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Relatos de Experiências
em Fonoaudiologia
Ana Nery Araújo
Jonia Alves Lucena
Luciana Studart-Pereira
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
EM FONOAUDIOLOGIA
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
EM FONOAUDIOLOGIA

ORGANIZADORES
Ana Nery Araújo
Jonia Alves Lucena
Luciana Studart-Pereira
Universidade Federal de Pernambuco
Reitor
Vice-Reitor: Prof. Moacyr Araújo
Diretor da Editora: Diogo Cesar Fernandes
Vice-Diretor da Editora: Prof. Junot Cornélio Matos
Editor: Flávio Gonzalez

Catalogação na fonte:
Bibliotecária Kalina Ligia França da Silva, CRB4-1408

R382 Relatos de experiências em fonoaudiologia [recurso eletrônico] / organiza-


dores : Ana Nery Araújo, Jonia Alves Lucena, Luciana Studart-Perei-
ra. – Recife : Ed. UFPE, 2021.

Vários autores.

ISBN 978-65-5962-001-2 (online)

1. Fonoaudiologia. 2. Clínica médica. 3. Distúrbios da fala. 4. Distúr-


bios da linguagem. 5. Fonoterapia. I. Araújo, Ana Nery Barbosa de (Org.).
II. Lucena, Jonia Alves (Org.). III. Studart-Pereira, Luciana (Org.).

616.855 CDD (23.ed.) UFPE (BC2021-008)

Rua Acadêmico Hélio Ramos, 20, Várzea


Recife, PE | CEP: 50.740-530
Fone: (0xx81) 2126.8397 | Fax: (0xx81) 2126.8395
www.ufpe.br/edufpe | livraria@edufpe.com.br

Todos os direitos reservados aos organizadores: Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente

total ou parcial em qualquer sistema de processamento de dados e a inclusão de qualquer parte da obra em qualquer programa
CONSELHO EDITORIAL

Luciana Pimentel
Maria Cecília de Moura
Maria Luiza Lopes Timóteo de Lima

PARECERISTAS

Ana Nery Araújo


Cláudia Marina Tavares de Araújo
Jonia Alves Lucena
Luciana Studart-Pereira
Maria Luiza Lopes Timóteo de Lima
CONSELHO EDITORIAL E REVISÃO POR PARES

O processo de avaliação e aprovação dos capítulos do livro


Relatos de Experiências em Fonoaudiologia foi realizado por pareceristas,
especialistas nas diversas áreas da Fonoaudiologia. Os avaliadores
seguiram as orientações do roteiro de avaliação enviado, contemplando
aspectos da forma e conteúdo de cada capítulo. Foram realizados, ainda,
pelos pareceristas, comentários e sugestões. Depois de cada avaliação,
os capítulos foram reenviados aos autores para adequação e posterior
devolução aos pareceristas, para reavaliação, se necessário. A avaliação foi
realizada de forma cega e cada capítulo foi revisado por dois pareceristas.
O corpo editorial avaliou a versão final de cada capítulo, tomou as decisões
finais e autorizou a publicação.
APRESENTAÇÃO

Esse livro reúne um conjunto de experiências no campo da


Fonoaudiologia Clínica. As temáticas abordadas trazem novos olhares
sobre a atuação fonoaudiológica, como atendimento ao recém-nascido,
ao indivíduo com Síndrome de Down, gagueira, autismo e deficiência
auditiva. Apresenta, ainda, práticas diversas e experiências inovadoras, a
exemplo de intervenção na escola, atuação junto à população transgênero,
atendimento às pessoas com traumas de face, distúrbios respiratórios do
sono, dificuldades alimentares, atenção ao idoso, entre outros.
A obra visa a despertar nos leitores um olhar sobre o “fazer
fonoaudiológico” renovado - as distintas atuações, explicitadas a partir da
descrição de técnicas, exercícios, caminhos terapêuticos e relatos. Buscou-
se compilar experiências de profissionais, suas estratégias terapêuticas,
êxitos e percalços.
Os capítulos foram apresentados segundo uma linha norteadora
que destaca a prática fonoaudiológica diversa e, ao mesmo tempo, singular,
construída, muitas vezes, na interface com outras áreas da saúde. Realça-se os
relatos de experiências em projetos realizados em instituições universitárias
de ensino, o que aponta para o investimento na formação do fonoaudiólogo.
Esperamos que essa leitura contribua para o crescimento de
fonoaudiólogos, docentes e estudantes de Fonoaudiologia, instrumentalizando-
os no que diz respeito às diferentes possibilidades de atuação clínica.
Nessa oportunidade, expressamos nossa gratidão a todos os autores
e colaboradores com a organização desse livro, que, de forma primorosa,
compartilharam nessa obra suas experiências e à Drª Cláudia Marina
Tavares de Araújo pelo magnífico prefácio. Agradecemos ao Conselho
Editorial, Drª Luciana Pimentel, Drª Maria Cecília de Moura e Drª Maria
Luiza Lopes Timóteo de Lima, que cuidadosamente fizeram a revisão do
texto. Também agradecemos aos pareceristas, Drª Ana Nery Araújo, Drª
Cláudia Marina Tavares de Araújo, Drª Jonia Alves Lucena, Drª Luciana
Studart-Pereira e Drª Maria Luiza Lopes Timóteo de Lima.
Por fim, agradecemos à Universidade Federal de Pernambuco em
nome do Excelentíssimo Reitor Professor Alfredo Macedo Gomes, que
tornou viável a publicação dessa obra.
Desejamos que desfrutem da leitura
As Organizadoras
PREFÁCIO

Nas últimas décadas, principalmente neste século, a investigação


científica em Fonoaudiologia alcançou patamares em que seus estudos e
descobertas rompem os limites de seu objeto de estudo, perpassando por
áreas que estejam vinculadas de alguma maneira à comunicação humana.
Assim, surge a coletânea Relatos de Experiências em Fonoaudiologia.
Produção que congrega uma série de contribuições originais e temas
correlatos descritos por especialistas de diferentes áreas relacionadas ou
vinculadas à Fonoaudiologia.
A ciência é dinâmica e cada dia mais ágil. Como é possível
acompanhar essa velocidade através de passagens sucessivas da prática à
teoria e da teoria à prática? É preciso ter cautela nesse ir e vir de novos
saberes. Decerto e como bem disse Berthold Brecht, “o propósito da ciência
não é abrir a porta da sabedoria infinita, mas sim estabelecer alguns limites
para a infinitude do erro”.
É nesse contexto que este volume reúne diversos ensaios e relatos
que refletem o fazer em Fonoaudiologia de forma interdisciplinar, dividindo
com o leitor experiências e saberes para reflexão em suas próprias práticas
profissionais. Afinal, é a soma da informação com a reflexão que leva à
formação.
A diversidade de temas que constitui esse manuscrito, demonstra
a inovação e até mesmo o ineditismo acerca de objetos que ainda estão se
solidificando na Fonoaudiologia.
A interface com a área da linguagem se revela ao abordar
estratégias de comunicação alternativa, a atuação clínica fonoaudiológica
nas pessoas que gaguejam e ainda, apresenta estratégias terapêuticas para o
desenvolvimento de habilidades auditivas.
A voz assume força e forma em seus relatos de experiências em
pessoas transgêneros e no espaço dado à terceira idade.
Relacionadas à prática em Motricidade Orofacial, destacam-se a
presença da Fonoaudiologia no início da vida nos capítulos que relatam
a experiência multidisciplinar na alteração de frênulo lingual em bebês,
além das dificuldades alimentares tão recorrentes nas primeira e segunda
infâncias. Há ainda, a atuação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios
do sono nas diferentes fases da vida e nos traumas de face.
O último capítulo discorre acerca da intervenção fonoaudiológica
na escola, apresentando mais um campo de atuação amplo.
Acrescento aqui os agradecimentos a todos os colegas que
contribuíram de forma primorosa e entusiástica suas experiências e
informações atualizadas e valiosas, que muito enriquecerá o conhecimento
do leitor e abrilhantará a Fonoaudiologia.
Como fonoaudióloga e professora do Curso de Fonoaudiologia
da UFPE, agradeço a oportunidade de apresentar esse livro, convicta de
que será muito útil a estudantes e profissionais Fonoaudiólogos e de áreas
correlatas.
A todos, uma boa leitura!

Cláudia Marina Tavares de Araújo


AUTORES/COLABORADORES

Alfredo de Aquino Gaspar Júnior


Especialista em Radiologia. Especialista em Cirurgia Buco Maxilo Facial.
Mestre em dentística e endodontia pela UFPE. Professor associado do
Departamento de Prótese e Cirurgia Buco Facial do curso de Odontologia
da UFPE. E-mail: alfredogasparjunior@hotmail.com

Ana Augusta de Andrade Cordeiro


Mestre e Doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de
Pernambuco; Professora Associada do Departamento de Fonoaudiologia
da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: anaaugusta_cordeiro@
yahoo.com.br

Ana Cláudia da Silva Araújo


Especialista em Odontopediatria. Especialista em Periodontia. Mestrado
em Odontopediatria pela UPE. Doutorado em Saúde Pública. Professora
Associada do Departamento de Prótese e Cirurgia do curso de Odontologia
da UFPE. E-mail: acsaodonto@gmail.com

Ana Cristina de Albuquerque Montenegro


Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco.
Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade
Federal de Pernambuco. E-mail: aac.montenegro@gmail.com

Ana Elisabete Magnata Cordeiro Mawad


Fonoaudióloga. Especialista em Patologia da Linguagem - UNICAP.
Pós-Graduação Latu Sensu em Reabilitação Auditiva - Aperfeiçoamento.
Especialista em Habilitação e Reabilitação auditiva em crianças de zero a
três anos – USP/SP (Faculdade de Odontologia de Bauru). Fonoaudióloga
do ambulatório de reabilitação auditiva e de linguagem do Hospital das
Clínicas/UFPE. E-mail: bete.magnata@hotmail.com
Ana Nery Araújo
Fonoaudióloga. Especialista em Voz pela Universidade de Franca/SP. Mestre
em Fonoaudiologia pela PUC/SP. Doutora em Educação pela Universidade
Federal de Pernambuco. Professora Associada do Departamento de
Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail:
anaaraujovoz@gmail.com

Anna Paula Targino Belmiro


Fonoaudióloga clínica. Especialista em Linguagem pelo Instituto
de Educação Superior da Paraíba. Colaboradora do projeto Flua da
Universidade Federal da Paraíba, que atua na assistência fonoaudiológica
em fluência. E-mail: paulabelmiro2@hotmail.com

Attanna Thuanna Ferreira de Andrade


Fonoaudióloga clínica. Especialista em Linguagem pelo Instituto de Educação
Superior da Paraíba. Colaboradora do projeto Flua da Universidade Federal
da Paraíba, que atua na assistência fonoaudiológica em fluência. E-mail:
attannathuanna@gmail.com

Bianca Arruda Manchester de Queiroga


Fonoaudióloga. Mestre e Doutora em Psicologia Cognitiva pela UFPE.
Pós-Doutorado em Fonoaudiologia pela UNESP/ Marília-SP. Professora
Associada e Docente do Curso de graduação em Fonoaudiologia e do
Programa de Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana da
UFPE. E-mail: bianca.queiroga@ufpe.br

Cynderella Karla Moraes de Lima


Fonoaudióloga, graduada pela UFPB; Mestranda em Linguística pela UFPB.
E-mail: cynderella.fono@outlook.com

Daniela de Vasconcelos
Fonoaudióloga do Hospital das Clínicas/UFPE. Especialista em Voz /
UFPE. Mestre em Saúde da Comunicação Humana / PPGSCH-UFPE.
E-mail: daniela_vasconcelos@outlook.com
Débora Vasconcelos Correia
Fonoaudióloga, mestre e doutora em Linguística pelo Programa de Pós-
Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba - UFPB.
Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal da
Paraíba. Especialista em Fluência pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia e
em Neurociência Aplicada pela Universidade Federal de Pernambuco. Diretora
Educacional Assistente do Instituto Brasileiro de Fluência. Coordenadora
do Projeto Flua da Universidade Federal da Paraíba, que atua na assistência
fonoaudiológica em fluência. E-mail: fgadebora@gmail.com

Dryelle Azevedo de Aquino


Fonoaudióloga. Pós-graduação em Motricidade Orofacial com enfoque
em Disfagia, pelo Hospital A.C Camargo. Especialização em Saúde
Vocal, pelo Centro de Estudos da Voz - CEV. Formação no Conceito
Bobath, com Monika Müller. Módulo de Certificação Internacional em
Integração Sensorial, no Instituto Completude. Prompt Introdutório e
Bridging. E-mail: dryelle_azevedo@yahoo.com.br

Giorvan Ânderson dos Santos Alves


Professor Adjunto IV do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB.
Especialista em Motricidade Orofacial e Linguagem pelo CFFa. Doutor e
Mestre em Linguística pela UFPB. Professor permanente dos Programas de
Pós-graduação em Linguística (UFPB) e Fonoaudiologia (UFPB-UFRN).
Coordenador do Departamento de Motricidade Orofacial da SBfa. Sócio
Fundador da ABRAMO. E-mail: anderson_ufpb@yahoo.com.br

Hilton Justino da Silva


Especialista em Motricidade Orofacial. Mestre em Morfologia/anatomia
pela UFPE. Doutorado em Nutrição pela UFPE. Professor associado
do Departamento de Fonoaudiologia da UFPE. Membro Permanente
do Programa de Pós-graduação em Saúde da Comunicação Humana
e do Programa de Pós-graduação em Neuropsquiatria e Ciências do
Comportamento - UFPE. E-mail: hiltonfono@gmail.com
Isabelle Cahino Delgado
Professora do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB. Doutora e
Mestre em Linguística pela UFPB. E-mail: fgaisabelle@hotmail.com

Italo Ferreira Monteiro


Acadêmico de Odontologia UFPE. E-mail: titoferreiira@gmail.com

Ivana Arrais de Lavor Navarro Xavier


Mestre em Gestão e Economia da Saúde pela Universidade Federal de
Pernambuco. Fonoaudióloga do Departamento de Fonoaudiologia da
Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: ivanaarrais@hotmail.com

Jonia Alves Lucena


Fonoaudióloga Especialista em Voz pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia. Mestre e Doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade
Federal de Pernambuco. Professora Associada do Departamento de
Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco. Docente do
Programa de Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana da
Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: jonialucena@gmail.com

Liliane Elise Souza Neves


Fonoaudióloga Especialista em Saúde da Família pelo Ministério da Saúde/
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). Mestranda
em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Preceptora das Residências Multiprofissionais
em Saúde do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP).
E-mail: lilianeneves21@gmail.com

Luciana Studart-Pereira
Fonoaudióloga. Especialista em Motricidade Orofacial. Mestre em Ciências da
Linguagem. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente. Certificada em
Fonoaudiologia na Medicina do Sono – ABS. Docente do Curso de Fonoaudiologia
– UFPE. Membro Fundador da Associação Brasileira de Motricidade Orofacial
– ABRAMO Presidente da Seccional Pernambuco da Associação Brasileira do
Sono – ABS (2018-2021). E-mail: luciana.studart@uol.com.br
Luciane Spinelli de Figueiredo Pessoa
Fonoaudióloga. Doutora em Linguística pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Especialista em Motricidade Orofacial (CRFa e UNP)
Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB.
Sócia Fundadora da Associação Brasileira em Motricidade Orofacial –
ABRAMO. E-mail: luspinelli@gmail.com

Mayra Maria Oliveira de Lima


Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde da Comunicação
Humana da Universidade Federal de Pernambuco. Fonoaudióloga clínica
em Fluência. Colaboradora do projeto Flua da Universidade Federal da
Paraíba, que atua na assistência fonoaudiológica em fluência. E-mail:
fgamayraoliveira@hotmail.com

Mariana Batista de Souza Santos


Fonoaudióloga graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
especialista em Audiologia na modalidade Residência pela Universidade
Estadual das Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL) e Mestre em Saúde
da Comunicação Humana (UFPE). Atua profissionalmente na área de
Fonoaudiologia, com ênfase em saúde auditiva, Triagem Auditiva Neonatal
(TAN) e diagnóstico audiológico e vestibular. E-mail: fga.marianab@
gmail.com

Midiane da Silva Gomes


Bacharel em Fonoaudiologia. Especialista em Motricidade Orofacial com
ênfase em Fonoaudiologia hospitalar e disfagia. Experiência em teste da
língua e amamentação. Atualmente trabalha na Unidade de Aleitamento
Materno exclusivo (UniAME Unimed Recife). E-mail: midianegsilva@
hotmail.com

Mirella Pereira Castelo Branco


Fonoaudióloga. Especialista em Motricidade Orofacial e Disfagia pelo Conselho
Federal de Fonoaudiologia. Fonoaudióloga Clínica. Colaboradora do Projeto
Craniomandibular Inter – UFPE. E-mail: mirella_branco@hotmail.com
Rafaella Asfora Siqueira Campos Lima
Doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco.
Professora Associada I do Departamento de Psicologia e Orientação
Educacionais (DPOE) da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail:
asforarafaella@gmail.com

Sílvia Benevides
Fonoaudióloga. Especialista em Motricidade Orofacial pelo CFFA. Mestre
em Fisiologia – UFPE. Doutora em Processos Interativos de Orgãos e
Sistemas – UFBA. Professora do Departamento de Fonoaudiologia da
UFPB. E-mail: sbenevides40@gmail.com

Simone Aparecida Capellini


Fonoaudióloga. Doutora em Ciências Médicas pela UNICAMP. Pós-
Doutorado em Ciências Médicas pela UNICAMP e pelo Discovery Centre
- University of South Wales - Reino Unido - UK. Professora Adjunto do
Departamento de Fonoaudiologia, do Programa de Pós-Graduação em
Educação e do Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da UNESP-
Marília-SP. Coordenadora do Laboratório de Investigação dos Desvios da
Aprendizagem - LIDA da UNESP-Marília-SP. E-mail: sacap@uol.com.br

Talita Maria Monteiro Farias Barbosa


Fonoaudióloga clínica. graduada pela UFPB. Mestre e doutoranda pelo
programa de Pós-graduação em Linguística pela (UFPB). Especialista em
linguagem pelo Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP). E-mail:
talita_farias@hotmail.com.br
CAPÍTULO 1

AUTISMO COMUNICA: COMUNICAÇÃO


ALTERNATIVA PROMOVENDO ACESSIBILIDADE
COMUNICACIONAL

Ana Cristina de Albuquerque Montenegro


Ivana Arrais de Lavor Navarro Xavier
Rafaella Asfora Siqueira Campos Lima

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é uma condição


neurodesenvolvimental, caracterizada pela presença de déficits
sociocomunicativos e de padrões de comportamentos repetitivos e restritos1.
É um tipo de transtorno global do desenvolvimento com elevada
prevalência. Estatísticas apresentadas pelo Centers for Disease Control and
Prevention (CDC), em pesquisa realizada nos Estados Unidos, demonstram
que os dados sobre prevalência apontam um aumento no número de casos,
que passaram de 1:110, em 2006, para 1:68, em 2012 e em 2018 para 1:592 o
que representa um aumento de quase 54%.
No Brasil, os dados ainda são escassos e o único estudo realizado
sugere que o TEA afeta 1:370 crianças ou 0,3% dessa população3. Trata-se
de um estudo piloto, realizado na cidade de Atibaia, interior de São Paulo.
Os pesquisadores elegeram um bairro representativo da cidade e avaliaram
sinais de autismo em 1.470 crianças com idade entre sete e doze anos.
O aumento da prevalência do TEA pode ser explicado pela
expansão dos critérios diagnósticos, pelo incremento dos serviços de
saúde especializados com melhores ferramentas diagnósticas, por uma
maior conscientização sobre o tema, bem como pela mudança na idade do
diagnóstico, atualmente mais precoce, entre outros fatores4.
As crianças com TEA apresentam, em geral, alterações nas
habilidades de comunicação e socialização, e padrões de comportamento
repetitivos e estereotipados e interesses restritos, características que
alteram a qualidade da interação social. Diante disso, a comunicação, como
instrumento que favorece a interação social, deve ser estimulada o mais
precocemente possível5.
Os primeiros sintomas no desenvolvimento dessas crianças tendem
a ser percebidos pelos pais, geralmente antes dos dois primeiros anos de
vida, sendo o atraso no desenvolvimento da comunicação e da linguagem
o sintoma relatado com maior frequência como, por exemplo, a ausência
das primeiras palavras e frases que são um dos principais motivos de
preocupação destes pais6,7. Essa dificuldade representa, portanto, um dos
principais sintomas, especialmente quanto ao seu aspecto funcional8.
Tal característica impulsiona pais/familiares a buscar o atendimento
especializado, fato observado pelo crescente número de pais/familiares
de crianças com TEA que procuram a clínica de Fonoaudiologia da
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE em busca de orientações e
atendimento.
Diante desse contexto foi criado, em 2017, o projeto de extensão
“Autismo Comunica”, vinculado ao projeto de pesquisa “Fonoaudiologia e
Autismo: conhecer, intervir e incluir” aprovado sob o protocolo nº 2.106.800 no
Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE).
O presente capítulo descreve o relato de experiência do projeto,
desenvolvido na clínica escola de Fonoaudiologia da UFPE, cuja proposta é
integrar serviço-ensino-pesquisa, a partir do atendimento fonoaudiológico
às crianças com TEA com o objetivo de promover a acessibilidade
comunicacional por meio do uso de comunicação alternativa, estimulando
o desenvolvimento da interação social e contribuindo para seu processo de
aprendizagem, inclusão social e qualidade de vida.
Nessa proposta, o atendimento fonoaudiológico é indicado para
crianças autistas, sem fala funcional, e prioriza o desenvolvimento da
comunicação utilizando a Comunicação Ampliada e Alternativa (CAA)
aplicada de acordo com o Método DHACA - Desenvolvimento das
Habilidades da Comunicação no Autismo, tendo como pressuposto teórico
a Teoria Sociopragmática9.
A “teoria sociopragmática” ou “teoria da aquisição da linguagem
baseada no uso” enfatiza aspectos biológicos e sociopragmáticos envolvidos
nos processos de aquisição e desenvolvimento de competências linguísticas.
Postula que a aquisição e o desenvolvimento de competências linguísticas
são decorrentes de aspectos sociobiológicos que envolvem habilidades
sociocognitivas de compartilhamento de intenções e participação em
atividades comunicativas, já historicamente estabelecidas10.
Apesar de afirmar que a aquisição da linguagem ocorre com o uso,
Tomasello (2003) entende que é através da atividade linguística durante
a interação com o outro que o ser humano adquire sua linguagem sendo
apresentada dentro de um princípio mais amplo sobre a evolução do
conhecimento humano10, 11. O autor enfatiza que para a criança despertar o
interesse pela comunicação e desenvolvê-la, deve possuir uma compreensão
do outro como agente intencional. O aprendizado da língua ocorre durante
o processo de interação com o outro, em que a criança a princípio imita
e, posteriormente, vai construindo suas expressões linguísticas de acordo
com o que lhe é dito, com o que observa dentro de um contexto que seja
significativo para ela11.
Nesse sentido, grande parte dos comprometimentos
sociocomunicativos apresentados por crianças com autismo podem ser
explicados em função da dificuldade que estas têm em compreender os
outros como agentes intencionais e mentais. Esta competência, exclusiva dos
seres humanos, é a chave sociocognitiva que permite a interação social de
maneira plena, desenvolvendo formas únicas de representações simbólicas10.
Nesse processo, destaca-se a Atenção Compartilhada (AC), que é
uma habilidade desenvolvida em situações de interação social triádica em
que a criança e o adulto dividem experiências em relação a um terceiro
objeto/evento/símbolo referente.
Tal habilidade é fundamental ao desenvolvimento da linguagem, pois
possibilita que a criança compreenda os outros como agentes intencionais
e, consequentemente, entenda o objetivo do ato sociocomunicativo. Essa
compreensão emerge aos 12 meses e se estabelece em torno dos 18 meses,
servindo como base para a imitação com inversão de papéis, principal
forma de aprendizagem de símbolos linguísticos. Através desta, a criança
aprende a utilizar um símbolo comunicativo dirigido ao adulto da mesma
forma como este o fez em relação à ela6.
Um outro aspecto importante a ser destacado é que os indivíduos
com TEA, em geral, são considerados “pensadores concretos”, pois
apresentam uma maior habilidade em tarefas de memória visual em
detrimento de atividades de memória auditiva que, por sua vez, demandam
maior capacidade de abstração12. O uso de dicas concretas, como pistas
visuais e táteis, aumenta a eficiência no ensino de novas habilidades para
crianças com TEA, garantindo maior compreensão e motivação para
realização das atividades propostas, considerando a facilidade que essas
crianças apresentam para interagir com os estímulos visuais12.
Diante do exposto, a CAA vem sendo utilizada precocemente, no
intuito de promover a aquisição e o desenvolvimento da linguagem verbal
e da interação social, em crianças com prognóstico de desenvolvimento
de linguagem verbal; e de contribuir para a estruturação de linguagem e
expressão não verbal, nos casos de crianças não verbais13.
A CAA abrange todas as formas de comunicação alternativas à fala,
sendo usada para expressar pensamentos, necessidades, pedidos e ideias de
pessoas com complexas necessidades comunicativas14.
Na intervenção fonoaudiológica com o uso da CAA, considera-se
tanto a possibilidade de expressão como de recepção de linguagem e tem
o propósito de ofertar intervenção apropriada às necessidades e condições
individuais dos usuários deste sistema de comunicação.
No Brasil, a área da CAA apresentou crescimento, mas ainda
necessita ampliar as evidências científicas. Na área da Fonoaudiologia,
especificamente as evidências científicas relacionadas com o atendimento
ao usuário na implementação de recursos de CAA, ainda são escassos.
Nesse sentido, o projeto Autismo Comunica propõe o método
Desenvolvimento das Habilidades da Comunicação no Autismo (DHACA),
que será descrito a seguir.

DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DO PROJETO E O MÉTODO DHACA

O projeto Autismo Comunica teve início em fevereiro de 2017. Em


seu primeiro ano utilizou princípios do PECS-Adaptado (Picture Exchange
Communication System-Adaptado)15. Durante esse período, a equipe
identificou a necessidade de realizar adaptações ao modelo.
Baseado nos princípios da sociopragmática, o outro é visto como
agente intencional e tê-lo como modelo de interlocução é fundamental
para o aprendizado da comunicação. Assim, identificou-se a relevância do
interlocutor também utilizar a prancha de comunicação junto a criança ou com
outros interlocutores quando a criança estivesse com atenção compartilhada.
Outro aspecto que motivou as adaptações à proposta inicial foi
o fato de que ao alcançar as fases avançadas do PECS-Adaptado, havia
dificuldade na construção de estruturas linguísticas mais complexas. Deste
modo, foi desenvolvida uma proposta de base sociopragmática, entretanto
com perspectiva de pluralidade de métodos, o que resultou na construção
de um novo modelo interventivo, o método DHACA.
O DHACA tem como objetivo desenvolver as habilidades de
comunicação com uso da CAA. Baseado na teoria sociopragmática,
viabiliza a ampliação da comunicação funcional, tendo como premissas
o desenvolvimento da imitação e AC por meio de atividades lúdicas
planejadas de acordo com as preferências da criança, previamente avaliadas;
a participação da família/cuidadores, entendendo a importância do outro
no processo comunicativo; e o uso no contexto sociocultural da criança.
O método contempla as habilidades comunicativas e respectivos
objetivos para alcançar tal habilidade e apresenta duas versões: uma para
ser utilizada com a prancha de comunicação com figuras móveis; outra para
prancha de comunicação com figuras fixas ou com o aplicativo aBoard16
com o uso do tablet, apresentadas a seguir nos quadros 1 e 2.
Quadro 1 - Habilidades comunicativas desenvolvidas com a prancha de
comunicação com figuras móveis.

HABILIDADE OBJETIVO
ACEF - Atenção Compartilhada A criança é capaz de solicitar algo próximo ao
com Entrega de Figuras interlocutor por meio da entrega da figura, podendo
ser acompanhado da fala.

ACED - Atenção Compartilhada A criança é capaz de solicitar algo distante de


com Entrega de Figuras com interlocutores e contextos diversos por meio da
interlocutor Distante da Criança entrega da figura, podendo ser acompanhado da fala.

AV - Ampliação de Vocabulário A criança é capaz de distinguir a figura do que


deseja entre mais de quatro figuras e entrega a
interlocutores que estará distante da criança em
contextos diversos.

CFEQXID - Construção de A criança é capaz de formar frases com as figuras:


Frases com Eu + Quero + uma EU + QUERO + 1 figura do que deseja, solicitando a
palavra interlocutores diversos, apontando para as figuras
de forma sequenciada, podendo ser acompanhado
da fala, em contextos diversos.

CFEQXXID - Construção de A criança é capaz de formar frases com as figuras: EU


Frases com Eu + Quero + duas + QUERO + duas figuras (pode ser artigos, adjetivos,
palavras numerais, cores) e solicita a interlocutores diversos,
ao apontar para as figuras de forma sequenciada
podendo ser acompanhado da fala, em contextos
diversos.

CF4OP - Construção de Frases A criança é capaz de formar frases com quatro ou


com Quatro ou mais Palavras mais palavras, fazendo perguntas, comentários ou
solicitações com quatro ou mais palavras com uso de
figuras: EU + outros verbos + duas figuras ou mais,
(podendo ser verbos, artigos, adjetivos, numerais)
e aponta para as figuras de forma sequenciada
podendo ser acompanhado da fala, junto a
interlocutores diversos em contextos variados.

Após a aquisição da habilidade CF4OP, a criança será adaptada para dar início ao uso
da prancha fixa a partir da habilidade CF4OP.
Quadro 2 - Habilidades comunicativas desenvolvidas com a prancha de
comunicação com figuras fixas ou com o aplicativo aBoard
no Tablet

HABILIDADE OBJETIVO

CFEQX - Construção de Frases A criança deve ser capaz de solicitar algo próximo ao
com Eu + Quero + uma palavra interlocutor apontando para as figuras EU + QUERO na
avulsa prancha + figura avulsa* do que deseja. A construção
da frase ocorre de forma sequenciada apontando
para as figuras, podendo ser acompanhado da fala.
Terá que utilizar até quatro figuras avulsas, para
iniciar a aquisição da habilidade seguinte.

CFEQXID - Construção de A criança deve ser capaz de solicitar algo distante ao


Frases com Eu + Quero + uma interlocutor apontando para as figuras EU + QUERO
palavra na prancha + uma figura no vocabulário acessório. A construção
da frase ocorre de forma sequenciada apontando
para as figuras, podendo ser acompanhado da fala.
Terá que utilizar com interlocutores e em contextos
diversos para iniciar a aquisição da habilidade seguinte.

CFEQXX ID - Construção de A criança é capaz de formar frases com as figuras: EU


Frases com Eu + Quero + duas + QUERO + duas figuras (pode ser artigos, adjetivos,
palavras numerais). A construção da frase ocorre de forma
sequenciada apontando para as figuras, podendo
ser acompanhado da fala. Terá que utilizar com
interlocutores e em contextos diversos para iniciar a
aquisição da habilidade seguinte.

CF4OP - Construção de Frases A criança é capaz de formar frases com quatro ou


com quatro ou mais palavras mais palavras, fazendo perguntas, comentários
ou solicitações com quatro ou mais palavras. A
construção da frase ocorre de forma sequenciada
apontando para as figuras, podendo ser
acompanhado da fala.
Terá que utilizar com interlocutores e em contextos
diversos para iniciar a aquisição da habilidade seguinte.

CND - Construção de Narrativas A criança é capaz de realizar uma narrativa e aponta


para as figuras de forma sequenciada podendo
ser acompanhado da fala. Terá que utilizar com
interlocutores e em contextos diversos.

*Figura avulsa – pictograma plastificado solto, avulso à prancha de comunicação fixa


Para que o método fosse aplicado foi realizada, inicialmente, uma
imersão para capacitação da equipe, formada por doze alunos do curso
de graduação em Fonoaudiologia, e dois fonoaudiólogos, um docente
e coordenador do projeto e um técnico colaborador. Além dessa equipe,
participaram como colaboradores um psiquiatra infantil e uma docente do
curso de Pedagogia.
Durante o desenvolvimento do projeto aconteceram reuniões semanais,
com duração de duas horas, para supervisão, discussões clínicas, estudo de
caso, planejamento terapêutico, estudo dirigido e produção científica, além de
elaboração e organização dos materiais utilizados nos atendimentos.
Após a capacitação da equipe, foi dado início a seleção dos
participantes, que estavam na lista de espera da clínica de Fonoaudiologia
e que foram previamente triadas pela fonoaudióloga responsável pelo
serviço de triagem. Os critérios de inclusão foram: idade entre 2 e 5 anos,
ausência de fala funcional, ausência de comorbidades diagnosticadas como
deficiência intelectual, deficiência visual e outras síndromes. Após seleção
das crianças, o projeto se desenvolveu seguindo as etapas apresentadas no
fluxograma abaixo (Figura 1):

Figura 1 – Fluxograma com as etapas do projeto


Nas sessões iniciais, foram realizadas entrevistas com os pais e a
avaliação da criança. Para entrevista foi utilizado formulário de anamnese
elaborado pelas autoras, formulário de preferência indireta e ATEC -
Autism Treatment Evaluation Checklist17. Durante duas ou três sessões o
estagiário/terapeuta utilizou atividades lúdicas junto à criança com objetos
que promoveram ações simbólicas, atividades de ação e reação, atividades
que a criança pudesse solicitar algo, demonstrar interação social, atenção
conjunta, imitação, satisfação, raiva, interesse, rejeição. Com estes dados,
foi preenchido o protocolo ACOTEA - Avaliação da Comunicação no
Transtorno do Espectro do Autismo.
Os dados da entrevista e avaliação nortearam a escolha do tipo de
material, ou seja, a tecnologia utilizada pela criança, a saber: prancha móvel,
prancha fixa ou tablet. Os principais aspectos considerados para a seleção
da prancha foram as habilidades comunicativas presentes, os interesses
da criança, a capacidade de imitação, a presença de AC, a frequência do
contato visual e o brincar funcional.
Após a análise dos dados da avaliação registrados no protocolo
ACOTEA, as crianças com maior comprometimento nas habilidades
supracitadas iniciaram a intervenção utilizando a prancha “móvel”, isto é,
com as figuras removíveis.
Na prancha móvel foram utilizadas figuras removíveis, fixadas por
meio do velcro, que foram adicionadas à prancha conforme desenvolvimento
das habilidades comunicativas. Para o tablet foi utilizado o aplicativo aBoard (ou
em português “Prancha Assistive”) que necessitou de adaptação para inserção
dos pictogramas a partir das habilidades comunicativas a serem desenvolvidas.
A prancha fixa, de baixa tecnologia é composta por figuras
selecionadas com base no vocabulário “Core Words”18. Na parte superior
da prancha, são adicionados gradativamente pictogramas que representam
o vocabulário “fringe” 18, de acordo com o desenvolvimento das habilidades
comunicativas da criança.
Na experiência relatada a seguir, participaram dez crianças com
diagnóstico de TEA leve a moderado, com idades atuais entre 2 e 5 anos,
submetidas a atendimentos fonoaudiológicos individuais e semanais, com
duração de 40 minutos. É importante informar que outras crianças participaram
do projeto e já se desvincularam por motivos diversos, entre eles: acesso a
outros tratamentos em clínicas particulares multidisciplinares e com maior
carga horária de intervenção; não adesão por parte da família ao processo
terapêutico com o uso de CAA; desenvolvimento funcional da comunicação
por parte da criança não havendo mais necessidade do uso de CAA.
Dentre as dez crianças atendidas, quatro utilizaram pranchas de
baixa tecnologia com figuras móveis; cinco usaram pranchas de baixa
tecnologia com figuras fixas “Core Words”; sendo uma delas adaptada -
com figuras em LIBRAS e pictogramas; e uma utilizou o recurso de alta
tecnologia, um tablet com prancha no aplicativo de CAA “aBoard”.
Cada criança era atendida por uma dupla de terapeutas. Durante as
atividades, foram utilizadas dicas físicas, visuais e/ou verbais, de acordo com
a necessidade da criança, como estratégia facilitadora para o aprendizado
das habilidades comunicativas com a prancha de comunicação.
Além disso, o terapeuta também utilizava a prancha de CAA para
se comunicar com a criança ou com outro interlocutor, dando o modelo
para a criança. Esta estratégia em que o interlocutor utiliza a prancha para
se comunicar com a criança, é uma modelagem, que também era utilizada
pelos pais em casa. E, considerando que o desenvolvimento de competências
linguísticas envolve participação em atividades comunicativas já
historicamente estabelecidas, os familiares/cuidadores foram convidados,
em alguns atendimentos, a observar a sessão ou participar das atividades
propostas.
Após cada atendimento os familiares/cuidadores eram informados
quanto às atividades realizadas e orientados a dar continuidade as atividades
no ambiente familiar, com a finalidade de promover o desenvolvimento da
comunicação das crianças em parceria com a família, expandindo assim o
uso da CAA para o contexto sociocultural.
Outra ação direcionada aos familiares/cuidadores foram as oficinas
e palestras trimestrais, com temas multidisciplinares sobre direito à
acessibilidade comunicacional, inclusão escolar, saúde e benefícios.
Na sequência, será apresentado um recorte dos resultados, dando
destaque ao desenvolvimento das habilidades comunicativas com o uso da
CAA, de acordo com o DHACA, nas crianças que participaram do projeto
até setembro de 2019, quando esses dados foram coletados.
A intervenção fonoaudiológica com o uso da CAA ampliou a
intenção comunicativa de todos os participantes, que avançaram na
aquisição das habilidades da seguinte maneira: dentre as seis crianças que
utilizaram a prancha fixa, a quantidade de sessões para uso da prancha
construindo frases com “EU QUERO + duas palavras” variou entre 10 e 26.
Dentre as quatro crianças que utilizaram a prancha móvel, uma atingiu a
habilidade “Atenção compartilhada com entrega de figuras”, após realizar
oito sessões e três atingiram a habilidade “Construção de Frases com o Eu
quero + uma palavra”, quando a quantidade de sessões variou entre 15 e 37
sessões para a aquisição desta habilidade.
A variabilidade no número de sessões para se alcançar uma mesma
habilidade pode ser explicada por fatores, tais como: assiduidade, pontualidade,
engajamento familiar, idade e grau de comprometimento da criança.
As crianças com menor número de faltas e com famílias mais
engajadas, que conseguiam dar continuidade ao uso de CAA de forma
sistemática em casa ou na escola, avançaram nas habilidades mais rápido;
assim como as crianças mais novas e com menor comprometimento quanto
à atenção compartilhada, interação e imitação.
Quanto aos aspectos que dificultaram o processo terapêutico,
podemos citar as alterações sensoriais presentes em algumas crianças,
que as desorganizavam, potencializando crises; hiperatividade, protestos,
dificuldade de interação, concentração, sendo necessárias mais sessões para
promover a aquisição das habilidades comunicativas previstas.
Outro aspecto a ser destacado é que a prancha fixa promoveu o
desenvolvimento de habilidades comunicativas mais complexas. A prancha
fixa apresenta uma maior variedade de pictogramas pertencentes ao core words
e fringe vocabulary, que favorece possibilidades ampliadas de comunicação.
Em um estudo19, também se constatou que o uso de CAA com
core words e fringe vocabulary aumenta a frequência de uso da prancha
de comunicação, estimulando a intenção comunicativa e ampliando a
interação com interlocutor.
De acordo com relatos de pais de algumas crianças, a seguir,
observa-se também a ampliação da intenção comunicativa e diminuição
dos comportamentos inadequados, que foram substituídos por habilidades
aprendidas, e as crianças passaram a expressar melhor suas necessidades.

Quadro 3 - Registro da fala de alguns pais após serem solicitados que


falassem sobre a evolução da criança após entrada no projeto

1. Transcrição de trecho de fala de pai da criança A.


Ele melhorou muito, percebemos que ele evoluiu e está mais calmo e mais
independente. Na escola ele está mais participativo nas atividades.
2. Transcrição de trecho de fala de mãe da criança B.
Ele fala bem mais, ele interage bem mais, com certeza...mais atento a
tudo... pra aprender. Ele está bem melhor mesmo com certeza, todo mundo
observa a diferença nele, tanto a gente de casa como as pessoas de fora, né?
Inclusive na escola e em toda a parte, né? Ele tem um coleguinha que não
faz parte deste projeto e as professoras sempre ficam avaliando os dois,
né? Porque o outro, assim, é como tivesse lá só de corpo presente, e B. não,
a gente fala com ele e ele já se direciona pra gente, [.....] tudo que a gente
fala ou faz, ele sempre tem intenção, de que?, de imitar, de fazer, de repetir,
falar. O projeto só trouxe benefício pra gente, no dia a dia da gente, no
relacionamento com ele em casa...pra mim é um privilégio meu filho está
participando deste projeto [...]com pouco tempo a gente já vê a diferença,
imagine daqui a seis meses, um ano. Estamos muito felizes.
3. Transcrição de trecho de fala de mãe da criança C.
Antes ele não falava nada, só gritava, chorava e era o maior estresse porque
a gente não compreendia ele e depois que passou a fazer esse tratamento ele
demonstrou mais comunicação e com isso ele vem com o tablet e fala. Hoje
ele tá falando “papai”, “mamãe”, “vovó”, tem a figurinha da “mamãe”, do
“papai”, da “vovó”, quando ele quer ir pra casa da vovó ele fala apontando “eu
quero casa da vovó”. E hoje estamos mais alegres por ter essa comunicação,
por eu entender ele. Na escola as professoras também estão amando, no
relato delas diz que ele está tendo mais comunicação, conversando mais com
os coleguinhas, do jeitinho dele, mas está tentando uma comunicação.
Conforme os relatos dos pais das crianças B e C, a intervenção atinge
um de seus objetivos que é dar condições ao indivíduo de se comunicar
em diversos contextos com variedade de parceiros comunicativos5. Estes
resultados corroboram com o que alguns autores afirmam, que o uso da
CAA estimula o desenvolvimento da linguagem expressiva e promove uma
comunicação funcional20.
Constata-se, assim, que a aplicação do método DHACA com a
CAA favoreceu o desenvolvimento da comunicação em crianças com TEA,
contribuindo com a qualidade de vida da família.
Dentre as dificuldades encontradas para o bom andamento do
projeto, podemos citar a quantidade de sessões semanais, os escassos
recursos materiais, a limitação quanto a intervenção multidisciplinar, a
dificuldade de propor algumas atividades diante de interesses restritos de
algumas crianças, a pouca adesão de algumas famílias, os imprevistos com
paralização das atividades. Quanto aos aspectos facilitadores, podemos
citar o engajamento das crianças e da maioria dos familiares, a intervenção
precoce e a orientação familiar sistemática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso da CAA com o método DHACA promoveu o desenvolvimento da


comunicação funcional, nos aspectos morfossintático, semântico, pragmático,
aumento de tempo de atenção compartilhada, melhora na interação social e
na qualidade de vida das crianças com TEA e de seus familiares.
O projeto tem sido de grande importância para a formação
acadêmica dos discentes, por proporcionar o acesso a uma prática
diferenciada nos cursos de graduação de Fonoaudiologia de Pernambuco,
que em geral só ocorre após a formação.
Espera-se que este projeto piloto seja um passo inicial para a
continuidade e o aprimoramento do método DHACA e que este possa ser
replicado e aperfeiçoado contribuindo para o fortalecimento das pesquisas
que comprovam que a CAA é uma tecnologia assistiva que promove o
desenvolvimento da comunicação funcional em crianças com TEA.
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science and future research priorities. Assist Technol 2011;24(1):34-44.
CAPÍTULO 2

ATUAÇÃO CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA


NO CUIDADO ÀS PESSOAS QUE GAGUEJAM

Mayra Maria Oliveira de Lima


Anna Paula Targino Belmiro
Attanna Thuanna Ferreira de Andrade
Débora Vasconcelos Correia

INTRODUÇÃO

Pessoas que gaguejam são aquelas que apresentam o transtorno da


fluência com início na infância1, um distúrbio da comunicação que surge
no neurodesenvolvimento e possui uma base genética2. O fonoaudiólogo
é o profissional habilitado para cuidar da saúde da comunicação dessas
pessoas, e de acordo com a Resolução nº 507/2017 do Conselho Federal de
Fonoaudiologia recomenda-se a especialidade em Fluência. Dessa forma,
a proposta deste capítulo pauta-se em compartilhar sobre a nossa atuação
clínica fonoaudiológica na área da Fluência junto às pessoas que gaguejam,
cujas experiências serão abordadas no cenário de uma ação extensionista
da Universidade Federal da Paraíba chamada “Projeto Flua”, onde
atuamos e compomos a equipe profissional. Esta ação oferece assistência
fonoaudiológica para pessoas com distúrbios da fluência dos mais diversos
grupos etários, funciona na Clínica-Escola de Fonoaudiologia desde 2016 e
até então tem contado com a participação de graduandos e fonoaudiólogos.
Tal vivência coopera com a formação e a capacitação técnica e científica de
recursos humanos, por articular a prática assistencial ao ensino e à pesquisa.
O Flua dedica-se ao desenvolvimento desse tripé fundamental
que conta com a base da assistência, mediante a educação permanente em
saúde e a prática interventiva fonoaudiológica; a base do ensino, por meio
da formação e capacitação da equipe; e a base da pesquisa, com vistas em
cooperar com o desenvolvimento e a consolidação da Fluência como uma
das áreas da Fonoaudiologia. Assim, a dinâmica assistencial da ação busca
conduzir a prática do cuidado de forma coerente com a complexidade
da natureza da fluência, concebida como uma habilidade linguística3.
Apoiadas sobre esse conceito de fluência é que desenvolvemos a ação e,
consequentemente, os fundamentos teóricos deste capítulo. Sendo assim,
o nosso objetivo reside em discorrer sobre as etapas inerentes ao processo
de atuação clínica fonoaudiológica no cuidado às pessoas que gaguejam
desenvolvidas na rotina assistencial do Projeto Flua, sendo elas: a avaliação
da fluência, o planejamento terapêutico e a terapia fonoaudiológica.

A FLUÊNCIA E SUA DINÂMICA AVALIATIVA FONOAUDIOLÓGICA

Como ponto de partida, consideramos importante destacar o fato


de que todo e qualquer processo avaliativo para fins diagnósticos deve
partir de uma proposição teórica que conceitue e caracterize o fenômeno
a ser investigado, visto que os instrumentos e procedimentos avaliativos
precisam convergir para atender aos critérios estabelecidos na literatura.
Assim, a dinâmica clínica avaliativa adotada pela ação extensionista concebe
a fluência enquanto uma habilidade linguística, cuja sua propriedade básica
consiste em ser habilidade e sua propriedade essencial em ser linguística,
o que faz com que múltiplas bases neurais estejam vinculadas para a sua
realização física4.
No que tange à gagueira, o conceito e critérios adotados são os
propostos pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(DSM-V)1, que a define como sendo um distúrbio da fluência que inicia
na infância, e a classifica no grupo dos distúrbios da comunicação e do
neurodesenvolvimento. O DSM-V elege basicamente quatro critérios
diagnósticos: (1) presença de perturbações na fluência e no padrão
temporal da fala, que se apresenta de maneira inapropriada para a idade
e habilidades linguísticas do indivíduo, evidenciadas pela predominância
de disfluências típicas da gagueira; (2) início precoce dos sinais e sintomas,
ainda no período desenvolvimental; (3) não passível de atribuição a um
déficit motor da fala, sensorial, lesão neurológica ou outra condição clínica
que melhor a explique; (4) e que pode causar ansiedade em relação à fala e/
ou ainda limitações na efetividade da comunicação, participação social ou
desempenho acadêmico/profissional.
Em consonância com o perfil transversal da fluência e complexo
da gagueira, a avaliação fonoaudiológica requer uma análise personalizada
da dinâmica comunicativa de cada falante, para que o delineamento do
raciocínio clínico atenda satisfatoriamente a elaboração de uma proposta
interventiva coerente com as necessidades identificadas. Comumente, as
pessoas que procuram o Flua referem à gagueira como queixa principal,
e a grande questão que envolve o primeiro contato com o paciente, para a
realização da anamnese, está nas perguntas a serem realizadas. Parece um
pouco redundante referir que a “grande questão” está nas “perguntas”, mas
a verdade é que a anamnese utilizada está em constante atualização, pois ela
é flexível e molda-se a cada nova descoberta científica.
Por essa razão, a cada ano revisamos o roteiro da anamnese, editamos
e/ou adicionamos questões apontadas como relevantes na literatura e
que merecem espaço no trabalho investigativo. Nossa intenção é manter
atualizada a anamnese, para que ela não se torne obsoleta e nos prive de
atingir o objetivo que lhe cabe cooperar. Em uma dessas revisitas ao roteiro
da entrevista inicial procuramos embasar as questões sobre os antecedentes
familiais com dados sobre a base genética da gagueira2; a ocorrência de
infecções concomitantes ou próximas ao período de surgimento da
gagueira, a partir dos estudos de caso que relataram a apresentação da
gagueira como resposta autoimune às bactérias estreptococos do tipo A5,
h-pylori6 e ao rotavírus7; além das questões sobre os distúrbios do sono
que podem prejudicar a fluência8, bem como o uso de medicamentos que
podem ocasionar a gagueira como um sintoma/efeito colateral adverso9-11.
Todas essas indagações contribuem para o diagnóstico diferencial dos
distúrbios da fluência.
O impacto da gagueira na qualidade de vida e participação social
também tem sido incorporada, mediante a consideração de estudos12 que
sugerem, especialmente para aqueles adultos que gaguejam e possuem
a ansiedade social como comorbidade, que eles são mais suscetíveis a
dificuldades psicológicas e a uma visão mais negativa a respeito da sua
própria fala, embora o grau de severidade da gagueira dessas pessoas
muitas vezes ser leve. Essas informações são de extrema relevância para
a elaboração do plano interventivo, além de sinalizarem a necessidade de
possíveis encaminhamentos para outros profissionais, o que nos ajudará a
garantir melhores chances para o sucesso terapêutico.

A AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM FLUÊNCIA

Após a anamnese, segue-se a avaliação da fluência propriamente


dita. Os seus princípios estão radicados nos critérios diagnósticos do DSM-V,
especialmente o primeiro critério, que se refere à identificação das disfluências
conforme a tipologia e frequência de ocorrência, além dos aspectos qualitativos
associados. Para isso, realizamos a coleta em vídeo de amostras de fala semi-
espontânea do paciente falando sobre algum assunto da sua preferência ou
uma história favorita, quando o paciente é uma criança, por exemplo. Além
do áudio, esse registro viabiliza a análise dos dados visuais sobre as expressões
corporais e faciais que são realizadas durante a fala, como os concomitantes
físicos. As informações visuoespaciais enriquecem a transcrição da amostra de
fala e fornecem outros dados qualitativos que perderíamos se registrássemos
apenas o áudio. Esses dados posteriormente são transcritos e possibilitam a
realização das medidas de frequência das rupturas e de velocidade da fala.
Todos esses procedimentos de análise são realizados tomando por
base os preceitos teóricos de Yairi13 e Andrade14. Eles nos permitem aplicar
o critério diagnóstico quantitativo que considera uma amostra de fala como
gaguejada a partir da observância de 3% de disfluências típicas da gagueira
em sua análise amostral15. Para a conclusão diagnóstica, a avaliação do
desempenho da fluência na fala tem sido utilizada como prioritária, pela
recomendação dos protocolos vigentes. Contudo, temos incorporado a
análise da fluência na leitura de textos foneticamente balanceados16, como
uma etapa do processo avaliativo para pacientes alfabetizados. Apesar
da fluência na leitura ainda não ser considerada como um dos critérios
avaliativos para a conclusão diagnóstica da gagueira, a análise do seu
desempenho mostra-se imprescindível para o delineamento de estratégias
de cuidado que visam a habilidade em distintas modalidades de expressão
linguística, bem como a funcionalidade comunicativa de quem gagueja.
Da anamnese à avaliação da fluência propriamente dita, pode-se dizer
que as práticas adotadas são comuns à rotina clínica predominantemente
realizada em Fluência. No entanto, é no raciocínio transversal que está o que
acreditamos ser o diferencial do processo avaliativo realizado no Projeto Flua.
A transversalidade se dá justamente em decorrência da assunção conceitual
sobre a fluência e as suas propriedades básica e essencial, pois, por ser a fluência
uma habilidade, é preciso considerarmos a investigação dos seus componentes
sensório-perceptual e atencional, motor e mnemônico; e por ser linguística,
é necessário considerar os principais componentes da linguagem - o léxico e
a gramática mental4. Esse entendimento acerca da natureza da fluência exige
que a sua avaliação fonoaudiológica não se detenha apenas na identificação e
quantificação de rupturas, mas considere principalmente os seus componentes.
Por isso, temos transitado em meio aos conteúdos, instrumentos e procedimentos
que comumente são conhecidos como “da Linguagem”, “da Motricidade”, “da
Voz” e “da Audiologia”, mas que têm nos auxiliado a dar os primeiros passos em
direção à construção de uma proposta avaliativa integrada da fluência17.
Por essa razão tomamos como tão relevante quanto avaliar a
fluência de quem gagueja, avaliar também o seu desempenho linguístico
na elaboração do discurso. Os padrões de articulação, respiração,
organização da postura corporal e identificação de pontos específicos de
tensão também merecem a nossa atenção pelo seu possível impacto no
agravo dos concomitantes físicos, da severidade do distúrbio e no prejuízo
comunicativo. Assim como as dificuldades relacionadas ao comportamento
auditivo e à integração sensório-motora da fala, os aspectos prosódicos
e rítmicos, como também os possíveis ajustes no trato vocal e recursos
adaptativos adotados pelo paciente para a produção de uma fala mais fácil
e menos gaguejada que podem ser inapropriados para a manutenção do
equilíbrio funcional das estruturas envolvidas.
O PLANEJAMENTO TERAPÊUTICO

Concluída a avaliação é hora de planejar a intervenção terapêutica.


Essa é uma etapa muito importante para a eficácia do tratamento, pois o seu
desenvolvimento resultará em uma conduta direcionada especificamente
para atender às necessidades clínicas do paciente, e oferecer as informações
estruturais que serão compartilhadas com a pessoa que gagueja e/ou com
a sua família antes do início da terapia propriamente dita. Chamamos
esse momento de devolutiva e/ou sessão de corresponsabilidade, já que o
intuito não está em simplesmente apresentar uma proposta interventiva
“engessada”, que a pessoa a ser cuidada precise necessariamente aceitar todas
as “cláusulas” da nossa prestação de assistência. Na verdade, mais do que
prestado, a nossa ação busca ser construída mediante a responsabilização
mútua, onde expomos as impressões clínicas, as conclusões diagnósticas
e as propostas de atuação e convidamos o nosso paciente para pensarmos
juntos sobre a viabilidade do processo terapêutico, estabelecendo um
acordo esclarecido de papéis e responsabilidades.
Atualmente, apesar de existirem os programas18,19 terapêuticos
como um dos formatos de tratamento junto às pessoas que gaguejam, temos
adotado até o momento os preceitos teóricos que embasam a construção
dos processos terapêuticos. A esse respeito, Onslow20 destaca que apesar
de existirem objetivos basais, que não devem ser modificados, o caráter
flexível do processo terapêutico se evidencia na possibilidade de rearranjos
da prática interventiva dialogados entre o fonoaudiólogo e o paciente.
Planejar a terapia é fundamental para o sucesso da prática interventiva, pois
é o planejamento que coordena toda a condução clínica. Ele funciona como
uma espécie de plano estratégico, tático e operacional das ações, e quem se
dedica em planejar as tomadas de decisões demonstra compromisso ético
com a pessoa cuidada e com os resultados esperados.
Por essa razão é importante planejar além das técnicas e
procedimentos, os desfechos esperados para cada uma das nossas
intervenções. Assim, contribuímos com o aumento da satisfação do
paciente reduzindo o índice de frustração, que muitas vezes estão pautadas
em expectativas que fogem da realidade prognóstica, e tornamos mais claro
o resultado do nosso trabalho, o que nos ajuda a fazer os ajustes necessários
ao longo do processo. Portanto, iniciar a terapêutica fonoaudiológica
planejando apenas parte do atendimento, a sessão semanal ou quinzenal,
por exemplo, sem considerar a totalidade dos objetivos e metas para alcance
da alta fonoaudiológica está suscetível ao fracasso. O que nos leva a conceber
também como relevantes outras premissas que cooperam para que possamos
reduzir as chances de insucesso em nossa prática, dentre elas destacamos o
formato do tratamento e a formação especializada do fonoaudiólogo.

a) Mapeamento das necessidades do paciente

Essa etapa está totalmente vinculada ao momento da avaliação, uma


vez que transitamos entre a análise dos achados e o traçado da proposta
interventiva para o mapeamento das necessidades clínicas do paciente - essa
é a “matéria-prima” do planejamento terapêutico. Realizado o mapeamento,
agora sim podemos estabelecer os fundamentos estruturais para a
proposição de objetivos e metas terapêuticas. É importante destacar que a
etapa de identificação das necessidades do paciente deve ser desenvolvida
sempre com base nos principais parâmetros da fluência15 (continuidade,
velocidade e esforço). Não perder de vista tais parâmetros nos auxiliará na
construção de um design terapêutico mais eficiente e coerente com os reais
alvos interventivos e anseios do paciente e da sua família.

b) Traçado dos objetivos, metas terapêuticas e seus respectivos prazos

Para elencarmos os objetivos terapêuticos contemplamos tanto


a fluência em si, quanto o seu uso no contexto social. Como exemplo,
podemos considerar um paciente adulto que gagueja cuja avaliação
apresentou elevada velocidade nos trechos de maior fluência, além de uma
amplitude articulatória reduzida e imprecisa que o tem prejudicado nas
apresentações dos seminários na faculdade (sua principal queixa). Nesse
caso, tomando apenas essas necessidades clínicas e não considerando as
demais que ele também possa apresentar, precisamos atuar na redução da
taxa de elocução do paciente (ajuste no parâmetro de velocidade), de modo
que ele possa fazer o uso efetivo e eficiente da sua habilidade linguística da
fluência em contextos públicos de comunicação.
Dessa forma, além dos objetivos estritamente clínicos, tais
como “reduzir a velocidade na fala” e “melhorar a amplitude e precisão
articulatória”, concebemos também as metas terapêuticas que dizem respeito
à consecução desses objetivos em contextos reais de comunicação. Esse
enfoque na saúde funcional constitui o âmago do cuidado fonoaudiológico
e deve respeitar prioritariamente a hierarquia da complexidade linguística.
Para isso, ao traçar prioridades interventivas é importante considerarmos
que algumas precisarão ser trabalhadas sequencialmente (do contexto
linguístico mais simples para o mais complexo), enquanto outras precisarão
ser desenvolvidas em concomitância, para que uma dê o suporte que a
outra necessita para o seu desenvolvimento.
A ideia central dessa etapa do planejamento é priorizar a ascendência
da complexidade linguística, pois torna-se inviável trabalhar a fluência de
uma criança que gagueja em narrativas sobre como foi o seu dia na escola,
por exemplo, se ela ainda não conseguiu desenvolver essa habilidade na
produção de unidades linguísticas menores. Assim como para aquele
paciente universitário, que apresenta elevada taxa de elocução precisamos
atuar concomitantemente na prioridade de redução da velocidade e no ajuste
da amplitude e precisão articulatória, pois são prioridades interventivas que
oferecerão suporte uma à outra para o seu desenvolvimento.
A respeito dos prazos, tomamos por base o Parecer da Comissão
Inter Conselhos de Saúde Suplementar21, CISS - nº 1, de 27 de junho de 2009,
do Conselho Federal de Fonoaudiologia - CFFa, que dispõe para a terapia
fonoaudiológica na área da Fluência o balizador de tempo equivalente
ao médio prazo (de 7 a 23 meses). Além dos achados na literatura22 de
que o progresso terapêutico já se mostra evidente com 11 a 12 sessões,
ou em um período de três meses, de modo que a abordagem terapêutica
deve incluir métodos que promovam efeitos em longo prazo e lidem com
os possíveis reveses. Nossa vivência tem andado em concordância tanto
com a proposição do CFFa, quanto com o que a literatura discorre sobre o
prognóstico terapêutico de que quanto mais tempo uma criança gagueja,
mais difícil e improvável se torna a remissão total do distúrbio23.
Temos experimentado a realidade de acompanhar progressões
substanciais já nos três primeiros meses de intervenção22, independentemente
do grupo etário do nosso paciente e em consonância com o prognóstico
esperado para o seu caso. No entanto, é importante destacar que o tempo de
duração da terapia precisa ser flexível, pois depende de diversas variáveis,
desde a idade do paciente, a idade da gagueira, o grau de severidade do
distúrbio, a adesão do paciente e/ou da família ao processo, dentre inúmeros
outros fatores. O fato é que o tempo proposto para a duração do processo
interventivo no tratamento da gagueira não é uma regra, mas, temos pressa
em fazer com que a pessoa que cuidamos usufrua o mais rápido possível
dos benefícios que a terapia fonoaudiológica pode lhe proporcionar. Por
isso, não podemos perder os prazos de vista.

c) Eleição das técnicas e estratégias terapêuticas

Com os objetivos estabelecidos, metas definidas e prazos estimados,


este é o momento em que já temos definido o que a Prática Baseada em
Evidências (PBE)24 chama de “problema clínico”. Agora, chegou o momento
de analisarmos o mapeamento das necessidades (etapa a), juntamente com o
plano de objetivos e metas (etapa b) e nos dedicarmos a responder às seguintes
questões, considerando criticamente as evidências disponíveis na literatura
para solucioná-las: o que fazer? por que fazer? como fazer? A resposta para “o
que fazer?” obtemos quando dirigimos o nosso olhar para o plano de objetivos
e metas, lá está disposto tudo o que precisamos fazer para com o nosso
paciente. Já a resposta para “por que fazer?” encontramos quando retomamos
as justificativas de todo o nosso plano de ação, o mapeamento das necessidades.
A grande questão do momento reside em “como fazer?”, pois, é nesta etapa que
saímos do nível de conceptualização da atuação e passamos a assumir uma
dada forma, que promoverá saúde à comunicação de quem gagueja.
Para isso, procuramos adaptar tanto o nosso modo de interagir
com o paciente, quanto os recursos utilizados para o grupo etário que ele
pertence, bem como suas respectivas demandas comunicativas. O mais
importante não é apenas dominar a realização das técnicas de modelagem
da fluência ou de modificação da gagueira, mas planejarmos como elas
serão implementadas. Para isso, procuramos priorizar ao máximo a
funcionalidade da fluência no dia-a-dia, esse tem sido um diferencial em
nossa prática, inclusive tem nos ajudado na adesão ao processo terapêutico,
pela atribuição de sentido que proporciona ao paciente.
d) Rearranjo do processo mediante a mudança das necessidades do
paciente

Este momento do planejamento terapêutico, diferentemente dos


demais, não é mais uma etapa que ocupa um espaço determinado para
a sua realização, como se a dinâmica do cuidado junto à quem gagueja
fosse um processo linear em que o rearranjo de qualquer uma das etapas
anteriores estivesse alocado ao término da cadeia. Na verdade, o rearranjo
do processo mediante a mudança das necessidades do paciente está mais
para uma estação contínua e permanente do plano terapêutico que devemos
visitar com regularidade para uma melhor prática interventiva, do que uma
etapa que em algum momento iremos alcançar no desenvolvimento do
processo terapêutico.
É no rearranjo que está uma das principais diferenças entre os
programas e os processos terapêuticos. Como trabalhamos até então
com processo terapêutico, nosso plano está constantemente aberto para
possíveis necessidades de ajustes e mudanças que nos ajudem a obter uma
melhor evolução clínica do paciente. Para isso, Pertijs et al.22 sugerem que
sejam realizadas reavaliações bimestrais, principalmente se os objetivos
propostos e trabalhados não tiverem sido suficientemente realizados/
alcançados.

A TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA EM FLUÊNCIA PARA O CUIDADO DE


QUEM GAGUEJA

Sobre a proposição do tratamento, que diz respeito a maneira pela


qual o paciente é acompanhado, um aspecto que merece atenção refere-
se à duração da sessão. Mais até do que a sua frequência (semanal ou
quinzenal), a duração da sessão fonoaudiológica precisa considerar que
quem gagueja precisa de um tempo diferenciado para se expressar. No
Flua temos considerado o tempo mínimo sugerido pelo CFFa25 que é de 45
minutos a sessão, podendo nos estender até os 60 minutos, principalmente
nos primeiros contatos destinados à avaliação.
Outro aspecto que vale a pena ser considerado na proposição do
tratamento é o tipo da abordagem26 de cuidado a ser adotada, se direta,
indireta ou mista. A abordagem direta dedica-se à mudança do discurso
do paciente para facilitar sua fluência. Ela inclui a modelagem da fluência e
estratégias de modificação de gagueira para reduzir as taxas de disfluências,
a tensão física envolvida no ato de fala e os movimentos concomitantes. Já
a abordagem indireta é destinada a orientar as famílias (especialmente os
pais) sobre como fazer mudanças em sua própria fala e em seu ambiente
para maior conforto comunicativo. Essas mudanças são utilizadas como
recursos facilitadores para a fluência da criança cuidada e podem incluir
desde os mecanismos de redução da taxa de elocução dos pais, quanto
ao uso de reformulações (rephrasing) para modelagem de um discurso
mais fácil e mais fluente. E a abordagem mista consiste em unir ambas as
abordagens (direta e indireta) na conduta profissional.
Comumente temos feito mais uso das abordagens direta e mista.
Aplicamos a abordagem mista a depender principalmente da idade do
paciente e suas necessidades, pois no trabalho com crianças a parceria
com os pais é imprescindível. Já no trabalho com adultos, a nossa atuação
é mais diretiva, sem que ocorra tanto o envolvimento da família como um
fator primordial para alcançarmos os objetivos propostos. É importante
lembrarmos que as técnicas de modelagem da fluência e modificação
da gagueira estão voltadas principalmente para atender a necessidade
de redução do comprometimento da função comunicativa e corporal
de quem gagueja, mas tão importante quanto, está a necessidade de
reduzir as limitações nas atividades diárias e as restrições na participação
comunicativa. Para estas necessidades, mais do que suavizar os contatos
articulatórios ou reduzir a tensão fonatória, por exemplo, estão os objetivos
que visam auxiliar quem gagueja a treinar a sua fluência em contextos reais
e desafiadores de comunicação, além do ambiente clínico controlado.
Após o paciente alcançar o desempenho esperado, é necessário dar
início à alta fonoaudiológica assistida. Passamos então a acompanhá-lo com
intervalos de tempo cada vez mais esparsos (follow-up), o que auxilia na
manutenção do ganho terapêutico27. A literatura22 aponta que esse follow-
up deve ser planejado de maneira individualizada por um período de dois
anos. No entanto, o que observamos em boa parte dos casos que iniciamos
o follow-up é que conseguimos acompanhar alguns pacientes no máximo
até seis meses após a alta, com raras exceções esse acompanhamento se
estendeu por um ano. Alguns fatores podem estar relacionados com essa
observância, um deles é o fator motivacional do paciente para se manter
assíduo após a conclusão do tratamento, já que ele se sente melhor. Esse
cuidado em manter o ganho está diretamente relacionado com a redução
das chances de recidivas, pois a fluência é uma habilidade linguística, e como
toda e qualquer habilidade ela precisa de treino para a sua consolidação.
Para que essa dinâmica assistencial funcione de maneira satisfatória, a
capacitação profissional é fundamental, o que justifica em nosso cenário de
prática esse aspecto ser de maneira continuada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partilha de vivências sobre a atuação clínica fonoaudiológica no


cuidado às pessoas que gaguejam, experienciadas no Flua, nos leva a concluir
que toda a dinâmica interventiva aqui apresentada e discutida possui
uma perspectiva de cuidado transversal e integrado como consequência
do conceito assumido sobre o que é fluência e sobre o que é gagueira.
Dessa forma, foi possível discutir o tratamento fonoaudiológico como um
processo amplo, dinâmico e flexível, bem como destacar a importância
da busca contínua pela atualização científica para o embasamento do
fazer clínico, visto que os estudos sobre gagueira apontam constantes
descobertas. Sendo assim, assumir na rotina clínica os preceitos da PBE é
mais do que uma tendência, é assumir uma postura ética frente à profissão
em pautar as tomadas de decisões de maneira técnica, científica, assertiva,
responsável e consciente.
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CAPÍTULO 3

ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS PARA O


DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES AUDITIVAS

Ana Augusta de Andrade Cordeiro


Ana Elisabete Magnata Cordeiro Mawad

INTRODUÇÃO

Apesar do consenso existente entre os pesquisadores e profissionais


sobre a importância da (re)habilitação auditiva, os aspectos relacionados às
estratégias terapêuticas, necessárias para o desenvolvimento das habilidades
auditivas, nem sempre se mostram de maneira clara, objetiva e sistemática.
Dessa forma, sentiu-se a necessidade de abordar, nesse capítulo, diferentes
estratégias terapêuticas utilizadas na prática clínica as quais possam
promover o desenvolvimento da criança com deficiência auditiva.
A proposta é auxiliar o trabalho de profissionais da área de
habilitação e reabilitação de crianças deficientes auditivas, de modo
que transformem seu tempo de interação em tempo de estimulação das
habilidades auditivas e de linguagem de forma natural e contextualizada.
Foi selecionado, para ilustrar as estratégias de interação propostas,
um caso clínico de uma criança com deficiência auditiva acompanhada
dos quatro meses até três os anos de idade. Desta forma, foram exploradas
estratégias de interação utilizadas nos primeiros três anos de vida, também
chamado período crítico do desenvolvimento.
ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS AURIORAL

Considerando a existência de diversas linhas de trabalho com


a criança deficiente auditiva usuária de implante coclear e/ou prótese
auditiva, as estratégias ora apresentadas serão pautadas na abordagem
Aurioral, que tem como objetivo o desenvolvimento da linguagem oral a
partir da estimulação do órgão sensorial da audição.
Na perspectiva dessa abordagem, algumas premissas são importantes
para obtenção de resultados satisfatórios no processo de (re)habilitação
auditiva, são elas: (I) diagnóstico audiológico e intervenção precoce; (II)
Amplificação: uso constante e correto do Aparelho de Amplificação Sonora
Individual - AASI e do IC- Implante Coclear. Portanto, é fundamental
que o dispositivo esteja adequado às reais necessidades de cada criança,
garantindo, assim, acesso aos sons de fala que possibilitem respostas
positivas durante o processo de (re)habilitação; (III) desenvolvimento
da função auditiva: devem ser proporcionadas à criança um ambiente
estimulante, introduzindo-a ao mundo sonoro em contextos significativos1.
A criança que recebe o dispositivo, que passa a ter acesso aos sinais
de fala, precisa aprender “o que” está ouvindo e “como” deve responder. Ao
terapeuta cabe prover oportunidades para ouvir sons e dar significados a
eles. Contudo isso só será possível com o uso contínuo do dispositivo2.
Na prática clínica, essa abordagem é um conjunto de técnicas,
estratégias, condições e procedimentos que promove a construção da
linguagem por meio da função auditiva. Há doze técnicas importantes no
processo de (re)habilitação de crianças com deficiência auditiva são elas:
escutar no silêncio, aproximação, brincadeiras vocais, repetição, percepção
bimodal, conjunto fechado, intermediário (semiaberto) e conjunto aberto,
imitação direta, questões, less is more e humor comunicativo2.
A técnica do silêncio é uma ferramenta essencial para o
desenvolvimento das habilidades auditivas, portanto, a sala deve ser
silenciosa e/ou isolada acusticamente2.
A técnica de aproximação refere-se à importância de se sentar
ao lado da criança, do mesmo lado da orelha implantada ou protetizada
(melhor orelha), no mesmo nível dela2.
A técnica das brincadeiras vocais envolve o uso de entonação
agradável, rica em melodia, expressão e ritmo para tornar o feedback
produtivo, o que promove a concentração nos traços suprassegmentais
da fala. Importante falar próximo ao microfone. O conhecimento
do profissional e da família quanto ao dispositivo é de fundamental
importância2.
A técnica de repetição é necessária nos primeiros estágios de
desenvolvimento para garantir o sucesso da criança nas suas experiências
auditivas. Contudo, o uso da repetição das palavras deve ser realizado
em um contexto significativo2, como por exemplo, “chama a mamãe”,
“vem mamãe”. A repetição deve ser feita sem a exigência da repetição por
parte da criança. Essa técnica estimula a habilidade de discriminação e
reconhecimento auditivo.
A técnica de percepção bimodal combina efetivamente a audição
e a visão. A informação é apresentada por via auditiva e, posteriormente,
visualmente. Em seguida é novamente repetida auditivamente. Ela foi
denominada por Koch de “sanduíche auditivo”. O estímulo se inicia
auditivamente é significado visualmente e finaliza auditivamente,
preparando a criança para a habilidade de compreensão2.
A técnica de conjunto fechado consiste em solicitar um dos
elementos apresentados entre uma variedade previamente determinada de
possíveis alternativas2. Por exemplo, são postas na mesa quatro miniaturas
de animais e é solicitado à criança que pegue um deles.
Na técnica de conjunto intermediário (semiaberto) o contexto é
esclarecido, porém o conteúdo não é especificado2. Exemplo: Quem sou
eu? É um animal e vive no mar.
Na técnica de conjunto aberto a escala de respostas possíveis
é infinita. Trata-se de uma conversação espontânea sem roteiros
preestabelecidos2.
A técnica de imitação direta deve ser usada quando a criança
apresenta pouco domínio em fazer perguntas ou em colocar-se no discurso.
É uma técnica importante, pois oferece a possibilidade de a criança imitar
a estrutura de linguagem2.
A técnica de questões consiste em perguntas as quais são usadas
para obter da criança novas possibilidades comunicativas2. Tais questões
não são efetivas se realizadas para obter respostas previamente conhecidas,
a exemplo de: Qual o seu nome? Quantos anos você tem? As experiências do
dia a dia oferecem as melhores oportunidades para que a criança desenvolva
todas as formas de questões, principalmente na conversação com os
familiares. Como por exemplo, quando se faz perguntas corriqueiras: Cadê
o sapato? Você está com fome? Onde está o papai?
A técnica less is more (ou “menos é mais”) tem como foco reforçar de
forma natural a produção correta dos sons por meio de destaques acústicos,
não devendo o erro ser explicitado, pois corrigir a criança sistematicamente
pode gerar uma inibição na fala2.
Por fim, a técnica de humor comunicativo consiste na apresentação,
de forma auditiva, de uma informação à criança diferente do que ela espera
escutar, preparando-a, assim, para situações auditivas inesperadas. É uma
espécie de sabotagem auditiva2. Por exemplo, é dito à criança: Esse suco de
morango azul está uma delícia.
As atividades terapêuticas são divididas, também, de acordo com
a faixa etária da criança. A partir de seis meses, o objetivo inicial é o
desenvolvimento da habilidade de escuta. Para tal, são propostas atividades
com intenso trabalho voltado para a habilidade de detecção de sons
ambientais e de fala3.
Dar significado aos sons ouvidos pela criança, desde a sala de
espera, como ventilador, telefone, chamar a criança pelo nome, bater na
porta para observar a reação dela, associando a busca pela localização da
fonte sonora, são de fundamental importância nessa fase. Tais condutas
estarão estimulando o desenvolvimento das habilidades de detecção,
atenção auditiva e localização sonora.
Reforça-se, ainda, que a família deve ser orientada a apresentar à
criança os sons que a rodeiam, sejam aqueles que ocorrem acidentalmente
ou aqueles intencionais que fazem parte da rotina dela. Em terapia, essas
atividades podem ser realizadas por meio de brinquedos sonoros, animais,
meios de transporte ou instrumentos musicais. Estes devem ser estimulados
próximo da criança, porém fora do seu alcance visual. Dessa forma, espera-
se, de acordo com a idade, a reação de atenção3. É importante que a família
compreenda quais reações estariam associadas à atenção auditiva para
que ela possa participar do processo dando continuidade aos estímulos e
brincadeiras em casa.
Nesta perspectiva, é proposto o estabelecimento de uma rotina que
pode ser utilizada no intuito de fornecer à criança pistas contextuais que
favoreçam o processamento da linguagem. A repetição de frases simples
e ordens relacionadas ao contexto, a exemplo de “bom dia”, “acabou”,
“manda beijo”, “tchau”, “chama a mamãe” permite que a criança participe
das atividades comunicativas, mesmo ainda não tendo o domínio da
linguagem. No entanto, é importante ter cuidado com esses tipos de frases
de rotina, uma vez que podem mascarar o aprendizado auditivo, visto que a
criança pode basear-se apenas no contexto e não na pista auditiva3.
Atividades de estimulação aos sons de fala e música são estruturantes
pois, as variações de melodia, entonação e prosódia, utilizadas nessa fase,
proporcionam ao bebê informações suprassegmentares importantes e
necessárias para a construção da habilidade de compreensão de frases. A
prosódia é considerada a parte mais importante da linguagem. Carrega
informações sobre a estrutura de sentenças, cruciais para o significado e a
compreensão, sendo a base para a comunicação2.
Sugere-se que os sons da fala devam ser associados à pessoa em
questão. Pode-se fazer a brincadeira do “achou”, escondendo-se da criança
e chamando-a pelo nome; chamar os pais, irmão e avós pelo nome,
quando eles estiverem escondidos; brincar com a voz utilizando diferentes
entonações; brincar de bater na porta e chamar a criança, esperando que
ela responda. Atividades envolvendo a música, como por exemplo, “dona
aranha” e “parabéns”, podem ser realizadas usando-se diferentes ritmos e
associando a gestos; pode-se, também, dançar com a criança no colo. Tais
atividades lúdicas buscam promover estímulos das habilidades de atenção
aos traços suprassegmentais, uso do feedback acústico articulatório, e a
consciência dos sons e seus significados3.
Com criança entre dezoito meses a três anos, propõe-se a ampliação
do vocabulário, para tanto a utilização de diversas estratégias lúdicas. As
brincadeiras de banho e alimentação, em um universo do simbólico com
bonecos e acessórios, promovem ampliação do vocabulário da criança num
contexto familiar e estabelece o início do trabalho de reconhecimento em
conjunto fechado3.
Em torno dos dois a três anos, pode-se introduzir na terapia o
trabalho com conceitos iniciais, como números, cores formas, tamanhos,
quantidade, categorização, partes do corpo, entre outros3. São vocabulários
que fazem parte da rotina da criança e devem ser significados verbalmente
e vivenciados por elas por meio de atividades lúdicas.
As condutas adequadas para ajudar a criança são muitas, mais
devem ser apresentadas aos poucos e de modo constante dentro do
processo terapêutico. É importante ressaltar a importância da participação
da família nesse processo para que esses comportamentos de estimulação
sejam continuados em casa e nos demais ambientes sociais da criança,
sendo, dessa forma, incorporados à rotina.
Destacam-se algumas estratégias a serem utilizadas: de voz e
articulação, de atenção, de expressões, de comunicação, de comportamento
e verbais, descritas a seguir1:
1. Estratégias de voz e articulação: ressalta-se o uso da voz clara, em
intensidade normal de modo interessante e animado. Desta forma, os
padrões de entonação, intensidade, ritmo e frequência dos sons das
palavras e frases podem ser mais facilmente percebidos pela criança.
Deve-se falar próxima a criança, sem ruído mascarante e com articulação
normal.
2. Estratégias de atenção: englobam o uso de sons para chamar a atenção
da criança, desde chamá-la pelo nome, como associar gestos a sons para
facilitar o acesso da criança ao interlocutor. A fala deve ser do interesse
dela para que desperte sua atenção naturalmente.
3. Estratégias de expressões: enfatizam a importância do uso de expressões
e entonações ricas e correspondentes com as ações, caso contrário
compromete a compreensão da mensagem. O rosto do interlocutor
deve estar visível para a criança. A comunicação envolve movimentos
corporais, faciais e o uso de gestos. Estes artifícios devem ser utilizados
naturalmente como apoio, caso a criança não compreenda a linguagem
oral, porém o gesto deve sempre ser acompanhado de linguagem oral.
4. Estratégias de comunicação: antes das primeiras palavras, a criança já
apresenta inúmeras formas de comunicação e essas formas devem ser
recebidas de maneira calorosa pelos pais e terapeutas, de modo que a
criança se sinta compreendida. Esse comportamento está relacionado
às estratégias de comunicação. Atitudes como, um sorriso, uma palavra,
concordância com a cabeça, gesto de aproximação irão reforçar na
criança o interesse por se comunicar oralmente. No entanto, sua
forma de comunicação deve ser compreendida e significada através da
exposição das palavras que representem aquela intenção comunicativa.
Desta forma, a criança estará se apropriando da linguagem oral. O
adulto irá, aos poucos, transformando a linguagem não verbal em
verbal, fornecendo a linguagem de que ela necessita no seu cotidiano.
Nesta fase inicial da aquisição da linguagem oral, enfatiza-se o uso da
linguagem clara, evitando assim diminutivos e/ou fala infantilizada,
pois essa forma de se comunicar pode confundir a criança, dificultando
a apropriação do modelo correto da fala. Também como estratégia de
comunicação, é muito importante o diálogo comunicativo. O adulto
deve compreender que a comunicação se dá a partir de um falante e
um ouvinte, ou seja, é necessário não falar pela criança e sim falar com
a criança, fazer perguntas, dar instruções, fazer comentários e fornecer
um momento de silêncio de forma a encorajar a criança a assumir seu
turno de fala. Deixá-la ser responsável pela sua comunicação.
5. Estratégias de comportamento: englobam os aspectos relacionados às
condutas da família em relação à criança. É importante ressaltar que
apesar da participação dos pais na terapia ser fundamental no processo
de reabilitação, eles não devem ser terapeutas de seu filho, mas antes
devem se manter no papel de pais e como pais procurar entender as
necessidades dele e auxiliá-lo nesse processo.
6. Estratégias verbais: englobam o repetir, simplificar, refrasear, reforçar a
palavra-chave, reelaborar, delimitar, construir a partir do conhecimento
e pedir informação.
Embora não se constitua uma técnica, é recomendado que a
checagem auditiva faça parte da rotina terapêutica, uma vez que esta fornece
informações importantes sobre as funções e condições do dispositivo
(AASI e/ou IC) e a qualidade de reprodução do som. Ela pode ser realizada
usando-se o molde/estetoscópio (no caso de AASI) e/ou estímulos de fala
os quais são compostos pelos Sons de Ling: /a/, /i/, /u/, /s/, /Š/, /m/.

APRESENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CASO CLÍNICO

Identificação e queixa:
Criança do sexo feminino, nasceu a termo, sem apresentar fatores
de risco. Passou pelo serviço de triagem auditiva neonatal, realizou o exame
de emissões otoacústicas (EOA) que apresentou ausência de respostas. Foi
encaminhada para acompanhamento com otorrinolaringologista para
avaliação e diagnóstico, integrante de uma equipe multidisciplinar de um
Serviço de Implante Coclear do Estado de Pernambuco.

Avaliação, diagnóstico e conduta:


Aos 3 meses de idade, realizou audiometria comportamental em
campo livre, apresentando resposta apenas ao tambor em forte intensidade.
Foi encaminhada para BERA, que apontou resultado sugestivo de perda
auditiva sensorioneural de grau profunda na orelha direita e severa
na orelha esquerda. De acordo com o relatório médico, a etiologia da
perda auditiva é de origem idiopática. Foi indicado uso do Aparelho de
Amplificação Sonora Individual (AASI), passando a fazer uso bilateral, a
partir dos quatro meses de vida. Os AASI foram ajustados de acordo com
os resultados dos exames objetivos realizados. A criança foi encaminhada
para o serviço de (re)habilitação auditiva.

Re(ha)bilitação auditiva:
O objetivo inicial no atendimento da criança foi garantir o uso
efetivo do AASI. Para isso, fez-se indispensável um trabalho com a família
no sentido de deixá-la familiarizada com o dispositivo. Este dispositivo e
suas funções foram apresentados aos pais de forma a se sentirem seguros
quanto às informações técnicas, manutenção e manuseio.
Foram utilizados os próprios AASI da criança como material para
manuseio, montagem e desmontagem e esclarecimento em relação as suas
partes e funções. Também foram abordadas com a família informações
técnicas que poderiam evitar falhas no AASI, tais como checagem das
pilhas, encaixe adequado dos moldes, informações do dia a dia, a fim de
garantir que o uso do AASI fosse efetivo. Neste momento, optou-se por
proporcionar segurança aos pais para que eles se sentissem aptos a colocar
e retirar o AASI da criança. Havia agora um terceiro elemento na relação
mãe-bebê e ele deveria ser compreendido como aliado no fortalecimento
do vínculo a ser estabelecido com ela e com o mundo ao seu redor.
A criança ao iniciar a reabilitação auditiva, já demonstrava
ser bastante ativa, e iniciava processo de vocalização. De início, foram
apresentadas aos pais estratégias de comunicação verbais e não verbais
importantes para mantê-la tranquila, tais como: tranquilidade no olhar,
sorriso e fala com entonação agradável e suave. Orientou-se evitar palmas,
brinquedos sonoros ou comportamentos exagerados de entusiasmo, a fim
de que todo o processo de comunicação ocorresse com naturalidade e
conforto.
A criança apresentou boa receptividade ao AASI em terapia. Em
casa, a mãe referia que ela fazia mais de 10 horas de uso ao dia, permanecendo
com o aparelho ligado e nas orelhas, inclusive quando dormia durante o
dia. Este só era retirado para o sono da noite.
Garantido o tempo efetivo de uso do dispositivo, deu-se início
à estimulação auditiva com o objetivo de desenvolver as habilidades
de atenção e localização sonora. Todas as atividades propostas eram
compartilhadas com a família, durante as sessões, sendo apresentadas de
forma contextualizada para que pudessem ser adaptadas à rotina familiar.
A família foi convidada a apresentar os sons à criança. Inicialmente, os
sons mais intensos do ambiente: a porta batendo, o cachorro latindo, o
barulho do motor do carro do pai, a mãe chamando seu nome, enfim, era
um momento de descoberta dos sons verbais e não verbais. Foi sugerido o
uso da estratégia de apontar para o ouvido ao ouvir o som e se aproximar
da fonte sonora. Dessa forma, os pais estariam estimulando a habilidade de
atenção e localização auditiva, foco do trabalho naquele momento.
Nas sessões eram mantidas tais estratégias, sendo adaptadas ao
ambiente em que estava inserida. A criança era recebida pela terapeuta na
sala de espera a qual seguia com ela explorando o ambiente, chamando
sua atenção para as coisas que produziam som. Ela sempre era estimulada
a se despedir dando “tchau” para os colegas que se encontravam na sala
de espera. Neste momento, era utilizada a estratégia de aproximação,
falando-se próximo ao ouvido com entonação melodiosa e agradável.
Também era utilizada a estratégia de estimulação bimodal, em que era
dada a informação auditiva (emissão oral do tchau) – o gesto (dar tchau
com as mãos) - informação auditiva (finalizando com a emissão oral do
tchau). Ainda fazendo parte da rotina terapêutica, a criança era orientada
a bater na porta antes de entrar e solicitado que a abrisse. A estratégia de
estimulação bimodal era mantida nessa situação, de forma a apresentá-la
um repertório de palavras que representavam aquelas ações.
No setting terapêutico, foram utilizadas as técnicas de escuta no
silêncio e de aproximação, ferramentas inicialmente importantes para o
trabalho de detecção e atenção auditiva, como já descritas anteriormente.
As atividades eram realizadas lateralmente, a uma distância média de 30
centímetro da cadeira onde a criança estava posicionada, para que fossem
estimuladas também a habilidade de localização auditiva. Para o trabalho
de percepção dos sons não verbais eram utilizados materiais como a
bandinha, com propósito de estimular as reações de detecção e atenção
auditiva, sendo ela exposta aos mais variados estímulos e intensidades. Já
para o trabalho de percepção dos sons verbais, eram utilizados fantoches
ou onomatopeias com animais emborrachados, acrescida a estratégia de
brincadeiras vocais com variação na melodia e entonação de fala. Outra
atividade realizada dava-se por meio da apresentação de um objeto sonoro.
O som era emitido inicialmente, em seguida, aproximava-se o objeto (fonte
sonora) para que ela o visse e, na sequência, este era afastado e novamente
apresentado, sempre se encerrando com o som.
Ao longo do processo terapêutico, começaram a ser observadas
respostas de atenção ao som e localização direita e esquerda. A criança
se mostrava atenta aos estímulos sonoros, balbuciando continuamente,
comportamento este reforçado com a técnica de brincadeiras vocais. A
partir dessas atividades, foi possível observar que a criança oferecia respostas
consistentes para os sons de instrumentos, em forte e moderada intensidade,
porém não apresentava consistência nas respostas para os sons de fala.
Mesmos com tais avanços, a mãe iniciou um processo de negação da
deficiência auditiva, interrompendo o uso do AASI e a reabilitação auditiva.
Ela passou a afirmar que a criança ouvia e que não precisava fazer terapia nem
do AASI. Era um momento delicado, sendo, por esta razão, encaminhada
para o serviço de Psicologia. Porém, a mãe decidiu desligar a criança do
serviço, decisão esta respeitada por todos os integrantes da equipe.
Dessa forma, a criança fez uso de AASI dos 4 aos 7 meses de idade,
permanecendo sem usá-lo dos 8 aos 12 meses, momento em que os pais
retornaram ao serviço, afirmando que a criança estagnou, não estava mais
evoluindo na comunicação, parecia distante, havia diminuído os balbucios.
Reconheceram, então, que ela poderia, de fato ser deficiente auditiva e
necessitar fazer uso de AASI e de terapia fonoaudiológica. Reinicia, a partir
de então, o acompanhamento no programa de saúde auditiva do serviço
que estava vinculava anteriormente.
Na retomada à terapia de reabilitação auditiva, a readaptação ao
AASI ocorreu de forma satisfatória, não apresentando a criança nenhum
tipo de rejeição. O trabalho foi reiniciado buscando-se estabelecer uma
relação agradável com o estímulo sonoro. Como já tinha 12 meses de
idade, as atividades já envolviam jogos mais facilmente compreendidos
por ela. Foi retomado o trabalho de detecção e atenção aos sons verbais e
não verbais, bem como de localização auditiva. Nas sessões, a criança era
sempre acompanhada da mãe, sendo realizado um trabalho com o propósito
de chamar a atenção da criança para o estímulo auditivo das mais variadas
frequências e intensidades. A fim de avaliar a intensidade do estímulo, era
utilizado um decibelímetro digital e as frequências eram avaliadas por meio
de instrumentos musicais (sons não verbais) e da fala (verbais).
Era associado o ato de jogar bolinhas em uma caixa ou encaixar
uma peça em um tabuleiro após ouvir um som. Desta forma, era possível
registrar quais sons ela detectava e em que intensidade. Também nesta fase
de desenvolvimento, à semelhança do que ocorreu anteriormente, a criança
respondia com consistência aos estímulos não verbais, mas não se observava
o mesmo para os estímulos de fala. Após seis meses de reabilitação auditiva
com AASI, verificou-se que ela, de fato, não estava tendo com aquele
dispositivo acesso pleno aos sons de fala. A criança ainda se encontrava na
Categoria 1 de Audição - detectava a presença do sinal de fala, porém não
os discriminava4, e na Categoria 1 de Linguagem - apresentava vocalizações
indiferenciadas5.
A partir de então, o caso foi encaminhado para reunião
multidisciplinar para definição de conduta. Considerando que este
atendia aos critérios de indicação para implante coclear estabelecidos no
serviço e que existia, naquele momento, demanda familiar, a criança foi
encaminhada para realização da cirurgia, tendo sido implantada com um
ano e oito meses de idade. Desde o momento da ativação do IC, apresentou
um comportamento bastante comunicativo. A família estava presente em
todas as sessões e se mostrava bastante participativa.
Com a mudança do tipo de dispositivo, fez-se necessário serem
apresentados sua tecnologia, funções, aspectos relacionados à manutenção
e soluções para as possíveis falhas. Após esta apresentação, foi dado início
ao processo de reabilitação. As técnicas utilizadas na reabilitação auditiva
com pacientes usuários de AASI e IC são as mesmas, a resposta do paciente
é o que muda, tornando possível avançar mais rapidamente.
Aos 20 meses, a criança passou a ter acesso aos sons verbais e,
portanto, se comportar de maneira diferente em terapia, estando mais
atenta e com respostas mais rápidas e precisas para a fala. Em consequência,
ampliaram-se as possibilidades de atividades com a criança, sendo
introduzida a música e os jogos simbólicos.
A terapia foi subdividia em três momentos. O primeiro momento,
que constava da checagem do IC (utilizando-se os sons do Ling); o segundo
momento que constava da realização de atividades lúdicas (com objetivo de
estimulação das habilidades auditivas, utilizando as técnicas abordadas para
a reabilitação auditiva); e o terceiro momento, que constava do fechamento
da sessão, em que eram cantadas músicas, fossem essas relacionadas à
atividade que estava sendo realizada anteriormente ou simplesmente para
induzir o processo de conclusão da sessão.
Como a criança apresentava muito interesse por música, este aspecto
foi bastante estimulado. Eram utilizados brinquedos que pudessem ser
reportados para uma música. Assim, por exemplo, eram usados animais em
miniatura a fim de trabalhar seus sons e uma casa que seria a moradia dos
animais. Escolhiam-se dois animais, inicialmente, e à medida que a criança
demonstrava habilidade de discriminar e reconhecer aqueles animais
inseria-se novos. Neste caso, estava se trabalhando, a partir da técnica de
conjunto fechado, as habilidades de atenção, detecção, discriminação e
reconhecimento auditiva dos animais a partir de seus sons - as onomatopeias.
Eram utilizadas as técnicas de aproximação, escuta no silêncio, estimulação
bimodal, finalizando-se com uma música referente ao tema, nesse caso, o
sítio de seu Lobato. Outras músicas também eram trabalhadas, a exemplo
do “Pintinho amarelinho”, “Dona aranha”, “A sopa do neném”, entre outras.
Também era solicitado à mãe que cantasse na hora de comer e de dormir,
além de buscar conhecer as músicas cantadas na escola a fim de que ela
pudesse aprender e compartilhar com os familiares, amigos e terapeuta.
Na realização das atividades lúdicas utilizou-se, também, da estratégia
de alternância terapeuta-paciente em que em alguns momentos as atividades
eram direcionadas pela terapeuta e em outros momentos a criança era
encorajada a direcioná-las2. Essa estratégia foi considerada relevante, pois
proporcionou a criança autonomia para escolher a atividade que queria
realizar, gerando, com isso, motivação. Trabalhar com a motivação da criança
possibilita que os objetivos sejam alcançados mais rapidamente. Portanto,
embora a terapia deva ser previamente planejada, é importante ter flexibilidade,
pois o interesse da criança deve ser considerado sem que se perca o foco.
Trabalhar a partir do desejo da criança possibilita, também, introduzir as
técnicas de conjunto intermediário (contexto semiaberto) e conjunto aberto.
As técnicas de conjunto semiaberto e aberto passaram a ser inseridas,
à medida que se percebia autonomia e desenvolvimento das habilidades
auditivas e cognitivas na criança. A técnica do conjunto semiaberto era
utilizada já no início da sessão, momento da seleção do jogo ou brinquedo
que iria ser utilizado naquele dia. Para isso, eram realizadas afirmações e
feitos questionamentos como: Precisamos pegar as bolas, onde estão as bolas?
A criança direcionava o olhar para uma caixa dentre tantos brinquedos na
sala, pois compreendia que a bola era guardada naquela caixa. Assim, estava-
se oferecendo a ela a oportunidade de ouvir, discriminar, reconhecer e ir em
busca do objeto, agindo com autonomia, porém dentro de uma situação pré-
estabelecida (a escolha do material a ser utilizado em terapia).
As situações em conjunto aberto eram experimentadas a partir
do compartilhamento da família com o terapeuta das experiências sociais
especiais vividas pela criança naquela semana. Dessa forma, o contexto
externo podia ser resgatado no espaço terapêutico. Eram realizadas
perguntas, como: Você ganhou um presente da vovô? Cadê o presente que
você ganhou? A própria família trazia experiências e estimulava a criança a
compartilhar com a terapeuta. Canta a música de Seu Lobato para ela. Conta
para ela para onde o papai foi. Também eram provocados questionamentos
não relacionados aos contextos partilhados pela família, a exemplo de: Do
que você quer brincar hoje?
Este foi um momento bastante rico do processo terapêutico, uma
vez que potencializou, na criança, o uso da linguagem em sua função
pragmática, já que ela necessitava se comunicar para expressar o seu
desejo. Assim, ao perceber que a partir da palavra ela podia alcançar o que
desejava, passou a se sentir motivada para se apropriar da fala. Contudo, é
importante destacar que embora a motivação para usar a fala tivesse sido
despertada no processo de reabilitação, esta só se tornou efetiva porque
a comunicação utilizada em casa com a criança também foi a fala. Neste
caso, a mãe e toda a família foram orientadas a utilizar a comunicação oral
com a criança, expondo-a a um vocabulário diversificado e aos diferentes
atos de fala. Tal atitude favoreceu o aprendizado da língua de forma natural
e contínua, sendo a criança estimulada não só a usar a linguagem oral em
casa, mas nos diversos contextos sociais.
Os objetivos e estratégias terapêuticas sempre foram compartilhados
com a família. Ciente dessas informações e participando da dinâmica da
terapia, a mãe trazia propostas de atividades, a partir do interesse individual
da criança naquela semana. A participação da família foi fundamental na
obtenção dos objetivos propostos.
Com dois anos de uso do IC e três anos e oito meses de idade, a
criança estava em pleno desenvolvimento, fazendo uso exclusivamente da
linguagem oral para se comunicar. Neste momento, foi indicado que ela
fosse inserida em escola regular para que pudesse ser exposta a interações
frequentes com outras crianças, considerando que ela era filha única. Na
escola, passou a se desenvolver de forma adequada, alcançando os objetivos
propostos para a sua turma e idade, sendo alfabetizada aos 5,6 anos de idade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este caso leva a reflexão sobre a importância do diagnóstico e


intervenção precoces, do apoio da família, da inclusão na escola e do processo
de reabilitação auditiva para a pessoa com deficiência auditiva. Esta última
permite o desenvolvimento das habilidades auditivas, inserindo a criança
em um ambiente rico de experiências sociais e de linguagem. Permite,
ainda, que os recursos sejam adequados às necessidades de cada criança,
bem como o apoio e orientação à família e à escola no enfrentamento dos
seus desafios. Em síntese, tratar a pessoa com deficiência auditiva é uma
opção viável, visto que a tecnologia pode proporcionar condições de acesso
aos sons de fala e consequente desenvolvimento da linguagem oral e escrita.

REFERÊNCIAS

1. Bevilacqua MC, Formigoni GMP. Audiologia educacional: uma opção


terapêutica para a criança deficiente auditiva. São Paulo: Pró-Fono; 2012.
2. Alves A. Terapia fonoaudiológica: os primeiros anos. In: Boéchat et al,
organizadores. Tratado de Audiologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan;2015. p.443-462.
3. Formigoni GMP. Atividades lúdicas na terapia fonoaudiológica. In: Bevilacqua
MC et al, organizadores. Tratado de Audiologia. São Paulo: Santos Editora;
2011. p. 687-700.
4. Geers, A. Techniques for assessing auditory speech perception and lipreading
enhancement in young deaf children. Volta Review 1994; 96(5): 85-96.
5. Bevilacqua MC, Delgado EMC, Moret ALM. Estudos de casos clínicos de
crianças do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (CEDAU) do Hospital
de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais-USP. XI Encontro
Internacional de Audiologia; 1996:30. p.187.
CAPÍTULO 4

ATENDIMENTO FONOAUDIOLÓGICO
COM MULHERES TRANSGÊNEROS

Daniela de Vasconcelos
Ana Nery Araújo

INTRODUÇÃO

Esse capítulo se propõe a descrever uma experiência no


atendimento às mulheres trans num serviço de referência no atendimento
no atendimento a essas pessoas, vinculado ao SUS. A descrição dessa
experiência visa despertar o interesse de novos profissionais para essa
área de atuação, assim como nortear os atendimentos com essa parcela da
população.
As pessoas trans geralmente sofrem muito preconceito e rejeição
social, sentindo-se por vezes marginalizadas ou excluídas. Nossa sociedade
vem se transformando e evoluindo quanto às diferenças e aos diferentes, mas
ainda há muitos caminhos para serem trilhados. Assim, podemos apontar
para a necessidade de modificação social e cultural quanto aos indivíduos
transgêneros, de forma que seja minimizada e combatida a transfobia em
nossa sociedade. Por se tratar de um tema relativamente novo dentro da
Fonoaudiologia é necessária sua contextualização no cenário atual.
A transexualidade corresponde à discrepância entre a identidade
de gênero, construída socialmente, e o sexo biológico, determinado ao
nascimento a partir das características físicas1. É definida pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) como transtorno da identidade sexual (F64.0)
na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10), dentro dos transtornos de saúde mental2.
Foi reclassificada em junho de 2018 na CID-11, que será implementada no
Brasil em janeiro de 2022, quando a transexualidade deixa de fazer parte do
capítulo de saúde mental e passa a constar na categoria de condição relativa
à saúde sexual3.
A permanência da transexualidade na CID-11 é justificada pela
necessidade de manutenção dessa população nas políticas públicas de
saúde vigentes e no Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde
(SUS)4. A partir da abertura da Política Nacional de Saúde Integral LGBT
(Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011) 5 e da implementação do
Processo Transexualizador no SUS, a demanda de pessoas trans em serviços
especializados vem aumentando significativamente.
O Processo Transexualizador realizado pelo SUS foi instituído
a partir das Portarias nº 1.707/2008 e nº 457/2008 e ampliado através
da Portaria nº 2.803/20136. O programa garante o atendimento integral
de saúde a pessoas trans, iniciando com o acolhimento realizado pela
equipe de psicologia e assistência social e posterior encaminhamento
para atendimentos ambulatoriais e cirúrgicos. No campo ambulatorial
são realizados acompanhamentos com equipe interdisciplinar e
multiprofissional (Psiquiatria, Psicologia, Clínica geral, Ginecologia,
Urologia, Endocrinologia, Enfermagem, Serviço social e, se possível,
Fonoaudiologia) e, no campo cirúrgico, as operações de redesignação sexual,
intervenções laríngeas para redução do pomo de adão e feminização da voz,
plástica mamária com colocação de prótese de silicone para mulheres trans,
além de mastectomia e histerectomia para homens trans. Os atendimentos
ambulatoriais, incluindo o tratamento hormonal, são iniciados a partir de
18 anos e as cirurgias realizadas somente após os 21 anos de idade, com
a exigência de acompanhamento prévio durante dois anos no programa6.
Cabe ressaltar que em janeiro de 2020 o Conselho Federal de Medicina
(CFM) atualizou as regras para a melhoria da assistência em saúde às
pessoas com incongruência de gênero através da Resolução 2.265/2019,
que permite a inicialização de tratamento hormonal cruzado a partir de
16 anos e as cirurgias a partir de 18 anos de idade7. Os serviços estão se
organizando quanto à implementação da resolução.
A fonoterapia é a modalidade de tratamento procurada para
modificação do padrão de comunicação de mulheres trans, com o objetivo
principal de feminização da voz. Considerando que a voz contribui de
forma relevante no processo de construção social da identidade de gênero8,
as mulheres trans que não conseguem apresentar uma voz feminina sentem
sua percepção de gênero ameaçada socialmente. A comunicação torna-se
um obstáculo para representar seu gênero autêntico9, pois, a voz, como
uma característica sexual secundária, é um importante fator de impacto
para a sua passabilidade10. A modificação vocal e o estilo de comunicação
proporcionados pela fonoterapia conferem à paciente maior flexibilidade
vocal e aumento da confiança ao se comunicar em distintas situações, o que
reflete no êxito do funcionamento psicossocial11. Assim, as modificações
na comunicação podem reduzir a disforia de gênero e proporcionar saúde
mental e qualidade de vida às mulheres trans12.
A evolução dos estudos científicos sobre o tema proporcionou
consenso acerca de alguns parâmetros como, por exemplo, a sobreposição
de faixas de frequência de homens e mulheres, considerada como uma
faixa neutra de gênero, entre 145 Hz e 175 Hz12. Apesar da frequência
fundamental, constituir o principal alvo terapêutico em mulheres trans, por
ser um importante marcador de gênero13, é insuficiente para determinar uma
voz como feminina14-19. Dessa forma, a maioria dos estudos aponta para a
fonoterapia com abordagens múltiplas em que são utilizadas técnicas vocais
distintas com enfoque em diversos aspectos da comunicação9,12,14,16,17,20-24.
A partir desses estudos a terapia fonoaudiológica para mulheres trans
vem se desenhando. Além da frequência fundamental, outros parâmetros
vocais têm se tornado determinantes para a percepção de feminilidade,
principalmente a ressonância oral e a variabilidade de frequência durante
a fala (entonação)9,11,12,14-18,20,21. São ainda explorados em fonoterapia os
parâmetros de: ritmo e velocidade de fala9,11,17, loudness16,20,22,25, qualidade
vocal (soprosidade)17,20,25-27, articulação11,14,28,29, características de linguagem
e comunicação não verbal9,11,12,16.
A atuação fonoaudiológica adquire, assim, um papel fundamental
no trabalho com mulheres trans que buscam a adequação de sua identidade
vocal. As diretrizes da fonoterapia, nesse cenário, podem gerar um certo
desconforto profissional em trabalhar com estilos de voz, fala e linguagem
tradicionalmente voltados para padrões masculinos ou femininos. No
entanto, quando o principal motivo da paciente é a passabilidade, os
indicadores de gênero e padrões de comportamento tradicionais acabam
sendo necessariamente abordados em fonoterapia28.
O objetivo da fonoterapia e a escolha dos parâmetros a serem
trabalhados precisam estar em acordo com as necessidades e expectativas
da paciente 24,25,30, através de uma abordagem holística que busque o
desenvolvimento de um modelo natural de voz e comunicação, capaz de
representar a personalidade da paciente e o gênero ao qual se identifica. Uma
abordagem que englobe as questões psicossociais, os ajustes psicológicos,
os fatores ambientais e o estilo de vida da paciente28.
É importante salientar que, devido às particularidades físicas e
emocionais, é necessário que o fonoaudiólogo que deseja trabalhar com
essa população se aproprie inicialmente de conhecimento científico sobre
o tema, domine os termos e expressões do grupo, tenha experiência prática
na área de voz e, principalmente, mantenha sua mente aberta para a
escuta e o acolhimento dessas pessoas, que geralmente chegam ao serviço
já tão machucadas pela sociedade e com tantos outros objetivos a serem
alcançados 30,31.
A padronização dos procedimentos realizados em fonoterapia
ajudam a determinar protocolos que podem ser utilizados em diversos
serviços e proporcionar o desenvolvimento de pesquisas na área. Dessa
forma, o objetivo desse capítulo é descrever a fonoterapia realizada com
mulheres trans a partir da experiência das autoras. O trabalho de adequação
vocal faz parte de uma parceria entre os serviços de Otorrinolaringologia
e Fonoaudiologia, vinculados ao Processo Transexualizador de um serviço
de referência no atendimento trans.
INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

Ao procurar por fonoterapia a paciente trans, usuária da unidade


de referência, é encaminhada para avaliação laringológica no serviço de
Otorrinolaringologia onde realiza a videolaringoestroboscopia. Após o
exame, ela recebe as diretrizes do tratamento que preconizam a realização
de fonoterapia por um período mínimo de 90 dias.
A fonoterapia é delineada a partir da condição laríngea encontrada,
dos dados colhidos na anamnese e avaliação vocal e, principalmente, das
necessidades individuais de cada paciente. As etapas de realização da
fonoterapia são: anamnese vocal, avaliação vocal, avaliação do impacto
vocal, tratamento, reavaliação e definição de conduta, detalhadas a seguir.

a) Anamnese vocal

O protocolo de anamnese vocal é específico para a população


trans, com base nas características e necessidades desse grupo. Este é um
momento muito importante de acolhimento onde a paciente precisa se
sentir confortável para descrever sua história, seu processo de transição de
gênero, suas queixas com relação à voz e à fala, além de suas expectativas
acerca do tratamento.
Esse protocolo é iniciado com a identificação pessoal da paciente,
que requer especial atenção ao nome em caso de retificação documental.
Somente deverá ser solicitado o nome social e civil se a modificação do
registro não tiver sido realizada ou concluída. Vale ressaltar que a partir
do reconhecimento do direito à mudança de nome sem a necessidade
de cirurgia, ou seja, a desburocratização sobre a retificação do nome no
registro de nascimento estabelecido pelo Superior Tribunal Federal em
2018, a maioria das pacientes trans chegam ao serviço com o nome já
retificado legalmente. Ainda na etapa de identificação pessoal, são colhidas
as informações sobre: data de nascimento, idade, estado civil (mesmo que
não oficial), endereço, telefone para contato, profissão e alguma outra
atividade profissional ou social em que utilize a voz de forma intensiva.
Em seguida são registrados os dados sobre a avaliação laríngea
(qual exame realizado, data, otorrinolaringologista responsável e resultado)
e as queixas referentes à voz e à laringe (rouquidão, dor, ardor, voz fina, voz
grossa, pigarro, esforço ao falar, cansaço ao falar, prurido, bolo na garganta,
secura e outras), além do tempo de duração das queixas apresentadas.
Para a compreensão inicial quanto ao processo de modificação de
gênero da paciente, são realizadas perguntas sobre o período de transição
(idade de início, dificuldades encontradas, duração e finalização), o período
de muda vocal na adolescência, o tempo de acompanhamento no Espaço
Trans, os tratamentos que realiza, o tempo de hormonização e a pretensão
e previsão sobre a cirurgia de redesignação.
Por conseguinte, são obtidos dados sobre hábitos de saúde como
tabagismo (duração e quantidade), etilismo (tipo, frequência, duração e
quantidade), uso de drogas ilícitas (tipo, frequência, duração e quantidade),
vestuário (utilização de espartilho ou cinta), medicações de rotina,
alimentação (ingestão de frituras, gorduras, derivados do leite, chocolates,
condimentos, entre outros), ingestão de água (quantidade e distribuição
diária) e atividades físicas (tipo e associação com uso vocal). São
identificados também quais os fatores agravantes de alterações vocais (ar-
condicionado, ventilador, ingestão de gelados, mudanças de temperatura
e alterações de humor), além dos hábitos vocais deletérios como falar alto,
falar rápido, falar muito, gritar e cantar sem orientação de especialista.
É realizada, ainda, a investigação complementar sobre o estado de
saúde geral da paciente, principalmente no que se refere aos distúrbios que
podem trazer consequências à voz ou comunicação (distúrbios alérgicos,
faríngicos, buconasais, otológicos, pulmonares, digestivos, hormonais e
neurovegetativos), além dos tratamentos realizados anteriormente para a
voz (medicamentoso, fonoaudiológico ou cirúrgico).
Por fim, a paciente é questionada sobre a consciência vocal no que
concerne à impressão da própria voz, impressão dos outros sobre a sua
voz, presença de impacto vocal no âmbito pessoal, profissional e social,
motivação para o tratamento, metas e expectativas sobre a fonoterapia.
b) Avaliação vocal

Num segundo momento, é realizada a avaliação vocal perceptivo-


auditiva e acústica da voz, e analisadas as características de articulação,
ressonância, prosódia e comunicação gestual. Para tal, são utilizados os
programas VOXMETRIA® e FONOVIEW® da CTS informática, além da
gravação de vídeo, quando possível. O registro vocal para as avaliações
perceptivo-auditiva e acústica é realizado com microfone headset associado
ao filtro de ruído, posicionado a quatro centímetros da boca da paciente
num ângulo de 45° para impedir a captação de ar expiratório e padronizar
o volume das emissões.
No VOXMETRIA® (CTS) é realizada, inicialmente, a seleção de
qualidade vocal e solicitada a emissão da vogal /e/ prolongada por cinco
segundos, sendo descartados os trechos de instabilidade inicial e final da
emissão. O mesmo procedimento é realizado para a obtenção da vogal
/e/ na voz mais grave e mais aguda possível. Além de compor a avaliação
perceptivo-auditiva junto com as outras emissões a seguir, esse registro
serve para se extrair as frequências média, mínima e máxima da paciente
dentro da análise acústica. Em seguida, é realizada a seleção de análise de
voz com o registro da contagem de um a dez, de onde é possível a extração
da frequência média, moda, frequências mínima e máxima durante na fala,
além do parâmetro de intensidade e variação de semitons.
Para o registro no FONOVIEW® (CTS) é utilizado o protocolo do
Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice (CAPE-V), conforme
descrito a seguir:
1. Emissão das vogais /a/, /i/ e /u/ por cinco segundos cada;
2. Fala articulada espontânea por 20 segundos;
3. Frases: “Erica tomou suco de pera e amora”, “Sônia sabe sambar
sozinha”, “Olha lá o avião azul”, “Agora é hora de acabar”, “Minha
mãe namorou um anjo” e “Papai trouxe pipoca quente”.
Ao longo do processo de gravação é preenchido o protocolo
específico com os seguintes dados: respiração (tipo, modo, coordenação
pneumofônica e dinâmica durante a fala), qualidade vocal (adequada,
rouca, soprosa, áspera, tensa, entre outras) e grau de alteração (leve,
moderado ou severo), pitch (adequado, elevado ou rebaixado), loudness
(adequada, elevada ou rebaixada), articulação (adequada, travada,
imprecisa, exagerada, marcada, suave, entre outros), ressonância
(equilibrada, faríngea, laringofaringea, laríngea ou nasal), entonação
(equilibrada, aumentada/excessiva, diminuída/monótona), e velocidade
de fala (adequada, aumentada/acelerada, diminuída/lentificada), além das
observações sobre a comunicação não verbal (postura, uso de gestos - mãos
e cabeça, expressão facial e contato visual) e funções vegetativas (riso, tosse
e espirro). Todos esses parâmetros serão importantes para a definição dos
objetivos terapêuticos.

c) Avaliação do impacto vocal

Imediatamente após a avaliação vocal é avaliado o impacto da


voz na qualidade de vida da paciente através do protocolo Transgender
Voice Questionare – TVQ (male-to-female), traduzido para o português31.
Esse questionário foi elaborado inicialmente com base no já estabelecido
VHI (Vocal Handicap Index)32 e adaptado ao público trans feminino,
tendo recebido, à época, o nome de Transexual Self-Evaluation of Voice
Questionnaire (TSEQ)33. Posteriormente, o TSEQ foi revisado, submetido
à avaliação psicométrica e renomeado para Transgender Voice Questionare
– TVQ (male-to-female)14. Nesse formato, tem sido largamente utilizado
tanto em pesquisas científicas como na clínica vocal para a população trans.
O TVQ é composto por 30 perguntas sobre os aspectos sociais
da voz e medem a autopercepção das pacientes a respeito de suas vozes,
com o foco na frequência em que as situações acontecem (1 = nunca ou
raramente, 2 = algumas vezes, 3 = frequentemente, 4 = usualmente ou
sempre). Uma alternativa de frequência é marcada para cada pergunta,
portanto, a pontuação total mínima é de 30 pontos e a máxima, de 120
pontos. Quanto maior a pontuação, maior o impacto negativo da voz na
vida da paciente. Ao final do questionário, existe, ainda, a avaliação global
da voz, onde a paciente faz o registro da autopercepção de sua voz e da voz
ideal desejável (muito feminina, um pouco feminina, neutra, um pouco
masculina ou muito masculina).
Assim, o TVQ é uma ferramenta importante para avaliar o impacto
social e a percepção da voz pela paciente, podendo ser utilizado na avaliação
inicial e na alta, a fim de se constatar a presença de evolução vocal e o
resultado da fonoterapia para a qualidade de vida da paciente. Além disso,
se constitui um momento oportuno para a exploração e compreensão dos
fatores psicossociais, psicológicos e ambientais particulares a cada paciente,
que necessitam ser abordados no trabalho com voz e identidade vocal.

d) Tratamento

A partir dos dados colhidos na anamnese, avaliação vocal e TVQ


são estabelecidos os objetivos do tratamento no que se refere ao pitch,
ressonância, suavização vocal, entonação (flexibilização de frequências)
e linguagem corporal. Vale destacar que os objetivos são discutidos e
acordados com a paciente, associado ao trabalho de conscientização e
desmistificação de algumas das expectativas geradas antes do tratamento.
Para o trabalho de conscientização é utilizada a observação de padrões
vocais variados de pessoas famosas ou não, através de vídeos disponíveis
na internet, além da explanação sobre a fisiologia vocal, a interferência da
emoção na voz (psicodinâmica vocal) e as orientações de saúde vocal.
Nesse momento, a paciente é levada a refletir sobre a padronização
da comunicação como uma forma de caracterização e aceitação das pessoas
na sociedade e repensar sua necessidade de satisfação vocal independente
dos padrões impostos. A observação sobre as vozes das pessoas no seu dia a
dia também colabora para a paciente perceber as variações vocais existentes
dentro de uma mesma sociedade. As orientações de saúde vocal auxiliam
na compreensão de estratégias para prevenir problemas vocais e fadiga.
Estabelecidos os objetivos terapêuticos, são iniciados os
atendimentos semanais, com duração média de 45 minutos. Cada
atendimento segue a sequência de:
• Escuta sobre a realização dos exercícios propostos para casa e a observação
sobre alguma situação comunicativa ou evolução percebida pela paciente
ou por terceiros.
• Registro vocal antes dos exercícios no VOXMETRIA® (CTS), na seleção
de qualidade vocal, com a emissão da vogal /e/, além da contagem de um
a dez na seleção de análise de voz. Em alguns momentos, ao longo do
tratamento, são realizadas outras gravações com fala espontânea e leitura
para o monitoramento auditivo da voz.
• Realização dos exercícios, geralmente com apoio visual (softwares ou
aplicativos para celular) e auditivo (modelo do fonoaudiólogo, teclado,
diapasão). O software utilizado no serviço para o monitoramento da
frequência é o SPEECH PITCH® (VOICE TOOLS), mas existem outras
possibilidades disponíveis no mercado. O aplicativo para celular utilizado
é o ANALISADOR DO TOM DE VOZ® (PURR PROGRAMMING),
disponível para Android, para o monitoramento de frequência e
categorização da fala em feminina, andrógena ou masculina. As pacientes
são estimuladas a utilizarem esse aplicativo em casa, para o treino vocal e
o monitoramento antes e após os exercícios.
• Registro vocal após os exercícios seguindo o mesmo protocolo da
gravação anterior e a comparação entre os dois registros, antes e após os
exercícios, além da comparação evolutiva dos registros vocais ao longo do
tratamento.
• Orientações para casa: realização dos exercícios, aplicação dos padrões
já alcançados em situações de comunicação cotidianas, modificação de
padrões inadequados identificados durante a terapia e orientações de
saúde vocal.

d.1) Exercícios vocais

Para facilitar a compreensão sobre as técnicas utilizadas no serviço,


os exercícios foram agrupados a partir da intenção terapêutica, já que a
maioria deles acaba apresentando objetivos associados.

d.1.1) Elevação da frequência fundamental ou do pitch:

• Sopro e som agudo.


• Gargarejo em sirene.
• Técnica de vibração sonorizada de lábios (TVSLb) ou língua (TVSLg) em
escala ascendente, aumentando gradualmente a extensão da escala.
• Fricativos sonoros com o apoio da vogal /i/ em escala ascendente.
• Suspiro com fluxo contínuo, sem segurar a expiração, logo após a
inspiração, em frequência aguda.
• Exercícios de trato vocal semiocluído (ETVSO) com canudos de diferentes
tamanhos e espessuras, no ar ou na água, e LaxVox, utilizados em
frequências mais agudas, de forma confortável, ou em escalas ascendentes,
a depender do domínio da paciente.
• Anteriorização da língua, desde que de forma natural.
• Fonação em leve sorriso, não forçado.

d.1.2) Ressonância:

• Som nasal (HUM) associado a posição de tronco fletido com a cabeça


para baixo, para a percepção da vibração do som na cabeça e face, com
elevação do tronco lentamente, tentando manter a vibração do som em
cabeça.
• Som nasal com inflexões curtas para o agudo (UM – HUM).
• Som nasal na modulação ninando, para alcançar frequências mais agudas
e ajudar a passagem do som para a cabeça.
• Som nasal em escala ascendente, podendo associar ao exercício de mãos
em concha.
• Estalo de língua associado ao som nasal /n/ para anteriorização da
ressonância.
• Alternância de técnica de vibração (TVSLb ou TVSLg) e sons nasais
(“brrr...mmm...brrr...mmm”).
• Voz salmodiada, aumentando o grau de dificuldade gradativamente,
seguindo a sequência de som nasal prolongado, vogais isoladas, sílabas
(fonemas nasais ou fricativos), palavras (dias da semana, meses do ano,
contagem), frases e textos.
• “Mini-mini-mini…...aaaaa”, “mini-mini-mini…...eeeee”, e assim por
diante, aumentando a dificuldade gradativamente com palavras no lugar
das vogais prolongadas.
• Método mastigatório, onde a paciente é orientada a mastigar ativamente,
com a boca aberta e movimentos amplos de lábios, mandíbula, bochechas
e língua, associado à emissão de sons.
• Técnica de sobrearticulação para pacientes com excessiva ressonância
nasal (hipernasalidade).

d.1.3) Suavização vocal:

• Modulação de frequência e intensidade, com sons facilitadores (nasais ou


fricativos) em diversos modelos, para favorecer a plasticidade vocal e a
dissociação entre os dois parâmetros.
• Sons nasais contínuos, sustentados, modulados ou em escalas, com
loudness reduzida.
• Emissão de sons fricativos ou técnica de vibração em passagem de
sonoridade, como “sss… → zzz...” ou “brrr (surdo) → brrr (sonoro)”.
• Ataque vocal suave ou soproso com emissão de vogais.
• Diminuição da força articulatória (fonação em sorriso e suavização da
passagem articulatória entre fonemas, sílabas e palavras).
• Precisão articulatória → treinamento para não omitir ou distorcer
fonemas, melhorar o ritmo de fala com pausas para a respiração, alongar
a pronúncia das vogais durante a fala, assim como evitar articulações
marcantes e com esforço.
• Constricção labial com sopro contínuo e passagem para sons fricativos
anteriores ou a vogal /u/ prolongada, de preferência em sons mais agudos.
• Fonação soprosa em vogais, sílabas, palavras e frases.
• Monitoramento auditivo com registro vocal de leitura normal e leitura com
voz suave com enfoque nos padrões de ritmo, pausas e entonação.
d.1.4) Modulação:

• Percepção e domínio das ênfases a partir do destaque dado a uma palavra


ou série de palavras da frase. Exemplos:

“Eu fui à cidade, hoje de manhã, estava chovendo, mas você não estava lá.”
“EU fui à cidade, hoje de manhã, estava chovendo, mas você não estava lá.”
“Eu FUI à cidade, hoje de manhã, estava chovendo, mas você não estava lá.”
“Eu fui À CIDADE, hoje de manhã, estava chovendo, mas você não estava lá.”
“Eu fui à cidade, HOJE DE MANHÃ, estava chovendo, mas você não estava lá.”
“Eu fui à cidade, hoje de manhã, ESTAVA CHOVENDO, mas você não estava lá.”
“Eu fui à cidade, hoje de manhã, estava chovendo, mas VOCÊ não estava lá.”
“Eu fui à cidade, hoje de manhã, estava chovendo, mas você NÃO ESTAVA LÁ.”

(Fonte: BLOCH P, Você quer falar melhor?1973-5ed p.119 e120)

“As mulheres provocam menos acidentes de trânsito do que os homens.”


“As mulheres provocam menos acidentes de trânsito do que os homens.”
“As mulheres provocam menos acidentes de trânsito do que os homens.”

(Fonte: KYRILLOS L, COTES C, FEIJÓ D; Voz e corpo na TV, 2003, p.57 e 58)
• Conscientização e controle sobre as entonações de acordo com o que
representam em termos de intenção comunicativa ou emoções. Exemplos:

Interrogando
Afirmando
TAN-TAN
Exclamando
Com desolação
Oferecendo
BOM-BOM Aceitando
Recusando
“Você gosta de mim?”
DEM-DEM “Não gosto, não!”
“Gosto sim!”
“Será que você ouviu?”
“Parece que sim!”
ZUM-ZUM
“Ouve só!”
“É mesmo!!!”

(Fonte: BRANDI E; Educação da voz falada, 2000-3ed, p.196)

A PROFESSORA FALTOU HOJE → demonstrando alegria


A PROFESSORA FALTOU HOJE → demonstrando tristeza
A PROFESSORA FALTOU HOJE → demonstrando ira
A PROFESSORA FALTOU HOJE → demonstrando ironia
A PROFESSORA FALTOU HOJE → demonstrando surpresa

• Falar frases com intenções associadas:

CONSTATANDO ..…………….….....… Começou a chover.

DUVIDANDO ........…………………..... Começou a chover?

IRONIZANDO ....................…………... Começou a chover...

ADMIRANDO ...................................... Começou a chover!


• Recitar com intenção:

ALEGRIA
Muda a lua, muda a estação
Cada crepúsculo causa uma emoção...
Sou de lua!
Minguo, cresço...
Me renovo, me encho!!!!
Sou da mata, da magia.
Aquela que te mata de dor ou alegria.
Que te contagia, que causa saudade.
Sou a Deusa da noite, a mulher do dia.
Que corre com os lobos com a força de um urso.
Que não precisa de escudo.
Que voa com as borboletas,
Aquela que diz tudo.
A menininha que dança,
A selvagem que caça,
A sedutora que não cansa,
A senhora da graça.
Sou aquela que veio ao mundo para amar...
Para viver e mudar...
Sou assim, um caleidoscópio LUNAR ...
(Carolina Salcides)

TRISTEZA

Minha alma tem o peso da luz


Tem o peso da música
Tem o peso da palavra nunca dita,
Tem o peso de uma lembrança
Tem o peso de uma saudade
Tem o peso de um olhar
Pesa como pesa uma ausência
E a lágrima que não se chorou
Tem o imaterial peso de uma solidão no meio de outros.
(Clarice Lispector)
• Modulação/inflexão ascendente em sons facilitadores (nasais, fricativos
ou vibrantes).
• Modulação/inflexão ascendente ao final das emissões de palavras.
Exemplo:

mais maís maio maiô


pais país paio Paul
sais Saís saio Saul
raia raiz raio Raul
jóia juiz joio Jaú
baia baía baio baú
caia caía caio caí
lua luar laia Laís

(Fonte: BRANDI E; Educação da voz falada, 2000-3ed, p.210)

• Imitação de vozes e falas de personagens para o domínio das inflexões


observadas.
• Simulação em situações de rotina da paciente, como por exemplo,
simulação de compra em uma farmácia ou ligação de telemarketing.

d.2) Comunicação não-verbal

Para o trabalho com linguagem corporal, é enfatizada a conscientização


a partir de observação de atores, cantores e pessoas comuns do dia a dia, de
ambos os gêneros, associada à auto-observação de expressões faciais, postura e
gestos para então ser definido, junto com a paciente, o que deve ser modificado.
As mulheres geralmente usam muitos gestos com as mãos, em
movimentos finos e fluidos com os dedos, usam os braços mais perto do
corpo, andam em passos curtos, mexendo o quadril e movimentam mais
a cabeça enquanto falam, de maneira suave30. Entretanto, como esses são
comportamentos geralmente esteriotipados, padronizados socialmente
para o comportamento feminino, é discutido com a paciente o seu interesse
em modificar esses aspectos ou a preferência por manter suas características
individuais, assumir sua personalidade e jeito próprio de se comunicar,
independente dos padrões sociais. Se for o caso, é iniciado o treinamento
em terapia, sempre com a orientação de levar as experiências vividas para a
prática diária em situações comunicativas sociais.
Ainda nesse contexto há a possibilidade de trabalho com a qualidade
da voz/frequência fundamental durante a tosse, o riso, o espirro, o pigarro
e outras situações não comunicativas em que a paciente se queixe ou deseje
ajustar.
É importante enfatizar que os exemplos de exercícios descritos
constituem possibilidades terapêuticas e que somente os que estiverem
relacionados aos objetivos individuais da paciente serão realizados,
dependo, inclusive, da execução correta durante a terapia e da resposta vocal
imediata à prova terapêutica. Da mesma forma que existem as diferenças
individuais na escolha dos exercícios, também a duração deles é adaptada
às necessidades e respostas terapêuticas de cada paciente.

e) Reavaliação

No que se refere ao tempo de tratamento, em 90 dias é realizada a


reavaliação pontual com todos os aspectos analisados na avaliação inicial e
o TVQ. Nesse momento, a paciente escuta os áudios e observa os gráficos
dos softwares, toma conhecimento da evolução registrada no TVQ inicial e
final e define seu nível de satisfação vocal.
A depender do resultado identificado, da satisfação da paciente com
a sua voz, do desejo em permanecer em fonoterapia ou de fazer a cirurgia
laríngea e da segurança individual para a alta, é analisada a definição da
conduta terapêutica, que poderá ser: alta, manutenção da fonoterapia ou
indicação de cirurgia laríngea.

f) Definição de conduta

Em caso de satisfação vocal e opção pela alta, a paciente inicia


a alta assistida com o espaçamento da frequência da terapia de semanal
para quinzenal e, depois, mensal, apenas para o monitoramento do padrão
adquirido.
Caso permaneça em fonoterapia, são delineadas novas metas dentro
da experiência obtida e das possibilidades reais de evolução, inclusive ao
que se refere ao tempo de tratamento restante, que não ultrapassa seis
meses totais de atendimento.
Já no caso de insatisfação sobre a evolução vocal com a fonoterapia,
a paciente é reencaminhada para o serviço de Otorrinolaringologia
para realização da cirurgia laríngea para adequação do pitch, no caso, a
glotoplastia de Wendler, descrita a seguir. Vale salientar que dentro do
Processo Transexualizador do SUS existe uma exigência para a realização
de qualquer procedimento cirúrgico, inclusive laríngeo, que consiste no
acompanhamento mínimo por dois anos com a equipe de psicologia e
assistência social. Ou seja, para ser submetida à cirurgia laríngea a paciente
precisa estar acompanhada no Espaço Trans há pelo menos dois anos.

f.1) Cirurgia

A glotoplastia de Wendler realizada no serviço de


Otorrinolaringologia consiste em diminuir a área vibrátil das pregas
vocais a partir de uma nova comissura anterior. Para o prolongamento
da comissura anterior, o terço anterior das pregas vocais tem o epitélio
resseccionado e fixado através de duas ou três suturas10. Dessa forma, se
obtém uma sinéquia anterior que proporcionará uma menor área vibrátil de
ambas as pregas vocais, elevando a frequência fundamental produzida por
elas. A vantagem dessa intervenção é a realização por via endoscópica, sem
incisura externa. No entanto, trata-se de uma técnica irreversível, com risco
de rouquidão após o procedimento e provável diminuição da variabilidade
de frequência. Apesar disso, tem se mostrado uma técnica efetiva com bons
resultados vocais a longo prazo10,34, principalmente quando associada a
fonoterapia após a cirurgia, com o aumento de frequência em torno de 100
Hz e a satisfação com a autopercepção vocal10, 35.
Após a realização da cirurgia a paciente recebe a orientação de
repouso vocal absoluto por 15 dias e relativo por mais 15 para a cicatrização
completa dos pontos cirúrgicos e da sinéquia provocada. Aos 30 dias de
cirurgia é realizada a primeira reavaliação vocal, que é repetida aos 60 e
90 dias após a cirurgia. As reavaliações vocais seguem o mesmo modelo
da avaliação inicial no que se refere aos protocolos de registro vocal e
avaliação acústica.
A fonoterapia após a cirurgia é importante para maximizar o
resultado cirúrgico, ajudar a proteger a prega vocal e para a adaptação
vocal ao novo formato laríngeo, além da estabilização da voz10,11,20,24,25,33-37,
entretanto, somente é iniciada após a orientação do otorrinolaringologista
assistente36,37.
Nesse contexto, a fonoterapia após a cirurgia é delineada a partir da
avaliação vocal e das queixas apresentadas pela paciente nesse momento,
que geralmente estão associadas a loudness reduzida20,36,38, com uma voz
fraca e sem potência, mas podem também permear uma “voz artificial”
ou muito aguda35,36, disfônica20,34-36,39, ou com diminuição da extensão
vocal20,34,38,39.
Por se tratar de uma cirurgia nova no serviço o quantitativo de
pacientes que se submeteram ao procedimento é pequeno, menor que dez
até o fechamento desse capítulo. Dessa forma, a resposta vocal à cirurgia, o
tempo de início da fonoterapia e a duração do tratamento ainda se encontra
em estudo. A duração da terapia vocal após a cirurgia tem sido bastante
variável, podendo ser de poucas semanas a alguns meses de tratamento
a depender da resposta vocal à cirurgia, da quantidade de queixas e da
resposta individual à fonoterapia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dos anos trabalhando com a população trans foi possível


identificar que o trabalho de readequação vocal em mulheres trans tem
um papel fundamental na vida dessas pessoas. O equilíbrio entre corpo-
mente-voz melhora a integração social e evita a exposição às situações
constrangedoras40. A fonoterapia, portanto, acaba por impactar na qualidade
de vida das mulheres trans, proporcionando a convivência em sociedade de
uma maneira mais natural e ajudando no processo de interação social.
Por outro lado, foi observado um alto índice de abandono do
tratamento. Os motivos mais frequentes corresponderam à dificuldade de
locomoção até o serviço, seja por distância ou problemas financeiros. Muitas
pacientes trans têm dificuldade de inserção no mercado de trabalho por causa
do preconceito e experimentam dificuldades financeiras, recorrendo, por
vezes, à prostituição, cujo horário de trabalho dificulta o comparecimento
ao atendimento e o engajamento aos exercícios ao longo do dia.
Da mesma forma, outros aspectos colaboraram para a resistência
ou o abandono da fonoterapia, como a necessidade de resolução imediata
do seu problema de voz e consequente opção pela cirurgia laríngea ou,
ainda, a falta de motivação com a fonoterapia, que nos estimulou a buscar
o desenvolvimento de uma terapia dinâmica, participativa, modificando e
adaptando os modelos ao longo do tratamento. Por fim, existiram ainda
barreiras de saúde mental em algumas situações, originadas a partir da
disforia de gênero e da discriminação social, como depressão, ansiedade ou
vícios, que também dificultaram a adesão ao tratamento.
É indiscutível a necessidade de maior investimento da Fonoaudiologia
para o desenvolvimento desse tipo de assistência, independentemente do
programa de transexualização do SUS. Muitos transgêneros poderiam se
beneficiar com o atendimento ambulatorial nos postos de saúde e hospitais
públicos não vinculados ao Processo Transexualizador, inclusive no interior
dos estados, o que minimizaria as dificuldades de locomoção e o custo com
o tratamento.
O desenvolvimento de estudos mais estruturados sobre a terapia
vocal em mulheres trans, com maior rigor científico, que possam
efetivamente comprovar sua eficácia também se fazem necessários41. Da
mesma forma, a integração da equipe multiprofissional, com discussões
de caso e desenvolvimento de protocolos específicos, podem colaborar
sobremaneira para o sucesso da assistência à população trans.
O trabalho com mulheres trans proporcionou, sem dúvidas, um
grande crescimento pessoal através do desenvolvimento da empatia ao
próximo, do investimento científico requerido para domínio do tema e
das discussões geradas em estudos de caso e no contato com as pacientes,
outros profissionais e estudantes. Uma gratidão que será levada para a
vida. Esperamos, a partir desse relato de experiência, despertar em outros
fonoaudiólogos e discentes de Fonoaudiologia o interesse por trabalhar
com essa população.
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CAPÍTULO 5

A VOZ QUE EMPODERA: SAÚDE E


COMUNICAÇÃO PARA HOMENS TRANSGÊNEROS

Ana Nery Araújo


Daniela de Vasconcelos
Jonia Alves Lucena

INTRODUÇÃO

Esse capítulo tem como objetivo relatar a experiência de


atendimento fonoaudiológico a um grupo de homens transgêneros. O
foco da intervenção foi o aperfeiçoamento da comunicação oral, a partir
de dois eixos: (1) reflexões sobre o uso social da voz, com vistas ao
empoderamento vocal. Parte-se do princípio de que a voz é um marcador
importante de identidade, um parâmetro que pode influenciar nas relações
sociais, sendo uma imagem vocal positiva capaz de refletir no aumento da
confiança, conforto e funcionalidade na vida dessas pessoas1 e (2) técnicas
fonoaudiológicas que proporcionaram uma voz saudável e, principalmente,
ajustada à identidade de gênero ao qual eles se identificavam.
A Fonoaudiologia tem papel de extrema importância no
atendimento ao público transgênero, pois, considerando as condições de
vulnerabilidade que essa população se encontra, pode contribuir para sua
melhor qualidade de vida. Presume-se que uma voz mais ajustada e adaptada
ao gênero pretendido reflete na melhoria da comunicação oral e ajuda no
enfrentamento dos estigmas que, muitas vezes, o homem transgênero sofre
em função de sua da imagem/voz.
Essa experiência aqui relatada foi fruto de um projeto de extensão
denominado: A VOZ QUE EMPODERA: SAÚDE E COMUNICAÇÃO
PARA PESSOAS TRANSGÊNERO desenvolvido no curso de
Fonoaudiologia, da Universidade Federal de Pernambuco. O projeto
possibilitou aos discentes de Fonoaudiologia uma formação integrada, que
considera a diversidade e a integração de conhecimentos dos eixos ensino,
pesquisa e extensão. A temática transgênero é pertinente na formação
do fonoaudiólogo, pois está em consonância com as novas diretrizes
curriculares estabelecidas pelo Ministério da Educação*1, no que diz
respeito à Extensão na Educação Superior Brasileira, que apontam para uma
formação acadêmica mais voltada pra mudanças sociais e direitos humanos,
o que possibilita uma futura atuação profissional alinhada com as novas
demandas sociais.
Este projeto teve como parceiros a Diretoria Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) da Universidade
Federal de Pernambuco, que realiza o acolhimento, a inserção e a permanência
da comunidade LGBT no campus, e que contribuiu com o projeto por meio
de apoio à divulgação da ação. Também foram parceiros dois serviços de
saúde públicos voltados à população transgênero, credenciados ao Ministério
da Saúde, que realizam atendimento multiprofissional. Os serviços foram
espaços importantes de diálogo, troca de saberes e alianças, e participaram
como referência de equipe multiprofissional de acolhimento do transgênero,
facilitando a comunicação do projeto com o usuário (homens transgêneros).
A dimensão da sexualidade nas pessoas envolve diversos aspectos,
desde as características presentes no corpo, de ordem biológica, até as
psicoemocionais, envolvendo sentimentos, história de vida, relações
afetivas e a própria cultura a qual o indivíduo está inserido.
A construção de gênero que perpassa a nossa sociedade estabelece
relação binária de homem/mulher, feminino/masculino, ou seja, uma
relação direta entre as categorias sexo (biológica) e gênero (psicossocial).
O termo cissexismo resulta da ideologia desse binarismo, quando as
características biológicas relacionadas ao sexo são correspondentes a
características psicossociais relacionadas ao gênero2.
1 *BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução Nº 7, de 18 de dezembro
de 2018, que estabelece as diretrizes para a extensão na Educação Superior Brasileira. 2018.
Cabe fazer uma distinção entre expressão de gênero, que é a
representação da aparência e comportamento, de acordo com as expectativas
sociais de um determinado gênero, dependendo da cultura em que a
pessoa vive; identidade de gênero, que é o gênero com o qual uma pessoa
se identifica, podendo ou não concordar com o que lhe foi atribuído ao
nascimento; e, o papel de gênero, entendido como a forma que o indivíduo
lida com determinadas situações conforme o gênero atribuído, ensinado às
pessoas desde o nascimento, sendo de cunho social e não biológico2, 3.
As particularidades culturais são, frequentemente, um fator chave
no processo de categorizar o gênero de alguém. A voz é um aspecto
extremamente importante nessa categorização, particularmente para
aqueles que estão fazendo a transição de um papel de gênero, identidade
ou apresentação para outro4. A não conformidade entre os elementos, voz
e gênero, pode gerar sentimentos de inadequação, tendo um potencial
impacto psicossocial. Nesse contexto, as pessoas transexuais podem
experimentar várias formas de angústia referentes a como se sentem em
relação ao seu gênero, ou sobre como seu gênero é visto socialmente.
Para entender a complexidade dessa temática cabe a ideia de
interseccionalidade, que aponta para o fato de que cada aspecto da
identidade de uma pessoa é necessariamente flexionado por suas outras
identidades, de tal forma que o gênero nunca pode ser examinado
isoladamente, mas deve ser entendido como interseção com idade, classe,
raça e etnia, entre outros elementos do eu. Esse conceito ajuda a explicar
porque mesmo indivíduos que falam a mesma língua e se identificam com
a mesma categoria de gênero podem, no entanto, indexar seu gênero de
maneira diferente4.
O transgênero é o indivíduo cuja identidade de gênero não é
condizente ao seu sexo de nascimento. Uma proporção significativa dessas
pessoas possui desconforto ou inadequação com seu corpo, sentindo
a necessidade de modificar sua aparência. Por esta razão, geralmente
procuram atendimento médico para tratamento hormonal e intervenção
cirúrgica para redesignação sexual5.
Denomina-se mulher transgênero o indivíduo que nasceu, por
critérios biológicos, no sexo masculino, mas no decorrer de sua vida se
identifica com o gênero feminino; e homem transgênero aquele indivíduo
que, ao nascer, foi designado ao sexo feminino, mas se identifica como do
gênero masculino6. A sigla FtM é utilizada na literatura internacional para
representar os homens transgêneros.
Os aspectos que diferenciam a expressão vocal masculina e
feminina são pitch, entonação, ressonância, modo de fala e expressões,
articulação, velocidade da fala e comunicação não verbal. Em homens
trans, a frequência fundamental da voz (F0) é menor, há maior nível de
pressão sonora e a qualidade de voz é menos soprosa com relação às vozes
femininas.
Cabe destacar que a literatura aponta escassez de estudos sobre o
conhecimento das mudanças na voz, sobre as características vocais e sobre os
problemas de voz durante o tratamento com homens trans. Porém, estudos
de vozes de pessoas trans apontam que mesmo influências biológicas da
voz do gênero, como o pitch, são moldadas pela prática sociocultural4, 7.
Os construtivistas tendem a ver diferenças linguísticas entre
mulheres, homens ou qualquer outro grupo de gênero como socialmente
aprendido e não anatomicamente determinado, pelo menos na ausência de
fortes evidências em contrário. No entanto, a pesquisa que se concentra nas
diferenças de gênero na voz tem mostrado um viés ancorado na fisiologia,
ou seja, um entedimento de que a fisiologia determina a produção vocal.
O sexo biológico é frequentemente a primeira explicação para qualquer
diferença entre as vozes das mulheres e dos homens, mesmo quando os esses
resultados podem ser interpretados por meio de uma lente construtivista4.
A maioria das publicações que trazem as situações vocais das
pessoas transgênero tem como objeto mulheres transgêneros; enquanto os
homens transgêneros até agora foram sub representados na literatura de voz.
O argumento para essa realidade é o fato de que estes não experimentam
dificuldades relacionadas à voz nos encontros diários, porque o tratamento
com testosterona (T) reduz seu tom e aumenta as chances de serem
percebidos e abordados como masculinos. O tratamento com T visa a
induzir e manter a virilização consistente de níveis de testosterona dentro
da faixa masculina normal (10-30 nmol)8 e seu uso contínuo acaba por
proporcionar o rebaixamento do pitch.
Contrariamente a isso, a feminização de voz em mulheres trans não
ocorre como resultado do tratamento com estrogênio, exigindo intervenção
especializada sob a forma de tratamento de voz, cirurgia laríngea ou ambos 9,10,11.
A diversidade que caracteriza a população transmasculina e a
complexidade dos fatores que contribuem para o ajuste vocal adaptado ao
gênero pretendido tem sido um desafio. Enquanto a maioria das pessoas
transmasculinas tratadas com testosterona pode esperar redução do seu
pitch, ainda não há evidências se a extensão da mudança de altura é suficiente
para resultar em uma voz reconhecida por outros como masculina12.
Uma revisão recente da literatura, que investiga o conhecimento
atual sobre os aspectos relacionados ao gênero nas situações de uso da
voz das pessoas transmasculinas demonstrou que algumas (incluindo as
tratadas com testosterona) experimentam problemas com a voz e exigem
ou solicitam profissionais para dar suporte ao ajuste vocal. Portanto, as
alterações de voz induzidas pela testosterona podem não necessariamente
atender às necessidades e expectativas de todas as pessoas transmasculinas12.
Além disso, é importante considerar que os homens trans podem
ser expostos a fatores ou praticar atividades que comprometam sua função
vocal, como tabagismo, doenças que afetam a voz, carga vocal pesada, ruído
de fundo durante a atividade vocal, acústica da sala baixa ou qualidade do
ar12, o que deve ser sempre levado em consideração em situações de terapia
vocal junto a essa população.
Outro aspecto importante, diz respeito ao efeito de sobrecarga na
voz no uso de estratégias vocais para mudar sua apresentação de gênero,
ou seja, práticas que podem ter impacto na função vocal, modificações
comportamentais do mecanismo de produção de voz para “masculinizar” a
voz, ou tratamento hormonal9.
O aprimoramento da função vocal de homens trans com o
auxílio de um profissional da Fonoaudiologia já é descrito na literatura.
Entre os estudos disponíveis que abordam a atuação do fonoaudiólogo
no aprimoramento da função vocal de homens trans, há diferentes tipos
de abordagens e focos de atenção. Alguns recomendam tratamento para
disfonias por tensão muscular, associado ao tratamento hormonal, bem
como adequação da respiração diafragmática associada a exercícios de
suavização de ajustes vocais. Também são incluídas informações sobre
higiene vocal e cuidados para a prevenção da fadiga vocal13.
A necessidade de terapia vocal é subestimada no tratamento de
homens transgêneros, visto que a mudança vocal induzida por hormônios nem
sempre é isenta de problemas vocais e ainda não é certo que em todos os casos,
o sujeito será identificado vocalmente como homem10. Em concordância,
um estudo de revisão da literatura com essa população aponta tentativas de
alterar o padrão vocal sem o acompanhamento de um fonoaudiólogo, sendo
descritas pelos autores tensão excessiva da laringe para produzir um pitch mais
grave, com presença de imitações do modelo vocal desejado, e aspectos na fala
e comportamentos que são estereotipicamente associados à masculinidade,
contradizendo, assim, a produção funcional da voz.
É certo que a voz, no sentido da expressão comunicativa das
pessoas, precisa ser ouvida não apenas como produção sonora, ou seja, de
forma literal, mas também a partir de sua dimensão biopsicossocial, nos
múltiplos sentidos que traz a comunicação oral, nas situações formais e
informais de uso. O seu uso advém de um aprendizado e exige adequação
às situações de existência social. Esse aprendizado ocorre em um contexto
social e emocional e, a ele, está condicionado. Assim, a voz sempre deve ser
compreendida a partir da função social e emocional de que está imbuída14, 15.

DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA

A proposta consiste em uma experiência no atendimento a homens


transgêneros, através de encontros que aconteciam uma vez por semana,
com duração média de 120 minutos por encontro, perfazendo o total de 10
encontros, com número de participantes em torno de 10.
No primeiro encontro, denominado acolhimento, os participantes
responderam a dois protocolos, a saber: (1) Perfil biopsicossocial; e, (2)
Questionário de autoavaliação com foco na perspectiva dos indivíduos
sobre sua voz no uso social. O questionário utilizado foi adaptado
a partir do TSEQ – QUESTIONÁRIO DE AUTOAVALIAÇÃO DE
TRANSGÊNERO, baseado no índice de dificuldade da voz, na versão
TVQ: MTF. O questionário foi respondido a partir da experiência pessoal
dos participantes como homens, e informado conforme a escala de
classificação: 1 = Nunca/raramente; 2 = algumas vezes; 3 = frequentemente;
4 = usualmente/sempre. Escore mínimo de 30 pontos e máximo de 120
pontos. Esse questionário foi aplicado no primeiro e no último encontro
(pré e pós-intervenção fonoaudiológica), possibilitando aos participantes
uma reflexão sobre as mudanças nas suas percepções de voz 16.
Nesse momento de acolhimento, também foi realizado o
levantamento das expectativas dos participantes referentes à mudança de
voz desejada, bem como a gravação da voz em um notebook, com microfone
acoplado, utilizando-se softwares para análise vocal (FONOVIEW e
VOXMETRIA, ambos da CTS Informática). O registro envolveu a emissão
de vogais sustentadas, contagem de 1 a 10, bem como emissão de seis
frases específicas e um depoimento espontâneo sobre a voz. Tais registros
permitiram que, posteriormente as análises perceptivo-auditivas e acústicas
vocais de cada participante fossem realizadas.
Para o julgamento perceptivo-auditivo foi utilizada a Escala Visual
Analógica do CAPE-V (Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of
Voice)17. Nesta escala, a equipe ouvia as vozes gravadas e mensurava os
seguintes parâmetros de desvio vocal: severidade global da alteração vocal,
rugosidade, soprosidade, tensão, pitch e loudness. Para assinalar o grau do
desvio da voz observado em cada um dos parâmetros, foi utilizada uma
escala analógica linear, com 100mm de comprimento, em que a avaliação
específica de cada parâmetro é demarcada em valores específicos, indicando
variação normal de qualidade vocal (de 0 a 35,5 mm); alteração de severidade
levemente moderada (de 35,6 a 50,5 mm); alteração de severidade moderada
(de 50,6 a 90,5 mm) e alteração de severidade intensa (> 90,5 mm)13.
A análise acústica, por sua vez, consistiu em extrair do programa
VOXMETRIA parâmetros tais como: média e desvio padrão da F0, média da
intensidade, jitter, shimmer, proporção GNE (glottal noise excitation) e ruído.
A partir dos dados coletados no encontro de acolhimento foram
estabelecidas metas para o grupo. Em cada encontro, as atividades/ dinâmicas
eram apresentadas em dois eixos: (1) roda de discussão, que possibilitava aos
participantes pensar sobre suas referências de uso de voz, considerando sua
identificação de gênero; falar ao coletivo sobre suas expectativas referentes à
mudança de voz a partir da intervenção fonoaudiológica. Ao mesmo tempo,
em que permitia ao fonoaudiólogo, que conduzia a roda de discussão, trazer
temáticas sobre o conhecimento da fisiologia da voz e desenvolvimento
vocal do ponto de vista orgânico, social, cultural e emocional; ampliar
conhecimentos sobre psicodinâmica vocal dos participantes, possibilitando
o empoderamento com relação a suas vozes; e, (2) realização de treinos
com técnicas fonoaudiológicas para ajustes vocais que promovessem o
empoderamento com relação ao uso da voz. Abaixo serão detalhadas as
temáticas desenvolvidas em cada eixo de trabalho.

Temáticas do Primeiro Eixo:

1. Dinâmica (tempestade de ideias): cada participante é convidado a dizer


palavras que associam à sua voz. A partir dessas palavras, é construído um
painel e realizado debate no grupo sobre o que essas palavras representam.
2. Roda de discussão sobre como a voz é produzida. Vídeo sobre
anatomia e fisiologia da voz; conhecimento dos parâmetros vocais, com
treinamento auditivo: qualidade vocal/ pitch/ loudness/ ressonância/
tessitura vocal/ articulação a partir de vozes de cantores e cantoras: Zé
Ramalho/ Cássia Eller/ Johnny Hooker/ Maria Bethânia/ Pablo Vittar.
3. Orientação sobre hábitos e comportamentos nocivos à voz.
Dinâmica de mitos e verdades sobre o que faz bem e faz mal a voz.
4. Conhecimentos sobre psicodinâmica vocal que possibilitam o
empoderamento dos participantes com relação a suas vozes por meio
da análise de vozes de cantores, atores e pessoas, em geral.

Atividades do Segundo Eixo: TREINO DA VOZ/ FALA

Exercícios de relaxamento/ alongamento corporal; exercícios de


massagem cervical; automassagem na região do pescoço, nuca e face;
movimentos rotatórios de cabeça; exercícios de abaixamento da laringe:
sentados, realizar a automassagem na região da laringe em movimento
descendente; exercícios de respiração padrão costodiafragmático;
exercícios fonte glótica/ estabilidade: fricativos /j/;/z/;/v/; e vibrante de
lábios e língua (emissão linear/ descendente); exercícios de resistência
glótica: finger kazoo; canudos de baixa e alta resistência; uso do Lax Vox;
exercícios de emissão das vogais na altura grave; explorando articulação
e variações de modulação/ entonação descendente; exercícios de
ressonância, explorando variações de voz no registro de peito; exercícios
de associação respiração/ ressonância e projeção vocal, explorando com
palavras e frases com variações de modulação/ entonação descendente;
treino com pequenos textos variados: notícias/ propagandas; treino
com pequenos textos contendo diálogos; simulações de situações de
atendimento ao público.
Ao longo dos encontros, foram realizadas avaliações processuais a
partir dos relatos dos participantes no que se referem ao uso da voz e fala no
âmbito social e profissional, no dia a dia deles, com foco nos ajustes vocais/
percepção das mudanças na voz/ incorporação dos padrões vocais adquiridos.
A cada semana, os participantes eram orientados a realizar alguns exercícios
em casa de forma a automatizar o padrão adquirido nos treinos.
Seguem alguns relatos dos discursos proferidos pelos participantes
no momento do acolhimento, antes da intervenção fonoaudiológica. São
evidentes as questões emocionais, como tensão ao falar, vergonha da voz e
falta de confiança:

“Se não abrir a boca eu sou reconhecido como um homem, então fico calado, eu acho
uma coisa estranha (a voz), não me sinto bem, não... me dá falta de confiança, quando
eu vou para lugares públicos eu não consigo falar”.

“Eu tenho disforia com a minha voz”, “Quando eu vou para lugares públicos eu não
consigo falar”. “Queria que a minha voz mudasse... por questão de preconceito, pra me
socializar”, “as pessoas ficam confundindo os pronomes”. “Não tenho tanta disforia com
o corpo é mais com a voz mesmo”. “Não consigo falar em grupos sociais que não tenham
pessoas trans, comecei a me entrosar mais com pessoas cis, pois não tenho grupos de
amigos trans, mas apesar disso, sinto-me mais confortável com as pessoas trans”.
A partir da terapia fonoaudiológica, com as modificações no padrão
vocal adquiridas nos treinos de voz e fala realizados ao longo dos encontros,
foi possível observar a percepção dos participantes sobre as mudanças na
voz e empoderamento vocal. Seguem os depoimentos:

“Minha voz ficou mais relaxada, mais segura (após fazer os exercícios)”; “Tô percebendo
que está diminuindo a instabilidade”. “Passei a prestar mais atenção na minha voz, me
ouvir mais”.

“Ouvi algumas gravações antigas e percebo o quanto minha voz mudou; “Só percebi
depois que gravei minha voz hoje e pensei: nossa! Essa é a minha voz?”; “Depois das
oficinas, passei a reparar mais nas vozes das pessoas a minha volta com relação a “grave/
agudo”, ressonância e articulação; “A semana foi massa... Estou sentindo mais segurança!
Estou sentindo minha voz mais fortalecida e não estou mais precisando fingir, ela está
mais natural”; “Estou mais confiável com a voz, mas não sei se estou emitindo o som
corretamente; “Eu tô fazendo tudo certinho e estou me sentindo muito seguro, até falei
alto com um cara no metrô e foi ótimo. “Tive uma resposta muito boa dos exercícios”;
“Acho que estou ganhando resistência e segurança com o coletivo.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que o trabalho fonoaudiológico aqui relatado junto


aos homens transgêneros mostrou-se efetivo no alcance de seu objetivo.
A voz que empodera: saúde e comunicação para pessoas transgêneros
possibilitou aos participantes a ampliação dos seus conhecimentos sobre
sua identidade vocal e representação da voz na sua vida. Foi possível
identificar a importância do trabalho como espaço para dar “voz”.
Para que falassem de suas angústias, necessidades, conflitos vividos no
ambiente familiar e social para que, ao mesmo tempo, descobrissem suas
potencialidades, melhorando a passabilidade, e contribuindo diretamente
para o enfrentamento das situações de transfobia.
Ressalta-se que o uso da voz advém de um aprendizado. Por
mais espontâneo que pareça, o seu uso exige adequação às situações de
existência social. Esse aprendizado ocorre em determinado contexto social
e emocional e a ele está condicionado.
SEQUÊNCIAS ILUSTRATIVAS DE TREINOS

1. Percepção corporal/ respiração: Relaxamento/ alongamento do


corpo: de pé, alongar o corpo/ espreguiçar/ enrolamento; movimentos
de cabeça, soltando a musculatura cervical; movimento de chacoalhar o
corpo; bocejo; mastigação exagerada. Respiração: entrar em contato com
a respiração, sentindo entrada e saída de ar; estabelecimento do padrão
costodiafragmático; treino com o padrão costodiafragmático com sopro
suave e consciência da expansão de costelas.

2. Massagem: Realizar a automassagem na região de ombros, cintura


escapular, pescoço, face e região da laringe no sentido de abaixamento.

3. Treino articulatório com variação de frequência (grave)


Fazer a variação com /o/ /e/

Au bau cau dau As bas cas das Ar bar car dar


fau gau jau lau faz gas jas las far gar jar lar
maunau pau quau mas nas pas quas mar nar par quar
rau sal tau vau ras sas tas vas rar sar tar var
xau zau xas zás xar zar

4. Treinando palavras no gerúndio/ variação de frequência para grave

Solucionando Marcando Oferecendo


Tentando Investigando Refazendo
Providenciando Dividindo Interferindo
Alterando Escolhendo Fingindo
Transferindo Analisando Sorrindo
Digitando Subindo Ajudando
Repetindo Virando Imaginando
Escrevendo Batendo Estourando
Procurando Opinando Andando
Autorizando Decidindo Ofendendo
5. Exercício de modulação vocal afirmativa/ variação de frequência
para grave

 Quem canta seus males espanta.


 Quem deu seu nó, que desate.
 Quem planta vento colhe tempestade.
 Quem não pensa o corpo padece.
 Quem morre pela boca é peixe.
 Quem quer mais do seu amigo, não é amigo nem nada.
 Quem ri melhor é quem ri no fim.
 Quem me avisa, meu amigo é.
 Quem erra, raras vezes acerta
 Quem guarda com fome o gato come.
 Quem é do mar não enjoa.
 Quem com ferro fere, com o mesmo ferro é ferido.
 Quem tem flores, dá flores e quem não tem, dá espinhos.
 Quem tem com que me pague, não me deve nada.
 Quem não te conhece, que te compre.
 Quem não se enfeita, por si se enjeita.
 Quem não quiser se molhar, não saia na chuva.
 Quem nunca comeu mel, quando come se lambuza.
 Quem brinca com fogo pode se queimar.

6. Exercícios para treino da modulação vocal/ explorar a variação na


frequência para grave

Exprimir os seguintes sentimentos de acordo com as frases:

VONTADE Hei de vencer


FRAQUEZA Não tenho coragem
ALEGRIA Como é boa a vida
TRISTEZA Morro de saudades
CORAGEM Quem bate a essa hora?
MEDO Estão arrombando a porta
CRUELDADE Morra como um cão
PIEDADE Pobre criança
ORGULHO Quem manda aqui sou eu
HUMILDADE Quem sou eu a seu lado...
REVOLTA Isso não fica assim
RESIGNAÇÃO Eu estou por tudo...
CÓLERA Sai da minha frente
REFLEXÃO Vamos ponderar
CALMA Tem tempo, já vou...
AVERSÃO Não suporto esse cheiro
CASTIGO O senhor está preso
PERDÃO Por essa vez, vai em paz
ALVOROÇO Incêndio. Fujam rápido.
TRANQUILIDADE É boato
DESEJO Quero morrer na minha terra
RENÚNCIA Partirei em paz
ANGÚSTIA O médico não chega...
ALÍVIO Graças a Deus
RESPEITO Receba minhas homenagens
DESPREZO Você não sabe o que diz...
ALEGRIA Como estou contente
COMANDO Silêncio
PEDIDO Por favor, silêncio
ADMIRAÇÃO Que maravilha
HORROR Que cena deprimente
REMORSO Como lastimo o mal que fiz
INCONSCIÊNCIA O que está feito, está feito
ESPANTO Onde é que você andou?
INDIFERENÇA Já esperava por você
PROMESSA Terás um bom prêmio
AMEAÇA Se não estudar vai de castigo
TRIUNFO Meu clube venceu
DERROTA Perdemos
ALTRUÍSMO Tudo o que é meu é seu
EGOÍSMO Ganhei com o meu suor
7. Treino da modulação vocal (Explorar a variação na frequência para
o grave)

Leia de acordo com a intenção solicitada:

Concordando Concordo senhor!


Ironizando Concordo senhor!
Medo Concordo senhor...
Com raiva Concordo, senhor!
Impaciente Concordo, senhor.
Cansaço Concordo, senhor!

Simulação de situações de atendimento ao público,


com reforço no ajuste vocal mais grave:

 “Seja bem-vindo”
 “Bom dia/ tarde”
 “Quanto tempo...”
 “Que bom vê-lo novamente”
 “Como vai o senhor?”
 “Tudo bem?”
 “Como tem passado?”
 “Qual a sua matrícula, por gentileza? É o Sr....(nome), certo?”
 “Em que posso ajudá-lo, Sr... (nome)?”
 “O que o Sr. deseja?”
 “Estamos a sua disposição!”
 “Fique tranquilo, estamos aqui para ajudá-lo a solucionar a questão/
situação/problema.”
 “O senhor poderia detalhar melhor...?”
 “Para que possamos resolver seu problema adequadamente, gostaria
que nos informasse...”
 “O senhor poderia nos esclarecer sobre...”
 “Não entendi Sr., poderia repetir, por favor?”
 “Para essa situação talvez fosse melhor...”
 “Como vê a possibilidade de...”
 “Desculpa, mas essa questão não pode ser solucionada assim, vamos
tentar de outra maneira Sr”
 “Temos uma alternativa para...”
 “Estou entendendo que o senhor precisa de...”
 “Considera que esta seja realmente a melhor solução...?”
 “Está claro para o senhor...?”
 “O senhor tem alguma dúvida a respeito e algo?”
 “Por favor, fique à vontade, estamos aqui para ajudá-lo a esclarecer o
que for preciso”
 “Ficou tudo entendido, resta alguma dúvida?”
 “Aguarde um momento que logo mais o Sr. será atendido”
 “Vamos precisar de X tempo para consultar o sistema e verificar...”
 “Vamos precisar de X tempo para buscar uma informação em outro
lugar (dizer qual) e dentro de X tempo concluiremos. O Sr. pode
aguardar?”
 “Vamos precisar de um parecer da supervisão, mas não se preocupe que
não vai demorar.”
 “Precisamos consultar a área tal (dizer qual), o Sr. tem disponibilidade
para aguardar X tempo?”
 “Já estamos providenciando, aguarde mais um pouco.”
 “A área tal já está liberando a informação, documento... por favor,
aguarde só mais um momento.”
 “Pronto senhor, aqui está sua solicitação. Desculpa a demora e/ou
obrigada por aguardar.”
 “Era isto mesmo que precisava?”
 “Confira os documentos, dados, informações... está tudo certo? Precisa
de algo mais?”
 “Senhor, para seu completo atendimento o processo será encaminhado
para... e precisaremos de X tempo para finalização.”
 “Como o Sr. gostaria de receber o documento?”
 “Para conclusão de seu atendimento, a documentação será
encaminhada para... como objetivo de...portanto, no dia X o Sr. poderá
retornar a Central que o documento estará liberado.”
 “Para sua maior comodidade, poderá ligar a partir do dia X ou acessar
o site...”
8. Atividade/treino para serem realizadas em casa: “Descobrindo vozes”

Observar as vozes das pessoas ao seu redor e na TV


1. Observar pessoas falando, prestar atenção à voz e à fala.
Identificar características como: ritmo e velocidade de fala; como
articula, a intensidade da voz; melodia da voz.
2. Quais os sentimentos que essas vozes trazem para você? O
que as vozes transmitem?

REFERÊNCIAS

1. Davies S, Papp VG, Antoni C. Voice and communication change for gender
nonconforming individuals: giving voice to the person inside, international
journal of transgenderism. Int J Transgend 2015; 16(3): 117-59.
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to female transsexuals. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg 2012; 20(3):
165-70.
CAPÍTULO 6

A VEZ DA VOZ NA TERCEIRA IDADE:


RELATO DE EXPERIÊNCIA EM GRUPO

Jonia Alves Lucena


Mariana Batista de Souza Santos
Liliane Elise Souza Neves

INTRODUÇÃO

O projeto “A Vez da Voz na Terceira Idade” consiste em uma


proposta de intervenção vocal voltada para a população com 60 anos ou
mais, segundo uma abordagem em grupo. Enquadra-se como uma ação
de extensão, que vem sendo realizada desde o ano de 2011, no Núcleo de
Atenção ao Idoso (NAI) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O NAI é uma unidade ambulatorial de atenção à saúde do idoso com
apoio de equipe multidisciplinar, que oferece atendimento individual nas
áreas de Enfermagem, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia,
Psicologia, e Terapia Ocupacional.. O NAI oferece, ainda, atendimentos em
grupos por meio de oficinas temáticas, visando à promoção/ recuperação
da saúde e melhoria das condições de saúde integral dos idosos, incluindo
a orientação a familiares e cuidadores.
O alvo primordial da presente proposta é a melhoria da voz
de idosos com presbifonia, alteração de voz decorrente do processo de
envelhecimento. Ressalta-se, entretanto, que a abordagem terapêutica
aborda também a comunicação do idoso em suas diversas manifestações.
A presbifonia não acomete toda a população idosa, no entanto,
quando presente, pode desencadear sintomas, tais como: rouquidão de leve
a moderada; diminuição do volume da voz, soprosidade, pigarro constante,
instabilidade vocal; decréscimo na velocidade de fala, redução no tempo
máximo de fonação, diminuição na projeção e resistência vocal, além de
falhas na emissão. Além disso, o desconforto e esforço para falar podem estar
presentes na voz do idoso com presbifonia1. Também é comum que a voz de
mulheres fique mais grave em decorrência dos efeitos da queda hormonal
após a menopausa e consequente redução da frequência fundamental. Já
em homens idosos, a frequência fundamental da voz tende a aumentar, o
que pode ter relação com a perda de massa muscular de pregas vocais2-5.
Vale salientar que alterações da comunicação na terceira idade
poderão trazer consequências negativas com restrição da participação
social e diminuição da autoestima, afetando a qualidade de vida. Sobre
isso, aponta-se que uma voz com alterações pode gerar sentimentos
de insegurança e inadequação6. Considerando que comunicar-se
satisfatoriamente é fundamental para o ajuste e boa adaptação ao processo
de envelhecimento, sentimentos dessa natureza podem levar o idoso ao
isolamento social, retraimento e depressão7.
Sabendo-se, portanto, da importância em investir em ações que
permitam ao idoso a busca de uma voz adaptada às situações diversas de
comunicação, bem como possibilitar a interrelação e troca de experiências,
a proposta em tela explora o uso da voz e comunicação segundo uma
abordagem grupal.
Considera-se que a convivência em grupo é um fator que motiva a
participação dos idosos nos encontros. Aos poucos, são formados vínculos
de amizade, fazendo com que cada um dos participantes se sinta acolhido e
desenvolva o sentimento de pertencimento, aderindo com mais facilidade
às atividades terapêuticas.
Aponta-se que a adesão grupal permite e favorece trocas
intersujeitos, inclusão, autopercepção, autoconhecimento, e expressões de
afeto, tornando-se um veículo para o processamento de informações8. A
terapia vocal em grupo possibilita ao participante um papel de destaque,
pois cada integrante torna-se corresponsável por sua evolução e alta
fonoaudiológica. Ademais, a vivência em grupo possibilita ao idoso novas
experiências, levando a uma imagem vocal mais consolidada, tornando sua
função comunicativa mais eficaz9.
O trabalho em grupo tem o intuito de gerar mudanças que
ressignificam e levam à vida mais saudável. Configura-se enquanto processo
ativo de constituição e transformação do sujeito, o que proporciona
benefícios diretos à saúde, comunicação e qualidade de vida10.
Em Fonoaudiologia, é comum a proposição de tratamento em grupo
quando se têm objetivos em comum, pois o compartilhar de experiências
leva o participante a se engajar com maior facilidade. No caso do indivíduo
idoso, que, em muitas situações, tende a se isolar diante de um problema
de voz, a proposta de terapia em grupo não traz melhorias apenas para a
comunicação, mas permite que o participante faça novas amizades, com
benefícios para a participação social.
O programa “A Vez da Voz na Terceira Idade” considera, ainda,
os preceitos do envelhecimento ativo, que não diz respeito, apenas, à
capacidade de estar fisicamente ativo ou, ainda, ter força de trabalho.
Refere-se à participação contínua do idoso nas esferas sociais, econômicas,
culturais, espirituais e civis. O envelhecimento ativo aumenta a expectativa
de uma vida saudável e com qualidade. Tal preceito baseia-se no
reconhecimento dos direitos humanos das pessoas com 60 anos ou mais,
regidos pelos princípios da Organização das Nações Unidas (ONU) de
independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização. Em
outras palavras, tem como meta o envolvimento ativo do indivíduo idoso
nos aspectos de sua vida e da sua comunidade11-12. Assim, busca-se, neste
programa, melhorar a voz, considerando-a fundamental para o processo
comunicativo, participativo e de relações sociais.
Os idosos pertencentes ao NAI selecionados para o programa fazem
parte de uma população específica de indivíduos que buscam a saúde e o bem
estar. São, geralmente, pessoas ativas, engajadas em atividades que utilizem
o corpo e a voz rotineiramente e que têm certo grau de independência e
altivez. Para fazer parte do grupo, os idosos devem apresentar queixas de
voz, sem associação com outras doenças.
DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA

Para ingressar no programa, inicialmente, a ação é divulgada na


própria unidade de atendimento e em redes socais. Todos os interessados
passam por uma entrevista inicial junto aos alunos vinculados ao programa
de extensão. São colhidas informações para identificar se o idoso se
enquadra no perfil para tratamento da presbifonia. Aqueles que apresentam
queixas vocais, excluindo-se doenças que possam comprometer o bom
funcionamento do aparelho fonador, a exemplo de doenças neurológicas ou
traumáticas, são encaminhados para o ambulatório de laringe, no serviço de
otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Pernambuco. Os idosos são,
então, submetidos ao exame de laringe por um médico otorrinolaringologista,
parceiro do projeto de extensão, por quem o diagnóstico laríngeo é realizado.
O idoso será elegível para participar do programa se seu diagnóstico for
compatível com presbilaringe ou exame de laringe sem alterações estruturais.
Para a ação proposta, realiza-se um encontro por semana, pelo
período de 10 semanas, sendo que o primeiro e último encontro são
destinados às avaliações de voz, a saber: análise perceptivo auditiva da voz,
análise acústica e autoavaliação vocal. Na finalização do grupo, todos têm
uma devolutiva de seu processo de evolução durante sua permanência.
Para as análises perceptivo-auditiva e acústica da voz é realizada,
inicialmente, em uma das salas do NAI, a gravação da voz de cada um
dos participantes. Utiliza-se um notebook, com um microfone auricular e
uma placa redutora de ruídos acoplados. Os participantes são solicitados a
emitir a vogal sustentada /e/ e a contar números de 1 a 10, em sequência
automática. São extraídos, por um software específico de computador os
parâmetros de frequência fundamental, intensidade, jitter e shimmer e
medida de ruído GNE (glottal to noise excitation), além do Diagrama do
Desvio Fonatório. O idoso ainda é solicitado a emitir a vogal sustentada /a/
e a emissão de seis frases específicas, pertencentes ao protocolo CAPE-V,
para possibilitar julgamento perceptivo-auditivo.
Em um momento posterior, a equipe do projeto faz o julgamento
perceptivo-auditivo da voz dos idosos. As amostras de voz são ouvidas
por todos e são mensurados os graus de desvio vocal por meio da Escala
Visual Analógica do protocolo CAPE-V, o qual prevê a avaliação de seis
parâmetros vocais: severidade global da alteração, rugosidade, soprosidade,
tensão, pitch e loudness. Para assinalar o grau do desvio da voz observado
em cada um dos parâmetros, é utilizada uma escala analógica linear, com
100mm de comprimento, em que a avaliação específica de cada parâmetro é
demarcada em valores específicos, indicando variação normal de qualidade
vocal (de 0 a 35,5mm); alteração de severidade levemente moderada (de
35,6 a 50,5mm); alteração de severidade moderada (de 50,6 a 90,5mm) e
alteração de severidade intensa (> 90,5mm)13.
Para a autoavaliação vocal, utiliza-se um protocolo de qualidade de
vida e voz, que verifica o impacto dos distúrbios de voz na vida do indivíduo
na dimensão orgânica, funcional e emocional. Na escala utilizada, quanto
maior a pontuação, pior o impacto na qualidade de vida. O protocolo
consiste em um instrumento propício para quantificar as consequências e
desvantagens desencadeadas por alterações de voz.
Quanto às sessões destinadas ao trabalho terapêutico grupal, são
realizados, com cada grupo formado (até 12 participantes), oito encontros
semanais que têm duração de uma hora e meia, aproximadamente. Nos
primeiros momentos de cada um dos encontros, são realizadas atividades
mais gerais relacionadas à comunicação, que envolvem:
1. Orientações e discussões sobre o mecanismo de produção e
funcionamento da voz, bem como sobre medidas de saúde vocal.
Para tal, são utilizadas: imagens no datashow, apresentação de vídeos
de curta duração, apresentação do protótipo de laringe, para cada
integrante do grupo identificar uma estrutura e falar de sua função
no mecanismo de produção de voz; além de atividades de perguntas
e respostas (Quizz).
2. Discussões e dinâmicas sobre o envelhecimento e qualidade de vida
na senescência. Para tal, são utilizadas práticas como: exibição de
filmes que tratam sobre o envelhecimento, com um momento para
perguntas que façam recordar determinadas cenas do filme e debate
no grupo; leitura de poesias e escuta/ canto de músicas que abordam
o envelhecimento, com momento para interpretação e debate.
3. Trabalho com habilidades globais da comunicação: são utilizados
jogos com rima e aliteração; palavras cruzadas e caça-palavras; jogo
de bingo; jogo “O que é o que é”; Jogo puxa conversa; atividades de
memória semântica, como recordar nome de objetos e suas respectivas
funções nas diferentes atividades de vida diária, entre outros.
No segundo momento de cada um dos encontros, as práticas
vocais são incluídas. São almejados os seguintes objetivos: estabilizar a
emissão vocal, aumentar a precisão articulatória, aumentar os Tempos
Máximos de Fonação, mobilizar a mucosa laríngea e flexibilizar a musculatura
de prega vocal, aumentar a projeção vocal e melhorar a coaptação glótica
sem interferência supraglótica, além de melhorar a resistência vocal. Para
tal, são utilizadas as seguintes técnicas vocais específicas:
1) Uso de sons vibrantes em tom médio, dois tons, em escalas musicais
e músicas.
2) Uso de sons nasais em tom médio, imitando a sirene, com escalas
musicais e músicas.
3) Uso de sons fricativos em tom médio, com variação de tons, com
variação de intensidade (forte e fraco).
4) Treinos articulatórios com trava-línguas e leitura de poesias e
textos de gêneros diversos.
5) Exercícios com a técnica de firmeza glótica: uso do tubo finlandês
“Lax voice em tom médio, com escalas musicais e músicas; sopro
sonorizado com uso do post it, canudo rígido de pirulito ou mãos
em concha” tom médio e em escalas.
6) Emissão de sons facilitadores em Tempo Máximo de Fonação: são
utilizados sons fricativos, nasais e vibrantes, sendo cronometrado o
tempo, em ordem crescente de dificuldade ao longo dos encontros.
Todos os exercícios são realizados no NAI e os idosos são orientados
para fazer também em casa três vezes ao dia. No decorrer dos encontros, já
é possível perceber auditivamente melhoras nas vozes dos participantes, as
quais são, geralmente, confirmadas por reavaliações perceptivo-auditiva e
acústica da voz realizadas após oito encontros. Além disso, os integrantes
do grupo referem, frequentemente, ganhos relacionados à voz, socialização
e autoestima. Seus depoimentos concordam com os resultados observados
na reavaliação, bem como por meio do questionário de qualidade de
vida aplicado. De modo geral, observa-se queda nos escores gerais dos
participantes, o que aponta para melhora na qualidade de vida.
Incluiremos, a seguir, alguns depoimentos de idosos que
participaram da experiência de trabalho de voz e comunicação no grupo,
obtidos por meio de entrevista realizada por uma aluna do curso de
Fonoaudiologia da UFPE no ano de 2012 para a realização de seu Trabalho
de Conclusão de Curso14.
Ao analisar os depoimentos sobre a experiência de terapia em
abordagem grupal, pôde-se observar que os principais motivos que levaram
os idosos a procurarem ajuda fonoaudiológica no NAI foram as suas
próprias queixas de voz, a exemplo de rouquidão e fraqueza na emissão14.
Além disso, a dificuldade para o canto também foi relatada por alguns dos
entrevistados.
Destaca-se que é comum, entre as queixas de voz do idoso, as
dificuldades para cantar. É crescente a procura pelo fonoaudiólogo em
busca de uma voz que possa dar conta não somente das demandas de
comunicação, mas também das demandas musicais. Sabe-se que a prática
do canto contribui para a socialização como também auxilia na fonação.
E se esta prática acontece por meio de uma orientação especializada, o
idoso conseguirá alcançar a nota desejada, evitando falhas durante a frase
musical e trechos musicais desafinados.
Os entrevistados também foram estimulados a falar da experiência
grupal e destacar aspectos positivos e negativos da vivência. Muitos
expuseram o elevado grau de aceitação quanto à proposta grupal e a
importância desta experiência para a melhora de voz. Os participantes
também destacaram as mudanças percebidas na voz e a importância
do cuidado. Pode-se observar nas respostas, que o grupo de terapia não
apresentou função apenas terapêutica vocal. O grupo propiciou a formação
de laços de amizade e companheirismo, desempenhando papel social
importante para a sua vida.
O acolhimento também foi fator chave para o desenvolvimento do
grupo. Quando há em um grupo a ajuda mútua e o cuidado com o outro,
há maiores chances de alcançar resultados satisfatórios. Os idosos também
comentaram como foi positivo conhecer pessoas que se importam não
apenas com sua voz, mas com sua vida.
Seguem os depoimentos, aos serem questionados sobre os
benefícios relacionados à voz no grupo:
“... Aqui no grupo eu aprendi a respeitar as minhas dificuldades e aceitar que a minha voz
não era mais a mesma de antes. Aprendi com as terapeutas a ter uma voz melhor sem tanto
esforço e que eu, com cuidado, poderia sim continuar a cantar, mas sem tanto esforço...”
(Entrevistado 9)

“... Eu pude aprender mais sobre a minha voz e que com o tempo ela muda mesmo. Aprendi
a cuidar mais da minha voz e da saúde do meu corpo. O grupo foi algo muito bom...”
(Entrevistado 10)

“... Minha experiência foi muito boa. Eu me senti acolhida, senti que eu não era a única
com uma voz feia, que outras pessoas eram iguais a mim e que todos podiam se ajudar...”
(Entrevistado 2)

“... Hoje a minha voz tá melhor... Tá mais forte, e eu só conseguir isso por causa dos exercícios
e da ajuda dos outros. Quando um faltava por algum motivo, o outro tentava ajudar, saber
o porquê dessa falta pra assim poder ajudar de alguma forma...” (Entrevistado 13)

A aluna pesquisadora também solicitou aos idosos participantes


que apresentassem os pontos positivos e negativos quanto ao trabalho no
grupo. Os 36 idosos apresentaram pontos positivos, destacando a melhora
da voz como principal aspecto. Além disso, a relação com o outro também
foi um ponto relevante para a maioria dos participantes.
“... A voz menos rouca, os cuidados dos terapeutas, as atividades e as amizades. O espírito
de ajuda e companheirismo é algo realmente muito bom...” (Entrevistado 18).

“... Eu fiz amigos. Não foi apenas a minha voz que melhorou meu espírito também se
alegrou muito com essa experiência...” (Entrevistado 5)

“... O trabalho em grupo é muito melhor do que sozinho, porque todos se ajudam e dividem
suas experiências. E isso ajuda e estimula no cuidado com a voz...” (Entrevistado 10)

“... Destaco a ajuda mútua e o cuidado pelo outro...” (Entrevistada 20)

“... Cada um ajudou muito o outro, principalmente quando um tinha dificuldades. Pelo menos
um pouco de melhora houve, e os exercícios eram bem ensinados...” (Entrevistado 25).

“... A voz melhorou muito. Não me sinto mais tão incomodada e as pessoas não reclamam
tanto da minha voz. Além disso, fiz muitas amizades com todos...” (Entrevistado 32)
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta ação de extensão chama a atenção para a importância de


iniciativas que favoreçam o envelhecimento ativo e ajudem a otimizar a
eficiência comunicativa, envolvendo o melhor uso da voz. A comunicação
bem sucedida, adaptada às diversas situações inter-relacionais, leva a
repercussões positivas na qualidade de vida, gerando sentimentos de
pertencimento e engajamento no meio social.

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Longevidade/Centro Internacional de Longevidade Brasil. Rio de Janeiro;
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2008; Campos do Jordão. p.24-27.
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terapia vocal em grupo para presbifonia In: Anais do 21º Congresso Brasileiro
2º Íbero Americano de Fonoaudiologia; 2013; Porto de Galinhas.
CAPÍTULO 7

EXPERIÊNCIA MULTIDISCIPLINAR NA ALTERAÇÃO


DE FRÊNULO LINGUAL EM BEBÊS

Italo Ferreira Monteiro


Midiane da Silva Gomes
Ana Cláudia da Silva Araújo
Alfredo de Aquino Gaspar Júnior
Hilton Justino da Silva

INTRODUÇÃO

As universidades organizam seu ensino em três pilares: ensino,


pesquisa e extensão, organizando meios para que os acadêmicos sempre
estejam inseridos gerando, assim, uma formação eficiente. É importante para
um acadêmico de saúde atrelar esses pilares no cotidiano da vida acadêmica,
principalmente pela oportunidade de aprendizado proporcionada por essa
tríade. A extensão favorece uma maior aproximação aos contextos palpáveis
que o futuro profissional poderá encontrar ao longo de sua profissão. Assim,
tê-la em seu currículo demonstra o interesse pelo aprendizado e aplicação
do conhecimento adquirido.
A extensão universitária é composta por ações sociais da
universidade dirigidas à comunidade das quais são extraídas oportunidades
relevantes de aprendizado e de estímulo à pesquisa. A sua maior perspectiva
é promoção e desenvolvimento social, emocional e bem-estar físico para
garantir valores, direitos e deveres às pessoas1.
a) Breve histórico
No Brasil, em 1930, “a extensão universitária era concebida,
fundamentalmente, como lugar para a realização de cursos e conferências,
com o objetivo de difundir conhecimentos úteis à vida individual e
coletiva”2. É a partir de 1980 que a extensão universitária passa a ser vista
como lugar para o desenvolvimento de parcerias entre universidade e
sociedade, consolidando-se como prática acadêmica que se articula como
o ensino e a pesquisa2. A universidade passou a atender à necessidade de
parcerias entre a academia e sociedade somente em 1980, com a ampliação
do ensino acadêmico, da extensão e da pesquisa. Pela análise histórica da
extensão universitária, vamos encontrar pelo menos quatro momentos
expressivos de sua conceituação e prática: o modelo da transmissão vertical
do conhecimento; o voluntarismo, a ação voluntária sócio-comunitária;
a ação sócio-comunitária institucional; o acadêmico institucional3. Desse
modo, a extensão universitária propicia aos acadêmicos uma participação
e transformação de seus conhecimentos aprendidos gerando benefícios
mútuos entre o social e a formação acadêmica.

b) Contexto do desenvolvimento do projeto de extensão


O projeto de extensão aqui apresentado baseia-se na medida
provisória do Governo Federal, amparada pela lei nº 13.002 de junho
de 2014, que versa sobre a obrigatoriedade do Teste da Linguinha para
examinar as alterações morfofisiológicas em recém-nascidos. O teste é uma
técnica pioneira, desenvolvida no Brasil pela fonoaudióloga Dra. Roberta
Martinelli, que propôs um protocolo com escores, com o objetivo de auxiliar
os profissionais da saúde a avaliar e a diagnosticar as variações anatômicas
do frênulo lingual e sua possível interferência na amamentação, norteando
condutas eficazes, de forma a promover uma prática baseada em evidências4.
O serviço do Projeto de Extensão Língua Solta e Teste da Linguinha
garantem o diagnóstico e, se preciso, a realização da cirurgia no espaço físico
na clínica de pesquisa do Departamento de Prótese e Cirurgia Buco-Facial,
a clínica C do Departamento de Odontologia da UFPE. Essa extensão visa à
integração multiprofissional entre alunos e profissionais de diferentes áreas,
bem como o direcionamento do debate na avaliação, diagnóstico e tratamento
de pacientes (bebês) com língua presa na faixa etária de 0 a 2 anos.
c) Embasamento teórico
A anquiloglossia ou o encurtamento da porção lingual livre é uma
condição anatômica caracterizada pela restrição de movimento da língua, o
que pode proporcionar forte impacto sobre sua função, interferindo também
na forma dos arcos dentários e na sua conseguinte oclusão. Tal condição
ocorre em 4-16% de neonatos, com predileção por pacientes masculinos na
proporção de 2,5:15. O frênulo lingual é uma prega conjuntiva fibrodensa,
ocasionalmente constituída por fibras superiores do músculo genioglosso,
que se inserem no ventre lingual, entre o ápice e o terço médio e no
assoalho da boca, podendo essa inserção estar entre as carúnculas linguais
ou deslocada anteriormente até a crista alveolar inferior6. A anquiloglossia,
conhecida popularmente como língua presa, constitui uma anomalia do
desenvolvimento caracterizada por alteração no freio da língua que resulta
em limitações dos movimentos dessa estrutura, podendo gerar mudanças
na fala e deglutição7.
Em bebês, a língua atua ativamente na amamentação, que está
diretamente relacionada às funções de sucção e deglutição, coordenadas
à respiração. Sendo assim, qualquer restrição à livre movimentação da
língua pode resultar no comprometimento das funções, dificultando a
amamentação. Essa dificuldade para amamentar pode levar ao desmame
precoce e/ou baixo ganho de peso, comprometendo o desenvolvimento 4.
De fato, a anquiloglossia tem sido mostrada como um dos fatores
que podem interferir de forma negativa na amamentação, causando
dificuldades no recém-nascido para fazer uma pega e sucção adequadas.
Como consequência, é comum observar a diminuição da produção de leite,
fissura mamilar e dor nas mães durante a amamentação, ganho ponderal
reduzido e até o desmame precoce. Sabe-se que as evidências sobre a
relação entre anquiloglossia e dificuldades na amamentação ainda são
bastante divergentes. Contudo, a avaliação do frênulo lingual tem sido um
referencial para facilitar a identificação de alterações que evidentemente
podem interferir na mobilidade da língua8 como apresentado na imagem
a seguir.
FIGURA 1

Para facilitar esse diagnóstico, os profissionais de saúde utilizam


protocolos de avaliação do frênulo lingual. Desse modo, a fonoaudióloga
Dra. Roberta Martinelli, propôs um protocolo com escores, com o objetivo
de auxiliar os profissionais da saúde a avaliar e a diagnosticar as variações
anatômicas do frênulo lingual e sua possível interferência na amamentação,
norteando condutas eficazes de forma a promover uma prática baseada
em evidências. A avaliação do frênulo da língua pode levar ao diagnóstico
normal, duvidoso ou alterado. Tais resultados são concluídos a partir da visão
profissional em relação as das características do frênulo ou, ainda, observando
a da mobilidade da língua, além da avaliação da amamentação nos bebês4.
No Teste da Linguinha, são fornecidas pontuações que, a depender
do resultado, indicam o grau de alteração. A pontuação total da avaliação
anatomofuncional é no máximo até 10. A avaliação anatomofuncional
(figura 2) considera normal os escore de 0 a 4, duvidoso 5 a 6 e alterado
de 7 a 10. O teste anatomofuncional avalia toda a estrutura do frênulo
até a mobilidade de língua, posicionamento dos lábios em repouso,
posicionamento da língua e forma da ponta da língua quando elevada
durante o choro, visualização do frênulo, espessura e fixação do frênulo na
face sublingual e no assoalho da boca. Quando o frênulo obtiver resultado
duvidoso, o recém-nascido ou a criança será reavaliada após 30 dias. Porém,
se o bebê está em aleitamento materno exclusivo, será avaliado (figura 3).
Caso seja comprovada a alteração na amamentação, essa análise soma-se
de imediato com o resultado do teste anatomofuncional. Sendo assim, o
frênulo é considerado alterado quando passa a interferir na amamentação.
FIGURA 2
FIGURA 3
DESENVOLVIMENTO

a) Relato descritivo da experiência


O Projeto de Extensão Teste da Linguinha, coordenado pelo Prof.
Dr. Hilton Justino, é interligado ao Projeto de Extensão Língua Solta,
coordenado pela Professora Dra. Ana Cláudia Araújo da Silva. Ambos
projetos funcionam todas as quartas e quintas, das 07h às 11h, na Clínica
C do Departamento de Prótese e Cirurgia Buco-Facial do Departamento
de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco. Os pacientes são
atendidos por ordem de chegada (os bebês mais novos são, geralmente,
atendidos primeiro) e os projetos seguem o calendário acadêmico da
Universidade.
Os bebês são encaminhados por profissionais de saúde e, por meio
da assinatura do termo livre e esclarecido pelos responsáveis, são avaliados
por acadêmicos e profissionais da Fonoaudiologia e Odontologia da UFPE
e de faculdades particulares do Estado. Além desses, somam-se à equipe
de profissionais, psicólogos e nutricionistas que auxiliam os atendimentos
e direcionam os pais ou pacientes, caso constatem alguma anormalidade.
A equipe de acadêmicos recebe uma escala mensal e são organizados
em equipes acompanhadas pelos profissionais que direcionam a triagem,
o diagnóstico, a cirurgia (no caso dos acadêmicos de odontologia) e a
revisão. Desse modo, a equipe perpassa pelos rodízios por todas as áreas
de atendimento.
Na triagem, os profissionais da Psicologia agem direcionando os
acadêmicos no primeiro contato com os pais, explicando as etapas que virão a
seguir e norteando como a comunicação pode ser mais eficiente e direcionada.
Essa equipe recolhe os dados principais de cada novo paciente (endereço,
telefone de contato, quem direcionou para o atendimento, nome dos pais)
e cadastram o novo paciente no banco de dados dos projetos, catalogando,
assim, os prontuários com números para busca caso haja retorno.
No diagnóstico, os profissionais da Fonoaudiologia e da Nutrição
observam os acadêmicos na realização do Teste da Linguinha e na análise
de ganho de peso dos bebês, respectivamente. A equipe de acadêmicos é
organizada em duplas de áreas distintas para promoção do aprendizado
multiprofissional. Essa equipe recebe o prontuário já protocolado da equipe
de triagem e convida os pais e o bebê para a realização do diagnóstico. O
prontuário tem questões que perpassam as três áreas, analisando desde o
estado de saúde do bebê ao nascimento até o dia da consulta, como seu ganho
de peso e crescimento. Caso o diagnóstico seja positivo para anquiloglossia,
os acadêmicos se direcionam aos profissionais da Odontologia para
solicitação de exames pré-cirúrgicos9, que são: hemograma, coagulograma
e glicemia em jejum e, logo após, já marcam o retorno do paciente para
realização da cirurgia.

FIGURA 4

Na cirurgia, os profissionais da Odontologia são responsáveis pela


realização dos procedimentos e do ensino das técnicas. Já os acadêmicos
de Odontologia e Fonoaudiologia, auxiliam na busca pelo prontuário,
imobilização dos pacientes durante o procedimento, na realização
da manobra na língua, quando há necessidade, e instrumentando os
procedimentos. Os alunos de Odontologia, que se encontram em períodos
avançados, atuam realizando o procedimento cirúrgico nos bebês. Os
pacientes são chamados à recepção e seus exames (solicitados no primeiro
atendimento) são avaliados pelos profissionais e acadêmicos. Havendo
boas condições de saúde, a frenotomia é realizada. A técnica empregada
na frenotomia consiste em anestesia tópica da mucosa do freio lingual,
seguida de incisão de 3 a 4 milímetros de profundidade na sua região
mais delgada, por ser pouco vascularizada10. Logo após o procedimento,
o paciente fica num espaço na clínica por, pelo menos, 15 minutos para
avaliação da amamentação e observação de sinais de possíveis reações ao
anestésico. Caso não ocorra nenhuma intercorrência, o paciente recebe alta
com indicações de cuidados odontológicos e solicitação de retorno em pelo
menos uma semana para reavaliação da cirurgia.

FIGURA 5
A equipe de reavaliação de cirurgia é composta por acadêmicos de
ambos os cursos, que recebem os pacientes na recepção, direcionam para o
espaço da clínica e, buscando seus prontuários nos arquivos, analisam, no
paciente, o estado de cicatrização da língua. Questionam, então, se houve
alguma intercorrência no período entre o dia da realização do procedimento
até o dia da reavaliação. Se nenhuma problemática tiver surgido, o
acadêmico anota as suas observações, assina o prontuário e registra a data.
Caso tenha ocorrido algo ou se for notado que ainda há pouca mobilidade
da língua, um profissional da Fonoaudiologia é convidado para reavaliar
e, sendo constatada a alteração, podem solicitar retorno em um mês, três
meses ou seis meses, a depender do caso.
Esse formato de organização tem gerado grandes benefícios
aos atendimentos e a integração multiprofissional, além de criar um
direcionamento no debate da avaliação, diagnóstico e tratamento de pacientes
com anquiloglossia e maior humanização no atendimento em saúde.

FIGURA 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos perceber, por meio das nossas experiências e comprovação


científica que a anquiloglossia, de fato, dificulta a mobilidade da língua
e pode comprometer todo o processo da amamentação. Nota-se que há
poucos trabalhos científicos que fundamentam a relação do frênulo lingual
com a amamentação. Desse modo, os projetos somam-se como campo de
pesquisa de mestrandos, doutorandos e pesquisadores no assunto. Alguns
autores relatam, inclusive, que há poucas amostras, seguimento curto e
falta de padronização dos procedimentos de diagnóstico e dos protocolos
de avaliação da mamada8.
A avaliação e tratamento na fase inicial da vida infantil são de
fundamental importância para prevenir o desmame precoce, dificuldades
para o início da introdução alimentar, da fala, entre outros.
Deve-se levar em consideração a importância da frenotomia, uma
vez que estudos mostram que o frênulo lingual não se modifica durante
os seis meses de vida no assoalho da boca. Foi comprovado que o frênulo
lingual não se rompe e nem se alonga devido a sua estrutura histológica
não permitir4.
É evidente que a prática desenvolvida nessa ação torna o profissional
mais preparado e seguro. Dessa maneira, a extensão universitária tem sido
a força motriz da complementação do aprendizado do acadêmico de saúde,
seja pela sua participação no Projeto Teste da Linguinha, seja no Projeto
Língua Solta. Os projetos, somados de forma benéfica, promovem não só
saúde dos bebês do Estado de Pernambuco, mas a formação plural de futuros
profissionais, que aprenderão na prática sobre a multiprofissionalidade de
saúde e também com a humanização nos atendimentos.
REFERÊNCIAS

1. Mendonça IB, Amaral Costa CLN, Santos BAA, Silva LB, Dantas ACL, Santos
AP et al. Extensão universitária em parceria com a sociedade. Caderno de
Graduação-Ciências Humanas e Sociais-UNIT; 2013; 1:2. p. 149-155.
2. Pozzobon ME, BUSATO MA. Extensão universitária: reflexão e ação. Argos
Editora Universitária; 2009.
3. Serrano RMSM. Conceitos de extensão universitária: um diálogo com Paulo
Freire. Grupo de Pesquisa em Extensão Popular; 2013: 13(8).
4. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Rodrigues AC, Berretin-Felix G. Protocolo de
avaliação do frênulo da língua em bebês. Revista CEFAC 2012; 14(1):138-145.
5. LASKE CA. A influência da deglutição no desenvolvimento da oclusão e da
fala. Florianópolis, UFSC; 2002.
6. Katchburian E, Chavez A, Elias V. Histologia e embriologia oral: texto, atlas,
correlações clínicas; 2012.
7. Kotlow LA. Ankyloglossia (tongue-tie): a diagnostic and treatment
quandary. Quintessence Int 1999; 30 (4): 259-62.
8. Venancio SI, Toma TS, Buccini GS, Sanches MTC, Araújo CL, Figueiró MF.
Anquiloglossia e aleitamento materno: evidências sobre a magnitude do
problema, protocolos de avaliação, segurança e eficácia da frenotomia. São
Paulo: Instituto de Saúde; 2015.
9. Genovese W J. Exames complementares na clínica odontológica. São Paulo:
Fundação Peirópolis; 1996.
10. Geddes DT, Langton DB, Gollow I, Jacobs LA, Hartmann PE, Simmer K.
Frenulotomy for breastfeeding infants with ankyloglossia: effect on milk removal
and sucking mechanism as imaged by ultrasound. Pediatrics 2008; 122(1):e188-e194.

ILUSTRAÇÃO DAS FIGURAS

Figura 1: Bebê com alteração de frênulo


Figura 2: Protocolo de avaliação do frênulo do bebê
Figura 3: História clínica do paciente
Figura 4: Acadêmico de Odontologia e profissionais direcionando o processo cirúrgico.
Figura 5: Equipe realizando o teste da linguinha
Figura 6: Equipe Multiprofissional ao fim de um atendimento
CAPÍTULO 8

PRÁTICA CLÍNICA DA FONOAUDIOLOGIA


NAS DIFICULDADES ALIMENTARES

Dryelle Azevedo de Aquino

INTRODUÇÃO

O material descrito neste capítulo busca contribuir para a


compreensão e tratamento das dificuldades alimentares em crianças e
bebês, baseado na literatura e práticas clínicas fonoaudiológicas realizadas
em consultório.
A incidência de crianças com desafios alimentares tem sido
recorrente e crescente nas clínicas fonoaudiológicas1, havendo a necessidade
de visão ampliada do fonoaudiólogo na avalição, tratamento e orientações
à família, incluindo um olhar clínico que deve ir além da boca, buscando a
compreensão da criança como um todo.
As dificuldades alimentares acometem de 8% a 50% das crianças,
não havendo relação com a idade, etnia, sexo, e classe social². No
atendimento de crianças com queixas de dificuldades na alimentação, é
possível identificar problemas motores orais, sensoriais, alterações nas
funções do sistema estomatognático e problemas comportamentais.
Observa-se que muitas crianças com desafios alimentares, não
apresentam interesse pela comida, as refeições podem estar acompanhadas
de choro e fuga quando estão diante de determinados alimentos. Famílias
angustiadas, sentimentos de culpa, frustrações e com verdadeiras batalhas
nos momentos das refeições são observadas.
Fatores relacionados ao local de alimentação, quem alimenta,
quando e como é ofertado o alimento, apresentam impactos na rotina
alimentar das crianças.
Para o sucesso no tratamento das dificuldades alimentares infantis,
a literatura propõe um novo olhar ao tratamento fonoaudiológico,
ampliando a compreensão do momento da refeição, reduzindo o foco nas
dificuldades da criança2. Apresentando os objetivos de acolher e ouvir os
pais sem julgamento, trazer a família para ser parte principal do tratamento
e despertar nas crianças conforto, confiança e segurança para comer.

O QUE É ALIMENTAÇÃO?

A alimentação é um processo de ingestão dos alimentos, visando


proporcionar os nutrientes necessários para o desenvolvimento do
organismo. Contempla parte das vivências emocionais do ser humano,
ocorrendo desde o momento da amamentação até o convívio familiar e
social dos indivíduos3.
O ato de comer é instintivo apenas nas primeiras semanas de vida.
Depois disso é um comportamento aprendido. A criança nasce pronta
para se alimentar, mas é necessário ensiná-la a comer e a desenvolver
as habilidades importantes para uma refeição confortável e segura4-5. A
criança desenvolve essa habilidade por meio da interação com os adultos e
com ambiente das refeições.
Comer é uma habilidade complexa (figura1), sendo considerada a
função mais sensorial que temos, com vários fatores determinantes para
que ela ocorra. A alimentação favorece uma integração das experiências
sensoriais por meio das características dos alimentos6,7,8.
Figura 1 - Habilidades necessárias para a alimentação.

(Morris&Junqueira,2016)

DIFICULDADE, SELETIVIDADE E NEOFOBIA ALIMENTAR, O QUE


PRECISAMOS SABER?

O termo dificuldade alimentar propõe uma visão geral, baseada


nas características de apresentação do quadro, divididas em sete perfis:
interpretação equivocada dos pais, ingestão altamente seletiva, criança agitada
com baixo apetite, fobia alimentar, presença de doença orgânica, criança com
distúrbio psicológico ou negligenciada e choro que interfere na alimentação 2,9.
As dificuldades alimentares podem surgir nos primeiros meses
de vida e podem apresentar características de distúrbio duradouro e
persistente. Por apresentar diversas etiologias e alterações complexas,
indica-se um tratamento multiprofissional2.
Na maioria dos casos de recusa alimentar, as crianças aceitam uma
quantidade, de tipos de alimentos, menor que vinte itens, podendo recusar
uma categoria completa, devido as características sensoriais do alimento4-7.
As refeições normalmente são difíceis, apresentando fuga, recusa,
medo, insegurança e desconforto diante dos alimentos oferecidos pela
família. Em alguns casos, apresentam resistência em mudar o utensílio ou
forma de apresentação do alimento. O medo também está presente na hora
de provar novos alimentos, recusando antes mesmo de chegar a até à boca5.
Na seletividade alimentar, observa-se uma redução na quantidade
e variedade dos alimentos. A lista de alimentos consumidos chega
aproximadamente a trinta ou mais itens. Em relação às características
sensoriais e categorias dos alimentos, aceita, ao menos, um alimento por
grupo5.
As crianças seletivas apresentam menor resistência às mudanças
na apresentação dos pratos, sendo possível tolerar um novo alimento no
seu prato, mesmo não comendo. Embora apresente resistência, as crianças
com seletividade alimentar são capazes de tocar, cheirar e até provar novos
alimentos5-6.
A Neofobia alimentar é definida como a rejeição de novos alimentos.
Podendo surgir na fase da introdução alimentar e ser resolvida com
múltiplas exposições aos alimentos. Alguns estudos consideram a Neofobia
como uma forma de proteção, importante para a nossa sobrevivência,
evitando a entrada de toxinas no nosso organismo10.

QUAIS AS CAUSAS DAS DIFICULDADES ALIMENTARES?

A literatura descreve algumas causas que influenciam nas


dificuldades alimentares, tais como: problemas orgânicos/médicos,
alterações nas funções e estruturas do sistema sensório motor oral,
disfunções sensoriais e problemas comportamentais4.
1. Causas orgânicas - Alguns problemas de saúde, tais como: alergias
alimentares e o refluxo gastresofágico são grandes causadores da recusa
alimentar. Muitas crianças associam comer com sentir dor, devido aos
desconfortos causados pelos problemas gastrointestinais, durante ou
após as refeições, gerando uma memória negativa para os alimentos
e, nestas situações, o apetite pode reduzir drasticamente. Problemas
respiratórios, deficiências nutricionais, autismo, alterações neurológicas,
entre outros, também podem causar distúrbios alimentares 1-5.
2. Problemas motores orais - Alterações nas habilidades motoras orais, tais
como mastigação, deglutição, sucção e respiração, assim como distúrbios
do tônus muscular, geram desconfortos, incoordenação e até fadiga da
musculatura orofacial no momento da refeição. Essas alterações podem
provocar a recusa de alimentos mais fibrosos, como as carnes5.
3. Disfunções sensoriais - É a dificuldade em usar as informações recebidas
pelos sentidos no dia a dia, que impede o Sistema Nervoso Central (SNC)
de processar as informações sensoriais. O processamento sensorial
apresenta total influência na alimentação, tendo em vista que comer é a
função mais sensorial que temos. As crianças com disfunções sensoriais,
apresentam dificuldades em processar adequadamente os sabores,
cheiros, texturas, aspectos e sons dos alimentos quando mastigados.
Estas disfunções resultam na aversão alimentar e impactam também
nas atividades de vida diária, tais como ficar sentada à mesa durante
as refeições, escovar os dentes, sujar as mãos ou rosto, evita algumas
texturas e brincadeiras8,11,12.
4. Problemas Comportamentais - Muitas crianças usam o comportamento
como uma forma de expressar que algo não está indo bem com a refeição,
por alguma experiência traumática ou mudança importante na rotina.
Alguns sentimentos como medo e insegurança podem estar presentes na
relação com os alimentos. As crianças apresentam birras, cospem a comida,
fogem da mesa e normalmente há uma inconsistência na forma de come5.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico deve ser multidisciplinar, considerando as queixas do


paciente, incluindo uma avalição global da criança. Quando o diagnóstico
e tratamento são realizados precocemente, aumentam-se as possibilidades
de sucessos dos desafios alimentares.
CONTRIBUIÇÕES DA FONOAUDIOLOGIA NAS DIFICULDADES DE
ALIMENTAÇÃO

O tratamento fonoaudiológico nas dificuldades alimentares é uma


soma de abordagens, que vão além da motricidade orofacial e da cavidade
oral. Envolve os sistemas sensoriais do nosso corpo, músculos, funções
do sistema estomatognático, emoções, sentimentos, crenças, culturas e
rotinas6.
O tratamento visa a interação da criança e da família durante as
refeições, bem como adequar as habilidades e funções necessárias para que
ocorra uma alimentação segura e confortável5-7.
O fonoaudiólogo, ao receber um paciente com dificuldade
alimentar, deve olhar a criança como um todo, escutar e acolher a família
sem julgamentos, buscando identificar as possíveis causas da recusa e quais
profissionais podem contribuir com a evolução do paciente.

Avaliação e tratamento

Sugere-se que a avaliação seja dividida em duas etapas: anamnese


com os pais e avaliação clínica fonoaudiológica. A anamnese é realizada
apenas com os pais, sendo um momento determinante para planejar
o tratamento, conhecer melhor a criança, sua família, histórico do
desenvolvimento, rotinas, crenças e culturas, que podem interferir na
sua alimentação. Esse é um momento em que os pais devem ser ouvidos
e acolhidos, sendo importante que o profissional colha as seguintes
informações:
1. Histórico da gestação, parto e pós-parto
2. Amamentação
3. Desenvolvimento neuromotor
4. Exploração de objetos
5. Se fez uso de mordedores
6. Comportamento durante o banho (irritação com água no rosto ou na
cabeça)
7. Se gosta de escovar os dentes
8. Se leva objetos à boca
9. Quando iniciou a introdução alimentar (alimento, quantidade, utensilio,
forma de oferta e local)
10. Como foi a aceitação dos alimentos
11. Marca ou cor específica de alimentos que tem preferência
12. Alimentação:
a. Modo
b. Ambiente
c. Utensílios
d. Alimentos que gosta
e. Tempo para alimentação
f. Alimentos que não gosta (consistência, textura...)
g. Distratores
h. Quantidade
i. Forma de oferta
j. Comportamento da criança: antes, durante e depois da alimentação
k. Local da alimentação
l. Histórico alimentar
m. Aspecto motor da criança
13. Saúde geral: alergias, doenças respiratórias e cardíacas, refluxo gastresofágico,
entre outras.
14. Atividades da vida diária, comunicação, fala e linguagem.
Após a anamnese, solicita-se que os pais elaborem uma lista
contendo todos os alimentos que criança aceita, um diário de três dias da
rotina alimentar (Quadro 1) e um vídeo curto da realização da refeição
em casa. Esse material é de grande valia para a avalição, pois essas
informações são colocadas pelo profissional em uma tabela, para analisar
as características sensoriais dos alimentos aceitos pela criança. O vídeo
também apresenta uma rica contribuição, pois fornece informações do
comportamento da criança em casa.
Quadro 1 - Ficha de cardápio sensorial

Cardápio sensorial

Alimentos Alimentos Preferências


Textura Sabor Cor
que aceita que recusa sensoriais

Para a avalição fonoaudiológica, sugere-se aplicar um protocolo


de avaliação da Motricidade Orofacial, tal como o Protocolo de avalição
miofuncional orofacial – MBGR13, que possibilita a análise das funções e
estruturas do sistema sensório motor oral.
Após estudo de todo esse material, será possível compreender o perfil
do paciente e traçar o plano de tratamento, incluindo os objetivos de melhorar
relacionamento das refeições, favorecer uma relação positiva e prazerosa
entre a criança e os alimentos, planejar estratégias de modificação da rotina
alimentar da criança, orientações aos pais e cuidadores e desenvolvimento
das habilidades necessárias para alimentação (Figura 2)7,14.

Figura 2 - Fluxo de terapia

Fonte: Morris, 2019.


DETALHAMENTO DOS OBJETIVOS DE TRATAMENTO

1. Melhorar a relação dos pais com a criança na hora das refeições


2. Orientar pais e cuidadores
3. Despertar a vontade de comer
4. Criar conexão, competência, confiança, conforto e segurança para que a
criança possa comer
5. Adequar funções e estruturas do sistema sensório motor oral
6. Estratégias lúdicas envolvendo os alimentos
7. Encadeamento dos alimentos com pequenas e gradativas mudanças
8. Ampliação do cardápio alimentar

BASES DO TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO

Iniciar pelo alimento que a criança gosta, posteriormente unir ao


novo alimento, mantendo as mesmas caraterísticas sensoriais (textura e
consistência).
• Respeitar conforto sensorial.
• Atividades para estimulação da face e região oral. As experiências orais
devem ocorrer de forma gradativa, conforme a criança tolere o toque.
Podem ser usados massageadores orais, escovas, diferentes temperaturas
e mordedores com variedade de texturas.
• Atividades sensoriais lúdicas, utilizando diferentes texturas, consistências
e formas, selecionadas mediante dificuldade da criança.
• Verbalizar para a criança as atividades que serão realizadas, com o
objetivo de prepará-la para o contato com o alimento.
• Aproximação dos alimentos: deve ser realizada respeitando os limites da
criança. Não se recomenda fazer acordos, trocas ou insistir para que o
alimento seja consumido. A tabela 2, sugere as etapas para estimulação
de novo alimento14.
Tabela 2 - Etapas para comer um novo alimento

Passo 1 Passo 2 Passo 3 Passo 4 Passo 5 Passo 6

Experimentar Mastigar e
Olhar Tocar Cheirar Morder
com a língua deglutir

• Oferecer novos alimentos em pedaços bem pequenos, e posteriormente


aumentar mediante aceitação. Reservar um recipiente para que a criança
possa cuspir quando provar o novo alimento e não gostar, gerando
segurança para ela. Essa recomendação também é fornecida para os pais
e cuidadores15.
• Inicialmente realizar treino de mastigação com o alimento palatável, ou
uso de mordedores sensoriais. Graduar o tamanho das mordidas. Esse
treino pode ser feito com um espelho.

COZINHA TERAPÊUTICA

A cozinha terapêutica foi idealizada buscando ampliar o contato


lúdico, positivo, confortável e prazeroso das crianças com aos alimentos,
dentro do consultório, estimulando o sistema sensorial e suas habilidades,
despertando através do preparo dos alimentos e contato com diferentes
texturas6.
As atividades realizadas na cozinha terapêutica são baseadas na
avalição clínica, previamente aplicada e segue o planejamento terapêutico
individual. O preparo das receitas ajuda na motivação das crianças,
contribuindo na redução do medo dos alimentos, estimulando autonomia
para explorar e provar novos alimentos.

GUIA DE ORIENTAÇÕES AOS PAIS

Tranquilizar os pais, ajudando a esclarecer suas dúvidas e reduzir a


ansiedade15.
• Oferecer dicas para tornar o momento da refeição prazeroso para
todos.
• Traçar estratégias para promover a modificação do comportamento
alimentar da criança.
• Estabelecer rotinas de alimentação, tais como, horário, local da
refeição e forma de oferta dos alimentos.
• Informá-los sobre as dificuldades sensoriais e aversões.
• Orientar sobre o comportamento do adulto diante das dificuldades
alimentares, evitando demostrar irritação no momento da recusa,
não forçar, punir, ameaçar ou oferecer recompensas.
• Chamar a criança para participar do preparo dos alimentos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se que este material contribua com informações úteis,


ajudando na ampliação dos conhecimentos dos fonoaudiólogos e
contribuindo para o tratamento das dificuldades de alimentação em
crianças e bebês.

REFERÊNCIAS

1. Almeida CAN, Mello ED, Maranhão HS, Vieira MC, Barros R, Barreto JR,
Fisberg M. Dificuldade alimentares na infância: revisão da literatura com foco
nas repercussões à saúde. Pediatria Moderna 2012;48(9):340-8.
2. Junqueira P, Maximino P, Ramos CC, Machado RHV, Assumpção I, Fisberg
M. O papel do fonoaudiólogo no diagnóstico e tratamento multiprofissional
da criança com dificuldade alimentar: uma nova visão. Rev. CEFAC 2015;
17(3):1004-11.
3. Giugliani ERJ, Victora CG. Alimentação Complementar. J Pediatr
2000;76(3):253-62.
4. Junqueira P. Aspectos sensório-orais e suas interferências no comportamento
alimentar da criança. Anais do 2º. Congresso Internacional Sabará de
Especialidades Pediátricas; 2014.
5. Junqueira P. Por que meu filho não quer comer? uma visão além da boca e do
estômago. Bauru: Idea Editora; 2017.
6. Azevedo DA, Vilaça CA, Perilo TVC. Alimentação complementar: aspectos
motores, sensoriais e comportamentais. Tratado do especialista em cuidado
materno-infantil com enfoque em amamentação. Belo Horizonte: MameBem;
2019. p. 307-14.
7. Morris JP. A Criança que não cuer Comer: compreenda as interconexões do
seu universo para melhor ajudá-la; 2019. p.18-30.
8. Ayres AJ. Sensory integration and the child: understanding hidden sensory
challenges. Los Angeles: Western Psychological Services; 2005.
9. Kerzner B. Clinical investigation of feeding difficulties in young children: a
practical approach. ClinPediatr (Phila). [Review]. 2009;48(9):960-5.
10. Padovani A. Tá na hora do papá. São Paulo; 2019. p 29-30.
11. Ayres, A. J. Characteristics of types of sensory integrative dysfunction.
American Journal of Occupational Therapy 1971;25: 329-34.
12. Serrano P. A integração sensorial: no desenvolvimento e aprendizagem da
criança. Lisboa: Papa-Letras;2016.
13. Genaro KF, Berretin-Felix, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação
Miofuncional Orofacial – Protocolo MBGR. Rev. CEFAC 2009;11(2):237-255.
14. Morris SE, Klein MD. Pre-feeding skills: acomprehensive resource for mealtime
development. 2nd ed. Pro-ed; 2000.
15. Dunn W. Sensory Profile 2. The Psychcorp 2014; Pearson.
CAPÍTULO 9

FONOAUDIOLOGIA E OS DISTÚRBIOS
RESPIRATÓRIOS DO SONO NAS DIFERENTES
FASES DA VIDA

Luciana Moraes Studart Pereira


Luciane Spinelli de Figueiredo Pessoa
Mirella Pereira Castelo Branco

INTRODUÇÃO

A atuação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios (DRS)


é crescente e pode acontecer nas diversas fases da vida. Trata-se de uma
abordagem cujo foco depende diretamente da demanda clínica do paciente,
etiologia do problema e das características específicas de cada faixa etária.
No campo da Motricidade Orofacial (MO), a terapêutica destina-
se ao fortalecimento da musculatura da nasofaringe e orofaringe com o
objetivo de controlar ou minimizar o colapso da via aérea superior durante
o sono1,2,3,4,5. Busca reduzir os eventos de apneia e hipopneia; auxiliar na
adaptação ao CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) ou aparelhos
intraorais, na opção de tratamentos combinados; colaborar na redução da
intensidade e frequência do ronco e, sobretudo, na melhora da qualidade
do sono e de vida4,6,7,8,9,10. Os estudos científicos na área têm demonstrado
resultados contundentes na diminuição da sonolência diurna e aumento
parcial da saturação mínima da oxi-hemoglobina4,6.
Caracterizados principalmente pela apneia obstrutiva do sono
(AOS) e ronco, as etiologias dos DRS variam e podem estar mais presentes
em determinadas fases da vida. Enquanto nas crianças o comprometimento
geralmente relaciona-se com obstruções respiratórias mecânicas, como
hipertrofias tonsilares, nos adultos, associa-se prioritariamente à obesidade
e, nos idosos, à diminuição do tônus próprio do envelhecimento11.
Contudo, independente do fator etiológico ou idade, a repercussão está
sempre relacionada à obstrução total ou parcial da via aérea superior (VAS)
no que diz respeito à AOS e ruídos decorrentes das vibrações dos tecidos
da VAS, no caso do ronco1.
A AOS é uma questão de saúde pública e estima-se que um a cada
três adultos no mundo apresenta apneia do sono12. Trata-se de problema
com repercussões noturnas e diurnas, que afeta diretamente a qualidade de
vida das pessoas2.
O objetivo deste capítulo é discorrer sobre o comprometimento dos
DRS nas diferentes fases da vida e abordar, no que diz respeito à Motricidade
Orofacial, a colaboração da Fonoaudiologia nesses casos.
O texto foi dividido em distúrbios respiratórios na infância e
adolescência, fase adulta e senescência. Buscou-se fazer um apanhado dos
principais fatores associados aos DRS em cada etapa, bem como trazer
as especificidades relativas às condições do sistema estomatognático e
condutas terapêuticas.
Em linhas gerais, a intervenção fonoaudiológica buscará a atenuação
dos sintomas, melhora da qualidade do sono e de vida dos sujeitos. Por outro
lado, de maneira específica, a terapêutica na área da Fonoaudiologia do sono
deve ser baseada nos fenótipos dos pacientes e, nessa perspectiva, a idade
integra o hall dos fatores decisivos para customização e estabelecimento
das metas terapêuticas.

1. DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO NA INFÂNCIA

A AOS é um distúrbio respiratório do sono caracterizado por


acontecimentos periódicos de obstrução total (apneia) ou parcial (hipopneia)
da via aérea superior durante o sono, que podem levar a hipoxemia
intermitente, hipercapnia transitória e despertares frequentes, associados a
sinais e/ou sintomas clínicos. Os episódios podem ser seguidos de dessaturação
e de microdespertares, levando à má qualidade do sono e a alterações
comportamentais, como sonolência, cansaço e irritação, além de problemas
cardíacos e pulmonares, até mesmo podendo levar à morte súbita13.
As consequências do comprometimento ou privação do sono
são inúmeras. Os distúrbios de sono, dentre eles os respiratórios, causam
importantes repercussões também no período da vigília, comprometendo
a qualidade de vida e contribuindo para o surgimento de muitas doenças
nas diversas fases da vida11.
No caso das crianças, são distúrbios reconhecidos como importante
causa de morbidade, associados a alterações do desenvolvimento
craniofacial, comprometimentos cardiovasculares, baixo desenvolvimento
pôndero-estatural e problemas neurocognitivos, principalmente
relacionados à hiperatividade, regulação das emoções e déficit de atenção14.
As consequências comportamentais com efeito no humor, habilidades
linguísticas, percepção visual e memória podem chegar a comprometer o
desempenho acadêmico15. Por esses motivos, inclusive, têm sido alvo de
interesse de outras áreas da Fonoaudiologia, como a Linguagem, Audiologia
e Fluência, que também voltam seus interesses para a Medicina do Sono.
Os DRS são comuns nas crianças e nessa população se caracteriza
por um continuum que vai do ronco primário, quando é uma situação
benigna sem alterações fisiológicas e complicações associadas, à AOS,
passando pela resistência aumentada da VAS. Essa última é qualificada por
períodos de aumento da resistência das vias aéreas e de aumento do esforço
respiratório durante o sono15.
A AOS ocorre em cerca de 1% a 5% das crianças em idade escolar
saudáveis com um pico de idade entre dois e oito anos, sendo a hipertrofia
tonsilar faríngea e palatina o fator etiológico mais comum16. Nesse sentido,
a adenotonsilectomia geralmente resulta na resolução da AOS em crianças
magras e saudáveis17.
Outro fator a ser realçado é a crescente epidemia de obesidade
infantil que vem modificando o escopo da AOS pediátrica, já que crianças
obesas, assim como os adultos, apresentam maior risco de obstrução das
VAS durante o sono. Fatores predisponentes à AOS que se relacionam com a
restrição do tamanho da via aérea superior devido ao aumento da adiposidade
ao redor do pescoço, faringe e base da língua são os responsáveis pelo
comprometimento da permeabilidade dessa área. Vale também ressaltar que,
após a adenotonsilectomia, as taxas de cura da AOS em crianças obesas são
significativamente menores do que aquelas para crianças com peso normal18.
Além das obstruções mecânicas e obesidade, malformações
craniofaciais, síndromes genéticas, doenças neurológicas também podem
estar associadas à AOS em crianças15.
Ronco habitual, sono agitado com despertares e apneias
testemunhadas pelos parentes podem ser indicativos de apneia. A
polissonografia (PSG) é o exame padrão ouro, em todas as faixas etárias,
para identificação da apneia do sono e se caracteriza pelo monitoramento de
uma noite inteira de sono avaliando funções fisiológicas como a respiração,
sistema cardiovascular, cerebral, movimentos de olhos e muscular, dentre
outras11,15.
AOS pediátrica pode ser definida pelo índice de apneia-hipopneia
(IAH) ≥1 ou um padrão de hipoventilação obstrutiva definido como pelo
menos 25% do tempo total de sono com hipercapnia (PaCO2> 50 mm Hg)
em associação com ronco, atenuação da forma de onda da pressão nasal
ou esforços respiratórios paradoxais19. A gravidade da AOS em adultos e
adolescentes maiores de 13 anos também é definida pelo IAH (Quadro 1).
Crianças que apresentam ronco, IAH <1 (normal), ausência de dessaturação
da oxiemoglobina e ausência de hipercapnia serão diagnosticadas com
ronco primário20.

Quadro 1 – Critério de gravidade da apneia obstrutiva do sono


LEVE MODERADA GRAVE
1 a 4 eventos 5 a 9 eventos
10 ou mais eventos
Crianças obstrutivos por hora obstrutivos por
obstrutivos por hora de sono
de sono hora de sono
5 a 14 eventos 15 a 29 eventos
30 ou mais eventos
Adultos obstrutivos por hora obstrutivos por
obstrutivos por hora de sono
de sono hora de sono

Fonte20: Polissonografia na Criança pág. 237


Apesar de a PSG ser o padrão ouro, reconhece-se o alto custo e a
dificuldade de acesso aos laboratórios do sono. Estudos recentes especulam
a determinação de acurácia e diretrizes de outras possibilidades como
métodos diagnóstico de AOS em crianças, a exemplo da oximetria noturna.
Contudo, essa alternativa ainda não parece conclusiva21. No que se refere
às questões respiratórias, nas crianças, a PSG deve ser indicada na presença
de sono muito agitado, suspeita de distúrbios no movimento durante o
sono, sonolência excessiva diurna, déficit de atenção e hiperatividade, cor
pulmonale e déficit do crescimento associado à queixa de ronco20.
O tratamento de escolha é a adenoamigdalectomia, considerando o
impedimento mecânico sem a ocorrência de outros comprometimentos de
base, como doenças genéticas e problemas craniofaciais. Além de curativo,
esse procedimento cirúrgico promove ganho de peso e altura, favorecendo
o crescimento de crianças submetidas ao procedimento14. Orientações
sobre higiene do sono e controle ponderal e de rinites também se fazem
necessários.
Considera-se a possibilidade do uso de aparelho de pressão positiva
contínua das vias aéreas (CPAP) em pacientes jovens com doenças de base
como a Síndrome de Down. Em linhas gerais, o CPAP é o padrão ouro para
o tratamento da AOS, como veremos a seguir na seção que trata da fase
adulta. Por ser um dispositivo que aplica pressão positiva controlada na
via aérea para impedir o colapso das estruturas e evitar o quadro de apneia
obstrutiva de maneira passiva, isto é, sem depender da colaboração do
sujeito, mostra-se indiscutivelmente eficaz. Nesses casos, a Fonoaudiologia
pode atuar em paralelo colaborando com a adesão ao aparelho.
1.1 Atuação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios na infância
Nos casos em que as crianças permaneceram com padrões
respiratórios alterados, resultantes dos impedimentos mecânicos, por
um período extenso ou suficiente para que repercussões posturais e/
ou musculares tenham sido instaladas, a necessidade de intervenção
fonoaudiológica após o procedimento cirúrgico se faz necessária. Nesses
casos, a abordagem será destinada à organização dos padrões funcionais
orofaciais.
1.1.1 Avaliação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios na infância

Inicialmente, a história clínica deve ser cuidadosamente observada.


Por meio de entrevista com os responsáveis, o fonoaudiólogo deve buscar
coletar o máximo de informação que se relacionem com a apneia, sono,
respiração e demais funções orofaciais. O Questionário da Síndrome da
Apneia Obstrutiva na Criança-18 (OSA-18) é uma opção fácil e rápida,
já traduzido e validado para língua portuguesa, com alta confiabilidade e
consistência e que avalia os domínios: distúrbios do sono, sintomas físicos
e emocionais, funções diurnas e preocupações do cuidador 22.
Para avaliação específica, sugere-se a utilização de protocolos, como
o Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial com Escores (AMIOFE)23,
validado para crianças, pois possui escores pré-determinados referentes à
aparência/postura, mobilidade e funções orofaciais ou outro instrumento
de familiaridade do profissional que possa servir de comparativo pré e
pós terapia, bem como nortear a condução do processo com avaliações
periódicas.
Avaliação da aeração nasal, do olfato e do paladar são recursos que
podem ser utilizados, já que muitas dessas crianças têm comprometimento
do paladar e olfato em decorrência da respiração oral.
1.1.2 Intervenção fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios na
infância
Partindo-se do princípio de que o impedimento mecânico foi
completamente removido e a VAS está pérvia, a condução terapêutica deve
se basear primeiramente na organização da função respiratória e, caso haja
demanda, estender-se às demais funções estomatognáticas.
No Quadro 2 seguem algumas metas como sugestão para o
planejamento terapêutico na clínica de Motricidade Orofacial.
Quadro 2 - Metas terapêuticas relacionadas a casos de respiração oral (RO)

INDIRETAMENTE RELACIONADAS À DIRETAMENTE RELACIONADAS À


RESPIRAÇÃO RESPIRAÇÃO
Promover alongamento dos músculos
Realizar higiene nasal
orofaciais e cervicais
Estimular os pontos e zonas motoras da
Promover fluidificação do muco nasal
face
Adequar a tonicidade e mobilidade da
Adequar a postura de lábios, língua e
musculatura de lábios, língua, bochechas
mandíbula durante a manutenção da
e dos músculos levantadores da
respiração nasal
mandíbula
Melhorar o fluxo inspiratório coordenado
Estimular a função gustativa
ao modo e tipo respiratório
Conscientizar e automatizar a respiração
Estimular o consumo de água
nasal e costodiafragmática abdominal

Fonte24: Procedimentos básicos para tratamento dos distúrbios miofuncionais


orofaciais, pag.49

Salienta-se que todo planejamento deve ser baseado nas


necessidades clínicas de cada criança. Várias outras modalidades e técnicas
de tratamento para RO estão disponíveis no inventário de atuação do
fonoaudiólogo. O profissional deve optar pela que tem habilidade e
formação para desempenhar e que acarrete maior benefício ao paciente.
A higiene e aspectos relacionados à rotina do sono devem integrar
o processo terapêutico. Geralmente, as rotinas das crianças acompanham
os hábitos dos familiares e, nesse sentido, muitas vezes são necessárias
mudanças nos contextos domiciliares para que se obtenha êxito na
modificação de comportamento.
Por fim, ressalta-se mais uma vez, a necessidade de controle
de processos alérgicos e acompanhamento de possíveis recidivas de
impedimentos mecânicos.
As crianças que possuem outros distúrbios do sono associados,
como distúrbios do movimento, sonambulismo, entre outros, devem se
manter acompanhados por profissionais médicos experientes na área do
sono.
1.2 Atuação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios na
adolescência
No que se refere ao ritmo biológico, a adolescência é marcada por
um atraso de uma a duas horas no momento de início e de final do sono,
acompanhado por um atraso no ritmo de tempe­ratura e no surto noturno
de melatonina, hormônio envolvido no início do sono. Classificado como
atraso de fase da adolescência, trata-se de um fenômeno que atinge seu
pico por volta dos 16 anos para as mulheres e dos 21 anos nos homens25.
São considerações biológicas que muitas vezes entram em conflito com as
demandas sociais e escolares da faixa etária.
Não é objetivo deste capítulo discorrer sobre todas as vertentes
que envolvem ou comprometem o sono dos jovens, mas realça-se que é
crescente a prevalência de baixa duração do sono nos adolescentes e
associações dessa condição com vários prejuízos para saúde, incluindo
problemas metabólicos e cognitivos26.
A AOS pode vir a ser mais um fator de contribuição para alteração
do sono nessa fase da vida e tem, como nas demais faixas etárias, questões de
obesidade, obstrução mecânica da via aérea e alterações craniofaciais como
principais causas11. Entretanto, não há especificidade para o tratamento
fonoaudiológico desse grupo além dos que serão descritos no item que se segue.

2. DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS NO ADULTO

No adulto, a AOS se configura como uma condição frequente, que


afeta de 9% a 24% da população. Acomete, principalmente, homens obesos,
na meia-idade, entre 40 e 60 anos, e indivíduos que apresentam espaço
aéreo superior reduzido27.
No que concerne à idade, quanto mais avançada, maior a associação
com o risco para AOS. Um estudo27 verificou que indivíduos de 30 a 44
anos apresentaram taxa de 18,7% para alto risco da AOS, enquanto os que
possuíam mais de 60 anos apresentaram 36,6%. Outro ponto relevante é
que sujeitos com hipertensão arterial apresentam risco para AOS28, e esse
elemento associado à obesidade se torna um fator de alto risco29.
Embora a AOS em adultos seja fortemente associada à obesidade30,31,
sexo masculino e envelhecimento27, alterações anatômicas da VAS e
morfologia craniofacial também são fatores predisponentes, como já foi
mencionado32,33,34.
O CPAP é o tratamento de eleição para essa faixa etária, mas
considerações clínicas, polissonográficas e emocionais nortearão a
escolha terapêutica. Independente da opção, promoção de mudanças
comportamentais como dormir em decúbito lateral, perda de peso; início
ou intensificação de atividade física; evitar bebida alcoólica próximo à
hora de dormir; organização de ambiente de dormir propício ao descanso
podem ser úteis1, 33.
A indicação do tratamento é de competência médica, mas toda
a equipe multidisciplinar deve estar envolvida nas orientações sobre
mudanças comportamentais gerais. É aconselhável que as mudanças
alimentares sejam realizadas com acompanhamento nutricional e as
atividades físicas, preferencialmente, supervisionadas pelo educador físico.
Apesar de ser considerado “padrão ouro”, a adesão ao CPAP requer
empenho e pode apresentar limitações decorrentes de desconfortos, tais
como: irritação nos olhos, vazamento de ar, desconforto/congestão nasal,
ressecamento e sangramento nas narinas, efeitos colaterais e claustrofobia.
Fatores psicológicos e sociais também são fatores que influenciam na
adesão1.
O dispositivo de avanço mandibular ou aparelho intraoral (AIO)
é outra possibilidade de tratamento para os DRS36. São prioritariamente
recomendados nos casos de pacientes com apneia leve ou moderada,
podendo ser utilizados, também, quando não há adesão ao CPAP. Contudo,
como os demais tratamentos, existem contraindicações. Pacientes
com doenças periodontais severas e/ou disfunção temporomandibular
descompensada têm o uso restrito1.
O tratamento cirúrgico voltado para AOS é realizado com o
intuito de aumentar/estabilizar a via aérea e/ou remover sítios específicos
de obstrução1,37. As cirurgias nasais são indicadas na presença de
alteração estrutural que impossibilita a passagem do ar. Existem também
as cirurgias faríngeas1 e as cirurgias bimaxilares com objetivo de avanço
maxilomandibular33,37. Por fim, ressalta-se a cirurgia bariátrica que, embora
raramente seja indicada exclusivamente para remissão de sintomas de DRS,
a perda de peso que advém do procedimento traz benefícios à apneia do
sono e ronco37.
Em adultos, a terapia miofuncional orofacial (TMO), questão
central deste capítulo, quando indicada, é uma alternativa para o tratamento
da AOS e será discutida na seção que se segue.
2. 1 Atuação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios em adultos
A TMO, como explicitado no início desse capítulo, isolada ou
combinada a outras condutas é uma das possibilidades de tratamento para
a AOS. Como nas demais atuações da clínica fonoaudiológica na área de
MO, trata-se de um processo terapêutico que demanda cuidadosa avaliação,
planejamento individualizado e execução de procedimentos.
2.1.1 Avaliação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios em adultos
O objetivo principal da avaliação fonoaudiológica na AOS é
determinar desequilíbrios musculares e funcionais que possam interferir
na VAS durante o sono38. Ressalta-se que a elegibilidade para intervenção
fonoaudiológica junto a esses pacientes é vinculada à ausência de fatores
impedidores, como obstruções mecânicas da via aérea, alterações
craniofaciais e doenças neuromusculares, bem como a presença de distúrbio
miofuncional orofacial.
Sugere-se a utilização de protocolos de avaliação, assim como nas
demais faixas etárias. Para os adultos, o AMIOFE-E6,39 é uma possibilidade.
Abaixo seguem alguns destaques de questionamentos espontâneos para
ilustrar a abordagem na entrevista inicial e avaliação específica. Exames
complementares como avaliação da pressão e resistência de lábios,
faringometria acústica, eletromiografia de superfície, entre outros, também
podem integrar o processo, se for constatada a real contribuição dos
referidos testes para o processo terapêutico.
Quadro 3 - Dados a serem investigados na anamnese

TEMA QUESTIONAMENTOS
Doenças sistêmicas e comorbidades: doenças
metabólicas, cardiovascular, hipertensão arterial, refluxo
Saúde geral
gastroesofágico, depressão, outros distúrbios do sono
diagnosticados ou referidos, rinites, outros
Tratamentos e/ou
Atuais e pregressos
acompanhamentos
Medicamentos utilizados Efeitos colaterais adversos
Fumo, álcool e outras Possíveis interferências na qualidade do sono e
drogas agravamento para o ronco
Frequência e intensidade dos roncos; apneias
testemunhadas durante o sono; despertar com roncos
ou ofegante; engasgos ou sensação de sufocamento;
Manifestações noturnas
sudorese noturna; movimentos excessivos no leito;
noctúria; secura oral; distúrbios alimentaresnasal e
costodiafragmática abdominal
Sonolência diurna; cansaço, falta de energia, fadiga;
sensação de sono não reparador; cefaleia matinal;
Manifestações diurnas
alteração de humor; irritabilidade; diminuição da libido;
déficits cognitivos
Desempenho na realização das funções: respiração,
Realização das funções
mastigação, deglutição e fala; presença de dor ou
estomatognáticas
desconforto orofacial

Sugere-se o uso da escala de Epworth40, que avalia a sonolência


diurna por meio da chance de cochilar em sete situações do dia a dia, o
questionário de Pittsburgh41, que avalia a qualidade do sono, bem como o
questionário de Berlim42, que avalia o risco de apneia do sono e perguntas
relacionadas ao ronco.
Além da avaliação clínica tradicional da MO, algumas
especificidades devem ser avaliadas nos casos de pacientes com AOS, como
as medidas antropométricas:
- Índice de massa corporal (IMC): cálculo peso/altura2, dividir o
peso (em quilogramas) pela altura (em metros) ao quadrado. IMC > 30
indica maior predisposição a AOS31.
- Medida da circunferência cervical (CC): considera-se que CC >
38 cm em mulheres e CC > 40cm em homens como um importante fator
preditivo para AOS31,43.
- Medida da circunferência abdominal (CA): mulheres com CA
igual ou superior a 80 cm e homens com CA igual ou superior a 94 cm
apresentam risco aumentado para AOS44.
A maioria das propostas voltadas à avaliação da língua e da
orofaringe incluem a Classificação de Mallampati modificado (Figura 1)
com o foco principal na orofaringe e/ou a Classificação de Friedman, que
avalia a posição da língua em relação a orofaringe, inclusive, enquanto fator
preditivo da gravidade da AOS45.
Quanto mais estruturas visíveis, melhor a condição muscular e de
espaço para a passagem de ar34 (Figura 1).

Figura 1 - Índice de Mallampati modificado36

Classe I — visualiza-se toda a parede posterior da orofaringe, incluindo o


pólo inferior das tonsilas palatinas;
Classe II — visualiza-se parte da parede posterior da orofaringe;
Classe III — visualiza-se a inserção da úvula e o palato mole, não sendo
possível evidenciar-se a parede posterior da orofaringe;
Classe IV — visualiza-se parte do palato mole e o palato duro.
A classificação e graduação das tonsilas palatinas (Figura 2) é um
dos importantes critérios de elegibilidade ao tratamento fonoaudiológico,
uma vez que a presença de tonsilas hipertróficas pode ser limitante ao
trabalho miofuncional orofacial3.

Figura 2 - Classificação das Tonsilas palatinas quanto ao percentual de obstrução


da luz faríngea36

Grau I — tonsilas palatinas ocupam até 25% do espaço orofaríngeo;


Grau II — tonsilas palatinas ocupam entre 25% e 50% do espaço orofaríngeo;
Grau III — tonsilas palatinas ocupam entre 50% e 75% do espaço
orofaríngeo;
Grau IV — tonsilas palatinas ocupam mais de 75% do espaço orofaríngeo.

A descrição detalhada da avaliação fonoaudiológica nos DRS pode


ser encontrada na literatura3,38. Com a criteriosa avaliação, será verificada a
elegibilidade para o tratamento fonoaudiológico, e isso definirá os objetivos
e conduta a ser realizada2,3.
2.1.2 Intervenção fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios em
adultos

Como já sinalizado anteriormente, a intervenção fonoaudiológica


é indicada como alternativa de tratamento para indivíduos com ronco
primário, apneia leve e apneia moderada, podendo ser indicada com
parcimônia nos casos graves para pacientes que não se adaptaram ao uso
do CPAP e com indicação médica.
A fonoterapia voltada para os DRS5 foi desenvolvida baseada nos
princípios da mioterapia, promovendo mudanças na musculatura orofacial
por meio de exercícios orofaciais e adequação das funções de mastigação,
deglutição, sucção e respiração. Trata-se de uma abordagem que vai além
da realização dos exercícios orofaciais e sempre baseada no diagnóstico
miofuncional orofacial.
Como já vem sendo discutido, o planejamento terapêutico deve ser
sempre ajustado à demanda particular de cada paciente. Inicialmente, deve-
se trabalhar com a conscientização da problemática e com a propriocepção
da cavidade nasal e das estruturas do sistema estomatognático. É importante
esclarecer, logo na primeira sessão, a necessidade de sessões semanais e a
realização de exercícios em casa.
Com frequência, utiliza-se recursos para favorecer a respiração
nasal, como higiene e massagem nasal, incentivando, quando necessário, o
uso de soro fisiológico diariamente. Exercícios voltados para as estruturas
periorais, orofaríngeas, velofaríngeas e treinos das funções de sopro, sucção
e mastigação também podem ser utilizados.
Os exercícios de mobilidade podem preceder, ou não, os exercícios
de força e resistência. De modo geral, é importante que a execução seja
aprimorada, mas a transição dependerá do ritmo de cada paciente2.
Ao optar por um ou outro exercício, o fonoaudiólogo deve levar
em consideração a necessidade real do paciente, sendo imprescindível
que observe e corrija movimentações atípicas e esforços funcionais
desfavoráveis3.
3. DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS NO IDOSO

O envelhecimento é considerado fator de risco para AOS. Trata-


se de um processo biológico que acontece ao longo de toda a vida e é
marcado por uma série de modificações, como alterações morfológicas e
funcionais46,47.
Com a idade, o aparecimento de comorbidades como depressão,
doenças cardiovasculares, diabetes, polimedicação, Alzheimer, demências,
doenças neuromusculares e obesidade contribuem para perturbações
do sono, além de fatores sociais e ambientais comuns a essa faixa etária,
ratificando a importância de uma equipe multiprofissional para o olhar
ampliado no atendimento desses pacientes48,49.
Mudanças no padrão do sono apresentam impacto direto no estado
de vigília dessa população, podendo provocar repercussões psicológicas,
no sistema imunológico, humor e, por conseguinte, contribuem para
o declínio da consolidação da memória, concentração e velocidade de
respostas11,50,51,52. São características que favorecem a vulnerabilidade do
organismo e comprometem a integridade física51,53.
3.1 Atuação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios do sono
no idoso
Em linhas gerais, a atuação fonoaudiológica na área da MO segue
o padrão da fase adulta. Realiza-se a avaliação e o planejamento para
intervenção, considerando as especificidades musculares dessa faixa etária.
Com o envelhecimento, a musculatura da face sofre diminuição
de massa e força. A língua apresenta atrofia das papilas gustativas e vasos
mais dilatados, além de redução de força, interferindo nas funções de
mastigação, deglutição e fonoarticulação. Os lábios e bochechas também
apresentam mudanças na composição das fibras musculares e a faringe,
diminuição da motilidade54,55.
As modificações na morfologia das estruturas orofaciais têm
importância para a expectativa do tratamento de pacientes com AOS, uma vez
que são alterações fisiológicas, e que implicam diretamente no desempenho
muscular de proteção das VAS durante o sono. Evitar o colabamento faríngeo,
por exemplo, depende da atuação de músculos dilatadores da faringe e
propulsor da língua, que estão todos em processo de sarcopenia, sendo esta
uma das principais alterações que aparecem com o avanço da idade56.
3.1.1 Avaliação fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios do sono no
idoso
Como nas demais fases da vida, a anamnese inicia o processo
terapêutico, que pode ser realizada com a ajuda do cuidador ou familiar, a
depender do nível de independência do idoso. É um momento em que se
busca o máximo de detalhe sobre a história clínica da doença. Geralmente,
são pacientes que chegam encaminhados por outros profissionais já
diagnosticados com AOS.
Nessa faixa etária, cuidadosa investigação sobre aspectos gerais da
saúde, tratamentos prévios e atuais, uso de medicações e rotinas devem
ser realizada, pois, como mencionado, comorbidades não são raras e,
muitas vezes, estão diretamente associadas aos interesses fonoaudiológicos.
O quadro emocional do paciente também precisa ser questionado e
observado, além da capacidade responsiva, pois esses aspectos podem
impactar diretamente na elegibilidade da intervenção e no êxito do processo
terapêutico.
Como nos adultos, os questionários de sonolência diurna e
qualidade de sono podem ser utilizados. Contudo, deve-se atentar para
as modificações fisiológicas do sono nessa fase da vida, conforme descrito
anteriormente. Cuidadores e familiares também podem ajudar com o
preenchimento desses inventários.
A avaliação fonoaudiológica da MO pode seguir os padrões da fase
adulta. Sempre que possível, registros padronizados devem ser utilizados.
As medidas de IMC/CC/CA são importantes para comparações futuras
diante dos resultados com a TMO.
A descrição quanto à postura/aparência e mobilidade das
estruturas, bem como as funções orofaciais, deve considerar os padrões do
envelhecimento e as diferenças individuais.
Deve ser dada atenção especial à avaliação da mastigação e
deglutição. Muitos idosos fazem uso de prótese dentária e podem apresentar
alteração da sensibilidade oral e o processo de alimentação passa a ser
adaptado desde a mastigação.
Se houver alguma referência ou observação de refluxo
gastroesofágico importante, sensação de “bolo da garganta”, tosse e/ou
engasgos durante e após a alimentação, a ausculta cervical deve integrar
a avaliação fonoaudiológica. Esses sinais podem indicar a prebisfagia,
alteração na deglutição comum nos idosos.
Faz-se importante o profissional ter conhecimento dessas
especificidades para não considerar alterado e/ou patológico o que pode
ser o padrão esperado nessa população.
3.1.2 Intervenção fonoaudiológica nos distúrbios respiratórios do sono
no idoso
O CPAP, como já foi comentado ao longo deste texto, é o padrão
ouro para o tratamento da AOS. No público senil, essa indicação é ainda
mais frequente devido ao alto grau de doenças associadas. Contudo, a TMO
é considerada uma possibilidade conservadora também para os pacientes
idosos e pode ser associada a outras terapêuticas como o AIO ou CPAP.
Faz parte da intervenção fonoaudiológica orientar quanto à
higienização nasal com soro fisiológico, objetivando a permeabilidade nasal;
acompanhamento do controle do peso corporal; e supervisão da rotina
diária referente aos horários de dormir, acordar e cochilos, considerando as
especificidades e modificações fisiológicas do sono nessa faixa etária. Um
diário do sono pode ser socilitado57.
Por fim, informações gerais sobre a higiene do sono se fazem
necessárias, como: manter o ambiente de dormir limpo, escuro, sem
barulhos e confortável; evitar líquidos e alimentos excessivos antes de
dormir; realizar atividades relaxantes antes de dormir; não fazer uso de
medicamentos para dormir sem orientações médicas; reduzir/evitar
cochilos diurnos próximos ao horário de deitar-se, entre outros.
Nos casos dos idosos que já estão em tratamento, fazendo uso de
CPAP ou AIO, a conduta fonoaudiológica será de colaborar com a adesão
desses dispositivos, potencializando suas utilizações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A TMO isolada ou adjuvante a outras terapêuticas é uma


possibilidade de tratamento dos DRS em todas as fases da vida. Entretanto,
especificidades da faixa etária relativas às estruturas e funções orofaciais
devem ser observadas, bem como fatores que limitem ou impeçam a
realização da abordagem fonoaudiológica.
A presença do profissional fonoaudiólogo nas equipes
multidisciplinares para o tratamento dos distúrbios do sono é uma
realidade. Contudo, é fundamental que o profissional que pretenda atuar
nessa área busque formação específica, uma vez que se tratam de patologias
multifatoriais e que requerem conhecimentos particulares como aspectos
da fisiologia do sono e interpretação de exames como o de polissonografia.

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CAPÍTULO 10

TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO
NOS TRAUMAS DE FACE

Sílvia Benevides

INTRODUÇÃO

A Fonoaudiologia, no campo da motricidade orofacial, vem


crescendo e se estabelecendo em interface com muitas áreas de atuação. Os
prejuízos funcionais dos traumatismos faciais merecem atenção especial,
devido ao comprometimento no complexo craniofacial.
Os traumas na face possuem dados epidemiológicos escassos
quanto à incidência, tanto na população brasileira como na mundial. A
literatura descreve maior ocorrência em gênero masculino, principalmente
entre a segunda e terceira décadas de vida1,2. Há uma variedade de dados
epidemiológicos correspondente à região geográfica estudada3. Pesquisas
apontam que a etiologia e incidência dos traumas faciais está relacionada
com fatores sociais, culturais e ambientais4, com prejuízos na área
psicossocial, funcional, além da estética.
Os traumatismos faciais revelam um problema de saúde pública,
uma vez que os pacientes acometidos contribuem com o aumento de custos
para o sistema público de saúde, não apenas pela necessidade de cuidados
específicos e internações hospitalares prolongadas, com aumento de
cirurgias eletivas, mas também pelos prejuízos socioeconômicos. Ocorre
que, muitas vezes, o paciente não tem nem condições de retornar ao
mercado de trabalho, o que gera aumento de licenças médicas, benefícios
governamentais, etc5.
O índice do número de traumas decorrentes de acidentes
automobilísticos por meio de condutores alcoolizados e não habilitados;
da violência interpessoal e acidentes esportivos aumenta com o avanço da
idade1,6. Por outro lado, o número de acidentes automobilísticos diminuiu
depois de adotadas e fiscalizadas as medidas educacionais, como orientação
quanto ao uso do cinto de segurança, ingestão de bebida alcoólica, direção
responsável, entre outras7.
A incidência de trauma facial pode ser reduzida nos adultos jovens
por meio de ações de educação em saúde, com destaque no uso moderado
de álcool e orientação com relação às situações hostis, evitando-se a
violência interpessoal. Nos casos de quedas em idosos, a otimização do
design interno dos domicílios e uma assistência constante de familiares e/
ou cuidadores. Além disso, a utilização de cinto de segurança e uso de air
bags por motoristas e capacetes que estejam devidamente abotoados e que
cubram toda a face de motociclistas e ciclistas são condutas que devem ser
incentivas como medidas de prevenção aos traumas e acidentes, em geral8.
Dentre muitas situações, destacam-se as injúrias ósseas, na dentição,
lesões de tecidos mole, perda de substância (tecido duro e/ou mole), como
também pode ocorrer lesão traumática do nervo facial e ou do trigêmeo9,
caracterizando modificações na vascularização, nos nervos ou mucosas,
estruturas dentárias, hipomobilidade mandibulares. Esses acometimentos
repercutem no desempenho das funções orais, especialmente a mastigação,
a deglutição e a fala.
Quanto ao tratamento de traumas faciais, a equipe de cirurgia
está voltada, em grande parte, para as reduções cirúrgicas, colocação de
próteses mandibulares, enxertos, reparo das lacerações de tecido mole,
entre outras. Ressalta-se que essa equipe pode optar, também, após
avaliação, pelo tratamento não cirúrgico10. Dessa forma, algumas propostas
terapêuticas são desenvolvidas por fonoaudiólogos com o objetivo final de
devolver o equilíbrio na execução das funções estomatognáticas, dentro
das possibilidades anatomofuncionais. A literatura ainda é bastante
escassa, mas observa-se um aumento do número de estudos em bases de
dados internacionais que revelam o uso da terapia miofuncional orofacial
combinada ao tratamento cirúrgico e/ou não cirúrgico11.
O traumatismo facial pode vir acompanhado ou não de fratura,
que pode apresentar-se de forma isolada ou associada. A localização
das fraturas maxilomandibulares corresponderão à direção do agente
etiológico e disposição da área12, podendo estar acompanhada de fraturas
dentoalveolares, o que compromete a oclusão dentária.
Dentre os traumas faciais, as fraturas de côndilo (Figura 1) são
comumente observadas na clínica fonoaudiológica. Considerando este
acometimento, observa-se a ocorrência de muitas limitações funcionais
que acabam por prejudicar a execução das funções estomatognáticas11. Tais
comprometimentos funcionais estão diretamente relacionados ao tipo de
fratura, localização e conduta da equipe de cirúrgica. O cirurgião decidirá
se realizará o tratamento cirúrgico ou o não cirúrgico10. Em ambos os
casos, a reabilitação fonoaudiológica visa a melhorar as compensações e
introduzir novas adaptações13 para que a o desempenho funcional esteja
mais próximo possível da normalidade9.

FIGURA 1. Classificação das fraturas condilares (Adaptação classificação AO)*.


Alta (intracapsular); Baixa (extracapsular); Região subcondilar (extracapsular)
*AO Foundation CMF - AO Surgery Reference 2011.
1. REABILITAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA:

a) Anamnese:
Os pacientes acometidos de trauma facial, em geral, são encaminhados
pelos cirurgiões envolvidos no atendimento a esse público, no período de oito
a 15 dias após a ocorrência da fratura ou da cirurgia, podendo haver variação
de tempo de acordo com o caso. A consulta normalmente é realizada em
nível ambulatorial, após a liberação do cirurgião14,15. Contudo, há situações
onde o paciente encontra-se clinicamente instável e, portanto, ainda se
mantém em internamento hospitalar. Nessa condição, o fonoaudiólogo deve
atender no leito. Ressalta-se que o fato acima mencionado não se refere aos
casos em que outras demandas fonoaudiológicas encontram-se presentes,
como disfagia, afasias, etc.
Na ocasião da entrevista inicial, são descritos pelo cirurgião a
etiologia do trauma, conduta realizada e queixa principal. Importante
coletar informações sobre o histórico do trauma, pois contribuem para o
direcionamento terapêutico. Destaca-se, ainda, a necessidade de bom senso
e cautela durante os questionamentos, uma vez que, em algumas situações,
observa-se intenso abalo emocional no paciente. Além dos dados pessoais,
são necessárias as seguintes informações:
a) Etiologia do trauma
b) Histórico do trauma (descrição da situação, primeiros socorros,
internação, intercorrências, regiões acometidas, se houve perda de
substância óssea e ou de tecido mole)
c) Queixa principal (sintomas)
d) Data do acometimento (análise do período de cicatrização óssea e
de tecido mole)
e) Conduta do cirurgião para cada segmento fraturado (cirúrgico/
não cirúrgico)
f) Limitação dos movimentos mandibulares
g) Modificação do trajeto mandibular: desvio ou deflexão (Figura 2)
h) Alimentação
i) Higiene oral
j) Modificação da sensibilidade intra ou extra oral (presença de
parestesia)

FIGURA 2. Trajeto do movimento mandibular em abertura

b) Avaliação:
O exame clínico miofuncional orofacial contempla verificação
das estruturas, da oclusão e situação dentária, da musculatura e da
funcionalidade orofacial. Muitos protocolos podem ser utilizados16,17,
entretanto destaca-se a importância da criteriosa análise dos dados
compilados da anamnese e exame clínico para que se tenha um
delineamento das estratégias terapêuticas que serão utilizadas na abordagem
fonoaudiológica, bem como as limitações decorrentes do próprio trauma
ou procedimento cirúrgico18.
A leitura dos exames de imagem representa um dado importante
para a tomada de decisão do protocolo terapêutico que será pensado para
o caso. Na avaliação do estado morfofuncional das estruturas orofaciais, o
fonoaudiólogo precisa estar atento para a forma de manipulação durante
a inspeção intra e extroral, pois, se for inadequada, pode comprometer
a cicatrização. Registros de fotos e filmagens representam importante
parâmetro para comparação entre os estágios de evolução do tratamento,
além de servir como feedback para o paciente.
A seguir, serão descritos alguns aspectos encontrados durante a
avaliação.
Os edemas e hematomas podem ser evidenciados na região
acometida. Nos casos de fraturas condilares, os pacientes podem estar
fazendo uso do bloqueio maxilomandibular semi-rígido com elásticos para
possibilitar a estabilização mandibular e oclusal14,15.
A modificação de sensibilidade (parestesia e hipoestesia) precisa ser
investigada, pois lesão nervosa do(s) ramo(s) do trigêmeo pode ocorrer em
função do próprio trauma e/ou por manipulação cirúrgica, ocasionando
alteração neurossensorial13,16,17,18.
Verifica-se, com frequência, alteração de sensibilidade na
região dento-alveolar inferior, no lábio inferior e mento. A análise do
perfil neurossensorial do indivíduo deve ser realizada por meio do
Teste Quantitativo Sensorial (TSQ). O TSQ examina os mecanismos
neurais e somatossensitivos e representa um recurso importante para
a obtenção de informações acerca da dor, sensação térmica, detecção
mecânica, vibração e pressão em sujeitos com determinada afecção
ou saudáveis19. Um instrumento que pode fornecer uma parte dessas
informações é o estesiômetro da Semmes Weinsten, marca Sorri® (Figura
3). Esse instrumento contém seis monofilamentos de diâmetros diferentes
padronizados, com comprimentos iguais e diferentes cores. Cada cor, com
gramatura distinta, representa um limiar de sensibilidade13.

FIGURA 3. Estesiometria: Utilização de monofilamento de nylon


Os movimentos de abertura, lateralidade e protrusão da mandíbula
devem ser mensurados, bem como a descrição do seu deslocamento.
Frequentemente, observam-se tremores, incoordenações mandibulares, dor
articular e ou muscular no movimento, desvio ou deflexão mandibular20.
Sabe-se que há um tracionamento muscular com deslocamento do segmento
fraturado (Figura 4). Nos casos de fratura de côndilo, o deslocamento
do fragmento gera diminuição da altura posterior do ramo mandibular
(Figuras 5 e 6), modificação do funcionamento do músculo pterigoideo
lateral, ou seja, com pouca ou nenhuma ação do lado afetado (Figura 7),
frequentemente visualizado nos movimentos de abertura, protrusão e
lateralidade mandibular.

FIGURA 4. Ação muscular do masseter e pterigoideo lateral


FIGURA 5. Representação da altura do ramo mandibular

FIGURA 6. Diminuição da altura do ramo mandibular após fratura de côndilo


com deslocamento para medial
FIGURA 7. Ação muscular do pterigoideo lateral, promovendo deslocamento do
côndilo, após fratura.

Identificação de perda de substância, seja tecido duro e/ou tecido


mole comumente encontrada em vítimas de projétil de arma de fogo (PAF)
e que limita a atuação fonoaudiológica20.
Outro aspecto que precisa ser avaliado é a condição dentária e oclusão.
Alguns tipos de fraturas provocam má oclusão devido à ação muscular que
gera instabilidade na biomecânica mandibular. Além disso, perda de elemento
dentário, extrusão ou intrusão dentárias também devem ser observadas.
A mímica facial também poderá estar comprometida e deverá ser
avaliada. O seu prognóstico dependerá da etiologia, tempo de início de
tratamento, bem como a qualidade neuromuscular21.
É necessário também observar com atenção o processo de cicatrização
de tecido mole, especialmente se há grande restrição por fibrose cicatricial.
Os aspectos acima mencionados envolvem a região orofacial,
gerando desdobramentos no desempenho funcional. Desse modo,
frequentemente observam-se alterações/ adaptações funcionais,
especialmente na mastigação, deglutição e fala. Um dos fatores que
compromete a inteligibilidade de fala e distribui o foco de ressonância para
a região nasal é a hipomobilidade mandibular9.
Segue abaixo uma proposta de protocolo de avaliação9,16,17,20
1.Identificação:
Data do exame:
Nome:___________________________________________
Idade:_________________D/N:_______________________
Estado civil:_______________________________________
Endereço:_________________________________________
Telefone (s):______________________________________
Profissão/Local de trabalho:_________________________
Equipe responsável:_______________________________
Hipótese diagnóstica:______________________________
2. Aspectos sobre o trauma:
Queixa principal:
Data do acometimento:_____________________________
Etiologia:_________________________________________
Histórico:________________________________________
Regiões acometidas pelo trauma:___________________
Fratura(s):________________________________________
Primeiros socorros (no local):_________________________
Primeiros socorros (atendimento médico):______________
Internação:______________________________________________________
Cirurgia:________________________________________________________
Medicamentos (anteriores e atuais):__________________________________
Exames Complementares:__________________________________________
Evolução:_______________________________________________________
Tratamento médico atual e prognóstico:_______________________________
3. Sintomas relatados:
( ) Presença de dor:_______________________________________________
( ) Limitação dos movimentos mandibulares:__________________________
( ) Perda ou diminuição dos movimentos faciais:______________________
( ) Percebe mudança na oclusão:____________________________________
( ) Perda da sensibilidade:__________________________________________
( ) Aumento da sensibilidade:________________________________________
( ) Dificuldade em mastigar:_________________________________________
( ) Dificuldade em deglutir/ ( ) Engasgos: ______________________________
( ) Dificuldade em respirar/ ( ) falta de ar:_______________________________
( ) Dificuldade ou alteração na fala:___________________________________
Outras dificuldades:_____________________________________________
Algumas dessas dificuldades já existiam antes do
trauma?_________________
Descrição da alimentação atual:______________________________________
4. Aspecto facial geral:
( ) Presença de edema:_____________________________________________
( ) Presença de cicatriz: Situação cicatricial: ( ) fibrótica ( ) quelóide
( ) restritiva ( ) não restritiva ( ) superficial
( ) Perda de substância: ( ) tecido duro _________ ( ) tecido mole ________
( ) Prejuízo da mímica facial
5. Cavidade oral:
♣ Presença de bloqueio intermaxilar: ( ) Rígido ( ) Semi-rígido
( ) Brackets ( ) Barra de Erich ( ) IMF (intermaxilar fixation)
♣ Tempo de bloqueio:____________________________________________
♣ ( ) Dor/ Localização:____________________________________________
5.1. Situação dentária: ( ) perda de elemento(s)________ ( ) intrusão____
( ) extrusão____ ( )cáries____ ( )mobilidade____ ( )prótese____
5.2. Descrição da oclusão:
Oclusão:
( )Cl-I; ( )Cl- II; ( )Cl- III – ( )Mordida: cruzada unil ( ) bilat ( ) profunda
( ) aberta anter ( ) post
Sobressaliência:_______mm sobremordida: ________mm
Linha média:
Dentária – central ( ) não central ( ) desvio
predominante:_________________
Esquelética – central ( ) não central ( ) desvio
predominante:_______________
6. Estruturas e musculatura:
7. Dor à palpação: (0 = sem dor; 1 = dor fraca; 2 = dor moderada; 3 =
dor forte)
TEMPORAL D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
ANTERIOR E ( )0 ( )1 ( )2( )3
TEMPORAL D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
MÉDIO E ( )0 ( )1 ( )2( )3
TEMPORAL D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
POSTERIOR E ( )0 ( )1 ( )2( )3
MASSETER D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
ORIGEM E ( )0 ( )1 ( )2( )3
MASSETER D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
CORPO E ( )0 ( )1 ( )2( )3
MASSETER D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
INSERÇÃO E ( )0 ( )1 ( )2( )3
REGIÃO D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
SUBMANDIBULAR E ( )0 ( )1 ( )2( )3
ATM POLO LATERAL D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
E ( )0 ( )1 ( )2( )3
REGIÃO ORBITÁRIA D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
E ( )0 ( )1 ( )2( )3
REGIÃO ZIGOMÁTICA D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
E ( )0 ( )1 ( )2( )3
ECOM D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
E ( )0 ( )1 ( )2( )3
TRAPÉZIO D ( )0 ( )1 ( )2 ( )3
E ( )0 ( )1 ( )2( )3

8. Movimentos mandibulares (medidas, desvios, limitações, ruídos, dor)

Na abertura No fechamento

♣ Abertura:_______( ) Desvio D ( ) Desvio E ( ) Deflexão D ( ) Deflexão E


♣ Fechamento: ( ) Desvio D___________ ( ) Desvio E_________
♣ Lateralidade D:________ ♣ Lateralidade E:_______________
♣ Sobressaliência:___________ Protrusiva:_____
♣ Ruído articular ( ) Direito _____ ( ) Esquerdo ( ) ______________________
♣ Movimento condilar: ( ) Esquerda __________ ( ) Direita_______________
10. Conclusão e conduta:__________________________________________
Fonoaudiólogo(a) responsável:______________________________________

c) Terapia Fonoaudiológica:
Após o processo avaliativo, dá-se início à terapia miofuncional
orofacial para os traumatismos faciais, cujos objetivos envolvem o
restabelecimento da mobilidade mandibular, equilíbrio funcional, auxilio
na remodelação condilar e inibição da progressão de sequelas, como a
instalação da anquilose temporomandibular. Esse último acometimento
está representado pela união óssea ou por fibrose das superfícies articulares,
onde o trauma é a causa mais comum. Acredita-se que o hematoma formado
na região intra-articular é um fator principiante para que ocorra fibrose e
neoformação óssea15,22.
Segue abaixo descrição de algumas sequelas funcionais decorrentes
dos traumas e intenções terapêuticas correspondentes:
Edema facial: A drenagem linfática manual (DLM) possui o
objetivo de remover o excesso de proteína plasmática do interstício celular,
restaurando o equilíbrio entre a carga proteica linfática e a capacidade
de transporte do sistema linfático23. A DLM auxilia a reabilitação mais
precoce em afecções traumáticas ou cicatrizes. O acúmulo de fluídos
aumenta a pressão dentro dos tecidos e causa estimulação dos nociceptores
e, consequentemente, evidencia-se a sintomatologia dolorosa. A drenagem
do edema contribui no alívio da pressão e a dor24.

INTENÇÕES TERAPÊUTICAS:

O estímulo táctil leve aumenta a atividade motora da unidade


funcional do vaso linfático. As manobras da drenagem devem ser rítmicas,
lentas, suaves e superficiais para movimentar uma corrente de líquido
no vaso linfático superficialmente e localizada acima da aponeurose. A
direção da manobra de deslizamento é sempre para o grupo proximal de
gânglios. São realizados movimentos de deslizamento sobre o trajeto dos
vasos linfáticos e de compressão nas regiões dos linfonodos. É uma técnica
sistematizada, onde os movimentos devem ter uma sequência correta,
com sentido e estratégia bem definidos. Importante ressaltar que se forem
realizadas pressões muito intensas pode gerar lesões dos vasos linfáticos
agravando o linfoedema 24. Por isso, faz-se necessária uma capacitação que
permita ao terapeuta uma condução adequada dessa etapa de tratamento
A hipomobilidade mandibular, decorrente contração da
musculatura mastigatória, edemas, restrição cicatricial e até mesmo por
cinesiofobia 25,26.
INTENÇÕES TERAPÊUTICAS 9,10,13,15,16,17,18,20 :

• Termoterapia com calor úmido por 20 minutos27 (Figura.8).


• Massagens e soltura da musculatura elevadora da mandíbula, para aumento
de oxigenação e drenagem de resíduos metabólicos.
• Alongamento da musculatura elevadora por meio de movimentos
superoinferiores, circulares e verticais no musculo temporal e na região intra
e extraoral o masseter.
• Tração da mandíbula para baixo por meio do apoio dos dedos na região dos
dentes posteriores.
• O aumento da dimensão vertical pode ser efetuado com o empilhamento
de espátulas (Figura 9) ou cera 7 na região oclusal posterior para ampliar as
excursões mandibulares, uma vez que interfere positivamente nos processos
metabólicos e contráteis das fibras musculares.
• Exercício de abertura com o apoio da mão para os casos que necessitam do
controle muscular da deflexão mandibular.
• Movimentos mandibulares de lateralidade e protrusão, com apoio da mão, quando
necessário, para aumento de amplitude e correção da assimetria durante o trajeto.
O movimento protrusivo é bastante enfatizado nos casos de fratura de côndilo, pois
a ação do pterigoideo lateral auxilia no processo de remodelação óssea.

FIGURA 8. Termoterapia com calor úmido na região de temporal e masseter


FIGURA 9. Exercício para aumentar a amplitude de abertura oral maxila
com o auxílio de espátulas empilhadas

A cicatrização também merece atenção, uma vez que a retração


tecidual limita ou impede a liberdade dos movimentos faciais, de língua e,
em alguns casos de mandíbula.

INTENÇÕES TERAPÊUTICAS9,16,17:

• Digito-pressão: Cicatrizes restritivas nos lábios, região de mentual e língua


devem ser manipuladas a fim de atingir uma extensibilidade tecidual que
possibilite a execução do movimento.
• Alongamento manuais e funcionais: massagens com pressionamento
perpendicular à linha cicatriz.

Manifestações sensitivas, ou seja, parestesia, hipoestesia, que são


caracterizadas pela diminuição ou modificação do grau de sensibilidade.
Esse acometimento é encontrado com frequência e proveniente de
trauma mecânico na região afetada. Esse déficit na sensibilidade modifica
a referência intra e extraoral, podendo gerar prejuízos na mastigação,
deglutição e fala.
INTENÇÕES TERAPÊUTICAS 9,13,17,18,20

• São utilizados estímulos mecânicos com diferentes texturas e térmicos com


gelo ou contraste de temperatura na região comprometida. Não é adequado
manter o gelo em contato direto com a pele. É necessário que o terapeuta
fique atento ao tempo de exposição, para evitar o aparecimento de lesões.
Frequentemente, observa-se parestesia da região mandibular, mento e lábio
inferior. Dessa forma, essa área precisa ser estimulada, bem como na região
do forame mentoniano, uma vez que faz parte do trajeto do nervo alveolar
inferior, responsável pela sensibilidade dessa região.
A mímica facial também pode estar comprometida por lesões
traumáticas no nervo facial, sobretudo nos casos de lacerações de tecido mole
por arma branca e de fogo, além do trauma pós-cirúrgico28. O tratamento
proposto contempla crioterapia, exercícios musculares e funcionais, de
acordo com a demanda do paciente21.O prognóstico dependerá da etiologia,
tempo de início de tratamento e qualidade neuromuscular do indivíduo.
As funções orofaciais de respiração, mastigação, deglutição e fala
serão reabilitadas a partir dos prejuízos ocasionados ou potencializados
pelo trauma. O trabalho é constituído da percepção da função alterada e de
treinos funcionais. A função mastigatória é a mais prejudicada nos casos de
fraturas mandibulares, especialmente nas de côndilo. É preciso direcionar
a demanda funcional para a área de menor estímulo. Nos casos de fratura
de côndilo unilateral, por exemplo, deve-se, inicialmente, enfatizar o
treino mastigatório no lado contralateral à lesão20. O aumento da força
mastigatória, extensibilidade e coordenação muscular também configuram
o treino funcional. Ressalta-se que esse treino é iniciado após a liberação.
Além de considerar o tipo e localização da fratura, é preciso estar
atento às condições dentárias e oclusais do paciente12. Destaca-se que o padrão
oclusal pode modificar frente às fraturas na região mandibular, côndilo, o
que compromete essas funções. Por isso, os odontólogos especialistas em
reabilitação oral, ortodontia. deverão também acompanhar o caso.
O prejuízo da fala, ocasionado pela limitação da amplitude
mandibular e mudanças estruturais orofaciais, normalmente, é resolvido
com a reabilitação morfofuncional e o resgate dos movimentos
mandibulares17. Dessa forma, a terapia miofuncional orofacial contribuirá
para a progressão da inteligibilidade e aceitabilidade da fala, sendo descritas
pelo bom sinal acústico emitido pelo indivíduo e pela percepção do ouvinte
quanto à capacidade do falante de se fazer inteligível9.
De forma geral, o desequilíbrio das estruturas dos constituintes
do sistema estomatognático e as implicações no desempenho das funções
orofaciais é tratado com os treinos e adaptações funcionais com a finalidade
de gerar estabilidade, especialmente nos casos cirúrgicos.
Alguns recursos podem ser inseridos no plano terapêutico como a
bandagem elástica funcional e o laser de baixa potência, com os objetivos
de drenagem linfática, dor e limitações da amplitude mandibular17,29.
Por fim, o paciente deve ser orientado quanto ao objetivo da terapia
fonoaudiológica, possibilidades de limitações de resultados terapêuticos,
higiene oral e alimentação. A adesão ao tratamento também é descrita por
meio da realização dos exercícios indicados para fazer em casa. Inicialmente
sugere-se que sejam realizados três vezes ao dia, com a diminuição dessa
frequência à medida que ocorra evolução de sua condição miofuncional
orofacial até à estabilidade do caso17.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Os traumas de face podem desencadear limitações, assimetrias


e desequilíbrio das estruturas e funções orofaciais. Assim, a reabilitação
fonoaudiológica tem como objetivo o aumento da amplitude dos
movimentos mandibulares, a diminuição da fibrose cicatricial, simetria
da musculatura facial, redução das compensações funcionais e equilíbrio
orofacial.
Tendo em vista a alta ocorrência dos traumatismos faciais, é preciso
ter uma clara compreensão dos padrões das lesões que acometem a face
para que se possa auxiliar na assistência, a fim de propiciar condutas e
tratamentos adequados e efetivos. Os dados epidemiológicos podem
também ser utilizados para implantação de protocolos direcionados à
realização de programas de prevenção da Fonoaudiologia junto à equipe
interdisciplinar30.
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CAPÍTULO 11

TERAPIA EM GRUPO COM JOVENS


COM SÍNDROME DE DOWN: UM RELATO
DE EXPERIÊNCIA

Isabelle Cahino Delgado


Talita Maria Monteiro Farias Barbosa
Cynderella Karla Moraes de Lima
Giorvan Ânderson dos Santos Alves

INTRODUÇÃO

Neste capítulo será abordado o trabalho fonoaudiológico realizado


em grupo com jovens e adultos com síndrome de Down (SD). O objetivo
é fazer um breve relato da experiência indicando os objetivos dessa
abordagem, os procedimentos realizados e os resultados alcançados,
almejando contribuir para a literatura específica e fornecer indicativos para
que pesquisas sejam desenvolvidas considerando as abordagens de grupo
na Fonoaudiologia.
A abordagem terapêutica em grupo tem uma importância relevante
no campo de atuação do fonoaudiólogo nos mais diversos setores que este
pode estar inserido, pois considerando o grupo como um espaço social, este
permite e possibilita as mais diversas experiências dialógicas interpessoais,
ampliando o uso da linguagem de forma mais significativa, expandindo
conceitos adquiridos e sendo capaz de potencializar o aprendizado.
Apesar da peculiaridade linguística que as pessoas com SD
apresentam, quando comparada às grandes áreas do desenvolvimento, a área
social geralmente encontra-se com menos comprometimento, favorecendo o
trabalho desenvolvido em grupo, principalmente entre adolescentes e jovens,
permitindo relações dinâmicas de aprendizado através das experiências
vividas e compartilhadas em torno do objeto trabalhado, contribuindo
para a construção social, autonomia, favorecendo a inserção no mercado
trabalho, gerando ganhos em todas as esferas sociais e individuais.
No trabalho aqui exposto os atendimentos terapêuticos de grupo
foram realizados dentro de um projeto de extensão universitária chamado:
Programa de Estimulação Fonoaudiológica para a pessoa com Síndrome de
Down; realizada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vinculada ao
Departamento de Fonoaudiologia. O projeto atendia semanalmente cerca
de 70 pessoas com Síndrome de Down, de todas as faixas etárias, desde
crianças nos meses iniciais até adultos, com o objetivo de estimular as
habilidades linguísticas nas modalidades oral e escrita bem como favorecer
o desenvolvimento e aperfeiçoamento da fala dessa população. O trabalho
de grupo terapêutico foi utilizado como uma estratégia de intervenção
para os jovens e adultos, e foram divididos em três grupos fixos. A cada
encontro, foram propostas atividades que pudessem desenvolver os
objetivos previamente estabelecidos para o grupo em concordância com os
objetivos gerais do projeto de extensão. Na próxima secção, retornaremos
a relatar especificamente sobre os procedimentos, estratégias e objetivos
trabalhados na terapia de grupo.

1. Características e Habilidades na Síndrome de Down

A Síndrome de Down é uma alteração genética causada pela


triplicação do cromossomo 21, a qual é responsável, muitas vezes, pelo
desenvolvimento de diversas alterações estruturais do sistema nervoso
central (SNC), além de déficits metabólicos, hormonais, cardiovasculares,
oftalmológicos, respiratórios e auditivos.1,2 Esse conjunto de alterações
interfere no processo de desenvolvimento motor, cognitivo, linguístico,
entre outras dimensões do desenvolvimento humano3.
Além desses, os déficits processuais, de funções executivas,
nas estruturas do SNC, e o déficit cognitivo, contribuem para que o
desenvolvimento linguístico na SD tenha suas especificidades. Espera-se
atraso na aquisição da linguagem, porém há uma forte tendência de que
todas as etapas do desenvolvimento típico sejam seguidas3. É possível
observar também que algumas dimensões linguísticas podem apresentar-
se mais comprometidas do que outras, como por exemplo na linguagem
expressiva verbal quando comparada a linguagem compreensiva. É possível
ainda observar diferenças no campo morfossintático, no que diz respeito
ao uso de palavras que tem função sintática, gramatical e pouca carga
semântica e no desenvolvimento fonológico, gerando problemas com a
inteligibilidade de fala, podendo estes ser de ordem neurológica ou não,
sendo estas últimas características citadas mais facilmente e observadas de
acordo com o aumento da idade cronológica, o que pode gerar algumas
dificuldades de comunicação2, 4.
Apesar dessas peculiaridades, é possível que a linguagem seja
desenvolvida e utilizada com bastante funcionalidade e significância.
Quando se pensa no atendimento em grupo, deve-se considerar a
heterogeneidade do grupo e atentar para outros fatores inerentes a cada
indivíduo, tais como: personalidade, comportamento, estimulação precoce
e específica das habilidades cognitivas e linguísticas; ambiente familiar
e social propício no qual o indivíduo está inserido, as oportunidades de
desenvolvimento e crescimento pessoal que lhes são oferecidas, entre
outros que podem ser aspectos facilitadores e muitas vezes determinantes
no desenvolvimento global desses indivíduos.
Sendo o fonoaudiólogo o profissional habilitado para atuar
avaliando, diagnosticando e intervindo nos aspectos da comunicação
humana, a relevância da sua atuação em busca de desenvolver e aperfeiçoar
as habilidades comunicativas da população com SD é de importância
indiscutível.
As propostas das terapias em grupo surgiram na década de 1980,
inicialmente com o objetivo de diminuir as demandas advindas da inserção
do fonoaudiólogo nos setores públicos de saúde5. Mas, com o passar dos
anos, essa abordagem ganhou outra perspectiva. Ela pode ser um recurso
muito positivo se usado de forma objetiva e planejada a fim de atender
as demandas de um grupo específico com características semelhantes. As
intervenções em grupo, além da interação social, favorecem e oferecem
situações dialógicas reais entre os participantes do grupo, facilitam
o estreitamento de vínculos, que geram mais adesão ao tratamento,
permitem a construção conjunta de conhecimentos e troca de informações,
aumentando a repercussão e ampliação dos conhecimentos aprendidos,
dentre outras possibilidades6,7.
Nos nossos grupos terapêuticos, as estratégias utilizadas foram
focadas na comunicação oral e práticas de letramento com o objetivo de
aperfeiçoar o desenvolvimento da linguagem a partir das vivências em grupo
e aumentar o contato com materiais escritos dotados de funcionalidade,
proporcionando aos adolescentes e jovens práticas sociais que remetem ao
uso da leitura e da escrita, independente ou não de serem alfabetizados,
pois consideramos letrada, aquela pessoa que compreende e faz uso das
mais diversas formas sociais de manifestação da leitura e da escrita8. E essas
práticas contribuem para o aprendizado da modalidade escrita da língua.

2. A Terapia em Grupo

O atendimento fonoaudiológico em grupo para indivíduos


adolescentes e jovens com síndrome de Down surgiu inicialmente devido
a necessidade de suprir a grande demanda para este tipo de atendimento,
dada a relação desigual entre demanda da população atendida e a pouca
extensão e oferta de mão de obra de estagiários de Fonoaudiologia. Deste
modo, a terapia em grupo foi planejada como uma maneira de otimizar
o atendimento, possibilitando que um maior número de pacientes fosse
assistido, como também criar um espaço terapêutico em que os pacientes
fossem mais ativos, além de um momento de compartilhar habilidades
já trabalhadas nas terapias individuais, já que grande parte dos jovens
inseridos nesse grupo terapêutico já estava sendo atendido individualmente
há alguns anos.
Quatro extensionistas, alunos de Fonoaudiologia, eram responsáveis
por planejar as atividades a serem desenvolvidas assim como conduzir o
grupo durante o atendimento, com supervisão de um fonoaudiólogo. Os
grupos terapêuticos eram formados por jovens com idade a partir dos 16
anos. As sessões semanais duravam cerca de 45 minutos e ao término de
cada uma delas, os pais eram informados sobre as atividades e habilidades
desenvolvidas na sessão e orientados de forma prática a continuarem a
estimulação durante a semana.
A terapia em grupo ocorria uma vez na semana, e era composta
por uma média de seis indivíduos com Síndrome de Down por grupo.
Semanalmente, no total, funcionavam três grupos. Todos os participantes
do grupo foram anteriormente avaliados individualmente permitindo
maior conhecimento da equipe sobre cada indivíduo e suas necessidades.
Deste modo, cada grupo foi formado respeitando alguns critérios, como
faixa etária, hipóteses fonoaudiológica semelhantes, além de todos terem
a Síndrome de Down como condição comum. Desta forma, foi pretendida
uma maior homogeneidade dos componentes do grupo. Essa formação
permitiu que os objetivos e atividades propostas em cada grupo assistissem
as maiores necessidades daqueles indivíduos.
Quanto aos objetivos do trabalho em grupo elencamos: desenvolver
aspectos relacionados à linguagem oral em todos os seus níveis; favorecer
o desenvolvimento da modalidade escrita da língua, promover práticas de
letramento, favorecer interação social; contribuir para o desenvolvimento
social e autonomia dos participantes.
No entanto, é válido ressaltar que é preciso estar atento a cada
sujeito individualmente. Durante as intervenções foi possível observar que
alguns indivíduos não se sentiam à vontade no grupo, ou demonstravam
não conseguir participar efetivamente das atividades propostas, devido a
algum comportamento apresentado por outros participantes integrantes
do grupo. Em casos assim, o terapeuta interferia e mediava as situações
que impediam o bom desempenho do grupo, assim como analisava as
possibilidades de encaixar o indivíduo em um outro grupo, ou até mesmo
em outro contexto de atendimento.
Destacando a função do terapeuta fonoaudiólogo no grupo, cabe a
ele focalizar na realização dos objetivos de cada sessão, organização do grupo
e também prezar pelas regras de convivência grupal. O terapeuta exerce o
papel de atribuir significado a fala e ações dos participantes, intervém para
incluir os indivíduos naquilo que está sendo dito e vivenciado no grupo, e
propicia que o participante alcance seu papel social e de interlocutor dentro
do grupo/contexto6.
Para que se haja o desenvolvimento da linguagem de modo efetivo
e rápido é necessário que haja a necessidade de se comunicar, ou seja, que
antes de tudo haja intenção e uso da linguagem, e é o que por si só, o grupo
promove, enquanto contexto terapêutico6.
Neste sentido, o intuito de se trabalhar a linguagem em grupo
visava corresponder a uma terapia de reabilitação, focada nas dificuldades
do paciente, assim como suscitar um ambiente em que os participantes
se tornassem ativos no contexto. Dessa maneira, fez-se necessário o uso
funcional da linguagem para efetivação das atividades, além de ter o outro
(demais participantes) como modelo e parceiro de comunicação.
Cada encontro era previamente planejado e pensado de acordo
com as necessidades do grupo. Cada participante tinha um prontuário e
neste havia informações pessoais e dados referentes ao comportamento
e desenvolvimento linguístico, com protocolo completo de avaliação
individual e principais necessidades a serem otimizadas. De modo geral as
atividades eram voltadas para ampliar as habilidades de comunicação (fala,
expressão oral, compreensão e linguagem não verbal), aumentar as práticas
de letramento, favorecer a autonomia e a interação social e dialógica.
A proposta de intervenção também buscou o empoderamento dos
adolescentes e jovens, evitando-se terapias com cunho infantil e propondo
atividades envolvendo simulações de situações reais e concretas vivenciadas
no cotidiano, favorecendo o aprendizado.
Nos primeiros encontros buscou-se integrar o grupo, através de
dinâmicas de apresentação e interação entre os participantes, já que eles
estariam juntos por algumas semanas. Nas demais sessões buscou-se
realizar atividades de estimulação da linguagem oral, uso da linguagem em
diferentes ambientes e contextos, diálogos reais entre os pacientes e, dessa
forma, autonomia para a participação deles. Com relação à linguagem
escrita foram realizadas atividades que envolvessem o uso de gêneros
textuais diversos (receita, revistas), estratégias de letramento e consciência
fonológica, noções de quantidade através do manuseio de dinheiro (realizar
compras, dar troco), como também simulações reais de fatos cotidianos,
que se mostraram bastantes produtivas e satisfatórias.
Como exemplo, citaremos uma sessão em que foi feita a simulação
de uma ida à feira. Cada paciente ficou responsável por trazer alguns
alimentos de casa, e ao chegar na terapia, receberam notas de papel
simbolizando o dinheiro, para que simulassem o ato de comprar o que
desejassem, manusear as notas, estabelecer diálogos com os demais sujeitos
participantes; verificar se tinham o dinheiro suficiente para adquirir
determinado item, se o troco estava correto, etc. Só após realizarem a
compra, poderiam então comer o alimento escolhido.
Com esta atividade, os participantes do grupo vivenciaram de
forma concreta como se expressar durante uma possível ida à feira,
ao supermercado, à uma loja, ter autonomia na escolha e na compra de
determinado item, dialogar com funcionários do estabelecimento e outras
pessoas sobre os itens, valores, respeitar as regras sociais estabelecidas
no contexto alvo, ter autonomia de pagar pelos itens eleitos, entre outras
inúmeras possibilidades de ampliação e aplicação do conhecimento e das
trocas de informação durante a sessão.
E por fim, era relatado aos pais dos participantes do grupo qual a
proposta da sessão, e eles recebiam orientações para que durante a semana
fossem propostas situações semelhantes aquelas vivenciadas em terapia,
para potencializar o aprendizado.

3. Estratégias e relatos dos envolvidos

As estratégias utilizadas em cada encontro eram definidas através


de um planejamento prévio, pensado de acordo com as demandas do grupo.
A seguir serão descritas algumas ações desenvolvidas e alguns dos
objetivos propostos, dentro do contexto da terapia de grupo:
• Jogo de mímicas em que os participantes deveriam fazer mímicas correspondentes
a diferentes situações/emoções - trabalhar a expressão e compreensão da
linguagem não verbal; respeito ao colega e às emoções demonstradas;
• Roda de diálogo acerca de profissões que conheciam e gostariam de exercer -
expressividade oral, troca de opiniões, discussão de saberes e possibilidades;
ampliação de vocabulário; aperfeiçoar habilidades pragmáticas;
• Produção de cenas em que os participantes deveriam produzir diálogos através
das cenas previamente selecionadas - expressividade oral contextualizada com
a situação específica; criatividade; raciocínio; resolução de problemas;
• Uso de diversos gêneros textuais como receita, notícia, bilhetes, listas
de compras, de acordo com a realidade dos participantes – desenvolver
habilidades de escrita e letramento através do contato com esses materiais;
ampliar vocabulário;
• Jogos diversos envolvendo classes de palavras cuja classe semântica era
previamente estabelecida - ampliar vocabulário para diferentes classes
gramaticais;
• Atividades envolvendo verbos – dar exemplos de como efetuar aquela ação
com gestos e representação; leitura e identificação de verbos; ampliação de
vocabulário para classe gramatical de verbo, explorando as ações realizadas
assim como tempo e modo verbal (mais simples);
• Simulação de situações cotidianas como ida à feira, supermercado, livraria,
lojas - noção quantidade e de dinheiro, uso da linguagem oral em contexto
funcional; com possibilidade de explorar a escrita com a produção de listas
de compras; leitura de preços; manusear folhetos de propagandas; leitura de
rótulos, entre outras.
Além das estratégias citadas, a interação entre os participantes foi
fortemente estimulada e seu resultado foi bastante positivo para pacientes
que por muito tempo estavam em uma terapia fonoaudiológica individual
e seguiam com muita dificuldade em se comunicar e interagir. A partir da
vivência no grupo, além do trabalho com linguagem propriamente dito,
era preciso respeitar a vez do outro, ouvir e compreender o seu papel como
falante, gerando uma ressignificação de si mesmo. Também observamos
mudanças em alguns aspectos comportamentais que foram regulados, a
partir do contato com os demais participantes e as regras de convivências
implícitas dentro do grupo social.
O vínculo criado entre os participantes do grupo também foi
um ponto muito positivo. Eles passaram a realizar as atividades com
mais engajamento, uns encorajaram outros; os que não apresentavam
dificuldades de comunicação e de interação ajudavam aqueles que
apresentavam dificuldades. Isto estreitou relações e fortaleceu laços que
trouxeram ganhos significativos para os indivíduos participantes.
O trabalho em grupo com indivíduos com SD, revelou ganhos no
sentido do uso da linguagem e seus significados de acordo com o contexto.
Promoveu troca entre os participantes, como também entre os alunos de
Fonoaudiologia que tiveram a oportunidade de conhecer uma modalidade
diferente de atendimento e manejo terapêutico.
Em muitas situações a pessoa com SD tem um histórico de fracasso
na linguagem, seja oral ou escrita e isso afeta diretamente sua participação
social. Quando o indivíduo começa a perceber suas potencialidades,
compreende o poder que a linguagem exerce, e se torna ativo no processo
de interação mediado pela linguagem.9 Deste modo, o grupo buscou
através das estratégias utilizadas despertar nesses indivíduos a posição de
autonomia quanto a sua própria linguagem.
Os quadros 1 e 2 apresentam alguns relatos dos pais de participantes
do grupo, e de alunos extensionistas, do curso de Fonoaudiologia.
Vemos a partir do relato das mães a importância do atendimento
fonoaudiológico na vida das pessoas com Síndrome de Down. O primeiro
relato (Quadro 1) demonstrou que a experiência trouxe diversos ganhos para
a vida do indivíduo. No segundo relato a mãe relata a importância do grupo
pelo aspecto da interação, mas também coloca o fator da dispersão e de não
ser focado apenas em um paciente. De fato, a experiência de grupo retira
o foco individualizado do paciente, e com isso alguns sujeitos podem ficar
dispersos, é nesse momento que entra a atuação do fonoaudiólogo mediador.
Um fator importante a ser observado é justamente o fato de no
contexto de grupo as situações serem mais parecidas com as situações reais
que os indivíduos enfrentam, em que são comumente expostos a diversos
estímulos e pessoas, sendo o grupo um bom ambiente para trabalhar
atenção e concentração dos participantes.
Porém, é importante destacar que a terapia individual muitas vezes
se faz necessário na pessoa com SD, devido a alterações de musculatura
dentre outros, desta forma é necessário pensar qual a maior necessidade do
indivíduo naquele momento, além de sempre considerar se a modalidade
de grupo é positiva para determinados indivíduos.
Quadro 1. Fragmentos dos depoimentos das mães de dois participantes do projeto.

Quadro 2. Fragmentos dos depoimentos de dois alunos de Fonoaudiologia


extensionistas do projeto e mediadores do atendimento em grupo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No grupo terapêutico aqui apresentado, a terapia em grupo


possibilitou que jovens com Síndrome de Down pudessem desenvolver
suas habilidades comunicativas dentro do contexto de uso. Através do
grupo os jovens ganharam autonomia na sua fala, tiverem que lidar com
situações concretas de uso da linguagem e tiverem parceiros e mediadores
para ajudá-los nesse processo.
Através dos relatos apresentados podemos ver que para além dos
participantes do grupo e do próprio serviço o atendimento em grupo foi uma
experiência positiva para os alunos de Fonoaudiologia, futuros profissionais,
que vivenciaram uma realidade diferente da terapia convencional, o que
contribuiu para sua formação com novas vivências clínicas.

REFERÊNCIAS

1. Roizen NJ, Patterson D. Down’s Syndrome. Lancet 2003;361:1281-89.


2. Freire CL, Melo SF, Hazin I, Lyra MCDP. Aspectos neurodesenvolvimentais
e relacionais do bebê com síndrome de Down. Avances en Psicologia
Latinoamericana 2014;32:247-59.
3. Ferreira-Vasques AT, Lamônica DAC. Motor, linguistic, personal and social
aspects of children with Down Syndrome. J Appl Oral Sci 2015;23:424-30.
4. Andrade RV, Silva-Munhoz LF, Limongi SCO. The use of augmentative and
alternative communication in morphosyntax intervention in adolescents with
Down Syndrome. Rev CEFAC 2014;16:863-73.
5. Souza APR, Crestani AH, Vieira CR, Machado FCM, Pereira LL. O grupo na
Fonoaudiologia: origens clínicas e na saúde coletiva. Rev CEFAC 2011;13:140-51.
6. Araújo MLB, Freire RMAC. Atendimento fonoaudiológico em grupo. Rev
CEFAC 2011;13: 362-368.
7. Ribeiro VV, Panhoca I, Leite-Dessie AP, Bagarollo MF. Grupo terapêutico em
Fonoaudiologia: revisão de literatura. Rev CEFAC 2012; 14(3):544-552.
8. Soares, M. Letramento: um tema em três gêneros. 3 ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora; 2009.
9. Delgado, IC, Barbosa, TMMF, Macedo, BSO, Lima, CKM, Regis, MS, Lima,
ILB, et al. Estratégias de letramento voltadas à intervenção fonoaudiológica
em pessoas com síndrome de Down. Revista Educação Especial 2019;33:1-16.
CAPÍTULO 12

INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NA ESCOLA

Bianca Arruda Manchester de Queiroga


Simone Aparecida Capellini

INTRODUÇÃO

Para abordar o tema da intervenção fonoaudiológica no contexto


educacional, faz-se importante, inicialmente, conhecer o processo
histórico da atuação na área, distinguir o papel do fonoaudiólogo clínico
e do fonoaudiólogo educacional, mas, ao mesmo tempo, estabelecer a
similaridade que será própria de ambas as atuações dada a natureza do
objeto de estudo da própria Fonoaudiologia: a comunicação humana, bem
como estabelecer distinções entre o trabalho do fonoaudiólogo e de outros
profissionais que compõem as equipes educacionais. Este serão, portanto,
os pontos abordados no presente capítulo.
Desde o início de sua história no Brasil, a Fonoaudiologia sempre
estabeleceu vínculo estreito com a área da Educação. De acordo com uma
revisão histórica da relação entre a Fonoaudiologia e a Educação1, os primeiros
profissionais a exercerem a Fonoaudiologia no país, nas décadas de 40 e 50, foram
os “ortofonistas”, que faziam a “correção” da fala e tinham formação e prática
ligadas ao Magistério. A maior parte desses profissionais eram professores que
faziam cursos de curta duração (aproximadamente 3 meses) e se habilitavam a
trabalhar com os distúrbios da comunicação. Outras denominações adotadas
por esses profissionais foram Terapeutas da Palavra e Logopedistas.
Quando esses profissionais começaram a buscar mais conhecimentos
para as suas atividades estritamente reabilitadoras, começa a haver uma
maior aproximação com a área da saúde, que veio ser consolidado com a
abertura dos primeiros cursos de nível superior.
Em São Paulo/SP, os primeiros cursos de graduação em “Logopedia”
foram organizados por médicos e psicólogos, na Universidade de São Paulo
- USP (1960) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/
SP (1961). O primeiro curso foi criado junto à Medicina, mas exigia que
os candidatos tivessem formação como professor e, preferencialmente,
ligada a crianças excepcionais. O segundo surgiu para auxiliar a Psicologia
a dar soluções aos problemas escolares. Ambos os cursos se desenvolveram
dentro da clínica e as funções de reabilitação e avaliação da audição vieram
de modelo argentino1.
Durante muito tempo, esses e outros cursos que surgiram na
sequência no país, asseguravam uma formação estritamente reabilitadora
aos fonoaudiólogos. Não é de se estranhar, portanto, que os profissionais
dedicados à atuação educacional entendessem a escola apenas como
um local para realizar as suas práticas clínico-reabilitadoras, sendo este,
portanto, o primeiro erro histórico na forma de se conceber a Fonoaudiologia
Educacional.
Tendo aprendido a realizar diagnóstico e tratamento dos
transtornos da comunicação, o fonoaudiólogo ia para a escola para
identificar e tratar crianças com problemas, pois não sabia fazer nada
diferente disso. Era uma atuação clínica dentro da escola. Vale salientar que
toda a política educacional que estruturava o sistema público de ensino,
bem como as teorias de aprendizagem e visões ideológicas que embasavam
a atuação pedagógica eram bastante diferentes do que se tem hoje. Basta
dizer, a título de exemplo, que a educação especial era segregadora, que
existiam classes especiais que contavam com a atuação reabilitadora de
fonoaudiólogos e de outros profissionais da saúde. No final do século XX,
com a redemocratização do país e a promulgação da Constituição Federal
em 1998, começa a mudar o rumo da saúde e da educação no país. Assim,
essa prática da “clínica dentro da escola” foi dominante na atuação do
fonoaudiólogo educacional até o início do século XXI.
Em 2002 com a publicação de novas Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Fonoaudiologia, a formação do
profissional perdeu um pouco do foco na reabilitação e passou a priorizar
os diferentes níveis de atenção à saúde, com foco na atenção básica e com
ações de promoção de saúde e prevenção de doenças2.
Esta nova concepção, em consonância com políticas estruturantes
do Sistema Único de Saúde – SUS, veio consolidar a atuação do profissional
do campo da saúde, mas o conduziu a um segundo erro histórico no que
diz respeito à concepção sobre a atuação educacional: o fonoaudiólogo
passa a enxergar a escola como um equipamento social destinado às
práticas promotoras de saúde voltadas ao público infantil, assim como
aos trabalhadores (especialmente no que diz respeito à saúde vocal dos
professores). Essa segunda forma de encarar a atuação profissional, aqui
marcada como o segundo erro histórico, será doravante denominada de
atuação do fonoaudiólogo “na educação”, a fim de diferenciá-la da atuação
educacional que discorreremos na sequência.
Faz-se importante esclarecer, ainda, que não se trata de desqualificar
a importância das ações de promoção de saúde realizadas na escola ou “na
educação”, pois reconhece-se a sua importância para toda a população
escolar. Por outro lado, destaca-se que tal ação não pode ser considerada
como a prática do fonoaudiólogo educacional, mas sim, mais uma vez,
como prática do fonoaudiólogo clínico, ou especialista em saúde coletiva,
dentro da escola.
Somente em 2010, com o reconhecimento da especialidade de
Fonoaudiologia Educacional pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia
– CFFa, através da Resolução no 382/ 20103 e do estabelecimento das
atribuições e competências do profissional especialista em Fonoaudiologia
Educacional, por meio da Resolução 387/20104, iniciou-se um movimento
nacional de discussão da atuação do fonoaudiólogo educacional.
Pesquisa recente5 realizada com o objetivo de traçar o perfil do
fonoaudiólogo que atua na área de Fonoaudiologia Educacional no Brasil,
observou que a maioria dos profissionais que atuam na área concluíram a
graduação entre os anos 2000 e 2009. De acordo com as autoras é possível
que essa maior concentração de profissionais nesses anos seja um reflexo
da expansão das vagas em cursos superiores que marcou a educação
superior brasileira no mesmo período. Contudo, inegavelmente, o dado
também reflete a retomada histórica da Fonoaudiologia “na educação”,
em decorrência das diretrizes curriculares de 2002 e, posteriormente, do
reconhecimento da especialidade pelo CFFa, a partir de 2010.
Sobre este último aspecto, um estudo que aponta bons motivos
para investirmos na Fonoaudiologia Educacional6 destaca que a criação
de uma especialidade é um passo importante para o fortalecimento
de uma profissão em uma determinada área, visto que o processo de
reconhecimento envolve a identificação e sistematização do conhecimento
acumulado pela categoria profissional, a fim de ofertá-la à sociedade. No
caso da Fonoaudiologia Educacional, o reconhecimento da especialidade
agregou um enorme valor social à área.
O mesmo estudo6 destaca para ter valor social o reconhecimento de
uma especialidade deve ser seguido de ações que a disseminem e a tornem
conhecida, sobretudo no meio ao qual se destina. No caso da Fonoaudiologia
Educacional, por exemplo, propõe-se um novo olhar sobre a educação, de
modo a contribuir para a melhoria de sua qualidade no nosso país.
O estudo sobre o perfil do profissional citado anteriormente5
identificou, ainda, que a maioria dos profissionais que atuam “na educação”
não possuía formação específica em Fonoaudiologia Educacional, tendo
cursado pós graduação em outras áreas mais fortemente ligadas ao campo da
saúde, como Audiologia e Motricidade Orofacial. Outro aspecto importante
observado no estudo foi a concentração de fonoaudiólogos com até 5 anos de
experiência, o que sugeriu que a área havia crescido nos últimos anos no país.
Outro fato importante para impulsionar a pesquisa na área foi a
criação do Departamento de Fonoaudiologia Educacional pela Sociedade
Brasileira de Fonoaudiologia, em 20127, que impulsionou a divulgação das
pesquisas realizadas na área.
Apresentada um pouco dessa retrospectiva histórica e estabelecida
a distinção entre a Fonoaudiologia “na educação” e a Fonoaudiologia
Educacional, cabe agora discorrermos um pouco sobre esse segundo
campo de atividade.
A INTERVENÇÃO DO FONOAUDIÓLOGO EDUCACIONAL

Inserido no contexto educacional, o desafio do fonoaudiólogo


é colaborar, por meio do seu conhecimento específico, para o processo
educativo, por entendermos que esse é o objetivo-fim da escola. Assim,
junto com os demais profissionais da educação, a missão do fonoaudiólogo
educacional será promover educação.
Queiroga6 destaca que o fonoaudiólogo educacional, imbuído
da missão de educar, passa a ser um “fonoaudiólogo educador” e deve
buscar alinhar o seu conhecimento profissional às tendências das práticas
pedagógicas brasileiras e ao pensamento que se encontra subjacente às
políticas públicas educacionais vigentes, para que ele entenda e se faça
entender pelos demais profissionais da educação, com o desafio de deixar
muito claro o que traz de novo e qual é a sua efetiva contribuição ao
processo de ensino-aprendizagem.Trata-se, portanto, de uma atividade
voltada a toda a comunidade escolar/ educacional e não apenas à escolares
ou professores com transtornos na comunicação, uma vez que no contexto
educacional o foco passa a ser a saúde, bem estar, desenvolvimento e
aprendizagem saudáveis, e não a doença e suas técnicas de reabilitação,
como ocorria no passado.
De acordo com o documento “A atuação do Fonoaudiólogo
Educacional: guia norteador” publicado pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia em 20168, a atuação do fonoaudiólogo educacional deve
ser focada nos seguintes eixos: acolhimento de demandas, análise da
situação institucional, proposição de estratégias, implantação de propostas
e monitoramento de ações.
No acolhimento de demandas e na análise da situação institucional,
o profissional deve buscar elementos para estabelecer um diagnóstico
institucional (conhecer a realidade institucional), que deve incluir tanto
os indicadores positivos alcançados pela instituição ou pela rede, como os
aspectos que necessitam ser melhorados.
De modo específico o documento8 aponta que deve-se: identificar
as demandas da equipe escolar, dos familiares e dos alunos, por análise
individual ou coletiva; elencar aspectos fonoaudiológicos relacionados
ao processo educativo; identificar fatores que possam afetar a saúde da
coletividade escolar; observar o ambiente físico escolar em relação ao
ruído, iluminação, acessibilidade, entre outros.
A proposição de estratégias é o momento de pensar as soluções para os
problemas identificados na etapa anterior, bem como ações de fortalecimento
e manutenção dos aspectos positivos identificados. Para tanto, o profissional
pode, por exemplo: contribuir com a elaboração e o desenvolvimento do
Projeto Político Pedagógico; planejar ações com o grupo gestor e a equipe
técnica pedagógica; desenvolver ações educativas e pedagógicas para apoio
e efetivação da aprendizagem na perspectiva da inclusão e do respeito à
diversidade humana; oferecer suporte às atividades em sala regular e no
Atendimento Educacional Especializado (AEE) de acordo com as diretrizes
específicas vigentes do Ministério da Educação; otimizar o processo de
alfabetização e letramento destacando as interrelações dos processos de
linguagem, audição, fala, leitura e escrita; orientar atividades de promoção
da comunicação oral e escrita a serem desenvolvidas pelos educadores;
contribuir com o processo de alfabetização e letramento levando em conta
as normativas vigentes para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino
Fundamental, as especificidades do processo educativo e as diferentes
metodologias educacionais; colaborar na adaptação dos espaços escolares
e recursos pedagógicos, no que se refere a situações de comunicação e de
aprendizagem; promover ações de saúde para a comunidade escolar, como
por exemplo a saúde vocal e auditiva dos professores e alunos; fomentar o
diálogo entre secretarias de saúde, educação, assistência social, entre outras,
contribuindo para a integralidade de atendimento ao indivíduo e ao trabalho
em rede; sensibilizar a comunidade escolar sobre as propostas a serem
realizadas; propor atividades de formação continuada para a equipe escolar;
apresentar ações de educação permanente a fim de promover reflexões
sobre a prática pedagógica e as possibilidades de apoio familiar; intermediar
campanhas que envolvam a otimização da comunicação e da aprendizagem
no âmbito educacional; atuar em Núcleos de Apoio à Educação (NAE) e à
Inclusão (NAI)8.
A implantação das propostas, seria a fase de efetivação das ideias e
ações. Para esta fase, o guia norteador recomenda que o profissional busque:
estabelecer as prioridades de ações, de acordo as possibilidades e recursos
de cada realidade; definir o planejamento estratégico, estabelecendo metas,
prazos e responsáveis pela execução das ações; colaborar de forma integrada
com o planejamento educacional; intermediar o diálogo entre familiares
ou responsáveis, escola e os serviços de atendimento clínico externo para
encaminhamentos e acompanhamentos de alunos e professores; participar
de reuniões com representantes das secretarias de educação e de outros
órgãos, com a comunidade ou grupos representativos desta, sempre que
necessário; realizar estudos de caso, com os educadores envolvidos, a
equipe multiprofissional e, se necessário, com a família ou responsáveis8.
O monitoramento de ações seria a etapa final do processo, mas que,
ao mesmo tempo, serviria de ponto de partida para o novo ciclo, com novas
demandas e problemas institucionais. De acordo com o guia norteador,
nesta etapa, o fonoaudiólogo educacional pode, dentre outras coisas:
realizar visitas itinerantes às unidades escolares, de maneira sistemática,
a fim de verificar e acompanhar a execução das ações planejadas e os
indicadores educacionais; monitorar as ações implementadas por meio de
instrumentos de avaliação quantitativos e qualitativos; garantir que todos
os alunos recebam intervenções necessárias diante da diversidade escolar;
e avaliar sistemática e continuamente as ações desenvolvidas8.
É importante destacar aqui que já existem diversos indicadores
de avaliação de qualidade da educação, municipais, estaduais, nacionais e
até internacionais. Estes são instrumentos importantes que precisam ser
conhecidos por todos os profissionais que atuam em prol da educação, como
forma de monitoramento e com o objetivo de melhorar a sua qualidade.
Como exemplo de indicador nacional que pode ser utilizado como
estratégia de monitoramento destaca-se o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica – IDEB. De acordo com o Ministério da Educação9:
Ideb é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica,
criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), formulado
para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer
metas para a melhoria do ensino. O Ideb funciona como
um indicador nacional que possibilita o monitoramento da
qualidade da Educação pela população por meio de dados
concretos, com o qual a sociedade pode se mobilizar em
busca de melhorias. Para tanto, o Ideb é calculado a partir de
dois componentes: a taxa de rendimento escolar (aprovação)
e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo
Inep. Os índices de aprovação são obtidos a partir do Censo
Escolar, realizado anualmente. As médias de desempenho
utilizadas são as da Prova Brasil, para escolas e municípios,
e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), para
os estados e o País, realizados a cada dois anos. As metas
estabelecidas pelo Ideb são diferenciadas para cada escola e
rede de ensino, com o objetivo único de alcançar 6 pontos
até 2022, média correspondente ao sistema educacional dos
países desenvolvidos.

Sintetizando, o modelo de intervenção, conforme preceitos do guia


norteador8, pode ser representado no modelo esquemático apresentado na
figura 1.
Figura1. Modelo esquemático da intervenção em fonoaudiologia educacional
conforme guia norteador8.
Além desses eixos, o guia norteador destaca a possibilidade da
atuação em gestão, em pesquisa e em ações intersetoriais8.
Na atuação em gestão o documento destaca a importância da
atuação na elaboração, planejamento, avaliação, execução e no controle
das políticas públicas educacionais; na composição da equipe técnica
pedagógica da instituição seja da rede pública ou setor privado; na
realização de visitas itinerantes de monitoramento de ações implementadas
junto às unidades escolares ou de acordo com as demandas levantadas
pelas instituições educacionais; e na intermediação de ações comuns entre
os diversos órgãos públicos8.
Não obstante às ações já mencionadas nada impede que o
fonoaudiólogo educacional possa exercer cargos de direção ou coordenação
de unidades escolares. Na esfera pública, alguns profissionais já ocuparam
importantes cargos executivos, como secretarias municipais de educação.
A atuação em pesquisa é fundamental para a consolidação e
crescimento de qualquer área e não seria diferente com a Fonoaudiologia
Educacional. Hoje há uma tendência de buscarmos uma atuação pautada
na evidência científica.
Os indicadores nacionais e internacionais de qualidade da educação
brasileira que colocam o Brasil numa posição crítica de desempenho, reforçam
a importância de se repensar os investimentos econômicos e reforçar a base
científica das propostas educacionais brasileiras, sobretudo na educação
infantil e séries iniciais do ensino fundamental. A esse respeito um estudo10
afirma: “as pesquisas a respeito da linguagem escrita avançaram muito, mas
permanecerão estéreis se seus resultados não forem testados na prática”.
Um outro estudo11 acrescenta que a decisão sobre as melhores
estratégias de ensino e conteúdos deveriam ser fundamentadas em
pesquisas científicas. Como exemplo, pontuam que é comum encontrar
argumentos contrários ao ensino de linguagem escrita na pré-escola e isso
faz com que no Brasil as recomendações para os professores da educação
infantil sobre linguagem sejam pouco específicas, baseadas em teorias
desatualizadas ou em posicionamentos ideológicos. Os autores do referido
estudo11 argumentam, também, que a multiplicação das pesquisas sobre
a aprendizagem da leitura e escrita, em diversas línguas, possibilitou a
criação do que pode ser chamado de ciência da leitura, que se refere a um
conjunto de evidências sobre como as pessoas aprendem e como devem ser
ensinadas a ler e escrever, baseadas em pesquisas oriundas principalmente
da psicologia cognitiva e das neurociências. Destacam, ainda, que os
conhecimentos produzidos pela ciência da leitura têm sido fundamentais
para a elaboração de políticas públicas em países com melhores indicadores
educacionais que o Brasil, como, por exemplo, França, Portugal, Estados
Unidos e Reino Unido.
Ainda de acordo com os autores11 o conjunto de evidências da
ciência da leitura comprovam que aprender a ler e escrever não é uma
consequência natural do desenvolvimento da linguagem oral. Em vez disso,
para ser alfabetizado o aprendiz precisa entender coisas mais específicas,
como por exemplo, que as letras representam os sons da fala.
A inclusão desses temas nas ações de formação inicial e permanente
dos professores parece ser um grande passo no sentido de uma educação
de qualidade. Contudo, não é possível pensar que o professor, sozinho, por
melhor que seja a sua formação, irá dar conta do enorme desafio que é
reunir o conjunto de evidências científicas postas no campo de interface
entre a linguagem e aprendizagem por diversas áreas de estudo. Ao que
parece, portanto, é fundamental reconhecer a importância das equipes
multiprofissionais, que poderiam dar suporte ao professor e às equipes
escolares, sendo o fonoaudiólogo educacional um importante membro em
tais equipes.
A última atuação citada no guia norteador é a atuação em ações
intersetoriais, que em geral envolvem a articulação de estratégias entre
diferentes setores sociais ou de diferentes políticas públicas, que são
necessárias para o enfrentamento de problemas que afetam a sociedade8.
São exemplos de ações intersetoriais com interface direta na educação:
ações voltadas à saúde do trabalhador; ações da atenção básica voltadas à
comunidade escolar (famílias, trabalhadores da educação e educandos),
como por exemplo ações de promoção de saúde, matriciamento, entre outras;
ações em políticas intersetoriais, como o Programa Saúde na Escola8.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: DESAFIOS PARA O FUTURO

Dado o percurso histórico apontado no início deste capítulo, o


fonoaudiólogo educacional ainda não é reconhecido como profissional
da educação. É possível dizer que a maioria dos estados e municípios
brasileiros não possuem fonoaudiólogos contratados pela e para educação.
Contudo, alguns municípios já despertaram para a importância das equipes
multiprofissionais na educação e possuem diversos profissionais, como
assistentes sociais, psicólogos educacionais, psicopedagogos e fonoaudiólogos
educacionais em suas equipes, cada um atuando com base em seu respectivo
objeto de estudo, visto que não são profissões excludentes, pelo contrário,
podem cooperar mutuamente para a promoção da educação de qualidade.
De modo semelhante, nas escolas da rede privada, a presença
do fonoaudiólogo ainda é incipiente. Países com melhores indicadores
educacionais que o Brasil possuem uma situação bem diferente, com a
presença marcante do fonoaudiólogo educacional7.
Apesar de incipiente no Brasil, em ambos os casos, na rede pública
e na privada, temos boas experiências que necessitam ser divulgadas,
replicadas, tomadas como modelo e referência. Contudo, para sermos
reconhecidos como educadores é fundamental que nos enxerguemos como
tal... o reconhecimento deve partir da própria categoria para a sociedade e
não o contrário. A formação inicial atual do fonoaudiólogo não colabora
com isso, visto que ainda permanece pautada prioritariamente na saúde, o
que faz com que seja muito importante que o profissional busque formação
complementar para atuar na educação.
Outros desafios estão relacionados à escola do futuro. Cresce o
reconhecimento da importância das escolas em tempo integral, assim como
das escolas com ensino bilíngue, dentre outros temas. Todas essas novas
demandas necessitam ser bem estudas, compreendidas e implementadas por
equipes especializadas. Nesse sentido o modelo apresentado na Figura 1 estará
em constante mudança e renovação, exigindo esforço e atualizações constantes.
O fonoaudiólogo educacional assim como todos os profissionais
da saúde e da educação necessitam, portanto, compreender o dinamismo
de suas intervenções, sejam clínicas ou educacionais, sempre buscando as
melhores intervenções, baseadas em evidências científicas, e almejando os
melhores resultados.

REFERÊNCIAS

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histórica. Revista CEFAC 2004; 6(2): 215-221.
2. Brasil. Resolução CNE/CES no 5 de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fonoaudiologia. Brasília, 2002.
3. Conselho Federal de Fonoaudiologia – CFFa. Resolução no 382 de 20 de março
de 2010 – Dispõe sobre o reconhecimento das especialidades de fonoaudiologia
educacional e disfagia e dá outras providências. Brasília; 2010.
4. Conselho Federal de Fonoaudiologia – CFFa. Resolução no 387 de 18 de setembro
de 2010 – Dispões sobre as atribuições e competências do profissional especialista
em fonoaudiologia educacional e dá outras providências. Brasília; 2010.
5. Celeste LC, Zanoni G, Queiroga BAM, Alves LM. Mapeamento da
Fonoaudiologia Educacional no Brasil: formação, trabalho e experiência
profissional. Revista CoDAS 2017; 29(1):2-7.
6. Queiroga BAM. Bons motivos para investirmos na Fonoaudiologia Educacional.
In: Queiroga BAM, Zorzi, JL, Garcia V, organizadores. Fonoaudiologia
Educacional: reflexões e relatos de experiências. Brasília: Kiron; 2015.
7. Alves LM, Capellini SA. Diferentes panoramas de atuação em Fonoaudiologia
Educacional. In: Marchesan IQ, Silva HJ, Tomé MC. Tratado das Especialidades
em Fonoaudiologia. São Paulo: Guanabara Koogan; 2014.
8. Conselho Federal de Fonoaudiologia – CFFa. Atuação do Fonoaudiólogo
Educacional: guia norteador. Brasília; 2016.
9. Brasil, Portal do Ministério da Educação. Conheça o Ideb. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/conheca-o-ideb>. Acesso em: 14 de agosto de 2019.
10. Maluf, MR. Do conhecimento implícito à consciência metalinguística
indispensável na alfabetização. In: Guimarães SRK, Maluf MR. Aprendizagem
da linguagem escrita: contribuições da pesquisa. São Paulo: Vetor; 2010. p. 17-32.
11. Sargiani RA, Maluf MR. Linguagem, cognição e educação infantil:
contribuições da Psicologia Cognitiva e das Neurociências. Psicologia Escolar
e Educacional 2019; 22(3): 477-484.
Título RELATOS DE EXPERIÊNCIAS EM FONOAUDIOLOGIA

Organizadores Ana Nery Araújo


Jonia Alves Lucena
Luciana Studart-Pereira
Projeto Gráfico/Capa
Revisão de Texto Organizadores

formato 15,5 x 22,0 cm


fontes Minion Pro
papel Offset 75g/m2 (miolo)
Triplex 250 g/m2 (capa)

tiragem
Impressão e Acabamento Oficina Gráfica | EdUFPE

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