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Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 09, n. 02, p. 476 - 488, 2007.

Disponível em http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n2/v9n2a14.htm
__________________________________________________________ ARTIGO ORIGINAL

Histórias de vida: as parteiras tradicionais e o nascimento em casa1

Life stories: traditional birth attendants and homebirth

Historias de vida: las parteras tradicionales y el nacimiento en casa

Maria Djair Dias2

RESUMO Key words: Midwives; Home childbirth;


Esta é uma pesquisa qualitativa que utilizou a History.
História Oral como caminho para investigar o
fenômeno do nascimento em casa. Trata-se de RESUMEN
compreender o significado da experiência de El objetivo de este artículo consiste en mostrar
cuidar da mulher durante o processo de la posibilidad de utilizar la Historia Oral de Vida
nascimento em domicilio em uma comunidade como referencial metodológico para recolectar
rural nordestina, a partir da história oral de datos en una investigación cualitativa, con el
vida das parteiras tradicionais. Os resultados fin de comprender el significado de la
revelam que a história de vida dessas mulheres experiencia de las parteras tradicionales en el
se inscreve em um saber milenar que ao longo cuidado de la mujer, de una comunidad rural
do tempo oferece significativa contribuição nordestina brasileña, durante el nacimiento en
para a construção de um novo olhar em busca casa. Los resultados revelan que la historia de
da humanização das relações no contexto da vida de esas mujeres forma parte de un
saúde, embora muito desse saber tenha sido conocimiento milenario que a lo largo del
desconsiderado com a institucionalização do tiempo ha ofrecido contribuciones significativas
cuidado. Diante da diversidade do universo para la construcción de una nueva mirada en la
cultural que envolve esse saber, considerado busca por la humanización del cuidado en las
uma prática de solidariedade, um dom de relaciones de salud. Frente a la diversidad del
Deus, conhecer e respeitar é condição universo cultural involucrado en ese
fundamental para uma aproximação real entre conocimiento, considerado como práctica
o saber popular e o saber cientifico. solidaria, como un don Divino, conocer y
respetar es una condición fundamental para
Palavras chave: Parteira leiga; Parto una real aproximación entre el saber popular y
domiciliar; História. el conocimiento científico.

ABSTRACT Palabras clave: Partera tradicionale; Parto


The objective of this issue is to show the domiciliário; Historia.
possibility of using Oral Life Story as a
methodological framework to collect data in a
qualitative research, with the try to
understand the traditional birth attendant
experiences while caring for the women during
home delivery in a brazilian rural northeastern
community. The results reveal that the life
story of those women takes part of an ancient
knowledge which during the time offers
significant contribution for the construction of a
new glimpse in the search for the humanization
of care health relationship. Facing the diversity
1
of the cultural universe that involves this Material extraído de DIAS, Maria Djair. Mãos que acolhem
vidas: as parteiras tradicionais no cuidado a mulher
knowledge, considered as a solidarity practice,
durante o nascimento em uma comunidade nordestina
a God´s gift, knowing and respecting is a [Tese Doutorado].
fundamental condition for a real approach I
Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de
between popular and scientific knowledge. Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba -
DESPP/CCS/UFPB. E-mail: mariadjair@yahoo.com.br

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Dias MD. Histórias de vida: as parteiras tradicionais e o nascimento em casa. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on
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INTRODUÇÃO controle e redução da morbimortalidade


Ao longo da história, os acontecimentos materna e perinatal, entre as quais devem ser
que envolvem o processo de nascimento no incluídas ações para a melhoria da atenção ao
contexto hospitalar, têm um caráter de risco, parto domiciliar realizado pelas parteiras
sofrimento, insatisfação, frustração e violência, tradicionais.(2)
dificultando à mulher e sua família a No contexto do cuidado à mulher,
oportunidade de vivenciar uma experiência durante o processo de parto e nascimento em
gratificante, prazerosa e saudável. uma comunidade rural nordestina, surge à
No entanto, em comunidades rurais, o questão da pertinência de se usar a História
processo de nascimento em domicilio se Oral como caminho metodológico, como é a
apresenta como uma experiência tecida em nossa suposição. Assim este trabalho tem
uma rede de múltiplos significados tanto para como objetivo compreender o significado da
as parteiras tradicionais como para as experiência de cuidado à mulher, durante o
parturientes, familiares e amigos. È importante processo de parto e nascimento em casa, a
considerar que para conhecer e desvelar o partir da história oral de vida das parteiras
contexto que desenvolve essa experiência, a tradicionais.
historia oral de vida se apresenta como uma
valiosa ferramenta. CAMINHO METODOLÓGICO
O Brasil guarda uma diversidade Ao optarmos pela Historia Oral - HO,
geográfica e cultural imensa que se expressa levamos em consideração que este tipo de
na atenção da saúde das mulheres e no abordagem oferece possibilidades na
universo simbólico representado por meio das investigação dos fenômenos na perspectiva de
distintas práticas de cuidar. As mulheres índias compreender o indivíduo inserido no contexto
e quilombolas, as mulheres das regiões em sua própria realidade, valorizando suas
ribeirinhas, dos sertões, dos pantanais e até experiências de vida.
(3)
das cidades, regiões metropolitanas contam A HO, na perspectiva de Meihy , é uma
frequentemente com essa figura de tradição modalidade de pesquisa que compreende a
antiga do cuidar que são as parteiras narrativa do conjunto de experiências
tradicionais para ajudá-las, cuidá-las e individuais, suas proposições e suas verdades,
acompanhá-las em eventos importantes da sua permitindo mostrar a versão dos fatos,
(1)
vida sexual e reprodutiva . conforme sua visão de mundo, sendo soberana
Em nosso país, a partir do ano 2000, o para revelar ou ocultar casos, situações e
parto domiciliar tem sido uma das prioridades identidades. O depoente, denominado
do Ministério da Saúde e de todos os colaborador, é considerado o sujeito
segmentos da sociedade comprometidos com a primordial, com liberdade para dissertar sobre
saúde da mulher, da criança e da família como sua experiência e participar em todo o
garantia dos direitos humanos. Isto na direção processo. Este estudo foi guiado pela
de implementar ações voltadas para a melhoria modalidade da HO de Vida que permitiu às
da atenção à saúde e em especial para o parteiras tradicionais, responsáveis pelo

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cuidado da mulher durante o processo de história da comunidade, e que corresponde à


nascimento em casa, relatar suas experiências, entrevista central da pesquisa. Este depoente
possibilitando a valorização desse saber indica outros participantes que irão constituir a
milenar que vem acompanhando as gerações formação da rede.
por meio da experiência e da oralidade. Neste estudo participaram sete parteiras
O local de realização da pesquisa foi uma tradicionais, entre 52 e 69 anos de idade, com
comunidade rural denominada Serra Encantada a experiência de terem tido entre 4 e 27 filhos
– localizada a 13 km da cidade de Alagoa em casa, sozinhas ou pelas mãos de suas
Grande e a 129 km de João Pessoa, capital do cumades. A pessoa indicada para fazer a
estado da Paraíba. A construção do material entrevista central da pesquisa foi Dália, não
empírico ocorreu no período de dezembro do por ser a mais idosa, mas pelo entusiasmo, por
ano de 2000 até junho de 2002. O projeto foi conhecer com detalhes a história do lugar e por
apresentado às colaboradoras, sendo o ter se interessado, desde pequena, em
material construído por meio de entrevistas descobrir com orgulho a importância de suas
gravadas, com a autorização antecipada raízes. Em vários momentos, a narrativa de
correspondente. Ao conceder a entrevista, cada sua vida se confunde com a história de Serra
colaboradora assinou o Termo de Encantada. As demais foram sendo indicadas
Consentimento Livre e Esclarecido e a carta de ao longo da pesquisa pelas próprias
cessão, de acordo com as determinações da colaboradoras.
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de A base da História Oral é o depoimento
Saúde - CNS. Foram reforçadas a importância gravado, tornando-se necessária a adoção de
de participar do estudo e a possibilidade de alguns pressupostos como: marcar as
desistir no decorrer do processo, a qualquer entrevistas de acordo com a conveniência das
momento. O projeto foi previamente aprovado colaboradoras; comparecer ao local no horário
pela Comissão de Ética e Pesquisa da Escola de e data agendados; solicitar o consentimento
Enfermagem da Universidade de São Paulo prévio para a gravação da entrevista;
(USP-SP). possibilitar a criação de uma atmosfera
Na História Oral a seleção dos solidária, de confiança, propícia a confidências
(3)
colaboradores depende da formação de uma ao longo da narrativa .
colônia definida como uma coletividade, que Ao iniciar a gravação da entrevista,
possui um destino comum. A partir da recomenda-se o registro dos dados de
identificação dessa colônia é estabelecida uma identificação: título do projeto, nome do
rede, que corresponde a uma subdivisão da colaborador, hora, local e data do encontro. O
colônia. A escolha dos colaboradores é feita colaborador precisa saber que pode desligar o
com base na relação estabelecida na colônia. gravador a qualquer momento. E ainda que,
A rede implica no início do trabalho. É será realizada a conferência do material
identificado um colaborador ou colaboradora produzido nas entrevistas, sendo-lhe garantido
para ter a entrevista definida como ponto zero; que a publicação só será efetuada com a sua
trata-se daquele(a) que tem conhecimento da autorização prévia, por meio da carta de

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cessão e/ou Termo de Consentimento Livre e x Textualização: é a etapa seguinte, em que


Esclarecido. Interferências ao longo do são suprimidas as perguntas, que se
desenvolvimento das entrevistas devem ser fundem com o texto, passando a ter um
evitadas para que o colaborador possa seguir caráter narrativo. Essa fase possibilita ao
sua lógica de narrativa. pesquisador extrair o tom vital da
Nesta pesquisa as entrevistas ocorreram entrevista. O tom vital é o tema com força
na comunidade de Serra Encantada, no período expressiva para guiar o leitor, e representa
da tarde, quando as mulheres tinham maior sua síntese moral, sendo colocado sob a
disponibilidade de tempo. forma de epígrafe em cada narrativa.
O projeto de História Oral deve x Transcriação: é a etapa na qual ocorre a
apresentar pergunta(s) de corte que possa(m) recriação do texto em sua plenitude, ou
conduzir todas as entrevistas. Neste estudo, a seja, atua-se no depoimento de maneira
entrevista se desenvolveu a partir de duas ampla, ordenando parágrafos, retirando ou
perguntas de corte, que foram: como a acrescentando palavras e frases, de acordo
senhora se tornou parteira? Como é para a com a observação e as anotações do
senhora cuidar da mulher durante o caderno de campo, realizando, assim, a
nascimento em casa? dança da linguagem. Para esse movimento,
A entrevista como uma das etapas do a própria língua dispõe dos elementos,
projeto de HO pode ser única ou múltipla; como a pontuação — em particular as
diretiva ou não; estimulada ou não; longa ou reticências e interjeições — que mostram
breve, devendo receber um tratamento sensivelmente onde o leitor deve respirar
específico. É preciso que haja uma fase quais as paradas estratégicas, os silêncios,
preparatória para cada encontro, denominada etc. Recria-se, então, a atmosfera da
(3)
de pré-entrevista . Nessa fase é que são entrevista, procurando trazer ao leitor o
identificados os colaboradores do estudo. mundo das sensações que compõem as
histórias. É permitida a conferência do
Tratamento do material empírico texto com as colaboradoras, podendo ser
Após a realização das entrevistas, todo o refeito várias vezes, obedecendo aos
relato oral foi transformado em texto para acertos partilhados, aprovados e
torná-lo disponível ao público. Assim, são legitimados pelas colaboradoras. Esse é o
necessárias as etapas de transcrição, momento em que a pesquisadora deve
textualização, transcriação e conferência do estar preparada para eventuais
relatório final (3): negociações, em que o princípio básico é a
x Transcrição: implica na escuta de todo o flexibilidade para o entendimento entre as
material gravado, repetidas vezes, e sua partes sobre a importância ou não dos
transcrição deve ser realizada de maneira cortes ou limites para o uso público do
fiel aos acontecimentos, incluindo as documento. Os textos autorizados poderão
perguntas de corte. ser usados integralmente ou em partes,

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conforme os critérios previamente nenhuma negociação e o texto foi aceito na


estabelecidos. integra.
A discussão do material empírico foi
Por uma questão de caráter ético, optou- guiada pelo tom vital e pelos eixos temáticos
se pela utilização de nomes fictícios escolhidos de maior significação que emergiram das
pelas colaboradoras, como nomes de flores de experiências de vida das mulheres grávidas,
sua preferência: Rosa, Dália, Rosa Vermelha, seguida por um diálogo iluminado pelos
Shanana, Rosa Branca, Violeta e Margarida. autores que compõem a literatura pertinente.
Elas iniciaram as entrevistas contando suas
histórias de vida como parteiras na RESULTADOS E DISCUSSÃO
comunidade. A narrativa transcorreu sem Para compreender a importância da
interrupções, permitindo que a lógica própria História Oral como caminho para a realização
da colaboradora fosse seguida. Foram feitas deste trabalho, os resultados e discussões
anotações no caderno de campo dentro do apresentam as colaboradoras e sua
contexto em que se desenvolveram as caracterização acompanhada pelo tom vital de
entrevistas. sua narrativa e a análise dos fragmentos das
O material foi submetido a repetidas histórias, por meio do eixo temático que
leituras, para a identificação dos pontos mais emergiu no processo analítico: O significado da
significativos relacionados diretamente à experiência do nascimento em casa.
experiência de cuidar da mulher durante o
processo de nascimento, os quais geraram os As colaboradoras revelam:
temas centrais do estudo. As expressões fortes Violeta
serviram para a construção do tom vital das "Só tenho o amor,
entrevistas, sendo considerado o eixo a boa vontade e o
norteador da leitura e da compreensão da Coração sem maldade...” (Violeta).
cultura das parteiras tradicionais a respeito do Em 1942, nasceu em Serra Encantada,
processo de nascimento em casa. é casada e tem 21 filhos. A sua trajetória de
Efetuadas as etapas de transcrição, mulher parteira nasceu da necessidade de
textualização e transcriação, o material foi ajudar a cuidar de suas filhas, durante o
levado a cada colaboradora para conferência e processo de nascimento; mesmo
aprofundamento das questões de interesse do compreendendo que esse é um universo
estudo. Neste estudo, esse momento ocorreu repleto de desafios, seu dever de mãe nunca
na residência das colaboradoras; foram lhe permitiu recuar. Entende o ofício como um
momentos agradáveis, alegres e serviram ato de caridade e um chamado divino. Sente-
também para o aprofundamento dos temas. se feliz em poder ajudar. Esta é uma
Elas escutavam atentamente sua própria interessante história, eis seu relato: Quando as
narrativa e aprovavam a história, com acenos mulheres estão sentindo aquelas dores, a
de cabeça em sinal de confirmação. Não houve gente fica ali sem sair de perto, passa a mão

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na barriga, nas costas para aliviar... fica perto sua história. Mulher apenas de corpo franzino,
pra ajudar de algum jeito... porém, muito determinada. E diz Rosa
Branca: ...para cuidar da mulher, prefiro ficar
Rosa Vermelha esperando... ela escolhe a posição que acha
Mulher pequena, mas de grande coração melhor e estou ali, esperando... fazendo um
Cuida das suas comadres com muita chá, pendurando umas cordas pra ajudara dar
abnegação apoio na hora do nascimento...
Capaz de atender os chamados com imensa
satisfação Margarida
E fala do seu oficio cheia de emoção. Mulher do dia, da noite,
Nasceu em 1949, na região do brejo Mulher de todas as horas,
paraibano. Veio para Serra Encantada com Mulher que a Deus confia a força,
alguns meses de idade, cresceu e casou-se A força de que precisa para tudo fazer,
nessas terras, tem quatro filhos. Todos Mesmo, na hora do fazer nada!
nascidos em casa pelas mãos de suas Nasceu, em 1932, em Serra Encantada.
cumades. Mulher acolhedora, de fala mansa, Casada tem 12 filhos, todos nascidos em casa.
tranqüila, sempre pontual e disposta para os É aposentada, mas ainda hoje trabalha no
nossos encontros, apenas fazia a seguinte roçado. Sente-se orgulhosa por ser filha de
ressalva: Essa é hora de ficar com ela parteira. Seu estilo de narrativa foi
esperando, fazendo companhia... uma empolgante, expressava com muito entusiasmo
massagem... deixando que ela fique do seu os fatos que compõem sua história de mulher
jeito... escolha a sua posição e dá tudo certo parteira nessas terras longínquas. Mulher
... camponesa, forte, disposta e experiente, já
lavou mais de 200 meninos, recebeu e atendeu
Rosa Branca a tantos chamados, pedidos de ajuda vindos a
Mulher frágil, porém, forte, qualquer hora do dia ou da noite que se
Capaz de esquecer da vida a dor, orgulha de tantos afilhados, já moças, rapazes,
Pela chegada do seu pedacinho de amor. pais e mães de família. Assim, Margarida
Nasceu em 1949, em Serra Encantada, ressalta: ... o oficio de parteira é pra ajudar a
Paraíba. Casou-se aos 21 anos de idade com quem precisa... nessa hora, não há muito que
um filho da terra, teve cinco crianças legítimas fazer, é preciso ter paciência pra esperar a
e duas filhas adotivas. Acolheu a primeira delas natureza...
há 23 anos e a segunda nos últimos quatro
meses. Então, adotou seu pedacinho de amor, Dália
menina que deu a ela e aos seus familiares Mulher alegre e vibrante,
mais alegria de viver. Aqui nasceu, vive e é o Feliz e muito contente por ter recebido de
lugar escolhido para morrer também. É esse Deus,
pedaço de chão que guarda as suas mais doces Naquelas terras distantes,
lembranças, assim como suas raízes e toda a O dom de ser partejante!

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Nasceu em 1945, em Serra Encantada, doída de seu marido vivendo no Rio de Janeiro.
mãe de11 filhos. É uma mulher conhecedora Essa luta acontecia para alimentar suas
de muitas histórias da comunidade onde crianças e juntar algum dinheiro para animar o
nasceu e vive até hoje. Tem forte brilho no marido quando voltasse, e assim, ele pudesse
olhar, fala com força e com entusiasmo sobre desistir de retornar seguidamente ao Rio. Mas,
sua trajetória de vida como camponesa, essa luta não foi de grande valia, pois ele
parteira e merendeira do único grupo escolar voltou inúmeras vezes. Seu marido passou
da localidade. grande parte da vida viajando para o Rio de
No entanto, quando relembrava as Janeiro, ao todo fez 13 viagens. Nessas idas e
coisas que seus pais contavam, sobretudo, os vindas, ela chorava, pedia a Deus chuva e
ensinamentos que sua saudosa mãe lhes coragem para plantar, colher e sobreviver. Foi
deixou, sua narrativa assumia um tom assim sua narrativa: Para cuidar, tomar conta
melancólico. Pois, a considerava uma parteira das mulheres nessa hora a gente não faz
fina de muita sabedoria e fé; sua religiosidade nada... espera com paciência, confortando e
de vida permite encontrar em Deus a força rezando pra tudo dar certo...
necessária para estar sempre em contato com
o lado bom dessas lembranças. Dália afirma: .. Shanana
pra assistir a mulher... a gente fica perto Mulher pequena e vibrante,
fazendo companhia, esperando com paciência, Alegre, cantante como a ciranda,
fazendo um chá, encorajando.... tomando Naqueles lindos campos verdejantes.
conta, fazendo orações, esperando, as vezes, Carrega consigo a luz,
de Deus... Da mulher partejante.
Nasceu, em 1943, em Serra Encantada.
Rosa É casada e tem 16 filhos, toda a família, desde
Mulher sofrida, marcada e castigada pela vida, seus bisavós são nascidos e criados na
Mulher parteira, comunidade.
Parteira de tantas horas, Em um de nossos encontros em sua
Parteira de tantas vidas. casa que fica no alto, cravada na encosta de
Nasceu em 1941, em Serra Encantada, uma montanha, nós, sentadas à sombra de
filha de pais nascidos também naquelas terras, uma mangueira, em um banco feito de tronco
casou-se aos vinte anos, teve 13 filhos e 12 de coqueiro, fui agraciada com uma água de
barrigas, um gemelar. Hoje está viúva com 10 coco fresca, retirada na hora, vinda de um pé
filhos vivos. que havia sido plantado há 24 anos por um de
Sua história foi marcada por uma luta seus filhos, ainda criança. Razão pela qual
incansável para criar seus filhos, enfrentou explicou que, quando uma criança planta uma
dificuldades, vivendo a dureza do dia-a-dia no árvore, ela cresce e bota frutos mais rápido. O
roçado, saindo com os primeiros raios de sol marido é tocador de pífano e também rezador
para andar uma longa distância em busca de da comunidade. Shanana narrou os
sustento. E, ainda, contava com a ausência acontecimentos de sua trajetória de vida em

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um clima de muita alegria e camaradagem com respeito ao ritmo da natureza, sob uma
entusiasmo e um intenso brilho no olhar. Em perspectiva humanizada, pois privilegia a
meio à sua narrativa, ela alegremente entoava mulher como centro do cuidado.
cantigas de ciranda e diz: Pra cuidar, tomar conta da mulher na hora do
... Para cuidar da mulher... a gente faz uma nascimento, eu não fazia nada com ela não,
xícara de chá... passa a mão na barriga dela, viu? Eu só ajudava a ter paciência (...) apenas
faz uma massagem, ajeita e espera sem ficava esperando, confortando, rezando e
pressa... pedindo força a Deus (Rosa)
A gente fica ali sem sair de perto, passa a mão
O significado da experiência do na barriga, nas costas, elas se sentem
nascimento em casa aliviadas… (Violeta)
Na perspectiva da abordagem (...) a gente fica perto fazendo companhia,
interpretativa adotada por este trabalho, cada esperando, esperando com paciência, dando
entrevista foi analisada, buscando a um conselho, fazendo um chá, encorajando a
compreensão dos fenômenos importantes que mulher (…) (Dália)
formam parte da experiência e da significação (...) deixo que ela fique do seu jeito... escolha
do processo de nascimento em casa. O tom a melhor posição, então, fico dando força,
vital das narrativas foi utilizado como fio animando, acariciando e dá tudo certo… (Rosa
condutor para a compreensão das histórias de Vermelha)
cada parteira, e serviu à composição do ritual Nessa hora, não há muito que fazer, é preciso
de cuidados à mulher durante o momento do ter paciência pra esperar a natureza...
parto. Todas elas afirmam que se tornaram (Margarida)
parteiras por solidariedade, diante da As falas evidenciam que, na experiência
necessidade de cuidar das mulheres da família, de cuidar da mulher durante o parto, as
da vizinhança e da comunidade; parteiras tradicionais adotam uma postura
compreendem, ainda, essa atividade como um pouco intervencionista, pautada no fazer nada,
ofício, um dom dado por Deus, mesmo diante fazer companhia, ficar perto, esperar com
das dificuldades enfrentadas por não ter acesso paciência, acariciar, oferecer um chá com
aos serviços de saúde, aos insumos bastante zelo. Na verdade, para essas
necessários a essa prática, pelas dificuldades mulheres, o fazer nada significa fazer o que
oferecidas pelas barreiras geográficas, pois entendem ser necessário para o
Serra Encantada é uma localidade de difícil desenvolvimento do processo com o mínimo de
acesso caracterizando o seu isolamento social. interferência, respeitando o caráter fisiológico e
Para Rosa, Dália, Rosa Vermelha, o próprio ritmo dos acontecimentos. O fazer
Shanana, Rosa Branca, Violeta e Margarida, o nada quer dizer, também, criar condições que
significado da experiência de cuidados permitam à mulher sentir-se segura e
desenvolvidos durante o processo de confiante, ter paciência, estar junto, acolher,
nascimento, sobretudo no momento do parto permitir que a parturiente possa viver o prazer
em casa, está diretamente ligado à condição de e a dor, segundo sua singularidade. É

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possibilitar o equilíbrio para que as energias do barriga, o que permite fortalecer o vínculo com
corpo e do ambiente sejam canalizadas para a a mulher, e deixam a natureza agir: … a gente
vida. É propiciar à mulher um verdadeiro fica ali com ela na tentativa, esperando… mas
encontro dela consigo mesma, em busca da sem fazer toque, nunca fiz... gosto mesmo é
força que há em si para viabilizar o nascimento de esperar às vezes de Deus, não gosto de
de um novo ser. ficar cutucando ninguém. Nunca ninguém me
Durante o parto, acompanhar a mulher é cutucou, também nunca quis cutucar os
conhecer a arte de esperar, confiando na outros… (Dália).
capacidade inata de parir e nascer. Para Dália, As parteiras mostram que sua prática é
todas não, mas a maioria das mulheres tem orientada para a busca do alívio do sofrimento
menino só; a gente sabe o que tem de fazer, e dos desconfortos que são próprios das
vem da gente mesmo (...) meus meninos circunstâncias do parto, evitando vivências
nasceram sozinhos (...) quando chegava a negativas. Nessa perspectiva, o seu olhar
hora, eu sabia o que fazer, me ajeitava na considera importante preservar a integridade
posição, ficava de cócoras segurada na rede ou da mulher e respeitar o ritmo da natureza:
ajoelhada e nem meu marido via quando o Dália a esse respeito afirma: (…) Deus dá
menino nascia (...) agora tem delas que aquele filho e se o camarada tiver paciência,
precisa do marido para ajudar, segurar, aí a não precisa de ninguém rasgar, não precisa de
gente chama. A figura do pai surge como a ninguém cortar, ele mesmo vem se
primeira pessoa autorizada a fazer parte do encaminhando e vai dilatando, dilatando até
processo e a tocar o corpo da mulher, caso dar o prosseguimento e passar.
haja necessidade, além da comadre. Estes aspectos culturais encontram
(5)
A presença da parteira permite à ressonância nos achados de Gualda em um
parturiente assumir a regência da orquestra do trabalho etnográfico em que a natureza,
nascimento e, com confiança, ser capaz de durante o parto, pode ser definida como o
escolher o tom que melhor poderá contribuir próprio corpo com seus ritmos, transcendendo
para a melodia de estar bem ao longo do os seus limites e integrado ao ambiente
processo. Essa atitude ajuda a mãe e o filho a expresso nas características individuais e
fazerem sua travessia de maneira mais universais. As características individuais
harmônica, possibilitando a chegada de ambos correspondem aos aspectos biologicamente
numa atmosfera saudável e como uma determinados e à singularidade do indivíduo
experiência positiva. como, por exemplo, a maneira de sentir dor e
Os depoimentos indicam que as parteiras o tempo do parto. Em relação à universalidade
cuidam na tentativa de diminuir o desconforto, do aspecto fisiológico do parto, reconhecem o
a dor e agilizar o processo, de forma que a caráter de processo da evolução do trabalho de
mulher descanse logo. As parteiras rezam para parto e suas peculiaridades. Apesar das
fortalecer a fé de que tudo vai acabar bem, mulheres reconhecerem a universalidade de
buscando oferecer à parturiente confiança e sua evolução, percebe as particularidades de
tranqüilidade. Massageiam as costas e a cada experiência. Por isso, diferentes

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manifestações no momento do parto são sobrevivência, assegurando a manutenção da


decorrentes de seu próprio evento, da vida. Desde o princípio era preciso tomar conta
individualidade das pessoas ou conseqüência das mulheres em trabalho de parto, cuidar das
de fatores intercorrentes. crianças, dos idosos, enfim, tomar conta,
(6)
A autora afirma ainda que, para as cuidar da vida e da morte .
mulheres, a vivência do parto é considerada a Nos períodos clínicos do parto, a atitude
única fonte de conhecimento próprio do parto, das parteiras contribui de forma significativa
permitindo-lhes conhecer sua natureza pela para a mulher sentir-se confiante, acreditando
experiência vivida, sendo algo que não se ser capaz de buscar a força necessária para
ensina, vive-se. O modo de senti-la ocorre vencer essa travessia. Durante a evolução do
pelas comparações com experiências período de dilatação, conforme se aproxima o
anteriores, estando a sensação de medo momento de dar à luz, a mulher muitas vezes
sempre presente, não importando a história relata a ausência de força, decorrente da
pregressa. exaustão inerente ao trabalho de parto:
A ligação com a natureza viva está Dália refere-se a esse comportamento
presente nas comunidades rurais onde se relatando: eu não tenho força, não agüento
estabelecem rituais dos mais diversos: mais, eu acho que vou morrer, mas de repente
casamento, parto, nascimento, batizado, chega uma força… essa é a hora do
morte, entre outros; são de cunho nascimento, do menino croá, que é quando
conservador, celebrados de acordo com sua vem a cabeça e quando a criança nasce, é uma
cultura, sua ancestralidade, sendo transmitidos alegria muito grande pra todo mundo…
às novas gerações para serem revividos.. A parteira sabe que a mulher carrega
Em virtude dessa participação ritual, o dentro de si a condição de identificar o
passado torna-se presente. Na verdade, os momento real da chegada da sua criança e
atuais oficiantes do ritual ligam-se àqueles do essa interpretação permite-lhe escolher os
passado. Quanto maior for a semelhança entre meios, as posições mais adequadas para a
o modo como foi executado antes, tanto mais concretização da experiência.
intensa será a conexão ressonante que se Para Rosa Vermelha, cuidar da mulher em
estabelece entre os participantes do passado e casa é deixar que ela fique do jeito que achar
(3).
do presente . melhor (…) nesse momento, a gente deixa que
Essa relação do processo de cuidar que ela fique do seu jeito, depende de como ela
esse grupo de parteiras tradicionais estabelece prefere ficar, escolher a melhor posição (…)
com a mulher é de companheirismo. O fazer a inteligência dela mesma. E quando a
significado de cuidar, assistir, tomar conta mãe sente que o menino vai nascer, dá aquela
encontra faz parte de uma prática dos cuidados dor que croa, aí ela fica apoiada nas cordas, na
correspondente ao reconhecimento e ao cama ou sentada no cepo de madeira forrado
prolongamento de uma função social, que é com um pano apoiando os quartinhos, sentada
elaborada em torno da fecundidade para as com a vagina fora do cepo ou de cócoras
mulheres, contribuindo diretamente para a segurada na rede, de quatro ou escorada na

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esteira da cama… aí a criança nasce… e a gente gente que Deus vem trazendo, ela a acolhe
sustenta... dizendo: louvado seja Nosso Senhor Jesus
Nesse sentido, quando as mulheres Cristo e quem estiver presente responde: para
sentem-se confiantes e não observadas sempre seja Deus louvado. Essa afirmação de
durante o trabalho de parto, é bastante comum louvor e agradecimento está presente na
adotarem posições inclinadas para frente, ou prática da parteira tradicional, sempre que
seja, apoiadas nas mãos e nos joelhos, de uma etapa do processo de nascimento
quatro, pois as variações dessa posição ajudam acontece. Esse tipo de ritual faz parte da
a relaxar a musculatura e reduzir a atividade cultura do nascimento no nordeste brasileiro.
de seu neocórtex, estimulando a liberação de Os tons vitais encontrados nas narrativas
hormônios que promovem contrações uterinas dessas colaboradoras do estudo, falam de um
(7)
efetivas . cuidado sensível, empregando uma tecnologia
Essa é uma postura que ajuda a lidar com simples e adequada, desenvolvida durante o
a dor, em especial nas costas, facilita a rotação processo de nascimento. Esta experiência
do bebê no canal de parto e a descompressão baseia-se no tomar conta da comadre na hora
dos vasos sangüíneos, como a veia cava e a da necessidade. Ficar com ela esperando,
aorta. A postura de quatro permite à mulher fazendo companhia, fazendo suas orações, com
isolar-se do mundo externo com mais paciência. Às vezes, sem fazer nada,
facilidade. Então, ela pode até ousar gritar ou esperando a natureza agir e os desígnios de
fazer coisa que jamais faria em outras Deus, que é quem sabe das coisas. Pode fazer
circunstâncias. Ela esquece o que aprendeu ou uma massagem na barriguinha, oferecer um
o que leu. A posição de quatro é a que mais chá pra ajudar a criança chegar, encorajar a
facilita a redução da atividade neocortical e mulher a ficar na posição de sua preferência,
ajuda a estimular a liberação de hormônios que podendo ser de cócoras, deitada, andando, de
promovem contrações uterinas efetivas. Esta joelhos, de quatro, segurada nas cordas,
visão da parturiente indo para outro planeta, apoiada na rede, sentada no cepo, encostada
de quatro, é altamente sugestiva da conexão na cama ou nos braços do marido ou de outra
entre o nascimento e a oração. Rezar reduz mulher de sua confiança. A criança nasce, é
efetivamente a atividade do neocórtex, que é mais um afilhado de umbigo. O cordão é
(7)
um aspecto privado da vida do ser humano . cortado, amarrado com fio de saco de algodão,
O momento do parto reúne a força do espera-se a saída do resto do parto, é um
universo presente na natureza feminina, que momento perigoso, a mulher pode ter
culmina com a chegada de um novo ser e a hemorragia. Após tudo terminado, o pai festeja
gratificação pelo ato de dar à luz. O parto soltando foguetões no terreiro da casa para
permite à mulher vivenciar o nascimento de anunciar a chegada da criança e dizendo à
uma criança e o surgimento de uma nova vizinhança que está tudo bem, graças a Nossa
mulher. Senhora do Bom Parto. Iniciado o resguardo da
Em Serra Encantada, quando a parteira mulher, a parteira mata uma galinha, prepara
apara a criança, recebe aquele pedacinho de a comida para que ela possa recuperar as

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forças. Depois sai para lavar a roupa. A pólos intimamente ligados: o saber-agir faz
comadre permanece de repouso e seguindo as apelo aos conhecimentos, às habilidades, aos
recomendações para não quebrar o resguardo. recursos que o indivíduo dispõe; o poder-agir
Esse é um ritual de cuidados que acolhe, ressalta o contexto organizacional, no qual ele
encoraja, respeita, fortalece e favorece a evolui e é determinado, entre outros, pelo tipo
oportunidade de cada mulher buscar seu de organização, os meios disponíveis, a
potencial interior para vivenciar a experiência circulação das informações; e, por fim, o
de maneira alegre e prazerosa. querer-agir é testemunho do sentido que toma
As ações de cuidado desenvolvidas pelas a ação para a pessoa, da imagem que ela tem
parteiras tradicionais marcam a contradição de si, da confiança e do reconhecimento que
(8)
com o modelo que privilegia a doença está experimenta .
centrado na medicalização e na intervenção A História Oral cria a oportunidade de
que penaliza as mulheres com o uso de perceber o passado como algo que se faz
tecnologias não adequadas ao processo de presente no momento atual e garante sentido
cuidado ferindo o seu direito de escolha sociocultural à vida dos colaboradores e
garantido pela política de humanização leitores, que passam a entender o ritmo
(2)
desenvolvida pelo Ministério da Saúde . histórico dos acontecimentos e a se sentirem
parte do contexto em que vivem (3).
REFLEXÕES FINAIS Assim, a presença do passado no
Para realização deste estudo, a História presente imediato do ser humano é a razão de
Oral como caminho escolhido ofereceu valiosas ser da História Oral que, por sua vez, é sempre
contribuições na possibilidade de compreender uma história do tempo presente reconhecida
(3)
o significado da experiência de cuidar da como História de Vida .
mulher, no parto e nascimento em casa, por Neste estudo, conhecer o significado da
parte das parteiras tradicionais. experiência ritualizada do cuidado vivenciado
A História Oral de Vida narrada pelas sete pelas parteiras tradicionais, durante o processo
colaboradoras da comunidade de Serra de nascimento em casa, reconhece a
Encantada viabilizou a realização desta necessidade de fortalecer e articular a
pesquisa, numa abordagem qualitativa, o que aproximação desse saber popular com o
(2)
permitiu a essas parteiras tradicionais a conhecimento técnico-científico . Mesmo
oportunidade e a liberdade para contar sua existindo diferentes conhecimentos e práticas
própria história, suas experiências, utilizando- distintas, há a possibilidade de múltiplas zonas
se de seu universo de símbolos e significados. de contato entre as culturas, assim elas se
Assim, compreender a experiência de entrelaçam por meio de relações e troca de
cuidar, durante o processo de nascimento, experiências, na busca de um cuidado coerente
significa reaproximar-se da possibilidade de com o processo de viver saudável em um
realizar ações de saúde que compõem o ambiente harmônico e gerador de saúde.
processo de cuidar. A capacidade de realizar Embora muitos profissionais de saúde não
um ato de cuidado inscreve-se dentro de três tenham uma visão de totalidade dos sujeitos,

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os achados deste estudo demonstram que a


prática das parteiras tradicionais, coloca a
mulher como centro do processo de
nascimento. Assim, essa prática contribui para
uma reflexão em busca de novos sentidos e
significados nas relações do processo de
cuidado humanizado.
As ações desenvolvidas por essas
mulheres oferecem significativa contribuição no
resgate de uma prática de cuidado integral
compondo um conhecimento que trás
elementos do saber popular e do saber
científico fortalecido por esse entrelaçamento.

REFERÊNCIAS
1. Melo N, Viana P. Gestação e Parto. Boletim
Curumim. Recife-PE. Fev. 2006.
2. Brasil, Ministério da Saúde (BR) Secretaria
de Atenção a Saúde – Melhoria da assistência
ao parto domiciliar realizado por parteiras
tradicionais. Brasília (DF); 2006.
3. Meihy, JCSB. Manual de História Oral. 3. ed.
São Paulo: Loyola, 2005.
4. Gualda, DMR. Eu conheço minha natureza:
um estudo etnográfico da vivência do parto.
1993, 200p. Tese (Doutorado). Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo,
São Paulo.
5. Gualda DMR, Lima AFC. História Oral de
Vida: buscando o significado da hemodiálise
para o paciente renal crônico. Escola de
Enfermagem da USP, 2001; 35 (3): 235-41.
6. Collière MF. Promover a vida: da prática das
mulheres de virtude aos cuidados de
enfermagem. Lisboa: Sindicato dos
Enfermeiros Portugueses, 1989.
7. Brasil, Ministério da Saúde (BR) Conselho
Nacional de Saúde. Resolução 196 de 10 de
outubro de 1996. Diretrizes e normas
regulamentadoras da pesquisa envolvendo
seres humanos. Brasília, 1996.
8. Odent M. A Cientificação do Amor. São
Paulo: Terceira Margem, 2000.
9. Le Boterf G. De la Compétence à la
Navigation Proficionelle. Paris: Lês editions d’
Organization, 1997.

Artigo recebido em 16.10.06


Aprovado para publicação em 27.08.07

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