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(1) A estreia mundial dos filmes “Oppenheimer” e “Barbie” tornou-se um dos assuntos mais comentados
na internet, gerando o fenômeno “Barbenheimer”, o que resultou em memes, trailers alternativos, fanfics e,
principalmente, em um engajamento intenso entre os telespectadores, que eram instigados a “tomar partido” de
uma das megaproduções.
(2) Não é possível estabelecer ao certo quando a suposta rivalidade entre os dois filmes começou [...]. (3)
Entretanto, nos questionarmos “a quem interessa essa suposta rivalidade?” pode nos ajudar a compreender o
fenômeno Barbenheimer.
(4) Acreditar que a coincidência do dia da estreia desses dois filmes tão distintos (um sobre o universo de
uma boneca plástica e outro sobre o físico por trás da invenção da bomba atômica) tenha sido mera casualidade,
ou seja, algo que passou despercebido pelos produtores, parece ingênuo.
(5) Há muitas variáveis que nos apontam que não existe casualidade nesse caso, como o fato de
Christopher Nolan, o diretor de Oppenheimer, ter se desvinculado dos estúdios da Warner Bros - responsável pela
distribuição do filme Barbie [...].
(6) Entretanto, outra variável envolvida no fenômeno Barbenheimer merece mais atenção: a
“contraprogramação” - uma estratégia de marketing utilizada por distribuidoras de filmes hollywoodianos que
consiste em agendar a estreia de uma megaprodução visando um público que não se sentiria contemplado pela
outra megaprodução estreante no mesmo dia, [...] estimulando, assim, um maior número de pessoas a irem aos
cinemas.
(7) Esta estratégia não é nova em Hollywood, mas parece ter sido potencializada pelas redes sociais. (8)
A “contraprogramação” já foi observada em outras ocasiões, como em 23 de junho de 1989, quando a versão
sombria de Batman, dirigida por Tim Burton, estreou no mesmo dia de um filme de comédia que marcou gerações:
“Querida, encolhi as crianças”.
(9) Em outras palavras, a contraprogramação não é um fenômeno novo [...]. (10) Mas, sem dúvidas, esta
estratégia ganha novas proporções em um mundo conectado em tempo integral, virtualmente entrelaçado por uma
transferência massiva de dados a cada segundo.
(11) Sob muitos aspectos, o fenômeno “Barbenheimer” nos aviva uma das características mais
assustadoras das redes sociais: o poder de fomentar e potencializar polarizações, de reduzir o mundo à dualidade
ingênua do bem x mal, do certo x errado, do #teambarbie e do #teamoppenheimer.
(12) No caso de Barbenheimer, a estratégia de marketing virtual foi bem-sucedida: [...] de acordo com
um levantamento da plataforma de venda de ingressos de cinema Ingresso.com, 30% das pessoas que adquiriram
ingressos para assistir Oppenheimer na pré-venda também adquiriram ingressos para assistir Barbie.
(13) Todo esse frenesi parece legítimo, mobiliza a economia, [...] mas também nos remete a um dos mais
problemáticos efeitos das redes sociais, que consiste em fabricar polarizações onde sequer há disparidades.
(14) Não há praticamente nenhuma semelhança entre uma história baseada em uma boneca e a do homem
que inventou a primeira bomba atômica. (15) Muito embora nos pareça natural, essa polarização é inteiramente
ilusória e habilmente fabricada pelas narrativas virtuais. (16) Deste modo, não podemos esquecer, diante dos mais
diversos fenômenos sociais, até mesmo de um “Barbenheimer”, de nos questionarmos: “a quem interessa nos
polarizar?”.
Maria Camila Moura, Diário do Nordeste, 2023.
* A articulista não menciona explicitamente a posição que defende a casualidade na coincidência entre ambas as
estreias; a informação é inferida a partir do posicionamento contrário da autora a essa ideia.