Você está na página 1de 143

1

ESTUDOS DE LINGUAGEM NO
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO

Organizadoras
Ana Carina Tamanaha
Camila da Costa Ribeiro
Cintia Salgado Azoni
Juliana Onofre Lira

Departamento de Linguagem
Gestão 2000-2022
Título: Estudos de Linguagem no Transtorno do Espectro do Autismo

Organizadoras: Ana Carina Tamanaha, Camila C Ribeiro, Cintia S Azoni,


Juliana O Lira

Revisão por Pares: Clara Regina Brandão de Ávila, Desiree De Vit Begrow,
Marcela Lima Silagi Siqueira, Maria Cecília de Moura,
Selma Mie Isotani

Ilustração de capa: Rodrigo Prieto

Revisão de Texto: Adriana Barros

Coordenação Editorial: ABarros Editora

Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

E82

Estudos de linguagem no transtorno do espectro do autismo / Ana Carina Tamanaha


(Organizadora), Camila da Costa Ribeiro (Organizadora), Cintia Salgado Azoni
(Organizadora), et al. – São Paulo: ABarros, 2022.

Outra organizadora
Juliana Onofre Lira

Livro em PDF

180 p., il.

ISBN 978-65-997481-1-0 

1. Fonoaudiologia. 2. Linguagem. 3. Autismo. 4. Transtornos do espectro autista. I.


Tamanaha, Ana Carina (Organizadora). II. Ribeiro, Camila da Costa (Organizadora).
III. Azoni, Cintia Salgado (Organizadora). IV. Título.

CDD 616.855

Índice para catálogo sistemático

I. Fonoaudiologia
Apresentação

Aos estudantes e fonoaudiólogos,

Esta obra representa uma síntese de estudos delineados em busca da compreensão


do Transtorno do Espectro do Autismo.
Nossa expectativa é que ela contribua para o entendimento desta condição e que
possa colaborar na formação de estudantes e fonoaudiólogos.
Reunimos um grupo de pesquisadores com expertise na área para compor um
panorama sobre as pesquisas desenvolvidas pelo país, dedicadas ao desenvolvimento de
práticas baseadas em evidências científicas em Linguagem dentro do universo do TEA.
Este e-book é parte integrante das ações desenvolvidas pelo Departamento de
Linguagem da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia - SBFa em busca de promoção da
ciência e da visibilidade das pessoas com TEA.
Agradecemos imensamente a colaboração de todos os autores e de todas as
pessoas envolvidas na elaboração desta obra.
Por fim, dedicamos esse e-book a todas as crianças e adolescentes com TEA e
suas respectivas famílias, por nos inspirarem e nos ensinarem a cada dia, a sermos
melhores fonoaudiólogos.

As organizadoras
Prefácio

Ao longo dos seus mais de 30 anos de existência, a Sociedade Brasileira de


Fonoaudiologia (SBFa) tem cumprido um papel muito claro: estabelecer pontes entre o
melhor conhecimento científico disponível e as boas práticas relacionadas ao fazer
fonoaudiológico. Além disso, a SBFa sempre está atenta às demandas contemporâneas,
aos novos desafios impostos aos fonoaudiólogos e às necessidades dos usuários que se
beneficiam da atuação fonoaudiológica. Nesse sentido, o Departamento de Linguagem da
SBFa, especificamente, o Comitê de Linguagem Oral e Escrita da Infância e Adolescência
corresponde às demandas contemporâneas e nos presenteia com o E-book “Estudos de
Linguagem no Transtorno do Espectro do Autismo”.

Segundo os dados do Centro de Controle de Doenças (CDC), há uma estimativa


de que 1 entre cada 44 crianças nos Estados Unidos receba o diagnóstico de TEA.
Reconhecidamente, tal condição ocasiona prejuízos na interação e comunicação, o que
nos coloca em uma posição diferenciada no processo de avaliação, diagnóstico e
reabilitação da pessoa com TEA. Por outro lado, vivenciamos o desafio de acompanhar a
evolução da ciência para transferir o melhor conhecimento produzido para as nossas
práticas profissionais.

Certamente, a presente obra situa-se nesse contexto e constitui-se em uma potente


ferramenta para disseminar o melhor conhecimento científico e as melhores práticas
relacionados ao TEA. As queridas colegas Dr Ana Carina Tamanaha, Dr Camila da
a. a.

Costa Ribeiro, Dr Cíntia Salgado Azoni e Dr Juliana Onofre Lira reuniram um exímio
a. a.

grupo de colegas, clínicas e pesquisadoras, que construíram um painel acerca de questões


essenciais relacionadas à avaliação, ao diagnóstico e ao processo terapêutico
fonoaudiológico de pessoas com TEA.

Mais que uma atuação clínica e educacional, o papel do fonoaudiólogo também


envolve o “advocacy” – a luta pela defesa dos direitos, pela visibilidade e pelo acesso
pleno à participação da pessoa com TEA na sociedade, em diferentes espaços. Faz parte
do nosso escopo de atuação compreender os pontos fortes e os desafios da comunicação
de cada pessoa com TEA e ser um agente facilitador na transformação de espaços,
derrubando barreiras sociais e ambientais que podem ampliar as limitações de
comunicação desses indivíduos.

Na atualidade, nos deparamos com crianças, jovens e adultos com TEA que
apresentam diferentes níveis de limitação funcional na sua comunicação, e que
necessitam de diferentes estratégias de suporte para que possam se desenvolver
plenamente. Recentemente, a ASHA (American Speech-Language and Hearing
Association) tem reforçado o papel do fonoaudiólogo na compreensão e promoção da
“self-advocacy” de pessoas (adultos) com TEA. A noção do espectro e, portanto, da
variabilidade, traz em si o reconhecimento de que as pessoas têm habilidades e estilos de
comunicação diferentes e o nosso papel, enquanto fonoaudiólogos, é atuar não somente
em nível individual, mas apoiar a pessoa com TEA e disseminar informações que
modifiquem a mentalidade e as práticas nos diferentes cenários da sociedade civil.

A SBFa está empenhada com essa causa, com um envolvimento muito especial
do Departamento de Linguagem. Certamente, esta obra reflete o nosso mais sincero
desejo de que todas as pessoas com TEA sejam capazes de comunicar suas necessidades
e desejos e tomar decisões sobre as estratégias necessárias para atingir as suas próprias
metas ao longo da vida.

Em tempo, manifesto as congratulações às organizadoras e aos autores, reiterando


a importância e a abrangência do impacto dessa obra não somente para fonoaudiólogos e
acadêmicos de Fonoaudiologia, mas para as pessoas com TEA.

Dr. Leonardo Lopes


Presidente da SBFa (2020-2022)
Sumário

Conhecimentos gerais

1. Definição e percurso histórico do TEA


2. Diagnóstico diferencial no TEA

Risco e Detecção Precoce

3. Sinais de sofrimento psíquico em bebês e o risco de evolução para


o TEA
4. Acolhimento a mães de crianças com TEA
5. A detecção e intervenção precoce do TEA

Processo de avaliação fonoaudiológica

6. Aspectos pragmáticos no TEA


7. Aspectos semânticos – morfossintáticos no TEA
8. Aspectos fluência e prosódia no TEA
9. Aspectos da linguagem escrita no TEA

Processo terapêutico fonoaudiológico

10. Intervenção terapêutica em comunicação e linguagem na infância


no TEA
11. Intervenção terapêutica na adolescência e rumo à vida adulta no
TEA
12. Na ausência de fala funcional: sistemas de comunicação alternativa
no TEA
8

1. Definição e percurso histórico do TEA


Ana Carina Tamanaha

Introdução

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é definido como uma condição


neurobiológica caracterizada pela presença de prejuízos severos e invasivos nas áreas da
interação e comunicação social e por um repertório restrito de interesses e atividades
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DE SAÚDE, 2022).

É consenso que um dos primeiros sinais de risco para TEA é a ausência ou o


declínio do contato visual ao longo dos dois primeiros anos de vida (VOLKMAR,
WIESNER, 2009; JONES, KLIN, 2013; AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014; KLIN, JONES, 2018; TAMANAHA, PERISSINOTO, 2019). Outros déficits nos
comportamentos que regulam e sustentam a comunicação social e a interação vão se
somando: na atenção em compartilhar eventos e objetos; no uso de gestos com função
comunicativa e das expressões faciais e corporais; na responsividade aos estímulos
ambientais e sociais.

Observa-se também, inabilidades de reciprocidade socioemocional que variam


em intensidade e acometem o engajamento social e o compartilhamento de interesses,
emoções e afetos. A criança não demonstra interesse por seus pares, nem por brinquedos
ou brincadeiras apropriadas a sua faixa etária, especialmente as que envolvem jogo
simbólico, criatividade e imaginação. A brincadeira por vezes mostra regras muito fixas
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014; KLIN, JONES, 2018;
TAMANAHA, PERISSINOTO, 2019).

O atraso no desenvolvimento de linguagem acompanhado por ausência de


interesse social são aspectos nucleares do diagnóstico. Pode haver relato de perda de
habilidades sociais e de fala, de forma gradual ou relativamente rápida, em geral entre 12
e 24 meses.

Os prejuízos verbais e não verbais têm manifestações clínicas variadas,


dependendo da idade, do nível intelectual e da própria capacidade linguística do
indivíduo, bem como de outros fatores como o histórico de tratamento e apoio atual, daí
a adoção do termo espectro.

Conforme vão se desenvolvendo, e dependendo do grau de comprometimento


intelectual e de linguagem, adolescentes e adultos com TEA podem relutar em
compreender pistas sociais e terem dificuldade para agir de acordo com o contexto, ou de
adequarem seu discurso à ocasião e ao interlocutor.

Há ainda, um padrão restrito e repetitivo de comportamentos, interesses e


atividades. Observa-se a presença de movimentos motores (estereotipias manuais) ou de
fala (ecolalia, frases idiossincráticas), estereotipados e repetitivos; adesão à rotina ou aos
padrões ritualizados de comportamentos não verbais e/ou verbais; preocupação anormal
9

em intensidade e foco em objetos incomuns e ainda hipo ou hiper responsividade aos


estímulos sensoriais (reação aos sons, texturas, indiferença à dor, à temperatura).

Esses sintomas devem estar presentes no desenvolvimento precocemente, no


entanto, podem não se manifestar com nitidez até que as demandas sociais aumentem e
excedam as capacidades limitadas ou podem estar mascaradas por estratégias aprendidas
ao longo da vida.

Segundo a American Psychiatric Association (2014) os melhores fatores


prognósticos estabelecidos são a presença ou ausência de deficiência intelectual e o grau
de comprometimento da linguagem.

Em relação às questões relativas ao gênero, o TEA é diagnosticado quatro vezes


mais frequentemente no gênero masculino. Pessoas do gênero feminino parecem ter mais
propensão a apresentar deficiência intelectual concomitante ou atrasos de linguagem
podem não ter o transtorno identificado, talvez devido à manifestação mais sutil das
dificuldades sociais e de comunicação (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014).

Um conjunto de fatores de risco inespecíficos pode contribuir para o risco de TEA,


como a idade parental avançada, baixo peso ao nascer e exposição fetal a ácido valproico.
Estimativas de herdabilidade variam entre 37 e 90% com base em taxas de concordância
entre gêmeos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). No entanto não há
consenso ainda sobre a sua etiologia.

A estimativa de prevalência relatada pela American Pychiatric Association (2014)


é de 1% na população. No entanto, estudo mais recente conduzido pelo Centro de
Controle de Doenças (CDC) entre crianças norte-americanas com 8 anos de idade
publicado em 2021, com dados de 2018, estimou 1 criança com TEA para cada 44 nos
Estados Unidos (MAENNER et al, 2021).

O TEA atinge todas as etnias, culturas e níveis socioeconômicos. No entanto, é


sabido que pessoas em situação de vulnerabilidade econômica ou social podem ter o
diagnóstico postergado pela falta de acesso adequado aos serviços de saúde.
10

Percurso histórico

A descrição inicial do TEA nos remete a 1943, quando o psiquiatra, Leo Kanner,
publicou seu artigo científico intitulado “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo” para
descrever casos clínicos com características comportamentais bastante peculiares:
perturbação das relações afetivas com o meio, solidão autística extrema, inabilidades para
o uso da linguagem para a comunicação, comportamentos ritualísticos, presença de bom
potencial cognitivo, aspecto físico aparentemente normal, início precoce e incidência
predominante no gênero masculino.

Kanner referiu na ocasião, a existência de uma distorção do modelo familiar que


ocasionaria alterações no desenvolvimento psicoafetivo da criança, decorrente do caráter
altamente intelectual dos pais para explicar uma possível etiologia. No entanto, também
assinalou que algum fator biológico poderia estar envolvido uma vez que as
manifestações comportamentais eram descritas pelas famílias muito precocemente
(TAMANAHA, CHIARI, PERISSINOTO, 2008).

Após duas décadas nas quais a ênfase no tratamento foi de base psicodinâmica, ao
final dos anos sessenta, estudos experimentais passam a ser conduzidos e as falhas em
diversas áreas do desenvolvimento como a percepção, linguagem, cognição começam a
identificar e documentar as bases neurobiológicas do TEA (RIMLAND, 1964;
HERMELIN, O´CONNOR, 1967; RUTTER, 1968, ORNITZ, RITVO, 1976; RUTTER,
1978; RUTTER, SCHOPLER, 1987).

Somente em 1980 houve o reconhecimento de sua especificidade diagnóstica, com


a inserção do termo Distúrbio Global do Desenvolvimento pela American Psychiatric
Association em sua terceira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais, o DSM III; e mantida na versão revisada - DSM III-R (1987), para categorizar
o Autismo e outras condições correlatas, diferenciando este grupo de patologias do quadro
de Psicose Infantil.

Nas versões seguintes do DSM IV (1995) e DSM IV-R (2002) adotou-se a


classificação tanto do Transtorno Autista quanto do Transtorno de Asperger como
subcategorias dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. A distinção entre as duas
condições centralizava-se nos prejuízos de comunicação.

A partir de 2014, com a publicação da quinta versão do DSM 5 (AMERICAN


PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014) o termo Transtorno do Espectro do Autismo
passa a ser adotado, valorizando-se assim, o caráter dimensional dos quadros clínicos e a
perspectiva de se avaliar a funcionalidade e o grau de suporte necessário para a assistência
(KLIN, JONES, 2018; TAMANAHA, PERISSINOTO, 2019).
11

Considerações Finais

Como vimos o TEA é uma condição que afeta o neurodesenvolvimento e cujas


manifestações clínicas são severas, invasivas e persistentes e atingem as pessoas
independente da raça, etnia ou nível sociocultural.
12

Referências

American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


Mentais: DSM III. 3 ed. São Paulo: Manole, 1980.
American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais: DSM III-R. São Paulo: Manole, 1989.
American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais: DSM IV. 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais: DSM IV R. 4 ed revisada. Porto Alegre: Artmed, 2002.
American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais: DSM 5. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Hermelin B, O´Connor N. Remembering of words by psychotic and subnormal children.
British Journal of Psychology. 1967, 58:213-8.
Kanner L. Autistic disturbances of affective contact. Nervous Child. 1943, 2:217-50.
Jones W, Klin A. Attention to eyes is present but in decline in 2-6 months old infants later
diagnosed with Autism. Nature. 2013, 504: 427-31.
Klin A, Jones W. An agenda for 21st century neurodevelopmental medicine: lessons from
Autism. Rev Neurol. 2018, 1, 66: S3-S15
Maenner MJ, Shaw KA, Bakian AV, et al. Prevalence and Characteristics of Autism
Spectrum Disorder Among Children Aged 8 Years – Autism and Developmental
Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United Santes, 2018. MMWR Surveill Summ
2021, 70 (No. SS-11):1-16.
Organização Mundial de Saúde. Classificação Internacional de Doenças – CID 11. 2022.
https://icd.who.int/en.
Ornitz EM, Ritvo ER. The syndrome of autism: a critical review. Am J Psychiatry. 1976,
133 (6):609-21
Rimland B. Infantile Autism. New York: Appleton-Century-Crofts, 1964.
Rutter M. Concepts of autism: a review of research. J Child Psych Psychiatry, 1968. 9
(1): 1-25
Rutter M. Diagnosis and definition of childhood autism. J Child Schizophr. 1978, 8 (2):
139-61
Rutter M, Schopler E. Autism and pervasive developmental disorders: concepts and
diagnostic issues. J Aut Dev Disord. 1987, 17 (2): 159-86.
Tamanaha AC, Chiari BM, Perissinoto J. Uma breve revisão histórica sobre a construção
dos conceitos de Autismo Infantil e Síndrome de Asperger. Rev Soc Bras Fonoaudiol.
2008, 13,3:1-7.
Tamanaha AC, Perissinoto J. Definição dos Transtornos do Espectro do Autismo In
Tamanaha AC, Perissinoto J (Org). Transtorno do Espectro do Autismo: implementando
estratégias para comunicação. BookToy. Ribeirão Preto, 2019: 21-22
Volkmar FR, Wiesner LA. A practical guide to Autism. John Wiley & Sons Inc. New
Jersey, 2009.
13

2. Diagnóstico Diferencial no TEA


Dionísia AC Lamônica, Michele DH Haduo, Camila da Costa Ribeiro

Introdução

Para se falar em diagnóstico diferencial de uma entidade clínica é de relevância o


conhecimento de critérios classificatórios que formalizam um conjunto de manifestações
envolvendo fatores etiológicos, expressão clínica, tratamentos, bem como evolução ao
longo do tempo.

Segundo o DSM-5, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) trata-se de transtorno


do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades de interação social,
comunicação, comportamentos repetitivos e restritos (APA, 2013). Com início na
primeira infância, há uma variabilidade substancial nas trajetórias iniciais do
desenvolvimento. Muitas famílias reportam que perceberam sinais de TEA desde os
primórdios da vida dos filhos e outras apontaram para um período de desenvolvimento
aparentemente normativo, passando por regressões do neurodesenvolvimento
(MCPARTLAND, VOLKMAR, 2012; KLIN et al., 2015; KLIN et al., 2020; HUS,
SEGAL, 2021). Regressão na linguagem e interesse social são relatados em
aproximadamente um quarto dos casos diagnosticados com TEA (HYMAN et al., 2020).
O início da observação dos sinais é variável, mas definitivamente antes dos três anos. Um
estudo apresentou que 30% dos pais de crianças com TEA suspeitaram antes dos doze
meses, 50% em média aos dezoito e 80% por volta dos dois anos, com as manifestações
comportamentais ficando mais evidentes a partir do aumento da idade da criança (KLIN
et al., 2015). Assim, TEA refere-se a uma condição heterogênea do
neurodesenvolvimento em sua apresentação clínica e etiopatogenia.

Embora seja amplamente reconhecido que os fatores genéticos e ambientais e suas


interações contribuam para os fenótipos do autismo, seus mecanismos causais precisos
permanecem pouco compreendidos (ROBERT et al., 2017; BÖLTE et al., 2019;
HAVDAHL et al., 2021). Estudos epidemiológicos revelaram que cerca de 90% dos casos
foram classificados como idiopáticos, enquanto de 10 a 20% por etiologia genética
conhecida; e que o TEA é geneticamente determinado, com índices de herdabilidade
estimados entre 85 a 92%, podendo ser desencadeado por fatores de risco ambientais,
especialmente aqueles que influenciam no desenvolvimento fetal precoce (SHUID et al.,
2020 BOUGEARD et al., 2021). As estimativas de risco de recorrência entre irmãos de
crianças autistas variam de 3 a 18% (LYALL et al., 2017). Ressalta-se que mesmo que os
mecanismos biológicos (genes ou vias afetadas, em dosagem ou tempo) e ambientais
(fatores pré-natais, perinatais e/ou pós-natais) precoces variem, tais rupturas contribuirão
para desvios dos processos normativos, alterando em níveis de gravidade e contribuindo
para a diversidade fenotípica do TEA (YOUNG et al., 2020).

A heterogeneidade clínica do autismo é espelhada por uma arquitetura genética


complexa, envolvendo diversos tipos de variantes comuns e raras, variando de mutações
pontuais a variantes de grande número de cópias, herdadas ou espontâneas (de novo).
Centenas de genes de risco para TEA foram implicados em doenças raras, muitas vezes
“de novo” (BÖLTE et al., 2019; MESLEH et al., 2021; HAVDAHL et al., 2021), e
14

diferentes genes de risco convergem para os mesmos mecanismos, como regulação gênica
e conectividade sináptica, que podem sofrer influências de fatores ambientais
(MAHAJAN, MOSTOFSKY 2015; BÖLTE et al., 2019; HAVDAHL et al., 2021). Esses
mecanismos também estão implicados por genes que são desregulados epigeneticamente
e transcricionalmente (MESLEH et al., 2021).

Os principais desafios para a compreensão dos mecanismos biológicos incluem a


heterogeneidade fenotípica substancial, a grande heterogeneidade de loci, a penetrância e
a pleiotropia generalizada (FERNANDEZ, SCHERER, 2017; ROBERT et al., 2017;
NISAR et al., 2019). A identificação de endofenótipos pode ajudar na compreensão da
etiologia e patogênese de um transtorno tão complexo e geneticamente enraizado como o
TEA (MAHAJAN, MOSTOFSKY 2015; NISAR et al., 2019; MESLEH et al., 2021).
Estudos futuros devem integrar pesquisas de variantes comuns e raras, dados
multiômicos, incluindo genômica, epigenômica e transcriptômica (HAVDAHL et al.,
2021).

Diante o exposto, serão apresentados diagnósticos diferenciais e comorbidades


relacionados ao TEA, com base no conhecimento etiológico atual.

O desenvolvimento de novas tecnologias na genética epidemiológica, molecular


e clínica tem melhorado o conhecimento das síndromes genéticas associadas ao TEA
(ROBERT et al., 2017). Variantes genéticas raras conferem risco significativo na
complexa etiologia do autismo (HAVDAHL et al., 2021). Eles são tipicamente não
mendelianos, com tamanhos de efeito substanciais e baixo risco atribuível à população.
Conforme apontado anteriormente, há uma diversidade de distúrbios genéticos associados
ao TEA. O conceito de "autismo sindrômico" qualifica indivíduos com características
dismórficas/malformações e deficiência intelectual (DI), que se opõe ao conceito de
"autismo não sindrômico” com indivíduos sem/com DI, e sem outros sinais ou sintomas
associados (ROBERT et al., 2017). Mottron et al. (2020) apresentaram reflexões
interessantes quanto à distinção sindrômica/não-sindrômica no TEA, questionando se as
apresentações não-sindrômicas atuais serão as “sindrômicas” de amanhã, após novas
descobertas.

Organizar e sistematizar manifestações fenotípicas podem gerar conhecimentos


relevantes e favorecer a elucidação dos processos subjacentes ao desenvolvimento, por
meio do monitoramento de fenótipos e comorbidades associadas, com provável
interferência no manejo dos processos de reabilitação.

A associação de todo o genoma e a análise microscópica identificaram muitos loci


e genes diferentes que estão associados à etiologia do TEA e, embora muitos fatores de
risco genéticos e epigenéticos tenham sido sugeridos, não há marcadores diagnósticos
específicos (YOON et al., 2020: MESLEH et al., 2021). Para a compreensão da base
molecular do TEA é relevante saber sobre a epidemiologia genética e epigenética,
juntamente com os fatores de risco ambientais subjacentes à etiologia do TEA, que afetam
a sinalização celular e os processos metabólicos e imunológicos (YOON et al., 2020).

O conhecimento dos fenótipos e características principais das síndromes genéticas


que cursam com TEA favorece a compreensão e melhor manejo terapêutico, o que
implica na redução dos efeitos deletérios destes quadros clínicos e contribui para a
qualidade de vida destes indivíduos e suas famílias. Entre as causas genéticas, várias
15

mutações cromossômicas, incluindo duplicações ou deleções, podem ser possíveis fatores


causadores de TEA. Um estudo apontou algumas regiões relacionadas ao TEA em seis
cromossomos diferentes (4, 7, 10, 16, 19 e 22) (YOON et al., 2020), embora outros
cromossomos também tenham sido implicados na presença de comportamentos
autísticos. Além disso, a base bioquímica sugere que vários neurotransmissores cerebrais,
por exemplo, dopamina, serotonina, ácido gama-aminobutírico, acetilcolina, glutamato e
histamina participam no aparecimento e progressão do TEA (EISSA et al., 2018).

Inúmeras são as síndromes genéticas associadas ao TEA. O Quadro 1 apresenta


algumas das síndromes que podem cursar com TEA quanto ao fenótipo, gene, loci e
percentual de ocorrência de sinais autísticos.

Quadro 1: Algumas Síndromes Genéticas que apresentam comportamentos do


Transtorno do Espectro Autista (autismo sindrômico)

Síndrome do X-Frágil

Anomalia genética ligada ao cromossomo X com anormalidade do gene FRM1


(expansão de trinucleotídeos, com repetições CGG), lócus Xq22-23. As características
dismórficas vão se tornando mais visíveis com o passar do tempo e envolvem: flacidez
muscular, perímetro cefálico aumentado; frontal protuberante, face longa e estreita;
mandíbula proeminente; orelhas grandes, de abano e de implantação baixa; nariz longo; lábio
superior fino; palato arqueado; alterações de oclusão; ptose palpebral; alterações oculares
(estrabismo e/ou miopia), testículos aumentados. Indivíduos do sexo masculino são mais
afetados.
Meninos: DI moderado a grave; ADNPM; Comprometimento em todos os níveis da
linguagem; Dificuldades de articulação e fluência. Ecolalia. Comportamentos autolesivos
(morder as mãos) e agressivos, tendência a colocar tudo na boca; flapping/balanço dos braços.
Também são comuns: Falta de atenção, hiperatividade, ansiedade e timidez. Prejuízos nas
atividades de vida diária (AVD). Dificuldade em socialização – Embora 45% apresentem
comportamentos do espectro autístico, a maioria não preenche todos os critérios para o
diagnóstico de TEA.
Meninas: tendem a alterações emocionais (60%), como timidez, ansiedade e/ou
depressão, dificuldades em matemática e pragmática. 30% com DI leve.

Síndrome de Rett (SR)

Ocorre por mutação de gene do cromossomo X, conhecido como MECP2, lócus Xq28.
É uma encefalopatia neurodegenerativa, considerada uma das principais causas de DI em
meninas, com manifestações de sinais de autismo nos estágios iniciais. É raríssima em
meninos. Para o diagnóstico clínico é necessário: período pré e perinatais aparentemente
normais; perímetro cefálico normativo ao nascimento; DNPM normal nos primeiros 6 meses.
Critérios de suporte: hiperventilação, apneia; crises epilépticas; espasticidade, distonias;
escoliose; retardo do crescimento; atrofias de extremidades; distúrbios vasomotores. A
evolução clínica ocorre por estágios e o tempo de duração em cada estágio não têm um padrão
regular. Estágio I (Estagnação Precoce): Primeiros sinais, caracteriza-se por atraso ou não
aquisição de novas etapas do NDPM, diminuição ou perda do interesse por brincadeiras,
interação social pobre, mudança da personalidade e desaceleração do crescimento craniano.
16

Estágio II (Período rapidamente destrutivo): Perda das aquisições previamente adquiridas,


comportamentos autistas, demência severa, perda da linguagem, respiração irregular e
períodos de hiperpnéia (hiperventilação e apneias), estereotipias manuais (movimentos de
lavar as mãos ou de mantê-las unidas na linha média, e estereotipias bucomanuais (tendência
a manter as mãos à boca). As estereotipias manuais precedem a perda da capacidade de usar
as mãos (apraxia manual). Estágio III (Pseudo-estacionário); Progressão lenta dos
sinais/sintomas, discreta melhora da interação (voltam a manter contato visual com olhar
expressivo e sorrisos) e da expressão dos aspectos emocionais. Epilepsia, DI severa, disfunção
motora (espasticidade e hiperreflexia), hiperventilação, ataxia/apraxia da marcha mais
proeminente, perda de peso e bruxismo. Estágio IV (Deterioração motora tardia): Inicia após
perda da marcha; paraparesia/quadriparesia. Deformidades posturais (pés equinos, cifose e
escoliose), distúrbios tróficos e vasomotores. Epilepsias ocorrem em 50 a 80% dos casos. Cabe
ressaltar parece existir um espectro clínico da síndrome, denominado “Complexo Rett” que
varia de casos severos, com apresentação clássica, a formas variantes leves. Mais de 20 tipos
de mutações no gene MECP2 foram descritas, relacionando-se a variabilidade do quadro
clínico.

Síndrome de Angelman (AS)

Diferentes mecanismos genéticos associam-se a expressão anormal da cópia materna


do gene UBE3A e deleção da região 15q11.2-q13 (60-75%), dissomia uniparental paterna (2-
5%), defeito de imprinting (2-5%) e mutação no próprio gene (10%). Caracteriza-se por DI
severa, ausência de fala e crises epilépticas refratárias (85%). O fenótipo inclui: traços faciais
característicos (face triangular, macrostomia, prognatia, testa estreita, bochechas acentuadas,
dentes espaçados, lábio superior fino, olhos fundos, protrusão da língua e hipopigmentação).
Estrabismo. Cabelos finos. Aparentemente normais ao nascer, os primeiros sinais envolvem
dificuldades de alimentação, ADNPM e tremores. Somente a partir do 2º/3º ano de vida é que
as características dismórficas típicas, assim como o perfil comportamental peculiar, tornam-
se evidentes. Atraso do crescimento cefálico pós-natal ocorre em 80% provocando
microcefalia, bem visível aos 2 anos. Uma combinação de risos e sorrisos, com “aparência
feliz” são frequentes, entretanto refere-se a expressão motora e não intenção social. Quanto à
área motora: marcha atáxica (ocorre entre o 3º e 4º ano e cerca de 10% não desenvolverão
marcha), movimentos mioclônicos e dificuldades de coordenação motora grossa e fina.
Distúrbios do sono, desatenção, hiperatividade, hipersensibilidade ao calor, movimentos
atípicos com as mãos (semelhantes aos movimentos de marionetes), gritos de excitação.
Movimentos de mastigação frequentes e sialorréia. Após os quatro anos tendem a puxar o
cabelo (tricotilomania) e morder os outros. Poucos desenvolvem alguma AVD. Gostam de
manusear plásticos, andar segurando objeto, escutar música e brincar com água. A
comunicação é muito prejudicada – Tendem à compreensão de poucas palavras e geralmente
falam de três a cinco sílabas e não mais que dez palavras.

Síndrome de Prader-Willi (SPW)

Diferentes mecanismos genéticos associam-se a expressão anormal da cópia paterna


do gene UBE3A e deleção da região 15q11.2-q13 (65–75%), dissomia uniparental materna 15
(20–30% dos casos) e defeito de imprinting (1–3%). As características pré-natais incluem:
Atividade fetal reduzida (88%), letargia, apresentação pélvica, circunferência
cefálica/abdominal de razão aumentada (43%); pequeno para a idade gestacional (65%),
17

polidrâmnio (34%). Ao nascimento: Apgar baixo, hipotonia, dificuldades de sucção e


deglutição; hipopigmentação, hipogonadismo e hipogenitalismo, instabilidade de temperatura
corporal. Déficit nos hormônios do crescimento, resultando em baixa estatura com mãos e pés
pequenos. DNPM lento. Início de ganho de peso entre 2 a 5 anos. A hiperfagia inicia por volta
dos 7/8 anos. Características fenotípicas: dolicocefalia, diâmetro frontal mínimo estreito,
estrabismo, olhos amendoados, nariz curto e arrebitado, lábio superior fino e cantos da boca
virados para baixo, bordas retas do lado ulnar das mãos, hipoplasia do esmalte dentário, saliva
espessa, baixa autoconsciência, redução da sensibilidade à dor. Obesidade. A velocidade de
crescimento é diminuída. São previstos ADNPM, DI geralmente leve (QI entre 65 a 70).
Distúrbios de sono, escoliose, constipação intestinal, alterações de coagulação e
hipotireoidismo (25%). São previstos também comportamentos obsessivos, repetitivos e
ritualísticos, compulsivos e disruptivos, acessos de raiva, transtorno de escoriação
(autoflagelação: cutucar, arranhar, furar ou coçar a pele), comportamento opositor e
agressividade. Preferência por rotinas. Apresentam muitos comportamentos que são previstos
no TEA.

Síndrome Smith-Magenis (SSM)

Afecção genética caracterizada por múltiplas anomalias congênitas e alterações


comportamentais, associadas à deleção da região cromossômica 17p11.2 ou mutações do
ponto gene RAI1. Os sinais fenotípicos incluem: braquicefalia, fronte alargada, hipoplasia da
linha média da face, lábio superior proeminente com aspecto de arco, fenda palpebral desviada
para cima, hipotelorismo, face quadrada, prognatismo, sobrancelhas espessas e sinofris. Estes
começam a ser visíveis com o aumento da idade. Nascem hipotônicos e apresentarão ADNPM.
DI moderada (QI entre 40-55). Problemas de sono. Poderão apresentar anomalias cardíacas,
esqueléticas e renais. Alterações visuais, perda da audição também são comuns. As
manifestações comportamentais incluem: hiperatividade, impulsividade, dificuldades em
comportamentos adaptativos, déficit de atenção, autoestimulação, autoagressão, com acessos
de raiva, mau humor, dificuldade com asseio corporal, comportamentos de "auto abraço" e
lamber as mãos. Apresentam interesses restritos, tendência a isolamento social, dificuldades
quanto a mudanças de rotina, poliembolocoilamania e onicotilomania. Os problemas de
comportamento se acentuam na idade escolar. Comportamentos autísticos ocorrem em 50%.

Síndrome de Charge (SC)

É uma síndrome muito complexa com um fenótipo amplo que pode envolver quase
todos os órgãos e sistemas sensoriais. A maioria dos indivíduos (80%) com SC tem mutações
na proteína 7 de ligação de cromodomínio-helicase-DNA (gene CHD7). Associa-se a
múltiplas comorbidades e é extremamente variável quanto à gravidade. O acrônimo Charge
foi utilizado para mostrar as afecções, mas não é utilizado na construção do diagnóstico: C:
coloboma; H: defeitos cardíacos (heart defects); A: atresia de coanas nasais; R: retardo de
crescimento/desenvolvimento; G: anormalidades genitais e/ou urinárias (genital and/or
urinary abnormalities; E: anormalidades das orelhas e surdez (Ear abnormalities and
deafness). Outras possíveis malformações e déficits adicionados posteriormente incluem
arinencefalia resultando em hiposmia, anomalias dos canais semicirculares produzindo
disfunção vestibular e disfunção de nervos cranianos e tronco encefálico, que levam a
dificuldades alimentares e respiratórias durante os primeiros anos. Apresentam prejuízos na
percepção sensorial cross-modal (visão prejudicada associada à audição reduzida). O fenótipo
18

inclui malformações craniofaciais (atresia de coanas, fissuras labiopalatinas, assimetria facial,


malformação de orelhas, dentre outros). Malformações cerebrais e microcefalia também são
relatadas. DI de leve a severa. Podem apresentar ansiedade, transtornos obsessivo-
compulsivos, comportamentos desafiadores e autolesivos, raiva, inquietação hiperatividade.
A frequência de comportamentos autísticos varia de 9 a 68%.

Síndrome Phelan-McDermid (SPM)

É uma condição genética causada por deleção ou alteração estrutural da extremidade


terminal do cromossomo 22 na região 22q13, variante patogênica do gene SHANK3.
Caracterizada por hipotonia neonatal, ADNPM, crescimento normal a acelerado, ausência ou
grave atraso na aquisição da fala e características dismórficas, com ampla gama de alterações
intelectuais e comportamentais. Nascem hipotônicos, com dificuldades de sucção/deglutição
e choro fraco. Além da previsão de atraso do desenvolvimento, alguns apresentarão regressão
de habilidades. DI (moderada a grave), fala ausente ou severamente atrasada e cerca de 75%
mostram comportamentos do espectro autista. Apresentam ansiedade em situações sociais,
contato visual reduzido, autoestimulação, diminuição da percepção da dor e redução da
transpiração. Exibem mastigação obsessiva de itens não alimentares. Distúrbios do sono,
epilepsias (17% a 70%), problemas gastrointestinais, renais, déficit de atenção, hiperatividade.
Fenótipo inclui: Cabeça longa (dolicocefalia), face média plana, sobrancelha cheia, cílios
longos, ptose palpebral, orelhas grandes/proeminentes, olhos profundos bochechas cheias,
nariz bulboso e queixo pontudo, unhas dos pés displásicas durante a primeira infância e mãos
relativamente grandes e carnudas. Sem o conhecimento fenotípico, muitos são diagnosticados
com TEA. O diagnóstico correto é relevante, pois podem desenvolver doença
neuropsiquiátrica grave na adolescência ou início da idade adulta.

Síndrome Cornélia de Lange (SCL)

Distúrbio multissistêmico com características físicas, cognitivas e comportamentais. O


fenótipo clássico é facilmente reconhecido, entretanto a apresentação da síndrome pode variar
amplamente, com diferentes graus de envolvimento. Foram identificadas mutações causais em
vários genes. O gene NIPBL está mutado em 50% e é o gene mais importante envolvido na
síndrome. Outras mutações associadas a síndrome foram recentemente identificadas: SMC1A;
Xp11.22-p11.21, associado com uma forma ligada ao X, SMC3(10q25) RAD21, HDAC8. A
trissomia do 3q2 é um diagnóstico diferencial, pois as características são frequentemente muito
semelhantes a ACL. Características fenotípicas da SCL: braquicefalia, hipertelorismo,
Sinofris, fissuras palpebrais e pregas epicantais, narinas antevertidas, nariz pequeno, lábio
superior fino, cantos da boca virados para baixo, microrretrognatia, microcefalia (pré-natal
e/ou pós-natal), mãos e/ou pés pequenos, oligodactilia e/ou adactiia e hirsutismo. Hérnia
diafragmática congênita, malformações palatinas, cardíacas e geniturinárias são achados
frequentes. São esperados retardo de crescimento pré e pós-natal. ADNPM e DI (de leve a
profunda). Apresentam também: alterações do sono, ansiedade, transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade. São relatados comportamentos do espectro autistas em 50-70% dos
casos. São frequentes: comportamentos repetitivos, autolesivos, recusa alimentar, dificuldades
com trocas de rotinas e dificuldades no processamento sensorial.
19

Complexo de Esclerose Tuberosa (CET)

Doença genética autossômica dominante caracterizada por envolvimento neurocutâneo


multissistêmico caracterizado por hiperplasia celular, displasia tecidual e hamartomas em
múltiplos órgãos. As manifestações físicas mais comuns incluem tumores benignos no SNC,
pele, rins, coração e pulmões e altas taxas de epilepsia (90%), causada por uma variante
patogênica em um dos dois genes, TSC1 ou TSC2. Sua fisiopatologia caracteriza-se por
proliferação e diferenciação celular anormal e clinicamente pela tríade epilepsia, DI e
adenomas sebáceos. Os sinais e sintomas estão na dependência dos locais de crescimentos
tumorais. Além das manifestações físicas o complexo também está associado a uma ampla
gama de dificuldades comportamentais, psiquiátricas, intelectuais, acadêmicas,
neuropsicológicas e psicossociais. São descritos comportamentos de irritabilidade, baixa
estima, automutilação, agressividade, depressão, ansiedade, humor deprimido, déficit de
atenção, hiperatividade, impulsividade e problemas de sono. Capacidade intelectual é variável.
Comportamentos autistas são previstos (25 a 60% dos casos), como por exemplo, redução do
contato visual, comportamentos repetitivos e ritualísticos, dificuldade de interação social.

Síndrome de Cohen

Anomalia genética caracterizada por microcefalia, fenótipo facial típico, hipotonia, DI,
miopia e distrofia da retina, neutropenia e obesidade truncal. É causada por mutação
autossômica recessiva do gene COH1 (VPS13B), no cromossomo 8q222. ADNPM,
microcefalia e deformidades musculoesqueléticas são presentes. Características: fissuras
palpebrais em forma de onda, inclinada para baixo, hipertelorismo, sobrancelhas grossas,
cabelo espesso, cílios longos e grossos, filtro muito curto, incisivos centrais superiores
proeminentes, aparência de boca aberta devido a um lábio superior curto, hipoplasia maxilar,
micrognatia, palato alto e estreito, raiz do nariz proeminente, ponta nasal bulbosa e lóbulos
das orelhas grossos ou pequenos ou ausentes. Há deterioração progressiva da visão ao longo
da vida, com início precoce (miopia progressiva). A leucopenia, especialmente a neutropenia,
é comum. Deformidades musculoesqueléticas (cúbito valgo, geno valgo, cifose, escoliose,
frouxidão ligamentar e hipermobilidade articular). Podem ter pregas palmares transversais
únicas, sindactilia e lordose lombar. Comportamentos autistas estão previstos em cerca de 50%
dos casos.

Síndrome de Potocki-Lupski (SPL)

Atraso do desenvolvimento da fala e linguagem, DI e distúrbios comportamentais são


as principais manifestações clínicas da SPL. Ocorre por duplicação de 17p11.2 (vários genes
podem estar envolvidos: RAI1, SREBF1, DRG2, LLGL1, SHMT1 ou ZFP179). Está
associada a uma ampla gama de anomalias congênitas, oftálmicas, cardiovasculares,
ortopédicas, orofaríngeas e renais, microcefalia e características faciais distintas, dolicocefalia,
rosto triangular, testa larga, micrognatia, hipertelorismo, fendas palpebrais oblíquas e orelhas
de implantação baixa. Além disso, uma característica interessante compartilhada pela maioria
dos pacientes é um sorriso assimétrico. Outras alterações frequentes incluem ADNPM,
disfagia orofaríngea, apneia central do sono, anomalias estruturais cardiovasculares e
hipermetropia. O funcionamento intelectual varia de limítrofe a DI grave. A gama de
comportamentos é ampla, com retraimento social, comportamentos repetitivos, obsessivo-
compulsivos, hiperatividade e agressão, diminuição do contato visual, hipersensibilidade
20

sensorial, maneirismos, TDAH e incoordenação motora. Comportamentos autísticos ocorrem


em 50% e 36% atingem critérios para diagnóstico de TEA.

Diante o exposto, verifica-se a diversidade etiológica envolvida para risco do


TEA. Conforme já apresentado, há centenas de genes mencionados como envolvidos,
principalmente FOXP2, SPCH1, AUTS1, IMMP2L e RELN, utilizados neste capítulo
como exemplos.

O FOXP2, relacionado ao desenvolvimento da linguagem, é responsável pela


codificação de uma proteína que ativa e desativa outros genes que desempenham papéis
relevantes no desenvolvimento cerebral, incluindo o crescimento de células nervosas, a
transmissão de sinais entre elas e a capacidade de conexões entre os neurônios
(GRAHAM, FISCHER, 2015). Estudos de associação de todo o genoma encontraram
outros genes envolvidos no desenvolvimento da linguagem e loci de suscetibilidade ao
TEA como SPCH1 e AUTS1 (YOON et al., 2002). O IMMP2L foi identificado como o
gene mais frequentemente associado ao TEA relacionado ao cromossomo 7
(MAESTRINI et al., 2010). O RELN é um gene com 65 exons localizado no 7q22, e está
envolvido na migração de neurônios e conexões neurais (YOON et al., 2020). Ressalta-
se que não apenas regiões codificantes, mas também regiões não codificantes de genes de
risco foram relacionadas à etiologia do TEA.

Shuid et al. (2020) apresentaram que há muitas publicações que implicaram a


associação do TEA com inflamações, desregulação imunológica, disfunção de
neurotransmissão, comprometimento mitocondrial, desregulação da sinalização celular,
bem como alterações estruturais neuroanatômicas. Em estudo de revisão estes autores
destacaram evidências da fisiopatologia do TEA, incluindo anormalidades na estrutura e
função cerebral, ativação e neuroinflamação neuroglial, neurotransmissão
glutamatérgica, disfunção mitocondrial e desregulação da via de sinalização da
rapamicina, relatando que estes fatores moleculares e celulares contribuem para a
patogênese do TEA, uma vez que podem afetar o desenvolvimento e a função do sistema
nervoso central (SNC).

Estudos têm demonstrado que durante períodos críticos do desenvolvimento do


SNC, a exposição precoce a uma variedade de fatores ambientais (condições sociais,
infecções, medicamentos, produtos químicos e agentes físicos) pode afetar o
desenvolvimento neurobiológico, e se relacionar com TEA (MCPARTLAND,
VOLKMAR, 2012; KNUESE et al., 2014; MASI et al., 2017; ROSE et al., 2018; BÖLTE
et al., 2019; GIALLORETI et al., 2019; KLIN et al., 2020; HUS, SEGAL, 2021;
MESLEH et al., 2021).

Gialloreti et al. (2019) relataram que os fenótipos clínicos e biológicos


heterogêneos observados no TEA sugerem fortemente que, em indivíduos geneticamente
suscetíveis, os fatores de risco ambientais também se combinam ou sinergizam para gerar
um “ponto limite” que pode determinar uma disfunção.

A literatura tem apresentado como fator ambiental de risco para TEA: idade
avançada dos pais, exposição a poluentes químicos, obesidade ou desnutrição materna,
uso de suplementos alimentares de ácidos graxos sintéticos; redução de ácido fólico e
21

ferro, exposição pré-natal de inibidores seletivos de serotonina, medicamentos


antidepressivos, drogas antiepilépticas, antibióticos, exposição a drogas ilícitas, infecções
e ativação imunológica materna na fase pré-natal (TORDJMAN et al., 2014; LYALL et
al., 2017; MASI et al., 2017; YOON et al., 2020; SHUID et al., 2020). Os dados sugerem
que, pelo menos para um subconjunto de mulheres, a exposição a infecções durante a
gravidez pode aumentar o risco de TEA e/ou outros distúrbios do SNC, dependendo do
tempo de exposição gestacional, do tipo de agente infeccioso e da intensidade da resposta
imune materna; especificamente, as infecções virais (LYALL et al., 2017). Um conceito
predominante é que a ativação imunológica materna pode alterar a expressão de
moléculas inflamatórias no feto em desenvolvimento e a desregulação imunológica
materno-fetal pode interromper o desenvolvimento cerebral e a conectividade neural,
trazendo efeitos de longo prazo sobre o desenvolvimento infantil (KNUESE et al., 2014).

No período perinatal e pós-natal precoces são citados como fatores ambientais


para TEA os eventos obstétricos negativos como: apresentação pélvica, pré-eclâmpsia,
sofrimento fetal, prematuridade, corioamnionite, hemorragia intraparto aguda, dentre
outros (MCPARTLAND, VOLKMAR, 2012; TORDJMAN et al., 2014).

Outra questão digna de nota, refere-se à disfunção mitocondrial. Muitas


anormalidades genéticas do TEA têm sido associadas à disfunção mitocondrial, incluindo
anormalidades cromossômicas, mutação do DNA mitocondrial, deleções em grande
escala e mutações em genes nucleares mitocondriais e não mitocondriais (ROSE et al.,
2018). Os distúrbios mitocondriais podem resultar em disfunção do SNC que leva à
regressão do desenvolvimento, dificuldade de aprendizagem, distúrbios
comportamentais, sintomas gastrointestinais, convulsões, atrasos motores, fadiga e
letargia (PALMIERI, PERSICO, 2010; MASI et al., 2017; SHUID et al., 2020). Segundo
Masi et al. (2017) marcadores de disfunção mitocondrial estão significativamente
correlacionados com a gravidade do TEA. O comprometimento do metabolismo
energético mitocondrial tem sido proposto para desempenhar um papel na patogênese do
TEA e influenciar os déficits sociais, comportamentais e cognitivos. Evidências de
anormalidades metabólicas que indicam disfunção das mitocôndrias foram descritas,
incluindo elevação do nível de lactato, piruvato ou alanina no sangue, líquido
cefalorraquidiano ou cérebro, redução do nível de carnitina no plasma, nível anormal de
ácidos orgânicos na urina e comprometimento da função mitocondrial β-oxidação de
ácidos graxos. Anormalidades da relação lactato para piruvato creatina quinase, bem
como alterações nos níveis de aspartato aminotransferase, alanina aminotransferase,
arginina e ubiquinona cisteína, tirosina, serina, carnosina e β-alanina também foram
implicadas (SHUID et al., 2020; MESLEH et a., 2021).

Caracterizar a heterogeneidade do TEA é ainda mais complicado pela ocorrência


de comorbidades.

Elucidar se a coocorrência de alterações ou traços clinicamente diagnosticáveis


no TEA é uma comorbidade heterotípica verdadeira ou se estes são endofenótipos
distintos é talvez uma das áreas mais urgentes de investigação (MAHAJAN,
MOSTOFSKY, 2015 DE-LA-IGLESIA, OLIVAR, 2015). Um diagnóstico de TEA
geralmente ocorre concomitantemente com outras condições que incluem a deficiência
intelectual (50-70%), o TDAH (22-83%), as epilepsias (11-35%), a ansiedade (11-84%),
a depressão, os distúrbios do sono (40-86%), as anormalidades do sistema motor e
sensorial (70-90%) e da linguagem (FERNANADEZ SCHERER, 2017; LYALL et al.,
22

2017; MASI et al., 2017; EISSA et al., 2018; HAVDAHL et al., 2021; LAMÔNICA et
al., 2021; MESLEH et al., 2021; MINGINS et al., 2021). Cabe ressaltar que os percentuais
de coocorrência variam em função das variáveis dos estudos, como por exemplo, faixa
etária, sexo, condições sociais, tamanho de amostras, critérios de inclusão, dentre outros.
Os transtornos de linguagem são frequentemente coocorrentes e até foram incluídos nos
critérios do DSM-5 (RYLAARSDAM et al., 2019). Assim, a heterogeneidade clínica do
TEA inclui não apenas a gravidade das principais características autistas, mas também a
presença ou ausência de comorbidades neurocomportamentais. Mahajan e Mostofsky
(2015) informaram que falta elucidar se algumas dessas condições concomitantes
conferem sua própria responsabilidade genética ao TEA ou se a coocorrência comum de
comorbidades significa fenótipos independentes, ou mesmo se esses são realmente
comórbidos no contexto do TEA.

Deficiência Intelectual (DI)

A DI pode ocorrer como um fenômeno isolado ou associada a outros quadros


clínicos. Muitas crianças com diagnóstico de TEA também apresentam DI como
comorbidade e esta condição pode variar de 50 a 70% (HUS, SEGAL, 2021). Mingins et
al. (2021) apresentaram que o funcionamento intelectual varia significativamente no
TEA, com cerca de metade das crianças com quocientes de inteligência (QI) abaixo de
70, caracterizando a presença de DI. Há também evidências de variantes genéticas da
etiologia do TEA, que incluem genes envolvidos em DI e esses, por sua vez, estão
envolvidos em algumas síndromes genéticas estabelecidas (MASI et al., 2017; TYE et
al., 2019). O quadro 1 exemplifica essa circunstância. Por exemplo, em uma síndrome
determinada é possível verificar DI e comportamentos do espectro autista. Assim, sem o
conhecimento de diferentes fenótipos sindrômicos, há a possibilidade do diagnóstico se
concentrar somente no TEA, ou seja, muitas crianças, antes do diagnóstico de
determinada síndrome ou DI, que tenham comportamentos do espectro acabam recebendo
somente o diagnóstico de TEA. Hus e Segal (2021) ressaltaram que na última década
houve uma tendência de redução do diagnóstico de DI e um aumento do diagnóstico de
TEA e que este fenômeno pode explicar, entre outros fatores, o grande aumento recente
de prevalência do diagnóstico do TEA.

Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

O TDAH é definido como síndrome neurocomportamental que se caracteriza pela


presença persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade, de etiologia
multifatorial envolvendo fatores genéticos e ambientais (APA, 2013). É importante
lembrar que há sobreposições genéticas substanciais entre essas condições (KLIN et al.,
2020). Ambos os transtornos apresentam problemas de atenção, dificuldade de
comunicação, impulsividade e graus variados de hiperatividade, que causam importantes
problemas comportamentais, acadêmicos, emocionais e adaptativos (MASI et al., 2017;
YOUNG et al., 2020; HAVDAHL et al., 2021; BOUGEARD et al., 2021). Tanto as
crianças com TEA quanto aquelas com TDAH podem apresentar contato visual atípico,
número reduzido das mudanças de olhar do parceiro de conversação para objetos/ações
(vice-versa) e redução de intenções de comunicação. Essas situações aumentam o risco
23

de um viés diagnóstico para TEA sobre TDAH, especialmente quando atrasos motores e
de linguagem adicionais estão presentes (KLIN et al., 2020). A coocorrência de sinais
torna o diagnóstico diferencial precoce entre TEA combinado com TDAH e TDAH em
si um processo não trivial (HUS e SEGAL 2021). Embora a Academia Americana de
Pediatria estabeleça diretrizes para o diagnóstico de TDAH em crianças de 4 anos, é
extremamente difícil obter um diagnóstico preciso em crianças menores de 7 anos
(HYMAN et al., 2020). Mais estudos com foco no diagnóstico diferencial entre TEA e
TDAH na primeira infância são claramente necessários (KLIN et al., 2020; YOUNG et
al., 2020; HYMAN et al., 2020; HAVDAHL et al., 2021 BOUGEARD et al., 2021).

Epilepsias

TEA e as Epilepsias têm etiologias multifatoriais, incluindo fatores genéticos e


ambientais, com forte evidência de anormalidades neurológicas subjacentes e
compartilhadas (BESAG, 2017). A coocorrência de epilepsia e TEA decorre da ruptura
de vias compartilhadas de desenvolvimento neurológico implicadas pelo número
relativamente alto de genes associados a estas condições clínicas (PENG et al., 2021).
Certas vias biológicas estão envolvidas em ambos, como regulação da transcrição,
crescimento celular e regulação sináptica. No entanto, os mecanismos exatos envolvidos
nesses dois quadros ainda precisam ser melhor elucidados (BESAG, 2017; MASI et al.,
2017; LIBERALESSO, 2018; VELÍŠKOVÁ et al., 2018; TYE et al., 2019; HYMAN, et
al., 2020). Algumas evidências sugerem que existem dois picos de início da epilepsia no
TEA, na infância e adolescência e, a taxa de comportamentos autísticos na epilepsia é
muito maior em indivíduos com DI (BESAG, 2017; TYE et al., 2019). Condições como
TDAH, ansiedade e distúrbios do sono são comuns tanto nas epilepsias quanto no TEA
(BESAG, 2017). Há também associação entre comportamentos autísticos e epilepsia nas
síndromes genéticas, apoiando a ideia de etiologias compartilhadas (TYE et al., 2019).
Várias síndromes podem apresentar comportamentos autísticos e epilepsia, por exemplo,
Angelman, Esclerose Tuberosa, Rett, Smith-Magenis, dentre outras (Vide Quadro 1).

As encefalopatias epilépticas infantis (EEI) referem-se a um grupo devastador de


epilepsias graves da infância, clínica e etiologicamente heterogêneas, que se caracterizam
por crises refratárias, bem como atividade epileptiforme ictal ou interictal, com frequente
comprometimento do neurodesenvolvimento e mau prognóstico (BESAG, 2017;
SRIVASTAVA, SAHIN, 2017; TYE et al., 2018; MARTINS et al., 2020; HERNANDEZ
et al., 2021; TURNER et al., 2021). Há um impacto da própria EEI no desempenho das
crianças, quanto a aprendizagem, interação, autonomia e independência, que pode
concorrer com comportamentos autísticos e DI. A ocorrência de atividade epiléptica
durante o período crítico de maturação cerebral interfere com o neurodesenvolvimento,
resultando no atraso ou regressão, expectável para a patologia subjacente ou anomalia
genética. Nessas, o pleiotropismo genético é significativo, não sendo possível estabelecer
correlação direta entre genótipo e fenótipo. A mesma anomalia genética pode associar-se
a fenótipos distintos e determinado fenótipo pode ser produzido por diferentes genes,
conforme apresentado por Martins et al. (2020). O estudo de Srivastava e Sahin (2017)
apresenta a compilação de um banco de dados de genes associados às EEI e ao TEA. As
síndromes epilépticas genéticas podem ser agrupadas em EEI clássicas, síndromes
genéticas específicas e cromossomopatias (MARTINS et al., 2020). Cabe ressaltar que a
24

precisão diagnóstica, nestes casos, é fundamental para o tratamento mais adequado,


evitando ou reduzindo os efeitos deletérios para o futuro da criança.

O Quadro 2 apresenta como ilustração, algumas das EEI quanto a definição e


sinais clínicos.

Quadro 2: Breve descrição de algumas das EEIs

Síndrome de Dravet (Epilepsia mioclônica grave)

EEI progressiva associada a convulsões de difícil controle. As manifestações


iniciam no primeiro ano de vida, podendo ocorrer múltiplas convulsões durante o
estado de vigília ou sono. Envolve DI, hiperatividade, impulsividade comportamentos
autísticos, transtorno de linguagem, distúrbios do sono, perturbações na integração
sensorial, e é acompanhada por estagnação e/ou regressão do desenvolvimento
neuropsicomotor (DNPM). Podem apresentar também falta de autonomia; problemas
nas funções corporais automáticas (regulação da temperatura, diminuição da sudação,
função intestinal lenta e frequência cardíaca rápida); infeções respiratórias recorrentes
e otites; condições ortopédicas (deformidades dos pés e escoliose), observadas ao
longo do tempo. Envolve genes que medeiam a transmissão sináptica como SCN1A
(75%) e PCDH19. As crises são incialmente classificadas como clônicas,
comprometendo metade do corpo, evoluindo para global, com ou sem febre.
Posteriormente, associam-se crises mioclônicas generalizadas e a febre pode ser o
gatilho. O EEG demonstra o clássico padrão interictal de hipsarritmia, caracterizado
por atividade de base lenta e desorganizada, com descargas polimórficas de onda
aguda, espícula, poliespícula, espícula-onda e poliespícula-onda mescladas por ondas
lentas de elevada amplitude, sendo marcante a ausência de concordância de fase nos
surtos de descargas e a ativação durante as fases iniciais do sono REM.

Síndrome de West (SW)

É a EEI ocorre entre o 3º-7º mês de vida. Caracteriza-se pela tríade: crises
epilépticas de espasmos; atraso do DNPM e padrão de hipsarritmia. A etiologia é
variada envolvendo malformações estruturais e causas genéticas. Destacando-se lesões
cerebrais decorrentes de asfixia perinatal, malformações cerebrais, alterações do
desenvolvimento cortical, AVC neonatal, infecções, encefalopatia hipóxico-
isquêmica. Mutações em diferentes genes foram descritos. Há uma associação entre
espasmos infantis e erros do metabolismo, e entre diversos outros genótipos bem
caracterizados, como microcefalia grave autossômica recessiva com heterotopia
perinodular e encefalomiopatia mitocondrial com ácido metilmalônico elevado. A
regressão do desenvolvimento psicomotor acompanha 70-95% dos casos. Há previsão
de DI em 90% e comportamentos autísticos entre 15-33%. O prognóstico é reservado,
com elevada morbidade neurológica e mortalidade estimada em torno de 5% nos
primeiros dois anos de vida. Crianças com diagnóstico e tratamento precoces têm
melhor evolução.
25

Síndrome de Ohtahara

Caracteriza-se por crises iniciadas nos primeiros meses de vida, destacando-se


crises tônicas focais, posturais ou generalizadas, podendo se associar a crises clônicas
focais, parciais simples e espasmos epilépticos. A etiologia é variada, e está
relacionada com alterações estruturais do SNC, erros hereditários do metabolismo e
anomalias genéticas. Vários genes foram relacionados (STXBP1, ARX, SLC24A22 e
KCNQ2). O exame neurológico é alterado e há severo comprometimento do DNPM.
A morbidade neurológica é elevada e a mortalidade pode atingir 50% ao final do
primeiro ano de vida. Aproximadamente, metade evoluirá com síndrome de West e,
uma parcela menor, com síndrome de Lennox-Gastaut. O EEG apresenta
desorganização da atividade de base e padrão de surto-supressão, com frequente
evolução para descargas polimórficas multifocais, hipsarritmia e ritmo recrutante
epiléptico.

Síndrome de Lennox-Gastaut

Definida pela tríade: crises atônicas, tônicas e ausência atípica. Caracteriza-se


por: epilepsia com vários tipos de crises (tónicas, atônicas, tônico-clônicas,
mioclônicas e ausências atípicas), DI progressiva e complexos ponta-onda lentos no
EEG. Corresponde a 5% das epilepsias infantis, com início entre o 1º e 8º anos de
idade. A etiologia é estrutural (hipóxia perinatal, malformações cerebrais, displasias e
distúrbios de migração neuronal) ou metabólica, embora sejam relatados casos
criptogênicos, de menor morbidade neurológica. Alterações no funcionamento de
genes (SCN2A, CDKL5, STXBP1) e variações do número de cópias (microduplicação
15q11–q13) têm sido descritas. Os sintomas envolvem convulsões diárias, perda de
consciência por curto período, salivação e lacrimejamento excessivos. Inicialmente
com desenvolvimento normativo, há a regressão das habilidades, em maior ou menor
velocidade, em conjunto com o início das crises, que quase sempre aparecem sem febre
e ficam descontroladas, a despeito do tratamento com anticonvulsivantes.
Comprometimento severo do DNPM e DI é regra, além da associação com alterações
da atenção, hiperatividade, agitação psicomotora, impulsividade e comportamentos
autísticos. O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com as síndromes de West,
Dravet, Doose e epilepsia parcial benigna atípica.

Encefalopatia mioclônica precoce ou neonatal

Também denominada Síndrome de Aicardi (AS). Refere-se a presença de


crises epilépticas de início precoce (primeiras horas ou dias de vida),
semiologicamente classificadas como mioclônicas focais ou maciças, envolvendo
membros e eixo axial. São descritas, também, crises clônicas focais, parciais simples,
tônicas, espasmos epilépticos e crises com fenômenos autonômicos.

A SA é uma condição com uma tríade de características: agenesia do corpo


caloso, anormalidades oculares e espasmos em flexão. A etiologia é variada,
geneticamente heterogênea e não restrita ao cromossomo X, ocorrendo sempre na
presença de lesões cerebrais graves, com possibilidade de se associar à hiperglicinemia
26

não cetótica ou outros erros inatos do metabolismo. O prognóstico é desfavorável, há


elevada morbidade neurológica e a mortalidade é estimada em 50% ao final do
primeiro ano de vida

Síndrome de Doose

Reconhecida também como epilepsia com crises mioclônica-atônicas ou


mioclônica-astática. Classifica-se entre as síndromes epilépticas generalizadas
criptogênicas ou sintomáticas, sendo frequente o polimorfismo de crises. Geralmente
apresentam crises mioclônicas, mioclônicas-atônicas e tônico-clônicas generalizadas,
bem como crises tônicas com início generalizado, ausências atípicas e estado de mal
epiléptico não convulsivo. Ressalta-se a forte predisposição genética, com pelo menos
11 genes identificados. Tem início aproximadamente aos 7 meses com picos entre 2 a
5 anos. As crianças apresentam DNPM inicialmente normal antes do início das crises.
O prognóstico é muito variável, havendo desde casos com remissão completa dos
sintomas e controle das crises, até evoluções com crises refratárias e severo
comprometimento do DNPM, hiperatividade e alterações de comunicação e cognitivas
relevantes. Pior prognóstico relaciona-se ao início antes do 1 ano de vida.

Epilepsia com crises focais migratórias da infância

A encefalopatia maligna com crises focais migratórias da infância apresenta


uma evolução catastrófica. Ocorre geralmente nos primeiros seis meses de vida. Evolui
com crises refratárias, atraso global do DNPM, microcefalia e DI. Tem início nos
primeiros 6 meses de vida. O EEG interictal é multifocal e mostra crises com início
em várias regiões cerebrais. Vários genes são implicados. Esta encefalopatia epiléptica
de início precoce grave é farmacorresistente.

Síndrome de Landau-Kleffner (SLK)

A SLK é também denominada afasia epileptiforme adquirida. Caracteriza-se


por afasia e crises ativadas pelo sono, com ação nas regiões temporal ou parieto-
occipital. Os critérios diagnósticos são clínico-eletrográficos. As manifestações
clínicas podem variar desde uma afasia adquirida relativa até deterioração mais
profunda da capacidade de comunicação. Um dos primeiros sinais é a agnosia auditiva
e perda das habilidades expressivas. Pode se instalar de maneira abrupta ou de forma
mais progressiva, no transcorrer de dias ou semanas. As habilidades de comunicação
não-verbais, habitualmente, se encontram preservadas. Há, nesta síndrome, alterações
de comportamento que podem mimetizar o quadro autístico, em especial nos pacientes
que apresentam regressão visto que, em ambas há comprometimentos relevantes da
linguagem e do comportamento. Os sintomas secundários incluem distúrbios
psicomotores, déficits de atenção, hiperatividade, alterações do sono e agressividade.
Essa síndrome regressiva afeta crianças após atingirem marcos de desenvolvimento
precoces. A deterioração da linguagem e comprometimento das interações sociais
podem levar a criança a uma regressão de suas capacidades e um estado de extrema
apatia que, frequentemente, se alternam com períodos de comportamentos hiperativos.
27

Alterações funcionais decorrentes da presença de descargas epileptogênicas nas redes


neuronais responsáveis pela linguagem falada são identificadas como causa direta das
alterações do comportamento verbal. A atividade epiléptica intensa no lobo temporal
esquerdo parece contribuir para o estabelecimento de uma encefalopatia
hipometabólica, que se manifestaria por alterações no comportamento verbal e social.
A afasia receptiva é seguida, após um pequeno intervalo de tempo, por afasia de
expressão e mutismo.
A regressão da linguagem ocorre em torno dos três aos cinco anos.

Ansiedade

As trajetórias do transtorno de ansiedade em crianças autistas são semelhantes às


das crianças com transtornos de ansiedade isolados, muitas vezes apresentando-se como
comportamentos externalizantes em crianças mais novas, que mudam para retraimento e
evitação na adolescência (APA,2013). Young et al. (2020) apresentaram que cerca de
70% das crianças com TEA terão pelo menos uma condição psiquiátrica concomitante e
41% terão duas ou mais, sendo as mais comuns a ansiedade social, o TDAH, a depressão
e o transtorno desafiador de oposição. Os padrões de comorbidade são semelhantes ao
longo do ciclo de vida, no entanto, com indivíduos apresentando uma série de transtornos
de ansiedade e humor, incluindo ataques de pânico, transtorno de ansiedade generalizada,
transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos unipolar e/ou bipolar. Compreender a
ansiedade em crianças autistas é essencial, pois ter um transtorno de ansiedade e ser
autista está associado ao aumento de comportamentos autolesivos, bem como depressão
e estresse dos pais em comparação com TEA isolado (MCPARTLAND, VOLKMAR,
2012; MINGIN et al., 2021). A ansiedade no TEA tem sido repetidamente associada às
alterações da sensibilidade sensorial (MURIS, OLLENDICK, 2021; BOUGEARD et al.,
2021). Há a hipótese de que indivíduos com TEA e QI mais alto têm probabilidade de
níveis mais altos de ansiedade, pois o QI mais alto permite pensamentos abstratos e
planejamentos, o que pode levar a maiores preocupações e ansiedade associada. Além
disso, são mais capazes de realizar funções de ordem superior, o que promove
preocupações com o passado, o futuro ou a autoeficácia (MINGIN et al., 2021). Bougeard
et al. (2021) relataram que o déficit na comunicação/interação no TEA pode ser
interpretado como um transtorno de ansiedade, enquanto, inversamente, pode impedir o
relato de sintomas potencialmente atribuíveis a esta comorbidade. De fato, há evidências
mostrando que a ansiedade e a ansiedade social em particular estão relacionadas ao
Mutismo Seletivo (MS) (MURIS, OLLENDICK, 2021). O MS é um transtorno de
ansiedade infantil complexo que se caracteriza pela dificuldade do indivíduo se
comunicar verbalmente em determinadas situações sociais (APA, 2013). É uma condição
psiquiátrica rara (entre 0,03 e 1,89%), tornando-se um foco de atenção clínica quando as
crianças ingressam na escola. Oitenta por cento das crianças com MS também preenchem
critérios diagnósticos para transtorno de ansiedade social, a comorbidade mais
frequentemente estabelecida. MURIS, OLLENDICK (2021) apresentaram que desde que
o MS foi incluído nos sistemas de classificação psiquiátricas, pesquisadores e clínicos
têm lutado com o critério de exclusão relacionado ao TEA.
28

Depressão

Vários estudos apresentaram que quadros depressivos podem advir coocorrentes


ao TEA (FERNANADEZ SCHERER, 2017; LYALL et al., 2017; MASI et al., 2017;
EISSA et al., 2018; HAVDAHL et al., 2021 MINGINS et al. (2021), mas os fatores que
os levam a ter maior risco de coexistência ainda não são completamente compreendidos
(DE-LA IGLESIA, OLIVAN, 2015; VAN HEIJST et al., 2020), pois são multifatoriais.
Os fatores de risco propostos para transtornos depressivos concomitantes no TEA
incluem fatores biológicos, ambientais, psicológicos e sociais, como histórico familiar,
sexo, idade, nível de inteligência, habilidades verbais, relacionamentos sociais e vivências
(DE-LA IGLESIA, OLIVAN, 2015; GOTHAM et al., 2015; DAY et al., 2020). Outro
fator de risco proposto é a consciência do indivíduo com TEA sobre suas deficiências ou
dificuldades (DE-LA IGLESIA, OLIVAN, 2015; DAY et al., 2020). As características
previstas no TEA podem complicar a observação e o eventual diagnóstico com base nos
sintomas depressivos (DAY et al., 2020; VAN HEIJST et al., 2020). GOTHAM et al.
(2015) apresentaram que os sintomas comuns de depressão, como problemas de sono,
dificuldade de concentração e comunicação podem ser facilmente mascarados por
sintomas pré-existentes do TEA. Relataram que vários sintomas depressivos comuns na
população geral tendem a ser observados em indivíduos com TEA comórbido, incluindo
tristeza, choro, apatia, perda de interesse pelas atividades e diminuição do autocuidado, e
que o aumento da automutilação e regressão das habilidades adaptativas podem ser
sintomas particularmente significativos de depressão em indivíduos com TEA, com
menor capacidade cognitiva. Outros possíveis sintomas depressivos mais específicos ou
comuns no TEA podem incluir irritabilidade e agitação, aumento do isolamento social,
além de mudança no caráter das obsessões (com as fixações assumindo um tom mais
mórbido) e um aumento no comportamento compulsivo (DAY et al., 2020).

Distúrbios do sono

O sono é crítico para o desenvolvimento sináptico típico e maturação cerebral e


suas disfunções estão correlacionadas com distúrbios metabólicos, imunológicos e
comportamentais e a quadros clínicos diversos, como TDAH, ansiedade, depressão,
impulsividade, epilepsias e TEA (FADINI et al., 2015; BESAG, 2017; TYE et al., 2018;
LAMÔNICA et al., 2021). Uma série de distúrbios do sono pode estar presente em
crianças com TEA, incluindo insônia (dificuldades no início, duração, consolidação ou
qualidade do sono, resistência à hora de dormir, despertares noturnos ou incapacidade de
dormir de forma independente), distúrbios da transição sono-vigília, distúrbios
respiratórios do sono, parassonias (incluindo pesadelos, gritos ao acordar, movimentos
complexos e sonhos) e distúrbios do movimento relacionados ao sono (movimentos
rítmicos e síndrome das pernas inquietas) (SOUDERS et al., 2017; TYE et al., 2018). Os
distúrbios do sono, sejam eles transitórios ou permanentes, têm efeitos prejudiciais na
cognição, nos domínios da atenção e da memória, na regulação do humor e no
comportamento, com repercussões negativas nas atividades funcionais do dia a dia
(FADINI et al., 2015; SOUDERS et al., 2017; BOUGEARD et al., 2021; LAMÔNICA
et al., 2021). Além disso, há uma relação direta entre a redução das horas de sono noturno
29

e a gravidade dos estereótipos comportamentais, dificuldades nas interações sociais e


estresse familiar (TYE et al., 2018).

Anormalidades do sistema motor e sensorial

Quanto ao desempenho motor, atrasos e transtornos em diferentes domínios


(motor grosso e fino, coordenação, controle postural e equilíbrio estático e dinâmico) têm
sido amplamente observados em crianças com TEA (TYE et al., 2019; FULCERI et al.,
2019; OHARA et al., 2019; KLIN et al., 2020). Ohara et al. (2019) relataram vários
estudos demonstrando que uma disfunção motora precoce pode contribuir para déficits
sociais e de comunicação posteriores em uma possível conexão causal entre esses dois
conjuntos de habilidades. Macneil e Mostofsky (2021) reportaram deficiências motoras
em alguns indivíduos com TEA que foram consistentes com dispraxia. A dispraxia do
desenvolvimento pode ser vista em indivíduos com Transtorno do Desenvolvimento da
Coordenação (TDC) e são quadros distintos. O TDC é considerado um transtorno discreto
do neurodesenvolvimento que afeta equilíbrio, a coordenação motora grossa e fina. É
caracterizado por dificuldade significativa em realizar habilidades motoras grossas e finas
precisas e rápidas, incluindo problemas de coordenação, praxia, controle postural e
equilíbrio em um nível apropriado para a idade, e sem lesão neurológica evidente (APA,
2013). Sinais precoces dessas dificuldades podem ser observados nos primeiros anos de
vida, quando essas crianças apresentam atrasos na aquisição de marcos motores. Hus e
Segal (2020) relataram que embora os critérios do DSM-5 permitam que as crianças
tenham um diagnóstico duplo de TEA e TDC, ainda há falta de consenso se TDC e TEA
são transtornos distintos com algumas características motoras compartilhadas, ou se
alguns indivíduos com TEA têm TDC enquanto outros não. Verifica-se que a semiologia
dos distúrbios neuromotores requer esclarecimento, e as trajetórias do
neurodesenvolvimento das funções neuropsicomotoras não estão bem mapeadas no TEA,
provavelmente porque há heterogeneidade dos quadros clínicos e, melhores
especificações de deficiências motoras poderão identificar endofenótipos clinicamente
relevantes (TYE et al., 2019; MACNEIL, MOSTOFSKY, 2021). Desta forma, cabe
parcimônia ao associar as alterações motoras encontradas em alguns indivíduos com TEA
como sendo apraxias ou dispraxias. Uma questão digna de nota refere-se ao diagnóstico
de apraxia de fala na infância (AFI) e TEA. Conti et al. (2020) apresentaram que ambos
são transtornos com critérios diagnósticos distintos e epidemiologias diferentes, no
entanto, podem apresentar algum fundo genético comum, bem como características
clínicas sobrepostas. Vale ressaltar que nem todo indivíduo diagnosticado com TEA e
que não é verbal tem AFI. Há necessidade de avaliação de outros quesitos, principalmente
o funcionamento intelectual.

As “sensibilidades sensoriais” ganharam maior destaque com sua inclusão nos


critérios diagnósticos revisados no DSM-5, embora variem entre os indivíduos com TEA
(TAVASSOLI et al., 2018; TAYLOR et al., 2020; HERNANDEZ et al., 2021;
SCHEERER et al., 2021). Hornix et al. (2019) apresentaram que compreender os
mecanismos neurobiológicos subjacentes aos déficits de processamento sensorial é
fundamental para identificar alvos para novas estratégias de intervenção direcionadas aos
déficits do circuito neural, envolvendo o desenvolvimento do córtex sensorial, integração
multissensorial e responsividade comportamental. Relataram que a trajetória do
neurodesenvolvimento dos circuitos sensoriais está relacionada às mutações genéticas de
30

risco, em particular moléculas de adesão celular, diretamente correlacionadas com


plasticidade sináptica. O comprometimento do processamento sensorial é uma disfunção
neurológica que afeta recepção, modulação, integração, discriminação, organização de
estímulos e respostas comportamentais aos estímulos sensoriais (FERNÁNDEZ-
ANDRÉS et al., 2015; HORNIX et al., 2019; ROMERO-AYUSO et al., 2020), em
diferentes modalidades, visão, audição, toque, olfato, gustação e integração
multissensorial (TYE et al., 2018). Os problemas de modulação sensorial, conferem
diferentes respostas, que são agrupadas em três padrões: hiporresponsividade sensorial
(reações baixas ou ausentes aos estímulos); hiperreatividade sensorial (alta sensibilidade
ou reações aversivas aos estímulos) e interesses sensoriais restritos (fascinação intensa
por estímulos específicos, desejo por estímulos repetitivos ou ações sensoriais baseadas
em partes e não no todo, rotações entre outros (ROMERO-AYUSO et al., 2020). Tye et
al. (2018) relataram que cerca de 95% dos pais de crianças com TEA identificam
comportamentos de sensibilidade sensorial atípicos em seus filhos e, muitas vezes,
precocemente (TYE et al., 2018). Para Tavassoli et al. (2018) alterações da reatividade
sensorial ocorrem em mais de 65% das crianças com TEA e em cerca de 5% da população
infantil. Ressalta-se que a reatividade às sensações pode ser altamente dependente do
contexto, com indivíduos parecendo hiperreativos em um cenário, mas hiporreativos em
outro. Hernandez et al. (2021) verificaram que sensibilidades sensoriais também variam
consideravelmente entre e dentro de indivíduos no espectro. Morris e Ollendick (2021)
reportaram que as anormalidades do processamento sensorial podem ser uma classe
especial dos padrões de comportamentos e interesses restritos e repetitivos (CIRR). Foi
sugerido que os comportamentos repetitivos prototípicos e a resistência à mudança de
crianças com TEA são frequentemente moderados por experiências sensoriais incomuns.
O impacto do déficit na integração multissensorial reside em seus efeitos em cascata sobre
a capacidade de detectar e focalizar informações importantes ao longo do
desenvolvimento, com efeitos em todas as esferas do comportamento humano (TYE, et
al., 2018). Os CIRR representam um dos domínios de diagnósticos para TEA, referindo-
se a uma ampla gama de padrões comportamentais que incluem estereotipias,
comportamentos autolesivos, manipulação repetitiva de objetos, insistência em rotinas e
rituais (FULCERI et al., 2019; OHARA et al., 2019; KLIN et al., 2020).

O Quadro 3 apresenta comportamentos atípicos em cada modalidade sensorial que


exemplifica condutas, reações e ações de indivíduos com TEA.
31

Quadro 3: Comportamentos atípicos em cada modalidade sensorial

Visual: Atipias no rastreamento visual. Contato visual restrito e/ou evitativo.


Alteração no uso do campo visual (olhar periférico, inspeção de partes e não do todo).
Redução do engajamento visual social. Hiperreatividade/hiporreatividade visual.
Dificuldade na sensibilidade ao contraste. Déficits no processamento de forma e
percepção de movimento. Deficiências de atenção espacial. Função oculomotora
alterada; Incapacidade para desvincular visualmente de um estímulo para outro.
Dificuldades no processamento de informações visuais.

Auditiva: Atipias no rastreamento auditivo; Hiperreatividade/hiporreatividade


auditiva. Redução da extração de informações auditivas salientes do ambiente.
Aumento da sensibilidade a sons e ruídos. Falta de orientação para estímulos relevantes
podendo se relacionar com dificuldade na detecção, filtragem, discriminação de
frequência e análise dos estímulos auditivos relevantes/irrelevantes, levando a
incapacidade de isolar características de informações auditivas concorrentes.
Dificuldade para focar atenção nas informações auditivas mais relevantes.
Dificuldades no processamento de informações auditivas.

Toque: Atipias no processamento das informações de superfície. Percepção


tátil prejudicada. Hiperreatividade/hiporreatividade ao toque. A interocepção, que
envolve o processamento do self em termos de funções corporais e sua integração
sensorial, pode interferir nas funções corporais, como temperatura, alongamento e dor,
levando ao toque não discriminatório quanto a intensidade.

Olfato e Gustação: Atipias nas respostas de detecção de odor e sabor.


Hiperreatividade/hiporreatividade aos estímulos gustativos e cheiros seletivos em
relação aos grupos de alimentos, texturas, sabores e temperaturas. Propensos a
apresentar níveis mais altos de recusa alimentar ou preferências alimentares seletivas.
Dificuldades no processamento de informações olfativas e gustativas.

Multissensorial: Dificuldade para a integração de estímulos de diferentes


modalidades interferindo no processamento holístico desses componentes. Prejuízo
nas informações amodais, como espaço, tempo e intensidade. Alterações nas
modalidades visual, auditiva, toque, gustação e olfato, individualmente, trará também
falhas na integração das informações processadas pelo organismo.

Comportamentos atípicos relacionados: Não se comunica pelo choro;


Redução ou ausência de sorriso social; Falta de interesse ou interesse restrito por
objetos; Não estranha pessoas; Não bate palmas, acena ou aponta com significado
social; Dificuldade quando a rotina é modificada; riso e choro aparentemente
imotivados; Não responde quando chamado; não se volta a fonte sonora (a menos que
o som seja de seu interesse, ou seja reage como se fosse surdo;
hiporreatividade/hiperreatividade a estímulos visuais e auditivos; Movimentos
32

corporais atípicos, maneirismos, autoestimulação e estereotipias: flapping, balanceios,


movimentos repetitivos, enfileirar objetos, organizar objetos de acordo com critérios
próprios; andar nas pontas dos pés; rodam em torno de si ou apreciam ver objetos
rodando; hiper/hipossensibilidade tátil com dificuldade e preferência por determinadas
texturas; raramente olham nos olhos; uso do campo visual periférico, usam as pessoas
como instrumento; dificuldade para compartilhar atenção e mantê-las. Interesses
restritos; aparente desinteresse por contato físico; Alteração da sensibilidade dolorosa;
Dificuldade para identificar perigos reais. Alteração da comunicação social.

Observação: Nem todos os indivíduos com TEA apresentarão todos os


comportamentos descritos, o que justifica a heterogeneidade clínica desta condição.

Conforme já apresentado, transtornos de linguagem são frequentemente


coocorrentes e estão incluídos nos critérios do DSM-5 (RYLAARSDAM et al., 2019).
Visto a diversidade das alterações da comunicação no TEA, é fundamental a compreensão
a respeito da aquisição da linguagem, voltadas ao desenvolvimento semântico, sintático,
fonológico e pragmático. Outros capítulos abordarão esta temática.

Considerações Finais

O objetivo deste capítulo foi apresentar a relação diagnóstico diferencial com o


universo etiológico multifatorial do TEA. Este assunto é complexo, extenso e não se
esgota neste capítulo, pois muitos pontos não foram aprofundados, como por exemplo,
alterações anatomofuncionais, gênicas e metabólicas. O que deve ficar claro é que não se
pode dizer que “não se sabe a etiologia do TEA”, passando a ideia de que é algo
enigmático, transcendental, metafísico ou “do além”, quando na verdade, muito se sabe
– é multifatorial e envolve fatores genéticos e ambientais. Entretanto, a identificação de
cada caso, em particular pode ficar sem solução, devido aos custos para a busca
etiológicas, a dificuldade dos avanços da ciência chegar aqueles que necessitam, dentre
outros fatores. As práticas diagnósticas, via de regra, têm se pautado na presença dos
comportamentos previstos em manuais diagnósticos como o DSM-5, que apresenta,
dentre outros conceitos, um rol de manifestações. Em estudos clínicos diagnósticos há de
se considerar os diferentes quadros diferenciais, bem como as possibilidades de
comorbidades, com o intuito de reduzir os efeitos deletérios destes transtornos,
oferecendo processos terapêuticos mais adequados e efetivos que visem melhorar a
qualidade de vida destes indivíduos e suas famílias.

_______________________________________
Nota: Os quadros 1 e 2 foram construídos com as referências apresentadas neste capítulo, bem como
pesquisas nos seguintes endereços eletrônicos:
https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php
https://www.omim.org/
https://gene.sfari.org/
33

Referências

American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental


Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association,
2013.
BAYAT, A. et al. Epilepsy Syndromes in the First Year of Life and Usefulness of Genetic
Testing for Precision Therapy. Genes. v. 12, n. 7, p. 1051, Jul. 2021. doi:
10.3390/genes12071051.
BESAG, F. M. Epilepsy in patients with autism: links, risks and treatment challenges.
Neuropsychiatric Disease and Treatment. v. 18, n. 14, p. 1-10. 2017. doi:
10.2147/NDT.S120509.
BÖLTE, S.; GIRDLER, S.; MARSCHIK, P. B. The contribution of environmental
exposure to the etiology of autism spectrum disorder. Cellular and Molecular Life
Sciences. v. 76, n. 7, p. 1275-1297, 2019. doi: 10.1007/s00018-018-2988-4.
BOUGEARD, C. et al. Prevalence of Autism Spectrum Disorder and Co-morbidities in
Children and Adolescents: A Systematic Literature Review. Frontiers Psychiatry. v. 27,
n. 12, p. 744709. 2021 doi: 10.3389/fpsyt.2021.744709.
CONTI, E. et al. Autism Spectrum Disorder and Childhood Apraxia of Speech: Early
Language-Related Hallmarks across Structural MRI Study. Journal of Personalized
Medicine. v. 10, n. 4, p. 275. 2020. doi: 10.3390/jpm10040275.
DAY, T. C. et al. Self-reported social impairments predict depressive disorder in adults
with autism spectrum disorder. Autism. v. 24, n. 2, p. 297-306, 2020. doi:
10.1177/1362361319857375..
DE-LA-IGLESIA, M.; OLIVAR, J. S. Risk Factors for Depression in Children and
Adolescents with High Functioning Autism Spectrum Disorders. Scientific World
Journal. v. 2015, p. 127853, 2015. doi: 10.1155/2015/127853
EISSA, N. et al. Current Enlightenment About Etiology and Pharmacological Treatment
of Autism Spectrum Disorder. Frontiers Neuroscience. v. 16, n. 12, p. 304, May. 2018.
doi: 10.3389/fnins.2018.00304.
FADINI, C. C. et al. Influence of sleep disorders on the behavior of individuals with
autism spectrum disorders. Frontiers in Human Neuroscience. v. 18, p. 347, June, 2015.
doi:10.3389/fnhum.2015.00347
FERNÁNDEZ-ANDRÉS, M. I. et al. Comparative study of sensory processing in
children with and without autism spectrum disorder in the home and classroom
environments. Research in Developmental Disabilities. v. 38, p. 202–212, 2015.
doi10.1016/j.ridd.2014.12.034
FERNANDEZ, B.A.; SCHERER, S. W. Syndromic autism spectrum disorders: moving
from a clinically defined to a molecularly defined approach. Dialogues in Clinical
Neuroscience. v. 19, n. 4, p. 353-371, 2017. doi: 10.31887/DCNS.2017.19.4/sscherer.
FULCERI, F. et al. Motor Skills as Moderators of Core Symptoms in Autism Spectrum
Disorders: Preliminary Data From an Exploratory Analysis with Artificial Neural
Networks. Frontiers in Psychology. v. 9, n. 9, p. 2683, 2019. doi:
10.3389/fpsyg.2018.02683.
GIALLORETI, L. E. et al. Risk and Protective Environmental Factors Associated with
Autism Spectrum Disorder: Evidence-Based Principles and Recommendations. Journal
of clinical medicine, v. 8, n. 2, p. 217, 2019. doi.org/10.3390/jcm8020217
GOTHAM, K.; UNRUH, K.; LORD, C. Depression and its measurement in verbal
adolescents and adults with autism spectrum disorder. Autism. v. 19, n. 4, p. 491-504,
May 2015. doi: 10.1177/1362361314536625.
34

GRAHAM, S.A.; FISHER, S. E. Understanding Language from a Genomic Perspective.


Annual Review of Genetics. v. 49, p. 131-160, 2015. doi: 10.1146/annurev-genet-
120213-092236
HAVDAHL, A. et al. Genetic contributions to autism spectrum disorder. Psychological
Medicine. v. 51, n. 13, p. 2260-2273, 2021. doi: 10.1017/S0033291721000192.
HERNANDEZ, C. C. et al. Dravet syndrome-associated mutations in GABRA1, GABRB2
and GABRG2 define the genetic landscape of defects of GABAA receptors. Brain
Communications. v. 3, n. 2, p. fcab033, Mar 2021. doi: 10.1093/braincomms/fcab033.
HORNIX, B. E.; HAVEKES, R.; KAS, M. J. H. Multisensory cortical processing and
dysfunction across the neuropsychiatric spectrum. Neuroscience & Biobehavioral
Reviews. v. 97, n. 138–151, 2019. doi:0.1016/j.neubiorev.2018.02.010
HUS, Y.; SEGAL, O. Challenges Surrounding the Diagnosis of Autism in Children.
Neuropsychiatric Disease and Treatment. v. 3, n. 17, p. 3509-3529, 2021. doi:
10.2147/NDT.S282569.
KLIN, A.; KLAIMAN, C.; JONES, W. Reducing age of autism diagnosis: developmental
social neuroscience meets public health challenge. Revista de Neurologia. v. 60, p. S3-
11, 2015.
KLIN, A. et al. Affording autism an early brain development re-definition.
Developmental and Psychopathology. v. 32, n. 4, p. 1175-1189. 2020. doi:
10.1017/S0954579420000802.
Hyman, S. L. et al. Identification, Evaluation, and Management of Children with Autism
Spectrum Disorder. Pediatrics. v. 145, n. 1, p. e20193447, Jan. 2020. doi:
10.1542/peds.2019-3447
KNUESEL, I. et al. Maternal immune activation and abnormal brain development across
CNS disorders. Nature Reviews Neurology. v. 10, p. 643–660, 2014.
doi:10.1038/nrneurol.2014.187.
LAMÔNICA, D. A. C. et al. Sleep quality, functional skills, and communication in
preschool-aged children with autism spectrum disorder. Research in Developmental
Disabilities. v. 116, p. 104024, 2021. doi: 10.1016/j.ridd.2021.104024.
LIBERALESSO, P. B. N. Epileptic Syndromes in Childhood. A Practical Approach.
Residência Pedriátrica. v. 8, n. 1, p. 56-63, 2018. doi:10.25060/residpediatr-2018.v8s1-
10
LYALL, K. et al. The Changing Epidemiology of Autism Spectrum Disorders. Annual
Review of Public Health. v. 20, n. 38, p. 81-102, Mar 2017. doi: 10.1146/annurev-
publhealth-031816-044318.
MACNEIL, L. K.; MOSTOFSKY, S. H. Specificity of dyspraxia in children with autism.
Neuropsychology. v. 26, n. 2, p.165-71, 2012. doi: 10.1037/a0026955.
MAESTRINI E, E. T. al. High-density SNP association study and copy number variation
analysis of the AUTS1 and AUTS5 loci implicate the IMMP2L-DOCK4 gene region in
autism susceptibility. Molecular Psychiatry. v. 15, p. 954–968, 2010. doi:
10.1038/mp.2009.34.
MAHAJAN, R.; MOSTOFSKY, S. H. Neuroimaging endophenotypes in autism
spectrum disorder. CNS Spectrums. v. 20, n. 4, p. 412-426, 2015. doi:
10.1017/S1092852915000371.
MARTINS, R. et al. Encefalopatias epilépticas Infantis. Acta Médica Portuguesa. v. 33,
n. 6, p. 415-24, 2020. doi:10.20344/amp.12550
MESLEH, A. G.; ABDULLA, S. A.; EL-AGNAF, O. Paving the Way toward
Personalized Medicine: Current Advances and Challenges in Multi-OMICS Approach in
Autism Spectrum Disorder for Biomarkers Discovery and Patient Stratification. Journal
of Personalized Medicine. v. 11, n. 1, p. 41, 2021. doi: 10.3390/jpm11010041.
35

MINGINS, J. E. et al. Anxiety and intellectual functioning in autistic children: A


systematic review and meta-analysis. Autism. v. 25, n. 1, p. 18-32, 2021. doi:
10.1177/1362361320953253.
MOTTRON, L.; BZDOK, D. Autism spectrum heterogeneity: fact or artifact? Molecular
Psychiatry. v. 25, n. 12, p. 3178-3185, 2020. doi: 10.1038/s41380-020-0748-y.
MUGZACH, O. et al. An ontology for Autism Spectrum Disorder (ASD) to infer ASD
phenotypes from Autism Diagnostic Interview–Revised data. Journal of Biomedical
Informatics. v, 56, p. 333–347, 2015.
MURIS, P.; OLLENDICK, T. H. Selective Mutism and Its Relations to Social Anxiety
Disorder and Autism Spectrum Disorder. Clinical Child and Family Psychology
Review. v. 24, n. 2, p. 294-325, Jun 2021. doi: 10.1007/s10567-020-00342-0.
NISAR, S. et al. Association of genes with phenotype in autism spectrum disorder. Aging.
v. 11, n. 22, p. 10742-10770, 2019. doi: 10.18632/aging.102473.
RYLAARSDAM, L.; GUEMEZ-GAMBOA, A. Genetic Causes and Modifiers of Autism
Spectrum Disorder. Frontiers in Cellular Neuroscience. v, 20, n. 13, p. 385, 2019. doi:
10.3389/fncel.2019.
ROBERT, C. et al. Role of Genetics in the Etiology of Autistic Spectrum Disorder:
Towards a Hierarchical Diagnostic Strategy. International Journal of Molecular
Sciences. v. 18, n. 3, p. 618, 2017.
ROMERO-AYUSO, D. et al. Assessment of Sensory Processing and Executive Functions
at the School: Development, Reliability, and Validity of EPYFEI-Escolar. Frontiers in
Pediatrics. v. 29, n. 8, p. 275, 2020; doi: 10.3389/fped.2020.00275.
ROSE, S. et al. Clinical and Molecular Characteristics of Mitochondrial Dysfunction in
Autism Spectrum Disorder. Molecular Diagnosis & Therapy. v. 22, n. 5, p. 571-593,
2018. doi: 10.1007/s40291-018-0352-x.
SATTERSTROM, F. K. et al. Autism spectrum disorder and attention deficit
hyperactivity disorder have a similar burden of rare protein-truncating variants. Nature
Neuroscience. v. 22, n. 12, p. 1961-1965, 2019. doi: 10.1038/s41593-019-0527-8.
SICHERMAN, N. et al. Clinical signs associated with earlier diagnosis of children with
autism Spectrum disorder. BMC Pediatric. v. 21, p. 96, 2021. doi: 10.1186/s12887-021-
02551-0.
SHUID, A. N. et al. Update on Atypicalities of Central Nervous System in Autism
Spectrum Disorder. Brain Sciences. v. 10, n. 5, p. 309, 2020. doi:
10.3390/brainsci10050309.
SOUDERS, M. C. et al. Sleep in Children with Autism Spectrum Disorder. Current
Psychiatry Reports. v. 19, n. 6, p. 34, 2017. doi: 10.1007/s11920-017-0782-x.
SRIVASTAVA, S.; SAHIN, M. Autism spectrum disorder and epileptic encephalopathy:
common causes, many questions. Journal of Neurodevelopmental Disorders. v. 9, p.
23, 2017. doi: 10.1186/s11689-017-9202-0.
TORDJMAN. S. et al. Gene X Emvironment interactions in autismo spectrum disorders:
role of epigenetic mechanisms. Frontiers in Psychiatry. v. 4, n. 5, p. 53, 2014. doi:
10.3389/fpsyt.2014.00053
TURNER, T. J. et al. Recent advances in gene therapy for neurodevelopmental disorders
with epilepsy. Journal of Neurochemistry. v. 157, n. 2, p. 229-262, 2021. doi:
10.1111/jnc.15168.
VAN HEIJST, B. F. et al. Autism and depression are connected: A report of two
complimentary network studies. Autism. v. 24, n. 3, p. 680-692. 2020. doi:
10.1177/1362361319872373.
VELÍŠKOVÁ, J. et al. Autistic traits in epilepsy models: Why, when and how? Epilepsy
Research. v. 144, p. 62-70, 2018. doi: 10.1016/j.eplepsyres.2018.05.009.
36

YOON, S. H. et al. Genetic and Epigenetic Etiology Underlying Autism Spectrum


Disorder. Journal of Clinical Medicine. v. 9, n. 4, p. 966, 2020. doi:
10.3390/jcm9040966.
YOUNG, S. et al. Guidance for identification and treatment of individuals with attention
deficit/hyperactivity disorder and autism spectrum disorder based upon expert consensus.
BMC Medicine. v. 18, n. 1, p. 146, 2020. https://doi.org/10.1186/s12916-020-01585-y
37

3. Sinais de sofrimento psíquico em bebês e o


risco de evolução para o TEA
Ana Paula Ramos de Souza

Introdução

Neste capítulo serão abordados alguns dos sinais de sofrimento psíquico em bebês,
a partir de estudos que integram conhecimentos das neurociências e da psicanálise acerca
da constituição do psiquismo, e que indicam que pode estar em estruturação um futuro
quadro de transtorno do espectro do autismo. Para dar conta da proposta, cabe uma
revisão sobre o que se sabe acerca de como o bebê habita seu corpo, a relação entre
aspectos genéticos e epigenéticos que fundamentam os conceitos de intersubjetividade
primária e secundária, relativa ao que se conhece dos estudos de Freud, Lacan e
psicanalistas que clinicam com bebês, de modo identificar os sinais precoces de que um
bebê está na direção do TEA. Finalmente são abordados os Sinais PREAUT como forma
de detecção precoce de risco e encaminhamento para intervenções oportunas.

Sobre a habitação do corpo, cabe destacar a teoria de Bullinger (2006) que afirma
que o bebê apresenta um domínio progressivo de espaços corporais desde o útero até
poder andar e se movimentar de modo independente. O autor, considerando autores como
Piaget, Freud, Lacan, Lebovici, afirma que a capacidade de conhecer advém da
articulação entre os aspectos genéticos e a troca com o ambiente na construção de
conceitos sobre si próprio e sobre o mundo. Essa construção permite que o bebê possa
automatizar posturas controladas a nível subcortical e deixar livre o processamento
cortical para trocas complexas, sobretudo para comunicação e o funcionamento
heteróclito da linguagem. O autor ressalta que o bebê, ao perder o invólucro do útero, é
submetido à força da gravidade e terá de lidar com informações táteis, proprioceptivas e
vestibulares de um modo intenso a ponto de construir o que Bullinger (2006) chamou de
espaço gravitacional.

Vencer a gravidade implica em recrutar recursos tônico-posturais para continuar


as movimentações que se iniciaram já no útero até aproximadamente quatro meses após
o nascimento, os chamados General Movements (GM), que serão substituídos por
movimentação voluntária gradativamente mais complexa. Sabe-se que um bebê
prematuro pode experimentar dificuldades no domínio do espaço gravitacional e, com
isso, ter dificuldades em vencer a gravidade pelo baixo peso ao nascimento e imaturidade
corporal e, por isso, esses bebês possuem risco de evolução para um quadro de transtorno
do espectro do autismo (TEA) ou mesmo para risco psíquico de outra natureza (ROTH-
HOOGSTRAEN et al., 2018a). Há estudos específicos que evidenciam que alterações nos
GMs em casos de TEA (PHAGAVA et al., 2008), evidenciando a importância da análise
desses movimentos como forma de detecção precoce de risco. Os GMs são movimentos
espontâneos do bebê que abrangem todo o corpo em uma sequência variável manifesta
nos braços, pernas, pescoço e tronco, com velocidade e amplitude variadas. Eles são
observados até 15 semanas pós-termo e podem ser observados desde a UTI neonatal, a
partir de uma filmagem sem intervenção ou estímulo externo, quando o bebê está em
38

supino ou no leito (PRECHTL et al., 1997; EINSPIELER e PRECHTL, 2005;


EINSPIELER, PEHERZ e MARSCHIK, 2016).

Os GMs são avaliados de forma qualitativa em normais ou anormais de acordo


com sua fluência. No caso dos normais apresentam variabilidade e complexidade, com
início e fim graduais, abrangem padrões complexos e variáveis de flexão, extensão e
rotação que dão uma impressão de fluência e elegância. A partir de dez semanas após o
nascimento, são chamados de Fidgety Moviments (FM), que entre 6 e 8 semanas surgem
em movimentos isolados frequentes e diminuem entre 15 e 18 semanas coincidindo com
o período em que os movimentos antigravitacionais e intencionais começam. Portanto,
alterações nos FM também são analisadas como detecção precoce de risco ao
desenvolvimento infantil não só motor enquanto sinal de lesão cerebral ( PRECHTL et
al., 1997; EINSPIELER et al., 2012; BOSANQUET et al., 2013) bem como para detecção
precoce de dificuldades de habitar o próprio corpo, que pode criar obstáculos para que a
criança construa seu esquema corporal tão importante para entrar em relação com o outro,
e por meio da inscrição de significantes, criar a imagem corporal ( PAIM e KRUEL,
2012).

Outro espaço que o bebê deve construir, após vencer a gravidade, é o espaço do
busto, que abrange o controle da parte superior do tronco incluindo a cabeça. Este
domínio já começa no ato de aleitamento, pois o bebê já recruta um movimento de cabeça
para se aproximar do seio. Bullinger (2006) já detecta nesse domínio sinais de risco como
a dificuldade de construção da narrativa alimentar da apetência à saciedade e a noção de
continência e de espessura corporais, que abrangem a dimensão ântero-posterior do
tronco. Entre os sinais de risco que o autor aponta estão agarramentos visuais, vistos já
no primeiro ano de vida, e fixações orais (estereotipias) como levar todos os objetos à
boca de modo repetitivo ou movimentos repetitivos de dedos em frente aos olhos
(PURPURA et al., 2017). É importante lembrar que uma criança que se alimenta bem
mostra um sinal de saúde física e também mental. Já uma criança que se deixa alimentar
passivamente (série silenciosa) ou que evita se alimentar (série barulhenta), descartadas
as motivações orgânicas, demonstra sinais de sofrimento psíquico e, no caso das crianças
com TEA, são conhecidos os processos de restrição alimentar (Bandini et al., 2010;
Bellefeuille, 2014) relacionados a questões sensorioais. Além das preocupações
nutricionais, esses bebês claramente não desenvolvem o percurso pulsional oral
(LACAN,1964), pois não se oferecem para serem “saboreados” por sua mãe. A restrição
alimentar possui forte relação com problemas sensoriais. Alguns estudos realizados no
Brasil já evidenciam a alteração no perfil sensorial de crianças em sofrimento psíquico
(BELTRAME, MORAES e SOUZA, 2018) e com TEA (OLIVEIRA e SOUZA, 2022).

O interesse do bebê em explorar cada vez mais os objetos, aprimorando a


sincronização entre o olhar e movimentação manual, é motivado por experiências com os
objetos e mudanças de postura cada vez mais elaboradas que permitem o rolar e o controle
de um lado e outro do corpo do bebê (hemicorpos esquerdo e direito). Essas experiências
permitem a constituição do espaço do torso, que abrange o domínio da postura sentada
sem apoio e a transição de objetos de uma mão para a outra, bem como a coordenação
dos lados direito e esquerdo do corpo, fundamentais para as interações tridiádicas (bebê,
objeto, outro-mãe/cuidador). Estudos como os de Esposito e Venuti (2009) e Esposito et
al. (2009) evidenciam que bebês que foram diagnosticados com autismo aos três anos de
idade, apresentavam posturas assimétricas corporais persistentes no primeiro ano de vida,
quando analisados os vídeos familiares. Há, portanto, claros sinais motores de risco em
39

bebês que se tornam autistas mais tarde e que podem ser detectados a partir de um olhar
atento na puericultura. Eles abrangem também o engatinhar e o andar, pois o domínio do
espaço corporal, fundamental para a deambulação (BULLINGER, 2006), também
apresenta sinais de assimetria nesses bebês.

Outro sinal fundamental neste momento é a dificuldade em se manter conectado


pelo olhar (Saint-Georges et al., 2011), ou seja, há uma dificuldade de circulação da
pulsão escópica (LACAN, 1964) porque não há sustentação do olhar de modo
suficientemente bom para que se registrem a troca de prazer com a mãe ou sua substituta.

Essas características corporais do bebê no primeiro ano de vida, que recebe o


diagnóstico de TEA a partir dos três anos, evidenciam dificuldades de extrair
regularidades das experiências ambientais e invariantes fundamentais para a construção
de representações mentais independentes das ações e explicam, em parte, a dificuldade
de construção da função semiótica tão importante para a linguagem, pois as repetições
espaço-temporais, presentes nas trocas que se estabelecem entre o bebê e seu entorno,
impulsionam a passagem do espaço do gesto para a identificação do efeito espacial do
gesto e a possibilidade de separação entre representação e ação (BULLINGER, 2006).

Essas observações das dificuldades corporais iniciais dos bebês, que recebem o
diagnóstico de TEA mais tarde, evidenciam a importância do trabalho de Trevarthen e
Delafield-Butt (2013) sobre as dificuldades com a intersubjetividade primária desses
bebês (GOLSE, 2013). A proposição principal dos autores é de que há uma falha pré-
natal no desenvolvimento dos sistemas que programam o timing, a coordenação motora
seriada, o controle prospectivo de movimentos e o controle da regulação afetiva das
experiências nas crianças com TEA.

O desenvolvimento infantil se embasa em experiências de coordenação motora e


expressão de estados vitais e emoções reguladas pela vida social, por isso, Trevarthen e
Delafield-Butt (2013) relacionam o desenvolvimento cognitivo do autista com aumento
de erros no agenciamento criativo atribuível a eventos no desenvolvimento embrionário
e da criança. Isso dificultaria o desenvolvimento neurobiológico subcortical autopoético
que torna possível as manifestações de intenções e emoções antes do nascimento e a
cooperação de movimentos com um sistema intencional criança-adulto que sustente o
processo primário emocional da consciência. Nascemos prontos para compartilhar
emoções via agenciamento de movimentos. Esse compartilhamento é anoético, não
depende de aquisição de conhecimento categorial, cuja essência é cultural. A criança é
adaptada fisicamente e motivada psicologicamente para receber cuidado físico e
companhia no apego materno.

No entanto, os bebês, que se tornam autistas, parecem ter uma falha inicial na
subjetividade primária que sustenta a intersubjetividade secundária como afirma Golse
(2013). Na origem dessa dificuldade está um erro em sistemas motores da base cerebral
durante a ontogênese cerebral pré-natal. Numerosos trabalhos põem em evidência as
anomalias da conectividade neuronal que poderiam se manifestar de modo difuso entre
as diferentes áreas do circuito neuronal da competência social e dificuldades com
neurônios espelho que levam essas crianças, por exemplo a descrevem nossas ações mas
não conseguirem atribuir uma intenção e utilizarem de maneira errônea elementos do
contexto, todos revisados cuidadosametne por Muratori (2014). Ansermet e Giacobino
(2013) afirmam que os determinantes genéticos no caso do TEA são múltiplos e
40

heterogêneos, o que justifica tomar cada caso de modo singular, como a psicanálise o faz,
ou seja, os efeitos epigenéticos que incidem sobre a relação entre genética e plasticidade
cerebral, somados à história de vida de cada bebê e sua família, justificam pensar deste
modo.

Por isso, é importante não tomar a fundação da casa como a casa em seu todo
(CRESPIN, 2012), pois além dessas características corporais que criam obstáculos
iniciais à relação, há a contribuição das interações iniciais que podem compensar tais
dificuldades ou alimentá-las por um efeito epigenético, ou seja, os fatores ambientais
também possuem um papel, sejam eles físicos ou psíquicos. Trevarthen e Delafield-Butt
(2013) afirmam que o sistema motor-emocional do bebê é construído a partir do suporte
materno que é um processo dinâmico que modula mudanças na regulação do ser que serão
necessárias em ações colaborativas com diferentes pessoas com distintos graus de
intimidade. O ritmo expressivo das mãos faz parte desse sistema motor-emocional, que
parece ter raízes no canto e na dança. Essas observações dos autores reforçam os trabalhos
sobre a contribuição dos gestos corporais na aquisição da linguagem (CAVALCANTE et
al., 2016).

Portanto, ao se detectar que há uma dificuldade na expressão gestual e


engajamento do bebê com seu cuidador, pode ser necessária uma intervenção oportuna
para que possam ser compensadas essas dificuldades de modo a permitir e sustentar o
encontro sincrônico entre a mãe e o bebê com esses sinais de risco. As dificuldades em
habitar o próprio corpo limitam a participação desses bebês na comunicação com sua mãe
ou substituta e também possuem uma influência nos comportamentos parentais, como o
aumento da regulação up, do uso do manhês e de gestos, pois os pais de bebês que estão
se tornando autistas precisam de um empenho maior para poder captá-los na relação
(APICELLA et al., 2013). Dados similares foram publicados no estudo de Saint-Georges
et al. (2011) que evidenciam que os pais de crianças que se tornarão autistas percebem,
mesmo que inconscientemente, que seu filho precisa de maior investimento para que se
engaje na relação. Ocorre que esse empenho nem sempre está na medida suficiente
podendo gerar maior assincronia ainda entre o bebê e seus pais.

Observando tais sinais, Marie Christine Laznik deslocou o conceito de circuito


pulsional de Lacan (1964) para analisar mais de 400 vídeos familiares do primeiro ano de
vida de bebês que receberam o diagnóstico de TEA após 3 anos no instituto Stella Maris
em Pisa, e descobriu que os bebês com diagnóstico de TEA não atingiam o terceiro tempo
pulsional, não se oferecendo como objeto de prazer para sua mãe. No conceito de circuito
pulsional, o bebê apresenta três tempos que exemplificamos aqui pela pulsão invocante
(Catão, 2009) :

 OUVIR – a voz do Outro primordial que leva em si o traço de um


gozo que este tem em estar com o bebê;
 SE OUVIR – ao se manifestar, o bebê vê sua produção ganhar
interpretação pelo outro primordial; e,
 Se FAZER OUVIR – ao ganhar a interpretação, o bebê deseja
repetir o evento porque o outro real encarnado pela mãe passa a ser o novo sujeito
da pulsão.

Esses tempos pulsionais que abrangem não apenas a pulsão invocante mas a
escópica (o olhar) e a oral (o prazer via boca) inspiraram Laznik a propor os Sinais
41

PREAUT (Programe de Recherche et Evaluation sur l’autisme), cuja pesquisa de


validação teve início na França em 1998. Partindo da hipótese de Serge Lebovici que seria
possível barrar o processo de constituição psíquica para o autismo antes do primeiro
aniversário de um bebê (CRESPIN; PARLATO-OLIVERIA, 2015) esses sinais teriam a
possibilidade de detectar o risco precocemente a partir dos quatro meses de idade. Os
Sinais PREAUT foram validados em extensa pequisa na França (OLLIAC et al., 2017) e
também utilizados em pesquisas brasileiras (ROTH-HOOGSTRATEN, MORAES,
SOUZA, 2018a,b ; BORTAGARAI, MORAES e SOUZA, 2021).

Os Sinais PREAUT tiveram como objetivo avaliar se “haveria, no bebê com


evolução para autismo um NÃO aparecimento da capacidade de iniciar as trocas (com o
outro familiar) de um modo lúdico e jubilatório” (CRESPIN; PARLATO-OLIVEIRA,
2015, p. 437). São dois os sinais comunicativos identificados em uma observação do bebê
com o outro familiar:

Sinal comunicativo 1 (S1):


O bebê não busca se fazer olhar por sua mãe (ou substituto) na ausência de
qualquer solicitação dela.

Sinal comunicativo 2 (S2):


O bebê não busca suscitar troca prazerosa com sua mãe (ou substituto) na ausência
de qualquer solicitação dela.

Isso indica que o bebê com sinais de risco de evolução para autismo pode até olhar
ou reagir auditivamente após solicitação de sua mãe ou familiar, mas não inicia uma troca
prazerosa e jubilatória com ela. Considerando tais sinais, foi elaborada uma grade com
pontuações que representam o grau de força de cada questão do ponto de vista preditivo.
Após a avaliação dos sinais PREAUT aos 4 e 9 meses, período de ida obrigatória aos
programas materno-infantis para vacinação, os bebês ainda foram avaliados no desfecho
aos 24 meses pelo CHAT (Check list for Autism in toddlers) (BARON COHEN, 2000).
Os resultados da validação dos Sinais PREAUT foram publicados em Olliac et al. (2017).

A grade para análise dos Sinais PREAUT é apresentada a seguir nos quadros 1 e
2.

Quadro 4 - Primeira parte do Questionário PREAUT


QUESTÃO RESPOSTA VALOR
1) O bebê procura olhar para você?
a) Espontaneamente Sim 4
Não 0
b) Quando você fala com ele (proto-conversação) Sim 1
Não 0
2) O bebê procura se fazer olhar por sua mãe
(ou pelo substituto dela)?
a) Na ausência de qualquer solicitação da mãe, Sim 8
vocalizando, gesticulando ao mesmo tempo em que
a olha intensamente.
Não 0
b) Quando ela fala com ele (protoconversação) Sim 2
Não 0
ESCORE TOTAL 15
42

Fonte: Crespin e Parlato-Oliveira, 2015

Se a resposta for 3 se a aplicação for feita no quarto mês, se 5 se a aplicação for


feita no nono mês, deve ser aplicada a segunda parte do questionário, descrita no quadro
2, que busca detalhar o que se vê na primeira parte.

Quadro 5 - Segunda parte do questionário PREAUT


QUESTÃO RESPOSTA VALOR
3) Sem qualquer estimulação de sua mãe (ou de
seu substituto)

a) Ele olha para sua mãe (ou para seu substituto) Sim 1
Não 0
b) Ele sorri para sua mãe (ou para seu substituto) Sim 2
Não 0
c) O bebê procura suscitar uma troca prazerosa com Sim 4
sua mãe (ou seu substituto), por exemplo, se
oferecendo ou estendendo em sua direção os dedos Não 0
do seu pé ou da sua mão?
4) Depois de ser estimulado por sua mãe (ou pelo
seu substituto)
a) Ele olha para sua mãe (ou para seu substituto) Sim 1
Não 0
b) Sorri para sua mãe (ou para seu substituto) Sim 2
Não 0
c) O bebê procura suscitar a troca jubilatória com Sim 4
sua mãe (ou com seu substituto), por exemplo, se
oferecendo ou estendendo em sua direção os dedos Não 0
do seu pé ou da sua mão?
Fonte: Crespin e Parlato-Oliveira (2015)

Na pesquisa francesa (OLLIAC et al., 2017), evidenciou-se que bebês com três
pontos ou menos aos quatro meses, e cinco pontos ou menos aos nove meses apresentaram
uma evolução para o TEA. Na pesquisa com bebês brasileiros de Roth-Hoogstraten,
Moraes e Souza (2018b), observou-se que os Sinais PREAUT também podem detectar
sofrimento psíquico de outra natureza que não o TEA, quando a pontuação fica entre 5 e
15 pontos, e que é possível detectar a direção da estruturação psíquica por meio de uma
análise complementar entre os Sinais PREAUT e roteiro IRDI (KUPFER et al., 2009)
nesses casos. Verificou-se a concordância estatística entre ambos protocolos na
identificação de risco e, também, na análise qualitativa de casos de risco, que eles, em
conjunto com a história de cada criança e família, evidenciaram a possibilidade de uma
hipótese inicial sobre o funcionamento psíquico capaz de fornecer direções para uma
intervenção oportuna (ROTH, 2016).
Resumindo os principais sinais mencionados até aqui, observa-se uma janela
especial de detecção e intervenção entre seis e doze meses. O esquema a seguir busca
sintetizar esses sinais:
43

queda repentina em
vocalicações e
prevalência de balbucio
não social

aumento de movimentos não se oferece como


repetitivos de dedos e objeto de prazer ao
dificuldades de outro-
integração sensório-
motora corporal terceiro tempo pulsional

falta de reação jubilosa


diante de sua própria
falta de resposta ao imagem refletida no
nome espelho

Figura 1

Cabe destacar que a falta de reposta ao nome no segundo semestre de vida


contrasta com a resposta já presente no primeiro semestre de vida em crianças em
desenvolvimento típico (MACHADO et al., 2013). As dificuldades corporais, que
impedem a liberação cortical para as funções comunicativas, geram dificuldades nos
processos de homologia e interpretância que se dão quando o adulto oferece
interpretações verbais às manifestações não verbais do bebê (SOUZA, 2017), o que é
fundamental para sua inserção no campo da linguagem. As manifestações corporais dos
bebês que se tornam autistas oferecem dificuldades para a interpretação materna, pois há
uma série de limitações na gestualidade que acaba por interferir no estabelecimento da
homologia entre os dois sistemas semióticos (não verbal do bebê e verbal da mãe). Isso
se manifesta na diminuição das vocalizações e no balbucio não acompanhado do olhar
(CHERICONI et al., 2016). A não entrada na linguagem ocorre em paralelo a sinais de
auto-estimulação presente nos gestos repetitivos de dedos (PURPURA et al., 2017). Ela
também pode ser evidenciada na maior velocidade no processamento auditivo verificada
no potencial cortical no segundo semestre de vida (RECHIA et al., 2018).

Entre as diversas abordagens de intervenção, é importante destacar o trabalho de


Marie Christine Laznik (2013 , 2015) que agrega, aos conhecimentos psicanalíticos de
constituição do psiquismo do bebê na relação com seu outro encarnado (representante do
Outro), o trabalho sensório-motor a partir de autores como Bullinger (2006), com
excelentes resultados em bebês que tiveram a detecção precoce de risco para TEA por
meio dos Sinais PREAUT (OLLIAC et al., 2017). Outra metodologia interessante nesse
sentido é a desenvolvida pela abordagem DIR-Floortime, que também centrada na noção
de affect a partir de Freud, trabalha o desenvolvimento de níveis emocionais de modo
articulado ao trabalho de integração sensorial quando diante de sinais de risco para
evolução de um quadro com TEA ou em crianças diagnosticadas com TEA com
resultados positivos em crianças pré-escolares (PAJAREYA e
NOPMANEEJUMRUSLERS, 2011). Também abordagens utilizando a música devem ser
mencionadas (AMBRÓS et al., 2017 ; PARIZZI e FONSECA, 2020).
44

Trevarthen e Delafield-Butt (2013) afirmam que a atividade, a capacidade


cognitiva, relações e bem estar emocional podem ser alcançados por atividades não
verbais e não cognitivas com um terapeuta que se engaja com sensibilidade, com a
individualidade dos impulsos e experiências sentidas pelo bebê em sofrimento ou uma
criança já diagnosticada com TEA. Esse engajamento íntimo permite estados de
consciência produtivos e menos defensivos. Os autores alertam para o fato de que uma
intervenção com base em treinamento ou instrução do comportamento pode ajudar na
conquista de algumas habilidades, mas pode ter consequências adversas como o aumento
da ansiedade, do isolamento e da dependência (MALLOCH e TREVARTHEN, 2009;
STERN, 2010)

Um aspecto crucial, quando se encaminha um bebê para uma intervenção


oportuna, é não falar em diagnóstico, mas em sinais de sofrimento e a possibilidade de
escuta e acolhimento do bebê e seus familiares. Por isso, os Sinais PREAUT e mesmo o
roteiro IRDI não se propõem a diagnosticar, mas a acompanhar a constituição psíquica
de modo a verificar se há ou não algum sofrimento. Isso porque a psicopatologia não está
instalada, mas em processo de estruturação e não seria produtivo, para a constituição
psíquica do bebê, criar fantasmas indesejáveis no imaginário familiar sobre ele. A
intervenção com bebês é na relação com seus pais e abrange uma delicadeza e cuidado
que demandam um olhar atento às cenas terapêuticas (BRANDÃO, 1997). Por isso, não
basta aplicar os sinais PREAUT ou o roteiro IRDI, é preciso compreender a lógica que os
constitui enquanto roteiros de observação do desenvolvimento e também ter uma equipe
de referência preparada para encaminhar e atender o bebê e seus familiares. Inclusive
porque a família pode não aceitar o encaminhamento, a depender do tipo de sofrimento
psíquico que o bebê apresente e da forma como se deu a escuta na puericultura.
Schumacher e Souza (2019) ressaltam as experiências de profissionais em três tempos,
conforme propõe Crespin (2012): num primeiro tempo o profissional que acompanha o
bebê faz uma observação atenta aos sinais que estão presentes e ausentes na interação do
bebê com sua mãe ou substituta e com ele. A escuta da mãe para construir com ela
explicações e hipóteses para suas dúvidas e preocupações no cuidado com o filho bem
como soluções, ocorre em segundo momento. No terceiro tempo, o encaminhamento do
bebê para uma intervenção oportuna caso os procedimentos anteriores não tenham sido
suficientes para minimizar ou eliminar o sofrimento psíquico.

As formas de intervenção oportuna podem ser diversas e ocupar espaços clínicos


e/ou educacionais, mas o que se destaca como transversal às mesmas é a implicação dos
profissionais com a família e o bebê, buscando compensar eventuais dificuldades
corporais do bebê para que o encontro entre ele e seus pais se dê, considerando a
singularidade da história desse (des)encontro e as condições sociais, culturais e
econômicas em que esse desafio se coloca. Por isso, é necessário agregar a todas as
técnicas sensório-motoras, do brincar e da comunicação os conceitos de affect e de pulsão,
presentes na obra de Freud (1915) e aprimorados por Lacan (1964), pois são centrais para
o processo de subjetivação.
45

Referências

AMBRÓS, T.M.B.; CORREA, A.N.; OLIVEIRA, L.D.; SOUZA, A.P.R. A


musicalização como intervenção precoce junto a bebê com risco psíquico e seus
familiares. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., v. 20, n.3, p.560-578, 2017. ANSERMET, F.
; GIACOBINO, A. Autismo: a cada um o seu genoma São Paulo, KBR, 1ª edição, 2013,
102p.
APICELLA, F.; CHERICONI, N.; CONSTANZO, V.; BALDINI, V. BILLECI, L. ;
COHEN, D. ; MURATORI, F. Reciprocity in interaction: a window on the first year of
life in autism. Autism Res. Treat., 705895, 2013.
BANDINI, L.G., AMDERSON, S. E., CURTIN C., CERMAK, S., EVANS, E. W.;
SCAMPINI, R. Food selectivity in children with autism spectrum disorders and typically
developing children. Journal of Pediatrics, v.157,n.2, p. 259–264, 2010.
BARON-COHEN, S. ; WHEELWRIGHT, S. COX, A.; BAIRD, G.; CHARMAN, T.;
SWETTENHAM, J. et al. Early identification of autismo by the CHecklist for Autism in
Toddlers (CHAT). Journal of the Royal Society of Medicine, 93(10):521–525, 2000.
BELLEFEUILLE, I.B. El rechazo a alimentarse y la selectividad alimentaria en el niño
menor de 3 años: una compleja combinación de factores médicos, sensoriomotores y
conductuales. Acta Pediatr, 72(5), 92-7, 2014.
BELTRAME, V.H; MORAES, A.B.; SOUZA, A.P. (2018) Perfil sensorial e sua relação
com risco psíquico, prematuridade e desenvolvimento motor e de linguagem por bebês
de 12 meses. Rev Ter Ocup Univ São Paulo; v.29,n.1,p 8-18, 2018.
BOSANQUET, M.; COPELAND, L.; WARE, R.; BOYD, R. A systematic review of tests
to predict cerebral palsy in young children. Dev Med Child Neurol., v.55, n.5, p. 418-
426, 2013.
BORTAGARAI, F.M.; MORAES, A.B.; PICHINI, F.; SOUZA, A.P.R. Risk factors for
fine and gross motor development for preterm and term infants. CoDAS, v.33, n.6,
e20200254, 2021.
BRANDÃO, P. et al. Abordagens do imaginário na cena terapêutica em estimulação
precoce. Escritos da Criança, nº3, p.8-21, 1997.
BULLINGER, A. Approche sensoriomotrice des troubles envahissants du dévelopment.
Contraste, v.2, n.5, p.125-139, 2006
CATÃO, I. O bebê nasce pela boca: voz, sujeito e clínica do autismo. São Paulo:
Instituto Langage, 2009.
CHERICONI et al. Pre-linguistic vocal trajectories at 6-18 months of age as early markers
of autismo. Frontiers in Psychology, v.7, artigo 1595, 2016.
CAVALCANTE, M.C.B.; ALMEIDA, ATMCB; ÁVILA-NÓBREGA, P.V.; SILZA,
P.M.S. Sincronia gesto-fala na emergência da fluência infantil. Estudos linguísticos, São
Paulo, v. 45, n.2, p.411-426, 2016.
CRESPIN, G. C. L’epopée symbolique du nouveau-né. 2ª ed. Paris: Erès, 2006, 2012.
CRESPIN, G.; PARLATO-OLIVEIRA, E. Projeto PREAUT. In: Jerusalinsky A. (Org.).
Dossiê autismo. São Paulo, SP: Instituto Langage; 2015, p. 436-455.
EINSPIELER, C; PRECHTL, H.F.R. Prechtl’s assessment of general movements: a
diagnostic tool for the functional assessment of the Young nervous system. Ment Retard
Dev Disabil Res Rev, v. 11, n. 1, p.61-67, 2005.
EINSPIELER, C.; PEHARZ, R.; MARSCHIK, P.B. Fidgety movement: tiny
in appearance, but huge in impact. J Pediatr. V. 92, n.3, suppl.1, p.564-570, 2016.
EINSPIELER, C.; MARSCHIK, P.B., BOS A.F., FERRARI, F. Early markers
for cerebral palsy: insights from the assessment of general
movements. Future Neurol, 7, n.6, p.709-717, 2012.
46

ESPOSITO, G.; VENUTI, P. Symmetry in infancy: analysis of motor development in


autismo spectrum disorders. Symmetry (Basel), v.1, n.1, p.215-225, 2009.
ESPOSITO, G. ; VENUTI, P., MAESTRO, S.; MURATORI, F. An exploration of
symmetry in early autismo spectrum disorder: analysis of lying. Brain & Development,
v.31-p.131-138, 2009.
FREUD, S. As pulsões e seus destinos, Sigmund Freud , tradução de Pedro Heliodoro
1915, in Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte, Autêntica, p. 13-69,
2020.
GOLSE, B. O autismo infantil, a intersubjetividade e a subjetivação entre as
neurociências e a psicanálise. In I. K. MARIN; R. O. ARAGÃO (Orgs.), Do que fala
ocorpo do bebê. São Paulo, SP: Escuta, 2013.
KUPFER, M. C. et. al. Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o
desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Lat. Am. Journal of
Fund. Psychopath: v. 6, n. 1, p. 48-68, mai. 2009.
Lacan, J. O seminário, livro 11 – os quatro conceitos fundamentais da psicanálise
(1964). Rio de Janeiro, Zahar, 2008.
LAZNIK, M.C. A hora e a vez do bebê. São Paulo: Instituto Langage, 2013
LAZNIK, M.C. ; BURNOD, Y. O ponto de vista dinâmico neuronal sobre as intervenções
precoces. In: KUPFER, M.C.; SZEJER, M. Luzes sobre a clínica e o desenvolvimento
de bebês: novas pesquisas, saberes e intervenções. São Paulo: Instituto Langage, 2015.
MACHADO, N.P.;ALVES, R.O.; NASCIMENTO, C.R.;LUCENA, A.M.; FERREIRA,
P.R.;PARLATO-OLIVEIRA, E.; CARVALHO, S.A.S. Investigação do reconhecimento
do próprio nome em bebês de quatro a cinco meses: estudo piloto. Rev.CEFAC,
v.15,n.5,p.1080-1087, 2013.
MALLOCH, S.; TREVARTHEN, C. (eds) Communicative musicality: exploring the
basis of human companionshipe. Oxford, Oxford University Press, 2009.
MURATORI, F. O diagnóstico precoce do autismo: guia prático para pediatras.
Salvador: Núcleo interdisciplinar de intervenção precoce da Bahia, 2014.
PURPURA, G; CONSTANZO, V.; CHERICONI, N.; PUOPOLO, M. SCATTONI,
M.L.; MURATORI, F.; APICELLA, F. Bilateral patterns of repetitive movements in 6-
to 12-month-old. Frontiers in psychology,, 2017,
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.01168.
OLIVEIRA, P.L; SOUZA, A.P.R. Therapy based on sensory integration in a case of
Autism Spectrum Disorder with food selectivity. Cadernos Brasileiros de Terapia
Ocupacional, v. 30, e2824, 2022.
https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoRE21372824
OLLIAC, B.; CRESPIN, G.; LAZNIK, M-C. et al. Infant and dyadic assessment in early
community-based screening for autism spectrum disorder with the PREAUT grid. PLoS
ONE, v. 12, n. 12, p. 1-22, 2017. 2017.
PAIM, F.F.; KRUEL, C.S. Interlocução entre Psicanálise e Fisioterapia: o conceito de
corpo, imagem corporal e esquema corporal. Psicologia: ciência e profissão, v.33.n.1,
p.158-173, 2012.
PAJAREYA, K.; NOPMANEEJUMRUSLERS, K. A pilot randomized controlled trial of
DIR/FloortimeTM parente training intervention for pre-school children with autistic spectrum
disorders. Autism,v.15, n.5,p.553-577, 2011.
PARIZZI, B.; FONSECA, J.G.M. Musicalidade comunicativa, educação musical e
musicoterapia: como a música pode abrir janelas únicas para comunicação com o mundo do
autista. In JERUSALINSKY, A.; BENTATA, H.(orgs). Dos primórdios à adolescência
desafios e perspectivas. São Paulo, Instituto Langage, 2020, p. 333-344.
47

PHAGAVA, H.; MURATORI, F.; EINSPIELER, C.; MAESTRO, S.; APICELLA, F.;
GUZZETTA A. et al. General movements in infants with autism spectrum disorders.
Georgian Med News, v.156, p.100-105, 2008.
PRECHTL, H.F.; EINSPIELER, C.; CIONI G.; BOS, A.F.; FERRARI, F.,
SONTHEIMER, D. An early marker for neurological déficits after perinatal brain
lesions, Lancet, v.349, n.9062, p. 1361-1363, 1997.
RECHIA, I.C.; FATTORE, I.M.; MORAES, A.B.; BIAGGIO, E.P.V.; SOUZA, A.P.R.
Auditory maturation and psychological risk. CoDAS, v.30, n.4, e2017142, 2018.
ROTH, A.M. Sinais de risco psíquico em bebês na faixa etária de 3 a 9meses e sua
relação com variáveis obstétricas, sociodemográficas e psicossociais. Dissertação
(Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana) - Universidade Federal de Santa
Maria, 2016.
ROTH-HOOGSTRATEN, A.M.J.; SOUZA, A.P.R; MORAES, A.B. Indicadores clínicos
de referência ao desenvolvimento infantil e sua relação com fatores obstétricos,
psicossociais e sociodemográficos. Revista Saúde e Pesquisa, v. 11, p. 589-601, 2018a.
ROTH-HOOGSTRATEN A.M.J.; MORAES, A.B.; SOUZA, A.P.R. A
complementaridade entre sinais PREAUT e IRDI na análise de risco psíquico aos nove
meses e sua relação com idade gestacional. CODAS, v. 30, e20170096/1-9, 2018b.
SAINT-GEORGES, C.; MAHDHOUI, A.; CHETOUANI, M.; CASSEL, R.S; LAZNIK,
M.C.; APICELLA, F.; MURATORI, P.; MAESTRO, S.; MURATORI, F.; COHEN, D.
Do Parents Recognize Autistic Deviant Behavior Long before Diagnosis? Taking into
Account Interaction Using Computational Methods. PLOSone, v.6, n.7, e22393, 2011.
SCHUMACHER, C.; SOUZA, A.P.R
STERN, D.N. Forms of vitality: exploring dynamics experience in psychology, the
arts, psychotherapy and development. Oxford, Oxford University Press, 2010.
SOUZA, A.P.R. A interpretância na articulação corpolinguagem na clínica de bebês. IN
KUPFER, M.C.M.; SZEJER, M. (orgs). Luzes sobre a clínica e o desenvolvimento.
Instituto Langage, São Paulo, 2017, p.205-218 .
TREVARTHEN, C.; DELAFIELD-BUTT, J.T. Autism as a developmental disorder in
intentional movement and affective engagement. Frontiers in Integrative
Neuroscience, v.7, p.1-16, 2013.
TREVARTHEN, C.; AITKEN, K.J.; GRATIER, M. O bebê nosso professor. São Paulo,
Instituto Langage, 2019.
48

4. Acolhimento a mães de crianças com TEA


Ruth Ramalho Ruivo Palladino, Fernanda Prada Machado, Maria Claudia Cunha

Introdução

Por vezes, na clínica fonoaudiológica, terapeutas recebem mães e pais


preocupados com o desenvolvimento de suas crianças, no sentido de que percebem “algo
de estranho” nelas, sobretudo em termos de comportamentos que não conseguem nomear.
Alguns conseguem relatar uma aparente recusa ou descaso da criança para com as
brincadeiras e chamados que lhe são oferecidos, num relato envelopado por angústia e
impotência.

Em outras palavras, parece haver um impasse que põe em cena uma dúvida: do
que se trata? Frente a isso, o terapeuta se movimenta, buscando uma compreensão do
caso, tentando nomear o que se dá a ver e responder à dúvida familiar que se impõe.

Quanto à criança, procede a uma investigação clínica para compreender o que se


passa com ela. Mas, e quanto à família? O que se passa com pais de crianças pequenas no
processo de investigação diagnóstica dos transtornos do espectro do autismo (TEA) não
deve ficar à margem do tratamento. Afinal, há um descompasso entre o filho sonhado e
aquele que nasceu, gerando certo desconforto, aparentando uma estranheza que não se
sabe o que é.

Nesse contexto, em nosso ver, deve-se propor acolhimento à família, no sentido


de oferecer escuta às suas demandas. Assim, neste capítulo, buscaremos caracterizar o
acolhimento à figura materna a partir de parâmetros psicanalíticos e discursivos; conduta
que se opõe à ideia normativa de orientação (BRAUER, 1994; MERLETTI, 2012). Tais
formulações serão articuladas a fragmentos de material clínico relativo ao discurso
materno.

Dois filhos em cena: o ideal e o real

A maternidade não é uma posição natural, como tão bem esclareceu Margarete
Hilferding apud Berlinck (2014), mas uma construção sustentada por desejos narcísicos
daquela que se oferece a tal empreendimento, manifestos pela idealização do filho. Ou
seja, a idealização significa considerá-lo ser perfeito, que atenda plenamente aos seus
desejos e fantasias (físicas, estéticas, intelectuais), supostas condições para um futuro
exitoso.

Nessa perspectiva, ressalta-se que a maternidade, inicialmente, refere-se a uma


imagem (do bebê) “intensamente investida antes do nascimento, que se desfaz quando
surge a criança” (BERLINCK, 2014, p. 404). Assim, diante do bebê real será
desencadeada a elaboração imediata de um luto em relação àquele idealizado (MAIA et.
al., 2016). Reinvestido por um outro olhar, o bebê continuará representando o ser perfeito
e, exatamente por isso, apaixonar-se por ele é irrecusável.
49

Essa paixão vai dar vida ao bebê real, é o substrato psíquico que permite à mãe
enlaçar-se a ele, como supõe Aulagnier (1990), o que abre espaço para um destino
pulsional promissor para a criança (CAMPANÁRIO et. al., 2018). Dá-se, então, um
enlaçamento, cena que, de fato, emoldura dois nascimentos: o da criança e o de uma mãe.
Nascimentos que expõem uma ambiguidade. Freud oferece o termo cesura (FREUD,
1917[1915]/2011) para o que ocorre neste momento ambíguo do nascimento: a separação
dos corpos, pelo parto e a sua junção imediata e necessária, dada a dependência do bebê
em relação à própria sobrevivência (a amamentação ilustra exemplarmente tal condição)
(BERLINCK, 2014).

Esta (re)união é condição fundamental para que a mãe, apaixonando-se pelo bebê,
promova sua posição de sujeito (KOMNISKI e CHATELARD,2018). Ela o acolhe por
meio dos cuidados corporais e pelas palavras, dando-lhe existência e sustentação. O bebê,
em sua vez, responde, mantendo-se causa do desejo da mãe tornando-se, cada vez mais,
um ideal de amor materno.

Contudo, por vezes, este processo pode não se operar porque, entre outras
questões, a criança revela vulnerabilidades biopsíquicas. Nesse contexto, cria-se um
impasse que vai repercutir não só nela, mas também em sua mãe. A criança real vai se
distanciando cada vez mais da idealizada, o que favorece o rompimento de uma história
de enlace. É esse o tema da próxima seção.

Enlace mãe-filho: descompassos

Para a mãe, a ruptura de um enlace que para ela seria absolutamente natural, tem
forte impacto e pode gerar defesas expressas por negação, raiva, culpa, depressão;
sentimentos reativos, provocados pela criança real, extensamente relatados na literatura
(HUANG et. al., 2010; FERNAŃDEZ-ALCÁNTARA, 2016; KRISHNAN et. al. 2017).
Pode, também, escorregar para sentimentos fictícios ou mesmo religiosos, na tentativa de
abrandar a “culpa” (da negação), como as mães consideram: “fui agraciada por Deus
para realizar essa tarefa” (de cuidar do filho autista), “Se eu amo meu filho? Mais do
que qualquer palavra possa traduzir!”

Estas são defesas apenas parcialmente eficientes, porque a questão, de fato, se


coloca entre a permanência de um vínculo com a criança sonhada e a organização de seu
luto por ela. Este luto, que a realidade impõe, é um trabalho lento e doloroso, de renúncia
e distanciamento pulsional do objeto sonhado, que se instala no decorrer do processo da
maternidade, o que implica inevitável sofrimento psíquico. Falas maternas explicitam este
sentimento: “Antes dela nascer achei que nunca mais seria infeliz”.

Este processo de luto (FERNAŃDEZ-ALCÁNTARA, 2016; KRISHNAN et. al.


2017; BRAVO-BENÍTEZ et. al., 2019) é diferente no fato principal de que há uma
criança que permanece (e escancara) a condição de não corresponder ao imaginado. Por
isso, o processo não termina no luto e na sua elaboração, pois a questão fundamental passa
a ser: o que fazer por/com essa criança? Não se trata de restabelecer ou recuperar um
vínculo, mas de criar um vínculo com uma “outra” criança. E mais ainda, uma criança
cujas ações e reações são desconhecidas, inesperadas, sobretudo impactantes.
50

Essa condição é fundamental para pensarmos na questão do acolhimento às mães


de crianças em risco de desenvolvimento; como no caso dos Transtornos do Espectro do
Autismo (TEA).

TEA: crianças “estranhas”, mães desiludidas

Há uma fala recorrente nas entrevistas parentais no caso de crianças com


problemas de desenvolvimento, sobretudo na hipótese de TEA: essas crianças são
“estranhas” (SANTOS, 2009; CONSTANTINIDIS, SILVA e RIBEIRO, 2018).

Nessa perspectiva, a psicanálise nos ajuda a tentar decifrar essa afirmação: o


adulto (o pai e/ou a mãe) “é remetido ao que pode reconhecer de si mesmo naquela criança
e aquilo que não é reconhecido, talvez por ser suficientemente familiar, é qualificado
como estranho” (ALMEIDA e NEVES, 2020, p. 221). Se não são qualificadas como
“estranhas”, são perfiladas ao mundo animal, quase que certa numa recusa explicita de
humanidade: “fica repetindo como papagaio”; “Fazia flapping desde os 6 meses, como
se fosse bater as asas...” ou, então, ao mundo dos objetos “Preciso entender que ele não
é um urso de pelúcia...”.

O que se observa, sobretudo, no caso das crianças com risco ou diagnóstico de


TEA é um estranhamento comportamental: a criança não reage ou reage pouco às
investidas amorosas maternas (olhares, brincadeiras, contato físico), o que as impacta
fortemente. Também não reage a chamamentos, colocando outra dúvida em jogo: não
escuta?

Uma queixa materna recorrente nas entrevistas familiares se refere à


ausência/precariedade da fala da criança e de gestos afetuosos, o que igualmente impacta
a expectativa materna, pois ser falante e agir com afeto é uma aposta fundamental para os
humanos (CATÃO e VIVÈS, 2011). Por vezes, impacta tanto que “cega”, obscurece a
percepção de indícios: “Ele fala pouco porque sempre foi econômico...”, “Esse negócio
dele não sorrir... eu sempre pensei: ele é sério, qual o problema?”.

Essa desilusão se amplia para outras funções fundamentais; perceptuais,


cognitivas e sociais. Mais ainda, não falar encena, aos olhos (e ouvidos!) maternos, outra
recusa ou descuido relativamente às tentativas de interação, o que rasura o laço afetivo
mãe-filho.

Este permanente “não-querer”, associado às dificuldades interacionais, encenado


pela criança ao longo de seu desenvolvimento, toma tal envergadura que vai, por vezes,
suplantar a própria relação conjugal dos pais (NUNES, 2010; SOLOMON e CHUNG,
2012), trazendo uma problemática adicional.

Nesse cenário impõe-se a questão fundamental que deve ser enfrentada: o


diagnóstico precoce (SHELDRICK et. al., 2019).
51

TEA: o processo diagnóstico como “gangorra”

Inicialmente, e de maneira ampla, tratemos da tipologia temporal dos diagnósticos


clínicos, ou seja, eles podem ser pré, peri ou pós-natais. No primeiro caso o luto pelo filho
idealizado se antecipa. No segundo, o impacto tende a bloquear o processo de elaboração.
No terceiro, típico do TEA, o processo se assemelha metaforicamente a uma gangorra:
alterna “altos” e “baixos”, do ponto de vista dos sentimentos parentais até que se
estabeleça uma condição clínica, digamos, decidida (FERNAŃDEZ-ALCÁNTARA,
2016; CONSTANTIINIDIS, 2018; DES CHAMPS, 2019).

A importância do diagnóstico precoce por meio de indicadores de risco para TEA


- evidência científica atualmente incontestável (HYMAN et. al., 2020; JULLIEN, 2021)
- promove, inicialmente, a alternância de sentimentos maternos de temor e esperança; que
acarretam sofrimento psíquico intenso (FERNAŃDEZ-ALCÁNTARA, 2016;
KRISHNAN et. al. 2017; BRAVO-BENÍTEZ et. al., 2019). No caso do rastreamento de
sinais de risco, vale observar que os estudos mostram que na maioria das vezes, são os
pais que levantam a suspeita de que algo “estranho” está se passando com a criança,
sobretudo pela ausência de fala e recusa ou descaso para com o outro (SAINT-GEORGES
et. al., 2011; HOROVITZ et. al., 2011; FEITOSA, 2020; JULLIEN, 2021). Isto indica
que, talvez, a dúvida passa a assombrá-los precocemente e a escuta/acolhimento
terapêutico é uma urgência, inclusive para um rastreamento exitoso.

Instrumentos específicos de avaliação subsequentes, enfim, estabelecem o


diagnóstico. E, nesse momento, os sentimentos maternos oscilam (em menor ou maior
grau) entre culpa, alívio e enfrentamento (FERNAŃDEZ-ALCÁNTARA, 2016;
KRISHNAN et. al. 2017; BRAVO-BENÍTEZ et. al., 2019) - a experiência clínica nos
parece atestar essa dinâmica. E as mães são capturadas por profunda desilusão. E
precisam ser escutadas quando buscam os profissionais da saúde (SOLOMON e CHUNG,
2012), e aqui vale o destaque para fonoaudiólogas(os).

O acolhimento é um gesto clínico que, nestes casos, deve ser imediatamente


operado, quer dizer, vai acompanhar o processo de enfrentamento pelos pais de uma
surpresa ingrata, indo das primeiras percepções até o resultado diagnóstico, período
caracterizado por sentimentos ambivalentes de desamparo e esperança (NUNES, 2010).
Oferecer escuta e acolhimento aos pais diante desse cenário passa por legitimar o
padrão emocional que apresentam, reconhecer e nomear o mal estar em que estão
mergulhados, não criticar as defesas elaboradas e conduzir os pais a resgatar o saber sobre
a criança, legitimando esse saber e possibilitando que novas expectativas e identificações
emerjam, criando novas possibilidades para ela.

Considerações finais

As noções de escuta e acolhimento às demandas maternas (e familiares, de


maneira ampla) substituem, com vantagens, àquela de orientação. Isso porque, conflitos
psíquicos latentes estão envolvidos na constituição/manifestação de sintomas. Ou seja, ao
apagar esses conflitos reduzimos as possibilidades de compreensão dos sintomas. E, em
52

nosso ver, eles marcam o discurso materno, oferecendo pistas fundamentais para a
condução do processo terapêutico.

Tal conduta nos parece efetiva na medida em que aproxima/simetriza as posições


de mães e terapeutas; pela consideração de que ambas (os) estão assujeitadas (os) ao
mesmo dilema: o desconhecimento prévio. Assim, o investimento terapêutico desloca-se
da normatização de padrões de comportamento universais em favor da compreensão das
singularidades do vínculo mãe-criança em causa.
53

Referências

Aulangnier, P. Um intérprete em busca de sentido. São Paulo: Escuta. 1990.


BRAUER, J. F. (org). A criança no discurso do outro. São Paulo: Iluminiuras, 1994.
BRAVO-BENÍTEZ, J., PÉREZ-MARFIL, M. N., ROMÁN-ALEGRE, B., CRUZ-
QUINTANA, F. Grief Experiences in Family Caregivers of Children with Autism
Spectrum Disorder (ASD). International Journal of Environmental Research and
Public Health, v. 16, n. 23, p. 4821. 2019. https://doi.org/10.3390/ijerph16234821
BERLINCK, M. T. As bases do amor materno, fundamento da melancolia. Revista de
Psicopatologia Fundamental, v. 17, n. 3, 2014. DOI:
10.1590/14154714.2014v17n3p403-1
CAMPANÁRIO I. S., LERNER R.; MACHADO A. S. M., BRAGA C. R., CHIODI C.
S. F. N., SANTOS I. M. et. al. Intervenção de orientação psicanalítica a tempo em bebês
e crianças com impasses no desenvolvimento. Estudos de Psicanálise, 50, 2018.
CATÃO I. e VIVÈS J. M. Sobre a escolha do sujeito autista: voz e autismo. Revista
Estudos de Psicanálise, v. 36, p. 83-92, 2011.
CONSTANTINIDIS, T. C., SILVA, L. C. e RIBEIRO, M. C. C. “Todo Mundo Quer Ter
um Filho Perfeito”: Vivências de Mães de Crianças com Autismo. Psico-USF. v. 23, n.
1, p. 47-58, 2018.
DA PAZ, N. S., SIEGEL, B., COCCIA, M. A., EPEL, E. S. Acceptance or Despair?
Maternal Adjustment to Having a Child Diagnosed with Autism. J Autism Dev Disord,
v. 48, n. 6, p. 1971–1981. 2018. doi:10.1007/s10803-017-3450-4
FEITOSA, G. G. Concepções e expectativas parentais sobre o filho com transtorno
do espectro do autismo. 2020. Dissertação (mestrado), Departamento de Psicologia
Social, Universidade Federal do Pará, 2020.
FERNAŃDEZ-ALCÁNTARA, M., GARCÍA-CARO, M. P., PÉREZ-MARFIL, M. N.
HUESO-MONTORO, C., LAYNEZ-RUBIO, C., CRUZ-QUINTANA, F. Feelings of
loss and grief in parents of children diagnosed with autism spectrum disorder (ASD).
Research in Developmental Disabilities, v. 55, p. 312-321, 2016. DOI:
10.1016/j.ridd.2016.05.007. PMID: 27235768.
FREUD, S. Luto e Melancolia In: Luto e Melancolia. Tradução: Carone, M. São Paulo:
Cosac Naify., 2011, pp. 41-87. (Trabalho original publicado em 1917[1915]).
HUANG, Y. P., KELLETT U. M., ST JOHN, W. Cerebral palsy: experiences of mothers
after learning their child’s diagnosis. Journal of Advanced Nursing, v. 66, n. 6, p.1213–
1221, 2010.
HYMAN S. L., LEVEY S. E., MYERS S. M., Council on children with disabilities,
section on developmental and behavioral pediatrics. Identification, evaluation, and
management of children with autism spectrum sisorder. Peditarics. v. 145, n.1. 2020.
JULLIEN, S. Screening for autistic spectrum disorder in early childhood. BMC
Pediatr v. 21, p. 349. 2021. https://doi.org/10.1186/s12887-021-02700-5
KOMNISKI, P. C. N. V., CHATELARD, D. S. Nascimento: cesura, catástrofe e
psicanálise. Estilos da Clínica, v. 23, n. 3, p. 523-541, 2018. DOI: 10.11606/issn.1981-
1624.v23i3p523-541.
KRISHNAN R., RUSSELL, P. S. S., RUSSELL, S. A Focus Group Study to Explore
Grief experiences among Parents of Children with Autism Spectrum Disorder. Jornal of
the Indian Academy of Applied Pyschology, v. 43, n. 2, p. 267-275. 2017
MAIA, F. A., ALMEIDA, M. T., OLIVEIRA, L. M. M., OLIVEIRA, S. L. N., SAEGER,
V. S. A. et al. Importância do acolhimento de pais que tiveram diagnóstico do transtorno
do espectro do autismo de um filho. Cadernos Saúde Coletiva. v. 24, n. 2, p. 228-234
54

2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020282>.


[Acessado 14 Fevereiro 2022]
MERLETTI C. K. I. Escuta grupal de pais de crianças com problemas de
desenvolvimento: uma proposta metodológica baseada na psicanálise. 2012.
Dissertação (mestrado), Universidade de São Paulo, 2012.
NUNES, M. A. F. Consulta terapêutica com pais de crianças autistas: a interface
entre a parentalidade e a conjugalidade. 2010. Tese (Doutorado), Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo. 2010.
SAINT-GEORGES C., MAHDHAOUI A., CHETOUANI M., CASSEL R. S.,
LAZNIK M. C., et al. Do Parents Recognize Autistic Deviant Behavior Long before
Diagnosis? Taking into Account Interaction Using Computational Methods. PLOS ONE
v. 6, n. 7, p. e22393. 2011. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0022393
SANTOS, M. A. Entre o familiar e o estranho: Representações sociais de professores
sobre o autismo infantil. 2009. Dissertação (mestrado), Programa de Pós-graduação em
Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, 2009
SOLOMON, A. H., CHUNG, B. Understanding autism: how family therapists can
support parents of children with autism spectrum disorders. Family Process, n. 51, v. 2,
p. 250-264, 2012. https://doi.org/10.1111/j.1545-5300.2012.01399.x.
SHELDRICK, R. C., FRENETTE, E., VERA, J.cD. et al. What Drives Detection and
Diagnosis of Autism Spectrum Disorder? Looking Under the Hood of a Multi-stage
Screening Process in Early Intervention. J Autism Dev Disord 49, p. 2304–2319. 2019.
https://doi.org/10.1007/s10803-019-03913-5
SHEPHERDSON C. Uma libra de carne: a leitura lacaniana d’O visível e o invisível.
Discurso, n. 36, p. 95-126, 2007.
55

5. Sinais de alerta e detecção precoce do TEA


Jacy Perissinoto

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é hoje descrito como um conjunto de


condições neurodesenvolvimentais, algumas das quais podem ser atribuídas a diferentes
fatores etiológicos e resultado de uma interação complexa entre fatores de risco genéticos
e não genético (SCATTOLIN; ROSARIO, 2019). Diferenças individuais vão desde o
início da vida até trajetórias de desenvolvimento específicas de acordo com o sexo, idade
do diagnóstico e gravidade, bem como oportunidades de acesso a serviços especializados
e a resposta ao tratamento.

Nesta compreensão, pesquisadores de diversas tradições tem ampliado o foco para


sinais sugestivos de TEA. Como elementos em comum além dos cuidados pré, peri e
pós-natais, estão o acompanhamento desde os anos iniciais e considerações sobre
comportamentos de atenção às pessoas e aos objetos, a presença e uso de gestos, a
flexibilidade de interesse, a imitação, a presença e o uso de elementos vocais e a ecolalia.

Alguns destes comportamentos são considerados precursores da linguagem


enquanto sinais de habilidades funcionais para compartilhar e reconhecer a outra pessoa
como interlocutor. Na perspectiva do neurodesenvolvimento, a atenção ao início da
infância é foco clínico e de pesquisa, ao considerar como preditores do desenvolvimento
futuro a exploração que o bebê faz de seu entorno e a maneira como se adapta às
mudanças do ambiente (KLIN; JONES, 2018). Além disto, pesquisadores (KLIN et al.,
2020) vêm apontando para uma visão dinâmica de desenvolvimento em que a detecção e
intervenção precoces são essenciais para otimizar os resultados de crianças com
Transtorno do Espectro do Autismo.

O nascimento prematuro, por sua vez é considerado como circunstância que


coloca em risco o desenvolvimento e tem impacto sobre a linguagem, uma vez que pode
resultar em condições transitórias ou permanentes que irão interferir em diferentes
aspectos da vida da criança.

Este capítulo tem o objetivo de destacar a atuação fonoaudiológica na avaliação


de sinais de alerta para TEA no desenvolvimento inicial de linguagem de crianças
nascidas pré-termo.

Responsabilidade do diagnóstico do desenvolvimento

Observar e registrar a evolução infantil são tarefas dinâmicas que, claramente,


transcendem o espaço clínico uma vez que a criança mostra distintas facetas de seu
desenvolvimento nas relações com diferentes pessoas e em diferentes contextos. É
necessário que se considerem variações culturais nos cuidados com a criança, seus gestos,
56

toques e sons que ocorrem em circunstâncias de troca comunicativa entre ela e o seu
cuidador, que se mostram mais ou menos evidentes no espaço clínico.

Ciente da amplitude e delicadeza do diagnóstico do desenvolvimento, o


fonoaudiólogo resgata a história e a atualidade de comunicação da criança, sob o ponto
de vista dos familiares, em relatos do cotidiano e registros de imagens. Além disto,
observa a criança em um contexto o mais próximo possível do natural nos aspectos físicos
e interacionais com a participação ativa de seus cuidadores. O profissional envolve a
dupla criança/familiar em atividades, mais ou menos direcionadas, com brinquedos,
figuras, livros, lápis, papel etc., registra e analisa imagens e relatos a partir de referenciais
de desenvolvimento.

Ações como seguir a direção do olhar ou de um gesto de apontar do adulto, usar


o gesto de apontar, responder a pedidos, apontar ou dar objetos pedindo uma ação,
responder a um jogo físico, iniciar e manter jogos interpessoais motores ou vocais,
antecipar ações em jogos ou atividades rotineiras, brincar explorando os objetos, imitando
uma ou mais ações e de faz de conta (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014), aumentam
espontaneamente nos dois primeiros anos de idade como recursos não verbais de
comunicação. Tais referências de normalidade motora, cognitiva e social são pertinentes
na busca de compreensão da evolução da criança que se desenvolve e comunica de
maneira diferente.

A inconstância ou ausência destes comportamentos de referência são descritas


pelas famílias em seus desdobramentos em atividades do cotidiano e nas necessidades de
suportes no contexto social das atividades diárias. Dentre os comportamentos de
comunicação não verbal, alvo na clínica de TEA com crianças jovens, alguns são
recorrentes na preocupação dos pais quanto à amplitude de interesses e brincadeiras e
quanto à interação social e efetividade da troca comunicativa, coincidindo com descrição
nos manuais de diagnóstico clínico (APA, 2014).

São exemplos a baixa ocorrência de uso e respostas a gestos antecipatórios, de


busca por atenção, de partilha de objetos e de ações e de gestos aprendidos como dar
tchau, bater palmas etc., fortemente associadas a inabilidade de partilhar atenção
(Marteleto et al., 2019). Outros exemplos de relatos dos pais dizem respeito à baixa
iniciativa de comunicação, inconstância na responsividade ao adulto, silêncio prolongado,
uso incomum de sons, padrão melódico ou de palavras, ecolalia, etc., fortemente
associados a inabilidade de comunicação social. A atividade lúdica pode ser descrita
como não partilhada, repetitiva, com exploração aleatória de objetos ou parte destes,
fortemente associada a restrição de interesses e de atividades.

Na clínica de atenção ao desenvolvimento da infância, a presença ou ausência de


um único comportamento não sustenta qualquer diagnóstico. Ao contrário, os indicadores
cronológicos de desenvolvimento típico são apenas recursos, ainda que fundamentais,
para o profissional avaliar o ritmo de evolução e identificar alertas de risco para diferenças
mais ou menos impactantes no desenvolvimento (KLIN JONES, 2018; TAMANAHA;
PERISSINOTO, 2019).
57

Prematuridade

A prematuridade é definida (WHO) pela idade gestacional menor do que 37


semanas e o baixo peso definido com inferior a 2500 gramas e muito baixo peso quando
inferior a 1.500 gramas ao nascimento, estes referenciais compõem a vertente de
proporcionalidade no diagnóstico do recém-nascido como pequeno (PIG), adequado
(AIG) ou grande (GIG) para a idade gestacional e estas condições estão entre os fatores
de risco não genéticos para TEA (BRUNONI, 2011; SCATTOLIN; ROSARIO, 2019).

A maioria dos recém-nascidos prematuros não apresenta alterações graves do


neurodesenvolvimento. No entanto, a presença de alto número destas alterações tem sido
verificada prioritariamente em condições de prematuridade extrema, de baixo peso ao
nascer, tempo prolongado de internação, hemorragias ventriculares (Soares et al 2017) e,
também (GUY et al., 2015), em crianças com histórico de prematuridade considerada
moderada ou tardia.

São descritas dificuldades nos dois primeiros anos em comunicação (ISOTANI et


al., 2009; GOUVEIA et al., 2020), em habilidades cognitivas (LAMÔNICA; PICOLINI,
2009), motoras, adaptativas (RIBEIRO et al., 2017), sensoriais (LUIZ et al., 2016,
BELTRAME et al., 2018), emocionais, interativas (FERNANDES et al., 2012;
BROCCHI, LEME, 2013) e de atenção compartilhada, características consistentes com
sinais sugestivos de TEA.

Em busca de visão ampla sobre tema tão complexo, estudos de revisão sobre o
desenvolvimento da criança nascida prematura vem apontando prevalência alta de sinais
de TEA e associações inversas com condições da prematuridade e baixo peso ao nascer.
Dentre outros estudos, HERNADEZ-FABIAN et al., (2018) encontraram prevalências de
TEA variando entre 1,8 a 8% em crianças nascidas com menos de 28 semanas
gestacionais ou 1.000 gramas e de 1 a 5% em crianças nascidas com menos de 2.500
gramas.

JENABY et al., (2021) conduziram meta análise sobre a condição de pequeno ao


nascimento para a idade gestacional (PIG) e o TEA, em revisão de pesquisas de coorte e
caso controle. Os resultados sustentam a associação entre tais condições, na proporção de
1,17 vezes mais diagnóstico de TEA em nascidos PIG. A revisão sistemática e meta
análise de LAVERTY et al., (2021) indicou 3,3 de mais chance de diagnóstico de TEA
em crianças nascidas prematuras do que na população em geral. O estudo abordou
instrumentos de avaliação e diagnóstico e confirmou que a criança nascida prematura
tanto apresenta comportamentos consistente com TEA como tem taxas elevadas de
características de TEA quando comparadas à população em geral.

De acordo com o MINISTÉRIO DA SAÚDE a taxa de nascimento de bebês


prematuros corresponde a 12,4% dos nascidos vivos. Como resultado das evoluções
tecnológicas e das ciências médicas, o nascimento e a sobrevida da criança nascida
prematura têm aumentado.

Tal realidade reforça a importância da atenção ao neurodesenvolvimento de


crianças muito jovens, em rastreamentos específicos e consequentes desdobramentos de
assistência a elas e suas famílias. Especialmente frente à visão contemporânea (KLIN;
58

JONES, 2018; KLIN et al., 2020) de que a identificação precoce do autismo, seguida de
uma intervenção apropriada, tem o potencial de melhorar os resultados para indivíduos
autistas.

Inúmeros instrumentos de triagem que foram criados com foco em crianças nos
seus anos iniciais (MARTELETO; SCHOEN-FERREIRA; PERISSINOTO, 2015).
BREWER; YOUNG; LUCAS (2020) sintetizaram estas publicações e classificaram os
materiais em tipos subsequentes de sensibilidade e especificidade crescente como
rastreios de nível 1, aqueles usados em larga escala para detectar crianças em risco na
população em geral e, em nível 2, aquele proposto para distinguir crianças com sinais de
autismo daquelas com outros problemas de desenvolvimento.

Dentre os instrumentos analisados pelos autores como nível 1 estão as entrevistas


com pais ou cuidadores pelo Modified Checklist for Autism in Toddlers 18-24m- MCHAT
(LOSAPIO, PONDÉ, 2008), recomendado pelo departamento científico da Sociedade
Brasileira de Pediatria para adoção rotineira nas consultas de puericultura e o M-CHAT
R/F- Modified Checklist for Autism in Toddlers revisado com entrevista de seguimento
16-30 m (ROBINS et al., 2014) com revisão e tradução no Brasil por Rosa Miranda
Resegue em 2009.

Temos em nosso meio, também, o IRDI- Indicadores Clínicos de Risco para o


Desenvolvimento Infantil (KUPPFER et al., 2009) e sua versão em questionário para
(Machado et al., 2014) que poderia ser classificado em nível 1. O ABC/ICA Autism
Behavior Check list ABC/ICA (KRUG, 1993; MARTELETO, PEDROMÔNICO, 2005)
e a CARS-BR Childhood Autism Rating Scale (PEREIRA et al., 2008), poderiam ser
classificados como nível 2, sendo não especificas para crianças muito jovens.

Em pesquisa de rastreio do desenvolvimento de crianças nascidas prematuras,


(LEDERMEN et al., 2018) identificou-se alta taxa de sinais sugestivos de TEA entre 18
a 24 meses em idade corrigida pelo MCHAT, crescente quando o rastreamento seguiu aos
30 a 36 meses pelo ABC/ICA. Com a mesma população, buscou-se (OLIVEIRA, 2017)
relações entre sinais de alerta para TEA pelo MCHAT e a avaliação fonoaudiológica do
desenvolvimento da linguagem de 23 prematuros, de ambos os sexos e de idade
cronológica entre 18 e 30 meses, acompanhados na rotina do Núcleo de Investigação
Fonoaudiológica em Linguagem Oral da Criança e do Adolescente na Prematuridade –
NIFLINC do Departamento de Fonoaudiologia, realizado no Programa de Prematuros –
Casa do Prematuro, da Disciplina de Pediatria Neonatal – Departamento de Pediatria,
ambos na UNIFESP. Organizou-se grupos de crianças com pontuações maiores e
menores que 03 no M-CHAT, semelhantes quanto ao tipo de parto, diagnóstico do recém-
nascido, intercorrências neurológicas e respiratórias. Nas análises, os grupos
apresentaram semelhanças nas alterações de linguagem expressiva, receptiva e total e
diferenças quanto ao tempo de internação, em uma relação direta com a pontuação de
sinais de alerta no M-CHAT. Destacaram-se nesta diferenciação e relação estatística,
itens voltados à comunicação gestual de apontar (item 7) e de troca de olhar durante a
interação (item 14) entre os grupos.

Os componentes de rastreio para TEA incluem déficits na comunicação e


interação social de reciprocidade, comunicação não verbal, relacionamentos e
comportamentos e interesses repetitivos, insistência na mesmice, rituais e interesses
intensos e sensibilidades sensoriais.
59

Nesta direção são bem vindos instrumentos específicos de acompanhamento do


desenvolvimento de linguagem. Como exemplos, citam-se estudos sobre habilidades
comunicativas em prematuros de 12 à 24 meses (TEIXEIRA et al., 2019) com o CSBS-
Communication and Symbolic Behavior Scale (WETHERBY, PRIZANT, 1993) em que
as autoras identificaram relações entre o desenvolvimento da linguagem e habilidades
sociocomunicativas inversas com o MCHAT e positivas com a escolaridade materna. As
variáveis: peso, idade gestacional, idade cronológica e corrigida, audição e sexo não se
correlacionaram com as habilidades sociocomunicativas pelo CSBS.

Outro instrumento é a de entrevista com pais para avaliar o desenvolvimento da


pragmática LUI Language Use Inventory (O´Neil, D. 2007) traduzido por SERVILHA-
BROCCHI; OSBORN; PERISSINOTO (2019) com foco em crianças de 18 à 47 meses
em tópicos de utilização de gestos, tipos e funções, utilização de palavras, tipo e funções
e utilização de frases, tipo e funções.

Em pesquisa com o LUI-PT (SERVILHA-BROCCHI, GOULART,


PERISSINOTO, 2019) entrevistou-se mães e avaliou-se crianças com idades entre 12 a
30 meses de idade cronológica, organizadas em grupo de 35 nascidas prematuras e 26,
nascidas a termo, sem intercorrências peri, pré ou pós-natais e/ou queixas de
desenvolvimento, que frequentavam escolas de educação infantil de uma cidade do
Interior do Estado de São Paulo. Verificou-se desempenho inferior em crianças nascidas
prematuras, relacionado diretamente ao peso, idade gestacional e idade e, inversamente,
ao tempo de internação.

No escopo deste texto, é relevante retomar que comportamentos de crianças


jovens nascidas prematuras podem não estar, ainda, dentro dos limites de uma trajetória
típica de desenvolvimento e, também que, em grupos de risco, uma triagem negativa
precoce não garante que os sintomas do autismo não surgirão em uma data posterior
(LEDERMEN et al., 2018; BREWER; YOUNG; LUCAS, 2020).

Resultados das pesquisas e a atividade clínica no acompanhamento do


desenvolvimento e orientação aos pais de crianças nascidas prematuras indicam a
relevância do acompanhamento fonoaudiólogo desde o primeiro ano de vida, na
caracterização da dinâmica das habilidades comunicativas.

Comentários Finais

Os recursos de rastreio para TEA em nascidos prematuros identificam sinais de


alertas para a comunicação social, não verbal e verbal, na iniciativa e resposta aos gestos,
iniciativa e resposta verbais, comportamento de brincar, atraso ou estereotipias de
linguagem e alterações sensoriais, em criança muito jovens.

Portanto, pesquisadores e clínicos são unânimes em destacar a necessidades de


novas fases de rastreio e ou avaliações especificas, para o reconhecimento de resultados
falsos positivos e de falsos negativos para TEA e a necessidade de garantir
encaminhamentos pós-triagem e acompanhar os resultados.
60

Têm sido apontados em nosso país (RIBEIRO et al 2017; SUKIENNIK et al 2022)


aspectos que dificultam o acesso a serviços, demora para definição diagnóstica de cerca
de mais de 2 anos e seus desdobramentos na intervenção. Variáveis sociodemográficas e
econômicas, especialidade dos serviços e distâncias são fatores recorrentes e trazem o
compromisso profissional da atenção à infância, especialmente nos meses iniciais.

Por outro lado, a identificação de fatores de alerta para TEA em população de


risco como na prematuridade, aponta, prioritariamente, para a oportunidade de iniciar
intervenções no princípio da vida. As ações na clínica fonoaudiológica sustentam
intervenções direta e indiretas com crianças muito jovens, desenvolvidas para otimizar a
comunicação em toda as suas facetas. Pais e profissionais bem informados e mais atentos
a sintomas de TEA ou alertas que possam surgir, são os vetores para mitigar sinais de
desvios no desenvolvimento.
61

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e


estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre, 5. ed., 2014.
BELTRAME, V. H.; MORAES, A. B.; SOUZA, A. P. R. Perfil sensorial e sua relação
com risco psíquico, prematuridade e desenvolvimento motor e de linguagem por bebes
de 12 meses. Revista Terapia Ocupacional Universidade São Paulo, São Paulo, v. 29,
n. 1, p. 8-181, jan./abr. 2018.

BREWER, N.; YOUNG, R.; LUCAS, C. A. Autism Screening in Early Childhood:


discriminating autism from other developmental front. Frontiers in Neurology, San
Diego, EUA, v. 11, p. 594381, dec. 2020.
BROCCHI, B. S.; GOULART, A. L.; PERISSINOTO, J. AB020 Comparison of
pragmatic aspects of language development between children born preterm and full term
Pediatric Medicine, Londres, EUA, v. 3, p. AB020, feb. 2020.
BROCCHI, B. S.; OSBORN, E.; Perissinoto, J. Translation of the Parental Inventory
“Language Use Inventory” into Brazilian Portuguese. CoDAS, São Paulo, v. 31, n. 1, p.
e20180129, 2019.
BROCCHI, B. S.; Leme, M. I. S. Relation between mother-child interaction upon the
development of oral language of the preterm newborn. Audiology Communicatin
Research, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 321-331, dez. 2013.
BRUNONI, D. Genética e o Transtorno do Espectro Autista. In: SCHWARTZMAN J.
S.; ARAUJO, C. A. Transtorno do Espectro do Autismo. São Paulo: Editora Memnon
Edições Científicas, 2011, cap. 5, p. 56-64.
FERNANDES, L. V. et al. Neurodevelopmental assesstment of very low birth
weightpreterm infants at corrected age of 18-24 months by Bayley III scales. Jornal de
Pediatria, Rio de Janeiro, v. 88, n. 6, p. 471-478, 2012
GOUVEIA, A. S. et al. Desenvolvimento de linguagem e das habilidades auditivas em
prematuros adequados e pequenos para a idade gestacional: idade cronológica ente 18 e
36 meses. CoDAS, São Paulo, v. 32, n. 4, online, 2020.
GUERRA, C. C. et al. Premature infants with birth weights of 1500–1999 g exhibit
considerable delays in several developmental áreas. Acta Paediatrica, México, v. 103, n.
1, p. 1-117, jan. 2014.
GUY A. et al. Infants born late/moderately preterm are at increased risk for a positive
autism screen at 2 years of age. The Journal of Pediatrics, Cincinnati, EUA, vol. 166,
n. 2, p. 269-275, feb. 2015.
HERNANDEZ-FABIAN, A. et al. Autism spectrum disorder and prematurity: towards
a prospective screening program. Revista de Neurologia, Barcelona, v. 66, n. S01, p.
S25-s29, mar. 2018.
ISOTANI, S. M. et al. Linguagem expressiva de crianças nascidas pré-termo e termo aos
dois anos de idade. Pró-Fono, São Paulo, v.21, p. 155-159, jun. 2009.
JENABI, E. et al. Association between small for gestationça age and riskofautism
spectrum disorders: a meta-analysis. Clinics and Experimental Pediatrics, Coreia do
Sul, vol. 64, n. 1, p. 538-542, Oct. 2021.
KLIN, A.; JONE, W. An agenda for 21st century neurodevelopmental medicine: lessons
from autism. Revista de Neurologia, Barcelona, v. 66, n. 1, p. S3-S15, mar. 2018.
KLIN, A. et al. Affording autism an early brain development re-definition.
Developmental and Psychopathology, Reino Unido, v. 32, n. 4, p. 1175-1189, oct. 2020.
KRUG, D. A.; ARICK, J. R.; ALMOND, P. J. Autism screening instrument for
educational planning – ASIEP 2. 2. ed. Austin: Pro-Ed, 1993.
62

LAMÔNICA, S. A. C.; PICOLINI, M. M. Habilidades do desenvolvimento de


prematuros. Revista CEFAC, São Paulo, v. 11, n. l2, p. 145-153, 2009.
LAVERTY, C. et al. The prevalence andporfileof autism inindoviduals born preterm:
systematicreview and meta-analysis. Journal of Neurodevelopmental Disorders, v. 64,
n. 10, p. 538-542, 2021.
LEDERMAN, V. R. G. et al. Rastreamento de sinais sugestivos de TEA em prematuros
com muito baixo peso ao nascer. Revista Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 20,
n. 3, p. 72-85. set./dez. 2018.
LOSAPIO, M. F.; PONDÉ, M. P. Tradução para o português da escala M-CHAT para
rastreamento precoce de autismo. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, v. 30, n. 3, p. 221-229, dez. 2008.
LUIZ, C. B. L. et al. Relação entre as habilidades auditivas no primeiro ano de vida e o
diagnóstico de linguagem em prematuros. Revista CEFAC, São Paulo, v. 18, p. 1316-
1322, nov./dez. 2016.
MACHADO, F. et al. Questionário de Indicadores Clínicos de Risco para o
Desenvolvimento Infantil: avaliação da sensibilidade para transtorno do espectro do
autismo. Audiology Communication Research, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 345-351, sept.
2014.

MARTELETO, M. R. F; PEDROMÔNICO, M. R. M. Validity of autism behavior


checklist (ABC): preliminary study. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 27,
n. 4, p. 295-301, dec. 2005.
MARTELETO, M. R. F.; SCHOEN-FERREIRA, T. H.; PERISSINOTO, J. Escalas de
avaliação de transtornos invasivos do desenvolvimento In: GORENSTEIN, C.; WANG,
Y. P.; HUNGERBÜHLER, I. Instrumentos de Avaliação em Saúde Mental. 1. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2015. p. 359-374.
MARTELETO, M. R. F.; TAMANAHA, A. C.; PERISSINOTO, J. Detecção dos sinais
de alerta dos transtornos do espectro do autismo In: TAMANAHA, A C.;
PERISSINOTO, J. Transtornos do espectro do autismo implementando estratégias
para a comunicação. 1. ed. Ribeirão Preto: Booktoy, 2019. p. 47-57.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com
transtorno do espectro autista. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

O´NEIL, D. The language use inventory for young children: a parent-report measure of
pragmatic language development for 18 to 47-months-old children. Journal of Speech,
Language and Hearing Research, Rockville, EUA, p. 214-228, feb. 2007.

OLIVEIRA, M. M. F. Sinais de risco para transtorno do espectro autista e o


desenvolvimento da linguagem em prematuros. Trabalho de conclusão do Curso
(Graduação em Fonoaudiologia), Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2017.
PEREIRA, A.; RIESGO, R.; WAGNER, M. Autismo infantil: tradução e validação da
childhood autism rating scale para uso no Brasil. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v.
84, n. 6, p. 487-94, dez. 2008.

RIBEIRO, C. C. et al. Habilidades do desenvolvimento de crianças prematuras de baixo


peso e muito baixo peso. CoDAS, São Paulo, v. 29, n. 1 2017.
RIBEIRO, S. B. et al. Barriers to early identification of autism in Brazil. Revista
Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 39, n. 4, p. 352-354, 2017.
63

ROBINS, D. L. et al. Validation of the modified checklist for autism in toddlers, revised
with follow-up (M-CHAT-R/F). Pediatrics, Americana, v. 133, n. 1, p. 37-45, jan. 2014.
SCATTOLIN, M. A. A.; ROSÁRIO, M. C. Neurobiologia dos transtornos do espectro do
autismo In: TAMANAHA, A. C.; PERISSINOTO, J. Transtornos do espectro do
autismo implementando estratégias para a comunicação. 1. ed. Ribeirão Preto:
Booktoy, 2019 p. 29-58.
SCHOPLER, E.; REICHLER, R.; RENNER, B. R. The childhood autism rating scale
(CARS) for diagnostic screening and classification in autism. New York: Irvington,
1986.

SOARES, A. C.; SILVA, K.; ZUANETTI, P. A. Variáveis de risco para o


desenvolvimento da linguagem associadas à prematuridade. Audiology Communication
Research, São Paulo, v. 17, p. e1745, nov. 2017.
SUKIENNIK, R.; MARCHESAN, J.; SCORNAVACCA, F. Challenges on diagnoses
and assessments related to autism spectrum disorder in Brazil: A systematic review.
Frontiers in Neurology, San Diego, EUA, v. 12, p. 598073, jan. 2022.
TAMANAHA, A. C.; PERISSINOTO, J. Avaliação fonoaudiológica In: TAMANAHA,
A. C.; PERISSINOTO, J. Transtornos do espectro do autismo implementando
estratégias para a comunicação.1. ed. Ribeirão Preto: Booktoy, 2019. p. 77-90.
TEIXEIRA, L. G.; PERISSINOTO, J.; BROCCHI, B. Desenvolvimento da linguagem e
habilidades sociocomunicativas de recém-nascidos prematuros entre 12 a 24 meses In: X
CONGRESSO INTERNACIONAL DE FONOAUDIOLOGIA, XXVII CONGRESSO
BRASILEIRO DE FONOAUDIOLOGIA e III ENCONTRO MINEIRO DE
FONOAUDIOLOGIA, 2019, Belo Horizonte. Anais do congresso. 2019. p.11513-1513.
WETHERBY, A.; PRIZANT, B. Communication and symbolic behavior scales
developmental profile-preliminary normed edition. Baltimore: Paul H. Brookes
Publishing Co., 2001. p. 1-8.

https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/beneficiario/ans-alerta-gestantes-para-o-
dia-mundial-daprematuridade
64

6. Aspectos pragmáticos no TEA


Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato

Introdução

O termo Transtorno do espectro autista - TEA foi apresentado na publicação da


quinta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5
(APA, 2013). Houve também diversas alterações para caracterização e critérios
diagnósticos do Transtorno do Espectro do Autismo1. Dentre as mudanças cabe ressaltar
a ênfase dada na quinta versão do DSM para a interação e comportamento como critérios
diagnósticos. Destacou-se os prejuízos persistentes na comunicação e na interação social
em vários contextos e padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses ou
atividades. Nesta quinta versão do DSM não foi incluído o prejuízo na comunicação oral
porque tiveram o entendimento que os atrasos nessa área não estão presentes em todos os
casos. Entretanto, houve referência para a presença de comprometimentos na
comunicação não verbal. (SWINEFORD et al. 2014).
A partir da descrição proposta pelo DSM-5, entendeu-se como comunicação
social a comunicação para a interação social em diversos contextos e envolvendo os
aspectos não verbais. Na perspectiva da Linguagem é a Pragmática que irá estudar,
investigar a funcionalidade da linguagem, da comunicação para a interação social. Ou
seja, a Pragmática é o domínio da linguagem responsável por investigar e analisar a
comunicação social.

Constructo Teórico

A contribuição das teorias pragmáticas para os estudos de linguagem propiciou


considerar o desenvolvimento de linguagem associado ao desenvolvimento cognitivo,
emocional e social da criança. Inseriu-se elementos do contexto, linguísticos ou não no
estudo da linguagem. (AMATO, 2006.). A pragmática inclui três domínios primários:
atos de fala ou funções de comunicação, habilidades de discurso e pressuposição
(BATES, 1976). Atos de fala são o uso de enunciados pelo falante com certas intenções
em mente e o efeito do enunciado em um ouvinte em um determinado contexto.
(FERNANDES, 1996). A perspectiva funcionalista oferece instrumentos para a
investigação do início do desenvolvimento da linguagem, ou seja, o estágio anterior às
primeiras palavras por considerar em sua análise aspectos não verbais e interacionais.
(AMATO, 2006)
As habilidades de comunicação social já estão presentes na fase pré-
linguística do desenvolvimento da linguagem (KOENIG, MERVIS, 1984, MUNDY et al.
1987, HARRIS, 1988). Nesta fase já se observa combinações de gestos, vocalizações,
contatos visuais de natureza social que são interpretados pelos adultos como portadores
de intenção comunicativa. Nesta fase ocorre também a atenção conjunta, compartilhada,
fundamental para o desenvolvimento da comunicação social. (PRUTTING, 1982;

1
Neste capítulo será utilizado Transtorno do espectro do autismo por considerar que Transtorno do
espectro autista está incorreto, foi um erro de tradução.
65

SCHIEFFELIN, 1983; PÉREZ-SÁNCHEZ, 1983; AIMARD, 1986; PRIZANT,


WETHERBY, 1990, SNOW et al.1996,). Compreender uma mensagem não depende
somente das informações linguísticas, é necessário que o interlocutor some às
informações linguísticas, fatores contextuais e seu conhecimento de mundo. Assim, a
compreensão pragmática é a habilidade em utilizar também o contexto na compreensão,
considerando que o significado é construído quando são feitas conexões entre as
informações. (LOUKUSA et al. 2007). As habilidades pragmáticas podem facilitar o
desenvolvimento e a manutenção de relacionamentos interpessoais, bem como a
comunicação interpessoal em vários contextos (HYTER, 2007).

Quadro 6

Pragmática é uso efetivo e apropriado da linguagem para atingir objetivos


sociais, gerenciar turnos e tópicos na conversa e expressar graus de polidez. Ter
consciência dos papéis sociais e reconhecimento das necessidades de conversação dos
outros (ASHA, 2014). São exemplos de habilidades pragmáticas:

Comunicação Verbal Comunicação Não verbal


Atos de fala (ex. solicitações, Linguagem corporal (postura e
respostas, comentários, diretrizes, posicionamento)
exigências, promessas e outras
funções comunicativas
Intenções comunicativas Gesto
(atos comunicativos)
Prosódia Expressão facial
Discurso (estilo, capacidade de resposta, Contato visual
assertividade, manutenção de tópico,
introdução do tópico, capacidade de
resposta, reciprocidade social, reparo de
quebras comunicativas)

Adaptado da ASHA, 2022

Especificamente em relação ao TEA os estudos e pesquisas considerando os


aspectos pragmáticos da linguagem também não são recentes. Desde os anos oitenta já
era possível encontrar na literatura especializada estudos sobre os aspectos funcionais da
linguagem de crianças com TEA. (FERNANDES, 1996). A possibilidade de investigar
as alterações de linguagem das crianças com TEA a partir da perspectiva pragmática
permitiu a compreensão de que o ponto central da dificuldade de linguagem destas
crianças estava justamente em seus aspectos funcionais. O que ainda hoje é destacado
como um forte denominador comum enquanto característica de linguagem para os
indivíduos com TEA por diversos autores. (PARSONS et al. 2017).

Os estudos partiram de aspectos específicos da linguagem de crianças com TEA


como ecolalia e inversão pronominal (PRIZANT, 1983; PRYZANT, RYDELL, 1984),
passaram a incluir os aspectos não verbais também (LOVELAND, LANDRY, 1986;
BISHOP,1989), a considerar aspectos contextuais (STONE, CARO MARTINEZ, 1990)
e os diversos interlocutores (WETHERBY, 1986). Estudos recentes relacionam
66

habilidades pragmáticas com a comunicação social. Buscam identificar em estágios


precoces do desenvolvimento, sinais de alteração ou ausência de indicadores, marcadores
de habilidades sociais. Por exemplo alteração do contato visual, a falta de atenção
conjunta, desatenção ao parceiro de comunicação para a socialização, ausência de atenção
compartilhada. Alterações no desenvolvimento destas habilidades seriam sinais de alerta
para o TEA (MANFREDI et al. 2021). Os déficits na pragmática afetam indivíduos com
TEA durante toda a infância e adolescência, necessitando de intervenções eficazes e
baseadas em evidências que possam minimizar os impactos de longo prazo.

Prática baseada em evidências

As habilidades pragmáticas são extremamente complexas para avaliar e


quantificar (ADAMS et al. 2002; LANDA, 2000). Deve-se considerar amostras de uso de
linguagem e de comunicação espontânea a partir de critérios individuais (FERNANDES,
2021).

A American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) recomenda que,


para a avaliação e intervenção de linguagem com foco nas habilidades pragmáticas
seja considerado:

Quadro 7
Uso de meios de comunicação verbais e não verbais, incluindo gestos naturais, fala,
sinais, imagens e palavras escritas, bem como outros sistemas de comunicação aumentativa e
alternativa (AAC)
 Como compreende e interpreta a comunicação verbal e não verbal dos
outros, incluindo gestos e entonação;
 Como inicia comunicação espontânea;
 Como inicia e mantem conversas;
 Como manipula tópicos de conversação e repara falhas de comunicação;
 Como revezam-se nas atividades funcionais entre parceiros e
configurações de comunicação;
 Como compreende o discurso verbal e não verbal em ambientes sociais,
acadêmicos, vocacionais e comunitários;
 Como compreende linguagem figurativa e ambígua e faz inferências
quando a informação não for explicitamente declarada;
 Como atribui estados mentais e emocionais (por exemplo, pensamentos,
crenças e sentimentos) a si mesmo e aos outros (Teoria da Mente [ToM]);
 Como se comunica para uma gama de funções sociais que são
recíprocas e que promovem o desenvolvimento de amizades e redes sociais; e
 Como é o acesso à alfabetização e instrução acadêmica, bem como
atividades curriculares, extracurriculares e vocacionais.

Adaptado da ASHA, 2022


67

No contexto nacional, a referência para a avaliação dos aspectos pragmáticos da


linguagem é o ABFW – Teste de Linguagem Infantil nas áreas de Fonologia, Vocabulário,
Fluência e Pragmática (ANDRADE et al, 2000), especificamente a parte do teste dedicada
a pragmática. O instrumento considera os aspectos verbais e não verbais, o interlocutor e
o contexto. Traça um perfil funcional da comunicação fornecendo o número de atos
comunicativos produzidos em um determinado período, a ocupação do espaço
comunicativo, o meio utilizado para a produção do ato comunicativo (verbal, vocal e/ou
gestual) e classifica a produção de acordo com 20 funções comunicativas. Embora não
seja específico para crianças com TEA é significativo o número de estudos com esta
população. Há estudos com diversos interlocutores (FERNANDES et al. 2011), em
ambientes clínicos (FERNANDES et al. 2008; AMATO, FERNANDES, 2010; AMATO,
FERNANDES, 2011), escolares (DEFENSE, FERNANDES, 2011), comparativos com
outros transtornos de linguagem ou desenvolvimento típico (LAGUS, FERNANDES,
2021; HAGE et al. 2022) e com outros protocolos (FERNANDES, MIILHER, 2008;
DEFENSE-NETRVAL et al. 2011, SANTOS et al. 2012; SANTOS, AMATO,
FERNANDES, 2014).

A busca por validação de testes padronizados em outras línguas para avaliar a


linguagem é de extrema relevância para a pesquisa clínica e definição de parâmetros
específicos para critérios diagnósticos dentro da Fonoaudiologia brasileira.

Carvalho, Lúcio e Ávila, 2015, examinaram a equivalência psicométrica entre as


versões americana e brasileira do Test of Pragmatic Language - Second Edition (TOPL-
2). O estudo conduzido com 81 escolares com média de idade de 9,4 que responderam à
aplicação oral de questões da versão traduzida e adaptada para o português brasileiro do
TOPL-2. Este estudo não foi conduzido com crianças com TEA.

Em 2018, Santos e colaboradores, propuseram a Adaptação para o português do


teste de habilidades pragmáticas de Shulman - Test of Pragmatic Skills. Foram utilizados
os objetos propostos pelo teste original (fantoches, telefone de brinquedo, blocos cúbicos
coloridos e folhas de tarefas com 3 formas geométricas impressas e lápis). As tarefas
foram propostas exatamente como descritas no guia de tarefas. Se a criança falhasse ou
não emitisse resposta depois da primeira tentativa, esta era repetida apenas uma vez. O
tempo de aplicação do teste variou entre sete e 25 minutos. De acordo com os resultados
o Test of Pragmatic Skills é capaz de descrever as habilidades pragmáticas de crianças
entre 3 e 8 anos em função de mudanças nos contextos comunicativos. O instrumento foi
elaborado com o objetivo se ser utilizado em condições clínicas diversas, na suspeita de
alterações de linguagem relacionadas ao uso inapropriado ou ausência de intenção
comunicativa.

Em 2019, Brocchi, Osborn e Perissionoto propuseram um estudo de tradução do


Inventário Parental “Language Use Inventory” LUI para o português brasileiro. Como
conclusão o estudo relata que a versão brasileira do LUI é confiável para avaliar a
pragmática da linguagem de pré-escolares.

Em estudo recente, Fernandes (2021) propôs um protocolo de avaliação de


habilidades pragmáticas da comunicação, o Protocolo de Avaliação de Habilidades
Pragmáticas de Crianças com Transtornos do Espectro do Autismo (PAHPEA) e o
comparou com os resultados obtidos no Perfil Funcional da Comunicação (PFC) proposto
pelo ABFW. A proposta baseou-se na compreensão de que os dois instrumentos seguiam
68

as mesmas noções a respeito da comunicação de crianças com transtorno do espectro do


autismo. O objetivo foi propor um protocolo de avaliação das habilidades pragmáticas
que fosse simples de usar e possível de funcionar como elemento de acompanhamento
dos resultados de intervenção. A autora concluiu que o protocolo ainda necessita de mais
estudos e que deve ser usado em conjunto com outros instrumentos consolidados.

Outro protocolo apresentado no âmbito nacional foi o Assessment of Pragmatic


Language and Social Communication (APLSC – Avaliação de linguagem pragmática e
comunicação social) em estudo conduzido por Hage e colaboradores (2022). O objetivo
da pesquisa foi investigar as habilidades pragmáticas e de comunicação social de crianças
com Desenvolvimento Típico de Linguagem (DTL), Transtorno do Espectro do Autismo
(TEA) e Distúrbio do Desenvolvimento da Linguagem (DDL). A versão beta da
ferramenta propôs identificar o tipo e a qualidade da comunicação e interação de crianças
entre 3 e 6 anos de idade a partir de um questionário respondido pelos pais e/ou cuidadores
e por profissionais que interagissem rotineiramente com as crianças, como os professores.
O questionário incluiu perguntas sobre habilidades pragmáticas e de comunicação social.
De acordo com as autoras o instrumento de avaliação foi útil na identificação das
diferenças no desempenho de crianças com diferentes perfis de comunicação social.
Crianças com TEA foram as que mais apresentaram dificuldades pragmáticas e sociais.

Simmons, Pauls e Volkmar(2014) realizaram um estudo comparativo dos aspectos


pragmáticos da linguagem de jovens (9-17 anos) com TEA e com desenvolvimento típico
utilizando o Yale in vivo Pragmatic Protocol (YiPP), um protocolo semiestruturado,
dinâmico de avaliação conversacional que incluiu 4 domínios pragmáticos (gestão do
discurso, funções comunicativas, reparo conversacional, pressuposição). Os resultados
apontaram que o protocolo avalia as habilidades pragmáticas de jovens com TEA dentro
de um contexto de conversação e pode identificar áreas específicas de fragilidade dentro
do contexto de avaliação clínica.

O Children’s Communication Checklist, second edition CCC-2 (BISHOP, 2003)


é um instrumento amplamente utilizado internacionalmente para investigar as habilidades
pragmáticas de linguagem. Consiste em uma lista de verificação padronizada de 70 itens
de habilidades pragmáticas e de comunicação social aplicáveis às idades das crianças de
4 a 16 anos. Os cuidadores são solicitados a fazer um julgamento de frequência sobre a
frequência com que os comportamentos ocorrem em 4 pontos da régua. O CCC-2 é
dividido em 10 subescalas que medem: (A) fala, (B) sintaxe, (C) semântica, (D)
coerência, (E) iniciação inadequada, (F) linguagem estereotipada, (G) o uso do contexto,
(H) comunicação não verbal, (I) relações sociais e (J) interesses. As duas últimas
subescalas (I e J) medem comportamentos característicos de crianças com TEA.

Em 2019, Gentilleau-Lambin e colaboradores, ao investigarem uma ferramenta de


triagem para a linguagem pragmática, usaram o CCC e o CCC-2 como referência.
Sturrock e colaboradores (2020), ao investigar o desempenho de meninas com TEA em
atividades de linguagem pragmática comparando-as com meninos com TEA e grupo
controle de meninos com desenvolvimento típico fez uso do CCC-2 entre outros
instrumentos. De maneira geral o estudo mostra que o grupo de meninas com TEA teve
um desempenho melhor do que o de meninos com TEA, mas pior do que os controles
com desenvolvimento típico em observações clínicas. Salem e colaboradores (2021)
usaram o CCC-2 em um estudo para avaliar a linguagem de crianças com TEA a partir
de medidas de linguagem.
69

Para Reindal e colaboradores (2021), é frequente os distúrbios pragmáticos em


indivíduos com TEA, mas, a relação entre as habilidades estruturais de linguagem e a
competência pragmática ainda foi pouco investigada em crianças com sintomas do TEA.
Neste sentido foi proposto um estudo usando o CCC-2 para investigar a relação entre os
aspectos pragmáticos e o atraso de linguagem em 177 crianças, tendo sido 148 avaliadas
clinicamente com o TEA e 29 sem o TEA. Os resultados encontrados associam déficits
estruturais de linguagem com competência pragmática reduzida em ambos os grupos.

As deficiências de linguagem pragmática foram mais profundas em crianças com


TEA. Autores sugerem que a avaliação das habilidades estruturais de linguagem devem
ser incluídas na avaliação de crianças com suspeita de TEA.

As habilidades pragmáticas na comunicação social têm seu início na infância, mas


percorrem a adolescência e vida adulta com desafios e características específicas a cada
período. Neste contexto os estudos com indivíduos com TEA, adolescentes e adultos, têm
se tornado mais frequentes, assim como a procura por orientações e demandas específicas
relacionadas a atividades de vida social e de trabalho.

Em 2022 foi publicado um estudo de Dindar e colaboradores sobre a Inferência


sociopragmática, atenção social visual e reatividade fisiológica a cenas sociais complexas
em jovens autistas. Embora seja com número de participantes restrito (14 jovens adultos
com TEA e 14 jovens adultos sem déficit intelectual). O estudo aborda conceitos das
habilidades pragmáticas inserida na comunicação social dentro da estrutura
contemporânea do termo, e apresenta resultados próximos a de outros estudos associando
uma melhor inferência sociopragmática a menos traços autísticos.

As revisões de literatura são reconhecidamente boas fontes de evidência científica


para fornecer prática clínica de qualidade. Não foi localizado no contexto nacional na
breve busca realizada na literatura especializada nenhuma revisão de literatura sobre os
aspectos pragmáticos de linguagem e o TEA. No cenário internacional há um estudo para
ser apresentado.

Uma revisão sistemática das intervenções de linguagem pragmática para crianças


com transtorno do espectro autismo (PARSONS et al. 2017) destaca a importância de
intervenções baseadas em evidências para crianças com TEA com a finalidade de limitar
o impacto psicossocial causado pelas dificuldades pragmáticas de linguagem. A revisão
identificou 22 estudos descrevendo 20 propostas de intervenção para crianças e
adolescentes de zero a 18 anos. Foi realizada a meta-análise de 15 intervenções. Como
resultado os autores destacam que a inclusão ativa da criança e dos pais na intervenção
foi um mediador significativo do efeito da intervenção. Já a idade do participante, o
ambiente de terapia ou a modalidade não foram significativos nas intervenções analisadas
e nos aspectos pragmáticos considerados. Os autores chamam atenção para o fato de que
os efeitos a longo prazo das intervenções em habilidades pragmáticas e a generalização
da aprendizagem a novos contextos ainda é amplamente desconhecida.
70

Comentários Finais

Com certeza, ainda há um longo percurso a ser percorrido na busca de evidências


para a prática clínica fonoaudiológica com indivíduos com transtorno do espectro do
autismo. Muitos são os aspectos a serem considerados na escolha de possibilidades de
intervenção (idade, severidade dos sintomas, déficit intelectual), além da compreensão de
que os aspectos pragmáticos da linguagem se estabelecem na relação do indivíduo com o
próximo, com o meio e com ele próprio - dimensões em constantes mudanças e sob
perspectivas muito particulares, especificas, que precisam sempre ser consideradas e
respeitadas em sua individualidade.
71

Referências

ADAMS, C., GREEN J., GILCHRIST A., COX A., Conversational behaviour of
Children with Asperger syndrome and conduct disorder. Journal of Child Psychology
and Psychiatry, v. 43, n. 5, p. 679-690, 2002.
AIMARD P. A linguagem da criança. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas; 1986
AMATO C.A.H., Questões funcionais e sócio-cognitivas no desenvolvimento da
linguagem em crianças normais e autistas. Tese de Doutorado, FFLCH-USP,2006.
AMATO C.A.H., FERNANDES F.D.M. O uso interativo da comunicação em crianças
autistas verbais e não verbais. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 22, n. 4,
2010.
AMATO C.A.H., FERNANDES F.D.M. Aspectos funcionais da comunicação: estudo
longitudinal dos primeiros três anos de vida. Jornal da Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia v.23, n.3, p. 277-280, 2011.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA DSM 5. Diagnostic and Statistical
Mannual of Mental Disorders. Washington: American Psychiatric Association
publishing Inc, 2013.
AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION (n.d.). Social
Communication Disorder. (Practice Portal). www.asha.org/Practice-Portal/Clinical-
Topics/Social-Communication-Disorder/
AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION - ASHA. Social
language use (pragmatics), 2014.
http://www.asha.org/public/speech/development/Pragmatics
ANDRADE CR, BEFI-LOPES DM, FERNANDES FD, WERTZNER HF. ABFW: teste
de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática.
Carapicuiba: Profono; 2000.
BALESTRO J.I., AMATO C.A.H., SUGAWARA V.M., GIBELLO I., SEGEREN L.,
FERNANDES F.D.M. Relations between the perception of communication difficulties,
stress levels and behavior of children with autism spectrum disorders. Psychology. v. 07,
n. 12, p.1391-1396, 2016.
BATES E. Language and context: the acquisition of pragmatics. New York: New
York Academic Press; v. 1, p. 1-41, 1976.
BISHOP D.V.M. Autism, Asperger’s syndrome and semantic pragmatic disorder: where
are the boundaries? Br J Disord Commun. V.24, p. 107-121, 1989.
BISHOP D.V.M. The Children’s Communication Checklist: CCC-2, ASHA, 2003
BROCCHI B.S., OSBORN E., PERISSINOTO J. Translation of the Parental Inventory
“Language Use Inventory” into Brazilian Portuguese. CoDAS, v. 31, n. 2, 2019.
CARVALHO C. A. F., LÚCIO, P.S., ÁVILA C. R. B. Psychometric equivalence of the
Brazilian version of the Test of Pragmatic Language 2 - TOPL-2. CoDAS, v. 27, n. 4,
2015.
DEFENSE D.A., FERNANDES F.D.M. Perfil funcional de comunicação e desempenho
sócio-cognitivo de adolescentes autistas institucionalizados. Revista CEFAC v.13, n.6,
p. 977 985, 2011.
DEFENSE-NETRVAL D.A., FERNANDES F.D.M. A oferta da terapia fonoaudiológica
em locais de assistência a indivíduos com Transtornos do Espectro do Autista (TEA).
CoDAS, v. 2, n.4, p.1-8, 2016.
DEFENSE-NETRVAL D.A., PIMENTEL A.G.L., AMATO C.A.H., FERNANDES
F.D.M. Using the Preschool Language Scale, to characterize language in preschoolers
with autism spectrum disorders. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia
v.16, n.4, p. 488 – 489, 2011.
72

DINDAR, K., LOUKUSA, S., HELMINEN T.M., MÄKINEN L., SIIPO A., LAUKKA
S., RANTANEN A., MATTILA M.L., HURTIG T., EBELING H., Social‑Pragmatic
Inferencing, Visual Social Attention and Physiological Reactivity to Complex Social
Scenes in Autistic Young Adults. Journal of Autism and Developmental Disorders v.
52 p. 73-88, 2022
FERNANDES F.D.M. Autismo Infantil – repensando o enfoque fonoaudiológico –
aspectos funcionais da comunicação. São Paulo: Lovise; 1996
FERNANDES F.D.M Protocolo de avaliação de habilidades pragmáticas de crianças com
transtornos do espectro do autismo. Audiology - Communication Research, v. 26, p. 1-
8, 2021
FERNANDES F.D.M., MIILHER, L.P. Relações entre a Autistic Behavior Checklist
(ABC) e o perfil funcional da comunicação no espectro autístico. Pró-Fono Revista de
Atualização Científica, v. 20, n. 2, 2008.
FERNANDES F.D.M., CARDOSO C., SASSI F.C., AMATO C.A.H., SOUSA-
MORATO P.F. . Fonoaudiologia e autismo: resultado de três diferentes modelos de
terapia de linguagem. Pró-Fono Revista de Atualização Científica v. 20, n. 4, p. 267-
272, 2008.
FERNANDES, F.D.M., AMATO C.A.H., BALESTRO J.I., MOLINI-AVEJONAS D.R.
Orientação a mães de crianças do espectro autístico a respeito da comunicação e
linguagem. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v. 23, n. 1, 2011.
GENTILLEAU-LAMBIN P., NICLI J., RICHARD A.F., MACCHI L., BARBEAU C.,
NGUYEN S., MEDJKANE F., LEMAITRE M.P. Assessment of conversational
pragmatics: A screening tool for pragmatic language impairment in a control population
of children aged 6–12 years. Archives de Pédiatrie, v. 26, n.4, p.214-219, 2019.
HAGE S.V.R., SAWASAKI L.Y., HYTER Y., FERNANDES F.D.M. Social
Communication and pragmatic skills of children with Autism Spectrum Disorder and
Developmental Language Disorder. CoDAS, v. 34, p. 1-6, 2022.
HARRIS M. Crianças e bebês: à luz de observações psicanalíticas. São Paulo: Vértice
editora dos tribunais; 1988
HYTER, Y.D., Pragmatic language assessment: A pragmatics-as-social practice model.
Topics in Language Disorders, v.27, n.2, p. 128-145, 2007.
KOENIG MA, MERVIS CB. Interactive basis of severely handicapped and normal
children’s acquisition of referential language. J Speech Hear Res, n. 27, p.534-542,
1984.
LAGUS S., FERNADES F.D.M. Proposta de questionário para a investigação das
habilidades de comunicação social de crianças com desenvolvimento típico e com
distúrbios de comunicação. Rev CEFAC, v. 23, n.4, p. 1-8, 2021
LANDA, R., Social language use in Asperger syndrome and high-functioning autism.
Asperger syndrome, p. 125-155, 2000.
LOUKUSA S, LEINONEN E, KUUSIKKO S, JUSSILA K, MATILLA ML, RYDER N,
EBELING H, MOILANEN Use of context in pragmatic language comprehension by
children with Asperger syndrome or High-Functioning Autism Rev Soc Bras
Fonoaudiol, v.12, n2, p.160-161, 2007.
LOVELAND KA, LANDRY SH. Joint attention and language in autism and
development language delay. J Autism Dev Disord.; v.16, n.3, p. 335-349, 1986.
MANFREDI M., PEREIRA E.F.R., EGITO J.H.T., MENDONÇA J.S., OSOSRIO A.A.
Altruistic helping in young children with ASD: A preliminary study. Research in
developmental disabilities, v. 118, p. 104067, 2021.
73

MUNDY P, SIGMAN M, UNGERER J, SHERMAN T. Nonverbal communication and


play correlates of language development in autistic children. J Autism Dev Disord, v.
17, n.3, p. 349-364, 1987.
PARSONS L., CORDIER R., MUNRO N., ANNETTE JOOSTEN A., SPEYER R., A
systematic review of pragmatic language interventions for children with autism spectrum
disorder. PLoS ONE v.12, n4, p. 1-37, 2017
PÉREZ-SÁNCHEZ M. Observação de bebês: relações emocionais no primeiro ano
de vida. Rio de Janeiro: Paz e Terra editora; 1983
PRIZANT B.M. Language acquisition and communicative behavior in autism: toward
and understanding of the “whole” of it. J Speech and Hear Disord., v. 48, p. 296-307,
1983.
PRIZANT B.M. RYDELL P. Analysis of functions of delayed echolalia in autistic
children. J Speech Hear Res. V.27, p. 183-92, 1984.
PRIZANT B.M, WETHERBY A. Toward in integrated view of early language and
communication development and socioemotional development. Top Lang Disord, v. 10
n.4, p. 1-16, 1990.
PRUTTING C. Infants – “(one) Unable to Speak” In: IRWIN. The role in language
development. La Verne: Fox Point Publishing, v2, p. 15-27, 1982.
REINDAL, L., NAERLAND, T., WEIDLE, B., LYDERSEN, S., ANDREASSEN, O.A.,
SUND, A.M.; Structural and Pragmatic Language Impairments in Children Evaluated for
Autism Spectrum Disorder (ASD). Journal of Autism and Developmental Disorders,
2021.
SALEM A.C., MACFARLANE H., ADAMS J.R., LAWLEY G.O., DOLATA J.K.,
BEDRICK S., FOMBONNE E. Evaluating atypical language in autism using automated
language measures. Scientific reports v.11, n.1, p. 1-12, 2021.
SANTOS T.H.F., AMATO C.A.H., FERNANDES F.D.M. Functional Communication
Profile-Revised: Application and Comparison with the Functional Communicative
Profile-Checklist. Psychology, v.5, n.11, 2014.
SANTOS, T.H.F., BARBOSA M.R.P., PIMENTEL A.G.L., LACERDA C.A.,
BALESTRO J.I., AMATO C.A.H., FERNANDES F.D.M. Comparação dos instrumentos
Childhood Autism Rating Scale e Autism Behavior Checklist na identificação e
caracterização de indivíduos com distúrbios do espectro autístico. Jornal da Sociedade
Brasileira de Fonoaudiologia, v.24, n.1, p. 104-106, 2012.
SANTOS T.H.F., CORTEZ A.C.M., SAUINI G., NASCIMENTO A.C.C.,
FERNANDES F.D.M. Adaptação para o português do teste de habilidades pragmáticas
de Shulman. CoDAS, v. 30, n. 1, 2018.
SCHIEFFELIN B.B. Looking and talking: the functions of gaze direction in the
conversations of young child and her mother. In: OCHS KEENAN E, SCHIEFFELIN B.
Acquiring conversational competence. London: Routledge & Kegan Paul, v.4, p.50-65,
1983.
SEGEREN L, FERNANDES F.D.M. Caracterização de um serviço de referência no
atendimento fonoaudiológico a indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo.
Audiol Commun Res. v. 24, p. 1-5, 2019.
SIMMONS E.S., PAUL R., VOLKMAR F. Assessing pragmatic language in autism
spectrum disorder: The Yale in vivo pragmatic protocol. Journal of Speech, Language,
and Hearing Research, v.57, n.6, p. 2162-2173, 2014.
SNOW CE, PAN BA, IMBENS-BAILEY A, HERMAN J. Learning how to say what one
means: A longitudinal study of children's speech act use. Social Development, v. 5, n1,
p. 56 - 84, 1996.
74

SOUSA C.B.V, FERNANDES F.D.M. Programa de Intervenção parental com pais de


crianças no espectro do autismo. In: FERNANDES F.D.M, editor. Orientações para
famílias de crianças no espectro do autismo. São Paulo: Pro-Fono; 2019.
STONE W.L., CARO-MARTINEZ L.M. Naturalistic observations of spontaneous
communication in autistic children. J Autism Dev Disord. v. 20, n. 4, p.437-453, 1990.
STURROCK A., MARSDEN A., ADAMS C., FREED J. Observational and reported
measures of language and pragmatics in young people with autism: a comparison of
respondent data and gender profiles. Journal of autism and developmental disorders,
v.50, n.3, p. 812-830, 2020.
SWINEFORD, L., THURM, A., BAIRD, G., WETHERBY, A.M., SWEDO, S.; Social
(pragmatic) communication disorder:a research review of this new DSM-5 diagnostic
category. Journal of Neurodevelopmental Disorders, v. 6 n.41, p. 1-8, 2014.
WETHERBY A.M. Ontogeny of communicative functions in autism. J Autism Dev
Disord. v.16, n.3, p.295-316, 1986.
75

7. Aspectos semânticos e morfossintáticos no TEA


Daniela Regina Molini-Avejonas

Introdução

Crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm diferentes graus de


comprometimento linguístico em vários domínios, o que pode incluir déficits em
habilidades sintáticas, pragmáticas e/ou semânticas. A heterogeneidade dos perfis
linguísticos dentro do TEA, juntamente com o escopo limitado das medidas linguísticas
padronizadas existentes, torna desafiadora uma avaliação abrangente dos prejuízos
linguísticos no TEA.

Este capítulo propõe uma reflexão das habilidades semânticas e morfossintáticas


de crianças com TEA baseadas em evidência científica.

Algumas crianças com TEA demonstram níveis avançados de linguagem


expressiva (por exemplo, vocabulário, sintaxe e morfologia) enquanto outras apresentam
dificuldades notáveis não apenas na pragmática (o uso social da linguagem), mas também
em domínios sintáticos (gramática) e/ou semânticos (o significado da linguagem). Poucos
estudos têm investigado aspectos gramaticais na aquisição de linguagem no TEA,
entretanto as anormalidades na sintaxe em crianças com TEA são conhecidas, como a
tendência a omitir certos morfomas gramaticais, verbos auxiliares, inversão pronominal
e dificuldades com o uso de tempos verbais (EIGSTI, BENNETTO e DADLANI, 2007).

Embora os déficits na pragmática e na comunicação social sejam uma


característica marcante do TEA, as habilidades estruturais de linguagem, especificamente
semântica e sintaxe, variam e resultam em diferenças individuais marcantes. Alguns
autores acreditam haver uma discrepância nos escores do vocabulário expressivo e
receptivo, de modo que os escores do vocabulário expressivo são maiores que os escores
do vocabulário receptivo (KOVER et al, 2013). Outros estudos não notaram diferença ou
relataram pontuações de vocabulário receptivo mais altas que pontuações de vocabulário
expressivo, e os resultados contraditórios parecem depender dos testes utilizados na
avaliação da semântica e a idade do sujeito. Além dos déficits nos escores de testes de
vocabulários padronizados, crianças com TEA apresentam déficits únicos em
subdomínios específicos do vocabulário, incluindo a produção e compreensão de
pronomes pessoais, estado mental, e preposições (DURRLEMAN e DELAGE, 2016).
Esses subdomínios do vocabulário podem ser particularmente impactados porque exigem
uma tomada de perspectiva, o que geralmente é um desafio para indivíduos com TEA.
Por exemplo, o uso e a compreensão de estado mental, que se referem ao estado
emocional ou cognitivo de uma pessoa, requerem teoria da mente. Da mesma forma, o
uso correto dos pronomes pessoais exige que o falante saiba se o parceiro de comunicação
está ciente do referente. Caso contrário, pode ocorrer uma falha de comunicação.

No domínio da sintaxe, crianças e adolescentes com TEA são variáveis em seus


déficits. Estudos têm sugerido que crianças com TEA apresentam atrasos sintáticos em
comparação com pares com deficiência intelectual ou desenvolvimento típico (DT). Essas
alterações sintáticas podem incluir desafios com flexão verbal, pretérito regular e
76

irregular, tempo presente e verbos regulares na terceira pessoa do singular. No entanto,


assim como os déficits semânticos, os desafios nesse domínio da linguagem não são
universais entre os indivíduos com TEA; vários estudos relataram habilidades sintáticas
intactas em indivíduos com TEA quando comparados a pares DT (AMBRIDGE,
BANNARD e JACKSON, 2015). Desta forma, padrões gerais indicam que, embora
algumas crianças com TEA tenham desafios com certos aspectos da sintaxe, isso não é
verdade para todas as crianças com TEA.

Os morfemas são as menores unidades significativas da linguagem e contribuem


para os processos lexicais (derivacionais) e gramaticais, desempenhando assim um papel
central na aquisição e uso da linguagem. Aspectos morfológicos da linguagem, portanto,
fornecem um bom domínio para avaliar as competências e processos básicos da
linguagem. A natureza do comprometimento sintático no TEA é um debate contínuo na
literatura, pois os poucos estudos que avaliaram a sintaxe no TEA produziram resultados
conflitantes como citado acima (EIGSTI et al, 2007).

Embora estudos anteriores tenham afirmado que, uma vez pareados na idade
mental, o TEA e os controles de desenvolvimento típico (DT) não diferem no
desenvolvimento gramatical, em estudos mais recentes é relatado o déficit
morfossintático e o fato de que o mesmo pode ser independente de habilidades cognitivas
(ZEBIB et al, 2017) e insistem que existem déficits gramaticais específicos no TEA
(PEROVIC et al, 2013). Mais especificamente, os pesquisadores mostraram que alguns
subgrupos do TEA apresentam perfis sintáticos que lembram o Transtorno de
Desenvolvimento de Linguagem (TDL), e que o desempenho em tarefas sintáticas não se
correlaciona com medidas de QI (ZEBIB et al, 2013). Uma possível explicação para essas
diferenças nos estudos pode ser devido ao fato de que os estudos anteriores fizeram uso
de avaliações de sintaxe generalistas, enquanto testes experimentais mais refinados, que
exploram habilidades gramaticais específicas (como perguntas complexas e wh), foram
aplicados nos trabalhos recentes. No entanto, apesar dessas investigações atuais de
sintaxe em TEA, ainda faltam dados sobre várias estruturas importantes que caracterizam
a sintaxe complexa.

Varandas e Fernandes (2014) utilizaram a Prova de Consciência Sintática - PCS


(Adaptada para crianças no espectro do autismo). Essa prova é baseada na Prova de
Consciência Sintática - PCS (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2006) e é composta de
quatro subtestes: Julgamento Gramatical, Correção Gramatical, Correção Gramatical de
Frases com Incorreções Gramatical e Semântica e Categorização de Palavras. No grupo
de 10 sujeitos avaliados, quatro subgrupos foram identificados. Sugere-se então que há
uma grande variabilidade entre os sujeitos nesse grupo e que, no que se refere à sintaxe,
as diferenças podem ser sutis, apenas reveladas por meio da avaliação. As dificuldades
apresentadas nos subtestes dessa prova variaram de nenhuma dificuldade ou déficit, a
déficits grandes e severos. Apesar de haver, via de regra, variação em populações de
desenvolvimento típico, no caso deste grupo avaliado, as variações não podem dar conta
de explicar os déficits severos em processamento sintático. No entanto, de maneira geral,
os sujeitos avaliados mostraram perfis linguísticos, no que se refere à consciência
sintática, caracterizados por um atraso e não como um desvio.
77

TEA X TDL: Existe semelhança?

Conforme mencionado anteriormente, alguns estudos examinaram a semelhança


entre TEA e TDL. Os resultados são contraditórios; enquanto alguns relatam que os
grupos TEA testados apresentaram desempenho sintático semelhante ao do grupo TDL,
mas com padrões de erro diferentes entre os grupos, outros demonstram não haver essa
semelhança, inclusive relataram que indivíduos com TEA tiveram desempenho pior do
que aqueles com TDL em tarefas de habilidades lexicais. Entretanto, a maioria concorda
que o grupo TEA comete mais erros pragmáticos do que o grupo TDL (LOMBARDO et
al, 2015).

Esses estudos refletem uma visão importante no que diz respeito à linguagem no
TEA. Esta também é uma conclusão de vários estudos comparando TEA com TDL:
alguns sujeitos com TEA apresentam graves alterações de linguagem, enquanto outros
têm desempenho de linguagem semelhante ao TDL. Tais estudos indicam que pode ser
impossível fazer uma generalização sobre a linguagem no TEA, dada a considerável
heterogeneidade dentro desse grupo (BROCK et al, 2017).

Assim, a heterogeneidade do comprometimento dentro do grupo TEA pode ser a


causadora da contradição nos resultados encontrados em diferentes estudos que
compararam a dificuldade de linguagem no TEA ao comprometimento de linguagem no
TDL. Outra fonte é a heterogeneidade dentro do próprio grupo TDL. Leonard (2020)
afirma que o TDL tem muitas faces e que vários domínios da linguagem podem ser
afetados seletivamente, dando origem a vários tipos de TDL, que afetam exclusivamente
a sintaxe, o léxico, a fonologia ou a pragmática. Um desses tipos de TDL, que tem sido
estudado extensivamente, é o TDL no qual as habilidades sintáticas são especificamente
afetadas. As principais construções sintáticas que foram identificadas como prejudicadas
neste quadro são estruturas que envolvem movimento sintático.

Esses domínios sintáticos que foram identificados como marcadores clínicos para
comprometimento sintático no TDL são a melhor opção para examinar se o TEA se
assemelha ou não ao TDL. Esses domínios foram testados em TEA, e novamente, os
resultados foram contraditórios. Terzi et al. (2014) testaram estruturas que são
consideradas marcadores clínicos para TDL em grego - sentenças passivas e pronomes -
em crianças de língua grega com TEA com idades entre 5 e 8 anos. As crianças com TEA
tiveram desempenho semelhante às crianças em desenvolvimento típico (DT) em frases
passivas e pronomes, mas pior que as crianças DT na compreensão de pronomes.
Whitehouse et al. (2008) compararam o desempenho do grupo TEA de língua inglesa
com um grupo TDL em tarefas de compreensão gramatical. Eles relataram que os
participantes TEA tiveram desempenho semelhante ao TDL na tarefa de compreensão de
frases, mas melhor que o TDL na repetição de frases. Manolitsi e Botting (2011), que
também compararam compreensão e produção em TEA e TDL, chegaram a uma
conclusão diferente: as crianças com TEA tiveram desempenho inferior ao TDL em
tarefas de linguagem receptiva e semelhante ao TDL em tarefas de produção de frases.

Demouy et al. (2011), avaliaram a compreensão e produção de frases em crianças


TEA e TDL falantes de francês. Eles descobriram que o grupo TEA teve desempenho
semelhante ao grupo TDL na compreensão e que ambos os grupos apresentaram
desempenho prejudicado na produção de frases. No entanto, os grupos diferiram
78

crucialmente em relação aos erros que cometeram: as crianças com TEA produziram
significativamente mais erros pragmáticos que os participantes do TDL. Tais erros
pragmáticos são respostas inadequadas, não relacionadas aos estímulos, refletindo mal-
entendidos da situação nos estímulos ou falhando em entender a intenção do examinador
e o propósito da conversa.

Gavarró e Heshmati (2014) testaram a compreensão de frases passivas em


crianças falantes de persa com TEA. Eles descobriram que um subgrupo do TEA
(classificado como TEA de baixo funcionamento) teve um desempenho ruim nessas
estruturas. Um achado importante deste estudo foi o fato de que as crianças com TEA que
cometeram erros nessa tarefa, realmente tiveram um desempenho ruim em todas as
estruturas de sentenças, incluindo sentenças ativas, ao contrário das crianças com TDL,
que são seletivamente prejudicadas em sentenças passivas, mas não em sentenças ativas.
Durrleman et al. (2017) também testaram vários tipos de frases passivas vs. ativas em
TEA e também descobriram que crianças com TEA tiveram um desempenho fraco em
ambos os estímulos, tanto nas frases passivas como nas frases ativas. Os resultados de
ambos os estudos sugerem que o déficit subjacente que deu origem às dificuldades das
crianças com TEA nesta tarefa pode ter sido de natureza diferente daquela das crianças
com TDL.

Durrleman et al. (2016) fizeram uma observação semelhante em relação ao padrão


generalizado da alteração no TEA, desta vez em estruturas derivadas das questões “Wh”.
Eles testaram crianças com TEA de 6 a 16 anos sobre a compreensão de perguntas Wh e
sentenças de vários níveis de complexidade sintática. Eles descobriram que o grupo TEA
teve um desempenho pior que o grupo de crianças com DT. É importante ressaltar que as
crianças com TEA apresentaram dificuldade em todos os aspectos, inclusive nas frases
simples, e não apenas nas frases com movimento sintático. Isso, mais uma vez, indica que
seu déficit é de natureza diferente daquela das crianças TDL, que normalmente
apresentam desempenho diferencial em frases sintaticamente simples e complexas, e que
são influenciadas pelo movimento sintático (FRIEDMANN et al, 2015).

Roberts et al. (2004) testaram o desempenho de crianças falantes de inglês com


TEA no uso da 3ª pessoa e na morfologia do pretérito. Eles relataram que o grupo TEA
apresentou altas taxas de omissões de marcação de tempo, assim como as crianças
falantes de inglês com TDL. Entretanto, notaram uma diferença importante entre os
grupos no que diz respeito aos tipos de respostas incorretas que produziam. As crianças
com TEA cometeram erros que o TDL não cometeu, como respostas ecolálicas e
perseverações, bem como respostas semanticamente inadequadas e fora de contexto, mas
os grupos TDL e DT não.

Podemos observar que quando os estudos utilizam os marcadores clínicos para o


TDL em suas pesquisas, algumas crianças com TEA apresentam desempenho
prejudicado. No entanto, nem todas as crianças com TEA apresentam deficiências
sintáticas e, quando apresentam, às vezes apresentam diferentes tipos de erros e diferentes
padrões de desempenho. Desta forma, deve-se comparar os dois grupos no domínio
sintático, usando estruturas sintáticas específicas que podem gerar desempenho
diferencial nos dois grupos e que analise os tipos de erro nos dois grupos.

Tuller et al. (2017) relatam que os dois grupos apresentam desempenho


morfossintático semelhante. O subgrupo de TEA apresentou desempenho prejudicado em
79

três domínios que também estão prejudicados no TDL: uso de pronomes, uso reduzido de
sentenças e grande índice de sentenças complexas errôneas.

Durrleman e Delage (2016) testaram o uso de pronomes em um grupo de crianças


francesas com TEA e um grupo de crianças com TDL. Eles compararam pronomes na 1ª
e 3ª pessoa e descobriram que os grupos TEA e TDL tiveram desempenho semelhante no
uso da terceira pessoa e no teste de fechamento de sentenças, testando flexão verbal,
preposições e voz passiva. Os grupos diferiram no uso da primeira pessoa, sendo esta
habilidade prejudicada no TEA (mesmo para crianças que tinham a gramática dentro dos
padrões de normalidade), mas dominados por todas as crianças com TDL. Esses
resultados indicam as diferentes fontes causadoras de alterações no TEA e TDL: uso da
terceira pessoa pode exigir habilidades sintáticas específicas, enquanto o uso da primeira
pessoa envolve habilidades pragmáticas.

Sukenik e Friedmann (2018) levantam três pontos principais na reflexão sobre o


questionamento da semelhança do déficit sintático no TEA e no TDL. O primeiro diz
respeito à grande variabilidade nas habilidades de linguagem dentro do grupo TEA.
Apenas algumas, mas definitivamente nem todas as crianças com TEA, apresentam baixo
desempenho em tarefas sintáticas. Isso levou alguns pesquisadores a dividirem seus
participantes do grupo TEA em subgrupos, com e sem comprometimento nos aspectos
formais da linguagem. Os outros dois pontos estão relacionados à natureza dos dados que
mostram semelhanças entre os dois grupos. Estudos que defendem semelhanças entre
TEA e TDL normalmente usaram testes padronizados e não fizeram uma análise
qualitativa do tipo de erro ou análise detalhada dos tipos exatos de estruturas sintáticas
que estão prejudicadas nos dois grupos. Quando os tipos de erros são analisados, surge
uma clara diferença entre os grupos, a tipologia dos erros, indicando diferentes déficits
subjacentes nos grupos TEA e TDL. Essa conclusão sobre a importância da análise de
erros está de acordo com os estudos de Demouy et al. (2011), Riches et al. (2010),
Modyanova et al. (2017), e Roberts et al. (2004), que testaram a sintaxe no TEA em
comparação ao TDL usando várias tarefas e relataram que mesmo quando os grupos TEA
e TDL obtiveram pontuações semelhantes, eles apresentaram padrões de erro diferentes.
O grupo TDL cometeu principalmente erros sintáticos, mas esses erros não
caracterizaram o grupo TEA, que cometeu muitos erros pragmáticos. Finalmente, o
último ponto levantado, diz respeito à análise dos padrões de comprometimento, ou seja,
as estruturas sintáticas nas quais os participantes falham e aquelas nas quais eles transitam
normalmente, produz diferenças cruciais entre indivíduos TEA e TDL. Crianças com
TEA geralmente apresentam um déficit geral em várias estruturas de frases, incluindo
frases simples.

O que podemos concluir dessas comparações entre indivíduos com TDL e


indivíduos com TEA? Em primeiro lugar, o fato de uma pessoa falhar em uma tarefa
sintática, indicada por uma baixa porcentagem de acertos no teste, não significa que essa
pessoa tenha um déficit sintático. A falha em tarefas sintáticas pode decorrer da falha na
compreensão da tarefa, falha na compreensão da situação descrita nas frases, falha no
estabelecimento de um discurso efetivo, entre muitos outros motivos. Portanto, uma
pontuação geral da tarefa não é suficiente para estabelecer um déficit sintático, e uma
análise aprofundada dos tipos de resposta, tipos de erro e uma comparação entre o
desempenho em diferentes estruturas é essencial.
80

Função executiva e habilidades linguísticas

Não podemos deixar de mencionar a interrelação entre funções executivas e os


diferentes aspectos da linguagem. Tendo em mente a influência que um exerce sobre o
outro, fica muito mais claro compreender as alterações semânticas e sintáticas no TEA.

Dificuldades com funções executivas e habilidades de linguagem são comuns,


mas variáveis no transtorno do espectro autista (TEA). As funções executivas e as
habilidades de linguagem estão relacionadas umas às outras, de modo que o vocabulário,
a sintaxe e a pragmática estão relacionados aos domínios da memória de trabalho,
flexibilidade cognitiva e controle inibitório no TEA, embora a direcionalidade dessas
relações permaneça incerta. Além disso, as intervenções que visam maximizar a
habilidade pragmática melhoram as habilidades de função executiva e, inversamente, as
intervenções de função executiva estão relacionadas a melhorias nas habilidades sociais
em crianças com TEA.

Considerando a importância da habilidade verbal para o desempenho das funções


executivas, é provável que o vocabulário, em particular, tenha um papel importante.
Cáscia e Barr (2017) relacionaram o vocabulário expressivo e receptivo com as funções
executivas em crianças e adolescentes com TEA. Eles descobriram que as pontuações
padrão do vocabulário receptivo e expressivo estavam relacionadas às classificações dos
pais e professores em relação às funções executivas. Especificamente, os escores de
vocabulário expressivo e receptivo foram relacionados às classificações dos pais sobre
atenção, regulação emocional e controle inibitório. Com base nas classificações dos
professores, o vocabulário receptivo foi relacionado à atenção e organização, e os escores
do vocabulário expressivo e receptivo foram relacionados à regulação emocional,
flexibilidade, controle inibitório, iniciativa e auto monitoramento. Os autores relatam que
tanto o vocabulário quanto a capacidade de funcionamento executivo são importantes
para a empatia, demonstram como um vocabulário mais elaborado pode apoiar as
interações sociais. A mesma lógica/argumento pode ser estendida às habilidades de
funcionamento executivo, de modo que uma melhor capacidade de funcionamento
executivo possa apoiar as interações sociais. Portanto, não apenas o vocabulário e as
funções executivas estão relacionados entre si, mas ambos estão subjacentes à
importantes resultados sociais (HAEBIG, KAUSHANSKAYA e WEISMER, 2015).

Joseph, McGrath e Tager-Flusberg (2005) estudaram a função executiva e as


habilidades lexicais em 34 crianças em idade escolar com TEA e 31 crianças sem TEA
que foram pareadas em idade, QI verbal e QI não verbal. As crianças com TEA
apresentaram os piores escores padrão e bruto de vocabulário expressivo e receptivo. Ao
contrário do grupo de comparação, os escores de vocabulário das crianças com TEA não
foram correlacionados com medidas de controle inibitório ou planejamento. Além disso,
linguagem e memória de trabalho não foram relacionadas em nenhum dos grupos. Os
autores postularam que as crianças com TEA não usavam a linguagem para manter
internamente as regras ou codificar verbalmente os passos para completar as tarefas. Esses
achados podem sugerir que crianças com TEA apresentam déficit na mediação verbal ou
na capacidade de usar habilidades de linguagem internamente para facilitar a realização
de um comportamento direcionado a objetivos.
81

A fim de examinar as habilidades de processamento lexical em relação às funções


executivas, Haebig et al. (2015) usaram uma tarefa de decisão lexical e tarefas de função
executiva que visavam a flexibilidade cognitiva e monitorização. Os grupos incluíram 30
crianças DT, 27 crianças com TEA e 28 crianças com DLD. Os grupos foram pareados
nas pontuações de vocabulário receptivo. Os autores descobriram que as habilidades de
flexibilidade cognitiva e auto monitoramento são indicadores preditivos da precisão e do
tempo de resposta na tarefa de processamento lexical. Os autores postularam que as
crianças, independentemente do diagnóstico, processam a linguagem com o auxílio de
mecanismos não linguísticos. Portanto, eles argumentam que existe uma relação entre a
linguagem e as funções executivas, de modo que a função executiva suporta o
processamento da linguagem. No entanto, a direcionalidade dessa relação não pode ser
determinada a partir deste estudo, devido ao seu desenho transversal.

Da mesma forma que o léxico, as melhores habilidades sintáticas beneficiariam o


desempenho em tarefas de função executiva. Alguns estudos utilizaram a Avaliação
Clínica dos Fundamentos da Linguagem (CELF - Wiig, 2003) para examinar a habilidade
de linguagem expressiva e receptiva, incluindo a habilidade sintática. O Children's
Communication Checklist (Bishop, 2003) foi usado como uma medida de linguagem a
partir do relato dos pais. O escore de linguagem do CELF-4 foi um preditor significativo
do escore de memória de trabalho. As pontuações de QI não-verbal previam organização
e flexibilidade. A gravidade do TEA também foi um preditor da flexibilidade cognitiva.
Não houve preditores para a habilidade de controle inibitório. Os autores sugeriram que
os déficits de memória de trabalho no TEA podem ser o resultado de uma fraca habilidade
de linguagem, pois a memória de trabalho também é prejudicada nas crianças com TDL.
Os autores também propuseram que essa conexão entre memória de trabalho, sintaxe e
semântica se deve a uma limitação na capacidade de desenvolver e utilizar estratégias de
mediação verbal durante essas tarefas de função executiva (AKBAR, LOOMIS e PAUL,
2013).

Ellis et al. (2018) também usaram o CELF-4 para examinar especificamente as


associações entre os escores da linguagem receptiva e expressiva e as funções executivas
(ou seja, flexibilidade cognitiva, controle inibitório e memória de trabalho). Avaliaram
crianças DT e TEA, com idades entre 8 e 12 anos. Houve várias associações entre
habilidades de linguagem receptiva e expressiva e funções executivas em crianças com
TEA. No entanto, quando as crianças com TEA foram subdivididas em grupos com
aspectos formais da linguagem adequados e aspectos formais da linguagem alterados, as
habilidades de linguagem receptiva foram associadas a diferentes domínios das funções
executivas. No grupo com alteração de linguagem, a linguagem receptiva foi
correlacionada com a flexibilidade; no grupo com linguagem adequada, a linguagem
receptiva correlacionou-se com o controle inibitório.

Durrleman e Delage (2016) estudaram crianças e adolescentes de 5 à 16 anos com


TEA e TDL em comparação com controles com desenvolvimento típico (DT) pareados
por idade e habilidades gramaticais expressivas. Eles avaliaram a gramática expressiva e
examinaram especificamente a produção de pronomes. Eles usaram uma tarefa de span
de dígitos para avaliar a memória de trabalho. Quando eles controlaram o raciocínio não-
verbal, encontraram correlações entre a produção de pronomes de terceira pessoa e o
intervalo de dígitos tanto para as crianças com TEA quanto para as crianças com TDL;
porém, não observaram essas relações nas crianças com DT. Os autores sugeriram que a
82

produção de gramática complexa recruta a capacidade de memória de trabalho em


crianças com TEA e TLD.

As conexões entre a linguagem estrutural (habilidades lexicais e sintáticas) e as


funções executivas parecem suportar a hipótese de que a linguagem orienta a reflexão
sobre o comportamento e, em última análise, afeta o desempenho nas tarefas cognitivas.
Por exemplo, vários estudos observam que a memória de trabalho e a sintaxe estão
relacionadas (DURRLEMAN e DELAGE, 2016) e as habilidades lexicais parecem ser
importantes para a flexibilidade e o controle inibitório (CÁSCIA e BARR, 2017). Fica
clara a necessidade de uma avaliação mais aprofundada nesta temática.

Avaliação

Pesquisadores e clínicos usam avaliações padronizadas e análise de amostras de


linguagem para realizar uma avaliação abrangente da morfossintaxe e da semântica em
contextos estruturados e naturalistas. Avaliações padronizadas e validadas são úteis para
quantificar o desempenho, comparando-o com os de seus pares. Por exemplo, nos EUA,
o Clinical Evaluation of Language Fundamentals–Fourth Edition (CELF-4; WIIG et al,
2013) e o Comprehensive Assessment of Spoken Language (CASL; Carrow-Woolfolk,
1999) são comumente usados na prática clínica americana para avaliar os diferentes
aspectos da linguagem (Finestack & Satterlund, 2018). O Structured Photographic
Expressive Language Test–Third Edition (SPELT-3; DAWSON et al., 2003) é outra
avaliação padronizada e referenciada em normas que avalia especificamente a linguagem
gramatical. O SPELT-3 usa fotografias coloridas de objetos e cenários comuns
combinados com perguntas verbais curtas para obter um conjunto pré-especificado de 35
estruturas morfossintáticas. Em 15 a 20 minutos de tempo de teste, o SPELT-3 pode
identificar, com eficiência, deficiências em estruturas morfossintáticas específicas que
podem não ocorrer em amostras de linguagem espontânea. Além disso, Dawson et al.
(2003) demonstraram que o teste possui altos níveis de sensibilidade e especificidade
identificando distúrbios de linguagem em crianças de 4 a 9 anos.

A análise de amostras de linguagem pode e deve complementar as avaliações


padronizadas, fornecendo informações sobre a capacidade da criança de usar a linguagem
em contextos mais naturais. MLU (BROWN, 1973) e o Índice de Sintaxe Produtiva
(IPSyn; Scarborough, 1990) são as duas medidas americanas mais comuns de análise de
amostra de linguagem focada na complexidade gramatical (SCHULMAN e CAPONE,
2010). A MLU é um bom indicador de desenvolvimento morfossintático e útil para
mapear mudanças na linguagem produtiva; no entanto, não identifica déficits gramaticais
específicos. Em contraste com o MLU, o IPSyn avalia o uso espontâneo de 56 estruturas
morfossintáticas específicas examinando as ocorrências das estruturas em uma amostra
de 50 a 100 enunciados. Se uma amostra tiver menos de 100 enunciados, Scarborough
(1990) forneceu uma tabela de conversão para as pontuações estimadas do IPSyn.

Os testes de linguagem existentes exigem conceitos baseados em conhecimento


prévio, por exemplo, pedir a uma criança para nomear figuras para avaliar habilidades
semânticas ou preencher espaços em branco para avaliar habilidades sintáticas (pedir a
uma criança para olhar para uma foto de menino correndo e perguntar: "Olhe para este
menino. O que ele está fazendo?” ou apontar para uma imagem com vários bebês e
83

perguntar “Quem são esses?” objetivando o uso do plural. No entanto, habilidades obtidas
de forma altamente estruturada podem aparecer nas crianças com TEA, mas as mesmas
não aparecem tão frequentemente em conversas naturais.

Reconhecendo essas limitações, uma ferramenta de avaliação linguística foi


desenvolvida para medir o uso espontâneo da linguagem infantil em contextos
padronizados, mas naturais, a Observação de Linguagem Expressiva Espontânea (OSEL;
KIM, JUNKER e LORD, 2014). Para atender a essas necessidades, o OSEL
deliberadamente visa o uso social da linguagem pelas crianças em um teste padronizado,
mas natural, de contextos de brincadeira semelhantes às tarefas usadas no Autism
Diagnostic Observation Schedule (ADOS; LORD et al., 2012), incluindo narrativas, o
uso de morfemas gramaticais, construções semânticas e várias habilidades pragmáticas.

A proposta é que o mesmo seja analisado ao vivo e não por trasncrições que podem
ser demoradas e muitas vezes não são viáveis em ambientes clínicos. O OSEL mostrou
excelente consistência interna para os itens Sintaxe e Pragmático-Semântico, assim como
confiabilidade de moderada a alta para a maioria dos itens. Em estudo recente, o OSEL
foi utilizado para examinar os padrões de habilidades linguísticas expressivas espontâneas
de 87 crianças clinicamente diagnosticadas com TEA de 2 a 12 anos de idade. As mesmas
apresentaram desempenho significativamente abaixo dos seus pares típicos nas
habilidades de sintaxe e discurso narrativo. Notavelmente, tanto as comparações
transversais quanto as análises longitudinais mostraram melhorias na linguagem
expressiva em crianças com TEA ao longo da primeira infância, pré-escola e ensino
fundamental. As habilidades de sintaxe e narrativa medidas pelo OSEL, apresentam
grande melhora especificamente da pré-escola ao ensino fundamental, em análises
transversais. Análises longitudinais com um pequeno subconjunto de crianças também
mostraram mudanças significativas ao longo do tempo nesses indivíduos nos escores de
sintaxe. Os autores ressaltam que não é possível concluir se essa melhora é decorrente de
intervenção ou da própria maturação pois não tinham dados sobre nível de escolaridade
e tratamento fonoaudiológico dos participantes do estudo (KIM, JUNKER e LORD,
2014).

Os autores também observaram que as crianças com TEA apresentaram


consistentemente mais prejuízos na linguagem espontânea expressiva obtida na OSEL em
comparação com as habilidades linguísticas medidas por outras avaliações padronizadas
mais estruturadas, sugerindo que uma abordagem de avaliação abrangente pode levar a
um tratamento mais preciso, abordando os déficits específicos de linguagem (THOMAS
et al, 2020). Isso não é surpreendente, uma vez que as dificuldades no uso espontâneo da
comunicação funcional e social em ambientes naturais são uma das principais
características do TEA.

Tager-Flusberg (2000) reconhece que mesmo sabendo que a fonte mais rica de
dados, especialmente no uso de linguagem produtiva, vem de amostras de fala
espontânea; tais amostras, muitas vezes, não oferecem um retrato fiel das capacidades
linguísticas dos sujeitos avaliados. As crianças com TEA costumam buscar o isolamento
e não interagem com outros socialmente ou se comunicam com outros com facilidade.
Por outro lado, a autora aponta o uso de testes validados como uma opção razoável para
a avaliação de fonologia, semântica, sintaxe e morfologia, a despeito das desvantagens
que os testes apresentam, como a dificuldade dos sujeitos com TEA em entenderem a
pragmática da situação de testagem ou a perseveração em respostas a determinado item.
84

A autora sugere uma adaptação dos testes, com simplificações, repetições quando se
fizerem necessárias, assim como alguns intervalos durante a testagem e o fornecimento
de "feedback" constante.

Como podemos observar, não há um consenso sobre qual a melhor forma de


avaliação das habilidades semânticas e sintáticas, e menos ainda sobre qual o melhor teste
ou protocolo a ser aplicado. No Brasil carecemos de testes padronizados e validados para
avaliação das habilidades linguísticas. Desta forma, o ideal sempre será a
complementação dos dois procedimentos. O uso de testes dirigidos, assim como a análise
de fala espontânea em ambiente o mais espontâneo possível. De preferência, em uma
situação onde a criança interaja com seus familiares que são próximos.

Considerações finais

Diante do exposto, faz-se necessário uma reflexão sobre a interrelação entre as


habilidades semânticas e morfossintáticas e as funções executivas. Assim como a forma
de avaliação destas habilidades. Conforme os estudos forem progredindo nesta temática,
mais evidências científicas poderão nortear e responder à hipótese de que a capacidade
de usar habilidades linguísticas para direcionar o próprio comportamento é importante
para tarefas de funções executivas. Assim, se essa hipótese estiver correta, as implicações
clínicas são que o foco no desenvolvimento do vocabulário e da sintaxe pode beneficiar
crianças com TEA tanto acadêmica quanto socialmente.
85

Referências

AKBAR, M; LOOMIS, R; Paul, R. The interplay of language on executive functions in


children with ASD. Res Autism Spectr Disord, 7, 3, p.494–501, 2013.
AMBRIDGE, B; BANNARD, C; JACKSON, GH. A gramática é poupada no transtorno
do espectro do autismo? Dados de Julgamentos de Erros de Supergeneralização da
Estrutura Argumentativa do Verbo. J Autismo Dev Disord, 45, 10, p. 3288-3296, 2015.
BISHOP, D. The Children’s Communication Checklist Second Edition (CCC-2), 2003.
BROCK, Matthew; DUEKER, Scott; BARCZAK, Mary. Brief Report: Improving Social
Outcomes for Students with Autism at Recess Through Peer-Mediated Pivotal Response
Training. Journal of Autism and Developmental Disorders, 48, 2017. 10.1007/s10803-
017-3435-3.
BROWN, R. A first language: The early stages. London: George Allen & Unwin, 1973.
CARROW-WOOLFOLK, Elizabeth. At-a-Glance Test Review: Comprehensive
assessment of spoken language (CASL), 1999.
CASCIA, J; Barr, J. Associations Among Vocabulary, Executive Function Skills and
Empathy in Individuals with Autism Spectrum Disorder. J Appl Res Intellect Disabil, 30,
4, p.627–637, 2017.
DAWSON, Janet; CONNIE, Stout; Eyer, J. Test Review: Structured Photographic
Expressive Language Test-3 (SPELT-3), 2003.
DEMOUY, Julie; PLAZA, Monique; XAVIER, Jean; RINGEVAL, Fabien;
CHETOUANI, Mohamed; PERISSE, Didier; CHAUVIN, Dominique; VIAUX, Sylvie;
BERNARD, Gosel; COHEN, David; ROBEL, Laurence. Differential language markers
of pathology in autism, pervasive developmental disorder not otherwise specified and
specific language impairment. Research in Autism Spectrum Disorders, 5, 4, p.1402-
1412, 2011.
DURRLEMAN, S; DELAGE, H. Transtorno do Espectro do Autismo e Distúrbio
Específico da Linguagem: Sobreposições em Perfis Sintáticos. Acervo de Lang, 23, 4,
p.361–386, 2016.
DURRLEMAN, Stephanie; DELAGE, Hélène; PRÉVOST, Philippe; TULLER, Laurice.
The comprehension of passives in Autism Spectrum Disorder. Glossa: a journal of
general linguistics, 2, 88, 2017. 10.5334/gjgl.205.
EIGSTI, Inge-Marie; BENNETTO, Loisa; DADLANI, Mamta. Beyond Pragmatics:
Morphosyntactic Development in Autism. Journal of autism and developmental
disorders, 37, p.1007-23, 2007. Doi:10.1007/s10803-006-0239-2.
ELLIS, Weismer; KAUSHANSKAYA, M; LARSON, C; MATHÉE, J; BOLT, D.
Executive Function Skills in School-Age Children With Autism Spectrum Disorder:
Association With Language Abilities. J Speech Lang Hear Res, 61, p.2641–2658, 2018.
FINESTACK, Lizbeth; SATTERLUND, Kayla. Current Practice of Child Grammar
Intervention: A Survey of Speech-Language Pathologists. Am J Speech Lang Pathol, 21;
27, 4, p. 1329-1351, 2018. doi: 10.1044/2018_AJSLP-17-0168.
FRIEDMANN, N; YACHINI, M; SZTERMAN, R. Relatively easy relatives: children
with syntactic SLI avoid intervention. In: E. Di Domenico, C. Hamann, and S. Matteini.
Structures, Strategies and Beyond. Amsterdam: John Benjamins; Linguistik Aktuell
series, 303–320, 2015.

GAVARRÓ, Anna; HESHMATI, Yalda. An investigation on the comprehension of


Persian passives in typical development and autism. Catalan Journal of Linguistics, 13,
2014-9718, 2014. 10.5565/rev/catjl.151.
86

HAEBIG, Eileen; KAUSHANSKAYA, Margarita; ELLIS, Weismer Susan. Lexical


Processing in School-Age Children with Autism Spectrum Disorder and Children with
Specific Language Impairment: The Role of Semantics. J Autism Dev Disord, 45, 12,
p.4109-23, 2015. doi: 10.1007/s10803-015-2534-2.
HYUN, Kim So; DÖRTE, Junker; CATHERINE, Lord. Observation of Spontaneous
Expressive Language (OSEL): a new measure for spontaneous and expressive language
of children with autism spectrum disorders and other communication disorders. J Autism
Dev Disord, 44, 12, p.3230-44, 2014. doi: 10.1007/s10803-014-2180-0.
JOSEPH, RM; MCGRATH, LM; TAGER-FLUSBERG, H. Executive Dysfunction and
its Relation to Language Ability in Verbal School Age Children with autism. Dev
Neuropsychol, 27, 3, p.361–378, 2007.
KOVER, ST; MCDUFFIE, AS; HAGERMAN, RJ; ABBEDUTO, L. Receptive
vocabulary in boys with autism spectrum disorder: Cross-sectional developmental
trajectories. J Autism Dev Disord, 43, 11, p.2696–2709, 2013.
LEONARD, L. 200-year history of the study of childhood language disorders of unknown
origin: changes in terminology. Perspect ASHA Spec Interest Groups, 21, 5, 1, p.6-11,
2020. http://dx.doi.org/10.1044/2019_PERS-SIG1-2019-0007
LOMBARDO, Michael; PIERCE, Karen; EYLER, Lisa; CARTER BARNES, Cindy;
AHRENS-BARBEAU, Clelia; SOLSO, Stephanie; CAMPBELL, Kathellen;
COURCHESNE, Eric. Different functional neural substrates for good and poor language
outcome in autism. Neuron, 86, 2, p.567–577, 2015.
https://doi.org/10.1016/j.neuron.2015.03.023
LORD, C; LUYSTER, R; GOTHAM, K; GUTHRIE, W. Autism Diagnostic Observation
Schedule, Second Edition (ADOS-2) Manual (Part II): Toddler Module. Torrance, CA:
Western Psychological Services; 2012.
MANOLITSI, Maria; BOTTING, Nicola. Language abilities in children with autism and
language impairment: Using narrative as an additional source of clinical information.
Child Language Teaching and Therapy, 27, 1, p. 39–55,
2011. https://doi.org/10.1177/0265659010369991
MODYANOVA, Nadezhda; PEROVIC, Alexandra; WEXLER, Ken. Grammar Is
Differentially Impaired in Subgroups of Autism Spectrum Disorders: Evidence from an
Investigation of Tense Marking and Morphosyntax. Front Psychol, 28, 8, p.320, 2017.
doi: 10.3389/fpsyg.2017.00320.
PEROVIC, Alexandra; MODYANOVA, Nadezhda; WEXLER, Kenneth. Comparison of
Grammar in Neurodevelopmental Disorders: The Case of Binding in Williams Syndrome
and Autism With and Without Language Impairment. Language Acquisition, 20, p.133-
154, 2013. Doi:10.1080/10489223.2013.766742.
RICHES, Nick; LOUCAS, Tom; BAIRD, Gillian; CHARMAN, Tony; SIMONOFF,
Emily. Sentence repetition in adolescents with specific language impairments and autism:
An investigation of complex syntax. International journal of language & communication
disorders / Royal College of Speech & Language Therapists, 45, p.47-60, 2009.
10.3109/13682820802647676.
ROBERTS, Jenny; MABEL, Rice; TAGER–FLUSBERG, Helen. Tense marking in
children with autism. Applied psycholinguistics, 25, p.429-448, 2004.
SCARBOROUGH, Hollis S. Very Early Language Deficits in Dyslexic Children. Child
Development, 61, 6, pp. 1728–43, 1990. https://doi.org/10.2307/1130834.
87

SHULMAN, Brian; CAPONE, Nina. Language Development: Foundations, Processes,


and Clinical Applications. NY: Jones & Bartlett Learning, 2010.
SUKENIK, N; FRIEDMANN, N. ASD Is Not DLI: Individuals With Autism and
Individuals With Syntactic DLI Show Similar Performance Level in Syntactic Tasks, but
Different Error Patterns. Front Psychol, 4; 9: 279, 2018. doi: 10.3389/fpsyg.2018.00279.
TAGER-FLUSBERG, H. Language and understanding minds: Connections in autism. In:
BARON-COHEN, S; TAGER-FLUSBERG, H; Cohen, D (Eds.), Understanding other
minds: Perspectives from developmental cognitive neuroscience (pp. 124–149). Oxford:
Oxford University Press, 2000.
TERZI, Arhonto; MARINIS, Theodoros; FRANCIS, Konstantinos; KOTSOPOULOU,
Angeliki. Grammatical abilities of Greek-speaking children with autism. Language
Acquisition, 21, p. 4-44, 2014. 10.1080/10489223.2013.855216.
THOMAS, Hannah; ROONEY, Tara; COHEN, Morgan; BISHOP, Somer; LORD,
Catherine; KIM, So. Spontaneous Expressive Language Profiles in a Clinically
Ascertained Sample of Children With Autism Spectrum Disorder. Autism Research, 14,
p. 720-732, 2021. https://doi.org/10.1002/aur.2408
TULLER, Laurice; PRÉVOST, Philippe; BARTHEZ, Marie Anne; MALVY, Joëlle;
BONNET-BRILHAULT, Frédérique. Production and comprehension of French wh-
questions by children with autism spectrum disorder: A comparative study with specific
language impairment. Applied psycholinguistics, 38, 5, p.1095-1131, 2017.
VARANDA, Cristina; FERNANDES, Fernanda Dreux Miranda. Consciência sintática:
correlações no espectro do autismo. Psicologia: Reflexão e Crítica, 27, 4, pp. 748-758,
2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1678-7153.201427415
WHITEHOUSE, Andrew; BARRY, Johanna; BISHOP, Dorothy. Further defining the
language impairment of autism: is there a specific language impairment subtype? J
Commun Disord, 41, 4, p.319-36, 2008. doi: 10.1016/j.jcomdis.2008.01.002.
WIIG, E; SEMEL, E; SECORD, W. Clinical Evaluation of Language Fundamentals-Fifth
Edition (CELF-4). Journal of Psychoeducational Assessment. 33. 495-500, 2015.
10.1177/0734282914557616.
ZEBIB, R; TULLER, Laurice; PRÉVOST, Philippe; ELÉONORE, Morin. Formal
language impairment in French-speaking children with ASD: A comparative ASD/SLI
study. IN: Advances in language acquisition (pp.472-484). Newcastle, UK: Cambridge
Scholars Publishing, pp.472-484, 2013.
ZEBIB, Racha; TULLER, Laurice; HAMANN, Cornelia; ABED, IBRAHIM, Lina;
PRÉVOST, Philippe. Syntactic complexity and verbal working memory in bilingual
children with and without Developmental Language Disorder. First Language, 40, 2019.
Doi:10.1177/0142723719888372.
88

8. Aspectos de fluência e prosódia no TEA


Débora Vasconcelos Correia, Astrid Mühle Moreira Ferreira, Letícia Segeren

Introdução

Na Fonoaudiologia, classicamente, a fluência tem sido compreendida como um


aspecto de produção da fala que se refere à continuidade, suavidade, velocidade e esforço
com as quais as unidades fonológicas, lexicais, morfológicas e/ou sintáticas da linguagem
são expressas (ASHA, 1999). Tal concepção, ao passo que subordina a fluência à
produção da fala, mais a descreve do que a explica, pelo fato de dedicar-se em contemplar
características sobre como deve ser observada uma produção de fala considerada fluente
(contínua, suave etc.), do que necessariamente explicar o que é fluência em si (CORREIA,
2020). Ou seja, assumir uma concepção descritiva da fluência guia o olhar e a prática
fonoaudiológica para a oferta de um cuidado clínico que preconiza a performance da fala,
e não necessariamente também pauta a sua intervenção sobre a competência que subjaz a
natureza da fluência.

Diante desse cenário, Correia (2020) lançou uma proposta de explicação sobre a
natureza da fluência verbal, através da Teoria Integrada da Fluência – TIF, teoria
conceitual delineada a partir dos pressupostos da Linguística, Psicolinguística e
Neurociência da Linguagem, cuja proposição fundamental é conceituar a fluência verbal
como uma habilidade linguística. Dessa forma, a fluência é considerada como uma das
habilidades que compõem a língua-I (língua interna) – ou seja, o conjunto de capacidades
e habilidades mentais que fazem com que todo e qualquer indivíduo seja capaz de
produzir e compreender a linguagem (CHOMSKY, 1995). Tal proposição fundamental
confere à fluência um significado, uma explicação sobre o que ela é, o que, por sua vez,
possibilita compreendê-la melhor a partir do conhecimento acerca das suas propriedades
em “ser habilidade” e “ser linguística”.

Diferentemente da concepção clássica de fluência como sendo da fala, o conceito


de fluência como uma habilidade linguística sinaliza sobre a sua dinâmica de
funcionamento e processamento, atribui equiparada relevância à competência e à
performance da linguagem, e propicia o seu exercício para além da fala (CORREIA,
2020), mas também na leitura (CARDOSO-MARTINS; NAVAS, 2016), na escrita
(CHUKHAREV-HUDILAINEN et al., 2018) e nos gestos (FONTE et al., 2014).
Portanto, por ser linguística e apresentar essa diversidade de possibilidades do seu
exercício, torna-se mais apropriado denominá-la fluência verbal. Termo este que a
diferencia dos demais tipos de fluência que são estudados nas Ciências Cognitivas, como
a fluência musical, corporal etc. (BINDER, 2003), e apesar de homógrafo, não equivale
ao termo fluência verbal que é utilizado para designar um tipo de teste cognitivo, que faz
uso de pistas semânticas e fonológicas para a sua aplicação.

Os três principais parâmetros da fluência são a continuidade, a velocidade e o


esforço (STARKWEATHER, 1987). A continuidade refere-se às conexões que devem
ocorrer dentro e entre as palavras, a velocidade diz respeito ao tempo dedicado na
realização dessas conexões, e o esforço trata-se da regulação apropriada da força para a
sua realização. No tocante à continuidade, Cupello (2007) propôs alguns parâmetros
89

secundários, como a continuidade fonético-fonológica, sintática, proposicional e


prosódica. Respectivamente, eles se referem às conexões que se estabelecem no nível da
palavra, da frase, do discurso, e da palavra ao discurso.

Especificamente sobre a continuidade prosódica cabe ressaltar que ela percorre


toda a emissão, desde a produção da sílaba inicial de uma palavra até o discurso, e seu
papel envolve o que a literatura aponta como aspectos suprassegmentais, ou seja,
características que estão acima da produção de segmentos articulatórios e dizem respeito
à entonação, padrão de acentuação, pistas de fronteira prosódica, ritmo, intensidade, taxa
de elocução, esforço vocal e a emoção envolvida na emissão das palavras (KENT; READ,
2015).

Do ponto de vista de produção da fala, o campo da prosódia é relativo à intenção,


ao modo como se fala e à coordenação dos gestos articulatórios ao longo de um
enunciado, o que o diferencia do campo segmental, cuja análise se dá pelas unidades
vocálicas e consonantais da língua e refere-se ao “o que se diz”. Este “modo de falar”,
seja intencional ou não, associado ao discurso pode fornecer o sentido de atitude e
emoções, e varia conforme fatores biológicos como gênero e idade; fatores sociais, como
classe social; além das características anatômicas e dos ajustes que cada indivíduo é capaz
de realizar com o seu aparelho fonador (BARBOSA, 2019).

A prosódia da fala pode ser separada em prosódia afetiva e linguística. A prosódia


afetiva refere-se ao processamento de informações emocionais, como felicidade, ironia,
tristeza, medo, raiva ou sarcasmo. Pode ser transmitida por vários meios de comunicação,
como conteúdo proposicional, entonação da fala, expressão facial e gestos. Enquanto a
prosódia linguística permite ao ouvinte decidir se um enunciado é uma afirmação, uma
pergunta ou um comando.

Os elementos prosódicos têm diversas funções, entre elas: segmentar o fluxo da


fala, facilitar a compreensão da fala, destacar elementos na fala (conferir proeminência),
veicular informações sobre modalidades linguísticas (declarativa, interrogativa, etc.),
informações sobre atitudes, emoções, condições físicas, entre outras. A prosódia torna a
fala mais fácil de ser percebida e compreendida. A segmentação do fluxo de fala reduz a
ambiguidade, aumenta a inteligibilidade e proporciona ao ouvinte uma margem maior de
tempo para processar a fala nos intervalos entre grupos de palavras segmentados pela
pausa (MADUREIRA, 2004).

Os correlatos perceptivos da prosódia podem não ter correspondência física direta


em medidas. Por se tratar de sensações, são descritos como pitch, duração percebida e
loudness (volume em português); acrescido, assim como na produção, pela percepção da
qualidade de voz (BARBOSA, 2019). Cada correlato perceptivo é dependente das
variáveis do outro correlato. Por exemplo, a sensação de pitch agudo tanto é maior quanto
maior for o seu loudness. A percepção auditiva também varia em relação à duração, sendo
mais aguçada para captar diferenças entre duas sílabas átonas do que tônicas. Uma
variação de f0 (frequência fundamental) também pode fazer aumentar a percepção de
duração de uma sílaba em relação à outra, mesmo que em valores absolutos a duração em
ms (milissegundos) seja idêntica. Esta variação também aumenta proporcionalmente a
percepção de loudness, sensação de forte e fraco de um som, pois quanto maior a
intensidade da frequência de um som maior a sensação de aumento de força (BARBOSA,
2019).
90

Em pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), dada a natureza dos


déficits sociais observados, o cuidado fonoaudiológico direciona-se frequentemente para
o tratamento dos aspectos pragmáticos. Contudo, dependendo do nível de gravidade,
muitas pessoas no espectro autista precisam de suporte em outras áreas por também
apresentarem dificuldades relacionadas à articulação, voz e fluência (SCOTT, 2015).
Portanto, o objetivo deste capítulo é apresentar uma síntese dos principais aspectos
relacionados à fluência e à prosódia, bem como eles se apresentam em pessoas com TEA,
para que auxiliem o fonoaudiólogo na sua atuação profissional junto a esse público.

I - Fluência, prosódia e suas bases neurais

Conforme a Teoria Integrada da Fluência, a fluência verbal depende da integração


de múltiplas bases neurais que subjazem às suas propriedades em “ser habilidade” e “ser
linguística”. Ou seja, as estruturas e funções neurais da fluência verbal são as necessárias
para a realização física dos seus componentes: motor, sensório-perceptual, atencional,
mnemônico – principalmente a memória procedimental, e o sistema da linguagem
(CORREIA, 2020). Por este capítulo ser dedicado aos aspectos de fluência e prosódia em
pessoas com TEA, nesta seção será dada uma ênfase às principais informações que podem
auxiliar o fonoaudiólogo a compreender melhor os seus achados clínicos.

Ao assumir a fluência como uma habilidade linguística, e compreender que suas


bases neurais correspondem àquelas que subjazem toda e qualquer habilidade, e que por
ser essencialmente linguística ela recruta o circuito da linguagem, o raciocínio clínico
para o cuidado fonoaudiológico de qualquer pessoa que apresente alterações na fluência
alcança um novo e mais amplo patamar. As bases motoras deixam de ocupar o centro da
sua dinâmica neurofisiológica, e cede lugar ao circuito da linguagem e aos demais
sistemas que viabilizam a sua aquisição, desenvolvimento e realização enquanto
habilidade. Sob esta ótica, torna-se mais factível o entendimento de que qualquer
comprometimento, estrutural ou funcional, seja ele adquirido ou neurodesenvolvimental
em qualquer um desses sistemas, pode implicar em alterações no desempenho da fluência.

Por ocupar um espaço central na dinâmica neurofisiológica da fluência verbal, é


importante pontuar que um dos modelos que tem sido amplamente aceito para explicar o
circuito da linguagem e o processamento da fala é o da Via Dupla ou Dupla Rota
(HICKOK; POEPPEL, 2007; HICKOCK, 2012). Sua proposição aponta para o
reconhecimento da fala como um processo ativo, que envolve alguma forma de
codificação preditiva e duas vias de processamento (dorsal e ventral) ligadas à duas fontes
possíveis de codificação preditiva na percepção da fala, sendo elas, o sistema motor da
fala e o sistema lexical-conceptual (HICKOCK, 2012). Tal proposição apoia-se no fato
de que o cérebro precisa realizar duas tarefas computacionais distintas com as
informações acústicas que percebe e discrimina da fala: vincular a entrada acústica da
fala com as representações conceituais (para que seja compreendida); e vincular as
informações acústicas da fala ao sistema motor (para que seja produzida).

As especialidades das vias dorsal e ventral da linguagem foram analisadas por


Ries et al. (2019) mediante a investigação de mapas de conectividade obtidos de imagens
por difusão em pacientes que possuíam tumores localizados em uma das vias. Os autores
observaram que os pacientes que apresentaram mais erros na tarefa de geração de
91

sentenças, do que na tarefa de nomeação de imagens tinham tumores em locais associados


a um padrão de conectividade da via dorsal. Enquanto pacientes com o padrão oposto de
resultados tinham localizações tumorais associadas a um padrão de conectividade de
fluxo mais ventral. Ries et al. (2019) concluem referindo que a via dorsal é fundamental
para a organização das palavras em sequência, necessária à geração de sentenças, e as
vias ventrais como primordiais para as relações semânticas.

Combinar palavras sequencialmente e encadear ideias de maneira coerente, com


precisão, acurácia e em um tempo ótimo são fundamentais para que uma produção verbal
seja considerada fluente. Produções com déficits de encadeamento ou agramaticais, que
apresentam pausas em demasia denotando uma possível dificuldade de acesso lexical ou
que faltam itens de classe fechada (como as preposições, conjunções etc.); ou ainda
produções que se mostram confusas, cujo discurso se apresenta labiríntico e repleto de
reformulações, são apenas alguns exemplos de produções linguísticas que evidenciam
alterações na fluência e em seus parâmetros de análise, alvos do cuidado fonoaudiológico.

Um estudo (OLIVÉ et al., 2021) que investigou, pela primeira vez, a integridade
dos tratos centrais da substância branca que definem a rede de conectividade da
linguagem em pessoas com TEA não verbais, observou alterações que apontam para uma
interrupção na via ventral do circuito da linguagem, compatíveis com os déficits
semânticos observados nesse grupo de pessoas. Evidências de conectividade estrutural
alterada também foram previamente detectadas em bebês de 6 meses de idade com alto
risco familiar para desenvolver o TEA (LIU et al., 2018).

Como o processamento linguístico inicia no útero, seria possível que diferenças


na conectividade estrutural entre as regiões do circuito da linguagem pudessem estar
presentes no cérebro infantil logo após o nascimento? Foi com base nesta pergunta de
pesquisa que Liu et al. (2018) decidiram investigar a via dorsal da linguagem em bebês
de 6 semanas de idade com alto e baixo risco para o TEA. Dentre os principais achados,
os pesquisadores observaram que os bebês com alto risco apresentaram maior
lateralização do fascículo longitudinal superior para a direita, e postularam que esses
achados indicam que diferenças precoces na estrutura das vias da linguagem podem
fornecer um preditor de desenvolvimento futuro para a linguagem e de risco para o TEA
(LIU et al., 2018).

É importante destacar que essas alterações nas vias da linguagem em pessoas com
TEA ou com alto risco para o transtorno já as predispõem a evidenciarem dificuldades na
fluência, tendo em vista que gerar sentenças e estabelecer relações semânticas apropriadas
são fundamentais para o desenvolvimento desta habilidade. E quanto às regiões do
encéfalo que estão envolvidas na percepção e produção da prosódia, e o que elas
processam em termos de parâmetros acústicos? Sobre a lateralização, estudos indicam
que ambos os hemisférios concorrem para a realização dessas funções. A produção de
prosódia emocional e linguística ativa os giros frontais inferiores bilaterais, as ínsulas
anteriores e grandes partes do córtex temporal, juntamente com o corpo estriado e o
cerebelo (AZIZ-ZADEH, SHENG, GHEYTANCHI, 2010; PICHON, KELL, 2013).
Interessantemente, a maioria dessas regiões também encontra-se estrutural ou
funcionalmente alteradas em pessoas que gaguejam, pois durante a geração da prosódia
os pares orbitais do giro frontal inferior esquerdo e a ínsula anterior esquerda foram
menos ativados em pessoas com gagueira, em comparação ao grupo controle
(NEUMANN, 2018).
92

Sobre o papel da prosódia no reconhecimento de fala e aquisição da linguagem,


Dehaene-Lambertz e Spelke (2015) referem que a linguagem é o paradigma da
sofisticação cognitiva humana, e que apesar da sua expressão falada se desenvolver
lentamente, mediante a produção de enunciados com múltiplas palavras e um vocabulário
mais robusto por volta dos dois anos de idade, as capacidades linguísticas receptivas dos
bebês são substancialmente melhores do que sua produção. Dentre as principais
características dessa capacidade receptiva está a sensibilidade aos sons e suas
combinações na língua nativa, pois bebês reconhecem a prosódia da sua língua e
estabelecem o seu repertório fonético durante o primeiro ano de vida (DEHAENE-
LAMBERTZ; SPELKE, 2015). A prosódia é a característica processada mais importante
e ontogeneticamente mais antiga do desenvolvimento da linguagem que surge no período
pré-natal, pois ela proporciona acesso à discriminação fonêmica precoce e à
aprendizagem fonotática (FRIEDERICI, 2005).

Conforme a hipótese do bootstrapping fonológico, os contornos prosódicos, as


propriedades rítmicas, o alongamento das vogais e a acentuação tônica podem ser tidas
como pistas para a análise do material linguístico por parte da criança, por informá-la
sobre as possíveis fronteiras oracionais, sintagmáticas e lexicais, tornando esse material
linguístico acessível ao seu processador sintático (CORRÊA, 2011). Dessa forma, a
aquisição da linguagem transita de uma análise prosódica e distribucional do material da
fala, para uma análise sintática dos enunciados linguísticos (CORRÊA, 2011).

A disprosódia, por sua vez, é descrita na literatura como parte de uma variedade
de transtornos neurológicos e psiquiátricos, como autismo, esquizofrenia, danos cerebrais
corticais e subcorticais, doença de Parkinson, ataxia cerebelar, transtorno de estresse pós-
traumático, esclerose múltipla, doença de Alzheimer, abuso de álcool, exposição fetal ao
álcool (AZIZ-ZADEH, SHENG, GHEYTANCHI, 2010; PICHON, KELL, 2013;
NEUMANN, 2018). Consiste em uma disfunção, devido a problemas no controle e/ou na
execução dos sistemas responsáveis pela produção da fala (respiratório, laríngeo e
supralaríngeo), bem como relacionados à percepção da prosódia. Segundo Barbosa
(2019), estudos indicam que esta disfunção pode afetar somente sua produção e não sua
percepção, e vice-versa.

Lindström et al. (2018) investigaram a discriminação perceptiva da prosódia


emocional em crianças escolares com TEA sem alterações acentuadas de linguagem, por
intermédio de um teste comportamental e análise de medidas de potenciais relacionados
à eventos. Um dos principais achados que os pesquisadores observaram foi que as
crianças com TEA foram mais lentas na discriminação comportamental de características
prosódicas dos estímulos de fala, em relação às crianças do grupo controle com
desenvolvimento típico. O que levou os autores a sugerirem que esses déficits podem
contribuir para deficiências no processamento emocional da prosódia na fala, observadas
no espectro autista.

Em suma, nesta seção, pôde-se observar que são múltiplas as bases neurais que
realizam a fluência verbal e a prosódia, e que o circuito da linguagem é o principal nessa
dinâmica neurofisiológica. Observou-se que alterações na fluência podem ser decorrentes
de comprometimentos no sistema da linguagem e/ou em qualquer outro sistema que
suporta a sua propriedade em “ser habilidade” – dadas às suas devidas proporções e
impactos. Por essa razão, a análise do fonoaudiólogo sobre essas alterações na fluência
em pessoas com TEA não precisa necessariamente se restringir à identificação de
93

disfluências, mas pode considerar, por exemplo, a análise das alterações no parâmetro de
continuidade que decorrem de um padrão disfuncional de processamento sintático e/ou
semântico – considerando as vias da linguagem. Sem contar com a relevância da prosódia
para a aquisição, desenvolvimento da linguagem e compreensão do material linguístico,
principalmente em pessoas com TEA, o que também conduz o fonoaudiólogo à
considerá-la em sua intervenção.

II - Características e objetivos terapêuticos envolvendo os aspectos da


fluência e prosódia em pessoas com TEA

O Transtorno do Espectro do Autismo apresenta diferentes características e as


principais dificuldades estão relacionadas às áreas de comunicação social e interação,
assim como comportamento e interesses repetitivos e estereotipados (APA, 2013). É
comum encontrar em pessoas com TEA dificuldades na linguagem e comunicação, e os
déficits relacionados à pragmática são características relevantes, comumente encontradas
(GILLON et al., 2017; PARSONS et al., 2017; WILL et al., 2018).

Em relação às dificuldades de linguagem encontradas, Sng et al. (2018),


realizaram uma revisão bibliográfica e concluíram, apesar dos obstáculos encontrados ao
realizar as comparações, que as crianças com TEA quando comparadas às crianças com
desenvolvimento típico, tendem a apresentar dificuldades em manter uma conversa
extensa, além de se mostrarem mais propensas a resistir a mudanças de tópicos
perseverando e fazendo comentários bizarros.

As dificuldades de comunicação social muitas vezes se refletem em manifestações


de prosódia inadequada e perda de fluência. Em muitos casos é possível observar uma
perda na fluência devido à quebra no fluxo comunicativo relacionado a elaboração do
pensamento linguístico. Dentre essas dificuldades que pessoas com TEA podem
apresentar, a alteração da fluência é apenas uma delas e muitas vezes é colocada no final
da lista de prioridades no tratamento, no entanto, é importante considerar os fatores
relacionados a ela e como esta pode influenciar nas habilidades comunicativas sociais
(SCOTT et al., 2015). Estes aspectos da linguagem também devem ser considerados no
momento da avaliação e intervenção fonoaudiológica, mesmo que não sejam
necessariamente o principal alvo da intervenção.

É possível observar um aumento no número de estudos na área nos últimos


tempos, contudo, ainda há poucos artigos na literatura envolvendo os aspectos de fluência
e prosódia em pessoas com TEA, principalmente em relação ao tratamento realizado. Em
sua pesquisa, Scott et al. (2015) evidenciaram que os fonoaudiólogos participantes do
estudo não se sentiam confortáveis em avaliar e tratar a fluência de seus pacientes,
reforçando assim a necessidade de treinamentos e realização de pesquisas envolvendo os
aspectos de fluência e prosódia no TEA.

Segundo Scott (2015), as principais tipologias de disfluências atualmente


identificadas no autismo incluem as disfluências típicas da gagueira (DTG); as outras
disfluências (OD), conhecidas também como disfluências comuns; e as disfluências
atípicas, como as que ocorrem em finais de palavras. Tais disfluências foram identificadas
em idades que vão desde a pré-escolar até a idade adulta.
94

Em sua pesquisa, Santos (2021), constatou que não há concordância na literatura


quanto à caracterização da alteração de fluência em pessoas com TEA, isto é, se as
disfluências encontradas correspondem a algum transtorno de fluência em co-ocorrência
aos sintomas característicos do quadro do autismo, ou se correspondem a um perfil de
fluência específico do quadro. Isso porque, muito embora seja possível traçar
aproximações entre esses aspectos, observam-se especificidades quanto ao modo de
apresentação e funcionalidade dos elementos constituintes da fluência (SANTOS, 2021).

Scott (2015) reforça a importância em examinar as características cognitivas


específicas do autismo, esta avaliação pode ajudar a explicar melhor a manifestação de
disfluências nessa população. No geral, a literatura cognitiva sobre autismo fornece
múltiplos fatores potenciais que podem contribuir para a ocorrência de disfluências em
pessoas com TEA. Variações no nível de déficits de funcionamento executivo em pessoas
com autismo podem ser responsáveis por variações na apresentação dos sintomas de
fluência nessa população (SCOTT, 2015).

Em relação à avaliação, a fluência nestes pacientes deve ser analisada e


interpretada levando em consideração as características pertencentes ao transtorno. Para
melhor caracterização da disfluência pode ser relevante fazer uma avaliação abrangente,
ou seja, não utilizar somente um único protocolo e fazer a coleta de dados a partir de
diferentes contextos comunicativos (YARUSS, 1998).

Mesmo que os padrões de disfluências observados nas crianças com autismo


possam diferir de seus pares com desenvolvimento típico, isso não quer dizer que sejam
irrelevantes (SCALER-SCOTT et al., 2007). Estes mesmos autores também reforçam que
as dificuldades em iniciar uma conversação podem estar ligadas às características
pertencentes ao quadro de TEA, sendo comum observar quebras, interrupções,
manutenção ou troca de tópico do discurso (SCALER-SCOTT et al., 2007). A ideia de
que os elementos da fluência no TEA possam indiciar uma autorregulação dialógica,
frente ao desenvolvimento de nível pragmático/discursivo é considerada válida por
Sisskin e Scaler-Scott (2007).

Pensando no tratamento, uma vez identificada a dificuldade na fluência, é


importante que o terapeuta se atente ao seu modelo de fala, realizando-o de forma suave,
bem articulada, com velocidade controlada e boa prosódia. Como a estimulação da
linguagem é um dos pilares da terapia de pacientes com TEA, é necessário também se
atentar ao tempo entre as trocas de turno, não realizando um bombardeio linguístico e
respeitando o espaço comunicativo do outro.

Dentre os objetivos terapêuticos estabelecidos pelo fonoaudiólogo, pode ser


relevante considerar a redução de tensões corporais e específicas da fala, adequação
pnemofonoarticulatória e a suavização de contatos articulatórios. Com as diferentes
características que os pacientes com autismo podem apresentar, ao pensar nas
disfluências, os comportamentos repetitivos podem facilitar a introdução de estratégias
de modificação da gagueira, o seu exercício e sistematização.

As alterações na prosódia de pessoas com TEA são descritas desde sua primeira
citação realizada por Kanner em 1943, essas alterações podem ser observadas em
diferentes aspectos, incluindo a forma de produção e/ou percepção correta das pistas
acústicas (LOVEALL et al., 2021). Na revisão realizada por Mann e Karsten (2021), foi
95

observado discrepância na prosódia entre pessoas com TEA e os seus pares com
desenvolvimento típico. Essas diferenças podem ocorrer, por exemplo, na ênfase
colocada em sílabas diferentes das usuais. A dificuldade de troca de assunto (hiperfoco)
e troca de turno também são dificuldades relacionadas à prosódia (LOVEALL et al.,
2021), ou seja, o envolvimento do outro na continuidade da conversa com seus pares
também são dificuldades na comunicação encontradas mais comumente nas pessoas
dentro do espectro, e pode estar relacionada à prosódia atípica.

É preciso compreender que o modo como uma frase é dita pode dar sinais sobre
como o outro interlocutor está, por exemplo, uma maior velocidade de fala, juntamente
ao aumento de pitch, pode indicar excitação (ROCKWELL, 2000). Um estudo
(LEHNERT-LEHOUILLIER; TERRAZAS; SANDOVAL, 2020), mostrou que crianças
e adolescentes com TEA apresentam diferenças no pitch em relação a seus pares com
desenvolvimento típico, essa característica pode estar relacionada ao desvinculamento de
seus parceiros de conversa ao longo de uma conversa. No entanto, esse mesmo estudo
mostrou que as crianças e adolescentes com melhores habilidades linguísticas vinculam
menos o parceiro na conversa, independentemente do diagnóstico de TEA.

As funções pragmáticas da prosódia também se relacionam com a intenção do


falante (LOVEALL et al., 2021), no entanto, a intenção comunicativa é uma das
dificuldades na comunicação de pessoas com TEA. Como mostrado por Mann e Karsten
(2021), alguns estudos sugerem que a prosódia, apresentada de forma atípica, contribui
para maus resultados sociais. Para a avaliação, o julgamento clínico é o mais utilizado, a
fim de averiguar as dimensões da prosódia apresentadas por pessoas com TEA que
necessitam de intervenção, no entanto, esta análise também pode ocorrer por meio de
softwares que mensuram, analisam e mostram os diferentes padrões (MANN;
KARSTEN, 2021).

Segundo Lehnert-LeHouillier, Terrazas e Sandoval (2020), além das necessidade


de investigar a relação da cognição e a prosódia atípica para explicar os padrões
heterogêneos de produção e percepção de prosódia na fala de pessoas com TEA, também
é necessário olhar a prosódia da fala no TEA a partir de uma perspectiva conversacional.
Mesmo que o objetivo terapêutico não seja alterar a prosódia, o comportamento de pares
socialmente habilidosos deve ser descrito e exemplificado, para que a pessoa com TEA
possa compreender quais discrepâncias podem trazer menores oportunidades sociais
(MANN; KARSTEN, 2021). O treinamento sobre a produção adequada da prosódia e
principalmente a forma de transmitir e compreender o afeto emocional podem ser
estratégias a serem estimuladas (LOVEALL et al., 2021).

Nas estratégias terapêuticas utilizadas em relação à prosódia é relevante estimular


a produção e também a percepção na fala, podendo ser utilizado diferentes recursos tanto
por meio de sites que apresentem jogos relacionados aos usos da prosódia, como também
a elaboração de atividades envolvendo diferentes entonações e emoções para a mesma
frase e em frases distintas, sempre estimulando o paciente a produzir e identificar essas
falas e suas intenções. Atividades com leitura podem estimular diferentes aspectos da
linguagem, assim como a prosódia e a fluência. Ela pode ser realizada de forma
compartilhada, com leitura em coro, com marcação das sílabas tônicas ou marcação de
pausas linguísticas e inspiratórias.
96

O automonitoramento e a interação social podem ser mais difíceis para os


pacientes com TEA. No entanto, o tratamento pode focar no uso das estratégias de
fluência nas trocas sociais. A prática repetida consistente é frequentemente necessária
para que a criança adquira a habilidade trabalhada. É importante destacar a estratégia do
aumento de pausas, pois ela pode ser introduzida por meio de marcadores visuais, para
indicar onde fazer uma pausa ao ler frases ou parágrafos, demarcando as fronteiras
sintáticas. Também é importante se atentar ao nível de funcionamento, para introduzir a
melhor estratégia, algumas pessoas são mais literais e precisam de exemplos mais
concretos.

Como dito anteriormente, pessoas com TEA apresentam uma grande variedade de
manifestações, sendo difícil encontrar duas delas que estejam no espectro e que
apresentem as mesmas características. No geral, como mostram Will et al. (2018), o
tratamento desses pacientes apresenta objetivos terapêuticos voltados principalmente nos
déficits de interação ou comunicação social, comportamentos restritos e estereotipados,
questões sensoriais ou comportamentos desafiadores que impactam o desenvolvimento
de habilidades funcionais e independência.

Com o desenvolvimento do paciente durante o tratamento fonoaudiológico, os


objetivos terapêuticos vão sendo alterados conforme o andamento da terapia, sendo
assim, destaca-se a importância de inserir na avaliação e no tratamento fonoaudiológico
de pessoas com TEA aspectos de fluência e prosódia, mediante as necessidades
específicas de cada caso. A terapia envolvendo esses aspectos pode ocorrer
concomitantemente à assistência oferecida às outras necessidades do paciente com TEA.

Considerações Finais

O presente capítulo apresentou uma síntese dos principais aspectos relacionados


à fluência e prosódia em pessoas com TEA, para que o leitor, fonoaudiólogo ou estudante
de Fonoaudiologia, pudesse identificar os principais conceitos, interpretar as
necessidades do seu paciente no tocante a esses aspectos e, a partir de então, modificasse
a sua prática profissional no cuidado fonoaudiológico junto a esse público.

Por considerar a importância dos aspectos de fluência e prosódia, tanto para a


expressão quanto para a compreensão da linguagem, recomenda-se a sua incorporação no
processo terapêutico junto ao paciente com TEA. Entre outras possibilidades de ganho,
esta medida contribuirá com as habilidades de percepção e produção da linguagem, à
medida que auxiliará na redução da ambiguidade e no aumento da inteligibilidade da fala,
melhorando assim suas habilidades de comunicação social.
97

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. (2013). Diagnostic and


statistical manual of mental disorders (5th ed.)
https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425596.
AMERICAN SPEECH AND HEARING ASSOCIATION – ASHA. Special interest
division 4: Fluency and fluency disorders. Terminology pertaining to fluency and
fluency disorders: Guidelines, [S. l.], v. 29, n. 41, p. 29-36, 1999. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10188303/. Acesso em: 17 fev. 2022.
AZIZ-ZADEH, L. SHENG, T.; GHEYTANCHI, A. Common premotor regions for the
perception and production of prosody and correlations with empathy and prosodic ability.
PloS one, v. 5, n. 1, p. e8759, 2010.
BARBOSA, P. Prosódia. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2019.
BINDER, C. Doesn't everybody need fluency? Performance Improvement, v. 42, n. 3,
p. 14-20, 2003.
CARDOSO-MARTINS, C.; NAVAS, A. L. O papel da fluência de leitura de palavras no
desenvolvimento da compreensão da leitura: um estudo longitudinal. Educar em
Revista, [S. l.], n. 62, p. 17-32, out./dez. 2016. ISSN 0104-4060. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
40602016000400017&nrm=iso. Acesso em: 17 fev. 2022.
CORRÊA, L. M. S. Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada
sob a ótica minimalista. Gragoatá, [S. l.], v. 16, n. 30, jun. 2011. ISSN 23584114.
Disponível em: http://www.gragoata.uff.br/index.php/gragoata/article/view/6. Acesso
em: 17 fev. 2022.
CHOMSKY, N. The Minimalist Program. Massachussetts: MIT Press, 1995.
CHUKHAREV-HUDILAINEN, E. et al. Combined deployable keystroke logging and
eyetracking for investigating L2 writing fluency. Studies in Second Language
Acquisition. Forthcoming, v. 41, 2018. ISSN 0272-2631. Disponível em:
https://www.cambridge.org/core/journals/studies-in-second-language-
acquisition/article/combined-deployable-keystroke-logging-and-eyetracking-for-
investigating-l2-writing-fluency/446EB4BC351C1308E8938DA85FD41E96. Acesso
em: 17 fev. 2022.
CUPELLO, R. Gagueira uma visão Neuropsicológica: Avaliação e tratamento. Rio de
Janeiro: Livraria e editora Revinter, 2007. 168 p. ISBN 85-372-0073-5.
DEHAENE-LAMBERTZ, G.; SPELKE, E. S. The Infancy of the Human Brain. Neuron,
[S. l.], v. 88, n. 1, p. 93-109, 2015. ISSN 0896-6273. Disponível em:
<http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0896627315008156. Acesso em: 17
fev. 2022.
FONTE, R. F. L. Fluência/Disfluência e Gesticulação: compreendendo a aquisição da
linguagem de uma criança cega. Revista Intercâmbio, São Paulo, v. 29, p. 202-217,
2014. Disponível em: 17 fev. 2022.
FRIEDERICI, A. D. Neurophysiological markers of early language acquisition: from
syllables to sentences. Trends in cognitive sciences, v. 9, n. 10, p. 481-488, 2005.
GILLON, G.; HYTER, Y.; FERNANDES, F. D. M.; FERMAN, S.; HUS, Y.; PETINOU,
K.; ET AL. International Survey of Speech-Language Pathologists’ Practices in Working
with Children with Autism Spectrum Disorder. Folia Phoniatr Logop. 2017;69(1– 2):8–
19. https://doi.org/10.1159/000479063
HICKOK, G. The cortical organization of speech processing: feedback control and
predictive coding the context of a dual-stream model. Journal Of Communication
98

Disorders, [S. l.], v. 45, n. 6, p. 393-402, nov. 2012. Disponível em:


http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2012.06.004. Acesso em: 17 fev. 2022.
HICKOK, G.; POEPPEL, D. The cortical organization of speech processing. Nature
Reviews Neuroscience, [S. l.], v. 8, n. 5, p. 393-402, abr. 2007. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1038/nrn2113. Acesso em: 17 fev. 2022.
KENT, R. D.; READ, C. Análise acústica da fala. São Paulo: Cortez, 2015. 504 p. ISBN
978-85-249-2331-9.
LEHNERT-LEHOUILLIER H, TERRAZAS S, SANDOVAL S. Prosodic Entrainment
in Conversations of Verbal Children and Teens on the Autism Spectrum. Front Psychol.
Oct 8;11:582221, 2020 doi: 10.3389/fpsyg.2020.582221.
LINDSTRÖM, R. et al. Atypical perceptual and neural processing of emotional prosodic
changes in children with autism spectrum disorders. Clinical Neurophysiology, v. 129,
n. 11, p. 2411-2420, 2018.
LIU, J. et al. Altered lateralization of dorsal language tracts in 6‐week‐old infants at risk
for autism. Developmental science, v. 22, n. 3, p. e12768, 2019.
LOVEALL, S. J.; HAWTHORNE, K.; GAINES, M. A meta-analysis of prosody in
autism, Williams syndrome, and Down syndrome. Journal of Communication
Disorders, v. 89, p. 106055, 2021.
MADUREIRA, S. A expressão de atitudes e emoções na fala: o domínio da Fonética.
In: Kirillos, Leny. (org). Fala e Expressividade, São Paulo, 2004.
MANN, C. C.; KARSTEN, A. M. Assessment and Treatment of Prosody Behavior in
Individuals with Level 1 Autism: A Review and Call for Research. The Analysis of
Verbal Behavior v.37, p.171–193, 2021
NEUMANN, K.; EULER, H. A.; KOB, M.; VON GUDENBERG, A. W.; GIRAUD, A.
L.; WEISSGERBER, T.; KELL, C. A. Assisted and unassisted recession of functional
anomalies associated with dysprosody in adults who stutter. Journal of fluency
disorders, v. 55, p. 120-134, 2018.
OLIVÉ G. et al. Structural Connectivity in Ventral Language Pathways Characterizes
Nonverbal Autism, Research Square, 2021.
PARSONS, L.; CORDIER, R.; MUNRO, N.; JOOSTEN, A.; SPEYER, R. A systematic
review of pragmatic language interventions for children with autism spectrum disorder.
PLoS ONE. 2017;12(4):1-37 https://doi.org/10.1371/journal.pone.0172242
PICHON, S.; KELL, C. A. Affective and sensorimotor components of emotional prosody
generation. Journal of Neuroscience, v.33, p.1640–1650, 2013.
RIES, S. K. et al. Roles of ventral versus dorsal pathways in language production: An
awake language mapping study. Brain and language, [S. l.], v. 191, p. 17, 2019.
Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30769167/. Acesso em: 17 fev. 2022.
SANTOS, K. P. Análise dialógica da fluência: contribuições da perspectiva
bakhtiniana Florianópolis. [Tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa
Catarina; 2021.
SCALER-SCOTT, K; SISSKIN, V. K. S. Part II: Speech disfluency in autism spectrum
disorders: Clinical problem solving for pervasive developmental disorder, not
otherwise specified and Asperger's syndrome. v. 15, p. 18, 2007. Disponível em:
http://www. mnsu. edu/comdis/isad10/papers/scott10.html–lest.
SCOTT, K. S. Dysfluency in autism spectrum disorders. Procedia-Social and
Behavioral Sciences, v. 193, p. 239-245, 2015.
SCOTT, K. S. et al. Speech disfluency and autism in schools: Identifying needs and
providing support to SLPs. Procedia-Social and Behavioral Sciences, v. 193, p. 223-
227, 2015.
99

SISSKIN, V., SCALER-SCOTT, K. Part I: Speech disfluency in autism spectrum


disorders: Clinical problem solving for autistic disorders. 2007. disponível em:
http://www.mnsu.edu/comdis/isad10/papers/sisskin10.html
STARKWEATHER, C. W. Fluency and Stuttering. New Jersey: Prentice-Hall, Inc.,
1987.
SNG, C. Y.; CARTER, M.; STEPHENSON, J. A systematic review of the comparative
pragmatic differences in conversational skills of individuals with autism. Autism Dev
Lang Impair. 2018;3:1–24. doi:10.1177/2396941518803806
ROCKWELL, P. Lower, slower, louder: Vocal cues of sarcasm. Journal of
Psycholinguistic Research, 29, 483–495. 2000.
https://doi.org/10.1023/A:1005120109296
WILL M. N.; CURRANS K.; SMITH J.; WEBER S.; DUNCAN A.; BURTON J.; ET
AL. Evidenced-Based Interventions for Children with Autism Spectrum Disorder. Curr
Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2018;48(10):234–49.
https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2018.08.014
YARUSS, J. S. Describing the consequences of disorders: stuttering and the international
classification of impairments, disabilities, and handicaps. Journal of Speech, Language,
and Hearing Research, 49, 249–257. 1998.
100

9. Aspectos da linguagem escrita no TEA


Cíntia Alves Salgado Azoni, Bárbara Louise Costa Messias

Introdução

A aquisição da linguagem escrita é um processo complexo que envolve fatores


cognitivos, neurológicos, linguísticos e ambientais (Figura 1). Diferentemente da
linguagem oral, prevê habilidades que são aprendidas sistematicamente por meio do
ensino formal nos anos iniciais do ensino fundamental (Navas, 2016). No entanto, por ser
uma função complexa e única, a linguagem escrita, em suas modalidades, deve ser
estimulada para o contínuo sucesso vida do indivíduo.

Figura 2. Relação de diversos fatores no desenvolvimento da linguagem oral e


escrita

Ambiente natural Ambiente formal

Fatores cognitivos, neurológicos e ambientais associados

Fonte: SCARBOROUGH, 2001, adaptado pelas autoras.

Depreende assim que práticas de literacia antes e durante o período de


alfabetização auxiliam as crianças na aprendizagem formal da leitura e escrita. A literacia
envolve atividades que não necessariamente estão relacionadas à alfabetização, mas que
coadunam com as habilidades a serem desenvolvidas pela criança na aprendizagem da
leitura e escrita (Mata, 2006). A respeito dessa prática, estimular a leitura compartilhada
e a leitura em voz alta, por exemplo, pode ser benéfico para o engajamento da criança nos
anos seguintes e durante o desenvolvimento da leitura.
101

Diversas condições extrínsecas ou intrínsecas do indivíduo podem acarretar


dificuldades para aprender a leitura e a escrita. No entanto, compreender estes
mecanismos auxiliam profissionais e familiares a conduzir da melhor forma possível esse
caminho durante o desenvolvimento da criança.

Assim, em casos que há um transtorno do neurodesenvolvimento envolvido, como


por exemplo, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), é compreensível que a
complexidade na aquisição e desenvolvimento da linguagem possam acarretar
dificuldades ao longo de sua vida acadêmica e social, dado o atraso nos processos
linguísticos subjacentes ao seu desenvolvimento global (Salgado-Azoni, 2016).

Neste capítulo abordaremos aspectos relevantes sobre o desenvolvimento da


linguagem escrita nessa população, bem como as evidências científicas a respeito das
práticas interventivas no tocante aos preditores para a aprendizagem da leitura e escrita,
bem como destas habilidades propriamente ditas.

Desenvolvimento da leitura e escrita no desenvolvimento típico

Há diversas teorias que explicam as fases do desenvolvimento da leitura e da


escrita, como o modelo de dupla rota, no qual o indivíduo adquire as rotas fonológica e
lexical, considerando uma forma sequencial de aquisição das palavras. Nessa abordagem
o indivíduo tem maior facilidade de decodificar a palavra quando ela é mais frequente,
tem maior transparência na relação fonema-grafema (regularidade) e na extensão da
mesma (Ellis, 1995).

Outro modelo para explicar é o dos processadores (Adams, 1991), o qual descreve
que existem quatro processadores interligados: fonológico, ortográfico, semântico e
contextual. O processador ortográfico é responsável pelo reconhecimento visual das
palavras escritas, de modo que, ao ler, o reconhecimento visual é o primeiro a ser ativado.
O processador fonológico recebe informações externas, por meio da fala, e pode ser
ativado através da subvocalização para auxiliar no processo de decodificação das
palavras. Além disso, auxilia promovendo uma expansão da memória durante a leitura, o
que é importante para a compreensão leitora. Por fim, o processador semântico é
responsável por armazenar o significado das palavras, e o contextual, pela interpretação
do texto (Santos; Navas, 2016; Mousinho et al., 2020).

Considerando a base teórica de Frith (Mousinho et al., 2020), para o


desenvolvimento da leitura, o indivíduo passa por três etapas: logográfica, alfabética e
ortográfica. Na leitura logográfica, a palavra é vista como um "símbolo", fazendo com
que a criança realize a leitura através da memorização de um padrão visual. Já no estágio
alfabético, ocorre a decodificação, na qual a palavra é reconhecida através da associação
grafema-fonema. Na última etapa, a ortográfica, o indivíduo já é capaz de ler de maneira
fluente, ou seja, o reconhecimento das palavras é realizado através da rota lexical (a partir
do léxico mental), e não mais a fonológica (por meio da decodificação grafema-fonema).

Dessa forma, compreende-se que a leitura ocorre por meio de dois fatores:
decodificação e compreensão. A decodificação consiste no reconhecimento da palavra
102

escrita, na associação inicial entre grafema-fonema, enquanto a compreensão está


relacionada à interpretação do texto lido (Gough; Tunmer, 1986).

Com relação ao desenvolvimento da escrita, Ferreiro e Teberosky (1985) propõem


níveis pelos quais as crianças passam durante o aprendizado da escrita. O primeiro nível
é a escrita pré-silábica, na qual a criança entende que a escrita representa o que ela diz,
seja ela representada por desenhos, letras ou símbolos. Além disso, não se preocupa com
a quantidade de letras ou com quais letras ou símbolos deve escrever. Dessa forma, se for
pedido para que ela escreva, provavelmente escreverá as letras que já conhece, como as
do seu nome, aleatoriamente. Na fase da escrita “silábica", a criança entende que a escrita
é baseada no som, e a menor unidade sonora que ela representa nesta etapa, é a sílaba.
Assim, a quantidade de letras utilizada pela criança é semelhante à quantidade de sílabas
da palavra. Já na fase "silábico-alfabética", a criança começa a perceber que as letras
representam os sons, porém em algumas vezes ainda representa a unidade sonora como
uma sílaba, alternando entre sílaba e fonema. Por fim, a fase "alfabética", compreende
que cada letra representa um fonema e realiza adequadamente a relação grafema-fonema
(Moreira, 2009).

Assim, é essencial que o profissional que atua na área de educação e saúde, no


tocante às questões da aprendizagem da linguagem escrita da criança, compreenda os
mecanismos do desenvolvimento para então identificar as necessidades específicas das
crianças com alterações, como abordaremos aqui sobre o TEA.

Como as crianças com TEA desenvolvem a leitura e escrita?

Por se tratar de um transtorno do neurodesenvolvimento, as alterações de


linguagem inerentes ao indivíduo, relacionadas às questões comportamentais e sociais
são bem evidentes nos primeiros anos de vida. No entanto, para a construção da
linguagem escrita, o olhar do fonoaudiólogo não apenas nas questões da linguagem oral
e comunicação são essenciais para a real inclusão dessas crianças no contexto escolar.

A partir de uma linha cronológica de desenvolvimento, é salutar compreender


como estão os preditores de leitura de crianças com TEA. Ao analisar novamente a figura
1 é factível que as dificuldades em relação ao ambiente natural da criança inerentes à
linguagem oral tenham repercussões, como um efeito cascata, na linguagem escrita.
Portanto, embora a consciência fonológica seja desenvolvida naturalmente pela criança
quando estimulada, essa acaba não sendo o foco nas crianças com TEA, visto as maiores
repercussões nas demais habilidades como as habilidades verbais, comportamentais e de
sociabilidade, por exemplo (APA, 2014).

Curiosamente, entre a passagem da linguagem oral para a escrita, é possível que


as famílias e escola identifiquem precocemente uma facilidade dessas crianças em
decodificar a leitura. Assim, o olhar experiente na identificação de sinais de hiperlexia é
extremamente relevante, visto que essa é uma característica comum neste quadro. Sua
característica é marcada pela aquisição precoce e espontânea da leitura, sem instrução
formal prévia e antes dos cinco anos de idade (Lamônica et al., 2013). Indivíduos com
hiperlexia podem apresentar maior interesse por letras e números, dificuldades de
interação com o outro, dificuldades na linguagem expressiva, receptiva e nas habilidades
103

linguísticas, bem como dificuldades na compreensão verbal e leitora (Nation et al., 2006;
Ratuchne e Barby, 2021).

De acordo com a literatura, o sujeito com hiperlexia pode apresentar vantagens no


desenvolvimento de áreas específicas do cérebro, porém com alterações nas áreas
responsáveis pela aprendizagem e pela linguagem (Turkeltaub et al., 2004; Castles et al.,
2010).

Contudo, MacDonald; Luk & Quintin (2021) compararam essas habilidades em


pré-escolares de língua inglesa com TEA, com e sem hiperlexia. Os resultados indicaram
que o grupo com TEA e hiperlexia exibiu habilidades avançadas de leitura de palavras e
nomeação de letras em comparação com os outros dois grupos, mas não demonstrou
consciência fonológica e correspondência grafema-fonema na mesma proporção. Os
resultados apoiam uma abordagem alternativa e não fonológica para a leitura precoce de
palavras em pré-escolares com TEA e hiperlexia.

Assim, crianças com TEA e hiperlexia podem apresentar boa capacidade de


decodificação inicialmente, porém têm prejuízos na compreensão leitora que podem ser
justificados por outros déficits na linguagem oral e/ou no processamento auditivo, sendo
estes fatores preditores para a leitura (Lamônica et al., 2013).

Estima-se que entre 5 e 10% das pessoas com Transtorno do Espectro Autista
(TEA) apresentam habilidades de decodificação superiores às de compreensão leitora
(Nunes e Walter, 2016). Portanto, novamente o olhar clínico e experiente do
fonoaudiólogo deve direcionar as questões da linguagem escrita, especialmente naquelas
com TEA de nível I que podem ter a capacidade de ler as palavras escritas
semelhantemente à de crianças neurotípicas, porém com dificuldade de integrar as
informações necessárias para haver compreensão do que foi lido (Rotta, 2016).

Nesse avanço do desenvolvimento da leitura, esse déficit na compreensão leitora


ocorre a partir da dificuldade em organizar e processar as informações, em assumir a
perspectiva do outro, em relacionar o conteúdo lido com o conhecimento prévio, bem
como em fazer inferências (Rotta, 2016).

Ademais, isto pode ser melhor fundamentado por meio da Teoria da Mente, que
consiste em compreender os estados mentais dos outros e em si mesmo. Esta teoria
encontra-se deficitária nos sujeitos com TEA, uma vez que estes possuem dificuldade em
identificar os estados mentais dos personagens e em inferir as suas ações, fazendo-os não
compreender que os seus pensamentos não são iguais aos de outras pessoas (El Zein et
al., 2014). Dessa forma, a utilização de suportes visuais e programas interativos são
facilitadores para a aquisição dessa habilidade de leitura nestes indivíduos (Nunes e
Walter, 2016).

No caso de crianças com TEA que possuam prejuízos mais graves ou com
ausência de uma fala funcional, espera-se que as habilidades preditoras para a linguagem
escrita e que também estão associadas à oralidade, como a consciência fonológica,
estejam prejudicadas, o que acarreta em um prejuízo na leitura (Ratuchne e Barby, 2021).
104

Intervenção em linguagem escrita

Diante do que vimos discutindo até aqui, o processo interventivo deve respeitar
variáveis importantes ao longo da vida da criança com TEA. As suas necessidades devem
envolver o ambiente estimulador, por meio de práticas no ambiente de literacia familiar,
escola e profissionais.

Estudos apontam que uma das estratégias de intervenção mais utilizadas e com
resultados favoráveis para a aprendizagem de crianças típicas e neurotípicas, como no
caso dos indivíduos com TEA, é a Leitura Compartilhada (LC), na qual um adulto lê em
voz alta para as crianças (Silva et al., 2019). A Leitura Compartilhada apresenta diversas
modalidades, e dentre elas, encontra-se a Leitura Dialógica (LD) que se caracteriza como
a leitura compartilhada por um mediador (Figura 2), na qual o mediador estimula a criança
a contar a história e as ilustrações que compõem a mesma (Rogosky et al., 2015; Walter
e Nunes, 2020; Jackson et al., 2020).

Figura 3. Criança em atividade de leitura compartilhada com o adulto

Fonte: Jackson et al., 2020.

Dessa forma, o mediador deve realizar cinco tipos de perguntas, baseadas no


acrônimo "CROWD". Na primeira letra, C (complete), a criança precisa completar
oralmente uma frase proposta pelo mediador. Na letra R (recall), a criança deve relembrar
momentos do texto para auxiliar na compreensão. A letra O (open-ended) representa as
perguntas abertas que devem ser feitas à criança. Já a letra W (wh-questions) está
relacionada a perguntas como "Quem?", "Onde?", "O que?", "Quando?" e "Qual?". Por
fim, a letra D (distancing) está relacionada ao distanciamento, de modo que a criança
possa fazer relatos próprios, além da narrativa (Walter e Nunes, 2020).

Flynn (2011) recomenda que no uso da estratégia de Leitura Dialógica, inicie-se


por perguntas específicas, para que, gradativamente, a criança participe mais da conversa
e responda às perguntas abertas. O mediador deve auxiliar, também, por meio de
105

feedbacks para as crianças, ajudando a ampliar as respostas, fornecendo novas


informações e elogios quando necessário. Nota-se que, crianças com TEA beneficiam-se
dessas estratégias, visto que sua linguagem oral é amplamente estimulada e conecta-se
com o desenvolvimento da linguagem escrita, motivando-a para a árdua etapa da
compreensão leitora.

Na prática da LD, o mediador deve oferecer o livro para a criança no mínimo três
vezes, além de, antes de iniciar a leitura, fornecer uma prévia do que será lido pelas
ilustrações. Em seguida, deve apresentar o livro, como autor, capa e título. Flynn (2011)
propõe ainda três fases para a LD: na primeira, após a apresentação do livro, o mediador
deve introduzir palavras novas para auxiliar na aquisição do vocabulário, além de ainda
focar nas ilustrações e não no texto em si; na fase dois, o mediador deve criar
oportunidade para a criança ampliar seu vocabulário e praticá-lo, encorajando-a a dar
respostas mais longas; na terceira fase, a criança deve fazer associações à sua realidade
relacionada ao tema discutido.

Uma outra estratégia de intervenção realizada por pesquisadoras brasileiras é o


Programa de Leitura e Comunicação para Crianças com Autismo (PROLECA), o qual é
formado por um conjunto de técnicas provenientes da Leitura Dialógica e da contação de
histórias, com a finalidade de desenvolver habilidades como a compreensão leitora e
atenção compartilhada (Silva et al., 2019). As estratégias envolvem a seleção prévia dos
livros, a preparação do ambiente de leitura, a preparação de um roteiro de perguntas
contendo as "wh-questions", o uso de estratégias de pausa intencional e atenção
compartilhada, bem como o uso de onomatopéias e dramatização, de modo que a leitura
se torne mais imaginativa e convidativa para a criança.

Silva (2018) também utilizou a estratégia "PEEP hierárquico" que significa


Prompt (dicas), Evaluate (avaliar), Expand (expandir) e Praise (elogiar). No PEEP
hierárquico são utilizados, além do livro, cartões de respostas visuais para auxiliar a
criança em suas respostas. Dessa forma, esta é uma estratégia que se divide em níveis:
responde espontaneamente, responde com 3 opções de cartões de respostas visuais,
responde mediante resposta binária, e faz uso de resposta modelada.

Embora tenha havido avanços nas estratégias interventivas, em estudo de revisão


realizado por Fernandes et al., (2015), é possível observar que ainda há restrições nas
informações sobre duração das intervenções, bem como maior eficácia na compreensão
leitora que nas demais habilidades. As autoras refletem ainda sobre a necessidade de
melhorias na qualidade das avaliações, com definição de perfis específicos de habilidades
para tornar essa intervenção mais eficiente.

Considerações finais

Embora ainda haja uma proporção menor de estudos relacionados ao


desenvolvimento da linguagem escrita em crianças com TEA, é imprescindível o olhar
para o avanço da ciência nessa área, visto a necessidade da comunicação mundial pela
leitura e escrita.
106

A compreensão do caminho desenvolvimental entre a linguagem oral e escrita


neste quadro é fundamental por parte do fonoaudiólogo, visto que essa visão holística
proporciona à pessoa com TEA a possibilidade de estimulação sobre o avanço dos
mecanismos entre a linguagem, metalinguagem e a capacidade de compreensão da leitura
e sua visão de mundo.
O avanço na prática baseada em evidências científicas é sem dúvida o
caminho, visto os resultados promissores em estudos que valorizam a realidade da
criança, seu ambiente e o papel essencial do mediador na aprendizagem da leitura.
107

Referências

1. ADAMS, M., Beginning To Read: Thinking and Learning about Print,


ERIC, 1991. Disponível em: <https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED315740.pdf>.
Acesso em: 27 de fevereiro de 2022.
2. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (2014). Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (5a ed.; M. I. C.
Nascimento, Trad.). Porto Alegre, RS: Artmed.
3. CAPOVILLA, A. G. S. et al. Estratégias de leitura e desempenho em
escrita no início da alfabetização. Psicol. esc. educ. [online]. 2004, vol.8, n.2
[citado 2020-05-08], pp. 189-197.
4. CASTLES A, CRICHTON A, PRIOR M. Developmental dissociations
between lexical reading and comprehension: evidence from two cases of
hiperlexia. Cortex. 2010;46(10):1238-47.
5. FERNANDES F. D. M, DE LA HIGUERA AMATO C. A, CARDOSO
C., NAVAS A. L. G. P, MOLINI-AVEJONAS D. R. Reading in Autism Spectrum
Disorders: A Literature Review. Folia Phoniatr Logop 2015;67:169-177. doi:
10.1159/000442086.
6. EL ZEIN, F. et al. Reading comprehension interventions for students with
autism spectrum disorders: A synthesis of research. J Autism Dev Disord, v.44,
n.6, p.1303-1322, 2014.
7. ELLIS, A. W. Leitura, escrita e dislexia: Uma análise cognitiva. (6ª ed.).
Porto Alegre: Artes Médicas., 1995.
8. FERREIRO, E; TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita.
Tradução de D. M. Lichstenstein et. al. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. 284p.
9. FLYNN, K. S. Developing children's oral language skills through dialogic
reading: Guidelines for implementation. Teaching Exceptional Children, 44(2), 8-
16, 2011.
Disponívelem:<http://readingdisabilities101.weebly.com/uploads/5/1/6/9/516950
95/developing_children%E2%80%99s_oral_language_skills_through_dialogic_r
eading.pdf> Acesso em: 22 fevereiro. 2022.
10. GOUGH, P. B.; TUNMER, W. E. Decoding, reading, and reading
disability. Remed Spec Educ. 1986;7(1):6-10.
11. LAMÔNICA, D. A. C. et al. Habilidades de leitura em crianças com
diagnóstico de hiperlexia: relato de caso. CoDAS, São Paulo, v. 25, n. 4, 2013.
12. MACDONALD, D., LUK, G. & QUINTIN, EM. Early Word Reading of
Preschoolers with ASD, Both With and Without Hyperlexia, Compared to
Typically Developing Preschoolers. J Autism Dev Disord 51, 1598–1612 (2021).
https://doi.org/10.1007/s10803-020-04628-8.
13. MARANHE, E., Uma visão sobre a aquisição da leitura e escrita In:
Universidade Estadual Paulista. Pró-Reitoria de Graduação (Org.). Universidade
Virtual do Estado de São Paulo. - Caderno de Formação: Formação de Professores-
Bloco 2- Didática dos Conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. p.138-
148.
14. MATA, L. Literacia Familiar: Ambiente familiar e descoberta da
linguagem escrita. Porto: Porto Editora, 2006.
15. MOREIRA, C. M., Os estágios de aprendizagem da escritura pela criança:
uma nova leitura para um antigo tema. Linguagem em (Dis)curso, Palhoça, SC, v.
9, n. 2, p. 359-385, maio/ago. 2009.
108

16. MOUSINHO, R.; ALVES, L.M.; NAVAS, A. L.; SALGADO-AZONI, C.


A.; CELESTE, L. C.; ET AL. Leitura, escrita e matemática: do desenvolvimento
aos transtornos específicos de aprendizagem. Instituto ABCD, 2020. Ebook (156
p.). ISBN: 978-65-991807-1-2. Disponível em: <
https://www.institutoabcd.org.br/ebook-leitura-matematica/>. Acesso em: 26 de
fevereiro de 2022.
17. NATION K, CLARKE P, WRIGHT B, WILLIAMS C. Patterns of reading
ability in children with autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord.
2006;36(7):911-9
18. NAVAS, A.L. Atualização sobre o Desenvolvimento da linguagem
escrita: evidências científicas. IN: LAMÔNICA, D.C., BRITTO, D.B.O. Tratado
de linguagem: Perspectivas Contemporâneas. Ribeirão Preto: Editora Booktoy,
2016, p. 49-56.
19. NUNES, D.R.P; WALTER, E.C. Processos de Leitura em Educandos com
Autismo: um Estudo de Revisão. Revista Brasileira de Educação Especial,
Marilia,Vol. 22, n. 4, p. 619-632, out./dez, 2016.
20. NUNES, R. P.; WALTER, E. C. Processos de Leitura em Educandos com
Autismo: um Estudo de Revisão. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 22, n. 4, p. 619-
632, Out.-Dez., 2016. Disponível
em:<https://www.scielo.br/pdf/rbee/v22n4/1413-6538-rbee-22-04-0619.pdf>.
Acesso em 25 de fevereiro de 2022
21. RATUCHNE, P. A. O., BARBY, A. A. O. M. Revisando estudos sobre a
aprendizagem da linguagem escrita em estudantes com transtorno do espectro do
autismo. Teoria e Prática da Educação, v. 24, n. 2, p. 86-104, 27 ago. 2021.
22. ROGOSKI, B. N. et al. Compreensão após leitura dialógica: efeitos de
dicas, sondas e reforçamento diferencial baseados em funções narrativas.
Perspectivas, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 48-59, 2015. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-
35482015000100005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 25 de fevereiro de 2022.
23. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos de
aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. 2. Ed. Porto Alegre:
Art Med, 2016.
24. SALGADO-AZONI, C.A. Diagnóstico diferencial dos transtornos da
linguagem escrita. IN: LAMÔNICA, D.C., BRITTO, D.B.O. Tratado de
linguagem: Perspectivas Contemporâneas. Ribeirão Preto: Editora Booktoy, 2016,
p. 155-164.
25. SANTOS M. T., NAVAS A. L., organizadores. Transtornos de leitura e
escrita teoria e prática. Barueri (SP): Manole; 2016; Parte I - Aquisição e
desenvolvimento da linguagem escrita. p. 1-67.
26. SCARBOROUGH, H. A. Connecting early language and literacy to late
reading disabilities. Evidence, theory and practice. IN: NEUMAN, S. Dickinson
(Eds). Handbook for research in early literacy. New York: Guilford Press, 2001.
27. SILVA, S. P. N., PROLECA: Programa de Leitura e Comunicação para
crianças com Autismo. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação) -
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
28. SILVA, S. P. N.; WALTER, C. C. de F.; NUNES, L. R. d’Oliveira de P.
Avaliação dos efeitos de um programa de leitura e comunicação para crianças com
autismo. Revista Educação Especial, [S. l.], v. 32, p. e120/ 1–22, 2019. DOI:
10.5902/1984686X40898. Disponível em:
109

<https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/40898>. Acesso em: 22


fevereiro. 2022.
29. TURKELTAUB PE, FLOWERS DL, VERBALIS A, MIRANDA M,
GAREAU L, EDEN GF. The neural basis of hyperlexic reading: an FMRI case
study. Neuron. 2004;41(1):11-25.
30. WALTER, E. C.; NUNES, D. R. P., Avaliação da eficácia de um programa
de compreensão da leitura oral dialógica por criança com autismo. ETD - Educ.
Temat. Digit, Campinas, v. 22, n. 1, p. 27-49, jan. 2020. Disponível em:
<http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-
25922020000100027&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 de fevereiro de 2022.
Epub May 26, 2021. https://doi.org/10.20396/etd.v22i1.8655410.
110

10. Intervenção terapêutica fonoaudiológica em


comunicação e linguagem na infância no TEA
Fernanda Dreux Miranda Fernandes

Introdução

O planejamento da intervenção fonoaudiológica para crianças com diagnóstico de


Transtorno no Espectro do Autismo (TEA) tem que ter início, sempre, num processo de
diagnóstico o mais completo e detalhado possível. Além das grandes diferenças
individuais nas habilidades de linguagem, questões sociais e culturais podem reduzir o
poder de descrição de protocolos estandardizados para a avaliação da linguagem dessa
população (GIROLAMO et al, 2020). Uma alternativa, para a inclusão de detalhes
relevantes a respeito das habilidades comunicativas das crianças, é a inclusão de
informações fornecidas pelos pais e terapeutas (Freitas et al, 2021).

Diversos autores comentam o foco atribuído pelo DSM-5 aos déficits em


Comunicação Social como uma das principais características das crianças com TEA
(VOLDEN & PHILLIPS, 2010; GIROLAMO et al, 2020; HAGE et al, 2021) e o fato de
que essas dificuldades podem gerar falhas de comunicação nas atividades do dia a dia,
interferindo em diversas áreas de desempenho e aprendizagem.

Uma noção amplamente difundida e sobre a qual há pouco debate é a de que o


diagnóstico precoce e o direcionamento para intervenções adequadas e suficientes
representam as melhores chances de crianças com TEA terem um bom prognóstico.
Alguns aspectos foram identificados como sinais de alerta no estudo de Pilegi e
colaboradores (2021) em crianças de apenas 12 meses que posteriormente foram
diagnosticadas com TEA. Os itens mais relevantes dizem respeito à comunicação social,
como compartilhar o sorriso, apresentar e reagir de forma diferenciada a diferentes
expressões faciais e responder ao próprio nome.

McDaniel e Schuele (2021) sugerem a utilização de amostras de comunicação em


situações clínicas, educacionais e naturais que permitem avaliar as habilidades pré
linguísticas de crianças TEA. Os autores sugerem que as três habilidades pré linguísticas
mais relevantes são a comunicação intencional, o inventário de consoantes produzidas em
atos comunicativos e a responsividade para situações de atenção compartilhada. Outros
pontos que devem ser observados envolvem a linguagem receptiva, a atenção à fala
dirigida à criança, a imitação motora, o funcionamento oro-motor não imitativo, as
atividades de jogo, o nível de desenvolvimento cognitivo e o nível de severidade do TEA.

A proposta deste capítulo não é apresentar os diversos modelos pré-programados


para a intervenção na fala e linguagem das crianças com TEA - pois não há evidencia
científica de que qualquer modelo pode ser adequado para todas as crianças em qualquer
momento de seu desenvolvimento (FERNANDES & AMATO, 2013) - mas comentar
alguns estudos que abordam temas relevantes e sugerir alguns princípios para a
intervenção individualizada em comunicação e linguagem nessa população. Ainda são
necessários dados organizados e acessíveis para prover evidências para a prática clínica
(VARANDA et al, 2020).
111

Intervenção em Comunicação e Linguagem – para pensar

Diversos estudos têm mencionado aspectos importantes identificados em


diferentes processos de intervenção. Tenho enfatizado a necessidade de foco
individualizado há vários anos (FERNANDES & AMATO, 2014).

A diversidade de contextos, como elemento de ampliação das possibilidades de


intervenção, é mencionada por Siller e colaboradores (2020), que também enfatizam a
necessidade de análise individualizada dos processos e seus resultados.

Engelsted e colaboradores (2020) sugerem que a intervenção em comunicação


social para crianças com TEA seja mediada pelo professor em atividades como contar
histórias, atividades na hora do lanche e nas aulas de arte, com foco específico nas
dificuldades individuais.

Após uma ampla revisão de literatura a respeito de propostas de intervenção


baseadas em brincadeiras, Gibson e colaboradores (2021) identificaram diversas variáveis
importantes como o contexto, o papel do terapeuta, a abordagem, as habilidades-alvo (a
maioria indicava habilidades de jogo social), participação dos pais e grupos de
intervenção. Nenhuma dessas variáveis, entretanto, foi associada aos resultados da
intervenção.

Loeb e colaboradores (2021) apresentam algumas ideias para a terapia baseada


em brincadeira para crianças com dificuldades de comportamento. Os autores sugerem
que o terapeuta: deixe a criança liderar as atividades; fique com a criança, possibilitando
atenção compartilhada; mostre interesse genuíno na criança, ampliando as possibilidades
de engajamento; seja sensível à criança, favorecendo expressões subjetivas; respeite as
habilidades de resolução de problemas da criança, ampliando suas possibilidades de
experiências bem sucedidas; confie no auto controle da criança, apoiando sua modulação
emocional; confie que a criança vai atuar corretamente, ajudando só quando necessário,
e aceite a criança como ela é, evitando a ideia de que há habilidades que devem ser
aprendidas, para que a criança atinja determinados padrões. Para isso, eles sugerem que,
disponibilizando brinquedos realísticos (miniaturas, bonecos, fantoches), brinquedos
agressivos (soldados, animais selvagens) e brinquedos criativos (massinha, lápis de cera,
papel) haverá oportunidades complexas de expressão e comunicação mais ajustadas ao
desenvolvimento e aos interesses da criança.

O direcionamento do foco da intervenção para atividades envolvendo habilidades


específicas e seus resultados em relação à comunicação social foi estudado por Sun e
Fernandes (2017), que concluíram que atividades especificas para o desenvolvimento de
funções executivas, mediadas pelos pais, contribuíram para o desenvolvimento de
habilidades funcionais de comunicação.

O estudo de Audet (2019) também abordou as Funções Executivas (FE), que a


autora define como um processo cognitivo não hierárquico mas sincronizado, necessário
para a resolução de problemas. As habilidades em funções executivas incluem a
modulação emocional (a habilidade de usar o raciocínio para manejar os próprios
recursos emocionais), a iniciativa (ou seja, avaliar as situações antes de tomar alguma
atitude), o controle inibitório (a possibilidade de controlar ou interromper suas próprias
112

ações, de acordo com o contexto), o planejamento (determinar o que precisa ser feito e
em que ordem), a organização (organizar pensamentos, ações e matérias para uma
determinada tarefa), o auto monitoramento (avaliar e modificar suas próprias atitudes),
a atenção (sustentada e variável – possibilitando focar a atenção ou modificar o foco para
algo mais urgente, quando necessário) e a memória de trabalho (que permite manipular,
sintetizar, analisar e avaliar informações memorizadas, contribuindo para o
funcionamento social). A autora também identificou a correlação entre FE, o
comportamento social adaptativo e a comunicação social. Segundo ela, esses elementos
podem contribuir para o delineamento de um esquema individualizado para a intervenção
nas questões relacionadas à comunicação e linguagem em crianças e adolescentes com
TEA.

Um serviço de atendimento a crianças com TEA no contexto da formação


profissional em Fonoaudiologia tem estudado diferentes alternativas para o atendimento
individualizado dessa população há mais de três décadas (SEGEREN & FERNANDES,
2019). A maior parte das conclusões derivadas dessa prática serão apresentadas na
próxima sessão.

Os resultados mais recentes dessa experiência dizem respeito ao atendimento


semanal de 83 crianças com TEA em tele-saúde, com a colaboração dos pais
(FERNANDES et al, 2021). Os objetivos específicos, determinados individualmente,
envolviam turnos conversacionais, funções executivas, intenção comunicativa,
organização do discurso, comunicação funcional e sintaxe. A análise dos relatórios
sistematizados indicou que os objetivos específicos foram alcançados em 76,3% das
sessões. Esses resultados parecem indicar que, embora haja limitações significativas no
teleatendimento de crianças com TEA, objetivos bem delineados podem ser atingidos.
As experiências nesse serviço possibilitaram a identificação de alguns princípios
amplos que podem ser relevantes para o planejamento dos processos de intervenção.

Princípios para a intervenção fonoaudiológica com foco na criança

O planejamento da intervenção fonoaudiológica precisa começar pela


consideração das características individuais, estabelecendo a compreensão abrangente e
aprofundada de cada caso. Isso envolve, não apenas a identificação de núcleos mais
comprometidos e as áreas mais preservadas, mas também o entendimento das relações
entre esses elementos e da existência de condicionantes do desenvolvimento. Essa
compreensão diagnóstica vai permitir o estabelecimento de objetivos de intervenção a
curto e médio prazos.

Quadro 8
Planejamento e intervenção
Diagnóstico detalhado e abrangente
Diferenças individuais
Núcleos mais comprometidos e áreas mais preservadas
Relações entre habilidades e dificuldades
113

De uma forma geral, considerando que as dificuldades de comunicação social são


o elemento central nos TEA, o primeiro ponto a ser considerado são as habilidades
pragmáticas. As regras a respeito do uso da linguagem em diferentes situações, com
diferentes interlocutores e para expressar diferentes intenções envolvem habilidades que
podem estar associadas ou não ao desenvolvimento dos aspectos mais formais da
linguagem. As habilidades pragmáticas envolvem a comunicação não verbal, como o uso
de expressões faciais, contato ocular e gestos. Mas elas também envolvem noções como
interlocução, trocas de turnos, registro e isotopia, que podem estar envolvidas com maior
ou menor domínio de aspectos como semântica, sintaxe, morfologia, fonologia e
prosódia. Por outro lado, o desenvolvimento social e cognitivo, assim como a integridade
sensorial e física, determinam o contexto de desenvolvimento da comunicação.

Habilidades/ recursos

Foco na criança Dificuldades / prioridades

Valores/ família

A intervenção adequada deve identificar o potencial de desenvolvimento, verificar


as necessidades, desenvolver as habilidades e garantir e ampliar as oportunidades de
desenvolvimento de cada criança. Para isso, precisa articular as perspectivas de
desenvolvimento, o diagnóstico e a intervenção.

Assim, cada processo exige delineamento individualizado para ser


especificamente ajustado às necessidades de cada criança ao longo de seu
desenvolvimento. Os princípios sugeridos aqui, desta forma, são apenas sugestões de
elementos básicos para a construção desses processos.

Quadro 9

Princípios básicos para a terapia de linguagem com crianças com TEA

Parceria comunicativa

Intervenção abrangente

Interações simétricas

A parceria comunicativa envolve três elementos básicos. O primeiro é um


repertório de informações e interesses compartilhados, em que o terapeuta é um
interlocutor com desejos e interesses próprios, mas que agrega informações e modula seus
desejos, construindo a atenção compartilhada. O segundo é a identificação do
interlocutor, incluindo o compartilhamento de interesses e o manejo entre roteiros e
rotinas conhecidos e novas experiências. O terceiro elemento da parceria comunicativa
114

diz respeito ao conhecimento mútuo, que possibilita o apoio interativo através de rotinas
e repetições que possibilitam a antecipação dos eventos e das habilidades que serão
necessárias em situações específicas. A parceria comunicativa está associada à obtenção
de muitas informações sobre a criança e seu contexto de forma a possibilitar que cada
elemento da interação seja significativo.

A intervenção abrangente está associada à ampliação das experiências bem


sucedidas de comunicação e interação social, buscando identificar o que foi relevante para
o sucesso e propor outras situações naturais variadas em que esse sucesso possa ser
repetido. Por outro lado, é importante entender as experiências mal sucedidas, buscando
formas alternativas para a abordagem de situações-problema. A intervenção abrangente
busca melhorar os contextos comunicativos dentro e além do contexto terapêutico,
desenvolvendo formas de descrever e reproduzir conclusões e estratégias, o que
possibilita a participação de pais e professores no processo de intervenção.

As interações simétricas possibilitam experiências de desafios naturais através


de situações variadas de interlocução, adaptadas ao nível de autonomia da criança, e a
possibilidade de experiências em contextos variados e desafiadores. Desta forma, a
criança busca alternativas para ampliar sua eficiência comunicativa, especialmente em
situações de pequenos grupos ou com outras crianças, o que proporciona oportunidades
para o exercício de suas habilidades comunicativas.

Esses eixos podem nortear a abordagem das habilidades pragmáticas e também


dos aspectos formais da linguagem. Mas é fundamental lembrar que são apenas noções,
que podem orientar os processos de intervenção com maior ou menor ênfase, ao longo do
percurso. A identificação das habilidades e dificuldades específicas de cada criança e a
compreensão das associações entre elas são os elementos fundamentais para o
planejamento de uma intervenção flexível, individualizada e baseada em evidências
científicas.

É importante considerar também que há correlatos sociais e cognitivos que têm


papeis fundamentais para a atualização das habilidades de linguagem. Essas habilidades
devem compor a compreensão diagnóstica de crianças com TEA e, provavelmente, a
proposta de intervenção. As habilidades de meta-representação, ou Teoria da Mente
(ToM), envolvem a possibilidade de considerar a perspectiva do outro, levar em conta o
que o outro sabe a respeito de uma situação ou as hipóteses que ele pode formular. Há
diferentes formas de organização da meta-representação, desde a simples noção de que
um personagem de uma história pode não ter as mesmas informações que o expectador,
até a compreensão de situações em que um interlocutor oferece informações incorretas.
Assim, podemos imaginar o papel dessa habilidade na atualização dos aspectos
discursivos da interlocução, na construção das hipóteses conversacionais e no
aperfeiçoamento de estruturas morfossintáticas. Quando uma criança não consegue “se
colocar no lugar do interlocutor”, ela pode fornecer informações que ele já possui ou não
dar informações suficientes para a compreensão de uma história, por exemplo.
Dificuldades de ToM podem estar associadas às falhas em interpretar figuras de
linguagem como ironias e metáforas.

As Funções Executivas (FE), mencionadas anteriormente, podem também


representar papeis importantes em relação a diversos aspectos da linguagem, como a
identificação das falhas comunicativas e formulação de outras possibilidades de
115

expressão. A criança poderá usar seus recursos de modulação emocional para buscar as
palavras e/ou a melhor forma de expressar seu prazer ou descontentamento. Quando não
atendida, uma criança pode tomar a iniciativa de falar mais alto ou tocar no braço do
interlocutor para chamar sua atenção. Ela pode usar o controle inibitório para não
interromper um colega que esteja contando alguma coisa ou para não reagir
agressivamente a uma frustração. Numa situação em que há um objetivo específico, como
comprar um refrigerante, a criança pode planejar aonde vai, como vai pedir, quanto
dinheiro vai levar e organizar suas ações, entregando o dinheiro, pegando o troco,
despedindo-se, agradecendo. Se alguém interromper, ela vai ter que manter a atenção ou
mudar seu foco, dependendo da razão da interrupção. Se houver alguma dificuldade, suas
habilidades de auto-monitoramento vão permitir que ela avalie o que não deu certo, se
o tom de sua fala estava adequado, se ela foi compreendida, se foi educada, se tinha
dinheiro suficiente. Essa experiência pode permitir que a criança reformule suas ações e
sua linguagem, usando também elementos de memória de trabalho para aperfeiçoar seu
desempenho.

A associação entre as habilidades de ToM e de FE pode ter um papel importante


na eficiência comunicativa. Cada uma dessas áreas pode compor um processo de
intervenção terapêutica integrado e individualizado, envolvendo todos os sistemas da
linguagem, com ênfase em comunicação social.

Conclusão

A determinação de perfis individuais de habilidades e dificuldades tem sido


considerada a base fundamental para qualquer programa de intervenção, terapêutico ou
educacional.

Não existem modelos de intervenção e/ou educação que sejam úteis e aplicáveis
a todas as crianças.

Não existem modelos e propostas que não sirvam para nada nunca…
116

Referências

AUDET L. Linking cognitive processing, psychosocial development, and social


competency to intervention for adolescents with Autism Spectrum Disorder Level 1
Severity. Perspectives of the ASHA Special Interest Groups, 4, 447-455, 2019. Doi:
10.1044/2019_PERS-SIG1-2018-0023.
ENGELSTAD AM, HOLINGUE C, LANDA RJ. Early achievements for education
settings: an embedded teacher-implemented social communication intervention for
preschoolers with Autism Spectrum Disorder. Perspectives of the ASHA Special Interest
Groups, 5, 582-601, 2020. Doi: 10.1044/2020_PERSP-19-00155.
FERNANDES FDM, AMATO CAH. Análise de Comportamento Aplicada e Distúrbios
do Espectro do Autismo: revisão de literatura. CoDAS, 25 (3), 289-296, 2013.
FERNANDES FDM, AMATO CAH. Princípios Básicos para a Avaliação e Terapia de
Linguagem dos Transtornos do Espectro do Autismo. In Irene Q Marchezan, Hilton J
Silva & Marileda C Tomé (orgs), Tratado das Especialidades em Fonoaudiologia. Ed.
Roca, São Paulo, pp: 555- 565, 2014. ISBN: 978-85-277-2641-2.
FERNANDES FDM, SUN IYI, RODRIGUES BF, CABRAL CP, TOSETTO C,
SEGEREN L. Speech-Language therapy for children with ASD and their families during
the Covid-19 pandemic: considerations about professional training and service delivery
on a majority country. In Win Myint (org) Highlights on Medicine and Medical Research.
Book Publisher Intl, UK, pp:32-38, 2021. ISBN: 978-93-90768-72-1.
FREITAS FAF, MONTENEGRO ACA, FERNANDES FDM, DELGADO IC,
ALMEIDA LHA, ALVES GAS. Communicative skills of children with autistic spectrum
disorder: clinical and family perception. Revista CEFAC, 23, 1-12, 2021. DOI:
10.1590/1982-0216/20212341521.
GIBSON JL, PRITCHARD E. LEMOS C. Play-based interventions to support social and
communication development in autistic children aged 2-8 years: a scoping review. Autism
& Dev Lang Impairm, 6, 1-30, 2021. Doi: 10.1177/23969415211015840.
GIROLAMO TM, RICE ML, WARREN SF. Assessment of language abilities in
minority adolescentes and Young adults with autismo spectrum disorder and extensive
special education needs: a pilot study. Am. J. Speech-Lang Path, 29, 804 – 818, 2020.
Doi: 10.1044/2020_AJSLP-19-00036.
HAGE SVR, SAWASAKI LY, HYTER Y, FERNANDES FDM. Comunicação social e
habilidades pragmaticas em crianças com transtornos do espectro do autism e distúrbio
do desenvolvimento da linguagem. CoDAS, 34, 1-6, 2021. Doi: 10.1590/2317-
1782/20212021075.
LOEB DF, DAVIS ES, LEE T. Collaboration between child play therapy and speech-
language pathology: case reports of a novel language and behavior intervention. Am. J.
Speech-Lang Path, 30, 2414-2429, 2021. Doi: 10.1044/2021_AJSLP-20-00310.
MCDANIEL JM, SCHUELE CM. When will he talk? An evidence-based tutorial for
measuring progress toward use of spoken words in preverbal children with Autism
Spectrum Disorder. Am. J. Speech-Lang Path, 30, 1-18, 2021. Doi:
10.1044/2020_AJSLP-20-00206.
PILEGGI ML, BRANE N, BRADSHAW J, DELEHANTY A, DAY T, MCCRACKEN
C, STAPEL-WAX, WETHERBY. Early observation of red flags in 12-month-old infant
siblings later diagnosed with Autism Spectrum Disorder. Am. J. Speech-Lang Path, 30,
1846 – 1855, 2021. Doi: 10.1044/2020_AJSLP-20-00165.
SEGEREN L, FERNANDES FDM. Caracterização de um serviço de referencia no
atendimento fonoaudiológico a indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo.
117

Audiology- Communication Research (ACR), 24, 1-5, 2019. Doi: 10.1590/2317-6431-


2019-2176.
SILLER M, MORGAN L, FUHRMEISTER S. Social communication predictors of
successful inclusion experiences for students with autism in an early childhood lab
school. Perspectives of the ASHA Special Interest Groups, 5, 611-621, 2020. Doi:
10.1044/2020_PERSP-20-10004.
SUN IYI, FERNANDES FDM. Effects of executive function stimulation in the language
improvement of children with ASD. European Psychiatry, 42,S306, 2017. Doi:
10.1016/j.europsy.2017.02.199.
VARANDA CA, FERNANDES FDM, AMATO CAH. The Need for Bridging the Gap
beteen the Academy and Public Services in Brazil. In Caroline Clauss-Ehlers, Aradhana
B Sood & Marc D Weist (Eds) Social Justice for Children and Young People. Cambridge
University Press, UK, pp: 247-259, 2020. Doi: 10.1017/9781108551830.
VOLDEN J, PHILLIPS L. Measuring pragmatic language in speakers with autism
spectrum disorders: Comparing the children’s communication checklist – 2 and the test
of pragmatic language. Am. J. Speech-Lang Path, 19, 204-202, 2010. Doi: 10.1044/1058-
0360(2010/09-0011.
118

11. A intervenção terapêutica fonoaudiológica na


adolescência e rumo à vida adulta no TEA
Beatriz L. P. Verzolla

Introdução

A ampliação do acesso ao diagnóstico e a intervenções voltadas para o Transtorno


do Espectro do Autismo (TEA) tem permitido que cada vez mais pessoas desenvolvam
suas habilidades e superem suas dificuldades, o que faz com que seja ainda mais
necessário o aprimoramento dos profissionais envolvidos com o trabalho com essa
população. A tradição dos estudos e pesquisas científicas relacionadas ao TEA tem como
foco a avaliação e a intervenção voltadas para crianças, porém, há uma tendência de
crescimento das publicações que contemplam a população de adolescentes e adultos,
sendo apresentadas neste capítulo algumas especificidades da atuação fonoaudiológica
com essa população, embasadas em estudos e pesquisas científicas nacionais e
internacionais.

Considerações sobre o processo de intervenção com adolescentes e jovens


autistas

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais


(DSM-5), em sua 5ª edição (APA, 2014), os critérios diagnósticos de TEA (prejuízos
persistentes na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de
comportamento, interesses e atividades) devem estar presentes em fases precoces do
neurodesenvolvimento, mas podem ficar mais evidentes com o aumento das demandas
sociais ou podem ser mascarados (LIVINGSTON et al., 2020) pelos indivíduos por meio
de estratégias aprendidas ao longo da vida. Isso significa que, ainda que as características
do TEA estejam presentes desde a infância, elas podem ser percebidas apenas na
adolescência ou já na idade adulta, ampliando o número de diagnósticos tardios.

A entrada na adolescência traz desafios devido à modificação das necessidades


sociais requeridas, como maior participação em conversas em grupo, relacionamentos
afetivos, aumento das demandas acadêmicas e da necessidade de autonomia e
independência, aspectos profissionais e maior consciência sobre suas dificuldades.
Devido a esses fatores, são relatados declínios nas habilidades de linguagem e
socialização (KLIN, 2006) e maiores ocorrências de transtornos de ansiedade e depressão
(HERVÁS, 2016) em indivíduos com TEA na adolescência e na vida adulta. Diante dessa
perspectiva, é fundamental que os profissionais estejam cada vez mais preparados para
acolher as necessidades dessa população, oferecendo intervenções terapêuticas e suportes
sociais que proporcionem o pleno desenvolvimento e a participação efetiva dos
adolescentes e adultos com TEA.

McDonald e Machalicek (2013) destacam, em sua revisão sistemática, 102


estudos que apresentam intervenções voltadas a adolescentes autistas, descrevendo sete
categorias de objetivos: habilidades sociais, habilidades de comunicação, comportamento
119

desafiador, habilidades acadêmicas, habilidades vocacionais, independência/ autocuidado


e desenvolvimento físico. Para atingir esses objetivos, as intervenções apresentam
diferentes propostas: manipulação de antecedentes, intervenção comportamental,
intervenção com exercícios físicos, treinamento parental, comunicação alternativa e
aumentativa, intervenção implementada pelos professores, intervenção mediada por
pares, intervenção naturalística, autogestão de comportamentos, treino de habilidades
sociais e intervenção mediada por tecnologias. Em relação aos estudos que tiveram como
foco a comunicação, as autoras sugerem ampliação das pesquisas a respeito de
intervenções que contemplem o desenvolvimento de habilidades de comunicação
funcional para adolescentes com alterações significativas na linguagem expressiva.

Os impactos das dificuldades na comunicação e na interação social aparecem em


diferentes dimensões da vida de adolescentes autistas, que vivenciam as mudanças típicas
do período da adolescência, somadas a experiências negativas em relação ao contato com
seus pares e às situações de socialização em ambientes escolares e familiares. Bagarollo
e Panhoca (2011) apresentam histórias de vida de adolescentes autistas, compiladas em
sessões de terapia fonoaudiológica, evidenciando vivências sociais proporcionadas pela
escola e pela família, em momentos de passeios, viagens, festas de aniversário, igreja e
convivência com parentes, mas pouca convivência com pares e tendência à infantilização
por seus pais, o que influencia na constituição de suas subjetividades, especialmente no
período de transição entre infância e adolescência.

A entrada na vida adulta representa outro desafio para pessoas autistas e suas
famílias de forma geral, tanto em relação às dificuldades impostas pelas novas demandas
sociais e comunicativas, quanto pela carência de políticas públicas e de suportes
ambientais e sociais relacionados às intervenções terapêuticas, apoio educacional após a
conclusão da educação básica, inclusão no mercado de trabalho, sexualidade,
relacionamentos afetivos, independência e interação social em diferentes contextos.
Ainda que haja redução das dificuldades e aprimoramento das habilidades ao longo do
tempo, inclusive em relação à linguagem, persistem dificuldades na independência e na
socialização, ao longo da vida adulta (FLAGGE, 2017). Nos Estados Unidos, estima-se
que cerca de 39% dos jovens autistas não realiza nenhum tipo de atendimento
(fonoaudiologia, serviços de saúde mental e serviços médicos em geral) – com uma
probabilidade três vezes maior de pessoas negras estarem fora desses serviços –
proporção muito superior à de crianças e adolescentes que ainda estão em processo de
escolarização básica (SHATTUCK et al., 2011).

Em relação à percepção de adultos autistas sobre suas habilidades e necessidades


de comunicação, são apontadas dificuldades inerentes a fatores internos (ansiedade em
situações sociais, o que acentua as dificuldades na comunicação) e externos (ambiente
comunicativo opressivo e falta de compreensão dos parceiros de comunicação), levando
ao aumento de situações de isolamento e à sensação de maior vulnerabilidade
(CUMMINS; PELLICANO; CRANE, 2020). Diante dessa perspectiva, é indicado
suporte específico para superar as dificuldades e aprimorar as habilidades comunicativas,
sendo o fonoaudiólogo o profissional indicado para o fortalecimento das potencialidades
dos sujeitos no nível individual, mas também colaborando na ampliação do conhecimento
e da aceitação das diferenças e nuances da comunicação de forma mais ampla, visando a
diminuição e eliminação de barreiras que impedem ou dificultam a plena participação de
pessoas autistas na sociedade.
120

Desenvolvimento de linguagem e aspectos sociocognitivos

Pesquisas apontam para relações entre o desenvolvimento de linguagem e o


desempenho sociocognitivo em adolescentes e jovens autistas, o que deve ser considerado
pelo fonoaudiólogo no planejamento dos objetivos de intervenção. O perfil cognitivo de
adolescentes e adultos autistas demonstra prejuízos nas funções executivas, mesmo na
ausência de deficiência intelectual, com dificuldades mais evidentes em tarefas que
envolvam atenção, memória operacional, flexibilidade cognitiva, controle inibitório e
solução de problemas (MERCHÁN-NARANJO et al., 2016). Aspectos relacionados à
redução da velocidade de processamento de informações em pessoas autistas podem estar
associados a diferentes níveis de prejuízo na comunicação social e na interação social
recíproca, interferindo no tempo de reação às informações percebidas por diferentes
entradas sensoriais (HAIGH et al., 2018).

Cardoso e Fernandes (2006) indicam uma relação entre a evolução do


desempenho sociocognitivo e o perfil funcional da comunicação de adolescentes com
TEA, tanto em situações comunicativas de terapia fonoaudiológica individual, quanto em
grupos com ou sem mediação do adulto. Adolescentes autistas demonstram perceber as
diferenças nas três situações comunicativas apresentadas, com mudança no perfil
funcional da comunicação (atos e funções comunicativas), de forma interligada ao
desempenho sociocognitivo. Defense e Fernandes (2011) também observaram evolução
no número de atos comunicativos e na proporção de funções comunicativas interpessoais
de adolescentes autistas, porém não identificaram correlações com o desempenho
sociocognitivo na amostra geral, apesar de terem sido identificadas evoluções individuais,
o que pode ser explicado pela heterogeneidade de manifestações nos quadros de TEA.

Para auxiliar no processo de avaliação desses aspectos, podem ser utilizados os


instrumentos propostos por Fernandes (2004) e por Molini (2001), que apresentam,
respectivamente, critérios de avaliação do perfil funcional da comunicação a partir de
uma abordagem pragmática e critérios para a avaliação do desempenho sociocognitivo,
ambos podendo ser aplicados na prática fonoaudiológica. Cabe destacar a relevância da
utilização de uma abordagem individualizada na avaliação e na intervenção
fonoaudiológica com adolescentes autistas, considerando a heterogeneidade fenotípica
dos casos, os estímulos apresentados e as estratégias utilizadas, sendo mais favoráveis
aquelas que considerem a utilização de situações naturais de exposição.

O aprimoramento de habilidades cognitivas relacionadas ao raciocínio lógico, aos


aspectos perceptuais visuais e espaciais e à memória favorece a maior inserção social de
adolescentes e jovens autistas ao longo do tempo e está relacionado diretamente com suas
habilidades sociolinguísticas (MARTELETO; CHIARI; PERISSINOTO, 2018). A
inclusão de objetivos terapêuticos que contemplem aspectos cognitivos na intervenção
fonoaudiológica – por meio de estratégias que envolvam atenção sustentada e seletiva,
identificação de padrões, memória operacional e planejamento, por exemplo – pode
contribuir para o aprimoramento de habilidades de comunicação social de pessoas
autistas, especialmente diante das demandas encontradas na adolescência e na vida adulta.
121

Intervenção fonoaudiológica em comunicação e interação social

Uma das intervenções comumente relatadas na literatura científica como essencial


para o desenvolvimento de adolescentes e adultos com TEA é o treino de habilidades
sociais (MORGAN et al., 2014; OLSSON et al., 2017; NNAMANI et al., 2019), que
envolve interação e comunicação social, consciência de si e dos outros, capacidade de
resolução de problemas e autoconfiança. A prática terapêutica fonoaudiológica representa
um contexto amplamente favorável ao desenvolvimento dessas habilidades,
contemplando, no escopo dos objetivos relacionados ao aprimoramento da comunicação,
estratégias para compreensão de regras e relacionamentos sociais, início e manutenção de
interações sociais, desenvolvimento de habilidades de diálogo, identificação e
interpretação de sinais sociais verbais e não-verbais, reconhecimento e manejo de
emoções e sentimentos, treinos específicos para situações de interação em entrevistas de
emprego e em ambientes profissionais, assim como gerenciamento de conflitos em
situações de comunicação social. Esses objetivos podem ser trabalhados tanto em sessões
individuais, quanto em intervenções mediadas por pares ou em pequenos grupos, por
meio de dramatizações sociais, tarefas personalizadas e ampliação das propostas para
diferentes contextos (OLSSON et al., 2017), favorecendo a generalização das habilidades.

As intervenções mediadas por pares, além de promoverem o aprimoramento de


habilidades sociais, também apresentam resultados positivos no desenvolvimento
linguístico de jovens autistas (BAMBARA et al., 2020), especialmente quanto aos
aspectos pragmáticos mais complexos e em indivíduos com maiores índices de atos
comunicativos não apropriados ao contexto (perseveração, mudança repentina de tópico,
baixa reciprocidade durante a comunicação). A utilização de elementos textuais, gráficos,
histórias sociais e instruções diretas para eliciar a comunicação de solicitações,
comentários, expressão de gentilezas, sentimentos, preferências, entre outras, pode
favorecer o início e a manutenção de interações mais contextualizadas e moduladas à
situação social apresentada.

A utilização de recursos visuais pode ser útil na prática fonoaudiológica, não


apenas na intervenção com crianças, mas também com adolescentes e adultos, incluindo
fotografias de experiências vivenciadas para eliciar diferentes funções comunicativas e
favorecer a constituição subjetiva (BAGAROLLO; PANHOCA, 2011) e a utilização de
vídeos para modelar comportamentos em situações sociais e realizar treino de habilidades
específicas, como pistas prosódicas e comunicação verbal mais empática (KOEGEL et
al., 2016), proporcionando aumento da confiança em situações comunicativas mais
complexas e com menor previsibilidade, tendo como foco a generalização das habilidades
aprendidas para outros contextos.

O uso de sistemas e recursos de comunicação alternativa e aumentativa (CAA)


vem sendo apontado como uma importante estratégia de desenvolvimento da linguagem
e das habilidades comunicativas em indivíduos com TEA. Na intervenção com
adolescentes, o uso de CAA pode favorecer a comunicação nos casos de ausência de
oralidade ou de dificuldades significativas na expressão por meio da fala, promovendo
também a ampliação do contato visual, do sorriso social, das habilidades de
independência e autonomia, de vocalizações com intenção comunicativa e da fala
funcional, assim como redução de comportamentos autolesivos (KAGOHARA et al.
2010; WALTER; ALMEIDA, 2010; TEIXEIRA; BRITO, 2011; NEPO et al., 2017;
122

OLIVEIRA et al., 2018). Para direcionar a avaliação dos níveis de desenvolvimento das
habilidades comunicativas e orientar o planejamento terapêutico para a intervenção em
CAA, a Matriz de Comunicação (ROWLAND, 2011) tem se mostrado um instrumento
muito útil, podendo ser aplicada em pessoa de todas as idades e que apresentem
necessidades complexas de comunicação, demonstrando resultados positivos no contexto
clínico e educacional e no suporte parental (BONOTTO, 2016).

A utilização de recursos tecnológicos vem sendo apontada como uma importante


estratégia para a intervenção com adolescentes autistas, não apenas no contexto de CAA,
mas também no aprimoramento de habilidades acadêmicas, comportamento adaptativo,
independência, competências sociais e habilidades vocacionais (ODOM et al., 2015).
Especialmente para a população adolescente e adulta, o uso de recursos tecnológicos faz
parte do cotidiano acadêmico, social e de trabalho, sendo os recursos de comunicação
mediados pelo computador, e telas em geral, facilitadores para iniciar e manter a
comunicação de pessoas autistas em diferentes contextos.

Contudo, dificuldades na percepção de regras sociais de conduta em ambientes


virtuais, compreensão de aspectos supralinguísticos em comunicações escritas ou sem a
visualização da face e diferentes formas de uso da linguagem de acordo com o contexto
e com a audiência podem dificultar o desempenho, mesmo em situações de comunicação
mediadas por tecnologias. Nesses casos, a intervenção fonoaudiológica pode auxiliar na
percepção de pistas implícitas na comunicação, uso de linguagem apropriada para cada
contexto, incluindo saudações, manutenção de diálogo, troca de turnos, tomada de
perspectiva do outro e percepção de equívocos na comunicação.

Comunicação social e habilidades pragmáticas

A intervenção fonoaudiológica com adolescentes e adultos com TEA deve


considerar uma avaliação individualizada e a construção de um planejamento terapêutico
personalizado, a partir das principais necessidades, de acordo com as diferentes áreas de
trabalho da fonoaudiologia. Contudo, as principais evidências científicas, aliadas à prática
clínica, apontam para prejuízos concentrados nas habilidades pragmáticas de linguagem,
o que impacta direta e significativamente na comunicação social e nas habilidades sociais
de forma geral. Mesmo diante de comportamentos específicos, como as diferenças
qualitativas apresentadas por pessoas autistas em relação à resposta aos estímulos de fala,
as manifestações são mais bem explicadas por prejuízos nos mecanismos envolvidos com
o interesse no contato social do que por disfunções auditivas e sensoriais específicas,
mesmo em indivíduos adultos e com desenvolvimento de linguagem funcional, conforme
aponta revisão integrativa recente, conduzida por Key e Slaboch (2021).

Em comparação com adolescentes com desenvolvimento típico, adolescentes e


adultos com TEA apresentam diferenças qualitativas na produção de narrativas, com
déficits na atribuição de estados mentais e na compreensão de aspectos não-literais
(HAPPÉ, 1994); no resgate e reconto de narrativas pessoais, ainda que tenham
desempenho satisfatório no reconto de narrativas fictícias (ROLLINS, 2014); na coesão
e na identificação de incongruências (CANFIELD et al., 2016); na tomada de turno, início
e manutenção do tópico da conversação (ALMEHMADI; TENBRINK; SANOUDAKI,
2020). Intervenções específicas voltadas a esses aspectos impactam diretamente no
123

aprimoramento das habilidades de comunicação social, que têm demonstrado ser


preditoras para a independência vocacional e para a manutenção de amizades em adultos
com TEA (FRIEDMAN et al., 2019).

Déficits nas habilidades de Teoria da Mente são relatados em diferentes pesquisas


com indivíduos autistas, evidenciando dificuldades na atribuição de estados mentais e na
compreensão de crenças falsas, a partir de diferentes formas de testagem com crianças
(WIMMER; PERNER, 1983; BARON-COHEN; LESLIE; FRITH, 1985). Apesar de os
principais estudos contemplarem a população infantil, há evidências de permanência de
déficits relacionados a esses aspectos também na adolescência e na vida adulta (HAPPÉ,
1994; KLEINMAN; MARCIANO; AULT, 2001; JUILLERAT; CORNEJO;
CASTILLO, 2015; DELIENS et al., 2018), especialmente envolvendo contextos
avançados de teoria da mente – como atribuição de estados mentais a partir de entonações
verbais e de pistas apenas da região dos olhos (KLEINMAN; MARCIANO; AULT,
2001) e compreensão de mensagens implícitas (DELIENS et al., 2018) – de acordo com
as mudanças nas demandas exigidas pela faixa etária e pelas interações sociais.

Considerando a necessidade de avaliações mais sensíveis para indivíduos com


TEA que apresentavam desempenho satisfatório em testes convencionais de teoria da
mente, mas que mantinham prejuízos sociais significativos, Happé (1994) desenvolveu o
teste avançado em teoria da mente Strange Stories, cuja versão traduzida e adaptada para
a língua portuguesa pode ser encontrada na pesquisa de Velloso (2011). O teste apresenta
24 diferentes histórias envolvendo falas não-literais entre os personagens, contemplando
situações de mentiras, sarcasmo, piadas, ironias, fingimento, mal-entendido,
convencimento, blefe, esquecimento, inversão de emoções e figuras de linguagem. Por
abranger situações mais naturalísticas e mais elaboradas, o teste pode ser utilizado para
avaliação de adolescentes e adultos, podendo também fornecer subsídios para o
planejamento de outras tarefas a serem utilizadas no processo de intervenção
fonoaudiológica, a partir de dramatizações ou proposições mais próximas de situações
reais.

Os déficits na percepção e atribuição de estados mentais e emoções de forma geral


em indivíduos com TEA trazem repercussões às habilidades pragmáticas da linguagem,
mas também podem impactar o desempenho léxico-semântico em determinadas
situações, especialmente quanto ao uso de palavras que se referem a estados mentais
(subdivididos em palavras que expressam estados cognitivos: “pensar”/”fingir”; desejos:
“querer”/”precisar”; e estados emocionais: “feliz”/”magoado”), por exigirem a integração
das informações semânticas com pistas proprioceptivas e sociais (SYMONS, 2004).
Adolescentes e adultos com TEA, mesmo aqueles com uso funcional da linguagem em
situações cotidianas, demonstram maiores dificuldades na manipulação de palavras
abstratas (JUILLERAT; CORNEJO; CASTILLO, 2015) e na compreensão de linguagem
quando é exigido um nível mais elevado de processamento de linguagem semântico-
pragmático (TESINK et al., 2011), quando as informações contextuais são
imprescindíveis para a compreensão do enunciado ou da situação apresentada.

Para a compreensão de aspectos não-literais de sentenças e expressões,


adolescentes e adultos autistas tendem a recorrer mais ao contexto, mas apresentam
melhor desempenho com tarefas de menor complexidade quanto à teoria da mente (por
exemplo, pedidos realizados de forma indireta), em comparação com tarefas que exigem
maior compreensão da intenção do falante por meio de recursos de prosódia (LEWIS;
124

WOODYATT; MURDOCH, 2008) e expressão facial (DELIENS et al., 2018), como é o


caso de ironias e sarcasmo, que demandam a análise de incompatibilidades entre o
conteúdo literal do enunciado e o contexto que o permeia, independentemente da
competência linguística e do quociente de inteligência.

As dificuldades de pessoas autistas em relação à comunicação social envolvem


aspectos que são percebidos, muitas vezes, nas minúcias da avaliação de linguagem e que
estão relacionados à reciprocidade socioemocional, à compreensão e ao uso da linguagem
não-verbal, incluindo prosódia e expressões faciais e corporais. Mesmo quando há
evolução da linguagem funcional ao longo da adolescência e vida adulta, são observadas
dificuldades na percepção intuitiva e automática de expressões faciais, sendo estas mais
facilmente interpretadas quando as características que as compõem são mais evidentes ou
exageradas. A hipótese explicativa para esse fenômeno sinaliza uma diferença qualitativa
na forma como a percepção das expressões acontece, e não em uma incapacidade de
perceber os estímulos, sendo necessário o desenvolvimento de estratégias compensatórias
baseadas em determinadas regras para cada expressão facial (WALSH; VIDA;
RUTHERFORD, 2014), já que as dificuldades na interação presentes desde a infância
podem interferir na assimilação de informações sociais importantes para o
desenvolvimento de processos cognitivos mais complexos, como é o caso da percepção
espontânea e intuitiva de expressões faciais que acontece em pessoas não-autistas.

Adolescentes e jovens autistas demonstram pior desempenho qualitativo em


tarefas que avaliam a expressão de habilidades de comunicação não-verbal em geral, em
comparação com seus pares com desenvolvimento típico, ainda que consigam atingir
desempenho adequado quanto à recepção de aspectos não-verbais de prosódia e
expressões faciais (GROSSMAN; TAGER-FLUSBERG, 2012). Ressalta-se que a
intervenção fonoaudiológica voltada para aspectos prosódicos e da comunicação não-
verbal não deve ser reduzida aos aspectos técnicos e específicos dessas manifestações,
mas deve estar em constante interrelação com os aspectos pragmáticos da linguagem,
visando à utilização em contextos sociais de comunicação.

Adolescentes e adultos com TEA também demonstram prejuízos em ajustar o


conteúdo de seu discurso com base na percepção do conhecimento de seu interlocutor
sobre o assunto e omitir elementos ou encurtar sua fala quando o conhecimento sobre o
tópico é compartilhado pelo ouvinte (MACHENA; EIGSTI, 2016), o que envolve
aspectos pragmáticos mais complexos. Incorporar à intervenção fonoaudiológica
estratégias que envolvam situações mais complexas de teoria da mente é fundamental
para aprimorar habilidades pragmáticas de acordo com as demandas exigidas nos
diferentes ciclos de vida.

As estratégias utilizadas podem envolver atribuição de estados mentais, tomada


de perspectiva do outro, compreensão de pistas implícitas, compreensão de expressões de
duplo sentido e metalinguagem, feedback sobre uso adequado de recursos linguísticos,
leitura de pistas sociais do interlocutor e adequação ao tópico, por meio de simulações,
dramatizações e apresentação concreta de situações sociais, com recursos que envolvam
imagens, vídeos, relatos de histórias e retomada de situações pessoais vivenciadas
anteriormente.

Retomando os critérios diagnósticos para TEA, padrões restritos e repetitivos de


interesses e comportamentos têm impacto em diferentes áreas da vida dos indivíduos,
125

inclusive na comunicação, particularmente no que diz respeito à flexibilidade cognitiva,


habilidade que permite a modificação de um pensamento ou ação de acordo com as
variações contextuais, sendo especialmente importante na vida adulta, devido às
demandas sociais. Déficits na flexibilidade cognitiva afetam o desempenho comunicativo
de adultos com TEA em tarefas relacionadas à aplicação de ajustes em diferentes
situações, a partir de novas informações, inferências e aplicação de exceções
(PIJNACKER et al., 2009), gerando dificuldades em revisar situações a partir de novas
informações contextuais e adaptar o uso da linguagem durante as interações. Esses
aspectos auxiliam o fonoaudiólogo a compreender as repercussões das dificuldades
pragmáticas em outros componentes da linguagem e a orientar estratégias terapêuticas
que estabeleçam relações entre habilidades de teoria da mente, flexibilidade cognitiva,
processamento de linguagem e comunicação social.

Os objetivos terapêuticos dos profissionais envolvidos no atendimento a


adolescentes e jovens autistas devem contemplar aspectos relacionados a importantes
momentos de transição na vida dos indivíduos (a transição da infância para a adolescência
e a transição da adolescência para a vida adulta), buscando recursos para a superação dos
novos desafios que surgem nas diferentes fases, incluindo o planejamento do futuro e a
construção da autonomia. Sob essa perspectiva, a intervenção fonoaudiológica com
adolescentes e jovens autistas deve focar não apenas em reduzir dificuldades específicas,
mas, sobretudo, em proporcionar condições para o desenvolvimento de uma comunicação
efetiva, visando o aprimoramento de suas habilidades cognitivas e de sua plena
participação social, ampliando suas possibilidades de interação com diferentes grupos e
em diferentes contextos.
126

Referências

ALMEHMADI, Wesam; TENBRINK, Thora; SANOUDAKI, Eirini. Pragmatic and


Conversational Features of Arabic-Speaking Adolescents With Autism Spectrum
Disorder: Examining Performance and Caregivers' Perceptions. Journal of Speech,
Language, and Hearing Research, v. 63, n. 7, p. 2308-2321, jul. 2020. Disponível em:
https://doi.org/10.1044/2020_JSLHR -19-00265. Acesso em: 13 jan. 2022.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BAGAROLLO, Maria Fernanda; PANHOCA, Ivone. História de vida de adolescentes
autistas: contribuições para a Fonoaudiologia e a Pediatria. Rev. paul. pediatr., v. 29,
n. 1, p. 100-107, mar. 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-
05822011000100016. Acesso em: 07 jan. 2022.
BAMBARA, Linda M. et al. Using Peer Supports to Encourage Adolescents With
Autism Spectrum Disorder to Show Interest in Their Conversation Partners.
Journal of Speech, Language, and Hearing Research, v. 64, n. 12, p. 4845-4860, dez.
2021. Disponível em: https://doi.org/10.1044/2021_JSLHR -21-00150. Acesso em:
21 jan. 2022.
BARON-COHEN, Simon; LESLIE, Alan M.; FRITH, Uta. Does the autistic child have
a “theory of mind”?. Cognition, v. 21, n. 1, p. 37-46, out. 1985. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/2934210/. Acesso em 14 jan. 2022.
BONOTTO, Renata Costa de Sá. Uso da comunicação alternativa no autismo: um estudo
sobre mediação com baixa e alta tecnologia [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, 2016.
CANFIELD, Allison R. et al. Story Goodness in Adolescents With Autism Spectrum
Disorder (ASD) and in Optimal Outcomes From ASD. Journal of Speech, Language,
and Hearing Research, v. 59, n. 3, p. 533-545, jun. 2016. Disponível em:
https://doi.org/10.1044/2015_JSLHR-L-15-0022. Acesso em: 13 jan. 2022.
CARDOSO, Carla; FERNANDES, Fernanda Dreux Miranda. Relação entre os aspectos
sócio cognitivos e perfil funcional da comunicação em um grupo de adolescentes do
espectro autístico. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, Barueri, v. 18, n. 1, p.
89-98, jan.-abr. 2006. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/pfono/a/kMVm8rGzyWDtvHrJDxJ4JMn/abstract/?lang=pt.
Acesso em: 07 jan. 2022.
CUMMINS, Clare; PELLICANO, Elizabeth; CRANE, Laura. Autistic adults’ views of
their communication skills and needs. Int J Lang Commun Disord, v. 55, n. 5, p. 678-
689, set.-out., 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1111/1460-6984.12552. Acesso
em: 19 jan. 2022.
DEFENSE, Danielle Azarias; FERNANDES, Fernanda Dreux Miranda. Perfil funcional
de comunicação e desempenho sócio-cognitivo de adolescentes autistas
institucionalizados. Rev. CEFAC, Campinas. V. 13, n. 6, p. 977-985, nov.-dez. 2011.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/rcefac/a/bYz9qDZKqfZqPcrSXdj3Sff/?lang=pt.
Acesso em: 07 jan. 2022.
DELIENS, Gaétane et al. Selective Pragmatic Impairment in Autism Spectrum
Disorder: Indirect Requests Versus Irony. Journal of Autism and Developmental
Disorders, n. 48, p. 2938–2952, abr. 2018. Disponível em:
https://doi.org/10.1007/s10803-018-3561-6. Acesso em: 20 jan. 2022.
FERNANDES, Fernanda Dreux Miranda. Pragmática. In: ANDRADE, C. F. R.; BEFI-
LOPES, D. M.; FERNANDES, F. D. M.; WERTZNER, H. F. ABFW - teste de
127

linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática.


Barueri: Pró-Fono, 2004.
FLAGGE, Noris Moreno. Evolución y seguimiento de adolescentes y adultos jóvenes
con autismo. Pediátr Panamá, v. 46, n. 2, p. 13-18, ago.-set. 2017. Disponível em:
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-848211. Acesso em 21 jan. 2022.
FRIEDMAN, Laura et al. Conversational Language Is a Predictor of Vocational
Independence and Friendships in Adults with ASD. Journal of Autism and
Developmental Disorders, v. 49, n. 10, p. 4294-4305, out. 2019. Disponível em:
https://doi.org/10.1007/s10803-019-04147-1. Acesso em: 20 jan. 2022.
GROSSMAN, Ruth B.; TAGER-FLUSBERG, Helen. Quality matters! Differences
between expressive and receptive non-verbal communication skills in adolescents
with ASD. Research in Autism Spectrum Disorders, v. 6, n. 3, p. 1150-1155, jul.-set.
2012. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rasd.2012.03.006. Acesso em: 21 jan.
2022.
HAIGH, Sarah M. et al. Processing Speed is Impaired in Adults with Autism
Spectrum Disorder, and Relates to Social Communication Abilities. Journal of
Autism and Developmental Disorders, v. 48, p. 2653–2662, mar. 2018. Disponível em:
https://doi.org/10.1007/s10803-018-3515-z. Acesso em: 20 jan. 2022.
HAPPÉ, Francesca G. E. An advanced test of theory of mind: Understanding of story
characters' thoughts and feelings by able autistic, mentally handicapped, and
normal children and adults. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 24, n.
2, p. 129-154. 1994. Disponível em:
https://link.springer.com/article/10.1007/BF02172093. Acesso em: 14 jan. 2022.
HERVÁS, Amaia. Un autismo, varios autismos. Variabilidad fenotípica en los
trastornos del espectro autista. Rev. Neurol., v. 62, supl. 1, p. 9-14. 2016. Disponível
em: https://doi.org/10.33588/rn.62S01.2016068. Acesso em: 14 jan. 2022.
JUILLERAT, Karen L., CORNEJO, Felipe A.; CASTILLO, Ramón D. Procesamiento
semántico de palabras epistémicas y metafísicas en niños y adolescentes con
Trastorno de Espectro Autista (TEA) y con Desarrollo Típico (DT). Ter
Psicol [online], v. 33, n. 3, p. 221-238, dez. 2015. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.4067/S0718-48082015000300006. Acesso em: jan. 2022.
KAGOHARA, Debora M. et al. Behavioral Intervention Promotes Successful Use of
an iPod-Based Communication Device by an Adolescent With Autism. Clinical Case
Studies, v. 9, n. 5, p. 328-338. 2010. Disponível em:
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1534650110379633. Acesso em: 07 jan. 2022.
KEY, Alexandra P.; SLABOCH, Kathryn D’Ambrose. Speech Processing in Autism
Spectrum Disorder: An Integrative Review of Auditory Neurophysiology Findings.
Journal of Speech, Language, and Hearing Research, v. 64, n. 11, p. 4192-4212, nov.
2021. Disponível em: https://doi.org/10.1044/2021_JSLHR -20-00738. Acesso em:
20 jan. 2022.
KLEINMAN, Jamie; MARCIANO, Paul L.; AULT, Ruth L. Advanced Theory of Mind
in High-Functioning Adults with Autism. Journal of Autism and Developmental
Disorders, v. 31, n. 1, p. 29-36, fev. 2001. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11439751/. Acesso em: 20 jan. 2022.
KLIN, Ami. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev. Bras.
Psiquiatr.,São Paulo, v.28, supl. 1, p. 3-11, 2006. Disponível
em: https://doi.org/10.1590/S1516-44462006000500002. Acesso em: 14 jan. 2022.
KOEGEL, Lynn Kern et al. Improving Empathic Communication Skills in Adults
with Autism Spectrum Disorder. J Autism Dev Disord, v. 46, n. 3, p. 921–933, mar.
128

2016. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26520148/. Acesso em: 20 jan.


2022.
LEWIS, Fiona M.; WOODYATT, Gail C.; MURDOCH, Bruce E. Linguistic and
pragmatic language skills in adults with autism spectrum disorder: A pilot study.
Research in Autism Spectrum Disorders, v. 2, p. 176–187, mar. 2008. Disponível em:
https://10.1016/j.rasd.2007.05.002. Acesso em: 20 jan. 2022.
LIVINGSTON, Lucy Anne et al. Quantifying compensatory strategies in adults with
and without diagnosed autism. Molecular Autism, v. 11, n. 15, p. 1-10, fev. 2020.
Disponível em: https://doi.org/10.1186/s13229-019-0308-y. Acesso em: 20 jan. 2022.
MACHENA, Ashley; EIGSTI, Inge-Marie. The art of common ground: emergence of
a complex pragmatic language skill in adolescents with autism spectrum disorders.
J. Child Lang., v. 43, n. 1, p. 43-80, jan. 2016. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4764348/. Acesso em: 21 jan. 2022.
MARTELETO, Márcia Regina Fumagalli; CHIARI, Brasília Maria; PERISSINOTO,
Jacy. Habilidades cognitivas promotoras de adaptação social em crianças e
adolescentes com transtorno do espectro autista. Anais da 16ª Jornada Apoiar, 23 de
novembro, 2018. São Paulo: Anais do congresso, 2018.
MERCHÁN-NARANJO, Jessica et al. La función ejecutiva está alterada en los
trastornos del espectro autista, pero esta no correlaciona con la inteligencia. Rev
Psiquiatr Salud Ment, v. 9, n. 1, p. 39-50, jan.-mar. 2016. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26724269/. Acesso em: 21 jan. 2022.
MCDONALD, T.A.; MACHALICEK, Wendy. Systematic review of intervention
research with adolescents with autism spectrum disorders. Research in Autism
Spectrum Disordes, v. 7, n. 11, p. 1439-1460, nov. 2013. Disponível em:
https://doi.org/10.1016/j.rasd.2013.07.015. Acesso em: 07 jan. 2022.
MOLINI, Daniela Regina; FERNANDES, Fernanda Dreux Miranda. Teste específico
para análise sociocognitiva de crianças autistas: um estudo preliminar. Temas sobre
o Desenvolvimento, v. 10, n. 55, p. 5-13, 2001.
MORGAN, Lindee et al. Interview Skills for Adults with Autism Spectrum Disorder:
A Pilot Randomized Controlled Trial. J Autism Dev Disord, v. 44, p. 2290-2300, mar.
2014. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24682707/. Acesso em: 20 jan.
2022.
NEPO, Kaori et al. iPod Touch® to Increase Functional Communication of Adults
With Autism Spectrum Disorder and Significant Intellectual Disability. Focus on
Autism and Other Developmental Disabilities, v. 32, n. 3, p. 209-217. Disponível em:
https://doi.org/10.1177/1088357615612752. Acesso em: 20 jan. 2022.
NNAMANI, Amuche et al. Using rational-emotive language education to improve
communication and social skills of adolescents with autism spectrum disorders in
Nigeria. Medicine (Baltimore), v. 98, n. 31, p. 1-8, ago. 2019. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6708801/. Acesso em: 13 jan. 2022.
ODOM, Samuel L. et al. Technology-Aided Interventions and Instruction for
Adolescentswith Autism Spectrum Disorder. J Autism Dev Disord. v. 45, p. 3805–
3819, dez. 2015. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10803-014-
2320-6. Acesso em: 07 jam. 2022.
OLIVEIRA, Taisa Ribeiro de Souza et al. Intervenção fonoaudiológica em uma
adolescente com transtorno do espectro autista: relato de caso. Rev. CEFAC,
Campinas, v. 20, n. 6, p. 808-817, nov.-dez. 2018. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rcefac/a/SR9CVR3Vpj8qZZPT74mQmCz/?format=pdf&lang=p
t. Acesso em: 07 jan. 2022.
129

OLSSON, Nara Choque et al. Social Skills Training for Children andAdolescents
With Autism Spectrum Disorder:A Randomized Controlled Trial. Journal of the
American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, v. 56, n. 7, p. 585–592, jul. 2017.
Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0890856717302022.
Acesso em: 13 jan. 2022.
PIJNACKER, Judith et al. Defeasible reasoning in high-functioning adults with
autism: Evidence for impaired exception-handling. Neuropsychologia, v. 47, n. 3, p.
644-651, fev. 2009. Disponível em:
https://doi.org/10.1016/j.neuropsychologia.2008.11.011. Acesso em: 20 jan. 2022.
ROLLINS, Pamela Rosenthal. Narrative Skills in Young Adults With High-
Functioning Autism Spectrum Disorders. Communication Disorders Quarterly, v. 36,
n. 1, p.21–28, mar. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1525740114520962.
Acesso em: 20 jan. 2022.
ROWLAND, Charity. Matriz de comunicação: especial para pais [tradução Miriam
Xavier Oliveira]. São Paulo: Grupo Brasil, 2011.
SHATTUCK, Paul T. et al. Post–High School Service Use Among Young Adults With
an Autism Spectrum Disorder. Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, v. 165,
n. 2, p. 141-146, fev. 2011. Disponível em:
https://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/fullarticle/384252. Acesso em: 13 jan.
2022.
SYMONS, Douglas K. Mental state discourse, theory of mind, and the internalization
of self-other understanding. Developmental Review, v. 24, n. 2, p. 159-188, jun. 2004.
Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.dr.2004.03.001. Acesso em: 15 jan. 2022.
TEIXEIRA, Eny Viviane da Silva; BRITTO, Denise Brandão de Oliveira. Relato de
caso: descrição da evolução da comunicação alternativa na pragmática do adulto
portador de autismo. Rev. CEFAC, v. 13, n. 3, p. 559-567, jun. 2011. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S1516-18462010005000081. Acesso em: 21 jan. 2022.
TESINK, Cathelijne M.J.Y et al. Neural correlates of language comprehension in
autism spectrum disorders: When language conflicts with world knowledge.
Neuropsychologia, v. 49, n. 5, p. 1095-1104, abr. 2011. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21241718/. Acesso em: 15 jan. 2022.
VELLOSO, Renata de Lima. Avaliação de linguagem e de teoria da mente nos
Transtornos do Espectro do Autismo com a aplicação do teste Strange Stories
traduzido e adaptado para a língua portuguesa [tese]. São Paulo: Universidade
Presbiteriana Mackenzie, 2011.
WALSH, Jennifer A.; VIDA, Mark D.; RUTHERFORD, M.D. Strategies for Perceiving
Facial Expressions in Adults with Autism Spectrum Disorder. J Autism Dev Disord,
v. 44, n. 5, p. 1018–1026, mai., 2014. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24077783/. Acesso em: 19 jan. 2022.
WALTER, Cátia; ALMEIDA, Maria Amélia. Avaliação de um programa de
comunicação alternativa e ampliada para mães de adolescentes com autismo. Rev.
Bras. Ed. Esp., Marília, v.16, n.3, p.429-446, set.-dez. 2010. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S1413-65382010000300008. Acesso em: 14 jan. 2022.
WIMMER, Heinz; PERNER, Josef. Beliefs about beliefs: Representation and
constraining function of wrong beliefs in young children's understanding of
deception. Cognition, v. 13, n. 1, p. 103-128, jan. 1983. Disponível em:
https://doi.org/10.1016/0010-0277(83)90004-5. Acesso em: 14 jan. 2022.
130

12 Na ausência de fala funcional: sistemas de comunicação


alternativa no TEA
Ana Cristina de Albuquerque Montenegro, Grace Cristina Ferreira Donati,
Cátia Crivelenti Figueiredo Walter

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do


neurodesenvolvimento caracterizado por déficits na comunicação social e interações com
os outros, e comportamentos e interesses repetitivos ou restritos (AMERICAN
PSYCHOLOGY ASSOCIATION, 2013).

O TEA se apresenta em idade precoce e os déficits na comunicação geralmente


aparecem antes mesmo dos dois primeiros anos de vida, sendo o atraso na produção das
primeiras palavras e frases um dos principais motivos de preocupação dos pais dessas
crianças. Além disso, estima-se que entre 25 e 50% dos indivíduos com TEA não
adquirem um discurso funcional ao longo da vida (BACKES et al, 2017).

As alterações na comunicação que afetam as crianças com TEA nos primeiros


anos de vida podem estabelecer desafios significativos ao seu desenvolvimento global.
Desde que nascem, as crianças aprendem sobre o mundo em que estão inseridas por meio
das trocas com o meio e, principalmente, mediante as relações interpessoais, permeadas
pela linguagem. Sob a perspectiva histórico-cultural, a linguagem é constitutiva do
indivíduo, é a via na qual, com a qual e sobre a qual se estabelecem as relações entre as
pessoas e a cultura (WALTER; NUNES, 2008).

A fala ou a linguagem oral é a habilidade mais utilizada no desenvolvimento de


uma criança. Ela é uma habilidade complexa que necessita de várias outras funções para
que a criança possa se apropriar e transmitir seu pensamento e ideias com
intencionalidade (DELIBERATO, et al., 2018). A autora evidenciou, ainda, que a
comunicação é a capacidade que o ser humano tem de trocar informações aprendidas e
pretendidas com diferentes pessoas. É um processo que envolve um receptor e um
emissor. Durante o processo de comunicação é importante o uso de um sistema linguístico
compartilhado, onde a comunicação será mais efetiva os interlocutores, denominados
parceiros de comunicação.

A dificuldade de atenção compartilhada, isto é, de estar atento a um


objeto/ação/evento em comum entre os interlocutores também está presente nos
indivíduos com TEA. Segundo Wetherby, Prizant e Schuler (2000), aprender significados
compartilhados, imitar e usar comportamentos convencionais e conseguir ser capaz de
generalizar o significado do contexto específico para outras situações são habilidades que
estão em prejuízo em crianças com TEA. Podemos inferir que a atenção compartilhada é
um componente preditor para a interação e a comunicação social.

O prejuízo linguístico no TEA envolve dificuldades na comunicação não-verbal,


nos processos simbólicos, na produção da fala, nos aspectos pragmáticos da linguagem
(PRIZANT; RYDELL, 2000), nas habilidades que precedem a linguagem, na
131

compreensão da fala, no uso de gestos simbólicos e das mímicas (PERISSINOTO, 2003;


TOMASELLO, 2003; VON TETZCHNER et al., 2004).

A intervenção no campo da comunicação é uma das prioridades no Transtorno do


Espectro Autista. Dentre elas, podemos citar o uso de uma Tecnologia Assistiva: a
Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA), cujos recursos se apresentam como
ferramentas fundamentais para o desenvolvimento da linguagem da pessoa com TEA.

A CSA é uma ferramenta utilizada para promover a comunicação de indivíduos


com necessidades complexas de comunicação (IACONO, 2014). Nunes (2009),
compreende a CSA como uma tecnologia assistiva e a conceitua como "conjunto de
métodos e técnicas que viabilizam a comunicação, complementando ou substituindo a
linguagem oral comprometida ou ausente".

Estudos revelam os benefícios do uso da CSA na promoção da acessibilidade


comunicacional de crianças com TEA, apresentando uma significativa evolução nas
competências comunicativas (WALTER, ALMEIDA, 2010; PEREIRA,
MONTENEGRO, ROSAL, WALTER, 2020).

Neste capítulo será abordado o uso da Comunicação Suplementar e Alternativa na


intervenção precoce, os estudos sobre PECS-adaptado (WALTER, 2000) e o papel da
família neste processo.

Intervenção Precoce no Transtorno do Espectro Autista com CSA

Intervenção precoce (EI) é o termo usado para identificar os serviços e apoios


disponíveis para bebês e crianças pequenas com atrasos no desenvolvimento e
deficiências. Pode incluir terapia da fala, fisioterapia e outros tipos de serviços baseados
nas necessidades da criança e da família, possibilitando um impacto significativo na
capacidade de aprendizado de novas habilidades, superação desafios e aumento do
sucesso na vida e na escola (CDC,2022).

Durante os primeiros anos de vida, a comunicação é fundamental para o


desenvolvimento saudável da criança. Quando há dificuldades temporárias ou
permanentes de comunicação, inclusive da fala, crescem os desafios devido à dificuldade
de ter supridas necessidades básicas e desejos, podendo incapacitar a criança de transmitir
emoções para suas famílias, colegas, professores e a comunidade em geral (ROMSKI et
al, 2015).

A intervenção precoce auxilia crianças muito pequenas e suas famílias, seja


quando a criança tem uma deficiência identificada ou está em risco para uma (ODOM,
HANSON, BLACKMAN & KAUL, 2003). O objetivo da EI é facilitar o
desenvolvimento da criança na família em todas as áreas, incluindo comunicação e
linguagem. A prestação desses serviços e suportes o mais cedo possível na vida da criança
maximizará a inclusão e a produtividade da criança na sociedade ao longo do tempo, bem
como reduzirá o estresse sobre a família (GURALNICK, 2000).
132

Há diversos registros de intervenção precoce para desenvolver crianças com


necessidades complexas de comunicação, entre elas, crianças com TEA. Fuller e Kaiser
2020 realizaram um estudo de metanálise sobre pesquisas de intervenção precoce em
autismo que tinham como objetivo desenvolver a comunicação social. Os resultados
demonstraram que a média de idade dos melhores resultados positivos foi de três anos e
oito meses. Os achados revelaram a importância da intervenção precoce para o
desenvolvimento da comunicação social.

Estudos sobre a intervenção precoce com uso de CSA em crianças com TEA ainda
são limitados e recentes, o que pode ser decorrente de diagnósticos tardios, bem como de
algumas dúvidas e crenças antigas e porém frequentes, conforme descreveram Cress e
Marvin (2003).

Quanto ao uso da CSA em intervenção precoce em crianças com necessidades


complexas de comunicação, independente da etiologia, Romski et al (2015) apresentaram
diversos estudos de revisão de literatura e metanálise, onde concluíram que a intervenção
precoce com CSA propicia desenvolvimento de funções comunicativas, ampliação de
vocabulário e desenvolvimento da linguagem compreensiva.

Um outro estudo de intervenção precoce com uso de CSA, que ocorreu na


Pensilvânia com crianças com necessidades complexas de comunicação entre dois e cinco
anos, teve como objetivo investigar o uso da modelagem com CSA. Eles constataram que
quatro das cinco crianças da amostra apresentaram melhoras no desenvolvimento
morfossintático e semântico e com generalização do uso em outros contextos sociais. Os
educadores dessas crianças também perceberam desenvolvimento nas habilidades de
linguagem expressiva, com melhor eficácia comunicativa. Na percepção de uma
fonoaudióloga, as crianças passaram a demonstrar melhores habilidades de linguagem
receptiva após a intervenção (BINGER, LIGHT, 2007).

Quanto ao uso de alta tecnologia na intervenção precoce, temos um estudo


nacional de Montenegro et al (2021) que descreveu os resultados interventivos com uma
criança de dois anos e três meses, utilizando o aplicativo Aboard (LIMA et al, 2017) em
um tablet e seguindo o método DHACA (MONTENEGRO et al, 2020). Após 24 sessões
semanais, a criança apresentou desenvolvimento nos aspectos semânticos e
morfossintáticos. Além disso, a criança passou a utilizar outras funções comunicativas
além da função instrumental, como fazer perguntas, comentários, compartilhar objetos e
solicitar ajuda. Foi constatado também o uso de expressões sociais (e.g. “oi” e
“obrigada”), com o uso do dispositivo, além da verbalização. Este dado corrobora com os
achados do estudo de Mohan et al (2019), em que foi utilizado um recurso de alta
tecnologia no desenvolvimento das habilidades de comunicação.

Dentre os programas que vêm construindo evidências científicas para além das
crianças em idades pré-escolares, podemos citar o PECS- Adaptado (WALTER, 2000,
2010), conforme descrito a seguir.
133

O PECS-Adaptado e as evidências científicas

A literatura científica vem apontando resultados promissores na utilização de dois


programas de CSA destinados às pessoas com TEA: o PECS (BONDY; FROST, 1994,
2001) e o PECS-Adaptado (WALTER, 2000, 2010).

PECS - The Picture Exchange Communication System (BONDY; FROST, 1994)


é um programa desenvolvido para crianças com TEA com déficit severo na comunicação
oral e consiste no intercâmbio de figuras como uma forma interativa de transmitir uma
mensagem a alguém. É um programa de treinamento - inicialmente com sete fases e
atualmente com seis - que vem sendo utilizado em vários países e tem demonstrado ser
uma prática que traz evidências satisfatórias (WALTER, 2017). No PECS, as crianças
são motivadas a solicitar algo desejado ao entregar um cartão de comunicação à outra
pessoa e nas fases mais avançadas, fazer comentários.

Na tentativa de flexibilizar o protocolo PECS, permitindo sua operacionalização


em ambientes menos estruturados, Walter (2000) criou o PECS-Adaptado, cujo acrônimo
refere-se atualmente a “Pessoas Engajadas Comunicando Socialmente” e é fundamentado
na metodologia de ensino baseada no Currículo Funcional Natural (LEBLANC, 2001). O
PECS-Adaptado pode ser utilizado em diferentes contextos, como observado nos estudos
de Evaristo (2016), Togashi e Walter (2016) e Olmedo (2016), descritos em uma revisão
sistemática de Nunes e Walter (2018).

Evaristo (2016) implementou o programa numa escola especial e em ambiente


domiciliar. Por meio de um delineamento experimental de linha de base múltipla, a
referida autora avaliou a eficácia de um programa de formação de aplicadores e
interlocutores para utilização do PECS-Adaptado com crianças e adolescentes com TEA.
A melhoria nas habilidades comunicativas durante interação com a professora e as mães
revelou a importância de formar professores e pais na utilização da PECS-Adaptado,
priorizando o papel do interlocutor ao estabelecer um diálogo com essa população.

A efetividade do PECS-Adaptado em ambiente de creche foi ressaltada no estudo


de Olmedo (2016). Nessa pesquisa, a autora estruturou, implementou e avaliou um
programa de formação de professores e mediadores da educação infantil no uso do PECS-
Adaptado com crianças com TEA. Quatro docentes, duas mediadoras e três crianças com
TEA (2-3 anos), sem fala funcional participaram da pesquisa. Os resultados indicaram
aumento nos atos comunicativos dos participantes, frente ao que a autora ressaltou a
importância da formação continuada de professores e agentes educacionais da educação
infantil para alunos com necessidades complexas de comunicação.

Do mesmo modo que Olmedo (2016), Monte (2015) utilizou o PECS-Adaptado


em contexto de creche. Dentre os objetivos da pesquisa, destacou-se a análise dos efeitos
do SCALA (Sistema de Comunicação Alternativa para o Letramento no Autismo) (BEZ,
2014) no nível de participação e interação de três alunos (3-4 anos) com TEA durante
atividade de contação de história em uma turma da educação infantil. Foram utilizados
recursos de alta e baixa tecnologia com sucesso, para a construção e narração de histórias
pelas crianças. Os dados da pesquisa, construídos a partir de um paradigma sócio-
histórico, demonstraram a interação entre os pares e ressaltaram a importância do papel
134

da interlocução do professor e dos pares durante as atividades lúdicas e no conto de


histórias infantis.

Por ser um programa que permite adaptações em contextos naturais, o PECS-


Adaptado torna-se uma importante ferramenta para viabilizar a inclusão escolar,
conforme observado em uma pesquisa quase experimental, descrita em dois estudos por
Togashi e Walter (2016). O primeiro estudo teve por objetivo registrar a evolução nas
fases do PECS-Adaptado por um aluno com TEA e sua professora no contexto do
Atendimento Educacional Especializado (AEE). O segundo, conduzido em sala regular,
objetivou analisar as interações comunicativas do mesmo aluno com a professora regente
de sala e uma estagiária durante as atividades cotidianas da sala de aula. Os resultados
mostraram que o aluno avançou nas fases do PECS-Adaptado no primeiro contexto
estudado. No segundo estudo observou-se maior frequência de interação comunicativa do
aluno com a estagiária. Os resultados são promissores quanto ao uso da CSA no contexto
escolar, com destaque para a comprovada generalização do uso do programa da sala do
AEE para a sala de aula regular.

Ainda tendo por foco o mesmo contexto encontram-se os estudos de Brito (2016)
e Cândido (2015). Na primeira pesquisa, Brito (2016) avaliou os efeitos do uso de
sistemas de CSA por quatro professores do AEE sobre as habilidades comunicativas de
quatro alunos com TEA. Tomando como base o repertório comunicativo limitado dos
educandos, assim como a baixa frequência no uso dos sistemas de CSA pelas docentes, a
autora desenvolveu, à luz da concepção analítico comportamental, um programa de
capacitação para uso do PECS-Adaptado e pranchas de comunicação com os alunos. O
programa abrangeu treino de manejos comportamentais (contato visual, modelagem,
modelação, verbalizações espontâneas, uso de reforços e controle de estímulos do
ambiente), incluindo o ensino das fases do PECS-Adaptado e a produção de materiais de
CSA. Os resultados da pesquisa revelaram ganhos nos repertórios verbais das crianças
após a capacitação dos professores.

Atualmente o PECS e o PECS-Adaptado estão sendo utilizados com Dispositivos


Geradores de Fala (DGF), ajustando-se a um formato mais robusto e que permite a
elaboração de sentenças e maior desenvolvimento semântico e pragmático, garantindo
melhores condições para se manter diálogos com mais elementos linguísticos. Lancioni
et al. (2007) revisaram 16 estudos investigando a eficácia dos DGFs entre indivíduos com
TEA e outras deficiências de desenvolvimento e confirmaram o sucesso nos
comportamentos de solicitação via dispositivos geradores de fala. A pesquisa também
demonstrou que os DGF tiveram efeito significativo no aumento das interações
comunicativas, interações sociais (SIGAFOOS et al, 2009), produção de fala
(SCHLOSSER et al., 2008) e das funções comunicativas. Um dos benefícios mais
notáveis dos DGFs em relação ao PECS e outros sistemas baseados em símbolos gráficos
é o recurso adicional promovido pelo feedback auditivo. Esse modelo de fala extra pode
ajudar a promover maior velocidade na aquisição de habilidades. Além disso, os DGFs
facilitam uma comunicação mais independente em vários ambientes (WENDT, 2017;
MIRENDA, 2003).

Para utilizar o PECS-Adaptado, conforme proposto por Walter (2000), é


necessário que se compreenda as exigências estipuladas em cada fase do programa e que
o ato comunicativo seja valorizado, acima de tudo, como sendo o resultado mais
importante e não somente os comportamentos de pegar um cartão e entregar ao outro. Na
135

descrição do programa, fica evidente que deve-se proporcionar aos alunos com TEA
condições de solicitar algo desejado ou necessário de uma forma mais clara, onde se possa
criar uma relação de confiança e de afeto com seu interlocutor. Dessa forma, qualquer
pessoa poderá utilizar o programa: professor, pais, fonoaudiólogos, outros profissionais,
pares, enfim, quem se propor a, genuinamente, estabelecer interação e diálogo com a
pessoa desprovida de fala funcional.

Participação da família

A esta altura do capítulo, já se deve estar evidenciado o quanto é fundamental a


participação de pares e interlocutores no desenvolvimento da linguagem e da
comunicação de pessoas com necessidades complexas de comunicação. Assim o é para
todos nós, contudo é preciso assumir que para quem não se comunica por meio da fala -
ou não de modo funcional - o modelo e outras ações comunicativas dos pares e outros
interlocutores se constituem em condição sine qua non para que estas pessoas se
construam como sujeitos linguísticos.

Na literatura especializada é consenso que o sucesso da comunicação de pessoas


com necessidades complexas de comunicação e que utilizam sistemas de CSA depende,
em grande parte, de uma sólida colaboração entre profissionais e família (HETZRONI,
LANDAU, BEM-ZVI, 2000; GOLDBART & MARSHALL, 2004; MCCORD & SOTO,
2004; PENNINGTON, GOLDBART, MARSHALL, 2007; DELIBERATO, MANZINI,
2012, FERREIRA, 2016).

Ao apresentar limitações no uso da fala funcional a criança necessita, além de


recursos diferenciados, maior engajamento e utilização de estratégias específicas por
parte de seus interlocutores para atingir ampla participação nas atividades comunicativas
(FERREIRA-DONATI; DELIBERATO, 2014; DONATI, 2016). Reside aí a necessidade
crucial de se capacitar os interlocutores de pessoas com NCC, especialmente os do meio
familiar, considerando que são estes atores sociais os que exercem a mais profunda e
potente influência no desenvolvimento e/ou recuperação da linguagem de pessoas com
NCC, incluindo sujeitos com TEA.

Numa meta-análise conduzida por Kent-Walsh, Murza, Malani e Binger (2015)


foram verificados 17 estudos, como resultado do processo de seleção. De modo geral, as
intervenções direcionadas ao treino ou capacitação de familiares se mostraram altamente
eficazes para diferentes sujeitos que usam CSA, em ampla gama de abordagens
interventivas e utilizando diversos métodos de medida dos efeitos, com mais evidências
disponíveis para participantes até 12 anos, em sua maioria com diagnóstico de TEA,
deficiência intelectual ou outro transtorno do desenvolvimento.

Nesta vertente do trabalho dedicado às crianças, adolescentes e jovens com TEA,


são muitas as metas de capacitação dos interlocutores familiares, incluindo: promover o
envolvimento desde o processo de avaliação das habilidades e necessidades
comunicativas da pessoa com TEA; compartilhar diretrizes técnicas para fundamentar
diferentes tomadas de decisão quanto aos símbolos, nível de tecnologia dos recursos de
CSA e sua adequação às demandas cotidianas; ensinar mecanismos operacionais dos
sistemas e equipamentos; ensinar estratégias de utilização em muitos ambientes e
136

situações sociais, etc. Seguindo esta linha de pensamento, muitos pesquisadores têm
engendrado esforços para estudar os efeitos de programas de capacitação de familiares de
pessoas com NCC para uso de CSA.

Kent-Walsh e McNaughton (2005) propuseram um modelo de capacitação de


interlocutores baseado no modelo de Ellis e colaboradores (1991) e o nomearam como
Programa de Instrução em Comunicação para o Interlocutor, estruturado nas seguintes
etapas: 1. Pré-teste e formalização do comprometimento com a participação no programa;
2. Descrição da estratégia-alvo e as habilidades relacionadas; 3. Demonstração da
estratégia; 4. Prática verbal das etapas da estratégia; 5. Prática em ambiente controlado e
feedback; 6. Prática avançada em situações naturais e feedback; 7. Pós-teste e
comprometimento com o uso da estratégia a longo-prazo; 8. Generalização e uso da
estratégia-alvo.

A mesma estrutura instrucional foi utilizada no formato de “day camp”


(acampamento), com algumas sutis adaptações. O programa, então intitulado ImpAACT
(Improving Partner Applications of Augmentative Communication Techniques) teve por
objetivo treinar interlocutores de crianças que utilizavam comunicação alternativa
(incluindo duas com diagnóstico de TEA) em estratégias para facilitar a aquisição da
linguagem e de habilidades comunicativas de suas crianças com NCC. Foram
participantes sete mães, dois pais e uma avó. As sessões ocorreram nos períodos da tarde
de segundas, quartas e sextas durante três horas por duas semanas consecutivas. Os
adultos receberam instruções específicas a respeito de estratégias para serem utilizadas
durante a contação de histórias. Ao final, os participantes indicaram, por meio de um
questionário, alto nível de satisfação com o programa e manifestaram estar dispostos a
participarem novamente, caso lhes fosse dada esta oportunidade. Seis dos dez
participantes indicaram “concordar fortemente” que o programa havia atendido suas
necessidades e as de suas crianças.

No cenário brasileiro merece destaque um programa de capacitação de pais de


crianças com TEA, desenvolvido no estudo de Walter (2006) e intitulado ProCAAF
(Programa de Comunicação Alternativa e Ampliada no Contexto Familiar). O programa
se desenrolou em ambiente domiciliar e seus efeitos na modificação de comportamentos
comunicativos de mães e crianças foram medidos a partir de um delineamento de
múltiplas sondagens entre os participantes (mães e filhos), com linha de base e
intervenção. A análise de resultados indicou que os participantes familiares aprenderam
a utilizar os recursos de CSA no contexto familiar, e foram capazes de alcançar algumas
das metas que haviam sido definidas previamente. Além disso, ocorreram mudanças
significativas no comportamento comunicativo dos participantes não falantes, em relação
à solicitação de itens não presentes no ambiente e, também, a expressão de sentimentos,
como dor e saudade. Os dados qualitativos demonstraram significativa mudança em
relação à competência comunicativa dos participantes não falantes, demonstrado pela
redução na frequência de comportamentos inadequados, clareza nas situações
comunicativas e aumento na frequência e ampliação de atos comunicativos.

Cabe refletir que a responsabilidade pela capacitação em CSA de familiares de


crianças e adolescentes com TEA é de todos os profissionais treinados que atuam nesta
área de conhecimento, seguindo limites e habilitações profissionais. Contudo, o profundo
conhecimento em aquisição e desenvolvimento da linguagem em condições típicas e
atípicas - que está contido na formação do fonoaudiólogo - garante a este profissional um
137

papel de liderança no que se refere aos aspectos simbólicos e linguísticos. Idealmente,


deve-se almejar a formação de uma aliança entre profissionais da Educação e da Saúde,
que opere como uma rede de apoio para o indivíduo com TEA e sua família, capacitando-
os para o uso de CSA em todos os momentos, em todos os ambientes e com todos.

Neste ínterim, vale por fim, citar o trabalho de Calculator e Black (2009), que
elaborou um inventário de melhores práticas em comunicação alternativa para a atuação
de educadores em salas de aula de ensino regular. Neste inventário aparecem listadas seis
práticas recomendadas para promover o envolvimento familiar no processo de
implementação de sistemas de CSA, quando tal trabalho é liderado pela escola. São elas:
(1) O fonoaudiólogo e outros membros da equipe incorporam as prioridades, ideias e
interesses da família em relação à sua criança, no processo de design e implementação de
programas de comunicação alternativa na escola; (2) A família recebe da escola os
suportes que ela necessita para ter a oportunidade de desempenhar um papel claro e
significativo no apoio à criança para generalizar o uso da CSA para o ambiente da casa;
(3) É oferecido treinamento direto aos familiares (pelo fonoaudiólogo e outros
profissionais capacitados) se eles desejarem aprender como fazer uma utilização mais
efetiva e prática da comunicação alternativa em casa; (4) Há procedimentos para
coordenar o ensino do uso da comunicação alternativa entre a casa e a escola; (5) A
família exerce um importante e ativo papel no processo de avaliação em comunicação
alternativa, incluindo a identificação e a priorização das necessidades de comunicação na
residência; e (6) A equipe estimula e valoriza as contribuições familiares relacionadas à
CSA e a outros objetivos para sua criança, incluindo a seleção de métodos de
comunicação na escola e em casa.

Considerações finais

O trabalho com a CSA junto à população de indivíduos com TEA precisa estar
integrado ao conjunto de práticas fonoaudiológicas em Linguagem. Excluir a CSA desta
área de especialidade fonoaudiológica seria o equivalente a ignorar um corpus robusto de
pesquisas científicas que apontam vantagens muito significativas do uso de seus recursos
ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação dessas pessoas. Trata-se, acima de
qualquer ação técnica tomada em sua especificidade, de se fortalecer o olhar voltado para
as competências comunicativas que se estendem além da fala e que podem ser muito
amplificadas por meio da CSA. É um caminho apesar da ausência da oralidade, mas que
se percorre também por ela, porque é o percurso da linguagem, em todas as suas
manifestações.
138

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. DSM-V: Diagnostic and


statistical manual of mental disorders. Washington, American Psychiatric Association,
2013.
BACKES B, ZANON RB, BOSA CA. Características sintomatológicas de crianças com
Autismo e regressão da linguagem oral. Psicol Teor e Pesqui. 2017; 33(1):1–10.
BINGER, C., LIGHT, J. The Effect of Aided AAC Modeling on the Expression of Multi-
Symbol Messages by Preschoolers who use AAC. Augmentative and Alternative
Communication, March 2007 v. 23 (1), pp. 30 – 43 2007.
BEZ, M. R. SCALA – Sistema de comunicação alternativa para processo de inclusão em
autismo: uma proposta integrada de desenvolvimento em contextos para aplicações
móveis e web, 2014. 286 f. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Programa de Pós-Graduação em informática na Educação. Porto Alegre, 2014.

BONDY, A.; FROST, L. PECS: The Picture Exchange Communication System. Cherry
Hill, NJ: Pyramid Educational Consultants, Inc., 1994.

BONDY, A.; FROST, L. The Picture Exchange Communication System. Behavior


Modification, 2001. 25, 725-744
CALCULATOR; S. N.; BLACK, T. Validation of an inventory of best practices in the
provision of augmentative and alternative communication services to students with severe
disabilities in general education classrooms. American Journal of Speech-Language
Pathology, v. 18, s.n, 2009, pp. 329-342.
CDC Center for Diesel Control and Prevention. What is “Early Intervention”.
<https://www.cdc.gov/ncbddd/actearly/parents/states.html> Acesso em 06 de marco de
2022.

DELIBERATO, D.; MANZINI, E. J. Identification of the communicative abilities of


Brazilian children with cerebral palsy in the family context. Communication Disorders
Quaterly, v. 33, n. 4, pp. 95-101, 2012.
DONATI. G. C. F. Programa de educação familiar a distância em linguagem e
comunicação suplementar e alternativa. 2016. Tese de doutorado. Departamento de
Educação Especial, Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP de Marília, Marília,
Brasil. 200 f., 2016. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/136353>. Acesso em:
10 de janeiro de 2019.
EVARISTO, F. L. Formação de aplicadores e interlocutores na utilização do PECS-
Adaptado para crianças/adolescentes com autismo, 2016. 146 f. Dissertação (Mestrado
em Educação Especial) - Universidade Federal de São Carlos, 2016.
FERREIRA-DONATI, G. C.; DELIBERATO, D. A interface família e comunicação
suplementar e/ou alternativa nas publicações de livros brasileiros. Anais da 12ª Jornada
de Educação Especial: Ciência e Conhecimento em Educação Especial. Marília: Fundepe,
2014. p.1.
FULLER EA, KAISER AP. The Effects of Early Intervention on Social Communication
Outcomes for Children with Autism Spectrum Disorder: A Meta-analysis. J Autism Dev
Disord. 2020 May;50(5):1683-1700
GOLDBART, J.; MARSHALL, J. “Pushes and pulls” on the parents of children who use
AAC. Augmentative and Alternative Communication, v. 20, n. 4, pp. 194-208, 2004.
139

GURALNICK, M. Early Childhood Intervention: Evolution of a System. In: Focus on


autism and other developmental disabilities, vol 15, n.2, pp 68-79.Summer 2000.
HETZRONI, O. E.; LANDAU, O.; BEN-ZVI, A. Partnership with families:
communication intervention in a preschool for toddlers with developmental disabilities.
In: BIENNAL CONFERENCE OF THE INTERNACIONAL SOCIETY FOR
AUGMENTATIVE AND ALTERNATIVE COMMUNICATION, 9, 2000, Washington.
IACONO, T. What it means to have complex communication needs. Research and
Practice in Intellectual and Developmental Disabilities, 2014. v. 1, n.1, p. 82-85.
KENT-WALSH, J.; McNAUGHTON, D. Communication partner instruction in AAC:
present practices and future directions. Augmentative and Alternative Communication, v.
21, n. 3, p. 195–204, 2005.
BINGER, C.; MALANI, M. D. Teaching partners to support the communication skills of
young children who use AAC: lessons from the ImPAACT program. Early Childhood
Services, v. 4, n. 3, p. 155-170, 2010.
LEBLANC, J. M. El Curriculum Funcional en la Educación de la Persona con Retardo
Mental. Texto apresentado no Simpósio Internacional COANIL, Santiago, Chile,
Novembro. 1991.
LIMA T, SILVA E, LIMA A, FRANCO N, FIDALGO R. aBoard: uma Plataforma
Computacional na Nuvem para Comunicação Alternativa e Educação Inclusiva. In: Anais
dos Workshops do Congresso Brasileiro de Informática na Educação. 2017. p. 102
MCCORD, M. S.; SOTO, G. Perceptions of AAC: an ethnographic investigation of
Mexican-american families. Augmentative and Alternative Communication, v. 20, n. 4,
pp. 209-227, 2004.
MIRENDA, P. Toward a functional augmentative and alternative communication for
student with autism, manual signs, graphic symbols, and voice output communication
aids. Learning, Speech, and Hearing Services in Schools, 2003. 34, 203–216.
MONTENEGRO AC DE A, XAVIER IALN, LIMA R. Autismo Comunica:
Comunicação Alternativa promovendo Acessibilidade Comunicacional. IN: ARAÚJO,
NA; LUCENA, JA; STUDART, L. Relatos de experiência em Fonoaudiologia. Editora
UFPE; 2020
MOHAN V, KUNNATH SK, PHILIP VS, MOHAN LS, THAMPI N. Capitalizing on
technology for developing communication skills in autism spectrum disorder: a single
case study. Disability and Rehabilitation: Assistive Technology. 2019;14:75–81.
NUNES, D.R.P. Introdução. In: MANZINI, E.J. et al.(orgs). Linguagem e comunicação
alternativa. Londrina: ABPEE, 2009. p. 1-8.
NUNES, D.; WALTER, C. AAC and Autism in Brazil: A Descriptive Review,
International Journal of Disability, Development and Education. n. 67, v. 3, 2020. p.263-
279. DOI: 10.1080 / 1034912X.2018.1515424
OLMEDO, P. B. Sem comunicação, há inclusão? Formação de educadores em
Comunicação Alternativa para crianças com autismo, 2015. 199f. Dissertação (Mestrado
em Educação) - Universidade do Estado do Rio De Janeiro, 2015.
PENNINGTON, L.; GOLDBART, J.; MARSHALL, J. Interaction training for
conversational partners of children with cerebral palsy: a systematic review.
International Journal of Communication Disorders, Londres, v. 39, n. 1, p. 151-70, 2004.
PEREIRA, E; MONTENEGRO, A; ROSAL, A; WALTER, C. Comunicação alternativa
e aumentativa no transtorno do espectro do autismo: impactos na comunicação. CoDAS.
v.32, n.6, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/2317-1782/20202019167
ROMSKI M, SEVCIK RA, BARTON-HULSEY A, WHITMORE AS. Early Intervention
and AAC: What a Difference 30 Years Makes. Augment Altern Commun.
2015;31(3):181-202.
140

SCHLOSSER, R.; WENDT, O.. Augmentative and alternative communication


intervention for children with autism. In: LUISELLI, J. K; RUSSO, D. C; CHRISTIAN,
W. P; WILCZYNSKI, S. M, (Orgs.). Effective practices for children with autism:
Educational and behavioral support interventions that work. New York: Oxford
University Press, p. 325–389, 2008.
SIGAFOOS, J. et al. General intervention approaches for teaching speech and its
prerequisites. In: FITZER, A.; STURMEY, P. (Eds.). Language and Autism. Austin, TX:
PRO-ED, 2009. p.110-121.
TOGASHI, C. M.; WALTER, C. C. DE F. As Contribuições do Uso da Comunicação
Alternativa no Processo de Inclusão Escolar de um Aluno com Transtorno do Espectro
do Autismo. Revista Brasileira de Educação Especial. v. 22, p.351 - 366, 2016.
TOMAZELLO, M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. São Paulo:
Martins Fontes. 2003.
VON TETZCHNER, S.; MARTINSEN, H. Words and strategies: Communication with
young children who use aided language. In: von Tetzchner, S. E Jensen, M. H. (Eds.),
Augmentative and alternative communication: European Perspective (pp.65-88).
London, UK: Whurr. 1996.
WALTER, C. C. F. Os efeitos da adaptação do PECS associada ao curriculum funcional
natural em pessoas com autismo infantil. 2000. 89f. Dissertação (Mestrado em Educação
Especial). Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
2000.
WALTER, C. C. de F; NUNES, D. R. Estimulação da linguagem em crianças com
autismo. In: Dionísia Aparecida Cusin Lamônica. (Org.). Estimulação de linguagem:
Aspectos teóricos e práticos. São José dos Campos: Pulso. 2008, p. 141-172.
WALTER, C; ALMEIDA, M. Avaliação de um programa de comunicação alternativa e
ampliada para mães de adolescentes com autismo. Rev. bras. educ. espec.v.16, n.3, 2010.
DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-65382010000300008
WALTER, C. C. F.. PECS-Adaptado na sala de Atendimento Educacional Especializado
In: Nunes e Schirmer. Salas abertas: Formação de Professores e Práticas Pedagógicas em
Comunicação Alternativa e Ampliada nas Salas de Recursos Multifuncionais. 1ª ed. Rio
de Janeiro: EDUERJ, 2017, v.1, p. 756-854.
WENDT, O. AAC in autism: challenges and practices. In: Débora Deliberato, Débora
Regina de Paula Nunes, Maria de Jesus Gonçalves (Orgs): Trilhando juntos a
comunicação alternativa. Marília: ABPEE, 2017, pp. 4.
WETHERBY A. M. PRIZANT B. M. SCHULER A. L. Understanding the nature of
communication and language impairments. In A. M. Wetherby & B. M. Prizant (Eds.),
Autism spectrum disorders: A transactional developmental perspective. MD: Paul H.
Brookes Publishing, Baltimore, 2000. p.109 141
141

Sobre os autores
Ana Carina Tamanaha. Fonoaudióloga. Professora Doutora Afiliada do Departamento
de Fonoaudiologia da UNIFESP. Mestrado e Doutorado em Ciências pela UNIFESP.
Pós-doutorado pelo Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Pesquisadora do
NIFLINC-TEA do Departamento de Fonoaudiologia da UNIFESP. Coordenadora do
Comitê de Linguagem Oral e Escrita da Infância e Adolescência do Departamento de
Linguagem da SBFa (Gestão 2000-2022).

Ana Cristina de Albuquerque Montenegro. Fonoaudióloga. Professora Doutora do


Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Sáude da
Comunicação Humana da Universidade Federal de Pernambuco. Doutorado em
Linguística (UFPE). Diretora Executiva da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia e
Membro do Conselho Científico do Capítulo Brasileiro da International Society for
Augmentative and Alternative Communication (ISAAC Brasil).

Ana Paula Ramos de Souza. Fonoaudióloga. Doutora em Letras pela PUCRS. Pós-
doutorado em Letras pela UFRGS. Docente do Departamento de Saúde da Comunicação
Humana da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e docente voluntária dos
Programas de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana e de Psicologia da
Universidade Federal de Santa Maria. Membro do Grupo Inovação, Pesquisa e Ensino
em Fonoaudiologia da SBFa (IPEF), do Labirinto - Laboratório Interdisciplinar de
Pesquisa em Autismo, do grupo de estudo do PREAUT Brasil-RS e da Associación La
Cause des Bébés. Co-coordenadora do Núcleo Interdisciplinar em Desenvolvimento
Infantil (NIDI) - UFRGS-UFSM

Astrid Mühle Moreira Ferreira. Graduada em Fonoaudiologia (PUC-SP). Doutora em


Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem e Mestre em Distúrbios da Comunicação
Humana (PUC-SP). Especialista em Linguagem e Fluência (CFFa). Vice coordenadora
do Comitê de Fluência do Departamento de Linguagem da SBFa (2020-2022). Diretora
clínica do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF) e membro do GeFALA/CNPq. Atua
como fonoaudióloga clínica e professora de cursos de aperfeiçoamento em Fluência.

Bárbara Louise Costa Messias. Fonoaudióloga (UFRN). Mestranda em Fonoaudiologia


(UFRN) e pesquisadora no Laboratório LEIA - Linguagem escrita, interdisciplinaridade
e aprendizagem.

Beatriz Lopes Porto Verzolla. Fonoaudióloga. Graduação pela UNIFESP. Mestrado e


Doutoranda em Saúde Coletiva pela FMUSP. Especialização (em andamento) em
Processos didático-pedagógicos para cursos na modalidade a distância (UNIVESP).
Experiência profissional nos setores público e privado, nas áreas clínica e educacional,
atuando especialmente com pessoas com deficiência, atrasos no desenvolvimento e TEA.

Camila da Costa Ribeiro. Fonoaudióloga. Doutorado em Ciências pela Faculdade de


Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP). Pós-doutorado pelo
Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade
de São Paulo (USP – Bauru).
142

Cátia Crivelenti de Figueiredo Walter. Fonoaudióloga. Professora Associada do


Departamento de Educação Inclusiva e Continuada e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora Procientista UERJ
e Cientista do Nosso Estado FAPERJ. Chair Elected da International Society for
Augmentative and Alternative Communication - ISAAC.

Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato. Fonoaudióloga. Mestrado em


Fisiopatologia Experimental (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Doutorado em Semiótica e Linguística Geral (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo). Professora e Orientadora do Programa de Pós-
graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Membro do Laboratório de Tecnologias Interativas da Universidade Presbiteriana
Mackenzie

Cíntia Alves Salgado Azoni. Fonoaudióloga ((USP/Bauru), Doutorado e Pós-Doutorado


em Ciências Médicas (UNICAMP). Docente do Curso de Fonoaudiologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), do Programa de Pós-Graduação
em Fonoaudiologia UFPB/UFRN/UNCISAL e do Programa em Psicologia da UFRN.
Líder do grupo de pesquisa CNPq LEIA - Linguagem Escrita, interdisciplinaridade e
Aprendizagem e do Laboratório LEIA. Vice-líder do CNPq- Laboratório de Extensão e
Pesquisa em Neuropsicologia (LAPEN). Coordenadora do Departamento de Linguagem
SBFa-(Gestão2020/2022)

Daniela Molini Alvejonas. Fonoaudióloga. Professora Livre Docente do Curso de


Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP.

Débora Vasconcelos Correia. Graduada em Fonoaudiologia (UNIPE). Doutora e Mestre


em Linguística (UFPB). Especialista em Fluência (CFFa) e Neurociência Aplicada
(UFPE). Professora Adjunta da UFPB no Departamento de Fonoaudiologia.
Coordenadora do Comitê de Fluência do Departamento de Linguagem da SBFa (2020-
2022). Atua em Fonoaudiologia, Linguística e Neurociência da Linguagem, com ênfase
em fluência verbal e gagueira.

Dionísia Aparecida Cusin Lamônica. Fonoaudióloga. Professora Titular do


Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade
de São Paulo (FOB-USP). Doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Fernanda Dreux Miranda Fernandes. Fonoaudióloga. Professora Associado Livre


Docente da FMUSP. Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana pela PUCSP.
Doutorado em Linguística e Semiótica Geral pela FFLCH-USP. Mérito Fonoaudiológico
SBFa. ASHA Fellow.

Fernanda Prada Machado. Fonoaudióloga. Mestrado e Doutorado em Fonoaudiologia


pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-doutorado em andamento.

Grace Cristina Ferreira-Donati. Fonoaudióloga pela USP Bauru (1999); Especialista


em Linguagem pelo CFFa. (2003). Mestrado (2006) e Doutorado em Educação – Linha
Educação Especial pela UNESP Marília (2016). Pós-doutoranda pelo Departamento de
Linguagem da USP Bauru. Diretora da Adastra Desenvolvimento e Comportamento
143

Humano. Supervisora em Análise do Comportamento Aplicada. Vice Coordenadora do


Comitê de Comunicação Alternativa do Departamento de Linguagem da SBFa (2020-
2022). Pesquisadora do Laboratório de Investigação das Alterações do
Neurodesenvolvimento (LIAN) da USP Bauru. Membro dos Conselhos Científico e
Consultivo do Capítulo Brasileiro da International Society for Augmentative and
Alternative Communication (ISAAC Brasil).

Jacy Perissinoto. Fonoaudióloga. Professora Doutora Associada do Departamento de


Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Mestrado em
Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica - PUC. Doutorado em
Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP. Pós-doutorado em Psicolinguística
pela Université Rene Descartes – Paris V - Sorbonne. Coordenadora do Núcleo de
Investigação Fonoaudiológica em Linguagem da Criança e Adolescente – NIFLINC do
Departamento de Fonoaudiologia da UNIFESP.

Letícia Segeren. Graduada em Fonoaudiologia (UNICAMP). Doutora e Mestre em


Ciências da Reabilitação (USP). Especialista em Fluência e Linguagem (CFFa) e em
Educação na Saúde (USP). Aprimoramento em Psiquiatria Infantil (USP). Pesquisadora
na área de linguagem infantil e autismo. Atua como fonoaudióloga clínica e professora
de cursos de aperfeiçoamento em Autismo e Fluência.

Maria Claudia Cunha. Fonoaudióloga. Professora Titular da Faculdade de Ciências


Humanas e da Saúde / PUCSP. Doutorado em Psicologia Clínica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.

Michele Dias Hayssi Haduo. Fonoaudióloga. Graduação pela Faculdade de Odontologia


de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP). Mestranda em Ciências pela
Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP).

Ruth Ramalho Ruivo Palladino. Fonoaudióloga. Professora Doutora da Faculdade de


Ciências Humanas e da Saúde/ PUCSP. Mestrado em Linguística. Doutorado em
Psicologia Clínica.

Você também pode gostar