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SABERES, HERANÇA

E MANIFESTAÇÕES
CULTURAIS BRASILEIRAS

Autora: Rosana Soares

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Profa. Tatiana dos Santos Silveira

Revisão Gramatical: Profa. Camila Thaisa Alves

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © Editora Grupo UNIASSELVI 2011


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

306
S676s Soares, Rosana
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras /
Rosana Soares. Indaial : Uniasselvi, 2011. 135 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-506-2

1. Cultura; 2. Manifestações culturais.


I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Rosana Soares

Mestre em Artes Visuais pelo Programa


de Pós-Graduação em Artes Visuais - UDESC.
Possui graduação em Artes Visuais pela Fundação
Universidade Regional de Blumenau (2003). Atuou
como bolsista promop da Universidade do Estado de
Santa Catarina - UDESC. Tem experiência na área do
ensino de Artes, voltado para Arte-Educação em escolas.
Participou de exposições de artes plásticas. Participa e
desenvolve pesquisas junto ao Grupo Educógintans
(cadastrado no CNPQ), vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Educação (Mestrado
em Educação) da Universidade Regional de
Blumenau, FURB - Blumenau, SC- Brasil.
Sumário

APRESENTAÇÃO��������������������������������������������������������������������������� 7

CAPÍTULO 1
A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes ����������������������������������� 9

CAPÍTULO 2
Uma Questão de Cultura e Identidade ������������������������������������ 33

CAPÍTULO 3
Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura �������������������������� 57

CAPÍTULO 4
Manifestações Artísticas Brasileiras ������������������������������������ 75

CAPÍTULO 5
Os Padrões da Cultura�������������������������������������������������������������� 99

CAPÍTULO 6
Cultura Brasileira e Educação ���������������������������������������������� 117
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

O cadernos de estudos intitulado “Saberes, Herança e Manifestações


Culturais Brasileiras” se propõe a dialogar acerca da arte e da cultura como parte
das ações dos sujeitos, problematizando questões inerentes a esses fenômenos.
Sendo assim, os conceitos históricos, as influências sociais, questões políticas
que interferem na construção de conceitos relativos à cultura e arte são discutidos,
buscando aproximação com a necessidade de expressão e comunicação do ser
humano e o lugar que essa produção ocupa em cada sociedade.

Esse entendimento da arte como produto do trabalho de um sujeito histórico


socialmente construído nos permite refletir sobre a arte brasileira desde seus
primórdios, reconhecendo seus espaços, suas conquistas e influências culturais
no que se refere especialmente à arte popular e à cultura popular.

Neste sentido, o capítulo I aponta os “Conceitos Teóricos” da arte como


produção humana, uma visão geral da arte e do homem desde os registros da
arte rupestre, passando pelos principais momentos de mudança na forma de
criação artística, em várias linguagens.

O capítulo II discute a identidade cultural, os entrelaçamentos de questões


culturais que influenciam a constituição dos grupos que se identificam em práticas,
crenças e ritos.

O terceiro capítulo vai tratar da cultura e da arte erudita no diálogo com a


cultura popular e com a arte popular brasileira, envolvendo também as questões
específicas do folclore.

No rastro da discussão da arte brasileira, o capítulo IV se debruça sobre


os suportes utilizados na criação da arte brasileira, as diferentes linguagens,
elegendo algumas para o estudo da variedade no uso da matéria prima e as
influencias auferidas.

A discussão em torno da arte brasileira e suas múltiplas heranças culturais


está atreladas às delimitações de identidade que no início da colonização se
configuram, mas que sucumbem ao refletirem a fragilidade da definição do
termo, que segrega sujeitos baseados em questões de raça e gênero. Por ser
tão miscigenada, a cultura brasileira é referenciada no plural, pois só assim
é possível falar de todas as formas que constituem o povo brasileiro. Esse
assunto é discutido com mais profundidade nos capítulos V, VI e VII, nos tópicos
que discutem questões referentes à memória, identidade, interculturalidade e
padrões de cultura.

A autora.
C APÍTULO 1
A Arte: Conceitos
Teóricos Fundantes

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Refletir sobre os conceitos de arte presentes em seus fundamentos teóricos.

99 Identificar as especificações das artes como manifestações humanas.

99 Entender a estética como parte dos fundamentos da obra de arte.

99 Refletir sobre as informações das obras de arte como discurso da memória e


da prática humana.

99 Contextualizar a obra dentro de seu espaço social e político.


Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

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Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

Contextualização
Quando pensamos a respeito da definição do que seria a arte, rapidamente
pensamos a respeito do sujeito que tem ações que resultam em arte. É quase
automático pensarmos nas primeiras manifestações artísticas buscando um
embasamento histórico e social da arte de cada tempo. Neste capítulo sobre a
arte e seu conceitos fundantes, o objetivo é reconhecer a arte como manifestação
e necessidade humana, que não são estanques, passam por mudanças conforme
caminha o tempo.

A Arte
Na busca de uma definição do que é Arte, conseguimos uma
É através da
aproximação dos elementos que compõe a arte e sua relação com o
criação humana
homem. É através da criação humana que a arte surge como ação
que a arte surge
que traz consigo conceitos estéticos como a beleza, por exemplo. No
como ação que
entanto, a arte oferece outros fatores que a autenticam, entre eles os
traz consigo
sentimentos humanos, as emoções permeadas pela cultura. Na ação
conceitos
que comporta a arte, os saberes de cada sujeito direcionam a criação
estéticos como a
da obra de arte, podendo assumir formas variadas como a pintura, a
beleza
música, a escultura, o cinema, o teatro, a dança, a arquitetura entre
outras. A arte é também comunicação entre sujeitos, criador e fruidor.

Fruir: a palavra fruição deriva do verbo latino “fruere” (da forma


fruitione – fruir) cujo sentido é o de estar na posse de, possuir. No
processo de fruição está implícita a atividade de leitura, entendendo-
se que ler é uma atividade humana produzida em situações sócio-
históricas específicas e que mobiliza mecanismos linguísticos,
psicológicos, sociais, culturais e históricos que resultam na produção
de sentidos. (PCSC-Arte, 1998, p.188)

A arte envolve os sentidos humanos, podendo variar os estímulos de cada


sentido dependendo do suporte da obra, como por exemplo, a música e a pintura.
Neste viés, a arte é também necessidade humana, de início com caráter pratico,
assumindo no decorrer do tempo um espaço importante na vida dos sujeitos,
tornando-se elemento constitutivo da história e da cultura dos homens. A arte é
também necessidade quando reflete a história e torna-se elemento de investigação

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Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

e descoberta do mundo que está no nosso horizonte, e além dele.


A arte envolve
Nosso encontro com a arte e a revelação dos elementos que a constitui
os sentidos
está atrelada à nossa experiência, do que pra nos já é familiar, permite
humanos,
avançar na descoberta de novos elementos. Tanto artista como fruidor
podendo variar
se encontram na arte imbuídos de saberes oriundos do meio no qual se
os estímulos de
desenvolveram. A imaginação é o elemento que confere um tempero
cada sentido
especial à experiência de viver a arte. Nesse ínterim, se concentra
dependendo
também a arte como possibilidade: ela nos permite criar, imaginar,
do suporte da
desconfiar, perguntar.
obra, como
por exemplo, Poderíamos dizer de modo bem simples que a arte é um
a música e a produto da criatividade humana, que, utilizando conhecimentos
pintura. e técnicas e um estilo ou jeito pessoal, transmite uma
experiência de vida ou uma visão de mundo, despertando
emoção em quem a usufrui. (FEIST,1996, p. 9).

No ser humano,
Essa visão de mundo que traz a arte com sua marca histórica
porém, as
é também fonte de informações das mudanças que o mundo passa.
reações
Podemos entender as culturas com suas especificidades, as sociedades
expressivas de
que compõem o mundo também através da arte construída pelos
nosso estado
sujeitos que em cada tempo viveram e testemunharam, com suas ações
de espírito
práticas envolvidas pelo sentir e pensar. São também as mudanças
transformaram-se
que ocorrem no mundo que vão permitir a propagação das ideias que
em linguagem
compõem a arte entre os povos. A arqueologia tem papel importante
-, um conjunto
nesse processo de redescoberta de elementos da arte, apoiada pela
de signos que,
tecnologia que divulga essas descobertas, revelando técnicas e
articulados,
fundamentos da arte de todos os tempos. Assim, ao pensarmos em
expressam ideias
arte, é interessante assumir um olhar flexível e curioso, necessário para
-, permitindo
usufruir com todo o ganho possível deste universo histórico, cultural,
que possamos
particular e social em que a arte está situada. Arte é também reflexo e
compartilhar
resultado do fazer, pensar e sentir.
como os outros
as emoções No ser humano, porém, as reações expressivas de nosso
vividas. (COSTA, estado de espírito transformaram-se em linguagem -, um
2004. p.9) conjunto de signos que, articulados, expressam ideias -,
permitindo que possamos compartilhar como os outros as
emoções vividas. (COSTA, 2004. p.9).

A arte em seus múltiplos meios traz em cada obra a marca do seu criador,
e sua intencionalidade é apresentada ao fruidor para que ocorra a comunicação
necessária. E esse encontro oferece emoções variadas, em que a satisfação está
presente em boa parte. Nesse sentido, podemos apontar o prazer como elemento
que compõe a arte e através dela é compartilhado.

O prazer desse compartilhamento acabou por ser mais


importante do que a utilidade expressiva do gesto. Passamos

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Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

a sentir prazer nas emoções propostas pelos outros por meio


da linguagem. Assim inventamos a arte. (COSTA, 2004. p.9).

Nesse caminho do prazer, a arte se concentra em propiciar o despertar das


emoções. Uma música, dependendo de sua melodia, nos remete às mais variadas
emoções, assim também uma peça de teatro, uma pintura entre outras formas de
arte. Percebe-se, assim, que a praticidade da arte tem seu movimento alterado
pelos sentimentos e visão de mundo que o artista insere na sua obra no momento
da criação. Os saberes necessários acerca de cada obra e seu contexto tornam-
se fundamentais para que o fruidor tenha pleno acesso à obra. “Desse modo,
a arte não está no objeto artístico, mas no encontro que esse objeto promove
entre duas subjetividades e no compartilhamento da emoção poética” (Costa,
2004 p.18). Esse encontro pode não ser natural, pois depende da bagagem de
saberes que cada um traz consigo, mas é importante a aproximação máxima com
as obras, ampliando assim o universo cultural de cada um. Pois, como nos lembra
Gombrich (1999), olhar um quadro aventurando-se em uma viagem de descoberta
pode ser tarefa difícil, mas compensadora, pois a viagem de volta traz enorme
recompensa. A arte é caminho que vale a pena ser trilhado.

O Tempo e a Arte
A arte não surge de forma natural, como o homem. As primeiras
As primeiras
expressões, hoje consideradas artísticas, do homem das cavernas
expressões, hoje
estavam ligadas a crenças que despertavam nesse humano o desejo
consideradas
de entender, dominar e representar seu cotidiano. Foi somente com o
artísticas, do
passar do tempo que o registro do cotidiano rupestre recebeu o caráter
homem das
de arte. Porque a arte surge em um determinado período do tempo,
cavernas estavam
apontado pela filosofia como de desenvolvimento humano. Não é a arte
ligadas a crenças
ação inerente ao ser humano, mas surge em um estágio consciente de
que despertavam
desenvolvimento deste, no decorrer do tempo. “A arte está relacionada
nesse humano
à história da humanidade e às suas conquistas, a natureza humana e
o desejo de
seu simbolismo, à herança cultural dos grupos e ao desenvolvimento
entender, dominar
individual das pessoas” (COSTA, 2004 p.11). As mudanças pelas quais
e representar seu
a arte passa estão relacionadas ao meio social e cultural de cada
cotidiano.
grupo, por isso as artes são entendidas como datadas e identitárias de
culturas dos povos.

[...] nessa perspectiva, a sociologia da arte se propõe a


entender o papel da arte na sociedade, a função social
do artista, o sentido de um som ou de uma imagem num
de terminado contexto social, o processo de consagração
artística, a dinâmica do processo artístico e a relação existente
entre arte consagrada e vanguarda. (COSTA, 2004. p.17).

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Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

O estudo sociológico da arte aponta esse caráter humano coletivo e ao


mesmo tempo individual que na arte se manifesta. É a sociologia da arte que
lança esse olhar com critérios definidos de sociedade temporal, entendida como
meio fértil e influenciador da arte. Os aspectos da sociedade se caracterizam
no meio político, econômico, religioso, influenciadores como um todo da
sociedade na qual a arte é produzida, pois o sujeito criador é formado nesse
contexto. Entender as mudanças que a arte também apresenta é parte do estudo
sociológico da arte. Por isso, um olhar para as arestas da produção artística
torna-se necessário, para que se possa ter maior entendimento da relação arte e
sociedade. A universalidade da linguagem que a arte apresenta não deixa passar
despercebidas as particularidades das criações e, nesse sentido, situa-se cada
arte em seu tempo e seu meio social.

O artista, sujeito criador e expressivo, tem suas produções


Na
situadas em determinados estilos e escolas, apontados por instituições
contemporaneidade,
autorizadas a classificar a arte produzida. Por isso, ao se discutir o
é interessante
gosto, ou a beleza de determinada obra, é importante lembrar que os
discutir que o
conceitos de beleza também são variados: “Existem razões erradas
gosto em relação
para não se gostar de uma obra de arte” (GOMBRICH,1999, p.01).
às obras de arte
Na contemporaneidade, é interessante discutir que o gosto em relação
parece ganhar
às obras de arte parece ganhar importância em meio à multiplicidade
importância em meio
de suportes e formas de arte. No entanto, no início da história
à multiplicidade de
da humanidade, a função exercida pelas esculturas e formas de
suportes e formas
arquitetura estava em evidência, além do gosto. É nesse sentido que
de arte.
apontamos que a arte surge com o desenvolvimento da humanidade,
com a criação de critérios que envolvem conceitos em torno da beleza,
permeados pela mudança de paradigmas.

Essas mudanças nas formas de sentir, expressar, refletir sobre determinadas


ações cotidianas, estão fundamentadas no desenvolvimento do homem, e são as
artes produzidas em cada tempo que permitem um olhar ao passado, tornando
possível conhecer a cultura de cada povo.

Dos povos primitivos, que utilizavam esculturas, desenho, dança, sons


como parte de seu cotidiano, fica registrada a forma de viver em um tempo de
adaptação. No entanto, avançando um pouco no tempo, encontramos o povo
egípcio, que nos deixa, como herança, muito mais.

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Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

Figura 1 - Arte Rupestre

Fonte: Disponível em: <www.ab-arterupestre.org.br/


arterupestre.asp>. Acesso em: 10 out. 2011.

Não há tradição direta que ligue estes estranhos primórdios


aos nossos dias, mas existe uma tradição direta, transmitida
de mestre a discípulo, de discípulo a admirador ou copista, a
qual vincula a arte de nosso tempo, cada construção ou cada
cartaz, à arte do vale do rio Nilo de uns cinco mil anos atrás.
(GOMBRICH, 1999. P. 55)

Não é objetivo deste texto registrar a história da arte, e sim Não é objetivo
lembrar as inúmeras mudanças ocorridas sob influência do passado, deste texto registrar
apontando a herança egípcia, que vai atuar de forma marcante, e a a história da arte,
cultura grega e romana, das quais somos herdeiros. E hoje, ao nos e sim lembrar as
depararmos com as diversas formas de arte, conhecer a memória da inúmeras mudanças
arte se faz necessário. ocorridas sob
influência do
A presença da arte nos mais diversos ambientes,
de forma inusitada, invadindo nosso dia-a-dia, passado, apontando
abre para os artistas um campo imenso de a herança egípcia,
atuação profissional. Há arte nos espaços pelos que vai atuar de
quais transitamos nos locais onde estudamos
ou trabalhamos e até nas embalagens dos forma marcante, e
produtos que consumimos. (COSTA, 2004, p.12) a cultura grega e
romana, das quais
somos herdeiros.

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Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

A amplitude que a arte atinge no mundo contemporâneo nos provoca a sentir


nosso cotidiano de maneira diferenciada. A arte já não se limita a exposições e
museus, concertos e peças de teatro, apesar de ainda ser encontrada nesses
espaços. Ela nos surpreende em espaços inusitados, nos convidando a
vivenciar a experiência estética. Nesse sentido, é pontual discutirmos a arte e os
entrelaçamentos teóricos que a envolvem. Entre eles, a estética.

Atividade de Estudos:

1) As imagens são relatos históricos de tempos marcados pelo


testemunho revelados nas obras. Diego Rivera é um importante
crítico social e sua obra um legado pra humanidade. Assim sendo,
“a arte não está no objeto artístico, mas no encontro que esse
objeto promove entre duas subjetividades e no compartilhamento
da emoção poética”. (Costa, 2004, p.18). Este encontro pode não
ser natural, pois depende da bagagem de saberes que cada um
traz consigo, mas é importante a aproximação máxima com as
obras, ampliando assim o universo cultural de cada um. Pois,
como nos lembra Gombrich (1999), olhar um quadro aventurando-
se em uma viagem de descoberta pode ser tarefa difícil, mais
compensadora, pois a viagem de volta traz enorme recompensa.
“A arte é caminho que vale a pena ser trilhado”

A partir destas reflexões vamos investigar uma das obras


de Rivera (Retrato de Amedeo Modigliani 1914): faça uma ficha
catalográfica da obra (ano, tema, contexto sócio político, movimento
artístico) e uma pequena biografia do artista, assim você conhece um
pouco mais da arte latino americana.
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Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

A Estética na Arte
Na concepção materialista de arte como criação do trabalho A questão central
humano, fruto da percepção-expressão de seres humanos que vivem no que se refere
e produzem em um universo histórico, social e cultural, o produto do à estética passa
seu trabalho, a obra de arte, é constituído por posições não apenas a ser o conceito
estéticas, mas intelectuais, éticas e políticas. No entanto, é a estética do que é belo,
que vamos assumir como ponto de interesse neste texto. O que seria pois se entende
“essa tal” estética? Qual o papel dela no contexto da obra de arte? que beleza tem
suas variações
É comum associar a arte à beleza e ao sentimento. O motivo envolvidas pelo
parece óbvio, já que a obra de arte vem muitas vezes imbuída de gosto, pois “a
sentimento ou beleza, e muitas vezes traz ambos, pois “dentre as beleza não é um
características mais importantes da arte, destacamos a emoção valor universal,
e o prazer que ela desperta e que alguns filósofos identificam como o que é belo
prazer do belo ou prazer estético” (COSTA, 2004, p. 21). No entanto, pra você pode
vale lembrar que a arte, em suas diversas formas de se apresentar, não ser para o
ultrapassa esses quesitos, mesmo estando em sintonia com eles em outro, de outra
diversos momentos. A questão central no que se refere à estética idade, outra
passa a ser o conceito do que é belo, pois se entende que beleza tem cultura, outro
suas variações envolvidas pelo gosto, pois “a beleza não é um valor sexo ou outro
universal, o que é belo pra você pode não ser para o outro, de outra temperamento”
idade, outra cultura, outro sexo ou outro temperamento” (COSTA, (COSTA, 2004,
2004, p. 24). Nessa perspectiva, problematizar questões estéticas p. 24).
parece adentrar um universo permeado por inúmeras questões que
fazem confluência também com a obra de arte. A definição do que
seria estética está ligada diretamente aos termos do gosto e da beleza.
Beleza e obra de arte ganham importância na Grécia

Filme sobre a arte grega:

Arte grega - http://br.youtube.com/watch?v=O5dY4FlLiTc


Arte grega - desenho - http://br.youtube.com/watch?v=lC-A07_sE74

“Navegantes: Gregos - Grécia” http://objetoseducacionais2.


mec.gov.br/handle/mec/2035 ou no http://br.youtube.com/watch?
v=cfSiFBvxtdw

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=966

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Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Os gregos foram os primeiros a deixar registrado o


reconhecimento da emoção que vem da beleza e a consciência
de sua particularidade. Foram eles também que criaram
a estética – ciência que estuda o belo e que reflete sobre
características e condições da beleza. Assim desenvolve-
se o conceito de arte, nome que se dá genericamente àquilo
que o homem produz com a intenção de provocar admiração
e emoção estética através do uso de recursos formais das
diversas linguagens humanas. (COSTA, 2004, p. 35).
“A própria
história da arte,
Influenciado por essa herança grega de estudo das emoções e da
procurando
beleza, o termo estética, em sua definição filosófica, “foi utilizado pela
definir os diversos
primeira vez em meados do século XVIII, pelo filosofo alemão Alexander
movimentos
Gottlieb Baumgarten (1714-62), que o aplicou com referência à teoria
estéticos da das artes liberais ou à ciência da beleza perceptível” (CHILVERS, 2001,
arte ocidental, p 180). Partindo desse conceito, outros filósofos irão discutir a estética
tem posto em tendo como base outros princípios, como Kant, por exemplo, em seu
evidência e estudo acerca de uma estética transcendental envolvendo o gosto e
variabilidade o sublime. Outro filósofo que vai discutir a esfera da estética é Hegel,
dos princípios trazendo a ideia como aparência, mostrando assim diferentes formas
estéticos e das de ser estética. Outros tantos filósofos se debruçaram em torno da
tendências dos problemática que envolve a estética, empregando diferentes valores
artistas de uma e definições ao termo. “A própria história da arte, procurando definir
época para outra” os diversos movimentos estéticos da arte ocidental, tem posto em
(COSTA, 2004, evidência e variabilidade dos princípios estéticos e das tendências dos
p. 25). artistas de uma época para outra” (COSTA, 2004, p. 25).

O que se pode notar de forma geral são as variações em torno do termo,


identificando, assim, as mudanças em cada época. Nesse processo, também a
estética é influenciada, pois “Nas últimas décadas, muitas foram as definições
propostas da estética, algumas das quais sem reformular em nova linguagem as
antigas concepções mencionadas” (MORA, 2001, p. 232). O que interfere no uso
do termo estética são posturas teóricas que alimentam a definição do que é ser
estético no âmbito da arte em determinada sociedade.

Existem mecanismos na sociedade que permitem que certos


grupos legitimem seu gosto e o disseminem entre as pessoas,
tornando quase uma unanimidade. Esses mecanismos estão
ligados a instituições políticas, educacionais e culturais
existentes. (COSTA, 2004, p.37).

Assim, é a estética que tolera influência em cada tempo e espaço social,


se adapta, e assim pode-se dizer que sua definição está entrelaçada com
posições políticas, sociais e culturais. Nesse sentido, os elementos de gosto que
acompanham a estética são flexíveis e permitem a aceitação e a discordância
como fatores de tensão necessários para legitimar a estética como elemento da
arte, que também se mostra mutante.

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Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

O cenário contemporâneo vai desordenar o uso do termo estética, na medida


em que banaliza e generaliza o sentido do termo. Despreocupado com a tradição
dos estudos acerca da estética, a mídia utiliza o termo como sinônimo de beleza,
e essa beleza é ditada pela indústria cultural. É comum encontramos centros de
beleza e de moda que trazem em seu nome ou em slogan o termo “estética”. É
trivial e aceito pelo grande público o termo “estética” associado à beleza pessoal e
dos utensílios, divulgado nos meios de comunicação de massa, como TV, jornais,
revistas, entre outros.

No entanto, em se tratando de arte e estética, o elemento beleza é presente,


mas não é suficiente para o real encontro entre obra e fruidor, encontro este
que se propõe a desenvolver o humano em sua amplitude. Assim, é importante
estar consciente que vivemos em um tempo em que a indústria do consumo e
do entretenimento atua de forma ativa na vida cotidiana de adultos e crianças.
Os produtos e os programas anunciados na TV e na internet estão disponíveis
para todos, para serem desejados. Manter esse desejo de “ter” é também uma
forma de alienar e controlar, de dominação social e política, arquitetada por meio
da força da imagem, no projeto de globalização econômica ancorada no livre
mercado e no consumismo como poder articulador da ordem social.

o consumo baseado na estética (individual) – como a política


do estilo – substituiu formalmente as seguras estruturas
sociais como base para a formação da subjetividade. Quem
eu sou agora é determinado pelo que e como eu consumo.
(KRESS, 2003, p.121).

A identificação com os objetos consumidos é fenômeno presente no


reconhecimento pessoal. Neste sentido, a subjetividade é subtraída de forma
assustadora. Segundo Efland (2005), o mundo hoje se apresenta para cada
um de nós, perante o avanço tecnológico e econômico, com uma uniformidade
preocupante, hipnotizando as pessoas em todos os lugares com música rápida,
computadores rápidos e comida rápida – MTV, Macintosh e Mac Donald’s-,
pressionando as nações a virarem um mesmo e homogêneo parque temático,
um mundo “Mac”, amarrado pela diversão, comércio, comunicação e informação.
Nesse sentido, alertamos sobre a formação moral e política dos indivíduos que,
empobrecida de valores éticos e dominados pelo prazer imediato, não reconhece
o consumo inconsciente como forma de desumanização, pois “o gosto assim
legitimado torna-se dominante e resiste à mudança, ou parte dele, na medida em
que o grupo se identifica com seus princípios” (COSTA, 2004, p.37).

No que toca aos artistas, o produto do seu trabalho, a obra de arte, é


constituído por posições não apenas estéticas, mas intelectuais, éticas e políticas
e, por isso, torna-se elemento indispensável para se pensar a arte e a estética.
Assim, fugindo do consumo indiferente que perpassa objetos e transforma pessoas

19
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

em ávidos consumidores desses objetos, torna-se importante entender a vida


também como obra de arte, coexistindo como as obras produzidas pelos homens.
É necessário reverter a alienação estética, que afeta o ato criador do sujeito, bem
como a fruição da obra de arte. Os juízos estéticos têm verossimilhança no valor
do dever, que objetiva a autorrealização humana permeada pela estrutura de
valores significantes.

No que se refere às competências artísticas, as exigências para a produção e


fruição artística são discutidas no sentido da necessidade do artista em compreender
o mundo e, por meio da elaboração dessa compreensão, traduzir sua obra. A
capacidade criadora também é fundamental, buscando meios para concretizar seu
pensamento e sua visão do concreto. É um exercício dialético da práxis, de ordem
espiritual-material, com objetivo de agir na realidade a fim de transformá-
la e humanizá-la, se autoconstituindo. Para o artista e para o público,
Entender a nesse sentido, a arte tem a função social de compartilhamento de modos
estética como de ver, aprender, compreender e sentir o mundo. Por isso, a qualidade
elemento estética é de suma importância, pois, como resultante da práxis, a arte
importante reflete a posição ético-ideológica do autor e provoca a tensão necessária
de reflexão e ao fruidor, elevando ambos em sua autorrealização.
desenvolvimento
humano, como Percebemos, assim, que a dinâmica da arte depende
possibilidade de das transformações históricas, dos estilos e do próprio
desenvolvimento dos artistas. Portanto, além de variar de uma
mudança, exige
pessoa para outra, o prazer estético transforma-se ao longo da
a consciência nossa existência, e aquilo que nos encantava numa época pode
de um olhar depois se tornar menos belo e, para as gerações seguintes,
crítico por parte muitas vezes, ultrapassado. (COSTA, 2004, p. 40).
dos artistas
e do público, Entender a estética como elemento importante de reflexão e
diferenciando desenvolvimento humano, como possibilidade de mudança, exige a
assim os consciência de um olhar crítico por parte dos artistas e do público,
elementos que a diferenciando assim os elementos que a compõe. Para que isso aconteça,
compõe. é preciso o reconhecimento dos valores estéticos que perpassam as
obras de arte, cada uma em seu suporte específico, em suas estruturas.

Atividade de Estudos:

1) Nesta atividade proponho pensar sobre as questões estéticas.


Trago o fragmento do texto deste capitulo: ...”as variações em torno
do termo (estética), identifica as mudanças em cada época pois
a estética é influenciada:s “Nas ultimas décadas, muitas foram as
definições propostas da estética, algumas das quais sem reformular
em nova linguagem as antigas concepções mencionadas” (MORA,

20
Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

200, p.232). O que interfere no uso do termo estética, são posturas


teóricas que alimentam a definição do que é ser estético no âmbito
da arte em determinada sociedade.

Faça um mosaico com 06 palavras: pense no que significa


estética pra você e monte as palavras de forma aleatória! Utilize
letras diferentes pra cada palavra.
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A Estrutura da Obra
Cada obra de arte traz em sua estrutura elementos próprios que a
constituem como partes fundantes do todo. Nesse sentido, a estrutura da obra
aqui referenciada está ligada aos elementos materiais, políticos, sociais, culturais,
objetivos e subjetivos que estão presentes em cada manifestação artística. As
diversas formas de arte utilizam diferentes suportes na sua organização. No que
se refere à música e suas particularidades, também vai admitir em sua totalidade a
letra e a melodia situadas em notas musicais e instrumentos variados. A estrutura
global da música tem nomenclatura própria enquanto formas musicais, somadas
as suas especificidades.

No rastro temporal da música, podemos apontar sua presença no Egito.


São as pinturas egípcias que nos dão essa informação, no registro de cenas
cotidianas, com a presença de instrumentos musicais.

21
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Pinturas e esculturas gravadas em vasos, túmulos, inscrições


e documentos com desenhos de instrumentos e dançarinos:
foi dessa forma que nos foram transmitidas as transformações
sobre as primeiras manifestações musicais. Sabemos
assim que os egípcios, os assírios e babilônios possuíam
instrumentos de corda, sopro e percussão e também
soubemos sobre o canto conjunto em cerimônias festivas,
guerreiras e fúnebres. (BERTELLO, 2003 p. 183).

Os gregos também tinham na música elemento importante de seu


Pinturas e
desenvolvimento e utilizavam instrumentos conhecidos, como a flauta,
esculturas
a lira, o pandeiro. De uma maneira geral, a música se apresenta através
gravadas em
da voz e de instrumentos, com suas variações. “Entre os gregos, a
vasos, túmulos,
música era considerada elemento integrante da vida e do pensamento,
inscrições e
fator fundamental da educação do espírito e da formação de caráter,
documentos
era parte essencial do ensino da juventude” (BERTELLO, 2003 p.186).
com desenhos
de instrumentos
A música, como arte, também sofre influências de seu contexto
e dançarinos:
social, político e cultural. Nesse sentido, a música é criada e reproduzida
foi dessa forma
por um sujeito histórico e socialmente construído, permeado pela
que nos foram
sensibilidade. Cada cultura tem sua forma musical de expressão,
transmitidas as
influenciada por seus antepassados e colonizadores. Os cantos
transformações
cristãos têm forte influência dos clássicos, e a música gregoriana revela
sobre as
essa influência em sua melodia mantida em nível único. Também na
primeiras
idade média, a influência clássica se revela no uso agregado da poesia
manifestações
e melodia pelos trovadores. Já com o renascimento, outro elemento é
musicais.
acrescentado à música, o da representação. São as óperas do período
Sabemos assim
renascentista que irão apresentar essa forma de música que engloba a
que os egípcios,
representação e forma de texto recitado. Essa influência se dilui com o
os assírios
passar do tempo nas diversas formas de se fazer música, em períodos
e babilônios
de aceitação da herança e também da negação dos clássicos.
possuíam
instrumentos
Com o passar do tempo, a música sofre influências múltiplas e se
de corda, sopro
apresenta em cada período de acordo com os costumes e hábitos da
e percussão
sociedade em que se manifesta. No Brasil, o encontro sonoro do homem
e também
se dá através da natureza. Sendo os índios os primeiros habitantes, é
soubemos sobre
a partir da imitação dos sons dos animais e dos sons do seu espaço
o canto conjunto
habitado que irá se manifestar a melodia. Com a colonização do Brasil
em cerimônias
pelos portugueses e seu desenvolvimento econômico através das
festivas,
grandes plantações, outro elemento importante vai influenciar a música
guerreiras
brasileira: as tradições sonoras dos escravos. Esse povo traz à nova
e fúnebres.
terra não somente a força de seu trabalho, mas também suas heranças
(BERTELLO,
culturais, entre elas a música e a dança, embaladas pelos instrumentos
2003 p. 183)
de percussão.

22
Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

Figura 2 - Manifestações Culturais dos Escravos

Fonte: Disponível em: <www.pitoresco.com/brasil/prazeres/


prazeres.htm>. Acesso em: 10 out. 2011.

Mas com todas as transformações que sofre a sociedade brasileira nesse


período, e com o surgimento de novos compositores, como Carlos Gomes, o que
fica é a contribuição da música medieval para o surgimento da primeira forma de
canção brasileira, a modinha (BERTELLO, 2003).

Antônio Carlos Gomes (Campinas 11 de julho de 1836 – Belém,


16 de setembro de 1896) foi o mais importante composior de ópera
brasileiro. Destacou-se pelo estilo romântico, com o qual obteve
carreira de destaque na Europa. É o autor da ópera “O Guarani”.

Essas influências pelas quais passa a música brasileira têm na Modinha o


reconhecimento de sua identidade. A modinha se configura como uma forma de
canção com melodia repleta de sentimentos e tocada por seresteiros. Já no século
XX, o avanço tecnológico vai influenciar as formas musicais brasileiras em uma
mescla de estilos. E o cenário contemporâneo é palco da diversidade musical
em caracteres e instrumentos, que no Brasil encontram acolhimento devido à
pluralidade étnica que constitui o país.

No que se refere ao teatro, podemos dizer que, como arte, se Durante a


constitui em textos, atores, público e em cenários permeados de apresentação de
intuitos disponíveis: “durante a apresentação de uma peça teatral, uma peça teatral,
podem reunir-se as expressões: plástica, oral, musical e corporal” podem reunir-se as
(BERTELLO, 2003 p. 130). O teatro também é arte antiga, pois tanto expressões: plástica,
no Egito como na Grécia há registros de manifestações cênicas: oral, musical e
“entre os gregos, o teatro era considerado instituição nacional e fator corporal (BERTELLO,
essencial da educação do povo” (BERTELLO, 2003 p. 186). 2003 p. 130).

23
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

De início, as representações teatrais serviam às manifestações religiosas e,


posteriormente, educacionais. No Brasil não foi diferente:

O teatro brasileiro, em sua história, tem marco importante com a


presença dos jesuítas. Os jesuítas escreveram autos, narrações
escritas, comédias ou dramas, peças de um processo de fé,
encenadas pelos indígenas, visando à catequese: o padre José
de Anchieta é o autor dos autos mais importantes na história do
teatro no Brasil. (BERTELLO, 2003 p. 131).

De uma maneira geral, a peça teatral traz uma mensagem ao público que a
assiste e tem, entre seus objetivos, o diálogo. Nesse sentido, a estética presente
age também como mediadora na compreensão da intencionalidade presente na
encenação. O teatro, assim como as demais formas de arte, passa por mudanças
através das influências sofridas em consonância com o tempo histórico e com as
diversas culturas.

No que se refere à dança, o corpo é elemento fundamental. Utilizando


movimentos pré-estabelecidos ou improvisados, a dança se configura também
como forma de expressão e comunicação, através do ritmo e da sensação. Em
gestos sequenciais, a dança traz um sentido social em sua estrutura. Ela é também
elemento somatório a algumas artes, como o teatro e a música, sem contudo
deixar de ter suas particularidades. Realizada de forma individual, em pares ou
mesmo em grupos, a dança tem em sua trajetória a herança de ser mística e
religiosa: “passos e movimentos corporais com ritmo musical que expressam
estados afetivos – existem danças de amor, de guerra, de religião” (BERTELLO,
2003, p. 276). São variadas as formas de expressão através da dança, e os ritmos
e a função de cada dança estão ligados à cultura de cada povo.

Cada cultura transporta seu conteúdo para as mais diferentes


áreas; as danças absorvem grande parte desta transferência,
pois sempre foi de grande importância nas sociedades – seja
como uma forma de expressão artística, como objeto de culto
aos deuses ou como simples entretenimento. (BERTELLO,
2003, p.276).

Dançar é também prazeroso ao indivíduo que executa os gestos e ao


expectador. A dança como forma de comunicação é também possibilidade de
realização pessoal. O domínio do corpo pelo dançarino é tarefa árdua, que exige
concentração. Quando em grupo, a dança coreografada tem a colaboração e a
sintonia como elementos importantes. No cenário atual, dançar é quase gesto
natural. Como arte, tem a estética como elemento importante de valorização de
uma arte que também passa por mudanças de acordo com seu tempo ritmado.

24
Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

O que se conclui é que a dança nunca desaparece: muda de


nome, sofre acréscimos, assume novos sentidos culturais,
mas continua viva. As danças evolutivas isoladas deram lugar
às danças de participação geral, da colaboração instintiva.
(BERTELLO, 2003, p. 277).

Nesse sentido, a dança é arte também remota, a que as mudanças culturais


e o tempo conferem novas formas, sem, contudo, eliminar as influências pelas
quais passou e pelas quais ainda vai passar.

Figura 3 - Cultura Brasileira

Fonte: Disponível em: <http://lmk21.com.br/wp-content/


uploads/2010/08/indios.jpg>. Acesso em: 10 out. 2011.
 
Figura 4 - Fantasia gigante da dança do Bumba-meu-boi

Fonte: Disponível em: <www.brasilescola.com/folclore/


bumbameuboi.htm>. Acesso em: 10 out.2011.

25
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Falando ainda da arte e de seus elementos estruturais, vamos


Usando o tijolo
encontrar a arquitetura, forma construída com o intuito, também, de ocupar
seco como
o espaço, concentrando ações e intencionalidades. De início, prevalecia
bloco básico de
o caráter prático das primeiras construções, em que os construtores
construção, os
se preocupavam em abrigar e proteger os homens e construir templos
mesopotâmicos
com fins ligados à religião. Posteriormente, as magníficas construções
planejavam
arquitetônicas ultrapassaram essa funcionalidade. É na Mesopotâmia
cidades complexas
que encontramos as primeiras construções com organização
ao redor do
templo. Esses Usando o tijolo seco como bloco básico de construção, os
amplos complexos mesopotâmicos planejavam cidades complexas ao redor do
arquitetônicos templo. Esses amplos complexos arquitetônicos incluíam não
só um santuário fechado, mas também oficinas, armazém e
incluíam não só
zonas residenciais. (STRICKLAND, 1999, p. 6).
um santuário
fechado, mas Observa-se que os templos seguiam como referência a organização
também oficinas, urbanística de cada civilização, ocupando posição estratégica no espaço
armazém e zonas organizado para moradia. As construções em formas monumentais
residenciais. eram marca da civilização egípcia. As pirâmides são até hoje vistas
(STRICKLAND, como verdadeiras maravilhas da arquitetura, e influenciam construções
1999, p. 6). contemporâneas, como a pirâmide de vidro do Louvre.

Figura 5 – Pirâmides do Egito

Fonte: Disponível em: <www.suapesquisa.com/historia/


piramides/>. Acesso em: 10 out. 2011.

Figura 6 – Pirâmide de Louvre

Fonte: Disponível em: http://www.world-city-photos.org/Paris/photos/


Louvre_in_Paris/Piramide_du_Louvre/>.Acesso em: 10 out. 2011.
26
Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

Mas foi na Grécia que a arquitetura foi entendida como forma de arte, pois
as construções eram feitas com o mesmo cuidado, considerando o equilíbrio
necessário, usado nas obras das esculturas gregas. A arquitetura grega tem
conotação de plenitude e estabilidade. Novamente, os templos foram referência,
local onde aconteciam os encontros do público para celebrações. Seguindo a linha
do tempo, a arquitetura romana trouxe como elemento novo o uso do concreto, e
a influência grega das construções únicas, como por exemplo, o Coliseu.

Foi no Renascimento, já no século XV, que a tradição das construções


romanas foi resgatada: “[...] formada nos mesmos princípios da geometria
harmoniosa em que se baseavam a pintura e a escultura, a arquitetura recuperou
o esplendor da Roma antiga” (STRICKLAND, 1999 p. 39). Vale ressaltar que a
arquitetura revela a forma de pensar da sociedade, e de certa maneira delineia
essa sociedade. Exemplo disto é a riqueza ostentada no período barroco, em
que as catedrais eram entendidas como fundamental para a sedução do povo.
No entanto, essa mesma arquitetura ultrapassa os limites do equilíbrio, quando
oprime o que está a seu redor. Nesse caso, vale citar o Castelo de Versalhes,
sonho de autoridade absoluta de Luís XIV.

Já no século XIX, o desenvolvimento da fotografia e a descoberta de novos


materiais manipuláveis da Nova Era, dita industrial, delinearam novas formas na
arquitetura. Os exageros e enfeites tão usados nas construções, aos poucos vão
sendo deixados para fins específicos.

Quando a revolução industrial pôs a disposição


novos materiais, tais como escoras de ferro fundido,
os arquitetos inicialmente as disfarçavam de colunas
coríntias neoclássicas. Somente em estruturas
utilitárias como pontes suspensas, estações de Na arquitetura
estradas de ferro e fábricas, o ferro fundido foi moderna, esses
usado sem ornamento. (STRICKLAND, 1999 p. 89).
elementos
assumiram o
Ao poucos, esses materiais foram inseridos nas construções
caráter funcional,
que se multiplicavam por todos os lados. Na arquitetura moderna,
e a escola
esses elementos assumiram o caráter funcional, e a escola alemã
alemã Bauhaus
Bauhaus trouxe a essas construções uma arte com caráter de grupo
trouxe a essas
e desenvolvimento de formas matemáticas. Surgem os arranha-céus.
construções uma
arte com caráter
Acontece um distanciamento das formas clássicas. A arquitetura
de grupo e
contemporânea embarcou nessa forma de utilizar os materiais
desenvolvimento
inovadores, e trouxe também a cor como elemento diferenciado na
de formas
nova concepção de construir. As linhas das construções sofreram
matemáticas.
variações com curvas harmoniosas e formas variadas. Um exemplo
Surgem os
dessa forma de se pensar a arquitetura é o Centre Pompidou, em
arranha-céus.
Paris, onde podemos visualizar todos os serviços funcionais de sua

27
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

estrutura. Notamos que, assim como na Grécia, a escultura e a arquitetura eram


pensadas de forma próximas, no cenário contemporâneo, ocorre novamente essa
aproximação: a escultura do século XX também trouxe em sua forma estrutural
esses novos elementos, só que em forma de sucata, colagem, entre outros.

Importante lembrar que a atividade de ocupar o espaço com construções


arquitetônicas passa, ao longo do tempo, assim como as demais formas de arte,
por modificações. Sendo a arquitetura envolvida por elementos específicos em
sua estrutura, tem em sua forma de se apresentar influências culturais e envolve
elementos complexos que reúnem diversos campos de conhecimento, que
influenciam e são influenciados no contexto geral da sua silhueta estrutural.

No século XIX, o universo artístico também admitiu novas formas estruturais


de expressão e comunicação, como o cinema e a fotografia. O cinema se estruturou
através das sombras chinesas e se modificou ao longo do tempo com a influência
da fotografia. Na produção cinematográfica de Hollywood, os filmes de ação são
os primeiros a conquistar o público, seguidos pelos gêneros suspense e drama. No
século XX, tivemos também a graciosidade do cinema mudo de Charles Chaplin,
mostrando em suas produções temas sociais de forma crítica. Novamente as artes
se cruzaram, e o cinema e a música se revelaram nas figuras do ator e dançarino
Fred Astaire e na representação de Carmem Miranda que, com suas cores e
melodias, conferiu ao Brasil uma identidade alegre e colorida. No entanto, as críticas
também acompanharam as mudanças mostradas nas formas artísticas.

Novos movimentos da arte expressam a tentativa de


questionar a expressão artística a partir do crescimento da
indústria. Um deles foi o Kitsch, que procurou, apresentando
objetos industriais bizarros, mostrar a natureza superficial
exagerada e artificial da sociedade contemporânea. (COSTA,
2004, p. 116).

A indústria, com sua fome insaciável de produzir, necessita que os


consumidores tenham o mesmo apetite por seus produtos. A arte vai criticar essa
superficialidade do desejo construído através do Kitsch.

KITSCH: objeto ou estilo que, simulando obra de arte, é apenas


imitação de mau gosto para desfrute de um público que alimenta a
indústria da cultura de consumo ou cultura de massa; atitude ou reação
desse público em face de obras ou objetos com essas características.
São exemplos típicos de kitsch estatuetas de plástico que imitam obras
clássicas, flores artificiais, certos móveis de fórmica e quejandos.

28
Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

Atualmente, os processos de consumo e produção são discutidos dentro de


outras áreas, como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia e a Arte, que também
problematizam essas questões, que têm como foco principal o bem estar do
sujeito, o resgate da individualidade, pois

A arte proporciona a expressão de sentidos compartilháveis,


de um legado coletivo cheio de reminiscências, sigilos e
revelações. Através dele, nosso mundo interior tão pessoal
e intransferível encontra o enlevo de se saber comum e
partilhável. (COSTA, 2004, p.135).

Assim, a obra de arte é também reflexo desse contexto e os sujeitos


participantes, tanto criadores como fruidores, estão ambos influenciados e, nesse
ponto, o compartilhamento se reforça. A efemeridade é explorada na arte também
em sua estrutura, através da performance e dos happenings, movimentos de
arte que utilizam mescla de linguagens e têm a improvisação como fio condutor.

Performance: forma de arte que combina elementos do teatro,


da música e das artes visuais. Tem relação com o happening (os
dois termos são às vezes usados como sinônimos), mas difere deste
por ser em geral mais cuidadosamente planejada e não envolver
necessariamente a participação dos espectadores. (CHILVERS,
2001 p. 404).

Happening (“acontecimento”): forma de espetáculo, muitas


vezes cuidadosamente planejado, mas quase sempre incorporando
algum elemento de espontaneidade, em que um artista executa ou
dirige uma ação que combina teatro com artes visuais. O termo foi
cunhado por Allan Kaprow em 1959 e tem sido usado para designar
uma multiplicidade de fenômenos artísticos. ( CHILVERS, 2001 p.
247).

Ao abordar a estrutura da obra no texto, objetivamos lançar um olhar


geral sobre a produção artística da humanidade em um ponto central das
confluências das artes: as influências, mudanças e culturas que se mesclam e
incentivam novas formas de se fazer arte. Toda arte tem um sujeito histórico e
socialmente construído, toda arte é influência de culturas, e as culturas têm suas
especificidades e suas misturas. Falar de arte não se resume em falar da obra, e
sim do conjunto entrelaçado de inúmeros elementos distintos entre si, mas que
compõem toda obra de arte.

29
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Atividade de Estudos:

1) Nesta atividade vamos falar de música: O avanço tecnológico


vai influenciar as formas musicais brasileiras em uma mescla
de estilos. E o cenário contemporâneo, é palco da diversidade
musical em caracteres e instrumentos e que no Brasil encontra
acolhimento devido a pluralidade étnica que constitui o pais.

Registre algumas músicas que são importantes para você, cite o


nome da música, o artista e justifique sua escolha.
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2) O assunto é arquitetura! A arquitetura contemporânea vai


embarcar nesta forma de utilizar os materiais inovadores, e
vai trazer também a cor como elemento diferenciado na nova
concepção de construir. As linhas das construções vão sofrer
variações com curvas harmoniosas e formas variadas. Nesta
atividade, oriento você a olhar de forma curiosa a arquitetura
presente nas principais construções de sua cidade. Você
consegue identificar que tipo de arquitetura se apresenta?
Fotografe ou descreva uma das construções que fazem parte da
sua cidade.
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Capítulo 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes

Algumas Considerações
Neste breve estudo, foi possível refletir sobre a dimensão da arte como parte
das ações humanas e suas modificações ao longo do tempo. No capítulo a seguir,
vamos discutir a identidade como referência de grupos que se identificam e se
fundam. A arte também constitui essa identidade.

No próximo capítulo, iremos abordar questões relacionadas à identidade.


Além disso, estudaremos a identidade brasileira e o hibridismo.

Referências
BERTELLO, Maria Augusta. Palavra em ação. Mini manual de pesquisa – arte.
São Paulo: Claranto, 2003.

CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. Tradução de Marcelo Brandão


Cipolla. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

COSTA, Cristina. Questões de arte: o belo, a percepção estética e o fazer


artístico. São Paulo: Moderna, 2004.

EFLAND, Arthur D. Cultura, Sociedade, Arte e Educação num mundo pós-


moderno. In: GUINSBURG, J.; BARBOSA, Ana Mae (orgs.) O Pós-modernismo.
São Paulo: Perspectiva, 2005.

FEIST, Hildegard. Pequena viagem pelo mundo da arte. São Paulo: Moderna,
1996.

GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16.ed. Rio de


Janeiro: LCT, 1999.

KRESS, Gunter. In: GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antonio F. B. (orgs).


Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez,
2003.

MORA, Jose Ferrater. Dicionário de Filosofia. Tradução de Roberto Leal


Ferreira, Álvaro Cabral. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2001.

STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pós-moderno.


Tradução de Angela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

31
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Secretaria de Educação Fundamental.


Brasília: MEC/SEF, 1997.

SCOTTINI, Alfredo. Minidicionário Escolar Língua Portuguesa. São Paulo:


Brasileitura, 2009.

32
C APÍTULO 2
Uma Questão de Cultura e Identidade

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Entender a cultura como entrelaçamentos de questões que formulam a


identidade, diagnosticando fenômenos de aculturação.

99 Identificar as influências referentes à cultura, entendida como campo simbólico


e material da atividade humana.

99 Conhecer os elementos que compõem a diversidade cultural na historicidade


da trama relacional.

99 Reconhecer as múltiplas influências da cultura popular e seus entremeios


teóricos.
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

34
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

Contextualização
Figura 7 - Le Double Secret, 1927 - Rene Magritte

Fonte: Disponível em: <www.cursodehistoriadaarte.com.


br/.../page/36/>. Acesso em: 27 set. 2011.

Como olhar-te outro?


Outro complexus;
Outro complicado;
Outro multiplicidade na unidade;

Outro autodesconhecido;
outro diferente de todos;
outro único.

Como olhar-te outro?


Sem saber se devo;
Sem saber se posso;
Sem saber se quero.

Como olhar-te outro neste corpo que me vejo?


Corpo que desejo;
Corpo que temo;
Corpo e que me (pré)sinto...
Corpo místico.

Como olhar-te outro?


Neste corpo que é metade eu...metade tu...
Neste corpo que é 1 inteiro mundo.

Fabio Zoboli, 2007

Fonte: Disponível em: <http://revistarecrearte.net/IMG/


pdf/R12_2.>.Acesso em: 10 ago. 2011.

35
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

O capítulo II do Caderno de Estudos vai discutir questões teóricas acerca


da construção de identidade, em que aspectos sociais, econômicos, políticos,
culturais se mesclam e se dissolvem na construção dos sujeitos. Não somos
apenas influenciados por questões políticas ou culturais, mas sim constituídos por
múltiplas influências. A cor de nossa pele, nossos valores morais e éticos, nosso
entendimento das pessoas com as quais convivemos, diretamente ou não, são o
resultado do que aqui apontamos como identidade.

E falar de identidade é pensar no negro como elemento fundamental na


formação dos brasileiros, que junto com as demais etnias formam nosso Brasil.
Esse país pluricultural tem nos aspectos culturais cenário de inúmeras questões
que direcionam a formação identitária brasileira e, por isso, este capítulo vai
apontar algumas particularidades culturais regionais, com as quais convivemos.

Cultura e Identidade
Quando se pensa sobre cultura e identidade na
Formado na
contemporaneidade, entramos num processo da fragmentação
relação com
por conta do mundo globalizante. Nem tudo está tão perto e muito
“outras pessoas
menos longe, pode-se estar em qualquer lugar devido aos avanços
importantes
tecnológicos da comunicação. É um tipo diferente de mudança
para ele”, que
estrutural, que transforma as sociedades modernas e fragmenta as
intermediam
paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
valores, sentidos e
nacionalidade. Ou seja, por qualquer um dos olhares que se tenha, tudo
símbolos (a cultura)
está muito próximo, porque há a crescente complexidade do mundo
dos mundos nos
moderno e a consciência de que o núcleo interior do sujeito sociológico
quais habitam.
não é autossuficiente, mas formado na relação com “outras pessoas
(HALL, 2000, p. 9).
importantes para ele”, que intermediam valores, sentidos e símbolos (a
cultura) dos mundos nos quais habitam (HALL, 2000, p. 9).

É possível compreender, a partir de Stuart Hall (2006), que a identidade surge,


em partes, pela plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos
e também pela inteireza que é “preenchida” a partir do nosso exterior. Temos
assim o sujeito pós-moderno, que não tem uma identidade fixa, que se transforma
diante dos sistemas culturais. Aliás, a cultura não é monólita, homogênea, isso
é: masculina, classe média, heterossexual, branca e ocidental, que pode ser
presumida. O conceito de não-identidade alienada, segundo Hutcheon (1991),
camufla as hierarquias, dá lugar ao conceito de diferenças, “à afirmação não
da uniformidade centralizada, mas da comunidade descentralizada, que é um
paradoxo do pós-moderno” (HUTCHEON, 1991, p. 29).

36
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

Há de se perceber ainda nas colocações teóricas que as identidades se


definem não apenas pelo que se defende e com quem se está, mas principalmente
por quem ou o de que se é contra, ou talvez aquilo que se acha ser contra. Nesse
contexto, é interessante utilizar como exemplo os Estados Unidos da América e
a guerra contra o terrorismo, principalmente depois do 11 de setembro de 2001,
com o ataque às torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono,
em Washington.

Aqui resgatamos a cena de uma reportagem de Caliar para Revista “Caros


Amigos”, de dezembro de 2001:

Um rapaz negro, americano da gema, olhava os sinais da


destruição. Chorou discretamente, as lágrimas grossas
escorrendo. Havia estado em um dos prédios no dia anterior ao
ataque, conhecia de vista algumas pessoas por lá. Segurava
uma grande fotografia do soberbo conjunto de edifícios
do Distrito Financeiro, entre os quais as torres gêmeas se
destacavam. Acabava de comprar a foto por três dólares ali na
rua e iria colocar numa moldura.

O rapaz negro descrito no trecho é um de tantos outros que se viu desolado,


naquele momento, diante do barbarismo e convicto de que o governo americano
precisava dar uma resposta imediata aos terroristas. Negros e brancos assumem
o ufanismo americano, vão às ruas protestar silenciosamente, pintados com
as cores ou com a própria bandeira dos Estados Unidos. A comunidade negra
assume sua identidade americana em meio à comoção do país. Tal exemplo vem
à tona, porque é um marco na história da humanidade contemporânea e uma das
alavancas transformadoras de identidade.

Aliás, essa nova identidade do negro nos Estados Unidos continua em


discussão na teoria social. As velhas identidades entraram em declínio, fazendo
surgir as novas identidades, fragmentando o indivíduo moderno, até então visto
como um sujeito unificado. É um tipo diferente de mudança estrutural, que
transforma as sociedades modernas e fragmenta as paisagens culturais de
classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade.

As transformações mudam as identidades pessoais e abalam a ideia de


sujeitos integrados. Stuart Hall (2000) define essa perda de um “sentido de si”
estável como um deslocamento ou descentração do sujeito, e tal definição leva
a entender o ataque de 11 de setembro como um impulsionador do processo de
transformação da identidade da comunidade negra americana. Há de se destacar
aqui que tal exemplo de ato terrorista é usado pela dimensão impactante que teve
nos Estados Unidos e, consequentemente, nos demais países da Europa e da
América Latina, nos quais se inclui o Brasil.

37
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Há, nesse caso, a presença da crescente complexidade do mundo


moderno e a consciência de que o núcleo interior do sujeito sociológico não é
autossuficiente, mas formado na relação com “outras pessoas importantes para
ele”, que intermedeiam valores, sentidos e símbolos (a cultura) dos mundos os
quais habitam (HALL, 2000, p. 9). E no mundo específico americano habita um
contingente multiétnico, entre os quais estão latinos e asiáticos que se veem
diante da perda de sua identidade ou de sua transformação inevitável, mesmo que
ainda exista um núcleo demarcando o eu. Só que o jogo de linguagem (LYOTARD,
2000, p.17) permitirá a modificação do diálogo contínuo com os mundos culturais
exteriores e as identidades que tais mundos oferecem.

O negro americano (e isso se reflete também no Brasil) que até então se via
numa identidade unificada estável, vê sua própria identidade tornar-se fragmentada
em razão de outras identidades, alguma contraditórias e outras não resolvidas.
Isso em função do processo de modificação estrutural e institucional. Para Hall
(2000), a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
fantasia, porque no momento em que os sistemas de significação e representação
cultural se multiplicam, o confronto de uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis surge, sendo que todas podem se identificar
em uma delas, mesmo que temporariamente.

Brancos e negros Nos Estados Unidos, a comunidade cristã, branca, conservadora


se viram obrigados e inflexível sobre a convivência entre raças se viu estupefata frente
a refletir sobre a aos atos terroristas, o que elevou a questão de separação de raça.
segurança nacional, Num instante, brancos e negros se viram obrigados a refletir sobre
o patrimônio da a segurança nacional, o patrimônio da nação, a democracia e sua
nação, a democracia. eficiência, afinal, tudo isso estava sendo atacado.

A cena do negro americano olhando os sinais da destruição e chorando diante


de tamanha barbárie se repetiu com outros negros e com outros brancos. Eles
ficaram frente àquilo que Baudrillard chama de Crime Perfeito. A arma usada no
ataque de 11 de setembro superou a tecnologia avançada da potência terrestre,
não houve como promover a defesa. A morte usada como arma pelo “inimigo”
é implacável, o suicídio para resultar em homicídio é o próprio Crime Perfeito e
“ninguém, nenhuma classe, nenhum grupo, nenhum sujeito pode ser acusado da
responsabilidade por essa realização radical das coisas, essa hiper-realização
incondicional do Real” (BAUDRILLARD, 2001, p. 70). É o kamikaze que vê e aceita
a própria morte – mata a vítima e se mata – fazendo de sua morte um significado ou
tencionando que tenha um significado, um símbolo, que seja então uma estratégia
de ataque, uma arma contra a qual não há uma resposta possível.

Mas o negro segurando a foto traz também uma outra leitura que não pode
deixar de ser feita sob alguns ângulos: quando ele olha os destroços e chora,

38
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

pode estar chorando por conhecidos negros que ali trabalhavam, a maioria,
talvez, como simples empregados, numa condição subalterna. Até por isso, pode
chorar por sua condição de negro e de americano, uma duplicidade que briga em
um corpo escuro cuja força obstinada impede que se destroce.

A imagem do negro chorando pode ser também a imagem da problematização


de ser negro. Du Bois diz que o “negro é uma espécie de sétimo filho, nascido com
um véu e aquinhoado com uma visão de segundo grau neste mundo americano
– um mundo que não lhe concede uma verdadeira consciência de si” (DU
BOIS, 1999, p 54). Esse sétimo filho é uma escala que começa com o egípcio e
gradativamente com o indiano, grego, romano, teutão e o mongol, que vêm antes
fadados ao véu, ao rosto coberto, ao diferente.

E assim, retoma-se a questão da identidade pelo olhar do negro americano,


que pode muito bem ser do brasileiro, do inglês, africano, francês, enfim, ser
negro e ao mesmo tempo americano sem ser amaldiçoado por sua comunidade
e nem pelos negros africanos que ficaram na África ou estão espalhados pela
Europa. Fica-se diante da ideia de identidade fragmentada, que entre outras
coisas precisa disputar e ocupar espaços territoriais, sociais e usufruir do capital
disponível no país. Aliás, essas foram propostas defendidas pelo líder negro
Martin Luther King na década de 1970. Ele defendia a integração entre brancos
e negros em bairros de classe média, nos postos de trabalho, nas universidades,
nos cargos executivos e no poder de decisão do país. Entendia o que Lyotard
(2000) descreve como saber pós-moderno, que não é somente o instrumento dos
poderes. “É o que aguça a sensibilidade para as diferenças e a capacidade de
suportar o incomensurável” (LYOTARD, p. 17).

Dr. Martin Luther King Jr. (1929 – 1968), Prêmio Nobel da Paz
em 1964 e líder antissegregacionista norte-americano.

Vemos que o caminho de integração devia se deslocar do rural para o urbano.


Ou seja, não adianta ficar no campo trabalhando, sobrevivendo da própria produção,
mantendo a identidade pura, absoluta. É preciso invadir as ruas, aprender, obter
conhecimento político, científico e dominar a informação de igual para igual, qualquer
que seja a etnia. Mas para sair do campo e chegar às ruas, ao urbano, é preciso
lutar para atingir a humanidade consciente, recuperar a potência e o gênio latente,
poderes do corpo e da mente perdidos ou esquecidos no passado, exatamente
como ocorreu com os negros escravos brasileiros pós Brasil escravagista. À procura
pela identidade e pelos espaços territoriais, sociais e econômicos longe, muito, mas

39
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

muitíssimo longe das mãos negras. A perda ou o esquecimento não foram sinais de
fraqueza (no caso do negro americano e do brasileiro), mas sim contradições dos
objetivos duplos, que eram escapar do desprezo do branco e tentar se firmar como
cidadão americano ou brasileiro – e aqui as situações são análogas –, beneficiando-
se do país e das normas sociais oferecidas.

O ataque terrorista de 11 de setembro deixou claro para negros e brancos


que, enquanto o preconceito estiver ligado a uma homenagem à civilização,
à cultura, à retidão e ao progresso, o preconceito continuará imperando como
sempre esteve nos Estados Unidos contra asiáticos e latinos. O negro, em
território americano e também em território brasileiro, sempre sentiu o peso
da discriminação, principalmente do pobre. O ideal de desenvolver os traços
e talentos do negro, sem oposição ou desprezo a outras etnias, é permitir que
um dia as etnias possam outorgar-se mutuamente àquelas características que
carecem, porque um dos problemas do século XX foi a barreira racial, que pode
ser revista. Há tempo para essa revisão.

Figura 8 - World Trade Center após ser atingido por dois


aviões, nos atentados de 11 de setembro de 2001

Fonte: Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nova-york-


soma-mais-uma-vitima-ao-numero-oficial-do-11-9>. Acesso em: 28 set. 2011.

Atividade de Estudos:

A mídia é um importante centro de promulgação de ideias e


também age de forma significativa na formação de opinião. Nesta
atividade, proponho a investigação das questões raciais em situações
consideradas como catástrofes humanas como, por exemplo, o

40
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

encontro para o protesto nos 10 anos do ataque terrorista às torres


gêmeas nos Estado Unidos.

Faça um levantamento de como a mídia tratou do assunto


citado anteriormente, ou de um outro que você escolheu pra
investigar, revelando questões de etnia, que estão fortemente
envolvidas. Aponte:

* local do ocorrido (contextualize a cultura);


* as etnias envolvidas;
* motivos da violência segundo a mídia.

Não esqueça de fazer uma ficha técnica da mídia que trouxe as


informações investigadas, por exemplo: TV, programa, revista, jornal,
detalhando as informações de cada veículo de comunicação que
você fez a pesquisa.

Finalize a atividade escrevendo um pequeno texto, com a


temática: “Identidade e violência: o motivo de cada um”.
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O pastor evangélico negro Martin Luther King lutou e morreu por uma causa
que tem como bandeira a liberdade e a igualdade. Em nome dessa bandeira, foi
alimentada a esperança na compreensão e harmonia entre os homens de todas
as etnias, de todas as religiões e de todas as culturas. Tal bandeira passou
a ser levantada por brasileiros, inicialmente, por abolicionistas e depois por
movimentos sociais organizados. A identidade da comunidade negra a partir da

41
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

hibridização só é possível pelo viés defendido por dr. King e seguido por outros
líderes, como o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, que até hoje
luta pelo fim da segregação.

Diante disso tudo, é preciso dizer que, na realidade, não há


Desde cedo,
como satisfazer plenamente a consciência do mundo pós-moderno
houve a união
com complacência, triunfo inevitável da força sobre a fraqueza, do
em igrejas e
certo sobre o errado, dos superiores sobre os inferiores. As potências
na cultura para
americanas e europeias dominaram os povos subdesenvolvidos do
provocar a
mundo sabendo que eles reagiriam, pacificamente ou não. O negro
contrarreação.
foi escravo nos Estados Unidos e no Brasil e sempre deixou claro sua
contrariedade. Desde cedo, houve a união em igrejas e na cultura para
provocar a contrarreação.

MORRISON, Toni. Amada. São Paulo: Companhia das


Letras, 2010.

A discriminação étnica perdura e será um dos problemas a ser resolvido neste


século. A virada do século passado não resolveu questões como a da consciência
corrupta e a do planeta poluído, e há necessidade de se tratar tais assuntos com
relevância, tanto em relação ao meio ambiente quanto à raça e à etnia. Baudrillard
(2001) chama essa falta de solução de marco de uma soma zero do fim do século
XX, porque o “tempo é visto a partir de uma perspectiva de entropia – a exaustão
de todas as possibilidades –, da perspectiva de uma contagem regressiva para o
infinito” (BAUDRILLARD, p 41).

O retorno na história serve para acertar os erros do passado


O retorno na no presente, principalmente a atrocidade cometida com o negro, a
história serve escravidão, a brutalidade em nome do superior sobre o inferior. A
para acertar os revisão se movimenta a partir do marco zero, de uma realidade do
erros do passado passado, para saldar uma dívida social por meio da política, através
no presente, de manifestações em que são utilizados signos multiplicados na luta
principalmente a pela igualdade. A sombra (pele escura) da maioria silenciosa vai dizer:
atrocidade cometida chega de segregação étnica. A identidade fragmentada vem carregada
com o negro, a de signos, peculiares das massas (BAUDRILLARD, 1994, p 25).
escravidão, a
brutalidade em Assim, podemos visualizar a delicada relação dos sujeitos,
nome do superior independentemente do local em que tentam conviver. O negro, sujeito
sobre o inferior. escravo de outros que, imbuídos de ideologias, assumem a supressão

42
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

do outro como parte de sua constituição, no cenário contemporâneo é convidado


a repensar esse lugar de todos. O grande desafio foi e ainda é aceitar o outro em
termos iguais.

Identidade Brasileira e o Hibridismo


Retomando a questão da identidade contemporânea fragmentada,
Os sujeitos do
é pertinente lembrar que nem sempre foi assim. Quer dizer, há três
iluminismo, o
tipos de concepções desenhadas por Hall (2006), que são os sujeitos
sujeito sociológico
do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito
e o sujeito pós-
do iluminismo é um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado
moderno.
das capacidades de razão, de consciência e de ação, em que o centro
consiste num núcleo interior, que emerge pela primeira vez quando o
sujeito nasce e com ele se desenvolve ao longo da existência do indivíduo. O centro
essencial do eu é a identidade de uma pessoa. No sujeito sociológico, se reflete a
crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que esse núcleo
interior do sujeito não é autônomo e autossuficiente, mas é formado na relação
com “outras pessoas importantes para ele”, que medeiam para o sujeito os valores,
sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele habita. Essa identidade é
formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou
essência interior que é o “eu real”, mas esse é formado e modificado num diálogo
contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos
oferecem. Já o sujeito pós-moderno, nessas classificações de Hall (2006), não
tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ela torna-se uma “celebração
móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais
somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.

A partir desse levantamento histórico das identidades se chega ao O sujeito assume


contemporâneo em que o sujeito assume identidades diferentes em vários identidades
momentos e que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. São diferentes em
possibilidades contraditórias empurrando em diferentes direções, de uma vários momentos
maneira tal que as identificações estão sendo continuamente deslocadas. e que não são
À medida que os sistemas de significação e representação cultural se unificadas ao
multiplicam, surge o confronto de multiplicidades, desconcertantes redor de um “eu”
e cambiantes, de identidades possíveis de identificações, ao menos coerente.
temporariamente. Descartes (1978) percebeu que o sujeito moderno
“nasceu” no meio da dúvida e do ceticismo metafísico. É um acerto de
contas com Deus ao torná-lo o Primeiro Movimentador de toda criação
e, assim, passa a explicar o resto do mundo material inteiramente em
termos mecânicos e matemáticos.

43
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

A formação do eu no “olhar do Outro”, de acordo com Lacan (1972), inicia a


relação da criança com os sistemas simbólicos fora dela mesma e é o momento
de sua entrada nos vários sistemas de representação simbólica – incluindo a
língua, a cultura e a diferença sexual. O existencialista Sartre (1997), em “O Ser e
o Nada”, também trata desse olhar, que está muito ligado à questão da identidade.
Dessa forma, os sentimentos contraditórios e não resolvidos que acompanham
essa difícil entrada permeada por sentimentos divididos entre amor e
ódio pelo pai, aspecto sobre a formação do eu analisado por Lacan e
Os artesãos que Freud, são entrelaçados ainda pelo desejo de agradar e pelo impulso
não chegam a em rejeitar a mãe. É o conflito entre o bem e o mal, a divisão desse eu
ser artistas, a entre suas partes “boa” e “má”. Esses sentimentos são aspectos chave
individualizar-se, da formação do inconsciente do sujeito. “A identidade é realmente algo
nem a participar formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e
do mercado de não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento”
bens simbólicos (HALL, 2006, p. 38).
legítimos.
Diante desse indivíduo deslocado, confrontado por multiplicidades
desconcertantes que interagem com processo de formação de uma
O popular surge cultura brasileira, surge o que Canclini (2003) chama de encenação
através de do popular, baseado na ideia do excluído, aquele que não tem
três correntes: patrimônio ou não consegue que ele seja reconhecido e conservado,
o folclore, como os artesãos que não chegam a ser artistas, a individualizar-
as indústrias se, nem a participar do mercado de bens simbólicos legítimos. Para
culturais e o explicar melhor o que seria o popular, Canclini (2003) lembra que os
populismo espectadores dos meios massivos que ficam de fora das universidades
político. e dos museus, “incapazes” de ler e olhar a alta cultura, agem assim
porque desconhecem a história dos saberes e estilos. Dessa forma, o
popular surge através de três correntes: o folclore, as indústrias culturais
No carnaval
e o populismo político (CANGLINI, p. 207). O autor observa também
são invertidas
que o povo fica de fora no momento de analisar a cultura, pois o que
as ordens
interessa são os bens culturais: objetos, lendas, música, e não quem
tradicionais de
gera e consome. O folclore, por exemplo, é constituído de um conjunto
uma sociedade
de bens e formas culturais tradicionais, principalmente de caráter oral
em que a
e local, sempre inalterável. A evolução das festas tradicionais, da
intersecção de
produção e venda de artesanato revela que essas não são mais tarefas
negros e brancos,
exclusivas dos grupos étnicos, nem sequer de setores camponeses
etnias antigas e
mais amplos, nem mesmo da oligarquia agrária.
grupos modernos
pretendem
Canclini (2003) e Tinhorão (2001), que é um estudioso da música
resolver-se
popular brasileira, concordam que no carnaval são invertidas as ordens
mediante
tradicionais de uma sociedade em que a intersecção de negros e
hierarquias
brancos, etnias antigas e grupos modernos pretendem resolver-se
severas.
mediante hierarquias severas: troca-se a noite pelo dia, os homens se

44
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

fantasiam de mulher, os negros, os trabalhadores aparecem mostrando o prazer


de viver atualizados no canto, nas dança e no samba. Nem a modernização exige
abolir as tradições, nem o destino fatal dos grupos tradicionais é ficar de fora da
modernidade. Aliás, a arte corresponderia aos interesses e gostos da burguesia
e de setores cultivados da pequena burguesia. Desenvolve-se nas cidades, fala
delas e, quando representa paisagens do campo, faz isso com ótica urbana.
Canclini (2003) conclui que não há uma única forma de modernidade, mas várias,
desiguais e às vezes contraditórias.

O contrário pode ser pensado a partir de Bhabha (1998), quando diz que as
diferenças culturais devem ser compreendidas no momento em que constituem
identidades e que suas reivindicações são nominativas ou normativas e em um
momento preliminar, passageiro (BHABHA 1998, p 322). Ou seja, quando se trata da
formação de uma consciência negra, tanto pelo olhar do americano ou do brasileiro,
vamos tratar da diversidade cultural e a influência na formação da identidade
contemporânea. A afirmação distintiva é que o negro tem uma mensagem poética,
uma mensagem que não é apenas diferente, mas valiosa. Appiah (1997) acrescenta
que “não há nada no mundo capaz de fazer tudo aquilo que pedimos que a raça
faça por nós... e falar de “raça” é particularmente desolados para aqueles de nós
que levamos a cultura a sério” (APPIAH, 1997, p 75). Ele explica ainda que onde a
raça atua é como uma espécie de metáfora da cultura e a cultura popular
é um encontro das manifestações dessas etnias. Por isso, todo brasileiro, A cultura
conforme Gilberto Freyre, “mesmo alvo, de cabelo louro, traz na alma e popular é um
no corpo a sombra, a pinta do indígena ou do negro e esta influência encontro das
direta, ou vaga e remota, é do africano” (FREYRE, 2001, p. 489). E é manifestações
com esse hibridismo que a cultura popular brasileira vai se formar e a dessas etnias.
identidade do brasileiro irá se fragmentar na contemporaneidade.

Atividade de Estudos:

Construa sua identidade cultural através de suas práticas


cotidianas. Organize um retrato diferente. Construa um rosto
substituindo as formas básicas de construção: não utilize olhos,
nariz e boca, e sim hábitos culturais em que utilizamos nossos
sentidos. Por exemplo, faça um desenho relativamente grande, em
papel A3. Construa apenas os limites do rosto e depois construa seu
“autorretrato cultural”, desenhando, escrevendo ou colando figuras
que revelem suas práticas culturais como:

* No lugar dos olhos: imagens ou nomes de seus filmes preferidos,


peças de teatro, livros e programas de TV.

45
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

* No nariz: os seus cheiros preferidos, que podem ser representados


por perfumes, ambientes.
* Boca: seus hábitos alimentares. Aproveite e investigue as
influências culturais presentes em sua alimentação, a origem dos
alimentos que você consome diariamente.
* Orelhas: as músicas que você escuta. Cite apenas o nome ou
escreva uma parte.
* Finalize o rosto construindo os cabelos. Aqui você pode dar
preferência à cor, buscando suas influências étnicas.
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Pensar na identidade brasileira é buscar as influências que se configuram


nessa formação, seja ela facilmente identificada ou apresentada de forma velada.
Nesse sentido, o brasileiro se organiza como um ser complexo, pluricultural e
muitas vezes em tensão, na busca do seu eu e de seu lugar na sociedade.

Essa pluralidade e conceitos também se encontram na esfera da cultura.


Assim como o brasileiro é fruto de várias influências étnicas, a cultura também se
apresenta entrelaçada por essas influências, assunto abordado no próximo tópico.

A Diversidade no Âmbito da Cultura


A diversidade cultural no Brasil se configura de forma intensa devido às
muitas formas culturais presentes nas também diversas sociedades. Em seus
limites territoriais, nomeados por regiões, encontramos inúmeras fontes de
manifestações culturais, são os vários Brasil(s). Cada sociedade e seus costumes,
sejam de ordem religiosa ou cultural, trazem a as influências recebidas atreladas

46
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

à sua identidade. O entendimento acerca da diversidade cultural é de suma


importância, por garantir que essas práticas continuem sobrevivendo, ainda que
sua forma apresente alterações. Os dirigentes dos países, através de sua política,
já têm anotado em suas pautas de discussão a questão da diversidade cultural.

Em 2001,quando a Unesco aprovou a Declaração Universal


sobre a Diversidade Cultural, causou polêmica entre os países
envolvidos, principalmente nos Estados Unidos, que têm seus
filmes e músicas vendidos na maior parte do Planeta. Um
negócio colocado na mesa pelos seus governantes diante dos
representantes dos demais países, envolvendo negociações
comerciais como os produtos agrícolas, por exemplo.
(CABRAL, 2005 p. 01)

Perante o projeto de homogeneização do mundo globalizado,


Perante o
resguardar as práticas culturais herdadas passa a ser um desafio
projeto de
que exige o comprometimento de todos. Obviamente, ter esse
homogeneização
cuidado garantido por lei confere espaços férteis para o cultivo da
do mundo
cultura brasileira em sua diversidade. Nesse espaço de cultura, há a
globalizado,
presença dos escravos africanos, dos indígenas, dos europeus e de
resguardar as
toda uma tradição materializada em ritos e crenças que se mesclam,
práticas culturais
conservando, no entanto, o cerne de cada raça. O mais bonito do
herdadas passa
Brasil está em sua geografia generosa, no campo territorial vasto, que
a ser um desafio
alimenta as manifestações culturais, em sua complexidade. Do Bumba
que exige o
meu Boi ao Boi de Mamão, quais as diferenças e semelhanças que
comprometimento
estão presentes nessa forma de manifestação cultural? Da Maricota
de todos.
aos bonecos de Olinda, do Axé ao Samba, o que essas formas de
cultura têm em comum? A resposta pode ser os traços (in)comuns que
configuram o Brasil em sua diversidade étnico-regional.
A capoeira,
por exemplo,
Apesar da identificação de algumas regiões com determinadas
identificada
formas culturais, nem por isso os limites da fronteira impedem que
como referência
outras regiões tenham a mesma manifestação cultural, a capoeira, por
identitária da
exemplo, identificada como referência identitária da região nordeste,
região nordeste,
está presente em várias partes do país, sendo inclusive parte de
está presente
projetos educacionais e de inclusão social.
em várias partes
do país, sendo
inclusive parte
de projetos
educacionais e de
inclusão social.

47
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 9 - Fablicio e Wagner em apresentação de capoeira

Fonte: a autora.

Outras manifestações culturais, no entanto, têm a marca da região, como,


por exemplo, o Festival de Parintins, no Amazonas. Nesse sentido, a preservação
da diversidade cultural é fundamental por incentivar o desenvolvimento dessas
formas de manifestação que são o rosto, no sentido de apresentar os costumes
de cada região. A rivalidade entre torcedores dos bumbás é comparada à disputa
existente no futebol entre flamenguistas e vascaínos.

Figura 10 – Bois Bumbás

Fonte: Disponível em: <http://olhaja.wordpress.com/2010/06/06/


festa-do-boi-bumba-em-parintins/>. Acesso em: 28 set. 2011.
Algumas
práticas culturais
No entanto, algumas práticas culturais assustam, e provocam
assustam,
discussão em torno de sua importância para esse conceito de
e provocam
diversidade, como no caso da guerra de espadas, praticada na Bahia.
discussão em
A polêmica Farra do Boi, em Santa Catarina que, com ritos de crueldade
torno de sua
ao animal, diverte os que entendem essa ação como prática cultural, ou
importância para
ainda, a tão discutível festa cultural dos colonos de origem alemã, que se
esse conceito de
divertem em uma disputa de carregamento de pesos por seus animais de
diversidade.
tração, os cavalos, na tão discutida Puxada, também em Santa Catarina.

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Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

Figura 11 - Símbolo da luta contra a Farra do Boi e a Puxada em Santa Catarina

Fonte: Disponível em: <http://www.wspabrasil.org/eventos/2011/Manifestacao-em-Santa-


Catarina-contra-Farra-do-Boi-e-as-Puxadas-de-Cavalos.aspx.>. Acesso em: 29 set. 2011.

Nesses casos, os valores são medidos pela questão do respeito ao


Os valores são
ser vivo, sejam eles de que natureza for, e por isso seria de boa evolução
medidos pela
relegar essas práticas ao passado, aprender e emancipar os sujeitos
questão do
que, longe de práticas que estimulam a violência, possam conviver
respeito ao ser
melhor com seu planeta. Leonardo da Vinci (1452 – 1519), representante
vivo.
do Renascimento, entre suas pesquisas, tinha também um olhar para
o relacionamento homem e animal, divulgando sua preocupação na
frase atribuída a ele: “Virá o dia em que a matança de um animal será
considerada crime tanto quanto o assassinato de um homem”.

Figura 12 - Pintura “Dama com Arminho” - Leonardo da Vinci

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/HRVqVW>. Acesso em: 29 set. 2011.

49
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Assim, as práticas culturais, independentemente do local, devem ter um


parâmetro de respeito à vida. Nenhum tipo de violência ou crueldade deve ser
justificado através dos hábitos culturais. Assim como são construídos pelos
sujeitos que estão inseridos na sociedade, esses têm o poder e a responsabilidade
de promover as mudanças necessárias para que se alcance um padrão de cultura
de respeito e dignidade a todos. No tópico a seguir, apontamos os marcos teóricos
da cultura dita popular.

Cultura Popular: Marcos Teóricos


No âmbito dos estudos acerca da cultura popular, é a antropologia social
que irá se debruçar sobre a definição e os entrelaçamentos acerca do conceito.
A dupla de palavras “cultura” e “popular” forma um termo que parece suscitar
discussões quanto ao seu entendimento como um todo. O termo “cultura” está
associado ao domínio de saberes, sugerindo prestígio. Já o “popular” refere-se ao
povo, à maioria e, por isso, comum, de valor duvidoso. A junção das duas palavras
parece causar uma perda ou uma modificação em seu valor perante a sociedade.
A cultura popular tem sua importância em determinado espaço da sociedade, e
cumpre determinada função, muitas vezes de identificação regional.

Muita gente torce o nariz, levanta as sobrancelhas ou


movimenta-se com impaciência quando ouve o enunciado
“cultura popular”. Isto se deve a, pelo menos, dois motivos. Em
primeiro lugar, ao fato dessa noção ter servido a interesses
políticos populistas e paternalistas, tanto de direita quanto de
esquerda; em segundo ao fato de que nada de claramente
discernível e demarcável no concreto parece responder
aos múltiplos significados que ela tem assumido até agora.
(ARANTES, 1981, p.9).

Perante o indefinido, a atitude da sociedade é localizar um lugar para as


manifestações ditas populares, ficando assim livre da necessidade de entender a
pluralidade contida na esfera popular. O que acontece na definição de cultura é a
pontuação de determinados sentidos de ação e atitudes que conferem o alcance
do que é considerado culto, apontando claramente os limites impostos pela
sociedade, deixando em segundo plano as atividades e manifestações que não se
encaixam nos moldes que conferem autenticidade à cultura.

Refletindo com cautela, entretanto, logo perceberemos que,


por sobre essas diferenças, alguns valores e concepções
são implementados socialmente, através de complexos
mecanismos de produção e divulgação de ideias, como
se fossem ou devessem se tornar, os modos de agir e de
pensar de todos. É essa, na verdade, uma das funções mais
importantes (embora não a única) das escolas, das igrejas,

50
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

dos museus e dos meios de comunicação de


massa. (ARANTES, 1981, p.13).

Cabe às instituições reafirmar as diretrizes da cultura, diferenciando-a


do que é popular. Observa-se uma categorização nas formas de se
tratar o popular, deixando uma distância significativa entre determinados
sujeitos de uma mesma sociedade. A arte e suas manifestações em
A dança e a
todas as esferas são as que mais ficam na mira desses conceitos. A
dança popular
dança e a dança popular ou folclórica, a música e a música popular, a
ou folclórica,
arte e o artesanato, a escultura e a cerâmica, a gravura e o cordel, a
a música e a
religião e as crenças, a gastronomia e a culinária estão entrelaçadas em
música popular,
seus elementos constituintes, mas em diferentes lugares na coletividade.
a arte e o
Nessas questões, e em outras tantas que permeiam o cotidiano da
artesanato, a
sociedade, enfatiza-se as diferenças na busca do distanciamento ou
escultura e a
da separação dos elementos da cultura. A definição de parâmetros
cerâmica, a
culturais objetiva homogeneizar a sociedade, que deverá ser educada
gravura e o
e desenvolver bom gosto. Em nenhum momento se problematiza
cordel, a religião
a definição desse gosto e sim se concentra no desenvolvimento de
e as crenças, a
mecanismos políticos na sociedade que assegurem a imposição dessas
gastronomia e a
definições. Assim, o popular vai se construindo à margem do que deseja a
culinária.
minoria da sociedade, dita culta, possuidora das luzes do conhecimento.

A cultura brasileira, por suas características de multiplicidade, é À margem


de difícil encaixe para sua definição. Por isso se pensa em culturas, das culturas,
porque as especificidades nas linguagens culturais são de tamanha porque as
vastidão que parece tarefa impossível definir o que é cultura popular, especificidades
seja quais forem os parâmetros adotados. Pensar a cultura acarreta a nas linguagens
análise das relações pessoais dos indivíduos em sociedade. culturais são de
tamanha vastidão
Em se tratando de vida social, a cultura
que parece
(significação) está em toda parte. Todas as nossas
ações, seja na esfera do trabalho, das relações tarefa impossível
conjugais, da produção econômica ou artística, definir o que é
do sexo, da religião das formas de dominação e cultura popular,
de solidariedade, tudo nas sociedades humanas
é constituído segundo os códigos e convenções seja quais forem
simbólicas que denominamos de cultura. os parâmetros
(ARANTES, 1981, p.34). adotados.

Nesse sentido, a decodificação dos símbolos presente em cada


cultura pode contribuir para a compreensão do que, de início, parece Os estudos
estranho. No entanto, os estudos semióticos acerca dos símbolos semióticos acerca
agregam valor ao estudo da cultura. Em se tratando de cultura popular, dos símbolos
os entremeios que configuram cada manifestação são regados por agregam valor ao
outros fatores que a tornam assim complexa. estudo da cultura.

51
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Esta postura nos convida a compreender de que modo, a partir


de uma linguagem muitas vezes comum a todos os membros
de um grupo social diferenciado, expressam-se compreensões
variadas e às vezes conflitantes acerca de questões sociais
fundamentais. Ou seja, transparece, nesse modo de
interpretar a cultura entre uma língua e suas múltiplas falas,
não as possibilidades lógicas e abstratas de um sistema de
comunicação, gerador de infinitas mensagens a partir de um
conjunto finito de regras, mas a articulação de ponto de vista
de grupos que possuem interesses políticos diversos e muitas
vezes divergentes. (ARANTES, 1981, p.36).

Os estudos semióticos apontam a cultura como o conjunto de informações que


ela possui. Essas informações são mutáveis no que se refere à sua interpretação,
que está atrelada ao seu contexto. O processo de divulgação desses códigos
culturais é transferido pelos indivíduos para os que fazem parte do seu grupo. No
entanto, cabe ressaltar que essas informações são influenciadas também pelos
sujeitos, que a recebem e repassam os saberes adquiridos. Nesse sentido, os
elementos da arte laboram como linguagem.

Linguagem é também entendida como a que se expressa não


por signos linguísticos, mas por outros signos, seja através da
arte, da técnica de representação e de expressão gráfica, da
imagem de um tema real ou imaginário, em suas várias formas
e objetivos, sejam eles lúdicos, artísticos, científicos, técnicos
e pedagógicos. (MACHADO 1998, p. 20).

Sendo assim, determinadas ações sociais são interpretadas/comunicadas


dependo do contexto em que os sujeitos estão inseridos. É possível notar que esta
forma de interpretação e comportamento está atrelada aos interesses políticos e
sociais de cada sociedade, conferindo status de valor a formas de conduta perante
manifestações artísticas e culturais. Como exemplo de interpretação de conceitos, é
possível citar as campanhas e os discursos políticos e sua estruturação na forma de
sua apresentação. Aqui, as questões que são apontadas por candidatos e eleitores
têm significados distintos, embora aparentemente se pareçam. A saúde, o combate
à pobreza, e até mesmo o voto são entendidos conforme o interesse de cada grupo.
Nesse sentido, a interpretação dessas situações está atrelada à visão dos sujeitos
que se encontram perante elas, mesmo pertencendo à “mesma” sociedade. É
comum que em algumas campanhas políticas, alguma atividade cultural faça parte
do espetáculo, sendo que, dependendo da região, determinado grupo musical ou
teatral é cuidadosamente escolhido para agregar valor à intenção de comunicação
e disseminação de desejos políticos. Assim, a questão da cultura popular se mostra
em sua complexidade também como elemento de interesse ou desinteresse,
dependendo de seu contexto. Nesse rastro,

A chamada arte popular, produzida por um grupo profissional


de especialista (indústria cultural), era vista, por outro lado,

52
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

como mais apurada e apresentando alto grau de


elaboração técnica superior à primeira (arte do Cultura negada,
povo, grifo nosso). Não obstante, seu objetivo padronizada.
supremo consiste em distrair o espectador em
Cultura
vez de formá-lo, entretê-lo e aturdi-lo, em vez de
despertá-lo para a reflexão e a consciência de si explorada.
mesmo. (ARANTES, 1981, p. 53). Cultura como
instrumento de
Cultura negada, padronizada. Cultura explorada. Cultura como dominação, de
instrumento de dominação, de aniquilamento das particularidades de aniquilamento das
grupos, cultura como marca da história que ainda vive. A arte de cada particularidades
povo simboliza a sua identidade, então cabe perguntar qual arte e qual de grupos, cultura
identidade conhecemos do outro, e de nós mesmos. No viés dessa como marca da
reflexão, a cultura popular deve ser respeitada e entendida como forma história que ainda
de se garantir as condições materiais de cunho artístico e cultural vive.
necessárias ao povo, que visa às modificações necessárias da sociedade
em que os sujeitos estão inseridos. Esses sujeitos são constituídos por
elas e a constituem, em um processo dialético para a emancipação. A cultura
popular deve
Figura 13 - A diversidade brasileira ser respeitada
e entendida
como forma
de se garantir
as condições
materiais de
cunho artístico
e cultural
necessárias
ao povo.

Fonte: Disponível em: <http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-


do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/>. Acesso em: 29 set. 2011.

53
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 14 - A Mistura da Cultura Brasileira

Fonte: Disponível em: <http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-


do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/>. Acesso em: 29 set. 2011.

”Família Alcântara”: documentário sobre os descendentes da


etnia bantu, de Angola, que chegaram ao Brasil como escravos, mas
preservaram sua cultura.

Figura 15 - Família Alcântara

Fonte: Disponível em: <http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-


do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/>. Acesso em: 26 out. 2011.

54
Capítulo 2 Uma Questão de Cultura e Identidade

Se você quiser saber sobre a Declaração Universal da


Diversidade Cultural, poderá baixar o material da UNESCO sobre
essa temática no site:

http://unesdoc.unesco.org/images/0012 /001271/127160por.pdf.

Algumas Considerações
Pensar a cultura brasileira obrigatoriamente nos leva a rever o início da
colonização e todas as suas transformações, ou seja, pensar sobre os que aqui
já estavam, os índios e os demais que chegaram, pensar em como esse encontro
resulta em uma tensão muitas vezes violenta.

A vida de todos nesse contexto segue sua trajetória, agregando e segregando


valores, selecionando o que entendemos como parte de nós. No entanto, a
cultura herdada através das manifestações artísticas, da religião, da alimentação,
é fruto da riqueza dos que às vezes entendemos como diferentes, mas que são
desprovidos dos direitos que nós temos.

A intolerância ao outro, o racismo, a discriminação, a violência podem estar


embutidos em práticas culturais e, assim, a avaliação crítica de nossa cultura e o
conhecimento dos fatores que resultaram nessa cultura é fundamental. Os livros
trazem informações valiosas acerca dessas questões, mas também o cotidiano,
vivido por cada um de nós, é fonte riquíssima de reflexão para a convivência justa
com as diferenças. Como viver junto? O desafio é de todos.

Referências
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense,
1998.

APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura.


Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

55
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

_____ A sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das


massas. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da


modernidade. São Paulo: Edusp, 2003.

CABRAL, Eula de Taveira. Diversidade cultural: é preciso reagir e lutar. Editora


do Informativo Eletrônico SETE PONTOS. http://www.comunicacao.pro.br/
setepontos/30/diversidade.htm

DESCARTES, Rene. Discurso sobre o método. São Paulo: Hemus, 1978. 136p.

DU BOIS, Willian Edward Burghardt. As almas da gente negra. Rio de Janeiro:


Lacerda Ed., 1999.

FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed.


DP&A, 2006.

HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Ed. Imago,


1991.

LACAN, Jacques; MASOTTA, Oscar (coord.). Las formaciones del


inconsciente. Buenos Aires: Nueva Vision, 1972. 173p.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José


Olympio, 2000.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 2. ed.


Petrópolis: Vozes, 1997. 782p. Tradução de: Lïetre et le neant : Essai dïontologie
phenomenologique.

TINHORÃO, José Ramos. Cultura popular: temas e questões. São Paulo: Ed.
34, 2001. 188p.

56
C APÍTULO 3
Os Entrelaçamentos
entre Arte e Cultura

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Entender a cultura em suas raízes de múltiplas influências.

99 Identificar as especificidades que compõem o entrelaçamento de arte e cultura


e os conflitos existentes.

99 Conhecer o termo folclore e suas implicações culturais, nos enfoques teóricos.

99 Desenvolver olhar flexível sobre a cultura brasileira, como táticas de resistência


na oralidade e na escrita.

99 Refletir sobre a arte também como reflexo e fruto do meio cultural.


Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

58
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

Contextualização
Neste capítulo, abordamos as questões que ligam a arte e a cultura.
No decorrer do texto, fundamentos filosóficos apontam essa aproximação e
também as peculiaridades de cada fenômeno atreladas às matrizes éticas que
as fundamentam. O folclore também se apresenta como forma de manifestação
artística e fundamentalmente cultural.

Além disso, neste capítulo estudaremos o entrelaçamento da arte e da


cultura nos conflitos existentes. Também conheceremos o termo folclore e as suas
implicações culturais.

A Arte e a Cultura
Ao entendermos a arte como ação humana, vamos ao encontro
da cultura, entendida também como espaço constituído por elementos
A obra de arte,
humanos. Arte e cultura estão associadas ao trabalho humano, cada
independentemente
uma com suas especificidades e seu contexto. Assim como a obra de
do suporte que a
arte, independentemente do suporte que a apresenta, traz em sua
apresenta, traz em
composição o pensamento do artista acerca da sociedade em que
sua composição
ele está inserido, suas faces e seus conflitos, também a cultura reflete
o pensamento do
a sociedade, sendo constituída por ela e a constituindo ao mesmo
artista acerca da
tempo.
sociedade em que
ele está inserido,
Arte e cultura passam por mudanças em sua concepção no
suas faces e seus
decorrer do tempo, no entanto, não se afastam de sua habilidade de
conflitos, também
reflexo do meio social em que existem. Os fenômenos constituintes
a cultura reflete a
da cultura de cada grupo étnico vão revelar os valores desse grupo,
sociedade, sendo
bem com suas crenças, costumes, rituais. Também a arte de cada
constituída por ela
grupo será afetada de forma direta na sua composição, na escolha de
e a constituindo ao
materiais, formas e cores. Nesse sentido, arte e cultura são feitios de
mesmo tempo.
uma determinada sociedade que também é atingida de forma direta
por influências múltiplas de matrizes étnicas.

No que se refere à arte brasileira e à cultura brasileira, temos os indígenas


como referência de um povo que é fortemente influenciado pelos europeus e os
africanos, um se sobressaindo em relação ao outro nesse cenário de troca de
experiências. No caso especifico do Brasil, a cultura europeia foi imposta à jovem
terra colonizada, mas não absorvida de forma neutra. A colonização europeia e
a chegada dos africanos propiciaram a construção de uma cultura rica na sua
diversidade de elementos. A arte também.

59
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 16 - Obra de Hélio Oiticica

É coerente
perante a
multiplicidade de
elementos que a Fonte: Disponível em: <http://topicos.estadao.com.br/fotos-
cultura brasileira sobre-masp/metaesquema-1957-de-helio-oiticica-obra-faz-
parte-da-colecao-itau-exposta-no-masp,89849986-29c2-4a52-
apresenta não
a723-a5bf48e50331>. Acesso em: 03 dez. 2011.
eleger qualquer
escala de valor,
No cenário contemporâneo, a discussão em torno da cultura é tema
pois não cabe
recorrente, pois a multiplicidade de informações contidas em hábitos
atitude seletiva,
cotidianos de grupos que compõem uma mesma sociedade exige olhar
e sim postura
o outro a partir de um entendimento flexível. Já não é possível, em terra
de respeito e
brasiliana, falarmos em uma cultura singular, mas sim nas culturas
assentimento
constituintes do povo brasileiro, das muitas cores, crenças, ritmos,
das diferenças,
sabores, valores. É coerente perante a multiplicidade de elementos que
abandonando
a cultura brasileira apresenta não eleger qualquer escala de valor, pois
o pensamento
não cabe atitude seletiva, e sim postura de respeito e assentimento
norteador de
das diferenças, abandonando o pensamento norteador de uma cultura
uma cultura
etnocêntrica. No entanto, não podemos deixar de problematizar a
etnocêntrica.
cultura dita popular.

O termo cultura popular traz em sua base inúmeras questões


conceituais, se referindo diretamente ao povo. Frente a isso, cabe
indagar: quem é esse povo? Como se constitui? Que lugar ocupa na
sociedade? Quais os critérios utilizados na definição de “popular”?

Marilena Chauí, em seu livro “Conformismo e Resistência”, faz uma


abordagem profunda sobre a cultura popular. Aponta que o termo popular está

60
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

diretamente relacionado ao subalterno, ao regional, ao tradicional e ao folclore:


Kitsch. Na música, essa separação se destaca na utilização do termo “música
popular” e “música erudita”.

Ao se tratar da cultura, a discussão envolve a história de cada


Ao entender a
civilização. Nesse sentido, o progresso de cada civilização organiza
parte histórica da
sua cultura, sendo influenciadora das novas nações e herdando as
cultura de cada
influências de seus antepassados. No século XVIII, segundo Chauí
civilização, Chauí
(1989), os termos “cultura” e “civilização” são entendidos pelo olhar
(1989) novamente
da Filosofia como distintos. Em Rosseau, a cultura está ligada à
vai assinalar a
bondade natural, à espiritualidade, sentimento e imaginação. Já o
contribuição da
termo “civilização”, como convenção sociopolítica, está relacionado a
filosofia, agora
um artifício. A autora aponta também que, na filosofia kantiana, cultura
em Hegel, em
e civilização se aproximam, em equilíbrio. Ao entender a parte histórica
que a cultura
da cultura de cada civilização, Chauí (1989) novamente vai assinalar
mostra os modos
a contribuição da filosofia, agora em Hegel, em que a cultura mostra
de vida da
os modos de vida da sociedade, sendo um trabalho do espírito. Já em
sociedade, sendo
Karl Marx, a autora registra a relação material dos sujeitos sociais,
um trabalho do
amparada nas condições disponíveis. E a cultura como campo das
espírito.
formas simbólicas encontra sustentação em Cassirer e Merleau-Ponty.
Assim, o termo cultura ganha desvios, significados díspares nas teorias
desenvolvidas por cada olhar da Filosofia.

Figura 17 – Obra de arte de Escher

Fonte: Disponível em: <http://www.mcescher.com/Gallery/


gallery-recogn.htm/>. Acesso em: 03 dez. 2011.

61
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Se você quiser conhecer mais sobre as obras de Escher, acesse


o site: http://www.mcescher.com/Gallery/gallery-recogn.htm .

Vale a pena conferir como o artista une Arte e Matemática em


imagens espetaculares.

No cenário atual, a cultura popular está atrelada diretamente ao


Essa herança
povo, este povo entendido como a maioria, o coletivo, o maior número
tem origem na
de pessoas que convive em determinados locais, sendo que em cada
constituição das
região apresenta características específicas.
sociedades,
em que
alguns poucos Existe uma separação conceitual dos elementos culturais,
integrantes foram denominados como culto e inculto. Essa herança tem origem na
considerados constituição das sociedades, em que alguns poucos integrantes foram
portadores considerados portadores de direitos e conhecedores do dever e da
de direitos e razão, em vista de outros que, ignorando determinados saberes, deviam
conhecedores ser orientados, dirigidos, educados. Surge a classe erudita, culta, os
do dever e intelectuais, alguns. Existe também, a grande maioria, o povo, popular,
da razão, em muitos. Esses sujeitos populares, desprovidos de razão, dedicavam
vista de outros seu tempo e seu trabalho à satisfação de suas necessidades básicas.
que, ignorando
determinados Nesse cenário, a arte e a política estão a construir uma sociedade
saberes, deviam que visa o progresso e, assim, ações utilitaristas devem ocupar o
ser orientados, pensamento dos dirigentes, responsáveis pela educação e construção
dirigidos, dessa sociedade. O que reflete o popular, o imediato dos que compõem
educados. a maioria é desmerecido. Existe um modelo a seguir, virtuoso e eleito
como ideal pelos ditos intelectuais da sociedade. Os elementos
constitutivos dessa nova sociedade que não estiverem próximos a esse
ideal, são desconsiderados por serem incultos. Pertencem ao povo, à
maioria. São populares.

RICUPERO, Bernardo. O Romantismo e a Ideia de Nação


no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

62
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

Figura 18 – Livro de Ricupero

Fonte: Disponível em: <http://www.bondfaro.com.br/preco--livros-


-o-romantismo-e-a-ideia-de-nacao-no-brasil-1830-1870-bernardo-
ricupero-8533620756.html>. Acesso em: 10 out. 2011.

Será no movimento denominado Romantismo, ocorrido na Europa, que


questões atreladas ao popular irão ser questionadas, repensadas. Longe do olhar
de inferioridade daqueles que organizam e delimitam o espaço dado às expressões
populares, os românticos entenderam as manifestações do povo como genuínas,
puras, merecedoras de todo o louvor. Longe dos cânones orientadores da arte
vigente, a cultura popular revelou-se, nesse período, como verdadeira e divina.

O romantismo baseia-se mais numa atitude mental que numa


série de tendências estilísticas determinadas, e está ligado
à expressão de ideias que tendem a ter uma origem mais
verbal que visual. Um templo arruinado neste contexto é mais
significativo que um templo novo, pois veicula de modo mais
apropriado a passagem do tempo e a fragilidade humana.
(CHILVERS, 2001, p.459).

Neste ponto, Chauí (1989) revela que essa postura dos Já a cultura erudita
românticos é uma resposta ao modelo neoclássico imposto. Em é vista como ligada
claro protesto contra a arte clássica imposta, a busca da natureza à arte, no entanto,
e seus elementos vão elevar as expressões da cultura popular, necessitada em rever
cultura não contaminada, ainda pura, segundo os românticos. Nesse posturas perante
contexto, o resgate da cultura indígena na América Latina ganha as manifestações
espaço, por ser entendida como próxima da natureza, e longe dos artísticas,
ideais da classe dominante. desenvolvendo seu
lado mais humano,
No Brasil, as diferenças entre cultura e cultura popular são resgatando a
discutidas de forma acirrada já nos anos 60, através das vanguardas sensibilidade.

63
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

artísticas. Herdeiras do ideal romântico, o povo e sua cultura são entendidos pelos
artistas como carente de sensibilidade para seu aprimoramento e necessitados de
um contato maior com a produção artística. Já a cultura erudita é vista como ligada à
arte, no entanto, necessitada em rever posturas perante as manifestações artísticas,
desenvolvendo seu lado mais humano, resgatando a sensibilidade. Essa relação
vai apontar a força das ideologias, problematizadas em Gramsci, segundo (CHAIU,
1989), que vê a cultura como um processo global, contendo representações com
valores definidos em época e lugar. Alerta também que a ideologia dominante, de
alguma forma, é indiferente aos valores fundamentais da cultura.

Nesse sentido, a ideologia aqui discutida, essa em junção com os processos


históricos e também da cultura, não é estanque, passa por transformações e
permite a resistência. No entanto, reconhecemos que a cultura em uma sociedade
para todos tem sentido diferente, marcando, em seu espaço, condições
diversificadas de vida, dependendo da classe social em que se revela. Ao
prevalecer determinada ideologia, cabe convencer a massa a aceitar também os
padrões estéticos estabelecidos por um pequeno grupo, favorecendo o controle e
a dominação de uma minoria sobre uma maioria:

Nos dias de hoje, as estratégias elaboradas para alienar as


classes populares não contam apenas com mecanismos de
esfera política e econômica. Com o poder tecnológico dos
meios de comunicação de massa cada vez mais aperfeiçoados
e potentes, reproduz-se um círculo vicioso de alienação que
perpassa todos os âmbitos a cultura humana, afetando tanto
o cotidiano quanto as relações econômicas, sociais e políticas
A cultura de das pessoas. (ZITKOSKI, 2006, p. 31).
massa visa
disseminar Nesse olhar global, ocorre a discussão em torno da “cultura de
atitudes de massa”, na teoria dos frankfurtianos Adorno, Horkheiner e Marcuse
consumo por (CHAUÍ, 1989, p.27). A cultura de massa visa disseminar atitudes de
parte dos consumo por parte dos integrantes da sociedade, utilizando os meios
integrantes de comunicação para a construção e aceitação de estilos de vida e
da sociedade, hábitos de consumo em um projeto quase homogêneo. Essa cultura de
utilizando massa vai de alguma forma atingir a maioria, promovendo uma acirrada
os meios de disputa por produtos. Assim, o mercado investe de forma agressiva no
comunicação cotidiano do consumidor, utilizando principalmente as imagens
para a construção
e aceitação de Da televisão ao jornal, da publicidade a todas as epifanias
estilos de vida mercadológicas, a nossa sociedade canceriza a vista, mede
toda a realidade por sua capacidade de mostrar e transformar
e hábitos de as comunicações em imagem do olhar. É uma epopéia do olho
consumo em um e da pulsão de ler.... a leitura (da imagem ou do texto) parece
projeto quase aliás contribuir o ponto máximo da passividade que caracteriza
o consumidor, constituído em VOYER (troglodita ou nômade),
homogêneo.
em uma “sociedade do espetáculo”. (CERTEAU, 1994, p.49).

64
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

Figura 19 - Arte e teledramaturgia de Vick Muniz

Fonte: Disponível em: <http://www.arteffinal.com/2010/05/passione-


cultura-de-massa-vik-muniz.html>. Acesso em: 03 dez. 2011.

Nessa abordagem, a cultura popular é vista como forma de sobrevivência


em um cenário em que dominantes e dominados (com)vivem, cada qual dentro
de seus objetivos e possibilidades. Assim, a cultura popular é “prática local e
temporalmente determinada, como atividade dispersa no interior da cultura
dominante, como mescla de conformismo e resistência” (CHAUÍ, 1989 p.43).

Na sociedade capitalista, as querelas sociais resultam na desigualdade cruel,


em que o autoritarismo é arma usada por aqueles que representam a classe
dominante, esquadrinhando a obediência dos dominados. Nesse sentido, existem

Sociedades na quais as leis sempre foram armas para


preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e
a opressão, jamais definindo direitos e deveres. A cidade olha a
favela como uma realidade patológica, uma doença, uma praga,
um quisto, uma calamidade publica. (CERTEAU, 1994, p.59).

A falta de consciência na sociedade faz com que a parte


A cultura popular
carente dessa coletividade seja entendida como falha do projeto de
está ligada à
desenvolvimento. A cultura popular está ligada à forma como os ditos,
forma como os
impostos pela classe culturalmente reconhecida pela sociedade, são
ditos, impostos
incorporados pelo povo. Como parte frágil da sociedade no que se
pela classe
refere ao poder econômico, o povo constitui a cultura popular como
culturalmente
forma de manter sua identidade. Ele sobrevive no lugar da sociedade
reconhecida pela
que lhe é permitido e modifica esse espaço, tornando-o, em seu lugar,
sociedade, são
eleito. E nesse espaço cria elementos simbólicos que tornam originais
incorporados
e nativos os sujeitos que ali convivem. Cria um espaço dentro dessa
pelo povo.
sociedade que, de certa forma, o elege como marginal.

65
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

ESTÉTICA E CULTURA DE MASSA.

http://youtu.be/AnTEUuTJM8c

Na arte também ocorre o mesmo fenômeno. Embora as manifestações


artísticas apresentem características distintas, recebendo influências de todas
essas questões de poder, ideologia e padrões estéticos da sociedade que
se apresentam na cultura popular, a arte é parte integrante das ações desses
sujeitos. Juntamente com a oralidade, a culinária, a religião, a arte é elemento da
cultura popular. Assim como no contexto geral da cultura, na parte específica da
arte também ocorre uma reformulação das questões que lhe são impostas, como
ressalta Chauí (1989) ao se referir ao circo-teatro, espaço cênico que concentra
melodrama e comédia, com a forte participação do público, que interfere no
andamento e desenvolvimento das peças apresentadas.

[...] mas justamente porque se trata de manifestação da cultura


popular, [é interessante] observar-se que os enredos das
peças adaptadas da televisão e do rádio ou letras de músicas
sofrem modificações decorrentes da interpretação popular.
(CERTEAU, 1994 p. 73)

O texto teatral ao ser interpretado vai, de alguma forma, passar por


modificações significativas, pois traz em sua exposição final essa influência do
ator e seu contexto. Vários fatores influenciam o olhar do ator sobre a obra já
elaborada em outro espaço.

Para saber mais sobre o Circo-Teatro, você pode ler:

SILVA, Ermínia. As múltiplas linguagens na teatralidade


circense : Benjamin de Oliveira e o circo-teatro no Brasil no final do
século XIX e início do XX. Tese de Doutorado. UNICAMP. Campinas,
2003 - Disponível para download . Edições Funarte - http://www.
funarte.gov.br/edicoes-on-line/.

Um dos fatores de extrema importância salientado por Chauí (1989) é


a religião na influência dos aspectos culturais de cada grupo. E, influenciados

66
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

pelos fundamentos de religiosidade, os movimentos de contestação


É movida por
política vão ganhar força no centro da cultura popular, como ressalta
uma esperança
a autora, ao citar dois conflitos regionais com essas características:
de mudança, na
Canudos e Contestado. Nesse sentido, esses dois embates têm
busca de uma vida
como fio condutor o que a autora chama de sentimento em comum
menos injusta, a
e que movimenta a união dos que estão longe do poder, ou seja, a
união de todos,
sensação de injustiça. É movida por uma esperança de mudança, na
que uma luta se
busca de uma vida menos injusta, a união de todos, que uma luta se
torna autêntica.
torna autêntica.

Indicação de site:

http://youtu.be/lHPH7-mjrsQ .

Assim como os fenômenos culturais passam por modificações atreladas à


sua história e contexto, a arte brasileira também passou por influências de várias
culturas. Essa mescla de influências na arte inicia com a chegada dos portugueses
ao Brasil. No entanto, se de início a arte local foi desprezada em vista dos anseios
de implantar os parâmetros europeus vigentes, não foi possível negar ou mesmo
impedir o entrelaçamento cultural que ocorreu. A terra colonizada estava sob o poder
de Portugal, e “sua arte” era aqui implantada. No entanto, esse novo espaço não
era indiferente e, mesmo aceitando os valores a eles impostos, ocorriam pequenos
desvios, lacunas, maneiras de fazer que influenciaram a arte aqui produzida.

Diversos fatores interagiam com a produção artística direcionada:


Os indígenas as
elementos inocentes, como as cores da jovem terra, o calor, as flores,
subvertiam, não
os animais, a água e o céu azul ensolarado. Como “uma criança
rejeitando-as
ainda rabisca e suja o livro escolar, mesmo que receba um castigo
diretamente ou
por este crime, a criança ganha um espaço, assina aí sua existência
modificando-
de autor” (CERTEAU, 1994 p. 94). Assim, a arte imposta era aceita,
as, mas pela
mas com modificações. Não havia como isentar desses sentimentos
sua maneira de
os artistas que, a serviço de Portugal, se esforçavam para reproduzir
usá-las para fins
a arte europeia. E junto com o projeto artístico, havia a cultura local.
e em função de
Existiam os registros pré-históricos dos indígenas, no Brasil e nos
referência, estranha
demais países do ocidente.
ao sistema do qual
Há bastante tempo que se tem estudado que não podiam fugir.
equívoco rachava, por dentro, o “sucesso” (CERTEAU,
dos colonizadores espanhóis entre as etnias 1994 p.39)
indígenas: submetidos e mesmo consentindo na

67
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

dominação, muitas vezes esses indígenas faziam das ações


rituais, representações ou leis que lhes eram impostas outra
coisa que não aquela que a conquista julgava obter por ela.
Os indígenas as subvertiam, não rejeitando-as diretamente
ou modificando-as, mas pela sua maneira de usá-las para fins
e em função de referência, estranha ao sistema do qual não
podiam fugir. (CERTEAU, 1994 p.39).

Essas rachaduras no processo colonizador conferem à produção dos


dominados as características de uma arte popular que não se encaixa no
modelo imposto, mas existe como forma de expressão. E nesse contexto, a arte
brasileira vai formando sua história, com as influências recebidas dos europeus
e dos africanos. Assim, os jesuítas utilizaram a música e o teatro como forma
de aproximação dos indígenas que aqui estavam. No que se refere às primeiras
manifestações artísticas brasileiras, temos o Maneirismo como marco inicial.

Um ano após sua chegada ao Brasil (1584), os frades


franciscanos dedicaram-se a construir um conjunto de estilo
maneirista na cidade de Olinda, em Pernambuco. O conjunto
compunha-se de uma igreja e de um convento, batizados
respectivamente, de Nossa Senhora das Neves e São
Francisco. (GAVAZZONI,1998, p.95).

A decoração dessas construções foi realizada com material trazido de


Portugal. Ricamente ornamentada, os princípios religiosos orientavam também a
arte, principalmente na arquitetura. Com o passar do tempo e com as mudanças
ocorridas no cenário artístico europeu, o estilo maneirista foi substituído pelo estilo
vigente, o Barroco.

Segundo Gavazzoni (1998), o estilo barroco no Brasil se


O estilo barroco
manifestou mais acentuadamente na parte interna das catedrais, como
no Brasil se
elemento de ornamentação e pintura. No entanto, o estilo barroco no
manifestou mais
Brasil “floresceu como uma planta extravagante, cultivada numa estufa
acentuadamente
imprópria, planta podada e enxertada grosseiramente, com ramos
na parte interna
rejeitados ou, quando não rejeitados, mal incorporados por jardineiros
das catedrais,
canhestros” (GAVAZZONI, p. 110).
como elemento
de ornamentação
Nesse, ponto arte e cultura brasileira revelam afinidade em sua
e pintura.
constituição, por ambas lidarem com influências e reagirem de forma
construtiva nesse momento de tensão. É importante ressaltar que
essas influências na arte não são genéricas, pois cada região do país
absorveu de alguma forma essas influências e deu seu testemunho,
gerando culturas distintas.

Com a implantação da Academia de Belas Artes, em 1822, iniciou-se o


processo de implantação de valores artísticos importados da Europa.

68
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

O Barroco e o Rococó foram esquecidos e predomina a


severa disciplina acadêmica. A estética do Barroco, já então
muito débil, desaparece de vez. Sem dúvida, D. João VI
tentou amparar artistas brasileiros, principalmente artistas
fluminenses sempre mais à disposição, pois o governo
tinha sua sede no Rio de Janeiro, contudo, sem abrir mão
da tendência europeia (clássica), única escola reconhecida
como boa e apreciável pelos padrões da elite dominante.
(GAVAZZONI, 1998, p. 132)

Somente a partir do movimento modernista que a arte brasileira respirou


na busca a sua identidade. Não se ignora as influências artísticas da Europa
durante todo o processo, pois os artistas que participaram da Semana de 1922, ou
Semana de Arte Moderna, tinham consciência do que ocorria no mundo artístico
ocidental e do movimento de negação da arte vigente em vários países e, por
isso, utilizaram aqui no Brasil o resgate da identidade artística e cultural brasileira.
Mas não foi assim tão simples, pois as condições materiais restringiam a desejada
liberdade artística.

Em São Paulo, Anita Malfatti (1896-1964) tem a primazia de


abrir, definitivamente, a pintura brasileira para o novo estágio
europeu, que superava o impressionismo. Anita estagia em
Berlim, Munique, Roma, Paris e até em Nova Iorque, expondo
sua obra ao público paulista, em 1917. Como sempre acontece,
suas telas provocaram verdadeiro escândalo nos meios
artísticos e sociais da época. (GAVAZZONI, 1998, p. 136).

É demasiado importante esse momento na arte brasileira, mesmo


apresentando os limites causados pela forma como o país foi colonizado,
suas influências e suas mesclas culturais. Nesse momento histórico, a arte
representada ambiciona autonomia. Para Gavazzoni (1988), mesmo sendo um
momento importante, é necessário reconhecer que os artistas buscavam essa
autonomia, mas, ainda assim, apresentavam em suas obras forte influência
estrangeira, devido a inúmeras causas, como o rigor da corte imperial, a pouca
instrução dos habitantes, o consumismo da classe dominante.

Revelando o bônus do movimento modernista, a intenção de construir uma


arte genuinamente brasileira, a priori, é ilusória, devido a influencias que o país
acumula. No entanto, é interessante o termo empregado por Oswald de Andrade,
“antropofagia”, que pode ser apropriado para o momento atual da arte, revelando
a consciência de um povo colonizado, mas autor de sua arte. Não se nega a
cultura recebida, apenas se afunilam as intenções, em “[...] Uma arte de utilizar
aqueles que lhe são impostos” (CERTEAU, 1994 p. 94).

A cultura popular apresenta também elementos específicos de manifestações


artísticas, denominados folclore. De início, a oralidade foi a marca das

69
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

manifestações folclóricas, histórias contadas de geração em geração


A cultura popular
que mantêm a marca original de valores e crenças, reflexos e
apresenta
lembranças de fundo cultural.
também
elementos Por exemplo, a arte de conversar, as retóricas da conversa
específicos de ordinária são práticas transformadoras de situação de
manifestações palavra de produções verbais onde o entrelaçamento das
posições locutoras instaura um tecido oral sem proprietários
artísticas,
individuais, as criações que não pertencem a ninguém. A
denominados conversa é um efeito provisório e coletivo de competências
folclore. na arte de manipular, lugares comuns e jogar com o inevitável
dos acontecimentos para torná-los habitáveis. (CERTEAU,
1994, p. 50).

As histórias repetidas de forma oral, carregadas de conteúdo particular e


específico, chamaram a atenção dos intelectuais que, interessados em conhecer
melhor essas formas de comunicação, se debruçaram sobre a interpretação dos
mitos e das lendas. Junto com as histórias contadas, as particularidades da dança,
da música, da culinária, do artesanato, da religião também se tornaram pontos de
investigação para os artistas elitizados, que se aproximaram da cultura popular
para a construção da bandeira nacionalista. E nessa abordagem, no acesso às
manifestações folclóricas, mapeou-se o país, localizando particularidades regionais,
indagando sobre suas ações com termos próprios, seus usos e seus costumes.

Gosto de dar-lhes o nome de usos, embora a palavra


designe geralmente procedimentos estereotipados recebidos
O problema está e reproduzidos por um grupo, seus “usos e costumes”. O
na ambiguidade problema está na ambiguidade da palavra, pois nesses “usos”
da palavra, trata-se precisamente de reconhecer ações (no sentido militar
pois nesses da palavra) que são a sua formalidade e sua inventividade
própria e que organizam em surdina o trabalho de formigas do
“usos” trata-se consumo. (CERTEAU, 1994, p. 93).
precisamente
de reconhecer É importante ressaltar que o folclore, como manifestação regional,
ações (no sentido ocupa um espaço importante na vida social do povo, apresentando
militar da palavra) variedades conforme cada local. Perante a mescla das culturas a partir
que são a sua das quais o Brasil se constituiu, as heranças indígenas, africanas e
formalidade e europeias se revelam nos personagens, nos ritos e sabores do folclore.
sua inventividade E é a partir do movimento modernista no Brasil que essas manifestações
própria e que passam a ser foco de estudo institucionalizado e formalizado.
organizam
em surdina Ao longo do tempo, estudiosos e pesquisadores definiram
o trabalho alguns parâmetros para caracterizá-lo. Em primeiro lugar,
o folclore é sempre popular, nasce do povo. Mesmo que
de formigas sua origem seja erudita, ele é assimilado e “reconstruído”
do consumo. pelo saber popular. Isso acontece, com muita frequência, na
(CERTEAU, música e na poesia, quando a obra de um determinado autor,
ao chegar ao povo, vai sendo “revestida” pela criação popular,
1994, p. 93).
ao longo dos tempos. (HORTA, 2000).

70
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

Delimitar a abrangências das manifestações populares ditas folclóricas


torna-se fundamental nos saberes sistematizados. Assim, a tradicionalidade
das manifestações populares, com a não autoria, o coletivo, marca de forma
significativa a definição do que é o folclore:

É a cultura do popular, tornada normativa pela tradição.


Compreende técnicas e processos utilitários, além de sua
funcionalidade. A mentalidade móbil e plástica torna tradicional
os dados recentes, integrando-os na mecânica assimiladora
do fenômeno coletivo, como a imóvel enseada da ilusão da
permanência estática, embora renovada, na dinâmica das
águas vivas. (CASCUDO 2001, p. 240).

Nesse sentido, a apropriação da arte erudita pelo povo de maneira dita vulgar
ganha um outro sentido quando se reformula o original, conferindo-lhe um olhar
particular, um testemunho. Também se entende que as tecnologias e os meios
de comunicação têm papel importante na disseminação das criações artísticas,
tornando as obras acessíveis.

Aquilo que se chama de “vulgarização” ou “degradação” de


uma cultura seria então um aspecto, caricaturado e parcial,
da revanche que as táticas hostilizadoras tomam do poder
dominador da produção. Seja como for, o consumidor não
poderia ser identificado ou qualificado conforme os produtos
jornalísticos ou comerciais que assimila: entre ele (que deles
se serve) e esses produtos (indícios de ”ordem” que lhe é
imposta), existe o distanciamento mais ou menos grande do
uso que se faz deles. (CERTEAU, 1994, p. 95).

Essas questões, trazidas na reflexão do autor, reafirmam a ideia de


apropriação, de influência que a cultura, a arte, a cultura popular e o folclore
sofrem continuamente, quando de alguma forma se encontram em momentos
específicos da história. É certo que não saem desse encontro de forma neutra,
cada um carrega consigo um pouco do ritmo e da marca dessa troca. O mais
interessante é que cada um conserva suas características, com flexibilidade,
porosidade. No que se refere às especificidades do folclore, essas ranhuras
tambem acontecem.

Curiosamente, essas ações, ainda que praticadas em um


pequeno grupo, adquirem uma abrangência universal, à
medida que, em suas caraterísticas grupais, elas representem
a aplicação, naquela sociedade, de uma prática existente
em todo o mundo. Isto se chama universalidade do folclore,
que nos permite observar que fatos, ações, manifestações e
pensamentos sejam o mesmo em povos de todo o mundo,
mesmo que praticados com outras roupagens, palavras e
atitudes. (HORTA, 2000).

71
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Nesse sentido, o folclore é liberdade, é ação consciente sem


O folclore é
pretensão de verdade. Está disponivel para vivência prática, mas não é
liberdade, é ação
imposto, não é regra. Ele se faz presente nos espaços geográficos de
consciente sem
cada região como fenômeno universal, mas com linguagem regional.
pretensão de
Baseado nessa premissa, Horta (2000) identifica o folclore de cada
verdade.
região do país, somando os fatores geográficos específicos como, por
exemplo, na região do Amazonas, a presença do rio Amazonas como
fonte rica, que ele chama de “mundão” de aguas e mata, das lendas e
mistérios locais. O Amazonas é uma parte do Brasil. Parte de um todo,
parte que contêm elementos culturais distintos, específicos. Parte do
fenômeno chamado folclore.

Figura 20 - Proteção Jurídica

Fonte:Disponível em: <http://www.brasilcultura.com.br/antropologia/


voce-sabe-o-que-o-folclore/>. Acesso em: 03 dez. 2011.

Atividade de Estudos:

1) Os artistas que participaram da Semana de 22 são figuras


importantes que ajudaram a construir a identidade da arte
brasileira. São eles: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Graça Aranha,
Manuel Bandeira, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald
de Andrade, Tarsila do Amaral, Villa-Lobos. Escolha um (01)
desses personagens e construa um mosaico com informações
acerca das atividades intelectuais dele. A atividade se propõe
a aprofundar o estudo acerca desses importantes artistas
brasileiros.

72
Capítulo 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura

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2) Vamos investigar o folclore em cada região? A região escolhida


deve ser aquela em que você nasceu. Faça uma pesquisa e aponte
as manifestações folclóricas presente em sua cidade. Você pode
reproduzir uma das manifestações existentes, através de imagens,
desenhos, histórias, vídeos, esculturas.
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73
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Algumas Considerações
Toda sociedade tem em sua cultura a identidade do povo que a constitui.
Por isso, valorizar as manifestações culturais, sejam elas oriundas do povo ou
mesmo modificadas pelas influências recebidas, é valorizar o caráter histórico da
formação de cada grupo social. Os valores são somados e se configuram como
autenticadores da formação e das manifestações culturais.

Referências
CASCUDO, Luiz da Câmara, 1898-1986. Dicionário do folclore brasileiro.
11.ed. São Paulo: Global, 2001.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes do fazer. Tradução de


Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no


Brasil. 4.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.

CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. Tradução de Marcelo Brandão


Cipolla; revisão tecnica de Jorge Lucio de Campos. 2.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.

GAVAZZONI, A. (Aluísio). Breve história da arte e seus reflexos no Brasil. Rio


de Janeiro: Biblioteca da Universidade Estácio de Sá, 1998.

HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (coord.). O grande livro do folclore.


Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000.

ZITKOSKI, Jaime José. Paulo Freire & educação. Belo Horizonte: Autêntica,
2006.

74
C APÍTULO 4
Manifestações Artísticas Brasileiras

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Conhecer as múltiplas formas que compõe a obra de arte no que tange a sua
estrutura.

99 Distinguir as especificidades da obra como objeto de expressão humana.

99 Entender as diferentes formas de expressão artística como experiência


tradicional e pessoal em seus numerosos elementos.

99 Reconhecer as linguagens artísticas dentro de seu contexto.


Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

76
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

Contextualização
Neste capítulo, apresentamos as múltiplas formas de compõem a obra de
arte em suas também variadas formas estruturais. Nesse sentido, propomos
estudar e distinguir as especificidades de cada forma de construir a obra de arte,
lembrando sempre que esta será sempre o resultado da experiência pessoal do
artista e que vai assumir um lugar na sociedade em que foi pensada e realizada.

Manifestação Artística
Ao nos reportamos à pintura artística, merecem a devida atenção os
elementos que constituem essa ação, ou seja, o desenho, a cor e os suportes de
cada obra. É importante reconhecer as mudanças ocorridas na pintura em algum
momento da história. A partir delas, percebemos que esses elementos vão estar
ausentes ou alterados em seu uso habitual, como, por exemplo, na arte abstrata
e no movimento conhecido como Suprematismo, representado por Kazimir
Malevitch em sua obra “Quadro branco sobre fundo branco” (1918).

Figura 21 - Kasimir Malevich, White on White, 1918

Fonte: Disponível em: <www.christiancapurro.com/archives/


roger_cook_...>. Acesso em: 02 out. 2011.

Falando especificamente de arte contemporânea, temos uma discussão ampla


ao tratarmos desses elementos, pois a multiplicidade de cores, ou a ausência de
cor, formas e suportes utilizados pelos artistas nos desafiam a repensar a pintura
artística diante das provocações existentes. Um bom exemplo dessa problemática

77
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

pode ser conferido na obra da artista cubana Ana Mendieta, que tem suas criações
materializadas nas cores da natureza em momento de apropriação, como um
disfarce, um camaleão, tal a total integração com o meio onde a criação se revela.
Ana Mendieta usa como suporte ou como matriz seu próprio corpo, em uma
aproximação com a tradição indígena de pintar o corpo, o que nos provoca a pensar
na fronteira artista e obra, o ponto em que a obra e o criador se fundem.

Figura 22 - Ana Mendieta

Fonte: Disponível em: www.virginiamiller.com/.../AnaMendieta.html>.


Acesso em: 02 out. 2011.

Figura 23 - Ana Mendieta, Silhueta Works no México

Fonte: Disponível em: <www.virginiamiller.com/.../AnaMendieta.html>.


Acesso em: 02 out. 2011.
78
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

No que se refere à arquitetura, também as mudanças em suas


Cores e formas
formas permitem e sugerem reflexão. Aqui, cores e formas também
também se
se flexibilizam. A ausência da cor se reflete no uso de novos materiais,
flexibilizam.
fruto das conquistas tecnológicas. É normal nos admirarmos diante de
uma construção contemporânea que apresenta formas inovadoras ou,
no mínimo, diferentes do que estamos acostumados a visualizar. Por Nessas construções
exemplo, a obra de Oscar Niemayer, ou os gigantescos edifícios que contemporâneas,
configuram a arquitetura cosmopolita de centros como Manhattan, em vamos nos
Nova York, Hong Kong, na China, ou mesmo em São Paulo. defrontar com
linhas sinuosas,
Nessas construções contemporâneas, vamos nos defrontar retas, que se
com linhas sinuosas, retas, que se cruzam. No elemento cor, cruzam. No
encontraremos desde a monocromia, no o uso do alumínio e o vidro, elemento cor,
até a justaposição de tons e suas mesclas. No cenário organizacional encontraremos
urbano, temos também as construções mais do que populares, desde a
improvisadas, chamadas de favelas. Lá encontraremos uma monocromia, no
diversidade gigante em formas de habitar, no que tange aos materiais o uso do alumínio
e as cores. Há favelas coloridas, existem favelas em que prevalece e o vidro, até
a monocromia. Pintura e elementos da construção arquitetônica a justaposição
se encontram, muitas vezes, como painéis que ficam nas ruas das de tons e suas
cidades, em espaços públicos, destinados à função de monumento mesclas.
cultural, além dos muros, que recebem a arte do grafite.

Figura 24 - Vista aérea da cidade de São Paulo

Fonte: Disponível em: <www.mundook.com.br/?p=2330>. Acesso em: 10 out. 2011.

79
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 25 - Ilha de Manhattan

Fonte: Disponível em: Disponível em: <viajeaqui.abril.com.br/


fotos/exterior/nova-yo...>. Acesso em: 10 out. 2011.

Figura 26 - Hong Kong.

Fonte: Disponível em: <abroadandaway.com/.../>. Acesso em: 10 out. 2011.

Figura 27 - Favela Paraisópolis – RJ.

Fonte: Disponível em: <https://turismonafavela.wordpress.com/>. Acesso em: 10 out. 2011.


80
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

A arte brasileira vai ser construída também seguindo mudanças


Os indígenas
e (re)configurando as influências recebidas. Entendemos que um
usavam a pintura
país tão colorido de alguma maneira vai ter essa riqueza cromática
corporal como
refletida em telas e ruas. Os indígenas usavam a pintura corporal
forma de ritualizar
como forma de ritualizar seus desejos ou sentimentos. Utilizavam
seus desejos ou
também cores e formas como adereços em seus espaços de moradia.
sentimentos.
Com a colonização portuguesa, os padrões foram alterados, tanto
na pintura como na forma de viver em sociedade. Essas mudanças
são assinaladas com a implantação do maneirismo, seguido pelo
barroco, presente na arquitetura e pintura, principalmente.

No entanto, a pintura brasileira foi construída com a implantação da Academia


Imperial de Belas Artes. Em determinado momento, as mudanças desses padrões
estabelecidos foram discutidas, na metade do século XX, na Semana de 1922,
que marcou o início do movimento modernista. O “quadro” da pintura brasileira
mescla autoria e influências múltiplas no registro do panorama brasileiro por
região, dependendo do desenvolvimento dessas áreas, que aos poucos eram
povoadas. No nordeste, houve a construção de uma arte brasileira com forte
influência holandesa, constituída na proposta do conde Maurício de Nassau:

Em 1637, desembarca em Recife, Pernambuco, o conde


Maurício de Nassau, nomeado pelos holandeses e financiado
pela recém-fundada Companhia das Índias Ocidentais,
trazendo os artistas holandeses Frans Post e Albert Eckhhout
e mais quatro: o alemão Zacharias Wagner, recrutado entre
soldados, por demonstrar enorme talento para o desenho e
para a pintura e é citado por Arte no Brasil (em minha opinião,
o mais sério e competente trabalho até hoje publicado).
(GAVAZZONI, 1998 p.97).

Maurício de Nassau realizou uma administração centrada nos


No que confere
conceitos herdados do movimento renascentista da Europa, deixando
especificamente
importante contribuição para o retrato do Brasil Colônia durante os
à pintura e ao
séculos XVI e XVII. No que confere especificamente à pintura e ao
desenho, a arte
desenho, a arte apresenta caráter documental, condizente com a
apresenta caráter
postura investigativa perante a terra nova.
documental,
condizente com a
O estilo barroco introduzido no Brasil é reflexo principalmente do
postura investigativa
pensamento artístico vigente em Portugal. Obviamente que o terreno
perante a terra nova.
brasileiro não supria os elementos necessários ao desenvolvimento
do esplendor do barroco que se refletia na Europa.

O que não se pode negar é que este barroco periférico tenha


existido de fato, com tal vitalidade que suas manifestações até
hoje ressoam na cultura brasileira (grifos nossos). Nem que
este vigor se deveu, em grande parte, ao fato de o Barroco,

81
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

no Brasil, “ser contemporâneo da restauração e da resistência


aos holandeses”, além de exprimir a criatividade popular,
até mesmo como resistência à repressão das camadas
dominantes. (GAVAZZONI, 1998 p.110 -111).

Será de cunho religioso a implantação dos preceitos da arte


Será de cunho
barroca, revelada principalmente na construção das igrejas e sua
religioso a
ornamentação. A igreja, nesse cenário de construção de identidade,
implantação dos
almeja ordenar a moral e os costumes dos habitantes locais, sendo um
preceitos da arte
ponto de referência na construção dos valores dessa sociedade.
barroca, revelada
principalmente A mistura de modelos europeus com a livre tendência da
na construção arte cabocla (pintura de murais e dos forros das igrejas
das igrejas e sua contrastando com os púlpitos e altares de rigorosa e formal
obediência à escola europeia) formou a manifestação mais
ornamentação.
autêntica da nossa incipiente arte natural. (GAVAZZONI, 1998
p.111).

Até hoje, os resquícios da arte barroca são o reflexo das manifestações


culturais brasileiras, presentes principalmente nas pinturas e na decoração da
arquitetura religiosa, em várias regiões do país. É através das apropriações do
estilo barroco feito pelos escultores, entalhadores e pintores brasileiros que a arte
brasileira do século XVII se revela, principalmente no campo religioso, no entanto,
”quando os artistas negros esculpiam imagens de Cristo, Santo Antônio e São
Jorge, era Oxalá, Ogum e Oxóssi que pretendiam referenciar, e as elites brancas
sabiam disto” (GAVAZZONI, 1998 p.111).

Imagem 28 - Interior da Igreja e Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 1717.

Fonte: Disponível em: <http://bit.ly/8zkdHqarquiteturadobrasil.


wordpress.com/.../>. Acesso em: 02 out. 2011.

82
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

Figura 29 - São Marcos. Museu da Inconfidência, Ouro Preto/MG

Fonte: Disponível em: <www.morganmotta.com/artigos/01072005.htm>.


Acesso em: 03 out. 2011.

Figura 30 - Coração de Nossa Senhora. Detalhe do Medalhão do forro


da nave de São Francisco da Penitência, Ouro Preto/MG

Fonte: Disponível em: <www.morganmotta.com/artigos/01072005.htm>.


Acesso em: 03 out. 2011.

83
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 31 - Mestre Ataíde. Assunção da Virgem Maria, no teto da


igreja de São Francisco de Assis – Ouro Preto – MG

Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_


Ata%C3%ADde>. Acesso em: 03 out. 2011.

Essa “liberdade” de criação teve fim com a padronização artística


A colônia de
em todas as linguagens através da implantação da Academia de Belas
artistas franceses
Artes, que surge em meados do século XIX, trazendo em sua doutrina
que chegou ao
o academicismo com suas regras: “a colônia de artistas franceses que
Rio de Janeiro
chegou ao Rio de Janeiro em 1816 veio demarcar uma nova época para
em 1816 veio
a arte brasileira” (GONZAGA, 1995, p.90). E nessas mudanças estão
demarcar uma
incluídas o abandono do barroco como estilo artístico, reconhecendo o
nova época para
estilo clássico como o ideal a ser seguido aqui no Brasil.
a arte brasileira
(GONZAGA, O policiamento da escola francesa aqui no Brasil chegou a
1995, p.90). tal ponto que nem mesmo a grande revolução efetuada na
pintura europeia, tendo à frente o romântico Delacroix (1798-
1863) e Gustave Courbet como realista, chegou a influenciar
os nossos mais consgrados pintores, todos predispostos a
não aceitarem inovação, nem Corot nem Millet conseguiram.
O Brasil estava afastado do cenário artístico mundial, vivendo,
pode-se até dizer, um período de trevas, em plena era
reformista. (GAVAZZONI, 1998 p. 134).

Foi no movimento denominado Semana de 1922 que as labaredas de uma


mudança significativa na arte brasileira atingiram todas as formas de arte, por

84
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

isso essa data é marco importante ao se tratar de arte no Brasil. É como se


tivéssemos acordado e nos afastado da masmorra que por tanto tempo nos
trouxe cegueira e obediência.

Foi um pequeno passo, de fundamental importância para todos os artistas


que de alguma maneira entenderam quão liberta é a arte, quantos caminhos
podemos trilhar para chegar ao mesmo lugar, e dali encontar novas possibilidades.
Essa possibilidade de prazer e diálogo através das manifestações artísticas levou
à descoberta das muitas facetas da arte, de sua magnitude. É como se, libertos
de uma ditadura de formas, temas e cores, tivessem encontrado outras formas,
outras cores.

A partir desse momento, já não cabia mais aceitar incondicionalmente o que


lhes era imposto, de forma resignada, como na síndrome de “Poliana” (Pollyanna
Whittier, menina órfã que aprende a conviver com sua tia “Polly”. Frente às
amarguras que a vida lhe oferece, desenvolve “o Jogo do Contente”, que consiste
em ver apenas as coisas boas, de qualquer situação. Romance de Eleanor H.
Porter escrito em 1923), em um eterno “jogo do contente”, e sim visualizar as
inúmeras possibilidades que, junto com a arte, apontam a possibilidade de viver
de várias formas artísticas.

A Europa, sendo refêrencia, já se mostrava resolvida em busca do não


habitual, provocava reflexões acerca da arte na sociedade, das possibilidades de
criação em variados suportes, nas linhas inovadoras que pareciam estranhas ao
lado da arquitetura centenária, e o Brasil, ao poucos, ousava de forma cautelosa,
se apropriando dessas intenções. Nesse sentido, as mudanças, ocorridas de
forma lenta no que se refere à pintura e à arquitetura, tomaram cadência no
decorrer do tempo, sendo que de alguma forma, ainda hoje, caminhamos em
compasso com uma arte que se propõe ao diálogo, mais próxima dos limites da
arte popular, em razão das especificidades que cada cultura nos apresenta.

Temos, nesse entrelaçamento entre arte, arte popular e


Essas influências
cultura, inúmeros representantes que, através de suas pinceladas,
são percebidas ao
sons, imagens e arquitetura, se propuseram de alguma forma a
estendermos o olhar,
marcar o cenário artístico brasileiro, que não é estanque, e sim de
por exemplo, sobre a
contornos distintos facilmente percebidos.
obra de Di Cavalcanti
até a arte popularizada
Essas influências são percebidas ao estendermos o olhar, por
pelos meios de
exemplo, sobre a obra de Di Cavalcanti até a arte popularizada
comunicação de
pelos meios de comunicação de massa, considerada por alguns
massa, considerada
de péssimo gosto, ou popular. Podemo, ainda, observar a arte
por alguns de péssimo
de Oscar Niemayer, que configura a modernidade arquitetônica
gosto, ou popular.
brasileira. Essas mudanças são visíveis ao nos defrontarmos com

85
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

as construções brasileiras contemporâneas em contraste com as construídas no


início de sua colonização. Do maneirismo ao modernismo, é possivel reconhecer
as influências recebidas e sua (de)formação na busca da autoria, selo de
autenticidade, na organização do espaço arquitetônico de cada região do país,
que também se apresentam de forma diferente, de acordo com a cultura local.

Figura 32 - Di Cavalcanti. Cinco Moças de Guaratinguetá.

Fonte: Disponível em: <www.klickeducacao.com.br/enciclo/encicloverb/...>.


Acesso em: 10 out. 2011.

Figura 33 - Arte popular. São Gonçalo, madeira, Manoel Graciano (Juazeiro do Norte- CE).

Fonte: Disponível em: <artepopularbrasileira.wordpress.com/>. Acesso em: 10 out. 2011.

É possivel notar as semelhanças entre as artes plásticas e a arquitetura


brasileira, que ocorrem devido às influências recebidas. No rastro das mudanças
ocorridas na arte brasileira, podemos apontar alguns nomes que segmentaram
as diferenças em cada período. E o século XIX foi o que mais permitiu as novas
86
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

formas e a junção de estilos na arte brasileira. Tivemos também a presença de


temas variados, que trouxeram o cotidiano do povo pintado em telas como, por
exemplo, novamente, Di Cavalcanti e sua obra “Samba”, de 1925.

Figura 34 - Di Cavalcanti – Samba, 1925

Fonte: Disponível em: <www.investarte.com/.../brasil/


cavalcanti.asp>. Acesso em: 03 out. 2011.

Não é só a linguagem artística que se desprendeu das diretrizes


Não é só a
artistícas, mas também os artistas voltaram seu olhar para o seu chão,
linguagem
as cores de sua terra. O Núcleo Bernadelli representou essas novas
artística que
formas artísticas nas figuras de Ado Malagoli, José Pancetti e Edson
se desprendeu
Motta, em meados dos anos 40.
das diretrizes
Figura 35 - ADO MALAGOLI (SP, 1908 – RS, 1994): Agonia do templo
artistícas, mas
também os
artistas voltaram
seu olhar para
o seu chão, as
cores de sua
terra.

Fonte: Disponível em: <www.areliquia.com.


br/144ranulpho.html>. Acesso em: 03 out. 2011.
87
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 36 - José Pancetti. Porto, 1941

Fonte: Disponível em: <www.mac.usp.br/.../Ciccillo/JosePancetti.asp>.


Acesso em 04 out. 2011.

Figura 37 - Afresco pintado pelo artista Edson Motta – Igreja Dores do Turvo

Fonte: Disponível em: <www.panoramio.com/user/3891564?with_


photo_id=...>. Acesso em 04 out. 2011.

Outro importante movimento que caracterizou as artes plásticas brasileira


ocorreu em São Paulo nas obras de Lasar Segall e Antônio Gomide, que
fundaram, em 1932, a Sociedade Pró-Arte Moderna. Também amantes da arte
moderna, o Grupo Santa Helena deixou importante contribuição aos estudos

88
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

acerca da arte brasileira, entre eles Alfredo Volpi. Nessa mesma década, recém
chegado da Europa, Cândido Portinari criou a obra “Café”, de 1934, importante
retrato do trabalhador brasileiro.

Figura 38 - Cândido Portinari, “Café”, 1934

Fonte: Disponível em: <artefontedeconhecimento.blogspot.


com/2010/07/>. Acesso em: 04 out. 2011.

O Grupo Santa Helena foi formado em 1930, na cidade de São


Paulo, pelos artistas Alfredo Volpi, Fulvio Penacchi, Aldo Bonadei,
Alfredo Rizzotti, Mario Zanini, Humberto Rosa, Francisco Rebolo e
Manuel Martins. Pintavam nos fins de semana e contribuíram para o
questionamento da pintura acadêmica.

Já no nordeste brasileiro, a arte moderna tambem ganhou fôlego, em


1944, com a criação da sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), com a
presença de Aldemir Martins, Mário Barata, entre outros. Nessa forma de reflexão,
apontando as obras dos artistas que participaram de todo esse processo, nada
mais brasileiro do que o legado artístico de Carybé em “Festival das Américas”.

89
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 39 - Aldemir Martins. Marinha Com Coqueiros. Gravura/ 2003

Fonte: Disponível em: <www.espacoarte.com.br/obras/4331-marinha-com-...>.


Acesso em: 11 nov.2011.

Figura 40 - Mário Barata - Azulenos no Brasil – 1955.

Fonte: Disponível em: <mario-barata.blogspot.com/2008/07/


obras-prima...>. Aceso em: 10 nov. 2011.

Figura 41 - Carybé – “Rejoicing and Festival of the Americas”

Fonte: Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Carybé>. Acesso em: 10 nov. 2011.

90
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

A região sul do país tem nas figuras dos paranaenses Theodoro


Esses
Bona e Miguel Bakun o desenrolar da arte moderna e, em Santa
apontamentos
Catarina, a arte brasileiríssima de Martinho de Haro. Esses
históricos
apontamentos históricos referentes à produção brasileira de arte
referentes
marcam as mudanças de um Brasil que, aos poucos, busca sua
à produção
identidade através das inúmeras influências recebidas. Notamos que
brasileira de
as apropriações de novidades em termos de pintura e arquitetura são
arte marcam as
feitas de forma cautelosa pelos artistas brasileiros que, de alguma
mudanças de um
forma, reconhecem as criações da Europa, só que de forma autônoma
Brasil que, aos
escolhem como melhor referenciar o mundo que os rodeia.
poucos, busca
Figura 42 - THEODORO DE BONA - Casal na sua identidade
Paisagem. Óleo sobre tela, ass. dat. 1978 através das
inúmeras
influências
recebidas.

Fonte: Disponível em: < www.bolsadearte.com/.../


novembro2002/mod5.>. Acesso em: 10 nov. 2011.

Figura 43 - Miguel Bakun - Floresta Azul

Fonte: Disponível em: <kalenaartesplasticas.blogspot.


com/2009/07/mig...>. Acesso em: 11 nov. 2011.

91
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 44 - Martinho de Haro


Porto de Belém

Fonte: Disponível em: <www.palaciodosleiloes.art.br/.../001-


030A.htm>. Acesso em: 10 nov. 2011.

No cenário contemporâneo, a arte brasileira se reconhece como nativa


em todas as linguagens em crescente amadurecimento artístico, os artistas
estão libertos, como na música dos sambistas Jorge Aragão e Acyr Marques,
“Coisa de Pele”:

Podemos sorrir, nada mais nos impede


O cenário Não dá pra fugir, desta coisa de pele
brasileiro tem sua Sentida por nós, desatando os nós
Sabemos agora, nem tudo que é bom vem de fora.
riqueza, além de
sua área territorial,
Pensar na pintura brasileira e poder visualizar esse universo
sua gigantesca
gigante e com formas e cores tão diferentes é uma experiência
extensão de
incrível. Da arte performance de Hélio Oiticica, do mundo infantil
matas e rios, o
resgatado por Eli Heill, a simplicidade nas pinceladas de Djanira e
povo mestiço, sim
Heitor dos Prazeres, falar de arte brasileira e referenciar esses artistas
senhor com muito
é apenas mostrar um pouco desse universo, que tem outros grandes
orgulho, e nossa
representantes. Hoje podemos dizer que a arte brasileira ainda recebe
arte se apresenta
influências, mas com um filtro, buscando o bônus para uma arte que
em sintonia com
aqui já existe. O cenário brasileiro tem sua riqueza, além de sua área
nossa nação
territorial, sua gigantesca extensão de matas e rios, o povo mestiço,
colorida, elegante,
sim senhor com muito orgulho, e nossa arte se apresenta em sintonia
gigante. 
com nossa nação colorida, elegante, gigante.

92
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

Figura 45 - Hélio Oiticica – Parangolés.

Fonte: Disponível em: <multissenso.blogspot.com/2009/11/


helio-oitici>.Acesso em: 10 nov. 2011.

Figura 46 - Eli Heil – O País das maravilhas.

Fonte: Disponível em: <cafecigarrosedesordem.blogspot.


com/2010/09/o->. Acesso em: 10 nov. 2011.

Figura 47 - Djanira Anunciação.
Guache, ass. dat. 1963.

Fonte: Disponível em : <www.bolsadearte.com/.../djanira_


anunciacao.htm>. Acesso em: 10 nov. 2011.

93
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 48 - Frevo - Heitor dos Prazeres, sem data.

Fonte: Disponível em: <www.margs.rs.gov.br/pag_papel_


de_parede.php>. Acesso em: 10 nov. 2011.

Ao falarmos dos artistas e de suas obras aqui no Brasil, é interessante


lembrar a importância dos eventos artísticos que reuniram vários representantes
da arte brasileira em momento de reflexão e exposição dos trabalhos, como as
bienais e os espaços permanentes, os museus.

Os museus de arte contemplam exemplares das manifestações


artísticas dos mais diferentes períodos. Uns se especializaram
em algumas técnicas ou em períodos específicos (Museu
de Arte Contemporânea), outros apresentam um acervo
múltiplo, em que várias técnicas e períodos são representados
por exemplares (Museu de Arte de São Paulo), outros se
dedicam à produção de um único autor (Museu Lasar Segall).
(MATTOS, 2003, p.118).

Os museus são os guardiões da produção artística da humanidade e no


Brasil não é diferente. A Pinacoteca de São Paulo (1905), com 4 mil peças, se
configura como o mais antigo centro de arte brasileira, sendo também referência
iconográfica. No nordeste brasileiro temos o Museu de Arte da Bahia (1918) e o
MAM (Museu de Arte Moderna, criado na década de 60). O Rio de Janeiro tem
seu primeiro museu fundado em 1937 (Museu Nacional de Belas Artes), além do
MAM (Museu de Arte Moderna, 1952), em que“entre os intens do acervo podem
ser encontradas algumas raridades, como as revistas “O Fan”, “Palcos e Telas” e
“Cineart” , além das edições das primeiras décadas do século, com ilustração de
Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral (MATTOS, 2003, p.120).

Já em São Paulo, o MASP (Museu de Arte de São Paulo, 1947) é referência


nacional, tem um vasto acervo, e “mantém pinacoteca, biblioteca, fototeca,
filmoteca, vidoeteca, cursos de arte e serviços educativos de apoio às exposições,
como exibição de filmes e concertos musicais de interesse artístico e cultural”
(ibid). Junto com o Museu de Arte Contemporânea (MAC) e suas 8.000 obras,

94
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

esses museus são depositários de importante parte da produção artística nacional


e internacional em solo brasileiro.

Assim como os museus, as Bienais (eventos artístico-culturais que ocorrem


a cada dois anos) são importantes espaços de exposição de arte brasileira,
estrangeira e arquitetura. Destaque para a Bienal de São Paulo, que reúne
em seu espaço artistas de vários lugares do mundo, promovendo o diálogo
internacional de arte em um espaço arquitetônico espetacular desenvolvido por
Oscar Niemayer.

A década situada entre a criação da Bienal de São Paulo,


em 1951, e a inauguração de Brasília, em abril de 1960, foi
um dos períodos mais férteis da história da arte brasileira
neste século. Foi também o período áureo da crítica de
arte. Porque simultaneamente à busca de uma linguagem
universal, fez-se um esforço extraordinário no sentido
de definir uma linguagem própria para as artes visuais,
promovendo a autonomia dos meios plásticos e, ao mesmo
tempo, a criação de um vocabulário específico para a crítica
de arte. (ARRUDA, 2002, p.31).

A partir das grandes exposições das bienais, a produção


A arte atinge
internacional vem para o Brasil e a arte brasileira também se apresenta.
um nível de
A arte atinge um nível de profissionalização, sendo as instituições as
profissionalização,
responsáveis pela avaliação da qualidade da obra. O crítico assume
sendo as
papel importante, os curadores também atuam de forma significativa
instituições as
no processo que envolve a exposição.
responsáveis
Figura 49 - Bienal de São Paulo. Pavilhão Ciccillo Matarazzo.
pela avaliação da
qualidade da obra.

Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_


de_Arte_de_S%C3%A3o_Paulo>. Acesso em: 04 de out. 2011.

95
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Foi na segunda Bienal de São Paulo , em 1953, que a importante


obra de Pablo Picasso, “Guernica”, veio para o Brasil.

No mesmo rastro, com propósitos semelhantes, temos a Bienal do


Mercosul, em Porto Alegre – RS, que também se propõe a refletir acerca da
arte contemporânea, agregando artistas do mundo. A proposta de reunir a arte
contemporânea internacional surge em 1997 e rapidamente se consagra como
importante evento artístico da América Latina. Em 2011, de setembro a novembro,
ocorre novamente o encontro dos artistas em torno da 8ª Bienal do Mercosul, com
o tema “Ensaios de Geopoéticas”. A proposta da curadoria da Bienal é discutir, a
partir da arte, a noção de território.

A 8ª edição da Bienal do Mercosul - Ensaios de


Geopoética, tem como tema o território e sua redefinição
crítica a partir de uma perspectiva artística. Reunirá 107
artistas de 34 países que tratam de tópicos relevantes para
essa discussão: mapeamento, colonização, fronteira, aduana,
Os artistas alianças transnacionais, construções geopolíticas, localidade,
brasileiros, sob viajantes científicos, nação e política. (8ª Bienal do Mercosul -
Projeto, 2011).
influência da
nova arte, e as
A arte a brasileira contemporânea, no que se refere ao uso de
muitas correntes
outros suportes de criação, como as mídias (a fotografia, o vídeo, a
em moda agem
performance e a instalação), também tem a diversidade como marca.
de forma a
Os artistas brasileiros, sob influência da nova arte, e as muitas
ressignificar
correntes em moda agem de forma a ressignificar temas e materiais
temas e materiais
usados, muitas vezes utilizando a associação de mídias e materiais.
usados, muitas
Muitas vezes o processo envolvido na exposição também é incorporado
vezes utilizando
à arte contemporânea como, por exemplo, as pinturas do artista chileno
a associação
Eugenio Dittborn, que será homenageado na Bienal do Mercosul, em
de mídias e
que sua arte fará uma viagem via postal das Cordilheiras dos Andes até
materiais.
Porto Alegre.

96
Capítulo 4 Manifestações Artísticas Brasileiras

Figura 50 - Eugenio Dittborn: Pinturas aeropostales en Viaje

Fonte: Disponível em: <http://www.bienalmercosul.art.br/blog/eugenio-dittborn-


pinturas-aeropostales-en-viaje/>. Acesso em: 04 de out.de 2011.

Nesta vastidão de terra chamada Brasil, grande tambem é a produção


artística dos sujeitos que deixaram seu legado e que ainda constroem a arte
brasileira, hoje cada vez mais buscando sua autoria e reconhecimento.

Atividade de Estudos:

1) Em cada edição da bienal, um tema é cuidadosamente escolhido


para orientar a produção dos artistas participantes e promover a
reflexão necessária em torno do papel da arte para a sociedade.
Escolha uma edição das bienais, pode ser a de São Paulo, ou
ainda a do Mercossul, e investigue os fundamentos filosóficos
que orientaram a exposição.
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97
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

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Algumas Considerações
O texto aqui apresentado se propôs mostrar um pouco do desenvolvimento
da pintura brasileira e sua ligação com a arquitetura no que tange às influências
desde o momento de sua colonização. Objetivou mostrar a arte brasileira em sua
apropriação e apontar e ressignificar a importância dos museus como guardiões
da arte nacional e internacional, bem como ressaltar a importância das bienais de
São Paulo e a do Mercosul – RS.

Referências
ARRUDA, Jacqueline. Projeto educação para o século XXI. São Paulo:
Moderna, 2002.

GAVAZZONI, Aluizio. Breve história da arte e seus reflexos no Brasil.


Rio de Janeiro: Biblioteca da Universidade Estácio de Sá, 1998.

GONZAGA, Duque. A arte brasileira. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995.

8ª Bienal do Mercosul – Projeto. Disponível em: http://www.bienalmercosul.art.br/


novo/index.php?option=com_noticia&Itemid=5&id=865

98
C APÍTULO 5
Os Padrões da Cultura

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Entender a sociedade como permeada por padrões e normas conceituais.

99 Identificar as influências da sociedade na definição da cultura.

99 Compreender o etnocentrismo e suas implicações para a sociedade.

99 Distinguir as influências e medir criticamente as inúmeras mudanças efetivas


dos padrões de cultura.
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

100
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

Contextualização
Neste capitulo, propomos a discussão das variáveis que se fazem presentes
na relação cultura e sociedade, em que as influências são recíprocas. A discussão
acerca da cultura afrodescendente se faz necessária, visto a composição da
sociedade brasileira e sua mescla de etnias. No entanto, a história nos mostra que
prevaleceram e ainda prevalecem as orientações de uma cultura europeia, fruto da
nossa colonização. As divergências são importantes por provocarem mudanças de
paradigma, o que é necessário, mas exige cautela.

A Cultura
A sociedade brasileira tem em sua cultura as raízes de sua
A sociedade
colonização, dos indígenas, negros escravos e europeus. Passados 500
brasileira,
anos, a miscigenação de costumes e valores se remodela no cenário
permeada
contemporâneo.
por questões
morais, vai aos
O Brasil tem em seu território a presença de várias culturas e
poucos sendo
o que se nota é que as raízes, antes bem definidas, hoje encontram
desenhada ainda
novas influências, como a dos orientais, por exemplo. No entanto,
nos padrões
mesmo miscigenada, a cultura, no que tange à sociedade brasileira, se
idealizados.
localiza em espaços que a diferem em escala de valor, ou seja, existe a
cultura popular e a erudita.

Há um duelo entre as esferas que compõem a sociedade, na qual os


integrantes da elite ditam as regras do que é de bom gosto e de mau gosto nas
manifestações artísticas, sendo que o padrão adotado comparativo é o europeu.
Acontece que as normas impostas no campo das artes vão sendo remodeladas
com o tempero mais que brasileiro, gerando assim uma arte dita dis(forme) ou
popular, fora dos padrões aceitos.

A sociedade brasileira, permeada por questões morais, vai aos poucos sendo
desenhada ainda nos padrões idealizados. Reflexo deste cenário é a atuação
significativa da indústria cultural. Podemos notar que existe um desejo por parte
da indústria cultural de homogeneizar os valores culturais brasileiros dentro de
uma perspectiva da sociedade do lucro.

Podemos dizer que a sociedade brasileira, no que tange à sua cultura, divide-
se em cultura erudita, cultura popular e cultura de massa. Segundo Mattos (2008),
a cultura dita erudita está associada à Academia, às Universidades, que abrigam
o pequeno grupo de pessoas ditas intelectuais. Já a cultura popular está atrelada

101
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

diretamente ao povo, tem origem em seus hábitos e costumes. No que se refere


à cultura de massa, a autora aponta que esta tem a intenção de utilizar os meios
de comunicação para a imposição de ideias, gostos e valores em um projeto de
homogeneização.

Figura 51 - A Lenda Grega de Narciso

Fonte: Disponível em: <http://profjoicebelini.blogspot.com/2010/10/


mitologia-grega.html>. Acesso em: 10 out. 2011.

Figura 52 - Arte Popular

Fonte: Disponível em: <http://botega.blogspot.com/>. Acesso em: 10 out. 2011.

Figura 53 - A TV é o veículo de comunicação da cultura de massa

Fonte: Disponível em: <http://blig.ig.com.br/evidencial/2008/12/05/


boas-vindas/>. Acesso em: 10 out. 2011.

102
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

É complexa a relação entre cultura e sociedade, estando entrelaçados valores


e intenções de cunho ideológico. A arte, como intenção humana de manifestação,
opinião, testemunho de sujeitos que utilizam as várias linguagens artísticas para
firmar sua passagem na sociedade de forma crítica, flutua nas esferas de todas as
artes. No entanto, é necessário pensar na arte apresentada, tendo a consciência
desses valores que a permeiam, seja ela erudita, seja ela popular ou mesmo uma
relação entre os signos artísticos presentes na cultura de massa.

Nesse campo da cultura brasileira, a questão da identidade, pensada no


capítulo II, retorna aqui ao refletirmos sobre o lugar da cultura afrodescendente.
É urgente entender a importância da cultura africana para o povo brasileiro, suas
manifestações na dança, na religião, na culinária, nas vestimentas, na arte de
forma geral, No entanto, nesta parte do caderno, além dos traços iniciais da
cultura africana no Brasil, gostaríamos de propor a reflexão sobre qual o espaço
concedido à cultura afro hoje, no Brasil do mundo globalizado e intercultural, um
país comprometido com a defesa do direito à diversidade.

Seria a cultura afro componente da cultura brasileira que


conserva suas especificidades, mas que é parte do Brasil como um
todo? Ou seria a cultura afro apenas a sombra de determinadas
influências que se mesclam nesse país diversificado? Teria a cultura
afro um lugar no Brasil? Se a resposta for sim, que lugar é este? De
destaque? De sociedade? À margem?

A história nos conta qual o lugar do negro no Brasil, primeiro


É certo que
escravo, depois liberto, mas sob algumas condições. É certo que
algumas
algumas mudanças aconteceram nesses tempos idos e que a cultura
mudanças
afro hoje tem em sua defesa alguns atos, inclusive políticos. Citamos a
aconteceram
questão política por entendermos que seja importante que essa esfera
nesses tempos
da sociedade, de alguma forma, mesmo motivada por interesses, se
idos e que a
detenha a organizar o respeito e o reconhecimento de parte da cultura
cultura afro hoje
africana em terra também sua, brasileira.
tem em sua
defesa alguns
O ano de 2011 é dedicado à reflexão em torno dos afrodescendentes
atos, inclusive
no que tange a seus direitos políticos, econômicos, culturais e sociais:
políticos.
“em 18 de dezembro de 2009, a Assembleia Geral das Nações Unidas
proclamou o ano, começando em 1º. de janeiro de 2011, como o Ano
Internacional dos Afrodescendentes (A/RES/64/169).” A partir dessa
resolução,

103
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

A representação da UNESCO no país realizou uma série de


encontros e debates regionais para lançar a  primeira edição
em Português  da Coleção da UNESCO “História Geral de
África” (HGA), que em paralelo foi entregue a 8 mil bibliotecas
universitárias e públicas do país e antes, em dezembro de
2010, disponibilizada  gratuitamente online ao público em
dezembro de 2010, com apoio e financiamento do Ministério
da Educação (MEC) e coordenação técnica da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCAR).  Além de debates e mesas-
redondas, programação cultural, atividades relacionadas à
tradição afro-brasileira  e integração com movimentos sociais 
também fizeram parte dos eventos. (UNESCO, 2011).

Reconhecer o lugar do negro na cultura brasileira é tarefa árdua a ser


desenvolvida por todos. Esta discussão em torno da cultura afro no Brasil
e também na América começa pela sua forma primeira de estar aqui: como
manifestação do povo escravo.

A partir de 1570, a resistência dos aborígenes, as epidemias


que golpeavam duramente uma população que nunca havia
O comércio sido muito densa, a legislação contra a escravidão indígena,
marítimo entre os reduziram tanto a disponibilidade quanto a rentabilidade da
mão de obra índia. (CARDOSO, 1982, p. 55).
países da Europa
incentivou o
O comércio marítimo entre os países da Europa incentivou o
comércio de mão-
comércio de mão-de-obra barata, fundamental para o desenvolvimento
de-obra barata,
das plantações e da exploração das riquezas regionais. O
fundamental
desenvolvimento da América está associado a esse processo de troca
para o
de riquezas entre as nações colonizadoras e o desenvolvimento das
desenvolvimento
novas terras, e “a etapa que se estende de meados do século XVII
das plantações
até 1791 pode ser considerada como o auge da escravidão negra nas
e da exploração
Américas” (CARDOSO, 1982, p. 55). A exploração do solo brasileiro
das riquezas
através do braço forte do negro africano inicia a busca do ouro, seguida
regionais.
pelas plantações.

Não pretendemos nos alongar nos aspectos históricos da escravidão no


Brasil. Apenas consideramos importante pontuar as diferenças entre a cultura
brasileira e sua relação com os africanos. Cardoso (1982) discute essas questões
usando termos como “sociedades africanas”, “sociedades negras”, “mundo dos
brancos” e “mundo dos negros”. O confronto do africano com a nova terra resulta,
segundo o autor, no surgimento de comunidades negras,das quais o branco é
retirado, mantido do lado de fora, mas que também não podem ser denominadas
africanas, visto que sua aculturação tira parcialmente sua identidade.

No Brasil não obterá personalidade juridica; mas


psicologicamente deverá forjar-se uma nova personalidade,
sem a qual não poderá sobreviver: Isto ocorre pela inserção

104
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

simultânea na sociedade dominada pelo modelo dos brancos,


e na sociedade dos negros, ainda inspirada por modelos
africanos. A adaptação que transforma o cativo em escravo no
sentido exato da palavra supõe uma aprendizagem linguística,
religiosa e através do trabalho, sendo que em todos os casos
aparecerá a dualidade “mundo dos brancos”/ “mundo dos
negros”. (CARDOSO, 1982, p.55).

Essa dualidade da qual trata o autor se reflete também hoje nos


descendentes que nascem em terra brasileira. Nesse sentido, a reflexão em
torno da cultura afrodescendente exige pensar no desenvolvimento da história
e da ação dos afrodescendentes, questionando assim esse lugar em solo
brasileiro. Das regiões brasileiras, será na Bahia que a cultura africana terá maior
espaço, onde a arte, a religião, a culinária serão preservadas e posteriormente
desenvolvidas com suas influências.

Figura 54 - Os tambores do Olodum da Bahia – Influência Africana

Na linha do
desenvolimento
da música e
da dança, a
capoeira como
manifestação
artística cultural
também é
fortemente
desenvolvida na
Bahia, sendo
Fonte: Disponível em: <http://www.dendecultural.com.br/2011/02/ até considerada
ensaio-do-olodum.html>. Acesso em: 10 out. 2011. referência. Assim
como samba no
Na linha do desenvolimento da música e da dança, a capoeira Rio de Janeiro,
como manifestação artística cultural também é fortemente desenvolvida que traz
na Bahia, sendo até considerada referência. Assim como samba no Rio a influência da
de Janeiro, que traz a influência da cultura afro. cultura afro.

105
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

O Entre-Lugar da Cultura Africana


no Brasil
Quando se fala em cultura afro-brasileira, uma pergunta sempre vem à tona:
o samba é brasileiro ou africano? E a resposta pode parecer simples ou complexa
ao mesmo tempo, tudo depende de como se interpreta os elementos históricos,
responsáveis pela formação da cultura e da identidade do brasileiro. O correto
seria falar em hibridismo cultural e assim resolver essa discussão. Para tanto, é
importante fazer um resgate histórico da chegada dos portugueses e dos negros
escravos ao Brasil e analisar como essa junção de etnias ocorreu entre eles e os
povos indígenas, que já habitavam essas terras.

As primeiras caravelas portuguesas ancoraram em terras – que se


denominariam mais tarde brasileiras – por volta de 1500. Trinta e dois anos
mais tarde, Martim Afonso de Souza criou o primeiro centro produtor de açúcar,
que se chamou Vila de São Vicente (hoje estado de São Paulo). Para tocar o
trabalho de produção, foi necessária uma mão de obra especializada, ou seja,
que conhecesse o cultivo da cana e, então, em 1550, desembarcam em Salvador,
Bahia, os primeiros africanos escravizados, destinados ao trabalho nos engenhos
de cana-de-açúcar do Nordeste e também na Vila de São Vicente.

O número de engenhos nordestinos duplicou a partir de


O número
1630 e, nesse período, tropas de holandeses desembarcaram em
de engenhos
Pernambuco, trazendo escravos provenientes de terras angolanas,
nordestinos
que foram retirados de sua terra natal para serem direcionados ao
duplicou a partir
trabalho escravo nas lavouras brasileiras. Essa primeira fase do
de 1630 e, nesse
domínio holandês é marcada por guerras cruéis e por deslocamento
período, tropas
forçado de negros, por intermédio de portugueses, para o sul do País.
de holandeses
desembarcaram
Enfim, o negro experimentou as piores condições de vida neste
em Pernambuco,
processo de trabalho escravo e nem mesmo com a abolição desse
trazendo escravos
sistema escravagista a situação melhorou. Porque a estratégia
provenientes de
do colonialismo foi a de destruir a autoestima do colonizado e,
terras angolanas,
principalmente, do escravizado, incutindo nele o complexo da
que foram
inferioridade, para o qual a única alternativa era reproduzir o modelo
retirados de
ditado pelo colonizador. Isso se daria também nas questões culturais.
sua terra natal
Ou melhor: a tentativa ocorreu, mas não chegou a se concretizar,
para serem
porque os negros conseguiram resistir e mantiveram vivas suas
direcionados ao
manifestações culturais, bem como as ritualísticas e religiosas, por
trabalho escravo
intermédio do sincretismo.
nas lavouras
brasileiras.

106
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

Por isso, quando se fala sobre as origens africanas do samba, recorre-se ao


cronista baiano Francisco Guimarães (Vagalume), que explica o vocábulo como
sendo dois verbos da língua dos nagôs, o ioruba: san, pagar, e gbá, receber .
Depois de Vagalume, muito se tentou explicar sobre a origem da palavra,
inclusive que teria uma procedência indígena. No entanto, Nei Lopes , sambista
e pesquisador da cultura negra brasileira, ressalta que o vocábulo é, sem dúvida,
africaníssimo, legitimamente banto e não iorubano.

Samba, entre os quiocos (chokwe) de Angola,


é verbo que significa cabriolar, brincar, divertir-
Samba, entre
se como cabrito. Entre os bacongos angolanos e os quiocos
congueses, o vocábulo designa uma espécie de (chokwe) de
dança em que um dançarino bate contra o peito
Angola, é verbo
do outro. E essas duas formas se originam da
raiz multilinguística semba – rejeitar, separar, que que significa
deu origem ao quimbundo di-semba, umbigada cabriolar, brincar,
–, elemento coreográfico fundamental do samba divertir-se como
rural, em seu amplo leque de variantes, que inclui,
entre outras formas, as danças conhecidas como cabrito. Entre
batuque baiano, coco, calango, lundu, jongo etc. os bacongos
(Lopes, 2003, p 14). angolanos e
congueses, o
Aliás, o nome samba, como destaca ainda Nei Lopes, designava vocábulo designa
uma das danças populares brasileiras derivadas do batuque africano. uma espécie de
Atualmente, é mais aplicado ao gênero de música, canção e dança dança em que um
que se tornou um dos símbolos da nacionalidade brasileira. Há de dançarino bate
se entender o samba também a partir de critério geográfico. Ou contra o peito do
seja, primeiro em sua feição rural, à base de pergunta (solo curto) e outro.
resposta (refrão forte), quase sempre dançado numa roda e mantendo
como elemento característico a umbigada ou uma simulação dela. A
Umbigada é uma dança em roda em que, em determinado momento,
os dançarinos encostam a barriga leve e rapidamente um ao outro.
Depois o samba ganhou uma feição urbana no Rio de Janeiro, antiga
capital federal, nas primeiras décadas de 1900.

Veja um vídeo sobre a Umbigada e conheça um pouco mais


sobre essa dança.

http://www.youtube.com/watch?v=w_dIcxOd_w8&feature=related

O samba moldado no ambiente urbano do Rio de Janeiro sofreu modificações


estruturais que se processam até hoje. Ao contrário do samba rural – em que as

107
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

variações de denominação dependem da questão geográfica, o samba urbano


sofre interferências de toda ordem e cria novas formas, umas eternas, outras
passageiras, mas todas transformando a velha matriz, muitas vezes contribuindo
para tornar quase imperceptíveis as raízes africanas do gênero.

Nei Lopes (1993) lembra que os batuques festivos originários de Angola


e do Congo certamente já se achavam no Brasil havia muito tempo. No século
XIX eles já tinham moldado a fisionomia do samba rural, fazendo surgir o lundu,
tocado e dançado. Aluísio de Azevedo faz referência a esse ritmo em “O Cortiço”
num trecho em que descreve uma reunião festiva na casa da personagem Rita
Baiana. Esse lundu ao qual se refere o escritor foi certamente um ancestral
próximo do samba cantado, originário das toadas dos batuques de Angola e do
Congo. A estrofe improvisada, acompanhada de refrão coral fixo em resposta,
é característica estrutural de origem africana com ascensão na música afro-
brasileira. Tanto elas quanto a coreografia revelam, no antigo samba dos morros
do Rio, a permanência de afinidades básicas com o samba rural, expandido por
boa parte do território nacional.

No Rio de Janeiro, a modalidade mais tradicional do samba


No Rio de é o partido-alto, um samba cantado em forma de desafio por
Janeiro, a dois ou mais participantes e que se compõe de uma parte com
modalidade coral e outra solada. Essa modalidade tem raízes profundas
mais tradicional nas canções do batuque angolano, em que as letras são
sempre improvisadas e consistem geralmente na narrativa de
do samba é o episódios amorosos, sobrenaturais ou de façanhas guerreiras.
partido-alto, um (LOPES, 1993, p.24).
samba cantado
em forma de
André Diniz (2008) resume tudo isso dizendo que a música popular
desafio por
urbana brasileira é resultado da confluência cultural de três etnias: o
dois ou mais
índio, o branco e o negro. É deles a herança de todo o instrumental,
participantes e
o sistema harmônico, os cantos e as danças. Diniz chega à mesma
que se compõe
conclusão de Nei Lopes, ou seja: a música urbana, e, portanto, o
de uma parte
samba, surge no início do século XIX, nos principais centros da
com coral e outra
colônia, notadamente Rio de Janeiro e Bahia. Essa música é “entoada
solada.
por pessoas que cantavam modinhas e lundus ao violão, ao piano ou
acompanhadas por grupos instrumentais” (DINIZ, 2008, p 20). Diante
dessas análises, fica evidente que o samba é brasileiro e com forte
influência africana.

108
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

Dica de leitura: O Cortiço, de Aluísio de Azevedo.

Figura 55 - O cortiço, Aluísio de Azevedo

Fonte: <http://leituraveloz.blogspot.com/2011/06/o-cortico-do-
grande-autor-brasileiro.html>. Acesso em: 10 out. 2011.

Outra manifestação artistica importante é o carnaval,


Outra manifestação
destacando novamente o Rio de Janeiro, onde os desfiles de
artistica importante é o
carnaval, sob o rosto da preservação cultural, são transformados
carnaval, destacando
em espetáculo, rendendo fortunas, atraindo turistas do mundo
novamente o Rio
inteiro. No mesmo segmento, a cultura da Bahia faz parte da
de Janeiro, onde os
rota turística que movimenta a economia do país. Independente
desfiles de carnaval,
dessas questões econômicas, pensar no afrodescendente, sendo
sob o rosto da
branco ou não, e no seu lugar (voltando à discussão inicial) nesta
preservação cultural,
terra que é também sua, é algo que está atrelado às questões de
são transformados em
alteridade e identidade (discutidas no capítulo II), negando a atitude
espetáculo, rendendo
etnocêntrica que ainda prevalece em nossa sociedade.
fortunas, atraindo
turistas do mundo
inteiro.
Etnocentrismo
De onde vejo o outro? Quais são os parâmetros adotados em meu julgamento
acerca dos valores morais, das manifestações artísticas e culturais do outro? Com
se organiza a sociedade em torno das diferenças dos sujeitos que a compõem?
E o outro, como ele me vê? Será que as pessoas me veem como eu sou, e suas
opiniões estão afinadas com o meu autojulgamento?

109
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Como podemos nos entender (...), se nas palavras que digo


coloco o sentido e o valor das coisas como se encontram
dentro de mim; enquanto quem as escuta inevitavelmente as
assume com o sentido e o valor que têm para si, do mundo
que têm dentro de si? (PIRANDELLO, s,p., 2011).

A questão da identidade e dos múltiplos olhares acerca da


O reflexo de
constituição dos sujeitos, no que tange tanto à sua aparência quanto
sua aparência
a sua personalidade e moral, é discutida além das teorias freudianas
começa a não
no romance do italiano Luigi Pirandello, que traz o título “Um, Nenhum
ser mais de
e Cem mil”. De repente o personagem principal de Pirandello se vê
comum acordo,
frente às muitas faces construídas a partir de sua personalidade pelas
cada um de
pessoas que com as quais convive, afetando também a sua aparência
seu meio social física, até então entendida como um consenso com o espelho. O reflexo
tem uma forma de sua aparência começa a não ser mais de comum acordo, cada
de ver e julgar um de seu meio social tem uma forma de ver e julgar determinadas
determinadas particularidades de sua aparência, o que provoca no personagem
particularidades momentos de indignação por discordar de muitas delas.
de sua aparência,
o que provoca Trago a referência do livro para refletirmos sobre a forma como
no personagem olhamos o outro, a cultura do outro. Será que nosso olhar corresponde
momentos de de fato ao fenômeno observado, ou seria prudente assumirmos que
indignação por nosso pensamento acerca de determinadas culturas se configura como
discordar de possível, mas não como sendo o único? Nossa base empírica e teórica
muitas delas. forma nossa visão de mundo, mas deve ser constantemente avaliada a
fim de não desenvolvermos atitude etnocêntrica.

O etnocentrismo consiste em privilegiar um universo de


representações propondo-o como modelo e reduzindo à
insignificância os demais universos e culturas “diferentes”. De
fato, trata-se de uma violência que, historicamente, não só se
concretizou por meio da violência física contida nas diversas
formas de colonialismos, mas, sobretudo, disfarçadamente,
por meio daquilo que Pierre Bourdieu chama “violência
simbólica”, que é o “colonialismo cognitivo” na antropologia de
De Martino. (CARVALHO, 1997 p.181, grifo do autor).

O etnocentrismo se configura como uma postura construída


O etnocentrismo
acerca dos valores morais e culturais diante da sociedade. Como
se configura
sujeitos construídos pelo contexto em que nos desenvolvemos, ter
como uma
um olhar etnocêntrico, em que nossos valores são parâmetro utilizado
postura
no julgamento do outro, é considerado reflexo de nossa educação.
construída
No entanto, frente às barbáries cometidas por nações com atitudes
acerca dos
etnocêntricas, essa forma única de olhar a cultura do outro é banida
valores morais e
do projeto de igualdade étnico racial. Subjugar as culturas que se
culturais diante
apresentam diferentes daquela em que nos constituímos é uma atitude
da sociedade.
que não cabe mais no mundo globalizado.

110
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

Como nos livrarmos da prática cotidiana de julgamento do outro?

Figura 56 - René Magritte, Golconde, 1953

Fonte: Disponível em: http://www.imaginariopoetico.com.br/luigi-


pirandello-um-nenhum-e-cem-mil/. Acesso em: 10 out. 2011.

Desastres humanos, em que vidas são subtraídas por alguns


A violência se
de forma violenta, baseados em justificativas de não aceitação de
configura no ato de
cultura do outro, são reflexo de atitudes etnocêntricas.
remover o outro do
O etnocentrismo origina e tem origem na espaço em que vive,
“heterofobia” (o Outro - em suas diversas pois suas ações não
formas: primitivo, selvagem, louco, imaturo, estão de acordo
homossexual, “homens de cor”, crianças
problemáticas, fascistas, baderneiros, “hippies”,
com o que se
“mulheres de vida fácil”, hereges etc) constitui acredita e tolera. No
“perigo” que deve ser exterminado. (CARDOSO, início da colonização
1982, p. 182, grifos do autor).
do Brasil, o índio
foi o outro a ser
A violência se configura no ato de remover o outro do espaço em eliminado, a ser
que vive, pois suas ações não estão de acordo com o que se acredita privado do direito
e tolera. No início da colonização do Brasil, o índio foi o outro a ser de viver e de se
eliminado, a ser privado do direito de viver e de se manifestar através manifestar através
de suas práticas culturais. O negro também tem sua cultura sufocada de suas práticas
perante a implantação da cultura europeia. culturais.

111
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Durante o século XIX, os missionários cristãos na África e nas


ilhas do Pacífico forçaram várias tribos nativas a mudar os seus
padrões de comportamento. Chocados com a nudez pública, a
poligamia e o trabalho no dia do Senhor, decidiram, paternalistas,
reformar o modo de vida dos “pagãos”. Proibiram os homens
de ter mais de uma mulher, instituíram o sábado como dia de
descanso e vestiram toda a gente. Estas alterações culturais,
impostas a pessoas que dificilmente compreendiam a nova
religião, mas que tinham de se submeter ao poder do homem
branco, revelaram-se, em muitos casos, nocivas: criaram mal-
estar social, desespero entre as mulheres e orfandade entre as
crianças. (RODRIGUES, 2003).

As posturas etnocêntricas se manifestam em vários setores da sociedade,


em várias partes do mundo, por cidadãos que têm ideologias extremistas. Neste
ano de 2011, o Brasil foi criticado por ser um país que comporta variadas culturas
e a miscigenação entre raças na carta “An European Declaration of Independence
- 2083” (Uma declaração de Independência Europeia - 2083), do atirador da
Noruega Anders Behring Breivik, acusado de atitude terrorista pelo massacre
de 76 estudantes em um acampamento de jovens na ilha de Utoya, próximo a
Oslo, na Noruega. Insanamente e com o discurso do preconceito em relação à
America Latina, Breivik se refere ao Brasil como um pais “disfuncional” em sua
carta divulgada na internet.

A razão da nossa preocupação e oposição deve-se ao fato


de que a imigração massiva, a mistura racial e a adoção
por não europeus são ameaça à unidade da nossa tribo
(...). Primeiramente, um país que tem culturas competitivas
vai se dilacerar ou vai acabar como um país disfuncional,
como o Brasil e outros países”. (Do UOL Notícias
Em São Paulo , 2011).

A matéria publicada na página da internet, que traz trechos da carta do


assassino com referências ao país, evidencia que a violência em terra brasileira
é atribuída à miscigenação, e que a superação destes conflitos e a busca para a
melhoria deve levar em conta a educação, o livre mercado de políticas nacionalistas,
o resguardo de uma etnia homogênea e eliminação da presença do islamismo.

No caso citado, o assassino confesso tem a sua cultura, sua raça, sua
cor como padrão moral a ser seguido por todos, justificando assim a barbárie
cometida contra os que são diferentes. Aqui, o processo de eliminar a cultura
alheia chegou ao extremo da violência em pleno século XXI, em um cenário
economicamente globalizado, em um mundo apresentado como comprometido
com a interculturalidade.

O que notamos é que o projeto europeu de um mundo povoado por sua


raça, considerada superior, ainda permanece na mente de muitos cidadãos.

112
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

Se, no início das conquistas territoriais, a América foi o alvo desse


O projeto europeu de
projeto, que vai além da aculturação, em que os habitantes que aqui
um mundo povoado
já estavam, tiveram seus rastros culturais apagados pela violência
por sua raça,
e pelos costumes e ideologias impostas, hoje não é diferente.
considerada superior,
Obviamente que atitudes violentas como da praticada na Noruega
ainda permanece
chocam o mundo devido à incompreensão da atitude extrema do
na mente de muitos
atirador. No entanto, esse acontecimento tem rastro na história, em
cidadãos.
que a tolerância predominou e ainda hoje predomina.

Assim, olhar as peculiaridades do outro, como a forma de se vestir, de se


divertir, hábitos que envolvem alimentação, danças, crenças, arte e artesanato,
cultura local e global, com respeito perante atitudes a priori estranhas para ambos,
é fundamental em um mundo que comporta tantas diferenças. Longe de exaltar o
relativismo de nível moral acerca das questões de cultura, o que vale é o cultivo
da igualdade de direito, de respeito a toda vida humana.

É tarefa difícil sim, em um mundo individualista, egoísta, rodeado por


ideologias que subjugam qualquer um, prevalecendo a busca do lucro e do poder.
A dominação do outro é histórica, começou com a disputa dos conquistadores de
terra e riquezas e, por seu caráter histórico, é passível de mudanças por todos
os sujeitos que, constituídos pela sociedade em que vivem, têm a capacidade de
provocar mudanças.

Segundo Husserl, o conceito primário de relativismo


(epistemológico) é definido pela fórmula de Protágoras: “o homem é
a medida de todas as coisas” (...). Alguns autores consideram que,
no nível epistemológico, o relativismo brota de uma atitude cética e,
no nível moral, de uma atitude cínica. (MORA, 2001 p. 629).

113
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

O filme problematiza as questões étnico-raciais.

Figura 57 - Filme Crash

Fonte: Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br/013/13lourenco.htm>.


Acesso em: 10 out. 2011.

Atividade de Estudos:

1) Com o objetivo de investigar as heranças culturais em nossos


hábitos alimentares, construa um cardápio baseado em uma
semana de alimentação e investigue a origem dos alimentos mais
consumidos. O objetivo da atividade é revelar a herança cultural
que ordena sua alimentação.
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114
Capítulo 5 Os Padrões da Cultura

Visite o Museu Afro Brasil: artes plásticas. A viagem vale a pena!


Acesse:

http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica

Algumas Considerações
É urgente a discussão para que haja a mudança de posturas discriminatórias
que subjugam qualquer ser humano. O planeta é habitado por seres diferentes,
com sociedades e culturas distintas. No entanto, conviver é preciso e nos resta
encontrar a melhor forma de dividir cada espaço compartilhado. Tarefa difícil, mas
possível. Nesse sentido, estudar a arte e sua ligação com a cultura e a sociedade
contribui para o pensar acerca das diferenças existentes em nosso meio social.

Referências
An European Declaration of Independence - 2083” (Uma declaração de
Independência Europeia - 2083). Do UOL Notícias Em São Paulo. Disponível em
http://www.uol.com.br/. Acesso em 03 de setembro de 2011.

Ano Internacional dos Afrodescendentes (A/RES/64/169). Disponivel em: http://


www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/international_
year_for_people_of_african_descent/. Acesso em 02 setembro de 2011.

AZEVEDO, Aluisio. O cortiço. São Paulo: Ática, 1983.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. A Afro-América: a escravidão no novo mundo.


São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.

CARVALHO, José Carlos de Paula. Etnocentrismo: inconsciente, imaginário e


preconceito no universo das organizações educativas. Disponível em http://www.
interface.org.br/revista1/debates2.pdf. Acesso em 05 setembro de 2011.

DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler,
onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.

115
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

LOPES, Nei. O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical. Rio de


Janeiro: Pallas, 1992.

_____ Sambeabá: o samba que não se aprende na escola. Rio de Janeiro: Casa
da Palavra, Folha Seca, 2003.

MATTOS, Rafaela de Souza. Cultura e educação. Disponível em: http://www.


coladaweb.com/pedagogia/educacao-e-filosofia. Acesso em 03 de setembro de
2011.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

RODRIGUES, Luis. Padrões de cultura e etnocentrismo cultural. Disponível em:


http://www.esas.pt/dfa/sociologia/etnocentrismo.htm. Acesso em 01 de setembro
2011.

116
C APÍTULO 6
Cultura Brasileira e Educação

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Conhecer as confluências que moldam a memória e sua midiatização


transformadora.

99 Distinguir a memória como selo de identidade carregada de fragmentos


históricos.

99 Reconhecer a autoria cultural mediada pela memória, entendida como lugar,


espaço e tempo.

99 Entender a cultura brasileira como berço constituído na mistura, no que tange


à identidade.
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

118
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

Contextualização
Caro pós-graduando, estamos chegando ao nosso último capítulo de estudos
sobre os “Saberes e as Heranças Culturais Brasileiras” e agora chegou a hora de
mergulharmos um pouco na educação e compreender a correlação entre a cultura
e a educação, duas grandes áreas.

Ter a definição clara desses conceitos e trabalhar em uma prática pedagógica


que proporcione aos alunos discutir e refletir sobre a sua cultura e transcendê-la é
um dos pontos chave no ensino de artes nos dias atuais.

A interculturalidade é tema em destaque nas discussões das políticas


públicas. Neste capítulo, vamos investigar a noção central da interculturalidade
e como ela se desenvolve na cultura brasileira, que apresenta elementos
importantes que podem contribuir para uma educação que objetiva a igualdade
social e a preservação das diferenças culturais.

A Cultura e a Educação
“Cada um tem o seu tempero”

Na discussão de questões que envolvem práticas voltadas para


interculturalidade no cenário brasileiro, a arte se configura como um campo de
conhecimento que se desenvolve em terreno fértil. O Brasil é intercultural por
excelência, suas raízes colonizadoras resultaram em uma diversidade em termos
amplos na sociedade, como etnia e cultura. Resta investigar como ações políticas
e educacionais assumem a interculturalidade.

O avanço tecnológico nos permite entrar em contato com a cultura de outros


povos, mesmo que de forma virtual. As especificidades culturais estão acessíveis
a todos os que se interessarem em saber sobre a diversidade dos povos. Mesmo
estando a milhares de quilômetros dessas culturas, podemos de alguma forma
espiar o que é específico de cada lugar.

Obviamente, esse conhecimento é superficial, resumido apenas em algumas


informações. No entanto, essa prévia, esse breve olhar sobre cultura alheia através
do universo virtual prepara nossa curiosidade acerca das especificidades culturais.
Espiando o outro, nos conectamos a informações que nos interessam e, no caso
da cultura popular e da arte, muito do que sabemos acerca das práticas culturais
está ligado à representação social de cada região, ou ainda, ao que os meios de
comunicação de massa elegem como fatores representativos de cada sociedade.
Existe nos meios de divulgação digital um termo denominado “curiosidades de”, em
que podemos encontrar inúmeras particularidades de diferentes regiões.
119
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Que tal buscar em sites da internet e conhecer um pouco sobre


o trabalho do artista Fernando Bottero e do escritor Gabriel Garcia
Márquez? Vale a pena conferir.

Por exemplo, podemos saber que a Colômbia, lugar também das pinturas
de Bottero e da literatura de Garcia Márquez, tem uma prática curiosa em sua
culinária: saborear formigas fritas. Essa prática é estranha ao paladar brasileiro,
mesmo sendo conhecida em nosso país, no Amazonas. Em alguma parte do
oriente, por exemplo, no Japão, as noivas casam de vestido vermelho e o luto é
representado pela cor branca. As distâncias geográficas entre as várias partes do
mundo não impedem que as práticas culturais e artísticas cheguem a variados
territórios, acompanhando o deslocamento do homem sobre a terra. Foi assim com
as gravuras chinesas que cruzaram o oceano e contribuíram de forma significativa
com o processo de comunicação humana através de imagens e textos. Também
as esculturas africanas cruzam a fronteira e influenciam a arte da Europa através
de Pablo Picasso.

Figura 58 - Escultura da tribo Makonde, da África Oriental,


1974. Arte Africana: influência de Pablo Picasso

Fonte: Disponível em: <http://wwwpoetanarquista.blogspot.


com/2010/10/arte-dafrica.html>. Acesso em: 08 dez. 2011.

Aliás, as particularidades culturais entre continentes são também questões


de discussão acirrada no que diz respeito ao universo cultural vasto, assim como
as diferenças existentes nos territórios do próprio espaço ocidental.
120
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

Figura 59 - Fernando Bottero - Monalisa aos 12 anos

Fonte: Disponível em: <http://www.panoramio.com/


photo/6738601>. Acesso em: 15 set. 2011.

Figura 60 - Gravura japonesa e matriz - Xilogravura

Fonte: Disponível em: <http://www.museu.gulbenkian.pt/exposicoes/mundos_sonho/


gravura.asp?num=1&page=gravura&lang=pt&coord=40>. Acesso em: 15 set. 2011.

Historiadores apontam a influência das máscaras africanas na obra do artista


espanhol.

Figura 61 - “Les Demoiselles d’Avignon” - Pablo Picasso

Fonte: Disponível em: <http://www.thecityreview.com/


matpic.html>. Acesso em: 15 set. 2011.
121
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

No que se remete ao Brasil e a sua representação no cenário


Os meios de
mundial, podemos citar os elementos culturais que foram eleitos como
comunicação
representativos do país verde e amarelo. Os meios de comunicação
revelam o Brasil
revelam o Brasil como o país do futebol, do carnaval, da alegria e do
como o país
prazer, ou ainda da violência, do primitivismo. Esse retrato brasileiro que
do futebol, do
ainda persiste tem suas raízes nas políticas culturais que se apropriam
carnaval, da
dos elementos populares brasileiros e com eles traçam o perfil do país
alegria e do
para aqueles que não vivem por aqui.
prazer, ou ainda
da violência, do Carmen Miranda, com músicas como “O que é que a baiana
primitivismo. tem?”, “No tabuleiro da baiana” e “South American Way”, foi
o ponto de partida de uma conhecida identidade brasileira,
o estereótipo do Brasil de terra do carnaval e do samba,
São falas parciais da beleza e da dança. Depois dela, outros personagens
fortificaram essa ideia, Zé Carioca, a Bossa Nova, e grandes
acerca de um
músicos da MPB consagraram a imagem que qualquer um
discurso bem lembra quando nos referimos ao povo brasileiro. (JORWIK,
mais extenso e 2010, s.p.).
entrelaçado a
várias questões A pequena notável que, com suas músicas e dança, inicia a
de valores representação do país como uma terra alegre, colorida, vende a
humanos. São imagem que até hoje prevalece. Falar de Carmem Miranda é falar de
as imagens um Brasil encenado. Ao se referir às cenas do fime de Zé Carioca no
de um mesmo Brasil, o autor chama a atenção para o enfoque branco do filme, e
Brasil, entre elas lembra que o cenário do filme é Salvador, sendo que a ausência dos
a situação de negros na representação do Brasil baiano configura uma falsidade em
sobrevivência da torno de uma imagem idealizada. A representação continua até hoje:
classe menos
favorecida. Atualmente, no exterior, quando pensam em se referir ao
Brasil, essa identidade vem à tona, como é o caso de uma
propaganda de café brasileiro veiculada em Israel, nela,
um homem israelense está no avião, quando a aeromoça
lhe oferece café, ele pensa sobre o assunto e começa a
dizer: “Eu quero café com sabor, café inteligente, café com
personalidade, café com aroma, que se pode tocar nele,
senti-lo, café com açúcar. EU QUERO CAFÉ BRASILEIRO”.
Neste momento da propaganda o rapaz salta do avião de
paraquedas e chega a Salvador, lá encontra uma paisagem
maravilhosa, com um povo animado e receptivo, festejando
em clima de carnaval. (JORWIK, 2010, s.p.).

Nesta linha de pensamento, da construção de identidade brasileira pelos


meios de comunicação de massa, com interesses políticos de divulgação
internacional, a apropriação da cultura popular para a representação de uma
imagem brasileira é de certa maneira escandalosa, porque segrega valores em
detrimento de certos interesses de pessoas que manipulam o que deveria ser de
comum acordo entre o povo que compõe o território brasileiro. São falas parciais
acerca de um discurso bem mais extenso e entrelaçado a várias questões de

122
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

valores humanos. São as imagens de um mesmo Brasil, entre elas a situação de


sobrevivência da classe menos favorecida.

A construção dessa imagem vem de produções nacionais, e


geraram repercurssões mundiais. Filmes brasileiros que se
tornaram famosos no mundo inteiro, como “Cidade de Deus”,
“Carandiru” e “Ônibus 174” retratam favelas e o mundo do
crime. A grandiosidade desses filmes no exterior fez com que
muitos enxergassem o Brasil apenas sob este prisma, dessa
forma muitos estrangeiros acreditam que no Brasil e em suas
favelas existam tiroteios, assaltos e roubos a todo momento.
(JORWIK, 2010, s.p.).

Os desafios na área de segurança pública, no combate às drogas e à


violência também são temas explorados em filmes nacionais com repercussão
internacional, como no caso do filme “Tropa de Elite”. Quem lá de longe assiste
a esse filme, ou mesmo ao exagerado “Turistas”, rodado no Brasil, constrói que
imagem de nosso país? Outro filme importante no que tange à construção da
imagem do Brasil é “Velozes e Furiosos 5: Operação Rio”. Protagonizado por Vin
Diesel, o filme, que está em sua quinta versão, é uma produção de Hollywood
com recorde de público, rodeado por tiros, ação e adrenalina, mostrando um
Brasil da favela, corrupto, em que os ladrões de carros americanos se refugiam e
encontram solo fértil para continuar com seus roubos milionários. O ar romântico
está na informação de que o dinheiro roubado vem de fontes ilícitas e que de
certa maneira errada, os bandidos parecem ter autorização para o roubo.

Figura 62 - Carmen Miranda representa um Brasil festivo

Fonte: Disponível em: <http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/


Forma%C3%A7%C3%A3o_de_uma_identidade_cultural_brasileira_e_
seus_estere%C3%B3tipos>. Acesso em: 08 dez. 2011.

123
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Figura 63 - O personagem “Capitão Nascimento” do filme “Tropa


de Elite”. A corrupção da polícia é o foco do filme

Fonte: Disponível em: <http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/


index.php/A_elite_da_tropa_e_o_constru%C3%A7%C3%A3o_
de_Roberto_Nascimento>. Acesso em: 08 dez. 2011.

Figura 64 - O filme “Turistas”, de John Stockwell, 2006. Clichês e estereótipos


acerca de um Brasil perigoso em um cenário deslumbrante

Fonte: Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/


mat/2006/12/01/286862215.asp>. Acesso em: 08 dez. 2011.

Figura 65 – “Velozes e Furiosos 5 – Operação Rio”. As favelas


são o lugar ideal para os foragidos estrangeiros

Fonte: Disponível em: <http://www.oquerolananet.com/tudo-


sobre-velozes-e-furiosos-5/>. Acesso em: 08 dez. 2011.

124
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

A pergunta se organiza no seguinte sentido: atá que ponto a ficção e a


realidade são devidamente separadas pelos espectadores? Por isso, pensar na
imagem vendida pelos meios de comunicação e também pela dita sétima arte, o
cinema, torna-se fundamental, porque é a imagem que estaremos absorvendo de
lugares em que não vivemos e parcialmente conhecemos. Como lembra Candau
(2009 p. 46), devemos ter o cuidado de não

[...] transformar um singular ou um particular em um Geral,


cuja forma mais vulgar e, via de regra, a mais detestável, é o
estereótipo cultural ou nacional: os franceses são ranzinzas,
os suíços são conscienciosos, os brasileiros são [...], eu não
sei, o estereótipo que me vem espontaneamente ao espírito é:
todos amantes de futebol, etc.

É prudente não cultivarmos uma ideia errada, mal formada,


Pois pensar em
deformada dos hábitos culturais de sociedades diferentes da nossa, e
nossas atitudes,
também da nossa própria imagem divulgada ao mundo através dessas
levando em
produções, pois pensar em nossas atitudes, levando em consideração
consideração
como isso vai influenciar o reforço ou a negação de uma imagem
como isso vai
ideologicamente construída, leva ao questionamento: que identidade
influenciar o
estamos cultivando?
reforço ou a
negação de
A memória é elemento de suma importância na manutenção da
uma imagem
identidade dos grupos sociais. Resgatar, através da memória, os
ideologicamente
costumes de cada grupo reforça a raiz que sustenta a permanência
construída.
da cultura popular, é a história contada e recontada que atua de forma
ativa na manutenção da cultura como um todo.

A memória histórica constitui um fator de identificação


humana, é a marca ou o sinal de sua cultura. Reconhecemos
nessa memória o que nos distingue e o que nos aproxima.
Identificamos a história e os seus acontecimentos mais
marcantes, desde os conflitos às iniciativas comuns. E a
identidade cultural define o que cada grupo é e o que nos
diferencia uns dos outros. (CANDAU, 2009, p. 47).

Pensar na memória com fator de importância na construção da identidade


ultrapassa a ideia inicial de resgate de história, sendo assim a própria fonte de
construção de identidade de grupos que compõem as sociedades. Identidade e
memória se validam quando compõem as estruturas identitárias. Será através
dessa construção que os sujeitos irão se desenvolver dentro de seu espaço social
e, por isso, a herança cultural repassada por gerações é tão importante.

Quando nossa memória se torna irremediavelmente falha,


sob suas formas individuais tal como problemas mnésicos
severos associados às doenças neurodegenerativas (mal de
Alzheimer, Huntington, Parkinson), ou sob formas coletivas

125
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

que se crê legítimas, a amnésia é então acompanhada de


um sentimento de perda de identidade (pessoal ou coletiva).
Há, poderíamos dizer, uma perda da essência ou mais
exatamente, a representação (pessoal ou coletiva) de uma
perda da essência. A memória pode, assim, ser assimilada a
essa faculdade constituinte da identidade pessoal que permite
aos sujeitos pensarem serem detentores de uma essência que
permanece estável no tempo, ou de pensar que o grupo ao
qual pertence é detentor de uma essência, tendo a mesma
propriedade. (CANDAU, 2009, p. 47).

Obviamente, a apropriação desses valores culturais sofrem modificações


ao longo do tempo, como que se adaptando ao novo espaço em que serão (re)
vividos, através dos costumes, ritos, da linguagem e das manifestações culturais
de forma ampla.

Com as reservas de uso, desde que se passe do indivíduo ao


coletivo, se pode ter o mesmo raciocínio para um grupo ou
toda uma sociedade. É bem em função de uma representação
anterior, que os membros de um grupo fazem de sua
identidade (sua essência), que vão incorporar certos aspectos
particulares do passado, fazer escolhas memoriais (por
exemplo, escolhas patrimoniais CANDAU, 2009, p. 47).

Assim, a memória compreende a preocupação da identidade individual e


coletiva, representada e (re)construída em ações e práticas também coletivas e
individuais, que compreendem manifestações culturais, religião e arte reveladas
em seus códigos culturais e autenticadas pela sociedade em que estão inseridas
quando absorvidas e eleitas como patrimônio cultural. Nem toda memória se torna
patrimônio coletivo, algumas ficam na esfera do particular, familiar ou mesmo de
pequenos grupos. Os mecanismos políticos e ideológicos que elegem determinado
patrimônio cultural variam em cada sociedade, e nesse aspecto é importante
observar os interesses envolvidos nesse processo e como essa memória identitária
se configura em marcos públicos de compartilhamento coletivo de identidade.

Que símbolos nos representam?

A obra de Alexandre Sequeira tem como foco a memória e a


identidade. Foi construída a partir da experiência vivida pelo artista,
no vilarejo de Nazaré de Mocajuba, no Pará.

126
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

Figura 66 - Vilarejo de Nazaré de Mocajuba – Pará - Alexandre Sequeira

Fonte: Disponível em: <http://www.saraivaconteudo.com.br/Blogs/Post/21730>.


Acesso em: 16 set. 2011.

O encontro de diferentes culturas problematiza as diferenças


culturais.

SEM IDENTIDADE e NOME DE FAMÍLIA

Atividade de Estudos:

1) Para aprofundarmos a questão da representação de um


determinado local, como cidade, região ou país, através dos
códigos eleitos, faça um levantamento da representação icônica
(os símbolos que representam sua cidade) e reflita como essa
identidade representa sua região.
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Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

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A Interculturalidade
Figura 67 - Os indígenas

Fonte: Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.


php?codigo_noticia=2552>. Acesso em: 20 set. 2011.

“Temos o direito de ser


iguais, sempre que a diferença nos inferioriza; temos
o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos
descaracteriza.” (CANDAU apud Santos, 2006, p. 462).

A interculturalidade está na pauta das discussões dos representantes de


diversos países, em especial os da América Latina. O projeto intercultural tem suas
raízes na preocupação com os grupos indígenas e no desenvolvimento linguístico
desses grupos, reforçado pelo desejo de conquista de espaço social, das diferenças
presentes nas etnias, nas religiões, em questões de gênero. Esse espaço requerido
vem sanar a dívida social construída ao longo dos anos pelas classes dominantes,
que serviam de parâmetro regulador de comportamento social.

128
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

Mais do que resgatar os direitos subjugados dos que por muito


Uma conquista
tempo vivem à margem de uma sociedade que segrega, o projeto
importante para
intercultural se propõe a dialogar com as diferenças existentes na
esse diálogo é
sociedade, em momentos de (con)vivência. Uma conquista importante
a constiuição
para esse diálogo é a constiuição de 1988, em que as culturas das
de 1988, em
populações indígenas e quilombolas são reconhecidas e autenticadas.
que as culturas
das populações
Segundo Candau (2010), “[...] o termo interculturalidade surge
indígenas e
na América Latina no contexto educacional e, mais precisamente,
quilombolas são
com refêrencia à educação escolar indígena”. Sendo os indígenas os
reconhecidas e
primeiros habitantes encontrados pelo colonizador, a educação esteve
autenticadas.
voltada a esses povos, que precisam de alguma forma se adaptar à
nova realidade que está sendo construída no desenvolvimento dos
territórios explorados.

No que serefere a esse processo educacional, Candau (2010) aponta quatro


etapas importantes: a primeira etapa no período colonial, marcado pela violência
na imposição da cultura hegemônica; a segunda etapa, em que a educação
bilíngue é levada ao indígena, para sua civilização; em um terceiro momento o
bilinguismo começa a reconhecer particularidades dos povos e a sua importância
cultural; e, na quarta etapa, finalmente a educação bilíngue inclui também a
preservação e o diálogo entre as culturas existentes, as escolas interculturais.

No entanto, este espaço educacional ainda se restringe a alguns locais.


Mesmo sendo parte do currículo escolar, a cultura indígena ainda é considerada e
tratada como excêntrica, sem o necessário diálogo para a real interculturalidade.
Resgatar os direitos políticos e sociais usurpados desses cidadãos é uma tarefa
gigantesca, mas que está assegurada, no que diz respeito à sua busca, no
projeto intercultural da América Latina. E nesse projeto de igualdade e respeito
na convivência com as diferenças na sociedade e no espaço escolar estão os que
têm descendência africana.

Importante destacar que a situação dos grupos negros no


continente varia muito em relação à realidade de cada país.
Se em alguns anos foi praticamente eliminada, como na
Argentina, em outros constitui a grande maioria da população,
como em Cuba ou no Haiti. Há situações em que são
circunscritos a algumas regiões e / ou núcleos rurais, como no
Equador ou Bolívia, em outras estão presentes nas principais
zonas urbanas do respectivo país, como é o caso do Brasil e
da Colômbia. (CANDAU, 2010, p. 158).

Os resquícios do regime de exploração dos escravos negros ainda têm ação


negativa na sociedade atual, que de várias maneiras ainda mantêm os negros à
margem da sociedade e longe de seus direitos, tudo isso velado por um discurso

129
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

não racista. No entanto, a luta desses grupos em busca de seu lugar


A luta desses
como cidadãos tem marcado mudanças importantes, promovendo um
grupos em busca
revisar da história, que mostra como o processo de construção social
de seu lugar
foi cruel com alguns membros dessa sociedade, subjugados por outros.
como cidadãos
Por isso, essas conquistas provocam tensão, mas ela é necessária para
tem marcado
o reconhecimento da luta na busca dos espaços, pois, caso contrário,
mudanças
seria apenas uma encenação, como a herança histórica de um cenário
importantes,
forjado, falseado sob o rosto da amizade entre grupos de diferentes
promovendo
etnias, colonizador e colonizado.
um revisar da
história, que Elimina-se, assim, o conflito, continuando a perpetuar
mostra como estereótipos e preconceitos, pois, se seguirmos a lógica
o processo de de que os diferentes grupos étnico-raciais desde o início do
processo colonizador foram se integrando cordialmente,
construção social
podemos pensar que as diferentes posições hieráquicas
foi cruel com entre eles devem-se à capacidade e empenho de indivíduos
alguns membros e / ou à inferioridade de determinados grupos. Essa ideia se
dessa sociedade, disseminou no imaginário social, contribuindo para que as
sociedades não se reconhecessem como hieraquizadoras,
subjugados por discriminadoras e racistas. (CANDAU, 2010, p. 158).
outros.

Reconhecer neste processo de construção social o resgate de direitos que


foram negados aos grupos minoritários é um passo importante para que possamos
conviver com as diferenças culturais, em postura de respeito que envolve a todos.
Não se parte de uma cultura e sim de todas as culturas que de alguma forma (co)
habitam o espaço social.

A cultura aqui referida ultrapassa as manifestações culturais, englobando a


vida em sua plenitude. As questões estão abertas para a discussão, o diálogo
intecultural já foi sugerido, resta saber como vai se desenvolver ao longo da
história este desafio chamado interculturalidade para a vida.

Educação Intercultural e Arte


Os desafios que compõem a prática da educação intercultural envolvem
também a arte como representante da expressão da humanidade em suas
particularidades. Ao assumir a interculturalidade no espaço educacional, inúmeras
questões se tornam relevantes. Pensar as práticas educativas sob a ótica da
interculturalidade é necessário e urgente. Cada espaço educativo, assim como
seus integrantes, também tem características que de alguma maneira vão se
mesclar aos conteúdos educacionais eleitos, e assim as questões das ações que
contemplem a interculturalidade merecem a devida atenção, pois

130
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

Nestes espaços liminares, as diferenças não se Nestes espaços


diluem imediatamente num caldo comum, nem
liminares, as
são hierarquizadas, tratadas como superiores ou
inferiores, melhores ou piores, mas permanecem diferenças
em tensão, em ebulição, fazendo com que não se diluem
as mesmas palavras, as mesmas imagens, imediatamente num
os mesmos símbolos, não apenas produzam
diversas interpretações, mas se mantenham caldo comum, nem
ambivalentes. E assim mantenham também são hierarquizadas,
a flexibilidade, a possibilidade de continuar tratadas como
interagindo e mudando, des-locando relações de
poder. (AZIBEIRO e FLEURY, 2008, p. 06).
superiores ou
inferiores, melhores
Essa tensão é necessária para que a compreensão das
ou piores, mas
diferenças amplie o horizonte de saberes que a educação pode
permanecem
proporcionar. E, nesse sentido, a análise minuciosa dos conteúdos
em tensão, em
a serem discutidos no projeto de educação intercultural abrange todo
ebulição, fazendo
cuidado em relação à escolha de ações pedagógicas. A educação
com que as
intercultural é comprometida com a formação do indivíduo crítico e
mesmas palavras,
possuidor de saberes múltiplos, que vai atuar de forma significativa
as mesmas
em seu espaço social.
imagens, os
mesmos símbolos,
A tarefa da educação intercultural, nesse sentido, não apenas
não é adaptar, ou mesmo simplesmente possibilitar produzam diversas
a mútua compreensão das linguagens. É, antes, interpretações, mas
possibilitar a emergência dos múltiplos significados,
provocando a reflexão sobre seus fluxos e se mantenham
cristalizações e os jogos de poder aí implicados. Se ambivalentes.
a tarefa da tradução pode ser ponto de partida para (AZIBEIRO e
que se localizem confluências e divergências, ela
não se constitui no seu ponto final. (AZIBEIRO e FLEURY, 2008, p.
FLEURY, 2008, p. 06).
06).

O entendimento das diferenças serve como base para que os sujeitos


educacionais possam se constituir com esse novo olhar, e assim as diferenças
dos envolvidos passam a coexistir, sem a necessidade de classificação de
qualquer tipo, sem que haja a hierarquização, sem que um subestime o outro,
sem que a cultura do outro possa ser substituída pelas nossas culturas, em
convivência pacífica no mesmo espaço, dessa forma compartilhando o espaço,
que será desenvolvido. Como apontam Azibeiro e Fleury (2008), a sensibilização
e o respeito às demais culturas a princípio estranhas configuram o processo
dialógico na educação. Por ser dialógica, a existência de tensões se configura
como elemento importante porque provoca uma dinâmica nesse processo.

O grupo que se mantém disposto a aprender, apesar das


dificuldades e impasses, aos poucos vai adquirindo a
compreensão de que ter interesses comuns não significa ser
absolutamente igual em tudo, descobrindo-se que o próprio
grupo não é um todo homogêneo e uniforme, um amálgama

131
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

em que se diluem as especificidades e singularidades. Ele


mesmo é múltiplo e pluricultural, e as próprias diferenças
– deixando de ser entendidas como hierarquizações a priori
– fazem crescer o seu potencial, por exigir continuamente a
reflexão e a tessitura de outros desfechos para os impasses,
que não são poucos. (AZIBEIRO e FLEURY, 2008, p. 06).

No que confere ao estudo da cultura, a arte, como área de conhecimento,


é privilegiada. Quem educa com os saberes da arte tem na cultura uma fonte
inesgotável de informações. Estes autores educacionais irão trabalhar a cultura
de diferentes povos, questões políticas e de virtudes, atitudes e ideias morais que
a arte de cada sociedade deixou registrada em quadros, esculturas, arquitetura,
música, entre outros. Discutirão também o mundo atual e suas faces, algumas
paradoxais. Vale lembrar que, ao adentrar na cultura alheia, é preciso cautela,
pois é importante atuar como mediadores e não invasores. Ao abordar os saberes
de culturas distintas, uma postura ética é fundamental.

Em termos interculturais, a arte também apresenta um


importante elemento pedagógico. Na medida em que nos
seja dado experienciar a produção artística de outras culturas,
torna-se mais fácil a compreensão dos sentidos dados à vida
por essas culturas estrangeiras. Através da arte se participa
dos elementos, dos sentimentos que fundam a cultura
alienígena em questão, o que é o primeiro passo para que se
interprete as suas mensagens e significações. (DUARTE JR.,
1994, p. 70).

Ao pensar a educação intercultural, seremos sempre aprendizes. O legado


dos diferentes povos, através de suas manifestações culturais socializadas,
contribuirão para a formação humana como um todo. E esse todo abrange o pessoal
e o social, o desenvolvimento de cada um no cenário coletivo contemporâneo.
A arte-educação está embutida no processo geral da educabilidade humana e,
como tal, assume seu papel fundamental.

Ela compreende justamente uma consciência mais harmoniosa


e equilibrada perante o mundo, em que sentimentos, a
imaginação e a razão se integram; em que os sentimentos
e valores dados à vida são assumidos no agir cotidiano.
Compreende uma atitude em que não existe “distância entre
intenção e gesto”, segundo o verso de Chico Buarque e Ruy
Guerra. Em nossa atual civilização (antiestética por excelência),
a consciência significa capacidade de escolha, uma capacidade
crítica para não apenas se submeter à imposição de valores e
sentidos, mas para selecioná-los e recriá-los segundo nossa
situação existencial. (SILVA, 2007, p. 72).

Talvez a arte na educação ainda necessite, por parte de alguns educadores,


desse olhar global na formação do sujeito. Certamente, o caráter técnico e

132
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

funcionalista da arte ainda cultive alguns aspectos incorretos, como


O caráter técnico
por exemplo, o caráter técnico-prático. Mas a arte-educação almeja e
e funcionalista da
possibilita muito mais e encontra apoio nas obras de artistas que trazem
arte ainda cultive
o olhar intercultural.
alguns aspectos
incorretos, como
Figura 68 - O fotojornalismo de Salgado Filho:
questões para se pensar a cultura por exemplo, o
caráter técnico-
prático. Mas a
arte-educação
almeja e
possibilita muito
mais e encontra
apoio nas obras
de artistas que
trazem o olhar
intercultural.

Fonte: Disponível em: <http://notasjudiciosas.wordpress.


com/2010/02/page/4/>. Acesso em:19 set. 2011.

“Entre os Muros da Escola”:

Questões étnico-raciais em uma escola francesa dinamizam


o filme. Professor ou colonizador?

Figura 69 – Cena do filme

Fonte: Disponível em: <http://cinema.uol.com.br/ultnot/2009/03/11/


ult4332u1035.jhtm>. Acesso em: 21 set. 2011.

133
Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras

Atividade de Estudos:

1) Falando de arte, educação e manifestações culturais, como


a escola de sua região trabalha essas questões? Faça uma
pesquisa acerca da discussão da educação intercultural em uma
escola de sua cidade e descreva as prioridades desse projeto. O
que ele contempla? Como essa escola vê a interculturalidade?
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Algumas Considerações
Na contemporaneidade, a mundialização é tema discutido, abarcando a
educação para a vida. Através das conquistas tecnológicas, a aproximação das
culturas acontece diariamente. No entanto, resta questionar de que forma se dá
esse encontro. Se, por um lado, com um clique podemos conhecer parte das
culturas antes desconhecidas, por outro essa facilidade nos obriga a olhar as
diferenças com olhar compreensivo.

Na esfera da educação, a interculturalidade se propõe a conciliar uma relação


de tensão, em que as diferenças são os elementos a serem trabalhados através
da arte de cada povo e das manifestações culturais. Educação, interculturalidade
e arte formam uma tríade importante, que suscita reflexão constante na busca
de uma educação que preserva e elege a vida como prioridade, independente

134
Capítulo 6 Cultura Brasileira e Educação

de etnia ou cultura. Preservar as diferenças, trabalhando de forma igualitária é


o desafio da educação deste século, e chama a todos, atores educacionais e
comunidade, a trabalharem juntos para o desenvolvimento de uma educação
intercultural. Mãos à obra!

Referências

AZIBEIRO, Nadir Esperança; FLEURY, Reinaldo Matias. Paradigmas


interculturais emergentes na educação popular . Disponível em
http://www.grupalfa.com.br/arquivos/Congresso_trabalhosII/palestras/Fleuri.pdf.
Acesso em 19 de setembro de 2011.

BATISTA, Claudio Magalhães. Memória e Identidade: aspectos relevantes


para o desenvolvimento do Turismo Cultural. Disponível em http://ecoviagem.
uol.com.br/fique-por-dentro/artigos/turismo/memoria-e-identidade-aspectos-
relevantes-para-o-desenvolvimento-do-turismo-cultural-1333.asp. Acesso em 16
de setembro de 2011.

CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade:


as tensões entre igualdade e diferença. Rev. Bras. Educ. vol.13 nº 37, Rio de
Janeiro, Jan./Abr. 2008. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-24782008000100005. Acesso em 16 de setembro de 2011.

CANDAU, Joel. Bases antropológicas e expressões mundanas da busca


patrimonial: memória, tradição e identidade. Disponível em: http://www.unice.fr/
lasmic/PDF/candau-article-10.pdf. Acesso em 15 de setembro de 2011.

DUARTE JR, João-Francisco. Por que arte-educação? Campinas: Papirus, 1994.

JORWIKI. Formação de uma identidade cultural brasileira e


seus estereótipos. http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/
Forma%C3%A7%C3%A3o_de_uma_identidade_cultural_brasileira_e_seus_
estere%C3%B3tipos. Acesso em 20 de setembro de 2011.

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do


currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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