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FACSUM - FACULDADE DO SUDESTE MINEIRO


CURSO DE PEDAGOGIA

LUZIA HELENA VALE FONSECA


SIMONE GOMES VIEIRA MUNCK

A EDUCAÇÃO NO COLÉGIO E SEMINÁRIO DO

CARAÇA NA VISÃO DE SEUS EX-ALUNOS

JUIZ DE FORA
2014
1

FACSUM - FACULDADE DO SUDESTE MINEIRO


CURSO DE PEDAGOGIA

LUZIA HELENA VALE FONSECA


SIMONE GOMES VIEIRA MUNCK

A EDUCAÇÃO NO COLÉGIO E SEMINÁRIO DO CARAÇA NA


VISÃO DE SEUS EX-ALUNOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito para
obtenção de grau de Licenciatura em
Pedagogia na FACSUM-Faculdade do
Sudeste Mineiro

Orientadora: Prof. Ms. Maria


Leopoldina Pereira
Co-orientador: Prof. Ms. Tiago Fávero
de Oliveira

Juiz de Fora
Dezembro 2014
2

LUZIA HELENA VALE FONSECA


SIMONE GOMES VIEIRA MUNCK

A EDUCAÇÃO NO COLÉGIO E SEMINÁRIO DO CARAÇA NA


VISÃO DE SEUS EX-ALUNOS

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para obtenção de


grau de Licenciatura em Pedagogia na FACSUM – Faculdade do Sudeste Mineiro.

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado(a)


Em 15/12/2014

_________________________________________________
Prof. Ms. Maria Leopoldina Pereira (FACSUM) - Orientadora

_________________________________________________
Prof. Ms. Tiago Fávero de Oliveira (FACSUM) – Co-orientador

_________________________________________________
Prof.Ms. Cláudia Otelina Costa (FACSUM) – Convidada

Juiz de Fora
Dezembro 2014
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Aos meus amados Taylor, Arthur e Anabel


amores de minha vida. Aos mestres Tiago
Fávero e Maria Leopoldina pela paciência e
dedicação na orientação desta pesquisa.
4

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Deus por iluminar nossos pensamentos e nos fazer capazes


nos momentos em que nos sentimos desestimuladas.
A nossos pais, que nos ensinaram desde muito cedo que o conhecimento é o
maior legado que poderiam nos deixar.
Ao meu esposo amado, Taylor, pela compreensão e incentivo durante o
período da elaboração desta monografia.
Aos nossos queridos e amados filhos, obrigada pelo amor incondicional, pela
paciência e compreensão. Saibam que só conseguimos essa vitória, pois tínhamos
em vocês luz, inspiração e força. Amamos vocês!
Aos professores Maria Leopoldina Pereira e Tiago Fávero de Oliveira, que
nos acolheram, concedendo-nos tempo, em meio às suas inúmeras
responsabilidades, dando-nos suas contribuições para a concretização desse
trabalho.
A nossos familiares pela torcida e incentivo constantes.
Ao querido Padre Lauro Palú que prontamente aceitou colaborar na
elaboração desse trabalho. Muito obrigada pelo presente de nos apoiar.
À Kely Silva (bibliotecária do Caraça): sua colaboração e disposição sempre
atendendo a tudo que pedíamos foi de suma importância. Sem sua ajuda este
trabalho seria muito mais difícil. Obrigada!
Aos ex-alunos José Maria Mayrink, José Pedro, Mariano e Jair cuja
colaboração na realização deste trabalho foi de suma importância. Obrigada!
5

O mundo são jardins. A memória leva carneiros


brancos e lentos, subindo a colina em direção do
vento. A tristeza dobrou as páginas e agora canta de
memória. A luz se enrosca no cabelo dos bambus. O
orvalho dúvida, mas insiste. A sombra nega e se trai,
depois acredita e conta.
Ando entre as coisas, atento como um surdo. As
coisas caminham em bandos, calmadas e alegres, se
recompões. A mão aponta o dedo. A sombra se
desfaz. Os gritos param. O jardim cresce, com o
orvalho, e há rastros no chão, piso entre brilhos na
areia.
Pe. Lauro Palú
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RESUMO

Nesse trabalho analisamos as memórias de ex-alunos do Colégio/Seminário do


Caraça, objetivando conhecer a história que o envolve, sob a ótica de seus ex-
alunos. Buscamos também o entendimento da pedagogia ali aplicada visto que as
práticas didáticas lá presentes foram marcantes na história da educação brasileira.
Em termos gerais nosso propósito foi colher memórias de ex-alunos, analisando
seus relatos por meio do aporte da história da educação. Almejávamos sobretudo
desvelar as representações que os mesmos têm das vivências daquele período, as
práticas vinculadas ao ensino e também a ambiência da escola como festas
religiosas, materiais pedagógicos e outros. Como recurso metodológico utilizamos
entrevistas escritas realizadas com quatro ex-alunos do Seminário. A análise dos
dados revelou que a rotina escolar era permeada por horários, regras e normas, as
quais deveriam ser cumpridas na íntegra e quem não as cumprisse estaria sujeito a
pequenas punições, utilizadas no sentido disciplinar. Havia horário para repouso,
lazer, estudo, orações e alimentação. Através dos relatos dos ex-alunos observamos
que a educação ali presente era voltada para uma formação de modo estrutural para
a vida, onde se aprendia além de conteúdos prescritos no currículo, princípios éticos
que foram levados e aplicados na vida cotidiana pós Caraça.

Palavras chaves: memória, Caraça, educação religiosa.


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ABSTRACT
This research paper aims to build a comprehensive view of the Caraça
boarding school throughout its history according to the memories of four former
students. We also tried to look deeply into the teaching methodology applied since
much of what has been developed there were cornerstones in the history of
education in Brazil. In general, terms our goal was taking the former students’
accounts and analyzing their memories under the point of view of the history of
education. Above all, we wanted to unravel what they thought about the time they
lived there together with practices linked to teaching as well as the school
environment such as school subjects, religious parties and so forth. As a
methodological tool, four former students have been interviewed. The analysis of the
data contained in their answer showed that the school routine was based upon strict
rules and timetables for resting leisure, studying, prayer and meals that should be
thoroughly followed. Those who failed in following these rules were applied light
disciplinary punishments. Also through their accounts it has been realized that
besides the compulsory subjects of the standard curriculum, the school also focused
in laying the moral and ethical concepts that could be applied to their ordinary life
after they left school.

Key words: Caraça, memory, religious education


8

ÍNDICE

INTRODUÇÃO...........................................................................................................09
1. A CONSTRUÇÃO DO COLÉGIO DO CARAÇA...................................................11
1.1. A Educação Caracence................................................................................14
1.1.1. Caraça Português..................................................................................16
1.1.1.1. Crise na Família Religiosa.........................................................17
1.1.1.2. Severas Leis do Império.............................................................18
1.1.1.3. Calúnias e Ingratidões................................................................18
1.1.2. Caraça Francês de 1854 – 1903...........................................................20
1.1.3. Caraça Brasileiro de 1903 – 1975.........................................................23
2. O CARAÇA NOS RELATOS E MEMÓRIAS DOS
EX-ALUNOS/SEMINARISTAS......................................................................................
..30
2.1. Conhecendo os entrevistados e um pouco sobre os caminhos que
levaram ao Colégio/Seminário do Caraça.......................................................31
2.2. A vida no Seminário do Caraça...................................................................33
2.3. Questões disciplinares no Colégio/Seminário do Caraça........................38
2.4. A educação Caracence.................................................................................41
2.5. Vida pós Caraça............................................................................................45
CONCLUSÃO............................................................................................................47
REFERÊNCIAS..........................................................................................................52
ANEXOS....................................................................................................................53
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INTRODUÇÃO

Após um longo período de viagens ao Santuário do Caraça admirando


suas paisagens naturais que mais pareciam desenhadas pelo grande criador, passei
a observar e analisar sua história com outro enfoque. Nessas viagens, conheci e
pude conversar muito com os padres administradores do Santuário e tive a
oportunidade de conhecer parte da história que envolvia o lugar. Foram justamente
estas conversas que orientaram minha escolha em pesquisar e escrever sobre o
aspecto educacional desse lugar que tanto me encantava por suas paisagens
naturais, e, que agora me desafiava a conhecer a história cultural e pedagógica ali
existente.
Nasci e me criei no interior da bela e misteriosa Minas Gerais. Bela por
suas paisagens naturais, artísticas e culturais, e, misteriosa por que a cada dia, a
cada viagem descobrimos algo novo sobre nosso estado, nosso povo e nossa
história. Quando mais jovem, tive o sonho de me tornar professora adiado, e depois
de um tempo longe da escola pude retomar meus estudos e hoje estou prestes a me
tornar Pedagoga. Agora, além dessa realização veio a oportunidade de realizar esse
trabalho narrando a história do Colégio e Seminário do Caraça, tendo como subsidio
a memória de alguns de seus ex – alunos que se dispuseram a colaborar na
realização da pesquisa.
Tinha tudo planejado, sabia o que queria escrever, até a surpresa! O
trabalho poderia ser feito em dupla e uma amiga querida faria dupla comigo. Fiquei
muito feliz pela oportunidade, mas ao mesmo tempo apreensiva, pois via aí um
talvez impedimento para narração da história e memórias dos ex-alunos Colégio e
Seminário do Caraça.
Sabendo que a colega de turma com quem realizaria o trabalho não
conhecia a história do Colégio e Seminário do Caraça, o primeiro passo foi
descrever a ela a história desse colégio, para que se inteirasse acerca do nosso
objeto de estudo. Era necessário descrever muito bem, pois não queria abrir mão
de fazer tal pesquisa e já antevia o quão gratificante e enriquecedor seria para nós
conhecermos a história de um colégio que foi tão importante para a educação
brasileira e principalmente mineira. Para minha grata surpresa minha parceira de
trabalho não só aprovou inteiramente a proposta como ficou muito curiosa para
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descobrirmos juntas os mistérios e histórias que circundaram e ainda circundam o


Colégio, Seminário e hoje Pousada do Caraça.
Como já bem colocado por Luzia, minha parceira nesta pesquisa, logo de
início me interessei pelo tema da pesquisa. Nasci e cresci aqui mesmo em Juiz de
Fora, numa família religiosa que segue os princípios do cristianismo dentro de uma
igreja evangélica – a Batista. Durante minha infância e juventude era crescente o
sonho de formar uma família. Pois assim sucedeu. Tenho um casal de filhos e me
realizo a cada dia com eles. Nasce então outro sonho: ser professora. A Pedagogia
me trouxe à luz o “mundo sob o olhar da criança.” Aprendi que são diversas as
concepções desta fase tão bela da vida. Para chegar ao que a criança é para nós
hoje, passaram-se muitos anos, décadas, séculos. Portanto, vejo aqui uma ótima
oportunidade de me sentir perto de um momento tão importante do nosso passado.
Conhecer, aprender e desenvolver um trabalho sobre o Colégio Caraça, seus
alunos, a educação caracense com tudo que foi e representa para nós até hoje.
O objetivo da pesquisa é o resgate da história do Colégio e Seminário do
Caraça na visão dos seus ex-alunos, visto que a educação ali desenvolvida foi um
fato marcante para a história da educação, especialmente a mineira.
Estruturamos nosso trabalho em dois capítulos e uma conclusão, sendo
que no primeiro momento traçamos um breve histórico do Colégio: sua fundação, o
incêndio em 1968, fato este determinante para o seu fechamento, bem como sua
reabertura após alguns anos fechado, não mais como seminário ou colégio, mas sim
como ponto de turismo reflexivo, cultural e religioso.
No segundo capítulo abordamos especificamente nosso objeto de
pesquisa “A Educação no Colégio e Seminário do Caraça na visão de seus ex-
alunos”, onde trazemos uma análise crítica subsidiada nos relatos de seus ex-
alunos através de depoimentos/entrevistas escritas, visitas ao hoje Santuário do
Caraça, análise de documentos disponibilizados pela biblioteca do santuário, bem
como pesquisa bibliográfica sobre o tema.
Finalmente para encerrarmos nossa pesquisa trazemos nossa conclusão
acerca do trabalho realizado.

1. A CONSTRUÇÃO DO COLÉGIO DO CARAÇA1


1
Na elaboração desta pesquisa, todas as datas mencionadas e relativas a eventos significantes na
história do Colégio/Seminário do Caraça foram extraídas do livro “Caraça: Peregrinação. Cultura.
Lazer” de Pe. José Tobias Zico, e também ao site Portal do Caraça
11

O Colégio e Seminário do Caraça está localizado nas montanhas de Minas


Gerais, a mais de 1.400m de altitude e a 120 km da capital Belo Horizonte, bem no
centro de Minas Gerais, no contraforte da serra do Espinhaço. Tem como fundador
uma figura lendária sobre a qual pairam muitas lendas, mas de fato o que se sabe é
que

É, porém, historicamente certo o seguinte: em 1763, está ele, de fato em


Diamantina, onde, aos 28 de fevereiro, na capela de Santo Antônio do
Tejuco, recebe o hábito da Ordem Terceira de São Francisco e, a 4 de
outubro, festa do padroeiro, faz sua profissão religiosa a Imaculada
Conceição da Virgem Maria. Neste dia, sem declarar seu nome civil, toma
oficialmente o nome, pelo qual o conhecemos: Irmão Lourenço de Nossa
Senhora. (ZICO, 1998, p. 16)

Ainda segundo Padre Tobias Zico, depois de abril de 1770 quando em


Diamantina, fez à Ordem Terceira da Penitência uma doação parcial de seus bens, e
dizendo ter escravos seus e alugados, partiu para o Caraça. Após viajar por um
longo período, já no final de 1970 e início de 1971, Irmão Lourenço chega a esse
cenário encantador e misterioso. Começa a nascer ali o Santuário de Nossa
Senhora Mãe dos Homens.
Oito anos depois, em 1979, estava concluída a construção que deu origem
ao Colégio e Seminário do Caraça. No início este monumento contava apenas uma
Igreja em estilo barroco, tendo em sua direita e esquerda duas alas com dois
andares cada um, cada um com seis janelas, para “hospício” ou hospedagem dos
irmãos peregrinos e escravos. Irmão Lourenço viveu mais de 90 anos de idade e
muitos deles dedicados ao Santuário do Caraça, local de seu falecimento.

Aos 27 de outubro de 1819, faleceu da vida. Segundo Padre Tobias Zico,


este fato nunca será bem esclarecido, “porque até hoje os arquivos não nos
disseram exatamente qual o nome do Irmão Lourenço, e nem em que dia e
ano nasceu aquele que consagrou 50 anos de sua vida ao Santuário de
Nossa Senhora Mãe dos Homens da Serra do Caraça. (Livro de óbitos de
Catas Altas)

O que sabemos dessa figura enigmática é que em 1763, está ele, de fato no
Brasil em Diamantina, onde, a 28 de fevereiro, na capela de Santo Antônio do

(http://www.santuariodocaraca.com.br/o-colegio-e-seminario).
12

Tejuco recebe o hábito da Ordem terceira de São Francisco. Tempos depois junto
com dez irmãos parte para o Caraça, fundando ali o Santuário Nossa Senhora Mãe
dos Homens, deixando o mesmo em testamento no ano de 1.806, quando declara:

Sou possuidor e dono de uma sesmaria de terras... sitas na serra do


Caraça... onde a minha custa e com esmolas dos fiéis, edifiquei uma capela
com o Título de Nossa Senhora mãe dos Homens e São Francisco da
Chagas com todos os seus pertences, ornamentos, imagens, alfais e todos
os meus bens que me pertencem fiz oferecimento por mim a Sua Alteza
Real para estabelecimento de um hospício de missionários... Declaro que
minha vontade sempre foi e é de que todos os meus referidos bens fossem
para estabelecimento e residência de missionário, e não podendo ser
conseguir – se para este fim, que, em tal caso, servissem para seminário de
meninos, onde aprendessem as primeiras letras e mais artes, ciência e
línguas. (ZICO, 1988, p.20)

A construção deixada pelo Irmão Lourenço era muito pequena o que


inviabilizava a construção de um colégio, devido à falta de espaço para abrigar as
salas de aula, dormitórios, tanto para os alunos, como para os Padres professores.
Segundo relatos do mesmo autor o colégio foi oficialmente aberto no
começo de 1821, com 14 alunos. Quando em 1824, D. Pedro I conferia o Título de
Imperial à casa do Caraça, o número já subira a 85. No ano seguinte passou a 113 e
logo depois a 150. De 1821 a 1835 estudaram no Caraça, mais de mil alunos.
Por volta de 1830, o Padre Leandro Rebelo Peixoto e Castro aumentou o
prédio da direita do lado do Calvário, dando a ele mais cinco janelas, a fim de
acolher os muitos alunos que se matriculavam. E muitas foram as matrículas: de
1820 a 1834, 1535 alunos entraram no Colégio do Caraça.

Possivelmente seja desta época também a construção da parte mais antiga


da Casa das Sampais, visto que nesta data já estavam no Caraça os
membros da família Sampaio, como benfeitores e colaboradores do Colégio.
Em 1858, o Padre Mariano Maller construiu um salão perpendicular ao
refeitório do Colégio e paralelo à cozinha, que foi capela, refeitório,
dormitório, sala de recreio, depósito e salão de teatro. (Portal do caraça)

De acordo com Pe. Tobias Zico (1988) entre os períodos de 1863 a 1866,
com a presença do Seminário Maior de Mariana no Caraça, os Padres Miguel
Sípolis e Bartolomeu Sípolis, com o aval e incentivo de Dom Viçoso, bispo de
Mariana, construíram o Cenáculo, atualmente Capela do Sagrado Coração, a 200m
do Santuário, na direção da Carapuça. Para não sobrecarregar as acomodações do
Colégio, o objetivo pelo qual construíram essa capela era de abrigar o Seminário
13

Interno e os Padres que voltavam das missões. Construíram, então, uma capela e
um prédio de dois andares para mais ou menos umas 20 a 30 pessoas. Construção
esta que nunca chegou a ser usada devido à transferência de seus construtores e
ao desinteresse da comunidade, baseados nas dificuldades de localização do
Cenáculo.
Em uma das visitas realizada ao Santuário do Caraça, durante a realização
desta pesquisa, pudemos perceber que atualmente a capela do Sagrado Coração
encontra-se restaurada sendo ponto turístico, o prédio construído ao seu lado ainda
se encontra em ruínas.
Tobias Zico (1998) afirma que em 1870, a parte esquerda do prédio, que
contava com seis janelas ainda do tempo do Irmão Lourenço, recebeu outras cinco,
igualando-se ao prédio da direita, que tinha onze janelas desde 1830.
Em 1871, o Padre Clavelin deu início à construção da primeira parte do
prédio incendiado (atualmente, toda em ruínas), a fim de abrigar os muitos alunos
que já estudavam e aqueles outros muitos que possivelmente chegariam ao Colégio.
Esta obra, terminada em 1875, teve seu andar térreo feito de pedras e as paredes
superiores feitas com tijolos.

Imagem 1: Foto do grupo de alunos em 1976

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça

Em 1876, o mesmo religioso derrubou a Ermida do Irmão Lourenço e iniciou


a construção do atual templo neogótico, concluído em 1883.
Entre 1885 e 1890, o Padre Luís Gonzaga Boavida construiu a segunda
parte do prédio incendiado, toda ela de pedras. Também represou as águas do
14

Tanque Grande, trouxe para o Caraça a energia elétrica (20 de novembro de 1893)
e construiu o Sobradinho Afonso Pena, assim chamado ter hospedado o ilustre ex-
aluno em 1893. No século XX, outras obras menores foram sendo construídas e
muitos reparos tiveram que ser feitos. No final do século XIX, o Caraça já era
praticamente o que é hoje em termos de grandes construções.

1.1. A Educação Caracense

Dados obtidos no site “Portal do Caraça” revelam que pelo Colégio do


Caraça passaram quase 11.000 alunos, dos quais muitos tiveram seus nomes
reconhecidos no cenário nacional, seja no aspecto político, civil ou religioso. Em
média foram 500 padres, 21 bispos, 120 políticos, dos quais dois Presidentes da
República: Afonso Pena (1906-1909) e Artur Bernardes (1922-1926), magistrados,
médicos, engenheiros, cientistas, professores universitários, etc.

Imagem 2: Padre Álvaro Barros em sala de aula

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça

Sobre o sistema de ensino do Caraça, um importante depoimento sinaliza


para a suavidade e a autoridade da escola, quando diz que “o sistema de ensino do
Caraça era admirável código de educação, um modelo de verdadeiro humanismo
15

pedagógico, em que a autoridade harmoniosamente se combina com a


personalidade e a suavidade”2.

Como lugar de ensino humanístico, o Colégio sempre se esmerou pela


excelência acadêmica (o que muitas vezes contrastava radicalmente com a
decadência da educação primária no país, o que forçava os abastados a
estudarem na Europa), coerência e seriedade pedagógica dos professores,
séria disciplina, tinha como significado: rigidez, absoluta pontualidade e
cadência ritualística dos dias e das atividades. (Portal do Caraça)

No período áureo francês (fim do século XIX), no Caraça, unido ao curso de


Teologia e Filosofia do Seminário Maior de Mariana, estudavam-se 25 matérias. Um
ritmo verdadeiramente universitário, visto que os meninos, neste período, ficavam
internos em média sete anos!
No século XX, os meninos continuavam chegando ao Caraça por volta
dos10 - 11 anos, mas ficavam menos tempo que no período francês. O curso de
humanidades do Colégio, agora equiparado ao Ginásio Nacional, pelo Decreto 3701,
era de apenas cinco anos e nele se estudava, com algumas variações: Religião,
Português, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Universal, Latim, Grego,
Francês, Inglês, Matemática, Aritmética, Geografia, Cosmografia, História Natural,
Ciências (Física e Química), História do Brasil e Universal, Desenho e Caligrafia.
O site “Portal do Caraça” nos diz que o objetivo dos estudos era o
conhecimento detalhado, quanto possível aprofundado, do tema versado. O método
era a explicação antecipada pelo professor da matéria da aula seguinte, que era
revista antes da respectiva aula pelo próprio aluno, na hora do estudo pessoal. Eram
duas aulas pela manhã e duas pela tarde, todas precedidas por seus estudos, além
do estudo noturno, para as tarefas e exercícios passados pelos professores.
Exames orais e questionamentos sobre as matérias eram feitos periodicamente,
além do exercício de leitura, para o qual aproveitavam os momentos de refeição.
Ademais, eram frequentes os campeonatos de literatura e os torneios temáticos.
Tudo isso, aliado a grande disciplina, possibilitava aos alunos um sério estudo e uma
excelente aquisição de conhecimentos. Indisciplina, “colas”, maus hábitos escolares,
brigas e preguiça não eram admitidas pelos padres professores e consideradas
inaceitáveis no esquema educacional caracense.

2
LIMA, Alceu Amoroso. Disponível emhttp://www.santuariodocaraca.com.br/o-colegio-e-seminario/a-
educacao-caracense. Acesso em: 15/10/2014
16

Ainda de acordo com o site, a leitura de notas mensal ou semestral era


também um grande fator de incentivo ao estudo. Tal acontecimento se dava no
salão de estudos, na presença de todos os alunos e de todos os professores e com
júbilo eram saudados aqueles que tiravam nove e dez.
De modo especial, cabe ressaltar o aproveitamento do tempo como um dos
pontos mais marcantes e fundamentais do Colégio do Caraça. O tempo empregado
no estudo pessoal, na leitura e nas aulas completava o motivo pelo qual subiram a
Serra. Os alunos aplicavam-se, guiados pelo exemplo e direção dos Padres
professores, com assiduidade à aquisição do conhecimento e com rígida e fecunda
disciplina à organização de suas vidas.
A história da educação do colégio Caraça pode ser dividida por três
períodos: Caraça Português (1820 – 1854), Caraça Francês (1854 – 1903) e Caraça
Brasileiro (1903 –1975).

1.1.1. Caraça Português

Este período tem como ponto de partida a chegada dos Padres Leandro
Rebelo Peixoto e Castro e Antônio Ferreira Viçoso à Serra do Caraça. Estes foram
os fundadores do Colégio e aqueles que deram início à realização da vontade de
Irmão Lourenço.
Segundo o Pe. Tobias Zico, em junho de 1820 acontecem as primeiras
Missões pregadas pelos Padres Lazaristas em Catas Altas, próximo à Serra do
Caraça e logo depois, em julho do mesmo ano, missões em Barbacena, cidade de
onde Pe. Leandro parte para o Rio de Janeiro com o objetivo de expor ao Rei Dom
João VI as condições em que encontrou a Ermida do Irmão Lourenço.
Dom João VI, em 11 de outubro de 1820 concede ao Caraça o título de
Casa Real. Nesta mesma viagem, Padre Leandro traz consigo do Rio de Janeiro os
quatro primeiros alunos do nascente Colégio: Francisco de Paula, José Goulart,
Manuel Maria de Lacerda e João Dinis. Em 24 de Janeiro de 1824, Dom Pedro I
concede ao Caraça o título de Casa Imperial e dá licença para serem esculpidas em
seu frontispício as armas do Império.
E assim foi crescendo o nobre colégio do Caraça. A cada ano
chegavam novos alunos e saiam alunos em igual proporção. Com isso as crises
17

também se aproximavam, dentre elas destacamos as seguintes: crise na família


religiosa, severas leis do Império contra os frades estrangeiros e por fim calunias e
ingratidões de alguns beneficiados.

Imagem 3: Uma visão geral da extensão do Santuário, vista do mirante.

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça

1.1.1.1. Crise na família religiosa

A congregação da Missão sofre a maior crise interna de sua história (1800 a


1827). Esta crise teve início com o impasse entre Napoleão Bonaparte e o Papa Pio
VII. Embora o conflito acontecesse na Europa, rapidamente chegara ao Brasil, mais
especificamente no Caraça. Diz Tobias Zico (1998, p.45),

(...) esta crise repercutiu terrivelmente no espírito de toda a


comunidade religiosa, fechando as portas para o recrutamento
de novos elementos, e criando nos antigos, perplexidade na
obediência. A crise, atingindo Portugal, chegou até o Caraça,
logo depois da Independência do Brasil.

Em decorrência desses fatos o Colégio do Caraça é transferido para Campo


Belo do Sertão da Farinha Podre (hoje, Campina Verde-MG), devido às ameaças da
insurreição de Minas.
18

1.1.1.2. Severas leis do Império

Não bastando a crise que o Caraça enfrentara dentro de sua própria


comunidade religiosa, passaria a partir daí a enfrentar as Leis do Império, uma vez
que a crise que afetava a Europa atingira Portugal e tivera reflexos nos colégios de
cunho religioso. Como o Caraça era mantido em parte pela Coroa Portuguesa a
mesma começaria então a influenciar na vida e administração do Colégio, o que fica
explicito na carta Magma de 1824.

[...] pela carta Magna de 25 de março de 1824, D. Pedro I conserva o


Padroado e o Palacet. Pelo Padroado seria o protetor da Igreja com direitos
de conferir benefícios eclesiásticos a quem bem desejasse; o palacet só
permitiria publicar no Brasil cartas ou decretos do Papa que fossem de
acordo com o pensamento e desejos de sua Majestade Imperial. Ademais
D. Pedro I estava bem protegido pelo regalismo e liberalismo de seus
conselheiros, dos parlamentares, entre os quais vinte e dois eram
eclesiásticos” (ZICO, 1998, p. 45)

A este respeito, escreveu Maurilio Camelo, estudioso desse agitado período


da história da Igreja. “Eram eles os representantes daquele clero secular que, por
falta de prestigio ou ação, mais auxiliou a D. Pedro em sua política em prol do
primado do poder temporal sobre o espiritual.” (CAMELO apud ZICO, 1998, p. 45)

1.1.1.3. Calunias e ingratidões

Segundo Pe. Tobias Zico (1988), enquanto ruge lá fora a tempestade


abalando as relações entre Vaticano e o Império, os padres do Caraça se dedicam,
de corpo e alma, ao bem da Igreja e do Brasil, nas Missões e nos colégio do Caraça,
de Congonhas e de Campo Belo da Farinha Podre, no Triângulo Mineiro. Mas o zelo
dos padres iria acender o estopim para um grande estrondo. Devido à doença de
Irmão Lourenço e ao aumento significativo do número de alunos, via – se a
necessidade urgente de melhorias na casa. Então Padre Leandro, tem a ideia de
escreverem ao governo propondo que o mesmo lhe antecipasse três a quatro contos
de reis dos cem mil que recebia anualmente. A carta não teve relevância, mas o
pedido repercutiu como uma bomba.

E obedecendo ao ofício do ministro fez-se em Sabará uma enquete,


recolhendo dados e testemunhas sobre a vida do Colégio do Caraça. O
19

corregedor de Sabará, na sua resposta citou três depoimentos


desfavoráveis, sendo um do cadete Antônio Teixeira de Miranda, ex-aluno
do Caraça:... “O prédio não precisa de tais melhoramentos... O colégio não
é tão útil ao bem público [...] o regulamento não favorecem aos estudos... A
primeira obrigação do estudante é rezar” ... e etc. E os ataques, e calúnias
se multiplicaram se espalharam: “são padres estrangeiros, são outros
Jesuítas, são portugueses”, etc. Nessa época, ser contra Portugal era
sinônimo de patriotismo...”. (ZICO, 1998, p. 47)

Ainda segundo o mesmo autor algumas pessoas até foram em defesa dos
padres do Caraça, como o vigário de Roças Novas que se dizia “Um amante das
couzas boas”. Mais tarde os próprios padres saíram de seu silencio para fazer um
manifesto aos deputados, que na câmara se manifestavam para que fossem eles
banidos do Império do Brasil.
Os anos que viriam não seriam de tranquilidade para o País e tão pouco
para o Caraça. É só lembrarmos que em 1831, há a abdicação de D. Pedro I, isso
ocorre logo depois de sua visita ao Caraça. Ocorrem ainda as revoluções durante a
Regência e nos primeiros anos do governo de D. Pedro II.
Em 1842, quando o Caraça estava entre dois fogos, o dos liberais, chefiados
por Teófilo Otoni em Ouro Preto, e dos legalistas, sob o comando de Caxias em
Santa Luzia, o Pe. Viçoso tomou uma atitude que nós hoje dificilmente entendemos:
fugir para longe, levando os alunos para o Triângulo Mineiro.

Lá estava Pe. Antônio Viçoso, penetrado de dor e saudade. Chorava ao


recordar sua chegada ao Caraça, havia vinte e dois anos. Chorava lágrimas
amargas: há um ano falecera, em Ouro Preto, o seu Superior em Portugal e
no Brasil, seu companheiro de viagens de Lisboa ao Rio, do Rio ao Caraça –
o seu querido Pe. Leandro. E, agora, estava morto também o Caraça. E ia
enterrá-lo partindo para Campo Belo. Era o Caraça a primeira pedra angular
do edifício de sua muito amada Congregação no Brasil; pedra regada de seu
suor e colocada em suas mãos. E com ele choravam os quatro padres, os
três irmãos coadjutores, os quarenta e seis escravos, entre os quais
dezessete meninos. Choravam todos, porque todos eram afeiçoadíssimos à
ermida do Irmão Lourenço e ao Santuário da Senhora Mãe dos Homens.
Partiram, levando consigo tudo o que podiam e deviam levar: cavalos, gados,
galinhas, caixotes de roupas e livros, sacos de feijão e milho, tachos, panelas,
colchões, prato [...] O Caraça, berço da Congregação da Missão ia ficar
abandonado, vazio, sem dono, durante alguns anos”. (SARNEEL, apud ZICO,
1998, p.49)

1.1.2. Caraça Francês de 1854-1903

Este período tem início com a transferência do Seminário Maior de Mariana,


para o Caraça, devido a uma grande epidemia de varíola na cidade. O bispo e os
20

professores em conselho decidem transferir os seminaristas menores para uma


fazenda da Diocese e os maiores para o Caraça. “Começava então, a nova era para
o Caraça, bem mais glamorosa que a anterior, já que a glória de grande Colégio era
acrescida a de Seminário maior formador do clero mineiro”. (ZICO, 1998, p. 60)
Padre Miguel Sípolis primeiro Superior francês, já era Superior em
Mariana no Seminário Maior e por isso continuou a ser no Caraça. Como já havia
trabalhado em Portugal sabia melhor a língua portuguesa que seus companheiros,
além disso, trazia consigo outras qualidades, o que o ajudou a ser aceito pelos
alunos.
No Caraça, como em qualquer outro Seminário, eram ministradas neste
tempo as seguintes matérias eclesiásticas: Filosofia Escolástica, por um ano e duas
aulas ao dia; Teologia Dogmática e Moral, por três ou quatro anos; Direito Canônico,
Hermenêutica, Liturgia e Eloquência Sagrada, em cargas horárias mais suaves.
Segundo Pe. Tobias Zico “[...] o aluno sem ser águia, mas que se aplicasse
um pouco sairia no fim do curso com uma bagagem de conhecimentos mais que
suficiente para o desempenho de seu sublime ministério.” (Ibidem, p.61). E muitos
destes alunos se tornariam os padres, santos e sábios, ordenados a cada ano no
Caraça. Em vinte e dois anos, no período de 1854 a 1875, D. Viçoso ordenou
duzentos e vinte sacerdotes, ou seja, dez por ano, em média.
“Estes sacerdotes eram distribuídos pelas cidades e vilas para, numa vida
simples e heroica, humilde e evangélica, irem cultivando e formando a mentalidade
do povo mineiro, que muito lhes deve.” (Ibidem, p. 61)
Ainda de acordo com Pe. Tobias Zico, organizado o Seminário, o Superior
Pe. Miguel Sípolis procurou reabrir o Colégio, que, durante vinte anos, havia
produzido tão fecundos frutos. Isto ele fez para atender aos contínuos pedidos dos
pais, a conselho de Dom Viçoso e também apoiado na frase de Saint-Hilaire: “A meu
ver, nenhum local poderia ser mais bem escolhido para se fundar uma casa de
educação” (Ibidem, p.63). E assim aos 15 de novembro de 1856, o Colégio é
reaberto e a partir daí o número de alunos foi sempre aumentando.
Pe. Sípolis, após organizar o colégio e tendo que voltar à Europa, fica como
superior o Pe. Musci, por possuir bom preparo intelectual e que muito acrescentou
aos alunos do Caraça. Foi ele também como bom administrador que comprou em
1858, a Fazenda do Engenho, o pedaço de terra mais fértil que o Caraça possuía.
21

De acordo com o mesmo autor, Pe. Sípolis quando voltou ao Caraça em


1862 ocupou novamente o cargo de Superior. No Colégio e no Seminário havia um
aumento significativo do número de alunos e entre eles já estudava o futuro
presidente da República Afonso Moreira Pena (com a Matrícula nº 149).
Nesta época foi construída a capela do Sagrado Coração de Jesus, com um
sobrado ao lado com dois andares para acomodação de vinte pessoas. O objetivo
dessa construção era o de acolher os missionários que chegavam das missões e
também fazer ali um noviciado, já que a casa do Caraça encontrava se muito cheia.
Só que o tempo mostrou a seus construtores que o local não fora bem escolhido,
devido às dificuldades de acesso.
Hoje, ao visitar a capela do Sagrado Coração, o visitante ainda observa ao
lado da capela restaurada as ruínas dessa construção: ruínas de um sonho não
calculado e planejado.
Ainda segundo relatos de Pe. Tobias Zico, o que não era sonho, mas grande
realidade, era o esplendor do Colégio do Caraça, que em 1867 começou a ser
dirigido pelo grande educador, Pe. Júlio Clavielin. Seu Superiorato foi a idade de
ouro do Caraça, marcada por grandes acontecimentos, como a visita de D. Pedro II,
em 1881. E ele, seguindo exemplo de Pe. Leandro, aumentou a ala da direita do
edifício colonial, ficando o mesmo igual ao da esquerda com onze janelas.
Com o aumento no número de matriculas Pe. Clavelin detectou a
necessidade de melhorias nas acomodações e salas de aula. E foi o que fez ao
construir um edifício de três andares, na ala esquerda, unido aos fundos da Igreja.
Mais tarde seu sucessor, Pe. Luís Boavida, continuará a obra no mesmo estilo
porem de forma mais sólida, toda de pedra. Outro grande feito de Pe. Clavelin foi a
construção da Igreja Gótica no mesmo lugar da Barroca construída por Irmão
Lourenço.
Com o avançar da idade de Pe. Clavelin e depois de o mesmo estar quase
cego, seu braço direito no governo da casa do Caraça, Pe. Luís Gonzaga Boavida
assume a direção do Caraça em 1885.
Segundo Tobias Zico (1998, p.74) o colégio ainda está no seu apogeu,
vivendo sob a influência de sua idade de ouro, mas seu declínio já era previsto, pois
se abria no Brasil vários centros de estudos e isso facilitava os estudos dos jovens
perto de suas famílias. Como dito anteriormente Pe. Boa vinda terminou a
22

construção de seu antecessor, o edifício todo em pedras, sem dúvidas uma das
melhores obras da época.
No andar térreo funcionavam as salas de aula, a biblioteca, gabinetes de
física e química, enfermaria, batinaria, rouparia e mais tarde, gabinete dentário e raio
x. No primeiro andar dois grandes salões: sendo um para estudo com capacidade
para 300 alunos e outro para festas e teatros. No último funcionavam dois grandes
dormitórios para 200 camas, com um quarto para disciplinário e instalações
sanitárias. Foi neste prédio que em 1968, que ocorreu o grande incêndio que fechou
de vez as portas do Colégio. (ZICO, 1998, p. 74-75). Ainda de acordo com autor, foi
durante este período que estudou no Colégio do Caraça outro futuro presidente do
Brasil, Artur da Silva Bernardes.
Coube a Pe. Boavida também a construção da barragem do Tanque Grande,
canalizando a água do Córrego da Canjerana, que além da poesia e conforto que
trouxe à bacia do Caraça, tinha duas finalidades: durante o dia mover o engenho e à
noite permitir que a própria roda do engenho produzisse luz elétrica.
Como se pode notar foram muitos os melhoramentos do Pe. Boavida, mas
um de seus grandes tesouros deixado para o Caraça e que lá se encontra até os
dias de hoje, foi a construção de um órgão a ser inaugurado junto com a Igreja
Gótica. Tal instrumento contém setecentos tubos, setecentas notas e um som
maravilhoso. Além de tudo isso, foi Pe. Boavida quem inaugurou a Escola Apostólica
no Caraça, atendendo tanto a um desejo de seu superior geral, quanto `a
concretização do sonho de seu fundador Irmão Lourenço.
Segundo Pe. Tobias, muitos foram os frutos produzidos na Escola Apostólica
Caraça, formando vários sacerdotes. Mas para alguns professores a Escola era um
elemento estranho no colégio, um peso, a causa de muitos atritos. Após 10 anos,
cansado seu fundador e diretor, sem ter alguém a altura para substituí-lo, decide
pela transferência da mesma para Petrópolis, sob os cuidados do Pe. Calleri. Assim
foi se embora a Escola Apostólica, mas em 1909 haveria de voltar ao Caraça e
permanecer lá ora sozinha, ora ao lado do Colégio, produzindo seus frutos até maio
de 1968, data do fatídico incêndio que culminou com seu fechamento.

1.1.3. Caraça Brasileiro de 1903-1975


23

O chamado “Caraça Brasileiro” foi o período marcado pela reabertura da


Escola Apostólica e também pelo fechamento do Colégio em 1912, data a partir da
qual permanece o Caraça aberto como Escola Apostólica até o impiedoso incêndio
de maio de 1968, que marca em definitivo o fim as atividades educacionais e
religiosas ali desenvolvidas.
Segundo padre Tobias Zico (1998), depois de oitenta e dois anos de
existência o Colégio do Caraça iria ter pela primeira vez um superior brasileiro, Pe.
Francisco de Paula e Silva, nascido em Douradinho, Minas Gerais em 1886. É
verdade que os antecessores, portugueses: Leandro, Viçoso e Boavida,
preocupavam-se muito com o futuro da congregação no Brasil e com isso se
esforçaram ao máximo em formar seus substitutos conforme já relatamos
anteriormente, mas o primeiro superior brasileiro entrou na congregação não pelas
portas da Escola Apostólica do Caraça, mas pelas do Seminário de Mariana, onde
se deixou levar pelos exemplos do grande superior e formador do clero mineiro: Pe.
Carnagliotto.

Imagem 4: Férias na Fazenda do Engenho 1937

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça


Em julho de 1905 reabre a Escola Apostólica e esta permanece aberta
até maio de 1968, data do incêndio que determina o seu fechamento de fato. O
número de alunos nesta época era pouco mais de 100, e o número de professores
16. Apesar do número pequeno de alunos teve seu trabalho abençoado,
conseguindo dar à igreja durante os 63 anos de seu funcionamento (1905 a 1968),
178 sacerdotes sendo: 131 lazaristas e 47 seculares ou de outras congregações.
24

Foi durante esse superiorato que a capela do Sagrado Coração de Jesus foi
restaurada, como promessa feita a Deus para que libertasse o Caraça da doença do
beribéri3.
Segundo Pe. Tobias Zico: “É verdade acaciana dizer a vida dos
indivíduos do como das entidades está sujeita a altos e baixos. A vida do Caraça
não foge a essa regra, como no vimos no tempo do irmão Lourenço, dos Padres
Portugueses, Franceses e Brasileiros” (ZICO, 1998, p.155).
De acordo com o religioso, o nosso século e, sobretudo a década de 60
foram marcados por grandes transformações, em todo mundo e também na vida da
Igreja, começando pelo Papa João XXIII e se confirmando durante o concílio
Vaticano II e no período pós – concílio.
Em um de seus preciosos documentos (Lumen Gentium) lembra o concílio
“que o gênero humano se encontra em fase nova de sua história com mudanças
profundas e rápidas, atingindo o homem no seu modo de pensar e agir.” “Já
podemos falar de verdadeira transformação social e cultural que repercute na
própria vida religiosa”. (Ibidem, p.155) estas dificuldades se fizeram sentir no
Caraça, como em muitos outros seminários e casas de formação religiosa.

(...) A difícil situação financeira do Caraça, a inflação que engoliu todas as


bolsas de estudos, a gratuidade de muitos alunos, tudo exigia uma
contemporização com as mudanças, no Caraça, que se via obrigado a se
adaptar ao novo perfil de alunos, que muitas vezes não tinham uma índole
boa. Mas como era necessário sobreviver e para isso o Caraça precisava
desses alunos, pois eles pagavam pensão. Este fato não agradava alguns
professores e estes se sentiam mal, ante a mudança de métodos de
estudos e de disciplina, com a vadiagem de alguns e com a ousadia de
outros que para defender seus “direitos” erros fizeram com que os
professores ouvissem uma frase nunca antes ouvida no Caraça: “ora essa
estou pagando! ...” (ZICO, 1998, p. 155)

Quando na segunda quinzena de maio de 1968, reuniram se no Rio de


Janeiro a Assembleia Provincial dos Padres Lazaristas, os dois deputados,
representantes do Caraça levavam entre os seus postulados uma preocupação
sobre o estado de sua casa, que estava deixando ser Seminário ou Escola
3
O beribéri é uma doença que se caracteriza por alterações nervosas, cerebrais e cardíacas. A
doença se instala como consequência da carência da vitamina B1 (tiamina) no organismo. O bom
funcionamento do cérebro, o relaxamento do sistema nervoso e o fortalecimento do músculo
do coração dependem de um adequado suprimento da vitamina B1. Quando há deficiência
dessa vitamina no organismo aparece o beribéri, doença que hoje é rara principalmente em países
desenvolvidos, nos quais a maior parte dos alimentos é enriquecida com as vitaminas essenciais.
ABC. MED. BR, 2013. O que é beribéri? Disponível em:
<http://www.abc.med.br/p/343944/o+que+e+beriberi.htm>. Acesso em: 30 out. 2014.
25

Apostólica, para se transformar em um simples colégio com as quatro séries finais


do primeiro grau.
A assembleia iniciou-se na manhã do dia 23 e terminou na tarde de 27 de
maio, com a leitura da última Ata feita pelo secretário, a assinatura dos 35
“assembleístas” e com uma celebração em ação de graças.
Enquanto no Rio termina a Assembleia que iria discutir questões de
interesse geral da congregação, não tendo tempo de tratar de assuntos particulares
do Seminário, no Caraça, sem saber o desfecho da Assembleia, os dois padres que
ficaram como responsáveis pela casa conversam ansiosos por notícias da mesma já
que esta tinha como uma das pautas o destino da instituição.
Segundo Pe. Tobias Zico, quando às 22:30, um deles, o disciplinário, Pe.
Sílvio Martins se despede do companheiro e se dirige para o dormitório dos alunos,
atravessa o claustro, passa pela igreja e corredores, mas antes subir as escadas vê
à direita a sala de encadernação, onde ele, juntamente com alguns os alunos
habilidosos, se dedicavam à recuperação dos velhos manuais de aula. Ali também
se encontravam várias peças de valor: prensas do século anterior, trabalhadas em
cedro e canela pelo Pe. Boavida, coleção de tipos de imprensa, sinete, guilhotina
manual, vários livros e muito material para trabalho. Perto da porta havia um
fogareiro elétrico, usado para manter em banho-maria a lata de cola.
26

Imagens 5, 6: Incêndio de 1968 que decretou o fechamento da Escola Apostólica.

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça

Ao lado da sala de encadernação, uma biblioteca com 30 mil volumes, o


quarto do disciplinário, a enfermaria (naquela noite, com quatro alunos; três doentes
e um enfermeiro), a farmácia cheia de remédios para servir os alunos, domésticos e
pobres da vizinhança, sob a responsabilidade do dedicado farmacêutico Pe. Clovis.
Olhando e observando tudo isso, continua a subir as escadas o disciplinário. Como
de costume, percorre as fileiras de cama, onde dormem profundamente os alunos
sob a luz pálida das lâmpadas azuis, reza as completas do breviário e se deita
cansado, pensando nos pequeninos problemas do cotidiano da vida de professor e
disciplinário, até que às três horas da madrugada acorda um dos doentes sentindo
asfixia, chama os colegas que acendem as luzes e dão o alarme.

Imagem 7: incêndio de 1968


27

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça


Ainda conforme relato de Pe. Tobias Zico (1988), em um gesto desesperado
o Padre fez uma oração a Nossa Senhora, pedindo para que salvasse ao menos a
vida dos 90 alunos sob sua responsabilidade. Volta correndo aos dormitórios,
acende as luzes e percebendo não se tratar de um curto circuito bate palmas
nervosamente para acordar a todos, dando ordens para que desçam as escadas
imediatamente. A fumaça escurece as escadas e invade os dormitórios. Os regentes
insistem com os preguiçosos a terem pressa para descer, já os mais espertos
correm a acordar os padres e irmãos. Entre alarmes incrédulos e sonolência
reúnem-se os alunos no recreio. O disciplinário quer ver se todos estão ali. Neste
momento chega correndo Pe. Marcos, que vai à distribuidora e desliga a chave. A
escuridão é completa e logo mostra a dimensão e gravidade do incêndio.
Irmão Nilo se posta diante do telefone rodando a manivela... O velho
telefone foi útil mais uma vez. Uma pessoa atende em São Bento e comunica a
Santa Bárbara. Logo ao saber o prefeito comunica ao Corpo de Bombeiro de Belo
Horizonte e assim antes da seis da manhã as rádios Inconfidência e Guarani
noticiam a catástrofe no Caraça.
No Caraça o fogo segue seu trabalho de destruição tomando toda parte
esquerda do prédio. Ouviam-se os barulhos dos desmoronamentos, dos estrondos
dos vidros com substâncias químicas no gabinete de física e química e na farmácia.
O vento sopra e alastra o fogo pelo Salão de Teatro, consumindo as colunas que
sustentam o dormitório. Este veio todo abaixo, com um grande estrondo, enquanto
milhares de fagulhas sobem e brilham como estrelas, ouve-se a voz inocente de um
dos pequeninos, que, sem saber a gravidade da tragédia grita uma gíria, “Oh legal!
Que legal!”... (Ibidem, p.159)

Imagem 8: incêndio de 1968 telhado vindo abaixo isolando o fogo


28

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça


Passado o primeiro impacto, os padres se lançam na luta contra o fogo. Já
padre Absalão aparece com sua máquina, fotografando as labaredas através das
janelas e as atitudes de alguns alunos de pijamas ou enrolados em cobertores.
Depois o mesmo padre reúne um grupo de alunos e tenta fazer- lhes uma preleção
sobre o modo de apagar incêndio.
Em seus relatos Pe. Tobias Zico afirma que prático e rápido foi o Irmão
Jerônimo que de machado em punho, enfrenta o calor e derruba parte do telhado do
recreio impedindo que o fogo se espalhasse pela casa. Em meio a tantos atos
desesperados de salvar o que podia, via-se padres e alunos no telhado da igreja
para chegar ao dormitório dos pequenos e jogarem água nas escadas na tentativa
de impedir que o fogo avançasse por lá. Outros lançavam colchões, cobertores,
lençóis e camas pela janela e por meio de cordas conseguem descer a bela imagem
de Nossa Senhora, que aos gritos de viva é recebida pelos que estavam em baixo.
Também por meio de cordas alguns conseguem passar para o salão de estudos
onde muitos objetos escolares se salvam. A confusão é geral. Gente correndo por
todo lado, padres dando ordens e repreendendo os imprudentes. O trabalho é
grande, perigoso e urgente. Há congestionamento nos corredores até que surge
novamente Irmão Jerônimo com seu machado e arrebentando a tela de arame da
janela e abre nova saída de livros... O calor e a fumaça, o cansaço e a prudência
obrigam os padres a se retirarem com todos. No recreio continuava Pe. Nilson
Grossi a aconselhar e conter os imprudentes.

[...] em meio a fumaça e calor, lá no alto do telhado, rente a igreja, “a gente


podia ver ao lado de um empregado, a figura heróica de Pe. Francisco
Trombert, um rígido professor de matemática, e que, rígido desmoronava O
telhado do dormitório afim de não permitir que o fogo atingisse o telhado da
igreja”. 4

Na parte de baixo outras pessoas com picaretas e alavancas destroem o


telhado da sacristia e arrancam o forro de esteira. Ao cair o telhado do segundo
dormitório, o fogo fica confinado ao quadrilátero constituído pelo prédio construído

4
As informações referentes ao incêndio no prédio do Caraça foram obtidas a partir durante a
pesquisa de campo no Santuário. Funcionários da biblioteca fizeram este relato de forma oral, porém,
várias pesquisas realizadas nos arquivos do Caraça não confirmaram tais informações.
29

pelos padres Clavelin e Boavida, deixando a salvo a casa e todos os habitantes do


Caraça.
Ao amanhecer chega o prefeito de Santa Bárbara e todo o Caraça sente
mais que o calor do incêndio, o calor da caridade daquela visita.

Às 8:00h, ouve se o barulho da sirene, todos os meninos correm para o


pátio para ver o carro dos bombeiros. Já um dos padres se aproxima para
recebê-los. Incrédulo por não haver vítima o comandante dos bombeiros da
inicio a seu trabalho que se resumiu em: isolar com longas cordas o prédio
sinistrado dando início à operação-rescaldo. De vez em quando, uma
chama se elevava mais forte, e um jato d’água lhe tirava a vida. Assim foi o
trabalho dos bombeiros durante todo o dia e a noite. (ZICO, 1998, p. 158-
162)

Segundo o autor acima citado, muitos foram os curiosos que chegavam, mas
entre eles também chegavam amigos, ex-alunos, autoridades, pais de alunos
ansiosos por notícias, fotógrafos e repórteres. Os chegados apresentavam seus
préstimos aos padres, ofereciam também remédios e alimentos. Foi constatada a
triste realidade: era impossível continuar ali o colégio. O diretor do “Ginásio Afonso
Pena” em Santa Bárbara oferece aos padres sua casa para abriga-los juntamente
com seus alunos até o fim do semestre. Muitos pais entre lágrimas e ação de
graças, preferem levar seus filhos para casa, muito destes ainda de pijama, única
roupa salva no incêndio.
Na estrada do Caraça, o movimento era intenso. À noite, a TV
Itacolomi, levava aos lares brasileiros longos documentários sobre o triste ocorrido
no Caraça. Assim se fecha novamente o Caraça como Escola de Educação.
Fechado como educandário, mas reaberto posteriormente como Centro de
turismo religioso e familiar e ainda como centro de estudos e cultura, nas palavras
de José Pedro, ex-aluno que narrou sua permanência na instituição na obra
“Memórias Caracenses”,
O Caraça tornou-se, hoje, paraíso ecológico. Ponto de turismo. Referência
de cultura. Pilar da religião. Ruínas históricas, creditadas ao incêndio insensato que
lhe devorou parcialmente o prédio, em 1968. Ancoradouro permanente de doces
recordações dos tempos inocentes vividos por seus ex – alunos, em extinção,
devido à ausência de matérias curriculares que não mais se ministram ali.
(ARAÚJOSILVA, 2004, p. 67).
30

2. O CARAÇA NOS RELATOS E MEMÓRIAS DOS EX-ALUNOS/SEMINARISTAS

Memória deriva do latim memorĭa, e é a faculdade psíquica através da qual


se consegue reter e relembrar o passado. A palavra também permite referir-se à
lembrança/recordação que se tem de algo que já tenha ocorrido, e à exposição de
fatos, dados ou motivos que dizem respeito a um determinado assunto5.
Segundo Russell (1984), o conhecimento do passado é independente de
uma ligação efetiva com o passado em si, podendo ser analisado em termos de
processos e conteúdos estritamente presentes, no caso a imagem da memória e a
crença ou sentimento de passado.
De acordo com o mesmo autor a conceituação mais criteriosa de Memória,
que pode ser usada epistemologicamente, sem prejuízo nenhum ao conhecimento
cristaliza-se na pendência de dois fatores pré-existentes: um objeto de recordação e
a crença na sua existência passada, o que difere em muito de hábito, o qual pode
prescindir de um objeto presente parar se efetivar.
René Descartes, na obra “Meditações Metafísicas”, demonstrou sua total
incredibilidade quanto à memória, tendo como principal fonte de subsídios os
sentidos. Sentidos que para ele não são bons, uma vez que foram os responsáveis
por transmiti-lo o que era tido como verdadeiro e seguro, e o enganaram em
determinados momentos, levando- o a concluir que se esses sentidos o enganaram,
logo para ele não eram confiáveis tampouco bons. Descartes diz:

Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro,


aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes
que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar
inteiramente em quem já nos enganou uma vez (DESCARTES, 1979, p. 86)

A memória também pode ser encarada como a defesa do esquecimento,


sendo desenvolvida ao ponto de assegurar os dados na memória com os exercícios
de memória, assegurar que acontecimentos ruins do passado não ocorram
novamente, como no caso do holocausto. O lembrar-se é uma experiência de
ressignificação, reconhecimento, recriação das coisas e de si.
Na elaboração desta pesquisa procuramos utilizar eixos temáticos como:
 Caminhos do Caraça (motivação, ingresso);
5
As informações referentes ao conceito de memória estão disponíveis no site
http://www.dicionariodoaurelio.com/Memoria acesso em: 22/11/2014
31

 A vida no seminário (espaço físico, alimentação);


 Educação no Colégio/Seminário (a educação laica, religiosa, rotina de
estudos, questões disciplinares e relação professor/aluno);
 O momento de transição;
 A vida pós Caraça.

Com estes tópicos procuramos estabelecer uma comparação entre os


relatos dos entrevistados e as opiniões convergentes e divergentes acerca do
assunto abordado constantes em outras fontes consultadas. Uma dificuldade
encontrada na elaboração da pesquisa foi a falta de resposta aos questionários
enviados, uma vez que a princípio selecionamos sete ex-alunos para os quais foram
enviados o questionário, mas só obtivemos o retorno de quatro, sendo que destes
foram fundamentais o já citado livro de memórias de José Pedro de A. Araújosilva e
a prestimosa contribuição de Pe. Lauro Palu que hoje dirige a instituição. Com os
relatos dos quatro ex-alunos que nos confiaram suas memórias constituímos o
diálogo que se segue.

2.1. Conhecendo os entrevistados e um pouco sobre os caminhos que os


levaram ao Colégio/Seminário do Caraça

José Maria Mayrink é jornalista e ingressou no Colégio /Seminário do Caraça


em 1951, aos treze anos de idade. Lá permaneceu até os dezessete anos quando
se desligou. Antes de ir para o Caraça morava em Piedade de Ponte Nova, então
Distrito de Ponte Nova. Segundo ele naquela época não havia na cidade boas
escolas, com exceção de um colégio particular cuja mensalidade era extremamente
cara. Mayrink foi para o Caraça, pois o custo da anuidade dos estudos próximo a
família era alto por demais, não atendendo à renda familiar.
José Mayrink diz também ter tido a influência do pároco, que o incentivava e
aos coroinhas que tinham certa atração para o sacerdócio, como era o caso do
próprio, a irem para o Seminário. Mayrink afirma que a vontade de ser padre foi se
firmando ao longo dos anos que se sucederam. Relata também ter conhecido o
Caraça em uma excursão dos alunos do Seminário de Mariana onde estudou o
primeiro ano.
32

José Pedro é hoje advogado e seu ingresso no Caraça ocorreu em 1953,


aos doze anos de idade, desligando-se em 1958, aos dezessete anos. Sua ida para
o Caraça se deve em parte pela devoção e ideário de sua mãe que almejava um
filho padre. Segundo seu relato “o ideal sacerdotal foi semeado no aconchego do lar
e, como um dos coroinhas da Matriz de Curvelo, decidi ir para o seminário”. Devido
a profissão de seu pai, que era Mestre Ferroviário, a família estava sempre
mudando. Em meados de 1952 José Pedro já havia tomado a decisão de ir para o
seminário e quando seu pai se vê transferido de residência, sugeriram-lhe Santa
Bárbara, também em Minas Gerais.
Em “Memórias Caracenses”, ele afirma que:

À aquela altura, já estava conversado que iria para o Seminário de


Diamantina. O curso primário só terminaria no final do ano. Não sei se por
influência do Cônego Tavares ou pela esperança de minha mãe ver
garantida a ida de um filho para o Seminário, não me vêm à memória os
pormenores. O certo é que, por mais de seis meses, morei na casa
paroquial. Mons. Tavares deve ter conquistado méritos e créditos na vida
futura por ter me aturado. Guardo dentro de mim, embora nunca mais o
tenha encontrado, como preciosa joia, a sua figura, que sempre me fascinou
pela severidade e, ao mesmo tempo, pela bondade e pelo zele de um
verdadeiro pastor de almas. E para mim, um pai. (ARAÚJOSILVA, 2004, p.
28).

Já Lauro Palú ordenou-se sacerdote católico e hoje aos 74 anos de idade


está de volta ao Caraça como um dos administradores do templo neogótico que se
tornou ponto turístico.
Palú foi admitido no Caraça aos treze anos de idade vindo do Paraná onde
havia estudado no colégio Paranaense, internato situado em Curitiba. Foi de
vontade própria a ida para o seminário. Assim que manifestou o desejo de ingressar
em um seminário seu pai prontamente aceitou e logo foi escrevendo ao superior do
Caraça solicitando a vaga e se informando sobre tudo o que fosse necessário para a
efetivação do ingresso do filho na instituição mineira.
Mariano Pereira Lopes, professor, hoje com 70 anos, relata ter tido seu
ingresso no Seminário do Caraça aos doze anos de idade e ter se desligado aos
dezoito anos após ter concluído o curso de seis anos, hoje equivalente ao Ensino
Fundamental e Médio. Antes de ingressar no seminário morava em Formiga, interior
de Minas Gerais. Filho de uma família extremamente católica e participante das
atividades da Igreja diz não lembrar, se na época tinha algum ideal em ser padre.
33

Afirma ter sido admitido no Caraça com o aval dos pais, sobretudo da mãe, e que
fora encaminhado por uma orientadora educacional da escola em que estudava e
onde a mãe era diretora. Sua mãe era irmã de dois padres lazaristas e um deles
trabalhava no Caraça, o Pe. João Saraiva. Segundo Mariano a genitora “dizia que eu
parecia com Pe. João quando pequeno. Gostei da ideia e fui.”
Ao serem questionados sobre como era realizado o processo de ingresso no
Seminário do Caraça, os entrevistados afirmaram que os candidatos eram
selecionados pelos próprios padres da instituição e que alguns percorriam a região
vizinha durante o período de férias na busca de novos alunos e que em regiões
longínquas os contatos eram feitos com a ajuda dos párocos locais ou com a
indicação de ex-alunos que já estudavam no Seminário ou Escola Apostólica como
era chamada na Congregação da Missão.

2.2. A Vida No Seminário do Caraça

Pelo observado na fala de seus ex-alunos, a vida no Seminário do Caraça


era muito diferente do que vemos hoje nos seminários. Atualmente embora ainda
seja uma vida disciplinada, regrada e sem luxos, há certo conforto. Quando falamos
de Caraça, podemos perceber na fala dos ex-alunos/seminaristas, que mesmo a
vida lá sendo simples e com algumas privações de conforto todos demonstram
grande apreço pelos ensinamentos recebidos.

Imagem 9: Dormitório dos alunos em 1958


34

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça

Este contexto de simplicidade é descrito pelos entrevistados ao descreverem


o espaço físico e a alimentação no seminário. No que tange ao espaço físico todos
concordam, embora descrevam de forma diferente. Todos concordaram que o
espaço e a distribuição dos espaços eram feitas conforme descreve Mariano:

Os espaços do Caraça, destinados aos alunos, eram todos muito grandes,


comportando até 200 alunos, se necessário fosse. Eram dois grandes
dormitórios, com camas enfileiradas, se não me falha a memória, umas
quatro ou cinco fileiras, cada uma com vinte a vinte e cinco camas
rigorosamente em ordem, cobertas sempre com uma colcha branca que era
pedida no enxoval.
Havia um grande salão de estudos (o teatro também funcionava como salão
de estudos, de acordo com o número de alunos), onde cada aluno tinha sua
carteira/mesa para guardar todos os pertences escolares e onde preparava
as aulas e fazia todas as tarefas escolares. Para as aulas, cada turma/série
tinha sua sala, que podia variar quanto à localização de acordo com a
quantidade de alunos da turma. (1º ano, 2º ano até o 6ºano).

O refeitório era único (o mesmo que existe até hoje para os hóspedes). Os
alunos eram dispostos em mesas compridas com vinte e quatro lugares cada, todos
em ordem de tamanho: havia a mesinha, onde ficavam os menores, e, nas outras,
ficam todos os demais, sempre na ordem crescente de tamanho.
Durante as refeições eram feitas leituras (só se conversava em alguns dias
determinados: domingos, dias de feriado, quando havia alguma visita...). Pelo fato
35

de não se poder comunicar durante as refeições, os alimentos eram pedidos por


sinais/números (1 era feijão, 2 era arroz, 3 era farinha, etc.)
Sobre os horários Mayrink e José Pedro destacam que durante a semana
todos acordavam bem cedo às cinco horas da manhã. Tinham meia hora para
fazerem a higiene pessoal e mais meia hora dedicada a oração, que era seguida de
uma missa na igreja.
Mayrink ainda acrescenta que até o ano de 1954, os alunos vestiam batina
preta, depois desta data foi feita a substituição da mesma por um uniforme cáqui.
Após a missa os alunos tomavam café e, em seguida tinham um breve recreio no
pátio. Nesse momento diz o mesmo entrevistado, o Padre disciplinário distribuía as
correspondências. As cartas dos pais ou de familiares, e, todas abertas, pois eram
censuradas, assim como as cartas escritas pelos seminaristas para suas famílias.
Mayrink e José Pedro relatam que na parte da manhã aconteciam duas
aulas de 45 minutos cada, seguidas de uma hora de estudos para preparação.
Após a segunda aula, o recreio e o Ângelus, vinha então o almoço, uma
rápida passagem pelo Santuário para agradecer o almoço e o recreio que segundo
José Pedro, normalmente era dividido em duas partes a primeira com um jogo
obrigatório: baleia, barra manteiga dentre outros, e na segunda parte tempo livre.
Ainda assim os leitores que liam durante as refeições procuravam preparar suas
leituras; os músicos ensaiavam, fatos que evidenciam o comprometimento dos
alunos com seus afazeres rotineiros. Na visão de José Pedro:
A estrutura do dia a dia da Escola Apostólica, ao que tudo indica, foi
adotada desde os seus primórdios com adaptação de sistemas adotados na
Europa. Tal “Horários que principiaram a vigorar em março de 1937”,
elaborados pelo Pe. Antônio Cruz - disciplinário no Caraça por 25 anos e
seu superior por mais 13 anos.

No início da tarde os alunos subiam para o salão de estudos para mais uma
hora de estudo e logo após a terceira aula. José Pedro diz que após a terceira aula
vinha o recreio seguido de mais uma hora de estudos e merenda da tarde no
refeitório. Vinha então a quarta e última aula, novamente recreio, leitura espiritual,
visita ao Santíssimo sacramento para a reza do terço, jantar, novamente visita ao
santuário para agradecimento pelo jantar, outro recreio seguido de estudos para
elaboração dos exercícios passados na aula do dia. Acontecia então o último
recreio, o momento de oração noturna feita no salão de estudos no segundo andar e
36

os alunos sempre se recolhiam para dormir antes das 21 horas, eram oito horas de
sono.

Imagem 10: almoço no campo após longa Caminhada

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça

Mayrink relata que no período de férias os alunos podiam acordar mais


tarde, às 06 horas. Os alunos passavam as férias no próprio Seminário, na Fazenda
do Engenho, hoje Pousada do Engenho. As visitas às famílias eram permitidas para
os alunos a partir do terceiro ano, em julho e ou dezembro, após a conclusão do
curso.
Percebemos na descrição dos entrevistados que os padres tanto os
professores quanto o disciplinário e o Superior exerciam um total controle da
disciplina no colégio e que mesmo com toda essa disciplina, rigor e simplicidade que
lá vivenciaram, deixam explicito seu apreço pelo Caraça.
É esse apreço que os conduz até hoje a visitas constantes ao Santuário do
Caraça ou Santuário Nossa Senhora Mãe dos Homens.

Quanto à alimentação os entrevistados são unânimes em afirmar que era


uma alimentação simples e sem muita variedade. Normalmente consistia em arroz,
feijão, algum legume ou verdura, carne só duas vezes por semana, isso no almoço e
jantar. Já no café e na merenda da tarde eles comiam broa ou pão, tomavam café
37

com leite e mingau de fubá e algumas vezes de manteiga. Mariano diz que esse
mingau era muito apreciado por todos.

Imagem 11: refeitório em 1950.

FONTE: Arquivo fotográfico do Caraça

Segundo Mariano:

A alimentação não era muito variada. Consistia basicamente em arroz,


feijão, alguma carne, macarrão. Não me lembro de muitas verduras. (Pelo
fato de se fazer comida para muita gente e não haver profissionais muito
preparados, as comidas geralmente não eram muito saborosas). O que
havia de mais agradável era um mingau de fubá no café da manhã, bem
apreciado por quase todos e que “salvava a pátria”. Havia uma lojinha em
que se podia comprar salsichas, sardinhas, leite condensado, com o que se
conseguia enganar a alimentação.

Já Pe. Lauro diz que nos anos em que passou no Caraça a comida
melhorava, e muito, nos períodos de festividades e nas férias na Fazenda do
Engenho, onde o número de alunos era menor, por volta de setenta. Neste período
devido ao número menor de alunos a comida era mais bem feita.

Nas festas, sempre havia alguma pequena novidade... A comida melhorava


muito, no período de férias, quando descíamos para a casa do Engenho. Lá,
éramos apenas uns 70 e a comida era mais facilmente bem feita... E lá
havia muita fruta, bem mais que no Caraça, durante o ano.
38

Segundo José Pedro desde os primórdios do Caraça houve a preocupação


com a alimentação no Caraça. Diz o entrevistado: segundo as normas internas,
existentes nos anos 30 do século XIX até o Cozinheiro concorria, no seu ofício, com
a boa ordem dos estudantes.
Ainda segundo ele, o entendimento da época, era de que a boa a comida
não daria oportunidade aos colegiais de reclamarem ou de perturbarem o ambiente.
Por outro lado, a repetição das mesmas comidas deveria ser evitada visto que
mesmo bem cozidas, aborrecem e atrapalham o bem-estar do ambiente.

2.3 Questões disciplinares no Colégio /Seminário do Caraça

Como já descrito anteriormente, a vida no Seminário era uma regrada,


disciplinada e bem simples. Os alunos/seminarista tinham um roteiro que devia ser
desenvolvido conforme prescrito. Contudo pelos relatos, era uma vida feliz, onde se
aprendiam valores morais, intelectuais e religiosos. Aprendizado que os ex-alunos
levaram para vida pós Caraça. Sobre a disciplina no seminário José Pedro diz que:

O aluno estava no Caraça para estudar, para aperfeiçoar o caráter e burilar


a alma com as virtudes cristãs. Para tais conquistas, a disciplina era
essencial, estruturada na severidade. Se o aluno transgredisse as normas,
era corrigido. No entanto, para quem se mantivesse fiel às regras do
Colégio/Seminário, tudo era tranquilo, sem qualquer óbice a lhe perturbar o
próprio interior. Havia instrumentos de correção. Pitos, admoestações. A
pedagogia caracense se utilizava também dos castigos físicos.

Pe. Lauro acrescenta ainda sobre a vida caracense, que era disciplinada
sim, mas não propriamente rigorosa, como fora nos tempos de Colégio até 1912.
Segundo ele, os alunos parte do dia passavam em silêncio, conversando apenas
nos horários de recreios e nas refeições, claro, quando não havia no púlpito.

Apesar da disciplina ou, melhor, por causa dela, tínhamos muita alegria no
estudo e no aprendizado. Bons Professores, que nos estimulavam a
aprender cada vez mais, com os prêmios no final do ano, as menções
honrosas, a leitura das notas em público e os aplausos de todos os colegas
para quem tirasse 9 ou 10 em todas as disciplinas.

Ainda no que tange à disciplina Mariano relata que, no quesito silêncio ela
era bastante rígida. Havia prescrição e horário para tudo o que se fosse fazer:
estudar, hora do recreio, horário de orações. Tudo deveria seguir aos padrões
39

descritos pela norma interna do Colégio, relacionamento com os colegas,


pontualidade para as atividades, higiene, sapatos engraxados e outros deslizes.
Quando questionados sobre haver ou não castigos físicos e punições no
Caraça, todos concordaram que estes existiam, com exceção de Mariano que diz
não se lembrar de castigos físicos.

Alunos inveterados em descumprir pequenas normas eram retirados do


convívio da turma durante recreios, ficando incomunicáveis à frente do
prédio onde ficava a biblioteca (o prédio incendiado e não restaurado).

Por outro lado os demais que concordaram e disseram que havia sim,
castigos físicos tais como o aluno faltoso ficar de joelho por um tempo no recreio no
pátio. Ou em certos casos ir para o paredão, ou seja, ficar isolado de todos próximo
da igreja. Os castigos eram impostos pelo Pe. Disciplinário. No que se refere aos
castigos físicos José Pedro recomenda cautela e a observação de cada época.

Neste item, sempre se faz necessário observar que cada tempo deve ser
interpretado no seu tempo. Nada ia além do que acontecia nas próprias
casas paternas ou outros estabelecimentos de ensino. Houve época em que
se usou a palmatória. Em outras e sempre dependendo da gravidade da
falta cometida, o infrator sujeitava-se a ficar incomunicável no recreio, no
Refeitório, como também ficar de pé debaixo do sino, ou no estudo, em
outras situações consideradas gravíssimas era mandado embora ou
expulso, por exemplo. Ademais, a prudência e a tolerância precediam o
castigo. (Grifo nosso).

Ainda segundo o mesmo entrevistado, deve-se observar que, quando


estudiosos da educação condenam os castigos impostos pelo velho Caraça, estão
esquecendo também dos costumes e comportamentos de cada época.

Os antigos devem ser julgados conforme as ideias de sua época, os


costumes praticados na sua época e não de acordo com as nossas, as
modernas e atualíssimas pedagogias, as quais, para encanto de seus
pupilos, não exigem limites de comportamento. O que dirão os futuros
educadores do sistema adotado nos gloriosos dias de hoje, como a tal “Lei
da Palmada”? (Grifos nossos)

A respeito das questões disciplinares pudemos observar que os


entrevistados demonstraram estar em concordância com as normas adotadas.
Vimos que caso o aluno se mantivesse fiel às regras do colégio/seminário, tudo
transcorria na maior tranquilidade sem qualquer obstáculo a perturbar–lhe a mente e
40

o coração. Observamos também que todos eram, ou pareciam ser bem adaptáveis
às rotinas diárias e que lhes eram impostas.
Quanto à pergunta relativa ao relacionamento dos padres com os alunos,
todos foram unânimes em concordar que o relacionamento dos padres com os
mesmos era pautado no respeito e na amizade. Eles evidenciaram também a
dedicação e presença constante dos padres. A esse respeito Mariano acrescenta:

Os padres, além de serem professores, eram formadores, educadores e,


como tal, tinham um relacionamento amistoso. O Superior, o diretor
espiritual e o disciplinário eram mais próximos dos alunos e encarregados
de orientações/correções mais contínuas e diretas. Os outros padres, além
do relacionamento com as turmas para as quais lecionavam, tinham contato
com todos os alunos, em revezamento, para palestras de caráter espiritual e
passeios. Alguns padres – geralmente mais novos – se aproximavam mais,
jogavam futebol com os alunos, participavam mais dos horários de recreios.

Padre Lauro afirma que a única coisa a lamentar da pedagogia da época era
a de Deus ser apresentado de forma severa e negativa, já que em muitos lugares do
Seminário ele via escrito: “DEUS TE VÊ” e em nenhum lugar diz ter visto escrito:
“DEUS TE AMA”.
Diz ainda Pe. Lauro,

Intelectualmente, os Padres me ajudaram muito, com seu exemplo de


estudo, de preparação das aulas, seu estímulo ao nosso aprendizado,
incentivando-nos com os prêmios e as menções honrosas e com os bons
livros que nos faziam ler. O ambiente amistoso era completado pela ajuda
espiritual, pois um deles era nosso diretor espiritual outro era o confessor
que podíamos escolher e que nos faziam crescer espiritualmente e nos
ajudavam no discernimento de nossa vocação, se Deus nos chamava
mesmo para o sacerdócio ou não.

Observa-se que o ambiente caracense era repleto de atividades intelectuais


as quais os alunos pareciam realizar com gosto e afeto, fato que fica explicito no
saudosismo de José Pedro ao descrever seus mestres. Ele os descreve como
competentes e esforçados, magnânimos e honestos, firmes e corajosos em
direcionar os estudos no caminho do bem. Quando, ao rever na memória o “modus
praecipiendi” de meus velhos e saudosos mestres, surpreendo-me com o carinho
que tiveram no ensinar.

2.4. A educação caracense


41

Os padres caracenses, embora mantivessem um relacionamento de


afetividade com os alunos/seminaristas, tinham o poder em suas mãos, tudo era
controlado por eles. Aos alunos/seminaristas era oferecida uma rotina recheada de
horários, deveres e afazeres que a eles cabia aceitar e adaptarem – se à realidade
que os cercavam. De acordo com Mariano as atividades escolares do Seminário do
Caraça eram divididas da seguinte forma:

As atividades escolares aconteciam durante todo o dia: eram quatro aulas


de 45 minutos por dia, cada uma precedida de um tempo de estudo,
também de 45 minutos para preparação daquela aula. Eram duas aulas pela
manhã e duas à tarde. No final da tarde, havia um período de uma hora,
aproximadamente, destinado à realização de exercícios, cada dia de uma
matéria, os quais eram entregues aos professores. Havia um aluno
encarregado de entregar os cadernos aos padres, ao final do estudo. À
noite nunca havia atividades escolares, apenas exercícios de
espiritualidade, orações, alguma palestra do padre diretor espiritual ou do
padre disciplinário. Se os padres não podiam comparecer, havia alguma
leitura feita por algum aluno mais adiantado. Havia os “Regentes” que
garantiam a disciplina no decorrer das atividades.

A respeito da distribuição das atividades escolares, Pe. Lauro acrescenta


que os alunos eram chamados a repetir de cor o que fora estudado durante a aula e
que essa hora de estudos que precedia cada aula era muito proveitosa para os
alunos.

[...] Como os Alunos eram chamados a “dar” a lição, isto é, a repetir de cor
as coisas da aula, e como havia exames escritos (nos quais se
perguntavam as partes mais importantes da matéria) e exames orais em
que os Professores perguntavam até as notas de pé de página, tínhamos
que estudar tudo, não saltávamos nada e de fato aprendíamos as matérias
integralmente. [...]. Nos sábados, tínhamos a sabatina, os concursos, onde
se repassavam as unidades estudadas durante o semestre. [...] Tínhamos
ainda as academias literárias, para os grandes (Academia São Vicente) e
para os pequenos (Academia São Luís). Fazíamos discursos, recitávamos
poesias próprias ou dos autores mais apreciados. As composições originais,
da lavra do Estudante, podiam ser votadas para serem transcritas nos livros
de ouro das academias. O desenvolvimento da memória era assim muito
estimulado, de maneira sadia e proveitosa. Aprendiam-se muito vocabulário,
muitos sinônimos, muitas curiosidades literárias e culturais em geral. Até
nos passeios, havia Professores que levavam livros úteis, emocionantes, e,
enquanto uns brincavam, outros escutavam contos, histórias, romances, etc.
Nos primeiros dias de férias, não podíamos ler livros, para descansar dos
estudos. Depois, era aquela “correria” para conseguir ler os livros de que
todos falavam, a coleção inteira de Júlio Verne, Karl May (Winnetou) e
outros. As Academias tinham suas coleções de livros interessantes.

O relato de Mayrink evidencia e corrobora com o que disse anteriormente


José Pedro sobre a influência europeia no Caraça, mais precisamente a francesa,
42

uma vez que a Congregação da Missão fora fundada no século XVII, por São
Vicente de Paulo:

Além da divisão de horários, já comentada acima, é bom lembrar que o


calendário seguia o modelo francês, pois a Congregação da Missão,
fundada por São Vicente de Paulo no século 17, tinha muita influência da
França. O ano letivo iniciava-se em fevereiro, tinha um mês de férias em
julho e dois meses em dezembro e janeiro. Na quarta-feira, não havia aulas.
Era dia de passeio e de banho obrigatório, de rio, cachoeira ou chuveiro.
Mesmo na quarta-feira, havia uma hora de estudos à noite, assim como
orações, recitação do terço e missa. Aos sábados, as tardes eram livres
para passeios em turmas e banhos. Os meninos adoravam ir à Cascatinha e
ao Banho do Imperador.

Fica nítido na fala dos alunos/seminaristas que toda disciplina, todo rigor
tanto no que diz respeito ao horário quanto ao estudo, contribuiu, na visão deles, de
forma exemplar na formação moral, intelectual e profissional dos mesmos e se o que
buscava era a perfeição, parece-nos que o objetivo foi alcançado, uma vez que
nenhum dos entrevistados demostrou rancor ou mágoa ao descreverem o tempo de
seminaristas no Caraça, ao contrário, todos relatam seu apreço pela instituição e a
saudade do tempo de internos.
Ao serem questionados se tinham em mente um fato marcante na vida
estudantil, observamos que as lembranças trazidas por eles, são o que hoje, embora
de forma diferente, move a vida estudantil de qualquer aluno dedicado e
disciplinado.

[...] Mas certo dia tirei a mesma nota que os melhores alunos de minha
turma: nem sei que nota foi, pois o Professor usava seus códigos... Mas vi
que os melhores também tinham tirado S1, como eu. Então me convenci de
que eu poderia vencer, como eles, e nada mais me segurou, no latim.
Estimulado devidamente pelos Professores, escrevi muitas poesias em
latim, com todas as regras dos vários modelos de poemas que os clássicos
seguiam. Nos últimos anos, o Professor me estimulou a apresentar em
público meus poemas latinos, nas festas do seminário. Isto foi decisivo para
a autoconfiança, o brio pessoal, a segurança e a alegria de meu futuro. (Pe.
Lauro Palú)

Outro relato parecido e que se assemelha com os dias atuais é o de José


Mayrink, ao dizer que mesmo sendo um bom aluno, tinha suas dificuldades em
Latim e que a busca pela perfeição o levou a procurar um aluno mais velho na
tentativa de sanar suas dúvidas e aprimorar seu latim. Mas o este entendeu que
Mayrink estava colando e relatou o fato ao professor.
43

Eu era bom aluno, costumava tirar ótimas notas em todas as matérias. Com
a obsessão de acertar tudo, procurei um colega dois anos à minha frente
para conferir alguma dúvida no exercício de latim – uma palavra ou outra.
Ele me respondeu, mas comunicou o fato ao professor, porque entendeu
que eu estava colando. Na última aula do semestre, quando não havia mais
matéria, mas leitura de algum livro, o professor me chamou à frente da
turma, me pôs de joelhos e me mandou ler uma confissão, na qual eu
reconhecia minha falta e pedia perdão aos colegas. Desabei no choro, não
consegui ler nada. O professor leu por mim. Quando chegou hora do
recreio, logo depois, ninguém comentou nada.

Neste quesito, todos os entrevistados concordaram que a passagem pelo


Caraça não fora marcada somente por um fato isolado, mas sim, por todo contexto,
todo conjunto da vida estudantil que lá vivenciaram. Fosse ao aprendizado
intelectual, moral ou religioso, serviu de subsídio para a posterioridade.
Sobre os momentos religiosos no seminário os entrevistados disseram que
estes faziam parte da rotina diária caracense. Segundo José Pedro tudo no Caraça
tinha o seu tempo e sua hora, tudo era muito organizado e por isso deveria seguir o
cronograma traçado. Havia hora de dormir, acordar; estudar, comer, brincar e assim
por diante, com os ensinamentos bíblicos não poderia ser diferente. Ainda segundo
o mesmo entrevistado tudo que se fazia devia ser bem feito, ou melhor, devia
esforçar-se para tudo ser bem feito.

Portanto, hora de rezar, rezar! Era preciso procurar a compenetração para


meditar, ter piedade. Todo dia assistíamos à missa e comunhão era diária.
Sempre rezávamos. Quase toda atividade era precedida pelo sinal do sino
e, se estávamos no recreio, formava-se a fila e o regente (aluno que
ajudava na manutenção da disciplina) entoava o “Laudetur Jesus Christus –
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo” E os demais respondiam: “Agora
e sempre, amém”. Antes de cada estudo, rezava-se o “Veni, Sancte
Spiritus” e, no final, a invocação à Nossa Senhora: “Sub tuum praesidium”.
Por ocasião das refeições, também havia as orações próprias. Tudo rápidas
e pequeninas. Nos estudos de catecismo e de religião, quando matérias
obrigatórias, procedia-se como qualquer outra aula ou matéria. Com
seriedade e atenção.

Diante do exposto observa-se que a educação no colégio/seminário era


cercada de normas e regras as quais os entrevistados não parecem ter tido
dificuldades em aceitar como prática de vida. Para alguns estudiosos atuais este
modo disciplinar até pode ser considerado como um sistema militar e
excessivamente rigoroso, onde notamos um horário dedicado a cada tarefa diária.
Outra semelhança com a vida militar é que os alunos ao chegarem no Caraça
levavam consigo um enxoval, o qual deveria estar identificado com um número, o
mesmo que o aluno receberia no ato de sua matrícula.
44

O momento de transição de Colégio para Seminário fica bem entendido na


fala de Mayrink, Pe. Lauro e Mariano, eles afirmam não haver muita diferença entre
o Colégio do Caraça e o Seminário do Caraça. Na época de Colégio o estudo era
tão incentivado quanto no Seminário. O Caraça foi palco de estudo de grandes
personalidades tanto da vida religiosa quanto civil, política e intelectual brasileira.

No tempo do Colégio, de 1820 a 1912, o estudo era muito incentivado. No


conjunto, estudavam-se até 25 disciplinas, que formaram grandes
personalidades da vida civil e religiosa, políticos, magistrados, professores,
empresários, e padres e bispos notáveis. O seminário manteve a tradição.
Nós, crianças e adolescentes, estudávamos cinco línguas: grego, latim,
inglês, francês e português. Tínhamos astronomia, matemática, história
universal, literatura brasileira e portuguesa, etc. Penso que ninguém se
arrependeu de ter estudado e aprendido muito. (Pe. Lauro Palú)

Segundo relato de José Mariano, na história do Caraça o projeto de


educação sempre fora o mesmo, ou seja, rigor acadêmico, moral e disciplinar.
Decerto não havia o direcionamento para o sacerdócio que houve posteriormente
quando o Caraça passou a ser somente Escola Apostólica. A transição de Colégio
para Seminário segundo o ex-aluno/seminarista ocorreu de forma natural.
Na visão de José Maria Mayrink, o sistema educacional da época de Colégio
era semelhante ao que vivera no então Seminário. Isso segundo ele pode se
verificar no regulamento de 1820, que vigorou até 1910, quando ocorreu a transição
de Colégio para Escola Apostólica.

2.5. Vida pós Caraça

Ao serem questionados sobre a vida pós Caraça nota – se uma grande


gratidão na descrição dos entrevistados ao relatarem a influência dos ensinamentos
que receberam no tempo de alunos do Caraça e o quanto isso influiu em todos os
aspectos de suas vidas futuras, quer seja no profissional, pessoal ou religioso.
Para José Mayrink:

Foi uma influência profunda, principalmente para minha formação pessoal e


religiosa. Tenho sido fiel aos princípios que o Caraça me transmitiu e tenho
grande apreço/saudade dos padres que foram meus professores. Desde
1974, revisito regularmente o Caraça, sempre acompanhado de minha
família, que adora o lugar. Continuo católico. Sei de colegas que, mesmo
tendo abandonado a prática da religião, mantêm uma ligação sentimental
com o Caraça e se lembram com emoção de seus professores.
45

José Pedro confirma que a educação recebida no Caraça, foi esmerada em


princípios, valores e retidão. Uma educação para a vida. No entanto ele diz também
que muitos dos alunos ao saírem do Seminário não se encontravam preparados
para enfrentar o mundo fora dos “muros” do Caraça.

Saímos quentes do Seminário e assustamo-nos diante da frieza do mundo.


Muitos deixamos de lado o que lembrava Caraça ou, no meu caso, também
o Seminário de Petrópolis (que era o Seminário Maior dos Padres
Vicentinos onde o aluno, que terminava os estudos do Caraça continuava os
estudos para ordenar-se padre). Muitos revoltaram-se com o passado,
esquecendo-se que tinham que caminhar para frente. Perambulei caminhos
ou encruzilhadas outras por muito tempo. Até que os sentimentos
escondidos dentro d’alma foram aflorando, principalmente no plano da
espiritualidade. Ressurgia o “homo caracensis”, o ex-aluno dos padres do
Caraça. Nem por isso o que pode aparentar contradição, durante aquela
fase, ficou imantado dentro d’alma o senso do respeito ao próximo, do viver
harmonioso entre os homens, do senso de justiça e do obstinado esforço
para cumprir os deveres e obrigações de cada dia.

No excerto de “Da Arte de Educar – A Escola do Caraça”, José Pedro A. de


Araujosilva nos dá o depoimento um ex-aluno apaixonado pelo Caraça,
corroborando com as falas dos colegas e evidenciando a importância do Caraça,
não só para os colaboradores desta pesquisa, mas para todo ex-aluno caracense.

Ex-Aluno, ao entrar nas terras caracenses, sente que o ritmo da alma muda.
A emoção faz sua morada no coração fatigado, saudoso. É uma vibração
incontida, transparente, à flor da pele. [...] Ao viajar, principalmente se for
ex-aluno, veste-lhe a alma uma sensação de silêncio. A impressão é de um
enorme quadro emoldurado de natureza. Ainda não dá para saber se há
vida. Pode ser até que no adro apareça algum intruso. Não confunda com
miragem. A esta altura, já se desceu do veículo. Respira-se oxigênio do
Caraça, purificando o ser. Daquele patamar, onde se encontra, vislumbra-se
o velho Educandário. O ex-aluno sonha ver-se no passado. Introjeta na
paisagem do tempo e se admira como um interno que foi. Os seus olhos
são infância. [...]Mas é preciso continuar viagem. Alguém desperta o
sonhador Ex-Aluno da ilusão da saudade. Mais alguns poucos quilômetros,
e já se está no Casarão. Observa-se que não é o sonhado pelo ex-Aluno no
alto da “Bela Vista”. Não é mais Colégio. Não é mais Escola Apostólica ou
seminário. O incêndio decretou à História um novo rumo, cujos caminhos se
ensaiam perseguí-los.

O tempo passou e os “homos caracensis”, ou os ex- alunos dos padres do


Caraça, se tornaram homens de bem. Cada um encontrou seu caminho, mas os
princípios e valores aprendidos na Escola Apostólica perduraram e são pilares que
regem a vida dos mesmos conforme descrito por eles mesmos. Pilares estes que
justificam o grande número de ex-alunos que ainda hoje visitam constantemente o
Santuário que outrora fora sua morada.
46

CONCLUSÃO:

Pudemos observar na elaboração desta pesquisa que a construção do


Colégio e Seminário do Caraça, foi envolvida por uma história cheia de recomeços e
uma figura misteriosa que sem a qual ele não existiria: o Irmão Lourenço, sobre o
qual até hoje permanecem detalhes obscuros.
Para tal construção todos os envolvidos dedicaram força e coração para que
hoje se fizesse representar de forma tão importante, tanto para nós, conhecendo seu
passado, quanto para seus ex-alunos. Alunos estes que tiveram suas vidas
moldadas numa educação esmerada, de modo estrutural para toda vida.
A história da educação do colégio Caraça pode ser dividida em três
períodos: Caraça Português (1820 – 1854), Caraça Francês (1854 – 1903) e Caraça
Brasileiro (1903 –1975).

 Caraça Português (1820-1854)

Este período tem como ponto de partida a chegada dos padres Leandro
Rebelo Peixoto e Castro e Antônio Ferreira Viçoso, à Serra do Caraça. Estes foram
os fundadores do Colégio e deram início à realização da vontade de Irmão
Lourenço.
Em junho de 1820, Pe. Leandro Rabelo viaja para o Rio de Janeiro com o
objetivo de expor ao Rei Dom João VI as condições em que encontrou a Ermida do
Irmão Lourenço. Desta viagem traz consigo os quatro primeiros alunos do nascente
Colégio: Francisco de Paula, José Goulart, Manuel Maria de Lacerda e João Dinis.
Em 24 de Janeiro de 1824, Dom Pedro I concede ao Caraça o título de Casa
Imperial e dá licença para serem esculpidas em seu frontispício as armas do
Império.
E assim foi crescendo o Colégio do Caraça, a cada ano chegavam novos
alunos e saiam em igual proporção. Mas as crises também se aproximavam e dentre
elas destacamos: a crise na família religiosa, as severas leis do Império contra os
frades estrangeiros e por fim calúnias e ingratidões de alguns beneficiados e em
meio a estas crises se deu o primeiro fechamento do Colégio.
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 Caraça Francês (1854-1903)

Este período tem início com a transferência do Seminário Maior de Mariana,


para o Caraça, devido a uma grande epidemia de varíola na cidade. O bispo e os
professores em conselho decidem transferir os seminaristas menores para uma
fazenda da Diocese e os maiores para o Caraça.
“Começava então, a nova era para o Caraça, bem mais glamorosa que a
anterior, já que a glória de grande Colégio era acrescida a de Seminário maior
formador do clero mineiro”. (ZICO, 1998, p. 60)
Segundo relatos de Pe. Tobias Zico (1988) o que não era sonho, mas
grande realidade era o esplendor do Colégio do Caraça, que em 1867 começou a
ser dirigido pelo grande educador, Pe. Júlio Clavielin. Seu superiorato foi a “idade de
ouro” do Caraça, marcada por grandes acontecimentos, como a visita de D. Pedro II,
em 1881. E que este, seguindo exemplo de Pe. Leandro, aumentou a ala da direita
do edifício colonial, ficando o mesmo igual ao da esquerda com onze janelas. Com o
aumento no número de matriculas Pe. Clavelin detectou a necessidade de melhorias
nas acomodações e salas de aula. E foi o que fez ao construir um edifício de três
andares, na ala esquerda, unindo os fundos da Igreja. Mais tarde seu sucessor Pe.
Luís Boavida continuará a obra, no mesmo estilo, porém de forma mais sólida, toda
de pedra. Outro grande feito de Pe. Clavelin foi a construção da Igreja Gótica no
mesmo lugar da Barroca construída por Irmão Lourenço.

 Caraça Brasileiro (1903-1975)

Período marcado pela reabertura da Escola Apostólica, mas também pelo


fechamento do Colégio em 1912, que permanece aberto como tal até o impiedoso
incêndio em maio de 1968, que o fecha em definitivo.
Segundo padre Tobias Zico (1998), depois de oitenta e dois anos de
existência o Colégio Caraça iria ter pela primeira vez um superior brasileiro, Pe.
Francisco de Paula e Silva.
Embora seus antecessores portugueses Leandro, Viçoso e Boavida, se
preocupassem muito com o futuro da congregação no Brasil e com isso se
esforçassem ao máximo na formação de seus substitutos conforme já relatamos
anteriormente, o primeiro superior brasileiro entrou na congregação não pelas portas
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da Escola Apostólica do Caraça, mas pelas do Seminário de Mariana, onde se


deixou levar pelos exemplos do grande superior e formador do clero mineiro: Pe.
Carnagliotto.
Em julho de 1905 reabre a Escola Apostólica e esta permanece aberta até
maio de 1968, data do incêndio que culmina com o seu fechamento de fato.
Fechado como educandário após o incêndio o Caraça é reaberto
posteriormente como Centro de turismo religioso e familiar e como Centro estudos e
cultura.
Mediante o conteúdo coletado nos questionários respondidos pelos ex-
alunos, pudemos observar por meio de seus relatos e descrição de suas vivências
no seminário, ou seja, suas memórias, como era a disciplina, a organização, a
relação entre os padres e os alunos e a rotina da educação no Seminário do Caraça.
Embora para muitos estudiosos atuais a conduta no Seminário do Caraça possa
parecer severa e cruel, os entrevistados afirmaram possuir as melhores lembranças
do tempo de estudos e aprendizado tanto no Colégio quanto no Seminário.
Com o fatídico incêndio tudo que era material foi destruído, mas as vidas
foram poupadas, todas. Salvaram-se todos. Restaram ruínas e lembranças.
Lembranças estas que deram vida a esta pesquisa, através da memória de ex-
alunos. Trouxemos aqui relatos do que era e nunca deixará de ser no coração e na
mente de quem teve o privilégio de vivenciar momentos marcantes e significantes
para uma educação religiosa de muito valor naquele tempo e que ainda hoje se
fazem importantes.
Hoje o Caraça se tornou Centro de turismo religioso e familiar e centro estudos e
cultura, mas a memória permite o sempre existir. O passado se faz presente quando
assim permitimos. A vida no seminário, a educação caracense, a rotina religiosa,
veem à tona através de agradáveis momentos de entrevistas com pessoas ilustres
como: José Maria Mayrink (jornalista), José Pedro (advogado e escritor) Lauro Palú
(sacerdote católico e administrador do Templo) e Mariano Pereira Lopes (Professor
de Língua Portuguesa).
Os mesmos nos relataram, através de suas respostas, os motivos de
ingresso no seminário, a rotina diária, a alimentação, a disciplina, os estudos, enfim,
a vida como alunos internos do colégio/seminário. Foram unânimes ao
engrandecerem a qualidade da educação que ali receberam. Disseram também que
há quem fosse com o ideal de ser padre e em quem esse ideal fora nascendo
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estando lá apenas como aluno. A rotina diária era rigorosa e o cumprimento dela
obrigatório com penalidade, e em algumas situações castigos para quem não a
cumprisse e/ou se desviasse do comportamento exigido. Cabe ressaltar que os
castigos e penalidades eram costumes da época até mesmo em suas casas, como
ajoelharem-se por um determinado tempo, palmatórias e isolamentos. Sabemos que
não são válidos para os dias de hoje, mas aceitos e recomendados naqueles dias.
Já a alimentação todos citam os mesmos pratos e cardápios, porém com opinião
individual sobre os gostos.
O objetivo desta pesquisa foi conhecer a história que envolvia a construção
do Colégio/Seminário do Caraça e a busca pelo entendimento da pedagogia
aplicada no mesmo. Para tal utilizamos como instrumento metodológico um
questionário que foi prontamente respondido por seus ex-alunos citados no corpo
desta pesquisa.
A respeito da disciplina e rotina diária aplicada no Caraça, muitos estudiosos
atuais podem até não concordar, entretanto se faz necessário repensar esta postura,
é preciso ter a consciência de cada época tem o seu tempo e momento.
Percebemos nos relatos que era uma educação voltada para uma formação
estrutural para a vida, onde se aprendia além dos conteúdos prescritos no currículo,
valores que foram levados para a vida pós Caraça.
A escola tradicional em muitos aspectos é criticada pelos estudiosos da
educação. Mas necessitamos cautela, é preciso analisar e pensar o que de fato
precisa ser mudado neste modo tradicional de educar e o que pode ser conservado.
Para os alunos do Caraça, essa educação não era vista como algo ruim, ao
contrário, todos os entrevistados como já dito, se mostraram extremamente gratos
aos ensinamentos que receberam no Caraça.
Paulo Freire diz que a educação vista por essa ótica tem como meta,
intencional ou não, a formação de indivíduos acomodados, não questionadores e
submetidos à estrutura do poder vigente.
Hoje, contrariando a escola tradicional, estudiosos da educação propõem um
modelo de educação no qual o aluno tenha liberdade de expressão, cuja
metodologia esteja pautada numa ação educativa de ordem social e cultural. Porém,
hoje em muitas escolas vemos gestores e equipe pedagógica sem saber qual rumo
dar a educação, pois todos desejam mudanças, querem uma educação onde o
aluno seja visto como sujeito autônomo e independente, mas como fazer isso? Se
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seus professores em sua maioria são frutos de uma educação tradicional, assim, ao
se se depararem com esta nova forma de ensinar ficam estagnados sem saber o
que fazer. Para um bom resultado é preciso um equilíbrio entre o tradicional e o
novo, ou seja, mudar o que precisa ser mudado e preservar o que pode ser
preservado.
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REFERÊNCIAS:

ABC.MED.BR, 2013. O que é beribéri? Disponível em:


<http://www.abc.med.br/p/343944/o+que+e+beriberi.htm>. Acesso em: 30 out. 2014.

ARAUJOSILVA, José Pedro A. de. Memorias Caracenses. Belo Horizonte: Del Rey,
2004.

CAMELLO, Maurílio José de Oliveira. Caraça, Centro Mineiro de Educação e


Missão. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.

DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,2005.

HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário do Aurélio. Disponível em:


http://www.dicionariodoaurelio.com/Memoria acesso em: 22/11/2014

LIMA JUNIOR, Augusto de. O fundador do Caraça. Rio de Janeiro: Edição do


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PORTAL DO CARAÇA - Página Oficial do Santuário do Caraça – Desenvolvida


por Eduardo Almeida. http://www.santuariodocaraca.com.br/o-colegio-e-seminario/
Acesso em 15/10/2014.

RUSSELL, Bertrand. Teoria do Conhecimento: o manuscrito de 1913. Londres:


George Allen & Unwin, 1984.

SARNELIOS, Pe. Pedro Sarneel. Guia Sentimental do Caraça. Belo Horizonte:


Imprensa Oficial, 1953.

ZITO, Pe. José Tobias. Caraça, peregrinação, cultura. Turismo. Belo Horizonte:
Editora Liteira Maciel, 1988.
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