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Duas décadas de pesquisa

em Epidemiologia da
Atividade Física em
Pelotas-RS

L O

N
Duas décadas de pesquisa
em Epidemiologia da
Atividade Física em
Pelotas-RS

L O

N
Reitoria
Reitora: Isabela Fernandes Andrade
Vice-Reitora: Ursula Rosa da Silva
Chefe de Gabinete: Aline Ribeiro Paliga
Pró-Reitora de Ensino: Maria de Fátima Cóssio
Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação: Flávio Fernando Demarco
Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Eraldo dos Santos Pinheiro
Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Paulo Roberto Ferreira Júnior
Pró-Reitor Administrativo: Ricardo Hartlebem Peter
Pró-Reitor de Gestão da Informação e Comunicação: Julio Carlos Balzano de Mattos
Pró-Reitora de Assuntos Estudantis: Rosane Maria dos Santos Brandão
Pró-Reitora de Gestão de Pessoas: Taís Ullrich Fonseca

Conselho Editorial
Presidente do Conselho Editorial: Ana da Rosa Bandeira
Representantes das Ciências Agrárias: Sandra Mara da Encarnação Fiala Rechsteiner (TITULAR)
Representantes da Área das Ciências Exatas e da Terra: Eder João Lenardão (TITULAR), Daniela Hartwig de Oliveira e
Aline Joana Rolina Wohlmuth Alves dos Santos
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Marla Piumbini Rocha
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Jairo Valões de Alencar Ramalho
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Christina Lopes Lindôso
Representantes da Área das Ciências Sociais Aplicadas: Daniel Lena Marchiori Neto (TITULAR), Bruno Rotta Almeida
e Marislei da Silveira Ribeiro
Representantes da Área das Ciências Humanas: Charles Pereira Pennaforte (TITULAR), Silvana Schimanski e William
Daldegan de Freitas
Representantes da Área das Linguagens e Artes: Chris de Azevedo Ramil (TITULAR), Daniel Soares Duarte e Luís
Fernando Hering Coelho
Duas décadas de pesquisa
em Epidemiologia da
Atividade Física em
Pelotas-RS
Pedro Curi Hallal
Alan Goularte Knuth
Gregore Iven Mielke
Inácio Crochemore-Silva

L
Pelotas, 2023

N
Seção de Pré-Produção
Isabel Cochrane
Administrativo
Suelen Aires Böettge
Administrativo

Seção de Produção
Preparação de originais
Eliana Peter Braz
Administrativo
Catalogação
Madelon Schimmelpfennig Lopes
Filiada à ABEU Administrativo
Revisão textual
Rua Benjamin Constant, 1071 - Porto Anelise Heidrich
Pelotas, RS - Brasil Assistente de Revisão
Fone +55 (53)3284 1684 Suelen Aires Böettge
editora.ufpel@gmail.com Administrativo
Projeto gráfico e diagramação
Fernanda Figueredo Alves
Carolina Abukawa (Bolsista)
Coordenação de projeto
Ana da Rosa Bandeira

Seção de Pós-Produção
Marisa Helena Gonsalves de Moura
Administrativo
Eliana Peter Braz
Administrativo

Projeto Gráfico e Diagramação


Fernanda Figueredo Alves
Capa
Cíntia Borges
Imagens da Capa
Fotografia de Coen van de Broe na Unsplash (mulher
em bicicleta de estrada na estrada)
Fotografia de Junior REIS na Unsplash
Fotografia de Tim Mossholder (pessoa enterrando a
bola sob o céu azul durante o dia) na Unsplash
Imagens de Freepik.com: Crianças jogando Futebol;
Full shot pessoas correndo juntas.
DEDICATÓRIA

À Universidade Federal de Pelotas, Universidade pública,


gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, que formou
todos os organizadores do livro e quase a totalidade dos autores
dos capítulos.

À população brasileira, em especial à população pelotense, que


além de responsável pelo financiamento de uma Universidade
pública, contribuiu com sua participação em nossas pesquisas
nesses últimos 20 anos.
PREFÁCIO

Michael Pratt,
University of California San Diego

I
t is truly an honor to have the opportunity to write the preface to “Duas déca-
das de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS”. This
book summarizes two decades of great work by my good friends and col-
leagues from the Federal University of Pelotas in Brazil. There is a reason that
the book extends to almost 400 pages. The group led by Pedro Hallal has been
amazingly productive since their first paper in 2003: 235 authors producing 589
scientific articles that have been cited more than 13,000 times. And the breadth
of their work is remarkable as well as indicated by the foci of the chapters of
this volume: Methods and measurement, prevalence, determinants, health ef-
fects, interventions and evaluation, public policy. Perhaps even more stunning
than their remarkable academic productivity is that this group at a university
in a city far from the usual seats of power in Brazil has also had huge influence
on public health and physical education policy in Brazil. One might reasonably
ask, “how could this possibly happen?”. The authors note that a perfect storm of
circumstances brought together research groups in physical education and epi-
demiology at the Federal University of Pelotas 20 years ago, and that the syner-
gies stimulated by this storm led both groups to the very top of their respective
fields in Brazil. But somebody must set the tone and expectations and others
must join in on the work in order to accomplish so much across such a broad
range of topics. It all comes down to people, leadership, and a commitment to
excellence. By mentioning only two visionary leaders I am obviously not telling
the full story, but a great journey must start with somebody setting the pace. In
Pelotas, Cesar Victora and Pedro Hallal have been pace setters, builders, and
mentors whose efforts have been instrumental in turning that perfect storm into
something remarkable. Cesar’s leadership of the Epidemiology Research Group
and the Pelotas Birth Cohorts established a standard of excellence and global
competitiveness that put the Federal University of Pelotas on the global acade-
mic map. But it was his epidemiology doctoral student, Pedro, who provided the
bridge to physical education and then physical activity and public health. Very
few places in the world have brought these two fields together in such a powerful
way. And few leaders have been as successful as Cesar and Pedro in mentoring
new generations of outstanding researchers. Without this combination of com-
mitment to scientific and professional excellence, mentoring, and leadership it
would be impossible to generate the massive scientific and public policy impact
that has come from the physical activity epidemiology research group. A parti-
cularly notable aspect of their work is that from the beginning they have played
at the highest global level. For a university research group in a medium sized city
in an out-of-the way corner of Brazil this cannot have been easy. One might think
that the fortunes of the research group would mirror that of the Pelotas “Futebol”
Club. Brasil de Pelotas is in the 4th Division nationally and in their good years
might compete well in a higher Division in Brazil. But the Research Group on
Physical Activity Epidemiology plays with the big boys. They long since moved
to the First Division in Brazil, then to the Premier League, and now appear re-
gularly in the Champions League. Their passion for and excellence in physical
activity research matches that of their country for “futebol”! And they have been
a bit more successful over the last 20 years than the Seleção Brasileira! I trust that
you will be as impressed as I am as you read this volume.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
I. Duas décadas e uma era de pesquisa em Pelotas, RS 12
EIXO 1—TRAJETÓRIA DE PRODUÇÃO E FORMAÇÃO
II. A tempestade perfeita: o contexto da graduação e pós-graduação
que facilitou a aproximação entre a Educação Física e a Epidemiologia
em Pelotas, RS
20

III. Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física (Geeaf) 28


IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em
Pelotas: do local ao global 40

EIXO 2—NÍVEIS DE ATIVIDADE FÍSICA


V. Níveis de atividade física e tendências temporais 59
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas: métodos
predominantes e instrumentos analisados 79

EIXO 3—DETERMINANTES
VII. Determinantes da atividade física na gestação e primeira infância 100
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência 111
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos 143
EIXO 4—CONSEQUÊNCIAS
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância 169
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência 188
XII. Consequências da atividade física em adultos 214
XIII. Consequências da atividade física em idosos 237
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista 263
EIXO 5—INTERVENÇÕES
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física 280
XVI. Inserção dos profissionais de Educação Física no Sistema Único
de Saúde 302

XVII. Avaliação de intervenções para promoção de atividade física 309


EIXO 6—POLÍTICAS
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção
social no Brasil: histórico, projetos em disputa e perspectivas 323

XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde 340


XX. A contribuição de Pelotas para a elaboração do Guia de Atividade
Física para a População Brasileira 355

XXI. Políticas de nível global 366


CONSIDERAÇÕES FINAIS
XII. Caminhos percorridos, aprendizados e perspectivas para a
pesquisa em atividade física em Pelotas, RS 379

SOBRE OS ORGANIZADORES 383


SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES 385
S

L
APRESENTAÇÃO
N
I
DUAS DÉCADAS E UMA ERA DE PESQUISA
EM PELOTAS, RS

Werner de Andrade Müller; Alan Goularte Knuth; Gregore


Iven Mielke; Inácio Crochemore-Silva; Pedro Curi Hallal

A
s evidências científicas acu- Estudos epidemiológicos clássicos
muladas sobre a atividade fí- do final da década de 1980 mostraram
sica e seus benefícios à saúde a importância da atividade física e
consolidaram um robusto campo de materializaram-na como uma priori-
conhecimento que cresceu ao longo dade de pesquisa nos anos 90. A par-
dos anos no cenário científico nacio- tir de então, ocorreu o fortalecimento
nal e internacional. A área que co- das pesquisas populacionais e o surgi-
nhecemos hoje como atividade física mento de discussões sobre recomen-
e saúde inicia por volta de 1950 com dações de prática de atividade física
os estudos de Jeremy Morris na Ingla- para a saúde2,3. O campo de estudo
terra.1 Nas décadas seguintes diversos originado em 1950, inicialmente sob
liderança norte-americana e europeia,
estudos foram desenvolvidos, ainda
evoluiu gradualmente atingindo mais
que com um enfoque na aptidão física
de mil publicações de artigos científi-
e, em seguida, as pesquisas científicas
cos anualmente e, após os anos 2000,
proporcionaram um melhor entendi-
veio firmar-se com pesquisas de todos
mento específico da atividade física.

12
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

os tipos, como os estudos de mensu- dial, embora um pouco mais tardia


ração, correlatos, intervenções, conse- do que os países precursores8. Con-
quências, recomendações, políticas e tudo, o Brasil foi a primeira nação
de perspectivas globais3. (se não a única) a ter um periódico
No contexto brasileiro, as primei- científico, um congresso científico e
ras pesquisas epidemiológicas sobre uma sociedade científica específicas
atividade física começam a ser con- da área: Revista Brasileira de Ativi-
duzidas principalmente na década dade Física e Saúde, criada em 1995;
de 19904. Entretanto, apenas em 2000 Congresso Brasileiro de Atividade
foi publicado o primeiro estudo epi- Física e Saúde, iniciado em 1997; e
demiológico tendo a atividade física Sociedade Brasileira de Atividade Fí-
como a principal variável de interes- sica e Saúde, fundada em 2008, que
se5. É no início do novo milênio que precederam suas respectivas versões
ocorre o aumento expressivo de pes- internacionais. Além do destaque na
quisas e, a partir de então, inicia-se pesquisa em seus diferentes eixos da
uma nova era das investigações em área, o país também implementou in-
epidemiologia da atividade física no quéritos nacionais de vigilância e pla-
Brasil4,6. No decorrer desses quase nos de políticas, em anos anteriores8.
70 anos, o Brasil contribuiu com a O protagonismo brasileiro, em
expressiva marca de 5% do total de voga no novo milênio, teve seus pas-
publicações da área em todo o mun- sos marcados também ao ritmo do
do. Foram cerca de 1200 artigos pu- surgimento e desenvolvimento do
blicados nesse período, levando o grupo de Pelotas, com ênfase na epi-
país a ocupar a 4ª posição no ranking demiologia da atividade física. Em
mundial de produção científica nes- 2003, uma pesquisa pelotense se tor-
se campo de conhecimento. O Brasil na a primeira a ser publicada em um
se caracterizou como o único país de periódico internacional e renomado
renda média entre as 10 nações mais da área9. Em similitude, o pontapé
produtivas da área que contribuíram inicial da área em Pelotas se dá com
com quase 50% do conhecimento a publicação dos estudos em periódi-
mundial sobre a temática, ficando cos estrangeiros de relevante impac-
atrás apenas dos Estados Unidos, Ca- to, com pelos menos seis, dos 10 es-
nadá e Austrália7. tudos pioneiros publicados até 2005.
A relevante participação do Brasil Ao longo dessas duas décadas, o
no cenário da pesquisa em atividade grupo projetou a cidade de Pelotas no
física e saúde se deu de forma similar topo do número de menções de afilia-
ao ocorrido com a tendência mun- ção de pesquisadores e pesquisadoras

13
I. Duas décadas e uma era de pesquisa em Pelotas, RS

brasileiras em periódicos internacio- em Pelotas, buscando a interlocução


nais relevantes da área10 . Esse mesmo com as evidências nacionais e inter-
protagonismo teve reflexo na organi- nacionais e apontamentos de lacunas
zação do Congresso Internacional de e perspectivas. Nesse sentido, além de
Atividade Física e Saúde Pública, que compreender esse cenário, visa, tam-
trouxe a 5ª edição do evento para o bém, provocar questionamentos sobre
Brasil, em 2014, na cidade do Rio de as décadas que vêm pela frente.
Janeiro. Destaca-se também o conjun- A presente obra conta a história da
to de séries especiais sobre atividade epidemiologia da atividade física em
física que o prestigiado periódico The Pelotas nesses 20 anos de pesquisas
Lancet publicou em 2012, 2016 e em por meio de autores e autoras que aju-
2021, que contou com a colaboração daram na construção desse legado. O
de pesquisadores do grupo de Pelotas livro é organizado nos seguintes eixos:
em diferentes artigos e a participação EIXO 1 – trajetória de produção e
de um pesquisador como um dos lí- formação: inicia-se com o presente
deres das séries. Outras notórias par- capítulo de apresentação. O capítulo
ticipações do grupo têm destaque na 2 aborda o contexto da graduação e
atuação à frente do Observatório Glo- da pós-graduação em Pelotas e a apro-
bal de Atividade Física, editoria do ximação entre as áreas da Educação
Journal of Physical Activity and Health Física e da Epidemiologia, denomina-
e na concepção do Guia de Atividade da pelos autores como “a tempestade
Física para a População Brasileira, perfeita”. O capítulo 3 relata o ingres-
com a coordenação geral da Universi- so dos primeiros pesquisadores na
dade Federal de Pelotas. pós-graduação que resultou no surgi-
Resgatar os pontos altos da produ- mento do Grupo de Estudos em Epi-
ção do conhecimento em epidemiolo- demiologia da Atividade Física (Gee-
gia da atividade física em Pelotas nes- af). Por último, o capítulo 4 descreve
ses 20 anos não se trata meramente de a produção do conhecimento a partir
tecer autoelogios ao grupo – mesmo de uma revisão sistemática que ana-
que este texto introdutório pareça fa- lisa a evolução, as características dos
zê-lo. Pelo contrário, a presente obra estudos e o impacto bibliométrico
busca deixar o registro de uma promis- das produções oriundas de Pelotas.
sora história que caminhou na van-
EIXO 2 – níveis de atividade físi-
guarda do campo do conhecimento da
ca: apresentam-se estudos dos níveis,
área e que merece ser contada, pensa-
tendências e de mensuração da ativi-
da e avaliada. O livro apresenta a con-
dade física. O capítulo 5 trata dos ní-
tribuição das pesquisas desenvolvidas

14
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

veis e tendências de atividade física EIXO 4 – consequências: de for-


em Pelotas ao longo dos anos, a partir ma mais abrangente, o eixo aborda
dos diferentes estudos conduzidos, as consequências da atividade física
bem como a contextualização com os nas fases do ciclo vital e apresenta,
inquéritos e outros estudos nacionais no fim, um capítulo sobre pessoas
que tiveram a colaboração de Pelo- com deficiência e com transtorno do
tas. O capítulo 6 trata sobre os estu- espectro autista. O capítulo 10 trata
dos metodológicos de mensuração da dos estudos de consequência da ati-
atividade física e traça uma linha do vidade física na gestação e na primei-
tempo, com foco nos estudos que uti- ra infância (0-4 anos), com foco nos
lizaram questionários e nos estudos efeitos fetais, neonatais, infantis e na
que utilizaram acelerometria ao lon- mulher, dos estudos das Coortes de
go dos anos em Pelotas. 2004 e 2015. No capítulo 11 são deta-
EIXO 3 – determinantes: o pre- lhados os principais resultados dos
sente eixo divide-se em capítulos que estudos de Pelotas sobre as consequ-
abordam os determinantes da ativi- ências da atividade física e do com-
dade física em Pelotas de acordo com portamento sedentário na infância e
o ciclo da vida. O capítulo 7 descreve adolescência (5-17 anos) na composi-
os estudos de determinantes da ativi- ção corporal, saúde cardiovascular,
dade física na gestação e na primeira óssea, mental, tracking de atividade
infância (0-4 anos), especificamente, física, entre outros desfechos. O ca-
conduzidos nas Coortes de Nasci- pítulo 12 é específico da população
mentos de 2004 e 2015 de Pelotas. O adulta (18 a 59 anos) e apresenta as
capítulo 8 detalha os estudos sobre consequências da atividade física nos
determinantes na infância e na ado- indicadores de composição corporal,
lescência (5-17 anos) sob a perspec- cardiometabólicos, inflamatórios,
tiva de modelo ecológico com múlti- musculoesqueléticos, psicológicos e
plos níveis de influência (individual, de qualidade de vida. O capítulo 13
interpessoal, ambiental e político). trata da compressão das consequên-
Por fim, o capítulo 9 traz a compreen- cias da atividade física em idosos (>60
são dos múltiplos níveis de influência anos), com um detalhamento dos
do modelo ecológico e compila os principais desfechos do estudo de co-
estudos de determinantes da ativida- orte “COMO VAI?”. Ao final do eixo, o
de física de Pelotas na população de capítulo 14 traça um panorama das
adultos e de idosos (>18 anos). pesquisas desenvolvidas em Pelotas
com pessoas com deficiência e com
transtorno do espectro autista. Nes-

15
I. Duas décadas e uma era de pesquisa em Pelotas, RS

te capítulo, por não se enquadrar nas a partir da promoção da saúde. No 20º


fases específicas do ciclo vital como capítulo é apresentado o histórico da
os anteriores, são abordados os deter- concepção do Guia de Atividade Físi-
minantes, barreiras e facilitadores e ca para a População Brasileira, além
as consequências da atividade física da descrição do processo de constru-
nessas populações. ção de dois capítulos temáticos do
EIXO 5 – intervenções: o capítulo Guia que tiveram pesquisadores de
15 descreve as abordagens para in- Pelotas na liderança. O capítulo 21
tervenções de promoção de atividade finaliza as discussões de políticas pú-
física em Pelotas. São apresentados blicas de atividade física sob a ótica
os estudos de intervenção de base global, apresentando a construção e
escolar, com grupos especiais, como o desenvolvimento do Observatório
pessoas com hipertensão e doença Global de Atividade Física.
renal, diabetes gestacional, pacientes Por fim, encerra-se a obra com o
epilépticos, mulheres sobreviventes capítulo 22 que traz uma reflexão so-
de câncer de mama e gestantes, além bre os caminhos percorridos, apren-
de intervenções comunitárias e ou- dizados e perspectivas para a pes-
tras intervenções com a colaboração quisa em atividade física em Pelotas.
de Pelotas. O capítulo 16 discute a in- Convém ressaltar que o livro é um
serção dos profissionais de Educação fruto oriundo de diferentes mãos con-
Física no Sistema Único de Saúde, vidadas a colaborar separadamente
através das iniciativas para a promo- nos capítulos. Dessa forma, é possí-
ção de atividade física e do programa vel a observância de alguns conceitos
Academia da Saúde. No 17º capítulo sendo apresentados em mais de um
encontram-se discussões sobre ava- capítulo, bem como distintas estrutu-
liação de intervenções para a promo- ras de organização. Espera-se que os
ção de atividade física. leitores e leitoras deste livro possam
assim desfrutar de uma leitura contí-
EIXO 6 – políticas: neste eixo en-
nua do produto como um todo, bem
fatizam-se as políticas nacionais e
como direcionar a leitura de capítu-
globais. O capítulo 18 apresenta uma
los específicos do seu interesse.
discussão sobre o histórico, projetos
Em tempo: Pelotas é um municí-
em disputa e perspectivas do SUS
pio localizado no sul do Rio Grande do
como um marco de proteção social
Sul, a aproximadamente 250 km da ca-
no Brasil. O capítulo 19 discute as
pital gaúcha e do extremo sul do país.
práticas corporais e atividades físicas
É a quarta cidade mais populosa do es-
desde sua institucionalização no SUS
tado, com aproximadamente 325 mil

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Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

habitantes11. Apresenta médias anu- de espetáculos inaugurada no estado.


ais de temperaturas de 17,8°C (médias Pelotas conta também com vários mu-
anuais mínimas de 13,8°C e médias seus, festivais gastronômicos e musi-
anuais máximas de 22,9°C)12. A cidade cais, e abriga diversas instituições de
é caracterizada por uma grande diver- ensino, como a Universidade Federal
sidade cultural desde seu surgimento de Pelotas. Atualmente, as principais
devido à vasta miscigenação de etnias, atividades econômicas do município
sendo a maioria africana13. A história são o agronegócio (produção de pêsse-
do município é marcada pela prós- go, arroz, leite e rebanho de corte) e o
pera produção de charque que inicia comércio. As mais diferentes misturas
no final do século XVIII, com base na fazem de Pelotas um centro cultural,
mão de obra escravizada, a qual, mais universitário, tecnológico, político e
tarde, compusera mais da metade da de diversidade.
população, em 183314. Com 210 anos Saudações de Pelotas, de Sato-
de história, Pelotas conta com um lep, da Princesa do Sul, da cidade do
patrimônio histórico de arquitetura doce; do Laranjal, do xavante, lobão
portuguesa bem preservado, sendo e fantasma; da estética do frio e da
reconhecido como patrimônio mate- epidemiologia da atividade física. Su-
rial pelo Instituto do Patrimônio His- gerimos a leitura da obra ao embalo
tórico e Artístico Nacional (Iphan) e da bela música intitulada Pelotas, dos
tendo vários prédios e monumentos artistas pelotenses Kleiton e Kledir:
tombados pelo patrimônio histórico. Terra de todos meus sonhos
A Princesa do Sul, como também é Princesa do Sul bonita,
conhecida a cidade, ainda carrega o O meu amor não tem fim,
reconhecimento pelo Iphan de patri- Como uma rua infinita.
mônio imaterial pela tradição doceira
pelotense. A tradição dos doces que Pelotas minha cidade
concedem o título de Capital Nacional Lugar onde eu nasci,
Ando nos braços do mundo,
do Doce à Pelotas resulta de receitas
Mas sempre volto pra ti!
de origem portuguesa, francesa e com
ingredientes da cultura negra, como (Pelotas – Kleiton e Kledir, 2009)15
o doce quindim, por exemplo14. Ma-
nifestações culturais diversificadas Uma excelente leitura a
integram a cultura pelotense, desde todas e todos!
o esporte, através dos tradicionais ti-
mes de futebol, aos teatros, sendo o
Teatro Sete de Abril a primeira casa

17
I. Duas décadas e uma era de pesquisa em Pelotas, RS

Referências 8. Hallal PC. Physical activity and


health in Brazil: research, surveillance
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Rev Bras Med Esporte. 2000; 6:119-24. com.br/. Acesso em: 13 jul. 2022.
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7. Varela AR, Cruz GIN, Hallal P, historia. Acesso em: 13 jul. 2022. 15.
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Martins R, da Silva BGC, Resendiz E, del KA, Ramil KA. Autorretrato. Rio de
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research since 1950: a systematic review.
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18
S

EIXO 1
L
TRAJETÓRIA DE PRODUÇÃO E FORMAÇÃO
N
II
A TEMPESTADE PERFEITA: O CONTEXTO DA
GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO QUE FACILITOU
A APROXIMAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO FÍSICA E A
EPIDEMIOLOGIA EM PELOTAS, RS
Airton José Rombaldi; Pedro Curi Hallal

N
o Brasil a formação acadêmi- de fatores que fizeram com que, en-
ca civil em Educação Física tre o final da década de 1990 e o iní-
(nível superior) iniciou-se em cio do novo milênio, houvesse uma
1939, quando foi criada a Escola Na- aproximação entre Educação Física e
cional de Educação Física e Despor- Saúde Pública, no contexto nacional
tos, atual Escola de Educação Física e internacional, e especialmente en-
e Desporto da Universidade Federal tre Educação Física e Epidemiologia
do Rio de Janeiro1. Em nível militar, a no contexto local da Universidade Fe-
Escola de Educação Física do Exérci- deral de Pelotas.
to foi criada antes, em 19222. De acordo com a Universidade
Ao longo da trajetória da área, em Federal de Pelotas, a Escola Supe-
função dos contextos de cada época, rior de Educação Física foi criada em
houve períodos de estreita relação da 1971 sendo reconhecida pelo Decreto
Educação Física com o militarismo, nº. 79.873 do Ministério da Educação,
com o esporte e com a escola. Neste datado de 27 de junho de 1977 e pu-
capítulo, focaremos na combinação

20
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

blicado no Diário Oficial da União em ção (lato sensu), com o primeiro cur-
28 de junho de 19773. so sendo oferecido no ano de 1979, e
A formação em Educação Físi- sendo ofertado praticamente de for-
ca no Brasil e, particularmente na ma ininterrupta até os dias atuais.
Universidade Federal de Pelotas, até Os cursos de pós-graduação lato sen-
a década de 1990, era centrada em su ocorreram em diferentes áreas de
esporte, ginástica e Educação Física concentração, destacando-se as áre-
escolar. Enquanto área, a Educação as de Esportes (Atletismo, Ginástica
Física era alocada pelo Ministério Rítmica, Dança, Voleibol), Ginástica,
da Educação na grande área da Edu- Ginástica Escolar, Educação Psico-
cação. No ano de 1997, por meio da motora, Educação Física Especial,
Resolução 218 do Conselho Nacional Recreação e Lazer, Ginástica Escolar,
de Saúde, a Educação Física migrou Educação Física Séries Iniciais, Edu-
para a grande área da Saúde. Mais ou cação Física de 5ª à 8ª Séries, Educa-
menos na mesma época, a área viven- ção Física de 2º Grau, Treinamento
ciou um polêmico movimento de re- Desportivo, Educação Física e Pro-
gulamentação da profissão, que cul- moção da Saúde e Educação Física
minou na divisão da formação inicial Escolar, sendo que a temática ligada
em Educação Física em Licenciatura à atividade física e Educação Física
e Bacharelado. sempre esteve presente nos cursos
Até 1977, somente havia cursos de especialização da Esef/UFPel. Nas
de pós-graduação lato sensu (especia- edições desses cursos de especiali-
lização) em Educação Física no Bra- zação, era comum a participação de
sil. A pós-graduação stricto sensu em alunos de todas as regiões do Brasil
Educação Física inicia pelos cursos e de países da América do Sul, como
de mestrado acadêmico da Universi- Peru e Colômbia. Até o ano de 2006,
dade de São Paulo (USP) em 1977 e da mais de 1.500 monografias haviam
Universidade Federal de Santa Maria sido defendidas oralmente perante
(UFSM) em 1979. O crescimento sig- bancas examinadoras.
nificativo no número de programas Ainda relacionado às áreas de
de pós-graduação stricto sensu na área pesquisa e pós-graduação, no ano de
ocorreu a partir de 1990. 1979, a Esef-UFPel organizou a pri-
Em relação à Escola Superior meira edição do Simpósio Nacional
de Educação Física da Universida- de Ginástica (atualmente denomina-
de Federal de Pelotas (Esef-UFPel), do Simpósio Nacional de Educação
até 2007, a pós-graduação somente Física), evento de reconhecimento
contou com cursos de especializa-

21
II. "A tempestade perfeita: o contexto da graduação e pós-graduação que facilitou a
aproximação entre a Educação Física e a Epidemiologia em Pelotas, RS"

nacional que no ano de 2021 teve a citação). Esse trabalho institucional


sua quadragésima edição. O evento visando à criação de um PPG stricto
ao longo das edições, vem receben- sensu na área envolveu, além da polí-
do o apoio financeiro de diferentes tica de qualificação do corpo docente,
órgãos de fomento como a Fundação a busca de melhor infraestrutura e de
de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio instalações físicas capazes de qualifi-
Grande do Sul (Fapergs), Ministério car o exercício do ensino, da pesquisa
dos Esportes, Coordenação de Aper- e da extensão, e a implementação de
feiçoamento de Pessoal de Nível Su- uma política pedagógica que propi-
perior (Capes) e Conselho Nacional ciasse condições e incentivo para os
de Desenvolvimento Científico e Tec- docentes atuarem academicamente.
nológico (CNPq), o que tem possibili- A partir da metade da década de
tado manter a sua qualidade e perio- 1990, com o retorno dos primeiros do-
dicidade. A partir da década de 1990, centes com mestrado e/ou doutorado,
os anais do evento vêm publicando na apesar das instalações insuficientes
íntegra todos os trabalhos apresenta- que a Esef possuía naquele momen-
dos como comunicações orais, além to, num esforço conjunto de toda a
dos resumos e pôsteres. comunidade, deu-se continuidade
Com o crescimento dos cursos ao movimento que visava não apenas
stricto sensu em Educação Física no aumentar em termos numéricos os
Brasil, a Esef-UFPel percebeu a neces- projetos e as ações de pesquisa e ex-
sidade de criar um programa de pós- tensão, mas também propor projetos
-graduação para atender à demanda de pesquisa que fossem capazes de
reprimida de formação acadêmica e tratar de temas significativos da área.
desenvolver a pesquisa de interesse Em síntese, a política adotada aponta-
local, regional, nacional e interna- va para a necessidade de construir es-
cional. Para tanto, a partir de 1990, tratégias que fossem capazes de ir ao
a Esef aprova o plano de capacitação encontro do histórico princípio uni-
stricto sensu (mestrado e doutorado) versitário da indissociabilidade entre
dos docentes, de modo que inúme- ensino, pesquisa e extensão. O prin-
ros professores buscaram áreas de cipal retorno desse investimento foi
concentração relacionadas à saúde a ampliação e a melhora dos projetos
em programas de pós-graduação na- tanto de pesquisa, como a consolida-
cionais da área de Educação Física e ção de uma proposta curricular para
de áreas correlatas (foi nesse período a graduação centrada no tripé ensino,
que a Esef chegou a contar com 70% pesquisa e extensão. Foi também nes-
de professores afastados para capa- se período (1991) que a Esef elaborou

22
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

e teve a aprovação do seu Programa Educação Física. Portanto, havia gran-


Especial de Treinamento, hoje deno- de dependência por docentes de áreas
minado -Programa de Educação Tu- correlatas como educação, ciências
torial - PET, junto à Capes. exatas e saúde, o que se mostrou exa-
Na década de 1990, à medida que gerado na avaliação da Capes.
os professores retornavam com o tí- A frustrada tentativa de criar um
tulo de Doutor, foram criados os pri- curso de pós-graduação stricto sensu,
meiros grupos de pesquisas lotados na se por um lado retardou o sonho do
Esef cadastrados no CNPq: (1) Grupo primeiro curso de mestrado na zona
de pesquisa em Estudos Culturais em sul do estado do Rio Grande do Sul,
Educação Física; (2) Grupo de pes- por outro permitiu que os docentes
quisa em Comportamento Motor, (3) envolvidos ganhassem experiência
Grupo de pesquisa em Estudos em para a submissão exitosa que ocor-
Medidas e Avaliação e (4) Grupo de reu quase uma década mais tarde. É
pesquisa em Educação Física: educa- importante salientar que a proposta
ção, saúde e escola e (5) Grupo de pes- de curso submetida em 1997 contem-
quisa em Fisiologia do Exercício. Este plava a área de concentração prática
último discute especialmente os as- de atividade física/exercício físico e a
pectos relacionados à prática de ativi- promoção da saúde, continuando o
dade física e do exercício físico e seus trabalho exitoso iniciado nos diferen-
efeitos na saúde de grupos específicos tes cursos lato sensu oferecidos pela
e da população em geral. Os grupos de Esef e já mencionados.
pesquisa mencionados originaram as No início da década de 2000, pro-
linhas de pesquisa do curso de pós- fessores de Educação Física oriundos
-graduação stricto sensu (mestrado) da Esef-UFPel, na ausência de cursos
aprovado pela Capes em 2006 e que de mestrado em Educação Física na
iniciou as atividades em 2007. cidade de Pelotas e na zona sul do es-
Com o retorno dos primeiros do- tado, começaram a buscar o PPG em
centes com o título de Doutor, no ano epidemiologia (PPGEpi) da mesma
de 1997, liderados pela coordenação instituição como alternativa de ca-
do Colegiado de pós-graduação, a Esef pacitação stricto sensu, o qual já era,
constrói seu primeiro projeto de cur- na época, considerado um programa
so de mestrado em Educação Física e de excelência. Naquele período, o PP-
submete a proposta à Capes. Infeliz- GEpi já trabalhava com pelo menos
mente, a Esef não obteve êxito naque- duas coortes de nascimento, as quais
le momento, especialmente porque tinham coletado variáveis relaciona-
ainda eram poucos os Doutores em das à prática de atividade física em

23
II. "A tempestade perfeita: o contexto da graduação e pós-graduação que facilitou a
aproximação entre a Educação Física e a Epidemiologia em Pelotas, RS"

diferentes contextos e com população Esef, tendo em vista a criação do curso


de ampla faixa etária. Nesse sentido, noturno de Licenciatura em Educação
foi natural a escolha da epidemiolo- Física e o consequente aumento no
gia da atividade física como temática número de vagas.
para as dissertações e teses daque- Assim, naquele período, foram
les(as) profissionais. Importante men- realizados inúmeros concursos e fo-
cionar, no entanto, que os primeiros ram aprovados os primeiros cinco
mestres com formação de graduação docentes (profs. drs. Pedro Rodri-
em Educação Física não se valeram gues Curi Hallal, Marcelo Cozzensa
das coortes e sim dos consórcios de da Silva, Mário Renato Azedo Jr, Fe-
pesquisa, os quais, segundo Barros lipe Fossati Reichert e Marlos Rodri-
et al.4, representaram um esforço gues Domingues) com formação de
conjunto que culminava na realização mestrado e doutorado em Epidemio-
de um trabalho de campo único, na logia que implantaram e desenvolve-
forma de um estudo transversal de ram essa ciência nos cursos da Esef,
base populacional, em que todos(as) além de desenvolverem as primeiras
os(as) mestrandos(as) participavam ações (como a criação do Grupo de
de maneira integral, obtendo dados Pesquisa em Epidemiologia da Ati-
para suas dissertações. vidade Física - Geeaf) e projetos de
Ainda para delimitar os momentos pesquisa envolvendo a epidemiolo-
marcantes dessa trajetória, é neces- gia da atividade física, ações respon-
sário ressaltar que no ano de 2007, o sáveis por formar importantes recur-
Ministério da Educação lançou o Pro- sos humanos.
grama de Apoio a Planos de Reestru- Tendo em vista o ingresso
turação e Expansão das Universidades dos doutores com formação em
Federais (Reuni), o qual objetivou am- epidemiologia, as ações desenvolvidas
pliar o acesso e a permanência na edu- por eles (como grupo de pesquisa) na
cação superior, que visava a dobrar o Esef-UFPel chamaram a atenção de
número de alunos nos cursos de gra- docentes com formação de doutorado
duação. As ações previam o aumento em áreas correlatas à saúde (e que
de vagas, ampliação ou abertura de estavam atuando de forma isolada).
novos cursos noturnos e o aumento Assim, a aproximação desses docentes
do número de estudantes por docente. os conduziu a estágios de pós-doutorado
Para dar conta do aumento no núme- junto ao PPGEpi, qualificando-os para,
ro de estudantes, houve a distribuição juntamente com os colegas doutores
de elevado número de vagas docentes na área, desenvolver ações e projetos
à UFPel, algumas delas direcionadas à

24
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de pesquisa especificamente na gico, as consequências da prática da


epidemiologia da atividade física. atividade física e da falta dela. Atual-
No ano de 2006, uma série de fa- mente (2021), após passar por atuali-
tores conspiraram positivamente para zação da temática e dos docentes que
que a Esef pudesse produzir e sub- atuam, a linha intitula-se “Epidemio-
meter à Capes uma nova proposta de logia da atividade física”.
criação de um curso de mestrado em No período de 2007 a 2013, o curso
Educação Física. Entre esses fatores de mestrado cresceu em número de
estavam as novas e definitivas instala- docentes, de discentes, de projetos e
ções da Esef (as quais contemplavam dissertações defendidas, fatores que
amplos espaços para laboratórios, permitiram a elaboração e submissão
salas individuais para os professores, de aprovação de projeto de doutorado
salas de estudo e informática para os em Educação Física junto à Capes. O
alunos da pós-graduação, o ingresso ano de 2014 marcou o início efetivo
dos(as) novos(as) docentes com douto- do curso de doutorado, criando assim
rado e o retorno dos docentes antigos o PPG em Educação Física da UFPel.
que estavam em doutorado. O conjun- Em 2021, o PPGEF conta com duas
to desses fatores aliado a experiência áreas de concentração, “Movimen-
anterior (1997) foi decisivo para se to Humano, Educação e Sociedade”
criar uma comissão competente que (com as linhas de pesquisa “Estudos
tratou de planejar um curso de pós- Socioculturais de Esporte e da Saú-
-graduação stricto sensu e a subsequen- de”; “Comportamento Motor”; “For-
te submissão da proposta à Capes. mação Profissional e Prática Pedagó-
Dessa vez obtivemos sucesso e o gica”) e “Biodinâmica do Movimento
curso de mestrado foi aprovado, ini- Humano”, a qual abriga as linhas de
ciando efetivamente as atividades no pesquisa “Epidemiologia da atividade
ano de 2007. O curso aprovado tinha Física” contando com oito docentes,
como área de concentração “Ativida- sendo sete permanentes (profs. drs.
de física, esporte e escola” e, entre Airton José Rombaldi, Alexandre Car-
suas linhas de pesquisa, a linha in- riconde Marques, Felipe Fossati Rei-
titulada “Atividade física, nutrição e chert, Fernando Carlos Vinholes Si-
saúde”, a qual considerou os efeitos queira, Inácio Crochemore Mohnsam
da atividade física e da nutrição sobre da Silva, Marcelo Cozzensa da Silva,
a saúde populacional e o rendimento. Marlos Rodrigues Domingues e Pedro
Adicionalmente, a linha de pesquisa Rodrigues Curi Hallal). Essa linha de
também esteve interessada em discu- pesquisa prioriza quatro eixos de es-
tir, sob o ponto de vista epidemioló- tudos: (a) determinação da prevalên-

25
II. "A tempestade perfeita: o contexto da graduação e pós-graduação que facilitou a
aproximação entre a Educação Física e a Epidemiologia em Pelotas, RS"

cia de atividade física e tendências Por exemplo, o regimento inicial


temporais; (b) estudo dos determi- do Programa de Pós-Graduação em
nantes da prática de atividade física; Educação Física da UFPel foi inspi-
(c) estudo das consequências da práti- rado no regimento vigente à época
ca de atividade física e (d) desenvolvi- no Programa de Pós-Graduação em
mento e avaliação de intervenções de Epidemiologia. Da mesma forma, o
promoção da atividade física. modelo de dissertações e teses com-
A subárea de conhecimento da ati- postas por artigos científicos foi pos-
vidade física relacionada à saúde po- sibilitado aos pós-graduandos da
pulacional cresceu significativamente Esef/UFPel, aproximando o trabalho
ao longo dos anos, sendo que a par- acadêmico necessário para a obten-
tir de uma busca no site da Capes5 se ção dos títulos de Mestre e Doutor da
pode verificar que pelo menos 29 dos comunidade científica.
39 PPGs (74%) em Educação Física da Enfim, os fatores narrados neste
área 21 da Capes existentes no Brasil, capítulo explicam o conjunto de fato-
possuem pelo menos uma linha de res que facilitaram essa aproximação
pesquisa relacionada à prática de ati- entre Educação Física e Epidemiolo-
vidade física e a promoção da saúde. gia, o que certamente é um dos gran-
Um fator que também merece ser des segredos do sucesso dessas duas
abordado neste capítulo é a inspira- décadas de pesquisa em atividade fí-
ção que o Programa de Pós-Gradua- sica e saúde em Pelotas.
ção em Epidemiologia acabou sendo
para o Programa de Pós-Graduação Referências
em Educação Física da Universida-
de Federal de Pelotas. O fato de ha- 1. Melo VA, Rocha Junior CP. Centro de
memória da Escola Nacional de Educação
ver, na mesma cidade, um programa
Física e Desportos da Universidade do
iniciado 15 anos antes, e que havia Brasil. Revista Portuguesa de Ciências do
construído nesse período uma traje- Desporto. 2004; 4:357.
tória sólida, com ampla formação de 2. Almeida AJ. História da educação
recursos humanos, projetos colabo- física no exército brasileiro: história do
rativos no âmbito nacional e interna- corpo e formação do estado. Recorde:
cional e destaque nas avaliações da Revista de História do Esporte Artigo.
2010; 3(2):3-16.
Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoas de Ensino Superior (Capes), 3. Universidade Federal de Pelotas.
contribuiu para que o Programa de Disponível em: portal.ufpel.edu.br/
historico. Acesso em: 8 jun. 2022.
Pós-Graduação em Educação Física
surgisse e se desenvolvesse.

26
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

4. Barros AJD. et al. O Mestrado


do Programa de Pós-graduação em
Epidemiologia da UFPel baseado em
consórcio de pesquisa: uma experiência
inovadora. Revista Brasileira de
Epidemiologia. 2008; 11(suppl1): 133-144.
Doi: 10.1590/S1415-790X2008000500014.
5. Ministério da Educação. Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior. Cursos avaliados e reconhecidos.
Disponível em: https://sucupira.capes.
gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/
programa/quantitativos/quantitativoIes.
sionid=G+KYTu1kfB2Nc6wPWEMF4w7e.
sucupira-214?areaAvaliacao=21&areaConhe
cimento=40900002. Acesso em: 4 abr. 2023.

27
III
GRUPO DE ESTUDOS EM EPIDEMIOLOGIA
DA ATIVIDADE FÍSICA (GEEAF)

Mario Renato Azevedo, Felipe Fossati Reichert, Fernando


Vinholes Siqueira, Pedro Curi Hallal

A
história do surgimento do em Licenciatura Plena na Esef/UFPel,
Grupo de Estudos em Epide- Pedro Curi Hallal e Felipe Fossati Rei-
miologia da Atividade Física chert, colegas na faculdade e sócios
(Geeaf) é inusitada e, ao contrário em uma academia de ginástica. Os
da maioria dos grupos de pesquisa dois tinham convicção de que atuar
do Brasil, cujo início normalmente é em academia seria algo passageiro,
na Universidade, com a liderança de pois o objetivo de ambos era ser pro-
um professor e participação de alu- fessor universitário e, para isso, pre-
nos de graduação e pós-graduação, o cisariam fazer mestrado e doutorado.
Geeaf começou com reuniões casu- Naquela época não existia nenhum
ais entre quatro amigos, estudantes Programa de Pós-Graduação stricto
sensu em Educação Física na UFPel
de pós-graduação, e aconteciam na
e, consequentemente, teriam que
residência de um destes.
sair da cidade para fazer mestrado ou
Para iniciar a contar esta histó-
ingressar em outro curso, que não a
ria precisamos voltar para o ano de
Educação Física.
2000, quando estavam se formando

28
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Assim, os colegas Pedro e Felipe, A seleção de Mestrado na Epi-


nos últimos dias de aula da gradu- demiologia da UFPel era realizada a
ação ficaram sabendo, pelo colega cada dois anos. Felipe Reichert, ainda
Marlos Domingues, que havia um atuando na academia, manteve con-
Mestrado na UFPel em Epidemiolo- tato com o mestrando Pedro Hallal
gia que aceitava inscrições de gradu- durante o período do curso. Pedro
ados oriundos de vários cursos, entre Hallal contava coisas que, para aque-
eles a Educação Física. Pedro Hallal e le momento do tempo, soavam total-
Felipe Reichert conversaram sobre a mente absurdas, tipo: “Meu orientador
possibilidade de fazer a seleção para disse que meu artigo do mestrado tem
o mestrado daquele curso que, até en- potencial para ser publicado na Medici-
tão, era desconhecido para todos da ne and Science in Sports and Exercise”.
Educação Física. Durante toda a gra- Esse periódico era considerado
duação nunca haviam escutado nada um dos melhores (se não o melhor) da
sobre Epidemiologia, o que pode pa- nossa área. Nós tínhamos acesso pela
recer bem estranho nos dias de hoje, biblioteca da Esef porque a UFPel as-
dado o crescimento que essa área teve sinava a revista. Nosso pensamento
nas últimas décadas. Pedro Hallal de- era que somente os maiores pesqui-
cide então fazer a seleção para o mes- sadores do mundo publicavam nela.
trado e Felipe Reichert não, afinal a Eis que no final do mestrado o Pedro
inscrição era cara demais para ele na Hallal de fato teve o artigo “Physical
época e, até então, nunca ninguém da inactivity: Prevalence and Associated
Educação Física havia sido seleciona- Variables in Brazilian Adults” acei-
do para o tal curso em Epidemiolo- to para publicação na Medicine and
gia, então ele pensou que seria um Science in Sports and Exercise1. Sem
desperdício de dinheiro. dúvidas a publicação desse artigo foi
Pedro Hallal fez a seleção do cur- um marco importante para a área da
so e foi aprovado. Aliás, não só ele, Epidemiologia da Atividade Física no
mas também os professores Marlos Brasil. Nascia ali o epidemiologista
Rodrigues Domingues (da mesma da atividade física Pedro Curi Hallal.
turma da graduação na Esef) e Mar- O Mestrado em Epidemiologia da
celo Cozzensa da Silva (formado na UFPel é um curso muito diferente da
Esef/UFPel em 1993). Esses foram os maioria dos cursos de Mestrado em
primeiros graduados em Educação Educação Física. Além de ter muitos
Física a realizar o Mestrado em Epi- conteúdos focados em aspectos me-
demiologia da UFPel, todos entrando todológicos dos estudos e análises es-
no curso em 2001. tatísticas, o curso tem uma particula-

29
III. Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física (Geeaf)

ridade: todo mestrando deve realizar 1986 e em Fisioterapia pela Univer-


seu trabalho de campo em conjunto sidade Luterana do Brasil em 1996),
com os colegas. É o chamado consór- Mario Renato de Azevedo Júnior (for-
cio de pesquisa2, onde é elaborado mado na Esef/UFPel em 2003) e Gian-
um único instrumento (questionário) carlo Bacchieri (formado em 1984 e
a ser aplicado a uma única amostra. professor do IFSul). Nesse mesmo
Uma grande vantagem dessa estra- ano passaram para o doutorado em
tégia é ter várias pessoas ajudando Epidemiologia os três pioneiros da
umas às outras a realizar um traba- Educação Física na Epidemiologia da
lho de campo extenso, de qualidade, UFPel: Pedro Hallal, Marlos Domin-
incluindo uma seleção de amostra de gues e Marcelo Silva.
base populacional com milhares de O trabalho do Mario Azevedo no
participantes. A principal desvanta- Mestrado foi particularmente impor-
gem é que cada mestrando pode in- tante para o pontapé inicial do nasci-
serir, “no máximo”, dez perguntas no mento do Geeaf. Ele incluiu, entre as
questionário. O objetivo de limitar o suas 10 perguntas permitidas, as ques-
número de perguntas por mestrando tões referentes à atividade física de la-
é manter o questionário final em um zer do Ipaq – versão longa. O tema da
tamanho razoável, sem que o partici- pesquisa de mestrado do Mario Aze-
pante precise despender muito tempo vedo foi investigar a associação entre
do seu dia para participar da pesqui- prática de atividade física na adoles-
sa, evitando assim um número gran- cência (coletada retrospectivamente)
de de recusas. Para muitos mestran- e prática atual de atividade física no
dos isso é um problema, mas o Pedro lazer. Ao final do curso, quando Felipe
Hallal teve a ideia de aplicar a versão Reichert, Fernando Siqueira e Mario
curta do então recentemente elabora- Azevedo já tinham seus artigos prin-
do Questionário Internacional de Ati- cipais prontos e submetidos a periódi-
vidade Física (Ipaq). Variáveis como cos científicos, Pedro Hallal convidou
sexo, idade, nível econômico são co- todos para uma reunião. A ideia era
muns a todos os mestrandos e não en- escrever um artigo utilizando os dois
tram na conta das 10 perguntas que bancos de dados que tínhamos até o
cada mestrando tem direito. momento com variáveis de atividade
Em 2003, na seleção seguinte do física: coleta de dados em 2002 com
curso de Epidemiologia, entraram amostra representativa de 3.182 adul-
para o mestrado Felipe Fossati Rei- tos de Pelotas que responderam à ver-
chert, Fernando Carlos Vinholes Si- são curta do Ipaq e coleta de dados em
queira (formado pela Esef/UFPel em 2003 com amostra representativa de

30
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

3100 adultos de Pelotas que responde- no artigo. Assim eram as atividades:


ram à seção de lazer da versão longa literalmente um de nós sentava-se à
do Ipaq. Mais especificamente quería- frente do computador para coman-
mos investigar a prevalência e fatores dar a digitação/análises e os demais
associados à prática da caminhada no sentavam-se ao lado para ver o que
lazer e em todos os domínios da ativi- estava sendo feito e todos iam dando
dade física de forma global (lazer, des- sugestões. Foi assim que analisamos,
locamento e trabalho). escrevemos, criamos as tabelas e figu-
Nós ainda não sabíamos, mas, ras, submetemos e respondemos aos
nesse exato momento, estava sendo comentários do editor/revisores no
criado o Geeaf. As reuniões para tra- artigo “Who, when and how much?
balhar no “artigo da caminhada” não Epidemiology of walking in a middle-
eram na Universidade, sob orientação -income country” publicado no Ame-
de algum professor – nos reuníamos rican Journal of Preventive Medicine3. A
na residência do Mario Azevedo (que Figura 1 é uma foto de nós, os quatro,
nessa época morava sozinho em um trabalhando naquela época no apar-
pequeno apartamento) todas às se- tamento do Mario Azevedo.
gundas-feiras à noite para trabalhar
Figura 1 – Os quatro fundadores do Geeaf em uma das reuniões iniciais do grupo, 2004

Fonte: Acervo dos autores.

31
III. Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física (Geeaf)

A história desse artigo é repleta de no trabalho. A empolgação era tanta


curiosidades, a começar pela definição que alguns cuidados elementares não
do seu primeiro autor. Há vários crité- foram tomados naquela noite.
rios para definir a autoria de um arti- Com a sua velocidade caracte-
go. O Mario Azevedo e o Pedro Hallal rística, nosso autor corresponden-
estavam à frente para serem conside- te (Pedro Hallal) acessou o arquivo
rados como primeiro autor, porque do artigo que nos foi reenviado por
eram os “donos” dos bancos de dados e-mail, onde nele continham os últi-
utilizados, mas, entre eles, como de- mos comentários dos revisores e co-
finir? O Mario Azevedo era o “dono” meçamos a trabalhar no documento.
do banco de dados da caminhada no Transcorridos mais de 90 minutos de
lazer (50%) e o Pedro Hallal o “dono” trabalho e atendimento cuidadoso a
do banco de dados da caminhada em cada ponto identificado pelos revi-
todos os domínios (50%). Depois de sores, o arquivo foi salvo e fechado.
totalmente finalizado o artigo, prestes Detalhe: salvo sem ser renomeado e
a ser submetido para a revista, ainda identificada a pasta de destino. Pas-
havia indecisão sobre quem seria o sados alguns minutos de tentativas
primeiro autor. Aquela cordialidade em vão, eis que nos deparamos com
entre ambos do “fica você”… “não, fica um grande desafio: achar qual desti-
você” prevalecia, até que alguém suge- no, entre tantas pastas temporárias,
re: “define isso aí num par ou ímpar”. E estaria salvo o artigo pronto e com
foi assim que o “Hallal, PC” se tornou todas as respostas e modificações
primeiro autor do artigo, simplesmen- necessárias indicadas pela revista (e
te porque ganhou no par ou ímpar do 99% aceito!). Sério… foram mais 60
“Azevedo, MR”. minutos de buscas pelo arquivo nas
Outra história curiosa sobre esse pastas ocultas do notebook. O fim
artigo diz respeito ao arquivo onde da investigação (com sucesso), após
havíamos trabalhado na última noite, localização do arquivo, foi marcado
pois ele não foi adequadamente sal- por instantes de grande alegria, afi-
vo. Um erro básico, que muitos já co- nal de contas poderíamos finalizar o
meteram. Quando recebemos a res- trabalho, enviar o arquivo para a re-
posta da revista com os comentários vista e enfim irmos jantar. Essa em-
do editor, os quais indicavam a possi- polgação também resultou em danos
bilidade de reenvio do artigo e exce- materiais, pois o autor correspon-
lentes perspectivas para o seu aceite, dente, no momento da comemora-
trabalhamos com muito afinco nas ção, ao se levantar e erguer a cadeira
respostas e modificações necessárias em que estava sentado com apenas

32
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

uma mão, comemorando, deixou a te, sempre a oitos mãos. Sempre na


mesma cair e quebrar um dos pés do casa do Mario Azevedo às segundas-
móvel. Mas como já foi dito, a felici- -feiras à noite. Sempre os quatro indo
dade de todos era tanta que isso não jantar após a reunião.
incomodaria nem o dono da casa... Aliás, o momento “pós-reunião”
O American Journal of Preventive das segundas-feiras merece especial
Medicine foi a primeira revista a que destaque. A janta ocorria sempre no
havíamos submetido o artigo e ele mesmo restaurante e pedíamos sem-
logo foi aceito. Começamos a acredi- pre os mesmos pratos (ravioli frito de
tar que realmente tínhamos capaci- entrada e bife à parmegiana com ar-
dade de contribuir de forma relevan- roz e batata frita de prato principal).
te com a literatura científica da área. Pode parecer banal, mas esse tipo de
Os artigos de Mestrado do Felipe atividade social é importante, pois
Reichert, Fernando Siqueira e Mario fortalece os vínculos, as amizades,
Azevedo também foram publicados afinidades que devem estar acima de
em periódicos de alto impacto, mas qualquer relação acadêmica entre as
o artigo da caminhada era diferente pessoas. O Felipe Reichert e o Pedro
porque nós, sozinhos, tivemos a ideia, Hallal já tinham uma relação anterior
analisamos os dados e escrevemos à Epidemiologia por serem colegas na
sem a orientação de nenhum pro- Esef. O Mario Azevedo era conhecido
fessor. Naturalmente, os professores de ambos por ter feito Esef na mesma
orientadores foram convidados a par- época, embora não tão próximo. O
ticipar do artigo e contribuíram com Felipe Reichert e o Mario Azevedo co-
a versão final do manuscrito. Porém, nheceram o Fernando Siqueira ape-
a mensagem que ficou para nós, mes- nas no Mestrado, enquanto o Pedro
mo sendo apenas pós-graduandos, é Hallal já conhecia o Fernando Siquei-
que tínhamos capacidade e indepen- ra há bastante tempo.
dência suficiente para fazermos aqui- Até a publicação do artigo da ca-
lo (produção de conhecimento). Não minhada não nos considerávamos
havia nenhum docente/orientador um grupo de pesquisa. Éramos qua-
da Epidemiologia com formação em tro estudantes (três mestrandos e um
Educação Física e, portanto, sabía- doutorando) que estavam conhecen-
mos que produzir trabalhos incluin- do e se apaixonando pela produção
do a variável atividade física depen- de conhecimento, particularmente
deria muito de nossa iniciativa. E foi a Epidemiologia da Atividade Física.
assim que começamos a trabalhar em Algo que era muito novo para todos
diversos outros projetos. Literalmen- nós. Conforme os trabalhos foram

33
iii. Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física (Geeaf)

aumentando e novos membros foram te fácil de criar, mas precisávamos de


inserindo-se nos estudos, sentimos um logotipo. Todo grupo de pesqui-
a necessidade de criar, formalmen- sa tem um logotipo, logo, precisáva-
te, um grupo de pesquisa. Foi aí que mos criar um. Foi aí que o Fernando
brincamos com as palavras “epide- Siqueira teve uma ideia brilhante. O
miologia” e “atividade física” e cria- logotipo da Epidemiologia da UFPel
mos o Grupo de Estudos em Epide- é um desenho que remete a imagem
miologia da Atividade Física. de uma família. Os traços são imper-
Nunca pensamos em definir um feitos, propositadamente (Figura 2).
coordenador do grupo, muito embora O Fernando, tendo como base o logo-
o Pedro Hallal sempre tenha sido um tipo da Epidemiologia, resolveu colo-
líder natural entre nós, tanto por es- car a família inteira praticando ativi-
tar mais adiantado na formação (dou- dade física. Foi aí que ele desenhou
torando) quanto pelas suas ações. uma família realizando caminhada
Quem o conhece sabe que essa é uma (Figura 2). O registro do grupo junto
característica natural em tudo que ao diretório de pesquisas do CNPq foi
faz. O nome do grupo foi relativamen- então realizado.
Figura 2 – Logotipos do Centro de Pesquisas em Epidemiologia da UFPel (esquerda) e do Geeaf (direita)

Fonte: Site do Centro de Pesquisas Epidemiológicas4, Universidade Federal de Pelotas; Acervo dos
autores.

Com o passar do tempo o Geeaf ção Física da UEL e em 2009 em ou-


foi ganhando novos membros e seus tro concurso na Esef/UFPel. O Mario
fundadores alcançaram os objetivos Azevedo e o Fernando Siqueira (já
desejados de serem professores uni- professor do curso de Fisioterapia
versitários. Em 2005, o Pedro Hallal da Universidade Católica de Pelotas)
passou em concurso para docente também entraram para a UFPel em
na Esef/UFPel. O Felipe Reichert em 2010. Estavam novamente os quatro
2007, ainda sem o doutorado com- fundadores do Geeaf reunidos, desta
pleto, passou em concurso na Educa- vez como professores da UFPel.

34
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

A consolidação do grupo e da li- foi orientadora do Marlos Domin-


nha de pesquisa em Epidemiologia gues. No processo seletivo seguinte
da Atividade Física na UFPel é resul- (2003), somaram-se os médicos e epi-
tado do processo continuado de for- demiologistas Luiz Augusto Facchini
mação de profissionais de Educação e Aluísio Jardim Dornellas de Barros,
Física, inicialmente, no Programa orientadores do Fernando Siqueira
de Pós-Graduação em Epidemiologia e Felipe Reichert, respectivamente,
desde 2001 e, a partir de 2007, com e da nutricionista e epidemiologista
o ingresso dos primeiros alunos de Denise Petrucci Gigante, orientado-
mestrado no Programa de Pós-Gra- ra do Giancarlo Bacchieri. A médica
duação em Educação Física. e epidemiologista Ana Maria Baptis-
Nesse processo é fundamental ta Menezes orientou Felipe Reichert
reconhecer o pioneirismo e a impor- no doutorado a partir de 2005. Ao no-
tância do trabalho dos professores miná-los, estendemos nosso sincero
do Programa de Pós-Graduação em reconhecimento a todos docentes do
Epidemiologia da UFPel que orien- Programa de Pós-Graduação em Epi-
taram os primeiros profissionais de demiologia que ao longo desses anos
Educação Física no curso de mestra- vêm trabalhando com profissionais
do. No ano de 2001, os médicos e epi- de Educação Física. A Figura 3 traz o
demiologistas Cesar Gomes Victora e fluxograma de ingresso dos primei-
Anaclaudia Gastal Fassa orientaram ros professores de Educação Física
Pedro Hallal e Marcelo Silva, respec- no Programa de Pós-Graduação em
tivamente, e a nutricionista e epide- Epidemiologia segundo o ano, curso
miologista Cora Luiza Pavin Araújo, e respectivos orientadores.

35
III. Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física (Geeaf)

Figura 3 – Fluxograma de ingresso dos primeiros professores de Educação Física no Programa de


Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Entre 2001 e 2021, o Programa de da linha de pesquisa em Atividade


Pós-Graduação em Epidemiologia da Física, Saúde e Escola no recém- au-
UFPel oportunizou a defesa de 24 dis- torizado Programa de Pós-Graduação
sertações de mestrado e de 27 teses de em Educação Física na UFPel. Em sua
doutorado cujos estudos envolveram primeira turma (2007), os docentes
a temática atividade física enquanto Pedro Hallal e Marcelo Silva, egres-
desfecho ou variável independente sos do programa de Epidemiologia,
de destaque, sob a orientação de 15 já orientavam alunos na referida li-
professores vinculados ao programa. nha de pesquisa. Além deles, nesse
A contribuição do Programa de processo inicial de estruturação da
Pós-Graduação em Epidemiologia na pesquisa da área dentro do programa,
formação de recursos humanos co- cabe destacar a relevante participa-
laborou decisivamente, em curto es- ção do professor de Educação Física
paço de tempo, para a estruturação Airton José Rombaldi (com doutora-

36
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

do na área de Fisiologia do Exercício Em 2011 organizou o Congresso Bra-


e pós-doutorado junto Programa de sileiro de Atividade Física e Saúde
Pós-Graduação em Epidemiologia da em Gramado-RS. A Figura 4 indica
UFPel) e da nutricionista e epidemio- que nessa época o grupo já contava
logista Marilda Borges Neutzling, que com diversos participantes, a maio-
atuou como pesquisadora colabo- ria estudantes de graduação e pós-
radora junto ao Centro de Pesquisas -graduação da Esef/UFPel. De fato,
Epidemiológicas da UFPel por vários sem o envolvimento e ajuda de todos
anos. Desde o início do programa, um não seria possível organizar o even-
total de 82 dissertações de mestrado e to. Em 2014, o desafio do Geeaf foi
13 teses de doutorado abordaram a te- ainda maior: organizar o Congresso
mática atividade física enquanto vari- Mundial de Atividade Física e Saú-
ável dependente ou como exposição de, no Rio de Janeiro-RJ. Ainda, em
relevante para diversos desfechos, 2018 o Geeaf organizou na cidade de
envolvendo 13 docentes orientadores. Pelotas-RS a 37ᵃ edição do Simpósio
Além das atividades de pesquisa Nacional de Educação Física (um
e de formação de recursos humanos, dos mais antigos da área no Brasil)
o Geeaf também foi protagonista da e o 3º Simpósio Sul-brasileiro de Ati-
organização de dois grandes eventos vidade Física e Saúde, se tornando
da área da atividade física no país. um dos poucos grupos de pesquisa
Figura 4 – Parte da equipe do Geeaf que organizou o VIII Congresso Brasileiro de Atividade Física e
Saúde, em Gramado, RS, 2011

Fonte: Acervo dos autores.

37
III. Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física (Geeaf)

no Brasil a organizar eventos cien- organizadora do evento. Tudo isso


tíficos de abrangência Mundial, Na- evidencia o impacto que o grupo ad-
cional e Regional. A Figura 5 traz quiriu ao longo dos anos na área de
uma recordação de parte da equipe epidemiologia da atividade física.

Figura 5 – Parte da equipe do Geeaf que organizou o 5o Congresso Mundial de Atividade Física e Saúde,
no Rio de Janeiro, RJ, 2014

Fonte: Acervo dos autores.

Enfim, passados todos esses anos, de sempre sobre a ordem de autoria


é muito prazeroso olhar pra trás e em trabalhos construídos dessa for-
perceber que aquela primeira “força- ma, acatou-se a sugestão da retri-
-tarefa” para escrever um artigo cien- buição àquele que perdeu no par ou
tífico e poder ter uma boa justificativa ímpar em 2004. Por fim, a realiza-
para confraternizar semanalmente ção deste livro configura-se na mais
ajudou na construção de uma rede recente evidência de que todo esse
de colaboração, produção e formação processo de formação continuada
que conseguiu alcançar determinado deu certo. Os autores dos capítulos
status de destaque no meio científico seguintes não só fazem parte dessa
do país e do mundo. história como também são respon-
Da mesma forma, foi igualmente sáveis pelo presente.
gratificante reunir o mesmo grupo
para escrever, a oito mãos, o presen-
te capítulo. Dado o mesmo dilema

38
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Referências

1. Hallal PC, Victora CG, Wells JCK, Lima


RC. Physical inactivity: prevalence and
associated variables in brazilian adults.
Medicine and Science in Sports and
Exercise, v. 35, p. 1894-1900, 2003.
2. Barros AJD, Menezes AMB, Santos
IS, Assuncao MCF, Gigante DP, Fassa
AG, Marques M, Araújo CLP, Hallal PC,
Facchini LA. O mestrado do Programa
de Pós-graduação em Epidemiologia da
UFPel baseado em consórcio de pesquisa:
uma experiência inovadora. Revista
Brasileira de Epidemiologia (Impresso),
v. 11, p. 133-144, 2008.
3. Hallal PC, Azevedo MR, Reichert FF,
Siqueira FV, Araújo CP, Victora CG. Who,
when and how much: epidemiology of
walking in a middle-income country.
American Journal of Preventive Medicine,
v. 28, n. 2, p. 156-161, 2005.
4. Centro de Pesquisas Epidemiológicas
da Universidade Federal de Pelotas. Site
oficial. Disponível em: https://www.
epidemio-ufpel.org.br/site/content/
home/index.php. Acesso em: 4 abr. 2023.

39
IV
A PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM
EPIDEMIOLOGIA DA ATIVIDADE FÍSICA
EM PELOTAS: DO LOCAL AO GLOBAL

Inácio Crochemore-Silva; Werner de Andrade Müller; Vivian


Hernandez Botelho; Andrea Ramirez Varela

atividade física, níveis e tendências


Contexto
temporais, determinantes da ativida-
A avaliação da produção do co- de física, consequências para saúde
nhecimento em áreas e contextos es- e as políticas públicas de promoção
pecíficos apresenta relevância para de atividade física. Além disso, ele-
a identificação dos escopos temáti- mentos como abrangência (estudos
cos, propicia a compilação e resumo locais, nacionais e internacionais) e
dos achados, e ainda tem o grande impacto das produções também po-
potencial de identificar lacunas e dem ser informativos para o futuro
oportunidades para avanços. No que da produção do conhecimento.
se refere à área da Atividade Física Em uma perspectiva histórica,
e Saúde e da Epidemiologia da Ativi- Varela e colaboradores1 mapearam
dade Física, a avaliação da produção o desenvolvimento da pesquisa em
do conhecimento pode mapear e ava- atividade física e saúde por meio
liar a evolução temporal em termos de uma revisão estruturada da lite-
de temáticas como mensuração de ratura e da identificação das publi-

40
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

cações mais influentes ao longo do contribuição e influência na temáti-


tempo. As autoras partiram de pu- ca, estando entre os cinco países com
blicações da década de 1950 que são maior número de publicações2. É nes-
consideradas pioneiras na inserção te contexto de produção do conheci-
da temática na epidemiologia e na mento que se incluem os estudos rea-
saúde pública e evidenciaram uma lizados em Pelotas, Rio Grande do Sul.
predominância na produção do co- Em sinergia com o protagonismo bra-
nhecimento nos Estados Unidos e sileiro em nível mundial, as pesquisas
no Reino Unido. Em termos de eixo realizadas por pesquisadores com for-
temático, há destaque para uma pre- mação no município têm contribuído
dominância inicial de estudos sobre em nível local, nacional e mundial.
as consequências da atividade física Com a contextualização sobre forma-
para a saúde e, mais recentemente, ção do grupo de pesquisa contempla-
de estudos que envolvem o ambiente da em capítulo anterior, o objetivo
construído e o monitoramento glo- desta etapa é descrever a produção do
bal dos níveis de prática1. conhecimento em epidemiologia da
Além da perspectiva histórica, o atividade física oriunda de pesquisa-
panorama atual em nível mundial dores de Pelotas-RS em uma perspecti-
também foi avaliado por meio de revi- va (1) da evolução temporal em termos
são sistemática da literatura2. Após a de temáticas, delineamentos e abran-
revisão de aproximadamente 480 mil gência das publicações (2) das carac-
títulos, 23.860 artigos foram seleciona- terísticas dos autores em termos de
dos. Com relação aos delineamentos, gênero, nacionalidade e participação
82,5% foram estudos observacionais como primeiro e último autor e, (3) do
e 17,5% apresentaram delineamentos impacto das produções por meio de
experimentais. Dentro dos estudos indicadores bibliométricos.
observacionais, os transversais foram
aqueles mais frequentes (83,9%), se- Trajetórias metodológicas
guidos pelos estudos longitudinais percorridas
(14,1%). Cabe destacar que da produ-
ção total, 80% é oriunda de países de Uma busca bibliográfica foi rea-
renda alta de acordo com os critérios lizada nas bases de dados PubMed,
do Banco Mundial. Scopus, Web of Science, Scielo e na Bi-
Apesar da larga predominância de blioteca Virtual em Saúde (BVS). Os
países de alta renda na produção do termos utilizados foram: “physical ac-
conhecimento em atividade física e tivity”, “motor activity” e “sedentar*”,
saúde, o Brasil tem uma importante combinados com “Pelotas” e “Sou-

41
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

thern Brazil”. O operador de afilia- do conhecimento das duas décadas


ção “Federal University of Pelotas” foi da pesquisa em epidemiologia da ati-
utilizado quando disponível na fer- vidade física em Pelotas.
ramenta de busca das bases. A bus- A busca e a seleção dos estudos
ca também foi realizada utilizando, elegíveis foram realizadas pelo gru-
quando aplicável, os descritores na po de autores. A fim de padronizar
língua portuguesa. a extração dos dados de interesse
Foram adotados como critérios dos artigos, todos os autores realiza-
de inclusão nesta seleção artigos pu- ram um exercício para conferência
blicados em periódicos científicos de concordância. Eventuais dúvidas
sobre atividade física ou comporta- em relação à extração ou definições
mento sedentário desenvolvidos em foram discutidas entre os autores.
Pelotas; desenvolvidos em outros As informações sobre citações e im-
lugares, mas com autoria ou coau- pacto dos estudos foram coletadas
toria de pesquisadoras e pesquisa- no Google Acadêmico entre novem-
dores com afiliação em Pelotas; e bro de 2021 e janeiro de 2022 pela
estudos teóricos, de revisão e entre equipe do Sistema de Bibliotecas
outros, com autoria ou coautoria de da Universidade dos Andes (Bogotá,
pesquisadoras e pesquisadores com Colômbia). Destacamos ainda que
afiliação em Pelotas. A afiliação foi em 2012 e 2016, a prestigiada revista
verificada a partir da informação de The Lancet publicou duas séries de
vínculo presente nos artigos, como atividade física e seus artigos estão
as instituições de ensino, programas entre os grandes destaques em ter-
de pós-graduação e grupos de pes- mos de citações. Para este capítulo,
quisa situados em Pelotas. optamos por não incluir os artigos
Concomitante, foi revisada, a par- em que um dos autores de Pelotas
tir do Currículo Lattes, a produção de (Pedro C Hallal, um dos líderes das
artigos científicos de pesquisadoras e séries) participou como integrante
pesquisadores com vínculo atual ou do grupo de trabalho. Apenas os ar-
anterior às instituições acadêmicas tigos de autoria ou coautoria nomi-
de Pelotas, a fim de detectar estudos nal foram considerados. O Quadro 1
que pudessem não ser encontrados apresenta as informações extraídas
com a busca sistemática. Cabe res- dos estudos.
saltar que foi adotado como limite as
publicações até o ano de 2020, uma
vez que a presente obra tem como ob-
jetivo contar a história da produção

42
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Quadro 1 – Definição e informações extraídas dos estudos incluídos na revisão

Informação/Variável Definição
Nacionalidade do periódico Nacional; Internacional.
De acordo com Journal Impact Factor (JIF) – Journal Citation
Fator de impacto
Reports (JCR) de 2020.
Número de citações De acordo com Google Acadêmico.
Gênero da primeira e última
Masculino; Feminino.
autoria do estudo
De acordo com a escala geográfica: Local – estudos locais desen-
volvidos em Pelotas; Regional – conjunto de estudos locais brasi-
leiros sem abrangência nacional; Nacional – estudos com dados
Abrangência do estudo de abrangência de todo o território brasileiro; Mundial – dados
de abrangência global; Outros-nacional – estudos locais de outras
cidades do território brasileiro; Outros-internacional – estudos lo-
cais ou regionais de um ou outros países.
Artigo original; Artigo de revisão; Ensaio-teórico; Editorial/
Tipo de publicação
comentário/carta.
Transversal; Longitudinal; Ensaio clínico; Revisão;
Delineamento da pesquisa
Caso-controle.
Infância e adolescência; Adultos; Idosos; Infância/adolescen-
Faixa etária da amostra
tes/adultos; Adultos/idosos; Todas.
Componente estudado Atividade física; Comportamento sedentário; Ambos.
Mensuração da atividade
física ou comportamento Subjetiva; Objetiva; Ambas.
sedentário
Níveis, tendências e mensuração; Determinantes; Consequ-
Eixo da pesquisa
ências; Intervenções; Políticas; Outros.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

A produção científica em análise


tras 87 publicações foram incorpora-
A busca localizou 3.895 artigos, das. Assim, foi procedida a leitura de
dos quais 2.672 foram excluídos por 1.310 títulos e seus resumos, resultan-
serem duplicados, resultando em do em 721 exclusões que não corres-
1.223 estudos. A partir da conferência pondiam aos critérios de inclusão, e
do currículo de aproximadamente 40 um total de 589 publicações que com-
pesquisadoras e pesquisadores, ou- puseram esta análise (Figura 1).

43
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

Figura 1 – Fluxograma de identificação e inclusão dos estudos

en= número de títulos localizados utilizando os descritores no idioma inglês; pt= número de títulos localizados
utilizando os descritores no idioma português.
Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Características das publicações e longa do Questionário Internacio-


nal de Atividade Física (Ipaq). Em re-
O primeiro artigo publicado e re- lação às consequências da prática de
visado por pares no campo da epide- atividade física para a saúde, o estudo
miologia da atividade física em Pelo- pioneiro publicado em 2006 investi-
tas foi em 2003 por Pedro C Hallal e gou como desfecho o uso de medica-
colaboradores3. Esse estudo verificou mentos em adultos de Pelotas5. Já o
a prevalência de inatividade física e primeiro estudo de intervenção para
as variáveis ​​associadas em 3182 adul- aumentar a prática de atividade física
tos residentes de Pelotas. O primeiro foi publicado em 20096. Esse estudo
estudo específico sobre métodos de verificou os efeitos de uma interven-
mensuração da atividade física surgiu ção de base comunitária em Recife-
em 20044 e comparou as versões curta -PE e contou com a coautoria de Pe-

44
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

dro C Hallal. O primeiro registro de restante dos estudos foram mistos ou


estudo sobre políticas relacionadas à não se aplicavam nos cinco eixos te-
atividade física apareceu em 20057 em máticos estabelecidos. Em termos de
um artigo com a coautoria de Cesar G abrangência do estudo, como espera-
Victora1 que analisou um documento do, grande parte da produção cien-
sobre estratégias de uma agência go- tífica envolveu dados coletados em
vernamental, o qual fazia uma breve Pelotas (39,4%). No entanto, é notório
menção sobre os efeitos benéficos da que a contribuição dos pesquisadores
atividade física para a saúde. analisados passou a ser significativa
A produção do conhecimento evo- em publicações de abrangência na-
luiu gradualmente entre 2003 e 2020, cional e mundial, bem como em ou-
atingindo mais de 60 publicações por tros contextos específicos além dos
ano em 2012, e se desenvolveu com limites geográficos de cidade e país
predominância de autores do sexo (estudos de outras localidades do país
masculino com formação inicial em e do mundo). A Figura 2 apresenta a
educação física. Ao total, 466 estudos (A) evolução quantitativa de publica-
abordaram apenas o componente ati- ções ao longo do tempo, o (B) deline-
vidade física, 19 abordaram exclusiva- amento do estudo, o (C) eixo temático
mente o comportamento sedentário e e a (D) abrangência das publicações.
45 incluíram ambos os fenômenos.
Durante esse período, a maioria dos
estudos foram de delineamentos ob-
servacionais (transversais e longitu-
dinais do tipo coorte) e de revisão;
se concentraram nos eixos de níveis,
tendências e mensuração da ativida-
de física (18,7%), seguido de consequ-
ências e desfechos da atividade física
para a saúde (18,2%) e determinantes
da atividade física (18%). Foi observa-
da em menor proporção a produção
sobre estudos de intervenção para
aumentar a atividade física (7,1%) e
políticas de atividade física (2,9%). O

1 Cesar G Victora é professor emérito de


Epidemiologia na Universidade Federal de
Pelotas.

45
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

Figura 2 – Caracterização das publicações de acordo com a (A) evolução quantitativa ao longo do tempo,
(B) delineamento do estudo, (C) eixo temático, e (D) abrangência do estudo

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Em termos de tipo de publicação, de avaliação da atividade física ou


elas foram predominantemente ba- comportamento sedentário (Figura 3
seadas em artigos originais (Figura D), a predominância sobre a ativida-
3 A). Com relação aos grupos da po- de física e de medidas de autorrelato
pulação incluídos nos estudos, infân- é marcante, assim como o aumento
cia e adolescência foi o grupo mais do número de publicações com me-
estudado no período de 2009 a 2014, didas objetivas (acelerometria) com o
seguido por estudos com adultos e passar do tempo.
idosos entre 2015 e 2020 (Figura 3 B).
Por fim, com relação ao fenômeno de
interesse (Figura 3 C) e aos métodos

46
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Figura 3 – Caracterização dos estudos sobre epidemiologia da atividade física em Pelotas, RS entre 2003-
2015 de acordo com o (A) tipo de publicação, (B) faixa etária da população, (C) componente estudado, e (D)
métodos de mensuração

(A) (B)

250 80
70

Número de artigos
60
200
50
40
Número de artigos

Editorial/comentário/ 30 2003-2008
150
carta ao editor 20 2009-2014
Ensaio teórico 10
100 0 2015-2020

Original
50

0
2003-2008 2009-2014 2015-2020
Período Faixa etária

(C) (D)

200
500
450 180
400 160
Número de artigos

350 140
Número de artigos

300 120
250
100
200
80
150
60 Objetiva + Subjetiva
100
50 40 Objetiva
0 20 Subjetiva
Atividade física Comportamento Atividade física + 0
sedentario comportamento
2003-2008 2009-2014 2015-2020
sedentario
Período
Componente da pesquisa

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Características dos autores


posições de destaque. Entretanto, ao
Foram identificados 235 autores analisar a evolução temporal, é possí-
no total, com uma contribuição mé- vel observar que houve um aumento
dia de 2,5 artigos (desvio padrão= da participação de mulheres nessas
4,65; intervalo de confiança= 1–62). A posições de autoria. Embora nos pe-
maioria dos 589 artigos teve um au- ríodos mais recentes de avaliação o
tor principal de nacionalidade bra- número de artigos com mulheres e
sileira. Na avaliação de gênero de homens em primeira autoria esteja
primeiro e último autores foi obser- similar, ressalta-se ainda uma grande
vada uma grande desigualdade, com diferença no que diz respeito à posi-
predomínio de autores homens nas ção de autor sênior (Figura 4).

47
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

Figura 4 – Caracterização dos autores dos estudos sobre epidemiologia da atividade física em Pelotas, RS,
entre 2003-2015, de acordo com a (A) nacionalidade, (B) gênero do primeiro autor, e (C) gênero do último autor

(A) (B)

200 250
180
160 200
Número de artigos

Número de artigos
140
120 150
100
Estrangeiro Primeiro autor -
80 100
Brasileiro feminino
60
Primeiro autor -
40 50 masculino
20
0 0
2003-2008 2009-2014 2015-2020 2003-2008 2009-2014 2015-2020
Período Período

(C)

250

200
Número de artigos

150

Último autor -
100 feminino
Último autor -
50 masculino

0
2003-2008 2009-2014 2015-2020
Período

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Os periódicos onde mais se pu- da área da saúde (Cadernos de Saúde


blicaram os artigos localizados na Pública e Revista de Saúde Pública) e
busca foram a Revista Brasileira de em outros periódicos internacionais
Atividade Física e Saúde e o Journal de alto impacto, como o Internatio-
of Physical Activity and Health. Adicio- nal Journal of Behavioral Nutrition and
nalmente, pode ser observada uma Physical Activity, Medicine and Science
expressiva participação nos perió- in Sports and Exercise (Quadro 2).
dicos nacionais mais bem avaliados

48
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Quadro 2 – Principais periódicos de publicação dos estudos sobre epidemiologia da atividade física em
Pelotas, RS entre 2003-2020.

2003 - 2008 2009 - 2014 2015 - 2020

Periódico # Periódico # Periódico #


Revista Brasileira de Revista Brasileira de Revista Brasileira de
9 78 50
Atividade Física e Saúde Atividade Física e Saúde Atividade Física e Saúde
Cadernos de Journal of Physical Journal of Physical
8 30 29
Saúde Pública Activity an Health Activity an Health
Revista de Saúde Cadernos de Cadernos de
5 26 9
Pública Saúde Pública Saúde Pública
International Journal
Journal of Physical Revista de Saúde
4 16 of Behavioral Nutrition 9
Activity an Health Pública
and Physical Activity
Medicine and Science Ciência & Saúde
3 9 Preventive medicine 7
in Sports and Exercise Coletiva

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

No geral, os estudos apresentaram terminantes (média de 31,9 citações,


em média 61,2 citações no Google desvio padrão= 65,0), e intervenções
Acadêmico (desvio padrão= 265,8). Os (média de 26,0 citações, desvio pa-
estudos mais citados foram aqueles drão= 38,9).
que se encaixavam em mais de um Ao analisar as citações dos artigos
eixo temático (média de 137,3 cita- ao longo do tempo, observa-se um pa-
ções, desvio padrão= 510,4), seguido drão de crescimento principalmente
dos estudos de níveis, tendências e entre os estudos dos eixos de níveis,
mensuração (média de 49,6 citações, tendências e mensuração, determi-
desvio padrão= 97,7), políticas (mé- nantes, e consequências da atividade
dia de 474,1 citações, desvio padrão= física. Estudos com mais de um eixo
79,7), consequências (média de 45,2 receberam destaque em termos de ci-
citações, desvio padrão= 138,4), de- tações (Figura 5).

49
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

Figura 5 – Número de citações dos estudos sobre epidemiologia da atividade física em Pelotas, RS entre
2003-2020, de acordo com o eixo temático

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

Nota: os artigos das séries de ati- ções a cada três anos, segundo o eixo
vidade física dirigidas pelo professor temático. É possível observar que o
Pedro C. Hallal foram publicados no progresso da área da pesquisa em
periódico The Lancet. Neste gráfico Pelotas ao longo do tempo apresenta
analisamos os artigos onde o Pedro uma maior diversidade de eixos estu-
Hallal ou algum autor de Pelotas fo- dados a partir do ano de 2012, assim
ram autores. como uma maior diversidade de auto-
A Figura 6 apresenta os autores res nos artigos mais citados.
das publicações com mais de 25 cita-

50
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Figura 6 – Autores das publicações com mais de 25 citações na área da epidemiologia da atividade física
em Pelotas, RS entre 2003-2020, segundo eixo temático e período de tempo.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

51
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

Por fim, os artigos mais citados3, 2020 foram publicados entre 2003 e
8-16
com primeira autoria brasileira e 2012 (Figura 7).
com afiliação baseada em Pelotas até
Figura 7 – Os 10 artigos mais citados de autores brasileiros na história da pesquisa em epidemiologia da
atividade física em Pelotas, RS entre 2003-2020

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

Reflexões sobre a produção e


suas perspectivas futuras Os principais achados indicam
que: 1) o campo de pesquisa em epi-
Até onde sabemos, esta é a pri- demiologia da atividade física em
meira reconstrução histórica siste- Pelotas teve início nos anos 2000 e
mática do desenvolvimento do cam- ainda possui predomínio de deline-
po de pesquisa em epidemiologia amentos observacionais; 2) com me-
da atividade física em um contexto nos de 20 anos de seu surgimento a
específico de produção do conheci- área já se consolida em virtude da
mento. Além da especificidade local, alta visibilidade no âmbito interna-
este estudo se destaca, pois é o pri- cional e com padrões de produção
meiro a usar a metodologia robusta e citações semelhantes aos padrões
da revisão narrativa para descrever globais1; 3) o desenvolvimento da
as características da produção do área de pesquisa em Pelotas tem o
conhecimento conforme a evolução predomínio masculino como pri-
temporal, temáticas, delineamentos, meiros e últimos autores. Apenas
abrangência, características dos au- após 2012 começaram a aparecer
tores e o impacto das produções. mulheres na liderança de estudos.

52
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Em termos de eixo temático no o alto nível científico de reconheci-


campo da epidemiologia da atividade mento internacional das pesquisas
física, grande parte dos estudos de- de Pelotas. Artigos de tendências
senvolvidos em Pelotas ao longo des- temporais (comparando gerações
sas duas décadas foram transversais em mesma faixa etária), estudos so-
e longitudinais do tipo coorte, com bre o tracking da atividade física em
a predominância de estudos de ní- diferentes grupos etários, bem como
veis e tendências de atividade física, estudos que empreguem a atividade
bem como estudos de determinantes física como desfecho ou atividade fí-
e consequências para a saúde, rela- sica como exposição para desfechos
cionados aos espaços de formação e de saúde, encontram nas coortes de
produção do conhecimento em nível Pelotas uma fonte de dados que não
local. Embora o desenvolvimento de estão disponíveis em nível nacional
pesquisas nos diferentes eixos seja e que são extremamente escassas
expressivo, permanece uma signifi- internacionalmente.
cativa lacuna em relação aos tipos A avaliação dos principais peri-
de estudos, muito semelhante ao que ódicos onde os estudos em análise
acontece globalmente2, em que es- foram publicados destacam algumas
tudos de intervenções e políticas são características. Como esperado, duas
menos frequentes. revistas de extrema afinidade temáti-
Os Programas de Pós-graduação ca em nível nacional e internacional
em Educação Física e em Epidemiolo- foram as que mais receberam pu-
gia da Universidade Federal de Pelo- blicação de pesquisadores de Pelo-
tas são os principais espaços formais tas (Revista Brasileira de Atividade
ocupados pelos pesquisadores e se ca- Física e Saúde e o Journal of Physical
racterizam por uma série de estudos Activity and Health, respectivamen-
transversais de base populacional em te). Em nível nacional, é interessante
formato de consórcio17, 18 e pelas co- notar que aparecem duas das revis-
ortes de nascimentos de Pelotas19-22. tas mais importantes em termos de
As coortes de nascimentos são es- saúde pública e que são mais abran-
tudos que iniciaram em 1982, 1993, gentes que o eixo temático central da
2004 e 2015 em Pelotas e que acom- produção do conhecimento avaliada
panham seus participantes ao longo (Cadernos de Saúde Pública e Revis-
da vida. Essa característica aliada ta de Saúde Pública).
à coleta de dados de atividade físi- Acredita-se que a expansão de
ca e de desfechos de saúde foram e publicações nessas revistas tenha
seguem sendo fundamentais para um papel importante no reconheci-

53
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

mento da temática na saúde pública gênero é um problema estrutural27 e


e nas agendas de políticas públicas os passos para a mudança são de for-
em diferentes níveis. Por fim, a inser- ma lenta e gradual28. Incentivar, agir
ção internacional em revistas de alto e colaborar para uma maior diversi-
impacto é observada com a aparição dade contribui para uma ciência com
de periódicos internacionais como maior poder de resolução de proble-
International Journal of Behavioral Nu- mas dentro das equipes científicas29.
trition and Physical Activity, Medicine Como exemplo de ações para reduzir
and Science in Sports and Exercise e The as desigualdades de gênero é neces-
Lancet entre as revistas com maior sário aumentar o número de citações
número de publicações. de artigos de autoria feminina30, que
Em específico, as séries de ativi- os artigos sejam avaliados por pares
dade física publicadas no periódico duplo-cego, favorecendo o aumento
The Lancet23-25 se configuram como da representação de autoras do sexo
mais uma expressão da internacio- feminino31 e proporcionar às mulhe-
nalização desse grupo de pesquisa- res a oportunidades de participar de
dores. A liderança da série pelo pro- equipes de trabalhos32.
fessor Pedro C Hallal tem garantido As primeiras pessoas a se inserir
a cada quatro anos um espaço para o no Programa de Pós-graduação em
debate sobre as principais evidências Epidemiologia da Universidade Fede-
na área de atividade física e saúde em ral de Pelotas com interesse na epide-
nível global. Os artigos publicados miologia da atividade física foram to-
nessas séries apresentam-se como das do sexo masculino. Assim, esses
marcos temporais que influenciam pioneiros foram também os primei-
a agenda de política e de pesquisa ros a ingressarem no corpo docente
mundialmente. As avaliações sobre da Universidade e nos Programas de
as citações dessas produções identifi- Pós-graduação, explicando o cenário
cam números alarmantes e sem pre- inicial de homens em primeira au-
cedência na área de estudo. toria em maior magnitude do que as
Um dos aspectos problemáticos mulheres, assim como o cenário que
identificados na produção de conhe- persiste em termos de autoria sênior,
cimento avaliada é a grande dispari- todavia por si só esse fato não expli-
dade de gênero. O que já é reportado ca a lacuna existente30. Contudo, essa
pela literatura nas publicações cien- diferença de gênero já vem sendo evi-
tíficas evidenciando baixo percen- denciada na ciência brasileira com a
tual de mulheres sendo primeira ou sub-representação de mulheres nas
última autora26. A desigualdade de instituições de níveis superiores33.

54
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Embora nenhuma política específica com financiamento para seus proje-


de combate à desigualdade de gênero tos, tendo oportunidades de inserção
tenha sido estabelecida, foi observa- em equipes de pesquisa, podem res-
do um avanço no ingresso de mulhe- significar a área e a forma como se
res nos cursos de pós-graduação que produz o conhecimento, construin-
trabalham a temática em nível local do uma ciência mais plural. Além da
e, por consequência, protagonizaram manutenção da produção de conhe-
um expressivo aumento da produção cimento a partir de estudos observa-
de artigos como primeiras autoras. cionais, como com a continuidade
Entretanto, para reduzir essas desi- dos estudos de coorte e seu alto po-
gualdades de gênero presentes tanto tencial de evidência científica sobre
a nível mundial, nacional e local, é níveis, causas e consequências da
necessário a implementação de polí- prática de atividade física, mais es-
ticas de pesquisa28. tudos de intervenção e estudos que
avaliem políticas públicas seriam
Considerações finais de extrema relevância. O mesmo ri-
gor metodológico apresentado nessa
A pesquisa em epidemiologia da reconhecida trajetória de pesquisa
atividade física em Pelotas é caracte- será muito importante para novos
rizada pela altíssima qualidade dos estudos sobre ações que busquem a
estudos e o impacto que têm no país mudanças que cheguem em todos os
e no mundo. Ao longo de 20 anos as grupos populacionais.
pesquisas realizadas nesse contexto
colaboraram em diferentes níveis de Referências
abrangência acadêmico-científica e
1. Varela AR, Pratt M, Harris J, Lecy J,
na elaboração de políticas públicas.
Salvo D, Brownson RC, et al. Mapping
Embora a avaliação apresentada re- the historical development of physical
ferende uma excelente trajetória de activity and health research: a structured
produção do conhecimento, o olhar literature review and citation network
para os pontos frágeis também é analysis. Preventive medicine. 2018;
necessário para que avanços sejam 111:466-72.

alcançados. Entre os destaques, é 2. Varela AR, Cruz GIN, Hallal PC,


fundamental a busca de equidade Blumenberg C, da Silva SG, Salvo D, et al.
Global, regional, and national trends and
de gênero em posições de destaque
patterns in physical activity research since
nas autorias dos artigos. Mulheres 1950: a systematic review. International
liderando a concepção e orientação Journal of Behavioral Nutrition and
dos estudos, sendo contempladas Physical Activity. 2021;18(1):5.

55
IV. A produção científica em epidemiologia da atividade física em Pelotas:
do local ao global

3. Hallal PC, Victora CG, Wells JC, Lima 10. Dumith SC, Hallal PC, Reis RS,
RC. Physical inactivity: prevalence and Kohl HW, 3rd. Worldwide prevalence of
associated variables in brazilian adults. physical inactivity and its association
Medicine and Science in Sports and with human development index in
Exercise. 2003;35(11):1894-900. 76 countries. Preventive Medicine.
2011;53(1-2):24-8.
4. Hallal PC, Victora CG, Wells JCK, Lima
RC, Valle NJ. Comparison of short and 11. Hallal PC, Andersen LB, Bull FC,
full-length international physical activity Guthold R, Haskell W, Ekelund U. Global
questionnaires. Journal of Physical physical activity levels: surveillance
Activity and Health. 2004;1(3):227-34. progress, pitfalls, and prospects. The
Lancet. 2012;380(9838):247-57.
5. Bertoldi AD, Hallal PC, Barros AJD.
Physical activity and medicine use: 12. Hallal PC, Gomez LF, Parra DC,
evidence from a population-based study. Lobelo F, Mosquera J, Florindo AA, et
BMC Public Health. 2006;6. al. Lessons learned after 10 years of Ipaq
use in Brazil and Colombia. Journal
6. Simoes EJ, Hallal P, Pratt M, Ramos
of Physical Activity and Health. 2010;7
L, Munk M, Damascena W, et al. Effects
Suppl 2: S259-64.
of a community-based, professionally
supervised intervention on physical 13. Hallal PC, Victora CG. Reliability
activity levels among residents of Recife, and validity of the International Physical
Brazil. American Journal of Public Activity Questionnaire (Ipaq). Medicine
Health. 2009;99(1):68-75. and Science in Sports and Exercise.
2004;36(3):556-.
7. Barreto SMB, Pinheiro ARdO, Sichieri
RFdRdJ, Monteiro CA, Batista Filho M, 14. Hallal PC, Victora CG, Azevedo MR,
Schimidt MI, et al. Análise da estratégia Wells JCK. Adolescent physical activity
global para alimentação, atividade and health: A systematic review. Sports
física e saúde da Organização Mundial Medicine. 2006;36(12):1019-30.
de Saúde. Epidemiologia e Serviços de
15. Knuth AG, Hallal PC. Temporal
Saúde. 2005;14(1):41-68.
trends in physical activity: a systematic
8. Azevedo MR, Araújo CLP, Reichert review. Journal of Physical Activity and
FF, Siqueira FV, da Silva MC, Hallal Health. 2009;6(5):548-59.
PC. Gender differences in leisure-time
16. Reichert FF, Barros AJ, Domingues
physical activity. International Journal of
MR, Hallal PC. The role of perceived
Public Health. 2007;52(1):8-15.
personal barriers to engagement in
9. Dumith SC, Gigante DP, Domingues leisure-time physical activity. American
MR, Kohl HW, 3rd. Physical activity Journal of Public Halth. 2007;97(3):515-9.
change during adolescence: a
17. Barros AJD, Menezes AMB, Santos
systematic review and a pooled analysis.
IS, Assunção MCF, Gigante D, Fassa AG,
International Journal of Epidemiology.
et al. O mestrado do Programa de Pós-
2011;40(3):685-98.
graduação em Epidemiologia da UFPel
baseado em consórcio de pesquisa: uma

56
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

experiência inovadora. Revista Brasileira high-quality research revealed by Nature


de Epidemiologia. 2008; 11:133-44. Index journals. PloS One. 2018;13(1):
e0189136.
18. Hallal PC, Silva MCd, Rombaldi AJ,
Neutzling MB, Nunes VGdS, Adamoli 27. Lunnemann P, Jensen MH, Jauffred
AN, et al. Consórcio de pesquisa: relato L. Gender bias in Nobel prizes. Palgrave
de uma experiência metodológica na Communications. 2019;5(1):1-4.
linha de pesquisa em atividade física,
28. Mühlenbruch B, Jochimsen MA. Only
nutrição e saúde do curso de mestrado
wholesale reform will bring equality.
em Educação Física da UFPel. Revista
Nature. 2013;495(7439):40-2.
Brasileira de Atividade Física e Saúde.
2009;14(3). 29. Nielsen MW, Alegria S, Börjeson L,
Etzkowitz H, Falk-Krzesinski HJ, Joshi
19. Hallal PC, Bertoldi AD, Domingues
A, et al. Gender diversity leads to better
MR, da Silveira MF, Demarco FF, da
science. Proceedings of the National
Silva ICM, et al. Cohort profile: the
Academy of Sciences of the United States
2015 Pelotas (Brazil) birth cohort study.
of America. 2017;114(8):1740-2.
International Journal of Epidemiology.
2018;47(4):1048-h. 30. Lerchenmueller MJ, Sorenson O. The
gender gap in early career transitions
20. Santos IS, Barros AJD, Matijasevich
in the life sciences. Research Policy.
A, Domingues MR, Barros FC, Victora CG.
2018;47(6):1007-17.
Cohort profile: the 2004 Pelotas (Brazil)
birth cohort study. International Journal 31. Budden A, Tregenza T, Aarssen
of Epidemiology. 2011;40(6):1461-8. L, Koricheva J, Leimu R, Lortie C.
Double-blind review favours increased
21. Victora CG, Barros FC. Cohort
representation of female authors. Trends
profile: the 1982 Pelotas (Brazil) birth
in Ecology & Evolution. 2008;23(1):4-6.
cohort study. International Journal of
eEidemiology. 2006;35(2):237-42. 32. Gabster BP, Daalen Kv, Dhatt R, Barry
M. Challenges for the female academic
22. Victora CG, Hallal PC, Araújo CLP,
during the COVID-19 pandemic. The
Menezes AMB, Wells JCK, Barros FC.
Lancet. 2020;395(10242):1968-70.
Cohort profile: the 1993 Pelotas (Brazil)
birth cohort study. International Journal 33. Valentova JV, Otta E, Silva ML,
of Epidemiology. 2008;37(4):704-9. McElligott AG. Underrepresentation of
women in the senior levels of Brazilian
23. The Lancet. Physical activity 2012
science. PeerJ. 2017;5:e4000.
series. The Lancet. 2012.
24. The Lancet. Physical activity 2016
series: progress and challenges. The
Lancet. 2016.
25. The Lancet. Physical activity 2021
series. The Lancet. 2021.
26. Bendels MHK, Müller R, Brueggmann
D, Groneberg DA. Gender disparities in

57
S

EIXO 2
L
NÍVEIS DE ATIVIDADE FÍSICA
N
V
NÍVEIS DE ATIVIDADE FÍSICA E
TENDÊNCIAS TEMPORAIS

Samuel de Carvalho Dumith; Gregore Iven Mielke

O
estudo da epidemiologia mitindo a criação de diretrizes, com
da atividade física remete à recomendações de volumes, frequên-
década de 50 do século XX, cias, intensidades e tipos de atividade
quando o médico e epidemiologista física para diferentes populações, tal
Jeremy N. Morris deu início aos estu- como o relatório intitulado “Physical
dos sobre os benefícios da prática da Activity and Health”, publicado pelo
atividade física1. Naquela época, co- Departamento de Saúde Norte Ame-
meçava uma transição epidemiológi- ricano, em 1996.
ca, pois as doenças infectocontagio- Destaca-se que, nos seus primór-
sas estavam dando lugar às doenças dios, se estudava muito mais a práti-
crônico-degenerativas, tais como as ca de atividades físicas vigorosas em
doenças cardiovasculares. Foi quan- detrimento de atividades com inten-
do a pesquisa sobre atividade física sidade moderada ou leve. Aliás, só
nasceu e começou a ganhar corpo. recentemente tem se dado mais aten-
De lá para cá, milhares de artigos ção às atividades leves, mostrando
científicos foram publicados, per- que também podem conferir prote-

59
V. Níveis de atividade física e tendências temporais

ção à incidência e à mortalidade por Falando agora do nosso país, na


doenças crônicas2. Além disso, há 50 revisão mencionada acima3, o Brasil
anos, o domínio da atividade física contribuiu com 1.200 artigos, o equi-
mais estudado era o ocupacional. Nas valente a 5% do total das publicações
últimas duas décadas, o maior núme- durante o período estudado (de 1950
ro de evidências provém da prática de a 2019), sendo o único país de renda
atividade física feita no tempo livre, média-alta a figurar entre as 10 nações
já que consiste naquela feita de forma mais produtivas do mundo sobre esta
espontânea, sistematizada ou não, e temática. Vale salientar que, compa-
mais passível de intervenções para rando o período compreendido pelas
promoção da saúde. décadas de 1950-1990 e 2000-2019, o
Apesar de os estudos pioneiros Brasil teve um salto no número de
sobre atividade física tratarem das publicações, aumentando em torno
consequências à saúde, hoje em dia a de 100 vezes a sua produção científica
predominância mundial dos estudos neste campo do conhecimento3.
sobre atividade física corresponde à No que se refere à contribuição
investigação dos níveis (prevalência científica do Brasil ao crescimento
e tendência) de atividade física. De da pesquisa mundial acerca da ativi-
acordo com uma revisão sistemática dade física, é inegável o papel exer-
da literatura, publicada em 2021, os cido pela cidade de Pelotas, RS, e
estudos sobre níveis de atividade fí- por seus pesquisadores. O primeiro
sica responderam por 32,5% do total estudo brasileiro, tendo como obje-
publicado, seguido por 31,7% de es- tivo principal estudar a prática de
tudos sobre consequências à saúde, atividade física, a ser publicado num
23,2% sobre fatores associados, 8,3% periódico internacional partiu de Pe-
sobre intervenções e 3,9% sobre po- lotas4. O pesquisador Pedro C. Hallal
líticas de saúde3. Os autores da re- investigou o nível de atividade física
ferida revisão constataram que 176 da população adulta e idosa da zona
países do mundo (81% do total) têm urbana de Pelotas, como objeto de
pelo menos uma publicação sobre pesquisa de sua dissertação de mes-
atividade física. Interessante pontu- trado, e teve o seu artigo publicado
ar que 78% de todas as publicações no renomado periódico Medicine and
consideradas provêm de países da Science in Sports and Exercise4.
Europa e do continente americano Os estudos epidemiológicos brasi-
(América do Norte, América do Sul e leiros, cujo objetivo central era inves-
América Central). tigar o nível de atividade física, come-
çaram a ser publicados apenas no ano

60
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

20006. A partir deste ano, surgiram e abrangendo também estudantes do


vários outros estudos em municípios ensino médio. Esta pesquisa seguiu
específicos7. Porém, o primeiro arti- os moldes do inquérito norte-ameri-
go reportando dados de atividade fí- cano denominado “Youth Risk Beha-
sica de todas as regiões do Brasil foi vior Surveillance System” (YRBSS), con-
publicado somente em 20088, apre- duzido bienalmente desde 1991.
sentando uma análise dos dados do Além desses dois inquéritos, em
Vigitel (“Vigilância de Fatores de Ris- 2013 foi instaurada a “Pesquisa Na-
co para Doenças Crônicas por Inqué- cional de Saúde” (PNS), onde tam-
rito Telefônico”). bém foram coletados dados sobre
O Vigitel consistiu, portanto, no a prática de atividade física de uma
primeiro inquérito nacional a coletar amostra de mais de 60 mil adultos e
dados sobre o nível de atividade físi- idosos brasileiros. Um novo levanta-
ca. Essa pesquisa é feita anualmente, mento foi realizado em 2019, cujos
desde 2006, com uma amostra repre- dados preliminares foram divulgados
sentativa de todas as 26 capitais brasi- recentemente, porém ainda não na
leiras mais o Distrito Federal, permi- forma de artigos. Ressalta-se que essa
tindo o monitoramento de diversos expansão da pesquisa sobre ativida-
fatores de risco e de algumas doenças de física no Brasil foi acompanhada
crônicas na população brasileira com também pelo crescimento da pesqui-
18 anos ou mais. Esse inquérito foi es- sa sobre atividade física na cidade de
pelhado no levantamento norte-ame- Pelotas, RS. Logo abaixo, descreve-
ricano denominado “Behavioral Risk remos os principais estudos encon-
Factor Surveillance System” (BRFSS), trados neste município, reportando
estabelecido em 1984 e conduzido os achados mais relevantes no que
também por telefone. concerne à prevalência e tendência
Após o estabelecimento do Vi- da atividade física. Faremos também
gitel, em 2006, foi instituída a “Pes- uma análise por faixa etária, domínio
quisa Nacional de Saúde do Escolar” investigado e tipo de medida (subjeti-
(Pense), em 2009, com estudantes va ou objetiva).
de 13 a 15 anos do 9º ano do ensino
fundamental, de uma amostra envol-
Estudos pioneiros em Pelotas
vendo todas as capitais brasileiras e sobre atividade física
o Distrito Federal. Este inquérito foi
realizado novamente nos anos 2012, O primeiro artigo sobre ativida-
2015 e 2019, tendo a sua amostra am- de física com dados da população de
pliada para outros municípios do país

61
V. Níveis de atividade física e tendências temporais

Pelotas foi publicado em 20034. Esse artigo11, oriundo de uma coleta feita
estudo precursor fez parte de um con- em 1999 e 2000, com indivíduos de 20
sórcio de pesquisa dos alunos de mes- a 69 anos, mostrando que 81% deles
trado do Programa de Pós-Graduação eram inativos no tempo de lazer, a
em Epidemiologia da Universidade partir do gasto calórico (ponto de cor-
Federal de Pelotas (PPGEpi/UFPel) te empregado: 1000 kcal/semana). De-
para estudar a saúde da população pois desses estudos, surgiram muitos
urbana pelotense. Nesse estudo, foi outros, oriundos principalmente dos
usado o Questionário Internacional consórcios de pesquisa do PPGEpi/
de Atividade Física (Ipaq), versão UFPel, das coortes de nascimentos
curta, que continha dados sobre os de Pelotas e posteriormente de con-
domínios de lazer, deslocamento, sórcios de pesquisa do Programa de
ocupacional e doméstico. Os autores Pós-Graduação em Educação Física
encontraram que 41% dos indivíduos (PPGEF) da UFPel, além de alguns es-
com 20 anos ou mais (N=3.182) não tudos próprios de pesquisadores.
atingiam a recomendação de 150 mi-
nutos por semana de atividade física.
Consórcios de pesquisa de
Neste mesmo estudo, foi verificado
Pelotas
que cerca de um em cada quatro indi-
víduos (26%) era totalmente inativo, O primeiro consórcio de pesqui-
isto é, não praticava nenhuma ativi- sa a coletar dados de atividade física
dade física. Outro artigo, publicado foi feito em 2002 pelo PPGEpi/UFPel4.
no ano seguinte9, com o mesmo ban- Em 2003, um novo consórcio do mes-
co de dados, mostrou que apenas 29% mo programa foi realizado e um arti-
dos indivíduos atingia a recomenda- go12 mostrou, de forma retrospectiva,
ção de atividade física vigorosa (60 que o esporte mais praticado fora da
minutos por semana). escola, na infância e juventude, para
No ano de 2004, foi publicado o os homens era o futebol (83%) e para
primeiro estudo pelotense sobre ativi- as mulheres era o voleibol (45%). Ou-
dade física com a população jovem10 tro artigo13, juntando o banco de da-
Esse estudo teve sua coleta em 2002 e dos de 2002 e 2003, apontou que 73%
envolveu quase mil indivíduos entre dos adultos e idosos caminhavam em
15 e 18 anos, indicando que 39% deles algum dia da semana, sendo que 29%
eram inativos, ou seja, não pratica- caminhavam no lazer.
vam ao menos 20 minutos de ativida- O consórcio de pesquisa de 2005
de física em pelo menos três dias da do PPGEpi/UFPel gerou dois arti-
semana. Em 2005, foi publicado outro

62
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

gos. Um deles com 857 crianças e somente 26% deles praticavam algu-
jovens de 10 a 19 anos, indicando ma atividade física orientada18.
que 70% não cumpriam o critério Nos consórcios de pesquisa dos
de 300 min/sem de atividade física anos de 2007 e 2010 do PPGEpi/UFPel,
fora da escola14. O outro, com 3.136 foram publicados artigos para com-
adultos e idosos, mostrou que 40% parar a evolução da atividade física
praticavam alguma atividade física no município de Pelotas, comparan-
de lazer, sendo que a caminhada foi do com os dados que haviam sido
a modalidade mais praticada, por previamente coletados em 2002 e
57% dos praticantes15. 2003. Esses estudos estão descritos
Em 2006, o PPGEF/UFPel con- com mais detalhes num tópico abai-
duziu seu primeiro consórcio de xo, intitulado “Estudos de tendência
pesquisa dando origem a três pu- da atividade física em Pelotas”.
blicações sobre o tema. A atividade No consórcio de pesquisa de 2012
física foi coletada por meio do Ipaq, do PPGEpi/UFPel, mais dois artigos
versão longa, com 972 indivíduos de sobre a temática foram encontrados.
20 anos ou mais. Dessa forma, foi No primeiro deles, com 2.874 adultos
possível distinguir a prevalência de e idosos (20 anos ou mais), foi usada
atividade física em cada um dos seus a seção de lazer e deslocamento do
domínios. Observou-se que 51% dos Ipaq, versão longa. Os autores nota-
indivíduos não praticavam nenhu- ram que apenas 10,5% dos indivídu-
ma atividade física de lazer16. A pre- os cumpriam a recomendação de 150
valência foi de 52% para o domínio min/sem no lazer, e 52% eram ativos
ocupacional, 22% para o desloca- no deslocamento19. No outro artigo,
mento inativo e 18% para as tarefas conduzido com 743 crianças e jovens
domésticas16. Se levado em conta o (10 a 19 anos), e usando um instru-
critério de 150 min/sem, verificou- mento parecido ao usado em outro
-se que 70% eram insuficientemente estudo de Pelotas, em 200514, os au-
ativos no lazer17. No trabalho, deslo- tores identificaram que 72% desses
camento e atividades domésticas, es- indivíduos não atingiam a recomen-
sas prevalências foram de 58%, 52% dação de 300 min/sem20.
e 35%, respectivamente17. Em outra Em 2014, o PPGEpi/UFPel realizou
publicação dessa pesquisa, os auto- um consórcio com a população idosa
res identificaram que, dentre os in- (60 anos ou mais) de Pelotas (N=971).
divíduos fisicamente ativos no tem- Nessa pesquisa, a atividade física foi
po de lazer (150 min/sem ou mais), mensurada por meio de acelerome-
que tinham filhos entre 6 e 18 anos, tria, usando ‘bouts’ de 5 minutos. Foi

63
V. Níveis de atividade física e tendências temporais

visto que os idosos dispendiam, em bestudo com cerca de 500 crianças,


média, 133 min/dia em atividades em que a atividade física foi coletada
leves e apenas 11 min/dia em ativi- por meio de acelerômetros. Esse tal-
dades moderadas ou vigorosas21. Em vez tenha sido o primeiro estudo no
2016, o consórcio do PPGEpi/UFPel Brasil com dados de acelerometria.
foi conduzido com a população rural Os autores demonstraram que apenas
(N=1.447). Por meio do Global Physi- 34% das crianças atingiam o patamar
cal Activity Questionnaire (Gpaq), que de pelo menos 60 min/dia de ativida-
abrange os domínios de lazer, deslo- des físicas moderadas a vigorosas24.
camento e trabalho, foi identificado Ainda na coorte de 1993, foi feito
que 84% dos indivíduos atingiam a o primeiro estudo prospectivo com
recomendação de 150 min/sem, sen- dados de atividade física em Pelotas.
do 75% no trabalho 25% no desloca- Os autores usaram dados do acompa-
mento e 15% no lazer22. nhamento de 2004-5 (ver acima) e de
2008, quando os indivíduos estavam
Coortes de nascimentos de com 14 a 15 anos. Foi observado que o
Pelotas nível de atividade física dos meninos
aumentou (em média 75 min/sem)
Com o crescimento da pesquisa durante esse intervalo, ao passo que,
em atividade física na cidade de Pe- para as meninas, diminuiu (em mé-
lotas, esse comportamento passou a dia 42 min/sem)25. Considerando-se a
ser objeto de pesquisa das coortes de recomendação de 300 min/sem, a pre-
nascimento. Pelotas possui quatro co- valência de atividade física passou de
ortes de nascimento que ainda estão 48% para 54% entre os meninos e de
vigentes: 1982, 1993, 2004 e 2015. O 27% para 23% entre as meninas25.
primeiro artigo com dados de ativida- No acompanhamento de 2011-12,
de física dessas coortes foi publicado quando os indivíduos (N=3.709) esta-
em 2006. Esse trabalho foi conduzi- vam com idade média de 18 anos, a
do em 2004-5, com 4.452 crianças da atividade física foi coletada por meio
coorte de 1993, quando elas estavam de questionário (seção de lazer e de
com 10 a 12 anos de idade. Por meio deslocamento do Ipaq longo) e de
de um questionário específico, os au- acelerômetros. Foi encontrado que
tores verificaram que 58% desses indi- 60% dos jovens faziam alguma ativi-
víduos não atingiam a recomendação dade física no tempo de lazer, 88% se
de 300 min/sem de atividades físicas deslocavam de modo ativo (para es-
extracurriculares23. Nesse mesmo cola/faculdade ou trabalho), e o nível
acompanhamento, foi feito um su- médio de atividade física (moderada

64
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ou vigorosa) por acelerometria foi de meio de um questionário específico.


43 min/dia26. Os autores verificaram que 15% das
No acompanhamento feito em puérperas praticavam atividade física
2015-16, quando os membros da coor- antes da gestação e 13% o faziam du-
te estavam com 22 a 23 anos (N=2.766), rante a gestação, sendo a caminhada
um artigo indicou que o nível de ativi- a atividade mais praticada29. Dando
dade física leve, moderada e vigorosa continuidade a essas análises, outro
(medida por acelerômetro) foi maior artigo mostrou que, três meses após
nos dias de semana e no período da o parto, a prevalência de atividade
tarde27. A mediana de atividade físi- física caiu para 7%30. Considerando-
ca leve, para os dias de semana, foi -se o critério de 150 min/sem, apenas
de 36 min/dia de manhã, 78 min/dia 11% das mulheres eram ativas antes
à tarde e 30 min/dia à noite. Por sua da gestação e quase nenhuma (0,1%)
vez, a mediana de atividade física nos atingia esse patamar três meses de-
finais de semana foi de zero min/dia pois da gestação30.
no período da manhã e de noite, para Na coorte de 2015, a atividade
ambos os sexos. Esse estudo contri- física foi coletada entre as mães du-
buiu para o avanço do conhecimento rante a gestação (N=2.317) por meio
da prática de atividade física por tur- de acelerômetros. Um artigo apon-
nos e dias da semana. tou que o nível médio de prática de
Foi encontrado apenas um arti- atividades moderadas a vigorosas foi
go que avaliou os níveis de atividade de 14 min/dia, considerando bouts de
física, usando somente os dados da 5 minutos31. Outro artigo, com crian-
coorte de 1982. Esse artigo foi publi- ças de 1 ano de idade dessa mesma
cado em 2008 e analisou os dados do coorte (N=2.974) mostrou, também
acompanhamento de 2004-5, quando por acelerometria, que bebês que
os indivíduos estavam com idade de caminhavam tinham maior nível de
22 a 23 anos (N=4.296). A atividade atividade física do que aqueles que
física foi mensurada por meio da se- não caminhavam32.
ção de lazer do Ipaq longo. Os auto- Por fim, um estudo com dados
res observaram que 64% dos indiví- transversais de acelerometria, usan-
duos eram insuficientemente ativos, do dados de acompanhamentos feitos
isto é, não atingiam a recomendação entre 2010 e 2012, com as coortes de
de 150 min/sem28. 1982, 1993 e 2004, quando os indivídu-
Na coorte de 2004, a atividade os estavam, respectivamente, com 30,
física foi coletada quando as mães 18 e 6 anos de idade, foi publicado em
(N=4.471) tiveram seus filhos, por 2020. Nele foram analisados ao todo

65
V. Níveis de atividade física e tendências temporais

quase 9 mil indivíduos, consistindo (2010), com uma amostra de 1.210


num dos maiores estudos do mundo e crianças de 8 a 12 anos de idade. No
provavelmente o maior do Brasil com trabalho, a atividade física foi coleta-
medidas objetivas de atividade física. da por meio de questionário específi-
Os autores observaram que as crian- co, envolvendo os domínios de lazer e
ças tiveram maior nível de atividade deslocamento. Os autores verificaram
física (unidade: mg – equivalente de que 69% dessas crianças não cumpri-
aceleração gravitacional) do que jo- ram o critério de 300 min/sem35. No
vens e adultos (36 x 39 x 59, respecti- outro estudo, feito por pesquisadores
vamente). Quando analisada somente da Universidade Católica de Pelotas
atividades moderadas e vigorosas (em (UCPel), com 616 crianças de 8 anos
min/sem), os adultos tiveram o menor em 2010-11, os autores verificaram
nível (26 x 43 x 45, respectivamente)33. que 61% eram inativas36.
Foram identificadas duas pesqui-
sas feitas com universitários. Uma
Outros estudos com populações
específicas delas selecionou uma amostra de
485 alunos do 1º ano, ingressantes na
Além dos estudos reportados UFPel em 2008 (média de idade = 22,6
acima, houve outros estudos em Pe- anos). A outra foi feita em 2005-6 com
lotas que investigaram o nível de ati- 221 estudantes de graduação em Edu-
vidade física em populações espe- cação Física (Esef) da UFPel (média
cíficas. Selecionamos alguns deles de idade = 22,2 anos). Ambas usaram
para apresentar neste capítulo. No a seção de lazer do Ipaq longo e o mes-
entanto, salientamos que o rol de mo critério (150 min/sem). Porém, no
publicações não se encerra aqui, já estudo com alunos da Esef/UFPel37 a
que existem também outros estudos prevalência de ativos foi de 74% ver-
sobre esta temática. sus 57% no estudo com alunos de di-
Encontramos três estudos com versos cursos da Universidade38.
crianças. Um deles, feito em 2010 e Outros quatro estudos específi-
utilizando acelerômetros, recrutou cos, utilizando a seção de lazer do
239 crianças de 4 a 11 anos de idade Ipaq longo e o mesmo critério para
e mostrou que 27,5% delas eram ina- ser ativo (150 min/sem de atividades
tivas, ou seja, não atingiam a reco- moderadas a vigorosas ou mais), com
mendação de 60 min/dia de ativida- populações específicas, foram identi-
des moderadas a vigorosas34. Outro ficados. Um deles foi feito com cata-
estudo foi conduzido no mesmo ano dores de lixo em 2004 (N=990) e a pre-
valência de sujeitos suficientemente

66
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ativos foi de 32%39. Outro, conduzido Um outro trabalho, ainda com a


com motoristas e cobradores de ôni- população adulta e idosa, teve como
bus (N=225) em 2011-12, mostrou que objetivo analisar a mudança na prá-
53% eram ativos no lazer, sendo que tica de atividade física de lazer entre
os cobradores eram mais ativos que 2003 (N=3.100) e 2010 (N=2.732). Os
os motoristas40. Em outro, feito em autores verificaram que tanto a pre-
2014-15 com técnico-administrativos valência daqueles que não pratica-
da UFPel (N=371), os autores mostra- ram nenhuma atividade física (58%
ram que 57% deles eram fisicamente versus 57%, respectivamente) quanto
ativos41. O quarto estudo incluiu 323 daqueles que cumpriam com a reco-
frequentadores de academias ao ar mendação de 150 min/sem (27% ver-
livre (idade média = 52,5 anos), con- sus 24%, respectivamente) ficaram
cluindo que 78% desses indivíduos muito parecidas, apesar do intervalo
atingiam o critério para serem con- de sete anos45.
siderados ativos no tempo de lazer42. Com o intuito de comparar a mu-
dança na prevalência de atividade
física para a população de crianças e
Estudos de tendência da
jovens (10 a 19 anos), um estudo com-
atividade física em Pelotas
parou dados de duas coletas, também
O primeiro estudo a avaliar a ten- com metodologia semelhante: uma
dência de atividade física em Pelotas feita em 2005 e outra em 2012. Os au-
comparou dois estudos, com meto- tores notaram que a prevalência de
dologias semelhantes, feitos com a inatividade física (menos de 300 min/
população adulta e idosa (20 anos ou sem) no lazer e deslocamento se man-
mais): um em 20024 e outro em 2007 teve constante, sendo de 70% para
(N=2.986). Os autores apontaram que ambos os períodos avaliados46. Ape-
a prevalência de inatividade física sar de a prática de atividade física no
nos quatro domínios passou de 41% lazer ter se mantido constante, houve
para 52%43. Outro estudo, seguindo declínio na prática de deslocamento
os mesmos moldes, foi conduzido em ativo, passando de 69% para 57%46.
2012, para permitir uma comparação Nesses quatro estudos descritos
de 10 anos, desde a primeira medida, acima, os autores compararam dados
em 2002. Nesse novo levantamento, coletados por meio dos consórcios de
a prevalência de inatividade física se pesquisa do PPGEpi/UFPel. Porém,
manteve praticamente igual àquela foram encontrados mais três artigos
encontrada em 2007, sendo de 54%44. que reportaram dados de mudança
da atividade física, seja na forma de

67
V. Níveis de atividade física e tendências temporais

painel (como nos consórcios), seja na Contextualização com outros


forma de acompanhamento (como estudos nacionais
nos estudos de coorte). Na coorte de
1993, foi verificado, de modo prospec- Os dados sobre prevalência de
tivo, que a prevalência de crianças inatividade física no Brasil são muito
e jovens ativos caiu quase 10 pontos heterogêneos, devido às diferenças
percentuais num período de sete nos instrumentos, critérios e nomen-
anos, passando de 42% em 2004 (ida- claturas empregados. De acordo com
de média de 11 anos) para 33% em um artigo de revisão sistemática, pu-
2011 (idade média de 18 anos)47. blicado em 2007, a prevalência de ina-
Na coorte de 2015, a prática de ati- tividade física em crianças e jovens
vidade física das mães foi monitora- do país oscilou entre 38% e 93,5%50.
da ao longo de um intervalo de cinco De acordo com outra revisão sistemá-
anos. Os autores identificaram que tica, publicada em 2009, a prevalên-
16% das mulheres eram ativas duran- cia de inatividade física, abrangendo
te a gestação (150 min/sem ou mais todas as faixas etárias, variou de 15%
de atividade física no lazer), passan- a 97% da população brasileira7.
do para 8% 12 meses depois do parto, Devido à grande variabilidade en-
voltando para 17% 24 meses após o tre os estudos, abaixo trazemos dados
parto, e aumentando para 23% 48 me- de inquéritos nacionais em que houve
ses pós-concepção48. mensuração da atividade física. Con-
Com o propósito de comparar a vém destacar que, na grande maioria
prática de atividade física nas gestan- dessas publicações em âmbito nacio-
tes da coorte de 2015 com as gestantes nal, temos a participação de, pelo me-
que tiveram filhos em 2004, um novo nos, algum autor de Pelotas.
estudo foi feito. Os autores verifica- A Pesquisa Nacional por Amos-
ram que a prevalência de atividade tra de Domicílio (Pnad) de 2008
física de lazer (150 min/sem ou mais) (N=292.553), conduzida com indivídu-
aumentou de 11% para 16% nesse in- os de 14 anos ou mais de diversos mu-
tervalo de 11 anos, sendo que a pre- nicípios do país, mostrou que cerca
valência de mulheres que praticavam de 90% deles eram insuficientemente
alguma atividade física passou de ativos, tanto no lazer quanto no deslo-
15% para 21% de 2004 a 201549. camento51. Porém, o critério utilizado
na pesquisa para ser considerado ati-
vo foi de 30 min/dia de atividades mo-
deradas em cinco dias da semana e/
ou 20 min/dia de atividades vigorosas

68
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

em três dias da semana. Quando con- deslocamento55. Dados prelimina-


siderados os quatro domínios (lazer, res da PNS de 2019, divulgados pelo
deslocamento, ocupacional e domés- Instituto Brasileiro de Geografia e
tico), a prevalência de inatividade fí- Estatística (IBGE) em novembro de
sica foi de 20%51. 2020, indicam que a prevalência de
É válido mencionar que, em 2009, inatividade física no lazer (menos
o nível de atividade física foi aferido de 150 min/sem) caiu para 70% e no
em 100 municípios do país, por meio deslocamento para 68%. Nesse mes-
de amostras probabilísticas, como mo inquérito, o domínio com maior
parte do projeto Aquares, conduzi- prevalência de inatividade física foi
do pela equipe do Departamento de o domiciliar (84%), e o domínio com
Medicina Social da UFPel. Nessa pes- a menor prevalência foi o ocupacio-
quisa, feita com aproximadamente 19 nal (57%). Levando-se em conta esses
mil indivíduos de 20 anos ou mais, a quatro domínios, 40% da população
atividade física foi coletada por meio foi considerada inativa pela recomen-
do Ipaq, versão longa. A prevalência dação vigente.
de inativos (menos de 150 min/sem) No Vigitel, também foi indicado
no lazer foi de cerca de 84%52 e no declínio na prevalência de inativida-
deslocamento foi de cerca de 69%53. de física de lazer, passando de 70%
Em 2013-14, a prática de ativi- em 2009 para 61% em 2019 (ver re-
dade física foi aferida na Pesquisa latório Vigitel Brasil 2019). Conside-
Nacional sobre Acesso, Utilização e rando-se os quatro domínios (lazer,
Promoção do uso racional de Medica- deslocamento, doméstico e ocupa-
mentos (Pnaum), por meio do Gpaq, cional), a prevalência de indivíduos
em 32.641 indivíduos com 15 anos ou que não atingiam a recomendação
mais. A prevalência de inatividade fí- de 150 min/sem caiu de 49% em 2013
sica nos quatro domínios, de acordo para 45% em 2019. Já a prevalência
com o critério de 150 min/sem, foi de de indivíduos totalmente inativos,
37%, sendo que no lazer foi de 82%54. ou seja, que não praticam nenhuma
Considerando-se agora os gran- atividade física em algum dos domí-
des inquéritos nacionais de saúde nios, caiu levemente de 16% e 2009
correntes no Brasil, um artigo usando para 14% em 2019.
os dados da PNS de 2013 (N=60.202) No que se refere ao público de
apontou que 78% dos indivíduos (18 crianças e jovens, um artigo anali-
anos ou mais) eram inativos no lazer sando os dados da PeNSE demons-
(menos de 150 min/sem) e a mesma trou que a prevalência de inativi-
prevalência foi encontrada para o dade física de lazer (menos de 300

69
V. Níveis de atividade física e tendências temporais

min/sem) permaneceu estável nos 2016, foi publicada uma atualização


levantamentos de 2009, 2012 e 2015, deste artigo de 2012, expandindo os
sendo de 86%, 84% e 85%, respecti- dados para 146 países. A prevalência
vamente56. A prevalência de nenhum de inatividade física reportada foi de
deslocamento ativo foi de 29%, 38% e 23%, considerando os quatro domí-
33% nestes respectivos anos. Confor- nios (lazer, deslocamento, ocupacio-
me dados preliminares da PeNSE de nal e doméstico)58.
2019, 72% dos jovens não cumpriram O estudo mais recente e, ao mes-
a recomendação de 300 min/sem no mo tempo, mais completo com dados
lazer e deslocamento, sendo que 9% de inatividade física, em nível mun-
não praticavam nenhuma atividade dial, para adultos e idosos, foi pu-
física no lazer. blicado em 2018 no periódico Lancet
Global Health59. Neste artigo, os auto-
Contextualização com a res compilaram dados de 358 estudos
literatura internacional provenientes de 168 países, totalizan-
do 1,9 milhões de participantes59. A
Em 2011, foi publicado um arti- prevalência global padronizada de
go, compilando a prática de atividade inatividade física foi de 27,5%, entre
física em 76 países, via estudos que 2001 e 201659.
aplicaram a versão curta do Ipaq57. No que se refere ao público de
Todos os estudos foram conduzidos crianças e jovens, o artigo publicado
entre 2002 e 2004, totalizando um N em 2012 com adultos e idosos, trouxe
de aproximadamente 300.000 indiví- estimativas também para a popula-
duos com 15 anos ou mais. Os autores ção de 13 a 15 anos, oriundas de 105
apontaram que a mediana da preva- países. Os autores reportaram que
lência de inatividade física nestes pa- 80% dos indivíduos eram fisicamen-
íses, que representam 80% da popula- te inativos, ou seja, não cumpriam a
ção mundial, foi de 18%, variando de recomendação de 60 min/dia de ati-
3% a 62%57. vidades moderadas a vigorosas5. Na
No ano seguinte, um estudo ainda atualização deste trabalho, em 2016,
mais abrangente, com dados de ativi- os autores compilaram dados de 120
dade física de 122 países, que também países, expandindo a faixa etária para
usaram a versão curta do Ipaq, che- 11 a 17 anos. A prevalência de inativi-
gou a uma prevalência global de ina- dade física, usando o mesmo critério,
tividade física de 31% para indivíduos se manteve em 80%58.
com 15 anos ou mais, ou seja, quase Em 2020, foi publicada uma revi-
um terço da população mundial5. Em são sistemática, onde foram compila-

70
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

dos dados de 298 inquéritos de base Considerações finais


escolar, provenientes de 146 países,
abrangendo 1,6 milhão de indivíduos A partir dos dados expostos neste
de 11 a 17 anos60.A prevalência global capítulo, podemos estabelecer algu-
de inatividade física para estudantes mas conclusões:
desta faixa etária ficou em 81%, de 1) O volume de publicações so-
acordo com o mesmo critério aci- bre níveis de atividade física cres-
ma60. Outro estudo, compilando da- ceu exponencialmente nos últimos
dos do Global School-based Student 50 anos, principalmente a partir dos
Health Survey (GSHS) de 2009 a 2018, anos 2000. Apesar de o maior núme-
com 325.219 jovens de 13 a 17 anos de ro de publicações provir dos Estados
80 países, foi publicado em 2022. A Unidos, Canadá e Austrália, o Brasil
prevalência de inatividade física en- figura em quarto lugar nos índices de
contrada foi de 84%61. produtividade acerca dessa temática,
As estimativas apontadas acima superando até mesmo os países euro-
foram obtidas por meio de questio- peus3. Isso demonstra a contribuição
nários específicos. Foi encontrado do nosso país para a evolução dessa
um estudo que reportou dados de área do conhecimento, o que reflete
inatividade física por meio de acele- diretamente o engajamento dos nos-
rometria, para quase 50 mil crianças sos pesquisadores. Nesse cenário, é
e jovens de 5 a 18 anos, oriundos de indiscutível o papel exercido pelas
18 países da Europa, entre os anos publicações produzidas pelos pesqui-
1997 e 2014. A prevalência obtida foi sadores da cidade de Pelotas, que es-
de 71%, usando o critério de 60 min/ tão entre os mais renomados do país
dia de atividades moderadas a vigoro- e do mundo.
sas62. Um outro estudo com dados de 2) Estudos recentes e abrangentes
24 mil crianças e jovens de 5 a 18 anos indicam que em torno de um em cada
do International Children’s Accelerome- quatro adultos e idosos não atinge a
try Database (ICAD), de 13 países da recomendação de 150 min/sem de
Europa, Estados Unidos, Brasil e Aus- atividade física moderada a vigoro-
trália, mostrou que o tempo médio sa59. Para o público de crianças e jo-
em atividades moderadas a vigorosas vens, cerca de quatro em cada cinco
foi de 45 min/dia63. não cumprem a recomendação de 60
min/dia de atividade física moderada
a vigorosa. No Brasil, de acordo com
dados da PNS de 2019, 40% dos adul-
tos e idosos são fisicamente inativos,

71
V. Níveis de atividade física e tendências temporais

ficando acima da prevalência global. mesmo para avaliar se essas interven-


Para crianças e jovens, de acordo com ções surtiram efeito positivo.
dados da PeNSE de 2019, 72% são ina- 5) O maior número de publica-
tivos fisicamente, ficando um pouco ções sobre níveis de atividade física
abaixo da prevalência global. na cidade de Pelotas foi proveniente
3) A cidade de Pelotas alavancou das suas coortes de nascimento, se-
a pesquisa sobre níveis de atividade guido pelos consórcios de pesquisa
física no Brasil, contando com diver- do PPGEpi/UFPel. O instrumento
sas publicações nos últimos 20 anos. mais usado entre adultos e idosos
Dados de 2012, com adultos e idosos inicialmente foi a versão curta do
pelotenses, mostraram prevalência Ipaq, e na última década foi a seção
de inatividade física de 54%44, o do- de lazer e deslocamento da versão
bro da prevalência mundial, e um longa do Ipaq. Entre crianças e jo-
pouco maior do que a prevalência in- vens, foram usados questionários es-
dicada no Vigitel de 2013 (49%). Da- pecíficos. Destaca-se que, na última
dos de 2012, com crianças e jovens década, começaram a ser publicados
pelotenses, mostraram prevalência estudos com acelerometria, inicial-
de 70% de inatividade física, valor mente em crianças, e depois em jo-
próximo à prevalência nacional e in- vens, adultos, idosos e gestantes. O
ferior à mundial. periódico nacional com mais publi-
4) Não localizamos, entretanto, cações sobre níveis de atividade físi-
nenhum estudo de base populacional ca dos estudos de Pelotas foi a Revista
que tenha investigado o nível de ativi- Brasileira de Atividade Física e Saúde, e
dade física nos quatro domínios para o periódico internacional foi o Jour-
a população adulta e idosa, ou para nal of Physical Activity and Health.
lazer e deslocamento entre crianças 6) A prevalência de inativida-
e jovens nos últimos 10 anos em Pe- de física no mundo, de 2001 a 2016,
lotas. Na última década, as pesquisas está praticamente estável, tanto para
têm focado em outras populações adultos e idosos59 quanto para crian-
(exemplo: zona rural ou gestantes), o ças e jovens60. No Brasil, a prevalên-
que dificulta a comparabilidade com cia de inatividade física em adultos
os níveis globais e nacionais de ativi- e idosos está diminuindo, tanto pe-
dade física. É evidente que a área de los dados do Vigitel quanto da PNS.
atividade física carece de outros tipos Ainda assim, estimativas nacionais
de estudos (como aqueles de inter- apontam que entre 60 e 80% da popu-
venção), mas não se pode deixar de lação é inativa no lazer (menos de 150
fazer monitoramentos periódicos, até min/sem). Já a prevalência de inativi-

72
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

dade física em crianças e jovens tem Nesses últimos anos (2020 a 2022), a
se mantido estável, de acordo com população mundial teve que reade-
dados da PeNSE. Em Pelotas, a ina- quar sua rotina e comportamentos
tividade física em adultos e idosos em decorrência da pandemia de co-
aumentou de 2002 a 201244, porém vid-19. Com as medidas de contenção
em crianças e jovens se manteve es- do vírus, como o distanciamento so-
tável entre 2005 e 201246. Entretanto, cial, muitos indivíduos reduziram a
faltam estudos de base populacional sua prática de atividade física, o que
ou escolar mais recentes em Pelo- poderá afetar as futuras estimativas
tas para permitir a comparabilidade de tendências temporais. Destaca-
com estudos nacionais e globais de -se que, nesse período pandêmico,
tendência da atividade física. a população brasileira foi premiada
7) Dentre os estudos com acelerô- com o Guia de Atividade Física para a
metros, é importante padronizar os População Brasileira66, o que poderá
critérios de intensidade e bouts em- contribuir para que mais pessoas se
pregados. Uma revisão sistemática tornem fisicamente ativas.
demonstrou que a prevalência de ina-
tividade física variou de 0 a 99%, de- Referências
pendendo do critério utilizado64. No
entanto, outra revisão mostrou que 1. Paffenbarger RS, Blair SN, Lee
IM. A history of physical activity,
a prática de atividade física tem se
cardiovascular health and longevity:
mantido estável em crianças e jovens, the scientific contributions of Jeremy N
usando medidas objetivas, apesar das Morris, DSc, DPH, FRCP. Int J Epidemiol.
diferenças metodológicas65. Pelotas 2001;30(5):1184-1192. Doi: 10.1093/
possui dados de acelerometria para ije/30.5.1184.
os membros das suas quatro coortes 2. Ekelund U, Brown WJ, Steene-
de nascimento (aproximadamente Johannessen J, et al. Do the associations of
15 mil indivíduos), o que possibilita- sedentary behaviour with cardiovascular
disease mortality and cancer mortality
rá traçar estimativas de tendência de
differ by physical activity level? A
atividade física, de forma longitudi- systematic review and harmonised meta-
nal e secular. analysis of data from 850 060 participants.
Por fim, tendo em vista a alta pre- Br J Sports Med. 2019;53(14):886-894. Doi:
valência de inatividade física, espe- 10.1136/bjsports-2017-098963.
cialmente no lazer, tanto para crian- 3. Ramírez Varela A, Cruz GIN, Hallal
ças e jovens quanto para adultos e P, et al. Global, regional, and national
trends and patterns in physical activity
idosos, reforçamos a necessidade de
research since 1950: a systematic review.
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73
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78
VI
A MENSURAÇÃO DE ATIVIDADE FÍSICA
EM 20 ANOS DE PESQUISAS: MÉTODOS
PREDOMINANTES E INSTRUMENTOS
ANALISADOS
Andrea Wendt; Inácio Crochemore-Silva

P
ara a obtenção de resultados os ao longo do tempo (efeito tracking)
corretos a respeito de um fe- e para avaliar eficácia e efetividade
nômeno de interesse, suas de intervenções. Erros de medida po-
causas de determinação e suas con- dem levar a conclusões errôneas com
sequências para saúde, um dos pas- estimativas super ou subestimadas.
sos fundamentais é a mensuração Na área de atividade física, o pri-
adequada dos aspectos em estudo. meiro estudo a encontrar efeito pro-
Atualmente, a área de mensuração tetor em desfechos cardiovasculares
da atividade física é de extrema rele- foi conduzido em Londres (Inglater-
vância para estimar corretamente os ra) e publicado em 1953, por Jeremy
níveis populacionais, verificar a asso- Morris1. No estudo, Morris observou
ciação com outras variáveis de saúde o risco de doenças cardiovasculares
(principalmente quando se deseja ve- comparando cobradores (que na épo-
rificar o efeito dose-resposta em de- ca eram ativos durante o trabalho e
terminado desfecho), acompanhar os circulavam pelo ambiente realizando
as cobranças de tarifas) e motoristas
níveis de atividade física de indivídu-

79
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

de ônibus. Morris não tinha nenhum por meio da compilação da produção


controle sobre o que ocorria fora do científica de pesquisadores e pes-
horário de trabalho. Não se sabia se quisadoras da cidade de Pelotas (Rio
os motoristas iam caminhando para Grande do Sul) e de experiências e
casa ou se praticavam algum esporte, evidências em nível nacional e inter-
ou, ainda, se os cobradores chegavam nacional, iremos discutir a evolução
em casa e ficavam sentados por perío- histórica das medidas de atividade fí-
dos prolongados. Mesmo assim, com sica, a interpretabilidade, e as vanta-
toda essa possibilidade de erro de gens e desvantagens das medidas de
classificação quanto aos status ativo/ atividade física.
não ativo, os autores mostraram uma
menor taxa de incidência de doença
Mensuração de atividade física:
cardiovascular para os cobradores
evolução histórica e relevância
quando comparados aos motoristas1.
de acordo com a pergunta de
Se em 1953, com uma medida de ati-
pesquisa
vidade física extremamente simples
e sujeita a muitos erros de classifica- As principais possibilidades de
ção, já foi demonstrado efeito prote- mensuração da atividade física, quais
tor da atividade física na saúde, o uso estimativas elas fornecem e que res-
de medidas refinadas poderia desta- posta o pesquisador interpretará com
car ainda mais a relevância e magni- o seu resultado estão apresentadas no
tude do efeito da atividade nesse e em Quadro 1. Questionários e diários se
outros desfechos devido a redução do configuram como as opções de me-
erro de classificação. didas subjetivas, enquanto medidas
Nesse sentido, ao longo do tem- objetivas podem incluir os monito-
po, as medidas de atividade física res de frequência cardíaca, sensores
foram sendo aprimoradas e aumen- de movimento como acelerômetro e
taram muito em complexidade e de- pedômetro, e estimativas de consu-
talhamento. Essas medidas também mo energético como calorimetria in-
passaram a contemplar diferentes direta e água duplamente marcada.
constructos que envolvem frequên- É importante lembrar, porém, que
cia, duração e intensidade, diferen- considerando a definição de Casper-
tes domínios de prática, assim como sen (1985)4, ainda adotada pela Orga-
abordagens baseadas na percepção nização Mundial de Saúde (OMS) na
dos indivíduos (entrevista e autorre- atualidade, na qual atividade física
lato) e em medidas objetivas (senso- é considerada qualquer movimento
res de movimento)2, 3. Neste capítulo,

80
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

corporal produzido pelos músculos Outro aspecto relevante é que


esqueléticos que requeiram gasto de quando comparamos medidas de
energia acima dos níveis de repouso5, questionário com acelerômetro, por
nenhuma das medidas apresentadas exemplo, temos que ter em mente
é tradução direta desse conceito. que são estimativas correlacionadas,
Nesse sentido, torna-se impor- tendo uma tendência de aumento de
tante compreender que o padrão- uma em comparação ao aumento de
-ouro para atividade física ainda é outra. No entanto, de forma alguma
bastante discutível, e por mais que se espera que essas estimativas apre-
medidas que expressem com maior sentem boa concordância, pois estão
precisão o gasto energético sejam mensurando constructos diferentes.
utilizadas como método de referên- Em relação à aplicabilidade das
cia, os resultados de indicadores psi- medidas, fica evidente que as mais
cométricos de questionários ou sen- complexas, como calorimetria indi-
sores de movimento serão limitados reta, considerada como um padrão-
pela essência de cada medida (esco- -ouro embora não avalie frequência,
re de minutos de atividade física, vo- tipo nem duração da atividade6, exi-
lume total de movimento oriundo do girá um ambiente controlado com
segmento corporal de uso do equipa- um tamanho amostral menor e uma
mento, respectivamente). série de cuidados e controles para
O fato é que a atividade física em obtenção da resposta gasto energéti-
si é algo complexo de ser medido, ain- co. Sensores de movimento também
da mais quando se tem o interesse em exigem maior complexidade e me-
sua avaliação na vida cotidiana fora lhor planejamento da logística para
de ambientes laboratoriais de pesqui- obtenção do dado, além de grande
sa. Assim, em situações de pesquisa investimento financeiro. Questioná-
acabamos utilizando algum proxy da rios e diários são os instrumentos
atividade física a fim de obter um re- menos precisos, porém com maior
sultado que tenha algum significado facilidade de aplicação e menor cus-
em pesquisa. Na maioria das vezes to financeiro. Questionários e acele-
é que número de passos, aceleração rômetros sem dúvida são os instru-
proveniente de movimentos corpo- mentos mais utilizados em estudos
rais, escore de atividade física rela- de base populacional como os que
tada, entre outras respostas, passam predominam nos estudos de Pelotas
a ser estimativas de atividade física e serão discutidos com maior deta-
mesmo que não estejam elas em si de lhe a seguir no Quadro 1.
acordo com a definição padrão.

81
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

Quadro 1 – Instrumentos, tipo de medida e resposta para mensuração de atividade física

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Questionários possível estimar o nível de atividade


física em grandes estudos de monito-
Com o passar dos anos e avanço ramento com um custo relativamen-
da pesquisa com sensores de mo- te baixo e sem exigir do entrevistado
vimento, os questionários muitas muito comprometimento7.
vezes têm sido desvalorizados por Além disso, questionários e diá-
mensurar atividade física de forma rios têm um benefício extremamente
subjetiva e, portanto, estão suscetí- relevante que é a mensuração do tipo,
veis às percepções, interpretação e contexto e domínio da atividade físi-
características da população em es- ca. Embora técnicas de machine lear-
tudo (ex.: uma população com baixa ning e geoprocessamento estejam ini-
escolaridade pode ter dificuldade em ciando o processo de identificação da
entender conceitos e palavras dos ins- modalidade de exercício praticado,
trumentos). Apesar das limitações, os assim como o ambiente em que foi
questionários proporcionam algumas realizado, os questionários ainda são
vantagens importantes em termos de essenciais em pesquisas que avaliem
saúde pública. a necessidade desse tipo de contex-
Em primeiro lugar, é evidente o tualização. Pensando em termos de
custo-benefício em estudos popu- política pública, por exemplo, é es-
lacionais7. Com algumas questões é sencial saber o domínio da atividade

82
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

física, pois intervenções focadas em deficiência, não apresentam instru-


lazer e deslocamento parecem fazer mentos validados tão consistente-
mais sentido do que promoção de mente na literatura. Assim, torna-se
atividades de trabalho ou cotidiano nítido que a comparação entre as me-
doméstico8. Sensores de movimento didas fornecidas por diferentes ques-
ou medidas laboratoriais podem não tionários é algo difícil já que a estru-
ser eficientes nesse sentido, podendo tura e itens dos instrumentos variam,
confundir os achados. Um exemplo influenciando na prevalência final de
claro disso é que indivíduos de baixa atividade física. Nas coortes de Pelo-
posição econômica são os que têm tas, tem se optado pela utilização das
menor acesso a ambientes de lazer, listas de atividades físicas de lazer
porém são os que têm atividades de que incluem em seus itens o tipo de
trabalho com maior esforço físico atividade (ex.: futebol, pilates, hidro-
em sua maioria. O uso de medidas de ginástica, voleibol, etc.), frequência e
acelerômetro que não especifiquem o duração. O questionário tem se mos-
domínio e local de realização da ati- trado relativamente adequado para
vidade podem esconder importantes amostras de adolescentes e jovens
desigualdades nas avaliações da prá- adultos. Por mais que não esteja livre
tica de atividade física. Além disso, da superestimação do tempo gasto
uma vantagem adicional dos questio- nas atividades, a listagem de diversas
nários é o diálogo com as recomen- modalidades, melhor em termos de
dações de atividade física para saúde, recordatório dos participantes, é fle-
uma vez que embasaram tais diretri- xível de acordo com diferentes faixas
zes e porque estimam frequência, du- etárias favorecendo futuras compara-
ração e intensidade. ções e elimina a difícil interpretação
A variabilidade de questionários e alocação das atividades entre as in-
utilizados é considerável na literatu- tensidades moderadas e vigorosas.
ra. Os mais conhecidos são o Inter-
national Physical Activity Questionnai-
Acelerômetros
re (Ipaq)9 e o Global Physical Activity
Questionnaire (Gpaq)10, ambos desen- Entre as medidas objetivas, os
volvidos e validados para populações acelerômetros são atualmente a mais
adultas. Enquanto a maioria dos es- utilizada em estudos populacionais.
tudos com adultos utilizam esses ins- Entre as vantagens, eles tendem a
trumentos, populações mais jovens, eliminar viés de informação por su-
de idosos ou de grupos específicos, perestimação resultante da subjetivi-
como gestantes ou indivíduos com

83
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

dade do relato e não são restritos ao pendendo da análise a ser realizada.


ambiente laboratorial2. Esses instru- Outros detalhamentos sobre decisões
mentos também não estão livres de metodológicas relacionadas a pontos
limitações e desafios. Como comenta- de corte estão detalhados em uma re-
do acima, técnicas que discriminem visão sistemática sobre o tema13 e as-
bem o tipo de atividade e o domínio pectos como o tempo de epoch1, bouts2,
que ela é realizada estão iniciando11, locais de uso estão apresentados em
12
, mas ainda não são bem estabeleci- editorial técnico da Revista Brasileira
das na literatura. de Atividade Física e Saúde14. Uma
Para estudos que investigam o das mensagens centrais dos autores
efeito biológico da atividade física, o nesse editorial, e que reforçamos a
uso do acelerômetro pode ser mais partir das experiências de pesquisa
vantajoso em relação a medidas sub- em Pelotas, é que todas as decisões
jetivas por disponibilizar estimativas em torno da forma de mensurar ativi-
objetivas de aceleração com poucas dade precisam levar em consideração
definições operacionais que são fon- a pergunta de pesquisa. Além disso,
te de erro de classificação. Porém, a complementaridade entre medidas
quando a pergunta de pesquisa envol- objetivas e subjetivas também precisa
ve questões mais sensíveis à dinâmica ser considerada.
social e ao próprio potencial de inter- Na sequência do capítulo apresen-
venção futura, a ausência de detalhes taremos as contribuições dos pesqui-
contextuais pode levar a interpre- sadores e pesquisadoras de Pelotas
tações errôneas dos achados. Além na produção do conhecimento sobre
disso, como os acelerômetros medem a mensuração de atividade física por
apenas a aceleração, atividades com meio de artigos metodológicos e arti-
sobrecarga como musculação, ativi- gos de validação e reprodutibilidade
dades aquáticas ou deslocamentos de instrumentos.
em local com declividade não são
captadas de acordo com suas intensi-
dades reais. Limitações adicionais in-
cluem ainda a necessidade de pontos
1 Epoch: intervalo de tempo que a medida
de corte e estudos de calibração dos coletada pelo acelerômetro irá ser sumarizada
dispositivos para a população em es- (ex.: 5 segundos, 30 segundos, 1 minuto)
tudo e utilização de protocolos padro- 2 Bout: períodos de tempo pré-definidos que
nizados para coleta, processamento a medida coletada pelo acelerômetro deve es-
tar acima de determinado ponto de corte de
e análise de dados complexos e ca-
atividade física moderada e/ou vigorosa (ex: 1
pacidade computacional elevada de- minuto, 5 minutos, 10 minutos).

84
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Sumarização dos resultados


encontrados em Pelotas

Em Pelotas, uma série de estudos


metodológicos relacionados a dife-
rentes medidas de atividade física fo-
ram desenvolvidos. Parte desse gran-
de empenho em verificar os aspectos
metodológicos dos instrumentos se
deu pelo trabalho desenvolvido nas
coortes de nascimentos que precisa-
vam de medidas válidas, confiáveis e
comparáveis ao longo do ciclo vital.
A Figura 1 mostra a linha do tempo
de estudos desenvolvidos em Pelotas.
Para melhor sumarização dos acha-
dos, dividimos os artigos em dois
grandes grupos: a) estudos com foco
em questionários e b) estudos com
foco em acelerômetros.

85
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

Figura 1 – Estudos desenvolvidos em Pelotas ou liderados por pesquisadores da cidade de acordo com ano de publicação

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

86
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

a) Estudos com foco em ferenças no escore final de atividade


questionários física. Por outro lado, os questioná-
rios autoaplicados revelaram maiores
Um dos primeiros estudos desen- escores de atividade física do que os
volvidos em Pelotas foi publicado em aplicados por entrevistador principal-
2004 e teve como objetivo a compara- mente para o domínio do trabalho e
ção das versões curta e longa do Ipaq. atividades domésticas. As estimativas
Os autores encontraram diferenças dos domínios do lazer e deslocamen-
relevantes como uma prevalência de to foram mais comparáveis entre a
inatividade física de 42% por meio da entrevista e a autoaplicação17.
avaliação com a versão curta, compa- A versão longa do Ipaq, especi-
rado à prevalência de 28% com a ver- ficamente nos domínios de lazer e
são longa do mesmo instrumento. Os deslocamento, também teve a valida-
autores ainda mostraram que a corre- de e reprodutibilidade testadas para
lação entre os instrumentos foi mode- entrevistas realizadas por telefone.
radamente alta (r=0,61), mas ao anali- Em termos de reprodutibilidade, en-
sar os gráficos de Bland & Altaman as trevistas por telefone aplicadas com
discrepâncias entre as duas versões intervalo de cinco dias mostraram
do Ipaq ficavam notórias. Dentre os médias de tempo de atividade física
198 indivíduos avaliados, a versão muito similares para os dois domí-
curta falhou em identificar 33 indiví- nios. Em relação à validade da medi-
duos que haviam sido considerados da resultante das entrevistas telefô-
ativos pela versão longa. A conclusão nicas, as comparações com a versão
do estudo foi que a versão curta do aplicada face a face mostraram uma
Ipaq superestima os níveis de inativi- concordância alta, embora as estima-
dade física em estudos populacionais tivas resultantes da entrevista face a
e que não produz resultados compa- face tenham apresentado valores um
ráveis com a versão longa que aborda pouco maiores (uma diferença média
as atividades separadamente15, 16. de 30 minutos). Adicionalmente os
Também sobre o Ipaq, outro es- autores compararam a entrevista te-
tudo foi desenvolvido comparando lefônica e acelerômetros. Como espe-
a aplicação por entrevistadora ou rado, as correlações foram moderada-
autoaplicado, bem como o período mente baixas variando de 0,22 a 0,30.
recordatório de uma semana típica Em termos de monitoramento, a pre-
ou dos últimos sete dias da data de valência de ativos obtida por telefone
aplicação. Em geral, o período recor- pode ser útil e de fácil aplicabilidade
datório não apresentou grandes di- em grandes estudos, porém a utili-

87
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

zação do escore contínuo obtido por estudos pelotenses. Exemplos disso


esse método pode apresentar erros são a validação do Netherlands Physi-
relevantes dependendo da pergunta cal Activity Questionnaire (NPAQ) para
de pesquisa18. crianças de 4-10 anos e da lista de ati-
Outros estudos testaram a corre- vidades para adolescentes. O NPAQ é
lação da medida de escore de ativi- um instrumento respondido por pais
dade física do Ipaq com outros cons- ou responsáveis e foi comparado com
tructos. O primeiro deles comparou o a medida do acelerômetro. Em geral,
escore com uma medida de aptidão a correlação entre a medida forne-
física (VO2 máximo)19 e o segundo cida pelo NPAQ e pelo acelerômetro
com uma medida de tempo gasto em apresentaram correlações fracas a
comportamento sedentário20. Ne- moderadas. Além disso, as cinco pri-
nhum dos estudos encontrou correla- meiras questões do instrumento não
ção relevante, exemplificando o fato se comportaram como o esperado
da atividade física não necessaria- apresentando correlações inferiores
mente representar aptidão física ou a 0,2. Por outro lado, a última per-
ser o inverso do comportamento se- gunta do questionário que indicava
dentário. Também foi avaliado o uso se a criança era mais ou menos ativa
de um questionário muito semelhan- que outras crianças da mesma idade
te ao Ipaq, o Global Physical Activity apresentou uma correlação de 0,27
Questionnaire (Gpaq) na zona rural. com a medida de counts de atividade
Para isso, foi conduzido um estudo física moderada a vigorosa (AFMV)
em um município de pequeno porte do acelerômetro. Os valores de sen-
próximo a Pelotas e com caracterís- sibilidade e especificidade do instru-
ticas rurais marcantes. Esse estudo mento foram considerados baixos pe-
encontrou que boa reprodutibilida- los autores23.
de com coeficiente de correlação in- O questionário para adolescentes
traclasse de 0.78. Para participantes utilizado nas coortes de Pelotas é um
que relataram mais 400 minutos essa instrumento que consiste em uma
medida foi menor. A correlação com lista de atividades em que é pergun-
acelerômetro foi 0.5 com o autorrela- tado aos jovens se eles as realizam
to superestimando a medida em mé- cada uma delas, em caso de resposta
dia 1043 minutos21. Posteriormente o positiva ainda é adicionado questões
Gpaq foi aplicado em um consórcio frequência de dias na última semana
na zona rural de Pelotas22. e por quanto tempo duravam as ati-
Questionários para outras faixas vidades. Um estudo aplicou a lista de
etárias também foram abordados nos atividades duas vezes com um inter-

88
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

valo de 14 dias. Além disso, a validade resultante do questionário com cinco


concorrente foi testada comparando domínios e os autores recomendam
o questionário ao resultado de pedô- essa última opção25.
metros. Utilizando o ponto de corte
de 300 minutos para considerar os
b) Estudos com foco em
adolescentes ativos, 73% dos adoles-
acelerômetros
centes foram classificados de forma
consistente na primeira e segunda vi- Com o passar do tempo, as pes-
sitas. A correlação com o pedômetro quisas em Pelotas acompanharam a
foi moderadamente baixa (r=0,26)24. evolução do resto do país e do mun-
A lista de atividades também foi tes- do, iniciando o uso de acelerômetros
tada com a seguinte pergunta para nas coletas de dados. Como um dos
os pais dos adolescentes: “comparan- primeiros grupos no país a utilizar os
do(a) a maioria das crianças de mes- dispositivos, o registro de aspectos lo-
ma idade, seu(sua) filho(a) se exercita gísticos e detalhes metodológicos se
mais, menos ou a mesma quantida- tornou essencial. O primeiro estudo
de?”. Essa mesma pergunta também a usar acelerômetro em Pelotas foi a
foi realizada para os adolescentes. Os coorte de 1993, em uma subamostra
resultados comparando as perguntas de 511 adolescentes com 13 anos. O
únicas com a escore da lista de ati- estudo também aplicou questionários
vidades mostraram valores de kappa e um dispositivo que combinava fre-
baixos (<0,33 em todas as análises). quencímetro e acelerômetro. Na épo-
Em relação ao comportamento ca a análise foi realizada em counts
sedentário, cabe destacar o estudo e os acelerômetros foram utilizados
de reprodutibilidade de um questio- na cintura. Foi publicado um artigo
nário avaliando diferentes domínios descritivo que serviu para exempli-
do constructo. Duas abordagens fo- ficar os detalhes necessários em um
ram testadas, uma pergunta única estudo com acelerometria relatando
sobre tempo sentado e um questio- o processo de coleta26. Esse mesmo
nário avaliando cinco domínios. Os acompanhamento gerou um estudo
questionários foram aplicados com de validação da medida de acelerô-
intervalo de sete dias e o coeficiente metro e questionário tendo como pa-
de concordância para o escore total drão-ouro a água duplamente marca-
foi 0,87. A média de comportamento da. A correlação do gasto energético
sedentário foi menor quando os par- total com a medida do acelerômetro
ticipantes responderam à pergunta foi 0,57 e para o questionário foi 0,41,
única em comparação à estimativa

89
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

porém o gasto energético durante cias sobre o uso dos dispositivos nes-
movimento foi associado apenas com sa faixa etária e, portanto, um estudo
a medida de acelerometria27. piloto foi desenvolvido para definição
O próximo acompanhamento do protocolo a ser utilizado. O estudo
com acelerômetros aconteceu aos em questão contou com uma amostra
sete anos da coorte de 2004 e com ele de 90 crianças (de creches públicas,
uma série de novos desafios surgi- privadas e que não iam a creches), 45
ram. O primeiro deles foi a decisão usando o dispositivo no punho e 45
de expandir o uso do instrumento no tornozelo por sete dias. Uma pul-
para a amostra completa e o segun- seira antialérgica também foi testada
do foi a decisão de mudança do lo- e adicionalmente um componente de
cal de uso da cintura para o punho. avaliação qualitativa foi conduzido
Além disso, foi nesse acompanha- com as mães das crianças. Os resul-
mento que a análise dos dados pas- tados mostraram que o primeiro dia
sou a ser do sinal bruto ao invés dos de colocação deveria ser excluído de-
tradicionais counts. Foram avaliadas vido à alta reatividade das crianças
3.331 crianças e devido ao número resultando em médias de aceleração
relativamente reduzido de disposi- extremamente elevadas em relação
tivos disponíveis e de trabalhadores ao restante da semana. Além disso,
para a coleta, um protocolo foi ela- o estudo mostrou que apenas um dia
borado resultando em indivíduos de uso (após a exclusão do primei-
que usaram o acelerômetro de qua- ro dia) foi suficiente para estimar a
tro a sete dias. Um detalhamento do média semanal de aceleração das
protocolo empregado foi publicado crianças. A análise qualitativa com as
posteriormente a fim de auxiliar fu- mães mostrou uma preferência clara
turos estudos com número reduzido pelo local de uso punho, resultando
de dispositivos e amostras de base em maior aceitabilidade e menores
populacional28. Esse mesmo proto- perdas ou remoções do dispositi-
colo foi replicado nos acompanha- vo quando comparadas às mães de
mentos de 18 anos da coorte de 1993 crianças que usaram o acelerômetro
e 30 anos da coorte de 198229. no tornozelo30.
Com a coorte de nascimentos de Além dos estudos descrevendo
2015 e seu foco central em ativida- protocolos de pesquisa com acelero-
de física, surgiu o desafio de iniciar metria, estudos focados em decisões
as avaliações com acelerômetros em analíticas também foram desenvolvi-
crianças de um ano de idade. Até dos. Exemplos disso são as publica-
aquele momento, não havia evidên- ções que avaliaram o número de dias

90
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de uso necessários para o dado ser to, as médias para homens e mulhe-
considerado válido em termos de re- res caíram para 32,0 e 23,0 minutos
presentatividade semanal. Entre ges- respectivamente e com dez minutos
tantes que tinham data de parto pre- de bout, passaram a ser 9,5 e 4,5 mi-
vista para 2015 (crianças que fariam nutos33. Esses achados reforçam que
parte da coorte), as análises eviden- essas decisões devem ser pensadas de
ciaram a necessidades de quatro dias acordo com a idade e características
de dados para estimar a média sema- da população em estudo, pois têm
nal de AFMV31. O mesmo quantitativo grande influência na medida final de
de dias foi encontrado para acompa- atividade física e muitas vezes são re-
nhamentos das coortes de 2004 aos alizadas seguindo a maioria dos estu-
sete, 1993 aos 18 anos e 1982 aos 30 dos publicados sem grandes reflexões
anos32. Um detalhe interessante é que sobre o significado e magnitude da
para medidas menos arbitrárias que a medida para a população.
AFMV, como por exemplo o total de A perda nos dados em função tan-
aceleração em mili-g (mg) que não to dos critérios de inclusão na amos-
utiliza pontos de corte, geralmente, tra quanto do número de dias válidos
apenas dois dias são necessários para geralmente leva a um número redu-
estimar a média semanal32. Com base zido de participantes com dados de
nesses estudos e nas especificidades acelerômetro quando comparado às
de faixas etárias e tipo de variável de amostras originais. O relevante, po-
atividade física em análise, essa ava- rém, é identificar quando essas per-
liação passou a ser etapa permanente das são diferenciais e, nesse sentido,
ao final de cada trabalho de campo um estudo descrevendo as perdas e
das coortes. recusas nas coortes de Pelotas foi de-
Outro exemplo sobre decisões me- senvolvido. Além dessa avaliação foi
todológicas é a escolha do bout a ser testado um processo de imputação
utilizado na análise. Um estudo de com alternativa a essa limitação ine-
base populacional com a população rente de estudos de larga escala. Os
de 60 anos ou mais em Pelotas mos- resultados mostraram que a imputa-
trou que a média semanal de AFMV ção múltipla foi útil para estimar as
variou de acordo com o tamanho do médias de aceleração (mg)34. Mais
bout escolhido. A média de AFMV estudos avaliando esse processo em
sem considerar bouts foi 64,5 e 56,7 outras medidas como AFMV ainda
minutos para homens e mulheres precisam ser desenvolvidos.
respectivamente. Por outro lado, uti- Por fim, outro estudo de caráter
lizando AFMV com bout de um minu- metodológico conduzido em Pelotas

91
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

foi baseado em uma amostra de 112 atividade física moderada e 6 METs


adultos recrutados por conveniência para atividade física vigorosa, con-
para avaliar a possibilidade de pon- tribuindo para importante discussão
tos de corte de atividade física mo- nessa área de conhecimento.
derada e vigorosa específicos para
a população local, bem como para Considerações finais
avaliar a utilização de métodos de
referência absoluta e relativa nesse A pesquisa sobre mensuração de
tipo de abordagem. Nesse protocolo atividade física em Pelotas foi sendo
de pesquisa os participantes foram construída principalmente com base
submetidos a nove atividades pre- nas necessidades dos consórcios de
viamente estabelecidas e tiveram pesquisa e das coortes de nascimen-
aceleração do movimento corporal to. Validação de instrumentos e des-
coletada, assim como volume de oxi- crição de processos de logística, pro-
gênio demandado em cada atividade cessamento e análise de dados foram
(VO2000® gas analyser)35. sendo registrados e publicados a fim
O componente de elaboração dos de contribuir para estudos futuros na
pontos de coorte dessa iniciativa ain- cidade ou para outros contextos bra-
da não foi publicado, mas seus re- sileiros. As experiências adquiridas
sultados vão ao encontro dos pontos nos trabalhos de campo e publicações
de coorte estabelecidos na literatura na área de mensuração da atividade
e utilizados atualmente nos estudos física fez com que outras oportunida-
locais36. Além disso, ele agrega ao co- des de colaborações se estabeleces-
nhecimento dos estudos de validação sem, culminando em participação
a necessidade de análises que consi- de pesquisadores e pesquisadoras de
derem a não linearidade do aumento Pelotas em editoriais ou artigos de
de consumo de oxigênio e aceleração recomendações14, 37, 38, artigos meto-
proveniente de movimentos corpo- dológicos com outras fontes de da-
rais. Sobre a avaliação dos métodos dos, (nacionais e internacionais)39-51,
de referência, foi observado que na revisões sistemáticas13, 52-54, e estudos
amostra as atividades físicas modera- de validação e reprodutibilidade de
das e vigorosas, tiveram como limiar outros constructos relacionados à ati-
de consumo de oxigênio 4,9 METs e vidade física55-62.
6,8 METs, respectivamente. Esses va- Como principais aprendizados
lores estão acima dos considerados que servem atualmente como dire-
pelos compêndios da literatura na- trizes para tomada de decisão nos
cional e internacional de 3 METs para estudos realizados em Pelotas, é pre-

92
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ciso ressaltar a importância de utili- questionários com a adição da medi-


zar instrumentos para mensurar ati- da objetiva deve ser priorizada.
vidade física adequados à pergunta
de pesquisa e populações estudadas. Referências
Embora o uso de sensores de movi-
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CG, Parks JW. Coronary heart-disease and
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lato, em muitos casos, os questioná- 2. Troiano RP, McClain JJ, Brychta RJ,
rios ou diários são suficientes ou até Chen KY. Evolution of accelerometer
mesmo mais eficientes (ex.: interesse methods for physical activity research.
Br J Sports Med. 2014;48(13):1019-23. Doi:
em tipo ou domínio da atividade físi-
10.1136/bjsports-2014-093546.
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2009;25 Suppl 3:S415-26.
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cações em grandes amostras, além
GM. Physical activity, exercise, and
de não exigir tantos recursos compu- physical fitness: definitions and
tacionais. No cenário brasileiro e de distinctions for health-related research.
outros países de baixa e média renda, Public health Rep. 1985;100(2):126-31.
torna-se ainda mais relevante a ne- 5. OMS – Organização Mundial da Saúde.
cessidade de reflexão sobre a pergun- Physical activity: https://www.who.int/
ta de pesquisa do estudo e não apenas news-room/fact-sheets/detail/physical-
seguir os padrões já utilizados em es- activity. Acesso em: 1 jan. 2021.

tudos de países de alta renda. Por fim, 6. Kelly P, Fitzsimons C, Baker G.


destaca-se também a importância da Should we reframe how we think
about physical activity and sedentary
complementaridade dos métodos de
behaviour measurement? Validity and
mensuração de atividade física. Com reliability reconsidered. Int J Behav Nutr
destaque para estudos longitudinais, Phys Act. 2016;1;13:32. Doi: 10.1186/
nos quais as medidas realizadas hoje s12966-016-0351-4.
serão utilizadas a longo prazo de acor- 7. Bauman A, Phongsavan P, Schoeppe S,
do com outros acompanhamentos, Owen N. Physical activity measurement-
variando em termos de necessidade -a primer for health promotion. Promot
Educ. 2006;13(2):92-103.
de acordo com o tema de interesse, a
manutenção da coleta de dados por 8. Crochemore-Silva I, Knuth AG, Mielke
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93
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

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Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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95
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

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96
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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97
VI. A mensuração de atividade física em 20 anos de pesquisas:
métodos predominantes e instrumentos analisados

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98
S

EIXO 3
L
DETERMINANTES
N
VII
DETERMINANTES DA ATIVIDADE FÍSICA
NA GESTAÇÃO E PRIMEIRA INFÂNCIA

Luiza Isnardi Cardoso Ricardo; Debora Tornquist; Otávio


Amaral de Andrade Leão

A
tualmente está bem docu- todos de alta renda, e as recomen-
mentado que a prática regular dações em sua maior parte eram
de atividade física durante a endossadas pelos setores de obste-
gestação traz benefícios para a mãe e trícia e ginecologia5. Em 2020, a Or-
bebê, além de não acarretar nenhum ganização Mundial da Saúde incluiu
risco para a díade mãe-filho1–4. No nas diretrizes globais de atividade
entanto, a segurança da prática de física recomendações específicas
atividade física no período gestacio- para população de gestantes4, e em
nal para a mãe e para o bebê foi for- 2021 essas indicações também foram
temente questionada por um longo apresentadas no Guia de Atividade
período, especialmente pela comuni- Física para População Brasileira1.
Os documentos preconizam que mu-
dade médica, tendo como base uma
lheres no período gestacional, sem
literatura escassa sobre o tema.
contraindicações, acumulem no mí-
Até o ano de 2014 diretrizes para
nimo 150 minutos semanais de ativi-
atividade física gestacional estavam
dade física 1–4.
disponíveis em apenas nove países,

100
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

No entanto, se observa na literatu- Com relação ao período da pri-


ra uma baixa prevalência de mulhe- meira infância, a atividade física se
res ativas nessa fase, e um declínio apresenta como um comportamento
linear dessas prevalências no decor- muito importante para o crescimento
rer do período gestacional6–11. Sendo e desenvolvimento saudáveis e para
assim, conhecer os determinantes e a aquisição de hábitos ativos ao lon-
correlatos da atividade física gesta- go da vida13–16. As diretrizes globais16
cional pode auxiliar na compreensão e brasileiras1 de atividade física na
de fatores que contribuem para que primeira infância preconizam que
mulheres se mantenham ou se tor- crianças até um ano permaneçam por
nem ativas nesse período importan- pelo menos 30 minutos em decúbito
te das suas vidas. Porém, os estudos ventral (de barriga para baixo) diaria-
sobre a temática de atividade física mente; crianças entre um e dois anos
gestacional têm tido maior enfoque devem permanecer ativas por pelo
em averiguar seus benefícios e con- menos 180 minutos do dia, envolven-
sequências, sendo mais escassos os do-se em atividades de qualquer in-
estudos que visam a investigar os fa- tensidade; e crianças de três e quatro
tores que estão associados à atividade anos também devem se manter ativas
física nessa fase. por esse período (180 minutos diá-
Uma revisão sistemática sobre os rios), sendo despendidos pelo menos
correlatos da atividade física nessa 60 minutos em atividades de intensi-
população identificou que os fatores dade moderada à vigorosa.
mais fortemente associados foram A literatura sobre a prevalência
aqueles considerados modificáveis, de atividade física nessa faixa etá-
incluindo, em uma associação po- ria é escassa e recente17, o que torna
sitiva, a autoeficácia e a intenção de ainda mais importante o estudo so-
ser fisicamente ativa e, em uma as- bre determinantes dessa prática na
sociação negativa, barreiras e riscos primeira infância. Nesse sentido, as
percebidos sobre a atividade física evidências sobre os determinantes da
na gestação. Além disso, correlatos atividade física nessa fase ainda não
relacionados com a saúde da mulher, são fortes para gerar conclusões sobre
como a saúde mental, maior ativi- os fatores que influenciam a atividade
dade física e menor índice de massa física nos primeiros anos de vida. Um
corporal prévios à gestação, também estudo de revisão sistemática sobre
apresentaram associação; enquanto o tema apontou que os fatores com
variáveis gestacionais e demográficas maior evidência de associação são fa-
apresentaram efeitos pequenos12. tores ambientais (como brincadeiras

101
VII. Determinantes da atividade física na gestação e primeira infância

ao ar livre) e socioculturais (papel da dade física no período da gestação e


família e atividade física materna), da primeira infância.
enquanto fatores demográficos e bio-
lógicos não apresentam evidências Determinantes da atividade
consistentes18. física na gestação
Compreender os fatores que con-
tribuem para que gestantes e crian- Os estudos na temática da ativi-
ças pequenas se tornem ativas em dade física durante a gestação em
diferentes contextos socioeconô- Pelotas iniciaram-se no acompanha-
micos e culturais é especialmente mento perinatal da coorte de nas-
relevante, tendo em vista o número cimentos de 2004, em que questões
reduzido de investigações com essas sobre a atividade física em diferentes
populações, e considerando a impor- períodos da gestação foram inseri-
tância desses períodos da vida para das. Nesse estudo, logo após o nasci-
mudanças de comportamentos12–18. mento, ainda no ambiente hospitalar,
Bauman19, ao revisar as evidências 4.471 mulheres foram entrevistadas
sobre correlatos e determinantes da sobre seus hábitos de atividade físi-
atividade física, observou que os es- ca três meses antes da gravidez, bem
tudos têm se concentrado em inves- como no primeiro, segundo e ter-
tigar esses fatores em países de alta ceiro trimestres de gestação20. Com
renda. De mesmo modo, tanto a revi- base nesses dados, foi demonstrado
são sobre correlatos da atividade fí- que fatores como maior escolarida-
sica gestacional12 quanto os primei- de, orientação para atividade física
ros anos18 apresentam uma escassez durante o acompanhamento pré-na-
de estudos em países de baixa e mé- tal, maior renda familiar, ter vínculo
dia renda. Nesse cenário, os estudos empregatício durante a gestação e ser
que vêm sendo realizados em Pelo- primípara foram associados a maio-
tas sobre determinantes da atividade res níveis de atividade física no lazer
física nessas populações auxiliam a durante a gestação. Outras variáveis
preencher uma importante lacuna também foram investigadas, porém
na literatura em atividade física, tra- não apresentaram associação com o
zendo uma importante contribuição desfecho: idade, estado civil, tabagis-
nessa temática. Dessa forma, o obje- mo pré-gestacional e planejamento
tivo do presente capítulo é descrever da gravidez8,21.
e discutir as evidências dos estudos Nessa mesma direção, um estudo
conduzidos em Pelotas sobre os de- posterior, que avaliou nascimentos
terminantes e correlatos para ativi- nas maternidades da cidade de Rio

102
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Grande durante o ano de 2007, en- exercício físico para uma subamostra
controu resultados muito semelhan- de gestantes23,24.
tes aos obtidos em Pelotas. Entre as Tendo como amostra 2.317 mulhe-
2.557 mulheres avaliadas, foram fa- res entrevistadas no estudo pré-natal,
tores associados à prática de qual- vinculado à coorte de nascimentos
quer atividade física durante a ges- 2015, uma produção de Pelotas exa-
tação: menor idade materna, maior minou os fatores que influenciam
escolaridade, ser primípara, ter feito na atividade física mensurada por
acompanhamento pré-natal e ter re- acelerometria durante a gestação. O
cebido orientação para a prática de estudo analisou atividade física mo-
exercícios durante o pré-natal. Por derada à vigorosa e atividade física
outro lado, cor da pele, viver com o total, e demonstrou resultados con-
companheiro, renda familiar, pla- flitantes com a literatura baseada em
nejamento da gravidez, tabagismo autorrelato, apontando como princi-
pré-gestacional não demonstraram pais fatores associados a menor ren-
associação com atividade física ges- da e escolaridade, não ter recebido
tacional na análise ajustada22. aconselhamento contrário à prática
A partir dos relevantes temas le- de exercícios, menor idade, não vi-
vantados pela coorte de nascimentos ver com um parceiro, e cor de pele
2004, a coorte de nascimentos de 2015 preta, parda, amarela ou indígena25.
foi pensada para dar um passo além, Paridade, trabalho remunerado, al-
sendo a primeira coorte de Pelotas a tura e peso, atividade física antes da
ter um estudo pré-natal, em que di- gravidez, fumo, uso de álcool, histó-
versos aspectos da saúde materno-in- rico de aborto espontâneo e histórico
fantil foram avaliados. Um diferencial de parto prematuro não foram asso-
da Coorte 2015 é o foco na atividade ciados à atividade física gestacional
física desde o primeiro acompanha- mensurada objetivamente nesse estu-
mento em que foi realizada, além da do. Os autores destacam que estes re-
mensuração tradicional através de sultados consideram atividade física
questionário, a mensuração objetiva total mensurada de maneira objetiva,
da atividade física durante a gestação englobando todos os domínios da ati-
através de acelerometria, e o estudo vidade física, e não somente o âmbito
PAMELA (Physical Activity for Mothers do lazer como é geralmente o caso em
Enrolled in Longitudinal Analysis), um estudos autorrelatados.
estudo controlado randomizado ani- Por fim, uma outra publicação de
nhado à coorte 2015 que ofereceu Pelotas objetivou descrever as mu-
danças na atividade física de lazer

103
VII. Determinantes da atividade física na gestação e primeira infância

entre gestantes, comparando dados tais, parecem bem estabelecidos na


dos dois estudos de coorte de nasci- literatura, como idade, renda, esco-
mentos realizados em 2004 e 2015, laridade e orientação médica para
ambos com medidas autorrelatadas. atividade física. No entanto vale res-
O estudo não mostrou diferenças na saltar o pequeno número de estudos
atividade física no primeiro e segun- acerca dessa temática, especialmente
do trimestres da gestação, porém de- envolvendo medidas objetivas de ati-
monstrou uma diminuição no nível vidade física.
de atividade física no terceiro trimes-
tre da gestação entre 2004 e 2015. O
Determinantes da atividade
decréscimo no nível de atividade físi-
física na infância
ca foi mais expressivo para mulheres
mais jovens, com renda intermediária Os estudos de Coorte de Nasci-
a alta, alto nível de escolaridade, pri- mentos da cidade de Pelotas apresen-
míparas, obesas no período pré-ges- tam um grande histórico de pesquisa
tacional, e que praticavam atividade na prática de atividade física e saúde,
física de lazer antes da gravidez21. entretanto, pouca ênfase era dada na
Acerca da produção científica de faixa-etária de 0-4 anos. O primeiro
Pelotas até o momento, um ponto subestudo envolvendo atividade físi-
forte a ser destacado é o desenho dos ca nessa faixa etária foi desenvolvido
estudos, em que se observa uma pre- na Coorte de Nascimentos de 199326.
dominância de estudos de Coorte, em Nele os pesquisadores classificaram
detrimento de estudos transversais, atividade física através de pergunta
os quais reduzem importantes vieses, respondida pelas mães: “Em com-
como memória, temporalidade e cau- paração a outras crianças da mesma
salidade reversa. Além disso, cabe idade, você acha que seu filho é mais
destacar o avanço nos métodos de ativo/igual/menos ativo?”, e verifi-
medida da atividade física, em que os caram que 32% das crianças foram
primeiros estudos utilizavam exclusi- consideradas “menos ativas”, com-
vamente questionários e, a partir da paradas a outras crianças da mesma
Coorte de Nascimento mais recente, idade. Além disso, apenas um bom
se obteve complementarmente medi- relacionamento com outras crianças
das objetivas desse comportamento. esteve positivamente associado ao
No geral, com base nos estudos nível de atividade física entre as vari-
acima citados, alguns determinantes áveis socioeconômicas e característi-
da atividade física, principalmente cas das crianças testadas.
socioeconômicos e comportamen-

104
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

A primeira Coorte de Pelotas contraram que gostar de esportes, ter


a ter como um dos seus principais pouco interesse em desenhar e pre-
objetivos investigar atividade física ferir brincar na rua estão associados
nessa faixa-etária foi a Coorte de com maior tempo diário em atividade
Nascimentos de 201523. Consideran- física moderada a vigorosa28.
do que a prática de atividade física é A mesma amostra foi utilizada
um dos focos dessa Coorte, as crian- para outro estudo envolvendo ativi-
ças utilizaram acelerômetros para dade física, mas, dessa vez, as crian-
mensurar seus movimentos aos 1, 2 ças utilizaram acelerômetros para
e 4 anos de idade23. mensuração da prática. Nesse caso,
Utilizando esses dados, foi reali- a amostra apresentou uma média de
zado um estudo de padrões e deter- 84 min/dia para meninos e 72 min/
minantes da prática de atividade fí- dia para meninas, em atividade fí-
sica no primeiro ano de vida27. Nesse sica moderada a vigorosa. Além do
estudo os autores verificaram que, sexo, outros determinantes para a
das 2.974 crianças que utilizaram os prática foram encontrados, como
acelerômetros no acompanhamento idade, crianças mais novas apresen-
de 1 ano, sexo masculino e atividade taram maiores médias, e status so-
física materna durante a gestação, cioeconômico, em que crianças de
foram positivamente associadas com maiores status econômicos apresen-
atividades física das crianças, inde- taram menores média de atividade
pendente da habilidade de caminhar. leve e moderada, em contrapartida,
Além disso, entre crianças que já sa- apresentaram maior média de ativi-
biam caminhar, escolaridade mater- dade vigorosa29.
na mediana, adequado comprimento/ Como pontos positivos dos estu-
idade, não frequentar creche e maior dos apresentados podemos destacar
atividade física paterna, estiveram que, as coletas com acelerômetros da
positivamente associados com ativi- Coorte 2015 seguiram protocolos se-
dade física das crianças nessa idade. melhantes, alterando apenas alguns
Outros dois estudos que inclu- pontos específicos, como número de
íram crianças de até quatro anos de dias de uso, dependendo do número
idade foram realizados na cidade de de dispositivos disponíveis. O proto-
Pelotas. O primeiro verificou que, em colo consistia em um uso contínuo
crianças de 4 a 11 anos de idade, cer- de 24 horas pelo número de dias es-
ca de 70% realizaram pelo menos 300 tipulados pelos pesquisadores, com
minutos de atividade física por sema- o acelerômetro colocado no punho
na. Além disso, os pesquisadores en- esquerdo acoplado a uma pulseira

105
VII. Determinantes da atividade física na gestação e primeira infância

descartável. Além disso, outro ponto te a primeira infância. Por fim, dois
positivo da utilização dessa medida grandes desafios para compreender
objetiva foi a realização de estudos de a prática de atividade física no iní-
protocolos para o uso dos acelerôme- cio da vida ainda persistem: 1) Medi-
tros nessa faixa-etária30. das e protocolos padronizados; e 2)
Para entender os determinantes e Escassez de estudos, especialmente
consequências da atividade física em em diversos contextos socioculturais
crianças é necessário, primeiramen- específicos, como países de baixa e
te, mensurar esse comportamento de média renda17.
forma adequada. Diversas medidas
têm sido utilizadas nessa faixa etá- Considerações finais e
ria, como medidas subjetivas, que perspectivas futuras
incluem questionários autoaplicados
ou reportados por pais ou professo- As pesquisas sobre determinan-
res, e medidas objetivas, como fre- tes da atividade física em gestantes
quência cardíaca, pedômetros, ob- e crianças na primeira infância são
servação direta e acelerometria31,32. mais recentes do que os estudos de-
Considerando a natureza intermi- senvolvidos com outras populações,
tente da atividade física nessa faixa tendo em vista que por muito tempo
etária, o uso de uma medida objeti- se teve imprecisões sobre a relação
va, como os acelerômetros, se mostra benefício/risco de gestantes serem
capaz de detectar os movimentos das ativas, e pelo entendimento de que
crianças de uma forma mais comple- crianças na primeira infância eram
ta. Entretanto, ainda existem certas naturalmente ativas. Embora o nú-
dificuldades no uso desses dispositi- mero de estudos ainda se apresente
vos, como a falta de pontos de corte reduzido, essas investigações vêm
para diferentes intensidades, defini- apresentando consideráveis avanços
ções como local de uso e números de entre as pesquisas desenvolvidas em
dias de mensuração, além da necessi- Pelotas, acompanhando o crescimen-
dade de estudos de calibração nessa to observado na literatura mundial.
faixa etária, a fim de atribuir signifi- Considerando a diversidade so-
cado às medidas31,32. cioeconômica e cultural, é especial-
Nesse sentido, as medidas de mente importante estimar a prática
acelerômetros nas crianças da Co- de atividade física e seus determinan-
orte de Nascimentos de 2015 opor- tes em países de baixa e média renda,
tunizam um entendimento objetivo nos quais esses estudos se apresen-
da prática de atividade física duran- tam mais escassos, e, em geral, com

106
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

menor qualidade, com tamanhos de ambientais e aspectos relacionados


amostra menores e baseados em sua a políticas locais que afetam a ativi-
maioria em medidas subjetivas. Nes- dade física das gestantes e crianças
se cenário, as pesquisas conduzidas pequenas. Além disso, é importante
em Pelotas, especialmente os dados que estudos busquem investigar os
coletados pela Coorte de Nascimento correlatos e determinantes de uma
2015, são promissoras ao se pensar o forma mais abrangente, visando a
aprofundamento das evidências so- compreender como os diferentes ní-
bre determinantes e correlatos da ati- veis de determinantes interagem e
vidade física entre gestantes e crian- contribuem de forma conjunta para
ças na primeira infância. que essas populações se tornem mais
Atualmente, a Coorte 2015 conta ou menos ativas. A temática sobre os
com dados de atividade física mensu- determinantes da atividade física em
rada de forma objetiva em três pontos gestantes e crianças pequenas tem
no tempo dos primeiros quatro anos muito a crescer e os dados coletados
de vida da criança, além de dados da e estudos conduzidos no município
atividade física das mães dessas crian- de Pelotas têm muito a contribuir
ças, também medida de forma objeti- com a área.
va no período gestacional, com medi-
das analisadas de forma padronizada Pontos principais:
que permitirão o desenvolvimento
posterior de importantes estudos. a. Com base nos dados de Pelotas, os
Ademais, dados já coletados de uma determinantes mais consolidados
da atividade física durante a ges-
ampla gama de variáveis permitem
tação foram idade, renda, escola-
que investigações futuras busquem ridade e orientação médica para
elucidar a relação da atividade física atividade física.
na gestação e primeira infância com b. Em crianças de 12 meses, sexo,
possíveis determinantes biológicos, atividade física materna durante
socioeconômicos, comportamentais, a gestação, escolaridade materna,
adequado comprimento/idade,
ambientais, socioculturais, psicológi-
não frequentar creche e atividade
cos e nutricionais. física paterna estiveram associa-
Uma lacuna importante a ser pre- dos com atividade física.
enchida por estudos conduzidos fu- c. Considerando crianças a partir de
turamente refere-se à investigação de quatro anos, os estudos de Pelotas
outros níveis de determinantes que identificaram como determinan-
tes da atividade física: idade, sexo,
não a nível individual, como o apro-
status socioeconômico, gostar de
fundamento a respeito de fatores

107
VII. Determinantes da atividade física na gestação e primeira infância

esportes, ter pouco interesse em 7. Hegaard, H. K. et al. Sports and leisure


desenhar e preferir brincar na rua. time physical activity during pregnancy
d. Um dos principais destaques dos in nulliparous women. Matern Child
estudos em Pelotas é o uso de Health J 15, 806-813 (2011).
acelerômetros para mensurar ati- 8. Domingues, M. R. & Barros, A. J. D.
vidade física, especialmente nas Leisure-time physical activity during
Coortes de Nascimentos, possibi- pregnancy in the 2004 Pelotas Birth
litando representar objetivamente cohort study. Revista de Saúde Pública
a prática de atividade física tanto 41, 173-180 (2007).
em gestantes como em crianças
menores que quatro anos. 9. Tavares, J. de S. et al. Padrão de
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and newborn: a systematic review. J Phys Matern Child Health J 17, 632-638 (2013).
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108
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

15. Timmons, B. W. et al. Systematic materno-infantil. Revista de Saúde


review of physical activity and health in Pública 46, 327-333 (2012).
the early years (aged 0–4 years). Applied
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16. WHO. Guidelines on physical vol. 47 1048-1048H (2018).
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25. da Silva, S. G. et al. Correlates of
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narrative review. International Journal
in pregnancy-The 2015 Pelotas (Brazil)
of Behavioral Nutrition and Physical
Birth cohort study. Scand J Med Sci Sports
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28, 1934-1945 (2018).
18. Hoyos-Quintero, A. M. & García-
26. Hallal, P. C., Anselmi, L. & Azevedo,
Perdomo, H. A. Factors related to physical
M. R. Influência de variáveis psicológicas
activity in early childhood: a systematic
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física e desempenho motor aos quatro
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anos de idade. Revista Brasileira de
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28. Bielemann, R. M., Xavier, M.
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physical activity from the prepregnancy comportamentos favoráveis à prática de
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Health 13, 361-365 (2016). Brasil. Ciência & Saúde Coletiva 19, 2287-
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22. Dumith, S. C., Domingues, M. R.,
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Atividade física durante a gestação e Reichert, F. F., Domingues, M. R. &
associação com indicadores de saúde Gigante, D. P. Objectively measured

109
VII. Determinantes da atividade física na gestação e primeira infância

physical activity in children from a


southern Brazilian city: a population-
based study. J Phys Act Health 10, 1145-
1152 (2013).
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preschool children. Medicine & Science
in Sports & Exercise 42, 508-512 (2010).

110
VIII
DETERMINANTES DA ATIVIDADE FÍSICA
NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Luciana Tornquist, Debora Tornquist, Inácio Crochemore-Silva

A
pesar dos comprovados be- determinantes (fatores que possuem
nefícios da atividade física uma relação causal) cresceram nas
para saúde de crianças e ado- últimas décadas3.
lescentes1, os níveis de atividade fí- É importante considerarmos que
sica nessa população permanecem a prática de atividade física é influen-
aquém do esperado, estimando-se ciada por diversos fatores, que não
que globalmente 81,0% da população passam apenas por escolhas indivi-
com idades entre 11 e 17 não atinjam duais, mas também por fatores que
as recomendações de 300 minutos dependem de ações governamentais
propostas pela Organização Mundial e do comprometimento político de
de Saúde2. Nesse contexto, é funda- diferentes setores4. Por esse motivo,
mental compreendermos os motivos teorias e modelos comportamentais
que levam as pessoas a serem fisica- são utilizados para identificar os as-
pectos a serem estudados como cor-
mente ativas. Na busca dessas respos-
relatos e determinantes da atividade
tas, as pesquisas sobre correlatos (fa-
física5. Os modelos ecológicos estão
tores associados à atividade física) e

111
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

entre os mais utilizados e trazem saúde pública, com foco nos fatores
uma visão ampla da causalidade dos conhecidos por facilitar ou dificultar
comportamentos de saúde, incluindo a prática de atividade física. Nesse
diferentes níveis, como aspectos indi- sentido, este capítulo tem por objeti-
viduais, a inter-relação do indivíduo vo apresentar e discutir os estudos de
com o ambiente social e físico e fato- correlatos e determinantes de ativi-
res políticos3. dade física conduzidos em Pelotas na
A partir desses modelos têm se população de crianças e adolescentes
buscado compreender quais fatores de cinco a 17 anos.
influenciam a atividade física nas
diferentes fases do ciclo vital. Na po- Estudos com determinantes e
pulação de crianças e adolescentes, correlatos em Pelotas
a revisão sistemática observou que
16 fatores têm se apresentado con- No decorrer dos 20 anos de pes-
sistentemente associados à atividade quisas desenvolvidas na área de ativi-
física, sendo esses descritos em cinco dade física em Pelotas, encontramos
categorias pelos autores: biológicos/ 27 estudos que investigaram corre-
demográficos (sexo, idade, etnia, es- latos e determinantes de atividade
colaridade dos pais, renda familiar, física em crianças e adolescentes.
status socioeconômico), psicológicos/ As variáveis avaliadas nesses estu-
cognitivos/ emocionais (competência dos foram classificadas em níveis, de
percebida, autoeficácia, orientação/ acordo com subdivisões adaptadas do
motivação, barreiras percebidas), atri- modelo ecológico de Bauman et al.3,
butos e habilidades comportamentais conforme apresentado no Quadro 1.
(participação em esportes comunitá- Entre os 27 estudos revisados, 11
rios), sociais/ culturais (apoio paren- apresentam um delineamento trans-
tal, apoio de pessoas importantes) e versal e 13 são estudos desenvolvi-
ambiente físico (acesso a instalações dos com dados das Coortes de Nas-
esportivas/ recreativas ao ar livre)6. cimento - 11 estudos na Coorte de
A relevância de estudos sobre essa 1993 (sendo quatro estudos de cará-
temática vai além de conhecer os ter transversal dentro da coorte7–10),
fatores que influenciam a atividade dois estudos incluíram dados das Co-
física, mas se fundamenta também ortes de 1993 e 200411,12, e um estudo
na importância desse conhecimento incluiu dados apenas de Coorte de
contribuir para o planejamento de 200413. Há ainda um estudo realizado
políticas e intervenções com maior com dados da Coorte de 2002/2003 da
potencial de eficácia em termos de UCPel de forma transversal14, um es-

112
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

tudo com adultos que coletou infor-


mações referentes à atividade física
na adolescência de forma retrospec-
tiva15, enquanto outro estudo anali-
sou séries temporais16.
A maioria dos estudos investi-
gou a população adolescente (n=19),
três estudos investigaram crianças e
adolescentes e cinco estudos exclu-
sivamente crianças. Com relação ao
método adotado para investigar a ati-
vidade física, 18 estudos utilizaram
questionário exclusivamente e sete
utilizaram acelerometria. Um estu-
do utilizou medidas combinadas de
acelerometria e questionário10 e um
estudo17 utilizou medidas de ques-
tionário e pedômetro, no entanto os
dados obtidos por pedômetro não fo-
ram testados com os correlatos.

113
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência
Quadro 1 – Variáveis avaliadas nos estudos de correlatos e determinantes de atividade física realizados em Pelotas classificadas de acordo com os níveis do
modelo ecológico adaptado do estudo de Bauman et al.3

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

114
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Além disso, entre os estudos que Importante apontarmos que ao


utilizaram questionários como méto- longo do tempo percebemos uma
do de medida da atividade física, dife- evolução dos termos relacionados à
rentes domínios foram investigados. atividade física adotados nos estudos.
Em dez estudos o domínio do lazer foi Inicialmente, o termo sedentarismo
avaliado exclusivamente15,18–26, cinco era empregado para definir o que
estudaram a atividade física de lazer hoje conceituamos como inatividade
e de deslocamento8,10,16,17,27, outros física. Especialmente os estudos re-
dois estudos consideraram a ativida- alizados na primeira década7,19,28–30
de física no ambiente escolar e no la- utilizam o termo sedentarismo para
zer14,28 e três estudos consideraram a descrever adolescentes que não par-
atividade física nos três domínios (la- ticipam de nenhuma atividade física
zer, deslocamento e escola)7,29,30. En- ou que não atendem ao tempo míni-
tre os estudos que mediram atividade mo de prática predeterminado pelo
física de forma objetiva, o método de estudo. Para fins de padronização e
processamento dos dados também buscando evitar confusões conceitu-
diferiu, em que quatro estudos apre- ais, adotaremos o termo inatividade
sentaram os dados em counts9,31–33, física para descrever os resultados
enquanto nos quatro estudos mais re- desses estudos.
centes os dados foram apresentados As principais características dos
de forma bruta10–13. estudos e os correlatos e determi-
Diferenças também ocorreram nantes associados e não associados
em relação à operacionalização em cada estudo são apresentados
da variável de atividade física. Um no Quadro 2, organizados em ordem
ponto de corte de ≥300 min/sema- cronológica crescente de acordo
na foi utilizado por 13 estudos para com o ano de publicação. A seguir
considerar crianças e adolescen- apresentaremos e discutiremos os
tes ativos7,8,16,17,19,21,23–27,29,30. Outros correlatos e determinantes dos es-
três estudos utilizaram o ponto de tudos de acordo com cada nível do
corte de 60 min/dia em atividade fí- modelo apresentado.
sica moderada/vigorosa9,31,32, seis
estudos consideraram qualquer prá-
tica8,10,15,18,20,26 e dois estudos apre-
sentaram outros pontos de corte14,28.
Ainda, em dez estudos a variável de
atividade física foi apresentada de
forma contínua9–13,21,22,31–33.

115
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

Quadro 2 – Resumo dos estudos em determinantes e correlatos de atividade física com base no modelo ecológico desenvolvido com crianças e adolescentes em Pelotas. *

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023) *continua na próxima página

116
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Quadro 2 – Resumo dos estudos em determinantes e correlatos de atividade física com base no modelo ecológico desenvolvido com crianças e adolescentes em Pelotas.*

117
*continua na próxima página
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

Quadro 2 – Resumo dos estudos em determinantes e correlatos de atividade física com base no modelo ecológico desenvolvido com crianças e adolescentes em Pelotas.*

118 *continua na próxima página


Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Quadro 2 – Resumo dos estudos em determinantes e correlatos de atividade física com base no modelo ecológico desenvolvido com crianças e adolescentes em Pelotas.*

119 *continua na próxima página


VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

Quadro 2 – Resumo dos estudos em determinantes e correlatos de atividade física com base no modelo ecológico desenvolvido com crianças e adolescentes em Pelotas.*

120
*continua na próxima página
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Quadro 2 – Resumo dos estudos em determinantes e correlatos de atividade física com base no modelo ecológico desenvolvido com crianças e adolescentes em Pelotas.*

*continua na próxima página

121
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

Quadro 2 – Resumo dos estudos em determinantes e correlatos de atividade física com base no modelo ecológico desenvolvido com crianças e adolescentes em Pelotas.

122
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

maior probabilidade do que crianças


Correlatos e determinantes: de oito anos27.
fatores biológicos e demográficos Em relação à cor da pele, os re-
sultados encontrados nos estudos em
O sexo é uma das variáveis mais
Pelotas ainda são inconsistentes. O
investigadas entre os estudos revisa-
primeiro estudo que avaliou a cor da
dos e demonstrou ser um correlato
pele encontrou associação apenas en-
consistente. Diferenças marcantes
tre o sexo feminino, em que meninas
são observadas em todos os 17 estu-
de cor de pele branca apresentaram
dos que propuseram comparações
maior participação em atividade fí-
da atividade física entre os sexos,
sica sistematizadas na adolescência,
independentemente do método de
avaliada de forma retrospectiva15. Já
avaliação da atividade física e faixa
o estudo de Dumith et al.8 encontrou
etária7,9,11–18,24,27–32. Ser do sexo femi-
associação para ambos os sexos, com
nino é indicado como um importan-
maior probabilidade de atividade fí-
te fator para menores níveis de ativi-
sica (lazer e deslocamento) entre os
dade física e maior inatividade, com
adolescentes de cor pele não branca.
meninas apresentando uma proba-
Outro estudo22 verificou uma as-
bilidade até 130% maior de inativi-
sociação entre cor da pele e mudan-
dade física total do que os meninos
ças da atividade física entre os 11 e 15
(crianças de 8 a 12 anos)27.
anos, meninos não brancos demons-
A idade foi avaliada como corre-
traram maior aumento e as meninas
lato por sete estudos. Embora alguns
menor decréscimo da atividade física
estudos não tenham encontrado as-
entre os períodos. Além disso, entre
sociação entre idade e atividade físi-
os meninos, a cor da pele preta foi as-
ca de lazer16,27, os resultados parecem
sociada ao menor risco de permane-
indicar uma associação inversa, com
cer inativo entre os 11 e 15. Gonçalves
maior prevalência de prática entre
et al.30 encontraram diferentes asso-
os mais jovens e redução da prática
ciações de acordo com o sexo. Foi ob-
com o avançar da idade15,17,24,27,28,32.
servada maior prevalência de inativi-
Dois estudos avaliaram a associação
dade total entre os meninos brancos
da idade com deslocamento ativo,
ou indígenas e entre as meninas ne-
sendo demonstrado que adolescentes
gras. Ainda, entre os meninos bran-
de 15 a 19 anos apresentaram menor
cos ou indígenas foi observada maior
probabilidade de deslocamento ativo
prevalência de inatividade física no
do que adolescentes de 10 a 14 anos16
lazer. O único estudo que avaliou a
e crianças de 12 anos apresentaram
associação de cor da pele com ativi-

123
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

dade física medida de forma objetiva, ordem de nascimento/ paridade foi


incluindo todos os domínios, não en- investigada em três estudos e em dois
controu associação9. nenhuma associação foi demonstra-
Um único estudo22 investigou a da13,29. No estudo de Ding et al.12 uma
maturação sexual como correlato as- associação direta entre maior ordem
sociado à mudança da atividade física de nascimento e atividade física to-
entre os 11 e 15 anos. Entre os meni- tal foi observada em crianças e ado-
nos o aumento da atividade física foi lescentes. Entre os adolescentes foi
inversamente associado à maturação também demonstrada uma associa-
e entre as meninas aquelas que tive- ção entre maior ordem de nascimen-
ram menarca mais cedo diminuíram to e maior tempo de atividade física
mais os níveis de atividade física. moderada/vigorosa.
Algumas variáveis referentes ao Entre os fatores demográficos in-
nascimento foram investigadas como vestigados, indicadores econômicos,
possíveis determinantes da atividade como as variáveis referentes à classe
física. O peso ao nascer foi investi- econômica, renda ou índice de bens
gado por três estudos, dos quais dois são amplamente investigados. Seis
não encontraram associação13,29. Já estudos não encontraram associação
o estudo de Ding e colaboradores12 entre essas variáveis e atividade física
demonstrou que crianças e adoles- total ou de lazer14,16,17,20,24,27. O estudo
centes nascidas com peso entre 2500 de Dumith et al.8 encontrou associa-
a 3499 g apresentaram maiores mé- ção entre índice de bens e atividade
dias de atividade física total do que física apenas entre o sexo feminino,
crianças nascidas com ≥3500 g. Essa em que meninas no 2º e 3º quintil
associação também foi demonstrada apresentaram maior atividade física
para atividade física moderada/vigo- total. Já outro estudo encontrou as-
rosa em adolescentes, mas não em sociação apenas entre o sexo mascu-
crianças. Ainda, adolescentes nasci- lino, em que o nível econômico foi
dos com <2500 g apresentaram maior associado inversamente ao aumento
atividade física total e moderada/vi- da atividade física entre os 11 e 15 e
gorosa do que adolescentes nascidos maior nível econômico foi associado
com ≥3500 g. a maior chance dos meninos se torna-
A idade gestacional e o tipo de rem inativos nesse período22.
parto foram investigados por dois Alguns resultados conflitantes
estudos12,13, ambos utilizando me- são observados. Embora alguns es-
didas objetivas de atividade física, e tudos apontem maior inatividade
nenhum encontrou associação. Já a física nas classes econômicas mais

124
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

baixas15,28, um maior número de es- tica de esportes individuais e escolas


tudos tem evidenciado uma relação privadas, entre os meninos.
oposta, com maior risco de inativida- A escolaridade do adolescente
de entre as classes mais altas7,18,30,32. foi investigada por dois estudos e os
Essas dissonâncias podem ser ex- achados foram em direções opos-
plicadas em parte pelos diferentes tas8,28. A divergência entre os resul-
instrumentos utilizados para medir tados pode apresentar a idade como
atividade física e as atividades/ do- um importante confundidor, tendo
mínios abrangidos. Por exemplo, há em vista que um estudo investiga
evidências de maior acesso à prática uma faixa etária mais ampla (15 a
de esportes e atividade física orienta- 18 anos), enquanto o outro estudo é
das entre crianças e adolescentes de realizado na coorte de nascimentos
maior nível econômico18, enquanto de 1993. Com relação à influência da
crianças e adolescentes de classes escolaridade dos pais ou responsá-
mais baixas16 ou menor renda27 pa- veis na prática de atividade física de
recem deslocar-se mais ativamente. crianças e adolescentes, estudos que
Nos estudos que utilizaram métodos investigaram a escolaridade pater-
objetivos para medir atividade física, na17 ou do(a) chefe da família8 não
e que, portanto, mensuram ativida- encontraram associação.
de física global, um consenso entre Entre os estudos que investigaram
os resultados é observado: maiores a escolaridade materna apenas dois
níveis de atividade física total9,11–13 e não encontraram associação17,29. Os
moderada/ vigorosa9–12 entre crian- estudos que avaliaram atividade fí-
ças e adolescentes com menores con- sica por questionário apresentaram
dições socioeconômicas. resultados conflitantes. Um estudo
A variável referente ao adoles- aponta para uma menor probabili-
cente trabalhar fora de casa foi in- dade de inatividade física total entre
vestigada por um único estudo30 crianças cuja mãe apresente escola-
que demonstrou maior prevalência ridade de até quatro anos em com-
de inatividade física total e no lazer paração àquelas com ≥12 anos de
entre adolescentes do sexo masculi- estudo27, enquanto outro indica uma
no que não trabalham. A associação associação entre menor escolaridade
entre tipo de escola e atividade física materna e maior inatividade física
dos adolescentes foi investigada por do adolescente28. Já nos estudos que
quatro estudos. Três deles não encon- avaliaram atividade física por acele-
traram associação7,17,27, enquanto um rometria, foi demonstrado que filhos
estudo20 indicou relação entre a prá- de mães com menor escolaridade

125
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

apresentam maior atividade física to- que aqueles com sobrepeso, obesida-
tal12,13 e moderada/vigorosa12. de e baixo peso.
Dois estudos investigaram variá-
Correlatos e determinantes: veis antropométricas do crescimento
aspectos de saúde em geral na primeira infância como determi-
nantes da atividade física. No estudo
A principal exposição de saúde in- de Hallal et al.29 o ganho de peso no
quirida foi o índice de massa corporal primeiro ano de vida, do primeiro ao
(IMC), investigado em sete estudos. quarto ano e dos quatro aos 11 anos,
Em quatro, os autores não encontra- bem como o sobrepeso do primeiro
ram relação do IMC com atividade fí- ao quarto ano de vida não apresenta-
sica de crianças14,27 e adolescentes7,8. ram relação com a atividade física na
Já Rangel et al.24 observaram que ado- adolescência. Já em outro estudo31, a
lescentes eutróficos e com sobrepeso razão comprimento/altura aos três
apresentaram maior probabilidade meses e aos 12 meses, mas não ao
de serem ativos do que obesos e no um, seis e 48 meses, apresentaram
estudo de Dumith et al.22 a obesidade uma associação linear inversa com
aos 11 anos reduziu a probabilidade atividade física na adolescência. Já o
de os adolescentes permanecerem peso em nenhuma dessas idades es-
inativos entre os 11 e 15 anos. teve associado à atividade física aos
No estudo de Silva et al.11, entre 13 anos.
as crianças, meninos eutróficos apre- A percepção de saúde foi avalia-
sentaram maiores médias de acelera- da em dois estudos e em ambos essa
ção do que aqueles com sobrepeso e variável não se apresentou como um
obesidade e meninas eutróficas dife- correlato da atividade física de ado-
riram apenas daquelas com obesida- lescentes17,24. Ainda, um estudo28
de. Além disso, crianças eutróficas avaliou a relação da ocorrência de
apresentaram maiores médias de ati- transtornos psiquiátricos menores
vidade física moderada/vigorosa do com a inatividade física e não obser-
que aquelas com sobrepeso e obesi- vou associação.
dade. Entre os adolescentes, a asso-
ciação do IMC com a atividade física
total ocorreu apenas entre os meni- Correlatos e determinantes:
nos. Ainda, adolescentes eutróficos fatores comportamentais
apresentaram maiores médias de ati-
Entre os estudos que buscaram
vidade física moderada/vigorosa do
compreender a relação da atividade

126
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

física com outros comportamentos, <1 hora/dia de videogame e >1 hora/


há um predomínio de estudos que dia apresentaram maior prevalência
investigaram o tempo de tela, sendo de prática de esportes coletivos. Já en-
este medido pelo tempo de TV, vide- tre os meninos, <1 hora/dia e >1 hora/
ogame e computador separadamente dia jogando videogame foi associado
em três estudos7,8,20 e um estudo ava- à prática de esportes individuais, e >1
liou o somatório de tempo nesses três hora/dia apresentou relação também
comportamentos22. Nesse estudo, as com a prática de esportes coletivos.
meninas que aumentaram em mais Reichert et al.9 não encontraram
de 2 horas/semana de tempo de tela relação da autopercepção dos ado-
entre os 11 e os 15 anos apresentaram lescentes com atividade física total e
maior probabilidade de se tornarem moderada/vigorosa medidas objetiva-
inativas entre neste período22. mente. Já Dumith et al.21 observaram
Quando considerado apenas o que adolescentes que se percebiam
computador, dois estudos não ob- mais ativos que seus pares apresenta-
servaram associação com a atividade ram aumento nos níveis de atividade
física na adolescência7,20. Já o estudo física de lazer entre os 11 e os 15 anos.
de Dumith et al.8 observou associa- Ainda, os meninos que se percebiam
ção inversa entre atividade física e o menos ativos aos 11 anos apresenta-
primeiro tercil de tempo de compu- ram redução dos níveis de atividade
tador entre as meninas. O tempo de física de lazer ao longo da adolescên-
TV foi associado ao maior risco para cia e as meninas que se considera-
inatividade física em adolescentes7, vam mais ativas apresentaram menor
e Silva et al.20 observaram uma redu- redução da atividade física de lazer.
ção da probabilidade de prática de es- O estudo de Dumith et al.21 inves-
portes individuais entre as meninas tigou ainda se diferentes variáveis de
no segundo tercil de tempo de TV. No atividade física aos 11 anos se apresen-
estudo de Dumith et al.8, o tempo de tavam como correlatos da mudança
TV não apresentou relação com a ati- de atividade física entre os 11 e os 15
vidade física dos adolescentes, mas anos. Um aumento da atividade física
jogar videogame aumentou a proba- de lazer nesse período foi observado
bilidade de prática. entre os adolescentes que relataram
No estudo de Hallal et al.7, adoles- praticar qualquer atividade física, pra-
centes que relataram jogar videoga- ticar atividade física organizada fora
me ≥1 hora por dia apresentaram me- e dentro da escola, praticar esportes
nor risco de inatividade e no estudo em equipe e individuais aos 11 anos.
de Silva et al.20 meninas que jogavam Além disso, se observou uma relação

127
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

direta entre o número de modalida- associação de fatores como brinca-


des praticadas e quartis de tempo de deiras agitadas, maior extroversão e
atividade física de lazer aos 11 anos e brincar com outras crianças, mas ob-
o aumento da atividade física entre os servou que gostar de esportes, falta
11 e os 15 anos. Quando estratificado de interesse por desenhar, pintar ou
por sexo, as meninas que aos 11 anos ver revistas e brincadeiras na rua ou
realizavam atividades individuais e em pátio apresentaram associação posi-
equipe não reduziram sua atividade fí- tiva com atividade física moderada/
sica ao longo da adolescência e as me- vigorosa das crianças33. De modo
ninas que relataram qualquer prática semelhante, Dumith et al.22 observa-
apresentaram menor redução. Além ram que maior exposição ao ar livre
disso, meninas que não relataram a durante o crescimento reduziu o ris-
prática de nenhuma modalidade de co de permanecer inativo entre os 11
atividade física e meninas no primei- e os 15 anos e que adolescentes com
ro quartil de tempo de atividade físi- maior exposição ao ar livre apresenta-
ca de lazer aos 11 anos apresentaram ram aumento da atividade física nes-
maior redução da atividade física no se período.
período investigado. Entre os meninos Dois estudos avaliaram a percep-
foi observada uma relação direta entre ção materna da atividade física da
o número de modalidades praticadas criança. Em um estudo, a mãe perce-
aos 11 anos e o aumento da atividade ber o filho como tão ativo quanto ou-
física no período. tras crianças aos quatro anos esteve
Já o deslocamento ativo não apre- associado a menor probabilidade de
sentou relação com a mudança de inatividade física na adolescência,
atividade física ao longo do início enquanto a percepção materna de de-
da adolescência21. De modo contrá- sempenho esportivo aos quatro anos
rio, no estudo de Reichert et al.9, os não apresentou relação29. No segun-
adolescentes que se deslocam para a do estudo13, a percepção materna so-
escola de forma ativa apresentaram bre a atividade física da criança aos
maiores médias de atividade física quatro anos não apresentou relação
medida objetivamente e maiores pre- com a atividade física medida objeti-
valências de adolescentes que atin- vamente aos seis.
gem ≥60 min/d−1 de atividade física Alguns comportamentos foram
moderada/vigorosa. avaliados por um único estudo. Gon-
Um estudo avaliou comportamen- çalves et al.30 encontraram maior
tos favoráveis à prática de atividade prevalência de inatividade física total
física em crianças e não encontrou e no lazer entre jovens que não rea-

128
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

lizavam tarefas domésticas. Bastos et influenciados por crenças e compor-


al.17 concluíram que as reprovações tamentos dos membros da família,
escolares não se apresentavam como tendo em vista que compartilham
um correlato de atividade física e o aspectos ambientais, geográficos, fi-
estudo de Oehlschlaeger et al.28 veri- nanceiros, sociais, além da rotina,
ficou que adolescentes sexualmente hábitos e normas familiares34. Nesse
ativos apresentaram menor risco de sentido, estudos têm buscado com-
inatividade física. preender a relação da atividade física
infanto-juvenil com comportamen-
tos, estilo de vida e aspectos de saúde
Correlatos e determinantes:
dos pais, além do contexto de criação
motivação e barreiras
dos jovens.
Nenhum estudo realizado em O correlato familiar mais inves-
Pelotas investigou as motivações tigado foi a atividade física dos pais.
para prática de atividade física entre Cinco estudos investigaram a ativi-
crianças e adolescentes. Um estudo dade física da mãe7,13,20,22,32, um a
transversal de base populacional19 atividade física materna e paterna
investigou as barreiras para a práti- separadamente17 e dois de ambos os
ca entre adolescentes e não obser- pais8,18. A atividade física materna
vou relação da presença de lesões/ foi associada com algum indicador
doenças, falta de companhia, medo de atividade física dos filhos em três
de se machucar, falta de dinheiro e dos seis estudos em que foi avaliada.
falta de local adequado com a ati- Em dois estudos essa associação foi
vidade física dos 10 aos 19 anos. No observada apenas entre adolescen-
entanto, dias de chuva aumentaram tes do sexo masculino. No primeiro
a probabilidade de inatividade física 17, meninos filhos de mães com alta
e adolescentes que relataram falta atividade física apresentaram menor
de tempo ou ter preguiça/ cansaço probabilidade de níveis insuficientes
apresentaram maior prevalência de de atividade física; e o segundo es-
inatividade física. tudo20 observou que mães ativas au-
mentaram a probabilidade dos meni-
nos praticarem esportes individuais.
Correlatos e determinantes:
Já em outro estudo22 o aumento da
fatores familiares
atividade física de lazer materna en-
Os comportamentos de crianças tre os 11 e 15 anos dos adolescentes
e adolescentes podem ser fortemente se apresentou como um fator de pro-

129
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

teção para os filhos permanecerem atividade física insuficiente entre os


inativos nesse período. meninos cuja mãe era ex-fumante,
Já Hallal et al.7 não observaram enquanto o tabagismo paterno não
associação entre a atividade física foi associado. Outras variáveis ma-
materna e dos adolescentes medi- ternas investigadas foram a idade e
da por questionário e Bielemann et o trabalho da mãe. Gonçalves et al.30
al.32 também não observaram rela- encontraram maior prevalência de
ção com a atividade física medida de inatividade física total e no lazer en-
forma objetiva entre crianças. Knuth tre adolescentes do sexo masculino
et al.13 investigaram a associação da cuja mãe trabalha fora, e de ativida-
atividade física infantil aos seis anos, de física total entre meninos filhos
mensurada de forma objetiva com a de mães mais velhas. Já Bielemann et
atividade física materna em diferen- al.32 não observaram relação dessas
tes períodos (antes da gestação, ges- variáveis com a atividade física medi-
tação e aos quatro anos da criança) e da por acelerometria em crianças.
não observaram nenhuma relação.A Alguns estudos buscaram testar
atividade física paterna foi investiga- a associação de indicadores antropo-
da apenas por Bastos et al.17, em que métricos dos pais com a atividade fí-
a associação com a atividade física sica dos filhos. Hallal et al.7 e Bastos
dos adolescentes ocorreu apenas en- et al.17 não encontraram associação
tre as meninas, cujos pais com alta do IMC materno com a atividade fí-
atividade física aumentaram a proba- sica de adolescentes e Bastos et al.17
bilidade das jovens serem insuficien- também não observaram essa relação
temente ativas. Os dois estudos que com o IMC paterno. Já Hallal et al.29
investigaram a relação da atividade observaram que o IMC materno pré-
física dos filhos com a atividade física -gestacional não se apresentou como
agrupada de ambos os pais apresen- um correlato da atividade física dos
taram resultados contraditórios. Silva adolescentes e, de modo semelhan-
et al.18 não encontraram associação, te, Ding et al.12 não observaram essa
enquanto Dumith et al.8 observaram relação em crianças que tiveram a
que, entre as meninas com pais ati- atividade física total e moderada/vi-
vos, aumentaram a probabilidade de gorosa mensurada de forma objetiva,
prática das adolescentes. bem como com a atividade física total
Outro comportamento de saúde de adolescentes. No entanto, os ado-
dos pais avaliado nos estudos foi o lescentes cuja mãe apresentava IMC
tabagismo. Bastos et al.17 encontra- pré-gestacional <18,5 kg/m2 apresen-
ram menor prevalência de níveis de taram maior tempo em atividade físi-

130
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ca moderada/vigorosa do que filhos em ambos os sexos, com exceção do


de mães eutróficas na pré-gestação. transportar que não apresentou asso-
Outros aspectos familiares inves- ciação com a atividade física de lazer
tigados foram o tipo de criação30 e a das meninas.
presença de outras crianças na resi-
dência32. Gonçalves et al.30 observa- Correlatos e determinantes:
ram maior prevalência de inatividade fatores sociais
total e no lazer entre os adolescen-
tes do sexo masculino criados muito No contexto da influência social
“presos” pela mãe, enquanto Biele- sobre a atividade física de crianças e
mann et al.32 não observaram relação adolescentes, o estudo de Gonçalves
entre a presença de outras crianças et al.30 demonstrou que adolescentes
na mesma faixa etária com a ativida- que nunca tiveram más companhias,
de física em crianças. segundo relato materno, apresenta-
Por fim, dois estudos investiga- vam maior inatividade física total, e
ram o apoio familiar para a prática jovens que não encontravam os ami-
de atividade física23,26. No estudo gos com frequência eram mais inati-
de Peixoto et al.26, adolescentes no vos no lazer e na atividade física total.
maior tercil de apoio familiar para Um estudo25 demonstrou que adoles-
caminhada no lazer e no maior ter- centes que descreveram os amigos
cil de apoio familiar para demais como fonte de informação sobre a
atividade física no lazer foram mais importância da atividade física apre-
ativos do que adolescentes no menor sentaram maior probabilidade de se-
tercil - semelhante ao observado no rem ativos no lazer, enquanto outras
estudo de Ricardo et al.23, em que fontes de informação não apresenta-
adolescentes no maior tercil de apoio ram associação.
familiar apresentaram maior proba- Além disso, o apoio social para a
bilidade de serem ativos no lazer do prática de atividade física recebido
que aqueles no menor tercil. Entre as através dos amigos foi associado à
meninas, as adolescentes no segundo atividade física dos adolescentes nos
tercil também apresentaram maior dois estudos em que esse correlato foi
prevalência de indivíduos ativos no investigado. No estudo de Peixoto et
lazer. Ao investigar os tipos de apoio al.26, adolescentes com maior apoio
da família que apresentavam asso- social de amigos para caminhada no
ciação com a prática, quase todos os lazer e maior apoio social de amigos
aspectos (estimular, praticar junto, para as demais atividades físicas no
assistir e comentar) foram associados lazer foram mais ativos. De modo

131
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

semelhante, no estudo de Ricardo et entre os meninos essa associação não


al.23, adolescentes com maior apoio foi observada. Já no estudo de Dumith
social de amigos apresentaram maior et al.22, o medo permanente de morar
probabilidade de serem ativos no la- na vizinhança foi associado à inativi-
zer e todos os tipos de apoio apresen- dade física apenas entre os meninos.
tavam associação com a prática (es- Um estudo transversal10 investi-
timular, praticar junto, transportar, gou os aspectos ambientais de forma
assistir e comentar). mais abrangente entre adolescentes.
A proporção de iluminação pública
apresentou uma associação positi-
Correlatos e determinantes:
va com a atividade física moderada/
fatores ambientais
vigorosa total e a presença de praia
A investigação de fatores ambien- próxima à residência apresentou uma
tais que interfiram na prática de ativi- associação positiva com a atividade
dade física de crianças e adolescentes física moderada/vigorosa no lazer.
pode englobar diferentes contextos, Em uma análise estratificada por ní-
como moradia, o ambiente do bairro vel econômico, entre adolescentes no
e da escola e abranger tanto a estrutu- segundo tercil de status econômico, a
ra física desses espaços quanto aspec- proporção de iluminação pública e a
tos menos tangíveis, como a seguran- existência de ciclovias aumentaram a
ça35. Entre os estudos que abordaram probabilidade de deslocamento ativo.
esses correlatos, quatro investigaram Já, entre os adolescentes no terceiro
o ambiente domiciliar e não observa- tercil (mais ricos), a presença de pis-
ram relação entre o tipo de moradia tas de caminhada e ciclovias redu-
(casa/ apartamento) com atividade ziram a probabilidade de prática de
física de adolescentes avaliada por deslocamento ativo.
questionário7,17,20 ou de crianças me- Outros fatores, como a densidade
didas objetivamente32. demográfica, densidade populacional
Três estudos investigaram aspec- entre 16 e 20 anos, conectividade en-
tos ambientais do bairro/ vizinhan- tre quatro ou mais ruas, proporção de
ça10,22,30. Gonçalves et al.30 observa- calçadas, de existência de árvores, de
ram que, entre adolescentes, meninas esgoto a céu aberto, de espalhamento
que descreveram ter medo de morar de lixo, espaços públicos abertos, es-
na vizinhança que residiam apresen- paços públicos abertos com atributo
taram maior prevalência de inativi- de atividade física, espaços públicos
dade física total e no lazer, enquanto abertos com atributo de qualidade re-
gular, espaços públicos abertos com

132
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

pelo menos um bom atributo de ati- Discussão e contextualização


vidade física, campos de futebol, gi- com outras evidências
násio, atributos totais à prática de ati-
vidade física e menor distância para As pesquisas desenvolvidas na
qualquer atributo, não apresentaram área de atividade física em Pelotas
associação com nenhum indicador ao longo das duas últimas décadas
de atividade física10. têm contribuído com o cenário na-
Um estudo investigou a relação cional e internacional de estudos na
do ambiente escolar com a ativida- área. Os estudos em Pelotas ganham
de física27 e não encontrou associa- especial destaque por relatarem da-
ção entre aspectos como estrutura dos do extremo sul brasileiro, frente
física da escola para educação física, ao fato do Brasil ser um país extenso
álcool, drogas e tabaco no ambiente e demarcado por muitas desigualda-
escolar e a violência na escola e no des. Além disso, a importância das
entorno com a inatividade física to- pesquisas aqui desenvolvidas é for-
tal e no lazer. talecida por fornecer dados oriun-
dos de um país em desenvolvimento,
Correlatos e determinantes: em que o número de evidências na
fatores políticos área ainda é baixo, quando compara-
do aos países desenvolvidos3.
Estudos que investigam correla- Um ponto forte a ser destacado é
tos políticos da atividade física ain- que embora haja um predomínio de
da são escassos quando comparados estudos transversais, como também é
aos demais níveis. Entre os estudos observado a nível global3, há um gran-
revisados, apenas um fator foi inves- de número de estudos desenvolvidos
tigado, relacionado à política de en- nas Coorte de Nascimentos, acom-
sino escolar. Correa et al.27 observa- panhando o aumento substancial na
ram que crianças que estudavam em proporção de estudos longitudinais
escolas com maior proporção entre em todo o mundo36. Estudos observa-
professor/ alunos de educação física cionais longitudinais permitem esta-
apresentaram menor probabilidade belecer melhor a temporalidade das
de inatividade física total e no lazer. relações estudadas e avançar em re-
lação ao potencial causal das associa-
ções, passando a tratar tais aspectos
como determinantes5.
Entre a faixa etária contempla-
da neste capítulo, observa-se que os

133
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

estudos têm se concentrado em in- a heterogeneidade dos estudos e in-


vestigar a população adolescente, consistência nas evidências6. Medi-
com menor foco na infância. Esse é das objetivas permitem avaliar a in-
um fator que pode interferir nas re- tensidade das atividades realizadas e
lações estudadas, tendo em vista que podem reduzir o viés de informação
em crianças a atividade física tende e diminuir erros de classificação, mas
a apresentar características mais in- essas apresentam limitações quanto
formais, enquanto na adolescência as à heterogeneidade no processamento
práticas passam a um caráter mais or- dos dados. Já os questionários permi-
ganizado6, podendo diferir a maneira tem que diferentes domínios e con-
como os fatores e níveis do modelo textos sejam medidos e avaliados e
ecológico se relacionam com a ativi- podem ser importantes para comple-
dade física. mentar as informações adquiridas de
Com relação ao método adotado medidas objetivas38,39.
para investigar a atividade física, Deste modo, a padronização dos
assim como observado na literatura métodos de avaliação permitiria uma
global6,37,38, se observa uma ampla va- maior comparabilidade entre os estu-
riedade de estratégias, com estudos dos, auxiliando na melhor compreen-
utilizando questionários direciona- são dos determinantes. Há a necessi-
dos aos pais/ crianças/ adolescentes, dade de um maior número de estudos
e outras medidas de acelerometria. que utilizem métodos objetivos, bem
Cabe destacar também que como a como de estudos que combinem me-
faixa etária em questão refere-se a didas de autorrelato e acelerometria,
um período de modificações de hábi- buscando sanar as limitações iminen-
tos que acompanham o crescimento, tes a cada um desses métodos.
a adequação dos questionários para De modo semelhante, a padroni-
a idade da população é inerente aos zação dos métodos de avaliação dos
comportamentos e nível de entendi- determinantes precisa de atenção
mento em cada período, não sendo especial, pois mesmo exposições
possível a padronização de um ins- amplamente investigadas, como as
trumento único para atender às ne- socioeconômicas, são medidas e
cessidades de investigação na infân- classificadas de diversificadas for-
cia e adolescência. mas, o que dificulta a comparação
Se por um lado o uso de diferen- entre os estudos38. Nesse sentido,
tes métodos de medida fornece uma os estudos realizados nas Coortes de
descrição mais completa desse com- Nascimento são um ponto forte a ser
portamento, esse fator contribui para destacado e um promissor campo a

134
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ser explorado, pois buscam manter para a maioria dos correlatos e deter-
a padronização em relação à medida minantes, as evidências ainda são li-
e operacionalização das variáveis ao mitadas e não há um consenso entre
longo do tempo e a comparabilidade os resultados, restringindo conclu-
entre as Coortes. sões definitivas sobre sua associação
O cenário encontrado em relação com a atividade física. Mesmo en-
aos estudos de correlatos e determi- tre os níveis mais proximais, alguns
nantes na população infanto-juvenil correlatos/determinantes receberam
de Pelotas vai ao encontro do cená- pouca atenção até o momento e al-
rio global, em que os estudos se con- guns potenciais determinantes ainda
centram principalmente nos fatores precisam ser considerados. Diversas
proximais, como os níveis individual exposições citadas ao longo do capí-
e interpessoal3,6,37,38, enquanto pou- tulo foram abordadas em um único
cas pesquisas devotaram atenção aos estudo e alguns fatores, como os psi-
níveis ambiental e político. A com- cossociais, motivação, alguns com-
preensão desses fatores é uma im- portamentos e políticas, ainda não
portante lacuna a ser explorada por foram considerados.
estudos futuros, visando a identificar Além disso, mesmo exposições
estratégias com potencial de impacto investigadas de forma mais ampla
populacional, que possam ser com- permanecem inconclusivas. A cor
plementares aos esforços individuais, da pele, por exemplo, embora inves-
e oferecer oportunidades de ativida- tigada por diversos estudos, apre-
de física de forma equitativa40, espe- senta inconsistências nos resulta-
cialmente em crianças e jovens que dos. Essa inconsistência pode ser
apresentam menor autonomia para em parte explicada pelas diferenças
escolha de seus comportamentos, nos grupos investigados (faixas etá-
estando mais sujeitos às influências rias, gerações de cada coorte) e pelo
políticas em diferentes níveis, espe- fato de muitos estudos compararem
cialmente de nível escolar. a população geral com minorias ét-
Os estudos revisados neste capí- nicas, gerando a possibilidade de
tulo têm contribuído para confirmar um viés socioeconômico41, além
alguns achados consistentes na lite- das diferentes operacionalizações
ratura mundial, como os resultados aplicadas ao desfecho relacionado
referentes ao sexo e idade3,6,41. Além aos domínios da atividade física.
disso, os estudos de Pelotas têm auxi- De modo semelhante, assim
liado a elucidar diversas lacunas ain- como demonstrado entre os estudos
da existentes na literatura. No geral, em Pelotas, revisão guarda-chuva41

135
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

indicou que os resultados da asso- o tempo em comportamentos de tela


ciação entre atividade física e status também são limitadas e inconclusi-
econômico são inconclusivos e isso vas6,42; e a atividade física anterior,
se deve ao menor número de evi- especialmente nos primeiros anos de
dências disponíveis para população vida, tem se apresentado como um
jovem, aos desenhos de pesquisa fra- dos principais determinantes estuda-
cos e ausência de precisão nos mé- dos3,42. Como demonstrado, a ativida-
todos de avaliação tanto da atividade de física tende a diminuir linearmen-
física como das variáveis econômi- te com o avançar da adolescência, e
cas. Evidências mais consistentes isso pode ser atribuído ao fato de ser
foram encontradas para relação da um período demarcado por inúmeras
escolaridade e ocupação dos pais e a mudanças psicológicas, biológicas e
atividade física dos filhos41. comportamentais36. Nesse contexto,
As variáveis relacionadas ao nas- estudos com dados das coortes de
cimento ainda são pouco exploradas nascimento podem auxiliar em uma
nos estudos, de modo que sua influên- melhor compreensão da influência
cia na atividade física infanto-juvenil da atividade física prévia na atualida-
permanece inconclusiva. Uma revi- de e a entender porque alguns jovens
são apontou evidências inconsisten- tornam-se inativos.
tes e com força de evidência limitada Os resultados encontrados por
para associação do peso ao nascer e estudos de revisão em relação à in-
atividade física41. Revisões sistemáti- fluência familiar na atividade física
cas também têm encontrado resulta- de crianças e adolescentes têm in-
dos imprecisos na relação do IMC e dicado que atividade física parental
outras variáveis antropométricas com pode contribuir para a atividade físi-
atividade física em crianças e adoles- ca da prole e o apoio familiar tem sido
centes. Os resultados divulgados têm identificado como um correlato con-
sido ambivalentes, dificultando con- sistente de atividade física em crian-
clusões3,6,41, e podem estar relaciona- ças e adolescentes3,6. Os achados dos
dos a associações bidirecionais entre estudos de Pelotas também se apro-
o peso/IMC e a atividade física, e um ximam das evidências encontradas
provável viés de causalidade reversa. na literatura, que indicam que entre
Com relação às variáveis de com- crianças e adolescentes o incentivo
portamento, corroborando os acha- de pessoas importantes e ter compa-
dos apresentados, estudos de revisão nhia para prática foram positivamen-
têm apontado que as evidências so- te associados à atividade física43. De
bre a relação da atividade física com fato, durante a fase escolar os amigos

136
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

podem apresentar uma influência consistente com atividade física de


mais forte sobre os comportamentos crianças e adolescentes35.
do indivíduo do que em outras fases Os achados referentes ao único
do ciclo vital44. fator político investigado vêm ao en-
Algumas variáveis pouco explora- contro de uma revisão guarda-chuva
das pelos estudos de Pelotas também sobre tais determinantes. Nessa revi-
encontram uma base de evidência são foi observado que políticas esco-
limitada na literatura global. Os es- lares relacionadas à atividade física
tudos que envolvem motivação e bar- apresentaram um nível provável de
reiras para a prática ainda são pouco evidência de associação com a ati-
explorados na população infanto-ju- vidade física de crianças. O estudo
venil e os resultados ainda inconsis- também destaca a ausência de traba-
tentes, mas as evidências disponíveis lhos que investiguem exclusivamente
têm apontado para uma associação determinantes políticos, tendo em
negativa entre barreiras percebidas e vista que a maioria dos estudos tem
atividade física nessa população6. analisado fatores políticos como uma
Embora um importante avanço categoria dos determinantes ambien-
dos estudos de Pelotas em termos de tais, e a grande heterogeneidade dos
abordagem sobre correlatos e deter- estudos limita as conclusões40.
minantes da atividade física esteja
relacionado aos estudos que envol- Considerações finais
vem os efeitos do ambiente, mais
evidências ainda são necessárias. A A avaliação dos correlatos e de-
heterogeneidade das exposições in- terminantes da prática de atividade
vestigadas e o desenho transversal física na infância e adolescência a
dos estudos realizados até o momen- partir das evidências oriundas das
to dificultam que conclusões consis- pesquisas realizadas em Pelotas tor-
tentes sejam alcançadas. Algumas na notória a contribuição para a li-
revisões apontaram que fatores como teratura nacional e internacional,
a proximidade de parques e acesso a bem como identifica oportunidades
instalações e programas desportivos/ de avanços na produção do conheci-
recreativos3,6, disponibilidade de pro- mento sobre a temática. As lacunas
gramas e equipamentos de atividade apontadas podem nortear os pesqui-
física dentro das escolas e a estrutura sadores a considerar novas e inova-
de segurança de pedestres e ciclis- doras abordagens para investigar
tas apresentam uma relação positiva os fatores que influenciam os com-

137
VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

portamentos de atividade física em with 1·6 million participants. Lancet


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VIII. Determinantes da atividade física na infância e adolescência

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142
IX
DETERMINANTES DA ATIVIDADE FÍSICA
EM ADULTOS E IDOSOS

Giovani Firpo Del Duca; Tales Emilio Costa Amorim

A
s evidências acumuladas so- manos dos Estados Unidos5 e a Orga-
bre a importância da prática nização Mundial da Saúde6, o cenário
regular de atividade física atual aponta para um declínio da prá-
para a saúde têm se mostrado incon- tica de atividade física total da popu-
testáveis. Particularmente para as po- lação com idade igual ou superior a
pulações adulta e idosa, a atividade 20 anos. Mais de um quarto da po-
física tem se mostrado um importan- pulação mundial é insuficientemen-
te fator de proteção para a doenças te ativa e, em determinadas regiões,
crônicas não transmissíveis1 e mor- como a América Latina, esses valores
talidade por todas as causas2, contri- têm aumentado consideravelmente7.
buindo para a saúde, a qualidade de Tal fato consolida a existência de um
vida3 e a redução das incapacidades4. quarto modelo em epidemiologia que
No entanto, mesmo diante desse cor- se soma às transições epidemiológi-
po de informações respaldadas por ca, demográfica e nutricional: a tran-
entidades internacionais, como o De- sição da atividade física8.
partamento de Saúde e Serviços Hu-

143
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

Muito embora a atividade física nante, dependerá do julgamento de


total ainda seja o principal indica- critérios9 que permitem concluir que
dor para o estabelecimento das reco- um evento, condição ou característi-
mendações voltadas à saúde pública, ca, desempenha função essencial na
outras perspectivas de análise desse ocorrência do desfecho. Isto porque
comportamento vêm ganhando es- dois eventos podem estar associa-
paço, particularmente na população dos, sem que, necessariamente, um
adulta e idosa. Destaca-se aqui o es- seja a causa do outro. E apesar de os
tudo da prática de atividade física nos estudos experimentais serem os úni-
seus diferentes domínios – domicílio, cos que possibilitam definitivamente
deslocamento, lazer e trabalho – e, estabelecer causalidade, até mesmo
mais recentemente, do comporta- em delineamentos transversais, onde
mento sedentário, representado por teoricamente não é possível a distin-
um conjunto de atividades que envol- ção de causa e efeito, a análise sobre
vem baixo gasto energético, estando o a perspectiva da causalidade social10
sujeito na posição sentada ou reclina- aponta para a influência dos aspectos
da, exemplificado em ações como as- sociodemográficos sobre a presença
sistir televisão e usar o computador. O de doenças e adoção de comporta-
principal argumento para a investiga- mentos de risco, dentre eles, a inati-
ção dessas novas possibilidades está vidade física.
centrado no melhor entendimento do O elegante estudo conduzido por
continuum do movimento humano e Bauman e colaboradores11 propôs um
nos seus diferentes impactos e conse- modelo ecológico de determinantes
quências à saúde da população. da atividade física. Nele, é possível
Importantes determinantes acar- reconhecer que um estilo de vida fi-
retam discrepâncias nas prevalên- sicamente ativo não depende exclusi-
cias de inatividade física de adultos e vamente das características e motiva-
idosos. Entende-se por determinante ções individuais, mas de sua relação
um fator que influencia, afeta e/ou combinada com variáveis contextu-
determina um dado comportamen- ais. A Figura 1 apresenta uma síntese
to na população. É conveniente des- dos principais determinantes da ativi-
tacar que uma associação causal e, dade física de adultos e idosos que se-
portanto, a definição de um determi- rão abordados no presente capítulo.

144
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Figura 1 – Modelo ecológico dos determinantes da atividade física.

Variáveis biológicas Aspectos psicossociais


Variáveis demográficas Aspectos culturais
Variáveis comportamentais

Individual Interpessoal

Ambiental Político
Políticas de educação
Ambiente natural Políticas de saúde
Ambiente construído Políticas de planejamento
Ambiente percebido urbano

Fonte: adaptado pelos autores de Bauman et al. (2012). Readaptado por Fernanda F. Alves (2023)

O reconhecimento dos determi- visando uma maior aderência à ativi-


nantes da atividade física permite dade física pela população.
fornecer evidências para a criação e Há exatas duas décadas, o grupo
atualização de estratégias em saúde de pesquisadores em epidemiologia
pública em diferentes níveis, consi- da atividade física de Pelotas, Rio
derando não apenas o sujeito, mas Grande do Sul, constituído por docen-
também suas inter-relações com o tes, discentes e ex-discentes vincula-
ambiente sociopolítico em que está dos aos Programas de Pós-Graduação
inserido. Na perspectiva de mudan- em Epidemiologia (PPGE) e Educação
ça do panorama atual e alarmante Física (PPGEF) da Universidade Fede-
da inatividade física global, a identi- ral de Pelotas (UFPel), tem apresenta-
ficação de características e cenários do importantes contribuições nesse
desfavoráveis poderá ser potencial- cenário. Criado em 2005, o Geeaf –
mente alterada por meio de ações ba- Grupo de Pesquisa em Epidemiologia
seadas em evidências, possibilitando da Atividade Física – foi o marco para
intervenções mais específicas, com a propulsão de importantes projetos
foco nas reais demandas sociais. Isto de pesquisa, consolidando-se hoje
porque a base do sucesso de toda e como uma referência entre os grupos
qualquer intervenção deve ser pau- investigativos em nível internacional.
tada pelo conhecimento acadêmico Particularmente, estudos sobre os de-
das necessidades e das preferências, terminantes individuais e contextu-

145
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

ais da atividade física em populações bora tenha-se o intuito de sintetizar


adultas e idosas foram os primeiros cada variável associada de forma cau-
conduzidos por pesquisadores desse sal e individual com a atividade físi-
grupo e sempre protagonizaram im- ca, sabe-se que, em um cenário real,
portantes espaços no cenário acadê- essas características se inter-relacio-
mico nacional e internacional. nam e é plausível que, quando enca-
O presente capítulo de livro busca, rados em uma ótica de interação, al-
então, sintetizar os determinantes da guns resultados sejam razoavelmente
atividade física em adultos e idosos, diferentes do esperado.
a partir das evidências científicas e, Uma importante constatação ini-
especificamente, da contribuição das cial é a discrepância de quantidade
pesquisas conduzidas pelos docentes, e qualidade de evidências quando
discentes e ex-discentes da Universi- se comparam as populações adulta
dade Federal de Pelotas. e idosa. Há um número insuficien-
te de evidências com alta qualidade
Determinantes individuais e metodológica que dificultam o esta-
contextuais da atividade física belecimento dos determinantes de
em adultos e idosos atividade física na população idosa
com uma certa precisão13. Em con-
O reconhecimento dos diversos trapartida, para a população adulta, é
determinantes da atividade física possível se perceber um maior núme-
nas populações adulta e idosa, apre- ro de evidências, muito embora os es-
sentado a seguir, está embasado em tudos produzidos tenham uma imen-
um sistema de classificação tradi- sa heterogeneidade metodológica. A
cionalmente empregado em estudos seguir, será explorada cada uma das
de revisão sistemática11, 12. Esse sis- categorias dos determinantes indivi-
tema segue a abordagem ecológica, duais e contextuais da atividade física
a qual considera que fatores indivi- nessas populações.
duais e contextuais são capazes de
influenciar um dado comportamen-
Variáveis demográficas
to em saúde.
Por questões didáticas e pela dis- Sexo e idade têm sido os dois
ponibilidade das evidências, neste ca- fatores mais consistentemente as-
pítulo, os determinantes serão agru- sociados quando o foco é o alcance
pados em cinco classes de variáveis: das recomendações de atividade fí-
demográfica, biológica, psicossocial, sica por adultos e idosos. Quanto ao
ambiental e sociopolítica. Muito em- sexo, importantes estudos de revisão

146
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

com a abordagem dos determinan- ativas e esportivas quando compara-


tes da atividade física em adultos das aos homens. Vale destacar que,
apontaram repetidamente, nos anos por se tratar de um comportamento,
de 200214, 201211, e 201712, que os ho- a atividade física de homens e mulhe-
mens são mais ativos. Mais recen- res é influenciada, em sua essência,
temente, outro importante estudo7 por um contexto sociocultural. No-
destacou que, além de as mulheres vas e importantes modificações na
serem mais inativas, esta diferença sociedade, nas últimas décadas, têm
entre os sexos aumentou considera- trazido à tona novos papéis sociais,
velmente em um período de 15 anos, arranjos familiares e perspectivas la-
chegando a uma diferença média de borais, que reiteram a construção so-
mais de oito pontos percentuais em cial de um sujeito, que lida com todas
2016 (39,0% versus 30,7%, respecti- as formas de comportamento dentro
vamente). Os achados referentes à de uma coletividade, incluindo esti-
população idosa caminham na mes- los de vida, crenças e valores sobre
ma direção, apontando as mulheres saúde, educação e sexualidade.
como mais inativas13, 15, 16. O aumento da idade também tem
Quando o foco passa a ser a ativi- sido associado com menores volumes
dade física em seus diferentes domí- totais de atividade física, tanto em
nios, embora inconclusivas, as evi- adultos11, 12 quanto em idosos13, 16. Na
dências apontam certa tendência de idade adulta, com o passar do tem-
que os homens sejam mais ativos nos po, novas responsabilidades e com-
domínios do lazer e do trabalho7, 17, promissos profissionais e familiares
ao passo que as mulheres sejam mais são os motivadores por uma impor-
ativas no domínio do domicílio18, tante redução do tempo livre. Desse
como nas tarefas domésticas de lim- modo, a prática de atividades físicas
peza e organização do lar. Em contra- pode ser comprometida, ficando em
partida, no ambiente ocupacional, os segundo plano, sendo priorizadas as
homens hegemonicamente ocupam responsabilidades do trabalho, da fa-
funções com maior gasto energéti- mília e do lar. Essa hipótese tem res-
co19, como é o caso dos profissionais paldo em evidências de que adultos
da área de segurança e de prestação mais velhos apresentam menores ní-
de serviços, no geral. Já no tempo li- veis de atividade física, em especial,
vre, as mulheres, em função de aspec- no domínio do lazer18. Já no caso dos
tos como a dupla jornada de trabalho, idosos, os mais longevos tendem a ter
acabam se envolvendo em menor fre- menor nível de atividade física, mas
quência com atividades físicas recre- curiosamente não há uma associação

147
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

entre idade e a prática de exercícios No caso da renda, os dados13, 15


físicos sistematizados nessa popula- para a população idosa são inconsis-
ção15. Uma possível explicação é o au- tentes e, para os adultos, há indício
mento da incapacidade advindo com de uma relação direta com a prática
a idade20, o que pode impedir uma total de atividade física em popula-
prática com características de volume ções residentes em países de renda
e intensidade mais altos nessa parce- média e baixa, mas não em países de
la da população. renda alta11. Em países de renda bai-
Por sua vez, a escolaridade tem se xa e média, os recursos financeiros
mostrado uma importante variável ainda exercem impacto direto sobre
de exposição em estudos epidemio- a adoção de um comportamento fi-
lógicos, uma vez que é relativamen- sicamente ativo, pois, em função da
te simples de ser coletada, além de falta de espaços públicos para a prá-
guardar importante relação com as tica de atividade física, muitas pes-
condições de vida21. As evidências soas acabam recorrendo à prática de
apontam para uma associação direta esportes, lutas e outras atividades
entre escolaridade e prática de ati- físicas em espaços privados, como
vidade física, tanto em adultos11, 14 clubes e academias.
quanto em idosos13. O conhecimento Ainda no que diz respeito aos
e os valores adquiridos com a trajetó- determinantes demográficos, em
ria educacional são muito importan- países de renda média, maiores pre-
tes para o entendimento e adoção de valências de inatividade física têm
diversos comportamentos relaciona- sido encontradas em zonas urbanas,
dos à saúde, dentre eles, uma vida fi- quando comparadas às áreas rurais22.
sicamente ativa. Assim, hipotetiza-se Considerável parcela das evidências
que um maior nível de escolaridade científicas sobre os níveis de ativida-
pode aumentar a consciência do indi- de física e seus fatores associados em
víduo sobre os benefícios da prática adultos e idosos considera exclusiva-
de atividade física para a sua saúde. mente populações de áreas urbanas e
E, ainda, que indivíduos mais esco- negligencia a população rural e, por-
larizados estejam mais susceptíveis tanto, a zona de moradia é uma vari-
a ter maiores rendimentos e a viver ável que ainda precisa ser mais bem
em áreas com condições ambientais esclarecida pela literatura7, 22. Toda-
mais propícias ao comportamento fi- via, alguns aspectos, como o rápido e,
sicamente ativo, particularmente no por muitas vezes, desorganizado pro-
lazer e no deslocamento. cesso de urbanização, assim como as
próprias diferenças econômicas, am-

148
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

bientais, comportamentais e laborais cidade funcional, vale destacar que,


entre áreas urbanas e rurais, podem em muitos casos, ocorre uma impor-
auxiliar o entendimento dessa com- tante perda de independência para as
plexa comparação. atividades diárias. Assim, os elevados
custos com tratamentos de saúde,
Variáveis biológicas bem como a necessidade de um su-
porte adicional e de cuidados profis-
O estado nutricional tem sido in- sionais, podem dificultar ainda mais
versamente associado com atividade o engajamento destas em uma rotina
física total, independentemente de de atividades físicas. Como essa tam-
aspectos demográficos. As evidên- bém é uma relação bidirecional, é
cias para populações adultas11, 14 e sempre importante um olhar preven-
idosas15 apontam que o sobrepeso e, tivo sobre o status de saúde, e, nesse
principalmente, a obesidade são ca- sentido, ao longo do ciclo vital, torna-
tegorias de risco para a inatividade -se indiscutível que um estilo de vida
física. Esta, todavia, tem sido uma fisicamente ativo seja uma forma in-
associação bidirecional, pois a obe- dependente para reduzir e/ou preve-
sidade contribui para baixos níveis nir declínios funcionais associados
de atividade física, ao mesmo tem- ao envelhecimento.
po em que a inatividade física pode
acarretar na obesidade. No entanto, Variáveis psicossociais
pesquisas recentes mostram que ca-
racterísticas genéticas associadas à Variáveis psicossociais, caracteri-
obesidade podem sim aumentar a zadas pela abordagem das distintas
propensão de que o sujeito seja ina- motivações que levam um sujeito a
tivo, o que, portanto, não descarta adotar um comportamento fisica-
a possibilidade de que a obesidade mente ativo, têm sido muito estuda-
também possa ser um determinante das12. Essa dinâmica, mesmo pare-
da inatividade física11. cendo ser simples de compreender,
Variáveis relacionadas ao estado tem-se mostrado complexa e até intri-
de saúde e aptidão física também gante, pois os resultados práticos de
têm sido apontadas como determi- ações que visam a tornar as pessoas
nantes do nível de atividade física mais ativas, mesmo com tantos estu-
de adultos11, 12 e idosos15, especifica- dos existentes, estão muito distantes
mente por meio de indicadores de do desejado, especialmente em paí-
função física e capacidade funcional. ses de média e baixa renda22. Dentre
No caso de sujeitos com baixa capa- tantas categorias de estudo que reú-

149
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

nem diferentes variáveis nas quais se ças positivas quanto aos estágios de
busca o entendimento de suas rela- mudança desse comportamento.
ções com a atividade física, pode-se Percebe-se uma interessante simi-
citar as intrapessoais (autoeficácia, laridade entre estudos nacionais27, 30
automotivação, estágios de mudança, e internacionais31 com os realizados
conhecimento, aconselhamento, saú- em Pelotas e/ou com participação de
de mental, imagem corporal), as com- pesquisadores pelotenses, já que uma
portamentais (fumo, álcool e dieta) e variável bastante frequente é o supor-
as sociais e culturais (suporte social, te social, ou seja, o fato de se enten-
isolamento, valores e hábitos familia- der, a priori, que o incentivo de pes-
res e de grupo). soas próximas ao círculo social de um
O grandioso estudo de revisão de sujeito, especialmente familiares e
Rhodes23 indicou que a motivação e a amigos, pode influenciá-lo a praticar
autoeficácia se mostraram associadas atividade física. Na grande maioria
consistentemente à atividade física. dos estudos inclusive essa relação se
A autoeficácia consiste na percepção mostrou associada, isto é, quem rela-
que o indivíduo tem sobre sua capa- ta receber suporte social, tende a ser
cidade, habilidade, dependência ou mais ativo fisicamente.
competência em realizar algo. Essa
aparece diretamente associada à ati- Variáveis ambientais
vidade física12.
Estudos populacionais feitos no Praticar ou não atividade física,
Canadá24 e na Finlândia25 e inclusive em qualquer de seus domínios, pos-
com trabalhadores da área da saúde sui relação íntima com os ambientes,
no Brasil26 apresentaram dados pre- especialmente pela percepção que o
ocupantes sobre a falta de conhe- sujeito possui daquele conjunto espa-
cimento das pessoas a respeito das ço-tempo. Independentemente de va-
recomendações sobre prática de ativi- riáveis sociodemográficas, o ambien-
dade física, assim como o estudo com te influencia nas complexas decisões
mulheres idosas de Cassou27 mostrou sobre o início e sobre a continuidade
que uma das barreiras citadas para a da prática de atividade física.
inatividade física era justamente não Muitos estudos foram feitos pelo
ter conhecimento sobre saúde e exer- mundo tratando dessa temática12,
cício físico. Já o estudo de Häfele e sendo, em sua grande maioria, com
Siqueira28 mostrou que o aconselha- a intenção de diagnosticar realida-
mento de atividade física por profis- des contextuais e sua associação com
sionais da saúde promoveu mudan-

150
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

a atividade física. E essa intenção é Menos frequentes, mas também


muito importante e necessária para muito importantes, são os estudos
que intervenções, especialmente as de “ambiente construído”, onde se
governamentais, possam se embasar coletam dados a respeito de medidas
e se justificar em dados científicos. objetivas de itens ligados a estruturas
Desse cenário saem os estudos sobre ambientais concretas. As fontes são
o que se chama de “ambiente perce- observações sistemáticas, estatísticas
bido”, onde a fonte da informação se governamentais e medidas a partir
restringe à percepção do sujeito, co- de sistemas de informações geográ-
mumente por meio de entrevistas. ficos. De comum a quase totalidade
Um estudo de revisão32 mostrou que dos estudos31, 33, 34, 35, 36 o interesse dos
a associação mais forte encontrada pesquisadores em analisar a relação
com a atividade física no lazer foi a de diversas variáveis com a atividade
sensação de segurança durante o dia, física de forma transversal, encon-
enquanto no deslocamento a ilumi- trando diferentes associações espe-
nação das ruas à noite se mostrou cialmente devido às peculiaridades
convincente. Já no estudo de Giehl33 dos públicos acessados, dos atributos
realizado com idosos, a presença ambientais e dos métodos e instru-
de calçadas foi relacionada tanto à mentos de coleta, com a já conhecida
caminhada para transporte quanto prioridade de verificação nos domí-
para lazer, a existência de faixas de nios de lazer ou deslocamento.
pedestres no bairro, sensação de se- Estudos que tratam da possibili-
gurança durante o dia, presença de dade da interferência de aspectos do
iluminação pública, existência de ambiente físico, seja ele construído
instalações recreativas e possuir um ou percebido, surgiram com reco-
cachorro foram preditores significati- nhecida relevância no meio acadê-
vos de caminhada para transporte. A mico, por prestarem informações
segurança durante o dia também foi fundamentais para o entendimento
significativamente associada à cami- do comportamento ativo (ou não)
nhada no lazer. Em estudo realizado das pessoas. São intenções de pes-
com adultos e idosos na cidade do quisadores embasar a análise, o pla-
Rio Grande-RS30 foram encontradas nejamento e a intervenção por parte
associações da prática de caminha- do poder público, na execução de
da com a sensação de segurança no modificações em ambientes físicos,
bairro, presença de áreas verdes e de tais como iluminação, arborização,
instalações para a prática. calçadas, acessibilidade, ciclovias e
existência de outros espaços adequa-

151
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

dos para a prática, assim como nas nhança, a estética do bairro e variá-
diversas dinâmicas que ocorrem nes- veis relacionadas à segurança.
ses ambientes, tendo como exemplos Algumas questões relevantes e re-
o trânsito de veículos, a criminalida- lacionadas surgem e têm sido pouco
de, o acúmulo de lixo e a existência exploradas em estudos, sobretudo no
de eventos e ações que promovam a Brasil: afinal, existe concordância en-
atividade física. tre o que se mede objetivamente em
Quando se pensa na relação de um ambiente e a percepção das pes-
ambiente e atividade física, especial- soas sobre esse mesmo ambiente em
mente quando se trata de barreiras relação à prática de atividade física? E
ou facilitadores ambientais para a como as pessoas percebem atributos
prática, pode-se dizer que os estudos de sua vizinhança, se confirmam em
são recentes. Algumas informações medidas objetivas? Ou seja, um bairro
interessantes desse rol de pesquisas comprovadamente violento, no qual
no cenário brasileiro: (a) quanto à ge- seus moradores também assim o perce-
ografia dos estudos, a concentração bam, de fato o nível de atividade física é
maior é de estudos feitos em cidades baixo, inferior a outros ambientes con-
da região Sul; (b) a maior quantidade siderados mais seguros? A revisão de
de estudos são populacionais e com Orstad37 apontou algumas conclusões
adultos; (c) o lazer é o domínio mais interessantes a respeito desse tema,
estudado, seguido pelo deslocamen- fazendo comparações entre resultados
to (em ambos, a caminhada é a que apresentados a partir da coleta de vari-
aparece com maior frequência); (d) áveis de ambiente percebido e de am-
as variáveis relacionadas à segurança biente construído. De uma maneira al-
são as mais frequentes, seguidas por tamente relevante, Cauwemberg38 traz
distância da residência para locais de uma indicação a respeito da necessida-
prática, existência de calçadas na vi- de da realização de estudos que inclu-
zinhança e a influência do tráfego de am medidas objetivas e percebidas dos
veículos; (e) a presença de calçadas mesmos atributos ambientais, visando
na vizinhança foi a variável que mais a fornecer informações importantes so-
teve estudos que mostraram associa- bre as inter-relações entre medidas am-
ção com a prática de atividade física. bientais objetivas, percepções e com-
A existência de locais adequados para portamentos, no caso, para a atividade
caminhada e para andar de bicicleta física de lazer.
também surgiram em alguns estudos, Assim, ao se analisar uma diver-
assim como a existência de locais de sidade de artigos que lidam com essa
prática de atividade física na vizi- temática, é importante repensar ca-

152
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

minhos mais factíveis para mudança longe do desejado41, 42. Mesmo que se
dos comportamentos das pessoas. É saiba que as razões para uma pessoa
necessário se fazer uma relação en- ser ou não ativa fisicamente sejam
tre o ambiente construído e o perce- multifatoriais, é importante refletir
bido com coletas de dados realizadas sobre o descompasso entre duas in-
de forma simultânea, permitindo-se formações concretas: “existe aumen-
ações ambientais mais assertivas, as- to de ações que promovem atividade
sim como aproximar as instituições física” e “são baixos os percentuais de
de pesquisa e os governos, potencia- pessoas ativas fisicamente”. Alguns
lizando a garantia da intervenção pós estudos apontam que a baixa priori-
ou durante o estudo, via editais e ini- dade governamental para a promoção
ciativas que já possuam diálogo for- da saúde, em especial de atividade
malizado entre universidades e agen- física, refletida na falta de continui-
tes públicos/governos, garantidas as dade das ações e na insuficiente des-
questões éticas, o controle social, e tinação de recursos financeiros para
com a transparência total e irrestrita. programas e políticas43, 44, falhas na
divulgação da existência das ações
Variáveis sociopolíticas ofertadas41, e reduzidas intervenções
ambientais e políticas40, explicam em
Informações demográficas, bioló- parte essa falta de sintonia.
gicas, psicossociais e ambientais são Algo que chama muito a atenção
subsídios basilares para que as polí- é a falta de estudos que avaliem a efe-
ticas públicas entrem em ação. Tais tividade45 de programas e políticas
dados devem necessariamente levar públicas de promoção de atividade
em conta, em seus processos de idea- física. E tal constatação tem íntima
lização, planejamento, estruturação, ligação com o que está no parágrafo
execução e avaliação, dados científi- anterior, especialmente quando se
cos que tragam informações sobre as fala em continuidade das ações ao
pessoas, seus comportamentos e per- longo do tempo, já que a questão tem-
cepções, assim como da imensa rede poral, da duração da execução de um
social e ambiental com a qual intera- programa e da participação e adesão
gem em seu cotidiano. das pessoas a esse são condições fun-
Apesar do crescimento do núme- damentais para que se possa afirmar
ro de políticas públicas para a práti- se há ou não efetividade.
ca de atividade física39, 40, o resultado Muitos são os estudos transver-
esperado de aumento significativo de sais46, 47 que mostram que participan-
pessoas ativas fisicamente ainda está tes de programas de promoção de

153
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

atividade física, advindos de políticas das; o número de pessoas ativas fisi-


públicas, são mais ativos e possuem camente não aumenta significativa-
melhores características relacionadas mente, não raro, pelo contrário.
à saúde geral se comparados a quem Após a apresentação do conjunto
não participa. Tal informação, apesar de variáveis demográficas, biológicas,
de altamente relevante, novamente psicossociais, ambientais e sociopolí-
traz um contraste que necessita de ticas que têm importante relação com
atenção, de estudo e de intervenção: a atividade física, a Figura 2 sintetiza
políticas públicas e seus programas as evidências consolidadas dos prin-
agem positivamente na saúde da po- cipais fatores associados à inativida-
pulação; houve aumento no número de física de adultos e idosos, a partir
de ações e políticas nas últimas déca- do modelo ecológico.

Figura 2 – Síntese dos principais determinantes da atividade física em adultos e idosos, a partir do mo-
delo ecológico.

Sexo (masculino) Suporte social (familiares e amigos)


Idade (mais jovens) Aconselhamento profissional para a
Educação (maior escolaridade) prática
Renda (maior renda) Autoeficácia
Estado nutricional (eutróficos) Nível de conhecimento sobre a
Estado de saúde (boa) prática
Individual Interpessoal

Ambiental Político
Criminalidade (menor)
Clima adequado
Estética do ambiente
Trânsito (menor) Participação em programas advindos
Poluição (menor) de políticas públicas voltadas à
Facilidades próximas ao lar promoção da atividade física

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Determinantes da atividade lações adulta e idosa data de 2003.


física em adultos e idosos: Desde então, o grupo de pesquisa-
histórico das pesquisas em dores em epidemiologia da ativida-
Pelotas, Rio Grande do Sul de física de Pelotas vem produzindo
importantes conhecimentos acerca
A primeira evidência48 de um dos determinantes da atividade físi-
estudo pelotense sobre os determi- ca para a população adulta e idosa.
nantes de atividade física nas popu- A Figura 3 apresenta a compilação

154
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de relevantes estudos de base popu- destacadas pelo seu pioneirismo em


lacional conduzidos exclusivamente algum aspecto metodológico dentro
na cidade de Pelotas, Rio Grande do da trajetória cronológica dos estudos
Sul, com foco nessa temática. Cabe de base populacional desenvolvidos
realçar que essas publicações foram na cidade.

Figura 3 – Compilação dos principais estudos de base populacional sobre determinantes da atividade
física em adultos e/ou idosos na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul.

Hallal et al.
2003 Estudo pioneiro na investigação dos determinantes individuais da atividade física

Hallal et al.
2004 Determinantes individuais da atividade física com intensidade vigorosa

Dias-da-Costa et. al.


2005 Determinantes individuais da atividade física no domínio do lazer
Hallal et al.
Determinantes individuais da modalidade de caminhada
Hallal et al.
Comparação dos determinantes individuais da atividade física em duas cidades

Azevedo Júnior et al.


2007 Determinantes individuais da atividade física baseada em diferentes pontos de corte
Dumith et al.
Determinantes individuais da atividade física baseada em diferentes estágios de comportamento
Reichert et al.
Barreiras pessoais para a prática de atividade física

Del Duca et al.


Determinantes individuais da atividade física nos diferentes domínios: deslocamento, domicílio,
2009
lazer e trabalho

Amorim et al.
2010 Determinantes ambientais e de suporte social da atividade física
Knuth et al.
Mudanças nos determinantes individuais da atividade física

da Silva et al.
Determinantes interpessoais da atividade física no lazer
2013

Mielke et al.
Determinantes do comportamento sedentário conforme domínios da vida
2014

Ramires et al.
Determinantes individuais da atividade física medida objetivamente em idosos
2017

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

155
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

O primeiro estudo48 de Pelotas e que as pesquisas não distinguiam,


um dos pioneiros e precursores da na ocasião, as atividades moderadas
epidemiologia da atividade física no daquelas de intensidade vigorosa,
Brasil foi derivado da dissertação de pois apenas agrupavam-nas para as
mestrado de Hallal, junto ao PPGE/ análises de atividade física. Isso di-
UFPel. Nessa publicação, iniciaram- ficultava o reconhecimento de quais
-se importantes reflexões sobre os di- subgrupos populacionais eram mais
ferentes correlatos da atividade física adeptos a atividades com maiores in-
na população adulta e idosa. O desfe- tensidades. Destaca-se que, na época,
cho estudado foi a inatividade física o ponto de corte definido (≥60 minu-
(≤150 minutos semanais de atividades tos semanais) estava em acordo com
físicas moderadas a vigorosas). Diver- as recomendações vigentes, sendo in-
sas exposições em nível individual fo- ferior ao atualmente recomendado (≥
ram investigadas, incluindo variáveis 75 minutos semanais). Mulheres, ido-
demográficas e biológicas. Em ambos sos, indivíduos com índice de mas-
os sexos, a inatividade física esteve sa corporal extremos (subnutrição e
positivamente associada à idade e ao obesidade) tiveram menor probabi-
nível socioeconômico, e inversamen- lidade de atenderem às recomenda-
te associada com o estado de saúde. ções de atividade física de intensida-
Ainda, constatou-se que mulheres de vigorosa.
que viviam sem companhia tiveram Já em 2005, Dias-da-Costa e cole-
50
maior probabilidade de serem fisica- gas desenvolveram, pela primeira
mente inativas e, nos homens, o índi- vez na cidade, um estudo focado ex-
ce de massa corporal apresentou uma clusivamente na prática de atividade
tendência de associação em “U” com física no domínio do lazer. O desfecho
o desfecho. Na ocasião, os autores foi definido pelo gasto semanal infe-
destacaram o pioneirismo do estudo, rior a 1.000 kcal/semana e esteve po-
ao ser a primeira publicação de base sitivamente associado ao sexo femi-
populacional a usar o Questionário nino e aqueles que eram mais velhos,
Internacional de Atividade Física viviam com companheiro, fumavam
para investigar a prevalência e os fa- e tinham índice de massa corporal
tores associados à inatividade física. inferior a 18,5 kg/m2. Escolaridade
Em 2004, Hallal e colaboradores49 e nível econômico se associaram in-
investigaram os determinantes do versamente com a inatividade física
atendimento às recomendações de no lazer. Os autores destacaram que
atividades físicas vigorosas. A prin- o foco de suas variáveis estava cen-
cipal justificativa do estudo foi a de trado nos determinantes individuais,

156
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

mas que era necessário se pensar, em Também em 2007, Dumith et al.54


investigações futuras, em variáveis pesquisaram os fatores associados
contextuais, notavelmente relacio- aos diferentes estágios de mudança
nadas ao ambiente, para um melhor de comportamento para a atividade
entendimento da prática de atividade física. O principal argumento para
física no lazer. a investigação centrou-se na neces-
Ainda no mesmo ano, outros dois sidade de compreender com maior
estudos pelotenses se destacaram. detalhamento as distintas intenções
Em um deles51, foram investigados os individuais e, com isso, promover
fatores associados à prática de cami- estratégias mais efetivas para a prá-
nhada, exclusivamente no lazer e em tica de atividade física. Encontrou-se
conjunto com os demais domínios. que os idosos e indivíduos casados,
Sujeitos com menores níveis econô- fumantes e com menor nível socio-
mico e educacional tiveram menor econômico tiveram maior probabili-
probabilidade de prática de caminha- dade de contemplar, iniciar e manter
da, particularmente no lazer. No ou- a prática regular de atividade física
tro52, os dados de atividade física de moderada a vigorosa, definida pelo
Pelotas foram comparados aos de São critério de realizar em três ou mais
Paulo, reconhecendo-se o nível eco- dias por semana, por no mínimo, 20
nômico como um importante deter- minutos diários.
minante da prática de atividade física Na sequência, Reichert e colabo-
em ambas as cidades investigadas. radores55 identificaram as faltas de
Avançando para o ano de 2007, tempo, de companhia e de dinheiro,
Azevedo Júnior e colaboradores53 além do cansaço e do fato de não gos-
exploraram as diferenças de gênero tar de exercício como barreiras pes-
para diferentes padrões de atividade soais associadas à inatividade física.
física no lazer. Aqui, além da particu- Além disso, quanto maior a quanti-
laridade do lazer, destacou-se a utili- dade de barreiras relatadas, maior foi
zação de diferentes pontos de corte a probabilidade de inatividade física
para a atividade física, a partir de dis- nos adultos e idosos avaliados.
tintos critérios, baseados no tempo e Avançando para o ano de 2009,
na intensidade das práticas. Indepen- Del Duca e colaboradores56 avalia-
dentemente disto, os homens e os su- ram a associação entre o nível eco-
jeitos mais jovens e com maior nível nômico e a inatividade física em di-
socioeconômico foram mais ativos ferentes domínios, conforme o sexo
que seus pares. dos indivíduos de 20 a 69 anos resi-
dentes em Pelotas. Observou-se em

157
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

ambos os sexos que, no lazer, a ina- Por sua vez, Knuth et al.58 anali-
tividade física esteve inversamente saram as mudanças na inatividade
associada ao nível econômico e, no física dos adultos de Pelotas após um
deslocamento e no domicílio, a ina- período de cinco anos, a partir da
tividade física se associou de forma comparação de dados de dois estudos
direta com o nível econômico. Ain- transversais. O principal resultado foi
da, no caso específico dos homens, a o aumento da inatividade física nesse
inatividade física no trabalho esteve período, particularmente entre aque-
diretamente associada ao nível eco- les com menor nível socioeconômico.
nômico. Concluiu-se que o sexo era Em 2013, o estudo de Silva e co-
uma importante variável de intera- laboradores59 explorou a associação
ção no entendimento da relação en- entre o suporte social da família e dos
tre nível econômico e atividade física amigos e a prática de atividade física
nos seus diferentes domínios. no lazer. Encontrou-se que receber
Em 2010, Amorim et al.57 avalia- suporte social da família e, principal-
ram a associação entre fatores am- mente, dos amigos, eram dois impor-
bientais e sociais com o alcance das tantes determinantes da prática de
recomendações de atividade física, atividade física no lazer.
sob a ótica dos domínios do desloca- Em 2014, Mielke et al.60 buscaram
mento e do lazer. Os principais resul- descrever, em uma amostra de base
tados apontados foram que indivídu- populacional, os determinantes indi-
os que moravam perto de áreas verdes viduais, de ordem demográfica, asso-
e que relataram viver em bairros se- ciados desta vez ao comportamento
guros foram mais propensos a serem sedentário. Curiosamente, homens,
ativos no lazer. Já a atividade física no adultos mais jovens, com maior esco-
deslocamento foi maior entre aqueles laridade e de menor nível socioeconô-
residentes em áreas com acúmulo de mico, tiveram maiores escores gerais
lixo, e foi menor entre os residentes de comportamento sedentário. Mui-
em bairros difíceis de caminhar ou tos desses determinantes individuais
andar de bicicleta devido ao tráfego. associados ao comportamento seden-
O suporte social foi fortemente as- tário também se associam à prática
sociado à prática de atividade física total de atividade física, o que ratifica
no lazer. Concluiu-se que ambientes a ideia de que esses dois componen-
públicos agradáveis e seguros podem tes do movimento humano coexistem
contribuir para a prática de atividade e podem atingir o mesmo sujeito.
física e precisam ser priorizados nas No ano de 2017, Ramires e colabo-
políticas públicas. radores61 descreveram os fatores as-

158
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

sociados aos níveis de atividade física em Pelotas-RS desde 2013, e que teve
medidos objetivamente na população ações iniciais motivadoras ainda no
idosa de Pelotas. Em análises estrati- ano de 2006.
ficadas por sexo, chegou-se à conclu-
são de que homens (≥ 80 anos) mais
Perspectivas e desafios para
velhos praticaram, em média, 45 mi-
o estudo dos determinantes
nutos semanais a menos de atividade
em atividade física em adultos
física no lazer, comparados àqueles e idosos
com 60 a 69 anos e, entre as mulhe-
res, essa diferença foi de 65 minutos. É considerável o aumento de es-
Outras importantes investigações tudos internacionais acerca dos de-
desenvolvidas na cidade de Pelotas terminantes da atividade física nas
merecem destaque. Muito embora populações adulta e idosa nos últi-
não tenham sido estudos de base mos anos11, 14, 15. No cenário nacio-
populacional, alguns pesquisadores, nal, esta desponta como a principal
nos anos de 201162, 201463 e 202064, temática dos estudos publicados44,
investigaram amostras específicas o que tem proporcionado importan-
e contribuíram para o entendimen- tes avanços no reconhecimento dos
to do cenário dos determinantes da múltiplos fatores que influenciam os
atividade física, seja pelo método de níveis de atividade física de forma
medida de atividade física, ou mes- mais contundente.
mo pelas especificidades das popu- Nesse sentido, evidencia-se o
lações avaliadas. Já o estudo de Silva reconhecimento de novas perspec-
e colaboradores65 analisou mais de tivas teóricas, que se moveram de
uma centena de espaços públicos de um entendimento de determinantes
lazer tanto quantitativa como quali- exclusivamente centrados no sujei-
tativamente, podendo ser caracteri- to para uma perspectiva ecológica11.
zado como um estudo de ambiente Essa possibilita a compreensão de
construído e trazendo importantes variáveis individuais, mas também
constatações sobre iniquidade so- contextuais para a adoção de hábi-
cioeconômica. Ainda, um último es- tos saudáveis em saúde, como, no
tudo publicado recentemente66 teve caso, a prática regular de atividade
como objetivo desenvolver o modelo física. Todavia, um primeiro impor-
lógico de um programa de esporte e tante desafio para as futuras investi-
lazer. Constatou-se a existência de gações científicas nessa temática é o
um programa de governo direciona- esclarecimento das inconsistências
do para promoção de atividade física

159
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

de muitos prováveis determinantes, racterística experimental. Potenciais


mas principalmente o aumento do iniciativas podem avançar rumo ao
corpo de evidências para alguns des- entendimento do tracking de ativida-
ses, notavelmente na esfera política. de física, conforme algumas carac-
Dados globais levantados por Sallis e terísticas individuais (por exemplo,
colaboradores22 retratam que mais de avançar da idade, mudar de estado
90% dos países relatam ter uma polí- civil, etc.) ou mesmo contextuais (por
tica nacional de atividade física para exemplo, mudar de local de mora-
a população. No entanto, cerca de um dia). Além disso, as intervenções que
quarto dessas não são colocadas em foquem em diferentes tipos de ativi-
prática. Assim, torna-se fundamen- dade física, privilegiando aspectos
tal a implementação e posterior ava- como o interesse e a autoeficácia do
liação para a compreensão de estra- sujeito são bem-vindas neste cenário.
tégias que, de fato, serão capazes de A mensuração da própria ativida-
promover de forma efetiva a atividade de física também é um fator limitante
física para população. Também é fun- na comparabilidade dos achados. A
damental vincular tais ações estraté- imensa maioria das evidências dis-
gicas como de Estado, e não de gover- poníveis hoje ainda é baseada em
no, uma vez que a continuidade das medidas subjetivas de autorrelato e
mesmas é fundamental e exige aper- de observação da prática de atividade
feiçoamento para o seu êxito. Outras física, que pode acarretar em impor-
perspectivas futuras vão ao encontro tantes erros de mensuração, sendo
de esclarecer determinantes individu- influenciadas por aspectos sociocul-
ais, por meio de variáveis biológicas, turais, como respostas socialmente
identificando assim fatores genéticos desejadas ou mesmo o próprio nível
que contribuem para uma maior pro- de conhecimento do sujeito. Estimu-
pensão à prática de atividade física ao la-se aqui a realização de mais estu-
longo do ciclo vital11. dos com medidas objetivas, possibi-
Um segundo ponto de constatação litando-se explorar o entendimento
é de que a imensa maioria dos estu- dos determinantes para as diferen-
dos sobre os determinantes da ativi- tes possibilidades de intensidades
dade física apresentam delineamento de prática. Ademais, a etiologia da
transversal14. Esse tipo de delinea- atividade física é complexa e varia
mento não é o mais adequado para o conforme seus diferentes domínios.
entendimento das prováveis relações E considerando que a maioria das in-
causais, cabendo mais estudos lon- vestigações tem focado nos domínios
gitudinais e, inevitavelmente, de ca- do deslocamento e, principalmente

160
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

lazer, os quais provêm uma janela li- com doenças crônicas não transmis-
mitada da atividade física total, parti- síveis, que muito têm impactado no
cularmente em populações de média cenário de mortalidade mundial.
e baixa renda, se faz necessário avan- Dentre elas, particularmente a obesi-
çar para mais investigações sobre o dade, que como já dito nesta escrita,
comportamento ativo no domicílio e guarda uma relação bidirecional com
no trabalho. a atividade física e que ainda merece
Nesse cenário de avanços para o ser mais bem explicada, seja por ques-
entendimento dos determinantes, as tões epigenéticas, a partir de fatores
análises de dados também precisam evolucionários que predispõem a ina-
evoluir. Estatísticas mais robustas e tividade física11,ou ainda por aspectos
voltadas para além das tradicionais contextuais. Por fim, é fundamental o
perspectivas dos fatores associados emprego dessas importantes evidên-
em delineamentos transversais pre- cias científicas sobre determinantes
cisam acontecer. Algumas possibi- da atividade física em ações governa-
lidades são as análises quantiquali- mentais efetivas de promoção da ati-
tativas, das relações entre múltiplas vidade física, buscando-se com isso
variáveis como as análises de intera- uma prática baseada em evidências
ção14 e de padrão cluster e até mesmo que, de fato, esteja atenta, por meio de
meta-análises, dificultadas até aqui políticas públicas a intervir, em espe-
pela heterogeneidade de mensura- cial, para os grupos prioritários. Com
ções e classificações para sumarizar isso, espera-se responder importantes
ou quantificar a atividade física. lacunas relacionadas a quais desses
Também se aponta aqui para a subgrupos populacionais podem, de
necessidade do estudo de populações fato, se beneficiar com futuras ações
adultas e idosas mais diversas. Inicial- de intervenção. A Figura 4 sumariza,
mente, reflete-se sobre a necessidade então, as principais esferas de desafios
de mais estudos em países de renda e perspectivas futuras para o entendi-
baixa e média11, principalmente bai- mento dos determinantes da atividade
xa22, que ainda carecem de evidências física nas populações adulta e idosa.
consistentes. Nesses locais, identifi-
car e comparar fatores geopolíticos
permitirão entender particularidades
de grupos em risco ou em vulnerabi-
lidade. Outro ponto crucial é o apro-
fundamento das particularidades das
populações clínicas, como aquelas

161
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

Figura 4 – Perspectivas inovadoras no estudo dos principais determinantes e fatores associados à prática
de atividade física em adultos e idosos, a partir do modelo ecológico.

Novas variáveis
de exposição
Estudos com
Maior
enfoque quali-
homogeneidade
quantitativo, e
na mensuração
delineamentos
do desfecho
longitudinais e
atividade física
experimentais
Determinantes da
atividade física em
adultos e idosos:
perspectivas e
Amostras
desafios
derivadas de
diferentes
Novas análises
subgrupos
estatísticas
populacionais e
com populações Emprego das
clínicas evidências
científicas em
ações
governamentais de
promoção da
atividade física

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Conclusões conectam intimamente com o Grupo


de Pesquisa em Epidemiologia da Ati-
Neste capítulo procurou-se trazer vidade Física (Geeaf), nessas últimas
de forma resumida, contextualizada quase duas décadas.
e relacionada com estudos nacionais Fica claro que esse conjunto de
e internacionais, todas as contribui- estudos trouxe grande contribuição
ções científicas feitas por pesquisa- para a área, seja como fonte de in-
dores da área da epidemiologia da formação científica, passando por
atividade física da cidade de Pelotas, estímulo a novos estudos e chegando
no Rio Grande do Sul, que tiveram ou ao mais do que desejável e fundamen-
ainda possuem ligação com os Pro- tal objetivo, que é apontar caminhos
gramas de Pós-Graduação em Epide- para intervenções que visem a mu-
miologia (PPGEpi) e em Educação Fí- dar comportamentos das pessoas seja
sica (PPGEF) da Universidade Federal pela própria iniciativa estimulada e/
de Pelotas (UFPel) e que também se ou pelas ações governamentais. Ter

162
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

muitas e sólidas evidências de que o mentadas em medidas objetivas, na


sexo, a idade, a renda, a escolaridade, percepção das pessoas e, porque não
o estado de saúde nutricional, físico e dizer, no desejo destas.
mental, a aptidão física, o aconselha- Que a comunidade científica que
mento e o conhecimento para e sobre lida com a saúde pública debata e
atividade física, o suporte social e o construa um plano estratégico que
ambiente físico são, em muitas po- determine, ou ao menos priorize, que
pulações, fatores determinantes para o ato de pesquisar seja vinculado pré-
a prática ou não prática de atividade via, intrínseca e formalmente ao ato
física, traz duas constatações: a pri- de intervir, com construção de políti-
meira é que se existem dados que cas públicas e/ou de projetos/progra-
permitem que o indivíduo tenha co- mas/ações que considerem, de fato,
nhecimento sobre a importância da os resultados e caminhos apontados.
prática e até de como, quando, onde, Que esses estudos beneficiem, de for-
o quê e quanto fazer, assim como os ma clara, populações, bairros, vilas,
governos têm (ou deveriam ter) in- comunidades, e grupos específicos,
formações suficientes para a tomada no tempo, no espaço e na forma que
de decisão. A segunda é que, mesmo precisam e podem, com qualidade e
com tanta qualidade demonstrada, com garantia de continuidade, espe-
é preciso ter a certeza de que faz-se cialmente as pessoas que mais preci-
necessário qualificar ainda mais a sam de ações de políticas públicas.
pesquisa em atividade física, usando
diferentes métodos de delineamen- Referências
to, de coleta e de análise, investindo
em estudos de caso, em estudos lon- 1. Pescatelllo LS et al. Physical activity
to prevent and treat hypertension: a
gitudinais, em estudos qualitativos
systematic review. Med Sci Sports Exerc,
e em estudos que reúnam desde sua v. 51, n. 6, 2019 Jun 2019.
idealização até a apresentação dos re-
2. Ekelund U et al. Dose-response
sultados, dados quantitativos e quali- associations between accelerometry
tativos, que devem ser relacionados, measured physical activity and sedentary
conectados e refletidos, o que de cer- time and all cause mortality: systematic
ta forma já era indicado por Hallal67 review and harmonised meta-analysis.
BMJ, v. 366, 08/21/2019 2019.
em 2014 e Rhodes23, em 2017. Esse
tipo de estudo permitirá, potencial- 3. Marquez DX et al. A systematic review
mente, que futuras intervenções com of physical activity and quality of life and
well-being. Transl Behav Med, v. 10, n. 5,
base em evidências tenham maior
10/12/2020 2020.
chance de sucesso, pois serão funda-

163
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

4. Roberts CE et al. Effect of different 13. Rhodes RE et al. Factors associated


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Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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165
IX. Determinantes da atividade física em adultos e idosos

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167
S

EIXO 4
L
CONSEQUÊNCIAS
N
X
CONSEQUÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA
NA GESTAÇÃO E PRIMEIRA INFÂNCIA

Marlos Rodrigues Domingues; Werner de Andrade Müller

A
atividade física gestacional, gestação, principalmente no traba-
apesar de natural, foi vista lho, representaria um risco para mãe
por muitas décadas como e feto, uma vez que muitas mulheres
um comportamento inadequado ou com altos níveis de atividade física
até perigoso. É uma área de pesqui- ocupacional, geralmente eram aque-
sa recente, com os estudos pioneiros las que também apresentavam carac-
sendo feitos nos Estados Unidos nos terísticas como nutrição e cuidados
anos 1980, primeiro com animais e pré-natais inadequados, baixa esco-
depois com mulheres voluntárias1,3. laridade e nível socioeconômico, lon-
Estudos de cunho populacional ini- gos turnos de trabalho, entre outros
cialmente apresentavam diversos fatores de risco gestacional4, 5.
problemas metodológicos como viés Ao mesmo tempo, a atividade
de seleção e análises estatísticas sem física de lazer não era vista como
controle adequado para variáveis de apropriada na gestação, e muitas
confusão, criando uma falsa impres- mulheres abandonavam suas rotinas
são de que o movimento durante a de exercício ao engravidar, fosse por

169
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

medo ou por indicação médica ou fa- Apesar de grande heterogeneida-


miliar. A partir da segunda metade da de nos estudos mundo afora e com
década de 1980, começou a aumentar diversos mostrando resultados não
a quantidade de mulheres interessa- significativos, no geral se aceita que
das em manter suas rotinas ativas na a grávida ativa tenha menos risco de
gestação e com isso os médicos pas- ter um ganho de peso gestacional
saram a ser questionados sobre os excessivo, hipertensão e eclâmpsia,
possíveis riscos desse comportamen- diabetes gestacional, incontinência
to. Não por acaso, nesta década foram urinária, depressão pós-parto, lom-
lançadas as primeiras diretrizes so- balgia, maior chance de parto vagi-
bre atividade física gestacional6. Ape- nal, melhor qualidade do sono, além
sar de conterem algumas recomen- de um retorno mais rápido às suas ati-
dações infundadas cientificamente, vidades pré-gestacionais. Em relação
como restrições na frequência cardí- ao feto, os maiores medos referentes
aca máxima, por exemplo, que com ao exercício físico sempre foram no
o tempo foram sendo ultrapassadas, que diz respeito à chance de aborto
essas recomendações já indicavam ou prematuridade e ao suprimento
que - em gestações saudáveis, a mu- de oxigênio/nutrientes que poderia
lher poderia e deveria manter uma ser afetado pelo desvio hemodinâmi-
rotina de exercícios, uma vez que as co, além de preocupações com extre-
evidências disponíveis já apontavam mos de temperatura, principalmente
tanto a segurança da maioria das ati- hipertermia que poderia ocorrer em
vidades quanto possíveis benefícios exercício. Contudo, estudos experi-
materno-infantis, principalmente mentais demonstraram ao longo dos
para atividades de lazer ou espor- anos que as adaptações fisiológicas
tivas. Desde então o conhecimento gestacionais conseguem contornar
nessa área vem avançando e cada essas alterações transitórias, sem que
vez mais se entende que a atividade o exercício represente qualquer risco
física gestacional não apenas é isenta para o feto. Na verdade, existe evi-
de riscos na maioria dos casos, mas dência inclusive que a atividade físi-
também pode ser benéfica sob vários ca gestacional possa resultar em me-
aspectos. Os benefícios da atividade lhor desenvolvimento placentário,
física sobre a saúde humana estão menor chance de prematuridade e de
bem estabelecidos e muitos desses macrossomia, melhor metabolismo
ganhos são verificados durante a ges- de glicose in útero e melhor desen-
tação também. volvimento neuromotor nos primei-
ros anos de vida7-11.

170
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

O capítulo a seguir descreve os lescentes12, 13. Com o início do plane-


estudos feitos pelo grupo de Pelotas, jamento de uma nova coorte, a ser
principalmente junto às coortes de iniciada em 2004, surgiu pela primei-
nascimentos de 2004 e 2015, com foco ra vez a ideia de se avaliar esse tema
na exposição atividade física gesta- como uma exposição gestacional.
cional e desfechos materno-infantis, Dentro da Coorte de 2004, que se
bem como estudos inovadores ava- iniciou no pós-parto imediato, um
liando atividade física precoce na in- questionário perinatal (aplicado no
fância. A seleção dos estudos se deu a hospital) continha perguntas sobre
partir da revisão sistemática descrita atividade física com a intenção de
no Capítulo 4 - A produção científica avaliar essa exposição de forma re-
em epidemiologia da atividade física trospectiva14. O questionário coletou
em Pelotas, com foco nos estudos de informações sobre tipo de atividade,
consequências da atividade física na frequência semanal e tempo médio
gestação e na primeira infância (0-4 das sessões para cada trimestre gesta-
anos) e foi complementada com in- cional e para os três meses que ante-
formações obtidas junto aos pesqui- cederam à gestação, de forma a criar
sadores da área. um escore semanal para cada um
desses períodos. Além disso, foram
Atividade física nas Coortes investigadas também possíveis infor-
de 2004 e 2015 - Metodologia mações recebidas durante o pré-natal
dos estudos sobre o assunto e percepções mater-
nas sobre o tema.
As Coortes de Nascimentos de Pe- Já a Coorte de 2015 surgiu com
lotas compreendem um conjunto de um enfoque muito mais aprimorado
estudos que identificou todos os nas- em relação à atividade física, tanto
cimentos ocorridos em 1982, 1993, pela melhor compreensão do gru-
2004 e 2015 na cidade e acompanha po de pesquisadores sobre o assunto
questões ligadas à saúde, ao longo do quanto também pela característica
ciclo vital, em mais de 20 mil partici- dessa coorte mais recente, que tinha
pantes. A atividade física nas coortes como foco central a atividade física.
de Pelotas foi considerada como po- Seu planejamento iniciou em 2013 e,
tencial tema de estudo inicialmente diferente das coortes anteriores, ela
no ano de 2004, dentro de dois estu- foi inovadora em dois aspectos: 1) a
dos vinculados à Coorte de 1993, que coleta de dados seria iniciada ainda
investigaram a prevalência e deter- durante a gestação e; 2) haveria al-
minantes da atividade física em ado- gum tipo de intervenção, diferente

171
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

das coortes prévias que eram somen- GROWTH-21st Neurodevelopment


te observacionais. Assessment – INTER-NDA e a Escala
Assim, durante o período pré-na- de Inteligência de Wechsler para ava-
tal (2014 e 2015), medidas de ativida- liação de QI).
de física gestacionais foram obtidas O quadro abaixo descreve os mo-
(questionário e acelerometria), e o mentos e metodologias de avaliação
mesmo instrumento aplicado na Co- da atividade física materno-infantil.
orte de 2004 foi utilizado no pós-par- Apesar de não ser o foco deste capí-
to imediato, possibilitando uma ava- tulo, a atividade física paterna tam-
liação de tendência temporal entre bém foi avaliada por acelerometria
as duas coortes15. Além disso, uma no acompanhamento de 12 meses na
intervenção com exercício físico foi Coorte de 2015.
realizada16 (mais informações do es-
tudo estão descritas no Capítulo 15
– Abordagens para intervenções de
promoção de atividade física) e um
estudo qualitativo foi desenvolvido
com gestantes e agentes de saúde,
buscando compreender as mudanças
comportamentais do período gesta-
cional (dados não publicados).
Em relação aos desfechos infan-
tis, ambas as coortes seguiram um
padrão similar no que diz respeito às
coletas realizadas nos estudos peri-
natal, dos três, 12, 24 e 48 meses de
idade da criança. Os desfechos infan-
tis avaliados foram ligados a aspectos
neonatais e antropométricos (morta-
lidade fetal e infantil, peso ao nascer,
prematuridade, crescimento intrau-
terino, tamanho para idade gesta-
cional) e de neurodesenvolvimento
(avaliações por instrumentos como
o Inventário de Desenvolvimento de
Batelle, Oxford Neurodevelopment
Assesssment – Ox-NDA e INTER-

172
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Quadro 1 – Avaliação de atividade física nas Coortes de 2004 e 2015 de Pelotas.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).


QES: avaliação por questionário; ACE: avaliação por acelerometria. *as avaliações feitas no estudo perinatal (pós-
-parto imediato, no hospital) eram questionários retrospectivos, referentes aos três meses pré-gestação e para cada
trimestre gestacional.

Maiores informações metodoló- manter um estilo de vida saudável na


gicas sobre essas duas coortes e suas gravidez pode evitar diversos desfe-
coletas de dados podem ser encon- chos desfavoráveis em saúde. Entre
tradas nos artigos metodológicos de os efeitos benéficos, a literatura deixa
cada estudo17-19. claro que a prática de atividade física
na gravidez previne uma série de pos-
Efeitos da atividade física na síveis complicações durante a gesta-
saúde da mulher ção e auxilia no período pós-parto21.
Alguns desses eventos específicos na
A gestação se caracteriza por ser saúde da mulher foram investigados
um período em que ocorrem rápidas nas coortes de nascimentos, especial-
transformações no corpo da mulher e mente na Coorte de 2015.
está ligado a adaptações fisiológicas e
de metabolismo materno e placentá-
rio necessárias para sustentar o cres- Ganho de peso gestacional
cimento e desenvolvimento fetal20.
Por ser considerado um momento O ganho de peso gestacional é um
crítico de regulação corporal e com fenômeno único e complexo que visa
impactos na saúde da mãe e do bebê, a suportar as funções do crescimento

173
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

e desenvolvimento fetal. Influenciado neonatais26. Apesar das mulheres do


por mudanças fisiológicas e do meta- grupo intervenção terem apresentan-
bolismo materno e placentário, está do, em média, 1 kg a menos no ganho
atribuído ao produto da concepção de peso gestacional em comparação
(placenta, líquido amniótico e feto) às mulheres do grupo controle, após
e ao aumento dos tecidos maternos as 16 semanas de intervenção (7,8 ±
(útero, glândulas mamárias, volume 3,5 e 8,4 ± 3,5 kg, respectivamente), os
sanguíneo e tecido adiposo)22. Como resultados não foram significativos.
se trata de um dos poucos fatores de Além disso, também não foram en-
risco potencialmente modificáveis re- contradas diferenças da intervenção
lacionado a uma série de desfechos sobre o ganho de peso excessivo, de
adversos, o ganho de peso materno é acordo com as recomendações sobre
considerado crítico no cuidado pré-na- o ganho de peso gestacional.
tal23. As mulheres que têm um ganho Em um outro estudo com todas
de peso fora do recomendado durante as participantes da Coorte de 2015,
a gestação ficam suscetíveis a diferen- foram verificados os efeitos distintos
tes complicações, como o aumento de da atividade física mensurada por
risco para distúrbios hipertensivos, questionário e acelerometria sobre o
diabetes gestacional, complicações ganho de peso gestacional e manu-
no parto e, no período pós-parto, re- tenção do peso três e 12 meses após
tenção de peso e dificuldade na ama- o parto. A maioria das associações
mentação22. No geral, a prevalência de testadas não foram significativas,
mulheres que apresentam um ganho entretanto a atividade física mode-
de peso gestacional acima das reco- rada à vigorosa mensurada por ace-
mendações chega a 50%24; nas coor- lerometria durante a gestação foi
tes de Pelotas, esse número variou de positivamente associada ao ganho
24,6% em 1982, para 40,1% em 2004 e de peso gestacional inadequado e à
35,7% em 201525. retenção de peso três meses após o
O primeiro achado sobre o efeito nascimento. Já para a atividade físi-
da atividade física no ganho de peso ca praticada 12 meses após o parto,
gestacional nas coortes de Pelotas as mães que faziam atividade física
foi verificado em um artigo publi- de lazer com intensidade leve (men-
cado com dados do ensaio clínico surada por questionário) tiveram
randomizado aninhado à Coorte de menor retenção de peso nesse perío-
2015, estudo PAMELA, que analisou do27. Esses achados, com exceção do
o efeito de uma intervenção de exer- efeito da atividade física sobre a re-
cício físico em desfechos maternos e tenção de peso no período pós-parto,

174
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

contrastam com os resultados comu- rimentais e nove de coorte analisa-


mente verificados na literatura. Uma dos na revisão. Ambos os desfechos
revisão sistemática e metanálise de também foram verificados no estudo
ensaios clínicos randomizados e de PAMELA. Apesar da análise de sensi-
estudos de coorte sobre o efeito da bilidade mostrar que houve 31 (7,6%)
atividade física de lazer na gestação casos de diabetes gestacional no
em desfechos da saúde materno-in- grupo controle, enquanto apenas 1
fantil, conduzida por Silva e cole- (4,4%) no grupo intervenção (p=0,56)
gas9, do grupo de Pelotas, mostrou e 22 (5,4%) casos de pré-eclâmpsia
que as mulheres ativas na gestação no grupo controle e nenhum caso
apresentaram menor risco para ga- no grupo intervenção (p=0,25), não
nho de peso gestacional inadequa- foram constatadas diferenças signifi-
do, tanto nos estudos experimentais cativas na incidência dos desfechos
quanto nos estudos observacionais. entre os grupos da intervenção26.

Diabetes gestacional e pré- Saúde mental


eclâmpsia
Outro problema de saúde que pode
A diabetes gestacional, conside- ser bastante comum no período da
rada a mais frequente complicação gravidez é a depressão. Afetando até
da gestação28, assim como as desor- um quarto e um quinto das mulheres
dens de hipertensão na gravidez, de países de baixa e média renda, res-
que inclui pré-eclâmpsia, eclâmpsia, pectivamente, no período pré-natal e
hipertensão e que estão no topo das no pós-parto30, a depressão é o trans-
principais complicações obstétricas torno mental mais prevalente nesse
responsáveis pela morbidade e mor- período e pode ter sérias consequên-
talidade perinatal29, também podem cias para mãe e bebê, como complica-
ser prevenidas e tratadas com a prá- ções no parto e no desenvolvimento
tica de atividade física na gestação10. da criança31. Evidências sugerem que
A metanálise de Silva e colegas9 mos- a atividade física durante a gravidez
trou um efeito protetivo de interven- tem efeitos benéficos para reduzir o
ções com exercício físico e nos estu- desenvolvimento do transtorno na
dos de coorte no desenvolvimento de gestação e no período pós-parto10, 32.
diabetes gestacional, no entanto não Em Pelotas, Coll e colegas33, em um
foi confirmado o efeito protetor da estudo sobre fatores associados à de-
atividade física na incidência de pré- pressão 2015, encontraram a propor-
-eclâmpsia nos quatro estudos expe- ção de 16% de mulheres com valores

175
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

preditivos positivos para depressão ativas durante a gestação, verifica-


na gestação (13 ou mais sintomas da tanto em estudos observacionais,
clínicos), de acordo com Escala de quanto experimentais32.
depressão pós-parto de Edimburgo.
Entre os fatores protetores contra um
Dor lombar
risco maior para o desfecho, foram
verificadas associações com variáveis A dor lombar, que pode chegar a
sociodemográficas, gestacionais e al- acometer até metade das mulheres
gumas comportamentais, como não durante o período da gravidez, está
fumar e não consumir bebidas alcoó- ligada a alterações musculoesquelé-
licas, porém a pré-natal na Coorte de ticas e hormonais que ocorrem natu-
rática de atividade física de lazer não ralmente com a alteração do centro
foi associada ao desfecho após ajus- de gravidade e a acomodação do cor-
tes para fatores de confusão. A fim de po para o crescimento fetal35. Tam-
verificar os efeitos do exercício físico bém investigada na Coorte de 2015,
gestacional na depressão no perío- foi verificada a associação entre a
do pós-parto, Coll e colegas também algia (durante a gestação e no perío-
avaliaram sintomas de depressão, do pós-parto) e a prática de atividade
através do mesmo instrumento, três física no lazer antes e durante a ges-
meses após o parto nas mulheres en- tação. Os resultados mostraram não
volvidas no estudo PAMELA34. Os re- haver associação da exposição com
sultados mostraram que não houve a intensidade da dor e a busca por
diferenças significativas na média de cuidados durante a gravidez; ou com
sintomas ou no percentual de mulhe- a prevalência de dor lombar pelo pe-
res com valores preditivos positivos ríodo de um ano após o parto. Entre-
para depressão pós-parto (12 ou mais tanto, os pesquisadores observaram
sintomas) entre os grupos interven- que as mulheres envolvidas em pelo
ção e controle. Entretanto, de acordo menos dois trimestres de atividade
com os autores, a adesão ao protocolo física na gestação apresentaram me-
da intervenção pode ter subestima- nores chances de sofrer limitações
do possíveis benefícios do exercício de atividades devido à lombalgia du-
físico, uma vez que as estimativas rante a gravidez36. Em um outro es-
encontradas do efeito protetor, mas, tudo, que relacionou a exposição de
nesse caso, não significativas, estão atividade física e atividades laborais
de acordo com a literatura, que in- na gestação com a dor lombar, tam-
dica parecer haver uma proteção à bém não foi observada associação
depressão pós-parto em mulheres entre a atividade física no lazer com

176
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

a lombalgia. Porém, nessa análise, adequações necessárias para atender


os autores verificaram uma propen- às demandas metabólicas. Adapta-
são maior de lombalgia nas ativida- ções da parede torácica e do diafrag-
des relacionadas ao trabalho (mais ma e nos volumes e capacidades pul-
de oito horas de trabalho por dia e monares, constituem mudanças que
manipular objetos pesados)37. podem alterar a função pulmonar
O comportamento sedentário du- na gravidez39. Alguns estudos têm re-
rante a gestação também foi inves- latado associações positivas entre a
tigado, em um estudo ainda não pu- prática de atividade física e a função
blicado, de uma subamostra de 232 pulmonar, entretanto estudos com
gestantes (grupo controle) do estudo gestantes são escassos. Um artigo ain-
PAMELA, relacionado com a incapa- da não publicado, com dados do estu-
cidade por dor lombar. Nenhuma as- do PAMELA, avaliou o efeito da inter-
sociação significativa foi encontrada venção de exercícios físicos sobre os
entre o tempo gasto em comporta- parâmetros de função pulmonar (vo-
mento sedentário (TV, computador, lume expiratório forçado no primeiro
tempo sentado no descolamento e no segundo – VEF1 e pico de fluxo expi-
trabalho) durante o segundo trimes- ratório – PFE) em três momentos do
tre da gestação (período que esses ensaio clínico (antes, meio e ao final).
dados foram coletados) e o desfecho. Os resultados mostraram que os va-
Uma revisão de literatura oriunda lores do VEF1 não se diferiram entre
desse mesmo trabalho mostrou que, os grupos intervenção e controle. Já
além de escassos, os estudos sobre a para o PFE, as gestantes engajadas no
temática são bastante heterogêneos programa de exercícios apresentaram
em relação aos resultados e, além dis- valores mais altos no meio do ensaio
so, enquanto a posição (em pé, senta- e também um aumento da linha de
da ou deitada) foi um agravo para a base até o meio do ensaio, em compa-
dor nas costas, o repouso e descanso ração ao grupo controle40.
foram fatores de alívio38.
Tipo de parto e hospitalização
Função pulmonar
Outros dois desfechos que foram
Assim como ocorrem alterações analisados por pesquisadores, ligados
anatômicas e fisiológicas na gestação a Pelotas, dizem respeito a dois im-
resultantes das mudanças hormo- portantes indicadores de saúde ma-
nais, mecânicas e circulatórias, o sis- terno-infantil ligados à mulher. O par-
tema respiratório também passa por to cesáreo, que coloca o Brasil como o

177
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

segundo país com maior prevalência, Efeitos fetais, neonatais e infantis


entre mais de 150 países analisados, da atividade física gestacional
representa 55,7% dos partos, quase o
triplo da estimativa mundial de 21% e Ao exercitar-se na gestação, talvez
longe da recomendação de 10% a 15% a maior preocupação que a mulher
da Organização Mundial de Saúde41, pode ter refere-se a possíveis danos
42
. Embora seja uma importante in- ao feto/bebê e, dentro deste contexto,
tervenção para salvar a vida de mães o medo de abortar devido ao exercí-
e bebês, a cesárea pode causar com- cio físico permanece no imaginário
plicações significativas imediatas e de algumas pessoas, mesmo que ja-
de longo prazo42. Já a hospitalização mais a ciência tenha mostrado qual-
na gestação, apesar de menos co- quer sinal de risco desse desfecho
mum, foi observada em 4,3% das ges- em virtude do exercício. Com a evo-
tantes de um estudo que apresentou lução da pesquisa, na verdade o que
como principais diagnósticos as in- se mostrou foram efeitos benéficos
fecções, doenças hipertensivas, dia- do exercício que se iniciam na vida
betes e hemorragias, sendo as mes- fetal, como um melhor desenvolvi-
mas complicações correspondentes mento placentário; são verificados
pela mortalidade materna43. Em re- no momento do nascimento, como
lação a esses dois desfechos, um es- uma menor chance de prematurida-
tudo conduzido por pesquisadores da de; e podem se estender pelo menos
UFPel no município de Rio Grande, até a primeira infância, o que já foi
vizinho a Pelotas, com uma amostra demonstrado comparando filhos de
populacional de 2.557 mulheres, veri- ativas e inativas em alguns aspectos
ficou a associação da atividade física do neurodesenvolvimento e composi-
na gestação com diferentes indicado- ção corporal.
res de saúde materno-infantil44. Foi
observado que as mulheres que pra- Prematuridade e peso ao nascer
ticavam atividade física na gestação
tiveram menor probabilidade de rea- Estes dois desfechos são provavel-
lização de cesariana, entretanto não mente os mais estudados no mundo
houve associação com hospitalização em termos de saúde neonatal, pois
na gestação. ambos são extremamente associados
à saúde da criança no início da vida
e podem ter consequências de longo
prazo. No que diz respeito à ativida-
de física, as primeiras impressões

178
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

surgidas na década de 1980 levavam sistemática e metanálise de Silva e co-


a crer que excesso de atividades pro- legas9 confirmou mais uma vez essa
vocariam à prematuridade, contudo relação entre atividade física gestacio-
ao melhorar as análises estatísticas nal e diminuição da prematuridade.
das pesquisas, a partir da segunda Na Coorte de 2004 (dados não pu-
metade da década de 1990, ficou cla- blicados) foi verificado também que
ro que as atividades de lazer seriam mulheres ativas no trimestre pré-gesta-
protetivas e muito do prejuízo que cional geram filhos ligeiramente mais
se observava para as atividades ocu- pesados (aumento de 48,3g; p=0.04;
pacionais eram resultado de pouco IC95% 3,1 – 93,5g), sem maiores riscos
controle estatístico para confundido- para macrossomia, e que a atividade
res sociais e até confusão residual45. de lazer não aumenta a chance de re-
De forma moderada, ainda se discute tardo de crescimento intrauterino. O
esse paradoxo que surge quando mis- estudo de Dumith e colegas44 também
turamos todos os domínios da ativi- confirmou dados semelhantes, além
dade física como se fossem apenas de mostrar que as ativas apresentam
um comportamento46. menos chance de natimorto.
Tanto na Coorte de 2004 quanto na
de 2015, estudos mostraram um efei- Neurodesenvolvimento
to protetor da atividade de lazer para
prematuridade47, 48. Essa proteção foi Uma das primeiras constatações
variável de acordo com o trimestre dos pesquisadores da área de ativida-
gestacional estudado, com o volume de física na gestação foi a de que mu-
de atividade física, e com o fato de a lheres muito ativas geram crianças
mulher ter sido ativa em todos os tri- mais leves e mais magras. Com isso,
mestres. Mas, independentemente de uma das preocupações era se aquela
pequenas diferenças no tamanho do quantidade menor de gordura cor-
efeito protetor, pode-se dizer que, ao poral poderia causar algum prejuízo,
comparar mulheres ativas com ina- principalmente considerando que o
tivas, as ativas apresentam 40 a 50% nosso sistema nervoso é composto
menos chance de gerar uma criança por 2/3 de gordura. Mas, desde a déca-
prematura. Esse dado foi primeira- da de 1990, as pesquisas com esse en-
mente verificado na Coorte de 2004 e foque mostraram que era uma preo-
mais tarde confirmado pela Coorte de cupação desnecessária e que se existe
2015, dentro de um universo de mais algum efeito da atividade física gesta-
de 8300 mulheres e seus filhos, consi- cional sobre o neurodesenvolvimento
derando ambas as coortes. A revisão o mesmo seria positivo. Uma revisão

179
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

sistemática de estudos de coorte e de linguagem e de controle motor


ensaios clínicos randomizados49 con- (fino e grosso). Apesar de muitos
cluiu que as atividades de lazer prati- resultados não apresentarem sig-
cadas durante a gestação podem ter nificância estatística em favor da
efeitos positivos sobre o neurodesen- intervenção, efeitos benéficos e sig-
volvimento, principalmente no domí- nificativos foram observados para o
nio da linguagem de crianças entre as desenvolvimento da linguagem aos
idades de 18 e 60 meses. dois anos e para o desenvolvimento
Dentro da Coorte de 2004 foi fei- cognitivo aos quatro anos.
ta uma avaliação do desenvolvimento Outro estudo sobre neurodesen-
neuromotor em várias idades (um, dois volvimento na Coorte de 2015 avaliou
e quatro anos), além de avaliação do QI por acelerometria a atividade física
infantil aos quatro anos50. Esse primei- nas idades de um, dois e quatro anos
ro estudo mostrou nas análises brutas com a intenção de traçar uma traje-
superioridade dos filhos de mulheres tória de atividade física e avaliar sua
ativas em todos os parâmetros de neu- influência sobre o neurodesenvolvi-
rodesenvolvimento e um QI médio mento aos quatro anos53. Os resul-
cinco pontos mais alto aos quatro anos tados mostraram tanto uma relação
de idade, porém muitos resultados de dose-resposta entre atividade fí-
positivos perderam significância após sica infantil e neurodesenvolvimen-
ajuste estatístico. Mesmo assim, após to em todas as idades, mas também
os ajustes para confundidores, o estu- que uma trajetória de vida mais ativa
do conclui que, com um ano de idade, conferiu melhores escores de neuro-
os filhos de mulheres ativas nos três desenvolvimento. Além disso, ainda
trimestres gestacionais apresentam re- na Coorte de 2015, avaliou-se o neu-
sultados significativamente melhores rodesenvolvimento pelo instrumento
no teste de Battelle. Um estudo japo- de neurodesenvolvimento de Oxford
nês (coorte de mais de 100 mil pessoas) (Ox-NDA), que mediu os domínios
mostrou também que a atividade física cognitivo, motor e de linguagem nas
pré-gestacional e na gestação pode re- crianças com um ano de idade54. Para
duzir problemas de sono e de desenvol- meninos, a atividade física gestacio-
vimento na infância51. nal de lazer (medida por questionário)
No ensaio clínico aninhado à exerceu uma influência protetora no
Coorte de 2015 também se avaliou neurodesenvolvimento infantil (OR=
o neurodesenvolvimento com um, 0,50; IC95% 0,28-0,88) e a atividade fí-
dois e quatro anos52. Os domínios sica gestacional medida por acelero-
avaliados foram aspectos cognitivo, metria também se mostrou protetora

180
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

para meninos, no que diz respeito tando seu tempo de tela. Um estudo
aos problemas de desenvolvimento que comparou as coortes de 2004 e
da linguagem (OR= 0,56; IC95% 0,34- 2015, quando as crianças tinham qua-
0,95). Além disso, para meninas, a ati- tro anos, mostrou que nesse espaço
vidade física gestacional resultou em de 11 anos as crianças aumentaram
melhor desenvolvimento do domínio de 3,4 para 4,4 horas de tempo de TV
motor, sendo fator de proteção para por dia55.
atrasos de desenvolvimento desse do- Na Coorte de 2015 foi feita avalia-
mínio (OR= 0,47; IC95% 0,26-0,85). ção da atividade física por acelerome-
tria em crianças de um ano56, com
Efeitos precoces da atividade protocolo de 24h por quatro dias e
física infantil observou-se em quase 3 mil crianças
que, independentemente do fato da
Assim como na população adulta, criança já estar caminhando ou não,
em crianças as duas formas princi- as meninas apresentam menos movi-
pais para se avaliar a atividade física mento global e menos atividades con-
são o questionário e a medida direta, sideradas intensas. Outro fato curio-
como por acelerometria. Contudo, so é que crianças filhas de mulheres
no público infantil o diferencial em mais ativas na gestação eram mais
relação ao questionário é que não po- ativas com um ano de idade. A mes-
demos usar o autorrelato, mas sim a ma diferença foi vista comparando o
informação indireta fornecida pelos status de atividade física paterna atu-
pais, tornando-a bastante frágil meto- al. Ou seja, com um ano de idade, as
dologicamente e sendo sujeita à per- crianças mais ativas eram as filhas de
cepção dos pais. gestantes mais ativas e com pais mais
De forma inovadora, tanto as co- ativos na atualidade.
ortes de 2004 quanto de 2015 se preo- Um dado preocupante é que, as-
cuparam com avaliação da atividade sim como na passagem da adolescên-
física infantil, coletando informação cia para a vida adulta, desde a infân-
tanto via pais (questionário) quanto cia (a partir dos quatro anos de idade)
por via direta (acelerometria), além observa-se uma queda na atividade
disso, medidas de tempo de tela e física à medida que as crianças cres-
comportamento sedentário também cem, e desde cedo os meninos são
foram obtidas em alguns acompanha- mais ativos que as meninas. Um estu-
mentos. Similar ao que se observa em do de Pelotas57 com crianças entre as
populações adultas, os jovens das co- idades de quatro a 11 anos, medindo
ortes parecem também estar aumen- atividade física por acelerometria,

181
X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

mostrou que mais da metade do tem- bém se beneficiam ao iniciarem ati-


po é gasto em atividades sedentárias vidades físicas na gestação, algo que
e que a idade e a situação econômi- muitos ainda julgam ser contraindi-
ca eram inversamente associadas à cado, mas hoje aceita-se ser uma mu-
atividade física. Além disso, mais de dança positiva, da mesma forma que
um terço das meninas apresentavam cessar o fumo durante a gestação é
atividade física insuficiente, enquan- uma mudança que só traz benefícios.
to entre os meninos 19,5% estavam Sob o ponto de vista infantil, a
nessa situação. O mesmo grupo de atividade física gestacional não traz
pesquisadores mostrou também que prejuízos e pode trazer benefícios
as atividades físicas praticadas aos que são mais facilmente percebidos
quatro anos de idade (avaliadas por no início da vida, existindo ainda cer-
questionário e acelerometria), fo- ta lacuna no que diz respeito à dura-
ram benéficas para a saúde óssea ção desse efeito ao longo da infância,
das crianças em idades tão precoces uma vez que se aceita que com o pas-
quanto os seis anos. Crianças mais sar dos anos o ambiente passe a exer-
ativas aos quatro anos apresentaram cer uma maior influência, atenuando
maiores densidades minerais ósseas potenciais efeitos do período fetal. E
aos seis anos de idade58. indo para um campo ainda pouco ex-
plorado, efeitos epigenéticos da ativi-
Considerações finais dade física gestacional ainda poderão
ser avaliados no futuro com estudos
As evidências obtidas com os es- passíveis de serem realizados junto às
tudos de Pelotas, em sua maioria, coortes de nascimentos que contam
confirmam o que os demais estudos com coleta de material genético.
internacionais da área de ativida- Olhando para a criança exclusiva-
de física e saúde materno-infantil mente, as evidências mostram que de
têm mostrado, ou seja, na maioria alguma forma os pais ativos possuem
das gestações a mulher pode e deve filhos mais ativos também e desde
manter-se ativa pois isso, além de idades precoces conseguimos perce-
não aumentar risco para nenhum ber diferenças entre meninos e meni-
desfecho indesejado, pode contri- nas, sendo que já na primeira infân-
buir de forma positiva sobre a sua cia as meninas apresentam um grau
saúde e ter reflexos benéficos nos de movimentação inferior aos meni-
seus filhos também. nos, abrindo uma perspectiva para
Contrariando opiniões populares, intervenções focadas nessa diferença
mulheres previamente inativas tam- desde o início da vida. Além disso, já

182
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

na primeira década de vida é possível during pregnancy. Am J Epidemiol.


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Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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X. Consequências da atividade física na gestação e primeira infância

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186
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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187
XI
CONSEQUÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA
NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Bruna Gonçalves Cordeiro da Silva; Thiago Terra Borges;


Gabriel Gustavo Bergmann

S
egundo recomendações nacio- Duas questões importantes na li-
nais1 e internacionais2, crian- teratura da área que devem ser res-
ças e adolescentes devem en- saltadas são a necessidade de estudos
gajar-se em pelo menos 60 minutos com delineamento longitudinal para
de atividade física (AF) de intensi- a adequada investigação das con-
dade moderada a vigorosa por dia. sequências da AF e a realização de
A prática de AF durante a infância e estudos em países de renda média e
adolescência é bem estabelecida na baixa, pois a maioria das evidências
literatura como um comportamento sobre as consequências da AF é for-
benéfico para a saúde de modo geral1. necida por estudos realizados em pa-
No entanto, algumas lacunas perma- íses de renda alta.
Nesta perspectiva, faz-se necessá-
necem, comprometendo a melhor
rio destacar os estudos realizados na
compreensão das associações entre a
cidade de Pelotas (RS). Com muitos
prática de AF e um melhor perfil de
pesquisadores atuantes na área de
saúde em crianças e adolescentes2.
epidemiologia da AF e com a realiza-

188
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ção de pesquisas como as das Coortes íram as principais características e


de Nascimentos de Pelotas, nas quais resultados dos elegíveis para uma
os participantes são acompanhados planilha e classificaram a temática
desde o nascimento, os estudos rea- dos desfechos estudados em cada ar-
lizados na cidade têm a possibilida- tigo. As informações foram compara-
de de fornecer importantes contri- das entre os dois autores para checar
buições para a melhor compreensão possíveis inconsistências. Em caso de
dos benefícios da prática de AF em discordância, os autores entraram em
diferentes marcadores de saúde em consenso. Um terceiro autor fez uma
crianças e adolescentes. Assim, o revisão de 20% dos artigos, selecio-
objetivo deste capítulo é descrever nados de forma aleatória, para che-
as características e resultados dos car a concordância das informações.
estudos de Pelotas sobre consequên- Além dessa revisão, foram checados
cias da AF na infância e adolescência os currículos Lattes de pesquisadores
(5–18 anos), contextualizando esses da cidade de Pelotas (RS) da área e foi
achados com a literatura da área. realizado contato com alguns deles, a
fim de verificar se havia algum outro
Caracterização dos estudos artigo elegível para o capítulo, que
selecionados não constava na lista enviada.
Foram considerados elegíveis
A elaboração deste capítulo ini- para a elaboração deste capítulo os
ciou com a revisão da lista de artigos artigos originais realizados em Pelo-
enviada aos autores pelos organiza- tas, que utilizaram como exposição
dores do livro. A lista foi realizada a alguma medida de AF e/ou comporta-
partir de uma busca sistemática nas mento sedentário durante a infância
bases de dados PubMed, Scopus, Web ou adolescência (5–18 anos) e que ve-
of Science, Scielo e Biblioteca Virtual rificaram a associação dessa medida
em Saúde (BVS), com limitação de pu- com algum desfecho. Ao final, foram
blicação até o ano de 2020. Nessa bus- selecionados 31 artigos originais pro-
ca foram utilizados os termos: (“phy- duzidos ao longo dos últimos 20 anos
sical activity” OR “motor activity” OR que se encaixaram nos critérios de
“sedentar*”) AND (“Pelotas” OR “Sou- elegibilidade. As principais caracte-
thern Brazil”), junto com o operador rísticas desses artigos estão descritas
de afiliação (“Federal University of na Tabela 1.
Pelotas”). Dois autores deste capítulo
fizeram uma revisão independente
dos artigos incluídos na lista, extra-

189
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

Tabela 1 – Principais características dos estudos selecionados

Características dos estudos N


Delineamento
Transversal 11
Longitudinal 20
Tamanho da amostra
< 500 5
500 – 999 3
1.000 – 2.000 4
> 2.000 19
Amostra
Coorte de Nascimentos de Pelotas de 1982 2
Coorte de Nascimentos de Pelotas de 1993 20
Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004 1
Outras 8
Tipo de medida de atividade física
Apenas subjetiva (autorrelato/questionário) 23
Apenas objetiva (acelerômetro) 1
Ambas 7
Classificação dos desfechos avaliados
Composição corporal 6
Saúde cardiovascular 5
Saúde óssea 5
Saúde mental 3
Função pulmonar 3
Sono 2
Tracking de atividade física 2
Outros* 5
*Outros: dor lombar, reprovação escolar, trauma dental, inteligência e utili-
zação de medicamentos.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

A maioria dos estudos teve deline- participantes da Coorte de 1993 foram


amento observacional longitudinal, os mais estudados neste tópico. Além
tamanho de amostra superior a 2.000 disso, medidas subjetivas de AF fo-
indivíduos, as Coortes de Nascimen- ram as mais utilizadas. Os três desfe-
tos de Pelotas foram a principal fon- chos mais estudados foram relaciona-
te de dados dos artigos, sendo que os dos à composição corporal3–8, saúde

190
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

cardiovascular9-13 e saúde óssea14-18. ado nisso, optou-se por organizar este


Além disso, apresentaram mais de capítulo em tópicos de acordo com a
um artigo os temas relacionados à classificação dos desfechos estuda-
saúde mental19-21, função pulmo- dos, tendo como critério para a inclu-
nar22-24, sono25,26 e tracking de AF27,28. são da seção, a existência de pelo me-
Foi encontrado apenas um artigo de nos dois artigos originais produzidos
Pelotas sobre as consequências da em Pelotas.
AF na infância e adolescência na dor Os principais resultados de todos
lombar29, reprovação escolar30, trau- os estudos localizados estão ilustra-
ma dental31, quociente de inteligên- dos na Figura 1.
cia32 e uso de medicamentos33. Base-
Figura 1 – Sumarização dos principais resultados sobre as consequências da atividade física na infância e
adolescência dos 31 artigos selecionados de Pelotas.

Atividade física Comportamento sedentário

Composição corporal
× × ↑ ↑ ↑ ↑ ↓
(n=6)
Saúde cardiovascular
× × ↑ ↑ ↑ ↓
(n=5)
Saúde óssea
↑ ↑ ↑ ↑ ↑
(n=5)
Saúde mental
↑ ↑ ↑
(n=3)
Função pulmonar
↑ ↑ ↓
(n=3)
Sono
× × ↓
(n=2)
Tracking de atividade física
↑ ↑
(n=2)
Dor lombar
×
(n=1)
Reprovação escolar

(n=1)
Trauma dental
×
(n=1)
Quociente de inteligência

(n=1)
Utilização de medicamentos

(n=1)
*legenda na próxima página

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

191
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

Cada símbolo representa a presença ou ausência de associação entre as variáveis nos resulta-
dos principais de cada artigo sobre o tema. Foram consideradas apenas as análises ajustadas
apresentadas nos artigos.
↑: quando pelo menos uma associação significativa (nos meninos e/ou meninas) indicando
um efeito benéfico da atividade física ou do comportamento sedentário foi encontrada no
artigo.
↓: quando uma associação significativa (nos meninos e/ou meninas) indicando um efeito
prejudicial da atividade física ou do comportamento sedentário foi encontrada no artigo.
×: quando não foi encontrada nenhuma associação significativa no artigo.
↔: quando foram encontradas associações nas duas direções (nos meninos e/ou meninas) no
artigo.

Dentre todos os estudos selecio-


Consequências na composição nados para o presente capítulo, seis
corporal tiveram como desfecho principal al-
guma variável relacionada à compo-
Sobrepeso e obesidade em crian-
sição corporal, sendo que o desfecho
ças e adolescentes são problemas
mais estudado nos artigos de Pelotas
importantes de saúde pública, uma
foi sobre as consequências da AF em
vez que constituem fatores de risco
crianças e adolescentes. As variáveis
para o desenvolvimento de doenças
de composição corporal avaliadas
crônicas não transmissíveis e morte
nesses estudos foram: dobras cutâne-
prematura34 Além disso, essa condi-
as3,4, IMC para avaliação de excesso
ção, quando desenvolvida na infân-
de peso e obesidade6, massa de gordu-
cia ou adolescência, tende a se esten-
ra3,5,7,8, massa magra7,8, circunferên-
der para a vida adulta35. Os valores
cia da cintura4,5, relação cintura-qua-
médios de Índice de Massa Corporal
dril4 e relação cintura-coxa4. Além de
(IMC) para a idade em crianças e
diferenças nas variáveis de desfecho
adolescentes têm apresentado ten-
avaliadas, houve também diferenças
dências de crescimento no mundo,
entre os tipos de AF avaliados, sendo
principalmente em países de baixa
que a maioria dos estudos mensurou
e média renda36. A AF pode ter um
a AF de lazer e/ou deslocamento por
efeito na composição corporal por
meio de autorrelato e apenas dois es-
meio, principalmente, do aumento
tudos utilizaram acelerômetros para
no gasto energético37. Assim, com-
medir AF3,4. Ainda, apenas um estudo
preender as consequências da AF em
avaliou algum parâmetro relacionado
parâmetros relacionados à composi-
ao comportamento sedentário6. Cin-
ção corporal/adiposidade nessa faixa
co, dentre os seis estudos seleciona-
etária faz-se necessário.
dos, utilizaram como amostra partici-

192
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

pantes da Coorte de Nascimentos de centes de 13 anos, mas associações


1993 de Pelotas. com AF moderada ou total foram
Dos seis estudos que abordaram mais fracas ou inexistentes4. Ainda,
esse grande tema em crianças e ado- as associações foram mais fortes nos
lescentes, dois não encontraram ne- meninos do que nas meninas4. Um
nhuma associação entre AF e com- dos estudos investigou a associação
posição corporal utilizando modelos entre AF de deslocamento e massa de
de análise ajustados para fatores de gordura central, encontrando que o
confusão3,6. Um deles investigou a as- deslocamento ativo na adolescência,
sociação bidirecional da AF de lazer especialmente aos 15 e 18 anos, foi as-
e deslocamento, autorrelatada, com sociado com menores níveis de gor-
a soma de dobras cutâneas aos 11 e dura central aos 18 anos nos meninos,
15 anos em participantes da Coorte mas não nas meninas5. Os outros dois
de 1993 e a associação prospectiva da estudos investigaram as associações
AF avaliada por acelerometria com longitudinais da AF com massa ma-
a soma de dobras cutâneas e massa gra e massa de gordura7,8. Um desses
de gordura avaliada por diluição de não encontrou associação entre AF
óxido de deutério em uma subamos- de lazer aos 11 e 13 anos com a massa
tra dessa coorte aos 13 anos3. O outro magra aos 13 anos, mas observou que
estudo avaliou a associação transver- os meninos que eram inativos no la-
sal entre AF de lazer autorrelatada e zer (<420 minutos por semana) aos 11
as prevalências de excesso de peso e e 13 anos apresentaram maior massa
obesidade em adolescentes de 14 a 19 de gordura aos 13 anos do que aque-
anos que eram estudantes de uma es- les que eram ativos nas duas idades7.
cola privada da cidade de Pelotas6. Por fim, o último estudo mostrou que
Por outro lado, nos outros quatro a prática consistente de AF modera-
estudos, ao menos uma associação da a vigorosa durante adolescência
foi encontrada entre as variáveis ava- (11, 15 e 18 anos) foi associada a uma
liadas de AF e composição corporal, maior massa magra aos 18 anos nos
apontando para possíveis benefícios meninos e meninas e que a AF vigo-
da AF durante a adolescência na rosa foi associada à menor massa de
composição corporal. Dentre esses, gordura, mas apenas nos meninos8.
o único que utilizou AF medida por Há uma vasta literatura nessa
acelerometria encontrou associação área, mas assim como visto nos es-
transversal inversa da AF vigorosa tudos de Pelotas, a grande heteroge-
com somatório de dobras cutâneas e neidade nos métodos, tanto na avalia-
circunferência da cintura em adoles- ção da AF quanto na da composição

193
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

corporal, dificulta a comparação e inerentemente maior em meninas na


sumarização de resultados. Uma revi- adolescência41, podendo essas serem
são sistemática realizada por pesqui- mais resistentes aos efeitos da AF7,
sadores europeus sobre a associação enquanto meninos têm maior incre-
entre medidas objetivas de AF e adi- mento de massa magra ao longo des-
posidade em crianças e adolescentes sa faixa etária42.
verificou que 79% dos estudos en- O único estudo de Pelotas sobre
contraram alguma associação signi- consequências da AF na adolescên-
ficativa inversa entre medida objeti- cia na composição corporal que
va de AF e adiposidade (quanto mais avaliou um parâmetro de comporta-
AF, menos adiposidade), sendo que mento sedentário, embora não tenha
a maioria dos estudos foi transversal encontrado associação com AF de
(85%) e utilizou o IMC como desfecho lazer, observou que assistir televi-
(65%)38. Outra revisão sistemática, são por pelo menos duas horas por
desenvolvida por pesquisadores de dia foi associado transversalmente
Pelotas, que investigou a associação a uma maior prevalência de excesso
longitudinal entre AF e gordura cor- de peso em adolescentes, mas não
poral na adolescência, verificou que encontrou associação com a preva-
a maioria dos estudos longitudinais lência de obesidade6. Uma revisão
sobre o tema evidenciou um efeito sistemática de revisões encontrou
protetivo da AF para maiores ganhos que estudos observacionais transver-
de gordura corporal em adolescentes, sais indicam uma associação entre
especialmente quando a AF é pratica- tempo de tela, especialmente tempo
da em intensidades mais altas, e que de televisão, e adiposidade em crian-
associações entre AF e gordura cor- ças e adolescentes, enquanto essa as-
poral que analisavam mudanças no sociação não parece consistente em
nível de AF como exposição apresen- estudos longitudinais43.
tavam resultados mais consistentes39. Alguns pontos importantes po-
Além disso, resultados mais con- dem ser destacados acerca dos estu-
sistentes de associação entre AF e dos de Pelotas sobre as consequên-
composição corporal foram observa- cias da AF na composição corporal
dos nos meninos em alguns estudos de crianças e adolescentes. A qua-
de Pelotas. Esses resultados são corro- lidade da avaliação da composição
borados com achados da literatura39. corporal nas Coortes de Pelotas me-
Isso poderia ser explicado pelo fato lhorou com o tempo, com a inclu-
de os meninos serem mais ativos40 e são de instrumentos mais robustos.
pelo fato de que a gordura corporal é Nesse sentido, observou-se que os

194
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

estudos com resultados mais consis- prevenção e o controle de diferentes


tentes foram aqueles que utilizaram fatores de risco para DCV em curto,
métodos mais robustos para avalia- médio e longo prazos.
ção de composição corporal, como Após o processo de busca e sele-
a diluição de óxido de deutério7 ou ção, foram identificados cinco estu-
DEXA (raio-X de dupla energia)5,8. dos realizados com crianças e ado-
Ainda, até o momento, todos estudos lescentes de Pelotas9-13 relativos às
de Pelotas sobre o tema foram rea- consequências da AF sobre fatores de
lizados com amostras de adolescen- risco para DCV. Em um dos estudos,
tes (≥11 anos), apenas um abordou além da AF, também foram analisa-
o comportamento sedentário (ava- das as associações entre o tempo de
liado por tempo de televisão) como tela e fatores de risco para DCV13.
uma variável de exposição6, e apenas De maneira geral, para a men-
um estudo investigou a bidireciona- suração da AF e do tempo de tela
lidade da associação entre AF e com- foram utilizados questionários e a
posição corporal3. acelerometria, sendo que em dois
estudos ambos instrumentos foram
Consequências na saúde utilizados10,12. Para os fatores de ris-
cardiovascular co para DCV, em dois estudos foram
analisadas informações relativas à
As doenças cardiovasculares pressão arterial (PA)9,10, em dois es-
(DCV), especificamente o infarto agu- tudos foram analisados simultane-
do do miocárdio e o acidente vascular amente diferentes marcadores de
cerebral, se mantêm globalmente no saúde cardiovascular11,13 e em um
topo das causas de morte44. Embora estudo foi analisada a hemoglobi-
a mortalidade por tais doenças não na glicada (HbA1c)12. Em relação ao
ocorra nas duas primeiras décadas de delineamento dos estudos, três utili-
vida, sua gênese inicia nesse período zaram análises longitudinais10,12,13 e
sendo mediada pela presença de uma os cinco estudos realizaram análises
série de fatores de risco45. Conside- transversais, sendo que em um deles
rando a bem estabelecida associação as informações sobre AF durante a
entre a prática de AF e a redução na adolescência foram retrospectivas e
morbimortalidade por doenças car- as informações sobre o desfecho (PA)
diovasculares em adultos46, torna-se foram consideradas no momento
importante entender melhor como a da coleta dos dados (adultos com 40
prática de AF nos anos da infância e anos ou mais)9. Para as análises lon-
adolescência pode contribuir para a gitudinais, informações da amostra

195
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

da Coorte de Nascimentos de 1993 de tudos analisados, de maneira geral,


Pelotas coletadas em diferentes mo- as evidências não foram consisten-
mentos foram utilizadas. tes. Tal inconsistência também foi
Em relação aos resultados, a observada em uma revisão sistemá-
maior parte das associações entre AF tica envolvendo 29 estudos (24 ob-
e os fatores de risco para DCV foram servacionais longitudinais e trans-
encontradas nas análises transver- versais e cinco experimentais)47 e
sais, sugerindo que uma associação em outra revisão sistemática com
inversa entre a AF e fatores de risco meta-análise (30 estudos, sendo
para DCV em crianças e adolescentes. 21 longitudinais e oito experimen-
No entanto, nos dois estudos realiza- tais)48 que analisaram a temática.
dos apenas com esse delineamento Embora existam argumentos con-
a AF não se associou aos desfechos sistentes sobre mecanismos biológi-
analisados9,11. Entre as análises lon- cos para explicar os benefícios da AF
gitudinais, apenas em um estudo fo- sobre o perfil de diferentes fatores
ram encontradas associações entre a de risco para DCV, como a melhora
AF e o desfecho analisado10. Adoles- na ação da insulina nos músculos e
centes que aos 12 anos foram mais no transporte da glicose49, a melhora
ativos (segundo e terceiro tercis de no metabolismo dos ácidos graxos, e
AF por acelerometria) apresentaram o aumento da ação do óxido nítrico
valores mais baixos de PA diastólica contribuindo para melhoria na vaso-
aos 14 anos. Adolescentes que relata- dilatação, para o aumento da densida-
ram a prática de 300 ou mais minutos de de capilares e do fluxo sanguíneo e
de AF por semana (questionário) aos de oxigênio48, a literatura sugere al-
11, 12 e 14 anos tiveram um aumento gumas hipóteses para a inconsistên-
médio na PA diastólica dos 11 para os cia nos resultados de estudos sobre a
14 anos significativamente menor do associação entre AF e fatores de risco
que os adolescentes que relataram re- para DCV em crianças e adolescentes.
alizar menos do que 300 minutos de Comparado a outros desfechos de
AF por semana nos três momentos de saúde, como indicadores de adiposi-
coleta. Para a PA sistólica não foram dade, a quantidade de estudos com
encontradas associações com a AF elevada qualidade metodológica ain-
em nenhuma das análises. da é pequena47,48. A baixa prevalên-
Apesar de algumas associações cia desses desfechos em níveis acima
inversas entre as medidas de AF e dos recomendados nessa população,
dos fatores de risco para DCV terem principalmente quando analisados de
sido identificadas no conjunto de es- forma agrupada (síndrome metabóli-

196
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ca, por exemplo) pode interferir nas grupos: 1) alta AF e baixo tempo de
associações48. Muitas das evidências tela; 2) alta AF e alto tempo de tela;
disponíveis são provenientes de estu- 3) baixa AF e baixo tempo de tela; e,
dos transversais e com a medida de 4) baixa AF e alto tempo de tela. Os
AF não realizada de forma objetiva51. resultados indicaram não haver asso-
Ainda, as diferentes formas de anali- ciações entre as categorias de tempo
sar a AF (volume total, a utilização de de tela e AF analisadas aos 11 e 15
diferentes pontos de corte para clas- anos com nenhum dos marcadores
sificação intensidade, de diferentes de saúde cardiovascular analisados
bouts, entre outras características)47 aos 18 anos. Nas análises transver-
e os poucos estudos considerando as sais, adolescentes do grupo baixa AF
possíveis associações das AF de in- e alto tempo de tela apresentaram ní-
tensidades vigorosas separadamente veis mais altos de glicose e de coles-
das AF de intensidades moderadas52 terol não HDL. Quando analisados de
são possíveis motivos para as incon- forma independente, adolescentes do
sistências encontradas na literatura. grupo mais ativo apresentaram níveis
Por fim, outros comportamentos significativamente melhores em to-
potencialmente associados à saúde dos os desfechos, independentemen-
devem ser considerados em estudos te do tempo de tela. O tempo de tela
futuros sobre as consequências da isoladamente, por outro lado, não
AF em marcadores de saúde cardio- apresentou associação com nenhum
vascular de crianças e adolescentes, dos marcadores de saúde cardiovas-
como tempo sedentário, indicadores cular analisados. Outros estudos ori-
de sono e hábitos alimentares47 e a ginais53,54, sendo um deles realizado
aptidão física55. no Rio Grande do Sul53, e uma recen-
Dentre tais comportamentos, re- te meta-análise51 relatam resultados
lações entre o tempo sedentário e semelhantes, sugerindo que níveis
marcadores de saúde têm sido ana- mais altos de AF parecem ser mais
lisadas tanto de forma independen- importantes do que um reduzido
te quanto de forma combinada à AF. tempo de tela para a saúde cardiovas-
No estudo realizado em Pelotas en- cular em adolescentes.
volvendo o tempo sedentário13, essa
variável foi considerada a partir do Consequências na saúde óssea
tempo de tela. As análises foram rea-
lizadas combinando as categorias do A saúde óssea é fundamental para
tempo de tela e de AF (ambas men- a manutenção da qualidade de vida
suradas por questionário) em quatro em virtude do seu papel funcional no

197
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

depósito de minerais, que ajuda o fun- Para avaliar a Densidade Mineral


cionamento do corpo56. Problemas Óssea (DMO), nos estudos das Coortes
relacionados à saúde óssea levam a de Pelotas foi utilizado o DEXA. A ava-
uma morbidade silenciosa, chamada liação da DMO aconteceu na lombar,
osteoporose, que é o aumento da de- no colo do fêmur e no corpo inteiro15;
composição do tecido ósseo levando na lombar e no corpo inteiro7; ou na
a uma maior chance de fraturas57.Es- lombar e no colo do fêmur.16,18 Já em
tima-se que uma em cada três mulhe- um dos estudos, o indivíduo era ques-
res e um em cada cinco homens, com tionado sobre diagnóstico médico de
mais de 50 anos, terão fraturas devido osteoporose14. A prática de AF foi co-
a osteoporose58. Estudo populacional letada utilizando medidas subjetivas
realizado em Pelotas com adultos de em três estudos14-16 e subjetivas e ob-
20 anos ou mais, mostrou que pessoas jetivas em dois17,18.
com diagnóstico médico de osteopo- O primeiro estudo sobre o tema
rose têm 146% mais fraturas do que mostrou que a prática de AF na ado-
pessoas sem diagnóstico59. lescência reduziu em 45% a prevalên-
Mudanças positivas no estilo de cia de osteoporose em adultos com 50
vida, ainda na infância e adolescên- anos ou mais, após ajuste para fatores
cia, são essenciais para diminuir o de confusão14. Esse resultado é cor-
número de indivíduos com proble- roborado por estudos epidemiológi-
mas ósseos na idade adulta. Dentre os cos que mostraram que um aumento
fatores possíveis de serem alterados, de 10% do pico de massa óssea pode
a prática de AF mostra-se fundamen- reduzir em 50% a chance de fraturas
tal60. Foram encontrados cinco estu- ao longo da vida61. Esse aumento tem
dos de Pelotas analisando as conse- como um dos fatores principais a prá-
quências de ser ativo na infância ou tica de AF.
adolescência na saúde óssea, sendo No estudo realizado na Coorte de
que quatro estudos têm como amos- 1982, verificou-se que, no sexo mas-
tra indivíduos pertencentes às Cortes culino, a AF aos 15 anos foi associada
de Nascimentos de 1982, 1993 e 2004 a uma maior DMO na lombar aos 30
de Pelotas, todos de Bielemann e co- anos. Ainda, um efeito dose-resposta
laboradores15-18. Ainda, o outro es- positivo foi encontrado para a asso-
tudo foi realizado com uma amostra ciação entre AF aos 18 anos e a DMO
aleatória de indivíduos com 50 anos total aos 30 anos no sexo masculino15.
ou mais residentes da zona urbana de Além disso, uma maior DMO aos 30
Pelotas que relataram sobre a prática anos foi encontrada em meninos
de AF durante a adolescência14. mais ativos aos 18 e 23 anos, em com-

198
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

paração com meninos inativos nessas nham maior DMO quando compara-
idades15. Cabe ressaltar que, nesse dos ao grupo controle63.
estudo, apenas o sexo masculino foi Utilizando os indivíduos perten-
avaliado aos 18 anos. Esses resulta- centes à Coorte de 1993, foi investi-
dos também foram encontrados por gada também a associação entre a
pesquisadores canadenses, os quais AF acumulada aos 11, 15 e 18 anos e
verificaram que os efeitos da prática a DMO aos 18 anos18. A AF realizada
de AF na adolescência na DMO são em intensidade vigorosa em qual-
mantidos até a idade adulta62. quer idade avaliada na adolescência
Em um outro estudo, tendo como mostrou-se associada à maior DMO
amostra a Coorte de 1993, verificou- na lombar e no fêmur em meninos.
-se que realizar AF de maior impac- Meninas que fizeram, pelo menos,
to com o solo aos 11 e 15 anos esteve 75 min/sem de AF vigorosa em pelo
associada a uma maior DMO no colo menos dois acompanhamentos da
femoral e na lombar aos 18 anos nos adolescência apresentaram maior
meninos16. Entre as meninas, a AF DMO no fêmur aos 18 anos de ida-
de alto impacto aos 11 anos foi po- de. Os resultados das medidas do
sitivamente associada à maior DMO acelerômetro e do autorrelato de AF
lombar e femoral. Ainda, os minutos foram consistentes, tendo nos me-
semanais de AF aos 11 anos foram ninos resultados mais evidentes18.
associados à maior DMO no colo do Esses resultados de diferentes mag-
fêmur. Já nos 15 anos, meninas com nitudes encontrados para meninos
mais minutos de AF apresentaram e meninas já foram evidenciados
maior DMO na lombar e no fêmur. na literatura. Um estudo de revisão
Atingir as recomendações de AF (300 mostrou que vários fatores podem
minutos por semana) aos 15 anos de- influenciar no aumento da DMO,
monstrou ser importante para maior dentre eles está o sexo64.
DMO aos 18 anos, seja avaliando na Já quando a prática de AF foi
lombar ou no colo femoral, tanto avaliada na infância, no estudo cuja
para meninos como para meninas16. amostra foi a Coorte de 2004, os pes-
Maior DMO nas atividades de maior quisadores identificaram uma maior
impacto também foram encontradas DMO da lombar nos meninos mais
em estudo realizado nos Estados Uni- ativos aos quatro e seis anos quan-
dos. Os pesquisadores verificaram do a prática de AF foi relatada pelas
que alunos que faziam atividades de mães dos participantes17. Quando a
maior impacto, após nove meses, ti- AF foi avaliada por acelerometria, os
pesquisadores encontraram associa-

199
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

ção entre AF total e AF moderada a estão presentes na população infan-


vigorosa com maior DMO total e da to-juvenil67. Esse preocupante pano-
lombar em meninos e com maior rama tem despertado na comunidade
DMO da lombar em meninas. Resul- científica o interesse em identificar
tados semelhantes foram encontra- fatores associados à saúde mental
dos em um estudo realizado na Suí- de crianças e adolescentes68. Dentre
ça, no qual as crianças que estavam esses fatores, a AF tem se mostrado
engajadas na AF escolar por pelo me- como um comportamento associa-
nos nove meses possuíam uma DMO do a perfis mais favoráveis de saúde
6,2% maior no corpo, 7,7% no qua- mental nessa população69.
dril, 8,1% no fêmur, quando compa- Dentre os estudos sobre as conse-
radas ao grupo controle65. quências da AF na saúde de crianças
De forma geral, todos estudos de e adolescentes desenvolvidos em Pe-
Pelotas apontaram para benefícios da lotas nos últimos 20 anos, três deles
prática de AF na infância e adolescên- analisaram como desfecho indica-
cia na saúde óssea. A escassez de es- dores de saúde mental19-21. Nos três
tudos que mostrem a associação entre estudos a AF foi mensurada com o
a prática de AF nos anos iniciais de uso de questionários durante a ado-
vida e uma maior DMO na vida adul- lescência. Os indicadores de saúde
ta, reforça a importância dos estudos mental analisados foram a percepção
de coorte para essa temática, uma vez de bem-estar19, a ideação suicida20, e
que somente com estudos longitudi- um escore de saúde mental calcula-
nais é possível chegarmos à conclu- do a partir da soma de respostas para
são de que pessoas ativas na infância 25 questões (Strengths and Difficulties
e na adolescência maximizam o seu Questionnaire) divididas em cinco su-
pico ósseo a ponto de atenuar a perda bescalas (sintomas emocionais, pro-
na idade adulta. blemas de conduta, hiperatividade/
desatenção, problemas de relaciona-
mento com colegas e, comportamen-
Consequências na saúde mental
to pró-social)21. Dois estudos tiveram
Os transtornos mentais estão en- um delineamento transversal19,20 e
tre as principais causas de incapaci- um estudo delineamento longitudi-
dades entre adultos, sendo a depres- nal21. De maneira geral, os resultados
são a mais prevalente66,67. Embora sugerem associações inversas entre
ocorram em níveis mais baixos do que a AF e os desfechos de saúde mental
em adultos, esses problemas também analisados. Quando as análises são
estratificadas por sexo19-21, as associa-

200
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ções se mantêm significativas apenas melhoria do sono (quantidade, quali-


para as meninas. dade e sonolência)71,72.
Assim como é relatado na litera- Assim como para outros desfe-
tura69,70, os estudos de Pelotas anali- chos em saúde, novos estudos sobre
saram diferentes indicadores de saú- as associações entre a AF e a saúde
de mental. Tais indicadores têm sido mental de crianças e adolescentes
agrupados em mal-estar (depressão, precisam ser realizados para a me-
ansiedade, estresse, afeto negativo, lhor compreensão dessa temática.
sofrimento psicológico total, humor Nessa perspectiva, mais estudos
negativo entre outros) e em bem-estar com delineamentos longitudinal e
psicológico (autoimagem, autocon- experimental, que mensurem tanto
ceito, satisfação com a vida, felicida- a AF quanto os indicadores de saúde
de, bem-estar psicológico, humor po- mental de forma objetiva, que ana-
sitivo, entre outros)69,70. No entanto, lisem características da AF (frequ-
independente do indicador de saúde ência, intensidade, duração, tipo e
mental analisado, as evidências suge- contexto), e que considerem outros
rem que AF está associada a um me- comportamentos, como o tempo se-
lhor perfil de saúde mental em crian- dentário, o sono, e hábitos alimenta-
ças e adolescentes69,70, corroborando res, são necessários69-71,73.
com o que foi encontrado nos estudos
realizados em Pelotas. Consequências na função
Os benefícios da AF para a saúde pulmonar
mental de crianças e adolescentes
têm sido especulados principalmente A redução na função pulmonar
a partir de mecanismos: a) neurobio- está associada não apenas com incre-
lógicos, como liberação de endorfi- mento no risco de doenças respirató-
nas, aumentos no fator neurotrófico rias, mas também com mortalidade
derivado do cérebro e crescimento de por todas as causas, câncer, doenças
novos capilares, entre outros, que em respiratórias e cardiovasculares74,75.
conjunto podem realizar ajustes favo- Além disso, uma função pulmonar
ráveis na estrutura e função cerebral; reduzida durante a infância está as-
b) psicossociais, como melhorias na sociada com maior risco de morta-
autopercepção física, na conexão lidade na vida adulta76. A plausibili-
social, no humor e controle de emo- dade da associação entre AF e função
ções; e, c) comportamentais, como a pulmonar pode ser explicada por
melhoria na capacidade de enfrenta- diversos mecanismos, entre eles: a)
mento de dificuldades e desafios, e o efeito anti-inflamatório da AF77; b)

201
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

mudanças na composição corporal e valores de pico de fluxo expiratório


distribuição de gordura promovidas comparados com os que foram ina-
pela AF78; e c) incremento da força tivos aos 11 e 15 anos22. Já o segun-
dos músculos respiratórios79. do estudo sobre o tema teve como
Três artigos de Pelotas avaliaram desfecho o ganho nos parâmetros de
as consequências na função pulmo- função pulmonar dos 15 aos 18 anos,
nar durante a adolescência, sendo encontrando que meninos ativos no
que dois avaliaram AF22,23 e um de- lazer e para AF vigorosa aos 11 e 15
les o comportamento sedentário24. anos tiveram maiores ganhos de fun-
Em todos os estudos os parâmetros ção pulmonar em todos os parâme-
de função pulmonar foram avaliados tros de função pulmonar avaliados,
por espirometria, o delineamento foi comparados aos inativos nas duas
longitudinal e a amostra foram os idades, mas nenhuma associação foi
participantes da Coorte de Nascimen- encontrada para as meninas23.
tos de 1993 de Pelotas. Por fim, o estudo de Pelotas que
Nos dois estudos que avaliaram avaliou comportamento sedentário
AF, medidas baseadas no autorrelato teve como objetivo verificar a asso-
de AF de lazer e deslocamento foram ciação entre trajetórias de comporta-
utilizadas, sendo que um dos estu- mento sedentário, baseado em tempo
dos classificou a AF também pela de tela, aos 11, 15 e 18 anos com pa-
intensidade23. Associações entre AF râmetros de função pulmonar aos 18
e função pulmonar foram encon- anos24. Nesse estudo, os meninos que
tradas nos dois estudos, apontando apresentaram tempo de tela baixo nas
possíveis benefícios da AF na função três idades apresentaram maiores va-
pulmonar. No primeiro estudo sobre lores de capacidade vital forçada aos
o tema, as meninas que se tornaram 18 anos comparados aos que apre-
ativas dos 11 para os 15 anos tiveram sentaram tempo de tela sempre alto.
maiores valores no pico de fluxo ex- Além disso, não foi encontrada ne-
piratório aos 15 anos e aquelas que nhuma associação para as meninas.
foram ativas aos 11 e 15 anos tiveram Outros estudos na literatura sobre
maiores valores de capacidade vital o tema com crianças e adolescentes
forçada e volume expiratório forçado não mostraram resultados consisten-
em seis segundos aos 15 anos, quan- tes. Enquanto alguns encontraram
do comparadas àquelas que foram associações positivas entre AF e fun-
inativas nas duas idades. Entre os ção pulmonar80,81, outros não encon-
meninos, os que se tornaram inativos traram associação significativa82,83.
aos 15 anos apresentaram menores Ainda, a literatura sobre comporta-

202
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

mento sedentário e função pulmo- Ambos estudos foram transversais e


nar, especialmente nessa faixa etária, avaliaram AF por autorrelato. Um dos
é escassa. Assim, não há consenso na estudos avaliou a associação entre AF
literatura sobre o tema e as diferen- de lazer e qualidade do sono em uma
ças entre os resultados dos estudos amostra convencional de adolescen-
parecem variar conforme sexo, ida- tes de 14 a 18 anos de uma escola pú-
des, delineamentos e instrumentos blica de Pelotas25. Os autores desse
utilizados para avaliar AF, dificul- estudo não encontraram nenhuma
tando a compreensão do tópico. Nos associação entre AF e os parâmetros
estudos de Pelotas sobre o tema, ne- de qualidade do sono avaliados.
nhum avaliou crianças e apenas me- O outro estudo de Pelotas sobre
didas baseadas no autorrelato de AF o tema investigou os fatores associa-
foram utilizadas. dos à curta e longa duração do sono,
a partir de duas avaliações transver-
Consequências no sono sais, uma aos 11 e outra aos 22 anos,
dos participantes da Coorte de Nas-
A saúde do sono é um tópico que cimentos de 1993 de Pelotas26. Den-
vem ganhando atenção na literatu- tre os fatores avaliados nesse estudo
ra, dada a importância do sono para estavam a AF e o tempo de tela. Aos
o metabolismo e homeostase do or- 11 anos, um maior tempo de tela foi
ganismo dos seres humanos84. Os associado a uma maior probabilidade
distúrbios de sono são considerados de ter curta duração do sono e menor
problemas de saúde pública, uma vez probabilidade de longa duração do
que atingem grande parcela da popu- sono. Contudo, nenhuma associação
lação e sua relação com mortalidade foi encontrada entre AF e duração do
e doenças crônicas não transmissí- sono aos 11 anos.
veis já foi evidenciada na literatura85. Em uma revisão sistemática sobre
Os possíveis benefícios da AF para a o tema, realizada por pesquisadores
saúde do sono poderiam ser explica- de Pelotas, que incluiu estudos com
dos por alguns mecanismos como a diferentes faixas etárias, os autores
termorregulação corporal, conserva- concluíram que a AF parece ter um
ção de energia, secreção hormonal e efeito benéfico para longa duração
regulação do ciclo circadiano86,87. do sono, qualidade do sono e insô-
Foram identificados dois estudos nia, embora os resultados sejam in-
de Pelotas que investigaram a asso- conclusivos para curta duração do
ciação entre AF e saúde do sono25,26. sono88. No entanto, quando apenas os
estudos com crianças e adolescentes

203
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

que foram incluídos nessa revisão são realizado na Coorte de 1982, em uma
observados, os resultados para todos amostra de 982 indivíduos, foram de-
os parâmetros de sono são inconclu- finidos como ativos aqueles que aos
sivos. Esses achados são corrobora- 15 e 19 anos disseram praticar algu-
dos por uma revisão recente sobre o ma AF pelo menos uma vez na sema-
tema, na qual os autores afirmam que na e aos 23 anos aqueles que realiza-
as evidências sobre os efeitos da AF ram, pelo menos, 150 minutos de AF
no sono para crianças e adolescentes por semana27. No estudo realizado na
ainda são insuficientes, destacando a Coorte de 1993, em uma amostra de
necessidade de estudos longitudinais 3.736 indivíduos, foram considerados
experimentais para essa faixa etária89. ativos aos 11, 15 e 18 anos aqueles que
realizaram, pelo menos, 300 minutos
Consequências no tracking de AF por semana28.
Um dos principais achados des-
A importância da AF na prevenção ses estudos de Azevedo e colabora-
e no tratamento de diversas doenças dores, realizados nas Coortes de 1982
é consenso na literatura científica90. e 1993, foi mostrar que pessoas ati-
Entre os fatores que são importantes vas aos 15 e 19 anos27 e aos 11 e 15
para que se mantenha um estilo de anos28 têm maior probabilidade de
vida ativo na idade adulta, a prática se manterem ativas aos 23 e 18 anos,
de AF na infância e adolescência tem respectivamente, quando compara-
um destaque especial. A essa conti- dos aos indivíduos inativos. Esses re-
nuidade da prática de AF das décadas sultados são encontrados em ambos
iniciais de vida até a idade adulta dá- os sexos, sendo que nos meninos as
-se o nome de tracking da AF. magnitudes foram maiores. Resulta-
Entre os estudos de Pelotas so- dos semelhantes foram encontrados
bre consequências da AF na infância em uma revisão sistemática, onde os
e adolescência, foram encontrados autores afirmam que a prática de AF
dois estudos que analisaram o tra- na infância e adolescência tende a se
cking da AF na adolescência, sendo manter entre os indivíduos ativos até
um na Coorte de Nascimentos de o início da idade adulta, no entanto
198227 e outro na de 199328. Nesses es- essas conclusões não demonstram
tudos, ambos longitudinais, a prática ser uma unanimidade científica91.
de AF foi coletada através de autorre- Nos estudos de Pelotas, conforme
lato. Os critérios adotados para iden- verificado, apenas o tracking da AF
tificar se os indivíduos eram ativos na adolescência para início da vida
variaram entre os estudos. No estudo adulta foi avaliado.

204
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

lotas tende a ser temporária, uma vez


Considerações finais e que, diferentemente das outras Coor-
perspectivas tes de Nascimentos de Pelotas, a Co-
orte de 2015 tem foco na avaliação da
Nos estudos de Pelotas, liderados
AF durante a infância e em breve as
em sua maioria por pesquisadores
evidências produzidas a partir dessa
do Programa de Pós-Graduação em
coorte devem ser publicadas.
Epidemiologia da UFPel, a AF na in-
A pouca utilização de medidas
fância e/ou adolescência mostrou
objetivas de AF, outra lacuna identi-
consequências mais consistentes nos
ficada nos estudos de Pelotas, que é
desfechos relacionados à composição
uma limitação da área em si, também
corporal, saúde óssea, saúde mental,
poderá ser preenchida em breve, pois
função pulmonar e tracking (Figura
a inclusão desses instrumentos para
1), embora o número de estudos para
medir AF nos acompanhamentos das
cada desfecho não seja elevado. Uma
Coortes de Pelotas foi realizada nos
revisão recente sobre a associação
últimos anos. Nesse sentido, com a
da AF vigorosa e desfechos em saúde
utilização dos acelerômetros, além da
em crianças e adolescentes mostrou
possibilidade de investigar de forma
que os três desfechos mais estudados
mais robusta as diferentes intensida-
na literatura científica internacional
des da AF e suas consequências, es-
foram adiposidade, fatores de risco
tudos sobre a composição das 24 ho-
cardiometabólicos e saúde óssea52,
ras (AF, comportamento sedentário e
corroborando alguns dos desfechos
sono) são possíveis e trarão esclareci-
mais estudados em Pelotas.
mentos fundamentais sobre as con-
A interpretação dos achados sobre
sequências da AF e comportamento
as consequências da AF na infância e
sedentário nessa faixa etária.
adolescência apenas dos estudos de
É importante destacar também os
Pelotas requer cautela. Ao observar os
pontos fortes dos estudos de Pelotas
métodos utilizados nesses estudos, al-
sobre as consequências da AF na in-
gumas limitações e lacunas precisam
fância e adolescência. Ao contrário
ser consideradas. Apenas dois dos 31
do que muitas revisões sobre o tema
estudos incluíram somente crianças
apontam como limitação dos estudos
na amostra, sendo que um investigou
da área, a maioria dos estudos de Pe-
desfechos de saúde cardiovascular11
lotas teve delineamento longitudinal
e outro de saúde óssea17. A escassez
e tamanho grande de amostra, for-
de evidências sobre as consequências
talecendo os achados encontrados e
da AF na infância nos estudos de Pe-
contribuindo de forma importante

205
XI. Consequências da atividade física na infância e adolescência

para a literatura da área. Além disso, 2. Chaput JP, Willumsen J, Bull F, Chou
conforme já mencionado, a maioria R, Ekelund U, Firth J, et al. 2020 WHO
guidelines on physical activity and
das evidências sobre as consequên-
sedentary behaviour for children and
cias da AF na infância e adolescên- adolescents aged 5-17 years: summary of
cia é oriunda de países de renda alta. the evidence. Int J Behav Nutr Phys Act.
Estudos com dados de países de ren- 2020 Nov 26;17(1):141.
da média e baixa, como os estudos 3. Hallal PC, Reichert FF, Ekelund
de Pelotas, fornecem informações U, Dumith SC, Menezes AM, Victora
valiosas para a área, uma vez que a CG, et al. Bidirectional cross-sectional
prática de AF pode ser diferente em and prospective associations between
physical activity and body composition in
países com distintos contextos so-
adolescence: Birth cohort study. J. Sports
cioeconômicos, podendo influenciar Sci. 2012 Dec;30(2):183-90.
seus efeitos em desfechos de saúde.
4. Reichert FF, Menezes AMB, Hallal
Ademais, pela maioria dos estudos PC, Ekelund U, Wells JCK. Objectively
de Pelotas ser oriundo de coortes de measured physical activity and body
nascimentos, houve a possibilidade composition indices in Brazilian
de analisar as associações levando adolescents. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2012
May; 17(6):573-84.
em consideração importantes fato-
res de confusão desde o nascimento 5. Martinez-Gomez D, Mielke GI,
Menezes AM, Goncalves H, Barros FC,
dos indivíduos, com análises esta-
Hallal PC. Active commuting throughout
tísticas robustas, além da utilização adolescence and central fatness before
de instrumentos de alta qualidade adulthood: prospective Birth cohort
(ex: DEXA) para avaliar alguns des- study. PloS One. 2014 May;9(5):8.
fechos. Todos esses pontos ratificam 6. Xavier M, Bielemann R, Maciel
a importante contribuição científica F, Neutzling M, Gigante D. Variação
em nível internacional dos estudos temporal no excesso de peso e obesidade
de Pelotas sobre as consequências da em adolescentes de escola privada do Sul
do Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2014
AF em crianças e adolescentes.
Jan;19(1):74-85
7. Reichert FF, Wells JC, Ekelund U,
Referências Menezes AM, Victora CG, Hallal PC.
Prospective associations between
1. Brasil, Ministério da Saúde, physical activity level and body
Secretaria de Atenção Primária à composition in adolescence: 1993 Pelotas
Saúde. Departamento de Promoção (Brazil) Birth Cohort. J Phys Act Health.
da Saúde. Guia de atividade física 2015;12(6):834-9.
para a população brasileira; Brasília:
Ministério da Saúde, 2021. 8. Ramires VV, Dumith SC, Wehrmeister
FC, Hallal PC, Menezes AMB, Goncalves

206
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

H. Physical activity throughout e prevalência de osteoporose na idade


adolescence and body composition at 18 adulta. Rev Bras Med Esporte. 2009
years: 1993 Pelotas (Brazil) Birth cohort Mai;15(1):27-30.
study. Int J Behav Nutr Phys Act. 2016
15. Bielemann RM, Domingues MR,
Sep; 13(1):1-13.
Horta BL, Gigante DP. Physical activity
9. Reichert FF, Azevedo MR, Breier from adolescence to young adulthood
A, Gerage AM. Physical activity and and bone mineral density in young
prevalence of hypertension in a adults from the 1982 Pelotas (Brazil) Birth
population-based sample of brazilian cohort. Prev Med. 2014 May;62:201-7.
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213
XII
CONSEQUÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA
EM ADULTOS

Shana Ginar da Silva; Leandro Quadro Corrêa; Virgílio Viana


Ramires

A
atividade física (AF) é reco- Por outro lado, as evidências indi-
nhecida como um dos prin- cam que a inatividade física aumenta
cipais fatores de proteção à de 6% para 10% o risco de ocorrência
ocorrência de doenças crônicas não das principais DCNT, como doenças
transmissíveis (DCNT), incluindo cardiovasculares, doenças respirató-
obesidade, síndrome metabólica, rias crônicas, diabetes mellitus tipo
diabetes mellitus tipo II, doenças car- II e neoplasias malignas4. Ademais,
diovasculares e alguns tipos de cân- essa inatividade está associada a um
ceres1. Ainda, constitui-se como um aumento de 20 a 30% na mortalidade
elemento fundamental para a saúde por todas as causas5, e a um aumento
musculoesquelética, dada a capaci- de 9% nas taxas de mortalidade pre-
matura em todo o mundo4. Somado a
dade de manter a massa óssea e mus-
isso, são cada vez mais crescentes as
cular esquelética, assim como de ate-
evidências dos efeitos deletérios do
nuar as principais características do
comportamento sedentário à saúde6.
envelhecimento humano2,3.

214
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Embora os benefícios da AF regu- Diante do exposto, este capítulo


lar estejam bem estabelecidos na li- tem como objetivo, a partir de evi-
teratura e tenham sido incorporados dências epidemiológicas oriundas
às recomendações e diretrizes nacio- de estudos conduzidos na cidade de
nais e internacionais de saúde públi- Pelotas, RS, e da interlocução com a
ca7,8, ainda assim evidencia-se falta literatura nacional e internacional da
de consenso no que diz respeito às área, apresentar as consequências es-
consequências da AF e do comporta- pecíficas da AF e do comportamento
mento sedentário, em especial quan- sedentário sobre uma gama de desfe-
do se avalia diferentes faixas etárias, chos de saúde física e mental na po-
populações, contextos, culturas, ter- pulação adulta de 18 a 59 anos.
ritórios e realidades socioeconômi-
cas distintas. Consequências da atividade física
Pelotas, uma cidade situada no na idade adulta – 18 a 59 anos
Sul do Brasil, tem sido reconhecida,
dentro e fora do país, pela capacida- Indicadores antropométricos e de
de de produção do conhecimento re- composição corporal
lacionada à área de atividade física
As inter-relações entre o gasto de
e saúde. Uma série de estudos sobre
energia e a composição corporal du-
consequências da atividade física
rante a idade adulta são complexas e
têm sido desenvolvidos nas mais di-
de etiologia multifatorial9. O relatório
versas abordagens epidemiológi-
Nutricional Global de 2017 apontou
cas. Em maior proporção é possível
que 2 bilhões de adultos em todo o
identificar a condução de estudos
mundo vivem com sobrepeso/obesi-
transversais seguido dos estudos de
dade10. Nas últimas quatro décadas, a
coorte prospectiva. Em menor mag-
obesidade triplicou globalmente, em
nitude, estudos de caso-controle e
todas as esferas, inclusive nos países
experimentais, como os ensaios clíni-
de média e baixa renda em consequ-
cos randomizados, também têm sido
ência da urbanização descontrolada
conduzidos nos diferentes subgrupos
e da transição nutricional11. As taxas
populacionais. Dentre os desfechos
aumentaram em todas as idades e em
de saúde investigados destacam-se
ambos os sexos, independentemente
indicadores antropométricos e de
da localidade geográfica, etnia ou sta-
composição corporal, assim como
tus socioeconômico12.
avaliação de diferentes marcadores
Da mesma forma, no Brasil, se-
inflamatórios, cardiometabólicos e
gundo dados do inquérito de Vigilân-
de risco cardiovascular.

215
XII. Consequências da atividade física em adultos

cia de Fatores de Risco e Proteção para Tendo como diferencial a utiliza-


Doenças Crônicas (Vigitel), mais da ção de instrumentos mais precisos
metade dos adultos brasileiros apre- na avaliação da composição corporal
sentam sobrepeso, enquanto a preva- como a absorciometria de raios-X de
lência de obesidade está em 20,3%13. dupla energia (Dexa) e o BodPOD e,
No cenário pelotense, também há evi- com o objetivo de avaliar associações
dências do rápido aumento na preva- transversais e prospectivas de tempo
lência de sobrepeso e obesidade. De sedentário e AF em desfechos antro-
acordo com dados da Coorte de nas- pométricos e de composição corpo-
cimentos de Pelotas de 1982, a pre- ral, Silva e colaboradores (2019)23 ana-
valência de excesso de peso mais do lisaram dados de 3.206 participantes
que duplicou da adolescência à idade da Coorte de nascimentos de 1982 de
adulta. Já a obesidade mais do que Pelotas avaliados nos acompanha-
triplicou em ambos os gêneros com mentos dos 23 e 30 anos.
uma prevalência de 23,8% nas mulhe- Os resultados indicaram uma re-
res e 22,1% nos homens14. lação inversa entre maiores níveis de
As mudanças na dieta e nos pa- AF com desfechos relacionados à adi-
drões de AF podem explicar parcial- posidade. Nas análises transversais,
mente esse aumento nas prevalências maior atividade física moderada a
de sobrepeso e obesidade15. Entre- vigorosa (AFMV), mensurada objeti-
tanto, a maior parte das evidências vamente, esteve associada a um me-
disponíveis na literatura acerca da re- nor índice de massa corporal, a me-
lação entre AF e comportamento se- nor circunferência da cintura, menor
dentário com a adiposidade é oriunda gordura abdominal visceral e menor
de estudos transversais e restritos a índice de massa gorda, independente
utilização de métodos como o índice do tempo gasto em comportamento
de massa corporal (IMC) e a medida sedentário. Já o tempo sedentário foi
de circunferência da cintura para ava- independentemente associado ape-
liação da composição corporal16–19. nas com maior índice de massa gor-
Ainda, há divergências nos resulta- da23. Nas análises longitudinais, dessa
dos quando utilizados métodos obje- vez usando medida autorrelatada de
tivos e subjetivos na mensuração da AF, os pesquisadores observaram que
atividade física e do comportamento a adiposidade foi menor entre aque-
sedentário, e as inconsistências são, les que eram consistentemente ativos
na maior parte das vezes, explicadas ou que se tornaram ativos na mudan-
pela heterogeneidade metodológica ça dos 23 para os 30 anos de idade. O
adotada nos estudos20–22. estudo ainda revelou que os indivídu-

216
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

os que eram ativos aos 23 anos, mas boradores (2017)27 examinaram se a


se tornaram inativos fisicamente aos AFMV, medida objetivamente na ida-
30, tiveram indicadores antropomé- de adulta, modifica as associações
tricos e de composição corporal simi- entre ganho de peso condicional na
lares àqueles que foram classificados infância (0–2 anos) e na primeira in-
como inativos nas duas idades23. fância (2–4 anos) e o índice de massa
Em suma, observaram-se benefí- gorda e gordura abdominal visceral
cios metabólicos do envolvimento em aos 30 anos. A partir do teste de inte-
AF ao longo da idade adulta jovem, ração, os pesquisadores observaram
com associações mais fortes naqueles que a prática de AFMV modificou
classificados como consistentemente a associação entre o ganho de peso
ativos durante todo o período avalia- condicional na infância (2–4 anos) e
do. Os resultados encontrados são o índice de massa gorda aos 30 anos
consistentes àqueles já reportados sugerindo associações mais fortes
na literatura24,25 ratificando uma re- entre o ganho de peso e o índice de
lação inversa entre a prática de ativi- massa gorda naqueles com menores
dade física e melhores indicadores de níveis de AFMV. Por outro lado, ape-
composição corporal, assim como os sar do ganho de peso condicional na
efeitos deletérios do comportamen- infância (0–2 anos) estar positiva-
to sedentário nos índices de massa mente associado ao índice de massa
gorda, independente do tempo gasto gorda aos 30 anos, não houve evidên-
em AFMV. As observações ainda su- cia de modificação nessa associação
gerem que gastar grande quantidade pela prática de AFMV27. Os resulta-
de tempo em AF parece ser suficiente dos encontrados estão alinhados às
para obter um impacto nas medidas evidências já reportadas na literatu-
antropométricas e de composição ra e suportam a hipótese de que ní-
corporal, embora o tempo sedentário veis mais elevados de AFMV podem
prolongado atenue a magnitude des- atenuar o efeito prejudicial do ganho
sa associação23, algo também já iden- de peso condicional na infância so-
tificado em estudos prévios 17,26. bre o índice de massa gorda na idade
Além de ser avaliada como uma adulta jovem.
exposição positiva à saúde, a prática Outro desfecho investigado nas
de atividade física nas Coortes de Pe- Coortes pelotenses, no âmbito da
lotas também tem sido investigada composição corporal, têm sido a
quanto ao seu papel mediador. Em densidade mineral óssea (DMO). A
um estudo com dados da Coorte de dificuldade em atingir e manter o
nascimentos de 1982, Kolle e cola- pico de massa óssea ideal durante

217
XII. Consequências da atividade física em adultos

a idade adulta é um fator crítico na o crescimento (onde o pico de acú-


determinação do risco de fratura, mulo de DMO ainda não foi atingido),
na maior parte das vezes, ocasiona- ou também durante a vida adulta, na
do pela osteoporose, em idades mais fase de manutenção da massa óssea29.
avançadas. Ainda que, nas últimas As evidências do efeito da AF sobre a
décadas, muitos tratamentos tenham DMO em idades posteriores são es-
sido desenvolvidos para controle ou cassas, principalmente em países de
redução da perda de massa óssea, a renda média ou baixa como o Brasil.
prevenção segue sendo a melhor al- Em estudo realizado com 3.454
ternativa. Dentre as possibilidades de participantes da Coorte de nascimen-
prevenção destaca-se a AF como um tos de 1982 de Pelotas, RS, Bielemann
comportamento relevante para pre- et al., (2014)30 investigaram a associa-
venir ou tratar osteoporose dada sua ção prospectiva entre a AF realizada
capacidade de modificar a estrutura aos 15, 18 e 23 anos e a DMO em dife-
e geometria óssea a partir de cargas rentes sítios anatômicos (corpo todo,
mecânicas que estimulam as respos- coluna lombar e colo do fêmur) aos
tas osteogênicas e consequentemente 30 anos. Os resultados revelaram que
melhora da DMO28. a AF praticada na adolescência e na
Na literatura, há incontáveis estu- idade adulta jovem foi positivamente
dos sobre essa temática sendo a maior associada à DMO em todos os sítios
parte das pesquisas relativas à impor- anatômicos em homens. Um efeito
tância da AF e da DMO em mulheres. dose-resposta foi observado entre a AF
As estatísticas se justificam pelo fato aos 18 anos e DMO aos 30 anos, visto
de esse ser o gênero mais acometi- que a DMO em todos os sítios anatô-
do pela osteoporose, principalmente micos aumentou de acordo com a me-
após a menopausa. Contudo, mesmo lhora dos níveis de AF sugerindo um
na idade adulta jovem, considerada efeito cumulativo, uma vez que coe-
uma fase de manutenção da massa ficientes mais elevados foram encon-
óssea, há evidências de que a AF pode trados em homens ativos em ambas as
promover incrementos na densidade idades. Todavia, as medidas de efeito
óssea, quando comparados indivídu- da AF aos 23 anos na DMO foram se-
os com maior e menor tempo de en- melhantes para o terceiro e quarto
volvimento em AF29. quartis, sugerindo que, após certo ní-
Embora os benefícios da AF para vel de AF, os efeitos positivos na massa
a saúde óssea sejam mostrados na li- óssea podem ser atenuados30.
teratura, há controvérsia se o papel Por outro lado, os mesmos resulta-
da AF está centrado apenas durante dos não foram observados nas mulhe-

218
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

res. No gênero feminino, a associação dade de Pelotas, RS34. A DMO (g/cm2)


positiva foi observada apenas na AF foi avaliada pelo DEXA, e a prática de
realizada aos 23 anos com a maior caminhada e AFMV no lazer foram
DMO no colo do fêmur aos 30. As dis- avaliadas por meio da versão longa
paridades podem ser explicadas, em do Questionário Internacional de Ati-
parte, pelas diferenças de gênero nos vidade Física (Ipaq). Diferentemente
tipos de AF praticadas31, em especial do esperado, os autores não identi-
durante a infância e adolescência, ficaram associação entre diferentes
com as meninas se envolvendo em tipos de AF e DMO, entre indivíduos
atividades com cargas menos eleva- com maior e menor tempo sema-
das ou intensas32,33 e insuficientes nal em prática de caminhada e em
para produzir aumento, e um efeito AFMV. Os pesquisadores atribuíram a
considerável na DMO. Além de apre- ausência de associação às limitações
sentarem menores níveis de AF no la- metodológicas do estudo, incluindo o
zer ao longo da vida comparado aos método de seleção por conveniência
seus pares31. Especificamente na Co- e o pequeno tamanho amostral34.
orte de 1982 as mulheres gastaram, Diante das evidências apresenta-
em média, menos de 80 minutos/se- das ressalta-se a importância da AF
manais de AF de intensidade vigorosa para a massa óssea em todos os perío-
comparado aos homens aos 23 anos. dos da vida, todavia a realização des-
Dentre os achados desse estudo, sa prática no período de crescimento
cabe ainda salientar a relação obser- tem significativo destaque devido ao
vada entre a AF praticada aos 15 e 23 efeito direto na massa óssea e, tam-
anos com a maior DMO no colo do bém, na influência do “tracking” de
fêmur aos 30 naquelas mulheres que AF. Em uma revisão sistemática li-
permaneceram ativas fisicamente em derada por pesquisadores de Pelotas,
ambas as idades. Esse resultado pode Bielemann e colaboradores (2013)29
ser reflexo de atividades esportivas mostraram que a prática de ativida-
do passado, uma vez que a alta par- des físicas que envolvem picos de
ticipação em atividades esportivas na tensão elevados, como alguns espor-
adolescência está relacionada à práti- tes de equipe, por exemplo, realiza-
ca de AF na vida adulta30. da entre o período de crescimento e
Na perspectiva de investigação de a idade adulta jovem podem resultar
diferentes tipos de AF e a relação com em importantes melhorias na DMO.
DMO, um estudo transversal foi reali- Todavia, os benefícios da AF duran-
zado no ano de 2014 em uma amostra te a idade adulta sobre a massa óssea
de indivíduos de 20 a 59 anos na ci- são mais consistentes em homens,

219
XII. Consequências da atividade física em adultos

enquanto a ausência de associação é desenvolvidos nas Coortes de nas-


encontrada em alguns estudos com cimento de 1993 e 1982. Na mesma
mulheres sendo necessárias mais direção dos achados verificados em
pesquisas nessa temática para eluci- outras populações de diversos países,
dar essa relação. com comportamentos, hábitos, cultu-
Marcadores inflamatórios, ras e rendas diferentes, as amostras
cardiometabólicos e de risco avaliadas em Pelotas também têm se
cardiovascular beneficiado da prática regular de AF,
no que diz respeito aos marcadores
Os benefícios da AF sobre des- metabólicos43,44, inflamatórios45–47 e
fechos cardiometabólicos, inflama-
de risco cardiovascular48 .
tórios e de risco cardiovascular, em
Entre os principais marcadores
adultos, têm sido amplamente estu-
cardiometabólicos relacionados com
dados. De maneira geral, as evidên-
a fisiopatologia das DCV, que podem
cias apontam que pessoas mais ativas
ser modulados pela prática de AF, es-
fisicamente, independentemente do
tão os níveis plasmáticos de HDL-C
volume, tipo, domínio e intensidade
e LDL-C e os TG. Enquanto os níveis
dos esforços realizados, apresentam
aumentados de HDL-C são apontados
melhor perfil cardiometabólico e me-
como responsáveis pela redução do
nor risco de desenvolver doenças car-
risco de desenvolvimento de DCV, os
diovasculares35–38 e de mortalidade
de TG representam um aumento no
39–41
. Todavia, os diferentes desfechos
risco49. Nessa perspectiva, um impor-
cardiometabólicos, inflamatórios, e
tante corpo de conhecimento aponta
de risco cardiovascular, apresentam
que a prática de AF é capaz de promo-
resposta de acordo com a variabili-
ver o aumento do HDL-C35,50,51 e redu-
dade da exposição e a influência de
ção dos TG no sangue52.
outros fatores mediadores36,42 como
A relação entre AF e HDL-C e TG
sexo, idade, sobrepeso, cor da pele,
foi observada em indivíduos perten-
tabagismo, estado de saúde, presença
centes à Coorte de 1982, em estudo
de comorbidades, entre outros.
conduzido por Bielemann, et al.,
No intuito de compreender os
201444, os quais avaliaram os efeitos
efeitos da AF ao longo da vida sobre
dos níveis e da prática persistente de
os marcadores cardiometabólicos e
AF sobre o perfil lipídico de homens,
de risco cardiovascular na população
com idades entre 18 a 23 anos. Os au-
adulta de Pelotas, uma série de estu-
tores verificaram, nas análises trans-
dos têm sido conduzidos nas últimas
versais, que o maior volume de AF aos
duas décadas, com destaque para os
23 anos associou-se com maior nível

220
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de HDL-C. Resultados semelhantes ções nos níveis sanguíneos de TG em


também foram apresentados em ou- adultos maiores de 18 anos36,52.
tros estudos transversais, nos quais Outro marcador metabólico que
se verificou importante efeito da prá- indica intolerância à glicose e risco
tica de AF sobre o colesterol HDL-C de desenvolver diabetes, e conse-
em adultos de 50 anos ou mais 53. Em- quentemente, aumenta o risco de
bora seja necessário interpretar esses desenvolver DCV, é a hemoglobina
achados com cautela, em virtude do glicosilada (HbA1c). Tal desfecho e
desenho transversal dos trabalhos sua relação com AF medida por au-
supracitados, uma ampla revisão de torrelato e objetivamente foi verifi-
estudos experimentais identificou a cada aos 18 anos, em uma amostra de
prática de AF como responsável por 3.528 indivíduos pertencentes à Co-
aumentar o HDL-C de adultos com 20 orte de 1993. As análises revelaram
anos ou mais36. Ainda, no estudo de uma associação transversal entre AF
Bielemann e colaboradores (2014)44, medida objetivamente e HbAc1 em
verificou-se, na relação entre AF e TG, homens43. Informação semelhante
uma relação longitudinal inversa, na também foi verificada no trabalho
qual aqueles indivíduos que acumu- de Gay e colaboradores (2016)55 em
laram pelo menos 150 minutos de estudo transversal, conduzido com
AF por semana nos dois acompanha- uma amostra de aproximadamente
mentos (18 e 23 anos) apresentaram 14.000 indivíduos pertencentes aos
menores níveis sanguíneos de TG. National Health And Nutrition Exami-
Reforçando esses achados, um nation Survey (NHANES).
recente estudo, conduzido com da- Ainda, entre os preditores de
dos dos participantes da Coorte de eventos cardiovasculares, temos os
nascimentos de 1993, relacionou a marcadores inflamatórios, tais como
mudança na prática de AFMV so- interleucina (IL-6), proteína C reativa
bre marcadores cardiometabólicos (PCR) e adiponectina. Dados da lite-
e apontou que aumentar a AFMV ratura indicam que essa relação não
dos 18 para os 22 anos foi associa- ocorre de maneira consistente, espe-
do com um melhor perfil cardio- cialmente em relação às diferenças
metabólico, incluindo os TG54. Tais na idade dos indivíduos avaliados.
achados observados nas Coortes de Entre os estudos conduzidos com as
82 e 93 corroboram os observados Coortes de Pelotas os achados não
em duas meta-análises de estudos são consistentes. Menezes e colegas
experimentais, os quais apontaram (2019)47 ao analisar a associação de fa-
que a AF promove importantes redu- tores de risco modificáveis, tais como

221
XII. Consequências da atividade física em adultos

tabagismo, consumo abusivo de ál- mecanismo de proteção da função


cool, inatividade física e obesidade endotelial, por meio de diversos
com interleucina (IL-6), proteína C caminhos subjacentes, tais como:
reativa (PCR) e adiponectina em adul- redução dos lipídios circulantes, es-
tos de 22 anos, pertencentes à Coor- tresse oxidativo, viscosidade do san-
te de 1993, verificaram, nas análises gue e agregamento plaquetário e,
longitudinais, uma relação inversa no pelo aumento do HDL-C circulante,
aumento de prática de AF dos 18 para da síntese de óxido nítrico e aumen-
os 22 anos com a PCR em homens47. to da atividade fibrinogênica49.
Todavia, em direção oposta, Rombal- A avaliação da função endotelial
di, et al., 201546 ao analisar a associa- por meio de métodos não invasivos
ção da AF total e de lazer sobre a PCR para determinação precoce do risco
em homens de 23 anos, pertencentes cardiovascular tem sido amplamente
à Coorte de 1982, não observaram as- recomendada. Nesse contexto, a ve-
sociação entre as variáveis em ambas locidade de onda de pulso (VOP) tem
as análises (ou seja, transversais, AF sido um dos métodos mais utilizados.
aos 18 ou 23 anos e longitudinais, mu- Com o propósito de observar a
dança da AF dos 18 para os 23 anos) resposta da função endotelial à prá-
com PCR. Também, em uma análise tica de AF em adultos jovens, de
transversal, conduzida com dados de ambos os sexos, pertencentes à Co-
uma amostra de 85 homens com ida- orte de 1982, Horta e colaboradores
des entre 18 e 35 anos moradores de (2015)48 investigaram a associação da
Pelotas, os pesquisadores não encon- rigidez arterial, mensurada pela VOP
traram relação entre AF e PCR45. Cabe da carótida e femoral, com a prática
ressaltar que mesmo em estudos com de AFMV medida objetivamente. Os
delineamentos mais robustos, como pesquisadores observaram que a prá-
os experimentais, a ausência de as- tica diária de 30 minutos ou mais de
sociação entre AF e marcadores infla- AFMV foi associada com menor VOP.
matórios também não tem sido veri- Na direção oposta, foi observada uma
ficada em adultos com idade igual ou associação positiva entre maior tem-
superior a 20 anos36. po envolvido em comportamento se-
Dentre outros marcadores para dentário com VOP. Esses achados são
eventos cardiovasculares e de morta- relevantes dentro de uma perspectiva
lidade inclui-se a disfunção endote- de prevenção e vão ao encontro das
lial, dada a relação com o processo evidências reportadas na literatura.
de calcificação arterial e ateroscle- Em 2018, uma meta-análise de estu-
rose56. A AF atua como um possível dos transversais apontou que gastar

222
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

mais tempo com atividades físicas mente, a partir de delineamentos de


leves e moderadas esteve associado pesquisas transversais. Em relação à
com redução na VOP femoral e caro- dor, Guterres et al., (2011)60 avalia-
tídea de adultos maiores de 18 anos57. ram a prevalência de dor nas costas
Com base nas informações su- e fatores associados em motoristas e
pramencionadas é possível ratificar a cobradores de ônibus do transporte
importância de intervir precocemen- coletivo da cidade e verificaram que
te na promoção e incentivo da AF e não realizar AF no lazer apresentou-
redução do comportamento sedentá- -se como um fator de risco para dor.
rio, visto que, mesmo em populações Por outro lado, Silva et al., (2004)61
de adultos jovens, como a das Coor- ao avaliar a prevalência e os fatores
tes de Pelotas, nas quais, os desfechos associados à dor lombar crônica na
cardiovasculares ainda são pouco população do município não veri-
frequentes, observou-se benefícios ficaram associação entre a dor e a
da prática de AF em diversos marca- prática de AF. Uma das razões apon-
dores metabólicos, inflamatórios e de tadas pelos pesquisadores para a
risco cardiovascular. ausência de associação está relacio-
Desordens musculoesqueléticas nada ao instrumento utilizado (Ipaq
versão longa). A suposição dos auto-
No que diz respeito à prática de res é de que, enquanto a AF de lazer
AF como forma de prevenção das de- constitui-se como fator de proteção,
sordens musculoesqueléticas, estu- a AF ocupacional configura-se como
dos mostram que essa pode ser uma fator de risco para dor lombar crô-
estratégia capaz de reduzir a intensi- nica. Assim, avaliar conjuntamente
dade da dor, melhorar a função físi- esses domínios pode não ser a me-
ca e consequentemente a qualidade lhor alternativa para identificar as
de vida em adultos58, além de ser um associações hipotetizadas.
fator de proteção para redução da Em outro estudo que avaliou a
força e perda de massa muscular ao presença de dor, não de forma espe-
longo da vida59. cífica, mas sim a partir do autorrelato
Na população adulta de Pelotas, de dor musculoesquelética, Corrêa
RS, os estudos que buscaram inves- et al., (2016)62 identificaram uma as-
tigar a associação entre desordens sociação inversa entre o nível de AF
musculoesqueléticas e a prática de de lazer e deslocamento, avaliados
AF foram relacionados à dor60–62, re- em conjunto, com o autorrelato de
dução de força63, lesões musculoes- dor. Homens, com 40 anos ou mais,
queléticas64 e conduzidos, especial- que reportaram realizar 150 minutos

223
XII. Consequências da atividade física em adultos

ou mais de AF por semana apresen- dens musculoesqueléticas, foi possí-


taram uma proteção de 60% na auto- vel verificar que a inatividade física
percepção de dor musculoesquelética no lazer pode ser um fator de risco
quando comparados àqueles que não para dor nas costas em ocupações es-
atingiram esse ponto de corte. Em- pecíficas. Por outro lado, a prática de
bora não houvesse homogeneidade AF no lazer e deslocamento, avaliada
sobre o tipo e local específico ao qual de forma conjunta, pode promover
a dor foi avaliada nesses estudos, de proteção para dores musculoesque-
modo geral, as evidências indicam léticas, enquanto que a prática de AF
que a prática de AF realizada no lazer total, quando realizada em volumes
é capaz de promover proteção contra superiores ao recomendado, pode
dor nas costas e musculoesqueléticas, levar a uma proteção contra a auto-
indo ao encontro dos resultados já re- percepção de redução da força em
portados na literatura65. homens com 40 anos ou mais.
Relativo à associação entre a Por fim, como potencialidades
prática de AF com a força muscu- de análise, destacam-se a avaliação
loesquelética, Corrêa et al. (2018)63 prospectiva da AF, assim como do
novamente, analisando a população efeito a curto, médio e longo prazo
masculina com 40 anos ou mais, do comportamento sedentário em
identificaram que a percepção de desfechos relacionados às desordens
redução da força esteve inversamen- musculoesqueléticas na idade adul-
te associada ao escore total de AF. ta. Diante das lacunas identifica-
Homens que relataram praticar 500 das, os dados das Coortes de Pelotas
minutos ou mais por semana de AF configuram-se como uma janela de
total tiveram proteção de 60% para a oportunidades para a investigação
percepção de redução da força. Esses dessas associações.
achados demonstram que a prática
Indicadores psicológicos e de
de AF é fundamental para a manu-
qualidade de vida
tenção de níveis adequados de força
e corroboram os achados de Steffl et Os benefícios da AF associados
al., (2017)59 os quais demonstraram aos aspectos psicológicos e de qua-
que a AF é um fator de proteção para lidade de vida têm consolidado o
redução da massa muscular e perda papel desse comportamento no que
de força ao longo da vida. tange à prevenção e tratamento das
Desse modo, a partir dos estudos desordens mentais comuns, como a
produzidos na população adulta de depressão66,67, estado de humor68, pa-
Pelotas, RS, na perspectiva de desor-

224
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

râmetros de sono69, bem como para prática de AF em todos os domínios


qualidade de vida em geral70. (doméstico, ocupacional, lazer e des-
Muitos estudos dentro dessa locamento). Homens inativos fisica-
perspectiva têm sido realizados na mente apresentaram sintomas mais
população adulta de Pelotas, RS, severos do envelhecimento em com-
com abordagens longitudinais e paração aos ativos. Ainda, foi cons-
transversais, incluindo a relação da tatado que os sintomas psicológicos
AF com desfechos de ordem psicoló- e somáticos diferiram significativa-
gica71 e de qualidade de vida72, com mente entre os indivíduos classifica-
sintomas do envelhecimento mas- dos como sedentários em compara-
culino73–75, com aspectos relaciona- ção aos ativos em relação a todos os
dos ao sono, tais como: janela, tem- domínios da AF analisados74.
po total, percentual76 e qualidade Um aspecto fortemente relacio-
do sono77, além de outras variáveis nado à qualidade de vida, e no qual a
como insatisfação corporal78 e auto- AF tem um papel essencial na idade
percepção negativa de saúde79. adulta, é o sono80,81. No que diz res-
Em relação à qualidade de vida, peito à duração, Häfele et al. (2018)82
Silva et al. (2010)72 conduziram um investigaram a relação entre tempo
estudo transversal com o objetivo de gasto em AF (lazer e deslocamento)
avaliar a relação entre a prática de com a duração do sono em funcioná-
atividades esportivas e a qualidade rios técnico-administrativos de uma
de vida em professores, funcionários universidade pública de Pelotas. Os
e estudantes de uma universidade investigadores observaram uma cor-
de Pelotas. Os autores observaram relação positiva entre o tempo gas-
que, em média, quanto mais ativa to em AF de lazer com o tempo de
a pessoa é, melhor é a sua qualida- sono, nos dias e finais de semana,
de de vida. Essas diferenças foram enquanto que a AF no deslocamento
observadas tanto no domínio físico apresentou correlação negativa com
como nos domínios psicológico e o tempo de sono, mas somente nos
ambiental. Já no que se refere aos finais de semana.
sintomas do envelhecimento mas- No âmbito da avaliação dos parâ-
culino, avaliados a partir de uma metros de sono como janela, tempo
escala que mede e compara saúde e total e percentual de sono, Wendt et
qualidade de vida no envelhecimen- al. (2020)76, a partir de análises trans-
to, Corrêa et al. (2010)75 observaram versais com dados de 2.462 partici-
associação inversa entre os sintomas pantes da Coorte de 1993, e usando
do envelhecimento masculino com a a acelerometria como método de

225
XII. Consequências da atividade física em adultos

mensuração do sono, revelaram que demonstrados anteriormente66,67 e


a prática de AF autorrelatada no la- consolidam o achado encontrado
zer foi associada à maior percentual no cenário pelotense. Kanning &
de sono nas mulheres, enquanto para Schlicht (2010)68, nessa mesma dire-
o comportamento sedentário não foi ção, reforçam a prática de AF como
observada associação. Já no gênero um comportamento capaz de afe-
masculino não foi observada relação tar positivamente também o estado
entre a prática de AF no lazer e com- de humor das pessoas que adotam
portamento sedentário com os parâ- esse comportamento, especialmen-
metros de sono analisados76. Análises te daquelas com humor depressivo.
longitudinais relacionadas ao com- Todavia, no estudo de Branco e cols.
portamento do sono também foram (2014) não foi evidenciada relação
realizadas em um estudo prospectivo entre a prática de AF e episódios de
com dados da Coorte de 1993. O pro- alteração de humor71.
pósito central do estudo foi investigar Em relação a insatisfação corpo-
o efeito de diversas intensidades de ral, Minten et al. (2015)78 verificaram
AF, medida objetivamente, em dife- que homens classificados como fisi-
rentes momentos do dia sobre o sono camente inativos no lazer estão mais
noturno subsequente. Os autores de- propensos a relatar insatisfação cor-
monstraram que a saúde do sono está poral. Cabe destacar que em homens
intrinsecamente relacionada com o a insatisfação corporal pode estar
período do dia em que a AF é realiza- relacionada a diversos fatores83, en-
da, e que a magnitude do sono é dife- tretanto, quando se leva em consi-
rente entre os gêneros. A mensagem deração a intensidade da prática de
principal indica que praticar AF du- AF, aqueles que praticam atividades
rante o dia traz melhores consequên- vigorosas aparentemente têm uma
cias na saúde do sono77. proteção contra o relato de insatisfa-
No que tange à associação entre a ção corporal83.
prática de AF e episódios de alteração Com base nos achados relaciona-
do humor e de episódios depressi- dos a indicadores psicológicos e de
vos, Branco e colaboradores (2014)71, qualidade de vida produzidos na cida-
através de estudo transversal condu- de de Pelotas, RS, foi possível observar
zido com adultos jovens pelotenses, que a prática de AF no lazer constitui-
mostraram uma relação inversa en- -se como um fator de proteção contra
tre AF e depressão, indicando que os sintomas somáticos do envelheci-
ser ativo fisicamente pode prevenir a mento masculino, a um maior tempo
doença. Resultados similares foram e percentual de sono nos dias e finais

226
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de semana, a episódios depressivos, e abordagens metodológicas incluindo


a insatisfação corporal. Ainda, que a estudos com delineamento epide-
prática AF de lazer, avaliada em con- miológico transversal, caso-controle
junto com atividades ocupacionais e pré-experimental, e com investi-
diárias, produz melhorias na qualida- gações relacionadas a desfechos do
de de vida geral e em domínios espe- estado nutricional, da percepção de
cíficos como o domínio psicológico e fadiga e de risco no desenvolvimen-
do meio ambiente. to dessa morbidade85–87. Em geral,
os benefícios da AF no tratamento e
Consequências da atividade física prevenção do CA foram consolidados
para grupos específicos por esses estudos.
Conforme relatado anteriormen- A oportunidade de melhorar o
te, a AF tem sido amplamente reco- bem-estar e qualidade de vida de pes-
nhecida como uma medida primária soas com doenças crônicas por meio
para prevenção, tratamento e reabi- da prática de AF também tem sido
litação de DCNT84. Ressalta-se, nes- considerada entre indivíduos com
se contexto, a composição etária das doença renal crônica (DRC). Nesse
Coortes de Pelotas de 1982 e 1993, as contexto, com objetivo de verificar
quais se encontram com idades de os efeitos de um programa de AF em
adultos jovens, e no qual desfechos pacientes com DRC, um estudo expe-
crônicos ainda são pouco frequentes. rimental foi desenvolvido em Pelotas
Em virtude do tempo necessário para com pacientes nos estágios 2–4, da do-
observação de desfechos crônicos, e ença. Após a intervenção, os pesqui-
da exposição natural característica sadores verificaram que, embora não
dos estudos de Coorte, e também da tenha havido nenhuma mudança em
natureza observacional, neste tópi- relação à taxa de filtração glomeru-
co não serão abordados estudos em lar, e também na pressão sanguínea,
adultos das coortes. No entanto, di- foram verificados importantes redu-
versos trabalhos têm sido desenvolvi- ções na PCR e na glicose de jejum,
dos em Pelotas para a investigação da bem como o aumento da capacidade
prática de AF com eventos crônicos, funcional dos pacientes88.
tais como câncer (CA)85–87, insuficiên- Ainda no contexto da AF enquan-
cia renal crônica88 e epilepsia89,90. to fator de tratamento destaca-se a
No que se refere à relação entre AF relação com desordens neurológicas,
e CA, foram identificados três estudos doenças essas que contribuem signi-
na população de Pelotas, nas diversas ficativamente com a carga global de
incapacidade e mortalidade. Entre as

227
XII. Consequências da atividade física em adultos

15 desordens com maior impacto na Pelotas corroboram outras evidências


saúde destaca-se a epilepsia, uma de- já reportadas na literatura e ratifi-
sordem neurológica frequentemente cam o potencial da AF na redução de
associada com ansiedade e depres- comorbidades associadas, além de
são91 e a piores escores de qualidade melhorar a qualidade de vida, prog-
de vida92. Nesse cenário, na perspecti- nóstico e bem-estar das pessoas que
va de verificar os benefícios da AF so- convivem com essas doenças93.
bre desordens mentais, recentemente
foram desenvolvidos dois estudos no Considerações finais
cenário pelotense com objetivo de
verificar os efeitos da AF em pessoas Em duas décadas de pesquisa em
com epilepsia89,90. Hafele e colegas atividade física e comportamento se-
(2017)90 estudaram os efeitos da AF dentário na cidade de Pelotas, RS, im-
sobre os efeitos colaterais da medi- portantes consequências da prática
cação, qualidade de vida, ansiedade de AF e do comportamento sedentá-
e depressão, em pacientes com diag- rio foram evidenciadas na população
nóstico de epilepsia. No estudo veri- adulta de 18 a 59 anos. Destaca-se as
ficou-se que a AF foi associada com a marcantes diferenças observadas em
redução dos eventos adversos resul- relação ao gênero e aos domínios da
tantes dos efeitos colaterais da me- atividade física para alguns dos des-
dicação, e dos escores de ansiedade fechos avaliados. De modo geral, os
e depressão e aumento na percepção resultados encontrados estão em con-
de qualidade de vida dos pacientes64. sonância com a literatura da área no
Já Feter e colaboradores (2018)89 ava- que se refere aos indicadores de com-
liaram, por meio de um ensaio clínico posição corporal, aos marcadores in-
randomizado, os efeitos de um pro- flamatórios, metabólicos e de risco
grama de atividades físicas aeróbicas cardiovascular, às desordens muscu-
e de força combinadas sobre a função loesqueléticas e aos parâmetros psi-
cognitiva, aptidão cardiorrespirató- cológicos e de qualidade de vida.
ria, força, IMC e circunferências da A análise das causas e consequ-
cintura e quadril. A análise dos dados ências da inatividade física está entre
permitiu aos pesquisadores a verifi- as pautas prioritárias de pesquisa no
cação de que a intervenção com ati- mundo. Todavia, poucos são os es-
vidade física promoveu a melhora da tudos que investigaram prospectiva-
função executiva dos participantes do mente essas relações, especialmente
grupo experimental77. Os achados ve- em países de baixa e média renda.
rificados nos estudos conduzidos em Dentre o seleto número de estudos

228
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

disponíveis na literatura destacam-se Targeted exercise against osteoporosis:


as evidências oriundas das pesquisas a systematic review and meta-analysis
for optimising bone strength throughout
realizadas nas Coortes de Pelotas. A
life. BMC Medicine. 2010;8.
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3. Zampieri S, Pietrangelo L, Loefler S,
na idade adulta, a partir de medidas
Fruhmann H, Vogelauer M, Burggraf
objetivas e autorrelatadas, representa S, et al. Lifelong physical exercise
uma oportunidade singular na com- delays age-associated skeletal muscle
preensão desse comportamento. decline. Journals of Gerontology-Series
Frente às lacunas ainda existen- A Biological Sciences and Medical
tes, faz-se necessário mais estudos Sciences. 2015;70(2).

para elucidar determinadas ques- 4. Lee IM, Shiroma EJ, Lobelo F, Puska
tões, em especial em países de média P, Blair SN, Katzmarzyk PT, et al. Effect
of physical inactivity on major non-
e baixa renda onde os padrões de AF
communicable diseases worldwide: an
e etnia são diferentes dos países de analysis of burden of disease and life
alta renda. Nessa perspectiva, os da- expectancy. The Lancet. 2012;380(9838).
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Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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XIII
CONSEQUÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA
EM IDOSOS

Renata Moraes Bielemann; Natan Feter

E
m 2021, haviam aproximada- anos ou mais, respectivamente. No
mente 31 milhões de pessoas entanto, o custo total dessas interna-
com 60 anos ou mais no Bra- ções cresceu 118% e 101% no mesmo
1
sil . A estimativa é de que, a cada dez período3. Assim, estratégias que bus-
anos, a população idosa no país au- quem reduzir a carga da transição de-
mente 34% até 2050. Acompanhando mográfica e epidemiológica no país
a transição demográfica, vem obser- são necessárias. Por conta disso, es-
vando-se o aumento da prevalência tudos anteriores têm mostrado a im-
de doenças crônicas como doença de portância do estilo de vida saudável
Alzheimer e outras demências nessa no processo de envelhecimento4–8.
população2, gerando uma maior car- Por exemplo, cerca de 15% dos
ga nos sistemas de saúde. Por exem- custos do SUS com internações em
plo, entre 2010 e 2020, o número de 2013 pelas principais doenças crô-
internações no Sistema Único de nicas não transmissíveis (neoplasia
Saúde (SUS) aumentou 23,8% e 12,8% maligna de cólon e mama, doenças
entre homens e mulheres com 60 cerebrovasculares, doenças isquêmi-

237
XIII. Consequências da atividade física em idosos

cas do coração, hipertensão, diabetes por meio de sua influência sobre de-
e osteoporose) foram atribuídos à ina- senvolvimento de doenças crônicas e
tividade física9. No mesmo ano, um auxilia na restauração da capacidade
terço das hospitalizações por demên- funcional em idosos anteriormen-
cia no país foram também atribuídas te sedentários. Ainda, programas de
à inatividade física10. No entanto, en- exercício aeróbicos e de força podem
tre idosos com 80 anos ou mais, essa aumentar a capacidade aeróbia e a
fração atribuível chega a 42,9% entre força muscular, respectivamente, em
homens e 43,8% em mulheres10. Devi- 20% e 30% ou mais em adultos mais
do à alta carga social e econômica da velhos15,16. A atividade física nesse
inatividade física, especialmente na contexto parece ser um dos princi-
população idosa, é crescente a inves- pais comportamentos associados ao
tigação sobre o papel da (in)ativida- estilo de vida que pode influenciar
de física na saúde do idoso. Assim, o favoravelmente uma ampla gama de
presente capítulo busca apresentar as sistemas fisiológicos e fatores de ris-
consequências da atividade física na co para doenças crônicas e podem ser
saúde do idoso, as evidências de Pe- associados à melhor saúde mental e
lotas a partir do estudo “COMO VAI?” integração social. Assim, nos pará-
e a contextualização com evidências grafos a seguir, resumiremos alguns
nacionais e internacionais. dos principais efeitos da prática de
atividade física na saúde do idoso.
Em relação à função cognitiva, os
Consequências da (in)atividade
estudos disponíveis apontam uma evi-
física na saúde do idoso
dência moderada a forte para o efeito
Com o avanço da idade, deteriora- da atividade física de intensidade mo-
ções estruturais e funcionais ocorrem derada a vigorosa na função cognitiva
na maioria dos sistemas fisiológicos, de adultos com 50 anos ou mais8. Es-
mesmo na ausência de doença. Es- pecificamente, estudos de revisão sis-
sas mudanças relacionadas à idade temática e meta-análise apontam para
afetam uma ampla gama de tecidos, efeito positivo de diferentes tipos de
órgãos e sistemas, que, cumulativa- atividade física na função executiva,
mente, podem impactar as ativida- atenção, memória episódica, função
des da vida diária e a preservação da visuoespacial, fluência verbal, velo-
independência física em idosos. Por cidade de processamento, e função
outro lado, a atividade física regular cognitiva global em idosos cognitiva-
aumenta a expectativa média de vida mente saudáveis19–21. Nessa mesma
população, estudos mostram que a

238
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

atividade física pode aumentar o volu- atividade física, porém abaixo do nível
me de regiões cerebrais importantes semanal recomendado (150 minutos
para a prevenção de comprometimen- por semana), já possuem menor risco
to cognitivo leve e demência, como o de mortalidade comparado a adultos
hipocampo22,23. Ainda, há evidências que não fazem atividade física49.
fortes do papel protetor da atividade Em relação ao sistema imunológi-
física contra o declínio cognitivo e o co, já é compreendido que pessoas ati-
desenvolvimento de demências como vas fisicamente apresentam resposta
a doença de Alzheimer8,24,25. imunológica melhor do que a observa-
No ponto de vista da saúde cardio- da em pessoas inativas50–53. Por exem-
vascular, a atividade física em idosos plo, pessoas ativas fisicamente têm
resulta nos mesmos benefícios ob- menor risco de infecção e mortalidade
servados em adultos40. Por exemplo, por doenças infecciosas51,54. Tal efeito
idosos ativos fisicamente apresentam pode estar relacionado ao aumento no
menor risco para desenvolver doenças número de células CD4+ e na concen-
isquêmicas do coração, doenças cere- tração da imunoglobulina A (IgA) sali-
brovasculares, e diabetes do tipo 240,41. var e diminuição na contagem de neu-
Duas revisões sistemáticas investi- trófilos em pessoas ativas fisicamente.
garam a associação entre a atividade Ainda, estudos prévios mostram que
física e doenças cardíacas coronaria- a resposta imunológica induzida pela
nas em idosos42,43. Totalizando uma vacinação é melhorada em adultos, in-
amostra de 85.401 idosos, os estudos cluindo idosos, ativos fisicamente com-
concluíram que a atividade física re- parados com os inativos51,53,55. Devido
duziu o risco de desenvolvimento de ao impacto deletério da inatividade
doenças cardiovasculares, bem como física no sistema imunológico, um es-
a mortalidade por elas. Outro estudo tudo mostrou que a troca de 30 minu-
mostrou que idosos ativos apresentam tos de comportamento sedentário por
rigidez arterial menor do que os pares atividade física de intensidade modera-
inativos44. Além disso, idosos ativos fi- da a vigorosa resultou em um melhor
sicamente e vivendo com diabetes do perfil inflamatório em adultos entre 50
tipo 2 têm menor risco de mortalidade e 69 anos61. Dessa forma, destaca-se a
e doença cardiovascular, depressão, importância da manutenção e promo-
melhor controle glicêmico e do peso ção da atividade física na população
corporal, maior aptidão cardiovascu- idosa, inclusive em tempos pandêmi-
lar, força muscular, e melhor sensibili- cos, como durante a pandemia causa-
dade insulínica45–48. Inclusive, adultos da pelo novo coronavírus (covid-19).
com diabetes do tipo 2 que praticam

239
XIII. Consequências da atividade física em idosos

Finalmente, estudos envolvendo são sistemática e meta-análise que in-


idosos com sobrepeso ou obesidade cluiu 25 estudos transversais e de co-
mostram um grau de evidência alto orte e 40.007 indivíduos mostrou que
em relação ao efeito da atividade físi- a atividade física reduziu o risco de
ca na redução da gordura corporal62. sarcopenia em idosos em 55%80. Uma
Uma revisão sistemática e meta-a- outra revisão sistemática, dessa vez
nálise com nove estudos totalizando com ensaios clínicos randomizados e
422 participantes mostrou que idosos não randomizados, mostrou que a ati-
engajados em programas de exercício vidade física, na forma de exercício,
físico combinado (aeróbico e de for- aumentou a força e massa muscular e
ça) apresentaram redução no índice melhorou a capacidade funcional de
de massa corporal e no percentual de idosos com sarcopenia81.
gordura, além de diminuição no co- A atividade física é capaz de preve-
lesterol LDL e glicemia63, corroboran- nir a osteoporose82, caracterizada pela
do os achados de estudos anteriores64. deterioração da microarquitetura do
Os benefícios da atividade física tecido ósseo e baixa densidade mine-
para a população idosa se estendem ral óssea83. Uma revisão sistemática
também para a massa muscular e com 59 estudos, incluindo 12 observa-
óssea. Tal efeito torna-se relevante cionais e 47 ensaios clínicos, indicou
principalmente pela queda acentua- que a atividade física melhora a den-
da no volume desses tecidos durante sidade mineral óssea em idosos, com
o processo de envelhecimento. Sar- moderado grau de evidência. O maior
copenia, definida como síndrome ge- tamanho de efeito (0.17) foi observa-
riátrica de perda progressiva de força do sobre a densidade da região lom-
e massa muscular durante o envelhe- bar, enquanto um menor efeito (0.02)
cimento66, é um problema de saúde com menor grau de certeza (fraco) foi
associado ao comprometimento cog- reportado para o quadril. O estudo
nitivo67, incapacidade funcional68,69, mostrou ainda uma associação dose-
quedas70, fraturas70 e ao maior risco -resposta inversa e tipo-dependente da
de mortalidade69,71,72 em idosos. A sar- atividade física e o risco para osteopo-
copenia atinge em média 17% da po- rose, com altas doses de atividade físi-
pulação idosa brasileira73. Por outro ca e programas de exercício resistido
lado, atividades físicas que envolvam resultando nos maiores efeitos sobre o
o desenvolvimento da força, como o tecido ósseo82.
treinamento resistido progressivo, é o Estratégias não farmacológicas
melhor antídoto para prevenir e tratar como a atividade física são fundamen-
sarcopenia em idosos75–79. Uma revi- tais para prevenir as consequências

240
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

desses processos, como a diminuição maioria dos consórcios de pesquisa


da capacidade funcional e o aumen- do PPGEpi- UFPel teve como popula-
to do risco de quedas. Por exemplo, ção alvo indivíduos adultos (20 anos
meta-análise incluindo 116 estudos e ou mais) da zona urbana de Pelotas,
25.160 participantes mostrou que di- com alguns desses incluindo crian-
ferentes tipos de programas de exer- ças e adolescentes. Em 2014, pela pri-
cício físico, como equilíbrio, treina- meira vez, o consórcio de pesquisa,
mento resistido, ou a combinação de cuja realização ocorre bianualmente
ambos, resultou em uma redução de (com exceção de 2020 em que houve
até 28% no risco de quedas em ido- interrupção precoce pela pandemia
sos84. No mesmo estudo, os autores de covid-19), foi desenvolvido exclu-
atestaram o alto grau da evidência sivamente para a avaliação da ocor-
sobre o papel protetivo da atividade rência de diferentes características
física em relação ao risco de quedas, de saúde de idosos (60 anos ou mais)
reforçando a necessidade de sua am- residentes na cidade de Pelotas, ten-
pla implementação na população em do recebido o nome de COnsórcio de
risco, como idosos. Mestrado Orientado para a Valoriza-
ção da Atenção ao Idoso, ou “COMO
Evidências de Pelotas a partir do VAI?”.
estudo “COMO VAI?” O planejamento do estudo pre-
via o processo de amostragem em
O estudo “COMO VAI?” múltiplos estágios, como os demais
consórcios, e segundo os cálculos
Desde 1999, o Programa de Pós-
amostrais realizados individualmen-
-Graduação em Epidemiologia (PP-
te pelos alunos de mestrado, incluin-
GEpi) da UFPel adota a metodologia
do-se acréscimos para potenciais fa-
de “consórcio” como estratégia de
tores de confusão e possíveis perdas
ensino e pesquisa no curso de mes-
e recusas, a amostragem deveria ser
trado, oportunizando aos discentes
capaz de localizar pelo menos 1649
não apenas a participação em todas
idosos. Assim como nos outros con-
as etapas da elaboração de um estu-
sórcios de pesquisa, o estudo trans-
do epidemiológico de delineamento
versal realizado de janeiro a agosto de
transversal, mas também dados pri-
2014 avaliou diferentes desfechos em
mários para a elaboração das suas
saúde, mas, dessa vez, além da avalia-
pesquisas com avaliação de diferen-
ção de desfechos relevantes, também
tes características de saúde em amos-
as demais faixas etárias, como ativi-
tra de base populacional85. A grande
dade física, índice de massa corporal,

241
XIII. Consequências da atividade física em idosos

tabagismo e utilização de serviços de do especialmente a assuntos relacio-


saúde, incluiu temas como sarcope- nados à covid-19, como o diagnóstico,
nia, fragilidade, independência fun- necessidade de internação, crença
cional e vacinação contra o vírus In- em medidas farmacológicas e não
fluenza, dentre outros. farmacológicas para prevenção e tra-
O estudo, originalmente de deli- tamento, e adesão à campanha de va-
neamento transversal, ocorrido em cinação. As diferentes etapas com os
2014, entrevistou 1451 dos 1844 ido- respectivos números de participantes
sos amostrados (78,7%), dos quais 914 idosos do “COMO VAI?” estão ilustra-
(63,0%) eram do sexo feminino, refle- das na Figura 1.
tindo a maior expectativa de vida ob-
servada entre as mulheres. Dois anos
depois, considerando a relevância
de estudos com a população idosa, a
experiência dos pesquisadores de Pe-
lotas em estudos com delineamento
longitudinal, e a carência de pesqui-
sas com indivíduos dessa faixa etária
na cidade, o “COMO VAI?” passou a
ser um estudo de coorte.
Desde então, houve mais duas vi-
sitas aos indivíduos pertencentes ao
estudo, sendo a primeira com entre-
vistas telefônicas e domiciliares, en-
tre novembro de 2016 e abril de 2017;
e a segunda com entrevistas domici-
liares, entre setembro de 2019 e mar-
ço de 2020, tendo sido o trabalho de
campo interrompido pelas medidas
de distanciamento social recomen-
dadas para o controle da pandemia
de covid-19. Em outubro de 2021 ini-
ciou-se mais um acompanhamento à
amostra do “COMO VAI?”, por entre-
vistas telefônicas, que está avaliando
alguns aspectos de saúde estudados
anteriormente, mas tem o foco volta-

242
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Figura 1 – Fluxograma do estudo “COMO VAI?”

Ano 2014
Início do estudo

Elegíveis: 1.844
idosos
21,3% perdas e recusas
(N = 393)

N = 1.451
idosos

Ano
2016/17
Acompanhamento: 89,5%
(145 óbitos identificados)
Perdas: N = 92 Recusas: N = 61
Acompanhamentos

N = 1.161 8 idosos faleceram após a


entrevistados entrevista

Ano 2019/20

Estimava-se localizar 900


idosos
Acompanhamento: 60%
N = 537* (óbitos ainda não confirmados)
idosos
*Número de idosos entrevistados até 13/03/2020, quando o estudo foi interrompido devido à pandemia de
covid-19. Até janeiro/2022, quando este capítulo foi finalizado, os óbitos ocorridos entre os acompanha-
mentos não foram verificados junto à Vigilância Epidemiológica de Pelotas.
Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Principais achados do estudo coorte em Pelotas, é relevante descre-


“COMO VAI?” sobre as ver o panorama da prática de ativida-
consequências da (in)atividade de física nessa amostra. Em 2014, os
física em idosos idosos pertencentes ao “COMO VAI?”
tiveram atividade física avaliada a
Antes de apresentar os resultados partir das seções de lazer e desloca-
sobre as consequências da atividade mento do International Physical Acti-
física entre os idosos estudados nesta vity Questionnaire (Ipaq) e a partir de

243
XIII. Consequências da atividade física em idosos

acelerômetros de dados brutos GENE- Apresentando inicialmente os re-


Activ. Pouco mais de 18% dos idosos sultados dos estudos com análises
praticava semanalmente pelo menos transversais, ao avaliar a associação
150 minutos de atividade física mo- entre prática de atividade física e sarco-
derada ou vigorosa no período de la- penia, na época da primeira entrevista
zer86. Já considerando as informações à amostra entendida como uma síndro-
provenientes da acelerometria, os me caracterizada pela perda progressi-
idosos de sexo masculino gastaram va e generalizada de massa muscular
em média 64,5 minutos/dia em ati- esquelética associada à perda de força
vidade física moderada ou vigorosa, e/ou função, observou-se maior preva-
enquanto as mulheres gastaram em lência de sarcopenia (10,1% vs. 7,3%)
média 56,7 minutos/dia em atividade e sarcopenia grave (6,9% vs. 2,4%) en-
física desta intensidade87. tre os idosos que praticavam menos de
Conforme já citado, o estudo 150 minutos/semana de atividade física
“COMO VAI?” acessou diversas caracte- no lazer e deslocamento, do que entre
rísticas de saúde dos idosos não insti- aqueles que praticavam 150 minutos/
tucionalizados de Pelotas participantes semana ou mais de atividade física nes-
da pesquisa, as quais algumas delas ti- ses domínios88.
veram a sua associação com a atividade Já com relação à associação trans-
física avaliada. Alguns achados foram versal da atividade física com a ocor-
apresentados em trabalhos que avalia- rência de obesidade geral (índice de
ram a atividade física conjuntamente massa corporal ≥ 30 kg/m2) e abdo-
com outras exposições, enquanto ou- minal (circunferência da cintura >
tros apresentaram maior enfoque e 102 cm para homens e > 88 cm para
detalhamento da atividade física, ten- mulheres), observou-se prevalências
do esta como única exposição. Ainda, de obesidade geral e abdominal 26%
alguns resultados foram derivados de menor entre os idosos de ambos os
análises transversais, utilizando espe- sexos que praticavam pelo menos 150
cialmente dados da primeira entrevista minutos/semana de atividade física no
em 2014, enquanto outros avaliaram lazer quando comparados àqueles que
longitudinalmente as consequências praticavam atividade física no lazer
da atividade física sobre desfechos de por tempo inferior ou não praticavam.
saúde entre os idosos da amostra do Entretanto, as análises estratificadas
“COMO VAI?”. As Tabelas 1a e 1b apre- por sexo desse estudo mostraram que
sentam de forma resumida as princi- os resultados permaneceram estatisti-
pais características das publicações. camente significativos apenas entre as
mulheres da amostra89.

244
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Outro desfecho de saúde que teve Enfoque maior do que nos estu-
a sua associação observada a me- dos apresentados acima foi dado para
nores níveis de atividade física foi a a atividade física na verificação da
presença de sintomas depressivos. A associação desta com o uso de poli-
frequência desses sintomas, avaliada farmácia – utilização concomitante
pela ocorrência de pelo menos cinco de cinco ou mais medicamentos pres-
dos dez avaliados pela percepção dos critos por um médico. Esse estudo
próprios idosos através da aplicação utilizou apenas dados de atividade
da versão curta da Geriatric Depressi- física provenientes da acelerometria,
ve Scale (GDS-10), foi quase duas vezes avaliação a associação da polifarmá-
maior entre os idosos pertencentes cia com três variáveis da exposição
ao “COMO VAI?” que praticavam ati- de interesse: atividade física em geral
vidade física moderada ou vigorosa (média de aceleração/dia: mg), minu-
no domínio de lazer por tempo infe- tos/dia gastos em atividade física leve
rior a 150 minutos/semana do que na- (entre 50 e 99 mg) e minutos/dia em
queles que atingiram pelo menos 150 atividade física de intensidade mode-
minutos/semana90. rada ou vigorosa (≥ 100 mg). Os acha-
Ainda, testou-se a associação entre dos mostraram uma proteção de 25 a
atividade física e fragilidade, uma sín- 40% para o uso de polifarmácia na-
drome multidimensional, avaliada no queles idosos de ambos os sexos clas-
estudo “COMO VAI?” através dos nove sificados no tercil superior das três
itens estabelecidos pela Escala de variáveis avaliadas (atividade física
Fragilidade de Edmonton: cognição, geral, leve e moderada ou vigorosa),
estado geral de saúde, independência incluindo o número de doenças crô-
funcional, suporte social, uso de me- nicas presentes no ajuste estatístico
dicação, nutrição, humor, continên- final da análise. Considerando o tem-
cia urinária e desempenho funcional. po diário gasto em atividade física de
A prevalência de fragilidade foi 137% intensidade moderada ou vigorosa, a
maior nos idosos classificados no es- prevalência de polifarmácia entre os
tudo como insuficientemente ativos idosos do tercil mais ativo foi de apro-
no período de lazer (< 150 minutos/ ximadamente 25%, chegando a quase
semana de atividade física) do que en- 60% nos idosos classificados no grupo
tre aqueles identificados como ativos de menor tempo de atividade física92.
(≥ 150 minutos/semana). Destaca-se Um desfecho de bastante relevân-
sobre esse estudo ainda que nenhum cia à população geriátrica, cuja asso-
idoso classificado como ativo no lazer ciação com a atividade física também
apresentava fragilidade grave91. foi avaliada no estudo “COMO VAI?”,

245
XIII. Consequências da atividade física em idosos

consiste na ocorrência de quedas. talidade observada em até três anos


Inicialmente, o artigo que utilizou de acompanhamento da amostra foi
apenas dados transversais de 2014 associada à prática de atividade físi-
não observou associação entre a ca em duas publicações diferentes,
ocorrência de quedas nos 12 meses sendo o “COMO VAI?” o primeiro es-
anteriores à entrevista e a prática de tudo realizado em Pelotas a estudar
pelo menos 150 minutos/semana de tal associação. Na primeira, utilizou-
atividade física no lazer e desloca- -se dados de atividade física no lazer
mento conforme o Ipaq93. Porém, es- e deslocamento avaliada pelo Ipaq e
tudo que avaliou o mesmo desfecho, também atividade física em geral,
mas no acompanhamento iniciado de intensidade leve e de intensidade
em 2016, observou que a incidência moderada à vigorosa (conforme pon-
de ter sofrido pelo menos uma que- tos de corte descritos anteriormente)
da foi 34% maior naqueles idosos que avaliadas pela acelerometria, todas
não praticavam qualquer atividade medidas na amostra em 2014. De
física moderada ou vigorosa no lazer forma geral, o estudo observou me-
em comparação àqueles que prati- nor risco de morte associado a maior
cavam qualquer atividade física mo- tempo em atividade física modera-
derada ou vigorosa nesse domínio e da ou vigorosa avaliada pelos acele-
51% maior entre os idosos classifi- rômetros apenas entre os idosos de
cados no tercil inferior do tempo di- sexo feminino. Já a classificação no
ário de atividade física moderada ou grupo de maior prática de atividade
vigorosa avaliada pela acelerometria física geral e de intensidade leve foi
(≥ 100 mg) quando comparados aos associada a uma menor mortalida-
idosos do tercil superior de atividade de entre os idosos dos dois sexos, de
física de intensidade pelo menos mo- modo que o risco de morte chegou a
derada. Ressalta-se que as análises mais de 90% menor entre as mulhe-
ajustadas desse estudo consideraram res idosas classificadas no tercil supe-
o uso de medicamentos de classes as- rior de atividade física geral e leve do
sociadas a um maior risco de quedas, que entre aquelas do primeiro tercil
como os antiepiléticos, e a ocorrência dessas duas variáveis. Com relação
de quedas identificada na primeira às associações com as variáveis de
entrevista no modelo estatístico final atividade física provenientes do au-
(dados ainda não publicados)94. torrelato dos idosos, maior tempo de
Em sequência aos achados do atividade física no domínio do lazer
“COMO VAI?”, oriundos de estudos foi associado à menor mortalidade
com análises longitudinais, a mor- apenas entre os homens do estudo,

246
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

enquanto o tempo gasto no desloca- também relevantes nas faixas etárias


mento sozinho ou somado ao tempo anteriores, como também de síndro-
gasto em atividade física no lazer foi mes geriátricas que impactam a in-
associado a um menor risco de morte dependência e qualidade de vida na
nas mulheres95. velhice, além do próprio risco de mor-
Já a outra publicação, que também rer precocemente. Esses resultados
apresentou associações com a morta- também acrescentam a importância
lidade, avaliou a atividade física si- da atividade física em qualquer do-
multaneamente a demais comporta- mínio e de intensidade leve para essa
mentos de risco para a ocorrência de população, o que limita o potencial
doenças crônicas não transmissíveis: dos questionários na identificação de
baixa qualidade da dieta, ingestão algumas associações. Demais estudos
de álcool e tabagismo. Nesse estudo sobre esse tema utilizando dados des-
observou-se que aqueles idosos que sa coorte estão em andamento e deve-
praticavam menos de 150 minutos/ rão estar disponíveis em revistas cien-
semana de atividade física no período tíficas nos próximos anos. As Tabelas
de lazer em 2014 (classificados como 1a e 1b a seguir apresentam de forma
inativos) apresentaram quase 2,4 ve- resumida as principais características
zes maior risco de morrerem em até das publicações.
três anos em comparação àqueles ati-
vos. Ainda, mostrou-se que os indiví-
duos inativos e que também tinham
baixa qualidade da dieta ou eram ta-
bagistas apresentaram em média 3,6
e 5,1 vezes, respectivamente, maior
risco de morte do que os idosos que
não tinham nenhum dos dois com-
portamentos em questão96.
De forma resumida, os achados
para a consequência da atividade fí-
sica sobre a saúde entre os idosos de
Pelotas a partir de resultados do estu-
do “COMO VAI?” evidenciaram que a
prática de atividade física é importan-
te também na fase final da vida e que
ela tem potencial de diminuir o risco
tanto de problemas de saúde que são

247
XIII. Consequências da atividade física em idosos

Tabela 1a – Estudos que avaliaram as consequências da atividade física sobre desfechos de saúde na população idosa de Pelotas, Rio Grande do Sul (estudo “COMO VAI”)

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

248
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Tabela 1b – Estudos que avaliaram as consequências da atividade física sobre desfechos de saúde na população idosa de Pelotas, Rio Grande do Sul (estudo “COMO VAI”)

Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

249
XIII. Consequências da atividade física em idosos

Evidências de Pelotas a partir de sença de sintomas do envelhecimento


outros estudos masculino na mesma amostra de base
populacional, a qual incluiu homens
Além dos achados provenientes com idade a partir de 40 anos. Consi-
do estudo “COMO VAI?”, demais pes- derando a prática de atividade física
quisas foram conduzidas com outras avaliada pela versão longa do Ipaq, a
amostras de Pelotas com o intuito de presença de sintomas do envelheci-
avaliar consequências da (in)ativida- mento masculino foi mais frequente
de física sobre a saúde de idosos ou entre os indivíduos que praticavam
adultos de idade mais avançada. Esses até 149 minutos/semana de atividade
estudos foram conduzidos com amos- física nos domínios de lazer, desloca-
tras específicas de homens ou idosos mento, doméstico e ocupacional, do
institucionalizados e nenhum deles que entre aqueles homens conside-
foi de delineamento longitudinal. rados ativos nesse estudo99. Já outra
Com relação aos idosos residen- publicação, que considerou apenas
tes em instituições de longa perma- o tempo semanal de atividade física
nência, estudo de casos e controles nos domínios de lazer e deslocamen-
que objetivou avaliar indicadores de to, observou menor ocorrência de
institucionalização identificou que sintomas gerais, sexuais, somáticos
indivíduos pouco ativos e inativos, e psicológicos entre aqueles homens
conforme versão curta do Ipaq, apre- que praticavam pelo menos 150 mi-
sentaram 1,71 e 4,73 maiores chances nutos/semana de atividade física nes-
de institucionalização, respectiva- ses domínios do que entre aqueles
mente97. Outro estudo com a mesma classificados como sedentários100.
amostra observou que os idosos insti- Por último, considerando a prática
tucionalizados que praticavam menos de atividade física em cada um dos
de 150 minutos/semana de atividade quatro domínios citados anterior-
física apresentaram 2,17 vezes maior mente, o escore geral dos sintomas
ocorrência de incapacidade funcio- do envelhecimento masculino foi in-
nal para pelo menos uma atividade versamente associado com o nível de
da vida diária do que aqueles idosos atividade física nos domínios do lazer
que praticavam 150 minutos ou mais e doméstico, enquanto os sintomas
de atividade física por semana98. somáticos do envelhecimento foram
Quanto aos estudos realizados inversamente associados com o nível
apenas com idosos do sexo masculi- de atividade física no lazer101.
no, três publicações avaliaram a asso- Com a mesma amostra de homens
ciação entre atividade física e a pre- das publicações citadas acima, outro

250
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

estudo verificou que a dor musculo- da cidade era de 20.573. Na primeira


esquelética autorrelatada foi 60% me- coleta de dados, que ocorreu entre
nos frequente entre os indivíduos que 1996 e 1997, foi coletada informações
praticavam pelo menos 150 minutos/ de 1.606 idosos (60 anos ou mais)105.
semana de atividade física no lazer e Já em 2000, iniciou-se a primeira co-
deslocamento do que entre aqueles leta do estudo SABE, sob coordenação
que praticavam atividade física por da Organização Pan-Americana da
menor tempo102. Saúde. Diferente do estudo Bambuí,
o SABE é um estudo multicêntrico de-
senvolvido em sete centros urbanos
Contextualização com evidências
da América Latina (São Paulo, Bue-
nacionais e internacionais
nos Aires, Santiago, Cidade do Méxi-
A partir do exposto, o estudo co, Montevidéu) e Caribe (Havana e
COMO VAI? foi pioneiro na investi- Bridgetown), e que tem como objeti-
gação do papel da atividade física na vo identificar o perfil das condições
população idosa não instituciona- de vida e saúde das pessoas idosas
lizada em Pelotas, reforçando a im- nas regiões estudadas103. No Brasil,
portância do estilo de vida ativo para foi realizado na cidade de São Paulo,
redução do risco de mortalidade, onde foram entrevistadas 2.143 pes-
quedas, sintomas depressivos, poli- soas com idade igual ou superior a 60
farmácia, entre outros. Tais achados anos. Mais recentemente, em 2015,
vão ao encontro do evidenciado atra- iniciou-se as coletas de dados do EL-
vés de outros estudos longitudinais SI-Brasil, sendo o primeiro estudo
sobre a saúde da população idosa no que buscou incluir uma amostra re-
Brasil, como o Estudo Saúde, Bem- presentativa de toda a população ido-
-Estar e Envelhecimento (SABE)103, sa no Brasil104. Nessa primeira coleta,
Estudo Longitudinal da Saúde dos dados de 9.412 indivíduos residentes
Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil)104, e em 70 municípios situados nas cinco
o estudo Bambuí105. macrorregiões brasileiras. Além des-
Cronologicamente, o estudo Bam- ses, outros estudos menores, como o
buí foi o primeiro estudo longitudinal EpiFloripa Idosos (2009)106 e o SIGa-
de base populacional a investigar va- -Bagé (2008)107, com amostras repre-
riáveis relacionadas à saúde da popu- sentativas de Florianópolis e Bagé,
lação idosa. O estudo foi realizado na respectivamente, foram realizados.
cidade de Bambuí, Minas Gerais. No Os resultados obtidos pelo estu-
início da pesquisa, a população total do COMO VAI? são semelhantes com
os achados em algumas das coortes

251
XIII. Consequências da atividade física em idosos

mencionadas previamente. Por exem- o risco de morte e doenças crônicas,


plo, cabe destacar a alta prevalência mas também uma oportunidade de
de inatividade física na população melhorar a qualidade de vida desta
idosa. A proporção de idosos que não importante e crescente parcela da po-
atingiram as recomendações de ativi- pulação brasileira.
dade física semanal foi de 81,6% no Conforme citado anteriormente,
estudo pelotense86, valor próximo ao os idosos de Pelotas com menores ní-
encontrado pelo SABE (85,4%)108, e veis de atividade física, independente
acima dos valores observados no Epi- do instrumento e critério adotados,
Floripa Idosos (56,3%)109, SIGa-Bagé apresentaram maior probabilidade de
(41,4%)110, e no Bambuí (47,7%)111. apresentarem diversos problemas de
Ainda, todos esses valores foram su- saúde investigados. Os resultados cor-
periores ao reportado no ELSI-Brasil roboraram o observado em diversas
(33%)112. Além das diferenças terri- revisões sistemáticas de estudos com
toriais, sociais e culturais entre as idosos que testaram essas associações
cidades, os instrumentos utilizados com sarcopenia78, sintomas depressi-
também foram diferentes. Por exem- vos113, fragilidade114, polifarmácia115,
plo, enquanto no COMO VAI?86, SI- quedas84,116 e mortalidade117.
Ga-Bagé107, EpiFloripa Idoso109, e no Apesar da relevância dos achados
ELSI-Brasil112 foi utilizado o Questio- descritos, alguns desfechos carecem
nário Internacional de Atividade Físi- de investigações, como a função cog-
ca (Ipaq), no Bambuí, um instrumen- nitiva e a incidência de demência. Por
to de gasto energético por atividade exemplo, as coortes Bambuí (Mini
física realizada nos últimos 90 dias Exame de Estado Mental [MEEM]),
fora adotado111. No SABE108 e também ELSI-Brasil (testes de memória e fun-
no COMO VAI?92, a atividade física foi ção executiva), EpiFloripa (MEEM), e
também mensurada objetivamente SABE (MEEM) incluíram medidas da
através de acelerômetros. Como pre- função cognitiva como desfecho. Po-
viamente mencionado, a inatividade rém, somente o ELSI-Brasil incluiu
física tem múltiplas consequências instrumentos diferentes para memó-
para a saúde do idoso, e sua alta pre- ria (Teste de Memória de 10 palavras)
valência representa um alerta para a e função executiva (Teste de Fluência
saúde pública, visto a sua alta carga Verbal), capaz de identificar o com-
social e econômica. Integrar políti- portamento de diferentes domínios
cas de acolhimento do idoso com a da função cognitiva ao longo do tem-
prática de atividade física não repre- po. Além disso, somente o ELSI-Bra-
senta somente uma forma de reduzir sil118 e o EpiFloripa119 examinaram

252
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

a prevalência de demência e fatores Referências


associados nas suas populações de
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em 2021 foi publicado o primeiro es- html?=&t=resultados.
tudo descrevendo os idosos com de- 2. Feter N, Leite JS, Dumith SC, Rombaldi
mência no Brasil118. Considerando a AJ. Ten-year trends in hospitalizations
alta carga social e econômica dessa due to Alzheimer’s disease in Brazil: a
national-based study. Cad Saude Publica.
doença, incorporar esses desfechos
2021; 37(8):e00073320.
nas próximas etapas das coortes aqui
mencionadas poderia fornecer in- 3. Brazil. Departamento de Informática
do Sistema Único de Saúde-DATASUS.
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Brasília. 2019.
pactos na saúde da população idosa e
4. Hamer M, Lavoie KL, Bacon SL. Taking
identificar fatores que possam contri-
up physical activity in later life and
buir para atenuar tais efeitos. healthy ageing: the English longitudinal
Pelotas tem como uma grande study of ageing. Br J Sport Med. 2014;
vantagem a possibilidade de investi- 48(3):239–43.
gar como os primeiros meses e anos 5. Daskalopoulou C, Stubbs B, Kralj
de vida poderão influenciar o proces- C, Koukounari A, Prince M, Prina AM.
so de envelhecimento, através de da- Physical activity and healthy ageing: a
dos de quatro coortes de nascimentos systematic review and meta-analysis of
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rem maiores incidências em idades Wu Y-T, Koukounari A, Haro JM, Tyrovolas
mais avançadas, é importante acom- S, et al. The impact of physical activity
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262
XIV
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Gabriele Radünz Krüger; Laura Garcia Jung; Alexandre


Carriconde Marques

A
s pessoas com deficiência sa população) tinham algum tipo de
(PCD) e os indivíduos com deficiência (deficiência visual, auditi-
transtorno do espectro autista va, física ou déficit intelectual)2.
(TEA) durante muito tempo viveram O Centro de Controle e Prevenção
à margem da sociedade em relação de Doenças (CDC) dos Estados Uni-
à inclusão em programas de ativida- dos publicou, no dia 2 de dezembro
des físicas (AF), atividades culturais e de 2021, o mais recente estudo que
cotidianas e, também, no âmbito das discorre sobre a prevalência do TEA.
pesquisas científicas. De acordo com o relatório, uma a
Segundo a Organização Mundial cada 44 crianças aos oito anos de ida-
de Saúde (OMS), as pessoas com defi- de é diagnosticada com TEA nos EUA.
ciência representam 15% da popula- O número representa um aumento de
ção mundial1. No Brasil, em 2019, se- 22% em relação à pesquisa anterior
gundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2020, cuja proporção era de um
(PNS), 17,3 milhões de pessoas com para 541. Numa transposição dessa
dois anos de idade (ou mais 8,4% des- prevalência (de 2,3% da população)

263
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista

para o Brasil, teríamos hoje cerca de de vida dessas pessoas tem aumenta-
4,84 milhões de pessoas com TEA no do significativamente e, o importan-
país. Porém, ainda não temos núme- te, não é apenas viver mais, mas viver
ros oficiais de prevalência de indiví- com qualidade de vida (QV), com um
duos com TEA no Brasil. estilo de vida (EV) ativo.
A evolução dos estudos rela-
cionados com essa população tem
Estilo de vida e pessoas com
ultrapassado o âmbito das pesqui-
deficiência e TEA
sas descritivas, partindo para estu-
dos de intervenção e proposição de Ainda hoje se tem um conceito
instrumentos para a avaliação da equivocado sobre as PCD, imaginan-
aptidão física, das habilidades mo- do-se ainda que esses indivíduos vi-
toras e da capacidade funcional. vem pouco, que não possuem capa-
O Núcleo de Estudos em Atividade Fí- cidade para atuar independentes e
sica Adaptada – Neafa da Esef/UFPel, que não podem estar interagindo na
tem produzido estudos voltados às sociedade. A expectativa de vida das
pessoas com PCD e TEA, além de ofe- PCD e com TEA também tem aumen-
recer diversos projetos de extensão tado nas últimas décadas. Podemos
desde 1997. citar como exemplo a Síndrome de
A importância da realização de Down (SD), cuja expectativa era de
estudos com essa população está nove anos em 1920 e passou para 60
alicerçada na necessidade de ofere- anos nos dias atuais³.
cer resultados que propiciem o de- Ao longo desses anos, vários fato-
senvolvimento de políticas públicas, res contribuíram para o aumento da
planejamento de programas sociais expectativa de vida dessas pessoas,
voltados à prática de AF nas cidades e dentre os quais: a descoberta de vá-
municiar os profissionais com dados rias causas de deficiências, aciden-
reais. Assim, será possível quebrar tes genéticos, diagnóstico no TEA,
preconceitos e diminuir barreiras, a aceitação das famílias em criarem
e ainda oferecer aos professores das seus filhos, a formação de várias as-
escolas conteúdos e ferramentas de sociações de apoio, as intervenções
avaliação da aptidão física relaciona- pedagógicas nas escolas, a formação
das à saúde e às habilidades motoras, profissional, a evolução da medicina
além de dar suporte aos gestores pú- e, nos últimos anos, a preocupação
blicos sobre os benefícios da AF. das famílias e sociedade com a mu-
Esses desafios são ainda mais im- dança do EV.
portantes, uma vez que a expectativa

264
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Existem vários conceitos de EV, Admite-se também que a promo-


Nahas4 descreve que é “um conjun- ção do EV ativo é de interesse geral,
to de ações habituais que refletem compreendendo interesses governa-
as atitudes, os valores e as oportuni- mentais (saúde pública) e individu-
dades na vida das pessoas”. Dentro ais (bem-estar pessoal). Compete ao
das variáveis do EV, a prática de AF profissional da saúde, incluindo o
vem trazendo vários benefícios, tais profissional da EF, desenvolver mé-
como: a prevenção de uma série de todos que oportunizem e incentivem
doenças, o efeito positivo nas con- a inclusão da prática de AF na rotina
dições psicológicas, a melhoria nas dos indivíduos, independentemente
relações interpessoais, entre outras. de sexo, idade, necessidades pessoais
Os estudos realizados sobre EV asso- ou deficiências7.
ciados à prática de AF, na população O desenvolvimento de programas
em geral, descrevem baixos índices de promoção da saúde podem ser
de prática de AF e níveis significati- uma alternativa para unir os indiví-
vos de atividades sedentárias5. duos com PCD e TEA e a sociedade. A
Apresentar um EV ativo no que informação e orientação da comuni-
diz respeito às PCD ou TEA não é uma dade em geral sobre as barreiras que
tarefa fácil - a AF geralmente requer se apresentam facilitarão a aquisição
elementos de força, resistência, equi- de um comportamento saudável, que
líbrio e coordenação. Em pessoas deve ser pautado na relação com os
com deficiência, um ou mais atribu- determinantes para prática de AF.
tos físicos podem ser afetados pela
deficiência, o que limita o acesso ao Fatores determinantes para
esporte, preparação física e trabalho prática de AF
ou atividade de vida diária6.
Atividade Física é uma carac-
No tocante à Educação Física
terística inerente ao ser humano e
(EF), a reformulação de conceitos
tem sido associada com o bem-estar
implica em novos entendimentos so-
e saúde, melhorando assim a QV de
bre o que vem a ser EV, o qual está
todas as pessoas que a praticam8. A
cada vez mais fundamentado na ten-
AF pode propiciar uma mudança no
dência mundial em valorizar e ado-
EV, trazendo uma série de benefícios,
tar a AF rotineira como fator impor-
e para as PCD não é diferente, como
tante na recuperação, manutenção
demonstram os estudos a seguir.
e/ou promoção de um EV ativo para
Marques9 verificou o EV de
todas as pessoas, inclusive àquelas
2187 pessoas com SD com idades en-
com algum tipo de deficiência4.

265
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista

tre sete e 64 anos no Paraná, Santa cidade de Pelotas. Os resultados in-


Catarina e Rio Grande do Sul. Ob- dicam que quanto maior o grau de
servou-se que apenas 12,5% eram al- TEA, maiores são os déficits nas ha-
fabetizados, sendo esses mais ativos bilidades motoras. Os pesquisadores
do que os não alfabetizados. Com observaram também que crianças
relação às atividades sedentárias, os que tomam algum tipo de medica-
adultos com idades entre 30 e 49 anos mento apresentam maiores déficits
apresentaram uma média diária de nas habilidades motoras, que podem
3,4 horas assistindo televisão. Com também estar associados ao grau do
relação à prática de AF, verificou- transtorno, pois quanto maior a se-
-se que 39,2% (n=469) dos homens e veridade, mais se faz necessário o
32,2% (n=319) das mulheres faziam uso de medicamentos. As crianças
algum tipo de AF (preferencialmente com os escores mais altos nas habi-
caminhadas). Com relação ao IMC, os lidades motoras estão associadas à
meninos entre 15 e 20 anos em mé- maior participação nas aulas de EF.
dia estavam na faixa do sobrepeso As habilidades motoras estão forte-
(X=25,50), enquanto as meninas em mente associadas à independência
média (X=31,22) estavam na faixa da nas atividades de vida diária (alimen-
obesidade. Encontrou-se que os mais tar-se, higiene pessoal, arrumar-se e
jovens apresentaram um nível maior banhar-se). Desse modo, percebe-se a
de AF em relação aos mais velhos e importância das AF regulares na vida
as mulheres são menos ativas do que dessas crianças, visando assim uma
os homens. Além disso, os mais ati- melhora na QV.
vos tendem a apresentar maior grau Com base nesses dois estudos
de independência na realização das percebe-se a importância da AF re-
atividades da vida diária. gular na vida das PCD e com TEA,
Para pessoas com TEA, uma das desenvolvendo seu nível de indepen-
características que influenciam dire- dência e consequentemente melho-
tamente na prática da AF são os dé- rando a QV deles e de seus familiares
ficits motores frequentemente relata- e cuidadores.
dos nessa população10, os quais têm No estudo de Kalinoski et al.13 o
sido citados em alguns guias11. No es- objetivo foi identificar a prevalência
tudo de Krüger, Silveira e Marques12, de síndrome metabólica (sendo cole-
o objetivo foi descrever se as variáveis tado os seguintes fatores: trigliceríde-
de hábitos de vida estão associadas às os, HDL, glicemia de jejum, circunfe-
habilidades motoras de crianças com rência abdominal e pressão arterial)
TEA de oito a 10 anos residentes na em 30 adultos com SD maiores de 18

266
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

anos. Nos homens os fatores de risco dos do questionário. As crianças con-


com maiores prevalências foram os sideradas ativas pelo questionário são
triglicerídeos, colesterol HDL e cir- aquelas com o poder aquisitivo mais
cunferência abdominal. Nas mulhe- elevado (p=0,02), que os pais são casa-
res, o fator de risco de maior preva- dos (p=0,006) e os pais realizam a AF
lência foi o colesterol HDL. Mais de regular (p=0,005). Ao comparar com
80% da amostra pratica algum tipo de AF pelo acelerômetro não se verifi-
AF, melhorando a QV e diminuindo a cou nenhuma associação significati-
prevalência dos fatores de risco para va. Como o estudo verificou crianças
a síndrome metabólica. com TEA de todos os graus, um dado
Silva et al.14, verificaram os níveis importante deve ser mencionado:
de AF medida por acelerometria e pessoas com TEA apresentam estere-
seus fatores associados em 90 adultos otipias, sendo muitas vezes essas de
(18 – 95 anos) brasileiros com defici- formas motoras (caminhando, cor-
ência visual (DV). Observaram que rendo, balançando o corpo e outras) e
60% dos entrevistados praticavam esses movimentos podem ser identifi-
pelo menos 30 min/dia de AF modera- cados como AF. Por isso é necessário
da a vigorosa. Indivíduos cegos eram refletir sobre o uso de acelerômetros
menos ativos, passavam mais tempo nessa população. Salienta-se, tam-
em atividades sedentárias e gastavam bém, o cuidado com o uso do acele-
menos tempo em atividades modera- rômetro durante o sono, pois muitas
das e vigorosas do que aqueles com apresentam estereotipias quando es-
baixa visão. Indivíduos que se des- tão dormindo15.
locavam sem nenhum auxílio eram Os dados desses dois estudos de-
mais ativos, permaneciam menos monstram os baixos níveis de AF em
tempo em atividades sedentárias e pessoas com deficiência visual e em
mais tempo em atividades leves e mo- crianças com TEA.
deradas do que aqueles que caminha-
vam com bengala ou guia.
Consequências da AF
Krüger15 verificou o nível de AF
medida por acelerometria e por ques- Foi realizado, também por Krü-
tionário em 73 crianças (de quatro a ger, um estudo de intervenção de 14
10 anos) com TEA na cidade de Pelo- semanas na cidade de Pelotas, com
tas. Os dados encontrados mostram objetivo de verificar o efeito de um
que 51,5% foram consideradas ativas programa de atividades rítmicas na
de acordo com os dados mensurados interação social e coordenação moto-
por acelerometria; e 31,5% pelos da-

267
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista

ra de crianças de cinco a 10 anos com dos comportamentos agressivos no


TEA. As crianças apresentaram uma grupo intervenção (p<0,003) e no
melhora significativa nas habilidades grupo controle houve um aumen-
motoras e não foi observada diferen- to desses comportamentos, porém
ça significativa na interação social16. sem diferença significativa. Entre
Em 2019 uma pesquisa experi- os grupos, não foi encontrada uma
mental foi realizada com o objetivo diferença estatisticamente significa-
de verificar o efeito de um programa tiva. Nas variáveis mensuradas pelo
de exercício físico de 16 semanas acelerômetro – tempo total de sono
(com três sessões semanais) nas ha- e eficiência do sono – observou-se
bilidades motoras, na qualidade do uma diferença significativa entre os
sono, nos comportamentos de auto- grupos, mas não houve efeito entre
agressão, estereotipados e agressão as avaliações em ambos os grupos.
em crianças com TEA. A amostra Diante dos resultados encontrados,
foi composta por 49 crianças com percebe-se que um programa de
TEA de todos os graus, com idades exercício físico, com duração de 16
entre oito e 10 anos, residentes na semanas, é capaz de melhorar as
cidade de Pelotas. Dos 49 indivíduos habilidades motoras e diminuir os
localizados, 39 concluíram todas as comportamentos de agressão e de
etapas do estudo, no qual 33 (84,6%) estereotipias, porém não foi obser-
participantes eram do sexo mascu- vada mudança nos comportamentos
lino. Observou-se uma melhora sig- de autoagressão e na qualidade do
nificativa (p<0,0001) nas habilida- sono de crianças com TEA17.
des motoras do grupo intervenção Outro estudo experimental, de-
e houve uma diminuição significa- senvolvido por Kalinoski, teve como
tiva (p<0,001) nos comportamentos objetivo verificar o efeito de um pro-
de autoagressão que ambos os gru- grama de AF com exergaming (Xbox
pos apresentaram. Em relação aos 360® kinectTM) durante 16 semanas
comportamentos estereotipados, (três sessões semanais de 50 minu-
os grupos não eram semelhantes tos), sobre as variáveis da Síndrome
no início da intervenção, porém se Metabólica em 28 adultos maiores de
tornaram semelhantes ao final da 18 anos com SD, residentes da cidade
intervenção, ou seja, o grupo inter- de Pelotas. O grupo intervenção apre-
venção apresentou uma diminui- sentou melhoras significativas entre
ção significativa entre as avaliações os testes na força de membros supe-
(p<0,001). Ao observar a variável de riores, força de membros inferiores
agressão, ocorreu uma diminuição e teste de agilidade (p < 0,01) e entre

268
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

grupos, o teste de força de membros físico aumentou após a intervenção


superiores apresentou resultado sig- com treinamento funcional (p=0,02).
nificativo. No entanto, a intervenção Contudo não houve mudanças no ní-
não apresentou nenhum resultado vel de AF mensurada pela acelerome-
significativo nas variáveis da síndro- tria ou pelo questionário em nenhu-
me metabólica. Na literatura científi- ma das duas intervenções18.
ca sabe-se da importância da AF para Diante dos dados apresentados, a
a alteração das variáveis de síndrome adoção de um EV ativo constitui-se de
metabólica, porém na presente in- uma prática eficiente de intervenção,
tervenção 16 semanas podem não ter que busca minimizar as consequên-
sido o suficiente para gerar mudan- cias do sedentarismo, considerando
ças. Com isso, vemos a necessidade que ele é, por si só, um fator de ris-
da criação de programas acessíveis, co à saúde, é necessário programas
promoção à saúde e intervenções des- de promoção à saúde, buscando au-
tinadas a aumentar os níveis de AF mentar os níveis de AF e para isso é
das pessoas com deficiência13. fundamental diminuir as inúmeras
Em outro estudo, Silva verificou barreiras que as PCD e com TEA so-
o efeito de dois programas de exercí- frem para adotarem um EV mais ati-
cios físicos – jogos esportivos e trei- vo, como veremos a seguir.
namento funcional – nos níveis de AF
e aptidão física, QV e prazer pela prá- Barreiras e facilitadores
tica de exercícios físicos de adultos
com deficiência visual. A amostra foi As pessoas com deficiência pos-
composta por 12 participantes (idade suem necessidades de cuidado à saú-
entre 30 e 59 anos). A intervenção foi de adicionais e mais complexas do
composta por 10 semanas de jogos que os da população em geral19,20.
esportivos, quatro semanas sem ati- Apresentam, também, limitações
vidades e mais 10 semanas de treina- para a realização de atividades coti-
mento funcional, com três aulas por dianas associadas às deficiências. Es-
semana, com duração de 30-55 minu- tudos mostram que o nível de AF das
tos. Observou uma melhora significa- pessoas com deficiência é inferior ao
tiva na potência aeróbia após a práti- da população em geral21-22, fato preo-
ca dos jogos esportivos (p=0,003) e do cupante, tendo em vista que a prática
treinamento funcional (p=0,02), veri- de AF é importante na prevenção das
ficou melhoras na flexibilidade após doenças crônicas não transmissíveis
os jogos esportivos (p=0,002). A per- (DCNTs) e manutenção da QV23.
cepção de QV no aspecto do domínio

269
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista

Percebe-se que mais relevante do tresse percebido, medo de obesida-


que a informação sobre a importân- de). As ambientais subdividem-se em:
cia da prática de AF são as oportuni- sociais (apoio dos pais, dos amigos,
dades dadas às pessoas para a efetiva atividade física dos pais como mo-
prática. Sendo assim, se elas forem delo); e físicas (acesso a programas
impedidas de serem ativas devido às de atividade física, tempo gasto em
barreiras originadas pela própria de- atividades passivas, tempo que passa
ficiência essas informações não re- fora de casa, tipo de atividade desen-
presentam mudanças no EV9. volvida nos finais de semana)26. Esses
Existem alguns aspectos que po- determinantes em algumas situações
dem ser facilitadores para a prática de podem ser facilitadores do compor-
AF e estão associados aos fatores po- tamento ativo, em outras podem ser
sitivos que propiciam condições favo- percebidas como barreiras para a
ráveis à prática de AF. Já as barreiras prática de AF24.
estão ligadas a fatores negativos que O conhecimento dessas barreiras
não propiciam condições favoráveis à e facilitadores da prática de AF, es-
prática de AF24-25. Com base nos acha- pecificamente para as pessoas com
dos de estudos que objetivam enten- deficiência, torna-se importante para
der o porquê de as pessoas estarem propiciar o aumento das oportunida-
fisicamente ativas ou inativas, é pos- des para elas terem um EV ativo.
sível contribuir para o planejamento Em 2012, um estudo epidemioló-
de intervenções de saúde pública. A gico transversal27 teve como popula-
compreensão de correlatos e deter- ção-alvo pessoas com déficit intelec-
minantes, especialmente em países tual (DI), maiores de seis anos, que
de baixa e média renda, pode reduzir frequentavam as Apaes no Estado do
o efeito de futuras epidemias de inati- Rio Grande do Sul e objetivou identi-
vidade e contribuir para a prevenção ficar as barreiras e facilitadores para
global eficaz de doenças crônicas não a prática de AF nos aspectos pesso-
transmissíveis (DCNTs)24. ais, ambientais e sociais. A amostra
Para melhor descrever as barrei- foi composta por 1.191 pessoas com
ras e os facilitadores, Bauman et al. DI representadas no estudo pelos
descrevem as variáveis em ambien- seus responsáveis. O estudo conclui
tais e pessoais, as quais podem ser que as barreiras e facilitadores estão
divididas em: biológicas (idade, sexo normalmente ligados ao estímulo
e obesidade) e psicológicas (conhe- que as pessoas com DI recebem. As
cimento, atitude, superar barreiras, barreiras mais frequentes para prá-
tipo de personalidade, intenção, es- tica de AF foram falta de dinheiro e

270
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de projetos sociais voltados à prática por realizar outras atividades e não


de AF perto de casa, falta de transpor- ter companhia dos amigos. O número
te, de companhia e profissionais ca- de barreiras percebidas foi uma vari-
pacitados, visto que grande parte da ável fortemente associada com a prá-
amostra do estudo é de classe social tica da AF no lazer dessas crianças,
baixa. Com relação aos facilitadores, visto que as crianças menos ativas
observou-se que tempo para praticar percebem mais barreiras15.
AF, ser capaz de praticar AF e o enten-
dimento que a família tem sobre a im- Desenvolvimento de testes para
portância da prática de AF são aspec- avaliação das PCD
tos primordiais. Ter companhia para
prática de AF foi relatado como um A avaliação da aptidão física re-
facilitador associado com a prática de lacionada à saúde tem despertado o
AF. Percebe-se com o estudo que há interesse dos pesquisadores, a fim
um entendimento adequado sobre a de criar ferramentas que auxiliem os
importância da AF no tempo livre na profissionais da área, na realização
vida das pessoas com DI, entretanto de avaliações que servirão de indica-
é necessário que sejam desenvolvidas dores para o planejamento e o desen-
políticas públicas e projetos sociais volvimento de programas de ativida-
com profissionais capacitados, que des físicas.
permitam o acesso dessas pessoas à Reconhecendo a importância de
prática de AF e, consequentemente, uma avaliação mais específica para
essa ação irá refletir num EV ativo e as PCD que praticam AF, parte-se do
numa melhor QV. pressuposto que hoje em dia deve ser
Em 2015, foi realizado um estudo observado no Brasil e no mundo, cen-
descritivo sobre o nível de AF e suas tros e laboratórios especializados, re-
barreiras em 73 crianças de quatro a conhecidos por seu atendimento para
10 anos de idade com TEA na cidade PCD e que atuam na formação de pro-
de Pelotas. Os autores observaram fissionais e no desenvolvimento de
que 31,5 % foram consideradas ativas pesquisas. Tem-se observado o surgi-
fisicamente e a média de AF foi de 53,5 mento de um número significativo de
min/dia. As barreiras mais citadas fo- artigos, manuais e livros relacionados
ram: ausência de projetos sociais para com esse tema, a fim de adaptar ou
inserção da criança em programas de desenvolver novas baterias de testes
AF, falta de locais acessíveis próximo em razão das diferentes característi-
da residência da família, falta de di- cas dos tipos de deficiências.
nheiro para a realizá-las, preferência

271
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista

Com o crescimento do número O instrumento se propõe a ava-


de PCD interessados em praticar AF liar a habilidade de caminhar e a ve-
e o aumento de crianças com defi- locidade da marcha; a agilidade e o
ciências e TEA nas escolas, a avalia- equilíbrio dinâmico; equilíbrio está-
ção da saúde e desempenho físico tico; força e resistência de membros
dessas pessoas torna-se necessária inferiores; mobilidade para levantar-
como parte de uma programação e -se do solo, funcionalidade de mem-
acompanhamento das AF. É possível bros superiores; e destreza manual.
descrever alguns pontos para a reali- O protocolo de avaliação e mais in-
zação dessas avaliações: a) verificar formações sobre a bateria podem ser
parâmetros que podem afetar a saúde encontrados em https://encurtador.
geral; b) caracterizar as deficiências com.br/jACF8.
nos diferentes níveis da aptidão físi- Outro estudo desenvolvido foi a
ca; c) criar valores de referência para criação do Programa de Avaliação da
as diferentes deficiências; d) mapear Aptidão Física de Crianças e Jovens
o acompanhamento do efeito das AF com Síndrome de Down – Prodown,
realizadas; e) proporcionar ao longo proposto por Marques9, que apresen-
do tempo novas recomendações para ta uma bateria de testes que sugere ta-
os diferentes tipos de deficiências. belas normativas no que se refere ao
Um estudo foi realizado com a po- desenvolvimento de crianças e jovens
pulação adulta maior de 18 anos de- brasileiros com SD, com idades entre
senvolvido por Silveira28, com o tema: 10 e 20 anos. Foram estudados 1249
avaliação da capacidade funcional crianças e jovens com SD de idades
de adultos com SD – Bateria-Neafa/ entre 10 e 20 anos, sendo 669 (53,6%)
CFSD. A bateria de testes Neafa/CFSD do sexo masculino e 580 (46,4%) do
tem como objetivo padronizar e fo- sexo feminino.
mentar estudos e avaliações motoras A atuação do Prodown configura-
relacionadas à capacidade funcio- -se em delinear o perfil das crianças
nal (CF) de pessoas com SD. Ela foi e jovens brasileiros com SD, no cres-
desenvolvida a partir da adaptação cimento e desenvolvimento somato-
de testes já existentes na literatura motor e aptidão física relacionada à
e testes criados com o propósito de saúde e ao desempenho motor. Per-
avaliar especificamente pessoas com mite, ainda, organizar um banco de
SD. Em 2020 foi verificada a validade dados da população brasileira com
e confiabilidade desse instrumento a SD, que ofereça a possibilidade de
partir de validação de conteúdo, vali- desenvolver estudos epidemiológicos
dação intra e interavaliadores28. referentes ao estilo de vida, das rela-

272
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ções entre a AF, exercício físico e do- na faixa etária de 10 a 20 anos, o Pro-
enças associadas, bem como o perfil down adota um sistema referendado
da aptidão física. em normas de referências, inseridas
A utilização dos diversos compo- em um programa de fácil acesso e uti-
nentes desse programa nas escolas é lização para todos os professores de
uma base sólida para um eficaz pro- Educação Física que trabalham com
cesso de educação na promoção da essas pessoas. As tabelas são estrati-
AF e do exercício físico. ficadas por idade e sexo, definindo-se
Para avaliação da aptidão física de cinco categorias (quintis) de aptidão
crianças e jovens brasileiros com SD física conforme a Tabela 1.

Tabela 1 – Determinação das normas de referências dos testes de aptidão física relacionada à saúde e ao
desempenho motor.

Valores em quintis Classificação Níveis de aptidão física


Inferiores a 20 Fraco Condição de risco para a saúde
21– 40 Razoável Condição para AFH de baixa exigência
41 – 60 Bom Condição para AFH de média exigência
61 – 80 Muito bom Condição recomendada para AFH
81 - 100 Ótimo Condição atlética
AFH: atividade física habitual

Fonte: Marques (2008). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

Na intenção de proporcionar o Nunes29 realizou outra pesquisa a


acesso de todo o professor, indepen- fim de determinar parâmetros ciné-
dentemente das condições de sua es- ticos durante a caminhada terrestre
cola, alguns pressupostos receberam e aquática realizada por indivíduos
atenção especial: instrumentos de fá- com Síndrome de Down.
cil obtenção e acesso; instrumentos O estudo foi realizado com o ob-
e materiais de baixo custo e, ainda, jetivo de analisar a força de reação
medidas e testes de fácil aplicação no do solo vertical (Fz) durante a cami-
ambiente escolar ou esportivo. nhada de indivíduos com Síndrome
Informações completas sobre o de Down (SD) nos meios aquático e
Prodown (bateria de testes, fichas de terrestre. Participaram do estudo 14
avaliação e tabelas normativas) es- adultos com SD que contemplaram
tão à disposição livremente no site: duas sessões de coletas de dados. O
http://www.ufrgs.br/proesp/ protocolo consistiu em realizar a ca-

273
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista

minhada em três velocidades auto Dificuldades e perspectivas


selecionadas (lenta, confortável e futuras para pesquisas na AF
rápida) no meio terrestre e aquático. adaptada
Foram obtidos através de uma plata-
forma de força subaquática os dados Os estudos realizados em Pelotas
de primeiro e segundo picos da Fz, ao longo dos anos confirmam o que
taxa de aceitação do peso e impulso vem sendo relatado pelas diversas
ao longo da realização da caminhada. pesquisas nacionais e internacionais.
Obtiveram como resultados dife- A adoção de um EV mais ativo propor-
renças significativas entre os meios ciona diversos benefícios na vida das
de execução, com reduções em todas pessoas com PCD e TEA. Entretanto,
as variáveis durante a caminhada no ainda existem lacunas no desenvolvi-
meio aquático nas três velocidades mento de pesquisas epidemiológicas
autosselecionadas. No meio aquáti- quando se trata da população com
co, não foram encontradas diferen- PCD e TEA.
ças significativas com o aumento da Os primeiros estudos realizados
velocidade para 1º pico e 2º pico da em Pelotas foram com a população de
Fz, além disso a taxa de aceitação de adultos com SD, sendo esses descriti-
peso aumentou significativamente vos e de criação de testes para avalia-
e o impulso reduziu nas velocidades ção dessa população. Após perceber
mais altas. as necessidades da população, foi
A partir dos resultados obtidos realizado um estudo de intervenção
nesse estudo, indivíduos com Síndro- com adultos com SD e exergaming.
me de Down apresentaram resulta- Assim, percebeu-se a importância de
dos de força de reação do solo vertical programas que busquem a promoção
reduzidos na água em comparação da saúde e intervenções destinadas a
ao meio terrestre, dessa forma a ca- aumentar os níveis de AF das pessoas
minhada no meio aquático pode ser com deficiência.
realizada de forma segura para essa O aumento do número de casos
população, visto que há uma menor de crianças com TEA determinou
sobrecarga nos membros inferiores uma atenção maior com essa popu-
independentemente da velocidade lação. Em razão dessa demanda, es-
de execução, contribuindo de forma tudos descritivos sobre níveis de AF
prática para reabilitação, correção de e barreiras foram necessários para
marcha e para fins de treinamento conhecer as características dessa po-
para essa população. pulação. A fim de conhecer a realida-
de das crianças com TEA, foram con-

274
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

duzidas duas intervenções — crianças senvolvimento de programas de pro-


com TEA e dança criativa e outra com moção à saúde para as PCD e TEA.
exercício físico. Os resultados não são Novos resultados nas pesquisas
diferentes do que mostra a literatura, irão facilitar um maior engajamento
a prática do exercício físico traz diver- desses indivíduos na prática de AF.
sos benefícios para essas pessoas. De Pessoas ativas terão uma melhor ap-
forma paralela, pesquisas com pesso- tidão física para o desenvolvimento
as com deficiência visual também têm das atividades de vida diária, poden-
sido desenvolvidas, a fim de orientar do melhorar seu estado de humor,
profissionais da área e demonstrar a promover novas amizades, diminuir
importância da aderência de um EV o consumo de medicamentos, preve-
ativo para essa população. nir os riscos de obesidade e a aqui-
A experiência acumulada nesses sição de DCNTs, além de melhorar a
últimos 20 anos retrata, ainda, mesmo disposição para o trabalho. Entretan-
com alguma melhora, uma dificulda- to, é preciso cuidar das comparações
de na aderência das PCD em partici- com a população em geral, pois na
parem desses estudos. Essa premissa maioria das vezes as características
é significativa na população com défi- e interesses são diferentes. Torna-se
cit intelectual e TEA, pois não depen- necessário compreender as necessi-
de apenas do indivíduo, mas de todo dades das PCD e TEA, identificando
o contexto familiar. Outro problema os aspectos físicos, sociais, cognitivos
é a continuidade da participação em e emocionais desse grupo.
estudos de intervenção, em razão da Existem ainda as questões rela-
dificuldade dos familiares em manter cionadas com o preconceito de al-
a frequência nas atividades. Por outro guns pesquisadores, que excluem
lado, o aumento dos estudos voltados simplesmente das suas amostras às
à promoção de um EV mais saudável PCD e TEA, uma vez que suas especi-
tem oferecido subsídios para o tra- ficidades são ressaltadas e poderiam
balho dos profissionais da área, me- alterar resultados procurados na po-
lhorando de certa forma as situações pulação em geral. No entanto, todas
de preconceito. Soma-se a isso, o au- as pessoas são diferentes e, no míni-
mento das informações que chegam mo, as pesquisas podem abrir um es-
às famílias e à sociedade. paço para identificar as PCD e TEA. O
Entender os facilitadores e barrei- que não é mais aceitável é a exclusão
ras na adoção e manutenção de um dessas pessoas como se não fizessem
EV ativo são importantes para o de- parte da sociedade, visto que são se-

275
XIV. Pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista

res humanos e representam grande 5. Guthold, R.; Stevens, GA.; Riley,


parte da população. LM.; Bull, FC. Worldwide trends in
insufficient physical activity from
Salienta-se, também, que a falta
2001 to 2016: a pooled analysis of 358
de dados relacionados à prevalência population-based surveys with 1·9
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278
S

EIXO 5
L
INTERVENÇÕES
N
XV
ABORDAGENS PARA INTERVENÇÕES DE
PROMOÇÃO DE ATIVIDADE FÍSICA

Rafaela Costa Martins; Cauane Blumenberg; Marlos Rodrigues


Domingues

A
atividade física afeta significa- vações que levam alguém a se movi-
tivamente a saúde humana e mentar podem vir acompanhadas de
pesquisadores da área preci- outras escolhas que acabam por di-
sam avaliar e quantificar essa influên- ferenciar aquela pessoa das demais,
cia para estabelecer parâmetros nor- o que se costuma chamar de “cluster
teadores de intervenções em saúde. de comportamentos”, em que outros
Por ser um comportamento, e hábitos se acumulam e levam aquela
não uma característica, tudo que en- pessoa a ter uma saúde diferenciada.
volve a atividade física, como seus Exemplos comumente vinculados à
determinantes e contexto de prática, atividade física incluem alimentação
fazem parte do estilo de vida indivi- saudável, não fumar, dormir bem,
dual, sendo afetados também pelo não beber em excesso, controlar o
meio em que se vive, compondo um estresse, entre outros, criando um
cenário que inclui as atitudes e op- estilo de vida mais saudável naquele
ções de cada um. Nessa perspectiva, indivíduo, dentro do qual a atividade
é preciso compreender que as moti- física é um dos componentes, mas

280
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

certamente não o único. Importante menos no que diz respeito à atividade


salientar que a atividade física é de- física (intervenção). Quando se quer
terminada pelo contexto cultural e estudar atividade física, as compa-
social de cada indivíduo e pode ser rações devem ser feitas entre grupos
desigual devido à fatores extrínsecos (ex., ativo vs. inativo) ou entre dife-
à vontade do indivíduo. rentes tipos de atividade física (ex.,
Apesar de benéficos, esses “clus- exercício de força vs. cardiovascular).
ters de comportamento” saudável Geralmente selecionam-se indivídu-
podem também dificultar a interpre- os com alguma característica em co-
tação de pesquisas meramente ob- mum, os quais são divididos de forma
servacionais, uma vez que alguns re- aleatória em pelo menos dois grupos
sultados positivos da atividade física (um grupo controle que manterá sua
observados pelos pesquisadores po- rotina e um grupo intervenção que
dem ser superestimados por efeitos iniciará um programa de atividade fí-
benéficos de outros comportamentos, sica). Todas as pessoas são avaliadas
criando questões como: pessoas ati- antes da intervenção começar, inicia-
vas são mais saudáveis por causa da -se um período de intervenção (com
atividade física, ou por causa da ativi- a realização de exercícios físicos, por
dade física, da alimentação saudável, exemplo) e, mais tarde, avalia-se o
por não fumarem, fazerem mais exa- que mudou em cada grupo.
mes preventivos, dormirem melhor e Uma segunda finalidade das inter-
controlarem o estresse? Enfim, com- venções em atividade física é justa-
portamentos saudáveis que podem mente a mudança de comportamen-
melhorar a saúde e que são de difícil to. São estudos onde o pesquisador
mensuração e controle adequado den- tenta, por um período, alterar o hábi-
tro de uma pesquisa observacional. to de um grupo (tornando-o mais ati-
Mesmo quando controles estatísticos vo ou mais informado sobre ativida-
são aplicados, se reconhece a possibi- de física, por exemplo) e avalia mais
lidade de vários efeitos residuais não tarde se esta intervenção mudou o
controláveis e que podem distorcer as comportamento dos indivíduos. Nes-
medidas de risco observadas. sa área destacam-se os ensaios comu-
Uma tentativa de contornar esse nitários que buscam alterar o nível de
problema é realizando ensaios ran- atividade física em comunidades ou
domizados e intervenções, com a in- em amostras escolares, sem a preocu-
tenção de estudar uma amostra que pação específica com mudanças físi-
tenha comportamentos relativamen- cas ou biológicas.
te homogêneos em todos os aspectos,

281
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

Estudos escolares Para que sejam conduzidas com su-


cesso, é necessária sinergia entre os
Intervenções conduzidas em am- envolvidos. Por exemplo, a escola
bientes escolares, onde crianças e deve ter uma estrutura adequada e
adolescentes passam grande parte estar equipada com materiais sufi-
do dia, têm potencial para impactar cientes para conduzir as interven-
positivamente a atividade física, bem ções. Quando essa estrutura é garan-
como comportamentos e desfechos tida pela própria escola, diretores e
em saúde. Essas intervenções po- funcionários devem usá-la para a en-
dem assumir diferentes desenhos, trega da intervenção. Na ausência de
incluindo estratégias para inserção uma estrutura adequada, o pesqui-
da educação física na grade curricu- sador deve garantir a compra e ma-
lar, de atividades extracurriculares nutenção da estrutura e materiais.
no ambiente escolar, para aumentar Mesmo assim, em qualquer cenário,
a carga horária de aulas de educação professores devem estar treinados e
física ou adaptar o conteúdo das au- cientes da logística da intervenção,
las de educação física visando melho- pois na maioria das vezes serão eles
res desfechos em saúde. Embora o os responsáveis por entregá-la. Pes-
desfecho primário da maior parte das soas diretamente ligadas à escola,
intervenções escolares seja aumentar como pais e alunos, também devem
a prática de atividade física dos alu- estar dispostos a participar. A seguir,
nos, o aumento dos níveis e aptidão uma intervenção com alunos de es-
física de crianças e adolescentes está colas públicas conduzida por pes-
relacionado a uma série de benefí- quisadores de Pelotas é descrita.
cios para a saúde desses indivíduos
(desfechos secundários), incluindo Educação Física +
redução de sobrepeso e obesidade,
melhoria de funções cardiovascula- Em 2011, o Educação Física +:
res e saúde mental e aumento da saú- Praticando Saúde na Escola (EF+) foi
de esquelética1,2. elaborado e testado a partir de um es-
As intervenções com grupos es- tudo piloto nas cidades de Canguçu e
colares também podem incluir com- São Lourenço do Sul (Rio Grande do
ponentes para aumentar o conheci- Sul), servindo como forma de prepa-
mento, habilidades e atitudes frente ração para a implementação em Pe-
à prática de atividade física – desta- lotas3. O EF+ tinha como objetivo in-
cando a importância de se manter centivar a prática de atividade física e
fisicamente ativo ao longo da vida. aumentar a consciência de alunos da

282
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

rede estadual e municipal de ensino receberam treinamento sobre meto-


de Pelotas sobre a influência positiva dologias de ensino para promoção da
da atividade física sobre a saúde4. O atividade física e saúde, bem como
EF+ foi desenhado como uma propos- instruções para utilização do material
ta curricular para adicionar conteú- didático distribuído pela equipe do
dos relacionados à atividade física e EF+, que consistia em apostilas adap-
saúde às aulas de educação física da tadas, contendo textos explicativos,
5ª série do ensino fundamental até o planos de aula e métodos de avaliação
3º ano do ensino médio. Com foco em para serem aplicados durante as au-
somar esses conteúdos à grade cur- las de educação física envolvendo ati-
ricular preexistente da disciplina, e vidades práticas e teóricas, tais como:
não em sua substituição, foi usado o hidratação, ética, uso de substâncias,
símbolo “+” no título do projeto. alimentação saudável, entre outros.
A partir de uma lista das escolas, Além do processo de formação e
elas foram divididas em subgrupos de distribuição de materiais didáticos
acordo com a rede de ensino (estadu- aos professores, a intervenção tam-
al e municipal) e localidade (zona ur- bém contou com cartazes informa-
bana e rural). Quarenta escolas foram tivos nas escolas. A ideia era forne-
aleatoriamente selecionadas propor- cer um tipo de intervenção passiva
cionalmente ao tamanho de cada sub- enquanto os alunos não estivessem
grupo, sendo 20 escolas alocadas para participando das aulas de educação
cada grupo (controle e intervenção). física. Seis exemplares de cartazes
Alunos das escolas do grupo contro- foram distribuídos, os quais cobriam
le continuaram participando das au- temas relacionados às recomenda-
las regulares de educação física, sem ções de atividade física, comporta-
qualquer influência da intervenção. mento sedentário, importância da
Já os professores responsáveis pelas alimentação saudável, prática de
aulas de educação física das turmas atividade física no lazer, aspectos
da 5ª série do ensino fundamental até sociais da atividade física e benefí-
o 3º ano do ensino médio de escolas cios da atividade física para a saúde.
do grupo intervenção foram convi- Ao final da intervenção, uma ofici-
dados a participar de uma oficina de na de troca de experiências entre
formação com oito horas de duração. os professores das escolas do grupo
Nela foram abordados assuntos rela- intervenção foi organizada para tro-
cionados à importância da promoção ca de experiências das ações desen-
da saúde durante as aulas de educa- volvidas. Somado a isso, entrevistas
ção física. Além disso, professores semiestruturadas foram realizadas

283
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

com os alunos que participaram das respectivamente. As proporções de


aulas para avaliar sua satisfação. indivíduos ativos e inativos perma-
O objetivo inicial era que houves- neceu similar entre os períodos pré-
se 20 escolas em cada grupo, porém e pós-intervenção de acordo com o
ao longo do trabalho de campo hou- sexo e o nível de instrução dos alu-
ve muitas dispensas de alunos e au- nos. Por outro lado, o aumento do
sência de professores para ministrar escore de conhecimento entre os
as aulas à noite. Assim, foi decidido alunos do ensino fundamental (0,5 e
que quaisquer turmas noturnas se- 0,6 para os grupos controle e inter-
riam excluídas da amostra – sendo venção, respectivamente) foi maior
assim uma escola do grupo controle em comparação aos alunos do ensi-
teve de ser removida do estudo. Com no médio (0,1 e 0,3 para os grupos
isso, 10.739 alunos provenientes de 20 controle e intervenção, respectiva-
escolas do grupo intervenção e 19 es- mente) – onde apenas o grupo inter-
colas do grupo controle foram consi- venção teve evidência de aumento
derados elegíveis para a intervenção. do escore.
A avaliação da efetividade da in- Somado aos resultados de efeti-
tervenção foi feita a partir de me- vidade da intervenção, a equipe de
didas nos momentos pré- e pós-in- pesquisa do EF+ também avaliou o
tervenção. Na linha de base, 2.674 processo de implementação da inter-
e 2.692 alunos dos grupos controle venção. Dos 39 professores do grupo
e intervenção foram entrevistados, intervenção que haviam sido convi-
respectivamente; sete meses após dados a participar da oficina de for-
o término do estudo, 4.418 alunos mação, apenas 21 compareceram à
(41% da amostra elegível) foram en- reunião – tendo os demais recebido
trevistados novamente. A proporção os materiais e as instruções direta-
de alunos considerados ativos (≥300 mente em suas escolas. Cinco meses
minutos de prática de atividade físi- após a realização da oficina de forma-
ca por semana) e inativos (0 minutos ção, mais de um terço dos professores
de prática de atividade física por se- havia utilizado dois ou mais planos
mana) foi similar entre os períodos de aula com seus alunos e, ao final
pré- e pós-intervenção em ambos os da intervenção, subiu para 51%. En-
grupos. Por outro lado, a média do tre os principais motivos apontados
escore de conhecimento sobre ati- pelos professores que não aderiram
vidade física e saúde (variação de à intervenção estão a falta de tempo
0-10), aumentou 0,4 e 0,6 ponto para para incluir os conteúdos em suas au-
os grupos controle e intervenção, las regulares, preferência em abordar

284
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

somente atividades esportivas e falta NEPHROS


de materiais para conduzir as ativida-
des propostas. Já os professores que O estudo NEPHROS (Need for exer-
aderiram ao EF+ elogiaram a diversi- cise among patients with hypertension
dade dos temas e a maneira proposta and renal disease) foi um ensaio clí-
para abordá-los. nico randomizado com o objetivo de
avaliar o impacto de um programa
de exercícios físicos na progressão
Grupos especiais
da hipertensão de indivíduos com a
Populações especiais são grupos doença, bem como na qualidade de
de indivíduos que compartilham al- vida dos indivíduos8. Para isso, foi
guma vulnerabilidade, como por estimado que seria necessário um
exemplo alguma doença ou condi- tamanho de amostra de 150 pacien-
ção social. Portanto, quando há ne- tes (75 no grupo intervenção e 75 no
cessidade de responder alguma per- grupo controle).
gunta de pesquisa que envolva uma Para ser incluído no estudo, o
intervenção, deve-se levar em conta indivíduo não poderia ter diabe-
a vulnerabilidade desse grupo de in- tes mellitus, ter 18 anos ou mais,
divíduos para o seu desenvolvimento. apresentar diagnóstico de hiperten-
A atividade física já foi comprovada são, creatinina sérica ≥1.0mg/dL e
como uma alternativa para redução taxa de filtração glomerular ≤60ml/
de alguns tipos de câncer, diabetes min/1,73m2 ou ≥300mg/24h. Além
tipo 2, doenças cardiovasculares, dia- disso, caso o paciente tivesse algum
betes gestacional, reduz a chance de impedimento severo para a partici-
ter um parto prematuro, aumento pação na intervenção, amputação ou
da expectativa de vida e na cognição, prótese nos membros inferiores, his-
dentre tantos outros benefícios5–7. tórico de infarto agudo do miocárdio
A seguir, algumas intervenções nos últimos seis meses, transplante
com grupos especiais (pacientes epi- renal ou estivesse em diálise, não
léticos, renais, mulheres com câncer seria incluído no estudo. Depois de
e gestantes) conduzidas por pesquisa- avaliar cerca de 8.000 prontuários de
dores de Pelotas serão descritas. hipertensos, 935 adultos preenche-
ram os critérios de inclusão.
Após a randomização em blocos
de 150 indivíduos, 76 foram alocados
para o grupo intervenção e 74 para o
grupo controle. A intervenção durou

285
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

16 semanas com três sessões por se- do na gestação (2014–15) e sem data
mana que duravam uma hora cada, para encerrar, já tendo acompanha-
e consistia em 10 minutos de aqueci- do as mães ainda na gravidez e suas
mento e exercícios de flexibilidade, crianças aos 3, 12 meses; aos 2, 4 e 7
seguido de exercícios aeróbios e de anos de idade11.
resistência muscular. A progressão O intuito original do estudo era
era feita individualmente através do avaliar a influência do exercício físi-
aumento de exercícios aeróbios, re- co gestacional sobre a prematurida-
dução do tempo de pausa, além do de, mas outros desfechos materno-
aumento no número de séries dos -infantis puderam e ainda poderão
exercícios de resistência. O grupo ser avaliados, considerando que as
controle não recebia nenhum progra- mulheres estudadas entraram para o
ma de exercícios, mas continuava a estudo no meio da gestação e conti-
receber o tratamento da unidade pri- nuarão sendo seguidas (juntamente
mária de saúde na cidade de Pelotas. com seus filhos) por toda duração do
A adesão ao programa foi satisfa- estudo de coorte.
tória (72,7%), sendo maior no grupo Com base em um cálculo amos-
intervenção (76,3%) do que no grupo tral, o total de mulheres incluídas no
controle (68,9%). Diversos desfechos ensaio clínico foi de 639, sendo 213
foram avaliados, sendo que não foi no grupo intervenção e 426 no gru-
encontrada nenhuma diferença en- po controle. Todas foram seleciona-
tre os grupos em relação ao desfecho das durante a primeira entrevista da
primário (taxa de filtração glomeru- coorte de nascimentos e o principal
lar), mas foi encontrada diferença fator de inclusão era que elas fossem
em alguns desfechos secundários previamente inativas (menos de 150’
(melhora na capacidade funcional, semanais de atividades de lazer). A
redução na proteína C-reativa e na intenção inicial era que as gestantes
glicose de jejum)9. frequentassem as sessões por pelo
menos 16 semanas, mas elas eram
PAMELA livres para continuar, se desejassem,
até o momento do parto.
O estudo PAMELA (Physical Acti- A intervenção consistia em três
vity for Mothers Enrolled in Longitu- sessões semanais de exercício in-
dinal Analysis) foi um ensaio clínico cluindo elementos aeróbicos, de força
randomizado10 desenvolvido junto à e de alongamento, com duração apro-
coorte de nascimentos de 2015 de Pe- ximada de uma hora. As gestantes re-
lotas, um estudo longitudinal inicia- cebiam transporte ida e volta de um

286
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

motorista profissional, atendimento mulheres apresentaram uma adesão


personalizado na academia, um par satisfatória (70% de frequência), ava-
de tênis, camiseta do projeto e uma liada através da presença nos treinos.
calça apropriada para se exercitar. Aparentemente os maiores motivos
O atendimento às gestantes era feito para a baixa adesão foram questões
por profissionais de educação física particulares da gestação, como in-
que receberam treinamento especí- disposição, alterações gestacionais e
fico para trabalhar com gestantes, indicação médica, além da falta de
eram supervisionados pela equipe de comprometimento.
campo formada por doutorandas em Em virtude da baixa adesão ao
epidemiologia e por um pesquisador protocolo, todas as análises foram re-
sênior na área de atividade física na alizadas como previsto, por intenção
gestação. O programa de exercícios de tratar, mas também foram feitas
era individualizado e adaptado à re- análises exploratórias por protocolo
alidade de cada gestante, mas seguia (considerando como grupo interven-
uma evolução de volume e intensida- ção apenas aquelas que apresentaram
de pré-estabelecida. adesão satisfatória). Até o momento já
A intervenção apresentou como foram estudados diversos desfechos
limitação central o fato de que as avaliados através da comparação con-
mulheres do grupo intervenção ti- trole-intervenção. Alguns resultados
veram uma adesão muito baixa ao estão descritos no quadro a seguir12,13.
protocolo. Ao todo, apenas 40% das

287
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

Quadro 1 – Desfechos avaliados no estudo PAMELA de acordo com o tipo de análise

Análise IT Análise adesão (70%)


Desfechos Controle Intervenção p Controle Intervenção p
Diabetes gestacional 7,6% 7,8% 0,93 7,6% 8,2% 0,85
Pré-eclâmpsia 5,4% 5,4% 0,98 5,4% 4,7% 0,79

Ganho de peso gestacional 12,9% 12,4% 0,43 12,9% 12,7% 0,84

Prematuridade 12,1% 13,1% 0,73 12,1% 9,6% 0,52


Baixo peso ao nascer 4,9% 5,9% 0,90 4,9% 5,9% 0,68
Pequeno p/idade gestacional 5,4% 3,9% 0,42 5,4% 4,7% 0,79
Grande p/idade gestacional 13,0% 11,8% 0,66 13,0% 11,8% 0,75
Depressão pós-parto
9,3% 6,3% 0,21 9,1 6,2 0,24
(escore Edinburgh)

Média do escore de depressão 5,4 4,8 0,11 5,4 4,9 0,14

IT: análise por intenção de tratar


Fonte: Elaborado pelos autores (2022). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

O neurodesenvolvimento infantil do estudo, população e instalações


foi avaliado nas idades de 1, 2 e 4 anos. da UFPel para avaliar, por exemplo,
Em cada idade diferentes domínios redução do peso aparente e forças de
foram avaliados, mas foram incluídos reação na gestação durante exercícios
aspectos cognitivo, de linguagem e de aquáticos, mostrando a segurança na
controle motor (fino e grosso). Os da- execução destes exercícios mesmo na
dos indicam valores superiores para gestação avançada15.
os filhos de mulheres ativas (interven- No geral, o PAMELA não conse-
ção), mas a maioria sem significância guiu confirmar hipóteses iniciais re-
estatística. Contudo efeitos benéficos lacionadas ao exercício gestacional.
e significativos foram observados para Contudo, supõe-se que muito da não
o desenvolvimento da linguagem aos 2 significância estatística de várias aná-
anos e para o desenvolvimento cogni- lises deva-se ao baixo poder amostral
tivo aos 4 anos14. pela grande perda no grupo inter-
Além disso, a amostra da inter- venção. Mesmo assim, como outras
venção também colaborou para reali- pesquisas na área, uma das intenções
zação de outros estudos, uma vez que dos pesquisadores era mostrar a au-
pesquisadores utilizaram a estrutura sência de dano à dupla mãe-feto pelo

288
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

exercício físico, e nenhum prejuízo durante a gestação ou até a 10ª sema-


foi observado em virtude do exercí- na pós-parto, mas poderiam ser re-
cio. Como conclusão, o exercício não crutadas também até dois anos após
trouxe danos e potencialmente foi be- uma gestação com DMG. Mulheres
néfico para alguns aspectos da saúde que tivessem usado insulina durante
materno-infantil, sendo que todos os a gestação eram elegíveis indepen-
resultados significativos foram na di- dente de outros fatores.
reção da atividade física. A intervenção era realizada basica-
mente por telefone e focava em: alei-
tamento exclusivo até o sexto mês do
Linda-Brasil
bebê, perda de peso, alimentação sau-
O estudo Linda-Brasil (Lifestyle IN- dável e aumento da atividade física. O
tervention for Diabetes prevention After principal desfecho era o surgimento
pregnancy) é um ensaio clínico ran- do diabetes tipo 2 e os desfechos se-
domizado multicêntrico que conta cundários eram o retorno à normo-
com pesquisadores de diversas insti- glicemia, perda de peso, fim da resis-
tuições de ensino e pesquisa do Ceará tência insulínica e alterações positivas
e do Rio Grande do Sul, entre elas a nos padrões de atividade física.
UFPel, através do Centro de Pesquisas Os dois grupos formados (controle
Epidemiológicas, que foi um dos lo- e intervenção) diferiam no que diz res-
cais de coleta de dados. peito à intensidade e forma de rece-
O objetivo central do estudo é ava- ber as informações. O grupo controle
liar os efeitos de uma intervenção no recebia um livreto com informações
estilo de vida para prevenir ou adiar sobre a importância de monitorar sua
o diabetes tipo 2 em mulheres com glicemia, praticar atividades físicas,
diabetes mellitus gestacional (DMG) alimentar-se bem, amamentar e ou-
prévio – mulheres com alto risco tros métodos de prevenir o diabetes.
para a morbidade. O projeto também O grupo intervenção recebia as mes-
tem intenção de estabelecer diretri- mas informações, porém com maior
zes para programas de prevenção ao detalhamento, além de receber con-
diabetes na atenção básica16. As mu- tatos da equipe com suporte para mu-
lheres elegíveis para o ensaio clínico dança de estilo de vida, eram monito-
deveriam ter pelo menos 18 anos e radas em relação ao peso corporal e à
apresentar hiperglicemia durante ou contagem de passos diários. Ao todo
logo após a gestação. Idealmente a 472 mulheres foram incluídas, sendo
mulher deveria entrar para o estudo 236 para o grupo intervenção e 236
para o grupo controle, e o centro de

289
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

Pelotas foi responsável por um total 2,37; IC95% 1,48 - 3,80) filho com
de 15 mulheres. problemas de saúde (RR: 2,25;
O estudo Linda segue em fase de IC95% 1,27 - 3,99) prematuridade
intervenção com finalização prevista extrema (RR: 2,49; IC95% 1,07 -
5,77) não ter intenção de amamen-
para março de 2022, e os resultados
tar (RR: 3,7; IC95% 1,89 - 7,33)19.
específicos do ensaio clínico ainda
d. O aconselhamento para ativida-
não estão disponíveis. Mesmo assim, de física na gestação foi relatado
alguns estudos foram feitos com essa por 47,4% das mulheres antes do
população e os principais resultados diagnóstico de DMG e esse núme-
encontrados estão descritos a seguir: ro caiu para 34,3% após o diagnós-
a. A obesidade materna é um pro- tico. Aproximadamente um terço
blema que vem crescendo desde a das mulheres diabéticas é consi-
década de 90 e é uma preocupação derada ativa na gestação, mas dois
para saúde pública, uma vez que terços relatam diminuírem sua
aumenta muito o risco de diabetes atividade na gravidez. A inativida-
gestacional, diabetes tipo 2 e com- de física foi associada com não ter
plicações para o recém-nascido, companheiro (p=0,003), ter baixa
principalmente aquelas ligadas ao renda familiar (p=0,01), estar tra-
crescimento intrauterino e ganho balhando (p<0,001) e ter quatro ou
de peso fetal17; mais filhos (p<0,001)20;
e. Os sintomas depressivos (medi-
b. O transtorno da compulsão alimen-
dos pela escala de Edimburgo)
tar periódica (binge eating) é fre-
foram presentes em 31% das mu-
quente entre mulheres com DMG,
lheres diabéticas, sendo que 10%
atingindo mais de 30% delas tanto
apresentaram sintomas severos e
na gestação quanto no pós-parto.
8,3% apresentaram intenção de
Esse comportamento está associa-
autolesão na semana anterior.
do ao ganho de peso excessivo na
Ter menos filhos e alta escola-
gestação (RR 1,45, IC95% 1,29–1,63)
ridade foram fatores protetores
e à retenção do peso no pós-parto
contra a depressão21.
(RR 1,33, IC95% 1,10–1,59)18;
c. Entre as mulheres diabéticas,
96,1% iniciaram a amamentação e Pacientes epilépticos
93,1% mantiveram esse comporta-
mento por pelo menos 30 dias pós- Um ensaio clínico randomiza-
-parto. Os fatores associados à in- do foi delineado no ano de 2019 por
terrupção da amamentação após o uma equipe da Escola Superior de
30º dia foram não ter amamentado Educação Física da Universidade
o filho anterior (RR: 5,02; IC95% Federal de Pelotas (Esef-UFPel) com
3,39 - 7,45) fumo na gestação (RR:
o objetivo de avaliar o efeito de um

290
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

programa de exercícios na saúde de lepsia; f) funções executivas (atenção


pessoas com epilepsia22. e linguagem) e cognição23,24.
Os critérios de inclusão do estudo
foram ter idade entre 18 e 60 anos, ERICA
ser sedentário, não ter incapacidade
física para realizar exercício ou res- Em 2016, um ensaio clínico ran-
ponder ao questionário e ter o diag- domizado com o objetivo de analisar
nóstico de epilepsia confirmado por os efeitos de um programa de treina-
médico. De acordo com o cálculo de mento aeróbio e de força na qualidade
tamanho de amostra, 20 indivíduos de vida, indicadores neuromuscula-
seriam necessários para ter poder res e cardiorrespiratórios em mulhe-
nas estimativas (10 em cada grupo). res sobreviventes ao câncer de mama
Entretanto, 21 indivíduos foram ran- (estágios I-III) iniciou na Esef-UFPel.
domizados para esse estudo, sendo Com resultados promissores, a coor-
10 no grupo controle e 11 no grupo denadora do estudo resolveu criar um
intervenção. Enquanto o grupo con- projeto de extensão chamado ERICA
trole foi informado para continuar (Exercise Research in Cancer) e continu-
com as atividades diárias habituais, ar oferecendo exercício físico gratuito
o grupo intervenção recebeu um pro- para a comunidade de mulheres que
grama de 12 semanas de exercício já terminaram o tratamento primário
combinado (aeróbio, força e flexibi- para o câncer de mama.
lidade) e supervisionado. Inicialmente, foi estimado um
O programa de exercício consistia tamanho de amostra de 42 indivídu-
em duas sessões por semana, de 60 os com os seguintes critérios de ele-
minutos cada, com duração de 12 se- gibilidade: a) maiores de 18 anos; b)
manas. O protocolo de treino iniciava mulheres com histórico de câncer de
com alongamento, seguido de exercí- mama (estágios I-III) que já tenham
cios aeróbicos, de força e flexibilida- terminado o tratamento (cirurgia,
de, dividido em uma periodização pro- quimioterapia ou radioterapia); c)
gressiva de três ciclos. A taxa de adesão sem doença cardiovascular (exceto
do estudo foi de 95,2%. Os principais hipertensão controlada por medica-
resultados da intervenção foram: a) mento); d) mulheres sem metástase
redução no número de episódios de ou loco-regional ativo; e) sem impe-
epilepsia; b) melhora no VO2máx; c) dimentos físicos ou psiquiátricos gra-
melhora na qualidade de vida; d) au- ves; f) mulheres sem náusea severa
mento da força; e) redução nos efeitos ou anorexia; g) não estar realizando
adversos dos medicamentos para epi-

291
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

mais de 75 minutos de atividade físi- ma ERICA, 10 aceitaram participar


ca por semana. do programa de exercício remoto.
Importante salientar que, para Entretanto, três mulheres desisti-
o ensaio clínico randomizado, tinha ram durante o período da interven-
um grupo controle que não recebia ção (30,0%). Dentre as mulheres que
nenhuma intervenção, mas para os cumpriram o protocolo, a taxa de
estudos derivados do projeto de exten- adesão foi alta (94,6%). Um artigo
são, uma intervenção antes e depois avaliou o efeito do exercício remoto
foi conduzida sem um grupo de com- na percepção de fadiga e concluiu
paração. Embora ambos os protocolos que o desfecho se manteve estável
abrangessem exercícios de mobilida- pré- e pós-intervenção25.
de articular, exercícios de força e ae-
róbios, o ensaio clínico randomizado e Intervenções comunitárias
a intervenção (ERICA) tiveram peque-
nas alterações na duração: enquanto Intervenções com grupos comu-
o primeiro teve oito semanas de dura- nitários, em geral, têm como objetivo
ção (três vezes na semana) durante 90 prevenir agravos em saúde ou promo-
minutos, o segundo teve 12 semanas ver o bem-estar de uma população
de duração (duas vezes na semana) por meio de estratégias de múltiplos
durante 30 minutos. estágios, com abordagens mais in-
Os principais resultados referen- dividualizadas, mas principalmente
tes ao ensaio clínico randomizado com componentes comunitários que
foram publicados em uma disserta- foquem em uma população de um lo-
ção. Os dados referentes à análise cal definido26. Intervenções em ativi-
de intenção de tratar mostraram que dade física tem a capacidade de atu-
houve melhora na capacidade car- ar em ambos os objetivos, servindo
diorrespiratória, bem como na força como um meio para prevenção de fu-
dinâmica máxima dos extensores de turos agravos, mas também como fim
joelho e funcionalidade do membro para a melhoria do bem-estar da co-
superior homolateral ao câncer. munidade que recebe a intervenção.
Durante a pandemia do coronaví- Muitas vezes, intervenções comuni-
rus a intervenção que era presencial tárias com foco em atividade física
passou a ser realizada virtualmente, são consideradas mais efetivas do que
com supervisão de alunos de gradu- intervenções em nível individual27,28.
ação do curso de bacharelado em Isso porque além de entregar a inter-
Educação Física. Das 15 mulheres venção em si, elas têm a capacidade
que estavam participando do progra- de criar um senso de comunidade e

292
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

pertencimento, promovendo uma conduzida de maneira satisfatória,


identidade coletiva na população e incluindo a sensação de pertenci-
aumentando os contatos interpesso- mento por parte da equipe que a con-
ais29. Porém, a literatura mostra que a duz e a necessidade de apoio por par-
maior parte das intervenções são con- te de pessoas que estejam ligadas à
duzidas com foco no indivíduo, e não comunidade que receberá a interven-
em uma população30. Isso é muito in- ção33. A seguir são descritas algumas
fluenciado pelo alto custo que inter- intervenções comunitárias com foco
venções comunitárias envolvem, bem na promoção da prática de atividade
como devido à complexidade logística física que foram conduzidas por pes-
em conduzir esse tipo de intervenção quisadores de Pelotas.
em atividade física. Alguns pesquisa-
dores já descreveram suas tentativas Nati
de adaptar intervenções individuais
para comunitárias, porém complexi- O Núcleo de Atividades para a
dades ainda maiores envolvem esse Terceira Idade (Nati) funciona como
processo de adaptação, pois, além de um projeto de extensão universitária
escalar o tamanho da intervenção e dentro da Esef-UFPel desde 1993. As
população, existe o desafio de dese- ações do projeto vão desde palestras
nhar intervenções que sejam capazes e oficinas com temas relacionados ao
de gerar efeitos duradouros, o que é envelhecimento saudável, mas com
muito mais desafiador em um contex- foco central na oferta de atividades fí-
to comunitário do que individual31. sicas para idosos (musculação, cami-
Em virtude da dificuldade de nhada orientada, dança, hidroginás-
adaptação de intervenções individu- tica e ginástica), buscando qualidade
ais para comunitárias, é importante de vida, autonomia e independência
que as intervenções comunitárias em para esta população34.
atividade física sejam pensadas desde Ao longo desses anos realizou di-
o início para serem aplicadas a uma versas avaliações dos idosos atendi-
população e não a um indivíduo. Evi- dos, nem sempre no formato rando-
dências mostram que intervenções mizado ou com grupo controle, mas
em grupos comunitários se tornam muitas vezes no formato quase-expe-
ainda mais efetivas caso sejam dese- rimental, com avaliações antes e de-
nhadas com foco na população que pois. Resultados parciais já foram pu-
irá recebê-la32. Somado a isso, uma blicados, majoritariamente em anais
série de critérios devem ser consi- de eventos, geralmente mostrando
derados para que a intervenção seja a situação atual dos idosos, focando

293
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

muito no autorrelato de qualidade de pa de divulgação envolveu a apresen-


vida e mudanças positivas após o in- tação das atividades da intervenção
gresso no projeto35. para a comunidade, divulgação da in-
Estima-se que milhares de idosos tegração de um profissional de edu-
da cidade de Pelotas já tenham se be- cação física à equipe da UBS Areal e
neficiado do Nati, uma vez que em fornecimento de informações sobre a
alguns momentos o projeto chegou importância da atividade física para a
a atender 150–200 pessoas, o que ao saúde. Divulgações passivas envolve-
longo de mais de 20 anos de existên- ram a fixação de banners, cartazes e
cia resulta em uma larga abrangên- faixas contendo informações básicas
cia populacional. sobre a relevância da prática de ativi-
dade física como forma de prevenção
UBS+Ativa de desfechos adversos em saúde, bem
como a apresentação das atividades
Em 2013, a unidade básica de saú- da UBS+Ativa. Uma outra forma de
de (UBS) Areal, localizada em Pelotas, divulgação passiva foi a veiculação
foi selecionada para ser parte de uma de um vídeo institucional na sala de
intervenção comunitária baseada em espera da UBS Areal. Como forma de
atividade física, a qual foi coordena- divulgação ativa, foram distribuídos
da por pesquisadores da Esef-UFPel. panfletos informativos na área de
Considerando que o principal objeti- abrangência da UBS que continham
vo da intervenção foi engajar os pa- o mesmo conteúdo das divulgações
cientes da UBS em atividades físicas passivas. No ato da entrega do pan-
coletivas, bem como promover a prá- fleto, a equipe de pesquisa convidava
tica de atividade física, essa interven- a população para participar do pro-
ção foi batizada como UBS+Ativa36. A jeto. Além da entrega de panfletos,
seleção intencional da UBS Areal se a UBS+Ativa foi divulgada de forma
deu em virtude de suas característi- ativa a partir de uma abordagem feita
cas, pois era uma UBS que estava sob por um profissional de educação físi-
gestão da UFPel, funcionava de se- ca aos pacientes que estavam aguar-
gunda à sexta-feira durante os turnos dando na sala de espera da UBS, os
da manhã e tarde, tinha cobertura de quais recebiam informação sobre os
agente comunitário de saúde e gran- benefícios da prática de atividade fí-
des espaços interno e externo. sica para a saúde e eram convidados
A UBS+Ativa foi dividida em três a participar da intervenção.
etapas: divulgação, práticas coletivas A segunda etapa da intervenção
e atendimentos ambulatoriais. A eta- consistiu na organização de um gru-

294
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

po para a prática de atividade física para consulta junto a um profissional


de forma coletiva. As atividades eram de educação física. Além de coletar
orientadas por graduandos do curso dados dos pacientes, os profissionais
de Educação Física da UFPel, e eram de educação física prescreviam um
divididas entre caminhadas e sessões plano de treinamento específico para
de exercícios. As caminhadas eram cada paciente – sempre considerando
realizadas em uma pista pública lo- as capacidades e disponibilidades de
calizada próxima à UBS, e sua prática cada um. Uma semana após realizada
era oferecida duas vezes por semana a prescrição, a equipe de pesquisa da
nos turnos da manhã e tarde. Já as UBS+Ativa entrava em contato com
sessões de exercício eram conduzidas os pacientes para verificar a adesão à
semanalmente no ambiente externo prescrição. Ainda, duas semanas após
da Unidade e tinham duração entre a prescrição, um agente comunitário
60 e 75 minutos. As sessões de exer- de saúde visitava os pacientes para ti-
cício continham atividades de aque- rar eventuais dúvidas e, um mês após,
cimento e alongamento que eram os pacientes tinham um retorno mar-
seguidas por atividades aeróbias, de cado na UBS. Todas as prescrições
resistência e força muscular, flexibi- de atividade física eram anotadas no
lidade, alongamentos e relaxamentos prontuário do paciente.
finais. Embora toda a população de A avaliação da intervenção se
abrangência da UBS fosse convidada deu a partir da análise de dados co-
a participar das atividades coletivas letados na linha de base e 12 meses
da UBS+Ativa, alguns pacientes não após a intervenção. Para isso, a área
tinham condições de saúde ou dis- de abrangência da UBS Areal foi di-
ponibilidade para comparecer. Dessa vidida em sete microáreas com uma
maneira, eles eram convidados a rea- média de 400 domicílios cada uma.
lizar um atendimento ambulatorial – A equipe da UBS+Ativa sorteava um
a terceira etapa da UBS+Ativa. domicílio inicial e, a partir dele, um
A decisão de encaminhar os pa- pulo sistemático de cinco domicí-
cientes para o atendimento ambula- lios foi adotado. Todos os moradores
torial ao invés das atividades coletivas maiores de idade (18 anos ou mais)
era feita por profissionais de saúde dos domicílios sorteados eram con-
que faziam parte da equipe da UBS vidados a participar. A coleta de da-
Areal. Caso esse profissional identifi- dos foi feita através de entrevistas
casse qualquer impeditivo para a par- face a face utilizando questionários
ticipação do paciente nas atividades em papel que foram duplamente di-
coletivas, o mesmo era encaminhado gitados em um segundo momento.

295
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

Os principais desfechos investiga- Outras intervenções com


dos pela UBS+Ativa foram o nível pesquisadores da UFPel
de atividade física da população re-
sidente na área de abrangência da Há décadas, as pesquisas feitas
UBS e o recebimento de orientação em Pelotas, e por pesquisadores vin-
médica sobre a importância da prá- culados à UFPel, têm reconhecimen-
tica de atividades físicas na Unida- to internacional tanto na área de
de. Alguns desfechos secundários saúde materno-infantil quanto pela
também foram avaliados, incluindo inserção na área de atividade física
o índice de massa corporal, a cir- e saúde em nível populacional. Des-
cunferência da cintura, a pressão sa forma é recorrente a participação
arterial, a percepção de saúde, ter desses pesquisadores como colabo-
sofrido alguma queda no último radores em diversas pesquisas, se-
ano, ter recebido aconselhamento jam de cunho multicêntrico, com a
médico para perder peso e o autor- participação de Pelotas como um dos
relato de hipertensão e diabetes. centros, seja na forma de consultoria,
A população residente na área de com colaboração intelectual dos pes-
abrangência da UBS Areal consistia quisadores que se inserem em proje-
em cerca de 10 mil moradores. Apesar tos mundo afora.
desse elevado número, o estudo de li- A seguir descreveremos breve-
nha de base coletou dados de apenas mente algumas dessas colaborações
713 pessoas, o equivalente a 7% dessa com a participação dos pesquisado-
população. Desses, 601 foram reava- res da UFPel em trabalhos realizados
liados no período pós-intervenção. na cidade ou fora dela, com foco em
Um total de 2.500 folders informati- atividade física.
vos foram distribuídos pela equipe da
UBS+Ativa. Além disso, 470 pacientes
Estudo Hael
foram abordados na sala de espera da
UBS para serem informados sobre as O HAEL (Hypertension Approa-
atividades da intervenção e convida- ches in the Elderly: a Lifestyle study)
dos a participar. Foram realizados em foi um estudo multicêntrico, com co-
média nove atendimentos por sema- letas em Pelotas e Porto Alegre, que
na pelo profissional de Educação Fí- contou com pesquisadores da UFPel,
sica lotado na UBS Areal. da UFRGS, do Hospital de Clínicas
de Porto Alegre, além da colabora-
ção intelectual de pesquisadores da

296
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

University of Texas e da University ciona em conjunto com a Vigilância


of Connecticut. O objetivo primário em Saúde do Ministério da Saúde,
do estudo era a redução da pressão com os Núcleos Ampliados de Saúde
sistólica e os objetivos secundários da Família (Nasf ) e com a Estratégia
foram mudanças na pressão diastó- Saúde da Família.
lica, função endotelial e condiciona- Outro programa similar é o Aca-
mento cardiovascular37. demia da Cidade, que existe há mais
A intervenção teve dois braços, tempo e visa a atender à população
um educacional, considerado grupo usuária do SUS, através do incentivo
controle, e outro com uma interven- à alimentação saudável e à prática
ção com exercícios, ambas durando de atividades físicas, almejando me-
12 semanas. O exercício fornecido lhorias na qualidade de vida da po-
combinava aeróbicos e de força, en- pulação. Os pesquisadores da UFPel
quanto a intervenção educacional era estiveram diretamente envolvidos
entregue em 12 palestras com foco com esses projetos em várias fases,
em hipertensão, explanação do que colaborando com a implantação dos
é a doença e seu manejo, bem como mesmos em alguns locais, realizando
os principais tratamentos e fatores consultorias pontuais, mas atuando
de risco modificáveis. Ao todo foram principalmente no que diz respeito à
incluídos 160 indivíduos e os dados avaliação da efetividade dessas estra-
estão em fase de análise para publica- tégias em diversos polos como Araca-
ção. Um artigo já publicado mostrou ju, Belo Horizonte, Curitiba, Recife,
que o consumo máximo de oxigênio é entre outros39–44.
subestimado em testes incrementais
com hipertensos idosos e isso ocorre Considerações finais
em mais da metade dos avaliados38.
A intervenção na área da atividade
Projetos de cunho nacional física é de suma importância para a
saúde pública, visto que diversos in-
O Programa Academia da Saú- dicadores de saúde são modificáveis
de existe desde 2011 com a função e, por esse motivo, podem se benefi-
de promover saúde em espaços pú- ciar dessa prática. Os resultados das
blicos que contam com a oferta de pesquisas realizadas na cidade de
práticas de atividades físicas. Os lo- Pelotas mostram as vantagens que
cais, chamados de polos, possuem essas atividades podem trazer para a
equipamentos e profissionais para vida de diferentes populações e em
servir a população. O Programa fun- diferentes estágios da vida. Contudo,

297
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

é importante criar um elo entre pes- 2. Yuksel HS, Şahin FN, Maksimovic
quisa e poder público, para que um N, Drid P, Bianco A. School-based
intervention programs for preventing
maior número de indivíduos possa
obesity and promoting physical activity
tirar proveito dos benefícios da ati- and fitness: a systematic review. Int J
vidade física. Quando existe uma fa- Environ Res Public Health. 2020;17:347.
lha poder público-pesquisa, pode-se 3. Gonzales NG, Azevedo MR, Böhlke
criar modos de intervir na comunida- CF, Freitas MP, Rombaldi AJ. Projeto
de, em menor escala, em projetos de ef+: implicações pedagógicas e nível de
extensão dentro da universidade, as- conhecimento sobre saúde. J Phys Educ
sim como alguns programas acima. [Internet]. 2018;29.

Pelotas é um polo importante para 4. Spohr C, Fortes M, Rombaldi A, Hallal


a área de atividade física e saúde, atu- P, Azevedo M. Atividade física e saúde na
Educação Física escolar: efetividade de
ando fortemente em intervenções
um ano do projeto “Educação Física +”.
com foco em conhecimento, promo- Rev Bras Atividade Física Saúde [Internet].
ção de atividade física e impacto da 2014 [citado 30 de janeiro de 2022];19.
atividade física em desfechos de saú- 5. Lee IM, Shiroma EJ, Lobelo F, Puska
de em diversas populações (comuni- P, Blair SN, Katzmarzyk PT, et al. Effect
tárias, escolares e grupos especiais). of physical inactivity on major non-
Além disso, é importante salientar communicable diseases worldwide:
an analysis of burden of disease and
que estudos de grande porte e de
life expectancy. Lancet Lond Engl.
cunho inovador foram desenvolvidos 2012;380:219–29.
na cidade, respondendo importan-
6. Erickson KI, Hillman C, Stillman CM,
tes lacunas da área. No entanto, para
Ballard RM, Bloodgood B, Conroy DE, et
sustentar e atualizar o conhecimento al. Physical activity, cognition, and brain
adquirido com intervenções em ativi- outcomes: a review of the 2018 physical
dade física, é fundamental que opor- activity guidelines. Med Sci Sports Exerc.
tunidades de financiamento para 2019;51:1242–51.
pesquisas experimentais sejam ofere- 7. da Silva SG, Ricardo LI, Evenson KR,
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298
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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299
XV. Abordagens para intervenções de promoção de atividade física

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Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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e da alimentação saudável e a saúde da
família em municípios com academia da

301
XVI
INSERÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA NO SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE

Thamires Lorenzet Cunha Seus; Alex Antônio Florindo

N
o Brasil, a saúde é um direi- intrassetorial e intersetorial e pela
to do cidadão, e prover as formação da Rede de Atenção à Saú-
condições para seu pleno de (RAS), buscando se articular com
exercício é dever do estado1. Integrar as demais redes de proteção social,
ações assistenciais e atividades pre- com ampla participação social2.
ventivas é um dos objetivos do SUS. Uma das maneiras de promover
Ainda, identificar e divulgar os fato- saúde, prevenindo3 e tratando4, 5 do-
res condicionantes e determinantes enças é por meio da prática de ativi-
de saúde; formular políticas de saú- dade física que faz parte do Plano de
de e prestar assistência por meio da Enfrentamento das Doenças Crônicas
promoção, proteção e recuperação da Não Transmissíveis do Ministério da
saúde1. A Promoção da Saúde é um Saúde. Ressalta-se que a Lei 12.864,
conjunto de estratégias e formas de de 24 de setembro de 2013, altera a
produzir saúde, tanto no âmbito indi- lei orgânica do SUS1, reconhecendo
vidual quanto coletivo, que se carac- a atividade física como determinante
teriza pela articulação e cooperação

302
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de saúde, e incluindo a prática como Salienta-se que a intervenção do


um direito do cidadão6. profissional de EF atende diretamente
Considerando o impacto da ativi- aos propósitos da promoção, preven-
dade física na saúde da população, ção, proteção e reabilitação da saúde
o profissional de EF pode ser mem- por meio de sua atuação10 em conso-
bro da equipe multiprofissional e nância com os objetivos do SUS1.
interdisciplinar no SUS, atuando na
promoção da saúde e nos diferentes Iniciativas do Ministério da
níveis de atenção (primária, secundá- Saúde para a promoção da
ria e terciária), bem como na rede de atividade física que colaboraram
saúde suplementar7. com a inserção do profissional
Grandes contribuições para o sis- de Educação Física no SUS
tema de saúde brasileiro surgem das
universidades. Projetos de pesquisa e A inserção da promoção da ativi-
extensão inserem os acadêmicos em dade física no SUS ocorreu por inter-
diferentes contextos, ampliando as médio da Política Nacional de Promo-
possibilidades de atuação dos futuros ção da Saúde (PNPS) em 2006, sendo
profissionais. Em São Paulo, o proje- um dos temas priorizados11, 12. Outras
to Ambiente Ativo, realizado em UBS ações enfatizadas na PNPS estão di-
da zona leste da cidade, avaliou dife- recionadas à alimentação saudável,
rentes tipos de intervenções de ativi- prevenção de tabagismo, álcool e ou-
dade física coordenadas pelos profis- tras drogas, prevenção de acidentes
sionais de EF no âmbito do SUS8. Em de trânsito e violência e desenvolvi-
Pelotas/RS, o projeto UBS+Ativa in- mento sustentável12.
cluiu o profissional de EF em Unida- O grande marco legal da atuação
de Básica, com atuação em diferentes do profissional de EF no SUS surgiu
eixos. A intervenção ocorreu através a partir do ano de 2008, quando o Mi-
de projeto de grupo de pesquisa da nistério da Saúde lançou os Núcleos
Escola Superior de Educação Física de Apoio à Saúde da Família (Nasf),
(Esef), que atuou em unidade de saú- com o objetivo de qualificar a atenção
de vinculada à Universidade Federal primária, a abrangência e o escopo
de Pelotas (UFPel). Além de realizar das ações das equipes de Estratégia
estudo de linha de base e divulgação Saúde da Família13. A lógica do traba-
na comunidade, contava com grupo lho do Nasf era o apoio matricial. Con-
de atividade física orientada e atendi- forme a Política Nacional da Atenção
mento ambulatorial com avaliações Básica, os Nasf eram equipes multi-
físicas e prescrição de exercícios9. profissionais, compostas por diferen-

303
XVI. Inserção dos profissionais de Educação Física no Sistema Único de Saúde

tes profissões, incluindo os de EF, que Brasil realizavam ações de promoção


atuavam de maneira integrada para de atividades físicas18.
apoiar as equipes de Saúde da Famí- Em revisão sistemática sobre as
lia e as equipes da atenção primária13, publicações acerca do Nasf e a in-
auxiliando no manejo e resolução de serção do profissional de EF, foram
problemas clínicos e sanitários14. Em encontrados 60 estudos, sendo a
2017, com a republicação da Política maioria de caráter qualitativo, des-
Nacional de Atenção Básica, o Nasf crevendo as ações realizadas, sem
passou a ser chamado de Núcleo de avaliar a efetividade. Desses, sete es-
Apoio da Saúde da Família e Atenção tudos eram especificamente da área
Básica (Nasf-AB)15. da Educação Física19.
A diversidade de especialidades Lamentavelmente, com o novo
representava maior possibilidade de modelo de financiamento da aten-
atendimento das necessidades da ção primária à saúde, instituído pelo
população, não somente pelo aten- Programa Previne Brasil20, foram re-
dimento direto, mas também pelas vogadas as normativas que definiam
ações educativas e interdisciplinares. os parâmetros e custeio do Nasf21.
A escolha dos profissionais que inte- Dessa forma, a composição das equi-
grariam as equipes era feita a partir pes passou a ser atribuição do gestor
da análise das condições demográfi- municipal, sendo revogado também o
cas, sociais e de saúde do bairro ou credenciamento de novas equipes21.
município, bem como do foco das Em conjunto com a PNPS, o Mi-
ações desenvolvidas16. nistério da Saúde iniciou o financia-
Durante a vigência plena do Nasf, mento para municípios promoverem
houve avaliações do Programa de programas de atividade física popu-
Melhoria do Acesso e da Qualidade lacionais no âmbito do SUS, dando
(Pmaq) Atenção Básica, com início início a uma Rede Nacional de Ativi-
em 2011. O objetivo do Pmaq era ava- dade Física22.
liar e acompanhar os profissionais Estudo que avaliou as ações que
das equipes e suas ações, bem como a eram executadas pelos municípios
estrutura da Unidade Básica de Saúde a partir desses financiamentos mos-
(UBS)17. Através de estudo que anali- trou que o profissional de EF foi
sou os dados do Pmaq, observou-se quem aplicou 72,5% das interven-
que o profissional de EF apoiava 87% ções municipais com programas de
das equipes (n=14.931). Além disso, atividade física financiados pelo Mi-
84,6% das equipes (n=1.430) de todo nistério da Saúde22.

304
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Em conjunto com esses financia- coletiva e imersa na prática do SUS


mentos, pesquisadores começaram a e têm potencial para diminuir a dis-
avaliar intervenções de promoção da tância entre o mundo acadêmico e o
atividade física que estavam sendo mundo profissional26.
conduzidas nas cidades de Aracaju Estudo que mapeou a participa-
e Recife, por meio de um programa ção da Educação Física nos progra-
denominado de “Academia da Cida- mas de RMS na região sul do Brasil,
de”. Ligado diretamente ao SUS, tal observou a existência de 80 dessas,
programa oferece atividades físicas sendo que 21 contemplam a Educa-
supervisionadas por profissionais de ção Física, com 13 no Rio Grande do
EF aos usuários das UBS. O projeto Sul. Apesar dos dados relevantes, os
de avaliação que foi coordenado por autores enfatizam que a maior con-
pesquisadores brasileiros e norte-a- centração de vagas está nas capitais
mericanos denominado de Guia útil dos estados. Devido a variantes espe-
para intervenções em atividade físi- cíficas, a atuação e compreensão do
ca na América Latina (Guia)23, junta- ambiente da saúde das capitais dos
mente com todas as intervenções de estados se difere das cidades do in-
financiamento dos municípios para terior, destacando a importância de
promover atividade física no âmbito entender o contexto sociocultural em
do SUS a partir de 2005, culminaram diferentes realidades do SUS27.
no lançamento em 2011 do principal
programa de promoção da atividade
O programa Academia da Saúde
física vigente no Brasil, que foi de-
e as novas possibilidades de
nominado de Programa Academia
atuação dos profissionais de EF
da Saúde14.
no SUS
Outra possibilidade diz respei-
to às residências multiprofissionais O objetivo principal do Academia
da área da saúde (RMS), criadas em da Saúde é a promoção da saúde e
2005 (Lei no 11.129/2005)24. Dentro produção do cuidado, funcionando
de suas especificidades, são cená- diretamente ligado às UBS do SUS,
rios possíveis para interlocução da com espaços públicos onde podem
Educação Física, seja na atenção ser ofertadas práticas de atividades
primária ou secundária à saúde de físicas orientadas pelos profissionais
usuários do SUS25. Além disso, possi- de EF14. O Ministério da Saúde finan-
bilitam a capacitação após a forma- cia essas ações nos municípios, auxi-
ção básica, em conjunto com outras liando na implantação dos polos, na
profissões da saúde, para a atuação

305
XVI. Inserção dos profissionais de Educação Física no Sistema Único de Saúde

compra de equipamentos e no paga- Considerações finais sobre o


mento dos profissionais14. profissional de Educação Física
Estudo que avaliou a implemen- no SUS
tação do Academia da Saúde a partir
de 2011 nos municípios brasileiros Apesar da redução das equipes de
mostrou que as ações de promoção Nasf, que reflete diretamente na con-
da atividade física e de alimentação tratação de profissionais represen-
saudável eram as maiores priorida- tando risco de redução das equipes
des dos projetos a serem executados de saúde e dos profissionais de EF no
nas cidades28. SUS21, as perspectivas de ampliação
Um dos resultados mais impor- do Programa Academia da Saúde nos
tantes desse estudo foi mostrar que a municípios brasileiros podem ser o
maioria dos projetos previam a con- caminho da continuidade desse gru-
tratação de profissionais de EF. Além po profissional continuar contribuin-
disso, nos municípios com Nasf, do de forma importante no SUS.
onde já existiam profissionais de EF, O aumento das Residências Mul-
também havia maior quantidade de tiprofissionais em Saúde incluindo os
ações de promoção da atividade fí- profissionais de EF nos últimos anos,
sica, indicando que realmente esses os desafios dos enfrentamentos dos
profissionais são importantes no âm- problemas causados pela pandemia
bito do SUS28, 29. de covid-19, as diversas pesquisas
Recentemente foi lançada a maior testando intervenções e formas de
publicação que descreve detalhada- trabalho de promoção da atividade fí-
mente os resultados da implemen- sica no SUS como o projeto Ambiente
tação e do monitoramento das ações Ativo e UBS+Ativa, e o próprio Guia
de promoção da atividade física no de Atividade Física Para a População
âmbito do Programa Academia da Brasileira lançado em 2021, mostram
Saúde30. De acordo com dados do Mi- novos caminhos de contribuições dos
nistério da Saúde, no mês de abril de profissionais de EF no SUS.
2021, o Brasil tinha 3.040 programas
implementados, sendo 41,6% na re- Referências
gião Nordeste do país31.
1. Brasil. Lei no 8080 de 19 de setembro
de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Diário
Oficial da União.
2. Brasil. Política Nacional de Promoção
da Saúde: PNPS: Anexo I da Portaria de

306
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Consolidação no 2, de 28 de setembro 10. Brasil. Lei no. 9.696, de 1o de


de 2017, que consolida as normas sobre setembro de 1996. Dispõe sobre a
as políticas nacionais de saúde do SUS regulamentação da profissão de
[Internet]. Ministério da Saúde. 2018. 40 p. Educação Física e cria os respectivos
Conselho Federal e Conselhos Regionais
3. Lee I-M, Shiroma EJ, Lobelo F, Puska P,
de Educação Física. Brasília DF; 1998.
Blair SN, Katzmarzyk PT. Effect of physical
inactivity on major non-communicable 11. Malta DC, Castro AM de, Gosch CS,
diseases worldwide: an analysis of Cruz DKA, Bressan A, Nogueira JD, et
burden of disease and life expectancy. al. A Política Nacional de Promoção da
Lancet. 2012;380(9838):219–29. Saúde e a agenda da atividade física no
contexto do SUS. Epidemiol e Serviços
4. Piccini RX, Facchini LA, Tomasi E,
Saúde. 2009;18(1):79–86.
Siqueira FV, Silveria DS da, Thumé E, et
al. Promoção, prevenção e cuidado da 12. Ministério da Saúde. Secretaria de
hipertensão arterial no Brasil. Rev Saude Vigilância em Saúde. Política Nacional de
Publica. 2012;46(3):543–50. Promoção da Saúde. Brasília; 2006.
5. Galliano LM, Seus TL, Del Vecchio 13. Ministério da Saúde. Portaria n
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atividade física na prevenção primária Núcleos de Apoio à Saúde da Família
do diabetes: metanálise. ConScientiae (NASF). [Internet]. 2008. Doi: 10.1017/
Saúde. 2016;15(1):143–53. CBO9781107415324.004
6. Brasil. Lei No 12.864, de 24 de setembro 14. Ministério da Saúde. Portaria No
de 2013. Diário Oficial da União. Brasil. 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova
a Política Nacional da Atenção Básica,
7. Resolução no 391, de 26 de agosto
estabelecendo a revisão de diretrizes e
de 2020. Entidades de fiscalização
normas para a organização da Atenção
do exercício das profissões liberais/
Básica, para a Estratégia de Saúde da
Conselho Federal de Educação Física
Família. In: 1o ed Brasília: Diário Oficial
[Internet]. 166o ed. Diário Oficial da
da União; 2011. p. 204:55.
União 2020 p. 400.
15. Ministéro da Saúde. Portaria no
8. Florindo AA, Andrade DR. Ambiente
2.436, de 21 de setembro de 2017 –
Ativo – Experiências de promoção da
Revisão de diretrizes para a organização
atividade física na estratégia de saúde da
da Atenção Básica. 2017.
família. São Paulo; 2015. 274 p.
16. Ministério da Saúde. Secretaria
9. Galliano LM, Seus TL, Peixoto M,
de Atenção à Saúde. Departamento de
Silva W, Silveira D, Del Vecchio FB, et
Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde
al. Intervenção com atividade física em
da Família – Volume 1: Ferramentas para
uma Unidade Básica de Saúde – Projeto
a gestão e para o trabalho cotidiano. Vol.
UBS+Ativa: aspectos metodológicos. Rev
1. 2014. 112 p.
Bras Atividade Física Saúde [Internet].
2016;21(6):571–80. Doi: 10.12820/ 17. Ministério da Saúde. Saúde mais
rbafs.v.21n6p571-580 perto de você. Programa Nacional da

307
XVI. Inserção dos profissionais de Educação Física no Sistema Único de Saúde

Melhoria do Acesso e da Qualidade da 25. Quadro Corrêa L, Pinto Valério


Atenção Básica. Secretaria de Atenção à M, Oliveira Teixeira A, Guerreiro LF,
Saúde. 2012. 55 p. Fossati Silveira D, Terra Machado P,
et al. A atuação da Educação Física
18. Seus TL, Silveira DS, Tomasi E,
nas residências multiprofissionais em
Facchini LA, Siqueira FV. Núcleo de Apoio
saúde. Rev Bras em promoção da Saúde.
à Saúde da Família: promoção da saúde,
2014;27(3):428–33.
atividade física e doenças crônicas no
Brasil – inquérito nacional PMAQ 2013. 26. Loch MR, Florindo AA. A Educação
Epidemiol Serv Saude. 2019;28(2):1–14. Física e as residências multiprofissionais
em saúde. Rev Bras Atividade Física
19. Seus TL, Freitas MP, Siqueira FV.
Saúde. 2012;17(1):81–2.
Publications scenario about Family Health
Support Centers. Rev Bras Atividade 27. Xavier D, Knuth A. Mapeamento
Física e Saúde. 2017;22(5):429–38. da Educação Física em programas de
residência multiprofissional em saúde no
20. Ministério da Saúde. Portaria no
sul do Brasil. Rev Bras Atividade Física
2.979, de 12 de novembro de 2019. No
Saúde. 2016;21(6):551–60.
2.979/2019 Brasil; 2019 p. 97.
28. Florindo AA, Nakamura PM, Farias
21. inistério da Saúde. Nota técnica no
Júnior JC de, Siqueira FV, Reis RS, Cruz
3/2020. Núcleo Ampliado de Saúde da
DKA, et al. Promoção da atividade física
Família e Atenção Básica (NASF-AB) e
e da alimentação saudável e a saúde da
Programa Previne Brasil. 2020.
família em municípios com academia da
22. Amorim TC, Knuth AG, Cruz AKA, saúde. Rev Bras Educ Física e Esporte.
Malta DC, Reis RS, Hallal PC. Descrição 2016;30(4):913–24.
dos programas municipais de promoção
29. Romero A, Guerra PH, Costa EF,
da atividade física financiados pelo
Andrade DR, Florindo AA. Interventions
Ministério da Saúde. Rev Bras Ativ Fis
by Physical Education professionals
Saúde. 2012;18(1):63–74.
in Family Health Support Units in São
23. Pratt M, Brownson RC, Ramos LR, Paulo Intervenção do profissional de
Malta DC, Hallal PC, Reis RS, et al. Educação. Rev Bras Atividade Física
Project GUIA: a model for understanding Saúde. 2016;21(1):55–66.
and promoting physical activity in Brazil
30. Florindo AA. Inquérito telefônico
and Latin America. J Phys Act Heal.
sobre ações de promoção da saúde em
2010;7(2):131–2.
municípios com o Programa Academia
24. Brasil, Ministério da Saúde e Ministério da Saúde. In: Pesquisas de Avaliação do
da Educação. Portaria Interministerial no Programa Academia da Saúde. 2020. p. 240.
2.117, de 03 de novembro de 2005. Institui
31. da Guarda FRB, Barbosa Carneiro
no âmbito dos Ministérios da Saúde e da
RC, da Silva RN, Morone Pinto FC, Loch
Educação, a Residência Multiprofissional
MR, Florindo AA. Analysis of the degree
em Saúde e dá outras providências. 2005
of implementation of Health Academy
p. Seção 1:112.
Program in a Brazilian midsize town. Cad
Saude Publica. 2021;37(6).

308
XVII
AVALIAÇÃO DE INTERVENÇÕES PARA
PROMOÇÃO DE ATIVIDADE FÍSICA

Gregore Iven Mielke; Tales Emilio Costa Amorim; Alan Goularte


Knuth

C
onforme demonstrado em ca- estudos de avaliação de intervenções
pítulos anteriores, estudos de para a promoção da atividade física
intervenção para promoção de são alguns dos fatores que contri-
atividade física aparecem na literatu- buem para tal cenário.
ra científica com menos frequência Apesar dos desafios, diversas são
que estudos observacionais1. Além as possibilidades de intervenção para
das dificuldades óbvias em relação promoção da atividade física. Essas
à falta de financiamento adequado incluem, por exemplo, abordagens
para a condução de intervenções informativas, comportamentais e
para a promoção de atividade física, sociais, além das ambientais e políti-
estudos com delineamento adequado cas2. Diferentes facetas desses mode-
para avaliação dessas intervenções los de intervenção têm sido utilizadas
são escassos na área de pesquisa em e adaptadas às particularidades da
atividade física em saúde. A comple- população brasileira e à complexida-
de da rede de serviços de saúde e ou-
xidade logística, metodológica e con-
ceitual requerida para condução de

309
XVII. Avaliação de intervenções para promoção de atividade física

tros setores, como o esporte, cultura, científicos. Ainda, serão apresentadas


lazer, área social3. estratégias de avaliação de programas
No Brasil, tanto as intervenções de promoção da atividade física que
quanto as avaliações das mesmas utilizaram delineamentos de pesqui-
ocorreram em sua maioria na esteira sa inovadores, cientificamente rigo-
de interlocução entre dois componen- rosos, e foram além do modelo tradi-
tes do espaço social: o Sistema Único cional de avaliações de efetividade de
de Saúde (SUS) que passou a legitimar programas de saúde pública baseado
as Práticas Corporais e Atividade Fí- em estudos randomizados4.
sica como um eixo relevante para o
cuidado dos cidadãos brasileiros em Projeto Guia: Guia útil para
diversas políticas públicas, e as uni- intervenções em atividade física
versidades públicas, que conduziram na América Latina
diversas iniciativas diretas e indiretas
de avaliação dos programas resultan- O Projeto Guia – Guia Útil para
tes desses processos. Intervenções em Atividade Física na
A promoção da atividade física América Latina– foi caracterizado por
teve grande apelo a partir do ideário ser um projeto que teve esforço con-
de Promoção da Saúde no Brasil, que junto entre universidades e institui-
encontrou no Ministério da Saúde um ções ligadas à saúde do Brasil, Estados
vetor fundamental de indução e que Unidos e outros países da América
teve na Política Nacional de Promo- Latina. Foi uma das primeiras inicia-
ção da Saúde (PNPS) a matriz teórica tivas de avaliação de intervenções de
de colocação do tema no debate pú- larga escala em atividade física com
blico. Nesse cenário, a área de epi- ativa participação da Universidade
demiologia contribuiu sobremaneira Federal de Pelotas. De uma forma
na indicação estratégica de caminhos resumida, o Projeto Guia iniciou em
metodológicos de avaliação dessas 2005 com o objetivo de revisar siste-
intervenções. Neste capítulo, apre- maticamente evidências da efetivida-
sentaremos aos leitores como o gru- de de intervenções para o aumento da
po de pesquisadores com formação prática de atividade física em países
em epidemiologia da atividade física da América Latina e, posteriormente,
em Pelotas contribuiu para a condu- aumentou sua rede de pesquisadores
ção de avaliações em intervenções de associados na tarefa de avaliar cien-
promoção da atividade física a nível tificamente programas e políticas de
local, nacional e internacional, utili- promoção de atividade física5.
zando uma diversidade de métodos

310
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Por meio do Projeto, a Universi- (Jan 2010): Physical Activity Research in


dade Federal de Pelotas liderou um Latin America].
estudo nacional com uma amostra Resumidamente, as investigações
de profissionais atuando em Uni- conduzidas por meio do Guia de-
dades Básicas de Saúde. Aproxima- monstraram que intervenções comu-
damente 1600 gestores de Unidades nitárias e em escolas eram estratégias
Básicas de Saúde e 1600 profissio- promissoras para o aumento da práti-
nais (profissionais da Medicina, En- ca de atividade física no lazer na popu-
fermagem e agentes comunitários lação. Cabe destacar que os resultados
de saúde) foram entrevistados por promissores de muitos dos programas
telefone e forneceram informações avaliados pelo Projeto posteriormente
sobre aspectos relacionados à pro- vieram a servir como base científica
moção e avaliação de intervenções e política para a criação do Programa
em promoção da atividade física no Academia da Saúde23.
contexto do Sistema Único de Saú-
de no Brasil6 11. Cabe destacar que o Rede Nacional de Promoção da
delineamento do estudo, desenvolvi- Atividade Física
mento dos instrumentos, bem como
a coleta de dados (através de entre- Uma das primeiras ações relacio-
vistas telefônicas), ocorreram sob li- nadas a avaliações de intervenções em
derança do grupo de Pelotas. promoção da atividade física a nível
Além da liderança do projeto com nacional com contribuição de pesqui-
profissionais das Unidades Básicas de sadores de Pelotas foram relacionadas
Saúde, o grupo de Pelotas esteve ativa- à Rede Nacional de Promoção de Ativi-
mente envolvido em muitos estudos dade Física3 21. Ela foi criada pelo Mi-
de avaliação de programas de promo- nistério da Saúde do Brasil a partir de
ção da atividade física, identificados 2005 com o objetivo de financiar muni-
em publicações científicas por meio cípios para condução de projetos de in-
do Guia12 22. Seminários e reuniões tervenção que visassem à promoção da
também foram realizadas com o ob- prática de atividade física. De uma for-
jetivo de disseminar os achados para ma resumida, através da Rede, de 2005
gestores em nível local e nacional, as- até 2008, mais de 500 municípios brasi-
sim como para a comunidade acadê- leiros foram selecionados por meio de
mica, destacando-se a publicação de solicitações públicas de candidaturas
um número especial voltado ao Pro- para desenvolver projetos de promo-
jeto Guia no Journal of Physical Activi- ção da saúde com múltiplos focos, mas
ty and Health [Volume 7 (2010): Issue s2 com ênfase na atividade física.

311
XVII. Avaliação de intervenções para promoção de atividade física

A partir da criação da Rede, o Mi- em espaços urbanos e estudos pré e


nistério da Saúde realizou parcerias pós-intervenção25.
com a Universidade Federal de Pelo- A avaliação da Rede Nacional
tas e outras universidades brasileiras de Promoção da Atividade Física foi
para elaboração e condução de estu- tema da tese de doutorado do dr. Ta-
dos para avaliar a efetividade desses les Amorim (UFPel), composta por
projetos, bem como seu potencial de dois estudos que são considerados
expansão, as melhorias necessárias, pioneiros, além de uma revisão siste-
além de conhecer e compreender os mática de artigos com foco em indi-
desafios enfrentados por gestores e cadores avaliativos26. Em um desses
usuários. Tais estudos foram condu- estudos, foram realizadas entrevistas
zidos tanto para avaliar a estrutura com centenas de coordenadores e/
e o processo de intervenções quanto ou responsáveis por programas dis-
para mensurar o impacto dessas in- tribuídos em todas as regiões do país,
tervenções nos níveis populacionais sendo o primeiro em fornecer infor-
de atividade física. Durante o proces- mações sobre indicadores de oferta,
so, cabe destacar a atuação de pesqui- utilização, cobertura, impacto/resul-
sadores de Pelotas como consultores tado, estrutura e processo, entre ou-
internos do Ministério da Saúde, atu- tros aspectos relacionados às ações
ando como o elo de interlocução en- financiadas pela Rede. Em outro, bus-
tre ‘academia e gestão’24. cou-se esmiuçar as ações/programas/
O acúmulo de avaliações e for- projetos relativos à prática de ativida-
talecimento do tema no SUS passou de física que foram financiados pelo
pelas experiências conduzidas nos Ministério da Saúde de 2006–2009 ou
Programas Academia da Cidade (PAC) por outras fontes de fomento, coor-
de Recife-PE, Aracaju-SE e Belo Hori- denados e executados pelo governo
zonte-MG, no Serviço de Orientação do município de Panambi-RS, assim
ao Exercício (SOE) de Vitória-ES e como estabelecer, por meio de um es-
no CuritibAtiva de Curitiba-PR. Nes- tudo de base populacional, a relação
sas, diferentes metodologias de ava- entre exposição a essas ações/progra-
liação foram utilizadas, tais como: mas/projetos existentes na cidade e o
inquéritos telefônicos, estudos com- nível de atividade física.
binando metodologias qualitativas No estudo que abrangeu todo o
e quantitativas, resgates históricos, território nacional27, o objetivo foi
modelos lógicos, observações sis- descrever os programas que com-
temáticas de atividades realizadas põem a Rede Nacional de Atividade
Física. Após entrevistar 748 coorde-

312
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

nadores, muitos resultados foram pulacional, a intenção foi de compa-


apresentados, como a distribuição rar indicadores de atividade física e
geográfica dos programas, público saúde entre “usuários”, “ex-usuários”
atendido, tipos de abordagens, ativi- e “não usuários” das muitas interven-
dades físicas desenvolvidas, espaços ções existentes. Algumas conclusões
e estruturas físicas utilizadas, meios importantes foram que mais da me-
de divulgação e profissionais envolvi- tade dos entrevistados conheciam ao
dos. Nas respostas avaliativas dadas menos algum dos 18 projetos/progra-
pelos entrevistados, houve a consta- mas/ações de promoção da ativida-
tação de que a falta de estrutura físi- de física desenvolvidos na cidade, e
ca e de pessoal, assim como o excesso que os considerados “usuários” eram
de burocracia, foram as mais citadas mais ativos fisicamente tanto no lazer
como dificuldades para o funciona- quanto no deslocamento, permitin-
mento dos programas. Como uma do-se pensar que as intervenções de-
conclusão importante dos autores, senvolvidas em Panambi contribuem
evidenciou-se que, além do relata- para aumentar os níveis de atividade
do pelos coordenadores, que a baixa física da comunidade26.
proporção de financiamentos na re-
gião Norte, as poucas ações de cará- Avaliações do Programa
ter ambiental e política, e a dificulda- Academia da Saúde
de na qualificação profissional, eram
O modelo de promoção da ativi-
aspectos fundamentais para reflexão,
dade física empregado no Programa
visando a potencializar a efetividade
Academia da Saúde foi concebido a
dos programas.
partir de experiências locais e regio-
Panambi, cidade de médio porte
nais, com destaque para o Programa
localizada no Rio Grande do Sul, foi
Academia da Cidade, instituído nas
a única a ser contemplada no estado,
cidades de Recife e Aracajú, e no Pro-
em todos os editais do Ministério da
grama Academia das Cidades, insti-
Saúde para promoção de atividade
tuído no estado de Pernambuco13 15
física entre 2006 e 2009. Com esse
20 22 23 28
. A Universidade Federal de
chamariz, o Estudo Panambi foi pro-
Pelotas esteve presente em uma série
jetado para ter uma abordagem mis-
de estudos de avaliação dessas inicia-
ta, composta por três fontes de infor-
tivas em parceria com o Ministério
mações: uma amostra populacional,
da Saúde. Em resumo, as avaliações
profissionais diretamente ligados aos
realizadas indicaram um enorme
programas/projetos/ações e membros
potencial de expansão do programa,
da gestão municipal. No inquérito po-

313
XVII. Avaliação de intervenções para promoção de atividade física

levando à efetivação do Programa de indução de pesquisas avaliativas,


Academia da Saúde como política de conduzidas pela Secretaria de Vigi-
Estado por meio das Portarias GM/MS lância à Saúde, Decit, Ministério da
719, de 07 de abril de 2011 e nº 2.681, Saúde e CNPQ em 2011.30
de 7 de novembro de 2013. Diversas foram as abordagens
Um marco na avaliação do Pro- metodológicas e achados dessas ava-
grama Academia da Saúde foi que liações, dentre as quais se destacam
em 2011 o Ministério da Saúde, por os achados em relação à importância
meio do Departamento de Ciência e da Política Nacional de Promoção da
Tecnologia (CNPQ/Decit), aprovou Saúde e a prioridade do tema da ati-
um projeto de avaliação do Progra- vidade física no processo de implan-
ma Academia da Saúde, liderado pela tação e financiamento do programa29.
Universidade Federal de Pelotas, que Além do mais, avaliações demonstra-
envolveu parceria estabelecida entre ram como as evidências científicas
o Ministério e 11 universidades na- das avaliações das intervenções dos
cionais, e teve como objetivos avaliar Programas Academia da Cidade (PAC)
a efetividade do Programa Academia de Recife-PE, Aracaju-SE e Belo Hori-
das Cidades no estado de Pernambu- zonte-MG, Serviço de Orientação ao
co; analisar a implantação do progra- Exercício (SOE) de Vitória-ES e Curiti-
ma nos municípios das cinco regiões bAtiva de Curitiba-PR e de outros pro-
do país; e detectar as barreiras e faci- gramas similares foram importantes
litadores para a promoção da saúde, para o escalonamento do programa a
especialmente por meio da prática de nível nacional23 29.
atividade física, relacionadas à imple- Outra metodologia inovadora foi a
mentação do Programa Academia da condução de estudos por inquérito te-
Saúde. Para tal avaliação foram adota- lefônico com secretários e gestores de
das diferentes abordagens de estudo, saúde em municípios com o Programa
com métodos quantitativos, qualitati- Academia da Saúde29 31. Tais estudos
vos, estudo de coorte, com avaliação mostraram aspectos positivos com re-
pré e pós-implantação4. lação à implantação do programa, po-
Esses estudos foram descritos em rém com fragilidades em relação aos
diversas publicações científicas, as- aspectos de continuidade de obras.
sim como em um livro que se dedicou Por exemplo, em uma das avaliações,
a sumarizar os principais olhares do foi identificado que a habilitação dos
processo de avaliação do Programa polos ocorreu de forma semelhante
Academia da Saúde29, bem como as em todas as macrorregiões do país,
evidências resultantes do processo porém mais de 20% dos municípios

314
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

brasileiros inicialmente habilitados programa em 2013, foram conduzi-


para receber recursos do programa dos estudos de avaliação para iden-
não os solicitaram para as conclusões tificar aspectos relacionados não
das obras por, principalmente, proble- apenas à atividade física, mas tam-
mas para continuidade ou início das bém ao comportamento saudável da
mesmas, sendo as mudanças na admi- população nas capitais brasileiras.
nistração municipal um dos motivos Resumidamente, essas avaliações
para sua interrupção. Ainda, dentre sugerem que o programa pode estar
as principais razões salientadas pelos associado com o nível de atividade fí-
gestores para submissão de propostas, sica e ingestão adequada de frutas le-
para receberem o Programa Academia gumes e verduras, especialmente em
da Saúde, estiveram os potenciais re- mulheres e em indivíduos com mais
sultados positivos para a comunidade, de 45 anos32.
as ações de promoção da saúde serem Por fim, pesquisadores de Pelo-
uma das prioridades para o municí- tas também estiveram envolvidos
pio, assim como ser uma demanda da com avaliações de monitoramento
população e o fato do programa ofere- de gestão do Programa Academia
cer recursos federais31. da Saúde em 2016 e 2017. Tais ava-
A nível populacional, o grupo de liações envolveram a análise e in-
pesquisadores de Pelotas atuou ativa- terpretação dos dados extraídos do
mente na condução de avaliações do FORMSUS e forneceram uma visão
programa no estado de Pernambuco, detalhada da implementação do
de forma a entender e elaborar seus Programa Academia da Saúde em
modelos teórico e lógico, bem como diferentes regiões do Brasil30.
subsidiar a realização de avaliações
sistemáticas de programa. Destaca-se Panorama crítico sobre as
a condução de três inquéritos popula- avaliações de intervenção em
cionais em 85 cidades de Pernambu- promoção da atividade física
co entre 2011 e 2013, período no qual
o Programa Academia das Cidades Embora este capítulo não tenha
estava sendo expandido para todas as como objetivo apresentar uma ex-
cidades do estado28. tensa revisão sobre os modelos de
As avaliações do programa com intervenção e avaliação dos progra-
envolvimento de pesquisadores de mas de promoção da atividade física
Pelotas ocorreram antes, durante e existentes, um momento de reflexão
após a implementação do programa. acerca do panorama crítico sobre as
Por exemplo, após a redefinição do intervenções envolvendo atividade

315
XVII. Avaliação de intervenções para promoção de atividade física

física e os estudos de avaliação tor- Saúde Coletiva. A própria concep-


na-se necessário. ção de promoção de saúde ainda se
A avaliação de intervenções não é prende ao desenho prevencionista,
a realidade observada em inúmeras percebe-se uma abordagem rigida-
intervenções de promoção da ativi- mente comportamental e no âmbito
dade física acontecendo pelo país, individual. Em muito as intervenções
mesmo que elas representem experi- se dirigem apenas ao campo informa-
ências ricas, inéditas no contexto de cional e das doenças crônicas. Essa
saúde pública, e promovam o movi- abordagem não se afasta da lógica
mento como uma forma de cuidado que sempre predominou na Educa-
em saúde. Conforme descrito ante- ção Física e na área de pesquisa em
riormente, a reduzida conexão entre atividade física e saúde. O tom alar-
universidades e secretarias locais de mista, de discurso forte e com tom
saúde e outros serviços de gestão24 é moralizador, que muito serviu para a
uma lacuna a ser trabalhada com o consolidação da Educação Física em
objetivo de fomentar avaliações des- espaços escolares, esportivos e mili-
sas intervenções. tares, agora vem revestido com o dis-
Desde as primeiras avaliações re- curso de saúde.
alizadas pelo Ministério da Saúde e O desfecho central e comum da
depois com a parceria de universida- maioria dos estudos tem sido a ava-
des e o Centers for Disease Control and liação dos níveis de atividade física
Prevention, já é possível notar avan- populacionais, seja dos indivíduos
ços metodológicos. De experiências que frequentam os programas e da-
bastante tímidas no início até uma queles do entorno. Assim como essa
maior sofisticação metodológica, tais é a característica mais marcante das
avaliações também são espelho dos avaliações, paradoxalmente pode ser
avanços em pós-graduação vivencia- indicada como a principal limitação.
dos pelo país após os anos 2000. Ain- A questão é que muitas intervenções
da que a lógica de protocolos rígidos em atividade física se limitam a ava-
de pesquisa avaliando grupos rando- liar os níveis das atividades, desconsi-
mizados não tenha sido viabilizada, e derando outros elementos e riquezas
nem seria possível, tem se ampliado de tais abordagens, desde a concep-
uma concepção de mesclar estraté- ção dos programas, indicadores de
gias metodológicas4. estrutura e processo, relação com
Por outro lado, conceitualmente, outras ações e núcleos profissionais.
a área ainda tarda a se aprofundar e É preciso ter clareza que a efetivida-
a considerar premissas do campo da de de uma intervenção não pode ser

316
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

avaliada apenas sob a perspectiva de nham mais condições de se envolver


aumento nos níveis de atividade físi- em atividades prazerosas e saudáveis,
ca em uma dada população. como a atividade física. Certamente
Portanto, é necessário que a pes- isso trará benefícios do ponto de vista
quisa em atividade física em saúde dos indicadores de saúde.
não caia na armadilha de levar a um
entendimento raso e desconectado
Considerações finais
das atribuições de um programa de
promoção dessa área. De uma forma geral, os resultados
Aos olhos apressados ou de indi- das avaliações mostraram que o Bra-
víduos distantes da área, intervir com sil esteve num caminho de liderança,
atividade física pode se apresentar tanto em relação a promoções de ati-
como algo simples. Longe disso. Esse vidade física em larga escala, quanto
componente da vida é duramente em relação à avaliação dessas inter-
acometido pelos marcadores sociais, venções. Nesse contexto, o grupo de
tem sido cada vez mais elitizado, se pesquisadores de Pelotas contribuiu
relaciona com os níveis de violência de forma significativa na sistematiza-
e urbanização das cidades, não está ção dos processos avaliativos e atra-
disponível de forma pública para a vés da reflexão sobre as fragilidades
maioria dos indivíduos e ainda é inco- encontradas na implementação do
mum para a maioria dos brasileiros. Programa Academia da Saúde. Tais
Logo, o tom alarmista e moralizador avaliações apresentaram não só o
de “fazer atividade física é bom para processo de implementação, carac-
a saúde” não tem se apresentado su- terísticas e adesão aos programas de
ficiente para que diversos grupos po- atividade física a nível nacional, mas
pulacionais incorporem o movimen- também o perfil e percepção dos usu-
to. Simplesmente por não se tratar ários participantes e dos profissio-
de uma mera escolha. Nesse sentido, nais atuantes nos polos do Programa
cada vez que as intervenções incorpo- Academia da Saúde.
rarem a realidade de suas populações O processo de implementação
de interesse, que os profissionais se de avaliações ao longo dos últimos
prepararem e estiverem atentos a tais 15 anos ocorreu de forma inovadora
contextos, e que a formação nas uni- através da utilização de modelos de
versidades questionar a reprodução programas comunitários, levando
de modelos de intervenção em que os à implantação desse programa em
indivíduos são meros expectadores, escala nacional. Tal cenário foi pos-
aí sim, é possível que as pessoas te-

317
XVII. Avaliação de intervenções para promoção de atividade física

sível devido à extensa colaboração equidade, estampado na versão atua-


entre universidades nacionais, inter- lizada da PNPS. Se nos afastarmos da
nacionais e Ministério da Saúde, fato lógica de pensar a promoção como
que gerou as melhores evidências uma simples ferramenta informacio-
disponíveis na literatura para o pro- nal e de prevenção e pensarmos que
cesso de tomada de decisão de uma melhorar a vida das pessoas é, antes
política pública. de tudo, a maior política de Promo-
Houve avanço nas iniciativas de ção da Saúde, teremos indivíduos
avaliação. Praticamente são inviá- mais empoderados, vivos, livres e de-
veis avaliações nos moldes de um terminados a lidar com as práticas de
protocolo experimental com linha de saúde em seu cotidiano. Isso poderá
base, intervenção e avaliação após a incluir as práticas de atividade física,
intervenção.4 A maioria dessas ex- especialmente se atingirmos aquilo
periências está relacionada com as que faça bem e mobilize as pessoas.
políticas, com a realidade e, assim,
são bastante promissoras em for- Referências
necimento de dados de estrutura e
1. Ramirez Varela A, Cruz GIN, Hallal
processo, e bem menos em dados de
P, et al. Global, regional, and national
resultados ou efetividade. trends and patterns in physical activity
Por fim, uma intervenção com ati- research since 1950: a systematic review.
vidade física é enormemente comple- Int J Behav Nutr Phys Act 2021;18(1):5.
xa e dialoga com a realidade social de Doi: 10.1186/s12966-020-01071-x.
uma determinada população. O que 2. Heath GW, Parra DC, Sarmiento OL,
explica um indivíduo estar vinculado et al. Evidence-based intervention in
a tais intervenções passa por questões physical activity: lessons from around the
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individuais, coletivas, sociais, am-
10.1016/S0140-6736(12)60816-2.
bientais e os estudos de avaliação que
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria
tentam desmembrar essa equação,
de Vigilância Sanitária em Saúde.
por si só, já avançam em sua perspec- Departamento de Análise de Situação
tiva teórica de compreensão do fenô- em Saúde. Avaliação de efetividade de
meno. Algumas experiências foram programas de Educação Física no Brasil
aqui relatadas e podem ser buscadas [recurso eletrônico]/ Ministério da Saúde.
Secretaria de Vigilância Sanitária em
nos referenciais utilizados. Os avan-
Saúde. Departamento de Análise de
ços são nítidos e um próximo êxito Situação em Saúde – Brasília: Ministério
se dará quando o ideário de Promo- da Saúde, 2013.
ção da Saúde for a fundo dissecado,
por exemplo no compromisso com a

318
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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321
S

EIXO 6
L
POLÍTICAS
N
XVIII
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE COMO
MARCO MAIOR DE PROTEÇÃO SOCIAL
NO BRASIL: HISTÓRICO, PROJETOS EM
DISPUTA E PERSPECTIVAS
Alan Goularte Knuth; Bruno Pereira Nunes

“O SUS tem que ser a nossa joia da de social entre pessoas da periferia e da
coroa, nosso orgulho nacional. A gente favela que estão pensando como sobrevi-
não afundou mais ainda na pandemia ver, temos uma tecnologia social…pre-
por conta do SUS. Se a gente conseguir cisamos agora estimular isso e colocar
fazer minimamente uma política de va- no centro da discussão a preservação da
cinação, vai ser pelo SUS… vida e colocar a questão racial no centro
Já temos desenho institucional… desse papo…”
temos várias instituições talhadas para (“Silvio Almeida, comunicação no
que façamos uma política que possa se Youtube”, 2020)1
opor a esse processo de destruição provo-
cado pela crise internacional, pela crise Caminhos introdutórios
do capitalismo…
Antônio Abujamra comumente
Nós temos universidades públicas,
questionava, ao final das entrevistas
nós temos SUS…nós temos uma tradi-
do seu programa “Provocações”, na TV
ção, ainda que mínima, de solidarieda-

323
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

Cultura: “O que é a vida?”. Normal- endido como um movimento demo-


mente, o apresentador indagava o crático amplo que inclui, mas não se
entrevistado três vezes, independen- limita à questão sanitária. Estaremos
temente das respostas prévias. Na alu- filiados ao campo teórico da Saúde
são a essa provocativa estratégia, po- Coletiva e entenderemos que o Siste-
demos questionar o que é o SUS, por ma Único de Saúde (SUS) é a princi-
uma, duas, três ou mais vezes com o pal expressão desse movimento. Essa
intuito de tentar compreender o que posição busca reconhecer o processo
o nosso sistema de saúde brasileiro é, saúde-doença na perspectiva do di-
representa(ou) e o que pode significar reito social, veiculando a compreen-
para o futuro. Não obstante, similar são de saúde desde sua determinação
à pergunta de Abujamra, a resposta biológica até a social, mantendo o
pode não ser óbvia e rápida. Apesar compromisso com aquilo que se no-
das óbvias e inúmeras diferenças en- meia perspectiva de saúde crítica.
tre as perguntas (O que é a vida x O Nessa lógica, saúde e política es-
que é o SUS?), elas guardam alguma tão imbricadas. É possível que algu-
similaridade na complexidade e nas mas resistências para reconhecer
amplas respostas possíveis. Para res- essa ligação estreita tenham sido ab-
ponder sobre o SUS, precisamos com- solutamente superadas a partir da
preender seu processo histórico, polí- pandemia de covid-19 em 2020, onde
tico, cultural e social para elaboração tudo o que sempre foi visível passou a
sobre suas definições e contradições. se demonstrar escancarado aos olha-
Ao percorrer o campo da saúde é res “isentos” de até então. Em diver-
comum uma visita a diversas termi- sas ocasiões as decisões referentes à
nologias e conceitos como medicina pandemia passaram bem mais pela
social, saúde pública, medicina pre- esfera econômico-política do que
ventiva, reforma sanitária, promoção pela técnica-científica.
da saúde, determinantes sociais, de- Assim, ao considerarmos que
terminação social, sanitarismo, polí- saúde também se desenrola na arena
cia médica, saúde coletiva onde cada política, podemos assumir a noção
qual carrega suas adjacências, parti- de “projetos em disputa” para a com-
cularidades e contornos históricos, preensão de saúde, onde saúde não
políticos e teórico-metodológicos. No representa a mesma coisa para todas
presente capítulo, adotaremos como as pessoas, culturas, regiões e perí-
marco referencial o Movimento pela odos históricos2. Da saúde como va-
Reforma Sanitária no Brasil situado lor de troca (mercadoria) até a saúde
a partir da década de 1970, compre- como um direito social (conquista):

324
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

da clínica ao coletivo, do biológico ao desencadearam, no Brasil, a criação


social, da formação técnica ao saber do SUS em 1988; 2) diferentes autores
popular, do diagnóstico ao tratamen- e obras intelectuais já percorreram o
to, do cientista ao influenciador das processo de construção do SUS sob
mídias sociais, dos cuidados primá- diferentes aspectos e olhares3-6. As-
rios ao cuidado hospitalar. Nessas sim, o capítulo busca subsidiar o en-
transmutações, perpassam diversos tendimento de alguns aspectos-chave
interesses, compreensões e ritos que para discutir a atual situação do SUS
definem como a saúde vai se estabe- frente às recentes alterações no siste-
lecendo no espaço social. ma e as possíveis consequências para
Nossa referência, o SUS, como as políticas de saúde no Brasil.
antecipado no título do capítulo, será
compreendido como marco maior de ‘Por que o SUS’?
proteção social do Brasil e da Amé-
rica Latina. Não significa que o SUS A criação do SUS em 1988, junto ao
esteja dispensado de críticas, proble- processo de redemocratização depois
mas e interesses econômicos e políti- de 20 anos de ditadura militar, foi uma
cos, a análise aqui oferecida buscará luta emblemática de vários setores da
perpassar as dimensões históricas, sociedade civil para melhorar as con-
de disputas e perspectivas do sistema dições de vida e saúde da população
de saúde brasileiro. brasileira. Antes do SUS, o acesso à
Nesse sentido, o presente capítu- saúde era mais difícil e inexistente
lo pretende compreender o Sistema para alguns grupos populacionais,
Único de Saúde e seus princípios ao principalmente os mais vulneráveis
mesmo tempo que reflete acerca das socioeconomicamente (pessoas sem
políticas e ameaças, principalmente emprego, população rural, pessoas
as ocorridas na última década (2010- em situação de rua, por exemplo). Ba-
2020). Cabe destacar que nos ritos sicamente, o acesso era obtido para
preliminares deste capítulo não será pessoas com vínculo formal de traba-
abordada toda a construção históri- lho e/ou que possuíam capacidade de
ca-política-cultural-social do período desembolso direto para pagamento de
pré e pós-criação do sistema de saúde despesas (consultas, internações, me-
brasileiro. Essa escolha tem duas mo- dicamentos, entre outros). Aqui, cabe
tivações: 1) resgatar toda a construção destacar, que existiam ações específi-
demandaria uma produção textual cas de saúde pública, principalmen-
detalhada sobre os diferentes com- te relacionadas à prevenção coletiva
ponentes da sociedade moderna que

325
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

de problemas de saúde (por exemplo, bém, para a estruturação de políticas


campanhas de vacinação)5. de saúde. O Brasil dos anos 1980 era
Mas, de fato, por que a criação do um país que iniciava um processo de
SUS foi considerada necessária e im- redemocratização após 20 anos de di-
portante para grande parte da socie- tadura militar, socialmente desigual
dade civil vinculada à formulação de e politicamente instável. Mesmo as-
políticas de saúde e da constituição de sim, a saúde coletiva brasileira apre-
1988? Apesar do que possa parecer, o sentava e discutia formas alternativas
SUS não é a única, nem mesmo a pri- de criar políticas que considerassem
meira versão mundial de um sistema todo esse contexto. E, claro, esses ar-
de saúde universal financiado pela po- cabouços teóricos permeiam corren-
pulação através de impostos. Assim, tes de pensamento ligadas aos movi-
muito do que foi estruturado como sis- mentos de promoção da saúde (aqui
tema de saúde é baseado em experiên- sem discutir o conceito de promoção
cias exitosas de outros países (Canadá da saúde propriamente dito) e da ga-
e Inglaterra, por exemplo). Além dis- rantia de direitos humanos, fomenta-
so, as evidências científicas pregres- dos mais incisivamente após a segun-
sas e atuais evidenciam que sistemas da guerra mundial. Assim, a criação
de saúde baseados na APS tendem do SUS foi considerada necessária em
a produzir resultados mais positivos virtude da mobilização popular, aca-
em saúde coletiva7, 8. Assim, o SUS foi dêmica e política no país, a partir da
construído baseado nas melhores evi- não aceitação das iniquidades sociais
dências científicas existentes, as quais e de saúde, e da importância do país
indicavam que a criação de um siste- em dar legitimidade a uma rede de
ma universal público seria uma abor- proteção social consistente.
dagem potencialmente eficiente para Criar um sistema de saúde ba-
a melhoria das condições de bem-es- seado nos princípios e diretrizes do
tar e saúde da população brasileira, SUS1 5, 9, 10 é um processo complexo e
a qual é historicamente marcada por
amplas iniquidades sociais. 1 Princípios: Universalidade (para todos);
Obviamente, a criação de um sis- integralidade (toda a linha de cuidado); e
equidade (atender à população e indivíduos
tema de saúde não é somente perme- de acordo com suas necessidades - que nem
ada por evidências científicas. E não sempre significa “igualdade”). Diretrizes: des-
centralização; regionalização e hierarquiza-
foi diferente com o SUS. Aspectos so- ção; participação da comunidade; epidemio-
ciais, culturais, econômicos, políticos logia na definição de prioridades, alocação de
recursos e a orientação programática; integra-
e de compreensão do momento da so-
ção, em nível executivo, das ações de saúde,
ciedade civil são determinantes, tam- meio ambiente e saneamento básico.

326
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ambicioso e, no Brasil, foi permeado ‘O SUS atualmente’


por diferentes embasamentos para a
busca de um sistema em acordo com O SUS atualmente (início dos anos
a Declaração Universal dos Direitos 2020) é marcado por uma resistência
Humanos. Não obstante, a opera- histórica apesar dos desafios e ame-
cionalização (“transformar em lei”) aças. A pandemia de covid-19 é um
do SUS provocou algumas circuns- marco triste para a sociedade brasi-
tâncias que, para muitos autores, o leira com a alta, porém evitável, mor-
enfraqueceram como sistema públi- talidade observada. Não obstante, o
co permitindo uma relação confu- SUS com sua estrutura de atendimen-
sa (e fortemente imbricada) com o to e sua capilaridade na APS permi-
sistema privado4. O SUS é historica- tiram atravessar a pandemia com a
mente subfinanciado e influenciado garantia do acesso à atenção e da va-
por políticas e ações de governos e cinação para a população brasileira,
do setor privado. Na prática, a po- apesar do negacionismo e armadilhas
pulação reconhece o setor privado do alto escalão do governo federal no
como um outro (apesar de coexistir enfrentamento da pandemia.
dentro do SUS) e atraente setor para Os desafios do sistema continuam
resolução de problemas pontuais e sendo o subfinanciamento, a melho-
curativistas de saúde. E, claro, isso ria da capacidade de gestão – tam-
não é obra do acaso ou responsabi- bém relacionada ao financiamento
lidade da população: a forma como adequado – a complexa simbiose
o sistema se organiza provoca essa com o sistema privado e dificuldade
dualidade complexa e tentaremos em promover saúde em um país desi-
abordar algumas de suas expressões gual marcado por diferentes proble-
adiante neste texto. Nesse sentido, é mas sociais, econômicos, políticos e
necessário compreender que a polí- culturais que impactam a saúde de
tica foi e continua sendo um aspecto indivíduos e da coletividade.
fundamental no SUS. Em 2011, uma As evidências científicas continu-
série sobre a saúde do Brasil foi pu- am sugerindo a efetividade do SUS
blicada pela revista “The Lancet” e a como um sistema capaz de melhorar a
conclusão dos autores da série foi “O saúde da população brasileira. A saú-
desafio é, em última análise, político de materno-infantil, principalmente
e requer o engajamento ativo e contí- ao observar indicadores de mortalida-
nuo da sociedade, na perspectiva de de infantil, evidenciam o SUS e a ESF
assegurar o direito à saúde para toda como meios para diminuição dos altos
a população brasileira”11. índices observados historicamente11.

327
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

Evidências para a população adulta e governos. Ainda assim, consideramos


idosa também revelam o papel do sis- fundamental indicar que os interes-
tema e da APS em diferentes indica- ses econômicos e corporativos pre-
dores, inclusive redução de desigual- sentes na saúde não foram esvaziados
dades na mortalidade – indicador tão ou superados a partir da reforma sa-
complexamente determinado12-14. nitária e do campo da saúde coletiva.
Todavia, abordaremos a seguir Até as últimas versões da constituição
mudanças, ameaças e boicotes ao SUS de 1988, alterações foram realizadas
que podem, em última instância, aca- na proposta do sistema de saúde,
bar com sua capacidade de promover principalmente relacionadas ao papel
melhores condições de saúde para a do setor privado na saúde. Determi-
população brasileira. Até quando o nados referenciais 6, 15-17 nos ajudarão
sistema conseguirá resistir? Os desa- a compreender a querela em torno da
fios da saúde brasileira são conheci- saúde como direito e como valor de
dos e precisarão de esforço coletivo troca no Brasil.
para superá-los. A alta ocorrência de Um país marcado pela colonização
acidentes e violência, a agenda ina- e escravidão, com alternância de perí-
cabada das doenças infecciosas, a odos políticos democráticos e ditato-
alta carga das Doenças Crônicas Não riais, obediente às pressões de nações e
Transmissíveis e seus fatores de risco organismos financeiros internacionais
(inatividade física e obesidade, mar- e que recentemente experimentou o
cadamente) permeadas pelas marca- negacionismo político como forma de
das desigualdades socioeconômicas, governo só poderia hospedar uma are-
demográficas e regionais desafiam na bastante frutífera a contradições no
a garantia de direitos presentes na plano político-social, com efeitos nas
constituição brasileira11. questões sanitárias. Conforme Paim6,
os valores dominantes na sociedade
SUS: projetos em disputa e brasileira tendem mais para a diferen-
perspectivas ciação, o individualismo e a distinção,
do que para a solidariedade, a coletivi-
Consideramos o SUS um marco dade e a igualdade, justamente pressu-
civilizatório para o Brasil. Não ali- postos que são orientadores do SUS, da
mentamos a expectativa dessa escrita democracia e dos direitos humanos.
esgotar todas as disputas em torno de Vieira e colaboradores17 indicam que
como vem ocorrendo a implementa- é o grau de solidariedade o definidor
ção do sistema desde a redemocrati- dos valores que permeiam as políticas
zação, os marcos legais e sucessivos

328
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

das sociedades, bem como as relações Menicucci e Gomes18, a construção do


entre os cidadãos e o Estado, portanto sistema de políticas sociais no Brasil
assim será nas políticas sociais adota- teve dois marcos. O sistema merito-
das e no convívio com as amarras im- crático-corporativista formado a par-
postas pelo setor financeiro. tir de 1930 introduziu proteção social
Em que pese todas as contradi- para segmentos específicos e minori-
ções, foi com o SUS que o país institu- tários, como trabalhadores urbanos e
cionalizou uma parte de suas políticas funcionários públicos, configurando
sociais com medidas orientadas ao co- uma cidadania regulada. A Constitui-
letivo16. No entanto, cabe mencionar ção de 1988 e seus desdobramentos,
que o modo de produção capitalista, como o SUS, configuraram a busca
as medidas sociais adotadas pelos di- pela cidadania plena.
versos países e suas respectivas fases A partir dos diversos modelos,
de desenvolvimento, são diferentes e suas crises e reformas, nos anos 1980
merecem análises íntimas, já que des- houve uma guinada mais sistemáti-
de os séculos XVI e XVII havia alguma ca de Estados Unidos e Inglaterra ao
forma de proteção social de origem que se denominou neoliberalismo,
governamental nos países europeus, inclusive com pressão exercida a pa-
com mudanças significativas em seus íses como Chile, Argentina e Colôm-
formatos a partir da segunda guerra bia para que aderissem às reformas e
mundial16. Assim, acentuamos a im- revisão de serviços públicos. O Brasil
portância de colocar o Brasil em pers- encontra essa cadeia de interesses
pectiva com o cenário internacional, na contramão, pois está justamen-
período histórico e com olhar para os te iniciando o debate sobre políticas
interesses dominantes. em direção a um sistema universal,
Dentre os modelos de proteção como no caso da saúde16. É bastante
social apresentados na literatura para simples encontrar documentos e po-
cobertura de previdência social, assis- sicionamentos de entidades financei-
tência social e saúde pública, os refe- ras internacionais sugerindo ao Bra-
renciais indicam os modelos residual sil que reduzisse a intervenção estatal
(assistência), de seguro social (meri- mesmo após poucos anos de imple-
tocrático) e a seguridade social (insti- mentação do SUS, antes de qualquer
tucional). Este seria aquele assumido possibilidade de avaliação formal de
na saúde pública brasileira a partir da seus resultados. Não significa dizer
Constituição de 1988, sem desconsi- que o Brasil “escapou” dessa doutri-
derar que permanece a busca e oferta na, mas houve um retardamento de
de serviços privados de saúde16. Para seus efeitos em função da redemocra-

329
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

tização e do modelo adotado naquele sucessivos eventos de megacontratos


período, sendo que os interesses per- e superfaturamentos/aplicações no
maneceram acesos e as ações foram mercado global de capitais, com fra-
mais explícitas a partir de 2015 e 2016, ções destinadas ao financiamento de
como trataremos a seguir. Escolhe- enormes campanhas eleitorais. Mais
mos um pequeno trecho de Vieira e recentemente, observa-se o uso de
colaboradores17 para ilustrar a com- mídias sociais para disparos em mas-
plexidade do tempo histórico e dos sa, como na campanha eleitoral de
projetos em constante disputa: 2018, negacionismo como ferramen-
“O Brasil em 1984 emergia de 20 ta política, testando assim todos os
anos de violenta ditadura, com a socie- limites constitucionais da democra-
dade destituída da participação no pro- cia. Ainda, desde a redemocratiza-
jeto de nação, o Legislativo destituído ção dois governos foram impedidos
da sua condição histórica de “caixa de (Fernando Collor de Mello e Dilma
ressonância da sociedade” e o Judiciá- Rousseff, em processos políticos bas-
rio destituído de um Estado de Direito tante distintos) e não se pode igno-
para zelar. Ao mesmo tempo que foi rar algumas abordagens midiáticas
possível aglutinar forças para promul- parciais, muitas vezes enlaçados aos
gar a Constituição Cidadã de 1988, que interesses financeiros de corpora-
preconizou um Ebes democrata com di- ções, na conformação de uma noção
reitos sociais universais para o país, as coletiva de que os serviços públicos
ideias do neoliberalismo fortaleceram- e, consequentemente o SUS, seriam
-se paulatinamente, sobretudo a par- precários no país.
tir da década de 1990. As propostas de Percebe-se que o SUS foi uma
privatização de programas sociais e de aposta calcada em valores que en-
redução das ações sociais do Estado às tram em oposição a diversos interes-
populações mais pobres são comumente ses dominantes no cenário político
apresentadas como soluções para a ne- brasileiro. Ademais, diante do boi-
cessidade de diminuição do gasto públi- cote passivo que flexibilizou a atua-
co” (Vieira et al.,17 p. 22). ção do setor privado com subsídios,
A análise de Vieira e colaborado- desonerações, sub-regulação e um
17
res ainda oferece mais elementos boicote ativo com subfinanciamento
para compreender como as corpo- do SUS pelos diferentes governos6, as
rações financeiras se imbricaram ao populações fragilizadas sentiam com
sistema político brasileiro, formando contundência os efeitos negativos em
o chamado presidencialismo de coa- sua vida cotidiana, muitas vezes re-
lizão. Nesse processo, destacam-se os forçando a dimensão de precarieda-

330
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de anteriormente colocada e mesmo o SUS, reiterando a necessidade de


engrossando o caldo discursivo das compreender o modo de produção, as
privatizações, reproduzido insisten- tecnologias sociais disponíveis, inclu-
temente por jornais, revistas e tele- sive as educacionais e de comunica-
visão, ainda antes da disseminação ção, a situação geopolítica dos países,
da internet e mídias sociais. Efetiva- modelos de política social adotados e
mente, em função dessa conjuntu- interesses corporativos em sua dina-
ra de forças, o SUS pobre e reduzido micidade e historicidade.
distanciou-se do SUS constitucional Os primeiros sentidos de consis-
e democrático, transformando-se tência do SUS passam a ser identifica-
em um arremedo ou simulacro de dos com a ampliação da cobertura na
SUS6. O boicote ativo pode ser expres- atenção básica para cerca de 60% da
so pelo percentual do gasto total em população, forte redução da mortali-
saúde no país, onde 44% é oriundo do dade infantil e ampliação do acompa-
ente público e 56% do setor privado, nhamento pré-natal, elevada cober-
único país no mundo com sistema tura vacinal e melhoria nos serviços
universal e com essas características de emergência4,19. A ponderação pelo
de financiamento19. Giovanella e co- cuidado em liberdade na saúde men-
laboradores15 indicam que o gasto tal, a incorporação de diversos núcle-
público em saúde como percentual os profissionais e práticas inovadoras,
do PIB pouco se alterou entre 2002 políticas de humanização, promoção
(3,2%) e 2014 (3,8%). da saúde, educação permanente mo-
Obviamente as crises econômi- bilizaram esforços para que a aborda-
cas mundiais como a de 2008/2009, gem sobre o processo saúde-doença
eventos ambientais extremos, emer- fosse ampliada com o SUS, mesmo
gências globais como a pandemia de com as limitações orçamentárias,
covid-19 e conduções políticas nega- correlação de forças com o complexo
cionistas impactam e reorientam os médico-industrial e intensificação de
modelos de saúde. Portanto, saúde e medidas neoliberais.
sociedade, saúde e vida, saúde e eco- Há diversos entendimentos con-
nomia, saúde e política se entrecru- ceituais sobre o neoliberalismo e
zam, não são campos fechados em seus efeitos. Neste capítulo, assu-
si e definem a dinâmica do espaço miremos a proposição de Dardot e
social. Ao considerar tamanha com- Laval20 onde o neoliberalismo pode
plexidade é que dialogamos com os ser entendido como o conjunto de
leitores na perspectiva de evitar aná- discursos, práticas e dispositivos
lises apressadas e superficiais sobre que determinam um novo modo

331
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

de governo dos homens segundo o e na mente dos indivíduos21, uma


princípio universal da concorrên- economia moral, criando modos de
cia. Muito mais do que orientar um governabilidade mais enraizados
subfinanciamento em uma política psiquicamente e com repulsa à soli-
social, como no caso da saúde, a go- dariedade, crítica e conflito.
vernamentalidade neoliberal esta- Alguns procedimentos da racio-
belece o princípio da concorrência nalidade neoliberal podem ser verifi-
e a empresa como modo de subjeti- cados por toda parte, como dissemos,
vação, extrapolando governos e se em uma perspectiva ampla do que
estabelecendo em todas as relações, significa governo, também em ações
condutas, escolhas e práticas dos de cuidado e comunicação em saúde
indivíduos. A noção de competição, e a partir da movimentação dos ato-
individualismo e empreendedoris- res políticos no Brasil. Um dos exem-
mo de si passa a reger diversas rela- plos mais marcantes foi a aprovação
ções, sociais e de trabalho, e valores da Emenda Constitucional 95 (EC95)22
como a solidariedade, direitos traba- que estabelece um teto de gastos para
lhistas, direitos humanos e mesmo as despesas primárias da União (ex-
a democracia são questionados, vili- cluindo o pagamento de juros), limi-
pendiados, fissurados. Daí também o tando-os entre 2017 e 2036, com cor-
acirramento do racismo, machismo, reção anual pelo Índice de Preços ao
dos ataques aos direitos humanos e Consumidor Amplo – IPCA17.
às expressões solidárias de cuidado. Essa medida foi aprovada logo
Safatle e colaboradores21 aprofun- após o impedimento da presidenta
dam a noção sobre o neoliberalismo Dilma Rousseff, já sob liderança de
como modo de intervenção social seu sucessor Michel Temer. Diversas
profunda nas dimensões produtoras estimativas de especialistas previram
de conflito e refuta a ideia de menos redução importante nos investimen-
intervenção do Estado (obviamente tos sociais em saúde, educação e as-
não considerando tal intervenção sistência social com a vigência da
apenas no plano econômico). Aqui o EC95. Outros estudos, inclusive de
Estado atuaria para despolitizar a so- perspectiva internacional, indicam
ciedade, buscando a internalização que a austeridade imposta pelos pa-
da racionalidade econômica como íses, com respaldo de organismos fi-
única forma de racionalidade, inter- nanceiros, promove a ampliação das
vindo em nível social e psíquico. A iniquidades sociais. Um dos efeitos
“empresa” poderia nascer no coração no caso do Brasil, conforme a pobre-

332
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

za e desigualdade avançam, é exata- eficácia comprovada, especialmente


mente o aumento de cidadãos com utilizando as mídias sociais. O bolso-
mais necessidades em saúde que de- narismo deve ser compreendido em
penderão de um SUS, cada vez mais, perspectiva ampla, pois é conside-
subfinanciado. Ocorre que os recur- rado um ethos violento e autoritário,
sos para o sistema foram sistematica- escorando-se em valores e concep-
mente reprimidos e o aumento da de- ções patriarcais, heterossexuais, cris-
manda virá em função das medidas tãs, empreendedoristas e apegadas à
austeras e não acompanhado de um branquitude23. Como tais aconteci-
planejamento de recuperação do sis- mentos ainda estão se desenrolando,
tema, de revisita aos seus valores fun- nem a pandemia tampouco o governo
dantes, ao contrário, já em uma fase Bolsonaro acabaram, todas as organi-
onde alguns poucos serviços seriam zações sociais e políticas devem au-
aportados a todas as pessoas. mentar a vigilância sobre os ataques
O período 2016 a 2022 tem sido ao SUS e aos direitos humanos que
palco de reformas trabalhistas, pre- ainda prevalecem em nosso cotidia-
videnciárias, corte de gastos, demo- no, onde o negacionismo como políti-
nização dos serviços e servidores ca aposta no desejo, na experiência e
públicos, revisões nos marcos legais crença pessoal, na capacidade de ex-
da saúde, questionamento de pro- pansão das informações nas mídias
fissionais de saúde, da ciência e das sociais em detrimento ao pensamen-
universidades, aumento da pobreza e to, à comunicação nas mídias tradi-
insegurança alimentar, instabilidade cionais e na ciência. A politização da
democrática e negacionismo como vida, da saúde, da pandemia, do SUS
política. Duarte & César23 promovem nunca foram tão incontestáveis, ain-
uma análise sobre o contexto atual da que certos grupos recorram à “ne-
brasileiro de negação da política e do gação da política” como retórica.
negacionismo como política, repre- Os ataques “micro”, “de dentro”,
sentados pelo movimento que levou “íntimos” do SUS e seus princípios
Jair Bolsonaro e seu grupo à presidên- foram intensificados a partir de 2015
cia da república. Essa análise identi- com a abertura pelo capital estrangei-
fica que a pandemia foi palco para o ro na saúde e em 2017, com a revisão
acirramento das estratégias negacio- da Política Nacional de Atenção Bási-
nistas de tais atores, como vimos nas ca, ancorados na racionalidade neoli-
frequentes comunicações contrárias beral. Morosini, Fonseca e Baptista24
ao uso de máscaras e vacinação ou a teceram análises sobre três alterações
favor do uso de medicamentos sem indicadas na atenção primária pelo

333
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

Ministério da Saúde entre 2019 e 2020: inovadores, como o Nasf, foram reti-
a nova política de financiamento (Pre- rados das possibilidades de incentivo,
vine Brasil), a Agência de Desenvolvi- levando a uma arruinação das experi-
mento da Atenção Primária à Saúde ências existentes e seu possível ocaso
(Lei no 13.958) e a Carteira de Serviços no SUS. As ações de saúde se tornam
e normatizações complementares24. cada vez mais individualizantes, fo-
O ano de 2019 também foi marcado cadas em poucos indicadores de ca-
pela alteração no cronograma da pas- ráter clínico-biológico e assume-se a
ta e foi criada a Secretaria de Atenção compreensão da cobertura universal,
Primária à Saúde (Saps). O referencial onde se abandona a noção de univer-
de análise das autoras se aproxima da salidade e estabelece a lógica de uma
Saúde Coletiva e, assim, consideram cesta de serviços reduzida a alguns
que as mudanças trazem um sentido procedimentos, sem fidelidade aos
privatizante para o SUS, que parece princípios do SUS. Aqui vale destacar
aproximar a concepção de saúde de que cobertura, por si só, pode ser con-
cobertura universal e não de sistema siderada uma estratégia adequada em
universal até o modelo que funda- determinados contextos (países com
menta as alterações: mercantilizado sistemas de saúde inexistentes ou
de gestão e atenção à saúde, integran- precários). Porém, buscar substituir
do um novo processo de acumulação, sistemas universais pela cobertura
alargado pela abertura da saúde ao ca- universal, que seria o caso brasileiro,
pital estrangeiro, ocorrida em 201524. implica em uma mudança conceitual
A política de atenção primária as- e estrutural do sentido de saúde assu-
sume um enfoque individualizante e mido constitucionalmente.
um possível nicho de expansão do ca- Mais uma vez considera-se crucial
pital no que tange ao modelo de aten- colocar a temática em perspectiva,
ção e financiamento, enfraquecendo pois as alterações na atenção primária
a perspectiva do território, o trabalho passam também por um debate inter-
comunitário, o cuidado integral e nacional. Giovanella et al.15 ao traze-
multidisciplinar. No caso do Previne rem as mudanças de sentido nas con-
Brasil, a alteração foi significativa ao ferências temáticas desde Alma-Ata
abandonar o modelo de financiamen- até Astana consideram uma transição
to da atenção básica que operou entre das políticas universais até a cobertu-
1996 e 2019. Foram adotados como pa- ra universal (universal health coverage –
râmetros a captação ponderada, o pa- UHC) e trazem à baila a influência da
gamento por desempenho e o incenti- Fundação Rockefeller e Banco Mun-
vo para ações estratégicas. Programas dial. A revisão da política brasileira

334
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

parece caminhar no mesmo sentido e rem atores historicamente compro-


os projetos em disputa acentuam suas metidos com a saúde, conquistarem
diferenças, limitando um direito inte- espaço em planos, relatórios, pes-
gral a uma certa cobertura por alguns quisas e políticas públicas relevantes
serviços, chegando ao ponto de Giova- do setor, mas é necessário o questio-
nella e colaboradores considerarem namento se estas estratégias respon-
a Declaração de Astana repletas de dem ao interesse público ou do ca-
ambiguidades e lacunas, escancaran- pital na área da saúde, já que o tema
do as fragilidades para perspectivar se encontra em espaço de disputa
saúde na integralidade e justiça social política e ideológica. Temos tentado
e esse tom se faz presente até mes- demonstrar a influência da governa-
mo em eventos e declarações de for- mentalidade neoliberal em operar
te apelo internacional15. Se Alma-Ata no espaço social, desde as relações
mobilizou corações e mentes há 40 entre as pessoas até a influência nos
anos, como colocaram as autoras, nos governos, tomadores de decisões e
parece que a saúde tem mobilizado os fazedores de leis. Uma das estraté-
bolsos e as transferências financeiras gias das instituições do capital é re-
digitais, de forma cada vez mais incisi- correrem ao apelo da “eficiência” nos
va na contemporaneidade. recursos em saúde e acionarem ex-
Diversas instituições do capital pressões como: governança, accoun-
têm participado direta ou indireta- tability, eficácia, desempenho, atri-
mente dos governos no país e o Ban- butos, austeridade, entre outros. De
co Mundial há muito opera no setor fato, a presença do capital tem avan-
da saúde, com a compreensão de que çado na esfera pública da saúde sob
o mercado deve orientar a mesma e diferentes roupagens, por exemplo
tecendo documentos com “recomen- na figura das Organizações Sociais
dações” para eficiência na gestão do (OS), das Parcerias Público-Privada
SUS25. A atuação pode se dar de ma- (PPP) e das Fundações Públicas (FP),
neira fluida, inclusive incorporando além, é claro, do âmbito hospitalar,
noções como “equidade”, modifican- da saúde suplementar, das desonera-
do sentidos conforme os interesses ções, das pressões junto ao legislati-
neoliberais, exatamente como no vo e nas alterações do Ministério da
âmbito do sistema universal versus Saúde já apresentadas.
cobertura universal25. Muitas dessas
estratégias podem ser sutis, se apro-
priarem de terminologia ou bases
conceituais progressistas, mobiliza-

335
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

À guisa de conclusão beneficiado pela baixa utilização de


serviços rotineiros por longo perío-
Menicucci e Gomes18 advertem do em função da covid-19, mantendo
que a partir de 2016 observa-se a rever- intactas as mensalidades. O SUS as-
são do ideário definido no pacto cons- sumiu a cena, o palco, os holofotes e,
titucional de 1988, com sua concep- aparentemente pela primeira vez, os
ção de justiça e de Estado. A agenda noticiários, mídias sociais, camisetas,
configurada sob o discurso de ajuste discursos de artistas e a subjetividade
fiscal, as reformas e agenda simpática da maioria dos brasileiros e brasilei-
ao capitalismo financeiro, os ataques ras que só poderiam recorrer a este
à democracia, um governo federal ne- sistema. É tempo de valorizar essa
gacionista e a pandemia de covid-19 consciência sobre o SUS e não recu-
impõem abalos às políticas sociais e ar, mesmo após passarmos pela crise
ao SUS. Nos toca também registrar da pandemia, dialogando com cada
que as pautas históricas de movimen- pessoa deste país na sensibilização da
tos sociais, princípios e financiamen- saúde como um direito e do SUS como
to adequado do SUS, compromisso seu marco de proteção, sua esfinge,
com a justiça e solidariedade social digno de mobilização. Talvez a amea-
não foram plenamente representadas ça mais “palpável” da pandemia con-
pelos sucessivos governos e convive- seguiu demonstrar ações importantes
-se com um país sustentado em ma- do SUS sendo noticiadas diariamente.
zelas, desigualdades e com privilégios Aqui, conforme sinalizamos no início
para poucos, sem ter experimentado do capítulo, entendemos que o SUS
uma transformação social plena e apresenta lacunas importantes a se-
duradoura. Admitimos coletivamen- rem contornadas. Não obstante, muito
te, lamentavelmente, conviver com a do que é considerado ação relevante
precariedade de muitas vidas e ainda do SUS durante a pandemia (testagem,
acionamos certas discursividades ao vacinação, atendimento hospitalar),
nível do escárnio como “meritocra- ocorre cotidianamente27 na vigilância
cia” para superação das injustiças em saúde (exemplo: sanitária em su-
construídas desde sempre. permercados, clínicas “privadas”), nas
“Saúde é democracia, democra- unidades básicas de saúde (exemplo:
cia é saúde”. O lema da reforma sani- acompanhando a saúde das crianças),
tária permanece aceso, necessário, nos tratamentos de alto “custo” finan-
atual e pulsante. Para Costa, Rizzotto ceiro (exemplo: pessoas com câncer,
e Lobato26, o sistema privado saiu de transplantes), na assistência pré-hos-
cena durante a pandemia, ainda que pitalar (exemplo: Samu), na vacinação

336
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

para diferentes doenças, entre várias ziu a mentiras sobre a procedência,


outras ações exitosas do sistema de qualidade e eficácia das vacinas. Ga-
saúde brasileiro. rantiu que não se vacinaria e assim
Entre 25 de fevereiro de 2020, data também sua filha jovem. Promoveu
da primeira morte no país e junho de diversas aglomerações em períodos
2022, quando encerramos o presente de intensa transmissão do vírus. Bol-
texto, o registro oficial indica 668.000 sonaro chegou a abaixar a máscara
vidas perdidas para a covid-19 no Bra- de uma criança colocada em seus
sil. O luto e a dor desse período mar- braços para uma foto. Fez diversas
carão todas as pessoas que comparti- previsões de que a pandemia esta-
lharam desse momento de pandemia, va indo embora, todas equivocadas.
mas não se pode dizer que a experi- O Presidente da República fez pia-
ência covid-19 foi igual em todas as da imitando pessoas com falta de
partes do mundo, infelizmente. ar, chamou de “país de maricas” as
Seria salutífero atravessar este pessoas que queriam se proteger do
texto sem uma menção particular a vírus e disse não ser coveiro quando
Jair Bolsonaro. Entretanto, o nosso perguntado sobre o elevado núme-
compromisso histórico com a ciên- ro de mortes. Propagou por meses a
cia, o SUS e a universidade pública existência de medicamentos contra
nos induz a relembrar que o Brasil a covid-19, quando os estudos apon-
enfrentou a pandemia sob a gestão tavam a ineficácia dessas drogas.
de um Presidente da República e Que tenhamos, coletivamente, lu-
equipe que têm suas ações e omis- cidez e capacidade de organização e
sões apuradas por uma Comissão luta para assegurar saúde à população
Parlamentar de Inquérito do Senado. brasileira, com o SUS. As reconstru-
Bolsonaro teve quatro Ministros da ções, daquelas cotidianas até às polí-
Saúde. Usou uma mídia social para ticas públicas nos três entes, passando
mentir que haveria falta de alimen- pelas resistências que podem se apre-
tos se as pessoas ficassem em casa sentar no tecido mais micro do social,
para se proteger do vírus. Fez cam- precisarão ser consistentes, bravas e
panha aberta contra o uso de más- generosas. E que junto venha um am-
caras. Tardou a oficializar os contra- plo acesso às artes, cultura, lazer, em-
tos para disponibilização de vacinas prego, moradia, educação, dignidade
à população. Criou desavenças com e justiça social.
fornecedores de insumos atrasan-
do a entrega de doses a brasileiros.
Por diversas vezes mentiu ou indu-

337
XVIII. O Sistema Único de Saúde como marco maior de proteção social no Brasil:
histórico, projetos em disputa e perspectivas

“És tu Brasil, ó pátria amada, healthcare system performance in low-


idolatrada income and middle-income countries: a
scoping review of the evidence from 2010
Por que tem acesso fácil a to 2017. BMJ Glob Health. 2019;4(Suppl
todos os teus bens 8):e001551.

Enquanto o resto se agarra no 8. Macinko J, Starfield B, Erinosho T.


The impact of primary healthcare on
rosário, sofre e reza
population health in low- and middle-
À espera de um Deus que não income countries. J Ambul Care Manage.
vem” 2009;32(2):150-71.
9. Brasil. Lei 8080, de 19 de Setembro
(Os Paralamas do Sucesso, 1994)28
de 1990. Dispõe sobre as condições para
a promoção, proteção e recuperação da
Referências saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras
1. Almeida S. Comunicação no YouTube, providências.
Programa “E agora Brasil? Ciro Gomes
10. Matta GC, Pontes ALM. Políticas de
conversa com Silvio Almeida” 2020.
saúde: organização e operacionalização
Disponível em https://www.youtube.com/
do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro,
watch?v=iRY5vTrO0bQ. Acesso em: 2
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mar. 2022
Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de
2. Scliar M. História do conceito de Saúde Joaquim Venâncio; 2007. 284 p.
saúde. Physis. 2007;17(1):29-41.
11. Victora CG, Barreto ML, do Carmo
3. Giovanella L. Políticas e sistema de Leal M, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J,
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339
XIX
PRÁTICAS CORPORAIS E ATIVIDADES
FÍSICAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Alan Goularte Knuth; Alanna Gomes Silva; Deborah Carvalho


Malta

O
presente capítulo busca situ- SUS e, em seguida, voltamos as len-
ar as práticas corporais e ati- tes para a intimidade da temática e os
vidades físicas (PCAF) desde contornos que possuem nas questões
sua institucionalização no Sistema conceituais, de pesquisa, formação e
Único de Saúde (SUS) brasileiro. As- reflexão frente ao debate público. Por
sumimos como recorte o campo da fim, são sinalizados alguns dos desa-
Promoção da Saúde e buscamos apre- fios que a temática e a dimensão da
sentar uma análise dos movimentos saúde como direito têm enfrentado
internacionais, nacionais e da inter- em tempos de austeridade fiscal, ne-
locução que o tema vem fazendo com gacionismo como política e intensifi-
o núcleo profissional da Educação cação de iniquidades.
Física, a partir de distintas compre-
ensões. Iniciamos com uma leitura
institucional que aponta diversas ini-
ciativas da esfera de gestão e indução
das PCAF e de políticas públicas no

340
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Aproximação ao tema em sua ticulação entre diferentes áreas técni-


vertente institucional cas e programas e políticas a partir da
abordagem da promoção da saúde3.
A promoção da saúde consiste em A prática insuficiente de ativida-
um conjunto de estratégias e formas de física, a partir das lentes da epi-
de produzir saúde, no âmbito indivi- demiologia, constitui um dos prin-
dual e coletivo, visando a atender às cipais fatores de risco modificáveis
necessidades sociais de saúde e à me- para as doenças crônicas não trans-
lhoria da qualidade de vida1. missíveis (DCNT), reduz a expectati-
A aprovação da Política Nacional va de vida e afeta a saúde mental e
de Promoção da Saúde (PNPS)2 em a qualidade de vida. Em 2016, 27,5%
2006 e sua revisão em 2014 marcam da população adulta no mundo eram
o processo de institucionalização da insuficientemente ativos4. No Brasil,
promoção da saúde no SUS, com a en- em 20135, o percentual foi de 46%.
trada de novos formatos de fazer saú- Esse cenário desfavorável estimulou
de, agendas e prioridades2,3. A PNPS, organizações internacionais e nacio-
representa um marco no processo nais a incluírem a atividade física na
cotidiano de construção do SUS, uma agenda global de saúde, tornando-a
vez que retoma o debate sobre as con- prioridade da PNPS.
dições necessárias para que a popu- Na implementação da PNPS, a
lação seja mais saudável, mediante Secretaria de Vigilância em Saúde do
a compreensão da determinação so- Ministério da Saúde realizou diversas
cial no processo saúde-doença2. Nes- iniciativas para estimular e induzir
se sentido, os temas prioritários da ações de promoção da saúde junto
PNPS foram: a formação e educação aos estados e municípios. O repasse
permanente; alimentação adequada de recursos foi iniciado com as capi-
e saudável; PCAF; enfrentamento ao tais de estado e evoluiu entre 2006 e
uso do tabaco e de seus derivados; 2010, com repasses de cerca de 170
enfrentamento do uso abusivo de milhões de reais às Secretarias Esta-
álcool e de outras drogas; promoção duais para aproximadamente 1.500
da mobilidade segura; promoção da Secretarias Municipais de Saúde de
cultura da paz e dos direitos huma- todas as regiões do Brasil, que inte-
nos e promoção do desenvolvimento graram a Rede Nacional de Promoção
sustentável2. Essas prioridades servi- da Saúde. A estratégia utilizada foi
ram como dispositivo para o desenca- selecionar para financiamento, por
deamento de ações de promoção em meio de editais, programas de incen-
todos os níveis do SUS e de melhor ar- tivo à atividade física, alimentação

341
XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde

saudável, prevenção da violência e pliar a compreensão do tema da pro-


outras ações de promoção da saúde, moção da saúde no SUS7,8.
executadas nos municípios e estados. Ao longo desse processo, o Minis-
Os municípios inscreveram seus pro- tério da Saúde investiu na avaliação
jetos e programas que foram anual- do Programa Academia da Cidade
mente avaliados por especialistas6. (PAC) e do PAS e consolidou parce-
Os projetos selecionados recebe- rias que favoreceram a construção de
ram recursos do Fundo Nacional de importantes evidências sobre os pro-
Saúde, para apoio às atividades lo- gramas9. Além disso, houve forte in-
cais e desenvolveram diferentes es- dução e financiamento do Ministério
tratégias de promoção da saúde. Al- da Saúde para os estudos de avaliação
gumas publicações avaliaram estas do PAC e do PAS. Na sequência desse
atividades e, em síntese, a rede de processo de estímulo à avaliação do
promoção à saúde avançou no SUS, PAC e do PAS, em 2011 o Ministério
inserindo esta pauta inovadora na da Saúde, por meio do Departamen-
rede de atenção, em especial, junto à to de Ciência e Tecnologia (DECIT)
atenção básica de saúde e estratégia e do Conselho Nacional de Desen-
de saúde da família6,7. volvimento Científico e Tecnológi-
Foram realizados, para a rede de co (CNPq), aprovou um projeto, em
municípios da PNPS, entre 2006 e parceria com universidades brasilei-
2009, cursos para a qualificação da ras, com o CDC e com o Projeto Guia
força de trabalho do SUS no tema da (Guia Útil para Intervenções em Ativi-
promoção da saúde e também sobre dade Física na América Latina), para
Avaliação de Projetos de Atividade avaliar a efetividade, implantação e
Física, contando com parcerias na- implementação desses programas6.
cionais de Universidades públicas e Destaca-se, ainda, o incentivo da Se-
privadas brasileiras e internacionais cretaria de Vigilância em Saúde do
como Saint Louis University; Centers for Ministério da Saúde na criação de um
Disease Control and Prevention (CDC) sistema de monitoramento do PAS,
dos Estados Unidos da América e a que apoiou os municípios no proces-
Organização Pan Americana de Saú- so de acompanhamento da sua im-
de (OPAS). Também foram realizados plantação e funcionamento no país9.
diversos encontros, oficinas de tra- Um outro elemento estruturante
balho, reuniões técnicas, Seminário consistiu na inserção do monitoramen-
Nacional e a Mostra de Práticas do to da atividade física no sistema de Vigi-
Programa Academia da Saúde (PAS), lância das DCNT. Foi desenvolvido um
além de publicações visando a am- sistema de Vigilância e monitoramento

342
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

de DCNT, articulando pesquisas domi- positivamente na saúde e na qualida-


ciliares como a Pesquisa Nacional por de de vida dos usuários e contribuem
Amostra de Domicílios (Pnad) em 2008, para o aumento da prática de ativida-
a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), re- de física no lazer e para a melhoria
alizada em 2013 e 2019, inquéritos es- dos espaços públicos11.
colares como a Pesquisa Nacional de Um elemento importante des-
Saúde dos Escolares (PeNSE) em 2009, sa construção, e que contribuiu no
2012, 2015 e 2019 e os telefônicos como fortalecimento e expansão dos pro-
o Vigitel realizado anualmente desde gramas comunitários de atividade
20063. A introdução de questionários física, consiste na articulação inter-
de atividade física nessas pesquisas setorial, destacando as parcerias en-
permitiu o monitoramento contínuo tre o Ministério Saúde e o Ministério
de indicadores de atividade física e do Esporte que, em 2008, culminou
também em diferentes grupos, o que com o Plano Nacional de Atividade
possibilitou verificar as desigualdades Física, para estimular estados e mu-
na área e o desempenho de programas nicípios a organizarem iniciativas
implantados3. Destaca-se a inserção de aumento da atividade física. Esse
do indicador de aumento em 10% dos plano traçou ações que foram na
níveis de atividade física no Plano de maioria cumpridas e alinhadas em
Ações Estratégicas para o Enfrenta- atuação conjunta nas escolas ou ter-
mento das DCNT no Brasil 2011-2022, ritórios, em ações de comunicação e
contribuindo para que a agenda da ati- mobilização. Soma-se ainda as ações
vidade física se mantivesse em evidên- de comunicação e mobilização reali-
cia na gestão local e federal10, manten- zadas em mídias alternativas, como
do a prioridade da promoção da saúde redes sociais, com destaque para as
e da atividade física3,10. mídias espontâneas, organizações
Uma revisão de escopo com ob- de sites e mobilização comunitária8.
jetivo de identificar e sintetizar as Nesse contexto, a atividade físi-
evidências científicas sobre as abor- ca apresenta um protagonismo na
dagens e resultados das avaliações formação de uma agenda multiseto-
realizadas no PAS e no PAC, identifi- rial de pesquisa e advocacy capaz de
cou 24 publicações entre 2009 e 2020, envolver ações para conscientizar e
realizadas principalmente em Belo mobilizar a população e formadores
Horizonte e Recife e evidenciou que de opinião, capacitar agentes trans-
esses programas apresentam pontos formadores, cobrar e fomentar a
fortes para sustentabilidade, ofere- atuação do poder público12. Assim,
cem diversas atividades, impactam as práticas de advocacy, em especial,

343
XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde

junto a outros setores do Ministério bientes que favorecem os direitos da


da Saúde, Esporte e Educação, e aos população. Diversas nuances podem
pesquisadores, possibilitaram avan- ser trazidas ao debate sobre as Pcaf
çar na formulação de políticas públi- no SUS e na perspectiva da promoção
cas, na defesa do tema da Atividade da saúde, como veremos no tópico
física no âmbito da PNPS, no aumen- seguinte. Ainda restam desafios de
to do orçamento destinado aos proje- financiamento e defesa política pelo
tos, na ampliação das parcerias e de tema, de formação nas Instituições
ações intersetoriais. A epidemiologia de Ensino Superior (IES) em direção
contribuiu com dois elementos na à Saúde Coletiva, de ampliar o aces-
prioridade da agenda da AF no país: so às Pcaf e à saúde como um direito
a prática das avaliações e das parce- social, de uma hegemonia no olhar
rias, por meio do Projeto Guia, pro- biológico e vertical das Pcaf propos-
movendo as melhores evidências na tas, com pouca escuta aos usuários,
avaliação dos programas e de seus levando muitas dessas intervenções a
benefícios e por meio do monitora- um lugar de silenciamento dos aspec-
mento dos inquéritos em saúde, de tos socioculturais presentes nas Pcaf.
forma contínua e sustentável10.
Destaca-se que o Plano de Ação As práticas corporais e atividades
Global para a Atividade Física 2018- físicas em suas vertentes teórico-
2030 da OMS “mais pessoas ativas metodológicas e uma leitura
para um mundo mais saudável”, es- sobre sua colocação no SUS
tabelece quatro objetivos (criar so-
A colocação das Pcaf como priori-
ciedade ativa; criar ambientes ativos;
dade da PNPS pode ser tomada como
criar pessoas ativas e criar sistemas
principal marco institucional do tema
ativos) e recomenda 20 ações políticas
no SUS. A dimensão biodinâmica que
que são aplicáveis a todos os países e
envolve as relações do movimento
abordam os múltiplos determinantes
com as DCNT situa a temática como
culturais, ambientais e individuais da
relevante para o interesse público,
inatividade física. Nesse contexto, po-
mas é indispensável que se considere
dem se alinhar os programas comu-
as compreensões que visitam os sabe-
nitários de Pcaf do Brasil à Agenda
res pedagógicos e socioculturais sobre
2030, pois contribuem com a saúde
o tema, já que saúde, numa perspecti-
e podem dialogar com a população
va ampliada, não poderia ficar isolada
sobre a importância e valorização
no âmbito biológico (ou a consequente
da atividade física e outros hábitos
abordagem epidemiológica do tema),
saudáveis, além do debate sobre am-

344
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

qual seja a associação entre a ativida- nifica dizer que há descrições, análi-
de física e a redução de indicadores ses e problematizações do tema Pcaf
de morbimortalidade por DCNT. Ao a partir de correntes teórico-meto-
considerar o SUS em seus valores e dológicas divergentes e potencial-
princípios e a promoção da saúde na mente conflitantes. Consideramos
perspectiva da equidade, a temática que a lente epidemiológica da ativi-
carece de complexidade no olhar e dade física foi suficientemente apre-
contribuição de diferentes lentes para sentada no item anterior, traremos
uma saúde socialmente referenciada. elementos que integrem as práticas
A saúde é um campo de investi- corporais ao debate, pois Pcaf foram
mentos históricos para a Educação assinaladas desde a PNPS e seus des-
Física, tomada por diferentes discur- dobramentos foram diversos, não
sividades, e as Pcaf quando institu- podendo ser apagados.
cionalizadas no SUS conviveram com González (2015)15, ao assumir as
múltiplas compreensões de como práticas corporais como práticas so-
se dariam as intervenções junto aos ciais com envolvimento motor e com
usuários, as pesquisas na área e os propósitos específicos e não instru-
efeitos na formação em Educação mentais, desconsidera as atividades
Física. A convivência com estas dife- físicas compulsórias ou demandadas
renças se mostra saudável e também para algum resultado produtivo. Isso
expõe relações de poder sobre a de- aproxima o movimento da noção do
marcação teórico-metodológica, o lazer ou do cuidado com o corpo e
financiamento, as terminologias e os saúde, podendo variar desde jogos
projetos para a saúde e para a Educa- populares, exercícios físicos ou ati-
ção Física13. vidades na natureza. Para o autor, no
O Glossário de Promoção da Saú- SUS os profissionais podem pensar
14
de coloca a atividade física como a intervenção “com” e “nas” práticas
movimento corporal que produz gas- corporais para além da dimensão or-
tos de energia acima dos níveis de gânica e comportamental. Percebe-se
repouso e práticas corporais como que essa compreensão não está inte-
expressões individuais ou coletivas ressada na atividade física realizada
do movimento corporal, advindas do pelas obrigações sociais do trabalho,
conhecimento e da experiência em do ambiente doméstico.
torno do jogo, da dança, do esporte, Ceccim e Bilibio (2007)16 de pron-
da luta, da ginástica, construídas de to assinalam que a Educação Física
modo sistemático (na escola) ou não pode produzir saúde em função da
sistemático (tempo livre/lazer). Sig- mediação relacional e educativa que

345
XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde

a constitui, em seguida acionando as belecendo uma negociação. No caso


formulações do trabalho vivo em ato, das Pcaf, não se tomaria a PNPS como
e das tecnologias de cuidado. Nesse um documento fixo, acabado, vetorial
território tecnológico do cuidado, as e sim que dialogasse com as pessoas
Pcaf não deveriam se retirar de seu usuárias do SUS sobre a complexida-
caráter presencial, do encontro, da de dos cuidados em saúde, das singu-
partilha em detrimento do âmbito laridades para o envolvimento com
informacional do movimento com a Pcaf, onde o outro é enxergado a par-
saúde. Nesse encontro se pode reco- tir de suas vontades, desejos e condi-
locar a dimensão corpórea da exis- ções. Dessa relação viva entre macro e
tência subjetiva na prática cuidado- micropolítica e com o apoio das Pcaf,
ra, mobilizando não somente ossos propor-se-iam práticas que instiguem
e músculos, mas um corpo de afetos e valorizem o indivíduo e o coletivo,
e expansão da experiência humana. suas questões e necessidades, com al-
Os autores adaptam as valises médi- teridade, refutando os modelos buro-
cas da Medicina para o que seriam as cráticos, normalizadores, higienistas
mochilas tecnológicas da Educação e centrados em procedimentos.
Física: tecnologias duras (equipa- Carvalho (2006)18 reflete que as
mentos, materiais, testes), leve-du- práticas corporais agregam raciona-
ras (saberes mobilizados pelas di- lidades ocidentais e também orien-
ferentes ciências) e principalmente tais, indicando que a tais manifesta-
as leves no trabalho com as Pcaf no ções são atribuídos valores, sentidos
SUS, as quais versariam sobre o en- e significados e que os profissionais
contro com os usuários e as expres- devem atentar para não se limitarem
sões oriundas disto. à técnica ou à relação com as DCNT.
Mendes, Carvalho e Brandão Diante de um período histórico que
(2016)17, ao se valerem da perspectiva cultua o bem-estar, o consumo e as
da micropolítica do cuidado, apontam mídias, a autora provoca para que as
questões relevantes para os caminhos Pcaf sejam baseadas no caráter lúdi-
e as intercessões dos encontros entre co e de lazer. Ainda adicionamos que
profissionais-profissionais, profissio- as práticas corporais no SUS teriam
nais-gestores, profissionais-usuários, o potencial de resgatar e colocar em
profissionais-famílias, profissionais- destaque as práticas dos povos ori-
-comunidade no SUS, especialmente ginários, bem como a reflexão sobre
ao convidar os núcleos profissionais certas práticas corporais dominantes
à ordem da produção de outras aber- na contemporaneidade.
turas nos processos de trabalho, esta-

346
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Junior et al. (2021)19, ao realiza- avanços em direção a equidade, auto-


rem pesquisa qualitativa com diver- nomia e participação social.
sos profissionais da atenção primá- Assim, a Educação Física e Saúde,
ria, identificaram que as práticas aqui sob a roupagem de Pcaf, que tan-
corporais também podem assumir tas vezes esteve sob análise no campo
contornos da matriz biomédica, con- escolar a partir do componente curri-
figurando-se em dispositivos de bio- cular ou nos espaços privados como
poder e biopolítica a partir de seu uso academias, clubes, clínicas, se situa
estratégico na direção da medicaliza- no âmbito do SUS, a partir da noção
ção do social. Os autores também re- de direito social. Além de programas
velam possibilidades para resistência citados na seção anterior, como PAS
e fissuras em tal modelo que ainda e PAC, é importante o registro que
sustenta com hegemonia o movimen- as Pcaf foram acionadas em diversos
to no campo da saúde. programas na Rede de Atenção à Saú-
Damico e Knuth (2014)13 observa- de como: Núcleos de Apoio à Saúde
ram as Pcaf com suas diferenças e dis- da Família, Consultório na Rua, Resi-
putas no plano epistemológico, mas dências Multiprofissionais em Saúde
de distinção ainda inoperante dentre em suas variadas ênfases, Centro de
as políticas do SUS. Os autores já con- Atenção Psicossocial, Hospitais, en-
vidavam os interessados na temática tre outras iniciativas. Recentemente
a uma abertura ao inusitado, repre- as diretrizes curriculares da Educa-
sentada por uma alteridade radical ção Física, ainda que repletas de fra-
definida pelo encontro, ou as tecnolo- gilidades, ampliaram a interlocução
gias leves anteriormente enfatizadas, com o SUS21, o que deverá provocar
evitando a cristalização de sentidos e efeitos formativos de relevo para o
significados predefinidos em relação núcleo profissional. Por fim, o arca-
ao gerenciamento dos corpos nas prá- bouço teórico de promoção da saúde
ticas que envolvem Pcaf. que justifique Pcaf e seus rumos na
Carvalho e Nogueira (2016)20 rei- política de saúde, na pesquisa, na for-
teram que o aumento de ações de mação profissional não está apartado
Pcaf no SUS acentua o predomínio da do contexto, especialmente em tem-
compreensão biológica e epidemioló- pos de negacionismo como política e
gica para situar o tema. Identificam avanço do neoliberalismo26,28.
ainda lacunas na concepção de Pro-
moção da Saúde adotada pela maio-
ria dos programas, podendo ocorrer

347
XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde

Sobre panoramas, conjunturas e tanto Educação Física quanto outras


o que poderá vir áreas profissionais promoviam um
cuidado longitudinal, apoiado em
Após discorrermos sobre esse matriciamento e buscando a amplia-
emaranhado de ações que permitem ção do processo saúde-doença, com
visualizar as Pcaf no SUS, cabe pon- contribuição de fisioterapia, nutri-
tuar que todas essas iniciativas com- ção, psicologia, terapia ocupacional,
partilham saberes, financiamento, entre outros, na busca do princípio
relações de poder, disputas técnicas e da integralidade no SUS. Esses pro-
políticas, questões de acesso com ou- gramas passaram a ser reduzidos ou
tros temas, profissões e entendimen- descontinuados dada a retirada de in-
tos na Rede de Atenção à Saúde e que centivo financeiro por parte do ente
não se coloca aqui as Pcaf como pana- federal. Em nota técnica22, o Cosems/
ceia ou tema inquestionável. Os cui- SP projeta perdas significativas de re-
dados mais afeitos a uma área profis- passe federal para a atenção primária
sional são valiosos, mas não superam em saúde e entidades, universidades
as condições sociais de uma vida dig- e movimentos pela reforma sanitá-
na que estão no processo de determi- ria precisarão estar vigilantes com as
nação social. Por isso não cabe uma próximas iniciativas.
defesa arbitrária da temática, desta Em 2021 foi publicado o Guia de
ou daquela categoria profissional, e Atividade Física para a População
sim um conceito ampliado de saúde, Brasileira23. No material do Guia não
com garantia de recursos para o setor constam seus objetivos, o que permi-
e comprometimento com o SUS em te um certo questionamento sobre
suas bases constitucionais como um sua direcionalidade, porém adverte
direito social. reunir as primeiras recomendações e
Em 2019 o organograma do Minis- informações do Ministério da Saúde
tério da Saúde passou por alterações sobre atividade física naquilo que se-
e dentro da Secretaria de Atenção ria uma comunicação “para a popula-
Primária à Saúde (Saps) foi criada a ção Brasileira”. O documento sintoni-
Coordenação Geral de Promoção da za o país com diversas outras nações
Atividade Física e Ações Interseto- que construíram orientações simila-
riais. Uma das modificações promo- res, mesmo que não tenha adotado
vidas foi o Previne Brasil (analisado o tom socialmente referenciado que,
em outro capítulo desta obra), o qual por exemplo, o Guia Alimentar para
promoveu, por exemplo, o enfraque- a População Brasileira colocou para o
cimento dos Nasf. Nesses programas, tema da alimentação e nutrição. Ou-

348
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

tra fragilidade do Guia é a ausência tura e do lazer; recusa à compreensão


de articulação com a PNPS, tanto ao das Pcaf como efeito da governamen-
ignorar as contribuições das Práticas talidade neoliberal, como explicare-
Corporais no eixo, quanto por tecer mos a seguir; revisita a seu potencial
tímidas ligações com os demais eixos de coletivo; escuta às comunidades
e diretrizes da PNPS e do SUS. sobre as necessidades sociais; arti-
Ao que tudo indica o tema da culação com demais setores públicos
Promoção da Saúde encontra-se em para qualificação de espaços e oferta
um plano mais discreto e sem ações de programas, e também a promo-
estruturantes nos últimos anos24. As ção de uma agenda formativa entre
ações da nova Secretaria parecem se SUS, universidades e lideranças loco
voltar para a indução da atividade regionais na perspectiva dos direitos
física na perspectiva informacional humanos e da cidadania.
tendo o mote da motivação individu- O neoliberalismo que aqui trou-
al como aposta, como se percebe em xemos em uma de suas expressões,
edital de pesquisa articulado com o qual seja o impacto negativo no fi-
CNPq nas linhas de financiamento25: nanciamento público da saúde, es-
“Estudo de análise de evidências so- tende a lógica do capital a todas as
bre os determinantes motivacionais relações sociais e esferas da vida e
para prática de atividade física” e “Es- nessa linha é compreendido como
tudo sobre motivação para prática de uma racionalidade26. Considerando
atividade física em ações vinculadas como razão do capitalismo contem-
ao Sistema Único de Saúde”. Em nos- porâneo, o princípio da concorrên-
sa leitura há um descompasso entre cia como norma de conduta e da
o conceito ampliado de Promoção da empresa como modelo de subjeti-
Saúde e a aposta das recentes políti- vação é acionado. O neoliberalismo
cas públicas no SUS onde as Pcaf são pode ser entendido como o conjun-
compreendidas no âmbito da motiva- to de discursos, práticas e dispositi-
ção ou da informação. O amadureci- vos que determinam um novo modo
mento das Pcaf no SUS passaria pela de governo dos homens segundo o
reivindicação da ampliação na oferta; princípio universal da concorrên-
avaliação e fortalecimento dos pro- cia. Dardot e Laval26, ao dialogarem
gramas existentes, especialmente o com Michel Foucault e o conceito
PAS; debate sobre o acesso e iniqui- de racionalidade política, explicam
dades de certos grupos perante as que o “governo” nesse contexto se
Pcaf; revisão das Pcaf num sentido de dá como atividade e não instituição,
acolhimento e manifestação da cul- em um sentido amplo de técnicas e

349
XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde

procedimentos destinados a dirigir a área a repensar suas abordagens


a conduta dos homens, para consigo históricas de saúde.
mesmo e com os outros a partir das O avanço das políticas de austeri-
subjetividades. A governamentalida- dade e indícios de desmontes de inú-
de neoliberal escora-se num quadro meras políticas públicas ameaçam a
normativo global que, em nome da continuidade e sustentabilidade des-
liberdade, orienta as condutas, esco- sas ações, o que reduz o acesso da po-
lhas e práticas dos indivíduos26. Tal pulação às Pcaf de lazer28. Destaca-se
dimensão se enlaça adequadamente ainda que o PAS e o PAC apresentam
com as Pcaf, pois como se nota, di- desafios em relação ao planejamento,
versas iniciativas de promoção das à organização, à oferta e à manuten-
mesmas, da esfera pública à privada, ção de atividades, bem como para a
se valem do mote da motivação, dis- construção de novo polos, custeio e
ciplina e da responsabilização indivi- qualificação dos serviços ofertados.
dual como comunicação para que as Somam-se ainda os desafios para a
pessoas se governem e governem aos gestão em todos os níveis de governo,
pares no intuito de adesão às ativida- visto que são necessárias estratégias
des físicas em nome da saúde, como para evitar a devolução de recursos e
se as condições dadas fossem idên- garantir que os municípios tenham o
ticas entre os grupos populacionais. programa em sua rede de serviços11.
No que toca à questão formativa,
o campo da Educação Física e Saúde
À guisa de conclusão
Coletiva parece traçar as amarras co-
erentes da saúde em uma perspectiva As Pcaf não estão isoladas da vida
crítica e como direito social. Noguei- cotidiana dos brasileiros e do con-
ra e Bosi27 examinaram os distancia- texto de austeridade fiscal ampliada
mentos e interfaces da Saúde Coletiva desde a Emenda Constitucional 95
em seus pilares Epidemiologia, Ciên- (EC 95/16) e das diversas reformas
cias Sociais e Humanas e Políticas, implementadas por representantes
Planejamento e Gestão com a Educa- políticos respondendo a anseios de
ção Física reconhecendo as tensões grupos religiosos, conservadores, de
entre o biológico e o social. As recen- corporações e empresários. Com a
tes diretrizes para reformulação cur- pandemia de covid-19 e no período
ricular em Educação Física, também de governo onde temos o negacionis-
alvo de diversas críticas21, apontaram mo como política29, a vida da ampla
a saúde pública e saúde coletiva como maioria dos brasileiros piorou, a de-
temáticas elementares e pressionam

350
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

mocracia sofreu ataques constantes, de Física e Saúde podem ampliar as


cientistas, universidades, profissio- ações de interlocução na defesa de
nais de saúde foram deslegitimados uma Educação Física consistente no
em favor de campanhas conspirató- SUS. Quaisquer diversidades teóri-
rias promovidas por políticos e ce- co-metodológicas podem se manter
lebridades instantâneas de mídias intactas quando a luta estiver situada
sociais. O acesso às Pcaf não poderá no fortalecimento da saúde como um
avançar em contexto de aumento da direito social e nessa linha o com-
insegurança alimentar, de inflação, promisso com políticas públicas de
de trabalho precário, salários con- esporte, cultura, lazer e saúde con-
gelados, crise ambiental, ética, polí- tribuirão sobremaneira com os cida-
tica. Obviamente há uma parcela de dãos brasileiros.
brasileiros com acesso às academias, Perseguir um afastamento da pro-
treinamento personalizado, clínicas, moção da saúde comportamental1,
franquias fitness, estúdios de pilates, conservadora, moralizante, também
boxe, danças. Aqui nos referimos à demarcaria um amadurecimento do
imensa camada da população a quem tema junto ao campo da saúde. Signi-
esse direito nunca foi assegurado, ficaria caminhar na direção da saúde
que não pode destinar parte de seus a partir dos determinantes sociais1 e
dias para cuidados, para usufruir do da determinação social. É imperioso
lazer, para se sentir bem. A imensa compreender e questionar o neoli-
maioria da população não encontra beralismo, pois esse também pode
condições para celebrar encontros, se apresentar na gestão pública, na
sentidos e o bem viver estimulados oferta de programas de Pcaf, na co-
pelas Pcaf e é justamente para defen- municação e formação, por vezes
der o acesso desses que devemos vol- intimamente estabelecido, enfim, é
tar as nossas ações. Diante de todas uma racionalidade complexa e bas-
as iniquidades que o Brasil conhece, tante fluida.
e viu serem ampliadas, a defesa por Se a área, ao menos, se compro-
iniciativas públicas que ofertem Pcaf metesse em explicitar os aportes teó-
no SUS é um compromisso de cidada- ricos que dialogam quando acionam
nia e não mera retórica de saúde. a Promoção da Saúde já teríamos um
Entidades como a Sociedade Bra- espaço frutífero para reflexão, ques-
sileira de Atividade Física e Saúde tionamentos e superações, dado que
(SBAFS) e o Colégio Brasileiro de Ci- a Promoção da Saúde também per-
ências do Esporte na figura de seu mite diferentes ordenamentos con-
Grupo de Trabalho Temático Ativida- ceituais, e entendemos a PNPS bra-

351
XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde

sileira como um documento valioso, uma caminhada ainda em construção.


amadurecido, socialmente referen- Ciênc. saúde coletiva, v. 21, n. 6, p. 1683-
1694, jun. 2016.
ciado e comprometido com a equida-
de em saúde. 8. Malta DC et al. A Política Nacional
de Promoção da Saúde e a agenda da
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352
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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353
XIX. Práticas corporais e atividades físicas no Sistema ùnico de Saúde

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354
XX
A CONTRIBUIÇÃO DE PELOTAS PARA A
ELABORAÇÃO DO GUIA DE ATIVIDADE
FÍSICA PARA A POPULAÇÃO BRASILEIRA

Gregore Iven Mielke; Alexandre Carriconde Marques; Pedro


Curi Hallal

A
ideia de produzir recomenda- tério da Saúde, outros grupos da área
ções brasileiras de atividade também avaliavam como imprescin-
física, voltadas à população, dível a redação de tal documento,
não é nova. Ao longo da primeira dé- visto que, apesar de o Brasil ser refe-
cada do presente século, quando o rência internacional na área de ativi-
grupo de Pelotas colaborava regular- dade física e saúde, ainda faltava esse
mente com o Ministério da Saúde na documento básico, voltado à popu-
área de promoção da atividade física, lação. A Sociedade Brasileira de Ati-
em várias oportunidades foi discuti- vidade Física e Saúde, por exemplo,
da a possibilidade de escrita de um não apenas discutia essa possibilida-
guia brasileiro de atividade física. No de, como inclusive montou um gru-
po de trabalho específico para tratar
entanto, essa atividade nunca acabou
desse tema.
sendo priorizada pelo Ministério da
No ano de 2019, com a nomeação
Saúde na época1.
de Luiz Henrique Mandetta para o
Ao mesmo tempo em que essas
cargo de Ministro da Saúde, houve o
tratativas eram feitas junto ao Minis-

355
XX. A contribuição de Pelotas para a elaboração do Guia de Atividade Física
para a População Brasileira

convite para o prof. Erno Harzheim piração o Guia Alimentar para a


assumir a Secretaria de Atenção Pri- População Brasileira, construído
mária à Saúde. Nela, o prof. Lucas coletivamente alguns anos antes;
Matturro foi designado para tratar c. O documento seria construído
das questões referentes à atividade com capítulos específicos para di-
física. Tendo em vista a produção ferentes populações, respeitando
científica de excelência na área de divisões por ciclos da vida, e leva-
ria em consideração o contexto no
atividade física e saúde, o grupo de
qual a prática de atividade física
Pelotas foi procurado para auxiliar
pode ser realizada;
o Ministério da Saúde na proposição
d. O documento seria construído
de políticas de promoção da atividade
coletivamente, sob liderança da
física. Nesse momento, em diálogos
Universidade Federal de Pelotas,
presenciais, o prof. Pedro Curi Hallal mas com a participação de outras
apresentou a proposta de construção instituições educacionais espalha-
do Guia de Atividade Física para a Po- das pelo território nacional, e con-
pulação Brasileira, a qual foi pronta- tando com escutas à população,
mente aceita pelos gestores do Minis- profissionais de saúde, gestores e
tério da Saúde à época. pesquisadores;
Nos meses seguintes, foram pac- e. O Ministério da Saúde não seria
tuados os detalhes do Termo de Exe- apenas a instituição contratante
cução Descentralizada, que contra- do projeto, mas teria participação
tou a equipe liderada pelo prof. Pedro ativa em todas as fases da elabora-
ção do Guia e, ao final, seria o pro-
Curi Hallal na Universidade Federal
prietário do documento;
de Pelotas para liderar a redação do
f. O documento não teria um pra-
Guia de Atividade Física para a Popu-
zo de validade curto, devendo ser
lação Brasileira. Em reuniões iniciais
construído com a intenção de per-
com os gestores do Ministério da Saú- durar por, pelo menos, uma déca-
de, foram pactuadas algumas linhas da, como documento norteador da
gerais da construção do documento: prática de atividade física para a
a. O documento seria voltado à po- população brasileira;
pulação em geral, e não ao público g. O documento deveria trabalhar
acadêmico. Portanto, seria utiliza- com conceitos de acessibilidade,
da uma linguagem simples e dire- não apenas contendo capítulo so-
ta, e seria dada prioridade a uma bre atividade física para pessoas
apresentação gráfica amigável com deficiência, mas também ofe-
para o público em geral; recendo conteúdo acessível a dife-
b. O documento utilizaria como ins- rentes públicos.

356
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Ao assumir a coordenação do Saúde e da Sociedade Brasileira de


projeto, a Universidade Federal de Atividade Física e Saúde.
Pelotas optou por um modelo de A comissão científica deliberou
construção amplamente participati- por dividir o Guia em oito capítulos
vo e coletivo, descentralizando não (Quadro 1), considerando as deman-
somente as decisões, mas também das do Ministério da Saúde, levando
o orçamento do projeto. Para isso, o em consideração documentos ante-
primeiro passo foi criar um comitê riores, produzidos pela Organização
científico, composto por pesquisado- Mundial da Saúde e alguns países que
res de todas as regiões do Brasil, re- possuem guias próprios de atividade
presentação do Ministério da Saúde, física, mas considerando também as
da Organização Pan-Americana de especificidades do cenário local.

Quadro 1 - Capítulos incluídos no Guia de atividade física para a população brasileira.

Entendendo a atividade física


Atividade física para crianças de até 5 anos
Atividade física para crianças e jovens de 6 a 17 anos
Atividade física para adultos
Atividade física para idosos
Educação Física escolar
Atividade física para gestantes e mulheres no pós-parto
Atividade física para pessoas com deficiência

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

Foi definido, posteriormente, que ordenadores dos capítulos, foi produzir


cada capítulo teria um coordenador e um modelo padronizado de questões
6-7 participantes do grupo de traba- que não poderiam faltar em nenhum
lho. Tanto o coordenador quanto os dos capítulos, de forma que cada texto
participantes dos grupos de trabalho poderia ter sua especificidade em fun-
foram selecionados por edital públi- ção do grupo ao qual se dirigia, mas
co, garantindo acesso a todos os inte- também teria um nível de padroniza-
ressados. A equipe completa incluiu ção com os demais capítulos, tornando
mais de 80 colegas espalhados pelo o documento coeso (Quadro 2).
território nacional.
O próximo passo, definido em par-
ceria pelo comitê científico e pelos co-

357
XX. A contribuição de Pelotas para a elaboração do Guia de Atividade Física
para a População Brasileira

Quadro 2 – Estrutura predefinida para construção dos capítulos.

Cada capítulo foi elaborado com base nas seguintes perguntas:


1. O quê e quando praticar?
Refere-se aos exemplos de atividades físicas, considerando os diferentes domí-
nios e contextos.
2. Por que praticar atividade física?
Refere-se aos benefícios da atividade física.
3. Como praticar?
Refere-se às recomendações sobre “como” adotar um estilo de vida fisicamente
mais ativo e superar barreiras para a atividade física.
4. Quanto praticar?
Refere-se ao volume recomendado de atividade física.
5. Informações adicionais
Incluindo aspectos de segurança, redução de riscos e outras informações/reco-
mendações para a população em questão.
6. O comportamento sedentário
Tratado como tema transversal, incluindo exemplos, mensagens e recomenda-
ções para sua redução.
7. Informações relevantes para grupos específicos
8. Redes de apoio
Descrição das potenciais redes de apoio existentes para auxiliar a população-alvo
do grupo de trabalho a se tornar fisicamente mais ativa.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

A seguir, foram definidas linhas no processo de construção coletiva


metodológicas gerais, a serem segui- do Guia.
das por todos os capítulos, para ga- O processo de construção do Guia
rantir a construção coletiva do Guia. teve duração de aproximadamente
Essas linhas metodológicas incluíam dois anos, tendo o texto final sido
regras básicas para as revisões de li- entregue ao Ministério da Saúde em
teratura necessárias para a redação agosto de 2020. O documento foi en-
de cada capítulo, procedimentos bá- tão lançado oficialmente pelo Minis-
sicos para a escuta de atores chave tério da Saúde no dia 29 de junho de
no processo de construção do Guia e 2021 em cerimônia presencial com
procedimentos padronizados para a transmissão online, sem a participa-
consulta pública, passo obrigatório ção de nenhum representante dos

358
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

pesquisadores envolvidos na prepa- soas com deficiência. Portanto, des-


ração do Guia, como forma de reta- creveremos aqui o processo de cons-
liação nítida ao fato de que o coorde- trução e as principais mensagens
nador do projeto depôs na Comissão desses dois capítulos.
Parlamentar de Inquérito instaurada
para investigar as ações e omissões do Guia de atividade física para a
governo no enfrentamento da pande- população brasileira – atividade
mia de covid-192. Sem a presença dos física para gestantes e mulheres
técnicos que elaboraram o documen- no pós-parto
to, o lançamento oficial teve pouco
impacto sobre a comunidade da área Com a inclusão de um capítulo es-
de atividade física e saúde no Brasil. pecífico voltado às gestantes e mulhe-
Para compensar o esvaziamento res no pós-parto3-5, o Brasil tornou-se
do lançamento e evitar a invisibilida- um dos poucos países no mundo a
de do documento, os pesquisadores ter recomendações de atividade fí-
organizaram uma atividade científica sica para esse grupo populacional.
para apresentarem o Guia à comuni- De fato, recomendações de atividade
dade da área, o que ocorreu no dia 7 física específicas para essa popula-
de julho de 2021. Essa atividade, rea- ção começaram a ser desenvolvidas
lizada de forma online e em parceria e ganhar atenção apenas nas últimas
com a Sociedade Brasileira de Ativida- duas décadas6.
de Física e Saúde (SBAFS), teve ampla O principal desafio enfrentado
participação e cobertura da mídia, para a criação de recomendações
fazendo com que o Guia aumentasse de atividade física para gestantes e
seu alcance. Além do mais, o seminá- mulheres no pós-parto baseadas em
rio online promovido pela SBAFS com evidências científicas é a despropor-
o lançamento do Guia foi disponibili- cional carência de estudos de boa
zado na plataforma YouTube (link dis- qualidade que tenham investigado a
ponível no final do capítulo). multitude de desfechos de saúde ma-
Além da coordenação geral do terno-infantil que podem ser influen-
projeto, os pesquisadores de Pelotas ciados pela atividade física. Tal desa-
tiveram liderança em dois capítulos fio é ainda maior em países de baixa
do Guia, exatamente em duas temá- e média renda, onde há praticamente
ticas nas quais o grupo tem ampla inexistência de investigações acerca
experiência de pesquisa: atividade dos efeitos da atividade física na saú-
física para gestantes e mulheres no de materno-infantil.
pós-parto e atividade física para pes-

359
XX. A contribuição de Pelotas para a elaboração do Guia de Atividade Física
para a População Brasileira

Nesse contexto, os estudos condu- tais para elaboração de um Guia ali-


zidos em Pelotas foram fundamentais nhado às necessidades das gestantes
durante a elaboração das recomenda- brasileiras8-12. Sobretudo os achados
ções de atividade física para gestan- das coortes de 2004 e 2015 foram uti-
tes e mulheres no pós-parto, especial- lizados para chamar a atenção sobre
mente em dois eixos: 1) ratificando a necessidade de estratégias a nível
evidências a respeito dos potenciais coletivo que apoiem a participação
efeitos da atividade física na saúde da em atividades físicas não apenas du-
mãe e da criança; 2) fornecendo da- rante a gestação, mas também nos
dos sociodemográficos e fatores as- anos após o nascimento da criança8
12,13
sociados à prática de atividade física . Por exemplo, através da mensu-
durante a após a gestação, contextua- ração dos níveis de atividade física
lizados à realidade brasileira. durante a após a gestação nas mais
Destaca-se o estudo Pamela (de- de 4000 mulheres que fazem parte da
rivado do inglês Physical Activity Coorte de 2015 foi possível observar
for Mothers Enrolled in Longitudinal que: 1) os níveis de atividade física di-
Analysis)7, um estudo clínico rando- minuem durante a gestação em pro-
mizado, aninhado à Coorte de Nas- porção semelhante em todos os gru-
cimentos de Pelotas, 2015, que foi pos sociodemográficos; 2) 12 meses
delineado para investigar o efeito de após a gestação apenas uma em 13
um programa de exercício durante a mulheres relatam algum tipo de ati-
gestação em desfechos clínicos rela- vidade física no lazer; 3) tal propor-
cionados ao parto e pós-parto. Com ção é praticamente três vezes maior
485 gestantes, o Pamela, o maior em mulheres com nível superior de
estudo desse tipo já conduzido no escolaridade do que em mulheres
Brasil, e um dos maiores do mundo, com menos com quatro anos de es-
foi instrumental durante a fase de colaridade; 4) mulheres podem levar
elaboração do Guia voltado a apre- até quatro anos após o parto para re-
sentar para a população brasileira os tornarem aos níveis de atividade físi-
principais benefícios da prática de ca semelhantes àqueles observados
atividade física durante a gestação. antes da gestação12; 5) os padrões de
As evidências sobre os níveis, ten- atividade física observados em 2015
dências temporais, determinantes, são bastante semelhantes àqueles ob-
e consequências da atividade física servados em 20048.
durante a gestação provenientes dos O grupo de trabalho liderado
estudos de coorte de nascimentos de pelo prof. Gregore Mielke, egresso
Pelotas também foram instrumen- da Universidade Federal de Pelotas,

360
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

elaborou as recomendações de ativi- pessoas com deficiências (PCD). En-


dade física para gestantes e mulheres tretanto, no contexto social encon-
no pós-parto através um dinâmico tramos barreiras e facilitadores para
processo que contou com consulta a prática de atividade física, pela falta
pesquisadores e profissionais de todo de conhecimento ou da imposição a
o Brasil3. Entre esses, cabe destacar conviver e aceitar as diferenças des-
que o time de pesquisadores e pesqui- sas pessoas.
sadoras que lideraram o estudo Pa- Aproximadamente 1,5 bilhão de
mela, assim como os/as profissionais pessoas em todo o mundo vivem com
que atuaram diretamente nas sessões deficiência física, mental, senso-
de atividade física com as gestantes, rial ou intelectual, cerca de 80% das
colaboraram com a construção do quais estão em países de baixa e mé-
Guia durante a fase de consulta com dia renda14,15. Cerca de 200 milhões
profissionais de saúde e especialistas experimentam dificuldades funcio-
em saúde materno-infantil. nais consideráveis16.
Por fim, o processo de construção A inserção de PCD no ambiente
do Guia evidenciou uma série de lacu- social é recente na história de nosso
nas na literatura acerca dos efeitos da país. Vive-se um período de transi-
atividade física durante a gestação na ção, onde, ainda, observa-se algum
saúde da criança e da mulher que po- despreparo dos profissionais, atitu-
dem ser investigados nas Coortes de des de preconceito no ambiente so-
Nascimento de Pelotas. Dentre eles, cial e o desconhecimento de algumas
destaca-se o baixo nível de evidências famílias das PCD, sobre os benefícios
sobre os efeitos da atividade física du- da prática de atividade física tornan-
rante a gestação em desfechos como do essas atitudes barreiras para uma
dor lombar durante a gestação, assim melhor aderência. Por outro lado, a
como os efeitos da atividade física du- evolução dos programas para atenção
rante o pós-parto em desfechos rela- das pessoas com deficiência tem sido
cionados à amamentação. relevante em alguns aspectos: evolu-
ção do nível de informação; aumento
Guia de atividade física para a das oportunidades sociais, educativas
população brasileira – pessoas e laborais; acesso à escola regular e a
com Deficiências melhoria das condições de saúde têm
sido facilitadores nesse processo.
A evolução do processo inclusivo O desenvolvimento do Guia de
tem permitido um avanço nas ques- Atividade Física para a População
tões voltadas ao atendimento das Brasileira4,5,17, liderado pelo prof.

361
XX. A contribuição de Pelotas para a elaboração do Guia de Atividade Física
para a População Brasileira

Fernando Carlos Vinholes Siqueira como, em uma linguagem simples,


(UFPel), se preocupou em orientar oferece às famílias a possibilidade de
os profissionais da área e as PCD, entenderem os benefícios da prática
tornando-se uma ferramenta de su- de atividade física e, assim, estimu-
porte para melhorar a prática de larem seus filhos a aderirem de for-
atividade física no contexto desses ma regular, trazendo benefícios a sua
indivíduos. Os benefícios da prática saúde e bem-estar17.
de atividade física têm sido descritos O Guia esclarece a importância
nas publicações produzidas nos últi- da atividade física regular para uma
mos anos e são importantes também população vulnerável, além de ser-
para as PCD, porque além dos efei- vir de referência para profissionais
tos benéficos nos aspectos físicos es- que estão se adaptando com o au-
timula a função cognitiva, diminui mento da presença de pessoas com
situações de estresse, proporciona deficiências nos locais onde se pra-
novas relações interpessoais, melho- ticam tais atividades, nos esportes e
ra a capacidade funcional, diminui a no ambiente escolar.
ingesta de medicamentos, desenvol- Para as PCD, fazer alguma ativida-
ve o sentido de pertencimento dessa de física é melhor do que não fazer
população e aumenta as condições nada. É necessário sair para rua e co-
de independência e autonomia para meçar a fazer pequenas quantidades
realização das atividades de vida di- de atividade física e aos poucos incre-
ária. Também para as PCD, a manu- mentar o número de vezes e a inten-
tenção de um estilo de vida ativo é sidade. Mesmo aquelas pessoas com
importante na prevenção e controle graves problemas motores, podem
das doenças cardíacas, diabetes tipo e devem fazer atividade física, seja
2 e câncer, diminuindo os sintomas para melhorar sua aptidão física ou
de depressão e ansiedade. melhorar as suas relações de amizade
Em razão de diversas barreiras nos ambientes de prática.
pessoais e ambientais, as PCD natu- O Guia, isoladamente, não resul-
ralmente são menos ativas. O Guia tará em aumento da prática de ati-
esclarece sobre a aplicação das reco- vidade física em PCD. No entanto,
mendações, desmistificando a neces- ele torna-se mais uma ferramenta
sidade de uma orientação específica para ajudar a atingir esse objetivo.
para as PCD. De forma articulada o Além do Guia, é essencial que se-
material oferece informações para jam desenvolvidas políticas públicas
os profissionais da área planejarem e de atendimento e orientação desses
organizarem as suas atividades, bem indivíduos. É necessária a criação

362
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

e acompanhamento de programas
de atividade física nas cidades e nas Links úteis
escolas, a fim de tornar essa prática
Guia de atividade física para a população
regular e cotidiana para as pessoas. É
brasileira.
preciso que um número maior de es-
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/
tudos seja desenvolvido, assim como
saude-brasil/eu-quero-me-exercitar/
a necessidade periódica de atualiza-
documentos/pdf/guia_atividade_fisica_
ção das recomendações.
populacao_brasileira.pdf
Apresentação científica realizada pela
Considerações finais Sociedade Brasileira de Atividade Física e
Saúde para apresentação do Guia
O Guia, um documento histórico,
https://youtu.be/hzQvbE7WjKM
baseado em evidências científicas
Número especial na Revista Brasileira
da mais alta qualidade (muitas pro-
de Atividade Física e Saúde com a
venientes de estudos conduzidos em
publicação dos artigos científicos
Pelotas), hoje é uma realidade devido
relacionados ao Guia
ao engajamento coletivo da área de
https://rbafs.emnuvens.com.br/RBAFS/
pesquisa em atividade física em saú-
issue/view/731
de no Brasil. O processo de consoli-
dação de uma área de pesquisa, que
mais tarde deu sustentação científica Referências
e política para a construção do Guia,
1. Hallal P, Umpierre D. Guia de atividade
teve imensa participação do grupo física para a população brasileira. Rev
de Pelotas, conforme demonstrado Bras Ativ Fís Saúde 2021;26.
neste e nos capítulos anteriores des-
2. Hallal PC. SOS Brazil: science under
te livro. Por fim, é esperado que o attack. Lancet 2021;397(10272):373-74.
Guia seja, antes de tudo, um marco Doi: 10.1016/S0140-6736(21)00141-0
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gias efetivas de promoção da ativi- 3. Mielke G, Tomicki C, Botton C, et al.
dade saúde que tenham significado Atividade física para gestantes e mulheres
para as pessoas, sejam construídas no pós-parto: Guia de atividade física para
a população brasileira. Revista Brasileira
de forma participativa e que consi-
de Atividade Física & Saúde 2021;26.
derem as desigualdades sociais na
4. Umpierre D, Coelho-Ravagnani C,
população brasileira.
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363
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during pregnancy on early childhood
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al. Guidelines for physical activity during
for mothers enrolled in longitudinal
pregnancy: comparisons from around the
analysis randomized controlled trial.
world. Am J Lifestyle Med 2014;8(2):102-
J Phys Act Health 2022;19(3):203-10.
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Domingues MR, et al. Physical activity
during pregnancy and maternal-child
and sitting time from 16 to 24 weeks
health (PAMELA): study protocol for
of pregnancy to 12, 24, and 48 months
a randomized controlled trial. Trials
postpartum: findings from the 2015
2015;16:227. Doi: 10.1186/s13063-
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from the prepregnancy to the postpartum
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364
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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deficiência: Guia de Atividade física para
a população brasileira. Rev Bras Ativ Fís
Saúde 2021;26

365
XXI
POLÍTICAS DE NÍVEL GLOBAL

Andrea Ramírez Varela; Eduardo Ribes Kohn; Marcelo Cozzensa


da Silva; Pedro C. Hallal.

A
atividade física é determina- entre elas estão: a) Estratégia Global
da por uma série de fatores sobre Dieta, Atividade física e Saú-
distais e proximais, o que faz de5; b) Plano de Ação Global para a
o indivíduo não depender apenas da Prevenção e Controle de DCNTs6; c)
sua própria vontade para a completa Plano de Ação Global para Atividade
realização1-3. Esse fator determinan- Física 2018–20307. Além dos exem-
te faz de agentes governamentais o plos globais, é importante destacar
centro de uma relação para a faci- a existência de políticas nacionais,
litação da prática de atividade físi- aquelas formuladas e implementa-
ca individual, a partir de políticas das por alguns países. Essas políti-
de ações em diversos setores, como cas podem ser apresentadas de for-
ma exclusiva para a atividade física
a saúde, o esporte, a educação e o
ou podem estar relacionadas dentro
transporte, por exemplo4.
de uma política de prevenção e con-
No sentido de promover a ativi-
trole de DCNTs8.
dade física, uma das formas são as
ações globais para a atividade física,

366
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Nesse sentido, o grupo de pesqui- Contexto histórico do GoPA!


sadores de Pelotas, município no Sul
do Brasil, possui importante contri- Apesar da relevância da inativi-
buição no cenário internacional no dade física para a saúde, responsável
que se refere às políticas de atividade por 5,3 milhões de mortes por ano
física. Em 2012, um dos mais presti- no mundo10, ainda não havia um ob-
giados periódicos científicos do pla- servatório dedicado exclusivamente
neta (The Lancet) publicou uma série ao monitoramento da atividade física
de artigos especificamente na temá- global. Constatou-se então a necessi-
tica da atividade física, sendo que o dade de sumarizar informações sobre
investigador principal do projeto e pesquisa, vigilância e políticas de ati-
autor principal do primeiro artigo da vidade física em nível global, por meio
série é de Pelotas9-14. Seguindo o su- de indicadores nacionais. Em 2012, o
cesso da primeira série, o Lancet pu- Observatório Global de Atividade Físi-
blicou mais duas séries de atividade ca - GoPA! foi lançado em resposta ao
física (2016 e 2021) e, em todas elas, apelo urgente à ação de promoção de
Pelotas esteve representada15-21. atividade física. Dessa maneira, tor-
Em 2014, o grupo de Pelotas pre- nou-se uma resposta a um problema
sidiu e liderou a organização do Con- mundial de saúde pública, desenvol-
gresso Mundial de Atividade Física e vendo um produto que reflete o im-
Saúde, realizado na cidade do Rio de pacto global dessa série de artigos em
Janeiro, e tem participado ativamente parceria com The Lancet22,23.
de todas as edições desse evento in- A justificativa para a criação de
ternacional. Foi a primeira vez que um observatório de atividade física
ele ocorreu em um país de renda mé- foi fornecer periodicamente informa-
dia ou baixa. Além disso, o atual edi- ções que permitissem aos países de-
tor-chefe do Journal of Physical Acti- terminar quais eram as suas necessi-
vity and Health, o periódico oficial da dades e as oportunidades para iniciar
Sociedade Internacional de Atividade ou aprimorar a coleta padronizada
Física e Saúde, é do grupo pelotense, de dados dos sistemas de vigilância,
cuja maior contribuição com suas o desenvolvimento de pesquisas e a
ações está voltada para as políticas formulação de políticas, desenvolvi-
globais de atividade física, por meio mento de programas e avaliação na
do Observatório Global de Atividade área de atividade física22. A justifica-
Física, que será descrito a seguir. tiva é que o simples monitoramento
dos níveis de atividade física de cada

367
XXI. Políticas de nível global

país seria insuficiente para produzir Unidos, o dr. Charlie Foster da Uni-
mudanças em âmbito nacional. versidade do Bristol no Reino Unido,
O GoPA! tornou-se rapidamente a dra. Deborah Salvo da Universidade
uma organização global com pesqui- de Washington em St. Louis nos Es-
sadores da área de atividade física, tados Unidos, a dra. Melody Ding da
epidemiologistas, formuladores de Universidade de Sydney na Austrá-
políticas de saúde pública e profissio- lia, o dr. Ulf Ekelund da Escola No-
nais da área. O Observatório produz rueguesa de Ciências do Esporte na
e analisa dados, informações globais Noruega, o dr. Adewale Oyeyemi da
confiáveis, de alta qualidade e atuais, Universidade de Maiduguri na Nigé-
sobre tópicos relacionados à ativida- ria, o dr. Shigeru Inoue da Universi-
de física e saúde. dade Médica de Tóquio no Japão, e o
O GoPA! é presidido pelos profes- dr. Jasper Schipperijn presidente da
sores dr. Pedro Hallal da Universida- Sociedade Internacional de Ativida-
de Federal de Pelotas (UFPel), no Bra- de Física e Saúde. O comitê de dire-
sil, dr. Michael Pratt da Universidade ção inclui representantes regionais
da Califórnia, San Diego (UCSD) nos para África, Ásia, Europa, América
Estados Unidos, e coordenado pela do Norte, América Latina, Austrália/
dra. Andrea Ramirez, com doutora- Nova Zelândia/Pacífico24.
do em Epidemiologia 2015-2019 pela Além disso, a equipe do GoPA!
UFPel, vinculada atualmente como está organizada em grupos de traba-
professora na Universidade de Los lho para cada um dos indicadores de
Andes na Colômbia. Além desses, o interesse em atividade física e conta
Observatório possui um comitê in- com uma participação ativa de 164
ternacional com pesquisadores im- países distribuídos em todos os gru-
portantes da área de atividade física pos de renda e em todas as regiões
e saúde, incluindo a dra. I-Min Lee do mundo. A lista dos representantes
da Universidade de Harvard nos Es- de cada país na rede do GoPA! pode
tados Unidos, o dr. Harold Kohl da ser encontrada no Segundo Almana-
Universidade de Texas nos Estados que de Atividade Física, disponível
Unidos, o dr. Adrian Bauman da Uni- no seu website.
versidade de Sydney na Austrália, o O Observatório Global de Ativida-
dr. Gregory Heath da Universidade de de Física atua como defensor global
Tennessee em Chattanooga nos Esta- da atividade física. Ele é responsá-
dos Unidos, o dr. Kenneth E. Powell, vel por estimular as agências inter-
aposentado do Centro de Controle e nacionais e os países na tomada de
Prevenção de Doenças nos Estados medidas para aumentar os níveis de

368
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

atividade física das suas populações. sentam um relatório abrangente de


O GoPA! virou um Conselho da Socie- cada país, desenvolvido com lingua-
dade Internacional de Atividade Físi- gem de gestor, com acesso livre e sem
ca (Ispah) em 2016 e tem colaborado custos. Os dados apresentados são:
com outras instituições e governos dados demográficos gerais, dados de
que trabalham com o objetivo princi- mortalidade atribuível à inatividade
pal de reduzir os níveis de inatividade física, prevalência de adultos par-
física no mundo26. ticipando de atividades físicas para
promover a saúde, produtividade em
pesquisa em atividade física, vigilân-
Desenvolvimento de produtos –
cia epidemiológica e planejamento
2012-2021
governamental na área de atividade
O GoPA! tem publicado um pano- física e saúde pública e outras estatís-
rama inédito sobre a atividade física ticas compiladas usando uma meto-
no mundo. São incluídos dados so- dologia padronizada.
bre vigilância, política e pesquisa em Em 2015, o GoPA! obteve, confir-
atividade física, da maioria dos pa- mou e publicou dados de 139 (64%)
íses do mundo. As informações são dos 217 países do mundo. Os 139
disponibilizadas em três formatos: a) Country Cards do Observatório fo-
um conjunto de Cartões, nomeados ram lançados em dezembro de 2015
como “Country Cards”, em versão di- em Londres, na Inglaterra, fornecen-
gital; b) em dois Almanaques de Ati- do um resumo da vigilância relacio-
vidade Física, com informações glo- nada à atividade física, das políticas
bais; c) em publicações científicas nacionais para a área e informações
em periódicos. sobre pesquisas publicadas até 2013.
O projeto “Country Card” come- Todos os Country Cards são dispo-
çou em 2014 e se converteu na prin- nibilizados em língua inglesa, com
cipal ferramenta de divulgação do traduções em 30 idiomas específicos
GoPA!. Eles foram projetados para au- (realizadas após o representante con-
xiliar os países na tomada de decisão firmar a sua capacidade de traduzir o
em relação à promoção da atividade cartão de seu país)22.
física, com atualizações previstas a
cada quatro anos. Os países incluídos
constituem aproximadamente 76%
dos países do mundo e 98% da popu-
lação global. Os Country Cards apre-

369
XXI. Políticas de nível global

Figura 1 – Primeira edição do Country Card do Brasil, versão traduzida para a língua portuguesa.

Fonte: Global Observatory for Physical Activity (2016).

Em novembro de 2016, o Primei- país. Há também, a primeira linha do


ro Almanaque de Atividade Física tempo com os principais estudos na
que incluiu o primeiro conjunto de área desde 195027.
Country Cards foi lançado durante o Em 2020, o GoPA! progrediu na
Congresso Internacional de Ativida- obtenção, confirmação e publicação
de Física e Saúde – Ispah de 2016, em dos dados. Foram obtidos dados de
Bangkok, na Tailândia. O lançamento 164 (75.6%), dos 217 países do mun-
proporcionou a criação da linha de do. Os dados desses países constitu-
base para a vigilância a ser conduzida íram o segundo conjunto de Country
pelo GoPA! nos anos seguintes. Nele, Cards, lançados em janeiro de 2021,
os usuários visualizavam os Country em Bogotá, na Colômbia. Foi forneci-
Cards por região do mundo, além de do um resumo da vigilância relacio-
uma descrição completa dos méto- nada à atividade física, das políticas
dos, das informações de contato da para a área e informações de pesqui-
equipe e dos representantes de cada sas publicadas até 2020. Nessa edição,

370
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

além da versão em língua inglesa, há firmava a sua capacidade de traduzir


traduções em 25 idiomas específicos seu cartão).
(quando o representante do país con-
Figura 2 – Segunda edição do Country Card do Brasil, versão traduzida para a língua portuguesa.

Fonte: Global Observatory for Physical Activity (2021).

O Segundo Almanaque de Ativida- Durante o ano de 2021, o GoPA!


de Física, que incluiu o segundo con- fez o lançamento de sete documentos
junto de Country Cards, foi lançado sobre políticas para a atividade física
em formato online, em decorrência chamados de “Policy Briefs”. O objeti-
da pandemia de covid-19, em julho de vo foi apresentar um panorama global
2021. Nele foi incluído, pela primeira e regional sobre os principais indi-
vez, um indicador de capacidade na- cadores de atividade física e as reco-
cional para promoção de atividade mendações pontuais para aumentar a
física, dados sobre comportamento promoção de atividade física nos paí-
sedentário de diversos países, mapas ses. Os Policy Briefs foram apresenta-
globais com a descrição e a análise dos em cinco webinars regionais, com
de todos os indicadores monitorados a participação de representantes dos
pelo GoPA! e um perfil regional de ati- países e as suas equipes29,30.
vidade física25.

371
XXI. Políticas de nível global

Desde a sua criação, o GoPA! tem covid-19 é importante. Nesse sentido,


utilizado ferramentas de comunica- o GoPA! estimula a implementação
ção e mídia social para apresentar de estratégias eficazes de promoção
os seus principais produtos e as suas de saúde pública e de ações globais,
atividades, cumprindo o objetivo de guiadas pelo Plano de Ação Global da
promover e disseminar ativamente o OMS-Gappa para a Atividade Física e
conhecimento sobre a atividade físi- Saúde e as recomendações interna-
ca à rede internacional e ao público cionais de promoção de atividade fí-
geral. A cada três meses, divulga in- sica. Esse tópico de atividade física e
formações atualizadas sobre o pro- covid-19 terá destaque no terceiro set
gresso dos Country Cards, as realiza- de Country Cards, previsto para ser
ções do grupo, como a participação lançado em 202431,32.
em conferências e as publicações
científicas recentes e a apresentação Construção de capacidade local
de novos representantes de países na em atividade física
rede de colaboração.
Algumas formas de divulgação O GoPA! objetiva fortalecer a capa-
são: boletins informativos para mais cidade local em pesquisa, vigilância e
de 200 assinantes, comunicados de política em atividade física. Além dos
imprensa, publicações no Twitter ofi- contatos dos países, tem envolvido
cial do GoPA e notas no site do Obser- nos seus projetos atividades cientí-
vatório: https://www.globalphysica- ficas e publicações mais de 15 estu-
lactivityobservatory.com/ dantes internacionais de mestrado e
Além do que foi conduzido pelo doutorado em Epidemiologia, Saúde
Observatório nos últimos anos, com Pública ou áreas afins (Tabela 1).
o surgimento da covid-19, em 2020, o
GoPA! tem se empenhado em monito-
rar os efeitos da pandemia para a prá-
tica de atividade física e vice-versa,
na promoção de boas práticas de saú-
de pública, mensagens de reflexão
sobre as evidências do papel da ativi-
dade física na proteção contra doen-
ças infecciosas, bem como as DCNTs.
A redução das iniquidades em saúde,
da morbidade e da mortalidade cau-
sada pelas pandemias de DCNTs e

372
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

Tabela 1 – Estudantes de mestrado e doutorado participando no GoPA!

Vigilância Pesquisa global Política glo-


Indicador estudado global em ati- em ativida- bal em ativi-
vidade física de física dade física
Gênero
Homem 2 10 5
Mulher 1 3 1
Universidades participantes
Universidade Federal de
1 7 1
Pelotas, Brasil
Universidade de Los
1 3 1
Andes, Colômbia
Universidade de
Califórnia San Diego, — 1 1
Estados Unidos
Universidade de
Washington em St. Louis, — — 1
Estados Unidos
Universidade de Victoria,
— — 1
Austrália
Universidade de Victoria,
— — 1
Austrália
Hunter New England,
1 — —
Reino Unido
Centro Universitário do
Distrito Federal, Brasília, — 1 —
Brasil
Universidade de
— 1 —
Wollongong, Australia
Participantes dentro do Período *
Até 2015 1 1 1
Até 2020 1 9 2
Atualmente 1 4 4
*Um participante esteve presente em dois períodos, contabilizando em ambos.
Fonte: Global Observatory for Physical Activity (2021). Adaptado por Fernanda F. Alves (2023)

373
XXI. Políticas de nível global

Próximos passos para o GoPA! mover a atividade física nos mesmos.


2022-2030 O GoPA! planeja, ainda, aumentar a
sua participação nos âmbitos políti-
O GoPA! tem três áreas de ação cos para ter maior incidência na to-
planejadas para o futuro: mada de decisões em atividade física
de cada país.
1. Pesquisa a coleta padronizada de Além disso, o GoPA! vai utilizar
dados sobre vigilância, política e estratégias de comunicação para:
pesquisa em atividade física (atu-
1) aumentar a divulgação e uso dos
almente desenvolvida e em anda-
Country Cards e dos Almanaques de
mento com projetos pontuais).
Atividade Física, 2) disseminar evi-
Os próximos passos do GoPA! nes- dências do papel da atividade física
sa área envolvem atividades para de- na proteção contra doenças infeccio-
senvolver novos indicadores a serem sas, bem como doenças crônicas não
incluídos no terceiro conjunto de Cou- transmissíveis (DCNTs), e 3) incenti-
ntry Cards e nos futuros, além de atu- var a implementação de estratégias
alizar os indicadores existentes e esti- eficazes de saúde pública e de ação
mar as tendências com os dados dos global, orientadas pelo Plano de Ação
três conjuntos de Country Cards33. Global da OMS sobre Atividade Física
e Saúde, para promover a atividade
2. Trabalho com os governos e to-
física como um meio de reduzir as
madores de decisões (área de
iniquidades, morbidade e mortalida-
maior foco e trabalho para os
de em saúde por covid-19 e DCNTs28.
próximos anos)
O GoPA! tem como objetivo prin- 3. Trabalho com os indivíduos – área
cipal até 2030 fortalecer a capacidade a ser desenvolvida em longo prazo
regional, aumentando a colaboração
O GoPA! também planeja ter um
entre países vizinhos geograficamen-
contato direto com a população no fu-
te. Também entrar em contato com
turo, provavelmente por meio de novas
os principais atores (formuladores
tecnologias que permitam a interação
de políticas, pesquisadores e profis-
direta entre a coordenação do projeto e
sionais) para divulgar os resumos
as pessoas dos diversos países.
das políticas de atividade física e os
Em conclusão o GoPA! vai conti-
Country Cards, estimulando ações es-
nuar monitorando o progresso da ati-
pecíficas, além de organizar reuniões
vidade física global e tem um papel
com os principais tomadores de deci-
são em cada um dos países para pro-

374
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

crítico na promoção da atividade físi- Organization. 2003. Disponível em: https://


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2003 shaping the future. World Health

375
XXI. Políticas de nível global

11. Hallal PC, Andersen LB, Bull FC, 18. Reis RS, Salvo D, Ogilvie D, Lambert
Guthold R, Haskell W, Ekelund U. Global EV, Goenka S, Brownson RC. Scaling
physical activity levels: surveillance up physical activity interventions
progress, pitfalls, and prospects. Lancet. worldwide: stepping up to larger and
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moving. Lancet. 2016;388(10051):1337-48.
12. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells
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13. Heath GW, Parra DC, Sarmiento OL,
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Evidence-based intervention in physical 20. Ginis KAM, van der Ploeg HP,
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Lancet. 2012;380(9838):272-81. al. Participation of people living with
disabilities in physical activity: a global
14. Pratt M, Sarmiento OL, Montes
perspective. 2021;398(10298):443-455.
F, Ogilvie D, Marcus BH, Perez LG, et
al. The implications of megatrends 21. Bauman AE, Kamada M, Reis RS,
in information and communication Troiano RP, Ding D, Milton K, et al. An
technology and transportation for evidence-based assessment of the impact
changes in global physical activity. of the Olympic Games on population
Lancet. 2012;380(9838):282-93. levels of physical activity. Lancet.
2021;398(10298):456-464.
15. Ekelund U, Steene-Johannessen J,
Brown WJ, Fagerland MW, Owen N, Powell 22. Ramirez Varela A, Pratt M, Powell
KE, et al. Does physical activity attenuate, K, Lee IM, Bauman AE, Heath GW, et
or even eliminate, the detrimental al. Worldwide Surveillance, Policy and
association of sitting time with mortality? research on physical activity and health:
A harmonised meta-analysis of data from The Global Observatory for Physical
more than 1 million men and women. Activity. J Phys Act Health. 2017;14:1-28.
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23. Ramirez Varela A, Salvo D, Pratt M,
16. Ding D, Lawson KD, Kolbe-Alexander Milton K, Siefken K, Bauman AE, et al.
TL, Finkelstein EA, Katzmarzyk PT, van Worldwide use of the first set of physical
Mechelen W, et al. The economic burden activity Country Cards: The Global
of physical inactivity: a global analysis Observatory for Physical Activity - GoPA!
of major non-communicable diseases. International Journal of Behavioral
Lancet. 2016;388(10051):1311-24. Nutrition and Physical Activity.
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17. Sallis JF, Bull F, Guthold R, Heath GW,
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activity over the Olympic quadrennium. Observatory for Physical Activity.
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376
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

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about-the-team/. Acesso em: 22 maio 2023. 2021;26:1-3.
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(GoPA!): 2nd Physical Activity Almanac. physical activity Country Cards: The
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em: 15 junho 2022.
27. Ramirez Varela A, Pratt M, Harris
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Mapping the historical development of
physical activity and health research:
a structured literature review and
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28. Ramírez Varela A, Pratt M. The GoPA!
Second set of country cards informing
decision making for a silent pandemic. J
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29. GoPA!. Policy Brief. Global
Observatory for Physical Activity.
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policy-brief/. Acesso em: 22 maio2023.
30. Pratt M, Ramirez Varela A, Kohl
HWB, Pogrmilovic BK, Pedišić Ž, Sallis
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physical activity? J Phys Act Health.
2021;18(10):1157-1158.
31. Ramirez Varela A, Sallis R, Rowlands
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COVID-19: when pandemics collide. J
Phys Act Health. 2021;18(10):1159–60.
32. Ramirez Varela A, Pratt M, Kohn
ER, Hallal PC. O Observatório Global de
Atividade Física: um panorama sobre

377
S

L
CONSIDERAÇÕES FINAIS
N
XXII
CAMINHOS PERCORRIDOS, APRENDIZADOS
E PERSPECTIVAS PARA A PESQUISA EM
ATIVIDADE FÍSICA EM PELOTAS, RS

Pedro Curi Hallal; Alan Goularte Knuth; Gregore Iven Mielke;


Inácio Crochemore-Silva

O
conteúdo apresentado neste produzidos pelo grupo de Pelotas fi-
livro mostra o protagonismo guram no ranking dos mais citados
de Pelotas na produção de na história da área de atividade física
conhecimento em epidemiologia da no Brasil e atingiram reconhecimen-
atividade física. O grupo de Pelotas to mundial.
gerou, em duas décadas, um amplo Mas nem só de produção cientí-
e qualificado acervo de publicações fica foram marcadas essas duas dé-
científicas nas cinco principais cate- cadas de trabalho. Nesse período, o
gorias da pesquisa em atividade físi- grupo sediou o congresso nacional e
ca: (a) níveis de atividade física e ten- o mundial da área, atuou na editoria
dências temporais; (b) determinantes da revista nacional e mundial da área,
da prática de atividade física; (c) con- além de envolvimento nas diretorias
sequências da prática de atividade da sociedade nacional e mundial da
física; (d) intervenções para promo- área de atividade física e saúde. Con-
ção da atividade física; (e) políticas cebeu e liderou a principal publica-
ção da história da área de atividade
na área de atividade física. Os artigos

379
XXII. Caminhos percorridos, aprendizados e perspectivas
para a pesquisa em atividade física em Pelotas, RS

física, as séries de atividade física do a área em defesa da educação e saúde


Lancet, e o Observatório Global de como um direito social.
Atividade Física, um projeto que hoje Mesmo com todo esse destaque e
inclui representantes em quase 170 interlocução, o grupo ainda enfrenta
países. Ainda, o grupo germinado e dificuldades na articulação estadual e
com raízes sólidas em Pelotas expan- local, para garantir que intervenções
diu seus ramos e hoje atua em posi- sustentáveis estimulem a prática de
ções de liderança em diversas univer- atividade física da população gaú-
sidades nacionais e internacionais. cha e pelotense. Apesar de ter pro-
No âmbito nacional, o grupo de tagonizado algumas das principais
Pelotas esteve diretamente envolvi- pesquisas de avaliação de programas
do com as políticas de promoção da de promoção de atividade física no
atividade física, seja na avaliação de Brasil, além da liderança de interven-
programas comunitários que induzi- ções em escolas e unidades básicas de
ram a elaboração do programa Acade- saúde localmente, ainda há um longo
mia da Saúde, seja no monitoramento caminho a trilhar para que o conhe-
da atividade física no Brasil (a partir cimento gerado pelo grupo de Pelotas
de inquéritos como o Vigitel, PeN- efetivamente seja transformado em
SE e PNS), seja na liderança do Guia políticas públicas articuladas ao Sis-
de Atividade Física para a População tema Único de Saúde na cidade. Por
Brasileira ou na escrita da obra téc- exemplo, Pelotas nunca foi contem-
nica Promoção da Saúde e Promoção plada com financiamento do Ministé-
das Práticas Corporais e Atividades rio da Saúde para implementação de
Físicas promovida pela Organização projetos específicos para promoção
Pan-Americana da Saúde, em celebra- de atividade física. Além do mais, o
ção aos 15 anos da Política Nacional município não possui polos do Pro-
de Promoção da Saúde. grama Academia da Saúde e nem
O protagonismo do grupo de Pe- profissionais da Educação Física em
lotas também se deve ao diálogo com grupos de Nasf. Um destaque recente
diversas entidades, grupos de pes- é o protagonismo do grupo no projeto
quisa, lideranças, órgãos de financia- Ruas de Lazer, que busca transformar
mento, especialmente de universida- temporariamente um espaço público
des públicas, do Ministério da Saúde aos domingos para realização de ati-
e de articulações internacionais. É vidades culturais, práticas esportivas
importante registrar a interlocução e de atividade física, estabelecendo
com tantos vetores que movimentam em longo prazo uma cultura local de

380
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

apropriação progressiva desses espa- atividade física, especialmente sobre


ços urbanos e aumento da demanda a complementaridade de medidas
por qualificação dos mesmos. A par- subjetivas e objetivas, de forma que
tir das experiências passadas e vigen- capturem não apenas a quantidade de
tes, é fundamental a aposta em modi- movimento praticado pelas pessoas,
ficações ambientais e inserção junto mas também seu contexto e intencio-
aos tomadores de decisão para pautar nalidade. Se por um lado as medidas
a promoção de atividade física em ní- objetivas têm grande potencial para
vel populacional. compreensão sobre as consequências
As próximas décadas serão mais da prática de atividade física, as me-
desafiadoras do que as vividas até didas subjetivas específicas por do-
então. A pandemia de covid-19 agra- mínios da atividade física fazem com
vou as desigualdades sociais, além de que determinantes da atividade física
retardar a agenda de enfrentamento possam ser mais bem compreendidos
das doenças e agravos não transmis- e, principalmente, que desigualdades
síveis no Brasil. No âmbito da pesqui- sociais na prática de atividade física
sa, o foco em estudos longitudinais possam ser superadas. Nesse senti-
deve ser mantido, tendo em vista a do, além de descrições pontuais das
oportunidade única vivenciada em desigualdades, o monitoramento ao
Pelotas com a existências das coortes longo do tempo também é necessá-
de nascimentos. Os efeitos da prática rio em estudos transversais de base
de atividade física a curto e longo pra- populacional e nos estudos prospec-
zo, em diferentes fases do ciclo vital, tivos das coortes de nascimento onde
ainda precisam de novas e aprofun- as trajetórias de atividade física em
dadas investigações. Com o uso das subgrupos populacionais podem ser
medidas de atividade física com alta avaliadas em diferentes períodos de
resolução (acelerômetros), uma me- transição da vida.
lhor compreensão dos efeitos à saúde Indicamos que os desafios serão
dos diferentes padrões de frequência, maiores, pois a pesquisa em atividade
duração, intensidade e volume da ati- física não está deslocada do contex-
vidade física também é necessária, to em que se insere: o espaço social
assim como os efeitos conjuntos de brasileiro. E, nesse âmbito vivemos
atividade física e comportamento se- um período de constrangimento de
dentário em desfechos de saúde. recursos para os investimentos so-
Certamente o grupo de Pelotas ciais, a partir de políticas de austeri-
será essencial também para aprofun- dade fiscal. Isso reflete nas condições
dar a interpretação das medidas de de vida da população brasileira, no

381
XXII. Caminhos percorridos, aprendizados e perspectivas
para a pesquisa em atividade física em Pelotas, RS

enfraquecimento das universidades do país nessas áreas estratégicas. Ao


públicas e do sistema de saúde. Não mesmo tempo em que o grupo de Pe-
coincidentemente, campanhas de de- lotas precisa avançar a agenda da pes-
sinformação e ataques aos serviços quisa local, nacional e mundial em
públicos e a pesquisadores e profes- atividade física e saúde, é dever nosso
sores se ampliam, comprometendo lutar contra o negacionismo na ciên-
a autonomia, a dignidade e a susten- cia e as políticas de redução do papel
tabilidade destes serviços e agentes. do estado no financiamento da ciên-
O Brasil também observa um ciclo cia, tecnologia e educação no Brasil.
constante de crises políticas e recuo
inaceitável de indicadores sociais. A
gestão trágica e incompetente duran-
te a pandemia de covid-19 convive
agora com ataques deliberados à de-
mocracia, vilipendiando direitos hu-
manos da população brasileira e com-
prometendo a soberania da nação. A
quem interessaria pesquisar na área
de atividade física sem denunciar isso
que está posto?
Por fim, é necessário lembrar que
todo o protagonismo do grupo de Pe-
lotas nessas duas décadas esteve re-
lacionado com investimento público
em pesquisa, tecnologia e educação
por parte do Estado brasileiro. Um
total de 106 mestres(as) e 40 douto-
res(as) foram formados(as) ao lon-
go desses 20 anos nesse contexto de
pós-graduação e pesquisa, financia-
mentos de fomento à pesquisa indi-
vidual e coletiva fizeram parte dessa
história. Assim, é necessário destacar
que não há viabilidade em manter a
excelência do grupo num cenário de
cortes sucessivos dos investimentos

382
SOBRE OS ORGANIZADORES
Formado em Educação Física, com mestrado e doutorado em Epi-

PEDRO CURI HALLAL


demiologia pela Universidade Federal de Pelotas, realizou estágio pós-
-doutoral no Instituto de Saúde da Criança da Universidade de Londres.
Foi Reitor da UFPel entre 2017 e 2020 e atualmente é professor titular
nos cursos de graduação em Educação Física e nos programas de pós-
-graduação em Educação Física e Epidemiologia. Coordena o estudo
Epicovid-19 e é um dos coordenadores da Coorte de 2015 de Pelotas e
do Observatório Global de Atividade Física. É sócio-fundador e ex-pre-
sidente da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde. Foi mem-
bro afiliado da Academia Brasileira de Ciências entre 2008 e 2013. É
bolsista de produtividade 1A do CNPq e atualmente é editor-chefe do
Journal of Physical Activity and Health.

LATTES: http://lattes.cnpq.br/3211152266266081
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1470-6461

Doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas

ALAN GOULARTE KNUTH


(UFPel). Professor formado pela Escola Superior de Educação Física
(Esef) da UFPel. Docente do curso de Educação Física, do Programa de
Pós-Graduação em Saúde Pública e da Residência Multiprofissional em
Saúde da Família da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Do-
cente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Univer-
sidade Federal de Pelotas (UFPel). Atuou como consultor técnico para
o Ministério da Saúde na área de Promoção da Saúde. Integra o Grupo
de Estudos em Saúde Coletiva dos Ecossistemas Costeiros e Marítimos
(Gescem/Furg). Membro do Grupo de Trabalho Temático (GTT) do Co-
légio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE).

LATTES: http://lattes.cnpq.br/5583931088198491
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2030-5747
Sobre os organizadores

Bacharel em Educação Física, com mestrado e doutorado em Epi-

GREGORE IVEN MIELKE


demiologia pela Universidade Federal de Pelotas. Desde 2018 é docente
na Universidade de Queensland, Austrália, onde trabalha com estudos
longitudinais com foco em atividade física, comportamento sedentá-
rio, desigualdades e doenças crônicas não transmissíveis. Atuou junto
ao Ministério da Saúde do Brasil, no qual foi consultor interno (2014-
2015) e externo (2015-2019). Recentemente, integrou a equipe que de-
senvolveu, pela primeira vez, recomendações de atividade física para a
população brasileira.

LATTES: http://lattes.cnpq.br/6429798795330732
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3043-2715

INÁCIO CROCHEMORE-SILVA
Professor formado pela Escola Superior de Educação Física (Esef)
da UFPel, concluiu mestrado e doutorado no PPG em Epidemiologia da
UFPel e realizou estágio de doutorado na Universidade de Cambridge
(Inglaterra). Foi membro da diretoria- executiva da Sociedade Brasilei-
ra de Atividade Física e Saúde durante de 2016 a 2019 e atuou como pes-
quisador do Centro Internacional de Equidade em Saúde (2015-2020).
Atualmente é professor da Esef/UFPel e dos PPG em Epidemiologia e
em Educação Física, coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Ace-
lerometria e é bolsista de Produtividade em Pesquisa.

LATTES: http://lattes.cnpq.br/1794421089092202
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5390-8360

384
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
AIRTON JOSÉ ROMBALDI Graduado em Educação Física pela Univer-
sidade Federal de Pelotas – UFPel (1981), mestrado (1987) e doutorado (1996)
pela Universidade Federal de Santa Maria e pós-doutorado em Epidemiologia
pela UFPel (2008). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em
Educação Física/UFPel, atuando nas linhas de pesquisa de Epidemiologia da
atividade física e Exercício físico para a promoção da saúde. Tem experiência
nas áreas de Fisiologia do Exercício e Epidemiologia da Atividade Física. É
professor titular da Universidade Federal de Pelotas
LATTES: http://lattes.cnpq.br/4104392146993449
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6707-814X

ALANNA GOMES DA SILVA Doutora e mestre em Enfermagem pela


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); graduada em Enfermagem
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; técnica em Gestão de
Serviços de Saúde pelo Cefet-MG. Professora substituta do Departamento de
Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da
UFMG. Membro do grupo de pesquisa Observatório de doenças e agravos não
transmissíveis. Atua em pesquisas com foco nas DCNT, Epidemiologia, Vigi-
lância de DCNT e Avaliação de Políticas Públicas. Tem experiência na área de
Enfermagem em Saúde Coletiva e Atenção Primária à Saúde.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/8503437006348504
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2587-5658

ALEX ANTONIO FLORINDO Professor associado, Escola de Artes, Ci-


ências e Humanidades da Universidade de São Paulo; professor de Epidemio-
logia da Atividade Física; bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq, Nível
1D; líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Físi-
ca e Saúde da USP.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/7027071749572031
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4429-0826
Sobre as autoras e os autores

ALEXANDRE CARRICONDE MARQUES (In memoriam) Gradua-


do em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física da Univer-
sidade Federal de Pelotas (1983), com mestrado em Educação Física pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2000) e doutorado em Ciências do
Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2008).
Foi professor associado da Universidade Federal de Pelotas. Atuou na área
de Educação Física, com ênfase em Atividade Física e Saúde relacionada
para pessoas com deficiência.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/0583626591829141
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1866-4169

ANDREA RAMÍREZ VARELA Obteve seus diplomas de MD e MPH da


Universidad de los Andes, Bogotá, Colômbia, em 2010 e 2014. Desde 2014, é
coordenadora do Observatório Global de Atividade Física – GoPA! e desde 2020
membro do conselho executivo. Em 2018 obteve seu Ph.D. em Epidemiologia
pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal
de Pelotas, no Brasil. Durante 2017, foi pesquisadora do Departamento de Me-
dicina de Família e Saúde Pública da Universidade da Califórnia em San Diego,
UCSD. Atualmente, Andrea é professora assistente da Faculdade de Medicina
da Universidad de los Andes, na Colômbia. É secretária da recém-formada So-
ciedade Latino-Americana de Atividade Física e Pesquisa em Saúde-SLIAFS e
membro do conselho da Sociedade Internacional de Atividade Física e Saúde –
ISPAH. Seus projetos de pesquisa são sobre atividade física global, doenças não
transmissíveis e epidemiologia da atividade física; capacidade global de saúde
pública para prevenção de doenças crônicas e promoção de atividade física,
especialmente na América Latina.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2685-961

386
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

ANDREA WENDT Graduada em Educação Física com mestrado e douto-


rado em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas. Seu doutorado foi
focado na associação de atividade física e sono, incluindo métodos objetivos de
mensuração de ambos. Os principais interesses de pesquisa incluem a acelero-
metria e mensuração de desigualdades em saúde. Andrea tem experiência com
dados provenientes de inquéritos populacionais brasileiros para monitoramen-
to de desfechos em saúde e suas desigualdades ao longo do tempo. Atuou como
pós-doutoranda no Centro Internacional de Equidade em Saúde e atualmente é
professora adjunta no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia em Saúde da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/0816084514360242
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4640-2254

BRUNA GONÇALVES CORDEIRO DA SILVA Graduada em Educa-


ção Física (2009) e mestre em Ciências do Movimento Humano (2012) pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora em Epidemiologia
(2017) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com período de doutorado
sanduíche na Rollins School of Public Health - Emory University, e pós-dou-
torado em Epidemiologia na UFPel. É professora da Faculdade de Medicina
e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da
UFPel. Suas principais áreas de pesquisa são atividade física e saúde e epide-
miologia do ciclo vital.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/6334217884382382
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2917-7320

BRUNO PEREIRA NUNES Possui graduação em Enfermagem, mes-


trado e doutorado em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel). Professor do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva e do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPel. Professor colaborador
do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel. Tem experiência
na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia, atuando principal-
mente nos seguintes temas: acesso e utilização dos serviços de saúde, atenção
primária, multimorbidade e modelo de atenção às doenças crônicas. Fundador
e pesquisador do Grupo Brasileiro de Estudos sobre Multimorbidade (GBEM).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/9657804781475201
ORCID: https://orcid.org /0000-0002-4496-4122

387
Sobre as autoras e os autores

CAUANE BLUMENBERG Bacharel (UCPel) e mestre (UFRGS) em Ciên-


cia da Computação e doutor em Epidemiologia (UFPel). É sócio-fundador da cau-
sale consultoria e pesquisador no Centro Internacional de Equidade em Saúde
(UFPel). Tem atuação interdisciplinar na área acadêmica, com foco em Ciência
de Dados, Metodologia de Pesquisa, Epidemiologia, Estatística, Desigualdades
em Saúde e Saúde Materno-Infantil. Atuou como Cientista de Dados junto às
quatro coortes de nascimentos de Pelotas (1982, 1993, 2004 e 2015) e é membro
do Grupo de Estudos e Pesquisa em Acelerometria (Gepea) desde 2017.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/6335726365968711
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4580-3849

DEBORA TORNQUIST Graduada em Educação Física, licenciatura e


bacharelado, pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Especialista em
Tecnologias Educacionais para Prática Docente no Ensino da Saúde na Escola
pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/ Fundação Oswaldo Cruz
(ENSP/ Fiocruz). Mestra em Promoção da Saúde pela Universidade de Santa
Cruz do Sul (Unisc). Atualmente é bolsista Capes de doutorado do Programa de
Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/7961448985674709
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7363-1669

DEBORAH CARVALHO MALTA Graduada em Medicina pela Uni-


versidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestra em Saúde Pública pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em Saúde Coletiva pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora associada III e pes-
quisadora da Escola de Enfermagem da UFMG e bolsista de produtividade do
CNPQ. Trabalhou no Ministério da Saúde entre os anos de 2004 a 2015; dentre
os cargos exercidos foi diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e
Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde. Nes-
ses anos coordenou inquéritos nacionais, como: a Pesquisa Nacional de Saúde
do Escolar, Vigilância de Fatores de Risco por Inquéritos Telefônicos (Vigitel),
Pesquisa Nacional de Saúde, Vigilância de Acidentes e Violências (Viva); além
disso integrou a Rede Guia de Atividade Física e coordenou, pelo Ministério da
Saúde, a implantação nacional do Programa Academia da Saúde, bem como di-

388
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

versas avaliações do Programa. Coordenou também o “Plano de Ações Estraté-


gicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)
no Brasil, 2011-2022”. Compõe o comitê científico do Global Burden of Disease
(GBD) em Seattle (EUA) e coordena o Grupo de Pesquisa do GBD Brasil.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/3261263738543724
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8214-5734

EDUARDO RIBES KOHN Graduado em Educação Física (bacharelado)


pela Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas
(2017). É mestre (2020) e doutorando em Educação Física pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, desen-
volvendo estudos na linha de epidemiologia da atividade física.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/6070988645093209
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9072-4536

FELIPE FOSSATI REICHERT Graduado pela Escola Superior de Edu-


cação Física (curso de Licenciatura Plena) da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel) em 2000. Especialista em Treinamento Desportivo pela Escola Supe-
rior de Educação Física – UFPel em 2004. Mestre (2004) e doutor (2008) em
Epidemiologia pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel.
Atualmente é professor associado da Escola Superior de Educação Física da
Universidade Federal de Pelotas e docente permanente do Programa de Pós-
-Graduação em Educação Física Esef/UFPel.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/2197007220505581
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0951-9875

FERNANDO CARLOS VINHOLES SIQUEIRA Graduado em Edu-


cação Física-UFPel (1986), Fisioterapia-Ulbra (1996). Mestre em Epidemiologia
pela UFPel (2004), doutor em Educação Física pela UFSC (2009); School of Public
Health-University of Texas at Austin-USA (2009). Professor associado da UFPel,
Esef, coordenador do Curso de Fisioterapia, professor na graduação em Educa-
ção Física, Fisioterapia e dos Programas de Pós-Graduação (mestrado e doutora-
do) em Educação Física e em Saúde da Família (Famed, Abrasco-Fiocruz).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/4249241054529535
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2899-3062

389
Sobre as autoras e os autores

GABRIEL GUSTAVO BERGMANN Gabriel Gustavo Bergman é gradua-


do em Educação Física (2003), mestre (2006) e doutor (2009) em Ciências do Mo-
vimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É professor
associado da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), vinculado à Escola Supe-
rior de Educação Física (Esef) onde atua nos cursos de Graduação (Licenciatura
e Bacharelado) e Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação Física.
Desenvolve atividades acadêmicas prioritariamente nas áreas de atividade físi-
ca, aptidão física, estilo de vida e marcadores de saúde de crianças e adolescen-
tes. Atualmente ocupa o cargo de diretor da Esef/UFPel.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/7751701952514459
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6275-0232

GABRIELE RADÜNZ KRÜGER Doutora em Educação Física (2019);


mestra em Educação Física (2015); licenciada em Educação Física (2013) pela
Esef/UFPel e bacharelado em Educação Física pelo Claretiano Centro Univer-
sitário (2019). Possui experiência na área de Inclusão Escolar e Atividade Fí-
sica Adaptada. Trabalhou como professora substituta do IFRS campus Sertão
(2021). Atualmente é professora de treinamento funcional para crianças com
transtorno do espectro autista e de Low pressure fitness e é membro do Núcleo
de Estudos em Atividade Física Adaptada da Esef/ UFPel.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/2675636521184992
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7092-4968

GIOVANI FIRPO DEL DUCA É graduado em Licenciatura Plena em


Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Cursou mestra-
do em Epidemiologia pela UFPel e doutorado em Educação Física pela Uni-
versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, é professor adjunto
da UFSC, atuando nos cursos de graduação (Bacharelado e Licenciatura) em
Educação Física e no mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação
em Educação Física. Coordenou os cursos de Graduação em Educação Física
da UFSC e é fundador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Exercício Físico e
Doenças Crônicas Não Transmissíveis.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/1637297004046478
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0893-2032

390
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

LAURA GARCIA JUNG Doutora em Educação Física (2018) na linha


de Formação Profissional e Prática Pedagógica; mestra em Educação Física
na linha de Atividade Física, Saúde e Desempenho (2013) e Licenciada em
Educação Física (2010) pela Esef/UFPel. Autora do livro Punhobol na Educa-
ção Física (2018). Possui experiência na área de EF Escolar, Inclusão Escolar,
Esporte Educacional, Atividade Física Adaptada. Foi professora substituta da
Esef/UFPel (2020). Atualmente é professora da rede estadual do RS, da rede
municipal de Pelotas e membro do Núcleo de Estudos em Atividade Física
Adaptada da Esef/ UFPel.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/9536320648665021
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2505-1368

LEANDRO QUADRO CORRÊA Possui mestrado e doutorado pelo Pro-


grama de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Pe-
lotas. Na mesma instituição concluiu a especialização em Atividade Física e
Saúde e graduou-se em Educação Física, sendo também graduado em Pedago-
gia pela Universidade Católica de Pelotas. Professor adjunto da Universidade
Federal do Rio Grande (Furg) com atividades no curso de Educação Física e na
Residência Integrada Multiprofissional Hospitalar com Ênfase na Atenção à
Saúde Cardiometabólica do Adulto (RIMHAS).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/1392838958286642
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1231-3800

LUCIANA TORNQUIST Graduada em Educação Física (licenciatura e


bacharelado) e mestra em Promoção da Saúde pela Universidade de Santa Cruz
do Sul (Unisc). Especialista em Tecnologias Educacionais para Prática Docen-
te no Ensino da Saúde na Escola pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca/ Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/ Fiocruz). Atualmente é aluna de douto-
rado, com bolsa concedida pela Capes, na linha de pesquisa de Epidemiologia
da Atividade Física do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Uni-
versidade Federal de Pelotas (UFPel).).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/2658300497800158
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2532-3597
2

391
Sobre as autoras e os autores

LUIZA ISNARDI CARDOSO RICARDO Graduada em Educação Físi-


ca (2013) e mestre em Educação Física na linha de Atividade Física e saúde pela
Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (2014).
Doutorado em Epidemiologia pelo Programa de Pós- Graduação em Epidemio-
logia da mesma instituição (2019). Atualmente é pós-doutoranda no MRC Epide-
miology Unit (Universidade de Cambridge - Reino Unido).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/8754505793759536
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1244-4501

MARCELO COZZENSA DA SILVA Doutor em Epidemiologia. Profes-


sor associado da Escola Superior de Educação Física e do curso de Fisioterapia
da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Docente permanente do Programa
de Pós-Graduação em Educação Física da UFPel. Membro fundador da Socie-
dade Brasileira de Atividade Física & Saúde.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/6877841308694432
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2336-7131

MARIO RENATO DE AZEVEDO JÚNIOR Formado em Educação Física


pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestrado e doutorado em Epidemiolo-
gia também pela UFPel. Atualmente é professor associado da Escola Superior de Edu-
cação Física da UFPel. É membro do Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade
Física (Geeaf) e do Grupo de Estudos em Esportes Coletivos (Geecol). Tem experiência
nas áreas de iniciação esportiva, Educação Física escolar e atividade física e saúde
LATTES: http://lattes.cnpq.br/1365027675870449
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9731-6447

MARLOS RODRIGUES DOMINGUES Graduado em Educação Física,


mestre e doutor em Epidemiologia (UFPel). Atua nas áreas de Atividade Física e Saú-
de, Estudos de coorte, Epidemiologia, Saúde Materno-infantil e Atividade Física na
Gestação. Professor associado da UFPel, nos cursos de Educação Física e Fisiotera-
pia e na Residência Multiprofissional em Atenção à Saúde da Criança. Atuou em
projetos do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, como a Coorte de nasci-
mentos de 2004, o estudo internacional multicêntrico Intergrowth 21st e a Coorte de
Nascimentos de 2015, da qual é um dos coordenadores desde 2013.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/2479535014033756
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2503-2944

392
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

NATAN FETER Graduado em Educação Física pela Universidade Fede-


ral de Pelotas (UFPel) e Georgia State University. Mestrado em Educação Física
pela UFPel. Doutorado em Educação Física pela UFPel e The University of Que-
ensland. É coordenador do Grupo de Estudos em Neurociência, Atividade Físi-
ca e Exercício (Genafe) da Esef/UFPel e do Estudo Longitudinal sobre a Saúde
Mental e Física de Adultos no Rio Grande do Sul - Coorte PAMPA.
LATTES: lattes.cnpq.br/5812496529505386
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6295-9792

OTÁVIO AMARAL DE ANDRADE LEÃO Graduado em Educação Fí-


sica em 2015 (Bacharelado) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mestre
em Saúde Pública (2017) pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Dou-
tor em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) (2022). Atu-
almente é pós-doutorando no programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da
Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/9883014979853602
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5253-7665

RAFAELA COSTA MARTINS Bacharel em Educação Física (UFPel),


mestre e doutora em Epidemiologia (UFPel). Pesquisadora no grupo DOVE
(Human Development and Violence Research Centre). É membro do Gepea
(Grupo de Estudos e Pesquisa em Acelerometria), GoPA! (Global Physical Ac-
tivity Observatory) e GPIS (Grupo de Pesquisa em Inovação e Saúde). Atua
nas áreas de atividade física e saúde, epidemiologia, violência e estresse me-
dido por cortisol capilar.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/9081352706955381
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3538-7228
2

393
Sobre as autoras e os autores

RENATA MORAES BIELEMANN Graduada em Educação Física e Nu-


trição, mestre e doutora em Epidemiologia (UFPel), pós-doutorado em Epidemio-
logia na UFPel e no Institute for Public Health da University of California San Die-
go. Docente do curso de graduação em Nutrição e do Programa de Pós-Graduação
em Nutrição e Alimentos da UFPel. Coordenadora do Estudo Longitudinal de Saú-
de do Idoso de Pelotas – “COMO VAI?”. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do
CNPq. Coordenadora de Relações Internacionais da UFPel gestão 2021-2025.
LATTES: https://lattes.cnpq.br/7157159051361731
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0202-3735

SAMUEL DE CARVALHO DUMITH Graduado em Educação Física,


com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Epidemiologia pela Universida-
de Federal de Pelotas (UFPel). Professor associado da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e do Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciências da Saúde (PPGCS-Furg).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/4822268815531191
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5994-735X

SHANA GINAR DA SILVA Doutora em Epidemiologia pela Universidade


Federal de Pelotas (UFPel). Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Professora formada pela Escola Superior de Educação Física da
UFPel. Professora adjunta na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) com atua-
ção no mestrado em Ciências Biomédicas, na Residência Multiprofissional em Saúde
e no Curso de Medicina. Pesquisadora colaboradora no Grupo de Estudos e Pesquisa
em Acelerometria (Gepea/UFPel) e integrante do Grupo de Trabalho em Mensuração
da Atividade Física e Comportamento Sedentário (Sbafs).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/9166944334767162
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1504-6936

394
Duas décadas de pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física em Pelotas-RS

TALES EMILIO COSTA AMORIM Graduado em Licenciatura Plena em


Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialista em Edu-
cação pela Faculdade de Educação da UFPel. Mestre em Educação Física e doutor
em Epidemiologia pela UFPel. É docente efetivo do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul), atuando no Ensino Médio Integrado
e Especialização. É coordenador do Grupo de Estudos em Educação Física Escolar.
Atualmente é diretor-geral do câmpus Camaquã.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/2585188070716592
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5602-6328

THAMIRES LORENZET CUNHA SEUS Fisioterapeuta com pós-dou-


torado em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas, especialista
em Fisioterapia Respiratória e em Fisioterapia em Terapia Intensiva Adulto.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/0752261818665126
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6714-1586

THIAGO TERRA BORGES Formado em Educação Física e é mestre em


Ciências, tendo como linha de estudo Atividade Física, Nutrição e Saúde pela
Universidade Federal de Pelotas e doutorado em Saúde e Comportamento pela
Universidade Católica de Pelotas. Atualmente é professor efetivo do Instituto Fe-
deral Sul-rio-grandense (IFSul), Câmpus Pelotas, onde atua como professor de
Educação Física, e do Curso de Pós-Graduação em Esporte Escolar. É coordena-
dor da Pesquisa Respire a qual tem como objetivo estudar os efeitos da Pande-
mia de covid-19 na vida dos estudantes do IFSul.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/1445161210697858
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4587-468X

VIRGÍLIO VIANA RAMIRES Graduado e mestre em Educação Fí-


sica, doutor em Epidemiologia, todos pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel). Docente no ensino básico e coordenador na pós-graduação em Es-
porte Escolar no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Sul (IFSul). Pesquisador colaborador no Grupo de Estudos e Pes-
quisa em Acelerometria (Gepea/UFPel) e no Grupo de Pesquisa em Atividade
Física e Saúde Pública (Gpasp/Furg).
LATTES: http://lattes.cnpq.br/1245727443708239
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4499-5471

395
Sobre as autoras e os autores

VIVIAN HERNANDEZ BOTELHO Licenciada em Educação Física


pela Universidade Federal de Pelotas (2022), no momento atuando como bolsista
de Desenvolvimento Tecnológico Industrial do CNPq no projeto “Pesquisa epide-
miológica baseada na internet: avaliação do perfil de saúde e de estratégias de
pesquisa em um estudo longitudinal através da plataforma coortesnaweb”.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/4882911900678777
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9523-2565

WERNER DE ANDRADE MÜLLER Licenciado em Educação Física,


possui mestrado e doutorado em Educação Física pela Universidade Federal
de Pelotas (UFPel). Realizou estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Gradu-
ação em Epidemiologia da UFPel. É membro do Grupo de Estudo e Pesquisa
em Acelerometria e do Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Fí-
sica da UFPel.
LATTES: http://lattes.cnpq.br/5539624265495801
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9326-4854

396
Duas décadas
de pesquisa em
Epidemiologia
da Atividade
Física em
Pelotas - RS

Este livro foi composto nas tipografias Source Serif Pro e Playfair Display
As evidências científicas acumuladas sobre a atividade física e seus

Duas décadas de pesquisa


benefícios à saúde consolidaram um robusto campo de conhecimento
no cenário científico nacional e internacional. É no início do novo
milênio que ocorre o aumento expressivo de pesquisas e, a partir de

em Epidemiologia da
então, uma nova era das investigações em epidemiologia da atividade
física no Brasil.

Atividade Física em
O protagonismo brasileiro teve seus passos marcados também ao ritmo
do desenvolvimento do grupo de Pelotas, com ênfase na epidemiologia

Pelotas-RS
da atividade física e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) como
instituição pública de referência.
A presente obra conta a história da epidemiologia da atividade física em
Pelotas nesses 20 anos de pesquisas por meio de alguns autores e autoras
que ajudaram na construção desse legado. A estrutura está disposta em
seis eixos temáticos: trajetória de produção e formação, níveis de
atividade física, determinantes, consequências, intervenções e políticas.
Saudações de Pelotas, de Satolep, da cidade do doce, do Laranjal, da
estética do frio e da epidemiologia da atividade física. Uma excelente
leitura a todas as pessoas!

Pedro Curi Hallal


Alan Goularte Knuth
Gregore Iven Mielke
Inácio Crochemore-Silva

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