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OQUEÉ

TEOLOGIA
NIAN
WELLINGTONMARIÄNO
1 ----------------------------COLEÇÃO

ÁRMNANSMO

xcelente leitura para aqueles que desejam

E com preender e aprofundar seu conhecim ento


sobre o que realmente é o arminianismo. Infeliz­
mente, há muita desinform ação a respeito, mesmo
os círculos arminianos. Este livro contribui para que
■enhamos um entendim ento bíblico e saudável da
jo u trin a da salvação.
JOSÉILDOSWARTELEDEMELLO
Presidente do Concílio de
Bispos Metodistas Livres e
líder da Fraternidade
Wesleyana de Santidade.
Está proibida a comercialização deste arquivo.

Gostou do livro e tem condições financeiras,


abençoe o autor e a editora.
Créditos:

-----ServoScan-----
© 2015 Editora Reflexão. Todos os direitos reservados,

© Weilington Mariano

Editora Executiva: Caroline Dias de Freitas


Revisão: Glória Hefzibá / Alexandra Resende
Capa: PettyArts
Diagramação e Projeto gráfico: Estúdio Caverna
Impressão: Mark Press Brasil

1a Edição - J u n h o /2015
2a Edição - J u n h o /2015

DADOS IN TE R N A C IO N A IS D E CATALOGAÇÃO N A PUBLICAÇÃO (C IP)

C Â M A R A B R A S ILEIR A DO LIVRO , SP, B R A SIL

MARIANO, WELUNGTON

0 que é Teologia Arminiana? / Weilington Mariano. 1. Edição - São Paulo: Editora


Reflexão, 2015.

ISBN: 978-85-8088-140-0

1. Teologia Arminiana 2. JacóArmínio 3. Protestantismo 4. Teologia I. Título. II. Série.

95-6542 CDD-085

índices para catálogo sistemático:


1. Teologia Arminiana 2. Soteriologia 3. Título 4. Weilington Mariano

Editora Reflexão
Rua Fernão Marques, 226 - Vila Graciosa - 03160 030 São Paulo
Fone 11 4 107 6068 1 11 3477 6709
www.editorareflexao.com.br
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Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou Para Daniela Lima da Cruz Mariano e
transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
Gustavo Henrique da Cruz Mariano.
gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão
escrita da Editora Reflexão.
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS Prefácio......................................................................................... 7

Introdução................................................................................... 9
Agradeço aos professores e escritores Roger Olson, Jerry Walls e
Keith Stanglin por seus valiosíssimos escritos, vídeos e e-m ails. O que é arminianismo?....................................................... 13
Ao amigo e irmão Arthur Bittencourt pela escrita do prefácio.
Total depravação...............................................................21
Agradeço a Gloria Hefzibá, Luis Henrique de Sousa da Silva
e Lucas Ferreira Martins Soares dos Santos por seus comentários, A todos a expiação........................................................... 29
apontamentos e leitura cuidadosa do texto.
Feito livre pela graça (para crer).................................. 36
Uma palavra de gratidão também deve ser dada à Editora Refle­
xão, que tem dado espaço e trabalhado com afinco no segmento de Condicional eleição..........................................................49
teologia arminiana no Brasil.
Segurança em C risto....................................................... 54

Soli Deo Gloria

Conclusão...................................................................................63

Bibliografia................................................................................. 64
èRMINIANISMO

PREFÁCIO
Com o avanço e o crescimento da literatura arminiana clássica no
Brasil, através da Editora Reflexão, e do brilhante trabalho do tradutor e
amigo Wellington Mariano, fez-se necessária a elaboração deste opúscu­
lo de teologia da salvação, para nortear tanto leitores quanto interessados
sobre esse assunto: arminianismo clássico e arminianismo wesleyano, dan­
do-lhes os princípios elementares.
Através de obras (lançadas pela Editora Reflexão em nosso idioma)
como: Teologia Arminiana: Mitos e Realidades (Roger Olson), Contra o Calvi-
nismo (Roger Olson) e Por Que Não Sou Calvinista (Jerry L. Walls e Joseph R.
Dongell), este assunto foi e é mais difundido, e assume status de ser recente,
quando na verdade, não é.
Cabe mencionar que, o debate de idéias soteriológicas — e em espe­
cífico o Arminianismo — existe há mais de 400 anos. É um debate exten­
so e profundo, fazendo alguns estudiosos afirmarem que ele findar-se-á
apenas no momento da volta de Jesus. .
Obviamente por natureza do instrumento escolhido, um opúsculo
sendo uma ferramenta sintetizada ou sumariada, nos impedirá de exigir
do seu autor, uma desenvoltura ou envergadura como se fosse um livro
ou obra vasta. Seguramente, ele não tocará todos os meandros da teolo­
gia arminiana, como alguns gostariam, inclusive os “teólogos decretais
Isso, contudo, não irá desprestigiar seu valor, uma vez que atingirá o alvo
pelo qual veio a existir: dar as primeiras noções e elucidar o assunto, com
brevidade e especifidade.
A obra contém uma breve explicação do nascimento do opúsculo,
um ligeiro dado histórico da figura de Armínio, mais os cinco artigos da
Remonstrância, seguindo pelas doutrinas da total depravação ou ina­
bilidade total, não irresistibilidade da graça, expiação ilimitada, eleição
condicional e a segurança em Cristo, e do acróstico FACTS (cinco pontos
do arminianismo). Como disse alguém: “No jardim de Deus, não tem
apenas a Tulip (cinco pontos do calvinismo)" — perdoe-me a dose de
humor.

7
WELLINGTONMARIANO èRMIMANÍSMO

Assim, com uma precisa pesquisa feita pelo autor, vocês, leitores
recebem um livreto de conteúdo formidável e enriquecedor, no tocante
INTRODUÇÃO
ao Arminianismo.
Boa leitura! Este livro tem por objetivo suprir uma enorme carência na literatura
protestante brasileira ao apresentar, de maneira didática, séria, e simples
Santo André, 13 de maio de 2015. __mas não simplista— , o que é arminianismo. Se você, por exemplo,
nunca ouviu termos como “arminiano” e “arminianismo , este livro é
Arthur Moratelli Bittencourt para você. Se você já ouviu tais termos, mas não sabe realmente do que
Pastor na igreja Assembleia de Deus em Utinga - Santo André - SP eles se tratam, este livro também é para você. Agora, se você já conhece
um pouco ou muito do assunto, ainda assim esse livro te ajudará a apro­
Advogado e professor de teologia.
fundar e aperfeiçoar seus conhecimentos sobre o tema.
Um segundo objetivo desta obra, mas não menos importan­
te, é apresentar, de maneira fiel ã construção teológica de seus ver­
dadeiros representantes e aos registros históricos, o que o arminia­
nismo não é. Tal entendimento é extremamente importante, uma vez
que há muito pouco ou quase nada, em termos de literatura voltada
à apresentação do arminianismo, e as poucas obras que tratam do tema,
em quase sua totalidade, apresentam ideias errôneas e mal informadas
sobre a questão, apesar de serem escritas por professores, acadêmicos e
estudiosos gabaritados que, em outras áreas de conhecimento, que não
a soteriologia arminiana, são muito bons, mas quanto ao arminianismo,
pouco ou nada sabem. Sendo assim, é muito comum encontrai livros,
apostilas e até mesmo manuais e tratados teológicos nos quais o que é
apresentado como sendo arminianismo não passa de um espantalho.
A fa lá c ia do espantalho é um argumento em que a verdadeira po­
sição adotada e defendida por determinado tema ou área é, de maneira
consciente ou inconsciente, ignorada e substituída por uma posição fic­
tícia, errônea e deturpada, o que facilita a desconstrução do ponto de
vista confrontado, ou seja, em termos práticos: o arminianismo não é
apresentado como ele realmente é, mas substituído por uma definição
distorcida e é exatamente em razão de muitos terem contato com essa
visão adulterada e incorreta do arminianismo que a refutação desse siste­
ma, para alguns, parece ser simples e fácil, uma vez que o que é refutado
é o espantalho do arminianismo e não o verdadeiro arminianismo. O
WELLINGTONMÔRfANQ

mais chocante, ainda nesse ponto, é descobrir que tais autores que apre­ Outros, ainda, por interesses pessoais, por participarem de congressos
sentam um arminianismo distorcido não são apenas os opositores do sis­ ou seminários organizados por calvinistas e com prevalência de defenso­
tema arminiano, mas também aqueles que deveriam defendê-lo. O erro, res dessa corrente, acabam omitindo essa questão, a fim de continuarem
em relação ao arminianismo, ocorre tanto fora quanto dentro de casa. participando de tais eventos. Aqui, adianto-me para apresentar o lema
O fato de o verdadeiro arminianismo não ser apresentado em muitos de Armínio, a saber: “Boa consciência é um paraíso" (B ona conscientia
livros, mas sim seu espantalho, faz com que muitos que deveriam ser paradisus), querendo dizer que jamais devemos agir de maneira contrá­
arminianos não o sejam, dificultando a apresentação e a utilização do ria à nossa consciência, ainda que isso nos traga prejuízos ou desfavores.
rótulo — afinal, ninguém quer se associar ou usar o rótulo de algo que O quadro geral, mas não total, que inclui a escassez de material ar­
é visto e entendido como antibíblico. Você verá, após a leitura do livro, miniano, livros e vídeos, a falta de posicionamento de muitos líderes
que é muito comum se deparar com a situação em que o leitor, após evangélicos e de suas respectivas denominações e o grande número de
tomar conhecimento do que é arminianismo, venha a dizer: “mas isso materiais calvinistas tem levado muitos cristãos evangélicos, em especial
é exatamente o que eu sempre defendi ou sempre acreditei, mas nunca os jovens, a concluir falsa e erroneamente que o calvinismo é a única
me disseram que tal conjunto de crenças se chamava arminianismo”. É opção evangélica ortodoxa viável.
muito possível que essa seja a conclusão a que você também irá chegar Esses jovens, diferente de seus pais que não tiveram acesso ou con­
após a conclusão da leitura. dição a uma melhor formação escolar, estão entrando nas faculdades e
Algumas pessoas que possuem certo conhecimento do debate intra- nas universidades e, com isso, claro, têm acesso a conteúdos e a infor­
muros entre calvinistas e arminianos chegam a dizer que tal discussão mações que seus pais e, em muitos casos, líderes de suas igrejas não
não é proveitosa e não perderão tempo com isso, mas a questão é que, tiveram. O resultado é que, não encontrando respostas às suas dúvidas
quanto à salvação, não dá para ficar em cima do muro e assumir uma nos seus pais e nos líderes de suas igrejas e ministérios, esses jovens
postura neutra, pois tal neutralidade, ainda que defendida com boas e acabam por buscar as respostas em livros e na internet, dentre outros
sinceras intenções, é ilusória e por mais que se tente advogar o contrário, meios. A internet, assim como o mercado evangélico de livros teológi­
não existe um meio termo entre arminianismo e calvinismo. A postura cos, possui muito mais materiais calvinistas do que arminianos. Isso leva
de isenção em relação ao debate soteriológico tenta passar um ar de pie­ alguns jovens a ficarem confusos, e outros, não sendo apresentados a
dade e maturidade, mas o que acontece é que tal postura é incoerente um entendimento bíblico mais saudável e equilibrado, compram a falsa
e, em muitos casos, não passa de uma “falsa humildade”. É necessário ideia de que só o calvinismo existe. Muitos cristãos são levados a ter
entender que a ausência de definição ou de posicionamento, em relação uma compreensão por demais estreita e diminuta da produção teológica
ao debate, sempre favorece o sistema cahinista, afinal, não se posicionar mundial, crendo que autores calvinistas quase desconhecidos no cenário
ainda é um posicionamento: o da omissão. teológico mundial, mas amplamente divulgados e comercializados no
Existem muitas pessoas que também adotam essa postura de “isen­ Brasil, sejam responsáveis por gigantescas contribuições para a teologia.
ção” quando, na verdade, possuem uma postura bastante definida em Muitos dos grandes teólogos calvinistas não aderiram ao TULIP em seu
relação à questão, mas que, por motivos de conveniência ministerial ou todo. O retrato da produção teológica brasileira representa apenas um
eclesiástica, acabam não se pronunciando evitando possíveis represálias. pequeno nicho teológico calvinista que, ao se proliferar, esconde boa
Pastores e professores que, por exemplo, trabalham em instituições cal­ parte da riqueza reformada que, em alguns assuntos, está alinhada com
vinistas, sentem-se acuados e muitos deles acabam não se posicionando. a tradição arminiana.

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W ELLINGTONM ARIANO m m m
&

Nos Estados Unidos, por exemplo, o movimento crescente de ade­


são de jovens ao calvinismo foi pesquisado e apresentado em livro, mas o
0 QUE É ARMINIANISMO?
movimento também foi criticado em livro e isso é apenas para apresentar
e provar que existe um perigo real de que jovens sejam seduzidos na Arminianismo é o nome dado a uma linha de interpretação teológica
internet para aderirem ao calvinismo1. na área de soteriologia, isto é, doutrina da salvação. Uma vez que a sote-
Muitos jovens, através de e-m ails e de mensagens nas redes sociais riologia estuda a forma como se dá a salvação, o arminianismo é, portan­
me fazem perguntas e buscam orientações no sentido de terem suas dú­ to, uma corrente de interpretação protestante e ortodoxa que busca, den­
vidas bíblicas e doutrinárias sanadas. Este livro é, portanto, uma apre­ tro da limitação do entendimento humano, apresentar como a salvação
sentação e explicação do que o arminianismo é e do que ele não é de acontece. O sistema arminiano tem um sério e profundo compromisso
maneira que funcione como o primeiro contato com o arminianismo e com a Bíblia e com o consenso dos primeiros teólogos cristãos, os Pais da
que, a partir da leitura desse livro o leitor possa ser capaz de iniciar lei­ Igreja, e com a tradição cristã através da História, pois o arminianismo,
turas mais densas, abrangentes e complexas sobre o tema, criando bases embora não coloque a tradição em pé de igualdade com a Bíblia ou em
e solidificando seu entendimento sobre a visão arminiana da salvação. superioridade a ela, valoriza seus desenvolvimentos e contribuições que
Embora discorde das ideias calvinistas, tenho comunhão com meus estão em consonância com a Palavra de Deus.
irmãos que pensam de maneira diferente. Este livro tem uma posição O arminianismo defende a depravação total, a ideia de que o h o­
conciliadora, afinal, a postura conciliadora e irênica tem sido, através da mem, após a queda de Adão e Eva, nasce em pecado e que, sem a aju ­
história, uma marca peculiar dos arminianos. da de Deus, o hom em não pode salvar-se. Defende ainda que, através
O livro em questão está embasado nas principais e mais atuais obras da graça preveniente de Deus, o homem é liberto p ara crer, mas que
escritas pelos mais respeitados e renomados especialistas no tema, de a graça de Deus é resistível; advoga, ainda, a expiação ilim itada, que
sorte que o que aqui é apresentado é o que há de melhor e mais con­ nada mais é que a crença de que Deus enviou Seu Filho, Jesus Cristo,
temporâneo no campo acadêmico, editorial e eclesiástico em razão do para morrer por todos e por cada um dos homens; que a eleição é
estudo e apresentação do arminianismo. condicional, ou seja, a condição para que a pessoa seja eleita é que ela
creia, que deposite sua fé em Deus; e, por fim, que temos segurança
Wellington Mariano em Cristo, a ideia de que estamos seguros enquanto permanecermos
em Cristo, mas que é possível que um verdadeiro cristão cometa apos­
tasia, isto é, que venha a perder sua salvação. Esses pontos defen­
didos pelo arminianismo serão apresentados e discutidos em mais
detalhes no decorrer da obra.
O nome arminianismo tem sua origem no pastor, professor e teólogo
lacó Armínio, mas que fique claro que ele não é o originador das ideias
1 Os livros em questão aqui são Young, Restless, Reformed: A Journalist’s Jour­
ney with the New Calvinists (Jovem, Incansável, Reformado: A Jornada de abraçadas e defendidas pelo arminianismo, mas atua como um precur­
um Jornalista com os Neocalvinistas) (Illinois, Crossway Books, 2008), de sor, organizador, sistematizador e defensor das ideias que posteriormen­
Collin Hansen e o livro Jovem, Incansável, Não Mais Reformado: Buracos Ne­ te levariam seu nome. Portanto, faz-se necessário, ainda, de maneira sim­
gros, Amor e Uma Jornada para Dentro e Fora do Calvinismo (Maceió, Sal
Cultural, 2015), de Austin Fischer. ples e introdutória, oferecer uma sinopse da vida de Armínio.

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WELUNGTONMARIANQ èpAM SM O
Antes de apresentarmos Armínio, vale dizer que ele é, embora muitos como pregador, e rapidamente se tornou um dos homens mais in­
não saibam e outros não queiram admitir, um dos maiores e mais impor­ fluentes de toda a Holanda. Casou-se com a filha de um dos princi­
tantes teólogos do Cristianismo. E a ironia se dá exatamente nisso, pois pais cidadãos de Amsterdã e entrou para o grupo dos privilegiados e
uma figura tão importante e com um legado tão duradouro como o que ele poderosos. Nem por isso demonstrou qualquer indício de arrogância
deixou seja tão desconhecida e negligenciada. ou ambição. Nem sequer seus críticos ousaram acusá-lo de abusar de
O teólogo calvinista Richard Muller, uma das principais autoridades seu cargo pastoral ou de qualquer outra falha pessoal4.
em escolasticismo protestante e na teologia de Jacó Armínio, sobre a
importância de Armínio, escreveu o seguinte: Jacó Armínio
Jacó Armínio nasceu na Holanda, na cidade de Oudewater, no ano
Tiago ou, como ele é mais corretamente chamado, Jacó Armínio de 1559. Ele não conheceu seu pai e, por essa razão, cresceu sob os
(1559-1609) é um dos doze ou mais teólogos na história da igreja cuidados de dois tutores. O primeiro tutor foi Theodore Aemilius, que
cristã que deu uma direção duradoura à uma tradição teológica e que, havia sido padre, mas que se converteu ao protestantismo3. Armínio,
como resultado, carimbou seu nome sobre um ponto de vista doutri­ portanto, fica sob os cuidados e responsabilidade de Aemilius até por
nário ou confessional específico. Ainda é mais surpreendente, portan­ volta dos seus 15 anos, quando Aemilius morre, e então um segun­
to, que Armínio tenha recebido pouca atenção positiva de estudiosos do tutor, Rudulphus Snellius van Roijen, entra em ação. Snellius foi
e ainda espera a discussão definitiva de seu sistema de pensamento2. professor de filosofia em Marburgo, famoso lógico, matemático e lin­
guista6. Os benfeitores de Armínio foram portanto, homens de elevada
O teólogo arminiano Roger Olson, considerado como um dos mais instrução, e, dessa forma, forneceriam a Armínio uma sólida formação
importantes tanto por arminianos quanto por calvinistas3, se não o mais e educação.
importante nome na apresentação e defesa do arminianismo, ao falar da Armínio teve uma infância extremamente turbulenta, assim como
importância de Armínio e fazendo uso de uma citação de Carl Bangs, turbulenta também foi a época em que a Holanda vivia, pois o “país”
principal biógrafo de Armínio, diz: buscava a liberdade política e econômica, já que a Holanda estava debai­
xo do domínio espanhol e, consequentemente, da fé católica. Em razão
Armínio se tornou o primeiro pastor holandês da igreja reformada dessas disputas entre a Holanda e Espanha é que acontece, na cidade
holandesa da maior cidade da Holanda, exatamente quando ela es­ natal de Armínio, o famoso e trágico evento chamado Massacre de Ou­
tava emergindo de seu passado medieval e irrompendo na Idade de dewater. Nesse massacre, quando Armínio tinha aproximadamente 15
Ouro. Era, notadamente, benquisto e respeitado, tanto como pastor anos, sua mãe e irmãos foram assassinados.

2 Richard A. Muller, God, Creation, and Providence in the Thought o f Jacob


Arminius: Sources and Directions o f Scholastic Protestantism in the Era o f Early 4 Roger Olson, História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas
Orthodoxy (Grand Rapids, Baker, 1991), p. 3. (São Paulo, Vida, 2001), p. 472.

3 Collin Hansen, autor do livro Young, Restless, Reformed: A Journalist’s Jour­ 5 Funeral Oration, WA, I, 17, citado em Carl Bangs, Arminius: A Study in the
ney with the New Calvinists (Jovem, Incansável, Reformado: A Jornada de Dutch Reformation (Eugene, OR: Wipf & Stock, 1985), p. 33.
um Jornalista com os Neocalvinistas), ao perguntar por um nome a ser 6 Richard A. Muller, God, Creation and Providence in the Thought o f Jacob Armi­
entrevistado como referência de oposição ao calvinismo, o autor disse que nius: Sources and Directions o f Scholastic Protestantism in the Era o f Early Ortho­
o nome que sempre era citado era o de Roger Olson. doxy (Grand Rapids, Baker Book House Company, 1991), p. 15 .
WELLINGTONMARIANO è p iA M S M O

Armínio estudou em Leiden, em Genebra, e em Basileia, sendo que, O período de 1588 a 1609, isto é, do pastorado em Amsterdam alia­
em Genebra, ele estudou com Theodore Beza, sucessor de Calvino. Após do ao período do professorado em Leiden, de 1603 a 1609, é chamado
a conclusão de seus estudos, Armínio, ainda solteiro e com cartas de re­ de os anos profissionais de Armínio. São nestes anos que ele produz seus
comendação de Beza7 e de Grynaeus8 ao pastorado, é consagrado pastor principais escritos, embora a maioria deles, no presente momento da
e passa a pastorear a Igreja Reformada de Amsterdam. Logo após sua escrita desta obra, ainda não esteja traduzida para a língua portuguesa.
consagração ao pastorado, ele se casou com Lijsbet Real, com quem teve Jacó Armínio veio a falecer, em Leiden, no dia 19 de outubro de
doze filhos, sendo que três deles morreram na infância. 1609.
O pastorado de Armínio durou, aproximadamente, quinze anos:
de 1588 a 1 6 0 3 , sendo que, durante esse período, ele enfrentaria, Remonstrantes
além das disputas teológicas, a pior peste que já havia assolado a Jacó Armínio enfrentou problemas e se opôs ao calvinismo10 enquan­
cidade de Amsterdam até então, pois, em determinados dias, a peste to viveu, mas isso se deu principalmente em seu pastorado em Amster­
chegava a matar mil pessoas. Estima-se que a peste, entre 1601 e dam e em seu professorado em Leiden, mas, após sua morte no dia 19
1 6 0 2 , tenha consum ido aproximadamente 2 0 mil vidas9. de outubro de 1609, o bastão de Armínio, se assim podemos colocar, foi
O professorado de Armínio na Universidade de Leiden, onde ele passado a seus seguidores.
também foi aluno, durou seis anos, de 1603 até 1609. No ano de Os primeiros seguidores das ideias bíblicas e ortodoxas defendidas
1 6 0 5 , Armínio, de acordo com a eleição anual da universidade, foi por Armínio foram chamados de remonstrantes. Os remonstrantes fo­
eleito reitor. ' ram assim chamados em razão de terem entregado, em 1610, a seus
líderes políticos e religiosos um documento chamado Rcmonsti ânciã. Os
7 O conteúdo da recomendação de Beza, sucessor de Calvino, para Armínio foi seguidores de Armínio foram chamados de remonstrantes e os oposito­
o seguinte: "Em suma, que seja conhecido que desde a época do retorno de
res dos remonstrantes foram chamados de contrarremonstrantes.
Armínio da Basileia, que sua vida e aprendizado nos são ambos tão aprovados
que esperamos o melhor dele em todos os aspectos, se ele firmemente per­
sistir no mesmo caminho, no qual, pela bênção de Deus, não duvidamos que A Remonstrância
persistirá, pois, dentre outros dotes, Deus lhe concedeu um intelecto apto O documento da remonstrância apresentou e resumiu em cinco
tanto no que diz respeito ao entendimento quanto à diferenciação das coisas.
artigos o que Jacó Armínio teria defendido como a visão mais bíblica,
Se tais características, de agora em diante, forem reguladas pela piedade, que
ele se mostra assíduo em cultivar, tal poder de intelecto, quando consolidado coerente e majoritariamente aceita e amparada pela história da igreja em
pela idade madura e experiência, só poderá resultar nos mais ricos frutos. relação à doutrina da salvação.
Tal é nossa opinião de Armínio, um jovem que é indubitavelmente, até onde Esse documento recebeu o apoio de cerca de 4 4 ministros e teólo­
somos capazes de julgar, muito digno de nossa bondade e generosidade”.
gos das Províncias Unidas, dentre os quais enfatizamos Johannes Uyten-
(Keith D. Stanglin e Thomas H. McCall, Jacob Arminius: Theologian o j Grace
(New York, Oxford University Press, 2012), p.28. bogart (1 5 5 7 -1 6 4 4 ), fiel e grande amigo de Armínio, Simão Episcópio
8 Johan Jacob Grynaeus foi deão da Universidade de Basileia que, na época (1 5 8 3 -1 6 4 3 ), quem futuramente viria assumir o lugar de Armínio como
em que Armínio estudou sob sua responsabilidade, quis conferir a Armínio seu sucessor no movimento arminiano, tendo assumido o posto de pro­
o título de doutor, mas tal título foi recusado por Armínio que alegou ser fessor na Universidade de Leiden em 1612 e, posteriormente, se tornou
jovem demais para tal honraria.
9 Cari Bangs, Arminius: A Study in the Dutch Reformation (Eugene, OR: Wipf 10 Jacó Armínio criticou tanto o calvinismo supralapsário quanto o calvinis­
& Stock, 1985), p.172. mo infralapsário.
16 17
WELLINGTONMARJANO èRMiNIANISMO
o primeiro professor de teologia do seminário remonstrante, e Hugo Artigo II
Grócio (1 5 8 3 -1 6 4 5 ), importante e influente estadista e jurista. Em concordância com isso, Jesus Cristo, o Salvador do Mundo, mor­
Após a morte de Armínio, o movimento arminiano passou a ser re­ reu por todos e por cada um dos homens, de modo que obteve leconci-
presentado pelos remonstrantes. Com o tempo e desenvolvimento, o ar- liação e remissão dos pecados por sua morte na cruz; porém, ninguém
minianismo passou a ter duas grandes divisões, a saber, arminianismo de é realmente feito participante dessa remissão exceto os crentes, segundo
coração e arminianismo de cabeça11. a palavra do Evangelho de João 3.16: ‘'Porque Deus amou o mundo de tal
Os arminianos de coração são os verdadeiros seguidores de Armínio maneira que deu o seu Filho unigénito, p ara que Lodo aquele que nele crê não
e também são chamados de arminianos evangélicos. Arminianos de ca­ pereça, mas tenha a vida eterna” e a Primeira Epístola de João 2.2: E ele é
beça são adeptos de uma teologia liberal. Mas isso, claro, não é a mesma a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também
coisa que dizer que o liberalismo teológico nasceu ou teve sua origem no
pelos de todo o mundo”.
arminianismo, como alguns críticos do arminianismo equivocadamente
gostam de alegar, até porque o pai da teologia liberal alemã, Friedrich
Artigo III
Schleiermacher, abandonou o calvinismo sem nunca ter abraçado ou de­ O homem não possui fé salvadora em si mesmo, nem no poder do seu
fendido a teologia arminiana. Schleiermacher, um ex-calvinista, é, por­ livre-arbítrio, visto que, em seu estado de apostasia e de pecado, não pode,
tanto o responsável pela liberalização da teologia protestante na Europa.
de si e por si mesmo, pensar, querer ou fazer algo de bom (que seja verda­
Se Armínio for responsabilizado pelos erros e desvios cometidos pelos
deiramente bom tal como, primeiramente, a fé salvífica); mas, é necessário
arminianos’que abandonaram os verdadeiros ensinos de Armínio e Wes-
que Deus, em Cristo, pelo seu Espírito Santo, regenere-o e renove-o no
ley, o mesmo se aplica aos calvinistas, pois Calvino, seguindo essa lógica,
intelecto, nas emoções, na vontade e em todos os seus poderes, a fim de
pode ser responsabilizado por ter introduzido o liberalismo na Europa.
que ele possa corretamente entender, meditar, querer e prosseguir no que
é verdadeiramente bom, como está escrito em João 15.5: porque sem Mim
Os cinco artigos da Remonstrância (1 6 1 0 )
nada podeis fazer".
Artigo I
Deus, por um eterno e imutável decreto em Jesus Cristo, seu Filho, an­ Artigo IV
tes de ter lançado os fundamentos do mundo, decidiu salvar, dentre a raça Esta graça de Deus é o princípio, o progresso e a consumação
humana caída em pecado, os que, em Cristo, por causa de Cristo e através de todo o bem , tanto que nem mesmo um homem regenerado pode,
de Cristo, por meio da graça do Espírito Santo, creriam nesse seu Filho, e por si mesmo, sem essa precedente ou preveniente, excitante, prosse-
que, pela mesma graça, perseverariam até o fim nessa fé e obediência de fé; guinte e cooperante graça, pensar, querer ou terminar qualquer bem,
mas, por outro lado, decidiu deixar os impenitentes e os descrentes sob o muito menos resistir a quaisquer tentações para o mal. Por isso, to­
pecado e a ira, condenando-os como alheios a Cristo, conforme a palavra das as boas obras e boas ações que possam ser pensadas devem ser
do Evangelho de João 3.36: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, mas atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas, em relação ao modo de
aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele perm a­ operação dessa graça, ela não é irresistível, visto que está escrito so­
nece", e também conforme outras passagens da Escritura. bre muitos que “resistiram ao Espírito Santo” (Atos 7) e em muitos
outros lugares.
11 Roger Olson, Teologia Arminiana: Mitos e Realidades (São Paulo, Reflexão,
2013), p. 23.

18 19
W ELLlM GTONMARiANG èHMINIANiSMO
Artigo V é que a apresentação daquilo que foi apresentado nos cinco artigos da
Aqueles que são incorporados em Cristo por uma fé verdadeira, e remonstrância.
consequentem ente são feitos participantes do seu Espírito vivificante,
são abundantemente dotados de poder, para que possam lutar con­ Os cinco pontos do arminianismo
tra Satanás, contra o pecado, contra o mundo e contra sua própria O arminianismo, em resumo, defende cinco pontos principais, des­
carne, e ganhar a vitória. Contudo, sempre (queremos que seja bem critos, em inglês, através do acrônimo FACTS.
entendido) com o auxílio da graça do Espírito Santo, Jesu s Cristo os
ajuda, pelo seu Espírito, em todas as suas tentações, estende-lhes as Freed by grace (to believe) - Feito livre pela graça (para crer)
suas mãos, apoia-os e os fortalece (caso estejam prontos para lutar, A tonem entjor ali - A todos a expiação
queiram o seu socorro e não desistam de si mesmos), de modo que, Conditional election - Condicional eleição
por nenhum engano ou poder sedutor de Satanás, possam ser arreba­ Total Depravity - Total depravação
tados das mãos de Cristo, conform e o que Cristo disse em João 10.28: Security in Christ - Segurança em Cristo
"ninguém as arrebatará da Minha m ão”. Mas se eles não são capazes de,
por descuido, xfjv ápxr)v xfjç ú jto a x á a e o jç x P ^ o ü m x a t a t x e i v Segundo Brian Abasciano, PhD em Divindade pela Universidade

(esquecer o início de sua vida em C risto), de novamente abraçar o de Aberdeen e pastor da Faith Community Church em Hampton, New
presente mundo, de se afastar da santa doutrina que uma vez lhes foi Hampshire, EUA, um dos principais estudiosos e autoridades em ar­

entregue, de perder a sua boa consciência e de negligenciar a graça; minianismo, os cinco pontos do arminianismo devem ser, por ques­
isto deve ser assunto de uma pesquisa mais acurada na Sagrada Escri­ tões lógicas, ensinados por uma ordem diferente da ordem do acrôni­
tura, antes que possamos ensinar com 7tXr|po(|)opia (inteira persua­ mo FACTS13. A ordem lógica para ensino é, portanto, essa: (1) Total
são) de nossas mentes. depravação, (2) A todos expiação, (3) Feito livre pela graça para crer,
(4) Condicional eleição e (5) Segurança em Cristo. Nós seguiremos

Esses artigos, assim definidos e ensinados, os Remonstrantes consi­ esta ordem lógica proposta por Brian Abasciano.
deram estarem de acordo com a Palavra de Deus, idôneos para edifica­
ção, e, no que diz respeito a este argumento, suficientes para a salvação, Total depravação [Cf. Artigo 3 dos 5 Artigos da Rem onstrância]
de modo que não é necessário ou edificante acrescentar ou diminuir Total depravação, também chamada e mais conhecida como depra­
qualquer co isa.12 vação total, é o nome dado ao entendimento bíblico de que o homem,
em razão do pecado, nasce em pecado e tem todas as áreas de sua vida
Os cinco artigos da remonstrância foram escritos em linguagem afetada por ele. O fato desta doutrina ser chamada de depravação total

teológica, mas podem ser mais facilmente entendidos através do que


é conhecido como os cinco pontos do arminianismo, que nada mais 13 Isso nos é apresentado por Brian Abasciano no artigo intitulado The
FACTS o f Salvation: A Summary o f Arminian Theology/the Biblical Doc­
12 Os cinco artigos foram traduzidos por Luis Henrique de Sousa da Silva a trines o f G race (Os FATOS da Salvação: Uma Síntese da Teologia Armi-
partir do latim e revisados por Lucas Ferreira Martins Soares dos Santos. A niana/as Doutrinas Bíblicas da graça).ss O material em inglês pode ser
acessado em:<http://evangelicalarminians.org/the-facts-of-salvation-a-
fonte original utilizada pode ser consultada em: <www.ccel.org/ccel/schaff/
creeds3.iv.xv.html>. -summary-of-armiman-theologythe-biblical-doctrines-of-grace/>

20 21
WELLINGTONMARIANO

O texto bíblico acima está dizendo que, em questões de salvação, ou


faz com que muitos pensem que o homem é tão mal quanto poderia ser,
ainda, em questões que supostamente seriam meritórias para a salvação,
e isso em razão do uso da palavra total. Mas a ideia de total é de exten­
o homem é totalmente depravado. O homem é incapaz de salvar a si
são e não de intensidade, ou seja, o homem é totalmente depravado no
mesmo e isso ocorre porque o homem está debaixo do pecado, e, por
sentido de que todo o seu ser e todas as áreas de sua vida são afetadas
estar debaixo do pecado, ele não é justo, não entende as coisas de Deus,
pelo pecado. Armínio, por exemplo, chamava esta doutrina de inabilida­
está extraviado; aos olhos de Deus, o homem não faz o bem, a sua gar­
de to ta l14. O capítulo 2 de Efésios é uma passagem conhecida que trata da
ganta é um sepulcro aberto, seus pés são rápidos para derramar sangue,
depravação total, mas por questões de praticidade, trataremos da dou­
em seus caminhos há destruição e miséria, não conhece o caminho da
trina a partir da passagem bíblica que talvez melhor explique, apresente
paz, porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.
e resuma a total depravação, a saber, o capítulo 3 de Romanos, que diz:
Esse é, segundo Deus, que tem poder de conhecer e de analisar
nossos corações e intenções, o raio-X do coração do homem. Mas qual
Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já
homem Deus tem em mente aqui nesta passagem? Todos os homens,
dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão
excetuando-se Jesus Cristo. Portanto, todo homem, de acordo com a
debaixo do pecado; Como está escrito: Não há um justo, nem um
Bíblia, quer ele admita ou não, possui as características descritas acima.
sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque
E, exatamente em razão da depravação total, todos os homens precisam
a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não
há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepul­ de Deus para serem salvos.
Quais são algumas das implicações e a consequência mais prática do
cro aberto; Com as suas línguas tratam enganosamente; Peçonha de
entendimento da depravação total? A principal implicação ou consequên­
áspides está debaixo de seus lábios; Cuja boca está cheia de maldição
cia de tal doutrina é o conhecimento de que é Deus, e assim não o homem,
e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus
quem inicia e conclui todo o processo de salvação do ser humano (Filipen-
caminhos há destruição e miséria; E não conheceram o caminho da
ses 1.6). Das características descritas pelo apóstolo Paulo na passagem de
paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos. Ora, nós sabemos
Romanos, chama-nos a atenção o fato de o texto nos dizer clara e enfati­
que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que
camente que o homem não busca a Deus, logo, se o homem não busca a
toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante
Deus, como ele pode ser salvo? O homem, portanto, só pode ser salvo se
de Deus. Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas
obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado. Mas Deus o buscar primeiro.
É comum ouvirmos, no meio evangélico, e até mesmo em muitos
agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho
púlpitos, frases iguais ou muito semelhantes a esta: Dê um passo para
da lei e dos profetas; Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo
Deus que Ele dará outro para você”. Agora, se o texto de Romanos nos
para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença.
disse que o homem não busca a Deus, como é, então, que o homem pode
Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo
dar um passo para Deus? A verdade bíblica é que o homem não apenas
justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em
não pode como também não dá esse primeiro passo para Deus. O que
Cristo Jesus. (Romanos 3:9-24)
acontece, portanto, é que quando o homem, se assim podemos colocar,
dá um passo para Deus, o que ele está fazendo é, na verdade, responder
14 Keith D. Stanglin e Thomas H. McCall, Jacob Arminius: Theologian o f Grace ao passo primeiramente dado e iniciado por Deus em direção ao homem.
(New York, Oxford University Press, 2012), p. 150.

22
WELLINGTONMARIANÜ

Consequentemente, se o homem for a pessoa que primeiramente der um mas é necessário que seja regenerado e renovado em seu intelecto,
passo para Deus, o texto de Romanos passa a perder seu sentido, mas, afeições ou vontade e em todas as suas atribuições, por Deus em
como acreditamos e defendemos que a Bíblia é inspirada e inerrante (2 Cristo através do Espírito Santo, para que seja capaz de corretamente
Timóteo 3.16; Mateus 2 4 .3 5 ), o que vemos é uma falta de entendimento compreender, estimar, considerar, desejar e realizar o que quer que
da doutrina da depravação total, a qual leva muitas pessoas, inclusive seja verdadeiramente bom. Quando ele é feito um participante dessa
líderes, a proferirem uma frase que, ainda que tal pessoa não tenha essa regeneração ou renovação, eu considero que, uma vez que ele é li­
intenção, esteja errada em termos bíblicos, ou, se colocado de maneira berto do pecado, ele é capaz de pensar, desejar e fazer o que é bom,
mais dura, é uma heresia. mas, entretanto, não sem a contínua ajuda da Graça Divina".
Há quem defenda a ideia de que o homem, ao contrário do que a Bí­
blia ensina em Romanos 3, não seja depravado. Tal entendimento nega o Essa clara, direta e inequívoca afirmação de Armínio põe por terra

pecado original e suas consequências. Essa ideia é uma heresia chamada toda e qualquer acusação de que o arminianismo é pelagiano ou semi-

de pelagianismo. pelagiano. A acusação de que o arminianismo é pelagiano ou semipela-


Mas há quem defenda a ideia, ao contrário do que a Bíblia ensina em giano só pode ser sustentada, dessa forma, por dois grupos de pessoas:
Romanos 3, de que o homem, embora atingido e afetado pela depravação os que desconhecem o arminianismo e os que conhecem, mas, mesmo
total, ainda possa iniciar a salvação. Essa ideia é uma heresia chamada sabendo da seriedade e da ortodoxia do sistema arminiano, resolvem,
semipelagianismo. A frase citada anteriormente em que se pede que o ho­ com uma postura mentirosa, difamar esse sistema. De qualquer forma,
mem dê um passo para Deus é o exemplo de frase que, intencionalmente os dois grupos estão errados, pois o primeiro grupo, os dos que des­
ou não, propaga o semipelagianismo, pois defende que o homem, ao dar conhecem o sistema, não pode opinar sem antes estudar e verificar se

o passo inicial, está iniciando o processo de salvação. Aqui vale ressaltar suas fontes são dignas de crédito, e os do segundo grupo, os que co­
então que tal frase deve ser banida das bocas e dos púlpitos de toda e qual­ nhecem o arminianismo, precisam adotar uma postura de sinceridade

quer igreja evangélica séria e que preze pela boa e sã doutrina. Pedimos, em relação ao que estudaram, não fazendo uso de mecanismos e de
ainda, que o cristão, ao perceber tal erro, que busque corrigir a prática subterfúgios que visem ao engano.
equivocada, mas que o faça com decência, com ordem e, principalmente, Outra grande e importantíssima implicação do entendimento da

com amor, não adotando uma postura de superioridade, mas prezando doutrina da depravação total acontece na esfera do livre-arbítrio. Mui­

pela verdade em amor (2 Timóteo 3. 16-17, Filipenses 2.3, Efésios 4.15). tos cristãos evangélicos sinceros acreditam e defendem que o homem

O arminianismo ensina e defende que o homem é totalmente depra­ tem livre-arbítrio, mas já vimos que o homem está totalmente depra­
vado e que não pode, de e por si mesmo, e sem a ajuda de Deus, iniciar vado e que isso significa que todas as áreas de seu ser foram afetadas

o processo de salvação. O que o arminianismo defende, em termos práti­ negativamente pelo pecado, incluindo o arbítrio.
cos: o homem não pode dar o primeiro passo para Deus. O primeiro pas­ Segue-se, portanto, que o homem após a queda não possui livre-

so no relacionamento salvífico entre Deus e o homem é dado por Deus. -arbítrio, já que o pecado também afeta sua vontade e é exatamente por

Jacó Armínio, ao tratar da questão da depravação total, escreve: isso que Romanos 3 diz que o homem não busca a Deus. Por que o ho­
mem não busca a Deus? Porque seu arbítrio agora está afetado, preso e
Em seu estado pecaminoso e caído, o homem não é capaz, de e por
15 Roger Olson, Teologia Arminiana: Mitos e Realidades (São Paulo, Reflexão,
si mesmo, quer seja pensar, querer ou fazer o que é, de fato, bom; 2013), p. 53.

24
Á p M 3

inclinado para o mal de maneira que a pessoa, em sua vontade natural e utilizam, muitas vezes, definições diferentes para um mesmo termo.
sem o auxílio de Deus, é incapaz de buscar a Deus. Assim, por exem plo, é com um que uma pessoa utilize a palavra
Livre-arbítrio é o que *4dão e Eva tinham antes da queda. Todos livre-arbítrio em um sentido e outra pessoa use a mesma palavra, mas
os seus descendentes, em razão da queda, nascem sem livre-arbítrio. O em sentido diferente daquele. Cabe aqui, portanto, deixar claro que a
arbítrio do homem, nascido em delitos e pecados, é escravo. O termo noção e entendimento de livre-arbítrio defendido pelos arminianos é o
mais correto e específico, portanto, para se definir o arbítrio do homem livre-arbítrio libertário.
natural é arbítrio escravo, um arbítrio que não é livre, mas que está es­ Livre-arbítrio libertário, definido de maneira simples, é a habilidade
cravizado pelo pecado. de se fazer algo e de não se fazer algo. Essa ideia envolve a habilidade
% O homem, após iniciativa e intervenção divina, tem seu arbítrio li­ de se poder escolher entre pelo menos duas coisas, ou seja, entre poder
bertado ou restaurado e é por isso que nos círculos acadêmicos muitos resistir à graça de Deus e não resistir a graça de Deus, por exemplo.
prefiram e instruam as pessoas a não utilizarem o termo livre-arbítrio, Jerry Walls, professor e filósofo cristão, define livre-arbítrio libertário da
mas arbítrio libertado ou restaurado16. Aqui os termos libertado ou res­ seguinte maneira:
taurado fazem referência não a um estado exatamente igual ao de Adão
e Eva antes da queda, uma vez que não existe neutralidade ou posição A essência desse posicionamento é que uma ação livre é aquela que
intermediária entre a depravação total e regeneração, mas que o homem não tem uma condição suficiente ou causa prévia para seu aconteci­
depravado é, ao ser atingido pela graça preveniente, capacitado a crer17. mento; ela também defende que algumas ações humanas são, nesse
Roger Olson, ao tratar da questão, diz: sentido, livres. Defensores da liberdade libertária adotam essa visão
por várias razões. Primeiro, a experiência comum de deliberação
A pessoa que recebe a plena intensidade da graça preveniente (ex. supõe que nossas escolhas não são determinadas. Quando delibe­
através da pregação da Palavra e a chamada interna correspondente ramos, nós não apenas sopesamos os vários fatores envolvidos, mas
de Deus) não mais está morta em delitos e pecados. Entretanto, tal também os pesamos. Isto é, decidimos quão importantes as diferen­
pessoa ainda não está plenamente regenerada. A ponte entre a regene­ tes considerações são quando comparadas e relacionadas umas às
ração parcial (sic) pela graça preveniente e a plena regeneração pelo outras. Esses fatores não têm um peso pré-designado que todos de­
Espírito Santo é a conversão, que inclui arrependimento e fé. Estes vem aceitar. Parte da deliberação é peneirar esses fatores e decidir o
são possibilitados pela graça divina, mas são livres respostas da parte quanto eles nos são importantes. Tudo isso presume que cabe a nós
do indivíduo18 (Ênfase minha). a forma com que decidiremos.

Ainda, na questão do livre-arbítrio, é importante observar que muita Segundo, parece intuitiva e imediatamente evidente que muitas de
confusão acontece em diálogos e em debates, pois as pessoas envolvidas nossas ações cabem a nós no sentido de que, quando estamos diante
de uma decisão, ambas as opções (ou mais) estão dentro de nosso
16 Ibid., p. 183.
poder de escolha. Claro, nosso sentimento de que temos esse poder
17 William Birch em: < http://jacobarminius.blogspot.com.br/2015/01/
poderia ser ilusório, conforme o determinismo alega. Temos de deci­
assessing-john-hendryx-on-prevenient.html>. Acesso em: 5 maio 2015.
dir entre as reivindicações conflitantes. Como geralmente é o caso com
18 Roger Olson, Teologia Arminiana: Mitos e Realidades (São Paulo, Reflexão,
2013), p.46.São Paulo: . julgamentos filosóficos desse tipo, devemos decidir qual reivindicação
é mais acertada. Os libertários defendem que nossa noção imediata de dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
poder escolher entre cursos de ação alternativos é mais certa e fidedig­ também”. (Ênfase minha)
na do que qualquer teoria que nega que temos esse poder. O versículo fala das pessoas como “mortas em ofensas e pecados”
e, em razão disso, muitos cristãos, principalmente calvinistas, chamam
Terceiro, os libertários levam muito a sério o bem disseminado ju l­ esse estado de total depravação de morte. Mas vale ressaltar que a mor­
gamento de que somos moralmente responsáveis por nossas ações, e te aqui descrita é uma morte espiritual e não uma morte física, portan­
que a responsabilidade moral exige liberdade 19. to, equiparar a morte espiritual a uma morte física é um erro, afinal,
a Bíblia apresenta a morte como separação e não como aniquilação,
Tenha em mente, então, que muitas pessoas podem utilizar a pa­ conforme podemos ver, por exemplo, em Isaías 59:2 que diz: “Mas
lavra livre-arbítrio, mas não no sentido libertário, e sim no sentido as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os
com patibilista, com o é o caso dos calvinistas consistentes — muitos vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça”
calvinistas, conscientes disso ou não, acabam por fazer uso da de­ (Ênfase minha). Outra vantagem da explicação de “morte” como “sepa­
finição de livre-arbítrio libertário, mas tal uso é inconsistente com ração” é que isso explicaria melhor a questão da Imago Dei (Imagem e
o sistema que defendem. Livre-arbítrio compatibilista é, portanto, a Semelhança) de Deus no homem, pois o homem caído, embora caído,
habilidade que alguém tem de fazer o que ela quer fazer, ainda que tal ainda possui certa imagem e semelhança de Deus, o que ele, estando
coisa esteja determinada por alguma força interna ou externa à vonta­ morto, não poderia ter, pois assim a Imago Dei estaria destruída.
de da pessoa20. A definição de livre-arbítrio compatibilista é rejeitada
pelos arminianos e pelo senso comum da maioria das pessoas, uma A todos a expiação (expiação ilimitada) [Cf. Artigo 2 dos 5 Artigos
vez que a conclusão lógica do com patibilism o é negação ou ausência da R em onstrância]
da responsabilidade humana. Este ponto é, sem sombra de dúvida, o que mais une os cristãos,
pois acredita-se que a Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, tenha esse fio con­
Ainda, em relação a total depravação, é necessário apresentar o dutor, o de que Jesus Cristo é bondoso e amoroso e essa expressão de seu
“estado de m orte” do hom em com o uma metáfora para explicar a amor e bondade é dada através de Seu ato de morrer por todos e por cada
total depravação. um dos homens21. É possível que você, cristão, ao ler essa obra se pergun-

Efésios 2 :1 -3 diz: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e


21 O leitor pode achar estranho a expressão todos e cada um dos homens,
pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo,
mas essa expressão é utilizada pelos arminianos para se fazer distinção entre
segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera o significado de “todos” entre os arminianos e o significado de “todos” entre
nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós também antes os calvinistas chamados “de 5 pontos”. Embora alguns calvinistas digam
andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e que Jesus morreu por todos, essa palavra “todos”, para muitos deles, refere -
-se a todos os tipos de pessoas, “de todas as línguas, tribos e nações, em todos
os tempos”, mas não todas as pessoas dessas tribos, línguas ou nações, pois
19 Jerry L. Walls e Joseph R, Dongell, Por Que Não Sou Calvinista (São Paulo,
algumas dessas pessoas foram ignoradas por Deus. O discurso calvinista de
Reflexão, 2014), p.98.São Paulo: Editora .
que Jesus morreu por todos pode enganar e, até mesmo, confundir muitas
20 Roger Olson, Teologia Arminiana: Mitos e Realidades (São Paulo, Reflexão, pessoas, mas uma vez que esse conceito é entendido, as pessoas passam a
2013), p. 26. entender que o “todos” calvinista é, na verdade, “alguns”.
WELLINGTONMARiANO ê p iA N ÍS M O
te: mas existe cristãos que acreditam que Cristo não tenha morrido por inclina-se para essa ideia: “Eles dividem a igreja em nome da cir­
todos e por cada um dos homens? E por mais surpreendente que pareça, cuncisão; eu queria que eles fossem mutilados inteiramente”. Mas
sim, existe um grupo de cristãos que defende que Cristo morreu apenas essa maldição não parece se encaixar na brandura de um apóstolo, que
por um pequeno e seleto grupo de pessoas, ignorando todas as demais deveria desejar que todos pudessem ser salvos e que, portanto, nenhum
pessoas e, com isso, selando o destino das mesmas no inferno. perecesse. Eu replico que isso é verdadeiro quando temos os homens em
Esse ponto também é, indubitavelmente, o ponto de maior fraqueza mente; porque Deus recomenda-nos a salvação de todos os homens, sem
e vulnerabilidade do calvinismo, uma vez que não há um único versículo exceção, mesmo porque Cristo sofreu pelos pecados do mundo inteiro (co­
na Bíblia que diga clara e inequivocamente que Jesus Cristo não tenha mentários sobre G1 5.12).
morrido por alguém, aliás, existe até hoje um debate sobre se Calvino
teria ou não ensinado e defendido que Cristo morreu apenas pelos elei­ Quando ele fala do pecado do mundo, ele estende essa am abilidade
tos22, e o autor Norman Geisler, um dos maiores apologistas contempo­ indiscriminadamente a toda raça humana, para que os judeus não pen­
râneos da fé cristã, a esse respeito diz: sassem que o Redentor havia sido enviado para eles somente. Disso
inferimos que o mundo inteiro está debaixo da mesma condenação;
Se os cinco pontos do calvinismo descritos nos capítulos 4 e 5 forem e que, visto que todos sem exceção são culpados de injustiça pe­
tomados como definição de calvinismo, então parece claro que Cal­ rante Deus, eles têm necessidade de reconciliação. João, portanto,
vino não era calvinista, ao menos em um ponto crucial: a expiação ao falar do pecado do mundo em geral, quis fazer-nos sentir nossa
limitada. Essa é a razão pela qual preferimos chamar esse pensamen­ própria miséria e exortar-nos a procurar remédio (comentários sobre
to de “calvinismo extremado” em todo esse livro; ele vai além do que Jo 1.29)
o próprio Calvino pensava sobre essa matéria.23
Devemos agora ver de que modo nos tornamos possuidores das bên­
Geisler, agora fazendo uso de citações de As Instituías da Religião çãos que Deus nos concedeu em seu Filho unigénito, não para uso
Cristã e de comentários de João Calvino, escreve: particular, mas para enriquecer o pobre e o necessitado. E a primeira
coisa em que se deve prestar atenção é que, enquanto estamos sem
Eu gostaria que eles fossem mesmo mutilados. A indignação de Pau­ Cristo e separados dele, nada do que ele sofreu e fe z pela salvação da
lo aumenta e ele ora pela destruição dos impostores por quem os raça humana é de benefício mínimo para nós. Para comunicar-nos as
gálatas haviam sido enganados. A palavra “mutilados” parece aludir bênçãos que ele recebeu do Pai, ele precisa se tornar nosso e habitar
à circuncisão para a qual eles haviam sido pressionados. Crisóstomo em nós (Instituías, 1.3.2).

22 Richard Muller discute essa questão em Was Calvin a Calvinist? Or, áid
Enquanto Calvino afirmou que a exíensão da expiação é limitada,
Calvin (or Anyone Else in lhe Early Modem Era) Plant the “TULIP”?. O ar­
tigo pode ser lido em <www.calvin.edu/meeterAVas%20Calvin%20a%20
ele também sustentou que sua aplicação é limitada somente aos que
Calvinist-12-26-09.pdf>. Ainda sobre o tema, os editores David L. Allen e creem. Isso fica evidente em diversos textos.24
Steve Lemke dedicam um capítulo inteiro, o sete, para lidar com a questão
na obra Whosoever will: a biblical critique offive-point Ccalvinism, p. 191-212.
23 Norman Geisler, Eleitos, mas Livres: um a perspectiva equilibrada entre a
eleição divina e o livre-arbítrio (São Paulo, Vida, 2005), p. 182.

30
WELLINGTONMARIANQ áRMINIANi
ò
SMO
A expiação ilimitada é, portanto, a ideia bíblica de que Jesus morreu do é atribuído a muitos no sentido de se referir a toda a humanidade, o
por todos os homens sem exceção alguma e ela está expressa no artigo “muitos” ” referente à graça de Jesus Cristo também é atribuído a toda a
II da Remonstrância. humanidade. A defesa da morte de Cristo por um grupo apenas, se feita
Façamos agora uma leitura de alguns versículos que demonstram de maneira consistente com esta passagem bíblica, deve levar a conse­
que Jesus Cristo morreu por todos e por cada um dos homens. Essa quência lógica e necessária de que o pecado de Adão atingiu apenas uma
lista, claro, não pretende ser uma lista exaustiva, mas pretende deixar parte de toda a humanidade, o que solaparia a doutrina da depravação
claro que a doutrina de que Jesus morreu por todos e por cada um dos total no calvinismo. A interpretação de que existe um paralelo entre a
homens é muito sólida e irrefutável. ofensa de Adão e a graça de Cristo possui respaldo no próprio Calvino:
Em João 3:16, talvez o versículo mais conhecido e decorado de toda a
Bíblia, está escrito: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu Paulo torna a graça comum a todos os homens, não porque ela de
o seu Filho unigénito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas fato se estende a todos, mas porque é oferecida a todos. Embora Cris­
tenha a vida eterna'’. Aqui vemos que Deus fala de seu amor ao mundo, o to tenha sofrido pelos pecados do mundo e oferecido pela bondade de
kosmos, e não limita a morte de Seu Filho a um grupo ou classe de pessoas, Deus sem distinção a todos, nem todos o recebem (comentários so­
mas diz que tal ato foi feito tendo em vista toda a humanidade, sem que nem bre Rm 5.18).
uma única pessoa sequer fique de fora.
Em Romanos 5 :1 5 -1 9 está escrito: Tomar sobre si os pecados significa libertar, porque ele quer libertar
os que pecaram por culpa própria. Ele diz “muitos” significando “to­
Mas não é assim o dom gratuito com o a ofensa. Porque, se pela dos”, como em Romanos 5.15. É óbvio que nem todos desfrutam a morte
ofensa de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e de Cristo, mas isso acontece por causa da incredulidade deles, que os im­
o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abun­ pede (comentários sobre Hb 9 .2 8 )25
dou sobre muitos. E não foi assim o dom como a ofensa, por um
só que pecou. Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, João 1.29 diz: “No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele,
para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Nesta
justificação. Porque, se pela ofensa de um só, a morte reinou por passagem fica claro que o Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, tira o pecado
esse, muito mais os que recebem a abundância da graça, e do dom do mundo. Aqui, como nas outras passagens, nada é dito sobre Cristo
da justiça, reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. Pois assim tirar o pecado de certas pessoas e não o de outras.
como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para O apóstolo Paulo, escrevendo a Timóteo, diz:
condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre
todos os homens p a ra justificação de vida. Porque, como pela deso­ Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações,
bediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim intercessões, e ações de graças, por todos os homens; Pelos reis, e por
pela obediência de um muitos serão feitos justos. (Ênfase minha). todos os que estão em eminência, para que tenhamos uma vida quieta
e sossegada, em toda a piedade e honestidade; Porque isto é bom e
Nessa passagem, existe um paralelismo entre o pecado e a graça de
Deus, entre a ofensa de Adão e a morte de Jesus Cristo. Logo, se o peca­ 25 Ibid., p. 187.

32 33
WELLINGTONMARIANO éRMíNIANISMO
agradável diante de Deus nosso Salvador, Que quer que todos os homens Os autores Jerry Walls e Joseph Dongell, lidando com a questão do
se salvem, e venham ao conhecimento da verdade. Porque há um só Deus, amor de Deus, argumentam:
e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem. O
qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de O contexto definitivo para avaliar qualquer bem da perspectiva cris­
testemunho a seu tempo. (1 Timóteo 2:1-6 - Grifos meus). tã é a eternidade. Como pode alguém dizer, com toda seriedade, que
bens temporais, não importa o quão generosos, são provas do amor
Não existe uma única passagem clara e direta na Bíblia que diga que de Deus se Ele escolhe negar a salvação, que é o que realmente im­
Cristo não tenha morrido por alguém. No entanto, o contrário é dito porta (Marcos 8 :3 4 -9 :1 )? Reflita por um momento na confiante es­
abundantemente na Palavra de Deus, conforme acabamos de ler, pois o perança de Paulo, de que todos os sofrimentos deste mundo não po­
texto em questão nos diz que Deus quer e deseja que todos os homens dem ser comparados com a glória a ser revelada na eternidade para
sejam salvos. aqueles que creem (Romanos 8:18; 2 Coríntios 4 :1 7 -1 8 ). Ele pode
Em Tito 2:9 lemos: “Porque a graça salvadora de Deus se há mani­ dizer isso porque está certo de que nenhuma desventura ou perda
festado a todos os homens”. Observe bem que o texto fala de graça, mas poderia jamais se equiparar em valor ao inultrapassável bem da vida
não de qualquer graça, mas de uma graça salvadora que há sido dispo­ eterna com Deus (Filipenses 3 :8 -1 1 ). De fato, comparativamente fa­
nibilizada a todos os homens. Não dá para querer defender uma graça lando, quaisquer tragédias são triviais e insignificantes quando con­
comum não salvadora quando temos um texto bíblico claro, direto e trastadas com a eternidade. Um argumento paralelo pode ser feito
enfático que diz que uma graça salvífica da parte de Deus foi manifestada sobre pecadores não eleitos. Os bens e as bênçãos deste mundo não
a todos os homens. se podem comparar com a futura miséria que está preparada para
A defesa da expiação ilimitada preserva o caráter bondoso e amoroso o não convertido que não foi eleito. A danação eterna e a perda de
de Deus. A defesa da ideia de que Jesus só tenha morrido por um grupo tudo que é verdadeiramente bom com certeza tornam qualquer be­
de pessoas levanta dúvidas e questionamentos acerca do caráter perfeito nefício temporal muitíssimo insignificante.
de Deus, afinal, como Deus pode ser amor (1 João 4:8) se Ele não ama
todas as pessoas? Ou ainda, como Deus pode ser amor se Ele ama um Jesus argumentou nesse sentido de maneira mais memorável quando
grupo de pessoas de uma maneira salvadora e “ama” todas as demais perguntou, “Pois, que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro
pessoas com um amor não salvador? Pois, se Deus ama um grupo de e perder a sua alma?” (Mateus 16:26). Não faz sentido algum dizer
forma a garantir sua salvação, mas “ama” outro grupo de maneira a não que Deus ama as pessoas se Ele lhes dá o mundo inteiro, mas retém
garantir sua salvação, esse “amor” não salvador de Deus esvazia-se de a graça de que precisam para salvar suas almas imortais.26
significado, pois amar é querer bem, é fazer de tudo para que a pessoa
possa usufruir e experimentar do melhor que há e a melhor coisa do Mas existem aqueles que responderão dizendo que Deus já tratou da
mundo que esse amor pode-nos conferir é a vida eterna. Qualquer coisa questão dessa “aparente” injustiça da parte de Deus em Romanos 9:14.
terrena, temporal e imperfeita não pode receber o nome de amor, e isso Mas essa resposta frágil esconde problemas ainda maiores, pois, se Deus
independe do fato de muitos cristãos tentarem atribuir um significado não pode ser culpado ou considerado injusto por fazer algo que Ele mes­
imperfeito e incompleto acerca do mais puro e mais elevado amor que
26 Jerry L. Walls e Joseph R. Dongell, Por Que Não Sou Calvinista (São Paulo,
existe, o amor de Deus.
Reflexão, 2014), pp. 176-177.

34 35
mo diz que Ele não pode fazer, portanto, eu preciso escolher entre duas preveniente, precisamos dar uma palavra em relação a uma possível ob­
coisas: ou Deus realmente não é injusto ao selecionar incondicionalmen­ jeção. É comum algumas pessoas não gostarem de utilizar expressões
te certas pessoas para o céu e ignorar todo o restante da humanidade ou que não se encontram na Bíblia, e graça preveniente é um termo que
o Deus da Bíblia está em contradição Consigo mesmo, dizendo ser algo não se encontra na Bíblia. Aqui precisamos enfatizar que a palavra Trin­
que Ele não é, pedindo para aos humanos que amem com um amor que dade, por exemplo, também não se encontra na Bíblia, mas o conceito
seja mais elevado que Seu amor, pois Deus pede aos homens que amem a de Trindade sim. O mesmo vale para o termo graça preveniente que,
seus inimigos (Mateus 5:44), mas Ele mesmo não serve de exemplo para embora não esteja grafado na Bíblia, seu conceito está. Nesse sentido, os
isso, já que Deus, de acordo com o calvinismo, não ama de maneira sal­ arminianos estão em dupla vantagem, pois o conceito de graça calvinista
vadora aqueles que não serão salvos, os réprobos. Vocês acham possível não salvadora não é bíblico e nem está amparado pela tradição da igreja.
amar alguém e, ao mesmo tempo, não desejar a salvação de tal pessoa? O A operação ou funcionamento dessa graça não é unânime entre os
amor de Deus passa a ser algo que o ser humano não pode entender, pois arminianos, de maneira que existem duas visões arminianas acerca da
já não há nada que possa ser visto e entendido de maneira semelhante à questão. Existe uma definição de graça preveniente para os arminianos
forma, significado ou entendimento de amor que o homem possa ter. Se clássicos e outra para os arminianos wesleyanos ou também chamados de
eu defender que não há injustiça da parte de Deus eu acabo por tornar a armínio-wesleyanos.
Bíblia impossível, pois a Bíblia revela e mostra Deus como amando sal­ Arminianismo clássico é o entendimento teológico da doutrina da
vadoramente todas as pessoas. Se Deus diz que ama, mas, no fundo não salvação igual ou muito próximo ao entendimento do arminianismo por
ama, eu tenho problemas graves em tanto em confiar nesse Deus quanto Jacó Armínio e por seus primeiros adeptos.
na Palavra desse Deus. Arminianismo wesleyano, como o próprio nome indica, é o en­
Por fim, ainda nos cabe dizer que o fato de Deus amar e desejar que tendimento do arminianismo conforme adotado e defendido por João
todas as pessoas se salvem não quer dizer que todas as pessoas serão Wesley e seus seguidores. É o entendimento teológico da doutrina da
salvas. O arminianismo não defende e nem prega o universalismo. No salvação que origina-se a partir do arminianismo clássico, o arminianis­
arminianismo a eleição é condicional, portanto, a menos que as pessoas mo de Armínio e seus primeiros seguidores, mas que faz, segundo os
preencham a condição estipulada e exigida por Deus, tais pessoas não armínio-wesleyanos, algumas mudanças ou aprimoramentos no sistema
serão salvas automaticamente, mas essa é a explicação de outro ponto do arminiano mais antigo. O arminianismo wesleyano também tem uma
arminianismo que será feito posteriormente. doutrina característica chamada de perfeição cristã (santificação).
João Wesley, diferente de Armínio, é um teólogo conhecido e admi­
Feito livre pela graça para crer [Cf. A rtigos 3 -4 dos 5 A rtigos da rado, mais conhecido que o próprio Annínio e é, com certeza, o arminia­
Rem onstrância] no mais conhecido do público como um todo.
Lemos que o homem natural nasce em pecado e que, por isso, não A conclusão a que chegamos é simples, ao apresentar essas duas
pode buscar a Deus, mas só será salvo se Deus primeiramente o buscar. vertentes do arminianismo: nem todo arminiano é wesleyano, mas todo
Mas de que maneira essa busca da parte de Deus acontece? É isso o que wesleyano é arminiano. O termo wesleyano é mais conhecido que o
veremos agora. termo arminiano, mas, uma vez que a maioria dos wesleyanos, se não
A ação de Deus na busca do homem, em termos teológicos, é cha­ todos, são arminianos, o termo wesleyano é, então, em certo sentido,
mada de graça preveniente. Antes de explicarmos o significado de graça sinônimo de arminianismo. Estar entre wesleyanos é estar entre armi-
nianos, não arminianos clássicos, mas arminianos wesleyanos. O teólogo e difundido. Por essa razão, alguns círculos não arminianos, sabendo
W Stephen Gunther dedicou um capítulo em uma recente obra, para disso, preferem fazer usos de outros termos que não esse, tentando evitar
tratar do problema da perda do arminianismo em círculos wesleyanos e uma associação com o arminianismo.
critica o uso do termo wesleyano sem fazer referência a Armínio, dizen­ Vejamos uma pequena definição de graça preveniente dada pelo teó­
do que a designação mais comum é arminianos wesleyanos ou armínio- logo Stanley Grenz:
-wesleyanos, pois, dessa forma, o termo seria mais claro e ajudaria no
reconhecimento de que eles são arminianos27. Eu tive a honra de dar Outro teólogo batista, Stanley J. Grenz, foi um arminiano sem rotular-
algumas palestras sobre arminianismo em alguns lugares e, certa vez, -se a si mesmo como tal. Em sua teologia sistemática, Theologyfor the
um irmão wesleyano que estava na conferência arminiana em que eu community o f God (Teologia para a comunidade de Deus), ele descreve
estava palestrando me disse: “Sou wesleyano, estudo e sei bastante sobre a graça preveniente de três formas: iluminadora, convencedora e como
Wesley, mas confesso que nada ou quase nada sabia de Armínio”. Frases convidativa e capacitadora. Ele deixa claro que ela é sempre resistível
semelhantes a essa passaram a ser mais corriqueiras, de maneira que porque ela é voltada para pessoas e não máquinas, por meio do ouvir a
eu posso testificar que, pelo menos em minha experiência pessoal entre Palavra de Deus. A questão aqui é simplesmente esta: a teologia armi­
wesleyanos que existe uma deficiência no estudo e apresentação do sis­ niana (e muitas outras teologias não calvinistas que não são rotuladas
tema arminiano de que os “wesleyanos” são oriundos, mas, ainda assim, assim) colocam a iniciativa na salvação e toda a obra de salvação ime­
os wesleyanos são, no Brasil, os cristãos mais conscientes de sua herança diatamente do lado divino da equação28 (Grifos meus).
soteriológica arminiana e, consequentemente, muito do que existe de
literatura arminiana, quer no passado e presente, foi escrito por teólogos Que fique claro que a graça, para os arminianos, é uma só. Ela possui
metodistas e/ou wesleyanos. divisões, mas tais divisões são utilizadas para um melhor e mais fácil en­
A apresentação e distinção entre arminianos clássicos e wesleyanos tendimento do conceito, mas a graça é, antes de tudo, uma só. Os armi­
era imprescindível, para que pudéssemos, então, voltar a tratar da graça nianos também defendem que graça tem propósito salvífico, afinal, uma
preveniente como entendida por arminianos clássicos e wesleyanos. graça de Deus que não busque ou não ofereça a oportunidade de salva­
Graça preveniente é, portanto, de maneira ampla, a graça que vem ção pode ser qualquer coisa, menos graça de Deus. A Bíblia, em Marcos
antes, que antecede e prepara o caminho para a conversão. A graça pre­ 8.36 diz: “Pois, que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e per­
veniente vem de Deus e é ela a responsável pela busca do homem. Atra­ der a sua alma?”. A conclusão aqui é simples: do que adiantar receber
vés desta graça que vem antes da conversão, Deus, portanto, inicia o uma graça, graça esta que muitos chamam de graça comum, se esta graça
processo de salvação de maneira que, quando o homem não resiste a não possui fins salvíficos? O versículo bíblico, se parafraseado para lidar
essa graça, ele é regenerado, mas, se resistir à graça, não é regenerado, com a questão, poderia ficar mais ou menos assim: “Pois, que aproveita­
mas responsável diante de Deus por sua resistência e, com isso, culpado. ria ao homem receber a graça comum (sem fins de salvação) e perder a
O termo graça preveniente é antigo, lendo sido ensinado pela igreja sua alma?” É por esse motivo, entre outros, por que os arminianos não
histórica, mas, entre os arminianos, o termo passou a ser mais conhecido sustentam uma graça comum que vise a dar, única e exclusivamente,
benesses terrenas e temporais, mas não benesses celestiais e eternas.
27 Kc-ilh D. Stanglin, Mark Bilby e Mark Mann, ReconsideringArminius: Beyond
lhe Refnm ed and Wesleyan Divide (Nashville, Abingdon Press/Kingswood 28 Roger Olson, Contra o Calvinismo (São Paulo, Reflexão, 2013), pp. 2 3 4 -
Books, 2014), pp. 71-90. 265c. p.
èRMMANiSMO
0 arminianismo clássico, juntamente com o calvinismo, defende chamado não é resistido por aquele que agora é chamado e suficien­
que a graça preveniente vem acompanhada da pregação do evangelho temente preparado por Deus, nem é uma barreira colocada contra
em suas várias e diferentes formas. Assim como a Bíblia nos ensina que a a graça divina que, caso contrário, fosse capaz de ser colocado por
fé vem pelo ouvir a palavra de Deus (Romanos 10.17), no momento em ele [...] Na verdade, existe outro (chamado) que é suficiente, mas,
que o pecador é exposto à Palavra, ele está recebendo uma “injeção de todavia, ineficaz, a saber, que da parte do homem não possui efeito
dose” de graça de Deus, se assim podemos colocar. O pecador, que ainda salvífico e através da vontade e falta evitável somente do homem, o
não se converteu, está recebendo essa graça de Deus antes de ser salvo e, chamado é infrutífero ou não alcança seu efeito desejado ou devi­
por isso, a graça se chama graça que vem antes. Quando o pecador res­ do.23 (Grifos meus)
ponde positivamente à graça de Deus, aquilo que, em termos populares,
as pessoas chamam de dar um passo para Deus, esse passo só pode ser O arminianismo wesleyano, diferente do arminianismo clássico, de­
dado porque uma graça da parte de Deus atingiu o homem, de modo fende que todas as pessoas, em certa medida, recebem a graça prevenien­
que, sem receber essa graça, o homem não pode e não consegue buscar te. Essa graça está, de acordo com os armínio-wesleyanos, disponível a
a Deus, mas tendo recebido essa graça, ele agora pode buscar a Deus. todos e isso ocorre em razão da morte de Cristo. O principal versículo
A Confissão Arminiana de 1621 diz: utilizado como base para tal entendimento é João 12.32 que diz: “E eu,
quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”. Mas que fique claro
Portanto, em primeiro lugar, quando Deus chama os pecadores para que a graça preveniente, conforme veremos a seguir, é resistível, portan­
Si através do evangelho e seriamente ordena que o homem tenha fé e to, ser objeto da graça salvadora, no arminianismo, não quer dizer que a
obediência, quer sob a promessa de vida eterna ou o contrário, sob pessoa automaticamente será salva, até porque, para ser salva, a pessoa
a ameaça de morte eterna, ele não apenas confere graça necessária, precisa ter fé. A graça preveniente, portanto, possui alcance universal,
mas suficiente para que os pecadores possam ter fé e obediência mas não resulta em universalismo, porque é resistível.
[...] Este chamado, todavia, é efetuado e executado pela pregação do A graça preveniente é, então, uma atração da parte de Deus. Essa
evangelho junto com o poder do Espírito, e que certamente com uma atração, para os arminianos clássicos, sucede por meio da pregação da
intenção séria e graciosa para salvar e de trazer fé a todos os que Palavra e, para os wesleyanos, ocorre a todos através da cruz de Cristo e
são chamados, se eles realmente acreditam e são salvos ou não e se também, claro, da pregação da Palavra.
obstinadamente se recusam a acreditar e ser salvos [...] Pois há um A graça preveniente vem em dois estágios. Vejamos agora uma defi­
chamado que é eficaz, assim chamado porque ele alcança seu efeito nição da forma de operação desses dois estágios da graça:
salvífico do evento em vez da única intenção de Deus. De fato, ele
não é administrado por certa sabedoria especial e escondida de Deus Armínio coloca em uma categoria o que ele, de maneira variada,
de uma intenção absoluta de salvar, a fim de frutiferamente se unir chama de graça primária (prima), preveniente ou precedente (prae-
à vontade daquele que é chamado, nem de maneira que por ele a veniens), operante (operans) ou que bate (pulsans). A estas definições
vontade daquele que é chamado é tão eficazmente determinada a ele justapõe, em outra categoria, graça secundária (secunda), subse­
crer, através de um poder irresistível ou certa forçar onipotente, que quente ou seguinte (subsequens), cooperante (cooperans) ou que abre
não é nada menos que a criação ou ressuscitação dos mortos, que ele
29 Mark Ellis, The Arminian Confession o f 1621, trans. and ed. Mark Ellis (Eu-
não poderia fazer outra coisa senão crer e obedecer, mas porque o
gene: Pickwick Publications, 2005), pp. 105-110.

41
WELLINGTONMARIANG

(aperiens ) ou que entra (ingrediens ). Em outras palavras, existe uma minianos, embora façam distinção entre graça, defendem que a graça de
graça que vem antes, precedendo toda decisão humana, operando Deus sempre tem a intenção de salvar e que não existe uma graça divina
unicamente de Deus, fora de nós (ex tra nos ) de uma maneira mo- cujo propósito seja apenas o de conferir bênçãos materiais, terrenas e
nergista, e, emprestando a imagem de Apocalipse 3.20, a graça fica temporais, mas que ela sempre busca conferir bênçãos celestiais e eter­
na porta e bate. Além desta graça preveniente, operante e que bate, nas e isso por razões bíblicas que estão em consonância com o caráter
existe um segundo tipo de graça que segue após a recepção da graça bondoso, amoroso e imparcial de Deus.
primária e é, portanto, “cooperante” de uma forma sinergista, “abrin­ Apresentaremos, portanto, algumas poucas, mas excelentes passa­
do” a porta de sorte que a graça possa “entrar”. Alguns estudiosos gens bíblicas veterostestamentárias que clara e inequivocamente ensi­
negam que Armínio seja “sinergista”, todavia, sua definição de graça nam a resistibilidade da graça.
subsequente é precisamente “sinergista”, que é simplesmente o equi­
valente, em grego, de “cooperante” (derivado do latim). De fato, a Até quando, ó simples, amareis a simplicidade? E vós escarnecedo-
ordem da graça à qual Armínio faz alusão em Apocalipse 3.20 está res, desejareis o escárnio? E vós insensatos, odiareis o conhecimen­
embasada em Cristo - “graça salvadora” personificada - primeiro to? Atentai para a minha repreensão; pois eis que vos derramarei
batendo e subsequentemente sendo recebida pela abertura da porta abundantemente do meu espírito e vos farei saber as minhas pala­
através da qual Cristo entra. O contato inicial da graça preveniente é vras. Entretanto, porque eu clamei e recusastes; e estendi a minha
totalmente divino, mas a graça subsequente exige um relacionamen­ mão e não houve quem desse atenção, Antes rejeitastes todo o meu con­
to cooperante30. selho, e não quisestes a minha repreensão, Também de minha parte
eu me rirei na vossa perdição e zombarei, em vindo o vosso temor.
Portanto, receber a graça de Deus é o primeiro estágio, mas, para (Provérbios 1:2 2 -2 6 . Grifos meus)
que o processo de conversão ocorra, é preciso não resistir à graça.
A força da passagem acima reside no fato de que o texto é direcio­
A graça é resistível nado a Israel, o povo eleito de Deus, o povo com o qual Deus fez um
Os arminianos defendem que a graça de Deus é resistível porque a pacto, portanto, não podemos dizer que a chamada era externa ou não
Bíblia ensina isso, e pelo fato de que, sem isso, o homem não pode ser voltada ao povo de Deus, afinal, Deus entrou em pacto com toda a nação
responsabilizado por não fazer algo para o que ele não foi capacitado por de Israel.
Deus a fazer. Afinal, se o homem está debaixo do pecado, como vimos na
apresentação da doutrina da depravação total, e, com isso, impossibilita­ Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho.
do de buscar a Deus por si só, como o homem pode ser responsabilizado Mas, como os chamavam, assim se iam da sua fa c e ; sacrificavam a baa-
por não crer se Deus não o dotar da capacidade para crer? lins, e queimavam incenso às imagens de escultura. Todavia, eu ensinei
Os calvinistas também defendem que a graça de Deus pode ser resis­ a andar a Efraim; tomando-os pelos seus braços, mas não entenderam
tida, mas eles fazem diferença entre graça comum e graça salvífi.ca, entre que eu os curava. Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor, e
chamada geral (externa) e chamada específica (interna e eficaz). Os ar- fu i p ara eles como os que tiram o jugo de sobre as suas queixadas, e lhes
dei mantimento. Não voltará para a terra do Egito, mas a Assíria será
30 Keith D. Stanglin e Thomas H. McCall, Jacob Arminius: Theologian o f Grace
seu rei; porque recusam converter-se. E cairá a espada sobre as suas
(New York, Oxford University Press, 2012), pp. 152-153.

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WELLINGTONMARIANO êHMINIANISMO
cidades, e consumirá os seus ramos, e os devorará, por causa dos Seus ouvintes resistiram a ponto de o assassinarem. O texto ainda deixa
seus próprios conselhos. Porque o meu povo é inclinado a desviar-se claro que a resistência do povo à mensagem de Deus dada por intermé­
de mim; ainda que chamam ao Altíssimo, nenhum deles o exalta. dio de Estevão era resistida assim como o povo resistiu à mensagem e
Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te Deus enviada por intermédio de outros homens e mulheres, sacerdotes
faria como Admá? Te poria como Zeboim? Está comovido em mim o e profetas do passado.
meu coração, as minhas compaixões à uma se acendem. Não execu­
tarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir a Efraim, porque Mas os fariseus e os peritos na lei rejeitaram o propósito de Deus para
eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu não entrarei na eles, não sendo batizados por João. (Lucas 7 :3 0 - NVI - Grifos
cidade. (Oseias 1 1 :1 -9 - Grifos meus). meus).

Aqui o texto trata do amor de Deus para a nação de Israel, mas Ele Vimos acima as pessoas resistindo à graça de Deus através dos minis­
diz que, quanto mais os chamava, mais eles (os israelitas) se afastavam de térios de Estêvão e João Batista, mas ainda precisamos ver a resistência à
Deus. O texto diz explicitamente que os israelitas recusam converter-se. graça no ministério de Jesus Cristo, o Filho de Deus:

Não guardaram a aliança de Deus, e recusaram andar na sua lei. (Sal­ Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te
mos 7 8 :1 0 - Grifo meu). são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a
galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste1. (Ma­
Muitos outros textos poderiam ser listados aqui, mas, por se tratar de teus 2 3 :3 7 - Grifos meus)
uma obra introdutória, agora focaremos em outras poucas, mas excelen­
tes passagens bíblicas neotestamentárias que, clara e inequivocamente, A mesma passagem é repetida no evangelho de Lucas:
apresentam a resistibilidade da graça de Deus, a começar com a passa­
gem que talvez seja a mais conhecida: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te
são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a
Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido, vós galinha os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste? (Lucas 13 :3 4 )
sempre resistis ao Espírito Santo; assim vós sois como vossos pais (Atos
7:51 - ACRF - Grifos meus) Em relação a essa profunda frase de pesar proferida por Jesus, o mais
chocante é que, caso essa chamada de Jesus não tenha sido séria, Ele es­
Povo rebelde, obstinado de coração e de ouvidos! Vocês são iguais taria agindo como um hipócrita, pois estaria expressando um pesar sobre
aos seus antepassados: sempre resistem ao Espírito Santol (Atos 7:51 pessoas às quais Jesus sabia que seu Pai não queria, em última instância,
- NVI - Grifo meu). salvar, e que não teria fornecido as condições necessárias à salvação de
tais pessoas. Isso, além de vários outros problemas, ainda colocaria Jesus
Estêvão, o primeiro mártir descrito no Novo Testamento, após pre­ e Deus em conflito, uma vez que Jesus sente pesar por pessoas que Ele
gar um lindo, inspirado e maravilhoso sermão aos hebreus, morre em sinceramente quer salvar, mas que seu Pai não quer, criando conflito na
decorrência da resistibilidade à graça demonstrada por seus ouvintes. Trindade.

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WELLINGTONMARIANO

Vejamos agora a passagem de Jesus que lida com o “jovem rico”. concluir apresentando algumas consequências da negação dessa verdade
bíblica, apresentadas por David Allen e por Steve W Lemke31, a saber:
E perguntou-lhe um certo príncipe, dizendo: Bom Mestre, que hei
de fazer para herdar a vida eterna? Jesus lhe disse: Por que me 1. A não crença na resistibilidade da graça pode levar à negação da ne­
chamas bom? Ninguém há bom, senão um, que é Deus. Sabes os cessidade de conversão, uma vez que muitos calvinistas acreditam que
mandamentos: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não di­ as pessoas que serão salvas são as que receberão a graça irresistível, e
rás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe. E disse ele: Todas que se a pessoa não recebeu uma graça irresistível, é porque ela não
essas coisas tenho observado desde a minha mocidade. E quando é eleita.
Jesus ouviu isto, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa; vende tudo
quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; 2. A não crença na resistibilidade da graça reverte a ordem bíblica da
vem, e segue-me. Mas, ouvindo ele isto, ficou muito triste, porque salvação, isto é, colocando a regeneração, em termos lógicos e não
era muito rico. E, vendo Jesus que ele ficara muito triste, disse: temporais, antes da fé, de forma que a pessoa é regenerada antes de
Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! ter fé, sendo que a Bíblia sempre apresenta a fé como condição para
(Lucas 1 8 :1 8 -2 4 ) ser regenerado.

O texto acima, claro, lida com salvação, afinal, o jovem vem até Jesus 3. A não crença na resistibilidade da graça pode en fraqu ecer a im por­
perguntando-Lhe sobre como herdar a vida eterna. Jesus, ao responder tância e significância d a pregação da Palavra de Deus, evangelism o e
o jovem , disse que ele deveria vender todas as suas posses e repartir missões, afinal, se no calvinismo a pessoa é salva através de uma
com os pobres. Jesus, naturalmente, não estava dizendo que a salvação chamada interna, irresistível ou eficaz, por que o cristão deve­
estava condicionada à venda de posses e repartição com os necessitados, ria pregar o evangelho? Com isso, não estamos dizendo que os
mas estava apontando que o coração do problema era um problema de calvinistas insistem nisso ou que não trabalham na pregação da
coração. O coração daquele jovem não amava a Deus acima de todas as Palavra, no evangelismo e em missões, mas que essa é uma co n ­
coisas, antes, ele amava mais suas posses que a Deus, uma prova de que sequência lógica oriunda de seu sistema.
ele, por mais que alegasse guardar os mandamentos, não o fazia. No
entanto, Jesus faz uma afirmação contundente ao dizer que as pessoas 4. A não crença na resistibilidade da graça leva as pessoas a questionarem
que têm riqueza, no geral, enfrentam um problema de resistência maior e duvidarem do caráter de Deus, especialmente em relação ao proble­
do que os que não têm riqueza, pois a riqueza, quando toma o lugar de ma do mal. Essa questão trata de que a pessoa, para ser salva, precisa
Deus, impede que Deus seja o centro. Jesus não disse que todos os ricos receber uma chamada interna salvífica e não apenas uma chamada

têm seu coração na riqueza e nem que a riqueza em si mesma é pecado, externa não salvífica, mas que Deus envia essa chamada interna e
mas que depositar a confiança na riqueza, assim como aquele jovem salvífica apenas a alguns e não envia ou ignora as demais pessoas. A
fazia, é pecado. pergunta é: se Deus quer que todas as pessoas se salvem, como está
Assim como acontece com passagens do Antigo Testamento, pode­
31 David L. Allen e Steve W . Lemke, W hosoever Will: A Biblical-Theological
ríamos continuar listando outras passagens bíblicas que explicitam a ver­
Critique o f Five-Point Calvinism (Nashville, B&H Publishing Group, 2010),
dade da resistência da parte do homem à graça de Deus, mas queremos pp. 132-150.

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WELLINGTONMARIANO éRMINIANi
ô
SMO
explícito na Bíblia (1 Timóteo 2 :4 ; Tito 2:11), por que ele não envia não é uma realização e não possui nenhum mérito atrelado a ela. A fé

essa graça salvadora a todos, mas só envia a alguns? A conclusão é é simplesmente a entrega da vontade à Deus, o estender de um braço
que Deus seria injusto ou imparcial e, com isso, imperfeito. para receber o dom da graça. Na decisão da fé, renunciamos todas
as nossas obras e repudiamos por completo toda alegação de retidão
5. A não crença na resistibilidade da graça não apresenta uma definição própria. Longe de encorajar a prepotência e autoestima, a fé as exclui
adequada da liberdade e responsabilidade humana. As pessoas não al­ completamente (Romanos 3:27).
cançadas pela graça salvadora, no calvinismo, não podem aceitar a
Jesus, pois só podem, em razão da depravação total, recusar a Deus, Mesmo quando falamos de fé como “condição”, que o significado
logo, que tipo de liberdade essas pessoas têm, se tudo o que elas dessa expressão não seja mal representado. A fé não é a condição

podem fazer é resistir a Deus, portanto, elas resistem porque Deus da graça, que origina-se nos conselhos da eternidade e chega a nós
quer, planejou e causou que elas resistissem. E quanto à liberdade? primeiro (João 16:8). A fé é antes a resposta à graça que Deus exige
Essas pessoas que não recebem essa graça salvadora podem ser cul­ através da qual a salvação se torna uma realidade ao indivíduo em
padas por não aceitarem aquilo que não foram capacitadas a crer? questão. Somos salvos pela graça de Deus através da fé?"

Em última análise gostaríamos de apresentar que “aceitar” a Jesus ou Para concluir a questão da fé como não sendo uma obra, é válido
“receber” Jesus, termos comumente utilizados na igreja brasileira para tomarmos conhecimento da analogia utilizada por Jacó Armínio. Armí-
descrever a conversão nada mais são do que a tentativa de descrever a nio citava o mendigo como representando um pecador e Deus como a
não resistência do homem pecador à graça de Deus. Verbos como aceitar pessoa a lhe entregar uma ajuda, uma moeda. O mendigo, para receber
e receber podem dar uma conotação diferente da ideia de não resistência a moeda, precisa estender sua mão, se não estender sua mão, não pode
à graça divina, mas é isso o que estas expressões querem ou deveriam receber a moeda. Mas o mendigo, claro, não pode ser responsabilizado
transmitir. pelo ato de receber a ajuda, pois se o mendigo estender sua mão, algo
Mas essa não resistência da parte do homem é muitas vezes falsa e que ele não pode fazer sem a ajuda da graça, mas não tiver alguém bon­
equivocadamente equiparada a uma “obra”, uma “ação” ou algo “meritó­ doso e amoroso para lhe oferecer ajuda, ele não receberá a ajuda, pois o
rio” realizado da parte do homem, mas tal não é o caso, como veremos mendigo só pode receber a ajuda se ela lhe for ofertada gratuitamente.
a seguir: Portanto, a ajuda não pode ser atribuída com o uma ação meritória do
mendigo, o mesmo vale para a fé.
A comunhão pessoal do tipo concebido no evangelho só existe onde
consumada em uma decisão livre. Se desejamos entender a graça de Condicional eleição [Cf. Artigo 1 dos 5 A rtigos da
Deus como uma comunicação pessoal às suas criaturas, devemos R em onstrância]
compreendê-la em seus termos dinâmicos, não manipulativos e não A eleição é a doutrina bíblica de que Deus escolheu as pessoas que
coercivos, conforme a Bíblia faz [...] Supõem-se que a fé traga ao acreditam em Jesus Cristo, sendo, portanto, a fé uma das condições para
evento da salvação uma obra humana decisiva e, portanto, destrua a eleição. A doutrina da eleição no arminianismo é entendida basica­
seu caráter puramente gracioso. Mas este simplesmente não é o caso.
32 Grace fo r All: The Arminian Dynamics o f Salvation, eds. Clark H.Pinnock e
A fé não é uma obra de maneira alguma (Romanos 3:28; 4:5). A fé John D. Wagner (Eugene, Resource Publications, 2015), p. XX.

48 49
W ELLINGTO NM ARIANO èFM NIANiSM O
mente de duas maneiras. Existe uma eleição individual e uma eleição mas eleito é aquela pessoa em seu estágio final de perseverança, logo,
corporativa. um eleito não perde sua salvação.

A eleição individual A eleição corporativa

A eleição individual é a visão tradicional do arm inianismo. De­ A eleição corporativa é a visão que provavelmente é a mais aceita e
fende que Deus, através de seu pré-conhecim ento da fé de cada uma disseminada entre os arminianos como um todo. A aceitação de muitos
das pessoas, predestina tais pessoas à salvação eterna (Rom anos 8 :2 9 ; cristãos de uma visão de eleição corporativa ocorre, também, pelo fato
1 Pedro 1:2). A eleição individual no arm inianismo, em bora defen­ de os cristãos entenderem que a visão calvinista da eleição é antibíblica
dida por alguns, não é vista com bons olhos por outros arm inianos e e inaceitável do ponto de vista escriturístico. Tal entendimento defende
isso se dá principalm ente em razão de os arminianos acreditarem que que Deus elege um corpo, um grupo, uma classe de pessoas e não indi­
tal entendim ento defende basicam ente a visão calvinista da eleição víduos. Os indivíduos, quando associados ao corpo, ao grupo ou à classe
ou que estaria bem próxim o do entendim ento calvinista de eleição de pessoas, passam a ser eleitos. Robert Shank, na obra Eleitos no Filho,
individual. Aqui vale ressaltar que defender a eleição individual não defende esta visão ao dizer: “Obviamente, o organismo corporativo de
é a mesma coisa que defender a eleição individual calvinista, pois eleitos é compreendido de indivíduos. Mas a eleição é primariamente
a principal diferença entre as visões de eleição não é se a eleição é corporativa, e secundariamente particular.’'3"
individual ou corporativa, mas se a eleição é condicional ou incon­ Mas, se a eleição é condicional, qual seria a condição ou as condições
dicional. Portanto, defender um entendim ento da eleição individual dessa eleição?
não é problema, uma vez que a eleição individual é condicional33. A condição mais elementar para a eleição é estar em Cristo, afinal,
Os rem onstrantes, sobre a eleição individual, expressaram a se­ Jesus Cristo é o eleito e a eleição é, antes de tudo, cristocêntrica, confor­
guinte opinião: me vemos em Efésios 1: 1-4:

A eleição de determinadas pessoas é definitiva, a partir da conside­ Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, aos santos
ração da sua fé em Jesus Cristo e da sua perseverança, mas nunca que estão em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus: A vós graça, e paz da parte
sem considerar a fé e a perseverança na verdadeira fé como condição de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo! Bendito o Deus e Pai de
prévia para a sua eleição.34 nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bên­
çãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; Como também nos
É digno de nota m encionar que Armínio fazia distinção entre elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e
cristão verdadeiro e eleito. Um cristão verdadeiro pode apostatar, irrepreensíveis diante dele em amor (Grifos meus).

33 Ibid.,. p. 80. Esse entendimento de que a eleição é primeiramente cristocêntrica

34 Extraído dos arquivos da Christian History Library Housed at The Chris­ pode ser observado também no primeiro artigo da Remonstrância.
tian History Center Staunton, Virginia. Documento pode ser acessado em:
http://evangelicalarminians.org/1618-opinions-of-the-remonstrants- 35 Robert Shank, Eleitos no Filho: Um Estudo Sobre a Doutrina da Eleição (São
-with-a-memorial-to-james-arminius/. Paulo, Reflexão, 2015), p. 45.
50 51
WELLINGTONMARIANO èRMMANISMO
Mas se estar em Cristo é uma condição, o que uma pessoa deve fazer Claro, a soberania de Deus estaria sendo diminuída somente se Ele
para estar em Cristo? estivesse estipulado um esquema em que a eleição fosse incondicional.
Para estar em Cristo é preciso ter fé. Efésios 3 :1 7 nos diz: “Para que Contudo, uma vez que a condicionalidade da eleição foi estipulada pelo
Cristo habite pela f é nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e próprio Deus, logo, Ele não está contra sua soberania, mas, em Sua so­
fundados em amor" (Ênfase minha). Já Colossenses 2:12 diz: “Sepulta­ berania, estipulou que tais condições fossem atendidas e isso em razão
dos com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela f é no poder de de o homem ser relacional e de ter sido criado para ter relacionamento
Deus, que o ressuscitou dentre os mortos” (Ênfase minha). Mais versí­ com Deus e para poder ser responsabilizado por suas ações.37 E se Deus
culos podem ser citados, mas a ideia básica da condicionalidade da fé já estipulou condições, Ele é soberano sobre sua soberania e a define em
foi apresentada. termos bem diferentes dos termos calvinistas.
Outra condição que pode ser elencada é o arrependimento, confor­ Alguns ainda criticam o fato de Deus ser “menor” ou “menos sobe­
me vemos em Atos 2 :3 8 que diz: “E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e rano” ou ainda “menos glorioso” caso sua ação seja, de alguma forma,
cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos uma resposta a ação do homem, a saber, fé. Mas se Deus não reage a fé,
pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo”. Ele, para ser coerente, não pode reagir a nenhuma outra coisa feita pelo
Jack Cottrell, grande erudito arminiano, defende também o ba­ homem. Que tipo de relacionamento seria esse entre Deus e o homem
tismo como condição, embora sua visão não seja majoritária entre os em que a ação do homem não é, de maneira alguma, levada em conta?
arminianos36. Jack Cottrell, sobre a questão, argumenta:
Agora, estar em Cristo, ter fé e se arrepender, por exemplo, não são
condições meritórias da parte do homem, uma vez que o homem não É de principal importância o fato de que a decisão do homem de
pode realizar tais coisas sem o auxílio e a capacitação de Deus. pecar seja um fator contingente ao qual Deus reagiu. Esta é a pró­
Talvez a maior ou a objeção mais comum à condicionalidade da elei­ pria essência do cristianismo: porque o homem pecou, Deus proveu
ção suceda no âmbito da soberania. Calvinistas, frequentemente, dizem redenção. Virtualmente toda ação de Deus registrada na Bíblia após
que, se Deus precisar de condições para salvar o homem, ou ainda, se Gênesis 3:1 é uma resposta ao pecado humano. O pacto abraâmico,
Deus precisar responder a alguma ação do homem, logo Deus não pode o estabelecimento de Israel, a encarnação de Jesus Cristo, a morte e
ser soberano. ressurreição de Cristo, o estabelecimento da igreja, a própria igre­
Aqui temos um exemplo de como a defeituosa definição de sobera­ ja — tudo isso é parte da reação de Deus ao pecado do homem.
nia calvinista leva a um mau entendimento da soberania divina conforme Conforme C. S. Lewis enfatizou, Deus não perdoaria pecados caso o
apresentada na Bíblia. Os calvinistas interpretam soberania em termos homem não tivesse cometido pecados. Neste sentido, a ação divina
unicamente de poder e todas as demais coisas devem ser submetidas a é consequente sobre, condicionada por, informada por nosso com­
esse poder e argumentam que a condicionalidade da eleição estaria vio­ portamento.
lando ou diminuindo a soberania de Deus e, com isso, não dando “toda”
a glória a Deus. Semelhantemente, o julgamento de Deus sobre pecadores não arre­
pendidos é uma reação ao pecado humano. É muito interessante que

36 Jack Cottrel, Ser bom o bastante não é bom o bastante (Itapira, Upbooks, 37 E Leroy Eorlines, Classical Arminianism: A Theology o f Salvation, ed. J.
2014), pp. 13, 15. Matthew Pinson (Nashville, Randall House Publications, 2011), pp 8 -1 1 .

52
WELLINGTONMARIANG

o próprio Berkouwer defenda esse ponto, ainda que ao defendê-lo pessoa e a graça lhe será irresistível, ela só pode perseverar. Mas o armi-
ele solape toda sua defesa contra a eleição condicional. Sua inconsis­ niano defende que a graça pode ser resistida, mas apenas em primeiro
tência aqui é resultado de sua inabilidade de aceitar uma reprovação estágio, mas depois de salvo, a pessoa não irá mais perder sua salvação.
incondicional que seja simétrica à eleição condicional. Desta forma,
ele diz que a “Escritura repetidamente fala da rejeição de Deus como Arminianos de cinco pontos
uma resposta divina à história, como uma reação ao pecado e a de­ Conforme vimos no artigo quinto da remonstrância, os seguidores
sobediência do homem”, como como sua causa”. A rejeição de Deus de Armínio, ao tratarem da questão da segurança dos santos e, conse­
de pecadores “é claramente Sua santa reação contra o pecado”. É um quentemente da apostasia, deixaram a questão em aberto. Em razão dis­
“ato reativo, uma santa e divina resposta ao pecado do homem”38. so é muito comum ler e ouvir que os arminianos não se decidiram acerca
desse ponto, de forma que tanto aqueles que defendem a impossibilidade
O calvinista, nessa questão, precisa utilizar “dois pesos e duas me­ da perda de salvação quanto os que defendem a possibilidade da perda
didas”, pois, ao falar da salvação, Deus não pode reagir a qualquer ação de salvação estão amparados pelo documento dos primeiros arminianos.
do homem, mas para tratar do pecado, sim, aí Deus é apresentado como O quinto artigo foi primeiramente escrito em 1610, mas tanto As opi­
reagindo ao pecado do homem. Defender a eleição incondicional é, de niões dos Remonstrantes em 1618 quanto a Confissão Arminiana fecharam o
maneira consistente e coerente, defender a reprovação incondicional assunto afirmando que o homem pode cometer apostasia:
e, claro, tanto a eleição quanto a reprovação incondicional novamente
levantam dúvidas e suspeitas acerca do caráter amoroso e bondoso de Os verdadeiros crentes podem cair da verdadeira fé e podem cair em
Deus. pecados que não são condizentes com a fé verdadeira e justificante.
Isto não é somente possível acontecer, mas o ainda acontece com
Segurança em Cristo [Cf. Artigo 5 dos 5 Artigos da Remonstrância] frequência.
O quinto e último ponto em consideração é a segurança em Cristo. É
preciso ser dito que existem duas vertentes no arminianismo acerca desta Os verdadeiros crentes são capazes de cair por sua própria culpa em
questão. Existem os arminianos de quatro pontos que defendem que um infames e atrozes maldades, de perseverarem e morrerem nelas, e
verdadeiro cristão não pode perder sua salvação e existem os arminianos assim finalmente caírem e perecerem.39
que defendem que um verdadeiro cristão pode perder sua salvação.
Mas muitos dizem que esses seguidores de Armínio estariam afir­
Arminianos de quatro pontos mando muito mais do que o próprio Armínio afirmou, mas a questão
Essa vertente do arminianismo defende que um verdadeiro cristão não é tão simples assim e a afirmação acima, defendida e divulgada por
não pode perder sua salvação, mas defende essa visão com razões dife­ muitos, hoje, com o avanço e o progresso nos estudos de e sobre Armí­
rentes das estruturas apresentadas pelo calvinista, uma vez que no siste­ nio provam que tal entendimento é um equívoco e que Armínio, assim
ma calvinista a perseverança dos santos é consequência lógica da estru­
tura da TULIP, pois uma vez que Deus morreu por aquela determinada 39 Extraído dos Arquivos da Christian History Library Housed at The Christian
Hislory Center Staunton, Virgínia. Documemto pode ser acessado em:
38 G racefor Ali: The Arminian Dynamics o f Salvation, eds. Clark H.Pinnock e http://evangelicalarminians.org/1618-opinions-of-the-remonstrants-
John D. Wagner (Eugene, Resource Publications, 2015), p. 85. -with-a-memorial-to-james-arminius/.

54
como os remonstrantes, defendeu sim a possibilidade de apostasia, por­ que o quinto ponto ficou em aberto, essa questão loi posteriormente
tanto, iremos tratar primeiramente dessa questão. Não podemos negar resolvida pelos remonstrantes e Armínio, assim como eles, não deixou
que a ambiguidade de Armínio certamente levou seus seguidores a pri­ tal ponto em aberto, pois se posicionou defendendo a possibilidade da

meiramente não se posicionar sobre a questão, mas isso hoje já é tido apostasia. A defesa da apostasia foi, por conseguinte, a posição de Armí­
como questão superada, conforme lemos a afirmação de Keith Stanglin nio e dos remonstrantes e é a posição majoritária entre os arminianos.
e Thomas McCall, dois grandes estudiosos da teologia de Jacó Armínio:
Apostasia irreversível ou reversível?
Poucos leitores de Armínio permanecem agnósticos em relação a sua O debate hoje entre arminianos se dá na questão se a apostasia é
visão da apostasia, pois o próprio Armínio foi, às vezes, ambíguo, irreversível, ou seja, uma vez que a pessoa perde a salvação, ela não pode
indicando sua própria necessidade de mais estudo sobre a questão. mais voltar a recuperá-la, ou se a apostasia é reversível, isto é, que a pes­
Mas a maioria dos estudiosos concorda que Armínio ensinou que verda­ soa perde sua salvação, mas pode voltar a ganhá-la.
deiros cristãos podem apostatar. Ainda permanece certo debate, no É sabido que Armínio defendeu a apostasia em algumas situações, a
entanto, acerca da visão de Armínio sobre como a apostasia acontece saber, no caso do pecado de Davi com Bate-Seba e no caso da negação
e se o apóstata pode, alguma vez, ser restaurado à salvação. Levando de Pedro, por exemplo, e, embora a apostasia desses dois homens não
em conta corpo completo de seus escritos, fica claro que Armínio tenha sido final, o próprio fato de Armínio os ter colocado na condição
presumia que o verdadeiro cristão pode cometer apostasia, e que, de apóstata, faz com que ele seja colocado em um campo diferente dos
na maioria dos casos, eles podem ser restaurados.40 (Grifos meus). calvinistas e também dos arminianos de quatro pontos, pois essa possi­
bilidade de apostasia ou apostasia “temporária”, se assim podemos co­
Stanglin e McCall ainda fornecem uma importante e valiosa contri­ locar, não existe no calvinismo, uma vez que mesmo a possibilidade de
buição para essa questão ao dizer que esse erro de interpretação é con­ apostasia não é concebida no calvinismo e embora Armínio, através de
sequência de um erro de tradução para o inglês, pois na passagem mais seus escritos, tenha defendido a reversibilidade da apostasia, cresce cada
conhecida sobre a questão, no livro D eclaração de Sentimentos, Armínio vez mais o número de estudiosos que reivindicam defender a posição do
nega que tenha ensinado publicamente que a apostasia realmente acon­ próprio Armínio e que esta posição seria de apostasia irreversível4-
tece e, quando se trata da possibilidade de apostasia, o texto também diz f Vamos entender um pouco mais da questão apresentando alguns dos
que Armínio também nega a possibilidade. A negação atribuída a Armí­ principais textos bíblicos que tratam da questão.
nio em relação à negação da possibilidade de apostasia é um acréscimo, Hebreus 6.4-6:
pois ela não se encontra na versão em latim e nem na versão original
da obra em holandês. Desta forma, dizer que Armínio não defendeu a Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e pro­
apostasia é um erro superado, tal entendimento é resultado da ambigui­ varam o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo,
dade de Armínio e de um equívoco de tradução que agora foi percebido
e apontado.41 Portanto, ainda que o artigo quinto da remonstrância diga 42 Essa é a posição de Stephen. M. Ashby em Four Views on Eternal Security,
ed. J. Matthew Pinson (Grand Rapids, MI, Zondervan, 2002), pp. 137,
40 Keith D. Stanglin e Thomas ti. McCall, Jacob Arminius: Theologian o f Grace 1 8 0-187, e também de F. Leroy Forlines, na obra Classical Arminianism:
(Oxford, Oxford University Press, 2012), pp. 172-173. A Theology o f Salvation, ed. J. Matthew Pinson (Nashville, Randall House
41 Ibid., 173. Publications, 2011), pp. 3 0 3 -3 3 3 .
e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e A força dessa passagem é tamanha que muitos estudiosos não negam
recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois as­ que a passagem trate de verdadeiros cristãos e que o texto trate de impos­
sim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem sibilidade de renovação ao arrependimento, mas em razão compromisso
ao vitupério (Ênfase minha). que eles têm com um sistema teológico, eles “ignoram” este texto, ainda
que de maneira consciente:
Esses versículos certamente tratam de um cristão, pois o texto nos
diz que tal pessoa (1) foi iluminada, (2) provou o dom celestial, (3) se Uma interpretação afirma que esta passagem (Hebreus 6.4 -6 ) sig­
fez participante do Espírito Santo e (4) provou a boa palavra de Deus e as nifica que cristãos possam perder sua salvação. De acordo com esta
virtudes do século futuro. Os defensores da impossibilidade de apostasia interpretação, as quatro expressões descrevem cristãos. Os que es­
chegam ao cúmulo de dizer que estas qualidades não podem ser consi­ tão em Cristo são “iluminados”, isto é, Cristo abriu seus olhos,
deradas as qualidades de um verdadeiro cristão. Mas se tais qualidades tornando-os filhos da luz (Efésios 1:18; 3 :9 ; 5:8). Esta salvação
não podem ser características de um cristão, como é que poderíamos permite que tais cristãos “provem o dom celestial”, isto é, eles vie­
definir um cristão de uma maneira mais completa que esta? ram a conhecer a Cristo, Aquele que veio do céu, de sorte que
Outros chegam a dizer que a palavra provar no original é no sentido experimentam a salvação e os dons do Espírito dá. Através des­
de que tais pessoas quase experimentaram a salvação, mas não chegaram se estado, os cristãos se tornam “participantes do Espírito Santo”,
a realmente consumá-la. Tal reinvindicação também não subsiste ao es­ isto é, estas pessoas foram verdadeiramente trazidas à união com
crutínio bíblico, pois a mesma palavra aparece, por exemplo, em Mateus Cristo e que eles receberam dons. Esse Espírito Santo também os
16:28 e em 1 Pedro 2 :3 , mas por questões de praticidade iremos citar permite a provar a boa palavra de Deus e os poderes do século
apenas um versículo lidando com essa fraca argumentação no mesmo futuro”, isto é, eles viram Cristo agir sobrenaturalmente em suas
livro, a saber: vidas, mudando-os de uma velha criação para uma nova criação.
Enquanto podemos concordar que as expressões podem descrever
Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora cristãos, não podemos aceitar esta interpretação de que cristãos possam
feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da mor­ perder sua salvação. Esta ideia é descartada por outras porções da
te, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos. (H e­ Escritura (por exemplo, veja João 10:27-29; Romanos 8 :2 8 -3 9 -
breus 2:9). Grifos meus).43

A pessoa que disser que provar em Hebreus 6 é quase experimentar, Aqui vemos o compromisso de alguns não com a passagem bíblica,
mas não consumar, ela precisa, para ser coerente, defender que Jesus não mas com o sistema teológico que defendem.
morreu por todos, já que se a palavra provar é quase experimentar, logo João 10:27-29:
Jesus, que no texto diz que provou a morte por todos, não teria consu­
mado o ato. Defender isso é absurdo! As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me
Mas o texto diz que é impossível que verdadeiros cristãos, pessoas seguem; E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém
que possuíram as quatro caraterísticas descritas no texto sejam outra vez
43 Life Application Bible Commentary, Hebrews, ed. Bruce B. Barton, Grant R.
renovados ao arrependimento. Osborne, Philip W Comfort (Publisher, Tyndale, 1997), pp.77-78.
WELLINGTONMARIANO

as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que Ainda sobre a apostasia temos os versículos de Hebreus 10:26-29

todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai. que dizem:

Muitos utilizam este versículo como prova da impossibilidade da Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebi­

perda de salvação, mas analisemos alguns dos pontos do versículo. Os do o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos

argumentos utilizados são “vida eterna”, “nunca hão de perecer” e “nin­ pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de

guém pode arrebata-las de minhas mãos”. fogo, que há de devorar os adversários. Quebrantando alguém a

Vida eterna. A vida eterna só pode ser possuída no sentido de po­ lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou

tencial, pois o cristão certamente não tem vida eterna, uma vez que a três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado

vida eterna do cristão só existe quando o cristão está em união com merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o

Cristo, conforme vemos em 1 João 5 :1 1 , caso essa união com Cristo sangue da aliança com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito

seja desfeita (João 15:2, 6), os privilégios de tal união também são des­ da graça?
feitos. Digno de nota é o fato de que Adão e Eva, o primeiro casal da
terra, possuíam o potencial para vida eterna antes de pecarem, mas a O texto diz que estas pessoas foram santificadas, será que é possível

perderam com a queda, portanto, alegar que vida eterna está em con­ que um descrente possa ser santificado? O texto ainda diz que estas pes­

tradição com a perda de salvação não é uma contradição. soas pisaram o Filho de Deus e profanaram o sangue da aliança com que

Nunca hão de perecer. Se existe um versículo que diz que cristãos foram santificados. O texto, naturalmente, descreve cristãos e em um

nunca hão de perecer, o mesmo vale para o sentido contrário, pois João estado final e irremediável44.

3:3 6 diz: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que
não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece", Marcas da segurança em C risto em Armínio

logo se a pessoa argumentar que a expressão “nunca hão de parecer” Mas tratemos agora de uma questão importante com um viés bas­

significa que a pessoa não pode perder a salvação, o mesmo deve ser dito tante prático. Como um cristão pode saber se ele é um eleito? Quais as

dos descrentes, pois eles jamais poderão ter a salvação, deixando em um marcas ou o sentimento que ele precisa ter para confirmar sua eleição e

condição de eterna desesperança. Agora, se a expressão “não verá a vida" ter segurança de sua salvação? O pastor, professor e teólogo Jacó Armínio

pode ser mudada para ver a vida, afinal, todos os cristãos um dia foram listou quatro pontos sobre isso:

não cristãos, onde está a inconsistência de se dizer que o cristão nunca Senso de fé. A pessoa deve se perguntar se ela tem fé. Fé é crer. Deus

há de perecer conquanto que ele permaneça? Portanto, vemos que a ex­ salva quem crê, se eu creio, Deus me salvará.

pressão “nunca hão de perecer” não é incondicional. Testemunho interno do Espírito Santo. “Porque não recebestes o espí­

Ninguém pode arrebatá-las de Minhas mãos. Esse argumento busca de­ rito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o

fender que ninguém pode ser retirado das mãos de Deus e que nem mes­ Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai. O mesmo

mo o próprio cristão pode fazer isso. A questão é que não foi o cristão Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" (Ro­

que se colocou no corpo de Cristo, mas através da fé em Jesus Cristo o manos 8.15-16).

Espírito Santo colocou o cristão no corpo de Cristo (1 Coríntios 12:13). 44 I. Howard Marshall, Kept hy the Power o f God: A Study o f Perseverance and
Se o cristão renunciar sua fé, Deus o tirará do corpo (Jo ã o 15:2,6). FallingAway (Minneapolis, Bethany, 1969), pp. 142-147.

60
WELLINGTONM ARIANO

Luta contra a carne. A pessoa luta contra seus desejos, inclinações e


não é completamente vencida, a pessoa pode pecar, mas não sem luta.
CONCLUSÃO
Desejo por boas obras. O verdadeiro filho de Deus quer mostrar amor
Vimos e estudamos que a teologia arminiana é bíblica e ainda está
a seus próximos.
amparada pela tradição dos Pais da Igreja e também pela história. O
Se a pessoa possui senso de fé, testemunho interno do Espírito San­
arminianismo ainda é uma doutrina pouco estudada no Brasil, mas de
to, luta contra o pecado e tem desejo por boas obras, estas são algumas
suma importância para a saúde da igreja. Esperamos que pastores, líde­
das marcas de que o cristão é um eleito. Embora tais pontos não sejam, res e leigos passem a valorizar cada vez mais essa área de doutrina e que
em última análise, o fundamento da salvação, tais pontos servem de ba­ invistam em seus membros e liderados a fim de que todos possam ter um
ses legítimas no sentido de evidenciar e dar testemunho da segurança da entendimento bíblico, claro e saudável acerca da salvação.
salvação. O arminianismo é o sistema soteriológico defendido por várias igrejas
e denominações45, tais como Igreja Metodista do Brasil, Metodistas Wesle-
yanas, Holiness, Exército da Salvação, Igreja do Nazareno, Batistas Gerais,
Igreja de Deus em Cristo, Igreja do Evangelho Quadrangular, e Assembleias
de Deus, embora esta última denominação ainda não tenha se posicionado
claramente como muitos gostariam, a igreja, em sua história, sempre adotou
uma posição aiminiana, pois nunca abraçou a eleição incondicional, expia­
ção limitada e graça irresistível, os principais distintivos do calvinismo. Cabe
aqui também uma palavra que os pentecostais no mundo, em geral, são
arminianos, mas no Brasil, com exceção da Congregação Cristã do Brasil,
todos os demais pentecostais são arminianos. A igreja Assembleia de Deus
dos Estados Unidos, de onde muita literatura é traduzida e trazida ao Brasil
para ensinar o pentecostalismo, é confessionalmente arminiana.
O recente e cada vez mais crescente interesse por estudos doutriná­
rios tem levado muitos cristãos evangélicos a redescobrir denominadores
em comum entre o corpo de Cristo, sendo que um dos pontos principais,
se não o principal, seja a herança da doutrina soteriológica arminiana,
que está alargando e aprofundando laços fraternais e relacionamentos
eclesiásticos entre os irmãos e denominações. O estudo do arminianismo
tem unido cristãos de diversas igrejas em eventos que têm se tornado
cada vez mais frequentes, mas o evangelicalismo brasileiro ainda carece
de escolas, seminários, institutos e universidades que se dediquem a en­
sinar e a propagar os pontos doutrinários defendidos pelos arminianos.

45 Se quiser uma lista de igrejas e denominações que seja mais abrangente,


vide post de Roger Olson em http:// http://www.patheos.com/blogs/roge-
reolson/2012/11/my-list-of-approved-denominations/.

62
WELLINGTONMARIANO

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