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fala

Comunicação
aprimorada
O fonoaudiólogo é um dos profissionais
mais presentes no processo de evolução do
indivíduo com autismo
TEXTO E ENTREVISTAS Érika Alfaro DESIGN laura alcará/colaboradora

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C
om três meses de vida, os recém-nascidos já Necessidades primárias
conseguem balbuciar e emitir sons. De quatro “Indivíduos autistas de idades entre dois e três
a seis, algumas vogais, sílabas e construções anos são os que começam a surgir nos consultórios
simples podem ser percebidas. A partir dos nove terapêuticos fonoaudiológicos”, afirma Vanessa Schaffel,
meses, as primeiras palavras do bebê começam fonoaudióloga, psicomotricista e mediadora escolar
a ser pronunciadas. Nessa fase, as emissões, pronúncias e especialista em educação especial inclusiva e autismo.
entonações são parecidas com as dos adultos ao redor, uma De acordo com a profissional, essas crianças apre-
vez que a absorção da informação ocorre por meio da imi- sentam comportamentos comunicativos intencionais
tação. A partir de um ano completo, algumas expressões são verbais e não verbais limitados, ausência ou pouca
utilizadas com a consciência dos seus significados – ou seja, receptividade social, imaturidade emocional, com
a comunicação é realizada com objetivo específico, como choros e birras por motivos de falta de compreensão
pedir por colo ou comida. Aos dois anos, alguns pequenos do contexto, e resistência ao novo e às interações.
podem chegar a um vocabulário de 200 palavras. Isso acontece porque é a partir da linguagem e da
Segundo Gisele Bezerra Renzo, fonoaudióloga, um dos comunicação que o pequeno começa a se expressar,
grandes marcadores do desenvolvimento infantil é a aqui- demonstrar suas emoções, compreender o que as
sição da fala e a consequente evolução da linguagem. Por pessoas com as quais convive sentem e esperam, sem
esta razão, um dos primeiros sinais percebidos pelos pais e contar o entendimento acerca das regras e compor-
responsáveis por indivíduos com transtorno do espectro do tamentos. Quando há uma falha na aquisição de tais
autista (TEA) é o atraso nesse processo de aprendizagem. capacidades, diversos elementos da vida cotidiana
“Nos casos de TEA, em geral, há comprometimento de são afetados.
linguagem, o que pode ser identificado nos três primeiros Com isso, os estímulos voltados à comunicação,
anos de vida”, ressalta Gisele. tanto verbal quanto não verbal, envolvem inicialmente
Esse sintoma isolado não é o suficiente para o diagnósti- o acolhimento da família e um bom relacionamento
co, mas revela uma das características mais recorrentes dos com o fonoaudiólogo. A adaptação da criança no
autistas – além de ser indicativo de outros quadros, como ambiente terapêutico precisa acontecer para que
déficit na audição ou distúrbio específico de linguagem (DEL). os métodos gerem os efeitos esperados. Vanessa
Diante de tal cenário, a intervenção de um profissional com explica que cabe ao profissional criar estratégias de
capacitação para trabalhar esse aspecto tão básico para o intervenção e abordagens assertivas de acordo com o
crescimento pessoal e a inserção na sociedade é essencial. momento. “Demandas diferentes surgem em cada fase.
E é nesse ponto que entra o fonoaudiólogo. Analisar as necessidades, defasagens e inabilidades
de cada criança é uma tarefa muito importante para
o especialista, que dispõe de avaliações formais e
informais mediante o contexto terapêutico”, salienta.
Trabalho associado Apoiados nos contatos e pareceres preliminares,
Crianças englobadas no espectro autista os fonoaudiólogos podem indicar os caminhos mais
podem apresentar dificuldades de alimentação adequados de tratamento, que devem começar o mais
(saiba mais na página 46). “Estas podem estar cedo possível quando há o diagnóstico do TEA e seguir
relacionadas às questões sensoriais, como durante a vida de acordo com os novos desafios apre-
seletividade alimentar, ou a alterações na sentados ao indivíduo. “As intervenções englobam o
motricidade orofacial (alterações musculares, treino e a aprendizagem do comportamento imitativo,
anatômicas ou funcionais da região orofacial), tanto para gestos e ações durante as situações lúdicas
que também são trabalhadas na terapia quanto para sons e palavras. O treino articulatório e
fonoaudiológica se necessário”, avalia Gisele os exercícios de motricidade oral também se encaixam
Bezerra Renzo, fonoaudióloga. em uma perspectiva lúdica após a criança adquirir
a habilidade de imitação social”, descreve Vanessa.

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Métodos e técnicas Pontos para Reestruturação dos Objetivos Fonéticos e Oro-
A terapia aplicada pelo fonoaudiólogo pode seguir -Motores (PROMPT Institute): abordagem utilizada principalmente
estratégias consagradas na área que têm como foco o nos casos de TEA associado à apraxia de fala, um distúrbio motor
autismo. A escolha dos mecanismos direcionados aos de origem neurológica que afeta a habilidade de a criança produzir e
autistas deve ser realizada de maneira personalizada, sequenciar os sons da fala. As falhas ocorrem no planejamento e na
uma vez que cada um apresenta quadros distintos. Sendo programação motora da sequência de movimentos de mandíbula, lábios
assim, Gisele destaca algumas abordagens: e língua para produzir os fonemas, formar sílabas, palavras e frases.
Modelo Denver de Intervenção Precoce (Early Abordagem pragmática: tem como base o desenvolvimento e a
Start Denver Model – ESDM, na sigla em inglês): aquisição de linguagem. As atividades são guiadas mediante o foco
foi idealizado especificamente para os menores, entre de atenção da criança, aproveitando as oportunidades que surgem
dez e 48 meses, e deve ter início preferencialmente até durante a intervenção. Utiliza situações da rotina diária, como a
os 36 meses. Nesse modelo, o terapeuta promove jogos hora do banho, a troca de roupa e as refeições, para a realização
e atividades com a criança e se comporta como um da terapia. Um dos objetivos é o aprendizado funcional e variado,
parceiro, para, posteriormente, propor novas ações e valendo-se da comunicação não verbal, como gestos, contato ocular
ampliação dos seus repertórios, estimulando a iniciativa e vocalizações, para elaboração de estratégias lúdicas que propiciem
do pequeno e oferecendo suporte se necessário. o uso da linguagem.
Programa More Than Words (Hanen Institute), Abordagem funcional da linguagem: a criança é induzida a se
que, em português, significa Mais do que palavras: é comunicar oralmente com a intenção de solicitar algo de seu interesse.
uma abordagem de intervenção para pais de crianças com Assim, as atividades são realizadas de forma que o pequeno tenha
TEA ou com dificuldades de comunicação. Consiste em que interagir e se comunicar com o terapeuta. Esse modelo pode ser
oito sessões de treinamento dos cuidadores, em pequenos classificado como condicionamento ou modelagem, uma vez que a
grupos, realizado por um fonoaudiólogo certificado repetição favorece a realização das tarefas de maneira independente.
no método, com os objetivos de estimular e ampliar as Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA): refere-se aos
oportunidades de comunicação social e interação, além métodos utilizados como alternativas para a criança que ainda não
de aprimorar habilidades de jogo e de imitação. desenvolveu a linguagem oral.
PECs
Uma das abordagens da fonoaudiologia, o Sistema de Comuni- Nesse caso, a família e os cuidadores são responsáveis
cação por Troca de Figuras (Picture Exchange Communication por dar continuidade ao exercício, que deve estar pre-
System – PECS, na sigla em inglês) é um método baseado em es- sente em ambientes variados. As imagens podem estar
pécies de fichas com imagens e palavras utilizadas para a comu- em um caderno, como ímãs na geladeira, coladas na pa-
nicação. Assim, a criança será estimulada a associar sua ação, rede ou em qualquer outro lugar acessível da casa.
vontade, pergunta ou resposta a uma figura que a represente. Além dessas aplicações simples, algumas tarefas coti-
Por exemplo: um cartão contém o desenho de um brinquedo, com dianas podem ser facilitadas. Segundo a especialista,
seu nome; outro, a ilustração de uma pessoa brincando ao lado da sabe-se que a rotina organiza e torna a vida previsí-
palavra “brincar”. Quando o pequeno quiser aquele brinquedo em vel para os autistas, minimizando os anseios do que irá
algum momento para se divertir, ele usará as duas fichas juntas. acontecer. Por isso, ordenar a rotina visualmente para
“Em torno dos quatro anos, algumas crianças autistas ainda não a criança, por meio de imagens das cenas de ação e dos
são verbais. Assim, elas podem se expressar por meio de imagens, locais, beneficia muito a compreensão do que esperar
apontando ou entregando ao parceiro social a figura do objeto delas em cada momento do dia. “Alguns pequenos com
ou ação de desejo. Com isso, recebe em troca o que quer e, poste- TEA podem se beneficiar com o passo a passo de ativi-
riormente, pode formar frases curtas com as figuras”, acrescen- dades que se repetem, como escovar os dentes, tomar
ta Vanessa de Freitas Schaffel, fonoaudióloga, psicomotricista, banho e trocar de roupa, a partir da sequência de fotos
mediadora escolar, especialista em educação especial inclusiva ou imagens gráficas do antes, durante e depois para fa-
e em transtornos do espectro do autismo. cilitar a organização e a execução das ações”, finaliza.

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E LADOS

CONSULTORIAS Gisele Bezerra Renzo, fonoaudióloga do Grupo São Cristóvão Saúde; Vanessa de Freitas Schaffel, fonoaudióloga, psicomotricista, mediadora
escolar, especialista em educação especial inclusiva e em transtornos do espectro do autismo, além de dislexia e outros transtornos de aprendizagem.

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