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BBS de Química e Ciências Afins

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Identificação

TIT: História da Reelaboração das Idéias sobre Transformação Química - do Conceito


de Afinidade ao Conceito de Equilíbrio
AUT: Grupo de Pesquisa em Educação Química - GPEQ
REF: Interações e Transformações II - Química para o 2o Grau - Livro do Aluno /
GEPEQ/IQ-USP, EDUSP, São Paulo, 1993. Capítulo 15, pag. 151-155.
CLA: Reprod. de capítulo final de livro didático
REC: Alunos e professores de segundo grau
TEM: Transformação, Afinidade química, Revertibilidade e equilíbrio de uma
transformação.
RES: Faz parte da natureza humana sentir curiosidade a respeito do que são feitas as
coisas. Tal incógnita levou muitos pensadores e cientistas a se dedicarem ao estudo da
constituição e transformação dos materiais. Assim, cada idéia que surgia, por exemplo
afinidade química, era integrada às idéias anteriores, sendo as mesmas complementadas
por outras que surgiam depois, por exemplo equilíbrio químico.
ARQ: Metabolizando - Série Beta, BB57007L.DOC
HISTÓRIA DA REELABORAÇÃO DAS IDÉIAS SOBRE TRANSFORMAÇÃO
DAS IDÉIAS SOBRE TRANSFORMAÇÃO QUÍMICA DO CONCEITO DE
AFINIDADE AO CONCEITO DE EQUILÍBRIO

Conhecer como os materiais da natureza se formam e porque se transformam têm sido


preocupação de pensadores desde tempos bem antigos.
Muitas idéias a esse respeito foram emitidas ao longo dos séculos. Assim, por volta de
490-430 a.C., na Sicília, o filósofo Empédocles de Agrigento admitia serem todas as coisas
constituídas por quatro elementos primordiais - água, ar terra e fogo -, unidos em proporções diversas.
Estes "elementos", supunha ele, se combinavam ou se separavam movidos por forças opostas, inerentes
à sua própria natureza, o amor e o ódio.
De acordo com essa suposição, podia-se entender que água e óleo não se misturavam
porque entre eles predomina o ódio. Cal e água se "combinavam" porque entre elas predomina o amor.
Muitos séculos se passaram e as concepções sobre como as coisas se formavam ou se
transformavam foram se modificando. Assim, cerca de vinte séculos após Empédocles surge o filósofo
Alberto Magnus (1193-1280), que explicava as "combinações químicas" admitindo que elas só
ocorriam quando as substâncias apresentavam alguma relação de semelhança entre si. Assim, ele
explicava que o mercúrio e o ouro eram miscíveis entre si e formava o amálgama porque ambos eram
metais e tinham propriedades semelhantes. Desse modo, Magnus introduziu o termo afinidade (de
affinis) para significar "relação química". Contudo, essa idéia mostrava-se contraditória para explicar a
"combinação" entre ácidos e bases (neutralização), substâncias com características tão antagônicas.
Já no século XV, Jean Rey (1630) havia observado que metais quando aquecidos ao ar
aumentam de peso. Assim, considerou o fato não como uma combinação química, mas como algo
semelhante ao que ocorre com a areia, que fica mais pesada quando nela se joga água. Isso porque a
água torna-a úmida, apegando-se até ao menor dos seus grãos.
Contudo, pensadores como Robert Boyle (1627-1691), Mayow (1641-1679), Glauber
(1604-1679), e Stahl (1660-1734) acreditavam que as "combinações" químicas eram devidas à
afinidade, só que a essa "afinidade" atribuíram mais uma característica: ela era eletiva. Em 1674,
Mayow havia verificado que a amônia e o cloreto de hidrogênio se "combinavam" formando um
composto (cloreto de amônio). Esse composto não manifestava nem as propriedades do ácido, nem as
da base. Ao aquecê-lo com potassa (hidróxido de potássio), pôde observar que a amônia era liberada e
que a transformação prosseguia até não restar nenhum vestígio do cloreto de amônio e da potassa.
Mayow explicava que essa transformação ocorria porque a afinidade do ácido pela potassa era maior
do que pela amônia. Descreveu também o fato de o ácido sulfúrico deslocar o ácido nítrico, explicando
que o ácido mais volátil (ácido nítrico) é expelido da sociedade que formava com o álcali pelo ácido
vitriólico (ácido sulfúrico), mais fixo do que ele. Desse modo, pôde constatar o efeito da volatilidade
de um produto sobre o desenvolvimento de uma transformação química. Na época, tabelas de
afinidades que incluíam ácidos e bases foram construídas por Geoffroy (1718). Para se ter uma idéia de
como foram construídas essas tabelas de afinidades, pode-se tomar como exemplo a potassa, uma base
que reage com muitos ácidos. Assim, para se saber com qual dos ácidos ela tem maior afinidade,
Geoffroy propôs: "Se a potassa reagir com um certo ácido, e o produto da reação (um sal) for colocado
em contato com outro ácido, poderá ocorrer a reação entre eles se a afinidade da potassa por esse ácido
for maior do que pelo primeiro". Então, este será deslocado pelo outro ácido. Por exemplo, da reação
entre a potassa e o ácido clorídrico resulta o cloreto de potássio. Este reagirá com o ácido sulfúrico
(vitríolo) deslocando o ácido clorídrico se a afinidade da potassa pelo ácido sulfúrico for maior do que
pelo ácido clorídrico. As tabelas de afinidade, no entanto, representam parte da verdade, pois hoje se
sabe que a volatilidade, a solubilidade, a natureza do meio, a temperatura e a pressão são fatores que
podem mudar o curso de uma transformação química.
Bergmann (1775), baseando-se nas tabelas de afinidade de Geoffroy, generalizou: "Uma
transformação do tipo A + BC Error: Reference source not found AB + C poderá ocorrer
completamente se a afinidade de A por B for maior do que a de B por C". Nessa generalização, pode-se
perceber uma primeira idéias sobre a "extensão" da transformação, ou seja, até onde uma
transformação pode prosseguir impelida pela afinidade. Isso porque o "ocorrer completamente" leva a
supor que naquela época se admitia a possibilidade de a transformação não se completar. No entanto,
anteriormente a Bergmann, Robert Boyle havia realizado inúmeros experimentos através dos quais
coletava dados sobre as transformações químicas. Um desses experimentos envolvia a decomposição
do salitre (nitrato de potássio) por ação do fogo, que produzia o que ele chamou de "nítron volátil" -
ácido nítrico condensado - e "nítron fixo" - carbonato de potássio -, proveniente do carvão usado para
proporcionar o aquecimento. Boyle verificara também que ambos, o fixo e o volátil, poderiam se
recombinar reconstituindo o salitre original. A observação desse fato levou Boyle a admitir que uma
transformação química poderia ser revertida. Prosseguindo em suas pesquisas pôde confirmar a idéia
de revertibilidade, quando realizou a decomposição do cinábrio (sulfeto de mercúrio) em mercúrio
líquido e enxofre "combustível", e conseguiu reverter a transformação ao combinar o mercúrio líquido
e o enxofre, obtendo o cinábrio.
Os fatos pareciam mostrar que a afinidade era a “força motriz” que direcionava, ao
mesmo tempo, tanto a decomposição como a formação de cinábrio, como se fosse uma competição
entre duas transformações opostas possíveis de ocorrer.
Nesse sentido, Claude Louis Berthollet (1748-1822) questionou a teoria das afinidades
eletivas, no artigo que publicou “Researches into the Laws of Affinity” (Cairo, 1799), e no famoso
livro Essai de Statique Chimique. Apoiando-se em suas pesquisas, esse cientista propusera que a
afinidade não poderia atuar como força absoluta por meio da qual uma substância seria deslocada de
seus compostos, como pensava Bergmann. Ela deveria estar presente em todas as combinações e
decomposições. Na concepção de Berthollet, “as reações são geralmente incompletas e ‘reversíveis’ e
tendem a um ‘estado de equilíbrio’, pois existe a possibilidade de os produtos da reação interagirem
reconstituindo as substâncias iniciais”. Nesse aspecto, uma reação tenderia a prosseguir até alcançar
uma “situação de equilíbrio”, em que a força que a impelia no sentido direto (reagentes Error:
Reference source not found produtos) equilibrava a força que impelia no sentido reverso (produtos
Error: Reference source not found reagentes). Naquela época (século XVIII) já era preocupação dos
pesquisadores o controle das transformações químicas no sentido de obter, no menor espaço de tempo,
um bom rendimento de certo produto. Assim, Wenzel (1777), estudando a ação de ácidos sobre os
metais, havia demonstrado que a rapidez de dissolução de metais em ácidos era proporcional à
concentração do ácido. Esse efeito foi chamado “efeito de massa”. Berthollet, considerando o efeito de
massa e as observações que havia feito, pôde concluir que quando dois sais são misturados, os seus
componentes ácido e básico ficam em equilíbrio na solução. A extensão da reação que poderia ocorrer
entre eles dependia em parte da afinidade, em parte da massa presente e em parte de fatos como a
volatilidade e a baixa solubilidade do produto formado - H2CO3, no caso (ou H2O e CO2). Este, sendo
volátil, não poderia permanecer competindo, tenderia a escapar (para Berthollet uma transformação
“reversível” envolvia, na realidade, a competição entre duas transformações opostas). O ácido
sulfúrico, afirmava ele, “decompõe” o cloreto de bário devido à afinidade e também devido à
insolubilidade do sulfato de bário que se deposita e, por isso, não permanece competindo.
Os fatos citados levaram à idéia de que a transformação reversa poderá deixar de ocorrer
se um dos produtos da reação for removido. Nesse caso, a reação ocorrerá no sentido “direto” até
consumir os reagentes, ou pelo menos um deles, e depois “para”. Isso significava que a massa do
produto formado ficava constante, ou seja, não variava mais com o passar do tempo.
Outro aspecto da transformação química que também preocupava os pesquisadores se
referia à rapidez com que ela ocorria.
Ludwig Wilhemy (1850) investigou pela primeira vez a rapidez de uma reação ao
estudar a hidrólise da sacarose em meio ácido e acompanhando o progresso da mesma por meio de um
polarímetro. Nesse estudo, ele utilizou diversos ácidos em diferentes concentrações, variando as
quantidades de açúcar e trabalhando em diversas temperaturas. Nessas condições, levando em conta
todos esses fatores, pôde concluir que “a quantidade de açúcar que se transformou (dM) em um
pequeno intervalo de tempo (dt) era proporcional à massa total (M) presente”. Chegou, assim, a uma
expressão matemática que representa a rapidez de uma transformação - dM/dt = kM, onde k é uma
constante. Os trabalhos de Wilhemy foram um grande passo no estudo da afinidade e, ainda em 1860,
Williamson veio contribuir ainda mais nesse sentido, afirmando: “Se uma transformação química se
realizar num determinado intervalo de tempo, no sentido da formação dos produtos e estes, por sua
vez, interagirem reconstituindo os reagentes, haverá um momento em que as duas transformações
ocorrerão com a mesma rapidez, estabelecendo-se entre elas um ‘equilíbrio’ ”.
Muitas transformações foram sendo estudadas e os diversos aspectos da “condição de
equilíbrio” foram desvendados. Em 1855, J. H. Gladstone, estudando a reação entre nitrato de ferro
(III) e tiocianato de potássio, pôde comprovar que uma mudança de massa de um dos participantes da
transformação causava também mudanças nas massas de todos os outros participantes. Pouco tempo
depois, Marcelin Berthelot e Péan de Saint-Gilles (1862-1863) estudaram a transformação chamada
esterificação, que se verifica entre um ácido e um álcool.

álcool + ácido éster + água

Eles observaram que essa transformação “parava” em um dado instante. Sendo assim, a
transformação nunca se completava, mas aproximava-se de um “limite”, que correspondia ao
“equilíbrio”. Eles determinavam a cada intervalo de tempo a quantidade de ácido que ainda não havia
se transformado. A partir desse dados determinavam a quantidade de éster formado a cada instante e,
assim, puderam concluir que “a quantidade de éster formado a cada instante era proporcional ao
produto das massas das substâncias reagentes e inversamente proporcional ao volume”. Todas essas
observações reunidas levaram Guldberg e Waage (1863-1867) à lei da ação das massas: “A velocidade
de uma transformação química é proporcional às massas ativas (concentração) das substâncias
reagentes”.
Por volta de 1899, fins do século XIX, J. H. Van't Hoff estudou a influência da
temperatura numa transformação em equilíbrio, observando que a elevação de temperatura favorecia a
transformação endotérmica e o abaixamento, a exotérmica. Todas as observações feitas até então foram
condensadas por Le Chatelier, já no século XX, através do seu “princípio da moderação”: “Quando as
condições de um sistema em equilíbrio são alteradas, este se desloca no sentido de restabelecer as
condições iniciais”.
Assim, o conceito de “equilíbrio” nasceu como uma forma de explicação para fatos
experimentais e foi se modificando através dos tempos, à medida que novos aspectos das
transformações químicas foram sendo evidenciados pela experimentação:

1- O amor e o ódio governavam a união ou a separação dos quatro elementos - terra, ar, fogo e
água - presentes em toda a matéria.
2- O termo afinidade foi usado para designar a tendência à combinação entre as substâncias.
Somente substâncias com alguma característica semelhante poderiam combinar-se entre si.
3- A afinidade é eletiva, preferencial. Se uma substância A tiver maior afinidade por uma
substância B, do que a substância B tem pela C, então, a reação A + BC Error: Reference
source not found AB + C poderá ocorrer completamente e a substância C será deslocada por A
do composto BC.
4- As transformações são incompletas porque são “reversíveis” e tendem a um estado de
“equilíbrio”, no qual a força que impulsiona a reação direta equilibra a força que impulsiona a
reação reversa.
5- O progresso de uma reação depende em parte da afinidade, em parte da massa presente e em
parte da volatilidade ou da baixa solubilidade do produto formado. Esses fatores afetam o curso
de uma reação.
6- No “equilíbrio” ocorrem duas transformações em sentidos opostos com a mesma rapidez.
7- Mudança de massa de um dos participantes de uma reação em “equilíbrio” causa mudança nas
massas de todos os outros.
8- Quando as condições de um sistema em equilíbrio são alteradas, este se desloca no sentido de
restabelecer as condições iniciais.

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