reserva cardíaca diminuída5. A incidência geral de cho-
correção do fator causal39,40. No entanto, algumas medidas que após embolia pulmonar é de aproximadamente 5%45.
gerais são necessárias: A fisiopatologia do choque na embolia pulmonar
■ suporte ventilatório e oxigênio suplementar; envolve a liberação de substâncias vasoativas como a sero-
■ suporte inotrópico; tonina, proveniente das plaquetas, que resulta no aumento
■ acesso venoso central (cateter de Swan-Ganz); da resistência vascular pulmonar e do espaço morto44.
■ tratamento das possíveis arritmias cardíacas .
38-40
Ocorre também broncoespasmo reflexo e aumento da
A angiografia coronariana de urgência está indicada nos pós-carga do ventrículo direito, capaz de provocar sua dila-
casos de choque cardiogênico devido a infarto agudo do tação, isquemia e disfunção43.
miocárdio, pois permite identificar áreas de obstrução e Clinicamente, observam-se sinais de disfunção do ven-
possibilita condutas intervencionistas percutâneas ou cirúr- trículo direito, como distensão das veias jugulares, hiperfo-
gicas para recuperar o fluxo coronariano40. Essas condutas nia da segunda bulha e sopro sistólico na borda esternal
estão associadas à melhora da sobrevivência de pacientes inferior esquerda. Dispnéia, desconforto torácico ou sínco-
com choque cardiogênico41. A utilização de terapia fibrino- pe, sem causas aparentes, em pacientes de risco para trom-
lítica nos casos de choque cardiogênico é controvertida, bose venosa profunda, são sintomas comuns na embolia
sendo mais eficaz quando aplicada precocemente40. pulmonar. No eletrocardiograma, nota-se inversão da onda
O balão intra-aórtico diminui a pós-carga do ventrículo T nas derivações anteriores, principalmente de V1 a V4. O
esquerdo e aumenta a perfusão coronariana durante a diás- ecocardiograma mostra alterações no ventrículo direito em,
tole, sendo eficaz como medida estabilizadora inicial dos aproximadamente, 40% dos pacientes. Gasometria arterial
pacientes com choque cardiogênico, principalmente quan- inalterada não deve ser utilizada para contra-indicar outros
do é utilizado precocemente. Dispositivos de assistência estudos caso haja suspeita de embolia pulmonar43. Os
ventricular funcionam como ventrículos substitutos, mas, níveis de dímero-D apresentam baixa especificidade para
ao contrário do balão intra-aórtico, necessitam de toracoto- embolia pulmonar, devendo ser utilizados, portanto, em
mia para instalação40. pacientes sem outras doenças ou situações associadas,
como infarto agudo do miocárdio, pneumonia, insuficiên-
cia cardíaca, câncer ou período pós-operatório43.
Choque obstrutivo
O dupplex scan venoso tem alta acurácia em pacientes
Esse tipo de choque ocorre devido ao impedimento da com suspeita de trombose venosa profunda, mas o exame
circulação sistêmica por obstrução intrínseca ou extrínse- inalterado não descarta a possibilidade de embolia pulmo-
ca. As principais causas são embolia pulmonar, pneumo- nar. A cintilografia pulmonar é o exame mais útil para des-
tórax hipertensivo, dissecção aguda da aorta e tampona- cartar embolia pulmonar significativa. Resultado negativo
mento cardíaco5. para embolia pulmonar praticamente a exclui. A incidência
A embolia pulmonar é causada por êmbolos provenien- de falso positivo é de, aproximadamente, 15%5.
tes de trombose venosa profunda das veias da coxa e da Resultados intermediários são de difícil interpretação e
pelve. Raramente veias da panturrilha causam embolia pul- devem ser complementados pela tomografia computado-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

rizada helicoidal. Caso esse exame também demonstre ventrículo esquerdo, obstrução do fluxo coronariano por
resultados duvidosos, a angiografia pulmonar é útil para o extensão da dissecção até os óstios das coronárias, prolap-
diagnóstico definitivo43. so da válvula aórtica, tamponamento cardíaco ou choque
O tratamento do choque obstrutivo causado pela hemorrágico se houver ruptura para o mediastino46. O cho-
embolia pulmonar baseia-se no suporte da função cardía- que associado à dor torácica retroesternal ou posterior,
ca com as mesmas substâncias inotrópicas positivas des- entre as escápulas, algumas vezes sem pulso nas extremida-
critas no tratamento do choque cardiogênico, associadas des, faz parte da apresentação clínica. Entre os exames
ao uso de trombolíticos, com ou sem anticoagulação. Nos complementares utilizados para o diagnóstico das dissec-
pacientes com contra-indicação para trombolíticos ou no ções aórticas estão: ecocardiografia transesofágica, tomo-
caso de insucesso com o uso desses medicamentos, a grafia e angiotomografia, ressonância magnética, aortogra-
embolectomia pulmonar percutânea por cateter, ou aber- fia e a ultra-sonografia peroperatória46.
ta, pode ser a solução. Na obstrução crônica de grandes O tratamento das dissecções agudas da aorta é cirúrgi-
veias pulmonares e no cor pulmonale pode ser necessária a co para lesões do tipo A, pois, se tratadas clinicamente,
endarterectomia para remoção dos trombos organizados43. apresentam mortalidade de 90% em três meses46. O trata-
A mortalidade com esse procedimento em centros espe- mento cirúrgico também pode ser realizado por via endo-
cializados varia de 5% a 10%43. vascular. Lesões do tipo B são tratadas preferencialmente
O pneumotórax hipertensivo causa choque obstrutivo sem operação46. A reserpina, trimetafan, betabloqueadores
por provocar deslocamento mediastinal, dificuldade do e o nitroprussiato de sódio são utilizados no tratamento clí-
retorno venoso e da expansibilidade pulmonar5. Pode nico, assim como os bloqueadores dos canais de cálcio5.
ocorrer após traumatismos, no período pós-operatório de Tamponamento cardíaco causa choque obstrutivo por
operações torácicas ou abdominais, após punções de veias dificultar o bombeamento de sangue. O diagnóstico clínico
centrais e de forma espontânea, principalmente por ruptu- baseia-se na tríade de Beck presente em apenas 30% dos
ra de bolhas enfisematosas ou complicação de doença pul- casos (aumento da pressão venosa central, hipotensão arte-
monar obstrutiva crônica5. A causa mais comum, no entan- rial, abafamento de bulhas), no mecanismo de trauma e na
to, é o barotrauma causado pela ventilação mecânica5. história clínica. Pulso paradoxal (redução >10mmHg na
As principais manifestações clínicas do pneumotórax pressão arterial sistólica durante a inspiração) e o sinal de
hipertensivo são dispnéia, dor torácica, taquicardia, disten- Kussmaull (aumento da pressão venosa central na inspira-
são das veias jugulares e cianose (sinal tardio). Diferencia- ção) também auxiliam no diagnóstico27. A ultra-sonografia
se do tamponamento cardíaco por apresentar distensão das do saco pericárdico permite diagnóstico rápido de líquido
veias jugulares associada a murmúrio diminuído à ausculta livre dentro dele27. O tratamento inicial do tamponamento
do lado acometido, além de hipertimpanismo à percussão. cardíaco visa descompressão do saco pericárdico por peri-
Se houver choque hemorrágico associado, as jugulares cardiocentese (punção subxifóidea), janela pericárdica ou
podem estar colapsadas. Por se tratar de uma emergência, toracotomia ântero-lateral esquerda5.
o diagnóstico do pneumotórax hipertensivo é clínico, não Causas menos comuns de choque obstrutivo em cirur-
havendo necessidade de exames complementares. gia são: tumores mediastinais, coarctação da aorta, hiperten-
O tratamento inicial é feito com punção da parede torá- são pulmonar aguda, anemia falciforme, policitemia vera,
cica no nível do segundo espaço intercostal, na linha hemi- síndrome de hiperviscosidade e pericardite constritiva.
clavicular, descomprimindo o pneumotórax. Em seguida,
procede-se com a drenagem torácica em selo d’água no Choque distributivo
quinto espaço intercostal ligeiramente anterior à linha
axilar média. Choque distributivo é a via final comum da maioria
A dissecção aguda da aorta, outra causa de choque obs- dos estados de choque. Exemplo disso são as situações
trutivo, ocorre na porção ascendente em 62% dos casos irreversíveis dos choques cardiogênico e hemorrágico. A
(dissecção do tipo A da classificação de Stanford) e na aorta musculatura vascular periférica no choque distributivo
descendente em 38% (dissecção do tipo B)45,46. apresenta vasoconstrição ineficaz5,27,35,47. Em todas as for-
O choque provocado pela dissecção aguda da aorta é mas de choque distributivo, os níveis plasmáticos de cate-
devido aos seguintes fatores: aumento da pós-carga do colaminas estão aumentados e o sistema renina angioten-
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Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

sina ativado. Mas, mesmo assim, observam-se hipotensão mas geniturinário e respiratório, abscessos pós-operatórios
e vasodilatação47. Sepse é a principal causa, sendo respon- intracavitários e os cateteres intravasculares5.
sável por mais de 200.000 casos por ano nos Estados As manifestações clínicas principais são baixa perfu-
Unidos47. Outras causas são: choque neurogênico, choque são tecidual e hipotensão associadas a temperatura cor-
anafilático e o choque por insuficiência aguda das glându- poral maior do que 38ºC ou menor do que 36ºC, fre-
las supra-renais5,47. qüência cardíaca maior do que 90 batimentos por minu-
Três mecanismos básicos estão envolvidos nos dis- to e respiratória maior do que 20 incursões por minuto,
túrbios vasculares observados no choque distributivo: PCO2 menor do que 32mmHg, leucócitos globais em
■ ativação dos canais de potássio da musculatura lisa
número maior do que 12.000 células/m3 ou menor do
vascular, sensíveis ao ATP; que 4.000 células/m3 ou mais de 10% de células imatu-
■ aumento da síntese do óxido nítrico;
ras5. Outras opções importantes no diagnóstico do cho-
■ deficiência de vasopressina.
que séptico são: exame físico, exames de imagem e dados
hemodinâmicos obtidos com cateter de Swan-Ganz.
A abertura dos canais de potássio sensíveis ao ATP Esses dados demonstram baixa resistência vascular peri-
provoca a saída do potássio da célula muscular, hiperpo- férica, diminuição do débito cardíaco e pressão de artéria
larização da membrana plasmática e impedimento da pulmonar aumentada. No exame físico, devem-se procu-
entrada de cálcio, inibindo a contração muscular47. Esses rar cuidadosamente possíveis fontes de infecção, incluin-
canais encontram-se abertos em situações de baixa per- do sítios de punções venosas. Exames de imagem como
fusão tecidual e acidose lática47. radiografia simples, ultra-sonografia e a tomografia com-
Nos choques distributivo e hemorrágico não-com- putadorizada são úteis no diagnóstico.
pensado, a produção de óxido nítrico aumenta devido à Uma vez encontrado o foco de infecção, deve-se obter
maior expressão da enzima óxido nítrico sintetase, pro- material para cultura e antibiograma, de preferência antes
vocada provavelmente pela liberação de citocinas (IL- de iniciar o tratamento com antibióticos. Hemoculturas
1b, IL-6 e FNT-α)17,18,47. O óxido nítrico provoca vasodi- devem ser obtidas de pelo menos dois sítios48. Esses dados
latação por ativar a fosfatase das cadeias leves de miosi- são fundamentais para o diagnóstico diferencial.
na e abrir os canais de potássio sensíveis ao ATP47. O tratamento do choque séptico deve ser iniciado rapi-
Normalmente, a vasopressina desempenha papel damente após o diagnóstico. Como nos choques cardiogê-
pouco importante na regulação da pressão arterial. Mas, nico e hemorrágico, o início precoce do tratamento
quando há hipotensão, a vasopressina é liberada em altas melhora o prognóstico48. Antibióticos devem ser iniciados
concentrações pela neuro-hipófise47. No entanto, à dentro da primeira hora após o diagnóstico de sepse.
medida que o choque se agrava, a concentração de vaso- Antibioticoterapia empírica deve incluir uma ou mais dro-
pressina no plasma diminui47. Os principais efeitos posi- gas que apresentem eficácia contra o provável patógeno e
tivos da vasopressina no choque são: potencialização penetração no local da infecção48. Após isolamento do
dos efeitos vasoconstritores da noradrenalina, inativação patógeno deve-se restringir o espectro antimicrobiano
dos canais de potássio sensíveis ao ATP e redução da para evitar superinfecção48. Caso o diagnóstico de choque
síntese da óxido nítrico sintetase, reduzindo a produção séptico não se confirme, devem-se suspender os antimi-
de óxido nítrico47. crobianos48. O controle da infecção poderá exigir também
drenagem de abscessos, desbridamento de tecidos necro-
sados, remoção de dispositivos infectados, amputações de
Choque séptico
membros e retirada parcial ou total de órgãos48.
Choque séptico é caracterizado por sepse associada a A reposição volêmica no choque séptico pode ser
hipotensão não-responsiva à reposição volêmica5. realizada com cristalóide ou colóide (não há vantagens
Apresenta mortalidade elevada (50%) e a maioria das mor- dos colóides sobre cristalóides)48. Deve-se observar que,
tes ocorre dentro da primeira semana. A maioria dos casos nas primeiras 24 horas, será necessária a infusão de gran-
origina-se de bactérias Gram-negativas, mas vírus, bactérias des volumes de líquidos devido ao seqüestro no terceiro
Gram-positivas e fungos também podem provocá-lo. Os espaço. A avaliação da reposição por meio da medida da
principais focos de infecção no choque séptico são: siste- pressão venosa central, pressão capilar pulmonar, índice
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

cardíaco e correção dos distúrbios ácido-básicos é funda- A ventilação mecânica em pacientes com lesão pul-
mental48. Os objetivos da ressuscitação inicial nas primei- monar aguda, induzida pela sepse, deve ser realizada com
ras seis horas estão salientados no Quadro 53.1. volume tidal baixo (6ml/kg) e pressão de plateau inspira-
tória final < 30cmH2O, com pressão positiva expiratória
Quadro 53.1 .: Objetivos da ressuscitação inicial final mínima para prevenir colapso alveolar. Durante a
ventilação mecânica, o paciente deve ser mantido com
Pressão venosa central entre 8mmHg e 12mmHg cabeceira elevada a 45º 48.
Pressão arterial média maior ou igual a 65mmHg Controle rigoroso da glicemia, a cada quatro horas,
Débito urinário maior ou igual a 0,5mL/kg/h mantendo-a em níveis <150mg/dL e nutrição enteral
Saturação venosa mista de oxigênio maior ou igual a 70% precoce são medidas importantes no tratamento dos
pacientes sépticos.
Profilaxia da trombose venosa profunda com doses
baixas de heparina não-fracionada ou heparina de baixo
Não se deve infundir bicarbonato para tratar acidose peso molecular é fundamental. Caso haja contra-indicação
metabólica induzida pelo choque, mesmo quando o pH para o uso da heparina, dispositivos de compressão inter-
estiver em 7,1348. mitente dos membros inferiores ou meias elásticas gradua-
Vasopressores são utilizados quando a reposição volê- das podem ser utilizados. Profilaxia de úlcera de estresse
mica isolada é incapaz de normalizar a perfusão tecidual.
com bloqueadores H2 ou inibidores de bomba protônica
Noradrenalina ou dobutamina são drogas de primeira esco-
está indicada nos pacientes com choque séptico48.
lha para corrigir a hipotensão arterial no choque séptico48.
Dopamina tem maior utilidade nos pacientes com função
sistólica reduzida, mas causa mais taquicardia e arritmias48. Choque neurogênico
Vasopressina pode ser utilizada nos casos de choque refra-
tário. Por ser droga vasoconstritora direta, sem efeitos ino- Traumatismo raquimedular, anestesia por bloqueio
trópicos ou cronotrópicos, pode provocar redução do espinhal e anestesia geral são causas de choque neurogêni-
débito cardíaco e da circulação esplâncnica48. co5. A associação entre traumatismo raquimedular e cho-
O uso de corticóides (hidrocortisona 200mg/dia a que hemorrágico não é rara. Portanto, deve-se considerar
300mg/dia por sete dias) no choque séptico encontra-se inicialmente que a causa do choque, no trauma,
justificado quando, apesar da reposição volêmica ade- seja hemorrágica49.
quada, houver necessidade do uso de vasopressores ou Lesões medulares nos níveis cervical ou torácico alto
quando houver insuficiência relativa das supra-renais. (acima de T6) provocam denervação simpática com perda
Essa situação é definida como aumento de 9µg/dL do do tônus alfa-adrenérgico, causando dilatação arterial e
cortisol plasmático após infusão de hormônio adreno- venosa das vísceras e vasos da periferia5. Ocorre também
corticotrófico (ACTH)48. A proteína C recombinante ati- redução da resistência vascular, hipotensão arterial e repre-
vada é recomendada em pacientes sem risco de hemorra- samento de sangue na periferia, provocando diminuição do
gia e com alto risco de morte (APACHE II maior do que retorno venoso5,27.
25 pontos) e falência multiorgânica induzida pela sepse48. A presença de hipotensão sem taquicardia concomitan-
Hemotransfusão no choque séptico está indicada te é sinal altamente sugestivo de choque neurogênico.
quando a concentração de hemoglobina for < 7,0g/dL. O tratamento do choque neurogênico visa, inicial-
O objetivo é mantê-la entre 7,0g/dL e 9,0g/dL. A infu- mente, a reposição volêmica. Caso não ocorra reposta
são de plasma fresco congelado deve ser realizada se hemodinâmica adequada com essa conduta, utilizam-se
houver distúrbio de coagulação confirmado laboratorial- vasopressores alfa-adrenérgicos para aumentar a pressão
mente48. A infusão de plaquetas deve ser feita quando a de perfusão tecidual. A maioria dos pacientes com cho-
contagem delas for < 5.000/mm3, mesmo sem sangra- que neurogênico responde às medidas anteriores e apre-
mento evidente. Para intervenções cirúrgicas, os níveis senta-se estável hemodinamicamente 24 a 48 horas após
plaquetários devem ser ≥ 50.000/mm3,48. o início do tratamento5.
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Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

Choque anafilático citomegalovírus e fungos) e a hemorragia espontânea


das glândulas supra-renais nos casos de meningococe-
Reação de hipersensibilidade antígeno induzida e IgE mia (síndrome de Waterhouse-Friderichsen) ou septice-
mediada é responsável pelo choque anafilático. Nesse
mia por Gram-negativos ou pneumococo52. Uso de
tipo de choque, ocorre degranulação de mastócitos e
esteróides, ressecção cirúrgica de tumores funcionantes
basófilos provocada por diferentes estímulos. Os princi-
(produtores de cortisol) ou ressecção transesfenoidal de
pais mediadores da cascata inflamatória anafilática são
tumores da hipófise, além de neoplasia metastática
histamina, serotonina e enzimas proteolíticas50. Do ponto
envolvendo as supra-renais (estômago, pulmão, mama,
de vista cirúrgico, os principais estímulos capazes de pro-
melanoma e linfoma), são as principais causas de insu-
vocar choque anafilático são drogas (penicilina) e contras-
ficiência secundária dessas glândulas.
tes endovenosos utilizados em exames radiológicos.
Na fisiologia das supra-renais, estímulo do hormô-
Picadas de insetos e serpentes, alguns alimentos e alergia
nio adrenocorticotrófico provoca liberação de cortisol e
ao látex também podem provocar choque anafilático5.
O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas, mineralocorticóides5. Sob situações de estresse, a pro-
sendo que os órgãos mais freqüentemente envolvidos dução desses hormônios aumenta. A incapacidade das
são pele e mucosas (urticária e angioedema), vias respira- glândulas supra-renais de produzir mais cortisol aguda-
tórias (edema, hipersecreção, bronco-constrição) e siste- mente caracteriza situação de emergência. Os sintomas
ma cardiovascular (vasodilatação, depressão do miocár- observados são febre, náuseas e vômitos, dor abdomi-
dio, transudação de líquidos para o espaço intersticial e nal, hipotensão, hiponatremia e hipocalemia5,52. Esses
redução da resistência vascular periférica)5,50. O diagnós- sintomas estão associados, algumas vezes, ao uso de
tico diferencial inclui outras causas de choque distributi- esteróides exógenos. Pacientes infectados que não res-
vo, choque cardiogênico, infarto agudo do miocárdio, pondem à reposição volêmica e ao uso de vasopresso-
asma e insuficiência respiratória aguda por outras causas5. res poderão estar em choque por insuficiência aguda
O tratamento do choque anafilático visa inicialmente das supra-renais5.
garantir via aérea, fornecer oxigênio suplementar (satura- O teste rápido de estimulação com hormônio adreno-
ção de O2 ≥ 95%) e dois acessos venosos calibrosos5. A corticotrófico é o melhor método diagnóstico52. São infun-
cricotireoidostomia pode ser necessária em alguns casos didos por via endovenosa 250mg de hormônio adrenocor-
de obstrução das vias aéreas. Broncoespasmo grave pode ticotrófico sintético e a dosagem de cortisol plasmático é
ser tratado com 0,01mg/kg de adrenalina por via intra- avaliada a seguir (zero, 30 e 60 minutos). A resposta normal
muscular ou subcutânea. Se houver colapso circulatório mostra concentração de cortisol > 20mg/100mL.
com hipotensão grave, a adrenalina deverá ser infundida O tratamento inicial do choque causado por insufi-
por via endovenosa em bolus (0,1mg/kg a 0,2mg/kg) ou ciência das supra-renais requer acesso venoso com cate-
por via endotraqueal. Nessa situação, utilizam-se doses ter de grosso calibre, infusão rápida de dois a três litros
duas a duas e meia vezes maior, seguida de 10mL de solu- de cloreto de sódio 0,9% e 75mg de hidrocortisona
ção de cloreto de sódio a 0,9%5. endovenosa a cada seis horas. A dexametasona (4mg por
via endovenosa) pode ser associada à hidrocortisona.
Esta tem mais efeito mineralocorticóide do que a dexa-
Choque por insuficiência aguda das supra-renais
metasona (potente glicocorticóide), mas interfere na
Atualmente, nos Estados Unidos, a insuficiência medida do cortisol plasmático5. O teste rápido de estimu-
aguda das supra-renais ocorre em um entre cada 4.500 lação com hormônio adrenocorticotrófico pode ser repe-
e 6.250 pacientes internados. Portanto, trata-se de tido após as medidas descritas anteriormente. O resulta-
doença rara51. É mais comum nos homens entre o ter- do, juntamente com o estado clínico do paciente, ditarão
ceiro e o quinto decênios de vida50. as doses de manutenção dos esteróides. A reposição
As causas da insuficiência aguda das supra-renais volêmica com cloreto de sódio 0,9% deve persistir por
podem ser primárias ou secundárias. Causas primárias aproximadamente 48 horas e, em seguida, repõem-se
são auto-imunes (65%), infecciosas (tuberculose, HIV, mineralocorticóides (fludrocortisona 0,1mg/dia via oral).
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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54
COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES

Vandack Alencar Nobre Júnior,


Lucas Lodi

Introdução das no pós-operatório de procedimentos cirúrgicos, em


geral, incluem a síndrome coronariana aguda, insuficiên-
Um melhor reconhecimento dos problemas cardíacos cia cardíaca, edema agudo de pulmão, crise hipertensiva,
no pós-operatório de operações vasculares ocorreu no arritmias cardíacas, acidente vascular cerebral e embolia
início da década de 80 do século passado. Desde aquela pulmonar. As complicações relacionadas aos procedi-
época, observa-se também crescimento progressivo da mentos cirúrgicos realizados no próprio sistema cardio-
atenção a essas complicações nos pacientes submetidos a vascular são mais numerosas e específicas (derrame peri-
procedimentos cirúrgicos não-cardiovasculares. Ainda cárdico, disfunção valvular, endocardite, isquemia arte-
que as técnicas cirúrgicas e anestésicas tenham, indiscuti- rial) e exigiriam capítulo à parte para a sua discussão.
velmente, sido aprimoradas nos últimos anos, incorpo-
rando procedimentos menos invasivos e tempos cirúrgi-
cos progressivamente menores, a melhora do prognósti- Síndrome coronariana aguda
co dos pacientes relaciona-se, em grande parte, à maior
atenção dispensada ao sistema cardiovascular no período As complicações cardiovasculares pós-operatórias
peroperatório. Em função dessas mudanças, de acordo encontram-se intimamente ligadas à condição pré-opera-
com Lowenstein1, a incidência de infarto agudo do mio- tória dos indivíduos. Estudo realizado em 1.600 pacien-
cárdio no pós-operatório, em pacientes com infarto tes avaliou a freqüência de complicações cardiovasculares
agudo prévio reduziu de 7,7% para 1,9%. Entre os fato- no pós-operatório de operações não-cardíacas (Quadro
res envolvidos nessa redução, cita-se a utilização do cate- 54.1). Os pacientes foram divididos em três grupos:
ter de Swan-Ganz, o uso de medicamentos mais apro- grupo 1- pacientes sem doença arterial coronariana grave,
priados para proteção cardíaca (betabloqueadores e nitra- ou seja, com estenose menor do que 70%; grupo 2-
tos), além da permanência sob monitorização hemodinâ- pacientes com doença arterial coronariana grave (esteno-
mica por tempo mais prolongado. Diversos sistemas de se > 70%), porém submetidos a revascularização miocár-
avaliação e inúmeras classificações permitem acurada dica, grupo 3- pacientes com doença arterial coronariana
estimativa dos riscos cardiovasculares associados a cada grave, não submetidos a revascularização miocárdica.
paciente. Desse modo, no pré-operatório, pode-se definir Entre outras observações relevantes, demonstrou-se o
a propedêutica e os cuidados necessários para condução valor protetor da revascularização miocárdica, a qual
mais segura dos pacientes2. esteve associada à significativa redução do risco de even-
As principais complicações cardiovasculares observa- tos isquêmicos e de morte no pós-operatório1.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 54.1 .: Morbidade cardiovascular e mortalidade cirúrgica (IAM) com supradesnivelamento persistente de ST
pós-operatórias em pacientes submetidos a operações não-cardíacas (IAM-CS), anteriormente chamado IAM transmural ou
de acordo com a presença de doença arterial coronariana e realiza- IAM com Q. Mais raramente, pode ocorrer a angina de
ção prévia de revascularização miocárdica
repouso ou angina de Prinzmetal, condição associada a
vasoespasmo e que se manifesta com supradesnivelamen-
Variável Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Valor de P
to de ST no eletrocardiograma, habitualmente reversível e
(N = 399) (N = 743) (N = 458)
sem elevação de enzimas cardíacas. A SCA-SS divide-se
Óbito 02 (0,5) 07 (0,9) 11 (2,4) 0,03
em IAM sem supradesnivelamento de ST (IAM-SS) e angi-
IAM 0 05 (0,7) 05 (1,1) NS
na instável (quando não há elevação enzimática)3.
Dor torácica 18 (4,5) 38 (5,1) 40 (8,7) 0,01
AVE 03 (0,8) 06 (0,8) 07 (1,5) NS
ICC 03 (0,8) 10 (1,3) 08 (1,8) NS
Arritmias 13 (3,3) 25 (3,4) 14 (3,1) NS

IAM – infarto agudo do miocárdio, AVE – acidente vascular encefálico


ICC – insuficiência cardíaca congestiva
Grupo 1 – pacientes sem doença coronariana grave
Grupo 2 – pacientes com doença coronariana grave submetidos a revasculariza-
ção coronariana
Grupo 3 – pacientes com doença coronariana grave não-submetidos a revascu-
larização micocárdica

Aspectos gerais
A identificação de isquemia miocárdica, no pós-ope-
ratório, é freqüentemente difícil. Os sinais e sintomas A) SCA com supradesnivelamento do segmento ST na parede inferior e lateral
relativos à isquemia, tais como dor e dispnéia, podem (DII, DII e avF, V5 e V6), mostrando alterações “em espelho” das derivações DI,
avL, V1 e V2
ser causados por uma série de outras condições relacio-
nadas, inclusive, pelo próprio trauma cirúrgico.
Geralmente, a síndrome coronariana aguda manifesta-
se com dor torácica esquerda ou retroesternal, constriti-
va, que irradia-se predominantemente para o ombro e
membro superior ipsilaterais. Pode haver dor epigástri-
ca e irradiação para a mandíbula ou para o braço direito.
Alguns pacientes, sobretudo os diabéticos, freqüente-
mente apresentam dor com características incomuns e
podem até desenvolver isquemia cardíaca sem dor asso-
ciada. A dor torácica acompanha-se freqüentemente de
sudorese, dispnéia, tonteira, náuseas e vômitos. O qua-
dro pode acompanhar-se de repercussões mais graves,
relacionadas à isquemia miocárdica, tais como edema
agudo de pulmão, arritmia e morte súbita. A duração da
dor varia entre minutos a horas, dependendo da intensi-
dade do processo isquêmico.
A síndrome coronariana aguda (SCA) é atualmente B) SCA sem supradesnivelamento do segmento ST acometendo a parede anterior (V1
a V6), onde se percebe onda T invertida, apiculada, e predominantemente simétrica
classificada em SCA com supradesnivelamento do seg-
mento ST (SCA-CS) e sem supradesnivelamento do seg-
mento ST (SCA-SS) (Figura 54.1). A SCA-CS corres- Figura 54.1. : Alterações eletrocardiográficas na síndrome coronariana aguda (SCA)
ponde habitualmente ao infarto agudo do miocárdio
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Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

A justificativa para essa classificação da síndrome coro- Quadro 54.3 .: Classificação TIMI* para síndrome coronariana
nariana aguda envolve, sobretudo, o direcionamento sem supradesnivelamento do segmento ST (angina instável e infar-
terapêutico precoce, notadamente a indicação da terapia to agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de ST)
de reperfusão (trombólise ou angioplastia percutânea)
■ idade maior do que 65 anos
nos pacientes com SCA-CS, condição na qual o tempo
■ três ou mais fatores de risco para doença arterial coronariana
perdido apresenta relação direta com a quantidade de
■ estenose coronariana previamente demonstrada > 50%
miocárdio necrosado e, conseqüentemente, com a
■ desvio do segmento ST
morbidade e mortalidade.
■ uso de ácido acetilsalicílico nos últimos sete dias
Alguns sistemas de classificação de risco das síndro-
■ elevação de enzimas cardíacas
mes coronarianas agudas, são distintos para as SCA-CS
■ pelo menos dois episódios de angina nas últimas 24h
e SCA-SS. Essas classificações auxiliam na escolha da
melhor conduta propedêutica, notadamente em relação *TIMI: Thrombolysis in myocardial infarction
à cineangiocoronariografia (i.e., conduta invasiva preco- Obs: o risco é determinado pelo número de fatores presentes: 0 a 2 - risco
baixo; 3 a 4 - risco intermediário; 5 a 7 - risco alto
ce ou não-invasiva precoce) e nas decisões terapêuticas
relativas a cada caso. Além disso, permitem estimativas
mais acertadas do prognóstico. De modo geral, Tratamento
idade avançada, sinais de insuficiência cardíaca O tratamento da síndrome coronariana aguda envolve a
congestiva, taquicardia, hipotensão e acometimento da redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio, em geral,
parede anterior prenunciam pior prognóstico no com o uso de betabloqueadores, além da terapia com antia-
IAM-CS. Pela sua praticidade, a classificação de gregantes plaquetários (ácido acetilsalicílico, clopidogrel,
Killip é uma das mais utilizadas para os pacientes com bloqueadores da glicoproteína IIB e IIIA), anticoagulantes
IAM-CS (Quadro 54.2)4,5. (heparina), inibidores da enzima de conversão da angioten-
sina (IECA) e nitratos6-9. Cada condição, de acordo com a
presença de fatores de risco e na dependência da fisiopato-
Quadro 54.2 .: Classificação de Killip para síndrome coronariana logia da lesão coronariana, envolverá o uso de parte ou de
aguda com supradesnivelamento persistente do segmento ST todo esse aparato terapêutico. Nos últimos anos, observa-
Categoria Achados clínicos se tendência a se administrarem estatinas precocemente (no
máximo, no quinto dia após o início do quadro) nos
Killip I Sem sinais de insuficiência cardíaca congestiva
pacientes com síndrome coronariana aguda, sendo essas
Killip II Insuficiência cardíaca congestiva leve a moderada
(B3, crepitações até, no máximo, a metade inferior drogas posteriormente mantidas como profilaxia secundá-
do tórax, aumento da pressão venosa jugular) ria. Nos pacientes que já estavam utilizando essas drogas,
Killip III Edema agudo de pulmão elas devem ser mantidas durante toda a internação.
Killip IV Choque cardiogênico Uma questão controversa diz respeito à utilização de
anticoagulantes no pós-operatório imediato e, principal-
mente, ao uso de trombolíticos nesse período. Não há con-
tra-indicação absoluta à administração de anticoagulantes
(heparina em doses plenas) nesse período, exceto na pre-
Duas classificações das mais utilizadas na SCA-SS sença de sangramento ativo. Em todas as demais situações,
(Quadros 54.3 e 54.4) auxiliam sobremaneira nas deci- deve-se considerar a relação de risco e benefício da terapia.
sões propedêuticas. São as classificações terapêuticas e a Há que se lembrar que, na maioria dos casos de síndrome
cineangiocoronariografia. coronariana aguda, o uso de heparina ocorrerá por tempo
A Figura 54.2 demonstra os passos envolvidos limitado (48 a 72 horas). Ainda que alguns trabalhos sugi-
na condução de paciente com síndrome coronariana ram vantagem da heparina de baixo peso molecular na tera-
aguda, desconsiderando as peculiaridades do pia da SCA-SS, sua meia vida mais longa e a relativa impre-
período pós-operatório, as quais serão discutidas ao visibilidade da dose de sulfato de protamina para inibição
longo do texto. do seu efeito, tornam o uso da heparina não-fracionada tão
ou mais atraente no período pós-operatório imediato10.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Tabela 54.4 .: Estratificação de risco para síndrome coronariana sem supradesnivelamento de ST, segundo orientações da American College
of Cardiology / American Heart Association

Características Alto risco (pelo menos um Risco intermediário (ausentes Baixo risco (ausentes os acha-
dos seguintes) os achados de alto risco e pre- dos de alto e baixo riscos, e
sente pelo menos um dos presente pelo menos um dos
seguintes) seguintes)

Sintomas acelerados ao longo das Infarto agudo do miocárdio prévio,


História clínica
últimas 48 h doença cerebrovascular ou vascular
periférica, ou revascularização
cirúrgica, ou uso de aspirina.

Duração > 20 min Angina de repouso prolongada Início recente ou progressivo nas
Características da dor
(>20min), mas que cessa com últimas duas semanas, CCS classe
tratamento inicial, com chance III ou IV*, não-prolongada
moderada a elevada de ser sín- (<20min) de repouso, mas modera-
drome coronariana aguda da ou elevada chance de ser síndro-
me coronariana aguda.
Angina de repouso (<20min) ou
aliviada com repouso ou com
nitroglicerina sublingual
Edema de pulmão Idade > 70 anos
Achados clínicos
Sopro cardíaco novo ou modifi-
cado, B3, piora das crepitações
pulmonares, bradicardia, taqui-
cardia, hipotensão
Idade > 75 anos

Angina em repouso com mudanças Inversão de onda T > 0,2mV Normal ou sem alterações duran-
Eletrocardiograma
transitórias e dinâmicas de ST te o período de dor
Ondas Q patológicas
>0,05mV
Bloqueio completo de ramo, novo
ou presumivelmente novo
Taquicardia ventricular sustentada

Elevadas (p. ex., troponina Elevadas levemente (ex. troponina Normais


Enzimas cardíacas
>0,1ng/mL) entre 0,01 e 0,1ng/mL)

CCS – Canadian Cardiac Society

No que diz respeito ao IAM-CS, diversos estudos têm artéria coronariana envolvida. Em condições gerais, a tera-
demonstrado o benefício da trombólise na sobrevida dos pêutica percutânea, com ou sem o implante de stent, tem-se
indivíduos com essa condição, ainda que pacientes no mostrado preferencial no IAM-ST, notadamente quando
período pós-operatório imediato tenham sido excluídos realizada até duas horas após a chegada do paciente ao ser-
desses estudos. Ocorre que, excetuando-se condições viço de saúde. No pós-operatório imediato, o benefício
extremas (como tromboembolismo pulmonar maciço com dessa terapia poderia ser considerado ainda maior em rela-
grave repercussão hemodinâmica), o uso de trombolíticos ção aos riscos relacionados à trombólise. Nos pacientes
encontra-se contra-indicado por, no mínimo, três semanas cirúrgicos hospitalizados, a angioplastia percutânea seria
após operações de grande porte (Quadro 54.5)2. No caso potencialmente benéfica se realizada até 12 horas após o
de neurocirurgia, essa proibição estende-se por, pelo IAM, à semelhança do preconizado para a trombólise.
menos, três meses. Uma possibilidade, nesses casos, seria a Aceita-se intervalo maior, de 24 horas, nos pacientes com
de se realizar angioplastia percutânea para desobstruir a insuficiência cardíaca grave, instabilidade hemodinâmica
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Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

ou elétrica ou com sintomas de isquemia persistente. Insuficiência cardíaca


Por fim, nos pacientes que evoluem com choque cardio-
gênico, o intervalo poderia ser de até 18 horas do início da Aspectos gerais
instabilidade hemodinâmica, desde que a estabilidade
tenha se iniciado nas primeiras 36 horas após o infarto Disfunção cardíaca constitui a complicação cardiovas-
agudo do miocárdio. cular pós-operatória mais freqüente em pacientes subme-
tidos à cirurgia geral, ocorrendo em 1% a 6% dos casos11.
Apresentam maior probabilidade de desenvolver insufi-
ciência cardíaca congestiva pacientes com insuficiência
Dor torácica sugestiva de síndrome coronariana aguda renal ou diabetes mellitus, pacientes submetidos a operação
vascular e aqueles com cardiopatia prévia, tais como
Em dez minutos:
doença arterial coronariana, valvulopatia e insuficiência
Ácidoacetilsalicílico (160-325mg) cardíaca. A presença de terceira bulha (B3) e de pressão
Morfina se dor persistente (2-4mg/dose, EV) venosa jugular elevada deve ser pesquisada na avaliação
Oxigênio suplementar (Sat O2 92%) clínica pré-operatória. Não há evidências de que a causa
Nitratos: 5mg, sublingual (endovenoso se dor persistente,
congestão pulmonar, hipertensão arterial de difícil controle) da insuficiência cardíaca congestiva influencie o prognós-
Acesso venoso tico desses pacientes, mas eles devem ser controlados
Sangue para exames (enzimas cardíacas, hemograma, glicemia, antes da operação, já que a presença de insuficiência car-
íons, função renal, outros)
díaca congestiva no pré-operatório associa-se à duplica-
Monitorização contínua eletrocardiográfica
História clínica e exame físico ção da freqüência de complicações cardíacas perioperató-
rias. Na maior parte das vezes, a avaliação pré-operatória
restringe-se ao exame clínico, aliado ou não a exames,
Eletrocardiograma de 12 derivações; derivações direitas se como radiografia de tórax e eletrocardiograma.
IAM-CS inferior; repetir em cinco a dez minutos se não houver
alterações iniciais ou se houver dúvidas do diagnóstico
Conforme mencionado, há dúvidas acerca da utilidade
do cateter de Swan-Ganz no período peroperatório. Para
os favoráveis ao uso do cateter, haveria benefício, inclusi-
ve, na monitorização pré-operatória, objetivando-se “oti-
Elevação de ST > 0,5mV Sem elevação de ST;
ou bloqueio completo de podem haver alterações mizar” os dados hemodinâmicos. Entretanto, para outros
ramo esquerdo novo ou isquêmicas de onda T autores, mesmo em pacientes com disfunção ventricular
presumivelmente novo e/ou do segmento ST esquerda, ou naqueles submetidos a operação vascular, o
uso do cateter não influenciou significativamente o prog-
Betabloqueador (avaliar nóstico. Em estudo recente, 1.994 pacientes com idade
contra-indicações) superior ou igual a 60 anos e com risco cirúrgico elevado
Inibidores da enzima de (ASA III ou IV) foram submetidos a operação eletiva de
conversão da angiotensina
grande porte ou de urgência. Os pacientes foram rando-
mizados em dois grupos, com e sem monitorização com
cateter de Swan-Ganz12. Não se observou diferença na
Trombólise (< 12 horas) ou
PTCA (precedida e seguida
Heparina em doses plenas mortalidade pós-operatória imediata e tardia, assim como
Avaliar clopidogrel e inibido- na freqüência de insuficiência cardíaca no pós-operatório
de clopidogrel e de blo-
res da glicoproteína IIB e
queadores de glicoproteína
IIIA
entre os dois grupos. A única diferença encontrada foi a
IIB e IIIA) maior freqüência de tromboembolismo pulmonar no
Avaliar cateterismo precoce
Avaliar heparina em doses
plenas grupo que usou o cateter (0,9% versus 0,0%). A despeito
desses resultados, a utilização do Swan-Ganz estaria justi-
ficada em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva
Figura 54.2. : Algoritmo para condução inicial de pacientes com
descompensada, quando submetidos a operação de
síndrome coronariana aguda
PTCA – percutaneous transluminal coronary angioplasty
urgência e naqueles com doença cardiovascular de base
IAM-CS – infarto agudo de miocárdio com supradesnivelamento que evoluem com disfunção hemodinâmica grave e de
de ST difícil controle pós-operatório.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

A administração de fluidos no peroperatório requer Tratamento


atenção especial nos pacientes com maior risco de insu-
ficiência cardíaca congestiva. Entretanto, mesmo os O tratamento da insuficiência cardíaca congestiva no
pacientes com história prévia desta condição devem período pós-operatório assemelha-se àquele realizado
receber quantidade suficiente de líquidos para reduzir os em outras circunstâncias. Envolve, primariamente, a uti-
riscos de baixo débito cardíaco e de má perfusão dos lização dos inibidores da enzima de conversão da angio-
órgãos nobres, como cérebro e rins. Em geral, adminis- tensina (IECA). O representante dessa classe mais dispo-
tram-se 2mL/kg/h durante o procedimento cirúrgico, nível nos hospitais públicos é o captopril (6,25mg a 25mg,
visando repor as perdas insensíveis, e 3ml para cada ml VO, duas a quatro vezes ao dia, com aumento da dose con-
de sangue perdido no ato operatório. O volume a ser forme a tolerância; máximo de 150mg/dia). Nos casos de
administrado no primeiro dia de pós-operatório é de intolerância ao excesso de bradicinina (angioedema e tosse)
aproximadamente 30mL/kg a 35mL/kg. A observação desencadeado por essas medicações, podem-se empregar
atenta dos dados vitais, como pressão arterial, freqüên- os antagonistas do receptor A1 da angiotensina II, com
cia cardíaca, volume urinário e ausculta pulmonar, auxi- benefício bastante semelhante. Entre essas drogas, cita-se,
lia na definição da volemia adequada. Por fim, ainda que por exemplo o valsartan (40mg, duas vezes ao dia, com
não existam estudos conclusivos acerca deste tema, o aumento da dose conforme a tolerância; máximo de
acompanhamento da pressão venosa central, medida em 320mg/dia). No início do tratamento, mostram-se tão ou
acesso venoso central (veia subclávia ou jugular interna), mais importantes os diuréticos de alça, administrados
representa medida de grande utilidade na condução idealmente por via venosa (p.ex., furosemida, 20mg a
desses casos11. 40mg, duas a quatro vezes ao dia). Em pacientes com dis-
função ventricular sistólica mais grave e, principalmente,
na vigência de taquiarritmias supraventriculares (p.ex.,
Quadro 54.5 .: Contra-indicações para o uso de trombolíticos fibrilação atrial FA com resposta ventricular elevada), a
Absolutas associação de digitálicos, inicialmente injetáveis (lanatosí-
Hemorragia interna ativa deo C, 0,2mg a 0,4mg, EV, a cada 12 horas) e, em segui-
Suspeita de dissecção aórtica da, via oral (digoxina, 0,25mg/dia, ajustando-se o nível
Diagnóstico atual de neoplasia intracraniana sérico posteriormente), auxilia no alívio dos sintomas.
Acidente vascular encefálico hemorrágico prévio (qualquer Nesses casos, sobretudo se a fração de ejeção de ventrí-
momento); outros acidentes vasculares encefálicos ou eventos
culo esquerdo estiver abaixo de 35%, a utilização de
vasculares cerebrais no período prévio de um ano
antagonista da aldosterona (p.ex., espironolactona,
Relativas
25mg/dia) parece melhorar a sobrevida em longo prazo.
Pressão arterial superior a 180/110mmHg na admissão Por também contribuírem para o aumento da sobrevida,
Hipertensão arterial sistólica grave crônica
Acidente vascular encefálico ou qualquer doença intracraniana prévia
os betabloqueadores (carvedilol, metoprolol ou bisopro-
Trauma recente (duas a quatro semanas) ou operação de grande lol) devem ser associados apenas posteriormente.
porte (três semanas) Contudo, em pacientes com insuficiência cardíaca con-
Massagem cardíaca externa por mais de 10 minutos gestiva predominantemente diastólica e nos coronariopa-
Punções vasculares não-compressíveis tas (desde que não haja disfunção sistólica grave), os
Hemorragia interna recente (duas a quatro semanas)
betabloqueadores estão indicados desde a fase inicial.
Para estreptoquinase ou anistreplase: exposição prévia (entre
cinco dias e um ano) ou reação alérgica conhecida (usar r-TPA) Nessas duas últimas condições, o propranolol poderia
Diátese hemorrágica conhecida ou uso atual de anticoagulante ser utilizado13,14.
(RNI >2-3) Os pacientes que cursam com choque cardiogênico ou
Gravidez edema agudo de pulmão deverão ser tratados em centro de
Úlcera péptica ativa
terapia intensiva, recebendo inotrópicos cardíacos (p.ex.,
dobutamina, 2,5mg/kg/min a 20mg/kg/min), vasodilata-
r-TPA – ativador do plasminogênio tecidual recombinado dores (p.ex., nitroprussiato de sódio e/ou nitroglicerina)
ou, às vezes, vasoconstritores (p.ex., dopamina,
5mg/kg/min a 20mg/kg/min, ou noradrenalina,
4mg/min a 80mg/min). Essas medicações poderão ser
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Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

combinadas conforme a necessidade. Faz-se necessária a O tromboembolismo pulmonar raramente se manifesta


monitorização eletrocardiográfica contínua, assim como com edema agudo de pulmão. Dependendo da fase do
das pressões intra-arterial e venosa central. A utilização do edema em que o diagnóstico é realizado, o paciente pode
cateter de artéria pulmonar (Swan-Ganz) auxilia no trata- apresentar B3, crepitações grosseiras em todo ou em parte
mento dos pacientes mais graves e de difícil controle clíni- dos campos pulmonares, dispnéia mais ou menos intensa,
co. Por fim, em alguns casos de choque cardiogênico asso- às vezes, com eliminação de secreção rósea espumosa, típi-
ciado a infarto agudo do miocárdio, a utilização do balão ca de congestão pulmonar grave. Em alguns casos pode
intra-aórtico de contra-pulsação, aliado à revascularização ocorrer parada cardiorrespiratória.
precoce, reduz a mortalidade, principalmente de pacientes
com menos de 75 anos de idade. Todas as condutas deve- Quadro 54.6 .: Diagnóstico diferencial de dispnéia no pós-
rão ser tomadas considerando-se que o paciente se encon- operatório
tra em pós-operatório, ou seja, sem perder de vista as pecu-
Causas cardíacas
liaridades desse fato15. Insuficiência cardíaca
Infarto agudo do miocárdio
Angina instável
Edema agudo de pulmão Crise hipertensiva
Causas pulmonares
Aspectos gerais Pneumonite de aspiração
Pneumonia
O edema agudo de pulmão constitui importante com- Tromboembolismo pulmonar
plicação pós-operatória, com incidência que varia con- Embolia gordurosa
Crise asmática
forme a condição clínica prévia do paciente e o tipo de Doença pulmonar obstrutiva crônica
operação. Sua incidência tem variado de 0,2% a 7,6%, Síndrome do desconforto respiratório agudo
com mortalidade de, aproximadamente 12%16. Além do Miscelânea
edema agudo do pulmão, diversas condições podem Anemia
levar à dispnéia (Quadro 54.6). A definição da etiologia Febre
Ansiedade
da disfunção respiratória é essencial para a abordagem Edema de pulmão neurogênico
adequada do paciente. A possibilidade de isquemia car- Insuficiência respiratória pós-transfusão
Hipertensão porta com ascite
díaca deve ser sempre considerada.
Sepse
O edema agudo de pulmão de origem cardiogênica Desnutrição
ocorre mais comumente em pacientes com disfunção car-
díaca prévia. Sobrecarga hídrica é, provavelmente, o meca-
nismo desencadeador mais freqüente. Alguns casos de
edema agudo de pulmão podem estar relacionados à isque-
mia miocárdica, com ou sem dor torácica associada. Nessas Na radiografia de tórax propedêutica observam-se
circunstâncias, observa-se edema de início súbito, denomi- sinais de congestão pulmonar, às vezes com o aspecto de
nado flash edema, o qual se deve, principalmente, à disfun- “pulmão branco”, além de aumento mais ou menos inten-
ção diastólica. A maioria dos pacientes encontra-se com so do índice cardiotorácico. O eletrocardiograma pode
níveis pressóricos arteriais elevados durante episódio de mostrar sinais de sobrecarga ventricular esquerda, altera-
edema agudo de pulmão. Porém, o mais comum é a hiper- ções isquêmicas e arritmias. Observam-se comumente
tensão traduzir a descarga simpática intensa desencadeada inversão de onda T, que pode se apresentar com amplitute
pela disfunção respiratória, sendo, portanto, secundária ao negativa muito aumentada e aumento do intervalo QT17.
edema e não a causa deste. Entretanto, descontrole de Via de regra a gasometria arterial revela hipoxemia, poden-
hipertensão arterial previamente existente pode ocorrer no do haver retenção de CO2 nas fases tardias. O ecocardio-
pós-operatório, sendo relacionado, por exemplo a dor grama auxilia na caracterização da disfunção cardíaca,
intensa ou a rebote causado pela interrupção abrupta de revelando alterações como disfunção sistólica (global ou
simpaticolíticos (p.ex., betabloqueadores, alfa2 agonistas). segmentar), disfunção diastólica e valvulopatias.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Tratamento ção da resistência vascular sistêmica e, conseqüente-


mente, diminuição da pós-carga para o ventrículo
O tratamento inicial do edema agudo de pulmão esquerdo. Essa droga é utilizada em doses iniciais de
envolve a colocação do paciente em posição sentada,
2,5mg/kg/min, com doses máximas de 20mg/kg/min,
idealmente com as pernas pendentes e a administração
de acordo com a necessidade e a resposta clínica.
de oxigênio suplementar, sob o maior fluxo possível,
Após a resolução do quadro, o controle do balanço
objetivando-se alcançar saturação de O2 acima de 90%.
hídrico do paciente deve ser feito de forma bastante rigo-
Às vezes, é necessária ventilação não-invasiva com
rosa, procurando-se estabelecer as causas do edema agudo
pressão positiva e, se essa modalidade não for suficien-
te, intubação orotraqueal. Entre os medicamentos de pulmão. A realização do ecocardiograma poderá auxiliar
administrados, utiliza-se habitualmente diurético de na caracterização da função cardíaca, assim como na deter-
alça (p.ex., furosemida, 40mg, EV, bolus, com aumento minação de eventuais déficits de contratilidade segmenta-
da dose conforme a resposta), nitratos por via sublin- res, sugestivos de coronariopatia13,14,17.
gual (sobretudo se houver suspeita de isquemia miocár-
dica) ou opióides (p.ex., morfina, 2 a 4mg, EV, poden-
Crise hipertensiva
do ser repetida após cinco a dez minutos). As duas últi-
mas medicações causam dilatação predominante do Aspectos gerais
território venoso, aumentando a capacitância venosa e
reduzindo o retorno venoso e o consumo de oxigênio Considera-se crise hipertensiva a elevação rápida e
pelo miocárdio. A morfina adicionalmente alivia a dor inapropriada, intensa e sintomática (para alguns auto-
e reduz a ansiedade, causando, por conseguinte, dimi- res poderia ser assintomática) da pressão arterial, com
nuição da pressão arterial. A furosemida produz vaso- risco de deterioração de órgãos-alvo da hipertensão,
dilatação venosa inicial, seguida de ação diurética que com ou sem risco de vida imediato. Habitualmente, os
ocorre, aproximadamente, 30 minutos após a sua admi- níveis da pressão arterial diastólica encontram-se acima
nistração. de 120mmHg. Deve-se salientar, entretanto, que o
Os pacientes que não respondem à terapia inicial maior determinante da crise é a velocidade de aumento
devem ser submetidos a tratamento com vasodilatado- da pressão arterial e não o seu valor. Pacientes previa-
res injetáveis, idealmente sob monitorização da pressão mente normotensos e que apresentem elevação acele-
intra-arterial. Essas drogas reduzem a pré e a pós- rada da pressão arterial, como as gestantes com doen-
carga, permitindo a titulação das doses conforme a res- ça hipertensiva específica da gravidez e os pacientes
posta apresentada pelos pacientes. Entre os mais utili-
com glomerulonefrite rapidamente progressiva, podem
zados, cita-se o nitroprussiato de sódio (dose inicial de
desenvolver crise hipertensiva com pressão diastólica
0,5mg/kg/min) e a nitroglicerina (dose inicial de
entre 100mmHg a 110mmHg18.
5mg/min). O nitroprussiato é mais indicado quando se
A crise hipertensiva pode ser de urgência hiperten-
objetiva, principalmente, reduzir a pós-carga, ou seja, a
siva e de emergência hipertensiva. No primeiro caso,
resistência à ejeção ventricular esquerda. A nitrogliceri-
na, por sua vez, age predominantemente no leito veno- não há lesão corrente dos órgãos-alvo (coração, pul-
so e coronariano, mostrando-se ideal para pacientes mões, rins e cérebro), não há risco de morte iminente,
coronariopatas, sendo comumente associada ao nitro- e os níveis pressóricos devem ser reduzidos no interva-
prussiato. Esses vasodilatadores são progressivamente lo de algumas horas. Por sua vez, as emergências hiper-
substituídos por drogas administradas por via oral, à tensivas são definidas pela presença de lesão corrente
medida que ocorre melhora clínica. de órgãos-alvo, com risco de morte iminente, exigindo
Em pacientes com disfunção sistólica predominan- redução imediata da pressão arterial, o que deve ser
te de ventrículo esquerdo, podem ser utilizados agentes obtido em minutos. Alguns exemplos de emergência
inotrópicos positivos, como a dobutamina e os inibido- hipertensiva são edema agudo de pulmão, isquemia
res da fosfodiesterase (p.ex., milrinone). A dobutami- miocárdica, acidente vascular encefálico, encefalopatia
na, mais freqüentemente utilizada, apresenta ação ino- hipertensiva, insuficiência renal aguda, anemia hemolí-
trópica e cronotrópica positiva, causando ainda redu- tica microangiopática e eclâmpsia.
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Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

A elevação da pressão arterial pode ocorrer secun- redução máxima tolerável da pressão arterial,
dariamente à dor, à ansiedade, ao desconforto, ao porém mantendo valores compatíveis com perfusão
estresse físico ou emocional. Esses casos são denomi- tecidual adequada (observando-se, por exemplo, o
nados pseudocrises hipertensivas e são comuns no estado neurológico e o débito urinário);
pós-operatório, não ocorrendo lesão de órgãos-alvo. ■ pacientes com acidente vascular encefálico isquêmico
Observa-se melhora do quadro com a administração devem ser tratados apenas se a pressão arterial for
de medicamentos que tratam os fatores desencadean- maior que 220/120mmHg, exceto quando há edema
tes, a exemplo de analgésicos e ansiolíticos. No pós- agudo do pulmão, dissecção de aorta ou isquemia mio-
operatório imediato ao término do efeito dos anestési- cárdica associada;
cos, notadamente dos opióides observa-se, com fre- ■ pacientes com acidente vascular encefálico hemorrá-
qüência, desconforto, com descarga adrenérgica, taqui- gico intra-parenquimatoso devem ser mantidos com
cardia e elevação dos níveis pressóricos. Na maioria
pressão arterial sistólica menor que 160mmHg e pres-
dos pacientes com pseudocrise hipertensiva, o uso de
são arterial diastólica menor que 110mmHg (média –
anti-hipertensivos mostra-se dispensável. Vale lembrar
110mmHg a 130mmHg);
que, independentemente de sua causa, a elevação pres-
■ pacientes com acidente vascular encefálico
sórica intensa pode contribuir para a descompensação
clínica nos pacientes com doença cardiovascular pré- hemorrágico sub-aracnóideo devem ser mantidos
via. Além disso, pacientes previamente hipertensos com pressão arterial sistólica menor que 180mmHg
devem, assim que possível, voltar a receber a terapia e pressão arterial diastólica menor que 110mmHg
anti-hipertensiva habitual19. (média – 130mmHg a 140mmHg).
Dentre as medicações utilizadas na urgência hipertensi-
va, destacam-se o captopril (6,25mg/dose a 25mg/dose,
Tratamento repetido após 20min a 30min; droga de escolha), a clonidi-
O tratamento da urgência hipertensiva é feito com na (0,1mg/dose a cada hora, máximo de 0,7mg) e o pro-
drogas orais enquanto as emergências exigem a utilização pranolol (20mg/dose a 40mg/dose, principalmente nos
de medicamentos injetáveis e, idealmente, de doses titu- pacientes com rebote causado pela interrupção abrupta
láveis, em bomba de infusão contínua. Deve-se reduzir a de betabloqueadores). Deve-se evitar o uso de nifedipina
pressão arterial por etapas, geralmente entre 20% a 25% de liberação rápida (sublingual ou por via oral), devido à
na primeira hora ou objetivando-se pressão arterial dias- imprevisibilidade de ação dessa droga. Optando-se por
tólica em torno de 100mmHg a 110mmHg. Valem algu- usá-la, recomenda-se diluir o conteúdo da cápsula numa
mas observações: seringa com 10mL de água bidestilada (1mg/mL) e admi-
■ pacientes idosos, aqueles com hipertensão arterial nistrar entre 3mg e 4mg por vez.
crônica e os com vasculopatias degenerativas (coroná- As emergências hipertensivas devem ser tratadas em
ria, cérebro-vascular), toleram mal hipotensão. Nestes ambiente de terapia intensiva, com monitorização contínua
pacientes deve-se proceder à redução da pressão arterial da pressão intra-arterial As medicações mais utilizadas nes-
de forma ainda mais cuidadosa; ses casos são o nitroprussiato de sódio (dose inicial de
■ pacientes podem apresentar hipovolemia secundária, 0,5mg/kg/min), nitroglicerina (dose inicial de 5mg/min), a
por exemplo à natriurese pressórica. Hipotensão postu- furosemida venosa (40mg/dose, podendo ser repetida
ral constitui forte indício de sua presença. Nesses casos, conforme a necessidade), betabloqueadores venosos titulá-
pode haver redução exagerada da pressão arterial com o veis (p.ex., esmolol) e hidralazina venosa (principalmente
uso de vasodilatadores; em gestantes). A indicação de cada medicamento ocorre de
■ pacientes com edema de papila podem apresentar acordo com a condição clínica. Pacientes coronariopatas
amaurose se houver redução abrupta da pressão devem ser preferencialmente tratados com betabloqueado-
arterial; res, nitroglicerina ou nitroprussiato, muitas vezes em asso-
■ pacientes com insuficiência ventricular esquerda, ciação. Pacientes com edema agudo de pulmão, sem coro-
dissecção aguda de aorta ou isquemia miocárdica nariopatia, por sua vez, deverão receber nitroprussiato e
devem ser tratados de forma mais vigorosa, com furosemida. Na maioria dos pacientes com manifestações
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

neurológicas, a primeira opção, em nosso meio, tem recaí- A idade representa o principal fator relacionado ao
do sobre o nitroprussiato de sódio19. desenvolvimento de fibrilação atrial no pós-operatório de
cirurgia geral. Em pacientes submetidos a operação car-
díaca, além da idade elevada, o sexo masculino, a história
Arritmias cardíacas de fibrilação atrial, a presença de hipertensão arterial e a
As bradiarritmias potencialmente graves ocorrem no insuficiência cardíaca congestiva são considerados fatores
peroperatório de aproximadamente 6,4% dos pacientes de risco independentes dessa arritmia. Dessa forma, con-
com classificação ASA (American Association of siderando-se exclusivamente pacientes idosos, a fibrilação
Anesthesiologists) 3 e 4. Entretanto, na maior parte dos atrial ocorre no pós-operatório de até 20% das operações
torácicas e de 30% das cardíacas.
casos, observa-se boa resposta ao tratamento farmacoló-
A prevenção de fibrilação atrial no pós-operatório
gico ou ao uso temporário de marcapasso cardíaco
pode ser feita com administração de betabloqueadores,
transesofágico, transcutâneo ou, menos comumente,
sotalol ou amiodarona. A menos que haja hipomagnese-
transvenoso. As arritmias ventriculares são mais raras,
mia, a administração rotineira de magnésio não se mostra
notadamente se considerarmos a taquicardia ventricular
benéfica nos pacientes submetidos a operação cardíaca. A
sustentada (duração maior do que 30seg). Cerca de 15%
decisão sobre o uso dos anti-arrítmicos baseia-se no tipo
dos pacientes submetidos a operação torácica não-cardía-
de procedimento cirúrgico (mais indicados nas operações
ca apresentam algum episódio de taquicardia ventricular
cardíacas) e nas características do paciente (sobretudo em
(três ou mais batimentos ectópicos ventriculares sucessi-
sua idade). O tratamento envolve a utilização de drogas
vos), quando monitorizados continuamente por 96 horas
para controle do ritmo e/ou da freqüência cardíaca,
no pós-operatório. Estudos clínicos têm evidenciado
havendo tendência para se priorizar o último (Figura
taquicardia ventricular sustentada em 0,5% a 1% dos
54.3). Isso porque alguns estudos recentes não mostraram
pacientes no pós-operatório de operações cardíacas.
benefício da manutenção do ritmo sinusal, notadamente
Lidocaína e amiodarona não previnem tais episódios20.
se isso se faz às custas de doses elevadas e potencialmen-
As taquiarritmias supraventriculares são mais comuns
te tóxicas de anti-arrítmicos. Nos pacientes que persistem
no pós-operatório. Ocorrem, por exemplo em 2% a 6%
com fibrilação atrial após 24 a 48 horas, é necessário o uso
dos pacientes, respectivamente, no per e no pós-operató-
de anticoagulação, inicialmente com heparina e, após a
rio de operações torácicas não-cardíacas. O pico de inci-
alta, com warfarin. Um inibidor direto da trombina, o
dência das arritmias supraventriculares encontra-se no
ximelagatran, tem-se mostrado promissor no controle da
segundo e terceiro dias pós-operatórios. Os tipos mais anticoagulação em longo prazo, dispensando ajuste de
comuns são a taquicardia paroxística supraventricular e a dose e controle regular com coagulograma21.
fibrilação atrial. Cerca de 85% dos casos respondem às
estratégias de controle de ritmo e/ou de freqüência car-
díaca empregadas durante a hospitalização, e 98% dos Outras complicações cardiovasculares
pacientes apresentam ritmo sinusal dois meses após a alta do pós-operatório
hospitalar. A despeito do bom prognóstico dessas arrit-
mias, os pacientes que mantêm fibrilação atrial persistem Outras complicações que envolvem o sistema cardio-
com risco aumentado de acidente vascular encefálico. vascular podem ocorrer no pós-operatório. Entre elas,
Além disso, a ocorrência de fibrilação atrial no pós-opera- citam-se a trombose venosa profunda, o tromboembolis-
tório aumenta o tempo e o custo da internação hospitalar. mo pulmonar e o acidente vascular encefálico.

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Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

Taquicardia paroxística supraventricular


ou FA (< 24h de duração)

Controle de freqüência (< 100bpm) com


Instabilidade hemodinâmica, angina Conversão espontânea
diltiazen, verapamil ou betabloqueador
ou síndrome de pré-excitação da fibrilação
endovenoso*

Fibrilação atrial com Fibrilação com > 48h


Cardioversão elétrica
24-48h de duração de duração

Considerar heparina Anticoagulação com heparina;


Contra-indicações
em doses plenas iniciar warfarin se não houver
à anticoagulação
contra-indicações

Com evidências de Sem evidências de Considerar cardioversão elé- Considerar


doença estrutural doença estrutural trica após quatro semanas de cardioversão elé-
cardíaca** cardíaca warfarin trica guiada por
ecocardiograma
transesofágico
Ibutilide endovenoso;
dose única de flecainide
Amiodarona
ou propafenona via
oral; amiodarona

* A TPSV responde à adenosina em aproximadamente 40% dos casos


** Definida pela presença de um dos seguintes: hipertrofia ventricular esquerda, doença valvar mitral, ICC ou doença arterial coronariana

Figura 54.3 .: Condução de taquicardia supraventricular no pós-operatório


FA – fibrilação atrial
TPSV – taquicardia paroxística supraventricular

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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55
COMPLICAÇÕES
RESPIRATÓRIAS

José de Freitas Teixeira Junior,


Cláudia Myriam Amaral Botelho

Introdução oxigenadas, o gás carbônico produzido seja eliminado e o


pH interno se mantenha estável, sob demandas metabóli-
As complicações pulmonares pós-operatórias devem cas variadas. Para isso, é necessário que a ventilação e a
ser entendidas como qualquer anormalidade pulmonar que perfusão sejam suficientes, proporcionais e bem distribuí-
ocorra no período pós-operatório e que produza disfunção das em ambos os pulmões. No período perioperatório
ou doença identificável, clinicamente relevante, contribuin- existem alterações fisiopatológicas que podem evoluir
do desfavoravelmente na evolução do curso clínico em para complicações, tanto nos pacientes previamente
questão1. A compreensão desse conceito é fundamental sadios quanto nos de risco. O conhecimento dos fatores
para que se delimite o espectro dessas complicações e se que aumentam a probabilidade de complicações e das
entenda – em razão dos diferentes critérios empregados na alterações envolvendo volumes pulmonares, trocas gaso-
conceituação - a enorme variação registrada na literatura sas, padrão ventilatório, mecanismos de defesa do sistema
quanto à incidência de complicações (5% a 80%). respiratório (além do conhecimento das alterações rela-
Na prática médica contemporânea verifica-se grande cionadas à anestesia e ao procedimento cirúrgico) permi-
número de procedimentos cirúrgicos complexos realizados te a instituição de medidas profiláticas que reduzam a inci-
em populações de alto risco, em circunstâncias algumas dência dessas complicações no pós-operatório3-5.
vezes desfavoráveis. Ainda que tenham ocorrido grandes As operações torácicas e abdominais podem determinar
avanços nos cuidados pré, per e pós-operatórios desses restrição pulmonar. Observa-se redução de todos os volu-
pacientes, sabe-se que as complicações pulmonares pós- mes e fluxos pulmonares, que se inicia na indução anestési-
operatórias são a principal causa de morbidade e mortalida- ca e pode persistir por até duas semanas. A capacidade resi-
de entre aqueles submetidos a procedimentos cirúrgicos. dual funcional (CRF, volume pulmonar de repouso após
Além disso, determinam aumento da permanência hospita- expiração fisiológica) sofre diminuição de 15% a 20% só na
lar, dos recursos materiais e humanos e, conseqüentemen- indução anestésica. As causas para essa alteração são redu-
te, dos custos. Estima-se que as complicações pulmonares ção do tônus muscular, rearranjo da mecânica do sistema
estejam relacionadas a 24% de todas as mortes ocorridas pulmão – caixa torácica – abdome e prováveis reflexos ini-
até o sexto dia pós-operatório2. bitórios neurais sobre o diafragma a partir da manipulação
de vísceras. A redução de volume se acompanha de aumen-
to na resistência das vias aéreas e diminuição na complacên-
Alterações pulmonares relacionadas à cia pulmonar, condições que se acentuam durante opera-
anestesia e ao procedimento cirúrgico ções com anestesia insuficiente ou nas doenças com obs-
trução do fluxo aéreo (doença pulmonar obstrutiva crôni-
A principal função dos pulmões é manter troca gasosa ca, bronquiectasias, asma). A capacidade de oclusão (ou
adequada, de modo que as estruturas celulares sejam bem volume de oclusão, closing capacity, CC) refere-se ao volume
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

do pulmão quando as pequenas vias aéreas começam a se durante a anestesia e no pós-operatório, favorecendo a for-
fechar durante a expiração; habitualmente, é pouco mação de atelectasias e hipóxia (Figuras 55.1, 55.2 e 55.3).
maior que o volume residual (VR) e bem menor que a As vias aéreas superiores e inferiores de maior calibre
CRF. Toda condição que reduza a CRF em relação à CC têm na tosse o mecanismo de remoção de partículas e de
e/ou aumente a CC em relação à CRF pode converter defesa; já as pequenas vias aéreas dependem do transporte
áreas de ventilação fisiológica em áreas de baixa ventila- mucociliar; os alvéolos contam com os macrófagos, a dre-
ção em relação à perfusão (V/Q < 1) ou áreas de atelec- nagem linfática e o clearance mucociliar. Esses mecanismos
tasia (V = 0). A movimentação do diafragma no decúbi-
de defesa do aparelho respiratório estão comprometidos
to dorsal e sob anestesia também se encontra alterada,
no período perioperatório3-5.
favorecendo desequilíbrios na relação ventilação/ perfu-
são, ao ventilar pior áreas mais perfundidas (V/Q < 1)
ou, ao contrário, ao aumentar o espaço morto Fatores de risco relacionados
(Q = 0, V/Q ≈ ∞). A relação V/Q também pode ser afe-
tada pela redução da resposta à hipóxia (incluindo a res- aos pacientes e às operações
posta vasoconstritora pulmonar) e à hipercapnia. Diferentemente das complicações cardíacas relacio-
A ventilação-minuto é mantida nas primeiras 24 horas
nadas às operações – ainda que mais freqüentes - consta-
de pós-operatório à custa do aumento da freqüência respi-
ta-se flagrante escassez de estudos metodologicamente
ratória, pois o volume corrente (VC) também se encontra
reduzido. Resíduos metabólicos de anestésicos e analgési- adequados para avaliar a performance de variáveis pré e
cos opióides podem determinar hipoventilação com insufi- peroperatórias na predição de complicações pulmonares
ciência respiratória. Os suspiros – cerca de 10 inspirações pós-operatórias6-8. Revisão sistemática da literatura em
profundas/hora que visam a abertura das pequenas vias língua inglesa (MEDLINE, 1966 a 2001) encontrou ape-
aéreas de regiões pendentes do pulmão – estão abolidos nas sete estudos considerados adequados3.

Fatores de risco

50-70%
Pab Tubo endotraqueal
40-60%

25-38% Posição cirúrgica/


deslocamentos
Paralisia
Indução anestésica (0,5 L)
Posição supina (0,8 a 1 L)

Figura 55.1 .: Reduções perioperatórias dos volumes pulmonares de acordo com a localização da operação e fatores associados
Pab = pressão abdominal

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Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

V
Fisiológica V/Q ⇓
V/Q = 0

Q Q Q

CRF > CC CRF < CC CRF << CC


5,0 Adequada V/Q ⇓ Atelectasia

4,5
4,0 Consciente
Volume pulmonar (L)

3,5
3,0
Anestesiado
2,5
2,0
CRF
1,5
CC
1,0
0,5
0 Sadio Obesidade DPOC BR DPOCEN Associação de fatores
Gravidez Tabagismo
Decúbito Edema pulmonar
Dor
Anestesia

Figura 55.2 .: Comportamento da CRF (Capacidade Residual Funcional), da CC (Capacidade de Oclusão, Closing Capacity) e suas interrela-
ções no indivíduo consciente e anestesiado, no sadio e em situações patológicas (na obesidade, na DPOC com predominância de bronquite
(BR) e de enfisema (EN) e na associação de fatores, p. ex., obesidade e DPOC EN )V - ventilação; Q - perfusão.

Operações abdominais altas

⇓ defesas ⇑ VO2

⇓ drive dor anormalidades mecânicas disfunção do


respiratório da parede torácica diafragma

hipoventilação ⇓ tosse ⇓ CRF

⇓ surfactante atelectasias ⇓ CRF/CC

shunt

gases arteriais
desequilíbrio V/Q
alterados

Figura 55.3 .: Mecanismos fisiopatológicos das alterações pulmonares perioperatórias (adaptado de Foltz e Benumof 3)

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Algumas variáveis são intuitivas enquanto outras não prudente admitir o obeso mórbido como candidato a
são tão evidentes, como mostra o Quadro 55.1. complicações pulmonares pós-operatórias.
Tabagismo é fator de risco há muito conhecido e
independe da presença concomitante de doença pulmo-
Quadro 55.1 .: Fatores de risco relacionados ao paciente e aos nar obstrutiva crônica. O hábito de fumar encontra-se
procedimentos
associado ao aumento da secreção brônquica e depressão
Relacionados ao paciente do clearance mucociliar. Pacientes submetidos a revascula-
Doença pulmonar crônica, sibilos, tosse rização miocárdica apresentaram redução do risco de
Tabagismo atual ou inferior a oito semanas complicações (quatro vezes) com a interrupção do taba-
Estado geral de saúde gismo pelo menos dois meses antes da operação.
Obesidade, IMC > 27,5 Kg/m2 Doença pulmonar crônica sintomática constitui-se
Idade superior a 70 anos
em fator de risco para complicações pulmonares pós-
Relacionados ao procedimento
operatórias em procedimentos de alto risco. Sibilos, ron-
Local da incisão cirúrgica
Duração da operação
cos, expiração prolongada têm sido associados a aumen-
Tipo de anestesia to de até 5,8 vezes no risco dessas complicações.
Tipo de bloqueio neuromuscular Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica apre-
Cateter nasogástrico sentam risco aumentado de complicações pulmonares
pós-operatórias, possivelmente associado à gravidade da
doença. Não existe nível proibitivo na função pulmonar
no caso de necessidade de tratamento cirúrgico.
A idade avançada não foi capaz, por si só, de predizer Aumento na PCO2 não exclui pacientes de operações de
o risco pós-operatório em pacientes com doença pulmo- alto risco, porém é necessária cuidadosa observação da
nar obstrutiva crônica grave. Nesse caso, a doença pul- troca gasosa no peroperatório.
monar pode ter sido um fator muito poderoso tendo Estado geral e nutricional são fatores relevantes, parti-
“mascarado” o efeito da idade, que pode constituir risco cularmente em pneumopatas. Condições nutricionais com-
relevante naqueles pacientes sem doença pulmonar prometidas podem resultar em depressão da resposta ven-
importante. Nesse grupo, o idoso é particularmente vul- tilatória, fraqueza da musculatura respiratória, cicatrização
nerável à perda do recolhimento elástico e ao aumento na inadequada, dificuldade no desmame do ventilador. Sabe-
capacidade residual funcional com oclusão precoce das se que a suplementação nutricional pode reverter, ao
vias aéreas, bem como a distúrbio ventilação-perfusão e menos em parte, essas alterações. Ainda que não existam
hipoxemia, sobretudo em posição supina. A idade é fator evidências irrefutáveis, é consenso a importância da avalia-
de risco não-suficiente, isoladamente, para a contra-indi- ção e da terapia nutricional nesse grupo de pacientes.
cação absoluta a procedimentos cirúrgicos. A classificação ASA (American Society of
Obesidade está associada a diversas alterações da Anesthesiologists) correlaciona-se com estado geral do
fisiologia respiratória. A capacidade pulmonar total, a paciente, sendo de utilidade na avaliação dos fatores de
capacidade residual funcional e a capacidade vital encon- risco para complicações pulmonares pós-operatórias.
tram-se reduzidas. Observa-se aumento do trabalho res- O uso de tubos endotraqueais e a baixa umidade asso-
piratório decorrente da perda de tecido elástico, aumen- ciada aos gases anestésicos deprimem a atividade muco-
to da resistência da parede torácica e das vias aéreas supe- ciliar, além de modificar as propriedades reológicas do
riores, além da necessidade aumentada de eliminar dióxi- muco, tornando-o mais seco. Essas condições relacio-
do de carbono. Hipoxemia, alargamento do gradiente nam-se à duração do ato operatório, podendo persistir
alvéolo-capilar e desequilíbrio de ventilação/ perfusão por até seis dias. A ausência ou redução da tosse e da ins-
são alterações freqüentemente observadas. Obesidade piração profunda resulta na retenção de muco nas vias
leve a moderada não aumenta significativamente o risco aéreas, contribuindo para o aparecimento de atelectasia
cirúrgico, entretanto deve-se considerar a concomitância lobar ou segmentar.
eventual de hipertensão arterial sistêmica e demais doen- Quanto mais próxima ao diafragma for a incisão cirúr-
ças associadas. Ainda que a literatura seja controversa, é gica, maior a redução da função pulmonar no pós-opera-
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Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

tório. A expiração é um processo passivo, mas o aumen- a intubação seletiva de um brônquio durante a operação
to da resistência das vias aéreas (doença pulmonar obstru- são causas conhecidas de redução da PO2.
tiva crônica, p. ex.) faz com que seja utilizada a muscula- Tubo endotraqueal com secreções, vapor d’água,
tura da parede abdominal superior. Operação realizada dobras ou compressões, aparato ventilatório, anestesia
em parede abdominal superior determina disfunção dia- ou analgesia insuficientes, além das reduções volumétri-
fragmática – inibição reflexa – que não pode ser atribuída cas observadas, são fatores que determinam o aumento
exclusivamente à dor. As operações associadas ao aumen- da resistência no sistema respiratório, favorecendo qual-
to do risco de complicações pulmonares em ordem quer tendência ao colapso das unidades respiratórias.
decrescente de freqüência são: operação torácica com res- Alterações cardiovasculares (edema pulmonar, redu-
secção pulmonar, operação torácica sem ressecção pul- ção do débito cardíaco com aumento absoluto ou relati-
monar (coronárias, p. ex.), operação no abdome superior, vo do consumo de oxigênio) favorecem a redução da
procedimento cirúrgico no abdome inferior, operações CRF e a hipoxemia.
fora do tórax e abdome. As alterações mecânicas próprias do período periope-
Tempo anestésico superior a três horas é considera- ratório, associadas ou não a fatores de risco, vão determi-
do fator de risco para complicações pulmonares pós- nar as relações entre a CRF e a CC, estabelecendo, em
operatórias. Não está claro se o risco aumentado se rela- última análise, se uma unidade respiratória será normo-
cionaria à anestesia por si só ou estaria vinculado a pro- ventilada, hipoventilada (V/Q baixa) ou não-ventilada
cedimentos cirúrgicos complicados e prolongados. O (atelectasias/efeito shunt) e, conseqüentemente, a exis-
tipo de anestesia (geral ou espinhal) não parece interferir tência e a intensidade da hipóxia.
na incidência dessas complicações. A utilização de blo- A PCO2 (pressão arterial de gás carbônico) habitual-
queador neuromuscular de longa duração com efeito mente, eleva-se discretamente naqueles pacientes que já
residual aumentado (pancurônio) está relacionada ao seu eram retentores de CO2 antes do procedimento cirúrgi-
aumento em até três vezes, quando se compara ao uso de co. Nos demais casos, a hipercapnia é observada quando
bloqueadores de curta duração. Esse medicamento deve há hipoventilação, aumento do espaço morto (“desperdí-
ser evitado nos pacientes de risco pulmonar aumentado. cio” de ventilação, p. ex., por abuso da PEEP), redução
O uso de cateter nasogástrico no pós-operatório foi da perfusão (ligaduras, estreitamentos vasculares, trom-
considerado fator independente para predizer complica- boembolismo pulmonar, diminuição da pressão arterial
ções pulmonares3. Interrrogou-se se o cateter não seria pulmonar no choque, p. ex.) ou por aumento da produ-
apenas “marcador” de operação com incisão em parede ção de CO2 desproporcional à ventilação (catabolismo
abdominal superior. Entretanto essa relação permaneceu exagerado, febre, calafrios)3-5.
significativa em análises multivariadas, mesmo após o
ajustamento para o local da incisão cirúrgica6-8.
Atelectasia

Complicações pulmonares A atelectasia é definida como o colapso (ou colabamen-


to) de alvéolos e conseqüente perda de volume pulmonar,
pós-operatórias refletindo a insuficiência dos mecanismos fisiológicos em
Hipoxemia e insuficiência respiratória aguda manter a estabilidade das unidades ventilatórias. Está
associada à obstrução brônquica e/ou à perda do recolhi-
No período perioperatório, o consumo de oxigênio está mento elástico local, secundárias à retenção de secreções,
aumentado, secundariamente à resposta orgânica ao trau- ausência ou redução de suspiros, redução da relação
ma. Observa-se diminuição em torno de 20% na PO2 entre CRF e CC, produção insuficiente de surfactante
(pressão arterial de oxigênio), acompanhada de aumento pulmonar e conseqüente dificuldade de reexpansão pul-
do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio em operações monar. É das complicações pulmonares mais freqüentes
abdominais altas, que pode perdurar por uma semana. no período pós-operatório, incidindo em 20% a 80% dos
A falência mecânica dos sistemas de suprimento de pacientes, dependendo dos critérios utilizados para sua
oxigênio (desconexões, dobras, alterações inadvertidas definição. Estima-se que ocorra em 30% das operações
de fluxo, mau funcionamento de alarmes e monitores) e torácicas e em 20% das abdominais.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

As microatelectasias não são detectáveis à radiografia de ções de cabeça e pescoço, 21% nas operações cardíacas e
tórax, são subclínicas nos pacientes previamente hígidos e de 15% a 19% nas operações abdominais altas e a céu
habitualmente se resolvem em até 48 horas após a operação. aberto; operações abdominais baixas e laparoscopias têm
As macroatelectasias resultam na perda de volume de incidências menores. Os pacientes em ventilação mecâni-
um segmento, um lobo ou, mais raramente, de todo um ca têm as maiores taxas de infecção e que aumentam pro-
pulmão. São acompanhadas de achados clínicos tais como porcionalmente ao tempo de intubação. Fora do cuidado
taquipnéia, redução local dos sons respiratórios, presença intensivo, a incidência de pneumonia no pós-operatório
de crepitações e achados radiográficos de opacificação chega a 5%, mas pode ter evolução rápida para insuficiên-
associados a sinais de redução de volume pulmonar. cia respiratória, necessitando de intubação e ventilação
As atelectasias acompanham-se de aumento do traba- mecânica. A pneumonia foi responsável por 38% dos óbi-
lho respiratório e alterações das trocas gasosas, tanto tos pós-operatórios de causa infecciosa. A mortalidade
mais importantes quanto mais extensas elas forem e tem variado de 50% a 70% nos pacientes infectados por
maior for o acometimento pulmonar pré-operatório. germes Gram-negativos (principalmente Pseudomonas).
Além disso, é fator predisponente significativo para com- Pacientes tabagistas, com ou sem doença pulmonar obs-
plicação infecciosa. trutiva crônica, imunossuprimidos, desnutridos, desidra-
As estratégias terapêuticas para as atelectasias persisten- tados, com redução do reflexo da tosse e em uso de cate-
tes envolvem manobras para a reexpansão das áreas colap- ter nasogástrico têm risco aumentado de complicações
sadas e remoção de obstruções brônquicas. Medidas gerais infecciosas. Tempo anestésico-cirúrgico superior a quatro
de incentivo à tosse, à mobilização de secreções e ao con- horas aumenta o risco de pneumonia.
trole da dor são recomendadas. Técnicas de inspiração pro- Durante o período de internação, há colonização da
funda freqüentes, voluntárias, por meio de espirometria de orofaringe por germes hospitalares (principalmente baci-
incentivo ou fisioterapia respiratória podem ser orientadas los Gram-negativos e estafilococos), carreada pelo pró-
e iniciadas ainda no pré-operatório. Pode haver necessida- prio pessoal médico e paramédico e favorecida pelo blo-
de de oxigenoterapia suplementar para controle da hipoxe- queio da secreção ácida do estômago, uso de cateteres
mia. A hidratação adequada e o uso criterioso de broncodi- nasogástricos e nasoentéricos, contaminação direta das
latadores e mucolíticos podem contribuir no tratamento; vias aéreas por meio de aparelhos, alteração da microbio-
deve-se evitar o abuso de sedativos e narcóticos. Ainda ta local pelos antibióticos utilizados, edema pulmonar e
podem ser usadas respiração com pressão positiva intermi- redução das defesas locais (redução de IgA, do clearance
tente e manobras que aumentem a CRF, como a pressão mucociliar e da atividade dos macrófagos alveolares).
positiva contínua ou a pressão expiratória positiva nas vias Os germes mais freqüentemente encontrados são:
aéreas por máscara ou ainda pressão positiva no final da Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneu-
expiração pelo tubo endotraqueal. A fibrobroncoscopia moniae, Enterobacter sp; Haemophilus influenzae, outros baci-
pode ser necessária para desobstrução brônquica com a los Gram-negativos, Streptococcus sp e fungos. Estes últi-
retirada de rolhas de muco; a intubação endotraqueal mos têm incidência menor, dependendo da flora residen-
acompanhada de ventilação mecânica fica reservada para te de cada hospital específico.
os casos em que as medidas menos invasivas não forem O diagnóstico, às vezes, é bastante difícil, principal-
suficientes5,6. Os pacientes com doença pulmonar obstruti- mente em pacientes sob ventilação mecânica, sendo fre-
va crônica podem se beneficiar do uso de ventilação não- qüentemente confundido com edema pulmonar, atelec-
invasiva com pressão positiva, na tentativa de se evitar a tasia, tromboembolismo pulmonar e síndrome do des-
ventilação mecânica2,7-9. conforto respiratório agudo. A febre e a leucocitose são
inespecíficas, assim como a purulência do escarro, que
Pneumonia pode ser procedente de colonização traqueal/orofarín-
gea/sinusal. Exige-se, então, que haja sinais e sintomas
A pneumonia é uma condição freqüente e de alto risco clínicos associados a sinais radiológicos e laboratoriais
no período pós-operatório. Sua incidência varia muito na que reflitam acometimento pulmonar recente. É extre-
dependência do procedimento cirúrgico realizado: 34% mamente desejável que se proceda ao cultivo de organis-
nas operações torácicas, 25% nas craniotomias e opera- mo patogênico a partir do escarro, de secreções traqueo-
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Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

brônquicas purulentas, do lavado broncoalveolar e/ou coleta (escarro, aspirado traqueal, aspirado transtorácico)
de hemoculturas. A cultura a partir do material de bióp- e a fatores do hospedeiro e do procedimento anestésico.
sias transbrônquicas ou a céu aberto fica reservada para As manifestações clínicas surgem de imediato após a
casos especiais envolvendo fungos, citomegalovírus ou aspiração e sua intensidade depende da quantidade e da
protozoários. O paciente deve ser acompanhado por qualidade do material aspirado. O exame clínico pode
meio de avaliações clínicas seriadas, contagem total e mostrar dificuldade respiratória de graus variados, sibi-
diferencial de leucócitos, provas de atividade inflamató- lância difusa e dessaturação da hemoglobina, confirmada
ria, gasometrias, radiografias de tórax e outros exames pela gasometria, que inicialmente revela alcalose respira-
que se façam necessários em cada caso. tória e hipoxemia. A radiografia de tórax pode não
O tratamento inicial pode exigir antibioticoterapia demonstrar alterações de imediato ou pode revelar
combinada de amplo espectro visando atingir a micro- padrão intersticial nos segmentos afetados, que evoluirá
biota hospitalar local, até que estejam disponíveis os para consolidação, caso a pneumonia se instale.
resultados de cultura, além dos cuidados para remoção O tratamento é suportivo e envolve a tentativa de
de secreções, prevenção de atelectasias e manutenção retirada precoce do máximo de material aspirado das vias
das defesas do hospedeiro2,8,9. aéreas, através de cateteres ou de broncoscopia. Os anti-
bióticos ficam reservados para os pacientes que vierem a
desenvolver pneumonia. Os corticosteróides não ofere-
Aspiração gástrica cem benefícios comprovados nos casos de pneumoni-
te/pneumonia de aspiração. Com freqüência, há necessi-
A aspiração subclínica de pequenas quantidades de dade de ventilação mecânica com pressão positiva e
conteúdo gástrico estéril ocorre em 45% das pessoas medidas semelhantes às da síndrome do desconforto res-
hígidas, em 70% daquelas com depressão do estado de piratório agudo.
consciência e em 1% dos pacientes submetidos a aneste- A melhor estratégia nos casos de pneumonite/pneumo-
sia geral9,10. No paciente cirúrgico, é mais freqüente nia de aspiração é a preventiva, ou seja, redução da ingestão
durante a indução anestésica, embora possa ocorrer em oral no período pré-operatório, compressão da cartilagem
qualquer tempo no qual o paciente se encontre com o cricóide durante a indução anestésica, uso de medicações
estado de consciência deprimido. que aumentem o pH gástrico, retirada precoce de tubos e
O termo pneumonia de aspiração se refere ao proces- cateteres, evitando-se sedação e analgesia excessivas.
so infeccioso secundário à aspiração de material coloni-
zado por bactérias. Já a pneumonite de aspiração se refe-
re ao dano pulmonar quimicamente induzido pela aspira- Pneumotórax
ção de conteúdo gástrico, secreções de orofaringe ou A presença de ar na cavidade pleural, isto é, entre o
líquidos exógenos. A síndrome inflamatória do parênqui- pulmão e a parede torácica, recebe o nome de pneumo-
ma pulmonar, que se segue à aspiração de mais de 25mL tórax. A incidência de pneumotórax iatrogênico é alta e
de conteúdo gástrico, com pH menor que 2,5 e que pro- tende a aumentar com a disseminação do uso de proce-
gride para dano pulmonar agudo ou para síndrome do dimentos invasivos, como a aspiração transtorácica por
desconforto respiratório agudo recebe o nome de síndro- agulha, punção de veia subclávia, toracocentese, biópsia
me de Mendelson. Cerca de 50% dos pacientes com essa pleural e bloqueio de plexo braquial, principalmente em
síndrome sofrerão contaminação do conteúdo aspirado e pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica.
desenvolverão pneumonia grave, de difícil tratamento. No caso de operações torácicas envolvendo o pul-
Como conseqüência, haverá distúrbios acentuados da mão, o pneumotórax raramente é observado após a reti-
troca gasosa, com evolução habitualmente rápida para rada dos drenos, a menos que não tenha havido comuni-
insuficiência respiratória e com mortalidade que tem cação da coleção de gás com o dreno torácico ou que
variado de 35% a 60%. O organismo infectante está rela- persista escape aéreo em áreas de parênquima pulmonar
cionado ao local onde ocorre a infecção (hospital geral desnudo ou fístulas broncopleurais (por deiscência de
ou centro de tratamento intensivo), ao tempo de coleta sutura ou necrose do coto brônquico). Essas fístulas
do material para análise (precoce ou tardio), à técnica de complicam cerca de 2% das ressecções pulmonares e se
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

associam a operações mais extensas, presença de carcino- rax e que persistam por mais de 24 a 48 horas devem
ma residual no coto brônquico, irradiação pré-operatória ser investigados à procura de infecção, fístula esôfago-
e diabetes mellitus, com mortalidade de 30% a 70%. pleural ou quilotórax.
Cursam com dispnéia súbita e escarros hemoptóicos, Quase todos os pacientes submetidos a transplante
ocorrem nos dez primeiros dias de pós-operatório e são hepático desenvolvem derrame pleural no pós-operató-
raras após 90 dias. Nas operações torácicas não-pulmo- rio e boa parte deles necessitam de toracocentese tera-
nares, pode ocorrer pneumotórax por lesão da pleura vis- pêutica. É freqüente também o surgimento de grande
ceral durante o ato operatório (operações cardíacas e da derrame pleural esquerdo após esplenectomia. O derra-
coluna cervical). Fístulas esôfago-pleurais podem ocorrer me pleural bilioso se associa às manipulações do trato
após esofagectomias, dilatações esofágicas e esclerose de biliar obstruído e cursa freqüentemente com empiema
varizes esofágicas, manifestando-se como pneumotórax. concomitante. Abscessos intra-abdominais, máxime os
As operações abdominais também não estão isentas subfrênicos, podem evoluir com derrame pleural, geral-
dessas complicações. Nesse caso, quando ocorrem, habi- mente entre a primeira e a terceira semana de pós-opera-
tualmente indicam lesão do diafragma. O tratamento é tório. Em 80% dos casos de abscesso subfrênico, há
feito por meio de aspirações ou drenagem torácica, exsudato pleural concomitante, sem empiema; o trata-
dependendo da extensão e da causa do pneumotórax11. mento é dirigido para o abscesso8,11.

Derrame pleural Edema pulmonar


Dos pacientes submetidos a operações abdominais Edema pulmonar é resultante do aumento da quanti-
altas, 49% a 69% desenvolvem derrame pleural nas primei- dade total de água nos pulmões. Ocorre quando o líqui-
ras 72 horas de pós-operatório, provavelmente relacionado do intersticial é produzido em quantidade maior que a
ao movimento transdiafragmático de líquidos e à irritação drenagem dos linfáticos pulmonares e pode dever-se a
deste músculo pelo ato operatório. Habitualmente, são dois fatores fundamentais, que não são necessariamente
pequenos derrames, situam-se do mesmo lado da opera- excludentes: aumento da pressão hidrostática intravascu-
ção, são mais freqüentes em pacientes com atelectasia con- lar (cardiogênico), ou aumento da permeabilidade capilar
comitante e se resolvem espontaneamente. pulmonar (não-cardiogênico). Pacientes submetidos a
Derrames pleurais que surgem após 72 horas de pós- tratamento cirúrgico podem apresentar diversas razões
operatório estão mais freqüentemente associados a para evoluir com edema pulmonar no pós-operatório.
outras complicações, como insuficiência cardíaca, hiper- Uma das causas mais freqüentes refere-se à grande quan-
volemia, hipoproteinemia, ascite, deslocamento de cate- tidade de líquidos administrados durante a operação, e
ter intravenoso (transudatos), pneumonia, tromboembo- que retornam ao espaço intravascular entre o terceiro e o
lismo pulmonar, atelectasia, síndrome pós-pericardioto- quarto dia pós-operatório. Pacientes (ainda que saudá-
mia e contusão diafragmática (exsudatos). Derrames veis) que apresentem balanço hídrico positivo superior a
pleurais persistentes, com espessura acima de 10mm à 67mL/kg/dia têm risco aumentado de desenvolver
radiografia de tórax, em decúbito lateral, devem ser ava- edema pulmonar a partir de 36 horas da operação12.
liados por toracocentese propedêutica. Diversos outros fatores podem contribuir para formação
Os derrames parapneumônicos são comuns no de edema: redução de pressão oncótica, resposta infla-
período pós-operatório e freqüentemente se resolvem matória, substâncias tóxicas, endotoxinas bacterianas,
com o tratamento antibiótico da infecção de base. microêmbolos, êmbolos gordurosos, agregados plaque-
Alguns derrames parapneumônicos complicados, como tários etc. O diagnóstico baseia-se na ausculta respirató-
o empiema (com presença de bactérias ou pus no espa- ria com crepitações, habitualmente bilaterais. A radiogra-
ço pleural) têm indicação de lavagem repetida da cavida- fia de tórax no edema pulmonar cardiogênico mostra
de e/ou drenagem do tórax. opacidades peri-hilares (asa de anjo), ingurgitamento de
A escleroterapia de varizes esofágicas pode evoluir vasos centrais e hilares, linhas B de Kerley e aumento da
com derrame pleural inflamatório em até 50% dos área cardíaca. Cateter de Swan-Ganz pode ser necessário
casos. Derrames que ocupem mais de 25% do hemitó- para estimar as pressões de enchimento do ventrículo
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Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

esquerdo e ajudar no diagnóstico diferencial com síndro- matórios termina por esboçar uma teia fisiopatológica de
me do desconforto respiratório agudo. O tratamento ini- grande complexidade.
cial requer avaliação criteriosa dos fatores contribuintes e
controle cuidadoso do equilíbrio eletrolítico e da pré-
carga, com ênfase em balanços hídricos negativos que Quadro 55.2 .: Definição de SDRA e LPA pela Conferência Norte-
não resultem em hipoperfusão sistêmica. Oxigênio deve americana e Européia8

ser administrado em todos os pacientes com hipóxia, de


Inicio Critério de Critério Critério de
acordo com o contexto clínico, disponibilizando-se oxigenação radiológico exclusão
desde cateter nasal até ventilação não-invasiva e invasiva. SDRA Agudo PO2/FIO2< Opacidades Pressão capilar
Os volumes intravascular e extracelular em excesso 200 alveolares pulmonar
podem ser removidos por meio de diuréticos potentes bilaterais, tipo maior que
edema pulmonar 18mmHg ou
(furosemida) ou do emprego eventual de hemodiálise em
sinais clínicos
pacientes com insuficiência renal. Albumina não deve ser de insuficiên-
utilizada habitualmente nesses casos. cia cardíaca
O edema pulmonar por pressão negativa é condição esquerda
incomum, porém importante, no pós-operatório. Após LPA Agudo PO2/FIO2 Idem Idem
<300
extubação, essa situação pode ser resultante de espasmo
da laringe ou outra causa de obstrução de via aérea supe- SDRA: Síndrome do desconforto respiratório agudo
rior. Sua etiologia é multifatorial, admitindo-se, porém, LPA: Lesão (injúria) pulmonar aguda

como fator preponderante a pressão intratorácica marca-


damente negativa, relacionada à inspiração forçada con-
tra a glote fechada (manobra de Mueller ou Valsalva Quadro 55.3 .: Condições clínicas associadas à SDRA 8

reversa). Isso resulta em transudação de líquidos dos


vasos para o interstício após a resolução da obstrução de Causas pulmonares
Pneumonia
via aérea. O tratamento é suportivo13. Aspiração
Contusão pulmonar
Embolia gordurosa
Síndrome do desconforto respiratório agudo Lesão de reperfusão
Quase afogamento
A síndrome do desconforto respiratório agudo é uma
Causas extra-pulmonares
condição de risco para insuficiência respiratória aguda Sepse
decorrente de lesão – de natureza inflamatória – da bar- Choque circulatório
reira alvéolo-endotelial pulmonar, resultando em edema Politrauma
Múltiplas transfusões
alveolar rico em proteínas. Os critérios de definição mais Pancreatite aguda
utilizados atualmente são aqueles propostos em confe- Circulação extra-corpórea
rência norte-americana e européia (Quadro 55.2)8. Overdose de drogas
Coagulação intravascular disseminada
Estima-se incidência de 13 a 18 casos por 100.000 habi- Queimaduras
tantes, com mortalidade entre 40% e 60% 14,15. Diversas Traumatismo crânio-encefálico
condições clínicas estão associadas (Quadro 55.3).
Partindo do entendimento da síndrome do descon-
forto respiratório agudo como processo inflamatório,
vários estudos clínicos e experimentais apontam os neu-
trófilos como as células mais importantes em sua patogê- A compreensão das diversas fases evolutivas dessa
nese. Outras células também envolvidas são os macrófa- síndrome propicia aos médicos uma abordagem clínica
gos alveolares – liberando citocinas – e as plaquetas. As mais racional de acordo com cada fase. A fase inicial -
células epiteliais e endoteliais não constituem apenas exsudativa - caracteriza-se por grande influxo de edema
alvos da lesão, mas participam ativamente do processo rico em proteínas para o espaço alveolar, resultado da
inflamatório. A presença de diversos mediadores infla- quebra de integridade da barreira alvéolo-capilar. A per-

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sistência do edema leva à formação da membrana hialina, densas, freqüentemente acompanhadas de broncograma
que é a expressão da precipitação de edema rico em fibri- aéreo. Ventralmente a essas áreas, pode haver áreas de
na na superfície dos alvéolos. Além do edema, observa- opacidade em vidro fosco e, nas porções mais ventrais, o
se infiltrado inflamatório com predomínio de neutrófilos pulmão pode ser preservado. A tomografia de tórax é tam-
e, em menor proporção, de macrófagos alveolares. A bém capaz de identificar complicações da ventilação
lesão de pneumócitos tipo II resulta em produção dimi- mecânica, como pneumotórax e pneumomediastino.
nuída de surfactante e formação de atelectasias. Alguns O tratamento dessa doença é suportivo, tendo na ven-
pacientes evoluem com organização do processo e for- tilação mecânica a sua sustentação principal. É fundamen-
mação de fibrose, a chamada fase fibroproliferativa, que tal a observação dos seguintes princípios, detalhados no
ocorre a partir do sétimo dia. A maioria dos pacientes item de ventilação mecânica: manter a oxigenação adequa-
sobreviventes da síndrome do desconforto respiratório da; reduzir o trabalho respiratório e evitar a lesão induzida
agudo apresenta resolução completa da lesão pulmo- pela ventilação mecânica. Corticosteróides podem ser uti-
nar14,15. Em torno de 5% dos casos, a fase fibroprolifera- lizados naqueles pacientes que cursam sem melhora após
tiva evolui para fibrose pulmonar. sete a dez dias de evolução da síndrome do desconforto
Alterações nas trocas gasosas, decorrentes do edema respiratório agudo, conquanto não apresentem sinais clíni-
e colapso alveolar – mais intensos na fase precoce – cos ou microbiológicos de infecção. As doses recomenda-
determinam grave hipoxemia, uma vez que alvéolos não- das são aquelas empregadas no estudo de Meduri14-16.
ventilados continuam a ser perfundidos, com áreas de
baixa relação ventilação(V)/perfusão(Q) e shunt. A redu-
ção da complacência constitui a principal alteração da Suporte ventilatório
mecânica pulmonar nessa afecção, ocorrendo em razão Indicações e tipos de ventilação
das grandes pressões exigidas para abertura inspiratória
das unidades ventilatórias fechadas, permeadas por A indicação de intubação traqueal e conexão do
edema intersticial e alveolar. A vasoconstrição hipóxica paciente à ventilação mecânica deve basear-se em crité-
traduz a reação dos vasos pulmonares adjacentes aos rios clínicos, auxiliada por alguns parâmetros gasométri-
alvéolos não-ventilados, determinando hipertensão pul- cos, ou seja, PO2 inferior a 60mmHg, mesmo após ofer-
monar, complicação comum nestes casos. ta de oxigênio por máscara (SaO2 < 90%); PCO2 superi-
Na síndrome do desconforto respiratório agudo, em or a 55mmHg (exceto em retentores crônicos), sobretu-
geral, predomina o quadro clínico da doença de base, do quando determina acidose respiratória, com pH infe-
acrescido dos sinais e sintomas de insuficiência respirató- rior a 7,25. Os critérios gasométricos devem ser entendi-
ria grave: dispnéia, taquipnéia, uso de musculatura aces- dos apenas como exames complementares de apoio à
sória da respiração, taquicardia, sinais de vasoconstrição decisão médica. Assim, pacientes com valores aceitáveis
periférica, agitação e rebaixamento da consciência. Na de gases arteriais, porém clinicamente desconfortáveis e
ausculta pulmonar, crepitações bilaterais são freqüente- num contexto sem perspectiva de melhora a curto prazo,
mente observadas. devem ser intubados imediatamente. Por outro lado,
Opacidades alveolares bilaterais são as alterações mais pacientes com indicação gasométrica para intubação,
características da radiografia de tórax. Essas opacidades mas com perspectivas de melhora imediata da condição
tendem a ser mais homogêneas nos quadros secundários a que está causando a insuficiência respiratória, podem ter
doenças sistêmicas (síndrome do desconforto respiratório o procedimento protelado, desde que sejam mantidos em
agudo de origem extrapulmonar), diferentemente daquelas rigorosa vigilância clínica e da saturação de hemoglobina
relacionadas a doenças pulmonares – aspiração de conteú- pelo oxigênio. Algumas circunstâncias são consideradas
do gástrico, por exemplo – nas quais se observa distribui- como indicações de intubação traqueal, a despeito dos
ção mais heterogênea das lesões. A tomografia computa- achados de gasometria arterial: rebaixamento de nível de
dorizada do tórax permite avaliar os pulmões sem super- consciência; falência cardiocirculatória grave concomi-
posição de imagens, percebendo-se comprometimento tante; paciente com grande espaço respiratório, traduzi-
com nítido predomínio nas regiões dorsais, dependentes do por taquipnéia persistente e uso da musculatura aces-
de gravidade, onde se observam opacidades homogêneas, sória da respiração.
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Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

A ventilação mecânica habitualmente se faz com o paciente se mantenha confortável, a freqüência respirató-
pressão positiva, sendo o ar bombeado para o sistema ria total pode alcançar cerca de 30 respirações por minuto.
respiratório, vencendo a sua impedância. Assim, ocorre A freqüência respiratória total determina a duração dos
elevação das pressões alveolar e pleural para valores ciclos respiratórios e, uma vez que a duração do tempo ins-
acima da pressão atmosférica (pressão positiva). A expi- piratório (estabelecida por ajustes de fluxo e volume cor-
ração ocorre de modo passivo, como na respiração rente) é fixa, o aumento da freqüência respiratória resulta
espontânea fisiológica. em redução do tempo expiratório, o que dificulta o esvazia-
A ventilação controlada consiste em ciclos em que a mento do volume pulmonar, potencialmente prejudicial
inspiração é iniciada, mantida e finalizada pelo ventila- aos pacientes com doença pulmonar obstrutiva.
dor. Na ventilação assistida, a inspiração é iniciada, ou O volume corrente administrado dependerá do cená-
seja, “disparada” pelo paciente, sendo necessário esforço rio clínico encontrado. Em pacientes sem obstrução das
muscular respiratório capaz de despressurizar a via aérea vias aéreas ou doença parenquimatosa relevante – pós-
e um mecanismo do ventilador pronto a reconhecer esse operatório, doenças neurológicas ou neuromusculares –,
esforço. No modo espontâneo, o paciente respira nor- o volume corrente pode ser ajustado pela PCO2, pela
malmente acoplado ao aparelho, tendo o controle de demanda metabólica e pelo conforto observado. A admi-
toda a fase inspiratória, enquanto o ventilador mantém nistração de 10mL/kg é, em geral, satisfatória. Naqueles
pressão de via aérea positiva na inspiração e expiração. pacientes com obstrução brônquica, administram-se
Com base nos ciclos permitidos, teríamos: modo contro- menores volumes, em torno de 6mL/kg a 8mL/kg. O
lado, em que somente ciclos controlados são possíveis; comprometimento extenso do parênquima pulmonar –
modo assistido-controlado, em que tanto ciclos assisti- como ocorre na síndrome do desconforto respiratório
dos como controlados são disponibilizados ao paciente; agudo – exige que sejam utilizados volumes pulmonares
ventilação mandatória intermitente sincronizada em que menores, entre 6mL/kg a 8mL/kg, na tentativa de redu-
ocorrem ciclos controlados, assistidos e espontâneos; zir lesão pulmonar induzida por ventilação mecânica,
pressão positiva contínua nas vias aéreas em que somen- uma vez que áreas não-comprometidas acabam sendo
te ocorrem ciclos espontâneos17. expostas à hiperdistensão pulmonar. Esses volumes ini-
cialmente administrados podem ser reduzidos progressi-
vamente, possibilitando a manutenção de pressão de pla-
Ajustes da ventilação
teau abaixo de 35cmH2O.
Na maioria dos casos, a modalidade inicial de ventila- O fluxo inspiratório administrado baseia-se em
ção mecânica é assistido-controlada ciclada a volume. alguns critérios subjetivos e na compreensão de ser um
Imediatamente após a intubação traqueal e até que se dis- método de tentativa e erro. Quanto maior o fluxo, menor
ponha de dados clínicos e gasométricos que irão nortear o tempo inspiratório (maior o tempo expiratório) e maior
cada caso, sugerem-se os seguintes ajustes iniciais: fração a pressão gerada nas vias aéreas. Pacientes com demanda
inspirada de oxigênio (FiO2) de 100%, freqüência respi- metabólica aumentada podem exigir fluxos maiores
ratória entre 12 a 16 incursões respiratórias por minuto, (60L/min a 80L/min). Deve-se suspeitar de tal situação
volume corrente entre 8mL/kg a 10mL/kg, fluxo inspi- naqueles pacientes que “brigam” com o ventilador.
ratório entre 50 L/min a 60 L/min, PEEP de 5cmH2O, Nesses casos, pode haver melhora da interação paciente-
sensibilidade de 1cmH2O. ventilador com o aumento do fluxo inspiratório.
A FiO2 deve ser reduzida progressivamente enquan- A sensibilidade é o parâmetro que permite ao paciente
to o paciente mantiver sua SaO2 em torno de 95%. Altas “disparar” o ventilador, gerando os ciclos assistidos. A
taxas de FiO2 podem ser lesivas aos pulmões, devendo maioria dos aparelhos é ajustada na forma de pressão, esta-
ser evitadas quando desnecessárias ou quando outras belecendo-se uma pressão negativa que o paciente neces-
alternativas – aumento de PEEP, por exemplo – forem sita atingir no circuito, por meio de esforço inspiratório,
disponíveis para melhorar a oxigenação. deflagrando o ciclo. Alguns aparelhos são estimulados
A freqüência respiratória aplicada no ventilador deve pelo fluxo. O valor da sensibilidade deve ser habitualmen-
ser a mínima, ajustando-se a valores em torno de 12 respi- te ajustado para níveis baixos (- 1cmH2O a - 1,5cmH2O,
rações por minuto. Ciclos extras são permitidos. Desde que naqueles de pressão, ou 1 L/min a 3 L/min, naqueles de
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

fluxo). Dois extremos devem ser evitados: de um lado, em pressão de suporte com pressão positiva contínua nas
valores muito baixos possibilitam o disparo automático do vias aéreas. Devem ser monitorados, sendo considerados
aparelho sem o esforço do paciente; de outro lado, não é critérios para a suspensão do desmame: freqüência respira-
boa prática aumentar a sensibilidade naqueles pacientes tória maior que 35 incursões respiratórias por minuto, índi-
que estejam “competindo” com o ventilador, imaginando ce de Tobin maior que 100, SaO2 menor que 90%, fre-
que, por meio dessa manobra, sejam evitados os disparos, qüência cardíaca superior a 140 batimentos por minuto (ou
pois, nessa situação, o paciente continuará competindo aumento de 20% do basal), pressão arterial sistólica maior
com o aparelho, sem conseguir dispará-lo. que 180mmHg ou menor que 90mmHg (ou alteração
O emprego da pressão positiva expiratória final superior a 20% do basal), agitação, sudorese, alteração do
(PEEP) tem como objetivo básico manter a capacidade estado de consciência. Após duas horas (alguns autores
residual funcional. Valores em torno de 5cmH2O são uti- preconizam 30 minutos), não apresentando nenhum des-
lizados naqueles pacientes sem doença parenquimatosa ses achados, o paciente pode ser extubado. As taxas de
de grande comprometimento. Nos casos de pacientes reintubação giram em torno de 15% a 19%. Caso o desma-
com quadros pulmonares extensos (pneumonia grave, me seja suspenso, o paciente deve retornar aos parâmetros
edema agudo de pulmões, síndrome do desconforto res- ventilatórios anteriores à tentativa de desmame, sendo rea-
piratório agudo), elevações progressivas de PEEP (de valiado diariamente quanto à nova possibilidade de inter-
2cm em 2cmH2O) podem ser necessárias para melhorar rupção da ventilação mecânica. Ainda não se sabe qual a
a oxigenação e reduzir a FiO2. Níveis altos de PEEP melhor modalidade de desmame. Parece que, com tubo T
podem contribuir para redução do débito cardíaco, par- ou pressão de suporte a ventilação deve ser interrompida
ticularmente em pacientes com hipovolemia. A PEEP abruptamente. Com qualquer das duas modalidades, cerca
tem papel importante na estratégia ventilatória dos de 75% dos pacientes são desmamados com sucesso, sem
pacientes com síndrome do desconforto respiratório
necessidade de reduções graduais no suporte ventilatório.
agudo. A esse respeito, diversos protocolos têm sido uti-
A ventilação mandatória intermitente sincronizada, apesar
lizados, mas há muitos aspectos ainda controversos18,19.
de apresentar a mesma taxa de sucesso, associa-se a tempo
mais prolongado de desmame. Tubo T e pressão positiva
Desmame e suspensão da ventilação contínua nas vias aéreas apresentam vantagens e desvanta-
gens, podendo ser utilizados indistintamente de acordo
O desmame é a transição abrupta ou gradual da ventila- com os recursos e peculiaridades de cada serviço.
ção mecânica para a espontânea. Algumas condições gerais Diversos fatores podem contribuir para a falência do
devem ser observadas: resolução ou melhora da causa da desmame. Alguns deles interferem na capacidade de venti-
insuficiência respiratória, supressão da curarização, redu- lar ou oxigenar: depressão do centro respiratório, distúrbios
ção da sedação que permita nível de consciência adequado, musculares, alterações de parede torácica, polineuropatias
estabilidade hemodinâmica, ausência de distúrbios eletrolí- das doenças graves. Algumas condições podem influir no
ticos e metabólicos, ausência de sepse, ausência de perspec-
aumento da demanda ventilatória: dor, ansiedade, febre,
tiva de intervenção cirúrgica com anestesia geral próxima.
sepse, excesso de oferta nutricional, redução da complacên-
A PO2 deve ser superior a 60mmHg, FiO2 menor ou igual
cia pulmonar ou torácica, auto-PEEP, broncoespasmo,
a 40% e PEEP menor ou igual a 5cmH2O. A capacidade
secreção nas vias aéreas, obstrução de cânula17,20.
de ventilação, aferida com o paciente em tubo T, deve
apresentar os seguintes parâmetros: volume corrente supe-
rior a 5mL/kg, freqüência respiratória menor que 30 respi- Referências
rações por min, pressão inspiratória máxima inferior a
25cmH2O, índice de Tobin (FR/VC em litros) maior que 1 ■ O’Donohue WJ. Postoperative pulmonary complications.
100, esse último medido após um minuto de respiração Postgraduate Med. 1992;91:167-75.
2 ■ Brooks-Brunn JA. Postoperative atelectasia and pneumonia.
espontânea em tubo T20.
Heart & Lung. 1995;24:94-115.
A interrupção abrupta da ventilação artificial é a técnica 3 ■ Foltz BD, Benumof JL. Mechanisms of hipoxemia and hyper-
mais comum de desmame21. Os pacientes podem ser colo- capnia in the postoperative period. Crit Care Clin. 1987;3:
cados em respiração espontânea no tubo T (5L/min) ou 269-86.

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Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

4 ■ Fairshter RD, Williams JH. Pulmonary physiology in the posto- 14 ■ Bernard G, Artigas A, Carlet J. The American-European consen-
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56
COMPLICAÇÕES
UROLÓGICAS

Carlos Eduardo Corradi Fonseca,


Renato Beluco Corradi Fonseca

Introdução agudo do miocárdio, no choque séptico, no infarto intesti-


nal, na pancreatite aguda, no traumatismo extenso, sendo o
As complicações urológicas no pós-operatório são diagnóstico diferencial entre as duas situações difícil2.
relativamente freqüentes, principalmente após operações
abdominais e pélvicas. As mais comuns são a oligúria, a
retenção e a infecção urinária e a insuficiência renal Diagnóstico diferencial
aguda, que pode ser pré-renal, renal e pós-renal.
O diagnóstico diferencial com outros quadros, como
a fase inicial da insuficiência renal aguda, deve ser consi-
Oligúria derado. Outras possibilidades são a obstrução parcial ao
fluxo urinário em qualquer parte do sistema excretor e a
A oligúria é definida como a diurese inferior a 400mL, falsa oligúria, com perdas não-diagnosticadas em fístulas
em 24 horas. urinárias, perdas por cateteres, micções não-observadas
ou não-medidas. Nos casos de perdas por fístulas ou dre-
nos, o diagnóstico diferencial entre drenagem linfática ou
Causas urina é feito pelo exame do líquido de drenagem e a dosa-
A principal causa de oligúria, no pós-operatório, é a gem dos diversos elementos urinários.
desidratação ou não-hidratação adequada do paciente,
principalmente em jejum ou com incapacidade de ingerir Conduta
líquidos devido a náuseas e vômitos ou perda da cons-
ciência. Também pode aparecer oligúria por aumento de A conduta vai depender da causa da oligúria. A reposi-
perdas, como em sangramentos, diarréias, sudorese abun- ção de volume será de acordo com a perda, se for de líqui-
dante devido a febre, queimaduras, fístulas gastrointesti- dos ou sangue. A desidratação pode ser tratada com hidra-
nais e uso de cateteres nasogástricos ou nasoentéricos. tação oral ou venosa, sendo esta preferencialmente realiza-
Perdas de 7% a 10% do volume sangüíneo são acompa- da com solução salina 0,9%, que vai expandir o volume do
nhadas de sinais vitais inalterados ou redução leve da pres- líquido extracelular. A reposição de 1.000mL de solução
são venosa central. Manifestações como a oligúria e outras salina aumenta o volume sangüíneo em 6% ou 300mL. As
decorrem de reduções de volume do líquido extracelular e soluções que contêm colóides, como o plasma, expandem
dependem da amplitude, da velocidade e da natureza da principalmente o espaço intravascular por causa da albumi-
perda e da resposta dos vasos à contração de volume1. na, que é restrita a este compartimento, mas raramente são
Existem situações de diminuição de líquido intravascular empregadas, a não ser em queimaduras ou colapso circula-
sem perdas externas no pós-operatório, como no infarto tório, devido ao seu alto custo e pequena meia vida.
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quando a perda é sangüínea, o sangue deverá ser Normalmente, ele se queixa de dor supra-púbica
reposto, pois é o mais potente expansor do intravascu- intensa, com distensão abdominal por gases, agitação,
lar. Deve ser usado concentrado de hemácias, sendo que sudorese e, ao exame, observa-se massa palpável doloro-
300mL de uma unidade eleva a hemoglobina em 1g a sa, no hipogástrio (“bexigoma”), que desaparece após o
1,5g. Na maioria das vezes, usa-se, nas hemorragias, a esvaziamento da bexiga com cateter vesical.
reposição de volume com sangue e solução salina. Nos
pacientes com sepse e com desvios do líquido do intra- Diagnóstico diferencial
vascular para o interstício, como nas peritonites, íleo
funcional e infarto intestinal, usa-se a solução salina O diagnóstico diferencial é feito com anúria, princi-
0,9% para restaurar o líquido intravascular e intersticial, palmente em pacientes obesos em que a palpação da
devendo-se ter cuidado para evitar a sobrecarga cardíaca massa supra-púbica é difícil. Para tal, deve-se proceder o
na correção do distúrbio. cateterismo vesical. Pacientes com massas tumorais pél-
A reposição de líquidos no pós-operatório de pacien- vicas císticas ou sólidas, hematomas e seromas, têm a
tes com oligúria deve ser preferencialmente realizada definição diagnóstica por meio da ultra-sonografia
com monitorização da pressão venosa central, o que vai (Figura 56.1) ou da tomografia da pelve.
dar maior segurança ao tratamento.

Retenção urinária
Causas e fatores de risco
A retenção urinária no pós-operatório é muito freqüen-
te, podendo ocorrer em uma incidência de 4% a 25% das
operações sobre qualquer aparelho, mas principalmente
nas operações pélvicas de origem urológica, ginecológica e
proctológica. Se forem consideradas apenas as operações Figura 56.1 .: Ultra-sonografia evidenciando retenção urinária
pélvicas, a incidência aumenta até para 57% dos casos e os secundária a hiperplasia prostática
fatores que provocam a retenção incluem o traumatismo
da instrumentação, a distensão vesical exagerada, a dimi- Complicações
nuição da sensibilidade vesical e da contratilidade, a dimi- As principais complicações da retenção urinária no
nuição do reflexo da micção e o aumento da resistência do pós-operatório são a dor intensa relatada pelo pacien-
esvaziamento por doenças pré-existentes à operação. te, com elevação às vezes importante da pressão arte-
Entre as causas pré-existentes, nos homens, a hiper- rial e risco de sangramento. O aumento da pressão
plasia benigna de próstata é a mais importante, podendo intra-abdominal pode levar à deiscência de anastomo-
levar à retenção em qualquer operação. Por isso, deve-se ses e suturas. Outra complicação da retenção urinária é
fazer avaliação urológica cuidadosa para se evitar a reten- o extravasamento de urina para a cavidade abdominal,
ção urinária pós-operatória em paciente com hiperplasia levando a abdome agudo. A infecção urinária pode
de próstata com manifestações clínicas importantes no aparecer devido à estase urinária ou em conseqüência
pré-operatório. do cateterismo vesical.

Diagnóstico Prevenção

O diagnóstico é realizado quando o paciente relata Os fatores responsáveis pela retenção urinária são a
incapacidade de urinar no pós-operatório, principalmente interferência nos mecanismos fisiológicos que regulam o
imediato. A retenção também pode ocorrer dias após esvaziamento adequado e a hiperdistensão da bexiga.
a operação. Para prevenir a retenção pós-operatória, não se deve dei-
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Capítulo 56 .: Complicações urológicas

xar a capacidade vesical exceder 500mL, pela incapacida- Infecção urinária pós-operatória
de da bexiga de contrair-se e esvaziar-se. O cateterismo
profilático deve ser realizado sempre que a duração da A infecção urinária pós-operatória ocorre com freqüên-
operação ultrapassar duas a três horas ou quando se cia, principalmente após operações pélvicas ou após cate-
infundir muito líquido no peroperatório. O paciente terismo vesical. Pode aparecer infecção sintomática, com
deve urinar imediatamente antes de ir para a sala de ope- ou sem febre, ou somente bacteriúria assintomática. O
ração e imediatamente após o procedimento, quando o local da infecção varia e pode acometer desde o rim, (levan-
cateterismo não for indicado. do ao aparecimento de pielonefrite) até a bexiga e a uretra.
O uso do cateter vesical de demora por 18 a 24 horas Os microrganismos mais freqüentes são as bactérias,
no pós-operatório diminui a incidência de retenção uri- mas os fungos e as leveduras podem provocar infecção
nária em 52% dos casos em que este não foi utilizado, e do trato urinário4.
em 27 % nos casos com cateterismo.
As doenças preexistentes, que podem levar à reten- Quadro clínico
ção, devem ser avaliadas antes da intervenção. Assim a
hernioplastia inguinal no paciente com prostatismo deve O quadro clínico de infecção urinária pós-operatória é
ser postergada para o período pós-resolução do proble- semelhante ao de qualquer outra infecção urinária. O
ma da próstata. paciente pode apresentar bacteriúria sem sintomas ou qua-
dro de cistite ou de pielonefrite. Se o paciente estiver em
uso de cateter vesical de demora, a infecção pode passar
Terapêutica desapercebida. Nesse caso, não se deve tratá-la, aguardan-
O tratamento da retenção é realizado por meio do do-se a retirada do cateter e realizando-se exame de urocul-
cateterismo vesical. tura para se identificar o organismo causador da infecção.
Deve-se usar cateter vesical de alívio (nelaton) se o Deve ser feito diagnóstico diferencial entre cistite e
paciente não tiver causa preexistente à operação para a pielonefrite, que é mais grave e merece medidas mais
retenção, ou cateter de demora (Foley) se existir alguma agressivas, devido ao risco de bacteriemia e septicemia.
causa anterior ao procedimento ou se for importante Na pielonefrite, o paciente relata dor lombar, acom-
a monitorização do volume urinário posteriormente ao panhada de febre, calafrios, podendo ou não apresentar
cateterismo. manifestações urinárias. Na cistite, normalmente, o
Deve ser usado cateter número 12, 14 ou 16, depen- paciente não apresenta febre, mas pode ter dor lombo-
dendo do sexo e da idade do paciente, tendo-se o cuida- sacral, acompanhada de algúria, polaciúria, urgência, dor
do de se lubrificar a uretra com gel (lidocaína a 2%), supra-púbica, urina turva e hematúria.
para se evitar o traumatismo uretral com suas conse- Nos casos de abscesso peri-renal, além da febre, coe-
qüências, como sangramento e estenose. Não se usa xistem queda do estado geral, dor à palpação no flanco e
antibiótico profilático no cateterismo, a não ser em região lombar.
casos de risco, como em pacientes diabéticos descom-
pensados ou imunodeprimidos, por exemplo. No caso Diagnóstico
de não se conseguir o cateterismo via uretra, como nos
doentes com estenose uretral intensa, faz-se a punção O Gram de gota, onde podem ser encontradas bacté-
supra-púbica e deixa-se cistostomia, até se resolver o rias, a urina rotina com piúria e hematúria e a cultura com
problema. A punção se faz, mais ou menos, 1cm a 2cm identificação de germes patogênicos são testes de escolha
acima do púbis com trocarte de cistostomia, passando- para diagnóstico de infecção urinária.
se o cateter através deste. Alguns medicamentos podem A piúria é definida como achado de dez ou mais leucó-
ser utilizados, como o prazosin, o tansulosin e outros citos por campo e não é diagnóstica de infecção urinária. A
alfabloqueadores, que relaxam o colo vesical e a uretra, causa mais comum de piúria é a infecção urinária, mas pode
facilitando a micção, mas sua eficiência é discutível na haver outras causas, como operações e instrumentações do
retenção urinária3. trato urinário, cálculos, tumores e corpos estranhos. A
urina a ser colhida deve ser a do jato médio. Se o paciente

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

estiver com cateter, deve-se fazer a análise nos casos em Aos pacientes com pielonefrite e/ou com hemocultura
que o paciente apresentar sintomatologia de infecção. positiva, deve ser dado antibiótico endovenoso de largo
Nos casos de obstrução de ureter, o exame da urina espectro, principalmente cefalosporinas de terceira gera-
da micção pode estar inalterado, pois pode corresponder ção (p. ex., ceftriaxona 1g EV, de 12 em 12 horas), ou
à urina do rim sem problemas. A bactéria mais comum é aminoglicosídeos, por sete dias. Os aminoglicosídeos
a E.coli, seguida do Proteus, Klebsiella e Enterococos faecalis. podem ser administrados em dose única diária (gentami-
Após o diagnóstico de infecção urinária, devem-se cina (3mg/kg peso) ou amicacina (10 a 15mg/kg peso)
fazer exames de imagem, como a ultra-sonografia, a uro-
grafia, a tomografia e a ressonância para esclarecimento
de fatores predisponentes (Figura 56.2). Prognóstico
As infecções urinárias pós-operatórias normalmente
evoluem bem, a não ser em casos com bactérias multir-
resistentes, em pacientes debilitados, diabéticos descom-
pensados, com câncer, em mau estado geral ou em
pacientes com fatores agravantes no trato urinário (p. ex.,
obstrução do trato urinário).
Em caso de recidiva (10% a 30% dos casos), novo
tratamento deverá ser mantido por 14 dias. Alguns
pacientes podem desenvolver septicemia pós-infecção
com mortalidade de 13%, podendo ir a até 28%, quando
além da sepse, apresentarem choque séptico.
Figura 56.2 .: Ultra-sonografia evidenciando hidronefrose
Insuficiência renal aguda
Fatores de risco
Introdução e conceito
O paciente que apresentar qualquer obstrução no
trato urinário poderá desenvolver quadro de infecção. A A insuficiência renal aguda pós-operatória é a incapa-
instrumentação cirúrgica ou o cateterismo vesical favore- cidade de eliminar-se a urina, quantitativa e qualitativa-
cem o aparecimento de bacteriúria em 1% a 2% dos adul- mente, para a adequada excreção das escórias e a manu-
tos, sendo que, nas grávidas, nos imunodeprimidos e nos tenção do meio interno pós-tratamento cirúrgico, por
homens com problemas da próstata, a incidência aumen- dano agudo do rim, orgânico ou funcional5.
ta muito. No cateterismo de demora, a incidência aumen- Pode manifestar-se por oligúria (menos de 400mL
ta para 90% após três a quatro dias do uso do cateter. de urina em 24 horas) ou anúria (ausência total de diu-
rese na bexiga), associada ao aumento progressivo da
uréia e da creatinina no sangue e ocorrência de distúr-
Tratamento bios hidroeletrolíticos.
O tratamento deve ser instituído após a coleta de
urina para exames, sendo que, nos casos sintomáticos e Etiopatogenia – anúria pré-renal, renal e pós-renal
na pielonefrite, o antibiótico de escolha deve ser minis-
trado logo após. A classificação da anúria serve de base para o trata-
Nos pacientes assintomáticos aguarda-se o resultado mento de sua causa. A anúria pré-renal do pós-operató-
da urocultura e não se tratam as mulheres sem problemas rio tem, como causa principal, a hipotensão durante a
urológicos prévios. Na presença do cateter de demora, operação, seguida de necrose tubular aguda, principal-
aguarda-se a sua retirada para instituir-se a terapêutica mente em idosos.
adequada, a não ser nos casos de doentes sintomáticos. As artérias e arteríolas renais são inervadas apenas
Os antibióticos mais usados são as quinolonas e o sulfa- pelo sistema simpático, vasoconstritor, e não possuem
metoxazol-trimetropim nas infecções não-complicadas. inervação parasimpática. O estímulo ou a inibição do sis-

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Capítulo 56 .: Complicações urológicas

tema simpático provoca, respectivamente, vasoconstri- motivos, a ultra-sononografia abdominal e pélvica, a uro-
ção ou vasodilatação. grafia excretora e a tomografia são indicadas para mos-
O rim não é órgão prioritário na redistribuição da cir- trar a causa e o local da obstrução (Figuras 56.3 e 56.4).
culação sangüínea em caso de hipotensão e haverá espas- Na suspeita de causas renais, o teste do diurético com
mo por vasoconstrição grave da artéria renal, podendo manitol ou principalmente furosemida, após reposição
levar à insuficiência renal aguda, principalmente após adequada da volemia, é indicado. A dosagem da furose-
hipotensão, devida à hipovolemia por hemorragia. mida é de 200mg endovenosa e o efeito diurético é rápi-
Outras causas menos freqüentes são as obstruções das do, e pode ser repetido de seis em seis horas ou até em
artérias renais (por êmbolos que se originam no coração intervalos menores.
ou por ateromas na aorta e por ligadura inadvertida des- A resposta à furosemida é muito sugestiva de insufi-
sas artérias em operações abdominais) e trombos nas ciência de causa funcional, mas o diurético pode provo-
veias renais, principalmente tumorais. car boa diurese mesmo nos casos de insuficiência renal
A anúria de origem renal ocorre devido a problemas aguda, transformando-a de oligúrica em não-oligúrica,
de lesão de parênquima renal após glomerulopatias sem influenciar a uremia.
secundárias a operações seguidas de quadro infeccioso
(septicemia, p. ex.), pós-intoxicação hídrica seguida de
hemólise (pós-ressecção endoscópica da próstata, p. ex.),
após uso de vasopressores na hipotensão grave e após
uso de drogas nefrotóxicas.
A necrose tubular aguda, que é a lesão anatômica do
parênquima renal, é a causa mais freqüente de anúria pós-
operatória, devido a dois fatores: isquemia e nefrotoxicida-
de. Ocorre no choque hemorrágico, na septicemia, na
transfusão de sangue incompatível, no parto, nas queima-
duras graves e por uso de medicamentos nefrotóxicos.
Na anúria pós-renal, o primeiro procedimento é
Figura 56.3 .: Urografia excretora evidenciando hidronefrose bilate-
identificar a origem da obstrução do trato urinário, ral decorrente de ligadura bilateral de ureteres
sendo a causa principal a ligadura inadvertida dos urete-
res em operações pélvicas e ginecológicas. Outras cau-
sas são a litíase renal ou ureteral bilateral, compressão
tumoral, fibrose retroperitoneal e câncer de próstata
com infiltração ureteral. Quando ocorre obstrução uni-
lateral, muitas vezes, o diagnóstico não é realizado pelos
poucos sintomas que ocorrem, a não ser a dor lombar e
a infecção urinária secundária.

Figura 56.4 .: Tomografia computadorizada evidenciando


Quadro clínico e diagnóstico hidronefrose bilateral

O quadro clínico consiste na oligúria ou anúria pós-


operatória. Deve-se avaliar se não há retenção urinária, Tratamento e prognóstico
principalmente em obesos, introduzindo-se cateter vesi-
cal de demora (Foley 14 ou 16), que serve também para O tratamento da insuficiência renal aguda consiste em
monitorização da diurese nesses casos. identificar e corrigir as causas que são reversíveis. Na
Nos casos de hipotensão ou hipovolemia, deve-se hipovolemia, deve-se fazer a reposição de volume moni-
fazer a medida da pressão venosa central, além da dosa- torizando a pressão venosa central e outros parâmetros.
gem da uréia, da creatinina e de eletrólitos no sangue. Na Essa reposição vai depender do tipo de perda, se sangüí-
suspeita de obstrução das vias urinárias por diversos nea ou de líquidos. Nos casos de aumento de potássio,

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

soluções polarizantes poderão ser usadas e, na acidose Nos procedimentos em que há maior possibilidade de
grave, o bicarbonato. Se essas medidas não forem sufi- ocorrer a insuficiência renal aguda, como em operações
cientes, nas duas situações, deve ser feita hemodiálise ou para tratamento de icterícia obstrutiva, clampagem de
diálise peritoneal. aorta, operações com circulação extra-corpórea, certos
Nas obstruções das vias urinárias, deve-se corrigir as procedimentos cirúrgicos renais e transplantes, além de
causas com uso de cateteres (p. ex. obstrução ureteral- se evitar a hipotensão, pode-se usar o manitol profilatica-
cateter duplo J) ou operações corretoras urgentes (como mente, e proceder a hidratação vigorosa5.
nefrostomias ou operações para corrigir ligaduras ou cál-
culos ureterais), que vão restaurar a função renal na
maioria dos casos. Referências
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57
COMPLICAÇÕES
DIGESTIVAS

Rodrigo Gomes da Silva, Geraldo Henrique Gouvêa de Miranda,


Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Introdução ria; entre elas salienta-se o controle da dor, a oferta pre-


coce de nutrientes e a mobilização.
As complicações digestivas de pacientes submetidos a Das complicações digestivas, as fístulas são, sem dúvi-
tratamento cirúrgico são freqüentemente associadas ao da, as que acarretam maior morbidade e mortalidade
procedimento em si e à anestesia a que se submetem. No cirúrgica. Ocasionam ainda aumento do tempo de inter-
entanto, diversos fatores predisponentes podem contri- nação hospitalar e impacto psicológico para o doente,
buir para o surgimento de maior número de complica- seus familiares e para a própria equipe de saúde. O diag-
ções digestivas no pós-operatório. nóstico precoce e o manejo adequado de pacientes com
A presença de náuseas e vômitos é uma das principais fístulas digestivas são fatores que interferem diretamente
queixas referidas pelos pacientes no pós-operatório imedia- no prognóstico do doente.
to. A etiologia das náuseas e dos vômitos pós-operatórios é
multifatorial, envolvendo desde fatores de risco diretamen-
te relacionados com o doente (como hábito de fumar) até Náuseas e vômitos pós-operatórios
aqueles associados ao uso de diversas drogas anestésicas,
Conceito e incidência
como os opióides. A abordagem dessas complicações pode
ser feita de duas maneiras: profilática e terapêutica, como As náuseas e os vômitos pós-operatórios são as princi-
será discutido posteriormente. pais queixas referidas pelos pacientes no pós-operatório
A distensão gástrica aguda é complicação não muito imediato. Esta sessão refere-se, portanto, às náuseas e aos
freqüente, secundária a alterações metabólicas e hidroele- vômitos que ocorrem nas primeiras 24 horas após a opera-
trolíticas, ou relacionada a outros fatores de risco, dos ção. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam náu-
quais salientamos a anorexia nervosa, a bulimia, o volvo seas e vômitos na sala de recuperação anestésica e 30%, nas
gástrico, a hérnia diafragmática e a cetoacidose diabética. primeiras 24 horas. Além disso, 1% dos pacientes operados
Após a instituição do tratamento clínico, em geral, o qua- é readmitido no hospital por náuseas e vômitos de difícil
dro regride em até 48 horas. controle1. Os pacientes classificados como de alto risco para
A dismotilidade gastrointestinal ou íleo pós-operató- essa complicação apresentam-na em até 80% dos casos2.
rio é fenômeno fisiológico decorrente de diversas etiolo-
gias que, quando perpetuada, acarreta náuseas, vômitos e
Abordagem preventiva e terapêutica
distensão abdominal. A magnitude da dismotilidade é, via
de regra, proporcional à agressão e afeta os segmentos Existem dois modos de se abordar essa complicação:
gastrointestinais de maneira diferente. Várias atitudes o preventivo e o terapêutico. O modo preventivo é aque-
podem ajudar a minimizar a dismotilidade pós-operató- le em que pacientes com maior risco de apresentar náu-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

seas e vômitos pós-operatórios são identificados e trata- mida reduza a taxa de náuseas e vômitos após procedi-
dos de maneira profilática. A segunda abordagem é o tra- mentos cirúrgicos. Em uma meta-análise, a metoclopra-
tamento daqueles que apresentam a complicação. mida não foi superior ao placebo na profilaxia dessa
A profilaxia das náuseas e vômitos pós-operatórios complicação. Na dose usualmente utilizada na prática clí-
deve ser instituída apenas em pacientes classificados nica, 10mg, não apresentou efeito antiemético, nem anti-
como de alto risco para essa complicação. Nesses pacien- náuseas, em pacientes no pós-operatório7. Mesmo em
tes, medidas preventivas podem reduzir a taxa de ocor- associação com outros antieméticos, como a dexameta-
rência em 30% a 40%2. Estudo recente mostrou que, sona, a metoclopramida não se mostrou eficaz8. Além
para pacientes de baixo risco (taxa estimada de 10%), a disso, diversos estudos comparativos mostraram supe-
profilaxia reduziria sua ocorrência em apenas 3%. Isso rioridade dos antagonistas dos receptores 5-HT3 em
corresponderia a tratar 40 pacientes para evitar essa com- relação à metoclopramida7-9. Por outro lado, Hirayama et
plicação em apenas um paciente. Conseqüentemente, a al.9 avaliaram diversos estudos com a metoclopramida
profilaxia em pacientes de baixo risco não tem sido reco- em doses que variavam entre 10mg e 80mg (média: 40
mendada. Nesses pacientes, deve-se tratar a complicação, mg) e concluíram que, em pacientes com náuseas e vômi-
em vez de proceder-se à profilaxia3. tos induzidos por morfina, a metoclopramida foi eficaz.
Em alguns procedimentos cirúrgicos, como opera- No entanto, nesse estudo, a metoclopramida foi inferior
ções otorrinolaringológicas ou de cabeça e pescoço e em à dexametasona e ao droperidol. Um único estudo mos-
neurocirurgias, os vômitos devem ser especialmente evi- trou que a metoclopramida, na dose de 20mg, foi similar
tados e, nesses casos, os anestesiologistas têm utilizado à ondansetrona10. Em reunião de consenso nos Estados
combinações de medidas preventivas. Unidos, publicada em 2003, embora a maioria dos espe-
Um dos escores simplificados mais utilizados para cialistas concordasse que a metoclopramida não tem efei-
identificar pacientes de alto risco foi publicado por Apfel to antiemético, não houve unanimidade entre eles11.
et al4. Quatro fatores de risco são considerados: sexo Os antagonistas da serotonina (receptores 5-hidroxi-
feminino, história de náuseas e vômitos em operação triptamina tipo 3), a dexametasona (corticóide) e o dro-
prévia ou cinetose, status de não-fumante e uso de opió- peridol (neuroléptico) são as drogas mais estudadas na
des no pós-operatório. Se zero ou um fator está presen- prevenção de náuseas e vômitos pós-operatórios. A
te, o paciente é classificado como sendo de baixo risco4. administração de dexametasona na dose de 8mg ou 10mg
Os pacientes com dois ou mais fatores são classificados é eficaz em sua prevenção. A dexametasona administra-
como de alto risco. Se zero, um, dois, três ou quatro fato- da imediatamente antes da indução anestésica se mostrou
res de risco estão presentes, a taxa de náuseas e vômitos mais eficaz do que quando administrada no final da anes-
pós-operatórios é, respectivamente, de 10%, 21%, 39%, tesia12,13. Além disso, pode ser utilizada concomitante-
61% e 79%5. Certos tipos de procedimentos cirúrgicos, mente a outras drogas. Um recente estudo mostrou asso-
como operações urológicas e ginecológicas, têm sido ciação benéfica entre a dexametasona e o ondansentrona,
considerados importantes condições de risco4. mas não entre a dexametasona e a metoclopramida11.
Vários antieméticos, incluindo anti-histamínicos Os antagonistas dos receptores 5-HT3 disponíveis
(hidroxizine, prometazina), butirofenonas (droperidol), são a ondansetrona, a granisetrona, a tropisetrona e a
corticóides (dexametasona) e procinéticos (metoclopra- dolasetrona9. A eficácia desse grupo de medicamentos,
mida), têm sido utilizados com o objetivo de reduzir a que deve ser administrado no final da anestesia, na pre-
ocorrência dessa complicação. Novas drogas, como o venção de náuseas e vômitos pós-operatórios, parece ser
ondansetron, antagonista dos receptores 5-HT3, têm-se similar1. Entretanto, recente estudo com pacientes que
mostrado mais eficazes na prevenção e no tratamento, apresentaram náuseas ou vômitos após operações ambu-
com menos efeitos indesejáveis7-9. latoriais, mostrou superioridade da dolasetrona sobre a
A metoclopramida tem efeito antiemético por apre- ondansetrona14. O efeito antiemético dos antagonistas 5-
sentar afinidade com receptores D2 dopaminérgicos. HT3 é reconhecidamente superior ao efeito antináuseas1.
Entretanto, apesar de ser utilizada há vários decênios no A ondasetrona é o antagonista 5-HT3 mais estudado.
tratamento de náuseas e vômitos, inclusive em pós-ope- As doses disponíveis são 4mg ou 8mg. Ela pode ser uti-
ratórios, não há evidência científica de que a metoclopra- lizada tanto na prevenção, quanto no tratamento dessa
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Capítulo 57 .: Complicações digestivas

complicação. Uma revisão sistematizada concluiu que laxia na medida em que não se deve repetir a droga ante-
náuseas e vômitos pós-operatórios podem ser preveni- riormente utilizada na profilaxia20,21. (Quadro 57.1)
dos com a administração de 8mg de ondansetrona
endovenosa15. O efeito antiemético foi mais pronunciado Quadro 57.1 .: Drogas utilizadas na prevenção e no tratamento de
náuseas e vômitos pós-operatórios
que o efeito antináuseas. Por outro lado, quando se com-
pararam as doses de 1mg, 4mg e 8mg, observou-se que
Anti-histamínicos-hidroxizine e prometazina
apenas 1mg de ondasentrona é suficiente para tratar essa
Butiferonas - droperidol
complicação16. Provavelmente, uma pequena quantidade
Corticóides - dexametasona
de ondansetrona é necessária para bloquear os receptores Procinéticos - metoclopramida
5-HT3 em pacientes com vômitos e doses maiores são Antagonista dos receptores 5-HT3 - ondansentrona
necessárias para o bloqueio profilático desses recepto-
res1. O efeito colateral mais comum dos antagonistas
5HT3 é a cefaléia. No entanto, astenia, sonolência, diar-
réia e constipação também são complicações relatadas.
Dilatação gástrica aguda
Revisões sistematizadas mostram melhora na eficá- Etiologia
cia da prevenção de náuseas e vômitos quando se utili-
zam tratamentos combinados. O efeito sinérgico da A causa da dilatação aguda do estômago no período
associação de ondansetrona e droperidol ou ondanse- pós-operatório é multifatorial. Dismotilidade gástrica,
trona e dexametasona foi avaliado em diferentes estu- alterações metabólicas e hidroeletrolíticas estão implica-
dos17,18. Recente meta-análise concluiu que os antagonis- das na gênese dessa complicação19. Anorexia nervosa,
tas dos receptores 5-HT3 combinados com droperidol bulimia, volvo gástrico, hérnia diafragmática, cetoacidose
são tão eficazes quanto sua associação com a dexameta- diabética e múltiplos traumatismos são reconhecidos
sona21. Outro estudo envolvendo 5.199 pacientes ava- como causas de dilatação do estômago.
liou 64 diferentes estratégias possíveis na prevenção de
náuseas e vômitos pós-operatórios. Os autores obser- Manifestações clínicas
varam que tanto a ondansetrona como o droperidol e a
dexametasona reduziram sua ocorrência em 26%. Eles As principais manifestações clínicas são distensão e
concluíram que, como cada intervenção preventiva tem dor abdominais, dispnéia e vômitos persistentes.
aproximadamente a mesma eficácia e age independen- Taquicardia, oligúria, choque e até mesmo arritmias car-
temente, o mais seguro ou o mais barato deve ser utili- díacas podem ocorrer20. O diagnóstico é baseado no qua-
zado como primeiro esquema. O aumento do número dro clínico e, freqüentemente, confirmado pela radiogra-
de intervenções resultou em diminuição da taxa dessa fia simples do abdome. As principais conseqüências da
complicação. Sem antieméticos, 52% dos pacientes dilatação gástrica aguda são aspiração pulmonar, hemor-
apresentaram náuseas e vômitos. Essa taxa caiu para ragia digestiva alta após descompressão rápida, perfura-
37%, 28% e 22%, quando se introduziu uma, duas e três ção e até necrose gástrica22.
intervenções preventivas, respectivamente. No entanto,
a conclusão é que as múltiplas intervenções devem ser Abordagem preventiva e terapêutica
reservadas a pacientes com alto risco3.
Em conclusão, deve-se ponderar que a etiologia das O uso rotineiro do cateter nasogástrico para sua pre-
náuseas e vômitos pós-operatórios é multifatorial. Os venção em operações eletivas não é recomendado, na
fatores de risco relacionados ao paciente, à anestesia e à atualidade. No entanto, a utilização do cateterismo naso-
operação devem ser identificados. Os pacientes conside- gástrico após operações abdominais parece prevenir a
rados de baixo risco não necessitam profilaxia. Aqueles ocorrência dessa rara complicação21.
considerados de risco moderado devem receber profila- O tratamento consiste na colocação de cateter naso-
xia com uma única droga, inicialmente. Esquemas utili- gástrico – o que, em geral, resulta na descompressão gás-
zando mais de uma droga devem ser reservados àqueles trica e na melhora rápida dos sintomas –, associada à
pacientes de risco elevado. O tratamento difere da profi- manutenção do jejum e à hidratação venosa22.

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Dismotilidade pós-operatória prolongada Quadro 57.2 .: Mecanismos desencadeadores da dismotilidade


pós-operatória.
Conceito Mecanismos Fatores
Sistema nervoso autônomo Vias inibitórias simpáticas
A dismotilidade pós-operatória, também chamada
Sistema nervoso entérico Óxido nítrico
íleo pós-operatório, é a resposta fisiológica e inevitável
Hormônios e neuropeptídeos Peptídeo vasoativo intestinal; fator de
do tubo digestivo após um trauma – cirúrgico ou não –, ativação de corticotropina
estimulada por diversos fatores. Em sua vigência, Inflamação Infiltração de macrófagos e neutrófilos
podem-se observar vômitos e distensão abdominal, além com produção de citoquinas e medi-
adores inflamatórios
do relato de parada na eliminação de gases e fezes.
Anestesia Anestésicos gerais (p.ex., fluorano)
Contudo, com freqüência, observa-se ausência de sinto- Bloqueio epidural
mas e/ou sinais. Quando a dismotilidade dura mais do Narcóticos Opióides
que o inicialmente esperado, na dependência especial- Desnutrição Diminuição do fluxo esplâncnico
mente da magnitude do trauma, observa-se duradoura
parada ou redução da progressão do bolo alimentar
conhecida como íleo pós-operatório prolongado. Alguns
autores23,24 consideram íleo pós-operatório prolongado Abordagem preventiva e terapêutica
aquele que tem duração superior a 48 horas.
O intestino delgado recupera sua atividade motora em
algumas horas após o trauma cirúrgico, o estômago em 24
Etiologia a 48 horas, enquanto que o cólon demora cerca de 48 a 72
A etiologia do íleo pós-operatório é multifatorial. horas. Na prática clínica tradicional, aguarda-se a resolu-
ção da dismotilidade, traduzida clinicamente em elimina-
Alterações do sistema nervoso autônomo, neurotrans-
ção de gases ou evacuação para se iniciar a dieta.
missores, fatores inflamatórios locais e resposta orgânica
Acreditava-se que se o paciente elimina flatos ou apresen-
metabólica e inflamatória, assim como a presença de
ta evacuação (peristaltismo eficaz), a dismotilidade estaria
diferentes hormônios, anestesia e analgesia pós-operató-
superada e o paciente estaria apto a se alimentar.
ria, têm sido descritos como fatores causais.
Entretanto, esse paradigma tem sido questionado recente-
A hiperativação do sistema nervoso autonômo sim-
mente e, em muitos centros médicos, a dieta é reintrodu-
pático durante operação abdominal contribui para a
zida precocemente no pós-operatório, sem que o paciente
ocorrência do íleo. O bloqueio desse reflexo simpático, refira ou apresente peristaltismo eficaz27-30. Na verdade, ini-
que ocorre com anestesia peridural utilizando anestésicos ciar a dieta antes de o paciente apresentar peristaltismo efi-
locais, como a bupivacaína, reduz significativamente sua caz parece acelerar a resolução do processo. Estudo recen-
duração25. A anestesia peridural com opióide, apesar de te30 demonstrou que a ingestão oral precoce foi bem tole-
aliviar a dor pós-operatória, não contribui para reduzir o rada por 86% dos doentes, independentemente da presen-
tempo de dismotilidade intestinal pós-operatória. A ça de sons intestinais ou da eliminação de flatos. Em
anestesia peridural torácica alta bloqueia a hiperativação outro32, a alimentação precoce, seis horas após o ato ope-
simpática. ratório, contribuiu para o retorno da função intestinal mais
A duração do íleo pós-operatório correlaciona-se rapidamente. Stewart et al.31 mostraram, em estudo pros-
também com a resposta inflamatória local do intestino pectivo randomizado, que 80% dos pacientes que recebe-
manipulado, nos casos de operações abdominais. Óxido ram dieta precoce toleraram-na melhor, eliminaram flatos
nítrico e outros mediadores inflamatórios são liberados e evacuaram mais cedo.
localmente e contribuem para a dismotilidade observada Outra justificativa para se aguardar três ou quatro dias
no pós-operatório26. Teoricamente, a utilização, nesse para o reinício da dieta oral no pós-operatório tem sido o
período, de antiinflamatórios não-esteróides e a redução receio de ruptura de suturas e anastomose, que seria
do uso de narcóticos, que diminuem a motilidade colôni- induzida por distensão ou vômitos secundários à dismo-
ca, também podem reduzir a resposta inflamatória local. tilidade intestinal. Ao contrário do que se acreditava, há
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Capítulo 57 .: Complicações digestivas

evidências de que a dieta na luz intestinal possa melhorar Fístulas digestivas


a força anastomótica, particularmente em pacientes des-
nutridos32. A nutrição precoce melhora a cicatrização e o Conceito
fluxo esplâncnico, estimula a motilidade intestinal, dimi-
Fístula é a comunicação anormal entre duas superfí-
nuindo a estase e tem impacto na diminuição de morbi-
cies epiteliais. Na fístula intestinal, o epitélio do intestino
mortalidade.
comunica-se com outro revestimento epitelial. Este pode
A liberação progressiva de nutrientes, iniciada com
ser a pele, na fístula externa ou enterocutânea, ou o epi-
líquidos e progredindo até alimentos sólidos, tem sido
télio de outra víscera oca, como a bexiga, na fístula ente-
outro aspecto controverso e discutido por muitos cirur-
rovesical, um exemplo de fístula interna. Outros locais de
giões que, na sua maioria, ainda acreditam que esta
fístulas internas são o próprio trato gastrointestinal, a
seqüência deva ser respeitada. Contudo, em estudo
cavidade peritoneal, o retroperitônio e os espaços pleural
prospectivo randomizado, realizado no Hospital das
ou mediastinal36.
Clínicas da UFMG, Sanches et al.33 acompanharam 165
doentes submetidos a tratamento cirúrgico eletivo para
afecções digestivas altas. A um grupo foi permitido Etiopatogênese
ingerir dieta livre tão logo essa foi liberada, após a elimi-
nação de flatos ou a evacuação. Outro grupo recebeu Fístulas gastrointestinais são freqüentemente secun-
alimentos de acordo com a progressão habitual (dieta dárias à intervenção cirúrgica abdominal. Sua principal
líquida até dieta regular). Os autores não encontraram causa é a deiscência de sutura ou anastomose digestiva.
nenhuma diferença na incidência de complicações ou Eventualmente, podem ser causadas por lesões traumáti-
na intolerância à dieta entre os dois grupos. Além disso, cas iatrogênicas desapercebidas no peroperatório ou,
os pacientes que ingeriram a dieta livre receberam mais menos freqüentemente, podem decorrer de erosões da
calorias no primeiro dia da liberação da dieta. Os auto- parede intestinal provocadas por drenos. Abscessos
res recomendaram a liberação de dieta livre como pri- abdominais ou pélvicos, ao “procurarem” local para sua
meira opção tão logo esta seja liberada. drenagem espontânea, também podem causar ruptura da
Nos estudos mais recentes, com a liberação precoce da linha de sutura anastomótica.
dieta no pós-operatório imediato ou no primeiro dia pós- Por outro lado, fístulas enterocutâneas espontâneas
operatório, a maioria dos autores tem utilizado a dieta líqui- podem ser secundárias a processos patológicos como
da como primeira opção, para avaliar a tolerância do doença de Crohn, enterite actínica, diverticulite aguda e
paciente e rapidamente progredir para a dieta sólida. câncer avançado do aparelho digestivo. Além disso, cau-
Durante muitos anos, o cateter nasogástrico foi utili- sas incomuns como tuberculose intestinal, histoplasmo-
zado no pós-operatório precoce na tentativa de reduzir a se colônica e actinomicose podem ser também observa-
duração e os sintomas do íleo pós-operatório. Era retira- das. Fístulas espontâneas são raras e, na maioria das
do apenas quando o paciente relatava eliminação de fla- vezes, secundárias à doença de Crohn.
tos ou evacuação. No entanto, seu uso de rotina no pós-
operatório de intervenções no aparelho digestivo tem
sido questionado por inúmeros autores. Estudo realizado
Fístula anastomótica
no Hospital das Clínicas da UFMG34 mostrou que o uso Incidência
profilático e rotineiro de cateteres nasogástricos não só é
desnecessário, como parece se associar a maior número A fístula anastomótica é uma das complicações pós-
complicações, principalmente pulmonares, e a maior operatórias mais temidas pelo cirurgião, com alta morbi-
tempo de internação. Estudo de meta-análise35 mostrou mortalidade. Sua incidência é de aproximadamente 3% a
que, para cada paciente que utilizou cateter nasogástrico 10%37. Os pacientes com fístula gastrointestinal têm per-
no pós-operatório, pelo menos outros 20 não demanda- manência hospitalar aumentada, variando de semanas a
ram a sua inserção. Pode-se concluir que o uso rotineiro meses. Conseqüentemente, são observados altos custos
de cateter nasogástrico na profilaxia do íleo pós-operató- hospitalares, com internação em centro de tratamento
rio não tem base científica. intensivo, nutrição parenteral e/ou enteral, antibioticote-
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

rapia, re-operações, entre outros. Apesar da melhora dos ca da fístula enterocutânea. Algumas vezes, a drenagem
resultados com a introdução do suporte clínico intensi- de conteúdo entérico não é precedida pela drenagem de
vo, nutrição parenteral e modernos antibióticos, a taxa de pus. Nesse estágio, o abdome torna-se cada vez menos
mortalidade atual dessa complicação cirúrgica é ainda sig- tenso, indicando que o processo está sendo bloqueado.
nificativa e, geralmente, situa-se entre 20% e 30%38,39. Clinicamente, à medida que o processo é exteriorizado, o
paciente apresenta melhora do quadro clínico geral.
Diagnóstico e quadro clínico Muitas vezes, abscessos intra-abdominais são forma-
dos nesse processo. A principal causa de morte em
A fístula anastomótica, geralmente, ocorre entre o pacientes com fístula é a sepse não-controlada.
terceiro e o quinto dia pós-operatório, mas o diagnóstico Conseqüentemente, deve-se realizar método de imagem
é freqüentemente realizado entre o sexto e o nono dia abdominal ou pélvico para descartar a presença de abs-
pós-operatório. Em um estudo41, as fístulas de anastomo- cesso residual. A tomografia computadorizada é o méto-
ses colorretais baixas, situadas na pelve, foram diagnosti- do de escolha. Em geral, ela deve ser solicitada após o
cadas entre o terceiro e o 24º dia pós-operatório, com oitavo dia pós-operatório, quando possível abscesso em
média de dez dias. Em outro estudo, observou-se média formação pode ser diagnosticado.
de cinco dias entre o primeiro sinal clínico da fístula e sua
complicação abdominal séptica42.
O paciente que desenvolve fístula digestiva evolui Fatores de risco e medidas preventivas
bem, em geral até o terceiro dia pós-operatório. O sinal Entre os fatores de risco associados à fístula anasto-
clínico mais precoce é a taquicardia, seguida por dor mótica podemos citar: doença de Crohn, desnutrição,
abdominal. A dor pode ser localizada ou difusa. O exame
peritonite purulenta, insuficiência renal crônica, doença
físico pode revelar nítida irritação peritoneal; em alguns
pulmonar obstrutiva crônica, uso de corticosteróides,
casos, o abdome pode apresentar-se apenas tenso, sem
transfusão perioperatória, cirrose, imunodeficiência,
franca irritação do peritônio. Febre e sinais de compro-
doença vascular mesentérica, operação prévia e/ou de
metimento sistêmico quase sempre estão presentes.
urgência tensão na linha de sutura, hipertensão à jusante,
Exames laboratoriais revelam leucocitose e a proteína-C-
fios inadequados e má qualidade técnica da anastomo-
reativa está aumentada. Pacientes submetidos a anasto-
se43,45. Em operações colorretais, a leucocitose pré-opera-
moses situadas na pelve podem, inicialmente, não apre-
tória, as condições sépticas peroperatórias e a transfusão
sentar sinais abdominais. Pacientes que não bloqueiam o
processo e, rapidamente, desenvolvem sepse abdominal, de sangue pós-operatória têm sido correlacionadas com
por liberação de líquido entérico para dentro da cavidade maior risco de fístula anastomótica44. Em um outro estu-
peritoneal, apresentam hipotensão arterial, taquipnéia, do47, anastomoses próximas da borda anal (< 7cm) apre-
confusão mental e choque séptico. Nesses casos, a irrita- sentaram maior risco de deiscência. Outro estudo mos-
ção peritoneal é franca e a relaparotomia imediata está trou que anastomoses situadas 5cm abaixo da borda anal
indicada para o tratamento da peritonite. No entanto, na apresentavam risco 6,5 vezes maior do que aquelas acima
maioria das vezes, o processo é mais lento, com a tentati- de 5cm. O sexo masculino também foi fator de risco para
va do organismo, geralmente o omento maior, de blo- surgimento de fístula após anastomose colorretal muito
quear o processo. Desse modo, muitas vezes o cirurgião baixa. A hipoalbuminemia, principalmente em pacientes
diagnostica a fístula a partir do sexto dia pós-operatório, com albumina inferior a 3,0g/dL, é importante fator de
embora o processo tenha se iniciado mais cedo. O pacien- risco para ruptura da linha anastomótica45.
te, que muitas vezes já havia eliminado flatos ou evacua- Tecnicamente, a anastomose digestiva deve ter três
do, apresenta distensão abdominal, náuseas, vômitos, características principais: boa irrigação, ausência de ten-
hiporexia, parada de eliminação de gases e fezes, febre, são e adequada aproximação das bordas. Não existe
além de dor no abdome, nesse caso, geralmente, localiza- diferença nas taxas de fístulas, se a anastomose é feita
da. Infecção incisional superficial após o quarto dia é em um plano ou em dois planos, ou se manualmente ou
achado comum. Após drenagem de secreção purulenta, por grampeador mecânico, desde que os três princípios
por um a dois dias, surge a secreção entérica característi- citados sejam seguidos.
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Capítulo 57 .: Complicações digestivas

A literatura apresenta resultados contraditórios em crônica; na doença duodenal ou da ampola de Vater; em


relação aos corticosteróides como fator de risco para a pacientes com idade avançada; naqueles com icterícia
fístula anastomótica46,47. Estudos experimentais mostram de longa duração; no choque peroperatório; e nos casos
que os esteróides afetam negativamente a cicatrização. de inexperiência do cirurgião. A utilização de octeotride
No entanto, estudos clínicos não observaram maior taxa não reduz a taxa de fístulas pancreáticas após duodeno-
de fístula em pacientes que receberam corticosteróides pancreatectomias52.
comparados com os que não receberam esta medicação.
Recentemente, estudo da Mayo Clinic48, mostrou que
Classificação das fístulas
pacientes com doença de Crohn em uso de altas ou
moderadas doses de corticosteróides, imunossupressores Fístulas enterocutâneas podem ser classificadas quan-
ou infliximab não apresentaram maior taxa de fístulas to ao débito, à localização anatômica e à complexidade.
anastomóticas e complicações sépticas. Se o débito diário é maior que 500mL, as fístulas são con-
Pacientes com trauma abdominal podem necessitar sideradas de alto débito. Estas apresentam repercussão
de anastomose ou enterorrafia para correção de lesões clínica maior que as fístulas de baixo débito (drenagem
intestinais. Os principais fatores de risco para deiscência <500mL/24h). Alguns autores classificam as fístulas de
e fístula anastomótica são a transfusão maciça de sangue alto débito como aquelas com drenagem maior que
no peroperatório e a necessidade de reposição volêmica 200mL por dia, por pelo menos 48 horas. Quanto à loca-
vigorosa, o que traduz a associação dessa complicação lização, são divididas em fístulas do trato gastrointestinal
com a gravidade do trauma. A presença de secreção pan- alto quando ocorrem até o jejuno, e baixas quando envol-
creática secundária a lesão pancreática associa-se a ruptu- vem o íleo e o cólon. Fístulas complexas são aquelas que
ra de suturas duodenais49. envolvem múltiplas alças intestinais ou estão associadas a
A realização de estomia protetora da anastomose tem abscesso intra-abdominal.
como objetivo impedir a passagem de conteúdo fecal
pela linha anastomótica48. Entretanto, ela não diminui a
Abordagem terapêutica
incidência de fístula, mas evita sua repercussão clínica,
muitas vezes com risco de morte. Desse modo, anasto- As fístulas apresentam, em geral, fechamento espon-
moses colorretais muito baixas são preferencialmente tâneo, no tempo médio de seis a oito semanas. No entan-
protegidas com estomia protetora, que pode ser colosto- to, alguns fatores contribuem para a persistência do tra-
mia ou, principalmente, ileostomia em alça49. jeto fistuloso, como a presença de corpo estranho, obs-
Apesar do uso comum na prática clínica de drenos trução em segmento distal à fístula, presença de infecção,
colocados próximos à anastomose, não há evidência câncer e radioterapia prévia. Quando ocorre epitelização
científica de seu benefício que justifique sua utilização do trajeto fistuloso (fístula labiada), essa continuidade
sistemática. O principal objetivo seria dirigir e drenar o mucocutânea impede o seu fechamento espontâneo.
conteúdo digestivo de possível fístula e evitar, desse Fístulas persistentes requerem intervenção cirúrgica para
modo, a peritonite difusa, minimizando a necessidade de seu fechamento. Isso demanda nova laparotomia, que
relaparotomia. No entanto, a capacidade dos drenos em deve ser adiada até resolução do processo inflamatório e
evitar a peritonite secundária à fístula foi de apenas 5% infeccioso e melhora do estado clínico geral.
(um em 20 pacientes com fístula)l. Recente meta-análise Os pilares do manejo do paciente com fístula entero-
mostrou que a única anastomose que teria indicação de cutânea são a correção hidroeletrolítica, a instituição de
drenagem sentinela é a esofago-jejunal. Apesar dessa antibioticoterapia, a terapia nutricional, os cuidados com
recomendação, o grau de evidência foi de apenas D. Para a pele, a avaliação da indicação de relaparotomia de
as outras anastomoses a conclusão é que o uso de drenos urgência ou a necessidade de drenagem percutânea para
não influencia a taxa de morbimortalidade, sendo, por- controle da sepse. Essas medidas requerem o trabalho de
tanto, não recomendados rotineiramente51. equipe (cirurgião, clínico, equipe de terapia nutricional,
As fístulas pancreáticas são mais comuns nas seguin- radiologista intervencionista, enfermeiros e fisioterapeu-
tes situações: após a duodenopancreatectomia, quando tas), para diminuir os riscos e a morbidade associados a
o pâncreas não está endurecido como na pancreatite essa complicação.
699
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Após o diagnóstico de fístula, a instituição de reposição controlar o débito do conteúdo entérico de fístulas sem
volêmica e a correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, obstrução distal. Isso facilita o controle clínico do
associadas ao início de antibióticos por via intravenosa, são paciente, visto que as perdas de líquidos e eletrólitos
procedimentos essenciais na recuperação do paciente. serão reduzidas. Com a utilização da octeotrida, a morbi-
Durante esse processo, o cirurgião deve tomar a decisão de dade secundária à fístula pode ser diminuída, com menor
proceder ou não à relaparotomia. Pacientes que apresen- tempo de hospitalização e melhor cuidado da pele frente
tam franca irritação peritoneal secundária a peritonite e ao menor volume do efluente. Apesar de reduzir o
choque séptico demandam realização da laparotomia ime- tempo de fechamento da fístula, a octeotrida não parece
diata, pois o prognóstico do doente está diretamente rela- aumentar a taxa de fístulas que fecham espontaneamen-
cionado à precocidade do tratamento. Nesses casos, a exte- te, nem a taxa de mortalidade. Portanto, seu papel no tra-
riorização do local da fístula, com a conseqüente confecção tamento das fístulas permanece controverso, e alguns
de estomia, sempre que possível, é o procedimento mais autores somente a indicam para fístulas de alto débito54.
aconselhável. Fístulas que aparecem a partir da segunda A pele ao redor do local onde se exterioriza a drenagem
semana, provavelmente, podem ser conduzidas sem neces- de conteúdo entérico deve ser rapidamente protegida.
sidade de laparotomia de urgência. Excetuam-se, nesse Existem pastas especiais que protegem a pele da agressão
caso, os pacientes com abscesso intra-abdominal sem pos- do suco entérico e evitam a dermatite que traz grande des-
sibilidade de drenagem por via percutânea, sangramento conforto ao paciente. Isso permite a colocação de bolsa de
intra-abdominal e isquemia mesentérica. colostomia para coleta do conteúdo entérico. Muitas
Inicialmente, a hidratação endovenosa é instituída de vezes, em fístulas de alto débito, um dispositivo de aspira-
acordo com o peso do paciente e levando-se em conta as
ção contínua do efluente deve ser instituído.
perdas insensíveis e o débito da fístula. Sódio, potássio e
As fístulas fecham espontaneamente em aproximada-
magnésio devem ser repostos de acordo com as medidas
mente 70% dos casos. Portanto, o tratamento cirúrgico
dos valores séricos. Em geral, na fase inicial do tratamen-
definitivo será necessário em vários casos. A densa rea-
to, o jejum é instituído, mas a liberação de líquidos, de
ção peritoneal logo após a operação primária que resul-
acordo com o tipo (alto versus baixo débito) e a localiza-
tou na fístula, faz com que a espera de melhor momento
ção anatômica (esôfago versus cólon) é permitida. Muitas
para re-operação seja uma escolha sábia. Desse modo,
vezes, cateter nasoentérico ou jejunostomia são utiliza-
dependendo das condições, a re-operação pode ser reali-
dos para a alimentação enteral, principalmente em fístula
de baixo débito ou quando posicionados distalmente ao zada três meses ou mais, após o diagnóstico da fístula.
orifício fistuloso. A nutrição parenteral, que durante Isso permite que os déficits fisiológicos sejam restaura-
muito tempo foi o tratamento nutricional de escolha, é dos, que o paciente tenha o estado nutricional melhora-
ainda utilizada em pacientes com fístulas de alto débito do e, além do mais, é sobremaneira importante que a dis-
ou naqueles sem acesso ao trato gastrointestinal. Estudos secção cirúrgica torne-se mais fácil. Em recente estudo, a
recentes têm destacado a importância de se manter o mediana para nova laparotomia com o objetivo de corri-
estímulo trófico da mucosa intestinal com dieta enteral. gir a fístula foi de oito meses (variou de um mês a 180
Mesmo em pacientes com fístulas pancreáticas, a utiliza- meses) após a ocorrência da fistulização55.
ção da nutrição enteral é benéfica. A administração de O melhor procedimento cirúrgico para tratamento
nutrientes na segunda alça jejunal não estimula em exces- tardio de trajeto fistuloso é a ressecção do segmento
so a função exócrina do pâncreas e produz resultados intestinal juntamente com o trajeto fistuloso. Uma nova
equivalentes à administração parenteral de nutrientes53. anastomose término-terminal deve ser realizada fora de
Drogas que aumentam o pH do estômago, como os processo inflamatório. Algumas vezes, por dificuldade de
antagonistas do receptor H2 e os inibidores da bomba de mobilização do intestino, a ressutura do local da fístula é
prótons, diminuem a secreção gástrica, mas não auxiliam a única alternativa do cirurgião. No entanto, estudo
no fechamento da fístula. Drogas que inibem a motilida- recente demonstrou que a ressecção apresenta resultados
de intestinal, como a loperamida, podem ser administra- melhores do que a ressutura. Além disso, este mesmo
das a fim de reduzir o débito da fístula. A octreotida, um estudo confirmou que a taxa de refistulizacão é maior
análogo da somatostatina, tem-se mostrado eficaz em quando a operação é realizada mais precocemente56.
700
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Capítulo 57 .: Complicações digestivas

A cola de fibrina, injetada no trajeto fistuloso por tic antiemetic for postoperative nausea and vomiting. Anest
endoscopia, foi recentemente introduzida no tratamento Analg. 2000;91:136-9.
14 ■ Meyer TA, Roberson CR, Rajab MH, Davis J, McLeskey CH.
de fístulas digestivas. No entanto, as séries são pequenas e
Dolasetron versus ondansetron for treatment of postoperati-
seu papel atual ainda é limitado, apesar de promissor. ve nausea and vomiting. Anesth Analg. 2005;100:373-7.
Além disso, técnicas endoscópicas, como clipes e endo- 15 ■ Walder B, Tramer MR. Evidence-based medicine and the syste-
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701
Capitulo 57.qxd 2/23/06 15:27 Page 702

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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indice editorado.qxd 23.02.06 15:17 Page 703

ÍNDICE REMISSIVO

A AIDS, 363-70
afecções cirúrgicas, 364-5
colecistite acalculosa, 365
Abscesso(s)
doença de vias biliares, 365
intra-abdominais, 698
doenças perianais, 365
intraperitoneal(is), 179 infecção gastrointestinal por citomegalovírus, 364
peri-renal(is), 689 linfadenopatia, 365
Abstinência alcoólica, 325-7, 336 linfomas, 364
Acidente sarcoma de Kaposi, 365
pérfuro-cortante, 368 complicações pós-operatórias, 366
peroperatório, 156 nutrição, 367
vascular cerebral (ver Acidente vascular encefálico) risco ocupacional, 369-70
vascular encefálico, 25, 557-9 Alcalose
Ácido acetilsalicílico, 308, 455, 558 metabólica, 69-71
respiratória, 73-4
Acidose
Álcool
metabólica, 67-9
uso de, 317-33
respiratória, 71-3
etílico (anti-séptico), 601
Acompanhamento pós-operatório iodado (anti-séptico), 601
cirurgia
Alcoolismo, 317-33
laparoscópica, 488
alterações da coagulação, 324
oncológia, 492
complicações cardiovasculares, 321
Açúcar cristal, 611 complicações metabólicas, 320
Adaptação (em psicooncologia), 490 complicações pós-operatórias, 320
Adenomas hipofisários, 432 diagnóstico, 328
Aférese, 505 exames laboratoriais, 329
questionário AUDIT, 329-30
Agonistas alfa-adrenérgicos, 305 questionário CAGE, 328-9
Água distúrbios hidroeletrolíticos, 328
corporal total, 35-6 doenças hepáticas, 323-4
depleção, 38-9 cirrose alcoólica, 324
causas, 38 esteato-hepatite, 323
manifestações clínicas, 38 esteatose, 323
tratamento, 38-9 hepatite alcoólica, 323
distúrbios de volume, 38-9 insuficiência hepática, 324
endógena, 180, 195 imunossupressão, 321
excesso, 39 materno, 274
causas, 39 síndrome de abstinência, 325-7
manifestações clínicas, 39 tratamento, 331-2
tratamento, 39 Alterações anátomo-fisiológicas

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

na grávida, 291-2 Antiarrítmico(s), 305-6


no idoso, 282-5 Antibioticoprofilaxia, 221-9
Alucinações, 337 antimicrobianos tópicos, 229
Alzheimer, 338, 554 cirurgia
biliar, 228
Ambiente hospitalar cardíaca, 226
limpeza, 602 colorretal, 227
Aminoglicosídeos, 238, 317 de cabeça e pescoço, 227
Amitriptilina, 310, 338 do apêndice, 228
esofágica, 227
Analgésicos, 188
gastroduodenal, 227
Anamnese, 21 ginecológica, 228
Anastomose digestiva, 98-9, 698-9 laparoscópica, 229
Anemia(s), 23, 499-501 neurológica, 226
obstétrica, 228
falciformes, 499-500
oftalmológica, 227
hemolíticas auto-imunes, 500
ortopédica, 227
no recém-nascido e lactente, 279 otorrinolaringológica, 227
Anestesia, 141, 153, 457 plástica, 226
complicações, 160-4 torácica, 226
hipertenso, 444, 446 urológica, 227
interações medicamentosas, 303 vascular, 226
nefropatias, 477 desvantagens, 221
paciente grávida, 293 duração, 223
pneumopatia, 463 escolha das drogas, 223-5
regional, 447 em alérgicos a betalactâmicos, 224
hipertenso, 447 cefalosporinas de primeira geração, 223-4
drogas opcionais, 224-5
Anestésico(s)
espectro de ação, 223
efeito(s) colateral(ais), 386
indicações, 225-9
icterícia pós-operatória, 390
operações contaminadas, 226
interações medicamentosas, 554-5 operações limpas, 225
hepatite induzida por, 386 operações potencialmente contaminadas, 226
Anfotericina B, 241 momento da administração, 222
Angina níveis teciduais, 223
estável, 23 objetivo, 221
instável, 23, 663 órtese e prótese, 571
Ansiedade, 341 posologia, 223
pré-operatória, 127-8, 144 princípios básicos, 222
Ansiolíticos, 311 Antibióticos (ver antimicrobianos)
Antagonistas Antibioticoterapia, 229-48
da serotonina, 694 na infecção do sítio cirúrgico, 610
dos receptores AT-1 da angiotensina II, 444 Anticoagulação
dos receptores H2, 149 contra-indicações, 254
Anti-hipertensivos, 304, 443-6 na trombose venosa profunda, 254-5
no paciente neurológico, 558
Anti-retrovirais, 265, 367-70 no tromboembolismo pulmonar, 257
Anti-sepsia Anticoagulante(s), 110-2, 253-7, 307-8
da pele, 605 oral(is), 110-1, 307
das mãos do cirurgião, 600
Anticolinesterase(s), 554, 555
de mucosas, 605
do campo cirúrgico, 155 Anticonvulsivante(s), 310, 553-4
Anti-séptico(s), 600-1 Antidepressivo(s), 310, 338-40
álcool etílico, 601 inibidores seletivos de recaptação de serotonina, 339
álcool iodado, 601 outros, 339
características principais, 601 tricíclicos, 338
clorexidina, 601 Antiemético(s), 189, 694
iodóforos (PVP-I), 601 Antifúngico(s), 241
na limpeza de feridas, 611 Antiinflamatório(s)
Antiagregante(s) plaquetário(s), 307-9 não-esteróides, 309
na doença cerebrovascular, 558 no paciente reumático, 563-4

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Índice Remissivo

Antimicrobiano(s), 231-48 prescrição médica, 178-90


aminoglicosídeos, 238 Assistentes sociais
antifúngicos em oncologia, 491
anfotericina B, 241 Ataque isquêmico transitório, 558
fluconazol, 241
betalactâmicos, 232-7 Atelectasia, 677-8
aztreonam, 236 causa de febre pós-operatória, 589
cefalosporinas, 234 medidas de profilaxia, 181
cefamicinas, 234 no obeso mórbido, 360
penicilinas, 232 Atividade de protrombina, 26, 388
tienamicinas, 236 Auto-extermínio, tentativa, 339
clindamicina, 238
Auto-hemotransfusão, 134, 652
cloranfenicol, 238
estreptograminas, 240 Avaliação clínica pré-operatória, 16, 21-32
glicopéptides da condição
teicoplanina, 237-8 endócrina, 24
vancomicina, 237 hematológica, 23
macrolídeos, 237 neuropsiquiátrica, 25
metronidazol, 239 da função
na infecção do sítio cirúrgico, 610-1 cardíaca, 23, 145
na grávida, 293 digestiva, 24
oxazolidinonas, 240 renal, 24
quinolonas, 239 respiratória, 23
tópicos, 221, 229, 611 do(a) paciente
com doença cardíaca, 451-2
Antiparkinsoniano(s), 309, 552-3 com doença hepática, 386-9
Antipsicótico(s), 310 com doença renal, 474-7
Antitérmico(s), 188 diabético, 396
Anúria, 690-2 disfágico, 136, 547-9
em uso de medicamentos, 25, 301-14
Apendicectomia em uso de órtese-prótese, 570
antibioticoprofilaxia na, 228 grávida, 293-4
Apnéia obstrutiva do sono, 356 hipertenso, 441
Apoio psicológico, 127-30, 144, 153, 176 icterício, 376-7
idoso, 285-6
Apoptose, 98
neurológico, 551-4
Arritmias cardíacas, 23, 456-7, 670 obeso mórbido, 358
Arteriografia pulmonar oncológico, 483-6
na embolia pulmonar, 256 recém-nascido e lactente, 274-5
Artrite reumático, 560-4
cricoaritenoidiana, 561-2 Avaliação do risco cirúrgico, 15
gotosa aguda, 564 Avaliação nutricional, 79-82, 351
reumatóide, 561-2 antropometria, 79
Artropatias, 561-2 avaliação global subjetiva, 81-2
no obeso mórbido, 357 testes bioquímicos, 80
ASA, classificação, 17, 143 teste funcional, 81
testes imunológicos, 81
Ascite
testes de composição corporal, 80
no hepatopata, 389
quilosa pós-operatória, 622 Avanços da Cirurgia, 4
Asma, 277-8, 462 Azitromicina, 237
brônquica, 24 Aztreonam, 236
Aspiração do conteúdo gástrico, 132, 136-8, 148-9, 155, 679
Asplenia, 502 B
antibioticoprofilaxia, 503
risco de infecção, 503
vacina antipneumococo, 503
Back-Table, 528
Assistência médica pós-operatória, 175-90 Balanço hídrico, 180, 195-8
apoio psicológico, 176 cálculo, 198
avaliação clínica, 176 prescrição pós-operatória, 180
evolução médica, 176-7 Banho pré-operatório, 132, 604-5
objetivos, 176 Barreira cutâneo-mucosa, 121-3

705
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Benzodiazepínicos, 311, 341-4 venosos


Betabloqueadores, 149, 304-5, 443-5, 455 centrais, 181
esmolol, 445 cuidados, 181-2
síndrome de descontinuação, 304-5, 448 periféricos, 182
de múltiplos lumens, 181
propranolol, 445
vesical
síndrome de descontinuação, 304-5, 448
de alívio, 182
Betalactâmicos, 232 de demora, 182-4
Bexigoma, 688 Cateterismo, 133-4, 154-5
Bicarbonato de Sódio, 200 nasogástrico, 155, 695
Bilirrubina venoso, 133
conjugada, 375 venoso central, 134
não-conjugada, 375 vesical
Biossegurança indicações, 134
na retenção urinária, 688-9
medidas de, 261-2
vesical de demora, 154
Bloqueadores
Cefadroxil, 235
beta-adrenérgicos, 304-5, 443-5
dos canais de cálcio, 305 Cefaléia pós-raqui, 180
dos canais de potássio, 306 Cefalexina, 235
dos canais de sódio, 306 Cefalosporinas, 234
Bócio(s), 404-8 Cefalotina, 223, 235
Bromocriptina, 552 Cefamicinas, 234
Bromoprida, 189 Cefazolina, 223, 235
Bupropiona, 339 Cefepime, 236
Cefodizima, 235
Cefotaxima, 235
C
Cefoxitina, 225, 235
Cálcio, 47 Cefpirome, 236
Calor local, 186, 610 Ceftazidima, 235
Campos cirúrgicos, 605 Ceftriaxona, 235
Câncer, 481-98 Cefuroxima, 225, 235
de pulmão, 468 Cego, 583
Carboidratos, sobrecarga de, 85 Cegueira, 583
Carboxi e ureido penicilinas, 233 Centro cirúrgico, 151
Cardiopatia, 451-9 Centro de tratamento intensivo, 134
anestesia, 457 Cerulea dolens, 253
arritmias e distúrbios da condução, 456 Cesariana de urgência, 228, 297
avaliação clínica pré-operatória, 451-2
Cetoacidose diabética, 67, 401
doença cardíaca valvular, 456
doença coronariana, 453 Child-Pugh, classificação, 24, 388
hipertensão arterial sistêmica, 455 Choque, 649-59
insuficiência cardíaca, 455 anafilático, 657
paciente com doença cerebrovascular, 558 cardiogênico, 652-3
recém-nascido e lactente, 279 distributivo, 654-5
Cardiovascular, avaliação clínica pré-operatória, 23 hemorrágico, 651
hipovolêmico, 650-2
Cascata da coagulação, 104
neurogênico, 656
Catecolaminas, 167 obstrutivo, 653-4
Cateter(es) dissecção aguda da aorta, 654
cuidados, 181-4 embolia pulmonar, 653
de diálise, 572 pneumotórax hipertensivo, 654
de Swan-Ganz, 179, 442, 665, 680 tamponamento cardíaco, 654
finalidade, 182 por insuficiência supra-renal, 657
nasal, 187 séptico, 655
nasoentérico, 183-4 Cicatriz(es), 616-9
nasogástrico, 183-4 alargadas, 619
nutrição enteral, 183-4 hipertróficas, 616-8

706
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Índice Remissivo

Cicatrização, 93-101 Citocinas, 169-72, 649-50


distúrbios, 99-101 Citorredução, 489
fases, 94-8 Claritromicina, 237
coagulação, 95
contração da ferida, 98 Classificação
de maturação, 98 anestesiológica (ver ASA)
degradação do colágeno, 98 de Child-Pugh, 324
epitelização, 97 de Child-Turcotte, 324
fase de maturação, 98 do risco anestésico-cirúrgico (ver Risco)
fibroplasia, 97 Clearance de creatinina, 473
inflamação, 95
Clindamicina, 225, 238
mediadores bioquímicos, 96
migração celular, 96 Clomipramina, 338
neoangiogênese, 96 Clonidina, 149, 305, 445
proliferação celular, 96 Cloranfenicol, 238
síntese do colágeno, 97
Cloreto
vasodilatação, 95
fatores adversos, 99-101 de potássio, 200
anemia, 100 de sódio, 200
carência de vitamina, 99 Clorexidina, 601
deficiência de zinco, 100 Clorpromazina, 189
denervação da ferida, 100 Coagulação, 95, 103-6
desnutrição, 99
alterações no alcoolista, 329
doenças crônicas, 100
drogas, 100
avaliação laboratorial, 105
glicocorticóides, 100 avaliação pré-operatória, 110-1
infecções, 100 intravascular disseminada, 109
irradiação, 101 Colagenase, 611
isquemia, 100 Colágeno
necrose, 100 tipos de, 97
quimioterápicos, 101
senilidade, 100
Colangiografia transparieto-hepática, 377
mediadores bioquímicos, 96 Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada, 377
ossos, 99 Colangiorressonância, 377
primeira intenção, 95 Colangite, 380-1
segunda intenção, 95 Colchicina, 564
serosa, 99
tendões, 99
Colecistite
terceira intenção, 95 acalculosa (na AIDS), 365
tubo digestivo, 98 aguda acalculosa, 591
Ciclo de Cori, 168 Colestase intra-hepática, 382
Cintilografia pulmonar Coletor urinário, 183
de ventilação-perfusão, 256 Colóides (soluções de), 36
de perfusão, 469 Colonização pelo S. aureus, 598
Ciprofloxacina, 239 Colostomia
Cirrose, 385-92 cuidados, 185
alcóolica, 324 Coma mixedematoso, 416
hepática, 388-9 Comorbidades, 22-8
Cirrótico (ver Cirrose), 385-92 no obeso mórbido, 356-7
Cirurgia Complicações
bariátrica, 355 cirurgia laparoscópica, 641
de cabeça e pescoço, 627 da deglutição, 549-50
geriátrica, 281 da disfagia, 549
laparoscópica, 641-7 da icterícia, 379-81
obesidade mórbida, 359 da laparoscopia, 641
na grávida (ver Gravidez), 291-300 da nutrição enteral, 87
oncológica, 481-2, 487-9 da nutrição parenteral, 88
pediátrica, 273-80 do alcoolismo, 320-8
vias de acesso, 627-38 tromboembólicas (ver Doenças tromboembólicas)
Cistite, 689-90 Complicações pós-anestésicas, 160-4, 556
Citalopram, 310, 339 disfunção pulmonar, 161

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

dor pós-operatória, 162 transplantado, 537


hipertensão arterial, 160 pulmonares, 461-8
hipertermia maligna, 556 prevenção, 465-8
hipotensão arterial, 161 respiratórias, 673-85
hipoxemia, 161 aspiração gástrica, 679
náuseas e vômitos, 163 atelectasia, 677
Complicações pós-operatórias derrame pleural, 680
edema pulmonar, 680
atelectasia, 360
fatores de risco, 674
cardiovaculares, 661-70
hipoxemia, 677
arritmias cardíacas, 670
insuficiência respiratória aguda, 677, 682
crise hipertensiva, 668
pneumonia, 678
edema agudo de pulmão, 667
pneumotórax, 679
insuficiência cardíaca, 665
síndrome do desconforto respiratório agudo, 681
síndrome coronariana aguda, 661
seroma, 359
cirurgia laparoscópica, 641-6
tromboembolismo pulmonar, 251-60
das vias de acessos, 627
no obeso mórbido, 360
digestivas, 693
urológicas, 687
dilatação gástrica aguda, 695
infecção urinária, 689
dismotilidade prolongada, 696
distensão gástrica, 695 insuficiência renal aguda, 690
fístula anastomótica, 697 oligúria, 687
fístulas digestivas, 697 retenção urinária, 688
fístulas pancreáticas, 699 da videolaparoscopia, 641-7
náuseas e vômitos, 693-5 Complicações pulmonares (ver Complicações pós-operatórias respi-
do sítio cirúrgico, 615-25 ratórias), 673
cicatriz hipertrófica, 616 Complicações tromboembólicas, 251-60, 359
cicatrizes alargadas, 619
Comportamento na sala cirúrgica, 155
contraturas, 619
corpo estranho, 623 Compressão pneumática intermitente, 181, 360
distúrbios cicatriciais, 615 Concentrado
evisceração, 619 de hemácias, 505
hematoma, 615 fenotipadas, 505
hemorragia intracavitária, 624 filtradas, 505
hérnia incisional, 620 irradiadas, 505
infecção, 595-611 lavadas, 505
quelóide, 616 negativas para hemoglobina S, 505
quilomas, 622 padrão, 505
retrações, 619 de plaquetas, 505
seroma, 615
febris, 588-93
Condição endócrina
atelectasia, 589 avaliação clínica pré-operatória da, 24
colecistite aguda acalculosa, 591 Condicionamento para o pós-operatório, 130-1
crise tireotóxica, 591 Conduta pós-operatória, 175-91
embolia pulmonar, 590
Consentimento informado, 19, 153
hematoma, 589
infecção do sítio cirúrgico, 589 Consulta pré-anestésica, 141-7
infecção urinária, 590 Contração da ferida, 98
pneumonia, 589 Contraturas da ferida, 619
propedêutica, 591
reação a drogas, 591
Controle
sepse do cateter, 590 ácido-básico, 61-75
sinusite maxilar, 591 sistemas tampões, 63
hérnia incisional, 620-2 da dor
no obeso mórbido, 360 em oncologia, 493-4
hipertenso, 447 pós-operatória, 188
hipotermia, 593 hidroeletrolítico, 35
infecção de sítio cirúrgico, 595-611 Conveniência operatória, 13-20
infecções cirúrgicas, 595 Convulsão, 553-4
no paciente Corpo estranho, 623-4
com AIDS, 366
alcoolista, 320 Corte de congelação, 135
com doença hepática, 391 Corticosteróides, 26, 311
hipertenso, 441 na resposta orgânica ao trauma, 166-71

708
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Índice Remissivo

Cosméticos, 133 D
Craniofaringiomas, 432
Crioprecipitado, 505 Dados vitais
Crise no pós-operatório, 179
adrenal, 424 Dantrolene sódico, 556
de gota, 562 Deambulação precoce, 181
hipertensiva, 668-9 Decisão operatória, 15
tireotóxica, 411-3, 591
Defesa
vasooclusivas, 500
antiinfecciosa, 121-4
Crise (em psicooncologia), 490 mecanismos, 121-3
Cristalóides, 36 imunológica, 122
Cuidados fatores que comprometem, 123
com estomias, 184 Deficiência, 577-86
de enfermagem, 178 auditiva, 579, 582-3
Cuidados peroperatórios física, 579-82
no paciente mental, 579, 584-5
diabético, 396 múltipla, 585-6
com doença hepática, 389 visual, 579, 583-4
com doença pulmonar, 467 Deficiência, pessoa com, 577-86
em uso de órtese-prótese, 570 auditiva, 582-3
relacionados à equipe cirúrgica, 156-7 conceito, 582
relacionados à operação, 153-4 cuidados per e pós-operatórios, 583
relacionados ao paciente, 152-3 necessidades específicas, 582
Cuidados pós-operatórios, 178-87 física, 581-2
no paciente conceito, 581
diabético, 400 cuidados per e pós-operatórios, 582
com doença hepática, 390 necessidades específicas, 582
com doença pulmonar, 467 mental, 584-5
disfágico, 549 conceito, 584
em uso de órtese e prótese, 570 cuidados per e pós-operatórios, 585
ictérico, 379 necessidades específicas, 585
idoso, 286 múltipla, 585-6
portador de necessidades especiais, 582 conceito, 585
Cuidados pré-operatórios, 21-32, 131-4 cuidados per e pós-operatórios, 585
no(a) paciente necessidades específicas, 585
em uso de órtese e prótese, 570 visual, 583-4
ictérico, 379 cegueira, 583
grávida, 293 cuidados per e pós-operatórios, 584
Cumarínicos, 111, 255 necessidades específicas, 583
contra-indicação, 255 Déficit neurológico, 557
mecanismo de ação, 111 Degermação
neutralização, 112 mãos da equipe cirúrgica, 600
Curativos pré-operatória, 132, 604-5
absorvente não-aderente, 187 Deglutição, 546-7
carvão placa, 187 avaliação clínica, 547
de alginato, 187 distúrbios, 547
desbridantes químicos, 611 Deiscência da ferida operatória, 636
espuma de poliuretano, 187 Delírios, 337
fita microporosa, 185
hidrocolóide, 187 Delirium, 285, 342-4, 554
ideal, 186 pós-operatório, 559
impermeável, 185 Delirium-tremens, 336, 342
não-impermeável, 187 Demência, 285, 554
objetivos, 602 Dependência química, 336
oclusivo, 185-7 Depressão, 336-40
periodicidade de troca, 186
técnica, 602, 611 Depressão pré-operatória (ver Medo), 127-30
tipos, 186-7 Derivação ventrículo-peritoneal, 226, 572
uso de anti-sépticos tópicos, 186, 611 Derrame pleural, 680

709
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Desafio(s) do médico, 10 GIK, 397


Desbridantes químicos, 611 NPH, 397
regular, 397
Descompressão nasogástrica, 136-8, 695 metformina, 398
Descrição cirúrgica, 156 procedimentos cirúrgicos, 393
Desfibrilador e marcapasso cardíaco, 456 de urgência, 401
Desidratação, 38-9 resposta orgânica ao trauma, 393-5
causas, 38 sulfoniluréia, 398
manifestações clínicas, 38 tiazolidinedionas, 398
tratamento, 38-9 Diagnóstico de morte encefálica, 518
Desinfecção, 602 Diálise, 474
Desnutrição, 77-8, 347-52, 597 Dieta
conseqüências, 349, 597 pós-operatório, 179
etiologia, 349 pré-operatório, 132
função imunológica, 350 Dieta precoce, 697
impacto da, 351 Digitálicos, 26, 306
no paciente
Dilatação gástrica aguda, 695
idoso, 286
com doença hepática, 389 Disfagia, 545-50, 552
orofaríngea, 546
Desnutrido(s), 347-52
Disfunção(ões)
Deterioração neurológica, 558-9
cardíaca, 665-7
fatores relacionados, 559
esplênica, 502-3
Dexametasona, 694 orgânica multisistêmica, 171
Diabetes insipidus, 42, 435-6 plaquetária, 476, 504-5
central, 435 pulmonar, 161, 677
nefrogênico, 436 tireoidiana (ver tireóide, disfunções), 403-18
transitório da gravidez, 436 Dislipidemia, 357
Diabetes mellitus, 24, 393-401, 597 Dismotilidade pós-operatória prolongada, 696-7
anestesia, 395
Displasia broncopulmonar, 276-7
cetoacidose diabética, 401
hiperglicemia, 395 Dissecção aguda da aorta, 654
hipoglicemia, 395 Distensão gástrica, 695
hipotensão ortostática, 396 Distrofia muscular de Duchene, 556
infarto agudo do miocárdio, 396 Distúrbios
neuropatias autonômicas, 396 de cálcio, 47-54
no obeso mórbido, 357 de fósforo, 54-6
no paciente de magnésio, 56-8
neurológico, 557 de potássio, 42-7
reumático, 561 de sódio, 39-42
renal crônico, 477
de volume, 38-9
tipo I, 396
tipo II, 398 Distúrbios ácido-básicos, 65-75
acidose metabólica, 67-9
Diabético, 393-401
acidose respiratória, 71-3
anestesia, 395
alcalose metabólica, 69-71
antidiabéticos orais, 398
alcalose respiratória, 73-4
avaliação clínica pré-operatória, 396 distúrbios mistos, 74-5
exame cardiovascular, 396
frutosamina, 396 Distúrbios cicatriciais, 93-100, 615-9
glicemia em jejum, 396 Distúrbios da coagulação, 103-14, 476
hemoglobina glicosilada, 396 deficiência do fator IX (hemofilia B), 106
clorpropamida, 398 deficiência do fator VIII (hemofilia A), 106
cuidados peroperatórios, 396-400 distúrbio(s) adquirido(s), 108-10
antidiabéticos orais, 398 insuficiência hepática, 108
GIK, 397 insuficiência renal, 109
insulina, 397 distúrbio(s) congênito(s), 106-8
insulinoterapia, 397 doença de von Willebrand, 106, 504-5
cuidados pós-operatórios, 400-1 no paciente
insulinoterapia, 400 com doença hepática, 389
hipoglicemiantes, 398 com doença renal, 476
insulina, 397 em tratamento anticoagulante, 111

710
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Índice Remissivo

em uso de cumarínicos, 111 pós-operatória, 162, 188


em uso de heparina, 112 Dosagem de eletrólitos, 29
síndrome de Bernard-Soulier, 108
Drenagem postural, 212
trombastenia de Glanzmann, 107
Dreno(s)
Distúrbios de deglutição, 545-50
abdominal, 699
Distúrbios hidroeletrolíticos, 38-59 cuidados, 182-3
no alcoolismo, 328 de tórax, 182
Diurese, 180, 197 tipo Penrose, 182
pós-operatório, 180 de sucção convencional, 182
Diuréticos, 26, 304, 444 na infecção do sítio cirúrgico, 611
Doador de órgãos, 524-7 Drepanocitose, 279
Doença(s) Drogas (uso de), 301-14
articulares cervicais, 561 antimicrobianos, 313
cardíaca (ver Cardiopatia) avaliação clínica pré-operatória, 25
cardíaca valvular, 456 cardiovasculares, 304-9
carotídea, 557 ácido acetilsalicílico, 308
cerebrovascular, 557-8 agonistas alfa-adrenérgicos, 305
coronariana, 453-5 anti-hipertensivos, 304
de Addison, 423-5 antiagregantes plaquetários, 307
antiarrítmicos, 305
de Graves, 404, 409
anticoagulantes orais, 307
de vias biliares, 365
antiinflamatórios não-esteróides, 309
de Von Willebrand, 106, 504-5 bloqueadores beta-adrenérgicos, 304
hemorragia subaracnóide, 558 bloqueadores dos canais de potássio, 306
hepática (ver Hepatopatia) bloqueadores dos canais de sódio, 306
hepática alcoólica, 385, 388 digitálicos, 306
meningocócica, 270 diuréticos, 304
mental, 584-5 heparina não-fracionada, 307
neurológicas, 338, 551-60 heparinas de baixo peso molecular, 308
avaliação clínica pré-operatória, 554 inibidores da agregação plaquetária, 309
demência, 554 inibidores da enzima conversora da angiotensina, 305
doença de Parkinson, 551 nitratos, 306
hipertermia maligna, 556 outras drogas anti-hipertensivas, 305
miastenia gravis, 554 endócrinas, 311-3
Parkinson, 551-3 corticosteróides, 311
perianais, 365 estrógenos, 313
pneumocócica, 270 hipoglicemiantes orais, 312
prévias, 25 insulina, 312
pulmonar (ver Pneumopatia) tireoidiana, 311
pulmonar obstrutiva crônica, 24, 461-70 naturais/alternativas, 313
reumáticas, 560-4 neurológicas e psiquiátricas, 309-11
artrite reumatóide, 561 ansiolíticos, 311
esclerose sistêmica, 562 anticonvulsivantes, 310
espondilite anquilosante, 563 antidepressivos, 310
lúpus eritematoso sistêmico, 562 antiparkinsonianos, 309
tromboembólica, 189, 251-8 antipsicóticos, 310
profilaxia mecânica, 252 no alcoolista, 331
profilaxia medicamentosa, 252-3 pós-operatório, 187-9
vasculares do SNC, 556-9 Droperidol, 694
acidente vascular encefálico, 557 Duloxetina, 339
deterioração neurológica, 558
doença cerebrovascular, 557
Duplex-scan, 254
sopro carotídeo assintomático, 556 das carótidas, 558
venoso, 254
Doenças psiquiátricas (ver psicopatologias), 336-44
Donepezil, 554
Dopamina, 552 E
Doppler, 253, 514
Dor Eclâmpsia, 274
crônica, 493-4 Edema
peroperatória, 146 agudo de pulmão, 667-8

711
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pulmonar, 680-2 Escitalopram, 339


cardiogênico, 680 Esclerodermia (ver Esclerose sistêmica)
Educação do paciente para o pós-operatório, 130-1 Esclerose sistêmica, 562-3
medidas e cuidados, 131
Escovação das mãos, 156, 600
Efeito Jod-Basedow, 404 Espirometria, 465, 469
Eletrocardiograma, 29 de incentivo, 215
Eletrólitos (hidratação venosa), 199 volume expiratório forçado, 469
Embolia pulmonar (ver também tromboembolismo Esplenectomia, 225, 502-3
pulmonar), 255-8, 590, 653 Espondilite anquilosante, 563-4
exame clínico, 255
Esquistossomose hepatoesplênica, 388
exames complementares, 256
angiografia pulmonar, 256-7
Estabilização da doença oncológica, 492
cintilografia de ventilação-perfusão, 256 Estado nutricional
teste do D-dímero, 256 avaliação clínica pré-operatória do, 24
tomografia computadorizada helicoidal, 256 Estágios do morrer, 495
tratamento, 257-8 Esteato-hepatite, 323
anticoagulante oral, 257
não-alcoólica, 357
heparina, 257
trombolíticos, 257 Esteatose hepática, 323
no obeso mórbido, 357
Emergência
hipertensiva, 668 Estenose
operação de, 18 carotídea, 557
cicatricial da via biliar, 381
Endarterectomia carotídea, 557
pilórica, 137-8
Endocardite
Esterilização, 602
bacteriana, 572-4
antibioticoprofilaxia, 573 “Estômago cheio”, 147, 155
Endocrinopatias, 421-36 Estomias (cuidados com), 184-5
Enfrentamento (em psicooncologia), 490 Estreptograminas, 240
Enoxaparina, 255 Estresse, 166, 490
Enterocolite neutropênica, 370-2 Estrógenos, 313
complicações, 371 Esvaziamento cervical, 629
exames complementares, 371 Ética médica, 9, 19, 127-31, 176-7
manifestações clínicas, 370 Etilismo (ver Alcoolismo), 317-32
tratamento, 371 Eventos de vida (psicooncologia), 490
Envelhecimento Evisceração, 619-20, 636
alterações fisiológicas do, 282-5 etiopatogenia, 619
cardiovasculares, 282
manifestações clínicas, 619
digestivas, 283
endocrinológicas, 284
prevenção, 620
hepáticas, 284 prognóstico, 620
neurológicas, 284 tratamento, 620
renais, 282 Evolução médica, 176-7
respiratórias, 282 Exame(s)
Enxertos vasculares, 572 bioquímicos, 29
Epilepsia, 553-4 clínico pré-operatório, 21-5
Epitelização, 97 de urina, 29
Equação de Henderson-Hasselbalch, 63 físico, 21-3
Equilíbrio parasitológico de fezes, 27
ácido-básico, 61-5 sorológico anti-HIV, 27
hidroeletrolítico, 35-8 Exame(s) complementar(es)
Equipamento de proteção individual (EPI), 262, 600 pós-operatório(s), 177-8
pré-operatório(s), 25-32
Equivalência, 35
de rotina, 27-31
Eritromicina, 237 motivados pelo exame clínico, 25-7
Ertapenem, 236 nos recém-nascidos e lactentes, 275
Ervas medicinais, 313 Excesso de base, 65

712
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Índice Remissivo

F Fração inspirada de oxigênio, 683


Futuro da Cirurgia, 4
Falência de múltiplos órgãos, 649-50
Fase (resposta orgânica ao trauma)
ebb, 167
G
flow, 167
Fator de Von Willebrand, 504 Gasto energético total, 348
Febre, 587-93 Gastrostomia
desvantagens, 188 cuidados com, 184
na infecção do sítio cirúrgico, 606-7 Gentamicina, 225
no recém-nascido e lactente, 278 Glicemia em jejum, 29, 396
pós-operatória, 592 Glicopéptides, 237
cronologia, 592
Glucagon, 167
tratamento, 188
vantagens, 188 Gluconato de Cálcio, 200
Fenitoína, 553 Gorro, 600
Fenobarbital, 553 Gota, 562
Feocromocitoma, 429 Grávida (ver Gravidez), 291-9
Ferida Gravidez
com perda parcial, 93 alcalose respiratória, 292
com perda total, 93 alterações anatomofisiológicas, 291-2
superficial, 93 cardiovasculares, 291
Ferida cirúrgica, cuidados digestivas, 292
hematológicas, 292
anti-sépticos, 185, 611
respiratórias, 292
curativos, 185, 610-1
urológicas, 292
limpeza, 185, 610-1
anestesia, 293
Fibrilação atrial, 670 cesariana no abdome agudo, 297
Fibroplasia, 97 cuidados pré-operatórios, 293
Filtro ectópica, 296
de Greenfield, 258 exames radiológicos, 293
de veia cava, 258 hemorragia pós-parto, 298
Fisioterapia respiratória, 210-8, 467-8 indicações cirúrgicas, 294-9
aspiração das secreções, 213 abdome agudo, 294
drenagem postural, 212 abdome agudo traumático, 297
espirometria de incentivo, 215 aneurisma de artéria esplênica, 296
estimulantes respiratórios, 468 apendicite aguda, 294
flutter, 217 colecistolitíase, 295
mobilização precoce, 217 doença de Crohn, 296
doença inflamatória intestinal, 296
percussão torácica e vibração, 212, 467
gravidez ectópica, 296
pressão positiva contínua nas vias aéreas, 216, 468
hematoma subcapsular, 296
pressão positiva expiratória nas vias aéreas, 216, 468
obstrução intestinal, 295
respiração com pressão positiva intermitente, 215, 467 pseudo-obstrução colônica (síndrome de Ogilvie), 295
técnicas de reexpansão pulmonar, 214 retocolite ulcerativa, 296
técnicas higiene brônquica, 212 ruptura hepática espontânea, 296
tosse, 213 infecções urinárias, 292
Fístula(s) monitorização fetal, 294
anastomótica, 697-701 náuseas e vômitos, 292
fatores de risco, 698 neoplasias, 297-8
arteriovenosa, 572 câncer colorretal, 297
digestiva, 697 câncer de mama, 298
enterocutânea, 699 câncer gástrico, 297
pancreática, 699 cistos de corpo lúteo, 298
Flora endógena (ver Microbiota indígena) massas anexiais, 298
Fluconazol, 241 quimioterapia, 298
radioterapia, 298
Fluoxetina, 339 teratoma cístico benigno, 298
Fluvoxamina, 339 posição do paciente no leito, 180
Fósforo, 54 utilização de antibióticos, 293

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

H esteato-hepatite não-alcoólica, 385


hepatite fulminante, 385
hepatite por agentes anestésicos, 386
Haloperidol, 344
hepatite por halotano, 386
Hematológica, avaliação, 23 hepatite viral, 261-6, 385-8
Hematológico (ver Paciente hematológico) hepatites aguda, 385
Hematoma, 589, 615, 636 insuficiência hepática, 391
Hemocomponentes (ver Hemoderivados) medicamentosa, 385, 390
metabólica, 385
Hemoderivados, 505
pós-operatória(s), 389
complicações do uso de, 597 colecistectomia, 389
reserva de, 134 complicações, 390
Hemodiálise, 477 histerectomia, 389
Hemograma, 29 sistema MELD, 388
Hemorragia Hérnia incisional, 360, 620-2, 637
intracavitária, 624 etiopatogenia, 621
etiopatogenia, 624 manifestações clínicas, 621
exames complementares, 624 tratamento, 621-2
manifestações clínicas, 624 Hernioplastia
tratamento, 624 com tela, 621
pós-parto, 298 incisional, 621
subaracnóide, 558 Lázaro da Silva, 622
Hemostasia, 103 Hidratação pós-operatória
Hemoterapia exercícios de, 201
pós-operatória, 190 Hidratação venosa, 133, 193-207
Hemotransfusão, 190, 505-7 balanço hídrico, 195-8
reações transfusionais, 506 água endógena, 195
transfusão maciça, 507 diurese, 197
formulário de, 196
Heparina, 189, 252-7 ganhos de água, 195
convencional, 189 perdas de água, 197
de baixo peso molecular, 189, 253, 308 perdas hídricas adicionais, 197
mecanismo de ação, 112 perdas insensíveis, 197
não-fracionada, 307 necessidades diárias, 194-5
neutralização da, 113 água, 194
Heparinoprofilaxia, 189 calorias, 194
cloro, 195
Hepatite
potássio, 195
alcoólica, 323 sódio, 194
exposição ocupacional ao vírus da, 261-6 no paciente com fístulas digestivas, 700
medicamentosa, 381 pós-operatória, 133, 189, 201
por halotano, 386 pré-operatória, 133
viral, 382, 388 soluções disponíveis no mercado, 200
vírus A, 269 velocidade do gotejamento, 201
vírus B, 261
Hiper-hidratação, 207
vírus C, 261
Hiperaldosteronismo primário, 428
Hepatopatia(s), 385
alcoólica, 323-4 Hipercalcemia, 50-4, 421
anestesia, 386 avaliação laboratorial, 52-3
ascite, 389 causas, 50-1
manifestações clínicas, 51
auto-imune, 385
tratamento, 52-4
cirrose hepática, 388-9
classificação de Child-Pugh, 388 Hipercalemia, 45-7
coagulopatia, 389 causas, 45
colestática, 385 manifestações clínicas, 45-6
complicação pós-operatória, 391 tratamento, 46-7
cuidado peroperatório, 389 Hipercortisolismo, 426
cuidado pós-operatório, 390 Hiperfosfatemia, 55-6
desnutrição, 389 causas, 56
doença hepática alcoólica, 388 manifestações clínicas, 56
esquistossomótica, 388 tratamento, 56

714
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Índice Remissivo

Hiperglicemia, 395 tabagismo, 443


Hiperinsulinemia, 356 Hipertermia, 588
Hipermagnesemia, 58 maligna, 556, 591
causas, 58 Hipertireoidismo, 403
manifestações clínicas, 58 Hipocalcemia, 48-50, 423
tratamento, 58 causas, 48
Hipernatremia, 41-2 manifestações clínicas, 48-9
causas, 41 tratamento, 50
manifestações clínicas, 42 Hipocalemia, 43-5
tratamento, 42 causas, 43
Hiperparatireoidismo, 421-2 manifestações clínicas, 43-4
primário, 421-2 tratamento, 44-5
secundário, 422 Hipofosfatemia, 54-5
insuficiência renal crônica, 422 causas, 54
Hiperpotassemia (ver Hipercalemia) manifestações clínicas, 55
Hipertensão arterial (ver também Hipertenso), 439-49 tratamento, 55
aguda pós-operatória, 447-8 Hipoglicemia, 395
causas, 448 Hipoglicemiantes orais, 312-3, 398-9
cateter de Swan-Ganz, 442-3 Hipomagnesemia, 57
estímulos hipertensivos, 440-6 causas, 57
laringoscopia/intubação traqueal, 444-6 manifestações clínicas, 57
fisiopatologia, 440-4 tratamento, 58
auto-regulação do fluxo sangüíneo cerebral, 440-1
Hiponatremia, 40-1, 436
hiperatividade simpática, 440-4
causas, 40-1
hipertensão secundária, 442
manifestações clínicas, 41
induzida pelo torniquete, 447
no paciente neurocirúrgico, 560
infarto agudo do miocárdio, 442
tratamento, 41
insuficiência cardíaca, 442
insuficiência coronariana, 441 Hipoparatireoidismo, 422-3
exames complementares, 441 Hipopituitarismo, 434
materna, 274 Hipopotassemia (ver Hipocalcemia)
medicamentos, 444-6 Hipotensão arterial, 161
amiodarona, 441
Hipotermia, 593-4
antagonistas do cálcio, 446
causas, 593
ARAIIs, 444
betabloqueadores, 443, 445 conceito, 593
clonidina, 445 peroperatória, 593
digitálicos, 441 prevenção, 593
diuréticos, 444, 446 Hipotireoidismo, 412-8
hipotensores, 441 Hipoventilação do obeso, 356
IECAs, 444
Hipoxemia pós-operatória, 161, 677
síndrome de descontinuação, 448
urapidil, 445 História da cirurgia, 1-4
verapamil, 446 HIV, 363-70
níveis tensionais, 443 exposição ocupacional, 369-70
no paciente neurológico, 557-8 tratamento, 369
pós-operatória, 160-1, 447-8 profilaxia medicamentosa pós-exposição, 369-70
Hipertensão intracraniana, 559 Hormônio tireoidiano, 311-2, 416
Hipertenso (ver também Hipertensão arterial), 439-49 Hospital oncológico, 481
anestesia, 444-7
geral, 446
interação medicamentosa, 446 I
intubação traqueal retrógrada, 444
regional, 447 Icterícia, 375-82
atividade adrenérgica, 444 afecções associadas, 376
prevenção, 444 classificação, 376
avaliação clínica pré-operatória, 23, 441-2 pós-operatória, 381-2
complicações pós-operatórias, 447-8 causas, 381
cuidados perioperatórios, 444-7 tratamento, 382
monitoração peroperatória, 443 pré-operatória, 376

715
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

prurido, 379 profunda, 603, 609


Ictérico (ver também Icterícia) ocupacionais, 261-71
abordagem, 378 pulmonar, 678-9
avaliação clínica pré-operatória, 376-7 tratamento das, 231-50
complicações perioperatórias, 379 urinária, 590, 689
cuidados pós-operatórios, 379-81 viral transmissível, 27, 261-71
cuidados pré-operatórios, 379-81 Infecções do sítio cirúrgico, 589, 595-613
hidratação, 380 classificação, 603
preparo pré-operatório, 379 infecção de órgãos ou cavidades, 603, 609
procedimentos cirúrgicos, 377-9 infecção do sítio cirúrgico com extensão regional, 603
terapia nutricional, 379 infecção incisional profunda, 603, 609
Idoso (ver Paciente idoso) infecção incisional superficial, 603, 609
complicações, 610
Íleo critérios diagnósticos, 609
adinâmico, 179 diagnóstico, 606
pós-operatório prolongado, 696-7 dados clínicos, 608
Ileostomia exames microbiológicos, 608
cuidados, 185 manifestações locais, 607
Imipramina, 338 manifestações sistêmicas, 606-7
Imunização (ver Trabalhadores da área de saúde) epidemiologia, 595
fatores de risco, 596-602
Imunodeficiência(s) relacionados com a equipe cirúrgica, 599
humana, 363-8 relacionados com a terapêutica empregada, 598
infecção do sítio cirúrgico, 597 relacionados com o ambiente cirúrgico, 600
transmissão ocupacional, 261-6, 368-70 relacionados com o hospedeiro, 596
Imunodeficiente, 363-8 relacionados com o procedimento cirúrgico, 598
Imunodepressão, 124, 363-8 relacionados com os cuidados pós-operatórios, 602
no alcoolista, 321 relacionados com os microrganismos, 598
no obeso mórbido, 359-60
Imunossupressão (transplante), 534
principais patógenos, 606
anticorpos monoclonais antilinfocitários, 534
profilaxia, 604-5
ciclosporina, 534
melhora da defesa orgânica, 604
tacrolimus, 534 redução da contaminação bacteriana, 604-5
Imunossupressores, 534, 555 tratamento, 610-1
Incisões antibioticoterapia sistêmica, 610
abdominais, 633-5 local, 610
combinadas, 635 Inflamação, 95
complicações, 635 Influenza (imunização ativa), 269
longitudinais, 634
transversas, 634 Inibidores
torácicas, 637-8 da agregação plaquetária, 309
axilar, 638 da enzima conversora da angiotensina, 305, 444
esternotomia, 637 de calcineurina, 534-5
intercostal anterior, 637 Insônia, 341
póstero-lateral, 637 Instabilidade articular, 561
Incompatibilidade ABO-Rh, 274 Insuficiência
Indicação cirúrgica, 14 aguda das supra-renais, 657
Indinavir, 369 cardíaca, 23, 455, 665-7
Indução anestésica em seqüência rápida, 147, 155 coronariana, 441, 443-5
Infarto hepática, 24, 324, 391
agudo do miocárdio, 442, 662-5 renal aguda, 690-2
pós-operatório, 442 renal crônica, 422
respiratória
Infecção(ões) no obeso mórbido, 359
cirúrgicas, 595 pós-operatória, 161
de órgãos ou cavidades, 603, 609 respiratória aguda, 677
de vias aéreas superiores, 277 tratamento, 682
gastrointestinal por citomegalovírus, 364 supra-renal, 423-5
hospitalares, 120, 596
Insulina, 312, 394
vigilância epidemiológica, 608
incisional Insulinoterapia pós-operatória, 401
superficial, 603, 609 Interações medicamentosas, 25, 302-3

716
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Índice Remissivo

anestesia, 446, 554 Linfadenopatia, 365


interações farmacocinéticas, 302 Linfomas, 364-5
interações farmacodinâmicas, 302-3
Líquido extracelular, 36
Interrupção da veia cava inferior, 257
Lúpus eritematoso sistêmico, 562
Interrupção do tabagismo, 465-6
Luvas (EPI), 600
Intoxicação hídrica, 39, 436
Intubação orotraqueal, 561
complicações, 155, 561 M
indicações, 682-3
no paciente reumático, 561-3 Macrolídeos, 237
Iodo radioativo, 407 Magnésio, 56-8
Iodóforos (PVP-I), 601 Manitol, 138
Isolamento (infecção cirúrgica), 611 Manobra de Pemberton, 405
Isquemia miocárdica, 662 Maprotilina, 339
Marca-passo cardíaco, 572
J Marcadores tumorais séricos, 484
Máscara (EPI), 600
Jejum Máscara de Venturini, 187
no recém-nascido e lactente, 276 Medicação
pós-operatório, 86 anestésica rápida, 147
pré-operatório, 132, 146-7 pré-anestésica, 131, 147-9
Jejunostomia antagonistas H2, 149
cuidados, 184 benzodiazepínicos, 148
betabloqueadores, 149
clonidina, 149
metoclopramida, 148
K objetivos, 147
opióides, 148
Kwashiorkor, 347-8 parasimpaticolíticos, 148
Medicamentos (ver drogas), 25, 301-15
L Medicina
contemporânea, 7-11
ocidental, 7
Lactente, 273-80
Medo, 127-30, 144-6
Lacuna de ânion, 66
da anestesia, 129
Lamivudina, 369 da dor pós-operatória, 129
Laparoscopia da morte, 129-30
complicações, 641-6 da operação, 128-9
Laparoscópica, cirurgia das complicações pós-operatórias, 129
complicações, 641-6 das seqüelas cirúrgicas, 129
implantes tumorais, 645 do desconhecido, 128-9
lesões vasculares, 644 do diagnóstico, 128
profilaxia, 645 dor peroperatória, 146
relacionadas à inserção dos trocartes, 644 Megaesôfago, 136-7
relacionadas à parede abdominal, 645
relacionadas ao pneumoperitônio, 642
Meias elásticas. uso de, 181
vantagens, 641 Membros inferiores, movimentação, 181
Laparotomia, 633 Meropenem, 236
Lavagem MET – metabolic equivalent, 451
esofágica, 136 Metimazol, 311-2, 406
gástrica, 138 Metoclopramida, 148, 189, 694
intestinal, 132
Método NNIS, 608
Lesão iatrogênica da via biliar, 381 Metronidazol, 225, 239
Levodopa, 552 Miastenia gravis, 554
Levotiroxina, 415 Microbiota indígena, 117-20
Limpeza, 602 da cavidade oral, 119
Linezolida, 240 da pele, 118

717
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

da vagina, 119 Nitratos, 306


do trato respiratório, 118 Norfloxacina, 239
nas fezes humanas, 119
Nortriptilina, 338
Microrganismo(s), 120-1
Número de gotas por minuto, 201
patogenicidade, 120
produção de toxinas, 121 Nutrição, 77-89
virulência, 120 AIDS, 367
enteral, 87
Midazolam, 341
parenteral, 88, 700
Mirtazapina, 339 pós-operatória, 190
Mobilização do paciente precoce, 86
pós-operatória, 181 pós-operatória, 86
precoce, 217
Molalidade, 35
Molaridade, 35
O
Momento operatório, 18
Obesidade, 462
Monitoração hemodinâmica invasiva (ver cateter
Obesidade mórbida, 355-61
Swan-Ganz), 179, 442 adequação do ambiente hospitalar, 358
Monitores peroperatórios, 154 apnéia obstrutiva do sono, 356
Monitorização, 153-4 artropatias, 357
Morfina, 188, 493-4 avaliação clínica pré-operatória, 358
Morte cirurgia laparoscópica, 359
encefálica, 525-6 comorbidades, 356
estágios da, 495 complicações tromboembólicas, 359
diabetes mellitus, 357
Mudança de decúbito, 181, 217 dislipidemia, 357
doença cardiovascular, 356
esteato-hepatite não-alcoólica, 357
N esteatose hepática, 357
hiperinsulinemia, 356
Nadroparina, 255 hipoventilação do obeso, 356
Náuseas e vômitos, 163, 189, 693-5 insuficiência respiratória, 359
Necessidade(s) nutricional(ais), 82 lesões nervosas, 358
Necrose tubular aguda, 691 síndrome de Pickwickian, 356
síndrome metabólica, 357
Nefropata (ver Nefropatias)
trombose venosa profunda, 357
Nefropatias
Obeso mórbido (ver Obesidade mórbida)
anestesia, 477-8
anestésicos inalatórios, 478 Obstetrícia
epidural, 478 antibioticoprofilaxia em, 228
avaliação cardiovascular, 475 Obstrução
avaliação clínica pré-operatória, 474 digestiva alta, 24
classificação da função renal, 473 piloroduodenal, 137
controle hidroeletrolítico, 474 Octreotida, 700
diabetes mellitus, 477 Ofloxacina, 239
disfunção plaquetária, 476
distúrbios da hemostasia, 476 Oftalmologia
hipertensão arterial, 475 antibioticoprofilaxia em, 227
Nelfinavir, 369 Olanzapina, 344
Neoangiogênese, 96 Oligoidrâmnio, 274
Neoplasias Oligúria, 687, 690
na grávida, 297-9 Oncologia, 481-97
paciente com, 481-98 acompanhamento, 492
Neurocirurgia aspectos psicológicos, 489
antibioticoprofilaxia em, 226 avaliação clínica pré-operatória, 483
cirurgia, 482, 487
Neuropsiquiátrica cura, 488
avaliação clínica, 25 diagnóstico, 488
Neutropenia, 23, 370 estadiamento, 488
paciente neutropênico, 370-2, 501-2 objetivos, 488

718
indice editorado.qxd 23.02.06 15:17 Page 719

Índice Remissivo

paliação, 489 P
prevenção, 488
princípios, 487
Paciente desnutrido, 347
reconstrução, 489
redução do tumor, 489 Paciente disfágico, 545-9
cirurgião, 482 avaliação clínica pré-operatória, 548
citorredução, 489 complicações, 549
controle da dor, 493 cuidados pós-operatórios, 549
dor crônica, 493 fibronasolaringoscopia, 548
hospital especializado, 481 terapia nutricional, 549
operações paliativas, 489 Paciente FTP, 492
operações profiláticas, 488 diálogo entre o médico e a família do paciente, 496
paciente fora de possibilidade terapêutica oncológica, 492 diálogo entre o médico e o paciente, 496
diálogo entre o médico e a família do paciente, 496 necessidade da continuidade do atendimento, 496
diálogo entre o médico e o paciente, 496 relação médico-paciente-familiares, 495
necessidade da continuidade do atendimento, 496 suporte clínico, 492
relação médico-paciente-familiares, 495 Paciente geriátrico, 281, 286
suporte clínico, 492 Paciente hematológico, 499
paciente terminal, 495 Paciente idoso, 281-6, 560
performance status, 484 avaliação clínica pré-operatória, 285
pesquisa, 496 do estado cognitivo, 285
preparo pré-operatório, 487 do estado funcional, 285
psicooncologia, 489 do estado nutricional, 286
remissão, 492 cuidados pós-operatórios, 286
completa, 492 Paciente imunodeprimido, 363-8
mínima, 492
Paciente neurocirúrgico, 559
parcial, 492
hipertensão arterial, 559
sofrimento, 495
hipertensão intracraniana, 559
suporte psicológico, 491-4
hiponatremia, 560
transdução, 489
Paciente neurológico (ver Doença neurológica), 551
tratamento, 491
Paciente reumático, 560-4
Ondasetrona, 694
avaliação clínica pré-operatória, 564
Opióides, 148, 189 principais problemas, 560
Órgãos, retirada, 528 anemia, 560
Órteses e próteses, 134-5, 569-73 crise de gota, 562
antibioticoprofilaxia, 571-2 diabetes mellitus, 561
doenças articulares cervicais, 561
avaliação clínica pré-operatória, 570
infecção, 562
bacteriemia, 572 uso de drogas, 563
cateter de diálise, 572
Paciente terminal, 495
cuidados
peroperatórios, 570 Parasimpaticolíticos, 148
pós-operatórios, 570 Parasitose intestinal, 27
pré-operatórios, 570 Parotidite epidêmica, 269
derivação ventrículo-peritoneal, 572 Paroxetina, 339
endocardite infecciosa, 572
Pefloxacina, 239
infecção, 572
marca-passo cardíaco, 572
Penicilinas
cristalina G potássica, 207
preparo pré-operatório, 569
de espectro ampliado, 233
procedimentos dentários, 573
Perdas
Osmolaridade, 36
adicionais, 180
Osso(s) hídricas adicionais, 205
cicatrização, 99 hidroeletrolíticas, 205
Otorrinolaringologia insensíveis, 35, 180, 197
antibioticoprofilaxia em, 227 Performance status, 484
Oxazolidinonas, 240 Pergolida, 552
Oxigênio, 187 Peristaltismo eficaz, 696
Oxigenioterapia, 186 Peroperatório (ver também Cuidados peroperatórios), 151-62
hiperbárica, 611 cateterismo(s), 154-5

719
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

lesão(ões), 156 tabagismo, 462


punção(ões), 154 Pneumoperitônio (laparoscopia)
registro, 157 aberto, 642
Perspiração, 180 fechado, 642
Pesquisa Pneumotórax, 679
em Oncologia, 496 hipertensivo, 654
estudos clínicos, 497 Policitemias, 501
pH e gases, 62 policitemia vera, 501
pH sangüíneo, 63 Polidrâmnio, 274
Phlegmasia alba, 253 Polietilenoglicol, 138
Picossulfato de sódio, 138 Portador de necessidades especiais (ver Deficiência, pessoa com)
Pielonefrite, 689-90 Pós-operatório, 175-91
Piperacilina/tazobactam, 234 analgésicos, 188
Piridostigmina, 555 anestésicos locais, 188
ansiedade, 188
Plaquetas, 26
antiinflamatórios não-esteróide, 188
Plaquetopenia, 503-5 balanço hídrico, 180
transfusão de plaquetas, 503-5 água endógena, 180
Plasma fresco congelado, 505 diurese, 180
Plasmaferese, 555 perdas adicionais, 180
perdas insensíveis, 180
Pneumonia, 248, 589, 678-9
perspiração, 180
de aspiração, 679
complicações cardiovasculares, 661-72
Pneumopatia, 461-72 complicações digestivas, 693-702
anestesia, 463, 467 complicações respiratórias, 673-85
bloqueador(es) neuromuscular(es), 463, 467 complicações urológicas, 687-92
geral, 463
cuidados, 178-87
pancurônio, 463, 467
cuidados com a ferida cirúrgica, 185
peridural, 463, 467
calor local, 186
raquianestesia, 463, 467
curativos, 185
asma, 462
retirada de pontos, 186
tratamento, 466
cuidados com drenos e cateteres, 182-5
avaliação clínica pré-operatória, 464
cuidados com estomias, 184-5
pacientes a serem submetidos a ressecção pulmonar, 468
cuidados com vias e cateteres de infusão endovenosa, 181-2
câncer de pulmão
ressecções pulmonares, 468
dados vitais, 179
cateter de Swan-Ganz, 179
complicações pulmonares
freqüência respiratória, 179
fatores de risco, 462-4
pressão arterial, 179
cuidados peroperatórios, 467
pressão intra-arterial, 179
cuidados pós-operatórios, 467-8
pressão venosa central, 179
controle da dor, 468
pulso, 179
estimulantes respiratórios, 468
temperatura, 179
manobras de expansão pulmonar, 467
deambulação precoce, 181
respiração com pressão positiva contínua, 468
dieta, 179
respiração com pressão positiva intermitente, 467
enteral, 179
doença pulmonar obstrutiva crônica, 462
progressiva, 179
tratamento, 466
diurese, 180
exames complementares, 465, 469-70
dor, 188
cintilografia pulmonar, 469
espirometria, 465 evolução médica, 176
gasometria arterial, 465, 469 modelo, 177
radiografia de tórax, 465 registro em prontuário médico, 176
testes de exercício, 470 exames complementares, 177-8
testes de tolerância ao exercício, 465 fases, 175
fisioterapia respiratória, 467-8 febre, 587-94
manobras de expansão pulmonar, 467 hemoterapia, 190
respiração com pressão positiva contínua, 468 reação pirogênica, 190
respiração com pressão positiva intermitente, 467 hidratação venosa, 189-90, 193-207
infecção pulmonar, 466 hipotermia, 593
antibióticos, 466 hipoxemia, 186
procedimento cirúrgico, 463 íleo adinâmico, 179

720
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Índice Remissivo

imediato, 175-6, 180 ansiedade, 127, 141


jejum, 179 avaliação anestésica, 141-2
lesões agudas da mucosa gastroduodenal, 189 avaliação clínica, 21-32, 142
mediato, 175 cateter venoso, 133
medicamentos, 187-9 consulta pré-anestésica, 141-7
analgésicos, 188 cuidados, 131-40
anti-secretores, 189 depressão, 127, 336-40
antibióticos, 189 esvaziamento vesical, 133
antieméticos, 189 exame clínico, 21-5, 142
antitérmicos, 188 exames complementares, 25-32, 142
bromoprida, 189 de rotina, 27-32
clorpromazina, 189 motivados pelo exame clínico, 25-7
heparina, 189 hidratação, 131
metoclopramida, 189 jejum, 131
outros medicamentos, 189 lavagem intestinal, 131
medidas de profilaxia de atelectasia pulmonar, 181 medicação pré-anestésica, 131, 147-9
medidas de profilaxia de tromboembolismo, 181 medo, 127
mobilização do paciente, 181 paciente psiquiátrico, 335-45
modelo de prescrição, 178 preparo, 127-40
mudança de decúbito, 181 preparo imediato, 131-5
narcóticos, 188 prescrição médica, 131-5
efeitos colaterais, 188 recém-nascido e lactente, 276
náuseas, 189 reservas, 134-5
nutrição parenteral centro de tratamento intensivo, 134
central, 190 equipamentos de uso comum, 135
periférica, 190 exame de imagem peroperatório, 135
oxigenioterapia, 186 exame histológico peroperatório, 135
posição do paciente no leito, 180 hemoderivados, 134
prescrição médica, 178-90 materiais e medicamentos não-padronizados, 135
balanço hídrico, 180 órteses e próteses, 134
cuidados com a ferida cirúrgica, 185 transtornos psiquiátricos, 335-45
cuidados com estomias, 184 visita pré-anestésica, 131
dados vitais, 179 Precauções, 611
data e horário, 178 universais, 368
dieta, 179
diurese, 180
Prematuridade, 276
hemoterapia, 190 Prematuro, 273
hidratação venosa, 189 Preparo da equipe, 156
medicamento, 187 Preparo de cólon, 138-9, 223
medidas de profilaxia de atelectasia pulmonar, 181 mecânico, 138, 223
mobilização do paciente, 181
peroperatório, 139
modelo de prescrição, 178
químico, 139
nutrição parenteral, 190
oxigenioterapia, 186 Preparo do campo cirúrgico, 155, 605
posição do paciente no leito, 180 Preparo pré-operatório, 127-40
soluços, 189 ictérico, 379
tardio, 175 imediato, 131, 146
vômitos, 189 cateterismo venoso, 133
Posicionamento da equipe cirúrgica, 155 cuidados pré-operatórios, 131
degermação pré-operatória, 132
Posições esvaziamento vesical, 134
de Fowler, 180 hidratação, 133
do paciente na mesa cirúrgica, 155 interrupção do tabagismo, 147
do paciente no leito, 180 jejum, 132, 146
gravidez, 180 lavagem intestinal, 132
pós-operatório, 180 medicação pré-anestésica, 131
Potássio, 42-7 prescrição médica pré-operatória, 131
fontes de, 44 profilaxia de tromboembolismo, 133
tricotomia pré-operatória, 132
Pramipexol, 552
visita pré-anestésica, 131
Pré-eclâmpsia, 295-6 oncologia, 487
Pré-operatório paciente disfágico, 548
anestesia, 141 psicológico, 127-30

721
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

recém-nascido e lactente, 274 Q


Preparo psicológico, 127-30
etapas, 130 Quelóide, 616
Prescrição médica tratamento, 617
pós-operatória, 178-90 Questionário AUDIT, 329
pré-operatória, 131-40 Questionário CAGE, 329
Princípios de Halsted, 599 Quetiapina, 344
Problemas médico-legais, 28 Quilomas, 622-3
Procedimentos dentários, 573 etiopatogenia, 622
Processos ético-legais, 156 exames complementares, 622-3
Profilaxia pós-exposição, 263-6 manifestações clínicas, 622
vírus da hepatite B, 263 tratamento, 623
vírus da hepatite C, 264 Quimioterapia
vírus da imunodeficiência humana, 264-6 complicações, 372
anti-retrovirais, 265-6 Quinolonas, 239
Proliferação celular, 96
Prontuário médico, 176
R
aspectos ético-legais, 177
documentos, 178 Radiografia de tórax, 30, 465
Propés (EPI), 600 Reação a drogas, 591
Propiltiouracil, 406 Reação pirogênica, 190
Propofol, 189
Reações transfusionais, 506-7
Próteses, 569-76 lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão, 507
complicações, 570 reação febril não-hemolítica, 506
infecção, 570 reação hemolítica aguda, 506
antibioticoprofilaxia, 571 reações alérgicas, 506-7
biofilme, 570 reações não-imunológicas agudas, 507
fatores predisponentes, 570
reações tardias, 507
imunodepressão, 571
Recém-nascido e lactente, 273-80
precoce, 571
anemias, 279
tardia, 571
asma, 277
ortopédica, 571
avaliação clínica pré-operatória, 274-5
valvar cardíaca, 572
cardiopatias, 279
Provas de função renal, 29, 473
displasia broncopulmonar, 276
Prurido, 379 drepanocitose, 279
Psicooncologia, 489-91 exames complementares, 275
Psicopatologias, 335-44 febre, 278
ansiedade, 341-2 história materna, 274
diagnóstico, 341 alcoolismo, 274
tratamento, 341-2 desproporção cefalopélvica, 274
delirium, 342-4 eclâmpsia, 274
antipsicóticos atípicos, 344 hemorragia, 274
diagnóstico, 342 hipertensão, 274
haloperidol, 344 incompatibilidade ABO-Rh, 274
tratamento, 344 infecção, 274
depressão, 336-40 oligoidrâmnio, 274
transtornos de ajustamento, 340-1 polidrâmnio, 274
PTTa, 26, 225 uso de drogas, 274
Punção venosa central, 134, 154 infecção das vias aéreas superiores, 277
Púrpura IVAS, 277
trombocitopênica, 365 prematuridade, 276
imunológica, 504 preparo pré-operatório, 274
trombótica, 503 jejum, 276

722
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Índice Remissivo

preparo psicológico, 274 vírus da hepatite C, 264


Recuperação pós-anestésica, 157-64, 179 ocupacional, 27, 368
pós-exposição percutânea, 264
Registros peroperatórios, 157
vírus da imunodeficiência humana, 264
impressos úteis, 157
Risperidona, 344
Rejeição
Rivastigmina, 554
celular, 534
Relação cirurgião-paciente, 130 RNI (relação normatizada internacional), 26, 253
Relação médico-paciente, 10, 130, 494-5 Roupas (preparo pré-operatório), 133
cirurgia na pessoa com deficiência, 585-6 Rubéola (imunização ativa), 266
oncologia, 490
Remissão tumoral
completa, 492
S
parcial, 492
Salas de recuperação pós-anestésicas, 157-60, 163
Remoção de fecaloma, 139
admissão do paciente, 159
Reposição volêmica, 651, 655 critérios de alta, 163-4
Reservas pré-operatórias, 134-5, 153 indicadores de qualidade, 158
Respiratória localização, 158
avaliação clínica, 23 monitorização básica, 158
Responsabilidade legal, 156-7 recursos humanos, 158
rotinas, 159
Responsabilidade profissional, 152-3
consentimento informado, 19, 153 SARA (ver Síndrome do desconforto respiratório agudo)
Resposta antiinflamatória compensadora, 172 Sarampo (imunização ativa), 269
Resposta imunológica, 122, 172 Sarcoma de Kaposi, 365
Resposta inflamatória sistêmica, 171-2 Secreções gastrointestinais
concentração de eletrólitos, 205
Resposta orgânica ao trauma, 165-73
citocinas, 171 Sepse
diabético, 393 do cateter, 590
estímulos, 165 pós-esplenectomia, 503
fases ebb e flow, 165-6 Seroma, 359, 615
fator de necrose tumoral, 170 Serosa
fatores desencadeantes, 165 cicatrização da, 99
hepatopatia, 385 Sertralina, 339
insulina, 394 Sinal
interleucina, 170
de Chvostek, 423
metabolismo de glicose e de proteína, 168-9
de Hommans, 253
resposta antiinflamatória compensadora, 172
de Trousseau, 423
resposta de fluidos e eletrólitos, 169-71
resposta endócrina, 169
Síndrome(s)
resposta imunológica, 172 abstinência alcoólica, 325-7, 336
anticonvulsivantes, 327
resposta inflamatória sistêmica, 171-2
benzodiazepínicos, 327
Retenção urinária, 688-9 clonidina, 327
Retirada de pontos, 186, 602 critérios diagnósticos, 326
Retrações da cicatriz, 619 medicações adjuvantes, 327
sintomas, 326
Revascularização miocárdica, 455
tratamento, 326-7
Ringer, 200 coronariana aguda, 661
Ringer-lactato, 200 da descontinuação, 448
Risco de abstinência, 301
anestésico, 141 de Cushing, 425
anestésico-cirúrgico, 21 de Down, 585
cardiovascular, 452-3 de Mendelson, 136, 679
cirúrgico, 15, 22, 144, 285 de Munchausen, 336
classificação, 17 de Ogilvie, 295
estado nutricional, 24 de Pickwickian, 356
reversibilidade, 18 de Sheehan, 413
da transmissão ocupacional, 262-4 de Wernick-Korsakoff, 336
vírus da hepatite B, 262 do desconforto respiratório agudo, 681-2

723
indice editorado.qxd 23.02.06 15:17 Page 724

Fundamentos em Clínica Cirúrgica

enterocolite neutropênica, 370-2 de polipropileno, 621


falciformes, 500 sintética, 622
HELLP, 296 Tendão(ões)
hepato-renal, 324 cicatrização, 99
hepatopulmonar, 324 Terapia nutricional, 82-9
hormônio antidiurético, produção inapropriada, 40, 436
indicações, 351
metabólica, 357
no ictérico, 379
mieloproliferativas, 501
no pós-operatório, 85
paraneoplásica, 252
pré-operatória, 84, 136-7
resposta inflamatória sistêmica, 649-50
citocinas, 650 Teratogenicidade, 293
torácica aguda, 500 Termo de Consentimento Esclarecido, 129
Síntese do colágeno, 97 Teste(s)
Sinusite maxilar, 591 de gravidez, 26
Sistemas tampões, 63-5 de tolerância ao exercício, 465, 470
do D-dímero, 253, 256
Sobrecarga hídrica, 193
rápido de estimulação com hormônio adrenocorticotrófico, 657
Sódio, 39-42 Tétano e difteria (imunização ativa), 270
Solução(ões)
Ticarcilina e ácido clavulânico, 234
de Celsior, 528
de Wisconsin, 528 Tienamicinas, 236
eletrolíticas, 200 Timectomia, 555
bicarbonato de sódio, 200 Tipo(s) de dieta(s), 86-7
cloreto de potássio, 200 Tireóide, disfunções, 403-18
cloreto de sódio, 200
hipertireoidismo, 403-12
gluconato de cálcio, 200
crise tireotóxica, 411
glicosadas, 200
drogas antitireoidianas, 406
salina, 200 etiologia, 404
Soluços, 189 iodo radioativo, 407
Sopro carotídeo assintomático, 556 riscos perioperatórios, 409
Soroterapia (ver Hidratação venosa), 193 tireoidectomia, 408
tireotoxicose, 406, 411
Succinilcolina, 556-7 hipotireoidismo, 412-8
Suporte coma mixedematoso, 416-8
psicológico, 127-31 etiologia, 412
em oncologia, 491 riscos perioperatórios, 415
social, 490 tratamento, 415
Suporte ventilatório, 682-4 Tireoidectomia, 408-10
ajustes da ventilação, 683-4 eutireóideo, 409
desmame e suspensão da ventilação, 684 tireotoxicose, 410
indicações, 682 Tireoidite
tipos de ventilação, 682 crônica auto-imune, 412
Surdez, 582 de Hashimoto, 404, 413
Surdo, 582 Tireotoxicose, 406, 411-2
Suturas de contenção, 620 TNM classificação, 486
Toracotomia (ver Incisões torácicas), 637-8
T Tosse, 213
Trabalhadores da área de saúde
Tabagismo, 147, 443, 462, 597 imunização ativa, 266-71
interrupção do, 443, 465 coqueluche, 270
no hipertenso, 443 doença meningocócica, 270
doença pneumocócica, 270
Tacrina, 554 hepatite A, 269
Tamponamento cardíaco, 654 influenza, 269
Técnica de Lázaro da Silva, 622 parotidite epidêmica, 269
Tecnologia, 9-10 rubéola, 266
sarampo, 269
Teicoplanina, 237 tétano e difteria, 270
Tela(s) tuberculose, 269
de márlex, 621 varicela, 269

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Índice Remissivo

Transdução e câncer, 490 induzida pela heparina, 253


Transfusão Tromboembolectomia pulmonar, 257
de plaquetas, 503 Tromboembolismo, 251-9
maciça, 507 medidas de profilaxia, 181
Transmissão ocupacional, 261-66, 368-70 compressão pneumática intermitente, 181
do HIV, 264-8, 368 movimentação de membros inferiores, 181
prevenção, 368 pós-operatório, 181
precauções universais, 368 uso de meias elásticas, 181
pulmonar, 251, 255
Transplante de órgãos e tecidos, 509-21, 523-42
venoso, 113
anestesia, 529
doador de órgãos, 529 Tromboembolítico(s), 255, 257-8
receptor de órgãos, 529 contra-indicações, 258
aspectos psicossociais, 512 Trombolíticos (ver Tromboembolíticos)
assistência médica pós-operatória, 535 Trombose venosa profunda, 189, 251-9, 357
cirurgia de mesa, 528 anticoagulação, 254
complicações pós-operatórias, 537 esquema terapêutico, 255
imunológicas, 533-5, 538 exame clínico, 253
infecciosas, 538-9 exames invasivos, 254
metabólicas, 539 venografia, 254
neoplasias, 539-40 exames não-invasivos, 253
vasculares, 537 doppler, 253
conservação de órgãos, 527-8 duplex-scan venoso, 254
soluções de conservação, 527-8 teste do D-dímero, 253
de pâncreas fatores de risco, 252
anestesia, 533 adquiridos, 252
de rim ambientais, 252
anestesia, 529 hereditários, 252
diagnóstico de morte encefálica, 518-20 idiopáticos, 252
distúrbios psiquiátricos, 516-8 intrínsecos, 252
doador de órgãos, 524 tratamento, 254
cuidados, 526 cumarínicos, 255
definição, 524 heparina, 255
função do enxerto, 526 interrupção da veia cava inferior, 257
hepático, 324 trombectomia, 255
anestesia, 531 tromboembolectomia pulmonar, 257
imunossupressão, 533-4 trombolíticos, 255
legislação, 509 Tuberculose (imunização ativa), 269
paciente transplantado, 514-6 Tubo digestivo
prognóstico, 540 cicatrização, 98
resoluções e leis, 510-2 Tumor(es)
sanções penais e administrativas, 511-2 cerebral, 553
sobrevida, 540-1 da hipófise, 431
Transporte do paciente, 153 estadiamento, 482-6
Transtorno exames peroperatórios, 485
de ajustamento, 340 exames pré-operatórios, 485
de pânico, 341 objetivos, 484
psiquiátrico (ver psicopatologia), 335 sistema TNM, 486
marcadores tumorais, 484
Traqueostomia, 630
moleculares, 487
cânula, 185
operabilidade, 483
cuidados, 185
ressecabilidade, 483
Trauma abdominal, 699 finalidade curativa, 483
Tríade
de Beck, 654
de Charcot, 380 U
de Virchow, 251
Tricotomia pré-operatória, 604 Úlcera péptica, 24
princípios gerais, 132 Urapidil, 445
Trombectomia, 255 Urgência, 18
Trombocitopenia Urgência hipertensiva, 668

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Urocultura, 29 tumores do corpo carotídeo, 629


Uso de drogas, 301-15 tumores do couro cabeludo, 632
no paciente reumático, 563 tumores do nariz, 632
tumores dos seios da face, 632
Uso de medicamentos (ver Uso de drogas)
vértebras cervicais, 633
Vias e cateteres de infusão endovenosa
V cuidados com, 181
Virulência, 120, 598
Valvulopatias, 23 Vírus
Vancomicina, 224, 237 da hepatite B
Varicela (imunização ativa), 269 profilaxia pós-exposição, 263
risco da transmissão ocupacional, 262
Venlafaxina, 339 da hepatite C
Venografia, 254 profilaxia pós-exposição, 264
Ventilação mecânica risco da transmissão ocupacional, 264
assistida, 683 da imunodeficiência humana
controlada, 683 profilaxia pós-exposição, 264
risco pós-exposição percutânea, 264
Vias de acessos
abdome, 633 Visita pré-anestésica, 131, 141-7
complicações pós-operatórias, 627-38 Vômitos, 189, 693
esvaziamento cervical, 629 Vulto da operação, 16
glândula parótida e submandibular, 627
lábios, 628
laringe e faringe, 630 Z
lesões cervicais, 629
ressecções crânio-faciais, 632 Zaleplon, 341
tireóide e paratireóides, 631 Zidovudina, 369
traqueostomia, 630
trauma, 631
Zolpidem, 341
tumores da cavidade oral e orofaringe, 628 Zopiclone, 341
tumores da pele da face, 632

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Formato: 21 x 28 cm
Composto em Garamond MT - 11pt
GillSans - 24pt
Papel apergaminhado 75gm2 (miolo)
Editoração: Folium
Impressão (CTP) e acabamentos: Edelbra
Belo Horizonte, março de 2006

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