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ARTIGO DOSSIÊ TEMÁTICO

A Arte na educação para a Compreensão da


Cultura Visual
por Paulo Pires de Queiroz1

A educação em arte possibil-


ita o desenvolvimento do
pensamento artístico, que cara-
prática da arte ou a história da
arte para compreender as obras
de arte? São ensinadas separa-
2. as representações artísticas
reletem concepções culturais,
das quais também fazem parte
cteriza um modo particular damente? as questões formais;
de dar sentido às experiências A segunda proposição 3. o estudo da cultura visual
dos individuos. Tanto a arte nos leva à formulação de tem inicio nos primeiros anos
como a educação, ambas se perguntas, tais como: a análise da escolarização básica e chega
movimentam aparentemente das obras de arte deveria ser às instituições e aos novos me-
sob posições ao mesmo tempo proposta a partir de uma pers- diadores virtuais;
antagônicas ou conluentes sob pectiva formalista , destacando 4. o estudo da cultura visual
o prisma liberdade/norma. A apenas os aspectos visuais, mantém-se aberto em sua cara-
arte é uma forma de conhecer ou seus signiicados devem cterização;
e representar o universo. A ser considerados em relação 5. o conhecimento da cultura
educação organiza o conheci- a seu contexto cultural? Esse visual esta relacionado às in-
mento privado em relação às contexto cultural deve referir- terpretações sobre a realidade e
formas públicas de representar se a questões de localização sobre como estas afetam a vida
esse universo. Isso implica e de circunstância ou deve dos indivíduos;
dizer que, por meio da arte na estender-se ao que esta “fora” 6. um enfoque transdisciplinar
educação, pode ser possível da obra – relações de poder, dirige-se ao estudo da cultura
associar duas formas de repre- formas de exclusão, questões visual e sua vinculação com
sentar o mundo e, por isso, a relacionadas com a identidade, outras áreas e temas do cur-
necessidade de organizar uma o gênero, os valores? rículo;
aproximação entre os nexos de A terceira e última pro- 7. o estudo da cultura visual
educação e de arte. posição nos leva a reletir sobre não se esgota nos saberes tradi-
Com o objetivo de rele- os temas das aulas de arte e se cionais em relação à arte;
tir sobre a arte na educação no esses estão relacionados com 8. a cultura visual confronta
sentido de favorecer a com- outros temas de outras maté- os olhares sobre os objetos de
preensão da cultura visual, rias curriculares. A arte esta caráter mediacional de diferen-
esse artigo abordará questões integrada a outras matérias, ou tes épocas e culturas.
pautadas nas seguintes propo- completamente separada? Esse desenho de
sições: Estas questões são relações trás no bojo de sua
a) à inalidade e à importância fundamentais para situar a construção alguns dos atuais
de “fazer arte” na escola; perspectiva de educação para a debates sobre o conteúdo da
b) a relação entre enfoques compreensão da cultura visual. arte, as novas aproximações à
formalistas e a importância do Um currículo de arte que ob- história da arte, às mudanças
contexto cultural; jetiva a compreensão dessa na consideração da imagem
c) a relação da arte com o cultura pode ser concebido nos e da representação visual, aos
restante do currículo. seguintes termos: debates sobre os problemas e
A primeira proposição 1. a prática artística e o conhe- aos desaios que atualmente a
supõe enfrentar questões do cimento histórico da arte são educação escolar tem enfrenta-
tipo: qual é ou deveria ser a campos de conhecimento in- do e os novos “espaços” para a
relação entre “fazer arte” e a tervinculados que favorecem a arte na educação na sociedade
história da arte? Utiliza-se a compreensão da cultura visual; pós-moderna.

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A Arte e a Escola No decorrer de nosso e veriicar quantas e em que
desenvolvimento, passamos situações diferentes a arte já
Partimos do pressuposto a conviver com os amigos e se faz presente em suas vidas.
de que a arte não é resultado com a escola, onde travamos os Como nas demais áreas do co-
de um talento especial ou primeiros contatos com nossas nhecimento, também as Artes
de uma forma particular de aptidões e vocações. Começa- Plásticas tem objetivos especí-
ver as coisas, mas é fruto de mos a deinir talentos e gostos e icos que precisam ser trabal-
aprendizado sério que nos vamos irmando nossa person- hados e estes, por sua própria
ensina como fazer e até ver, alidade. Mas, à medida que nos natureza, favorecem uma inte-
ouvir e ler obras de arte. Sem tornamos adultos, sentimos gração de conteúdos e concei-
esse aprendizado a arte icaria necessidade de nos diferenci- tos com as outras áreas, com a
reduzida ao universo particu- armos desse universo infantil. própria vida. As cores e as for-
lar e individual de cada um. Procuramos então renovar mas, bem como as opacidades,
O nosso aprendizado padrões que nos pareciam tão as transparências, as simetrias...
artístico e o desenvolvimento estáveis. Esse é um dos fatores fazem parte do meio-ambiente
da sensibilidade se iniciam que levam à constante reno- em que vivemos e nem sem-
quando ainda somos crianças, vação dos princípios estéticos: a pre as enxergamos. Portanto, é
junto à nossa família, quando necessidade de novas gerações necessário que não se limita o
entramos em contato com abandonarem os modelos trabalho com Artes Plásticas na
certo gosto que se traduz na tradicionais e criarem outros, escola às aplicações de técnicas
forma de dispor os moveis e mais adaptados e atualizados. e exercícios. O educador deve
objetos de nossas casas, com O mundo contemporâ- promover oportunidades de
a preferência por determina- neo vem sendo invadido mais encontro de cada aluno com
das cores ou por certo tipo de e mais, a cada dia, “pela ima- si próprio, com o outro e com
música. Tudo isso faz parte gem”. Vivemos hoje o “para- o mundo que o cerca, através
do universo cultural de nos- digma da imagem” e de vari- de uma outra linguagem, que
sos pais, da família em meio à adas resoluções estéticas. Do favoreça múltiplas formas de
qual crescemos. Aprendemos levantamento de hipóteses à ser, dizer e sentir, expressar-se
a valorizar certas linguagens análise das diferentes soluções e de representar o mundo à sua
ou formas de expressão pelas estéticas encontradas por cada forma.
quais comunicamos idéias e sujeito em seu ato criador, nos- O trabalho com Artes na
sentimentos. Essas linguagens sos olhos vão se aperfeiçoando, escola deve favorecer o fazer
estão diretamente relacionadas até mesmo se soisticando, de artísticos pleno e, aí, devem
com a nossa nacionalidade, forma a entender e sentir a estar incluídos a produção e a
origem e classe social. existência de tantas formas apreciação de diferentes traba-
O ilósofo francês Gaston possíveis de expressão e de lhos artísticos. É importante
Bachelard analisou esse mun- representação. O olhar vai se que os alunos desenvolvam
do de valores e hábitos que le- tornando, assim, mais apurado, aquele olhar plural e, sem
vamos para a vida adulta. Em mais crítico, atento e mais sen- cerimônia, em relação à arte. É
seu livro A poética do espaço, sível. preciso que se sintam capazes
ele diz: “... a casa é o nosso O trabalho com Artes de produzir, conhecer e apre-
canto no mundo. Ela é, como Plásticas na escola pode se de- ciar arte, de desenvolver sua
se diz amiúde, o nosso primeiro senvolver muito bem próximo sensibilidade, de conhecer a
universo”. Naturalmente que dos anseios dos nossos alunos, história da arte e a história da
aos poucos, vamos ampliando quando se propõe a capacitá- vida dos artistas, cada um em
essas referências. los a “desembaraçar os óculos” seu tempo e lugar, para com-

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preenderem a multiplicidade inigualáveis na história, crian- imaginação, sensibilidade,


de manifestações artísticas e do um universo de exposi-ção conhecimento e produção
culturais existentes. múltipla para os seres huma- artística pessoal e grupal.
Nesse sentido, não é nos, o que gera a necessidade Criar e perceber formas
necessário nenhum recurso de uma educação para saber visuais implica trabalhar fre-
mirabolante, nem tampouco, perceber e distinguir sentimen- quentemente com as relações
nenhum cenário especial. A tos, sensações, idéias e quali- entre os elementos que as
sala de aula pode e deve ser dades. Por isso o estudo das vi- compõem, tais como ponto,
um espaço privilegiado para o sualidades pode ser integrado linha, plano, cor, luz, movi-
exercício de um viver ativo e nos projetos educacionais. Tal mento e ritmo. As articulações
criativo, de um fazer artístico aprendizagem pode favorecer desses elementos na imagem
permanente. È preciso convidar compreensões mais amplas dão origem à coniguração de
os alunos para que façam arte, para que o aluno desenvolva códigos que se transformam ao
descobrindo diferentes combi- sua sensibilidade, afetividade longo dos tempos. Tais normas
nações, arranjos e permutações e seus conceitos e se posicione de formação das imagens po-
entre os materiais existentes criticamente. dem ser assimiladas pelos
e disponíveis, criando novos Nesse sentido, pensa- alunos como conhecimento e
recursos e alternativas de utili- mos que a análise das obras de aplicação prática recriadora e
zação, a partir da valorização de arte não deveria ser proposta a atualizada em seus trabalhos,
qualidade estéticas em mate- partir de uma perspectiva for- conforme seus projetos de-
riais não convencionais, con- malista , destacando apenas os mandem e sua sensibilidade
siderando suas reais condições aspectos visuais. Acreditamos e condições de concretizá-los
de vida, de seus professores e que seus signiicados devem permitam. Os alunos tam-
da comunidade escolar como ser considerados em relação a bém criam suas poéticas onde
um todo. seu contexto cultural. Esse con- geram códigos pessoais.
Enim, as linguagens texto cultural deve referir-se A nossa noção de
artísticas permeiam todas as a questões de localização e de cultura visual corresponde às
áreas do saber e precisam ter circunstância, como também mudanças nas noções de arte,
seu valor reconhecido, como estender-se ao que esta “fora” cultura, imagem, história e
mais uma forma de expressão e da obra – relações de poder, educação produzidas nas últi-
de linguagem, tão importante e formas de exclusão, questões mas décadas e esta vinculada à
necessária quanto todas as ou- relacionadas com a identidade, noção de “mediação” de repre-
tras. A arte precisa se mostrar o gênero, os valores. sentações, valores e identida-
signiicativa para educadores e A educação em Artes re- des. A educação da cultura
alunos, através das experimen- quer trabalho continuamente visual, assim apresentada,
tações, do fazer e do reletir informado sobre conteúdos participa da tarefa que Debray
artístico, partindo do contexto e experiências relacionados (2006) atribui como objeto de
cultural e histórico daquele aos materiais, às técnicas e às estudo da Medialogia, ou seja,
grupo e chegando a outros formas visuais de diversos mo- “a disciplina que tem por tarefa
diferentes contextos. mentos da história, inclusive explorar as vias e os meios da
contemporâneos. Para tanto, eicácia simbólica”, centrando-
A Arte e a Cultura a escola e a cultura devem co- se, portanto, no papel media-
laborar para que os alunos pas- cional dos meios (os objetos
O mundo atual caracte- sem por um conjunto amplo artísticos serão alguns entre
riza-se por uma utilização da de experiências de aprender e outros objetos e artefatos do
visualidade em quantidades criar, articulando percepção, universo visual).

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Entendemos que, dian- internacional) e em diferentes ao campo que denominamos
te da cultura visual, não há tempos da história; b) o recon- cultura visual. Uma cultura
receptores nem leitores, mas hecimento da importância visual existe, ao mesmo tempo,
construtores e intérpretes na das artes visuais na sociedade dentro e fora de cada um de
medida em que a apropriação e na vida dos indivíduos; c) a nós. Vem daí a necessidade
não é passiva nem dependen- identiicação de produtores em da aproximação à existência
te, mas interativa e de acordo artes como agentes sociais de material dos objetos e ao seu
com as experiências que cada diferentes culturas: aspectos de impacto e recepção ótica,
indivíduo tenha experimen- vidas e alguns produtos artís- cognitiva e emocional.
tado fora da escola. Daí a im- ticos; d) pesquisa e frequência
portância, a posição de ponte junto das fontes vivas (artistas) A Arte e o Currículo
que a cultura visual exerce: e obras para reconhecimento
como campo de saberes que e relexão sobre a arte presente Ao longo da história da
permite conectar e relacionar no entorno; e) reconhecimento educação brasileira, desde os
para compreender e aprender, e valorização social da organi- jesuítas até a burguesia leiga,
para transferir o universo zação de sistemas para a docu- os currículos têm se transfor-
visual de fora da escola ( do mentação, preservação e divul- mado em uma espécie de
aparelho de vídeo, do com- gação de bens culturais e f) ela- couraça ideológica, parecendo
putador, dos videosclipes, das boração de registros pessoais querer formar gerações docili-
capas de CD, da publicidade, para sistematização e assimi- zadas, subservientes, despoliti-
até a moda e o ciberespaço) lação das experiências com zadas e alienadas. Não é por
com a aprendizagem de estra- formas visuais, informantes, acaso que temos introjetada
tégia para decodiicá-lo, rein- narradores e fontes de infor- em nossa mentalidade uma
terpretá-lo e transformá-lo na mação. certa incapacidade para iloso-
escola. Para desfecharmos esse far, para criticar, para o exercí-
Entretanto, a educação momento da relexão, é per- cio do pensamento divergente
visual deve considerar a com- tinente lembrar que é funda- ( no caso da arte), para exercer
plexidade de uma proposta mental o papel das instituições um fazer artístico mais pleno e
educacional que leve em conta no estudo da cultura visual, consciente.
as possibilidades e os modos de isto por serem fatores que De qualquer forma,
os alunos transformarem seus a facilitam e a controlam. O sempre será necessário reor-
conhecimentos em arte, ou mesmo acontece com relações ganizar cada trajetória cur-
seja, o modo como aprendem, econômicas que se produzem ricular que se estabeleça em
criam e se desenvolve nessa em torno da cultura visual. diálogo com o que acontece
área. Tudo isso faz com que o estudo nas diferentes experiências de
Contudo, pensamos que dessa cultura nos seja apresen- sala de aula, da escola e de fora
as Artes como produto cultural tado como um campo móvel, dela. Nesse sentido, uma das
e histórico deva atentar-se que, tanto do ponto de vista possibilidades de se organizar
para: a) a observação, estudo das representações como das o conhecimento escolar é uma
e compreensão de diferentes tecnologias da informação e construção curricular baseada
obras artísticas, na mais rica da comunicação, vão tornando nos interesses e necessidades
diversidade e pluralidade cul- obsoletas determinadas aproxi- dos alunos e na relevância
tural, bem como contemplar mações, ao mesmo tempo que social do conhecimento.
artistas e movimentos artís- cobrem e expandem o “conteú- A escola tem privile-
ticos produzidos em diversas do” das diferentes produções giado os processos racionais
culturas (regional, nacional e que cada dia se incorporam (cognitivos) em detrimento

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dos processos sensíveis, bipo- elaboram conhecimentos, mes- imaginário, a arte, seu prazer,
larizando o conhecimento e mo que estes, muitas vezes, es- suas ininitas possibilidades
o próprio ser humano. Insta- tejam impregnados de valores de reinventar a vida e o amor
laram-se na escola, através de elitistas. Ainda assim, essa para além do autoritarismo.
um processo curricular oculto, compreensão é importante Trazer a arte para o
rituais de domesticação, co- para realização da passagem cotidiano da escola sem per-
ercitivos e reprodutores das do senso comum à consciência der de vista a relação dialética
desigualdades sociais. O cur- crítica. Sendo um pressuposto entre a entrega (processos sen-
rículo oculto esta intimamente que aparentemente se apresen- síveis emocionais e sociais) e a
ligado ao autoritarismo à me- ta como único, a multicultura- disciplina (processos sensíveis
dida que, não se estabelecendo lidade é, de fato, extremamente cognitivos): eis o desaio do
na discussão com os grupos complexa, pois temos que professor de arte numa propos-
que compõem a comunidade considerar as diversas facetas ta curricular dessa natureza.
escolar, as normas, regras e das culturas minoritárias e das O professor não pode esquecer
rituais voltam-se para a cons- culturas dominantes de nossa a função social que possui a
trução da subserviência. sociedade em uma relação arte em transgredir padrões
Entretanto, Peter dialética, tendo a escola como impostos e retrógrados, tão
Maclarem em Rituais na palco de negociações. comuns em alguns segmentos
Escola (1996), chama a aten- Todos os rituais presen- da educação escolar. É tarefa
ção para o fato de que o ritual tes e propostos no currículo difícil, pois exige um aprofun-
deve ser compreendido como oculto, assim como a questão damento conceitual e uma
“produção cultural”. Todo o do diagnostico de várias cul- postura política em relação a
processo de sonegação cultural turas coexistentes na socie- sua contribuição para a socie-
do conhecimento “erudito” e o dade, devem ser pressupostos dade. Claro que não se quer
desrespeito para com as cul- fundamentais na elaboração dizer com isso que através do
turas das minorias vem sendo de uma proposta curricular ensino e aprendizagem da arte
uma das mais fortes vertentes que se pretenda transforma- a sociedade se transformará,
no processo de educação esco- dora. Sendo assim, colocamos pois seria simplista, incorrendo
lar de tendência idealista libe- como pressuposto básico, sem no erro de idealizar esse en-
ral. O que assistimos nas hierarquizações, a questão da sino.
escolas são os rituais mecâni- religação entre processos cog- Buscar entender a arte
cos, baseados em uma con- nitivos e processos sensíveis e a organização do conheci-
cepção de conhecimento – “processos sensíveis cogni- mento escolar a partir da
fragmentada, artiicial e ex- tivos”. compreensão de uma cons-
cludente, valorizando a plu- Outro pressuposto trução curricular baseada nos
ralidade cultural como forma fundamental é o comprome- interesses e necessidades dos
de disfarçar as desigualdades timento do professor para e alunos e na relevância social
sócioculturais. com a sociedade que estamos do conhecimento, implica
Pensamos que seja de a vivenciar: seu papel é vital entender que a interdependên-
relevada importância com- como um dos componentes cia, o inter-relacionamento do
preender que a sociedade não do processo de transformação sentir/ pensar/ fazer arte não
se compõe apenas dos grupos e reconstrução crítica/criativa pode se limitar à especialização
hegemônicos, o que equivale de uma sociedade que neces- a que o homem atual subme-
dizer que os conhecimentos sita atualizar-se cientiica e teu-se. Dessa forma, busca-se
não são apenas dominantes, ou tecnologicamente sem perder uma concepção de arte que
seja, todas as formas de cultura de vista o ser humano, seu num primeiro plano não

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reitera a realidade cotidiana educação escolar deve garantir signiicativas que o aluno rea-
de modo factual, como mera para todos o acesso a conteúdos liza com aqueles que trazem
repetição, reprodução ou imi- vivos e concretos ligados às informações pertinentes para
tação do real, como propõem realidades sociais e suas con- o processo de aprendizagem,
os idealistas. Ao contrário, tradições. com fontes de informação e
tal concepção de arte busca com seu próprio percurso de
no inter-relacionamento das Considerações inais criador.
diversas linguagens e símbolos Ensinar arte em conso-
a reelaboração que transcende O estudo da cultura vis- nância com os modos de
o estabelecido e propõe novas ual é caracterizado pelo trân- aprendizagem do aluno,
conquistas, novas possibilida- sito que produz entre a cultura signiica, então, não isolar a
des imaginativas, simbólicas e das certezas – que caracteriza o escola da informação sobre a
emancipatórias. pensamento da modernidade produção histórica e social da
Entretanto, ao pensar e que tem seu fundamento arte e, ao mesmo tempo, gar-
um currículo nessas bases, esse nas propostas da ilustração ( antir ao aluno a liberdade de
processo de conhecimento não onde se localiza a origem da imaginar e ediicar propostas
evolui linearmente, cumulati- instituição e do conhecimento artísticas pessoais ou grupais
vamente ou mecanicamente. escolar tal como, em boa parte, com base em intenções pró-
O aluno adquire no espaço da continua vigente) – e a cultura prias.
educação escolar a chance de da incerteza, num momento O grande desaio do
construir novos conhecimen- da história da humanidade educador a ser enfrentado em
tos e reinventar seu cotidiano em que os sistemas de crenças sua sala de aula consiste em
por meio da arte – apropriação morais, religiosas e ideológicas comprometer-se com as ima-
de saberes através do exercício são diversas, plurais e em con- gens e a tecnologia do mundo
crítico e criativo. A arte e seu stante luxo. pós-moderno sem rejeitar a
ensino favorecem também Tanto a arte quanto análise cultural, o juízo moral
a construção de conceitos a ciência são produtos que e a relexão que as imagens
metafóricos, não-lineares, expressam as representações ameaçam suplantar na atuali-
através do discurso aberto – imaginárias das distintas cul- dade.
verbal e não-verbal. Pelos turas, que se renovam através Enim, as imagens são
caminhos do lúdico, do onírico dos tempos, construindo o per- mediadoras de valores cul-
e da arte, o aluno aprende a dar curso da história humana. Essa turais e contem metáforas
seus próprios passos; oportuni- discussão interessa particular- nascidas da necessidade so-
dade psicológica, pedagógica mente ao campo da educação, cial de construir signiicados.
e social de reinventar seu que manifesta uma necessi- Reconhecer essas metáforas e
cotidiano de forma autônoma dade de formular novos para- seu valor em diferentes cultu-
e prazerosa, pois assim é mais digmas que evitem a oposição ras, assim como estabelecer
dono de sua própria vivência entre arte e ciência, para fazer as possibilidades de produzir
afetiva e intelectual – experi- frente às transformações políti- outras, é uma das inalidades
mento, pesquisa, tentativa e cas, sociais e tecnocientíicas da educação para a compreen-
erro. que permeiam o ser humano são da cultura visual
Enim, o que se quer é do século XXI.
o ensino de arte de qualidade Aprender arte é desen-
como um ato político que volver um percurso de criação
precisa ser efetivado. Ou seja, pessoal cultivado, ou seja,
o ensino de arte no âmbito da alimentado pelas interações

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NOTAS:

1 Professor Adjunto na Faculdade de Educação da Universidade Federal


Fluminense.

REFERÊNCIAS:

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo:Martins Fontes.1996.


DEBRAY, R. Vida y muerte de las imágenes. Paidós: Barcelona, 2006.
MACLAREM, Peter. Rituais na escola. Petropolis:Vozes, 1996.

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