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ALGUMA POESIA

(1925-1930) Lá longe meu pai campeava


no mato sem fim da fazenda.
A Mário de Andrade
E eu não sabia que minha história
POEMA DE SETE FACES era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

Quando nasci, um anjo torto CASAMENTO DO CÉU E DO INFERNO


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. No azul do céu de metileno
a lua irônica
As casas espiam os homens diurética
que correm atrás de mulheres. é uma gravura de sala de jantar.
A tarde talvez fosse azul
se não houvesse tantos desejos. Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
O bonde passa cheio de pernas: espantando mosquitos
pernas brancas pretas amarelas. de cortinados e grinaldas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos Pela escada em espiral
não perguntam nada. diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à via-láctea,
O homem atrás do bigode vaga-lumeando. . .
é sério, simples e forte.
Quase não conversa. Por uma frincha
Tem poucos, raros amigos o diabo espreita com o olho torto.
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Diabo tem uma luneta
Meu Deus, por que me abandonaste que varre léguas de sete léguas
se sabias que eu não era Deus e tem o ouvido fino
se sabias que eu era fraco. que nem violino.

Mundo mundo vasto mundo, São Pedro dorme


se eu me chamasse Raimundo e o relógio do céu ronca mecânico.
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo, Diabo espreita por uma frincha.
mais vasto é meu coração.
Lá em baixo
Eu não devia te dizer suspiram bocas machucadas.
mas essa lua Suspiram rezas? Suspiram manso,
mas esse conhaque de amor.
botam a gente comovido como o diabo.
E os corpos enrolados
INFÂNCIA ficam mais enrolados ainda
e a carne penetra na carne.
A Abgar Renault
Que a vontade de Deus se cumpra!
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Tirante Laura e talvez Beatriz,
Minha mãe ficava .sentada cosendo. o resto vai para o inferno.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais. Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu Ponteei viola, guiei forde
a ninar nos longes da senzala -— e nunca se esqueceu e aprendi na mesa dos bares
chamava para o café que o nacionalismo é uma virtude.
Café preto que nem a preta velha Mas há uma hora cm que os bares se fecham
café gostoso e todas as virtudes se negam.
café bom.
Eu também já fui poeta.
Minha mãe ficava, sentada cosendo Bastava olhar para mulher,
olhando para mim: pensava logo nas estrelas
— Psiu . . . Não acorde o menino. e outros substantivos celestes.
Para o berço .onde pousou um mosquito. Mas eram tantas, o céu tamanho,
E dava um suspiro... que fundo! minha poesia perturbou-se.
1
Não há mais Turquia.
Eu também já tive meu ritmo. O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a
Fazia isto, dizia aquilo. declanchar.
E meus amigos me queriam, Mas a Rússia tem as cores da vida.
meus inimigos me odiavam. A Rússia é vermelha e branca.
Eu irônico deslizava Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme
satisfeito de ter meu ritmo. bolchevista e no túmulo de Lenin em Moscou parece que um
Mas acabei confundindo tudo. coração enorme está batendo, batendo
Hoje não deslizo mais não, mas não bate igual ao da gente...
não sou irônico mais não, Chega!
não tenho ritmo mais não. Meus olhos brasileiros se fecham saudosos,
Minha boca procura a "Canção do Exílio".
CONSTRUÇÃO Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra. . .
Um grito pula no ar como foguete. Ai terra que tem palmeiras
Vem da paisagem de barro úmido, caliça e andaimes hirtos. onde canta o sabiá!
O sol cai sobre as coisas em placa fervendo.
O sorveteiro corta a rua. LANTERNA MÁGICA

E o vento brinca nos bigodes do construtor. I — BELO HORIZONTE

TOADA DO AMOR Meus olhos têm melancolias,


minha boca tem rugas. :
E o amor sempre nessa toada: Velha cidade!
briga perdoa perdoa briga. As árvores tão repetidas.

Não se deve xingar a vida, Debaixo de cada árvore faço minha cama,
a gente vive, depois esquece. em cada ramo dependuro meu paletó.
Só o amor volta para brigar, Lirismo.
para perdoar, Pelos jardins versailles
amor cachorro bandido trem. ingenuidade de velocípedes.

Mas, se não fosse êle, também E o velho fraque


que graça que a vida tinha? na casinha de alpendre com duas janelas dolorosas.

Mariquita, dá cá o pito, II — SABARÁ


no teu pito está o infinito.
A dois passos da cidade importante
EUROPA, FRANÇA E BAHIA a cidadezinha está calada, entrevada.
(Atrás daquele"morro, com vergonha do trem.)
Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo. Só as igrejas
Os cais bolorentos de livros judeus só as torres pontudas das igrejas
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria. não brincam de esconder.

O pulo da Mancha num segundo. O Rio das Velhas lambe as casas velhas,
Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas. casas encardidas onde há velhas nas jinelas.
Tarifas bancos fábricas trusts krachs. Ruas em pé
Milhões de dorsos agachados nas colônias longínquas formam pé de moleque
um tapete para Sua Graciosa Majestade Britânica pisar. PENÇÃO DE JUAQUINA AGULHA
E a lua de Londres como um remorso. Quem não subir direito toma vaia. . .
Bem feito!
Submarinos inúteis retalham mares vencidos.
O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruinados. Eu fico cá em baixo
Hamburgo, embigo do mundo. maginando na ponte moderna — moderna por quê?
Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos A água que corre
outros dentro de alguns anos. já viu o Borba.
Não a que corre,
A Itália explora conscienciosamente vulcões apagados, mas a que não pára nunca
vulcões que nunca estiveram acesos de correr.
a não ser na cabeça de Mussolini.
E a Suíça cândida se oferece Ai tempo!
numa coleção de postais de altitudes altíssimas Nem é bom pensar nessas coisas mortas, muito mortas.
Os séculos cheiram a mofo
Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa. e a história é cheia de teias de aranha.
Na água suja, barrenta, a canoa deixa um sulco logo apagado.
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Quede os bandeirantes? uma sensação fina e grossa.
O Borba sumiu,
Dona Maria Pimenta morreu. VI — NOVA FRIBURGO

Mas tudo tudo é inexoravelmente colonial: Esqueci um ramo de flores no sobretudo.


bancos janelas fechaduras lampiões.
O casario alastra-se na cacunda dos morros, VII — Rio DE JANEIRO
rebanho dócil pastoreado por igrejas:
a do Carmo — que é toda de pedra, Fios nervos riscos faíscas.
a Matriz — que é toda de ouro. As cores nascem e morrem
Sabará veste com orgulho seus andrajos... com impudor violento.
Faz muito bem, cidade teimosa! Onde meu vermelho? Virou cinza.
Passou a boa! Peço a palavra!
Nem Siderúrgica nem Central nem roda manhosa de forde Meus amigos todos estão satisfeitos
sacode a modôrra de Sabará-buçu. com a vida dos outros.
Fútil nas sorveterias.
Pernas morenas de lavadeiras, Pedante nas livrarias.. .
tão musculosas que parece foi o Aleijadinho que as esculpiu, Nas praias nu nu nu nu nu.
palpitam na água cansada. Tu tu tu tu tu no meu coração.
Mas tantos assassinatos, meu Deus.
O presente vem de mansinho E tantos adultérios também.
de repente dá um salto: E tantos, tantíssimos contos do vigário. . .
cartaz de cinema com fita americana. (Este povo quer me passar a perna.)

E o trem bufando na ponte preta Meu coração vai molemente dentro do táxi.
é um bicho comendo as casas velhas.
VIII — BAHIA
III — CAETÉ
É preciso fazer um poema sobre a Bahia. ..
A igreja de costas para o trem.
Nuvens que são cabeças de santo. Mas eu nunca fui lá.
Casas torcidas.
E a longa voz que sobe A RUA DIFERENTE
que sobe do morro
Na minha rua estão cortando árvores
que sobe... botando trilhos
construindo casas.
IV — ITABIRA
Minha rua acordou mudada.
Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê. Os vizinhos não se conformam.
Na cidade toda de ferro Eles não sabem que a vida
as ferraduras batem como sinos. tem dessas exigências brutas.
Os meninos seguem para a escola.
Os homens olham para o chão. Só minha filha goza o espetáculo
Os ingleses compram a mina. e se diverte com os andaimes,
a luz da solda autógena
Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota e o cimento escorrendo nas fôrmas.
incomparável.
LAGOA
V — SÃO JOÃO DEL REI
Eu não vi o mar.
Quem foi que apitou? Não sei se o mar é bonito,
Deixa dormir o aleijadinho coitadinho. não sei se êle é bravo.
Almas antigas que nem casas. O mar não me importa.
Melancolia das legendas.
Eu vi a lagoa.
As ruas cheias de mulas-sem-cabeça A lagoa, sim.
correndo para o Rio das Mortes A lagoa é grande
e a cidade paralítica e calma também.
no sol
espiando a sombra dos emboabas Na chuva de cores
no encantamento das alfaias. da tarde que explode
a lagoa brilha
Sinos começam a dobrar. a lagoa se pinta
de todas as cores.
E todo me envolve
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Eu não vi o mar. uma letra somente
Eu vi a lagoa. . . para acabar teu nome!

CANTIGA DE VIÚVO — Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!


Eu estava sonhando...
A noite caiu na minh'alma, E há em todas as consciências este cartaz amarelo:
fiquei triste sem querer. "Neste país é proibido sonhar."
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou. NO MEIO DO CAMINHO
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo. No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
Me abraçou com tanto amor tinha uma pedra
me apertou com tanto fogo no meio do caminho tinha uma pedra.
me beijou, me consolou. Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Depois riu devagarinho, Nunca me esquecerei que no meio do caminho
me disse adeus com a cabeça tinha uma pedra
e saiu. Fechou a porta. tinha uma pedra no meio do caminho
Ouvi seus passos na escada. no meio do caminho tinha uma pedra.
Depois mais nada. ..
acabou. IGREJA

O QUE FIZERAM DO NATAL Tijolo


areia
Natal andaime
O sino longe toca fino. água
Não tem neves, não tem gelos. tijolo.
Natal. O canto dos homens trabalhando trabalhando
Já nasceu o deu menino. mais perto do céu
As beatas foram ver, cada vez mais perto
encontraram o coitadinho mais
(Natal) — a torre.
mais o boi mais o burrinho
e lá em cima E nos domingos a litania dos perdões, o murmúrio das
a estrelinha alumiando. invocações.
Natal. O padre que fala do inferno
sem nunca ter ido lá.
As beatas ajoelharam Pernas de seda ajoelham mostrando geolhos.
e adoraram o deus nuzinho Um sino canta a saudade de qualquer coisa sabida e já
mas as filhas das beatas esquecida.
e os namorados das filhas, A manhã pintou-se de azul.
mas as filhas das beatas No adro ficou o ateu,
foram dançar black-bottom no alto fica Deus.
tios clubes sem presépio. Domingo...
Bem bão! Bem bão!
POLÍTICA LITERÁRIA Os serafins, no meio, entoam quii ieleisão.

A Manuel Bandeira POEMA QUE ACONTECEU

O poeta municipal Nenhum desejo neste domingo


discute com o poeta estadual nenhum problema nesta vida
qual deles é capaz de bater o poeta federal. o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
Enquanto isso o poeta federal domingo sem fim nem começo.
tira ouro do nariz. A mão que escreve este poema
não sabe que está escrevendo
SENTIMENTAL mas é possível que se soubesse
nem ligasse.
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão. ESPERTEZA
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam Tenho vontade de
esse romântico trabalho. — ponhamos amar
por esporte uma loura
Desgraçadamente falta uma letra, o espaço de um dia.
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A fumaça de meu cachimbo subindo.
Certo me tornaria
brinquedo nas suas mãos. Como estou bem nesta poltrona de humorista inglês.

Apanharia, sorriria O jornal conta histórias, mentiras. . .


mas acabado o jogo Ora afinal a vida é um bruto romance
não seria mais joguete, e nós vivemos folhetins sem o saber.
seria eu mesmo.
Mas surge o imenso chá com torradas,
E ela ficaria espantada chá de minha burguesia contente.
de ver um homem esperto. Ó gozo de minha poltrona!
Ó doçura de folhetim!
POLÍTICA Ó bocejo de felicidade!

A Mário Casasanta NOTA SOCIAL


Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram O poeta chega na estação.
quando rompeu com o chefe político. O poeta desembarca.
O jornal governista ridicularizava seus versos, O poeta toma um auto.
os versos que êle sabia bons. O poeta vai para o hotel.
E enquanto êle faz isso
Sentia-se diminuído na sua glória como qualquer homem da terra,
enquanto crescia a dos rivais uma ovação o persegue
que apoiavam a Câmara em exercício. feito vaia.
Bandeirolas
Entrou a tomar porres abrem alas.
violentos, diários. Bandas de música. Foguetes.
E a desleixar os versos. Discursos. Povo de chapéu de palha.
Se já não tinha discípulos. Máquinas fotográficas assestadas.
Se só os outros poetas eram imitados. Automóveis imóveis.
Bravos. . .
Uma ocasião em que não tinha dinheiro O poeta está melancólico.
para tomar o seu conhaque
saiu à toa pelas ruas escuras. Numa árvore do passeio público
Parou na ponte sobre o rio moroso, (melhoramento da atual administração)
o rio que lá em baixo pouco se importava com êle árvore gorda, prisioneira
e no entanto o chamava de anúncios coloridos,
para misteriosos carnavais. árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
E teve vontade de se atirar Canta uma cigarra que ninguém ouve
(só vontade). um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.
Depois voltou para casa
livre, sem correntes O poeta entra no elevador
muito livre, infinitamente o poeta sobe
livre livre livre que nem uma besta o poeta fecha-se no quarto.
que nem uma coisa.
O poeta está melancólico
POEMA DO JORNAL
CORAÇÃO NUMEROSO
O fato ainda não acabou de acontecer
e já a mão nervosa do repórter Foi no Rio.
o transforma em notícia. Eu passeava na Avenida quase meia-noite.
O marido está matando a mulher. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
A mulher ensangüentada grita. Havia a promessa do mar
Ladrões arrombam o cofre. e bondes tilintavam,
A polícia dissolve o meeting. abafando o calor
A pena escreve. que soprava com o vento
e o vento vinha de Minas.
Vem da sala de linotipos uma doce música mecânica
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
SWEET HOME (a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbàvelmente
A Ribeiro Couto na Galeria Cruzeiro quente quente
Quebra-luz, aconchego. e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
Teu braço morno me envolvendo. nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.
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e o olhar desditoso da moça desfolhando malmequeres.)
Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar Jardim da Praça da Liberdade,
voluptuosidade errante do calor Versailles entre bondes.
mil presentes da vida aos homens indiferentes, Na moldura das Secretarias compenetradas
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. a graça inteligente da relva
compõe o sonho dos verdes.
O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu PROIBIDO PISAR NO GRAMADO
a cidade sou eu Talvez fosse melhor dizer:
sou eu a cidade PROIBIDO COMER O GRAMADO
meu amor. A prefeitura vigilante
vela a soneca das ervinhas.
POESIA E o capote preto do guarda é uma bandeira na noite estrelada
de funcionários.
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever. De repente uma banda preta
No entanto êle está cá dentro vermelha retinta suando
inquieto, vivo. bate um dobrado batuta
Êle está cá dentro na doçura
e não quer sair. do jardim.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira. Repuxos espavoridos fugindo.

FESTA NO BREJO CIDADEZINHA QUALQUER

A saparia desesperada Casas entre bananeiras


coaxa coaxa coaxa. mulheres entre laranjeiras
O brejo vibra que nem caixa pomar amor cantar.
de guerra. Os sapos estão danados.
Um homem vai devagar.
A lua gorda apareceu Um cachorro vai devagar.
e clareou o brejo todo. Um burro vai devagar.
Até à lua sobe o coro
da saparia desesperada. Devagar... as janelas olham.

A saparia toda de Minas Êta vida besta, meu Deus.


coaxa no brejo humilde.
FUGA
Hoje tem festa no brejo!
As atitudes inefáveis
JARDIM DA PRAÇA DA LIBERDADE Os inexprimíveis delíquios,
êxtases, espasmos, beatitudes
A Gustavo Capanema não são possíveis no Brasil.
O poeta faz a mala,
Verdes bulindo. põe camisas, punhos, loções,
Sonata cariciosa da água um exemplar da "Imitação"
fugindo entre rosas geométricas. e parte para outros rumos.
Ventos elísios.
Macio. A vaia amarela dos papagaios
Jardim tão pouco brasileiro. . . mas tão lindo. rompe o silêncio da despedida.
— Se eu tivesse cinco mil pernas
Paisagem sem fundo. (diz êle) fugia com todas elas.
A terra não sofreu para dar estas flores.
Sem ressonância. Povo feio, moreno, bruto,
O minuto que passa não respeita meu fraque preto.
desabrochando em floração inconsciente. Na Europa reina a geometria
Bonito demais. Sem humanidade. e todo o mundo anda — como eu
Literário demais.
Estou de luto por Anatole
(Pobres jardins do meu sertão, France, o de Thais, jóia soberba.
atrás da Serra do Curral! Não há cocaína, não há morfina
Nem repuxos frios nem tanques langues, igual a essa divina
nem bombas nem jardineiros oficiais. papa-fina.
Só o mato crescendo indiferente entre sempre-vivas
desbotadas Vou perder-me nas mil orgias
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do pensamento greco-latino. QUADRILHA
Museus! estátuas! catedrais!
O Brasil só tem canibais. João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Dito isto fechou-se em copas. que não amava ninguém.
Joga-lhe um mico uma banana, João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
por um tico não vai ao fundo. Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Enquanto os bárbaros sem barbas Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
sob o Cruzeiro do Sul que não tinha entrado na história.
se entregam perdidamente
sem anatólios nem capitólios FAMÍLIA
aos deboches americanos.
Três meninos e duas meninas,
SINAL DE APITO sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
Um silvo breve: Atenção, siga. o papagaio, o gato, o cachorro,
Dois silvos breves: Pare. as galinhas gordas no palmo de horta
Um silvo breve à noite: Acenda a lanterna. e a mulher que trata de tudo.
Um silvo longo: Diminua a marcha.
Um silvo longo e breve: Motoristas a postos. A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
(A este sinal todos os motoristas tomam o cigarro, o trabalho, a reza,
lugar nos seus veículos para movimentá-los a goiabada na sobremesa de domingo,
imediatamente.) o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda a noite
PAPAI NOEL ÀS AVESSAS e a mulher que trata de tudo.

A Afonso Arinos (sobrinho) O agiota, o leiteiro, o turco,


o médico uma vez por mês,
Papai Noel entrou pela porta dos fundos o bilhete todas as semanas
(no Brasil as chaminés não são praticáveis), branco! mas a esperança sempre verde.
entrou cauteloso que nem marido depois da farra. A mulher que trata de tudo
Tateando na escuridão torceu o comutador e a felicidade.
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal. O SOBREVIVENTE
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu. A Cyro dos Anjos

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender. Impossível compor um poema a essa altura da evolução da
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças humanidade.
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada) Impossível escrever um poema — uma linha que seja — de
e avançou pelo corredor branco de luar. verdadeira poesia.
Aquele quarto é o das crianças. O último trovador morreu em 1914.
Papai entrou compenetrado. Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades
lindos mais simples.
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos Se quer fumar um charuto aperte um botão.
soldados mulheres elefantes navios Paletós abotoam-se por eletricidade.
e um presidente de república de celulóide. Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça. Um sábio declarou a "O Jornal" que ainda
Fêz a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto falta muito para atingirmos um nível ra-
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente zoável de cultura. Mas até lá, felizmente,
[brigavam por causa do aperto. estarei morto.

Os pequenos continuavam dormindo. Os homens não melhoraram


Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo. e matam-se como percevejos.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha, Os percevejos heróicos renascem.
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo
Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes. dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

7
MOÇA E SOLDADO O dia era quente, sem vento.
O sol lá em cima,
Meus olhos espiam as folhas no meio,
a rua que passa. o dia era quente.

Passam mulheres, E como eu não tinha nada que fazer vivia namorando as
passam soldados. pernas morenas da lavadeira.
Moça bonita foi feita para
namorar. Um dia ela veio para a rede,
Soldado barbudo foi feito para se enroscou nos meus braços,
brigar. me deu um abraço,
me deu as maminhas
Meus olhos espiam que eram só minhas.
as pernas que passam.
Nem todas são grossas. . . A rede virou,
Meus olhos espiam. o mundo afundou.
Passam soldados.
. . . mas todas são pernas. Depois fui para a cama
Meus olhos espiam. febre 40 graus febre.
Tambores, clarins Uma lavadeira imensa, com duas tetas imensas, girava no
e pernas que passam. espaço verde.
Meus olhos espiam
espiam espiam BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES
soldados que marcham
moças bonitas Eu te gosto, você me gosta
soldados barbudos desde tempos imemoriais
. . . para namorar, Eu era grego, você troiana
para brigar. troiana, mas não Helena.
Só eu não brigo. Saí do cavalo de pau
Só eu não namoro. para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
ANEDOTA BÚLGARA
Virei soldado romano,
Era uma vez um czar naturalista perseguidor de cristãos.
que caçava homens. Na porta da catacumba
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e encontrei-te novamente.
andorinhas, Mas quando vi você nua
ficou muito espantado caída na areia do circo
e achou uma barbaridade. e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado,
MÚSICA e o leão comeu nós dois.

A Pedro Nava Depois fui pirata mouro,


flagelo da Tripolitânia.
Uma coisa triste no fundo da sala. Toquei fogo na fragata
Me disseram que era Chopin. onde você se escondia
A mulher de braços redondos que nem coxas da fúria do meu bergatim.
martelava na dentadura dura
sob o lustre complacente. Mas quando ia te pegar
Eu considerei as contas que era preciso pagar, e te fazer minha escrava,
os passos que era preciso dar, você fez o sinal da cruz
as dificuldades. . . e rasgou o peito a punhal...
Enquadrei o Chopin na minha tristeza Me suicidei também.
e na dentadura amarela e preta
meus cuidados voaram como borboletas. Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versalhes,
COTA ZERO espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Stop. Pulei muro de convento
A vida parou mas complicações políticas
ou foi o automóvel? nos levaram à guilhotina.

INICIAÇÃO AMOROSA Hoje sou moço moderno,


remo, pulo, danço, boxo,
A rede entre duas mangueiras tenho dinheiro no banco.
balançava no mundo profundo. Você é uma loura notável,
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boxa, dança, pula, rema. e cobertos de terra perderão o brilho
Seu pai é que não faz gosto. enquanto as amadas dançarão um samba
Mas depois de mil peripécias, bravo, violento, sobre a tumba deles.
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos. CABARÉ MINEIRO

Tenho saudade de uma dama


Tenho saudade de uma dama A dançarina espanhola de Montes Claros
Como jamais houve na cama dança e redança na sala mestiça.
Outra igual, e mais terna amante. Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
Não era sequer provocante. Tem um sinal de bala na coxa direita,
Provocada, como reagia! o riso postiço de um dente de ouro,
São palavras só: quente, fria. mas é linda, linda, gorda e satisfeita.
Como rebola as nádegas amarelas!
No banheiro nos enroscávamos. Cem olhos brasileiros estão seguindo
Eram flamas no preto favo, o balanço doce e mole de suas tetas. . .
Um guaiar, um matar-morrer.
QUERO ME CASAR
Tenho saudade de uma dama
Que me passeava na medula Quero me casar
E atomizava os pés da cama. na noite na rua
no mar ou no céu
A outra porta do prazer quero me casar.
A outra porta do prazer,
porta a que se bate suavemente, Procuro uma noiva
seu convite é um prazer ferido a fago. loura morena
e, com isso, muito mais prazer preta ou azul
uma noiva verde
Amor não é completo se não se sabe uma noiva no ar
coisas que só o amor pode inventar. como um passarinho.
procura o estreito átrio do cubículo
aonde não chega a luz, e chega o ardor Depressa, que o amor
da insofrida, mordente não pode esperar!
fome de conhecimento pelo gozo
EPIGRAMA PARA EMÍLIO MOURA
Necrologia dos desiludidos de amor
Os desiludidos do amor Tristeza de ver a tarde cair
estão desfechando no peito. como cai uma folha.
Do meu quarto ouço a fuzilaria. (No Brasil não há outono
As amadas torcem-se de gozo, mas as folhas caem.)
Oh quanta matéria para os jornais
Tristeza de comprar um beijo
Desiludidos mas fotografados como quem compra jornal.
escreveram cartas explicativas Os que amam sem amor
tomaram todas as providências não terão o reino dos céus.
para o remorso das amadas,
Pun pum pum adeus, enjoada. Tristeza de guardar um segredo
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos que todos sabem
seja no claro céu ou turvo inferno. e não contar a ninguém
(que esta vida não presta)
Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram. SOCIEDADE
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais O homem disse para o amigo:
e um estômago cheio de poesia... — Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos O amigo enfeitou a casa
encaixotados competentemente e quando o homem chegou com a mulher,
(paixões de primeira e de Segunda classe). soltou uma dúzia de foguetes.

Os desiludidos seguem iludidos O homem comeu e bebeu.


sem coração, sem tripas, sem amor. A mulher bebeu e cantou.
Única fortuna, os seus dentes de ouro Os dois dançaram.
não servirão de lastro financeiro O amigo estava muito satisfeito.
9
a coxa morena
Quando foi hora de sair, sólida, construída,
o amigo disse para o homem: mas ninguém repara.
— Breve irei a tua casa. Os olhos se perdem
E apertou a mão dos dois. na linha ondulada
do horizonte próximo
No caminho o homem resmunga: (a cerca da horta).
— Ora essa, era o que faltava. A família mineira
E a mulher a junta: — Que idiota. olha para dentro.

— A casa é um ninho de pulgas. O filho mais velho


— Reparaste o bife queimado? canta uma cantiga
O piano ruim e a comida pouca. nem triste nem alegre,
uma cantiga apenas
E todas as quintas-feiras mole que adormece.
eles voltam à casa do amigo Só um mosquito rápido
que ainda não pôde retribuir a visita. mostra inquietação.
O filho mais moço
ELEGIA DO REI DE SIÃO ergue o braço rude
enxota o importuno.
Pobre rei de Sião que morreu de desgosto A família mineira
por não ter um filho varão. está dormindo ao sol.
Pobre rei de Bangkok educado em Oxford,
pequenino, bonito, decorativo, OUTUBRO 1930
que morreu especialmente para nos comover.
O filho que desejava, a Ásia não deu Suores misturados
e seu desejo de um filho era maior do que a Ásia. no silêncio noturno.
Pobre rei de Sião, que Camões não cantou. O companheiro ronca.
Amou três mulheres em vez de dez mil O ruído igual
e nenhuma lhe deu um filho varão. dos tiros e o silêncio
De sua costela real nasceu uma pequenina siamesa. na sala onde os corpos
Ao vê-la, o rei caiu para trás como vim europeu, são coisas escuras.
adoeceu, bebeu um veneno terrível e morreu. O soldado deitado
pensando na morte.
Seu coração enegreceu de repente,
o corpo ficou todo fofo. De 5 em 5 minutos um ciclista trazia ao Estado-Maior um
feixe de telegramas contendo, comprimida, a trepidação dos
Depois queimaram o corpo fofo e o coração preto numa setores. O radiotelegrafista ora triste ora alegre empunhava um
fogueira esplêndida papel que era a vitória ou a derrota. Nós descansávamos,
jogados sobre poltronas, e abríamos para as notícias olhos que
e a alma do rei de Sião fugiu entre os canais. não viam. olhos que perguntavam. Às 3 da madrugada,
pontualmente, recomeçava o tiroteio.
Pobre reizinho de Sião.
O funcionário deitado
SESTA não pensa na morte.
Pensa no amor
A Martins de Almeida tornado impossível
no minuto guerreiro.
A família mineira E fecha os olhos
está quentando sol para ver bem
sentada no chão o amor com sua espada
calada e feliz. de fogo sobre a cabeça
O filho mais moço de todos os homens,
olha para o céu, legalistas, rebeldes.
para o sol não,
para o cacho de bananas. O inimigo resistia sempre e foi preciso cortar a água do
Corta êle, pai. quartel. Como resistisse ainda, a água circulou de novo, desta
O pai corta o cacho vez azul, de metileno. A torneira aberta escorre desinfetante. O
e distribui pra todos. canhão fabricado em Minas — suave temperamento local —
A família mineira não disparou.
está comendo banana.
Olha a negra, olha a negra,
A filha mais velha a negra fugindo
coca uma pereba com a trouxa de roupa,
bem acima do joelho. olha a bala na negra,
A saia não esconde olha a negra no chão
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e o cadáver com os seios enormes, expostos, inúteis.
Há dias em que ando na rua de olhos baixos
O general, com seus bigodes tumultuosos, era o mais doce dos para que ninguém desconfie, ninguém perceba
seres, e destilava uma ternura vaporosa em seu hábito de usar que passei a noite inteira chorando.
culotte sem perneiras. A um canto do salão atulhado de mapas Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,
e em que telefones esticados retiniam trazendo fatos, levando de repente ouço a voz de uma viola. . .
ordens, eu fazia, exercício fácil, a caricatura do seu imenso saio desanimado.
nariz. Que todos acharam ótima e reprovaram com indignação Ah, ser filho de fazendeiro!
cívica. À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego
vagabundo,
A esta hora no Recife,
em Guaxupé, Turvo, Jaguara, é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.
Itararé, E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.
Baixo Guandu, Aquela casa de nove andares comerciais
Igarapava, é muito interessante.
Chiador, A casa colonial da fazenda também era. . .
homens estão se matando No elevador penso na roça,
com as necessárias cautelas. na roça penso no elevador.
Pelo Brasil inteiro há tiros, granadas, Quem me fêz assim foi minha gente e minha terra
literatura explosiva de boletins, e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
mulheres carinhosas cosendo fardas Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa.
com bolsos onde estudantes guardarão retratos A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de
das respectivas, longínquas namoradas, dinheiro
homens preparando discursos, e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na
outros, solertes, captando rádios, gente.
minando pontes, O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
outros (são governadores) dando o fora, Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
pedidos de comissionamento lê o seu jornal, mete a língua no governo,
por atos de bravura, queixa-se da vida (a vida está tão cara)
ordens do dia, e no fim dá certo.
"o inimigo (?) retirou-se em fuga precipitada,
deixando abundante material bélico, Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
cinco mortos e vinte feridos..." Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?
Um novo, claro Brasil
surge, indeciso, da pólvora. ROMARIA
Meu Deus, tomai conta de nós.
A Milton Campos
Deus vela o sono dos brasileiros.
Anjos alvíssimos espreitam Os romeiros sobem a ladeira
a hora de apagar a luz de teu quarto cheia de espinhos, cheia de pedras,
para abrirem sobre ti as asas sobem a ladeira que leva a Deus
que afugentam os maus espíritos e vão deixando culpas no caminho.
e purificam os sonhos.
Deus vela o sono e o sonho dos brasileiros. Os sinos tocam, chamam os romeiros:
Mas eles acordam e brigam de novo. Vinde lavar os vossos pecados.
Já estamos puros, sino, obrigados,
EXPLICAÇÃO mas trazemos flores, prendas e rezas.

Meu verso é minha consolação. No alto do morro chega a procissão.


Meu verso é minha cachaça. Todo o mundo tem sua cachaça. Um leproso de opa empunha o estandarte.
Para beber, copo de cristal, canequinha de fôlha-de-flandres, As coxas das romeiras brincam no vento.
folha de taioba, pouco importa: tudo serve. Os homens cantam, cantam sem parar.

Para louvar a Deus como para aliviar o peito, Jesus no lenho expira magoado.
queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos Faz tanto calor, há tanta algazarra.
é que faço meu verso. E meu verso me agrada. Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém não percebe, o dia é de festa.
Meu verso me agrada sempre. . .
Êle às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma No adro da igreja há pinga, café,
cambalhota, imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota. o pó das feridas e o pó das muletas.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste. Meu Bom Jesus que tudo podeis,
A culpa é da sombra das bananeiras de meu país,esta sombra humildemente te peço uma graça.
mole, preguiçosa. Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,
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do amor que eu tenho e que ninguém me tem.

Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,


muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não pissui.

Jesus meu Deus pregado na cruz,


me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas a minha mulher.

Jesus Jesus piedade de mim.


Ladrão eu sou mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.

Os romeiros pedem com os olhos,


pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade.

POEMA DA PURIFICAÇÃO

Depois de tantos combates


o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.

As águas ficaram tintas


de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.

Mas uma luz que ninguém soube


dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.

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