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__________________________________________________________ ARTIGO ORIGINAL
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Dias MD. Histórias de vida: as parteiras tradicionais e o nascimento em casa. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on
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na barriga, nas costas para aliviar... fica perto sua história. Mulher apenas de corpo franzino,
pra ajudar de algum jeito... porém, muito determinada. E diz Rosa
Branca: ...para cuidar da mulher, prefiro ficar
Rosa Vermelha esperando... ela escolhe a posição que acha
Mulher pequena, mas de grande coração melhor e estou ali, esperando... fazendo um
Cuida das suas comadres com muita chá, pendurando umas cordas pra ajudara dar
abnegação apoio na hora do nascimento...
Capaz de atender os chamados com imensa
satisfação Margarida
E fala do seu oficio cheia de emoção. Mulher do dia, da noite,
Nasceu em 1949, na região do brejo Mulher de todas as horas,
paraibano. Veio para Serra Encantada com Mulher que a Deus confia a força,
alguns meses de idade, cresceu e casou-se A força de que precisa para tudo fazer,
nessas terras, tem quatro filhos. Todos Mesmo, na hora do fazer nada!
nascidos em casa pelas mãos de suas Nasceu, em 1932, em Serra Encantada.
cumades. Mulher acolhedora, de fala mansa, Casada tem 12 filhos, todos nascidos em casa.
tranqüila, sempre pontual e disposta para os É aposentada, mas ainda hoje trabalha no
nossos encontros, apenas fazia a seguinte roçado. Sente-se orgulhosa por ser filha de
ressalva: Essa é hora de ficar com ela parteira. Seu estilo de narrativa foi
esperando, fazendo companhia... uma empolgante, expressava com muito entusiasmo
massagem... deixando que ela fique do seu os fatos que compõem sua história de mulher
jeito... escolha a sua posição e dá tudo certo parteira nessas terras longínquas. Mulher
... camponesa, forte, disposta e experiente, já
lavou mais de 200 meninos, recebeu e atendeu
Rosa Branca a tantos chamados, pedidos de ajuda vindos a
Mulher frágil, porém, forte, qualquer hora do dia ou da noite que se
Capaz de esquecer da vida a dor, orgulha de tantos afilhados, já moças, rapazes,
Pela chegada do seu pedacinho de amor. pais e mães de família. Assim, Margarida
Nasceu em 1949, em Serra Encantada, ressalta: ... o oficio de parteira é pra ajudar a
Paraíba. Casou-se aos 21 anos de idade com quem precisa... nessa hora, não há muito que
um filho da terra, teve cinco crianças legítimas fazer, é preciso ter paciência pra esperar a
e duas filhas adotivas. Acolheu a primeira delas natureza...
há 23 anos e a segunda nos últimos quatro
meses. Então, adotou seu pedacinho de amor, Dália
menina que deu a ela e aos seus familiares Mulher alegre e vibrante,
mais alegria de viver. Aqui nasceu, vive e é o Feliz e muito contente por ter recebido de
lugar escolhido para morrer também. É esse Deus,
pedaço de chão que guarda as suas mais doces Naquelas terras distantes,
lembranças, assim como suas raízes e toda a O dom de ser partejante!
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Nasceu em 1945, em Serra Encantada, doída de seu marido vivendo no Rio de Janeiro.
mãe de11 filhos. É uma mulher conhecedora Essa luta acontecia para alimentar suas
de muitas histórias da comunidade onde crianças e juntar algum dinheiro para animar o
nasceu e vive até hoje. Tem forte brilho no marido quando voltasse, e assim, ele pudesse
olhar, fala com força e com entusiasmo sobre desistir de retornar seguidamente ao Rio. Mas,
sua trajetória de vida como camponesa, essa luta não foi de grande valia, pois ele
parteira e merendeira do único grupo escolar voltou inúmeras vezes. Seu marido passou
da localidade. grande parte da vida viajando para o Rio de
No entanto, quando relembrava as Janeiro, ao todo fez 13 viagens. Nessas idas e
coisas que seus pais contavam, sobretudo, os vindas, ela chorava, pedia a Deus chuva e
ensinamentos que sua saudosa mãe lhes coragem para plantar, colher e sobreviver. Foi
deixou, sua narrativa assumia um tom assim sua narrativa: Para cuidar, tomar conta
melancólico. Pois, a considerava uma parteira das mulheres nessa hora a gente não faz
fina de muita sabedoria e fé; sua religiosidade nada... espera com paciência, confortando e
de vida permite encontrar em Deus a força rezando pra tudo dar certo...
necessária para estar sempre em contato com
o lado bom dessas lembranças. Dália afirma: .. Shanana
pra assistir a mulher... a gente fica perto Mulher pequena e vibrante,
fazendo companhia, esperando com paciência, Alegre, cantante como a ciranda,
fazendo um chá, encorajando.... tomando Naqueles lindos campos verdejantes.
conta, fazendo orações, esperando, as vezes, Carrega consigo a luz,
de Deus... Da mulher partejante.
Nasceu, em 1943, em Serra Encantada.
Rosa É casada e tem 16 filhos, toda a família, desde
Mulher sofrida, marcada e castigada pela vida, seus bisavós são nascidos e criados na
Mulher parteira, comunidade.
Parteira de tantas horas, Em um de nossos encontros em sua
Parteira de tantas vidas. casa que fica no alto, cravada na encosta de
Nasceu em 1941, em Serra Encantada, uma montanha, nós, sentadas à sombra de
filha de pais nascidos também naquelas terras, uma mangueira, em um banco feito de tronco
casou-se aos vinte anos, teve 13 filhos e 12 de coqueiro, fui agraciada com uma água de
barrigas, um gemelar. Hoje está viúva com 10 coco fresca, retirada na hora, vinda de um pé
filhos vivos. que havia sido plantado há 24 anos por um de
Sua história foi marcada por uma luta seus filhos, ainda criança. Razão pela qual
incansável para criar seus filhos, enfrentou explicou que, quando uma criança planta uma
dificuldades, vivendo a dureza do dia-a-dia no árvore, ela cresce e bota frutos mais rápido. O
roçado, saindo com os primeiros raios de sol marido é tocador de pífano e também rezador
para andar uma longa distância em busca de da comunidade. Shanana narrou os
sustento. E, ainda, contava com a ausência acontecimentos de sua trajetória de vida em
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um clima de muita alegria e camaradagem com respeito ao ritmo da natureza, sob uma
entusiasmo e um intenso brilho no olhar. Em perspectiva humanizada, pois privilegia a
meio à sua narrativa, ela alegremente entoava mulher como centro do cuidado.
cantigas de ciranda e diz: Pra cuidar, tomar conta da mulher na hora do
... Para cuidar da mulher... a gente faz uma nascimento, eu não fazia nada com ela não,
xícara de chá... passa a mão na barriga dela, viu? Eu só ajudava a ter paciência (...) apenas
faz uma massagem, ajeita e espera sem ficava esperando, confortando, rezando e
pressa... pedindo força a Deus (Rosa)
A gente fica ali sem sair de perto, passa a mão
O significado da experiência do na barriga, nas costas, elas se sentem
nascimento em casa aliviadas… (Violeta)
Na perspectiva da abordagem (...) a gente fica perto fazendo companhia,
interpretativa adotada por este trabalho, cada esperando, esperando com paciência, dando
entrevista foi analisada, buscando a um conselho, fazendo um chá, encorajando a
compreensão dos fenômenos importantes que mulher (…) (Dália)
formam parte da experiência e da significação (...) deixo que ela fique do seu jeito... escolha
do processo de nascimento em casa. O tom a melhor posição, então, fico dando força,
vital das narrativas foi utilizado como fio animando, acariciando e dá tudo certo… (Rosa
condutor para a compreensão das histórias de Vermelha)
cada parteira, e serviu à composição do ritual Nessa hora, não há muito que fazer, é preciso
de cuidados à mulher durante o momento do ter paciência pra esperar a natureza...
parto. Todas elas afirmam que se tornaram (Margarida)
parteiras por solidariedade, diante da As falas evidenciam que, na experiência
necessidade de cuidar das mulheres da família, de cuidar da mulher durante o parto, as
da vizinhança e da comunidade; parteiras tradicionais adotam uma postura
compreendem, ainda, essa atividade como um pouco intervencionista, pautada no fazer nada,
ofício, um dom dado por Deus, mesmo diante fazer companhia, ficar perto, esperar com
das dificuldades enfrentadas por não ter acesso paciência, acariciar, oferecer um chá com
aos serviços de saúde, aos insumos bastante zelo. Na verdade, para essas
necessários a essa prática, pelas dificuldades mulheres, o fazer nada significa fazer o que
oferecidas pelas barreiras geográficas, pois entendem ser necessário para o
Serra Encantada é uma localidade de difícil desenvolvimento do processo com o mínimo de
acesso caracterizando o seu isolamento social. interferência, respeitando o caráter fisiológico e
Para Rosa, Dália, Rosa Vermelha, o próprio ritmo dos acontecimentos. O fazer
Shanana, Rosa Branca, Violeta e Margarida, o nada quer dizer, também, criar condições que
significado da experiência de cuidados permitam à mulher sentir-se segura e
desenvolvidos durante o processo de confiante, ter paciência, estar junto, acolher,
nascimento, sobretudo no momento do parto permitir que a parturiente possa viver o prazer
em casa, está diretamente ligado à condição de e a dor, segundo sua singularidade. É
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possibilitar o equilíbrio para que as energias do barriga, o que permite fortalecer o vínculo com
corpo e do ambiente sejam canalizadas para a a mulher, e deixam a natureza agir: … a gente
vida. É propiciar à mulher um verdadeiro fica ali com ela na tentativa, esperando… mas
encontro dela consigo mesma, em busca da sem fazer toque, nunca fiz... gosto mesmo é
força que há em si para viabilizar o nascimento de esperar às vezes de Deus, não gosto de
de um novo ser. ficar cutucando ninguém. Nunca ninguém me
Durante o parto, acompanhar a mulher é cutucou, também nunca quis cutucar os
conhecer a arte de esperar, confiando na outros… (Dália).
capacidade inata de parir e nascer. Para Dália, As parteiras mostram que sua prática é
todas não, mas a maioria das mulheres tem orientada para a busca do alívio do sofrimento
menino só; a gente sabe o que tem de fazer, e dos desconfortos que são próprios das
vem da gente mesmo (...) meus meninos circunstâncias do parto, evitando vivências
nasceram sozinhos (...) quando chegava a negativas. Nessa perspectiva, o seu olhar
hora, eu sabia o que fazer, me ajeitava na considera importante preservar a integridade
posição, ficava de cócoras segurada na rede ou da mulher e respeitar o ritmo da natureza:
ajoelhada e nem meu marido via quando o Dália a esse respeito afirma: (…) Deus dá
menino nascia (...) agora tem delas que aquele filho e se o camarada tiver paciência,
precisa do marido para ajudar, segurar, aí a não precisa de ninguém rasgar, não precisa de
gente chama. A figura do pai surge como a ninguém cortar, ele mesmo vem se
primeira pessoa autorizada a fazer parte do encaminhando e vai dilatando, dilatando até
processo e a tocar o corpo da mulher, caso dar o prosseguimento e passar.
haja necessidade, além da comadre. Estes aspectos culturais encontram
(5)
A presença da parteira permite à ressonância nos achados de Gualda em um
parturiente assumir a regência da orquestra do trabalho etnográfico em que a natureza,
nascimento e, com confiança, ser capaz de durante o parto, pode ser definida como o
escolher o tom que melhor poderá contribuir próprio corpo com seus ritmos, transcendendo
para a melodia de estar bem ao longo do os seus limites e integrado ao ambiente
processo. Essa atitude ajuda a mãe e o filho a expresso nas características individuais e
fazerem sua travessia de maneira mais universais. As características individuais
harmônica, possibilitando a chegada de ambos correspondem aos aspectos biologicamente
numa atmosfera saudável e como uma determinados e à singularidade do indivíduo
experiência positiva. como, por exemplo, a maneira de sentir dor e
Os depoimentos indicam que as parteiras o tempo do parto. Em relação à universalidade
cuidam na tentativa de diminuir o desconforto, do aspecto fisiológico do parto, reconhecem o
a dor e agilizar o processo, de forma que a caráter de processo da evolução do trabalho de
mulher descanse logo. As parteiras rezam para parto e suas peculiaridades. Apesar das
fortalecer a fé de que tudo vai acabar bem, mulheres reconhecerem a universalidade de
buscando oferecer à parturiente confiança e sua evolução, percebe as particularidades de
tranqüilidade. Massageiam as costas e a cada experiência. Por isso, diferentes
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esteira da cama… aí a criança nasce… e a gente gente que Deus vem trazendo, ela a acolhe
sustenta... dizendo: louvado seja Nosso Senhor Jesus
Nesse sentido, quando as mulheres Cristo e quem estiver presente responde: para
sentem-se confiantes e não observadas sempre seja Deus louvado. Essa afirmação de
durante o trabalho de parto, é bastante comum louvor e agradecimento está presente na
adotarem posições inclinadas para frente, ou prática da parteira tradicional, sempre que
seja, apoiadas nas mãos e nos joelhos, de uma etapa do processo de nascimento
quatro, pois as variações dessa posição ajudam acontece. Esse tipo de ritual faz parte da
a relaxar a musculatura e reduzir a atividade cultura do nascimento no nordeste brasileiro.
de seu neocórtex, estimulando a liberação de Os tons vitais encontrados nas narrativas
hormônios que promovem contrações uterinas dessas colaboradoras do estudo, falam de um
(7)
efetivas . cuidado sensível, empregando uma tecnologia
Essa é uma postura que ajuda a lidar com simples e adequada, desenvolvida durante o
a dor, em especial nas costas, facilita a rotação processo de nascimento. Esta experiência
do bebê no canal de parto e a descompressão baseia-se no tomar conta da comadre na hora
dos vasos sangüíneos, como a veia cava e a da necessidade. Ficar com ela esperando,
aorta. A postura de quatro permite à mulher fazendo companhia, fazendo suas orações, com
isolar-se do mundo externo com mais paciência. Às vezes, sem fazer nada,
facilidade. Então, ela pode até ousar gritar ou esperando a natureza agir e os desígnios de
fazer coisa que jamais faria em outras Deus, que é quem sabe das coisas. Pode fazer
circunstâncias. Ela esquece o que aprendeu ou uma massagem na barriguinha, oferecer um
o que leu. A posição de quatro é a que mais chá pra ajudar a criança chegar, encorajar a
facilita a redução da atividade neocortical e mulher a ficar na posição de sua preferência,
ajuda a estimular a liberação de hormônios que podendo ser de cócoras, deitada, andando, de
promovem contrações uterinas efetivas. Esta joelhos, de quatro, segurada nas cordas,
visão da parturiente indo para outro planeta, apoiada na rede, sentada no cepo, encostada
de quatro, é altamente sugestiva da conexão na cama ou nos braços do marido ou de outra
entre o nascimento e a oração. Rezar reduz mulher de sua confiança. A criança nasce, é
efetivamente a atividade do neocórtex, que é mais um afilhado de umbigo. O cordão é
(7)
um aspecto privado da vida do ser humano . cortado, amarrado com fio de saco de algodão,
O momento do parto reúne a força do espera-se a saída do resto do parto, é um
universo presente na natureza feminina, que momento perigoso, a mulher pode ter
culmina com a chegada de um novo ser e a hemorragia. Após tudo terminado, o pai festeja
gratificação pelo ato de dar à luz. O parto soltando foguetões no terreiro da casa para
permite à mulher vivenciar o nascimento de anunciar a chegada da criança e dizendo à
uma criança e o surgimento de uma nova vizinhança que está tudo bem, graças a Nossa
mulher. Senhora do Bom Parto. Iniciado o resguardo da
Em Serra Encantada, quando a parteira mulher, a parteira mata uma galinha, prepara
apara a criança, recebe aquele pedacinho de a comida para que ela possa recuperar as
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forças. Depois sai para lavar a roupa. A pólos intimamente ligados: o saber-agir faz
comadre permanece de repouso e seguindo as apelo aos conhecimentos, às habilidades, aos
recomendações para não quebrar o resguardo. recursos que o indivíduo dispõe; o poder-agir
Esse é um ritual de cuidados que acolhe, ressalta o contexto organizacional, no qual ele
encoraja, respeita, fortalece e favorece a evolui e é determinado, entre outros, pelo tipo
oportunidade de cada mulher buscar seu de organização, os meios disponíveis, a
potencial interior para vivenciar a experiência circulação das informações; e, por fim, o
de maneira alegre e prazerosa. querer-agir é testemunho do sentido que toma
As ações de cuidado desenvolvidas pelas a ação para a pessoa, da imagem que ela tem
parteiras tradicionais marcam a contradição de si, da confiança e do reconhecimento que
(8)
com o modelo que privilegia a doença está experimenta .
centrado na medicalização e na intervenção A História Oral cria a oportunidade de
que penaliza as mulheres com o uso de perceber o passado como algo que se faz
tecnologias não adequadas ao processo de presente no momento atual e garante sentido
cuidado ferindo o seu direito de escolha sociocultural à vida dos colaboradores e
garantido pela política de humanização leitores, que passam a entender o ritmo
(2)
desenvolvida pelo Ministério da Saúde . histórico dos acontecimentos e a se sentirem
parte do contexto em que vivem (3).
REFLEXÕES FINAIS Assim, a presença do passado no
Para realização deste estudo, a História presente imediato do ser humano é a razão de
Oral como caminho escolhido ofereceu valiosas ser da História Oral que, por sua vez, é sempre
contribuições na possibilidade de compreender uma história do tempo presente reconhecida
(3)
o significado da experiência de cuidar da como História de Vida .
mulher, no parto e nascimento em casa, por Neste estudo, conhecer o significado da
parte das parteiras tradicionais. experiência ritualizada do cuidado vivenciado
A História Oral de Vida narrada pelas sete pelas parteiras tradicionais, durante o processo
colaboradoras da comunidade de Serra de nascimento em casa, reconhece a
Encantada viabilizou a realização desta necessidade de fortalecer e articular a
pesquisa, numa abordagem qualitativa, o que aproximação desse saber popular com o
(2)
permitiu a essas parteiras tradicionais a conhecimento técnico-científico . Mesmo
oportunidade e a liberdade para contar sua existindo diferentes conhecimentos e práticas
própria história, suas experiências, utilizando- distintas, há a possibilidade de múltiplas zonas
se de seu universo de símbolos e significados. de contato entre as culturas, assim elas se
Assim, compreender a experiência de entrelaçam por meio de relações e troca de
cuidar, durante o processo de nascimento, experiências, na busca de um cuidado coerente
significa reaproximar-se da possibilidade de com o processo de viver saudável em um
realizar ações de saúde que compõem o ambiente harmônico e gerador de saúde.
processo de cuidar. A capacidade de realizar Embora muitos profissionais de saúde não
um ato de cuidado inscreve-se dentro de três tenham uma visão de totalidade dos sujeitos,
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São Paulo: Loyola, 2005.
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1993, 200p. Tese (Doutorado). Escola de
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São Paulo.
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Vida: buscando o significado da hemodiálise
para o paciente renal crônico. Escola de
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9. Le Boterf G. De la Compétence à la
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