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JUIZ DE FORA
2014
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Juiz de Fora
Dezembro 2014
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_________________________________________________
Prof. Ms. Maria Leopoldina Pereira (FACSUM) - Orientadora
_________________________________________________
Prof. Ms. Tiago Fávero de Oliveira (FACSUM) – Co-orientador
_________________________________________________
Prof.Ms. Cláudia Otelina Costa (FACSUM) – Convidada
Juiz de Fora
Dezembro 2014
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AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
This research paper aims to build a comprehensive view of the Caraça
boarding school throughout its history according to the memories of four former
students. We also tried to look deeply into the teaching methodology applied since
much of what has been developed there were cornerstones in the history of
education in Brazil. In general, terms our goal was taking the former students’
accounts and analyzing their memories under the point of view of the history of
education. Above all, we wanted to unravel what they thought about the time they
lived there together with practices linked to teaching as well as the school
environment such as school subjects, religious parties and so forth. As a
methodological tool, four former students have been interviewed. The analysis of the
data contained in their answer showed that the school routine was based upon strict
rules and timetables for resting leisure, studying, prayer and meals that should be
thoroughly followed. Those who failed in following these rules were applied light
disciplinary punishments. Also through their accounts it has been realized that
besides the compulsory subjects of the standard curriculum, the school also focused
in laying the moral and ethical concepts that could be applied to their ordinary life
after they left school.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO...........................................................................................................09
1. A CONSTRUÇÃO DO COLÉGIO DO CARAÇA...................................................11
1.1. A Educação Caracence................................................................................14
1.1.1. Caraça Português..................................................................................16
1.1.1.1. Crise na Família Religiosa.........................................................17
1.1.1.2. Severas Leis do Império.............................................................18
1.1.1.3. Calúnias e Ingratidões................................................................18
1.1.2. Caraça Francês de 1854 – 1903...........................................................20
1.1.3. Caraça Brasileiro de 1903 – 1975.........................................................23
2. O CARAÇA NOS RELATOS E MEMÓRIAS DOS
EX-ALUNOS/SEMINARISTAS......................................................................................
..30
2.1. Conhecendo os entrevistados e um pouco sobre os caminhos que
levaram ao Colégio/Seminário do Caraça.......................................................31
2.2. A vida no Seminário do Caraça...................................................................33
2.3. Questões disciplinares no Colégio/Seminário do Caraça........................38
2.4. A educação Caracence.................................................................................41
2.5. Vida pós Caraça............................................................................................45
CONCLUSÃO............................................................................................................47
REFERÊNCIAS..........................................................................................................52
ANEXOS....................................................................................................................53
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INTRODUÇÃO
O que sabemos dessa figura enigmática é que em 1763, está ele, de fato no
Brasil em Diamantina, onde, a 28 de fevereiro, na capela de Santo Antônio do
(http://www.santuariodocaraca.com.br/o-colegio-e-seminario).
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Tejuco recebe o hábito da Ordem terceira de São Francisco. Tempos depois junto
com dez irmãos parte para o Caraça, fundando ali o Santuário Nossa Senhora Mãe
dos Homens, deixando o mesmo em testamento no ano de 1.806, quando declara:
De acordo com Pe. Tobias Zico (1988) entre os períodos de 1863 a 1866,
com a presença do Seminário Maior de Mariana no Caraça, os Padres Miguel
Sípolis e Bartolomeu Sípolis, com o aval e incentivo de Dom Viçoso, bispo de
Mariana, construíram o Cenáculo, atualmente Capela do Sagrado Coração, a 200m
do Santuário, na direção da Carapuça. Para não sobrecarregar as acomodações do
Colégio, o objetivo pelo qual construíram essa capela era de abrigar o Seminário
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Interno e os Padres que voltavam das missões. Construíram, então, uma capela e
um prédio de dois andares para mais ou menos umas 20 a 30 pessoas. Construção
esta que nunca chegou a ser usada devido à transferência de seus construtores e
ao desinteresse da comunidade, baseados nas dificuldades de localização do
Cenáculo.
Em uma das visitas realizada ao Santuário do Caraça, durante a realização
desta pesquisa, pudemos perceber que atualmente a capela do Sagrado Coração
encontra-se restaurada sendo ponto turístico, o prédio construído ao seu lado ainda
se encontra em ruínas.
Tobias Zico (1998) afirma que em 1870, a parte esquerda do prédio, que
contava com seis janelas ainda do tempo do Irmão Lourenço, recebeu outras cinco,
igualando-se ao prédio da direita, que tinha onze janelas desde 1830.
Em 1871, o Padre Clavelin deu início à construção da primeira parte do
prédio incendiado (atualmente, toda em ruínas), a fim de abrigar os muitos alunos
que já estudavam e aqueles outros muitos que possivelmente chegariam ao Colégio.
Esta obra, terminada em 1875, teve seu andar térreo feito de pedras e as paredes
superiores feitas com tijolos.
Tanque Grande, trouxe para o Caraça a energia elétrica (20 de novembro de 1893)
e construiu o Sobradinho Afonso Pena, assim chamado ter hospedado o ilustre ex-
aluno em 1893. No século XX, outras obras menores foram sendo construídas e
muitos reparos tiveram que ser feitos. No final do século XIX, o Caraça já era
praticamente o que é hoje em termos de grandes construções.
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LIMA, Alceu Amoroso. Disponível emhttp://www.santuariodocaraca.com.br/o-colegio-e-seminario/a-
educacao-caracense. Acesso em: 15/10/2014
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Este período tem como ponto de partida a chegada dos Padres Leandro
Rebelo Peixoto e Castro e Antônio Ferreira Viçoso à Serra do Caraça. Estes foram
os fundadores do Colégio e aqueles que deram início à realização da vontade de
Irmão Lourenço.
Segundo o Pe. Tobias Zico, em junho de 1820 acontecem as primeiras
Missões pregadas pelos Padres Lazaristas em Catas Altas, próximo à Serra do
Caraça e logo depois, em julho do mesmo ano, missões em Barbacena, cidade de
onde Pe. Leandro parte para o Rio de Janeiro com o objetivo de expor ao Rei Dom
João VI as condições em que encontrou a Ermida do Irmão Lourenço.
Dom João VI, em 11 de outubro de 1820 concede ao Caraça o título de
Casa Real. Nesta mesma viagem, Padre Leandro traz consigo do Rio de Janeiro os
quatro primeiros alunos do nascente Colégio: Francisco de Paula, José Goulart,
Manuel Maria de Lacerda e João Dinis. Em 24 de Janeiro de 1824, Dom Pedro I
concede ao Caraça o título de Casa Imperial e dá licença para serem esculpidas em
seu frontispício as armas do Império.
E assim foi crescendo o nobre colégio do Caraça. A cada ano
chegavam novos alunos e saiam alunos em igual proporção. Com isso as crises
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Ainda segundo o mesmo autor algumas pessoas até foram em defesa dos
padres do Caraça, como o vigário de Roças Novas que se dizia “Um amante das
couzas boas”. Mais tarde os próprios padres saíram de seu silencio para fazer um
manifesto aos deputados, que na câmara se manifestavam para que fossem eles
banidos do Império do Brasil.
Os anos que viriam não seriam de tranquilidade para o País e tão pouco
para o Caraça. É só lembrarmos que em 1831, há a abdicação de D. Pedro I, isso
ocorre logo depois de sua visita ao Caraça. Ocorrem ainda as revoluções durante a
Regência e nos primeiros anos do governo de D. Pedro II.
Em 1842, quando o Caraça estava entre dois fogos, o dos liberais, chefiados
por Teófilo Otoni em Ouro Preto, e dos legalistas, sob o comando de Caxias em
Santa Luzia, o Pe. Viçoso tomou uma atitude que nós hoje dificilmente entendemos:
fugir para longe, levando os alunos para o Triângulo Mineiro.
construção de seu antecessor, o edifício todo em pedras, sem dúvidas uma das
melhores obras da época.
No andar térreo funcionavam as salas de aula, a biblioteca, gabinetes de
física e química, enfermaria, batinaria, rouparia e mais tarde, gabinete dentário e raio
x. No primeiro andar dois grandes salões: sendo um para estudo com capacidade
para 300 alunos e outro para festas e teatros. No último funcionavam dois grandes
dormitórios para 200 camas, com um quarto para disciplinário e instalações
sanitárias. Foi neste prédio que em 1968, que ocorreu o grande incêndio que fechou
de vez as portas do Colégio. (ZICO, 1998, p. 74-75). Ainda de acordo com autor, foi
durante este período que estudou no Colégio do Caraça outro futuro presidente do
Brasil, Artur da Silva Bernardes.
Coube a Pe. Boavida também a construção da barragem do Tanque Grande,
canalizando a água do Córrego da Canjerana, que além da poesia e conforto que
trouxe à bacia do Caraça, tinha duas finalidades: durante o dia mover o engenho e à
noite permitir que a própria roda do engenho produzisse luz elétrica.
Como se pode notar foram muitos os melhoramentos do Pe. Boavida, mas
um de seus grandes tesouros deixado para o Caraça e que lá se encontra até os
dias de hoje, foi a construção de um órgão a ser inaugurado junto com a Igreja
Gótica. Tal instrumento contém setecentos tubos, setecentas notas e um som
maravilhoso. Além de tudo isso, foi Pe. Boavida quem inaugurou a Escola Apostólica
no Caraça, atendendo tanto a um desejo de seu superior geral, quanto `a
concretização do sonho de seu fundador Irmão Lourenço.
Segundo Pe. Tobias, muitos foram os frutos produzidos na Escola Apostólica
Caraça, formando vários sacerdotes. Mas para alguns professores a Escola era um
elemento estranho no colégio, um peso, a causa de muitos atritos. Após 10 anos,
cansado seu fundador e diretor, sem ter alguém a altura para substituí-lo, decide
pela transferência da mesma para Petrópolis, sob os cuidados do Pe. Calleri. Assim
foi se embora a Escola Apostólica, mas em 1909 haveria de voltar ao Caraça e
permanecer lá ora sozinha, ora ao lado do Colégio, produzindo seus frutos até maio
de 1968, data do fatídico incêndio que culminou com seu fechamento.
Foi durante esse superiorato que a capela do Sagrado Coração de Jesus foi
restaurada, como promessa feita a Deus para que libertasse o Caraça da doença do
beribéri3.
Segundo Pe. Tobias Zico: “É verdade acaciana dizer a vida dos
indivíduos do como das entidades está sujeita a altos e baixos. A vida do Caraça
não foge a essa regra, como no vimos no tempo do irmão Lourenço, dos Padres
Portugueses, Franceses e Brasileiros” (ZICO, 1998, p.155).
De acordo com o religioso, o nosso século e, sobretudo a década de 60
foram marcados por grandes transformações, em todo mundo e também na vida da
Igreja, começando pelo Papa João XXIII e se confirmando durante o concílio
Vaticano II e no período pós – concílio.
Em um de seus preciosos documentos (Lumen Gentium) lembra o concílio
“que o gênero humano se encontra em fase nova de sua história com mudanças
profundas e rápidas, atingindo o homem no seu modo de pensar e agir.” “Já
podemos falar de verdadeira transformação social e cultural que repercute na
própria vida religiosa”. (Ibidem, p.155) estas dificuldades se fizeram sentir no
Caraça, como em muitos outros seminários e casas de formação religiosa.
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As informações referentes ao incêndio no prédio do Caraça foram obtidas a partir durante a
pesquisa de campo no Santuário. Funcionários da biblioteca fizeram este relato de forma oral, porém,
várias pesquisas realizadas nos arquivos do Caraça não confirmaram tais informações.
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Segundo o autor acima citado, muitos foram os curiosos que chegavam, mas
entre eles também chegavam amigos, ex-alunos, autoridades, pais de alunos
ansiosos por notícias, fotógrafos e repórteres. Os chegados apresentavam seus
préstimos aos padres, ofereciam também remédios e alimentos. Foi constatada a
triste realidade: era impossível continuar ali o colégio. O diretor do “Ginásio Afonso
Pena” em Santa Bárbara oferece aos padres sua casa para abriga-los juntamente
com seus alunos até o fim do semestre. Muitos pais entre lágrimas e ação de
graças, preferem levar seus filhos para casa, muito destes ainda de pijama, única
roupa salva no incêndio.
Na estrada do Caraça, o movimento era intenso. À noite, a TV
Itacolomi, levava aos lares brasileiros longos documentários sobre o triste ocorrido
no Caraça. Assim se fecha novamente o Caraça como Escola de Educação.
Fechado como educandário, mas reaberto posteriormente como Centro de
turismo religioso e familiar e ainda como centro de estudos e cultura, nas palavras
de José Pedro, ex-aluno que narrou sua permanência na instituição na obra
“Memórias Caracenses”,
O Caraça tornou-se, hoje, paraíso ecológico. Ponto de turismo. Referência
de cultura. Pilar da religião. Ruínas históricas, creditadas ao incêndio insensato que
lhe devorou parcialmente o prédio, em 1968. Ancoradouro permanente de doces
recordações dos tempos inocentes vividos por seus ex – alunos, em extinção,
devido à ausência de matérias curriculares que não mais se ministram ali.
(ARAÚJOSILVA, 2004, p. 67).
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Afirma ter sido admitido no Caraça com o aval dos pais, sobretudo da mãe, e que
fora encaminhado por uma orientadora educacional da escola em que estudava e
onde a mãe era diretora. Sua mãe era irmã de dois padres lazaristas e um deles
trabalhava no Caraça, o Pe. João Saraiva. Segundo Mariano a genitora “dizia que eu
parecia com Pe. João quando pequeno. Gostei da ideia e fui.”
Ao serem questionados sobre como era realizado o processo de ingresso no
Seminário do Caraça, os entrevistados afirmaram que os candidatos eram
selecionados pelos próprios padres da instituição e que alguns percorriam a região
vizinha durante o período de férias na busca de novos alunos e que em regiões
longínquas os contatos eram feitos com a ajuda dos párocos locais ou com a
indicação de ex-alunos que já estudavam no Seminário ou Escola Apostólica como
era chamada na Congregação da Missão.
O refeitório era único (o mesmo que existe até hoje para os hóspedes). Os
alunos eram dispostos em mesas compridas com vinte e quatro lugares cada, todos
em ordem de tamanho: havia a mesinha, onde ficavam os menores, e, nas outras,
ficam todos os demais, sempre na ordem crescente de tamanho.
Durante as refeições eram feitas leituras (só se conversava em alguns dias
determinados: domingos, dias de feriado, quando havia alguma visita...). Pelo fato
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No início da tarde os alunos subiam para o salão de estudos para mais uma
hora de estudo e logo após a terceira aula. José Pedro diz que após a terceira aula
vinha o recreio seguido de mais uma hora de estudos e merenda da tarde no
refeitório. Vinha então a quarta e última aula, novamente recreio, leitura espiritual,
visita ao Santíssimo sacramento para a reza do terço, jantar, novamente visita ao
santuário para agradecimento pelo jantar, outro recreio seguido de estudos para
elaboração dos exercícios passados na aula do dia. Acontecia então o último
recreio, o momento de oração noturna feita no salão de estudos no segundo andar e
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os alunos sempre se recolhiam para dormir antes das 21 horas, eram oito horas de
sono.
com leite e mingau de fubá e algumas vezes de manteiga. Mariano diz que esse
mingau era muito apreciado por todos.
Segundo Mariano:
Já Pe. Lauro diz que nos anos em que passou no Caraça a comida
melhorava, e muito, nos períodos de festividades e nas férias na Fazenda do
Engenho, onde o número de alunos era menor, por volta de setenta. Neste período
devido ao número menor de alunos a comida era mais bem feita.
Pe. Lauro acrescenta ainda sobre a vida caracense, que era disciplinada
sim, mas não propriamente rigorosa, como fora nos tempos de Colégio até 1912.
Segundo ele, os alunos parte do dia passavam em silêncio, conversando apenas
nos horários de recreios e nas refeições, claro, quando não havia no púlpito.
Apesar da disciplina ou, melhor, por causa dela, tínhamos muita alegria no
estudo e no aprendizado. Bons Professores, que nos estimulavam a
aprender cada vez mais, com os prêmios no final do ano, as menções
honrosas, a leitura das notas em público e os aplausos de todos os colegas
para quem tirasse 9 ou 10 em todas as disciplinas.
Ainda no que tange à disciplina Mariano relata que, no quesito silêncio ela
era bastante rígida. Havia prescrição e horário para tudo o que se fosse fazer:
estudar, hora do recreio, horário de orações. Tudo deveria seguir aos padrões
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Por outro lado os demais que concordaram e disseram que havia sim,
castigos físicos tais como o aluno faltoso ficar de joelho por um tempo no recreio no
pátio. Ou em certos casos ir para o paredão, ou seja, ficar isolado de todos próximo
da igreja. Os castigos eram impostos pelo Pe. Disciplinário. No que se refere aos
castigos físicos José Pedro recomenda cautela e a observação de cada época.
Neste item, sempre se faz necessário observar que cada tempo deve ser
interpretado no seu tempo. Nada ia além do que acontecia nas próprias
casas paternas ou outros estabelecimentos de ensino. Houve época em que
se usou a palmatória. Em outras e sempre dependendo da gravidade da
falta cometida, o infrator sujeitava-se a ficar incomunicável no recreio, no
Refeitório, como também ficar de pé debaixo do sino, ou no estudo, em
outras situações consideradas gravíssimas era mandado embora ou
expulso, por exemplo. Ademais, a prudência e a tolerância precediam o
castigo. (Grifo nosso).
o coração. Observamos também que todos eram, ou pareciam ser bem adaptáveis
às rotinas diárias e que lhes eram impostas.
Quanto à pergunta relativa ao relacionamento dos padres com os alunos,
todos foram unânimes em concordar que o relacionamento dos padres com os
mesmos era pautado no respeito e na amizade. Eles evidenciaram também a
dedicação e presença constante dos padres. A esse respeito Mariano acrescenta:
Padre Lauro afirma que a única coisa a lamentar da pedagogia da época era
a de Deus ser apresentado de forma severa e negativa, já que em muitos lugares do
Seminário ele via escrito: “DEUS TE VÊ” e em nenhum lugar diz ter visto escrito:
“DEUS TE AMA”.
Diz ainda Pe. Lauro,
[...] Como os Alunos eram chamados a “dar” a lição, isto é, a repetir de cor
as coisas da aula, e como havia exames escritos (nos quais se
perguntavam as partes mais importantes da matéria) e exames orais em
que os Professores perguntavam até as notas de pé de página, tínhamos
que estudar tudo, não saltávamos nada e de fato aprendíamos as matérias
integralmente. [...]. Nos sábados, tínhamos a sabatina, os concursos, onde
se repassavam as unidades estudadas durante o semestre. [...] Tínhamos
ainda as academias literárias, para os grandes (Academia São Vicente) e
para os pequenos (Academia São Luís). Fazíamos discursos, recitávamos
poesias próprias ou dos autores mais apreciados. As composições originais,
da lavra do Estudante, podiam ser votadas para serem transcritas nos livros
de ouro das academias. O desenvolvimento da memória era assim muito
estimulado, de maneira sadia e proveitosa. Aprendiam-se muito vocabulário,
muitos sinônimos, muitas curiosidades literárias e culturais em geral. Até
nos passeios, havia Professores que levavam livros úteis, emocionantes, e,
enquanto uns brincavam, outros escutavam contos, histórias, romances, etc.
Nos primeiros dias de férias, não podíamos ler livros, para descansar dos
estudos. Depois, era aquela “correria” para conseguir ler os livros de que
todos falavam, a coleção inteira de Júlio Verne, Karl May (Winnetou) e
outros. As Academias tinham suas coleções de livros interessantes.
uma vez que a Congregação da Missão fora fundada no século XVII, por São
Vicente de Paulo:
Fica nítido na fala dos alunos/seminaristas que toda disciplina, todo rigor
tanto no que diz respeito ao horário quanto ao estudo, contribuiu, na visão deles, de
forma exemplar na formação moral, intelectual e profissional dos mesmos e se o que
buscava era a perfeição, parece-nos que o objetivo foi alcançado, uma vez que
nenhum dos entrevistados demostrou rancor ou mágoa ao descreverem o tempo de
seminaristas no Caraça, ao contrário, todos relatam seu apreço pela instituição e a
saudade do tempo de internos.
Ao serem questionados se tinham em mente um fato marcante na vida
estudantil, observamos que as lembranças trazidas por eles, são o que hoje, embora
de forma diferente, move a vida estudantil de qualquer aluno dedicado e
disciplinado.
[...] Mas certo dia tirei a mesma nota que os melhores alunos de minha
turma: nem sei que nota foi, pois o Professor usava seus códigos... Mas vi
que os melhores também tinham tirado S1, como eu. Então me convenci de
que eu poderia vencer, como eles, e nada mais me segurou, no latim.
Estimulado devidamente pelos Professores, escrevi muitas poesias em
latim, com todas as regras dos vários modelos de poemas que os clássicos
seguiam. Nos últimos anos, o Professor me estimulou a apresentar em
público meus poemas latinos, nas festas do seminário. Isto foi decisivo para
a autoconfiança, o brio pessoal, a segurança e a alegria de meu futuro. (Pe.
Lauro Palú)
Eu era bom aluno, costumava tirar ótimas notas em todas as matérias. Com
a obsessão de acertar tudo, procurei um colega dois anos à minha frente
para conferir alguma dúvida no exercício de latim – uma palavra ou outra.
Ele me respondeu, mas comunicou o fato ao professor, porque entendeu
que eu estava colando. Na última aula do semestre, quando não havia mais
matéria, mas leitura de algum livro, o professor me chamou à frente da
turma, me pôs de joelhos e me mandou ler uma confissão, na qual eu
reconhecia minha falta e pedia perdão aos colegas. Desabei no choro, não
consegui ler nada. O professor leu por mim. Quando chegou hora do
recreio, logo depois, ninguém comentou nada.
Ex-Aluno, ao entrar nas terras caracenses, sente que o ritmo da alma muda.
A emoção faz sua morada no coração fatigado, saudoso. É uma vibração
incontida, transparente, à flor da pele. [...] Ao viajar, principalmente se for
ex-aluno, veste-lhe a alma uma sensação de silêncio. A impressão é de um
enorme quadro emoldurado de natureza. Ainda não dá para saber se há
vida. Pode ser até que no adro apareça algum intruso. Não confunda com
miragem. A esta altura, já se desceu do veículo. Respira-se oxigênio do
Caraça, purificando o ser. Daquele patamar, onde se encontra, vislumbra-se
o velho Educandário. O ex-aluno sonha ver-se no passado. Introjeta na
paisagem do tempo e se admira como um interno que foi. Os seus olhos
são infância. [...]Mas é preciso continuar viagem. Alguém desperta o
sonhador Ex-Aluno da ilusão da saudade. Mais alguns poucos quilômetros,
e já se está no Casarão. Observa-se que não é o sonhado pelo ex-Aluno no
alto da “Bela Vista”. Não é mais Colégio. Não é mais Escola Apostólica ou
seminário. O incêndio decretou à História um novo rumo, cujos caminhos se
ensaiam perseguí-los.
CONCLUSÃO:
Este período tem como ponto de partida a chegada dos padres Leandro
Rebelo Peixoto e Castro e Antônio Ferreira Viçoso, à Serra do Caraça. Estes foram
os fundadores do Colégio e deram início à realização da vontade de Irmão
Lourenço.
Em junho de 1820, Pe. Leandro Rabelo viaja para o Rio de Janeiro com o
objetivo de expor ao Rei Dom João VI as condições em que encontrou a Ermida do
Irmão Lourenço. Desta viagem traz consigo os quatro primeiros alunos do nascente
Colégio: Francisco de Paula, José Goulart, Manuel Maria de Lacerda e João Dinis.
Em 24 de Janeiro de 1824, Dom Pedro I concede ao Caraça o título de Casa
Imperial e dá licença para serem esculpidas em seu frontispício as armas do
Império.
E assim foi crescendo o Colégio do Caraça, a cada ano chegavam novos
alunos e saiam em igual proporção. Mas as crises também se aproximavam e dentre
elas destacamos: a crise na família religiosa, as severas leis do Império contra os
frades estrangeiros e por fim calúnias e ingratidões de alguns beneficiados e em
meio a estas crises se deu o primeiro fechamento do Colégio.
47
estando lá apenas como aluno. A rotina diária era rigorosa e o cumprimento dela
obrigatório com penalidade, e em algumas situações castigos para quem não a
cumprisse e/ou se desviasse do comportamento exigido. Cabe ressaltar que os
castigos e penalidades eram costumes da época até mesmo em suas casas, como
ajoelharem-se por um determinado tempo, palmatórias e isolamentos. Sabemos que
não são válidos para os dias de hoje, mas aceitos e recomendados naqueles dias.
Já a alimentação todos citam os mesmos pratos e cardápios, porém com opinião
individual sobre os gostos.
O objetivo desta pesquisa foi conhecer a história que envolvia a construção
do Colégio/Seminário do Caraça e a busca pelo entendimento da pedagogia
aplicada no mesmo. Para tal utilizamos como instrumento metodológico um
questionário que foi prontamente respondido por seus ex-alunos citados no corpo
desta pesquisa.
A respeito da disciplina e rotina diária aplicada no Caraça, muitos estudiosos
atuais podem até não concordar, entretanto se faz necessário repensar esta postura,
é preciso ter a consciência de cada época tem o seu tempo e momento.
Percebemos nos relatos que era uma educação voltada para uma formação
estrutural para a vida, onde se aprendia além dos conteúdos prescritos no currículo,
valores que foram levados para a vida pós Caraça.
A escola tradicional em muitos aspectos é criticada pelos estudiosos da
educação. Mas necessitamos cautela, é preciso analisar e pensar o que de fato
precisa ser mudado neste modo tradicional de educar e o que pode ser conservado.
Para os alunos do Caraça, essa educação não era vista como algo ruim, ao
contrário, todos os entrevistados como já dito, se mostraram extremamente gratos
aos ensinamentos que receberam no Caraça.
Paulo Freire diz que a educação vista por essa ótica tem como meta,
intencional ou não, a formação de indivíduos acomodados, não questionadores e
submetidos à estrutura do poder vigente.
Hoje, contrariando a escola tradicional, estudiosos da educação propõem um
modelo de educação no qual o aluno tenha liberdade de expressão, cuja
metodologia esteja pautada numa ação educativa de ordem social e cultural. Porém,
hoje em muitas escolas vemos gestores e equipe pedagógica sem saber qual rumo
dar a educação, pois todos desejam mudanças, querem uma educação onde o
aluno seja visto como sujeito autônomo e independente, mas como fazer isso? Se
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seus professores em sua maioria são frutos de uma educação tradicional, assim, ao
se se depararem com esta nova forma de ensinar ficam estagnados sem saber o
que fazer. Para um bom resultado é preciso um equilíbrio entre o tradicional e o
novo, ou seja, mudar o que precisa ser mudado e preservar o que pode ser
preservado.
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REFERÊNCIAS:
ARAUJOSILVA, José Pedro A. de. Memorias Caracenses. Belo Horizonte: Del Rey,
2004.
ZITO, Pe. José Tobias. Caraça, peregrinação, cultura. Turismo. Belo Horizonte:
Editora Liteira Maciel, 1988.
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