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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Exatas e da Terra


Departamento de Física
Bacharelado em Física

Um estudo da métrica exterior de


Reissner-Nordström

Luanna Karen de Souza

Natal, RN, Brasil


2019
Luanna Karen de Souza

Um estudo da métrica exterior de Reissner-Nordström

Monografia de Graduação apresentada ao


Curso de Bacharelado em Física do Depar-
tamento de Física da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte como requisito par-
cial para obtenção do grau de Bacharel em
Física.

Curso: Bacharelado em Física

Orientadora: Prof. Dra. Nilza Pires

Natal, RN, Brasil

2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Souza, Luanna Karen de.


Um estudo da métrica exterior de Reissner-Nordström / Luanna
Karen de Souza. - 2019.
77 f.: il.

Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande


do Norte, Centro de Ciências Exatas e da Terra, Curso de Física,
Natal, RN, 2020.
Orientadora: Profa. Dra. Nilza Pires.

1. Métrica de Reissner-Nordström - Monografia. 2. Solução


exterior - Monografia. 3. Buraco negro carregado - Monografia.
4. Geodésica - Monografia. 5. Redshift gravitacional -
Monografia. 6. Forças de maré - Monografia. I. Pires, Nilza. II.
Título.

RN/UF/BCZM CDU 530.12

Elaborado por Ana Cristina Cavalcanti Tinoco - CRB-15/262


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Exatas e da Terra
Departamento de Física
Bacharelado em Física

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia de


Graduação:

Um estudo da métrica exterior de Reissner-Nordström

Elaborada por Luanna Karen de Souza

Como requisito parcial para o obtenção do título de


BACHAREL EM FÍSICA

COMISSÃO EXAMINADORA:

Prof. Dra. Nilza Pires - Orientadora, UFRN

Prof. Dr. Léo Gouvea Medeiros, UFRN

Prof. Dr. Ronaldo Carlotto Batista, UFRN

Natal, dia seis de dezembro de 2019.


Aos meus pais, Luciana e Lúcio.
Agradecimentos

À professora Nilza Pires, pelos conhecimentos em relatividade ensinados, desde a


Relatividade Especial ministrada com maestria até a Relatividade Geral. Pela honrosa
disponibilidade para a orientação, com longos debates sobre cada trecho deste trabalho
e sobre a Física; pelas oportunidades a mim apresentadas e pelos ensinamentos de vida.
Aos ilustríssimos membros da minha banca avaliadora, professor Léo Gouvea Medeiros e
professor Ronaldo Carlotto Batista, pelas contribuições cuidadosas para engrandecimento
do meu trabalho. Ao professor Izan de Castro Leão pelas discussões, desde a estrutura
do trabalho, correções para a apresentação, até sobre a Astrofísica. Além disso, pela
orientação para as vidas acadêmica e pessoal. Ao professor Leonardo Dantas Machado,
pelos ensinamentos em computação, disponibilidade para conversar sobre a Física, pelas
várias soluções propostas de problemas que surgiram ao longo desta monografia, e, não
menos importante, por ser a excelente pessoa que é. Ao professor José Wilson de Paiva
Macêdo, pelas profundas discussões em eletromagnetismo, pelas reflexões proporcionadas
sobre a Física, e, também, por ter me presenteado não apenas com conhecimento, mas com
livros de Física-Matemática, Astrofísica e Relatividade, que certamente contribuíram para
a minha formação. Ao professor Raimundo Silva Junior, pelos empréstimos dos livros do
Carroll e do Chandrasekhar, além dos esclarecimentos dados sobre a equação da geodésica.

Ao meu amigo Raphael Benjamim de Oliveira, pelo apoio incondicional, mesmo não
entendendo minhas pesquisas ou concordando comigo. Aos meus colegas de curso, em
especial, ao Jacinto Paulo da Silva Neto, que esteve comigo durante toda a trajetória
acadêmica, desde a licenciatura em física, pelas constantes conversas sobre Cosmologia
e Física de Partículas; ao Caio Vasconcelos Pinheiro da Costa, que me presenteou com
o livro do Weinberg, e pelas intrigantes questões levantadas; ao Eloan do Nascimento
França pelos excelentes diálogos sobre Relatividade Geral e Teoria de Campos.

Às instituições que forneceram suporte financeiro e estrutural: Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN), Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE).
"When you eliminate the impossible, whatever remains, however improbable, must be the
truth."

Mr. Spock, Star Trek VI: The Undiscovered Country, 1991


Resumo

Apresentamos uma derivação detalhada da solução exterior de Reissner-Nordström, atra-


vés da resolução das Equações acopladas de Einstein-Maxwell para um espaço-tempo
simetricamente esférico e estático, cujo conteúdo energético é dado pelo tensor momento-
energia do campo elétrico. Posteriormente, algumas propriedades físicas dessa solução são
estudadas. Começamos com as singularidades da métrica para os três valores relativos de
M e Q, deduzimos uma mudança de coordenada tipo Eddington-Finkelstein para remoção
das singularidades aparentes e então encontramos expressões para a dilatação do tempo
e redshift gravitacionais. Determinamos as equações da geodésica de partículas neutras
usando a conservação do quadrimomento, bem como a equação da geodésica de partículas
eletricamente carregadas, através do formalismo Lagrangeano. Finalmente, encontramos
a equação do desvio geodésico para um buraco negro de Reissner-Nordström.
Palavras-chave: métrica de Reissner-Nordström, solução exterior, buraco negro carregado,
geodésica, redshift gravitacional, forças de maré.
Abstract

We present a detailed derivation of the exterior Reissner-Nordström solution by solving the


coupled Einstein-Maxwell Equations for a symmetrically spherical and static space-time
whose energy content is in the momentum energy tensor of the electric field. Thereafter,
some physical properties of this solution are studied. We start with the singularities of
the metric for three relative values of M and Q, we deduce an Eddington-Finkelstein
change of coordinates to remove apparent singularities, and then we find expressions for
time dilation and gravitational redshift. We determined the geodesic equation of the
neutral particles, using the four-momentum conservation, as well, we derive the geodesic
equation of the electrically charged particles with Lagrangian formalism. Finally, we find
the equation of geodesic deviation for a Reissner-Nordström black hole.
Keywords: Reissner-Nordström metric, exterior solution, charged black hole, geodesic,
gravitational redshift, tidal forces.
Sumário

Lista de Figuras viii

Lista de Tabelas ix

1 Introdução 1

2 Derivação da métrica de RN 4
2.1 Coordenadas esféricas para o espaço-tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.2 Condições de contorno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.3 Símbolos de Christoffell e componentes do tensor de Ricci . . . . . . . . . . . 6
2.4 Tensor momento-energia do campo eletromagnético . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.5 Resolvendo as equações acopladas de Einstein-Maxwell . . . . . . . . . . . . . 9

3 Estudo do espaço-tempo 13
3.1 Singularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
3.1.1 Caso M 2 < Q2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.1.2 Caso M 2 = Q2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.1.3 Caso M 2 > Q2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.2 Coordenadas de Eddington-Finkelstein para a métrica de RN . . . . . . . . . 21
3.3 Redshift gravitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

4 Geodésicas 32
4.1 Geodésicas de partículas neutras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
4.1.1 Tipos de órbitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4.1.2 Geodésicas nulas críticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.1.3 Geodésicas tipo-tempo críticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.2 Geodésicas de partículas eletricamente carregadas . . . . . . . . . . . . . . . . 44

5 "Forças" de maré 51
5.1 Desvio geodésico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
5.2 Maré do buraco negro de RN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
6 Conclusões 57

Referências 60

7 Apêndices 61
7.1 Notação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
7.2 Componentes dos tensores e pseudo-tensores da métrica de RN . . . . . . . . 62
7.2.1 Símbolos de Christoffell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
7.2.2 Componentes do tensor de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
7.2.3 Componentes do tensor de Ricci . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
7.3 Métrica de Majumdar-Papapetrou (MP) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

8 Anexos 65
8.1 Unidades Geometrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Lista de Figuras

1 Primeira imagem obtida de um buraco negro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3


2 A função ∆(r) para as soluções de Reissner-Nordström. . . . . . . . . . . . . . . 15
3 Diagrama de espaço-tempo nas coordenadas avançadas de Eddington-Finkelstein. 25
4 Diagrama de espaço-tempo nas coordenadas retardadas de Eddington-Finkelstein. 27
5 Um foguete no caminho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
6 Potenciais efetivos típicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
7 Órbitas críticas para fótons. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
8 Órbitas não-críticas tipo-tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
9 Órbitas críticas tipo-tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
10 Esquema para implementação das órbitas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
11 Geodésicas tipo-tempo de partículas carregadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
12 Mais geodésicas tipo-tempo de partículas carregadas. . . . . . . . . . . . . . . . 50
13 Referencial local de repouso em P . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
14 Diagrama da maré. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
15 Raios de maré versus horizontes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Lista de Tabelas

1 Constantes fundamentais em unidades geometrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . 65


2 Sistema Terra-Sol em unidades geometrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
1 Introdução

Subrahmanyan Chandrasekhar apontou, em 1934, que a história da vida de uma


estrela pouco massiva deve ser essencialmente diferente de uma muito massiva. Estrelas
como o Sol, quando seu combustível nuclear finaliza, estabilizam no final da vida em
objetos de alguns milhares de quilômetros de diâmetro, chamados anãs brancas. Por outro
lado, uma estrela de grande massa possui seu ciclo de vida reduzido para alguns milhões
de anos, e consegue "queimar" elementos mais pesados que hidrogênio ou carbono, indo
até o ferro. A teoria quântica é capaz de explicar a formação das anãs brancas e das
estrelas de nêutrons em termos da pressão de degenerescência dos elétrons e da pressão de
degenerescência dos nêutrons, respectivamente [1]. Porém, tais "pressões quânticas" são
capazes de resistir apenas aos colapsos gravitacionais de estrelas de massas menores que
cinco a oito massas solares, no máximo. Quando a massa inicial é maior que isso, essas
pressões não podem mais gerar um equilíbrio para a estrela moribunda, e então, ela colapsa
sob domínio total da própria gravidade, que a comprime completamente. As outras três
forças fundamentais da natureza, as quais antes eram significativas, agora são desprezíveis
perante a gravidade, e, portanto, para entendermos o estágio final da vida dessas estrelas
massivas, precisamos recorrer à Teoria da Relatividade Geral.

Na gravitação clássica, para uma esfera de fluido perfeito homogêneo de massa M , uma
vez que o colapso se inicia, não pode ser interrompido e a estrela permanece encolhendo
para diâmetros cada vez menores. Do instante inicial até posteriormente, enquanto a
superfície da estrela está fora do horizonte de eventos, neste caso, também conhecido como
raio de Schwarzschild, qualquer raio de luz emitido da superfície da estrela pode escapar
para um observador distante desse evento. No entanto, uma vez que o raio da estrela
colapsada se torna menor que o raio do horizonte de eventos, isto é, onde r = 2M , significa
que ela entrou na região do buraco negro, e continuará colapsando irreversivelmente.
Então, o colapso de toda a matéria num ponto de densidade e curvatura infinitas ocorre
em r = 0, onde uma singularidade é formada. Um observador sentado na superfície da
estrela mede um intervalo de tempo próprio para todo esse evento catastrófico, e, assim, no
2

futuro, existe uma singularidade no centro e o resto do espaço é vácuo: esse é o conhecido
buraco negro de Schwarzschild (1916). Qualquer evento que ocorra dentro desse buraco
negro estará oculto pelo horizonte de eventos dos observadores exteriores. Esse horizonte é
uma 2-esfera no espaço-tempo e sua característica principal é que ambas geodésicas nulas
dos fótons, caindo ou saindo a partir dele, convergem para a origem. Portanto, nenhuma
luz ou partículas materiais emergem dessa região1 [2].

Logo após Einstein propor suas equações de campo, as primeiras soluções encontradas
foram a métrica de Schwarzschild e a métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker
(FLRW). Cada uma delas contém uma singularidade no espaço-tempo onde as curvatu-
ras e densidades de energia divergem e as descrições físicas são destruídas. Na solução
de Schwarzschild, tal singularidade está presente no centro do sistema de coordenadas,
enquanto que a do modelo de FLRW se encontra no início do universo, onde o fator de
escala se anula [3]. Posteriormente, outras soluções com singularidades essenciais foram
encontradas. Para os buracos negros foram desenvolvidas generalizações da métrica de
Schwarzschild: citamos as métricas de Reissner-Nordström (RN), que será abordada neste
trabalho e descreve o buraco negro esfericamente simétrico com carga elétrica, de Kerr,
que descreve o espaço-tempo em torno buraco negro com momento angular no vácuo e
a de Kerr-Newman (KN), uma generalização natural da métrica de Kerr para buracos
negros girantes eletricamente carregados.

Recentemente, astrônomos obtiveram a primeira imagem de um buraco negro, situado


no centro da galáxia M87, através das observações do "Event Horizon Telescope". A foto
foi capaz de mostrar um anel brilhante formado pela matéria em torno de uma região
escura e circular, onde há o intenso campo gravitacional de um objeto que é 6.5 bilhões de
vezes mais massivo que o Sol. O observado é consistente com as expectativas de um buraco
negro descrito pela métrica de Kerr; a assimetria no brilho do anel pode ser explicada em
termos da irradiação relativística de um plasma que gira próximo à velocidade da luz em
torno de um buraco negro [4]. Essa imagem provê uma evidência forte para a existência
de buracos negros supermassivos, além de corroborar com mais uma previsão da Teoria
da Relatividade Geral, abrindo novas possibilidades para o estudo dos buracos negros,
seus horizontes e efeitos de maré.

Apresentamos nesta monografia um breve estudo da solução exterior de Reissner-


Nordström, desde a construção da métrica analiticamente até a análise de algumas con-
sequências teóricas previstas pelo modelo. Apesar de ter sido demonstrada pela primeira
1
Certamente, não estamos considerando os efeitos quânticos.
3

Figura 1: Primeira imagem obtida de um buraco negro. Créditos: Event Horizon Telescope, disponível
em: <https://eventhorizontelescope.org/>

vez, em 1916, por Hans Reissner [5] e posteriormente, em 1918, (de forma independente)
por Gunnar Nordström [6], é pouco explorada na maioria dos livros didáticos das áreas
de Relatividade Geral e Gravitação, ou no máximo, sendo deixada como exercício para
o leitor. Nesse sentido, no capítulo 2 faremos a derivação detalhada da métrica a partir
da resolução das Equações acopladas de Einstein-Maxwell. No capítulo 3, na análise do
espaço-tempo, são dadas as interpretações físicas dos parâmetros da métrica e são anali-
sadas suas várias singularidades, para os diferentes valores relativos de M e Q. Também
é derivado o diagrama de espaço tempo nas coordenadas não-singulares de Eddington-
Finkelstein. Além disso, é encontrada uma expressão para o redshift gravitacional no
espaço tempo de RN. No capítulo 4, são estudadas as geodésicas de partículas neutras
(fótons e partículas sem carga elétrica), onde são determinadas algumas soluções par-
ticulares da equação da geodésica, conhecidas como geodésicas críticas, para esse tipo
de partículas. Também é determinada a equação da geodésica para as partículas ele-
tricamente carregadas, através de algumas soluções numéricas. Por fim, no capítulo 5,
são analisadas as "forças" de maré do buraco negro de RN. Todos os gráficos e algorit-
mos para resolução das equações diferenciais foram implementados através da linguagem
de programação Python. O diagrama de espaço-tempo (figura 3) foi editado no software
open-source Inkscape. Vale salientar que esse diagrama é feito qualitativamente nos livros
didáticos [7, 8], enquanto que, neste trabalho, as curvas de luz são calculadas exatamente.
Apenas os cones de luz foram desenhados qualitativamente.
2 Derivação da métrica de RN

Consideraremos em nosso estudo um espaço-tempo esfericamente simétrico - é razoa-


velmente simples, porém, fisicamente importante, uma vez que muitos objetos astrofísicos
são praticamente esféricos. Para tanto, começaremos com a escolha de um sistema de
coordenadas que reflete as propriedades da simetria assumida.

2.1 Coordenadas esféricas para o espaço-tempo

Definindo as coordenadas espaciais usuais (r, θ, φ), o elemento de linha do espaço de


Minkowski pode ser escrito como

ds2 = −dt2 + dr2 + r2 (dθ2 + sin2 θdφ2 ) .

Superfícies com r = constante e t = constante são cascas esféricas, ou, mais pre-
cisamente, 2-esferas: superfícies esféricas bidimensionais. Distâncias ao longo de curvas
confinadas nessas 2-esferas são dadas pela equação acima quando dt = dr = 0,

ds2 |2−esf era = r2 (dθ2 + sin2 θdφ2 ) ≡ r2 dΩ2 , (2.1)

onde definimos dΩ2 como o elemento de ângulo sólido [9].

Considere duas 2-esferas em r e r+dr. Podemos dizer que uma linha de θ = constante,
φ = constante é ortogonal às 2-esferas. Tal linha tem, por definição, um vetor tangente
êr , e, como os vetores êθ e êφ são tangentes às 2-esferas, êr · êθ = êr · êφ = 0, que implica1
em grθ = grφ = 0. Portanto, nossa métrica fica restrita à forma:

ds2 = g00 dt2 + 2g0r dtdr + 2g0θ dθdt + 2g0φ dφdt + grr dr2 + r2 dΩ2 . (2.2)

Além disso, desejamos que não somente a hipersuperfície t = constante seja esferica-
1
Lembrando que gµν ≡ êµ · êν , onde {êµ } são os versores de base.
5

mente simétrica, mas também todo o espaço-tempo. Portanto, devemos exigir que uma
linha r = constante, θ = constante, φ = constante também seja ortogonal às 2-esferas.
Isso significa que êt é ortogonal aos versores êθ e êφ , ou, gtθ = gtφ = 0. Assim, a equação
(2.2) se reduz a
ds2 = g00 dt2 + 2g0r dtdr + grr dr2 + r2 dΩ2 . (2.3)

Essa é uma métrica bem geral para espaço-tempos esfericamente simétricos, onde g00 ,
g0r e grr são funções apenas de r e t.

2.2 Condições de contorno

Um espaço-tempo estático é definido como aquele cuja coordenada temporal t possui


as duas propriedades [9]:

1. Todos os componentes da métrica são independentes de t.

2. A geometria permanece inalterada por reversão temporal, t −→ −t.

A segunda condição não segue logicamente da primeira, e podemos dar como exemplo
uma estrela girante: a reversão temporal troca o sentido da rotação, mas as componentes
da métrica permanecerão constantes no tempo.

As condições têm a seguinte implicação: defina Λ como a matriz que realiza a trans-
formação de coordenada (t, r, θ, φ) −→ (−t, r, θ, φ), portanto, suas componentes serão
Λ0̄0 = −1 e Λi j = δ i j . Usando essa matriz para transformar as componentes do tensor
métrico, encontramos:
g0̄0̄ = g00 = (Λ00̄ )2 g00 = g00
g0̄r̄ = g0r = Λ00̄ Λrr̄ g0r = −g0r (2.4)
gr̄r̄ = grr = (Λrr̄ )2 grr = grr
segue então que g00 e grr não sofrem restrições, mas g0r = 0. Portanto, a métrica de um
espaço-tempo estático e esfericamente simétrico deve ter a forma:

ds2 = g00 dt2 + grr dr2 + r2 dΩ2 . (2.5)

Utilizando a liberdade de escolha de coordenadas permitida pela Equação de Einstein,


podemos introduzir novas funções Φ(r) e Λ(r) no lugar das funções desconhecidas g00 (r)
e grr (r), na forma [10, 11]:

ds2 = −e2Φ dt2 + e2Λ dr2 + r2 dΩ2 . (2.6)


6

Se estivermos interessados em descrever sistemas limitados, tais como estrelas, nós


exigimos que longe da fonte de campo gravitacional o espaço-tempo seja essencialmente
Minkowskiano. Significa que devemos impor as seguintes condições de contorno (ou con-
dições de regularidade assintótica) na Equação de Einstein:

lim Φ = lim Λ = 0 . (2.7)


r→∞ r→∞

Quando resolvemos a Equação para o elemento de linha escrito em (2.6), imposta às


condições acima, para o vácuo (Tµν = 0, ∀µ, ν), obtemos a métrica de Schwarzschild,
   −1
2 2M 2 2M
ds = − 1 − dt + 1 − dr2 + r2 dΩ2 , (2.8)
r r

como única solução, garantida pelo Teorema de Birkhoff [12].

A métrica de Reissner-Nordström (RN) é a solução exata das equações de campo


de Einstein que descreve o espaço-tempo em torno de um corpo de massa M e carga
elétrica Q, que não rotaciona - o problema será resolvido numa região onde há somente
o campo eletromagnético. Quando as componentes do tensor momento-energia tenderem
a zero, a métrica deve tender à de Schwarzschild, dada em (2.8). Por outro lado, a
própria métrica de RN pode ser generalizada para a conhecida métrica de Kerr-Newman
(KN), que descreve um corpo massivo, eletricamente carregado e dotado de simetria axial,
rotacionando com momento angular J. Ou seja, diferente da solução de RN, a solução
para o espaço-tempo de KN não apresenta mais a simetria esférica, nem é uma solução
estática. Alguns dos métodos utilizados para derivar a métrica de RN podem ser aplicados
quando deriva-se a métrica de KN [13].

Para determinar a métrica de RN, vamos usar o elemento de linha dado pela equação
(2.6), mas supondo em princípio que Φ = Φ(r, t) e Λ = Λ(r, t). Posteriormente mostrare-
mos que essas duas funções, Φ e Λ, devem ser dependentes só da coordenada r, isto é, que
a métrica RN é estática. A solução deve ser esfericamente simétrica e assintoticamente
plana. Também, as condições de contorno (2.7) serão impostas.

2.3 Símbolos de Christoffell e componentes do tensor de Ricci

Supondo o elemento de linha como aquele dado pela equação (2.6), mas, relaxando a
condição de métrica estática [10], escrevemos as componentes do tensor métrico na forma
7

matricial:  
−e2Φ 0 0 0
 
 0 e2Λ 0 0 
(gµν ) =   , (2.9)
 

 0 0 r2 0 

0 0 0 r2 sin2 θ
com µ, ν = 0, 1, 2, 3, Φ = Φ(r, t) e Λ = Λ(r, t). Como a métrica é diagonal, invertemos
a matriz de representação das componentes do tensor métrico simplesmente invertendo
cada elemento da diagonal principal para encontrarmos a representação matricial da forma
covariante do tensor métrico:
 
−2Φ
−e 0 0 0
 
−2Λ
µν
 0 e 0 0 
(g ) =   . (2.10)
 
−2

 0 0 r 0 

0 0 0 r−2 (sin θ)−2

Os símbolos de Christoffell são dados em termos das componentes do tensor métrico


via fórmula usual,
1
Γµαβ = g µσ (gασ,β + gβσ,α − gαβ,σ ) .
2
As únicas componentes não nulas são (lembrando que Γµαβ = Γµβα ):

Γ000 = Φ,t Γ001 = Φ,r Γ011 = e2(Λ−Φ) Λ,t


Γ100 = e2(Λ−Φ) Φ,r Γ101 = Λ,t Γ111 = Λ,r
(2.11)
Γ122 = −re−2Λ Γ133 = −r sin2 θ e−2Λ Γ233 = − sin θ cos θ
Γ212 = r−1 Γ313 = r−1 Γ323 = cos θ
sin θ

O próximo passo é calcular as componentes do tensor de Ricci:

Rαβ ≡ Rµαµβ = Γµαβ,µ − Γµαµ,β + Γµσµ Γσαβ − Γσαµ Γµσβ ,

e, com o auxílio das equações (2.11), encontramos que as componentes não nulas são:

R00 = − [(Λ,t )2 + Λ,tt − Λ,t Φ,t ] + e2(Φ−Λ) [Φ,rr + (Φ,r )2 − Φ,r Λ,r + 2r−1 Φ,r ]
R01 = 2r−1 Λ,t
R11 = − [Φ,rr + (Φ,r )2 − Φ,r Λ,r − 2r−1 Λ,r ] + e2(Λ−Φ) [Λ,tt + (Λ,t )2 − Φ,t Λ,t ] (2.12)
R22 = e−2Λ [rΛ,r − rΦ,r − 1] + 1
R33 = sin2 θ R22
8

2.4 Tensor momento-energia do campo eletromagnético

Utilizando unidades geometrizadas, c = G = 1 [9, 12], escrevemos as componentes do


tensor momento-energia do campo eletromagnético,
 
1 σ 1 ρσ
Tµν = Fµσ Fν − gµν Fρσ F , (2.13)
4π 4

onde Fµν são as componentes do tensor de Faraday. Note que Tµν possui traço nulo,
 
µν 1 µν σ 1 µν ρσ 1
T ≡ g Tµν = Fµσ g Fν − g gµν Fρσ F = (Fµσ F µσ − Fρσ F ρσ ) = 0 (2.14)
4π 4 4π

já que, em quatro dimensões, g µν gµν = 4. A equação (2.14) nos permite reescrever a


Equação de Einstein numa forma mais simples:

Rµν = 8π Tµν . (2.15)

Como estamos assumindo simetria esférica, o campo eletromagnético deve ter somente
componente radial, independente das coordenadas θ e φ. Ou seja, Er ≡ E1 = F01 =
−F10 = E1 (t, r), para o campo elétrico. Já para o campo magnético, façamos duas
considerações: primeiro, as Equações de Maxwell preveem a inexistência de monopolos
magnéticos, então, não há uma "fonte" que geraria (Fij ) na direção radial. Segundo,
para o vácuo, a única forma de gerar campo magnético seria com a variação temporal
do campo elétrico; porém, os campos magnéticos induzidos são sempre não-conservativos
(rotacionais). Sendo assim, as componentes do tensor de Faraday associadas ao campo
magnético devem ser nulas. Em coordenadas esféricas, (Fµν ) tem representação matricial
 
0 E1 (r, t) 0 0
 
 −E (r, t) 0 0 0 
1
(Fµν ) =   . (2.16)
 

 0 0 0 0 

0 0 0 0

Utilizando a equação (2.16), podemos simplificar a expressão (2.13) para o campo


eletromagnético. Primeiro, vamos abrir o segundo termo dos parêntesis,

1
g F F ρσ
4 µν ρσ
= 14 gµν (Fρ0 F ρ0 + Fρ1 F ρ1 )
= 41 gµν (2F01 F 01 ) = 21 gµν F01 F 01 .
9

Para o primeiro termo,

Fµσ Fν σ = gβν Fµσ F βσ = gβν Fµ0 F β0 + gβν Fµ1 F β1


= g1ν Fµ0 F 10 + g0ν Fµ1 F 01 .

Daí, a equação se torna:


 
1 10 01 1 01
Tµν = g1ν Fµ0 F + g0ν Fµ1 F − gµν F01 F . (2.17)
4π 2

Como a métrica é diagonal, o tensor momento-energia também será. Suas componentes


podem ser facilmente obtidas agora, a partir de (2.17):

1 2Φ 1 2Λ
T00 = − 8π e F01 F 01 T11 = 8π
e F01 F 01
(2.18)
1 2
T22 = − 8π r F01 F 01 T33 = sin2 θ T22

2.5 Resolvendo as equações acopladas de Einstein-Maxwell

Quando calculamos a componente (0, 1) da equação (2.15), utilizando as componentes


dos tensores calculadas em (2.12) e (2.18), vemos que R01 = 8πT01 = 0, ou seja, 2r−1 Λ,t =
0, o que implica em Λ,t = 0. Portanto, Λ = Λ(r) somente, simplificando bastante as
componentes do tensor de Ricci. Podemos agora determinar uma relação entre as funções
Φ e Λ, partindo de
1 1
e−2Φ T00 + e−2Λ T11 = − F01 F 01 + F01 F 01 = 0 ,
8π 8π
e, as componentes da equação de Einstein,

1 1
T00 = R
8π 00
e T11 = R
8π 11
,

donde,
e−2Φ R00 + e−2Λ R11 = 0 . (2.19)

Substituindo as componentes do tensor de Ricci, a equação (2.19) se torna 2/r [Φ,r +Λ,r ] =
0, ou,

[Φ + Λ] = 0 =⇒ Φ + Λ = f (t) , (2.20)
∂r
onde f (t) é uma função que depende apenas do tempo. Dos resultados anteriores, po-
demos afirmar que Φ(r, t) = f (t) − Λ(r). O primeiro termo da métrica (2.6) é então
− exp [2Φ(r, t)]dt2 = − exp [2f (t)] exp [−2Λ(r)]dt2 . Mas sempre podemos simplesmente
redefinir nossa coordenada temporal trocando dt −→ e−f (t) dt; em outras palavras, a
10

Equação de Einstein nos dá liberdade para escolher nossa coordenada t tal que f (t) = 0
[10, 12], e, portanto, Φ(r, t) = Φ(r) = −Λ(r). O elemento de linha (2.6) pode ser escrito
então na forma:
ds2 = −e2Φ(r) dt2 + e−2Φ(r) dr2 + r2 dΩ2 , (2.21)

mostrando que a métrica de RN é estática. Note em particular que g00 g11 = −1, logo,
F01 = g00 g11 F 01 = −F 01 . Ou seja, para trocarmos a representação covariante para con-
travariante, basta adicionarmos um sinal negativo. Essa propriedade é interessante, pois
as equações covariantes de Maxwell para J µ = 0, ∀µ,

F µν;ν = 0 (2.22)
Fµν;γ + Fγµ;ν + Fνγ;µ = 0 (2.23)

podem ser resolvidas para F µν e depois encontramos Fµν apenas trocando o sinal da
solução. Comecemos por (2.23). Como nosso Fµν só possui duas componentes não nulas e
antissimétricas, isso indica que não temos muitas equações. Por exemplo, façamos o caso
µ = ν = 0 e γ = 1: F00;1 + F01;0 + F10;0 = 0 =⇒ 0 = 0 (a equação é automaticamente
satisfeita). Se fizermos permutações desses índices escolhidos, percebemos que essa é na
verdade a única equação independente. Esse resultado era esperado, já que as derivadas
covariantes das identidades de Bianchi para o tensor de Faraday podem ser abertas:

Fµν;γ = Fµν,γ − Γαµγ Fαν − Γανγ Fµα


Fγµ;ν = Fγµ,ν − Γαγν Fαµ − Γαµν Fγα
Fνγ;µ = Fνγ,µ − Γανµ Fαγ − Γαγµ Fνα

e então somadas. Porém, note que todos os termos com os símbolos de Christoffell se
cancelam após a soma, restando apenas os termos das derivadas ordinárias:

Fµν,γ + Fγµ,ν + Fνγ,µ = 0 .

Portanto, a equação (2.23) pode ser expressa na Relatividade Geral da mesma forma que
seria expressa na Relatividade Especial. Além disso, sabemos que as equações acima são
a forma covariante da Lei de Gauss para o campo magnético e da Lei de Faraday-Lenz:

~ ·B
∇ ~ =0 (2.24)
~
∇ ~ + ∂ B = ~0 .
~ ×E (2.25)
∂t
11

Como o tensor de Faraday (2.16) possui todas as componentes associadas ao campo mag-
nético nulas, a equação (2.24) é automaticamente satisfeita e a equação (2.25) se torna

~ ×E
∇ ~ = ~0 ,

~ = E r êr , o
indicando que lidamos com um campo conservativo. Além disso, como E
rotacional da equação acima se anula, e, portanto, a Lei de Faraday-Lenz também é
automaticamente satisfeita. Resolvendo agora a equação (2.22),

F µν;ν = F µν,ν + Γµαν F αν + Γναν F µα = 0 , (2.26)

abrimos a componente µ = 0:

F 01,1 + Γ0αν F αν + Γναν F 0α = 0 =⇒ F 01,1 + F 01 [Φ,r + Λ,r + 2r−1 ] = 0 .

Mas, de (2.20), a equação acima se torna


∂ 01 2 01
F + F =0,
∂r r
cuja solução é dada por
g(t)
F 01 = , (2.27)
r2
onde g(t) é uma função que aparece da integração parcial, dependente só da coordenada
temporal. Para a componente µ = 1, temos:

F 10,0 + Γ1αν F αν + Γναν F 1α = 0 =⇒ F 10,0 + F 10 Φ,0 = 0 .

Mas, já vimos que Φ(r, t) = Φ(r), portanto, a equação acima é simplificada para F 10,0 = 0,
ou, F 10 = F 10 (r). Esse resultado reforça o que obtido das Equações de Einstein - uma vez
que a métrica não depende explicitamente da coordenada t, concluímos que as compo-
nentes do tensor momento-energia para o campo eletromagnético (e, consequentemente,
as componentes do tensor de Faraday) também não devem depender do tempo. Logo,
g(t) = constante. A solução das equações de Maxwell para o tensor de Faraday,
constante
E r (r) = F 01 (r) = , (2.28)
r2
possui a forma do conhecido campo elétrico de carga pontual (isto é, decai com 1/r2 ). A
partir daqui, denotaremos constante ≡ Q. Sendo assim, F01 (r) = −Q/r2 . Substituindo
na expressão de T22 dada pela equação (2.18), encontramos:

1 2 1 2 Q2 Q2
T22 = − r F01 F 01 = r 4 = . (2.29)
8π 8π r 8πr2
12

Por outro lado, a componente R22 do tensor de Ricci, dada em (2.12), reescrita em termos
só da função Φ(r):

R22 = e−2Λ [rΛ,r − rΦ,r − 1] + 1 = −e2Φ [2rΦ,r + 1] + 1


d  2Φ 
=− re +1 . (2.30)
dr
Substituindo as equações (2.29) e (2.30) na componente (2,2) da equação (2.15), encon-
tramos
d  2Φ  Q2 d  2Φ  Q2
− re + 1 = 2 =⇒ re =1− 2 .
dr r dr r
Integrando os dois lados em relação a r,

Q2 constante Q2
re2Φ = constante + r + =⇒ e2Φ = 1 + + 2 . (2.31)
r r r
Dado que uma das condições de contorno impostas à métrica RN era recair em Schwarzs-
child (2.8) quando Q = 0 (que é equivalente a Tµν = 0, ∀µ, ν), inferimos que, na equação
(2.31), o termo constante ≡ −2M . Portanto, definindo

2M Q2
∆(r) ≡ e2Φ = 1 − + 2 , (2.32)
r r
chegamos à métrica exterior de Reissner-Nordström:

ds2 = −∆ dt2 + ∆−1 dr2 + r2 dΩ2 . (2.33)

Para essa demonstração, não incluímos monopolos magnéticos já que não são previs-
tos pelas equações de Maxwell, nem há evidências experimentais da existência deles. No
entanto, poderíamos assumir desde o início da demonstração que existe uma "carga mag-
nética" [10], P , associada a uma suposta componente radial do campo magnético B r , na
forma Br = P/r2 , que corresponde à componente do tensor de Faraday F23 = r2 sin θ Br
[11]. As componentes diagonais do tensor momento-energia do campo eletromagnético
teriam um termo extra proporcional a Br2 . Como resultado, obteríamos uma solução cuja
única diferença seria substituir o termo Q2 por Q2 + P 2 dentro da função ∆(r). Porém,
analisaremos apenas o espaço-tempo com P = 0.
3 Estudo do espaço-tempo

A "geometria de Reissner-Nordström" é a solução exterior de um buraco negro ou


estrela esférica com um campo eletromagnético atuando como fonte da energia-momento.
É determinada por dois parâmetros, a massa M e a carga Q, com elemento de linha

ds2 = −∆ dt2 + ∆−1 dr2 + r2 dΩ2 , (3.1)

onde
2M Q2
∆(r) = 1 − + 2 , (3.2)
r r
escrito no sistema de coordenadas esféricas.

Na derivação da métrica, vimos que os parâmetros M e Q aparecem como constantes


de integração, mas não demos a devida interpretação física deles. Quando deduzimos a
solução interior de Schwarzschild, com (Tµν ) de fluido perfeito, definimos o parâmetro
de massa total de uma estrela determinada por um observador em órbitas distantes pela
integral Z R
M= 4πr2 ρ dr , (3.3)
0

onde R demarca a superfície da estrela (região com pressão nula), exatamente igual na
teoria Newtoniana. Porém, note que o elemento de volume 4πr2 dr não é o elemento
de volume próprio numa hipersuperfície t = constante, o qual é dado pela expressão

−g d3 x. Portanto, (3.3) não pode ser a soma de todas as energias próprias dos elementos
de fluido [9]. Já quando avaliamos o parâmetro Q, podemos relembrar que o campo elétrico
encontrado como solução das equações covariantes de Maxwell é da forma E r ≡ F 01 =
Q/r2 ; se substituirmos a solução na Lei de Gauss na forma integral, veremos que
I
Q= F 0i ni dS , (3.4)
S

onde n̂ é o vetor normal unitário à 2-superfície S na hipersuperfície t = constante; por-


tanto, Q pode ser interpretada como a carga elétrica total medida por um observador em
referencial distante, similarmente ao parâmetro M .
14

Em geral, uma hiper-superfície é definida como a solução de uma equação f (t, x, y, z) =


constante. O gradiente da função f , df
e , é uma um-forma normal a essa hiper-superfície.
Se f for uma coordenada xα , com α fixo, então a superfície de xα = constante tem a nor-
e α [9]. Para um quadrivetor V~ , sua contração com a um-forma é dada por
mal unitária dx
e α )β = V β δ α = V α ; por outro lado, a quantidade V β (dx
V β (dx β
e α )β (e, consequentemente,
V α ) é o fluxo de V~ através da superfície xα = constante. Pensando nisso, a definição
mais conveniente para o tensor momento-energia é dada em termos de suas componentes
num referencial inercial arbitrário:
 
e µ , dx
T dx e ν = T µν ≡ {fluxo de pµ através de xν = constante} ,

onde pµ é a contração do quadrimomento p~ com a um-forma dx


e µ . Para o caso do ten-
sor momento-energia do campo eletromagnético, a componente T 00 é o fluxo de energia
através da hipersuperfície t = constante, ou seja, é densidade de energia armazenada nos
campos. T 0i = T i0 são o fluxo de energia através da hipersuperfície xi = constante, então,
representam as componentes do vetor de Poynting. T ij são as componentes do tensor de
stress de Maxwell, que aparece no eletromagnetismo clássico [14]. Sendo assim, compa-
rando a função ∆(r) dada em (3.2) com a componente T22 do tensor momento-energia do
campo eletromagnético, calculada em (2.29), percebemos que o termo Q2 /r2 presente na
métrica corresponde a um fluxo do momento pθ através da superfície θ = constante, ou
seja, a uma "pressão" exercida pelo campo elétrico num cone de vértice na origem.

A métrica de RN não representa apenas o campo gravitacional de uma estrela ele-


tricamente carregada: veremos a seguir que também é a geometria de um buraco negro
esférico, com dois horizontes. Estudaremos as geodésicas tipo-tempo e nulas - os cami-
nhos de partículas (neutras ou carregadas) e fótons se movendo livremente, as chaves para
entendermos a estrutura desse espaço-tempo.

3.1 Singularidades

Antes de explorarmos o comportamento das partículas de teste na geometria de RN,


veremos um pouco das singularidades. Da equação (3.1), os coeficientes divergem em r = 0
p
e ∆ = 0 =⇒ r = M ± M 2 − Q2 (quando M ≥ |Q|) - sinais aparentes de que algo
está dando errado. Os coeficientes da métrica são quantidades dependentes do sistema de
coordenada, e, como tais, podem apresentar irregularidades, como as singularidades de
coordenada que surgem da adoção de um sistema específico para parametrizar a variedade
curva. Um exemplo simples ocorre na origem das coordenadas polares no plano, onde a
15

métrica ds2 = dr2 +r2 dθ2 se torna degenerada e a componente g θθ = r−2 do tensor métrico
inverso diverge.

Então, procuramos por outros sinais independentes de coordenadas para estudar os


problemas verdadeiros da geometria em questão. Existe uma condição suficiente para
um ponto ser considerado uma singularidade; não é uma condição necessária, no entanto,
é mais complicado mostrar que o dado ponto é não-singular. Para nossos propósitos,
testaremos apenas se as geodésicas são bem comportadas no ponto em questão, e se
forem, consideraremos como não-singular [10]. No caso da métrica de RN (3.1), o cálculo
direto do escalar de Kretschmann
8
Rαβµν Rαβµν = 2 2 2 4

6M r − 12M rQ + 7Q (3.5)
r8
revela que a origem é de fato uma singularidade essencial. Os outros pontos problemáticos
p
estão em r± = M ± M 2 − Q2 , porém, quando avaliamos outros invariantes de curvatura
neles, vemos que nenhum diverge lá. Portanto, podemos desconfiar que esses pontos são
de fato não singulares, e temos apenas que encontrar um sistema de coordenada mais
apropriado.
(r)

(r)

0 0
r r = r+ r
(a) Caso M < |Q|. A função ∆(r) não possui (b) Caso M = |Q|. A função ∆(r) possui uma
raízes. raiz, marcada no ponto vermelho.
(r)

r r+ r
(c) Caso M > |Q|. A função ∆(r) possui duas
raízes, marcadas nos pontos vermelhos.

Figura 2: A função ∆(r) para as soluções de Reissner-Nordström; os zeros marcados nos pontos verme-
lhos indicam a localização dos horizontes.

A estrutura de horizontes da métrica de RN é mais complicada que a de Schwarzschild.


16

De acordo com o mostrado na figura 2, quando ∆(r) = 0, podemos ter uma solução, duas
soluções ou nenhuma, dependendo dos valores relativos entre M 2 e Q2 .

3.1.1 Caso M 2 < Q2

Neste caso, r± serão complexos, portanto, a função ∆(r) é sempre positiva e não-nula;
como resultado a métrica é completamente regular nas coordenadas (t, r, θ, φ) em todo o
espaço-tempo, menos em r = 0. A coordenada t é sempre tipo-tempo, e a coordenada
r é sempre tipo-espaço. Já que não existe um horizonte de eventos, nada esconde a
singularidade r = 0 de um observador viajando até ela e depois retornando para reportar
o observado - chamamos de singularidade nua [10]. Já no limite r −→ ∞ a solução se
aproxima do espaço-tempo plano (o que não é surpreendente, porque foi imposto no início).
A "nudez" da singularidade nos impediria de encontrar um buraco negro com parâmetros
M < |Q| como resultado de um colapso gravitacional - essa condição afirma que a energia
total do buraco negro, medida por num referencial distante, é menor que a energia total
armazenada nos campos eletromagnéticos sozinhos medida no mesmo referencial. As
consequências físicas da singularidade nua, como, por exemplo, a existência de curvas
tipo-tempo fechadas [8], aparentam ser tão extremas que Penrose propôs a existência de
uma Conjectura de Censura Cósmica, a qual afirma que todas as singularidades formadas
de um colapso gravitacional estão necessariamente escondidas por horizontes de eventos;
ou seja, são buracos negros [1]. Nesse sentido, esse caso previsto pela métrica de RN é
considerado uma solução não-física.

Posteriormente, veremos que as curvas geodésicas revelam uma singularidade repulsiva


- geodésicas tipo-tempo nunca interceptam r = 0; ao invés disso, elas se aproximam e então
revertem o curso, voltando para o infinito; já as geodésicas nulas conseguem alcançar a
singularidade.

3.1.2 Caso M 2 = Q2

Esse caso é conhecido como solução extrema de Reissner-Nordström. Os buracos


negros extremos possuem ∆(r) = 0 num único raio, r = M , o qual representa um horizonte
de eventos, mas essa coordenada r nunca se torna tipo-tempo. É tipo-espaço nas regiões
0 < r < M e r > M , e se torna tipo-luz em r = M . A singularidade em r = 0 é uma linha
tipo-tempo, assim como no caso anterior. Então, para esse buraco negro, um observador
pode escolher evitar a singularidade e sair dele, porque a coordenada radial dentro do
17

horizonte de eventos r = M é tipo-espaço [10]. Para analisarmos melhor o que acontece


em r = M , considere uma partícula viajando no espaço tempo com elemento de linha

ds2 = −∆(r) dt2 + ∆−1 (r) dr2 , (3.6)

onde
∆(r) = 1 − 2M/r + M 2 /r2 = (1 − M/r)2 . (3.7)

Comparando a equação (3.6) com a equação para o elemento de linha da métrica de


RN, (2.33), temos dΩ = 0, e a função ∆(r) reescrita em termos apenas da massa do
buraco negro. A partir de (3.6) podemos determinar a geodésica radial de uma partícula
na métrica de RN extrema. Sabendo que sempre é possível encontrar um sistema de
referenciais de repouso local da partícula, onde ds2 = −dτ 2 , temos

− ∆(r) dt2 + ∆−1 (r) dr2 = −dτ 2 . (3.8)

Manipulando a expressão acima, chegamos a


 2  2
dr dt
= ∆ −∆ . (3.9)
dτ dτ

Por outro lado, da definição do quadrimomento,


 
0 dt
p0 = g00 p = −∆ m . (3.10)

Como a coordenada t é cíclica nas componentes da métrica extrema de RN, existe con-
servação da componente covariante do quadrimomento associada a ela, ou seja, p0 =
constante. Assim, o termo
dt 1
∆ = − p0 = constante ≡ K . (3.11)
dτ m
Portanto, a equação (3.9) se torna:
 2
dr
= K 2 − ∆(r) , (3.12)

donde, isolando dτ , temos


dr
dτ = − q . (3.13)
M 2

K2 − 1 − r
18

Para encontrarmos o intervalo de tempo próprio de uma partícula que cai radialmente de
qualquer raio finito R até r = M , basta calcular a integral
Z M
dr
∆τ = − q 2 (3.14)
R K 2 − 1 − Mr

(o sinal negativo foi escolhido porque a partícula cai no buraco negro extremo). Está claro
que a integral é finita para todo K 2 > 1 (partícula não-ligada). Se K 2 = 1 (partícula
caindo do repouso em r → ∞), a integral (3.14) se torna
 R
(r + M ) p
∆τ = M (2r − M ) (3.15)
3M M

que, novamente, é finita. Se K 2 < 1, também não há problemas pois a partícula fica
confinada na região (1−M/r)2 ≤ K 2 , ∀ r. Logo, a partícula consegue alcançar o horizonte
r = M num intervalo de tempo próprio finito.

Agora, para determinar o intervalo de tempo de coordenada necessário para a partícula


alcançar o horizonte r = M , usaremos a equação (3.11) que define a constante K,
1
dτ = ∆ dt . (3.16)
K
Substituindo (3.16) em (3.13), chegamos a
Kdr
dt = −  h  i1/2 . (3.17)
M 2 M 2
1− r
K2 − 1− r

Por simplicidade, consideraremos o caso K 2 = 1 e examinaremos a equação (3.17) próxima


à hipersuperfície r = M definindo a nova variável

=r−M , (3.18)

e então, obtemos
( + M )3 d
dt = − . (3.19)
2 (2M  + M 2 )1/2
Está claro que no limite  −→ 0, a integral de (3.19) diverge. Chegaríamos à mesma
conclusão para K 2 6= 1, porque a divergência surge do termo ∆−1 , que não depende de K.
Sendo assim, a partícula alcança r = M apenas num intervalo de tempo de coordenada
infinito [9]. Os observadores distantes do buraco negro extremo medem apenas ∆t. Uma
vez que a partícula passa por r = M , e, decide então voltar (pois existe a possibilidade dos
valores da coordenada r serem crescentes após passar pelo horizonte de eventos), acabará
se movendo para outro espaço-tempo assintoticamente plano. Na verdade, assim como
19

nos outros casos, a origem é repulsiva, logo, inevitavelmente a partícula numa geodésica
que passa por r = M terá que sair do buraco negro extremo.

Uma propriedade desses buracos negros extremos é que de certa forma a massa é ba-
lanceada pela carga elétrica - então, dois buracos negros extremos com cargas de mesmo
sinal se atraem gravitacionalmente, mas se repelem eletrostaticamente, e esses dois efeitos
se cancelam precisamente [10]. Podemos ainda manipular a métrica (3.1) para encon-
trar uma nova solução exata das Equações acopladas de Einstein-Maxwell para qualquer
número de buracos negros extremos numa situação estacionária. Para isso, primeiro con-
sidere a função ∆ para o caso M = |Q|, dada pela equação (3.7). Se definirmos uma nova
coordenada radial deslocada, ρ = r − M , ∆(r) → ∆(ρ):
 2  −2
ρ M
∆(ρ) = = 1+ ,
ρ+M ρ

portanto, o elemento de linha pode ser reescrito na forma


 −2  2  2
2 M 2 M 2 M
ds = − 1 + dt + 1 + dρ + 1 + ρ2 dΩ2
ρ ρ ρ

porque (ρ + M )2 = ρ2 (1 + M/ρ)2 . A seguir, definindo


M
H(ρ) = 1 + , (3.20)
ρ
a métrica assume uma forma isotrópica:

ds2 = −H −2 (ρ) dt2 + H 2 (ρ) [dρ2 + ρ2 dΩ2 ] . (3.21)

Como dρ2 + ρ2 dΩ2 é justamente a métrica euclidiana escrita em coordenadas esféricas,


podemos escrever (3.21) em coordenadas cartesianas,

ds2 = −H −2 (~x) dt2 + H 2 (~x) d~x · d~x , (3.22)

com ~x = xi êi e (3.20) pode ser reescrita:


M
H(~x) = 1 + . (3.23)
||~x||

Na coordenada original r, o campo elétrico da solução extrema pode ser expresso


em termos do quadri-vetor potencial Aµ , uma vez que conhecemos a identidade Fµν =
Aν;µ − Aµ;ν = Aν,µ − Aµ,ν (pois Γαµν = Γανµ ) [12]. Portanto, F01 = A1,0 − A0,1 . Como
20

estamos na eletrostática, a derivada temporal de Aµ desaparece; sendo assim,

F01 = −F 01 = −A0,1 ,

então, nosso vetor potencial possui única componente tipo-tempo:


Q Q
∂r A0 = 2
=⇒ A0 = − , (3.24)
r r
que pode ser reescrita nas coordenadas cartesianas como

A0 = H −1 (~x) − 1 . (3.25)

Agora, vamos esquecer que sabemos a forma da função H dada por (3.23) e simples-
mente resolvemos as Equações acopladas de Einstein-Maxwell para a métrica (3.22) com
tensor momento-energia associado ao potencial eletrostático (3.25), assumindo H(~x),0 = 0.
Pode-se mostrar1 que as Equações de Einstein são identicamente nulas para este caso, e,
que as equações de Maxwell se tornam a equação de Laplace,

∇2 H(~x) = 0 , (3.26)

onde ∇2 = ∂x2 + ∂y2 + ∂z2 . A solução é bem comportada no infinito e tem a forma

N
X Mk
H(~x) = 1 + , (3.27)
k=1
||~x − ~xk ||

para um conjunto de N pontos espaciais localizados na posição ~xk . Esses pontos descrevem
N buracos negros extremos de RN com massas Mk = |Qk |. Esse resultado é conhecido
como métrica de multi-buracos-negros extremos [10], ou solução de Majumdar-Papapetrou
(MP) [15].

3.1.3 Caso M 2 > Q2

Diferente dos outros casos, esperamos essa situação num colapso gravitacional realís-
tico; a energia do campo eletromagnético é menor que a energia total do buraco negro.
Neste caso, o a função ∆(r) é negativa para r− < r < r+ e positiva para os outros valores
de r; a métrica tem singularidade de coordenadas em ambos r− e r+ , mas, podem ser
retiradas via mudança de coordenada.

As superfícies definidas por r = r± são ambas nulas, e também são horizontes. A


1
Ver apêndice 7.3 para mais detalhes.
21

singularidade r = 0 é uma linha tipo-tempo, não tipo-espaço como no caso da geometria


de Schwarzschild. Se um observador vindo do infinito cai no buraco negro, a superfície
r+ funciona exatamente igual a superfície r = 2M da métrica de Schwarzschild, pois,
a partir dela, a coordenada r troca de comportamento, de tipo-espaço para tipo-tempo;
sendo assim, o observador necessariamente deve mover-se na direção de r decrescente [10].
Já os observadores fora do buraco negro também verão o fenômeno que veriam fora de
um buraco negro não-carregado - um observador em queda livre é visto se movendo cada
vez mais devagar e aumentando o redshift.

Porém, diferente do buraco negro neutro, a inevitável queda de r+ para raios menores
dura até o observador alcançar a segunda superfície nula r− , onde a coordenada r muda de
tipo-tempo para coordenada tipo-espaço; assim, o movimento na direção de r decrescente
pode ser detido. Portanto, o observador pode escolher entre continuar para r = 0 (já que
é linha tipo-tempo, então não está necessariamente no futuro do observador) ou retornar,
movendo-se em direção ao r crescente através da superfície r = r− . Sendo que lá, em
r− < r < r+ , r será novamente tipo-tempo, mas na orientação reversa! O observador
será forçado a se mover na direção de r crescente. Então, passará por r = r+ mais uma
vez, isto é, seria como emergir de um buraco branco [10]. A partir deste ponto, o
observador pode escolher refazer a viagem, sendo que, neste novo tempo, estará entrando
num buraco negro diferente daquele que entrou pela primeira vez2 . Isso porque, assim
como no caso M 2 = Q2 , os observares distantes do buraco negro mediriam um intervalo
tempo de coordenada infinito para o percurso, enquanto o intervalo de tempo próprio é
finito.

3.2 Coordenadas de Eddington-Finkelstein para a métrica


de RN

Em particular, desejamos obter uma descrição apropriada para as partículas em queda


livre, então, comecemos pela construção de um novo sistema de coordenadas baseado em
fótons em queda livre radial, no caso M > |Q|. Posteriormente, faremos uma generalização
para os outros casos. Partindo da métrica de RN (3.1), se tratamos das trajetórias radiais
de fótons, ds2 = 0 e dΩ2 = 0:
dt
− ∆ dt2 + ∆−1 dr2 = 0 =⇒ = ±∆−1 . (3.28)
dr
2
Veremos esse fenômeno com mais detalhes a seguir, via diagrama de espaço-tempo.
22

Lembrando do gráfico de ∆(r) na figura 2, temos três regiões:

• Região (1): r > r+ −→ ∆(r) positivo;

• Região (2): r− < r < r+ −→ ∆(r) negativo;

• Região (3): r < r− −→ ∆(r) positivo novamente;

Como o sistema de coordenadas avançadas é baseado nos fótons em queda livre


radial, tomaremos o sinal de menos da equação (3.28) para encontrar a nova coordenada
na região (1) [8]. Reescrevendo ∆,

2M Q2 1 1
∆(r) = 1 − + 2 = 2 [r2 − 2M r + Q2 ] = 2 [(r − r− )(r − r+ )] .
r r r r
Portanto,
dt r2
= −∆−1 = − . (3.29)
dr (r − r− )(r − r+ )
Fatorando com frações parciais, (3.29) dá

r2 r2
 
dt 1
= − . (3.30)
dr (r+ − r− ) (r − r− ) (r − r+ )

Se integrarmos (3.30) sabendo que r > r+ > r− , chegamos a


2 2
   
r− r r+ r
t = −r + ln −1 − ln −1 +C , (3.31)
r+ − r− r− r+ − r− r+

onde C é a constante de integração. Faremos um truque e usaremos C como uma nova


coordenada, que denotaremos por q [8]. Assim, define-se a transformação de coordenada,
2 2
   
r− r r+ r
q =t+r− ln −1 + ln −1 , (3.32)
r+ − r− r− r+ − r− r+

onde q, por razões históricas, é conhecido como "parâmetro avançado temporal" [7], e, é
claramente uma coordenada nula, por ser constante ao longo de toda linha do universo
de um fóton caindo radialmente. Sendo assim, é uma boa coordenada onde quer que a
linha de mundo passe, mas é pouco convencional [8]. Definiremos então uma coordenada
tipo-tempo:
t̄ = q − r , (3.33)

e assim obtemos
2 2
   
r+ r r− r
t̄ = t + ln −1 − ln −1 , (3.34)
r+ − r− r+ r+ − r− r−
23

a conhecida coordenada avançada de Eddington-Finkelstein para a métrica de RN na


região (1).

Para escrevermos o novo elemento de linha, diferenciamos a expressão (3.34):


 2 2

1 r+ r−
dt̄ = dt + − dr ,
r+ − r− r − r+ r − r−

manipulando o termo dos colchetes,


2 2 2 2
r+ r− r+ (r − r− ) − r− (r − r+ )
− = . (3.35)
r − r+ r − r− (r − r+ )(r − r− )
p
Como r± = M ± M 2 − Q2 , a expressão (3.35) pode ser reescrita, quando manipulamos
numerador e denominador individualmente:
" p #
dr 2r2 M 2 − Q2 (1 − ∆) (1 − ∆)
dt̄ = dt + p 2
= dt + dr .
2
2 M −Q 2 r ∆ ∆

Portanto,
dt̄ = dt + ∆−1 (1 − ∆)dr . (3.36)

Por fim, quando substituímos (3.36) na métrica (3.1), trocando t −→ t̄, assume a
forma
ds2 = −∆ dt̄2 + 2(1 − ∆)drdt̄ + (2 − ∆)dr2 + r2 dΩ2 , (3.37)

que é a métrica de RN nas coordenadas de Eddington-Finkelstein avançadas [7, 8]. Em


particular, note que esta forma é regular para todo r > 0, mas ainda conserva a singula-
ridade intrínseca em r = 0.

Agora, determinaremos a equação do movimento de um fóton que cai no buraco


negro de RN ou que sai dele nas novas coordenadas, para o caso da região (1). Primeiro,
dividimos a equação (3.36) por dr:

dt̄ dt
= + ∆−1 (1 − ∆) . (3.38)
dr dr
Substituindo em (3.38) a equação (3.28), ficamos apenas com

dt̄
= ±∆−1 + ∆−1 (1 − ∆) . (3.39)
dr

Então, encontramos a trajetória de um fóton caindo nas novas coordenadas, tomando


o sinal negativo da equação (3.39),

dt̄ + dr = 0 , (3.40)
24

e a trajetória de um fóton saindo do buraco negro, tomando o sinal positivo da equação


(3.39),
∆−2
dt̄ + dr = 0 . (3.41)

Integrando as equações (3.40) e (3.41), encontramos

t̄ + r = C , (3.42)

para os fótons caindo, e

2M 2 − Q2
   
r− (r − r+ ) (r − r+ )(r − r− )
t̄ = r + p ln + 2M ln +C , (3.43)
M 2 − Q2 r+ (r − r− ) r+ r−

para os fótons saindo.

Se fizermos a mesma análise para a região (2), r− < r < r+ , teremos agora ∆(r) < 0.
Para então encontrarmos as curvas dos fótons caindo, deveremos tomar o sinal positivo
da equação (3.28). Nossa coordenada avançada de Eddington-Filkelstein para a região
(2) será
2 2
   
r+ r r− r
t̄ = t + ln 1 − − ln −1 . (3.44)
r+ − r− r+ r+ − r− r−
Nela, o elemento de linha (3.1) assume a mesma forma de (3.37). Por fim, para a região (3),
r < r− , adotamos novamente o sinal negativo da equação (3.28), integramos e encontramos
2 2
   
r+ r r− r
t̄ = t + ln 1 − − ln 1 − , (3.45)
r+ − r− r+ r+ − r− r−

a qual, assim como (3.34) e (3.44), transforma (3.1) em (3.37). Podemos compactar as
expressões para mudança de coordenadas das três regiões numa só,
2 2
r+ r r− r
t̄ = t + ln 1 − − ln 1 − . (3.46)
r+ − r− r+ r+ − r− r−

Quando encontramos as geodésicas radiais dos fótons nessa nova coordenada para
todo o espaço, com raciocínio análogo ao que usamos para a região (1), percebemos que
as curvas dos fótons caindo são idênticas a (3.42), e as dos fótons saindo assumem a forma
geral

2M 2 − Q2 r− (r − r+ ) (r − r+ )(r − r− )
t̄ = r + p ln + 2M ln +C , (3.47)
M 2 − Q2 r+ (r − r− ) r+ r−

muito semelhante a (3.43), mas agora com módulos nos logaritmos naturais.

Em posse das expressões analíticas das curvas de luz, somos capazes de desenhar o
25

diagrama de espaço-tempo para a métrica de RN, na figura 3. Primeiramente, note que


os limites assintóticos das curvas de fótons que saem do buraco negro são

lim t̄ = −∞ lim t̄ = −∞
r→(r+ )+ r→(r+ )−
(3.48)
lim + t̄ = +∞ lim − t̄ = +∞
r→(r− ) r→(r− )

o limite perto da singularidade r = 0,

lim t̄ = C = constante , (3.49)


r→0+

e, de (3.41), podemos saber melhor sobre a inclinação dos cones de luz no infinito e
próximos à singularidade para os fótons que saem:

lim dt̄ =1 lim dt̄ = −1 . (3.50)


r→∞ dr r→0+ dr
t

0
0 r r+ r
Figura 3: Diagrama de espaço-tempo para as coordenadas avançadas de Eddington-Finkelstein. As
linhas vermelhas tracejadas são r− e r+ , e a linha azul pontilhada é a singularidade r = 0. Note que os
cones de luz desaparecem em e nas proximidades da singularidade, onde as linhas das geodésicas radiais
se confundem. O gráfico foi desenhado para Q = 0.8M .

Para os fótons que caem, as curvas são sempre contínuas e bem comportadas, iguais
a t̄ + r = C, devido à nossa de escolha coordenada ser baseada neles. A inclinação
26

dessa reta é sempre constante e igual a −1, assim como os fótons viajando na métrica da
Relatividade Especial. Algo curioso pode ser percebido aqui: quando estamos próximos
à singularidade, a inclinação das curvas de luz dos fótons que caem e dos que saem são
as mesmas e iguais a −1, portanto, o cone de luz ali se fecha, impedindo as partículas
de acessarem essa posição (pois as geodésicas tipo-tempo das partículas estão confinadas
ao interior do cone de luz), e, portanto, a singularidade r = 0 é repulsiva. Sendo assim,
somente linhas do universo nulas podem alcançar r = 0, como mencionado na seção 3.1.3.

Se desejarmos descrever qualitativamente o que acontece com as partículas que emer-


gem do buraco negro (já que, para a geometria de RN, essa situação é possível), devemos
basear o sistema de coordenadas nos fótons que saem dele, somente sobre ação do campo
gravitacional. Essas coordenadas baseadas na saída dos fótons ganham o nome de coor-
denadas retardadas de Eddington-Finkelstein [8] e são as reversas temporais das
coordenadas avançadas. Para construir esse sistema, basta refazer o procedimento ante-
rior, mas agora, invertendo os sinais escolhidos da equação (3.28) para encontrarmos as
geodésicas radiais dos fótons que saem. Assim, definimos uma coordenada tipo-tempo
para todo o espaço-tempo:
2 2
r+ r r− r
t̄ = t − ln 1 − + ln 1 − , (3.51)
r+ − r− r+ r+ − r− r−

cuja diferencial pode ser escrita de forma semelhante à equação (3.36) como

dt̄ = dt − ∆−1 (1 − ∆)dr

e que transforma o elemento de linha (3.1) em

ds2 = −∆ dt̄2 − 2(1 − ∆)drdt̄ + (2 − ∆)dr2 + r2 dΩ2 . (3.52)

Note que a expressão acima é a reversa temporal do elemento escrito em (3.37) [7], isto é,
podemos obter (3.52) de (3.37) trocando t̄ −→ −t̄. Logo, nas novas coordenadas (sejam
avançadas, sejam retardadas), o espaço-tempo de RN ainda conserva a simetria esférica,
mas agora é apenas estacionário. Como resultado dessa característica, para encontrarmos
as geodésicas radiais dos fótons que caem e que saem do buraco negro com elemento de
linha (3.52), basta aproveitarmos as expressões (3.42) e (3.47), mas, com t̄ −→ −t̄. O
diagrama de espaço-tempo está mostrado na figura 4.

Assim como no caso anterior, para referenciais distantes do buraco negro, o espaço-
tempo tem curvas de luz como as da relatividade especial (com inclinação +1 e −1). Além
disso, a singularidade em r = 0 continua repulsiva. De acordo com o mencionado na seção
27

0
0 r r+ r
Figura 4: Diagrama de espaço-tempo para as coordenadas retardadas de Eddington-Finkelstein. As
linhas vermelhas tracejadas são r− e r+ , e a linha azul pontilhada é a singularidade r = 0. Note que os
cones de luz desaparecem em e nas proximidades da singularidade, onde as linhas das geodésicas radiais
se confundem. Esse diagrama é o reverso temporal do diagrama anterior, representado na figura 3. O
gráfico também foi desenhado para Q = 0.8M .

3.1.3, se um observador entrou no buraco negro de RN (estando numa posição com r < r− ),
e, posteriormente, decide sair, quando ele atravessa o horizonte r− , é forçado a crescer o
raio até atravessar o horizonte de eventos r+ . Esse fenômeno é visto mais claramente no
diagrama da figura 4 em coordenadas retardadas: os cones de luz da região (2) possuem o
futuro voltado para a direção de r crescente, e, portanto, qualquer geodésica tipo-tempo
deve emergir do buraco negro durante o retorno para a região exterior (1) [10].

Fizemos todo o tratamento para o caso M 2 > Q2 . Mas, para remover a singularidade
de coordenada que existe para o caso M 2 = Q2 em r = M , basta fazer a mudança de
coordenada [7]
r M2
−1 −
t̄ = t + M ln
M r−M
e o espaço-tempo dado em (3.1) com ∆(r) = (1 − M/r)2 toma a forma de (3.37).

Por fim, o caso M 2 < Q2 . O espaço-tempo é sempre comportado para todo r 6= 0,


porém, também existe uma mudança de coordenada que transforma (3.1) para ∆(r) > 0,
28

∀r, em (3.37):
!
r2 − 2M r + Q2 2M 2 − Q2 r−M
t̄ = t + M ln + p arctan p .
M2 Q2 − M 2 Q2 − M 2

A importância dessas mudanças de variável para os outros casos está na interpretação,


que agora pode ser aplicada para todos os tipos de buracos negros esfericamente simétricos
e eletricamente carregados, independente dos valores relativos dos parâmetros M e Q.

3.3 Redshift gravitacional

Considere algum ponto fixo no espaço, ou seja, com (r, θ, φ) constantes. Nesse caso,
dr,dθ e dφ são nulos, e, neste ponto, a métrica (3.1) se torna somente

ds2 = −∆(r) dt2 . (3.53)

Por outro lado, sempre podemos encontrar um sistema de referenciais de repouso local
tal que ds2 = −dτ 2 , e, portanto,

dτ 2 = ∆(r) dt2 =⇒ dτ = dt ∆1/2 , (3.54)

dt pode ser interpretado como um intervalo de tempo infinitesimal medido por um ob-
servador distante da fonte gravitacional, enquanto dτ é um intervalo de tempo próprio
medido por um observador a uma distância r do centro da fonte. Se tratarmos da situação
física, M 2 > Q2 , e considerarmos o observador próximo fora do horizonte de eventos r+ ,
iremos concluir de (3.54) que dτ < dt. Isso significa que longe da fonte um observador
mede o tempo do relógio preso no observador próximo mais lentamente por um fator ∆1/2 .

Suponha agora que uma onda eletromagnética é emitida radialmente do ponto (r1 , θ, φ)
para outro em (r2 , θ, φ), de acordo com a figura 5. Seja t1 o tempo de coordenada da
emissão e t2 o tempo de coordenada da recepção do sinal. A onda viaja ao longo de uma
geodésica nula radial, então podemos usar dθ = dφ = 0 e a métrica se torna:

ds2 = −∆dt2 + ∆−1 dr2 = 0 =⇒ ∆2 dt2 = dr2 . (3.55)

Usando ζ como parâmetro afim da geodésica, podemos escrever (3.55),


dt dr
= ∆−1 , (3.56)
dζ dζ
onde o sinal positivo da raiz foi escolhido, já que esse fóton está saindo do buraco negro.
29

𝑟Ԧ1
Buraco Negro
𝑟Ԧ2
γ

Figura 5: Situação hipotética em que um fóton é emitido por um foguete entre o buraco negro e o
receptor na Terra. Desconsidere efeito Doppler da relatividade especial.

Integrando, Z ζ2
dr
t2 − t1 = ∆−1 dζ . (3.57)
ζ1 dζ
Seja agora t01 o tempo de coordenada no qual a onda eletromagnética tenha oscilado
exatamente um período após a primeira emissão no evento (t1 , r1 , θ, φ). Similarmente,
seja t02 o tempo de coordenada onde a onda eletromagnética tenha oscilado um período
após o recebimento do sinal em (t2 , r2 , θ, φ). Como a integral (3.57) não depende de t,
temos que:
t2 − t1 = t02 − t01 =⇒ ∆t2 ≡ t02 − t2 = ∆t1 ≡ t01 − t1 .

Disso, vemos que o período de tempo de coordenada do ponto de emissão e o período de


tempo do ponto de recepção são iguais. Um relógio que mede o tempo próprio irá medir
os períodos

∆τ1 = ∆t1 ∆1/2 (r1 ) e (3.58)


∆τ2 = ∆t2 ∆1/2 (r2 ) . (3.59)

Os comprimentos de onda podem ser calculados por λ = c∆τ = ∆τ , cuja razão será
λ1 ∆t1 1/2
= ∆ (r1 ) ∆−1/2 (r2 ) .
λ2 ∆t2
Como ∆t1 = ∆t2 , chegamos à expressão para o redshift gravitacional,
s
λ1 ∆(r1 )
= . (3.60)
λ2 ∆(r2 )

No início, supomos r2 > r1 > r+ , para que a raiz quadrada exista, então, a consequên-
30

cia da equação (3.60) é λ1 < λ2 . Se estivéssemos feito o contrário (a onda eletromagnética


viajando para dentro do buraco negro), o resultado seria λ2 < λ1 e a onda sofreria blueshift
gravitacional. Para efeitos de simplificação, poderíamos supor que o fóton foi emitido por
um átomo em repouso na superfície de uma estrela com parâmetros M e Q, como o
Sol, por exemplo. Considere agora o observador na superfície da Terra com coordenada
r2 = R + D, onde R é o raio da estrela e D é a distância da superfície da estrela até o
observador na Terra. Portanto, a equação (3.60) toma a forma
v
2
1 − 2M +Q
u
λ1 u R R2
= t 2 , (3.61)
λ2 1 − 2M + Q 2
R+D (R+D)

ou, na aproximação D  R, a equação (3.61) resulta em


v
2
1 − 2M +Q
u
λ1 u R R2
≈ t
2 . (3.62)
λ2 1 − 2M + Q2
D D

Para termos uma noção mais clara das ordens de grandeza envolvidas no redshift
gravitacional provocado pela carga elétrica do buraco negro, façamos uma expansão em
série de Maclaurin até segunda ordem, considerando os termos M/R, M/D, Q/R e Q/D
pequenos. Sendo assim, a expressão (3.62) se torna
1/2  −1/2
Q2 Q2

λ1 2M 2M
≈ 1− + 2 1− + 2
λ2 R R D D
M 2 Q2 3M 2 Q2
   
M M
≈ 1− − 2 + 2 1+ + − 2
R R R D D2 D
2
     
1 1 M 2 1 3 2 1 1
≈ 1−M − − −M − +Q − + O(3) (3.63)
R D RD R2 D 2 R2 D 2

onde O(3) representa os termos de ordem cúbica desprezados. Primeiramente, nota-se


que a contribuição da carga elétrica só aparece em segunda ordem na expansão, já que,
o primeiro termo entre colchetes da equação (3.63) é a expansão de primeira ordem e só
apresenta o parâmetro de massa M do buraco negro [2]. Esse termo somado aos termos
proporcionais a M 2 são a contribuição até segunda ordem da massa M do buraco negro
para o redshift gravitacional, e, são iguais ao resultado em segunda ordem previsto pela
métrica de Schwarzschild. Percebe-se também que, como D  R, o termo associado à
carga elétrica (terceiro colchete) contribui com blueshift gravitacional.

Um modelo teórico simples proposto por Neslusan [17], estima carga elétrica total de
uma estrela tipo-Sol idealmente "quieta", esfericamente simétrica e estática via suposição
de formação numa nebulosa neutra e depois posterior perda de cargas elétricas positivas e
31

negativas que respeitam a distribuição clássica de Boltzmann. De acordo com o modelo,


Q ≈ 77.043 M/M , onde Q é calculado em Coulombs e M é a massa da estrela em massas
solares. Aproximando o Sol por essa estrela ideal, M = 1M , logo Q ≈ 77.043 C.
Quando usamos esse valor de carga, M = 1.989 × 1030 kg, R = 695500 km, D = 1A.U.
(distância Terra-Sol), e ajustamos as unidades de geometrizadas para o SI, através de3 :
2
rs rQ
∆(r) = 1 − + 2 ,
r r
com
2GM 2 GQ2
rs = e r Q = ,
c2 4π0 c4
a equação (3.63) pode ser escrita em termos do SI como

rs2 rs2 1
     
λ1 rs 1 1 3 2 1 1
≈1− − − − − + rQ − . (3.64)
λ2 2 R D 4RD 4 R2 D 2 R2 D 2

E, usando os valores para o Sol, chegamos a


λ1
≈ 0.9978816694034018.
λ2
Porém, avaliando a contribuição de cada termo da expressão (3.64) para o redshift gravita-
cional de um fóton que sai da superfície do Sol e chega até a Terra, os termos de primeira
ordem (∝ rs ) contribuem com o valor −0.0021137999346874017; os termos de segunda
ordem (∝ rs2 ) contribuem com −4.530661910753482 × 10−6 , e, os termos associados à
2
carga elétrica (∝ rQ ) contribuem apenas com +9.111979161322776 × 10−43 . Sendo assim,
a contribuição da carga é desprezível para esse efeito, já que o valor numérico do redshift
gravitacional previsto pela métrica de Schwarzschild é praticamente o mesmo - correção
da carga ocorre apenas em O(10−42 ). A justificativa desse resultado está na ordem de
grandeza entre os "horizontes de eventos" rs e rQ . Uma razão entre eles, dá, no SI,
r
rQ 1 Q
= , (3.65)
rs 16π0 G M
e, como as estrelas em geral possuem uma carga elétrica líquida muito pequena quando
comparada à massa total - substituindo o modelo de Neslusan em (3.65), chegamos ao
resultado rQ /rs ≈ 2.25 × 10−19 - concluímos então que, apesar da métrica de RN ser uma
generalização das soluções esfericamente simétricas e estáticas das Equações de Einstein,
não apresenta grande relevância astrofísica.

3
Ver Anexos, capítulo 8.
4 Geodésicas

Continuaremos nosso estudo dos buracos negros eletricamente carregados examinando


as trajetórias das partículas (massivas ou não), que nos permitirá extrair mais informações
sobre o comportamento desse espaço-tempo. Em particular, veremos órbitas relacionadas
ao caso M 2 > Q2 .

4.1 Geodésicas de partículas neutras

A equação da geodésica para as componentes covariantes do quadrivetor momento p~


pode ser escrita como

pα pβ;α = 0 =⇒ pα pβ,α − Γµαβ pα pµ = 0 .

Utilizando as simetrias das componentes do tensor métrico, podemos mostrar que ela
pode ser reescrita, sem perda de generalidade [9] na forma
dpµ 1
m = gνα,µ pν pα , (4.1)
dλ 2
onde λ é o parâmetro afim. No caso das partículas massivas, λ pode ser substituído pelo
tempo próprio τ . Nessa forma, o seguinte resultado é bem visível: se as componentes gνα
são independentes de xµ para um dado µ, então pµ é uma constante de movimento ao
longo da geodésica.

Usaremos esse resultado para evitarmos resolver a equação da geodésica para as partí-
culas neutras, aproveitando todas as constantes de movimento disponíveis. Chamaremos
apenas de "partícula" as partículas massivas com massa de repouso m 6= 0 e de "fótons" as
partículas com massa de repouso nula. Primeiramente, a independência temporal da mé-
trica implica na conservação da energia, −p0 . Para as partículas, definimos a energia por
unidade de massa (energia específica) Ẽ, enquanto para os fótons escrevemos somente a
33

energia E:
p0
partícula: Ẽ ≡ −
; fóton: E ≡ −p0 . (4.2)
m
A independência da métrica do ângulo φ implica que a componente pφ é conservada -
como estamos trabalhando em coordenadas esféricas, pφ é o momento angular conjugado,
associado à coordenada φ. Definimos o momento angular específico L̃ para as partículas
e o momento angular convencional L para os fótons:

partícula: L̃ ≡ ; fóton: L ≡ pφ . (4.3)
m
Por conta da simetria esférica e pelo fato de pφ ser constante, concluímos que as órbitas
estão confinadas num plano. Coincidindo o eixo z desse plano com a direção do vetor

momento angular, temos que θ = π/2. Como resultado de θ = constante, pθ ∝ dλ
= 0.
As componentes contravariantes não-nulas do quadrivetor momento são:

partícula: p0 = g 00 p0 = m∆−1 Ẽ
dr
pr = m dτ
m
pφ = g φφ pφ = r2

(4.4)
fóton: p0 = ∆−1 E
dr
pr = dλ
L
pφ = r2

onde ∆ é dado pela equação (3.2). Partindo da equação p~ · p~ = pµ pµ = −m2 , chegamos


para as partículas:
2
m2 L̃2

2 2 −1 2 dr −1
−m Ẽ ∆ +m ∆ + 2
= −m2 .
dτ r

Quando manipulamos, se torna


2 ! !
L̃2 2 2
  
dr 2M Q L̃
= Ẽ 2 − ∆ 1 + 2 = Ẽ 2 − 1 − + 2 1+ 2 , (4.5)
dτ r r r r

e, para os fótons, partimos de p~ · p~ = 0 e chegamos a


 2
2 −1 dr −1 L2
−E ∆ + ∆ + 2 =0,
dλ r
ou, 2
L2 Q2
     2
dr 2 2M
2 L
=E −∆ =E − 1− + 2 . (4.6)
dλ r2 r r r2
34

4.1.1 Tipos de órbitas

Assim como procedemos na mecânica clássica, podemos definir potenciais efetivos


para as equações (4.5) e (4.6):
!
Q2 L̃2
 
2 2M
partículas: Ṽ (r) = 1− + 1+ 2 (4.7)
r r2 r
Q2 L2
   
2 2M
fótons: V (r) = 1− + (4.8)
r r2 r2

Suas formas típicas estão mostradas na figura 6, tanto para as partículas quanto para
os fótons.

1.0
partícula
0.5 fóton
V 2(r)

0.0
0.5
1.00.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4
r
Figura 6: Potenciais efetivos típicos da métrica de Reissner-Nordström, para o caso M 2 > Q2 . Neste
gráficos, usamos Q = 0.8 M , e L̃ = 0.5 M e L = 0.5 M 2 . A linha vermelha tracejada representa a curva
do potencial das partículas. A azul cheia, dos fótons. O eixo horizontal está em unidades de M .

Ambas equações (4.5) e (4.6) implicam que, dado que o lado esquerdo é positivo ou
nulo, as energias das trajetórias devem ser maiores ou iguais aos potenciais quadráticos
definidos em (4.7) e (4.8). Então, para uma órbita com um dado E, o intervalo de raios
acessíveis é determinado para os quais V 2 ≤ E 2 . Considere, por exemplo, as trajetórias
cujos valores de E 2 são maiores que 1. Uma partícula ou fóton vem de r = ∞, viaja até
dr
a barreira de potencial, onde lá E 2 = V 2 e portanto dλ
= 0. Para entendermos o que
acontece a seguir, derivamos (4.5) e (4.6) [9]. Para as partículas,
 2
d dr d h 2 i
= Ẽ − Ṽ 2 (r) ,
dτ dτ dτ

como a energia é constante de movimento, sua derivada é nula. Usando a regra da cadeia,

dr d2 r dṼ 2 dr
2 2
= − (r) ,
dτ dτ dr dτ
35

ou,
d2 r 1 dṼ 2
partículas: = − (r) . (4.9)
dτ 2 2 dr
Similarmente com os fótons,

d2 r 1 dV 2
fótons: = − (r) . (4.10)
dλ2 2 dr
Se olharmos novamente para as barreiras de potencial, vemos que a aceleração radial
da trajetória aponta para fora do buraco negro (a direção dos valores de r positivos),
então a partícula (ou fóton) viaja até o raio mínimo, e é acelerada para fora enquanto
"dá a volta", então retorna para r = ∞. Essa órbita é a análoga relativística da órbita
hiperbólica prevista na gravidade Newtoniana [9].

Para sabermos se existem trajetórias circulares possíveis, precisamos encontrar os


pontos críticos dos potenciais efetivos. A figura 6 já sugere que ambos possuem ponto de
mínimo, mas veremos que existem outros pontos críticos. Derivando o potencial para as
partículas e igualando a zero, dado na equação (4.7), chegamos à equação cúbica,

M rc3 − (Q2 + L̃2 )rc2 + 3M L̃2 rc − 2L̃2 Q2 = 0 , (4.11)

que, apesar de ter em princípio três raízes possíveis, apenas uma é real, e, consequente-
mente, há apenas uma órbita circular permitida para Ẽ e L̃ fixos. De acordo com a forma
do potencial para as partículas, não há dúvidas de que essa única raiz é um ponto de
equilíbrio estável. Uma partícula nessa órbita estável em torno de uma estrela ou buraco
negro dará uma volta completa e retornará ao mesmo ponto (isto é, ao mesmo valor de
φ) numa quantidade fixa de coordenada temporal, a qual é chamada de período P . Da
equação (4.11), segue que uma órbita circular de raio rc tem momento angular

M rc3 − Q2 rc2
L̃2 = 2 2
≡ L̃2c , (4.12)
rc − 3M rc + 2Q

e, como Ẽ 2 = Ṽ 2 num mínimo do potencial, encontramos também a energia


!  2  −1
2
2 L̃ c 2M Q2 3M 2Q2
Ẽ = ∆(rc ) 1 + 2 = 1 − + 2 1− + 2 ≡ Ẽc2 . (4.13)
rc rc rc rc rc

Mas, por definição,


dφ pφ pφ L̃
= = g φφ = g φφ L̃ = 2 , (4.14)
dτ m m r
e,
dt p0
= g 00 = g 00 (−Ẽ) = ∆−1 Ẽ . (4.15)
dτ m
36

Obtemos o inverso da velocidade angular dividindo


dt
dt Ẽ
= dτ

= r2 ∆−1 ,
dφ dτ L̃

e, quando substituímos Ẽ/L̃ pelos parâmetros da órbita circular,

Ẽc ∆(rc )
=p ,
L̃c M rc − Q2
dt
chegamos, para o período P = 2π dφ ,a
1/2
rc3

P = 2π . (4.16)
M − Q2 /rc

Note que para Q pequeno, o período da órbita circular para a métrica de RN respeita a
relação P 2 ∝ rc3 prevista pela Terceira Lei de Kepler. Isso é uma surpresa, já que Q −→ 0
recai no caso de Schwarzschild, não no Newtoniano. Mas, coincidentemente, o período P
das órbitas circulares na métrica de Schwarzschild é exatamente igual ao clássico [9].

Já para os fótons, fazemos a derivada primeira do potencial (4.8), igualamos a zero, e


chegamos à equação quadrática,

rc2 − 3M rc + 2Q2 = 0 , (4.17)

onde, em ambas equações, rc denota o raio da órbita circular (estamos aproveitando nota-
ção para evitar que fique carregada, mas rc não resolve (4.11) e (4.17) simultaneamente).

A última pode ser resolvida facilmente,


" r #
3M 8Q2
rc± = 1± 1− , (4.18)
2 9M 2

e, como estamos tratando o caso M 2 > Q2 , as duas raízes rc± são possíveis. Porém, quando
comparamos rc± com r± , chegamos à relação r− < rc− < r+ < rc+ : a órbita circular em
r = rc− se encontra entre os horizontes, então, não poderia ser visível para um observador
distante do buraco negro.

Ainda para os fótons, analisaremos as estabilidades das órbitas. Para tanto, fazemos
teste da derivada segunda do potencial V 2 (r) e checamos o sinal em rc± :

d2 2 2L2 
3r(r − 4M ) + 10Q2 .

2
V (r) = 6
(4.19)
dr r
Como o termo 2L2 /r6 é sempre positivo ∀ L, r, basta avaliar o sinal do termo dos colchetes
37

de (4.19). Concluímos dessa análise que rc+ é um ponto de equilíbrio instável e que rc− é
um ponto de equilíbrio estável.

A seguir, trataremos fótons e partículas separadamente para explorarmos casos espe-


ciais de geodésicas não-circulares, mas com parâmetros de órbita circular.

4.1.2 Geodésicas nulas críticas

Na seção anterior, chegamos através da conservação do quadri-momento às equações


para as coordenadas r e φ dos fótons,
 2  2
dr 2 L
=E −∆ (4.20)
dλ r2
e
dφ L
= 2 . (4.21)
dλ r

Definindo o parâmetro de impacto d = L/E, e dividindo a equação (4.20) pela equação


(4.21) elevada ao quadrado, encontramos uma nova equação diferencial que relaciona as
coordenadas do fóton em órbita no plano,
 2
dr r4
= 2 − r2 + 2M r − Q2 , (4.22)
dφ d

que é a equação geral das órbitas dos fótons na métrica de RN. Por ser não-linear, a
equação não pode ser resolvida algebricamente, mesmo sendo separável. Porém, exis-
tem algumas soluções interessantes dessa equação que podem ser obtidas analiticamente,
quando consideramos um valor específico para d, d = dc , ou seja, o parâmetro de impacto
de órbita circular, ou, parâmetro crítico [15]. O primeiro passo é executar a mudança de
variável
1
r= , (4.23)
u
e reescrever a equação (4.22) na forma
 2
du 1
− u2 1 − 2M u + Q2 u2 .

= 2
(4.24)
dφ d

Note que, para encontrarmos o parâmetro crítico dc , deveremos considerar a energia


e o momento angular do fótons necessários para que o fóton entre em órbita circular
em r = rc+ , visível para observadores externos. Nós encontramos essa condição quando
38

dr
E 2 = V 2 (ou dλ
= 0) em (4.6):

L2c rc2 rc4


Ec2 = ∆(rc ) =⇒ d2
c = = , (4.25)
rc2 ∆(rc ) rc2 − 2M rc + Q2

onde, a partir de agora, rc+ será chamado apenas de rc para simplificarmos a notação.
Porém, vale notar que a expressão rc2 − 2M rc + Q2 pode ser reescrita, usando a equação
(4.18):
" 1/2 # " 1/2 #
9M 2 4Q2 8Q2 8Q2
 
3M
rc2 − 2M rc + Q2 = 1− + 1− − 2M 1+ 1− + Q2
2 9M 2 9M 2 2 9M 2
1/2 1/2
9M 2 9M 2 8Q2 8Q2
 
2 2 2
= − 2Q + 1− − 3M − 3M 1 − + Q2
2 2 9M 2 9M 2
1/2
3M 2 3M 2 8Q2

= + 1− − Q2 .
2 2 9M 2

Então,
rc2 − 2M rc + Q2 = M rc − Q2 .

Daí, a equação (4.25) se reduz a

rc4
d2c = , (4.26)
M rc − Q2
ou, em termos de uc ≡ 1/rc ,
1
2
= M u3c − Q2 u4c . (4.27)
dc

A expressão para uc pode ser facilmente encontrada quando trocamos rc por 1/uc na
equação dos pontos críticos do potencial quadrado dos fótons, dada em (4.17),
" r #
3M 8Q2
uc = 1± 1− , (4.28)
4Q2 9M 2

sendo que o uc associado ao raio rc+ é u−


c , e é esse que entrará na expressão do parâmetro

de impacto crítico.

Portanto, a equação diferencial (4.24) toma a forma, para o caso especial do parâmetro
crítico,  2
du
= M u3c − Q2 u4c − Q2 u4 + 2M u3 − u2 , (4.29)

com " r #
3M 8Q2
uc = 1− 1− ,
4Q2 9M 2
39

a qual pode ser fatorada [15],


 2
du
= (u − uc )2 −Q2 u2 + 2u(M − Q2 uc ) + uc (M − Q2 uc ) ,
 
(4.30)

e agora, integrada,
Z
−1/2 du
−Q2 u2 + 2u(M − Q2 uc ) + uc (M − Q2 uc )

φ − φ0 = ± , (4.31)
u − uc
onde φ0 é uma constante de integração. Definindo a nova variável,

ξ = (u − uc )−1 , (4.32)

a integral (4.31) se torna:


Z

φ − φ0 = ∓ p (4.33)
−Q2 + bξ + cξ 2

onde
b = 2(M − 2Q2 uc ) e c = uc (3M − 4Q2 uc ) . (4.34)

A integral (4.33) possui solução analítica tabelada,


 h √ 1
i
 √1c ln 2 c [−Q2 + bξ + cξ 2 ] 2 + 2cξ + b se c > 0

± φ − φ0 =   (4.35)
2cξ+b
− √ arcsin √ 2
 1
2
se c < 0
|c| b +4cQ

De acordo com Chandrasekhar [15], podemos classificar as órbitas. Para tanto, seja
 2
du
o valor do parâmetro de impacto dc , para o qual dφ = 0. Então, para todos os valores
de d > dc , teremos órbitas de dois tipos. As do primeiro tipo existem completamente fora
dos horizontes, nas quais, um fóton vindo de r = ∞ volta para lá, depois da passagem do
"periastro" (semelhantes às trajetórias hiperbólicas Newtonianas). As órbitas de segundo
tipo possuem dois pontos de retorno: um fora do horizonte externo (r > r+ ), e o outro
dentro do horizonte interno (r < r− ), portanto, são limitadas. Para os valores de parâ-
metro de impacto d < dc , uma órbita vindo de r = ∞ irá atravessar os dois horizontes
e tentará alcançar a singularidade r = 0 (lembrando que quando d = L/E −→ 0, temos
órbitas nulas praticamente radiais, que se comportam como aquelas vistas na seção 3.1).
Dito isso, as órbitas dos dois tipos são descritas pela solução (4.35) para os valores dos
argumentos nos seguintes intervalos:

∞ > r > r c ; 0 ≤ u ≤ uc e − u−1


c > ξ > −∞ (4.36)
40

para órbitas de primeiro tipo, e

rc > r > r∗ ; uc ≤ u ≤ u∗ (= 1/r∗ ) e ∞ > ξ > ξ∗ [= (u∗ − uc )−1 ] (4.37)

para órbitas de segundo tipo, onde r∗ é a raiz positiva da equação,

uc (M − Q2 uc )r∗2 + 2r∗ (M − Q2 uc ) − Q2 = 0 , (4.38)

que surge da equação diferencial fatorada (4.30). Ambas órbitas se aproximam assinto-
ticamente da órbita circular instável em r = rc+ , de lados opostos, espiralando em torno
dela um número infinito de vezes. Um exemplo de solução crítica derivada da equação
(4.35) é ilustrado na figura 7.

3 rc
r+
r
<

1
<
y

3 2 1 0 1 2
x
Figura 7: Órbitas críticas para os fótons (linhas contínuas) na métrica de RN para Q = 0.8M . O círculo
tracejado azul representa a órbita circular instável r = rc+ ≈ 2.48M , o laranja indica o horizonte externo
r+ = 1.6M e o verde indica o horizonte interno r− = 0.4M .

4.1.3 Geodésicas tipo-tempo críticas

Seguindo o mesmo raciocínio da seção (4.1.2), podemos encontrar órbitas não-circulares


para partículas neutras. Anteriormente vimos
2 !
L̃2

dr
= Ẽ 2 − ∆(r) 1 + 2 , (4.39)
dτ r
41

e
dφ L̃
= 2 . (4.40)
dτ r

Dividindo (4.39) pelo quadrado de (4.40), chegamos a


2
Ẽ 2 − 1 4 2M 3 Q2
  
dr
= r + r − 1+ r2 + 2M r − Q2 , (4.41)
dφ L̃ 2 L̃ 2 L̃ 2

a equação diferencial da órbita para partículas neutras na métrica de RN, escrita em


coordenadas polares no plano ao qual toda a trajetória está confinada. Novamente, esta-
mos com uma equação insolúvel analiticamente em nossa presença. Porém, se usarmos o
momento angular de órbita circular dado em (4.12), e a energia total para órbita circular
dada em (4.13), e executarmos a mudança de variável (4.23) podemos fazer algo seme-
lhante ao feito com o parâmetro de impacto crítico. A equação (4.41) na nova variável e
com os parâmetros críticos se torna
 2
Ẽc2 − 1 2M Q2
 
du
= + u− 1+ u2 + 2M u3 − Q2 u4 , (4.42)
dφ 2
L̃c L̃ 2 L̃2

onde
2
(1 − 2M uc + Q2 u2c ) M − Q2 uc
Ẽc2 = e L̃2c = , (4.43)
1 − 3M uc + 2Q2 u2c uc (1 − 3M uc + 2Q2 u2c )
com uc = 1/rc , a única solução real da equação (4.11). Em particular, exigiremos 1 −
3M uc + 2Q2 u2c > 0 para que as expressões (4.43) sejam reais. Comparando essa condição
com (4.17), vemos que o raio mínimo para uma órbita circular tipo-tempo é o raio da
órbita circular tipo-nula. Com esse valores apropriados de Ẽ 2 e L̃2 , o polinômio do lado
direito de (4.42) pode ser fatorado:
 2    
du 2 22 2 2 M
= (u − uc ) −Q u + 2u(M − Q uc ) + M − Q uc − uc . (4.44)
dφ L̃2 u2c

Agora, a expressão é integrada,


Z    1/2
2 2 2 M 2 du
φ − φ0 = ± −Q u + 2u(M − Q uc ) + M − Q uc − uc , (4.45)
L̃2 u2c u − uc

e por fim, resolvida com a mudança de variável (4.32). Obtemos a mesma solução (4.35)
com, no entanto,
 
2 2 M2
b = 2(M − 2Q uc ) e c = uc 3M − 4Q uc − L̃2 u2c
. (4.46)

Neste caso, a classificação de "primeiro tipo" e "segundo tipo" das geodésicas nulas
também é estendida para as partículas, mas, como não temos um parâmetro de impacto
42

definido para geodésicas tipo-tempo, a forma da órbita é baseada nos valores relativos da
energia específica E
e e do momento angular específico L.
e Sendo assim, órbitas tipo-tempo
com L
e grande quando comparado a E
e são as correspondentes às com grande parâmetro
de impacto d, e, neste caso, o "primeiro tipo" são as geodésicas que estão totalmente fora
dos horizontes e as de "segundo tipo" são aquelas confinadas numa região limitada da
coordenada r (mas que não são necessariamente periódicas), como o caso da precessão do
periélio de Mercúrio [9]. As geodésicas tipo-tempo de E
e grande quando comparada ao
L
e são as equivalentes às geodésicas nulas com parâmetro de impacto d pequeno, e, neste
caso, as partículas partem do infinito e tentam alcançar a origem r = 0. Porém, como a
singularidade é repulsiva para as partículas, necessariamente essas geodésicas tipo-tempo
precisam ter um ponto de retorno em r < r− .

O raio mínimo para órbita circular estável ocorrerá no ponto de inflexão do potencial
[15]:  
1
2
Ṽ = (1 − 2M u + Q2 u2 )(1 + L̃2 u2 ) . (4.47)
u
Derivando a expressão anterior,
 
d 2 1
Ṽ = −12L̃2 M u + 12L̃2 Q2 u2 + 2(L̃2 + Q2 ) , (4.48)
du u

igualando a zero e simplificando, chegamos à terceira condição a ser imposta:

− 12Q2 u2c + 12M uc − 2(1 + Q2 /L̃2c ) = 0 . (4.49)

Eliminando L̃c dessa equação e usando sua expressão dada em (4.12), obtemos a equação

4Q4 u3c − 9M Q2 u2c + 6M uc − M = 0 , (4.50)

ou, voltando à variável original,

Q4
rc3 − 6M rc2 + 9Q2 rc − 4 =0. (4.51)
M
Deve ser notado aqui que a equação (4.51) resulta rc = 6M quando Q = 0, o que concorda
com a geometria de Schwarzschild para o caso L̃2 = 12M 2 [9, 15]. Quando escolhemos
os parâmetros L̃ e Ẽ como críticos e impomos a condição extra dada em (4.51), podemos
fatorar a equação (4.42) para a forma simplificada,
 2
du
= (u − uc )3 (2M − 3Q2 uc − Q2 u) , (4.52)

43

cuja solução tabelada é:

2(M − 2Q2 uc )
u = uc + . (4.53)
(M − 2Q2 uc )2 (φ − φ0 )2 + Q2

Se escolhermos rc > rc+ e acharmos os parâmetros críticos, podemos obter várias ór-
bitas críticas tipo-tempo interessantes. Alguns exemplos estão mostrados nas figuras 9.
Também mostramos na figura 8 geodésicas não-críticas obtidas numericamente através do
método Runge-Kutta de quarta ordem com passo de tamanho fixo.

r+ < r+
r r

<
y=0

y=0
<

x=0 x=0
(a) Ẽ = 1.1, L̃ = 4.0M (b) Ẽ = 1.1, L̃ = 6.0M
r+ r+
r
r
>

>
y=0
y=0

x=0 x=0
(c) Ẽ = 3.0, L̃ = 2.0M (d) Ẽ = 1.1, L̃ = 8.0M , raiz negativa.

Figura 8: Vários exemplos de órbitas não-críticas do tipo-tempo, encontradas através da resolução


numérica de (4.42). O círculo azul é o horizonte r+ e o laranja é o horizonte r− . Em todos os casos, a
partícula saiu de r(τ = 0) = r− e φ(τ = 0) = 0. Escolhemos Q = 0.8M .
44

rc < rc
4
r+ r+
r 4
r
rc+
2 rc+
2

0
<
y

y
0

2 2

4
4

4 2 0 2 4 4 2 0 2 4
x x
(a) Caso da órbita associada ao raio recíproco (b) Caso da órbita associada ao raio recíproco
uc = 0.225M −1 , solução do segundo tipo. uc = 0.225M −1 , solução do primeiro tipo.

rc+ rc
6
rc r+
4
r+ r
4
r rc+
< 2
2

0
y

<
0
y

2
2
4

4
6

6 4 2 0 2 4 6 4 2 0 2 4
x x
(c) Órbita do segundo tipo associada ao raio (d) Órbita com rc ≈ 4.89M , reflete o caso com
recíproco uc = 0.15M −1 . as três condições impostas.

Figura 9: Vários exemplos de órbitas críticas do tipo-tempo, refletindo a natureza da geometria de


Reissner-Nordström [15]. O círculo azul é o raio da órbita circular das partículas; o magenta é a órbita
circular instável dos fótons; o laranja é o horizonte r+ e o verde é o horizonte r− . Para comparação com
o caso dos fótons, escolhemos em todos os casos Q = 0.8M .

4.2 Geodésicas de partículas eletricamente carregadas

Na métrica de Reissner-Nordström existe um campo eletrostático radial equivalente ao


da carga puntiforme, então perguntar sobre como é o movimento de uma partícula eletri-
camente carregada é bastante razoável. Através do formalismo Lagrangeano, derivaremos
as equações que descrevem a geodésica desse tipo de partícula, já que existe equivalência
entre a equação de Euler-Lagrange e a equação da Geodésica para uma escolha apropriada
da Lagrangeana [16]. Para o caso em questão, essa Lagrangeana é escrita como
m~ ~ ~·U
~ ,
L= U · U + qA (4.54)
2
45

~ é a quadri-velocidade, m e q são massa e carga da partícula respectivamente e A


onde U ~
é o quadri-vetor potencial eletromagnético, cuja única componente não-nula é dada pela
dxµ
equação (3.24). Sabendo que U µ = dτ
≡ ẋµ , podemos reescrever (4.54) na forma:
m
L= gµν ẋµ ẋν + qAµ ẋµ . (4.55)
2
O segundo termo pode ser expandido: qAµ ẋµ = qA0 ẋ0 + qAi ẋi . A primeira parcela de
qAµ ẋµ possui o potencial eletrostático A0 , logo, corresponde à energia potencial eletros-
tática. A segunda parcela corresponde à "energia potencial magnética". Uma vez que
só temos campo elétrico na direção radial e independente do tempo, Ai = 0. A única
componente restante é, então,
qQ 0
qAµ ẋµ = −
ẋ .
r
Portanto, a equação (4.55) pode assumir a forma final
m m m m qQ
L=− ∆(r) ṫ2 + ∆−1 (r) ṙ2 + r2 θ̇2 + r2 sin2 θ φ̇2 − ṫ . (4.56)
2 2 2 2 r

O movimento da partícula carregada é determinado resolvendo as equações de Euler-


Lagrange,  
d ∂L ∂L
− =0; (4.57)
dτ ∂ ẋα ∂xα
como a Lagrangeana L = L(ṫ, r, ṙ, θ, θ̇, φ̇), ou seja, as coordenadas t e φ são cíclicas, os
momentos conjugados a elas são quantidades conservadas. Sendo assim,
∂L qQ
pt = = −m∆(r) ṫ − = constante (4.58)
∂ ṫ r
∂L
pφ = = mr2 sin2 θ φ̇ = constante (4.59)
∂ φ̇
Note que a diferença dessas quantidades conservadas para as do caso de partículas neutras
está somente na adição de uma energia potencial elétrica. Da definição anterior, E = −pt ,
qQ
E = m∆(r) ṫ + = Epartícula neutra + V (r)eletrostática
r
é a nova energia total de uma partícula carregada. Por causa da conservação de pφ ,
novamente podemos confinar o movimento da partícula num plano cujo eixo z coincide
com as direção do momento angular de rotação em torno desse eixo. Então, sem perda
de generalidade, tomamos θ = π/2 e a Lagrangeana (4.56) se reduz para:
m m m qQ
L=− ∆(r) ṫ2 + ∆−1 (r) ṙ2 + r2 φ̇2 − ṫ , (4.60)
2 2 2 r
46

e, nesse plano escolhido, a métrica se torna apenas

ds2 = −∆dt2 + ∆−1 dr2 + r2 dφ2 . (4.61)

Abrindo a componente α = 1 de (4.57),


 
d ∂L ∂L
− =0,
dτ ∂ ṙ ∂r

chegamos à equação de movimento


1 1 q̃Q
r̈∆−1 − ṙ2 ∆−2 ∆,r + ∆,r ṫ2 − rφ̇2 − 2 ṫ = 0 , (4.62)
2 2 r
onde q̃ ≡ q/m é a razão carga/massa da partícula. Poderíamos substituir nessa equação
as quantidades conservadas e resolver para r(τ ), mas não faremos isso porque existe
uma maneira mais simples. Primeiro, já que temos uma métrica no plano, podemos
encontrar um sistema de referenciais inerciais comóveis com a partícula carregada tal que
ds2 = −dτ 2 . Como a distância de espaço-tempo é um invariante de Lorentz, noutro
referencial veríamos:

ds2 = −dτ 2 = −∆dt2 + ∆−1 dr2 + r2 dφ2 . (4.63)

Dividindo por dτ 2 e manipulando, chegamos a

− ∆2 ṫ2 + ṙ2 + ∆ + ∆r2 φ̇2 = 0 . (4.64)

Agora sim, usando as quantidades conservadas, podemos trocar ṫ e φ̇:

L 2 L̃2
φ̇ = =⇒ φ̇ = (4.65)
mr2 r4
q̃Q
∆ ṫ = Ẽ − , (4.66)
r
e então, isolando ṙ em (4.64), obtemos
2 2 !
L̃2
 
dr q̃Q
= Ẽ − − ∆(r) 1 + 2 , (4.67)
dτ r r

que é exatamente igual a (4.5) para o caso q = 0. Se ainda dividirmos a equação (4.67)
por (4.65) e manipularmos os termos, chegamos à equação geral da geodésica de uma
partícula massiva e eletricamente carregada,
 2
Ẽ 2 − 1 4 Q2 (1 − q̃ 2 ) 2
 
dr 2  
3
= r + M − ẼQq̃ r − 1 + r + 2M r − Q2 , (4.68)
dφ L̃2 L̃2 L̃2
47

ou, quando executamos a mudança de variável (4.23),


2
Ẽ 2 − 1 Q2 (1 − q̃ 2 ) 2
  
du 2  
= + M − ẼQq̃ u − 1 + u + 2M u3 − Q2 u4 . (4.69)
dφ L̃2 L̃2 L̃2

Um detalhe interessante a ser comentado é uma consequência da equação (4.67). Su-


ponha que existe uma geodésica tipo-tempo da partícula carregada cujo ponto de retorno
se encontra num dos horizontes, como por exemplo, r = r+ . Neste ponto, ṙ = 0 e
∆(r+ ) = 0, portanto,
 2
q̃Q q̃Q
Ẽ − = 0 =⇒ Ẽ = .
r+ r+
Porém, Ẽ é negativa se q̃Q < 0, e, por ser constante de movimento, também será negativa
em toda a geodésica. Esse fato nos abre a possibilidade de extrair energia associada à
carga elétrica do buraco negro, de forma semelhante ao processo de Penrose para buracos
negros de Kerr [15].

Apresentamos nas figuras 11 e 12 algumas soluções numéricas das equações diferenciais


4.67 e dφ/dτ = L̃/r2 (4.65), usando método de Runge-Kutta de quarta ordem, com
passo de tamanho fixo. Todas as soluções foram evoluídas usando as condições iniciais
r(τ = 0) = r− e φ(τ = 0) = 0. Como as constantes Ẽ e L̃ foram obtidas via equação da
geodésica, temos ao todo quatro condições iniciais.

A equação diferencial (4.67) nos dá a seguinte restrição,


2 !
2

q̃Q L̃
Ẽ − − ∆(r) 1 + 2 ≥ 0 , (4.70)
r r

porque (dr/dτ )2 ≥ 0. Portanto, podemos retirar a raiz quadrada e chegar à forma:


v !
u 2 2
dr u q̃Q L̃
= ±t Ẽ − − ∆(r) 1 + 2 . (4.71)
dτ r r

Para implementar o algoritmo, devemos escolher um dos sinais da equação (4.71), e, ainda
encontrar as soluções numéricas sem perda de generalidade. Primeiramente, nota-se que,
ao escolhermos um dos sinais, a derivada dr/dτ possui sinal fixo, e, consequentemente,
r(τ ) será uma função monótona. Sendo assim, se escolhermos a raiz positiva, a partícula
sempre terá seu raio crescendo durante sua órbita, ou seja, estará saindo do buraco negro;
se escolhermos a raiz negativa, a partícula estará entrando no buraco negro. Percebe-
se também que ao trocarmos o sinal do momento angular, L̃ −→ −L̃, é equivalente a
trocar φ −→ −φ na equação do movimento; em outras palavras, podemos fazer com que
48

(𝑟𝑖 , 𝜙𝑖 ) (𝑟𝑓 , 𝜙𝑓 )

(𝑟𝑓 , 𝜙𝑓 ) (𝑟𝑖 , 𝜙𝑖 )
+ □ , 𝐿෨ > 0 − □ , 𝐿෨ < 0

Figura 10: Esquema para implementação das órbitas. Se r(t = 0) = ri e φ(t = 0) = φi , e, escolhemos a
raiz positiva da equação (4.71), com momento angular L̃ > 0, obtemos uma órbita com circulação similar
a do quadro à esquerda. Após evolução numérica até um tempo tf , a partícula está em r(t = tf ) = rf
e φ(t = tf ) = φf . Se agora escolhemos a raiz negativa de (4.71), basta trocarmos o sinal do momento
angular L̃ e as condições iniciais r(t = 0) = rf e φ(t = 0) = φf . Após evoluirmos numericamente de t = 0
até t = tf , a partícula estará em r(t = tf ) = ri e φ(t = tf ) = φi . A circulação encontrada é similar a do
quadro à direita. Nesse sentido, as duas soluções numéricas são equivalentes.

a partícula mude o sentido do giro (de anti-horário para horário, ou vice-versa) apenas
realizando essa troca. Isso é válido porque a função φ(τ ) também é monótona. Além
disso, a equação em r permanece invariante quando fazemos L̃ −→ −L̃. Então, é possível
encontrar duas parametrizações diferentes para o mesmo caminho: basta escolhermos
a raiz positiva de (4.71) e o momento angular L̃ > 0 ou a raiz negativa de (4.71) e o
momento angular L̃ < 0. Essa preocupação é importante porque o método utilizado
para resolução de equações diferenciais ordinárias é compatível apenas com equações
diferenciais de primeira ordem, onde pode-se isolar a derivada primeira.

Avaliando a natureza das soluções numéricas, notamos a tendência da partícula car-


regada em descrever órbitas circulares aparentemente estáveis. No caso dos valores de Ẽ
e q̃ serem mantidos fixos e L̃ aumentar, a tendência da partícula é espiralar mais vezes
em torno do buraco negro até o momento que L̃ é grande o suficiente para manter a
partícula em órbita circular fora dos dois horizontes em r > r+ . Quando L̃ e q̃ são manti-
dos constantes e aumentamos Ẽ gradativamente, a tendência da partícula é executar um
movimento cada vez mais radial. Já quando Ẽ e L̃ são mantidos constantes e variamos a
razão carga/massa da partícula de teste, q̃, a tendência é impedir que a partícula passe
pelos os horizontes e execute movimento aproximadamente circular fora deles. Quanto
maior o valor de q̃, menor o raio da órbita circular aproximadamente circular, como po-
demos ver nos últimos dois quadros da figura 11. O sinal da carga influencia na solução,
como pode ser visto nos primeiros dois quadros da figura 12. Quando escolhemos a raiz
negativa da equação (4.67), para a mesma condição inicial, r(τ = 0) = r− , encontramos
um fenômeno interessante: a partícula parte do horizonte interno e espirala em direção à
origem. Nos últimos dois quadros da figura 12, como a separação das linhas da espiral é
pequena, a órbita está aparentemente sobreposta.
49

<
<
<
y=0

y=0
r+ r+
r r

x=0 x=0
(a) q̃ = −0.5, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1 (b) q̃ = 1.0, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1
<

y=0
y=0

<

r+ r+
r r

x=0 x=0
(c) q̃ = 1.0, L̃ = 2.0M , Ẽ = 1.1 (d) q̃ = 2.0, L̃ = 2.0M , Ẽ = 1.5

< <
<
<
y=0

y=0

r+ r+
r r

x=0 x=0
(e) q̃ = 0.2, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1 (f ) q̃ = 0.5, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1

Figura 11: Outros exemplos de geodésicas do tipo-tempo para partículas carregadas. O círculo azul é
o horizonte r+ e o laranja é o horizonte r− . Em todos os gráficos, a partícula saiu de r(τ = 0) = r− e
φ(τ = 0) = 0. Todos os casos são Q = 0.8M .
50

r+ r+
r r

<
y=0
<
y=0

x=0 x=0
(a) q̃ = 0.1, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1 (b) q̃ = −0.1, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1

r+ r+
r r
<

<
y=0
y=0

x=0 x=0
(c) q̃ = 0.1, L̃ = 2.0M , Ẽ = 2.0 (d) q̃ = 0.1, L̃ = 2.0M , Ẽ = 3.0

r+ r+
r r
y=0

y=0

<
<

x=0 x=0
(e) q̃ = 0.1, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1; raiz negativa. (f ) q̃ = −0.1, L̃ = 4.0M , Ẽ = 1.1; raiz negativa.

Figura 12: Vários exemplos de geodésicas do tipo-tempo para partículas carregadas. O círculo azul é
o horizonte r+ e o laranja é o horizonte r− . Todos os casos são Q = 0.8M . Os últimos dois gráficos
mostram a solução numérica para a raiz negativa da equação (4.67), onde a partícula parte do horizonte
interno e espirala em direção à origem. Como a separação entre as linhas da espiral é pequena, a órbita
está aparentemente sobreposta. Em todos os gráficos, a partícula saiu de r(τ = 0) = r− e φ(τ = 0) = 0.
5 "Forças" de maré

Vimos até agora como partículas se movem no espaço-tempo de Reissner-Nordström


através das geodésicas. Porém, se queremos saber o que acontece com um corpo extenso,
precisamos de outros recursos. Se conhecemos as componentes do tensor de curvatura,
podemos saber não só a forma das geodésicas, mas também a relação entre elas.

5.1 Desvio geodésico

Primeiro, considere qualquer par de partículas não-interagentes seguindo geodésicas


distintas, as quais denotaremos por xµ e x̄µ , parametrizadas pelo tempo próprio experi-
mentado pela primeira partícula, τ . Se definirmos um vetor de uma pequena separação
~ das duas partículas por
entre as linhas de mundo, ξ,

ξ µ (τ ) = x̄µ (τ ) − xµ (τ ) , (5.1)

então a equação do desvio geodésico mostra que esse vetor evolui da seguinte forma [8, 9]

D2 ξ µ
2
= S µν ξ ν , (5.2)

onde definimos as componentes do tensor de stress da maré

S µν ≡ Rµσρν U σ U ρ , (5.3)

dxσ
e Uσ = dτ
é a componente do quadrivetor velocidade da primeira partícula. Note que
na definição de S µν usamos o fato de que o tensor de curvatura é anti-simétrico em seus
últimos dois índices. A equação (5.2) é tensorial ou covariante e portanto, válida para
qualquer sistema de coordenadas.

Para extrairmos ao máximo as consequências físicas do efeito de desvio geodésico, é


mais interessante considerarmos apenas a separação espacial relativa entre as duas par-
tículas. Suponha então um observador "sentado" na primeira partícula, cuja linha de
52

mundo xµ (τ ) passa por algum evento P . Para calcularmos a aceleração de separação rela-
tiva medida por esse observador, montamos um conjunto de vetores de base ortonormais
êα em P , que definem o referencial instantâneo de repouso da primeira partícula (e conse-
quentemente, do observador) neste evento. Neste referencial, o vetor de base ê0 ≡ Û , onde
~ é a quadrivelocidade da primeira partícula em P . Basta escolhermos outros vetores êi
U
para comporem a base espacial, de forma que todo o conjunto satisfaça a

êα · êβ = ηαβ . (5.4)

Com essa definição, podemos utilizar a métrica local η para definir os duais dessa base de
vetores:
êα = η αβ êβ , (5.5)

que também formam um conjunto ortonormal. A situação é ilustrada na figura 13.

𝑥ҧ 𝜇 (𝜏)
𝑥 𝜇 (𝜏)

𝑄
Ԧ
𝜉(𝜏)

𝑈

𝑒Ƹ3
Ԧ
𝜁(𝜏)
𝑃
𝑒1Ƹ 𝑒Ƹ2

Figura 13: Base do referencial local de repouso em P , em azul. O vetor de separação está representado
em ξ~ vermelho, e sua projeção espacial ζ~ em verde.

As componentes do vetor de separação ξ~ com relação ao nosso referencial são

ξ α̂ ≡ êα · ξ~ = (êα )µ ξ µ , (5.6)

as quais nos dão as separações espaciais e temporal dos eventos P e Q nas linhas de
mundo das duas partículas medidas pelo nosso observador. Dado que êα , α = 0, 1, 2, 3,
são vetores de base num sistema cartesiano inercial de coordenadas em P , a derivada
covariante neste sistema de coordenadas é simplesmente igual à derivada ordinária. Além
disso, no referencial local de repouso, a quadrivelocidade da primeira partícula é somente
53

~ = Û = (1, ~0). Então, de (5.2), temos:


U

d2 ξ α̂
2
= Rα̂0̂0̂γ̂ ξ γ̂ , (5.7)

onde as componentes do tensor de curvatura no sistema cartesiano inercial em P são
escritas como
Rα̂β̂γ̂ δ̂ ≡ Rµσνρ (êα )µ (êβ )σ (êγ )ν (êδ )ρ . (5.8)

Conseguimos reduzir bastante a equação do desvio geodésico para a forma (5.7), mas
ela ainda está na forma quadridimensional, pois o vetor de separação ξ~ normalmente terá
alguma componente temporal no referencial do observador [7, 8]. Já que a equação (5.7)
é válida para qualquer vetor de conexão entre as geodésicas, podemos trabalhar com um
novo vetor ζ~ cuja componente na direção de ê0 é sempre nula, ou seja, ζ 0̂ (τ ) = 0 ∀τ .
Graças às simetrias do tensor de Riemman, para o novo vetor de separação, a equação do
desvio geodésico puramente espacial pode ser escrita:

d2 ζ î
2
= Rî 0̂0̂ĵ ζ ĵ , (5.9)

com î, ĵ = 1, 2, 3.

Uma interpretação alternativa da equação (5.9) é que ela nos fornece a força por
unidade de massa necessária para manter duas partículas se movendo ao longo de curvas
paralelas; esta força deve ser suprida por algum meio mecânico. Por exemplo, a linha de
mundo do centro de massa de um corpo rígido em queda livre é uma geodésica tipo-tempo,
mas isso não é verdade para as outras partes do objeto. As partículas que compõem o
corpo rígido são obrigadas a se moverem ao longo de curvas paralelas ao centro de massa
e não ao longo de geodésicas vizinhas. Porém, se o corpo em questão não for rígido, cada
partícula irá seguir uma geodésica tipo-tempo tais como as tratadas na seção (4.1.3), e,
como consequência, o objeto se deformará. A esse efeito, damos o nome de "forças" de
maré - entre aspas, porque o conceito de força gravitacional foi abandonado neste trabalho
para dar lugar às consequências da geometria curva do espaço-tempo.
54

5.2 Maré do buraco negro de RN

Para termos uma ideia da magnitude do efeito da maré de um buraco negro na métrica
de RN, nosso primeiro passo é escolher a base êα . Defina então [7]
1 1
(ê0 )µ = ∆− 2 δ0µ (ê1 )µ = ∆ 2 δ1µ
(5.10)
(ê2 )µ = r−1 δ2µ (ê3 )µ = (r sin θ)−1 δ3µ

onde ∆ é dado pela equação (3.2). Sejam as componentes do vetor de separação ortogonal
ζ~ denotadas por:
ζ î = (ζ 1̂ , ζ 2̂ , ζ 3̂ ) = (ζ r̂ , ζ θ̂ , ζ φ̂ ) . (5.11)

Então (5.9), no sistema de referências acima, com auxílio das expressões das componentes
do tensor de Riemann (7.2), se transforma nas equações

d2 ζ r̂ 2M r − 3Q2 r̂
= ζ (5.12)
dτ 2 r4
d2 ζ θ̂ (M r − Q2 ) θ̂
= − ζ (5.13)
dτ 2 r4
d2 ζ φ̂ (M r − Q2 ) φ̂
= − ζ (5.14)
dτ 2 r4

Diferente do caso de Schwarzschild, cujas acelerações de separação possuem sinais


constantes desde r = ∞ até r = 0, as marés de Reissner-Nordström mudam de com-
portamento ao longo das trajetórias das partículas. Note que as acelerações nas direções
Q2
angulares dadas pelas equações (5.13) e (5.14) podem se anular em r∗ = M
e a ace-
3Q2
leração na direção radial pode se anular em r∗∗ = 2M
. Portanto se considerarmos um
corpo extenso em queda livre, cujo centro de massa faz uma geodésica de coordenadas
θ = constante e φ = constante, para r > r∗ , as duas componentes angulares da aceleração
comprimem o corpo extenso e para r < r∗ as duas componentes angulares da aceleração
esticam o corpo extenso. Já para r > r∗∗ o corpo é esticado na direção radial e para r < r∗∗
o corpo é comprimido na direção radial. O diagrama 14 representa qualitativamente os
sentidos da maré atuantes.

Se quisermos comparar os "raios de maré" r∗ e r∗∗ com os horizontes r± , podemos


fazer uma razão, " r #
r± M2 Q2
= 2 1± 1− 2 , (5.15)
r∗ Q M
55

𝑟 = 𝑟∗∗

𝑟 = 𝑟∗

𝑟=0
Singularidade
Figura 14: Os raios de maré r∗ e r∗∗ estão representados nas linhas pretas pontilhadas. As setas verdes
indicam compressão e as vermelhas indicam esticamento do corpo. Antes de r∗∗ , o corpo sofre o mesmo
fenômeno que ocorre na métrica de Schwarzschild, conhecido como espaguetificação - há compressão nas
direções angulares e esticamento na direção radial. Durante r∗ < r < r∗∗ , o corpo é comprimido em
todas as direções. Por fim, após a passagem por r∗ , o corpo continua a ser comprimido na direção radial,
mas a "maré angular" troca de comportamento, passando a esticá-lo nas direções θ e φ. Como resultado,
o corpo fica achatado em formato de uma panqueca; em homenagem ao fenômeno de Schwarzschild,
podemos chamar essa troca de comportamento da maré de "panquequificação". Note também que, de
acordo com o visto na seção (4.1.3), se as partículas do corpo seguem uma geodésica tipo-tempo, então
nunca alcançarão a singularidade em r = 0; eventualmente, cada partícula será lançada para fora do
horizonte de eventos r+ .

Q2
definindo uma variável auxiliar κ = M2
, deveremos estudar

r± 1 √ 
= 1± 1−κ (5.16)
r∗ κ

para sabermos informações sobre a posição de r∗ . É fácil ver pela equação (5.16) que
r± = r∗ para κ = 1, ou, para |Q| = M , que é o caso extremo. Porém, se estivermos
no caso fisicamente relevante, M > |Q|, chegamos à conclusão que r∗ está sempre entre
os dois horizontes. Usando a mesma lógica para localizar a posição de r∗∗ , chegamos à
equação
r± 2  √ 
= 1± 1−κ . (5.17)
r∗∗ 3κ
Quando avaliamos para r− = r∗∗ , vemos que (5.17) não tem solução, e, além disso,
56

r∗∗ > r− para todo M > |Q|. Já quando avaliamos (5.17) para r+ = r∗∗ , chegamos à
p
solução κ = 8/9, ou, |Q| = 8/9 M ≈ 0.9428 M . Portanto, os raios de maré r∗ e r∗∗
possuem algumas posições, de acordo com os valores relativos de M e Q:

p
• Caso (1): 0 < |Q| < 8/9 M : r− < r∗ < r∗∗ < r+ ;
p
• Caso (2): |Q| = 8/9 M : r− < r∗ < r∗∗ = r+ ;
p
• Caso (3): M > |Q| > 8/9 M : r− < r∗ < r+ < r∗∗ ;

• Caso (4): M = |Q|: r− = r∗ = r+ < r∗∗ ; (RN extremo)

Todos os casos podem ser resumidos no gráfico da figura 15. Como é pouco provável
encontrar um objeto astrofísico com a carga elétrica muito relevante quanto a massa, o
caso (1) é o mais provável. Portanto, os raios de maré normalmente se encontram dentro
dos horizontes. Sendo assim, para observadores externos, não é possível diferenciar um
buraco negro carregado de um neutro apenas observando os efeitos de maré sobre um
corpo extenso em queda livre.

r+
r
r*
r* *

>
Q=0 Q = 8/9 M Q= M

Figura 15: Os raios de maré r∗ e r∗∗ comparados aos horizontes de eventos r± . O gráfico plota Q versus
p A curva azul é r+ , a laranja é r− , a verde é r∗ e a vermelha é r∗∗ . A reta vertical
a expressão dos raios.
escura marca Q = 8/9 M . Os eixos estão em unidades de M .
6 Conclusões

Nesta monografia, resolvemos no capítulo 2 as Equações acopladas de Einstein-Maxwell


para um corpo de carga elétrica Q e massa M , simetricamente esférico, e encontramos a
métrica exterior de Reissner-Nordström, dada por

ds2 = −∆dt2 + ∆−1 dr2 + r2 dΩ2 , (6.1)

onde
2M Q2
∆ = ∆(r) ≡ 1 − + 2 . (6.2)
r r

Vimos que a métrica de RN é uma generalização da métrica de Schwarzschild, onde


o espaço-tempo é preenchido pelo campo elétrico da carga puntiforme.

No capítulo 3, mostramos algumas propriedades de um buraco negro de RN, depen-


dendo dos valores relativos entre a massa M e a carga Q. Para o caso M < |Q|, vimos que
o espaço-tempo é regular, menos na origem. A ausência de um horizonte de eventos ocul-
tando a singularidade implica numa exótica solução de singularidade nua [8, 10]. Para o
caso M = |Q|, ou, solução extrema de Reissner-Nordström, vimos a possibilidade da deri-
vação de uma métrica bem mais geral, conhecida como métrica de Majumdar-Papapetrou,
dada por
ds2 = −H −2 (~x) dt2 + H 2 (~x) d~x · d~x , (6.3)

com
N
X Mk
H(~x) = 1 + , (6.4)
k=1
||~x − ~xk ||
cuja interpretação está na existência de um espaço-tempo contendo N buracos negros
extremos em equilíbrio nas posições ~xk , k = 1, 2, ... (as "forças gravitacionais" cancelam
perfeitamente as "forças eletrostáticas" [10]).

No caso M > |Q|, o mais explorado desta monografia, mostramos que o espaço-tempo
apresenta duas singularidades, em r = r± , que podem ser removidas via mudança de
coordenada; esses raios marcam os dois horizontes encontrados na solução. Escolhemos
58

a coordenada tipo-tempo avançada de Eddington-Finkelstein, por conta de sua fácil deri-


vação a partir das curvas de luz radiais. Nessas novas coordenadas, o elemento de linha
para esse espaço-tempo se torna

ds2 = −∆ dt̄2 + 2(1 − ∆)drdt̄ + (2 − ∆)dr2 + r2 dΩ2 , (6.5)

onde ∆ é dado por (6.2). Na forma (6.5), está claro que a única singularidade essencial
do espaço-tempo de RN se encontra na origem.

Tanto no caso extremo quanto no caso M > |Q|, encontramos um horizonte de eventos
se comportando de forma semelhante ao horizonte de eventos de Schwarzschild: para
um observador em queda livre em direção à origem, mede-se um tempo próprio finito,
enquanto para observadores distantes, mede-se um tempo de coordenada infinito. Nesse
sentido, os observadores distantes veem o observador em queda se movendo cada vez mais
"lento", e aumentando seu redshift. Porém, diferente do buraco negro de Schwarzschild,
o observador em queda não necessariamente é obrigado a diminuir seu raio até chegar à
origem; na verdade, mostramos, via equação (6.5), que o destino fatídico pode ser revertido
assim que o observador em queda atravessa o segundo horizonte, r = r− , além do fato de
que a origem é repulsiva - das geodésicas, apenas as nulas conseguem alcançá-la. Sendo
assim, eventualmente o observador terá que sair do buraco negro.

Ao final desse capítulo, mostramos como o campo gravitacional de RN pode gerar os


fenômenos de dilatação do tempo gravitacional e redshift. Ao expandirmos a expressão
para o desvio das linhas espectrais causado pelo buraco negro, concluímos que a carga
elétrica contribui com blueshift gravitacional, apesar de ser praticamente insignificante
quando comparado ao redshift gravitacional causado pela massa, se aproveitarmos o re-
sultado da métrica exterior para o caso de estrelas como o Sol [17].

No capítulo 4, utilizamos a conservação de algumas componentes do quadrimomento


das partículas prevista pela equação da geodésica para encontrarmos as órbitas de partí-
culas neutras (massivas ou não) e de partículas eletricamente carregadas. Mostramos a
partir disso que as soluções estão confinadas num plano. Como as equações das órbitas
são não-lineares e não podem ser resolvidas analiticamente, investigamos uma solução
particular: a partir dos potenciais efetivos, encontramos parâmetros para energia e mo-
mento angular que permitem órbitas circulares, e, utilizamos para determinar as órbitas
críticas de partículas neutras analiticamente. Ao acharmos as soluções críticas, encontra-
mos dois comportamentos: órbitas que permanecem dentro dos horizontes e órbitas que
saem assintoticamente do horizonte de eventos externo e vão para o infinito.
59

Para as partículas carregadas, voltamos à equação da Euler-Lagrange (que dá origem


à equação da geodésica, quando utilizamos uma Lagrangeana apropriada [16]) para de-
terminarmos as quantidades conservadas. Posteriormente, partimos do elemento de linha
do espaço-tempo de RN para encontrarmos uma equação diferencial de primeira ordem
não-linear, equivalente àquela encontrada para as partículas neutras. Uma vez que a
energia total agora é composta da soma da "energia de partícula neutra" com a energia
potencial eletrostática (dependente da coordenada r), o potencial efetivo não se apresenta
tão explícito quanto o potencial do caso das partículas neutras. Nesse sentido, deixamos
de encontrar soluções críticas e partimos para avaliação de algumas soluções numéricas,
obtidas pelo método de Runge-Kutta de quarta ordem com passo fixo.

No capítulo 5, encontrarmos através da equação do desvio geodésico, num sistema


de coordenadas conveniente (onde extraímos toda a informação puramente espacial), os
efeitos das "forças" de maré de um buraco negro de Reissner-Nordström. Por conta da
carga elétrica do buraco negro, componentes da equação de desvio geodésico possuem três
regimes, que dependem da posição (radial) do corpo extenso em queda livre. Esses regimes
podem se corresponder com os horizontes dependendo dos valores relativos entre M e Q,
mesmo para o caso M < |Q|. Como os objetos astrofísicos são mais eletricamente neutros
do que carregados, os efeitos de maré do buraco negro de RN podem ser confundidos com
os efeitos de maré de um buraco negro de Schwarzschild, já que, fora do horizonte externo
desses objetos pouco carregados, o corpo extenso sofreria espaguetificação [7].

Por fim, esperamos, em projetos futuros, utilizarmos das técnicas desenvolvidas neste
trabalho para o estudo de buracos mudos (análogos gravitacionais em matéria conden-
sada), desde o reconhecimento do análogo do horizonte de eventos à mudanças de coor-
denadas tipo Eddington-Finkelstein para remoção de singularidades, além de desenvolvi-
mento de novas habilidades em teoria quântica de campos.
60

Referências

[1] Joshi, S. Pankaj, The story of collapsing stars - black holes, naked singularities, and
the cosmic play of quantum gravity (Oxford University Press, 2015).
[2] L. Ryder, Introduction to General Relativity (Cambridge University Press, New York,
2009).
[3] S. Weinberg, Gravitation and Cosmology - Principles and Applications of the General
Theory of Relativity (Wiley, 1972).
[4] The EHT Collaboration et al., First M87 Event Horizon Telescope Results. I. The
Shadow of the Supermassive Black Hole., ApJL, 875, Pp. 1. (2019).
[5] H. Reissner, Über die Eigengravitation des elektrischen Feldesnach der Einsteinschen
Theorie, Annalen der Physik. 50, 106 - 120 (1916).
[6] G. Nordström, On the Energy of the Gravitational Field in Einstein’s Theory,
Verhandl. Koninkl. Ned. Akad. Wetenschap., Afdel. Natuurk. 26, 1201 - 1208 (1918).
[7] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Oxford University Press, 1992).
[8] M. P. Hobson, G. P. Efstathiou, A. N. Lasenby, General Relativity - An Introduction
for Physicists (Cambridge University Press, 2005).
[9] B. Schutz, A First Course in General Relativity (Cambridge University Press, New
York, 2009).
[10] S. M. Carroll, Space Time and Geometry - An Introduction to General Relativity
(Pearson Education Limited, 2014).
[11] G. Mammadov, Reissner-Nordström metric (Disponível em <http://gmammado
.mysite.syr.edu/notes/rn_metric.pdf>, 2009).
[12] C. W. Misner, K. S. Thorne, J. A. Wheeler, Gravitation (Princeton University Press,
2017).
[13] J. Nordebo, The Reissner-Nordström metric (Disponível em <http://www.diva-
portal.org/smash/get/diva2:912393/FULLTEXT01.pdf>, 2016).
[14] A. L. Dávalos, D. Zanette, Fundamentals of Electromagnetism - Vacuum Electrody-
namics, Media and Relativity (Springer-Verlag Berlin Heidelberg, 1999).
[15] S. Chandrasekhar, The Mathematical Theory of Black Holes (Oxford University
Press, 1983).
[16] J. Foster, J. D. Nightingale, A Short Course in General Relativity (Springer, 2005).
[17] L. Neslusan, On the global electrostatic charge of stars, A&A 372, 913-915 (2001).
61

7 Apêndices

7.1 Notação

Para este trabalho, adotamos a assinatura da métrica (− + ++). A representação


matricial do tensor métrico da métrica de Minkowski em coordenadas cartesianas é escrita:
 
−1 0 0 0
 
 0 1 0 0 
(ηµν ) =   .
 
 0 0 1 0 
 
0 0 0 1

Com convenção da referência [9], onde (t, r, θ, φ) → (x0 , x1 , x2 , x3 ), escrevemos o elemento


de linha em coordenadas esféricas para o espaço de Minkowski:

ds2 = −dt2 + dr2 + r2 (dθ2 + sin2 θdφ2 ) .

A derivada covariante é denotada pelo símbolo ponto e vírgula ";". Por exemplo, a
derivada covariante das componentes de um tensor (1,1),

∇γ T αβ ≡ T αβ;γ = T αβ,γ + Γαµγ T µβ − Γµβγ T αµ ,

onde a vírgula ","denota a derivada ordinária: ∂γ T αβ ≡ T αβ,γ , com γ = 0, 1, 2, 3. Índices


gregos são utilizados para denotar as componentes 0,1,2,3. Índices latinos são usados
para denotar as componentes puramente espaciais, assumindo os valores 1, 2, 3. Também
usamos a notação de seta para indicar os quadrivetores. Então, dados dois quadrivetores,
~ = (A0 , A1 , A2 , A3 ) e B
A ~ = (B 0 , B 1 , B 2 , B 3 ), seu produto escalar (ou contração) é escrito:

~·B
A ~ = gµν Aµ B ν = Aµ Bµ .
62

7.2 Componentes dos tensores e pseudo-tensores da métrica


de RN

7.2.1 Símbolos de Christoffell

Defina a função Σ(r) ≡ r2 − 2M r + Q2 . Usando a definição (2.11), calculamos

M r−Q2 (M r−Q2 )Σ 2)
Γ001 = rΣ
Γ100 = r5
Γ111 = − (M r−Q

Σ 2
Γ122 = −r Γ133 = − sin r θΣ Γ233 = − sin θ cos θ (7.1)
1 1 cos θ
Γ212 = r
Γ313 = r
Γ223 = sin θ

7.2.2 Componentes do tensor de Riemann

Defina a função Σ(r) ≡ r2 − 2M r + Q2 . Usando os símbolos de Christoffell (7.1) e a


definição para as componentes do tensor de Riemann, [9]

Rαβµν ≡ Γαβν,µ − Γαβµ,ν + Γασµ Γσβν − Γασν Γσβµ ,

calculamos:
2) 2
2M r−3Q2
R0101 = r2 Σ
R0202 = − (M r−Q
r2
R0303 = − (M r−Q
r2
)
sin2 θ
(2M r−3Q2 )Σ 2) 2
R1010 = − r6
R1212 = − (M r−Q
r2
R1313 = − (M r−Q
r2
)
sin2 θ
(M r−Q2 )Σ 2) (7.2)
R2121 = − (Mrr−Q R2323 = sin2 θ 1 − rΣ2

R2020 = r6 2Σ
(M r−Q2 )Σ 2)
R3030 = r6
R3131 = − (Mrr−Q
2Σ R3232 = 1 − Σ
r2

7.2.3 Componentes do tensor de Ricci

Através das equações (2.12), calculamos as componentes não-nulas do tensor de Ricci:

∆Q2 Q 2
R00 = r4
R11 = − ∆r 4

Q2
(7.3)
R22 = r2
R33 = sin2 θR22
O escalar de Ricci se anula identicamente, já que o traço do tensor eletromagnético é nulo.
Note em particular que se Q = 0, Rµν = 0 ∀µ, ν, Porém, essa equação é exatamente a
Equação de Einstein para a derivação da métrica de Schwarzschild [3, 10].
63

7.3 Métrica de Majumdar-Papapetrou (MP)

Escrevendo o elemento de linha (3.22), visto na seção de Singularidades, 3.1,

ds2 = −H −2 (~x) dt2 + H 2 (~x) d~x · d~x , (7.4)

calculamos os símbolos de Christoffell não nulos,

Γ0i0 = −H −1 H,i Γi 00 = −H −5 H,i


(7.5)
Γi ij = H −1 H,j Γj ii = −H −1 H,j para j 6= i

assumindo H,0 = 0. A partir deles, as componentes do tensor de Ricci,

R00 = H −6 ||∇H||2 R0i = 0 ∀i


(7.6)
Rii = H −2 [||∇H||2 − 2H,i ] Rij = −2H −2 H,i H,j para i 6= j

onde i, j = x, y, z. Calculamos agora as componentes do tensor de Faraday gerado pelo


potencial vetor dado em (3.25):
∂  −1
H − 1 = H −2 H,i .

F0i = Ai,0 − A0,i = − (7.7)
∂xi

Com as contrações importantes do tensor de Faraday:

F0σ F0 σ = H −6 ||∇H||2 Fρσ F ρσ = −2H −4 ||∇H||2


(7.8)
Fiσ Fi σ = −H −2 (H,i )2 F0σ Fi σ = 0

encontramos as componentes do tensor momento-energia para o campo elétrico,

T00 = 1

H −6 ||∇H||2 T0i = 0 ∀i
(7.9)
Tii = 1

H −2 [||∇H||2 − 2H,i ] 1
Tij = − 4π H −2 H,i H,j para i 6= j.

Sabendo que o traço T = 0, é direto verificar que as Equações de Einstein Rµν = 8πTµν são
automaticamente satisfeitas. Então, basta agora resolvermos as equações da divergência
para Fµν :
F µν;ν = 0 . (7.10)

A equação para a componente µ = 0,

F 0i,i + Γ0i0 F 0i + Γiji F 0j = 0 ; (7.11)


64

mas,
F 0i,i = 2H −3 ||∇H||2 − H −2 ∇2 H
Γ0i0 F 0i = H −3 ||∇H||2 (7.12)
Γiji F 0j = −3H −3 ||∇H||2
portanto, a equação (7.11) se torna

− H −2 ∇2 H = 0 =⇒ ∇2 H = 0 . (7.13)

Sendo assim, as Equações de Maxwell-Einstein acopladas, para a métrica de MP, se trans-


formam na equação de Laplace para o potencial elétrico gerado por N buracos negros
extremos de RN.
65

8 Anexos

8.1 Unidades Geometrizadas


Tabela 1: Constantes fundamentais em unidades geometrizadas [12]

Constante CGS UG

Constante Gravitacional G (6.673 ± 0.003) × 10−8 cm3 g −1 s−2 1


Velocidade da luz c (2.997924562 ± 0.000000011) × 1010 cm s−1 1
Constante de Planck } (1.054592 ± 0.000008) × 10−27
p g cm s
2 −1
2.612 × 10−66 cm2
Quantum de carga e (4.80325 ± 0.00002) × 10−10 g cm3 s−2 1.381 × 10−34 cm
Massa do elétron me (9.10956 ± 0.00005) × 10−28 g 6.764 × 10−56 cm
Massa do próton mp (1.672614 ± 0.000012) × 10−24 g 1.2419 × 10−52 cm

Tabela 2: Sistema Terra-Sol em unidades geometrizadas [12]

Constante Valor em UG

Massa solar M (1.47664 ± 0.00002) × 105 cm


Raio solar R (6.9598 ± 0.0007) × 1010 cm
Unidade astronômica 1 A.U. (1.495985 ± 0.000005) × 1013 cm
Massa terrestre M⊕ 0.4438 cm
Raio médio terrestre R⊕ 6.37103 × 108 cm

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