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NA LOJA DE CHAPÉUS, DE KARL VALENTIN

VENDEDORA - Bom dia, senhor. O que deseja?

VALENTIN - Um chapéu.

VENDEDORA - Que tipo de chapéu?

VALENTIN - Um chapéu pra botar na cabeça.

VENDEDORA - Claro, senhor, um chapéu não é para se vestir; a gente sempre usa ele na
cabeça.

VALENTIN - Sempre, não. Na igreja, por exemplo, eu não posso botar o chapéu na cabeça.
(…) Eu quero um chapéu que a gente use e possa tirar...

VENDEDORA - Todos os chapéus são pra se usar e se tirar. O senhor vai querer um
chapéu mais flexível ou um tipo mais duro?

VALENTIN - Não, um cinza.

VENDEDORA - Eu quero dizer: de que espécie?

VALENTIN - Do gênero de cor pastel.

VENDEDORA - Discreto, o senhor quer dizer, não é?! Nós temos aqui todo tipo de modelo,
tudo muito elegante em todas as cores. (mostra alguns chapéus)

VALENTIN - Todas as cores? Então: um amarelo claro.

VENDEDORA - Um chapéu amarelo claro, meu senhor. Você só vai conseguir encontrar no
carnaval. Além do mais eu não posso acreditar que o senhor vá usar um chapéu amarelo
claro.

VALENTIN - Não é pra usar, é pra botar na cabeça.


VENDEDORA - Com um chapéu amarelo claro, o senhor vai ficar ridículo.

VALENTIN - Mas os chapéus de palha são bem amarelo claro.

VENDEDORA - Ah, então o senhor está querendo um chapéu de palha?

VALENTIN - Não, os chapéus de palha são facilmente inflamáveis.

VENDEDORA - É uma pena, mas, infelizmente, não estão fabricando ainda chapéus de
amianto. Mas vamos receber uns chapéus de feltro bem macio.

VALENTIN - O inconveniente dos chapéus de feltro é que a gente nunca escuta quando
eles caem no chão.

A VENDEDORA - Basta então o senhor comprar um capacete de ferro, assim você vai
escutar quando ele cair.

VALENTIN - Sendo um civil, minha senhora, eu não tenho o direito de usar um capacete de
ferro.

VENDEDORA (impaciente) - Bem. O senhor precisa se decidir logo sobre o tipo de chapéu
que quer usar.

VALENTIN - Eu quero um chapéu novo.

VENDEDORA - É claro, meu senhor, aqui só trabalhamos com chapéus novos.

VALENTIN - Exatamente: quero um novo.

VENDEDORA - Sim, mas que tipo?

VALENTIN - Um chapéu de mulher.

VENDEDORA - Nós só fabricamos chapéus para senhores.

VALENTIN - Então, eu estou querendo chapéus para senhora.


VENDEDORA (Brava) - O senhor é realmente uma pessoa difícil de ser atendida. Eu vou
lhe mostrar alguns modelos.

VALENTIN (nervoso) - Como alguns modelos? É apenas um que eu quero. Eu só tenho


uma cabeça.

VENDEDORA - Não. Eu vou lhe mostrar vários modelos, para que o senhor possa escolher.

VALENTIN - Eu não estou pedindo para escolher, eu quero apenas um chapéu que me caia
bem.

VENDEDORA - Claro, meu senhor. É preciso que o chapéu lhe caia bem. Agora, se tiver a
gentileza de me dizer sua medida de cabeça, eu vou encontrar um chapéu que lhe caia
bem.

VALENTIN - Minha medida de cabeça? Eu tenho 55 de cabeça, mas quero um chapéu de


60.

VENDEDORA - Vai ficar muito grande pra você.

VALENTIN - Mas, pelo menos ficará firme. Se eu pegar um número menor, ele vai acabar
caindo.

VENDEDORA - Mas isso não faz o menor sentido: quando a gente tem 55 de medida, a
gente usa um
chapéu 55. Sempre foi assim.

VALENTIN - Sempre? É exatamente isso o mais triste. Os comerciantes se recusam a


mudar seus velhos hábitos; são incapazes de acompanhar os novos tempos.

VENDEDORA - Qual é a relação entre uma medida de chapéu e os tempos modernos?

VALENTIN - Agora a senhora vai me desculpar, mas as cabeças dos homens não
permanecem exatamente iguais sempre. Elas estão sempre mudando.

VENDEDORA - Por dentro sim, mas por fora... Olha, isso tudo vai acabar levando a gente
para uma discussão de tamanho.
VALENTIN - Justamente, o tamanho. Não era isso o que a senhora queria saber?

VENDEDORA - Mas não o da época, apenas o da cabeça. (…) Olha, escuta meu conselho:
leve este aqui. Custa apenas 15 reais, é bonito, de ótima qualidade e ainda por cima, está
na moda.

VALENTIN - Eu vou seguir o seu conselho, já que a senhora é uma especialista. Então a
senhora me diz que esse chapéu está na moda?

VENDEDORA - É. Enfim, o que é estar na moda hoje em dia? Há pessoas que saem na rua
sem usar nenhum chapéu. Tanto faz ser verão como inverno. E dizem que isso é o que está
na moda.

VALENTIN - Ah. é? Quer dizer que está na moda não usar nenhum chapéu? Então, é por
isso que eu não vou comprar nenhum. Até logo, minha senhora (SAI)

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