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Apresentação

"As coleções especiais em bibliotecas institucionais são distintas dos demais acervos de
uma biblioteca por sua constituição temática,finalidade,características materiais e
significados patrimoniais para a instituição que as preservam. A política de
desenvolvimento de acervo é outro fator que proporciona distinção para essas coleções ao
estabelecer planos normativos para sistematizar formas de organização, conservação,
aquisição, acesso, segurança, pesquisas e avaliação de coleção(ões) formulada(s)ou em
formação com o objetivo de garantir preservação e acesso ao público." p. 184

Bibliografia repertorial e material, divisão formada por Fermín de los Reyes Gómez (2005), a
repertorial se propõe a buscar, identificar, descrever e classificar os documentos para
elaborar repertórios como instrumentos para auxiliar a pesquisa.

bibliografia ou ciência do livro tem como


objetivo pesquisar, identificar, descrever e
classificar documentos para criar repertórios
que facilitem o trabalho intelectual. Nessa
perspectiva, os estudos bibliográficos e os
repertórios se concentram mais na estrutura
interna dos livros do que na sua elaboração
material, portanto os limites são culturais e
aderem a períodos históricos, que podem
variar de um país para outro. (REYES
GÓMEZ, 2005, p. 39-40)

A segunda, bibliografia material, de âmbito anlgo-saxão, dedica ao estudo da técnica de


produção do livro sobre seu aspecto histórico, descritivo, analítico e crítico.
Adotado pela Biblioteconomia para a identificação de livros antigos e também como método
para auxiliar a descrição em instrumentos de apoio à pesquisa (bibliografias, catálogos, por
exemplo). Essa corrente teórica “también denominada «analitical bibliography»,
«bibliography» se identifica con la «ciencia del libro», objeto de su estudio bajo
todos sus aspectos: histórico, descriptivo, analítico, crítico y catalográfico” (REYES
GÓMEZ, 2005, p. 40)

Raphaële Mouren (2012), no livro Ambassadors of the book, referenda que os


primeiros passos para a investigação sobre o livro raro e antigo, na prática
profissional dos bibliotecários, perpassa pelo reconhecimento histórico da produção do livro
–considerando o texto veiculado e o contexto social e cultural de sua produção; a
identificação de outros exemplares tendo de um lado a necessidade de realizar análise
material do livro com outros exemplares existentes;e a consulta aos repertórios de livros
antigos e raros (bibliografias, catálogos, inventários institucionais e comerciais). p. 185

Ao analisar a produção intelectual da Biblioteconomia de Livros Raros no Brasil (no


período compreendido entre a segunda metade do século XX e início do XXI) identificamos
que são frequentes: a)as indicações da consulta às obras de referência sobre livros raros;e
b) necessidade do estudo do livro em sua materialidade. Desse modo, discutir sobre as
correntes (repertorial e material)da Bibliografia visa compreender como elas estão
relacionadas com a Biblioteconomia enquanto disciplinas instrumentais para a pesquisa
sobre olivro raro e antigo. Uma corrente auxilia com teorias e métodos de análise
material e outra contribui para a identificação de livros, para a produção de repertórios e
ainda retrata os usos e significados culturais e sociais do livro ao longo da história.

Bibliografia

José Simón Diaz (1971), na obra "La bibliografia: conceptos y aplicaciones ", expõe as
várias vozes da bibliografia:
a) Bibliografia: lista de livros. Compreendida a partir do surgimento do livro impresso, no
século XV, a bibliografia teve seu nome próprio somente no século XVII, quando
Naudé e Louis Jacob deram esse nome às relações de títulos de livros, elaboradas
por eruditos e livreiros.
b) Bibliografia: conceito neoclássico, século XVIII, direcionada para o conhecimento dos
manuscritos.
c) Bibliografia: ciência do livro, século XVIII, compreendendo dois ramos: a produção do
livro e a sua história (valores, autores, editores, catalogação, classificação, difusão...).
Seguindo essa constante até o século XX, quandobibliógrafosanglo-saxões propõem
estudos do livro a partir de suas características materiais, para através delas, possibilitar a
autenticidade de uma edição, precisar seu local de publicação e data, por exemplo.
d) Bibliografia: ciência das bibliotecas
e) Bibliografia: ciência dos repertórios, do século XIX ao século XX

Em referencia ao texto de Louise-Noelle Malclès, Simón Díaz finaliza: A Bibliografía ocupa


um setor da Bibliologia ou Ciência do Livro e tem como objetivo pesquisar, identificar,
descrever e classificar documentos impressos de forma a constituir repertórios adequados
para facilitar o trabalho intelectual. (SIMÓN DÍAZ, 1971, p. 19)

f) Bibliografia: parte da documentação que se ocupa dos impressos

O autor ratifica que sua sistematização não representa etapas evolutivas da Bibliografia,
senão interpretações divergentes, existentes até nossos dias, que formam um todo cujas
partes estão intimamente interligadas.

Jean-Claude Utad (2002a), divide a bibliografia em três facetas:

a) repertório ou listagem de títulos de publicações contendo as referências


necessárias para sua identificação;
b) disciplina relativa à pesquisa, descrição e classificação de documentos escritos (textos
das mais diversas naturezas) que produz repertórios que ordenam esses documentos de
acordo com suas características materiais e de conteúdo.
c) técnica ou prática da bibliografia (descrita no item acima) que se propõe pesquisar e
disponibilizar as referências documentais para viabilizar o acesso à informação.

Valentino Morales López (2008), em seu livro “La bibliotecología y estúdios de la


información”, apresenta sua pesquisa sobre a disciplina enquanto ciência: porque é o termo
mais antigo para se referir ao estudo da informação registada e organizada, pelo que o seu
estudo permite conhecer e compreender os antecedentes e origens do desenvolvimento da
denominação, conceptualização e caracterização do estudo da informação registada e
organizada. (MORALES LÓPEZ, 2008, p. 17) p. 187
Quanto à etimologia da palavra, Morales López concorda que os significados e usos da
Bibliografia estão relacionados a contextos linguísticos-sociais que não correspondem à
compreensão que temos hoje do que é a Bibliografia.A produção de listas de livros com
vistas à sua recuperação e organização da biblioteca existe desde as bibliotecas da
Antiguidade. Entretanto, para Morales López a lista enumerativa de livros não pode
ser interpretada, necessariamente, como uma bibliografia.

Como contraponto à afirmação de Morales López, podemos considerar o posicionamento


de Simón Díaz que –comprende que a Bibliografía pode se manifestar em outras tipologias
de publicações como os catálogos, guias de literatura e índices, pois mesmo com
denominações distintas essas podem ser reconhecidas como um produto da prática
bibliográfica.

Isabel Torres Ramírez (2002), em seu artigo Los estúdios de bibliografia en el último cuarto
del siglo, convoca Estivals para um esclarecimento: ciência bibliográfica, em seu duplo
aspecto teórico e prático, às circunstâncias históricas e sociais em que se desenvolveu e às
mudanças ocorridas na "superestrutura intelectual" da qual faz parte, que se situa [...] Entre
as mudanças apontadas, destacam-se as ocorridas nos campos do conhecimento e das
ideologias, responsáveis pela evolução das classificações, por exemplo; o aumento do
conhecimento e do número de livros (títulos), o que provocou mudanças no tipo de
bibliografia produzida, na divisão do trabalho bibliográfico e nas diversas definições que se
têm dado de Bibliografia.

Bibliografia e Bibliofilia: alguns apontamentos

Roger Chartier (1998), em referência à Biblioteca de Babel de Borges aponta que o


desejo de constituir uma biblioteca que reunisse todo o conhecimento do mundo foi a base
para a formação das bibliotecas desde a produção da palavra escrita.
“fundamentou a constituição de grandes “livrarias”, fossem elas principescas, eclesiásticas
ou particulares; ele justificou a busca tenaz de livros raros, edições perdidas, textos
desaparecidos” (CHARTIER, 1998, p. 67-68).

Com essa afirmação Chartier Inicia o texto sobre as “Bibliotecas sem muros”, no qual
discute as implicações culturais para a formação de bibliotecas francesas e o papel de
instrumentos mediadores (catálogos, inventários, bibliografias) nessa jornada em busca da
biblioteca ideal.

Como relatam Chartier (1998) e Burke (2003, p. 153),as fontes para encontrar e/ou
conhecer livros desejáveis por um colecionador eram possibilitadas pela consulta em
catálogos de bibliotecas, bibliografias, livros, catálogos de vendas, livreiros, colecionadores
e eruditos.

Formação das bibliotecas modernas: Gabriel Naudé em Advis pour dresser une bibliothèque
(1627) indicava as fontes para obter as informações sobre livros para a biblioteca ideal.
Essas indicações estão especificadas, de forma mais explícita, nos capítulos 2 e 5 de seu
tratado:
Capítulo 2: Sobre a maneira de se instruir e de saber sobre a formação de uma biblioteca; e
Capítulo 5: Dos meios para localizar os livros.

No quinto capítulo, Naudé advertia para a consulta aos índices, tratados, livros, catálogos
de bibliotecas e de livreiros, pois eram instrumentos norteadores do reconhecimento
da qualidade de um livro que deveria compor uma biblioteca. Com base em Jean Viardot
(1983), em seu artigo Le livre rare: collectionneurs et marchands spécialisés de Naudé
à Nodier, consideramos que esses capítulos de Naudé revelam também práticas sociais e
culturais para formação de bibliotecas particulares naquele período: a busca por obras de
referência para instrução e orientação de colecionadores desejosos por formar bibliotecas
patrimoniais. (colocar na parte de autores)

De acordo com Yann Sordet (2002, p. 285), a Bibliofilia no final do XVII e início do XVIII,
após estabelecer os critérios para a distinção de seus membros, adota um critério
determinante para a consolidação do sistema de valoração das bibliotecas: a definição do
livro raro. A partir do século XVII bibliógrafos produziram dezenas de bibliografias dedicadas
ao livro raro, as quais assumiram um lugar de destaque nas práticas de Bibliofilia por
produzirem notícias bibliográficas e descrições materiais dos livros, mas,sobretudo,por
tornarem-se o lugar privilegiado para a definição da raridade bibliográfica. (colocar na
evolução)

Sordet (2002, p. 285),dentre os muitos e importantes bibliógrafos de livros raros,cita que


são representativos dos cenários das práticas do colecionismo bibliográfico, do século
XVIII ao XX: o alemão Johann Vogt (1753);os franceses Guillaume-François Debure (1763)
e Jacques-Charles Brunet(1860)8;e o inglês John Carter(1952). Para nossa abordagem
destacamos as bibliografias de Debure e Brunet.
Bibliographie instructive: ou traité de la connaissance des livres rares et singuliers de
Guillaume-François Debure, impressa em 7 volumes entre os anos 1763 à 1768 reuniu os
livros ditos por Debure como os mais raros desde a República das Letras a partir da
invenção da imprensa até aquele século.

Marie-Anne Merland (2002) relata que Guillaume-François Debure, herdeiro da quarta


geração da família de livreiros francesa conhecida como De Bure famille, publicou o
primeiro repertório bibliográfico francês exclusivo para bibliófilos. A Bibliographie
Instructive foi “sistematicamente classificada de acordo com categorias gerais de
livreiros em Paris” (MERLAND, 2002, p. 724b).
Para cada livro ela apresentava notas de raridade das edições, atribuição dos valores
de compra, orientação quanto às características que distinguem as primeiras edições
das demais, as falsificações e ainda a descrição tipográfica de cada livro. A Bibliographie
instructive foi organizada por assunto e seguiu o sistema bibliográfico adotado por
bibliografias gerais da época, além disso apresentava uma listagem de autores e um
sistema de organização bibliográfica(prática recorrente nas bibliografias após a
publicação da Bibliotheca Universalis, por Conrad Gesner em 1545).

Debure descreveu e detalhou os conselhos para se formar uma biblioteca –a seleção, o


comércio, a organização e especialmente a definição do livro raro.As publicações de
Debure proporcionaram um terreno sólido e fértil para as bibliografias bibliofílicas que as
sucederam.
Encerrando nossos exemplos de bibliografias, no século XIX, em 1810,o bibliófilo e livreiro
francês Jacques-Charles Brunet publicou a primeira edição do Manuel du libraire et de
l’amateur de livres, que teve sua quinta edição corrigida e aumentada em 1860-1865 e
ainda os suplementos desta edição foram publicados em 1878-1880.

O Manuel du libraire é uma bibliografia geral e internacional que reuniu 47.500 títulos de
livros raros, preciosos e especiais, desde a origem da impressão com tipos móveis até o
ano de 1850. Além das notícias bibliográficas, para cada livro,Brunet apontou o assunto
abordado, o histórico das edições (legais e ilegais)e particularidades exclusivas de cada
exemplar.

Brunet organizou Manuel du libraire por assunto, os autores foram ordenados pelo
sobrenome e os livros com autores anônimos receberam entrada por ordem alfabética de
títulos. Ele inseriu também uma tabela de classificação com base na classificação de
livreiros do século XVII (como Debure). Novamente, Bibliofilia e Bibliografia produzem
uma obra-modelo, o repertório do que se deve colecionar, os valores de compra, as
categorias de raridade, a organização, a classificação e os tantos demais fazeres
necessários para se formar uma biblioteca.

Utard considera que o Manuel du libraire “que deu fama ao seu autor, refletindo a
expansão da Bibliofilia no século XIX, é também considerado como um modelo de
meticulosidade bibliográfica e a epítome das grandes bibliografias gerais deste século.
”(UTARD, 2002b, p. 396b).

Bibliografia, bibliofilia e biblioteconomia de livros raros

Na Biblioteconomia de Livros Raros no Brasil a indicação da consulta aos repertórios


bibliográficos –para identificar livros e inclusive como fonte de indicação de raridade –é
recorrente na produção intelectual da Biblioteconomia de Livros Raros (manuais, apostilas
de cursos técnicos, artigos, relatórios de pesquisa, relatos de experiência).

De acordo com Simón Díaz (1971)consideramos que essas bibliografias podem


compreender:
a) bibliografia de bibliografias
b) bibliografia cronológica
c) bibliografia sistemática
1.Bibliografias (retrospectiva geral, crítica, parcial)
d) catálogos
1.de bibliotecas institucionais
2.de bibliotecas particulares
3.coletivo
a) regionais
b) nacionais
b) institucionais
3. de exposições
4. comerciais
a)editoriais
b)livreiros
c)leilões

Em bibliotecas guardiãs de acervos patrimoniais as bibliografias bibliófilicas compõem


coleções de referência sobre livros raros e antigos que, além de instrumentos de
pesquisa e apoio técnico,são fontes de informação sobre os usos culturais e sociais do livro
ao longo da História das Bibliotecas.

Bibliografia material

Wallace Kirsop define a Bibliografia Material como o “estudo material dos textos
impressos”(KIRSOP, 2002, p. 275) que tem como objetivo a analisearqueológicados
livros.No início do século XX os estudantes ingleses Walter Greg e R. B. McKerrow
iniciaram pesquisas direcionadas para a construção de conceitos métodos que definiriam o
corpus bibliografia cujo objetivo era a análise material dos livros. David Finkelstein e
Alistair McCleery(2014) no livro Una introducción a la historia del libro apontam que no
princípio do século XX o crescente interesse dos acadêmicos sobre os primeiros
textos impressos e sua produção propiciaram a criação da disciplina que ficou conhecida
como Nova Bibliografia: A impressão das primeiras edições das obras de Shakespeare, por
exemplo, foi problemática. Como distinguir –perguntavam os estudiosos da literatura– entre
as versões “autênticas” de suas obras e as “alteradas”? Como os pesquisadores poderiam
acessar o verdadeiro texto concebido por Shakespeare nos séculos 16 e 17, dada a falta de
fontes para um manuscrito original e a existência de versões impressas não confiáveis? A
resposta está nas metodologias propostas pela escola da Nova Bibliografia, liderada por
estudiosos como R. McKerrow (1927), W.W. Greg (1950) e Fredson Bowers (1950). O
estabelecimento de textos oficiais tornou-se uma questão de examinar a materialidade da
produção textual original, de estudar textos e livros como objetos físicos (determinando
diferenças em tipografia, papel, tinta, métodos de impressão e afins) para distinguir entre
“bom” e versões “ruins” de obras (FINKELSTEIN; MCCLEERY, 2014, p. 27).

De acordo com Finkelstein e McCleery (2014, p. 27) foram os métodos para distinguir as
boas e as más versões dos fólios de Shakespeare e as conclusões para chegar a
tais atribuições, defendidas pelo bibliógrafo Alfred William em seu livro Shakespeare’s fólios
and quartos, que influenciaram McKerrow, Greg e Bowers a desenvolver os princípios
gerais da nova disciplina.Para definir o campo da Nova Bibliografia Walter Greg defendia a
distinção entre essa e a bibliografia repertorial:
Para evitar ambiguidades vou definir a “bibliografia” como o estudo dos livros como objetos
materiais[...]A qualificação é importante. É uma espécie de cláusula filioque dirigida contra
uma heresia particular; [...] porque a bibliografia não tem nada a ver com o assunto ou
conteúdo literário de um livro.” (Greg, 1945).

A definição de que os“livros são meios materiais pelos quais a literatura é transmitida;
portanto, a bibliografia, o estudo dos livros, é essencialmente a ciência da
transmissão dos documentos literários” (Greg, 1932, p.113) recebeu críticas quanto à
identificação desta como ciência. Apesar das discussões, as bases da nova disciplina
estavam alicerçadas, dentre elas as proposições de princípios e métodos de análise
bibliográfica desenvolvidas por Greg:um formulário de colação para padronização de
descrição dos livros, com objetivo de oferecer consistência e organização aos processos
de análise.
Ronald McKerrow, Fredson Bowers, Philip Gaskell e D. F. McKenzie também
contribuíram para o desenvolvimento da disciplina que ficou conhecida como Bibliografia
Material.Há outros bibliógrafos que colaboraram para o desenvolvimento da disciplina,
contudo as pesquisas e obras desses autores são as que mais se destacaram. Seus
trabalhos serão apresentados a seguir por ordem cronológica de publicação de suas obras.

Os apontamentos de McKerrow tinham como propósito apresentar aos estudantes o


conhecimento sobre os processos de produção do livro para capacitá-los a analisar
esse objeto a partir de seus elementos materiais,vistos como prova se vestígios de sua
história.O enfoque de McKerrow era, especificamente, familiarizar os estudantes com os
métodos de produção do livro na Inglaterra durante os anos em que Shakespeare
escrevia. A partir dessa experiência ele pretendia fazer os estudantes compreenderem os
demais métodos de produção do livro impresso em outros períodos e locais.

McKerrow (1928)enfatizou que seu trabalho não era um manual para estudantes de
impressão,de bibliografia repertorial, nem para colecionadores–também não pretendia
discutir as questões de raridade ou do comércio do livro –seu objetivo era analisar a relação
do livro impresso com os manuscritos originais do autor por meio de evidências materiais. O
primeiro passo seria avaliar impressão(imposição, primeiras impressões,modificações das
técnicas de impressão), ilustrações, formatos, assinaturas, foliação e paginação. Em
seguida escrever o livro; e identificar variações, erros, adições, correções, falsificações e
fac-símiles.

A proposta da Nova Bibliografia alcançou a Biblioteconomia e em 1931 Arundell


Esdaile publicou o Manual of Bibliography seu objetivo foi publicar uma introdução à
Bibliografia Material não direcionada somente aos futuros bibliógrafos, mas também para
bibliotecários e colecionadores. Para isso apresentou um Manual estruturado em três
enfoques:
a)os conceitos gerais da bibliografia material;
b)as características dos livros desde Gutenberg (suporte, tipografia, composição,
ilustração, encadernação, colação); e
c)os arranjos e ferramentas para a descrição bibliográfica analítica.

O Manual de Esdaile sistematizou a proposta da Bibliografia Material para o campo da


Biblioteconomia não restringindo a disciplina ao objetivo proposto por Greg e McKerrow,
antes instigava a aproximação das disciplinas para auxiliar trabalhos técnicos de descrição
e identificação de livros antigos.

O próximo bibliógrafo é Fredson Bowers que em 1949 publicou Principles of


bibliographical description, no qual apresentou seu método para descrição de livros –
inspirado na metodologia de W. W. Greg, mas com modificações a ampliações. Bowers
afirmou a filiação de sua proposta, mas reconheceu que seu trabalho não abordava as
mesmas questões e poderia ser interpretado como uma continuação da abordagem. O
modelo metodológico de Bowers envolveu um tríplice propósito.

(1) fornecer, pormenorizadamente, um registro analítico das características físicas de um


livro que serve simultaneamente como uma fonte confiável de identificação e como um
meio de apresentar o livro, ausente, diante dos olhos do leitor;(2) prover uma investigação
analítica e um arranjo ordenado desses fatos físicos que servem como pré-requisito
para a crítica textual dos livros descritos;(3) abordar conjuntamente literatura e
impressão ou a história da edição, através da investigação e registro de detalhes
correspondentes à uma série de livros relacionados.(BOWERS, 1962, p. vii).

O autor inicia olivro com as definições para edição, tiragem, estado e cópia ideal. E
segue tratando sobre a descrição bibliográfica por séculos (do XVI ao XVIII) e transcrição da
folha de rosto, colofão e explicit, título de cabeça e título corrente. Dedica-se aos formatos e
padrões de colacionamento, paginação e foliação, placas e inserções, lista de conteúdo,
clichês, tipografia.

Bowers propôs um modelo metodológico de análise que o bibliógrafo poderia adequar para
outros livros de acordo com os propósitos de determina da pesquisa. Entrementes, apesar
de ratificar que sua proposta poderia ser aplicada a outras tipologias de livros, ele
também reconhecia que seu método de análise foi desenvolvido tendo como objeto a
produção de livros ingleses e norte-americanos.

Apesar do apontamento de Bower se apesar do objetivo da Bibliografia Material não ser a


descrição material de livros em processos de catalogação, a influência da disciplina
impactou a Biblioteconomia de Livros Raros como referencial metodológica de análise
do livro.

Nas décadas seguintes, vemos a permanência da influência da Bibliografia Material nas


seguintes publicações técnicas(citamos apenas alguns exemplos):

a) Descriptive Cataloging of rares books(1981) publicado pela Library of Congress.


b) Examples to accompany Descriptive Cataloging of Rares Books(1993), publicado pela
Association of College and Reseach Libraries da American Library Association.
c) E no Descriptive Cataloging of Rare Material (Books), publicado pela Library of
Congress em 2007, nessa publicação destacamos a obra de Philip Gaskell.

Nas décadas de 1960 e 1970 os estudos de Philip Gaskell e Donald F. McKenzie surgem
como propostas de aplicação,ampliação e redirecionamento da Nova Bibliografia. Em
1972 Gaskell publicou A new introduction to bibliography declaradamente como um
seguimento da obra de McKerrow, não uma revisão, mas um novo livro a partir das
ideias iniciadas pelo mestre.Após mais de quarenta anos da publicação do McKerrow e
apesar de suas justificativas, Gaskell inova na ampliação dos conceitos apresentados em
1928 e também por se aprofundar na produção mecânica do livro no período de 1800
a 1950 (período não abordado com profundidade pelos bibliógrafos que o antecederam).

A pesquisa de McKenzie revelou que as práticas de produção do livro não


aconteceram rigorosamente como as teoria se métodos que os pais da Nova
Bibliografia apontavam em seus tratados, no sentido de que não havia uma imutabilidade no
processo de produção dos livros. “Bibliógrafos anteriores haviam presumido que cada livro
avançava pela cadeia de produção seguindo um padrão consistente e linear” (Darnton,
2010, p.152). Ao publicar, em um ensaio em 1969, que as avaliações sobre os
tipógrafos estavam erradas, McKenzie causou grande tensão na área, pois ele provou que
as lógicas estabelecidas até então não correspondiam às realidades das tipografias
inglesas. Em outras palavras, afirmar a regularidade e precisão dos modos de impressão
e composição do livro era um equívoco, pois as ações dos atores que produziam o livro não
eram fixas, antes correspondiam a uma série de fatores que não poderiam ser
determinados sem analisar o contexto da casa de impressão como um todo e das relações
sociais e culturais ali vivenciadas.

“McKenzie parecia expor uma falha geológica que atravessava todo o seu campo de
estudos[...] a produção nas gráficas do início da era moderna não seguia o padrão
regular atribuído a elas pela bibliografia ortodoxa (Darnton, 2010, p.154-155).”

A Nova Bibliografia, até então, ignorava o contexto social da produção dos textos. A grande
contribuição de McKenzie para a disciplina, além de suas descobertas, foi a convocação
dos bibliógrafos para a análise sociologia dos textos

“McKenzie propôs que os pesquisadores vão além da interpretação de textos como meros
produtos das intenções do autor, ou mesmo apenas como efeitos de exames quantitativos e
macro-históricos das tendências de publicação e impressão, em direção a um estudo dos
textos como produtos mediados nos quais se podem encontrar traços de economia,
significado social, estético e literário”(FINKELSTEIN; MCCLEERY, 2014, p. 32)

As obras dos fundadores da Bibliografia Material anglo-saxã são referência para o


estudo do livro como objeto material, com influências marcantes para a crítica literária e
com McKenzie, especialmente,para a História do Livro. As influências da Bibliografia
Material também podem ser percebidas na Biblioteconomia. Esdaile foi um dos precursores
do diálogo entre a Bibliografia Material e a Biblioteconomia, suas publicações
comprovam as relações iniciais e posteriores que foram estabelecidas entre a Nova
Bibliografia e a Biblioteconomia inglesa e norte-americana no século XX.

A identificação de livros por meio de análise material é fundamental para profissionais que
atuam em coleções especiais e acervos antigos.

Considerações finais

Anne Welsh (2012), em Experimental learning in historical bibliography,enfatiza a


importância da bibliografia enquanto disciplina que contribui para a formação do
bibliotecário na atualidade. Welsh considera o ensino da Bibliografia essencial para a
formação do profissional que irá manter contato permanente com os livros raros, antigos e
especiais.

A atribuição de raridade baseada em repertórios bibliográficos da Bibliofilia em


bibliotecas institucionais brasileiras é uma prática recorrente. Tais repertórios poderiam ser
adotados sem se perder de vista a contextualização histórica, cultural e social das
bibliografias. Analisar criticamente o uso das bibliografias da Bibliofilia,enquanto
instrumentos que ratificam a atribuição de raridade, busca compreender as definições
postuladas nas páginas e entrelinhas desses repertórios a partir de uma reflexão: O que
quer dizer aquele que diz livro raro?
Para além da raridade, otrabalho de descrição bibliográfica e/ou catalográfica de livros raros
e antigos requer a consulta a várias bibliografias, para comparação de descrições
referenciais para identificação de edições, títulos, autores, locais de impressão ou
tipógrafos. Essas Bibliografias possibilitam ao bibliotecário um panorama privilegiado sobre
a circulação de livros nos últimos quatro séculos. Em especial, a pesquisa sobre as
bibliografias de livros raros e antigos pode contribuir para a formação continuada do
bibliotecário-pesquisador que atua em acervos bibliográficos patrimoniais.

Por sua vez a Bibliografia Material enquanto disciplina instrumental direcionada para a
pesquisa sobre o livro impresso contribuiu na produção de manuais técnicos da
Biblioteconomia. Por meio de formulários de descrição é possível compreender e descrever
a estrutura do objeto livro. Entretanto o domínio das teorias e métodos de análise da
Bibliografia Material extrapolam a descrição para catalogação, seu alcance se dá
também na capacitação profissional para o conhecimento das materialidades do livro
potencializando a interlocução usuário-bibliotecário-usuário –por meio de instrumentos
mediadores para a pesquisa e/ou no serviço de referência especializado. A análise material
do livro permite ainda ao bibliotecário-pesquisador desenvolver ações específicas de
preservação de acervos.

Concluímos com a fala de Utard:“em uma sociedade da informação, o futuro da


bibliografia encontra-se na mediação que ela possibilita entre usuários, documentos e
conteúdo”(UTARD, 2002a, p. 275)

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