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Antiga Mesopotâmia: o espaço dos primeiros assentamentos urbanos

A primeira "civilização"?
O historiador brasileiro Jaime Pinsky iniciou um pequeno livro, intitulado As
primeiras civilizações, com um relato interessante:

Como toda criança, o autor deste livrinho brigava com seus irmãos toda vez
que havia uma oportunidade. Como nem sempre o pai considerasse
propícia a ocasião para nossa atividade belicista, chamava-os – achando
que nos ofendia muito – de não-civilizados. Para ele, a conotação era clara:
civilizados eram os adultos que não se cutucavam durante as refeições, não
pisavam no sapato novo do outro, não puxavam o rabo-de-cavalo da irmã
(PINSKY, J. 1987, p. 4).

Podemos considerar um tanto inusitado o uso do termo “civilizado” na fala do pai


do historiador citado, mas esse é um sentido muito comum do vocábulo na fala
quotidiana. No Dicionário Michaelis, define-se “civilização” como:

1 - Estado de adiantamento e cultura social; 2. ato de civilizar; 3. o conjunto


de todas as características da vida de um país, quanto ao aspecto social,
econômico, político e cultural; 4. cortesia e boa educação.

Lembramos, aqui, que os dicionários apresentam as definições possíveis e usuais


dos verbetes, incluindo as definições mais preconceituosas, pois o objetivo de um
léxico comum é simplesmente apresentar as acepções possíveis das palavras, e
não discutir tais sentidos.

Vamos Pensar!
Os seres humanos têm geralmente a tendência de dar às palavras conotações
valorativas, pouco parando para pensar em seu significado. Nós temos
tendência a considerar nossos valores, comportamento, religião e práticas como
sendo os “corretos” e, infelizmente, os usamos como ponto de referência de tudo.
Desse modo, acreditamos que somos o “umbigo do mundo”, a “civilização” por
excelência. Ocorre que há outros modos possíveis de viver, de pensar e de agir. Por
exemplo: escrevemos sobre os deuses dos outros usando artigo definido e letra
minúscula, não é mesmo? Falamos “o deus dos sumérios”, “a deusa dos romanos”
e, desse modo, os desqualificamos, ao restringirmos sua ação como um dos deuses
de um povo específico em um momento histórico determinado. O nosso, porém, é
referido como “Deus”, sem artigo e com letra maiúscula, aliás, sem qualquer
qualificação, pois pretendemos que o nosso deus seja absoluto. Da mesma forma,
consideramos exóticos os hábitos alheios, sem nos darmos conta de que muitos dos
nossos hábitos são ou seriam considerados ridículos por outros povos.

Civilização e Civilizado
Durante muito tempo, e por inspiração dos filósofos europeus do século XVIII, a
palavra "civilização" significou um conjunto de instituições e modos de agir
capazes de instaurar a ordem, a paz e a felicidade – conforme acreditavam
serem essas coisas –, favorecendo o “progresso” intelectual e moral da humanidade.
No século XVIII, no período revolucionário francês, “civilização” passou a designar
um processo: o desenvolvimento da atividade social e o da atividade individual. O
termo passou a designar, então, um processo no qual o ser humano se
aperfeiçoaria e aperfeiçoaria o mundo social, visando à sua “perfeição”.
Civilização e progresso foram, na modernidade europeia, termos destinados a
manter as mais estreitas relações e passaram a ser usados de uma maneira global,
vaga, geralmente tendenciosa e, mesmo, preconceituosa, posto que significavam,
então, um processo de “aperfeiçoamento individual e coletivo”, e sua
contrapartida era uma situação ou estado “imperfeito”. Civilização passou a
designar o que devia ser querido, desejado e buscado, em contraposição à
“barbárie”, o seu antônimo a partir de então.
E os europeus modernos acreditaram em um “ciclo natural” que ia da barbárie à
civilização, mas reconheciam como civilizada apenas a sua própria sociedade.
Note que o termo “barbárie” não significava um estado de selvageria, mas um
estágio das sociedades ditas “primitivas”, ou seja, aquelas que “ainda” não
tinham passado pelo processo da civilização.
Temos, pois, de caracterizar a civilização com parâmetros claros e objetivos, a fim
de permitirmos a compreensão do processo histórico. Não podemos atribuir a
nenhuma das civilizações nem superioridade, nem inferioridade, nem podemos
acreditar que a “nossa civilização” é a melhor delas, seja lá em que sentido for.
Uma civilização, via de regra, implica uma organização política formal com regras
estabelecidas para governantes e governados, sejam elas quais forem; implica uma
organização do trabalho e uma administração, mínimas que sejam. Uma civilização
implica também algum tipo de corpo de sustentação do poder (guerreiros, militares,
funcionários, magistrados etc.); implica, do mesmo modo, uma produção artística e
intelectual que garanta a sua vida espiritual e a transmissão formal de sua cultura.
Por fim e mais importante, uma civilização, como o próprio nome diz, implica
cidades. O termo será usado, por nós, em referência à cidade e ao fenômeno da
urbanização.
Daí, então, é justificado afirmar que a Mesopotâmia viu surgirem as primeiras
civilizações. Há seis mil anos, não havia referências ou parâmetros para a
criação de cidades, e a origem das primeiras delas decorre de uma série de
circunstâncias tão complexas que não há unanimidade entre os pesquisadores
a respeito desse tema.

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