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A Influencia Alema Na ..Psicanalitica - 2007
A Influencia Alema Na ..Psicanalitica - 2007
SECRETARIA ADMINISTRATIVA
SUPERVISORA Loretta Passaro
SECRETÁRIA Selma Pereira Conceição
ASSISTENTE ADMINISTRATIVO Agnaldo Marins Teixeira
CONSELHO DIRETOR
PRESIDENTE Alexandre Kahtalian
SECRETÁRIA E VOGAL ASSOCIADO Maria Aparecida Duarte Barbosa
TESOUREIRA Maria Inês Pinto MacCulloch
VOGAL EFETIVO Rosa Sender Lang
COMISSÃO CIENTÍFICA
DIRETORA Veronica Portella Nunes
MEMBROS Isis de Souza Figueiredo
Sandra Maria Martins Pereira
Thereza Christina Rosa Pegado Ribeiro
Vanja Rodrigues Mattos
Editorial ....................................................................................... 5
Entrevista Charles Hanly ............................................................ 9
ARTIGOS
O analista como objeto persecutório ......................................... 19
Maria Inês Neuenschwander Escosteguy Carneiro
A influência alemã na
psicanálise no Rio de Janeiro ................................................... 39
Hans Füchtner
Principais Contestações da
Psicanálise na Atualidade .......................................................... 71
Alexandre Kahtalian
Scheherazade, a mulher-menina ou
a princesa que encantou o sultão ............................................... 77
Ambrozina Amalia Coragem Saad
ARTIGOS INTERNACIONAIS
Ser e Sexualidade: contribuição ou confusão? .......................... 91
Lesley Caldwell
O discurso multidisciplinar
sobre o tema obesidade ............................................................ 151
Terezinha de Souza Agra Belmonte
ENSAIOS
Velocidade e repressão ............................................................. 181
Marcelo Coelho
MONOGRAFIA
A pele como forma de expressão ............................................. 213
Ondina Lúcia Ceppas Resende
HOMENAGEM
Manhães da Psicanálise .......................................................... 233
Vera Márcia Ramos
RESENHAS
O Poder das Organizações: a dominação das
multinacionais sobre os indivíduos ........................................ 253
Autores: Max Pages , Vincent de Gaulejac,
Michel Bonetti e Daniel Descendre
Resenhado por: Kátia Barbosa Macêdo
*
A versão em inglês desta entrevista estará disponível no site da SPRJ (www.sprj.org.br).
ENTREVIST A*:
Charles Hanly
*
Tradução: Luzia Mara Moniz Freire.
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O analista como
objeto persecutório*
Maria Inês Neuenschwander Escosteguy Carneiro**
Resumo
Através de um caso clínico, a autora procura demonstrar como a
relação primitiva dominante, correspondendo àquele padrão que
mais se repete na relação mãe-bebê, se impõe na transferência, em
busca de soluções para os impasses dos encontros primitivos. Tal
repetição na transferência pode ser tão intensa, o objeto-analista
tão idealizado , o controle e a onipotência tão agudos, que tornam
as análises de pacientes desse tipo às vezes impossíveis, quando
alguma ameaça externa de fato acontece.
Unitermos: relação primitiva dominante; impasses relacionais;
objeto persecutório.
*
Primeira versão desse trabalho publicada no Boletim Científico 18, 1996, Sociedade
Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.
**
Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.
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Summary
Through the description of a clinical material the author formulates
the hypothesis of a pattern, in the primitive mother/child relation,
which is mostly repeated there and which the author calls “the
domineering primitive relation”. Such pattern comes to the fore in
the transference as a possibility for solving primitive impasses.
Nevertheless, the repetition of such a pattern in the transference
can be so intense, the analyst so idealized, control and omnipotence
so acute that sometimes the whole analytical process becomes
impossible, mainly in cases when an external threat really occurs.
Key-words: domineering primitive relation; relational impasses;
persecutory
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Uma das hipóteses que faço para o caso clínico aqui relatado é a de que
tal transição não pôde ocorrer na vigência contemporânea da relação mãe/
bebê, gerando uma inexorabilidade na repetição desse modelo primitivo,
o dos objetos persecutórios.
Pessoas com tais características paranóides desenvolve, ao longo da
vida, um agudo senso de observação do mundo externo, para controlá-lo
e, assim, onipotentemente, minimizar suas ansiedades. Acredito que não
chegam a formar uma organização patológica, como diz Steiner (15), onde
há um enrigecimento defensivo entre as posições, ou no interior de uma
ou de outra. As defesas, como no caso aqui apresentado, não são rígidas,
ao contrário, afrouxam-se a qualquer ameaça e aumentam o pânico.
Entretanto, o sentido de realidade é freqüentemente distorcido, o que faz
com que o mundo externo seja visto pela ótica do ser ou não persecutório,
apenas, e a repetição de um impasse relacional primitivo é o resultado .
Como sabemos que, desde o princípio do desenvolvimento, há constante
interação entre o interno e o externo, é fácil entender o porquê dessa ótica
distorcida: apenas quando o objeto é vivido como um todo e, como tal, amado
e sentido como confiável, é que a falta pode ser sentida como um todo, e não
apenas como sinal de um objeto mau e perseguidor. Se as dificuldades na
introjeção de um objeto bom inteiro e reparado não se amainaram, o modelo
relacional que o sujeito levará será o dos objetos persecutórios.
A análise do mundo interno , portanto, a análise das relações de
objetos internos, deverá centrar-se em explorar tais relações e as
maneiras pelas quais o paciente resiste, alterando essas relações internas
inconscientes para as experiências presentes, diz Ogden (11). Essa é uma
clara compreensão sobre o que deverá ocorrer num processo psicanalítico.
Nesse mesmo trabalho de 1983, Ogden(11) refere-se ao fato de Melanie
Klein misturar idéias de que as relações de objetos internos são fantasias
e, ao mesmo tempo, relações entre duas instâncias com capacidade para
sentir, pensar, perceber, etc. Parece-me que seria mais próprio considerar
uma relação entre fantasias inconscientes. Nesse tipo de pacientes, existe
uma equiparação do objeto às fantasias a ele relacionadas. Não há uma
simbolização desenvolvida o suficiente para representar mentalmente o
objeto, como mostra Segal (14), mas sim, uma equação simbólica, a
equiparação do objeto às fantasias a ele relacionadas. Portanto, os objetos
tornam-se altamente ameaçadores . Na transferência, espera-se que o
analista esteja integrado o suficiente para receber as projeções de seus
pacientes e processá-las, devolvendo-as, pelas interpretações, de maneira
menos ameaçadora. Em certos casos, como no que relatarei, as experiências
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a) Primeiro contato
Ainda como analista em formação, recebi uma ficha para atendimento
pela Clínica, de um paciente que até hoje motiva-me a pensar . Chamou-
me a atenção a pobreza vocabular: das queixas explícitas, apenas duas :
sente-se deprimido e sem vontade de viver. Informa, ainda, ser frustrado
no trabalho, além de ganhar pouco. Sua idade, 40 anos. Divorciado, pai de
duas filhas, grau universitário, sem exercer a profissão na qual se graduou.
Quando chamo o número telefônico informado,há um recado na secretária
eletrônica, gravado com voz masculina bastante descontraída, onde Oscar
se identifica. À noite, responde à minha mensagem e concordou, sem
nenhuma restrição, com o horário que lhe ofereci para a entrevista.
b) As entrevistas
Chega pontualmente e cumprimenta-me com educação, até mesmo com
formalidade e pompa, curvando a cabeça. Sua postura poderia ser descrita
como a de quem vai tratar de negócios .Tem aparência cuidada, veste-se
com simplicidade, com barba cerrada e longa e cabelos grisalhos. Parece
desenvolto, exatamente o oposto da precária comunicação da ficha
.Todavia, há algo em toda essa atmosfera atenuante que transmite extrema
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e pouco afetiva. Para que eu não me torne o mesmo, ele precisava sentir
que eu era muito poderosa . Isto me manteria, aparentemente, a salvo,
mas ao mesmo tempo me transformava em uma mãe idealizada. E o objeto
idealizado, ao contrário, se for mantido assim, não protege, pois é um objeto
frágil também, sujeito a se esfacelar diante de qualquer eventualidade . O
splitting de que lança mão para manter esse quadro comprometem
grandemente sua capacidade de compreender. Seu pensamento é cada vez
mais concreto e absoluto. Seguem-se alguns fragmentos de sessões, que
ilustram o seu funcionamento.
Não sei se você já ouviu uma música que fala que a vida vai e vem,
como ondas? Eu estava pensando nisso ontem, sobre a minha transa com
a Beth. Não tem meio termo: ou é paixão ou desprezo.Parece que eu corto
um fio, as coisas não fluem, ou está tudo absolutamente bom, ou
completamente ruim. Respondo-lhe que se sente impossibilitado de se
comunicar com sentimentos de qualidade diferente, convivendo ao mesmo
tempo dentro dele, não só em relação à Beth, é uma forma de funcionar
com todos, inclusive comigo. Ele diz : No Play-Center tem um dos
brinquedos mais cruéis que já vi. É um labirinto de espelhos, você se vê
espalhado por todo canto, sem achar a saída. Se as pessoas ficarem lá
muito tempo, enlouquecem. Não tem guia nenhum. É quase insuportável,
até se achar a saída. Ih, por que me lembrei disso? Não tem nada a ver.
Digo-lhe que lembrou-se provavelmente porque espera que eu seja uma
boa guia, para conduzi-lo por esses caminhos de amor e ódio de que
falávamos . É preciso que eu seja muito boa, mesmo, pois ele teme
enlouquecer ao buscar a saída, que, afinal, é o que se espera de um processo
de análise . Oscar sorri com certa tristeza. É um momento intenso na sessão.
Quando volta a falar, sua voz é mais baixa, mais reservada: Eu andei
criando umas plantas carnívoras lá em casa. Tinha uma, cujo nome não
me lembro agora, mas era um nome feminino, que eu nunca consegui
criar direito. A partir de uma determinada fase, elas faziam o que bem
queriam, e não havia conhecimento científico que desse jeito... Ih, olha
eu divagando... Oscar comunica que seus objetos internos, sentidos como
malévolos e devoradores, são expelidos fantasiosamente, para dentro de
mim. Portanto, eu também posso, a qualquer momento, me transformar
numa planta carnívora autônoma, que irá destruí-lo. Penso que não é só a
autonomia da violência que ele teme: receia também que suas tentativas
onipotentes de controle não dêem conta de manter as coisas separadas, e
precisa de meu conhecimento científico, a análise, para nos proteger a
ambos. No dia seguinte, começa contando: Quando eu adestrava cães -
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d) As férias
Nas semanas antes das férias, as sessões de Oscar mudam de tom e são
francamente queixosas: são queixas do trabalho, da ex-mulher, da
namorada, dos pais. Deseja que algo aconteça, que não o faça dependente
da namorada, para que possa viver a própria vida. Digo a ele que a
iminência das férias faz com que ele fique apreensivo, pois sente-se tão
dependente de mim, que se vê sem vida própria se eu não estiver disponível,
ao que responde que depender, em qualquer modalidade, é extremamente
humilhante. E Oscar, que afirmara não sonhar nunca e não se lembrar de
sonhos, três dias antes de minha saída , traz o primeiro sonho: Sonhei
com um filhotinho de collie . Você conhece collie? É um cachorro bobo.
Demanda cuidados constantes, senão fica com um cheiro insuportável.
É um cachorro muito trabalhoso. Bom, no sonho o tal filhote estava solto
pela rua, indefeso e eu, na calçada fazia sinais para os carros, para não
atropelarem o cachorro. Não sei se consegui, pois acordei. É evidente
que Oscar sente-se francamente desprotegido com meu afastamento, à
mercê de desastres e atropelos, que fazem parte de seu mundo interno
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e) Os antecedentes da interrupção
Na volta das férias, Oscar está francamente ressentido: continua a se
queixar, ora do chefe, que está impondo uma mudança que não interessa
a ele; do pai, que não emprestou dinheiro; da mãe, que provavelmente foi
quem proibiu; das filhas, que estão desrespeitosas...Diz: Tem alguma coisa
errada comigo, não sei o que é. Nesses dias sem análise, eu não sei muito
bem como explicar isso... eu tentava me distanciar de mim mesmo, me
olhar de fora, e me perguntava: Eu sou só isso? Só isso? Só queixas e
mágoas, mais nada? Mostro que ele teme me enxergar somente com os
olhos da mágoa e do ressentimento, e ao me reencontrar, só enxergar a
analista que o abandonou. Conta, então, um episódio ocorrido nas férias:
escrevera à irmã, que mora em outro país, pedindo US$ 5,000
emprestados. Ela negou, mandando um cartão em preto e branco, de uma
águia, com os dizeres: “Aos meus amigos, dou até a minha roupa. Mas
você nunca foi meu amigo.” Uma ave de rapina! Ela me comparou a uma
ave de rapina! Juro que vou colocar numa moldura para nunca mais
esquecer. Eu não quero jamais esquecer. Digo a Oscar que ele está me
vendo e sentindo dessa forma, como uma ave de rapina, que levou consigo
a capacidade dele de se proteger, abandonando-o à mercê dos medos e
ressentimentos. Sente que eu não fui amiga dele. Na verdade, Oscar ouviu
da irmã, da maneira mais penosa e crua,uma referência à maneira pela
qual se relaciona com as pessoas: tenta controlá-las onipotentemente,
exigindo que o sirvam. Os dias que se seguiram foram raivosos. Oscar falava
com os dentes trincados sobre qualquer assunto. Tal raiva era sinal, me
parece, de outro sentimento: o de perceber-se incapaz até mesmo de
manter um bom objeto dentro dele, o que configuraria uma dependência
benigna e criativa. Minha ausência potencializou o contato com o aspecto
que caracterizou como humilhante, a dependência . A recusa da irmã,
acusando-o, mobilizou seu ódio ao objeto. Como suas figuras parentais
internas são cheias de descaso e egoísmo , eu também estava me tornando
assim: não me importei com ele, abandonei-o, deixando-o exposto a
sentimentos vorazes, atacadores dele próprio, que estão constantemente
projetados nos objetos, os quais tenta controlar, com a onipotêncía que
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atribui à sua raiva. Como tal defesa só é eficaz na sua fantasia, o resultado
é esse ressentimento constante em que vive, sua “pobreza” interna, sempre
se sentindo roubado, incompreendido.
f) A interrupção
Nesse momento delicado e intenso da análise de Oscar, precisei cancelar
duas sessões, pois minha filha adoecera e precisou ser hospitalizada. Não
encontrei Oscar e deixei um recado na secretária eletrônica, informando
que não compareceria . Oscar telefonou quatro vezes, até conseguir falar
comigo, pois ligara para minha casa, e quem o atendeu informou que eu
estava no hospital com minha filha. Está , ao telefone, muito aflito,
perguntando se estava tudo bem, para minha surpressa perguntando-me
sobre minha filha. Eu não sabia que fora informado da hospitalização. Digo
a ele que minha filha estivera doente, mas que já estava bem, e que, no dia
seguinte, retomaríamos nosso trabalho. Quando retorno, Oscar me olha
com muita preocupação, pergunta-me mais uma vez pela minha filha. Digo
que já está bem e agradeço. Então, deita-se, e sua primeira comunicação é
a seguinte: Hoje acordei pensando na minha mãe. Quando eu era
pequeno, com uns dois anos mais ou menos, ela viajou com o meu pai por
três meses, pela Europa. Minha avó ficou comigo. Quando ela voltou, ,
enderecei uma vingança para ela. Eu perguntei: “Quem é essa moça? “
Sabe, ela nunca esqueceu disso. Mostro a Oscar que esse sentimento de
vingança é muito atual, pois para ele eu também não soube cuidar dos
filhos, deixando-os adoecerem, ficarem ressentidos, me ausentando...
Oscar diz que tem o “pressentimento” de que todos os seus problemas
vêm da mãe, pois não se lembra de ter sido cuidado, nem mesmo
amamentado. E imagino Oscar, na sua raiva infantil, exasperado de ódio,
prescindindo fantasiosamente dos cuidados maternos, exatamente por
desejá-los tanto! Nessa mesma semana, relata o seguinte sonho: Tive um
sonho engraçado... era mais engraçado que outra coisa... Eu estava indo
a um médico, não me lembro por causa de que doença. Tinha um elevador
mínimo, que me deixava espremido. Na sala do médico tinha duas
mulheres, também vestidas de branco. Sentaram-se junto a mim, uma
de cada lado. Uma me acariciava a mão, colocava sobre a barriga dela,
me pareceu uma coisa assim sexual, de marido e mulher, sabe? Eu até
gostava. Quando o marido sente o bebê, sabe? A outra, em compensação,
pegou uma seringa e veio me aplicar uma injeção. Eu disse: “Ei! Eu tenho
uma consulta, calma!” Ela respondeu que eu tinha que tomar aquilo e foi
me dando a injeção. Nem tive tempo de perguntar se a agulha era limpa.
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Quando, terminou, atirou a seringa pelo chão, com o maior desleixo. Não
me deterei em demasia em outros aspectos desse sonho, que, sem dúvida,
são muitos e importantes, como a relação transferencial sexualizada de
marido e mulher. O aspecto mais emergente, indubitavelmente, é a ameaça
pela aproximação de duas analistas agindo dentro dele. Há uma parte
adulta que se relaciona comigo como uma dupla, um casal, que se tratam
bem e dividem prazeres e preocupações. Entretanto, Oscar, no sonho,
aparece espremido entre esta parte e outra, assustada, em dúvida sobre o
que realmente recebe de mim, sentindo-me pouco cuidadosa e inadequada,
como uma injeção desnecessária e sem assepsia. Como veremos a seguir,
a aliança criativa sucumbiu. Eu me tornara, naquele momento, franca-
mente um de seus objetos persecutórios. Na sessão seguinte, ele não
compareceu. Na subseqüente, informa que o chefe lhe impusera uma
mudança de função, que ele não desejou, não pediu, mas que era compul-
sória, principalmente porque precisava do emprego a qualquer preço.
Tal mudança implicaria em viagens semanais, e pelo menos uma vez por
mês, deveria viajar por dez dias, como eu recentemente fizera nas férias.
Assim, não poderia continuar a análise. Relaciono com os últimos
acontecimentos, falo novamente sobre o sonho, sobre a falta, e como ele
tentava livrar-se da análise que ele e eu estávamos criando, pois naquele
momento não me via como uma analista capaz de cuidar. Oscar abaixa a
cabeça pensativo, pois não se deitara nessa sessão. Volta no dia seguinte
para dizer que ficou com insônia até às três da manhã, pensando no que
eu lhe dissera. Tentara livrar-se do novo cargo, mas não conseguira.
Pergunta-me se poderá voltar, quando acabar a tal função; e eu respondo
que, se assim o desejar, que me telefone quando achar necessário. Despede-
se de mim, agradecendo o que fiz por ele . Sai, duro, e o clima é o dos
primeiros encontros: frio, distante e pouco afetivo. Não podendo livrar-se
do cargo, livrara-se de mim, a analista descuidada, reedição, naquele
momento, de um encontro primitivo cheio de ameaças e frustrações .
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até quando durou sua análise, não foi possível nada ser esclarecido. Em
relação à análise, existiu, de fato, um fator externo real que me fez ausente.
Não acredito que tenha sido determinante para a interrupção. .No
momento em que me tornei um objeto persecutório por força de um modelo
mental de Oscar, a análise transformou-se num desastre e foi interrompida
, possivelmente para que Oscar e eu nos mantivéssemos a salvo. Dois meses
após a interrupção, recebo um recado de um “paciente” que me telefonara
e voltaria a ligar. Nenhum de meus pacientes me telefonou. É provável
que tenha sido Oscar, ou este, quem sabe, foi o meu desejo. Quem quer
que tenha sido, não voltou a fazê-lo. Acredito ser a experiência
transferencial o melhor veículo para restauração de um mundo interno
devastado. Por isso somos analistas: não apenas para isso, pois, como no
caso aqui relatado, não nos é sempre possível realizar eficazmente nossa
função. Apenas perseverar, talvez seja o que nos cabe a cada dia.
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13. RIVIERE, J. (1991). The Inner World and Joan Riviere. Collected Papers 1920-
1958, p. 302, Karnac Books, London .
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Resumo
O autor aborda a questão da influencia da psicanálise de língua alemã
no Brasil, depois de mencionar algumas dificuldades para pesquisar
a Psicanálise no país. Mostra a importância dos primeiros psiquiatras
brasileiros interessados na psicanálise, que leram Freud no original,
e quais foram as primeiras traduções em português dos textos de
Freud. Inclui caracterizações dos alemães mais importantes para o
desenvolvimento da psicanálise, em São Paulo e no Rio de Janeiro,
com destaque para Adelheid Koch e o casal Werner e Katrin Kemper.
Finaliza apresentando aspectos atuais do tema.
Summary
The author investigates the role of the influence of German-language
psychoanalysis in Brazil, after elaborating some difficulties in
researching the history of psychoanalysis in the country. He shows
the importance of the first Brazilian psychiatrists interested in
psychoanalysis, who read Freud in the original, and who were the
first translators of Freud into Portuguese. The most important
German analysts for the development of psychoanalysis in Rio de
Janeiro and Sao Paulo are portrayed, especially Adelheid Koch, and
couple Werner and Katrin Kemper. Finally he points out the
contemporary relevance of the topic.
*
Apresentado na Reunião Científica da SPRJ em 20 de março de 2007.
**
Professor de Ciências Sociais da Universidade Kassel (Alemanha) e pesquisador da
História do Movimento Psicanalítico no Brasil.
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Observações gerais
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Karl Weissmann
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comentário. Mas dois anos mais tarde, ele foi agraciado no Rio de Janeiro
com o título de “Carioca Honorário”.
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Adelheid Koch (1896 – 1980), que era judia e tinha de fugir da perseguição
nazista, aceitou o convite da IPA para vir para São Paulo. Ela havia sido
recomendada por Otto Fenichel, seu didata. E, de fato, ela fundou no correr
dos anos a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Assim, deu
certo a aventura de ter-se carregado com tanta responsabilidade e trabalho
uma psicanalista tão inexperiente. E provavelmente porque Adelheid Koch
era – como é descrita - uma pessoa muito conscienciosa e aplicada. Foi-
lhe obviamente de grande importância a ajuda de Durval Marcondes, que
organizou a sua vinda.
1
Carta de Rickman a W. Kemper datada de 13.02.1951.
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A questão do nazismo
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2
(Füchtner, 2000) Acessivel em http://www.estadosgerais.org/mundial_rj/
trabGeral.htm. (2003)
49
criminoso. A rigor, isto pode ser avaliado também como culpa. Mas para
tirar conclusões negativas a respeito do caráter de outrem, deve-se
perguntar primeiramente a si mesmo, se numa ditadura tão violenta se
teria a coragem de arriscar a própria vida. Seja como for, está provado que
Kemper não era nazista.
50
3
A respeito da relação entre o estado e a psicanálise veja Füchtner, H. (2003): A Psicanálise
organizada e o Estado no Brasil. Em: Trieb, Vol.II, Nr.2, 267-290.
4
Para maiores detalhes veja (Füchtner, 2007)
5
As datas respectivas se encontram em (Serio, 1998)
51
52
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54
55
56
Referências bibliograficas
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nazista, homem da Gestapo, militante marxista? In: Pulsional, Vol. 10 / 2000,
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Füchtner, H. (2007): “Fremdartiger bunter Vogel” oder “Große Dame” der
Psychoanalyse? Zur atypischen Berufsbiographie von Anna Kattrin Kemper.
In: Luzifer-Amor, Bd. 39, 80-117.
Medeiros e Albuquerque, J. J. d. C. d. C.(1922): Graves e Fúteis. Rio de Janeiro:
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Weissmann, K.(1964): Masoquismo e Comunismo. Contribuicao à Patologia do
Pensamento Político. São Paulo: Martins.
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O desejo de nada ou a
completude de vazios*
Tania Leão Pedrozo**
Resumo
A autora aborda um aspecto da clínica contemporânea com
pacientes que se caracterizam por falta de energia vital e
desinvestimento quase total do mundo exterior, como se houvesse
uma morte simbólica. Organização do vazio como forma de
evitação, de fuga do eu ? Falha na constituição do sujeito a partir
da assunção da falta ? Desorganização da ancoragem do sujeito na
rede significante ?
*
Trabalho apresentado no XX Congresso Brasileiro de Psicanálise, em Brasília, em
novembro de 2005.
**
Analista Didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.
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Summary
The author considers an aspect of the contemporary clinic in which
the patients are deprived of vital energy and they are not able to
invest the external world as there was a kind of symbolic death.
Would it be an organized emptiness as a form of avoiding, a running
away from the Me? Would it be a failed constitution of the subject
from the assumption of the fault? Disorganization in the anchorage
of the subject in the significant chain?
These patients show a poor capacity of associating, a lack in the
constitution of fantasy, a non-engagement to their desire. The
psychosomatic manifestations are common as well it is the drugs
addiction. Some clinical examples are presented.
In this field the Psychoanalysis contribution is not satisfactory. It is
not precise to nominate depression the feeling of sadness because
in doing that we dilute the subjective and clinical differences. Freud
himself was not worried in explaining depression by itself, he rather
used the word melancholy.
Jacques Lacan named sadness a “moral cowardice”.
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Introdução
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O mal-estar do desejo
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O que leva alguém a renunciar a seu desejo? Lacan fala que essas
pessoas, os depressivos, não querem renunciar ao ideal do Tudo, sempre
se comparando com a perfeição e a onipotência, frente a que só podem se
sentir um nada. Um paciente que não se decide a estudar para as provas,
na verdade, teme é perder a imagem ideal que deveria ou poderia ter. Afinal
de contas, se ele não estuda para um exame pode continuar pensando que
não se deu bem porque não estudou o suficiente, em vez de se confrontar
com as suas possibilidades.
Essa é uma estratégia de evitação, de fuga do eu, em que o sujeito se
nega a lutar por algo como uma forma de arranjo para evitar o confronto
com algo que o angustia. Na inibição, o sujeito se defende do real através
de um dispositivo de renúncia que dribla a divisão subjetiva e a
determinação inconsciente. Evocando um momento de subtração do
sujeito da rede significante, a inibição implica em que essas pessoas não
articulam seu desejo pela palavra ou, então, denuncia uma relação
mortífera com o Outro em que a Morte é o Senhor.
Cabe ao supereu a responsabilidade pela inibição dos atos, uma vez
que ele funciona como “a instância judiciária do psiquismo”. Por suas
funções de censor e de ideal, o supereu poderia ser designado o agente da
depressão. E como já foi dito, é no sofrimento da depressão que a pessoa
goza, pois “nada força ninguém a gozar, senão o supereu”.
Qual o gozo do melancólico? Freud responde que, ao desmascarar a
si mesmo como alguém desprezível e demais atributos negativos, o
sujeito melancólico obtém satisfação, pois, na verdade, é ao objeto
perdido que suas acusações se dirigem. O melancólico não apenas se
tortura, mas tortura todo o mundo à sua volta. É uma pessoa pesada,
parada, sem iniciativa, sempre falando sobre o mesmo tema. A doença
gira em torno de um amor marcado por uma renúncia impossível; por
sua fragilidade, o investimento amoroso se esgota e, em vez do amor
pelo objeto buscar um substituto, o sujeito se identifica com o objeto
perdido. Na base da depressão, há o gozo de reter algo e assim impedir
o saber da falta.
Lacan diz que, no luto, trata-se menos da falta do objeto perdido do
que uma identificação à falta de que ele era objeto. Nessa falta, o sujeito
encontra seu lugar de objeto causa do desejo para um Outro. Em certas
montagens toxicomaníacas, o luto interminável é uma forma de eternização
da falta. A substância química preenche imaginariamente a falta no Outro,
em vez da pessoa tecer representações da perda sobre o buraco do
desaparecimento.
64
A dor de existir
65
vida não quer sarar, só quer morrer, só quer silenciar. Lugar fora do
simbólico, para-além do princípio do prazer, a dor de existir é a dor de que
nos fala o sujeito melancólico.
Para o budismo, a dor de existir é primária, uma vez que originalmente
“tudo é dor: o nascimento, o envelhecimento, a doença, a morte, a tristeza,
os tormentos, etc.”. Nenhum ser escapa à dor porque tudo o que existe
compõe-se de elementos de duração limitada.
A dor de existir está estritamente vinculada à ausência de um si mesmo.
É dor ligada ao vazio de ser do sujeito, à falta-a-ser, ou seja, à sua própria
existência como vazio. Situa-se em um ponto do real anterior ao ser.
Se o desejo aponta para um mais além dos objetos mundanos e se
expressa em demandas, a dor de existir é a dor de saber sobre a castração
que não pode ser subjetivada, se insere em um contexto sem palavras. O
paciente não tem o que dizer, não faz associações, “dá um branco quando
penso em mim mesmo”(sic).
Quando não há palavras para falar da vida, estamos frente ao
masoquismo primário, nos diz Lacan. Na clínica da melancolia, muitas
vezes nos deparamos com uma ausência de associações do paciente, o que
não é resistência, não é da ordem do recalcado, mas, sim, uma falta de
palavras. O sentimento não é de angústia, às vezes tristeza, porém, é comum
a ausência de sentimentos. O silêncio fala de um vazio. A pulsão de morte
é silenciosa. Instado a falar o que pensa, a resposta é: “-Não penso nada,
deu um branco, não sei”, ditos com um ar de perplexidade. Além disso, a
vida desses pacientes atesta esse vazio de vida, pois nada os empolga, e,
nos casos onde há alguma atividade, ela parece ser da ordem da
necessidade, não sendo vivida como escolha e nada acrescentando ao
sentimento de existir. Tomar quantidade de comprimidos para dormir, e/
ou de ansiolíticos, tem sido descrito por um paciente meu como forma do
tempo passar mais rápido. A ponto de ter tido uma retenção urinária, certa
vez e ter desmaiado, se machucando ao cair no banheiro.
A clínica
66
67
O desejo de nada
Considerações finais
68
Referências bibliograficas
Freud, S. (1969). Luto e melancolia . In S. Freud, Edição standard brasileira da
obras psicológicas completas de Sigmund Freud ( J. Salomão, trad., Vol.14).
Rio de Janeiro: Imago. ( Trabalho original publicado em 1915).
Freud, S. (1969). Além do princípio do prazer. In S. Freud, Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud ( J. Salomão,
trad., Vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1920).
Freud, S. (1969). Inibição, sintoma e angústia. In S. Freud, Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud ( J. Salomão,
trad., Vol. 20). Rio de Janeiro: Imago. ( Trabalho original publicado em 1926).
69
70
Principais Contestações da
Psicanálise na Atualidade
Alexandre Kahtalian*
Resumo
O autor discute, utilizando o contexto em que a Psicanálise se situa
no inicio desta nova década, as mais comuns argumentações contra
a existência do mundo inconsciente descoberto por Freud e seus
seguidores. Discute as questões: cientificidade, auto-ajuda, mito da
verdadeira Psicanálise, desatualização profissional dos analistas,
neurociências e drogas medicamentosas.
Summary
The author discuss , contextualizing \Psychoanalisis in the beggining
of this century , the most common conflits about the existence of a
Unconcious mind, discovered by Freud and theirs followers a hundred
years ago. The issues are : Psychoanalysis as a a Science, Help-self,
mith like the True Psychoanalysis, Neurosciences, drugs, no up to
dating psychoanalytical studies by the professionals and so on.
Introdução
*
Membro titular da SPRJ (Rio 1).
71
Contestações
Cientificidade
É bem antiga e conhecida, e já muitas vezes debatida, é a de que a
Psicanálise não tem leito garantido no vértice das ciências. Se ela não pode
ser enquadrada como ciência da natureza, ou do campo físico-matemático,
isto não a retira do seu caráter de ser ciência. Como diz Dilthey, uma ciência
empírica de sentido e de significado, ou como quer Muniz Resende, uma
ciência Pós-paradigmática, cujo objeto de estudo é o sujeito consciente x
sujeito do inconsciente e que tem a interpretação como agente operativo
deste campo. É também, ao meu ver, uma ciência constitutiva, relacional
e contextualizada do ser. Mesmo o problema da Verdade, uma exigência
do absolutismo científico, pode ser suportada pela Psicanálise em vários
de seus conceitos. Igualmente, se tomarmos o parâmetro subjetivo da
72
Auto Ajuda
73
Verdadeira Psicanálise
Desatualização Profissional
Esta questão diz mais respeito aos psicanalistas, pois é através deles
que a psicanálise é veiculada, perdendo crédito como instrumento de
conhecimento progressivo, assim como o de tratamento psicanalítico.
Outrora a procura psicanalítica se fazia mais para aliviar sofrimentos
longamente cultivados, para lidar com conflitos sexuais bem delimitados,
existenciais por vezes, que acompanhavam o individuo sofredor. Hoje, a
demanda tem sido diferente, ela, demanda, é a própria procura para o
tratamento analítico. O sujeito trocou sofrimento psíquico por dor psíquica.
Uma psicanálise de conflitos por uma psicanálise do trauma. A sexualidade
74
75
Conclusões
Referencias bibliográficas
Freud, S. - St Editions – Obras Completas
Muniz Resende, A – O Paradoxo da Psicanálise – Via Lettera Editora e Livraria,
2000.
Soczek, D, - Utopia e Realidade : uma reflexão a partir do pensamento de Zygmund
Bauman – Rev. Sociol. Pol. – vol. 23 , 2004.
Perestrello, D. Medicina da Pessoa – 4ª Edição.
76
Scheherazade, a mulher-menina ou
a princesa que encantou o sultão*
Ambrozina Amalia Coragem Saad**
Resumo
A autora descreve a sua relação com uma paciente em análise, a
quem chama de Scheherazade - aquela que encantou o sultão com
mil e uma histórias - que, regredida, mostra defesas poderosas, um
arranjo que lhe tem permitido lidar com a sua aguda angústia de
existir e extrema dor psíquica.
*
Trabalho apresentado como Tema Livre no XX Congresso Brasileiro de Psicanálise.
Brasilia DF, 11 a 14 de novembro de 2005.
**
Membro Titular da Sociedade de Psicanálise de Brasilia.
77
Summary
The author describes her relationship with a patient, whom she cals
Sheherazade – the one who enchanted the sultan for one thousand
and one nights. Regressed, she shows powerful defences, an
arrangement that has allowed her to cope with her acute anxietyand
psychic pain. When with her analyst, Sheherazade unfolds one by
one painful stories of enchantment and horror. These narratives
involve both patient and analyst in a peculir emotional compact, in
which the patient’s pain and pleasute become entangled, hypnotising
her and involving the analyst in a mental state of curiosity and
fascination – like the imaginary tentacles of an octopus – in a real
scene of 1001 nights. In each evening meeting, the princess and the
sultan meet, and look for the personal development of the couple in
order to pursue their personal development.
Key words: Neurosis; clinic
Scheherazade chegou.
Veio porque “teve uma crise nervosa e está muito mal”.
Eis Scheherazade à minha porta, acompanhada da filha, quase
carregada, cambaleando. Deparo-me com uma mulher bem tratada,
pequena, bonita e aparentando fragilidade extrema.
Chora muito e relata a sua “crise”. Tivera uma discussão com o marido,
“que afinal nem foi discussão porque só quem falava era ele”. Falou tanto,
mas tanto
Aquela boca se derramou sobre ela, jorrando um enorme rumor de
palavras. Deslimites (entendi). Um desacontecimento, verdadeiro susto
78
para ela e para todo mundo. Olhos arregalados - dela e de todos! O choro
não cedia... e tanto, atacou, depreciou e menosprezou, “e foi tanto barulho
nos meus ouvidos que de repente comecei a chorar e a gritar descontrolada,
sem poder parar, sem entender”.
Depois, veio a depressão. Não sair da cama, não comer nada, não querer
nada, não-nada...No âmbito da sucedência, precisou ser medicada e
dormiu.
Situação muitíssimo gravíssima.
Assim aconteceu. E assim ela está: deprimida. Corpo dormente,
formigando, principalmente nos braços, mãos e dedos, que ela massageia
e movimenta continuamente, enquanto conversa comigo.
(Penso: uma histérica clássica. Uma daquelas maravilhosas mulheres
tratadas por Freud. Na verdade, tal e qual...)
Fala-me da dificuldade de relacionamento com o marido, que é frio,
distante e vive recriminando-a, fazendo-a sentir-se com a sua auto-estima
lá em baixo. No chão mesmo e ainda por cima pisoteada. Uma amarga
corrosão no seu cotidiano. Dilaceramento. Coitadeza que ela desconsegue
fazer acabar.
Pois é. Scheherazade é sedutora e no início de nosso contato, nos
primeiros dias em que estive com ela (e ela vinha de segunda a sexta feira),
surpreendia-me a mim mesma, olhos arregalados, fascinada com as
histórias (ou seriam estórias?) que me contava. E pensava, enquanto
aguardava a sua chegada: qual será a história de hoje?
Shahriar, o sultão, tinha razão....
As mil e uma noites. Maravilha e espanto.
Sim, freqüentemente, durante as sessões, precisava eu mesma chamar-
me à atenção por causa desse encantamento. Era bom ouvi-la. Lembrava-
me meu neto ouvindo as minhas historinhas, estrelas acesas nos olhinhos
presos aos meus, um susto no ar. O sultão com a bela princesa, que ele
ouvia a cada noite, noite a dentro. Mil e uma noites... Histórias contadas
para evitar a morte... espremidas do apalpamento das intimidades do seu
mundo, fruto de - será? - fantasias paralisantes insistentemente reencenadas.
Histórias de desencantar. Era como se me dissesse: -”Preciso do desperdício
das palavras para conter-me.” (Obrigada, Manoel de Barros).
Scheherazade julga-se feia. Tem uma irmã “lindíssima, parece uma
princesa, muito loira e de olhos azuis”, que sempre chamou a atenção de
todo mundo. [Dinarzade vem-me à mente]. Ela não, nem loira, nem olhos
azuis, magrinha e mirrada, “cabia numa caixa de sapatos quando nasceu”.
Então, ficava escondida atrás da saia da mãe, quando chegavam visitas.
79
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Scheherazade teve uma outra gravidez. Nasceu uma menina, mais uma
vez. Família de mulheres... Na época, não existiam ultrassonografias e ela
só soube do problema quando a criança nasceu: tinha uma deformidade e
portava também uma série de complicações (uma cardiopatia grave,
principalmente).
Outro choque. Um sofrimento que durou todo o tempo de vida do bebê.
Scheherazade dedicou-se, à ocasião, exclusivamente a essa criança. Vivia
com ela nos hospitais em que era internada, na própria cidade e em centros
mais avançados também. Cirurgias, recuperações, cuidados constantes,
dia e noite.
Choravam muito, ela e o marido. E, um dia, a filha se foi... Ela desvivia
de tanta dor. Essa doença de estar viva...
Scheherazade guarda experiências dolorosas de doença e de morte.
Lutos que - percebo - não foram elaborados.
E penso: teria ela uma fantasia fundamental de destruição? De ser
mediadora da doença e da morte? Uma mãe assassina, que gera e mata?
Ela estraga o que toca, bem ao contrário do Rei Midas, que tudo
transformava em ouro com o seu toque.
Scheherazade... A menininha mirrada é extremamente poderosa...
Nos nossos encontros, ela continua desfiando suas histórias bem assim:
- “Hoje, vou falar da minha primeira filha.”
- “Hoje, vou falar do meu pai.”
- “Hoje, vou continuar a história da vez passada, sobre a minha filha.”
Parece estar lendo um livro para mim ou falando um discurso que nada tem
a ver com ela mesma. É como se estivesse hipnotizada pelas próprias histórias
(ou seria pela sua própria fala? Pela sua oralidade?) e assim vai, como um
autômato, desfiando relatos para mim, sua analista, afogada em lembranças
de vastas amarguras. Todavia, raramente apreendo emoção de verdade nos
relatos. Chamo a sua atenção para isso. Ela se surpreende. Parece não
entender a minha observação. Ora, pois, ela não vive apenas em rascunho?
Os afetos... Ah! Os afetos... Onde estão? Como estão? O que são?
Anestesia psíquica?
Ao terminar as sessões, sai flutuando levemente, como se fora uma
pluma ou uma menininha travessa. Esvaziada dos incômodos que habitam
as veias da sua alma, voa leve como borboleta.
Há dias em que aparece nas sessões extremamente produzida,
perfumada, maquiada, bem vestida, como se fosse para uma festa. Outros
dias, surge desarrumada, cara lavada, cabelo que ela mesma tesourou e
com falhas no corte, desqualquerficada. E faz questão de me dizer isso:
81
quando não está bem, corta os próprios cabelos. Assim sempre fora, desde
há quase uma vida.
Scheherazade é também, segunda ela, mãe da neta, “porque a minha
filha não cuida”. É ela que leva e vai buscar a neta na escola, no balé, no
curso de inglês e seja onde for. Sua vida gira em torno dessa menina, seu
xodó. Ensina tarefas, escova o cabelo dela, serve o lanche e tudo o que for
preciso. Ama a neta, de paixão. Para ela, todas as demasias do seu coração.
Assim mesmo, demasiando uma doçura docemente doce. E tem ciúmes
do fascínio que a mãe (sua filha) exerce sobre a criança.
Tento fazê-la discriminar entre “ser mãe” e “ser avó”. Ouve e dá lá o seu
risinho... dissolvida naquela pausa, numa fulminância de relâmpejo.
Desliza...
Sheherazade tem medo das conseqüências da homossexualidade da mãe
sobre a garota. A companheira da mãe “é um tipo vulgar, meio hippie,
cabelão sujo, ensebado, é grosseira”. Uma vez, ela me relatou que a neta
lhe contou, achando muito estranho, que a tia estava tomando banho e a
chamou para vir também. A menina entrou no banheiro e se assustou com
o tamanho do clitóris da tia. - “Vovó, era uma coisa tão grande e
esquisita!...” Scheherazade receia que a menina fique gostando dessa tia e
a ela se apegue. Teme ser substituída, trocada. Afinal, aquele clitóris-pênis-
falo, ela não tem. É da tia!
E assim Scheherazade vai vivendo no seu tear de entrexistências, ruando
por aí, desmapeada e sem destino.
E vamos vivendo a análise. Scheherazade precisa ficar grudada ve-ge-
tal-men-te naquelas pessoas que ama... Pregada. Viscosidade de libido.
Ilusão de fusão, ela se cola em mim, sua analista e fica, assim, con-fundida.
Fica ficando. Con-fusão.
Scheherazade tem muitos medos. Tempestades, trovoadas, elevadores,
metrô, confinamentos, multidões. “Sou muito medrosa e insegura”, vive
repetindo para mim.
Scheherazade é assim: dependente, regredida, infantil. Queixa-se das
limitações que a dependência impõe à sua vida. Mas, por outro lado, reco-
nhece também as vantagens secundárias que obtém disso. Comodidades
gostosas, pseudo-proteções das quais não se dispõe a abrir mão.
- Para que crescer, apropriar-se de si e de sua vida, se isso vai exigir
dela tanto esforço e desacomodação? Peter Pan de saias. Para ela, ser
criança traz lá suas benesses... Muito bom ser “objeto de família”.
Conversamos sobre isso. Ela ri. Acha muito engraçado. E varre para
debaixo do tapete. Não se toca, não se deixa atingir.
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da mãe, imagina a sua morte e pensa: -”O que será de mim e do meu pai?”
- “O que acontecerá conosco, na ausência da minha mãe?”
Sentido dúbio, evidentemente... porém sem formato no pensamento.
E com Scheherazade, a princesa (ou será a anti-princesa?) que vai
roçando a superfície das coisas com suas histórias por demais admirosas,
já que tem uma fantasia fundamental destrutiva, todo cuidado é pouco,
não é mesmo?
- Afinal, não é ela que abriga “uma bactéria dentro de si”, que a fez
adoecer e afastou o marido, morto de medo de pegar a dita-cuja?
E por falar nisso, penso que essa destrutividade que ela acredita ter -
fatal na sua eficácia - está relacionada com a inveja que sente no seu âmago.
Inveja de Dinarzade, a sua belíssima irmã de olhos de turquesa; inveja da
filha, absolutamente livre no seu viver e também inveja do marido, um
homem de sucesso e poder, que tem vida própria, independente. Mas ela,
não tem nada. Desconseguiu tudo. Desvalia. Ou melhor, tem sim: coisas
terríveis e cruéis dentro de si. - Não é ela que gera, deforma e mata suas
próprias crias? - Não é ela tão competente para gestar e dar à luz produtos
defeituosos, sempre? Filha natimorta, filha doente, “sapatão”...
Ela, a princesa-que-encantou-o-sultão, é “mulher ensolarada por fora
e plena de sombras, dentro” - como tão bonito nos diz Lia Luft. Encharcada
em chuva de lágrimas. Marcada por vincos duradouros, nem tenta
remendar cá e lá as descosturas do tempo...
Essa é a vida que está podendo ter. Família: abrigo e prisão. Ninho e
gaiola. Proteção e jaula.
Scheherazade tem muito medo de, acreditando-se habitada de
possibilidades, sair por aí, girando insanamente nessa vertigem de ilusão,
e de repente ver-se entregue a si mesma, autônoma, independente, senhora
de si. Como? Ela? O que fazer com isso? Impossível!... Sua crença parece
ser a de ter nascido mal-equipada para viver. Quer que tomem conta dela.
Será que não existe a proteção de uma pele? Até mesmo o doce e fresco ar
da manhã pode provocar feridas?
Ela, até que um dia, lá longe-bem-distante-no passado, experimentou
a candura de crer que tudo poderia ser felicidade...
- Mas será que existe mesmo essa tal felicidade? Assim tão inteira e
plena?
Melhor ir vivendo como o faz, fingindo apenas dormir ou se divertir,
enquanto não está certa de que haveria de verdade uma outra alternativa
de vida ardente, lucidez para enxergá-la e competência para geri-la. Isso
pode doer como uma facada no peito. E fazer sangrar até morrer...
86
Referências bibliográficas
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1997.
BION, W.R. A atenção e interpretação: o acesso científico à intuição em psicanálise
e grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 46.
FREUD, S. (1895) “Historiales clínicos” In: Obras Completas, vol I. Madrid:
Editorial Biblioteca Nueva, 1948, p. 33-103.
LUFT, Lia. O Rio do Meio. São Paulo: Mandarim, 1996.
YALON, D. Irwin. Quando Nietzsche chorou. São Paulo: Ediouro, 2005.
87
Ser e Sexualidade:
contribuição ou confusão?*
Lesley Caldwell**
Resumo
Este trabalho trata das tentativas de Winnicott de discutir
sexualidade , usando Freud e diferenciando-se dele. Descreve as
descobertas que ocorrem ao se ler as anotações que Winnicott fazia
em seu consultório, e a sua perspicácia clínica, especialmente no
que se refere ao seu trabalho sobre elementos femininos e
masculinos.Leva em consideração sua tentativa de desenvolver uma
idéia de diferença baseada na diversidade sexual e sua manifestação
na transferência , menos convincente do que a discussão do
crescimento do self em seu encontro com um outro- a mãe ou o
analista- elaborada através da distinção entre o ser e o fazer.
Segundo a autora, ele pretende unir esses elementos, sem sucesso,
com idéias de feminino e masculino.
Summary
This paper engages with some of Winnicott’s own attempts to
engage with sexuality, while both using freud and differentiating
himself from him. It describes the insights to be gained from the
records of Winnicott at work in the consulting room, and the clinical
*
Tradução: Veronica Portella Nunes.
**
Psicanalista, membro da British Psychoanalytical Society. É editora do Winnicott Studies
e do Winnicott Trust. Escreve atualmente, com Ângela Joyce, um novo livro Reading
Winnicott, pela New Library editora.
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“Você sente que tem que estar agradecido por ter havido uma
interpretação da minha parte que libertou o comportamento
masculino. A garota com que falei, entretanto, não deseja um homem
libertado e, realmente, não está interessada nele. O que ela quer é
um conhecimento maior sobre si mesma e de seus direitos sobre o
seu corpo. Sua inveja do pênis, especialmente, inclui a inveja que
tem de você, como homem”. Continuei, “sentir-se mal é um protesto
do self feminino, esta garota, porque ela esperou que a análise iria,
de fato, descobrir que este homem, você, é ,e sempre foi , uma menina
(e passar mal, é uma gravidez pre-genital). O único fim que esta
moça pode ver para a análise é a descoberta de que você é, na
verdade, uma moça”. Daí começamos a entender sua convicção de
que a análise jamais terminaria. (1971, p.75)
98
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102
Referências bibliográficas
Adams, P. (1986). Versions of the Body. m/f, 11–12: 27–34.
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Winnicott, D.W. (1986). Holding and Interpretation. London: Hogarth.
Winnicott, D.W. (1988). Human Nature. London: Free Association Books.
103
Resumo
Não há criança entre os 6 e 10 anos que seja estudiosa ou quieta.
Muitas são agitadas ou mesmo insuportáveis. Podemos então nos
perguntar se elas estão realmente na latência. Algumas não, mas
outras apesar de alteradas parecem estar. Contudo, o recalque não
funciona adequadamente para elas. Paul Denis, num texto
recentemente publicado na revista Information Psychiatrique,
qualifica de “repressão” o mecanismo de suplência do recalque que
permite a estas crianças entrar na latência apesar de tudo. Procuro
neste trabalho apreender um pouco mais sobre as diferentes
variedades de funcionamento que se poderia classificar sob o termo
repressão.
Summary
There are no quiet or hardworking children between the ages of 6
to 10.Many are restless and many are unbearable. We could then
wonder if they are really going through latency.Some aren’t, but
others, in spite of looking a little altered, are. However, repression
doesn’t work properly to them. Paul Denis, in a recently published
article, in the Information Psychiatrique journal qualifies as
*
Publicado no l’Information Psychiatrique volume 81, N° 3, Mars 2005, pp.211-217.
Tradução: Marion Konczyk Kaplan
**
Psiquiatra e Psicanalista, Professor da Universidade de Paris VII.
105
1
Nos meninos a concentração de testosterona diminui ao nascer. Ela aumenta novamente
entre os dois e quatro meses de idade, associada à multiplicação das celulas de LEYDIG.
Os testículos permanecem então relativamente inativos, o que se relaciona com a
supressão da atividade hipotalo-pituitária-gonádica, no início da puberdade. Os
testículos aumentam de tamanho por volta do décimo ano, traduzindo o aumento da
secreção de gonadotropina e o desenvolvimento dos canalículos seminipares. Após
o primeiro ano de vida as glândulas suprarenais das crianças secretam pequenas
quantidades de DHEA, de DHEAS e de hormônios andrógenos até o início da
“adrenarche” (termo médico anglo-saxão que designa, nos meninos, o periodo que
chamamos de pré- puberdade), que se produz habitualmente en torno dos sete ou oito
anos, precedendo o início da puberdade em mais ou menos dois anos. O “adrenarche” é
independente da puberdade. A secreção de DHEA e de DHEAS aumenta até a idade
adulta para posteriormente diminuir.
Nas meninas, o alto nível de gonadotrofinas observado durante os primeiros meses
de vida diminui em torno de um a tres anos e permanece baixo durante a infância. Uma
secreção de gonadotrofina pode ser observada pelos seis anos e o desenvolvimento
dos ovários perto dos oito anos. A evolução da função fisiológica sexual é especialmente
complicada em meninas.
WOOD D. F. FRANKS S. Reproductive endocrinology in, BROOK C.G.D. HINDMARSCH
P.C. Clinical Pediatric Endocrinology, Oxford,Blackwell Science, 512 pages p 182.
106
2
GAMMILL J, Pour préparer une véritable période de latence … in A partir de Mélanie
KLEIN, Meyzieu CESURA, 1988. 292 pages p. 163.
3
LEBOVICI S., SOULE M. La connaissance de l’enfant par la psychanalyse, PUF Paris,
1972, 631 pages, pp 175 et 470.
4
DENIS P, La période de latence, L’Information Psychiatrique, N° 8, octobre 2003, pp.
693-701.
107
5
MARTY Pierre, Les mouvements individuels de vie et de mort. Payot, Paris, 1976, 244
pages.
108
109
110
6
LAVIGNY (Ch.) Psychodynamique de l’instabilité infantile. Psychiatrie de l’enfant, XXXI,
2, 1988, pp. 445-473.
7
BERGER M, Les troubles du développement cognitif. DUNOD, Paris, 1966, 214 pages,
pp. 43-44.
8
SMADJA C., A propos des procédés autocalmants du Moi, Revue Française de
psychosomatique, N° 4, 9-26. SZWEC G., Les procédés autocalmants par la recherche
de l’excitation ; Revue Française de psychosomatique, N° 4, 27-52.
111
9
WIENER P. Le sublime, un vécu de l’adolescence, Adolescence, 1989, 7, 2, pp. 141-158.
10
TUSTIN F. Autistic States in Children, Routledge, Kegan Paul, London, Boston 1981.
Revised understanding of psychogenic autisme, Int. J. Psycho-Anal (1991) 72, 585-590.
112
11
FONAGY P. Pathological Attachements and Therapeutic Action 1999, http:/
psychematters.com/papers/fonagy3.htm 14 pages, pp 1-3.
12
LAZARTIGUES A. La famille contemporaine « fait » elle de nouveaux enfants ?
Neuropsychiatrie Enfance Adolesc 2001, ; 49 : 264-276.
113
instalação da latência. Culpa-se a escola. Mas não é por acaso que a escola
primária receba a criança em torno dos 6 anos. A diminuição da pressão
pulsional, a ausência relativa de preocupações sexuais da criança nesta
idade, permitem ignorar a sexualidade durantes os primeiros anos da escola
primária. A aprendizagem começa efetivamente melhor no clima apaziguado
da latência. A queda relativa de criatividade não se deve à escolarização,
mas à diminuição da tensão pulsional. Ela talvez defenda a criança contra a
função expressiva do desenho. Esta também é uma elaboração de fantasmas.
Alguns destes fantasmas se tornaram indesejáveis no começo da latência.
É somente a apropriação eventual, no momento da puberdade, de
capacidades pulsionais mais promotoras de sublimação, que vai permitir
mais tarde a retomada da função expressiva. P. Marty acredita que existam
pintores nos quais os fantasmas criadores, oriundos dos míni traumatismos
da infância, eu diria, não são mentalmente elaborados e passam, de alguma
forma, diretamente para as mãos, para serem traduzidos em obra. Os
mecanismos de sublimação são, apesar de tudo, ativos.
É difícil falar de verdadeiros carateriais na idade da latência. Observa-
se, entretanto, reações carateriais que ignoramos o que se tornarão
posteriormente. Réplicas verbais quase que estereotipadas, usadas em
situações variadas, sendo que algumas demandariam uma adaptação mais
suave, são desta natureza. Nota-se os “não gosto”, ou “não me agrada”,
como respostas que ficaram muito freqüentes nos últimos anos. Dentro
das menos comuns, podemos notar reações paranóicas ou mesmo
perversas. Sempre tive dificuldade em falar de perversão nas crianças em
idade de latência, mas fui sendo obrigado a admitir a perversidade de um
menino quando, a cada sessão, trazia o relato de uma nova ação distorcida.
Encontrei as reações caracteriais mais espetaculares, de perfil psicótico-
histérico, em uma menininha. Apesar de sua estrutura psicótica, eram estas
reações carateriais que apareciam em primeiro plano. O que ocupou, nesta
menina, o lugar do recalque? Ela sabe tudo, pega a luva que não lhe foi
jogada, quer sempre levar vantagem. A projeção é massiça, sua expressão
é caractérial. Ela está em psicoterapia desde os quatro anos e meio. Tem
hoje doze anos. E esteve também em tratamento comigo por vários anos.
A latência não se instalou. Paradoxalmente, ela ficou muito mais calma no
momento da pré-puberdade. Ela tem sido visivelmente mais bem tolerada
na escola. Será que ela está iniciando uma latência tardia, ou podemos ser
suficientemente otimistas para pensar que a terapia começa a dar os seus
frutos? As reações caracteriais preexistiam à latência, mas permaneceram
ativas durante este período.
114
13
BION W.R. Réflexion faite, Paris, P.U.F. 1983. 191 pages.
115
14
MILLE C., GUYOMARD C., NIESEN N, Evolution des formes psychopathologiques et
des modalités d’accès aux soins en pédopsychiatrie. L’Information Psychiatrique, 79,
N° 8, octobre 2003, pp 675-682.
116
que a latência não se instalará, pelo menos não na época normal, e sem
psicoterapia. As disgrafias nos meninos são ao mesmo tempo menos
incômodas e mais tenazes que os distúrbios de linguagem. Elas se
inscrevem neste mesmo contexto de imaturidade. A disgrafia é um
distúrbio motor e podemos nos perguntar se não trás a mesma função
defensiva que a instabilidade psicomotora, à qual alias, pode ser associada.
Quando a identidade sexual biológica de um menino é posta em questão,
antes da latência, por uma identificação feminina muito grande
(originalmente à mãe), ela persiste mais ou menos confirmada durante a
latência e a saída não parece ser decidida neste momento. Estes meninos
que “preferem” meninas , por vezes as idealizam, lastimam não ser uma,
não expressam evidentemente seu comportamento sexual. Podemos nos
perguntar se eles verdadeiramente entraram na latência, levando em conta
seu apego a estes fantasmas. E eles são por vezes muito bem mentalizados.
Durante a latência os jogos sexuais permanecem, nota P. Denis. As
crianças se escondem dos adultos e brincam entre elas. Porém, me parece
que não é a masturbação que está no centro das atividades sexuais ocultas
das crianças, mas sim a exploração da diferença de sexos. Já a A. Gesell
notou que nesta idade “Os dois sexos procedem a investigações mútuas
que trazem respostas precisas aos problemas das diferenças sexuais”.15
Meninas e meninos brincam juntos e descobrem suas diferenças, sem
dúvida não só as anatômicas, mas também fisiológicas, reacionais, suas
sensibilidades. Nem todas as crianças têm irmãos, que preparam a chegada
da puberdade e da adolescência, mas que tornam impossível a procura
por estes jogos sexuais sem as devidas conseqüências. Trata-se então de
uma importante mudança com relação ao período edipiano, na própria
função dos jogos de toques nos órgãos sexuais , mudança esta que não
parece habitualmente notada pelos observadores da latência. Enquanto
que antes da latência as crianças procuram satisfazer uma excitação
essencialmente edipiana, durante a latência elas adquirem conhecimentos
indispensáveis para o sucesso ulterior da puberdade e da adolescência.
15
GESELL A. et FRANCES L. ILG. L’enfant de 5 à 10 ans. PUF, Paris, 1980, 492 pages, p. 335.
117
PSIQUISMO E
FIGURAS CORPORAIS
Resumo
Nascida do encontro analítico surge a percepção de que a anorexia
e a bulimia são manifestações de um sofrimento psíquico, sintomas
orais que escondem angústias arcaicas, ligadas a momentos
primitivos da constituição da psique, especialmente no que concerne
a rupturas precoces na relação com a figura materna internalizada.
Uma história de paixões, mãe e filha unidas numa intensa
dependência e paradoxalmente sentindo um horror a esta
dependência que nutre a relação, aprisionadas num mesmo corpo-
cárcere, numa perversão do querer, numa eterna busca de
completude para um vazio interior oriundo de seu mundo objetal
violento, procurando sentido para afetos estampados no corpo e
registrados na concretude de seus atos.
Unitermos: Anorexia – Bulimia – Alimentação – Relação mãe-filha
– Angústias arcaicas
*
Este artigo constitui-se como desdobramento da tese de Doutorado defendida pela autora
em Maio de 2003 na PUC-SP intitulada “Anorexia Nervosa e Bulimia à luz da Psicanálise
– a complexidade da relação mãe-filha” e foi originalmente publicado na Revista Brasileira
de Psicanálise de São Paulo, vol. 38, no. 2, 2004.
**
Psicanalista – membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Mestre e Doutora em Psicologia Clínica do Núcleo de Psicanálise da PUC-SP. Especialista
e supervisora clínica pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
121
Summary
The psychological approach arouses the perception that anorexia
and bulimia are manifestations having origin in psychological
suffering, oral symptoms which hinds archaic anguish, linked to
primitive stages of the mind development, specially as early ruptures
with an internalized maternal image. A story of passion, mother
and daughter bound together, dependent on each other, but at the
same time feeling haunted by the dependence which involves their
relationships, fused in a corporeal prison, in a desire perversion, in
eternal search for filling an empty interior that comes from their
violent objectal world, looking for sense to some affects printed on
their body and on their acting - out.
Key-words: Anorexia – Bulimia – Nourishment – Mother-daughter
relationship – Archaic anguish
Unitermos: Anorexia – Bulimia – Alimentação – Relação mãe-filha
– Angústias arcaicas
Palavras perdidas
(poesia inspirada na clínica)
Idade da flor,
Triste menina
Vaga e franzina,
Encolhida e distante
Procura o amor.
Olhar devorador
Corpo de fome
Sensação de limite
Angústia e dor
Procura o amor.
Silenciosa e pálida
Distante da vida
Anseia por vida
Mente fechada
Procura perdão.
Mulher da fronteira
Habitante do nada
Estado de penitência
Sensação de rasteira
Procura clemência.
122
Trêmula e assustada
Mãe engolida...confusão
Fusão com desafeto
Corpo fetiche
Procura separação.
Vazio mortífero
Emoção nefasta
Expõe vísceras
Desnuda o interior
Procura o calor.
Sonhos de caminho
Clama por ajuda
Busca quem é
Encontra quem não é
Procura o ninho.
Anseio de compreensão
Sombras minhas...
Medo do abismo profundo
O mundo interno
Vácuo sem fundo!
Tolerar a frustração
Da incompreensão
Agüentar a pausa
Do lugar vazio
Da não-cousa.
Um par se forma
Duas mentes se aproximam
Monstros se transformam
Coloridos se resgatam
Encontra a interioridade.
123
1
Nomes das pacientes e histórias misturados com a ficção, para resguardar o sigilo da
sala de análise.
124
2
As santas da Igreja Católica em sua anorexia sagrada se originavam especialmente da
Itália, onde o regime patriarcal era muito severo. Santa Catarina de Sienna é a mais
freqüentemente descrita na literatura, assim como Santa Tereza DÁvila e Santa Maria
Egipcíaca, que teve sua vida contada por Cecília Meirelles em Oratório de Santa Maria
Egipcíaca (Ed. Nova Fronteira). Podemos pensar que tanto as anoréxicas de hoje como
as medievais adotam um comportamento subversivo, de protesto e inversão, pela
supressão das necessidades básicas fisiológicas, negando a dor, a fome, a vontade sexual,
o cansaço, escondendo os “atrativos” femininos, caminhando na contra-mão da natureza
o tempo todo.
125
126
A contribuição da psicanálise
3
As pesquisas apontam para o fato de que 90% das pessoas acometidas pela anorexia são
jovens mulheres, o mesmo ocorrendo com a bulimia: dados extraídos do Current Medical
Diagnosis & Treatment, ed. Lawrence Thierney, Stephen McPhee, Maxine Papadakis.
Stamford: Appleton & Lange, 1999.
127
O mal-estar da contemporaneidade
128
4
Expressões extraídas de relatos de jovens pacientes em análise.
129
Continua Kristeva:
130
“Tenho bom apetite, mas se estou saindo pela primeira vez com um
namorado, fico ciscando a comida, como se não estivesse interessada
nela. Não é muito romântico comer como um boi, não é? Deixo para
comer quando chegar em casa, sozinha, na intimidade da minha
cozinha.”
131
132
5
Maria Cecília Pereira da Silva aborda esse tema em sua tese de doutorado A herança
psíquica na clínica psicanalítica, defendida na PUCSP em 2002.
133
A clínica é soberana
6
Juliana foi noiva e às vésperas do casamento descobriu que o noivo a traía com várias
mulheres.
134
135
refratária entre nós, que muito nos conta sobre a sua anorexia e sobre os
ataques bulímicos aos objetos.
No início da análise, conversávamos muito sobre telas de pintores
famosos, como Edvard Münch, trazidas por Juliana em xerox, telas com
temas de vampiros, sangue, amores imortais e vida após a morte, e foi
com a ajuda das imagens que pudemos, aos poucos, acessar áreas de
representabilidade do afeto, tão interditadas pelas lacunas identificatórias
que Juliana trazia, responsáveis pelas palavras muitas vezes perdidas.
Briga muito com a mãe, que a acusa de ser parecida com a avó. Após
algum tempo de análise, Juliana conta-me:
136
O lugar da sensorialidade
“Ao olhar para o prato de comida que minha mãe, coitada, preparou
com tanto carinho e com tanta preocupação, fico parada, com o
olhar perdido, nem parece que estou enxergando aquelas
comidas...fico pensando... por onde vou começar?...será que dou
uma mordida naquele pedaço de tomate? Engorda menos... mas...
137
não tenho a menor vontade. Mas, vou comer mesmo assim. Pego,
levo um tempo para levar à boca, minha mãe diz que levo uma
eternidade para levar a comida do prato à boca. Continuo olhando
para o tomate, sem comê-lo. Começo a analisá-lo: é lisinho, geladinho,
vermelho.. de repente...lembro-me de sangue: ah! Que nojo! Não
consigo mais colocá-lo na boca, perdi o embalo, não consigo. Minha
mãe fica desesperada, fico com muita pena dela porque percebo o
sofrimento e o trabalhão que dou, mas... eu não posso fazer nada,
não tenho culpa de não conseguir comer como os outros”
Assim desabafa Márcia, uma adolescente de 16 anos, que vive com muita
intensidade as características típicas de um psiquismo de predominância
anoréxica, mas que contém em si em estado de stand by os fortes traços
bulímicos, que nem sempre emergem em seu comportamento.
Márcia continua em outro momento:
7
Para o leitor interessado, consultar sua obra principal La violence de l’interprétacion,
Paris: Presses Universitaires de France, 1991.
138
139
“(...) Isto não é uma doença, mas tem uma longa história. De fato,
quase poderia dizer que me soa como se tivesse iniciado antes do
nascimento. Se permitirmos que nossa imaginação visual, pictórica
flua, poderemos quase visualizar um bebê recém-nascido, que não
se alimenta e que poderia, estar faminto e indefeso. Agora, o que é
mais complexo é dizer, na mesma imagem (picture), exatamente o
oposto (...) um bebê gordo e muito atlético.”
140
141
142
8
Em Diários da Anorexia (referências na bibliografia), poderemos ler trechos dos diários
escritos por uma mãe e uma filha norte-americanas, diários estes iniciados anos antes
do grave distúrbio alimentar (anorexia e bulimia) que acometeu a filha e que prosseguiu
durante sua terapia e internações.
9
Danna Birksted-Breen (1996) faz uma distinção entre phallus e pênis, o phallus como
um modo pré-simbólico de pensamento, pleno do poder e da onipotência buscados pela
anoréxica. Por outro lado, o pênis faz a ligação dos pais, representando o reconhecimento
de que são figuras diferentes, porém unidas. É estruturante e impede a fusão mãe-filha.
143
Penso ser de interesse para este artigo uma breve referência à história
da alimentação, uma vez que o comer está comprometido com modelos
alimentares e identidades culturais que nos levarão a um aumento de
compreensão do mundo interno daqueles que usam a comida e o ato de
10
Para o leitor interessado, consultar o artigo de Florence Guignard “Maternal ou feminino?
A “rocha de origem” como guardiã do tabu do incesto com a mãe”. Conferência realizada
em agosto de 1999 na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
11
Expressão de Levi-Strauss.
144
145
E, mais à frente:
146
“No dia em que o analista cozinha com suas próprias panelas sujas,
freqüentemente o paciente tem dor de barriga.”
Considerações finais
12
Citação de Luiz Meyer (Março de 2003) em seus Comentários sobre o Seminário: “O
Sonhar do Analista” de Antonino Ferro, apresentado em reunião na SBPSP.
147
13
Em função do excesso de projeções parentais, esses bebês desenvolvem o mecanismo
defensivo “no entry” descrito por Gianna Williams em 1997.
148
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_________(1895) Rascunho G, ESB, I, p. 275-6.
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________ (1946-1963) Inveja e Gratidão e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro:
Imago, 1991.
KRISTEVA, J. As Novas Doenças da Alma. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 9.
149
150
O discurso multidisciplinar
sobre o tema obesidade*
Terezinha de Souza Agra Belmonte**
Do luto à luta
A Teogonia é uma sinopse não só de mitos mas uma
sinopse do próprio processo cosmogônico.
Ela mostra que neste canto arcaico pulsa já o primeiro
impulso do pensamento racional
Resumo
A idéia nesse trabalho de conclusão da disciplina a História da
Psicanálise (Arquivo, Arqueologia e Memória) ministrada no
Instituto de Psicologia no Programa de Pós – Graduação em Teoria
Psicanalítica, é apresentar a perplexidade e a admiração perante o
conhecimento que adquiri durante o seu período de duração (abril
a junho de 2006 ) e como ela contribuiu para a reflexão sobre a
área de interesse da minha pesquisa – a obesidade – (do latim
*
Trabalho de conclusão da disciplina - História da Psicanálise (Arquivo – Arqueologia e
Memória )– Pós Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro no Estágio Probatório para o doutorado no IPUB- PROPSAM – UFRJ ( 2005/2006).
**
Membro Associado da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Prof. Adjunto da Escola
de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em
Endocrinologia. Especialista em Endocrinologia e Psiquiatria.
151
Summary
The idea of this paper on the conclusion of the discipline The History
of the Psychoanalysis: file, archeology and memory, is to show the
perplexity and the admiration towards the accomplishments he
learned during its period , as well as the way it contributed efficiently
on the searchet area of the present paper work : the obesity (from
Latin “obesus”: ob = too much; edere: eating too much). A chronic
disease having a multidisciplinary approach in which the object of
the discourse is to treat and rehab through the alimentary
reeducation; physical activities and bariatric surgeries, in order to
improve the citizen’s life who portraits this kind of pathology which
is responsible for the high amount of medical complications, leading
even to death. Also this problem turns the person excluded from the
society, which many of the times it may occur since his / her early
existence, due to the body slim performance demanded by the
current media in our today’s society.
Key Words: psychoanalysis, obesity, chronic disease,
multidisciplinar
Introdução
152
*
IMC - Índice de Massa Corporal-razão entre peso em quilogramas e o quadrado da altura
em metros. **CID – 10 – Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento
***DSM- IV – TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
153
154
As Vênus
A Alimentação
A questão do conhecimento da ciência da nutrição que envolve aspectos
do ser humano e a sua relação com o alimento e os diferentes rituais
alimentares ao longo da história da civilização, marcando cada etapa do
processo de civilização e a modificação dos seus hábitos tornam-se um
campo de estudo a ser investigado. Atualmente as doenças nutricionais
estão sendo causadas pelos excessos alimentares e pelos atuais e errôneos
estilos de vida da nova gastronomia.
155
A História da Beleza
Busse, 2004 em seu livro: Anorexia, Bulimia e Obesidade explicita que
o conceito de beleza ao longo da história, encontra-se ligado ao de perfeição,
com traços que afastam o ser humano da animalidade. A beleza é uma
obrigação feminina e é um sistema monetário semelhante ao padrão ouro.
O padrão estético de beleza relacionado à mulher, na maioria das culturas,
está ligado a irrealidade e ao esquecimento da maternidade. Já vimos que
a Vênus de Willendorf, da horda primitiva, representava a deusa mãe, nas
sociedades matriarcais e nas sociedades mais estruturadas aparece
Nefertiti e Cleópatra, no Egito e Helena de Tróia , na Grécia. Na Idade
Média, temos a mulher mãe (Eva, primeira mãe, imagem feminina, branca,
pura, corpo virginal e tão delgado que poderia ser cercado com duas mãos)
e a mulher amante (Lilith, aquela que se rebela do domínio do deus
masculino e passa a viver entre os demônios). O século XIII é marcado
pelas santas medievais, autosacrifício, com ingestão somente da eucaristia,
abstinência sexual, e rejeição ao casamento, aparecendo no final desse
período à mulher Branca de Neve e no século XIX, a mulher burguesa,
mãe de família e honesta que se contrapõem as santas e anoréxicas.
O século XX é marcado pela mulher magra que é sinônimo de saúde,
dona de casa, mãe e esposa !?
Eco, 2004, narra que a religião estética começa no início da segunda
metade do século XIX: período vitoriano na Inglaterra, o Segundo Império
na França, no qual dominam as sólidas virtudes burguesas e os princípios
de um capitalismo em expansão. A classe operária toma consciência da
própria situação. O artista, diante da opressão do mundo industrial, do
crescimento das metrópoles percorridas por multidões imensas e
anônimas, do surgimento de novas classes cujas necessidades não incluem
a estética, o fendido pela forma das novas máquinas que ostentam a pura
funcionalidade de novos materiais, sente ameaçados os próprios ideais ,
percebe como inimigas as idéias democráticas que avançam gradualmente,
decide se fazer “diverso”.
A Beleza vitoriana é um valor primário a ser realizado a qualquer custo,
a tal ponto que muitos viverão a própria vida como obra de arte. Ela acaba
por coincidir não mais com o supérfluo, mas com o valor. O espaço ocupado
pelo vago, indeterminado, agora é preenchido pela função prática do objeto.
O burguês não tem dilemas morais: é moralista e puritano em casa,
hipócrita e libertino com as jovens de bairros proletários..
É nesse contexto que surge a Psicanálise: com um corpo teórico, uma
metodologia de investigação e a busca de um tratamento para a Doença
156
157
158
As Musas
As Musas são filhas de Zeus, com Mnemosyne (Memória), elas são a
combinação do esplendor fulgurante de Zeus com a potente presença da
negação do esquecimento, a memória. É por essa filiação, por essa gênese,
que as Musas têm por prerrogativa dizer a verdade (dar a ouvir revelações).
Na Grécia Antiga, essa palavra cantada tinha o poder de restaurar a saúde
dos enfermos, na medida em que os punha em contato com as forças
primevas e pulsantes da vida que estariam adormecidas ou esquecidas,
arrancando-os da obscuridade mortífera do silêncio. É em profunda
solidariedade com esse poder da palavra que a psicanálise se funda como
talking cure, como a batizou uma paciente de Breuer, Anna O.
O analisante dedica-se ao relato (uma das traduções possíveis de
mythos), como o poeta arcaico.
159
Mito e realidade
O desejo de conhecer a origem das coisas caracteriza a cultura ocidental.
Para a psicanálise, o verdadeiro primordial é o “primordial humano”, a
primeira infância. A criança vive num tempo mítico, paradisíaco. A
Psicanálise elaborou técnicas capazes de nos revelar os “primórdios” de
nossa história pessoal e, sobretudo, de identificar o evento preciso que
pôs fim a beatitude da infância e decidiu a orientação futura de nossa
existência. Traduzindo isso em termos de pensamento arcaico, pode-se
dizer que um paraíso (para a psicanálise, o estado pré - natal ou o período
que se estende até a ablactação) e uma “ruptura”, uma “catástrofe” (o
traumatismo infantil) e que, seja qual for à atitude do adulto em face desses
eventos primordiais, eles não são menos constitutivos do seu ser. A técnica
psicanalítica permite que o indivíduo volte atrás ao seu tempo mítico de
origem e reatualize determinados eventos decisivos da primeira infância.
Nas sociedades arcaicas, uma comunidade inteira, revivia, por meio de
rituais, os acontecimentos narrados nos mitos.
A questão do corpo
Estudando –se o corpo, percebe-se que ele se apresenta ao conheci-
mento em dois momentos: antes da razão científica, estágio natural, onde
era visto pelos traços da tradição e da auto – regulação moral e na
Modernidade, estágio da liberdade, com a criação do homem e o conceito
de corpo/organismo pela razão do conhecimento científico e das práticas
institucionais médicas.
O corpo no período medieval se fundia em matéria e espírito, tudo que
se fizesse à matéria ou vice- versa ofendia o espírito. A cremação era
proibida, pois se acreditava que a ressurreição através do espírito não se
faria, caso isso fosse permitido. O corpo era visto com algo sagrado e a
dissecação de cadáveres era considerada uma profanação ao corpo humano.
Esse rito pertencia aos bárbaros pagãos e criminosos graves ou hereges. O
sentido da tortura e da dor era que a punição sobre o físico era também
160
Considerações finais
161
Referências bibliograficas
Araújo, José Augusto Carvalho de, O uso do corpo: produção de saberes e hábitos
corporais. Revista dos pós- graduandos de sociologia daUFP- n.2, junho
de2002 - Disponível em <Par’a’aiwa> julhode 2006.
162
163
Resumo
O trabalho apresenta aspectos teóricos e clínicos sobre lesões
corporais e trauma originados a partir de uma área específica do
corpo: o rosto. Desenvolve o tema com apoio nas noções de
desamparo, trauma, identificação, ilusão, um “rosto estranho” e
função especular. Do ponto de vista da clínica, destaca o papel do
terapeuta, a dimensão corporal da transferência e o holding como
vias de acesso ao processo de reconstrução do rosto.
Palavras-chaves: desamparo, reconstrução da face, psicanálise.
Summary
Regarding the knowledge and understanding of traumatic events,
the theme grows supported ideas of helplessness and trauma, by
the current meaning of scheme and body image, and by the
*
Psicanalista, membro efetivo e docente da SPRJ. Doutora em Psicologia pela UFRJ.
Psicóloga do Hospital dos Servidores do Estado. Professora Supervisora do Depto. de
Psicologia da PUC-Rio.
165
166
1
FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia científica. In: ESB. Vol. I. Rio de Janeiro:
Imago, 1977 (1950[1895]).
2
FREUD, Sigmund. Inibições, sintomas e ansiedade. In: ESB. Vol. XX. Rio de Janeiro:
Imago, 1976 (1926[1925]).
3
LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1994.
167
168
169
vida e fazer com que o ego a elas reaja em situações posteriores, ou ainda
que várias delas possam entrar em ação, em simultaneidade.
Freud, ao relacionar a origem da angústia a uma situação de perigo,
afirma que os sintomas estabelecem-se para tirar o ego de tal situação. Se
houver um impedimento da expressão da angústia através de sintomas, o
perigo de fato se concretiza, isto é: “uma situação análoga ao nascimento
se estabelece na qual o ego fica desamparado em face de uma exigência
instintual constantemente crescente – o determinante mais antigo e
original da ansiedade”. (p. 168)
Os pacientes com os quais tive contato, encontravam-se, na maioria
das vezes, extremamente desprotegidos e dependendo inteiramente dos
outros para satisfazerem suas necessidades mais básicas. Impedidos de
locomoverem-se e alimentarem-se sós, em alguns momentos ficavam
totalmente dependentes do cuidado de outros. O próprio processo de
hospitalização, remete o paciente à condição de dependência, de regressão.
Freud nos ensinou que uma situação de perigo é uma situação “reconhe-
cida, lembrada e esperada de desamparo”.
Paradoxalmente, ao encontrarem uma equipe disposta a auxiliá-los na
reconstrução de seus rostos, de responder aos seus “gritos de socorro”, os
pacientes apresentam tal determinação e força que impressionam a todos
os que se dedicam aos cuidados desses pacientes.
Nas situações limites, parecem freqüentes afirmações tais como: “Não
vou desanimar” – frase dita pelo piloto italiano de Fórmula I, Alessandro
Zanardi, que teve as duas pernas amputadas após sofrer um acidente
quando seu carro foi atingido por um outro a 320 km por hora. A desperso-
nalização, o perigo e a angústia de não mais se encontrar, não reconhecer-
se, são companheiros freqüentes desses pacientes. Portanto, desamparo e
vulnerabilidade fazem parte do seu dia a dia.
Parece desnecessário apontar a importância do rosto para a imagem
que cada um tem de si mesmo. Tornou-se então relevante para o trabalho
considerar a construção subjetiva do rosto.
Parti da idéia de que a imagem que cada um tem de seu próprio rosto é
uma ilusão. É possível a alguém acordar um dia e se achar lindo e no outro
dia achar-se horroroso. Assim é possível também pensar na possibilidade
de reconstrução para um rosto.
A identificação é, com certeza, o primeiro conceito a ser considerado
nesta construção subjetiva do rosto. De início, o bebê identifica tudo o que
se assemelha ao rosto humano, inclusive máscaras. Posteriormente é que
reconhecerá o rosto de sua mãe ou substituta, identificando-se, para em
170
171
172
173
174
175
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177
Velocidade e repressão
Marcelo Coelho*
Resumo
As relações entre infância e a experiência do tempo são analisadas
neste artigo a partir de alguns poemas de William Wordsworth e
do pensamento de Bergson. Procura-se definir de que modo, a partir
de um fluxo contínuo de impressões inconscientes, mecanismos como
ritmo, interrupção, narrativa e medo se tornam necessárias à
aquisição do comportamento adulto.
Palavras-chave: infância, temporalidade, medo, Wordsworth,
Bergson.
Summary
In this essay, the relationship between childhood and temporality
is analysed taking as a point of departure some poems by William
Wordsworth as well as Bergson’s philosophy. The author tries to
describe how the subject, from a continuous stream of unconscious
impressions, acquires the manners and discipline needed in adult
life through the devices of rythm, interruption, narrative and fear.
Keywords: childhood, temporality, fear, Wordsworth, Bergson.
*
Mestre em Sociologia pela FFLCH-USP e articulista da Folha de S. Paulo.
181
1
Os pontos de contato entre o pensamento de Wordsworth e a obra de Proust, que saltam
à vista ao leitor contemporâneo, foram explorados por Georges Poulet, em seus Études
sur le Temps Humain.
182
183
2
One summer evening (...) I found/A little boat tied to a willow-tree/Within a rocky
cave, its usual home./Straight I unloosed her chain, and stepping in/Pushed form the
shore. It was aan act of stealth/ And troubled pleasure; nor without the voice/ Of
mountain-echoes did my boat move on;/Leaving behind her still, on either side,/ Small
circles glittering idly in the moon,/Until they melted all into one track/ Of sparkling
light. But now, like one who rows,/Proud of his skill, to reach a chosen point/ With an
unswerving line, I fixed my view/ Upon the summit of a craggy ridge,/The horizon’s
utmost boundary; far above/ Was nothing but the stars and the grey sky./She was an
elfin pinnace; lustily/ I dipped my oars into the silent lake,/ And, as I rose upon the
stroke, my boat/ Went heaving through the water like a swan;/When, from behind that
craggy steep till then/ The horizon’s bound, a huge peak, black and huge,/As if with
voluntary power instinct,/ Upreared its head. It struck and struck again,/ And growing
still in stature the grim shape/ Towered between me and the stars, and still,/ For so it
seemed, with purpose of its own/ And measured motion like a living thing,/ Strode after
me. With trembling oars I turned,/ And through the meadows homeward went, in grave/
And serious mood; but after I had seen/ That spectacle, for many days, my brain/ Worked
with a dim and undetermined sense/ Of unknown modes of being; o’er my thoughts/
There hung a darkness, call it solitude/ Or blank desertion. No familiar shapes/
Remained, no pleasant images of trees,/ Of sea or sky, no colours of green fields;/ But
huge and mighty forms, that do not live/ Like living men, moved slowly through the
mind/ By day, and were a trouble to my dreams. A tradução para o português é de
Alberto Marsicano e John Milton, em O Olho Imóvel pela Força da Harmonia, p. 30-41.
184
3
“The Child is father of the Man”, verso do poema “My heart leaps up when I behold”,
também incluído em O Olho Imóvel..., cit.
185
186
4
...in the frosty season, when the sun/ Was set, and visible for many a mile/ The cottage
windows blazed through twilight gloom,/ (...) for me/ It was a time of rapture! Clear
and loud/The village clock tolled six, —I wheeled about,/Proud and exulting like na
untired horse/ That cares not for his home. All shod with steel,/We hissed along the
polished ice in games/Confederate, imitative of the chase/And woodland pleasures, —
the resounding horn,/The pack loud chiming, and the hunted hare./So through the
darkness and the cold we flew,/And not a voice was idle; with the din/Smitten, the
precipices rang aloud;/The leafless trees and every icy crag/Tinkled like iron; while
far distant hills/Into the tumult sent na alien sound/ Of melancholy not unnoticed,
while the stars/ Eastward were sparkling clear, and in the west/ The orange sky of
evening died away./Not seldom from the uproar I retired/ Into a silent bay, or
sportively/ Glanced sideway, leaving the tumultuous throng,/To cut across the reflex
of a star/ That fled, and , flying still before me, gleamed/ Upon the grassy plain; and
oftentimes,/ When we had given our bodies to the wind,/ And all the shadowy banks on
either side/ Came sweeping through the darkness, spinning still/ The rapid line of
motion, then at once/ Have I, reclining back upon my heels,/ Stopped short; yet still
the solitary cliffs/ Wheeled by me –even as if the earth had rolled/ With visible motion
her diurnal round!/ Behind me did they stretch in solemn train,/Feebler and feebler,
and I stood and watched/ Till all was tranquil as a dreamless sleep.
5
Impressed, upon all forms, the characters/ Of danger and desire; and thus did make/
The surface of the universal earth,/ With triumph and delight, with hope and fear,/
Work like a sea (...)
187
188
6
Milan Kundera, La Lenteur. Paris: Gallimard, 1995, p. 9-11. (trad. MC).
189
Passo agora ao tema central deste artigo, o das relações que, como pai
de dois meninos pequenos, tenho podido observar entre a experiência
moderna da passagem do tempo e o processo gradativo da imposição de
limites e de padrões de comportamento sobre as crianças da era do
videogame, do shopping center e da TV a cabo.
7
Ibidem, p.11.
190
191
Este paradoxo, creio, é o que está por trás de um conto muito conhecido
de Jorge Luís Borges, Funes o Memorioso, cujo protagonista tem a
particularidade de ser incapaz de esquecer qualquer coisa; guardava a
memória de todos os mais insignificantes detalhes da própria vida. Podia
lembrar-se, por exemplo, de todas as minúsculas transformações das
nuvens que passam pelo céu numa tarde. A rememoração daquela tarde,
diz Borges, ocupou toda uma outra tarde da vida de Funes...
Certamente, estamos aqui diante de uma impossibilidade, ou de uma
armadilha ficcional. Pois uma mente que fosse capaz de reencenar todas
as variações das nuvens na memória teria de entregar-se, além disso, a
uma operação suplementar: teria, por exemplo, de saber que está se
lembrando daquelas nuvens; e também de prolongar voluntariamente a
sua experiência de rememoração. Haveria, portanto, um vaivém entre a
atenção dada a si mesmo (“estou me lembrando, foi exatamente assim”,
“vou continuar a me lembrar mais um pouco...”) e a atenção dada à “cena”
rememorada. Sem dúvida, a cada mudança de foco no seu pensamento,
Funes estaria interrompendo o processo contínuo de sua rememoração.
Estaria vendo uma seqüência —muito grande, é certo— de “fotos” daquelas
nuvens, mas não estaria vendo um “filme” com a duração exata, em “tempo
real”, do processo de sua transformação.
Se Funes estivesse vendo imaginariamente o filme daquela tarde, não
diríamos que ele estava lembrando-se daquela tarde, mas sim que estava
sonhando aquela tarde, sem consciência de cada um dos momentos de
sua rememoração. Para “ver” toda a tarde de novo, ele teria de se esquecer
de quem é, do ato voluntário de sua memória; e, depois de despertar desse
sonho, Funes não teria (justamente ele!) como se lembrar de que foi ele
quem sonhou. Uma memória consciente seria, então, necessariamente
fragmentada, e não contínua. Recupera o tempo, mas o vê parado, de fora,
não o vive de dentro...
É inevitável relacionar essa diferenciação entre a experiência de um
tempo “vivido de dentro” e a de uma memória fragmentada, descontínua,
com uma célebre passagem de Henri Bergson em Matière et Mémoire8
em que, muito a propósito, o filósofo francês utiliza como exemplo uma
situação de aprendizado.
Estou estudando uma lição, diz Bergson (e podemos imaginar que é
um texto que deve ser decorado, como os que havia nas escolas antigamen-
te). Leio a passagem uma vez, duas, três, e aos poucos algumas seqüências
8
In Oeuvres. Paris: PUF, 1959, p. 225 e ss.
192
193
9
Then everyday appearances, which now/The spirit of thoughtful wonder first pervades,/
Crowd in and give the mind needful food;/Nature’s unfathomable works, or Man’s/
Mysterious as her own, —a ship that sails/The seas, the lifeless arch of stones in air/
Suspended, the cerulean firmament/ And what it is; the River that flows on/Perpetually,
whence comes it, whither tends,/ Going and never gone; the fish that moves/ And lives
as in an element of death;/ Or aught of more refin’d astonishment,/Such as the Skylark
breeds, singing aloft/ As if the Bird were native to the heavens,/There planted like a
star: with these combine/Objects of fear, yet not without their own/ Enjoyment –
lightning and the thunder’s roar,/Snow, rain and hail, and storm implacable. Apud
Herbert Read, Wordsworth. Londres: Faber and Faber, 1965 [1930], p.130. Trad. MC.
194
quem cumpre impor uma série de repetições, para que a criança por fim
saiba “de cor” a sua lição. É como se tivéssemos um livro de ensinamentos,
de regras básicas, a ser inculcado num aluno que está completamente
entregue à experiência casual, aos “scattered accidents of sight and sound”
da campainha que toca, da chuva que começou a cair, e assim por diante.
Sou levado a imaginar que a criança pequena, entregue a esse fluxo de
acontecimentos e sensações que não reconhece inteiramente, vivendo essa
experiência em que tanto o que acontece com ela mesma quanto o que
acontece fora dela constituem, por assim dizer, um espetáculo ininterrupto,
experimenta a vida do mesmo modo que Funes “rememorava” aquela tarde
de nuvens: ou seja, a criança estaria sonhando a vida –sonhos bons ou
ruins, é claro— e é por isso, justamente, que não nos lembramos dos
primeiros anos da infância.
Nesse sentido, talvez a repetida presença da idéia de medo, nos dois excertos
que citamos de Wordsworth, revele alguma funcionalidade psicológica. Ao
sentir-se ameaçado, o “eu” pode por fim voltar-se sobre si mesmo, adquirindo
precisamente aquela consciência que faltava a Funes em seu fluxo de
contemplação ininterrupta do dia real ou do dia rememorado.
Com ameaças ou não, o fato é que os pais conseguem impor algumas
regras para as crianças pequenas, e talvez seja interessante contar certas
experiências que tive com meus filhos a esse respeito. Creio que os períodos
em que meus filhos estavam mais impacientes, birrentos, fazendo
escândalos por qualquer ninharia, foram os que antecederam alguma
grande conquista, seja na linguagem, seja no controle das necessidades
fisiológicas, seja na própria percepção do tempo.
É curioso como as crianças são relativamente rápidas em aprender
muitas coisas, não só de vocabulário mas de estrutura gramatical, e demore
tanto para elas perceberem a diferença entre “ontem”, “hoje”, “amanhã”,
semana próxima e semana passada. Meu filho maior já é capaz de ler e
escrever em letras de forma há algum tempo, mas só muito mais recente-
mente aprendeu a diferenciar entre o que aconteceu “ontem” e o que
aconteceu “anteontem”. Quanto ao menor, um dos sinais de que a fase das
birras está passando é que ele aprendeu o significado da palavra “depois”.
Sem essas conquistas, tudo o que lhes é negado ou proibido assume a
força de uma catástrofe absoluta, porque sua experiência não é pontuada
e dividida no tempo, sendo sempre imediata. Um dos sinais de que as
coisas começavam a melhorar, em termos de comportamento, foi o de que
ambos, numa certa idade, “aprenderam” o mecanismo dos faróis de
trânsito. Os próprios adultos obedecem à convenção segundo a qual com
195
196
10
Our birth is but a sleep and a forgetting:/The soul that rises with us, our life’s Star,/
Hath had elsewhere its setting,/And cometh from afar:/Not in entire forgetfulness,/
And not in utter nakedness,/But trailing clouds of glory do we come/ From God, who is
our home:/Heaven lies about us in our infancy!/Shades of the prison-house begin to
close/Upon the growing Boy,/But He beholds the light, and whence it flows,/He sees it
in his joy;/The Youth, who daily farther from the east/ Must travel, still is Nature’s
Priest,/And by the vision splendid/ Is on his way attended;/At length the man perceives
it die away,/And fade into the light of common day. In O Olho Imóvel..., cit., p.46-49.
11
Hence in a season of calm weather/Though inland far we be,/Our souls have the sight
of that immortal sea/ Which brought us hither (...) Ibid., p. 54-55.
197
198
Sonhos e devaneios em
Dom Casmurro e Esaú e Jacó,
de Machado de Assis
Dayane Celestino de Almeida*
Resumo
Este trabalho tem como objetivo explorar uma possibilidade de
conjunção entre Psicanálise e Literatura, analisando, para tal,
episódios de sonhos e devaneios nos romances Dom Casmurro e Esaú
e Jacó, de Machado de Assis, com base na teoria psicanalítica
freudiana.
Palavras-chave: Literatura; Psicanálise; Machado de Assis; sonhos;
devaneios
Summary
This paper intends to exploit a possibility of conjunction between
Psychoanalysis and literature, through the analysis of some episodes
of dreams and fantasies in the novels Dom Casmurro and Esaú e
Jacó, by Machado de Assis, based on Freud’s Psychoanalysis.
Key words: Literature; Psychoanalysis; Machado de Assis; dreams;
fantasies.
*
FFLCH, Universidade de São Paulo.
199
I - Introdução
200
201
1
Para este estudo, nos valemos da edição de 1995, publicada pela Ediouro e Publifolha
(Coleção Biblioteca Folha).
202
“Corri ao meu quarto, peguei dos livros, mas não passei à sala de
lição (...). E tornava a mim, e via a cama, as paredes, os livros, o
chão, ouvia algum som de fora, vago, próximo ou remoto, e logo
perdia tudo para sentir somente os beiços de Capitu... Sentia-os
estirados, embaixo dos meus, igualmente esticados para os dela, e
unindo-se uns aos outros (...).”
203
204
205
“Afinal, a imaginação fez dos dois moços uma pessoa única (...).
Ora, é de saber que, durante a comissão do pai, Flora ouviu mais de
uma vez as duas vozes que se fundiam na mesma voz e na mesma
criatura (...)” (p.138)
2
Devido ao grande número de linhas que ocuparia a transcrição de tal sonho, optamos
por não colocá-lo no corpo do trabalho.
3
Para este estudo, nos valemos da edição de 2005, publicada pela Editora Ática (Série
Bom Livro).
206
Este sonho também trata da fusão dos dois irmãos em uma única pessoa,
configurando mais uma vez, o desejo impossível de Flora de ter os dois.
Esta impossibilidade amorosa só é possível no sonho ou no devaneio.
Podemos perceber o trabalho de deslocamento, uma vez que o desejo dos
dois se desloca para uma só figura. O trabalho de condensação também
está presente, conforme lemos em “mal se podia crer bastasse o espaço da
noite. E bastava. E sobrava”. Um outro ponto bastante interessante no
trecho transcrito é a parte em que a pessoa única imaginada volta a ser
duas e Flora sente medo. Este medo é causado pela estranheza provocada
pela duplicidade, sendo “duas pessoas semelhantes”. Tal estranheza foi
tratada por Freud no estudo intitulado Das unheimliche (1919), que alguns
traduzem por “A inquietante estranheza” ou “O estranho”. Freud explica
que Das unheimliche está relacionado a alguma categoria do assustador
que remete ao que é conhecido e, há muito, familiar. Ora, Pedro e Paulo
são, há muito familiares a Flora e, mesmo assim, causam este sentimento
de estranheza da moça. Segundo Freud, várias coisas podem causar essa
estranheza e dentre elas, está a noção do “duplo”. Pedimos licença para
citar algumas palavras do médico acerca do assunto:
207
“Sonhou com o canto dos galos, uma carroça, um lago, uma cena
de viagem ao mar, um discurso e um artigo” (p.145).
Este sonho de Flora vai ao encontro do que disse Freud a respeito dos
sonhos serem compostos de fragmentos, sem uma narrativa linear. De
fato é o que vemos, pois neste sonho, uma imagem dá espaço a outra e
tudo parece lacunar. No início do sonho, Flora sonha com “o canto dos
galos”, isso denuncia uma influência do mundo exterior nos nossos sonhos,
visto que já deveria ser a hora em que os galos cantam quando Flora
começou a dormir de novo. Na Interpretação, Freud fala de estímulos
4
Devaneios e sonhos de Flora ocupam o capítulo todo. Devido ao grande espaço que
ocuparia, optamos por não fazer a sua transcrição completa no corpo do trabalho.
208
sensoriais externos. Então Flora deve mesmo ter ouvido o canto do galo
(dado o horário) e sonhado com isto, em conseqüência.
A repetição do teor dos devaneios e sonhos de Flora reiteram e ajudam
a intensificar a idéia de que ela estava realmente apaixonada pelos dois
irmãos. Com eles, podemos entender melhor a grandeza do desejo da moça.
Esse desejo impossível, tão forte que chega a levá-la à morte.
Com as análises que fizemos neste trabalho, podemos concluir que o
sujeito que sonha ou fantasia é um sujeito em falta. Tal falta, porém, não
desencadeia um fazer, uma ação que poderá repará-la; ao contrário, este
fazer é deslocado para o inconsciente e é no sonho ou na imaginação que
ele se dá e não na “vida real”. A ação que poderia reparar a falta não é
desencadeada porque o sujeito não pode ou não deve fazê-la (devido a
coerções morais/sociais e/ou motivos individuais).
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209
210
Resumo
A pele possui muitas funções importantes em diversos níveis desde
o nascimento, tendo um papel primordial na constituição do
aparelho psíquico. É através dela que se dá o primeiro contato do
bebê com o mundo externo e com o outro (a mãe).
A existência de um problema de pele demonstra alguma falha na
relação inicial mãe-bebê, e pode representar tanto uma busca de
contato com o outro, como uma defesa para evitar um contato mais
íntimo. Dependendo do grau e da forma de manifestação, a doença
de pele modifica a vida de forma global.
Tenho observado na minha clínica particular e no trabalho junto
ao Serviço de Dermatologia do Hospital dos Servidores do Estado,
onde trabalho, a influência de fatores emocionais no desencadea-
mento e agravamento de diversas patologias de pele, especialmente
*
Candidata do Instituto de Ensino da SPRJ.
213
Summary
The skin has many different important functions in different levels
since the beginning of life, and it has a primordial paper in the
formation of psychism. The first contact of the baby with the world
and with the other (the mother) is through the skin.
The existence of skin disorder demonstrates a fault in the first
relation baby-mother, and it represents a way to get contact with
other or, on the contrary, a defense to avoid closer contact.
Depending on the degree and the form, the skin disorder modifies
the whole life.
I have observed from my private clinic and from job in the
Dermathology Service of State’s Servidores Hospital, where I work,
the influence of emotional factors on the beginning and aggravation
of skin disorders, specially in cases of psoriasis disease, and it takes
me to have an interest to study about and to understand the
subjectivity of skin disorders. I note that these patients present a
tendency to introspection and a special difficult to express their
feelings, and the skin is a canal of expression the things that couldn’t
be said, conscious and inconsciously.
I will introduce some illustrative cases and vignette of patients
showing the correlation between physical, psychical and emotional
aspects in this pathology. Most of data are collected from therapeutic
group that it’s not possible an individual attendance because of the
big request from the Dermathology Service in the institution that I
work.
214
Introdução
“É fácil ver que o ego é aquela parte do id que foi modificada pela
influência direta do mundo externo, por intermédio do Pcpt-Cs
(Sistema Perceptivo-Consciente); em certo sentido, é uma extensão
da diferenciação de superfície .” (pág. 39).
215
216
1
A psoríase é uma dermatose cutânea crônica, não contagiosa, com etiologia ainda
indefinida caracterizada por placas vermelhas com escamas prateadas principalmente
nas superfícies extensoras do corpo e no couro cabeludo.
217
218
219
220
A Importância do Toque
221
Relato de Casos
Caso A
P. R., de 62 anos, sexo masculino, casado, aposentado, chegou ao
hospital após ter passado por inúmeros outros hospitais sem um
diagnóstico definido e portanto sem resultado no tratamento. Tendo se
submetido a alguns exames foi confirmado o diagnóstico de psoríase,
222
Caso B
Este é um outro caso que mostra claramente o que relatei acima à respeito
da segunda pele como contenção da angústia após uma situação de perda
de um objeto amado. Só após 3 anos da perda da mãe e do pai ter sofrido
derrame D., 49 anos, sexo feminino iniciou um quadro de psoríase. Comenta:
“fui forte na hora que precisou mas parece que agora veio tudo para fora e
não está dando mais para segurar”. A segunda pele surge como continente
das angústias primitivas que a pele psíquica não consegue conter.
D. mostra toda a sua vulnerabilidade e fragilidade através da doença
de pele, como um apelo de também ter alguém que cuide dela.
Caso C
O., 51 anos, sexo masculino, traz o sentimento de rejeição por parte da
família, e principalmente pela sua mãe, relatando diversas situações em que
223
Caso D
Z., 54 anos, sexo feminino, casada, dona de casa, apresenta psoríase há
9 anos, alternando entre períodos de total reminiscência e períodos de
recidiva. Passado um longo período sem qualquer manifestação da doença,
surgem placas por todo o corpo imediatamente após o casamento de sua
única filha de uma prole de dois meninos e uma menina. Paciente relata
que se sente muito só sem a filha em casa apesar da presença constante do
marido, trazendo a vivência de perda de um objeto amado sobre o qual
tanto deve ter investido ao longo dos anos. Parece ter feito uma intensa
transferência na relação com essa filha sentindo-se esvaziada após sua
saída, lembrando o que Bion fala sobre a angústia de um escoamento da
substância vital através dos buracos psíquicos, não uma angústia de
fragmentação mas de esvaziamento.
Z. traz sua vulnerabilidade psíquica através da psoríase que surge como
uma defesa para evitar um contato mais próximo e assim se proteger da
angústia primária de separação. A saída da filha mobilizou aspectos
infantis, trazendo a revivência de uma perda primária do objeto amado.
Outro fator importante a ser assinalado é a não-aceitação de seu corpo
trazida por Z. que, desde que desenvolveu a psoríase, se distanciou
fisicamente do marido evitando expor seu corpo. Z. traz o medo de se ligar
e perder e então se protege a partir do problema de pele em que se afasta
do outro que ameaça ao mesmo tempo que precisa ter um outro que cuide
dela, assim trazendo toda a sua ambivalência.
224
Caso E
Trarei agora um caso da minha clínica particular mostrando a falta de
contato de pele e o aspecto transgeracional no surgimento da doença. E.,
6 anos, sexo masculino, único filho do segundo casamento de ambos os
pais, chega ao meu consultório com queixa de dificuldades na escola e
muita agitação. Após passar por muitos médicos com dúvidas sobre seu
diagnóstico, finalmente o quadro foi definido como psoríase. E. começou
a apresentar a doença no ano anterior após sua meia-irmã ter se separado
e ter vindo morar na sua casa com a filha de 4 anos. Sua mãe passa a ter
que se dividir entre cuidar dele e da neta. É uma mãe muito sêca, pouco
afetiva, que também apresenta psoríase. Entendo que ela possivelmente
deve ter sofrido alguma falha inicial na sua relação com a própria mãe
(avó da criança) demonstrando dificuldades em externalizar seu amor pelo
filho, o qual por sua vez fica carente de afeto e de contato de pele, repetindo
o mesmo sintoma da mãe. A mãe provoca na criança o mesmo sintoma,
apontando para um aspecto transgeracional. A psoríase representa para
E. uma forma dele ter sua mãe mais próxima a partir dos cuidados diários
e procedimentos medicamentosos exigidos. Através da doença de pele a
criança traz a mãe distante mais para perto como também recebe o estímulo
que precisa num momento de carência afetiva.
Em relação ao eczema infantil, René Spitz questiona se essa reação
cutânea não representaria um esforço adaptativo ou, o contrário, uma
defesa. Uma forma da criança provocar uma reação na mãe que a levasse
a tocá-la mais freqüentemente; ou, uma forma de retraimento narcisista
no sentido de que, através do eczema, a criança estaria dando a si mesma
os estímulos da esfera somática que sua mãe lhe nega.
Concordo com ele se pensarmos que muitos problemas de pele surgem
após alguma situação de perda e carência afetiva. O bebê que sofre uma
falha de contato de pele na sua primeira relação de objeto (com a mãe) ficará
pré-disposto a desenvolver essa forma de expressão através da pele visto
que, através da patologia de pele, receberá os cuidados que lhe faltaram.
Conclusão
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226
2
Expressão empregada por Freud para explicar a etiologia das neuroses e aparece pela
primeira vez em 1916 na “Conferência XXII: Algumas Idéias sobre Desenvolvimento e
Regressão - Etiologia” (Pág. 406).
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Agradecimentos
À Anna Guelerman P. Ramos, minha analista, por todo o seu amor e
dedicação, sendo uma luz que clareou o meu caminho, levando-me à
realizações em diversos aspectos da minha vida.
À Eronides Borges da Fonseca, minha eterna supervisora, pela sua
dedicação e disponibilidade para ensinar e me ajudar a crescer.
À minha orientadora neste trabalho, Rosa Sender Lang, pelo seu carinho
e ajuda.
Ao meu pai, que sem o seu apoio e incentivo não teria sido possível
realizar a Formação.
Ao meu marido, companheiro em todas as horas e sempre contribuindo
para meu crescimento.
Ao meu filho, que me inspira e me incentiva a nunca desistir dos meus
sonhos.
E à minha mãezinha, minha maior amiga, que está comigo sempre.
Referências bibliográficas
ANZIEU, Didier. O eu-pele. Editora Casa do Psicólogo, 1989.
ANZIEU, Annie. “Emboitements”. Nouvelle revue de psychanalyse (Paris), nº 9,
printemps, 1974.
*
Tradução do livro “Tocar: O Significado Humano da Pele”, de Ashley Montagu, pág. 244.
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232
HOMENAGEM:
Manhães da Psicanálise
Vera Márcia Ramos*
*
Psicanalista, Membro Efetivo da SPRJ.
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Resumo
Ao pensar em um artigo de divulgação da psicanálise, a autora
escreveu sobre Maria Manhães, enfocando sua biografia, uma
evolução de suas idéias psicanalíticas, desenvolvidas em livros e
trabalhos publicados, enaltecendo a importância da valorização dos
autores brasileiros.
Summary
On writing an article to broaden the knowledge about psychoanalysis,
the author wrote about Maria Manhães, focusing in her biography,
an evolution of her psychoanalytical ideas develop in books and works
published, emphasizing the value of brasilian authors.
234
Um Esboço de Biografia
Seu pai, Doutor Manhães, era negro, de estatura mediana nem gordo
nem magro. Falava muito bem francês e alemão, imprescindível para os
médicos da época. Escrevia e discursava com muita facilidade. A mãe, Dona
Caridade era mulata de pele clara, com os traços negros acentuados.
Recebiam em sua casa os visitantes importantes.
A primeira infância foi vivida em São Carlos do Pinhal, cidade onde
nasceu, que lembra Teresópolis, por ter a mesma altitude e clima agradável.
Esse clima ameno e o fato de haver calçamento e bonde, estimularam a
ida para lá de estrangeiros como alemães, franceses e italianos.
Com idade de 10 anos, a família muda para Catanduva, onde fez o
admissão e até que, em 1931, mudam para o Rio de Janeiro. A situação da
família começa a decair e frustraram-se uma série de expectativas
profissionais. O pai adoeceu e, posteriormente, se soube que era diabetes.
Ele reagiu e teve que retornar para o interior paulista. Partiram todos para
Marília, menos Maria que permaneceu no Rio, aluna interna no Instituto
LaFayette. Entrou para a Faculdade Nacional de Medicina na Praia
Vermelha em 1938.
Seu pai, era médico, formado no Rio de Janeiro, colega de turma dos
maiores professores de sua faculdade. Quando estava na faculdade não
podia matar aula “Não pode matar aula não, você é filha do Dr. Manhães.
Você está aqui sozinha; eu fico vigiando você”. Maria me contou com sorriso
e humor esses fatos, o que, a seu ver, era bom pois lhe dava segurança.
Sentia-se cuidada e querida pelos professores, pois morava sozinha no Rio
de Janeiro, afastada dos pais.
No seu livro Manhã de Manhães relata suas memórias, a vida de sua
família e a sua própria vida. Conta as mudanças de cidade do pai, a
diversidade de origem das pessoas de São Carlos e refere a sua vocação
para a medicina.
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o velho e bom Édipo? Por certo. Mas não apenas. Nem argüirei aqui
o ter brincado de doutor na infância; isso faz qualquer criança, e
sua lembrança o mais das vezes serve de lenitivo para as frustrações.
É forçoso lembrar, no entanto, que, em pequena, certa feita entrei
no consultório do papai e, dirigindo-me a uma cliente na sala de
espera, disparei-lhe de supetão uma série de perguntas: “- O que é
que você está sentindo? Está com dor de barriga? O Chico não desceu?
Faltava apenas o estetoscópio pendurado no meu pescoço” 1.
1
Maria MANHÃES, Manhãs de Manhães, p. 70-71
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ser essa também uma das razões pelas quais ela é alvo dos ataques
invejosos do homem. São momentos tão importantes nos quais ela
se dá conta que realmente não é só, ela não quer ficar só. Ela precisa
do homem. Ele é o seu companheiro.2
2
Ibid, Identidade da Mulher, p. 6
242
243
3
Ibid, Kaleidoscópio, p.26-27
4
Ibid, p.8
244
5
Ibid, p. 38-39
6
Ibid, p.136.
245
Penso que em parte vem daí sua satisfação com a valorização que está
tendo a Neurociência, repetindo as investigações de Freud expostas no
“Projeto”. Acredita de maneira firme, que esta será uma forma de resgatar
a psicanálise para os médicos.
À medida que vou aproximando do final desse trabalho, me dou conta
de como a vida de Maria foi preenchida por seu trabalho clinico, pelas
análises que fez e pacientes que se trataram, pelos relacionamentos que
conquistou e manteve ao longo de sua vida. A lealdade aos amigos é uma
característica, bem como a vinculação com a SPRJ, os artigos e livros que
foi produzindo. Com esse caminhar, estabelece um percurso e uma história,
e surge o passar do tempo e a aproximação da morte. Para Heidegger, se
adquiro consciência de que sou um ser finito, sou um ser temporal, eu passo
a existir de acordo com essa consciência. Assim sendo, a qualquer momento
o existir se implanta no morrer, e no morrer o ser aí alcança ao mesmo
tempo sua singularidade e totalidade. “O final da morte não significa o ser
aí chegado a seu fim, mas significa o ser relativo ao fim. A morte é o modo
de ser que o ser aí assume desde o momento em que existe”7. É poder
viver morrendo, é a aceitação da dimensão temporal, é estar aberto para
possibilidades de ser. Para ele o homem é um ser que faz projetos.
E assim Manhães fazendo projetos se aproxima do tema da morte em
1990 com o livro “Enigma do Suicídio”. Trata-se de um assunto corajoso e
espinhoso, ao qual se dedica com o mesmo afinco, encontrado em todos
os seus trabalhos. Para ela vida e morte estão presentes a cada instante.
No entanto, o homem comum desenvolveu um aparente horror e medo da
morte, embora não perceba que esteja a maior parte do tempo, convivendo
e participando, ativa e passivamente, de pensamentos e atos destrutivos
para consigo mesmo e para com seus semelhantes. A psicanálise iniciou-
se aceitando os instintos de vida e, posteriormente, o instinto de morte,
que foi desenvolvido por Melanie Klein e seus seguidores. Conclui que
Freud, entre outras razões, devido ao seu próprio envelhecimento e doença,
não procurou investigar a fundo o instinto de morte e o fim da existência.
Fez uma abordagem dos diversos fatores, internos e externos que levam
as pessoas a abreviar o seu percurso natural de vida. Sua visão é abrangente
incluindo aspectos filosóficos, religiosos, sociológicos e jurídicos. Procurou
desta forma ampliar sua abordagem tentando não se restringir à visão
psicanalítica, à qual questiona o valor universal, ou seja, um homicídio
7
Heidegger, Ser e Tempo, p. 245
246
247
Finalizando
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Referências bibliográficas
HEIDDEGER, M. Ser e Tempo. RJ:Vozes,1990.
MANHÃES, M. Psicologia da Mulher e Outros Trabalhos. RJ:Atheneu, 1977.
____________. Kaleidoscópio. RJ: Gráfica MEC. 1987.
____________. Prisma da Psicanálise na Cultura. RJ: 1988.
____________. O Enigma do Suicido. RJ:Imago, 1990.
____________. O Ódio Mortal. RJ: Imago, 1991.
____________. Manhães de Manhães. RJ: Armazém das Letras, 1997.
____________. Identidade da Mulher – Muito Barulho Para Nada.. 13º Con-
gresso Brasileiro de Psicanálise – São Paulo, 1991.
RAMOS, V.M. Algumas Considerações sobre Análise de Criança. Boletim Científico
da SPRJ, 1991.
249
Resenhado por:
Kátia Barbosa Macêdo*
*
Doutora em Psicologia pela PUSP, Analista em formação pela SBP/IPA, núcleo de Brasília,
professora Titular da Universidade Católica de Goiás.
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do Ego grandioso, seu ideal do Ego, que encobre a imagem do Ego pequeno
e fraco e que se identifica coma organização. No plano da transferência é
uma operação de fusão com a mãe agressiva , de identificação com o
agressor, que o defende contra a agressão da mãe e, ao mesmo tempo,
contra sua própria agressividade. Constrói-se assim, uma organização
imaginária que engloba as características da organização real com as quais
o indivíduo se identificou. A agressividade dirigida para a organização é
canalizada por um lado para o exterior, por outro lado, para o próprio
sujeito, ele deve eliminar a imagem do Ego fraco, deve merecer a imagem
que faz de si mesmo, é constantemente culpado. O individuo desenvolve
formas de prazer do tipo sadomasoquista.
Terceiro momento – Introjeção. A organização imaginária invade o
indivíduo e torna-se parte dele. Os limites com a vida pessoal e privada
são frágeis; Esta última torna-se o lugar privilegiado para viver a angústia
e a agressividade reprimidas. O sistema psicológico é conflitante. Está
baseado numa oposição permanente entre a procura de um prazer
agressivo e uma angústia de morte reprimida. É um sistema fechado onde
o prazer leva à angústia e vive-versa .
O ideal do Ego se constitui em um modelo ao qual o sujeito procura se
moldar. O ideal do Ego tem exigências ilimitadas de perfeição e de poder.
Existem dois tipos de identificações inconscientes. Uma paternal, cujo
agente é o Superego; outra maternal, que passa pelo ideal do Ego. Assim,
existem duas formas de ameaças inconscientes sobre a quais recaem as
identificações, no primeiro caso a ameaça da castração pela figura paternal,
no segundo a ameaça de retirada do amor da mãe.
A economia feudal pré-capitalista corresponde a um sistema psicológico
dominado pelo superego e à identificação ao pai, representado pelo chefe.
O capitalismo nascente é um sistema híbrido, essa organização funciona
como o ideal do Ego coletivo e favorece a aparição de um sistema
psicológico coletivo dominado pelo ideal do Ego e a identificação à mãe.
No capitalismo e na organização hipermoderna, os últimos vestígios do
poder dos chefes, da identificação ao pai, da estrutura mental dominada
pelo superego tendem a desaparecer, na mesma ocasião em que o último
contrapeso ao novo sistema sócio-mental passa a ser dominado no plano
sociológico, pelo poder da organização, e no plano psicológico, pelo ideal
do Ego e a identificação à mãe.
A substituição do ideal do Ego dos indivíduos pelo ideal coletivo
apresentado pela organização tem suas múltiplas consequências. A mais
direta é a introjeção pelos indivíduos das exigências fixadas pela
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Psicanálise interminável
ou com fim possível?
Autor: Theodor Lowenkron
Editora: Imago, Rio de Janeiro, 2007
Resenhado por:
Moacyr Spitz*
*
Psiquiatra e Psicanalista, Membro-Associado da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
(SPRJ).
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Resenhado por:
Pedro Rosaes*
*
Psicólogo – Especialista em Saúde Mental da Infância e Adolescência, IPUB/UFRJ.
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• Estrutura do artigo
Os artigos inéditos, comunicações breves, artigos de revisão e de atualização, devem
ter um súmario em português e em inglês na primeira página do artigo.
As referências bibliográficas devem se adequar as normas da ABNT para
publicação de artigos científicos.
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