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Não se deve xingar a vida, Debaixo de cada árvore faço minha cama,
a gente vive, depois esquece. em cada ramo dependuro meu paletó.
Só o amor volta para brigar, Lirismo.
para perdoar, Pelos jardins versailles
amor cachorro bandido trem. ingenuidade de velocípedes.
O pulo da Mancha num segundo. O Rio das Velhas lambe as casas velhas,
Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas. casas encardidas onde há velhas nas jinelas.
Tarifas bancos fábricas trusts krachs. Ruas em pé
Milhões de dorsos agachados nas colônias longínquas formam pé de moleque
um tapete para Sua Graciosa Majestade Britânica pisar. PENÇÃO DE JUAQUINA AGULHA
E a lua de Londres como um remorso. Quem não subir direito toma vaia. . .
Bem feito!
Submarinos inúteis retalham mares vencidos.
O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruinados. Eu fico cá em baixo
Hamburgo, embigo do mundo. maginando na ponte moderna — moderna por quê?
Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos A água que corre
outros dentro de alguns anos. já viu o Borba.
Não a que corre,
A Itália explora conscienciosamente vulcões apagados, mas a que não pára nunca
vulcões que nunca estiveram acesos de correr.
a não ser na cabeça de Mussolini.
E a Suíça cândida se oferece Ai tempo!
numa coleção de postais de altitudes altíssimas Nem é bom pensar nessas coisas mortas, muito mortas.
Os séculos cheiram a mofo
Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa. e a história é cheia de teias de aranha.
Na água suja, barrenta, a canoa deixa um sulco logo apagado.
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Quede os bandeirantes? uma sensação fina e grossa.
O Borba sumiu,
Dona Maria Pimenta morreu. VI — NOVA FRIBURGO
E o trem bufando na ponte preta Meu coração vai molemente dentro do táxi.
é um bicho comendo as casas velhas.
VIII — BAHIA
III — CAETÉ
É preciso fazer um poema sobre a Bahia. ..
A igreja de costas para o trem.
Nuvens que são cabeças de santo. Mas eu nunca fui lá.
Casas torcidas.
E a longa voz que sobe A RUA DIFERENTE
que sobe do morro
Na minha rua estão cortando árvores
que sobe... botando trilhos
construindo casas.
IV — ITABIRA
Minha rua acordou mudada.
Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê. Os vizinhos não se conformam.
Na cidade toda de ferro Eles não sabem que a vida
as ferraduras batem como sinos. tem dessas exigências brutas.
Os meninos seguem para a escola.
Os homens olham para o chão. Só minha filha goza o espetáculo
Os ingleses compram a mina. e se diverte com os andaimes,
a luz da solda autógena
Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota e o cimento escorrendo nas fôrmas.
incomparável.
LAGOA
V — SÃO JOÃO DEL REI
Eu não vi o mar.
Quem foi que apitou? Não sei se o mar é bonito,
Deixa dormir o aleijadinho coitadinho. não sei se êle é bravo.
Almas antigas que nem casas. O mar não me importa.
Melancolia das legendas.
Eu vi a lagoa.
As ruas cheias de mulas-sem-cabeça A lagoa, sim.
correndo para o Rio das Mortes A lagoa é grande
e a cidade paralítica e calma também.
no sol
espiando a sombra dos emboabas Na chuva de cores
no encantamento das alfaias. da tarde que explode
a lagoa brilha
Sinos começam a dobrar. a lagoa se pinta
de todas as cores.
E todo me envolve
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Eu não vi o mar. uma letra somente
Eu vi a lagoa. . . para acabar teu nome!
Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender. Impossível compor um poema a essa altura da evolução da
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças humanidade.
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada) Impossível escrever um poema — uma linha que seja — de
e avançou pelo corredor branco de luar. verdadeira poesia.
Aquele quarto é o das crianças. O último trovador morreu em 1914.
Papai entrou compenetrado. Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades
lindos mais simples.
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos Se quer fumar um charuto aperte um botão.
soldados mulheres elefantes navios Paletós abotoam-se por eletricidade.
e um presidente de república de celulóide. Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça. Um sábio declarou a "O Jornal" que ainda
Fêz a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto falta muito para atingirmos um nível ra-
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente zoável de cultura. Mas até lá, felizmente,
[brigavam por causa do aperto. estarei morto.
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MOÇA E SOLDADO O dia era quente, sem vento.
O sol lá em cima,
Meus olhos espiam as folhas no meio,
a rua que passa. o dia era quente.
Passam mulheres, E como eu não tinha nada que fazer vivia namorando as
passam soldados. pernas morenas da lavadeira.
Moça bonita foi feita para
namorar. Um dia ela veio para a rede,
Soldado barbudo foi feito para se enroscou nos meus braços,
brigar. me deu um abraço,
me deu as maminhas
Meus olhos espiam que eram só minhas.
as pernas que passam.
Nem todas são grossas. . . A rede virou,
Meus olhos espiam. o mundo afundou.
Passam soldados.
. . . mas todas são pernas. Depois fui para a cama
Meus olhos espiam. febre 40 graus febre.
Tambores, clarins Uma lavadeira imensa, com duas tetas imensas, girava no
e pernas que passam. espaço verde.
Meus olhos espiam
espiam espiam BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES
soldados que marcham
moças bonitas Eu te gosto, você me gosta
soldados barbudos desde tempos imemoriais
. . . para namorar, Eu era grego, você troiana
para brigar. troiana, mas não Helena.
Só eu não brigo. Saí do cavalo de pau
Só eu não namoro. para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
ANEDOTA BÚLGARA
Virei soldado romano,
Era uma vez um czar naturalista perseguidor de cristãos.
que caçava homens. Na porta da catacumba
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e encontrei-te novamente.
andorinhas, Mas quando vi você nua
ficou muito espantado caída na areia do circo
e achou uma barbaridade. e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado,
MÚSICA e o leão comeu nós dois.
Para louvar a Deus como para aliviar o peito, Jesus no lenho expira magoado.
queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos Faz tanto calor, há tanta algazarra.
é que faço meu verso. E meu verso me agrada. Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém não percebe, o dia é de festa.
Meu verso me agrada sempre. . .
Êle às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma No adro da igreja há pinga, café,
cambalhota, imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota. o pó das feridas e o pó das muletas.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste. Meu Bom Jesus que tudo podeis,
A culpa é da sombra das bananeiras de meu país,esta sombra humildemente te peço uma graça.
mole, preguiçosa. Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,
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do amor que eu tenho e que ninguém me tem.
POEMA DA PURIFICAÇÃO
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