Você está na página 1de 107

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ- UFPI

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA-PPGAnt

LORENA VERAS MENDES

ENSINO TERRITORIADO: AS ENCANTARIAS DAS MINAS E A EDUCAÇÃO


QUILOMBOLA NA BAIXADA OCIDENTAL MARANHENSE

Teresina – PI, 2022


LORENA VERAS MENDES

ENSINO TERRITORIADO: AS ENCANTARIAS DAS MINAS E A EDUCAÇÃO


QUILOMBOLA NA BAIXADA OCIDENTAL MARANHENSE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Antropologia da Universidade
federal do Piauí, como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Antropologia.

Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Ferreira


do Nascimento

Teresina – PI, 2022


LORENA VERAS MENDES

ENSINO TERRITORIADO: AS ENCANTARIAS DAS MINAS E A EDUCAÇÃO


QUILOMBOLA NA BAIXADA OCIDENTAL MARANHENSE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade
federal do Piauí, como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Antropologia.
Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Ferreira
do Nascimento

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Raimundo Nonato Ferreira do Nascimento


Orientador

Prof. Dr. Celso de Brito


Examinador interno – UFPI

Prof. Dr. Vania Rocha Fialho de Paiva e Sousa


Examinador Externa- UFPE

Prof. Dr. Carmen Lucia Silva Lima


Suplente - UFPI

Teresina –PI, 2022


Desenho: “O Rio Turiaçu” (2021) feito
por Dielma, 13 anos.

Eu só vim aqui
Porque fui chamado
Meu capote de veludo
Meu chapéu dourado
Eu também tenho cavalo
Para andar montado.
A Barca – Eu só vim aqui (álbum: Baião de Princesas).
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos quilombolas da comunidade de Imbiral Cabeça-Branca, em especial, ao Seu


Luís e Dona Sebastiana, pelo afetuoso acolhimento, amizade e aprendizados.

Ao meu orientador, Professor Raimundo Nonato, pelos conhecimentos compartilhados e pela


compreensão que o tempo exigiu.

Agradeço à minha mãe Eusa, por estar sempre comigo e por todo o amor, aos meus tios Terto
e Lucineide pelo apoio, à minha vó Zulmira, ao carinho do meu irmão Edvaldo Filho, e meu
irmão Manoel, que peço compreensão pela ausência nos últimos anos, espero em breve
(re)construir o que o tempo nos retirou.

Não posso deixar de agradecer especialmente à Alice, Camila, Pedro e Potyguara, que me
deram incentivos e forças para seguir em frente e acreditar que tudo daria certo.

Agradeço também aos meus amigos(as) do mestrado da 12º turma do PPGAnt/UFPI,


Abimael, Leudy, Lorrana, Cris e Andreson, pelos diálogos.

E aos amigos(as), Carol, Shyrleane, Hitalo, Keline, Érico, Marcos e Rebeka que durante todo
esse tempo mantiveram-se por perto, mesmo à distância.

Agradeço aos professores do departamento de Ciências Sociais e Antropologia da UFPI, que


me acompanharam até aqui, em especial, à Carmem Lúcia, Celso de Brito e Márcia Leila.

Agradeço ao álbum Jambú e os Míticos Sons da Amazônia que tanto tocou enquanto escrevia
esse texto.

E claro, não posso esquecer da mini (minnie ou pepeta) pelo companheirismo fiel de sempre.
RESUMO

A pesquisa situa sobre educação quilombola, dando ênfase à observação das interações
pedagógicas entre arte, religião, crianças e educadores tradicionais. Para tanto, a proposta
apresenta o movimento das retomadas da educação quilombola, localizado na Baixada
Ocidental Maranhense no Quilombo Imbiral Cabeça-Branca. Naquela realidade, diferente do
que acontece em outras retomadas educacionais registradas pela literatura etnográfica,
educadores tradicionais, encantados do tambor-de-mina, e as divindades dos ritos da festa e da
religião, contribuem ao ensino territoriado valores éticos de um modo de vida. Diante disso,
indaga-se como o tambor-de-mina em diálogo com as questões ambientais do território,
conduzem as vivências didáticas experimentadas no cotidiano daquela realidade. E como são
significadas pelas crianças através de um conhecimento corporificado na prática. Tais
observações partem metodologicamente por uma “educação da atenção”, proposta por Tim
Ingold, e aprendizagens corporificadas e situadas na prática, proposta por Jean Lave.
Entretanto, percebe-se que o ensino territoriado naquela realidade educativa, é um projeto em
construção, que se faz necessário diálogos com uma interculturalidade crítica para a
valorização dos conhecimentos tradicionais na luta contra-hegemônica da educação e outros
contextos conflitivos ambientais do território. Para isso, a pesquisa propicia diálogos entre
Antropologia e Educação, Antropologia da Religião, e Ecologia Política.

Palavras-Chave: Tambor-de-mina. Quilombo. Educação. Crianças. Território.


ABSTRACT

This research lies in quilombola education, focusing on observing the pedagogic interactions
between art, religion, children and traditional educators. Therefore, the proposition presents
the movement of reclaiming the quilombola education on Western Maranhão at the Quilombo
of Imbiral Cabeça-Branca. In that reality, diverging from other educational reclaims registered
on ethnographic literature, traditional educators, tambor-de-mina enchantments, and the
deities of the party and religious rites, contributed to the territorialized teaching of ethical
values of a way of life. That said, it is put into question how the tambor-de-mina in
communion with the environmental questions of the territory, lead to the educational
experiences lived daily in that reality. And how they are signified by the children through a
knowledge embodied in practice. Such observations lead methodologically through an
“education of attention”, proposed by Tim Ingold, and learnings embodied and situated in
practice, proposed by Jean Lave. However, it is noted that the territorialized teaching in that
educational reality, is a project under development, where it is necessary to dialogue with a
critical interculturality for the appreciation of the traditional knowledges in a struggle for
counter-hegemonic education and other conflicting environmental contexts of the the
territory. For that, this research provides dialogues between Anthropology and Education,
Religious Anthropology, and Political Ecology.

Key-words: Tambor-de-mina. Quilombo. Education. Children. Territory


LISTA DE ABREVIATURAS

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias


AMOAQui – Associação Moradores da Comunidade Quilombola Imbiral Cabeça-Branca
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CF/88 – Constituição Federal de 1988
CNE – Conselho Nacional de Educação
CONAQ – Articulações das Comunidades Negras Rurais
CONAE – Conferência Nacional de Educação
EEQ – Educação Escolar Quilombola
FCP – Fundação Cultural Palmares
FNB – Frente Negra Brasileira
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
MN – Movimento Negro
MNU – Movimento Negro Unificado
MOQUIBOM – Movimento Quilombola do Maranhão
OIT – Organização Internacional do trabalho
PPP - Projeto Político Pedagógico
TEN – Teatro Experimental Negro
ÍNDICE IMAGÉTICO

FOTOGRAFIAS
Foto 1 – Pajé Luís.....................................................................................................................42
Foto 2 – Calha do Rio Turiaçu..................................................................................................42

Foto 3 – Crianças no Turiaçu....................................................................................................75

Foto 4 – Mesa dos Santos.........................................................................................................75

Foto 5 – Os tambores...............................................................................................................76

Foto 6 – Sala de aula.................................................................................................................76


Foto 7 – Guias...........................................................................................................................91

Foto 8 –Educadora Sebastiana..................................................................................................91

Foto 9 – Paredes da Escola.......................................................................................................92

Foto 10 – A nova escola............................................................................................................92

DESENHOS
Desenho 1 – Festa de Tambor...................................................................................................68
Desenho 2 –
Roçado..................................................................................................................72

PLANTA
Planta 1 – Demonstrativo da estrutura física da escola.............................................................84
MAPAS
Mapa 1 – Localidade geográfica da Baixada Ocidental Maranhense.......................................43
Mapa 2 – Localidade do Território Quilombola Imbiral Cabeça-Branca.................................44
ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Quadro de entrevistas (vozes participativas)...........................................................23


Tabela 2 – Classificação dos grupos da infância e escolaridade dos participantes da
pesquisa.....................................................................................................................................65
Tabela 3 – Dados quantitativos de alunos.................................................................................85
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
1. QUILOMBOS E OS DIREITOS EDUCACIONAIS QUILOMBOLAS.......................24
1.1 Os desafios políticos-administrativos da educação diferenciada entre comunidades
Quilombolas.............................................................................................................................28
1.2 O movimento das retomadas da educação da Baixada Ocidental Maranhense:
educação territoriada..............................................................................................................33
1.2.1 Ser territoriado e a noção de corpo: debates epistêmicos........................................35
1.2.2 Conhecimento corporificado e situado na prática educativa...................................38
2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CAMPO E FORMAÇÃO DA OCUPAÇÃO
HISTÓRICA DE IMBIRAL CABEÇA-BRANCA..............................................................43
2.1 educação quilombola de Imbiral Cabeça-Branca e suas particularidades..............53
2.1.1 O tambor-de-mina e a pajelança..............................................................................58
2.1.2 Vivências infantes: as crianças e a educação territoriada na prática........................63
3. ENSINO TERRITORIADO E ENSINO ESCOLARIZADO:
ATRAVESSAMENTOS.........................................................................................................77
3.1 A nova escola: por uma escola territoriada................................................................82
3.1.1 Interculturalidade crítica em defesa do território......................................................87
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................96
13

INTRODUÇÃO

Tomando como norte o pensar em educação, em seu sentido mais amplo, esta
pesquisa se insere no campo dialógico entre Antropologia e Educação. Nesse sentido, é
pensando em sistemas educativos ocidentais e não-ocidentais, que a antropologia torna-se
uma ferramenta essencial para compreensão de outros modos e experiências educacionais em
diferentes grupos étnicos e culturais.

Assim, o recorte desse estudo tem como essência saberes da diáspora africana –
conhecimentos resguardados em contextos de comunidades remanescentes quilombolas –, é
com esses grupos étnicos, de saberes “transladados” (SIMAS, 2018), que a experiência da
educação é, percebida antes de tudo, como uma “continuidade da vida” (INGOLD, 2020).
Entretanto, é inegável que diante das heranças do pensamento colonialista brasileiro, a
inferiorização dos descendentes africanos, evocam desafios a serem superados diante das
práticas políticas e educacionais.

Por esta razão, a resistência negra no Brasil encabeça lutas emancipatórias, e


juntamente das questões raciais, somaram-se as lutas por educação: cotas raciais, e a
implementação do ensino de história e cultura afro-brasielira, no currículo da Educação
Básica, que em grande medida, são conquistas históricas advindas das mobilizações desde as
primeiras fugas de escravizados das fazendas, a formação dos quilombos, aos movimentos
abolicionista do século XIX (ALBUQUERQUE et al. 2006).

Diante dessas trajetórias, as insurreições rebeladas pelos escravizados, marcaram as


primeiras lutas anti-coloniais, pelas quais foram impostas diante do regime escravista. Para
Leite (2008), tais insurreições foram registros de união dos povos escravizados para
“acomponesamento” e integração de ordens pós-abolicionistas (LEITE, 2008, p.966).

Para Peregalli (2001) foi diante das fugas, das revoltas e as insurreições organizadas
pelos escravizados, que deram formações dos primeiros aquilombamentos “por todos os
cantos do território brasileiro” (p. 25), assim, diante dessas resistências, em busca de
autonomia e espaço – devido à impossibilidade de voltar para o continente africano –
adentravam às matas, e formavam os quilombos, dessa maneira, a pauta da terra, e de outros
modos de existências, fizeram-se de lutas políticas-organizadas para questões sociais.
14

Os quilombos e as comunidades quilombolas, mesmo após-abolição, continuaram


com as formações de novas comunidades quilombolas, sob a perspectiva de viver em
liberdade, tento em vista que, após-abolição a Lei Áurea não garantiu condições de dignidade.
Entretanto, as comunidades quilombolas foram se constituindo entre dinâmicas de resistências
e a luta pela terra diante de seu relacionamento com a natureza e os conhecimentos ancestrais
africanos preservados (SILVA; FERRAZ, 2012).

A pauta da terra no movimento quilombola, foi fundamental para o reconhecimento


(cf. HONNETH, 2009) de seus territórios e seus aspectos culturais, somado à isso, de acordo
com Miranda e Lozano (2018) a luta por uma educação diferenciada agrega as causas dos
quilombolas, valores de uma “etnoeducação” para fortalecer o grupo coletivo observando a
necessidade de preservar seus saberes ancestrais (MIRANDA; LOZANO, 2018).

A educação escolar quilombola foi uma conquista do povo negro que se concretizou
com as deliberações da Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010), e foi oficializado
por meio das Diretrizes Curriculares nacionais para Educação Escolar Quilombola. E
seguindo as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais do âmbito da Educação
Básica, foi instituído que a educação “quilombola deve ser desenvolvida nas unidades
escolares dentro de suas terras” além disso, institui uma “pedagogia própria”.

Em observação do dispositivo da convenção 169 da Organização Internacional do


trabalho (OIT), o Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004 e Decreto 6.040, de 7 de fevereiro
de 2007, em texto os quilombolas são considerados comunidades tradicionais e culturalmente
diferenciados. Com isso, “educação diferenciada”, se tornou uma pauta crescente na última
década no Brasil. Tal reinvindicação trouxe desafios a sua implementação, pois se exige uma
prática educativa que respeite as particularidade e as relações étnicas-culturais, tornando-se
uma constante luta pela implementação de uma educação que de fato seja quilombola.

Nesse sentido, as lutas por uma educação quilombola, é a temática que norteia e
justifica essa esta pesquisa, cujo intuito, é investigar e compreender como as próprias
sociedades tradicionais educam, sem grandes intervenções do poder público. Nesse caso,
intencionamos conhecer como os quilombos, aplicam na prática seus conhecimentos da
“etnoeducação”, e como essas experiências didáticas inauguram o “aprendizado
corporificado” ditas por Jean Lave e Eitenne Wenger, no aspecto dialógico com a luta por
seus territórios.
15

Neste caso especifico, vamos trabalhar o projeto chamado de educação territoriada,


oriunda do Movimento de Retomadas da Educação Quilombola da Baixada Ocidental
Maranhense – uma educação escolar que utiliza o território e coloca em diálogo com a
educação formal/regular em processo de interculturalidade, resguardando seus conhecimentos
específicos e ancestrais, particulares do território, colocando em diálogo com outros
conhecimentos.

Assim, a educação territoriada, naquela localidade Maranhense, implica em novas


epistemologias possíveis, pois a proposta aqui estudada está associada aos saberes da afro-
religiosidade do tambor-de-mina, e conduz as vivências pedagógicas da educação
territoriada, no aspecto dialógico e relacional entre corpo, ambiente e território.

Encontrando e definindo o campo de pesquisa

Partindo de leituras e etnografias referentes a educação diferenciada de comunidades


tradicionais existentes no Brasil: como a educação indígena, a educação do campo e a
quilombola – originadas de movimentos sociais – deparo-me com as retomadas da educação
quilombola ainda no último semestre da graduação no ano de 2018 em uma reportagem do
Repórter Brasil que tinha como título – “Retomada: O quilombo que renasceu na escola” –
tratando-se de uma educação que se estendia também à defesa do próprio do território.

Tal matéria jornalística, situavam uma comunidade quilombola de Nazaré no Estado


do Maranhão, cuja preocupação da educação do movimento é a defesa do território feita pela
própria comunidade. Com isso, a instigação para pesquisar como isso acontece na prática, foi
possibilitada pela condição de acontecer em um estado vizinho ao Piauí – no qual, até então
resido –, dada possibilidade, as redes sociais foram essenciais para um primeiro contato com o
campo.

No ano seguinte, em 2019 conheci pessoalmente lideranças do Movimento


Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM), os diálogos possibilitaram um encontro em
Paraíso – Maranhão.1 Naquele mesmo ano, conheci o Pajé Luís Teixeira 2 e sua esposa

1
Localizada em Pedro do Rosário –Maranhão “Paraíso” é uma localidade semi-urbana próximo ao quilombo de
Imbiral Cabeça-Branca.
2
Luís Teixeira, 64 anos, é Pajé e Educador Tradicional do Território Quilombola Imbiral Cabeça-Branca, é
conhecido na região por Luís Lopes, ou Pai Lopes, o sobrenome “Lopes” é pertencente sua família paterna,
porém no seu registro de nascimento contém apenas o sobrenome “Teixeira” de sua mãe.
16

Sebastiana Teixeira3, da comunidade Imbiral Cabeça-Branca4 e outras lideranças, Gil e


Leidiane da comunidade de Nazaré5 – ambas comunidades estão inseridas no movimento
conhecido como: retomadas da educação quilombola da Baixada Ocidental Maranhense, e
estão geográfica, social e politicamente próximos. Por entre diálogos, as escolas idealizadas
pelo movimento, foram descritas com uma intensa relação com as questões ambientais e
religiosas (sagradas) de seus territórios.

Diante dos relatos desse encontro, o que se diferenciava de outras retomadas em


questão era: o fato de serem guiadas pelas “encantarias das minas” e os seus tambores – a
exemplo do tambor-de-mina. Foi através das manifestações ritmadas pelos sons percussivos e
as cantorias poéticas dos encantados na sala de aula, que os quilombos renasceram. Tal
processo das retomadas que ocorrem nos quilombos da Baixada Ocidental Maranhense são
conceituados como educação territoriada, além do mais, também foram relatados como
projetos autônomos, alheios as intervenções da administração pública municipal. Nesse caso,
a educação em questão, é fruto de um esforço coletivo da comunidade, com base nos
conhecimentos locais.

Contudo, cabe aqui um relato especial, pois a menção de duas comunidades nesse
introito, se dá pela fato da intenção inicial da pesquisa, ter tido como referência a reportagem
do Repórter Brasil: “Retomada: O quilombo que renasceu na escola” cedida pelo quilombo
de Nazaré – comunidade quilombola do município de Serrano do Estado do Maranhão,
precursores do modelo territoriado de ensino – entretanto, a pandemia SARS-CoV-2 (covid-
19), impactou o campo de pesquisa, e somente foi possível realizar na comunidade de Imbiral
Cabeça-Branca.

As instituições educacionais em geral durante o período do mestrado, que coincidiu


com o período pandêmico, passaram um longo tempo sem atividades presenciais, e sem
receber pesquisadores. Diante desses percalços, esta pesquisa só foi possibilitada na
comunidade de Imbiral Cabeça-Branca, dessa maneira, a primeira inserção ao campo de
pesquisa, se deu no segundo semestre do ano de 2021, no mês de setembro, seguindo por base
o calendário das imunizações, tanto da pesquisadora quanto dos interlocutores.
3
Sebastiana é quilombola, esposa de Luís Teixeira, e professora municipal atuante no Território Quilombola
Imbiral Cabeça-Branca
4
Comunidade quilombola, situada no município de Pedro do Rosário – Maranhão. Todavia é importante
ressaltar que a nomenclatura “Imbiral” é uma toponímia de originada de “Embira” apesar da gráfia dentro da
norma culta portuguesa ser escrita com “E”, nos registros da associação da comunidade está reconhecida com a
inicial “I”, por este motivo se mantém tal legitimidade da escrita “Imbiral” com “I”.
5
Comunidade quilombola, situada em Serrano –Maranhão, na qual iniciou o movimento conhecido “retomadas
da educação quilombola da baixada ocidental maranhense”.
17

Apesar da pandemia ter dificultado o deslocamento, naquele mesmo mês, a inserção


ao campo de pesquisa, ficou sendo adiado, por conta dos protestos e bloqueios nas rodovias –
encabeçados pelos indígenas da região da Baixada Maranhense –, contra a tese do Marco
Temporal 6que tramitava, naquela época, no Supremo Tribunal Federal – STF. Entretanto,
com o passar dos dias o deslocamento foi inevitável, e encorajado, mesmo diante dos riscos
de ficar “no caminho” por conta dos protestos.

Apesar dos percalços trazidos pela pandemia de covid-19, e das manifestações com
fechamento de estradas, foi possível realizar a pesquisa de campo na comunidade. A mesma
foi realizada em duas etapas, a primeira visita foi realizada no ano de 2021 entre 18 (dezoito)
de setembro e 03(três) de outubro totalizando 16 (dezesseis) dias corridos em campo. Como já
foi citado, a primeira etapa ao campo foi bastante desafiadora por conta da pandemia, na
comunidade, o período escolar estava suspenso, por isso, necessitou de uma segunda visita ao
campo, com a rotina escolar normalizada na comunidade.

A segunda inserção ao campo somente foi realizada em setembro de 2022 – devido


ao fato da impossibilidade de manter-me como dedicação exclusiva ao mestrado, tive que me
envolver em outros projetos, até mesmo para custear as despesas da pesquisa de campo –
entre os dias 15 ao dia 20, contabilizando (05) dias inteiros no campo, essencialmente para
conversar com mais educadores daquela realidade educacional e outras crianças envolvidas na
pesquisa.

Nas memórias da primeira visita ao campo, o trajeto se deu em 18 (dezoito) de


setembro de 2021, saindo de Teresina – Piauí em direção à Pedro do Rosário – Maranhão,
foram mais de 500km (quinhentos quilômetros) percorridos, em viagem feita por ônibus, que
em média seriam 9h (nove horas) de percurso. Porém, em um dado momento, na cidade de
Santa Inês - Maranhão, o trajeto foi dificultado, por conta dos bloqueios dos indígenas
Guajajaras na cidade de Bom Jardim, entre Santa Inês- Maranhão e Zé Doca – Maranhão.

Nesse momento, tive à ação de ligar para os meus interlocutores avisando que não
seria possível chegar no mesmo dia e, mesmo diante disso, por telefone, o Pajé Luís,
encorajou-me seguir até o bloqueio, e dialogar com os Guajajaras. Mesmo desacreditando
sobre possibilidade de uma travessia, para minha surpresa com ajuda dos pensamentos do

6
Tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal – STF com o argumento da conjugação do verbo “ocupar”
referente ao artigo 231 da CF com a argumentação que “a favor da tese utiliza a conjugação do verbo “ocupar”
em tempo presente na Constituição Federal para defender que os indígenas só teriam direito às terras onde
estavam à época da promulgação do texto”. Publicado por Agenda Pública em 30 de agosto de 2021 encontrado
no site: casaum.org/
18

Pajé Luís, os caminhos me foram abertos, e atravessei para outro lado do bloqueio,
possibilitando a continuidade da viagem até a chegada ao campo.

Chegando no complexo da Baixada Ocidental Maranhense, foi possível notar, hectares


de desflorestamento, grandes pastos de gado, e caminhões carregados de madeira transitando
nas rodovias Estaduais. Saindo da MA-006 e adentrado na comunidade quilombola, via
estrada de terra, é perceptível a migração de fazendeiros para dentro das floresta da Amazônia
Legal, onde grandes campos de pastos dão formas as novas paisagens no lugar da vegetação
nativa.

Ainda nas paisagens de impactos ambientais, havia indícios de queimadas e troncos


de árvores carbonizados ao chão. Segundo os relatos colhidos na comunidade, no ano de
2020, houve um grande incêndio próximo as unidades habitacionais do quilombo de Imbiral
Cabeça-Branca, de causa desconhecida, todavia, foi o suficiente para queimar grande parte de
seus açaizais, provocando desequilíbrio ambiental e na rotina alimentar de seus integrantes.

Sobre as memórias de estadia em campo, durante as duas visitas, foi percebida a


vivência afro-religiosa como um ponto marcante para todo e qualquer visitante que chega na
comunidade. Como um ritual comum, banhos com ervas e consultas espirituais com o Pajé
Luís, fazem parte da rotina do território. O tambor-de-mina é então, o aspecto religioso mais
praticado dentre os quilombos do complexo da Baixada Ocidental Maranhense. No salão de
Imbiral Cabeça-Branca, Santa Barbará é cultuada em formas festivas, atraindo sociabilidades
com moradores de outras comunidades quilombolas da região. Já a incorporação pelo pajé é
feita pela entidade légua-boji-buá.

Os jovens e as crianças de Imbiral Cabeça-Branca incorporam as vivências do


tambor-de-mina, entre versos, etnodanças, batidas percussivas e cânticos como parte
pedagógica da educação daquela realidade. O aprendizado da musicalidade dos mestres
brincantes (mineiros) do tambor-de-mina, tambor-de-crioula, e o tambor-da-mata, são
tradições incentivadas dentro do núcleo educacional existente na comunidade. Os jovens e as
crianças se distribuem nas comemorações festivas da comunidade, entre os abatazeiros7 do
tambor grande, tambor médio, e o crivador (tambor menor), e alguns outros instrumentos de
preenchimento; matraca, maracá e o triângulo.

7
Categoria nativa utilizada em Imbiral Cabeça-Branca para referenciar aqueles que batem tambor ou abatás
entre outros instrumentos percussivos.
19

Na comunidade a primeira escola foi fundada no final da década de 1980, por dois
educadores tradicionais Sebastiana Teixeira, 56 anos, possuinte do curso técnico-pedagógico
e o Pajé Luís Teixeira, de 64 anos, que nunca frequentou a escola formal-regular. Foi,
portanto, diante da necessidade de educar seus filhos e filhos de outros moradores da
comunidade, que estes educadores, dentro do contexto da territorialidade, optaram por uma
concepção de “educação alargada” (GUSMÃO, 2013) e organizaram uma pedagogia
quilombola própria, com intuito de preservar a cultura e a identidade étnica do território. Para
eles, atualmente a educação ensinada se chama territoriada, pois pressupõe um entendimento
de corpo, pessoa e suas inter-relações com a natureza culminando em uma organização
política de defesa do território.

Nas observações patrimoniais de infraestrutura, a comunidade de Imbiral Cabeça-


Branca, até o momento, possui um prédio em fase de acabamento, que segundo os moradores,
a prefeitura está protelando cerca de 03 (três) anos para concluir toda estrutura física da
escola. Antes disso, havia um pequeno barracão referente à Unidade Escolar Boa Esperança,
no intuito de ser o local físico destinado aos planejamentos, organizações e reuniões escolares,
além do mais, era um local para guardar alguns materiais da escola.

Embora houvesse essa estrutura do barracão, que por sinal, foi levantada pelos
próprios educadores tradicionais comunitários, a falta de um prédio físico escolar, não foi
impedimento para que a pedagogia quilombola fosse aplicada nos ambientes extra-escolares,
transgredindo assim, os conceitos ocidentais sobre educação relacionado ao fato de “ir à
escola” (INGOLD, 2020, p.15).

A educação territoriada nesse sentido parece ter aquilo que se chama de


conhecimento corporificado (LAVE; 2015; RUFINO; 2019), diante de uma prática vivenciada
no cotidiano do território, através das orientações dos valores éticos dos encantados do
tambor-de-mina. Assim, indaga-se como se dá os processos de ensino e aprendizagem na
realidade educacional do quilombo Imbiral Cabeça-Branca, em comparado com demais
etnografias da educação diferenciada, propondo assim apresentar particularidades dessa
educação territoriada guiada pelas encantarias-da-mina e o lugar do sagrado na educação
quilombola.

Metodologicamente a pesquisa de tal natureza, tende a pensar as relações de campo


com base naquilo que Ingold (2010) chamou de “educação da atenção”. Pensando na questão
da transmissão de conhecimento, dos educadores tradicionais – membros de uma geração
20

anterior para a seguinte – e do agente mundo observado pela antropóloga pesquisadora.


Ingold (2010) reforça que o conhecimento não é um dado biológico molecular ou mera
transmissão de representações, mas, sim, que se realiza na forma de uma “educação da
atenção, assim, define:

Em vez de ter suas capacidades evolutivas recheadas de estruturas que representam


aspectos do mundo, os seres humanos emergem como um centro de atenção e agência
cujos processos ressoam com os de seu ambiente. O conhecer, então, não reside nas
relações entre estruturas no mundo e estruturas na mente, mas é imanente à vida e
consciência do conhecedor, pois desabrocha dentro do campo de prática – a takscape –
estabelecido através de sua presença enquanto ser-no-mundo. A cognição, neste
sentido, é um processo em tempo real (INGOLD, 2010, p.21)

Compreende-se que, “educar atenção” significa acreditar que é possível aprender e


descrever mais e além do que nos capacitam os métodos objetivos de captura dos pontos de
vista do “outro”, pois a realidade das coisas a serem apreendidas não está facilmente definida
tal como uma “sala de aula”, ou melhor, nesse caso, a “não sala de aula”, faz-se necessário
sensibilidades metodológicas flexíveis. Afinal, a “cognição é um processo em tempo real”
(INGOLD, 2010, p.21).

Pensando nas interações do campo, e com as crianças, também “educar atenção”


significa aprender e descobrir, para a pesquisadora ter uma “entrada da aceitação e da
participação” (CORSARO, 2005, p.445). Desse modo, os encontros com os sujeitos
envolvidos com a pesquisa se deram a partir de duas formas: (a.) estando em meio as
movimentações didáticas e do campo comuns da educação territoriada, acessando os
universos dialógicos do universo da pedagogia da mina; (b.) acessando a educação
territoriada de tal forma como é concebida e comum a retomada da educação quilombola.

Os instrumentos materiais utilizados, fazem parte da sensibilidade metodológica


utilizada no acompanhamento cotidiano da rotina em campo – e no registro escrito,
fotográfico e fílmico. Assim, o trabalho possui valor documental e memorialístico (LOIZOS,
2008), para isto, as formas estéticas que surgem na etnopoesia do tambor-de-mina, e a
musicalidade também fazem parte das formas de educar, da religiosidade e da arte que é
presente nos educandos como “crianças atuantes” (COHN, 2005, p.28). Assim, a pesquisa
valoriza “um centro de percepções e agência em um campo de prática” (INGOLD, 2010,
p.57).
21

Na entrevista narrativa, o aspecto de liberdade e da elaboração imaginativa que o


fluxo pode proporcionar, em primeira instância se deram de forma semi-estrurada, como
forma da pesquisadora ter alguns pontos norteadores, porém no aspecto cotidiano, as
entrevistas seguiram o fluxo dialógico, compreendendo “uma forma de entrevista não
estruturada, de profundidade, com características especificas” (JOVCHELOVITCH; BAUER,
2008, p.95). No aspecto dialógico, o encontro com os sujeitos da pesquisa, seguiram com uma
comunicação na forma de um fluxo narrativo aberto e contínuo, ou, uma entrevista narrativa
(JOVCHELOVITCH; BAUER; 2008, p.91), tal técnica compreende:

Uma situação que encoraje e estimule um entrevistado [...] a contar uma história sobre
algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social [...] sua ideia básica
é reconstruir acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão
diretamente quanto possível (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008, p.93).

Referente aos aspectos memorialísticos, foram orientados pela dialética temporal, no


referente aos “interpretativos-narrativos que dão sentido aos arranjos entre vida e matéria,
reunindo-as de forma inseparável” (ROCHA; ECKERT, 2000, p.73), assim, a memória não
está relacionada apenas como algo do passado, e sim, sobre continuidade do seu passado
histórico (ARRUTI, 1997, 21). Ainda sobre memórias e narrativas, a qualidade histórica
empreende-se por meio da oralidade e dos componentes de reconhecimento étnicos, naquilo
que é entendido como ao falar do passado por meio de “recordações” (FABIAN, 2001, p.81),
onde marcam seus vínculos com seus descendentes, habitantes mais remotos do território.

Ainda no aspecto das entrevistas narrativas com algumas crianças, o desenho é


utilizado como um instrumento que descrevem as experiências de vida pela qual participam,
como modo de “escrever a cultura” (INGOLD, 2019), tais práticas adquirem o sentido
narrativo-poético e também cientifico (GARCIA et al. 2019), assim implica dizer que
desenhos também “são modos de ver e também modos de conhecer o mundo” (KUSCHNIR,
2014).

Do ponto de vista dos aspectos sobre territorialidade e corporalidade faz parte de


uma ecologia-política, integradas ao universo educativo do território, trata-se, de incorporar
dinâmicas do universo bio-interativo, rompendo a dicotomia entre “mundo social” e “mundo
biofísico”, ou natureza e cultura (cf. LITTLE, 2006, p.89), nesse sentido, exige um esforço
das ciências sociais reconhecer essas dinâmicas na estepe epistemológica.

A construção de um paradigma ecológico que incorpore essas sínteses


apresenta um conjunto de desafios heurísticos que requerem outros
22

procedimentos explicativos. A noção de “simetria epistemológica” postula


que as causas de um fenômeno determinado podem proceder tanto do mundo
social quanto do mundo natural (Barnes; Bloor, 1982). Em muitos casos, os
cientistas sociais só procuram causas sociais e ignoram as causas biofísicas.
Vayda e Walters(1999) fazem uma crítica a muita da produção em ecologia
política que privilegia a priori a dimensão política a custo de outras
dimensões presentes, particularmente as dinâmicas biofísica (cf. LITTLE,
2006, p.89).

Aprofundando o campo bio-interativo nas relações educativas, o movimento da


educação quilombola pesquisada, nos possibilita compreender a relação entre corpo, natureza
e cultura do ponto de vista dos não-ocidentais (DESCOLA, 2016; LATOUR;1994). Portanto,
essas relações no campo educativo, nos possibilita buscar diálogos com diversas áreas do
conhecimento.

A possibilidade de estabelecer aproximações epistemológicas entre as


ciências naturais, humanas e a filosofia poderá contribuir com a educação
para que esta reconheça a polissemia do corpo e a necessidade de buscar o
diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, em vez de operar pela
fragmentação dos saberes e práticas, e pela fragmentação do próprio sujeito
em corpo e mente. (MENDES; NOBREGA, 2004, p.134).

Para uma construção com afro-religiosidade e a educação, esse debate sobre o corpo
é difuso ao universo metafisico do tambor-de-mina, no que compreende-se a noção de pessoa
na dimensão ontológica, do compromisso com as entidades, pessoas e portanto ancestralidade.

O conceito de pessoa no Tambor de Mina se desdobre no reconhecimento de


outra pessoa; logo, o sentido de pessoa depende do coletivo e da
ancestralidade que antecede a comunidade. Há também dimensões
ontológicas eu formam a pessoa no interior da comunidade. Isso está
relacionado ao compromisso com as entidades (FERRARA, 2020,
p.139).
Já o caminho epistemológico sobre a pedagogia dos encantados, recai na dimensão
“pluriversal dos conhecimentos” (RUFINO, 2019, p.87). Dessa forma, falamos de
descentralizar o conhecimento ocidental, e reivindicamos outros saberes, outros modos
educativos. Nesse sentido, não se trata de um debate somente decolonial, mas sim, para uma
“interculturalidade crítica”, compreendida por Catherine Walsh (2007, p.31).

Vale ressaltar que o uso de imagens e gravações de áudios das entrevistas foram
permitidos pelas lideranças comunitárias e consentidas pelas próprias pessoas que
participaram da pesquisa. No caso dos participantes menores de idade tiveram o
consentimento, livre e espontâneo direto dos pais ou responsáveis para participarem das
entrevistas e das dinâmicas fotográficas.
23

A dissertação estrutura-se em: Introdução, três capítulos de desenvolvimento e


considerações finais. O primeiro capítulo desta pesquisa, procura trazer trajetórias dos
movimentos negros rurais e quilombolas, desde o período da pós-abolição, até as pautas
contemporâneas pela qual se instruiu-se na Constituição Federal de 1988, assim, as questões
de direitos pelas demarcações de seus territórios somado a luta por uma pedagogia própria a
cada realidade quilombola, trouxeram avanços essenciais para as retomadas das identidades
étnicas-culturais, desmistificando “quilombo” como lugar do passado. De modo analítico,
alguns desafios são evidenciados diante de outros estudos sobre educação diferenciada no
Brasil, referente as comunidades quilombolas.

Ainda no mesmo capítulo, diante dos desafios educacionais em territórios


quilombolas, trago o surgimento do movimento das retomadas da educação quilombola na
Baixada Ocidental Maranhense, que insurge no processo de retomadas de seus territórios,
para isso, a educação é vista como uma ferramenta essencial, na qual o termo “ensino
territoriado”, ou “pedagogia territoriada” é, em grande medida, levada para dentro das salas
de aulas retomando assim as identidades étnicas-culturais daquelas realidades locais.

Afora as questões do protagonismo político dos movimentos quilombolas e outras


questões relativas a educação. O primeiro capítulo também procura introduzir debates sobre
territorialidade e corporeidade (HEASBEAR, 2020) na cosmovisão do ensino territoriado.
Para isto, a aprendizagem pelo corpo enquanto prática, como argumenta Lave e Wenger
(1991), sobre o conhecimento cotidiano na base expressa dos corpos atuantes do território,
norteia como fundamentação da aprendizagem na prática daquela realidade.

O segundo capítulo desdobra-se sobre as vivências no campo de pesquisa, que se


deram não somente da forma de observação, mas baseada numa antropologia participativa
(RAMOS, 2016, p.19), nas interação com os educadores tradicionais, com as crianças, com o
tambor-de-mina e a permissão dos encantados, formam os componentes participativos e
vozes autorais para realização descritiva vivenciada em campo. Desse modo, o “pesquisador
de campo produz uma espécie de conhecimento como resultado de suas experiências
(WAGNER, 2020, p.45).

Diante disso, o segundo capítulo procura trazer um aspecto descritivo de


identificação territorial e suas caracterizações instigando o imaginário paisagístico do leitor
sobre o lócus da pesquisa, de modo que a construção da paisagem se deu por meio do
caminhar e narrativa historiográfica e etnográfica (CARERI, 2002). Adiante, o aspecto etno-
24

histórico narrado pelo Pajé Luís Teixeira, se dá por meio de habilidade orais de suas
narrativas, dando lugar ao aspecto histórico sobre a ocupação histórica de Imbiral Cabeça-
Branca.

No mesmo capítulo, as particularidades dos conhecimentos territoriais locais e a


pedagogia quilombola do ensino territoriado é desenvolvida por meio de memórias de campo
diante de um aspecto com os conhecimentos outros das vozes participante da pesquisa,
integradas com suas vivências da pajelança e o tambor-de-mina. Ainda no segundo capítulo
um tópico em especial se dá com as crianças, diante do ensino territoriado no cotidiano das
vivências de campo e com elas a “territorialidade humana” (SACK, 1983) é compreendida em
meio das experiências sócio-territoriais em relações com o meio ambiente integradas ao
recursos culturais, simbólicos.

Já o terceiro capítulo, trata-se de uma continuidade das vivências do campo do


segundo capítulo, onde será investigado os aspectos da interculturalidade crítica da educação
quilombola formal/regular em diálogos com a educação territoriada, e a formação histórica
da implementação da educação especifica da comunidade, bem como alguns desafios e
tensionamentos provocados por tais diferenças entre educação quilombola e a administração
pública municipal. Afora isso, o terceiro capitulo também intenciona trabalhar a
interculturalidade crítica em defesa do território.

Tabela 1 – Quadro de entrevistas (vozes participativas).

Interlocutor Idade Etnia Ocupação

Luís Teixeira 64 anos Quilombola Pajé e educador


tradicional

Sebastiana 56 anos Quilombola Educadora tradicional,


Teixeira coordenadora, e
lavradora

Lilica 34 anos Quilombola Merendeira, lavradora

Luís Filho 30 anos Quilombola Mecânico, lavrador e


abatazeiro, construtor

Reinaldo 40 anos Quilombola Lavrador, Artesão


25

Dielma 13 anos Quilombola Estudante do ensino


fundamental II

Nilza 26 anos Quilombola Pajé, estagiaria docente,


lavradora, e pescadora

Klebenilson 09 anos Quilombola Estudante do ensino


fundamental II

Dielson 11 anos Quilombola Estudante do ensino


fundamental II

Genivan 21 anos Quilombola Estagiário docente,


lavrador e abatazeiro
Renata 23 anos Quilombola
Estudante do EJA

Railton 19 anos Quilombola Abatazeiro, artesão, e


lavrador

Fonte: Dados colhido em campo (2021/2022).


26

CAPÍTULO 1

1. QUILOMBOS E OS DIREITOS EDUCACIONAIS QUILOMBOLAS

A luta por reconhecimento (HONNETH, 2009), dos quilombolas sobre suas questões
sociais, recai na dimensão das conquistas por direitos – desde o período da pós-abolição –
marcadas pelo anseio da emancipação diante de uma estrutura racista da sociedade brasileira.
No século XX, por exemplo, houve grandes movimentações de coletivos-políticos negros
organizados, a exemplo disso, no período dos anos de 1930 a Frente Negra Brasileira (FBN)
surge com essas questões enfatizando em suas pautas o acesso à educação, diante da grande
taxa do analfabetismo da população negra brasileira (MIRANDA; LOZANO, 2018, p.8).

Embora o movimento negro urbano não seja o foco da pesquisa, todavia é importante
ressaltar que no século XX, com o surgimento do Teatro Experimental Negro (TEN), na
década de 1940, as contribuições do TEN organizadas na apresentação do projeto “O
quilombo” (MIRANDA; LOZANO, 2018, p.9), colocou-se as questões afro-brasileiras nas
dimensões culturais, educacionais, étnicas e estéticas na estepe de novas epistemologias dos
debates políticos. O enfoque educacional, todavia, realçava os problemas sobre o
analfabetismo entre comunidades negras, e além disso, colocava questões sob uma proposta
de “educação pluricultural” (WALSH, 2008).
27

Já nas pautas quilombolas, ou da comunidades negras rurais, além das questões


educacionais e culturais, enfatizadas pelos movimentos negros organizados, traziam para os
grupos, suas relações com a terra diante das questões de seus territórios, assim, conduzia-se
como pauta central das comunidades quilombolas-negras rurais. Com isso, juntos com o
Movimento Negro Unificado (MNU) e o Movimento Negro (MN), surgidos na década de
1970, somaram forças diante das efervescências políticas da ditadura militar embates de
resistências, e além das questões da terra, priorizaram a criação de dispositivos educacionais,
resguardando os conhecimentos que representassem as identidades negras (MIRANDA e
LOZANO, 2018, p. 10).

Para Carril (2017) na Constituição Federal de 1988 (CF/88), o engajamento por uma
educação diferenciada na configuração da pauta da terra, foi crucial para garantir os direitos
educacionais aos povos quilombolas, visto que, dado a titulação de seus territórios e suas
formas de uso comum da terra, aqueles remanescentes oriundos da escravidão ou fugitivos do
regime escravista – que por estratégia de sobrevivência em busca de liberdade, formaram vida
comunitária denominada de quilombos, e ou mocambos – trouxeram em debate contextos
educacionais, intrinsicamente vinculadas às questões da terra, da ancestralidade, identidade, e
memória (CARRIL, 2017, p.541).

A Constituição Brasileira de 1988 veio reconhecer o direito à titulação dessas


comunidades por intermédio das organizações sociais do campo e da cidade, dos
movimentos negros, parlamentares e pastorais da terra, dos quais falaremos mais à
frente. Não obstante, empreenderam-se discussões sobre quem são e como podem ser
entendidos e identificados os “remanescentes de quilombos”, questionando-se a
definição do conceito no artigo constitucional. No campo da cultura e da identidade,
seria preciso pensar sobre as formas de como, no presente, as pessoas se veem e como
elas se identificam e de que aquele entendimento dificulta a análise ao pressupor o
quilombo como reminiscência do passado (CARRIL, 2017, p.541).

Seguindo nessa perspectiva acima apresentada, o termo quilombo é entendido de


maneira viva e atuante no presente, diferentemente do imaginário do senso comum, apontado
por Larchert (2013), “remetendo-nos a um passado remoto de nossa história” (p.45, 2013),
assim, a denominação “quilombolas”, carrega em seu vocábulo, origem da língua africana
umbundu8, kilombos. Tal etimologia, é aprofundada por Munanga (2006), em que, quilombo e
kilombo, da África ao Brasil, existem semelhanças ao modo de suas estruturas sociais e
organizações políticas.
8
Língua de origem africana, sobre a junção dos povos Bantu e Ovimbundu, povos centrados na África Central.
In dissertação: Antroponímia em Língua Umbundu no Bié: Nomes portugueses e umbundu, (cf. AFONSO,
2020).
28

[...] o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano


reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela
implantação de uma outra estrutura política na qual se encontraram todos os
oprimidos. Escravizados, revoltados, organizaram-se para fugir das senzalas e das
plantações e ocuparam partes de territórios brasileiros não-povoados, geralmente de
acesso difícil (MUNANGA, 2006, p.63).

Considerando esse debate acerca do termo quilombo, do passado para o presente, é


importante trazer em realce sobre o termo “quilombo”, também apontado pelo historiador
Clóvis Moura (1981), na qual, foi datado no ano de 1740, pelo Conselho Ultramarino, os
quilombos eram identificados como habitações de negros fugidos (MOURA, 1981, p.16),
embora no século XVIII, as necessidades de aquilombar, eram viver em liberdade, e fugir do
regime de escravidão, tal conceito no presente, é uma constante e histórica (MENDONÇA,
apud, MOURA, 1981, p.17), pois estudos do século XX, sobre toponímias de locais
brasileiros, revelaram constantes identificações de comunidades e povoados, identificados
como quilombos.

Renato Mendonça, fazendo um estudo de toponímias no Brasil, mostrou a constância


de nomes e de cidades, vilas, povoados, fazendas, ou simples acidentes geográficos
como serras e rios, com o nome de mocambos ou quilombo, fato que vem demonstrar
a sua importância social (MOURA, 1981, p.17).

Nesse sentido, a desmistificação de quilombo como “lugar do passado” é


ressignificado para o presente “revelando estes territórios como lugares de resistência
marcados por trajetórias históricas de luta contra a opressão” (FERNANDES et al, 2020, p.4),
assim, os quilombos são interpretados como locais de resistência, luta social e política. Dessa
maneira, a luta pela regularização de seus territórios, reafirmam o reconhecimento da
identidade quilombola. Em vista disso, a identidade quilombola ganha caráter político diante
do traquejo histórico, e as relações de pertencimento, o modo de vida coletivo, e a luta pela
terra.

Para Ratts (2012), os quilombos, também, constituem uma pluralidade em suas


formações, sejam elas, no sentido social ou territorial, assim, tal identificação quilombola se
expande entre comunidades negras, urbanas e rurais. A partir da década de 1970, com o
movimento negro (MN), e os avanços das manifestações sobre as pautas sociais e direitos por
território (espaços), além de outras manifestações culturais, as comunidades negras passaram
a ter autodefinição de suas identidades, nesse caso, o termo quilombo como sinônimo de
resistência.

[...]observamos, por todo o Brasil, a identificação de comunidades negras rurais e


urbanas que, na sua mobilização política, autodefinem-se quilombos. Estão
29

envolvidos, nesse processo, grupos e entidades do movimento quilombola,


Movimento Negro, organizações não governamentais, universidades e órgãos públicos
(RATTS, 2012, p.133).

Em sentido amplo, todo esse processo por reconhecimento e identificação quilombola,


organizados na defesa de seus territórios, diante das relações políticas com o Estado
brasileiro, está diretamente implicada na dimensão cultural do grupo, nesse sentido, as lutas se
dão “num intenso aprendizado enquanto grupo étnico em busca de reconhecimento como
grupos portadores de uma cultura negra e específica” (GUSMÃO, 2020, p.13).

Após a Constituição Federal de 1988 (CF/88), assegurar no art.68 do ADCT, a


titulação dos territórios quilombolas, foi essencial para garantir direitos fundamentais. Desse
modo, surgiram debates críticos no âmbito educacional, diante da dimensão cultural e do ser
quilombola, dentre às relações e interações cotidianas com a terra e a biodiversidade de seus
territórios. Em razão disso, para Carril (2017) as lideranças quilombolas, preocupavam-se em
pensar sobre o currículo educacional das escolas, nas proximidades de seus territórios, onde às
crianças quilombolas costumeiramente estudavam.

[...]parte das lideranças quilombolas em projetos de escolarização de adultos em seus


sítios de educação básica. Como as crianças moradoras de quilombos, muitas delas, já
se encontram nas escolas da região, a preocupação tem sido a invisibilidade no espaço
escolar e nos currículos trabalhados por seus professores de temas relacionados à
cultura quilombola e afro-brasileira (CARRIL, 2017, p.544).

Diante disso, a preocupação com os currículos escolares evidenciados nos


ambientes educacionais – que as crianças quilombolas frequentavam – era, em grande
medida, problematizados, tendo em vista, o tratamento que a educação formal-regular tinha
com os descendentes africanos, e a identidade étnica-cultural. Desse modo, o intuito das
lideranças quilombolas eram de resguardar os estudantes quilombolas do racismo nos
ambientes educacionais. Com isso, o movimento quilombola, passou a priorizar os processos
educacionais diante da pauta de seus territórios, repensando a instituição escola como
afirmada por Gusmão (2020):

[...] o processo é significativo para repensar a instituição escola tal como se apresenta
no sistema educacional, exigindo com isso, outros e novos princípios que redefinem o
papel da escola, como escola voltada para a diversidade social e cultural dos diferentes
grupos (GUSMÃO, 2020, p. 19).
30

Assim, a insurgente obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-


brasileira instituída na Lei 10.639/20039, trouxe como obrigatoriedade à inclusão no currículo
básico nacional, da educação formal-regular, a temática da “História e Cultura Afro-
Brasileira”, instituindo em todo o currículo escolar, no sentido de ser trabalhado
obrigatoriamente em todas as disciplinas, entretanto, a presente ação afirmativa, diante de sua
práxis, trouxe desafios, principalmente nas questões: (a.) afro-religiosas, (b.) formação dos
professores e a inclusão nas disciplinas, e as (c.) relações de poder e o uso da linguagem
(SOUZA et al.2015).

Em destarte, a Fundação Cultural Palmares (FCP), identificou 5.350 comunidades


quilombolas, negras rurais e urbanas, entre 2004 e 2012. Nesse período, o Conselho Nacional
de Educação (CNE), deu início a elaboração as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
educação escolar quilombola, na resolução CNE 08/2012 10, juntamente com a Articulação das
Comunidades Negras Rurais Quilombola (CONAQ), onde definiu-se, uma pedagogia própria
para os quilombolas, respeitando a especificidade das comunidades, nas dimensões culturais,
étnicas-raciais e socioambientais.

1.1 Os desafios políticos-administrativos da educação diferenciada entre comunidades


Quilombolas

Diante de algumas etnografias da educação, a implementação do ensino diferenciado


no Brasil para os povos originários, de modo analítico, compreende-se que há inúmeros
desafios, assim, ao referenciarmos aos povos quilombolas em alguns relatos de antropólogos
da educação, tencionam reflexões sobre os processos de ensino e aprendizagem nas escolas,
para os estudantes quilombolas.

Em relatos etnográficos Costa (2014) e Santos (2020) evidenciam realidades


escolares em comunidades quilombolas do sertão de Minas Gerais (MG), e no interior do
nordeste, na qual, demostram uma realidade comum, mesmo após a instituição da resolução
CNE 08/2012, muitos estudantes quilombolas que dependem do ensino formal, sendo um dos
9
Lei que estabelece a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências (cf. Constituição Federal de1988, Lei nº10.639 de 9 de janeiro
de 2003).
10
Resolução que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação
Básica, encontrado no site: https://etnicoracial.mec.gov.br. Acesso em: 03/04/2022
31

principais problemas identificados, aqueles relacionados com a distância da escola, tendo em


vista que, muitas comunidades quilombolas rurais estão situadas em locais de difícil acesso,
longe dos perímetros urbanos, nesse caso, o deslocamento até a escola são fatores cruciais que
demandam a necessidade das escolas serem dentro de seus territórios.

Nesse sentido, as condições de deslocamento é uma preocupação, pois, em grande


medida, é tratada como uma condição impulsionadora da migração dos quilombolas de seus
territórios para outros lugares.

Dezenas de pais de família são obrigados a migrarem para os cortes de cana, no


interior de São Paulo principalmente, ficando por lá aproximadamente oito meses
por ano. É comum também o fato de moças migrarem para trabalhar como
domésticas, neste caso, segundo Durham, as famílias ricas contratam “empregadas
do interior ( COSTA, 2014, p.130).

Em outra realidade no nordeste brasileiro, Santos (2020) também experiência relatos


comuns sobre o deslocamento de estudantes quilombolas para escolas formais situadas fora da
comunidade, o que ocorre nessas situações para além da dificuldade com o deslocamento
cotidiano, em grande parte, são dadas por razões de negação da etnicidade quilombola nos
espaços escolares e nos conteúdos didáticos, entretanto, “essa negação é marcada pelo
estigma, pelo preconceito e pela invisibilidade dos alunos pela cultura institucional/escolar”
(SANTOS, 2020).

Dessa forma, mesmo diante da obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura


Africana e Afro-Brasileira nas escolas do ensino básico, não ocorre nas práticas educativas
cotidianas, na realidade, ficam por vezes, restritos as datas históricas como o dia da
consciência negra.

A própria temática étnico-racial não é discutida abertamente pelas pessoas da


comunidade escolar. Na verdade, o que se vê na escola é que a temática étnico-racial
fica restrita às aulas de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e só assume um
lugar de destaque nas atividades escolares no mês de novembro, durante a “Semana
da Consciência Negra”, como um momento pro forma, quando os professores de
outras disciplinas, que não trabalham a temática ao longo do ano por alegarem não
ter tempo (SANTOS, 2020).

Para Carril (2017), a educação formal não contempla as minorias em seus direitos,
nesse caso, o negro-quilombola, em grande medida, fica à margem do ambiente escolar-
formal, assim, “o espaço escolar reflete a sociedade e suas contradições, sendo palco de
conflitos e desigualdades múltiplas e sobreposta” (CARRIL, 2017, p.551). Nesse aspecto,
Gusmão (2011) reforça a ideia da escola do modo que conhecemos, como um “fracasso diante
da diversidade que a constitui” (GUSMÃO, 2011, p. 14). Entretanto, se a educação formal-
32

regular, têm suas falhas, a educação diferenciada se propõe como um projeto político-
pedagógico de reconhecimento étnico-cultural, multicultural e intercultural (SOARES, 2016,
p. 6-10).

A educação diferenciada representa uma grande conquista no âmbito do Estado


democrático de direito, que em tese, é dado autonomia às comunidades na forma de educar
(BANIWA, 2006, p. 158). Já mediante um aspecto analítico dentre os estudos levantados e
relativos ao tema da educação diferenciada, em algumas causas têm sido apontadas como
problemas para uma execução de uma pedagogia própria relacionada a cosmovisão de cada
grupo étnico, nesse caso, de cada realidade quilombola: (a.) a formação dos professores que
atenda as garantias e os direitos dos quilombolas; (b.) como a administração pública trata os
conteúdos didáticos, em termos de uma pedagogia intercultural, “colocar os conhecimentos
tradicionais em patamar de igualdade aos conhecimentos científicos” (PERRELLI. 2008, p.
394).

Por conseguinte, tais possibilidades apontadas pelo instrumento normativo da


educação diferenciada estão associadas as políticas públicas de inclusão (SANTOS, 2016, p.
302), ainda no contexto referente das comunidades quilombolas, os currículos escolares
devem ser construídos com a participação da comunidade, levando em consideração, os
conhecimentos ancestrais, culturais, e o modo de vida quilombola. Por entrechoques, Arruti
(2011) afirma que a ideologia de inclusão do Estado, nos projetos políticos-pedagógicos da
educação diferenciada, tende a uma pedagogia dominante diante das práticas educacionais
locais.

Em segundo lugar, aquilo que genericamente é chamado de “escola


quilombola” (inclusive em documentos oficiais) e que, desta forma, nos leva a
imaginar uma situação escolar diferenciada, na verdade corresponde ao que no
Censo Escolar é identificado, de forma muito mais prosaica, como “escolas
localizadas em áreas de remanescentes de quilombos” (ARRUTI, 2011, p. 168).

O que cabe aqui nos indagar sobre algumas realidades, é se na prática escolar
quilombola, é em grande medida, uma educação diferenciada, ou se é uma reprodução da
educação formal em uma escola situada em território quilombola, ou melhor, quais os
desafios de uma implementação que de fato contemple suas especificidades culturais, os
saberes ancestrais e sua história. Para Grupione (2000), um dos fatores que implica
diretamente na eficácia de uma implementação diferenciada em comunidades tradicionais,
está na própria concepção das intuições do Estado, ao envolver estranhos na vida educacional
das comunidades tradicionais (GRUPIONE, 2000, p.274).
33

Diante de um aspecto analítico, sobre a realidade da formação dos professores


inseridos na vida educacional dos quilombos, nos chama atenção sobre a formação dos
professores pelas instituições educacionais. Para Lopes (2010) o modelo formativo do Estado
com esses profissionais, está na dimensão das políticas públicas e sociais, entretanto, as
políticas sociais estão associadas à uma estrutura capitalista ligada a cultura ocidentalizante
(LOPES, 2010, p. 353-355). O que neste sentido, há uma incompreensão da realidade em que
esses professores irão atuar.

Há uma visão hegemônica de sociedade e educação ligada a cultura ocidental.


Desafiando este legado, diversos movimentos sociais argumentam em favor de uma
sociedade multirracial. Questionam a escola pela forma como as diferentes culturas
de grupos subordinados são, freqüentemente, controlados de forma a impedir os
estudantes de se basearem em suas próprias histórias e experiências sociais (cf.
LOPES, 2010, p. 353)

Soares et al (2022), reflete sobre o movimento diante das práticas pedagógicas,


embora todo o esforço dos docentes por uma “quilombização” diante de suas práticas,
demandadas pelas lideranças da comunidade, para que haja de fato uma educação
diferenciada, os profissionais da educação, por sua vez, acabam colocando o currículo básico
(conhecimento universal) acima dos saberes locais, em declarações como: “antes de serem
quilombolas, eles são crianças” (SOARES et al. 2022, p. 9).

Por outro lado, os profissionais escolares davam respostas possíveis em seu


cotidiano com as ferramentas pedagógicas que portavam, com um senso prático do
magistério, e com base em algumas reificações associadas ao senso comum sobre o
que seria a EEQ. Coerente com sua formação e em dúvida sobre qual seria o
desenho prático de uma “pedagogia quilombola”, uma das professoras da Educação
Infantil, em uma entrevista, disse: “Antes de serem quilombolas, eles são crianças, e
eu educo crianças” (ago. 2019). Tal declaração remete justamente ao desafio de
conciliação entre o universal (currículo básico) e o particular (saberes locais) quando
tomamos a EEQ como campo analítico, isto é, o desenho de uma educação
diferenciada (SOARES et al, 2022, p.)

Entretanto, em um comparativo feito por Melo e Barzano (2020), com educadores


locais ou “tradicionais” – pertencentes aquela realidade situada do quilombo – a dimensão
pedagógica relacionados a natureza e cultura, e suas questões ambientais, vão muito além das
propostas pedagógicas perpassadas pela administração pública Municipal (MELO;
BARZANO, 2020, p.150), dada essa questão, Castro-Gómez et al (2007) versa sobre a
“educação que vem de fora” – referente aos profissionais da educação requisitados pelo
poder público e inseridos no campo educacional diferenciado quilombola –, refletindo sobre
os padrões da modernidade/colonialidade, que estão enraizadas na nossa realidade política
educacional e nas práticas educativas.
34

Diante dessas adversidades, algumas ações de “retomadas”, descrita por Gusmão


(2020), à exemplo de Campinho - RJ, que compreende em uma escola quilombola que pense
em uma pedagogia-própria, “da comunidade e para a comunidade negra” (GUSMÃO, 2020,
p. 18), sem desmerecer o aspecto intercultural com a educação regular-formal, mas
abrangendo os diálogos multiétnicos e culturais, com a realidade social das escolas
quilombolas.

[...]um projeto pedagógico-político próprio que, transcendendo os limites


comunitários, os colocará como pioneiros num projeto de interesse das populações
diferenciadas e, em específico, das comunidades quilombolas da região e do país,
através de uma pedagogia quilombola, ela própria diversa e plural. Assim, o debate
em torno dessa proposta amplia-se para além dos grupos quilombolas, estabelecendo
diálogo com grupos indígenas, assentados, caiçaras, enfim, uma educação
alternativa para os chamados povos tradicionais. Fato que vem sendo regulamentado
por diferentes leis e decretos, porém, que encontra muita resistência da parte do
sistema educacional e, mais particularmente, de órgãos gestores locais e de agentes
no chão da escola (GUSMÃO, 2020, p.18).

Com base nisso, a educação quilombola na realidade mencionada por Gusmão


(2020), é pensada em seu sentido amplo, e mediado pela antropologia nos contextos
educacionais referentes aos padrões de cultura (BOAS, 2010; MEAD; BENEDICT, 2015).
No contexto das comunidades tradicionais, o que propõe-se, na realidade é um projeto de uma
“escola como uma extensão da comunidade” (MAROUN; ARRUTI, 2011, p.9). Pensando
nessa proposta, Tim Ingold (2020), significa a educação, em amplo sentido, como
continuidade extensivo a vida social e suas interações com o ambiente, humanos e não-
humanos (INGOLD, 2020, p.17-49).

Diante de uma perspectiva decolonial, Campos et al. (2015), enfatiza que os povos
quilombolas são grupos que expõe o pensamento contra a colonialidade, ou seja, povos de
“resistência e enfretamento decoloniais” (CAMPOS et al. 2015 p. 37321). No campo da
educação diferenciada, a pedagogia decolonial marca rompimentos epistemológicos com a
colonialidade, principalmente naquilo que se refere aos “saberes tradicionais”, como uma
crítica ao pensamento ocidental, “não desqualificar nenhum saber, embora considerando
diferenças entre eles incluindo-os num repertório alargado de “ciências” ou de saberes
científicos” (PAIM, 2019, n.p)

A necessidade de outras epistemologias, dão possibilidades para atravessar os


desafios atuais na educação diferenciada, mencionados nesse texto. Tal processo de
descolonização é sugerido como um processo histórico (FANON, 1997, p.27), no âmbito da
educação, histórico-educacionais (PAIM, 2019, n.p). Assim, nesse sentido a valorização das
35

experiências vividas, dos conhecimentos múltiplos, compõe-se na valorização do ser,


estabelecendo uma criticidade aos projetos hegemônicos educacionais.

[...]e assim estabelecer um diálogo crítico entre os diversos projetos


políticos/éticos/epistêmicos, apontados a um mundo pluriversal; i) levar a sério as
perspectivas/cosmologias/visões de pensadores a partir de corpos e lugares étnico-
raciais/sexuais subalternizados; j) lutar contra uma monocultura do saber, não apenas
no campo teórico, mas na prática constante dos processos de investigação; k) lutar
contra o desperdício da experiência que o ocidente impôs ao mundo pela força (PAIM,
2019, n.p)

Diante disso, às questões decoloniais/interculturais refletidas por Walsh (2012) estão


pautadas nas transformações sociopolíticas aos construtos teóricos acadêmicos, com base no
pensamento indígena equatoriano, nesse caso, a epistemologia insurgente, se volta as
estruturas da colonização e à descolonização da mesma, diante de uma interculturalidade
crítica e as formas de conhecimento fundada pela colonização. No caso, a educação
diferenciada merece uma atenção especial, para uma proposta de interculturalidade crítica, e
não como um projeto de políticas-públicas inclusiva na visão do Estado, mas como
possibilidade de uma epistemologia outra.

1.2 O movimento das retomadas da educação da Baixada Ocidental Maranhense:


educação territoriada

Aí a gente começou a fazer a retomada do território. Mas a gente percebeu que não
era só o território que tinha que ser retomado, era também as pessoas. Porque o
território só seria retomado com a retomada das pessoas. E quem podia fazer isso era
só uma coisa: a educação, a educação quilombola, que é conhecimento de vida, mas
também é das “encatarias das minas”, que também foram retomadas, reaprendidas
no meio disso tudo. A gente criava uma “escola territoriada” de fato, entende!?
(Leidiane Quilombola, professora e liderança do movimento das retomadas da
educação da Baixada Ocidental Maranhense.11)

Este tópico reflete sobre o movimento conhecido por “retomada da educação


quilombola” no Maranhão, ação que teve como iniciativa de fazer “quilombos renascerem da
escola” (cf. AZEVEDO, 2018, p.3). Diante do esforço da ação “retomar territórios é, antes de
tudo, retomar pessoas” (ver epígrafe). Assim, no processo de retomada de seus territórios e

11
Fala cedida à jornalista Solange Azevedo, da revista Repórter Brasil, em ocasião da coleta das informações
para a produção da matéria “Retomada: o quilombo que renasceu na escola” (Azevedo, 2017). Material em vídeo
disponibilizado pelas lideranças do Território Quilombola Nazaré através das redes sociais.
36

de suas identidades, a educação torna-se uma aliada nos processos de retomada das pessoas e
seus territórios “retomadas pela educação”.

Em amplo sentido, o movimento das retomadas da educação quilombola na Baixada


Ocidental Maranhense, em contexto de seus territórios, na tentativa de evitar migração dos
membros da comunidade para os centros urbanos, em busca de acesso às intuições de ensino,
para suas crianças e outros meios de sobrevivência precarizadas pela vida urbana, lideranças
quilombolas, mães, educadores tradicionais e pajé – liderança espiritual dos quilombos
situados nas margens do rio Turiaçu (tury-assú) – resolvem, diante de um esforço coletivo,
improvisar escolas dentro de suas comunidades quilombolas, com conteúdo didáticos
ministrados por eles para seus filhos.

Desse modo, segundo os enredos dos educadores tradicionais de Imbiral Cabeça-


Branca, o movimento de retomadas da educação quilombola da Baixada Ocidental
Maranhense, como proposta pedagógica, teve início em um outro quilombo irmanado de
Imbiral Cabeça-Branca, no quilombo de Nazaré, a comunidade localizada em Serrano – MA.
Antes do movimento de retomadas, estas comunidades enfrentavam diversas dificuldades, em
meio aos conflitos socioambientais, a evasão dos moradores quilombolas de seus territórios,
para outros locais, em busca de trabalho, ou escolas, em outras localidades.

Dado isso, percebe-se que, para retomadas de seus territórios na luta política por
direitos, foi preciso, sobretudo, “retomar as pessoas”, através da educação, refletindo suas
identidades étnicas de pertencimento de grupo. Nesse contexto, insurge o conceito de
educação territoriada, diferindo-se dos conteúdos formais dos livros didáticos da
administração pública municipal. Assim, o que temos diante da educação territoriada, é a
experiência dos conhecimentos práticos locais vivenciados no território, e o uso de seus
recursos naturais, como parte dos conhecimentos didáticos do movimento de retomadas.

A gente quer uma coisa de qualidade ao nosso conhecimento, entendeu? Porque nós
sabemos de todo movimento daqui de dentro, nós queremos repassar para os que
estão vindo, porque se a gente deixar, vai ser daí pra pior, não vai ser uma coisa
avante, vai ser assim[...]daqui a pouco, se a gente deixar do jeito que estão indo, eles
não vão conhecer juçara, uma roça de mandioca, uma roça de arroz. Cada vez mais é
só destruição então não tá fácil, a nossa luta é disso, é de que a gente cada vez mais
leve avante a nossa situação. Os professores de fora, eles não conhecem a nossa
realidade, ai se é de ajudar, prejudica, se eu pudesse eu terminaria meus estudos
(fazer superior ou magistério) pra ajudar o mais rápido possível (Lilica, 32 anos,
Quilombola da comunidade Imbiral Cabeça-Branca, e funcionária da escola da
comunidade Imbiral Cabeça-Branca).

O caso das retomadas da educação nos territórios quilombolas da Baixada


Ocidental Maranhense, parece ter uma particularidade diante das demais retomadas
37

registradas pela literatura etnográfica e pedagógica da educação quilombola no Brasil, como


aquelas constatadas pelas pesquisas de Costa (2014), no interior do nordeste, e de Santos
(2020), no interior do Minas Gerais. Diferentes desses e de outros casos, nos quilombos da
Baixada Maranhense, a pedagogia quilombola, possui uma aparente autonomia político-
pedagógica, isto é, uma retomada que procura ser alheio as intervenções da administração
pública sobre o processo educacional (AZEVEDO, 2017).

É a experiência de retomada, a gente foi na retomada de Nazaré (Quilombo), a gente


foi professor, ela (Sebastiana) foi professora, isso é um processo de retomada!
porque a prefeitura não dá, o secretário de educação não conhece o que é um cofo,
só sabe leitura, e só a leitura não serve pra pessoa, então ele tem que ter essas leitura
nossa daqui, porque são as melhores que tem. É aprender o ensino territoriado [...]Eu
ensinei aqui, isso aqui também foi uma oficina. Porque eu não pude mais bater
tambor, ai eu ensinei eles a baterem tambor, e cantarem foi eu que ensinei. Todo
mundo canta, eu ensino os ritmos das cânticos[...] tem muito jeito de fazer tambor,
mas pra nós a gente faz de madeira mesmo de Mucá (Luis Teixeira, 64 anos, Pajé
Quilombola e Educador Tradicional do quilombo Imbiral Cabeça-Branca).

O que de fato conduz os processos de aprendizagem sobre os conhecimentos


territoriais, na realidade educacional quilombola da Baixada Ocidental Maranhense, é o que
afirma educador tradicional quilombola, ele explica que os conteúdos didáticos são
trabalhados através da pedagogia dos encantados, ou seja, para ele as retomadas deram início,
diante da introdução dos versos e cantos, aos sons percussivos da tradição poética e religiosa
do tambor-de-mina, trabalhados dentro da sala de aula, foi a partir dessa ação, que se iniciou o
processo de “retomadas de pessoas e território” (ver epígrafe pág. 29). Diante da inserção dos
tambores, e a reprodução dos versos e cantos na sala de aula, que fazem parte da tradição
poética e religiosa do tambor-de-mina; cujos mestres e brincantes – os filhos da tradição dos
encantados – que, são hoje chamados de mineiros (FERRETI, 2008), foram manifestações
facilitadoras de reconhecimento da ancestralidade.

Neste sentido, os aspectos educacionais constituintes da educação territoriada, do


movimento das retomadas da educação na Baixada Ocidental Maranhense, são conduzidos
diante de uma pedagogia dos encantados guiados pelo tambor-de-mina, onde, conduzem as
vivências didáticas da educação territoriada, com a prática da expressão afro-religiosa,
fortalecendo epistemologias e cosmografias diante de uma realidade territorial e educativa.

1.2.1 Ser territoriado e a noção de corpo: debates epistêmicos


38

“Quem estuda território, estuda corpo, estuda pessoa.”

Luís Teixeira 64 anos, Pajé Quilombola,


Educador Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca.

O que inspira esse debate epistêmico proposta pela educação territoriada, está
expressa na frase: “quem estuda território, estuda corpo, estuda pessoa”. Para uma
compreensão, dessa expressão na visão dos educadores quilombolas da Baixada Ocidental
Maranhense, a noção de “corpo”, “território”, e “pessoa”, são apresentadas como unidades
relacionais e continuas, possibilitando uma discussão epistemológica diante de uma
Antropologia da Territorialidade e uma Antropologia do Corpo (corporeidade).

De início, diante da filosofia moderna cartesiana 12, a separação corpo-mente,


natureza e cultura, são dicotomias presentes nas práticas das pesquisas científicas moderna
(MIRACONDA, 2006, p.456). Para um entendimento sobre o ser13 territoriado, ou seja, um
corpo que também é território, é preciso um esforço na recusa de dicotomias, à exemplo, de
que “território” é comumente compreendido diante das cartografias geo-espaciais em linhas
delimitadas, como estratégias de poder e controle do Estado (SACK, 2011 p.77-79).

Na realidade do movimento das retomadas da educação quilombola, o “território”


na visão dos quilombolas daquela região da Baixada Ocidental Maranhense, em primeira
instância, se assemelha aquilo que Little (2011) trata como “um produto histórico de
processos sociais” (p.3). Assim, é resguardado o contexto formativo ocupacional e suas
manifestações étnicas, memorialísticas, ancestrais e ambientais. Para tanto, a compreensão de
território estão fincadas na necessidade daquilo que pretere de uma cosmografia, necessitando
de uma “análise antropológica da territorialidade (LITTLE, 2011, p. 4)”.

No intuito de entender a relação particular que um grupo social mantém com seu
respectivo território, utilizo o conceito de cosmografia (Little 2001), definido como
os saberes ambientais, ideologias e identidades − coletivamente criados e
historicamente situados − que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu
território. A cosmografia de um grupo inclui seu regime de propriedade, os vínculos
afetivos que mantém com seu território específico, a história da sua ocupação
guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa
dele (cf. LITTLE, 2011, p.4).

12
René Descarte em o Discurso Sobre o Método de 1637.
13
O ser no sentido ontológico: o ser e o mundo, o ser e o que é no mundo, como um sentido unitário, “relação
homem-mundo que não é simplesmente a de dois seres exteriores um ao outro, mas a de um entrelaçamento
ontológico dotado de sentido” (cf. BARBOSA, 1998) in: A noção de ser no mundo em Heidegger e sua
aplicação na psicopatologia.
39

Nesse sentido, para uma análise mais aprofundada da compreensão de território, na


realidade quilombola estudada, estão descritas na importância das inter-relações das pessoas
com os ambientes naturais, e o sagrado (as minas). Dessa maneira, Kwame Gyekye (2002),
aborda que a noção de pessoa possui uma estreita relação daquilo que a religiosidade tambor-
de-mina compreende como “um ser comunitário” (GYEKYE, 2002, p.5). Diferente de como a
sociologia do corpo trata pessoa como um fator de “individualização” pela qual se distingue
um indivíduo e separa dos outros (DURKHEIM, 1968, apud. BRETON, 2007, p.11).
Entretanto, a filosofia afro-religiosa, tem no ethos de sua cultura, o pensamento coletivo.

O ethos comunitário da cultura africana também ecoou nas obra de alguns


romancistas africanos. Claramente, então, as estruturas sociais africanas com a sua
subjacente filosofia sócio-ética foi, e ainda é, muito comunitária. Agora, o que seria
a concepção de pessoa mantida em um comunitarismo filosófico sócio-ético? A
questão é adequada e precisa ser explorada, pois é possível que as pessoas assumam
sem constrangimento que, com sua ênfase em valores comuns, bem coletivo, e fins
compartilhados, o comunitarismo, invariavelmente, conceba a pessoa inteiramente
constituída por relações sociais; que tendem a reduzir gradualmente a autonomia
moral da pessoa; que faz o ser e a vida da pessoa individual totalmente dependente
das atividades, valores, projetos, práticas e extremidades da comunidade; e,
consequentemente, que diminui sua liberdade e capacidade de escolher, questionar
ou re-avaliar valores comuns da comunidade ( GYEKYE, 2002, p.5).

Diante dessa concepção comunitária que concebe a pessoa, tal valor é intrínseco para
concepção de território, ou melhor, de territorialidade – na qual é difundida na relação do
“corpo” e da “pessoa”. Isto porque a noção de território está implicada diretamente nas
condutas de uma territorialidade, ou seja, um grupo social que luta por suas identidades e seus
modos de uso comum (LITTLE, 2011, p.3; HAESBAER, 2020, p.76).

A renovação da teoria de territorialidade na antropologia tem como ponto de partida


uma abordagem que considera a conduta territorial como parte integral de todos os
grupos humanos. Defino a territorialidade como o esforço coletivo de um grupo
social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu
ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu “território” ou homeland (cf. Sack
1986: 19). Casimir (1992) mostra como a territorialidade é uma força latente em
qualquer grupo, cuja manifestação explícita depende de contingências históricas. O
fato de que um território surge diretamente das condutas de territorialidade
(LITTLE, 2011, p.3)

Para Haesbear (2020), o conceito de território é expandido à defesa da vida, em


especial para os povos originários, desde que a permanência do modelo extrativista colonial,
ameaça as existências desses povos. Assim, território é compreendido “à escala primordial do
corpo, o “corpoterritório”, em defesa de seus corpos e suas (r)existências (HAESBEAR, 2020,
p.76). Nesse aspecto dialógico, é necessária uma epistemologia que:
40

Desdobram-se assim desde os territórios do/no corpo, íntimo (a começar pelo ventre
materno), até o que podemos denominar territórios-mundo, a Terra como pluriverso
cultural-natural ou conjunto de mundos – e, consequentemente, de territorialidades –
aos quais estamos inexoravelmente atrelados. Tudo isso se desdobra hoje dentro
daquilo que se designa como pensamento decolonial, uma busca por pensar nosso
espaço e, de alguma forma, o próprio mundo, considerando as bases espaço-
temporais – a geohistória, enfim – em que estamos situados (HAESBAER, 2020,
p.76).

Com base na territorialidade quilombola mediante de uma pedagogia dos


encantados, nos possibilita uma compreensão das dimensões cosmológicas, pois a
territorialidade e corporeidade, nesse caso, também são significadas diante de “fluxos
contínuos e acontecimentos” (LOURENÇO, et. al. 2016, p. 12), entre a realidade material e
metafísica (os encantados), pois, do ponto de vista das narrativas dos moradores quilombolas,
afirmam que, a presença dos encantados ensinam, no sentido ético-religioso, os locais
sagrados em simbiose a defesa dos recursos naturais do território, chamando-os de “locais
sagrados” ou “chão sagrado”.

1.2.2 Conhecimento corporificado e situado na prática educativa

Por um aspecto dialógico entre Antropologia Cognitiva e a Antropologia da


Educação. São as performances educativas, e as práticas singulares que diante do movimento
de retomadas da educação quilombola da Baixada Ocidental Maranhense, nos remete a ideia
de “pessoa, contexto e prática” de Jean Lave (2015, p.40). Desse modo, o aprendizado como
prática do cotidiano é foco de interesse, para uma compreensão da dimensão
metodológica/pedagógica da educação territoriada.

O conhecimento territoriado, está implicado nas relações com as práticas do


cotidiano. Assim, desse modo, conceitos de “educação” e “escola” para esta realidade
educacional, se contrasta de como o ocidente concebe instituição-escola, como lugar de
aquisição de conhecimento. De acordo com Ingold (2020) e Lave (1996) a visão eurocêntrica,
na qual associamos “educação” a ação de “ir à escola”, ou quando estamos “produzindo
conhecimento” na instituição de ensino, tal distanciamento é provocando entre teorização e os
conhecimentos práticos da vida cotidiana.

Para tanto, os estudos cognitivos sobre conhecimentos situados, especialmente as


sociais, de cada realidade, demonstram que o conhecimento não pode ter o caráter “universal”
41

– referenciados da maneira dita “científica” daquela compreendida pela ciência moderna


ocidental – pois, “enquanto atividade cognitiva a ciência consiste em determinada estratégia
epistêmica” (CUPANI, 2014, p.15), isto é, existe uma variabilidade de observações,
experimentações e interpretações sobre a obtenção do conhecimento, embora que, a ciência
institucional, implique em uma padronização de sua prática, em suma, as habilidades de cada
comunidade científica constitui saberes próprios.

Ao se tratar de realidades não-ocidentais, como os povos tradicionais latino-


americanos, os conhecimentos são, em grande medida, manifestados nas práticas do
cotidiano, e assim, Carneiro Cunha (2007), adjetiva como conhecimento tradicional, tendo em
vista, o conhecimento cientifico ocidental se hierarquiza diante das outras ciências – como
verdade absoluta universal – ou como é comumente chamado dos outros saberes não-
ocidentais. Com isso, o conhecimento tradicional não se resume em uma mesma posição
como dois lados opostos de uma mesma moeda, pois o conhecimento tradicional trata-se de
múltiplos saberes, manifestados de diferentes formas.

Essa universalidade do conhecimento científico não se aplica aos saberes


tradicionais – muito mais tolerantes – que acolhem freqüentemente com igual
confiança ou ceticismo explicações divergentes cuja validade entendem seja
puramente local. “Pode ser que, na sua terra, as pedras não tenham vida. Aqui elas
crescem e estão, portanto, vivas (CUNHA, Carneiro, 2007, p.78).

Para Haraway (1995), tal universalidade também é contestável, entre teorias, teses,
contra-teses e retóricas, porém, de certo modo, a ciência ocidental é um campo de poder
teorizado, com seus métodos científicos, e conceitos (HARAWAY, 1995, p.9). Dessa forma,
o cientista para o não-cientista, em grande medida, está diferenciado entre modos em que
operam suas atividades e aplicações de seus conhecimentos, se por um lado a ciência
ocidental padroniza seus métodos e seus conceitos se tornam universais, tal impressão, os
coloca como conhecimento dominante, e nesse sentido, Veinguer et al. (2020) o chama de
“violência simbólica e estrutural do pensamento hegemónico” (VEINGUER et al. 2020, p.89,
tradução minha).

Por conseguinte, a superioridade do conhecimento cientifico, é um problema


epistemológico (CULPANI, 2014, p.20). Nessa contrapartida, o conhecimento tradicional –
saberes – são menos conceituais e mais perceptíveis (CUNHA, 2007, p.79). Assim, as
percepções são experimentadas através do corpo. É diante disso, que Jean Lave (2015) define
que, “abordagens cognitivas da aprendizagem elaboram divisões problemáticas entre mente e
42

corpo” (2015, p. 38). 14 Nesse debate, a questão da transmissão de conhecimento, de maneira


institucional “escola” é questionado por Ingold (2020) como valor etnocêntrico, tendo em
vista que, as formas de aprendizagem diferenciam-se de cultura para cultura (2020, p.16).

Ainda nesse contexto, sabemos que a aprendizagem e aquisição de conhecimento se


dão de diversas formas, dependendo de cada sociedade, o que cabe aqui refletir é: como se dá
essa aprendizagem em uma cultura outra, dos ditos não-ocidentais. Diante dessa proposta, na
realidade dos conhecimentos situados da educação quilombola da Baixada Maranhense, o
processo de aprendizagem está baseado naquilo que Ingold (2010, p.19) chama de “educação
da atenção”, onde todos os sujeitos mestres e aprendizes estão numa interação de trocas de
conhecimentos corporificados nas práticas do cotidiano. Isto é, “os aprendizes estão engajados
(com outros) em aprender o que eles já estão fazendo” (LAVE, 2015, p. 40).

O conhecimento territoriado no contexto da educação quilombola da Baixada


Ocidental Maranhense, em questão, é apresentada como um projeto baseado nas práticas,
através dos corpos em movimentos ou fluxos contínuos como um conhecimento
“corporificado e situado” (LAVE, 2015, p.40) na vivência do cotidiano. Com base nisso, o
entendimento do corpo no campo do saber, e na realidade da educação quilombola
mencionada, sugere uma epistemologia transgressora dos limites da colonização (WALSH,
2008), divergentes dos modelos oficiais ditos diferenciados, oferecidos aos remanescentes de
quilombos sob pretexto de uma educação quilombola diferenciada.

Desse modo, os aspectos corpóreos epistêmicos são sensibilizados na manifestação


dos conteúdos rítmicos entre percussões dos tambores, nos recursos gestuais dos ritos e das
danças tradicionais do tambor-de-mina, pelas narrativas orais dos educadores tradicionais da
comunidade e dos ensinamentos dos encantados da afro-religiosidade do tambor-de-mina, que
estão, em grande parte, manifestados nos processos de aprendizagem das retomadas da
educação quilombola na realidade da Baixada Ocidental Maranhense.

Na localidade em que o movimento das retomadas da educação quilombola se


manifesta, o tambor-de-mina ocupa a maior influência de práticas afro-religiosa do complexo
geográfico da Baixada Maranhense. As comunidades quilombolas da bacia hidrográfica do
Rio Turiaçu e seus saberes assentados nas encantarias evocam o potencial de um rio
(potências biofísicas) e suas minas (potências metafisicas) que ensinam, por meio do projeto
14
Dessa maneira, as fronteiras criadas entre mente e corpo, como distintos, fazem parte da cultura ocidental
sobre transmissão de conhecimento, a mente relacionada ao produto intelectual – adquire conhecimentos através
da transmissão cultural – e o corpo está relacionado ao pensamento Cartesiano: o corpo é visto como uma
máquina, desprovido de alma de conhecimento.
43

político-pedagógico do movimento de retomadas pela educação territoriada e constroem


conhecimentos contra- hegemônicos. Essa produção de conhecimentos contra hegemônicos,
são segundo Veinguer (2020) uma prática dos conhecimentos dos povos indígenas e afro-
descendentes, ou seja, a “construção de novas epistemologias”:

[...] povos indígenas e afrodescendentes subalternizados, as suas práticas e


conhecimentos, demarcando as suas práticas e conhecimentos, demarcando assim a
diferenciação entre conhecimentos locais, folclóricos e não académicos, e a
universalidade epistémica da modernidade. Deste ponto de vista, um paradigma crítico
de interculturalidade implica então a construção de novas epistemologias contra-
hegemónicas, fundadas em processos de des-subalternização (VEINGUER et al. 2020,
p.90, tradução minha)

Diante disso, o projeto da educação territoriada, em um aspecto dialógico entre


corpo-terriório, educação e ambiente, são experimentados através da vivência afro-religiosa,
tendo como liderança espiritual o Pajé Luís (Luís Teixeira). É portanto, através dos
ensinamentos perpassados pelos encantados, que o líder espiritual consegue pedagogicamente
ensinar sobre os conhecimentos territoriados e assistenciar nos projetos dos territórios
quilombolas daquela localidade geográfica, interligados pelos afluentes do Rio Turiaçu:
Mariano dos Campos, Brasília, Imbiral Cabeça-Branca, dentre outros, que compartilham
projetos comuns por meio do Movimento de Retomadas da Educação Quilombola. Assim, os
desdobramentos dessa pesquisa partem de uma experiência no território de Imbiral Cabeça-
Branca.
44

CONJUNTO FOTOGRÁFICO I

Foto 1 (à esquerda) – Pajé Luís (Luís Lopes),


64 anos, Quilombola, Pai de Santo e Educador
Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca.
Fotografia: autoria própria, Setembro/2021.

Foto 2 (abaixo) – Calha do Rio Turiaçu (Tury-


Assú) do Território Quilombola Imbiral Cabeça-
Branca.
Fotografia: autoria própria, Setembro/2021.
45

CAPÍTULO 2

2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CAMPO: FORMAÇÃO E OCUPAÇÃO


HISTÓRICA DE IMBIRAL CABEÇA-BRANCA

O território pesquisado está situado na Baixada Ocidental Maranhense, na região


norte do Munícipio de Pedro do Rosário - Maranhão, trata-se de uma comunidade quilombola,
identificada por Imbiral Cabeça-Branca ou antigo quilombo São Benedito do Céu. Possui
características ambientais de clima tropical úmido e vegetação comum da floresta amazônica,
seu maior rio é o Rio Turiaçu, tendo como principal afluente o Rio do Braço (ou Rio Bonito).

O município de Pedro do Rosário - Maranhão, segundo dados demográficos do IBGE


(2021), possuí uma população 25.560 (vinte e cinco mil e quinhentos e sessenta) habitantes, e
75 (setenta e cinco) escolas de Ensino Fundamental, e 5 (cinco) escolas de Ensino Médio. A
distância da comunidade estudada ao perímetro urbano de Pedro do Rosário, é de
aproximadamente de 30 km (trinta quilômetros) de distância. A economia do município, em
grande parte, é de base da agricultura familiar (cf. MEDEIROS, 2008, p.35). Mas, diante das
46

observações paisagísticas, é notável que o município também tem atraído investidores da


agropecuária.

Mapa 1 – Localidade Geográfica da Baixada Ocidental Maranhense

Fonte: CANTANHEDE et al, 2014/ adaptação própria (2022).

A comunidade Imbiral Cabeça-Branca, está inserida no bioma amazônico, seus


recursos naturais territoriais possuem diversidade botânicas, zoológica e hídricas típicas da
floresta amazônica, a comunidade é cercada por igarapés, igapós, e pântanos. O acesso à
comunidade é via estrada de terra – cerca de 20 (vinte) km de distância da rodovia asfáltica,
aos núcleos habitacionais da comunidade – podendo ter um difícil acesso nos meses mais
chuvosos, referente ao primeiro semestre do ano. A caracterização de infraestrutura
identificadas na comunidade foram: energia elétrica, internet pública comunitária, 01 (um)
prédio sede da escola – até o momento não concluso – (01) uma associação-sede, (01) um
salão de pajelança (terreiro religioso do tambor-de-mina).

Mapa 2 – Localização do Território Quilombola Imbiral Cabeça-Branca


47

Fonte: CANTANHEDE et al, 2014 / adaptação própria (2022).

Segundo os dados emitidos pela associação dos moradores da comunidade, o núcleo


comunitário possuí 22 (vinte e duas) unidades habitacionais, e 73 (setenta e três) quilombolas
autodeclarados, o contingente laboral da população de Imbiral Cabeça-Branca se subdivide
entre lavradores, educadores, pescadores, e pajés. Dentre os autodeclarados quilombolas,
foram identificadas 07 (sete) crianças com idade entre 0 (zero) à 10 (dez) anos, 20 (vinte)
jovens adolescentes entre 11 (onze) à 20 (vinte) anos, 21 (vinte e um) Adultos de entre
21(vinte e um) à 60 (sessenta) anos, e 7 (sete) Idosos com mais de 60 (sessenta) anos. Em
termos de escolaridade, 16 (dezesseis) habitantes nunca frequentaram à escola, e 17
(dezessete) frequentaram até o infantil I ou II, 32 (trinta e duas) pessoas afirmaram ter cursado
até o fundamental e 08 (oito) concluíram o ensino médio.

A presença dos construtos de barro (PENHA et al. 2018), foi notada nas estruturas
das casas dos habitantes de Imbiral Cabeça-Branca, cerca de 90% (noventa por cento) das
casas são feitas de taipa, com plantas em formatos quadrados ou retangulares e, cerca de 85 %
são cobertas por palha, e 15% por telha de barro, segundo as narrativas orais dos moradores,
esse tipo de cobertura por palha, permite uma circulação maior do ar. Para Pereira (2011) a
necessidade da palha nos assentamentos dos quilombos do Norte do Brasil, está
intrinsicamente relacionado ao ambiente natural úmido da floresta amazônica (PEREIRA,
2011, p.5).
48

Dessa forma, o esforço de compreensão dessas moradias, não devem ser lidas na
visão eurocêntrica como forma inferior ou “construções selvagens” e sim, naquilo que Russi
et al. (2019) enfoca nos seus estudos antropológicos sobre o sentido do habitar para cada
sociedade.

Esses estudos enfocam diferentes habitações/casas em distintos contextos


socioculturais e, nesse sentido, revelam as particularidades do habitar. A partir deles,
poderíamos reconhecer na casa algumas recorrências: lugar de repouso, produção ou
consumo de alimentos, relações parentais, etc. Tais estudos, tal como os casos aqui
analisados, indicam a multiplicidade dos sentidos do habitar. Nos relatos sobre a
Maison du Brésil e a tamiriki, é possível observar como esses espaços reiteram
aspectos identitários, suscitam memórias – do país de origem, no caso dos brasileiros,
e dos ancestrais, no caso dos ameríndios katxuyana – e são, ao mesmo tempo, locus de
aprendizagem e de sociabilidade (RUSSI et al, 2019).

Ainda nas questões de moradias de taipa na comunidade de Imbiral Cabeça-Branca,


as técnicas da construção, são feitas por mutirões entre os moradores, possuindo um valor de
reciprocidades afetivas na hora de levantar uma habitação de algum morador, outros membros
da comunidade trabalham em coletividade marcando vínculos entre aqueles que moram no
território.

Nós vamos fazer o barracão de papai. Eu, e os meninos aqui. É rápido nós faz, porque
esse velho não adianta mais mexer, já caiu ali uma parede, então, tem a gente aqui pra
fazer de filho dele e tem nosso vizinho também que ajuda, a gente passa uns dias da
semana, os meninos aí bebem e conversam, e rápido tá terminado o serviço. Aí
quando alguém que ajudou aqui e precisar fazer uma casa, aí a gente vai lá e faz, ajuda
fazer, a gente sempre ajuda todo mundo. Aí quando é uma casa que tá velha, a gente
até muda, faz em outro lugar, se fosse de tijolo era mais difícil (Reinaldo Basé, 40
anos, Quilombola de Imbiral Cabeça-Branca).

Os espaços e o uso do território foram observados nas dinâmicas do cotidiano, cada


núcleo habitacional de Imbiral Cabeça-Branca possui unidades agrícolas de subsistência
(roças), as atividades de cultivos são feitas por homens, mulheres e crianças, na companhia
dos pais são ensinadas o manejo com a terra, tendo como as culturas mais cultivadas: a
mandioca, milho, feijão, maxixe, e o quiabo. Já no extrativismo vegetal, o que é mais coletado
no território é o açaí, bacaba, goiaba, caju, manga, naja, cupuaçu e bacuri. O consumo de
pescados é o mais predominante no território, a pesca de surubim, piaba, traíra, mandí e piau;
são os alimentos mais presentes na rotina alimentar dos quilombolas. Alguns habitantes criam
porcos e galinhas como complemento de suas subsistências.

A organização política da comunidade é percebida nas interações cotidianas diante dos


ritos festivos-religiosos, pedagógicos, reuniões públicas de interesse coletivo da comunidade,
49

organizadas pela Associação dos Moradores da Comunidade Quilombola Imbiral Cabeça-


Branca (AMOAQui). Atualmente a associação está organizada em três comissões, sendo elas:
a Comissão de Gestão Territorial; a Comissão de Captação de Projetos Sociais e
Desenvolvimento; e a Comissão de Educação Quilombola. Também é possuinte de
certificação da Fundação Cultural Palmares (FCP). Ainda em termos de organização política,
a AMOAQui é representada por um presidente eleito mediante colegiado bianual, embora
haja um representante presidindo a AMOAQui, o protagonismo político do Pajé Luís
Teixeira, se sobrepõe como principal conselheiro nas decisões políticas do Território. Já como
uma dimensão a nível de organização política maior dentro do Estado do Maranhão, a
comunidade possuí vínculos políticos com o MOQUIBOM – Movimento Quilombola do
Maranhão.

Já nas relações interpessoais e de parentesco, a comunidade experimenta diferentes


formas de organização familial (independente do fator biológico), isto é, as relações sócio-
afetivas são agregadas ao esquema parental e compartilhadas nas vivências da territorialidade
de Imbiral Cabeça-Branca, diante das dinâmicas com o cuidado com a terra. Entretanto, o
núcleo familiar participante da pesquisa, possui um valor intrínseco e ancestral, ocupando
assim sob “lógicas de sucessão familiar para a ocupação das terras” (KOCH et al. 2020, p.
170). Nesse sentido, o núcleo familial participante da pesquisa advinda do Pajé Luís Lopes
(Luís Carlos Teixeira), já faz parte da quarta geração ascendente na ocupação do território,
tendo como referência sua ancestralidade partindo do quilombo de São Benedito do Céu e da
aldeia Cabeça-Branca.

Como já foi mencionado no introito do texto, no aspecto religioso, a comunidade têm


o tambor-de-mina como principal identificação religiosa, cultural e social, com grande
influência e centralidade nos aspectos educacionais da comunidade de Imbiral Cabeça-
Branca. Embora a o ensino territoriado, seja aplicado nas vivências cotidianas nos espaços
extra-escolares, na qual a comunidade não dependa de espaço físico para uma aplicabilidade
pedagógica de seus conhecimentos, não significa dizer que não há ou nunca houve um espaço
físico que fosse uma referência escolar.

Em termo de instituição de ensino escolarizado a comunidade possui uma Unidade


Escolar ‘Boa Esperança’ na qual funciona do maternal até o ensino fundamental II, incluindo
o EJA. Atualmente o prédio físico da escola ainda não foi concluso, mesmo assim, houve um
movimento de ocupação desse espaço, segundo os relatos colhidos na comunidade, essa
50

ocupação foi uma necessidade para utilização de lousas, aulas expositivas com vídeos, e de
certo modo, para proteger as crianças do sol e da chuva, além de reunião escolares.

Narrativas etno-históricas

Os regimes etno-históricos são narrados pelo pajé quilombola e educador


tradicional, Luís Teixeira, que entrelaça com uma literatura historiográfica já existente, de
grande relevância na história do Maranhão, ou melhor dizendo, referente ao um dos grandes
movimentos que compõe o quadro das grandes revoltas nacionais do século XIX: A
Insurreição de Escravos em Viana - 1867 15. Desse modo, Luís Teixeira, começa narrando a
formação histórica da comunidade quilombola Imbiral Cabeça-Branca, limítrofe com
Pinheiro, e Viana no Estado do Maranhão.

Partindo dos enredos memorialísticos e de suas narrativas orais, foi em meados do


século XIX, no Estado do Maranhão, que os povos indígenas Ka’apor e Gamela, que ali
ocupavam sobre as margens do rio Turiaçu (tury-assú ), encontram-se com os negros –
16
escravos rebelados da fazenda de Santa Barbara – e, em busca de refúgios e espaços para
aquilobamento, foram recepcionados pelos indígenas locais, o qual conciliatoriamente,
através de alianças, constituíram o antigo quilombo de São Benedito do Céu.

No acesso das memórias do Pajé Luís, o território que hoje se chama Quilombo
Imbiral Cabeça-Branca, é fruto das relações interculturais e interétnicas entre os indígenas e
quilombolas – Os indígenas já habitavam o local antes da chegada dos escravos refugiados da
fazenda de Santa Barbára – o aldeamento daquele local era chamado de Cabeça-Branca, essa
toponímia que ainda hoje existe no lugar é em referência à um encantado que aparecia se
encarregando da proteção do ambiente e das pessoas que ali habitavam. Segundo o Pajé Luís,
a toponímia “cabeça-branca” se deu em razão desse encantado que sempre aparecia em um
formato de uma cabeça arredonda sobre o Rio Turiaçu, com cabelos brancos, entre os igapós e
as dunas brancas do Rio Turiaçu.

15
Obra de Maria Raimunda Araújo (Mundinha Araújo), 3ª edição, 2014 publicado pela editora gráfica 360º - São
Luís, Maranhão. Livro aborda sobre a Insurreição em Viana – Maranhão, e a dispersão de negros fugidos pela
Baixada Maranhense, aquilombando-se “nas cabeceiras do rio bonito, braço do rio turi”, e formando o quilombo
de São Benedito do Céu.
16
A fazenda de Santa Barbara pertencente ao Barão do Turiaçu de onde os escravos se rebelaram e fundaram o
quilombo de São Benedito do Céu.
51

É partindo desses encontros interétnicos dos negros rebelados da fazenda de Santa


Barbara, no qual prescindiram a insurreição de Viana, e os indígenas do Cabeça-Branca; que
o Pajé conta sobre seus ancestrais e a fundação do antigo quilombo São Benedito do Céu.

Pedro Celestino era filho de negro e índia Gamela, porque se juntava os negros e as
índias, e as índias com os negros [...] Então cada um era uma parte, um negro com
uma índia e uma índia com um negro. A família de meu pai eles eram Gamela, da
família da minha vó era tudo kapó, e ai faziam os casamentos[...] Esse meu avô
Antônio Lopes era filho de Pedro Celestino. E ai ele casou com minha vó[...] já
casaram aqui. O Manoel d’Villa era negro pai da minha avó, e a mãe dela ela nunca
me disse o nome, primeiro fugiu Pedro Celestino mas a mulher dele [...] ai eles
começaram se ajudar, ficaram correspondente. Ai se juntaram e se casaram os dois e
foram fazer família. Quando eles descobriram que os pretos estavam por aqui.
Notícias que os pretos iam pra Santa Barbara. Ai Raimundinha Araújo, que era a líder
dos negros de Viana, que foram os primeiros ataques dos portugueses foi em Santa
Barbara, que lá era a casa deles se consultar. Que é Viana, tudo nesse tempo era
Viana. E aqui o município de Pinheiro, os ataques daqui todo foram de Pinheiro e
Viana. E aqui São Benedito do Céu foi uma coisa criada por Pedro Celestino. Por quê
é São Benedito do Céu? Porque quando eles estavam aqui, eles estavam no céu,
porque ninguém achava eles (Luís Teixeira, 64 anos, Quilombola e Educador
Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

Em decurso desse depoimento, as alianças maritais entre os quilombolas de São


Benedito do Céu e os indígenas Gamelas e Ka’apor, possibilitava uma vida comunitária
colaborativa diante dos recursos naturais e atividades laborais para a subsistência entre os
grupos étnicos daquela localidade da floresta amazônica. O Pajé Luís, relata sobre as partilhas
e trocas dos recursos entre os indígenas e quilombolas na rotina da vida em comum dentro do
território. Os cocais, e os cafezais eram encontrados nos sítios dos quilombolas, enquanto o
fumo e a batata eram cultivados pelos indígenas.

[...]pode reparar que onde tinha moradia tinha um cocal [...] aí eles trocavam e traziam
pra cá, plantava os cocais. Quais eram as outras plantas/frutos que eles trocavam?
era batata, café, fumo dos índios, essa cafézada que tem aqui é dos negros, que os
negros plantavam nos sítios deles e traziam muda e plantavam (Luís Teixeira, 64
anos, Quilombola e Educador Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

Ainda diante dos registros de memória, as condições geográficas da localidade do


território que hoje se chama Imbiral Cabeça-Branca, eram estrategicamente favoráveis, tanto
para os indígenas quanto para os quilombolas, em relação aos senhores de fazendas
portugueses. Nesse sentido, os quilombolas que chegavam fugidos das fazendas
escravocratas, refugiavam-se, entre os lagos, próximos ao Rio Bonito (ou Rio do Braço) e o
Rio Turiaçu, assim se deu a formação e a localidade do quilombo de São Benedito do Céu,
pois, diante das características pantanosas e as matas fechadas da floresta amazônica,
dificultava o encontro com os brancos ou militares, com os quilombolas.
52

As casas dos quilombolas, eram tudo afastada uma das outras por dentro dessas matas,
que era pra dificultar para os inimigos, eram tudo escondido, tá vendo?! Isso era muito
importante, pois era uma inteligência deles dos quilombolas (Luís Teixeira, 64 anos,
Quilombola e Educador Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

Nos relatos orais do Pajé Luís, a chegada dos fugitivos negros nas proximidades do
Cabeça-Branca, contou com a ajuda dos indígenas, que segundo ele: “os índios andavam pelas
margens do Rio Turiaçu à procura de alimentos e, se depararam com os negros caídos pelo
rio, com ferimentos pelo corpo, quase morrendo”. Foi nesse encontro extemporâneo que as
circunstâncias ocasionaram aos quilombolas, à receberem os cuidados e as trocas de
conhecimentos etnofarmacológicos17 (ELIZABETZKY, 1999), entre os dois grupos.

Nesse contexto, os conhecimentos culturais mesclados entre os negros e os indígenas,


entre elas, as questões espirituais-religiosas, estão identificadas nas práticas ritualísticas de
pajelança em conjunto com o tambor-de-mina. Diante dos relatos apurados em Imbiral
Cabeça-Branca, constata-se os ancestrais do Pajé Luís, formaram o primeiro casal inter-racial
daquela localidade do território de Imbiral Cabeça-Branca, tendo sua tataravó indígena e o seu
tataravô negro. A pajelança embora tenha sido da herança indígena da família do Pajé Luís, ao
ser também incorporada aos rituais religiosos dos afrodescendentes, a pajelança que o
interlocutor se refere é comumente encontrado na literatura como “Pajelança dos negros”
18
(FERRETI, 2014, p.01).

Nos enredos etno-históricos, além dos rituais religiosos e as atividades produtivas,


outras ações também eram feitas de forma conjunta entre as comunidades indígenas e
quilombolas – dentre elas São Benedito do Céu e Cabeça-Branca – usavam, como estratégias
de combate, trilhas camufladas dentro dos territórios por dentro das matas, entre as distâncias
de uma casa à outra. Segundo o historiador Flávio Gomes (1997) em sua tese de doutorado “A
Hydra e os Pântanos” sobre os quilombos do Brasil dos séculos XVII ao XIX, confirma que
no Maranhão o local “Cabeça-Branca”, foi de grande importância entre as alianças indígenas
e quilombolas.

17
Conceito empregado para o conhecimento da medicina em sistemas de sociedades tradicionais, especialmente
nos conhecimentos de fármacos botânicos, ou seja remédios a partir dos vegetais. In: ELIZABETZBY, E., 1999
"Etnofarma-cologia como Ferramenta na Busca de Substâncias Ativas" in "Farmacognosia: da Planta ao
Medicamento", Simões, C. M. O et al., Organizadores, Editora de Universidade/UFSC, 1a Edição, Porto
Alegre/Florianópolis.
18
No maranhão no séc. XIX, a pajelança de origem indígena, também passou a ser encontrada nas populações
negras, para quebrar feitiços e curar enfermidades, sendo também acompanhada por sons percussivos de tambor
e danças, há também manifestações corporais em transe, do pajé ou curador (FERRETI, 2014, p.01).
53

A historiadora maranhense, Mundinha Araújo (2014) em A Insurreição de Viana,


ocorrida em 1867, descreve a localidade e os fatos ocorridos no Estado do Maranhão
Província na região da Baixada ocidental. O quilombo de São Benedito do Céu, possui
relevância histórica por prescindir a insurreição, que teve como estopim, o recrutamento da
população para a guerra do Paraguai pela guarda nacional (ARAUJO, 2014, p. 35). Naquela
altura, os quilombolas de São Benedito do Céu, atacava as fazendas em resgate de seus
familiares que ainda permaneciam escravizadas nas fazendas, sob o risco de morrerem na
guerra diante do recrutamento da guarda nacional.

Nos primeiros dias de julho de 1867, os lavradores de Viana viram os seus temores,
em relação a uma insurreição da escravatura, concretizarem-se, quando centenas de
pretos aquilombados saíram dos seus refúgios e ocuparam, simultaneamente, diversas
fazendas localizadas nos centros daquela comarca. Vinham os insurretos do quilombo
São Benedito do Céu, localizados “nas cabeceiras do Bonito, braço do turi, a três dias
e meio de viagem a pé de Viana (ARAUJO, 2014, p.41).

Nos registros históricos também são encontrados fatos episódicos dos insurretos do
quilombo de São Benedito Do Céu, que conseguiram chegar na fazenda de Santa Barbara e
impuseram, ao administrador a escrever uma carta as autoridades agraciando os escravizados
com a liberdade19. Ainda em 1867, diante do conflito travado na fazenda de Santa Barbara,
alguns insurretos foram aprisionados e forçando-os à servirem de guia até o quilombo.

Durante o fogo travado na fazenda Santa Bárbara entre os insurretos e a força legal,
foram aprisionados alguns quilombolas: Benedito, Vicente, Martiniano, Severino e
Feliciano Corta-Mato, dentre outros. No decorrer da devassa, estes escravos foram
inquiridos sobre o quilombo São Benedito do Céu, fornecendo, às autoridades,
informações precisas sobre a sua localização, população, organização política, social e
econômica (ARAUJO, 2014, p.71).

Após isso, a dispersão do quilombo São Benedito do Céu, deu início, quando a
presença de capitães-do-mato, adentraram ao território quilombola, entre diversas tentativas
de destruição do quilombo, o reforço militar aumentou aos redores dos quilombos do Turiaçu,
como o quilombo “Braço do Laranjal”, e “São Sebastião”, igualmente localizados na beira do
Rio Turiaçu, em distância de longas trilhas, dentro das matas, entre um quilombo e outro.

Como exemplo, podemos citar a localidade do Braço do Laranjal, a qual abrangia as


atuais cidades de Pinheiro, São Bento e São Vicente de Ferrer. (GOMES, 2005). Foi
nas proximidades desse lugar que se estabeleceu umas das mais relevantes resistências
escravas na Baixada Maranhense, o mocambo de São Sebastião. O São Sebastião era

19
ARAUJO, Raimundo Inácio Souza. In: O reino do encruzo: práticas de pajelança e outras histórias do
município de Pinheiro - MA (1946-1988)
54

um quilombo estabelecido nas ribeiras do rio Turi, habitado por quatrocentos


quilombolas. Em 17 de Fevereiro de 1875, o delegado de Polícia de Turiaçu,
informava que “os quilombolas, começam a fazer correrias pelas fazendas, no intuito
de conduzir os escravos para os quilombos, o que tem conseguido, tendo já alguns
desaparecidos de diversas fazendas” (FERREIRA, 2013, p.2).

O historiador Flávio dos Santos Gomes (1997), afirma que em 1874 as comunidades
quilombolas formadas pelos fugitivos de São Benedito do Céu, como o Braço do Laranjal, e
São Sebastião, também foram alvo das tropas policiais, enviadas com objetivo de extingui-los.
Com isso, tais quilombos possuíam recursos tácticos, dentre elas, estratégias que: “apareciam
e desapareciam naquelas florestas”. Também, havia no centro do território “uma picada batida
por pretos”, dentro do antigo quilombo São Benedito do Céu:

Não satisfeita a tropa seguiu até o "lugar são Bennedito de Céo" — do antigo
mocambo atacado, destruído e abandonado — e nada encontrou, tendo o "mesmo
resultado". Próximo dali deparou-se com "uma picada batida por pretos". Esta
"picada" era extensa e fazia supor que os quilombolas ainda a utilizavam. Foi ela
seguida pelos "guias" daquela tropa que após investigarem revelaram que a mesma "ia
ter a beira do rio, no lugar Pedreiras. d'alli ao Capivary e a Bocca do Largo e Viana,
por onde se supõe serem os escravos fornecidos de viveres, armamento e
munição"(GOMES, 1997, p.359).

Segundo os depoimentos orais do Pajé Luís, os quilombolas de São Benedito do Céu,


deixavam barras de ferros dependurado, em uma grande laranjeira, que hoje o local leva o
topônimo de “pau ferrado”, no centro do território de Imbiral Cabeça-Branca. Tal recurso
servia para seus ancestrais do quilombo, como ferramenta para comunicação, para avisar às
outras localidades, aproximação dos inimigos. Ainda nos enredos do Pajé, dois nomes são
citados, o de Bruno20 e do Negro Cosme21, como espécie de líderes e capitães da resistência do
antigo quilombo de São Benedito do Céu.

Esse território de cabeça-branca ele é grande tem 50 mil hectares de terra, cortada por
Bruno, que entregou pra eles pros negros, ele era o balizeiro, o balizeiro hoje é tipo
agrimensor. Sempre minha vó dizia que no tempo que o Bruno cortou aqui pros
negros, e ficaram aqui antes dos ataques [...] porque tinha um matador deles aqui, o
Negro Cosme (Luís Teixeira, 64 anos, Pajé, Quilombola e Educador Tradicional
de Imbiral Cabeça-Branca).

A comunidade de Imbiral Cabeça-Branca surge em razão da dispersão do quilombo


São Benedito do Céu e dos indígenas do Cabeça-Branca. Nesse sentido, as unidades

20
Ver. (cf. Araújo, 2014, p. 80-81) Bruno é citado como capitão que fazia parte do pelotão armado do quilombo
de São Benedito do Céu, chefiado por José Crioulo.
21
Ver. (cf. Araújo, 2014, p. 32) Negro Cosme chefe africano líder da resistência da Balaiada(1838-1841),
movimento anterior a Insurreição em Viana (1867), há indícios que também habitou o quilombo de São Benedito
do Céu ainda nas primeiras décadas de formação do quilombo.
55

habitacionais da comunidade passaram a se reerguerem ao norte do antigo quilombo de São


Benedito do Céu. A toponímia de “Imbiral” foi nomeada por conta da grande quantidade de
embira22 que eram extraídos para fazer cordões e cordas. A experiência habitacional em
Imbiral foi marcada por fluxos de trocas entre agricultura dos quilombolas e os comerciantes
da região, tal atividade foi mantida até em meados da década de 80 do século XX.

[...] tinham um comerciante Joaquim, Manoel Joaquim, ele era comerciante, ele
comprava tudo que o pessoal tinha aqui, os brancos, e levavam no boi, embira, porque
aqui é chamado de imbiral? Por causa disso, aqui se tirava embira pra vender, era
aqui. O lugar que mais tinha embira branca, nesse lugar aqui. A gente vinha como
quem vai com safra, fazer safra. O quê que a gente faz? botava dentro d’água e botava
15 dias pra amolecer...ai vendia tudo pra eles...no quilo, arroz, farinha, mandioca, eles
trocavam... aqui não existia milho, quem trouxe milho pra cá, foi eu que trouxe,
depois de eu rapaz, já mais grandinho um pouco. Ai tudo que faziam aqui tinha que ter
uma troca, trazia pouquinho pra levar muito...ai nosso pai mandava a gente tirar folha
pra vender, folha de guarimã de cantã, pra embrulhar as coisas que de primeiro não
tinha saco, não tinha sacola, se comprava café, açúcar, embrulhado na folha, tudo a
gente tirava aqui, e têm muito. Então isso tudo são históricos da gente. São as histórias
nossa daqui. Esse era os de nós viver aqui. As folhas medonhas de grande, mas hoje
tem sacola. Era 12 carros que levava só de café. O comércio dele era grande só de
comprar dos negros, é histórico também, o Manoel Joaquim. Ele era comerciante?
Era, ele comprava as coisas do negro? compravam. Negociava pros brancos, porque
os portugueses era que tinha os armazéns (Luís Teixeira, 64 anos, Pajé, Quilombola
e Educador Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

Na incursão ao território de Imbiral Cabeça-Branca, alguns locais históricos entre


paisagens naturais são resguardados pelos quilombolas da comunidade: o cemitério do antigo
quilombo de São Benedito do Céu e o Cabeça-Branca, formam os conjuntos patrimoniais
históricos e arqueológicos – onde reside as memórias de seus ancestrais mais remotos – e
alguns artefatos perceptíveis; túmulos e ruínas (baldrames) de antigas taperas em relevos pelo
chão. Por esta razão, o pedido de profissionais técnicos especializados ao Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), têm sido uma vontade coletiva dos
membros da comunidade, diante de uma preocupação que se emerge aos problemas
socioambientais enfrentados pela comunidade com fazendeiros que adentram cada vez mais
ao território quilombola.

Embora Imbiral Cabeça-Branca seja uma comunidade de longa existência, foi em 1998,
com o protagonismo do pajé Luís Lopes (Luís Teixeira), e Sebastiana Teixeira – apresentadas
como lideranças organizadas nos aspectos do ativismo político da comunidade – fundaram a
Associação Moradores da Comunidade Quilombola Imbiral Cabeça-Branca (AMOAQui).
22
Insumo vegetal que serve como corda encontradas nos meios botânicos da comunidade de Imbiral Cabeça-
Branca.
56

2.1 Educação quilombola de Imbiral Cabeça-Branca e suas particularidades

Para um entendimento de como o universo educativo de Imbiral Cabeça-Branca é


conduzido na vida do território, é preciso, sobretudo, se desprender da ideia, já citada na
introdução, “de ir à escola” (INGOLD, 2020). Assim, evoca-se uma reflexão etnográfica
argumentada por Lave e Wenger (1991), onde o conhecimento é percebido na vida corporal
enquanto prática.

Dessa maneira, como pesquisadora e interprete de uma realidade educativa, exige um


modelo metodológico perceptivo e pessoal, reforçada por Ingold (2010) “educar pela
atenção”, pois é diante de um esforço, nas vivências em campo, o estudo aqui apresentado não
intenciona “um estudo ‘sobre’, ou ‘de’, mas ‘com’, os educandos de Imbiral Cabeça-Branca
(PEREIRA, 2017, p.157-158).

É diante desse aspecto que é pensado o problema das formas de transmissão do


conhecimento, Ingold (2010) reforça que o conhecimento não é um dado molecular ou uma
mera transmissão de representações, mas sim que diante da possibilidade da atenção, a
educação é um modo de fazer antropologia. É diante disso, que as vivências em campo e as
impressões pessoais enquanto pesquisadora, não estão alheios às influências e as experiências
aprendidas ‘com’ os interlocutores, em especial, com as crianças.

A entrada no Território de ‘Imbiral’ – forma como costumeiramente se referem à


comunidade de maneira hipocorística – é como aprender a descobrir, diante dos fluxos uma
entrada, da aceitação dos interlocutores e da participação do campo da educação (CORSARO,
2005, p.445). Memorando falas comuns no universo da pesquisa acadêmica, que antecedem
ao campo, onde estudos sobre universos educativos, de modo geral, não é uma prática
simples, embora que, de certa maneira, todos nós passamos em algum momento da vida, por
experiências como educandos, e também como crianças diante das experiências de
aprendizado com adultos.

Nesse contexto, a experiência de campo inaugura-se como uma “intersubjetividade


etnográfica”, não como pesquisadora sendo sujeito, e o inter com relação aos outros. Mas sim,
uma experiência apresentada como caminhos que se cruzam (INGOLD, 2016, p.408). São
relações de correspondências de aprendizado, assim é a prática da observação participante de
57

um corpo em campo que se educa e aprende. A experiência começa pela sensibilidade, é um


exercício primordial dos sentidos e da percepção.

Adentrar ao território, até então como primeira experiência no quilombo, à beira da


floresta, é sobretudo, reconhecer um bioma inserido em meios de conflitos e visões de
mundos que se chocam, diante da realidade pesquisada. A chegada ao campo se deu por volta
de Setembro de 2021, em meio à crise sanitária provocada pela pandemia, a comunidade se
encontrava com agraves socioambientais, a queixa comum na comunidade, nos leva a refletir
aspectos ambientais, sociais e políticos, ocasionados pelo aumento das crises ambientais
sucessivas em relação aos anos anteriores. Em relatos colhidos na comunidade, a pandemia
foi um fator oportuno para que as queimadas e os desmatamentos no entorno das unidades
habitacionais, fossem uma prática comum e em grandes proporções. Mesmo diante de
denúncias feitas pela comunidade aos órgãos competentes municipais e federais, como o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais – IBAMA, não foram
suficientes para conter tal avanço.

Diante disso, tomo como primeiro uma afetação (FABIAN, 2013, p.64), e não uma
mera atividade de rotina prática de campo, encontrando-se diante dos olhos, as dimensões do
desflorestamento adentrado ao território quilombola de Imbiral Cabeça-Branca. Nesse
aspecto, o conhecimento situado é adquirido em “walkscapes”, diante da percepção
paisagísticas, caminhando no território, a ação é traduzida como uma “leitura e escrita do
território” (CARERI, 2002, p.51). Através disso, o debate do sagrado a das encantarias, são
ensinadas dialogicamente com a defesa do território e a defesa das “minas”, como uma
atribuição de “significado místico” coordenando o mapeamento do espaço ecológico e seus
significados.

[...] uma atribuição de significados místicos e sagrados ao espaço físico. Passou-se de


um espaço quantitativo a um espaço qualitativo, preenchendo o vazio circunstante
com um certo número de cheios que serviam para orientar-se. Desse modo, o espaço
pluridirecionado do caos natural começou a transformar-se em espaço ordenado
segundo as duas direções principais (CARERI, 2002, p.55).

Ainda na receptividade, no meu contato com o chão do território de Imbiral Cabeça-


Branca, o banho de ervas foi o primeiro trato oferecido pelo Pajé da comunidade. Segundo
ele, o ritual do banho é uma prática comum aos visitantes, para uma limpeza “das coisas da
rua”, isto é, uma referência para quem vem de outras localidades, ou para alguma enfermidade
avistada pelo Pajé. Os elementos naturais extraídos da diversidade botânica do território, é
58

uma prática comum, entre seus filhos, desde então, é notável o conhecimento adquirido diante
daquela pedagogia perpassada pelo pajé, sobre a “medicina do mato”.

[...]outra importância é conhecer as ervas da natureza. Pelo tanto de remédio que eu


faço aqui para as pessoas, isso é importante pra eles também aprenderem também
desde de pequeninho, e repassar pra outras pessoas. É pra eles dizerem assim: “meu
pai fazia assim e isso é bom pra isso e pra aquilo”, o que é bom pra reumatismo, pra
dor no ouvido, dor no dente, isso é coisa importante que a gente dá pra o filho, pra ele
não se criar sem conhecer. Porque nós somos natureza! se você não conhecer quem é
você, você não conhece natureza! Porque se você tiver um preconceito com uma
natureza, com um pé de arvore, aí você tem preconceito também com você ( Luís
Teixeira, 64 anos, Pajé Quilombola e Educador Tradicional de Imbiral Cabeça-
Branca).

Nesse traquejo territorial, o conhecimento das ervanárias é percebida como uma


disciplina indispensável na vida da comunidade. Entre as crianças o reconhecimento da
diversidade botânica, por elas, são potências de uma “pedagogia nativa” (TASSINARI, 2015,
p), entretanto, a epistemologia educativa parece se diferenciar do contexto ocidental sobre a
transmissão do saber pela qual estamos habituados, ao invés de um processo de
“escolarização” (cf. VIGOTSKI, 1998), e sim, se tratando de um “ethos não escolarizado”
(ILLICH, 1970, apud TASSIRNARI, 2015, p. 144), no sentido das vivências como
possibilidade de aprendizado.

[...]é importante desatrelar a presença da escola em um determinado contexto social,


ou a vivência da escola por uma criança, à existência de um “ethos” escolarizado.
Assim, sugiro que é possível pensar em sociedades ou grupos sociais “não
escolarizados” (ou seja, onde outras possibilidades de infância e aprendizagem são
reconhecidas), mesmo com a presença da instituição escolar e com experiências de
educação escolar. (TASSINARI, 2012, p. 277-278).

Embora, na comunidade a presença da escola física – o novo prédio escolar (em fase
de acabamento) demandado pela prefeitura de Pedro do Rosário – está inserida dentro do
território: a experiência educacional, é marcada pelos valores de um modo de vida em
específico, no caso, o tambor-de-mina e suas encantarias, o que parecem conduzir os valores
éticos, tanto na vida comunitária, como também na pedagogia compartilhada entre os
educadores tradicionais – mães, mulheres, pajés, pescadores, lavradores, ‘abatazeiros’ do
tambor de mina – estão no conjunto participativo daquela educação chamada de territoriada.

Através de um esforço em diálogos com os educadores tradicionais, foi possível


compreender, sobre a morada dos encantados. Segundo o Pajé Luís, os encantados habitam os
locais chamados de minas do território. Neste sentido, as minas estão distribuídas entre os
biomas preservados no território de Imbiral Cabeça-Branca, e reconhecidos como locais
sagrados. À exemplo, na rotina do território, foi possível notar alguns locais sagrados “das
59

minas” dentre elas: o morro, chamado de “oiteiro da onça”, as cabeceiras do Rio Turiaçu, o
Cabeça-Branca, e a vegetação nativa preservada nas margens das unidades habitacionais.

As cabeceiras são nesses alto, uma pessoa chama morro, outros chamam, quer dizer...
na minha língua eu chamo oiteiro, porque oiteiro é coisa alto, essa cabeceira são tudo
nesses oiteiro, e nesse oiteiro é onde tem as riquezas, nesses oiteiro, só um oiteiro
desse tem uma grota, são as minas, o peixe é mina, agua é mina, e os encantados
também são mina, então quando você mora na mina, tem o tambor-de-mina [...]todos
os rio que existe no mundo tem a mina deles, são as cabeceira que não seca, peixe é
mina, inseto também é mina, que mina pelo mundo pelo tempo, pela arvore pela
floresta, as folha da floresta se transmite muita coisa [...] (Luís Teixeira, 64 anos,
Pajé Quilombola e Educador Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

Nesse aspecto, os seres metafísicos do tambor-de-mina, estão ambientados e


interrelacionados com a natureza e o sagrado. Nesse sentido, as manifestações desses
encantados estão presentes na vida corporal (material) das pessoas, seja em um efeito de um
banho de ervas, um preparo de um remédio, uma reza para enfermidades. Para Ferrara (2020),
tais feitos do universo do tambor-de-mina são encarados como uma sacralidade (FERRARA,
2020, p. 128). Portanto, é diante dessas práticas na vida comunitária que os conhecimentos da
natureza estão aplicados diante de um universo educativo implicadas nas experiências
corporais.

O aprendizado das práticas afro-religiosa do tambor-de-mina é incentivado desde a


infância naquele universo educacional. Diante dos relatos colhidos na comunidade, as práticas
de cura advindas do Pajé e perpassada para seus filhos, são aprendizados levados para dentro
e fora daquele contexto, assim, fazem uma ponte intercultural com a medicina ocidental. É o
caso de Nilza Teixeira, filha do Pajé Luís, que também herdou a mesma faculdade do pai.

Uma vez uma senhora estava com uma filha passando mal no hospital, ai eu disse:
“senhora, a senhora não acredita nesse negócio de pajé...de cuspida de banda por aí,”
aí ela disse assim: “se for pra minha filha ficar boa, eu acredito!”, ai eu disse assim:
“ah, pois bem aí numa rua, tem uma mulher que benze, tira sua filha daqui leva lá.” Ai
ela disse: “como eu faço? O médico não vai deixar”. Ai eu “ah, mas isso é fácil
demais, nós pula a janela (risos)”. Pois a menina estava era com quebrante, estava
verdinha. Ela ia morrer lá no hospital (Nilza Teixeira, 26 anos, Pajé, estagiária
docente, Quilombola da Comunidade de Imbiral Cabeça-Branca).

É diante desses relatos que a educação territoriada, daquela realidade, se mostra


como uma experiência educativa intercultural onde assume epistemologicamente a sua
interculturalidade de maneira crítica à hegemonia global. Nesse contexto, a contribuição de
Walsh (2012) compreende como um projeto de vida, em alternativa a racionalidade ocidental,
e não um projeto étnico (WALSH, 2012, p.31).

Ainda nos relatos colhidos na comunidade, a figura do pajé no quilombo de Imbiral


Cabeça-Branca é o centro de referência de saúde. Por conta disso, os ensinamentos sobre
60

pajés e pajelança do tambor-de-mina, são fundamentalmente ensinadas desde a primeira


infância dentro do núcleo comunitário. Já nas experiências escolares, a comunidade reconhece
a importância dos professores tradicionais participando ativamente e ensinando o
conhecimento sobre ervas, as rezas, os santos e seus feitos sobre a vida corpórea.

[...]eu acho que seja o seu Luís que repasse aqui, porque os professores de fora não
sabe, e alguns tem preconceito né, então eu acho bom é que seja o seu Luís pra
repassar as coisa daqui. Eu nasci em Santa Helena lá é quilombo também, e meu vô
era médico igual seu Luís, eu sempre cresci assim, respeitando os pais de santo
(Renata, 22 anos, aluna do EJA, Quilombola e moradora de Imbiral Cabeça-
Branca).

Pai sabe quando uma mulher está doente, quando está doente ele olha por dentro e ai
ele vê, ele sabe também quando a pessoa está acompanhada de algo ruim, e vem gente
de todo lugar atrás dele, mas se for pra fazer trabalho ruim que prejudique uma pessoa
ele não faz, ai esse pessoal que vem atrás de coisas ruins vão embora, mas já vi papai
curar gente que estava morrendo (Luís Filho, 30 anos, Quilombola e abatazeiro de
Tambor-de Mina).

Dentro da vida dos conhecimentos territoriais o saber das ervas parecem assumir
práticas multidisciplinares, desde o conhecimento no manejo da terra, da coleta e do
extrativismo; tais práticas levam as pautas das políticas ambientais preservacionistas geridas
pelos membros da comunidade quilombola. Na verdade, tais práticas são uni-relacionais da
terra à mina (encantados, práticas de cura e conhecimentos que convivem na vida
quilombola).

Tais características até então mencionadas nos trazem a concepção do que é o ensino
territoriado diante de uma reflexão do “o que é educação?” do ponto de vista de “redes e
estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra” (BRANDÃO, p. 13,
2007). Tendo como particularidade os aspectos constituintes dos universos afro-religioso aos
aspectos ambientais, uni-relacionadas, ao aprendizado escolar.

2.1.1 O tambor-de-mina e a pajelança

O tambor-de-mina é substancialmente a afro-religião de maior concentração na


mesorregião da Baixada Ocidental Maranhense. Surgida no próprio Estado do Maranhão
(FERRETTI, 1996, p. 3) o tambor-de-mina é oriundo dos Jeje-Nagô23, e possui estreita
23
Jeje - termo originário do Reino Daomé (localizado no sul da região de guiné do continente Africano), foi
invadido pelos franceses nos séculos XVIII e XIX, e trazido a cultura jejes junto com os escravizados para o
61

aliança com a pajelança, na qual incorporam-se uma a outra diante das práticas religiosas
locais, devido à isso, como já foi citado, dentro das práticas religiosas de matriz africana, são
ressignificadas como pajelança dos negros, conhecida como “Cura do Pajé” (FERRETI,
2014, p.1).

Assim, para um melhor detalhamento, utilizando-se de estudos historiográficos, de


Raimundo Inácio Souza Araújo (2015), é possível afirmar que a pajelança praticada pelos
mineiros do tambor-de-mina localizados na Baixada Ocidental Maranhense é uma
particularidade da identidade afro-religiosa Maranhense – diferentemente de outros Estados
Brasileiros, que na etimologia da palavra “pajelança” originária do tupí, suas práticas
costumam caracterizar por ritos indígenas nas batidas de folha –, entretanto, na Baixada
Ocidental Maranhense ela se entrecruza aos terreiros afro-religiosos do tambor-de-mina,
tendo como objetivo “aumentar seus poderes pela incorporação das entidades do panteão
mineiro” (ARAUJO, 2015, p. 49).

Embora exista a presença marcante tanto do tambor-de-mina difusa a pajelança, é


inegável a forte influência do catolicismo popular com a presença de Santa Bárbara, Cosme e
Damião, São Benedito, Santa Luzia, São Sebastião, e São João – são santos que marcam
festividades relacionadas ao calendário da igreja católica –, também são cultuadas nos rituais
festivos religiosos com toques de tambores e ladainhas, exceto na quaresma, que os toques
não são manifestados.

Na Mina as festas são muito frequentes, acompanham o calendário santoral católico e


costumam incluir três noites de toque. Em algumas datas do ano quase todos os
terreiros fazem toques (20/1 - São Sebastião; Sábado de Aleluia; 2º domingo de
Agosto - Averigue-te; 4/12 - Santa Bárbara). Em várias outras datas muitos terreiros
tocam uma ou três noites (24/6 - São João; 29/6 - São Pedro; 26/7 - Santana; 28/9 -
São Miguel; 8/12 - N.Sra. da Conceição; 13/12 - Santa Luzia). Existem algumas datas
festejadas em uma ou em poucas casas, mas no Maranhão, só não se faz toque na
Quaresma (FERRETI, p.4, 1997).

Segundo Luís Ferrara (2020), um aspecto importante do tambor-de-mina é o tambor-


da- mata24, principalmente naquilo que se refere aos toques percussivos do tambor para as
entidades presentes nas matas, como no caso da entidade Légua-Boji-Buá. Nesse caso, o

Brasil. Já os Nagô é oriundo da cultura Iorubá onde se cultuam orixá e vodus, bastante presentes nas religiões
afro-Brasileiras. Tais culturas no território brasileiro se fundiram nas práticas religiosas, desta maneira,
dificultou o processo de distinção.
24
Comumente conhecido por Terecô, é um segmento afro-religioso Maranhense de origem rural, fortemente
encontrado nas matas dos cocais do Maranhão e em alguns pontos fronteiriços do Piauí. Diante disso, Centriny
(2017) “o terecô como uma vertente do tambor de mina, porque a estrutura é muito parecida, até porque os
Voduns do Terecô são chamados de Voduns da mata (CENTRINY, 2017).
62

tambor-da-mata ou terecô dentro dos terreiros de mina, estão destinados aos encantados que
se manifestam em meio as matas de suas florestas.

Durante as festas de Tambor de Mina, é comum que os toques de tambor sejam feitos
em três dias consecutivos, sendo os primeiros dois dias para Voduns e encerramento
da festa com o toque para as entidades presentes na Mata. Na história que segue o
Tambor de Mina no Maranhão, a casa das minas se manteve estruturada unicamente
nos cultos aos Voduns – conforme apresentamos – mas é a partir dela, por meio do
Vodum-Tóquem Toy Averekete que o Tambor da Mata segue sua trajetória
(FERRARA, 2020, p.78).

Na realidade Imbiral, os encantados são percebidos nas relações com as pessoas


diante de comportamentos próximos da realidade material – diferente do espírito que alcançou
um estado de deidade – no tambor-de-mina a morte é uma continuidade do espírito
(FERRETI, 2000), assim o contato com encantados estão para além de uma incorporação –
pela qual o corpo recebe no transe – e sim, também estão presentes nos sonhos, nas intuições,
e nas paixões pessoais por locais determinados do território, assim chamam de “encantaria
forte”. Durante o campo essa compreensão de uma “encantaria forte” foi exemplificada com
a relação com o rio local, na fala de Genivan:

Ás vezes essa atração que temos com um rio, com água, essa necessidade é um
encantado que te chama, eu me sinto mal também quando estou longe daqui,
principalmente quando estou na cidade. Eu gosto de morar aqui porque se tu observar
aqui é um baixão e eu acho isso muito massa. Sempre que estou longe, aqui tem
encantaria forte, e me chamam de volta (Genivan, 21 anos, Quilombola e Estagiário
Docente da escola de Imbiral Cabeça-Branca).

Já nas práticas dos cultos às minas em Imbiral Cabeça-Branca, também se encontram


no terreiro de pajelança com os santos resguardados em um altar, cultuados nos ritos-
festivos-religiosos da comunidade, já o local destinado às consultas para as pessoas que vão à
procura de benzeduras e remédios, e ouvir instruções dos encantados comumente perpassados
pelo Pajé Luís, são habitualmente feitas em uma sala separada do salão, assim é relatado pelo
Pajé Luís:

[...]é aqui que atendo as pessoas, quando é pra fazer consulta, eu consulto nessa mesa
aqui ó. Quando vou trabalhar eu vou lá pra aquele barracão, porque é assim, uma
consulta que a gente faz com as pessoas, a gente não faz em qualquer lugar, é em um
ponto determinado, é um lugar de conversar com Deus. Fazer um benzimento, as
orações [...] Deus diz o que ele tá merecendo o que ele não tá, ai a pessoa[...]também
tem que aguardar, o que mais faz a pessoa ficar feliz com as coisas do pai de santo,
são eles ter a fé, porque se não tiver fé, nem adianta vir, porque sem fé ele não é
curado (Luís Teixeira, 64 anos, Pajé Quilombola e Educador Tradicional de
Imbiral Cabeça-Branca).

Os orixás, caboclos e guias também são mencionados no universo religioso mineiro


de Imbiral Cabeça-Branca, tendo Oxum como o orixá que cuida das águas doces e da
63

fertilidade. Diante dos relatos do Pajé Luís, ser de Oxum é uma “espécime” de diploma, na
qual, é um poderoso orixá ligados as proteções e as defesas, pela qual o Pajé exerce seus
conhecimentos de Pai de Santo, na qual, em um apelo, tais serviços nunca devem serem feitos
como moedas de trocas capitalizadas.

E essa criação minha que tenho, que recebi quando nasci, meu diploma de pai de
santo, eu ser oxum, graças ao nosso pai eterno e poderoso eu tenho feito muitas defesa
para as pessoas e ajudado muito as pessoas, sobre descarrego, pessoa muito
carregada[...]e eu peço pras pessoa, pros pai de santo, os orixás, e babalorixás num
fazer muita carestia para as pessoas, consulte conforme as pessoas, tem serviço
pesado, a gente sabe que tem serviço pesado, porque Deus faz milagre mas o capeta
tem força, ele é forte demais, então quando a gente vai na força a gente vence umas
coisas, mas quando a gente vai no milagre a gente vence mais, porque [...]a nossa,
nossa função[...]dos quilombo e dentro das aldeia, tem muito quilombo que não tem
pai de santo e tem muita aldeia que não tem pai de santo, e feliz do quilombo que tem
pai de santo e feliz da aldeia que tem pai de santo (Pajé Luís Teixeira, 64 anos,
Quilombola da comunidade de Imbiral Cabeça-Branca).

Ainda no terreiro de Imbiral, o culto à Santa Bárbara, é comemorado anualmente em


08 (oito) de Dezembro, conjuntamente com outras entidades como o Légua-Boji-Buá,
incorporado pelo Pajé Luís, aos toques de tambor-de-mina, e tambor-da-mata entre variações
rítmicas do tambor-de-crioula, fazendo assim, parte das “paisagens sonoras” (INGOLD,
2019, p. 206) particulares da comunidade Imbiral Cabeça-Branca. Ainda nos relatos sobre os
rituais festivos da comunidade, tais festividades contam com a presença de pessoas de
diversos quilombos circunvizinhos, dos quilombos de Santa Helena, nos quilombos de
Mariano dos Campos, e por vezes, indígenas Akroá-Gamelas da aldeia situada no município
de Viana - Maranhão.

Já no transe da incorporação do encantado Légua-Boji-Buá, se dá em meios aos


tambores, e às danças manifestada diante das vibrações dos cânticos, entre homens, mulheres
e crianças são caracterizações que compõe o ritual festivo. Já os homens além de participarem
dos versos e cânticos dos rituais festivos, se encarregam da feitura artesanal dos tambores,
aquecer o couro dos tambores na fogueira, e ensaiar – antecipadamente – em conjunto com
outros percussionistas da comunidade, onde tais variações rítmicas da etnomusicologia
(BARRE, 2012, p. 120) de Imbiral, evocam os encantados por meio da sonoridade, também
outros manifestos corpóreos se dão através dos toques dos tambores pela qual o som
empregado não é visto como um objeto “mas o meio da nossa percepção” (INGOLD, 2019, p.
208), que dão sentidos aos movimentos da identidade ancestral e expressão cultural daquele
grupo.
64

Ainda nos relatos orais da comunidade, alguns momentos festivos fazem parte do
calendário escolar, por exemplo: no mês de Junho as festividades juninas são organizadas
pedagogicamente pela escola da comunidade, tendo uma participação mais efetiva das
crianças na apresentação da quadrilha dos santos, e também a presença do bumba-meu-boi
maranhense são marcadas como centro da festividade junina comemoradas no dia de São
João, além disso, a presença dos tambores e das danças dão oportunidades para as crianças
serem introduzidas no aprendizado dos tambores, afirmada por Railton Teixeira, em suas
memórias:

Já participei de uma festa boa com cantoria nas festas das crianças já teve tambor, tem
criança dessa época que hoje tiveram oportunidade de aprender tocar tambor como eu
aprendi aos 10 anos de idade, e hoje eu quero ter a possibilidade de ensinar as crianças
a tocar tambor nas festas da escola porque a gente vê que as crianças gostam mais
quando tem música quando tem dança (Railton Teixeira, 19 anos, Quilombola,
abatazeiro de tambor-de-mina).

Em Imbiral a relação do bumba-meu-boi não é visto como algo dissociado aos


terreiros de mina, como uma categoria independente, ou apenas folclorizada, o boi em questão
na realidade do tambor-de-mina maranhense, possui relação intrínseca as festividades datadas
no mês de junho, em especial no dia de São João, pela qual o boi é uma promessa para
entregar as entidades espirituais que estão presentes no terreiro. Luís ferrara (2020) reflete
sobre a relação do boi ao dia de São João sob o aspecto da religiosidade do tambor-de-mina.

O boi é o primeiro batizado no terreiro de mina, onde vai receber a proteção das
entidades da encantaria. Muitos brincantes de Bumba-Meu-Boi são devotos e
iniciados do Tambor de Mina e participam do folguedo em respeito e em promessa de
suas entidades e guias espirituais. Só após a benção dos Voduns e Encantados é que o
Boi é novamente batizado na Igreja católica. Ainda, o Batismo significa o início de
um ciclo ritual que será repetido todos os anos (FERRARA, 2020, p. 86).

As toadas de tambores das festividade juninas de Imbiral não se difere das festas
populares da região da Baixada como um todo, as caracterizações comuns estão nas
ornamentações dos terreiros, com bandeiras coloridas e roupas confeccionadas com seda,
couro, e chita colorida, acessórios com missangas, e uso de penas, tendo como outro ponto
comum, a forte presença do consumo de bebidas alcoólicas entre os mestres brincantes, e nos
cantos populares da festividade narram a relação do bumba-meu-boi com o São João, vista
nos versos dos cânticos da música popular maranhense do Boi Pindaré:

São João mandou


65

Que é pra mim fazer


Que é de minha obrigação
Eu mostrar meu saber
Urrou, urrou, urrou, urrou
Meu novilho brasileiro
Que a natureza criou
(Boi de Pindaré – trecho da música: A Quatro Vozes)

Mesmo que na realidade local exista uma confluência entre variações de tambores,
há diferenciações entre as práticas do tambor-de-mina e o tambor-de-crioula. Na maioria das
vezes os toques do tambor-de-mina são exercidos dentro do barracão – nos rituais com
incorporações –, os abatazeiros do tambor tocam sentados com a utilização de dois tambores,
já os toques do tambor-de-crioula, não segue a mesma regra, os toques são executados
sempre com a presença de um terceiro tambor, podendo serem tocados em pé, e fora dos ritos
religiosos. Neste sentido, Sérgio Ferreti (2006) os difere da seguinte forma:

No tambor de mina os toques são realizados no interior do barracão de danças dos


terreiros, em cerimônias abertas ao público. Os grupos de culto possuem estrutura
organizacional complexa, com mãe ou pai-de-santo que os chefiam, com uma
hierarquia de liderança, com calendário específico de atividades com rituais de
iniciação, cerimônias privadas, sacrifícios de animais, uso de símbolos definidores do
grupo e outros elementos típicos dos cultos afrobrasileiros. Os grupos de tambor de
crioula, como sociedades recreativas tem organização mais simples (FERRETI, 2006,
p.97).

Podemos compreender que o tambor-de-mina por ser uma manifestação religiosa das
matas amazônicas do Maranhão, os seus rituais de curas e feitiços, pressupõe que a
pajenlança é um termo “genérico” designado a tudo que foge da medicina ocidental,
entretanto, na realidade estudada, não quer dizer que não tenha de surgido em trocas de
conhecimentos com os povos indígenas, como já foi citado, porém no contexto daquela
localidade maranhense tal particularidade das suas práticas difusas ao tambor-de-mina
oriunda das matrizes africanas (BARROS, 2019), a religiosidade se expande e oferece
conexões entre os seres encantados, a comunidade, os conhecimentos da natureza e a
ancestralidade, assim nesse contexto parece que o tambor-de-mina é um centro dos
conhecimentos e dos valores éticos e filosóficos, culturais e estéticas da comunidade.
66

2.1.2 Vivências infantes: as crianças e a educação territoriada na prática

Alguns teóricos que refletem sobre a infância e a educação – na imersão da


epistemologia clássica – foram de certo modo, influenciados por visões da construção
histórica acerca da infância. Historicamente as crianças ocuparam um lugar secundário na
teoria social (cf. CUNHA, 2011, p.84). Na antropologia, o que se tinha até início do século
XX, sobre estudos da infância, estavam associados a cultura primitiva, assim para Lévy –
Bruhl (1917) e Edward Tylor (1920) pensar sobre a criança, era como um estágio do primitivo
até aquisição da cultura e a civilização (FIANS, 2015, p.20).

Entretanto, na antropologia da criança na perspectiva da escola culturalista pelos


estudos de Margaret Mead (1926) e Ruth Benedict (1946), a infância foi observada diante dos
seus aspectos educacionais nas sociedades não-ocidentais, e principalmente, a relação criança-
adulto, analisando aos aspectos da tradição e os padrões de cultura entre diferentes
sociedades, adquirindo assim, uma nova percepção sobre a infância – diferente daquela que
relaciona a infância analogicamente ao ser primitivo – adquirindo papéis sociais e agências
que produzem suas impressões no mundo (FIANS, 2015, p.23).

Clarice Cohn (2000) ao estudar as crianças Xicrin diante de suas análises sobre a
infância na perspectiva antropológica, também possibilitou acompanhar em primeiro plano a
concepção de criança e seu papel na vida social (COHN, 2000), e as formas de aprendizagem
em realidades em que apreender o mundo está ligado a percepção e os sentidos corpóreos.
Desse modo a dedicação antropológica acerca da infância foi, de certa maneira, aprofundado
em diálogos com os estudos do campo da educação. Assim, este tópico evoca pensar a criança
sobre ela mesma diferentemente de teorizar sobre elas.

Como prática de campo, a convivência com as crianças de Imbiral Cabeça-Branca


exigiu interações diferentes das rotinas dos adultos, dessa maneira, o trabalhar com elas – as
crianças –, exigiu encarar a rotina como uma “experiência criativa” (WAGNER, 2018, p. 45).
No que para este tópico, possibilita uma realidade de campo de “desapego” aos métodos
utilizados comuns; entrevistas, conversas, e caminhadas, na qual, foi com os adultos. Por
isso, como já foi dito antes “educar a atenção” (INGOLD, 2010), têm sido até aqui um modo
sensível de acompanhar os universos infantis.

Para esta realidade, a noção de criança está sob a óptica da comunidade podendo se
diferir do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) onde define: “a criança
67

como a pessoa até os 12 anos de idade incompletos”, porém, cada cultura e realidade
especifica tem sua concepção de infância (SOUSA, 2017, 226) Assim, a infância não deve ser
definida de modo generalizado para todas as sociedades. Na realidade especifica, a noção do
que é considerado criança está para além dos fatores cronológicos ou biológicos, e sim para os
modos culturais.

Na primeira interação com o campo, às crianças se mostraram bastante receptivas e


perceptivas, talvez para um primeiro contato, foi neste momento que o observador passou a
ser observado (INGOLD, 2010). No despertar da curiosidade sobre todo “aparato de campo”
que me davam o suporte para os registros imagéticos e gravações de áudios, que às interações
das crianças com os meus equipamentos de captações de mídias passaram a ser objetos
lúdicos interativos, principalmente as crianças mais novas menores de três anos.

Já as crianças maiores, em um determinado intervalo do trabalho de campo, colhendo


entrevista dos adultos, os convites espontâneos das crianças maiores para partidas de dominó,
assistir ao jogo de futebol, mostrar brinquedos e instrumentos feitos por elas e nadar no rio,
surgiu-me como uma “quebra de gelo”. Nesse sentido, a interação com os sujeitos foi
acessada de formas sutis, diante das observações e participações nas brincadeiras. Para Piorski
(2016), é no ato de brincar que a capacidade criacional é exercida por força da imaginação,
assim, se para Clarice Cohn (2015) a criança é autônoma, no contexto de Imbiral Cabeça-
Branca, essa autonomia é um projeto da educação territoriada.

Diante disso, o ‘estar’ (GEERTZ, 1998) com crianças na comunidade quilombola, e


trabalhando com elas, nos aspectos da educação territoriada, e nos ensinamentos pedagógicos
perpassados pelo Pajé Luís e Dona Sebastiana, foram observados acompanhando a rotina
prática de 09 (nove) crianças quilombolas da comunidade de Imbiral Cabeça-Branca, como já
foi observado na introdução dessa pesquisa, o momento de pandemia exigiu determinados
cuidados, por conta disso, para um maior controle, as crianças aqui acompanhadas possui
vínculos de parentesco com os educadores tradicionais já citados.

Para um melhor detalhamento, a diversidade etária das crianças, foram ideais para
compreender a dinâmica da educação territoriada e tarefas de acordo com as fases da
infância. Diante disso, resolvi categorizar em dois grupos de infância, crianças do “grupo A”
menores de três anos e as crianças do “grupo B” maiores de três anos. Entretanto, já nas
relações de gênero entre meninos e meninas, a distinção de papeis não seguiam um rigor
68

estereotipado, isto é, não foi observado uma separação objetiva nas vivências cotidianas entre
meninos e meninas.

Em termos de escolaridade as crianças do “grupo A”, todas elas estavam com suas
matrículas ativas na escola de Imbiral Cabeça-Branca, algumas ainda iniciando os estudos
escolares, no Maternal I e Maternal II. Já as outras, do “grupo B” estavam matriculadas no
Fundamenta I e Fundamental II.

Tabela 2 – Classificação dos grupos da infância e escolaridade dos participantes da pesquisa

Nomes Classificação do Grupo da Grau Escolar


Infância
Klebenilson 9 anos (grupo B) Ensino Fundamental I
Dielson 11 anos (grupo B) Ensino Fundamental II
Mayla 3 anos (grupo A) Maternal II
Mayron 3 anos (grupo A) Maternal II
Dielma 13 anos (grupo B) Ensino Fundamental II
Eduardo 13 anos (grupo B) Ensino Fundamental II
Renan 3 anos (grupo A) Maternal II
Miguel 2 anos (grupo A) Maternal I
Renan 10 anos (grupo B) Ensino Fundamental II
Fonte: Dados colhidos na visita ao campo (2022).

Naquela época ainda na primeira visita ao campo e, diante da observação do


cotidiano das crianças, elas não estavam associadas com a rotina da escola regular – devido ao
período da pandemia – sendo assim, somente foi possibilitado perceber aquela rotina
educativa que “vem de casa”, tendo em vista que educação não se resume em escolarização
(INGOLD, 2020), mas sim no saber da comunidade onde a criança aprende no gesto de fazer
a coisa (BRANDÃO, 2007, p.18).

Diante disso, a observação sobre aquelas crianças que tiveram contato com a rotina
escolar interrompida, também estão inseridas na rotina da educação territoriada. É diante
desse aspecto, que se faz crucial situar a criança e seus conhecimentos advindos de onde
69

habitam. Sobre o pretexto dessa prerrogativa, é indispensável recursar dicotomias entre o


conhecimento inato e o conhecimento adquirido, refletido por Merleau-Ponty (1990), onde o
conhecimento da criança está ao mesmo tempo “no social e no seu corpo” (PONTY, 1990, p.
230), citado por Marina Machado (2010) sobre aprendizagem e seus corpos inseridos onde
vivem:

Fazendo isso, recusando todas aquelas dicotonomias, os alunos chegariam mais perto
da criança e da compreensão de como ela vive: “ora, se a criança constitui um
momento numa dinâmica de conjunto, é impossível repartir a conduta infantil”. Não
cabem dualismos na construção de uma Psicologia da Criança; o filosofo nos convida
a buscar totalidades. Para ele, a criança vive um corpo “fenomênico e indiviso”. Ela
está “no social e no seu corpo, nos ois meios ao mesmo tempo sem nenhuma
dificuldade” (PONTY 1990, apud. MACHADO, 2010, p. 17).

Por tanto, cabe a reflexão para aquelas crianças diante das dinâmicas do aprendizado
da vida territorial, se tais experiências educativas exige também perguntar se um aprendizado
pelo corpo já referenciado pelo processo do movimento da retomadas da educação
quilombola, daquela realidade, repetem uma definição de “mimese” no aprendizado cultural
tradicional.

A mimese é sinônimo de educação; se processos miméticos produzem a arte e a


poesia; se obras poéticas e artísticas são transformadas em experiência estética, trata-
se então da transmissão, da produção e da comunicação de outras culturas (...)
destaca-se os aspectos originais seguintes: a “representação”, a “expressão” e a
“imitação” (cf. WULF, 2016, p. 557).

É diante disso, que o aspecto descritivo da rotina daquelas crianças redimensiona aos
questionamentos analíticos, entretanto, sem o caráter de teorizar sobre elas, mas refletir as
relações e contextos educacionais entre possibilidades epistemológicas onde o tambor-de-
mina é praticado, nos possibilitando “ler o mundo a partir das lógicas de saberes encantado
ritualizados pelos saberes e as suas performances” (SIMAS et. al, 2018, p. 42-.43).

A vivência das crianças inseridas no contexto afro-religioso de Imbiral, têm o contato


com a realidade metafísica e filosófica dos encantados do tambor-de-mina, sendo
acompanhadas desde a concepção da vida delas. É antes mesmo delas nascerem que o Pajé
através dos encantados reconhece a vida que chegará ao território. Assim, ao nascerem, as
experiências ritualísticas do batismo e do apadrinhamento marcam vínculos relacionados com
a territorialidade. Assim, as crianças de Imbiral Cabeça-Branca costumam ser apadrinhadas
entre tios e irmãos mais velhos. Segundo o Pajé Luís, a importância do recebimento da benção
todos os dias é uma proteção firmada diariamente.
70

[...]é porque a benção é mais perto, tá vendo? se tu leva uma pessoa que ele mora em
pinheiro pra ser padrinho e outro em Pedro do rosário, e é padrinho do seu filho, ele
passa 10 anos sem botar benção pro seu filho, e os irmão sendo padrinho dos irmão e
dos filho dos irmão a benção é toda hora. A importância da benção é quando a gente
dá a benção pra uma pessoa a gente tá falando já o nome de Deus. Então é assa
importância que eu dou para um filho[...] Já os pequenininhos é assim, eles vão se
entendendo já respeitando as pessoas...primeiro a gente vai dizendo, esse aqui é teu
tio, este aqui é teu padrinho, este aqui é tua madrinha. A criança miudinha, não sabe
quem é o padrinho dele, porque não foi ele que procurou, se os pais não disser, se não
incentivar ele, ele não toma a benção a ninguém, nem os pai. Porque tem milhares de
pessoas que não toma a benção aos pai. Isso é mais importante do que uma pessoa que
só sabe ler e não sabe lidar com as pessoas (Luís Teixeira, 64 anos, Quilombola e
Educador Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

Nos relatos das crianças, para elas a prática da proteção na comunidade também é
perpassada pelo Pajé, como “benzenção”, diante das enfermidades que vão surgindo,
principalmente com o “quebrante”, a criança é envolvida nos processos de cura de seus
corpos, tal experiência diante dessa relação “Pajé-bezenção-criança” é, para Gomes e Pereira
(1989): “uma linguagem oro-gestual com a qual algumas pessoas – detentoras de poder
especial – controlam as forças que contrariam a vida harmoniosa do homem é garantir o
funcionamento da normalidade desejada e conter o mal” (GOMES et al, 1989, p.22 ).

Diante disso, outra criança envolvida na pesquisa, relata que tais práticas de cura são
ensinadas nos conteúdos didáticos da escola, tendo como o protagonismo didático da
educadora tradicional Sebastiana Teixeira em diálogo com os conhecimentos do ensino
territoriado. Diante do modo comparativo percebido no relato de Klebenilson, de 09 (nove)
anos, o ensino aplicado referente aos conhecimentos territoriais locais – da educação alargada
vivenciada na comunidade – quando são levados para dentro da escola, o aprendizado para ele
é facilitador para o entendimento da importância dos conhecimentos medicinais nativos.

A aula dela era melhor que dos outros professores, porque nas aulas de ciências ela
dava o caderno e ai ela também ensina, vai ensinando pra gente, por exemplo: tinha
uma aula que ela ensinava como se faz um chá, a gente anotava no caderno, um banho
ou um chá do que a gente quiser, de folha de lima, de casca de laranja, que é pra dor
de barriga, um banho pra pesadelo, e pra febre, a gente pega alfavaca, ou cidreira
também serve, e isso foi ensinado pela minha professora Dona Sebastiana, quando eu
preciso de um chá eu mesmo sei fazer, eu pego a laranja e guardo a casca, ai depois eu
coloco na água pra ferver (Klebenilson, 09 anos, Quilombola e estudante do ensino
fundamental II).

Já nas comemorações festivas-religiosas, as crianças estão inseridas nas


manifestações da aprendizagem corpórea do tambor-de-mina, assim é a fala obtida pela,
Dielma de 13 (treze) anos, que através da etnodança do tambor-de-mina, que o
reconhecimento étnico e os direitos quilombolas são aprendido nos conjuntos estéticos das
71

falas e dos cantos, e gestos corporais do tambor-de-mina, conduz à prática escolar e


pedagógica daquela realidade.

[...] a gente assim, dança o tambor, pega uma saia de chegar até os pés, enquanto tão
batendo o tambor a gente dança, conforme o batuque do tambor, eu danço desde os 10
anos, nas festas tem fogueira bastante, as vezes quando é noite cultural, chega as 6
(seis) horas a gente faz o ritual, janta e vai brincar boiada [...] a boiada é quase do
mesmo jeito, só que a dança é do mesmo jeito. Tem o canto. As que sei de có eu
canto: “quando eu tô de cabeceira, quando eu digo eu vou eu vou, eu vou para o
outro lado...” é assim, quando a gente tá no clima aparece as músicas e a gente não
sabe nem de onde vem [...]antes dessa nova escola, minha vó Sebastiana, ela fazia
assim essas brincadeira do tambor de mina na outra escola, a gente faz festa junina e
bate tambor, ai ela fala das origem dos negros, os direitos dos quilombolas, mas é só
ela que faz essas coisas, outros professores a gente fala eles nem sabem o que que é.
Eles não sabe nem as origens deles mesmos (Dielma, 13 anos, Quilombola,
estudante do fundamental II).

Desenho 1 - Desenho de Dielma (13 anos) na entrevista sobre os rituais religiosos ela optou por desenhar sua
festividade preferida “a festa de tambor” que também integra aos eventos da escola.
72

Outro ponto marcante sobre as festividades do tambor é que Dielson de 11 (onze) anos e
Klebenilson de 09 (nove) anos de idade também conduzem as festividades com seus
instrumentos percussivos – ambos demonstraram os ritmos das toadas que tocam nas culturais
da comunidade e nas festividades juninas da escola –, eles relatam que aprenderam tocar o
tambor médio25 desde os 5 (cinco) anos de idade, juntamente com seus tios e irmãos mais
velhos observando eles tocarem. Diante dos relatos, os meninos criam bastante expectativas
sobre possibilidades de estudarem seus instrumentos dentro dos conteúdos didáticos, tendo
em vista que seus primos, irmãos, e tios mais velhos, aprenderam a tocar e fabricar
artesanalmente seus instrumentos através dos ensinamentos perpassados pelo Pajé Luís
Teixeira.

Eu sei fazer, tocar o meião posso até fazer aqui na cadeira o que já sei tocar, aprendi
com meu pai e com os meninos aí, eu também queria tocar na escola, porque já faço
os ritmos quando tem festa na escola (Dielson, 11 anos, quilombola e estudante do
fundamental II).
Eu já sei tocar tambor também, eu toco o meião, sei fazer os ritmos, nas festas da
escola, eu sei ensinar tambor também do que já sei (Klebenilson, 09 anos,
quilombola e estudante do fundamenta II).

Ainda nos aspectos corpóreos de aprendizado as crianças de Imbiral Cabeça-Branca


tanto nos rituais festivos, quanto na rotina prática do território significam os saberes nas
vivências corporais, diante de uma realidade que marcam vínculos com as encantarias da
mina. Por este motivo, o mundo imaterial que diz respeito à metafisica dos encantados estão
conectados ao mundo material daquela realidade natural do território; pedagogicamente as
entidades ensinam o respeito ao chão sagrado, e a defesa do que é vital para à continuidade de
suas existências. É assim que as crianças maiores do “grupo B” aprendem diante de um
conhecimento ético-filosófico da mina já que os seres encantados parecem imbricados nas
paisagens naturais que estão ao alcance delas.

Nesse sentido, tais aspectos foram observados e vivenciados junto com elas – em
momentos da rotina do campo –, uma das crianças maiores do “grupo B”, durante uma trilha
percorrida para o Rio Turiaçu, demonstrou os conhecimento botânico e zoológicos – dois
elementos naturais que compõe o caminho – foram-me, apresentados por elas, mostrando-se
25
O tambor médio é popularmente conhecido como meião entre os membros da comunidade de Imbiral Cabeça-
Branca, tratando-se de um “membranofone com pele única e aberto” (Hornbostel; Sachs, 1914). Possuinte de
formato cilíndrico é feito por madeira, utilizada geralmente do árvore do mucá, a madeira dos instrumentos são
de árvores caídas e são reutilizadas, o couro de modo geral é do boi o fundo do instrumento é aberto, assim
segundo os relatos dos batezeiros do tambor o meião é sempre tocado em conjunto com o tambor grande, e o
crivador (de som mais agudo), ambos produzidos da mesma forma do meião, diferenciando nos tamanhos e na
intensidade do som.
73

assim, uma autonomia por parte das crianças sobre o conhecimento etnobôtanico do ensino
territoriado. Tal conhecimento que é guiando pelos saberes dos encantados do tambor-de-
mina, principalmente sobre a dimensão de cura das matas, são significados por elas, em
sentido de preservação dos biomas, como “morada das encantarias”.

Diante desse aspecto, o conhecimento da vegetação nativa, era mostrado pela


dimensão da importância bio-diversa, e suas bio-interações no cotidiano: o açaí segundo as
crianças é o alimento que mais serve para lhes fortalecerem, dando energia que o corpo
precisa, o “mucá”, – outra árvore nativa que compõe a trilha paisagística do Turiaçu – possui
a melhor madeira para fabricação artesanal dos instrumentos percussivos. Já as hortaliças, a
alfavaca era mostrada como melhor remédio para o vírus da gripe.

Já as crianças menores do “grupo A”, estavam em grande medida, acompanhadas


pelas crianças maiores, e assim, com o uso mimético do corpo em movimento, as crianças
menores aprendem os valores perpassados pela pedagogia dos encantados. Para Wulf (2016)
a primeira infância adquire identificação a partir da convivência com o outro, nesse sentido,
através das relações causais e espontâneas vivenciadas cotidianamente, que as crianças
menores da realidade de Imbiral Cabeça-Branca vão adquirindo os saberes culturais e
ancestrais.

O saber ritual constitui parcela significativa desse saber social prático, que insere as
instituições nos corpos e os habilita a orientar-se em um contexto social. Nos
processos miméticos, o indivíduo adquire as imagens, os esquemas e os movimentos
que lhe darão a capacidade de agir. Na medida em que são orientados para produções
históricas e culturais, cenas, arranjos, representações, os processos miméticos estão
entre os mecanismos mais importantes que garantem a passagem da cultura para a
geração seguinte (WULF, 2016, p.556).

Entre os saberes ancestrais as crianças contam as histórias da encantarias dentre elas


a mãe d’agua e do curupira, fazem parte do fascínio pelas experiências místicas com a
realidade do território, algumas das crianças falam das entidades que por muitas vezes são
vistas como “folclore” na tentativa de desvalidar os saberes populares (REIS, et al. 2016).
Naquele contexto, tais entidades fazem parte do acervo vivo das histórias que são repassadas
para elas, segundo elas a mãe d’agua é uma grande guardiã que habita o fundo do rio de uma
beleza que encanta as pessoas, já sobre o curupira, algumas crianças relatam que podem ser
enganadas e se perderem na floresta, pois é um encantado que mora nas matas e confunde os
“visitantes”.

Ainda nas vivências com as crianças, a compreensão da territoriliadade infantil


daquela realidade parece possuir particularidades em relação aos adultos; a noção de espaço
74

do território percebido por elas, está intrinsicamente relacionado ao seu uso social e criativo,
ou seja, é através das brincadeiras que esse território geográfico adquire novos sentidos diante
de seu uso. Na rotina de campo, essa observação foi percebida acompanhando as crianças
maiores, na fabricação de brinquedos feitos com tabocas, por exemplo, uma espécie de
“espingarda” de brinquedo, utilizando tabocas extraídas dentro do território, porém, distante
de suas unidades habitacionais, alguns locais não muito frequentados pelos adultos.

Sobre minha participação guiada pelas crianças daquela realidade, muitas delas
chegavam de maneira animada e me contavam sobre suas rotinas, foi o caso de dois meninos
do grupo das crianças maiores; ir à roça antes do amanhecer, cuidar do cavalo, guiar canoas e
pescar, são atividades, que de certo modo, são tarefas que dividem junto com seus tutores
adultos – pais, mães e educadores do território –, além disso, um fato curioso, era os
acampamentos que faziam junto com os jovens e seus pais, mães e tios, nos arquipélagos do
Rio Turiaçu. As crianças de todos grupos, encaram essa atividade para além do lazer, mas
como uma maneira de se inserir diante de uma relação significativa com o mundo natural de
seu território.

No acampamento citado, foi preciso chegar de canoa, guiada pelo Eduardo de 13


anos, ele conta que aprendeu a guiar desde muito cedo, e percorre sempre pelo Rio Turiaçu,
tendo a pesca como uma de suas atividades de preferência na rotina do território, na chegada
do acampamento, tinham 04 (quarto) crianças, meninos e meninas de ambos os grupos
“crianças maiores” e “crianças menores”, mesmo acompanhado por adultos, à autonomia e
suas habilidades com o modo prático exigido para o acampamento, como por exemplo,
pescar o peixe para o almoço, armar uma rede, erguer cabanas com lonas, pareciam assumir
papéis de equidade com os adultos. Para Rifiotis et al (2021) é na observação das crianças, em
diferentes culturas, surge necessidade do desprendimento da ideia universal da infância, tendo
em vista que, a infância se concebe de diferente maneiras.

O reconhecimento das diferentes habilidades das crianças frente aos adultos, assim
como também da autonomia e o potencial de decisão destas nos ajudam a pensar em
outra categoria de infância não mais universal, mas fundamentalmente relacional.
Nessa perspectiva, a infância é concebida como um campo de relações de diferentes
ordens, entre grupos etários e de gênero e também entre instituições (cf. RIFIOTIS et
al. 2021, p.10)

Nas vivências do roçado – roças que estão distribuídas pelo território – é frequentado
por toda a família, de acordo com cada unidade habitacional, homens mulheres e crianças
frequentam as roças, e distribuem as atividades em “limpar, roçar, e coletar”. A participação
das crianças tem importância para o aprendizado do manejo com a terra. Segundo os relatos
75

de Klebenilson (9 anos), ele frequenta as roças desde muito pequeno, ajuda a mãe no roçado
para o plantio da mandioca, segundo ele o roçado consiste em ajudar também o irmão mais
velho, limpando a terra, e juntar o mato, abrir a cova, de modo manual para a subsistência da
família e autoconsumo.

Desenho 2 – Desenho de Klebenilson (9 anos), na entrevista sobre roçado optou fazer um desenho representando
suas vivências na aprendizagem do plantio e da colheita na roça de mandioca.

Também foi observado que a infância na realidade Imbiral, a criança não é


infantilizada, isto é, crianças têm determinadas obrigações e responsabilidades. Um fato
curioso, é que as crianças ao chegarem próximos da adolescência – por volta dos 15 (quinze)
76

anos – elas já escolhem o local para construir a própria casa, independentemente de ficarem
adultas ou casarem para sair da casa dos pais, em Imbiral esses fatores não são determinantes
para assumir uma moradia independente, por exemplo, ter a própria roça e fazer o próprio
almoço, são aspectos de uma educação que visa autonomia de seus habitantes.

Outro ponto importante observado nas rotinas de campo sobre a aprendizagem


corporal diante aspectos dos modos de pertencimento do espaço, foi “a fabricação da pessoa”
(SOUSA, 2017, p. 194), relacionada ao lugar e seus modos de pertencimento, à exemplo
disso, são as relação da aprendizagem cotidiana das crianças quilombolas, que desde cedo,
conhecem o território não somente pelo aprendizado de seus tutores adultos, mas também, nas
relações estabelecidas com os animais – não-humanos –, tantos das criações domésticas –
aqueles vivem juntos das crianças nas unidades habitacionais, quanto os animais silvestres
comuns ao bioma da floresta do território.

Nesse sentido, tais observações foram feitas em diversos momentos, alguns deles, às
crianças maiores demonstraram conhecerem localidades do território pelos animais que
habitam determinados pontos daquele ambiente, como lagoas que não se costumam pescarem
ou nadarem por conta das sucuris que costumeiramente habitam naquele determinado ponto,
já nas trilhas do Rio Turiaçu, determinados horários são reconhecidos pelas “cantorias” dos
macacos ou “gritos” dos macacos, que são significados como sinal do escurecer do dia.

Ainda nessas aprendizagens nas relações com os animais, as crianças menores


parecem aprenderem ou compartilharem suas vidas com os animais mais domesticados: gatos,
cachorro, e cavalos. Tais animais que estão mais próximos das unidades habitacionais e perto
das crianças parecem compartilharem com elas o aprendizado do reconhecimento dos
caminhos das roças, e dos rios.

Diante das memórias dessas vivências da educação do território, as crianças de


Imbiral demonstram um fortalecimento na identidade territorial, e de certa maneira fazem
uma crítica a hegemonia da educação, a exemplo disso, no reconhecimento das
potencialidades dos hortifrútis do território, estão em destaque o açaí, cupuaçu, cacau,
maracujá e o bacuri. As crianças relatam que essas frutas não estão incluídas nas figuras dos
livros didáticos. Todavia, nos relatos das crianças elas falam que nas atividades extras, fazem
o reconhecimento desses recursos locais como aquilo que remete a “base da segurança
alimentar e da autonomia” (ESCOBAR, 2016, n.p).
77

Já o aspecto político ambiental, as crianças parecem tomar como experiências o


lugar do sagrado mediante dos recursos vitais, partindo dos ensinamentos sobre às minas,
perpassadas pela pedagogia diferenciada, são percebidas diante de uma territorialidade
humana, cuidando dos aspectos sagrados difundidos ao ambiente natural do território, vão
assim, delimitando seus espaços geográficos (SACK, 1983, tradução minha). Assim, o modo
tradicional de preservação daquele ambiente, marca uma pedagogia ecológica da educação
territoriada.
78

CONJUNTO FOTOGRÁFICO II

Foto 3 (imagem à esquerda) – crianças no Turiaçu

Crianças do território quilombola de Imbiral cabeça


Branca pescando na calha do rio Turiaçu.

Fotografia: autoria própria.

Foto 4 (imagem abaixo) – mesa dos santos

Local de trabalho do Pajé Luis para consultas por


aqueles que procuram seus conhecimentos.

Fotografia: autoria própria.


79

Foto 5 (imagem à esquerda)– Os tambores

Instrumentos utilizados nas festividades da


comunidade.

Fotografia: Autoria própria (2021).

Foto 6 (imagem abaixo) – Sala de aula

Visita as estruturas dos prédio físico da “nova


escola” do território.

Fotografia: Autoria própria (2021).


80

CAPÍTULO 3

3. ENSINO TERRITORIADO E ENSINO ESCOLARIZADO: ATRAVESSAMENTOS

Diante do que já foi exposto, o ensino territoriado conflagrado pelo movimento de


retomada da educação quilombola não se limita a concepção de educação institucionalizada
ou escolarizada – aquela que vem a partir de uma pedagogia da escola forma/regular – assim,
em amplo sentido, na realidade educacional de Imbiral Cabeça-Branca aponta dois caminhos
que dialogam entre si: (a.) a primeira é a concepção alargada de educação; (b.)e a segunda é
aquela compreendida pelo direito básico de todos e um dever do Estado.

Em suma, nas narrativas dos educadores tradicionais do território o ensino


territoriado é um conjunto de conhecimentos ancestrais repassados pela tradição oral de uma
geração para outra, resultando no conhecimento do ambiente biofísico daquela realidade
territorial. Entretanto, naquele contexto as necessidades do letramento daquela localidade
81

situada não se desprende do mundo global, assim como “não há educação fora das sociedades
humanas e não há homens isolados” (FREIRE, 1979, p. 35).

Diante disso, o surgimento de uma escola regular na comunidade como já foi


mencionado antes, se deu por volta do final da década de 1980, segundo os relatos da
educadora Sebastiana, a distância do território ao perímetro urbano de Pinheiro ou Pedro do
Rosário, impossibilitavam as crianças daquela localidade terem acesso as intuições públicas
de ensino. Diante dessas dificuldades, os pais das crianças da comunidade propuseram que
Sebastiana alfabetizassem as crianças do quilombo.

De início a escola na comunidade nasceu dentro de um barracão destinado aos


rituais festivos do tambor-de-mina, assim diante das narrativas de Sebastiana, naquela época
contou com ajuda de um cunhado, para planejar a escola semelhante ao modelo “particular de
ensino” contando apenas com uma contribuição simbólica dos pais para aquisição do material
escolar.

Aqui em Imbiral o barracão era da comunidade, sempre foi, e ai eu e um cunhado meu


também, a gente sempre se identificou como comunidade de quilombo, a gente tinha
barracão de fazer cultura local, tambor-de-mina, bumba-boi, reza de Santa Maria, ai
começamos a escola no barracão de tambor (Sebastiana, 56 anos, Educadora
Tradicional e Quilombola de Imbiral cabeça-Branca).

Nos acessos memorialísticos, foi nessa época que a comunidade passou a reivindicar
uma escola que fosse reconhecida e regulamentada pelo município, entre o ano de 1989 até
1992, foram várias reivindicações ao poder municipal para implementação de uma Unidade
de Ensino dentro da comunidade, tendo como obstáculo a justificativa dada pela
administração pública, que se tratava de poucos alunos para construir uma escola na
comunidade. Ainda nessa época, Sebastiana procurou fazer o curso técnico de magistério, na
localidade de Pacas – situada nas regiões fronteiriças de Pinheiro e Pedro do Rosário –, pois
era uma das exigências do poder municipal.

[...] fiz o curso de pedagógico conclui meu magistério pra eu tá na sala de aula
corretamente, porque aqui não tinha ninguém para ensinar, primeiramente começou os
pais pagando, mas depois pedimos para os governantes e comecei a trabalhar pelo
município, pedíamos desde de 1989, mas sou passada no papel do município desde
1992 (Sebastiana, 56 anos, Educadora Tradicional e Quilombola de Imbiral
Cabeça-Branca).

Foi somente em 1992 quando Sebastiana concluiu o curso pedagógico, que a


prefeitura regulamentou dentro de seu quadro de funcionários da educação, nesse caso,
Sebastiana ficou lotada já na comunidade onde desenvolvia seu trabalho anteriormente.
82

Entretanto, nunca houve até então uma Unidade Educacional construída pela prefeitura dentro
do território, foi diante disso, que o Pajé Luís e Sebastiana levantaram um barraco de taipa
destinado à escola, embora houvesse esse barraco, era bastante comum o aprendizado
acontecerem nos espaços extra-escolares.

[...] Nos levantamos esse barraco porque a gente precisava de um local para usar um
quadro, guardar papel, eu e Luís a gente levantou um barracão que agora já não tem
mais, mas a gente levantou, a prefeitura nunca se interessou de fazer aqui na
comunidade, ai na época veio um também um professor pra ajudar e a gente até pintou
a escola tudo direitinho, mas era comum também, a gente dava aula ai pelos espaços
até debaixo de árvore também, também era bom! (Sebastiana, 56 anos, Educadora
Tradicional e Quilombola de Imbiral Cabeça-Branca).

Após a regulamentação, a ação educativa em Imbiral, na visão dos educadores


tradicionais sempre foi diferenciada, mesmo diante de uma escola com um projeto político
pedagógico hegemônico. O primeiro fato é a “não-escola” 26, ou seja, a falta do interesse
público em construir um prédio físico, talvez até aqui, tenha possibilitado a continuidade de
uma educação diferente daquela comum as outras escolas, embora seguissem aos conteúdos
comuns do currículo nacional, a “sala de aula” não era limitada as paredes daquele barraco, e
isso sempre possibilitou o fortalecimento de uma pedagogia própria e o conhecimento do uso
dos espaços do território em diálogos com os conhecimentos locais.

Apesar disso, a Secretária Municipal da Educação de Pedro do Rosário, entre uma


gestão e outra, tentou se sobrepor ao modo de ensino daquele contexto educacional,
Sebastiana relata que no início tiveram muitos momentos conflitivos, primeiro com os
professores “de fora” daquela realidade, que não conseguiam se adaptar as práticas
pedagógicas daquilo que Soares (2022) aponta como uma prática de cunho antirracista e
sensível a diversidade étnico-racial (p.11). Foi diante desses casos, que a comunidade como
um coletivo organizado, reivindicaram a retirada desses professores que não respeitavam suas
origens e identificações étnicas.

Todavia, a gestão da escola nem sempre esteve “nas mãos” dos líderes comunitários,
por se tratar de uma escola regulamentada nos moldes de uma escola formal-regular, a
instituição que leva nome de “Unidade Escolar Boa Esperança”, foi dada pelos gestores
municipais. E muitos professores sempre foram impostos pelo poder municipal. Entretanto,
embora houvesse adversidades, há relatos de profissionais que priorizavam os conhecimentos

26
Em referência ao conceito de não-lugar de Marc Augé (1992) lugares não delimitados, mas sim em
movimentos, no caso a “escola” não se fixa como lugar, mas é uma constância em movimento dentro dos
espaços do território.
83

e suas narrativas orais do Pajé Luís nas aulas de história, por exemplo, era bastante comum
serem conduzidas pelo próprio Pajé.

Já nos relatos do Pajé Luís, tudo que ele ensinava na escola era o ensino territoriado,
o que recai aqui, um encontro de duas formas de ensino-e-aprendizagem em diálogos. Embora
esses relatos retratem o período anterior ao ano de 2012 – referente a data da instituição das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola – os saberes locais
estiveram sempre como prioridade dentro das práticas pedagógicas de Sebastiana e do Pajé
Luís.

Apesar disso, ainda nos aspectos conflitivos, a comunidade reconhece a péssima


relação com a Secretária de Educação do Município de Pedro do Rosário, como dito
anteriormente, os profissionais de educação que passaram pela escola, deixaram muito a
desejar, ao desconsiderarem aqueles conhecimentos resguardados pela pedagogia nativa,
nesse caso, a noção de “tabula rasa” (DURKHEIM, 2007), do ponto de vista de uma relação
de poder de uma cultura hegemônica e dominante, refletia bastante nas práticas dos
professores, assim, como ressalta Gusmão (2011) o poder dominante nesse sentido, considera
a igualdade como poder absoluto, e as diferenças recai na marginalização, ou negação de um
cultura minoritária como afirma Santomé (2001):

Na maioria das instituições escolares e aquilo que é enfatizado nas propostas


curriculares, chama fortemente a atenção e arrasadora presença das culturas que
podemos chamar hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários
e/ ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder costumam
ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas
possibilidades de reação (SANTOMÉ, 2001, p.161).

Antes da Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-
brasileira e africana, os conteúdos didáticos nos livros escolares, pouco mencionavam a
cultura dos povos tradicionais, principalmente referente aos povos quilombolas, nesse
período, os conflitos eram maiores, segundo os relatos colhidos, as crianças tinham mais
dificuldades no aprendizado com os conteúdos que eram passados pelos professores de fora
da realidade local.

Os professores de fora não sabiam trabalhar com as crianças daqui, aí os meninos não
lembrava desses assuntos dado na sala de aula, já Sebastiana sabia trabalhar de uma
forma que dava para as crianças aprenderem, eu via ela ensinando com as coisas
nossas daqui, uma aula de matemática contando quantos peixes é preciso pescar para
alimentar quatro a seis pessoas, e os meninos iriam saber responder muito mais do que
uma coisa jogada pelos professores que vinham pra cá dar aulas, outra coisa, que tinha
aqui era conflito com a merenda, a prefeitura mandava nescau, e a gente aqui brigava
84

porque esses menino são acostumado com fruta do pé, se a gente passar essas coisas
com muita açúcar dá é dor de barriga, então já teve muito conflito por causa disso,
porque eles queriam uma coisa e nós queríamos outra ( Lilica, 34 anos, Quilombola,
merendeira da escola de Imbiral Cabeça-Branca).

Em meio à isso, a educação que sempre fez parte daquelas vivências cotidianas do
território, parece sempre ter sobreposto como projeto maior de forma natural, como já
mencionado diante dos relatos, a comunidade sempre se identificou como quilombo, a escola
na comunidade começou em um espaço destinado as práticas locais afro-religiosas. Desse
modo, tal consciência, é compreendida como uma necessidade de uma reflexão crítica frente a
educação homogeneizante “para que se construa uma identidade positiva de seu povo”
(SOARES, p.214, 2022).

Sobre o tambor-de-mina, nós já começamos estudar dentro do barracão, então a


importância que tem da gente saber como começamos, quem somos, os professores
que vinha aqui de fora, era racista e criava outra realidade, e isso a comunidade não
quer mais, porque dobrou o racismo dentro do quilombo nessa época (Sebastiana, 56
anos, Educadora tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

Após isso, com as prerrogativas da Lei 11.645/08, e a resolução CNE/CEB nº 8, de


20 de novembro de 2012, passaram a notar mudanças significativas ao longo dos últimos anos
por meio dos materiais didáticos, ainda nos relatos orais colhidos, os materiais didáticos
tiveram mudanças significativas no sentido de trazer um pouco mais da cultura dos povos
tradicionais, mesmo que não seja de forma aprofundada, possibilitou que aquela educação
regular dialogasse por meio das práticas didáticas de acordo com a realidade do quilombo.

No entanto, as relações da escola de Imbiral Cabeça-Branca, com a Secretária


Municipal de Educação de Pedro do Rosário, nunca foram entendida de maneira amistosa,
nesse aspecto, a comunidade sempre procurou por meio das lutas sociais de seu grupo,
reivindicar melhorias não só estruturais, mas também, no reconhecimento de que a escola
deve ser tratada como uma educação diferenciada, transpassado pela Educação Escolar
Quilombola (EEQ).

Contudo, é importante citar que a comunidade quilombola mencionada está inserida


em um território onde há existência de conflitos de terra – entre fazendeiros que desflorestam
as áreas dentro do quilombo para expansão de grandes pastos de gado – assim, a educação é
vista por parte deles, como uma ferramenta de formação perpassada pela ecologia-política
“como um campo de conhecimento interdisciplinar” (SOUZA, 2019, p.99). É neste sentido,
que o ensino territoriado deve constantemente dialogar de forma crítica dentro do ensino
85

escolarizado nas dimensões sócio-ecológicas e políticas nos processos de retomadas de seus


territórios.

A ecologia política é um saber que, em si mesmo, carrega a vocação e a ambição de


promover um diálogo (um “encontro”, encounter) entre o saber acadêmico (científico,
certamente, mas também filosófico e ensaístico) e o “saber popular”, extraído do
quotidiano ou “mundo da vida” (o lebenswelt da fenomenologia, bem como da
sociologia harbermasiana) e derivado de experiências de resistência e conflito
(SOUZA, 2019, p.99).

Em um contexto semelhante, esse modelo de ensino mencionado na realidade dos


quilombos da Baixada Ocidental Maranhense, tem como experiência o que ocorre em um
território quilombola irmanado, o quilombo de Nazaré (vide introdução) – comunidade que
mantém aproximações sociais, políticas e pedagógicas com Imbiral Cabeça-Branca –, a
comunidade localizada em Serrano do Maranhão, já experimenta o modelo de “escolas
territoriadas” como o ensino territoriado, modelo que surge nas retomadas de seus territórios,
tendo como transformação da realidade social, e cosmo-política das comunidades
circunvizinhas. Foi nesse mesmo processo que Imbiral Cabeça-Branca se organiza e reproduz
uma escola que pense os indivíduos como territoriados.

3.1 A nova escola: por uma escola territoriada

Considerando que desde a fundação da escola reconhecida em 1992 pela


administração pública municipal, até por volta do ano de 2020, a comunidade quilombola de
Imbiral Cabeça-Branca nunca teve uma estrutura física adequada para abrigar seus alunos –
embora a concepção de educação nunca foi o espaço físico escolar, como já foi mencionado –
entretanto, com os avanços dos dispositivos legais das Diretrizes Nacionais Operacionais para
a garantia da Qualidade das Escolas Quilombolas, a comunidade passou a reivindicar
melhoria na qualidade da escola para um melhoria das práticas pedagógicas aos recursos
tecnológicos atuais na educação. Desse modo, pautado no art. 8º reexaminado pelo Parecer
CNE/CEB 3/2021, define que:
86

Art. 8º Os princípios da Educação Escolar Quilombola deverão ser garantidos por


meio das seguintes ações:
I - construção de escolas públicas em territórios quilombolas, por parte do poder
público, sem prejuízo da ação de ONG e outras instituições comunitárias;
II - adequação da estrutura física das escolas ao contexto quilombola, considerando os
aspectos ambientais, econômicos e socioeducacionais de cada quilombo;

No ano de 2020, a prefeitura do município de Pedro do Rosário, iniciou a obra de um


prédio escolar físico situado dentro da comunidade, foi nesse mesmo período, que a pandemia
do vírus Covid-19 (SARS-CoV-2) agravou globalmente, e as obras da escola passaram boa
parte do ano paralisadas se estendendo até o ano de 2021. Segundo os relatos colhidos no
núcleo comunitário, a obra pouco avançou durante todo esse período, em 2022 a prefeitura
alegou que retomaria a obra de infraestrutura, ao passar o período chuvoso, até então a
prefeitura de Pedro do Rosário tem colocado a realização da obra da escola na comunidade
em morosidade.

Durante o período pandêmico, na comunidade algumas estratégias de prevenção da


doença infecciosa foram rigorosamente respeitadas de acordo com as recomendações da
Organização Mundial de Saúde – OMS, o distanciamento social foi a estratégia mais
absorvida pelos membros comunitários, durante todo o ano de 2020 até a espera da vacina em
2021. Nesse mesmo período não teve nenhum registro de óbito de causa da Covid-19, e cerca
de 85% das famílias foram assistidas pelo benefício do auxílio emergencial.

Na educação do ensino escolarizado a comunidade sofreu alguns impactos, as


retomadas do período letivo ocorreram na metade do ano de 2021, por meio de atividades
escolares impressas emitidos pela própria secretaria de educação, para fazer em casa, algumas
crianças sentiram dificuldades por falta de um acompanhamento adequado com um professor.
Em contraponto, nas vivências dos espaços do território em convívio com a própria família as
atividades do ensino territoriado perpassados nas práticas do cotidiano permitiu que as
crianças (re)experimentem relações diretas com a vida territorial, e suas relações com a
natureza local, enquanto formas sócio-psico-biólogicas singulares (MAUSS, 2019).

Durante esse período da pandemia teve muita destruição no território, a gente fica
muito triste, com esses tratores aí, dos fazendeiros, sabe por quê? Porque é assim,
quando destrói a natureza, destrói a gente também, porque a gente vive daqui, e vive
das coisas daqui, das águas, da floresta, dos nossos açaizais, nós fazemos parte de tudo
isso também, então esses tratores não tão tirando só árvores tão matando a gente
também. Essas crianças vão viver de quê, então a gente tem que ensinar e defender o
que é nosso, porque é nossa vida (Genivan, 21 anos, Quilombola e estagiário
docente na escola de Imbiral Cabeça Branca).
87

Diante desses impactos na escola – devido ao atraso da entrega da obra – e no


território – por conta do aumento do desflorestamento – em 2022, a ocupação do espaço da
escola, junto com aplicação mais efetiva do ensino territoriado nos processos didáticos dentro
da escola, se tornou um compromisso inadiável, em relação com a realidade do território. Os
educadores tradicionais Sebastiana e o Pajé Luís Teixeira, resolveram desde o início do ano
cuidar da formação dos futuros professores da Escola, 04 (quatro) de seus filhos estão
cursando o curso técnico pedagógico, e estagiando junto com os professores do quadro efetivo
da escola, sendo todos eles – professores e estagiários – moradores também da comunidade.

Nós estamos começando agora, do jeito que a gente sempre quis, antes tinha professor
de fora, agora estamos com todos os professores que são daqui de dentro da
comunidade. Nós entramos pra dentro da escola, porque não dá pra esperar pra
terminar. É ruim ainda. Por causa que o aluno tem que trazer sua própria água, a gente
tem que liberar mais cedo porque ainda não tem cantina pra fazer merenda na escola.
Mas esse ano nós já tivemos muito eventos bons, tivemos a semana dos povos
indígenas, nos citamos que nosso território também já teve aldeia, aprofundamos o
assunto, estamos usando vídeos em sala de aula também. Mas nós também vamos
expandir pra não ficar só em sala de aula, tem que conhecer o território (Sebastiana,
56 anos, Quilombola, Educadora tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

A “nova escola” como é chamada a estrutura física implementada pelo município –


apesar da obra incompleta e falta de instalação de energia elétrica – o ano letivo começou com
a ocupação dos educadores dentro do “espaço da escola”, em uma articulação coletiva do
grupo de educadores para uma tentativa de um empoderamento que “começa quando eles não
apenas reconhecem as forças sistêmicas que os oprimem, como também atuam no sentido de
mudar as relações de poder existentes” (BATLIWALA, 1994, p. 130), desta maneira, o
líderes comunitários e educadores entendem que é preciso superar os desafios postos, diante
da política do poder municipal, como uma “desnaturalização da colonialidade” (CANDAU,
2020, p.681) e de forma autônoma construir dinâmicas para uma educação intercultural crítica
e decolonial.

Aprendemos com a Leidy e com Gil do quilombo de Nazaré, com a retomada de


ensinar as crianças a conhecer e a fazer, as oficinas na escola, fazer o cofo, o abano,
para que as pessoas valorizem as coisas que temos na nossa natureza, porque nosso
ancestrais eram isso dai, e temos que repassar pra valorizar, e vamos colocar
oficialmente no currículo da nossa escola, mas já trato dentro da sala de aula, nós
vamos fazer, mas nessa pandemia, e esse atraso da prefeitura, que teve atrapalhou
muito, porque estávamos iniciando a retomada para uma educação de maneira crítica,
ai veio a pandemia, e a prefeitura ainda quis botar uma turminha ai pra dirigir a escola,
bem preconceituosa, mas graças a Deus e os Orixás já foram embora (Sebastiana, 56
anos, Quilombola, Educadora tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).
88

Planta 1 – Demonstrativo da estrutura física da nova escola

Fonte: autoria própria (2022).

A nova escola está organizada em 03 (três) turnos de funcionamento, até o momento


não há diretoria definida, por conta disso, Sebastiana relata que tomou à frente da
coordenação escolar por conta própria – e por ser a mais experiente na gestão escolar – apesar
disso, as relações entre Sebastiana e os professores locais parecem adquirir formas horizontais
e não hierarquizadas. As séries escolares funcionam em regime de multisseriado 27, a escola
possuí apenas 02 (duas) salas de aula. Entretanto, nos turnos da manhã a escola se dedica ao
ensino maternal I e II, e parte do fundamental I, no turno da tarde fundamental II, e a noite
funcionará o EJA, que está em atraso por conta da falta de energia elétrica. Embora tenha a
presença da educação voltada para adultos, a comunidade não possuí a implementação do
ensino médio.

Tabela 3 – Dados Quantitativos de Alunos

27
O funcionamento das classes em Imbiral Cabeça-Branca são organizadas na junção de várias séries diferentes
unidas na mesma sala de aula, por conta do número pequeno de alunos tal possibilidade é aplicável na realidade
da comunidade quilombola.
89

Turmas Série Quantidade


Turma 1 Maternal I e II 12 alunos
Turma 2 Fundamental I (1º ao 5º ano) 15 alunos
Turma 3 Fundamental II (6º ao 9º 15 alunos
ano)
Turma 4 EJA 20 alunos
Fonte: Dados colhidos na coordenação da escola (2022).

Um ponto crítico sobre ausência do ensino médio na comunidade, é que para concluir
os estudos, muitos estudantes quilombolas são impulsionados a deslocarem-se para fora do
território em busca de estudos na cidade de Pinheiro – Maranhão, segundo os relatos da
comunidade, a associação está empenhada para implementação do ensino médio dentro do
quilombo. A educadora Sebastiana, relata que muitos jovens procuram sair do quilombo para
concluir os estudos e voltam diferentes, há relatos de jovens que submeteram-se a ficar em
casas de família em troca de serviços doméstico objetivando concluírem seus estudos.

Outro ponto bastante criticado pelas lideranças comunitárias, é quando alguns jovens
ao terminam seus estudos se veem obrigados à venderem suas forças de trabalho às grandes
fazendas da região com pagamentos em formas de diárias, ou firmas da construção civil,
mineradoras, dentre outras atividades industriais, fora do Estado do Maranhão, é neste sentido
que a luta por uma melhor qualificação junto aos conhecimentos territoriais e suas
potencialidades, formam pontos que são refletidos, engajados diante de uma estrutura
dominante.

Diante disso, que a comunidade quilombola reflete as questões do racismo estrutural,


tanto por parte da administração pública, que nesse caso da ausência do ensino médio, recai
para responsabilidade do Governo do Estado do Maranhão através da Secretária Estadual de
Educação e Cultura (SEDUC-MA), quanto por parte da sociedade que demonstra costumes
herdados de uma cultura escravocrata. Em referência à isso, Almeida (2019) critica as
estruturas que normalizam o racismo diante das “relações políticas, econômicas, jurídicas e
até familiares” (p.33). Nesse caso em especifico, a crítica referente as estruturas de poder que
a educação quilombola de Imbiral Cabeça-Branca almeja por uma dinâmica de
reconhecimento da própria produção do conhecimento do saber local e valorização da cultura
e das lutas quilombolas frente a uma sociedade estruturada nos “padrões de poder da
racialização” (WALSH, 2007, p.9).
90

Em vista disso, a educação territoriada não se desliga do processo histórico-social e


das questões étnicas-raciais; é diante do processo de retomadas dos territórios, que acontece
as retomadas das pessoas e seus corpos, nos permite compreender que se trata de uma
educação que descoloniza corpos e seus saberes, dando uma nova possibilidade educativa que
dão potencialidades para confronto com as forças colonizadoras na questão do racismo e do
desmatamento. Nesse aspecto, a retomadas dos corpos reinventam possibilidades de
(re)inventar a vida (SIMAS, et al. 2018, p.50), diante da insatisfação de modelos educativos
que não contemplam suas potencialidades de um modo de vida outro.

[...] estou estudando o magistério para trazer para dentro da nova escola os ensinos
locais, do próprio quilombo, sobre a ancestralidade a história que tem do povo daqui
(da época do antigo quilombo de são benedito do céu, das fugas dos escravos, dos
indígenas), e isso pra mim é muito fundamental, estou agora totalmente participando
aqui das aulas dentro do quilombo, porque as pessoas de fora que vem para dentro da
sala de aula nunca ensina o que o quilombo precisa, e por isso, quero passar o
conhecimento contra o racismo, contra o desmatamento, os encantados, que os alunos
tenham o conhecimento de como proteger e sobreviver dentro da natureza, defender o
território (Genivan, 21 anos, quilombola e estagiário docente na escola de Imbiral
Cabeça-Branca).

Nas observações de campo, as duas vias educacionais que se atravessam confrontam-


se e dialogam; apesar na ineficiência da administração pública municipal com a escola do
território, a educação dos saberes quilombolas – da natureza, e das encantarias – aplicados
em meio ao modelo formal, parece reconstituir e viabilizar um modo diferenciado e
autônomo. Embora, em nenhum momento daquela realidade, o suporte estrutural advindo do
poder público é algo desvalorizado. Na realidade, o que parece ocorrer até aqui, por parte da
comunidade, são lutas por melhorias em assistências e recursos para investimento na
educação e a incorporação por uma interculturalidade crítica diante das práxis escolares,
possibilitando outros modos, para fazer uma educação quilombola contra a “universalização e
homogeneização cultural” do conhecimento (QUADROS; NASCIMENTO, 2015, p.248).

3.1.1 Interculturalidade crítica em defesa do território

O conceito de interculturalidade crítica (WALSH, 2018) é percebido diante das


relações e os anseios da pedagogia do ensino territoriado; a pauta do território vital, bastante
presente nas vivências da comunidade, emerge para uma necessidade de crítica na
compreensão da territorialidade quilombola, dessa forma, esse tópico é uni relacional com a
91

questão do território abordado diante na educação em questão. Assim, em primeiro plano, o


objetivo de uma educação diferenciada pautada na questão da terra e na continuidade da vida,
promove a reflexão crítica da realidade socioambiental.

A interculturalidade crítica na américa latina no campo da educação, é refletida como


uma “construção plural, original e complexa”, embora muitas vezes seja visto como, e até
mesmo praticada apenas como algumas “interações entre os diferentes grupos socioculturais”
(CANDAU, 2020, p. 680). Entretanto, a dimensão crítica evoca para um projeto
necessariamente decolonial (FLEURY, 2017, p. 183). Pois os processos coloniais foram
instaurados na cultura como poder no conhecimento diante dos processos educacionais, assim
a decolonialidade nesse caso propõe a criticidade nas relações interculturais.

[...]é possível afirmar que a perspectiva decolonial permite radicalizar a proposta


da educação intercultural crítica. Propõe que nos situemos a partir dos sujeitos
sociais inferiorizados e subalternizados, que são negados pelos processos de
modernidade-colonialidade hegemônicos, mas resistem e constroem práticas e
conhecimentos insurgentes numa perspectiva contra hegemônica (CANDAU, 2020, p.
681).

Desse modo, a cultura euro-ocidental, moderna e hegemônica propõe desafios a


serem superados nos processos escolares diferenciados, desnaturalizar essa universalidade e
retomar conhecimentos originários (conhecimentos outros), é essencial para o
desenvolvimentos de uma base curricular em contextos situados na qual se debate uma
epistemologia do ensino territoriado, ao regate dos conhecimentos ancestrais “renova o
passado, refigurando-o como um ‘entre-lugar’ contingente, que inova e interrompe a atuação
do presente” (BHABHA, 1998, p. 27).

Na dimensão do conhecimento territorial das minas, pela qual se caracteriza como


fonte de todos os conhecimentos que parte da ética da encantarias e a preservação do chão
sagrado, tal característica do território, não apenas concebido como um espaço geográfico
(objeto), mas como um sujeito pela qual se concebe relações entre pessoas, e as relações com
a natureza e os encantados. Embora no contexto educacional de Imbiral Cabeça-Branca, ainda
não possui uma proposta-pedagógica formalizada, na prática o ensino territoriado é dialogado
com as políticas do bem-viver, com diálogos no campo ambiental, ancestral e religioso.

Esse ensino territoriado é mesmo demostrando nossa ancestralidade, a mãe natureza


que nos oferece o bem-viver, do que nós vivemos, essa é a nossa intenção, a criança
reconhecer as minas as cabeceiras de água, porque sem esse conhecimento territoriado
fica muito difícil pra nós, porque se destruirmos isso daqui, nós nos destruímos
também, e na nossa escola estamos sempre levando esse ensino territoriado,
pedagogicamente nós levamos esse fundamento, às vezes no livro tem e nós
aproveitamos para aprofundar, trazemos pessoas de fora pra dar palestra dentro da sala
de aula e vamos mostrando nossa realidade, da nossa cultura, e a gente vem
92

desenvolvendo esses valores que temos aqui (Sebastiana, 56 anos, Quilombola,


Educadora Tradicional de Imbiral Cabeça-Branca).

O bem-viver propõe seu aprendizado com a natureza, em oposição ao “viver melhor”


ocidental fruto da exploração dos recursos e das fontes da vida (ACOSTA, 2016, p.16), nesse
contexto, o ensino territoriado faz críticas ao modelo dominante com base no lucro
privilegiando a propriedade individual (HERKSEDEK, 2016, p.122), através dos valores da
mãe-natureza, assim o que temos em diante de uma proposta de criticidade ao modo de vida
dominante, pela qual perpassada pelo conhecimento globalizante.

O bem viver é uma filosofia em construção, e universal, que parte da cosmologia e do


modo de vida ameríndio, mas que está presente nas mais diversas culturas. Está entre
nós, no Brasil, com o teko porã dos guaranis. Também está na ética e na filosofia
africana do ubuntu – “eu sou porque nós somos” (ACOSTA, 2016, p.14).

Nas relações políticas e pedagógicas o bem-viver na realidade educacional de


Imbiral não deixa de ser intercultural e multicultural, em continuidade dos relatos colhidos na
comunidade, a escola possui diversidades tanto religiosas e étnicas dentro da escola, crianças
quilombolas, e outras afro-indígenas, são incluídas dentro dos processos didáticos partindo
das experiências locais provenientes de uma relação como o território em comum: “sobreviver
da mãe-natureza – [sic]”. O que implica em uma necessidade nos “direitos humanos e nos
direitos da natureza” (ACOSTA, 2016, p.21)

Dessa forma, as reflexões críticas proporcionam oportunidades para pensar a


natureza diferente da lógica da exploração dos recursos naturais, não somente para aqueles
que vivem diretamente da fonte desses recursos. Para Cavalcante (2017) nas questões dos
territórios dos povos originários, é necessário o diálogo intercultural para aquelas pessoas que
não estão incluídas diante daquela realidade especifica. Pensando nisso, a comunidade de
Imbiral Cabeça-Branca também possui vínculos diante de um aspecto dialógico com
pesquisadores e professores não-quilombolas, geralmente, pessoas do meio urbano das
universidades públicas do Maranhão, possibilitando trocas de conhecimentos.

A importância de manter vínculos com pessoas “alheias” a realidade é justamente


pela dimensão intercultural de trocas de saberes e oportunizar o conhecimento ao mundo da
existência do modo de vida particular de Imbiral Cabeça-Branca, assim, no intuito de ser vista
e reconhecida por uma outra possibilidade de vida que deve ser respeitada (CAVALCANTE,
2017, p.98). Por este motivo, a interculturalidade “reconhece a multietnicidade e a pluralidade
93

como atributos das sociedades e trabalha a diferença como fator enriquecedor e integrador”
(SILVA, 2006, p. 146).

Entretanto, a interculturalidade crítica naquela realidade prioriza ao outro a visão do


território não apenas como espaço geográfico – que também se delimita no âmbito legal das
demarcações do território –, mas sim, um território compreendido nos saberes da terra, das
encantarias e o lugar da morada humana, e de todos os seres vivos. Além disso, no contexto
dos conhecimentos territoriais (conhecimentos territoriados), o intercâmbio intercultural entre
quilombolas da região com outras comunidades tradicionais, sejam elas indígenas, ribeirinhas
e campesinas, também são cultivadas afim de diálogos políticos mediante conflitos, que
servem como suporte para um ativismo político socioambiental organizado.

Com a intensificação da expansão de empreendimentos agropecuários na região de


Pedro do Rosário, Maranhão, trouxe agravos ambientais para toda região, principalmente
referente ao desmatamento, com isso, os líderes comunitários de Imbiral Cabeça-Branca,
relatam que o território da comunidade sofreu um “encolhimento” na última década, devido
ao processo de tomadas de terras por parte dos fazendeiros – pela qual se aprofundou na
pandemia – , tais projetos dos fazendeiros que recai na dimensão do discurso de
“desenvolvimentismo” brasileiro é bastante criticado nas reuniões da comunidade, pois com
isso, o “encolhimento” do território impacta diretamente na subsistência diária dos
quilombolas.

Assim, os relatos dos comunitários, reúnem denúncias sobre a escassez nos produtos
naturais daquele ambiente, por este motivo, a comunidade busca através de uma educação
territoriada a recuperação ecológica do território, retomar os espaços de “encolhimento”.
Entretanto é importante ressaltar, que tal impacto na subsistência a comunidade têm sido
assistenciada pelo programa de doação de cestas básicas da Fundação Cultural Palmares
(FCP), além de estarem em processo de titulação pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA – MA), o que permitirá retomar grandes áreas que já foram
degradadas.

É neste sentido que a interculturalidade crítica na realidade do ensino territoriado


assume o seu papel no campo político, de formar educadores e educandos em defesa do
território, em contrapartida dos discursos desenvolvimentistas agroexportadores
(CAVALCANTE, 2017) em sacrifício do desflorestamento na região dos quilombolas
amazônicos, a comunidade tem atuado com a participação responsável da coletividade entre
94

processos de aprendizagem e processos políticos, na retomada de territórios revitalizando o


sentimento de pertencimento diante do que é vital para continuidade de (r)existência do modo
tradicional de vida.

CONJUNTO
FOTOGRÁFICO III

Foto 7 (imagem à esquerda) – Guias


mostrado por Nilza, pajé, quilombola e
estagiária docente da escola de Imbiral
Cabeça-Branca.

Fotografia: Autoria própria (2021)


95

Foto 8 (imagem abaixo) - Educadora Sebastiana

Sebastiana e seu filho que cursa o ensino fundamental II na escola, demostrando as práticas os conhecimentos
territoriados.

Fotografia: Autoria própria (2022).

Foto 9 (imagem à esquerda) – Paredes


da escola
Na imagem gravuras na parede da sala
de aula sobre a semana dos povos
indígenas.

Fotografia: autoria própria (2022)


96

Foto 10 (imagem abaixo) – A nova escola

Prédio da escola de Imbiral Cabeça- Branca.

Fotografia: autoria própria (2022)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do movimento de retomadas da educação quilombola da Baixada Ocidental


Maranhense, pela qual inaugura-se o ensino territoriado, tais considerações estão inseridas na
base das experiências vivenciadas na comunidade quilombola de Imbiral Cabeça-Branca,
embora aconteça em outros quilombos da Baixada Ocidental Maranhense, a pesquisa não
buscou investigar sob uma intenção de uma antropologia comparativa com outras
comunidades e, ou se é uma educação como um modelo pela qual se demonstra eficácia
diante de outras realidade da educação escolar quilombola (EEQ).

Entretanto, a investigação baseia-se no âmbito da territorialidade e dos processos de


retomadas do território, pela qual retomam-se as pessoas através de uma educação instigadora
do pertencimento de grupo, do fortalecimento da identidade étnica e de suas relações com o
97

meio ambiente natural, assim nasce o conceito do ensino territoriado, que naquela realidade
investigada, pareceu fortalecer vínculos intrínsecos entre corpo, ambiente e território. Pois
diante das observações e dos enredos das vozes participativas, a pesquisa procurou investigar
como esse processo educacional acontece na prática e para isso, foi indispensável as vivências
e as observações e participações de campo.

Todavia, a realização da pesquisa de campo no período pandêmico limitou uma


convivência continua e mais aprofundada da pesquisadora com a comunidade, nesse sentido,
os relatos orais e as memórias dos interlocutores foram balizadoras para autenticar tal
realidade – que servirá como base para continuidade da pesquisa em projetos futuros –,
entretanto, algumas considerações foram perceptíveis no contexto educativo de Imbiral
Cabeça-Branca, sendo elas: (a.) o ensino territoriado; (b.) os valores éticos dos encantados;
(c.) e o ensino formal/regular e a interculturalidade crítica.

Nesse traquejo, o ensino territoriado como já foi mencionado no texto, independe se


é uma educação que está relacionada ao contexto escolar ou institucionalizada na prática
pedagógica da instituição Escola. Na realidade, o ensino territoriado demonstrou tratar-se
sobre os saberes do corpo, e a continuidade de práticas ancestrais, ou seja um ensino
corporificado, que diante de um debate epistemológico a educação de modo geral não deve
ser entendida e aplicada sob um modelo único, pois cada cultura tem seu modo de significar
“o que é educação”, nesse caso, a educação dessa realidade em especifico está mais para a
práticas e o saberes do corpo e não apenas uma teorização do conhecimento, embora não
desconsiderem a importância de uma formação regular em diálogos a interculturalidade crítica
possibilitando debates sobre territorialidade quilombola e seus significados.

Com isso, alguns desafios são postos e questionáveis na realidade de Imbiral Cabeça-
Branca. Com base no histórico da comunidade, parece que o desinteresse da administração
pública municipal em garantir todo o suporte adequado à escola da comunidade desde a
fundação, possibilitou que o modelo do ensino territoriado, ao longo do tempo, adquirisse o
protagonismo na comunidade e no ensino escolarizado. Porém, tal “desinteresse” do
município, não deve ser romantizada no âmbito do contexto educativo de Imbiral Cabeça-
Branca, pois, embora a educação também se dê nos espaços extra-escolares, o espaço físico
adequado não é dispensável naquela realidade. Tal demora da entrega da escola, têm
impactado na qualidade do funcionamento regular da escola, diante das queixas comuns estão:
(a.) energia elétrica principalmente para o EJA que necessita do turno noturno; (b.) portas e
98

janelas tanto para proteção das chuvas, quanto para proteger os livros do acervo da biblioteca;
(c.) falta de uma cantina e banheiros sanitários.

Para além disso, a formação dos professores é um ponto importante no debate, pois
em média, apenas 2% (dois por cento) dos professores atuantes na escola da comunidade tem
o curso superior na modalidade licenciatura, tal dificuldade de formação superior, está
relacionado com as distâncias das universidades aos territórios quilombolas, pela qual chama-
se atenção para uma necessidade do Estado em oferecer políticas públicas de ensino superior
próximos das comunidades, com diretrizes especificas da realidade dos quilombos, até mesmo
para uma futura implementação do ensino médio na comunidade. Entretanto, os profissionais
da educação, que foram entrevistados demonstraram uma atuação responsável ao modelo do
ensino territoriado, em uma dimensão crítica para uma formação consciente de aprendizagem
e defesa do território para manutenção da vida.

Já os ensinamentos éticos afro-religiosos do tambor-de-mina, se colocam como


centro dos valores que estruturam a educação quilombola naquela realidade. Neste sentido,
são os aspectos filosóficos do tambor que envolve a vida comunitária, pelas encantarias que
vivem na natureza e ditam os ensinamentos que envolve esses valores educativos. Além disso,
diante dos relatos o tambor-de-mina parece incorporar às artes na educação, no
desenvolvimento da aprendizagem da etnomusicalidade, e etnodança e a poética dos cânticos.

A territorialidade na vida infantil foi acompanhada em vários espaços na rotina do


território, pela qual a identidade quilombola retratadas por elas está ligada ao próprio
território e fazeres com a terra e com os conhecimentos ancestrais e culturais dos aspectos do
tambor. Além disso, os aspectos dos conhecimentos corporais das crianças e suas técnicas de
utilizações na rotina do campo, reflete um corpo da terra (HAESBAERT, 2020, p.82), não
deixa de estar imbricada também no aspecto político do território perpassada por uma
educação que defende a vida no contexto biofísico e humano territorial.

Sobre os aspectos da interculturalidade crítica na comunidade ela não é


compreendida de maneira conceitual teorizada pela academia, mas sim praticada entre
diálogos e criticidade aos modelos coloniais e capitalistas de exploração dos recursos naturais,
além disso, difere-se daquela interculturalidade apenas como um demonstrativo de uma
cultura diferente entre as demais sociedades. Na realidade, é perceptível que a educação
territoriada é uma proposta que não se insere como uma educação diferenciada que queira ser
99

incluída na sociedade dominante, na realidade a educação aqui estudada, parece querer


mostrar uma outra possibilidade de mundo viável.

Já no quesito formal, o ensino territoriado como proposta político pedagógica (PPP),


se encontra em processo de elaboração por educadores do movimento de retomadas da
educação da Baixada Ocidental Maranhense, bem como os conteúdos didáticos próprios dos
quilombos. Por este motivo, é necessário um estudo posterior para o acompanhamento do
processo de implementação até os resultados efetivos do ensino territoriado.

Entretanto, como já foi citado, o período pandêmico afetou diretamente na rotina


escolar, por este motivo, também não foi possível entrevistar os demais educadores da
comunidade além de observar a rotina didática em sala de aula. Vale ressaltar que, a falta do
fomento à pesquisa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), no mestrado, prejudicou a permanência prolongada no campo pela qual a intenção
da pesquisa exige.

Por conta disso, considero que a pesquisa demonstra na prática o que é o ensino
territoriado diante das observações e dos relatos educacionais dos educadores. Todavia, é
necessária uma convivência mais aprofundada com o próprio tambor-de-mina, principalmente
nas vivências dos rituais festivos religiosos, e o acompanhamento regular das aulas na
comunidade observando como os encantados são abordados em meios as didáticas
educacionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo:
AutonomiaLiterária, Elefante, 2016.

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. FILHO, Walter Fraga. Uma história do negro no Brasil.
Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p.
162
100

ARRUTI, José Maurício. Ministério da Educação. Câmara de Educação Básica do Conselho


Nacional de Educação (CNE). Texto-referência para a elaboração das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a educação escolar quilombola. Brasília, DF: CNE, 2011.

ARRUTI, José Maurício A. 1997. “A emergência dos remanescentes: notas para o diálogo
entre indígenas e quilombolas”. Mana - estudos de antropologia social, n.3/2, outubro, p.7-38.

ARAUJO, R, I, S. O Reino do Encruzo: práticas de pajelança e outras histórias do município


de Pinheiro - MA (1946-1988).

ARAUJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana – 1867. 3ª edição. São Luís: Maria
Raymunda Araujo, 2014.

AUGÉ, Marc. ([1992] 2005), Não lugares: introdução a uma antropologia da


sobremodernidade. 1 ª edição francesa. Lisboa, 90 Graus.

AZEVEDO, Solange. Retomada: o quilombo que renasceu na escola. Repórter Brasil, São
Paulo/SP, 21 dez. 2017.

BHABHA, H.K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

BATLIWALA, Sirilatha. The meaning of women’s empowerment: new concepts from action.
In: G. Sen, A. Germain & L. C. Chen (eds.), Population Policies Reconsidered: health,
empowerment and rights,Boston: Harvard University Press, 1994.

BRASIL, Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Brasília, 13 de julho de 1990; 169º da Independência e
102º da República.

BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de


1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’, e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jan. 2003.

BRASIL, Lei 11.645/08 Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela
Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
101

“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília, 10 de março de 2008; 187 o da


Independência e 120o da República.

BRETON, David. A sociologia do corpo. 2ª ed. tradução de Sônia M.S. Fuhrmann. -


Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2010.

CANTANHEDE, S.P.D. FERNANDEZ, M.A. MATTOS, A.C. MONTRESOR, L.S.


THIENGO, S.L. Freshwater gastropods of the Baixada Maranhense Microregion, an endemic
area for schistosomiasis in the State of Maranhão, Brazil: I - qualitative study. Revista da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 47(1):79-85, Jan-Feb, 2014.

CAVALCANTE, T. L. (2017). A Interculturalidade Crítica como possibilidade para um


diálogo sobre as territorialidades no Brasil. Tellus, 17(32), p. 85–101.

CARNEIRO, Cunha. Relações e Dissensões entre Saberes Tradicionais e Saberes Científicos.


Revista: USP, São Paulo, n.75, p. 76-84, setembro/novembro 2007

CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSOFOGUEL, R. (ed.). El giro decolonial: reflexiones para una


diversidad epistémi-ca más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores:
Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007.

CARERI, F. WALKSCAPES, o caminhar como prática estética. Barcelona: Editorial Gustavo


Gili, 2002.

CARRIL, L. F. B. Os desafios da educação quilombola no Brasil: o território como contexto e


texto. Revista Brasileira de Educação, v. 22, n. 69, p. 539-564, 2017.

COHN, Clarice. Antropologia da criança. Rio de Janeiro/RJ: Jorge Zahar Editor, 2005.

CORSARO, William A. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos


etnográficos com crianças pequenas. Edu c. Soc., Campinas, v. 26, n. 91, p. 443-464, mai.
2005.
102

CUPANI, Alberto. A ciência como conhecimento situado in: Martins, R.A; Martins, L.A.
C.P; SILVA; C.C, FERREIRA, J.M.H (eds.) Filosofia e História da Ciência no Cone Sul: 3º
encontro. Campinas: AFHIC, 2004. Pp. 12-22. (ISBN 85-904198-1-9).

ESCOBAR, Arturo. Territórios de diferença: a ontologia política dos “direitos ao território”.


ANO 03 - N06 - "Territórios" issn 2359-4705 chamadas | busca e outras edições. Encontrado
no site: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/territorios-de-diferenca-a-ontologia-
politica-dos-direitos-ao-territorio/ Acessado em: 05/08/2022.

DESCOLA, Phillippe. Outras Natureza, Outras Culturas. Editora, 34. 2016

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Lisboa: Edições 70, 2007.

ECKERT, C.; ROCHA, A. L. C. Imagens do tempo nos meandros da memória: por uma
etnografia da duração. Iluminuras, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 2-14, 2000.

ELIZABETZBY, E., 1999 "Etnofarma-cologia como Ferramenta na Busca de


SubstânciasAtivas" in "Farmacognosia: da Planta ao Medicamento", Simões, C. M. O et al.,
Organizadores, Editora de Universidade/UFSC, 1a Edição, Porto Alegre/Florianópolis.

FABIAN, Johannes. O Tempo e o Outro: como a antropologia estabelece seu objeto /


Johannes Fabian. Petrópolis –RJ, Vozes, 2013.

FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Editora Civilização Brasileira S. A. Rua 7 de


Setembro, 97, Rio de Janeiro.

FERRARA, Luis. Unbuntu e a Metafísica Vodum. In: O Pensar Filosófico a Toques do


Tambor de Mina, editora: Letramento, Belo Horizonte - MG, ano: 2020.

FERRETTI, Mundicarmo. Encantados e encantarias no folclore brasileiro. VI Seminário de


Ações Integradas em Folclore. Anais do VI Seminário de Ações Integradas em Folclore, São
Paulo/SP, 2008, p. 1-6.

FERRETTI, S. F. (2012). MÁRIO DE ANDRADE E O TAMBOR DE CRIOULA DO


MARANHÃO. Revista Pós Ciências Sociais, 3(5). Recuperado de
http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/805
103

FIANS, Guilherme, Entre crianças, personagens e monstros: uma etnografia de brincadeiras


infantis/Guilherme Fians. 1 ed. Rio de Janeiro: ponteiro 2015.

FLEURY, Reinaldo. Educação Intercultural e Movimentos Sociais. João Pessoa/PB: Editora


do CCTA, 2017.

GARCIA, T. M., & RODRIGUES, G. R. de. (2019). O lugar do desenho na metodologia


aplicada às Ciências Humanas: uma alternativa de como narrar pesquisas etnográficas.
RELACult – Revista Latino-Americana De Estudos Em Cultura E Sociedade, 5(4).
https://doi.org/10.23899/relacult.v5i4.1381

GEERTZ, C. (1998). O dilema do antropólogo entre "estar lá" e "estar aqui". Cadernos De
Campo (São Paulo - 1991), 7(7), 205-235.

GRUPIONI, L. D. B. Educação e povos indígenas: construindo uma política nacional de


educação escolar indígena. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 81, n.
198, p. 273-283, maio/ago. 2000.

GYEKYE, Kwame. Person and Community in African thought. In: COETZEE, Peter H.;
ROUX,Abraham P.J. (eds). The African Philosophy Reader. New York: Routledge, 2002, p.
297-312.Tradução para uso didático por Thiago Augusto de Araújo Faria.

GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (sécs.
XVII-XIX). 1997. Tese (Doutorado) - UNICAMP, Campinas, 1997.

GOMES, N. P. de M.; PEREIRA, E. A. (1989) Assim se benze em Minas Gerais. Juiz de


Fora: Mazza/EDUFJF.

GUSMÃO, Neusa. Antropologia, diversidade e educação: um campo de possibilidades. Ponto


e Vírgula, USP, v. 10, p. 32-45, 2011.

GUSMÃO, Neusa. Antropologia e educação quilombola: etnicidade e mediação. Revista


Entre Rios, UFPI, vol.03, n.1, 2020.

HAESBAERT, Rogério. Do Corpo-Território ao Território-Corpo (da Terra): Contribuições


Decoloniais. GEOgraphiaNiterói, Universidade Federal Fluminense ISSN 15177793
(eletrônico) GEOgraphia, vol: 22, n.48, 2020.
104

HARAWAY, D. (1995). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o


privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. 1995.

HERKSEDEK, Patrícia Moreira; BEZERRA, Josinaldo Barboza; PONTES Gleberson Alves.


As Práticas Capitalistas e os Reflexos no Território Indígena Canauanim, no Município de
Cantá, Roraima, Brasil. Revista de Educação Ambiental Programa de Pós-Graduação em
Educação Ambiental Universidade Federal do Rio Grande - FURG ISSN - 1413-8638 E-ISSN
- 2238-553. Edição Especial V CBEAAGT. Vol. 21, n.2, 2016.

HONNETH, Axel. Luta Por Reconhecimento. A gramática moral dos conflitos sociais. 2ª ed.
São Paulo: Editora 34, 2009.

INGOLD, Thimothy. Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação,


Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 6-25, 2010.

INGOLD, Tim. Antropologia e/como Educação. Coleção Antropologia, Editora Vozes,


Petropolis- RJ, 2020.

JOVCHELOVITCH; Sandra; BAUER, Martin W. Entrevista narrativa. In: GASKELL,


George; BAUER, Martin W. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual
prático. Petrópolis/RJ: Vozes, 2008, p. 90-113.

HAESBAERT, Rogério. Do Corpo-Território ao Território-Corpo (Da Terra): Contribuições


Decoloniais. GEOgraphia Niterói, Universidade Federal Fluminense ISSN 15177793
(eletrônico) GEOgraphia, vol: 22, n.48, 2020.

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades e Estados:


Escolarização. Pedro do Rosário – Maranhão, 2021.

KOCH, Eleandra Raquel da Silva; SANTOS, Vanessa Flores. Vidas e (re)existências no


território quilombola da Costa da Lagoa», Anuário Antropológico [Online], v.45 n.3 | 2020,
posto online no dia 16 de setembro de 2020, consultado o 27 abril 2021.

LAVE, Jean. Aprendizado como/na prática. Horiz. Antrop., ano 21, n. 44, p. 37-47, 2015.

LAVE, Jean; WENGER, Etienne. Situated learning: legitimating peripheral participation.


Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
105

LITTLE, Paul. Ecologia Política como Etnografia: Um guia Metodológico. Horizontes


Antropológicos, Porto Alegre, ano 12, em 25 jan/jun p.85-103.

LOIZOS, Peter. Vídeo, filme e fotografias como documentos de pesquisa. In: GARSKELL,
George; BAUER, Martin W. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual
prático. Petrópolis/RJ: Vozes, 2008.

MACHADO, M. M.Merleau-Ponty & a Educação/ Marina Marcondes Machado – Belo


Horizonte: Autêntica Editora, 2010 – (coleção Pensadores & Educação, 19).

MAUSS, M. Sociologia e antropologia. Ubu Editora, 2017.

MEAD, Margaret. A adolescência em Samoa. In: CASTRO, Celso. (org.). Cultura e


personalidade: Ruth Benedict, Margaret Mead, Edward Sapir. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. p

MERLEAU-PONTY, M. O Primado da Percepção e suas consequências filosóficas.


Campinas: Papirus, 1990.

MIRANDA, S.A; LOZANO, S.R.C. Quando a diáspora africana interpela a educação:


aproximações entre Brasil e Colômbia, Edur – educação Revista. BH, v. 34. 2018.

MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebeldia negra. São Paulo, Brasiliense, 1981

MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do Quilombo na África. In: Revista USP, n. 28,
São Paulo, 2006.

PAIM, E. A. Epistemologia Decolonial: Uma ferramenta política para ensinar histórias outras.
H.H. Magazine: Humanidades em Rede. Coluna da associação brasileira de ensino de história,
ano: 2019, Disponível em: https://hhmagazine.com.br/epistemologia-decolonial-uma-
ferramenta-politica-para-ensinar-historias-outras/ Acesso em: 04/06/2022.

PENHA, M.E.R.R; SANTOS, I.R.C; SANTOS, I.J.V. Artigo publicado nos ANAIS do 7º
Congresso de Arquitetura e Construção com Terra no Brasil, realizado no Rio de Janeiro, no
ano de 2018; organizado por Célia Neves, Fernando de Paula Cardoso e Rafael Torres Maia.
-- Rio de Janeiro: TerraBrasil/UFRJ, 2018.

PEREGALLI, Henrique. Escravidão no Brasil. São Paulo: Global, 2001.


106

PIORSKI, Ghandhy. Brinquedos do chão, a natureza, o imaginário e o brincar. Editora


Petrópolis, RJ, 2015.

QUADROS, M.T.; NASCIMENTO, R.N.F. do. O diálogo entre Antropologia e educação:


experiência com a diversidade na forma de professores da educação básica. Amazônica:
Revista de Antropologia (online), v. 7, n 1, p. 244-263, 2015.

RATTS, Alex. A face Quilombola no Brasil. relações étnico-raciais: um percurso para


educadores volume II, 2012.

RIFIOTIS, F.C; RIBEIRO. B.F; COHN. C. A; SCHUCH. P. antropologia e as crianças: da


consolidação de um campo de estudos aos seus desdobramentos contemporâneos.
Apresentação Horiz. antropol. 27 (60) . May-Aug 2021.

RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas – Rio de Janeiro: Mórula Editorial Ltda, 2019.

SACK, Robert David. Human territoriality: its theory and history. Cambridge: Cambridge
University Press, 1986.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Alienígenas da Sala de Aula: Uma introdução aos estudos em
educação. Editora Vozes, 3ª edição, Petrópolis – RJ, 2001.

SIMAS, A. L; RUFINO, L. Fogo no Mato: A Ciência Encantada das Macumbas. 1 ed. – Rio
de Janeiro: Mórbula, 2018.

SOARES, D, G; MAROUN, K; SOARES, A, J, G: A construção social de uma escola


quilombola: a experiência da Comunidade Caveira, RJ. Revista Brasileira de Educação v. 27,
2022

SOUSA, Emilene Leite de. Umbigos enterrados: corpo, pessoa e identidade capuxu através da
infância /Emilene Leite de Sousa – Florianópolis: Editora da UFSC, 2017.

SOUZA, B, J; SANTOS, R, J,J; EUGÊNIO, G, B; Avanços e desafios no processo de


implementação da Lei 10639/03 na Rede Municipal de Ensino de Jequié-Ba:os discursos do
campo recontextualizador oficial. Práxis Educacional Vitória da Conquista v. 11, n. 18 p. 177-
197 jan./abr. 2015.
107

TASSINARI, A. Produzindo corpos ativos: a aprendizagem de crianças indígenas e


agricultoras através da participação nas atividades produtivas familiares. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 21, n. 44, p. 141-172, jul./dez. 2015.

VEINGUER, A; Arribas Lozano, A.; Dietz, G. (2020). Investigaciones en movimiento -


Etnografías colaborativas, feministas y decoloniales. Buenos Aires: CLACSO; Madrid:
Ministerio de Ciencia e Innovación; Agencia Estatal de Investigación. 2020.

WAGNER, Roy. A Invenção da Cultura. Ubu Editora, 2020.

WALSH, C. Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: lãs insurgencias político-


epistémicas de refundar el Estado. Tabula rasa, n. 9, 2008.

WALSH, C. Interculturalidade crítica/pedagogia decolonial. Revista de educação Técnica e


Tecnológica em Ciências Agrícolas, Seropédia, v.3, n.6, 2012.

WALSH, C. Pedagogías de coloniales. Prácticas insurgentes de resistir, (re) existir y (re)


vivir. Tomo I. Quito, Ecuador: EdicionesAbya-Yala, 2013.

WULF, Christoph. Aprendizagem cultural e mimese:jogos, rituais e gestos. Revista Brasileira


de Educação, v. 21, n. 66, 2016.

Você também pode gostar