Você está na página 1de 17

COMPLEX(IDADE): O SER IDOSO NA SOCIEDADE

DA DEGERONTOCRACIA

Gerson Flores-Gomes1
Renata Faleiro Lopes2
Ettiène Cordeiro Guérios3
Valdomiro de Oliveira4
Gislaine Cristina Vagetti5

RESUMO: Objetivo: Realizar uma aproximação das ideias de Edgar Morin sobre
a complexidade e a construção do ser em-si idoso. Método: Pesquisa bibliográ ca de
natureza qualitativa, com busca na base de dados BVS, utilizando os descritores
‘autopercepção’, ‘idoso’ e ‘complexidade’ com o limite de 5 anos e em livros. Resultado:
diversos pesquisadores corroboraram as ideias de Edgar Morin sobre a complexidade
da idade idosa. Conclusão: Há um caminho a ser percorrido na reconstrução de uma
representação social da pessoa idosa e que este caminho passa pela autoconsciência do
idoso e da complexidade da construção deste novo modelo de pensamento na juventude.
Palavras-chave: Complexidade; Envelhecimento; Autopercepção; Sociedade;
desenvolvimento humano.

ABSTRACT: Objective: To hold an approach of Edgar Morin’s ideas on the complexity


and construction of being in-itself. Method: Bibliographic research of a qualitative
nature, with search in the BVS database, using the ‘self-perception’ descriptors,
‘elderly’ and ‘complexity’ with the 5 year limit and in books. Result: several researchers
corroborated the ideas of Edgar Morin on the complexity of the elderly age. Conclusion:
ere is a path in the reconstruction of a social representation of the elderly person and
that this path goes through the self-consciousness of the elderly and the complexity of
the construction of this new model of thought in youth.
Keywords: Complexity; Aging; Self-perception; Society; human development.

1
Doutorando em Educação. UFPR. E-mail: ggomes.ufpr@gmail.com
2
Mestranda em Educação. UFPR. E-mail: re opess@gmail.com
3
Docente do PPGE. UFPR. E-mail: ettienecg@hotmail.com
4
Docente do PPGE. UFPR. E-mail: oliveirav457@gmail.com
5
Docente do PPGE. UFPR. E-mail: gislainevagetti@hotmail.com

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
INTRODUÇÃO

Compreender a existência do homem, seu desenvolvimento


biológico, comportamental, seu fenótipo ao longo das eras, sua
trajetória de vida, condição humana e seu lugar no universo é tema
e propósito das pesquisas da Filoso a, Sociologia, Psicologia e outras
áreas da ciência. Há muito o homem tem olhado para si mesmo e
descoberto sua subjetividade, a sua essência.
Para Edgar Morin, este exercício de buscar a si e ao universo,
sua origem e propósito, seu lugar neste grande enigma da vida, passa
por um doloroso reconhecimento de sua condição nita, humana, da
necessidade da existência do outro e da compreensão da comunicação
(mensagem, linguagem e canal) com este outro na constituição de sua
autoconsciência e, também, na compreensão das múltiplas conexões
existentes entre a sua subjetividade humana com os diversos atores
do meio natural, físicos ou metafísicos (Morin, 2001).

Aqui se apresenta um problema epistemológico: é impossível


conceber a unidade complexa do ser humano pelo pensamento
disjuntivo, que concebe nossa humanidade de maneira insular, fora
do cosmos que a rodeia, da matéria física e do espírito do qual somos
constituídos, bem como pelo pensamento redutor, que restringe
a unidade humana a um substrato puramente bioanatômico
(MORIN, 2001, p. 50).

Tudo o que vive, em algum momento anterior nasceu, e a um


determinado tempo cronológico posterior há de ndar sua existência,
posto que não é eterno, ainda que seja possível considerar a máxima
existencial dos hindus, descrita nos livros sagrados Upanishads,
que diz “Aquilo é o Todo, isto é o Todo. O Todo surge do Todo.
Quando tiramos o Todo do Todo, o Todo permanece” (GNOSIS,
2018 [online]).

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
Estamos, a um só tempo, dentro e fora da natureza. Somos seres,
simultaneamente, cósmicos, físicos, biológicos, culturais, cerebrais,
espirituais... Somos lhos do cosmo, mas, até em conseqüência de
nossa humanidade, nossa cultura, nosso espírito, nossa consciência,
tornamo-nos estranhos a esse cosmo do qual continuamos
secretamente íntimos. Nosso pensamento, nossa consciência, que
nos fazem conhecer o mundo físico, dele nos distanciam ainda mais
(MORIN, 2003, p. 33).

A partir das complexas relações internas e externas ao homem,


sua constituição humana e sua possível chegada à idade idosa, esta
pesquisa teve por objetivo realizar uma aproximação das ideias de
Edgar Morin sobre a complexidade e a construção do ser em-si idoso.

METODOLOGIA

Esta pesquisa bibliográfica considerou uma abordagem


qualitativa, com uma busca de artigos na base de dados BVS, a partir
dos descritores ‘autopercepção’, ‘idoso’ e ‘complexidade’.

Critérios de elegibilidade

Foram utilizados artigos que consideraram como amostra


participantes com sessenta anos ou mais, que tratavam da
autopercepção destes indivíduos, que consideraram a teoria da
complexidade e que foram publicados nos últimos 5 anos. Como
critério de exclusão, foram desconsiderados artigos que não tratassem
dos temas idoso e complexidade, além dos artigos com mais de 5
anos de idade.

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
Procedimentos de análise

Desta busca, em que retornaram 105 artigos, dos quais por


m restaram 2 artigos para complementar o referencial teórico.
Além desta busca, foram utilizadas as obras de Edgar Morin e outros
materiais não indexados em bases de dados cientí cas. Desta base
referencial foram extraídos os conteúdos para discussão, divididos em
3 temas: desenvolvimento humano, complexidade e envelhecimento.

DISCUSSÃO

Desenvolvimento Humano

A trajetória do ser humano passa por diversos momentos


de transformação, sejam estes biológicas, por meio de processos de
maturação, sejam psicológicas em diversos processos de metanoia
e aprendizagem. Estes processos são permanentes ao longo de
toda a vida, mas é exatamente na sua fase idosa que o homem
consegue melhor “compreender como estas mudanças são vividas”
(DOMINGUES; FREITAS, 2019, p.5).
Esta consciência existencial de si é adquirida exatamente na
percepção da existência do outro. Na observação dos fenômenos,
nas interações com o meio, é construída uma autoconsciência que
distingue o existir metafísico (pensamento) do existir integral (físico,
mental, psicológico, social) (GALVÃO, 1995).
Na condição de entender a existência do outro, torna-se
possível distinguir a própria existência, aceitando a sua própria
subjetividade. Neste contexto, a trajetória de desenvolvimento
não se dá sozinha, isolada do mundo, já que “o outro me de ne,
me vê sob a égide do em-si, que não posso realizar, visto que o

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
para-si é o inacabamento, o que não é, mas que pode vir-a-ser”
(DOMINGUES; FREITAS, 2019, p. 6).
Esta condição consciente que permite perceber o outro e o eu
no outro, também revela uma crise de identidade que se desenrola
dentro de si, onde surgem a aceitação do outro e a percepção que
nesta etapa empática aceita-se também a si mesmo. Neste contexto,
Nithyananda volta-se aos primórdios relatados nos Upanishads,
que de nem que o ser é o Todo e no mesmo instante desvela-se a
concepção hologramática de Morin, onde “a sociedade está nele, ele
é possuído pela cultura que possui”, cultura que foi complexamente
construída na interação social com os diversos outros (MORIN,
2010, p.185; NITHYANANDA, 2015).
Corroborando com este conceito de desenvolvimento,
Bronfenbrenner descreve que o processo evolutivo do ser humano
depende do outro de uma forma muito mais ampla do que apenas
considerar os enlaces da convivência, mas de uma forma cultural,
complexa e integral, sendo que “o desenvolvimento humano ocorre
por meio de processos de interação recíproca, progressivamente mais
complexos entre um organismo humano biopsicológico em atividade
e as pessoas, objetos e símbolos existentes no seu ambiente externo
imediato. Para ser efetiva, a interação deve ocorrer em uma base
estável em longos períodos de tempo” (BRONFENBRENNER,
2011, p. 46).
Este sistema, que considera o tempo de exposição aos
fenômenos, demanda de processos de interação complexos e, em
seguida, processos de adaptação e assimilação ao meio, de tradução
biopsicossociais pelo ser em desenvolvimento, constituindo-se
sujeito.

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
Complexidade

A Complexidade, segundo o Dicionário Online de Português,


é a palavra que designa “característica do que é complexo, de difícil
compreensão ou entendimento”, ou ainda, “qualidade daquilo
que possui múltiplos aspectos ou elementos cujas relações de
interdependência são incompreensíveis” (DICIO, 2009 [online]).
Mesmo na de nição comum do dicionário, há um fato relevante
a se considerar, a de que existe a interdependência entre as partes,
como se fosse ligado incondicionalmente, unidos na construção de
um todo comum.
Mas para Morin, o termo complexidade deve sua origem à
palavra complexus, pois “Complexus signi ca o que foi tecido junto”
(MORIN, 2001, p. 38). Partindo destas de nições,

Há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis


constitutivos do todo (como o econômico, o político, o
sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido
interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de
conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes,
as partes entre si (MORIN, 2001, p. 38).

A trajetória de desenvolvimento humano é conduzida pelas


inter-relações com a alteridade, que exercerão uma complexa teia
de conexões. Galvão, Henri Wallon consideram que, “na sucessão
de con itos interpessoais que marca o estágio personalista, expulsão
e incorporação do outro são movimentos complementares e
alternantes no processo de formação do eu”, sendo que este processo
ocorre entre os 3 e por volta dos 6 anos de idade (GALVÃO et al,
1995, p. 54).

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
Ao longo da vida, estes con itos irão ocorrer com maior ou
menor frequência e grau, partindo de um pressuposto de que “o
outro é um parceiro perpétuo do eu na vida psíquica”, e estes desa os
serão úteis na consolidação da posição do indivíduo em seu grupo
social, na sua aceitação, protagonismo ou ostracismo e, também,
poderá ser componente da formação de um autoconteito positivo
ou negativo (GALVÃO, 1995, p. 55).

Envelhecimento

O processo do envelhecer é um processo natural e, até o


momento, irreversível, ainda que muitas das questões biológicas
possam ter seus efeitos reduzidos ou retardados (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). De qualquer forma, não há nenhum desconforto
maior nos ritos de transição entre a infância e a adolescência ou entre
a juventude e a adultez, mas uma grande ansiedade por vivenciar
esta nova etapa da vida. Mas, frequentemente, pode-se perceber um
desagrado por parte dos adultos ao se verem em processo de transição
para a idade idosa. Segundo Morin, existe uma interpretação
do processo do envelhecer, por parte dos adultos, que pode ser
complexa, e esta di culdade de aceitação está particularmente
na incerteza do futuro bem estar, da aceitação e da certeza da
proximidade do m da existência (MORIN, 2010).
Para, Edgar Morin, o “pensamento capaz de lidar com a
incerteza existe no domínio das ciências, mas não nos âmbitos
social, econômico, psicológico e histórico”, portanto se torna mais
di cultosa a capacidade do idoso em ver-se idoso, pois não podem
ser considerados parâmetros individuais para entender o que seu
próprio futuro lhe prepara, adotando assim a visão normótica
comum da sociedade (MORIN, 1997: 4).

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
Ainda que exista uma diferença epistemológica entre os
conceitos de envelhecer, longevidade e expectativa de vida, os termos
são utilizados indiscriminadamente para relatar a velhice (GOMES,
2019). O termo velhice, antes ligado ao processo de envelhecer,
adquiriu um conceito pejorativo, que também pode ser veri cado do
ponto de vista sócio-antropológico, distinguindo o ser humano pela
sua utilidade econômica e social, o que foi chamado de movimento
de degerontocratização (MORIN, 2002).
Este movimento distingue o que é ser humano do que é
ser idoso. Há neste processo de desumanização um componente
geracional, que é revelado pela normose da velhice, que considera
que, quando se chega à idade idosa, o adulto deixa de ser produtivo
para a sociedade, passando a ser um estorvo, à margem da economia,
um dependente dos mais jovens (GOMES et al., 2018).
A experiência acumulada ao longo da trajetória de vida não
é mais levada em consideração, como nos tempos antigos. Segundo
Morin, antes da modernidade destes tempos, a velhice possuía um
status de portador do saber, o idoso era considerado como autoridade
respeitada do conhecimento. Nestes tempos atuais,

Todo impulso juvenil corresponde a uma aceleração da História:


porém, mais amplamente, numa sociedade em rápida evolução,
e, sobretudo, numa civilização em transformação acelerada como
a nossa, o essencial não é mais a experiência acumulada, mas a
adesão ao movimento. A experiência dos velhos se torna lengalenga
desusada, anacronismo. A “sabedoria dos velhos” se transforma em
disparate. Não há mais sabedoria. (MORIN, 2002, p. 147).

Este comportamento social determina a fobia da etapa mais


longa do desenvolvimento humano, a idade idosa. O ser idoso é
comparado a algo velho, que não serve mais, destinado a sofrer
com doenças e degradar-se em direção ao m da vida, processo

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
doloroso que ocorrerá por muitos anos, o que não é necessariamente
verdade. Atualmente muitas soluções foram desenvolvidas para um
bom envelhecimento, considerando uma melhor qualidade de vida
para esta população idosa. Ainda assim, há o temor do envelhecer.
A parábola do sapo escaldado passa a ser uma realidade no rito
de passagem da vida adulta para a idade idosa. Como o sapo da
parábola, que é colocado em uma panela com água fria e sobre o
fogo, se acostuma com a vida morna e não percebe o passar dos
tempos, terminando por m, com seu cozimento na água que se
tornou, aos poucos, fervente (MENDONÇA et al., 2021).
As autoras Domingues e Freitas ao comentarem o livro A
velhice de Simone de Beauvoir, relatam uma experiência similar
vivida pela escritora, quando ela se percebe idosa:

Como compreendemos, en m, que a velhice está à espreita? O


que vejo quando olho no espelho? Uma imagem perturbadora
de mim que coincide com as expectativas e interpretações sociais
sobre o que é ser velho, mas não necessariamente coincide com a
minha experiência subjetiva. Enquanto somos ser para-outro, até
mesmo a inquietação que advém do contraste com a nossa imagem
é contornada pelo olhar de outrem (DOMINGUES; FREITAS,
2019, p. 5).

Este relato demonstra o repentino acordar de um processo


de envelhecimento, como se o envelhecer fosse algo que ocorre
instantaneamente da noite para o dia, e não como um processo
longo, natural e inevitável, particularmente devido à impressão do
outro. O olhar do outro ainda causa o con ito relatado no estágio
de personalismo de Wallon.

Podemos mesmo nos perguntar se a oposição das gerações não se


torna, num momento dado, uma das principais oposições da vida

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
social: não há diferença maior, na linguagem e na atitude diante da
vida, entre o jovem e o velho operário que entre esse jovem operário
e o estudante? Esses dois últimos não participam dos mesmos
valores fundamentais da cultura de massa, das mesmas aspirações
da juventude em relação ao conjunto de anciãos? (MORIN, 2002,
p. 149).

Para Morin, este con ito de gerações é o principal motivador


para o pensamento preconceituoso gerando assim uma representação
social negativa para com o idoso, visão reforçada também pelos
arquétipos construídos pela mídia, que dão o tom de horror e
espanto ao mostrar ao homem a sua ‘condição’ de velho. Assim
como na parábola do sapo escaldado, o adulto nunca se percebe
idoso, não percebe as transformações que ocorrem ao longo de sua
trajetória de vida, não tem ansiedade ou prazer em chegar à idade
idosa (MORIN, 2002).
Entendido pejorativamente no contexto social, o processo de
envelhecimento renega ao idoso não mais a autoridade da sabedoria,
mas o m da existência economicamente produtiva. Segundo
Morin, “as sociedades domesticam os indivíduos por meio de mitos
e ideias, que, por sua vez, domesticam as sociedades e os indivíduos,
mas os indivíduos poderiam, reciprocamente, domesticar as ideias,
ao mesmo tempo em que poderiam controlar a sociedade que os
controla” (MORIN, 2001, p.4).
A percepção da idade não é vista na vida acelerada e
inconsciente das pessoas em geral, como indica o pensamento de
Domingues e Freitas ao a rmarem que “nunca nos vemos como
velhos. A velhice é vivida na juventude como uma realidade
anunciada, mas nunca presente” (DOMINGUES; FREITAS,
2019, p. 4).

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
Esta percepção do envelhecer, denunciada pelo outro, se
mostra como um roteiro de nal dos tempos, apocalíptica, que em
sua visão distorcida, o idoso entende que lhe restam, agora, poucos
anos de vida, causando assim um engessamento de seus planos e
projetos de vida ainda não realizados, uma cegueira importada da
visão destorcida da sociedade da cultura de massa. A fala do outro
impacta na autoimagem e e cácia do idoso, que, para Domingues
e Freitas (2019, p. 6)

“não é apenas o destaque do olhar de denúncia da própria velhice


pelo outro, mas uma tensão disruptiva entre a experiência vivida de
si e a perspectiva objeti cante do outro e suas imagens: envelhecer
é vacilar na ambígua experiência entre o para-si e o em-si, diante
da temporalidade que nos atravessa”.

Ainda, para Domingues e Freitas, o idoso se considera


terminado, não havendo mais nada a ser construído em seu
desenvolvimento, na sua condição essencialmente humana e mortal,
e para Guérios (2002), sem mais ilhas desconhecidas a buscar, um
incômodo para a sociedade, sem a oportunidade de tomar em suas
mãos a autoria e protagonismo de sua própria história (FREIRE,
1987; GUÉRIOS, 2002; DOMINGUES; FREITAS, 2019).
Este momento de desumanização do idoso deve ser encarado
pelo próprio idoso, segundo Morin (2010), consciente de sua
condição planetária e cósmica, como um desa o a ser encarado e
vencido: e, para Freire (1987), o pensamento opressor da inutilidade
não faz parte de si, mas é aposto ao arquétipo da velhice, e deve ser
combatido primeiramente com o reconhecimento crítico do idoso
da sua condição de oprimido.
Para Morin (2003), tanto adultos quanto idosos devem
compreender que deve acontecer uma reforma do pensamento atual,

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
para que haja lucidez do idoso e da sociedade, ao encarar os desa os
da idade idosa, sendo que esta reforma depende do modo como as
ideias são complexamente construídas e organizadas. Uma vez que
esta consciência seja alcançada, um novo modelo de humanidade é
percebido (MORIN, 2003).

Isso indica que um modo de pensar, capaz de unir e solidarizar


conhecimentos separados, é capaz de se desdobrar em uma ética
da união e da solidariedade entre humanos. Um pensamento
capaz de não se fechar no local e no particular, mas de conceber os
conjuntos, estaria apto a favorecer o senso da responsabilidade e o
da cidadania. A reforma de pensamento teria, pois, conseqüências
existenciais, éticas e cívicas (MORIN, 2003: 97).

Um novo envelhecer é possível. Compreender que a fase idosa


é mais uma fase da trajetória da vida humana, como a infância,
adolescência, juventude ou a fase adulta, que esta fase comporta
incertezas, emoções, reorganizações e novas interações, é essencial
para um bem viver e um bem estar, traçando objetivos e planejando
novos projetos para a vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível encontrar, dentre os diversos textos dos autores


base e demais pesquisadores da área do envelhecimento humano,
que o fenômeno do preconceito contra a fase idosa ainda resiste
aos séculos, de forma que a luta para a mudança deve ser feita com
mediação da educação e das políticas governamentais.
O envelhecimento humano é um processo diferencial, pois
ocorre de forma desigual para cada indivíduo e ainda irreversível, do
ponto de vista biológico, sendo amplamente rejeitado pela sociedade

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
de consumo, pelos próprios idosos e pelo outro, particularmente na
alteridade mais jovem.
O próprio idoso acredita nas notícias de que esta fase da vida
é a fase nal, sem que ele possa encaminhar novos projetos de vida
e ter sonhos, buscar novas experiências e viver livre de preconceitos.
Há de se trazer à consciência da pessoa idosa a complexidade
destes tempos, da certeza de que seu futuro ainda pode e deve ser
construído e que sua trajetória futura sempre poderá ser reformulada,
a qualquer tempo. Este idoso afetado pela normose da velhice deve
compreender que, independentemente das notícias negativas, há
muito o que fazer e aprender, e que sua existência é útil e necessária
para as gerações seguintes. O movimento gerontocrático deve ser
retomado, permitindo que as novas gerações aproveitem do saber
acumulado pelas experiências de vida dos idosos, seja nas atividades
de consultoria, bem como na educação formal.
Também foi possível perceber a atualidade das ideias de
Morin, como um autor da complexidade pode, pela sua escrita
inteligente e sagaz, tecer os diversos campos do conhecimento em
uma tessitura que faça sentido para a humanidade. Uma nova ideia
de conhecimento pode ser criada e desta uma nova humanidade
poderá ser elevada. As ideias de Morin podem ser fundamentais na
construção de uma nova visão e realidade para a idade idosa.
Dentre os aspectos mais inusitados, percebeu-se que a
sociedade ainda é predadora daqueles que aparentemente não
prestam mais nenhum lucro e, por mais incrível que isto seja, esta
mesma sociedade impede que os idosos exerçam sua condição de
detentores de um saber diferenciado, não oferece oportunidades e,
sempre que possível, os descarta dos grupos sociais. O movimento
nasce dentro da própria família, em que os jovens não valorizam o
tempo de acolhimento que seus pais dispuseram na juventude destes,

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
e quando deveriam dar honra aos mais velhos, os jovens passam a
se creditarem das glórias de sua juventude, desumanizando aqueles
que os precederam.
Este fenômeno não foi descrito apenas por Morin, mas
muitos outros pensadores e pesquisadores relataram o mesmo fato
em diferentes áreas da sociedade (família, emprego, governos), o
que corrobora os escritos de Morin.
Muito há que se fazer para consertar o pensamento desta
sociedade alienada pelo lucro, pela velocidade, pela ganância – uma
sociedade de consumo, de massa, da pressa. Logo os que estão nesta
‘juventude’ acordarão na fronteira da idade idosa e perceberão que
poderiam ter mudado o próprio futuro.
Uma nova ideia de conhecimento pode ser criada e desta uma
nova humanidade poderá ser elevada. As ideias de Morin podem
ser fundamentais na construção de uma nova visão e realidade para
a idade idosa.

Financiamento

Este estudo foi realizado por bolsistas, nanciados pela


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) - Código de nanciamento: 001 e pelo CNPq -Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientí co e Tecnológico.

Con ito de interesses

Os autores declaram ausência de con ito de interesses.

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
REFERÊNCIAS

BRONFENBRENNER, Urie. Bioecologia do desenvolvimento humano:


tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed, 2011.
310 p. ISBN 978-85-363-2615-3.

DICIO. Complexidade - Dicio, Dicionário Online de Português. Dicio,


Dicionário Online de Português, 2009. Disponivel em: <https://www.
dicio.com.br/complexidade/>. Acesso em: 25 Ju. 2021.

DOMINGUES, Rafaela D. C.; FREITAS, Joanneliese D. L. A


FENOMENOLOGIA DO CORPO NO ENVELHECIMENTO:
DIÁLOGOS ENTRE BEAUVOIR E MERLEAU-PONTY. Revista
Subjetividades, v. 19, n. 3 e8001, p. 1-13, 2019. ISSN 2359-0777. http://
dx.doi.org/10.5020/23590777.rs.v19i3.e8001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª Edição. ed. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1987.

GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do


desenvolvimento infantil. 134. ed. Petrópolis: Vozes, v. 1, 1995. ISBN
85-326-1402-7. (Educação e conhecimento).

GNOSIS. O Absoluto - Gnosis Brasil. Gnosis Brasil: ciência e cultura


do homem em busca do ser, 02 Out. 2018. Disponivel em: <https://
gnosisbrasil.com/artigos/meta sica/o-absoluto/>. Acesso em: 25 Jul. 2021.

GOMES, Gerson F. Efeitos de um programa de inclusão digital nas


funções cognitivas e qualidade de vida de idosos. Curitiba: Universidade
Federal do Paraná, 2019. Disponivel em: <https://acervodigital.ufpr.br/
handle/1884/61422>. Acesso em: 12 Julho 2021. Dissertação (Mestrado
em Educação).

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
GOMES, Gerson F.; FUJITA, Luana S.; VAGETTI, Gislaine C. A
normopatia social da velhice e a educação de idosos no Brasil. XXX
SEMANA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO - SEPE 2018.
Curitiba: UFPR. 2018. p. 83.

GUÉRIOS, Ettiène C. Espaços o ciais e intersticiais da formação


docente:histórias de um grupo de professores na área de ciências e.
Universidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, p. 234. 2002. Tese
de Doutorado.

MENDONÇA, Jurilza M. B. D. et al. O sentido do envelhecer para o


idoso dependente. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 1, p. 57-65, 2021.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020261.32382020.

MORIN, Edgar. Complexidade e Liberdade. THOT, São Paulo, n. 67,


1997. 12-19.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 3ª.


ed. São Paulo: Editora Cortez, 2001.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Tradução


de Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002. 208 p. ISBN 85-218-0209-0. 2ª reimpressão - O espírito do tempo.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o


pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2003. Tradução de: La tête bien faite.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 14ª. ed. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 2010. 350 p. ISBN 978-85-28-0579-2.

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021
NITHYANANDA, Paramahamsa. Upanishads revelados: o livro de base.
1. ed. [S.l.]: Nithyananda University Press, v. 1, 2015. 84 p. Disponivel
em: <https://www.nithyanandabrasil.com.br/livros-online>. Acesso em:
25 Jul. 2021.

PAPALIA, Diane. E.; FELDMAN, Ruth. D. Desenvolvimento Humano.


12ª. ed. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda, 2013. ISBN 978-85-8055-
217-1.

Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 79– p. 33-66 - jul./dez. 2021

Você também pode gostar