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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA COMUNICAÇÃO - CCHC


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL –
PPGDR
DOUTORADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

ADRIANA DIAS PASCO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO POSSIBILIDADE OBJETIVA:


CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA O
DESENVOLVIMENTO REGIONAL (PROESDE) / DESENVOLVIMENTO FURB

BLUMENAU
2022
ADRIANA DIAS PASCO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO POSSIBILIDADE OBJETIVA:


CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA O
DESENVOLVIMENTO REGIONAL (PROESDE) / DESENVOLVIMENTO FURB

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Desenvolvimento Regional da Universidade
Regional de Blumenau como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutora em
Desenvolvimento Regional.

Orientador: Prof. Dr. Oklinger Mantovaneli Júnior

BLUMENAU
2022
AGRADECIMENTOS

Agradeço à FAPESC, pela bolsa de pós-graduação que possibilitou a dedicação


exclusiva ao doutorado.
Agradeço à FURB, local onde realizei praticamente toda a minha formação em nível
superior e boa parte da minha trajetória profissional, desde a graduação, o trabalho
administrativo, até a experiência mais entusiástica como docente. Mais do que isso, frequento
a FURB desde a infância, quando era uma universidade ainda mais aberta à comunidade, sem
muros ou grades, com uma biblioteca (como ainda é) referência na região. Aliás, credito uma
parte do meu gosto pelos estudos e curiosidade de pesquisa ao curto período que frequentei a
Escola Freinet de Blumenau, projeto de extensão no formato de Colégio de Aplicação da FURB,
nos idos da década de 1980, e que possuía uma pedagogia inovadora e instigante.
Agradeço ao PPGDR, local que me possibilitou desenvolver atividades de pesquisa
desde a iniciação científica, onde o primeiro choque em relação à visão multidimensional do
desenvolvimento se daria, bastante distanciado do cotidiano da graduação. Ali tive a satisfação
de aprender com grandes mestres, dos quais tenho profunda admiração pelos professores Carlos
Alberto Cioce Sampaio, Cristiane Mansur de Moraes Souza, Ivo Marcos Theis, Luciano Felix
Florit, Valmor Schiochet, Clóvis Reis…
Ao Prof. Oklinger Mantovaneli Júnior é necessário um agradecimento especial pela
orientação dedicada ao meu trabalho e formação, pela convivência de muito aprendizado
durante a trajetória de doutoramento no ambiente do NPP do PPGDR, pela serenidade e
comprometimento com que conduziu as orientações com disponibilidade e respeito aos tempos
inerentes ao processo de aprendizagem. Mas sobretudo, pela firme confiança no diálogo como
processo formativo, algo que não defende somente em suas construções teóricas, mas na prática
da convivialidade.
Ao Prof. Carlos Alberto Cioce Sampaio, por ter apresentado os caminhos da pesquisa
desde a iniciação científica, e pelas muitas contribuições para o doutoramento.
Ao Prof. Ivo Marcos Theis, que em parceria com o Prof. Oklinger coordenaram e
tutoriaram as atividades do PROESDE / Desenvolvimento FURB, além de realizar importantes
contribuições para a tese.
Às Secretárias do PPGDR, Eunice Hasckel e Kathlenn Simone Hüskes, cujo
comprometimento com suas atividades e com as pessoas com as quais se relacionam
profissionalmente é um exemplo de conduta orientada à solução das questões que se apresentam
no suporte burocrático.
Aos demais membros da banca, Prof. Tânia Maria dos Santos Nodari e Valeska Cristina
Barbosa, pela disponibilidade e contribuição.
Aos colegas de trajetória no PPGDR, com os quais pude contar de diferentes formas
durante os mais de quatro anos de convivência: monitores-tutores do PROESDE e colegas,
especialmente Valeska Cristina Barbosa, Jaqueline da Silva, Paula Sofia da Igreja, Annemara
Faustino, Vandreza Amante, Flávia Keller Alves, Roberta Giraldi Romano, Luciano Marcelo
França, Leonardo Furtado da Silva. Às bolsistas de iniciação científica que levantaram
importantes dados para a pesquisa da tese, Mery Carolina Andrade de Paula, Aline Vanessa da
Silva e Lidia Walende Belengue.
À Jackeline Gomes de Oliveira e Ramon Cunha, que durante a pandemia de COVID-19
me acolheram com um espaço inspirador de “coworking” na Greenplace Park, quando a
concentração no espaço doméstico estava prejudicada.
Agradeço profundamente aos meus pais, Rubia Hosang Dias e Renato Francisco Dias,
pelo amor, convívio, apoio e ensinamentos durante toda minha vida; e ao companheirismo
irrestrito de minhas irmãs, Nicole Dias e Sabrina Dias.
Agradeço ao meu companheiro de vida dos últimos dezoito anos, Jesús Malpartida
Pasco, pela alegria na convivência e pelo apoio em vencer esse desafio.
Finalmente, agradeço à minha filha, Marina Dias Pasco, pela oportunidade de exercer
um dos papeis mais definitivos e provavelmente mais marcantes das nossas vidas, por me
instigar a compreender a educação pelo processo convivial em nível particular. E também pelas
tantas vezes que precisei explicar à ela o que estava fazendo ou escrevendo e, no exercício de
simplificação junto aos questionamentos ingênuos que ela fazia, pude dimensionar ainda
melhor a importância deste trabalho e… continuar agindo e escrevendo!
FINANCIAMENTO

A tese foi realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de
Santa Catarina (FAPESC) em conjunto com a Universidade Regional de Blumenau (FURB),
por meio do Programa FAPESC de Recursos Humanos em CTI – Bolsas de Mestrado e
Doutorado.
RESUMO

Este trabalho foi realizado no âmbito do Núcleo de Políticas Públicas (NPP), na linha de
pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento no Território, do Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da Universidade Regional de Blumenau (FURB),
tendo sido também vinculado ao programa de extensão denominado Observatório do
Desenvolvimento Regional da mesma instituição. O campo de estudo do desenvolvimento
regional se origina em fins do século XIX, com a preocupação fundamental de compreender as
razões pelas quais algumas regiões se desenvolviam e outras não, em um contexto que associava
de forma restrita a compreensão do desenvolvimento ao crescimento econômico e ao progresso.
Somente mais adiante problemáticas como as questões sociais e ambientais passariam a ser
levadas em consideração, fazendo despontar uma série de qualificações para o termo, a exemplo
do desenvolvimento sustentável. Partindo desta constatação e da execução da política pública
estadual denominada Programa de Educação Superior para o Desenvolvimento Regional
(PROESDE) na FURB, a presente pesquisa objetivou avaliar a convergência entre o processo
de educação tutorial do PROESDE na FURB - no período de 2009 a 2019, e a estratégia de
desenvolvimento sustentável expressada pela Agenda Global de Desenvolvimento
(ODM/ODS), a partir do enfoque multidimensional possibilista nas Teorias do
Desenvolvimento Regional (TDRs). A orientação metodológica geral da pesquisa foi
predominantemente qualitativa, delineada com a técnica de pesquisa-ação. Para alcançar o
objetivo geral, foram determinados três objetivos específicos, cada qual constituindo um
capítulo da tese. O primeiro objetivo específico foi o de realizar a interrelação entre
desenvolvimento regional, abordagem multidimensional possibilista e o desenvolvimento
sustentável. O percurso metodológico do capítulo correspondente envolveu um estudo
exploratório sobre a abordagem multidimensional e a Teoria da Delimitação dos Sistemas
Sociais (TDSS) nas teorias de Alberto Guerreiro Ramos, notadamente em algumas das obras
de maior repercussão, a saber: A redução sociológica, Homem organização e homem
parentético, Modernização em nova perspectiva e, A nova ciência das organizações; e a revisão
sistemática de literatura sobre as TDRs com análise de conteúdo. O segundo objetivo específico
serviu à tarefa de contextualizar a experiência do PROESDE na FURB enquanto política
pública de abordagem multidimensional possibilista de formação para o desenvolvimento
regional. Do ponto de vista metodológico tratou-se de um capítulo descritivo-analítico para
compreensão da implementação do programa em sua trajetória processual, no qual a pesquisa-
ação foi a operação principal registrada em diários de campo. Adicionalmente foram coletados
dados por meio de entrevistas com atores sociais envolvidos no programa, e em fontes
documentais. Assim, a organização da análise do programa foi baseada em três eixos, a saber:
eixo político-administrativo, eixo cognitivo e eixo comunicacional e de práticas; além de um
subtópico que tratou da avaliação por parte dos discentes. O terceiro objetivo específico teve a
função de propor pressupostos para programas de educação para o desenvolvimento sustentável
no contexto do desenvolvimento regional, com foco na dimensão ético-política. O percurso
metodológico do capítulo envolveu levantamentos bibliográficos que identificaram os avanços
de aplicação da TDSS e discutiram o papel da universidade frente aos desafios do
desenvolvimento. Além destes levantamentos, foram documentadas sugestões para o melhor
enquadramento do programa na estratégia de desenvolvimento sustentável com abordagem
multidimensional possibilista. Foi possível concluir que há convergência entre a abordagem
multidimensional possibilista, as TDRs e o desenvolvimento sustentável. Embora tal
abordagem não seja encontrada de forma declarada no processo de educação tutorial do
PROESDE na FURB, a implementação da política pública realiza esforços no sentido de se
posicionar como um sistema cognitivo tanto de suporte como de exercício da abordagem
substantiva das organizações da sociedade. Finalmente, um conjunto de recomendações de
aprofundamento desta abordagem é sugerido para que o programa avance no planejamento da
estratégia para a composição de territórios formativos, dentre elas: declaração de incorporação
da dimensão ético-valorativa como orientadora do programa, aprofundamento da autonomia
universitária para a governança nas regiões, aumento da duração do programa, criação de
estratégias de captação de recursos e realização de planejamento de ações em horizonte
temporal de médio e longo prazos.

Palavras-chave: Teorias do Desenvolvimento Regional (TDRs). Teoria da Delimitação dos


Sistemas Sociais (TDSS). Possibilidades Objetivas. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS). Programa de Educação Superior para o Desenvolvimento Regional (PROESDE).
RESUMEN

Este trabajo fue realizado en el Núcleo de Políticas Públicas (NPP), en la línea de investigación
sobre el Estado, Sociedad y Desarrollo del territorio, en el Programa de Post-Graduación en
Desarrollo Regional (PPGDR) de la Universidad Regional de Blumenau (FURB), habiendo
sido también vinculado al programa de extensión denominado Observatorio de Desarrollo
Regional de la misma institución. El campo de estudio del desarrollo regional tuvo sus orígenes
a finales del siglo XIX, con la preocupación fundamental de comprender las razones por las
cuales algunas regiones se desarrollaban y otras no, en un contexto que asociaba literalmente el
término desarrollo a los términos crecimiento económico y progreso. Sólo tiempo después, las
problemáticas sociales y ambientales serian llevadas en consideración, apareciendo una serie
de nuevos significados para el término, como por ejemplo el desarrollo sostenible. Partiendo de
esta constatación y de la ejecución de la política pública estatal “Programa de Educación
Superior para el Desarrollo Regional” (PROESDE), la presente investigación tuvo como
objetivo evaluar la convergencia entre el proceso de educación tutorial del PROESDE en la
FURB (período 2009 a 2019) y la estrategia de desarrollo sostenible expresada por la Agenda
Global de Desarrollo (ODM/ODS), a partir del enfoque multidimensional posibilista que se
encuentra en las Teorías del Desarrollo Regional (TDRs). La orientación metodológica general
de la investigación fue predominantemente cualitativa, delineada con la técnica de
investigación-acción. Para alcanzar el objetivo general fueron realizados tres objetivos
específicos, cada uno constituyendo un capitulo de esta tesis. El primero fue el de
interrelacionar el desarrollo regional, el abordaje multidimensional posibilista y el desarrollo
sostenible. El recorrido metodológico de este capítulo envolvió un estudio exploratorio sobre
el abordaje multidimensional y la Teoría de la Delimitación de los Sistemas Sociales (TDSS)
encontrados en las teorías de Alberto Guerreiro Ramos, principalmente en sus obras de mayor
repercusión: “La reducción sociológica”, “Hombre organización y hombre parentético”,
“Modernización en nueva perspectiva” y “La nueva ciencia de las organizaciones”. También
fue realizado una revisión sistemática y el análisis de contenido de la literatura existente sobre
las TDRs. El segundo objetivo específico permitió contextualizar la experiencia del PROESDE
en la FURB como una política pública de abordaje multidimensional posibilista de formación
para el desarrollo regional. Desde el punto de vista metodológico se trató de un capítulo
descriptivo/analítico necesario para conocer la trayectoria del proceso de la implementación del
programa. En este capítulo el método de investigación-acción fue la operación principal, siendo
registrada en diarios de campo. Adicionalmente fueron colectados datos a partir de fuentes
documentales y por medio de entrevistas a actores sociales relacionados con el programa. Así,
la organización del análisis del programa fue basado en tres ejes: eje político-administrativo,
eje cognitivo y eje comunicacional y de prácticas. También el análisis incluyó un sub-tópico
con la evaluación de los discentes. El tercer objetivo específico tuvo como función proponer
directrices para programa de educación para el desarrollo sostenible en el contexto del
desarrollo regional, y esto desde un punto de vista ético-político. En esta parte, el recorrido
metodológico incluyó revisiones bibliográficas sobre los avances de la aplicación de la TDSS
y sobre el papel de la universidad frente a los desafíos del desarrollo. Aparte de estas revisiones
fueron documentados sugerencias para el mejor encuadramiento del programa en la estrategia
del desarrollo sostenible con el abordaje multidimensional posibilista. Como conclusión fue
posible identificar que existe una convergencia entre el abordaje multidimensional posibilista,
las TDRs y el desarrollo sostenible. A pesar de tal abordaje no ser declarado en el proceso de
educación tutorial del PROESDE en la FURB, la implementación de la política pública realiza
esfuerzos en el sentido de posicionarse como un sistema de aprendizaje tanto como soporte
como de ejercicio del abordaje substantivo de las organizaciones de la sociedad. Finalmente,
son sugeridos un conjunto de recomendaciones para profundizar este abordaje, con la finalidad
de que el programa avance en la planificación de la estrategia de composición de territorios
formativos. Entre estas tenemos: generar la declaración de incorporación de la dimensión ético-
valorativa como guía del programa; robustecer la autonomía universitaria para gobernanza de
las regiones, aumento de la duración del programa; generación de estrategias de captación de
recursos y planificación de acciones en un horizonte temporal a medio y largo plazo.

Palabras-clave: Teorías de Desarrollo Regional (TDRs). Teoría de la Delimitación de los


Sistemas Sociales (TDSS. Posibilidades Objetivas. Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS).
Programa de Educación Superior para el Desarrollo Regional (PROESDE).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Evolução das publicações em chaves de busca relacionadas ao desenvolvimento


sustentável e educação (2008 – 2018) ...................................................................................... 32
Figura 2 - Ranking de publicações por países (dez principais) em “Desenvolvimento
sustentável” + “educação” (2008 – 2018) ................................................................................ 33
Figura 3 – Ranking de publicações por países (dez principais) em “Objetivos do
desenvolvimento sustentável” + “educação” (2008 – 2018) .................................................... 33
Figura 4 - Ranking de publicações por países (dez principais) em “Objetivos de
desenvolvimento do milênio” + “educação” ............................................................................ 34
Figura 5 - Ranking de publicações por países (dez principais) em “Educação para o
desenvolvimento sustentável” .................................................................................................. 34
Figura 6 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Desenvolvimento
sustentável” + “educação” ........................................................................................................ 35
Figura 7 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Objetivos do
desenvolvimento sustentável” + “educação”............................................................................ 35
Figura 8 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Objetivos de
desenvolvimento do milênio” + “educação” ............................................................................ 36
Figura 9 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Educação para o
desenvolvimento sustentável” .................................................................................................. 36
Figura 10– Rede de atores do processo de governança PROESDE / Desenvolvimento FURB
................................................................................................................................................ 231
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Quantidade de documentos encontrados nas bases de dados por termo de busca .. 31
Tabela 2 - Quantidade de documentos publicados sobre PROESDE nas bases de dados ....... 37
Tabela 3 - % de alunos por Grande Área da CAPES ............................................................. 172
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Resumo de abordagem dos capítulos da tese ........................................................ 41


Quadro 2 - Comparativo entre paradigmas............................................................................... 77
Quadro 3 – Comparativo didático entre Teoria P e Teoria N ................................................... 80
Quadro 4 – Resumos das abordagens sobre TDR .................................................................... 97
Quadro 5 – Categorias de enfoque multidimensional possibilista do desenvolvimento ........ 105
Quadro 6 – Resultados das análises de unidades de contexto ................................................ 108
Quadro 7 - Regulamentação do PROESDE desde a criação (2015 até 2019) ........................ 134
Quadro 8– Comparativo entre atitude parentética e comportamento organizacional ............ 162
Quadro 9 – Distribuição dos cursos de graduação de origem dos estudantes do PROESDE /
Desenvolvimento FURB, no período de 2014 a 2019 ............................................................ 171
Quadro 10 – Falas sobre interdisciplinaridade do PROESDE nas entrevistas ....................... 175
Quadro 11 - Interações com comunidade e especialistas no âmbito do PROESDE /
Desenvolvimento FURB – 2017 a 2009 ................................................................................. 179
Quadro 12- Resumo de trechos das entrevistas que abordaram as atividades práticas no
PROESDE / Desenvolvimento FURB.................................................................................... 182
Quadro 13– Evidências de abordagem multidimensional possibilista no PROESDE /
Desenvolvimento FURB ........................................................................................................ 188
Quadro 14 - Consulta à publicações que abordam a TDD e a paraeconomia ........................ 206
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 17
1.1 CRÍTICA AO ATUAL MODELO DE DESENVOLVIMENTO E
EMERGÊNCIA DE UM NOVO PARADIGMA .................................................. 17
1.1.1 Agenda Global de Desenvolvimento ................................................................... 22
1.1.2 Educação e desenvolvimento sustentável ........................................................... 25
1.2 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL – PROESDE / DESENVOLVIMENTO FURB ............................... 27
1.3 OBJETIVOS........................................................................................................... 29
1.4 JUSTIFICATIVA ................................................................................................... 30
1.5 PERCURSO METODOLÓGICO GERAL ............................................................ 38
2 O ENFOQUE MULTIDIMENSIONAL NA TEORIA DO
DESENVOLVIMENTO REGIONAL................................................................ 45
2.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 45
2.1.1 Percurso Metodológico ........................................................................................ 46
2.2 A CONSTRUÇÃO DA TEORIA DA DELIMITAÇÃO DOS SISTEMAS
SOCIAIS (TDSS): PRENÚNCIO DE UMA ABORDAGEM
MULTIDIMENSIONAL DO DESENVOLVIMENTO A CAMINHO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL? ......................................................... 47
2.2.1 Antecedentes da Redução Sociológica ................................................................ 48
2.2.2 Sobre A Redução Sociológica .............................................................................. 51
2.2.3 Sobre a Atitude Parentética ................................................................................ 58
2.2.4 Sobre a Sociedade Multicêntrica e o Paradigma Paraeconômico.................... 64
2.2.5 O modelo de Possibilidades ................................................................................. 77
2.2.6 Desenvolvimento em Guerreiro Ramos – prenúncios da estratégia de
desenvolvimento sustentável?.............................................................................. 82
2.2.7 Desenvolvimento Sustentável como estratégia: ODM e ODS .......................... 85
2.3 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL (TDR) – VISÃO
EXPLORATÓRIA ................................................................................................. 88
2.4 HÁ ENFOQUE MULTIDIMENSIONAL NA TDR? ........................................... 96
2.4.1 A abordagem multidimensional e categorias de análise complementares ...... 99
2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 112
3 PROESDE / DESENVOLVIMENTO FURB E ODM/ODS:
POSSIBILIDADES ENTRE A POLICY E A POLITICS. ............................ 124
3.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 124
3.1.1 Percurso Metodológico ...................................................................................... 124
3.2 POLÍTICAS PÚBLICAS ..................................................................................... 126
3.3 ANTECEDENTES DO PROESDE ..................................................................... 130
3.4 CARACTERIZAÇÃO DO PROESDE COMO POLÍTICA PÚBLICA
ESTADUAL ......................................................................................................... 132
3.5 PROESDE / DESENVOLVIMENTO FURB ...................................................... 141
3.5.1 Eixo político-administrativo .............................................................................. 141
3.5.2 Eixo cognitivo...................................................................................................... 153
3.5.3 Eixo comunicacional e de práticas .................................................................... 177
3.5.4 A Avaliação do PROESDE / Desenvolvimento FURB por parte dos
estudantes de graduação .................................................................................... 186
3.6 RESULTADOS POR CATEGORIAS DE ANÁLISE ........................................ 187
3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 190
4 PROPOSTA DE EDUCAÇÃO IMBRICADA NA ABORDAGEM
MULTIDIMENSIONAL POSSIBILISTA DO DESENVOLVIMENTO ..... 198
4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 198
4.1.1 Percurso metodológico ....................................................................................... 199
4.2 BASES DA CIÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES TRADICIONAL E
HEGEMÔNICA – OU AO QUE A ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL
POSSIBILISTA SE CONTRAPÕE ..................................................................... 199
4.3 BASES E ESTRATÉGIAS DA TDSS – UM COMPILADO SINTÉTICO ........ 202
4.4 AVANÇOS E ATUALIZAÇÕES DA TDSS ...................................................... 205
4.5 PAPEL DA UNIVERSIDADE NA TEORIA DA DELIMITAÇÃO DOS
SISTEMAS SOCIAIS .......................................................................................... 214
4.5.1 Autonomia e funções da universidade .............................................................. 214
4.5.2 Universidade como espaço de construção de possibilidades objetivas .......... 221
4.6 O PAPEL DO PROESDE / FURB NA CONSTRUÇÃO DE POSSIBILIDADES
OBJETIVAS......................................................................................................... 223
4.6.1 A autonomia do PROESDE / Desenvolvimento FURB................................... 224
4.6.2 O ambiente pedagógico do PROESDE / Desenvolvimento FURB................. 227
4.6.3 Governança para a construção de possibilidades objetivas ........................... 230
4.6.4 Captação e alocação de recursos ....................................................................... 236
4.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 237
REFERÊNCIAS................................................................................................. 240
5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 243
17

1 INTRODUÇÃO

Sob o viés teórico da modernização e sobretudo a partir do final da 1ª Guerra Mundial,


muito se discutiu na academia acerca de processos de desenvolvimento, comumente associados
com progresso ou crescimento econômico. Autores que defendiam esta ótica reducionista
polarizavam o mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, preconizando a existência
de um arquétipo ideal de desenvolvimento atribuído aos Estados Unidos e à Europa Ocidental,
a ser seguido pelos países subdesenvolvidos, de modo que pudessem encontrar a “porta de
saída” para um estágio superior e, finalmente, “desenvolver-se” (Ramos, 2009).
Ainda que, na prática, esta redução conceitual continue atual mesmo nos espaços
acadêmicos, os novos tempos se apresentam com maiores subsídios teóricos e práticos para
mudanças no entendimento dos processos de desenvolvimento. FURTADO (1980) salienta que
o interesse dos teóricos na temática do desenvolvimento por meio de estudos de estratificação
social cresceu somente à medida em que foram sendo explicitadas as relações entre
subdesenvolvimento e estruturas de dominação, ao passo que problemas socioeconômicos do
hemisfério Sul passaram a ser evidenciados. É quando tiveram início as análises que levam em
conta mais fatores e dimensões do desenvolvimento numa perspectiva interdisciplinar. Neste
sentido, Guerreiro Ramos (2009) é também expoente de uma teoria do desenvolvimento que
realiza críticas contundentes às visões do modelo tradicional e propõe um conceito de
desenvolvimento focado em identidades locais, em sincronia com o espaço global, sugerindo o
que ele denominou “possibilidades objetivas”.

1.1 CRÍTICA AO ATUAL MODELO DE DESENVOLVIMENTO E EMERGÊNCIA


DE UM NOVO PARADIGMA

Mas foi a partir do Relatório de Brundtland (CDMA, 1987), na década de 1980, que o
termo desenvolvimento passou a ser difundido de modo adjetivado, denominado
“desenvolvimento sustentável” ou em alguns círculos acadêmicos “ecodesenvolvimento”.
Agregou-se, então, novas premissas e elementos de análise para expressar um estilo de
desenvolvimento mais justo e ecologicamente prudente.
Ao se adjetivar o desenvolvimento, percebe-se, por um lado, que a questão ambiental
ganhou fôlego e rendeu discussões ao longo dos últimos 40 anos. Contudo, por outro lado, há
que se aprofundar neste contexto o entendimento de que os próprios danos ambientais
intrínsecos ao modelo de desenvolvimento hegemônico são consequência de um modo de vida
18

predominantemente individualista, consumista e economicista que expressa uma crise de


valores e projetos (LEFF, 1994). Portanto, há que se admitir que a problemática ambiental é
fundamentalmente uma problemática social, cuja complexidade deve ser sistematicamente
entendida e praticada, para além de modelos (FERNANDES e SAMPAIO, 2016).
Gudynas (2004) transcorre os principais eventos que trouxeram à tona o
desenvolvimento sustentável para apresentar algumas constatações úteis à presente análise.
Para o autor, o Relatório “Limites do Crescimento” é tido como a semente da discussão que
desembocaria anos mais tarde no conceito de desenvolvimento sustentável. Encomendado pelo
Clube de Roma em 1972, este relatório apontava que o crescimento econômico continuado
levaria a um colapso mundial pelo aumento da taxa de mortalidade em função da poluição ou
da extinção dos recursos naturais. O relatório gerou um confronto entre aqueles que acreditavam
no progresso econômico como única forma de desenvolvimento e os que apelavam para a
conservação ambiental. Isso ocorreu de forma ainda mais intensa na América Latina, no
momento em que o continente experimentava o avanço da industrialização, mas que mesmo
assim Ignacy Sachs conseguiu atingir relativa disseminação de ideias conservacionistas sob o
rótulo do ecodesenvolvimento.
Em nível mundial um importante passo foi dado em direção ao desenvolvimento
sustentável a partir da elaboração do documento denominado Primeira Estratégica Mundial para
a Conservação, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUD).
Nesta ocasião, o conceito de desenvolvimento sustentável estava orientado para a melhoria da
qualidade de vida do homem, conquanto seria necessário inserir as dimensões ecológica e
social, além da dimensão econômica, ao processo de desenvolvimento. Ou seja, haveria que se
equilibrar as necessidades humanas com a disponibilidade de acesso à recursos. O entrave à
solução desta equação era tanto maior quanto o distanciamento entre o reducionismo econômico
e o reducionismo ecológico que era difundido nas universidades e que excluía o fator humano,
e portanto social, dos temas ambientais. Isto porque aceitava-se apenas compreender os
sistemas ecológicos a partir da relação entre os seres vivos, excetuando-se os humanos. Por
outro lado ainda, propagava-se a visão da ecologia como uma ciência neutra que estaria alheia
aos assuntos de desenvolvimento (GUDYNAS, 2004).
Assim, o Relatório Nosso Futuro Comum, representou um avanço no equilíbrio das
tensões: “la contradicción que se vivía entre la conservación y el crecimiento económico fue
re-interpretado. En efecto, el marco ecológico que antes se entendía como un obstaculo
insalvable para el crecimiento, pasó a ser una necesidad para asegurarlo.” (CDMA, 1987, p.
55).
19

Escrito a partir de uma comissão instituída no seio da ONU para tratar questões de meio
ambiente e desenvolvimento, o relatório teve grande impacto mundial e sua proposta de solução
passaria a contabilizar os recursos naturais como custos dos processos de crescimento, já que,
em nível mundial, a ideia de adotar o crescimento zero era algo inconcebível, dada a
compreensão de que o desenvolvimento não poderia estar desatrelado do crescimento
econômico.
Os anos seguintes foram de forte produção acadêmico-científica sobre a relação entre
economia e ecologia. A discussão permeava também outros ambientes institucionais e a esfera
empresarial mundial, e desembocou na Eco Rio 92. A Eco Rio 92 foi um encontro
governamental sobre desenvolvimento sustentável, realizado na cidade do Rio de Janeiro, que
reuniu o maior número de representantes governamentais de nações vinculadas à ONU, no ano
de 1992. Foi, ainda, o espaço em que organizações e instituições apresentaram seus pontos de
vista sobre a relação entre meio ambiente e desenvolvimento ao passo que uma série de
documentos, tais como a Agenda 21, resultaram deste processo, no sentido de unir crescimento
econômico com conservação ambiental. O encontro não resultou em receitas, contudo a
sinalização era de que a eficiência tecnológica, a precificação de recursos naturais e a livre
concorrência de mercados poderia assegurar o desenvolvimento sustentável.
Com o passar dos anos seguintes e unindo a questão das mudanças climáticas à
discussão do meio ambiente e desenvolvimento, a posição conservadora de alguns países,
sobretudo os Estados Unidos, começou a ficar mais evidente quando chamados à prática, ao
que se pode exemplificar com a ausência do país no rol de signatários do Protocolo de Kyoto.
Para Gudynas (2004), o modismo relacionado ao termo desenvolvimento sustentável o
faz quase onipresente nos discursos. Além disso, há inúmeras iniciativas de desenvolvimento
sustentável que englobam as mais variadas ações pelo mundo todo, o que faz com que o autor
conclua que se trata de um conceito plural que, ainda assim, teve poucos alcances em termos
de melhora de indicadores ambientais. Desta forma, para o autor as pautas podem ser resumidas
em três níveis, da seguinte forma - a sustentabilidade débil, forte e super forte:
 A chamada sustentabilidade débil prioriza a dimensão econômica do
desenvolvimento e não confronta a ideologia de progresso. Porém, aceita a
dimensão ambiental, capitaliza a natureza e enxerga uma possível articulação
entre progresso e gestão ambiental. As decisões são, em geral, tomadas em nível
técnico (enfoque técnico).
 A sustentabilidade forte, de nível intermediário, avança na crítica da ideologia
progressista e permanece com a capitalização da natureza, mas insere na questão
20

a necessidade de se trabalhar com estoques mínimos de preservação ambiental.


O enfoque das decisões neste caso é técnico-político (enfoque técnico-político).
 Finalmente, a sustentabilidade super forte distancia-se da ideologia de progresso
e o meio ambiente natural e tem uma valoração além da econômica, para o qual
se usa o conceito de Patrimônio Natural. A natureza, neste nível de
sustentabilidade, tem valor em si mesma, independente de sua utilidade
potencial para o ser humano. Há também a incorporação de uma pluralidade de
valorações dos seres humanos, ao que o enfoque decisional se dá no campo
político, no embate entre diferentes argumentações e ideias (enfoque político).
Martínez Alier (2007) contribui com esta visão plural do conceito de desenvolvimento
sustentável quando avalia a inserção da dimensão ambiental na preocupação com os processos
de desenvolvimento. Para o autor, há três correntes que se pode identificar dentro da corrente
ecologista, a saber: o culto à vida silvestre, o evangelho da ecoeficiência e o ecologismo dos
pobres. Na ótica do autor, as duas primeiras correntes possuem abordagens utilitaristas e
mercadológicas, coexistem e em muitos casos se entrelaçam. Em contrapartida, a última
corrente desafia as duas anteriores. Originária dos Estados Unidos, na década de 1980, o
ecologismo dos pobres partiu da constatação da contaminação do ar, do despejo de resíduos
tóxicos em áreas periféricas, dentre outras mazelas relacionadas àquele país. Nos países
chamados de Terceiro Mundo o ecologismo dos pobres encontra espaço nas organizações
apoiadas na agroecologia, etnoecologia, ecologia política, ecologia urbana e economia
ecológica, além da sociologia ambiental. Segundo o autor (p. 34), o foco desta terceira corrente
não está no sagrado da natureza ou em sua condição estética, mas, em um “interesse material
pelo meio ambiente como fonte de condição para a subsistência; não em razão de uma
preocupação relacionada com os direitos das demais espécies e das futuras gerações de
humanos, mas, sim, pelos humanos pobres de hoje”.
Adicionalmente, Vieira (2009) aponta que a noção de meio ambiente intrínseca ao
conceito de ecodesenvolvimento abarca dimensões de recursos naturais (no que tange ao
manejo e assimilação de dejetos), território (como espaço de adaptação ao meio e invenção
cultural) e habitat (como qualidade de vida). Nesta esteira tem-se os princípios teóricos mais
relevantes do ecodesenvolvimento para o presente estudo, encontrados nas obras de Sachs
(1992), Sachs (2003), Vieira (1995), a saber: a endogenia e seu potencial emancipador, a
autonomia ou self-reliance e a aversão à postura mimético-dependente. E numa síntese que se
encontra em Pasco (2011), relativa aos trabalhos dos mesmos autores, explica-se o significado
destes princípios a seguir.
21

A endogenia se encontra apoiada no Relatório Nosso Futuro Comum, onde acredita-se


que os espaços locais se constituem em verdadeiros incubadores de atividades econômicas,
sociais e ecológicas. Ela ocorre no sentido de que as demandas nascem do contexto local, porém
possuem extrema relação com o contexto global.
Quanto à autonomia ou self-reliance, é necessário ressaltar que se torna indispensável a
ação da sociedade civil organizada, no sentido de identificar os problemas e encontrar suas
soluções, num âmbito local, microrregional e regional, superando ainda, o risco do
isolacionismo. Neste contexto, torna-se indispensável o apoio do Estado, não no sentido
paternalista ou assistencialista, mas sim, criando políticas que viabilizem e incentivem
iniciativas de desenvolvimento regional, pautadas nos princípios do ecodesenvolvimento.
Quanto à postura mimético-dependente, exclui-se qualquer tentativa de estabelecer
modelos de desenvolvimento, considerando que cada ecorregião exprime determinadas
aspirações e padrões próprios de crescimento, bem como características socioambientais
peculiares. Esta aversão, é pautada no costume que possuem países de Terceiro Mundo, ou
considerados em desenvolvimento, em basear-se em modelos de desenvolvimento provenientes
dos países do Hemisfério Norte (também chamados de países desenvolvidos), cujo crescimento,
muitas vezes ocorre às custas sociais e ambientais de países de Terceiro Mundo.
Assim, uma das definições clássicas de ecodesenvolvimento pode ser encontrada em
Sachs (1992, p. 18), que conceitua o termo como “um estilo de desenvolvimento que, em cada
ecorregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares, levando em conta
os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades imediatas, como também
aquelas a longo prazo”. E o autor acrescenta ser este um conceito fundamentalmente
operacional voltado para ações coordenadas, ou em outras palavras, “uma diretiva de ação (ou
melhor, uma filosofia de desenvolvimento) cujo valor só pode ser julgado à luz da prática” (p.
26). Para o autor, tal diretiva de ação deve levar em conta 1) a valorização de recursos de cada
ecorregião, de modo a satisfazer necessidades fundamentais das populações; 2) a valorização
dos seres humanos; 3) a exploração e gestão de recursos naturais dada no âmbito da
solidariedade com as gerações futuras; 4) a redução de impactos negativos da atividade humana
sobre o meio ambiente, pela melhor utilização de recursos; 5) a adoção e desenvolvimento de
ecotécnicas econômicas, sociais e ecológicas; 6) a adoção de sistema de autoridade horizontal,
auto-gestão de modo que se considere a especificidade de cada caso; 7) a adoção da educação,
seja ela formal ou informal, como modo de inserção das questões sociais e ambientais na
temática do desenvolvimento.
22

Neste sentido, as análises de Costa (2004) são pertinentes para corroborar a evidência
do papel do território e das regiões na elaboração de possibilidades para o desenvolvimento
sustentável. Para o autor, há necessidade de uma perspectiva integradora do território, que não
isole as dimensões econômica, política, cultural e natural umas das outras. Isto porque o
território é o espaço efetivamente partilhado pelas vidas individuais e coletivas, envolvendo
todas as dimensões humanas e naturais em uma dinâmica temporal que resulta em diferentes
elementos chave para a compreensão das relações ao longo do tempo.
Os princípios do ecodesenvolvimento antes elencados guardam significativa
proximidade com a concepção de “possibilidades objetivas” de Guerreiro Ramos (2009), termo
entendido no sentido da elaboração de conjecturas a partir de um conhecimento concreto da
realidade social. Está-se abordando no conceito as possibilidades reais passíveis de serem
demonstradas de forma empírica e onde a importância (positiva ou negativa) das variáveis a
serem consideradas para o desenvolvimento muda conforme o contexto do sistema social onde
se pretende elaborar tais conjecturas. Em outras palavras, o autor propõe que cada sistema social
local é capaz de criar soluções próprias e adequadas ao seu próprio processo de
desenvolvimento, não sendo plausível incorporar modelos de contextos históricos
diferenciados. Vale lembrar que as contribuições de Guerreiro Ramos não foram tratadas à
época, sob a denominação de ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável.
Aqui também é válido lembrar que o ecodesenvolvimento vem oferecendo alternativas
de enfrentamento à problemática socioambiental, assentadas em uma abordagem complexo-
sistêmica (VIEIRA, 2003). Neste sentido, o entendimento é que “[...] toda alteração em um
setor se propaga de diversas maneiras através do conjunto de relações que definem a estrutura
do sistema.” (GARCÍA, 1994, p. 86). Logo, considerando a complexidade dos elementos
envolvidos na problemática socioambiental, Leff (1994) e García (1994) sugerem a
interdisciplinaridade como método de estudo e prática para o ecodesenvolvimento. Tal método
consiste na busca por pontos de conexão entre áreas do saber e da prática, evocando uma
caminhada rumo à transdisciplinaridade.

1.1.1 Agenda Global de Desenvolvimento

No cerne das discussões acerca do desenvolvimento sustentável em nível global, o ano


2000 foi marcado pela adesão de 191 países à “Declaração do Milênio da Organização das
Nações Unidas”, após extensos debates realizados na década de 1990 em temas como
“população, meio ambiente, gênero, direitos humanos, desenvolvimento social e outros, que
23

vieram à tona como forma de protesto ao modelo de desenvolvimento econômico e social


vigente.” (BRASIL, 2018, p. 6). Tal declaração reverberou uma agenda de compromissos
mínimos para a dignidade humana e foi convertida nos “Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio” (ODM). Ou seja, um total de oito objetivos desdobrados em metas e métricas para o
seu alcance. O documento propunha: 1) acabar com a fome e a miséria; 2) oferecer educação
básica de qualidade para todos; 3) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das
mulheres; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde das gestantes; 6) combater a
Aids, a malária e outras doenças; 7) garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8)
estabelecer parcerias para o desenvolvimento.
Os ODM estimularam um movimento no Brasil denominado “Nós Podemos – 8 Jeitos
de Mudar o Mundo” com o intuito de engajar a iniciativa pública, iniciativa privada e sociedade
civil nas metas propostas, com forte viés de implementação dos direitos humanos. Neste
contexto, já no último relatório de acompanhamento do alcance dos ODM, o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2014) sinalizava que o Brasil alcançara praticamente a
totalidade das metas dos objetivos e várias tecnologias sociais haviam sido projetadas e se
tornado referência para outros países, especialmente no que tangia ao combate à fome e à
pobreza.
O ano de 2015 foi um ano de transição e o firmamento de um novo acordo na
Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. Na ocasião foram apresentados e
acordados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecidos como
Agenda Global 2030. Os ODS substituíram os ODM e, ao mesmo tempo que asseguram a
continuidade no combate à pobreza mundial, avançam em temas imprescindíveis como
mudança climáticas, desigualdade econômica, paz e justiça entre outros (PNUD BRASIL,
2018).
Neste sentido, a Agenda 2030 traz dezessete novos e audaciosos objetivos com suas
respectivas metas e métricas de alcance. São eles: 1) acabar com a pobreza em todas as suas
formas, em todos os lugares; 2) acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a
nutrição, e promover a agricultura sustentável; 3) assegurar uma vida saudável e promover o
bem-estar para todos, em todas as idades; 4) garantir educação inclusiva e equitativa de
qualidade, e promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida para todos; 5) alcançar
igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6) garantir disponibilidade e
manejo sustentável da água e saneamento para todos; 7) garantir acesso à energia barata,
confiável, sustentável e moderna para todos; 8) promover o crescimento econômico sustentado,
inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos; 9) construir
24

infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a


inovação; 10) reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles; 11) tornar as cidades e os
assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; 12) assegurar padrões
de consumo e produção sustentáveis; 13) tomar medidas urgentes para combater a mudança do
clima e seus impactos; 14) conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, mares e
recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15) proteger, recuperar e promover o
uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater à
desertificação, bem como deter e reverter a degradação do solo e a perda de biodiversidade; 16)
promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar
o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos
os níveis; 17) fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável (PNUD BRASIL, 2018).
É certo que a agenda global para o desenvolvimento sustentável não está imune às
críticas e uma delas é exposta por Collado Ruano (2017), que entende que os ODS são limitados
para o real alcance do desenvolvimento sustentável. O autor aponta que “para conseguir uma
sustentabilidade planetária que vai além do cumprimento das metas dos ODS para 2030, é
necessária uma mudança de paradigma que respeite os limites biofísicos do nosso planeta
Terra.” (p. 211). Portanto, sugere que a agenda global para o desenvolvimento sustentável
representaria apenas o início de uma mudança de época civilizatória.
É válido, ainda, ressaltar que os ODM geraram o interesse do governo brasileiro para o
cumprimento dos objetivos e acompanhamento das métricas, bem como o impulso à
governança neste sentido. Isto pode ser observado, por exemplo, pela vinculação da Agenda
2015 (ODM) à Secretaria da Presidência da República e o envolvimento de instituições como
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Já os ODS, embora lançados com um
apelo ainda maior em nível mundial, desembarcaram no Brasil em um momento em que uma
crise política estava em curso, em que mudanças estruturais e de prioridade vem sendo
realizadas em nível de governo federal.
Do exposto, depreende-se que o ecodesenvolvimento e o desenvolvimento sustentável,
tratados em muitos casos como termos equivalentes, constituem-se em estratégias de perfil
normativo que não devem prescindir de uma abordagem teórica que lhes ofereça fundamento
lógico.
25

1.1.2 Educação e desenvolvimento sustentável

A educação para o ecodesenvolvimento é um termo em construção, que admite outras


denominações tais como educação para sociedades sustentáveis e educação ambiental
(SORRENTINO, 1999). Trata-se de processos focados na prática educativa formal ou informal,
ao mesmo tempo em que não pretende estabelecer um manual de conduta pedagógica. A
educação para o ecodesevolvimento pressupõe alguns elementos extraídos do próprio conceito
de ecodesenvolvimento e, mais recentemente, da ecossocioeconomia. Dentre tais elementos,
pode-se citar como inerentes ao processo de educação para o ecodesenvolvimento o foco no
pensamento complexo-sistêmico, a valorização da co-gestão local de recursos comuns, o
esforço de hibridização entre conhecimento científico e saberes tradicionais, e a experimentação
criativa de novos comportamentos cotidianos (VIEIRA, 1999).
Para Vieira (1999), a educação para o ecodesenvolvimento propõe uma pedagogia
centrada na experimentação criativa constante voltada à transformação de percepções
enraizadas de reprodução de lógica de sistema social que tem gerado, ao longo dos anos, danos
socioambientais. Para o autor, trata-se de uma educação fértil no campo comunitário, onde
novos arranjos podem ser experimentados em busca de um desenvolvimento calcado na
compaixão e na harmonia.
Para Sorrentino (1998, p. 30) a educação para o ecodesenvolvimento é um processo que
tem capacidade de contribuição para a “conservação da biodiversidade, para a auto-realização
individual e comunitária e para a autogestão política e econômica, utilizando como meio os
processos educativos/participativos visando a melhoria do meio ambiente e da qualidade de
vida”. Neste sentido, cumpre ressaltar que a educação para o ecodesenvolvimento não está
relegada exclusivamente aos espaços formais de educação como as escolas e universidades.
Não cabe dúvida que tais espaços são fundamentais para inserir as perspectivas de um novo
paradigma que se pretende mais ético e justo do ponto de vista das dimensões do
desenvolvimento sustentável. Contudo, os espaços formais ou informais de planejamento são
também espaços pedagógicos.
Desta forma, Levy e Joyal (2011, p. 99) propõem uma “democratização do poder de
uma forma quase afetiva, com ampliação da capacidade e das possibilidades de tomada de
decisões por parte da população” como forma de desencadear processos de desenvolvimento
local sustentável. Os autores referem-se a métodos de planejamento que envolvam a
capacitação para os aspectos multidimensional do desenvolvimento, onde temas e técnicas
pedagógicas sejam coerentes com a possibilidade de transferência de poder aos indivíduos de
26

cada comunidade. Assim corroboram Mantovaneli e Sampaio (2007, p. 17) quando fazem a
defesa da implementação da participação democrática por meio do planejamento nos processos
decisórios voltados para o ecodesenvolvimento. Para os últimos autores, os processos de
planejamento que visam a sustentabilidade devem “privilegiar não apenas as demandas dos
membros participantes (intra-organizacional) do processo de planejamento ou de gestão, mas,
também, as pessoas que serão afetadas por tais ações e que nem sempre estão participando das
tomadas de decisão (extra-organizacional)”.
A ecopedagogia é outro termo coerente com a educação para o ecodesenvolvimento.
Gutierrez e Prado (2002) afirmam que a ecopedagogia se dá no espaço da vida cotidiana do
cidadão planetário, voltado ao coletivo, num processo em que o educador mediaria a abertura
de caminhos a serem traçados pelo próprio “educando”, por meio da elaboração própria de
sentidos durante o trajeto a ser percorrido, ao mesmo tempo em que ele dialoga e compartilha
com o seu entorno. Neste contexto, a caminhada que o “educando” traça seria o próprio
processo produtivo, em que ele seria capaz de construir o seu próprio caderno de aprendizagem,
expressando-se criativamente com conteúdos que sejam aplicáveis ao seu cotidiano, e trazendo
resultados tangíveis ao seu entorno. Os autores elaboram alguns indicadores de avaliação do
processo ecopedagógico, que valem a pena ser ressaltados: a promoção de microorganizações
produtivas e autônomas, não necessariamente formais, para promover o equilíbrio no sistema
de propriedades; menor importância do poder institucional, que em geral é centralizador de
poder e maior foco no poder sapiencial – o conhecimento que circula de forma democrática nos
grupos; a emergência da lógica do sentir em lugar de uma racionalidade puramente
instrumental; a contraposição da democracia representativa dos poderes centrais (governo, etc),
contendo formas de colaboração, cooperação e auto-organização social; as relações de gênero
mais equilibradas; a tendência a formação de grupos sinérgicos ao invés de contratos e
legislações de cunho puramente econômicos.
As Zonas de Educação para o Ecodesenvolvimento (ZEEs) são exemplos de
experiências que já geraram produção científica, tendo sido analisadas por exemplo em
dissertações e teses do PPGDR e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da
UFSC. De acordo com Sampaio et al. (2010) as ZEEs privilegiam ações de caráter
interdisciplinar, em esforços práticos que percorrem desde o diálogo entre diversas disciplinas
pertinentes às demandas levantadas pelos territórios em questão, até a hibridização da sabedoria
popular com conhecimentos científicos, para que o resultado seja a geração de conhecimentos
úteis e pactuados no território onde a ZEE se instala e, na mesma medida, para que se possibilite
27

a criação de uma nova ciência repleta de sentido ético, nos termos do que propõe Raynaut
(2011).
Neste sentido, atribui-se a primeira pergunta de pesquisa do presente estudo, qual seja:
qual contribuição é oferecida pelo enfoque multidimensional possibilista da estratégia de
desenvolvimento sustentável para as Teorias do Desenvolvimento Regional (TDRs)? A
hipótese é que o enfoque multidimensional possibilista integra a TDRs pois relaciona
desenvolvimento e território para além da dimensão econômica e se relaciona diretamente com
os pressupostos do desenvolvimento sustentável.

1.2 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA O DESENVOLVIMENTO


REGIONAL – PROESDE / DESENVOLVIMENTO FURB

O PROESDE é uma política pública estadual de Santa Catarina, cujas origens devem
ser observadas a partir de demandas apontadas pela população e classe política do oeste do
estado. A primeira edição do programa ocorreu em 2004, no contexto político em que se
iniciava o processo de descentralização proposto pelo então governador Luiz Henrique da
Silveira, onde as Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs) foram criadas. O programa
visava complementar a ação administrativa de descentralização, promovendo a formação de
mão de obra – agentes de desenvolvimento regional - para os escritórios regionais, em parceria
com a Associação Catarinense de Fundações Educacionais – ACAFE1. Ao período inaugural
seguiu-se duas outras fases de expansão, sendo que a Universidade Regional de Blumenau –
FURB, que também integra a ACAFE, passou a ser incluída no programa a partir da 3ª fase, ou
seja, a partir de 2009. Até 2015, o volume de recursos empregados no programa foi de R$
51.055.626,50 (FRANÇA, 2018).
Aqui, deve-se realizar uma breve contextualização da FURB. A história da FURB nasce
em 1953, quando da mobilização da opinião pública em função da interiorização do ensino
superior no estado de Santa Catarina. Assim a Faculdade de Ciências Econômicas é criada no
ano de 1964 em Blumenau, sendo a primeira iniciativa de ensino superior do interior do Estado.
Novos cursos vão sendo criados no decorrer dos anos seguintes, bem como investimentos em
prédios de sede própria vão sendo conduzidos. Em 1986 a Instituição é reconhecida pelo

1
A ACAFE é uma entidade criada em 1974, que tem por objetivo desenvolver o ensino superior em Santa
Catarina, congregando as Fundações Educacionais de Ensino Superior criadas pelos município do estado, que
atualmente totalizam 15 fundações, dentre elas a FURB. A entidade atua com o objetivo de” promover o
intercâmbio administrativo, técnico e científico entre as Instituições de Educação Superior, na busca de soluções
para problemas comuns nas áreas de ensino, pesquisa, extensão e administração” (ACAFE, 2022).
28

Ministério da Educação como universidade, que congrega atividades de ensino, pesquisa e


extensão, condição na qual permanece até os dias atuais, participando dos processos de
desenvolvimento no município de Blumenau e região. O arcabouço jurídico relativo a FURB a
define como uma instituição de direito público, que é órgão autônomo na estrutura
administrativa do Poder Executivo Municipal de Blumenau. Contudo, sua manutenção
financeira é dependente, entre outros recursos, do pagamento de mensalidades por parte de seus
discentes, similar ao que ocorre com as outras instituições vinculadas à ACAFE.
A primeira edição do PROESDE na FURB absorveu o modelo de curso sequencial
empregado à época em todo o estado. A carga horária do curso era de 600 horas distribuídas
em três anos de curso. Posteriormente, a partir de 2013, a FURB passou a ofertar turmas anuais,
em cursos de extensão com carga horária de 200 horas. Já em 2015 o PROESDE passa por uma
reformulação em suas regras e passa a dividir os recursos em duas modalidades: PROESDE /
Desenvolvimento e PROESDE / Licenciatura. Neste momento o número de vagas é distribuído
de forma desigual, e o PPGDR passa a coordenar unicamente o PROESDE / Desenvolvimento,
com significativa redução de vagas. O PROESDE / Licenciatura internamente é colocado sob
a coordenação do Centro de Ciências da Educação e Artes (CCEAL).
Operacionalmente desde as primeiras ofertas, o Governo do Estado financia o curso de
extensão para alunos de graduação, além de disponibilizar uma bolsa de estudo/extensão no
valor correspondente a 70% da mensalidade de graduação enquanto os alunos estiverem
cursando o PROESDE.
O PROESDE / Desenvolvimento FURB trabalha com o currículo também determinado
pelo Governo do Estado de Santa Catarina. Contudo, admite como eixo transversal declarado a
agenda global de desenvolvimento sustentável (inicialmente ODM e atualmente ODS). Outro
diferencial é que quem atua na formação dos agentes de desenvolvimento regional são os
discentes do PPGDR em formato de tutoria junto aos seus orientadores e aproveitando as
dinâmicas e estudos dos grupos de pesquisa vinculados ao PPGDR.
Daí emergem a segunda e terceira perguntas de pesquisa. A primeira pretende responder
em que medida a experiência de educação do PROESDE FURB em favor da agenda global
ODM/ODS no período de 2009 a 2019 é convergente com o a estratégia de desenvolvimento
sustentável pautada no enfoque multidimensional possibilista da TDR? A hipótese é de que a
experiência do PROESDE / Desenvolvimento FURB em favor da agenda global ODM/ODS, é
convergente com a estratégia de abordagem multidimensional possibilista do desenvolvimento
sustentável, a partir do seu processo diferencial formativo.
29

A segunda pergunta orienta-se à elaboração de um capítulo propositivo, que objetiva


responder: a partir do enfoque multidimensional possibilista na teoria do desenvolvimento
regional, quais seriam os aspectos teórico-práticos de uma política pública como o PROESDE
/ Desenvolvimento FURB? A hipótese é de que o ensino e a aprendizagem focados em
processos de construção coletiva de conhecimentos localizados, em sintonia com a agenda
global de desenvolvimento, e pautados na racionalidade substantiva são insumos para
construção programas de educação para o desenvolvimento sustentável.
Desta forma, a síntese das perguntas de pesquisa pode ser apresentadas da seguinte
forma:
a) Qual contribuição é oferecida pelo enfoque multidimensional possibilista da
estratégia de desenvolvimento sustentável para as Teorias do Desenvolvimento Regional
(TDRs)?
Hipótese: o enfoque multidimensional possibilista integra a TDRs pois relaciona
desenvolvimento e território para além da dimensão econômica e relaciona-se diretamente com
os pressupostos do desenvolvimento sustentável.
b) Em que medida a experiência de educação do PROESDE FURB em favor da
agenda global ODM/ODS no período de 2009 a 2019 é convergente com o a estratégia de
desenvolvimento sustentável pautada no enfoque multidimensional possibilista da TDR?
Hipótese: A experiência do PROESDE / Desenvolvimento FURB em favor da agenda
global ODM/ODS, é convergente com a estratégia de abordagem multidimensional possibilista
do desenvolvimento sustentável, a partir do seu processo diferencial formativo.
c) A partir do enfoque multidimensional possibilista na teoria do desenvolvimento
regional, quais seriam os aspectos teórico-práticos de uma política pública como o PROESDE
/ Desenvolvimento FURB?
Hipótese: O ensino e a aprendizagem focados em processos de construção coletiva de
conhecimentos localizados, em sintonia com a agenda global de desenvolvimento, e pautados
na racionalidade substantiva são insumos para construção programas de educação para o
desenvolvimento sustentável.

1.3 OBJETIVOS

As perguntas de pesquisa e respectivas hipóteses permitiram admitir o seguinte objetivo


geral para o presente trabalho: avaliar a convergência entre o processo de educação tutorial do
PROESDE / FURB - no período de 2009 a 2019, e a estratégia de desenvolvimento sustentável
30

expressada pela Agenda Global de Desenvolvimento (ODM/ODS), a partir do enfoque


multidimensional possibilista nas Teorias do Desenvolvimento Regional.
Já os objetivos específicos são:
a) Avaliar a inserção do enfoque multidimensional possibilista nas Teorias do
Desenvolvimento Regional (TDRs) e sua relação com o desenvolvimento
sustentável.
b) Contextualizar a experiência do PROESDE / Desenvolvimento FURB, no período
de 2009 a 2019, enquanto política pública de abordagem multidimensional
possibilista de formação para o desenvolvimento regional.
c) Propor pressupostos para programas de educação para o desenvolvimento
sustentável no contexto do desenvolvimento regional, com foco na dimensão ético-
política.

1.4 JUSTIFICATIVA

Pesquisadores como Vieira et al (2011) vem propondo a reflexão quanto ao papel da


universidade e suas contribuições para a transição do chamado “mau desenvolvimento” para o
desenvolvimento sustentável. Os autores tecem críticas quanto a tradição universitária de
abordagem mono e multidisciplinar para a enfrentamento de problemas de degradação de
ecossistemas (notadamente com foco técnico e setorializado) e a manutenção de um elitismo
desconectado das necessidades da sociedade. Por outro lado, os próprios autores identificam
uma gama de iniciativas de relacionamento entre universidade e comunidade que traduzem na
prática conceitos teórico-metodológicos do desenvolvimento sustentável.
Neste sentido, foi realizado um esforço de bibliometria para compreender o universo da
produção científica em torno do tema proposto para a presente tese. Neste momento, a
bibliometria traz somente resultados numéricos de modo a justificar parcialmente o estudo da
temática da educação para o ecodesenvolvimento (ou desenvolvimento sustentável),
envolvendo especificamente os ODM e ODS e, em especial no que tange ao PROESDE.
A bibliometria ora apresentada foi dividida em duas etapas, ambas realizadas na segunda
quinzena de novembro de 2018. No primeiro momento foram pesquisados termos relacionados
como o tema amplo de pesquisa da tese, a saber: “educação” + “desenvolvimento sustentável”,
“educação” + “ODM”, “educação” + “ODS”. Os termos de busca foram inseridos no idioma
inglês e espanhol, e foi utilizado o algoritmo Fuzzy, que permite a busca de termos similares
aos que foram inseridos. Já as bases de dados utilizadas foram EBSCO, Scielo e Scopus, cujo
31

acesso se deu por meio do Portal de Periódicos CAPES, logado via Comunidade Acadêmica
Federada – CAFE, o que permite o acesso remoto a todo o conteúdo assinado pelo Portal e não
apenas documentos de acesso aberto. Os campos onde a busca foi realizada foram título e
resumo, e o período temporal selecionado foram os últimos dez anos (2008 – 2018). Os
resultados obtidos podem ser observados na Tabela 1, salientando que não foram excluídas as
repetições que certamente ocorreram nas diferentes bases de dados ou mesmo dentro das
próprias bases.

Tabela 1 - Quantidade de documentos encontrados nas bases de dados por termo de busca
Termos/Bases EBSCO SCIELO SCOPUS
"Desenvolvimento sustentável" + "educação" 1591 134 4064
"Objetivos do desenvolvimento sustentável" + "educação" 174 7 407
"Objetivos de desenvolvimento do milênio" + "educação" 10 7 15
"Educação para o desenvolvimento sustentável" 514 27 1053
Fonte: A autora (2022)

Como a plataforma Scopus retornou a maior quantidade de documentos, foi selecionada


para a inserção de filtros que permitiram compreender melhor a dinâmica das publicações.
Desta forma, os gráficos que seguem apresentam o retrato das publicações quanto a evolução
no número de publicações, os países que mais publicaram e os principais financiadores das
pesquisas publicadas, considerando os últimos dez anos.
Neste sentido, o Gráfico 1 permite observar que as publicações aumentaram nos últimos
dez anos em todas as “chaves” de busca, exceto na temática dos ODMs cujas publicações são
quase inexpressivas. O maior crescimento se deu na busca pelos termos conjuntos
“desenvolvimento sustentável” e “educação”, com um salto de 166 publicações em 2008,
atingindo o auge no ano de 2017 com 625 publicações e voltando a apresentar queda em 2018.
Este último resultado que demonstra a queda no número de publicações em 2018 pode estar
contaminado pelo fato da busca ter sido realizada durante o ano corrente de 2018, podendo
haver novas inserções de documentos.
32

Figura 1 - Evolução das publicações em chaves de busca relacionadas ao desenvolvimento sustentável


e educação (2008 – 2018)

Fonte: A autora (2022)


Legenda: DSE+E – “Desenvolvimento sustentável” + “educação”.
ODS+E – “Objetivos do desenvolvimento sustentável” + “educação”.
ODM+E – “Objetivos de desenvolvimento do milênio” + “educação”.
EDS – “Educação para o desenvolvimento sustentável”.

Os Gráficos 2 a 5 apresentam o ranking dos países com o maior número de publicações


sobre a temática ao longo dos últimos dez anos. Estados Unidos lidera o ranking de publicações
em “Desenvolvimento sustentável” + “educação” e “Objetivos do desenvolvimento
sustentável” + “educação”. Canadá lidera o ranking de publicações nos termos conjuntos
“Objetivos de desenvolvimento do milênio” + “educação”, e Reino Unido lidera o ranking em
“Educação para o desenvolvimento sustentável”. A América Latina aparece destacada com a
publicação brasileira de 127 documentos em “Desenvolvimento sustentável” + “educação” e
um documento em “Educação para o desenvolvimento sustentável”, além de um único
documento em “Objetivos de desenvolvimento do milênio” pela Colômbia.
33

Figura 2 - Ranking de publicações por países (dez principais) em “Desenvolvimento sustentável” +


“educação” (2008 – 2018)

Publicações por paises


600
DS+E
500
400
300
200
100
0

Fonte: A autora (2022)

Figura 3 – Ranking de publicações por países (dez principais) em “Objetivos do desenvolvimento


sustentável” + “educação” (2008 – 2018)

Publicações por paises


ODS+E
110

84

39 36
30 27 27 20 19 16

Fonte: A autora (2022)


34

Figura 4 - Ranking de publicações por países (dez principais) em “Objetivos de desenvolvimento do


milênio” + “educação”

Publicações por paises


ODM…

3
2 2 2 2 2
1 1 1 1

Fonte: A autora (2022)

Figura 5 - Ranking de publicações por países (dez principais) em “Educação para o desenvolvimento
sustentável”

Publicações por paises


EDS

153

102
84 82
59 50 48 42 41 35

Fonte: A autora (2022)

Já os Gráficos 6 a 9 apresentam os rankings das cinco fontes de financiamento das


pesquisas que geraram as publicações em cada uma das “chaves” de busca. Observa-se o
interesse da UNESCO nas temáticas correlatas a educação e ecodesenvolvimento e de fontes
de financiamento para a área da saúde.
35

Figura 6 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Desenvolvimento


sustentável” + “educação”

Publicações por paises


600 DS…
500
400
300
200
100
0

Fonte: A autora (2022)

Figura 7 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Objetivos do


desenvolvimento sustentável” + “educação”

Publicações por paises


ODS+E

110
84
39 36 30 27 27 20 19 16

Fonte: A autora (2022)


36

Figura 8 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Objetivos de


desenvolvimento do milênio” + “educação”

Publicações por paises


ODM…

2 2 2 2 2

1 1 1 1

Fonte: A autora (2022)

Figura 9 - Ranking dos cinco principais financiadores das publicações em “Educação para o
desenvolvimento sustentável”

Publicações por paises


EDS

153

102
84 82
59 50 48 42 41 35

Fonte: A autora (2022)

A segunda etapa da bibliometria foi realizada com o termo de busca “PROESDE” ou


“Programa de Educação Superior para o Desenvolvimento Regional”, por ser uma política
pública específica materializada no estado de Santa Catarina, cujos estudos poderiam estar
assentados em outras temáticas além do contexto da educação para o desenvolvimento
sustentável. As bases de dados utilizadas para a procura foram também EBSCO, Scielo e
Scopus. Porém, como não houve retorno de documentos em nenhuma dessas bases, avançou-
se para um portal de busca de conteúdo mais amplo, no caso do Google Acadêmico; e para a
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD, cujo conteúdo pode ainda não
37

ter admitido formato de livro ou artigo avaliado por pares. Em função das restrições impostas
pelos motores de busca, a procura no Google Acadêmico foi realizada em qualquer parte do
documento (exceto citações) e no caso da BDTD, a procura foi realizada no título e assunto.
Em todos os casos não houve restrição de período temporal, já que o PROESDE é relativamente
novo.
Passados quase dez anos de experiência em nível estadual, a Tabela 2 registra pouca
produção acadêmico-científica encontrada, o que pode ser comprovado no resumo de buscas
realizadas nas bases de dados indicadas na tabela a seguir. Para a constituição tabela, foram
realizadas buscas nas bases de dados EBSCO, Scielo, Scopus, com acesso via Portal de
Periódicos da CAPES, além do uso de plataformas abertas como Google Acadêmico e
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD. Os termos de busca inseridos
foram PROESDE e “Programa de Educação Superior para o Desenvolvimento Regional” a
serem procurados em títulos, resumos e palavras-chave no caso das bases de dados vinculadas
ao Portal de Periódicos CAPES. Em função das restrições impostas pelos motores de busca, a
procura no Google Acadêmico foi realizada em qualquer parte do documento e no caso da
BDTD, a procura foi realizada no título e assunto. Em todos os casos não houve restrição de
período temporal, já que o PROESDE é relativamente novo.

Tabela 2 - Quantidade de documentos publicados sobre PROESDE nas bases de dados


Bases de dados
EBSCO SCIELO Scopus Google BDTD
Acadêmico
0 0 0 190 2
Fonte: A autora (2022)

Desta forma, a bibliometria permitiu visualizar que a temática proposta pelo projeto ora
apresentado está em crescimento de publicações, constituindo contudo, uma lacuna a ser
preenchida pela análise de experiências relacionadas à agenda global de desenvolvimento
sustentável, especificamente nos estudos direcionados aos ODM e ODS em relação aos
processos de educação, sobretudo no contexto sócio-histórico da América Latina.
Foi ainda possível observar por meio da bibliometria que o PROESDE, embora seja
uma política pública de significativos investimentos por parte do Governo do Estado de Santa
Catarina ao longo dos últimos nove anos, carece de estudos que evidenciem sua efetividade no
que tange ao desenvolvimento regional. Restou um espaço de análise aprofundada dos alcances
38

do PROESDE e das técnicas pedagógicas e de intervenção social realizadas que possam gerar
a divulgação científica dos alcances e limitações da experiência.
Outra relevância deste estudo proposto reside nas condições institucionais e
interinstitucionais em que ele foi realizado. Como já exposto, trata-se de um programa
vinculado ao PPGDR desde 2009 e com significativa aderência dos grupos de pesquisa, com
destaque para a coordenação do programa por parte do Núcleo de Políticas Públicas (NPP) e
do Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional (NPDR). Tal aderência dos grupos de
pesquisa pode ser traduzida em um espaço fértil de discussão e acesso as diversas informações
necessárias e ao próprio cotidiano do programa, ao mesmo tempo em que analisar a
contribuição do PROESDE para o desenvolvimento regional foi, também, analisar parcialmente
a inserção do PPGDR em seu lócus de atuação. Além disso, o estudo ora apresentado está
vinculado ao projeto de produtividade em pesquisa do CNPQ, do orientador Prof. Oklinger
Mantovaneli Junior (nível PQ-02), que congrega bolsistas de iniciação científica, mestrandos e
a doutoranda autora do projeto de tese.
Destaca-se, finalmente, a contribuição do projeto com a vinculação da FURB à Rede
ODS Universidade Brasil em convênio assinado no mês de outubro de 2018 e ao Movimento
Nós Podemos Blumenau, cujo convênio encontra-se em análise na procuradoria jurídica da
universidade.

1.5 PERCURSO METODOLÓGICO GERAL

De forma geral, a pesquisa tem abordagem predominantemente qualitativa, embora


possua alguma mínima inferência quantitativa. A pesquisa qualitativa é apresentada por Flick
(2009, p. 20) como “de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização
das esferas da vida […que] exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões.”
O autor define que há quatro aspectos essenciais nesta abordagem de estudo, a saber: 1) a
apropriabilidade de métodos e teorias; 2) as perspectivas dos participantes e sua diversidade; 3)
a reflexividade do pesquisador e da pesquisa; 4) a variedade de métodos envolvidos, premissa
que se une ao primeiro aspecto citado. Tal abordagem é de especial importância para a
compreensão dos alcances, muitas vezes subjetivos, do PROESDE em relação ao
desenvolvimento sustentável - algo que pode ser justificado pela dificuldade de mensuração
quantitativa dos efeitos do programa.
A abordagem qualitativa selecionada foi delineada com a técnica de pesquisa-ação, uma
inovação da década de 1950, proposta pelo psicólogo alemão Kurt Lewin, objetivando suprir
39

uma lacuna entre teoria e prática no âmbito científico. Portanto, trata-se de um método engajado
de pesquisa.
Thiollent (1986, p. 14) define a pesquisa-ação como sendo “[…] de base empírica que
é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um
problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou
do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. A aplicação, segundo o
autor se dá
[...]em um contexto favorável quando os pesquisadores não querem
limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos da
maioria das pesquisas convencionais. Querem pesquisas nas quais as
pessoas implicadas tenham algo a “dizer” e a “fazer”. Não se trata de
simples levantamento de dados ou de relatórios a serem arquivados.
Com a pesquisa-ação os pesquisadores pretendem desempenhar um
papel ativo na própria realidade dos fatos observados (p. 16).

Ao longo dos anos ela foi sendo disseminada e aplicada a uma variedade de
intencionalidades, mas Franco (2005) observa que ela está intrinsecamente referida à uma
racionalidade menos instrumental e a um tipo específico de epistemologia distanciado do
positivismo. Para a autora estes seriam os princípios que fundamentam a epistemologia da
pesquisa-ação como método:
 deve-se, na escolha metodológica, rejeitar noções positivistas de
racionalidade, de objetividade e de verdade;
 a práxis social é ponto de partida e de chegada na
construção/ressignificação do conhecimento;
 o processo de conhecimento se constrói nas múltiplas articulações com a
intersubjetividade em dinâmica construção;
 a pesquisa-ação deve ser realizada no ambiente natural da realidade a ser
pesquisada;
 a flexibilidade de procedimentos é fundamental e a metodologia deve
permitir ajustes e caminhar de acordo com as sínteses provisórias que vão
se estabelecendo no grupo;
 o método deve contemplar o exercício contínuo de espirais cíclicas:
planejamento; ação; reflexão; pesquisa; ressignificação; replanejamento,
ações cada vez mais ajustadas às necessidades coletivas, reflexões, e assim
por diante... (FRANCO, 2005, p. 491).

Tal opção de pesquisa acarreta que as categorias de análise não são definidas a priori,
como nas pesquisas tradicionalmente positivistas. Diferentemente, como se trata de um
processo reflexivo e dialético entre prática e teoria, o ajustamento da segunda (teoria) é co-
dependente da evolução da primeira (prática) – o que repercutiu também em um processo menos
linear de escrita da tese.
40

Quanto à finalidade, será uma pesquisa exploratória, por tratar de aprofundar uma
temática pré-existente, qual seja a relação entre políticas públicas de educação e o
desenvolvimento sustentável, buscando realizar uma análise precisa sobre este fenômeno e as
relações entre os elementos que o compõem. Para Raupp e Beuren (2003, p. 81) “explorar um
assunto significa reunir mais conhecimento e incorporar características inéditas, bem como
buscar novas dimensões até então não conhecidas.”
Quanto aos procedimentos, a pesquisa é um estudo de caso aprofundado e orientado
pela prática da pesquisa-ação, visto que o PROESDE reúne especificidades suficientes que
justificam o procedimento. Segundo Raupp e Beuren (2003) o estudo de caso é preferido por
pesquisadores que desejam focar de maneira intensiva em um objeto de estudo, porém guarda
em si a limitação da impossibilidade de generalizar os resultados.
A tese é apresentada em formato de compêndio, com estrutura de introdução e conclusão
e mais três capítulos autônomos, mas conectados, que subsidiarão as conclusões. O objetivo de
assumir tal formato é de facilitar o processo de publicação dos resultados e evolução da
pesquisa. Cada capítulo, por sua vez, detalha os próprios procedimentos metodológicos de
coleta e análise de dados, mas é possível visualizar um resumo da abordagem de cada capítulo
no Quadro 1, em função de cada um dos objetivos específicos.
41

Quadro 1 – Resumo de abordagem dos capítulos da tese


Objetivo específico Pressupostos Definição constitutiva Definição operativa Método
a) Avaliar a inserção - O enfoque multidimensional - Enfoque Multidimensional / Teoria Capítulo teórico: - Levantamento
do enfoque multidimensional possibilista, inserido na TDR, serve Possibilista: - Conceituação da bibliográfico
possibilista nas Teorias do como embasamento de análise da Guerreiro Ramos (Redução multidimensionalidade do - Bibliometria
Desenvolvimento Regional estratégia do desenvolvimento Sociológica, Administração e desenvolvimento até chegar - Análise de conteúdo
(TDRs) e sua relação com o regional sustentável, que tem nos estratégia, Teoria N/P; TDSS – A ao desenvolvimento
desenvolvimento ODM/ODS uma das formas de Nova Ciência das Organizações e sustentável
sustentável. expressão. desdobramentos atuais). - Compreensão das
- Desenvolvimento sustentável: I. aplicações da teoria
Sachs (dimensões e normatividade); J. possibilista (TDSS e T. N/P)
Sachs (ODM/ODS como estratégias; S. na TDR.
Boeira (GR e ecologia); M. Redclift
(contradições).
b) Contextualizar a - O PROESDE / Desenvolvimento - Políticas públicas (policy), educação - Capítulo teórico-empírico. - Análise documental
experiência do PROESDE / FURB, como política de educação e desenvolvimento. - Descrição e análise do (Regulamento interno,
Desenvolvimento FURB - e de desenvolvimento regional, - Educação Tutorial como expressão de processo de educação tutorial TCCs, Relatórios SIPEX);
no período de 2009 a 2019, utiliza-se de expedientes e abordagem multidimensional dialógica do PROESDE como política - Pesquisa-ação com
enquanto política pública de abordagens metodológicas que do desenvolvimento, e da pública sob o argumento de diários de observação
abordagem multidimensional contribuem para o indissociabilidade do ensino, pesquisa avaliações menos ingênuas – participante;
possibilista de formação para desenvolvimento sustentável, e e extensão (intervir no meio – como se constituiu o - Entrevistas (realizadas
o desenvolvimento regional. mais especificamente para os estratégia). PROESDE dentro da FURB? por IC e novas entrevistas).
ODM/ODS. - A pesquisa-ação participante como
modelo de pesquisa e intervenção na
realidade regional.
c) Propor pressupostos O enfoque multidimensional na Política como impulsionadora de - Capítulo teórico-empírico. - Compilação de
para programas de educação TDR possibilita a construção de estratégias de desenvolvimento - Compilação dos resultados resultados.
para o desenvolvimento programas de educação para o sustentável. do capítulo 2.
sustentável no contexto do desenvolvimento sustentável, por
desenvolvimento regional, meio da abordagem política
com foco na dimensão ético- (politics).
política.
Fonte: A autora (2022)
42

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45

2 O ENFOQUE MULTIDIMENSIONAL NA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO


REGIONAL

2.1 INTRODUÇÃO

As origens do campo do desenvolvimento regional datam de fins do século XIX,


calcadas nas disciplinas de Economia e posteriormente na Geografia. Desde as teorias iniciais,
a preocupação fundamental foi a de compreender a razão pela qual algumas regiões se
desenvolviam mais do que outras. Ou seja, o foco esteve na realização de estudos comparativos
que fizessem sobressair as características das regiões que mais se desenvolviam.
Nesse contexto, o conceito de desenvolvimento era tratado como sinônimo de
crescimento econômico e progresso, e as disciplinas que se encarregavam do campo do
desenvolvimento regional estavam incumbidas de encontrar pré-requisitos padronizados e
adequados ao desenvolvimento (RAMOS, 2009). As décadas que vão se seguir, especialmente
a partir de 1950, passam a proporcionar uma reavaliação dessa equivalência entre crescimento
econômico e desenvolvimento (FURTADO, 1983), em um esforço mundial de criação de novos
entendimentos acerca do que viria ser considerado o termo. É quando questões relacionadas aos
direitos sociais e, mais adiante, à problemática ambiental, passam a integrar o debate sobre a
temática do desenvolvimento.
Com o intuito de discriminar o desenvolvimento sob a ótica unidimensional, voltada
para o mercado, o vocábulo foi recebendo qualificadores - como, por exemplo, o
desenvolvimento sustentável - ao passo que novas dimensões da realidade eram inseridas e
contextualizadas. Desde a década de 1980, o desenvolvimento regional, por sua vez, passou a
ter contribuições de uma grande variedade de áreas da ciência (MATTEDI, 2015). Contudo, a
vertente econômica seguiu prevalecendo, uma vez que a racionalidade instrumental se manteve
como orientadora predominante do fazer científico (RAMOS, 1983).
Desta forma, o capítulo tem como objetivo: avaliar a inserção do enfoque
multidimensional da TDSS nas TDRs, e sua relação com o desenvolvimento sustentável. De
modo que incialmente apresenta-se o percurso metodológico detalhado da pesquisa, seguido de
um tópico sobre a construção da TDSS como uma abordagem multidimensional do
desenvolvimento. A apresentação perpassa pequenos aportes contextuais do período de
produção bibliográfica de Alberto Guerreiro Ramos, autor da Teoria da Delimitação de
Sistemas Sociais, em conjunto com o desenvolvimento encadeado de seu pensamento e sua
trajetória profissional. A escolha por esta forma de apresentação deriva principalmente do fato
46

de que o autor ficou conhecido como um “sociólogo em mangas de camisa”, em referência ao


seu padrão de produção intelectual ser indissociável de sua prática profissional (MARTINS,
2012). Mas deriva também de um método de compreensão da realidade social, cujo processo
se dá imbricado nos próprios fenômenos estudados.
Na sequência, apresenta-se um apanhado geral das TDRs a partir de constructos teóricos
provenientes das disciplinas do doutorado do PPGDR/FURB e, mais adiante, um levantamento
bibliográfico atualizado (2009-2019) de publicações que abordam as TDRs. É a partir deste
levantamento que se realiza uma revisão sistemática para avaliar a inserção da abordagem
multidimensional - no contexto da TDSS - nas TDRs. Finalmente, as considerações finais do
capítulo são apresentadas.

2.1.1 Percurso Metodológico

Trata-se de um capítulo de cunho teórico e exploratório, que serve de apoio aos demais
capítulos da tese. Desta forma, inicialmente foi realizado um estudo exploratório sobre a
abordagem multidimensional nas teorias do sociólogo Alberto Guerreiro Ramos, notadamente
em algumas das obras de maior repercussão no Brasil, a saber: A Redução Sociológica
(RAMOS, 1996), Homem Organização e Homem Parentético (RAMOS, 1963), A Nova
Ciência das Organizações (RAMOS, 1989) e Modernização em Nova Perspectiva: em busca
do modelo de possibilidades (RAMOS, 2009), de onde foi possível a extração de algumas das
categorias de análise utilizadas posteriormente.
O caminho que aqui se traçou foi o de compreender, de maneira não dissociada, a vida
e a obra de Alberto Guerreiro Ramos, bem como e ainda que de forma incipiente, o contexto
histórico-social dos espaços que influenciaram sua trajetória. Essa escolha relaciona-se a uma
abordagem em torno da práxis como conceito que perpassa a obra do autor, entendida como “a
estreita relação que se estabelece entre um modo de interpretar a realidade e a vida e a
consequente prática que decorre desta compreensão levando a uma ação transformadora”
(ROSSATO, 2008, p. 325). Ou, em outras palavras, a práxis seria o uso da teoria para
transformar o mundo e não apenas explicá-lo.
Em seguida, realizou-se outro esforço exploratório sobre as teorias do desenvolvimento
regional (TDRs), com base em obras que compuseram as disciplinas de doutoramento no
PPGDR. A última etapa deste capítulo teve o formato de Revisão Sistemática de Literatura.
Nesse momento, após algumas tentativas exploratórias, definiu-se a busca por artigos revisados
por pares nas bases de dados Web of Science, Scopus e Academic Search Premier - ASP
47

(EBSCO). Todas as pesquisas ocorreram a partir do Portal CAPES, com a ferramenta de busca
conectada à Comunidade Acadêmica Federada (CAFE), que assegura o acesso a documentos
científicos mundiais, tanto de acesso aberto como restrito. A expressão de busca foi “teoria do
desenvolvimento regional”, considerada também no plural e nas versões dos idiomas inglês e
espanhol. O período de publicação dos documentos foi estipulado entre 2009 e 2019. Os campos
de busca foram: título, resumo e palavras-chave. A pesquisa retornou 26 documentos após a
eliminação de repetições, sendo que um destes não foi possível acessar.
Com base nas categorias dispostas em função da abordagem multidimensional, fez-se
uso da metodologia de análise de conteúdo de Franco (2008) que, por sua vez, é adaptada de
Bardin (2010), quando foram selecionados dois distintos modos de análise, a saber: 1) a unidade
de registro do tipo tema, onde procurou-se os registros de cada uma das categorias de análise,
e 2) a unidade de contexto, onde significado e sentido são considerados para a extração dos
dados.

2.2 A CONSTRUÇÃO DA TEORIA DA DELIMITAÇÃO DOS SISTEMAS SOCIAIS


(TDSS): PRENÚNCIO DE UMA ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL DO
DESENVOLVIMENTO A CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?

A compreensão integral da TDSS não pode ocorrer, senão, pela consideração de alguns
dos trabalhos anteriores de Guerreiro Ramos. Isso porque a TDSS foi a sua última grande obra
que amalgamou contribuições anteriores, gerando um modelo não perfeito de sociedade e de
desenvolvimento, denominado paradigma paraeconômico, baseado em um modelo de
sociedade multicêntrica. Tal modelo limitou-se a um esboço metodológico em fase inicial
(RAMOS, 1989), uma vez que sua continuidade foi impossibilitada por conta de falecimento
precoce de Guerreiro Ramos, em 1983. Contudo, pode-se observar nos últimos anos um esforço
para validar o paradigma paraeconômico no campo empírico, e com isso avançar o esboço
inicial.
Desta feita, propõe-se aqui a abordagem do que se considera os conceitos fundamentais
de embasamento do presente trabalho seguindo alguma cronologia, que cruza temporal e
espacialmente vertentes indissociáveis do que se pretende explicitar. Os conceitos-chave que
originam a apresentação da teoria de Guerreiro Ramos, por sua vez, podem ser assim elencados:
1) a Redução Sociológica como um método, uma atitude e uma nova ciência; 2) o modelo de
Homem Parentético; 3) as Possibilidades Objetivas e; 4) a Teoria da Delimitação dos Sistemas
Sociais, em conjunto com o paradigma paraeconômico. Tais conceitos também expressam
48

similarmente títulos de trabalhos publicados pelo sociólogo. Ainda, ao longo de toda a sua obra,
é exposta uma preocupação com as origens da racionalidade instrumental e as consequências
da hegemonia desta racionalidade em detrimento daquela que ele viria a denominar de
racionalidade substantiva, que será abordada mais adiante.

2.2.1 Antecedentes da Redução Sociológica

Alberto Guerreiro Ramos nasceu em 1915, em Santo Amaro da Purificação, região do


Recôncavo Baiano (FGV, 2020). A abolição da escravidão tinha se dado 27 anos antes, com
sucessivas políticas de incentivo à imigração europeia. A Bahia vivia a transição de uma
economia fundada no ciclo do açúcar para a ascensão do cacau. Em nível mundial, dois anos
após seu nascimento, eclodia a Primeira Guerra Mundial.
Passou a juventude em Salvador, onde já despontava como intelectual escrevendo
artigos e poesias, com destaque para a publicação de dois livros nessa época: O drama de ser
dois (1937) e O problema do humanismo (1938). Graduou-se em Ciências Sociais em 1942 e
em Direito em 1943, ambos na Faculdade Nacional de Filosofia de Salvador (FNF). Neste
mesmo período trabalhou como auxiliar técnico no Departamento Estadual de Imprensa e
Propaganda (DEIP) do estado da Bahia. Logo após sua graduação em Direito, foi indicado ao
cargo de professor da FNF, mas teve sua candidatura recusada por conta de uma rápida
aproximação com o movimento Integralista, dez anos antes.
Já em 1943 distancia-se da poesia e começa a trabalhar em órgãos do governo federal
como o Departamento Nacional da Criança (DNC) e posteriormente o Departamento
Administrativo do Setor Público (DASP)2. Trabalha como interino no serviço público durante
seis anos e, em 1949, apresenta sua tese postulando uma vaga para o quadro permanente de
servidores, intitulada Uma introdução ao histórico da organização racional do trabalho
(ensaio de sociologia do conhecimento). Paralelamente trata de compreender a questão do
negro no Brasil em suas intersecções com classes sociais, economia, cultura e psicologia; além
de iniciar sua militância no Teatro Experimental do Negro (TEN) (BARIANI, 2008).
Sobre o serviço público burocrático, afirmou que inicialmente o fez por necessidade
material, mas Martins (2012) defende que é justamente esse o período em que Guerreiro Ramos
se desloca da “sociologia enlatada” para a “sociologia em mangas de camisa”, analogias que

2
O Departamento Administrativo do Setor Público (DASP) foi criado em 30 de julho de 1938, por meio do
Decreto-Lei n. 579, como esforço de modernização da burocracia pública brasileira, empenhado no governo de
Getúlio Vargas (Tenório, 2012).
49

significavam, a primeira uma sociologia pouco autêntica, a conservação de sociologias


estrangeiras; e a segunda, uma sociologia autêntica e incrustrada nos contextos socioespaciais
onde era criada. É na fase “daspiana” que Guerreiro Ramos elabora suas primeiras reflexões
sobre administração e teoria das organizações. Tenório (2012, p. 448 - 449) salienta que neste
mesmo período inicia os “intentos de demonstrar a necessidade de o sociólogo atuar de forma
engajada com os destinos do país” e que “deseja contribuir para que o país saísse, à época em
que escrevia, daquela dependência que por pouco não se tornou ‘natural’, não fosse o papel do
governo Getúlio Vargas (em que pese o autoritarismo de suas ações políticas)”.
Já a partir de 1952, além do cargo que exerce no DASP, Guerreiro Ramos leciona na
FGV3, onde participa da formação do Grupo de Itatiaia4, de onde derivam o IBESP5 e
posteriormente o ISEB6 . A fase “isebiana” é a primeira e uma das mais férteis para o intelectual
em termos de suas publicações, pois é quando ultrapassa a fase de relator de ideias de outros

3
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi criada pelo presidente Getúlio Vargas, em 1944, para promover estudos
de interesse da administração pública, sendo que seu caráter de direito privado teria sido escolhido para que a
instituição não sofresse interferências políticas mas que ao mesmo tempo, não estivesse subordinada À procura
de lucro. Suas origens estão no esforço de modernização da burocracia pública levado à cabo pelo Departamento
de Administração do Serviço Público (DASP), também criado no âmbito do governo do presidente Getúlio
Vargas, em 1938 (Abreu, 2019a).
4
O Grupo de Itatiaia surgiu, em 1952, do debate polarizado sobre os rumos da industrialização brasileira em
rápida ascensão desde o final da 2ª Guerra Mundial. De um lado, os defensores da participação de capitais e de
tecnologia estrangeiros no desenvolvimento nacional. E, de outro lado, os nacionalistas, defensores de uma
planificação econômica que colocava uma forte participação do Estado na economia, tanto nos setores de
infraestrutura como nos setores em que o capital privado não tinha possibilidades de se lançar por falta de
recursos ou de tecnologia. Guerreiro Ramos, juntamente com outros intelectuais como Hélio Jaguaribe, Roland
Corbisier, Rômulo de Almeida, Cândido Mendes de Almeida, Inácio Rangel e Evaldo Correia Lima faziam parte
deste último grupo, e passaram a se reunir no último fim de semana de cada mês no Parque Nacional de Itatiaia
(Abreu, 2019b).
5 O IBESP - Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política foi a formalização, em 1953, do Grupo de
Itatiaia, onde o grupo passou editar a revista Cadernos do Nosso Tempo e organizou cursos e conferências em
nível de extensão universitária (Abreu, 2019b).
6 O ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi criado em 1955 como forma de tornar mais densa a
participação do grupo do IBESP na esfera pública federal. Foi um dos órgãos mais importantes de elaboração da
ideologia nacional-desenvolvimentista, de base capitalista, para o Brasil. Dentre os intelectuais do grupo havia
divergências, porém o entendimento comum era de que “o desenvolvimento era entendido como a condição de
superação da estrutura colonial ou subdesenvolvida, alcançável somente através da industrialização crescente do
país. A política de desenvolvimento só comportaria uma opção, a nacionalista, única capaz de conduzir à
emancipação e à plena soberania. A política de desenvolvimento nacionalista introduziria mudanças no sistema
político, determinando a substituição das antigas elites dirigentes do país. A estrutura econômica desenvolvida
teria que se apoiar numa nova liderança política, representada pela burguesia industrial nacional. A superação do
subdesenvolvimento através da industrialização seria uma aspiração não só da burguesia industrial nacional,
como também do proletariado, dos grupos técnicos e administrativos e da intelligentsia. Os interesses desses
grupos estariam em oposição aos interesses dos grupos ligados à economia de exportação de bens primários
(economia agrária), cuja aspiração seria manter o status quo e reviver a importância política que haviam detido
até a Revolução de 1930. Os desenvolvimentistas seriam favoráveis a uma política econômica liberal, destinada
a reforçar o setor primário da economia. (…) A luta seria travada, finalmente, entre nacionalistas e “entreguistas”
— aqueles que tendiam a vincular o desenvolvimento do Brasil à potência hegemônica do capitalismo.”
Contudo, em 1958, com a publicação do livro O nacionalismo na atualidade brasileira, Guerreiro Ramos se opõe
francamente ao seu autor, Hélio Jaguaribe, o que resulta em uma grave crise interna até que Guerreiro Ramos se
demite do instituto. O ISEB é extinto em 13/04/1964 por força do Golpe Militar empenhado neste mesmo ano
(ABREU, 2019b).
50

intelectuais, escreve artigos para a Revista de Saúde Pública (RSP) destinada à funcionários
públicos, participa das publicações dos Cadernos do Nosso Tempo (que chegava até as regiões
mais remotas do Brasil) e publica duas de suas obras mais importantes: Introdução crítica à
sociologia brasileira, em 1957, e A redução sociológica, em 1958 (MARTINS, 2012 e
TENÓRIO, 2012).
No que tange à inspiração declarada para o método da redução sociológica, esta teria
surgido anos antes da publicação da obra homônima, a partir da coordenação de um estudo
sobre padrões de alimentação no Brasil, coordenado por Guerreiro Ramos, no ano de 1952, no
âmbito da Pesquisa Nacional de Padrão de Vida. Neste trabalho, o intelectual observou que
havia um método padronizado pela antiga Sociedade das Nações (originária da ONU) e que
comumente era aplicado em uma variada gama de países com condições socioeconômicas e
culturais muito distintas. Ao realizar a análise dos dados coletados, verificou que a metodologia
indicada não era aplicável à realidade brasileira e precisaria de uma considerável adaptação
para que, tanto os resultados da pesquisa estivessem de acordo com a realidade, como as
proposições de políticas públicas decorrentes, de fato, pudessem solucionar os problemas
encontrados (RAMOS, 1996).
Desta forma, o estudo sobre o padrão de alimentação brasileiro, apresentado no livro
como inspiração e ilustração da Redução Sociológica como método, é o ponto onde inicia um
esforço ainda mais sistemático em defesa de uma ciência social comprometida com as
realidades nacionais e que não teria um valor universal único, justamente no sentido de que
seria sempre necessário uma depuração dos trabalhos internacionais para verificar a adequação
de suas teorias e metodologias às realidades locais - o que não significaria invalidar a
universalidade da ciência, mas compreender que a lógica que opera as ciências naturais não
pode ser pura e simplesmente transposta para as ciências sociais.
Azevêdo Mendes (2006b) identifica traços da Redução Sociológica desde os primeiros
escritos de Guerreiro Ramos, principalmente aqueles traços vinculados à práxis ou, em outras
palavras, ao necessário acordo entre pensamento e ação. Ou ainda, como elemento de qualquer
elaboração teórica, tal qual a recuperação dos trabalhos de filósofos de séculos antigos sugerem
e que no contexto da modernidade foi recuperado com vigor nos trabalhos de Karl Marx
(RAMOS, 1996, p. 169). Assim é desde os poemas escritos no início de sua biografia e sua
preocupação com uma arte engajada; passando, nas obras seguintes, pelas distinções ao que
chamava de intelectual livresco versus intelectual verdadeiro e; culminando na sociologia em
ato versus sociologia em hábito – esta última que deveria primar pelo conceito de hábito
51

proveniente de Aristóteles e Jacques Maritain, que sinalizam virtudes estáveis e permanentes


de caráter. Desta forma,
Ora, a sociologia, tal como a entendia o sociólogo baiano, não era ofício de
diletantes de gabinete; mas, pelo contrário, tratava-se de uma disciplina que
historicamente vinha sendo elaborada por intelectuais que se propuseram a
teorizar a práxis a partir da própria práxis, não sendo, portanto, uma área do
saber originária de bancos escolares. Na verdade, a sociologia, nos moldes
como à época estava sendo operacionalizada, ou seja, como uma ciência
sistemático-formal, era, para o autor aqui estudado, um desvirtuamento de
processo histórico de construção do saber para o qual contribuíram homens de
ação, homens que, preocupados em responder aos problemas de suas
realidades imediatas, elaboraram um conhecimento criativo, singular,
autêntico e interferente. (AZEVÊDO MENDES, 2006b).

Fato é que a trajetória profissional e intelectual de Guerreiro Ramos guarda grande


significado de importância para o que ele defendeu nas ciências sociais. Ele próprio afirma
sustentar suas proposições elaboradas com base na “experiência” e não em algum “culto
livresco” (RAMOS, 1996, p. 18).
Como já mencionado, Guerreiro Ramos era conhecido como “sociólogo em mangas de
camisa”. Isto porque o conjunto de sua obra, ou pelo menos as intuições iniciais que foram
sendo aprofundadas ao longo de sua carreira, foram em grande parte concebidas sem uma
vinculação institucional acadêmica. Portanto, foram frutos de seus esforços de pesquisa
paralelamente às funções que exercia em órgãos da administração pública, além de outras
experiências como aquela fundamental que se refere ao Teatro Experimental do Negro (TEN),
em que encontrou em Abdias Nascimento grande inspiração para entender os problemas
brasileiros relacionados à constituição étnica do país. Tal trajetória está de acordo com sua
defesa, na Redução Sociológica, de que a construção do conhecimento sociológico deve ser um
processo prático e voltado para os problemas sociais do próprio contexto – eis a forma de
aquisição da consciência crítica. Foi assim que defendeu que a atuação dos órgãos públicos
deveria ser pautada na ciência, ao passo que a construção da ciência social só faria sentido se
engajada na solução dos problemas nacionais (FILGUEIRAS, 2012).

2.2.2 Sobre A Redução Sociológica

O contexto sócio-histórico mundial no ano de publicação da Redução Sociológica, ou


seja 1957, é abordado por Bariani (2015, p. 15):
No mundo, a Guerra Fria estava em plena vigência, os revolucionários
cubanos atacavam Havana e estavam próximos da tomada do poder. Nikita
Khrushchev tornava-se o premiê da então União Soviética; Charles de Gaulle
52

era chamado a formar um novo governo francês (que promulgou nova


constituição e fundou a Quinta República); os nacionalistas iraquianos
derrubavam a monarquia do rei Faisal II por meio de uma revolução e subia
ao poder Abdul Karim Qassim; Arturo Frondizi era eleito Presidente da
Argentina; conflitos entre negros e brancos aconteciam em Londres; o Papa
Pio XII falecia e era substituído por João XXIII; as colônias francesas e
inglesas na África começavam a se rebelar e a pleitear autonomia. Era
inaugurada, oficialmente, a agência espacial americana (NASA), e os
soviéticos lançavam o satélite Sputnik 3.

Sobre o contexto brasileiro, o autor relembra que


Naquele ano, o Brasil se tornou campeão mundial de futebol, o C. R. Vasco
da Gama conquistou o campeonato no Rio de Janeiro e o Santos F. C., em São
Paulo. Foi iniciada a produção em série do Volkswagen Sedan (Fusca) e vivia-
se a euforia do Governo Juscelino Kubitschek. No ano anterior, havia
começado a construção de Brasília; persistia a influência da Comissão
Econômica para a América Latina (CEPAL), depois também Caribe, na
interpretação econômica, e o PCB lançava sua Declaração de Março. Jorge
Amado publicava Gabriela, Cravo e Canela; Raimundo Faoro, Os donos do
poder; Sérgio Buarque de Holanda, a Visão do paraíso; Roger Bastide, O
candomblé da Bahia; Costa Pinto, Recôncavo; Celso Furtado, Perspectivas da
economia brasileira. No ambiente um tanto conturbado do ISEB, Roland
Corbisier publicava Formação e problema da cultura brasileira; Nelson
Werneck Sodré, Introdução à revolução brasileira; Álvaro Vieira Pinto
traduzia e publicava o livro de Karl Jaspers, Razão e anti-razão em nosso
tempo; e Hélio Jaguaribe publicava Condições institucionais do
desenvolvimento e O nacionalismo na atualidade brasileira. Esse último livro
daria ensejo, naquele mesmo ano, às suas desavenças com Guerreiro Ramos,
culminando com a saída de ambos do instituto. […] Era uma época de
confiança no progresso, no desenvolvimento, nas possibilidades técnicas e nas
transformações políticas; de agitação e ousadia artística e cultural, de
renovação política da esquerda após as revelações do XX Congresso do
Partido Comunista da União Soviética. Após a Conferência de Bandung (em
1955), dava-se a ascensão do nacionalismo, decaía o colonialismo europeu e
persistia a “guerra fria”, mas seu sistema dicotômico já apresentava fissuras
pela posição de não alinhamento e neutralidade de alguns países. No Brasil,
após algumas tentativas golpistas, vivia-se uma muita efêmera sensação de
democracia política, em parte devida ao crescimento econômico no período.
A população beirava os 70 milhões de habitantes, sendo que a maior parte, em
torno de 38 milhões, ainda morava na zona rural. (BARIANI, 2015, p. 15-16).

Guerreiro Ramos (1996) dedica dois capítulos iniciais da obra A Redução Sociológica
ao contexto socioeconômico mundial e brasileiro que lhe gerava esperança nas possibilidades
de desenvolvimento do país. À época, o processo de industrialização capitalista avançava no
Brasil concomitante às transformações de infraestrutura urbana e do consumo popular. Para o
autor, tais condições históricas possibilitavam à população a esperança na superação
progressiva da sobrevivência puramente biológica e vegetativa, de uma vida ordinária. Por
conseguinte, tais condições impulsionariam a criação de uma “consciência coletiva de caráter
53

crítico” (RAMOS, 1996, p. 41), ao passo que tal consciência seria o motor de ainda mais
transformações sociais rumo ao desenvolvimento. Isto é, a sociedade brasileira seria capaz de
avaliar suas condições objetivas de desenvolvimento - pela análise de fatores internos e
externos, presentes e passados - de modo que apropriar-se-ia do curso do desenvolvimento no
país, pela via política de planejamento e da ação.
Aqui a defesa é de que o acesso ao consumo mercantil é um dos fatores que operam em
favor da politização das sociedades, uma vez que
é necessário realçar a diferença de psicologia coletiva entre um contingente de
pessoas que praticam largamente o autoconsumo da produção e o de pessoas
que vivem de salários e que assim têm de comprar tudo, ou quase tudo, de que
necessitam. A sociedade de que estas últimas formam tem maior conteúdo
político que a de rurícolas. (RAMOS, 1996, p. 59).

Ou em outra passagem, onde Ramos (1996, p. 65) afirma que


a ambiência urbana, à diferença da rural, insere o indivíduo numa trama de
intensas relações nas quais se registra considerável carga de cálculo. São
relações que estimulam o individualismo, a competição, a capacidade de
iniciativa, o interesse pelos padrões superiores de existência. A tensão
constitutiva da vida urbana traduz-se naturalmente em politização acentuada,
tornando decisiva a participação popular nas várias formas de atividades
diretivas da sociedade.7

Na visão do autor, tais condições seriam favoráveis à formação de uma consciência


crítica brasileira, em função de uma apropriação do conhecimento social a partir de seu contexto
único nas diversas regiões brasileiras, pela práxis com a consequente implicação da própria
sociedade na tarefa de planejar os rumos do desenvolvimento do país. Em outras palavras,
tratava-se da reivindicação de maior participação social na condução do desenvolvimento
brasileiro. Para Filgueiras (2012), o pensamento de Guerreiro Ramos pode ser considerado o
precursor do que nos dias mais atuais seria denominado de pós-colonialismo, cuja premissa
central é a de compreender o papel exercido pelas culturas subalternas, não ocidentais, na
construção do próprio conhecimento social e, por conseguinte, na proposição e condução de
alternativas de desenvolvimento a partir das próprias identidades.
Não é sem motivo que a obra A Redução Sociológica abre assentando as bases do que
possibilitaria uma consciência crítica e de como ela estava se propagando no Brasil. É esta a
variável que explica e torna possível a operacionalização da redução sociológica.

7
Mais tarde, na obra A Nova Ciência das Organizações, o autor vai sugerir que a excessiva comercialização de
bens no espectro da vida humana associada, bem como a racionalidade implícita nos processos de
desenvolvimento em curso corroem as sociedades, o que desde já se pode avaliar como um clamor pela
calibragem ideal entre racionalidades, que seria melhor exposta em sua última obra.
54

Ramos (1996, p. 46) apresenta a formação da consciência crítica como um produto


histórico, que surge “quando um grupo social põe entre si e as coisas que o circundam um
projeto de existência”. Projeto este que é impossível de ser levado a cabo por seres puramente
biológicos, cuja única possibilidade é reagir a coisas e objetos dados ou postos ao seu entorno,
num esforço que não ultrapassa o que o autor denomina de consciência ingênua. Já o espaço da
consciência crítica é aquele disposto sobre a tomada de consciência do ser humano como um
ser histórico capaz de viver de forma projetiva. Assim, a consciência crítica surgiria “quando
um ser humano ou um grupo social reflete sobre determinantes (históricos) e se conduz diante
deles como sujeito” (RAMOS, 1996, p. 48). Contudo, o autor adverte que tal processo não é de
um isolamento cultural diante da totalidade das culturas da humanidade, ou do sistema-mundo
que estaria em processo incipiente de globalização, mas uma atitude de diálogo franco que não
dissimula o papel e as intenções colonizadoras das civilizações ocidentais e que, por
conseguinte, consegue colocar sua validade universal em questionamento.
FREIRE (1967) publicará posteriormente sua obra Educação como prática da
liberdade, bastante influenciado pelos escritos isebianos e em especial por Alberto Vieira Pinto
e Guerreiro Ramos. No que tange à formação da consciência crítica, fará uma abordagem
pedagógica e a denominará de consciência transitiva, explicitando que há um caminho a ser
traçado para sua aquisição, que é precedido pela consciência intransitiva (estado vegetativo do
ser humano) e posteriormente pela consciência transitiva ingênua (puramente emocional e
pouco propositiva), cujas passagens de uma fase para outra são denominadas de saltos.
A formação da consciência crítica é justamente a força indicativa do primeiro sentido
atribuído à Redução Sociológica por Guerreiro Ramos. Outros dois sentidos seriam explicitados
pelo autor nos anos e obras seguintes. Azevêdo Mendes (2006a) observa que a primeira edição
publicada da obra ocorreu em um momento em que Guerreiro Ramos estava atribulado em
torno de duas principais atividades, a saber: o engajamento intelectual e político com as
atividades do ISEB e a docência na FGV. Desta feita, essa primeira edição pareceu o esboço de
um projeto de fôlego que viria a se desenvolver mais adiante. Mas o embrião estava lançado e
o objetivo da primeira edição deu conta de realizar a crítica à uma mentalidade colonialista
como padrão das ciências sociais brasileiras e propor um método de assimilação crítica da
produção internacional para a realidade social brasileira. Tal denúncia já era realizada em textos
anteriores, mas aqui proposições são incorporadas no formato de método.
Desta forma, como proposição metodológica, a redução sociológica é um método de
depuração da literatura e das experiências estrangeiras. É guiada por um conjunto de quatro leis
gerais que possibilitam aprofundar a compreensão das categorias gerais abordadas até o
55

momento: 1) Lei do Comprometimento; 2) Lei do Caráter Subsidiário da Produção Científica


Estrangeira; 3) Lei da Universalidade dos Enunciados Gerais da Ciência; 4) Lei das Fases.
Ramos (1996) as explica.
A lei do comprometimento direciona para uma prática científica engajada
conscientemente com o contexto em que ela se desenvolve, ou seja, inserida na dinâmica
territorial própria de cada espaço. Isso acarreta que questões nacionais, regionais e locais sejam
necessariamente elementos imediatos na produção de conhecimento e não termos finais. E,
disso se infere que países periféricos que tem por hábito importar saberes e transpor
experiências sucumbem a premissas de valor de países centrais – o que pode contribuir para
manter estruturas de dominação e revelar atitude de consciência ingênua e não crítica. É é
necessário, portanto, um esforço de rompimento com um padrão “copista” e “repetidor” do
cientista social, de modo que lhe seja viável contribuições autênticas na produção do
conhecimento. Aqui o embate entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes esclarece e traz
ilustrações sobre essa lei. Ao passo que Florestan Fernandes queixa-se do baixo investimento
destinado à pesquisa social acadêmica, Guerreiro Ramos observa que esta é a própria condição
social da sociologia brasileira, e tal elemento deve entrar no contexto do processo de decisão
de onde investir os escassos recursos disponíveis a acessar. Em outras palavras, a decisão de
onde investir deveria ser reflexiva das necessidades sociais regionais e nacionais.
De fundo fenomenológico e existencialista é a reflexão de Guerreiro Ramos sobre a
práxis no contexto da Lei do Comprometimento, porque só se reconhece o conhecimento como
uma relação dinâmica entre consciência e objeto no fluxo de uma reciprocidade de influências.
A visão de mundo que o cientista possui é histórica e fruto de uma cosmovisão que nem sempre
está implícita em seu processo intelectual. Consequentemente “todo fazer humano implica uma
‘interpretação’ das coisas que manipula, como todo teorizar é extensão do fazer ao nível da
representação. Não é, pois, legitimo extremar a distinção entre teoria e prática. […] o impulso
para teorizar jamais é gratuito, origina-se na ocupação.” (RAMOS, 1996, p. 108). Respeitando
as limitações desta transposição, pode-se inferir que no campo da pedagogia, a implicação desta
lei é que só faz sentido levar a cabo um processo pedagógico quando ele se encontrar inscrito
nas condições históricas e sociais. FREIRE (1967) sugere esta mesma consideração.
A segunda lei, a Lei do caráter subsidiário da produção científica estrangeira é uma das
mais claras ao longo da explicação do método e é simples. Consiste em que o que existe da
vasta produção intelectual internacional na área das ciências sociais não pode ser mais do que
subsídio do processo de construção de conhecimento nacional. A constatação que embasa esta
lei é a de que o processo acadêmico e intelectual brasileiro é excessivamente conduzido pela
56

baixa interpretação e repetição acrítica de teorias “alienígenas”, coerentes à realidade dos países
de origem e ao sistema de manutenção das condições contraditórias entre desenvolvimento e
subdesenvolvimento. E isso precisa ser repensado sob a ótica da redução. Afinal, “é a prática
da redução que converte o sociólogo de consumidor (colecionador) de ideias em produtor de
ideias.” (RAMOS, 1996, p. 115). Não submeter a produção científica internacional ao crivo
crítico da produção do conhecimento nacional é replicar uma lógica de dominação que só é
favorável aos países de onde tais teorias se originam.
Uma categoria chave para a explicação fenomenológica desta lei é a intencionalidade.
Guerreiro Ramos recorre a Husserl e sua afirmativa de que cada pessoa está relacionada aos
objetos e a determinadas circunstâncias. Mas no caso da produção intelectual, essa relação não
está assentada em bases transcendentais, mais sim, concretas. A noção de noema de Husserl
permite a assertiva de que a tarefa científica é a de descobrir o sentido e o contexto das teorias
científicas em relação ao espaço onde foram criadas. Tal exercício é o que permite desnudar o
esquema de intencionalidades que fizeram surgir as teorias. Por conseguinte, o uso destas
teorias para cada realidade nacional e regional estará condicionado à uma depuração das
intencionalidades e verificação da aplicabilidade a contextos que possuem outras intenções que
não aquelas onde as teorias foram criadas. Assim, ao utilizar “um objeto ou produto, sem reduzi-
lo, somos envolvidos pela intencionalidade de que é portador. A observância desta lei levará o
sociólogo a utilizar a produção estrangeira como matéria-prima de elaboração teórica,
condicionada por fatores particulares da sociedade em que vive.” (RAMOS, 1996, p. 115).
A implicação disto no campo da atuação acadêmica e intelectual é que qualquer
produção científica tem razão de ser quando se identifica na própria sociedade aquilo que deve
ser estudado, para a oferta de soluções a problemas próprios e específicos desta sociedade. Ou
seja, é a justa contraposição de uma ciência restrita aos muros acadêmicos, arbitrariamente
decididas pelo gosto de seus pesquisadores. Se a origem, o teor e o significado dos problemas
enfrentados são únicos em cada sociedade e em cada época, é razoável que nenhuma solução
eficaz possa ser facilmente transposta de um espaço geográfico para outro ao prescindir de um
diagnóstico localizado.
A terceira lei diz respeito a universalidade dos enunciados gerais da ciência, a qual
Ramos (1996, p. 123) é categórico e objetivo, a despeito de entendimentos equivocados: “a
redução sociológica não implica, de modo algum, negar a universalidade da ciência. Seu
propósito é, apenas, levar o cientista a submeter-se à exigência de referir o trabalho científico à
comunidade em que vive.” Desta forma, a ciência é vista pelo autor como universal em duas
frentes complementares.
57

Em primeiro lugar a universalidade é expressada pelo domínio do desenvolvimento da


ciência no sistema mundo. Ou seja, um patrimônio de aquisições que só progride na medida em
que é compartilhado por uma comunidade de cientistas dispersos no espaço global – algo que
o avanço das comunicações tende a facilitar, como de fato já está ocorrendo. Em segundo lugar,
a universalidade da ciência é notória pelo conjunto semântico e habitus que adquire e
compartilha. Estes, por sua vez, formam um mesmo repertório de enunciados, que podem ser
qualificados como a epistemologia de cada área ou campo científico. Estes dois pontos que
congregam a universalidade da ciência não podem ser minados em nome de uma ciência social
nacional ou regional.
Por outro lado, tomando em conta o que foi explicado na segunda lei, se cada pessoa
está relacionada aos objetos que analisa e os carrega de sentido próprio, somente uma mente
descolonizada e não alienada, é capaz de uma ciência social nacional ou regional. Caso
contrário, não fará mais do que manter-se ajustado ao quadro mundial que não pretende ser
alterado. Será incapaz de inovações que acarretem o desenvolvimento nacional ou regional.
Assim, “nas estruturas nacionais dotadas de capacidade de autodesenvolvimento, o trabalho
intelectual e, portanto, científico, está direta ou indiretamente carregado de funcionalidade,
enquanto referido a perguntas concretas.” (RAMOS, 1996, p. 126).
A última lei proposta é a Lei das Fases. Esta lei determina que “à luz da redução
sociológica, a razão dos problemas de uma sociedade particular é sempre dada pela fase em que
tal sociedade se encontra” (RAMOS, 1996, p. 129). Tal assertiva, à primeira vista, pode parecer
sugerir que o método da redução seja pautado em uma evolução linear de fases. Mas esta não é
a interpretação correta, porque a evolução linear de fases é o conceito padrão de modernização,
em que caberia aos países subdesenvolvidos seguir um receituário de países desenvolvidos,
para atingir seu ápice. E esta é justamente uma das críticas de Guerreiro Ramos que será
abordada mais tarde, quando da análise do seu texto intitulado Modernização em nova
perspectiva: em busca do modelo de possibilidades (RAMOS, 2009).
A lei das fases, com efeito, pressupõe uma intersecção de duas categorias: tempo e
espaço. Por trás de sua dimensão conceitual está o termo totalidade, extraído de estudos de
Marcel Mauss, que aponta para a generalização de que todo fenômeno social é um fenômeno
total, no sentido de que envolve uma série de eventos, simultâneos ou não, de ordem econômica,
material, ideológica, política, institucional e, embora não citado pelo autor, hoje se poderia
colocar em evidência também o elemento ambiental. São todas relações causais de difícil
mensuração, mas impossíveis de desconsideração e que vão se tornando mais claras à medida
que são compreendidas e ordenadas em largas unidades de tempo. De modo que, “a fase não é,
58

portanto, uma categoria lógica, formulada a priori. É caracterizada a posteriori, pela observação
empírica de fatos selecionados em diferentes sociedades, e tomando-se uma ou um conjunto
delas como termo de comparação.” (RAMOS, 1996, p. 135).
Uma das principais definições concretas da lei de fases que Guerreiro Ramos apresenta
como ilustrativa está situada no processo histórico-social de Hegel e Marx, no qual um conjunto
de fatores que constituem uma totalidade determina uma época histórica que atribui sentido ao
que ocorre dentro dela. Assim,
Marx encaminhou-se para uma caracterização das grandes seções do
processo histórico-social em termos mais concretos. Era preciso
encontrar a explicação dos períodos da história não mais nas ideias ou
numa espécie de espírito antropoformizado, mas nas condições da vida
material. Assim passou a descrever as etapas do comunismo primitivo,
da escravidão, do feudalismo e do capitalismo, reduzindo-as ao que
considera como o seu respectivo substrato básico, a sua infraestrutura
econômica. Cada uma dessas etapas, caracterizada por um meio de
produção fundamental e por determinada modalidade de apropriação
econômica, é uma totalidade aberta para o futuro, na qual se
influenciam reciprocamente as condições não materiais e as materiais,
embora estas constituam a anatomia de cada formação histórico-social
e, assim, em última análise, exerçam papel dominante na causalidade.
(RAMOS, 1996, p. 131).

Disso decorre a constatação de que os acontecimentos sociais não são obras do acaso ou
mero destino sobre-humano. Tampouco estão alheios a um fluxo histórico-social. São, em
realidade, um conjunto de decisões humanas relacionadas a leis estruturais que conduzem a
determinados resultados. É por isso que todo processo decisório no campo social depende de
conhecimento sistemático, “porque os fatos tendem a compor relações de sistema ou de
coerência uns com os outros, [e assim] só é viável operar em determinada situação as
transformações possibilitadas pelo seu âmbito de virtualidades.” (RAMOS, 1996, p. 135). Ou,
ainda, somente é possível transformar a realidade social pela via da consciência crítica.

2.2.3 Sobre a Atitude Parentética

Avançando para o segundo sentido da Redução Sociológica, este se dá quando da


propositura do conceito de Homem Parentético em contraposição ao Homem Organização.
Assim, Ramos (1996) esclarece no prefácio à segunda edição da obra A Redução Sociológica,
que o capítulo denominado Homem Organização e Homem Parentético, do livro Mito e verdade
59

da revolução brasileira, é o que explora este segundo sentido daquela obra cuja proposição
inicial era a de um método, qual seja, a atitude parentética.
Neste sentido, para chegar à definição de atitude parentética, Ramos (1963) por um lado,
tece uma contundente crítica aos modelos de organizações que, no Brasil, seriam importados
ora dos Estados Unidos, ora da União Soviética. Por outro lado, propõe um exercício da
sociologia em hábito (habitus), cujo conceito é proveniente de Aristóteles e não da conceituação
de hábito no senso comum, caracterizado pela repetição mecânica de certos comportamentos.
Trata-se de um momento em que as atenções do autor começavam a se voltar para a
dimensão administrativa das ciências sociais, ou seja, para o estudo das organizações e seu
papel na socialização das pessoas. Azevêdo Mendes (2006a) acrescenta ainda que a obra Mito
e verdade da revolução brasileira é permeada pela vivência parlamentar de Guerreiro Ramos
e os embates que travou com diversos partidos políticos à esquerda e à direita. Mas pode-se
encontrar indícios no próprio texto de Ramos (1963) de que é também o justo momento em que
identifica, nas organizações da época, a racionalidade que tem valorizado a mentalidade
colonialista e servil dos cientistas sociais.
Aqui é importante uma pequena digressão a fim de contextualizar os antecedentes
factuais que culminam na publicação de Mito e verdade da revolução brasileira. Assim,
fazendo jus à alcunha de um sociólogo “em mangas de camisa”, vale lembrar que a trajetória
de Guerreiro Ramos e sua construção intelectual tiveram relativamente pouca filiação
institucional à academia formal. Muito de suas elaborações teóricas estão em consonância com
suas observações empíricas dentro de espaços de burocracia pública e de círculos de discussão
com outros intelectuais. Sua preocupação fundamental desde os anos 1940 até meados de 1960,
era a de compreender a realidade brasileira e propor um projeto de desenvolvimento nacional
comprometido com as soluções de problemas que assolavam o país.
Neste contexto, na década de 1950, Guerreiro Ramos se junta a outros intelectuais de
peso no pensamento social brasileiro, tais como Hélio Jaguaribe, Cândido Mendes de Almeida,
Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré, que defendiam a industrialização como modo de
superação do subdesenvolvimento, eram inicialmente contrários ao capital estrangeiro e
subdividiam os grupos de poder entre nacionalistas e “entreguistas”. (FGV/CPDOC, 2020).
Como já mencionado, o que era inicialmente um grupo informal de intelectuais
pensando questões sociais brasileiras fora da academia tradicional, tornou-se o IBESP. Neste
contexto, os “Cadernos do Nosso Tempo”, disseminavam as discussões promovidas pelo grupo
e objetivavam “esclarecer o estado da arte da política no país, cogitavam sobre modos de agir
dos diferentes segmentos da sociedade e tinham a intenção de induzir e ajustar seu movimento.”
60

(HOLLANDA, 2012, p. 609). Logo surgiu a oportunidade de uma maior inserção do grupo na
realidade política nacional e, assim, após articulações dos integrantes do IBESP, o presidente
João Fernandes Campos Café Filho cria o ISEB, vinculado ao Ministério da Educação e
Cultura, por meio do Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955.
O ISEB teria um papel importante nos anos seguintes, influenciando as políticas
desenvolvimentistas do governo de Juscelino Kubitschek. Contudo, três grandes entraves se
colocariam no caminho do Instituto, a saber: 1) as proposições nacionalistas do Instituto não
seriam integralmente absorvidas pelo presidente à época, visto ser ele favorável ao uso do
capital estrangeiro para a industrialização do país. Tal situação condicionaria uma participação
menor do que aquela almejada pelo grupo, no planejamento do desenvolvimento do país; 2)
havia um estranhamento e uma ausência de reconhecimento da legitimidade do Instituto por
parte dos cientistas sociais da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Brasil
(atual Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ). Tal movimento pode ser compreendido
na esteira dos embates travados entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes, que se sucediam
a outros departamentos das ciências sociais da academia formal; 3) as ideias isebianas não
constituíam um todo homogêneo, visto que havia sérias divergências de orientação política e
ideológica entre os intelectuais que integravam o Instituto. Sequer a questão nacional era
consenso e, além disso, conforme cada integrante avançava seus estudos, as divergências se
tornavam menos transponíveis na convivência institucional. (FGV/CPDOC, 2020).
O resultado da confluência dos fatores expostos foi a cisão interna do ISEB, que
acarretaria o desligamento voluntário de Guerreiro Ramos do grupo e seu posterior ingresso na
vida político-partidária. Assim, Ramos se filiou ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e
tornou-se Deputado Federal pela Guanabara, no período de agosto de 1963 a abril de 1964,
tendo seu mandato cassado pelo Ato Institucional no. 1 do Governo Militar. A guinada que
Guerreiro Ramos orquestra, a partir de sua saída do ISEB, é justamente a inserção na vida
política partidária e ativista. A atuação posterior resulta em três obras de relevo: O problema
nacional do Brasil (1960), A crise do poder no Brasil (1961) e Mito e Verdade da Revolução
Brasileira (1963), conforme argumenta Azevêdo Mendes (2006a).
Em outras palavras, Mito e verdade da revolução brasileira e, consequentemente, a
definição de atitude parentética, foram elaborados paralelamente à sua atuação político-
partidária, logo após o rompimento com o ISEB. A condição de práxis de Guerreiro Ramos
reverbera, neste sentido, em um significativo avanço para a Redução Sociológica apresentada
inicialmente como método.
61

Encerrada a digressão do contexto factual da época, observa-se que é por meio das obras
dos sociólogos americanos Wright Mills e William H. Whyte, que Guerreiro Ramos vai se
inspirar e assumir desde já a crítica ao padrão de desenvolvimento da sociedade americana.
Padrão este baseado em organizações que extrapolavam os limites da dimensão econômica do
desenvolvimento para todas as demais esferas da vida humana individual ou associada, fazendo
com que não restasse mais do que homens mecanomórficos, desprovidos de liberdade criativa
e criadores de uma “coletividade desumanizada”. Por outro lado, Ramos (1963) adverte que a
organização é necessária à vida. De modo que
A organização tem inevitavelmente duas faces. Uma boa, outra má. Sem ela,
a vida é impossível; com ela a vida se desnatura. […] Se um ideal de justiça
só consegue encarnar-se historicamente mediante correspondente organização
institucional, uma vez implantada, toda organização institucional tende a ser
conduzida de modo privilegiado, em benefício dos que a empolgam. […] Só
a organização corrige os malefícios de uma organização ilegítima ou caduca.
O homem está condenado à organização. (RAMOS, 1963, p. 157).

Assim, para Guerreiro Ramos, a organização de modelo americano impunha moldes


que, ao socializar os seres humanos, aprisionaria as condições de existência mais humanas, tais
como a liberdade e a inteligência, atuando como pressupostos ocultos. Em outras palavras, a
organização trabalharia no sentido de compor o Homem Organização - um ser desprovido de
consciência crítica e que confere anuência complacente ao que se lhe é exterior e imposto de
forma dissimulada. O avanço da esfera organizacional na vida humana e o espaço ampliado que
a organização toma nos cotidianos sociais evocam uma “patologia da normalidade” porque “um
defeito só o é quando afeta uns poucos. Quando afeta a maioria ou a todos, perde o caráter de
lesão, e se afigura mesmo traço de normalidade.” (RAMOS, 1963, p. 148).
Ainda na mesma obra, ao estudar os partidos políticos com os trabalhos de Robert
Michels e a teoria emanada de Lênin no contexto do Partido Comunista russo como organização
(que se replicava nas iniciativas comunistas brasileiras), Ramos (1963) encontra muitas
similaridades com a organização americana e a sua propensão em formar Homens-organização.
Ao reconhecer, mais uma vez, a organização como forma necessária para que indivíduos
dispersos passem a ter poder de ação coordenada, o autor chama a atenção que ela

tende, porém, a libertar-se do controle dos que a compõem, notadamente


quanto maiores sejam as suas dimensões, e até a sujeitá-los aos seus interesses
fazendo surgir, em seu seio, uma burocracia que substitui aos que,
formalmente, a organização representa. […] Ao ingressar nela [organização],
na sua camada burocrática dirigente, sobretudo, o indivíduo adquire o caráter
da organização, despoja-se de seus atributos personalógicos antigos.
(RAMOS, 1963, p. 162-163).
62

Assim, a partir de qualquer espectro ideológico, na visão de Guerreiro Ramos, a


organização tende naturalmente a cooptar os indivíduos e eliminar suas subjetividades. Isto
porque, espera-se dos integrantes das organizações uma energia que canaliza a obediência à
uma consciência que, embora seja emanada de seus dirigentes, passa a ser uma consciência da
organização. Esta consciência, difusa e de difícil percepção objetiva por quem está inserido
nela, pode facilmente entronizar os dirigentes das organizações e solapar a participação dos
demais.
O autor, ainda, utiliza uma analogia à peça de teatro escrita pelo romeno-francês Eugène
Ionesco – O Rinoceronte - para a compreensão do Homem Organização, que tem o formato de
uma alegoria. Nesta peça, um rinoceronte, com todos os estranhos comportamentos típicos do
animal, surge em uma pacata cidade. Em pouco tempo habitantes da cidade vão também se
transformando em rinocerontes e a cidade vai se tornando o conjunto de comportamentos
ineptos animalescos. Eclode, então, uma epidemia denominada rinocerite. Somente um
personagem da alegoria – Bérenger – permanece como um humano em constante luta contra a
epidemia enquanto seus conterrâneos estão fadados a um comportamento grotesco e
desumanizado (CORTEZ, 2018). Trata-se, pois, de uma crítica ao autoritarismo e a alienação
embutida nos processos de socialização que condicionam o Homem Organização 8.
Esta é justamente a denúncia do poder que as organizações estavam fazendo promover
na sociedade. Por isso, Guerreiro Ramos realiza um exercício de construção de um antídoto, ao
qual denomina de atitude parentética. A proposta aqui é “por um mundo no qual a organização
não transcenda o homem. Mas o homem transcenda a organização.” (RAMOS, 1963, p. 173).
Ora, seria um clamor pela ação do personagem principal da obra de Ionesco – Bérenger, “único
ser humano em meio aos rinocerontes, [que] termina a peça clamando ‘Contra todo o mundo,
eu me defenderei! Eu sou o último homem, e serei até o final! Eu não capitulo!’” (PEREIRA,
2014, p. 102)

8
A obra em questão foi formulada na França à mesma época em que Jean Paul Sartre disseminava o
existencialismo, e inserida na corrente que se convencionou chamar de “Teatro do Absurdo”, mas que tanto
Sartre quanto Ionesco preferiam se referir como “Teatro da Derrisão”. O Teatro da Derrisão indicava a recusa
simultânea de três elementos constitutivos do teatro convencional e da sociedade à época: a psicologia, a intriga
e o realismo (PEREIRA, 2014), o que guarda significativa relação com as críticas que Guerreiro Ramos tece em
suas obras. É, pelo menos em parte, o espírito de um tempo traduzido na observação da autora de que O
Rinoceronte aborda o engajamento contra a ideologia totalitária pós-guerra, assim como a valorização do livre-
arbítrio. De modo que a “rinocerite”, assim como outros personagens de Ionesco, “servem como ocasiões de
colocar em cena essa transformação do indivíduo em massa: desvinculado do que o liga ao universal, ao que é
próprio do humano, sua tendência a se juntar em pequenos grupos o leva a uma amálgama que o
desindividualiza.” (PEREIRA, 2014, p. 165).
63

Nesse sentido, a crítica à organização tem mais ares de descoberta de padrões implícitos
no funcionamento organizacional episódico do que uma crítica à existência das organizações,
consideradas necessárias como forma de potencializar as ações humanas. Contudo, como
necessárias e determinantes da ampliação do poder de ação dos sujeitos, falta às organizações
o desejo real de emancipação subjetiva desses sujeitos que as compõem e integram, para que se
promovam possibilidades de existência da vida humana mais superiores e livres. Isto porque o
que fundamenta a crítica das organizações só tem validade e capacidade de transformação
quando sua inspiração reside na dialética, podendo concluir que “os malefícios de determinada
forma episódica de organização só podem ser erradicados por outra organização de tipo
superior, cuja qualidade será tanto mais elevada quanto mais a consciência parentética participe
de sua estrutura” (RAMOS, 1963, p. 169).
Não há receitas para a constituição da atitude parentética. Se houvesse, seria a justa
contradição de sua teoria a ponto de invalidá-la. É, como se verifica, mais coerente explicar e
compreender o que o Homem Parentético não é. Como pistas, Ramos (1963) indica que o
Homem Parentético é um ser de imaginação sociológica que, por sua vez, é capaz de favorecer
a compreensão das realidades mais íntimas de si próprio em justa relação com realidades sociais
mais amplas. Ele não é, necessariamente um especialista, mas é também um cidadão comum
que tem, entre outras premissas valorativas, a capacidade de transitar de forma interdisciplinar
entre as várias perspectivas, mas compreendendo que integra um sistema social maior do que
as partes que percebe. É portanto, um ser de consciência crítica que, ao mesmo tempo que
embasa a Redução Sociológica como método, constitui a própria possibilidade da Redução
Sociológica. Freire (1967, p. 41-42) usa outra semântica, mas sinaliza para a necessidade
histórica e possibilidade real de que a atitude parentética seja inerente ao ser humano no
contexto moderno, e explica isso a partir da distinção entre integração e acomodação:
Insistimos, em todo o corpo de nosso estudo, na integração e não na
acomodação, como atividade da órbita puramente humana. A integração
resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida da de transformá-la a
que se junta a de optar, cuja nota fundamental é a criticidade. Na medida em
que o homem perde a capacidade de optar e vai sendo submetido a prescrições
alheias que o minimizam e as suas decisões já não são suas, porque resultadas
de comandos estranhos, já não se integra. Acomoda-se. Ajusta-se. O homem
integrado é o homem Sujeito. A adaptação é assim um conceito passivo — a
integração ou comunhão, ativo. Este aspecto passivo se revela no fato de que
não seria o homem capaz de alterar a realidade, pelo contrário, altera-se a si
para adaptar-se. A adaptação daria margem apenas a uma débil ação
defensiva. Para defender-se, o máximo que faz é adaptar-se. Daí que a homens
indóceis, com ânimo revolucionário, se chame de subversivos. De
inadaptados.
64

Aqui se encontra novamente a práxis, visto que a atitude parentética é simultaneamente


fruto e resultado da reflexão advinda da prática humana nas relações sociais e organizacionais.
“Assim, a luta contra uma organização mistificada não pode ser a mera crítica e denúncia de
seus aspectos negativos, mas a sua substituição por outra organização, adequada aos novos
critérios válidos” (RAMOS, 1963, p. 218).

2.2.4 Sobre a Sociedade Multicêntrica e o Paradigma Paraeconômico

No início da década de 1960, Cuba havia recém promovido uma revolução onde chegara
ao poder um governo que logo se tornaria comunista. Os ânimos políticos se acirrariam em toda
a América Latina, no contexto da Guerra Fria e com influências estrangeiras. No Brasil, os
militares assumem o poder de forma autoritária em abril de 1964. Na esteira e como já
mencionado, logo após ter assumido a cadeira de deputado federal pela Guanabara após a
renúncia de Leonel Brizolla, Guerreiro Ramos teve seus direitos cassados. A partir de então
passou a viver recluso, com a proteção de amigos e “trancafiado em uma pequena sala na
Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, onde lecionaria a jovens estudantes, muitos dos
quais vieram a se tornar discípulos seus, e se dedicaria à escrita de um dos mais vastos
compêndios sobre administração pública” (AZEVÊDO MENDES, 2006a) – trata-se do livro
intitulado Administração e Contexto Brasileiro, de 1966.
Já vivenciando a realidade acadêmica e científica dos Estados Unidos desde seu exílio,
em 1966, mas sem abandonar a coerência que lhe acompanharia nos enfoques dados aos seus
estudos, Guerreiro Ramos lançou o terceiro sentido atribuído à Redução Sociológica em
formato de livro, denominado A Nova Ciência das Organizações – uma reconceituação da
riqueza das nações, publicado em 1983.
A obra em questão teve uma longa trajetória até a sua publicação. Um dos primeiros
esboços de A nova ciência das organizações foi elaborado com foco na ação humana - com
base em possíveis padrões de escolhas pessoais em relação ao comprometimento
organizacional. Já a primeira versão mais elaborada da obra, com a crítica fundamentada à
sociedade centrada no mercado, viria a ser publicada em 1976, em artigo denominado Theory
of social delimitation, a preliminary statatement.
Com seu formato próximo do que viria a ser a versão final, a partir de 1977 Guerreiro
Ramos começa uma peregrinação em busca de aprovação do manuscrito do livro em diversas
editoras. Foram, ao todo, catorze negativas por parte de editoras norte-americanas, justificadas
com base na percepção dos editores de que o conteúdo do livro seria demasiadamente europeu
65

para o público nacional, ou escassamente prático a ponto de se tornar irrelevante. Finalmente a


Universidade de Toronto, no Canadá, aceitou realizar a publicação do livro (AZEVÊDO
MENDES, 2006a).
Guerreiro Ramos avalia que a dificuldade em encontrar editoras para a publicação de
sua obra tem raízes justamente em um padrão hegemônico de conceber as ciências sociais a
serviço do mercado, principalmente na academia norte-americana. Uma vez que a obra parte
justamente dessa crítica e propõe, como se verá, uma teoria de espectro amplo – a TDSS, seria
natural que ela encontrasse barreiras. De todo modo, Guerreiro Ramos afirma que escreveu a
obra A nova Ciência das Organizações para
[…] expressar o meu desconforto com a moderna ciência social e
administrativa, particularmente na feição que assume nos EUA. O livro
proclama que tal ciência nada mais é do que uma ideologia legitimadora da
sociedade centrada no mercado, e propõe a sua substituição por uma nova
ciência, entendida essencialmente como teoria da delimitação dos sistemas
sociais. O leitor verificará que essa nova ciência tem existido milenarmente, e
só é nova porque a sua tradição é ignorada nos meios acadêmicos tipicamente
modernos. (RAMOS, 1989, p. XV).

A obra consiste em: 1) realizar e fundamentar a crítica da hegemonia da racionalidade


instrumental nas organizações e suas consequências, considerando que tal racionalidade vem
invadindo todas as esferas da vida humana associada, desde o Iluminismo; 2) expor os
principais sintomas da hegemonia da racionalidade instrumental, aos quais o sociólogo
denomina Síndrome Comportamentalista, Colocação Inapropriada de Conceitos e Política
Cognitiva e; 3) propor uma abordagem substantiva das organizações por meio da delimitação
dos sistemas sociais e de um novo modelo de economia, denominado Paraeconomia.
Guerreiro Ramos faz uma tentativa de retorno do exílio nos Estados Unidos quando a
obra ainda se encontrava no prelo. Inicia, assim, um relacionamento com a Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC, coordenando o Curso de Mestrado em Planejamento
Governamental, nos anos de 1980 e 1981. Os pressupostos e fundamentos teóricos do referido
curso são majoritariamente desenvolvidos em torno do conteúdo apresentado na obra (SALM,
2015).

Crítica à hegemonia da racionalidade instrumental

Ramos (1989) levanta posições de pensadores da racionalidade para iniciar o caminho


rumo à defesa de uma nova ciência das organizações, porque compreende que “a razão é o
conceito básico de qualquer ciência da sociedade e das organizações.” (p. 23). Assim, conceitua
66

a racionalidade instrumental como o pensamento orientado ao cálculo utilitário de


consequências, essencialmente vinculado aos fatores produtivos e de mercado e de cunho
individualista. Trata-se de uma racionalidade típica e justificável para as ciências naturais e para
o próprio mercado. Contudo, ela não pode ser a única racionalidade concebível para todas as
ciências. Ou seja, jamais a racionalidade instrumental é passível de ser transposta para as
ciências sociais, uma vez que tal movimento pode ser caracterizado como uma transavaliação
do próprio conceito de racionalidade. O problema é que o termo racionalidade foi sendo
vulgarizado e empregado por leigos e cientistas sociais concomitantemente ao avanço do
mercado, assumindo uma feição enganadora e anti-ética em relação à existência humana,
[…] levando à conversão do concreto no abstrato, do bom no funcional, e
mesmo do ético no não-ético – [o que] caracteriza o perfil intelectual de
escritores que têm tentado legitimar a sociedade moderna exclusivamente em
bases utilitárias. […] Uma vez que a palavra razão dificilmente poderia ser
posta de lado, por força de seu caráter central na vida humana, a sociedade
moderna tornou-se compatível com sua estrutura normativa (RAMOS, 1989,
p. 3).

E nestes termos a teoria clássica das organizações seria ingênua, porque considera a
racionalidade instrumental a base epistemológica das ciências sociais, creditando o sucesso
tecnológico e econômico das sociedades industriais desenvolvidas à aplicação irrestrita das
ciências naturais, como se estas últimas, não pudessem ser manipuladas. Contudo, trata-se de
um engodo. Na verdade, “[…] um alto grau de desenvolvimento técnico e econômico pode
corresponder a um baixo desenvolvimento ético.” (RAMOS, 1989, p. 7). Para o autor, é precário
conceber que o ser humano não é mais do que sua capacidade de cálculo utilitário de
consequências vinculadas ao mercado, ainda que nos últimos dois séculos as ciências sociais
têm tido sucesso operacional e prático em função deste pressuposto. Mas isso as qualificaria
mais como um credo do que uma ciência, porque
os resultados atuais da modernização, tais como a insegurança psicológica, a
degradação da qualidade de vida, a poluição, o desperdício à exaustão dos
limitados recursos do planeta, e assim por diante, mal disfarçam o caráter
enganador das sociedades contemporâneas. A autodefinição das sociedades
industriais avançadas do Ocidente como portadoras da razão está sendo
diariamente solapada e é, na realidade, tão largamente desacreditada que se
fica a imaginar se a legitimação de tais sociedades, exclusivamente à base da
racionalidade funcional, continuará, dentro em pouco, encontrando neste
mundo quem acredite nela. (RAMOS, 1989, p. 22-23)

Ramos (1989) elenca alguns sintomas da hegemonia da racionalidade instrumental na


sociedade, sendo eles: 1) a Síndrome Comportamentalista; 2) a Colocação Inapropriada de
Conceitos e; 3) a Política Cognitiva. Em um esforço de síntese pode-se afirmar que a primeira
67

é um modo de comportamento onde a individualidade está em constante fluidez e respondendo


a externalidades pré-concebidas. Com este sintoma, o indivíduo não participa dos processos
sociais senão como mero coadjuvante que segue normas e tendências as quais calcula que
possam ser traduzidas em maior benefício individual. Aqui a educação é usada como um
exemplo quando, em muitos casos, está mais preocupada com o conteúdo do que com a
formação humana. O segundo sintoma consiste na apropriação de termos de uma em outra área,
sem o devido filtro crítico. Trata-se de um deslocamento conceitual inapropriado e de
intencionalidade duvidosa. O terceiro e último sintoma elencado, a Política Cognitiva9, consiste
“no uso consciente ou inconsciente de uma linguagem distorcida, cuja finalidade é levar as
pessoas a interpretarem a realidade em termos adequados aos interesses dos agentes diretos e/ou
indiretos de tal distorção.” (RAMOS, 1989, p. 87). Ela está imbrincada nos ambientes
comerciais – para a venda produtos e serviços desnecessários (denominados bens
demonstrativos); na política – utilizada em discursos vazios e populistas para a conquista de
votos ou mesmo nas negociações de poder; nas organizações formais de variadas funções
mercadológicas- para a cooptação de indivíduos que se tornam meros e “alegres” detentores de
emprego10, e passam a ter na organização a quase totalidade de suas vidas; e até mesmo nos
processos educativos – por meio de uma educação voltada para atingir competências para o
mercado.
Há, portanto, que se resgatar uma outra racionalidade de cunho valorativo para as
ciências sociais, típica do período anterior ao Iluminismo, de forma a permitir que se vislumbre
a intencionalidade por trás das ações humanas. Assim, com base nos estudos sobre
racionalidade de Max Weber e Karl Mannheim, Ramos (1989) propõe que as ciências sociais e
a ciências das organizações sejam orientadas pela racionalidade substantiva, que é a que permite
o pensamento de julgamentos éticos a partir de inter-relações de acontecimentos. Em outras
palavras, a racionalidade substantiva seria a base da vida humana ética e responsável. Contudo,
ela não é atributo de uma sociedade, porque ela está na consciência humana e não na mediação
social: “ela impele o indivíduo na direção de um esforço contínuo, responsável e penoso para
dominar suas paixões e suas inclinações inferiores.” (RAMOS, 1989, p. 16). E é justamente por
isso que a educação para o pensamento crítico em direção a um equilíbrio dinâmico entre, de

9
Não confundir com Política Cognitiva de Dagnino (2018), que expressa o conjunto de Políticas de Educação e
Ciência, Tecnologia e Inovação.
10
Uma atualização possível das análises de Guerreiro Ramos sobre os “alegres detentores de empregos”
(RAMOS, 1989, p. 112) são os atuais “alegres empreendedores” no contexto da chamada uberização do trabalho.
A ideia inicial de economia compartilhada, compactuada pela estratégia de desenvolvimento sustentável, cedeu
lugar para um processo de perda de direitos sociais e fragmentação da classe trabalhadora, que está em curso
graças, entre outras causas, à atuação da Política Cognitiva.
68

um lado fatos e realidades objetivas e, de outro lado, os aspectos valorativos das sociedades,
tem papel de fundamental importância.
E é precisamente este o equilíbrio que Guerreiro Ramos está reivindicando quando, em
A Nova Ciência das Organizações ou em outros trabalhos, o autor faz a crítica aos sistemas
educativos imbricados no que denomina sociedade de mercado. Ora, uma educação que se
constitui em modelagem da mente no escopo de um sistema mecanomórfico, não é mais que
socialização convertida em alienação. É, portanto, mera acomodação do já abordado conceito
de Homem Organização (RAMOS, 1989).
No entanto, é importante esclarecer que o que Guerreiro Ramos faz não é uma crítica
pura à racionalidade instrumental, tampouco a defesa de sua aniquilação – ele reconhece sua
importância. A racionalidade instrumental tem seu lugar tanto no mercado como nas ciências
naturais, e pode ser útil à emancipação humana porquanto tanto o mercado como as ciências
naturais são elementos constitutivos da sociedade. O que o sociólogo não admite é: 1) que se
considere a racionalidade instrumental como se fosse a única racionalidade possível em todo o
espectro das ciências e da vida humana associada, o que caracterizaria uma transavaliação da
razão, em termo cunhado pelo próprio autoe e; 2) que, com isso, se normalize a desconsideração
de aspectos valorativos e éticos que permitam a avaliação de intencionalidades das ações
humanas nos diversos contextos sociais.
É possível que, na ânsia pela denúncia do enraizamento cada vez maior da lógica de
mercado em todas as esferas da vida humana associada, Guerreiro Ramos tenha desconsiderado
que a racionalidade instrumental não está exclusivamente a serviço do Mercado ou do Estado.
Sampaio, Mantovaneli e Fernandes (2011) reivindicam atenção para o fato de que o modelo de
tomada de decisão nas organizações modernas está pautado na racionalidade instrumental de
cunho individual e em escala temporal de curto prazo, baseada em cálculo lógico-dedutivo
induzido por Descartes para análises analítico-reducionistas. Os autores informam, por outro
lado, que há propostas de transição já assentadas na literatura, que consideram: 1) uma
racionalidade instrumental coletiva que insere objetivos altruístas nas estratégias decisionais;
2) a circunscrição da racionalidade instrumental individual à limites onde ela é indispensável –
com especial atenção para a economia e; 3) uma racionalidade comunicativa, baseada em
Habbermas que avança do nível do sistema (Estado e Mercado) para o nível da complexidade
do mundo da vida (Sociedade Civil) – o que levaria à expansão do espaço societário.
69

Proposta de uma abordagem substantiva das organizações

Como contraponto à sociedade unidimensional, centrada no mercado, Guerreiro Ramos


sugere uma teoria da racionalidade substantiva que possa existir em equilíbrio com a
racionalidade instrumental. A ideia não é exatamente original, mas parte de um compilado de
pensadores que refletiram sobre distintas racionalidades para além da instrumental. Nestes
termos, a racionalidade substantiva seria aquela que põe em evidência preceitos valorativos, e
não apenas os objetivos, de modo que o caminho que se percorre para atingir tais objetivos – o
método - tem fundamental importância nos processos decisórios (RAMOS, 1983, p. 39). Assim,
o autor apresenta três distinções fundamentais entre uma racionalidade e outra.
Primeiro, “os conceitos da teoria substantiva são conhecimentos derivados do e no
processo de realidade, enquanto os conceitos da teoria formal são apenas instrumentos
convencionais de linguagem, que descrevem procedimentos operacionais.” (RAMOS, 1989, p.
27, grifo do autor). Logo, a racionalidade no campo da teoria substantiva, não desempenha
nenhum papel junto à teoria formal, já que se deve posicionar claramente o que se considera ou
não racionalidade. Segundo, a teoria substantiva não é nova, embora seus expoentes primeiros
não a adjetivassem como substantiva. Seu conceito era encampado simplesmente no termo
racionalidade. Foi a época moderna que determinou a necessidade de adjetivação, quando o
conceito tradicional de racionalidade foi sequestrado por funcionalistas de várias convicções
pela via da chamada transavaliação, que influenciou teorias como a de Adam Smith. No limite,
este sequestro solapou a comunicação sincera entre os indivíduos e propiciou uma colocação
inapropriada de termos, que de forma intencional, pode fazer pensar que o próprio Mercado
estaria interessado na emancipação humana. A terceira e última distinção aqui abordada é a
visão de que a teoria substantiva precisa de uma regulação ética da teoria política, em qualquer
disciplina que tenha como foco a vida humana associada.
É ao exercitar a razão, inclusive na ética que acarreta essa ação, que o indivíduo
transcende sua condição puramente natural e socialmente determinada, transformando-se em
um ator político. Onde quer que interesses práticos sejam o critério único de ações humanas, é
onde não existe vida política. De modo que é necessário que a preocupação com matéria não
prevaleça em relação ao valor intrínseco das coisas. Consequentemente, disciplinas como a
economia, devem ser subordinadas a considerações éticas, visto que não se pode esperar do
Mercado que proponha soluções para além de suas equações matemáticas, que são insuficientes
para pensar nas necessidades sociais ou coletivas, ou mesmo os meios de satisfação de uma
comunidade.
70

Para Guerreiro Ramos há um ponto cego nas ciências sociais, e mais especificamente
nos estudos das organizações, a saber, as interações simbólicas da humanidade. Aqui, há uma
contradição latente que precisa ser observada para a abordagem substantiva das organizações.
O homem simultaneamente se depara com dois problemas: o do significado de sua existência e
a sua sobrevivência biológica.
Em outras palavras, em toda sociedade existe, de um lado, uma série de ações
simbólicas em sua natureza, ações condicionadas, sobretudo, pela experiência
do significado e, de outro lado, atividades de natureza econômica, que são
acima de tudo condicionadas pelo imperativo da sobrevivência, da calculada
maximização dos recursos. Os critérios de cada tipo de conduta são distintos
e não devem ser confundidos. […] As atividades de natureza econômica são
compensadoras em razão de seus resultados extrínsecos, enquanto a interação
simbólica é intrinsecamente compensadora. O primeiro tipo de atividade é um
meio para conseguir um fim; o segundo constitui um fim em si mesmo
(RAMOS, 1989, p. 126).

Recorrendo a autores clássicos, o autor caracteriza três convicções da interação


simbólica: 1) há diversas maneiras de atingir o conhecimento que não apenas a ciência. Arte,
religião e história são algumas delas; 2) Não há como usar categorias mecanomórficas para
explicar a existência social e individual, pois o indivíduo participa de distintas maneiras da
construção social; 3) Os símbolos são ferramentas comunicacionais de trocas em experiências
livres de repressões formais, o que requer relações íntimas distantes da racionalidade de caráter
econômico e consequentemente distantes do modelo de comunicação das organizações formais,
que é operacional e não expressivo.
Outro ponto cego a ser considerado é a necessária diferenciação entre trabalho e
ocupação, que não é levada em conta na teoria das organizações vigente. A distinção entre
atividades de nível superior e inferior do ponto de vista existencial é algo que foi levado em
conta em todas as sociedades pré-mercado. As primeiras são aquelas “exercidas
autonomamente pelo indivíduo, de acordo com seu desejo de atualização pessoal” (RAMOS,
1989, p. 130), algo desejável como um fim em si mesmo. Já as atividades de nível inferior eram
aquelas “determinadas externamente por necessidades objetivas e não pela livre deliberação
pessoal. (RAMOS, 1989, p. 130). Desta forma, o segundo nível de atividade exige esforços
penosos e não gratificantes, e o trabalho está alocado nesta categoria. É daí também que advém
uma certa distorção de termos como ociosidade e lazer. Nestes termos, lazer e ocupação não
precisariam ser considerados opostos, mas passam a sê-lo na medida em que o trabalho substitui
a ocupação. Isto porque é com o advento do mundo do trabalho total, que o lazer passa a ser
sinônimo de ociosidade. Como se por direito adquirido os homens pudessem desfrutar o
descanso pelo esforço empreendido no penoso trabalho. E é assim que o lazer perde a
71

característica de autoatualização presente anteriormente. Ociosidade, passatempo, diversão são


características outrora distantes da conceituação do lazer e sua junção só faz sentido “pelas
premissas de valor do sistema de mercado, no qual o homem sente que está social e mesmo
religiosamente justificado ‘a desfrutar, com a consciência tranquila’, apenas ‘aquilo que
adquiriu com esforço e sacrifício’.” (Pieper apud RAMOS, 1989, p. 131).
Com base na constatação destes pontos cegos em conjunto com outros elementos
elencados precedentemente, Guerreiro Ramos avança nas considerações que devem obter
atenção para o enfoque substantivo da organização. São elas, sem pretensão de esgotamento:
1) as organizações econômicas devem ser delimitadas em fronteiras específicas dentro do
espaço humano vital, pois são caracterizadas como um “sistema microssocial que produz
mercadorias segundo normas contratuais objetivas, dispõe de meios operacionais para a
maximização de recursos limitados e utiliza critérios quantitativos para avaliar a equivalência
de bens e serviços.” (RAMOS, 1989, p. 135); 2) não se pode esperar que o comportamento
administrativo individual seja compatível com o desenvolvimento das capacidades humanas,
porque ele é vexatório e subordinado a coações operacionais e; 3) para possibilitar a atualização
adequada dos seres humanos, há que se compreender adequadamente seus interesses e alocá-
los nos correspondentes sistemas sociais.

Proposições da Nova Ciência das Organizações: a Delimitação dos Sistemas Sociais


e a Paraeconomia

O paradigma paraeconômico é a grande propositura da obra A nova ciência das


organizações. O objetivo, conforme esclarece Ramos (1989, p. 140) é “delinear um modelo
multidimensional, para a análise e a formulação dos sistemas sociais, no qual o mercado é
considerado um enclave social legítimo e necessário, mas limitado e regulado”, de modo que
indivíduos da sociedade possam se empenhar em diferentes atividades substantivas e
integradas.
A delimitação de enclaves do paradigma proposto ocorre a partir de duas classes de
dimensões, a saber: a orientação comunitária em contraposição à orientação individual, e a
prescrição em contraposição à ausência de normas. Já as categorias, receberam tratamentos a
partir do método de elaborações heurísticas weberiano, de tipo ideal11. É por isso que “não se

11
Os tipos ideais weberianos são uma metodologia proposta por Max Weber que nasce de algumas críticas ao
padrão de estudo das ciências políticas, dentre as quais se pode destacar a constatação de que as ciências sociais
estavam demasiadamente preocupadas em compreender os fenômenos sociais como se deram (ou são) e não
72

espera de nenhuma situação existente na vida social que coincida com esses tipos ideais. No
mundo concreto, só existem sistemas sociais mistos.” (RAMOS, 1989, p. 140).
Por sua vez, as categorias delimitadoras são: anomia, motim, economia, isonomia,
fenonomia e isolado. Começando pela anomia e o motim, integram a delimitação
organizacional na medida em que, de fato, existem e precisam ser encaradas sob uma estrutura
de um enclave específico e distinto do funcionamento de mercado.
A anomia é uma categoria retirada dos escritos de Durkheim, condição pela qual “os
indivíduos subsistem na orla do sistema social. Eles são desprovidos de normas e de raízes, sem
compromisso com prescrições operacionais, mas são incapazes de modelar suas vidas de acordo
com um projeto pessoal.” (RAMOS, 1989, p. 146). A anomia, aliás, é uma consequência natural
da industrialização, visto que comportamentos anômicos integram necessariamente a divisão
do trabalho. Tais pessoas, na concepção de Guerreiro Ramos, precisam ser assistidas, protegidas
ou controladas por instituições que entendam sua atuação dentro de um enclave social
específico, sob pena de que, do contrário, aprofundem a condição anômica de seus clientes. O
motim, por sua vez e como outra categoria da sociedade multicêntrica, é a versão de dimensão
coletiva da anomia: “é a referência de coletividades desprovidas de normas, a cujos membros
falta o senso de ordem social. Pode acontecer que uma sociedade se torne passível de
perturbação pelos motins, quando perder, para seus membros, a representatividade e o
significado.” (RAMOS, 1989, p. 147).
A economia é uma categoria de fundamental importância na delimitação dos sistemas
sociais. Trata-se de “um contexto organizacional altamente ordenado, estabelecido para a
produção de bens e/ou para a prestação de serviços” (RAMOS, 1989, p. 147-148), cujas
características, comuns a todos os tipos de economias (monopólios, firmas competidoras,
organizações de fins não lucrativos e agências), são: 1) tem clientes aos quais presta serviço e
influenciam em suas atividades; 2) sua avaliação é objetiva e em termos de eficiência, seja de
lucros ou de relação custo/benefício; 3) assume, geralmente, grandes dimensões de tamanho e
complexidade – tanto quanto for útil para sua avaliação objetiva; 4) os membros da economia

como deveriam (ou poderiam) ser. Na concepção dos tipos ideais, o passado é visto a partir de determinados
pressupostos capazes de determinar relações causais que resultaram nos fenômenos ocorridos, e não como uma
mera reprodução do passado. É fácil imaginar que uma simplificada linha do tempo que nomeia fatos
sequenciais pouco informa das condições e decisões que foram tomadas para que a história seguisse o curso que
a trouxe aos dias atuais. Mas aqui há uma armadilha, conquanto se deva considerar, na mesma medida do
alargamento das possibilidades de análise dos fatos sociais contextualizados, que o observador carrega um
arcabouço cultural e de racionalidade do próprio tempo que habita. Tal arcabouço implica nas análises e
conjecturas que o observador é capaz de fazer. Finalmente, o tipo ideal weberiano possibilita elucidar esse
componente de “racionalidade correta” do intérprete do fenômeno ou da ação, diferenciá-lo dos fatos reais
ocorridos ou em curso e, com isso sugerir novas possiblidades de ação (RINGER, 2004).
73

são os detentores de emprego; 5) A informação circula entre seus membros conforme


parâmetros de interesses pessoais ou empresariais. Tais características não são um problema
em si. Pelo contrário,
uma vez que no presente estágio histórico é inconcebível que qualquer
sociedade venha jamais a ser capaz de descartar completamente as atividades
de natureza econômica, certo grau de hierarquia e coerção será sempre
necessário para a ordenação dos negócios humanos, como um todo. No âmbito
de seus respectivos enclaves, as economias burocratizadas podem-se tornar
mais produtivas para seus membros e para os cidadãos em geral” (RAMOS,
1989, p. 150).

Portanto, a economia somente se torna um problema quando extrapola seu enclave de


delimitação e passa a atuar acima das questões valorativas humanas.
A isonomia é outra categoria a TDSS. É definida pelo princípio de igualdade de todos
os membros. Experiências de componentes isonômicos são crescentes e tem na convivialidade
uma proposta de reforma social. As características da isonomia são: 1) objetiva a atualização
pessoal de seus membros, sem coação de prescrições. As prescrições aliás, quando necessárias,
são estabelecidas por consenso de modo a contribuir para a boa vida coletiva; 2) é um “tipo
generoso de relacionamento social, no qual [os indivíduos] dão e recebem” (RAMOS, 1989, p.
150) – o que torna as atividades desempenhadas altamente auto gratificantes; 3) é o espaço da
ocupação e não do emprego, tal qual os termos foram tratados anteriormente, de modo que as
atividades sejam vocacionais; 4) É “uma verdadeira comunidade onde a autoridade é atribuída
por deliberação de todos. A autoridade passa, continuamente, de pessoa para pessoa, de acordo
com a natureza dos assuntos, com os problemas em foco e com a qualificação dos indivíduos
para lidar com eles” (RAMOS, 1989, p. 151); 5) As relações interpessoais devem ser primárias,
de modo que há um tamanho máximo a ser atingido, ponto a partir do qual os relacionamentos
passam a ser secundários e ela declinará, passando a formar uma democracia ou burocracia.
A fenonomia é “um sistema social, de caráter esporádico ou mais ou menos estável,
iniciado e dirigido por um indivíduo, ou por um pequeno grupo, e que permite a seus membros
o máximo de opção pessoal e um mínimo de subordinação a prescrições operacionais”
(RAMOS, 1989, p. 152). Suas características são: 1) um ambiente de autonomia para liberação
da criatividade individual ou de um pequeno grupo; 2) o empenho se dá em obras automotivadas
que demandam altos esforços e o desenvolvimento de regras operacionais próprias; 3) os
critérios econômicos são incidentais para a motivação de seus membros, visto que fenonomias
são espaços sociais alheios à penetração do Mercado; 4) os membros da fenonomia não estão
isolados. Antes, possuem consciência social e visam interagir com outros indivíduos sobre suas
experiências.
74

Como última categoria, tem-se “O isolado”, como um indivíduo diametralmente oposto


ao anômico. São os empregados e os cidadãos que escondem suas próprias convicções do
mundo. Enquanto o anômico não segue regras, o isolado
está excessivamente comprometido com uma norma, que para ele é única. Por
uma série de razões, o isolado considera o mundo social, como um todo,
inteiramente incontrolável e sem remédio […mas] encontra ele um canto em
que, de forma consistente, pode viver de acordo com seu peculiar e rígido
sistema de crenças. (RAMOS, 1989, p. 153).

A forma pela qual o paradigma paraeconômico pode vir a se transformar em paradigma


vigente é por meio da ação humana intencional e consciente dos males ocasionados pela
extrapolação da lógica de mercado para todas as áreas da existência humana. Neste âmbito
encontra-se tanto o papel das iniciativas empreendidas por cidadãos (Sociedade Civil) como
ações do Estado: “é uma abordagem do tipo faça você mesmo” (RAMOS, 1989, p. 156).
Como constructo adicional, Ramos (1989, p. 161) observa que a cognição é outra
dimensão dos sistemas sociais. Baseado em Habermas, o autor traça uma variedade de tipos e
formas de conhecimento e afirma que
um sistema cognitivo é essencialmente funcional, quando seu interesse
dominante é a produção ou o controle do ambiente; é essencialmente político,
quando seu interesse dominante é o estímulo dos padrões de bem-estar social,
em seu conjunto; é essencialmente personalístico (personalogic), quando o
interesse dominante é o desenvolvimento do conhecimento pessoal. Um
sistema cognitivo deformado é aquele desprovido de um único interesse
central.

Assim, os sistemas de cognição se misturam simultaneamente no cenário social,


contudo, a predominância nos sistemas sociais ocorre da seguinte forma: o funcional ocorre nas
economias, o político nas isonomias, o personalístico nas fenonomias e o deformado em grupos
anômicos – lembrando que a anomia é, também, consequência da extrapolação do sistema
social econômico para os demais sistemas sociais que compõem a vida humana.
Mas daí surge o problema da alocação de recursos. Primeiro, deve-se considerar que as
sociedades lidam convencionalmente com duas formas de transferências. A primeira - e a que
recebe mais atenção - está na economia de troca, que se faz em dois sentidos e costuma estar
relacionada ao enclave da economia com seus mecanismos contábeis de avaliação de
custo/benefício. A segunda é a economia de subvenções que, por razões de ter seus critérios de
alocação e avaliação baseados na qualidade e desenvolvimento das sociedades em bases
substantivas, está relacionada às isonomias e fenonomias, embora não restritas a elas e
tampouco dando conta de encerrar a questão de suas alocações. Isso porque os próprios modelos
75

de alocação predominantes não dão conta do paradigma paraeconômico, pois “[…] é o mercado
que, em última análise, determina o que deve ser considerado como recursos e como produção”
(RAMOS, 1989, p. 180). E é desta forma que o paradigma vigente despreza em suas análises
da riqueza nacional as contribuições, por exemplo, da economia doméstica e do cuidado, ou as
atividades de associação de moradores e similares. E ao não computar essas atividades
essenciais para a vida humana, reconhecem como riquezas da nação somente aquilo que é
vendido ou comprado e que, portanto, é passível de contabilidade.
Em contraposição, a sociedade multicêntrica do paradigma paraeconômico reconhece
como riqueza tanto aquilo que os indivíduos vendem/compram como aquilo que produzem,
mas que não dispõem de dinheiro. Até porque o mercado não é capaz de identificar as reais
necessidades dos indivíduos, de modo que a solução implicada tem sido a de aprender o que
leva os indivíduos a comprar, independente de reais necessidades.
Daí deriva também o mal-estar com o conceito convencional de desenvolvimento que
vem ficando cada vez mais patente, sobretudo na academia. As abordagens tradicionais de
desenvolvimento
pressupõem que um aumento no volume das atividades de troca e a expansão
especial do mercado se equiparam ao desenvolvimento. Esse ponto de vista
preconcebido fica particularmente claro na forma padronizada de avaliação do
fenômeno da economia dual, nos países periféricos. É assim que se diz que
um país onde existe uma economia dual, ou populações vivendo em áreas não
incluídas no mercado, é, por definição, subdesenvolvido, ou mesmo atrasado.
O conselho que os formuladores de política desses países recebem,
geralmente, dos especialistas ocidentais, é o de que, uma vez que a economia
dual constitui um obstáculo ao desenvolvimento, deveriam empreender
esforços no sentido de incorporar a população inteira do país ao sistema de
mercado. O resultado geral dessa orientação política, não apenas nos países
periféricos, mas também nas nações cêntricas, é bastante conhecido. Algumas
dessas consequências são a má formação urbana ou a exagerada concentração
de população em grandes cidades, o aumento da taxa de anomia, o
agravamento da síndrome behavorista, com todas as suas deformadoras
conotações psicológicas, a diluição da identidade cultural dos cidadãos e a
destruição da competência artesanal que os capacitava a garantir,
autonomamente, a própria e significativa sobrevivência. Mais ainda, o sentido
econômico e quantitativo de semelhante orientação política leva os que a
subscrevem a legitimar a primazia do aumento do PNB sobre a justiça social
e distribuição de renda. (RAMOS, 1989, p. 185-186).

Mesmo países considerados desenvolvidos tem usado remédios que agravam o mal
constatado em função do desemprego e da degradação dos sistemas ecológicos. Isso ocorre
porque não compreendem que os sistemas de produção podem existir em duas vias não
antagônicas, quais sejam, de natureza orientada para o lucro e de natureza mutuária. As
“energias autocurativas da sociedade” (RAMOS, 1989, p. 186) estão presentes nos sistemas de
76

produção de natureza mutuária, onde se localizam as fenonomias e isonomias (ou formas


mistas) e que, eventualmente, necessitam do aporte de uma economia de subvenções. Tal
economia de subvenções pode existir de diversas maneiras, como por exemplo o repasse de
financiamentos por doadores, e outras formas de redistribuição de renda e riqueza que ocorrem
por meio de mudanças estruturais. Além disso, faz-se necessário a consideração de recursos
ecológicos.
Assim, o autor propõe que “a produção deveria ser empreendida não só para
proporcionar a quantidade bastante dos bens de que o homem necessita para viver uma vida
sadia, mas também para provê-lo das condições que lhe permitam atualizar sua natureza e
apreciar o que faz para isso. Desse modo, a produção das mercadorias deve ser gerida
eticamente, porque, como consumidor ilimitado, o homem não torna resistente, mas exaure seu
próprio ser.” (RAMOS, 1989, p. 199). Isto leva às questões de ordem ecológica, cuja natureza,
como sistema vivo que é, “só pode perdurar na medida em que não se violem os freios biofísicos
impostos a seus processos de recuperação.” (RAMOS, 1989, p. 199).
E, neste sentido, o autor dá destaque a incertezas de sua teoria acerca do papel do Estado
e das políticas públicas em todo esse processo, embora oriente algumas pistas. Observa ele que
o Estado do novo paradigma seria regulatório para delimitar com eficiência o enclave do
Mercado. Contudo, não seria um interventor socialista porque o enclave do Mercado é desejável
em todos os sistemas sociais. Afirma o autor que
o socialismo é estranho ao modelo paraeconômico apresentado neste livro. Na
realidade, a iniciativa privada e a propriedade privada são condições
fundamentais para qualquer bem-sucedida delimitação do mercado. Mas,
numa sociedade delimitada, a iniciativa privada e a propriedade privada são
defendidas do poder disfarçado dos agentes corporativos privilegiados, tanto
quanto do Estado onipotente.” (RAMOS, 1989, p. 196).

O Quadro 2 traz um comparativo entre os paradigmas da sociedade centrada no mercado


e o paradigma paraeconômico, como forma de síntese da abordagem.
77

Quadro 2 - Comparativo entre paradigmas


Paradigma da sociedade centrada no mercado Paradigma paraeconômico (Pressupostos e
(Realidade atual) algumas experiências)
A sociedade é unidimensional. A sociedade é multicêntrica ou multidimensional.
A economia é de troca, ou seja em duplo sentido A economia pode ser de duplo sentido (dual).
entre produção e consumo, e regulada pela lei da
oferta e da procura.
Computam apenas atividades de mercado, ou Reconhece formalmente atividades não
seja, de compra e venda, como riqueza das remuneradas ao computar a riqueza das nações.
nações.
O montante e a qualidade do que o indivíduo O montante e a qualidade do que o indivíduo
consome é expresso pelo que ele compra. consome é expresso pelo que compra e produz.
Possui deformada visão dos problemas Inclui formalmente no sistema social atividades
relacionados aos recursos finitos, atribuindo a de dimensões ecológicas e psíquicas, que
solução aos limites de crescimento sob a lógica acarretam abundância de recursos e capacidade
limitada de mercado. produtiva que atualmente encontra-se ociosa.
O mercado extrapola os limites de seu próprio O mercado é politicamente regulado para que se
enclave, regulando a política e a vida cotidiana. mantenha limitado ao enclave do sistema social a
que pertence, pois “tem critérios próprios, que
não são os mesmos dos outros enclaves, nem da
sociedade como um todo.” (p. 184).
Os critérios para definição do que é Os critérios para definição do que é
desenvolvimento seguem os preceitos de desenvolvimento partem da qualidade da vida
mercado e utilizam-se indicadores como PNB, social de uma nação e valoram atividades
população urbana e população empregada – que produtivas que tem essa finalidade. O foco recai,
somente fazem sentido ao mercado. entre outros indicadores, na justiça social e
distribuição de renda.
O indivíduo produtivo é mero detentor de As capacidades humanas são muito superiores às
emprego. Ou seja, reduz-se os indivíduos a atividades que os indivíduos realizam como
detentores de emprego e compradores. Seu valor detentores de empregos. O indivíduo produtivo
é comprovado pelo que são capazes de comprar. ocupa-se e sua atualização é inversamente
proporcional ao que consome no mercado.
A educação é concebida para atender aos “O sistema educacional deveria, sobretudo, estar
requisitos de mercado. interessado no crescimento dos indivíduos como
pessoas e, só secundariamente, como detentores
de empregos.” (p. 185).
Mensura-se a eficácia das organizações com base As organizações encorajam atividades produtivas
no quanto contribuem com o sistema econômico, de atualização pessoal e social. A avaliação das
motivo pelo qual a teoria e a prática organizações é realizada pela “sua contribuição
organizacionais são unidimensionais. direta ou indireta para o fortalecimento do senso
de comunidade.” (p. 185).
A teoria política tem caráter científico objetivo, e A teoria política adiciona as subjetividades às
as políticas públicas são implementadas e análises objetivas, que considera importantes. As
avaliadas com base na racionalidade políticas públicas são implementadas com base
instrumental. tanto a racionalidade instrumental como a
racionalidade substantiva.
A política econômica valoriza sistemas de A política econômica valoriza sistemas de
produção de orientação exclusiva para o lucro. produção tanto de orientação para o lucro como
de orientação mutuária.
Fonte: Adaptado de Ramos (1989)

2.2.5 O modelo de Possibilidades


78

Em 1967, já em solo americano e vivenciando o cotidiano acadêmico-científico da


Universidade do Sul da Califórnia, Guerreiro Ramos começa uma transição mais explícita da
sociologia para a administração, iniciada nos estudos organizacionais em Administração e
Estratégia do Desenvolvimento e Mito e Verdade da Revolução Brasileira. Tais estudos
organizacionais permanecem embasados em considerações e literatura sociológica e filosófica
e desembocarão posteriormente na TDSS. E é precisamente neste contexto que publica o ensaio
denominado A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo de possibilidades.
Ademais, o autor está agora envolto com a realidade americana – alvo de críticas anteriores
acerca do estágio das ciências sociais naquele país, críticas essas baseadas em literatura que
havia tido acesso no Brasil.
Nesse sentido, quando no início do ensaio o sociólogo afirma que finalmente os Estados
Unidos haviam superado o reducionismo de análises parciais e assimilado o conceito de
totalidade, de origem europeia – o qual integra uma das leis da redução sociológica - não se
pode afirmar com precisão se sua assertiva se refere efetivamente àquele momento histórico
das ciências sociais americanas, ou se se tratava de desconhecimento parcial da realidade
acadêmica americana anterior, uma vez que o próprio Guerreiro Ramos tem sua obra A Nova
Ciência das Organizações recusada por editoras daquele país, que o consideraram de demasiada
influência europeia.
Embora Guerreiro Ramos não aponte diretamente no texto, as possibilidades objetivas
guardam estreita ligação com a crítica a um padrão de transposição de métodos científicos das
ciências naturais para as ciências sociais e, ainda mais especificamente, com a Lei das Fases da
Redução Sociológica. Neste contexto há que se observar as conclusões extraídas do pensamento
marxista, dentre outros, que observa que enquanto o objeto de estudo das ciências naturais é
algo naturalmente dado, o objeto de estudo das ciências sociais é, ao contrário, socialmente
construído como produto da ação humana. A sociedade, portanto, como objeto de estudo
científico, é uma forma histórica entre as várias que seriam possíveis construir. Não é
permanente, mas ao contrário, é transitória. Tampouco é linear, mas uma sucessão de fatos de
causação circular. De modo que “a ciência social não pode ser científica quando se equaciona
o ‘ocorrido’ com o necessário, isto é, se não reconhecer que existe na causação histórica ou
social um lugar para a opção humana” (RAMOS, 2009, p. 11).
O termo “possibilidades objetivas” é tomado de Max Weber, cunhado pela primeira vez
nos textos de 1904 e 1905, respectivamente Objectivity in Social Science and Social Policy e
Critical Studies in the logic of Cultural Science. Mas Guerreiro Ramos faz um apanhado
histórico não exaustivo da evolução do conceito para apontar suas implicações sociológicas.
79

Assim, encontra desde os escritos de Charles Renouvier (1815-1903) um dissentimento acerca


das teorias filosóficas que davam conta de limitar os acontecimentos como estes estivessem
sujeitos exclusivamente a um curso natural da história, único possível – algo que persiste nos
dias atuais, mas se trata de fatalismo ilusório. O filósofo francês utiliza o termo ucronia para
designar uma exposição de fatos utópicos do passado que poderiam ter se tornado realidade,
mas não se tornaram.
Considerada superada a condição fatalista na análise e condução dos fenômenos sociais,
tida como ilusória, Ramos (2009) apresenta um apanhado de autores que trataram, direta ou
indiretamente, de uma concepção similar à das possibilidades objetivas. Assim, indica o
enfoque metodológico de “in status nascendi” de Karl Mainnheim para o processo de tomada
de decisões estratégicas. Tal enfoque defende a atitude experimental, como antídoto da atitude
alienada, que é implícita no dogmatismo de uma concepção de desenvolvimento a partir de pré-
requisitos rígidos. Ramos (2009) também indica a categoria de “possível dialético” dentro do
raciocínio utópico defendido por Ernst Bloch como um paralelo à concepção de possibilidades
objetivas. O possível dialético está condicionado à ação humana consciente que protagoniza
processos para mudar as causas em intersecção com os fatores objetivos.
Ainda se pode deparar com a concepção de “regularidade tendencial” de Georges
Gurvitch, que percebe a liberdade em relação recíproca com o determinismo e denuncia a
existência de um espaço de ação para modificar situações e criar novas conjunturas que
modifiquem estruturas parciais e/ou globais. Da mesma forma, Guerreiro Ramos inclui no
campo das possibilidades objetivas os estudos de Robert Merton, Robert Maclver, Eugène
Dupréel e Albert Hirschmann. Este último com importantes estudos para as teorias do
desenvolvimento regional.
Assim, possibilidades objetivas podem ser definidas como “uma tensão dialética entre
determinismo e liberdade” (RAMOS, 2009, p. 9). Ou ainda, “conjeturas, mas conjeturas cujo
poder de convicção pode ser justificado por um conhecimento positivo e controlável dos
acontecimentos” (RAMOS, 2009, p. 11), descontando-se os excessos da equação entre
imaginação e realidade. Novamente com inspiração nos tipos ideais weberianos, o autor
defende que seria praticável compreender as possibilidades objetivas como um instrumento de
análise das ciências sociais.
De modo que as possibilidades objetivas, absortas nos tipos ideais weberianos, são
entendidas por Ramos (2009) como um método de ação para o desenvolvimento. Consistem
em denunciar a racionalidade sob a qual se está pensando as soluções de desenvolvimento, e
principalmente em desnudar a lacuna do que pode vir a existir entre o ideal e a realidade. É
80

desta forma que Guerreiro Ramos entende ser factível que se abra um campo de possibilidades
de ação pactuado socialmente, que se poderia denominar planejamento.
Como forma de tornar didático o ensaio, Guerreiro Ramos cria as categorias de “Teoria
N”, composta pela concepção de modernização como o atendimento de necessidades e pré-
requisitos e “Teoria P”, composta pela concepção de modernização como construção de
possibilidades objetivas. Tais categorias são apresentadas em contraposição, embora o intuito
não seja o de substituir a primeira pela segunda, mas apenas explicitar duas concepções de
racionalidades distintas que precisam ser equilibradas nas tomadas de decisão. O Quadro 3 traz
um comparativo didático entre a Teoria P e a Teoria N.

Quadro 3 – Comparativo didático entre Teoria P e Teoria N


Teoria N – Necessidades Teoria P – Possibilidades
Pressupostos É fatalista – os fatos sociais são fruto Libertária – os fatos sociais são
do único caminho possível. Somente decorrentes de opções dentre
a ignorância poderia fazer supor que outras tantas possibilidades
há um campo de possibilidades a ser objetivas. Tais possibilidades são
explorado porque o que há é um criadas dentro da concretude da
conjunto de pré-requisitos que experiência social. É, portanto,
precisa ser posto em marcha e participativa na medida em que o
controlado. É, portanto, autoritário e fator subjetivo humano incorre
antiparticipativo. nas escolhas e decisões de
desenvolvimento. Neste sentido,
a orientação incrementalista, que
pressupõe um processo de
evolução baseado na tentativa e
erro, sem desconsiderar fatores
controláveis, é a mais acertada.
Papel das ciências sociais Como há um esquema unilinear de Como não há pré-requisitos para
pré-requisitos para a evolução, o a evolução tanto quanto a história
papel das ciências sociais é o de tampouco é unilinear, a tarefa das
descobrir o script do caminho a ser ciências sociais é ajudar a
traçado para a modernização, com desnudar o campo de
base no percurso passado, e de modo possibilidades objetivas no
que pudesse ser replicado em presente, como forma de
qualquer sociedade que assim o contribuir para que as pessoas
desejasse. Como tal, o cientista possam realizar escolhas e
social tem um olhar a partir da protagonizar as transformações
distância dos acontecimentos sociais. Nesse sentido, a atuação
concretos, sendo nada mais do que do cientista social é
um espectador que mais tarde profundamente atrelada ao
realizará a análise do que ocorreu. empirismo.
Fonte: Adaptado de Ramos (2009)

No campo das políticas públicas, as possibilidades objetivas sinalizam para a corrente


do incrementalismo, onde é citada a necessidade de participação da sociedade para a
constituição e análise de tais políticas sob o enfoque prioritário da Teoria P. A importância da
81

participação repousa sobre o fato de que a compreensão da realidade implica em, pelo menos a
vivência mínima dos problemas aos quais se busca solucionar. A participação denota a
abordagem do problema a partir de diferentes interlocutores, onde, há que se ressalvar, a prática
científica reserva uma atenção especial às teorias, cuja escolha e/ou construção não pode se
descuidar da prática que a faz emanar.
A teoria metodológica oriunda da Teoria N é antiarticipativa. Como tal, pressupõe que
a compreensão da realidade e o traçado de estratégias de desenvolvimento devam se dar
partindo de uma análise objetiva de experiências consideradas bem-sucedidas - ou
“paradigmáticas” – num contexto de observação que se supõe isenta e objetiva. Essa atitude
reserva três armadilhas intransponíveis. A primeira delas diz respeito à impossibilidade de
compreensão integral de todos os fatores de desenvolvimento a priori, visto que tais fatores
somente podem ser compreendidos a luz de tentativas e erros, como prescreve o
incrementalismo. A segunda armadilha é que a seleção de fatores de desenvolvimento somente
é eficaz e faz sentido no contexto de um pacto social amplo que implica a própria sociedade
como indutora dos processos de desenvolvimento e não como mera coadjuvante. A terceira
armadilha é a desconsideração do sistema mundo que está cada vez mais evidente.
O sistema mundo evidencia a total dependência entre as diversas sociedades. Foi-se o
tempo em que cada nação podia pensar seus processos sociais isoladamente ou por um processo
de convergência casual. A amplificação do sistema financeiro mundial que gradativamente
rompeu barreiras fronteiriças, aliado aos avanços nas teorias de sistemas que encontram
relações multidimensionais entre espaços geográficos distintos e até mesmo longínquos exigem
especial atenção para a constituição de uma institucionalidade mundial que reconheça que os
problemas e sucessos não resultam de ações isoladas, mas sim de uma teia de dependências.
Tal teia de dependências, se não reconhecida e admitida nos processos de desenvolvimento,
pode colocar em xeque até mesmo o êxito de qualquer sociedade, mesmo das consideradas bem
sucedidas sob a ótica da Teoria N.
Uma nova perspectiva de modernização ou, como se possa desejar, de desenvolvimento,
leva em conta um enfoque maior em conceitos operacionais não tecnicistas, do que em
prescrições, já que não há fatores de desenvolvimento que possam ser determinados a priori.
Leva em conta também o “problema de distribuição racional e funcional de fatores e recursos
no mundo.” (RAMOS, 2009, p. 29). Já o papel da comunidade científica, nesta seara, é um
papel político de esclarecimento dos fenômenos que se processam local e globalmente, de modo
a impulsionar a criação de possibilidades objetivas conforme termo explicado anteriormente.
82

A concepção de possibilidades objetivas guarda similaridade com o termo “inédito


viável”, encontrado no conjunto da obra do educador Paulo Freire a partir de Pedagogia do
Oprimido (FREIRE, 2014). Paro, Ventura e Silva (2020, p. 7) destacam que não há uma
conceituação clara do termo na obra de Paulo Freire. Contudo, propõem que o inédito viável
seria
o processo de codificação e descodificação da realidade, ou seja, codifica-se
uma situação existencial concreta para, a partir daí, investir no processo de
descodificação, que permitirá a análise crítica desta situação codificada.. Isto
implica um movimento do abstrato até o concreto, numa ida das partes ao todo
e numa volta desta às partes, num reconhecimento do sujeito no objeto (a
situação existencial concreta) e do objeto como situação em que está o sujeito.

Os autores ainda observam que há uma articulação de diferentes “planos” na criação do


inédito viável, os quais aqui se pode equivaler a dimensões: 1) dimensão do querer
(intencionalidade), que corresponde ao plano político -metodológico; 2) dimensão do refletir,
como plano epistemológico disparado pelo elemento da curiosidade de compreender as razões
pelas quais os sujeitos se encontram em determinadas situações-limite e suas motivações de
luta; 3) dimensão do agir, que incorpora fatores subjetivos tais como as emoções e intuições.

2.2.6 Desenvolvimento em Guerreiro Ramos – prenúncios da estratégia de


desenvolvimento sustentável?

O foco de Guerreiro Ramos sempre foi o esforço pela emancipação humana, pela
liberdade humana individual e coletiva, em seu sentido mais amplo, onde assim como Sen
(2000) preconiza, a expansão da liberdade seria ao mesmo tempo um fim e um meio do
desenvolvimento. Por isso, a construção de uma sociedade livre não poderia assumir outro
conceito para o desenvolvimento, que não aquele da construção de desenhos institucionais que
permitissem uma autêntica expressão da cultura e dos potenciais humanos de criação de
soluções para os problemas sociais.
Por isso a crítica desbravadora ao pensamento colonial e o estímulo à consciência crítica.
Por isso, a criação de categorias analíticas e de ação como o Homem Parentético e o Paradigma
Paraeconômico. Por isso também a defesa de que tais elementos podem operar transformações
sociais, uma vez que considerados em conjunto com a adoção de estratégias de ação baseadas
em no modelo de possibilidades. Conforme Rezende (2009, p. 94)
para Guerreiro Ramos, as forças vivas duma comunidade nacional, uma vez
libertas dum sistema cognitivo e dum discurso interpretativo superimpostos e
redutivos, acabariam por chegar a um desenho político-econômico-social
83

singular e autêntico. O ‘possível intrínseco a cada circunstância do dia a dia


das pessoas e das comunidades poderia, então e finalmente, ser mais uma vez
descoberto e realizado. Quem teve o privilégio de conviver com Guerreiro
Ramos sabe que para ele ‘conhecer’ é ser surpreendido pelo real. E só o
homem, entre todas as criaturas, consegue reconhecer o mundo que o cerca e
o outro homem, não como uma extensão de si mesmo, mas como um Outro
que o encontra e que é por ele encontrado. A verdadeira identidade humana –
pessoal ou coletiva – nasce desse encontro inesperado e constante com o Outro
e não da maximização do uso ou da utilidade desse Outro via algum tipo de
receita abstrata e ideal.

Neste sentido, uma crítica ainda mais contundente aos termos utilizados frequentemente
em contraposição - desenvolvimento e subdesenvolvimento - é levada a cabo no ensaio
Modernização em nova perspectiva: em busca do modelo de possibilidades. Para Guerreiro
Ramos, considerando a própria lei das fases que defende na redução sociológica como um
método, todos os países estão permanentemente em desenvolvimento, não importando o estágio
de qualidade de vida em que se encontrem. De modo que na prática, assim como não há a
contraposição entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, não há arquétipo ideal de
desenvolvimento que se deva perseguir. Por conseguinte, também não há fórmulas de
desenvolvimento.
A TDSS traz uma visão mais aprofundada de desenvolvimento na admissão de sua
multidimensionalidade em contraposição ao conceito tradicionalmente considerado de
modernização. Mais do que isso, no paradigma paraeconômico (ou multicêntrico), Guerreiro
Ramos aborda uma proposta de desenho institucional para um modelo multidimensional de
desenvolvimento.
Em primeiro lugar, Ramos (1989) observa algo que nos últimos anos se tornou ainda
mais explícito: não há forma de promover a redução do número de desempregados pela própria
lógica de mercado que a cria e agrava a cada passagem de ano. Como paliativo e como se
fossem crises passageiras que o mercado será capaz de resolver, os países propõem
compensações de previdência e assistência social. Ocorre que, como a psicologia da sociedade
centrada no mercado prega e dissemina, a condição de desempregado é considerada uma
degradante incapacidade individual. Ora, se o homem desta sociedade não é muito mais do que
um detentor de emprego, como terá dignidade se não puder exercer essa função? Uma possível
solução imbricada na paraeconomia, seria a destinação destes recursos assistencialistas para
sistemas reconhecidos de orientação mutuária e comunitária. Nas palavras de Ramos (1989, p.
188)
um ato de imaginação poderia permitir que a reserva de capacidade
ociosa, representada pelas pessoas sem empregos formais, fosse
84

mobilizada para a corrente principal do sistema de produção americano,


através da alocação desses fundos de assistência e previdência social,
não como um simples auxílio benevolente, mas como subvenções para
financiamento das atividades e da criatividade dos cidadãos, em
empreendimentos de orientação mutuária e comunitária, socialmente
reconhecidos.

Para tanto, a paraeconomia prescreve que é necessário que haja um justo equilíbrio na
alocação de recursos entre sistemas de orientação para o lucro e sistemas de orientação mutuária
e comunitária (economia dual). E neste sentido, o desenvolvimento do mercado é desejável,
desde que politicamente regulado para que não arruíne as bases das fenonomias e isonomias.
Assim,
os sistemas de orientação mutuária e o setor de troca não são, por conseguinte,
reciprocamente excludentes. Devem ambos ser sistematicamente e
simultaneamente estimulados, através de uma eficiente utilização de
transferências num só sentido ou em duplo sentido, para benefício da
sociedade em geral. Uma das implicações desta observação é a de que, nos
países periféricos, a condições da vida rural deve ser consideradas em seus
próprios termos e protegidas contra a indiscriminada e destrutiva penetração
do mercado, se se tem em vista o aumento de suas potencialidades de
autoconfiança. Em suma, o bem-estar geral dos indivíduos que vivem num
sistema dual só pode ser melhorado mediante uma equilibrada alocação de
recursos, tanto como transferências num só sentido, quanto através de
transferências em sentido duplo.” (RAMOS, 1989, p. 188).

E, ainda mais importante,


o bem-estar dos cidadãos é uma categoria cultural peculiar a cada país, e não
é medido por critérios comuns a todas as nações. Sendo uma sistematização
dos padrões de pensamento inerentes ao sistema de mercado, a economia
convencional admite que os critérios para avaliação do bem-estar social sejam
os mesmos para todos os países e, nessa conformidade, vemos as autoridades
governamentais de uma nação periférica formulando e implementando
políticas alocativas que são expressões da síndrome da privação relativa e do
efeito de demonstração. O padrão mental dessas autoridades e do setor
intermediário dessas nações periféricas são, assim, fator significativo de um
sistema alocativo deformado.” (RAMOS, 1989, p. 188-189).

Em segundo lugar, embora a TDSS tenha sido concebida em paralelo com as discussões
do ecodesenvolvimento e do desenvolvimento sustentável, Guerreiro Ramos não cita
diretamente os debates que originaram a estratégia, cujo documento principal, o Relatório de
Brundtland, seria lançado alguns anos após a publicação da obra (CDMA, 1987). Contudo,
absorve a inquietação dos setores acadêmicos no mundo, com relação aos rumos da economia
clássica e seu caráter unidimensional e “enganador” (RAMOS, 1989, p. 189), que desconsidera
85

relações sociais e ecológicas mais amplas e necessárias ao desenvolvimento. E concede


destaque aos estudos de Nicholas Georgescu-Roegen, cujo argumento gira em torno de que
a produção de bens e serviços deveria ser promovida mediante o máximo uso
de recursos renováveis e o mínimo uso razoável dos não renováveis. A
escassez dos recursos não renováveis não é de natureza temporária e tratar sua
utilização e alocação em termos de mecanismos de mercado, isto é, como se
devessem ser apreçados de acordo com a lei clássica da oferta e da procura, é
uma ilustração da regra utilitário-hedonista do après moi le dèluge. Na
realidade, qualquer parcela de recurso não renovável usada no processo de
produção estará acabada para sempre, fato que diz alguma coisa sobre o
caráter exauridor dos macrossistemas contemporâneos. […] Insubstituíveis
como são […], seus preços de mercado, portanto, não são senão fictícios. Se
a utilização desses materiais continuar nas proporções atuais, logo a
humanidade estará privada de seu uso. Em consequência dos padrões de
produção e consumo que prevalecem, o mundo contemporâneo vê-se diante
de uma taxa sem precedentes de absoluta escassez ecológica, cujo aumento
exponencial poderá acelerar o colapso termodinâmico do planeta, que,
efetivamente, é afinal inevitável, num determinado ponto do tempo.
(RAMOS, 1989, p. 190).

Não obstante, Ramos (1989) lembra que esse próprio empreendimento – o do “mundo
industrial” nasceu como uma possibilidade objetiva. Uma nova possibilidade objetiva pode
estar agora em curso, ainda que de forma dispersa e incompleta, em direção à sociedade
multicêntrica, onde a influência das organizações econômicas sobre a existência humana terá
sido devidamente delimitada. Ou não. “Em qualquer caso, o futuro será moldado ou através da
mera aceitação passiva das circunstâncias pelos agentes históricos, ou através de uma criativa
exploração, por esses agentes, das inigualáveis oportunidades contemporâneas” (RAMOS,
1989, p. 191).

2.2.7 Desenvolvimento Sustentável como estratégia: ODM e ODS

A década de 1970 é o momento no qual as diversas nações do mundo começam a atentar


para os limites da concepção do desenvolvimento unidimensional, sinônimo de progresso
econômico e pautado na e para a sociedade de mercado. A academia já vinha chamando a
atenção há algum tempo para as distorções deste modelo de desenvolvimento, conforme
expressado pelo Relatório Limites do Crescimento, encomendado pelo Clube de Roma, em
1972. E já em 1974 o termo ecodesenvolvimento seria conhecido na Conferência de Estocolmo
da ONU, sob uma definição que reivindicava um estilo de desenvolvimento voltado para as
áreas rurais do considerado “Terceiro Mundo”, atentando para a necessidade de cuidado com o
esgotamento dos recursos naturais em uma perspectiva de salvaguardar essas nações de
86

qualquer tipo de mimetismo em relação a outros países considerados de “Primeiro Mundo”.


Mais tarde Ignacy Sachs se apropriaria do conceito e exploraria pressupostos de orientação para
a constituição do novo paradigma (LAYRARGUES, 1997).
Porém, a sensibilização mundial ocorreria somente com a Conferência de Estocolmo da
ONU, e mais tarde com o Relatório de Brundtland, publicado em 1983. Nele o termo
desenvolvimento seria adjetivado com a sustentabilidade, gerando um conceito que expressaria
a necessidade de compor um desenvolvimento a partir de, pelo menos, três dimensões
(econômica, ambiental e social) ao mesmo tempo que selaria um consenso em torno da
solidariedade com as gerações atuais e gerações futuras. Não é demais rememorar: “aquele que
atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem às suas necessidades” (CMMAD, 1991).
Os conceitos de ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável são similares,
porém não idênticos, e há algumas prerrogativas de disputa política em torno deles que
merecem atenção. No campo das similaridades estão: 1) o argumento de partida, de que um
novo paradigma precisaria ser construído para dar conta das mazelas do modelo de
desenvolvimento hegemônico; 2) a solidariedade com as gerações atuais e futuras como
princípio ético; 3) o princípio da endogenia, sem perder de vista a realidade global; 4) o
tratamento da questão ambiental em consonância com as questões sociais e ambientais
(MONTIBELLER FILHO, 1993).
Por outro lado, partilhar os mesmos objetivos de uma sociedade sustentável não
significa necessariamente partilhar os mesmos valores. Neste sentido, o autor argumenta que o
desenvolvimento sustentável não discute e tampouco enfrenta, por exemplo, a ideologia
dominante neoliberal, que exclui o Estado da sua função de planejamento. Outra diferença
estaria no setor de consumo, em que novamente o desenvolvimento sustentável não enfrenta a
premissa de que seria necessário que os países considerados desenvolvidos passassem a ter um
teto de consumo. Isso ocorre porque no interior das próprias estratégias de desenvolvimento
sustentável está a aposta em que novas tecnologias seriam capazes de nivelar o consumo nos
países considerados menos desenvolvidos em paridade com os considerados mais
desenvolvidos. Enquanto isso, a aposta do ecodesenvolvimento é na produção de tecnologias
endógenas. Nesse sentido, afirma Layrargues (1997, p. 10) observa que
Então, localizadas as diferenças existentes entre os conceitos do
ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável, o que diferencia o
desenvolvimento sustentável do modelo convencional? A conclusão mais
plausível é que este último – leia-se as forças do mercado – sob pressão da
nova realidade ecológica e da necessidade de assumir uma nova postura,
desponta sob uma nova roupagem, sem que tenha sido necessário modificar
87

sua estrutura de funcionamento. O mecanismo cujo funcionamento é


dependente da lógica do mercado, sequer foi abalado, ou melhor, saiu até mais
fortalecido. O desenvolvimento sustentável assume claramente a postura de
um projeto ecológico neoliberal, que sob o signo da reforma, produz a ilusão
de vivermos um tempo de mudanças, na aparente certeza de se tratar de um
processo gradual que desembocará na sustentabilidade socioambiental.

Redclift (2002) encaminha suas críticas dentro de parâmetros similares, mas cabe
acrescentar que, para o autor, a comoção maior em torno da sustentabilidade se deu no bojo da
economia neoclássica que abriga a corrente do neoliberalismo, de forma que se inseriu a questão
ambiental na economia de mercado em uma manobra que solapou as preocupações com as
necessidades humanas. No mesmo sentido, Esteva (2000, p. 72) argumenta que a questão da
sustentabilidade estaria mais orientada para dar suporte à manutenção do modelo de
desenvolvimento vigente, do que “para dar apoio ao florescimento ou a manutenção de uma
vida natural e social infinitamente variada”.
Ocorre que o próprio Ignacy Sachs, apesar de continuar os esforços no adensamento e
na disseminação das premissas do ecodesenvolvimento, mantendo as diferenças de postura,
percebe a importância da criação de um consenso mundial em torno de eficiência econômica,
eficácia social e efetividade ambiental (SACHS, 2003). Não se trata de uma concessão menor.
A perspectiva que Sachs assume tem caráter de entendimento quanto à necessidade de se
caminhar para uma transição entre paradigmas que precisa de suporte institucional. Há,
portanto, um nível de propósito comungado entre a ideia de desenvolvimento sustentável e
ecodesenvolvimento. Como estratégia, o desenvolvimento sustentável teve maior aderência em
nível mundial, e este é o ponto considerado para efetivar a transição de paradigmas almejada.
Neste momento cumpre resgatar que Guerreiro Ramos vinha reivindicando um
desenvolvimento endógeno pós-colonialista desde a década de 1950, quando publicou sua obra
A Redução Sociológica. No Brasil, ele estaria solitário nos ambientes em que circulava.
Contudo, as ciências sociais de outros países de vanguarda já começavam a tecer as críticas
similares e a elaborar proposições de alternativas de desenvolvimento multidimensionais
(FILGUEIRAS, 2012; MAIA, 2012). Boeira (2002) também identifica um embasamento
possível do desenvolvimento sustentável na concepção de sociedade multicêntrica de Guerreiro
Ramos. Afirma o autor que “a emergência de uma percepção sistêmica e de uma razão
substantiva no processo de implementação do desenvolvimento sustentável poderia conduzir a
um renascimento do ambientalismo, sob a forma transetorial” (BOEIRA, 2002, p. 18).
88

2.3 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL (TDR) – VISÃO


EXPLORATÓRIA

Tanto do ponto de vista acadêmico-científico como do ponto de vista prático-


metodológico, a Teoria do Desenvolvimento Regional (TDR), evidentemente, reúne dois
termos: desenvolvimento e região. Siedenberg (2006) explica que o desenvolvimento regional
pode estar relacionado a um processo ou a um estágio. Como processo, trata-se das mudanças
sociais e econômicas impressas em um determinado espaço – a região – ao longo de
determinado período. De modo que o exame é simultaneamente de duas categorias: tempo e
espaço. Já como um estágio, o desenvolvimento refere-se à uma posição relativa de uma região
comparativamente a outra.
De um lado, a preocupação com a região é antiga e foi alvo consistente da Geografia ao
longo dos últimos dois séculos, dentro do corpo de conteúdos relacionados à Geografia
Tradicional e à Nova Geografia, esta última evolucionando a partir de uma forte concepção
positivista e baseada em modelos matemáticos. Por outro lado, a preocupação com o
desenvolvimento regional começa pela tentativa de compreensão dos processos de tomada de
decisão em relação aos investimentos realizados para a localização das atividades agrícolas, nos
quais estavam envolvidos custos de transporte e comercialização.
Desde então, a trajetória da TDR é longa e o que se observa na literatura, quando dos
esforços em se analisar o percurso histórico, são diferentes correntes abordadas em diferentes
classificações pela literatura. Pode-se constatar que tal trajetória é marcada por saltos de
conhecimento e mudanças de paradigma, mas também por contribuições e correntes que se
desenrolam paralelamente, ora com convergências e ora com divergências, que chegam a
estabelecer formas de concorrência entre as abordagens. Ainda, as disciplinas que compõem as
contribuições para a TDR são numerosas e trazem uma diversidade de olhares sobre a relação
entre desenvolvimento e espaço – na forma de diferentes entendimentos sobre o que vem a ser
desenvolvimento e o que vem a ser região. Embora as origens e boa parte do percurso histórico
da TDR estejam claramente incrustrados na Economia e na Geografia, outras ciências sociais e
até exatas tem participado do debate e da ação planejadora, tais como a Sociologia, a
Antropologia, a Ciência Política, a Psicologia, a Matemática, dentre outras.
Benko (1999), por exemplo, faz uma exaustiva linha do tempo das principais
publicações da Ciência Regional, cujo objetivo que atribui a tal ciência é o de “explicar o papel
do espaço nas práticas sociais, estando a sociedade, no seu conjunto, implicada na conformação
do espaço” (p. 110). O autor ainda relaciona as publicações ao contexto de eventos pós Segunda
89

Guerra Mundial. A quase totalidade de publicações analisadas por ele é proveniente de


pesquisadores de países europeus e dos Estados Unidos, e o contexto de eventos analisados, da
mesma forma, relacionado aos mesmos países - o que faria o iniciante crer que desenvolvimento
regional é assunto de interesse restrito a estes países. Ainda, na classificação do
desenvolvimento regional do autor, o que se verifica é uma preocupação que faz evoluir os
estudos econômicos de abordagens estruturais em busca da compreensão dos fatores - em
termos de estrutura espacial - que facilitam o crescimento econômico de determinadas regiões.
Portanto, as teorias do desenvolvimento regional seriam impulsionadas, fundamentalmente, por
autores da área da Economia.
Já o levantamento exaustivo que Lopes (2001) realiza das teorias relacionadas à Ciência
Regional é crítico desde o princípio. Para ele, as teorias, principalmente as teorias da localização
e os modelos matemáticos de desenvolvimento regional, não devem constituir-se em um fim
em si mesmo, ainda que a TDR tenha caminhado massivamente neste sentido nas várias
ocasiões em que usou o crescimento econômico confundido com o conceito de
desenvolvimento. Elogioso das teorias que inserem a interdisciplinaridade e questões políticas
(valorativas) na questão regional, afirma que todo desenvolvimento deve ser desenvolvimento
regional, e que
É tempo de assentar em que a evolução das sociedades não deve medir-se pela
quantidade bruta, global, indiscriminada, dos bens e serviços que produz,
embora necessariamente para caracterizar essa evolução interesse o grau de
disponibilidade, para todos, dos bens e serviços básicos; mas há aspectos
qualitativos e de distribuição que têm de ser considerados também como
caracterizadores do grau de evolução social, além de que já não é cedo para
acautelar o meio ambiente e a qualidade da vida numa sociedade que os tem
sacrificado em favor da produção como objetivo; uma sociedade que tem
aceitado pacífica e candidamente que o interesse de alguns determine o que
devem ser as necessidades de todos, donde o crescente convite a considerar o
supérfluo como indispensável já que não haverá forma mais segura de
conseguir justificar o aumento da produção (LOPES, 2001, p. 8).

O autor está seriamente comprometido em compreender os progressos alcançados e


contribuições efetivas do estudo do desenvolvimento regional para a melhoria do mundo. E
neste sentido, é clara a importância dada à defesa da necessidade de se criar abordagens próprias
de desenvolvimento regional em cada país, principalmente em termos da prática e do
planejamento regionais, sobretudo naqueles países em que os benefícios do crescimento
econômico e suas consequências não chegam. Salienta, contudo, que a concepção de
desenvolvimento como sinônimo de progresso econômico ou como estágio pelo qual os países
90

devem se empenhar em atingir, não constitui o real sentido que deve ser dado ao
desenvolvimento.
Assim, tem-se que a década de 1950 foi destinada ao surgimento da ciência regional,
embasada na descrição, especialmente de aspectos econômicos, da atividade regional e a
construção de modelos de equilíbrio geral sem que se propusesse o enfrentamento real de
problemas, visto seria necessária a participação de outras disciplinas nesta empreitada, o que
justificou abordagens simplificadoras da questão. Na década de 1960 até meados de 1970, a
Ciência Regional valorizou a criação de modelos de decisão em nível micro e macroeconômico,
mas a partir de informações de escala nacional e pouca interdisciplinaridade. Neste período, a
Ciência Regional se tornou um campo meramente técnico pela excessiva instrumentalização, e
nada substantivo. Já a década de 1970 é fértil para a efetividade da Ciência Regional. Ainda
que tardiamente a interdisciplinaridade entra no debate e mais do que isso, o campo político
passa a ser considerado. O horizonte futuro da solução de problemas reais do mundo passa a
ser encarado por propostas de intervenção com ênfase no planejamento, na participação e na
integração das escalas nacional, regional e local. O componente valorativo é expressado por
meio da escolha dos objetivos de desenvolvimento e dos modelos selecionados para aplicação
na sociedade. Os países chamados subdesenvolvidos são estimulados a definirem seus próprios
objetivos de desenvolvimento e criar políticas e planos próprios para implementação, visto que
a perspectiva política se torna muito mais importante do que o tecnicismo. Mas muitos dos
problemas aos quais a Ciência Regional objetiva sanar persistem até os dias atuais, segundo o
autor. No campo acadêmico-científico, falta integração de disciplinas e a elaboração de um
corpo teórico menos generalista. No campo prático, há uma lacuna entre a política e o
planejamento regional, que geralmente se mantém tecnicista e setorializado. A esse despeito, a
abordagem regulacionista aponta que é importante compreender as institucionalidades que
permitem a manutenção das estruturas. Mas a comunicação é falha entre os vários setores, mas
também entre academia e o planejamento, cada um em seus diferentes horizontes temporais.
Além disso, há demasiada preocupação com os sintomas dos problemas e não com as causas
em si.
Já Dawkins (2003) faz um exaustivo levantamento do que denomina teorias de
desenvolvimento regional. Contudo, logo no início esclarece que o que se refere à
desenvolvimento regional é, na verdade, o crescimento econômico regional. A preocupação
com a questão é justificada pela autora pela constatação de que os processos de inovação e de
crescimento econômico são fundamentalmente espaciais em essência – “space matters”, em
91

suas palavras - o que leva a uma crescente e ampliada preocupação de outras disciplinas das
ciências sociais sobre a questão do desenvolvimento regional.
O aporte de outras disciplinas para a TDR seria, desta forma, justificável por meio de
contribuições com a finalidade de potencializar o crescimento econômico, que é regional
porque assim interessa à economia. Destarte, após a exposição exaustiva de teorias relacionadas
à Economia Regional, o autor observa que há sobreposições nas correntes apresentadas e que
importa o avanço do debate em termos de planejamento e intervenção estatal para o
desenvolvimento regional. Para tanto, sinaliza que as políticas de desenvolvimento regional
devem assegurar eficiência (maximização do crescimento na economia nacional) e equidade
(redução das disparidades de renda, riqueza ou outros indicadores de crescimento no nível inter-
regional) como resultados que podem ser compatíveis. Para o autor, pode ser, inclusive que um
leve a outro.
Fernandez, Amin e Vigil (2008) observam que o estudo da TDR remonta muitas
décadas. Contudo, sua disseminação e o salto para o campo prático, no formato de receitas de
sucesso, é recente e parte de três experiências consideradas, no campo político, bem-sucedidas.
As referidas experiências são os Distritos Industriais da Terceira Itália, Baden-Wurtemberg na
Alemanha e Silicon Valley nos Estados Unidos, todas com fortes vínculos neoliberais e que
pretendiam responder aos desafios pós-fordistas e à globalização. É assim que na década de
1980 se disseminam duas principais correntes sob a alcunha de Nova Ortodoxia Regionalista.
A primeira corrente é a dos Distritos Industriais (DI) de tipo marshalliano, que concebe o
desenvolvimento como um todo econômico social onde operam a esfera econômica, social e
institucional para a configuração de sistemas produtivos, cujo espaço de análise é a região. As
principais contribuições desta corrente provinham da Economia e da Sociologia e o foco esteve
na rede de micro, pequenas e médias empresas. Já em meados da década de 1990, após muitos
estudos empíricos, observou-se que a organização regional neste formato não era eficaz do
ponto de vista econômico. Assim, novas configurações foram sendo inseridas, sobretudo
relacionadas à consideração do contexto histórico onde as atividades socioeconômicas se
desenvolvem, às ações coletivas de âmbito institucional e à importância da capacidade de
aprendizagem geradora de inovação. É quando os Sistemas Regionais de Inovação são inseridos
no rol de ferramentas de análise e prática do desenvolvimento regional.
A segunda corrente da Nova Ortodoxia Regionalista é a vertente dos Clusters,
encabeçada por Michael Porter e seu grupo de pesquisas de Harvard, também na década de
1990. Os estudos que desembocam em uma organização regional das empresas no formato de
Clusters partiram dos Distritos Industriais e dos Sistemas Regionais de Inovação, mas seriam
92

levados a cabo por grupos provenientes da área de Administração e Negócios. Os avanços da


teoria se dão com estudos de institutos europeus, e focam na capacidade de sistematização de
informações para análises empíricas, com vistas a compreender e replicar a dimensão territorial
que incorpora aspectos associativos e de apoio institucional para o fortalecimento de vantagens
competitivas, sobretudo no contexto da globalização onde a capacidade das empresas
transnacionais foi impulsionada. É aqui também que se dissemina o conceito de governança,
cujo alcance das ações econômicas e, principalmente, institucionais, extrapola o nível local para
escalas maiores. Extrapola também as próprias dimensões comerciais, mas a finalidade
continua sendo o crescimento econômico, tendo a região como unidade estratégica de
desenvolvimento.
Além das duas correntes explicitadas, há uma corrente mais acadêmica denominada
Nova Geografia Econômica, emergida na década de 1990. Nela, instrumentos conceituais e
matemáticos configuram modelagens de análise com destaque para as descobertas de Paul
Krugman e parceiros, os quais beberam na fonte de Porter, das teorias da localização e da
Ciência Regional. Ao dispor excessivamente de instrumentos da economia clássica, a Nova
Geografia Econômica maximizou o homo economicus, promoveu um método de análise que
invalida qualquer iniciativa que não seja exclusivamente baseada em dados quantitativos e na
modelagem matemática que propõe. Ainda, ao descrer no papel das políticas públicas, teve
pouca aderência institucional no campo prático, ao contrário da Nova Ortodoxia Regionalista,
que experimentou uma forte institucionalização desde os fins dos anos 1980, iniciada nos países
centrais e novamente replicada nos países periféricos.
Assim, Fernandez, Amin e Vigil (2008) constatam que os países da América Latina e
outros periféricos tiveram pouca ou nenhuma participação criativa nas TDRs. Não obstante,
conduziram processos internos de assimilação acrítica de tais teorias - em muitos casos sob a
denominação de desenvolvimento local. Especificamente na América Latina, a Nova
Ortodoxia Regional se enraizou tanto em nível acadêmico como institucional, respondendo a
um corpo teórico e instrumental cuja penetração se deu a partir de institutos europeus e
estadounidenses em parceria com grupos de pesquisa nacionais, organizações não
governamentais internacionais (grande destaque para a ONU e suas vertentes regionais como a
CEPAL) e supranacionais (como BID e Banco Mundial), e governos. Programas de
desenvolvimento local proliferaram durante as décadas seguintes nos âmbitos nacionais latino-
americanos. No Brasil, dentre outros programas, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE) colocou em marcha o programa nacional de Arranjos
Produtivos Locais, executado até os dias atuais com algumas variações práticas.
93

Ocorre que ao passo que a Nova Ortodoxia Regional avançou impulsionando reformas
estruturais de cunho neoliberal, as assimetrias regionais aumentaram e a América Latina se
consolida como a região mais desigual do mundo. Não que se deseje estabelecer uma relação
causal estrita entre os fenômenos. Senão, que a constatação é a de que a TDR, sob o enfoque
da Nova Ortodoxia Regional, não está dando conta dos processos de qualificação da qualidade
de vida no nível territorial - questão central a que se propõe declaradamente solucionar.
Mattedi (2015), em seu esforço na proposição do que chama de um programa forte de
pesquisa em desenvolvimento regional, expõe uma interessante classificação das TDRs em
função da causação contextual do conhecimento com o desenvolvimento regional. Avalia que
a evolução das teorias se deu em dois distintos conjuntos, que expressam diferentes formas de
causação contextual entre o desenvolvimento e a região, e que denomina de “teorias de
contêiner” e “teorias de envelope”. As teorias de contêiner concebem a região em sua dimensão
física, como uma espécie de recipiente onde ocorrem uma série de fenômenos naturais,
econômicos, sociais, culturais entre outros. Trata-se, segundo o autor (p. 82), do “resultado
inevitável do progressivo encontro – e até mesmo convergência – entre a abordagem geográfica
da economia e a abordagem econômica do espaço”. Aqui, abre-se ainda, duas variantes: as
teorias que pretendem dar conta das características do recipiente (região), e aquelas que
abordam as diferenças entre as funções do recipiente. Na primeira variante estão as vertentes
da Geografia Tradicional e da Nova Geografia, que procuram respostas para a interação entre
populações humanas e o espaço físico que ocupam. A segunda variante é justamente quando
começa com mais fôlego as preocupações propriamente ditas com o desenvolvimento regional
– trata-se da vertente funcional. Aqui estão assentadas as teorias tradicionais da localização e
os avanços promovidos por Walter Isard, todas no sentido de compreender como se davam os
processos de tomada de decisão empresarial relacionados às localizações. Pode-se também
assentar aqui as teorias provenientes da economia urbana e da economia regional, com
componentes como o Coeficiente de Localização de Homer Hoyt, as contribuições de Alfred
Marshall relacionadas a fatores econômicos externos, os Polos de Crescimento de Perroux, a
Causação Circular Cumulativa de Myrdal, os Efeitos de Encadeamento de Hirschmann e
posteriormente as abordagens institucionalistas relacionados aos atores locais desta vertente. O
argumento prévio da vertente funcional da TDR é simplista: acredita-se que o crescimento das
atividades econômicas dentro de um dado recipiente (região), faz com que o recipiente também
cresça.
Por outro lado, a vertente envelope vem à tona quando quem pesquisa o
desenvolvimento regional extrapola os limites das disciplinas de Economia e Geografia,
94

sobretudo a partir da década de 1980. É quando outras disciplinas das Ciências Sociais, tais
como Sociologia, Ciência Política, Antropologia, etc. entram em cena, e a dimensão cultural da
relação entre desenvolvimento e espaço é desnudada. As teorias de envelope também se abrem
em duas vertentes: uma ampla e outra restrita. A versão ampla é expressada pelas contribuições
em escala macro e viés fenomenológico da chamada Escola de Berkeley, traduzidas pela
“geografia da percepção” na qual o espaço poderia ser explicado pela história. Aqui, sobre a
região já não importam apenas os fatores físicos, mas língua, religião, etnias, culinária e outras
formas de expressão cultural começam a ser observadas. De modo que o desenvolvimento
regional passava a ser visto como uma construção social e, simultaneamente, um meio e um
produto. A versão restrita é representada pelas observações de viés marxista, ou, em outras
palavras, a abordagem crítica. Nela o desenvolvimento regional emerge como um processo de
conflitos e disputa. O que é colocado em questão aqui são as relações que se estabelecem a
partir do capital, da força de trabalho e dos processos ideológicos que resultam na configuração
espacial do desenvolvimento que, geralmente, produz riqueza em uma região e
simultaneamente pobreza em outra.
O que se observa em um comparativo com outras classificações antes apresentadas é
que Mattedi (2015) participa de um esforço acadêmico que se fundamenta na ampliação do
escopo tradicional da TDR. Ao apresentar a vertente denominada envelope, desenreda as
pesquisas em desenvolvimento regional de uma comum causação entre desenvolvimento e
região que é observada quase que exclusivamente a partir da Economia e da Geografia, cuja
preocupação primordial é compreender o custo-benefício que motiva as escolhas pessoais e as
atividades econômicas a resultarem em uma determinada conformação espacial de cunho
concentrado ou disperso. Contudo, o material não traz evidências empíricas de que a vertente
envelope tenha conseguido se estabelecer em mesmo grau de relevância que a vertente
contêiner.
Neste sentido, importantes considerações na tentativa de uma compreensão
contextualizada da realidade sociocultural e acadêmica brasileira de construção da TDR são
aportadas por Theis (2019). O panorama internacional de onde o autor desgarra a argumentação
sinaliza que o desenvolvimento regional é tratado quase como sinônimo de um processo
econômico, ao qual denomina mainstream, ainda que questões de desigualdades socioespaciais,
aspectos éticos, relações de poder, entre outras, apareçam aqui e ali. De forma diferente, a
realidade brasileira tem uma produção intelectual crítica oriunda dos programas de pós-
graduação criados a partir da década de 1970 e expandidos com vigor nas décadas 1990 e 2000,
como resposta aos efeitos da globalização neoliberal que começavam a assolar o país. O
95

contexto brasileiro da produção sobre desenvolvimento regional tem perfil crítico e conta com
vasta contribuição das ideias de Celso Furtado, que foi quem pensou o desenvolvimento a partir
da noção socioespacial delimitada pela categoria regional, quando ainda pouco se falava no
termo desenvolvimento regional no Brasil. Cultura e história foram pilares deste pensamento
acerca do desenvolvimento, assim como o destaque dos processos políticos como mecanismos
de reversão dos processos de desenvolvimento desigual, tão presentes na dinâmica brasileira e
de outros países periféricos. Ainda assim, o autor considera que não devem ser subestimadas as
contribuições teóricas internacionais de Gunnar Myrdal, François Perroux e Albert O.
Hirschmann.
Assim, Theis (2019) defende que a diferenciação positivista entre desenvolvimento
regional como fato objetivo/concreto e a manifestação idealizada/subjetiva é inócua, uma vez
que o desenvolvimento regional é dado empírico, simultaneamente em que é o desejo de um
bom desenvolvimento ou, em outras palavras, de um desenvolvimento que deve enfrentar a
problemática das disparidades regionais. Ainda, para o autor, o desenvolvimento regional
cumpre os requisitos de uma teoria de médio alcance, cujo caráter interdisciplinar vai além das
contribuições da Economia e da Geografia. Tais constatações permitem que sejam avaliados
três caminhos do desenvolvimento regional brasileiro, a partir das contribuições da Geografia
Econômica. O primeiro enfoque é o do livre mercado cujos defensores argumentam que a
intervenção estatal agrava problemas de desigualdades socioeconômicas. O segundo enfoque
defende a presença do Estado como regulador do mercado. Este agiria para atenuar as
desigualdades socioeconômicas espaciais. Nos dois casos propõe-se combater a o mal, em certo
sentido, com os mesmos meios que o produz (crescimento econômico às custas de uma
sociedade produtora de mercadorias). O terceiro enfoque e que é defendido pelo autor senão
como o mais viável, pelo menos o mais coerente ao contexto brasileiro, é aquele que propõe
restabelecer a autonomia das comunidades regionais, onde a utopia concreta de Ernest Bloch12
pode se configurar como um norte para a noção de desenvolvimento regional.
Em trabalho mais recente, Theis (2022) salienta que a discussão sobre abordagens de
desenvolvimento regional não pode se dar sem o entendimento da concepção de
desenvolvimento que está por trás do debate. E neste sentido, avança com um panorama

12 A visão de utopia de Ernest Bloch já foi usada em outros trabalhos do NPP. Matos (2018) observa que a
concepção de utopia é a da capacidade humana de esperançar um porvir que pode ultrapassar o que é tido como
curso natural das coisas. E que, conforme as pessoas avançam o tempo da vida, modelam-se e se remodelam
pelos acontecimentos que operam (inclusive pelo trabalho), tomam consciência dos limites presentes e podem se
dispor a superá-los. A utopia concreta de Bloch seria, então, a capacidade de sonhar acordado a partir de uma
acurada percepção do presente e das possibilidades de mudar o que não está a contento - ao contrário do tom
depreciativo ou da conotação de algo impossível geralmente, atribuída ao termo.
96

sintético de, pelo menos, quatro visões de desenvolvimento que vem sendo teorizadas ao longo
do último século, sendo três delas com significativo aporte da economia de mercado pela via
da compreensão de desenvolvimento associado ao crescimento econômico. Propõe, destarte,
que uma abordagem de desenvolvimento que englobe uma noção mais abrangente do que esta
vinculada ao crescimento econômico, passa necessariamente por uma transformação das
institucionalidades do mundo atual. De modo que
Não se trata de fechar os olhos para o real existente, mas de ousar olhar para
além dele. Não se trata de desprezar a presença do capital e do Estado e de
todas as escalas nas quais os seus poderes têm operado, mas de atrever-se a
negar essas institucionalidades – que têm negado a emancipação social e a
autonomia individual e coletiva. Em síntese: que uma nova agenda de estudos
no campo de desenvolvimento regional não deixe de continuar reconhecendo
desenvolvimento como um processo positivado na história e empiricamente
verificável. Mas, que, em termos normativos, atreva-se a contemplar um
horizonte utópico informado pelo impulso para a autodeterminação social
(THEIS, 2022, p. 35, no prelo).

2.4 HÁ ENFOQUE MULTIDIMENSIONAL NA TDR?

Para avaliar o enfoque multidimensional nas TDRs, foi realizada uma revisão
sistemática, conforme informado no tópico Percurso Metodológico, que permitiu, inicialmente,
extrair um resumo e o argumento central em relação à TDR expressados pelos documentos,
conforme se apresenta no Quadro 4.
97

Quadro 4 – Resumos das abordagens sobre TDR


Referência Resumo (não original)
1 Lee; Eversole, 2019 O artigo discute o papel da cultura indígena no desenvolvimento regional. Conclui
que a cultura indígena é fator de oportunidades de colaboração intercultural e
inovação regional e, portanto, é importante para a formulação de políticas públicas.
2 Capello, 2019 O artigo constata uma convergência apenas parcial entre os aspectos qualitativos
da TDR e os modelos econômicos e propõe um modelo regional macroeconômico
denominado MASST, que aproxima a complexidade econômica dos aspectos
qualitativos territoriais (locais).
3 Huggins; Thompson, A Geografia Econômica contemporânea traz aportes para o entendimento de
2019 padrões de comportamento humano baseados em uma "racionalidade
espacializada" (cultura, psicologia pessoal e agência), em relação aos resultados de
desenvolvimento urbano e regional.
4 Martinus, 2018 A TDR usa a convergência ou divergência econômica para explicar o processo
espacial de formação comunitária, mas subestima o papel pendular do trabalho na
transformação dos recursos econômicos. Propõe, então, quatro dimensões de
abordagem com vistas às políticas públicas de desenvolvimento regional, a partir
da análise de experiências na Austrália.
5 Cruz Diaz; Blandón Baseado em três correntes da literatura acadêmica, dentre elas a teoria e política do
Lopez; Cruz Rincón, desenvolvimento regional, o artigo analisa estratégias de participação de entidades
2018 empresariais para o desenho de políticas de desenvolvimento regional produtivo.
6 Spicer, 2018 Estuda as implicações de fatores políticos-eleitorais como o populismo na
acentuação das disparidades interregionais nos Estados Unidos e Inglaterra.
7 Andriesse; Kang, 2017 Parte dos polos de crescimento imbrincados na TDR para analisar duas indústrias
filipinas. Conclui que a cidade é a unidade do polo de crescimento, mas afirma que
precisa ser observado se este processo resultará em equilíbrio interregional.
8 Eversole, 2017 A TDR busca compreender porque algumas regiões se tornam prósperas e outras
não, ao passo que procuram identificar o que as regiões menos prósperas podem
fazer para melhorar. Assim, a TDR contemporânea sugere que processos sociais
endógenos tais como colaboração e inovação podem alavancar as regiões. O autor
conclui que na Austrália as políticas não caminham neste sentido. Antes, pretendem
homogeneizar as regiões e, com isso, mantém regiões periféricas em relação à
capital.
9 Martin; Sunley; Leite de Parte dos trabalhos de Paul Krugman para apresentar os novos rumos e limitações
Barros, et al., 2017 da Geografia Econômica. Observa que as abordagens são limitadas por não
aprofundarem externalidades tecnológicas e pelo legado da economia neoclássica
ortodoxa.
10 Segessemann; Crevoisier, A TDR foca nas atividades de exportação para explicar a competitividade regional.
2016 Porém, seria importante considerar fatores de mobilidade de trabalhadores, e isso
é o que o artigo faz em relação às regiões suíças. Conclui que regiões de maior
rendimento são aquelas com maior economia residencial, abrindo espaço para a
governança local.
11 Akpinar; Tasci; Ozsan, A TDR sofreu uma transformação do keynesianismo para modelos baseados em
2015 parcerias público-privadas (PPP), inovação, ao que se chama Novo Regionalismo.
O artigo apresenta um índice de competitividade e inovação para as regiões da
Turquia e formula políticas de economia regional para tais regiões.
12 Soja, 2015 O artigo avança na interrelação entre os estudos urbanos e a TDR. Identifica 8
desafios para a pesquisa de comparação regional.
13 Hadjimichalis; Hudson, O artigo explora os motivos pelos quais a Nova Geografia Econômica (NGE) e o
2014 Novo Regionalismo (NR) não explicam a crise econômica pós-2007 na Europa. O
argumento é que há uma obsessão com a história de sucesso do regional na década
de 1970 e 1980, mas que não explica o que ocorreu a partir de 1990. A teoria falha
ao explicar a natureza do capitalismo e suas propensões à crises e ao
desenvolvimento desigual combinado. Concluir que a TDR deve avançar em um
novo paradigma levando em conta razões intelectuais, políticas e de movimentos
sociais.
14 Dias, 2013 A abordagem institucional tem ganhado fôlego nos estudos urbanos e regionais e
este artigo faz análise empírica das implicações geradas pelas instituições na
98

economia do APL do gás natural e óleo de Macaé/BR, onde constata duas escalas
de operação das instituições: a externa e a local.
15 Jardón, 2011 A inovação é um fator chave para companhias e o desenvolvimento sustentável nos
territórios. O artigo discute os efeitos da gestão da terra na habilidade de inovação
nas companhias de Vigo/Espanha, e observa que externalidades do território tem
maior impacto nos fatores internos das companhias, relacionados à inovação.
16 Hadjimichalis, 2011 O artigo retoma o que os autores consideram esquecido na TDR: o
desenvolvimento geográfico desigual, para explicar a crise financeira da Eurozona.
A crise é de origem neoliberal e se agrava principalmente a partir da introdução do
Euro. O discurso neoliberal é responsável pela despolitização da teoria regional e
consequente desqualificação da justiça socioespacial. O plano de resgate proposto
por alguns países europeus para essa crise segue um caminho tipicamente colonial.
17 Renski, 2018 O artigo analisa a iniciativa do governo dos EUA do WIRED - plano de força de
trabalho inovativa para o desenvolvimento econômico regional, em 2005, que
objetivou integrar mão de obra e os sistemas de desenvolvimento econômico para
tecnologias emergentes, e o setor de altos empregos. A despeito de uma sólida base
na TDR, o plano atingiu pouco dos seus objetivos. Novas iniciativas federais no
desenvolvimento econômico regional deverão superar questões que operam contra
a estratégia de desenvolvimento regional flexível e competitivo.
18 Schmidt, 2018 A clássica TDR trata regiões montanhosas como áreas que dificultam o
desenvolvimento. Contudo, o estudo de Karakoram mostra, que com processos e
ações criativas, tanto por parte dos residentes como de ações externas, as barreiras
naturais perdem importância e podem até ser convertidas em vantagens. Redes
multilocais, capital social e educação formal são estratégias importantes para tanto.
19 Castro; Cruz Neto, 2016 O artigo é voltado para uma revisão de literatura da TDR aplicada ao caso do
Distrito Agroindustrial de Anápolis (DAIA), com o objetivo de classificar seus
fatores de produção. O resultado foi que DAIA é um polo de crescimento regional
com alta especialização na indústria farmacêutica.
20 Hudečková; Husák, 2015 O artigo se baseia no conceito geral de sociedade do conhecimento para analisar
experiências de educação rural em Pilsen. Os resultados mostram que o setor
educacional não está ajudando na modernização das escolas rurais como
comunidades educativas.
21 Kozak, 2011 O artigo apresenta uma estrutura de desenvolvimento de capital intelectual nas
regiões. A investigação parte de estratégias regionais testadas em uma das regiões
da Polônia (Silesia). Conclui que as estratégias regionais desempenham um
importante papel no gerenciamento de recursos intangíveis nas regiões.
22 Dhimitri; Gabeta; Bello, O artigo qualifica o DR como "um novo conceito que objetiva estimular e
2015 diversificar a atividade econômica de um país (região) pra encorajar investimento
no setor privado, criar vagas de emprego e melhorar as condições de vida do país".
E que "o objetivo tradicional das políticas de desenvolvimento regional é a redução
das disparidades para atingir um equilíbrio relativo entre os níveis econômico e
social nas diferentes áreas do território nacional". O caminho para o
desenvolvimento regional proposto no artigo passa pela governança local para o
"uso eficiente do potencial de cada região, sendo particularmente focado em
negócios, ou seja, promovendo o desenvolvimento de novas empresas, o mercado
de trabalho e investimentos, aprimorando a qualidade do meio ambiente, saúde,
educação e cultura". O desenvolvimento regional é a tarefa atual da Albânia desde
1990, e se inequidades persistem em regiões do país é porque o potencial
econômico não está sendo totalmente utilizado.
23 Alexandri; Chatzi, 2014 É um documento em formato de ata/relato em que teóricos da geografia radical
discutem seus trabalhos científicos frente aos desafios atuais - 10o Seminário Egeu.
24 Mandysova, 2011 O artigo analisa a TDR em relação à teoria das organizações. Observa que, em
nome de maior liberdade de gerenciamento e escolha das organizações, pode-se
conceber o ambiente em que as organizações operam como consequência do
comportamento corporativo e suas atividades.
25 Mezeniece; Rivza; 2010 O artigo equaliza a chamada moderna TDR às teorias neoschumpeterianas, sendo
as atividades de empreendedorismo inovador a força motora do desenvolvimento
regional., para o que se deve criar mecanismos de financiamento.
Fonte: A autora (2022)
99

Foi possível perceber uma variedade de métodos aplicados nos estudos apresentados
nos documentos, destacando-se 19 documentos que incluem estudos de caso. Os demais
possuem a perspectiva de estudos teórico-conceituais. Há, ainda, em 20 destes documentos, a
referência a alguma unidade espacial: Austrália (3), Brasil (2), EUA (2), Albânia (1), Colômbia
(1), Espanha (1), Filipinas (1), Finlândia (1), Inglaterra (1), Polônia (1), República Checa (1),
Suíça (1), Turquia (1). Como referências a mais países em conjunto, tem-se a União Europeia
(3) e a região de fronteira dos países Paquistão, China e Índia (1).
Estes dados revelam duas orientações da TDR em nível mundial: não há unidade
metodológica no campo de conhecimento do desenvolvimento regional, sendo que
frequentemente se utilizam metodologias de outras áreas do saber. Os estudos de caso tem
destaque neste quesito. Destarte, também se pode depreender que os estudos em
desenvolvimento regional são, na maioria das vezes, referidos a alguma unidade espacial, que
nem sempre é a região.

2.4.1 A abordagem multidimensional e categorias de análise complementares

O que se busca relevar no presente estudo é a existência de um esforço de demarcação


de diferenciação na TDR entre abordagens de 1) modelos de desenvolvimento absortos e
limitados à racionalidade instrumental, de abordagem unidimensional do desenvolvimento, e
que enfocam prioritariamente indicadores econômicos, e; 2) iniciativas de desenvolvimento que
buscam a efetividade, equilibram ações fundamentadas nas racionalidades instrumental,
substantiva e até comunicativa. É neste sentido que as categorias de análise foram delimitadas.
Desta forma, incialmente se busca nos documentos selecionados categorias extraídas de
Ramos (1963), Ramos (1983), Ramos (1996), Ramos (2009), Freire (1967), Freire (2014).
Contudo, cabe aqui rememorar que o campo do desenvolvimento regional nasce e é
disseminado a partir de duas principais disciplinas: a Economia e a Geografia que, durante
muitos anos mantiveram-se ofertando seus olhares disciplinares para o estudo do
desenvolvimento vinculado à sua espacialidade, desde que as duas variáveis passaram a ser
consideradas inseparáveis nas análises do desenvolvimento (LOPES, 2001). Mas o campo foi
(e continua) se consolidando ao mesmo passo que abordagens inter e transdisciplinares
avançam na esfera científica mundial, promovendo uma lenta mudança de paradigma no campo
do desenvolvimento regional que ainda está em curso, ao inserir outras disciplinas e outras
escalas às suas análises. A interdisciplinaridade no desenvolvimento regional pode ser um
indicativo de abordagens multidimensionais. Porém, há que se considerar que nem toda
100

interdisciplinaridade estaria, de fato, relacionada com a multidimensionalidade. Neste sentido,


tem-se a interdisciplinaridade como categoria de análise, considerando tal ressalva.
Assim, ao longo das últimas décadas em que o desenvolvimento e a região passaram a
ser categorias de estudo em evidência, muitas qualificações para o desenvolvimento emergiram:
desenvolvimento socioeconômico (BID apud FERNANDEZ, AMIN, VIGIL, 2008),
desenvolvimento sustentável (CDMA, 1987), ecodesenvolvimento (SACHS, 1992),
desenvolvimento territorial sustentável (VIEIRA, 2009) desenvolvimento humano (SEN,
2000), desenvolvimento a escala humana (MAX-NEEF, 2012), ecossocioeconomia (SACHS,
2007; SAMPAIO, 2010). Isto posto, cabe salientar que muitas destas qualificações, por
avançarem em direção da consideração de recursos vinculados à espacialidade, são admitidas
no escopo do desenvolvimento regional - termo que em si carrega a própria qualificação.
Contudo, a mera consideração espacial não é garantia de padrões de desenvolvimento que
operem a segunda lógica apontada na diferenciação acima. Assim é que experiências e análises
de desenvolvimento que receberam os qualificadores antes mencionados podem ter seguido
uma lógica unidimensional ou transplantar (FERNANDEZ, AMIN, VIGIL, 2008), uma vez que
tenham tentado delimitar um manual estrito de conduta estratégica de desenvolvimento.
Assim, Mantovaneli Junior (2013) observa que o desenvolvimento sustentável é uma
estratégia configurada como possibilidade objetiva (RAMOS, 2009), cujos sustentáculos
residem nas dimensões interrelacionadas política e administrativa, desde que contaminadas de
intencionalidade ética que, pode-se afirmar, guarda sensível relação com racionalidade
substantiva (RAMOS, 1983). Neste sentido, o desenvolvimento sustentável pode ser uma
categoria de análise para o presente estudo. Afirma, ainda Mantovaneli Junior (2013), que uma
das expressões da sustentabilidade é a governança, que configura também outra categoria de
análise.
O termo governança eclodiu nas décadas de 1980/1990 no contexto de reformas
neoliberais que vazavam o poder político inicialmente para a esfera privada do mercado. Mas
em pouco tempo foi absorvido pela necessidade de maior participação da Sociedade Civil –
aqui incluído o Mercado mas não a ele limitado, e aprofundamento democrático (FREY, 2007).
Na mesma época o desenvolvimento sustentável assentava-se como um pacto social estratégico
em nível mundial para o enfrentamento do esgotamento dos recursos do planeta e que chamava
a Sociedade Civil à ação (SACHS, 1992).
Tal qual o desenvolvimento, a governança recebeu significativas quantidades de
adjetivações desde então, e nem todas estão referidas a processos de desenvolvimento
101

sustentável. Há duas categorizações que são úteis para elucidar tal questão. Frey (2007)
esclarece que
[…] é possível distinguir entre versões de governança que enfatizam como
objetivo principal o aumento da eficiência e efetividade governamental, e
outros que focalizam primordialmente o potencial democrático e
emancipatório de novas abordagens de governança. Apesar da existência de
uma diferença inegável no tocante ao fundo ideológico que norteia ambas as
vertentes teóricas (Kickert et al., 1999b, p. 3), percebe-se uma confluência de
ambas as abordagens para as concepções e práticas de governança e de gestão
em rede, evidenciando a tendência a uma aproximação entre os modelos
gerencial e democrático-participativo, sem porém chegar a uma dissolução
dos antagonismos ideológicos que estão nas origens das duas propostas.

Na mesma direção, Capella (2008, p. 3) estabelece que


Nas análises de política comparada, governança relaciona-se a dois
importantes debates. O primeiro focaliza a questão do papel do Estado no
desenvolvimento econômico e, neste caso governança refere-se a maneira pela
qual as instituições encarregadas pela formulação e implementação de
políticas econômicas são estabelecidas e suas consequências sobre o
desenvolvimento. O segundo debate destaca a questão da democratização. A
ideia de governança, neste sentido, está relacionada ao estabelecimento de
regras que orientam o processo decisório. Assim, nos estudos de política
comparada, o emprego do termo “governança” varia de acordo com o foco de
análise: enquanto as teorias sobre o papel do Estado no desenvolvimento
destacam a criação de uma base institucional para a formulação de políticas
econômicas, as teorias sobre democratização enfatizam o estabelecimento de
uma base institucional para o regime político.

Ou seja, uma governança que suporte as categorias de participação e democracia. O


levantamento de Capella (2008, p. 10) traz um apanhado de visões de governança. Embora a
autora observe que a governança tem adquirido um aspecto simbólico de estar sempre referia a
relações positivas na solução de questões públicas, a noção de governança mais orientada à
estratégia de desenvolvimento sustentável é a que a delimita como “o desenvolvimento de
capital social, fortalecimento da sociedade civil, e aumento de participação cidadã”, que por
conseguinte influenciará na democracia, na abordagem das políticas públicas e nos modelos de
administração pública, tanto em relação ao arcabouço teórico de análises acadêmicas, como na
prática da gestão dos recursos. Neste contexto, a governança que se espera vinculada à TDSS é
uma coordenação de ações, setores e disciplinas em torno da concepção e implementação de
estratégias de solução de problemas compartilhados, inseridos na esfera democrática e,
simultaneamente, promovendo a democracia a partir de processos de participação cidadã.
A conflitividade política implícita nos processos de participação admitidos no escopo
da governança é, por sua vez, fator pedagógico e de conscientização nos moldes propostos por
102

Ramos (1983) e Freire (1967). É também fator de qualificação do debate político que enseja o
conhecimento da realidade pari passu intervenções se realizam. Contudo, novamente, nem toda
participação pode ser inserida no contexto da estratégia do desenvolvimento sustentável. Tem-
se, desta forma, a participação em conjunto com a governança figura como outra categoria de
análise.
Conforme Rahnema (2000), as razões pelas quais a participação emergiu no campo do
desenvolvimento, quase como panaceia, são 1) o conceito deixou de ser uma ameaça
“subversiva” porque, em muitos casos, já se aprendeu a controlar os riscos de ameaça à
manutenção dos poderes; 2) a participação é uma palavra comovente e de apelo atraente. Com
o discurso da participação, governantes podem passar a impressão de que realmente se
importam com a população; 3) o discurso em favor da economia como a esfera mais importante
da vida humana já foi enraizado de tal maneira inclusive no senso comum, que quase qualquer
coisa se justifica em função do desenvolvimento econômico, de modo que não é necessário
muito esforço para que se obtenha uma participação da população que valorize projetos tidos
como de modernização. É assim que os objetivos econômicos passam a ser os principais
acordos sociais.
Com essas considerações, é útil a proposição de Arnstein (2002), para a qual a
participação varia em uma escalada onde o ponto mais alto é a participação cidadã. Para ilustrar
essa escalada a autora usa a analogia de uma escada de oito degraus divididos em três grandes
níveis. O primeiro nível costuma ser chamado de participação mas não há nele elementos de
participação. Por isso a autora denomina de “não participação”. Neste nível estão os degraus de
(1) manipulação, quando pessoas são convidadas a participar de reuniões ou comitês cujo
objetivo é educa-las ou conquistar apoiadores. Uma ata desse tipo de reunião ou uma lista de
presença costuma justificar que o processo foi participativo. No entanto, nada além de um
esforço de persuasão ou, no máximo, uma coleta padronizada de informações é realizada. Não
há nenhum envolvimento das pessoas com os processos de decisão que estão em jogo. Portanto,
não se pode considerar participação; (2) terapia, quando administradores e detentores do poder
partem do pressuposto de que a falta de poder do outro não pode ser outra coisa que um distúrbio
mental ou intelectual, que precisa ser ajustado. Parte-se então para uma terapia grupal ou uma
intervenção individualizada para conter os riscos de quem está reclamando o poder. O segundo
nível é de “pouca concessão de poder”. Nele, estão os degraus de (3) informação, quando
começa a participação com um nível de concessão mínima de poder. Os cidadãos são
legitimamente informados de seus direitos e deveres. Mas a comunicação ocorre em via de mão
única, não há consulta à população e frequentemente questionamentos e reivindicações são
103

desencorajados; (4) Consulta, onde se solicita a opinião dos cidadãos antes das decisões serem
tomadas, em pesquisas de opinião, audiências públicas e assembleias. Ocorre que não há
nenhuma garantia de que as perguntas foram feitas corretamente e tampouco se serão levadas
em consideração no processo decisório. Isso gera uma descrença na participação porque as
pessoas que serão afetadas pelas ações públicas estão cansadas de responder questionários.
Acontece um pouco com o que fazemos aqui na universidade também. Muitas vezes
perguntamos apenas o que nos interessa e damos pouco retorno. Frequentemente as perguntas
são do tipo: temos recursos para construção de um posto de saúde, vocês são a favor ou contra?
A localização não é discutida, as necessidades que poderiam ser atendidas com esse recurso
não são discutidas. Não há escolhas reais. Por isso este degrau configura ainda uma baixa
concessão de poder; (5) Pacificação, onde começa a possibilidade de certa influência por parte
dos cidadãos. Consiste em colocar cidadãos em cadeiras permanentes de conselhos e comitês
deliberativos. Ainda aqui a participação não é uma garantia de distribuição de poder porque tais
pessoas podem ser escolhidas a dedo, de modo que tenham afinidades com as propostas dos
tomadores de decisão e sejam usados como uma estratégia de pacificação com as comunidades
que poderiam ter reivindicações que não se enquadram nos objetivos dos detentores do poder.
Ainda assim, se as pessoas escolhidas tiverem legitimidade junto à comunidade que
representam, é possível que consigam efetivamente participar dos processos. O terceiro nível é
denominado de Poder Cidadão. Nele estão os degraus (6) Parceria ou sociedade, que é o é o
início do efetivo poder cidadão, em que cidadãos e tomadores de decisões concordam em dividir
o planejamento de ações de programa e projetos públicos e uma negociação permanente,
durante todo o processo, é levada a cabo. Funciona ainda melhor se a participação se der por
uma organização comunitária com recursos para contratar técnicos de confiança que as ajudem
a pensar as questões. Em muitos casos esse processo é desencadeado não de forma pacífica,
mas pela irritação de cidadãos que já se sentiram irritados com outras formas de participação
de fachada. Aqui não há uma concessão de poder, mas uma conquista batalhada; (7) Delegação
de Poder - enquanto na Parceria a participação em conselhos deliberativos costuma se dar de
modo que os cidadãos tenham menos peso de voto do que os tomadores de decisão, na
Delegação de Poder o cálculo se inverte: cidadãos detém maior número de votos do que os
tomadores de decisão. Aqui os cidadãos têm uma possibilidade maior de garantir que as ações
em discussão naquela instância atenda os interesses das comunidades que representam e; (8)
Autogestão ou Controle Cidadão. É quando os cidadãos possam gerir integralmente
determinados programas ou projetos públicos, como escolas por exemplo. Cooperativas seriam
um outro modelo de autogestão. Não é tarefa fácil e nem experiências de longo percurso
104

facilmente encontradas. O turismo comunitário, entre tantas outras experiências, poderia ser
aqui colocado como um exemplo de autogestão do território. O desenvolvimento sustentável
almeja, pelo menos, os degraus do terceiro nível da denominada escada da participação.

Organização das categorias de análise

Após a extração de publicações de bases de dados científicas internacionais que


desembocou em um universo de 25 artigos, a análise é realizada em duas diferentes graduações,
a saber: 1) análise de conteúdo a partir dos temas como unidade de análise (BARDIN, 2014;
FRANCO, 2008); 3) análise de conteúdo fruto de adaptação metodológica de Franco (2008),
onde o contexto de aplicação da semântica tem maior valor do que a menção específica das
palavras ou do que o tema no texto a ser analisado. Tais graduações correspondem aos graus 2
e 3 na escala de importância das unidades de análise de Franco (2008), uma vez que se optou
pela desconsideração da unidade de análise de palavras, que demonstra pouca compreensão real
do conteúdo a ser analisado.
Como forma de organização, apresenta-se um quadro com (A) e (C) categorias
operativas no formato de temas, temas tratados como sinônimos, aproximados, equivalentes ou
complementares, relacionados ao enfoque multidimensional e correspondentes ao conjunto
relacionado à segunda graduação de unidade de análise; (B) descritores gerais das categorias
operativas do enfoque multidimensional para auxiliar na extração da terceira graduação de
unidade de análise, ou seja, do contexto.
Todo o quadro é baseado na literatura anteriormente apresentada, sendo que a coluna da
descrição respalda a análise de contexto, o que pode levar a inferências a partir de conteúdo não
explícito como tema dentro dos termos propostos. Cabe ainda destacar que foi feita uma opção
por incluir o desenvolvimento sustentável como categoria de análise, no entanto, entende-se
que o desenvolvimento sustentável (Tema 9) é uma estratégia na qual incluem-se as demais
categorias apresentadas. (Temas 1-8). Por este motivo, a análise de conteúdo considerou
somente os casos em que a categoria aparece explicitamente, ou seja de forma declarada e
justificando intencionalidade.
105

Quadro 5 – Categorias de enfoque multidimensional possibilista do desenvolvimento


Temas (Grau 2) Descrição / Contexto (Grau 3) Temas - sinônimos e equivalentes
ou complementares (Grau 2)
Redução sociológica A redução sociológica admite pelo menos dois outros sentidos, mas para fins desta pesquisa, Anticolonialismo, decolonialidade,
a descrição será a de um método de depuração de teorias, práticas e modelos estrangeiros descolonialidade, pós-colonialidade
(seja de outros países, regiões ou localidades) e um esforço de adaptação às realidades de
diferentes tempos e espaços geográficos. (RAMOS, 1996).
Racionalidade O resgate de uma racionalidade própria do ser humano e da vida humana associada, Racionalidade comunicativa
substantiva descontaminada do domínio ou superioridade da racionalidade instrumental e de (HABERMAS apud SOUZA E
características unidimensionais, capaz de discutir aspectos valorativos de fins e não apenas ORNELAS, 2015)
de meios para o alcance de objetivos pré-determinados.
Consciência crítica Apropriação do conhecimento social de contexto espaço-temporal único, seja pelo Transitividade (FREIRE, 1967)
conhecimento científico, pelas artes ou pela práxis. (RAMOS, 1996).
Sociedade Constatação de que os indivíduos e a sociedade possuem múltiplas dimensões e que a vida Multidimensionalidade do
multicêntrtica humana associada precisa ser observada pela ciência social sob o aspecto destas múltiplas desenvolvimento; Teoria da
dimensionalidades que se manifestam simultaneamente e de forma complexa no tempo- Delimitação dos Sistemas Sociais;
espaço. Tal constatação desemboca em uma delimitação de diferentes sistemas sociais e no Paraeconomia, Isonomia,
confinamento da economia a um enclave específico dos sistemas sociais como categoria do Fenonomia.
desenvolvimento, o que pode ser denominado também Paraeconomia ou Teoria da
Delimitação dos Sistemas Sociais (TDSS). A prática da TDSS exige um esforço de
realocação de recursos cujo processo decisório evoca a realização da consciência crítica e
um equilíbrio entre as racionalidades instrumental e substantiva.
Homem Parentético Indivíduo dotado de capacidade de colocar em suspensão (entre parênteses) suas decisões e Atitude parentética
compreender as realidades mais íntimas de si próprio em justa relação com realidades
sociais mais amplas.
Possibilidades Uso de consciência crítica nas tomadas de decisão para o desenvolvimento, de modo que se Inédito viável (FREIRE, 2014),
objetivas construam estratégias dentro de um escopo de esperança delineada por fatores concretos utopia concreta (BLOCH apud
inscritos nas realidades espaço-temporais. Nas palavras de Ramos (2009, p. 11): Matos, 2008)
“conjeturas, mas conjeturas cujo poder de convicção pode ser justificado por um
conhecimento positivo e controlável dos acontecimentos”.
106

Interdisciplinaridade Colaboração entre disciplinas ou setores diversos, no campo teórico ou empírico em torno Transdisciplinaridade
de um ou mais objetivos ou problemas comuns, com interações de reciprocidade para
enriquecimentos mútuos. (ALVARENGA et al, 2011).
Governança Coordenação de ações, setores e disciplinas em torno da concepção e implementação de Participação, democracia, cidadania
estratégias de solução de problemas compartilhados, inseridos na esfera democrática e,
simultaneamente promovendo a democracia a partir de processos de participação cidadã.
Desenvolvimento Estratégia macrossocial e multiescalar, fruto de consensos mundiais em torno da percepção Objetivos de Desenvolvimento do
sustentável solidária de que novos modos de agir devem ser colocados em prática de modo a viabilizar Milênio (ODM), Objetivos do
a manutenção de condições de vida digna no planeta. O conceito reúne aspectos Desenvolvimento Sustentável
declaratórios, formais (normativos) e vivenciais, nos quais se reconhece ao menos quatro (ODS), Agenda 2030 para o
dimensões: econômica, social, ambiental e institucional (PNUD, 2018). desenvolvimento
Fonte: A autora (2022)
107

Aqui cabe uma observação. Optou-se por incluir o desenvolvimento sustentável como
categoria de análise. No entanto, entende-se que o desenvolvimento sustentável (9) é uma
estratégia que pode estar apoiada nas demais categorias apresentadas (1-8), pela forma de
abordagem multidimensional do desenvolvimento.

Resultados

Quanto às unidades de registro por tema, foram identificadas as seguintes menções: 1 -


Interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade (2 menções); 2 - Governança, participação,
democracia, cidadania (18 menções); 3 - Desenvolvimento sustentável, ODM e ODS (6
menções). Não houve menções nas demais categorias.
Quanto à análise pela via das unidades de contexto, foram apurados os resultados
constantes no Quadro 6.
108

Quadro 6 – Resultados das análises de unidades de contexto


Referência Análise temática e contextual
1 Lee; Eversole, 2019 1) a categoria de redução sociológica aparece implicitamente no tratamento de questões de colonialidade; 2) a categoria
de racionalidade substantiva ou mesmo comunicativa pode ser observada em equilíbrio com as intenções de racionalidade
instrumental em toda a abordagem do autor. 3) a categoria de sociedade multicêntrica pode ser observada implicitamente
na abordagem cultural como transversal a todas as demais dimensões consideradas pela TDR, além da proposição da
cultura indígena como recurso e fator de riqueza e de uma abordagem interdisciplinar de trabalho junto com comunidades
indígenas; 4) a categoria de possibilidade objetiva aparece implicitamente na concepção de inovação com inclusão, no
caso, das comunidades indígenas, uma vez que para os autores, a cultura indígena deve constituir-se como parte integrante
das políticas públicas. 5) a categoria de inter e transdisciplinaridade aparece implicitamente no sentido dado à inclusão da
cultura indígena na constituição de políticas públicas; 6) a categoria de governança aparece explicitamente aliada à
recomendação de participação da população indígena em processos decisórios de políticas públicas, ainda por meio de
uma crítica ao ideal de boa governança ocidental vinculado aos interesses mercadológicos.
2 Capello, 2019 O foco do artigo é na economia regional, em que a dimensão espacial é inserida em modelos e análises econômicas, contudo
não chega a configurar uma abordagem muldimensional. O que se verifica no que tange às categorias de análise é: 1) um
esforço em relação à categoria interdisciplinaridade se esboça no sentido de interrelacionar disciplinas de economia e
geografia; 2) a categoria governança aparece explicitada uma única vez no texto, quando é tratada na perspectiva do
território como lócus político de um sistema de relações econômicas e sociais.
3 Huggins; Thompson, 1) Embora a categoria da racionalidade substantiva não seja especificamente mencionada, o autor observa que uma
2019 racionalidade que ele denomina de espacial está presente nos processos de desenvolvimento de localidades mais bem
sucedidas. Tal racionalidade tem um espectro mais restrito no que tange à capacidade de "computação", contudo integraliza
outros elementos de difícil mensuração nos processos decisórios. Neste sentido, a racionalidade substantiva parece
parcialmente contemplada no artigo; 2) a questão da consciência é abordada, contudo não há menção sequer implícita ao
sentido de consciência crítica. Antes, o sentido dado à consciência é de "coletivos de significância" - o que sugere abordar
mais os aspectos simbólicos; 3) a categoria da multidimensionalidade aparece timidamente em discussões sobre o trabalho;
4) a categoria de possibilidades objetivas aparece timidamente no texto relacionado às atividades de trabalho e com o
sentido de que, em relação às atividades realizadas e sua localização, há três aspectos que são considerados: "[...]
iteration—which is habitual in nature and informed by the past; projectivity—whereby there is a focus on future
possibilities; and practical evaluation—which strives to consider past habits and future opportunities in the present
context" (p. 136); 4) a categoria de governança aparece no texto como um fator de desenvolvimento sem, contudo, explicar
o sentido.
4 Martinus, 2018 1) a categoria de governança é citada para melhorar ambientes de negócios e empreendedorismo; 2) a categoria de
desenvolvimento sustentável é citada como declaração de intenções, referindo-se que a compreensão do desenvolvimento
deveria estar mais atrelada à compreensão de aspectos de desigualdades intrarregionais e não entre nações.
109

5 Cruz Diaz; Blandón 1) A categoria de governança e sua complementar "participação" são citadas, inclusive na defesa do planejamento
Lopez; Cruz Rincón, 2018 estratégico, mas na acepção de articulações para políticas públicas orientadas para a produtividade de mercado.

6 Spicer, 2018 1) A categoria democracia aparece no questionamento de uma inversão quando anteriormente o social influenciava o
mercado e agora o mercado incorporou as relações sociais. Tal constatação é feita na fase crítica para a qual a TDSS
procura encontrar um caminho de resposta.
7 Andriesse; Kang, 2017 Nenhuma categoria de análise foi encontrada.
8 Eversole, 2017 1) A categoria de interdisciplinaridade aparece uma única vez relacionada à sua incorporação no desenvolvimento regional.
2) A categoria desenvolvimento sustentável aparece no sentido da incorporação de diferentes dimensões em escalas locais
na avaliação de oportunidades de desenvolvimento, que não apenas aquelas que a TDR vai buscar nas experiências
consideradas bem-sucedidas. Desta forma, há convergência implícita com as categorias de possibilidade objetiva e de
redução sociológica. 3) A categoria de governança é avaliada pela ótica do que o autor considera fraca participação de
organizações de escala regional nas ações de governança na Austrália.
9 Martin; Sunley; Leite de 1) Embora a categoria sociedade multicêntrica não apareça explicitamente, os autores tomam como entrave de
Barros, et al., 2017 desenvolvimento a consideração limitada do espaço geográfico e, mais especificamente, da região.
10 Segessemann; Crevoisier, A categoria governança foi citada uma única vez no resumo, sem explicação de sentido. Contudo, o artigo sinaliza que a
2016 preocupação seja com questões de ordem exclusivamente econômica e de produção de riquezas.
11 Akpinar; Tasci; Ozsan, Nenhuma categoria de análise foi encontrada.
2015
12 Soja, 2015 1) As categorias de redução sociológica e razão substantiva não aparecem explicitamente, mas podem ser inseridas na
preocupação do autor em compreender a região como espaço de produção do conhecimento de distintas áreas e não
somente para a produção de conhecimento econômico; 2) A categoria governança aparece como desafio no estudo
comparativo de regiões, e o sentido atribuído é de "An open theoretical frontier growing out of the debates on regional
governance and planning involves the application of critical regional and spatial approaches to the study of citizenship,
democracy, justice, human rights and social movements." (p. 379).
13 Hadjimichalis; 1) Não há menção à razão substantiva, contudo os autores fazem menção ao que denominam de "racionalidade do capital"
Hudson, 2014 para explicar que as crises do capitalismo são oportunidades para empresas, mas de alto custo humano e socioespacial, 2)
a sociedade multicêntrica e o desenvolvimento sustentável tampouco são referidas, mas os autores propõem que
restabelecer valores e prioridades sociais e de justiça espacial em contraposição ao neoliberalismo é tarefa das teorias de
desenvolvimento regional; 3) a governança é referida como crítica a sua redução à parcerias público-privadas para o
desenvolvimento econômico.
110

14 Dias, 2013 1) A categoria governança é mensurada no sentido de parcerias público-privadas e a participação como forma de
possibilitar "construir uma territorialidade caracterizada pela alta capacitação empresarial e tecnológica, que inclui um
ambiente relacional e de negócios densificado, uma mentalidade empreendedora, socialmente responsável e
ambientalmente sustentável - portanto de aspecto multidimensional - e respeitando as dimensões básicas do
desenvolvimento sustentável.
15 Jardón, 2011 A categoria desenvolvimento sustentável aparece no texto como um acordo tácito de objetivo com os leitores, sem
especificação sobre o seu significado além da necessidade de consideração de mais dimensões do desenvolvimento além
da econômica. Na concepção do artigo a inovação em empresas, que também leva em consideração uma variedade de
aspectos como o cultural (cultura da inovação) é um facilitador do desenvolvimento sustentável.
16 Hadjimichalis, 2011 1) a categoria redução sociológica não é citada, contudo o autor afirma que o neoliberalismo é uma forma de colonização
moderna e que a TDR deve inserir pressupostos políticos para combater esse novo colonialismo; 2) a razão substantiva
tampouco é citada, porém o autor defende a ideia de inserção de aspectos valorativos nos processos decisórios relacionados
à TDR: "The social and spatial distribution of who, what and where benefits
and loses from the crisis is an important issue that poses fundamental questions of justice, principles
and values." (p. 270); 3) a categoria da sociedade multicêntrica também não é mencionada explicitamente, contudo o autor
advoga para a consideração urgente de dimensões sociais e espaciais na TDR; 4) a governança aparece explicitamente,
porém sem definição clara. Contudo, a sugestão de maior valor à política na TDR sinaliza pela governança no sentido de
construção da democracia. Assim, Democracia e cidadania aparecem como estando sob risco no neoliberalismo,
considerado pelo autor uma ideologia, sugerindo que a teoria do desenvolvimento desigual combinado oferece alternativas
para tanto.
17 Renski, 2018 1) a categoria governança e participação aparece no sentido de formação de parcerias público-privadas para a gestão
econômica das regiões.
18 Schmidt, 2018 1) a categoria governança aparece como participação no sentido de que a organização da comunidade em questão
possibilitou a participação dos atores sociais em cenários de escalas maiores do que a região estudada; 2) a categoria de
possibilidades objetivas não está explícita no texto, mas pode ser visualizada no movimento de criação de oportunidades
onde os padrões teóricos de TDR indicavam condição de atraso;

19 Castro; Cruz Neto, 2016 Não há menção temática a nenhuma das categorias.
20 Hudečková; Husák, 2015 1) a categoria de consciência crítica e Homem Parentético não aparecem explicitamente, contudo se verifica um esforço
para possibilitar uma educação para a autonomia, baseada em fatores, características e necessidades locais; 2) a categoria
de governança aparece na forma de menção do papel da educação na constituição da cidadania e da democracia e na defesa
da participação cidadã.
111

21 Kozak, 2011 1) a categoria de desenvolvimento sustentável é mencionada, contudo não discutida. 2) a expressão multidimensões aparece
no texto se referindo a capitais, tal como o intelectual com potencial de ser revertido em ativo. Portanto distante da
perspectiva da multidimensionalidade do desenvolvimento aqui proposta.
22 Dhimitri, Gabeta, Bello, 1) a categoria da sociedade multicêntrica não aparece explícita e tampouco é contemplada no sentido dado pela TDSS. No
2015 artigo, entende-se que a economia seja capaz de impulsionar a qualidade do meio ambiente, saúde, educação e cultura; 2)
A categoria governança aparece com o qualificador "local", e a definição que o autor dá é ampla e poderia englobar a
perspectiva da multidimensionalidade do desenvolvimento: "formulation and execution of collective action at the local
level" (p. 50). 3) a categoria desenvolvimento sustentável aparece mencionada na nova teoria que os autores propõem,
contudo carece de explicação; 3) a categoria do desenvolvimento sustentável aparece também como integrando a nova
teoria de desenvolvimento regional proposta pelos autores.
23 Alexandri; Chatzi, 2014 1) a categoria de Homem Parentético não é mencionada, mas pode ser encontrada no perfil dos debates que demonstram
um desejo dos pesquisadores reunidos de ter no evento um espaço de discussão diferente das correntes convencionais que
estão pensando o desenvolvimento sob a ótica da geografia; 2) A categoria governança aparece por meio da democracia,
exemplificada pela Primavera Árabe como forma de construção social do espaço.
24 Mandysova, 2011 1) a categoria de desenvolvimento sustentável é mencionada na afirmação de que a responsabilidade social empresarial é
a contribuição das empresas para o desenvolvimento sustentável.
25 Mezeniece; Rivza; 2010 Não há menção temática a nenhuma das categorias.
Fonte: A autora (2022)
112

2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora exista um único objetivo específico que conduza este capítulo, é importante
resgatar que ele serviu a duas funções. A primeira destas funções foi a de a de levantar e
organizar as bases teóricas que culminaram em categorias de análise que, por sua vez, deverão
nortear as análises empíricas do PROESDE / Desenvolvimento FURB nos capítulos seguintes.
A segunda função a que serve este capítulo é a que consta declarada no objetivo específico,
qual seja a de avaliar se existe enfoque multidimensional possibilista (no sentido atribuído pelo
sociólogo Alberto Guerreiro Ramos) nas TDRs, considerando ser tal enfoque uma possibilidade
de assentamento teórico da estratégia de desenvolvimento sustentável. Portanto,
simultaneamente este capítulo orienta as análises posteriores, mas também procura oferecer
uma contribuição para o avanço das TDRs.
A opção metodológica foi, de um lado, encarar a produção intelectual de Guerreiro
Ramos sob um constructo que aqui designamos como abordagem multidimensional possibilista
e que, na forma de apresentação do capítulo, perpassa em conjunto a trajetória intelectual,
técnica, política e pessoal do autor, que é de mais de quarenta anos, e que culmina da proposição
da TDSS. De modo que se tratou de apresentar uma das expressões do pensamento social
brasileiro que aborda com profundidade - as vezes direta e outras vezes indiretamente - a
questão do desenvolvimento sob a ótica de possibilidades a serem construídas em relação direta
com diferentes sociedades e espaços geográficos. E de outro lado, buscar o alcance da
abordagem multidimensional possibilista de Guerreiro Ramos na literatura mundial das TDRs.
A trajetória de Guerreiro Ramos indica um aprofundamento do conceito de
desenvolvimento sob a vertente filosófica humanista. Observa-se que na obra A Redução
Sociológica o desenvolvimento ainda aparece em um esquema comparativo de critérios entre
nações ou regiões, mas já tendo a criação de critérios próprios para cada nação ou região como
indicativo de uma conceituação de desenvolvimento desprovida de arquétipos ideais. Uma
proposta, portanto, de uma concepção de desenvolvimento que inicia seu caminho para o
rompimento com a mentalidade colonial, em um esforço que o próprio livro sugere, qual seja,
de redução sociológica.
No ensaio A modernização em nova perspectiva, Guerreiro Ramos rompe de forma
ainda mais clara com conceitos pré-concebidos de desenvolvimento, inserindo com mais
profundidade a noção de sistema-mundo. Isso significa que o desenvolvimento deva ser
pensado a partir de um pacto social que esteja de acordo com as capacidades e perspectivas da
própria região, em um esforço de imaginação sociológica criadora de possibilidades objetivas
113

- que o próprio autor equipara novamente, em alguma medida, com o exercício metódico da
redução sociológica. A dimensão coletiva do desenvolvimento, por outro lado, é dada pelo
conceito de ação administrativa proveniente de Weber, que é também um esforço de ação
individual no sentido parentético.
A TDSS, por sua vez, indica que o desenvolvimento deve ser pensado incrustrado no
paradigma paraeconômico, que delimita a racionalidade instrumental e a economia em um
enclave específico, não mais coordenando todas as áreas da vida humana individual e associada.
Tal enquadramento faria aflorar um desenvolvimento pautado no equilíbrio entre as
racionalidades instrumental e substantiva. E, novamente, não há receitas para tal equilíbrio. A
oferta da TDSS é, na verdade, uma proposta heurística. As oportunidades - aqui denominadas
possibilidades objetivas, por sua vez, são construídas no campo da intervenção prática
permeada por perspectivas valorativas e em um movimento pendular dialético e dinâmico.
Já a origem do campo desenvolvimento regional está nas disciplinas de Geografia e
Economia. Não obstante, os estudos iniciais estavam voltados para a compreensão do
funcionamento das economias em relação a fatores específicos de unidades espaciais. Mattedi
(2015) identifica a abertura de novos horizontes no tratamento da questão regional a partir de
meados da década de 1980, quando outras disciplinas foram chamadas a contribuir. Por sua
vez, o movimento que se sucedeu no mundo, concomitantemente à disseminação de outros
qualificadores de desenvolvimento como, por exemplo, o desenvolvimento sustentável, tem
contribuído para a percepção do desenvolvimento como algo necessariamente vinculado à
esfera espacial e multidimensional.
Pode-se depreender da análise dos documentos da revisão exploratória e da revisão
sistemática de literatura, que há uma variedade de interpretações para o desenvolvimento
regional. Ou seja, trata-se de um fenômeno que pode ser identificado como uma polissemia, o
que denota que o campo é lócus de muita disputa e pouco consenso. Assim, “ao mesmo tempo
que o conceito é algo aberto, repleto de significados e experiências históricas, ele também está
imerso em relações de poder” (BUTZKE; THEIS; MANTOVANELI JUNIOR, 2018, p. 93).
Ainda assim, o que se observou foi que as teorias mais disseminadas envolvem prioritariamente
a economia no seu sentido mais clássico, ou seja, aquele relacionado à sociedade de Mercado.
Em muitos documentos analisados, mesmo quando se consideram outras dimensões do
desenvolvimento, elas são chamadas a contribuir com a economia da região sem que se tornem
o alvo principal do desenvolvimento.
Em relação às abordagens metodológicas dos documentos analisados, observou-se não
existir um escopo uniforme, o que também sinaliza para o fenômeno polissêmico e de disputa.
114

Os estudos utilizam uma variedade de metodologias, com destaque para o método de estudos
de casos ex-post-facto, com poucos artigos em que haja participação dos pesquisadores, ainda
que fosse no formato de observação participante.
Theis (2019) sinaliza que existem duas formas de se perceber o desenvolvimento
regional: como fato e como perspectiva. Como fato, o que se depreende da análise presente é
que o desenvolvimento regional é uma amálgama de teorias e práticas acerca de dinâmicas
econômicas, sociais, culturais, políticas e ambientais, que se expressam e configuram a
realidade de unidades espaciais. Tais unidades espaciais são delimitadas a partir do
compartilhamento de elementos de identificação comum. E essa amálgama é operada por
distintos agentes humanos, instituições e organizações, com diferentes intencionalidades em
disputa.
Como perspectiva, o desenvolvimento regional é o desejo do “bom” desenvolvimento.
Pode-se afirmar que o “bom” desenvolvimento aparece em muitos documentos analisados
como uma lista de pré-requisitos padronizados para a modernização (RAMOS, 2009). Nesta
esteira, a racionalidade instrumental, ou seja a racionalidade que desconsidera o debate sobre
projeções futuras como se tais fins já fossem algo dado ex ante, contaminou quase todos os
espaços da vida humana associada. Nesta seara, não há pacto possível pelo desenvolvimento.
Daí a necessidade de que algum conjunto de racionalidades que suportem a totalidade do
fenômeno seja adotado nos espaços de planejamento para o desenvolvimento. Aqui, defende-
se que a racionalidade substantiva possa ser esse antídoto.
É neste sentido que Ramos (2009) advoga, com fundamentos, que não há pré-requisitos
para o “bom” desenvolvimento. Portanto, trata-se de um fenômeno definido pela participação
de agentes humanos críticos na construção de possibilidades objetivas. É exercício de tentativa
e erro indissociável do fazer científico. É também a pactuação de um futuro almejado, cuja
construção se configura em pacto social que somente é possível pela participação, e os
primeiros passos envolvem a superação de sintomas como a Política Cognitiva e a Síndrome
Comportamentalista.
Assim, a TDSS pode ser absorvida como abordagem teórico-metodológica do
desenvolvimento regional que permite o enfoque multidimensional e substantivo da questão e
que está referida à multidimensionalidade do desenvolvimento, tal qual o desenvolvimento
sustentável. A paraeconomia, por sua vez, seria uma ferramenta de alocação de recursos para o
fomento de espaços isonômicos e fenonômicos, de modo a permitir a contaminação das
organizações pela racionalidade substantiva. Tanto TDSS como a Paraeconômia e o próprio
115

desenvolvimento sustentável são exercícios de mudança de paradigmas, aos moldes do que


analisa Kuhn (1978).
Para o autor, o conhecimento científico é uma instituição social. E como tal é passível
de regramentos. Mais além, a ciência é reflexo e produção da sociedade - ou seja, da ação
humana - pautado num conjunto de regras compartilhadas (paradigmas) por meio de consenso
em uma determinada comunidade acadêmica ou científica. Neste sentido, os conceitos são
expostos em paralelo a paradigmas. E “um paradigma é aquilo que os membros de uma
comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que
partilham um paradigma” (KUHN, 1978, p. 218). Em outras palavras, as pessoas que formam
uma determinada comunidade científica são aquelas que pertencem a uma determinada
especialidade, foram submetidos a uma educação e formação profissional similares, tem altas
titulações, participam de sociedades profissionais, leem periódicos especializados e se
comunicam com relativa facilidade. Assim, um mesmo objeto de estudo pode estar submetido
à pesquisa científica de diferentes escolas, cujos pontos de vista são absolutamente
incompatíveis – já que um paradigma comanda, primariamente, um grupo de praticantes da
ciência, o que tende a gerar competição. Essa competição, de algum modo, é justamente a
disputa de conceitos antes afirmada.
Neste sentido, observa-se que a TDR se constitui de um quadro dominante de ideias,
que historicamente foram academicamente constituídas e concomitantemente
institucionalizadas principalmente a partir da visão dos países centrais (FERNANDEZ, AMIN
e VIGIL, 2008). É claro que houve e há outras contribuições dos países periféricos, mas elas
encontram, ainda, pouco espaço de disseminação internacional na chamada TDR, como um
campo científico e profissional em formação. Isso ocorre desde os primeiros estudos da área
em formação. Mas o destaque que cabe aqui salientar é para as últimas décadas, quando ocorreu
a ascensão das abordagens do desenvolvimento regional que se disseminaram com vigor a partir
da década de 1980 e já em meados de 1990 e se tornaram quase onipresentes no meio acadêmico
relacionado às ciências sociais, como análises ou como proposições, e foram
concomitantemente institucionalizadas a partir de realidade de países centrais e distante das
possibilidades dos países periféricos. Deste modo, o papel da ciência no desenvolvimento
regional passa pelo questionamento das intencionalidades de disseminação de modelos
padronizados, muitas vezes matemáticos, na constituição de uma teoria que balizaria os
esforços de desenvolvimento de praticamente toda a comunidade internacional,
desconsiderando elementos constitutivos das diferentes regiões.
116

Os ODM e, mais atualmente, os ODS, configuram-se como uma estratégia que permite
aos pesquisadores, planejadores e executores do desenvolvimento regional, conhecer a
realidade social das regiões e simultaneamente intervir nessa realidade, por meio da criação de
possibilidades objetivas. É ferramenta de pactuação social pela via da governança multinível.
E embora tal ferramenta, circunscrita no arcabouço do desenvolvimento sustentável, não seja
isenta de críticas, há que se considerar o processo de cinquenta anos de discussões e elaborações
em esforços coordenados pela ONU e com participação também de países periféricos, com
destaque para as conferências organizadas no Brasil, além de elementos de vertentes como a do
ecodesenvolvimento e do desenvolvimento territorial sustentável, que tiveram importante papel
na construção das estratégias.
Ainda, considerar a assertiva de que desenvolvimento regional é um termo cujos
conceitos estão permanentemente em disputa evoca uma limitação de pesquisa sob a ótica da
ciência tradicional positivista e, ao mesmo passo, elucida o caráter inexoravelmente político
das ciências sociais. De fato, a construção de análises científicas sob a ótica da literatura
generalista internacional da TDR, pode desconsiderar elementos de cunho regional, fato que
faz clamar pela consideração de autores incrustrados na realidade regional analisada. Por outro
lado, tais elementos não sinalizam a necessidade de exclusão da consideração de teorizações
internacionais, seja de países centrais ou periféricos.
Finalmente, é importante observar que a TDSS foi aprimorada por Guerreiro Ramos até
o início da década de 1980. Considerando as alterações da sociedade nessa trajetória e, mais
especificamente a preocupação com a questão das escalas nacionais e subnacionais nas TDRs,
seria válido propor como possibilidade de aprofundamento futuro, a tentativa de compreensão
de limitações e novas possibilidades diante de uma interrelação e interdependência cada vez
maior ocasionada pela pressão do capital diante da quase eliminação de fronteiras da
comunicação, no formato de globalização.
117

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124

3 PROESDE / DESENVOLVIMENTO FURB E ODM/ODS: POSSIBILIDADES


ENTRE A POLICY E A POLITICS.

3.1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho o desenvolvimento sustentável é compreendido como uma estratégia e


não como um campo teórico. Neste sentido, é razoável a busca de teorias que suportem a sua
concepção e implementação. Afinal, como a própria TDSS preconiza, não se espera que
indivíduos adiram à uma estratégia – qualquer que seja ela – sem a sua compreensão
aprofundada, de modo que possam agir com autonomia em suas escolhas e não simplesmente
seguindo correntes (RAMOS, 1989). E esta consistiu na pesquisa do primeiro capítulo.
Já este capítulo objetiva apresentar e discutir o processo de implementação da política
pública PROESDE na FURB, na medida da sua acomodação aos pressupostos teórico-
metodológicos construídos historicamente pelos grupos de pesquisa do PPGDR e de sua
contribuição para o desenvolvimento sustentável. Corresponde ao segundo objetivo específico
da tese, qual seja o de contextualizar a experiência do PROESDE / Desenvolvimento FURB -
no período de 2009 a 2019, enquanto política pública de abordagem multidimensional
possibilista de formação para o desenvolvimento regional.
Neste sentido, inicia-se explicando o percurso metodológico. Na sequência, faz-se a
descrição do PROESDE como política pública estadual, desde seus antecedentes até o ano de
2019. Segue-se um tópico extenso sobre o processo de implementação do programa na FURB,
cuja apresentação se divide em três eixos: eixo político-administrativo, eixo cognitivo e eixo
comunicacional e de práticas. A avaliação do programa pelos estudantes participantes também
é abordada e na sequência se realizam as considerações finais.

3.1.1 Percurso Metodológico

Trata-se de um capítulo descritivo-analítico. O percurso metodológico se deu na


tentativa de compreensão da implementação do PROESDE na FURB, em sua trajetória
processual. Ou seja, trata-se de um estudo de caso realizado com abordagem etnográfica e de
pesquisa-ação.
Mais detalhadamente, a pesquisa se inscreve no âmbito de um estudo de caso embasado
em: 1) fontes documentais de todo o período analisado neste capítulo (2009 a 2019); 2) na
pesquisa-ação realizada no período de 2017 a 2019; 3) como o período do estudo foi superior
125

ao período de vínculo para a pesquisa-ação, houve também um aporte significativo de outras


duas pesquisas realizadas com o apoio de projetos de iniciação científica relacionados ao
presente capítulo da tese.
As fontes documentais que foram obtidas tinham o formato de: Decretos e Portarias de
domínio público; Regulamentos estaduais do PROESDE; Projetos, Regulamentos e Relatórios
do PROESDE FURB; registros de memórias de reuniões (estaduais e da FURB); bem como
outros documentos de circulação interna relacionados ao programa.
A pesquisa-ação possibilitou o registro em diários de campo de observações
participantes realizadas em distintas e intensas atividades do programa por parte da
pesquisadora autora da tese, uma vez que acompanhou ativamente o planejamento, a execução
e o monitoramento de três edições do programa (2017, 2018 e 2019), tanto em nível estadual
como local (FURB).
Foi da pesquisa de iniciação científica intitulada “Agenda Global de Desenvolvimento
ODM/ODS: o protagonismo do Curso de Educação Tutorial em Desenvolvimento Regional
PROESDE FURB” (DE PAULA; MANTOVANELI JÚNIOR; PASCO, 2018) que se utilizou
as entrevistas que auxiliam as análises realizadas neste capítulo. O projeto realizou dez
entrevistas, com amostra intencional de dois membros das equipes de coordenação,
implementação e operacionalização de cada uma das edições do PROESDE / Desenvolvimento
FURB de 2009, 2013, 2014, 2015 e 2016 – totalizando dez entrevistados. A definição de quais
seriam os entrevistados ocorreu em deliberação conjunta com o Núcleo de Políticas Públicas
(NPP) da FURB e seguiu o critério de ampla participação no programa e possibilidade de acesso
aos contatos. Todas as entrevistas foram realizadas pela bolsista de iniciação científica, a partir
de roteiro semi-estruturado. Foram, ainda, gravadas e transcritas.13
Já da pesquisa de iniciação científica intitulada “A contribuição do PROESDE FURB
para o desenvolvimento sustentável: um estudo com os egressos das edições do programa de
2009 a 2016”, extraiu-se dados que foram integralmente apresentados no relatório de pesquisa
final, entregue em formato de artigo, que tratou da avaliação de percepções dos estudantes
egressos do PROESDE / Desenvolvimento FURB em edições que ocorreram entre os anos de
2009 e 2016. Os dados foram coletados a partir do seguinte processo: após o acesso às listas de
estudantes das edições do período, um questionário em formato de survey, com seis questões,
foi enviado por correio eletrônico via mala direta para um universo de 354 contatos realizados,

13
A opção pelo trabalho de análise de dados coletados em entrevistas, em específico, deu-se pelo potencial de
revelação dos encadeamentos políticos de difícil mensuração quando do uso exclusivo de outras fontes de dados
como as documentais e os questionários, utilizados em outros momentos do capítulo.
126

tendo obtido 126 retornos. As questões visavam avaliar as percepções dos estudantes acerca de
cinco principais eixos relacionados ao PROESDE /Desenvolvimento FURB: qualificação
crítica; interesse pela investigação científica e tripé ensino, pesquisa, extensão; interação com
o território local; desenvolvimento sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e; satisfação com o curso
e autoavaliação. (SILVA e MANTOVANELI JÚNIOR, 2018).

3.2 POLÍTICAS PÚBLICAS

A compreensão das políticas públicas deve iniciar pela consideração de que o termo
“política”, por definição, engloba pelo menos três sentidos, que podem ser compreendidos por
uma diferenciação semântica advinda do idioma inglês, a saber: Polity, Politics e Policy.
Segundo Frey (2000), a Polity está no campo da dimensão institucional, no que se refere à
ordem do sistema político em relação ao seu sistema jurídico. A Politics, por sua vez, está no
campo da dimensão processual e está na arena dos conflitos, da construção dos consensos e das
tomadas de decisão. A dimensão material da política é dada pela Policy, referida aos conteúdos
concretos e declaratórios das decisões políticas. Neste sentido, Silva Filho et al (2009) propõe
uma adaptação da explicação dos três sentidos de política do estudioso alemão Böhret et al para
as três dimensões, apresentando as questões básicas de cada uma delas. Tem-se, então, que a
Polity corresponde à dimensão “forma”, e seria manifestada pela Constituição, normas
adjacentes e instituições formais, sendo que sua função é de organização dos procedimentos
políticos. As pesquisas desta dimensão visam a responder questionamentos acerca de que forma
ou maneira a política é feita. Já a expressão Politics corresponde à dimensão processual,
manifesta-se na disputa e no conflito de interesses e sua função é de criação de consensos ou
imposição de poder, a depender do estilo político. Esta dimensão proporciona estudos que
visam a compreensão do processo por onde a política ocorre ou ocorreu. A última dimensão é
a de conteúdo, expressada pelo termo Policy. A função desta dimensão é a orientação e
realização de atividades para a solução de problemas. Trata-se dos programas e planos políticos
que se conhece por políticas públicas propriamente ditas, e que fazem a esfera política dar conta
dos interesses da sociedade. Tal dimensão se concentra em compreender o conteúdo da política.
Importa, ainda, salientar que todas as dimensões se interrelacionam de forma dinâmica,
não existindo uma sequência lógica entre elas, embora alguns autores norte americanos e
europeus desenvolvam suas análises políticas considerando uma maior solidez institucional
127

vinculada à dimensão Polity, de onde decorrem as demais dimensões – fato que não ocorre em
países periféricos cujas institucionalidades nem sempre se encontram tão maduras.
Superada a distinção e considerada a correlação íntima das dimensões, vale ressaltar que
as políticas públicas se ocupam da solução de problemas públicos, definidos por Secchi (2010,
p. 125), em um esforço de objetivação, como “a diferença entre o que é e aquilo que se gostaria
que fosse a realidade pública”. A própria leitura do que vem a ser um problema público é,
portanto, um processo político. Isto porque o requisito fundamental da ideia de “público” é que
se refira à uma coletividade. Contudo nem tudo o que é coletivo tem chances reais de ser
promovido a um problema cujas políticas públicas se empenhem em solucionar.
O campo de estudo das políticas públicas é de origem norte americana, com contribuições
europeias, e elabora uma série de abordagens tanto para a análise quanto para a prática das
políticas públicas. Neste sentido, Dye (2009) apresenta uma variedade de modelos de análise
de políticas públicas, mas salienta que nenhum modelo é capaz de dar conta da totalidade de
informações que poderiam ser analisadas em uma política pública, ou seja, trata-se apenas de
recortes para sistematização da realidade. Ainda, dois ou mais modelos podem ser utilizados
em conjunto, reunindo elementos parciais ou completos de um e de outros.
Assim, Secchi (2010) apresenta o policy cycle, ou ciclo de política pública como a
abordagem que baliza o maior número de análises de políticas públicas da literatura
internacional e que, por muitas vezes, é replicado no contexto brasileiro. Não há problemas no
uso dessa abordagem, desde que consideradas as suas limitações e realizado o devido esforço
de adaptação ao contexto estudado. Desta forma, o modelo de Ciclo de Política Pública é
apresentado por Dye (2009) como modelo de processo, onde as políticas públicas são
entendidas sob a ótica de processos político-administrativos sequenciais: 1) identificar
problemas; 2) montar agenda para deliberação (selecionar os problemas a ser foco de políticas);
3) formular propostas de políticas; 4) legitimar políticas (selecionar a proposta, conquistar apoio
político, transformar em lei); 5) implementar políticas (organizar burocracias); 6) avaliar as
políticas e propor ajustes. Para o autor, o modelo permite estudar como as decisões são tomadas,
mas não quem se beneficia ou não delas, tampouco pode ser avaliado seu conteúdo – embora o
modelo possa trazer dar pistas. Na literatura encontram-se variações dos termos de cada fase,
mas em geral a lógica sequencial permanece a mesma. Para Secchi (2010), na mesma linha,
apesar do modelo encontrar limitações de análise e adaptações de conteúdo, ele é válido na
medida em que permite alguma sistematização de fases interdependentes da política pública em
questão, englobando a totalidade temporal desde seu nascimento até a extinção, caso ocorra.
128

Mas como há dimensões das quais o modelo não dá conta, o autor sugere sua utilização em
conjunto com outras análises.
Frey (2000) observa que o modelo de Ciclo de Políticas Públicas comumente é
acompanhado da abordagem institucionalista e que isso faz algum sentido em sociedades cuja
democracia tem seu processo mais consolidado pela força das instituições formais, ainda que a
democracia permaneça em constante construção e aperfeiçoamento. Contudo, para o autor, o
institucionalismo é pouco aplicável para realidades onde a democracia ainda está em processo
de consolidação, algo que é frequente em países considerados periféricos. Em outras palavras,
o institucionalismo é um modelo estrangeiro que não dá conta da realidade de países periféricos,
para os quais há necessidade de uma depuração e adaptação. E neste sentido, o autor
compreende que o neoinstitucionalismo pode contribuir para análises mais coerentes de
políticas públicas nesses espaços. Aqui, cabe observar que tais proposições vão na mesma linha
do método de redução sociológica de Guerreiro Ramos (RAMOS, 1996), que defende a
necessidade de superar a transposição automática da literatura estrangeira, como se pudesse ser
validada para qualquer contexto simplesmente por conta de seu reconhecimento como oriunda
de países cujos arquétipos são considerados desenvolvidos.
O neoinstitucionalismo surge na década de 1980, pretendendo contrapor-se a outros
modelos existentes pautados no comportamentalismo e no pluralismo, cujas funções seriam a
de equalizar interesses segundo a lógica de mercado. Neste sentido, as contribuições deste
modelo de análise podem ser compreendidas em duas fases: 1) inicialmente com uma vasta
contribuição da teoria marxista, defende o Estado como indutor das políticas públicas (State-
centered) desconsiderando que é a ação do Estado que muitas vezes conforma as classes e suas
lutas, possuindo acesso privilegiado a informações e o monopólio da força física; 2) com
avanços na defesa da polity-centered analysis, reposicionando o papel do Estado como parte da
sociedade que influencia ela ao passo que também pode ser influenciado por ela. Assim,
Quatro princípios podem ser destacados nessa revisão: a efetividade do Estado
não depende apenas de seu ‘insulamento’, mas de como se dá sua inserção na
sociedade; a necessidade de enfocar não apenas governos centrais, mas
também os níveis de governo periféricos; a força do Estado e dos agentes
sociais são contingentes a situações históricas concretas; e, finalmente, a
relação Estado/sociedade não compõe um jogo de soma zero, implicando a
possibilidade de que compartilhem os mesmos objetivos.” (ROCHA, 2005, p.
16).

Assim, o neoinstitucionalismo “tematiza os pressupostos político-institucionais dos


processos de decisão política […], salienta a existência de regras gerais e entendimento
fundamentais que prevalecem em cada sociedade e que exerceriam uma influência decisiva
129

sobre as interpretações e o próprio agir das pessoas” (FREY, 2000, p. 232). Ou seja, identifica,
de certo modo, qual a racionalidade por trás dos atos político-administrativos. Isso acarreta uma
conceituação alargada das instituições, considerando inclusive aquelas não reconhecidas, tais
como um conjunto de significados e práticas compartilhados - as identidades, em que os atores
políticos e sociais agem no campo político também de acordo com suas identidades pessoais,
enquanto cidadãos, políticos, servidores etc. na busca por estratégias que lhes parecem
apropriadas. Tal constatação conecta a abordagem neoinstitucional ao pluralismo, porquanto
interessada em explicar casos concretos (empíricos) e presentes. Ao acrescentar o papel das
instituições e das ideias nos processos políticos para análise de um ciclo amplo das políticas
públicas, traduz-se em um modelo de base empírica que não tem condições de generalização,
ou seja, seus resultados traduzem uma visão fragmentada da realidade (ROCHA, 2005).
As nuances comportamentais indicadas no modelo de análise do neoinstitucionalismo no
bojo de uma reconceituação das instituições desembocam na constatação de que a Politics opera
até mesmo no processo de implementação. Isto porque 1) ainda que haja um esforço de
regulamentação das atividades por parte dos tomadores de decisão na fase da formulação de
políticas públicas, estes não dominam a totalidade de informações e de alternativas possíveis, e
que somente serão descobertas durante a fase de implementação; 2) os implementadores são
também agentes tomadores de decisão, na medida em que há um espaço de autonomia durante
o processo de implementação da política pública que lhes permite pautar suas ações em
referenciais próprios. No limite, a implementação modifica o conteúdo original das políticas
públicas. (ARRETCHE, 2001).
Portanto, o entendimento das políticas públicas passa pela compreensão de que elas
emergem de contextos sociais e não é possível compreendê-las em sua complexidade a partir
do chamado positivismo lógico. É assim que Ball (2004) observa que o ressurgimento da teoria
política ocorre com maior força a partir de meados de 1970, quando o comportamentalismo -
também denunciado por Ramos (1989) – entra em declínio e há espaço para a teorização política
a partir do “mundo real” e não como resultado de algum nível restrito de abstração teórica. O
que o autor argumenta é que há espaço e se deve teorizar a prática e, assim advoga em favor da
compreensão da política em conjunto reflexivo entre o arcabouço teórico pré-existente e um
esforço crítico que se dá à luz da prática.
É desta forma que este capítulo se traduz em um esforço de compreensão do que foi
realizado dentro do espaço de autonomia entre os objetivos e métodos idealizados pela
Secretaria de Estado da Educação (SED) de Santa Catarina para a política pública denominada
130

PROESDE, e o que foi implementado na FURB, no período de 2009 a 2019, no âmbito da


coordenação do PPGDR.

3.3 ANTECEDENTES DO PROESDE

O PROESDE é uma política pública estadual de Santa Catarina. Foi criada durante o
processo de descentralização administrativa promovido no primeiro governo de Luiz Henrique
da Silveira, ocorrido a partir de 1º de janeiro de 2003, no compasso de disseminação de duas
correntes de desenvolvimento que, em certa medida podem ser consideradas complementares,
a saber: o desenvolvimento local e o desenvolvimento sustentável.
Como abordado nos capítulos anteriores, tais correntes de desenvolvimento emergiram no
mundo a partir das décadas 1970 e 1980 como alternativa a um modelo de desenvolvimento
excessivamente pautado na lógica econômica. A tônica foi de inserção de outras dimensões na
condução e avaliação dos processos de desenvolvimento. Contudo, a intencionalidade dessas
novas dimensões variou e ainda varia: ora o sentido atribuído ao desenvolvimento local e ao
desenvolvimento sustentável os traduz como mecanismos para obtenção de melhores
indicadores econômicos; ora a preocupação reside em, através desses modelos, obter melhores
condições de vida humana no mundo globalizado, considerando a economia uma ferramenta
para alcance de objetivos sociais e ambientais. Ainda, tais modelos de desenvolvimento foram
criados no contexto de aprofundamento das políticas neoliberais no Brasil, onde funções de
planejamento tradicionalmente atribuídas às instituições públicas foram sendo gradativamente
deslocadas para a Sociedade Civil14, de modo que processos de reorganização territorial
ganhavam corpo no formato de governança.
Neste contexto mundial e tomando por base experiências internacionais, notadamente
europeias, o governo de Luiz Henrique da Silveira colocou em curso a política de
descentralização administrativa do estado de Santa Catarina, com a criação de Secretarias de
Desenvolvimento Regional (SDRs). Mas o contexto mundial não é o único disparador do
processo. Silva (2017) observa que as SDRs foram criadas respeitando parcialmente a
configuração de associações de municípios do estado, que são entidades cujo surgimento
remonta a década de 1960, com o intuito de reunir governos e Sociedade Civil no debate e
planejamento de ações de desenvolvimento. Assim, com um rearranjo da configuração

14
Segundo Souto-Maior (2012), a esfera do Mercado também está alocada na Sociedade Civil.
131

territorial política, o governador estabeleceu inicialmente 29 SDRs, em uma mescla de


estratégias que (1) respeitou as 21 associações de municípios existentes no momento da criação
das SDRs e; (2) distribuiu poder ao acomodar lideranças que apoiaram a eleição do governador.
Posteriormente, em 2007, foram estabelecidas 36 SDRs.
Theis e Mantovaneli Junior (2019) observam que o planejamento governamental
arquitetado desde a eleição de Luiz Henrique da Silveira, de certo modo e em que pese ter
havido boas intenções, instalou uma cadeia de poder estatal em regiões que antes se
organizavam a partir de sistemas de planejamento botton-up, notadamente por meio da
Federação Catarinense de Municípios, dos Consórcios Intermunicipais e dos Comitês de Bacias
Hidrográficas. Contudo, o novo poder instalado sufocou o planejamento realmente participativo
que antes era conduzido com protagonismo da Sociedade Civil Organizada – o que indicaria,
segundo os autores, que sequer se pode considerar que tal planejamento tenha sido, de fato,
regional.
E este é o contexto de criação do PROESDE, inserido no arcabouço da Constituição do
Estado de Santa Catarina, no Artigo 170, cuja redação determina que “O Estado prestará
anualmente, na forma da lei complementar, assistência financeira aos alunos matriculados nas
instituições de educação superior legalmente habilitadas a funcionar no Estado de Santa
Catarina.” (SANTA CATARINA, 1947, alterado pela Emenda Constitucional n. 15/1999).
As justificativas formais para criação do PROESDE, por sua vez, dão conta dos objetivos
de (1) promoção e contribuição do Estado para o desenvolvimento regional através do ensino,
pesquisa e extensão nas Universidades e; (2) formação de agentes de desenvolvimento regional
que atuem em conjunto com as recém-criadas SDRs. Em outras palavras, a segunda justificativa
pode ser compreendida como a formação de quadros humanos qualificados para o modelo de
descentralização administrativa, que inseria instâncias de tomadas de decisão com a
participação da Sociedade Civil nas proposições de solução de problemas e promoção do
desenvolvimento.
Ocorre que o PROESDE não foi criado somente em função de sua justificativa formal ou
para cumprir o objetivo expresso. Segundo Schafaschek (2008), as tratativas para a criação do
Programa iniciaram com um pronunciamento do governador Luiz Henrique da Silveira para
lideranças políticas, empresariais e educacionais, em 20 de janeiro de 2003, na sede da SDR de
Chapecó. O clima político daquele momento na região oeste era de expectativa pela sinalização
do governador, com a criação das SDRs, de que haveria melhor distribuição de recursos e de
acesso ao poder entre as regiões do estado. Havia um precedente descontentamento da região
oeste com os governos estaduais, ao ponto de lideranças locais chegarem a articular, desde a
132

década de 1960, um movimento de separação da região do estado de Santa Catarina e a criação


de um estado novo, junto com parte do Paraná, que seria denominado “Iguaçú”15.

3.4 CARACTERIZAÇÃO DO PROESDE COMO POLÍTICA PÚBLICA ESTADUAL

Este tópico é destinado a descrever e analisar o regramento proveniente da SED, tanto


aquele formalizado em decretos e portarias, como as correspondências orientativas do
programa, nas quais estão inclusas as memórias de reuniões.
França (2018) observa que o PROESDE iniciou sua primeira fase em Santa Catarina no
ano de 2004, e apresenta ainda duas fases posteriores de ampliação, assim como elementos
político-administrativos correspondentes. A primeira edição envolveu três Instituições de
Ensino Superior – IES: Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó,
Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc e Universidade do Contestado – UnC,
situadas nas regiões oeste e meio oeste de Santa Catarina. A segunda fase inicia em 2006,
incluindo instituições em direção ao litoral do estado. São agregadas mais sete instituições nesta
fase, totalizando dez. Corresponde a esta fase a consolidação do programa como política pública
complementar ao processo de descentralização administrativa, e um volume financeiro
significativamente maior passou a ser investido. As IES agregadas aqui são Centro
Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI, Centro Universitário
de Jaraguá do Sul – UNERJ, Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Fundação
Educacional Hansa Hammonia – FEHH, Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE,
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL vinculada à SDR de Florianópolis,
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC.
A terceira fase ocorre a partir de 2009, com a distribuição de recursos mais concorrida entre
as instituições e a inclusão de outras quatro IES: Universidade do Valei do Itajaí – UNIVALI,

15
O movimento separatista que defendia a emancipação política das regiões oeste de Santa Catarina e sudoeste
do Paraná do estado do Iguacú tem seus antecedentes no Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943 que
criou o “Território do Iguaçú, no âmbito do Governo de Getúlio Vargas e sob a justificativa de ampliar a defesa
de fronteiras do país. Após extinto o referido decreto, uma parte da população se organizou, principalmente a
partir da década de 1960, para reivindicar tanto uma maior atenção na distribuição de recursos (sobretudo de
infraestrutura) para a região, como a criação do estado novo em uma reorganização político administrativa –
neste quesito as alusões eram feitas ao sentimento de liberdade desejado pela população e às possibilidades de
progresso decorrentes da autonomia da região planejar e implementar seu próprio desenvolvimento. (LOPES,
2004). As reivindicações criaram um certo sistema de calibragem de pressões políticas, dos quais uma das
consequências práticas foi a influência na implementação da primeira experiência do PROESDE. O movimento
continua atuante, ora com maior, ora com menor intensidade. Vide https://www.estadodoiguacu.com.br/.
133

Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC, Universidade do Sul de Santa Catarina,


vinculada à SDR de Tubarão, e a FURB.
Um levantamento de todas as normas institucionais relacionadas ao PROESDE foi
realizado e é apresentado no Quadro 7.
134

Quadro 7 - Regulamentação do PROESDE desde a criação (2015 até 2019)


Gestão Estadual Gestão da FURB
1
Data Norma Resumo (Governo)2 (Reitoria)3
Institui o Programa de Educação Superior para Desenvolvimento Regional,
vincula-o à Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia e às
Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional, estabelece o objetivo de
"objetivo contribuir para o desenvolvimento regional, e consiste num conjunto
de atividades de ensino, pesquisa e extensão, voltadas para o desenvolvimento
DECRETO No sócio-econômico das áreas de abrangência das Secretarias de Luiz Henrique da Egon José
25-07-05 3.334 Desenvolvimento Regional." Silveira Schramm
Regulamenta a concessão de bolsas de estudo do Programa no âmbito do Art.
170 da Constituição Estadual; estabelece o número de vagas em 40 por SDR
(que posteriormente seria alterado) para o ano de 2013; estabelece a seleção de
cursos de graduação prioritários (mínimo de 4 e máximo de 8); define critérios
de participação dos estudantes (I. Residir na área de abrangência de uma das
Secretarias de Desenvolvimento Regional no mínimo há dois anos; II. Ter
concluído o Ensino Médio em Escola Pública; III. Ser sorteado entre os alunos
inscritos para o PROESDE); define o valor de subsídio de bolsa aos alunos:
"A SED subsidiará 70% do valor da mensalidade do curso de graduação do
aluno selecionado para o PROESDE; § 2º A SED subsidiará 100% do valor do
Curso de Extensão em Desenvolvimento Regional, com 100 (cem) horas
semestrais. O valor mensal de cada Bolsa do Curso de Extensão em
PORTARIA Desenvolvimento Regional, corresponderá ao valor de no máximo meio João Raimundo João Natel Pollonio
07-11-12 N/021/SED salário mínimo vigente no mês de dezembro de 2012." Colombo Machado

É uma portaria muito similar à anterior (021/2012) nas definições com


exceção que estabelece apenas o número de cursos de graduação mínimo em
quatro; estabelece critério adicional de seleção de alunos com o segundo
semestre de graduação concluído e não ser concluinte no ano em que cursa o
PROESDE; vincula o número de vagas ao orçamento da Educação
PORTARIA N/ correspondente ao ano de execução. Esta mesma portaria regulamenta as João Raimundo João Natel Pollonio
17-12-13 47/SED/2013 turmas de 2014 e 2015. Colombo Machado
135

Portaria similar à anterior (47/2013), com exceção que insere mais um critério
PORTARIA de seleção de estudantes: "estudantes que ainda não tenham participado do João Raimundo João Natel Pollonio
29-04-15 N/11/SED/2015 curso de extensão PROESDE". Colombo Machado
Cria, no âmbito do Decreto 3334/2015, o Programa de Educação Superior
para o
Desenvolvimento Regional/Licenciatura (insere, portanto, a Licenciatura no
Programa), definindo-o como "conjunto de atividades de ensino, pesquisa e
extensão voltados à formação de profissionais da educação, capazes de
intervir e contribuir na melhoria da qualidade da educação básica, por meio da
organização curricular, mediante a articulação entre sua formação acadêmica,
nos cursos de licenciatura, e atividades desenvolvidas nas unidades escolares
(UEs) públicas de educação básica no âmbito da Proposta Curricular da
PORTARIA Educação Básica do Estado de Santa Catarina", com regulamento próprio e João Raimundo João Natel Pollonio
17-06-15 N/19/SED/2015 Comitê Gestor. Colombo Machado
Revoga a Portaria 11/2015,; define as condições de operacionalização do
PROESDE / Desenvolvimento; substitui a nomenclatura de SDR para ADR -
Agências de Desenvolvimento Regional, na tônica da reforma administrativa
do novo governo; altera um dos critérios de seleção de estudantes para ter
concluído pelo menos um semestre do curso de graduação e não ser concluinte
no ano em que estiver matriculado no PROESDE, mantendo os demais
requisitos da Portaria 11/2015, inclusive o de não ter participado
Portaria anteriormente do Programa. Além disso, condiciona os valores destinados ao João Raimundo João Natel Pollonio
s/data 269/2017 benefício do PROESDE ao critério de IDH. Colombo Machado
Portaria João Raimundo João Natel Pollonio
15-03-17 448/2017 Revoga novamente a Portaria 11/2015; mas o texto é idêntico à 269/2017. Colombo Machado

Institui o Comitê Gestor do PROESDE, com participação da Pró-Reitoria de


Ensino da FURB, com seis representantes da SED e cinco representantes das
Portaria IES, com a função de definir a "implementação, operacionalização e avaliação João Raimundo João Natel Pollonio
24-04-17 931/2017 do Programa" Colombo Machado
136

Revoga as Portarias 19/2015, 448/2014; estabelece que o PROSDE seja


ofertado em duas áres estratégicas: (1) Desenvolvimento socioeconômico das
áreas de abrangência das ADR e (2) formação de professores para a educação
básica; estabelece que define que o PROESDE será disciplinado por
regulamentos específicos; estabelece o subsídio de 70% do valor da
mensalidade do curso de graduação (PROESDE / Desenvolvimento) e 100% do
curso de licenciatura (PROESDE / Licenciatura), mantendo o financiamento de
100% do valor do curso de extensão relativo ao programa; estabelece que o
Portaria valor do curso de extensão será definido pelo Comitê Gestor, presidido pela João Raimundo João Natel Pollonio
s/data 3155/2017 SED. Colombo Machado

Estabelece os representantes do Comitê Gestor do PROESDE: cinco membros


Portaria da SED, cinco membros das IES, e um membro em que não consta a Carlos Moisés da João Natel Pollonio
04-10-18 2497/2018 organização representada. A FURB mantém a representação. Silva Machado

Estabelece os representantes do Comitê Gestor do PROESDE: seis membros


da SED, cinco membros das IES. A FURB mantém a representação;
estabelece que o Comitê será presidido pelo Diretor de Políticas e Carlos Moisés da Marcia Cristina
14-03-19 339/2019 Planejamento Educacional da SED. Silva Sardá Espindola
Fontes: (1) UNIEDU - SED; (2) Secretaria Executiva da Casa Militar; (3) FURB.
137

O que se observa, portanto, é um movimento de modificações do programa em relação aos


seus objetivos iniciais, acompanhando as mudanças de governo na gestão estadual, assim como
as reformas administrativas.
Inicialmente pode-se notar que o programa foi formalmente criado pelo Decreto
3334/2005, mas seu início efetivo nas instituições do oeste do Estado foi anterior, em 2004.
Contudo, o referido decreto não especificava nenhum tipo de prioridade para aquela região,
embora o programa já estivesse sendo executado lá. O objetivo declarado era de “contribuir
para o desenvolvimento regional”, consistindo em “um conjunto de atividades de ensino,
pesquisa e extensão, voltadas para o desenvolvimento sócio-econômico das áreas de
abrangência das Secretarias de Desenvolvimento Regional." Não há menção no documento
quanto ao formato do programa, carga horária, organização curricular, cronograma ou seleção
de alunos. Apesar disso, tais elementos provavelmente já se encontravam estabelecidos, quando
da publicação do decreto, em função das primeiras experiências.
A FURB, quando ingressou no programa em 2009, teve que incorporar as determinações
provenientes da SED por meio de correspondências diretas, já que o decreto é amplo e não
detalha o funcionamento. O formato do programa, então, era de um curso sequencial16, com
carga horária de 630 horas e organização curricular ampla e abrangente, com valorização das
disciplinas de Práticas Integradas em Desenvolvimento Regional e a Implementação e Gestão
de Projetos de Desenvolvimento que, juntas, somaram 240 horas ou 38% da carga horária total
do curso, o que denota que atividades práticas teriam um peso significativo para o curso, já que
corresponderiam a quase metade da carga horária.
O ementário em conjunto com referências bibliográficas, documento também de orientação
proveniente da SED, foi o que enquadrou melhor a visão de desenvolvimento que o Governo
do Estado pretendia com o programa. Neste sentido, o apanhado de conteúdos pretendido é
variado entre as disciplinas e dentro das disciplinas. Como exemplos, pode-se citar uma das
primeiras disciplinas ofertadas, a de Desenvolvimento Regional, que incluiu conteúdos da visão
sistêmica de desenvolvimento, salientando a diferenciação entre desenvolvimento e
crescimento, assim como as temáticas do desenvolvimento sustentável e do
ecodesenvolvimento. Amartya Sen, Celso Furtado e Ignacy Sachs compõem a lista de autores.

16
Os cursos sequenciais são programas de estudos concebidos por Instituições de Educação Superior
devidamente credenciadas pelo MEC para atender a objetivos formativos definidos, individuais ou coletivos,
oferecidos a estudantes regularmente matriculados em curso de graduação, a graduados ou àqueles que já
iniciaram curso de graduação, mesmo não tendo chegado a concluí-lo”. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2017). O curso não possui característica de graduação, tampouco de extensão.
138

Por outro lado, a disciplina de Introdução à Economia valorizou os conteúdos relacionados à


estrutura e funcionamento do mercado. Já a disciplina de História e Geografia Regional foi
focada no oeste de Santa Catarina, provavelmente em função da falta de atualização do
ementário, por ocasião da expansão do programa. A disciplina de Gestão de Redes teve foco na
governança empresarial e a disciplina Planejamento Estratégico Participativo englobou o
planejamento empresarial e o planejamento público.
A organização das disciplinas práticas denotou um movimento progressivo de
aprimoramento, em que a primeira oferta foi da disciplina de Práticas Integradas em
Desenvolvimento Regional I, que se concentrou na apresentação da ação social para o
desenvolvimento, utilizando como caso de sucesso a experiência internacional dos Distritos
Italianos. No grau seguinte (II), os alunos foram motivados a discutirem sobre experiências
nacionais de desenvolvimento, para na próxima etapa (III) realizarem visitas in loco em
algumas experiências. O nível IV pretendeu instrumentalizar os alunos para as noções de
pesquisa, normatização acadêmica, projeto e relatório de pesquisa. Era também esperado que
nesta última fase os estudantes elaborassem um pré-projeto de pesquisa ou de extensão. No
nível V o projeto deveria ser socializado e aprimorado. Finalmente, a disciplina de
Implementação e Gestão de Projetos de Desenvolvimento seria o espaço de desenvolvimento
do projeto, o que equivaleria ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Portanto, não era
esperado pela SED que os projetos criados pelos alunos resultassem em efetivo esforço de
implementação, ainda que o nome da disciplina assim sugerisse.
O documento posterior que integra o regramento do programa é a Portaria 021/2012,
emitida sob a gestão de um novo governo estadual. O documento dá um salto no conteúdo
formalizado da política pública PROESDE, uma vez que regulamenta o funcionamento do
programa a partir de 2013. Este também é um momento de transição, em que a referida portaria
estabelece o formato de curso de extensão de 200 horas (100 horas semestrais) para o programa.
Também especifica critérios de seleção dos estudantes, a saber: I. Residir na área de
abrangência de uma das Secretarias de Desenvolvimento Regional no mínimo há dois anos; II.
Ter concluído o Ensino Médio em Escola Pública; III. Ser sorteado entre os alunos inscritos
para o PROESDE. Além disso, delimita valores destinados ao programa e expõe outras
determinações menos relevantes para o estudo.
Novamente não há menção sobre a organização curricular, mas ela pode ser extraída pela
troca de correspondências entre a SED e as IES. Desta forma, a nova organização curricular,
determinada a partir da mudança de formato e carga horária do programa em 2013, é uma
adaptação da organização curricular anterior, visto que precisaria haver um ajuste significativo
139

no número de disciplinas ofertadas e nas respectivas cargas horárias, considerando que o tempo
de cada edição do programa havia sido suprimido para um pouco menos de 1/3 do formato
anterior. Contudo, não foi possível acessar indicativo de ementário e referências bibliográficas
para a edição. É possível que isso ocorra porque as IES passaram a ter maior autonomia na
abordagem dos conteúdos.
Concomitantemente à estabilidade do governo de João Raimundo Colombo, as portarias
posteriores vão incrementando regramentos sem grandes alterações no processo de
implementação da política, a exceção de que inserem critérios de seleção de estudantes para o
programa e outros detalhes de financiamento. A organização curricular até 2019 também se
mantém muito similar à edição de 2013, acrescentando e ajustando pequenos pontos como a
possibilidade de oferta parcial de disciplinas à distância, mas sem reconsiderar um ementário
padronizado para todas as IES que participavam do programa.
Em 2015 João Raimundo Colombo é reeleito para um novo mandato e reassume o
governo com pouca transição de equipes. Mas aqui há um marco significativo para o programa,
no contexto de resposta a uma campanha do governador eleito, marcadamente propositiva para
a área da educação básica. Com uma manobra confusa a Portaria 019/2015 cria o PROESDE /
Licenciatura no âmbito do mesmo decreto de criação do PROESDE (Decreto 3334/2005).
Segundo a referida portaria, o PROESDE / Licenciatura consistiria em um "conjunto de
atividades de ensino, pesquisa e extensão voltados à formação de profissionais da educação,
capazes de intervir e contribuir na melhoria da qualidade da educação básica, por meio da
organização curricular, mediante a articulação entre sua formação acadêmica, nos cursos de
licenciatura, e atividades desenvolvidas nas unidades escolares (UEs) públicas de educação
básica no âmbito da Proposta Curricular da Educação Básica do Estado de Santa Catarina", com
regulamento próprio e Comitê Gestor. A criação do PROESDE / Licenciatura, contudo, não
extingue formalmente o modelo anterior voltado para o desenvolvimento regional.
As Portarias seguintes, 269/2015 e 446/2015 são documentos idênticos e asseguram a
permanência do programa que possuía objetivos relacionados diretamente ao desenvolvimento
regional, e que viria a ser denominado PROESDE / Desenvolvimento. Logo, a partir de então,
o mesmo PROESDE criado pelo Decreto 3334/2005 é subdividido em dois grupos: o
PROESDE / Licenciatura e o PROESDE / Desenvolvimento, com diferentes objetivos,
inclusive. Além disso, as Portarias 269/2015 e 446/2015 alteram a nomenclatura de SDRs para
140

ADRs17 (Agências de Desenvolvimento Regional), como adequação à nova reforma


administrativa que estava em curso e extinguia as SDRs.
Posteriormente, a Portaria 931/2017 instituiu um Comitê Gestor também para o
PROESDE / Desenvolvimento, com a participação de representantes da SED, em maior
número, e de representantes das IES, em menor número, ficando o grupo sob a presidência da
SED18. O referido Comitê Gestor passa a ser incumbido de formalizar as discussões e
orientações que antes provinham da SED sem uma instância formalizada.
Já a Portaria 3155/2017 organiza de forma mais clara a existência de dois subprogramas
no escopo do PROESDE criado pelo Decreto 3334/2005. Ela denomina os subprogramas de
áreas estratégicas e estabelece que o PROESDE será ofertado (1) como área estratégica do
desenvolvimento socioeconômico das áreas de abrangência das ADRs e (2) como área
estratégica para formação de professores para a educação básica. Além disso, estabelece que o
PROESDE será disciplinado por regulamentos específicos, dando margem para a atuação do
Comitê Gestor.
O mesmo documento ainda estabelece o financiamento do programa, determina o
subsídio de 70% do valor da mensalidade do curso de graduação (PROESDE /
Desenvolvimento) e 100% do curso de licenciatura (PROESDE / Licenciatura), e estabelece o
financiamento de 100% do valor do curso de extensão relativo ao programa. No que tange aos
recursos repassados às IES para a execução do programa, a Portaria estabelece que será definido
pelo Comitê Gestor, presidido pela SED, ampliando o espaço de negociações.
Apesar da diferenciação do programa em duas áreas estratégicas, as orientações da SED
discutidas e acatadas no Comitê Gestor, passariam a ser, desde 2018, no sentido de que ambos
os programas gerassem produtos (TCCs) que envolvessem a área da educação, notadamente as
discussões de criação e implementação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No
caso do PROESDE / Desenvolvimento, o foco deveria ser no novo ensino médio, e o lócus de
realização das disciplinas de Práticas deveria privilegiar as escolas estaduais em processo de
implementação do referido novo ensino médio. Enquanto isso, o PROESDE / Licenciatura se
encarregaria das discussões acerca da nova BNCC no ensino fundamental. Ainda, deveria haver
nas IES um esforço de coordenação de trabalhos conjuntos entre PROESDE / Desenvolvimento
e PROESDE / Licenciatura, apesar dos objetivos e das orientações relacionadas à organização
curricular serem sensivelmente distintos.

17
O Decreto nº 3/2019, após a ascensão de novo governo estadual, também extinguiria em definitivo as ADRs.
18
Um Comitê já havia sido instituído anteriormente para o PROESDE / Licenciatura, no momento da criação do
subprograma.
141

As duas portarias seguintes já seriam lançadas no âmbito de um novo governo estadual,


de Carlos Moisés da Silva, e estariam limitadas a adequar os membros do Comitê Gestor de
acordo com as trocas de equipes nas IES e na SED, uma vez que nominavam os representantes.
Novas e significativas alterações no programa viriam com regulamentação posterior a 2019,
período não abrangido pelo presente estudo.
Finalmente, o que se pode depreender é que o conteúdo analisado da política pública
PROESDE corrobora a observação de França (2018), de que o PROESDE praticamente já nasce
como uma política pública de Estado. Mas que, contudo, tem significativas brechas para
modificações ao longo dos anos que, inclusive, acarretaram transformações dos objetivos
iniciais. Como a norma de criação do programa é sucinta e não houve nenhuma regulamentação
posterior mais estável para além de portarias, novos arranjos frutos de novas negociações
políticas foram sendo acomodadas no programa. Neste sentido, as entrevistas que França (2018)
apresenta em sua tese apontam que durante todo o ciclo da política pública PROESDE houve
conversas e tratativas entre a SED, a ACAFE e as IES envolvidas no programa, sendo estas
negociações fundamentais para a construção de consensos em torno da concepção das
estratégias de implementação do programa, que desembocaram tanto na sua regulamentação
institucional - apresentada no Quadro 7 , quanto nas determinações de caráter orientativo
provenientes da SED.

3.5 PROESDE / DESENVOLVIMENTO FURB

Como apresentado, a FURB recebe o PROESDE em sua terceira fase de expansão estadual,
em 2009, com as pré-determinações do Decreto 3334/2005 e outros orientativos relacionados à
organização curricular e ementário, provenientes da SED, construídos a partir das experiências
anteriores com outras IES do estado de Santa Catarina. Neste sentido, a partir deste momento,
apresentam-se resultados de pesquisa em formato descritivo-analítico, assumindo quatro eixos
de análise, a saber: 1) eixo político-administrativo; 2) eixo cognitivo e; 3) eixo comunicacional
e de práticas; 4) avaliação por parte dos estudantes do programa - especificamente
relacionando-os aos movimentos internos da FURB em relação ao PROESDE.

3.5.1 Eixo político-administrativo

O eixo político-administrativo faz referência aos aspectos processuais de implementação


da política pública, fortemente referidos às disputas e construção de consensos entre os agentes
142

internos da FURB, bem como aqueles agentes relacionados às tomadas de decisões para
construção de estratégias de gestão e implementação do programa.

Acolhimento do PROESDE na FURB

A chegada do programa na FURB não é fruto do acaso ou de um processo de expansão do


PROESDE que tivesse sido pensado anteriormente. Neste sentido, quando questionado sobre
se identificava diferentes fases de implementação do programa na FURB, o Entrevistado 1
observou que a primeira fase antecede a chegada propriamente dita do programa na instituição.

Tem uma primeira etapa, que acho que foi essa de sensibilização mesmo, de
busca de convencimento de que a gente merece, digamos, essa atenção do
governo do estado, enfim… Então essa primeira etapa acho que é decisiva
para a gente chegar no recurso. E o que marca essa etapa é o fato de que a
gente se dá as mãos com outras IES do estado de Santa Catarina. (Entrevistado
1).

Já na FURB, o PROESDE foi inicialmente vinculado à Escola de Educação Continuada –


EDECON, setor administrativo responsável pelos cursos sequenciais ofertados na universidade
à época. Com seu corpo administrativo-burocrático, a EDECON coordenava o curso e realizava
a gestão de recursos do programa. Contudo, precisava recorrer à expertise do PPGDR como um
prestador de serviços que fornecia o corpo docente. Um dos entrevistados explica que

[…] a gente tinha, no início, uma situação de que o PROESDE tava solto pela
Universidade, ele estava na EDECON, e lá eles até consultavam o pessoal do
PPGDR porque era quem de fato e de direito para fornecer professores. Mas
daí […] o Proesde caia num fluxo, não de um ciclo virtuoso, porque era só
cumprir tabela, era mais uma coisa dentro da FURB. Era assim que eles
tratavam. (Entrevistado 4).

Havia latente também uma forte disputa interna, na FURB, pela gestão dos recursos que
entrariam pelo financiamento do governo do estado ao programa. Essa disputa não deve ficar
em segundo plano na análise política pois ela é relevante para compreender os desdobramentos
posteriores. Neste sentido, o Entrevistado 1 observa que

Quando entra na FURB, aí nós temos uma outra etapa que acho que é uma
etapa muito importante, de, bom, o que fazer com essa grana, pra onde
orientar, quem que vai gerir esse troço, quem sabe o que fazer com isso. E,
evidentemente, apesar do programa ter um certo design, um certo desenho
143

mais ou menos pronto, foi preciso construir isso internamente.


(ENTREVISTADO 1).

Do lado do PPGDR, além de sua equipe ter tido um papel fundamental na viabilização
do PROESDE na FURB pelas articulações na fase de sensibilização, pesavam credenciais
técnicas e de outras articulações políticas no âmbito das SDRs, para que assumisse a gestão do
programa. Foram diversas justificativas: 1) o PPGDR era um programa, à época, com quase
uma década de história trabalhando no stricto sensu da universidade com o campo do
desenvolvimento regional e produzindo conhecimento; 2) possuía grupos de pesquisa
consolidados; 3) possuía boa avaliação na CAPES (Conceito 5) e já visualizava a autorização
para a oferta do curso de doutorado que viria a ser aprovado em 2011; 4) tinha um histórico de
atuação em pesquisa e extensão em relação às SDRs e com a comunidade regional,
principalmente no âmbito do programa de extensão denominado Observatório do
Desenvolvimento Regional19. Portanto, o PPGDR figurava como o principal lócus de
conhecimento e práticas em desenvolvimento regional dentro da FURB. E é neste sentido que
logo o PPGDR logra a autonomia de coordenação do curso, que possibilitaria as delimitações
pedagógicas do programa, bem como o relacionamento direto com as SDRs e comunidade,
além da gestão dos recursos que chegariam à universidade. Um dos entrevistados observa que
E aí eu acho que a gente entra legal, porque tem as autoridades internas que
vão, digamos, ter ideias sobre isso, mas quem acaba lidando com o assunto
éramos nós, então… Eu digo nós o PPGDR, nós que temos inclusive pesquisa
empírica sobre a questão regional no Vale do Itajaí. Então a gente se habilitou
a, por assim dizer, contribuir na gestão desses recursos, e dar uma destinação
mais nobre […], de dar uma direção para os recursos e de como implementar
também. (ENTREVISTADO 1).

Mas esse processo de acomodação do PROESDE no PPGDR não é simples, tampouco


rápido, conforme parece sugerir o trecho do Entrevistado 1. De um lado, a própria FURB
passava por processos de reformas administrativas internas, que desembocaram, entre outros
atos, na revisão do seu Estatuto. Por outro lado, o Decreto 3334/2005 e a própria tônica do
campo do conhecimento denominado desenvolvimento regional, evocavam um forte apelo da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão – o chamado tripé universitário.

19
Conforme o projeto 722/2010 do sistema de extensão da FURB, o Observatório do Desenvolvimento Regional
é um programa de extensão iniciado em 2006, que objetiva “contribuir para o desenvolvimento sustentável de
Blumenau e de sua região” e consistia em um conjunto de atividades de sistematização de dados relacionados
regionais de desenvolvimento. O programa havia sido criado em continuidade ao Projeto Meu Lugar, encerrado
em 2005, que se tratava de uma parceria entre a FURB, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), e o governo estadual.
144

Porém, ocorre que as estruturas burocráticas são tradicionalmente consolidadas em


departamentos separados nas IES. Por exemplo, na FURB à época, a reorganização
administrativa havia recém delimitado: 1) a diminuição do número de Pró-Reitorias de cinco
para três, a saber: Pró-Reitoria de Administração; Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e
Extensão; Pró-Reitoria de Ensino de Graduação; 2) a fusão de três institutos que realizavam
pesquisas e serviços à comunidade em um único, denominado Instituto de Serviço, Pesquisa e
Extensão, como um órgão suplementar. Portanto, além de um ambiente político intenso em
torno das movimentações da reforma administrativa que teve motivações diversas, persiste um
enquadramento de atividades em uma ou outra Pró-Reitoria e nos órgãos suplementares. Isso
sem tomar em consideração a existência de uma série de departamentos vinculados a cada uma
destas estruturas administrativas.
Neste sentido, a lógica administrativa gerencial que é revertida na burocracia, demonstra
dificuldades de integração do tripé universitário, cuja institucionalização é dada muito mais por
conversas, negociações e criação de instrumentos informais, do que pelo conteúdo do
regramento formal geral. De modo que há um componente de acordos tácitos para a
operacionalização do tripé universitário, quando este efetivamente ocorre. O seguinte trecho do
Entrevistado 4 dá a tônica desse funcionamento:
[…] a gente tinha daí que prestar contas para a EDECON, depois a gente lutou
para ele [PROESDE] ir para a Pró-Reitoria de Ensino e depois ele foi para a
Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão, como é inclusive o determinado pelo
próprio Governo de Estado, já que ele [PROESDE] se caracteriza como curso
de extensão. Eu lembro até que quando nós assumimos a coordenação […]
todo mundo pegava e ficava um pouco e aí largava, era um peso. E aí […]
esse espaço foi sendo dado pro PPGDR, pela Reitoria, pela Pró-Reitoria de
Administração, pelo Vice-Reitor, e a coisa começou a acontecer e começou a
tomar consistência. E aí a gente começou a ter muito mais, com um orçamento
na mão e com a possibilidade de gerenciar efetivamente o curso, a gente
conseguiu começar a fazer as atividades que o PROESDE exigia, viagens,
saídas de campo em cidades que não eram só na universidade como
inicialmente. Apesar de no início ele ser um curso de educação continuada,
um curso sequencial que ele durava três anos, depois que ele passou a ser de
um ano só. Talvez seja possível falar que hoje o PROESDE institucionalmente
falando, ele tem mais consistência do que naquela época dos três anos.
(ENTREVISTADO 4).

Por outro lado, há atores inseridos nessa burocracia que entendem que deveriam ter espaço
de participação mais ativa em função de suas condições mesmas de contribuição para a
formatação do PROESDE, mas que entretanto, não se sentiram incluídos no processo para além
das tarefas instrumentais. Conforme observa o Entrevistado 6
145

Logo que saiu nós tínhamos toda uma parte de articulação, isso se dava mais
com os dois colegas que trabalhavam lá no desenvolvimento regional, que
trabalhavam mais articulados ao PROESDE. E algumas questões de trabalho
burocrático ficavam na DAEX. Por exemplo, o edital era construído pelo
Apoio a Extensão mas sempre coletivamente. O sorteio também foi feito
coletivamente. Depois, diante disso, o programa fez propriamente. Mas toda
a lógica do dia-a-dia mesmo de programa, de gerar lista de presença, de
professores, de colocar tudo no sistema da SED que é um trabalho muito chato
de fazer, tudo isso ficou na DAEX. Então digamos assim os outros ficavam
para lá, se é que me entende. (ENTREVISTADO 6).

Na prática, o equilíbrio entre as instâncias da universidade e atores de participação ativa no


processo para além das tarefas instrumentais é, portanto, dinâmico e sem uma receita rígida.
Isso porque depende de quem detém momentaneamente o poder decisório na conduta dentro
do espaço político e de suas respectivas avaliações contingenciais de relacionamento, que
estipulam quem será incluído ou excluído do processo, elementos que são de difícil mensuração
no cotidiano interno da instituição. Neste sentido, o Entrevistado 5 faz uma crítica à relação do
PROESDE com a política de extensão da universidade. Ele entende que o diálogo com outros
setores da universidade foi enfraquecendo ao longo da trajetória do programa e se fechando nas
ciências humanas. Segundo o entrevistado, é por esta razão que é possível que o programa seja
mais bem avaliado pelos participantes e envolvidos nessas áreas.

[…] ele [o PROESDE] não pode ser uma condição só de bolsa, o aluno precisa
visualizar a importância dele como uma forma de ação paralela. Eu acho que
no começo tinha isso, mas eu penso que se perdeu um pouco, mas a
universidade tem a sua responsabilidade de como ela trabalhou isso dentro da
política de extensão de uma forma geral. Eu penso que não foi trabalhado da
maneira como deveria, principalmente nas áreas para além das ciências
humanas. (ENTREVISTADO 5).

A estratégia ODM e ODS no PROESDE / Desenvolvimento FURB

Uma vez recepcionado pelo NPP e NPDR, e já no decorrer da primeira edição, seria natural
situar o programa na área de concentração do próprio PPGDR, qual seja “Desenvolvimento
Regional Sustentável”.
A trajetória de admissão do desenvolvimento sustentável como estratégia mundial é longa
e remonta à criação de organismos internacionais nos períodos pós-guerras da primeira metade
do século XX. Em um contexto de globalização emergente e de idealização da paz mundial,
nasce a Organização das Nações Unidas (ONU) como instituição interestatal, em 1945, tendo
como instrumento a Carta das Nações, assinada por 51 países representantes, dentre os quais o
146

Brasil figurava (FAUSTINO, 2018). O Brasil, aliás, teve papel preponderante nas discussões
que desembocam no Relatório de Brundtland (CMMAD, 1987). A importância do país no
cenário mundial das discussões relativas aos chamados limites do desenvolvimento vai
aumentando ao longo dos anos, principalmente após a Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Desenvolvimento, chamada de Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra, realizada
no Brasil no ano de 1992.
Assim, a primeira grande agenda de desenvolvimento sustentável foi lançada justamente
na Rio-92. Foi denominada Agenda 21, com 40 capítulos que visavam sintetizar as demandas
prementes do momento histórico que se vivia globalmente, principalmente no que tangia à
inserção de demandas das dimensões ambiental e social nos debates sobre os rumos do
desenvolvimento em nível mundial. A referida agenda continha, ainda, objetivos e orientações
para o alcance do desenvolvimento sustentável.
É paradoxal que a agenda tenha sido construída e conquistado a simpatia dos países
membros da ONU em pleno contexto de avanço neoliberal dos anos da década de 1990. Mas o
fato é que a agenda demonstrava a preocupação com o financiamento do desenvolvimento
sustentável em países considerados menos desenvolvidos e com a instituição de processos
participativos para a construção de soluções com amplo ancoramento nas realidades locais e
regionais, em conexão com a realidade global (MANTOVANELI JÚNIOR e HASKEL, 2007).
Com os aprendizados desta agenda e incluindo novas demandas da Sociedade Civil, como
as questões de gênero, por exemplo, é criada no de 2000 e no âmbito da Declaração do Milênio,
um conjunto com oito objetivos que deveriam ser atingidos até 2015, com foco em acabar com
a pobreza no mundo. Trata-se dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM),
acompanhados de um conjunto de 21 metas, sendo que a criação de indicadores é dependente
de um processo de enraizamento de tais metas, alavancado pelos poderes públicos nacionais e
municipais. Os ODM acabaram por representar um avanço no sentido de contribuir para ações
práticas e mensuráveis, diferentemente das trajetórias mais declaratórias e comuns das esferas
diplomáticas (COIMBRA NETO; MANTOVANELI JÚNIOR; SILVA, 2015).
Os ODM ingressaram com força política no Brasil, no contexto de um período de expansão
de investimentos em políticas sociais, de modo que algumas das metas acabaram sendo mais
ousadas dos que as originais propostas pela ONU. Com um conjunto de fatores favoráveis como
a ampla mobilização de estados e municípios, e a liderança da esfera pública federal com
incentivos de controle de indicadores para o alcance das metas e, ainda, com significativa
147

pactuação da Sociedade Civil (aqui incluídas empresas20), os avanços do Brasil colocaram o


país novamente como protagonista das discussões futuras que desembocariam nos Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em vigor desde 2016 (SANDRI; MANTOVANELI
JÚNIOR; FAUSTINO, 2019).
É neste contexto de forte disseminação e mobilização, no Brasil, em torno da Declaração
do Milênio, que o PROESDE da FURB admite os ODM como eixo transversal do curso de
extensão, declaradamente a partir do ano de 2014 (Projeto SIPEX 670/2014). A mobilização
interna na FURB vem por meio do Projeto Meu Lugar que, por sua vez, originou o Observatório
do Desenvolvimento Regional no âmbito de uma parceria com o PNUD e o governo do Estado
de Santa Catarina. O Entrevistado 7 traz à tona o processo, explicando que na edição de 2013 a
disciplina de Indicadores de Desenvolvimento, que integrava a organização curricular do
programa, foi toda ministrada com base nos indicadores relacionados aos ODM. Ato contínuo,
houve a reflexão junto à coordenação, e o consenso de que seria uma importante estratégia
pedagógica e política para o PROESDE FURB. O mesmo entrevistado observa que esse
processo foi também marcado por conflitos de ideias.
Os ODM e ODS estão vinculados a ONU e infelizmente muita coisa que está
vinculada a ONU as pessoas torcem o nariz, o que é um equívoco. Temos que
discutir e portanto criticar, mas você tem que tomar um pouco de cuidado. A
gente não pode esquecer, por exemplo, que os direitos humanos estão
vinculados a ONU, tem coisas importantíssimas da UNESCO e da UNICEF
que se você descaracterizar a gente perde um pouco de orientação em questão
de humanidade, acho que algumas coisas já estão acertadas, não cabe mais
discutir isso. Então até o grande grupo entender é ainda uma dificuldade, eles
falam “pô, vão falar de ODS falar dessas coisas”, o pessoal fala que é uma
política neoliberal, mas nós temos que tentar ser práticos. Nós trabalhamos
com sistema de indicadores, esse sistema de indicadores são gerados pelo
INPE, pelo IBGE, pelo ministério de meio ambiente, pelo próprio Sigad.
Então nós temos dados oficiais que constitui isso, então nós fazemos uma
análise da realidade a partir desses dados. Agora o projeto oferecido, sugerido
é nosso, a gente não trabalha com nada pronto. (ENTREVISTADO 7).

Já a transição dos ODM para os ODS ocorreram de forma um pouco diferente da construção
da Declaração do Milênio. Em âmbito mundial, os ODS já tiveram um espaço maior de
discussões que foram travadas em conferências realizadas desde 2012, na Rio+20, até 2015,
ocasião em que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável foi aprovada e instituiu os
ODS. O Brasil, pelos resultados alcançados anteriormente nos ODM, teve novamente certo
protagonismo. Desta vez, estabeleceu-se dezessete objetivos e 169 metas. O foco se ampliou,
sobretudo com a cobrança maior da participação de países desenvolvidos no financiamento de

20
Ver SOUTO-MAIOR, 2012.
148

ações de países em desenvolvimento, mas os direitos humanos e o combate à erradicação da


pobreza permaneceram no centro das proposições.
Tanto os ODM e ODS, como a eleição de tais objetivos como eixo transversal do
PROESDE na FURB, podem ser percebidos à luz da construção das possibilidades objetivas
(RAMOS, 2009). O termo teórico já foi explorado no primeiro capítulo. Aqui cabe compreender
que a construção de possibilidades objetivas é tarefa de equilíbrio de formulações sob a
orientação multidimensional e por isso, coaduna com a perspectiva do desenvolvimento
sustentável. Nesse mesmo caminho e pelo seu formato normativo, tanto o desenvolvimento
sustentável como as possibilidades objetivas somente podem ser analisados à luz da prática
(RAMOS, 1983; RAMOS, 2009; SACHS, 1992). Em outras palavras, trata-se de tentativa, erro,
nova tentativa, em um ciclo infinito de avanços e retrocessos que caracterizam a chamada
sociedade em trânsito (FREIRE, 1967), quando se pretende a mudança de paradigmas, neste
caso, de desenvolvimento. Mantovaneli Júnior (2006) identifica esse esforço como a gestão do
habitus e ação, que na universidade toma a forma de uma quase fusão entre pedagogia e política.
Neste contexto, a construção de consensos é desejada de modo a permitir avanços na
trajetória experimental da proposta. Contudo, há que se advertir que consensos necessitam de
acomodação de interesses de diferentes atores e coletivos que integram os processos. Neste
sentido, é possível admitir as críticas aos ODM/ODS e mesmo assim fazer uso deles como
instrumento pedagógico e político para o PROESDE na FURB, conforme sinalizou o
Entrevistado 7, ao relatar as críticas sofridas pela defesa da Declaração do Milênio, por ocasião
da sua adoção no programa.

Enfraquecimento institucional externo (SED) e interno (FURB) do PROESDE /


Desenvolvimento FURB e aprofundamento da proposta metodológica diferencial

A primeira edição do PROESDE gerou expectativas de continuidade e ampliação do


programa na FURB. Por outro lado, o ano de 2010 trouxe uma troca de comando no Governo
do Estado de Santa Catarina, ainda que o sucessor de Luiz Henrique da Silveira tivesse
perspectiva de continuidade política de seu antecessor. Novo governo, novos atores políticos
na arena e novas formas de condução das políticas públicas estaduais.
Nesse contexto, já a partir da segunda edição do PROESDE na FURB é iniciada uma
trajetória de diminuição do número de vagas e, consequentemente, do volume de recursos, que
o governo do estado disponibiliza para a instituição. Esse movimento tem pequenas oscilações
149

ao longo do período de 2009 a 2019, contudo, uma avaliação geral detecta que ele é decrescente,
o que foge das expectativas iniciais acerca do programa, conforme apresentado no Gráfico 10.

Gráfico 10 – Evolução do número de discentes do PROESDE /


Desenvolvimento FURB no período de 2009 a 2019

Fonte: Elaborado pela Autora com base em documentos


internos do PROESDE (2022)

Este declínio pode estar relacionado à importância que o governo do estado e a própria
SED atribuíram ao programa ao longo do período que aqui se denomina declínio, em função da
redução de vagas, e consequentemente, da redução de recursos disponibilizados pela SED ao
PROESDE / Desenvolvimento FURB, mas isto é algo que configura uma hipótese que não pode
ser comprovada na presente pesquisa.
Por outro lado, é possível identificar dois momentos, ou mais especificamente, dois
regramentos lançados pela SED que acarretaram a distribuição de menores números de vagas e
recursos para o PROESDE / Desenvolvimento FURB, em relação à primeira edição. Em
primeiro lugar e como já mencionado, em 2015 a SED cria o PROESDE / Licenciatura, por
meio da Portaria 19/2015, que não traz nenhuma resolução sobre a continuidade ou
descontinuidade do PROESDE com seus objetivos originais. Para a FURB, trata-se de um
espaço de incertezas quanto às perspectivas do PROESDE em sua relação com o PPGDR. E de
fato, o PROESDE / Licenciatura é logo abrigado na Pró-Reitoria de Ensino da FURB e no
Centro de Ciências da Educação (CCE), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE), praticamente anulando o espectro de ação do PPGDR naquele momento. O
Entrevistado 4 faz a retrospectiva deste momento:
150

Quando surgiu o PROESDE / Licenciatura, que inclusive tinha sido demanda


minha em reuniões do Governo do Estado, eu dizia: eu não estou me sentindo
confortável em cortar o pessoal das licenciaturas, aí eu falei porque a gente
não ampliar isso para os cursos de licenciatura, mas aí eles disseram que tem
bolsas específicas para a licenciatura. Aí eu falei que o desenvolvimento
regional também precisa do pessoal da licenciatura, e aí isso começou a ser
discutido. Toda reunião ao longo desses anos todos eu falava sobre isso, e aí
um terreno fértil da necessidade de se fazer uma reformulação de matriz
curricular acabou surgindo o PROESDE / Licenciatura. […] Então se cria uma
outra estrutura de PROESDE, se cria um outro ambiente que parece estar
totalmente deslocado disso. […] a intenção do desenvolvimento Regional é
ser o articulador de vários saberes. Se a gente for olhar a maioria dos cursos
de licenciatura estão baseados no próprio CCHC, que é quem ampara também
o próprio PPGDR. Então não faz sentido eu criar, por mais que seja a ênfase
na educação, criar um curso de desenvolvimento regional, de PROESDE /
Licenciatura na educação. Agora o que a gente podia fazer, aproveitar todo o
fluxo administrativo e de conhecimento se tem de todo esse processo no
âmbito do PPGDR, do desenvolvimento regional e ele articular com as várias
áreas da universidade que tem a prerrogativa de discutir sobre. Por que é
evidente que criando um PROESDE / Licenciatura, nós não íamos dizer o
seguinte; “não é o Desenvolvimento Regional e o PPGDR que tem o domínio
do fato”. A gente sabe que ia precisar usar outras áreas da Universidade, pedir
auxílio para ter efetividade nessa atividade do PROESDE / Licenciatura mas
não, se criou uma outra estrutura, uma coisa separada do que já existia.

E vai além, pois analisa que tecnicamente vincular o desenvolvimento regional a uma área
específica solapa o próprio desenvolvimento regional enquanto modelo multidimensional.
o desenvolvimento regional, ele é o articulador de vários saberes, porque na
medida em que a gente começa a fragmentar e mudar para áreas diferentes da
Universidade, a gente continua fazendo mais do mesmo. Ora, se eu estou
falando que eu quero envolvimento diferente, que eu espero um
desenvolvimento diferente eu não estou dizendo que eu vou basear o
desenvolvimento na sociologia ou em outras atividades. O que eu estou
dizendo é que eu tenho desenvolvimento regional, que ele tem que gerar
recurso, que ele tem que gerar formação, que ele tem que gerar atividade
econômica, mas ele tem que gerar a inclusão, ele tem que gerar a diminuição
da desigualdade social e tem que gerar sustentabilidade ambiental.
(ENTREVISTADO 4)

O Entrevistado 3 também dá a tônica desse período que denomina de “vácuo”, por não
conseguir identificar as perspectivas futuras do programa diretamente relacionado à temática
do desenvolvimento regional:
[…] a gente foi inúmeras vezes a Florianópolis, na secretaria de educação. Até
no momento em que estava cortado o próprio PROESDE, a gente foi pra lá,
pra tentar manter o programa num futuro próximo. E isso o próprio […] diretor
de educação superior na secretaria de educação reconheceu a presença da
FURB, naquele momento em que tava um vácuo no PROESDE, na fala dele
em alguns eventos. (ENTREVISTADO 3).
151

Desta forma, os esforços de pressão da FURB e de outras IES, conforme atestou o


Entrevistado 1, asseguraram novas turmas nos anos seguintes para a FURB, do que viria a ser
denominado PROESDE / Desenvolvimento, e melhor contextualizado na Portaria 3155/2017,
que cria duas áreas estratégicas para o programa: PROESDE / Licenciatura e PROESDE /
Desenvolvimento, permanecendo o segundo sob a coordenação do PPGDR, mas recebendo um
número cada vez mais reduzido de vagas, visto que a prioridade da destinação dos recursos da
SED havia passado para o PROESDE / Licenciatura.
Em seguida, a Portaria 269/2017 determina um cálculo de distribuição de recursos do
PROESDE / Desenvolvimento entre as IES participantes, que consiste em destinar 50% da
verba ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Regional e os outros 50% condicionados
ao número de alunos matriculados. Neste contexto, é válido observar que a região de atuação
da FURB comporta um nível de IDH relativamente elevado em relação a outras regiões do
Estado. Contudo, o uso do indicador como critério de distribuição de recursos, esconde
realidades de desigualdades inter-regionais. Além disso, o segundo critério colocou a FURB
em condições de dificuldade pelo somatório de alunos matriculados em EAD que outras
instituições possuíam enquanto a FURB ainda não avançava na modalidade.
O resultado destes dois fatores, como visto no Gráfico 10, foi uma queda significativa no
número de vagas disponibilizadas em 2017 e 2018, sendo somente parcialmente recuperado na
oferta de duas edições em 2019, já sob a condução de um novo governo estadual.
Sete dos nove entrevistados relatam algo no sentido de que a perda de recursos em relação
à expectativa que havia sido criada anteriormente, pela primeira edição, trouxe dificuldades
para a operacionalização do programa. Alguns defendem que isso acarretou uma diminuição do
prestígio do programa dentro da instituição FURB e para o governo estadual. Por outro lado,
duas entrevistas sinalizam o entendimento de que a perda de prestígio ocorreu por dificuldades
do programa em comunicar sua expressividade. O Entrevistado 1 traz uma visão equilibrada
com relação ao que pode ter ocorrido:

Ao longo do tempo nós fomos perdendo fôlego. Fôlego não, nós nunca
perdemos fôlego, nós fomos perdendo, digamos […] a capacidade de
demonstrar que nós damos conta de outras coisas. Mas isso não dependia só
de nós… Os fatores internos e externos levaram a que, por exemplo, a gente
tivesse uma alternativa no uso desses recursos, que levou a outra dimensão
que é da licenciatura. […] Isso aí, evidentemente, levou a que
progressivamente a gente fosse perdendo recursos. Quero dizer quem já tinha
é… centenas de alunos por ano e de repente tem que lutar para poder viabilizar
algo como duas dezenas de… e ainda assim com muita dificuldade, tendo que
negociar o tempo todo. (ENTREVISTADO 1).
152

Os fatos que motivam a criação do PROESDE / Licenciatura, a quase extinção do


PROESDE em seu formato original e a inserção do IDH e número de alunos matriculados na
IES como critério de distribuição de recursos são de difícil compreensão pela complexidade de
atores envolvidos no processo. O Entrevistado 1 sugere que tenha havido uma decisão interna
à SED de destinar maior financiamento para a licenciatura em um contexto de discussões sobre
a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), onde havia a necessidade de uma espécie
de consultoria que os produtos demandados do PROESDE poderiam suprir. Sejam quais forem
as motivações, quatro dos nove entrevistados lembram que, neste processo, não foi levado em
consideração o que o PPGDR e a FURB estavam realizando em termos pedagógicos e a
inovação que estava se instalando na execução do programa. Mais do que isso, o Entrevistado
3 observa o que, na sua visão, foi uma inversão de valores. Ele avalia que a FURB, à época, era
a única IES que vinculava o programa ao Stricto Sensu específico em desenvolvimento regional,
sendo que esse fator de formação não foi levado em consideração no cálculo da distribuição das
vagas para estudantes.
A fala do Entrevistado 1 pode também sinalizar para uma outra dificuldade relatada por
outros entrevistados, que se refere a inconstância e falta de previsibilidade do número de alunos
e do recebimento de recursos a cada nova edição. Trata-se de elementos sempre dependentes
de uma extenuante negociação entre a FURB - com grande empenho do PPGDR - e a SED, e
que também trouxe dificuldades para o planejamento e execução do programa, tanto no campo
administrativo como pedagógico. O Entrevistado 10 observa que
[…] a gente sabe que todo ano é aquele parto, começa o ano e ainda não sabe
se vai ter os recursos, se vai ter, não sabe quantos [estudantes] são, fica difícil
para os coordenadores planejarem atividades. (ENTREVISTADO 10).

Ainda, dados extraídos por observação participante e que se referem ao período de 2017 e
2019, dão conta da existência de um esforço de criação de estratégias de interlocução entre a
equipe de coordenação do PROESDE / Desenvolvimento FURB e o corpo administrativo da
SED para assegurar a existência do programa e uma adequada alocação de recursos. Esse
esforço envolvia ao mesmo tempo a tentativa de valorização e explicitação da contribuição do
programa para o desenvolvimento regional, para o estudo do desenvolvimento regional e para
a formação dos estudantes de graduação.
No período especificado houve, pelo menos, oito idas da equipe de coordenação até a SED,
duas delas para participar das reuniões do Comitê Gestor, e as demais para participar das
reuniões de coordenação que a SED realizava para informar os encaminhamentos definidos
153

internamente e em conjunto com o Comitê Gestor. Nessas oportunidades, o que se verificava


era uma grande preocupação com o impulsionamento do PROESDE / Licenciatura nos
primeiros momentos. Apesar disso, a FURB deu duas significativas contribuições para as
orientações e funcionamento do curso em nível estadual: 1) ao relatar a experiência do trabalho
com os ODM e ODS como temas transversais, e 2) ao sugerir uma organização curricular mais
flexível, que ao invés de disciplinas, fosse disposta em três eixos, quais sejam,
Desenvolvimento Regional Sustentável; Educação, Cidadania e Desenvolvimento;
Empreendedorismo, Inovação e Políticas Públicas.
Já em outro momento, a partir de 2019 e quando houve a troca de governador e de equipe
político-administrativa na SED, havia por parte da nova equipe uma preocupação em
compreender o programa, ao passo que se tentava equalizar os planos de governo e a política
pública já existente. Este último momento relatado foi de tensão das IES quando, em conversas,
cogitava-se até mesmo a extinção do programa. Contudo, 2019 acabou surpreendendo pela
oferta de uma edição chamada “Turma Especial”, que condensou as 200 horas de curso em um
semestre e disponibilizou para a FURB 35 vagas adicionais (as quais devem ser somadas às 18
iniciais).

3.5.2 Eixo cognitivo

O eixo cognitivo faz referência aos aspectos pedagógicos do programa: à escolha,


implementação e consolidação da metodologia a partir de um espaço de autonomia que a
política pública PROESDE designava às IES para a criação de modelos próprios. Há pelo
menos dois grupos de atores pedagógicos envolvidos com o programa na FURB que foram
impactados pela metodologia: 1) os estudantes de graduação beneficiários do PROESDE e 2)
os estudantes de mestrado e doutorado do PPGDR, que exerceram a função de coordenação
executiva do programa e monitoria-tutoria. O primeiro grupo é o público-alvo original da
política estadual, e o segundo grupo é uma decisão de inclusão interna que potencializa os
resultados do programa.

Inovação e estranhamento – a implementação da educação tutorial como


metodologia do PROESDE

O sistema educacional nasce com a função de “ajustar os indivíduos às exigências de suas


respectivas sociedades.” (THEIS, 2013, p. 141). Por sua vez, a universidade atualmente se
154

constitui em um sub-sistema educacional com a função primordial de produzir, divulgar e


aplicar conhecimento científico. Há muitos problemas nessa relação entre o sistema
educacional e a ciência, mas aqui cabe ressaltar que a universidade foi criada a partir do modelo
cultural ocidental e se disseminou pelo mundo com base nessa mesma cultura (ALVARES,
2000, p. 40), que foi assimilando a racionalidade de mercado como prevalecente (RAMOS,
1989). Portanto, é necessário observar que o fenômeno universitário é um fenômeno também
político.
A trajetória de criação e implementação das universidades no Brasil, por sua vez, não pode
ser compreendida senão considerando a subordinação colonial do país à Portugal. Schwarcz e
Starling (2015) observam que a Coroa Portuguesa entendia não ser necessária a criação de
universidades no Brasil, visto que a elite – minoria em números – realizava sua educação
superior na Escola de Coimbra, importando a cultura daquele país ao retornar ao Brasil. Após
muita resistência, a educação superior é implantada no Brasil em 1808, com cursos na área da
Medicina. Mas é somente em 1915 que se determina a instituição da primeira universidade
brasileira a partir dos moldes europeus, que originaria a atual Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
A elaboração da Redução Sociológica (RAMOS, 1996) como um método faz essa crítica e
clama por um modelo próprio de produção do conhecimento no mesmo momento em que outras
importantes universidades são criadas no Brasil. Segue-se, a partir da década de 1950 e no bojo
de um período de acelerado estímulo ao desenvolvimento e redemocratização, instituições
como a Universidade de Brasília (UNB), cujo espírito democrático a nova tônica. Da mesma
forma, os movimentos estudantis capitaneados pela União Nacional dos Estudantes (UNE)
também se colocam presentes no debate. Contudo, em 1968 ocorre uma reforma das
universidades no país, no bojo do governo militar e com a consultoria de profissionais norte-
americanos. A reforma adota, dentre outras medidas, um modelo de universidade organizado
em distintos departamentos, seccionando o conhecimento aos moldes das universidades
americanas (MENEGHEL, 2001).
Ainda que tenha havido reformas posteriores propondo inclusive a regionalização das
universidades, essas instituições brasileiras até hoje lidam com dificuldades para superar tanto
a abordagem departamentalizada do conhecimento, quanto o seu isolamento fruto do
desinteresse acerca da realidade concreta que a circunda e da transplantação de modelos alheios
às características multidimensionais e espaciais. Tremblay (2011, p. 12) registra em artigo a
qualificação comumente utilizada por parte da sociedade para as universidades como “Torres
de Marfim”, que funcionam “à margem das turbulências da vida cotidiana”, a despeito da
155

inclusão da Extensão dentre suas funções. Ainda além, em muitos casos a extensão tem
característica de aplicação de conhecimento gerado dentro da universidade na sociedade,
considerando a instituição como se estivesse situada à parte dessa sociedade a qual ela deposita
o conhecimento, quando a extensão poderia ser ela mesma instrumento da construção do
conhecimento junto com os demais setores da sociedade.
Desta forma, quando o PROESDE / Desenvolvimento FURB é acomodado no PPGDR,
sua coordenação passa a integrar os grupos de pesquisa denominados Núcleo de Políticas
Públicas (NPP) e Núcleo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional (NPDR). Tais grupos
possuem, em seu rol histórico de atividades, estudos com consistentes problematizações acerca
do papel da universidade na sociedade e uma defesa pelo rompimento da “Torre de Marfim”,
ambos argumentos que resultaram em uma série de trabalhos de articulação e intervenção
social, além da publicação de artigos com esta defesa ao longo dos últimos anos. Neste
contexto, o próprio PROESDE / Desenvolvimento FURB se tornaria um laboratório avançado
de uma metodologia inovadora21, denominada educação tutorial. Conforme afirma o
Entrevistado 1, quando estimulado a falar sobre a educação tutorial do programa,
aí tem uma grande inovação, porque talvez ninguém na FURB, eu acho que
em nível de Santa Catarina, tinha uma ou outra iniciativa, mas acho que na
FURB ninguém teria condições de fazer o que nós fizemos. Em outras
palavras, nós tínhamos por trás de toda a iniciativa do PROESDE doutores de
um Programa de Pós-Graduação muito bem avaliado pela CAPES. E nós
vamos mobilizar os nossos orientandos, inicialmente de mestrado, lá nos
primórdios, e depois de doutorado também, [...] e nós vamos mobilizar esses
alunos de mestrado e doutorado para fazer com que aconteça esse programa
na realidade. Quer dizer, eles vão lecionar com a nossa supervisão, a nossa
tutoria, então a gente vai estar acompanhando tudo o que se passa. E,
evidentemente, esses alunos tão bem preparados porque eles tiveram aulas em
nível de pós-graduação. Então isso, eu entendo que é uma das grandes
inovações. Ninguém na FURB teria condições de fazer o que nós fizemos.

A educação tutorial é um conceito, como outros, polissêmico. Contudo, as inspirações para


a metodologia, no caso do PROESDE / Desenvolvimento FURB, vêm principalmente 1) das
concepções freireanas de metodologias pedagógicas voltadas para a liberdade e para a
construção da autonomia, onde se insere a formação da consciência crítica (FREIRE, 1967) e;
2) do Programa de Educação Tutorial (PET), política pública educacional de âmbito federal
(BRASIL, 2005).

21
Embora a concepção de educação tutorial não seja nova, sua aplicação ainda está limitada a contextos
específicos e não como metodologia norteadora dos processos pedagógicas nas universidades brasileiras. As
experiência mais conhecidas são realizadas no contexto do Programa de Educação Tutorial (PET), instituído pela
Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005 (BRASIL, 2005). A FURB possui um programa dentro dessa política
pública federal, denominado PET Biologia.
156

Embora não apareça uma definição clara nos documentos internos do programa, é possível
extrair uma série de elementos que balizam a noção de educação tutorial com base nas duas
experiências relatadas acima. De modo que os projetos inseridos no Sistema Integrado de
Pesquisa e Extensão (SIPEX) da universidade informam com uma passagem simples, entre
parênteses e após o termo, que a educação tutorial está referida ao tripé universitário do ensino,
pesquisa e extensão. O último projeto inserido, no período de análise proposto pelo estudo, faz
uma pequena menção ao PET federal, e dá conta de que o processo de educação tutorial do
PROESDE / Desenvolvimento FURB congrega
[…] um curso para graduandos, espaços de curricularização da graduação na
extensão, espaços de formação docente tutorial para mestrandos e
doutorandos do PPGDR e seus respectivos grupos de pesquisa oportunizando
a construção de propostas de investigação e/ou mudança social junto a
estruturas da sociedade que serão estudadas, visitadas e conhecidas pelos
participantes.

A educação tutorial começou a ser pensada como metodologia para o programa desde a
primeira edição. No entanto, o primeiro esforço de implementação da metodologia foi na
segunda edição, em 2013. Em 2014 o termo já aparecia nos projetos inseridos no SIPEX. No
caminho para chegar até esses registros, que foram impulsionados pelo setor de Extensão da
universidade, existiu um processo dialógico, como é característica do programa em todas as
esferas de atuação.
O Entrevistado 10 relata que durante o percurso da primeira turma, e ainda esperançosos
sobre a manutenção de recursos em níveis altos nas próximas edições, houve avaliações do
processo pedagógico que havia sido levado a cabo. Algumas conclusões foram no sentido de
que os TCCs deveriam ter alguma entrega para a sociedade que, no caso, foram instituídos
como projetos de intervenção. Já o Entrevistado 7 relata que a experiência na disciplina de
Indicadores de Desenvolvimento, onde se inseriu os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM), que logo viria a se configurar como eixo transversal do programa, foi fundamental para
pensar uma metodologia que valorizasse as práticas. Ainda, o Entrevistado 4 observa que havia
o desejo de integrar doutorado, mestrado e futuramente uma graduação em desenvolvimento
regional em um só campo de formação. E que neste sentido, a educação tutorial como projeto
futuro, poderia integrar toda a formação em desenvolvimento regional na FURB.
Na apresentação do Regulamento a política pública PROESDE / Desenvolvimento na
FURB assume o formato de projeto de extensão, que

[…] congrega ações de ensino, pesquisa e extensão estruturadas em projeto de


extensão que oferece um curso de extensão para os estudantes de graduação,
157

atividades tutoriais supervisionadas pelos coordenadores tutores, com a ação


de extensionistas pós-graduandos em desenvolvimento regional em com
propostas de investigação e/ou mudança social junto a estruturas da sociedade
que serão estudadas, visitadas e conhecidas pelos integrantes.

Os objetivos apresentados no documento procuram traduzir a intencionalidade do


programa na FURB, de formar estudantes de graduação para o desenvolvimento regional
socialmente enraizados, e proporcionando, por meio de seus estudantes em processo formativo,
o aprofundamento dos vínculos institucionais da FURB com a comunidade que a abriga. Nestes
termos, seu objetivo geral foi “formar agentes de desenvolvimento regional, oferecendo espaços
de curricularização da extensão junto à graduação, a pesquisa e a pós-graduação stricto sensu
da FURB”.
Para a realização deste propósito conta com três objetivos específicos:
a) oportunizar vivências e conteúdos teóricos capazes de qualificar
criticamente suas formações de origem, enquanto bacharelados, mestrandos
e/ou doutorandos;
b) procurar fomentar o interesse pela investigação científica por meio da
aproximação dos seus estudantes com o cotidiano do PPGDR (base do
PROESDE FURB) por meio de seus acadêmicos, grupos de pesquisa e
projetos em curso.
c) capacitar os alunos de graduação para a produção de projetos sociais com
enfoque nos ODS e aos pós-graduandos, por meio da experiência tutorial a
formação quadros de alto nível, como requer a CAPES, de acordo com as
políticas nacionais voltadas à Pós-Graduação stricto sensu.

Para além do campo intencional, o regulamento traz um roteiro processual, não linear e não
padronizado, para a atuação de toda a equipe envolvida com o programa, que é provavelmente
um dos pontos altos de toda a construção em torno da política pública PROESDE.

Os Círculos Tutoriais – inspiração e adaptação em exercício de Redução Sociológica

A metodologia de educação tutorial apresentada nos projetos e nos Regulamentos do Curso


de Extensão ofertado no âmbito do PROESDE / Desenvolvimento FURB é operacionalizada
por meio de Tutorias Vivenciais e Interventivas, que serão objeto de outro subtópico
relacionado às atividades práticas do programa, bem como dos chamados Círculos Tutoriais
que, segundo o Regulamento são classificados em
a) Círculos tutoriais de planejamento e avaliação das atividades propostas –
reúnem os integrantes dos grupos de pesquisa envolvidos com o cotidiano do
PROESDE e professores, sob a supervisão de dois tutores (docentes do
PPGDR) que realizam a supervisão geral, para preparar, implementar e avaliar
as atividades propostas com base no tema eixo escolhido e discuti-lo gerando
uma base comum de trabalho.
158

b) Círculos tutoriais de ensino (sala de aula supervisionada preferencialmente


com mais de um docente presente) voltados a dinâmicas teóricas que preparam
para a observação e vivências;
c) Círculos tutoriais de reflexão e discussão – implementados com convites a
especialistas em temas (eixo ou complementares) representativos, realização
de palestra convergente com os temas tratados em sala e nas vivências
realizadas.

Neste ponto é válido apreciar os elementos inspiradores da proposta, quais sejam, 1) os


Círculos de Conhecimento e Círculos de Diálogo do movimento paranaense Nós Podemos!
(MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, [201-]), pela
proximidade a partir do momento da escolha dos ODM (e depois, ODS) como eixo transversal
e; 2) os Círculos de Cultura freireanos (FREIRE, 1967).
Os Círculos de Diálogo foram uma das fases de uma experiência que se consolidou no
estado do Paraná, no âmbito no movimento nacional denominado Nós Podemos! para o alcance
dos ODM. A experiência foi coordenada pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná
(FIEP), representada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Consistia na
reunião de representantes de segmentos variados da sociedade, declaradamente de interesse: a
iniciativa privada – empresários e trabalhadores; sindicatos, federações e confederações de
empresários e trabalhadores; poder público das três esferas; sociedade civil (ONGs, associações
comunitárias e de classe, etc); comunidade acadêmica; poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário; além de igrejas. A Comunidade Acadêmica, representada pelas IES tinha amplitude
de participação, contudo esperava-se que constituíssem grupos específicos que pudessem
ofertar conhecimento de ponta produzido em suas instituições, no âmbito dos chamados
Círculos de Conhecimento que ofereciam suporte aos Círculos de Diálogo.
Conforme o Guia de Mobilização Nós Podemos! do Ministério do Orçamento,
Planejamento e Gestão ([201-]), os Círculos de Diálogo no âmbito do Movimento Nós
Podemos!, objetivam “a descoberta sistemática do que dá ‘vida’ a um sistema quando ele está
no seu estado mais eficaz e capaz, em termos humanos, ambientais e econômicos, mediante a
arte e a prática de fazer perguntas que reforcem a capacidade desse sistema de elevar seu
potencial positivo” (p. 15). Sua implementação envolvia uma complexa cadeia de atividades,
resguardando significativa importância ao processo de divulgação dos encontros. Assim, na
realização propriamente dita dos Círculos, ou seja nos encontros, orientava-se que pequenos
grupos, compostos da maior variedade possível de segmentos da sociedade, fossem reunidos
em torno de mesas redondas para a discussão de caminhos para o alcance dos ODM – cada
grupo um ODM. Havia um esquema bastante estruturado para a realização destes encontros, de
159

modo que os resultados alcançassem a proposição de planos de ação e o engajamento das


equipes de trabalho em torno da posterior implementação desses planos. O próprio formato
circular de disposição dos participantes era pensado em relação às possibilidades de construção
de vínculos entre estes.
Há algumas considerações importantes na compreensão de como a metodologia que
orientava os Círculos de Diálogo foi concebida e admitida pelo Movimento Nós Podemos!. Ela
foi embasada na chamada Investigação Apreciativa (IA), desenvolvida pela Universidade de
Cleveland, nos Estados Unidos, no âmbito dos estudos organizacionais e da psicologia positiva
da década de 1980. Há aqui uma contribuição de Shishito (2018), que traz em sua tese o
percurso que desembocou no estabelecimento de tal metodologia no Movimento Nós
Podemos!.
Descreve o pesquisador que, em 1997, a empresa Nutrimental, após passar por um período
de crise, contratou os serviços do criador da metodologia IA, para sua implementação na
empresa. Segue-se um período de bons resultados financeiros atribuídos ao uso do método.
Logo em seguida o proprietário da empresa assume a presidência da FIEP e propõe o uso da
metodologia para transformar a cultura organizacional da instituição. Quando a FIEP cria o
Movimento Nós Podemos! no Paraná, a metodologia é também aplicada neste âmbito, dando
origem aos Círculos de Diálogo.
Em outras palavras, o percurso da metodologia norte-americana emerge de estudos
organizacionais do comportamento, bastante incrustrados na chamada psicologia positiva, em
uma universidade dos Estados Unidos. Chega ao Brasil pela aplicação do modelo na iniciativa
privada, quando em seguida desloca-se para a FIEP e posteriormente para o Movimento Nós
Podemos Paraná!. Finalmente, a metodologia é adotada com respaldo do PNUD e da esfera
estatal federal para a articulação em torno do alcance dos ODM em território nacional.
Para além de relatos de sucesso da experiência com a realização de mais de 450 Círculos
de Diálogo, relacionados ao expressivo avanço do Brasil no alcance das metas dos ODM até
2015, Shishito (2018) traz à tona a crítica da metodologia no seu aspecto processual, que visava
tornar a participação uma ação produtiva, onde a padronização dos procedimentos teria operado
neste sentido. Em outras palavras, o pesquisador questiona os alcances da proposta quanto à
sua capacidade de problematizar e politizar as questões relativas ao desenvolvimento. Observa,
ainda, que havia um foco destinado à mobilização de agentes de transformação com vistas ao
alcance das metas pré-dispostas pelo acordo global da Agenda Global de Desenvolvimento,
onde a participação era tomada como convencimento de determinados setores. Inclusive, relata
o pesquisador, o termo “política pública” não podia sequer ser mencionado porque “virava um
160

Deus nos acuda!”, segundo uma de suas entrevistadas. Desta forma, o tema era frequentemente
desencorajado com a justificativa de manter o Movimento Nós Podemos! apartidário.
Os elementos históricos que dão forma às atividades propriamente ditas são de suma
importância para a compreensão das intencionalidades e daquilo que se idealiza como resultado
dessas atividades. E Ramos (1996), como justificativa para sua propositura da Redução
Sociológica como método22, adverte que o transplante acrítico de teorias e modelos estrangeiros
comumente transplanta, na mesma medida, racionalidades descontextualizadas das realidades
onde se tenta aplicá-las. Nesse sentido, é questionável também as estratégias administrativas de
cunho instrumental, quando utilizadas de forma apartada de análises e ações de cunho
substantivos (atitude parentética), portanto políticos. Já no que tange à produção do
conhecimento, atividade típica das IES que, por sua vez, são o lócus de implementação do
PROESDE, o autor clama pela construção de uma nova ciência social, pautada em uma forma
comprometida de análise da realidade.
Como já mencionado, a IA foi desenvolvida em uma universidade dos Estados Unidos da
América, na década de 1980, no bojo das descobertas relacionadas à psicologia positiva e dos
estudos organizacionais no mesmo país. Na obra “A Nova Ciência das Organizações”, Ramos
(1989) explicita como essa nova psicologia, por ele denominada de Síndrome
Comportamentalista, além de outros elementos, opera no cerne da sociedade e solapa as
capacidades de atitude parentética e da atividade política. Para sistematizar a afirmação, o autor
propõe dois distintos conceitos, a saber: 1) o comportamento e 2) a ação. O comportamento está
imbrincado na nova psicologia, e é a
uma forma de conduta que se baseia na racionalidade funcional, ou na
estimativa utilitária das consequências, uma capacidade - como assinalou
corretamente Hobbes – que o ser humano tem em comum com os outros
animais. Sua categoria mais importante é a conveniência. Em consequência, o
comportamento é desprovido de conteúdo ético de validade geral. É um tipo
de conduta mecanomórfica, ditada por imperativos exteriores. Pode ser
avaliado como funcional ou efetivo e inclui-se, completamente, num mundo
determinado apenas por causas eficientes. (RAMOS, 1989).

Já a ação é a contradição própria do comportamento, atributo


de um agente que delibera sobre as coisas porque está consciente de
suas finalidades intrínsecas. Pelo reconhecimento dessas finalidades, a
ação constitui uma forma ética de conduta. […] Assim, a ação baseia-
se na estimativa utilitária das consequências, quando muito, apenas por
acidente. (RAMOS, 1989).

22
Cabe relembrar que a Redução Sociológica proposta por Alberto Guerreiro Ramos é composta de três
sentidos: 1) como um método de depuração de teorias e modelos estrangeiros; 2) como uma atitude parentética,
capaz de realizar análises substantivas nos processos de tomada de decisão e; 3) como uma nova ciência social,
incrustrada nas diferentes realidades sociais onde opera (RAMOS, 1996).
161

A ação valoriza o próprio processo dialógico e não apenas o resultado. Ou seja, não reduz
a trajetória de construção das estratégias e planos de ação de desenvolvimento a um esforço
instrumental de produção de resultados, embora a instrumentalidade seja também necessária ao
processo. E é no esforço dialógico que se problematizam os resultados que se almejam ou que
estão sendo alcançados, em um percurso cujo valor está mais assentado na própria construção
da consciência crítica que balizará a atitude individual futura em torno de problemas coletivos.
O autor ainda adverte que a Síndrome Comportamentalista está associada à um esforço para
modelar a sociedade aos critérios de economicidade, o que suplanta a noção de
multidimensionalidade do desenvolvimento, tão cara ao conceito de desenvolvimento
sustentável.
Na esteira da distinção entre comportamento e ação, é válido retomar o conceito de atitude
parentética em contraposição ao do comportamento organizacional, proposto sob as
nomenclaturas Homem Parentético e Homem Organização (RAMOS, 1963). O Quadro 8
elabora um comparativo entre as duas formas de conduta, sendo a atitude parentética a almejada
para a proposição da abordagem multidimensional do desenvolvimento e, portanto,
componente também desejável sob o ponto de vista do sistema educacional para a formação da
consciência crítica. Aqui vale uma observação: os modelos de conduta propostos pelo autor tem
cunho individual, visto que a aquisição da consciência crítica é também um processo individual,
contudo, circunscrito na realidade que cerca tais indivíduos, sendo que os sistemas educacionais
podem facilitar processos cognitivos para um ou para outro espectro.
162

Quadro 8– Comparativo entre atitude parentética e comportamento organizacional


Atitude Parentética (Ação) Comportamento Organizacional
Tem propósito e integração na realidade social. Tem ajustamento, acomodação ou socialização a
partir do que se lhes apresenta.
É reflexivo, no sentido de interagir com as É responsivo, potencialmente influenciado por
informações, saberes e conhecimentos que lhe acontecimentos e domínios considerados
chegam e/ou que são buscadas. externos.
É possibilista, no sentido de que cada sujeito e Tende a ser fatalista, no sentido de que os rumos
cada sociedade tem potencial para realizar que se seguem são os únicos caminhos possíveis
escolhas e decisões com base em inúmeras que, por sua vez, já estão pré-determinados de
possibilidades concretas. forma externa ao indivíduo.
A motivação de conduta é de autoatualização de A motivação de conduta pode estar baseada em
potencialidades, relacionadas com o coletivo. ganhos individuais de mercado e/ou medo.
Tem coerência de trajetória, porque processos e Pode ter incoerência de trajetória, uma vez que há
valores estão internalizados e compartilhados. volatilidade de pensamento e conduta em função
de estímulos externos.
Tem foco no processo e seus aprendizados, sem Tem foco excessivo nos resultados.
descuidar das possibilidades de resultados.
Tem constante “tentativa e erro”, mas coerência Tem acerto ou erro, em escala primordialmente
valorativa nos processos. binária, correspondente a sucesso ou insucesso.
Ação ponderada que oscila entre a prescrição de Comportamento de detentores de emprego, de
normas e o espaço criativo da ausência de acordo com normas prescritas.
normas.
Fonte: Adaptado de Ramos (1963); Ramos (2009); Freire (1967)

Destarte e como citado anteriormente, além da inspiração nos Círculos de Diálogo, há no


PROESDE / Desenvolvimento FURB a inspiração na pedagogia freireana, sobretudo no
contexto das obras de Educação como prática da Liberdade (FREIRE, 1967) e Pedagogia da
autonomia (FREIRE, 2006), que são referenciais tradicionalmente abordados no cotidiano do
NPP/FURB mesmo antes do início do PROESDE na FURB.
Porém, isso não significa que as inspirações dos Círculos de Cultura fiquem claras para
todos os envolvidos no processo: dos dez entrevistados, quando estimulados a falarem suas
considerações sobre a educação tutorial no programa, apenas um deles faz referência à
inspiração do método de operacionalização da educação tutorial, e faz menção justamente à
Pedagogia de Paulo Freire. Conforme o Entrevistado 7 “[O NPP/FURB] tem uma linha muito
forte em Paulo Freire, trabalha a questão tutorial, a formação buscando autonomia. O
PROESDE herdou muito isso, então a educação tutorial é uma experiência incrível, não só pra
nós docentes, mas também pros discentes”.
Neste sentido, é possível realizar alguns paralelos entre as concepções de desenvolvimento
de Guerreiro Ramos e as reflexões acerca do processo educativo proposto por Paulo Freire,
sobretudo no que tange à construção de possibilidades objetivas.
163

Guerreiro Ramos (2009) afirma que a sociedade vive em permanente transitoriedade, em


períodos temporais nos quais determinadas possibilidades objetivas sobressaltam e se assentam
em relação a outras possibilidades objetivas. Paulo Freire (1967) explica que a transitoriedade
ocorre apoiada em ganho de intelectualidade por parte da coletividade, de modo que classifica
a transitoriedade (sociedade em trânsito) pela aquisição de consciência crítica dos seus
indivíduos, que pode ser categorizada em três níveis:
1) Consciência intransitiva: típica de uma sociedade fechada, em que os interesses
da população estão imersos em suas formas vegetativas de vida, com preocupações que
orbitam em torno de sua sobrevivência mais puramente biológica, ausente de um plano
histórico. Daí sua incapacidade de captar questões da vida em sociedade: “Confundem-
se as notas dos objetos e dos desafios do contorno e o homem se faz mágico, pela não-
captação da causalidade autêntica.” (FREIRE, 1967, p. 59).
2) Consciência transitiva ingênua: é o primeiro salto de emersão para fora da
condição humana meramente vegetativa. É um processo automático que vem em paralelo
à melhoria das condições de vida ocasionada pelos fenômenos econômicos que
assegurem melhores acessos às necessidades básicas da população, tais como saúde e
alimentação. Nesse estágio, ainda há uma compreensão rasa e pouco problematizadora da
realidade – quase mágica. Há também fragilidade de argumentação, inclinação mais à
polêmica do que ao diálogo e certa tendência ao gregarismo.
3) Consciência crítica: é a emersão maior da condição humana vegetativa após um
período de trânsito, e é característica da verdadeira democracia. Não é um salto
automático, mas dependente de um trabalho educativo crítico, distante da massificação.
É quando o indivíduo pratica o diálogo, é ativo na problematização das questões que
precisa operar e propor resoluções, testa resultados e faz análises de revisão, supera
preconceitos e é receptivo ao novo, sem gregarismo. Mas quando o trabalho educativo
crítico não é realizado, ou seja, quando não se problematizam questões práticas da
sociedade, mas ao contrário disso, realiza-se uma educação bancária que deposita
informações para o educando; há uma probabilidade alta de que ocorra o que Freire
denomina de massificação. Na massificação, com a disseminação de informações
padronizadas e pouco exercício de aplicação dos conceitos aos problemas cotidianos da
sociedade, o indivíduo permanece em nível similar ao da consciência crítica ingênua,
incapaz de integração de seu pensamento com o mundo. Nesse caso, o indivíduo tende a
interpretar o mundo a partir de análises com distorções e com ausência de compromisso
com a existência, estando suscetível a posições perigosamente mágicas e míticas, quando
164

ocorre a acomodação dos indivíduos e não sua integração ao mundo. Na verdade, a


massificação é uma falha da transição da consciência transitiva ingênua para a
consciência crítica que pode ocasionar danos ainda maiores do que o nível da
intransitividade, uma vez que o indivíduo que não transita de uma consciência para outra
tenderá a interpretar o mundo por vias mágicas e se tornar fanático defensor de
posicionamentos que sequer compreende, pois descarta qualquer resquício de
autenticidade que na intransitividade ainda pudesse existir, implicando em um processo
de irracionalização.
Desta forma,
a contribuição a ser trazida pelo educador brasileiro à sua sociedade em
“partejamento”, ao lado dos economistas, dos sociólogos, como de todos os
especialistas voltados para a melhoria dos seus padrões, haveria de ser a de
uma educação crítica e criticizadora. De uma educação que tentasse a
passagem da transitividade ingênua à transitividade crítica, somente como
poderíamos, ampliando e alargando a capacidade de captar os desafios do
tempo, colocar o homem brasileiro em condições de resistir aos poderes da
emocionalidade da própria transição. Armá-lo contra a força dos
irracionalismos, de que era presa fácil, na emersão que fazia, em posição
transitivante ingênua.” O problema crucial que deveria ser enfrentado pela
educação brasileira era o de colocar o desenvolvimento econômico à serviço
da democracia e da liberdade, que “resultasse a supressão do poder desumano
de opressão das classes muito ricas sobre as muito pobres. E de coincidir o
desenvolvimento com um projeto autônomo da nação brasileira. O
desenvolvimento, envolvendo não apenas questões técnicas ou de política
puramente econômica ou de reformas de estruturas, mas guardando em si,
também, a passagem de uma para outra mentalidade. A da adesão à
necessidade das reformas profundas, como fundamento para o
desenvolvimento e este para a própria democracia. […] Necessitávamos de
uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política.
(FREIRE, 1967, p. 87-88).

Outro conceito importante é o de sociedade em trânsito. A sociedade começa a ser abrir na


medida em que a condição puramente natural de sobrevivência é extrapolada pelas condições
econômicas e materiais que um determinado espaço geográfico experimenta. Nesse contexto,
Freire faz menção aos fenômenos da industrialização e da urbanização como os meios pelos
quais essa abertura começa a se tornar possível no período pós-Segunda Guerra Mundial, nas
décadas de 1950 e 1960, uma vez que conduz o ser humano a uma condição reflexa e não
reflexiva, e possibilita a ampliação de sua criticidade e é quando pode ter início os níveis de
aquisição da consciência crítica expostos anteriormente e que possibilitará o que Mannheim
chama de “democratização fundamental” – que é a participação crescente do povo no seu
processo histórico, que tem o formato de tomada de consciência e não de conscientização ainda.
Ou seja, no caso do contexto histórico analisado por Freire, é quando a sociedade se dividiu
165

entre reacionários e progressistas. Os reacionários estariam preocupadas em retomar uma


ordem ética anterior que consideravam benéfica para si. Assim, a elite dos reacionários se
agruparia e passaria a defender ações assistencialistas e a reprimir a população a qual
denominaria subversivos, defendendo a ordem do ponto de vista da conservação dos privilégios
desta elite. Nesse ponto, vale a lembrança de Ramos (1996), quando faz a crítica da perspectiva
de análise comtiana, para a qual a ordem conduz ao progresso. Ramos defende que, na verdade,
a ordem é a contraposição do progresso uma vez que representa a manutenção/conservação de
um determinado status de desenvolvimento.
O método proposto para atingir essa educação crítica, politizadora e simultaneamente com
potencial de transformação, instigava três frentes: “a) num método ativo, dialogal, crítico e
criticizador; b) na modificação do conteúdo programático da educação; c) no uso de técnicas
como a da Redução e da Codificação.”
O diálogo é uma das questões centrais para Freire (1967) e é ao mesmo tempo finalidade
educativa e método – nasce da crítica e gera criticidade. Aqui importa esclarecer que o diálogo
é tido como uma relação horizontal entre sujeitos, seja entre educador e educando, seja entre
educandos, que experimentam suas capacidades argumentativas a partir da apreensão da
realidade com suporte teórico, possibilitando a criação e recriação da cultura humana e
autoformação.
O método que é apresentado por meio das experiências de educação do educador refere-se
à alfabetização mas é facilmente adaptado a qualquer outro processo educativo. Primeiro,
realiza-se o levantamento das palavras geradoras através de encontros informais onde a
confiança circula com maior facilidade. Depois, é realizada a seleção das palavras de acordo
com a sua utilidade para a decomposição de características fonéticas assim como seu teor
pragmático a determinada realidade, ou em outras palavras, sua capacidade de gerar
conscientização. A terceira fase é de criação de situações existenciais, ou melhor, de situações-
problema cujo debate insere a análise de problemas nacionais e regionais. Na quarta fase,
elaboram-se fichas-roteiro para auxiliar os coordenadores de debates – tais fichas se
caracterizam como um apoio e não como uma prescrição rígida. Finalmente, a quinta fase
corresponde à elaboração de materiais de apoio para a geração dos diálogos.
No método, substitui-se a instituição “escola”, considerada autoritária, pelos “Círculos de
Cultura”. Os Círculos de Cultura, simplificadamente, são espaços de trabalho e debate em que
se assume que a liberdade e a crítica são características constitutivas do ser humano. São tais
características que, traduzidas em um esforço para a autonomia de aprendizagem (no caso das
experiências de Paulo Freire – a aquisição da linguagem escrita), dão início e balizam todo o
166

processo de conscientização. A substituição de um relacionamento autoritário e vertical por


processos mais horizontais é relatada no PROESDE / Desenvolvimento FURB pelo
Entrevistado 7
[…] o professor sai da frente do quadro e participa de todos os grupos, tem
uma proximidade maior, o relacionamento é mais estreito. Então você tem
uma série de coisas que favorecem essa educação tutorial, que para mim o
mais positivo de tudo isso é essa aproximação. Você deixa horizontal a sala
de aula, independente de que curso você é, se você é estudante ou tutor, eu
vejo o Proesde como um exemplo de educação horizontal. […] Quando você
fala em educação tutorial, você tá tirando aquele status do professor, porque o
tutor não é o detentor do conhecimento, ele é o encaminhador. Ele ajuda, tenta
resolver o problema junto com os estudantes. Muita coisa que eu aprendi,
foram insight dos estudantes, de vamos descobrir juntos. Nós temos que tirar
essa responsabilidade de que precisamos saber tudo, quem sabem tudo é o
google, e que o estudante não sabe nada. E uma coisa muito importante é que
o professor, ele sai dessa cadeira hierarquizada e vai pra tutoria ou ele vai ser
substituído pelo google. Porque tem muitas aulas que você pode digitar no
google, o ead e uma aula presencial dessa forma são as mesmas coisas. E o
Proesde não tem como ser feito a distância, como ser feito de um modo
hierarquizado. Ele tem que ser tutorial, você tem que estar junto com o
pessoal. E é por isso que os estudantes gostam, porque nos tornamos iguais,
nós somos iguais. Pois o que te diferencia do seu professor, é o tempo de
estudo que ele tem e só. Os alunos falam muito da educação tutorial, dessa
proximidade, de trocar ideia, sentar junto, é uma constante.
(ENTREVISTADO 7).

A conscientização, por sua vez e há que se fazer essa ressalva, não é qualidade que possa
ou deva ser ensinada ou passada de um indivíduo ao outro. O que Freire (1967) pretendia com
os Círculos de Cultura era um lugar que desse as condições de liberdade de expressão linguística
e cultural em ambiente colaborativo. Não mais do que isso, pois que, uma vez meramente
suprindo os educandos de informações educativas, o que se coloca em curso é um processo
dogmático que é a justa contraposição da conscientização – “em lugar de escola, que nos parece
um conceito, entre nós, demasiado carregado de passividade, em face de nossa própria formação
(mesmo quando se lhe dá o atributo de ativa), contradizendo a dinâmica fase de transição,
lançamos o Círculo de Cultura. Em lugar de professor, com tradições fortemente “doadoras”, o
Coordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno, com
tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar dos “pontos” e de programas alienados,
programação compacta, “reduzida” e “codificada” em unidades de aprendizado.” (FREIRE,
1967, p. 102-103).
O método proposto por Paulo Freire pressupõe uma relação única que cada indivíduo
constrói com o mundo que o cerca: “existir ultrapassa viver porque é mais do que estar no
mundo. É estar nele e com ele. E é essa capacidade ou possibilidade de ligação comunicativa
167

do existente com o mundo objetivo, contida na própria etimologia da palavra, que incorpora ao
existir o sentido de criticidade que não há no simples viver. Transcender, discernir, dialogar
(comunicar e participar) são exclusividades do existir. O existir é individual, contudo só se
realiza em relação com outros existires (FREIRE, 1967, p. 40).”
Como se pode perceber, o método proposto por Paulo Freire é fruto de uma reflexão que
valoriza os espaços e processos educativos como fomentadores da formação da consciência
crítica. Há menor preocupação, em relação à metodologia IA, com os fatores instrumentais
como modelos rígidos, pois o que está em questão é a própria condição da ação política,
motivação pela qual somente há sentido em uma educação problematizadora e crítica.
A própria UNESCO, em seu documento orientador de Educação para o Desenvolvimento
Sustentável propõe uma educação que potencialize as competências de pensamento crítico,
caracterizada pela aquisição de “habilidades para refletir e questionar normas, práticas, opiniões
e valores, tomando posição frente às premissas do desenvolvimento sustentável.” (UNESCO,
2017, p. 14).
Neste sentido, o Entrevistado 1 observa que
Ele [o estudante] tem uma pequena formação crítica. A formação crítica
significa questionar também o que está sendo feito. Não significa que o
funcionário público municipal e o cara da SDR de repente vá contra as
decisões que foram tomadas, mas que ele tenha capacidade de fazer um
questionamento do que está sendo feito e avaliar se o que vai ser
implementado realmente beneficia uma comunidade, se a comunidade visada
tá sendo efetivamente beneficiada. Então acho que aí tem um detalhe a mais,
quer dizer, essa percepção crítica da realidade que eu acho que o PROESDE
oferece ao estudante que frequenta o seu curso. (ENTREVISTADO 1)

Assim, as duas inspirações para os Círculos Tutoriais, quais sejam, os Círculos de Diálogo
do Movimento Nós Podemos! Paraná e a pedagogia freireana podem parecer paradoxos.
Contudo, uma sociedade que está em trânsito entre diferentes paradigmas pode não conseguir
romper com a lógica instrumental na velocidade desejada de implementação de um novo
paradigma. Destarte, nunca é demais rememorar que não há intenção de aniquilar a
racionalidade instrumental na execução de estratégias de desenvolvimento. Antes, a intenção é
de um equilíbrio entre o uso das racionalidades instrumental e substantiva, cada qual com sua
importância e espaço de utilização.
A opção pelo não transplante acrítico da metodologia de Círculos de Diálogo para o
PROESDE / Desenvolvimento FURB, mas pela sua contribuição em conjunto com as propostas
de Paulo Freire, sugere um exercício intencional de redução sociológica. Por um lado, os ODM
passam a ser inseridos no PROESDE / Desenvolvimento FURB já na segunda edição, em 2013,
168

e seria fácil depreender que a metodologia utilizada no Movimento Nós Podemos! fosse
também, pelo menos, a principal inspiração para os Círculos Tutoriais do programa na FURB.
Além do que, nas reuniões dos Círculos Tutoriais de Planejamento e Avaliação, a temática é
recorrente como exemplificação. Contudo, principalmente o NPP, tem um histórico de estudos
e práticas que é balizado pela complementaridade de premissas entre as teorias de Guerreiro
Ramos e Freire, sobretudo no que tange à redução sociológica e a formação da consciência
crítica.

Estranhamento e adaptação crítica

A educação tutorial, como já observado anteriormente, não é uma proposição nova.


Contudo, sua aplicação ainda é restrita a experiências relativamente isoladas, que ocorrem
sobretudo no âmbito dos PETs de financiamento federal. A FURB abriga o PET/Biologia desde
1996, e o PET-Saúde/Interprofissionalidade, que é um pouco mais recente. E neste sentido, é
no PROESDE / Desenvolvimento FURB que a maioria dos estudantes, seja de graduação ou os
monitores-tutores de pós-graduação, tiveram o primeiro contato com um modelo de educação
interdisciplinar e horizontalizado, o que acarreta estranhamentos, em um primeiro momento, e
também alguns complicadores administrativos.
Do ponto de vista da atuação na monitoria-tutoria, dois entrevistados revelam como
perceberam o processo de educação tutorial.
[...] É uma relação diferente, eu te confesso que a gente fica um pouco mais
inseguro, porque é uma relação muito diferente, até porque o estudante ele
tem mais liberdade também. Isso exige na medida em que o estudante tem
mais liberdade de participação, isso exige do professor também um
aprofundamento do conhecimento. É muito diferente, mas eu acho que a
produção do conhecimento é muito melhor, o resultado que a gente atinge
depois é muito legal lá no final. Então eu entrei mais insegura principalmente
na primeira turma, porque era uma experiência também diferente, mas o
resultado foi tão bom do que a gente construiu ao longo do trabalho apesar de
ser um tempo curto que foi excelente, apesar da insegurança foi legal.
(ENTREVISTADO 5).

No Proesde o maior desafio inicial talvez seja entender essa lógica, você entra
no Proesde e não é nada como na graduação, o professor sai da frente do
quadro e participa de todos os grupos, tem uma proximidade maior, o
relacionamento é mais estreito. Então você tem uma série de coisas que
favorecem essa educação tutorial, que para mim o mais positivo de tudo isso
é essa aproximação. Você deixa horizontal a sala de aula, independente de que
curso você é, se você é estudante ou tutor, eu vejo o Proesde como um exemplo
de educação horizontal. É claro que isso esbarra também na formação de
muitos professores, eles também tem que passar por uma catarse, que é difícil.
169

Mas como no Proesde são mais estudantes é mais fácil, mesmo que você tenha
uma formação mais tradicional, no começo você já consegue tirar.
(ENTREVISTADO 7).

Tal estranhamento já havia sido observado em outra experiência pesquisada. Em Pasco


(2011) é possível encontrar relatos de estranhamento de estudantes e tutores do Programa de
Honra em Estudos e Práticas em Ecossocioeconomia, levado a cabo nos anos de 2009 e 2010
em uma parceria entre a FURB e a Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral (UFPR
Litoral), com relação a uma metodologia que se inspirava na atuação de tutores. Tratava-se de
tutores de graduação e de estudantes do ensino básico, entre 12 e 18 anos. Os principais
estranhamentos vinham, naquele caso, das possibilidades de liberdade de expressão, da
horizontalidade na relação entre tutores e alunos e, da grande quantidade de atividades práticas.
Este estranhamento foi, portanto, elemento recorrente na execução dos dois projetos inspirados
na lógica tutorial, na medida em que não se aprofunda sua aplicação nos mais variados níveis
de ensino.
No campo dos controles administrativos formais como o registro de aproveitamento dos
estudantes, a educação tutorial também trouxe desafios, visto que trabalha com uma lógica
temporal diferente e que depende menos da aplicação de testes e provas convencionais e mais
da participação e contribuição dos estudantes nos Círculos Tutoriais. O Entrevistado 6, quando
estimulado a expor se percebeu dificuldades no processo de educação tutorial, observou que
“[…] percebia uma certa dificuldade, uma falta de disciplina até dos professores. Entregar as
listas de presença, era um final também para a própria certificação.”
Portanto, há uma relação cíclica na implementação de ações de educação tutorial. Ao passo
que as iniciativas ainda são pouco numerosas, a estrutura administrativa e pedagógica
(monitores-tutores e coordenação) demonstram estranhamento na prática inicial do programa e
tem dificuldades em lidar com a adequação das formas de avaliação à realidade da prática
pedagógica. No caso do PROESDE / Desenvolvimento FURB houve também o complicador
da diminuição para cerca de 1/3 da carga horária do curso em relação à edição inaugural que,
como já mencionado, havia gerado expectativas para as edições seguintes.
Há ainda uma dificuldade adicional de compreensão e adaptação dessa metodologia, pois
ela difere significativamente do que os estudantes estão acostumados a vivenciar nas
instituições de educação desde muito jovens, conforme argumentou o Entrevistado. No caso
dos estudantes de graduação, a percepção individual de que eles próprios são os principais
responsáveis pela sua formação e conscientização é, em si, um processo de ganho de autonomia,
que não é uniforme e de difícil avaliação. Por outro lado, o curso PROESDE na FURB dá a
170

dimensão de responsabilidade em relação aos aspectos multidimensionais coletivos do


desenvolvimento, ou seja, aos problemas públicos. Essa dinâmica traz outro tipo de ganho de
maturidade e costuma coincidir com o momento em que parte destes estudantes compreende
que há muito mais o que fazer nos encontros de sábado do curso do que receber individualmente
uma bolsa de estudos que pague suas graduações – algo que é mencionado nos depoimentos em
eventos de finalização das edições.
Na medida que experiências como esta se replicam e conseguem justificar sua legitimidade
perante os vários segmentos da sociedade, os sistemas de educação são impelidos a também se
reformarem e, nesse sentido, a se modernizarem.

A interdisciplinaridade e o aspecto dialógico no PROESDE / Desenvolvimento FURB

A necessidade da abordagem interdisciplinar na ciência e na pedagogia está emergindo ao


longo dos últimos anos, e este é um fator positivo no contexto do desenvolvimento sustentável.
Contudo, permanece um enraizamento da abordagem disciplinar nas estruturas do sistema
educacional e tecnológico, muito pela manutenção da prática tradicional e de dificuldades de
experimentação de modelos diferentes. Mas também porque guarda relação com a existência
de “territórios de poder”, que procuram se manter hegemônicos na mesma medida da
permanência da cisão entre o sistema social e o ambiente natural ou social de que o ser humano,
tomador de decisões, é parte (RAYNAUT, 2011). De outro lado, algumas experiências tomam
corpo, como por exemplo aquelas no bojo da educação tutorial, a exemplo do PROESDE /
Desenvolvimento FURB.
Isto posto, sabe-se que a interdisciplinaridade somente se faz operar em um ambiente de
participação multidisciplinar. O PROESDE da FURB, de um lado, opera inerentemente em
ambiente multidisciplinar, visto que seus mestrandos e doutorandos são de formações de origem
variadas, e atuam no programa. De outro lado, a seleção dos estudantes de graduação obedeceu
a uma lógica multidisciplinar, com a seleção de alunos matriculados em cursos variados para a
composição das turmas e das edições do programa, na ampla maioria dos casos23. O Quadro 9
apresenta a diversidade de cursos de graduação que participaram do PROESDE /
Desenvolvimento FURB por edição.

23
Houve apenas a exceção da edição de 2016, quando foram selecionados estudantes de graduação de apenas
dois cursos de áreas correlatas, a saber: Ciências Sociais e do Serviço Social.
171

Quadro 9 – Distribuição dos cursos de graduação de origem dos estudantes do PROESDE / Desenvolvimento FURB, no período de 2014 a 2019

Edição 2014 Edição 2015 Edição 2016 Edição 2017 Edição 2018 Edição 2019 - T. Re g. Edição 2019 - T. Esp.
Serviço Social Administração Ciências Sociais Administração Arquitetura e Urbanismo Artes Visuais Arquitetura e Urbanismo
Comunicação Social Arquitetura e Urbanismo Serviço Social Arquitetura e Urbanismo Artes Visuais Ciências Biológicas Ciências Biológicas
Educação Física Ciências Contábeis Ciências da Computação Ciências Contábeis Ciências Contábeis Ciências da Computação
Engenharia de Produção Ciências Econômicas Ciências Contábeis Design Direito Ciências Econômicas
Psicologia Comunicação Social Ciências Econômicas Enfermagem Educação Física Direito
T ecnologia em Marketing Direito Comunicação Social Engenharia de Produção Engenharia Elétrica Educação Física
Ciências Contábeis Educação Física Educação Física Fisioterapia Engenharia Química Engenharia Civil
Ciências Econômicas Engenharia Civil Fisioterapia Jornalismo Jornalismo Engenharia Florestal
Engenharia de T elecom. Engenharia da Produção Jornalismo Psicologia Psicologia Nutrição
Engenharia Florestal Engenharia Elétrica Música Publicidade e Propaganda Publicidade e Propaganda Psicologia
Moda Engenharia Florestal Psicologia Serviço social Serviço Social Publicidade e Propaganda
Nutrição Engenharia Química Publicidade e Propaganda T ec. Comércio Exterior Serviço Social
Jornalismo Serviço Social
Marketing T eatro
Moda T urismo
Nutrição
Psicologia
Serviço Social
Sistemas da Informação

Fonte: De 2014 a 2017 - Sistema de Informações da FURB; de 2018 a 2019 – Documentos internos do PROESDE / Desenvolvimento FURB
172

Já a Tabela 3 apresenta o número e a porcentagem de estudantes de graduações em função


da área do conhecimento da CAPES onde seus cursos podem ser alocados, em todas as edições
do período de 2014 a 2019. Pode-se observar que as Ciências Sociais Aplicadas encontraram
grande abrigo no PROESDE da FURB. Aqui vale observar que a seleção dos cursos de
graduação para o programa era realizada em função de duas condicionantes 1) em contato com
as SDRs e posteriormente as ADRs, para definição de áreas prioritárias de desenvolvimento da
região. Tal condicionante tinha caráter subjetivo, uma vez que não era delimitada por critérios
formais e; 2) em função das possibilidades de orçamento. Neste caso, a regulamentação do
Governo do Estado (Decreto 3334/2005) determinava o repasse de exatos 70% do valor das
mensalidades do respectivo curso de graduação ao estudante matriculado no PROESDE durante
o período de sua permanência no programa. Porém, o repasse deste recurso por parte da SED
tinha um teto de dois salários-mínimos. Caso algum estudante excedesse este teto, o valor teria
que ser complementado com recursos próprios da universidade, pois não poderia ser repassado
ao estudante. Para não correr o risco de tornar o programa deficitário, na relação entre repasses
e custos do programa, os cursos cujo valor dos 70% da mensalidade fosse superior ao valor de
repasse da SED, eram excluídos. Isso, por óbvio, acarretou a exclusão dos cursos mais caros na
universidade como a Medicina, entre outros.

Tabela 3 - % de alunos por Grande Área da CAPES


Grandes áreas CAPES N. Alunos %
Ciências Sociais Aplicadas 208 65.82%
Engenharias 29 9.18%
Ciências Humanas 29 9.18%
Ciências da Saúde 21 6.65%
Ciências Biológicas 9 2.85%
Ciências Exatas e da Terra 8 2.53%
Ciências Agrárias 6 1.90%
Linguística, Letras e Artes 6 1.90%
TOTAL 316 100.00%
Fonte: De 2014 a 2017 - Sistema de Informações da FURB; de 2018 a 2019 – documentos internos do
PROESDE / Desenvolvimento FURB. Obs.: há uma diferença de 15 alunos cujos cursos de graduação
não foram identificados

Não se pode estabelecer uma causalidade irrefutável da maior aderência das Ciências
Sociais Aplicadas ao programa. Pode-se, contudo, observar que: 1) a política pública
PROESDE não é percebida como política de função distributiva. Apesar disso, os relatos
ouvidos durante as edições de 2017 a 2019, dão conta de que a bolsa de estudos é o principal
fator de atração para que os estudantes se inscrevam no PROESDE; 2) o próprio campo do
173

desenvolvimento regional está incluído nas Ciências Sociais Aplicadas, o que pode ter feito
com que estudantes postulantes enxergassem melhor a contribuição do PROESDE para as suas
formações. Fato é que, na prática, as IES em conjunto com as SDRs e ADRs determinavam os
cursos que fariam parte das edições do PROESDE com base em um conjunto de critérios
externos (condicionantes 1 e 2), mas no caso da FURB, também com base impulsionamento da
interdisciplinaridade para a educação tutorial.
Neste sentido, houve uma experiência de edição que integrou somente dois cursos de
graduação, em 2016, e que acabou servindo de parâmetro negativo para o funcionamento do
curso, justamente pela perda do que seria considerado um dos principais fatores, a
interdisciplinaridade. Segundo o entrevistado 3
Você já sente, […quando] tínhamos dois cursos envolvidos, que era a ciências
sociais e serviço social, praticamente todos de serviço social e dois alunos de
ciências sociais. O que aconteceu, é que você ficava preso a um tipo de visão
somente, claro que contribuiu bastante, as ciências sociais, por exemplo, tem
um leque muito aberto, mas o interessante é você ter opinião contrária, e não
um coro pra dizer sim e bater palma.

Diferentemente da abordagem disciplinar, a interdisciplinaridade possui um esquema


hierárquico diferenciado. PASCO (2011) sintetiza que, no âmbito científico tradicional, a
interdisciplinaridade costuma ocorrer com base na autoridade definida por uma das áreas e/ou
atores, que coordena os estudos. Já no contexto de experiências interdisciplinares no campo do
desenvolvimento sustentável, a interdisciplinaridade tem funcionado no sentido de permitir que
os problemas socioambientais que se apresentam no espaço em conjunto com uma
epistemologia previamente assumida, norteiem os estudos e práticas consequentes. Neste caso,
não há determinação de uma hierarquia rígida, quer seja entre campos do saber, quer seja entre
os atores do processo. O que determina a maior ou menor atuação de um ou outro campo do
saber ou de um ou outro ator do processo é a contribuição que pode ofertar. Ainda, é válida a
participação de outros segmentos da sociedade neste processo.
A elaboração citada vai no sentido do objetivo atribuído por Gadotti (2013, p. 156) para a
interdisciplinaridade:
O objetivo fundamental da interdisciplinaridade é experimentar a vivência de
uma realidade global que se inscreve nas experiências cotidianas do aluno, do
professor e do povo e que, na escola tradicional, é compartimentada e
fragmentada. Articular saber, conhecimento, vivência, escola, comunidade,
meio-ambiente etc é o objetivo da interdisciplinaridade que se traduz na
prática por um trabalho coletivo e solidário.
174

Mais do que isso, o autor defende que interdisciplinaridade se constrói no diálogo


horizontal entre todos os envolvidos no processo pedagógico, sejam eles internos à instituição
educacional, sejam eles externos. Mais do que isso, a universidade somente faz sentido no
diálogo, porque “precisa do outro para completar-se” (GADOTTI, 2013, p. 158).
O PROESDE / Desenvolvimento FURB dá vida a este processo e todos os entrevistados,
participantes da equipe de coordenação, tutoria, monitoria-tutoria e administrativo de apoio,
citaram o fator interdisciplinar como uma das maiores contribuições do curso, enquanto
educação tutorial. O Quadro 10 traz um apanhado de avalições da interdisciplinaridade
apoiados nas entrevistas realizadas.
175

Quadro 10 – Falas sobre interdisciplinaridade do PROESDE nas entrevistas


Entre- Fala sobre interdisciplinaridade
vistado
1 “Ao invés do cara estar trabalhando na prefeitura e fazendo a coisa na prefeitura, com o tipo de treinamento que ele recebe no PROESDE da
gente, ele sabe que ele vai ter que conversar com outras prefeituras, com outros técnicos. E se ele tiver interlocutores que tiveram a mesma
formação que ele, essa conversa fica mais fácil. A ligação, por exemplo, entre órgãos públicos municipais, a própria relação desses órgãos, com
órgãos estaduais [...]. Mas não só isso, também em nível, por exemplo de associação de municípios e outras instâncias de organização da atividade
pública. [...] o mérito tá exatamente aí. A percepção por parte do aluno que passa pelo PROESDE, de que tem uma coisa que está acima do local
onde ele vive, onde ele trabalha, onde ele atua, e que ele tem que ter essa percepção, e quando ele tem uma formação adequada pra isso, a própria
atuação dele fica mais fácil.”
2 “Ele tem essa característica de estar em contato não só com acadêmicos de vários cursos, mas também de atuação com uma comunidade, acho
que o principal diferencial do PROESDE é nesse sentido. Então tu vai pensar para sua formação o primeiro fato de você lidar com acadêmicos
diversos cursos, que faz com que você tenha que pensar metodologicamente e como estruturar sua aula e o material que vai trabalhar a partir
dessas diferentes visões. Além de você trazer o conteúdo e de repente dialogar com esses acadêmicos, você também tá aprendendo nesse processo.
[…] Eu lembro em sala de ter uma acadêmica de química dizendo que ela nunca pensou no curso dela a possibilidade de estar em prática, de
pensar em conjunto com outras áreas. Ela disse ‘no meu curso a gente não para pra olhar ali para fora para ver essas coisas, a gente olha a realidade
da estrutura de química, mas a gente não olha para fora, então eu nunca parei para pensar’. […] “
5 “[…] é uma outra dinâmica de trabalho, um modelo que ainda na graduação não se utiliza muito. A gente ainda tem um modelo muito engessado
em disciplina, cada professor em sua disciplina, naquela a grade. O PROESDE apresenta essa forma mais articulada, mais modular, a gente tinha
umas disciplinas modulares e era totalmente articulada, por exemplo, a nossa disciplina ela foi trabalhada totalmente paralela com outra disciplina.
“Ela foi extremamente articulada, eu acho que é uma possibilidade inclusive para pensar de construção mesmo, de metodologia de trabalho para
além do Proesde, para além de um trabalho de extensão que pode-se pensar em algumas disciplinas da graduação que seja nas disciplinas básicas
de forma mais articulada. Onde essa relação com o professor e estudante esteja mais próxima, acho que isso é viável. […] Quando a gente
começou a trabalhar, a gente trabalhava geração de renda. Então em uma das turmas, que foi essa turma grande, eu dei uma pincelada com eles
antes da gente entrar, né. Eu lembro que tinha saído uma produção sobre o resultado dos dez anos da Bolsa Família. Os resultados para a educação,
os resultados para a saúde. Daí eu perguntei o que eles sabiam sobre o Bolsa Família. Então veio todo aquele preconceito em relação a um
programa... [...] E aí todo aquele preconceito... E aí eu fui mostrando os números, né, porque ela tá vinculada à política de saúde, à política de
educação. Aí eu fui desmistificando um pouco isso. [...]”
6 “[…]foi interessante foi trabalhar com uma série de estudantes de diversos cursos, que naquela edição, se não me engano, foram seis cursos
envolvidos. E você trabalhar com áreas tão diversas, trabalhar com um eixo principal que pode ser mais da minha área de formação mas que
possa interessar a todos, ou de que forma eu posso alcançar a todos. Acho que a contribuição principal foi essa. […] foi um desafio trabalhar com
uma diversidade muito grande de estudantes, particularmente dentro das possibilidades de um mês que funcionava as disciplinas. Os desafios
iam acontecendo, eu sei que tinham estudantes do mestrado que tinham uma inserção maior no trabalho com os estudantes, mas eu não tinha essa
relação com eles. Então acho que naquele momento ficou um pouco menos articulado.
176

7 “Eu aprendi bastante justamente por causa disso, entender a interdisciplinaridade, tentar bolar uma aula onde você consiga envolver todo mundo.
Pois tinha engenharia, administração, direito, fisioterapia, arquitetura... Então você criar um tema onde você consegue costurar tudo isso foi um
grande desafio, que contribuiu para esse desenvolvimento como profissional. […] Quando eu iniciei o maior desafio era você tentar costurar uma
fala, fazer uma fala que atinge a todos os cursos. Porque eu, né, como formado em Ciências Sociais, falar para os estudantes de ciências sociais,
não que seja fácil mas é menos complexo, porque temos o mesmo linguajar, as mesmas reflexões, não as mesmas opiniões mas as mesmas
reflexões. […] Questões teóricas tu tem uma certa vivência. […] Agora quando você chega lá, e transformar isso numa informação que eles
consigam perceber que é importante e tal aí então a questão. Porque imagina você vai falar com uma pessoa de arquitetura ou engenharia, de
vários sei lá chegava até 10,12 cursos diferentes. Então como é que tu cria uma coisa assim? [...] O maior desafio foi tornar isso para eles palpável
e tátil, pra não ficar uma coisa muito fora, e a gente teve participação extremamente importantes. [...] Porque infelizmente tem aquele rótulo né
de todos serem marxistas, e entendendo o marxismo como uma coisa só. Até porque na mídia se pinta tudo isso também, é bem complicado. Aí
quando você chega com indicadores do desenvolvimento, quer falar sobre avaliação de políticas públicas, então o nome política é bem
complicado. […] No PROESDE a gente tenta misturar todas as áreas, sempre buscando a realidade de Blumenau, para eles entenderem um pouco
isso., entenderem a teoria do desenvolvimento regional. Nós temos disciplinas que falam sobre emprego e geração de renda, que falam sobre
trabalho em rede, cooperativismo, temos trabalho com indicadores, com história e geografia, planejamento estratégico, diversas áreas. Os alunos
não tem trabalho individual, uma coisa que a gente trabalha efetivamente é uma diretriz que é o trabalho em grupo.”
8 “As temáticas trazidas pelos estudantes, que na sua maioria, são de áreas distintas, porém, com olhar pela matriz do Desenvolvimento Regional,
é elemento chave para contribuir com a formação. […] Vale destacar a preocupação dos estudantes e professores com problemas que de fato
podem ser resolvidos, ou pelo menos problematizados, com conhecimento multidisciplinar e que impactam a/as comunidade/es envolvidas.”
9 “A principal contribuição foi ao agregar conhecimentos mais profundos devido à multidisciplinaridade. Na época havia alunos de diferentes
cursos, com diferentes visões, trabalhando juntos em projetos. As discussões faziam-se muito ricas e as ideias nas elaborações dos projetos
complementavam-se por diferentes perspectivas.”
10 ‘Eu acho que um dos principais pontos positivos do Proesde é ele ter essa riqueza de você ter alunos de vários cursos da graduação. E o mestrado
e o doutorado em desenvolvimento regional também tinham um pouco dessa característica meio que multidisciplinar. Foi muito interessante eu
ter tido essa oportunidade de externalizar o que eu já vinha tendo no mestrado e doutorado. [...] Era muito interessante você conversar sobre
desenvolvimento regional com uma aluna da moda, que no primeiro momento a gente passa despercebido, o que será que ela pensa em relação à
economia, ou o pessoal da farmácia, que ideia será que eles tem em relação a economia regional, ou ao desenvolvimento regional. […] Esse
contato que eu tive, eu lembro que as primeiras aulas foram impactantes, por outro lado tinha também o desafio de você não aprofundar muito a
discussão, porque como eu vou aprofundar muito uma discussão de economia para uma aluna de moda? A gente tinha que tomar esse cuidado,
ter muito jogo de cintura, porque não podíamos discutir os temas de forma muito superficial e irresponsável, mas também não dava para
aprofundar muito a discussão se não eles ficavam completamente perdidos […] imagina a riqueza de você pegar uma aluna de moda, por exemplo,
ou um aluno de farmácia, e fazer com que eles entendam a importância do desenvolvimento sustentável, ou de um consumo responsável. Puxa,
faz toda a diferença! Para muitos desses alunos eles provavelmente nunca tiveram contato com isso e nunca vão ter na graduação, com essas
discussões. Então a riqueza do programa está aí, em você dar oportunidade a esses caras de eles discutirem temas relacionados ao meio ambiente
e a sustentabilidade que eles não discutiriam no cursos deles.
Fonte: Entrevistas realizadas em 2017, no contexto de iniciação científica (DE PAULA; MANTOVANELI JÚNIOR, PASCO, 2018)
177

Pode-se depreender da fala dos entrevistados a assimilação da interdisciplinaridade em seu


contexto de interação pouco hierárquica entre disciplinas e atores do processo, o que não
significa ausência de dificuldades na articulação de diversos saberes. Vale destacar que as
disciplinas eram, geralmente, pensadas e operacionalizadas por mais de um monitor-tutor dos
grupos de pesquisa do PPGDR, situação que foi aprofundada quando da orientação da SED
para que a organização curricular fosse disposta em eixos e não mais em disciplinas, a partir de
2019.
As falas das entrevistas vão, também, no sentido de que as vivências de campo (chamadas
Tutorias Vivenciais) foram importantes enquanto atividades que envolveram além das
disciplinas, outros segmentos da sociedade. Ademais a utilização dos indicadores relacionados
aos ODM e ODS tiveram um papel integrador entre as disciplinas, os atores pedagógicos do
programa e o conjunto da sociedade.
Na mesma linha, os depoimentos de estudantes, tomados ao início e ao fim de cada edição
e acompanhados pela pesquisadora nas edições de 2017 a 2019 dão também a dimensão positiva
da interdisciplinaridade, em sentido amplo e relacionada ao diálogo com várias áreas e setores
do desenvolvimento. Os depoimentos, dentre os estudantes que se manifestam voluntariamente,
dão conta de uma ampla motivação de ingresso no curso em função do acesso à bolsa. Mas
também de um encantamento posterior pela oportunidade de enxergar o desenvolvimento sob
o aspecto multidimensional e, com isso, compreender que suas possibilidades de ação não se
encerram na área mesma de origem de formação. Mais do que isso, houve relatos de que o que
fazem e as decisões que tomam no âmbito de suas profissões influenciam a sociedade como um
todo. De alguma forma, é a visão complexo-sistêmica (BOEIRA, 2002) que está sendo
assimilada pelos estudantes durante o processo interdisciplinar.

3.5.3 Eixo comunicacional e de práticas

RAMOS (1983) advoga em favor da criação de uma nova ciência social, imbrincada e
comprometida com as distintas realidades socioespaciais de análise, com profunda ancoragem
histórica e em consonância com a promoção de um desenvolvimento baseado na liberdade do
ser humano. Para tanto, sugere a criação de uma nova delimitação dos sistemas sociais, onde
os recursos seriam tratados sob uma ótica integradora, e o potencial humano expandido em
direção à vida humana associada. Do conjunto de sua obra se pode depreender uma
aproximação do que mais tarde viriam a ser as estratégias do ecodesenvolvimento (SACHS,
1992), ou do desenvolvimento a escala humana (MAX-NEEF, 2005), ou ainda do
178

Desenvolvimento e Liberdade (SEN, 2000), assim como do desenvolvimento sustentável, nos


termos de sua multidimensionalidade. Todas, estratégias complementares em alguns pontos e
divergentes em outros, porém similarmente normativas e que somente se fazem possível à luz
da prática (SACHS, 1992).
Uma estratégia pedagógica para esse novo modelo de desenvolvimento que se propõe tem
alguns pressupostos, e um deles é a partilha de conhecimentos entre os vários saberes da
realidade, por meio da prática, em um processo em que o educando se insere e se percebe no
contexto real que lhe cerca e de que é, efetivamente, parte. O educador, neste caso, mediaria a
trajetória a ser traçada pelo próprio educando, enquanto dialoga com seu entorno e atribui
sentido às suas vivências (GUTIERREZ e PRADO, 2002). As teorias, por sua vez, teriam papel
importante como ferramentas de reflexão das ações, mas não necessariamente assimiladas a
priori, mas sim como forma de compreensão para a construção do conhecimento por meio de
ações inscritas no contexto do educando.
Neste sentido, a prática está no PROESDE: 1) intrinsecamente, porque o desenvolvimento
opera a dimensão prática seja no formato de produção do conhecimento, seja no formato de
transformação espacial que gera o desenvolvimento (MATTEDI, 2015); 2) na criação e
disseminação da política pública em nível estadual, sobretudo na organização curricular e; 3)
pela própria característica de curso de extensão determinada no conteúdo da política pública.
Mas a prática integra o PROESDE / Desenvolvimento FURB também porque faz parte do
acúmulo histórico de pesquisas e interação com a sociedade por parte do PPGDR, e em muitos
dos trabalhos e estudos dos grupos de pesquisa que operacionalizam o programa, com a
mediação dos monitores-tutores. Há uma concepção de que articular junto ao poder público das
diversas esferas e integrar movimentos sociais e iniciativas da Sociedade Civil opera
intrinsecamente um espaço de aprendizagem e conscientização (MANTOVANELI JÚNIOR,
2013) e de autoatualização, orientadas à perspectiva multidimensional e multiescalar do
desenvolvimento (RAMOS, 1983).
Destarte, como já mencionado, as práticas na organização curricular do PROESDE na
FURB oscilaram entre 30 e 40% dos componentes formalizados. Além disso, o conteúdo
programático das disciplinas era trabalhado em Círculos Tutoriais em sala de aula e por meio
das chamadas Tutorias Vivenciais, conforme Quadro 11, que consistiam em: 1) visitas de
especialistas nos temas tratados, que eram convidados a apresentarem seminários e/ou palestras
e; 2) visitas técnicas a experiências acompanhadas pelos grupos de pesquisa do PPGDR.
179

Quadro 11 - Interações com comunidade e especialistas no âmbito do PROESDE / Desenvolvimento FURB – 2017 a 2009
Ano Interações
2017  Foram realizados 2 seminários regionais com as palestras de especialistas: “Indicação Geográfica e o Desenvolvimento Regional”; “Cultura
Coletiva e o Case Greenplace”; “A Territorialização do Envelhecimento Sustentável: da política do envelhecimento ao envelhecimento bem-
sucedido”; “Subida do nível do Mar e os Impactos no Desenvolvimento do Setor Litoral Centro Norte de Santa Catarina”;
 Participação do Seminário Estadual do PROESDE (UNOESC Joaçaba).
 Apresentação dos TCCs para a comunidade - Seminário Regional final (Blumenau) com presença de Diretor do CCHC, Gerente Regional de
Educação (SED/SDR), Coordenadora do Movimento Nós Podemos! Blumenau, coordenadores, tutores, monitores-tutores e ex-aluno do
PROESDE.
 Não houve saída a campo em função de restrições orçamentárias;
2018  Foram realizados 2 seminários regionais, ambos envolvendo saídas a campo: 1) saída a campo para a Fundação Cultural de Blumenau (FCB),
Museu de Hábitos e Costumes, Museu Colonial de Blumenau, com as seguintes atividades adicionais: “Fundação Cultural de Blumenau e seus
espaços de memória” e Roda de Conversa sobre “Histórico, Trajetória, Apresentação de Dança e Integração”, Roda de Conversa sobre o
Movimento Nós Podemos! em Blumenau; 2) saída a campo para a Greenplace Park, com as palestras “Desenvolvimento Regional: suas
profissões e a mudança de paradigma social”, “Governança e Territorialidade no ecodesenvolvimento turístico regional: o caso da Oktoberfest
Blumenau/SC”, “Ecocidadania: a Greenplace e seu trabalho em rede”.
 Participação do Seminário Estadual do PROESDE (UNISUL Tubarão).
 Apresentação dos TCCs para a comunidade - Seminário Regional final (Blumenau) com presença do Coordenador do PPGDR, coordenadores,
tutores, monitores-tutores e ex-aluno do PROESDE.
2019  Saída a campo Joinville: “Caminhão ODS”;
 Saída a campo IPEVI - Instituto de Permacultura do Vale do Itajaí;
 Foram realizados 2 seminários regionais: 1) nas dependências da FURB com Roda de Conversa com a Coordenadora Regional de Educação e
Diretor da EEB Max Tavares do Amaral, sobre a implementação da BNCC no estado de Santa Catarina; saída a campo à Fundação Cultural de
Blumenau (FCB) e visita guiada aos museus, com palestra sobre “Fundação Cultural e seus espaços de memória”; 2) nas dependências da
FURB em evento conjunto com a AMMVI e EPAGRI – Seminário de Apicultura e Meliponicultura, com a presença de diversas lideranças
regionais inclusive Prefeito de Blumenau;
 Palestras e rodas de conversa diversas: “Inovação e Tecnologias Sociais” com membro do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da FURB,
“Ecossocioeconomia e tecnologias sociais” com especialista, “Leitura Imanente” com Prof. da UFAL;
 Oficina de Leitura Imanente com professor da UFAL;
 Interação com alunos de graduação da disciplina de graduação de Desafios Sociais Contemporâneos; “ferramentas tecnológicas e o LIFE -
Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores”, Implementação dos ODS em Blumenau com Secretaria de Gestão Governamental de
Blumenau (PMB)
 Participação no “Interação FURB” - Oficina “Guia do preguiçoso para salvar o mundo #eufacoparte” - atividade de participação voluntária;
 Saída a campo à Aldeia Tekoa Vy'a, em Major Gercino/SC;
180

 Visita ao Instituto Gene;


 Participação do Seminário Estadual do PROESDE (UNIVALI - Itajaí).
 Apresentação dos TCCs para a comunidade - Seminário Regional final (Blumenau) com presença do Coordenador do PPGDR, coordenadores,
tutores, monitores-tutores e coordenadora do Movimento Nós Podemos! Blumenau.
Fonte: Relatórios finais das edições de 2017, 2018 e 2019
181

Para o período anterior (2009 a 2016) não foi possível acessar os relatórios finais do
programa, visto que não houve inserção no SIPEX e tampouco acompanhamento da
pesquisadora. Contudo, as entrevistas dão conta de que eram bastante valorizadas as interações
com especialistas e saídas a campo (Tutorias Vivenciais), com destaque para as visitas ao Morro
da Garuva e às propriedades que integravam o Projeto Kochkaese.
Além destas práticas, desde a terceira edição, os TCCs (que são o principal produto do
programa) tiveram o formato de projetos de intervenção, orientados a movimentar
positivamente os indicadores ODM e, posteriormente, ODS. Tais projetos de intervenção, por
regulamento e orientação geral de boas práticas de participação, precisavam ser calcados em
diagnósticos realizados inicialmente em função dos indicadores de desenvolvimento e
posteriormente em tomada de informações e articulação com segmentos da sociedade. Nesse
contexto, foram levantados 55 TCCs, realizados em grupos, desde 2014, com foco nos
ODM/ODS. Foi ainda identificada a implementação de três desses projetos, por meio de relatos
em entrevistas.
As práticas foram citadas como atividades de destaque no PROESDE / Desenvolvimento
FURB. Dos dez entrevistados, sete fizeram menções positivas com relação às consequências
pedagógicas das atividades práticas. Os demais, envolveram as atividades práticas no contexto
da educação tutorial. O Quadro 12 traz um resumo de trechos de entrevistas que abordaram o
assunto.
182

Quadro 12- Resumo de trechos das entrevistas que abordaram as atividades práticas no PROESDE / Desenvolvimento FURB

Entrevistado 2 “Então pensando dentro na Furb, na medida em que vai vindo as edições vai tendo essa ampliação do entendimento da importância de
algumas características que o Proesde tem como, por exemplo, a interdisciplinaridade e a relação com a comunidade, isso começa a trazer
pro ambiente educacional da Furb a necessidade de vincular os seus cursos com essa realidade pautado no desenvolvimento regional.
[…]Era essa a importância, de que eles nunca tinham pensado no ambiente onde eles vivem, na região dessa forma, nunca tinham pensado
na potencialidade que seus cursos tinham de agir, e o quanto que a universidade ainda tem desafio de trabalhar numa relação mais prática
e mais eficaz com relação com a comunidade. Então uma coisa é nós aprendermos teoricamente aqui e discutirmos aqui ou até fazerem,
práticas mas dentro do ambiente universitário, outra coisa é quando isso sai da universidade e vai para a realidade prática aí com a
comunidade. Os desafios são muito grandes. E eles disseram, pautaram muito isso, o quanto que eles nunca tinham passado. Nós fizemos
uma saída de campo para o Morro da Garuva, aonde as discussões de políticas públicas que eles tinha dentro do campo da experiência
pessoal de vida que eles tiveram olhando para o mundo e a partir da sua construção do que seria uma política pública, e quais eram os
desafios de implementação. Nós fizemos primeiro um debate sobre isso, mais solto, podendo falar, e quando eles foram para a realidade
de uma comunidade, que passa dificuldades, eles viram que discutir acessibilidade não era simplesmente, por exemplo, colocar um ônibus
na frente de uma comunidade pra levar pra uma biblioteca. [...] A gente não tem noção de como é a realidade. E aí as saídas de campo e
essa aproximação que o PROESDE possibilita faz com que tu consiga enxergar coisas que não via. Aí o que você discute teoricamente e
dentro da academia, dentro dos diferentes cursos passa a ter mais eficiência na realidade porque tu estás mais próximo, tu visualizas ela.
Antes tu não vias. E tu escutas [...] Então lá eles tiveram a oportunidade de sentar com as pessoas, tomarem café, conversar e entender que
eles tem que descer 150 escadas sendo uma pessoa de 65 anos para colocar o lixo embaixo [...]. Você tem uma noção multidimensional,
você não vai olhar só o ambiente econômico por exemplo, ou pensar em uma gestão pública de que tinha que ter tal coisa lá dentro. Mas
tu passas a olhar o que é para o ser humano a sua multidimensionalidade, o que é a relação comunitária, o que é importante. E aí você passa
a questionar o que é ser cidadão, o teu olhar fica mais crítico [...].
Entrevistado 3 “Você ouvir e deixar que o aluno fale, você proporcionar, por exemplo, na primeira parte da aula o professor leva o conteúdo, mas depois
o aluno participa como ator. A saída da sala de aula também, uma visitação técnica, a gente fez muitas vezes lá no morro da Garuva, que a
gente vivenciou um dos principais problemas sociais que a cidade, a região talvez, in loco. Não é só um professor que vivenciou e vai lá e
conta como foi, e depois a gente discute pegando um texto que pode ser muito bom, mas não entende o contexto, não é só a fala de alguém,
então esse é o grande diferencial. Essas atividades fora, a gente acha que o aluno não quer participar mas ele quer sim.”
Entrevistado 4 “[O PROESDE] acaba apresentando uma dimensão um pouco diferente do que na época um curso de mestrado e depois do doutorado,
porque o mestrado e doutorado eles trabalham basicamente no entendimento ou objeto de epistemologia, e quando a gente vai ter o contato
com a graduação, no caso com pessoal do Proesde né aí a gente começa a criar uma conexão mais com a prática. Então como aquela teoria
que se estuda em nível de mestrado e doutorado ela cria uma conexão com a realidade, nas saídas a campo com as atividades de seminário,
como com as intervenções, os projetos são desenvolvidos ali. […] como a gente tinha uma zona laboratório no Ribeirão Fresco, que a gente
visitava então vi os problemas daquela comunidade, via como eles se organizavam, aí via tudo que se falava na teoria em termos de
desenvolvimento acontecendo na prática.
183

Entrevistado 5 “Então a gente vinculou muito as ações às questões práticas e também a visualização de projetos viáveis. Todas as disciplinas tinham esse
objetivo e depois os trabalhos finais nesta organização de tutoria foi muito interessante, eu acho que deu essa possibilidade do estudante
pensar inclusive em projetos viáveis. Muitos estudantes construíram projetos que seriam realmente viáveis aos municípios e que eu não sei
até que ponto isso foi aproveitado.”
Entrevistado 6 “Uma questão que eu fico um pouco aquem é a forma de socialização do trabalho. A gente tem sabido a cada evento propriamente, a cada
um dos cursos ele tem que fechar com um trabalho para o desenvolvimento regional. A gente tem pouco retorno disso, a própria
universidade tem pouco retorno. A gente sabe que cada uma dessas agendas elas são divulgadas dentro da própria universidade, mas no
sábado de manhã, as vezes é um seminário só para a aula, para a nota. Certamente tem muita coisa bacana que fica meio esquecida, então
nesse sentido acho que poderia se mostrar um pouco mais pra universidade. Porque, por exemplo, uma bolsa de estudo para o estudante é
exclusivamente bom, mas essa lógica espera uma expectativa pro próprio curso que ela tenha um produto que reverta para o
desenvolvimento da região, acho que isso tem que aparecer mais. […] do que eu me recordo teve talvez um ano que tenha tido um pouco
mais de articulações externas. No sentido de ter articulado algum projeto que foi apresentado para alguma questão que seja importante para
a comunidade. E me recordo também em relação a esse período que eu acompanhei mais de perto, um compromisso que era exigido por
contrato com a SED de promover um seminário sobre o tema, sobre os resultados. E esse seminário circulava, ora era em Blumenau, ora
em outra região e também se é em outra região tu não fica sabendo. As vezes também o porte do evento pode não comportar muitas pessoas,
acho que por isso a gente fica meio a margem para saber desses seminários. Então talvez uma forma de apresentar resultados seja na Mipe,
talvez numa outra roda de apresentações, num momento que não tenha outra questão concorrendo, apresentar o trabalho na universidade
eu acho que é importante.” Quando perguntado sobre “como você enxerga o PROESDE?”: “Eu não enxergo, eu vejo só no site que
aconteceu.”
Entrevistado 7 “E o Proesde traz essa questão pedagógica mais prática, claro que tem um aporte teórico para não ser uma coisa de senso comum. Mas essa
teoria a todo momento é testada na prática, com saída de campo, formação de projeto que é o objetivo maior do Proesde que é a entrega de
um projeto de intervenção para alterar uma determinada realidade. Então eles percebem essa realidade, eles vão lá muitas das vezes, eles
são participantes do processo literalmente. Eles entendem cada parte, é perguntado para eles em todo final de disciplina o que eles acharam,
como eles vira. […] ”
Entrevistado 8 “vale destacar a preocupação dos estudantes e professores com problemas que de fato podem ser resolvidos, ou pelo menos
problematizados, com conhecimento multidisciplinar e que impactam a/as comunidade/es envolvidas.”
Entrevista 10 “A gente procurava desenvolver artigos científicos como trabalhos finais de TCC, e neles a gente tenta instigar os alunos a escolherem
temas que estivessem próximos da realidade local deles, de seus bairros, da cidade que eles moravam, porque nas primeiras turmas tinham
também alunos de várias cidades. Eu sempre falava que eles estavam ganhando muito por ter essa oportunidade, então o que vocês vão dar
para a comunidade? As turmas mais recentes que tinham essa carga horária mais reduzida a gente começou a substituir os artigos científicos
por propostas de intervenção que são trabalhadas até hoje, porque a gente não tinha como orientar artigo científico naquele tempo. [...] Sob
o ponto de vista da inserção do aluno da comunidade, e da inserção da Furb através dos alunos e do curso, foi melhor ainda. Porque qual
era a ideia da proposta de intervenção? Era eles problematizarem alguma coisa próxima à eles... A gente sempre falava, a gente não quer
ninguém aqui discutindo proposta de intervenção para fazer o PIB do Brasil crescer ou pra fazer o dólar ser mais valorizado ou
desvalorizado, ou pra melhorar as exportações... A gente não quer isso, a gente quer discutir problemas da rua de vocês, do bairro de vocês,
184

da cidade de vocês... Era isso que a gente queria, era essa a riqueza. [...]Nós tivemos muitas saídas de campo, mais quando a carga horária
era maior, então eu acho que nisso a Furb está fazendo o papel dela que se relacionar com a comunidade através dos alunos. […] Olhando
para trás com um pouco de saudosismo quando a gente imagina como era o início nossa, mesmo que a gente substituísse os artigos
científicos que a gente cobrava naquela época pelas propostas de intervenção um pouco mais simples, eu fico imaginando o que a gente
poderia ter feito de coisas boas se a gente tivesse aquela carga horária que tínhamos no início. Um dos grandes desafios nossos era como a
gente daria o próximo passo, tínhamos excelentes propostas de intervenção, em toda turma tinha 60% das propostas de intervenção que
saíram de lá, eram propostas que poderiam muito bem serem aplicadas. Mas aí tinha um outro desafio, como a gente viabilizava isso
financeiramente, não tinha dinheiro para isso infelizmente. Até antes de ter… Acho que foi na primeira vez que nós implantamos as
propostas de intervenção como um trabalho final, a gente fez uma reunião de avaliação no final do ano e disse, no ano que vem a gente
precisa dar um passo a frente, vamos continuar com as propostas de intervenção que deram certo. A gente percebeu inclusive que os alunos
se interessaram mais, se envolveram mais, mas a gente tem que aplicar essas propostas. Alguma coisa a gente tem que aplicar. Mas para
isso precisa de recursos, de parceria, precisa de professores a disposição para orientar, precisa de toda uma estrutura. Algumas propostas
de intervenção a gente conseguiu aplicar. Teve pelo menos 2 propostas, uma foi numa escola e agora não sei quais foram os resultados,
mas eu sei que ela foi, ela foi implementada. E uma ficou no âmbito do próprio PPGDR, que foi a construção de um site pro observatório
em desenvolvimento regional que tá em funcionamento até hoje. Então, isso foi uma proposta de intervenção de alunos, que se eu não me
engano eram alunos mais da Comunicação.. enfim, de áreas afins, que pegaram pra eles esse desafio. A gente precisava naquela época
construir um site atraente ou coisa assim para dar visibilidade. Então a gente conseguiu incubar essa discussão dentro do âmbito do PPGDR.
Então nós tivemos pelo menos dias sem absolutamente nenhum tipo de recurso, porque não tínhamos recurso. Mas a gente teve pelo menos
duas propostas de intervenção que a gente pode dizer hoje, não, implementou, deu tudo certo. Mas se não tivéssemos essa restrição de
orçamento que é de ano a ano, que primeiro foi a diminuição da carga horária, depois a diminuição de bolsas, porque as primeiras turmas
com a carga horária menor ainda eram grandes. Eu acho que houve um “retrocesso”, é inevitável que tenha uma perda de gás com a falta
de recursos e com o enxugamento do curso. Se nós tivéssemos aquelas condições das primeiras turmas, certamente a gente faria bem mais.”
Fonte: Entrevistas realizadas em 2017, no contexto de iniciação científica (DE PAULA; MANTOVANELI JÚNIOR, PASCO, 2018)
185

Como se observa, as entrevistas também destacam três grandes dificuldades enfrentadas


para o aprofundamento das experiências práticas e para a implementação dos projetos. Em
primeiro lugar a inexperiência da primeira turma e posteriormente a carga horária reduzida nas
turmas seguintes. Em segundo lugar, o baixo volume de recursos para a organização dos
trabalhos de campo, em função da redução gradual do número de vagas disponibilizadas à
FURB. E em terceiro e último lugar, a falta de previsibilidade de continuidade da política
pública PROESDE e dos níveis de investimento repassados. Todas essas situações quando
somadas, por um lado engessam relativamente a capacidade de ação do programa. Mas por
outro lado também sinalizam a necessidade da busca por outras formas de parcerias e fontes de
financiamento, visto que a queixa na descontinuidade de repasses de recursos não é privilégio
deste programa. De outro lado, ainda, o programa poderia vir a se solidificar como um espaço
canalizador das experiências de pesquisa e intervenção realizadas pelos demais grupos de
pesquisa do PPGDR, como foi feito em algumas das edições em que o número de alunos era
maior, com destaque para as pesquisas realizadas no chamado Morro da Garuva, no processo
de reconhecimento do Kochkaese e nas aldeias indígenas da região.
Deste contexto se pode depreender que as práticas no PROESDE / Desenvolvimento FURB
ocorreram em quatro níveis, em variados períodos: 1) a prática em que situações controladas
são apresentadas, como estudos de caso. Foram implementadas por meio de exposições dos
professores, tutores, monitores-tutores ou outros profissionais convidados; 2) a prática de uma
espécie de observação passiva, que auxilia na compreensão das realidades por meio de visitas
técnicas às experiências socioambientais24; 3) a integração dos grupos de pesquisa e/ou dos
pesquisadores com as experiências socioambientais, por meio das vivências e; 4) Vivências
integradas a um compromisso dos grupos de pesquisa e/ou pesquisadores e/ou estudantes com
as experiências socioambientais, criando um vínculo de duração variada entre curto, médio e
longo prazos.
Seria também possível considerar que à medida que os níveis de participação são
aprofundados: 1) aumentam as possibilidades de contribuição efetiva dos grupos de pesquisa
e/ou pesquisadores e/ou estudantes com a solução dos problemas enfrentados pelas experiências
sociais e; 2) simultaneamente maior coordenação das ações seriam necessárias, de modo a
direcionar os processos e assegurar uma parceria suficientemente duradoura com as
experiências em questão.

24
Experiências sociais aqui se referem às iniciativas que objetivam a transformação da realidade local ou
regional, preferencialmente visando a solução de problemas públicos, seja no formato de políticas públicas,
associações ou demais organizações da Sociedade Civil, cooperativas, etc.
186

Outra questão a ser considerada aqui é que o aumento dos níveis das práticas, por si só, não
asseguram uma contribuição virtuosa para a transformação socioambiental em favor do
desenvolvimento sustentável. Há um campo anterior que precisa ser alcançado e que deve
balizar todo o processo, o da intencionalidade. A intencionalidade, para Mantovaneli Jr e Frey
(2019), é revertida em processos de transformação social virtuosos. O qualificador no caso do
PROESDE na FURB foi o de considerar o desenvolvimento regional sustentável e instituir os
ODM/ODS como eixos transversais. Ou seja, nesta seara, os ODM/ODS funcionariam no
programa em dois vetores: 1) pelo estudo dos indicadores de desenvolvimento sustentável, que
possibilitariam a formação da consciência crítica pelo conhecimento e mensuração da realidade
local e global, junto a outras estratégias pedagógicas e; 2) qualificariam as atividades práticas.
Observa-se também, nas entrevistas, a manifestação negativa com relação à forma que a
interação comunicacional era realizada pelo programa com outros setores da FURB e
externamente, ao ponto de um dos entrevistados, como já mencionado, explicitar que “não
enxerga o PROESDE”. Neste sentido, Serva (2012) observa que a busca de legitimidade é uma
meta das organizações, e que uma comunicação externa mais efetiva, na conformação de uma
governança participativa, poderia assegurar maiores níveis de contribuição social, inclusive na
forma da implementação dos projetos de intervenção.

3.5.4 A Avaliação do PROESDE / Desenvolvimento FURB por parte dos estudantes de


graduação

A avaliação por parte dos estudantes de graduação do PROESDE / Desenvolvimento


FURB pode ser relatada a partir de três fontes: 1) dados coletados por questionário no âmbito
de projeto de iniciação científica; 2) relatos registrados no contexto da edição 2018 do
programa, no âmbito de projeto de iniciação científica; e 3) relatos obtidos no contexto da
observação participante da pesquisadora nas edições de 2017 a 2019, registrados em diários de
campo.
A pesquisa com questionário deu conta de alguns dados significativos, dos quais se faz
menção aqui. Na dimensão de qualificação crítica, 61,1% dos entrevistados concordaram
parcialmente ou plenamente que os conhecimentos e habilidades adquiridos no PROESDE
influenciaram sua formação profissional. Quando questionados se concordavam que o
desenvolvimento sustentável é um processo multidimensional, que envolve as esferas social,
ambiental, econômica e política, 77% responderam concordar plenamente e 18,3%
responderam concordar parcialmente. Questionados sobre se o PROESDE instigou seu
187

interesse pela pesquisa científica, 6,3% discordaram totalmente, 29,9% discordaram


parcialmente ou foram indiferentes e, 30,2% concordaram parcialmente e 29,4% concordaram
plenamente. Sobre a importância da relação do tripé universitário, 21,5% foram indiferentes,
discordaram parcialmente ou totalmente, e 78,6 concordaram parcialmente ou plenamente. Para
89,9% o PROESDE promoveu, parcialmente ou plenamente, o conhecimento acerca de
indicadores de realidades regionais. Sobre ações vivenciais, 90,2% concordam parcialmente ou
plenamente que o programa promoveu ações vivenciais que contribuíram para a sua
compreensão das realidades regionais. Ainda além, 77% concordam parcialmente ou
plenamente que a compreensão e transformação das realidades regionais são questões para a
sua atual atuação profissional e pessoal. Sobre ao conhecimento de ODM/ODM, 85,4%
concordaram parcialmente ou plenamente conhecerem que o Brasil é signatário da agenda
global de desenvolvimento e que suas ações impactam no alcance das metas lá propostas. No
entanto, apenas 50% concordam parcialmente ou plenamente que seus TCCs contribuíram para
os ODM/ODS (SILVA; MANTOVANELI JUNIOR, 2018).
Já os relatos registrados em diários de campo no âmbito de pesquisa de iniciação científica
e de pesquisa-ação, dão conta de que uma parte significativa dos estudantes ingressam no
PROESDE em função de expectativas exclusivas relacionadas à bolsa de estudos que cobria
70% do valor da graduação. Porém, durante o curso começam a perceber que há um potencial
de compreensão da sociedade sob o aspecto multidimensional, que vai além da perspectiva de
suas formações de origem (em geral bacharelados). Ainda, alguns chegam a relatar que o
PROESDE qualificou suas formações de origem e instigou a responsabilidade social e
ambiental presentes em suas decisões e ações seja no campo pessoal ou profissional.

3.6 RESULTADOS POR CATEGORIAS DE ANÁLISE

Como já mencionado, o PROESDE / Desenvolvimento FURB não assumiu


declaradamente a perspectiva humanista da abordagem multidimensional possibilista de
Guerreiro Ramos em documentos como os projetos, relatórios e os regulamentos internos, ainda
que o sociólogo conste em alguns casos como uma referência bibliográfica. Ainda assim, é
possível detectar evidências de que o funcionamento do programa incorpora a vertente. Desta
forma, o Quadro 13 apresenta uma síntese de discussão destas evidências a partir das categorias
de análise elencadas no primeiro capítulo.
188

Quadro 13– Evidências de abordagem multidimensional possibilista no PROESDE / Desenvolvimento FURB

Categorias Evidências
Redução sociológica O programa trabalha com a mesma variedade de autores e experiências dos grupos de pesquisa envolvidos no seu cotidiano por
meio de tutores e monitores-tutores. A base epistemológica é variada e, até mesmo em muitos casos, alternativa em relação ao
mainstream das TDRs, valorizando tanto autores nacionais como autores estrangeiros, cuja abordagem valoriza experiências
empíricas culminando até mesmo em projetos de intervenção conectados com a realidade local e regional. Embora nesse contexto
a utilização da estratégia ODM/ODS possa parecer um paradoxo, os indicadores são utilizados como balizadores de análise da
realidade regional, sem esgotar outras fontes de dados. Além disso, os ODM/ODS tem uma metodologia que permite a discussão
local da validade dos indicadores onde também podem ocorrer modificações. Não é, portanto, uma metodologia rígida.
Racionalidade Aqui vale rememorar que a proposta da abordagem multidimensional possibilista não é a de aniquilar a racionalidade instrumental
substantiva em favor da hegemonia da racionalidade substantiva. Mas sim, estabelecer uma relação dinâmica entre as duas racionalidades,
sempre considerando suas utilidades coletivas. Neste sentido, o processo formativo dialógico que é aberto internamente com os
participantes diretos do programa de extensão, bem como orientação para atuação junto a movimentos da sociedade civil como o
Movimento Nós Podemos!, por exemplo, incita ao exercício de uma ciência comprometida com o entorno em que se desenvolve,
valorizando o papel transformador da universidade e o permanente questionamento de estruturas dadas com vistas a avaliar sua
efetividade no entorno regional.
Consciência crítica A formação da consciência crítica integra como objetivo alguns dos documentos internos analisados do programa. Esta categoria
de análise considera uma série de saberes além da práxis, além de um esforço individual que, contudo, são difíceis de mensurar
como resultado alcançado para além do objetivo declarado.
Sociedade A sociedade multicêntrica pode ser diretamente referida à interdisciplinaridade, desde que consideradas as diversas dimensões em
multicêntrtica uma priorização a priori. O programa prezou pela diversidade de abordagens apoiado na estrutura de indicadores da estratégia
ODM/ODS, que pode ser potencializada a partir da diversidade de áreas do conhecimento envolvida na seleção dos estudantes
participantes.
Homem Parentético O Homem Parentético pode ser considerado também uma derivação da aquisição individual de consciência crítica. Da mesma
forma que esta categoria anterior é difícil de ser mensurada, o programa adota uma postura dialógica interna e externamente, que
procura valorizar a formação do Homem Parentético, no sentido atribuído por Guerreiro Ramos.
Possibilidades O exercício de construção de conjecturas apoiadas na realidade controlável de acontecimentos é realizado, novamente, com o
objetivas aporte na estratégia ODS/ODM. O cotidiano do programa é balizado, de um lado pela análise da realidade por meio dos indicadores
do desenvolvimento sustentável. E, por outro lado, na intenção de proposição de soluções para problemas locais e regionais por
meio dos projetos de intervenção.
189

Interdisciplinaridade Já mencionada como uma das expressões da sociedade multicêntrica.


Governança Por meio das atividades práticas tais como os seminários, bem como de todo o processo de construção dos projetos de intervenção,
há um esforço de mobilização integrada de atores sociais tanto para a compreensão dos problemas locais e regionais como para a
proposição de soluções. Contudo, o alcance desta integração ainda encontra obstáculos.
Desenvolvimento Opção estratégica declarada nos documentos internos do programa e, em algumas edições, também como orientação proveniente
sustentável da SED. Além disso, a presente tese considera que a abordagem multidimensional possibilista do desenvolvimento é uma (dentre
outras) oportunidade de assentamento teórico da estratégia do desenvolvimento sustentável, de modo que as evidências analisadas
em outras categorias, podem sustentar evidência de que o programa contribui com o desenvolvimento sustentável.
Fonte: A autora (2022)
190

3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo se destinou a contextualizar a experiência do PROESDE / Desenvolvimento


FURB no período de 2009 a 2019, enquanto política pública de abordagem multidimensional
possibilista de formação para o desenvolvimento regional, tendo como pressuposto o
PROESDE / Desenvolvimento FURB que, como política de educação e política de
desenvolvimento regional, utiliza-se de expedientes e abordagens metodológicas que
contribuem para o desenvolvimento sustentável, e mais especificamente para os ODM/ODS.
Há duas vertentes possíveis para essa contribuição. Uma delas é a mais explícita em termos
de expectativas, qual seja, a de promover ações que diretamente se revertam em melhoria dos
indicadores para o alcance ODM/ODS. Seriam os resultados mensuráveis das ações do
PROESDE / Desenvolvimento FURB, de importante consideração. Neste quesito, o programa
teve relativamente pouco sucesso, uma vez que de 55 TCCs no formato de projetos de
intervenção que foram levantados, apenas três puderam ser implementados.
A outra vertente corresponde a consideração de que justamente por se tratar de uma política
pública de educação e de desenvolvimento regional, isso a torna abrangente do ponto de vista
processual. Nestes termos, o capítulo procurou descrever e analisar a trajetória de dez anos de
história do PROESDE na FURB, sendo que a partir de 2015 passou a ser denominado
PROESDE / Desenvolvimento FURB, em sua área de atuação no desenvolvimento regional. O
foco foi o de identificar convergências da proposta e de sua execução com os aspectos da
abordagem multidimensional possibilista do desenvolvimento e com o desenvolvimento
sustentável. Em outras palavras, contextualizar e avaliar o processo da política pública
PROESDE / Desenvolvimento FURB como expediente de mudança de paradigma de
desenvolvimento no sentido de inserir a multidimensionalidade em seu escopo.
Neste sentido, Ramos (1989) advoga que o caminho para a mudança paradigmática
evocada passa pela consideração da racionalidade substantiva na criação e execução de
estratégias de desenvolvimento, avançando no sentido de um equilíbrio entre as racionalidades
instrumental e substantiva. E aqui as universidades desempenham um papel fundamental neste
percurso, pela consideração dos aspectos ético-valorativos em defesa de uma ciência cidadã.
No caso de uma política pública, vale retomar a observação de Arretche (2001), que afirma
que implementadores de políticas públicas são também, em alguma medida, tomadores de
decisão, uma vez que há um espaço de autonomia que permite (ou até condiciona) que sua
atuação seja pautada em referenciais próprios. E é neste sentido que a análise do eixo político-
administrativo do PROESDE / Desenvolvimento FURB permitiu visualizar que há uma
191

intencionalidade declarada que coloca o desenvolvimento sustentável como estratégia desejável


de abordagem do desenvolvimento regional. Este fator é, em alguma medida, a expressão de
uma tentativa de equilíbrio entre as racionalidades instrumental e substantiva.
Por outro lado, a afirmação de Arretche (2001) também evoca que os referenciais de
formação dos sujeitos irão compor a implementação das políticas públicas que tais sujeitos
operem atualmente ou futuramente. Neste sentido, o processo pedagógico é determinante.
Para BALL (2004),
muito da educação moderna preocupa-se com aprender a respeito – isto é, com
adquirir “informação”. Mas a educação geralmente – e o estudo da Teoria
Política em particular – não é meramente uma questão de adquirir informação,
de “aprender a respeito” de algum assunto; mais importante ainda, é um tipo
de aprender com – de lutar com, e criticamente se apropriar de, perspectivas
alternativas que complicam e enriquecem a visão de mundo e o lugar de cada
um por meio do questionamento das afirmações e dos esquemas conceituais
convencionais. E isso, certamente, deve ser anteposto às razões para
periodicamente reavaliarmos o valor de uma herança intelectual cujo valor
está para sempre em questão e aberta a uma variedade de diferentes
interpretações e avaliações.

De modo que a análise do eixo cognitivo do PROESDE / Desenvolvimento FURB permitiu


explorar o fazer pedagógico cotidiano do programa, ao que se constatou que o programa
realizou o tripé universitário de ensino, pesquisa e extensão em um envolvimento entre diversos
departamentos dentro e fora da universidade.
A educação tutorial, por sua vez, em seu aspecto dialógico e de formação de consciência
crítica foi levada a cabo durante todas as edições do programa estudadas. O aspecto dialógico,
tão valorizado no programa, resultou em uma educação para a cidadania uma vez que buscou
eliminar o autoritarismo da verticalidade tradicional da relação entre professores e alunos, que
é comum na educação tradicional. Ao mesmo tempo, ao dialogar dentro de uma perspectiva
mais horizontal possível, esquivando-se da lógica da educação bancária (FREIRE, 2004), todos
os atores do processo estiveram implicados na construção do conhecimento. Quando a
preocupação com a construção desse conhecimento extrapola o campo teórico, sem ignorá-lo,
e atinge as práticas dentro da realidade social, um salto significativo de implicação dos
processos que se relacionam ao desenvolvimento do território em questão são atingidos.
A FURB não admite os ODM/ODS acriticamente. Evidências neste sentido são
encontradas na fala de diversos entrevistados e no percurso de criação dos Círculos Tutoriais
como metodologia da educação tutorial. Neste sentido, o campo processual diverge em certo
sentido do campo intencional dessa agenda global, que está mais relacionado ao alcance de
192

metas estabelecidas. Contudo, a agenda não apresenta receitas de sucesso para o alcance,
cabendo aos espaços nacionais e locais construí-las.
É válido, finalmente, rememorar que o PROESDE em nível estadual foi criado no contexto
da política de descentralização administrativa do governo de Luiz Henrique da Silveira, que
fortaleceu o poder político-partidário que já era dominante, incorporando ou sufocando, em
certa medida, iniciativas que poderiam se dar também no espaço de outras instituições regionais
compostas pela Sociedade Civil (THEIS e MANTOVANELI JUNIOR, 2019). De modo que é
de se esperar que a regulamentação proveniente da SED para o PROESDE tenha tido função
similar. Nesse sentido, o PROESDE / Desenvolvimento FURB, por meio do PPGDR,
reivindicou a possibilidade implementação de um modelo formativo dialógico que visasse
contribuir com a territorialidade regional e o desenvolvimento sustentável. Isto, em certa
medida, extrapolou a motivação e o próprio conteúdo de criação do programa em âmbito
estadual.
193

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198

4 PROPOSTA DE EDUCAÇÃO IMBRICADA NA ABORDAGEM


MULTIDIMENSIONAL POSSIBILISTA DO DESENVOLVIMENTO

4.1 INTRODUÇÃO

O primeiro capítulo desta tese realizou um estudo para compreensão da inserção da


abordagem multidimensional no contexto do desenvolvimento regional e sua relação com o
desenvolvimento sustentável. Já o segundo capítulo fez uma descrição analítica do PROESDE
/ Desenvolvimento FURB em suas relações externas e internas à instituição. Já o presente
capítulo objetiva propor pressupostos para o PROESDE / Desenvolvimento FURB, no que
tange à abordagem multidimensional e possibilista do desenvolvimento regional, por meio da
estratégia de desenvolvimento sustentável.
Desta forma, a apresentação do capítulo inicia com uma síntese das críticas e
proposições do sociólogo Alberto Guerreiro Ramos no sentido da mudança de paradigma de
desenvolvimento, seguido de um levantamento bibliográfico e discussão dos avanços da TDSS
e do paradigma paraeconômico no ambiente acadêmico. É neste momento que emerge a
necessidade de compreender o papel da universidade frente ao desafio de implementação de
um novo paradigma de desenvolvimento.
Aqui vale destacar que Ramos (1989) observa que dificilmente poderiam ser integradas
a atualização pessoal com a maximização da utilidade mercadológica em um mesmo tipo de
organização, ainda que no espaço real não seja impossível. Ao que o autor postula que
onde quer que ambas [racionalidades] sejam seriamente consideradas como
imperativos fundamentais da vida individual e social, é preciso que se
delimitem enclaves em que cada uma delas possa ser convincentemente
atendida. A maximização da utilidade é incidental, nos sistemas que visam a
atualização pessoal e, conversamente, a atualização pessoal é incidental
naqueles que visam a maximização da utilidade (RAMOS, 1989, p. 142).

Ainda mais, para o autor, a atualização humana é um direito, e este elemento justifica a
existência de um sistema social multidimensional, onde o sistema de mercado seja uma
ferramenta que possibilite a existência de outras formas de organização, baseadas em outras
racionalidades. É nesta seara que se abre o questionamento de onde a educação - e aqui, mais
especificamente, a universidade - se enquadraria na configuração do sistema social
multicêntrico ou paradigma paraeconômico. Se a universidade almeja exclusivamente
possibilitar a autoatualização de quem a acessa, seria essa a condição que a faz ser percebida
199

pela sociedade como uma “Torre de Marfim”? Quais os caminhos possíveis para uma
universidade que promova a ciência cidadã?
Esta discussão desemboca no tópico sobre o papel do PROESDE / Desenvolvimento
FURB neste contexto e na proposição de pressupostos que devem ser mantidos no programa,
bem como aqueles que seriam alvos do que se considera melhorias no caminho de transição
entre os paradigmas de desenvolvimento.

4.1.1 Percurso metodológico

Trata-se de um capítulo propositivo que se inscreve no contexto da pesquisa-ação


realizada e que objetiva documentar as propostas de solução de problemas diagnosticados no
PROESDE / Desenvolvimento FURB no segundo capítulo, sob a ótica das teorias de abordagem
multidimensional possibilista do desenvolvimento.
Inicialmente realiza-se uma síntese de tais teorias, seguida de um levantamento
bibliográfico para analisar seus possíveis avanços. O levantamento bibliográfico foi realizado
em três bases de dados conectadas ao Portal de Periódicos CAPES, logado via Comunidade
Acadêmica Federada – CAFE, o que permite o acesso remoto a todo o conteúdo assinado pelo
Portal e não apenas documentos de acesso aberto. As bases de dados consultadas foram Scopus,
EBSCO e Web of Science, onde foram inseridas as expressões de busca “delimitação dos
sistemas sociais”, “paradigma paraeconômico” e “paraeconomia” e seus equivalentes no idioma
inglês, não sendo delimitado o período temporal. A busca retornou o total de nove documentos
que foram analisados e transformados em um quadro com os respectivos resumos, seguido de
uma discussão dos resultados encontrados.
Para as proposições foi realizado uma síntese com aporte de alguns novos dados
provenientes da observação participante no contexto da pesquisa-ação em conjunto com os
novos aportes das teorias de abordagem multidimensional possibilista, resultando em algumas
sugestões para o PROESDE / Desenvolvimento FURB.

4.2 BASES DA CIÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES TRADICIONAL E HEGEMÔNICA –


OU AO QUE A ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL POSSIBILISTA SE
CONTRAPÕE

A propositura de uma nova ciência das organizações de Ramos (1989) é elaborada com
base em uma série de críticas elencadas pelo autor ao longo de mais de trinta anos de atuação
200

como intelectual “em mangas de camisa” (AZEVÊDO MENDES, 2006). Da trajetória


profissional de Guerreiro Ramos é possível extrair a primeira crítica a qual ele pretende
combater, a saber, um certo isolamento da produção de conhecimento dos elementos reais da
sociedade. Guerreiro Ramos foi considerado um intelectual “em mangas de camisa” justamente
porque sua trajetória foi em grande medida percorrida fora da academia e das universidades,
mas sempre conectada de alguma forma aos estudos e ações sociais dentro da esfera pública no
Brasil.
Essa experiência fez com que o autor observasse que o cientificismo acadêmico admite
não raramente um padrão de mimetismo e replicação de teorias estrangeiras, cuja transposição
para a realidade brasileira era inócua em termos de benefícios para a sociedade25. Daí também
decorre a segunda crítica, qual seja, a de um padrão colonialista dos países periféricos no
planejamento do desenvolvimento, que aprisiona os países em um esquema de perseguição de
arquétipos e pré-requisitos novamente desconectados com a realidade social local. Mas mais do
que isso, mantendo a condição de subdesenvolvimento desses países. É sob essa crítica que
seria apresentado o primeiro grande esforço de sistematização de uma nova ciência social - a
Redução Sociológica como método de depuração das teorias e experiências estrangeiras, de
modo a se aproveitar somente aquilo que faz sentido e pode promover um “bom”
desenvolvimento em cada nação.
Uma terceira crítica é sobre a ausência de uma compreensão global das fases a partir
dos elementos de tempo e espaço, no campo das ciências sociais. Ramos (1996) afirma que um
determinado período histórico é composto por uma série de eventos de relações causais que
formam uma categoria lógica formulada por análises posteriores. Neste sentido, e já engatada
a uma quarta crítica, Ramos (1989) observa que a sociedade já foi regida por uma racionalidade
mais solidária do que a instrumental. Esta última somente teria passado a reger a sociedade a
partir do Iluminismo, aprofundada pela Revoluções Industriais posteriores. A racionalidade
instrumental foi e é necessária até os dias atuais. Contudo, o desenvolvimento capitalista e
tecnológico já chegou a uma fase em que é possível que toda a população mundial saia de
condições medievais de subsistência. Não é plausível, portanto, que permaneça a tônica de uma
racionalidade desprovida de valores para todo o espectro da vida humana individual e associada.

25
É importante, contudo, mencionar que tal crítica não invalida a universalidade de enunciados gerais da ciência
em duas frentes complementares: 1) não é possível negar o domínio da ciência no sistema mundo; 2) a ciência é
um conjunto semântico e de habitus que adquire e compartilha formando um mesmo repertório de enunciados,
que podem ser qualificados como a epistemologia de cada área ou campo científico (RAMOS, 1996).
201

A quarta crítica seria, então, o que o autor denomina de transavaliação da razão, ou seja,
um processo de unidimensionalização da razão, como se somente pudesse ser racional a ação
vinculada a um tipo de cálculo utilitário de ganhos. No espectro da transavaliação da razão, é
possível identificar três elementos de expressão com o auxílio da psicologia social, a saber: a
Síndrome Comportamentalista e a Política Cognitiva, que pode estar vinculadas à uma
colocação desapropriada de conceitos.
A Síndrome Comportamentalista é uma espécie de conduta mecanomórfica orientada
por balizadores externos ao indivíduo, com o intuito de geração de uma ordem social pautada
em critérios economicistas, ao qual Ramos (1989) denomina comportamento. Nela, há a fluidez
da individualidade; o perspectivismo que condiciona o ser humano a se comportar de forma
diferente em cada ambiente que frequenta, e sempre baseado em um cálculo utilitário de ganhos
individuais; o formalismo como uma característica de hiper-correção, onde o indivíduo toma
as regras como imutáveis e destitui-se de padrões éticos substantivos de avaliação26 e; o
operacionalismo positivista, em que somente é dado relevância, principalmente na ciência,
àquilo que se pode reduzir a números.
Já a Política Cognitiva opera no uso de uma linguagem que distorce os sentidos do que
comunica, como forma de cooptar indivíduos para os interesses de quem realiza tal distorção.
Neste sentido, o que se observa também é a ação transplantar termos de uma para outra área do
conhecimento, como por exemplo o uso do termo “sanidade organizacional”. Isto porque, para
Ramos (1989), não é possível falar de sanidade senão se referindo a pessoas.
Uma última crítica deu conta dos limites ecológicos do modelo de desenvolvimento
economicista e baseado no consumo desenfreado que a sociedade, principalmente americana,
vivenciava nos idos das décadas de 1960/1970. As discussões que desencadearam a estratégia
mundial posterior do desenvolvimento sustentável já estavam em curso e Guerreiro Ramos fez
poucas referências a autores que estavam abordando a questão na academia. Mas desde logo
observou que suas proposições teriam a preocupação com os desafios ecológicos que se
agravariam ao longo dos próximos anos, caso o modelo de desenvolvimento permanecesse
inalterado.

26
Um detalhe importante para os fins do presente trabalho é a denúncia que Guerreiro Ramos faz com relação à
educação e ao formalismo. Observa ele que a educação, a depender de como é conduzida, é formalista, visto que
mais se preocupa com forma (adequação e correção de condutas) do que com seu conteúdo intrínseco.
202

4.3 BASES E ESTRATÉGIAS DA TDSS – UM COMPILADO SINTÉTICO

Em sua trajetória intelectual, Guerreiro Ramos não se contentou apenas em apontar


críticas, sobretudo, à um paradigma de sociedade centrado no mercado. Mais do que isso, ao
passo que se envolvia em experiências de desenvolvimento vinculadas à esfera pública, tanto
na burocracia como no fazer político, realizava reflexões que se revertiam em novas
proposições. Assim, defendeu que uma nova ciência deveria se ocupar não apenas de análises
ex post facto que determinariam um arcabouço de premissas consideradas posteriormente a
priori, para novos estudos e para o avanço científico. Uma nova ciência, na concepção do autor,
estaria profundamente conectada aos processos sociais dinâmicos, de modo que qualquer “vir
a ser” somente seria possível por uma construção pactuada baseada em tentativas, análises,
erros e novas tentativas. Ou seja, em um processo de análise simultâneo ao curso das
experiências, e com o comprometimento do pesquisador – algo como a práxis.
Neste sentido, aqui se classificam as contribuições da TDSS em dois sentidos, que não
esgotam outras possibilidades. O primeiro se refere ao embasamento das ações individuais e
coletivas em um espectro de admissão da multidimensionalidade da sociedade. E o segundo se
refere à uma estratégia de tipo ideal weberiano, que precisaria ser complementada e corrigida
concomitantemente às experiências orientadas por tal estratégia – a denominada possibilidade
objetiva.
No campo do embasamento das ações individuais e coletivas, está a defesa da formação
de uma consciência crítica, a readmissão da racionalidade substantiva como balizadora de ações
(em contraposição a comportamentos) em complementaridade à atitude parentética. A
formação da consciência crítica seria a possibilidade dos indivíduos, após superada a condição
de existência puramente biológica, acessarem e assimilarem as informações que os cercam de
forma crítica e questionadora. É também o pleno exercício político, que pode ser desempenhado
tanto pela educação formal como pela participação em grupos de trabalho coletivos com causas
compartilhadas. Portanto, a aquisição da consciência crítica deve ser abordada tanto no sistema
educacional como na realidade coletiva. Não é, contudo, a despeito de críticas infundadas aos
trabalhos de educadores como Paulo Freire, uma educação distanciada da ciência. Ao contrário
disso, para Ramos (1996) e Freire (1967), a consciência crítica teria que ser alcançada pelo
acesso a informações e às condições de decodificação e assimilação dessas informações, o que
demanda um certo repertório de conteúdos.
Já a readmissão de uma racionalidade substantiva seria o reconhecimento de que a
humanidade se desenvolveu ao longo de muitos anos a partir de uma racionalidade muito mais
203

valorativa do que instrumental, que Ramos (1989) denomina racionalidade substantiva. A


racionalidade instrumental foi, portanto, um agregado episódico que somente passou a fazer
sentido na sociedade moderna, onde o cálculo utilitário de ganhos individualistas passou a
marcar a tônica do desenvolvimento. É algo muito mais recente do que ao senso comum cabe
conceber. E por isso mesmo necessita uma compreensão crítica da realidade. A racionalidade
substantiva balizaria outros tipos de organizações que não as econômicas. Estas últimas
continuariam sendo orientadas pela racionalidade instrumental e necessárias na sociedade,
contudo, limitadas a enclaves específicos.
A adoção da racionalidade substantiva, por sua vez, somente pode se dar como
consequência da chamada atitude parentética que é dependente da consciência crítica. A atitude
parentética é a capacidade de observar os fenômenos sociais “entre parênteses”, de modo a
realizar um exercício de questionamento das regras e normas postas e até mesmo aceitas como
universais, sobretudo aquelas conduzidas com base na racionalidade instrumental. Seria
também uma forma de contraposição à Síndrome Comportamentalista e uma forma de proteção
contra a Política Cognitiva e a colocação inapropriada de conceitos. Com a atitude parentética,
os indivíduos seriam capazes de agir e não somente de se comportar27.
No campo das estratégias, está o método da redução sociológica, o paradigma
paraeconômico e seu sistema de requisitos adequados e realocação apropriada de recursos, bem
como a noção de possibilidades objetivas. A redução sociológica é o antídoto ao padrão de
mimetismo teórico e prático das sociedades periféricas. Incapazes que se percebem de construir
suas próprias trajetórias de desenvolvimento, importam e internalizam acriticamente teorias e
experiências estrangeiras. A redução sociológica, ao contrário, é um método que permite a
depuração do que é útil e cabível dentro da literatura estrangeira e do que cabe refutar, adaptar
ou reconstruir. Seria, em última análise, o exercício de construção de epistemologias próprias
sem desconsiderar o que há de realmente universal nos enunciados científicos. Sua validade
estaria vinculada às ciências sociais pelas suas características mesmas de diferenciação em
relação às ciências naturais.
O paradigma paraeconômico é a representação da sociedade multidimensional (ou
multicêntrica). É um constructo heurístico e baseado nos tipos ideais weberianos, que separa
em enclaves específicos os diferentes tipos de organizações que precisariam existir em um

27
Aqui cabe relembra a distinção que Ramos (1963) e Ramos (1989) esboça entre comportamento e ação. O
comportamento é atitude, geralmente hiper-correta, amalgamada com uma ordem social pautada puramente em
critérios de mercado, portanto, instrumentais. Já a ação é o agir próprio de quem delibera valorativamente sobre
a finalidade e as consequências de suas ações.
204

mesmo nível de importância em relação às organizações de mercado. Assim, há destaque para


os enclaves da economia, da fenonomia e da isonomia. Outros enclaves existem também nesta
representação, mas eles ocupam um espaço de menor importância.
Assim, às economias caberia a racionalidade instrumental e as organizações de
mercado; às fenonomias e isonomias, cuja principal diferenciação é o tamanho – as primeiras
maiores e as segundas menores a ponto de poder se constituir de apenas um membro - caberia
a racionalidade substantiva e organizações dos mais variados tipos, desde associações de
moradores e cooperativas até grupos de voluntários. É nas fenonomias e nas isonomias que o
ser humano estaria liberado de obrigações e enquadramentos sociais, de forma que possam
exercer de forma livre sua autoatualização pessoal, o que contribuiria para sociedades
psicológica, ecológica e socialmente mais justas e equilibradas. Para tanto, nesses espaços, o
lucro não seria o objetivo, mas sim ocorreria de forma incidental.
A cada um dos enclaves incide também um conjunto de requisitos adequados, quais
sejam, de tecnologia, tamanho, espaço, tempo e cognição. A tecnologia tanto nas economias
como nas fenonomias e isonomias deve ser ferramenta e não ponto de partida. O tamanho é
variável, não há consenso, mas o que se observa é que economias admitem grandes tamanhos
organizacionais, enquanto as demais são menores e, inclusive, conforme aumentam seu
tamanho tendem a instrumentalizar-se e perdem os objetivos iniciais de autoatualização e
atuação política. O espaço é tanto mais funcional quanto a organização é econômica, e tanto
mais orgânico quanto a organização se apresenta como uma fenonomia ou uma isonomia. O
tempo é apresentado com uma variação de abordagens e é serial/cronológico e sob a lógica
produtivista taylorista na medida em que a organização está inserida no enclave econômico.
Tempos conviviais parcialmente liberados de obrigações instrumentais estariam mais
adequados aos enclaves das fenonomias e isonomias. Os tempos conviviais seriam também
complementados por tempos de salto, que são intensos momentos de criatividade e
desprendimento de coações sociais.
Mas o paradigma paraeconômico somente se sustenta por uma alocação adequada de
recursos. Neste quesito, Ramos (1989) faz menção às políticas públicas e ao papel do Estado
na reorientação dos recursos para garantir a existência de uma sociedade multidimensional. Mas
faz igualmente menção ao poder de escolha individual e coletiva, no sentido de que indivíduos
e organizações do enclave econômico podem fomentar e participar de experiências distantes da
lógica do mercado ou da tutela do Estado, pela via do voluntariado, por exemplo. Há, ainda, a
menção da admissão de atividades como as de cuidado doméstico no cálculo econômico da
sociedade.
205

Mas Ramos (2009) argumenta que para tanto, haverá de existir um exercício de
construção de possibilidades objetivas. O termo não é uma invenção do autor, mas de origem
weberiana e guarda significativa relação com os ideais de inédito viável (FREIRE, 2014) e
utopia concreta (BLOCH apud MATOS, 2018). A ideia central das possibilidades objetivas é
a de que é possível compreender o desenvolvimento de forma imbrincada na realidade social
dos diferentes países, e com isso construir caminhos alternativos de mudanças, que podem, e
provavelmente irão, diferir de modelos aceitos como tradicionais de desenvolvimento ou de
experiências estrangeiras. É um caminho onde concomitantemente a uma compreensão
profunda das realidades sociais onde os pesquisadores estão inseridos e/ou analisam, processos
de transformação possam ser encarados e experimentados.

4.4 AVANÇOS E ATUALIZAÇÕES DA TDSS

A TDSS foi apresentada em 1983, e o próprio autor da proposta reconhece que é uma
proposição incipiente e que novas experimentações precisarão ser testadas para o seu
aprimoramento. Neste sentido, optou-se por realizar uma pesquisa que pudesse compreender
se, e quais, foram as aplicações da teoria e os avanços alcançados. É assim que se apresenta o
resultado da consulta à publicações que abordassem a TDSS e a paraeconomia, conforme
Quadro 14.
206

Quadro 14 - Consulta à publicações que abordam a TDD e a paraeconomia


Referência Quais as contribuições para a TDSS?
1 Tombi; Salm; Os autores argumentam que as empresas fazem parte da Sociedade Civil e que suas funções sociais vão além da geração de lucro.
Menegasso, 2006 Ainda, afirmam que a visão de que a atividade filantrópica e de voluntariado não podem mais serem vistas como atividades de
transferência simples de capital entre empresas e comunidade, como se houvesse uma perda para quem doa. Ao contrário, propõem
que, uma vez que as empresas integram a Sociedade Civil e interagem com seu entorno e diversos atores sociais, investimentos em
ações que emanam das comunidades são benéficos também para as empresas, sem que estas abandonem suas atividades principais.
Neste sentido, a responsabilidade social empresarial configura como parte da gestão de bens comuns, desde que construída com base
em processos dialógicos e não hierárquicos com as comunidades locais – principalmente aquelas afetadas pelas atividades
empresariais. Em outras palavras, esquemas de co-produção do bem comum fortalecem a sociedade e consolidam a democracia e
estão em lado oposto à ações assistencialistas. Neste cenário o papel do poder público seria o de articulador entre demandas sociais
com foco na realização humana, e a capacidade de financiamento de iniciativas. Isto porque o ambiente burocrático, seja ele estatal
ou privado, tende a solapar ações de caráter substantivo uma vez que valoriza a racionalidade instrumental e tende a uma relação
artificial com a população, quando entendida como uma relação entre cliente e consumidor. Para além do papel do Estado, os autores
defendem que o voluntariado pode ser um importante elo entre Empresas, Terceiro Setor e Comunidade, sendo que é papel das
empresas do Terceiro Setor, cujo objetivo não de lucro, atrair e manter o voluntariado em torno das causas que defendem. “Entretanto,
apenas a intenção de realizar o bem comum não é suficiente e não pode substituir organização, liderança, accountability, performance
e resultados.” (p. 134). Neste sentido, o trabalho voluntário estaria conectado com a concepção do estabelecimento de relação para
a auto atualização pessoal de Guerreiro Ramos, e consequentemente referido às isonomias que não possuem finalidade econômica
mas sim a participação pela via da convicção pessoal. Para os autores, a experiência de trabalho voluntário encampada pela empresa
Gerdau, no Rio Grande do Sul, tem os contornos da TDSS, uma vez que as ações de responsabilidade iniciaram por um
relacionamento da empresa com escolas da comunidade e evoluíram para diálogos permanentes de construção coletiva de soluções
para as áreas onde a empresa atua, contando com a mobilização e participação de voluntários de diversos setores da sociedade.
2 Camara; Goulart; O artigo analisa o Movimento Hip Hop de Porto Alegre sob a ótica da Redução Sociológica e da TDSS. Observa que o movimento
Reinher, 2010 se organiza de forma independente e que sua inserção no enclave econômico é incidental, embora aporte significativamente para a
melhoria das condições de vida dos sujeitos envolvidos com o movimento. Mas a prioridade do movimento é 1) ser um canal de
expressão das condições sociais que os grupos estão inseridos ou observam e, 2) uma forma de articulação relacionada à educação,
política e cultura que proporciona acesso à oportunidades que isoladamente não teriam considerando as condições de vida em bairros
pobres onde residem.
Além disso, ao explanar sobre as origens do movimento hip hop no mundo, os autores explicam que, ainda que tenha sido criado nos
Estados Unidos em um contexto muito próprio de resistência às questões de desigualdade racial, e que somente posteriormente tenha
sido “importado” para Porto Alegre e outros lugares do mundo, o movimento faz uma assimilação crítica de suas referências e adequa
o Hip Hop às realidades de Porto Alegre, o que, para os autores, representa um exercício de Redução Sociológica.
3 França Filho, O artigo argumenta que o eco restrito que as teorias de Guerreiro Ramos obtiveram até o momento pode ser justificado pela
2010 permanência de um sistema de crenças na economia de mercado como sendo hierarquicamente superior a outras formas de
207

organização social para a geração de desenvolvimento. Neste sentido, observa que a economia é, na verdade, plural. Assim, o autor
faz uso dos estudos de Polanyi e Laville para apresentar a pluralidade da economia, onde existe pelo menos três formas
complementares de economia: a mercantil, com comportamento individual; a não-mercantil, que é de cunho estatal, redistributiva, e
de comportamento obrigatório; e a não-monetária, de comportamento de dádiva (Mauss) e onde se assentam diversas atividades
como o voluntariado, o trabalho doméstico, etc. Como proposta dentro do paradigma paraeconômico, o autor sugere a aposta em um
novo arranjo institucional de modelo econômico, qual seja, o de economia solidária, o que acarretaria as seguintes consequências:
1) um marco legal que reconheça as isonomias e fenonomias e seus respectivos estatutos; 2) estabelecimento de relações de trabalho
com direitos públicos, uma vez que o trabalho assalariado impede a autogestão e o trabalho cooperado possui legislação ultrapassada;
3) atribuir um valor socialmente reconhecido à atividades do atual tempo social que hoje não são monetizadas, sendo monetizando-
as ou estabelecendo um novo sistema de avaliação do conceito de riqueza para mudança da mentalidade das pessoas. Políticas
públicas de distribuição de riqueza poderiam ser um meio de alcançar essa ressignificação; 4) oferecer legitimidade às diferentes
formas de economia (suprimir a ideia de parasitismo).
4 Salgado, 2010 O artigo faz uma análise da noção de bem viver (Sumaq Kawsay) incluída nas constituições da Bolívia e Equador como discurso
político de valor simbólico (leitmotiv) orientador dos processos internos de desenvolvimento, traçando um paralelo das experiências
com a estrutura do paradigma paraeconômico de Guerreiro Ramos. Para tanto, o autor explica que o povo Quechuá sobrevive nos
dias atuais a despeito de condições de vida precárias. Sua resistência é baseada em uma prática de heranças culturais baseadas na
cooperação e solidariedade, conhecidas como “reciprocidade andina”. Formas institucionais de trocas são estabelecidas,
considerando em conjunto a ideia da natureza como sujeito de direitos tal qual os seres humanos. O autor entende que a noção
original de Sumaq Kawsay integra a práxis de redução sociológica, de uma novo modelo de ser humano, e de uma nova delimitação
dos sistemas sociais e de uma nova teoria organizacional – ideias fundantes do paradigma paraeconômico. Adicionalmente o
significado da expressão quíchua evoca a noção de ecologia global e de ação comunicativa, conforme proposta por Habermas. Como
conclusão, o autor argumenta que a noção original de Sumaq Kawsay está essencialmente conectada com o paradigma paraeconômico
e com a cidadania deliberativa. Contudo, os processos que estão em curso na Bolívia e no Equador tem ignorado a sociedade civil,
sendo que o Estado tem suprimido a participação cidadã ao mesmo passo em que tem restringido a liberdade de mercado. Desta
forma, a experiência de Sumaq Kawsay conduzida nestes países está mais para uma mera noção de transformação paradigmática em
direção ao paradigma paraeconômico, do que uma real transformação.
5 Ventriss; Candler; Os autores defendem a atualidade do pensamento de Guerreiro Ramos e descrevem que o motivo pelo qual seus trabalhos são, ainda,
Salm, 2010 pouco reconhecidos na esfera acadêmica internacional é o paroquialismo epistêmico global. Ainda, os autores dão relevância de
atualidade às noções de política cognitiva, síndrome comportamental e paraeconomia (dependente da atitude parentética), em que
pese que tais ideias são únicas no campo da Administração e nas políticas públicas, visto que as organizações são sistemas cognitivos
nas quais seus membros internalizam as racionalidades hegemônicas. Os autores salientam que o trabalho de Ramos lidou
precocemente com questões globais de desenvolvimento. Esclarecem os autores que a época dos estudos de desenvolvimento de
Guerreiro Ramos, pós-Segunda Guerra Mundial, mais de 100 colônias ao redor do mundo se emanciparam, mas possuíam níveis de
desenvolvimento muito inferiores aos de seus colonizadores. A tônica era a de escolha entre a mão invisível do mercado de Adam
Smith e a mão excessivamente visível do Estado de Lênin. E os países incrustrados no colonialismo tendo que escolher entre uma e
208

outra receitas. E tal escolha não é factível, uma vez que há possibilidades de construção que levem em consideração um e outro
modelo, mas visando a construção de modelos próprios de desenvolvimento.
6 Moretto Neto; O artigo aborda o processo de aprendizagem em Gestão Social no âmbito do fomento das universidades às incubadoras sociais. Inicia
Garrido; Justen, justificando a importância do trabalho em torno de uma deformação das funções do tripé universitário (ensino, pesquisa e extensão),
2011 em função da assimilação das universidades ao processo de unidimensionalização da sociedade, marcadamente orientado pela
dimensão econômico-financeira, ou seja, de Mercado. Paulo Freire e Pedro Demo são notadamente os autores utilizados para tal
crítica. No campo propositivo, os autores propõem a substituição do termo extensão universitária por comunicação universitária,
visto que conforme Freire (1983), a comunicação universitária afastaria um padrão instrumental, impositivo, aculturador e
dependente da relação entre universidade e comunidade, permitindo o envolvimento da comunidade na construção e troca de saberes
de forma dialógica e não autoritária. Consequentemente e no uso de um modelo diferenciado de relação entre universidade e
comunidade que privilegia a capacidade coletiva de organização autônoma, os benefícios de construção social de espaços mais justos
e humanizados podem ser alcançados. Os autores também defendem que as tecnologias educacionais de ensino à distância, quando
integradas ao desenvolvimento local e à economia solidária, são importantes ferramentas para o enfrentamento de desafios sociais,
com a possibilidade de integração das dimensões espaço e tempo e de melhor aproveitamento de recursos escassos, como é o caso
que ocorre em comunidades periféricas. As análises empíricas são descritas pela experiência da UFSC na Universidade Aberta –
programa de educação à distância e seu envolvimento com o Programa Territórios de Cidadania – programa para impulsionar o
desenvolvimento econômico e de cidadania na perspectiva da inclusão social. Tal envolvimento possibilitou o avanço no tripé
universitário que muitas vezes é desconsiderado na educação à distância.
Há, ainda, uma definição interessante: no lugar de aluno ou estudante, os autores usam a expressão aprendiz, justificada porque “a
autoformação do aprendiz envolve o exercício de uma aprendizagem caracterizada pela consciência, intencionalidade e potencial
transformador, visando alcançar, sobretudo, além de exigências profissionais, sentido e realização, afastando-se da ignorância e do
sofrimento. Desta forma, o aprendiz, por meio de sua autoformação, é capaz de aprender com liberdade e responsabilidade,
transformando-se a si próprio e aprendendo a ser, a viver, a conhecer e a fazer.” (p. 835).
Neste sentido, a proposta apresentada é de um ambiente pedagógico “paravirtual” com as estratégias de 1) autopoiese (auto-
aprendizagem a partir do meio natural e social, envolvendo as estruturas biológicas do ser humano, bem como a sua consideração
como ator político e social), da pedagogia da alternância (múltiplas oportunidades de aprendizagem dentro e for a do sistema
educacional formal), da pedagogia do encontro, da cultura do serviço (aprendizagem pelo relacionamento) e gestão social.
7 Souza; Carrieri, O artigo propõe utilizar a identidade para a análise das organizações. Para tanto inicia o percurso argumentativo conceituando
2012 identidade pessoal e coletiva, em um esforço comparativo entre a subjetividade e as determinações externas, respectivamente.
Avançam discorrendo longamente sobre prática e racionalidades. Os constructos teóricos abarcados são as bases da proposta teórico-
metodológica de análise das identidades nas organizações. Propõe-se, então, a utilização da delimitação dos sistemas sociais para
situar os diferentes tipos de identidades coletivas, cuja auferição seria decorrente da análise do discurso onde se podem interpretar
as racionalidades subjacentes - a semiótica individual em um primeiro nível e coletiva em um segundo nível. Contudo, os autores
observam que sempre haverá uma limitação intransponível que reside no fato de que na interpretação dos dados coletados, sempre
será dependente do arcabouço proveniente do pesquisador que interpreta a realidade estudada.
209

8 Salgado; Abad, O artigo faz uma análise da produção bibliográfica de Guerreiro Ramos sob a ótica da utopia, que encerra uma metodologia própria
2015 de análise inserida na teoria crítica e com uma investigação sistemática de princípios alternativos da organização, distanciada da
perspectiva funcionalista. Uma matriz é apresentada contendo vertentes teóricas da Administração. Na interpretação de tal matriz, o
eixo vertical transita entre o consenso e o dissenso. O consenso integra os quadrantes inferiores, onde se assetam as teorias
hegemônicas. Significa, ainda, confiança, integração e harmonia, de metáfora epistemológica dominante de “espelho que reflete”, a
ciência é considerada neutra e há distanciamento espaço-temporal do pesquisador acerca do que ele descobre. Já no dissenso impera
a suspeição, dominação e conflito, a metáfora epistemológica dominante é a “lente que olha e vê”, compreendendo a perspectiva
política da ciência e abrigando um pesquisador historicamente situado e que se posiciona. O eixo horizontal, por sua vez, transita
entre o local/emergente e o elite/a priori. No eixo local/emergente as pesquisas envolvem comparações entre comunidades, fazendo
estudos particulares a partir de narrativas locais, o olhar é para aquilo que é raro e a preocupação é com a construção de sensos e
sentidos. No eixo elite/a priori a pesquisa é de uma comunidade privilegiada, de caráter universal, baseado em grandes narrativas e
de emancipação. O olhar é para aquilo que é familiar e a preocupação é com a racionalidade e a verdade.
Os autores afirmam que a administração nasceu no final do século XIX voltada especificamente com vistas a melhoria da
produtividade e eficiência desprovida de uma reflexão filosófica que se preocupasse com o desenvolvimento e a emancipação
humana. Isto acarreta que estudos similares à perspectiva humanista adotada por Guerreiro Ramos estão presentes na vertente de
dissenso da matriz apresentada. Dentro do método da utopia, os autores propõem fazer estudos sobre diferentes tipos de organização
e de forma interdisciplinar, para que se possa comparar e encontrar classificações coerentes com a multidimensionalidade. Tal
conduta pressupõe que capital e mercado teriam uma importância subsidiária, no sentido de auxiliar seres humanos e a república em
seu curso de existência. As categorias de análise deste método, por sua vez, seriam a emancipação do ser humano, espaço social
deliberativo e um sistema social orientado pela racionalidade substantiva.
A utopia seria representada na obra de Guerreiro Ramos pela ideia de imaginação sociológica e por conseguinte no conceito de
redução sociológica, que permitiria o conhecimento do processo histórico das organizações e suas relações com o contexto mais
amplo da sociedade, ao passo que explora a possibilidade de uma organização alternativa.
9 Parada; O artigo traz a relação entre as propostas de TDSS de Guerreiro Ramos, em particular dos requisitos adequados, com novos estudos.
Dellagnelo, 2016 Propõe um quadro de abordagem social com propostas que focam nas economias, fenonomias e isonomias em relação aos requisitos
de tecnologia, tamanho, espaço e tempo. O requisito de cognição é desconsiderado uma vez que os autores compreendem que exigiria
esforços de estudos específicos, dada a sua complexidade. Assim, nas economias, o requisito de tecnologia é flexível em função do
mercado, o arranjo de profissionais é submetido a regras rígidas (heteronomous), busca-se eficiência e dominação. O requisito de
tamanho é o maior possível, onde há despersonalização. O requisito de espaço é sócio-afastador, abstrato e de conteúdo “racional”.
Finalmente, o requisito de tempo é linear de acordo com Guerreiro Ramos, monocrômico de acordo com Hall e relógio de acordo
com Butler. As isonomias e fenonomias tem características muito parecidas nos requisitos, com exceção de pequenas características
de tamanho e tempo. No requisito tecnologia, são organizações com flexibilidade espontânea, o arranjo de profissionais é auto
organizativo em conjunto com as metas organizacionais (autonomous), busca-se a realização humana e decisões deliberadas. No
requisito tamanho, nas isonomias o tamanho é moderado e sua determinação é sensível podendo facilmente descaracterizar os
elementos isonômicos conforme a inadequação do tamanho; já as fenonomias tem o menor tamanho possível, podendo variar
210

preferencialmente entre uma e cinco pessoas. Em ambas, porém, as pessoas são consideradas como indivíduos. O requisito espaço é
socio-aproximador, diferencial e o conteúdo é livre. No requisito tempo, as isonomias relacionam-se ao tempo convivial e as
fenonomias ao tempo de salto. E ambas policrônicas (Hall) e orgânicas (Buttler).
Fonte: A autora (2022)
211

Do total de nove artigos analisados, cinco deles realizam contribuições exclusivamente


teóricas, seja como forma de reacender ou manter a discussão acerca da TDSS no ambiente
acadêmico, seja como forma de análise comparativa com outras vertentes teóricas de ideias
similares ou complementares.
Assim, França Filho (2010) faz um paralelo entre o paradigma paraeconômico e os
pressupostos de economia plural de Karl Polanyi e da economia solidária, compreendendo
porém, que padrões alternativos de consideração e alocação de recursos no bojo de uma
economia de conceito mais esgarçado, somente serão possíveis quando o sistema de mercado
for destituído do posto hierárquico mais alto no sistema de crenças sociais.
Ventriss, Candler e Salm (2010) complementam essa visão, afirmando que a razão
principal pela qual os estudos e proposições de Guerreiro Ramos não encontraram um eco na
academia, na mesma medida de sua importância, é pelo que denominam paroquialismo
epistêmico global das ciências sociais. O paroquialismo epistêmico global está incrustrado no
sistema científico mundial e privilegia publicações originadas de autores americanos e
europeus. Mas não somente isso, este elemento privilegia também uma epistemologia
tradicional que frequentemente está referida ou à mão invisível do mercado de Adam Smith, ou
à mão excessivamente visível do Estado de Lênin. A saída, porém, segundo os autores, é dada
pela própria teoria de Guerreiro Ramos em sua totalidade, uma vez que há um universo de
possibilidades entre as duas epistemologias ou até mesmo para além delas. E neste sentido, as
proposições do sociólogo são, para os autores, ainda atuais.
Salgado e Abad (2015) também trazem uma importante contribuição neste sentido. Ao
apresentarem uma matriz do discurso das pesquisas organizacionais entre extremos de
consenso/dissenso e de emergente/elite, situam a TDSS nos quadrantes correspondentes ao
dissenso em relação ao discurso social dominante, e emergente em relação à origem dos
conceitos e problemas. Os autores ainda afirmam que, principalmente no campo da
Administração, a corrente de consenso detém grande hegemonia, e que a ascensão das teorias
de Guerreiro Ramos a um espectro mais amplo de divulgação científica neste campo, poderia
se dar pela via da chamada metodologia utópica de pesquisa, que é conectada à redução
sociológica e cuja abordagem é interdisciplinar e compreende o mercado como sendo de
importância subsidiária.
Há, ainda duas outras publicações com contribuições exclusivamente teóricas que, no
entanto, não guardam relação direta com as demais e nem uma com a outra. Souza, Carrieri
(2012) propõe a abordagem de pesquisa nas organizações a partir da análise do discurso, de
forma que identidades individuais e coletivas possam ser desvendadas e, com isso, possa-se
212

identificar quais organizações abrigam a racionalidade instrumental e quais abrigam a


racionalidade substantiva. Tal abordagem seria útil para o enquadramento de organizações
pesquisadas nos enclaves das TDSS. E Parada e Dellagnelo (2016) fazem um paralelo entre as
propostas de requisitos adequados da TDSS e outros autores, de forma a complementar
possíveis análises. Contudo, informam a exclusão do requisito de cognição, por entenderem
que seria necessário um estudo específico pela complexidade do tema.
Quatro outras publicações trazem estudos de caso, além de apanhados teóricos da TDSS.
Camara, Goulart, Reinher (2010) analisam o movimento Hip Hop na cidade de Porto Alegre /
Rio Grade do Sul como um movimento que é organizado em torno de pautas de exclusão social,
sendo que sua inserção no enclave econômico ocorre de forma incidental – algo típico de
fenonomias. Os autores argumentam que a atuação do movimento possibilita a educação
política e disseminação cultural, sendo que a união das pessoas que o integram possibilita
acessos que isoladamente não teriam. Há o entendimento também que, apesar do Hip Hop ser
originado nos Estados Unidos, a construção do movimento em Porto Alegre é profundamente
conectada com as realidades locais e que há um exercício de redução sociológica que permite
que o movimento se torne autêntico apesar das influências estrangeiras.
A experiência relatada por Camara, Goulart, Reinher (2010) é orgânica e independente
do Estado ou da iniciativa privada. Não há menção à alocação de recursos diretos ou apoio de
nenhuma das partes mencionadas. E isto pode abrir um questionamento quanto às
consequências de experiências fenonômicas ou isonômicas serem apoiadas ou inseridas em
burocracias, nas quais a tônica operante é a da racionalidade instrumental. Neste sentido,
Salgado (2010) aborda a noção de bem viver, ou Sumaq Kawsay, como é denominada no
Equador e na Bolívia. O autor observa que o modo tradicional de vida dos povos originários,
baseado na solidariedade e em uma conexão profunda entre homem e natureza, guarda estreita
relação com as propostas fundantes do paradigma paraeconômico, além de ser um pilar de
resistência das populações tradicionais ao longo dos anos, a despeito de condições de vida
precárias. Ocorre que recentemente a noção de Sumap Kawsay passou a ser incluída nas
constituições do Equador e da Bolívia, como discurso político orientador dos processos internos
de desenvolvimento. O resultado é que, neste contexto, a participação cidadã tem sido
restringida na mesma medida em que a liberdade de mercado, operando um processo autoritário
distanciado da noção original e fundante tanto de Sumaq Kawsay, assim como do paradigma
paraeconômico.
Já Tombi, Salm, Menegasso (2006) relatam experiência de aproximação entre
Comunidades, Empresas e Estado de forma mais bem sucedida. Como estudo de caso, o artigo
213

avalia a área de responsabilidade social da empresa denominada Gerdau como exemplo de


construção coletiva de soluções para a educação básica pública nas cidades em que a empresa
opera. Observam os autores que a construção das ações é realizada de forma dialógica e conta
com a participação de voluntários tanto da empresa como da comunidade. O voluntariado, por
sua vez, é um exercício de autoatualização nos moldes propostos por Guerreiro Ramos e facilita
a ascensão da racionalidade substantiva. Já o papel do Estado de articulador e não de
interventor, assim como o padrão horizontal de ações de responsabilidade social da empresa,
retira o caráter instrumental típico das burocracias (estatais ou privadas) e mais uma vez abre
espaço para a racionalidade substantiva, que é o embasamento próprio da TDSS. Desta forma,
os autores observam que houve avanços na concepção do papel das empresas na sociedade,
visto que elas mesmas passaram a serem vistas como parte da sociedade e, sendo assim, suas
ações de responsabilidade social passaram também a serem vistas como atividades que integram
o papel social das empresas. Paralelamente, o papel do Estado está também sendo repensado, e
passou a ser o de um articulador entre as necessidades das comunidades e empresas. Para os
autores, ambos os novos status, fortalecem a democracia em uma relação de ganha-ganha na
produção do bem comum e podem ser avaliados como sendo experiências do paradigma
paraeconômico.
O artigo que traz a experiência que mais se aproxima do PROESDE, é o de Moretto
Neto, Garrido, Justen (2011), por se tratar do processo de aprendizagem em Gestão Social via
economia solidária na EAD da UFSC, com polos em diversos outros estados do Brasil. Os
autores apontam que as universidades brasileiras acabaram se inserindo na lógica da
unidimensionalização da sociedade, em função do desvirtuamento das funções do tripé de
ensino, pesquisa e extensão enquanto a orientação passou a ser de privilegiar a dimensão
econômico-financeira da sociedade, sobretudo na Extensão. Desta forma, compreendem que a
Extensão é uma importante chave para mudança estrutural desse cenário, ao que propõem a
substituição pela linha da comunicação universitária de Paulo Freire, permitindo a construção
de soluções em parceria não autoritária e dialógica com as comunidades. Neste sentido, a
experiência analisada é de parceria entre a Universidade Aberta (EAD) da UFSC e o programa
Territórios de Cidadania, do governo federal. Após a análise empírica da experiência, onde os
autores defendem a utilidade das tecnologias de comunicação como fator de aproximação de
indivíduos e organizações, é apresentada uma proposta em consonância com o paradigma
paraeconômico, qual seja de um ambiente pedagógico “paravirtual”. Tal ambiente utilizaria as
estratégias de 1) autopoiese, em que ocorre a auto-aprendizagem a partir de estruturas
individuais biológicas e da consideração do estudante como um ser político e social; 2)
214

pedagogia da alternância, em que a aprendizagem ocorre pelo envolvimento com outros espaços
além da educação formal; 3) pedagogia do encontro, ou seja, aprendizagem pelo
relacionamento. É significativo que se encontrem possibilidades educativas no bojo da
paraeconomia em ambientes virtuais, algo não previsto pelo propositor do paradigma, mas que
acabou se configurando na melhor das possibilidades de educação, encontro e articulação
durante o período ainda vigente da pandemia da COVID-19.
É interessante observar que todas as quatro experiências relatadas foram analisadas sob
a ótica do paradigma paraeconômico, ou mais amplamente, pela TDSS, sendo que nenhum dos
artigos apresenta experiências que tenham sido orientadas ex ante por tal teoria. Ou seja, o
padrão de utilização das proposições de Guerreiro Ramos na academia tem sido, se se tomar
por base os artigos analisados, o de uma teoria que lança luz metodológica de análise de
experiências, e não como fio condutor das experiências que analisa.

4.5 PAPEL DA UNIVERSIDADE NA TEORIA DA DELIMITAÇÃO DOS SISTEMAS


SOCIAIS

Há duas questões chaves que permitem algum delineamento do enquadramento da


universidade na TDSS, a saber: a autonomia universitária e as funções da universidade. A
compreensão de ambas as questões, por sua vez, é interligada e perpassa as origens e
transformações que as universidades passaram ao longo dos anos.

4.5.1 Autonomia e funções da universidade

Inicialmente, vale retomar que as universidades modernas figuram como um dos


produtos do Iluminismo, ocasião em que novas explicações sobre o mundo e novas formas de
construção do conhecimento emergem na sociedade, dissociados e insubordinados aos dogmas
religiosos e do próprio Estado. É o florescer da racionalidade científica como nova aposta para
a solução dos problemas sociais e para o domínio da natureza.
Daí é possível extrair uma acepção à autonomia universitária, uma vez que se constitui
em aspecto fundante e condicionante do conhecimento científico (SILVA, 2001). Em outras
palavras, a autonomia universitária é fruto da própria origem fundante da universidade, que não
se deu por uma concessão pacífica da Igreja e do Estado aos Iluministas, mas de um processo
de resistência e reafirmação da validade do conhecimento científico e posteriormente da
conquista de legitimidade das funções da universidade (FÁVERO, 2004).
215

Meneghel (2001) observa que a Universidade de Berlim, ou humboldtiana, demarca a


transição da universidade medieval, vinculada à Igreja, para a universidade moderna, em uma
luta pela dissociação da razão científica em relação à Igreja e ao Estado e, portanto, ancorada
no princípio da autonomia. No entanto, há de se levar em consideração que o princípio da
autonomia, a essa altura, não era defendido com base em uma simples dissociação, mas na
crença de que a racionalidade científica poderia superar as demais racionalidades como forma
de operar soluções sociais e de dominação da natureza. Não obstante, a autonomia era princípio
de um objetivo maior que delegaria a finalidade da universidade nesta época histórica, qual
fosse, de por meio da busca incessante da verdade e fazendo uso da pesquisa e da formação
humana subjetiva, alcançar o enriquecimento moral das nações e dos indivíduos (PEREIRA,
2009).
O modelo de universidade humboldtiano é até hoje influente na concepção da instituição
em todo o mundo, cujos princípios essenciais são:
a formação através da pesquisa; a unidade entre o ensino e pesquisa; a
interdisciplinaridade; a autonomia e a liberdade da administração da
instituição e da ciência que ela produz; a relação integrada, porém autônoma,
entre Estado e Universidade; a complementaridade do ensino fundamental e
médio com o universitário (PEREIRA, 2009).

A classificação de J. Dreze e J. Debelle resgatada por Meneghel (2001) como pano de


fundo explicativo do processo histórico de construção e desenvolvimento das universidades no
mundo, situa a universidade humboldtiana como sendo a denominada de Espírito Liberal ou
Idealista, onde cabe uma visão de universidade em que o processo de busca pelo conhecimento
é naturalmente autônomo e a pesquisa é atividade que atua como ferramenta de formação
humana. Nos primórdios da universidade moderna, correspondem a tal classificação, além da
já relatada alemã, a inglesa - assentada no pressuposto de que o desejo do conhecimento é
natural ao ser humano, não necessitando guiamento para sua aquisição e tampouco priorizando
atividades de pesquisa; e a norte-americana – de caráter utilitário em busca do progresso, mas
com forte autonomia.
Mas há uma segunda classificação de universidades denominada Funcional ou do Poder,
a qual corresponderam as universidades cuja função era de prestação de serviços ao Estado,
sendo este o modelo francês – totalmente desprovida de autonomia e divulgadora de uma
doutrina política que visava à unidade, sendo inclusive utilizada a expressão de “jogar toda uma
geração em uma mesma fôrma”, por Napoleão. Sua função era a de formação profissional para
atividades que o Estado considerasse úteis e; soviético – que exercia uma função política
216

orientada pelo Estado em conformidade com o partido comunista, além de organizar suas
atividades em função de necessidades da economia nacional.
Por um lado o modelo de universidade funcional, de acordo com a sua acepção de
origem, era um empecilho ao avanço da ciência pautada em alguma busca pela verdade objetiva.
De outro lado o modelo de universidade liberal não se sustentava na prática. Meneghel (2001)
aponta os relatos de Max Weber sobre a universidade alemã, que dão conta da influência
política, ideológica e religiosa na instituição, do predomínio da burocracia em relação ao
conhecimento acadêmico e, de uma sobrevalorização do diploma como status social em
prejuízo da formação intelectual. Somados a esses relatos tinha-se um problema que se arrasta
até os dias atuais: o problema do financiamento das atividades universitárias, que
necessariamente subordinam a existência da instituição à legitimidade social de que necessita.
O passar dos anos e as transformações sociais as quais a universidade precisou se adaptar
deram origem a modelos fluidos onde, contudo, a perspectiva funcional passou a se destacar
em relação às demais em função da busca de legitimidade em relação ao seu próprio
financiamento. Ainda assim, a perspectiva liberal não sucumbiu e resiste até os dias atuais tanto
como disputa interna dentro das instituições como enquanto modelo que orienta
prioritariamente algumas poucas dessas instituições. A síntese entre esses modelos acabou
dando à universidade funções aparentemente contraditórias, quais sejam: 1) a de abordar
conhecimentos úteis para prover profissionais para as economias e burocracias estatais e; 2) a
de assegurar a formação intelectual por meio da pesquisa livre (MENEGHEL, 2001).
A extensão se insere nesta fusão entre a perspectiva funcionalista e idealista de
universidade, e viria a se unir ao ensino e à pesquisa alguns anos mais tarde. Há iniciativas
pontuais datadas de meados do século XIX em várias partes do mundo, no contexto da primeira
Revolução Industrial. Já na América Latina ela seria adotada com maior expressividade
somente quando movimentos estudantis, inicialmente vinculados à Revolução Mexicana,
inaugurados no início do século XX, passaram a reivindicar independência das universidades
principalmente em relação às instituições religiosas, assim como a afirmar a necessidade de um
posicionamento em prol da construção de modelos nacionais de desenvolvimento. No Brasil,
este movimento veio na esteira da atuação de instituições como a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe – CEPAL e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, mas
teve grande êxito de aproximação com camadas populares da sociedade por meio do Serviço
de Extensão Universitária da Universidade de Recife, pelas mãos do educador Paulo Freire,
defendendo um estilo de extensão dialógica e não invasiva no início da década de 1960. Como
217

se sabe, tais esforços foram frustrados a partir do governo instituído em 1964, quando a
universidade passaria a tomar outros rumos (PAULA, 2013).
Paralelamente, desde o pós Segunda Guerra Mundial, ciência e tecnologia
estabeleceram-se em uma fusão cada vez maior, cujas consequências foram 1) o
aprofundamento da união da técnica com o lucro, em um ciclo vicioso entre tecnologia que
viabiliza lucros e lucros que viabilizam novas tecnologias; 2) avanços nos direitos sociais frutos
de reivindicações históricas, nos quais figurava o acesso à educação como forma de ascensão e
democratização sociais, além de outras importantes questões. Desta forma, a chegada da
extensão aprofundaria a adoção do modelo funcional de universidade em contexto mundial
(MENEGHEL, 2001).
No que tange à pesquisa, novos rumos seriam também traçados a partir da instituição da
Pós-Graduação no Brasil em 1965, ocorrida em moldes norte-americanos. Consideradas como
o grande trunfo de desenvolvimento, a ciência e a tecnologia foram largamente impulsionadas
durante todo o período de governo autoritário que duraria até meados da década de 1980. As
políticas de pós-graduação do período primavam pela qualidade, o que acabaria por formar uma
intelectualidade crítica e atuante no país a despeito de um paradoxo que possa ser imputado a
este fato. Contudo, o processo de informatização do sistema de pós-graduação do país a partir
de 1981, que estabeleceu a avaliação quantitativa, embasada no número de publicações e na
inserção internacional dos programas pós-graduação, junto ao avanço da ideologia neoliberal
nas duas décadas seguintes, em que o Estado cedeu espaço público para grandes empresas
nacionais e internacionais, aprofundou o estímulo ao entrelaçamento entre a pesquisa
universitária e o setor produtivo sob o pretexto de aperfeiçoamento do processo democrático e
da aquisição de vantagens econômicas para o desenvolvimento. O resultado foi que a avaliação
da pós-graduação brasileira passou a ser embasada por critérios de eficiência, eficácia e
produtividade, tal qual o setor privado, derivando disso a maior valorização dos produtos em
detrimento dos processos e a subordinação da universidade a interesses econômicos e
mercadológicos. Tal não tem resultado em bem-estar social, uma vez que os conhecimentos
produzidos em função de interesses econômicos se justificam somente como um fim em si
mesmo. (GOERGEN, 2015).
Um apanhado histórico das transformações recentes ocorridas no Brasil,
significativamente a partir de meados da década de 1960 dá a tônica relativa à educação
superior. Neste momento, as universidades passaram a ter como função formar recursos
humanos para o desenvolvimento do país e para o aprofundamento de questões relacionadas
com a segurança nacional. Posteriormente, sob a ideia central de eficiência da empresa privada
218

em conjunto com uma justificativa pautada na democratização do ensino superior, as


universidades privadas se proliferaram e a lógica mercadológica avançou também na
universidade pública, cuja função passou a ser a de responder prioritariamente às necessidades
sociais orientadas e/ou filtradas pelo mercado. Nas palavras do autor (SILVA, 2001, p. 295),
“os parâmetros de eficiência e lucratividade excluíam qualquer ideário pedagógico mais
consistente, o que foi substituído pelo senso de oportunidade comercial na organização e venda
de serviços segundo o critério da demanda.” Na esteira dessa visão, o que antes era legitimado
interna e externamente à própria instituição universitária passou a ser visto como inútil. É o
caso das ciências humanas que passaram a ser consideradas de cunho supérfluo, quase uma
vaidade desnecessária, uma vez que não podem se submeter aos tempos e tampouco podem
responder a critérios simplificados de retorno e investimento (GOERGEN, 2015).
Para além da síntese entre as perspectivas funcionalista e idealista de universidade e na
esteira dos elementos históricos de transformação das universidades, Chauí (2003) traz uma
outra forma classificação atualizada e reveladora do caso brasileiro. Argumenta a autora que,
ao passo que direitos sociais foram conquistados mundialmente no decorrer do século XX,
transformações sociais similares operaram na sociedade brasileira. A universidade, por sua vez,
não pode se furtar em reconhecer a democracia como ideal regulatório, uma vez ser esta a
condição para sua própria existência, dependente que é de um Estado democrático de direito
para existir salvaguardando sua autonomia. Porém, no contexto do avanço da ideologia
neoliberal, a Reforma do Estado realizada em fins dos anos 1990 e início dos anos 2000 no
Brasil, acarretou uma regressão ao deixar de considerar a educação como um direito social
básico, e passar a tratá-la como um serviço que pode ser prestado pela iniciativa privada. A
universidade, por sua vez, passou a ser tratada como uma organização social e não mais como
uma instituição social. Chauí (2003, p. 24) explica a diferenciação que atribui a estas duas
classificações:
Uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma prática
social determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao
conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo
particular. Não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento
externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas
como estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego
de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por
ser uma administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento,
previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria
existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que
para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização, um dado
de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe.
219

Ocorre que a universidade em sua estrutura atual não consegue agradar as perspectivas
funcionalistas e tampouco as perspectivas liberais. Os liberais andam incomodados com a
massificação do acesso à educação superior que ocasionou turbulência no caráter de reduto
elitista. Já os funcionalistas, por outro lado, não percebem uma real democratização pela via da
massificação – “dispendiosa para o Estado, sem condições de garantir emprego aos diplomados
e lenta/desatualizada em qualificar para o mercado, a Universidade mostra-se, hoje, em crise:
disfuncional aos que demandam seus serviços e alvo de novas reformas” (MENEGHEL, 2001,
p. 44).
Uma outra reflexão possível para avaliar a insatisfação social com a universidade é a
partir de esferas ideológicas. De um lado, a direita brasileira avalia que a universidade é
disfuncional para o seu projeto neoliberal, de desindustrialização e de financeirização – “[…]
as elites universitárias já não conseguem convencer as elites do poder econômico e político que
o conhecimento, o saber e, portanto, a pesquisa, universitários, podem ser importantes para o
futuro” (DAGNINO, 2015, p. 301). De outro lado, a esquerda também percebe a universidade
disfuncional, uma vez que “a universidade pública não representa, como chegou a ser no
passado, uma alternativa ou possibilidade de ascensão social para as classes de baixa renda. A
ascensão social não ocorre mais pela via da universidade” (DAGNINO, 2015, p. 302).
Tal diagnóstico reverbera em dois elementos assertivos. Primeiro, o corpo docente e
técnico das universidades, assim como a sociedade, continua acreditando na possibilidade de
uma ciência (ou tecnociência) neutra e no dogma determinista em que o único caminho para o
desenvolvimento seria o avanço da ciência e tecnologia. Isso sem contar uma crença de que tais
avanços libertariam e emancipariam sociedades. Segundo, se a relevância da universidade está
em xeque, é porque ela não está conseguindo captar o funcionamento do mundo e apresentar
respostas adequadas. Muito do que se produz nas universidades brasileiras é fruto de um
mimetismo de demandas e respostas, de aspirações estrangeiras (DAGNINO, 2016).
Neste sentido, considerar a universidade como uma instituição social investida de
autonomia, tal qual sua fundamentação original, assim como respeitar a função auto-atribuída
de atuação em prol da democracia como forma de corresponder às transformações sociais mais
recentes (CHAUÍ, 2003), implica considerar outros elementos não necessariamente novos.
Anísio Teixeira (1964), embora tivesse uma visão relativamente elitista da universidade
compreendia a instituição tanto como espaço de compreensão histórico-cultural da civilização,
quanto como lócus de crítica e reformulação sociais. Neste sentido, asseverou que são, pelo
menos, quatro as funções da universidade: 1) formação profissional de base intelectual,
científica e técnica; 2) alargamento da mente humana, indo além de uma mera assimilação
220

cultural, ou seja, promovendo a imaginação para o inédito; 3) produção de saberes por uma
busca, por vezes, desinteressada do conhecimento e; 4) transmissão de uma cultura comum, o
que implica a consideração da cultura brasileira.
Já Buarque (1994) argumenta que a função social da universidade nos tempos atuais é
de resistência e criação de novas soluções sem se despir de suas funções sociais essenciais. De
modo que deve produzir conhecimentos e saberes que deem suporte à viabilidade de uma
sociedade, e neste sentido, diferentes sociedades gestaram e gestam diferentes universidades.
Para o autor, o caso da universidade brasileira exige o rompimento de um padrão de atuação
vinculado à construção de certezas para um padrão de atuação embasada nas dúvidas sobre a
efetividade do seu próprio papel enquanto alicerce de valores consagrados nos últimos duzentos
anos do processo civilizatório, como o de liberdade e igualdade. Argumenta o autor que o
caminho passa pela construção de um exercício de utopia de reinvenção imaginativa que
permita a construção de caminhos de ruptura com as certezas. A indissociabilidade da
universidade estaria, assim, ancorada na própria possibilidade da incerteza, o que acarreta um
novo padrão de ação balizado mais pela prática instigante da propagação da dúvida do que da
costumeira transmissão de certezas, no formato de teorias. Há, assim, um grande exercício de
ruptura e criatividade a ser percorrido neste caminho.
Em sentido similar, Goergen (2015) aponta que existem visões polarizadas de
universidade derivadas de visões opostas de educação em voga atualmente, e que a percepção
inicial é a de que elas sejam inconciliáveis. Se por um lado se valorizam procedimentos
reflexivos e críticos em uma lógica formativa dialógica e cultural; de outro lado se reivindica a
valorização de processos instrumentais. Por sua vez, os interesses de cada um dos lados no que
tange à objetivos, ritmo, celeridade e estruturas são bastante distintos. Contudo, ambos os lados
são essenciais para o mundo atual e terão que encontrar espaços de conciliação para a produção
do bem-estar social. O fio condutor aqui seria o resgate da dimensão ética dos processos
educativos. De modo que é necessário, portanto, o resgate do compromisso social da
universidade, qual seja, a formação humana integral e orientada à transformação da sociedade,
pautada nas dimensões intelectual, moral, profissional e política. Assim, “não cabe à
universidade tão somente mimetizar o mundo, imitar as patologias sociais e transformá-las em
princípios do seu próprio agir; não é a lógica do real que deve orientar a produção e a divulgação
dos conhecimentos, mas a lógica da reflexão e do pensamento.” (GOERGEN, 2015, p. 309).
O compromisso da universidade é, portanto, o do exercício da autonomia fundado em
um distanciamento crítico suficiente que lhe permita atuar em prol do desenvolvimento e o
fortalecimento da democracia, da justiça social e da cidadania, mesmo quando desenvolve
221

tecnologias. Nesse contexto, o campo de conflitos ideológicos não deve jamais ser absorvido
por uma visão tecnicista das demandas sociais sob uma distorção denominada neutralidade
científica, como se não fosse essa tarefa de um pesquisador. Antes, o conflito deve ser
explicitado para que não se corra o risco de serem ignorados os usos das pesquisas
(MENEGHEL, 2001).
Dagnino (2016) orienta a solução da crise da universidade por uma via similar: com a
preservação da autonomia e da pesquisa, há que se fazer dialogar acadêmicos de diversas áreas
do conhecimento, em integração com a comunidade onde se inserem. O exercício de extensão
seria marcado pela proposição de ações voltadas para a solidariedade, para a democracia e a
justiça social, mas sempre considerando o diálogo e as demandas dos diversos setores da
sociedade, inclusive e sobretudo os movimentos sociais, explicitando as divergentes
intencionalidades no processo.
A incorporação da dimensão ética no fazer universitário implica, portanto, compreender
que ciência e tecnologia não são neutras como se pressupunha nos primórdios da universidade.
Implica também não resistir aos conflitos que são inerentes ao processo de construção e
aplicação de conhecimento. Implica, ainda, a adoção da racionalidade substantiva´, que é
valorativa, nos debates e decisões que as instituições tomam em conjunto com o contexto
espacial que as cerca e com o todo global.

4.5.2 Universidade como espaço de construção de possibilidades objetivas

A distinção apresentada por Chauí (2003) entre instituições sociais e organizações


sociais não é realizada por Ramos (1983). Contudo, tal distinção guarda significativa
semelhança com as categorias que o sociólogo realiza de racionalidade instrumental e
racionalidade substantiva. No que defende a autora, a universidade, enquanto instituição social,
seria o lócus de ação da racionalidade substantiva e estaria em posição de ação crítica. Seu
corpo docente e de pesquisa, por sua vez, estariam em posição diametralmente oposta à
condição de se comportar. Já quando a universidade está sob a lógica da organização social,
desconsidera a finalidade de suas ações, de modo que seu corpo docente e de pesquisa se
comporta a partir de regras dadas e tidas como absolutas. Em síntese, nas instituições sociais
impera a racionalidade substantiva (embora também a racionalidade instrumental possa estar
presente), ao passo que nas organizações impera a racionalidade instrumental. Goergen (2015)
fará tal distinção considerando que internamente e em suas relações externas, as universidades
oscilariam entre valorizar procedimentos reflexivos e críticos em uma lógica formativa
222

dialógica e cultural; ou, de outro lado, reivindicariam a valorização de processos de


racionalidade instrumental.
Não se trata de condenar o fato de a universidade ser útil, em dados momentos, à
economia nacional ou, especificamente, às empresas. Como expressado por Ramos (1989), a
economia é um enclave legítimo e necessário à fase atual das sociedades, além de ser um dos
meios de sustentação financeira das universidades. O problema reside especificamente: 1) na
adoção da lógica instrumental mercadológica no funcionamento das universidades e; 2) na
legitimação da existência das universidades exclusivamente pela via da produção de ciência e
tecnologias úteis às economias.
Isto porque as economias possuem pressupostos bastante definidos na TDSS, quais
sejam, de a) qualquer critério de avaliação está relacionado ou referido ao sistema de mercado;
b) há uma restrição da natureza humana a duas únicas dimensões, ou seja, os indivíduos são
detentores de emprego e compradores insaciáveis; c) sua eficácia e importância são atribuídas
em função da sua contribuição para a maximização de atividades de mercado (AZEVÊDO
MENDES e ALBERNAZ, 2004).
Ainda, Ramos (1983, p. 161) chama a atenção para os riscos da extrapolação da
racionalidade instrumental mercadológica para outras esferas da vida humana individual e
associada, quando afirma que “a abrangência total de sistema de mercado, numa sociedade
como a nossa, envolvendo continuamente os indivíduos em seus padrões cognitivos intrínsecos,
pode invalidá-los para a ação como membros eficientes de fenonomias ou isonomias.” Neste
sentido, as consequências de assimilar a lógica mercadológica nas universidades são, pelo
menos: 1) a espoliação total da autonomia universitária; 2) a redução das funções da
universidade à entrega de produtos encomendados; 3) a destituição de sua função primordial de
realizar a crítica à sociedade e propor soluções criativas para além do que está dado e em
conjunto com setores diversificados no contexto em que está inserida e; 4) formar indivíduos
anômicos ou sem capacidade crítica, aproximando-se da definição de Homem Parentético,
incapazes de operar soluções para os problemas da sociedade (RAMOS, 1963).
Vale ressaltar que as universidades atuam como sistemas cognitivos de suporte aos
vários enclaves sociais da TDSS, variando conforme sua adequação a enclaves específicos:
Um sistema cognitivo é essencialmente funcional, quando seu interesse
dominante é a produção ou o controle do ambiente; é essencialmente político,
quando seu interesse dominante é o estímulo dos padrões de bem-estar social,
em seu conjunto; é essencialmente personalístico (personalogic), quando o
interesse dominante é o desenvolvimento do conhecimento pessoal. Um
sistema cognitivo deformado é aquele desprovido de um único interesse
central.” (RAMOS, 1989, p. 161).
223

Cabe ressaltar que um sistema cognitivo de interesse predominantemente político


equivale a ambientes isonômicos, os quais “podem proporcionar aos seus membros […] criação
de senso de comunidade, processos de comunicação menos racionalizados, participação
efetiva, respeito pelas diferenças, ambientes democráticos, entre outros” (AZEVÊDO
MENDES e ALBERNAZ, 2004). Em síntese, uma universidade capaz de oferecer ambientes
que favorecem isonomias estará contribuindo para o alcance de uma das funções primordiais
da instituição, qual seja, o compromisso com a democracia e a cidadania. E neste sentido, abre-
se um campo de atuação para a construção de possibilidades objetivas e, por conseguinte, no
enfrentamento da crise das universidades, qual seja, a de sua disfuncionalidade.

4.6 O PAPEL DO PROESDE / FURB NA CONSTRUÇÃO DE POSSIBILIDADES


OBJETIVAS

O PROESDE é uma política pública estadual, executada nas universidades vinculadas


ao Sistema ACAFE, sendo a maioria delas instituições comunitárias - com exceção da FURB,
que é de direito público, embora dependa significativamente da cobrança de mensalidades para
se auto-sustentar.
Conforme o Decreto de criação do programa (SANTA CATARINA, 2005), espera-se
que os recursos públicos investidos se revertam em desenvolvimento socioeconômico nas
diversas regiões do estado de Santa Catarina. Porém, é válido resgatar o processo de criação do
programa em nível estadual, justamente aquele processo que não é necessariamente expressado
no conteúdo da legislação, ou seja, a Politics (FREY, 2000). Desta forma, observa-se que o
programa foi criado como uma forma de distribuição de recursos para as regiões do oeste de
Santa Catarina, unindo essa reivindicação com o entendimento de que a promoção do ensino
superior se reverteria em desenvolvimento regional. Essa foi a visão do governo que criou o
programa (FRANÇA, 2018). Mas é também, em maior ou menor grau e variando conforme a
equipe gestora da SED, a tônica que se mantém até os dias atuais, mesmo quando das reformas
que o programa passa e com as mudanças de governo fruto das eleições a cada quatro anos. Ou
seja, a manutenção do programa durante todos esses anos tem sido justificada pela atribuição
de relevância ao papel da universidade na promoção do desenvolvimento regional.
Neste sentido, uma das consequências positivas do programa é a distribuição de recursos
públicos em forma de bolsa de estudos e de extensão que possibilitam, por um lado,
temporariamente a permanência de estudantes de graduação nas universidades e, por outro lado,
224

destina recursos para a execução de atividades de extensão em conjunto com atividades de


ensino e pesquisa.
Mas para além disso, o entendimento acerca do que vem a ser desenvolvimento regional
não é objeto de unanimidade entre a SED e os executores do programa. A observação
participante permitiu extrair de reuniões promovidas pela SED para a discussão do programa,
as quais a FURB teve oportunidade de participar no período de 2017 a 2019, que existe uma
tendência à compreensão do desenvolvimento regional ora pela via do desenvolvimento
econômico, ora pela via do desenvolvimento sustentável. Ou seja, trata-se de uma arena de
disputas.
Aqui opta-se por fazer proposições que vão no sentido da compreensão do
desenvolvimento regional pela via da abordagem multidimensional (ou multicêntrica), sendo
esta mesma uma primeira proposição que poderia ser acatada em nível estadual. Tal se justifica
pelas considerações dos primeiros capítulos da tese, que dão conta da insuficiência do
tratamento da questão do desenvolvimento pela via unidimensional econômica. Também,
porque a construção de possibilidades objetivas está diretamente relacionada com a
funcionalidade das universidades e condicionada a uma leitura de sociedade em seu aspecto
multidimensional e espacial.
As demais propostas aqui apresentadas se relacionam com: 1) a autonomia do programa;
2) o ambiente pedagógico; 3) a esfera comunicacional ou de governança; 4) a captação e
alocação de recursos. É importante observar que tais propostas estão referidas ao ambiente da
FURB, contudo, em muitos dos casos, remete-se a uma reformulação por parte da esfera
estadual. Já em outros casos, as propostas podem ser generalizadas para qualquer processo de
educação para a construção de possibilidades objetivas.

4.6.1 A autonomia do PROESDE / Desenvolvimento FURB

No caso da FURB, especificamente, o PROESDE / Desenvolvimento está vinculado


ao PPGDR, sendo que a equipe técnico-pedagógica que executa o programa é composta por
professores e estudantes de mestrado e doutorado do PPG. A coordenação administrativa
também é realizada pelo PPGDR em parceria com setores administrativos da universidade. De
modo que o PROESDE Desenvolvimento goza de significativa autonomia didático-científica
e administrativa na FURB.
Destarte, Meneghel (2001) e Goergen (2015) ressaltam a necessidade de diálogo interno
e externo com vistas à dissolução de conflitos e criação de consensos; e Dagnino (2016) aponta
225

a necessidade de pactuação entre diferentes setores da sociedade e também internamente à


instituição, de modo que a universidade consiga somar esforços no sentido de sua
funcionalidade. Neste quesito, as entrevistas realizadas no âmbito da presente pesquisa
denunciam algum distanciamento do PROESDE em relação às instâncias administrativas
internas, o que pode acarretar a leitura de que se trata de um programa isolado dentro da
universidade, a despeito dos projetos inseridos no Sistema Integrado de Pesquisa e Extensão
(SIPEX) da FURB relatarem a integração com outros projetos de extensão e também com as
atividades de ensino e pesquisa.
O processo de gestão e execução de uma política pública é complexo e envolve a
legitimação de qual ou quais setores internos tem capacidade técnica de levar a cabo a política
para que ela se torne efetiva, além da disputa pelo acesso e gerenciamento de recursos
provenientes dos programas. E a autonomia é também contingente ao acesso aos recursos e às
possibilidades de decidir de que forma os recursos devem ser alocados. Neste sentido, o
PROESDE ingressou na FURB tomando-se em conta o seu formato inicial de curso sequencial,
que o fez ser alocado no setor administrativo denominado Escola de Educação Continuada
(EDECON) que, contudo, não reunia equipe técnica com expertise no desenvolvimento
regional. Os esforços de diálogo do PPGDR acabaram surtindo efeito ainda na primeira edição,
e o PPGDR foi reconhecido como lócus adequado de gestão do PROESDE. Em 2015, com a
inclusão do PROESDE / Licenciatura na política pública estadual, a gestão do programa foi
dividida entre o PPGDR e o Centro de Ciências da Educação (CCE), o que ocasionou uma
sensível diminuição de vagas e de recursos gestados pelo PPGDR, uma vez que o governo
estadual tinha encomendas específicas para as áreas das licenciaturas e passou a aportar mais
recursos nesta linha do programa. Paralelamente a questão do desenvolvimento regional foi
perdendo espaço nos governos estaduais com o progressivo esvaziamento das Secretarias de
Desenvolvimento Regional (SDRs), transformadas em Agências de Desenvolvimento Regional
(ADRs), e que foram recentemente extintas.
De modo que a autonomia em relação aos demais setores da universidade, que não deve
ser entendida jamais como isolamento, é resultado de contingências políticas internas e externas
em uma equação sensível e constante de negociações. Nesse caso, aqui se defende em primeiro
lugar o contexto histórico de criação e desenvolvimento do PROESDE, a expertise adquirida
pelo PPGDR no campo do desenvolvimento regional, e a própria importância deste campo para
o alcance do bem-estar social, da justiça ambiental e para o aprofundamento da democracia.
Tal sinaliza que a proposta do PROESDE, se considerada como política de Estado, deve estar
alocada internamente à FURB, com autonomia de gestão do programa, no PPGDR.
226

Já com relação ao ambiente externo, os limites de autonomia do PROESDE se


relacionam com a legislação normativa estadual do programa, e com as orientações e
encomendas de produtos que, até 2016 eram solicitados pela SED, e que posteriormente
passaram a integrar uma instância decisória colegiada, denominada Comitê Gestor.
A legislação normativa do programa é composta por decretos e portarias estaduais que
determinam: 1) a definição do programa como “um conjunto de atividades de ensino, pesquisa
e extensão, voltadas para o desenvolvimento sócio-econômico das áreas de abrangência das
Secretarias de Desenvolvimento Regional." (SANTA CATARINA, 2005); 2) o número de
vagas e o volume de recursos a serem disponibilizados para cada instituição, usando como
componente dos critérios o IDH da região onde cada universidade está inserida; 3) o formato
inicial de curso sequencial com de 630 horas e duração aproximada de três anos, modificado a
partir de 2013 para um curso de extensão de 200 horas com duração de aproximadamente um
ano; 4) a proveniência de recursos no Artigo 170 da Constituição Estadual; 5) quais cursos,
dentre bacharelado e licenciatura, podem participar do programa; 6) os critérios e a forma de
seleção de estudantes (conforme número de vagas previamente estabelecido), seleção esta que
até 2020 estava desvinculada de condições socioeconômicas, sendo realizada por sorteio; 7) a
instalação, a partir de 2016, de um Comitê Gestor para discussões e deliberação de questões
não relacionadas ao regramento legal.
O Comitê Gestor, por sua vez, se encarrega da discussão e aprovação de um regulamento
geral alterado anualmente, onde constam a organização curricular, ementário e produtos
esperados. A organização curricular era composta de disciplinas, carga horária e ementário
rígidos até 2018. Posteriormente, na edição de 2019, o regulamento estadual incorporou
transversalmente os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a organização
curricular passou a ser composta por três grandes eixos: Desenvolvimento Regional
Sustentável; Empreendedorismo, Inovação e Políticas Públicas; Educação, Cidadania e
Desenvolvimento.
Desde meados de 2017, porém, a SED passou a realizar um esforço para conceber o
conteúdo e as discussões do programa para a área da educação. Nas edições de 2017 e 2018 foi
aprovado, junto ao Comitê Gestor, a orientação para que os debates do programa estivessem
referidos à nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio. Os produtos, por
sua vez, deveriam ter o formato de artigos propositivos que trouxessem contribuições às escolas
pioneiras na implementação da nova BNCC na região. Tal direcionamento acabou deslocando
os esforços de um campo amplo como o do desenvolvimento regional para um único setor, cujo
227

escopo é essencial à temática do desenvolvimento regional, porém que não abrange a sua
totalidade.
Neste sentido, propõe-se que a SED reconsidere a autonomia universitária no sentido de
relegar às instituições a decisão sobre qual ou quais setores do desenvolvimento regional elas
tem capacidade técnica e política de desenvolver propostas de intervenção, delimitando
contudo, que o processo decisório seja realizado baseado em demandas regionais.

4.6.2 O ambiente pedagógico do PROESDE / Desenvolvimento FURB

O PROESDE / Desenvolvimento FURB tem o formato de um curso de extensão cuja


metodologia declarada é a de educação tutorial. Embora não haja menção à pedagogia freireana,
ela aparece como inspiração nas entrevistas e como referência declarada nos projetos do curso
inseridos no SIPEX.
Uma das inovações da pedagogia freireana foi afirmar o caráter político do e no processo
educativo. O grande eco da obra de Paulo Freire permitiu e permite anular a validade da noção
de neutralidade científica e tecnológica, uma vez que há sempre uma intencionalidade
subjacente ao fazer educativo, à pesquisa, à extensão e o posterior fazer profissional para o qual
a universidade pretende preparar seus estudantes. Neste sentido, resgata-se a noção de ciência
comprometida de Ramos (1996), que é a ação conhecedora do contexto histórico-social e
investida de consciência crítica quanto às suas intencionalidades.
De um lado, há que se observar que a consciência crítica não é fruto de uma educação
depositária, como se conteúdos supostamente neutros pudessem ser depositados nos estudantes.
Isto induz à consideração da curiosidade natural de cada estudante, onde o professor atua de
forma horizontal facilitando o processo de descobertas do educando. De outro lado, há que se
considerar o contexto histórico e atual onde o educando se encontra inserido, uma vez é que a
partir deste contexto que se realizará o processamento interno das informações e saberes que
cada indivíduo acessa. Daí é possível a realização da educação, da ciência e da tecnologia
comprometidas (FREIRE, 1994).
As armadilhas da crença na neutralidade científica e da educação bancária terminam por
desconsiderar o ser humano como fruto e, ao mesmo tempo, como fazedor de cultura: tanto a
ciência e a técnica são atributos da cultura, quanto o fazer humano empírico e elaborado sob
outras leis. Não se trata de negar a ciência, mas de considerá-la inserida em um sistema de
cultura. Um exemplo de tais armadilhas é quando um técnico de boa vontade, mas de
consciência ingênua, pretende ensinar as técnicas que podem substituir conhecimentos
228

empíricos de uma população menos escolarizada – camponeses, por exemplo. Uma vez que é,
de fato, necessário aumentar a produção desses camponeses, os técnicos julgam que podem
verticalmente ensinar um novo modo de produção.
No entanto, ao desconhecer que tanto sua técnica como os procedimentos
empíricos dos camponeses são manifestações culturais e, deste ponto de vista,
ambas válidas, cada qual em sua medida, e que, por isso, não podem ser
mecanicamente substituídos, enganam-se e já não podem comprometer-se.
[…] Deformados pela acriticidade, não são capazes de ver o homem em sua
totalidade. […] Pelo contrário, será mais fácil, para conseguir seus objetivos,
ver o homem como uma ‘lata’ vazia que vão enchendo com seus ‘depósitos’
técnicos. Mas ao desenvolver desta forma sua ação, que tem sua incidência
neste ‘homem lata’, podemos melancolicamente perguntar: ‘onde está seu
compromisso verdadeiro com o homem, com sua humanização?’ (FREIRE,
1994, p. 11)

De modo que o PROESDE / Desenvolvimento FURB, de forma colegiada, optou por


utilizar a estratégia de desenvolvimento sustentável representada pelos ODM/ODS como eixo
transversal de uma educação tutorial que vai no sentido 1) da formação crítica dos seus
estudantes e facilitadores (alunos de mestrado e doutorado do PPGDR) e; 2) contribuir com
projetos efetivos de intervenção social por meio do trabalho em conjunto com movimentos
sociais da região para o alcance uma ou mais metas dos ODM/ODS, o que admite a
multidimensionalidade dos sistemas sociais, impulsionando também projetos que se relacionam
com fenonomias e isonomias, além das economias.
Essa estratégia está de acordo com o preconizado na TDSS, que pressupõe que será
necessária uma realocação de recursos destinada às fenonomias e isonomias como forma de
promover um desenvolvimento integral e libertário. Aqui o PROESDE / Desenvolvimento
FURB encontra dificuldades pelo caminho, na tentativa de adequação dessas premissas e da
expertise do PPGDR às encomendas do Comitê Gestor do PROESDE e da própria SED. Mesmo
assim, a formação crítica dos estudantes tem sido levada à cabo e surtido efeitos que aparecem
em depoimentos dos estudantes e facilitadores, assim como em pesquisa específica (SILVA,
2018).
Já a contribuição com projetos efetivos de intervenção social junto a movimentos sociais
tem encontrado algumas limitações, uma vez que nos dez anos de atividades analisados no
presente trabalho, apenas três projetos foram levados à execução sem que, contudo, houvesse
continuidade de acompanhamento. Há limitações de recursos e da previsão destes, conforme
avaliado no capítulo 2. Mas há também limitações na concepção da questão temporal do
programa e de capacidade de governança, que se relacionam tanto ao ambiente interno como
externo do PROESDE / Desenvolvimento FURB.
229

As limitações de recursos e previsão destes poderiam ser solucionadas com um


planejamento orçamentário por parte da SED em um horizonte temporal de, pelo menos, médio
prazo (três a cinco anos), de forma que se pudesse planejar o relacionamento com as
organizações da sociedade em um horizonte temporal também maior. Ainda, seria possível que
projetos iniciados em uma edição do PROESDE / Desenvolvimento FURB pudessem ter
previsão de continuidade nas edições seguintes. Muito do que se faz nas universidades em
termos de intervenção social tem características de incubação, a exemplo das Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), vinculadas à economia solidária; ou ainda a
exemplo de projetos com duração de médio e longo prazos para que os participantes possam se
desvincular do suporte que é dado pela universidade e a universidade, por sua vez, produzi
conhecimento aprofundado em relação às experiências.
A limitação da questão temporal merece alguma atenção na redação deste trabalho.
Ramos (1989) coloca o tempo como mais um dos requisitos da TDSS. Ele classifica o tempo
em quatro categorias, sendo três delas desejáveis. As desejáveis são, em primeiro, o tempo
serial, linear ou sequencial. Trata-se do tempo seriado da lógica instrumental medida pelo
relógio e que em geral tem valor monetário, sendo necessário às economias e somente à elas,
não devendo extrapolar para os demais sistemas sociais. É um tempo de produtividade
controlada e máxima possível. Em segundo, está o tempo convivial que não pode ser medido
pelo relógio. É o tempo das isonomias, desprovido de pressões externas e gratificante em sua
essência. E em terceiro, o tempo de salto, que corresponde a uma intensidade auto-exploratória
que se reverte em grandes arrancadas criativas. É também totalmente desprovido de pressões
externas. Corresponde, por sua vez e em geral, aos espaços fenonômicos.
Proporcionar tempos conviviais e tempos de autoatualização não significa deixar os
estudantes à mercê de qualquer orientação. Tampouco se desconsidera a importância do
embasamento teórico, da compreensão de conceitos-chave do desenvolvimento regional e da
epistemologia correspondente. De modo que é necessária a abordagem, por parte dos tutores e
monitores-tutores, de algum material básico comum para orientar as possibilidades dos
estudantes. Só assim eles terão condições de optar pelos aprofundamentos necessários e contar
sempre com a tutoria e facilitação da equipe do programa. Tal material tampouco deve estar
restrito às teorias, embora se reconheça sua importância. Conforme FREIRE (1994), uma forma
de aprendizagem significativa está na participação dos aprendentes nos afazeres de movimentos
sociais. De forma que intensidades distintas de participação podem proporcionar tempos
conviviais que também podem ser revertidos em tempos de salto.
230

Se o que se pretende são contribuições originais como produtos do PROESDE /


Desenvolvimento FURB, há que se proporcionar tempos conviviais e tempos de salto. Como
são tempos descontaminados de pressões externas, não há garantias de que sejam, de fato,
produtivos como respostas às encomendas padronizadas. Tal consideração acarreta a adoção de
processos avaliativos distintos, e na mesma medida mais criativos, do que os são os processos
tradicionais nas universidades. A apresentação dos TCCs para a comunidade como o formato
de uma pretensa prestação de contas consta dos regulamentos internos do programa no período.
Contudo, elas dependem da qualidade da interação anterior com a comunidade. Neste sentido,
cabem duas sugestões. Uma delas se refere à reavaliação da duração do programa, que
inicialmente era de 630 horas e posteriormente passou para 200 horas. Considerando a
necessidade de tempos de distintas qualidades para além dos tempos produtivos, e de tempos
produtivos com interações diversas no contexto do tripé universitário, o tempo deveria ser
novamente ampliado.
Considerando, ainda, que a bolsa de estudos do PROESDE previne a evasão de
estudantes da universidade por questões financeiras, a política pública poderia reconsiderar a
seleção dos alunos de graduação que participam do PROESDE em momento inicial de seu
ingresso e em função de condições socioeconômicas, e mantê-los vinculados ao programa por
um período de um ano a dois anos, até que nova seleção para permanência fosse realizada em
função da apresentação de projetos de intervenção.
A limitação de governança também se refere ao ambiente pedagógico, contudo será
tratada em um subtópico específico, pela relevância também específica.

4.6.3 Governança para a construção de possibilidades objetivas

A governança aqui se refere à capacidade de comunicação com vistas à construção de


possibilidades objetivas, internamente e externamente à FURB. Neste sentido, a governança é
o espaço de atuação dos diversos setores da sociedade, aberto pela contraposição a modelos
autoritários de governabilidade – sejam eles pela via do Estado, seja pela via do Mercado. A
definição genérica de governança pode ser estabelecida como
(1) articulações horizontais relativamente estáveis de atores interdependentes,
mas operacionalmente autônomos que (2) interagem entre si por meio de
negociações que (3) ocorrem dentro de uma estrutura regulatória, normativa,
cognitiva e imaginária, que é (4) auto-regulável dentro dos limites definidos
por forças externas e que (5) contribui para a produção do propósito público.
(TORFING, 2005, p. 307).
231

O que significa que é necessário partilhar intencionalidade em relação ao bem público


que se queira contribuir. Neste sentido, a própria construção da intencionalidade é um exercício
de relacionamento e diálogo não autoritários e não determinados a priori. O compartilhamento
de intencionalidades é um processo dinâmico que depende 1) de concepções individuais,
institucionais e/ou de coletivos, que são anteriores à aproximação dos atores, mas que sofrem
mudanças no decorrer do processo, uma vez que os atores são afetados pelo próprio processo;
2) da aprendizagem mútua pela consideração de todos os exigentes (SOUTO-MAIOR, 2012).
Há, contudo, grandes desafios na prática da governança. Pereira (2014) observa que a
governança tem uma essência integradora, mas com potencial conflitivo que dificulta aquilo
que se defende teoricamente. Neste sentido, haveria três processos complementares para a
governança: cooperação, colaboração, coordenação e colaboração. Assim,
Os três processos descritos são fundamentais e complementares, mas a
colaboração é o mais desafiante, porque implica mudanças estruturais na
forma de agir: trabalho a longo prazo, compromisso coletivo, partilha de
recursos e de poder, formas de comunicação e de relacionamento
multidirecionais. A coordenação é igualmente desafiante, pois envolve
planeamento conjunto e partilha de recursos, para diferentes missões, no
respeito pela in(ter)dependência e valorização das partes. Já a cooperação,
mais informal e menos exigente, pressupõe “apenas” vontade para atuar em
conjunto para atingir um objetivo comum às partes envolvidas. (PEREIRA,
2014, p. 10).

No caso do PROESDE / Desenvolvimento FURB, no período de 2017 a 2019, a rede de


governança estabelecida é representada pela Figura 1.

Figura 10– Rede de atores do processo de governança PROESDE / Desenvolvimento FURB

Fonte: A autora (2022)


232

No ambiente externo, a SED é a Secretaria de Estado da Educação vinculada ao Governo


do Estado de Santa Catarina. O órgão coordena o também o Comitê Gestor, com participação
de IES implementadoras do programa, e que tem “função de definir as condições para
implantação, implementação, operacionalização e controle do Programa”, conforme portarias
específicas de 2017. O Mov. ODS Blu é o Movimento Nacional ODS - Santa Catarina - Comitê
Blumenau, movimento social de voluntários para a melhoria da qualidade de vida de Blumenau,
que pretende facilitar a implementação dos ODS nas organizações da cidade por meio da
governança (MOVIMENTO NACIONAL ODS SANTA CATARINA, 2021). A Rede Univ.
ODS corresponde a Rede ODS Universidade Brasil, uma iniciativa de universidades públicas e
privadas do Brasil em parceria com o PNUD que, contudo, não possui entidade jurídica28. As
outras instituições se constituem em um conjunto de entidades como escolas e associações, por
exemplo, lócus de proposição de alguns dos TCCs apresentados durante o período, em alguns
casos com aval e participação da instituição, e em outros casos, alheio à qualquer consulta.
No ambiente interno, o PPGDR corresponde ao Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional, lócus de realização do programa e que abriga os dois grupos de
pesquisa que o coordenavam no período: o Núcleo de Políticas Públicas – NPP, e o Núcleo de
Pesquisas em Desenvolvimento Regional – NPDR. A PROPEX é a Pró-Reitoria de Pesquisa e
Extensão, responsável pela execução da Políticas de Extensão e de Pesquisa da FURB e onde
está abrigada a Divisão de Apoio à Extensão – DAEX, lócus de discussão e proposição de
atividades de extensão e dos respectivos processos burocráticos. A PROAD é a Pró-Reitoria de
Administração, onde também estão alocadas a Divisão Administração Contábil e Patrimonial –
DACP, responsável pelos procedimentos burocráticos relativos ao orçamento e gastos e a
Divisão de Administração Financeira – DAF, responsável pelos processos burocráticos de
repasses das bolsas de estudo aos estudantes de graduação matriculados no programa e pelos
pagamentos gerais. A CAE é a Coordenadoria de Assuntos Estudantis, órgão da administração
superior autônomo e responsável pelo processo burocrático de inserção de alunos selecionados
para o PROESDE nas plataformas correspondentes (da FURB e da SED). A CCM é a
Coordenadoria de Comunicação e Marketing, também órgão da administração superior
autônomo, responsável pelo jornalismo, marketing institucional e eventos institucionais, dando
suporte à atividades de comunicação do programa, desde a divulgação dos processos seletivos

28
A FURB se aproximou destes dois movimentos, com destaque para o primeiro, sem que, contudo,
tivesse firmado convênio formal até o período final da presente pesquisa (20190, em função de entraves
no processo burocrático, apontados nos documentos de encaminhamento para análise jurídica junto à
Procuradoria da FURB.
233

até a execução de eventos. O PROESDE / Licen é um braço do programa que, em 2015, foi
separado entre licenciaturas e desenvolvimento regional, que exerce suas atividades e
orçamento com autonomia em relação ao PROESDE / Desenvolvimento FURB, mas que opera
em algum nível de parceria por demanda interna e por demanda da SED.
As ligações expressadas pela Figura 1 desconsideram os níveis de poder, embora eles
também existam e sejam expressados, para além de normas e legislações de base; 1) por quem
coordena as decisões de repasse de recursos para o programa – neste caso a SED; 2) por quem
determina as normas de gestão destes recursos – neste caso a SED, e a PROAD; 3) por quem
realiza a gestão e alocação destes recursos – neste caso a coordenação do PROESDE; 4) por
quem detém a expertise temática do desenvolvimento regional, neste caso a equipe do
PROESDE E; 5) por quem opera as instâncias burocráticas – neste caso a SED, a CAE, a
PROPEX, a PROAD.
O fluxo do processo institucional do PROESDE / Desenvolvimento FURB era pouco
formalizado e contou com sistemas de informação também pouco integrados, a despeito de
controles oriundos da DAEX e da posterior criação de um Escritório de Projetos (EGP) em
meados de 2013. As informações relativas ao PROESDE eram inseridas em sistemas de
informação distintos, conforme a função cada órgão ou departamento administrativo. Portanto,
a integração das atividades foi mais dependente da manutenção e juntada de arquivos
documentais isolados. A comunicação interna do PROESDE com os departamentos foi alvo de
críticas em duas das sete entrevistas analisadas.
O relacionamento do PROESDE / Desenvolvimento com o PROESDE / Licenciatura,
na FURB, é também permeado por certa reserva derivada de flancos abertos no momento da
divisão do programa em nível estadual, que acarretou a divisão de coordenação também na
FURB, a partir de 2015. Não foi realizado um levantamento estatístico, contudo o que se
observa das reuniões junto à SED e de contatos com as coordenações do programa em outras
IES é que esta é uma questão específica da FURB, uma vez que a manifestação da maioria das
outras IES é no sentido de que, apesar da divisão do programa em nível estadual, internamente
as IES mantiveram uma única coordenação que dá conta dos dois “subprogramas”.
De fato, na FURB, o PROESDE / Desenvolvimento perdeu um volume de recursos
significativos para o PROESDE / Licenciatura. Os entrevistados, no mesmo sentido,
apresentam dificuldade de compreensão da divisão do programa na instituição, argumentando
que o processo histórico de captação e construção do programa junto ao governo do Estado,
exercido fundamentalmente por membros do PPGDR, foram desconsiderados na ruptura.
Questionam também, e com efeito, o fato de a FURB possuir um programa de pós-graduação
234

específico em desenvolvimento regional, cuja expertise teria sido desconsiderada em relação


ao conteúdo da política pública PROESDE, quando da divisão interna. Adicionalmente, existe
o questionamento dos rumos do programa, que passava a ser, desde 2015, cada vez mais voltado
para uma área específica do desenvolvimento regional, a saber, a educação básica. De modo
que, a despeito da pressão para a integração dos dois “subprogramas”, exercida pela SED ao
mesmo tempo em que realiza distintas encomendas e propõe distintas organizações
curriculares, há pouca comunicação efetiva e as atividades são realizadas, em sua maioria,
isoladamente. Há esforços de realização de eventos integrados com colaboração orçamentária,
há trocas de conhecimento sobretudo acerca dos processos burocráticos e alguns tutores atuam
em um e outro programa. Contudo, tais elementos não se revertem em efetiva integração.
No âmbito da relação do PROESDE / Desenvolvimento FURB com instâncias externas,
o programa escolheu, de forma colegiada, trabalhar com os ODS como estratégia de construção
de possibilidades objetivas. Tal escolha reverbera a preocupação do programa com a
funcionalidade da universidade. Em outras palavras, o programa se compromete com o
desenvolvimento sustentável em seu entorno regional. Essa é uma escolha específica do
programa na FURB, que coaduna com a área de concentração do PPGDR em Desenvolvimento
Regional Sustentável e se vincula a pesquisas desenvolvidas nos últimos dez anos pelo NPP.
Isso significa que o que entra de informação sobre o PROESDE / Desenvolvimento na FURB,
proveniente da SED e discutida no âmbito do Comitê Gestor, desconsidera essa especificidade.
Portanto, o conteúdo das informações da SED para a FURB é composto das normas de
legislação e da orientação política concernente ao governo em atuação. Há um esforço da SED,
principalmente por meio do Comitê Gestor, de realizar discussões participativas para a tomada
de decisão. Contudo, a inserção de questões por parte das IES é relativamente limitada, visto
que, em geral, a SED detém maior poder sobre as definições da política pública. A SED realiza
também reuniões com os coordenadores do programa nas IES, cujo caráter é mais de repasse
de informações de decisões tomadas no âmbito do Comitê Gestor. Como já visto, as principais
informações são: a quantidade de vagas e recursos destinados; os requisitos de seleção de
estudantes de graduação; o formato, carga horária e período do programa; o produto final
(entrega). A SED conta também com um sistema para inserção de informações relacionadas ao
programa, principalmente as de ordem financeira e perfil dos estudantes participantes. Ainda
assim, mesmo nesse contexto, nos anos de 2018 e 2019, os ODS foram inseridos no
regulamento do programa proveniente da SED, como eixo transversal. A inovação assumida
pela SED teve como inspiração o programa da FURB e relatos dessa experiência nas reuniões
de coordenação.
235

A FURB também abastece a SED de informações solicitadas, por meio do sistema de


informações e por meio de outros documentos que lhe são solicitados. O destaque é entrega
final, geralmente em formato de relatório ou artigo, onde são apresentados os TCCs e a
experiência do PROESDE / Desenvolvimento no ano correspondente. Tais documentos são
publicados no site da SED, e em algumas edições, chegou a se transformar em publicações de
revistas acadêmicas ou e-books.
Por outro lado, o PROESDE / Desenvolvimento FURB procura identificar parceiros
para o trabalho de construção de possibilidades objetivas. A identificação ocorreu,
principalmente nos momentos iniciais, a partir dos grupos de pesquisa do PPGDR e seus
trabalhos em andamento, o que tornava ainda mais evidente a relação do tripé universitário,
um dos objetivos do programa. Contudo, a julgar pela observação participante nas edições de
2017 a 2019, o relacionamento com os grupos de pesquisa não desembocou, pelo menos na
maioria dos casos, em projetos de intervenção (TCCs) em organizações e territórios onde
projetos de pesquisa e/ou extensão já estivessem em andamento. Houve, por outro lado,
principalmente por conta da consideração dos indicadores ODM/ODS para os projetos de
intervenção (TCCs), a vinculação com o Observatório do Desenvolvimento Regional
realizado em parceria com o Movimento Nós Podemos! Blumenau.
Aqui, proposta é de aprofundamento da governança em relação às demandas sociais,
tanto em relação à formalidade documental, como em relação à articulações reais expressadas
em um trabalho conjunto entre o PROESDE / Desenvolvimento FURB e as organizações da
sociedade, considerando os três níveis elaborados por Pereira (2014), quais sejam, cooperação,
coordenação e colaboração. É importante levar em conta as possibilidades de utilização das
tecnologias digitais para aproximar os grupos de pessoas envolvidas, conforme exame de
viabilidade exposto por Moretto Neto, Garrido, Justen (2011).
Uma das formas que podem ser consideradas para a efetividade da governança é por
meio da criação e manutenção de unidades similares às chamadas Zonas de Educação para o
Ecodesenvolvimento, que consistem em espaços delimitados para o conhecimento e ação sobre
o território, onde universidade e sociedade civil organizada trabalham em conjunto na formação
de arranjos socioprodutivos locais (SAMPAIO et al, 2010). Esses espaços estariam mais
voltados para a conservação de modos de vida tradicionais e a preservação da biodiversidade e
referem-se, portanto, principalmente a zonas rurais. Contudo, nada impede que o conceito seja
ampliado para áreas urbanas, importando a manutenção de uma delimitação espacial voltada
para o conhecimento e a ação territorial, ao que se poderia estabelecer como um território
formativo.
236

A esta altura, a consideração do território e da territorialidade adquire fundamental


importância pelo suporte à duas menções realizadas no contexto da abordagem
multidimensional possibilista: espaço (no sentido de utopia) e tempo (no sentido de ucronia).
O território expressa a ideia central de dinamicidade na relação espaço-tempo composta pela
ação de diferentes atores sociais encampando, pelo menos, as dimensões político-jurídica,
econômica, simbólico-cultural e natural (COSTA, 2004). É neste sentido que, no PROESDE /
Desenvolvimento FURB a concepção de território formativo se dá pela via da educação tutorial
dialógica aberta ao que é externo à universidade, mas conectada com o espaço local / regional,
aproximando-se do conceito de governança, mas orientada ao processo formativo que ocorre a
partir do território, mas que também territorializa.
Neste sentido, cabe aqui uma ressalva que regressa novamente à viabilização financeira
de projetos deste cunho, que será objeto de outra subseção.

4.6.4 Captação e alocação de recursos

Uma das orientações de grande valia para efetivação do paradigma paraeconômico é a


necessária alocação de recursos em diferentes modelos de organizações com diferentes
finalidades, cujas utilidades diferem dos cálculos mercadológicos, seja pela via da
redistribuição de recursos realizada pelo Estado, seja pela via de aportes oriundos da Sociedade
Civil (RAMOS, 1989). Neste sentido, o PROESDE / Desenvolvimento FURB conta com
financiamento quase que exclusivo por parte de recursos advindos da SED, além da participação
de alguns voluntários. Já foram mencionadas as dificuldades de planejamento das atividades
advindas da imprevisibilidade de aporte de recursos em horizontes de médio e, ainda mais
dificilmente, de longos prazos. Uma saída óbvia e já mencionada passaria por uma maior
antecipação de informações por parte da SED, como gestora do programa, além do aporte de
maior volume de recursos por meio da disponibilização de mais vagas para o PROESDE /
Desenvolvimento FURB.
Mas há um outro caminho possível, que é a captação de recursos de outras fontes por
meio da Responsabilidade Socioambiental ou do novo termo que vem representando os avanços
na necessidade de legitimação social, qual seja, Enviromental, Social and Governance (ESG),
na linha do que sugerem Tombi, Salm, Menegasso (2006).
Aqui vale salientar que Serva (2012) argumenta que a sustentabilidade passa pela
conquista da legitimidade dos atores sociais e das organizações junto à sociedade, cujos
componentes fundamentais são a visibilidade, a credibilidade, a eficácia e a validação social da
237

relevância do indivíduo ou da organização para a sociedade. Elementos que, conforme o próprio


autor defende, integram a noção de governança. Tais considerações podem valer tanto para
quem capta como para quem oferta os recursos. Quem capta recursos, como neste caso se
propõe que o PROESDE / Desenvolvimento o faça, precisa demonstrar legitimidade perante a
sociedade, fato que retoma a necessidade de aprofundamento das relações de governança com
organizações da sociedade, bem como as habilidades de comunicação. Por outro lado, Serva
(2012) argumenta que mesmo organizações que estejam no enclave econômico, atualmente
precisam se legitimar perante a sociedade, o que as torna potenciais parceiras na condução de
projetos de relevância socioambiental.

4.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo teve o objetivo de propor pressupostos para o PROESDE /


Desenvolvimento FURB, com inserção da dimensão política (politics), no que tange à
abordagem multidimensional e possibilista do desenvolvimento regional, por meio da estratégia
de desenvolvimento sustentável. Para tanto, realizou-se uma síntese da TDSS e da
paraeconomia, teorias que evocam a inserção da racionalidade substantiva nas organizações e
um novo modelo de alocação de recursos.
Posteriormente foi realizado um levantamento de documentos que trataram da questão
nos últimos dez anos, tanto sob a perspectiva teórica como sob a perspectiva prática. Observou-
se que as teorias de Alberto Guerreiro Ramos continuam atualizadas e que balizam análises
acadêmicas de experiências voltadas para abordagens substantivas das organizações e para a
multidimensionalidade do desenvolvimento. Contudo, não se observou que tais teorias sejam
utilizadas como balizadores de novas experiências. Além disso, foi realizada uma discussão
sobre as funções da universidade para compreender de que forma sua legitimidade tem sido
pautada na sociedade.
Assim, considera-se que o PROESDE / Desenvolvimento FURB é um sistema cognitivo
tanto de suporte como de exercício da abordagem substantiva das organizações da sociedade.
Embora não haja a declaração de orientação a partir das teorias de Guerreiro Ramos, as escolhas
do programa avançam neste caminho. Como indícios, pode-se apontar: 1) a escolha dos ODM
e ODS como estratégias mundialmente pactuadas, que no programa são ferramentas de ensino-
aprendizagem pela via da construção de uma ciência cidadã; 2) a opção metodológica pela
educação tutorial, que é multidimensional, focada no tripé universitário e dialógica, visando
formar cidadãos críticos e comprometidos com seus territórios, além do impulsionamento para
238

a formação do chamado “Homem Parentético”; 3) o exercício de governança voltado para


discussões da dimensão política da atuação da universidade.
Já como propostas do programa, podem ser separadas em duas vertentes: aquelas que
deverão ser articuladas junto à esfera pública estadual, gestora da política pública, e aquelas
que podem ser realizadas pelo exercício da autonomia por parte do implementador da política
pública, no caso, a coordenação do PROESDE /Desenvolvimento FURB. É importante, ainda,
salientar que as duas vertentes são complementares.
Na primeira vertente:
1. Assimilar a orientação multidimensional do desenvolvimento e inserir, em nível
estadual, uma pactuação em torno dos ODS – o que corresponderia a uma
contribuição para a governança multinível em prol do desenvolvimento
sustentável.
2. Aprofundar a regulamentação formal da política pública para que haja um
planejamento de médio e longo prazos na alocação de recursos, de modo a tornar
possível igualmente o relacionamento de médio e longo prazos com
organizações da sociedade que sejam parceiras do programa na construção de
estratégias de desenvolvimento regional pactuadas.
3. Ampliar a autonomia das IES para a determinação dos produtos e,
principalmente, para a seleção de parcerias com organizações da sociedade.
4. Aumento da duração do programa, em função da necessidade de realização de
atividades com distintas abordagens temporais, que não somente o tempo linear
ou produtivo, em conjunto com a criação de mecanismos de manutenção de
estudantes selecionados para o programa durante o tempo de implementação dos
projetos de intervenção.
Na segunda vertente:
1. Realizar a abordagem direta da dimensão ético-valorativa e das teorias de
abordagem multicêntrica da sociedade tanto na capacitação de monitores-tutores
como nos encontros iniciais com os estudantes participantes.
2. Firmar parcerias de médio e longo prazo com organizações da sociedade em
âmbito local e regional
3. Aprofundar a dinâmica de constituição de um território formativo que pode ter
uma modelação similar às Zonas de Educação para o Ecodesenvolvimento
(ZEE), encampando todavia a realidade urbana em relação com a realidade rural.
239

4. Melhorar a comunicação interna e externa à FURB, com vistas a) à melhoria da


legitimidade do programa perante a sociedade e; b) à ampliação da governança
para contribuir com o alcance dos ODS.
5. Avançar na captação de recursos adicionais para o programa, de modo a não
permanecer dependente de uma fonte única e pública de financiamento, no
contexto da moderna Enviromental, Social and Governance (ESG).
240

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243

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo geral avaliar a convergência entre o processo de
educação tutorial do PROESDE / FURB - no período de 2009 a 2019, e a estratégia de
desenvolvimento sustentável expressada pela Agenda Global de Desenvolvimento
(ODM/ODS), a partir do enfoque multidimensional possibilista na Teoria do Desenvolvimento
Regional. A organização foi realizada em três principais capítulos, em um esforço de
apresentação em formato de compêndio, mais os elementos introdutórios e esta conclusão.
Pode-se concluir que, embora não haja aderência declaratória das teorias de abordagem
multidimensional possibilista na vertente semântica apresentada por Guerreiro Ramos, nas
TDRs, há pesquisas que corroboram com a necessidade da inserção de questões ético-
valorativas, representadas pela racionalidade substantiva. A ideia de racionalidade substantiva
foi expressiva em estudos que questionam a intencionalidade do desenvolvimento e que
percebem o desenvolvimento regional em duas vertentes: como fato de análise e como
perspectiva de um “bom” desenvolvimento.
Dentro desta perspectiva do “bom” desenvolvimento, circunscrevem-se variadas
qualificações para o termo, dentre as quais o desenvolvimento sustentável se destaca como uma
estratégia pactuada em nível mundial e que assume diferentes dimensões além da econômica,
quais sejam, fundamentalmente as dimensões social, ambiental e institucional. Nesse escopo se
destaca a abordagem dos ODM e ODM como balizadores mensuráveis das múltiplas dimensões
do desenvolvimento.
O PROESDE / Desenvolvimento FURB, por sua vez, tem uma longa trajetória de
práticas político-administrativas e pedagógicas declaradamente orientadas para o
desenvolvimento sustentável e especificamente com o intuito de contribuir para a governança
multinível necessária para a melhoria dos indicadores e alcance das metas atualmente
compiladas nos ODS. Em termos de resultados de tais indicadores que poderiam ser diretamente
computados como resultados do programa, houve apenas três projetos de intervenção que
chegaram a ser implementados.
Contudo, a metodologia formativa da educação tutorial que é colocada em prática no
programa, tendo os ODM/ODS como eixos transversais é um diferencial que não se limita ao
alcance imediato das metas e indicadores. Mas promove a formação da consciência crítica por
meio da inserção dos estudantes em suas realidades regionais. Neste sentido, houve um
significativo aporte aos participantes do programa no sentido de inserção da dimensão ético-
valorativa em exercício de uma ciência engajada, comprometida e cidadã.
244

Porém, um dos pontos fracos do PROESDE / Desenvolvimento FURB reside da baixa


capacidade de atuar na governança territorial para os atuais ODS, fator que é influenciado pela
dificuldade do planejamento do acesso a vagas e aos recursos provenientes do Governo do
Estado de Santa Catarina, além de outros fatores. Desta forma, sugeriu-se que ocorra articulação
em duas vertentes. A primeira é na relação com a SED, onde se poderia: a) promover a
assimilação da abordagem multidimensional do desenvolvimento regional como orientadora do
programa; 2) o aprofundamento do regramento da política pública PROESDE com vistas a
assegurar um planejamento de médio e longo prazos; 3) deixar a critério das IES a seleção de
parceiros para as edições do programa, de forma a assegurar a autonomia na relação entre
universidade e organizações sociais; 4) repensar a duração do programa com vistas ao aumento
da permanência de estudantes de graduação vinculados.
Já como possibilidades de ajustamento interno, as sugestões vão no sentido de: 1)
aprofundar a inserção no contexto regional, tendo o programa como território formativo, onde
um caminho possível seria a gestão de uma espécie de adaptação do conceito de Zonas de
Educação para o Ecodesenvolvimento (ZEE); 2) melhorar a comunicação interna e externa à
FURB para a ampliação da legitimidade do programa e para aumento da governança.

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