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Wittgenstein - O Livro Azul
Wittgenstein - O Livro Azul
Livro Azul
Ludwig
Wittgenstein
O
LIVRO
AZUL •
• Esta tradução do Livro Azul foi feita a partir do trabalho de Jorge Mendes ([Edições 70, Lisboa),
com
base
na
edição
inglesa:
Preliminary
studies
for
the
“Philosophical
Investigations”
generally
known
as
The
Blue
And
Brown
Books,
Luwig
Wittgenstein,
Basil
Blackwell,
1992.].
Ela
não
tem
outra
pretensão
senão
de
uso
didático.
A
edição
portuguesa
do
Livro
Azul
tem
muitos
problemas,
em
especial
com
as
expressões
“meaning”,
“saying”,
“mind”,
“sense”,
além
de
diversos
erros
graves
de
revisão.
Indiquei
a
paginação
da
edição
original
com
colchetes,
bem
como,
em
alguns
casos,
a
expressão
original.
Quanto
à
divisão
do
texto
em
duas
partes,
segui
a
sugestão
de
Hans
Sluga,
em
seu
artigo
no
Companion
de
Wittgenstein.
Esta
tradução
foi
feita
para
uso
na
disciplina
de
Filoso_ia
da
Linguagem
e
está
muito
longe
de
_icar
pronta.
(Ronai
Rocha,
Abril
de
2012)
1
Ver
o
mesmo
tema
nas
Investigações
FilosóFicas,
§560
e
na
Philosophical
Grammar,
p.
69.
2 A expressão “mental cramp”, câimbra ou constrangimento mental, ocorrerá mais duas vezes
texto.
Indicar.
3
John
Austin,
no
ensaio
“O
signi_icado
de
uma
palavra”,
de
1940
[nos
Philosophical
Papers]
faz
uma
observação
semelhante
a
essa,
ao
criticar
a
“tentação”
(a
expressão
é
dele)
na
qual
incidem
alguns
_ilósofos,
quando
procuram
uma
entidade
que
corresponda
ao
signi_icado
de
uma
palavra.
Ele
escreve:
“Por
que
nos
sentimos
tentados
a
cometer
o
velho
deslize
deste
modo?
Em
primeiro
lugar,
existe
a
curiosa
crença
de
que
todas
as
palavras
são
nomes,
ainda
mais,
de
fato
nomes
próprios,
e
portanto
representam
algo
ou
o
designam
na
forma
como
o
faz
um
nome
próprio.”
2
ensinará
a
você
algo
sobre
a
gramática
da
palavra
“signi7icado"
e
você
7icará
curado
da
tentação
de
procurar
à
sua
volta
algum
objeto
ao
qual
você
poderia
chamar
“o
signi7icado”.
O
que
geralmente
se
chama
“explicações
do
signi7icado
de
uma
palavra”
pode,
muito
grosseiramente,
ser
dividido
em
de7inições
verbais
e
ostensivas.
Ver-‐
se-‐á
mais
tarde
em
que
sentido
esta
divisão
é
apenas
imperfeita
e
provisória
(e
o
fato
de
o
ser
constitui
um
aspecto
importante).
A
de7inição
verbal,
visto
que
nos
conduz
de
uma
expressão
verbal
a
outra,
não
nos
leva,
num
certo
sentido,
mais
longe.
Na
de7inição
ostensiva,
contudo,
parecemos
aproximar-‐nos,
de
um
modo
mais
efetivo,
da
aprendizagem
do
signi7icado.4
Uma
di7iculdade
com
que
nos
chocamos
consiste
no
fato
de
que
parece
não
existirem
de7inições
ostensivas
para
muitas
palavras
na
nossa
linguagem;
por
exemplo,
para
palavras
como
“um”,
“número”,
“não”,
etc.
Pergunta:
será
necessário
compreender
a
própria
de7inição
ostensiva?
–
Não
poderá
a
de7inição
ostensiva
ser
mal
compreendida?
[2]
Se
a
de7inição
explica
o
signi7icado
de
uma
palavra,
não
é,
sem
dúvida,
essencial
que
a
palavra
tenha
sido
ouvida
anteriormente.
O
trabalho
da
de7inição
ostensiva
é
o
de
atribuir-‐lhe
um
signi7icado.
Vamos
então
explicar
a
palavra
“tove”
apontando
para
um
lápis
e
dizendo
“isto
é
tove”.
(Em
vez
de
“isto
é
tove”
poderia
aqui
ter
dito
“isto
chama-‐se
‘tove’.”
Chamo
a
atenção
para
isto
para
eliminar,
de
uma
vez
por
todas,
a
idéia
de
que
as
palavras
da
de7inição
ostensiva
predicam
algo
do
de7inido;
a
confusão
entre
a
frase
“isto
é
vermelho”,
atribuindo
a
cor
vermelha
a
qualquer
coisa,
e
a
de7inição
ostensiva
“isto
chama-‐se
‘vermelho’”.)
Ora,
a
de7inição
ostensiva
“isto
é
tove”
pode
ser
interpretada
de
muitas
maneiras.
Apresentarei
algumas
dessas
interpretações
utilizando
palavras
de
uso
corrente
(words
with
well
established
usage).
A
de7inição
pode
pois
ser
interpretada
como
signi7icando:
“Isto
é
um
lápis”,
“Isto
é
redondo”,
“Isto
é
madeira"
“Isto
é
um”,
“Isto
é
duro”,
etc.
etc.
Pode
opor-‐se
a
este
argumento
o
fato
de
que
todas
estas
interpretações
pressupõem
outra
linguagem
verbal.
E
esta
objeção
é
digna
de
nota
se
por
“interpretação”
pretendermos
apenas
dizer
“tradução
numa
linguagem
verbal”.
-‐
Farei
algumas
sugestões
que
poderão
tornar
isto
mais
claro.
Vamos
nos
perguntar
sobre
qual
é
o
nosso
critério
[criterion]
quando
dizemos
que
alguém
interpretou
a
de7inição
ostensiva
de
um
modo
particular.
Suponhamos
que
eu
dou
a
um
inglês
a
de7inição
ostensiva
“isto
é
o
que
os
alemães
chamam
‘Buch’”.
3
Nesse
caso,
na
grande
maioria
dos
casos
de
qualquer
modo,
a
palavra
inglesa
“book”
ocorrerá
ao
pensamento
do
inglês.
Podemos
dizer
que
ele
interpretou
“Buch”
como
signi7icando
“book”.
O
caso
será
diferente
se,
por
exemplo,
apontamos
para
uma
coisa
que
ele
nunca
viu
antes
e
dizemos:
“isto
é
um
banjo”.
Possivelmente
será
nesse
caso
a
palavra
“guitarra”
que
lhe
ocorrerá
ao
pensamento,
ou
nenhuma
palavra,
mas
sim
a
imagem
de
um
instrumento
semelhante,
ou
possive1mente
nada.
Supondo
então
que
eu
lhe
ordene
“escolhe
de
entre
estas
coisas
um
banjo”,
se
ele
escolher
aquilo
a
que
chamamos
um
“banjo”
podemos
dizer
que
“ele
deu
a
interpretação
correta
à
palavra
‘banjo’”;
se
ele
escolher
outro
instrumento
qualquer,
diremos
que
“ele
interpretou
‘banjo’
como
signi7icando
‘instrumento
de
cordas’”.
Dizemos
que
“ele
deu
à
palavra
‘banjo’
esta
ou
aquela
interpretação”,
e
inclinamo-‐nos
a
presumir
um
ato
determinado
de
interpretação,
para
além
do
ato
de
escolha.
[3]
O
nosso
problema
é
análogo
ao
que
se
segue:
Se
dou
a
alguém
a
ordem
“traz
uma
7lor
vermelha
daquele
prado”,
como
ele
pode
saber
qual
o
tipo
de
7lor
que
há
de
trazer,
se
eu
apenas
lhe
dei
uma
palavra?
A
primeira
resposta
que
se
pode
sugerir
é
a
de
que
ele
foi
procurar
uma
7lor
vermelha
tendo
em
mente
uma
imagem
vermelha,
e
comparando-‐a
com
as
7lores
para
ver
qual
delas
tinha
a
cor
da
imagem.
Ora,
de
fato,
essa
maneira
de
procurar
existe,
e
não
é
de
modo
nenhum
essencial
que
a
imagem
utilizada
seja
mental.
De
fato,
o
processo
pode
ser
o
seguinte:
levo
uma
tabela
que
faça
corresponder
nomes
a
quadrados
coloridos.
Quando
ouço
a
ordem
“traga-‐me
etc.”
desenho
uma
linha
com
meu
dedo,
partindo
da
palavra
“vermelho”
até
um
certo
quadrado,
e
procuro
uma
7lor
que
tenha
a
mesma
cor
do
quadrado.
Mas
esta
não
é
a
única
maneira
de
procurar
e
não
é
a
habitualmente
utilizada.
Saímos,
olhamos
à
nossa
volta,
dirigimo-‐nos
para
uma
7lor
e
a
colhemos
sem
a
comparar
com
o
que
quer
que
seja.
Para
veri7icar
que
o
processo
de
execução
da
ordem
pode
ser
deste
tipo,
considerem
a
ordem
“imagina
uma
mancha
vermelha”.
Neste
caso,
você
não
será
tentado
a
pensar
que
antes
de
executar
a
ordem
deve
imaginar
uma
mancha
vermelha
que
sirva
de
modelo
para
a
mancha
vermelha
que
pediram
para
você
imaginar.
Agora
você
poderia
perguntar:
interpretamos
as
palavras
antes
de
obedecer
a
ordem?
E
em
alguns
casos
você
constatará
que
faz
algo
que
poderia
ser
chamado
interpretar,
antes
de
obedecer,
em
outros
casos
não.
Parece
que
certos
processos
mentais
deFinidos
estão
ligados
ao
funcionamento
da
linguagem,
os
únicos
processos
através
dos
quais
a
linguagem
pode
funcionar.
Re7iro-‐me
aos
processos
de
compreensão
e
signi7icação
(understanding
and
meaning).
Os
signos
da
nossa
linguagem
parecem
não
ter
vida
sem
estes
processos
mentais;
e
poderia
ter-‐se
a
impressão
de
que
a
única
função
dos
signos
é
a
de
induzir
tais
processos
e
de
que
estes
são,
na
realidade,
4
as
únicas
coisas
em
que
deveríamos
estar
interessados.
Por
conseguinte,
se
perguntarem
a
você
qual
é
a
relação
entre
um
nome
e
a
coisa
que
ele
designa,
você
sentir-‐se-‐á
inclinado
a
responder
que
se
trata
de
uma
relação
psicológica,
e
possivelmente
pensará
especi7icamente,
ao
dizer
isto,
no
mecanismo
da
associação.
-‐
Somos
tentados
a
pensar
que
o
mecanismo
da
linguagem
é
composto
por
duas
partes;
uma
parte
inorgânica,
a
manipulação
dos
signos,
e
uma
parte
orgânica,
a
que
podemos
chamar
a
compreensão
destes
signos,
a
atribuição
de
signi7icado
a
estes
signos,
a
sua
interpretação,
o
pensamento.
Estas
ultimas
atividades
parecem
decorrer
num
meio
estranho,
a
mente;
e
o
mecanismo
da
mente,
cuja
natureza,
segundo
parece,
não
compreendemos
completamente,
pode
produzir
efeitos
não
suscetíveis
de
serem
provocados
por
um
mecanismo
material.
Assim,
por
exemplo,
um
pensamento
(que
é
um
processo
[4]
mental
desse
tipo)
pode
ou
não
estar
de
acordo
com
a
realidade;
posso
pensar
num
homem
que
não
está
presente;
sou
capaz
de
o
imaginar,
de
me
referir
a
ele
num
qualquer
comentário
a
seu
respeito,
mesmo
que
ele
se
encontre
a
milhares
de
quilômetros,
mesmo
que
esteja
morto.
“Estranho
mecanismo,
o
do
desejo”,
poderá
dizer-‐se,
“que
me
permite
desejar
o
que
nunca
acontecerá”.
Existe
apenas
uma
maneira
de
evitar,
pelo
menos
parcialmente,
a
aparência
misteriosa
dos
processos
de
pensamento,
que
é
a
de
substituir,
nestes
processos,
qualquer
in7luência
da
imaginação
pelo
exame
(looking
at)
de
objetos
reais.
Deste
modo,
pelo
menos
em
certos
casos,
pode
parecer
essencial
que
eu
tenha
diante
de
meu
olho
mental
(my
mind’s
eye)
uma
imagem
vermelha
para
compreender
a
palavra
“vermelho”
quando
a
ouço.
Mas
porque
não
haverei
de
substituir
a
mancha
vermelha
imaginária
pela
visão
de
um
pedaço
de
papel
vermelho?
A
imagem
visual
só
poderá
ser
mais
viva.
Imagine
um
homem
que
traz
sempre
no
bolso
uma
folha
de
papel
na
qual
os
nomes
das
cores
correspondem
a
manchas
coloridas.
Você
poderá
dizer
que
é
incômodo
transportar
uma
tabela
desse
tipo,
e
que
utilizamos
sempre,
em
vez
disso,
o
mecanismo
da
associação.
Mas
isto
é
irrelevante,
e
em
muitos
casos
nem
sequer
é
verdadeiro.
Se,
por
exemplo,
fosse
pedido
para
você
pintar
uma
tonalidade
especial
de
azul,
chamada
“azul-‐de-‐prússia”,
você
poderia
ter
de
utilizar
uma
tabela
que
levasse
da
palavra
“azul-‐de-‐prússia”
a
uma
amostra
da
cor,
que
serviria
de
modelo.
Poderíamos
perfeitamente
bem,
para
nossos
propósitos,
substituir
todos
os
processos
de
imaginação
pelo
processo
de
olhar
para
um
objeto
ou
pela
pintura,
desenho,
ou
modelagem;
assim
como
em
vez
de
se
falar
para
si
próprio
se
poderia
escrever
ou
falar
em
voz
alta.
Frege
ridicularizou
a
concepção
formalista
das
matemáticas,
dizendo
que
os
formalistas
confundiam
aquilo
que
tem
pouca
importância,
o
signo,
com
o
que
é
importante,
o
signi7icado
[the
meaning].
De
fato,
as
matemáticas
não
tratam
de
marcas
[dashes]
em
um
pedaço
de
papel.
A
idéia
de
Frege
poderia
ser
expressa
do
seguinte
modo:
as
proposições
da
matemática
seriam
inertes
e
totalmente
5
desinteressantes,
se
fossem
simplesmente
conjuntos
de
marcas,
ao
passo
que
elas
obviamente
apresentam
uma
espécie
de
vida.
E
o
mesmo
poderia,
evidentemente,
ser
dito
de
qualquer
proposição.
Sem
um
sentido
[sense],
ou
sem
o
pensamento
[thought],
uma
proposição
seria
uma
coisa
trivial
e
totalmente
inerte.
Parece
ser
claro,
para
além
disso,
que
a
adição
de
signos
inorgânicos
não
pode
dar
vida
a
uma
proposição.
A
conclusão
que
se
pode
extrair
daqui
é
de
que
aquilo
que
deve
ser
adicionado
aos
signos
inertes
para
que
eles
se
transformem
numa
proposição
viva
é
algo
de
imaterial,
dotado
de
propriedades
diferentes
das
dos
simples
signos.5
Mas
se
tivéssemos
de
mencionar
o
que
anima
o
signo,
diríamos
que
é
a
sua
utilização
[use].
[5]
Se
o
signi7icado
do
signo
(grosseiramente,
aquilo
que
é
importante
acerca
do
signo)
é
uma
imagem
formada
nas
nossas
mentes
quando
vemos
ou
ouvimos
o
signo,
então
vamos
adotar,
em
primeiro
lugar,
o
método,
que
acabamos
de
descrever,
de
substituir
esta
imagem
mental
por
um
objeto
exterior
visível,
por
exemplo,
uma
imagem
pintada
ou
modelada.
Nesse
caso,
se
o
signo
escrito
sozinho
era
inerte,
por
que
motivo
se
animaria
quando
tomado
em
conjunto
com
a
imagem
pintada?
-‐
De
fato,
logo
que
pensam
em
substituir
a
imagem
mental
por,
digamos,
uma
imagem
pintada,
e
logo
que,
desse
modo,
a
imagem
perde
seu
caráter
misterioso,
ela
deixa
absolutamente
de
parecer
transmitir
qualquer
vida
à
frase.
(De
fato
era
justamente
este
o
caráter
oculto
do
processo
mental
que
você
precisava
para
seus
propósitos).
O
erro
que
estamos
sujeitos
a
cometer
poderia
ser
expresso
deste
modo:
estamos
procurando
pelo
uso
de
um
signo,
mas
fazemo-‐lo
como
se
ele
fosse
um
objeto
coexistente
com
o
signo.
(Uma
das
causas
deste
erro
é,
de
novo,
o
fato
de
estarmos
a
procura
de
uma
“coisa
correspondente
a
um
substantivo.”)6
O
signo
(a
frase)
obtém
o
seu
signi7icado
do
sistema
de
signos,
da
linguagem
a
qual
pertence.
Em
uma
palavra:
compreender
uma
frase
signi7ica
compreender
uma
linguagem.
A
frase
tem
vida,
pode
dizer-‐se,
enquanto
parte
integrante
do
sistema
da
linguagem.
Mas
somos
tentados
a
imaginar
o
que
dá
vida
à
frase
como
algo
que,
numa
esfera
oculta,
acompanha
a
frase.
Mas,
seja
o
que
for
que
a
acompanhe,
será
para
nós
apenas
um
outro
signo.7
À
primeira
vista,
parece
que
o
que
confere
ao
pensamento
o
seu
caráter
peculiar
é
um
encadeamento
de
estados
mentais,
e
parece
que
o
que
é
estranho
e
di7ícil
de
compreender
relativamente
ao
pensamento
são
os
processos
que
6 Os três parágrafos acima são discutidos no capitulo 5 do livro de Wettestein, The Magic Prism.
7 Os dois últimos parágrafos expressam a visão positiva de W, contra o representacionalismo que
6
ocorrem
na
mente
e
que
apenas
são
possíveis
neste
meio.
Somos
levados
a
comparar
o
meio
mental
com
o
protoplasma
de
uma
célula,
por
exemplo,
de
uma
ameba.
Observamos
certas
ações
da
ameba,
a
maneira
como
se
alimenta
estendendo
os
braços,
a
sua
divisão
em
células
gêmeas,
cada
uma
das
quais
se
desenvolve
e
comporta
como
a
célula
original.
Dizemos
“para
o
protoplasma
agir
desse
modo,
deve
ter
uma
natureza
peculiar”,
e
possivelmente
supomos
que
nenhum
mecanismo
7ísico
poderia
comportar-‐se
desta
maneira
e
que
o
mecanismo
da
ameba
deve
ser
de
um
tipo
completamente
diferente.
Somos
tentados
do
mesmo
modo
a
dizer
“o
mecanismo
da
mente
deve
ser
de
um
tipo
muitíssimo
peculiar
para
que
a
mente
seja
capaz
de
fazer
o
que
faz”.
Mas
aqui
estamos
cometendo
dois
erros.
Pois
o
que
o
que
nos
chamou
a
atenção
pelo
seu
caráter
singular,
relativamente
ao
pensamento
e
ao
ato
de
pensar
não
foi
de
nenhum
modo
o
fato
dele
ter
efeitos
curiosos
que
[6]
não
éramos
ainda
capazes
de
explicar
(causalmente).
Em
outras
palavras,
o
nosso
problema
não
era
um
problema
cientí7ico,8
mas
sim
uma
confusão,
sentida
como
um
problema.
Suponham
que
tentássemos
construir,
como
resultado
de
investigações
psicológicas,
um
modelo
da
mente
[mind]
que,
na
nossa
opinião,
explicaria
a
ação
da
mente.
Este
modelo
seria
parte
de
uma
teoria
psicológica,
da
mesma
maneira
que
um
modelo
mecânico
do
éter
pode
ser
parte
de
uma
teoria
da
eletricidade.
(Um
tal
modelo,
a
propósito,
faz
sempre
parte
do
simbolismo
de
uma
teoria.
A
sua
vantagem
pode
consistir
no
fato
de
poder
ser
rapidamente
compreendido
e
facilmente
retido
na
mente.
Disse-‐se
que
um
modelo,
num
certo
sentido,
veste
uma
teoria
pura,
sendo
a
teoria
nua
composta
por
frases
ou
equações.
Isso
precisa
depois
ser
examinado
mais
de
perto.)
Poderia
pensar-‐se
que
um
tal
modelo
da
mente
teria
de
ser
muito
complicado
e
intricado,
de
modo
a
explicar
as
atividades
mentais
observadas;
e
por
este
motivo
poderíamos
considerar
a
mente
como
um
meio
de
uma
espécie
singular.
Mas
este
aspecto
da
mente
não
nos
interessa.
Os
problemas
que
ele
pode
levantar
são
problemas
psicológicos
e
o
método
para
a
solução
deles
é
o
das
ciências
naturais.9
Ora,
se
não
estamos
interessados
nas
conexões
causais,
então
as
atividades
da
mente
estão
expostas
perante
nós.
E
quando
nos
preocupamos
com
a
natureza
do
pensamento,
a
perplexidade,
que
interpretamos
erradamente
como
dizendo
respeito
à
natureza
de
um
meio,
é
a
perplexidade
provocada
pelo
uso
misti7icador
da
nossa
linguagem
[mystifying
use
of
our
language].
Este
tipo
de
erro
ocorre
frequentemente
em
7iloso7ia;
por
exemplo,
quando
nos
interrogamos
sobre
a
natureza
do
tempo,
quando
o
tempo
nos
parece
ser
uma
coisa
estranha.
Temos
uma
tendência
muito
forte
para
pensar
que
existem
coisas
que
se
ocultam,
coisas
que
vemos
do
exterior
mas
que
não
podemos
penetrar.
E
7
contudo
nada
disso
acontece.
Não
pretendemos
conhecer
novos
fatos
sobre
o
tempo.
Todos
os
fatos
que
nos
interessam
encontram-‐se
expostos
perante
nós.
Mas
é
o
uso
do
substantivo
“tempo”
que
nos
confunde.
Se
examinamos
a
gramática
dessa
palavra,
reconheceremos
que
a
divinização
do
tempo
é
tão
surpreendente
quanto
o
seria
a
divinização
da
negação
ou
da
disjunção.
Por
conseguinte,
é
enganador
falar
do
pensamento
como
se
se
tratasse
de
uma
“atividade
mental”.
Podemos
dizer
que
o
pensamento
é
essencialmente
a
atividade
de
operar
com
signos.
Esta
atividade
é
realizada
pela
mão,
quando
pensamos
por
intermédio
da
escrita;
pela
boca
e
pela
laringe,
quando
pensamos
por
intermédio
da
fala;
e
se
pensamos
imaginando
signos
ou
imagens,
não
posso
mostrar
um
agente
que
pensa.
Se
então
me
disserem,
que
em
tais
casos,
a
mente
pensa,
apenas
chamarei
a
atenção
de
vocês
para
o
fato
que
estão
usando
uma
metáfora,
que
aqui
[7]
a
mente
é
um
agente
num
sentido
diferente
daquele
que
nos
leva
a
considerar
a
mão
como
um
agente
na
escrita.
Se
conversamos
de
novo
sobre
a
localização
da
ocorrência
do
pensamento,
temos
o
direito
de
a7irmar
que
ela
corresponde
ao
papel
em
que
escrevemos
ou
à
boca
que
fala.
E
se
falamos
da
cabeça
ou
do
cérebro
como
sede
do
pensamento,
isto
corresponde
ao
uso
da
expressão
“localização
do
pensamento”
num
sentido
diferente.
Examinemos
quais
são
as
razões
para
se
dizer
que
a
cabeça
é
o
lugar
do
pensamento.
Não
é
nossa
intenção
criticar
esta
forma
de
expressão
ou
mostrar
que
ela
não
é
apropriada.
O
que
devemos
fazer
é
o
seguinte:
compreender
o
seu
funcionamento,
a
sua
gramática,
ver,
por
exemplo,
qual
a
relação
que
esta
gramática
tem
com
a
da
expressão
“pensamos
com
a
nossa
boca”,
ou
“pensamos
com
um
lápis
numa
folha
de
papel”.
Talvez
a
principal
razão
da
nossa
forte
inclinação
para
falar
da
cabeça
como
o
lugar
dos
nossos
pensamentos
é
a
que
se
segue:
a
existência
das
palavras
“pensamento”
e
“pensar”
paralelamente
à
de
palavras
que
denotam
atividades
(corporais),
como
escrever,
falar,
etc.,
leva-‐nos
a
procurar
uma
atividade
diferente
destas,
mas
análoga
a
elas,
correspondente
à
palavra
“pensamento”.
Quando
as
palavras,
na
nossa
linguagem
comum
(ordinary
language)
tem,
à
primeira
vista,
gramáticas
análogas,
somos
inclinados
a
tentar
interpretá-‐las
de
modo
análogo;
isto
é,
tentamos
manter
a
analogia
a
qualquer
preço.
-‐
“O
pensamento,
dizemos,
é
algo
de
distinto
da
frase,
visto
que
uma
frase
em
inglês
e
outra
em
francês,
que
são
completamente
diferentes,
podem
expressar
o
mesmo
pensamento”.
Nestas
circunstâncias,
como
as
frases
se
encontram
em
algum
lugar,
procuramos
um
lugar
para
o
pensamento.
(É
como
se
procurássemos
o
lugar
do
rei,
na
forma
como
é
de7inido
pelas
regras
do
xadrez,
em
lugar
diferente
daquele
que
é
ocupado
pelos
diversos
pedaços
de
madeira,
que
são
os
reis
dos
diversos
jogos.)
–
Nós
dizemos,
“certamente,
o
pensamento
é
algo;
ele
não
é
um
"nada";
e
a
única
resposta
que
podemos
dar
a
isto
é
a
de
que
a
palavra
“pensamento”
tem
o
seu
uso,
que
é
de
um
tipo
completamente
diferente
do
uso
da
palavra
“frase”.
8
Ora,
será
que
isto
quer
dizer
que
é
absurdo
[nonsensical]
falar
de
um
lugar
onde
o
pensamento
ocorre?
De
modo
algum.
Esta
expressão
tem
sentido
[sense]
se
lhe
damos
sentido.
Se
dizemos:
“O
pensamento
ocorre
nas
nossas
cabeças”
qual
é,
seriamente,
o
sentido
desta
expressão?
Presumo
que
seja
o
de
que
certos
processos
7isiológicos
correspondem
aos
nossos
pensamentos
de
uma
forma
tal
que
se
conhecermos
a
correspondência
poderemos,
observando
esses
processos,
descobrir
os
pensamentos.
Mas
em
que
sentido
se
poderá
dizer
que
os
processos
7isiológicos
correspondem
a
pensamentos,
e
em
que
sentido
se
poderá
dizer
que
atingimos
os
pensamentos
a
partir
da
observação
do
cérebro?
Suponho
que
imaginamos
que
a
correspondência
tenha
sido
veri7icada
experimentalmente.
Vamos
imaginar
grosseiramente
uma
tal
experiência.
Ela
[8]
consiste
em
observar
o
cérebro
de
um
indivíduo
enquanto
este
pensa.
Mas
agora
podem
considerar
que
a
razão
pela
qual
a
minha
explicação
irá
falhar
reside,
sem
dúvida,
no
fato
do
experimentador
apenas
conhecer
indiretamente
os
pensamentos
do
indivíduo,
por
intermédio
deste,
que
os
expressará
de
uma
maneira
ou
outra.
Afastarei
esta
di7iculdade
supondo
que
o
indivíduo
é
simultaneamente
o
experimentador,
que
olha
para
o
seu
próprio
cérebro
recorrendo,
por
exemplo,
a
um
espelho.
(O
caráter
grosseiro
desta
descrição
não
reduz
de
modo
algum
a
força
do
argumento.)
Nesse
caso,
pergunto
se
o
sujeito-‐experimentador
está
observando
uma
ou
duas
coisas?
(Não
me
digam
que
ele
observa
uma
só
coisa,
do
interior
e
do
exterior;
pois
isto
não
afasta
a
di7iculdade.
Falaremos
mais
tarde
de
interior
e
exterior.10 )
O
sujeito-‐experimentador
está
observando
uma
correlação
entre
dois
fenômenos.
Um
deles,
possivelmente,
ele
chama
de
pensamento.
Isto
pode
consistir
numa
série
de
imagens,
sensações
orgânicas,
ou,
por
outro
lado,
em
uma
série
de
experiências
visuais,
tácteis
e
musculares
variadas,
que
ele
sente
quando
escreve
ou
profere
uma
frase.
-‐
A
outra
experiência
é
a
de
ver
o
funcionamento
do
seu
cérebro.
Ambos
os
fenômenos
poderiam
ser
corretamente
chamados
“expressões
do
pensamento”;
e
seria
melhor,
de
modo
a
impedir
confusão,
rejeitar
como
absurda
a
questão
“onde
está
o
pensamento?”.
Se,
todavia,
usamos
a
expressão
“o
pensamento
ocorre
na
cabeça”,
demos
a
esta
expressão
o
seu
sentido
através
da
descrição
da
experiência
que
justi7icaria
a
hipótese
segundo
o
qual
o
pensamento
ocorre
nas
nossas
cabeças,
através
da
descrição
da
experiência
a
que
chamamos
“observação
do
pensamento
no
nosso
cérebro”.
Esquecemos
facilmente
que
a
palavra
“localidade”
é
usada
em
muitos
sentidos
diferentes
e
que
existem
muitos
tipos
diferentes
de
enunciados
sobre
uma
coisa,
a
que
podemos,
em
um
caso
particular,
de
acordo
com
o
uso
corrente
[general
usage],
chamar
especi7icações
da
localização
da
coisa.
Assim,
foi
dito
do
espaço
visual
que
o
seu
lugar
é
na
nossa
cabeça;
e
eu
penso
que
a
gente
tem
sido
tentada
a
dizer
isso,
em
parte,
como
resultado
de
um
equívoco
gramatical.
9
Posso
dizer:
“vejo,
no
meu
campo
visual,
a
imagem
da
árvore
situada
a
direita
da
imagem
da
torre”
ou
“vejo
a
imagem
da
árvore
no
meio
do
campo
visual”.
Sentimo-‐nos,
neste
caso,
inclinados
a
perguntar,
“e
onde
é
que
você
vê
o
campo
visual?”
Ora,
se
o
“onde”
supõe
a
determinação
de
uma
localização,
no
sentido
em
que
especi7icamos
a
localização
da
imagem
da
árvore,
então
eu
chamaria
a
atenção
de
vocês
para
o
fato
de
não
terem
ainda
dado
sentido
a
esta
questão;
isto
é,
para
o
fato
de
[9]
se
terem
baseado
numa
analogia
gramatical,
sem
terem
analisado
a
analogia
detalhadamente.
Ao
dizer
que
a
idéia
de
que
o
nosso
campo
visual
está
localizado
no
nosso
cérebro
surgiu
de
um
equívoco
gramatical,
não
foi
minha
intenção
dizer
que
não
podemos
dar
sentido
a
uma
tal
especi7icação
da
localização.
Poderíamos,
por
exemplo,
imaginar
facilmente
uma
experiência
que
descreveríamos
por
recurso
a
esse
enunciado.
Imaginem
que
estávamos
olhando
para
um
grupo
de
objetos
nesta
sala,
e
que,
enquanto
o
fazíamos,
uma
sonda
era
introduzida
nos
nossos
cérebros,
veri7icando-‐se
que
quando
a
extremidade
da
sonda
atingia
um
ponto
particular
do
cérebro,
uma
pequena
porção
do
nosso
campo
visual
desaparecia.
Poder-‐se-‐ia
deste
modo
estabelecer
uma
correspondência
entre
pontos
do
cérebro
e
partes
da
imagem
visual,
e
isto
nos
permitiria
a7irmar
que
o
campo
visual
se
localizava
num
determinado
lugar
do
cérebro.
Se
agora
perguntamos
“Onde
é
que
vês
a
imagem
deste
livro?
a
resposta
poderia
ser
(como
anteriormente)
“A
direita
daquele
lápis”,
ou
“Na
parte
esquerda
do
meu
campo
visual”,
ou
ainda:
“Sete
centímetros
por
trás
do
meu
olho
esquerdo”.
Mas
se
alguém
nos
disser:
“Garanto-‐lhes
que
sinto
que
a
imagem
visual
se
encontra
cinco
centímetros
por
trás
do
osso
do
meu
nariz”;
-‐
o
que
poderemos
lhe
responder?
Diremos
que
ele
não
está
dizendo
a
verdade,
ou
que
tal
sensação
é
impossível?
E
se
ele
nos
perguntar
“conhecem
todas
as
sensações
existentes?
Como
sabem
que
esta
sensação
não
existe?”
E
se
o
adivinhador
[diviner]
nos
disser
que
quando
segura
a
vara
ele
sente
que
a
água
se
encontra
a
dois
metros
de
profundidade?
Ou
que
ele
sente
que
a
dois
metros
de
profundidade
existe
uma
mistura
de
cobre
e
ouro?
Suponham
que
diante
das
nossas
dúvidas
ele
respondesse:
“Vocês
podem
avaliar
uma
distância
quando
a
vêem.
Por
que
eu
não
poderia
ter
um
modo
diferente
de
estimá-‐la?”
Se
compreendemos
a
idéia
de
uma
tal
avaliação,
esclareceremos
a
natureza
das
nossas
dúvidas
sobre
as
a7irmações
do
adivinhador
e
do
homem
que
dizia
sentir
a
imagem
visual
por
trás
do
osso
do
seu
nariz.
Diante
das
a7irmações:
“este
lápis
tem
doze
centímetros
de
comprimento”
e
“sinto
que
este
lápis
tem
doze
centímetros
de
comprimento”,
devemos
esclarecer
a
relação
existente
entre
a
gramática
da
primeira
e
a
gramática
da
segunda.
Para
a
a7irmação
“sinto
na
minha
mão
que
a
água
se
encontra
a
um
metro
de
profundidade”
gostaríamos
de
responder
“Não
sei
o
que
isso
signiFica”.
Mas
o
adivinhador
diria:
“Sem
dúvida
que
sabes
o
que
signi7ica.
Sabes
o
que
10
signi7ica
‘um
metro
de
profundidade’,
e
sabes
o
que
signi7ica
‘sinto’!”
Ao
que
eu
responderia:
eu
sei
o
que
uma
palavra
signi7ica
em
certos
contextos.11
Assim
[10]
eu
compreendo
frase,
“um
metro
de
profundidade”
quando,
por
exemplo,
ela
está
em
conexões
como
“a
medição
mostrou
que
a
água
se
encontra
a
um
metro
de
profundidade”,
“se
cavarmos
a
um
metro
de
profundidade
descobriremos
água”,
“calculo
que
a
água
se
encontre
a
um
metro
de
profundidade”.
Mas
o
uso
da
expressão
“uma
sensação
nas
minhas
mãos
de
que
a
água
se
encontra
a
um
metro
de
profundidade”
tem
ainda
de
me
ser
explicado.
Poderíamos
perguntar
ao
adivinhador
“como
aprendeu
o
signi7icado
da
palavra
‘um
metro’?
Supomos
que
foi
mediante
o
mostrar
de
tais
comprimentos,
que
tenha
feito
medições
e
outras
coisas
do
mesmo
gênero.
Também
lhe
ensinaram
a
falar
de
uma
sensação
de
que
a
água
se
encontra
a
um
metro
de
profundidade,
uma
sensação,
por
exemplo,
nas
suas
mãos?
Se
isso
não
aconteceu,
o
que
o
faz
relacionar
a
palavra
‘um
metro’
com
uma
sensação
na
sua
mão?”.
No
caso
de
termos
sempre
avaliado
comprimentos
a
olho,
sem
nunca
os
termos
medido,
como
poderíamos
avaliar
um
comprimento
em
centímetros
medindo-‐o?
Isto
é,
como
interpretaríamos
a
experiência
da
medição
em
centímetros?
O
problema
é
o
seguinte:
qual
a
relação
existente
entre,
por
exemplo,
uma
sensação
tátil
e
a
experiência
da
medição
de
uma
coisa
por
meio
de
uma
vara
de
metro?
Esta
relação
mostrar-‐nos-‐á
o
que
signi7ica
“sentir
que
uma
coisa
tem
doze
centímetros
de
comprimento”.
Vamos
supor
que
o
adivinhador
dissesse
“nunca
aprendi
a
correlacionar
a
profundidade
a
que
a
água
se
encontra
no
subsolo
com
sensações
na
minha
mão,
mas
quando
sinto
uma
certa
tensão
nas
minhas
mãos,
as
palavras
‘um
metro’
vem-‐me
repentinamente
à
mente”.
Responderíamos
“eis
uma
excelente
explicação
do
que
quer
dizer
com
‘sensação
de
que
a
profundidade
é
de
um
metro’,
e
a
sua
a7irmação
não
tem
outro
signi7icado
para
além
daquele
que
a
sua
explicação
lhe
deu.
E
se
a
experiência
mostrar
que
a
profundidade
a
que
de
fato
se
encontra
a
água
concorda
sempre
com
as
palavras
‘n
metros’
que
lhe
vem
à
mente,
a
sua
sensação
será
muito
útil
para
determinar
a
profundidade
a
que
encontraremos
água”.
-‐
Mas,
como
vêem,
o
signi7icado
das
palavras
“sinto
que
a
água
se
encontra
11 Ver, sobre essa passagem, Claim of Reason, p. 168. “Agora eu quero dizer algo mais especi_ico
sobre
o
que
é
que
Wittgenstein
descobriu,
ou
detalhou,
sobre
linguagem
(isto
é,
sobre
o
inteiro
corpo
e
espírito
da
conduta
e
do
sentimento
humano
que
vão
junto
na
capacidade
da
fala)
que
levanta
o
tipo
de
problemas
que
eu
caracterizei
tão
cruamente
e
vagamente
em
termos
de
‘normalidade’
e
‘nosso
mundo’.
O
que
eu
gostaria
de
dizer
nesse
ponto
pode
ser
tomado
como
sendo
uma
glosa
da
observação
de
Wittgenstein
que
“nós
aprendemos
as
palavras
em
certos
contextos”
(por
exemplo,
Livro
Azul,
p.
9).
Isto
quer
dizer,
assim
penso,
tanto
que
nós
não
aprendemos
as
palavras
em
todos
os
contextos
nos
quais
elas
poderiam
ser
usadas
(o
que,
no
_inal
das
contas,
isso
signi_icaria?)
e
que
nem
todo
contexto
no
qual
uma
palavra
é
tal
que
nele
a
palavra
pode
ser
aprendida
(por
exemplo,
contextos
nos
quais
a
palavra
é
usada
metaforicamente).
E
em
seguida
espera-‐se
que
saibamos
quando
as
palavras
são
usadas
apropriadamente
em
contextos
posteriores.
“
11
a
uma
profundidade
de
n
metros”
tinha
de
ser
explicado;
não
o
podíamos
compreender
se
o
signi7icado
das
palavras
“n
metros”
fosse
o
usual
(isto
é,
nos
contextos
comuns).
–
Não
dizemos
que
o
homem
que
nos
diz
sentir
a
imagem
visual
cinco
centímetros
por
traz
do
osso
do
seu
nariz
está
mentindo
ou
dizendo
disparates.
Mas
dizemos
que
não
compreendemos
o
signi7icado
dessa
frase.
Ela
combina
palavras
bem
conhecidas,
mas
faz
isso
de
uma
maneira
que
ainda
não
compreendemos.
A
gramática
desta
frase
tem
ainda
de
nos
ser
explicada.
A
importância
do
exame
cuidadoso
da
resposta
do
adivinhador
reside
no
fato
de
pensarmos
frequentemente
que
demos
um
sentido
a
uma
a7irmação
P
somente
se
declararmos
“sinto
(ou
creio)
que
P
é
o
caso”.
(Mais
adiante
deveremos
[11]
falar12
sobre
a
a7irmação
do
professor
Hardy
de
que
o
teorema
de
Goldbach
é
uma
proposição
porque
ele
pode
acreditar
que
é
verdadeiro.)
Já
dissemos
que
a
mera
explicação
do
signi7icado
das
palavras
“um
metro”,
da
maneira
habitual,
não
explica
ainda
o
sentido
da
frase
“sensação
de
que
a
água
se
encontra
a
um
metro
etc.”
Ora,
não
teríamos
sentido
estas
di7iculdades
se
o
adivinhador
tivesse
dito
que
aprendeu
a
estimar
a
profundidade
a
que
se
encontra
a
água,
por
exemplo,
escavando
à
procura
de
água
sempre
que
experimentava
uma
sensação
particular
e
correlacionando
deste
modo
essas
sensações
com
medições
de
profundidade.
Devemos
então
examinar
a
relação
do
processo
de
aprendizagem
do
estimar
com
o
ato
de
estimar.
A
importância
deste
exame
reside
no
fato
de
se
aplicar
a
relação
entre
a
aprendizagem
do
sentido
de
uma
palavra
e
a
utilização
da
palavra.
Ou,
num
sentido
mais
geral,
no
fato
de
revelar
as
diferentes
relações
possíveis
entre
uma
dada
regra
e
a
sua
aplicação.
Consideremos
o
processo
de
estimar
uma
distância
a
olho
nu:
é
extremamente
importante
que
tenham
consciência
da
existência
de
muitos
processos
diferentes,
a
que
chamamos
“estimar
a
olho”.
Consideremos
os
seguintes
casos:
(1)
Alguém
me
pergunta
“como
você
estimou
a
altura
deste
edi7ício?”
Respondo:
“Tem
quatro
andares,
presumo
que
cada
andar
tenha
cerca
de
cinco
metros,
portanto
deve
ter
mais
ou
menos
vinte
metros
de
altura”.
(2)
Em
outro
caso:
“Sei
qual
e
aproximadamente,
a
esta
distância,
a
aparência
de
um
metro;
portanto
deve
ter
cerca
de
quatro
metros”.
(3)
Ou
ainda:
“Um
homem
alto
quase
chegaria
a
este
ponto;
portanto
ele
deve
estar
mais
ou
menos
a
dois
metros
do
chão”.
(4)
Ou:
“Não
sei,
parece
ter
um
metro”.
Este
último
caso
é
suscetível
de
nos
embaraçar.
Se
você
perguntar
“o
que
aconteceu
neste
caso
quando
o
homem
estimou
a
distância?”
a
resposta
correta
pode
ser:
“ele
olhou
para
o
objeto
e
disse
‘parece
ter
um
metro
de
comprimento’.”
Pode
ter
sido
apenas
isto
o
que
aconteceu.
12
Dissemos
anteriormente
que
não
nos
teríamos
sentido
desorientados
com
a
resposta
do
adivinhador
se
ele
nos
tivesse
dito
que
aprendeu
a
avaliar
a
profundidade.
Ora,
aprender
a
estimar
pode,
falando
de
uma
maneira
geral,
ser
considerado
segundo
duas
relações
diferentes
com
o
ato
de
estimar:
ou
como
uma
causa
do
fenômeno
do
estimar,
ou
como
proporcionador
de
uma
regra
(uma
tabela,
um
grá7ico,
ou
algo
do
mesmo
gênero)
que
utilizamos
quando
estimamos.
Suponhamos
que
eu
ensino
a
alguém
o
uso
da
palavra
“amarelo”,
apontando
repetidamente
para
uma
mancha
amarela
e
pronunciando
a
palavra.
[12]
Em
outra
ocasião
faço-‐o
aplicar
o
que
aprendeu
dando-‐lhe
a
seguinte
ordem:
“escolha
de
dentro
deste
saco
uma
bola
amarela”.
O
que
se
passou
quando
ele
obedeceu
a
minha
ordem?
Direi
que
“possivelmente
passou-‐se
apenas
isto:
ele
ouviu
as
minhas
palavras
e
tirou
uma
bola
amarela
do
saco”.
Podem
imediatamente
sentir-‐se
inclinados
a
pensar
que
isto
não
pode
ter
sido
tudo
o
que
se
passou;
e
o
tipo
de
coisa
que
sugeririam
é
a
de
que
ele
imaginou
algo
amarelo
quando
compreendeu
a
ordem,
tendo
em
seguida
escolhido
a
bola
de
acordo
com
a
sua
imagem.
Para
perceber
que
isto
não
é
necessário
lembrem-‐
se
de
que
eu
lhe
podia
ter
dado
a
ordem
“Imagina
uma
mancha
amarela”.
Sentir-‐
se-‐iam
ainda
inclinados
a
supor
que
ele
imagina
em
primeiro
lugar
uma
mancha
amarela,
apenas
compreendendo
a
minha
ordem,
e
que
em
seguida
imagina
uma
mancha
amarela
que
se
assemelha
à
primeira?
(Não
quero
dizer
que
isto
não
seja
possível,
o
fato
de
o
apresentar
desta
maneira
apenas
nos
mostra,
de
imediato,
que
não
é
necessário
que
isto
aconteça.
Isto,
a
propósito,
ilustra
o
método
da
7iloso7ia.)
Se
o
signi7icado
da
palavra
“amarelo”
nos
for
ensinado
através
de
algum
tipo
de
de7inição
ostensiva
(uma
regra
para
o
uso
da
palavra)
este
ensino
pode
ser
considerado
de
duas
maneiras
diferentes.
A.
O
ensino
é
uma
repetição
[drill].
Esta
repetição
leva-‐nos
a
associar
uma
imagem
amarela,
coisas
amarelas,
com
a
palavra
“amarelo”.
Assim,
quando
eu
dei
a
ordem
“escolhe
neste
saco
uma
bola
amarela”,
a
palavra
“amarelo”
pode
ter
produzido
uma
imagem
amarela,
ou
uma
sensação
de
reconhecimento
quando
o
olhar
da
pessoa
incidiu
sobre
a
bola
amarela.
Poderia
dizer-‐se,
neste
caso,
que
a
repetição
do
ensino
fabricou
um
mecanismo
psíquico.
Isto,
todavia,
seria
apenas
uma
hipótese,
quando
não
uma
metáfora.
Poderíamos
comparar
o
ensino
com
a
instalação
de
uma
ligação
elétrica
entre
um
interruptor
e
uma
lâmpada.
O
paralelo
com
a
falha
da
ligação
ou
com
a
sua
avaria
seria,
nesse
caso,
aquilo
a
que
chamamos
o
esquecimento
da
explicação,
ou
do
signi7icado,
da
palavra.
(Será
conveniente
voltar
a
abordar
o
sentido
de
“esquecimento
do
sentido
de
uma
palavra” 13).
13
Na
medida
em
que
o
ensino
ocasiona
a
associação,
a
sensação
de
reconhecimento,
etc.
etc.,
ele
é
a
causa
dos
fenômenos
de
compreensão,
da
execução
de
uma
ordem,
etc.;
a
necessidade
do
processo
de
ensino
para
a
produção
destes
efeitos
é
uma
hipótese.
É
concebível,
neste
sentido,
que
todos
os
processos
de
compreensão,
de
execução
de
uma
ordem,
etc.
pudessem
ter
acontecido
sem
que
a
linguagem
tivesse
alguma
vez
sido
ensinada
à
pessoa
(Isto
parece,
precisamente
agora,
extremamente
paradoxal).
B.
O
ensino
pode
ter-‐nos
proporcionado
uma
regra
que
está
envolvida
nos
processos
de
compreensão,
execução
de
uma
ordem,
etc.;
“envolvida”,
[13]
no
entanto,
signi7ica
que
a
expressão
desta
regra
faz
parte
destes
processos.
Devemos
fazer
a
distinção
entre
o
que
se
poderia
chamar
“um
processo
em
conformidade
com
uma
regra”
e
“um
processo
envolvendo
uma
regra”
(no
sentido
acima
referido).
Tomemos
um
exemplo.
Alguém
me
ensina
a
elevar
números
ao
quadrado.
Ele
escreve
a
série:
1
2
3
4,
e
pede-‐me
para
os
elevar
ao
quadrado.
(Substituirei
de
novo,
neste
caso,
quaisquer
processos
que
ocorram
“na
mente”
por
processos
de
cálculo
no
papel).
Suponham
que
eu
escrevo
então
por
baixo
da
primeira
série
de
números,
a
série:
1
4
9
16.
O
que
eu
escrevi
está
em
conformidade
com
a
regra
geral
da
elevação
ao
quadrado;
mas
está
também
obviamente
em
conformidade
com
um
grande
numero
de
outras
regras;
e
não
em
maior
ou
menor
graus
com
uma
ou
outra
de
entre
estas.
Nenhuma
regra
esteve
aqui
envolvida,
no
sentido
a
que
nos
referimos
anteriormente
do
envolvimento
de
uma
regra
num
processo.
Suponhamos
que
para
obter
os
meus
resultados
eu
calculei
1
x
1,
2
x
2,
3
x
3,
4
x
4
(isto
é,
escrevi
neste
caso
os
cálculos);
de
novo
isto
estaria
em
conformidade
com
um
grande
número
de
regras.
Suponhamos,
por
outro
lado,
que
para
obter
os
meus
resultados
eu
tivesse
escrito,
por
exemplo,
recorrendo
a
notação
algébrica,
o
que
podem
chamar
“a
regra
da
elevação
ao
quadrado”.
Neste
caso,
esta
regra
estaria
envolvida
num
sentido
do
qual
todas
as
outras
se
encontravam
excluídas.
Diremos
que
a
regra
está
envolvida
na
compreensão,
na
execução
de
uma
ordem,
etc.,
se,
como
eu
gostaria
de
expressar,
o
símbolo
da
regra
faz
parte
do
cálculo.
(Como
não
estamos
interessados
no
local
em
que
os
processos
do
pensamento,
do
cálculo,
ocorrem,
podemos
imaginar,
para
nossos
propósitos,
que
os
cálculos
foram
feitos
inteiramente
no
papel.
Não
estamos
preocupados
com
a
diferença
entre
interno
e
externo.)
Um
exemplo
característico
do
caso
B
seria
o
de
um
ensino
que
nos
proporcionasse
uma
tabela
que
utilizaríamos
na
realidade
para
compreender,
14
executar
uma
ordem,
etc.
Se
formos
ensinados
a
jogar
xadrez,
poderão
ensinar-‐
nos
regras.
Se
depois
jogarmos
xadrez,
estas
regras
não
estarão
necessariamente
envolvidas
no
jogo.
Mas
poderão
estar.
Imaginem,
por
exemplo,
que
as
regras
fossem
expressas
sob
a
forma
de
uma
tabela.
Numa
coluna
estariam
representadas
as
peças,
e
numa
coluna
paralela
encontraríamos
diagramas
que
mostrariam
a
“liberdade”
(os
movimentos
legítimos)
das
peças.
Suponham
agora
que
o
modo
como
o
jogo
é
jogado
envolve
o
deslocamento
do
dedo
do
jogador
sobre
a
tabela,
da
representação
da
peça
[14]
até
aos
movimentos
possíveis,
para
depois
executar
um
desses
movimentos.
O
ensino
como
a
história
hipotética
das
nossas
ações
subseqüentes
(compreensão,
execução
de
uma
ordem,
estimar
um
comprimento,
etc.)
é
posto
de
parte
pelas
nossas
considerações.
A
regra
que
foi
ensinada
e
é
subseqüentemente
aplicada
apenas
nos
interessa
na
medida
em
que
está
envolvida
na
aplicação.
Uma
regra,
tanto
quanto
nos
interessa,
não
age
à
distância.
Suponham
que
eu
apontasse
para
um
pedaço
de
papel
e
dissesse
a
alguém:
“chamo
esta
cor
de
‘vermelho’.”
Mais
tarde
eu
dou
a
ele
a
ordem:
“agora
pinta
uma
mancha
vermelha”.
Em
seguida
pergunto:
“porque
é
que,
ao
executar
a
minha
ordem,
pintas
precisamente
esta
cor?”
A
sua
resposta
pode
ser,
neste
caso:
“Esta
cor
(apontando
para
a
amostra
que
eu
lhe
tinha
mostrado)
chamava-‐
se
vermelho,
e
a
mancha
que
pintei
tem,
como
pode
ver,
a
cor
da
amostra”.
Ele
deu-‐me
assim
uma
razão
para
o
fato
de
ter
executado
a
ordem
da
maneira
como
o
fez.
Dar
uma
razão
para
algo
que
se
fez
ou
disse
signi7ica
mostrar
um
caminho
que
conduz
a
esta
ação.
Em
alguns
casos
signi7ica
descrever
o
caminho
que
se
utilizou;
em
outro
signi7ica
descrever
o
caminho
que
aí
conduz
e
que
está
em
conformidade
com
certas
regras
aceitas.
Assim,
quando
se
perguntou
a
pessoa
“porque
executaste
a
minha
ordem
pintando
precisamente
esta
cor?”,
ela
poderia
ter
descrito
o
caminho
que
realmente
utilizara
para
chegar
a
este
tom
particular
de
cor.
Isso
teria
acontecido
se,
ao
ouvir
a
palavra
“vermelho”,
tivesse
segurado
a
amostra
que
eu
lhe
mostrara,
designada
pela
palavra
“vermelho”,
e
tivesse
copiado
a
amostra
ao
pintar
a
mancha.
Por
outro
lado
poderia
tê-‐la
pintado
“automaticamente”
ou
a
partir
de
uma
imagem
guardada
na
memória,
podendo,
ainda
assim,
apontar
para
a
amostra
quando
lhe
fosse
pedido
que
desse
uma
razão,
mostrando
que
ela
condizia
com
a
mancha
que
pintara.
Neste
ultimo
caso
a
razão
apresentada
teria
sido
de
segundo
tipo;
isto
é,
uma
justi7icação
post
hoc.
Ora,
se
a
gente
pensa
que
não
seria
possível
compreender
e
executar
a
ordem
sem
um
ensino
prévio,
o
ensino
é
encarado
como
proporcionando
uma
razão
para
se
fazer
o
que
se
fez;
como
proporcionando
o
caminho
que
se
segue.
Existe
a
idéia
de
que
se
uma
ordem
é
compreendida
e
executada
deve
haver
uma
razão
para
a
executarmos
como
o
fazemos;
deve
mesmo
haver
uma
cadeia
de
razões
que
remonta
até
ao
in7inito.
É
como
se
nós
disséssemos:
“Esteja
onde
você
estiver,
você
chegou
aí
vindo
de
um
lugar
qualquer,
e
a
esse
outro
lugar
15
vindo
de
um
outro
lugar;
e
assim
por
diante
ad
inFinitum”.
(Se,
por
outro
lado,
tivessem
dito
“esteja
onde
estiver,
poderia
ter
chegado
aí
vindo
de
um
outro
lugar
situado
a
um
metro
de
distância;
e
a
esse
outro
lugar
de
um
terceiro
também
a
um
metro
de
distância,
e
assim
por
diante
ad
inFinitum”,
se
tivessem
dito
isto
teriam
salientado
a
in7inita
possibilidade
de
avançar
um
passo.
[15]
Assim
a
idéia
de
uma
cadeia
in7inita
de
razões
surge
de
uma
confusão
semelhante
a
esta:
que
uma
linha
de
um
certo
comprimento
se
compõe
de
um
numero
in7inito
de
partes
porque
é
in7initamente
divisível;
isto
é,
porque
não
existe
um
termo
para
a
possibilidade
de
a
dividir.)
Se,
por
outro
lado,
você
admitir
[realize]
que
a
cadeia
de
razões
reais
tem
um
início,
você
deixará
de
sentir
aversão
pela
idéia
de
um
caso
em
que
não
existe
qualquer
razão
para
que
a
ordem
seja
obedecida.
Neste
ponto,
surge
contudo
uma
outra
confusão,
a
que
se
estabelece
entre
razão
e
causa.
Somos
levado
a
esta
confusão
pelo
uso
ambíguo
da
palavra
“porque”.
Assim,
quando
a
cadeia
de
razões
chegou
a
um
termo
e
ainda
se
pergunta
“porque?”,
sentimo-‐nos
inclinados
a
indicar
uma
causa
em
lugar
de
uma
razão.
Se,
por
exemplo,
quando
é
feita
a
pergunta,
“porque
é
que
você
pintou
precisamente
esta
cor
quando
foi
dito
para
pintar
uma
mancha
vermelha?»
você
responde:
“mostraram-‐me
uma
amostra
desta
cor
e
ao
mesmo
tempo
pronunciaram
a
palavra
"vermelho";
por
conseguinte
quando
ouço
a
palavra
"vermelho"
esta
cor
vem-‐me
sempre
à
mente”,
o
que
você
indicou
é
uma
causa
da
ação
e
não
uma
razão.
A
proposição
segundo
a
qual
a
ação
tem
uma
causa
tal
e
tal
é
uma
hipótese.
A
hipótese
tem
fundamento
se
um
certo
número
de
experiências
forem,
falando
de
uma
maneira
geral,
concordantes,
na
demonstração
de
que
a
nossa
ação
é
a
conseqüência
habitual
de
certas
condições
que,
nesse
caso,
chamamos
causas
da
ação.
Para
saber
qual
a
razão
que
você
tem
para
faz
uma
determinada
a7irmação,
para
agir
de
uma
determinada
maneira,
etc.,
não
é
necessário
um
número
qualquer
de
experiências
concordantes,
e
a
sua
exposição
da
razão
de
não
é
uma
hipótese.
A
diferença
entre
as
gramáticas
de
“razão”
e
“causa”
é
bastante
semelhante
à
diferença
entre
as
gramáticas
de
“motivo”
e
“causa”.
Da
causa
pode
dizer-‐se
que
não
se
pode
conhecê-‐la,
mas
apenas
conjeturá-‐la.
Por
outro
lado
diz-‐se
frequentemente:
“Sem
dúvida
que
sei
por
que
o
7iz”
falando
do
motivo.
Quando
digo:
“apenas
podemos
conjeturar
a
causa
mas
conhecemos
o
motivo”,
esta
a7irmação,
como
veremos
mais
tarde,
é
gramatical.
O
“podemos”
refere-‐se
a
uma
possibilidade
lógica.
O
duplo
uso
da
palavra
“porque”,
aplicando-‐se
tanto
a
causa
como
ao
motivo,
juntamente
com
a
idéia
de
que
podemos
conhecer
e
não
apenas
conjeturar
os
nossos
motivos,
dá
origem
à
confusão
que
nos
leva
a
considerar
o
motivo
como
uma
causa
de
que
temos
conhecimento
imediato,
uma
causa
“observada
interiormente”,
ou
revelada
pela
experiência.
-‐
Dar
uma
razão
é
como
apresentar
um
cálculo
por
meio
do
qual
chegamos
a
um
certo
resultado.
16
Voltemos
a
a7irmação
de
que
o
pensamento
consiste
essencialmente
em
operar
com
signos.14
A
minha
posição
era
a
de
que
[16]
dizer-‐se
que
“o
pensamento
é
uma
atividade
mental”
nos
sujeitava
a
sermos
induzidos
em
erro.
A
questão
sobre
qual
o
tipo
de
atividade
representada
pelo
pensamento
é
análoga
a
esta:
“Onde
ocorre
o
pensamento?”
Podemos
responder:
num
papel,
na
nossa
cabeça,
na
mente.
Nenhuma
destas
a7irmações
acerca
da
localização
fornece
a
localização
do
pensamento.
O
uso
de
todas
estas
especi7icações
é
correto,
mas
não
devemos
ser
induzidos
em
erro
pela
semelhança
da
sua
forma
lingüística,
aceitando
uma
falsa
concepção
da
sua
gramática.
Como,
por
exemplo,
quando
dizemos:
“A
nossa
cabeça
é
sem
duvida
o
verdadeiro
lugar
do
pensamento”.
O
mesmo
se
aplica
a
idéia
do
pensamento
como
uma
atividade.
É
correto
dizer
que
o
pensamento
e
uma
atividade
da
mão
que
escreve,
da
laringe,
da
nossa
cabeça
e
do
nosso
espírito,
desde
que
se
compreenda
a
gramática
destas
a7irmações.
E
é,
além
disso,
extremamente
importante
ter
consciência
de
como,
pela
má
compreensão
da
gramática
das
nossas
expressões,
somos
levados
a
pensar
numa
destas
a7irmações
em
particular
como
indicando
a
verdadeira
sede
da
atividade
do
pensamento.
Uma
objeção
que
se
pode
levantar
à
declaração
de
que
o
pensamento
é
algo
de
semelhante
a
uma
atividade
da
mão,
corresponde
à
a7irmação
de
que
o
pensamento
faz
parte
da
nossa
“experiência
privada”.
Não
é
material,
mas
um
evento
da
consciência
privada.
Esta
objeção
é
expressa
na
questão:
“uma
máquina
pode
pensar?”
Voltarei
a
referir-‐me
a
este
assunto,15
e
remeterei
vocês
agora
apenas
para
uma
questão
análoga:
“uma
máquina
pode
ter
dores
de
dentes?”
Vocês
certamente
se
sentirão
inclinados
a
responder:
“Uma
máquina
não
pode
ter
dores
de
dentes”.
Resta-‐me,
neste
momento,
chamar
a
atenção
para
o
uso
que
7izeram
da
palavra
“pode”
e
perguntar:
“Vocês
queriam
dizer
que
toda
a
experiência
passada
que
tiveram
mostrou
que
uma
máquina
nunca
deve
ter
dores
de
dentes?”
A
impossibilidade
de
que
falam
é
uma
impossibilidade
lógica.
A
questão
é:
Qual
é
a
relação
entre
o
pensamento
(ou
a
dor
de
dentes)
e
o
indivíduo
que
pensa,
tem
dor
de
dentes,
etc.?
De
momento
nada
mais
acrescentarei
sobre
este
assunto.
Se
dizemos
que
o
pensamento
é
essencialmente
uma
operação
com
signos,
a
primeira
questão
que
poderão
levantar
é:
“o
que
são
signos?”
-‐
Em
vez
de
dar
a
esta
questão
uma
resposta
geral
qualquer,
proporei
um
exame
atento
de
casos
particulares
do
que
chamaríamos
“operar
com
signos”.
Vamos
ver
um
exemplo
simples
de
operação
com
palavras.
Dou
a
alguém
a
ordem:
“Traga-‐me
seis
maçãs
do
merceeiro”,
e
descrevo
o
modo
como
executar
essa
ordem.
As
palavras
“seis
maçãs”
estão
escritas
num
pedaço
de
papel,
o
papel
é
entregue
ao
merceeiro,
o
14 Gordon Baker, em Wittgenstein’s Method escreve que essa a_irmação. “pensar é (a atividade
de)
operar
(ou
calcular)
com
signos”
é
“um
tema
recorrente
no
Livro
Azul
(uma
espécie
de
refrão)
e
é
igualmente
proeminente
em
seus
ditados
a
Waismann
no
início
dos
anos
30”.
15
Veja
a
página
47
para
mais
algumas
observações
sobre
este
tópico.
Editores.
17
merceeiro
compara
a
palavra
“maçã”
com
etiquetas
existentes
em
diferentes
prateleiras.
Ele
descobre
que
a
palavra
concorda
com
uma
das
etiquetas,
conta
de
1
até
o
número
escrito
na
tira
de
papel,
e
por
cada
número
[17]
tira
da
prateleira
um
fruto
e
põe
num
saco.
E
aqui
você
tem
um
caso
do
uso
de
palavras
[use
of
words].
De
futuro,
chamarei
muitas
vezes
a
vossa
atenção
para
aquilo
a
que
chamarei
jogos
de
linguagem
[language
games].
Estes
são
maneiras
mais
simples
de
usar
signos
do
que
as
da
nossa
linguagem
cotidiana
altamente
complicada.
Os
jogos
de
linguagem
são
as
formas
de
linguagem
com
as
quais
uma
criança
começa
a
fazer
uso
das
palavras.
O
estudo
de
jogos
de
linguagem
é
o
estudo
de
formas
primitivas
da
linguagem
ou
de
linguagens
primitivas.
Se
queremos
estudar
os
problemas
da
verdade
e
da
falsidade,
do
acordo
e
desacordo
de
proposições
com
a
realidade,
da
natureza
da
asserção,
da
suposição
e
da
interrogação,
teremos
toda
a
vantagem
em
examinar
as
formas
primitivas
da
linguagem
em
que
estas
formas
de
pensamento
surgem,
sem
o
pano
de
fundo
perturbador
de
processos
de
pensamento
muito
complicados.
Quando
examinamos
essas
formas
simples
de
linguagem,
a
névoa
mental
que
parece
encobrir
o
uso
habitual
da
linguagem
desaparece.
Descobrimos
atividades,
reações,
que
são
nítidas
e
transparentes.
Por
outro
lado,
reconhecemos,
nestes
processos
simples,
formas
de
linguagem
que
não
diferem
essencialmente
das
nossas
formas
mais
complicadas.
Vemos
a
possibilidade
de
construir
as
formas
complicadas
pela
adição
gradual
de
novas
formas
a
partir
das
formas
primitivas.
O
que
torna
di7ícil
seguir
esta
linha
de
investigação
é
o
nosso
desejo
de
generalidade
[our
craving
for
generality].
Este
desejo
de
generalidade
é
o
resultante
de
um
certo
numero
de
tendências
relacionadas
com
confusões
7ilosó7icas
particulares.
Por
exemplo
–
(a)
A
tendência
para
procurar
algo
de
comum
a
todas
as
entidades
que
geralmente
subsumimos
num
termo
geral.
-‐
Sentimo-‐nos,
por
exemplo,
inclinados
a
pensar
que
deve
existir
algo
de
comum
a
todos
os
jogos,
e
que
esta
propriedade
comum
é
a
justi7icação
para
a
aplicação
do
termo
geral
“jogo”
aos
diversos
jogos;
ao
passo
que
os
jogos
formam
uma
família
cujos
membros
tem
semelhanças.
Alguns
tem
o
mesmo
nariz,
outros
as
mesmas
sobrancelhas
e
outros
ainda
a
mesma
maneira
de
andar;
e
estas
semelhanças
sobrepõem-‐se.
A
idéia
de
um
conceito
geral,
como
uma
propriedade
comum
das
suas
ocorrências
particulares,
relaciona-‐se
com
outras
idéias
primitivas,
demasiado
simples,
da
estrutura
da
linguagem.
É
comparável
à
idéia
de
que
as
propriedades
são
ingredientes
das
coisas
que
as
possuem;
que
a
beleza
é,
por
exemplo,
um
ingrediente
de
todas
as
coisas
belas
tal
como
o
álcool
é
um
ingrediente
da
cerveja
e
do
vinho,
e
que
por
conseguinte
poderíamos
ter
a
beleza
pura,
sem
mistura
de
algo
belo.
(b)
Existe
uma
tendência
enraizada
nas
nossas
formas
de
expressão
habituais
[18]
para
pensar
que
a
pessoa
que
aprendeu
a
compreender
um
termo
18
geral,
por
exemplo,
o
termo
“folha”,
está,
desse
modo,
na
posse
de
uma
espécie
de
imagem
geral
de
uma
folha,
em
contraste
com
imagens
de
folhas
particulares.
Quando
ela
aprendeu
o
signi7icado
da
palavra
“folha”
foram-‐lhe
mostradas
diferentes
folhas
apenas
como
um
meio
para
atingir
a
7inalidade
de
produzir
“nela”
uma
idéia,
que
imaginamos
ser
uma
espécie
de
imagem
geral.
Dizemos
que
a
pessoa
percebe
o
que
é
comum
a
todas
estas
folhas,
e
isto
é
verdadeiro
se
queremos
dizer
que
elas
podem,
se
isso
lhe
for
pedido,
nos
indicar
certas
características
ou
propriedades
que
tem
em
comum.
Mas
sentimo-‐nos
inclinados
a
pensar
que
a
idéia
geral
de
uma
folha
é
algo
semelhante
a
uma
imagem
visual,
mas
uma
imagem
visual
que
apenas
contém
o
que
é
comum
a
todas
as
folhas
(a
fotogra7ia
composta
de
Galton).
Isto
está
de
novo
relacionado
com
a
idéia
de
que
o
signi7icado
de
uma
palavra
é
uma
imagem,
ou
um
objeto
correlacionados
com
a
palavra.
(isto
signi7ica,
grosseiramente,
que
consideramos
as
palavras
como
se
todas
elas
fossem
nomes
próprios,
e
que
confundimos,
por
isso,
o
objeto
nomeado
com
o
sentido
do
nome.)
(c)
A
idéia
que
temos
do
que
acontece
quando
obtemos
a
idéia
geral
“folha”,
“planta”,
etc.
etc.,
está
de
novo
relacionada
com
a
confusão
entre
um
estado
mental,
na
acepção
de
um
estado
de
um
hipotético
mecanismo
mental,
e
um
estado
mental
na
acepção
de
um
estado
de
consciência
(dor
de
dentes,
etc.).
(d)
o
nosso
desejo
de
generalidade
tem
uma
outra
fonte
importante:
a
nossa
preocupação
com
o
método
da
ciência.
Re7iro-‐me
ao
método
de
reduzir
a
explicação
dos
fenômenos
naturais
ao
menor
numero
possível
de
leis
naturais
primitivas
e,
na
matemática,
de
uni7icação
dos
diferentes
tópicos
por
meio
de
uma
generalização.
Os
7ilósofos
tem
sempre
presente
o
método
da
ciência
e
são
irresistivelmente
tentados
a
levantar
questões
e
a
responderem-‐lhes
do
mesmo
modo
que
a
ciência.16
Esta
tendência
é
a
verdadeira
fonte
da
meta7ísica,
e
leva
o
7ilósofo
a
total
obscuridade.
Quero
dizer
aqui
que
nunca
teremos
como
tarefa
reduzir
seja
o
que
for
a
qualquer
outra
coisa,
ou
explicar
seja
o
que
for.
A
7iloso7ia
é
na
verdade
“puramente
descritiva”.
(Pensem
em
questões
como
“existirão
dados
dos
sentidos?”
e
perguntem:
qual
o
método
a
utilizar
para
determinar
isto?
Introspecção?)
Em
vez
de
“desejo
de
generalidade»,
poderia
ter
também
referido
“a
atitude
de
desprezo
para
com
o
caso
particular”.
Se,
por
exemplo,
alguém
tenta
explicar
o
conceito
de
número
e
nos
diz
que
uma
determinada
de7inição
não
é
su7iciente
ou
é
grosseira
porque
apenas
se
aplica,
por
exemplo,
a
números
7initos,
eu
responder-‐lhe-‐ia
que
o
simples
fato
de
ele
ter
sido
capaz
de
apresentar
uma
tal
de7inição
limitada
torna
esta
de7inição
extremamente
importante
para
[19]
nós.
(A
elegância
não
é
o
que
procuramos
conseguir.)
E
porque
será
mais
interessante
para
nós
o
que
os
números
7initos
e
trans7initos
tem
em
comum
do
que
o
que
os
distingue?
Ou
antes,
não
deveria
ter
dito
16
Terceiro
grupo
de
ocorrência
de
“ciência”,
num
contexto
forte,
que
relaciona
meta_isica
e
obscuridade.
19
“porque
será
mais
interessante
para
nós?»
-‐
não
o
é;
e
isto
caracteriza
a
nossa
maneira
de
pensar.
A
atitude
para
com
o
mais
geral
e
o
mais
particular
em
lógica
está
relacionada
com
o
uso
da
palavra
“espécie”
[kind],
que
é
responsável
por
originar
confusões.
Falamos
de
espécies
de
números,
espécies
de
proposições,
espécies
de
demonstrações
e,
também,
de
espécies
de
maçãs,
espécies
de
papel,
etc.
Em
um
sentido,
o
que
de7ine
a
espécie
são
propriedades
como
a
doçura,
a
dureza,
etc.
No
outro,
as
diferentes
espécies
são
estruturas
gramaticais
diferentes.
Um
tratado
de
pomologia
pode
ser
considerado
incompleto
se
existirem
espécies
de
maçãs
a
que
ele
não
faz
referência.
Temos
aqui
um
padrão
de
completude
existente
na
natureza.
Suponhamos,
por
outro
lado,
que
existisse
um
jogo
semelhante
ao
xadrez,
mas
mais
simples,
dado
que
não
seriam
utilizados
peões.
Deveríamos
considerar
este
jogo
incompleto?
Ou
deveremos
considerar
um
jogo
mais
completo
do
que
o
xadrez
se
de
algum
modo
contiver
o
xadrez,
mas
acrescentando-‐lhe
novos
elementos?
O
desprezo
na
lógica
pelo
que
parece
ser
o
caso
menos
geral
deriva
da
idéia
de
que
ele
é
incompleto.
É
de
fato
originador
de
confusão
falar
da
aritmética
dos
números
cardinais
como
algo
de
especial
em
oposição
a
algo
mais
geral.
A
aritmética
dos
números
cardinais
não
mostra
qualquer
sinal
de
incompletude;
nem
tão
pouco
isso
acontece
com
uma
aritmética
que
é
cardinal
e
7inita.
(Não
existem
quaisquer
distinções
sutis
entre
as
formas
lógicas
como
as
que
existem
entre
os
sabores
de
diferentes
espécies
de
maçãs.)
.
Se
nós
estudamos
a
gramática,
por
exemplo,
das
palavras
“desejo”,
“pensamento”,
“compreensão”,
“signi7icado”,
não
7icaremos
descontentes
quando
tivermos
descrito
vários
casos
de
desejo,
pensamento,
etc.
Se
alguém
nos
disser
“não
é
só
a
isto,
com
toda
a
certeza,
que
chamamos
‘desejo’,”
responderemos
“de
fato
não,
mas
pode,
se
quiser,
construir
casos
mais
complicados”.
E,
no
7im
de
contas,
não
existe
uma
classe
de7inida
de
características
que
seja
aplicável
a
todos
os
casos
de
desejo
(pelo
menos
no
sentido
em
que
a
palavra
é
habitualmente
utilizada).
Se,
por
outro
lado,
você
quer
dar
uma
de7inição
de
desejo,
isto
é,
estabelecer
um
limite
nítido
para
o
uso
da
palavra
então
você
é
livre
para
faz
como
quiser;
mas
este
limite
nunca
será
inteiramente
coincidente
com
o
uso
real,
visto
que
este
uso
não
tem
um
limite
nítido.
A
idéia
de
que
para
tornar
claro
o
signi7icado
de
um
termo
geral
teríamos
que
descobrir
o
elemento
comum
a
todas
as
suas
aplicações,
estorvou
a
investigação
7ilosó7ica,
não
só
porque
não
conduziu
a
qualquer
resultado,
mas
também
porque
levou
a
que
os
7ilósofos
rejeitassem
como
irrelevantes
os
casos
concretos,
os
únicos
que
poderiam
tê-‐los
ajudado
a
compreender
o
uso
do
[20]
termo
geral.
Quando
Sócrates
faz
a
pergunta,
“o
que
é
o
conhecimento?”
ele
nem
sequer
considera
como
uma
resposta
preliminar
a
enumeração
de
casos
de
20
conhecimento.17
Se
eu
quisesse
saber
o
que
é
a
aritmética,
deveria
sentir-‐me
muito
satisfeito
por
ter
investigado
o
caso
de
uma
aritmética
cardinal
7inita,
porque:
(a)
isto
levar-‐me-‐ia
a
todos
os
casos
mais
complicados,
(b)
uma
aritmética
cardinal
7inita
não
é
incompleta,
não
tem
lacunas
que
possam
ser
preenchidas
pela
restante
aritmética.
Que
acontece,
se
entre
as
4
e
as
4.30,
A
espera
que
B
venha
ao
seu
quarto?
Num
certo
sentido
em
que
é
utilizada,
a
frase
“esperar
algo
entre
as
4
e
as
4.30”,
não
se
refere
a
um
processo
ou
estado
mental
que
se
desenrole
durante
esse
intervalo,
mas
a
um
grande
numero
de
atividades
e
estados
de
espírito
diferentes.
Se,
por
exemplo,
eu
espero
B
para
o
chá,
o
que
acontece
pode
ser
isto:
as
quatro
horas
olho
para
a
minha
agenda
e
vejo
o
nome
“B”
junto
da
data
de
hoje;
preparo
chá
para
dois;
penso
por
um
momento
“será
que
B
fuma?”
e
ponho
cigarros
à
vista;
por
volta
das
4.30
começo
a
sentir-‐me
impaciente;
imagino
qual
será
o
aspecto
de
B
quando
entrar
no
meu
quarto.
Tudo
isto
é
considerado
“esperar
B
entre
as
4
e
as
4.30”.
E
existem
variantes
in7indáveis
deste
processo
que
descrevemos
por
recurso
à
mesma
expressão.
Se
nos
perguntamos
o
que
tem
em
comum
os
diferentes
processos
de
esperar
alguém
para
o
chá,
a
resposta
é
a
de
que
não
há
uma
única
característica
comum
a
todos
eles,
embora
haja
como
que
uma
sobreposição
de
muitas
características
comuns.
Estes
casos
de
expectativa
formam
uma
família;
tem
semelhanças
familiares
que
não
se
encontram
claramente
de7inidas.
Existe
um
uso
totalmente
diferente
da
palavra
“expectativa”,
quando
ela
se
refere
a
um
“sentimento
particular”.
Este
uso
de
palavras
como
“desejo”,
“expectativa”,
etc.,
ocorre
facilmente.
Existe
uma
relação
óbvia
entre
este
uso
e
o
que
foi
anteriormente
descrito.
Não
há
dúvida
de
que,
em
muitos
casos,
se
esperamos
alguém,
no
primeiro
sentido,
algumas,
ou
todas,
as
atividades
descritas
são
acompanhadas
por
um
sentimento
peculiar,
uma
tensão;
e
é
natural
utilizar
a
palavra
“expectativa”
para
referir
esta
experiência
de
tensão.
Surge
agora
a
questão:
deverá
esta
sensação
ser
chamada
“a
sensação
de
expectativa”,
ou
“a
sensação
de
expectativa
pela
chegada
de
B”?
No
primeiro
caso,
dizer
que
nos
encontramos
em
um
estado
de
expectativa
não
descreve
totalmente,
de
modo
notório,
a
situação
de
estar
à
espera
de
que
isto
ou
aquilo
aconteça.
O
segundo
caso
é,
com
freqüência,
sugerido
irre7letidamente
como
uma
explicação
do
uso
da
expressão
“esperar
que
isto
ou
aquilo
aconteça”,
e
você
pode
até
pensar
que
com
esta
explicação
[21]
se
encontra
em
terreno
seguro,
visto
que
se
pode
responder
a
quaisquer
outras
questões
dizendo
que
a
sensação
de
expectativa
é
inde7inível.
Não
existe,
por
certo,
qualquer
objeção
a
chamar
a
uma
sensação
particular
“a
expectativa
pela
chegada
de
B”.
Poderão
até
existir
excelentes
razões
de
21
ordem
prática
para
usar
uma
tal
expressão.
Apenas
observe:
-‐
se
explicamos
o
sentido
da
expressão
“esperar
pela
chegada
de
B”
desta
maneira,
nenhuma
frase
que
seja
derivada
desta,
pela
substituição
de
“B”
por
um
outro
nome,
7ica,
com
isso,
explicada.
Pode
dizer-‐se
que
a
expressão
“esperar
pela
chegada
de
B”
não
é
um
valor
de
uma
função
do
tipo
“esperar
pela
chegada
de
x”.
Para
compreenderem
isto
comparem
o
nosso
caso
com
o
da
função
“eu
como
x”.
Compreendemos
a
proposição
“eu
como
uma
cadeira”
embora
não
nos
tenha
sido
especi7icamente
ensinado
o
sentido
da
expressão
“comer
uma
cadeira.”
O
papel
que,
no
nosso
caso
presente,
é
desempenhado
pelo
nome
“B”
na
expressão
“estou
à
espera
de
B”,
pode
ser
comparado
com
o
que
o
nome
“Bright”
desempenha
na
expressão
“a
doença
de
Bright”.18
Comparem
a
gramática
desta
palavra,
quando
ela
denota
um
tipo
particular
de
doença,
com
a
da
expressão
“a
doença
de
Bright”
quando
esta
se
refere
a
doença
que
Bright
tem.
Caracterizarei
a
diferença
dizendo
que
a
palavra
“Bright”
no
primeiro
caso
é
um
índice
no
nome
complexo
“a
doença
de
Bright”;
no
segundo
caso
chamar-‐lhe-‐ei
um
argumento
da
função
“a
doença
de
x”.
Pode
dizer-‐se
que
um
índice
alude
a
qualquer
coisa,
e
uma
tal
alusão
pode
ser
justi7icada
de
todas
as
maneiras
possíveis.
Nestes
termos,
chamar
a
uma
sensação
“a
expectativa
pela
chegada
de
B”
é
dar-‐lhe
um
nome
complexo
e
“B”
alude
possivelmente
ao
homem
cuja
chegada
tinha
nitidamente
sido
precedida
pela
sensação.
Podemos
de
novo
utilizar
a
expressão
“expectativa
pela
chegada
de
B”
não
como
um
nome
mas
como
uma
característica
de
certas
sensações.
Será
possível,
por
exemplo,
explicar
que
se
diz
que
uma
certa
tensão
é
uma
expectativa
pela
chegada
de
B,
se
ela
é
satisfeita
pela
chegada
de
B.
Se
é
assim
que
usamos
a
expressão,
então
será
correto
a7irmar
que
não
sabemos
o
que
esperamos
até
que
a
nossa
expectativa
tenha
sido
satisfeita
(cf.
Russell).
Mas
ninguém
pode
acreditar
que
esta
é
a
única
maneira,
ou
mesmo
a
maneira
mais
comum
de
usar
a
palavra
“esperar”.
Se
eu
perguntar
a
alguém
“de
quem
estás
à
espera?”
e
depois
de
obter
a
resposta
perguntar
de
novo
“tens
certeza
de
que
não
estás
a
espera
de
outra
pessoa?”,
então,
na
maior
parte
dos
casos,
esta
questão
seria
considerada
absurda
e
a
resposta
seria
algo
como
“devo,
sem
duvida,
saber
de
quem
estou
a
espera”.
Pode
caracterizar-‐se
o
sentido
que
Russell
dá
a
palavra
[22]
“desejo”
(wishing)
dizendo
que
ela
signi7ica
para
ele
uma
espécie
de
fome.
Considerar
que
uma
sensação
particular
de
fome
será
satisfeita
pela
ingestão
de
um
alimento
particular
constitui
uma
hipótese.
Na
maneira
de
usar
a
palavra
“desejo”,
que
é
própria
de
Russell,
não
faz
sentido
dizer
“desejava
uma
maçã
mas
7iquei
satisfeito
com
uma
pêra”.19
Mas,
de
fato,
fazemo-‐lo
as
vezes,
usando
a
palavra
“desejo”
de
uma
maneira
diferente
da
de
Russell.
Neste
sentido,
22
podemos
dizer
que
a
tensão
do
desejo
foi
mitigada
sem
que
o
desejo
tenha
sido
satisfeito;
e
também
que
o
desejo
foi
satisfeito
sem
que
a
tensão
tenha
sido
mitigada.
Isto
é,
posso,
neste
sentido,
7icar
insatisfeito
sem
que
o
meu
desejo
tenha
sido
satisfeito.
Ora,
poderíamos
sentir-‐nos
tentados
a
a7irmar
que
a
diferença
de
que
falamos
se
resume
simplesmente
ao
seguinte:
em
alguns
casos
sabemos
o
que
desejamos,
em
outros
não.
Existem,
certamente,
casos
em
que
dizemos
“sinto
um
desejo,
embora
não
saiba
o
que
desejo”
ou,
“sinto
um
receio,
mas
não
sei
o
que
receio”,
ou
ainda:
“sinto
medo,
mas
não
tenho
medo
de
algo
em
particular”.
Podemos
descrever
estes
casos
dizendo
que
temos
certas
sensações
que
não
se
referem
a
objetos.
A
frase
“que
não
se
referem
a
objetos”
introduz
uma
distinção
gramatical.
Se,
ao
caracterizar
tais
sensações,
utilizarmos
verbos
como
“recear”,
“desejar”,
etc.,
estes
verbos
serão
intransitivos;
“eu
receio”
será
análogo
a
“eu
choro”.
Podemos
chorar
por
causa
de
alguma
coisa,
mas
o
que
nos
leva
a
chorar
não
é
um
constituinte
do
processo
de
choro;
isto
é,
poderíamos
descrever
o
que
acontece
quando
choramos
sem
mencionar
o
que
nos
leva
a
chorar.
Suponham
agora
que
eu
sugerisse
o
uso
da
expressão
“eu
sinto
medo”,
e
de
expressões
semelhantes,
apenas
de
maneira
transitiva.
Em
lugar
de
dizermos,
como
o
fazíamos
antes,
“tenho
uma
sensação
de
medo”
(intransitivamente),
diremos
agora
“tenho
medo
de
algo,
mas
não
sei
de
que”.
Existirá
alguma
objeção
a
esta
terminologia?
Podemos
dizer:
“Não,
a
não
ser
que
estamos,
nesse
caso,
utilizando
a
palavra
‘saber’
de
uma
maneira
estranha”.
Considerem
este
caso:
-‐
temos
um
sentimento
impreciso
de
medo.
Mais
tarde,
acontece
algo
que
nos
leva
a
dizer,
“Agora
sei
do
que
tinha
medo.
Tinha
medo
de
que
isto
e
aquilo
acontecessem”.
Será
correto
descrever
o
meu
primeiro
sentimento
através
de
um
verbo
intransitivo,
ou
deveria
dizer
que
o
meu
medo
tinha
um
objeto
embora
eu
não
soubesse
que
isto
acontecia?
Ambas
estas
formas
de
descrição
podem
ser
utilizadas.
Para
compreenderem
isto
examinem
o
seguinte
exemplo:
-‐
pode
considerar-‐se
útil
chamar
a
um
certo
estado
de
apodrecimento
de
um
dente,
não
acompanhado
pelo
que
geralmente
chamamos
dor
de
dentes,
“dor
de
dentes
[23]
inconsciente”
e
usar
num
tal
caso
a
expressão
de
que
temos
dor
de
dentes,
mas
não
o
sabemos.
É
precisamente
neste
sentido
que
a
psicanálise
fala
de
pensamentos
inconscientes,
atos
de
vontade,
etc.
Ora,
será
que,
neste
sentido,
é
um
erro
dizer
que
tenho
dor
de
dentes
mas
que
não
o
sei?
Não
há
nada
de
mal
nisso,
dado
que
se
trata
unicamente
de
uma
nova
terminologia
que
pode
ser
em
qualquer
altura
traduzida
de
novo
para
a
linguagem
comum.
Por
outro
lado
a
palavra
“saber”
é
obviamente
usada
de
uma
maneira
nova.
Se
pretendem
examinar
o
modo
como
esta
expressão
é
usada,
será
útil
perguntarem
a
vocês
mesmos
[to
ask
yourself]
“com
que
se
parece,
neste
caso,
o
processo
de
vir
a
saber?”
“A
que
chamamos
‘vir
a
saber’
ou,
‘descobrir’?”
23
Não
é
errado,
de
acordo
com
a
nossa
nova
convenção,
dizer
“tenho
uma
dor
de
dentes
inconsciente”.
Que
mais
se
poderá
exigir
da
nossa
notação,
do
que
a
distinção
entre
um
mau
dente
que
não
nos
provoca
dor
de
dentes
e
um
mau
dente
que
o
faz?
Mas
a
nova
expressão
induz-‐nos
em
erro,
ao
evocar
imagens
e
analogias
que
nos
tornam
di7ícil
o
recurso
a
nossa
convenção.
E
é
extremamente
di7ícil
por
de
parte
estas
imagens,
a
menos
que
estejamos
constantemente
vigilantes;
particularmente
di7ícil
quando,
ao
7ilosofarmos,
contemplamos
o
que
dizemos
sobre
as
coisas
[contemplate
what
we
say
about
things].
Assim,
a
expressão
“dor
de
dentes
inconsciente”
pode,
ou
induzir-‐nos
erroneamente
a
pensar
que
foi
feita
uma
descoberta
formidável,
uma
descoberta
que
num
certo
sentido
confunde
completamente
a
nossa
compreensão;
ou
então,
poderemos
7icar
extremamente
perplexos
com
a
expressão
(a
perplexidade
da
7iloso7ia)
e
possivelmente
formularemos
uma
questão
do
tipo
“como
será
possível
uma
dor
de
dente
inconsciente?”
poderemos,
em
seguida,
sentir-‐nos
tentados
a
negar
a
possibilidade
da
dor
de
dentes
inconsciente;
mas
o
cientista 20
nos
dirá
que
ela
é
um
fato
comprovado
e
fará
isso
como
um
homem
que
está
destruindo
um
preconceito
vulgar.
Ele
dirá:
“De
fato
é
muito
simples;
existem
outras
coisas
que
vocês
não
conhecem,
e
também
pode
existir
uma
dor
de
dentes
que
vocês
não
conheçam.
É
uma
descoberta
recente”.
Não
7icaremos
satisfeitos,
mas
não
saberemos
o
que
responder.
Esta
situação
é
muito
comum
entre
o
cientista
e
o
7ilósofo.
Em
um
caso
destes
podemos
esclarecer
o
assunto
dizendo:
“Vejamos
como
são
utilizadas
neste
caso
as
palavras
‘inconsciente’,
‘saber’,
etc.
etc.,
e
como
são
utilizadas
noutros
casos”.
Até
que
ponto
se
mantém
a
analogia
entre
estes
usos?
Tentaremos
também
construir
novas
notações,
de
modo
a
quebrar
o
fascínio
daquelas
a
que
estamos
habituados.
Dissemos
que
perguntar
a
nós
mesmos
[to
ask
ourselves],
no
caso
particular
que
estamos
examinando,
a
que
chamamos
“vir
a
saber”,
era
uma
maneira
de
examinar
a
gramática
(o
uso)
da
palavra
“saber”.21
Há
uma
tentação
[24]
de
pensar
que
esta
questão
é
apenas
vagamente
pertinente,
se
é
que
chega
sequer
a
ser,
para
a
questão:
“qual
é
o
signi7icado
da
palavra
‘saber’?”
Parece
que
nos
afastamos
do
rumo
quando
colocamos
a
questão
“A
que
se
assemelha
neste
caso
‘vir
a
saber’?
Mas
esta
questão
é
na
verdade
uma
questão
sobre
a
gramática
da
palavra
‘saber’,
e
isto
torna-‐se
mais
evidente
se
a
apresentarmos
sob
a
forma:
“A
que
chamamos
‘vir
a
saber’?”
É
parte
da
gramática
da
palavra
“cadeira”
que
isto
é
o
que
chamamos
“sentar-‐se
numa
cadeira”,
e
é
parte
da
gramática
da
palavra
“signi7icado”
que
isto
é
o
que
chamamos
“explicação
de
um
21 Engelman (posição 3810) comenta esse trecho: “Gramática, no BB, é na maior parte das vezes
24
signi7icado”;22
da
mesma
maneira
que
explicar
o
meu
critério
do
que
é
uma
dor
de
dentes
de
outra
pessoa
consiste
em
dar
uma
explicação
gramatical
sobre
a
expressão
“dor
de
dentes”
e,
neste
sentido,
uma
explicação
respeitante
ao
sentido
da
expressão
“dor
de
dentes”.
Quando
aprendemos
o
uso
da
frase
“fulano
tem
dor
de
dentes”
foi-‐nos
chamada
a
atenção
para
certos
tipos
de
comportamento
daqueles
que
se
dizia
terem
dor
de
dentes.
Como
exemplo
destes
tipos
de
comportamento
consideremos
o
segurar-‐se
a
face.
Suponham
que
a
observação
me
levava
a
veri7icar
que
em
certos
casos
sempre
que
estes
primeiros
critérios
me
indicavam
que
uma
pessoa
tinha
dor
de
dentes
surgia-‐lhe
na
face
uma
mancha
vermelha.
Suponhamos
que
eu
digo
agora
a
alguém
“vejo
que
A
tem
dor
de
dentes,
tem
uma
mancha
vermelha
na
face”.
Ele
poderá
perguntar-‐me
“Como
sabe
que
A
tem
dor
de
dentes
quando
vê
uma
mancha
vermelha?”
Deveria,
nesse
caso,
realçar
o
fato
de
certos
fenômenos
terem
sempre
coincidido
com
o
aparecimento
da
mancha
vermelha.23
É
possível
prosseguir
e
perguntar:
“Como
sabe
que
ele
tem
dor
de
dentes
quando
segura
a
face?”
A
resposta
poderia
ser.
“Sei
que
ele
tem
dor
de
dentes
quando
segura
a
face
porque
seguro
a
face
quando
tenho
dor
de
dentes”.
Mas,
e
se
fosse
ainda
colocada
a
questão:
-‐
“E
qual
o
motivo
que
o
leva
a
supor
que
a
dor
de
dentes
corresponde
ao
fato
dele
segurar
a
face,
simplesmente
porque
a
sua
dor
de
dentes
corresponde
ao
fato
de
você
segurar
a
face?”
Vocês
se
sentirão
atrapalhados
para
responder
a
esta
pergunta
e
veri7icarão
que
aqui
chegamos
à
pedra
dura,
isto
é,
ter-‐se-‐ia
chegado
as
convenções
[here
we
strike
rock
bottom,
that
is
we
have
come
down
to
conventions].
(Se
sugerirem
como
resposta
a
última
questão
que,
sempre
que
viram
pessoas
a
segurarem
as
suas
faces
e
lhes
perguntarem
o
que
se
passava,
elas
responderam,
“tenho
dor
de
dentes”,
-‐
lembrem-‐se
de
que
esta
experiência
apenas
coordena
o
segurar
a
face
com
o
fato
de
pronunciar
certas
palavras.)
Introduzamos,
de
modo
a
evitar
certas
confusões
elementares,
dois
termos
antitéticos:
respondemos,
por
vezes,
a
questão
“Como
sabe
que
é
isto
que
se
passa?”
dando
‘critérios’
[criteria]
e
algumas
vezes
dando
[25]
‘sintomas’
[symptoms].
Se
a
ciência
médica
chama
angina
a
uma
in7lamação
provocada
por
um
bacilo
particular,
e
perguntamos
em
um
determinado
“porque
você
diz
que
este
homem
tem
anginas?”
então
a
resposta
“encontrei
o
bacilo
tal
no
seu
sangue”
nos
indica
o
critério
ou
aquilo
que
podemos
chamar
o
critério
de7inidor
da
angina.
Se,
por
outro
lado,
a
resposta
fosse,
“a
sua
garganta
está
in7lamada”,
isto
nos
daria
um
sintoma
da
angina.
Chamo
“sintoma”
a
um
fenômeno
que
aparece
de
acordo
com
a
experiência
junto
com
o
fenômeno
que
22 Passagem citada por Cora Diamond, no artigo “Losing your concepts”, na nota 19.
23
É
possível
que
estas
distinções
levem
em
conta
o
behaviorismo
de
Russell
no
cap.
III
de
Analysis
of
Mind.
25
é
o
nosso
critério
de
de7inição.24
Assim,
a7irmar
que
“um
homem
tem
anginas
se
este
bacilo
foi
nele
encontrado”
é
uma
tautologia,
ou
é
uma
maneira
pouco
exata
de
enunciar
a
de7inição
de
“angina”.
Mas
a7irmar,
“um
homem
tem
anginas
sempre
que
tem
a
garganta
in7lamada”
é
formular
uma
hipótese.25
Na
prática,
se
perguntassem
a
você
qual
dos
fenômenos
é
o
critério
de
de7inição
e
qual
é
um
sintoma,
você
seria,
na
maior
parte
dos
casos,
incapaz
de
responder
a
esta
questão
exceto
tomando
uma
decisão
ad
hoc
arbitrária.
Pode
ser
prático
de7inir
uma
palavra
adotando
como
critério
de
de7inição
um
fenômeno,
mas
facilmente
seremos
induzidos
a
de7inir
a
palavra
recorrendo
ao
que,
de
acordo
com
o
nosso
primeiro
uso,
era
um
sintoma.
Os
médicos
usam
nomes
de
doenças
sem
nunca
decidirem
quais
os
fenômenos
que
devem
ser
considerados
como
critérios
e
quais
como
sintomas;
e
isto
não
constitui
necessariamente
uma
falta
deplorável
de
clareza.
Devem
lembrar-‐se
de
que
não
utilizamos
geralmente
a
linguagem
de
acordo
com
regras
rigorosas
-‐
ela
também
não
nos
foi
ensinada
por
meio
de
regras
rigorosas.
Nós,
pelo
contrário,
nas
nossas
discussões,
comparamos
constantemente
a
linguagem
com
um
cálculo
que
obedece
a
regras
exatas.
Esta
é
uma
visão
muito
parcial
da
linguagem.
Na
prática,
usamos
muito
raramente
a
linguagem
como
um
cálculo
deste
tipo.
Não
só
não
pensamos
nas
regras
de
uso
-‐
nas
de7inições,
etc.
-‐
quando
utilizamos
a
linguagem,
como
também
não
somos
capazes
de,
na
maior
parte
dos
casos,
fornecer
essas
regras
quando
isso
nos
é
pedido.
Somos
claramente
incapazes
de
circunscrever
os
conceitos
que
utilizamos;
não
porque
desconheçamos
a
sua
verdadeira
de7inição,
mas
porque
não
existe
qualquer
“de7inição”
verdadeira
desses
conceitos.
Supor
a
sua
necessidade
seria
como
supor
que,
sempre
que
as
crianças
brincam
com
uma
bola,
jogam
um
jogo
de
acordo
com
regras
rigorosas.
Quando
falamos
da
linguagem
como
um
simbolismo
usado
num
calculo
exato,
o
que
temos
em
mente
pode
ser
encontrado
na
ciência
e
na
matemática.
Nosso
uso
comum
da
linguagem
[our
ordinary
use
of
language]
apenas
em
casos
raros
se
adapta
a
este
padrão
de
exatidão.
Por
que
então
comparamos
constantemente,
ao
7ilosofarmos,
o
nosso
uso
das
palavras
com
um
uso
que
obedece
a
regras
exatas?
[26]
A
resposta
reside
no
fato
de
os
enigmas
que
procuramos
eliminar
derivarem
sempre,
precisamente,
desta
atitude
para
com
a
linguagem.
24 Esta passagem é citada por Ernst Tugendhat em “Wittgenstein II: a saída da campanula”. Para
o
entendimento
que
W
tem
das
proposições
“ele-‐f”
é
fundamental
o
conceito
de
critério,
que
é
apresentado
nas
IF
(§580)
e
esclarecida
no
Blue
Book,
que
Tugendhat
considera
como
o
único
lugar
na
obra
dele
onde
o
tema
é
“minuciosamente”
exposto.
O
conceito
de
critério
é
antitético
ao
de
sintoma.
Na
prática
não
são
rigorosamente
separados.
25
Segundo
John
Cook,
“Los
Seres
Humanos”
(nos
Estudios
sobre
la
FilosoFia
de
W.)
é
aqui,
nas
páginas
24
e
25,
que
W.
Introduz
pela
primeira
vez
os
termos
‘sintoma’
e
‘criterio’
para
“evitar
certas
confusões
elementares”.
26
Considerem
como
um
exemplo
a
pergunta
“o
que
é
o
tempo?”,
tal
como
foi
formulada
por
Santo
Agostinho
e
outros.
A
primeira
vista,
o
que
esta
questão
pede
é
uma
de7inição,
mas,
nesse
caso,
levanta-‐se
imediatamente
a
questão:
“o
que
ganharíamos
com
uma
de7inição
se
ela
apenas
nos
pode
conduzir
a
outros
termos
não
de7inidos?”
E
por
que
motivo
deveríamos
7icar
perplexos
com
a
falta
de
uma
de7inição
de
tempo,
e
não
com
a
falta
de
uma
de7inição
de
“cadeira”?
Por
que
motivo
não
deveríamos
7icar
perplexos
em
todos
os
casos
em
que
não
temos
uma
de7inição?
Ora,
uma
de7inição
esclarece
com
freqüência
a
gramática
de
uma
palavra.
E,
de
fato,
é
a
gramática
da
palavra
“tempo”
que
nos
deixa
perplexos.
Nós
apenas
expressamos
esta
perplexidade
ao
formular
uma
questão
um
pouco
enganadora,
a
questão:
“o
que
é...?”
Esta
questão
é
uma
expressão
de
falta
de
clareza,
de
mal-‐estar
mental,
e
é
comparável
a
questão
“por
que?”
que
as
crianças
repetem
tão
frequentemente.
Também
esta
é
uma
expressão
de
um
mal-‐estar
mental,
e
não
pede
necessariamente
quer
uma
causa,
quer
uma
razão.
(Hertz,
Princípios
de
Mecânica.)
Ora,
a
perplexidade
sobre
a
gramática
da
palavra
“tempo”
provém
do
que
se
poderia
chamar
as
contradições
aparentes
dessa
gramática.
Foi
uma
dessas
“contradições”
que
embaraçou
Santo
Agostinho
quando
argumentou:
Como
é
possível
a
medição
do
tempo?
O
passado
não
pode
ser
medido,
porque
passou,
e
o
futuro
não
pode
ser
medido
porque
ainda
não
existe.
E
o
presente
não
pode
ser
medido
porque
não
tem
extensão.
A
contradição
que
aqui
parece
notar-‐se
poderia
ser
considerada
um
con7lito
entre
dois
usos
diferentes
de
uma
palavra,
neste
caso
a
palavra
“medir”.
Poderíamos
dizer
que
Santo
Agostinho
pensa
no
processo
de
medição
de
um
comprimento:
por
exemplo,
a
distância
entre
duas
marcas
numa
7ita
que
se
desenrola
perante
nós
e
da
qual
apenas
podemos
ver
um
minúsculo
fragmento
(o
presente).
A
resolução
deste
enigma
consistirá
na
comparação
daquilo
a
que
nos
referimos
por
“medição”
(a
gramática
da
palavra
“medição”),
quando
a
aplicamos
a
uma
distância
numa
7ita,
com
a
gramática
da
palavra
quando
esta
é
aplicada
ao
tempo.
O
problema
pode
parecer
simples,
mas
a
sua
extrema
di7iculdade
deve-‐se
ao
fascínio
que
a
analogia
entre
duas
estruturas
semelhantes
na
nossa
linguagem
pode
exercer
sobre
nós.
(É
útil
lembrar
aqui
que
as
vezes
é
quase
impossível
a
uma
criança
acreditar
que
uma
palavra
pode
ter
dois
sentidos.)
Torna-‐se
agora
claro
que
este
problema
sobre
o
conceito
de
tempo
exige
uma
resposta
sob
a
forma
de
regras
rigorosas.
O
enigma
refere-‐se
a
regras.
Considerem
um
outro
exemplo:
a
pergunta
de
Sócrates
“o
que
é
o
[27]
conhecimento?”
Aqui
o
caso
é
ainda
mais
claro,
dado
que
a
discussão
se
inicia
com
a
apresentação,
pelo
aluno,
de
um
exemplo
de
uma
de7inição
rigorosa
sendo
em
seguida
pedida
uma
de7inição
análoga
da
palavra
“conhecimento”.
Tal
como
o
problema
é
posto,
parece
haver
algo
de
errado
com
o
uso
comum
da
palavra
“conhecimento”.
Parece
que
não
sabemos
o
que
ela
signi7ica
e
que,
por
conseqüência,
não
temos,
possivelmente,
o
direito
de
a
utilizar.
Deveríamos
27
responder:
“Não
existe
um
uso
rigoroso
único
da
palavra
‘conhecimento’;
mas
podemos
produzir
vários
usos
semelhantes,
que
concordarão
mais
ou
menos
com
as
maneiras
como
a
palavra
é
realmente
utilizada”.
O
homem
que
se
encontra
7iloso7icamente
perplexo
descobre
uma
lei
na
maneira
como
utilizamos
uma
palavra,
e,
ao
tentar
aplicar
esta
lei
de
modo
consistente,
confronta-‐se
com
casos
em
que
ela
o
conduz
a
resultados
paradoxais.
O
modo
como
se
processa
a
discussão
de
um
tal
enigma
é
frequentemente
este:
em
primeiro
lugar,
formula-‐se
a
questão
“o
que
é
o
tempo?”
Esta
questão
faz
que
pareça
que
pretendemos
uma
de7inição.
Pensamos
erradamente
que
uma
de7inição
será
o
que
permitirá
afastar
a
di7iculdade
(como
em
certos
casos
de
indigestão
sentimos
uma
espécie
de
fome
que
não
pode
ser
eliminada
comendo).
Responde-‐se
então
a
questão
através
de
uma
de7inição
errada;
por
exemplo:
“o
tempo
é
o
movimento
dos
corpos
celestes”.
O
passo
seguinte
consiste
em
aperceber-‐nos
de
que
esta
de7inição
não
é
satisfatória.
Mas
isto
apenas
signi7ica
que
não
usamos
a
palavra
“tempo”
como
se
ela
fosse
sinônima
de
“movimento
dos
corpos
celestes”.
Todavia,
ao
a7irmarmos
que
a
primeira
de7inição
é
errada,
somos
imediatamente
tentados
a
pensar
que
devemos
substituí-‐la
por
outra
diferente,
a
de7inição
correta.
Comparem
com
isto
o
caso
da
de7inição
de
número.
Aqui,
a
explicação
de
que
um
número
é
o
mesmo
que
um
numeral
satisfaz
esse
primeiro
desejo
de
uma
de7inição.
E
é
muito
di7ícil
não
perguntar:
“Então,
se
não
é
um
numeral,
o
que
é?”
A
7iloso7ia,
tal
como
usamos
a
palavra,
é
uma
luta
contra
o
fascínio
que
as
formas
de
expressão
exercem
sobre
nós.
Lembrem-‐se
de
que
as
palavras
tem
os
signi7icados
que
lhes
demos;
e
damos-‐lhes
signi7icados
através
de
explicações.
Posso
ter
apresentado
uma
de7inição
de
uma
palavra
e
ter
utilizado
a
palavra
de
acordo
com
essa
de7inição,
ou
os
que
me
ensinaram
a
usar
a
palavra
podem
ter-‐me
dado
a
explicação.
Ou
ainda,
podemos
querer
referir-‐nos,
por
“explicação
de
uma
palavra”,
a
explicação
que
estaremos
prontos
a
dar,
se
ela
nos
for
pedida.
Isto
é,
se
estivermos
prontos
a
dar
qualquer
explicação;
na
maior
parte
dos
casos
isso
não
acontece.
Assim,
neste
sentido,
são
muitas
as
palavras
que
não
tem
um
signi7icado
preciso.
Mas
isto
não
é
um
defeito.
Pensar
o
contrário
seria
como
a7irmar
que
a
luz
da
minha
lâmpada
de
cabeceira
não
é
uma
luz
verdadeira
porque
não
tem
um
limite
bem
de7inido.
Os
7ilósofos
falam
muito
frequentemente
de
investigar,
analisar,
[28]
o
signi7icado
das
palavras.
Mas
não
nos
esqueçamos
que
uma
palavra
não
tem
um
signi7icado
que
lhe
tenha
sido
dado,
por
assim
dizer,
por
um
poder
independente
de
nós,
para
que
possa
proceder-‐se
a
uma
espécie
de
investigação
cientí7ica
sobre
o
que
a
palavra
realmente
signi7ica.
Uma
palavra
tem
o
signi7icado
que
lhe
foi
dado
por
alguém.
28
Existem
palavras
com
vários
signi7icados
claramente
de7inidos.
É
fácil
classi7icar
esses
signi7icados.
E
existem
palavras
das
quais
se
poderia
dizer
que
são
usadas
de
mil
maneiras
diferentes
que,
gradualmente,
se
fundem
umas
nas
outras.
Não
é
de
admirar
que
não
possamos
formular
regras
precisas
para
o
seu
uso.
É
um
erro
a7irmar
que
em
7iloso7ia
consideramos
uma
linguagem
ideal
em
oposição
à
nossa
linguagem
comum.
Pois
isto
faz
parecer
que
nós
pensamos
que
poderíamos
melhorar
a
linguagem
comum.
Mas
a
linguagem
comum
está
bem
[For
this
makes
it
appear
as
though
we
thought
we
could
improve
on
ordinary
language.
But
ordinary
language
is
all
right].
Sempre
que
produzimos
“linguagens
ideais”
não
o
fazemos
para
substituir
a
nossa
linguagem
comum
por
elas,
mas
apenas
para
eliminar
alguns
problemas
que
decorrem
do
fato
de
alguém
pensar
que
entrou
na
posse
do
uso
exato
de
uma
palavra
usual
[common].
E
também
por
esse
motivo
que
o
nosso
método
não
consiste
apenas
na
enumeração
de
usos
efetivos
de
palavras,
mas
antes
na
invenção
deliberada
de
novos
usos,
alguns
dos
quais
por
causa
da
sua
aparência
absurda.
Quando
dizemos
que
com
o
nosso
método
tentamos
contrariar
o
efeito
enganador
de
certas
analogias,
é
importante
que
compreendam
que
a
idéia
da
analogia
como
fonte
de
erros
não
é
algo
nitidamente
de7inido.
É
impossível
precisar
com
nitidez
os
casos
em
que
poderíamos
dizer
que
alguém
foi
induzido
em
erro
por
uma
analogia.
O
uso
de
expressões
construídas
com
base
em
padrões
analógicos
realça
analogias
entre
casos
frequentemente
bastante
distintos.
Ao
fazê-‐lo,
estas
expressões
podem
ser
extremamente
úteis.
É
impossível,
na
maior
parte
dos
casos,
mostrar
um
ponto
exato
onde
uma
analogia
começa
a
induzir-‐nos
em
erro.
Todas
as
notações
particulares
realçam
um
ponto
de
vista
particular.
Se,
por
exemplo,
chamamos
as
nossas
investigações
“7iloso7ia»,
este
rótulo,
por
um
lado,
parece
apropriado
e,
por
outro,
tem
seguramente
induzido
as
pessoas
em
erro.
(Poderíamos
dizer
que
o
assunto
com
que
nos
ocupamos
é
um
dos
herdeiros
do
que
costumava
ser
chamado
de
“7iloso7ia”.) 26
Os
casos
em
que
desejamos
particularmente
a7irmar
que
alguém
é
induzido
em
erro
por
uma
forma
de
expressão
são
aqueles
em
que
diríamos:
“ele
não
falaria
desta
maneira
se
tivesse
conhecimento
desta
diferença
na
gramática
de
tais
e
tais
palavras,
ou
se
tivesse
conhecimento
desta
outra
possibilidade
de
expressão”
e
assim
por
diante.
Assim,
podemos
dizer,
sobre
alguns
matemáticos
com
inclinações
7ilosó7icas,
que
eles
não
estão
evidentemente
cientes
da
diferença
existente
entre
os
usos
muitos
diversos
da
palavra
“prova”
([proof];
e
que
eles
não
esclareceram
[29]
a
diferença
entre
os
usos
da
palavra
“espécie”,
quando
falam
de
espécies
de
números,
espécies
de
demonstrações,
como
se
a
palavra
“espécie”
signi7icasse
aqui
o
mesmo
que
no
contexto
“espécies
de
maçãs”.
Ou
podemos
dizer
que
eles
não
tem
conhecimento
dos
diferentes
signiFicados
da
palavra
“descoberta”,
quando
num
caso
falamos
da
29
descoberta
da
construção
do
pentágono
e,
no
outro
caso,
da
descoberta
do
Pólo
Sul.
Ora,
quando
distinguimos
um
uso
transitivo
e
um
uso
intransitivo
de
palavras
como
“desejar”,
“recear”,
“esperar”,
etc.,
dissemos
que
era
possível
a
alguém
tentar
remover
as
nossas
di7iculdades
dizendo:
“a
diferença
entre
os
dois
casos
consiste
simplesmente
no
fato
de
que
num
caso
sabemos
o
que
desejamos
e
noutro
não”.
Penso
que
quem
diz
isto
não
vê,
obviamente,
que
a
diferença
que
tentava
explicar
reaparece
quando
consideramos
cuidadosamente
o
uso
da
palavra
“saber”,
no
primeiro
e
no
segundo
casos.
A
expressão
“a
diferença
consiste
simplesmente...”
faz
que
o
caso
pareça
ter
sido
analisado
e
encontrado
uma
simples
análise;
como
quando
chamamos
a
atenção
para
o
fato
de
duas
substancias
com
nomes
muito
diferentes
mal
se
distinguirem
no
que
respeita
as
suas
composições.
Dissemos,
neste
caso,
que
poderíamos
utilizar
as
expressões:
“sentimos
um
desejo”
(em
que
“desejo”
é
usado
intransitivamente)
e
“sentimos
um
desejo
mas
não
sabemos
o
que
desejamos”.
Pode
parecer
estranho
dizer
que
podemos
utilizar
corretamente
qualquer
uma
das
duas
formas
de
expressão
que
parecem
contradizer-‐se,
mas
tais
casos
são
muito
freqüentes.
Utilizemos
o
exemplo
que
se
segue
para
esclarecer
este
assunto.
Dizemos
que
a
equação
x2=-‐1
tem
solução
±√-‐
1.
Durante
muito
tempo
a7irmou-‐se
que
esta
equação
não
tinha
solução.
Quer
esta
a7irmação
concorde,
quer
não,
com
a
que
se
referia
as
soluções,
ela
não
tem
seguramente
a
sua
multiplicidade.
Mas
facilmente
lhe
poderemos
dar,
dizendo
que
uma
equação
x2
+
ax
+
b
=
O
não
tem
uma
solução,
mas
se
aproxima
α
da
solução
mais
próxima
que
é
β.
De
modo
anáIogo,
podemos
dizer
ou
que
“uma
linha
reta
intercepta
sempre
um
círculo;
por
vezes
em
pontos
reais,
por
vezes
em
pontos
complexos»,
ou,
que
“uma
linha
reta
pode,
quer
interceptar
um
círculo,
quer
não,
mantendo-‐se
a
uma
distância
a
dele».
Estas
duas
a7irmações
signi7icam
exatamente
o
mesmo.
Serão
mais
ou
menos
satisfatórias
de
acordo
com
o
ponto
de
vista
com
que
forem
consideradas.
Pode
pretender-‐se
tomar
a
diferença
entre
a
intersecção
e
a
não-‐
intersecção
tão
pouco
notada
quanto
possível.
Ou,
por
outro
lado,
pode
pretender-‐se
realçá-‐la,
sendo
quer
uma,
quer
outra
das
tendências
justi7icável,
por
exemplo
por
razões
práticas
particulares.
Mas
esta
pode
não
ser
a
razão
para
a
preferência
por
uma
forma
de
expressão
em
detrimento
da
outra.
A
preferência
[30]
por
uma
forma,
ou
mesmo
a
existência
de
uma
preferência,
dependem
frequentemente
de
tendências
gerais
do
seu
pensamento,
profundamente
enraizadas.
(Deveríamos
dizer
que
há
casos
em
que
um
homem
despreza
outro
e
não
o
sabe;
ou
deveríamos
descrever
tais
casos
dizendo
que
ele
não
o
despreza,
mas
se
comporta
não
intencionalmente
para
com
ele
de
uma
maneira
-‐
fala-‐lhe
com
um
tom
de
voz,
etc.
-‐
que
habitualmente
manifestaria
desprezo?
Ambas
as
30
formas
de
expressão
estão
corretas,
mas
podem
revelar
diferentes
tendências
da
mente.)
Regressemos
ao
exame
da
gramática
das
expressões
“desejar”,
“esperar”,
“ansiar
por”,
etc.
e
consideremos
o
caso
extremamente
importante
em
que
a
expressão,
“desejo
que
isto
e
aquilo
aconteça”
é
a
descrição
direta
de
um
processo
da
consciência,
isto
é,
o
caso
em
que
nos
sentiríamos
inclinados
a
responder
a
questão
“Tem
certeza
que
é
isto
o
que
deseja?”
dizendo
“Devo
certamente
saber
o
que
desejo”.
Comparem
agora
esta
resposta
com
a
que
a
maior
parte
de
nós
daria
à
questão:
“Vocês
conhecem
o
abecê?”
A
a7irmação
enfática
de
que
o
conhecem
terá
um
sentido
análogo
ao
da
asserção
anterior?
De
uma
certa
maneira
ambas
as
asserções
ignoram
a
questão.
Mas
a
primeira
não
pretende
dizer
“sei
com
toda
a
certeza
uma
coisa
tão
simples
como
esta”,
mas
antes:
“a
questão
que
me
coloca
não
faz
qualquer
sentido”.
Poderíamos
dizer
que
adotamos
neste
caso
um
método
errado
para
por
de
lado
a
questão.
“Evidentemente
que
o
sei”
poderia
ser
aqui
substituído
por
“evidentemente,
não
há
qualquer
dúvida”,
que
seria
interpretado
como
querendo
dizer
que
“não
faz
qualquer
sentido,
neste
caso,
falar
de
dúvidas”.
Deste
modo,
a
resposta
“evidentemente
que
sei
o
que
desejo”
pode
ser
interpretada
como
um
enunciado
gramatical.
O
mesmo
se
passa
quando
perguntamos
“este
quarto
tem
um
comprimento?”,
e
alguém
responde:
“claro
que
sim”.
A
pessoa
poderia
ter
respondido:
“não
faças
perguntas
sem
sentido”.
Por
outro
lado
“o
quarto
tem
comprimento”
pode
ser
utilizado
como
um
enunciado
gramatical.
Nesse
caso,
ele
quer
dizer
que
uma
frase
com
a
forma
“o
quarto
tem
___
metros
de
comprimento”
faz
sentido.
Um
grande
número
de
di7iculdades
7ilosó7icas
está
relacionado
com
esse
sentido
(sense)
das
expressões
“desejar”,
“pensar”,
etc.,
que
estamos
agora
considerando.
Elas
podem
ser
resumidas
na
questão:
“como
podemos
pensar
o
que
não
é
o
caso?”
Este
é
um
belo
exemplo
de
uma
pergunta
7ilosó7ica.
Ela
pergunta
“como
se
pode...?”
e,
enquanto
isso
nos
intriga,
devemos
admitir
que
não
há
nada
mais
fácil
do
que
pensar
no
que
não
é
o
caso.
Quer
dizer,
isto
mostra-‐nos
de
novo
que
a
di7iculdade
com
que
nos
debatemos
não
deriva
da
nossa
incapacidade
para
imaginar
como
se
pensa
em
qualquer
coisa;
assim
como
a
[31]
di7iculdade
7ilosó7ica
sobre
a
medição
do
tempo
não
derivava
da
nossa
incapacidade
para
imaginar
como
o
tempo
era
na
realidade
medido.
Eu
digo
isto
porque
as
vezes
quase
parece
que
as
nossas
di7iculdades
se
resumiam
a
di7iculdade
em
nos
lembrar
exatamente
do
que
aconteceu
quando
pensamos
em
algo,
a
uma
di7iculdade
de
introspecção,
ou
algo
desse
tipo;
quando
na
realidade
elas
derivam
do
fato
de
olhar
para
os
fatos
através
de
uma
forma
de
expressão
enganadora.
31
“Como
se
pode
pensar
no
que
não
é
o
caso?
Se
eu
penso
que
a
Faculdade
Real
está
incendiando,
quando
ela
não
está
incendiando,
o
fato
dela
estar
incendiando
não
existe.
Então
como
posso
pensá-‐lo?
Como
podemos
enforcar
um
ladrão
que
não
existe?”
A
nossa
resposta
poderia
assumir
a
seguinte
forma:
“não
posso
enforcá-‐lo
quando
ele
não
existe;
mas
posso
procurá-‐lo
quando
ele
não
existe”.
Somos
aqui
enganados
pelos
substantivos
“objeto
do
pensamento”
e
“fato”,
e
pelos
diferentes
signi7icados
da
palavra
“existir”.
Falar
do
fato
como
um
“complexo
de
objetos”
deriva
desta
confusão
(cf.
Tractatus
Logico-‐philosophicus).
Suponhamos
a
pergunta:
“Como
se
pode
imaginar
o
que
não
existe?”
A
resposta
parece
ser:
“Se
o
fazemos,
imaginamos
combinações
não
existentes
de
elementos
existentes”.
Um
centauro
não
existe,
mas
a
cabeça,
o
tronco
e
os
braços
de
um
homem
e
as
patas
de
um
cavalo
existem.
“Mas
não
poderemos
imaginar
um
objeto
completamente
diferente
de
qualquer
um
existente?”
–
Nos
sentiríamos
inclinados
a
responder:
“Não,
os
elementos,
os
particulares,
devem
existir.
Se
a
vermelhidão,
a
rotundidade
e
a
doçura
não
existissem,
não
as
poderíamos
imaginar”.
Mas
o
que
você
dizer
com
“a
vermelhidão
existe”?
O
meu
relógio
existe,
se
não
foi
reduzido
a
pedaços,
se
não
foi
destruído.
A
que
chamaríamos
“destruir
a
vermelhidão”?
Poderíamos
evidentemente
referir-‐nos
a
destruição
de
todos
os
objetos
vermelhos;
mas
seria
impossível,
por
esse
motivo,
imaginar
um
objeto
vermelho?
Suponhamos
que
se
respondesse
a
isto
da
seguinte
forma:
“Mas
certamente
que
devem
ter
existido
objetos
vermelhos
e
você
deve
tê-‐los
visto,
uma
vez
que
é
capaz
de
os
imaginar”?
-‐
Mas
como
sabe
que
as
coisas
se
passam
deste
modo?
Suponha
que
eu
dissesse
“uma
pressão
exercida
sobre
a
sua
pupila
produz
uma
imagem
vermelha”.
Não
poderia
ter
sido
este
o
modo
como
inicialmente
você
se
familiarizou
com
a
cor
vermelha?
E
por
que
motivo
não
terá
sido
apenas
imaginando
uma
mancha
vermelha?
(A
di7iculdade
que
poderão
experimentar
aqui
tem
de
ser
discutida
mais
tarde.27)
Podemos
agora
sentir-‐nos
inclinados
a
dizer:
“Uma
vez
que
o
fato
que
tornaria
verdadeiro
o
nosso
pensamento,
caso
existisse,
nem
sempre
existe,
ele
não
é
o
fato
que
nós
pensamos”.
Mas
isto
apenas
depende
do
modo
como
eu
desejo
utilizar
a
palavra
[32]
“fato”.
Posso
dizer:
“Acredito
no
fato
da
Faculdade
estar
incendiando”
é
apenas
uma
maneira
desajeitada
de
dizer:
“Acredito
que
a
Faculdade
está
incendiando”.
Dizer
“não
é
no
fato
que
acreditamos”,
é
o
resultado
de
uma
confusão.
Pensamos
que
estamos
dizendo
algo
como:
“o
que
comemos
é
o
açúcar
e
não
a
cana-‐de-‐açúcar”,
“o
que
está
pendurado
no
corredor
é
o
retrato
do
Sr.
Smith
e
não
o
próprio
Sr.
Smith”.
32
O
próximo
passo
que
nos
sentimos
inclinados
a
dar
é
pensar
que
como
o
objeto
do
nosso
pensamento
não
é
o
fato,
ele
é
uma
sombra
do
fato.
Existem
diversos
nomes
para
esta
sombra,
por
exemplo,
“proposição”,
“sentido
da
frase”.
Mas
isto
não
faz
desaparecer
a
nossa
di7iculdade.
A
questão
é
agora
“como
é
que
algo
pode
ser
uma
sombra
de
um
fato
que
não
existe?”
Posso
expressar
o
nosso
embaraço
de
uma
forma
diferente
dizendo:
“Como
podemos
saber
do
que
é
que
a
sombra
é
sombra?”
-‐
A
sombra
seria
uma
espécie
de
retrato;
por
conseguinte,
posso
apresentar
de
novo
o
nosso
problema
perguntando:
“o
que
faz
com
que
um
retrato
seja
um
retrato
do
Sr.
N?”
A
primeira
resposta
que
nos
pode
ocorrer
ao
espírito
é:
“A
semelhança
entre
o
retrato
e
o
Sr.
N”.
Esta
resposta
mostra
de
fato
o
que
tínhamos
em
mente
quando
falamos
da
sombra
de
um
fato.
É
perfeitamente
claro,
contudo,
que
a
semelhança
não
constitui
a
nossa
idéia,
porque
a
possibilidade
de
se
falar
de
um
bom
ou
de
um
mau
retrato
faz
parte
da
essência
desta
idéia,
por
outras
palavras,
é
essencial
que
a
sombra
seja
capaz
de
representar
as
coisas
como
elas,
de
fato,
não
são.
Uma
resposta
óbvia
e
correta
para
a
questão:
“o
que
faz
que
o
retrato
seja
o
retrato
de
fulano?”
é
que
é
a
intenção.
Mas,
se
queremos
saber
o
que
signi7ica
“ter
a
intenção
de
que
este
seja
o
retrato
de
fulano”,
vejamos
o
que
realmente
acontece
quando
temos
esta
intenção.
Recordem
a
ocasião
em
que
falamos
do
que
acontecia
quando
esperávamos
alguém
das
quatro
às
quatro
e
meia.
Ter
a
intenção
de
que
uma
imagem
seja
um
retrato
de
fulano
(v.g.
da
parte
do
pintor)
não
é
nem
um
estado
de
espírito
particular
nem
um
processo
mental
particular.
Mas
existe
um
grande
número
de
combinações
de
ações
e
estados
de
espírito
a
que
chamaríamos
“ter
a
intenção
de...”
Poderia
ter
acontecido
que
eu
lhe
tivesse
dito
para
pintar
um
retrato
de
N,
que
ele
se
tivesse
sentado
em
frente
de
N
e
executado
certas
ações
a
que
chamamos
“copiar
a
cara
de
N”.
Poderia
se
objetar
a
isto
dizendo
que
a
essência
da
ação
de
copiar
é
a
intenção
de
copiar.
Eu
responderia
que
existe
um
grande
número
de
processos
diferentes
a
que
chamamos
“copiar
algo”.
Tomemos
um
exemplo.
Traço
uma
elipse
numa
folha
de
papel
e
peço-‐vos
para
copiar.
O
que
caracteriza
o
processo
de
copiar?
É
claro
que
não
é
o
fato
de
desenhar
uma
[33]
elipse
semelhante.
Poderiam
ter
tentado
copiá-‐la
sem
êxito;
ou
poderiam
ter
traçado
uma
elipse
com
uma
intenção
completamente
diferente
e
ocasionalmente
ela
ser
semelhante
à
que
deveriam
ter
copiado.
Então
o
que
fazem
vocês
quando
tentam
copiar
a
elipse?
Bem,
olham
para
ela,
desenham
algo
num
pedaço
de
papel,
talvez
meçam
o
que
acabaram
de
desenhar,
talvez
o
amaldiçoem,
se
descobrirem
que
não
corresponde
ao
modelo;
ou
talvez
digam
“vou
copiar
esta
elipse”
e
desenhem
apenas
uma
elipse
igual
a
ela.
Existe
uma
variedade
interminável
de
ações
e
palavras,
que
tem
entre
si
uma
semelhança
de
família
e
a
que
chamamos
“tentar
copiar”.
33
Suponham
que
disséssemos
que
“o
fato
de
uma
pintura
ser
um
retrato
de
um
objeto
particular
consiste
em
ter
sido
obtida
a
partir
desse
objeto
de
uma
maneira
especí7ica”.
De
fato,
é
fácil
descrever
o
que
chamaríamos
processos
de
obtenção
de
uma
imagem
a
partir
de
um
objeto
(falando
de
uma
maneira
geral,
processos
de
projeção):
mas
há
uma
di7iculdade
peculiar
em
admitir
que
um
processo
desse
tipo
seja
o
que
chamamos
“representação
intencional”,
visto
que,
seja
qual
for
o
processo
(atividade)
de
projeção
que
possamos
descrever,
existe
uma
maneira
de
reinterpretar
esta
projeção.
Por
conseqüência
–
é-‐se
tentado
a
a7irmar
-‐
um
tal
processo
nunca
pode
ser
a
própria
intenção.
Poderíamos
sempre
ter
tido
como
intenção
o
oposto,
ao
reinterpretar
o
processo
de
projeção.
Imaginem
o
seguinte
caso:
damos
a
alguém
uma
ordem
para
andar
numa
certa
direção,
apontando
ou
desenhando
uma
seta
que
aponta
nessa
direção.
Suponham
que
desenhar
setas
é
a
linguagem
que
utilizamos
habitualmente
para
dar
essa
ordem.
Não
poderá
tal
ordem
ser
interpretada
como
signi7icando
que
o
homem
que
a
recebe
deve
andar
na
direção
oposta
à
da
seta?
Isto
poderia
obviamente
ser
feito
acrescentando
à
nossa
seta
alguns
símbolos
a
que
poderíamos
chamar
“uma
interpretação”.
É
fácil
imaginar
um
caso
em
que,
por
exemplo
para
enganar
alguém,
poderíamos
fazer
uma
combinação
para
que
uma
ordem
fosse
executada
em
sentido
oposto
ao
da
sua
execução
normal.
O
símbolo
que
acrescenta
a
interpretação
à
nossa
seta
original
poderia,
por
exemplo,
ser
outra
seta.
Sempre
que
interpretamos
um
símbolo,
de
uma
ou
de
outra
maneira,
a
interpretação
é
um
novo
símbolo
acrescentado
ao
primeiro.
Poderíamos
dizer
que,
sempre
que
damos
uma
ordem
a
alguém
mostrando-‐lhe
uma
seta,
sem
que
isso
seja
feito
“mecanicamente”
(sem
pensarmos),
atribuímos
um
signiFicado
à
seta
[we
mean
the
arrow
in
one
way
or
another].
E
este
processo
de
atribuição
de
signi7icado
[meaning],
seja
qual
for
o
seu
tipo,
pode
ser
representado
por
outra
seta
(apontando
no
mesmo
sentido
[sense]
da
primeira,
ou
em
sentido
contrário).
Nesta
imagem
que
fazemos
de
“signi7icado
e
expressão”
[meaning
and
saying]
é
essencial
que
devamos
imaginar
o
processo
de
expressar
e
signi7icar
[the
processes
of
saying
and
meaning]
como
ocorrendo
em
duas
esferas
diferentes.
[34]
Será,
nesse
caso,
correto
a7irmar
que
nenhuma
seta
poderia
ser
o
signi7icado,
visto
que
todas
as
setas
podem
ser
entendidas
como
indicando
[be
meant]
a
direção
oposta?
-‐
Suponham
que
representamos
o
esquema
do
dizer
e
signi7icar
[saying
and
meaning]
por
uma
coluna
de
setas
dispostas
umas
por
baixo
das
outras.
Então,
para
que
este
esquema
nos
possa
ser
de
alguma
utilidade,
deve
mostrar-‐nos
qual
dos
três
níveis
é
o
nível
do
signi7icado
[meaning].
Eu
posso,
por
exemplo,
fazer
um
esquema
com
três
níveis
em
que
o
nível
inferior
será
sempre
34
o
nível
do
signi7icado.
Mas
seja
qual
for
o
modelo
ou
esquema
que
se
adote,
ele
terá
um
nível
inferior,
e
não
existirá
uma
interpretação
para
isso.
Dizer,
neste
caso,
que
todas
as
setas
podem
ainda
ser
interpretadas
apenas
signi7icaria
que
eu
poderia
sempre
fazer
um
modelo
diferente
do
dizer
[saying]
e
signi7icar
[meaning]
com
mais
um
nível
do
que
o
modelo
que
estou
utilizando.
Vamos
colocar
isso
desta
forma:
-‐
o
que
se
pretende
dizer
é:
“todos
os
signos
são
suscetíveis
de
interpretação;
mas
o
signiFicado
não
deve
ser
suscetível
de
interpretação.
Ele
é
a
ultima
interpretação”.28
Eu
suponho
que
vocês
encaram
o
signi7icado
como
um
processo
que
acompanha
o
dizer
[the
saying],
e
que
é
traduzível
e,
por
isso,
equivalente,
a
um
outro
signo.
Vocês
tem,
por
conseguinte,
de
me
dizer,
além
disso,
o
que
consideram
ser
a
marca
distintiva
entre
um
signo
e
o
signiFicado.
Se
o
7izerem,
por
exemplo,
dizendo
que
o
signi7icado
é
a
seta
que
vocês
imaginam,
por
oposição
a
qualquer
seta
que
possam
desenhar,
a7irmarão
desse
modo
que
não
considerarão
qualquer
outra
seta
como
uma
interpretação
daquela
que
imaginaram.
Tudo
isto
se
tornará
mais
claro
se
consideramos
o
que
realmente
acontece
quando
dizemos
uma
coisa
e
queremos
dizer
isso
mesmo
[when
we
say
a
thing
and
mean
what
we
say].
Perguntemos
a
nós
mesmos:
se
dizemos
para
alguém
“eu
7icaria
muito
contente
em
ver
você”
e
queremos
dizer
isso
mesmo,
serão
estas
palavras
acompanhadas
por
um
processo
consciente
que
poderia,
ele
próprio,
ser
traduzido
em
palavras?
Isto
muito
di7icilmente
será
o
caso
alguma
vez.
Mas
imaginemos
um
caso
em
que
isso
acontece.
Suponhamos
que
eu
tivesse
o
hábito
de
acompanhar
cada
frase
em
inglês
proferida
em
voz
alta
por
uma
frase
em
alemão
dita
a
mim
mesmo
no
íntimo.
Se,
nesse
caso,
seja
qual
for
a
razão,
chamarem
à
frase
silenciosa
o
signi7icado
da
frase
proferida
em
voz
alta,
o
processo
de
signi7icação
que
acompanha
o
processo
de
dizer
[saying]
poderia
ele
próprio
ser
traduzido
em
signos
perceptíveis.
Ou,
antes
de
qualquer
sentença
que
dizemos
em
voz
alta
nós
dizemos
seu
signi7icado
[35]
(qualquer
que
seja
ele)
para
nós
mesmos,
numa
espécie
de
aparte.
Um
exemplo,
pelo
menos
semelhante
ao
caso
que
pretendemos,
seria
dizer
uma
coisa
e
ao
mesmo
tempo
ver
mentalmente
uma
imagem
que
seria
o
signi7icado
e
estaria
em
acordo
ou
em
desacordo
com
o
que
dizemos.
Existem
casos
deste
tipo
e
semelhantes,
mas
não
constituem
regras,
quando
dizemos
algo
e
queremos
dizê-‐lo,
ou
queremos
dizer
outra
coisa.
Existem,
claro,
casos
reais
em
que
o
que
chamamos
signi7icado
é
um
processo
consciente
e
de7inido
que
acompanha,
procede,
ou
se
segue
a
expressão
verbal
e
é
ele
próprio
uma
expressão
verbal
de
um
qualquer
tipo,
ou
traduzível
numa
expressão
verbal.
Um
exemplo
típico
disto
é
o
“aparte”
[aside]
no
palco.
35
Mas
o
que
nos
tenta
a
pensar
o
signi7icado
do
que
dizemos
como
um
processo
essencialmente
do
tipo
que
descrevemos
é
a
analogia
entre
as
formas
de
expressão:
“dizer
algo”
(to
say
something)
“querer
dizer
algo”,
(to
mean
something)
que
parecem
referir-‐se
a
dois
processos
paralelos.
Um
processo
que
acompanha
as
nossas
palavras
e
que
se
poderia
chamar
o
“processo
de
lhes
conferir
signi7icado”
é
a
modulação
da
voz
ou
um
processo
semelhante
a
este,
como
o
jogo
da
expressão
facial.
Estes
processos
acompanham
as
palavras
faladas,
não
da
maneira
como
uma
frase
em
alemão
pode
acompanhar
uma
frase
inglesa,
ou
uma
frase
escrita
pode
acompanhar
uma
frase
falada,
mas
no
sentido
em
que
a
música
de
uma
canção
acompanha
a
sua
letra.
Esta
música
corresponde
ao
“sentimento”
[feeling]
com
que
dizemos
a
frase.
E
quero
chamar
a
atenção
para
o
fato
de
este
sentimento
ser
a
expressão
[expression]
com
que
a
frase
é
dita
[said],
ou
algo
semelhante
a
esta
expressão.
Voltemos
a
nossa
questão:
“Qual
é
o
objeto
de
um
pensamento?”
(por
exemplo,
quando
dizemos,
“Penso
que
a
Faculdade
Real
está
incendiando”).
A
questão
tal
como
a
apresentamos
já
é
a
expressão
de
várias
confusões.
Isto
é
revelado
pelo
simples
fato
dela
quase
nos
soar
como
se
fosse
uma
questão
da
Física;
como
se
perguntasse:
“Quais
são
os
elementos
básicos
constituintes
da
matéria?”
(É
uma
questão
tipicamente
meta7ísica,
sendo
a
sua
característica
a
de
que
exprimimos
uma
incerteza
sobre
a
gramática
sob
a
forma
de
um
problema
cientíFico.)29
Uma
das
origens
da
nossa
questão
é
o
uso
ambivalente
da
função
proposicional
“eu
penso
x”.
Nós
dizemos
“penso
que
isto
e
aquilo
vai
acontecer”
ou
“que
isto
e
aquilo
é
o
caso”,
e
também
“penso
exatamente
o
mesmo
que
ele”;
e
dizemos
“eu
lhe
espero”,
e
também
“espero
que
ele
venha”.
Comparem
“eu
lhe
espero”
e
“eu
disparo
sobre
ele”.
Não
podemos
[36]
disparar
sobre
ele
se
não
estiver
presente.
E
assim
que
a
questão
surge:
“Como
podemos
esperar
algo
que
não
é
o
caso?”,
“Como
podemos
esperar
um
fato
que
não
existe?”
A
maneira
de
fugirmos
a
esta
di7iculdade
parece
ser
esta:
o
que
esperamos
não
é
o
fato,
mas
uma
sombra
de
fato;
a
coisa
que
lhe
é
mais
próxima.
Dissemos
que
isto
representa
apenas
um
adiamento
de
solução.
São
várias
as
origens
para
esta
idéia
de
uma
sombra.
Uma
delas
é
a
que
se
segue:
dizemos
“por
certo
que
duas
frases
de
diferentes
línguas
podem
ter
o
mesmo
sentido
[sense]”;
e
argumentamos,
“por
conseguinte
o
sentido
[sense]
e
a
frase
são
coisas
diferentes”,
e
colocamos
a
questão:
“o
que
é
o
sentido
[sense]?”
E
fazemos
“dele”
um
ser
de
sombra,
um
dos
muitos
que
criamos
quando
desejamos
dar
36
signi7icado
[meaning]
a
substantivos
a
que
não
correspondem
quaisquer
objetos
materiais.
Uma
outra
fonte
da
idéia
de
uma
sombra
enquanto
objeto
do
nosso
pensamento
é
a
seguinte:
imaginamos
a
sombra
como
uma
imagem
cuja
intenção
não
pode
ser
questionada,
isto
é,
uma
imagem
que
não
interpretamos
para
a
compreender,
mas
que
compreendemos
sem
a
interpretar.
Ora,
devemos
dizer
que
existem
imagens
que
interpretamos
para
as
compreender,
isto
é,
que
traduzimos
numa
espécie
diferente
de
imagem;
e
imagens
que
compreendemos
imediatamente
sem
qualquer
interpretação
suplementar.
Se
virem
um
telegrama
escrito
em
código,
e
conhecerem
a
chave
para
este
código,
não
dirão,
em
geral,
que
compreendem
o
telegrama
antes
de
o
terem
traduzido
para
a
linguagem
comum.
Evidentemente,
apenas
substituíram
um
tipo
de
símbolo
por
outro
e,
contudo,
se
lerem
agora
o
telegrama
na
língua
de
vocês
não
haverá
qualquer
outro
processo
de
interpretação.
-‐
Ou
antes,
poderão
agora,
em
certos
casos,
traduzir
de
novo
este
telegrama,
por
exemplo
numa
imagem,
mas
nesse
caso
apenas
voltaram
a
substituir
um
conjunto
de
símbolos
por
outro.
A
sombra,
tal
como
a
concebemos,
é
uma
espécie
de
imagem;
é,
de
fato,
algo
de
muito
semelhante
a
uma
imagem
que
nos
vem
à
mente;
e
isto
mais
uma
vez
é
algo
não
muito
diferente
de
uma
representação
pintada,
no
sentido
habitual.
Uma
fonte
da
idéia
de
sombra
é
seguramente
o
fato
de,
em
alguns
casos,
pronunciar,
ouvir
ou
ler
uma
frase
nos
trazer
imagens
à
mente,
imagens
que
correspondem
mais
ou
menos
rigorosamente
a
frase,
e
que
são
por
conseqüência,
num
certo
sentido,
traduções
desta
frase
numa
linguagem
pictórica.
-‐
Mas
é
absolutamente
essencial
para
a
imagem
que
imaginamos
que
a
sombra
seja,
que
ela
seja
o
que
chamarei
uma
“imagem
por
semelhança”.
Não
quero
com
isto
dizer
que
seja
uma
imagem
semelhante
ao
que
se
tem
a
intenção
[37]
que
represente,
mas
que
é
uma
imagem
que
é
correta
apenas
quando
é
semelhante
ao
que
representa.
Poderia
empregar-‐se
a
palavra
“cópia”
para
este
tipo
de
imagem.
Falando
de
uma
maneira
geral,
as
cópias
são
boas
quando
facilmente
se
confundem
com
o
que
representam.
Uma
projeção
plana
de
um
hemisfério
do
globo
terrestre
não
é
uma
imagem
por
semelhança
ou
uma
cópia
neste
sentido.
Seria
concebível
que
eu
retratasse
alguém
num
pedaço
de
papel,
projetando
a
face
dessa
pessoa
de
uma
maneira
estranha
(embora
correta
de
acordo
com
a
regra
de
projeção
adotada),
de
tal
modo
que
ninguém
poderia
chamar
a
projeção
“um
bom
retrato
de
fulano”
porque
ela
não
se
parecia
minimamente
com
ele.
Se
tivermos
presente
a
possibilidade
de
uma
imagem
que,
embora
correta,
não
tem
qualquer
semelhança
com
o
seu
objeto,
a
interpolação
de
uma
sombra
entre
a
frase
e
a
realidade
deixa
de
ter
qualquer
sentido.
Nestas
circunstâncias,
a
própria
frase
pode
servir
como
sombra.
A
frase
é
exatamente
essa
representação,
que
não
tem
a
menor
semelhança
com
o
que
representa.
Se
tínhamos
dúvidas
sobre
o
modo
como
a
frase
“a
Faculdade
Real
está
37
incendiando”
pode
ser
uma
representação
da
Faculdade
incendiando,
apenas
necessitamos
perguntar
a
nós
mesmos:
“Como
explicaríamos
o
que
a
frase
signi7ica?”
Tal
explicação
poderia
consistir
em
de7inições
ostensivas.
Diríamos,
por
exemplo,
“Isto
é
a
Faculdade”
(apontando
para
o
edi7ício),
“isto
é
um
fogo”
(apontando
para
um
fogo).
Isto
revela-‐nos
o
modo
como
as
palavras
e
as
coisas
podem
estar
relacionadas.
A
idéia
de
que
aquilo
que
desejamos
que
aconteça
deve
estar
presente,
como
uma
sombra,
no
nosso
desejo,
está
profundamente
enraizada
nas
nossas
formas
de
expressão.
Mas,
de
fato,
poderíamos
dizer
que
ela
é
quase
tão
absurda
quanto
a
idéia
mais
absurda
que
gostaríamos
realmente
de
dizer.
Se
não
fosse
tão
absurda,
diríamos
que
o
fato
que
desejamos
deve
estar
presente
no
nosso
desejo.
Como
poderíamos
desejar
que
acontecesse
precisamente
isto,
se
isto
não
estivesse
precisamente
presente
no
nosso
desejo?
É
correto
dizer-‐se:
a
mera
sombra
não
é
su7iciente,
visto
que
se
7ica
perante
o
objeto
e
nós
queremos
que
o
desejo
contenha
o
próprio
objeto.
-‐
Queremos
que
o
desejo
de
que
o
Sr.
Smith
entre
neste
quarto
se
re7ira
precisamente
ao
Sr.
Smith,
e
não
a
um
substituto,
e
a
sua
entrada
no
meu
quarto,
e
não
a
algo
que
faça
as
vezes
disto.
Mas
isto
é
exatamente
o
que
dissemos.
A
nossa
confusão
poderia
ser
descrita
desta
maneira:
de
acordo
com
a
nossa
forma
usual
de
expressão
[usual
form
of
expression]
pensamos
no
fato
que
desejamos
como
uma
coisa
que
ainda
não
está
aqui,
e
para
a
qual,
por
conseqüência,
não
podemos
apontar.
Ora,
para
compreendermos
a
gramática
da
expressão
“objeto
do
nosso
desejo”
consideremos
apenas
a
resposta
[38]
que
damos
a
questão:
“Qual
é
o
objeto
do
seu
desejo?”
A
resposta
a
esta
questão
é
evidentemente
“Desejo
que
isto
e
isto
aconteça”.
Ora,
qual
seria
a
resposta
se
continuássemos
a
perguntar:
“E
qual
é
o
objeto
deste
desejo?”
Ela
poderia
apenas
consistir
numa
repetição
da
nossa
anterior
expressão
do
desejo,
ou
então
numa
tradução
para
uma
outra
forma
de
expressão.
Poderíamos,
por
exemplo,
exprimir
o
que
desejávamos
por
outras
palavras,
ou
ilustrando-‐o
por
recurso
a
uma
imagem
etc.,
etc.
Ora,
quando
temos
a
impressão
de
que
aquilo
a
que
chamamos
o
objeto
do
nosso
desejo
é,
por
assim
dizer,
um
homem,
que
ainda
não
entrou
no
nosso
quarto
e,
por
conseguinte,
não
pode
ainda
ser
visto,
imaginamos
que
qualquer
explicação
do
que
desejamos
é
apenas
o
que
há
de
melhor
depois
da
explicação
que
mostraria
o
fato
real
-‐
que,
receamos,
não
pode
ainda
ser
mostrado
visto
que
ainda
não
entrou.
É
como
se
eu
dissesse
a
alguém
“estou
a
espera
do
Sr.
Smith”
e
ele
me
perguntasse
“quem
é
o
Sr.
Smith?”
e
eu
respondesse,
“não
posso
lhe
mostrar
agora,
visto
que
ele
não
está
aqui.
Tudo
o
que
lhe
posso
mostrar
é
um
retrato
dele”.
É
como
se
nunca
pudesse
explicar
o
que
desejava,
até
que
isso
viesse
realmente
a
acontecer.
Mas
evidentemente
isto
é
um
engano.
A
verdade
é
que
não
preciso
ser
capaz
de
dar
uma
explicação
melhor
daquilo
que
desejava,
depois
do
desejo
se
ter
realizado,
do
que
antes,
visto
que
poderia
muito
bem
ter
mostrado
o
Sr.
Smith
ao
meu
amigo,
e
ter-‐lhe
38
mostrado
o
que
signi7ica
“entrar”
e
ter-‐lhe
mostrado
o
meu
quarto
antes
de
o
Sr.
Smith
entrar
no
meu
quarto.
A
nossa
di7iculdade
poderia
ser
expressa
desta
maneira:
pensamos
nas
coisas,
-‐
mas
como
é
que
estas
coisas
entram
nos
nossos
pensamentos?
Pensamos
no
Sr.
Smith,
mas
o
Sr.
Smith
não
precisa
estar
presente.
O
retrato
dele
não
é
de
nenhuma
utilidade.
Como
saberíamos
quem
está
aí
representado?
Na
realidade
nenhum
substituto
será
de
qualquer
utilidade.
Nesse
caso
como
é
que
ele
próprio
pode
ser
um
objeto
dos
nossos
pensamentos?
(Utilizo
aqui
a
expressão
“objeto
do
nosso
pensamento”
de
uma
maneira
diferente
daquela
em
que
a
utilizei
anteriormente.
Re7iro-‐me
agora
a
uma
coisa
sobre
a
qual
estou
pensando,
não
“aquilo
em
que
estou
pensando”.)
[I
mean
now
a
thing
I
am
thinking
about,
not
‘that
which
I
am
thinking’.]
Dissemos
que
a
relação
entre
o
nosso
pensamento,
ou
as
nossas
palavras
sobre
um
homem
e
o
próprio
homem,
se
estabelecia
quando,
para
explicar
o
signi7icado
da
palavra
“Sr.
Smith”
apontávamos
para
ele,
dizendo
“este
é
o
Sr.
Smith”.
E
não
há
nada
de
misterioso
nesta
relação.
Quero
com
isto
dizer
que
não
existe
qualquer
ato
mental
estranho
que,
de
algum
modo,
faça
aparecer
como
que
por
encanto
o
Sr.
Smith
nas
nossas
mentes,
quando
ele
não
se
encontra
realmente
presente.
O
que
torna
di7ícil
ver
que
esta
é
a
relação,
é
uma
forma
peculiar
de
expressão
da
linguagem
comum,
que
faz
que
a
relação
entre
o
nosso
pensamento
(ou
a
expressão
do
nosso
pensamento)
e
a
coisa
sobre
a
qual
pensamos
pareça
ter
subsistido
durante
o
ato
de
pensar.
[39]
“Não
é
estranho
que
sejamos
capazes
de
nos
referir,
na
Europa,
a
alguém
que
está
na
América?”
-‐
Se
alguém
tivesse
dito
“Napoleão
foi
coroado
em
1804”,
e
lhe
perguntássemos:
“Refere-‐se
ao
homem
que
ganhou
a
batalha
de
Austerlitz?”
ele
poderia
dizer:
“Sim,
referia-‐me
a
ele”.
E
o
emprego
do
pretérito
imperfeito
pode
fazer
que
pareça
que
a
idéia
de
Napoleão,
como
vencedor
da
batalha
de
Austerlitz,
deva
ter
estado
presente
no
espírito
do
homem,
quando
ele
disse
que
Napoleão
foi
coroado
em
1804.
Alguém
diz,
“O
Sr.
N
virá
visitar-‐me
esta
tarde”;
eu
pergunto:
“Refere-‐se
a
ele?”
apontando
para
alguém
presente,
e
ele
responde:
“Sim”.
Nesta
conversa
foi
estabelecida
uma
relação
entre
a
palavra
“Sr.
N”
e
o
Sr.
N.
Mas
somos
induzidos
a
pensar
que
enquanto
o
meu
amigo
dizia,
“o
sr.
N
virá
visitar-‐me”,
a
sua
mente
deve
ter
estabelecido
a
relação.
É
em
parte
isto
que
nos
faz
considerar
o
signi7icado
ou
o
pensamento,
como
uma
atividade
mental
peculiar;
a
palavra
“mental”
indica
que
não
devemos
esperar
compreender
como
estas
coisas
se
passam.
O
que
dissemos
do
pensamento
pode
também
ser
aplicado
à
imaginação.
Alguém
diz
que
imagina
que
a
Faculdade
Real
está
incendiando.
Perguntamos-‐
lhe:
“Como
sabes
que
é
a
Faculdade
Real
que
tu
imaginas
que
está
incendiando?”
Não
poderia
ser
um
outro
edi7ício,
muito
semelhante
a
ele?
De
fato,
será
a
sua
imaginação
tão
exata
que
não
podes
admitir
que
a
sua
imagem
possa
ser
uma
39
representação
de
uma
dúzia
de
edi7ícios?
-‐
e
não
obstante
você
diz:
“Não
há
duvida
de
que
imagino
a
Faculdade
Real
e
não
um
outro
edi7ício”.
Mas
não
será
que
dizer
isto
é
estabelecer
a
própria
relação
que
pretendemos?
Dizê-‐lo
é
como
escrever
as
palavras
“Retrato
do
Sr.
Fulano
de
Tal”
sob
um
quadro.
Pode
ter
acontecido
que
enquanto
imaginava
que
a
Faculdade
Real
estava
incendiando,
tenha
dito
as
palavras
“a
Faculdade
Real
está
incendiando”.
Mas
na
maior
parte
dos
casos
a
imagem
não
é
acompanhada
por
quaisquer
palavras
ditas
por
você
mesmo
com
uma
intenção
explicativa.
E
mesmo
que
isso
aconteça,
leve
em
consideração
que
você
não
estabelece
a
relação
entre
a
sua
imagem
e
a
Faculdade
Real,
mas
apenas
com
as
palavras
“Faculdade
Real”.
A
relação
entre
estas
palavras
e
a
Faculdade
Real
foi,
possivelmente,
estabelecida
numa
outra
ocasião.
O
erro
que
nos
sentimos
inclinados
a
fazer
no
nosso
raciocínio
sobre
estes
assuntos
é
o
de
pensar
que
todas
as
espécies
de
imagens
e
experiências,
que
num
certo
sentido
se
encontram
estreitamente
relacionadas,
devem
estar
presentes
em
nossa
mente
de
forma
simultânea.
Se
cantarmos
uma
canção
que
sabemos
de
cor,
ou
dissermos
o
alfabeto,
as
notas
e
as
letras
parecem
manter-‐se
unidas
e
cada
uma
parece
arrastar
a
que
se
lhe
segue,
como
se
fossem
um
colar
de
[40]
pérolas
numa
caixa,
e
ao
tirar
para
fora
uma
pérola
se
tirasse
a
que
se
lhe
segue.
Não
há
qualquer
dúvida
que,
tendo
presente
a
imagem
visual
de
um
colar
de
pérolas
a
ser
tirado
para
fora
de
uma
caixa
através
de
um
buraco
na
tampa,
nos
sentiríamos
inclinados
a
dizer:
“Todas
estas
pérolas
devem
ter
estado
juntas
na
caixa”.
Mas
é
fácil
ver
que
isso
é
formular
uma
hipótese.
A
imagem
teria
sido
a
mesma
se
as
pérolas
se
tivessem
gradualmente
materializado
no
buraco
da
tampa.
Facilmente
descuramos
a
distinção
entre
a
descrição
de
um
acontecimento
mental
consciente
e
a
formulação
de
uma
hipótese
sobre
o
que
se
poderia
chamar
o
mecanismo
da
mente,
tanto
mais
que
tais
hipóteses
ou
representações
do
funcionamento
da
nossa
mente
se
encontram
incorporadas
em
muitas
das
formas
de
expressão
da
nossa
linguagem
diária.
O
pretérito
imperfeito
“referia”
na
frase
“eu
referia-‐me
ao
homem
que
ganhou
a
batalha
de
Austerlitz”
faz
parte
de
uma
representação
assim,
em
que
a
mente
é
concebida
como
um
lugar
no
qual
guardamos,
armazenamos,
aquilo
de
que
nos
lembramos,
antes
de
o
expressarmos.
Se
eu
assobio
uma
musica
que
conheço
bem
e
sou
interrompido
no
meio
e
se
em
seguida
alguém
me
pergunta
“sabias
como
continuar?”
responderia:
“sim,
claro”.
Que
tipo
de
processo
é
este
saber
como
continuar?
Toda
a
continuação
da
música
teria,
aparentemente,
de
estar
presente,
no
momento
em
que
eu
sabia
como
continuar.
Façam
a
vocês
mesmos
a
seguinte
questão:
“Quanto
tempo
leva
para
se
saber
como
continuar?”
Ou
será
um
processo
instantâneo?
Não
estaremos
cometendo
um
erro
do
mesmo
gênero
que
o
da
confusão
entre
uma
gravação
em
disco
de
uma
música
e
a
própria
música?
E
não
estaremos
presumindo
que
40
sempre
que
ouvimos
uma
música
deverá
existir
uma
espécie
de
gravação
dessa
música
em
disco,
a
partir
da
qual
ela
é
tocada?
Considerem
o
seguinte
exemplo:
uma
arma
é
disparada
na
minha
presença
e
eu
digo:
“Este
barulho
não
foi
tão
forte
quanto
eu
esperava”.
Alguém
me
pergunta:
“Como
é
isso
possível?
Houve
na
tua
imaginação
um
barulho
mais
forte
do
que
o
da
arma?”
Devo
confessar
que
nada
disso
aconteceu.
Então
a
pessoa
diz-‐me:
“Nesse
caso
não
estavas
realmente
à
espera
de
um
barulho
mais
forte,
mas,
possivelmente,
do
eco
de
um
barulho
mais
forte.
E
como
sabias
que
era
o
eco
de
um
barulho
mais
forte?”
Vejamos
o
que,
num
tal
caso,
pode
ter
de
fato
acontecido.
Possivelmente
ao
esperar
pela
detonação
abri
a
boca,
agarrei-‐
me
a
algo
para
me
manter
7irme
e
talvez
tenha
dito:
“lsto
vai
ser
terrível”.
Depois,
quando
tudo
terminou,
disse:
“A7inal
não
foi
muito
barulhento”.
-‐
Certas
tensões
no
meu
corpo
relaxaram.
Mas
qual
é
a
relação
entre
estas
tensões,
o
abrir
a
boca,
etc.,
e
um
barulho
real
mais
forte?
Talvez
esta
relação
[41]
se
tenha
estabelecido
quando,
ao
ouvirmos
um
barulho
assim,
tivemos
as
experiências
mencionadas.
Examinem
expressões
como
“ter
uma
idéia
em
mente”,
“analisar
a
idéia
que
nos
vem
à
mente”.
Para
não
serem
induzidos
em
erro
por
elas,
vejam
o
que
realmente
acontece
quando,
por
exemplo,
ao
escreverem
uma
carta,
procuram
palavras
que
expressem
corretamente
a
idéia
que
“nos
veio
à
mente”.
Dizer
que
estamos
tentando
expressar
a
idéia
que
nos
veio
à
mente
é
empregar
uma
metáfora,
que
se
insinua
de
modo
muito
natural,
e
que
é
perfeitamente
válida
desde
que
não
nos
induza
em
erro
quando
7ilosofamos,
visto
que,
quando
evocamos
o
que
de
fato
se
passou
em
tais
casos,
encontramos
uma
grande
variedade
de
processos
mais
ou
menos
aparentados
uns
aos
outros.
Poderíamos
sentir-‐nos
inclinados
a
dizer
que,
em
todos
esses
casos,
de
qualquer
modo,
somos
guiados
por
algo
que
nos
vem
à
mente.
Mas,
nesse
caso,
as
palavras
“guiados”
e
“coisa
que
nos
vem
à
mente”
são
utilizadas
em
sentidos
tão
diversos
quanto
as
palavras
“idéia”
e
“expressão
de
uma
idéia”.
A
frase
“expressar
uma
idéia
que
nos
vem
à
mente”
sugere
que
o
que
estamos
tentando
expressar
em
palavras
já
foi
expresso,
mas
numa
linguagem
diferente;
que
esta
expressão
nos
veio
à
mente;
e
que
o
que
fazemos
é
traduzi-‐la
de
uma
linguagem
mental
para
uma
linguagem
verbal.
Na
maior
parte
dos
casos
a
que
chamamos
“expressar
uma
idéia,
etc.”,
acontece
algo
de
muito
diferente.
Imaginem
o
que
acontece
em
casos
como
este:
procuro
hesitantemente
uma
palavra.
São-‐me
sugeridas
várias
palavras
e
eu
as
rejeito.
Finalmente
propõem-‐
me
uma
e
eu
digo:
“Eis
o
que
eu
queria
dizer!”
[That
is
what
I
meant!]
(Deveríamos
sentir-‐nos
inclinados
a
a7irmar
que
a
prova
da
impossibilidade
da
trisecção
do
ângulo
com
régua
e
compasso
analisa
a
nossa
idéia
da
trisecção
de
um
ângulo.
Mas
a
prova
nos
dá
uma
nova
idéia
da
trisecção,
que
não
tínhamos
antes
da
prova
tê-‐la
produzido.
A
prova
indicou-‐nos
um
caminho
que
nos
sentíamos
inclinados
a
seguir,
mas
levou-‐nos
para
longe
de
41
onde
estávamos,
e
não
nos
mostrou
claramente
o
lugar
onde
tínhamos
estado
até
aí.)
Regressemos
ao
momento
em
que
dissemos
que
nada
lucrávamos
ao
presumir
que
uma
sombra
deve
intervir
entre
a
expressão
do
nosso
pensamento
e
a
realidade
a
que
o
nosso
pensamento
diz
respeito.
Dissemos
que,
se
quiséssemos
uma
representação
da
realidade,
a
própria
frase
seria
essa
representação
(embora
ela
não
fosse
uma
imagem
por
semelhança).
Tentei,
através
de
tudo
o
que
foi
dito
anteriormente,
afastar
a
tentação
de
pensar
que
‘deve
existir’
o
que
se
chama
um
processo
mental
de
pensamento,
esperança,
desejo,
crença,
etc.,
independente
do
processo
de
expressão
de
um
pensamento,
de
uma
esperança,
de
um
desejo,
etc.
Quero
agora
apresentar
o
seguinte
método
intuitivo
[rule
of
thumb]:
[42]
se
vocês
se
sentirem
perplexos
acerca
da
natureza
do
pensamento,
da
crença,
do
conhecimento
e
outras
coisas
a7ins,
substituam
o
pensamento
pela
expressão
do
pensamento,
etc.
A
di7iculdade
que
encontramos
nesta
substituição
e,
ao
mesmo
tempo,
o
interesse
que
temos
em
a
fazer,
é
a
seguinte:
a
expressão
da
crença,
do
pensamento,
etc.,
é
apenas
uma
frase;
-‐
e
a
frase
só
tem
sentido
no
quadro
de
um
sistema
de
linguagem;
enquanto
a
expressão
a
tem
no
seio
de
um
cálculo.
Ora,
somos
tentados
a
imaginar
este
cálculo,
por
assim
dizer,
como
um
pano
de
fundo
permanente
para
cada
frase
proferida
e
a
pensar
que,
embora
a
frase
escrita
num
pedaço
de
papel,
ou
dita,
se
apresente
isolada,
no
ato
mental
do
pensamento
o
cálculo
está
presente
na
sua
totalidade.
O
ato
mental
parece
realizar
de
maneira
milagrosa
o
que
não
poderia
ser
realizado
por
qualquer
ato
de
manipulação
de
símbolos.
Quando
desaparece
a
tentação
e
pensamos
que,
num
certo
sentido,
a
totalidade
do
cálculo
deve
estar
presente
ao
mesmo
tempo,
deixa
de
ter
qualquer
interesse
postular
a
existência
de
um
tipo
peculiar
de
ato
mental
que
acompanha
a
nossa
expressão.
Isto,
evidentemente,
não
signi7ica
que
tenhamos
mostrado
que
as
expressões
dos
nossos
pensamentos
não
sejam
acompanhadas
por
atos
peculiares
da
consciência!
Simplesmente,
já
não
dizemos
que
eles
devem
acompanhá-‐las.
“Mas
a
expressão
dos
nossos
pensamentos
pode
sempre
faltar
com
a
verdade,
visto
que
podemos
dizer
uma
coisa
e
signi7icar
outra”.
Imaginem
as
várias
coisas
diferentes
que
acontecem
quando
dizemos
uma
coisa
e
queremos
referir-‐nos
a
outra!
–
Façam
a
seguinte
experiência:
digam
a
frase
“está
calor
neste
quarto”,
querendo
dizer
“está
frio”
[say
the
sentence
“It
is
not
hot
in
this
room”,
and
mean:
“It
is
cold].
Observem
atentamente
o
que
fazem.
Poderíamos
facilmente
imaginar
seres
que
fazem
seus
pensamentos
privados
“apartes”
[asides]
e
que
administram
suas
mentiras
dizendo
uma
coisa
em
voz
alta,
seguindo-‐a
com
um
aparte
no
qual
dizem
o
oposto.
“Mas
a
signi7icação,
o
pensamento,
etc.,
são
experiências
privadas.
Não
são
atividades
como
escrever,
falar,
etc.”
-‐
Mas
por
que
motivo
não
poderiam
eles
ser
42
as
experiências
privadas
especí7icas
da
escrita
-‐
as
sensações
musculares,
visuais,
táteis
da
escrita
e
da
fala?
Façam
a
seguinte
experiência:
digam
e
queiram
dizer
[say
and
mean]
uma
frase,
por
exemplo
“provavelmente
choverá
amanhã”.
Agora
pensem
de
novo
o
mesmo
pensamento,
conservem
a
intenção
inicial,
mas
sem
dizerem
seja
o
que
for
(quer
em
voz
alta,
quer
para
vocês
próprios).
Se
pensar
que
choverá
amanhã
acompanhava
o
dizer
que
choverá
amanhã,
então
dediquem-‐se
apenas
à
primeira
atividade
e
omitam
a
segunda.
-‐
Se
pensar
e
falar
compartilhavam
a
relação
das
palavras
e
da
melodia
de
uma
canção,
poderíamos
omitir
o
falar
e
continuar
a
pensar,
tal
como
podemos
cantar
a
canção
sem
as
palavras.
[43]
Mas
não
será
possível
de
algum
modo
falar
e
omitir
o
pensamento?
Sem
dúvida
-‐
mas
observem
o
que
fazem
quando
falam
sem
pensar.
Observem
em
primeiro
lugar
que
o
processo
a
que
poderíamos
chamar
“falar
e
querer
dizer
o
que
se
diz”
[speaking
and
meaning
what
you
speak]
não
é
necessariamente
distinto
do
processo
de
falar
irre7letidamente
em
função
do
que
se
passa
no
momento
quando
você
fala.
O
que
distingue
os
dois
processos
pode
muito
bem
ser
o
que
se
passa
antes
ou
depois
de
se
falar.
Suponham
que
eu
tentasse,
deliberadamente,
falar
sem
pensar,
-‐
o
que
faria
eu
de
fato?
Poderia
ler
uma
frase
de
um
livro,
tentando
fazer
isso
automaticamente,
isto
é,
tentando
não
acompanhar
a
frase
com
imagens
e
impressões
que,
caso
contrário,
ela
produziria.
Uma
maneira
de
o
fazer
seria
concentrar
a
minha
atenção
noutra
coisa
diferente
enquanto
proferisse
a
frase,
por
exemplo,
beliscando-‐me
com
força
enquanto
falasse.
Poderíamos
dizer
que
pronunciar
uma
frase
sem
pensar
consiste
em
dizê-‐la
separando-‐a
de
certos
processos
que
acompanham
o
ato
de
falar.
Pergunte
agora
a
si
mesmo:
Será
que
pensar
uma
frase
sem
a
dizer
consiste
em
fazer
exatamente
o
contrário,
isto
é,
consiste
em
manter
os
processos
que
acompanhavam
as
palavras
omitindo
estas?
Tente
pensar
os
pensamentos
de
uma
frase
sem
a
frase
e
veja
se
é
isto
o
que
acontece.
Vamos
fazer
um
resumo:
se
examinamos
minuciosamente
os
usos
[usages]
que
fazemos
de
palavras
como
“pensamento”,
“sentido”,
“desejo”,
etc.,
nos
libertaremos
da
tentação
de
procurar
um
ato
peculiar
do
pensamento,
independente
do
ato
de
expressão
dos
nossos
pensamentos,
e
arrumado
em
algum
meio
peculiar.
As
formas
de
expressão
estabelecidas
[established
forms
of
expression]
já
não
nos
impedem
o
reconhecimento
de
que
a
experiência
do
pensamento
pode
ser
apenas
a
experiência
da
fala,
ou
pode
consistir
nesta
experiência
em
conjunto
com
outras
que
a
acompanham.
(Será
útil
também
examinar
o
seguinte
caso:
suponha
que
uma
multiplicação
faz
parte
de
uma
frase;
pergunte
a
você
mesmo
o
que
será
dizer
7x5=35,
pensando
nisso,
e,
por
outro
lado,
dizer
isso
sem
pensar.)
O
exame
minucioso
da
gramática
de
uma
palavra
enfraquece
a
posição
de
certos
padrões
7ixos
da
nossa
expressão
que
nos
tinham
impedido
de
ver
os
fatos
sem
quaisquer
idéias
pré-‐concebidas.
A
nossa
43
investigação
procurou
afastar
estes
preconceitos,
que
nos
forçam
a
pensar
que
os
fatos
se
devem
conformar
a
determinadas
apresentações
implantadas
[embedded]
na
nossa
linguagem.
“Signi7icado”
é
uma
das
palavras
das
quais
se
pode
dizer
que
desempenham
tarefas
avulsas
[odd
jobs]
na
nossa
linguagem.
São
estas
palavras
que
provocam
a
maior
parte
[44]
dos
problemas
7ilosó7icos.
Imaginem
uma
instituição
cujos
membros,
na
sua
maioria,
desempenham
certas
funções
habituais
que
podem
facilmente
ser
descritas,
por
exemplo,
nos
estatutos
da
instituição.
Existem,
por
outro
lado,
alguns
membros
que
desempenham
tarefas
avulsas,
que,
todavia,
podem
ser
extremamente
importantes.
-‐
O
que
causa
a
maior
parte
dos
problemas
em
7iloso7ia
é
o
fato
de
nos
sentirmos
tentados
a
descrever
o
uso
de
palavras
importantes
“para
tarefas
avulsas”,
como
se
elas
fossem
palavras
com
funções
habituais.30
A
razão
pela
qual
adiei
falar
sobre
a
experiência
pessoal
foi
que
pensar
sobre
esse
tópico
faz
surgir
uma
série
de
di7iculdades
7ilosó7icas
que
ameaçam
destruir
todas
as
nossas
noções
de
senso
comum
sobre
o
que
comumente
chamaríamos
os
objetos
de
nossa
experiência.
E
se
fôssemos
assaltados
por
esses
problemas,
poderia
parecer
que
tudo
o
que
dissemos
sobre
os
signos
e
sobre
os
vários
objetos
que
mencionamos
em
nossos
exemplos
tivessem
que
passar
por
uma
reforma.
A
situação
é,
de
certo
modo,
típica
no
estudo
da
7iloso7ia;
e
alguém,
certa
vez,
descreveu-‐a
dizendo
que
que
nenhum
problema
7ilosó7ico
pode
ser
resolvido
até
que
todos
os
problemas
7ilosó7icos
tenham
sido
resolvidos;
isso
signi7ica
que
enquanto
eles
não
forem
todos
resolvidos,
qualquer
nova
di7iculdade
torna
questionáveis
todos
os
resultados
anteriores.
Para
essa
a7irmação
podemos
apenas
dar
uma
resposta
dura
se
temos
que
falar
sobre
a
7iloso7ia
em
termos
tão
gerais.
Cada
novo
problema
que
surge
pode
questionar
a
posição
que
os
nossos
resultados
parciais
anteriores
devem
ocupar
no
quadro
7inal.
Fala-‐se
então
da
necessidade
de
reinterpretar
estes
resultados
prévios;
e
deveríamos
dizer:
eles
tem
de
ser
colocados
em
vizinhanças
diferentes.
Imagine
que
tivéssemos
de
arrumar
os
livros
de
uma
biblioteca.
Quando
começamos
os
livros
estão
em
desordem,
no
chão.
Haveria
muitas
maneiras
de
agrupá-‐los
e
de
colocá-‐los
em
seus
lugares.
Uma
delas
seria
pegar
os
livros
um
a
um
e
colocá-‐los
na
prateleira
nos
seus
lugares
corretos.
Por
outro
lado
poderíamos
pegar
vários
do
chão
e
colocá-‐los
em
7ila
numa
prateleira,
simplesmente
para
indicar
que
esses
livros
devem
7icar
juntos
nessa
ordem.
No
30 Conforme Hans Sluga, no Companion, aqui começa a segunda parte do BB, a saber, a segunda
44
decurso
da
arrumação
da
biblioteca
toda
essa
7ila
de
livros
terá
que
mudar
de
lugar.
Mas
seria
errado
dizer
que
coloca-‐los
juntos
numa
prateleira
não
era
um
passo
em
direção
ao
resultado
7inal.
Nesse
caso,
de
fato,
é
bem
óbvio
que
colocar
junto
os
livros
que
devem
7icar
juntos
era
uma
providência
de7initiva,
mesmo
que
toda
a
7ileira
de
livros
tivesse
que
ser
movida
depois.
Mas
algumas
das
mais
importantes
realizações
da
7iloso7ia
somente
podem
ser
comparadas
com
reunir
alguns
livros
que
aparentemente
devem
estar
juntos
e
coloca-‐los
em
prateleiras
[45]
diferentes;
nada
é
de7initivo
sobre
a
posição
deles,
a
não
ser
o
fato
de
que
já
não
estão
juntos.
O
espectador
que
não
conhece
a
di7iculdade
da
tarefa
poderia
muito
bem
pensar
que
em
tal
caso
nada
foi
alcançado.
–
A
di7iculdade
em
7iloso7ia
consiste
em
não
se
dizer
mais
do
que
sabemos.31
Por
exemplo,
ver
que
quando
colocamos
dois
livros
juntos
na
ordem
correta
isso
não
quer
dizer
que
eles
foram
colocados
nos
lugares
de7initivos.
Quando
pensamos
sobre
a
relação
dos
objetos
que
nos
cercam
com
nossas
experiências
pessoais
deles,
por
vezes
somos
tentados
a
dizer
que
essas
experiências
pessoais
são
o
material
do
qual
consiste
a
realidade.
Ficará
mais
claro
posteriormente
como
essa
tentação
surge.
Quando
pensamos
desse
modo
parecemos
perder
nosso
apoio
7irme
nos
objetos
que
nos
cercam.
E
somos
deixados
com
uma
porção
de
experiências
pessoais
de
diferentes
indivíduos.
Estas
experiências
pessoais
parecem,
por
sua
vez,
vagas
e
parecem
estar
em
constante
7luxo.
Nossa
linguagem
parece
não
ter
sido
feita
para
descrevê-‐las.
Somos
tentados
a
pensar
que,
para
esclarecer
7iloso7icamente
tais
temas
nossa
linguagem
comum
é
muito
grosseira
[coarse],
que
precisamos
de
uma
linguagem
mais
sutil.
Parece
que
7izemos
uma
descoberta
–
que
eu
poderia
descrever
dizendo
que
o
chão
em
que
pisamos
e
que
parecia
ser
7irme
e
con7iável
mostrou-‐se
pantanoso
e
inseguro
[boggy
and
unsafe].
–
Isto
é,
isso
acontece
quando
7ilosofamos;
pois
tão
logo
regressamos
ao
ponto
de
vista
do
senso
comum
essa
incerteza
geral
desaparece.
Essa
estranha
situação
pode
ser
esclarecida
de
algum
modo
mediante
o
exame
de
um
exemplo;
na
realidade,
trata-‐se
de
uma
espécie
de
parábola
que
ilustra
a
di7iculdade
em
que
nos
encontramos
e
que
nos
mostra
também
o
caminho
para
sair
dessa
di7iculdade;
certos
cientistas
populares
nos
dizem
que
o
chão
sobre
o
qual
nos
encontramos
(the
Floor
on
which
we
stand)
não
é
sólido,
como
parece
ao
senso
comum,
dado
que
se
descobriu
que
a
madeira
consiste
de
partículas
tão
escassamente
distribuídas
no
espaço,
que
este
poderia
31 Friedrich Waismann, em “The Linguistic Technique” fala sobre essa a_irmação de Wittgenstein
no
contexto
de
uma
crítica
ao
que
ele
chama
de
“abordagem
linguística”.
Waismann
diz
concordar
com
a
a_irmação
de
Sartre,
“in
speaking
we
always
say
more
than
we
intend
to”.
Waismann
acrescenta,
entre
parênteses:
(“By
the
way,
precisely
the
point
which
makes
it
so
di_icult
in
philosophy
to
say
no
more
than
one
knows”).
O
texto
está
na
página
151
dos
Philosophical
Papers.
45
praticamente
ser
chamado
de
vazio.
Isto
pode
nos
deixar
perplexos,
visto
que,
de
certo
modo,
sabemos
que
o
chão
é
sólido,
ou
que,
se
não
é
sólido,
isso
pode
dever-‐se
ao
fato
da
madeira
estar
apodrecida,
mas
não
ao
fato
dela
ser
composta
de
elétrons.
Dizer,
baseado
nisso,
que
o
chão
não
é
sólido,
é
usar
incorretamente
a
linguagem
(is
to
misuse
language).
Pois
mesmo
que
as
partículas
fossem
tão
grandes
quanto
grãos
de
areia
e
estivessem
tão
próximas
umas
das
outras
como
acontece
em
um
monte
de
areia,
o
chão
não
seria
sólido
se
fosse
composto
por
elas
no
sentido
em
que
o
monte
de
areia
é
composto
por
grãos.
Nossa
perplexidade
estava
baseada
em
uma
má
compreensão;
a
descrição
do
espaço
escassamente
preenchido
foi
aplicada
erradamente.
Pois
essa
descrição
da
estrutura
da
matéria
tinha
em
vista
explicar
o
próprio
fenômeno
da
solidez.
Da
mesma
forma
que
nesse
exemplo
a
palavra
“solidez”
foi
usada
incorretamente
[wrongly]
e
[46]
parecia
que
tínhamos
mostrado
que
nada
era
realmente
sólido,
dessa
forma,
ao
expor
nossos
embaraços
[puzzles]
sobre
a
vagueza
geral
da
experiência
sensorial
e
sobre
o
7luxo
de
todos
os
fenômenos,
estamos
usando
as
palavras
“7luxo”
e
“vagueza”
incorretamente,
de
uma
forma
tipicamente
meta7isica,
a
saber,
sem
uma
antítese;32
ao
passo
que
no
seu
uso
correto
e
cotidiano
a
vagueza
é
oposta
à
clareza,
o
7luxo
à
estabilidade,
a
inexatidão
à
exatidão,
e
problema
à
solução.
A
própria
palavra
“problema”,
poderíamos
dizer,
é
mal
aplicada
quando
usada
para
nossos
problemas
7ilosó7icos.
Essas
di7iculdades,
na
medida
em
que
são
vistas
como
problemas,
são
atormentadoras
[tantalizing]
e
parecem
insolúveis.
Sinto-‐me
tentado
a
dizer
que
apenas
minha
própria
experiência
é
real.
“Eu
sei
que
vejo,
escuto,
sinto
dores,
etc.,
mas
não
sei
se
isso
ocorre
com
qualquer
outro.
Eu
não
posso
saber
isso,
porque
eu
sou
eu
e
eles
são
eles.”
Por
outro
lado,
sinto-‐me
envergonhado
ao
dizer
para
alguém
que
a
minha
experiência
é
a
única
experiência
real;
e
sei
que
vai
responder
que
ele
poderia
dizer
exatamente
a
mesma
coisa
sobre
sua
experiência.
Isso
parece
levar
a
um
equivoco
[quibble]
absurdo.
Também
me
dizem:
“Se
tens
pena
de
alguém
que
tem
dores
certamente
precisas
ao
menos
acreditar
que
ele
tem
dores”.
Mas
como
eu
posso
justamente
acreditar
nisso?
Como
essas
palavras
podem
fazer
sentido
para
mim?
Como
eu
poderia
justamente
ter
chegado
à
ideia
da
experiência
do
outro
se
não
há
possibilidade
de
qualquer
evidência
para
isso?
Mas
isso
não
seria
uma
pergunta
muito
estranha
para
se
fazer?
Eu
não
posso
acreditar
que
uma
outra
pessoa
tem
dores?
Não
é
bem
fácil
acreditar
nisso?
–
Dizer
que
as
coisas
são
como
elas
parecem
ao
senso
comum
não
seria
uma
resposta?
–
Mais
uma
vez,
não
é
necessário
dizer,
não
sentimos
essas
di7iculdades
na
vida
comum.
Nem
é
verdadeiro
dizer
que
as
sentimos
quando
examinamos
nossas
experiências
mediante
introspecção,
ou
quando
fazemos
32 Uma caracterização de “meta_ísica”, que será retomada por Waismann. Ver.
46
investigações
cientí7icas33
sobre
elas.
Mas
seja
como
for,
quando
as
contemplamos
de
uma
certa
maneira,
nossa
expressão
corre
o
risco
de
perder-‐se
em
um
emaranhado.
Parece-‐nos
que
para
montar
o
quebra-‐cabeças
ou
bem
temos
as
peças
erradas
ou
que
faltam
algumas.
Mas
as
peças
estão
todas
lá,
apenas
estão
misturadas;
e
existe
ainda
uma
outra
analogia
entre
o
quebra-‐
cabeças
de
montar
e
o
nosso
caso:
de
nada
adianta
tentar
forças
o
encaixe
das
peças.
Tudo
o
que
devemos
fazer
é
olhar
para
elas
cuidadosamente
e
combiná-‐
las.
Existem
proposições
das
quais
podemos
dizer
que
descrevem
fatos
no
mundo
material
(mundo
exterior).
Grosseiramente
falando,
elas
tratam
de
objetos
7ísicos:
corpos,
7luidos,
etc.
Eu
não
estou
pensando
em
particular
sobre
as
leis
das
ciências
naturais,
mas
em
qualquer
proposição
do
tipo
“as
tulipas
de
nosso
jardim
7loresceram”
ou
“Smith
chegará
a
qualquer
momento”.
Por
outro
lado,
existem
proposições
[47]
que
descrevem
experiências
pessoais,
como
quando
o
sujeito
em
um
experimento
psicológico
descreve
suas
experiências
sensoriais;
digamos,
sua
experiência
visual,
independente
de
quais
corpos
estejam
realmente
diante
de
seus
olhos
e,
notem
bem,
independente
também
de
quaisquer
processos
que
poderiam
ser
observados
que
ocorrem
em
sua
retina,
seus
nervos,
seu
cérebro,
ou
em
outras
partes
do
seu
corpo.
(Isto
é,
independentemente
tanto
de
fatos
7ísicos
como
7isiológicos.)34
Poderia
parecer,
à
primeira
vista
(mas
porque
isso
ocorreria
somente
7icará
claro
mais
tarde)
que
aqui
temos
dois
tipos
de
mundos,
mundos
construídos
com
diferentes
materiais;
um
mundo
mental
e
um
mundo
7ísico.
O
mundo
mental,
de
fato,
é
passível
de
ser
imaginado
como
gasoso
ou
mesmo
etéreo.
Mas
deixe-‐me
lembra-‐lo
aqui
do
estranho
papel
que
o
gasoso
e
o
etéreo
tem
na
7iloso7ia,
-‐
quando
percebemos
que
um
substantivo
não
é
usado
como
o
que,
em
geral,
chamamos
o
nome
de
um
objeto,
e
quando,
portanto,
não
conseguimos
evitar
de
dizer
para
nós
mesmos
que
ele
é
o
nome
de
um
objeto
etéreo.
Quero
dizer,
nós
já
conhecemos
a
ideia
de
‘objetos
etéreos’
como
um
subterfugio,
quando
estamos
embaraçados
com
a
gramática
de
certas
palavras,
e
quando
tudo
o
que
sabemos
é
que
elas
não
são
usadas
como
nomes
para
objetos
materiais.
Isso
é
uma
sugestão
sobre
como
dissolver
o
problema
dos
dois
materiais,
mente
e
matéria.35
Parece-‐nos,
por
vezes,
como
se
os
fenômenos
da
experiência
pessoal
fossem,
de
certo
modo,
fenômenos
nos
estratos
mais
elevados
da
atmosfera,
em
contraste
com
os
fenômenos
materiais
que
acontecem
na
super7ície.
Existem
34A afirmação da existência de dois tipos de proposições em nossa linguagem parece fazer sua estréia
aqui.
35
Nesse
parágrafo
Wittgenstein
apresenta
a
primeira
alternativa,
cartesiana,
em
termos
do
dualismo
espirito-‐matéria.
Ver
Sluga,
no
Companion.
47
pontos
de
vista
de
acordo
com
os
quais
esses
fenômenos
no
estrato
superior
surgem
quando
os
fenômenos
materiais
alcançam
um
certo
grau
de
complexidade.
Por
exemplo,
que
o
fenômeno
mental,
a
experiência
sensorial,
a
vontade,
etc,
emergem
quando
se
desenvolve
um
tipo
de
organismo
animal
de
uma
certa
complexidade.36
Parece
haver
uma
certa
verdade
óbvia
nisso,
pois
a
ameba
certamente
não
fala,
escreve
ou
discute,
coisa
que
fazemos.
Por
outro
lado
surge
aqui
o
problema
que
poderia
ser
expresso
na
pergunta:
“É
possível
que
uma
máquina
pense?”
(quer
a
ação
desta
máquina
possa
ser
descrita
e
prevista
pelas
leis
da
7ísica
ou,
possivelmente,
apenas
por
leis
de
um
tipo
diferente
aplicadas
ao
comportamento
de
organismos).
E
o
problema
que
é
expressado
nesta
pergunta
não
é
realmente
que
ainda
não
sabemos
de
uma
máquina
que
possa
fazer
isso.
A
pergunta
não
é
análoga
aquela
que
alguém
poderia
ter
feito
cem
anos
atrás:
“Uma
máquina
pode
liquefazer
um
gás?”
O
problema
é,
antes,
que
a
sentença
“uma
máquina
pensa
(percebe,
deseja)”;
parece
de
algum
modo
sem
sentido.
É
como
se
tivéssemos
perguntado
“o
numero
3
tem
uma
cor?”
(“Qual
poderia
ser
a
cor
já
que
é
obvio
que
ele
não
tem
nenhuma
das
cores
conhecidas
por
[48]
nós?”).
Sob
certo
aspecto
da
questão
a
experiência
pessoal,
longe
de
ser
o
produto
de
processos
7ísicos
químicos,
7isiológicos,
parece
ser
a
própria
base
de
tudo
o
que
dizemos
com
algum
sentido
sobre
tais
processos.37
Olhando
para
as
coisas
sob
esse
ponto
de
vista
somos
inclinados
a
usar
nossa
ideia
de
um
material
de
construção
de
uma
outra
forma
ainda
enganadora,
e
dizer
que
o
mundo,
em
sua
totalidade
mental
e
7ísica,
é
feito
de
apenas
um
material.38
Quando
olhamos
para
tudo
o
que
sabemos
e
que
podemos
dizer
sobre
o
mundo
como
se
tivesse
por
base
a
experiência
pessoal,
então
o
que
sabemos
parece
perder
uma
grande
parte
de
seu
valor,
segurança
e
solidez.
Ficamos
então
inclinados
a
dizer
que
tudo
é
“subjetivo”;
e
“subjetivo”
é
usado
depreciativamente,
como
quando
dizemos
que
uma
opinião
é
meramente
subjetiva,
uma
questão
de
gosto.
Ora,
que
este
aspecto
pareça
abalar
a
autoridade
da
experiência
e
do
conhecimento
aponta
para
o
fato
que
aqui
nossa
linguagem
nos
leva
a
fazer
uma
analogia
enganadora.
Isso
nos
deveria
lembrar
o
caso
do
cientista
popular39
que
parecia
ter-‐nos
mostrado
que
o
chão
em
que
estamos
não
é
realmente
sólido
porque
é
feito
de
elétrons.
48
Estamos
diante
de
problemas
causados
pela
nossa
forma
de
expressão.
Um
outro
problema
desses,
bastante
próximo,
é
expresso
na
frase:
“Somente
eu
posso
saber
que
eu
tenho
experiências
pessoais,
e
não
que
alguém
mais
tem”.
–
Chamaremos
então
a
experiência
pessoa
de
alguém
mais
de
uma
hipótese
desnecessária?
-‐
Mas
trata-‐se
mesmo
de
uma
hipótese?
De
que
modo
essa
hipótese
poderia
ser
formulada
se
ela
transcende
toda
a
experiência
possível?
Como
tal
hipótese
poderia
ser
garantida
com
sentido?
(não
é
como
papel-‐moeda,
não
garantido
por
ouro?)
–
Em
nada
nos
ajuda
aqui
se
alguém
nos
diz
que,
embora
não
saibamos
se
a
outra
pessoa
tem
dor,
nós
certamente
acreditamos
nisso
quando,
por
exemplo,
temos
pena
dela.
Certamente
não
deveríamos
ter
pena
dela
se
não
acreditássemos
que
ela
tem
dores;
mas
isso
é
uma
crença
7ilosó7ica,
meta7ísica?
Um
realista
tem
mais
pena
de
mim
do
que
um
idealista
ou
um
solipsista?40
–
De
fato
o
solipsista
pergunta:
“Como
podemos
acreditar
que
o
outro
tem
dor;
o
que
signi7ica
acreditar
nisso?
Como
a
expressão
de
tal
suposição
pode
fazer
sentido?”
Ora,
a
resposta
do
7ilósofo
do
senso
comum
–
e
que,
n.
b.,
não
é
o
homem
do
senso
comum,
que
está
tão
distante
do
realismo
quanto
do
idealismo
–
a
resposta
do
7ilósofo
do
senso
comum
é
que
certamente
não
há
di7iculdade
na
ideia
de
supor,
pensar,
imaginar
que
alguém
tem
o
que
eu
tenho.
Mas
o
problema
com
o
realista
é
sempre
que
ele
não
resolve
e
sim
desvia
das
di7iculdades
que
seu
adversário
vê,
muito
embora
eles
também
não
tenham
sucesso
em
resolvê-‐las.
A
[49]
resposta
do
realista,
para
nós,
apenas
faz
surgir
a
di7iculdade,
pois
aquele
que
argumenta
dessa
forma
negligencia
a
diferença
entre
diferentes
utilizações
[usages]
das
palavras
“ter”
e
“imaginar”.
“A
tem
um
dente
de
ouro”
signi7ica
que
o
dente
está
na
boca
de
A.
Isso
pode
explicar
o
fato
de
eu
não
ser
capaz
de
vê-‐lo.
Mas
o
caso
de
sua
dor
dentes,
do
qual
eu
digo
que
não
sou
capaz
de
senti-‐la
porque
ocorre
na
boca
dele
não
é
análogo
ao
caso
do
dente
de
ouro.
É
a
analogia
aparente
e,
mais
uma
vez,
a
falta
de
analogia
entre
esses
casos,
que
provoca
as
nossas
di7iculdades.
E
é
desta
característica
perturbadora
de
nossa
gramática
que
o
realista
não
se
dá
conta.
É
concebível
que
eu
sinta
dor
em
um
dente
na
boca
de
outra
pessoa;
e
a
pessoa
que
diz
que
ela
não
pode
sentir
a
dor
de
dentes
de
uma
outra
pessoa
não
está
negando
isto.
Somente
veremos
claramente
a
di7iculdade
gramatical
em
que
estamos
metidos
se
nos
familiarizarmos
com
a
ideia
de
sentir
dor
no
corpo
de
outra
pessoa.
De
outra
forma,
ao
quebrar
cabeças
com
esse
problema,
estaremos
sujeitos
a
40 Na bibliogra_ia sobre essa região do Blue Book destaca-‐se o livro de Peter Hacker, Insight and
Illusion,
de
1972,
nas
páginas
197ss.
Cito:
“Solipsismo,
Idealismo
e
Realismo,
alega
Wittgenstein,
todos
são
teorias
meta_ísicas.
O
solipsismo
e
o
idealismo,
esforçando-‐se
futilmente
para
iluminar
a
essência
do
mundo,
para
jogar
luz
sobre
a
natureza
da
realidade
e
de
nossa
experiência
dela,
batem-‐se
violentamente
contra
o
senso
comum.
O
realismo
concebe-‐se
como
a
_iloso_ia
do
senso
comum,
propondo-‐se
a
defender
as
crenças
do
senso
comum
contra
a
investida
do
idealista
e
do
solipsista
por
meio
de
um
argumento
_ilosó_ico.
Esse
_ilósofo
do
senso
comum
está,
no
entanto,
está
tão
distante
do
entendimento
do
senso
comum
quanto
o
solipsista
e
o
idealista.
(...)
49
confundir
a
nossa
proposição
meta7ísica
“eu
não
posso
sentir
a
dor
dele”
com
proposição
de
experiência,
“não
podemos
ter
(em
regra
não
temos)
dores
no
dente
de
outra
pessoa”.
Nessa
proposição
a
palavra
“não
podemos”
é
usada
da
mesma
maneira
que
na
proposição
“um
prego
de
ferro
não
pode
riscar
vidro”.
(Poderíamos
escrever
isso
na
forma
“a
experiência
nos
ensina
que
um
prego
de
ferro
não
arranha
o
vidro”)
e
com
isso
deixamos
de
lado
o
“não
pode”.
Para
se
ver
que
é
concebível
que
uma
pessoa
poderia
ter
dor
no
corpo
de
outra
pessoa,
precisamos
examinar
que
tipo
de
fatos
nós
consideraríamos
como
critério
para
uma
dor
estar
em
algum
lugar.
É
fácil
imaginar
o
seguinte
caso:
quando
vejo
minhas
mãos
nem
sempre
estou
ciente
da
conexão
delas
com
o
resto
do
meu
corpo.
Quero
dizer,
frequentemente
vejo
minha
mão
se
movimentando
mas
não
vejo
o
braço
que
a
liga
ao
meu
torso.
E
tampouco
eu,
necessariamente,
na
hora,
con7iro
a
existência
do
braço
de
alguma
outra
forma.
Portanto
a
mão
pode,
pelo
que
sei,
estar
conectada
ao
corpo
de
um
homem
que
está
perto
de
mim
(ou,
naturalmente,
a
nenhum
corpo
humano).
Suponham
que
eu
sinta
uma
dor
que,
baseado
na
evidência
apenas
da
dor,
por
exemplo,
com
os
olhos
fechados,
eu
deveria
chamar
de
uma
dor
na
minha
mão
direita.
Eu
faço
isso
e,
olhando
para
o
lado
percebo
que
estou
tocando
a
mão
do
meu
vizinho
(quero
dizer,
a
mão
ligada
ao
torso
do
meu
vizinho).
Perguntem-‐se:
como
sabemos
para
onde
apontar
quando
nos
podem
para
apontar
para
o
lugar
onde
nos
dói?
Apontar
dessa
forma
pode
ser
comparado
com
apontar
para
um
ponto
negro
numa
folha
de
papel
quando
alguém
diz:
“aponte
para
o
ponto
negro
nessa
folha”?
Suponha
que
alguém
diz:
“você
aponta
para
esse
ponto
porque
você
sabe
antes
de
apontar
que
a
[50]
dor
está
lá”;
pergunte-‐se
“o
que
quer
dizer
saber
que
as
dores
estão
lá?
A
palavra
“lá”
refere-‐
se
a
uma
localidade;
-‐
mas
em
qual
espaço,
isto
é,
uma
“localidade”
em
qual
sentido?
Conhecemos
o
lugar
da
dor
no
espaço
euclidiano,
de
tal
modo
que,
quando
sabemos
que
temos
dores,
sabemos
qual
é
a
distância
a
que
ela
se
encontra
de
duas
das
paredes
desse
quarto
e
do
chão?
Quando
tenho
uma
dor
na
ponta
de
um
dedo
e
toco
meu
dente
com
ele,
a
minha
dor
agora
é
uma
dor
de
dente
e
na
ponta
do
dedo?
Certamente,
em
um
sentido
podemos
dizer
que
a
dor
está
localizada
no
dente.
Será
essa
a
razão
pela
qual
nesse
caso
é
errado
dizer
que
eu
tenho
dor
de
dentes,
porque
para
que
ela
esteja
no
dente
ela
deveria
estar
alguns
milímetros
longe
da
ponta
do
meu
dedo?
Lembre-‐se
que
a
palavra
“onde”
pode
referir-‐se
a
localidades
em
muitos
sentidos
diferentes.
(Jogam-‐se
com
essa
palavra
muitos
jogos
gramaticais
diferentes,
parecendo-‐se
mais
ou
menos
uns
com
os
outros.
Pense
nos
diferentes
usos
do
numeral
“1”.
Posso
saber
onde
uma
coisa
está
e
então
apontar
para
ela
em
virtude
desse
conhecimento.
O
conhecimento
me
diz
para
onde
apontar.
Aqui
concebemos
este
conhecimento
como
a
condição
para
apontar
deliberadamente
para
o
objeto.
Assim
podemos
dizer:
“posso
apontar
para
o
lugar
que
queres
dizer
porque
eu
o
vejo”,
“posso
indicar
o
lugar
porque
sei
onde
7ica,
primeiro
toma
a
direita,
etc.”
Temos
a
tendência
de
dizer
“tenho
de
saber
onde
uma
coisa
7ica
antes
de
poder
apontar
50
para
ela”.
Talvez
você
se
sinta
menos
satisfeito
se
disserem:
“tenho
de
saber
onde
uma
coisa
7ica
antes
de
poder
olhar
para
ela”.
Naturalmente,
algumas
vezes
é
correto
dizer
isso.
Mas
somos
tentados
a
pensar
que
existe
um
estado
ou
evento
psíquico
particular,
o
conhecimento
do
lugar,
que
deve
preceder
todo
ato
deliberado
de
apontar,
mover-‐se
em
direção
a
algo,
etc.
Pense
no
caso
análogo:
“Somente
podemos
obedecer
uma
ordem
depois
de
tê-‐la
compreendido”.
Se
eu
aponto
para
o
lugar
dolorido
em
meu
braço,
em
que
sentido
se
pode
dizer
que
eu
sabia
onde
a
dor
estava
antes
de
ter
apontado
para
o
lugar?
Antes
de
apontar
eu
poderia
ter
dito
“a
dor
está
no
meu
braço
direito”.
Vamos
supor
que
meu
braço
tenha
sido
coberto
com
uma
rede
de
linhas
numeradas
de
tal
modo
que
eu
poderia
fazer
referencia
a
qualquer
lugar
de
sua
super7ície.
Seria
necessário
que
eu
pudesse
ser
capaz
de
descrever
o
lugar
doloroso
por
meio
dessas
coordenadas
antes
de
poder
apontar
para
ele?
O
que
eu
quero
dizer
é
que
o
ato
de
apontar
determina
o
lugar
da
dor.
Este
ato
de
apontar,
a
propósito,
não
deve
ser
confundido
com
o
de
encontrar
o
lugar
dolorido
procurando
por
ele.
Na
realidade
os
dois
podem
conduzir
a
diferentes
resultados.
Uma
variedade
inumerável
de
casos
podem
ser
pensados,
nos
quais
deveríamos
dizer
que
alguém
tem
dores
no
corpo
de
outra
pessoa;
ou,
digamos
[51]
numa
mobília
ou
em
um
lugar
vazio.
Naturalmente
que
não
devemos
esquecer
que
uma
dor
em
uma
parte
especí7ica
de
nosso
corpo,
por
exemplo,
num
dos
dentes
da
parte
superior,
tem
uma
peculiar
vizinhança
tátil
e
cinestésica.
Movendo
nossa
mão
para
cima
um
pouco
tocamos
o
nosso
olho;
e
a
palavra
“pequena
distância”
refere-‐se
aqui
à
distância
tátil
ou
cinestésica
ou
a
ambas.
(É
fácil
imaginar
distâncias
táteis
e
cinestésicas
correlacionadas
de
forma
diferente
da
usual.
A
distância
entre
nossa
boca
e
nosso
olho
poderia
parecer
muito
grande
‘para
os
músculos
de
nosso
braço’
quando
movemos
nosso
dedo
da
boca
para
o
olho.
Pense,
quando
o
dentista
está
broqueando
e
sondando
nosso
dente,
em
como
imaginamos
grande
a
cavidade
feita
nele.)
Quando
disse
que
se
elevássemos
ligeiramente
a
nossa
mão
encontraríamos
o
nosso
olho,
eu
estava
me
referindo
apenas
à
evidência
tátil.
Isto
é,
o
critério
para
o
toque
do
meu
dedo
no
meu
olho
era
apenas
o
de
eu
ter
a
sensação
particular
que
me
levaria
a
dizer
que
eu
estava
tocando
meu
olho,
mesmo
se
eu
não
tivesse
evidência
para
isso,
e
mesmo
se,
olhando
para
um
espelho,
eu
visse
meu
medo
tocando,
digamos,
minha
testa
e
não
o
meu
olho.
Da
mesma
forma
que
“a
pequena
distância”
que
me
referia
era
de
tipo
tátil
ou
cinestésico,
também
os
lugares
dos
quais
eu
disse,
“eles
7icam
a
uma
pequena
distância”
era
lugares
táteis.
Dizer
que
o
meu
dedo
se
move
no
espaço
tátil
e
cinestésico
do
meu
dente
até
o
meu
olho
signi7ica,
então,
que
tenho
essas
experiências
táteis
e
cinestésicas
que
normalmente
temos
quando
dizemos
“o
meu
dedo
move-‐se
do
meu
dente
até
meu
olho”.
Mas
aquilo
que
consideramos
como
uma
evidência
para
essa
ultima
proposição
não
é,
de
forma
nenhuma,
como
todos
sabemos,
apenas
táctil
e
cinestésica.
De
fato,
se
eu
tivesse
as
sensações
táteis
e
cinestésicas
referidas,
eu
poderia
ainda
assim
negar
a
51
proposição
“meu
dedo
move-‐se,
etc...”
em
virtude
do
que
vi.
Essa
proposição
é
uma
proposição
sobre
objetos
7ísicos.
(E
agora
não
pense
que
a
expressão
“objeto
7ísico”
quer
dizer
que
se
tenha
a
intenção
de
distinguir
um
tipo
de
objeto
de
outro.)
A
gramática
das
proposições
que
chamamos
de
proposições
sobre
objetos
7ísicos
admite
uma
variedade
de
evidencias
para
cada
proposição.
A
característica
da
gramática
da
proposição
“meu
dedo
move-‐se,
etc”
é
que
considero
as
proposições
“vejo-‐o
mover-‐se”,
“sinto-‐o
mover-‐se”,
etc,
como
evidências
dessa
proposição.
Ora,
se
digo
“vejo
minha
mão
mover-‐se”,
a
primeira
vista
isso
parece
pressupor
que
eu
concordo
com
a
proposição
“minha
mão
move-‐se”.
Mas
se
eu
considero
a
proposição
“eu
vejo
minha
mão
mover-‐se”
como
uma
das
evidencias
para
a
proposição
“minha
mão
move-‐se”,
a
verdade
da
ultima
não
é,
naturalmente,
pressuposta
na
verdade
da
primeira.
Assim,
poderíamos
sugerir
a
expressão
“parecia
que
[52]
minha
mão
estava
se
movendo”
ao
invés
de
“vejo
minha
mão
mover-‐se”.
Mas
esta
expressão,
embora
indique
que
a
minha
mão
pode
parecer
estar
se
movendo
sem
que
isso
realmente
aconteça,
poderia
ainda
sugerir
que
no
7im
das
contas
deve
existir
uma
mão
para
que
ela
pareça
estar
se
movendo;
ao
passo
que
poderíamos
facilmente
imaginar
casos
nos
quais
a
proposição
que
descreve
a
evidencia
visual
é
verdadeira
e
ao
mesmo
tempo
outras
evidências
nos
levam
a
dizer
que
eu
não
tenho
mão.
O
nosso
modo
comum
de
expressão
obscurece
isso.
Estamos
em
desvantagem
(handicapped)
na
linguagem
comum
ao
ter
que
descrever,
digamos,
uma
sensação
tátil
por
meio
de
termos
para
objetos
7ísicos
tais
como
a
palavra
“olho”,
“dedo”,
etc.,,
quando
aquilo
que
queremos
dizer
não
implica
a
existência
de
um
olho
ou
dedo,
etc.
Temos
que
usar
uma
descrição
indireta
de
nossas
sensações.
Naturalmente,
isto
não
quer
dizer
que
a
linguagem
comum
seja
insu7iciente
para
os
nossos
propósitos
especiais
mas
que
é
ligeiramente
embaraçosa
(cumbrous)
e
algumas
vezes
enganadora
(misleading).
A
razão
para
essa
peculiaridade
de
nossa
linguagem
é,
certamente,
a
coincidência
regular
de
certas
experiências
sensoriais.
Assim,
quando
sinto
meu
braço
mover-‐se,
a
maior
parte
das
vezes
também
posso
vê-‐lo
mover-‐se.
E
se
eu
tocá-‐lo
com
minha
mão,
também
a
mão
sente
o
movimento,
etc.
(O
homem
cujo
pé
foi
amputado
descreverá
uma
dor
particular
como
uma
dor
no
seu
pé.)
Sentimos
em
tais
casos
uma
forte
necessidade
de
uma
expressão
como:
“uma
sensação
viaja
da
minha
face
tátil
para
meu
olho
tátil”.
Eu
disse
tudo
isso
porque,
se
vocês
tem
consciência
do
ambiente
tátil
e
cinestésico
de
uma
dor,
vocês
podem
achar
di7ícil
imaginar
que
a
gente
poderia
ter
uma
dor
de
dentes
em
qualquer
outro
lugar
que
não
os
próprios
dentes.
Mas
se
imaginamos
um
caso
como
esse,
isso
signi7ica
simplesmente
que
imaginamos
uma
correlação
entre
experiencias
visuais,
táteis,
cinestésicas,
etc.,
diferente
da
correlação
comum.
Assim
podemos
imaginar
uma
pessoa
que
tenha
a
sensação
de
dor
de
dentes,
mais
aquelas
experiências
táteis
e
cinestésicas
que,
normalmente,
estão
associadas
com
a
visão
de
sua
mão
passando
do
seu
dente
ao
seu
nariz,
aos
seus
olhos,
etc.,
mas
correlacionadas
com
a
experiência
visual
da
sua
mão
em
movimento
para
esses
lugares
no
rosto
de
outra
pessoa.
Ou,
novamente,
podemos
imaginar
uma
pessoa
52
que
tenha
a
sensação
cinestésica
do
movimento
da
sua
mão,
e
a
sensação
tátil,
nos
seus
dedos
e
no
seu
rosto,
do
movimento
dos
seus
dedos
sobre
o
seu
rosto,
enquanto
as
suas
sensações
cinestésicas
e
visuais
teriam
de
ser
descritas
como
correspondendo
às
dos
seus
dedos
movendo-‐se
sobre
o
seu
joelho.
Se
tivéssemos
uma
sensação
de
dor
de
dentes,
mais
certas
sensações
táteis
e
cinestesicas
usualmente
características
do
toque
no
dente
dolorido
e
nas
zonas
vizinhas
de
nosso
rosto,
e
se
estas
sensações
fossem
acompanhadas
pela
visão
da
mão
a
tocar
e
a
andar
de
um
lado
para
o
outro
na
borda
da
mesa,
teríamos
duvidas
sobre
se
deveríamos
ou
não
chamar
esta
[53]
experiência
uma
experiência
de
dor
de
dentes
na
mesa.
Se,
por
outro
lado,
as
sensações
táteis
e
cinestésicas
descritas
estivessem
correlacionadas
com
a
experiência
visual
da
visão
da
mão
tocar
um
dente
e
outras
partes
do
rosto
de
outra
pessoa,
não
há
duvida
de
que
chamaria
esta
experiência
“dor
de
dentes
no
dente
de
outra
pessoa”.
Eu
disse
que
o
homem
que
argumentava
que
era
impossível
sentir
a
dor
de
outra
pessoa
não
queria
com
isso
negar
que
alguém
pudesse
sentir
dor
no
corpo
da
outra
pessoa.
De
fato,
ele
teria
dito:
“Eu
posso
sentir
dor
no
dente
de
outra
pessoa,
mas
não
sua
dor
de
dentes”.
Assim,
a
proposição
“A
tem
um
dente
de
ouro”
e
“A
tem
dor
de
dentes”
não
são
usadas
analogamente.
Elas
são
diferentes
em
suas
gramáticas
onde,
à
primeira
vista,
elas
poderiam
parecer
não
ser
diferentes.
Quanto
ao
uso
da
palavra
“imaginar”
–
poderia
dizer-‐se:
existe
com
toda
a
certeza
um
ato
de7inido
de
imaginar
a
dor
de
outra
pessoa”.
Naturalmente
que
não
negamos
isso
ou
qualquer
outra
a7irmação
acerca
de
fatos.
Mas
vejamos:
se
imaginamos
a
dor
de
outra
pessoa,
aplicaremos
a
imagem
da
mesma
maneira
que
aplicamos,
por
exemplo,
a
imagem
de
um
olho
negro,
quando
imaginamos
que
outra
pessoa
o
tem?
Substituamos
de
novo
a
imaginação,
no
sentido
habitual,
por
uma
imagem
pintada.
(Esta
poderia
muito
bem
ser
a
maneira
de
imaginar
de
certos
seres.)
Suponhamos
então
que
alguém
imagina
desta
maneira
que
A
tem
um
olho
negro.
Uma
aplicação
muito
importante
desta
7igura
consistirá
em
sua
comparação
com
o
olho
real
para
ver
se
a
7igura
é
correta.
Quando
imaginamos
vividamente
que
alguém
sofre
dores,
frequentemente
intervém
em
nossa
imagem
o
que
poderíamos
chamar
de
uma
sombra
da
dor,
sentida
no
lugar
correspondente
àquele
em
que
dizemos
que
sua
dor
foi
sentida.
Mas
o
sentido
em
que
dizemos
que
uma
imagem
é
uma
imagem
é
determinado
pelo
modo
como
a
comparamos
com
a
realidade.
Poderíamos
chamar
a
isso
o
método
de
projeção.
Pensem
agora
na
comparação
de
uma
imagem
da
dor
de
dentes
de
A
com
a
dor
de
dentes
dele.
Como
você
as
compararia?
Se
você
me
disser
que
faz
isso
“indiretamente”,
através
de
seu
comportamento
corporal,
responderei
que
isto
signi7ica
que
você
não
as
comparam
da
mesma
forma
como
compara
a
imagem
do
seu
comportamento
com
seu
comportamento.
53
Novamente,
quando
você
diz
“estou
seguro
que
você
não
pode
saber
quando
A
tem
dor,
você
pode
apenas
conjeturar
isso”
você
não
vê
a
di7iculdade
que
existe
nos
diferentes
usos
das
palavras
“conjeturar”
e
“saber”.
A
que
tipo
de
impossibilidade
você
se
referia
quando
disse
que
não
se
poderia
saber?
Você
não
estaria
pensando
em
um
caso
análogo
aquele
em
que
não
se
podia
saber
se
o
outro
homem
tinha
um
dente
de
ouro
na
boca,
visto
que
sua
boca
estava
fechada?
Nesse
caso
o
que
você
não
sabia
poderia,
apesar
disso,
imaginar
saber;
fazia
sentido
dizer
que
você
[54]
viu
aquele
dente
muito
embora
não
o
visse;
ou
antes,
faz
sentido
dizer
que
você
não
vê
o
dente
dele
e
portanto
também
faz
sentido
dizer
que
você
o
vê.
Quando,
por
outro
lado,
você
disse
que
uma
pessoa
não
pode
saber
que
a
outra
pessoa
tem
dores
você
não
quer
dizer
que
na
realidade
as
pessoas
não
sabiam,
mas
que
não
faz
sentido
dizer
que
sabiam
(e,
por
conseguinte
que
não
fazia
sentido
dizer
que
não
sabiam).
Se,
portanto,
nesse
caso
você
usa
a
palavra
“conjetura”
ou
“crença”,
você
não
as
usa
como
opostas
a
“saber”.
Isto
é,
você
não
a7irma
que
saber
era
um
objetivo
que
não
podia
ser
alcançado
e
que
você
precisava
se
contentar
com
a
conjectura;
ao
contrario,
não
há
objetivo
nesse
jogo.
Da
mesma
maneira
que,
quando
alguém
diz
“você
não
pode
enumerar
toda
a
série
dos
números
cardinais”,
a
pessoa
não
anuncia
um
fato
sobre
a
fragilidade
humana
mas
sobre
uma
convenção
estabelecida
por
nós.
Nossa
a7irmação
não
é
comparável,
muito
embora
tenha
sido
sempre
falsamente
comparada,
com
a
a7irmação
“é
impossível
a
um
ser
humano
atravessar
o
Atlântico
a
nado”;
mas
é
análoga
a
uma
a7irmação
como
“não
há
objetivo
em
uma
corrida
de
resistência”.
E
isto
é
uma
das
coisas
que
sente
vagamente
a
pessoa
que
não
se
satisfaz
com
a
explicação
de
que,
se
bem
que
não
possa
saber...
,
pode
conjeturar...
Se
estamos
zangados
com
alguém
que
está
gripado
e
sai
para
a
rua
em
um
dia
frio,
podemos
dizer:
“eu
não
vou
sentir
o
teu
frio”.
E
isso
quer
dizer:
“Eu
não
sofro
quando
estás
gripado”.
Essa
é
uma
proposição
que
a
experiência
nos
ensina”.
A7inal,
poderíamos
imaginar
uma
conexão
sem
7ios,
por
assim
dizer,
entre
os
dois
corpos
que
7izesse
com
que
uma
pessoa
sentisse
dores
de
cabeça
depois
da
outra
ter
se
exposto
ao
frio.
Nesse
caso
poderíamos
argumentar
que
as
dores
são
minhas
porque
elas
são
sentidas
na
minha
cabeça;
mas
suponha
que
eu
e
outra
pessoa
tivéssemos
uma
parte
do
corpo
em
comum,
por
exemplo,
uma
mão.
Imagine
os
nervos
e
tendões
do
meu
braço
e
do
braço
de
A
estejam
conectados
com
esta
mão
por
meio
de
uma
cirurgia.
Agora
imagine
a
mão
sendo
picada
por
uma
vespa.
Nós
dois
gritamos,
fazemos
esgares,
damos
a
mesma
descrição
da
dor,
etc.
Devemos
dizer
agora
que
temos
a
mesma
dor
ou
dores
diferentes?
Se
num
caso
desses
você
disser:
“Sentimos
dor
no
mesmo
lugar,
no
mesmo
corpo,
nossas
descrições
combinam,
mas
ainda
assim
minha
dor
não
pode
ser
dele”,
suponho
que
você
sentir-‐se-‐á
inclinado
a
dizer,
como
razão:
“porque
a
minha
dor
é
a
minha
dor,
e
a
dor
dele
é
dele”.
E
aqui
você
está
fazendo
uma
a7irmação
gramatical
sobre
o
uso
de
uma
frase
como
“a
mesma
dor”.
Você
diz
que
não
quer
aplicar
a
frase
“ele
tem
a
minha
dor”
ou
“ambos
temos
a
mesma
54
dor”
e
ao
invés
disso,
talvez,
você
aplicará
uma
frase
do
tipo
“a
dor
dele
é
exatamente
como
a
minha”.
(Não
seria
um
argumento
dizer
que
os
dois
não
poderiam
ter
a
mesma
dor
[55]
porque
um
poderia
anestesiar
ou
matar
o
outro
e
não
obstante
isso
continuaria
a
sentir
dor.)
Naturalmente,
se
excluímos
a
frase
“Eu
tenho
sua
dor
de
dentes”
de
nossa
linguagem,
com
isso
também
excluímos
“eu
tenho
(ou
sinto)
minha
dor
de
dentes”.
Outra
forma
de
nosso
enunciado
meta7ísico
é
essa:
“Os
dados
dos
sentidos
41 (sense
data)
de
um
homem
são
privados
para
ele
mesmo”.
E
essa
forma
expressar
isso
é
ainda
mais
enganadora
porque
ela
se
assemelha
mais
a
uma
proposição
de
experiência:
o
7ilósofo
que
diz
isso
pode
muito
bem
pensar
que
ele
está
expressando
uma
espécie
de
verdade
cientí7ica.
Usamos
a
frase
“dois
livros
tem
a
mesma
cor”
,
mas
poderíamos
perfeitamente
dizer:
“Eles
não
podem
ter
a
mesma
cor,
porque,
a7inal,
este
livro
tem
sua
própria
cor
e
o
outro
livro
tem
sua
própria
cor,
também”.
Isso
também
seria
a
enunciação
de
uma
regra
gramatical
–
uma
regra,
incidentalmente,
que
não
está
em
acordo
com
nossa
utilização
(usage)
comum.
A
razão
pela
qual
deveríamos
pensar
nesses
dois
usos
diferentes
é
essa:
comparamos
o
caso
dos
dados
dos
sentidos
com
aquele
dos
corpos
7ísicos,
em
cujo
caso
7izemos
uma
distinção
entre
“esta
é
a
mesma
cadeira
que
eu
vi
uma
hora
atrás”
e
“esta
não
é
a
mesma
cadeira,
mas
outra
exatamente
igual
àquela”.
Aqui
faz
sentido
dizer
e
trata-‐se
de
uma
proposição
de
experiência:
“A
e
B
não
poderiam
ter
visto
a
mesma
cadeira,
pois
A
estava
em
Londres
e
B
em
Cambridge;
eles
viram
duras
cadeiras
exatamente
iguais”.
(Aqui
será
útil
considerar
os
diferentes
critérios
para
aquilo
que
chamamos
de
“identidade
desses
objetos”.
Como
aplicamos
as
a7irmações:
“Este
é
o
mesmo
dia
....”,
“Esta
é
a
mesma
palavra...”,
“Esta
é
a
mesma
ocasião...”,
etc?)
O
que
7izemos
nessas
discussões
foi
o
que
sempre
fazemos
quando
encontramos
a
palavra
“poder”
(can)
numa
proposição
meta7ísica.
Mostramos
que
essa
proposição
esconde
uma
regra
gramatical.
Isso
quer
dizer,
destruímos
a
similaridade
aparente
entre
uma
proposição
meta7isica
e
uma
proposição
de
experiência,
e
tentamos
encontrar
a
forma
de
expressão
que
satisfaz
um
certo
desejo
(craving)
do
meta7ísico
que
a
nossa
linguagem
comum
não
satisfaz
e
que,
enquanto
não
é
satisfeita,
produz
o
enigma
meta7ísico
(metaphysical
puzzlement).
Mais
uma
vez,
quando
eu
digo,
em
um
sentido
meta7isico,
“Eu
devo
sempre
saber
quando
tenho
dores”,
isso
faz
com
que
a
palavra
“saber”
seja
redundante;
e
ao
invés
de
“eu
sei
que
tenho
dor”,
eu
posso
simplesmente
dizer
“eu
tenho
dor”.
A
questão
é
diferente,
por
certo,
se
damos
um
sentido
à
frase
“dor
inconsciente”,
7ixando
critérios
experienciais
para
o
caso
no
qual
um
homem
tem
dor
e
não
sabe
disso,
e
se
então
dizemos
(correta
ou
erroneamente)
que,
na
realidade,
ninguém
pode
ter
dor
da
qual
não
tem
conhecimento.
41 Se anotei bem, essa é a primeira referencia, no Livro Azul, aos “dados dos sentidos”.
55
Quando
dizemos
“eu
não
posso
sentir
a
dor
dele”,
a
ideia
de
uma
barreira
intransponível
[56]
sugere-‐se
por
si
mesma
para
nós.
Pensemos
imediatamente
num
caso
similar:
as
cores
verde
e
azul
não
podem
estar
no
mesmo
lugar
simultaneamente”.
Aqui
a
imagem
de
impossibilidade
7ísica
que
sugere-‐se
por
si
mesma
é,
talvez,
não
aquela
da
barreira;
ao
contrários,
sentimos
que
as
duas
cores
estão
uma
no
lugar
da
outra
(the
two
colours
are
in
each
other’s
way).
Qual
é
a
origem
dessa
ideia?
–
Dizemos
que
três
pessoas
não
podem
sentar-‐se
neste
banco;
não
há
espaço
su7iciente.
Ora,
o
caso
das
cores
não
é
análogo
a
esse;
mas
é,
de
alguma
forma,
análogo
a
se
dizer:
“3
x
40
centímetros
não
cabem
em
1
metro”.
Esta
é
uma
regra
gramatical
e
enuncia
uma
impossibilidade
lógica.
A
proposição
“três
homens
não
podem
sentar-‐se
lado
a
lado
em
um
banco
de
um
metro
de
comprimento”
expressa
uma
impossibilidade
7ísica;
e
este
exemplo
mostra
claramente
porque
as
duas
impossibilidades
são
confundidas.
(Compare
a
proposição
“ele
é
25
centímetros
mais
alto
do
que
eu”
com
“em
dois
metros
há
mais
25
centimetros
do
que
em
um
metro
e
setenta
e
cinco”.
Estas
proposições
são
de
tipos
completamente
diferentes,
mas
parecem
ser
muito
semelhantes.)
A
razão
pela
qual
nesses
casos
a
ideia
de
impossibilidade
7ísica
nos
sugere-‐se
para
nós
por
si
mesma
é
que
por
um
lado
nos
decidimos
contra
o
uso
de
uma
forma
particular
de
expressão,
e
por
outro
lado
estamos
fortemente
tentados
a
usá-‐la,
visto
que
(a)
ela
soa
corretamente
alemã
ou
inglesa,
etc,
e
(b)
existem
formas
de
expressão
muito
semelhantes
que
são
usadas
em
outras
áreas
de
nossa
linguagem.
Nos
decidimos
contra
o
uso
da
expressão
“elas
estão
no
mesmo
lugar”;
por
outro
lado,
essa
frase
impõe-‐se
fortemente
a
nós
através
da
analogia
com
outras
frases,
de
modo
que,
em
certo
sentido,
temos
que
abandonar
essa
forma
de
expressão
à
força
(turn
this
form
of
expression
out
by
force).
E
é
por
isto
que
nos
parece
que
estamos
rejeitando
uma
proposição
universalmente
falsa.
Construímos
uma
descrição
(picture)
como
aquela
das
duas
cores
que
se
estorvam
mutuamente,
ou
aquela
de
uma
barreira
que
não
permite
que
uma
pessoa
mais
próxima
à
experiência
da
outra
senão
através
da
observação
de
seu
comportamento;
mas
ao
olhar
mais
de
perto
descobrimos
que
não
podemos
aplicar
a
descrição
que
7izemos.
A
nossa
hesitação
entre
a
impossibilidade
lógica
e
a
impossibilidade
7ísica
nos
faz
fazer
a7irmações
como
essa:
“Se
o
que
sinto
é
sempre
a
minha
dor
apenas,
o
que
pode
signi7icar
a
suposição
de
que
outra
pessoa
tem
dor?”
O
que
temos
a
fazer,
em
casos
como
esse
é
sempre
ver
como
as
palavras
em
questão
são
de
fato
usadas
em
nossa
linguagem.
Em
todos
os
casos
como
esse
estamos
pensando
em
um
uso
diferente
daquele
que
nossa
língua
comum
faz
das
palavras.
Por
outro
lado,
trata-‐se
de
um
uso
que
exatamente
por
alguma
razão
se
apresenta
fortemente
para
nós.
Quando
alguma
nos
parece
estranha
acerca
da
gramatica
de
nossas
palavras
é
porque
somos
alternativamente
tentados
a
usar
a
palavra
de
muitas
formas
diferentes.
E
é
particularmente
di7ícil
descobrir
que
uma
a7irmação
que
o
meta7isico
faz
expressa
[57]
descontentamento
com
nossa
gramática
quando
as
palavras
de
sua
a7irmação
também
podem
ser
usadas
para
56
enunciar
um
fato
de
experiência.
Assim,
quando
ele
diz
“somente
minha
dor
é
a
dor
real”
essa
sentença
poderia
signi7icar
que
as
outras
pessoas
apenas
7ingem
ter
dores.
E
quando
ele
a7irma
“esta
árvore
não
existe
quando
ninguém
a
vê”,
isto
poderia
signi7icar
“esta
arvore
desaparece
quando
lhe
damos
as
costas”.
O
homem
que
diz
“a
única
dor
real
é
a
minha
dor”
não
quer
dizer
com
isso
que
ele
descobriu,
usando
os
critérios
partilhados
(common
criteria)
–
isto
é,
os
critérios
que
dão
às
nossas
palavras
os
signi7icados
partilhados
–
que
as
outras
pessoas
que
diziam
que
tinham
dores
estavam
nos
enganando.
Ele
se
rebela
é
contra
o
uso
dessa
expressão
em
conexão
com
esses
critérios.
Isto
é,
ele
objeta
ao
uso
dessa
palavra
da
maneira
particular
em
que
ela
é
usada
normalmente.
Por
outro
lado,
ele
não
tem
consciência
de
estar
se
opondo
a
uma
convenção.
Ele
vê
uma
maneira
de
dividir
o
país
diferente
daquela
usada
nos
mapas
usuais.
Ele
sente-‐se
tentado,
digamos,
a
usar
no
nome
“Devonshire”
não
para
se
referir
aos
limites
convencionais
do
condado,
mas
para
uma
região
diferentemente
delimitada.
Ele
poderia
expressar
isso
dizendo:
“Não
é
um
absurdo
desenhar
os
limites
aqui,
fazendo
disso
um
condado?”.
Mas
o
que
ele
diz
é:
“O
Devonshire
real
é
este”.
Poderíamos
responder:
“O
que
você
quer
é
apenas
uma
nova
notação,
e
uma
nova
notação
não
muda
os
fatos
da
geogra7ia”.
É
verdade,
no
entanto,
que
podemos
ser
irresistivelmente
atraídos
ou
repelidos
por
uma
notação.
(Facilmente
esquecemos
o
quanto
uma
notação,
uma
forma
de
expressão,
pode
signi7icar
para
nós,
e
que
o
fato
de
mudá-‐la
não
é
sempre
tão
fácil
como
frequentemente
ocorre
na
matemática
e
nas
ciências.42
Uma
mudança
de
roupas
ou
de
nomes
pode
signi7icar
muito
pouco,
mas
também
pode
signi7icar
muito.)
Tentarei
esclarecer
o
problema
discutido
pelos
realistas,
idealistas
e
solipsistas
mostrando
a
vocês
um
problema
bastante
relacionado
com
este.
É
o
seguinte:
“Podemos
ter
pensamentos
inconscientes,
sentimentos
inconscientes,
etc.?”
A
ideia
da
existência
de
pensamentos
inconscientes
revoltou
muitas
pessoas.
Outras
pessoas,
ao
contrário,
a7irmaram
que
essas
estavam
equivocadas
ao
supor
que
somente
podem
haver
pensamentos
conscientes,
e
que
a
psicanálise
descobriu
os
pensamentos
inconscientes.
Os
que
objetam
ao
pensamento
inconsciente
não
percebem
que
eles
não
estavam
objetando
às
novas
reações
psicológicas
descobertas,
mas
sim
à
forma
como
elas
foram
descritas.
Os
psicanalistas,
por
outro
lado,
foram
enganados
pela
sua
própria
forma
de
expressão,
ao
pensarem
que
tinham
feito
mais
do
que
descobrir
novas
reações
psicológicas;
que
eles
tinha,
em
certo
sentido,
descoberto
pensamentos
conscientes
que
eram
inconscientes.
Os
primeiros
poderiam
ter
enunciado
as
suas
objeções
dizendo
“não
queremos
usar
a
frase
‘pensamentos
inconscientes’;
queremos
reservar
a
palavra
‘pensamento’
para
[58]
o
que
você
chama
de
‘pensamentos
conscientes’”.
Eles
expõem
a
posição
deles
de
forma
errônea
quando
dizem:
“Somente
pode
haver
pensamentos
conscientes
e
não
42
Essa
menção
a
ciências
(11a.)
está
num
contexto
muito
importante,
pois
parece
ligar-‐se
às
criticas
aos
cientistas
que
estão
no
inicio
da
segunda
parte
do
livro.
Rever
esse
ponto
com
cuidado.
57
pensamentos
inconscientes”.
Pois
se
eles
não
querem
falar
de
“pensamento
inconsciente”
eles
não
devem
usar
a
expressão
“pensamento
consciente”,
também.
Mas
não
será
correto
dizer
que,
em
qualquer
caso,
a
pessoa
que
fala
tanto
de
pensamentos
conscientes
e
inconscientes
usa,
portanto,
a
palavra
“pensamentos”
de
duas
maneiras
diferentes?
–
Usamos
um
martelo
de
duas
maneiras
diferentes
quando
batemos
em
um
prego
com
ele
e
quando
en7iamos
uma
estaca
em
um
buraco?
E
usamos
ele
de
duas
formas
diferentes
ou
da
mesma
forma
quando
en7iamos
uma
estaca
em
um
buraco
e,
por
outro
lado,
outra
estaca
em
outro
buraco?
Ou
deveríamos
somente
chamar
de
usos
diferentes
quando,
em
um
caso
en7iamos
algo
em
algo
e
no
outro
caso,
digamos,
esmagamos
algo?
Ou
tudo
isso
é
usar
o
martelo
de
um
jeito
e
somente
devemos
chamar
de
outra
forma
quando
usamos
o
martelo
como
peso
de
papel?
–
Em
quais
casos
podemos
dizer
que
uma
palavra
é
usada
de
duas
formas
diferentes
e
em
quais
que
ela
é
usada
de
uma
forma?
Dizer
que
uma
palavra
é
usada
em
duas
(ou
mais)
formas
diferentes
em
si
mesmo
não
nos
dá
ainda
qualquer
ideia
sobre
seu
uso.
Isso
apenas
especi7ica
uma
forma
de
olhar
para
essa
utilização
mediante
o
fornecimento
de
um
esquema
para
sua
descrição
com
duas
(ou
mais)
subdivisões.
Está
tudo
bem
dizer:
“Eu
faço
duas
coisas
com
este
martelo:
em
prego
um
prego
nesta
tábua
e
outro
naquela
tábua”.
Pode
haver
dois
tipos
de
discussões
sobre
se
uma
palavra
é
usada
de
uma
forma
ou
de
duas
formas:
(a)
duas
pessoas
podem
discutir
se
a
palavra
“fender”
(cleave)
é
usada
apenas
para
cortar
algo
ou
também
para
reunir
coisas.
Esta
é
uma
discussão
sobre
os
fatos
de
uma
certa
utilização.
(b)
Elas
podem
discutir
se
a
palavra
“elevado”,
que
tanto
está
por
“profundo”
e
“alto”
é
portanto
usada
em
duas
formas
diferentes.
Esta
questão
é
análoga
à
questão
sobre
se
a
palavra
“pensamento”
é
usada
de
dois
modos
ou
em
um
quando
falamos
de
pensamentos
conscientes
e
inconscientes.
A
pessoa
que
diz
“certamente,
são
duas
utilizações
diferentes”
já
decidiu
usar
um
esquema
de
duas
formas,
e
aquilo
que
ela
disse
manifesta
essa
decisão.
Ora,
quando
o
solipsista
diz
que
somente
as
suas
experiências
são
reais,
de
nada
adianta
responder
a
ele:
“Porque
você
nos
diz
isso
se
você
não
acredita
que
escutamos
isso?”
Ou,
de
qualquer
forma,
se
nós
damos
a
ele
essa
resposta,
não
devemos
acreditar
que
respondemos
à
sua
di7iculdade.
Não
há
uma
resposta
do
senso
comum
para
um
problema
7ilosó7ico.
Podemos
defender
o
senso
comum
contra
os
ataques
dos
7ilósofos
apenas
resolvendo
[59]
os
enigmas
deste,
isto
é,
curando-‐o
da
tentação
de
atacar
o
senso
comum;
não
mediante
uma
rea7irmação
das
concepções
do
senso
comum.
O
7ilósofo
não
é
uma
pessoa
fora
de
seu
juízo,
uma
pessoa
que
não
vê
aquilo
que
todo
mundo
vê;
nem,
por
outro
lado,
o
seu
desacordo
com
o
senso
comum
o
mesmo
desacordo
do
cientista
em
relação
à
visão
grosseira
do
homem
da
rua.
Isto
é,
o
seu
desacordo
não
está
baseado
em
um
conhecimento
mais
sutil
dos
fatos.
Temos
então
que
procurar
a
fonte
de
sua
perplexidade.
E
descobrimos
que
há
perplexidade
e
desconforto
mental,
não
apenas
quando
nossa
curiosidade
sobre
certos
fatos
não
7ica
satisfeita
ou
58
quando
não
conseguimos
descobrir
uma
lei
da
natureza
que
dê
conta
de
toda
a
nossa
experiência,
mas
também
quando
uma
notação
não
nos
satisfaz
–
talvez
por
causa
de
várias
associações
que
ela
desperta.
A
nossa
linguagem
comum,
que
de
todas
as
notações
possíveis
é
aquela
que
atravessa
toda
a
nossa
vida,
mantém
nossa
mente
rigidamente
em
uma
posição,
por
assim
dizer,
e
nessa
posição
algumas
vezes
ela
sente-‐se
por
vezes
constrangida
(cramped),
tendo
um
desejo
também
por
outras
posições.
Assim,
algumas
vezes
desejamos
uma
notação
que
enfatize
mais
fortemente
uma
diferença,
faça
com
que
ela
seja
mais
obvia
do
que
a
linguagem
comum
é
capaz
de
fazer,
ou
então
uma
notação
que,
em
um
caso
particular
use
formas
de
expressão
mais
próximas
do
que
nossa
linguagem
comum.
Nosso
constrangimento
(cramp)
mental
é
aliviado
quando
nos
são
mostradas
as
notações
que
preenchem
essas
necessidades.
Essas
necessidades
podem
ser
da
maior
variedade.43
Ora,
o
homem
a
quem
chamamos
de
solipsista
e
que
diz
que
somente
suas
experiências
são
reais,
não
discorda
assim
conosco
sobre
qualquer
questão
prática
de
fato,
ele
não
diz
que
estamos
simulando
quando
nos
queixamos
de
dores,
ele
tem
pena
de
nós
como
todo
mundo,
e,
ao
mesmo
tempo
ele
quer
restringir
o
uso
do
epíteto
“real”
para
o
que
chamaríamos
de
suas
experiências;
e
talvez
ele
não
queira
chamar
nossas
experiências
de
“experiências”
(novamente
sem
discordar
de
nós
acerca
de
qualquer
questão
de
fato).
Ele
diria
que
seria
inconcebível
que
outras
experiências
que
não
as
dele
fossem
reais.
Ele
deveria,
portanto,
usar
uma
notação
na
qual
uma
frase
como
“A
tem
dor
de
dente
realmente”
(e
A
não
é
ele)
é
desprovida
de
sentido,
uma
notação
cuja
regra
exclui
essa
frase
da
mesma
forma
que
as
regras
do
xadrez
excluem
a
possibilidade
do
peão
fazer
os
movimentos
do
rei.
A
sugestão
do
solipsista
tem
como
resultado
usar-‐se
uma
frase
“existe
dor
de
dentes
real”
ao
invés
de
“Smith
(o
solipsista)
tem
dor
de
dentes”.
E
porque
não
deveríamos
conceder
a
ele
essa
notação?
Eu
não
preciso
dizer
que
para
evitar
confusão
ele
faria
melhor
se
não
usasse
a
palavra
“real”
como
oposta
à
“simulada”;
o
que
signi7ica
apenas
que
teremos
de
estabelecer
a
distinção
“real”/”simulado”
de
alguma
outra
maneira.
O
solipsista
que
diz
[60]
“apenas
eu
sinto
dor
real”,
“apenas
eu
realmente
vejo
(ou
ouço)”
não
está
expressando
uma
opinião;
e
é
por
isso
que
ele
estão
tão
seguro
daquilo
que
diz.
Ele
está
irresistivelmente
tentado
a
usar
uma
certa
forma
de
expressão;
mas
precisamos
ainda
descobrir
porquê
isso
acontece.
A
expressão
“apenas
eu
realmente
vejo”
está
intimamente
relacionada
com
a
ideia
que
se
expressa
na
asserção
“nunca
sabemos
o
que
a
outra
pessoa
realmente
vê
quando
olha
para
algo”
ou
essa,
“nunca
podemos
saber
se
aquilo
que
ele
chama
de
‘azul’
é
a
mesma
coisa
que
nós
chamamos
de
‘azul’.”
De
fato,
podemos
argumentar:
“Nunca
posso
saber
o
que
ele
vê
ou
até
mesmo
se
ele
vê,
pois
tudo
o
que
tenho
são
sinais
de
vários
tipos
que
ele
me
dá;
portanto,
dizer
que
ele
vê
é
uma
hipótese
completamente
desnecessária;
o
que
é
ver
é
algo
que
59
somente
sei
a
partir
do
meu
ver;
aprendi
a
palavra
“ver”
signi7icando
apenas
o
que
eu
faço.”
Por
certo
isso
não
é
exatamente
a
verdade,
pois
eu
certamente
aprendi
um
uso
diferente
e
muito
mais
complicado
da
palavra
“ver”
do
que
aquele
que
admito
aqui.
Vamos
esclarecer
a
tendência
que
me
guiou
quando
7iz
isso,
recorrendo
a
um
exemplo
de
uma
esfera
ligeiramente
diferente.
Considerem
esse
argumento:
“Como
podemos
querer
que
esse
papel
seja
vermelho
se
ele
não
é
vermelho?
Isso
não
quer
dizer
que
eu
desejo
o
que
não
existe?
Portanto,
o
meu
desejo
somente
pode
conter
algo
similar
ao
papel
vermelho.
Não
deveríamos,
portanto,
usar
uma
outra
palavra,
ao
invés
de
‘vermelho’
quando
falamos
de
querer
que
algo
seja
vermelho?
As
imagens
do
querer
certamente
mostram-‐nos
algo
menos
de7inido,
um
pouco
mais
impreciso,
do
que
a
realidade
do
papel
vermelho.
Eu
deveria,
portanto,
dizer,
ao
invés
de
“Eu
queria
que
esse
papel
fosse
vermelho”,
algo
do
tipo
“Eu
queria
que
esse
papel
fosse
vermelho
pálido”.44
Mas
se
na
forma
usual
de
falar
ele
tivesse
dito
“Eu
queria
que
esse
papel
fosse
vermelho
pálido”,
nós
deveríamos,
para
realizar
o
desejo
dele,
ter
pintado
o
papel
de
vermelho
pálido
–
e
isso
não
era
o
que
ele
queria.
Por
outro
lado
não
há
objeção
para
se
adotar
a
forma
de
expressão
que
ele
sugere
na
medida
em
que
sabemos
que
ele
usa
a
expressão
“Eu
queria
que
esse
papel
fosse
um
x
pálido”
sempre
para
querer
dizer
o
que
usualmente
expressamos
com
“Eu
queria
que
esse
papel
tivesse
a
cor
x.”
O
que
ele
disse
sem
duvida
justi7icava
sua
notação,
no
sentido
em
que
uma
notação
pode
ser
recomendada.
Mas
ele
não
nos
diz
uma
nova
verdade
e
não
nos
mostra
que
o
que
dissemos
antes
era
falso.
(Tudo
isso
conecta
nosso
presente
problema
com
o
problema
da
negação.
Eu
vou
apenas
dar
aqui
uma
pista,
dizendo
que
seria
possível
haver
uma
notação,
na
qual,
para
dizer
grosseiramente,
uma
qualidade
sempre
tivesse
dois
nomes,
um
para
o
caso
quando
alguma
coisa
tem
a
qualidade,
a
outra
para
o
caso
em
que
a
coisa
não
a
tem.
A
negação
de
“este
papel
é
vermelho”
poderia
então
ser,
digamos,
“este
papel
não
é
vermolho”.
Uma
tal
notação
de
fato
preencheria
alguns
dos
[61]
desejos
que
nos
são
negados
pela
nossa
linguagem
comum
e
que
algumas
vezes
produzem
em
nós
um
constrangimento
(cramp)
de
perplexidade
7ilosó7ica
sobre
a
ideia
de
negação.
A
di7iculdade
que
nós
expressamos
ao
dizer
“eu
não
posso
saber
o
que
ele
vê
quando
ele
diz
(verdadeiramente)
que
ele
vê
uma
mancha
azul”
surge
da
ideia
que
“saber
o
que
ele
vê”
signi7ica:
“ver
aquilo
que
ele
vê”;
não,
no
entanto,
no
sentido
em
que
fazemos
isso
quando
ambos
temos
o
mesmo
objeto
diante
de
nossos
olhos:
mas
no
sentido
no
qual
o
objeto
visto
seria
um
objeto,
digamos,
em
sua
cabeça
ou
nele.
A
ideia
é
que
o
mesmo
objeto
pode
estar
diante
de
seus
olhos
e
dos
meus,
mas
que
eu
não
posso
penetrar
na
cabeça
dele
(ou
minha
mente
na
mente
dele,
o
que
dá
no
mesmo)
de
forma
que
o
objeto
real
e
imediato
de
sua
visão
torne-‐se
o
objeto
real
e
imediato
de
minha
visão
também.
Com
a
expressão
“eu
não
sei
o
que
ele
vê”
nós
de
fato
queremos
dizer
“eu
não
sei
para
o
60
que
ele
olha”,
onde
“para
o
que
ele
olha”
está
escondido
e
ele
não
pode
me
mostrar;
está
diante
do
olho
de
sua
mente.
Portanto,
para
se
livrar
desse
quebra-‐
cabeças,
examine
a
diferença
gramatical
entre
as
a7irmações
“eu
não
sei
o
que
ele
vê”
e
“eu
não
sei
para
o
que
ele
olha”,
tais
como
são
efetivamente
usadas
em
nossa
linguagem.
Algumas
vezes
a
expressão
mais
satisfatória
de
nosso
solipsismo
parece
ser
esta:
“Quando
algo
é
visto
(realmente
visto)
sou
sempre
eu
que
o
vejo”.
O
que
nos
deveria
chamar
a
atenção
nesta
expressão
é
a
frase
“sempre
eu”.
Sempre
quem?
Dado
que,
por
mais
estranho
que
pareça,
eu
não
signi7ica:
“sempre
L.
W.”
Isso
nos
leva
a
considerar
o
critério
para
identidade
de
uma
pessoa.
Sob
quais
circunstâncias
dizemos:
“Essa
é
a
mesma
pessoa
que
eu
vi
uma
hora
atrás”?
Nosso
uso
efetivo
da
frase
“a
mesma
pessoa”
e
do
nome
de
uma
pessoa
está
baseado
no
fato
de
que
muitas
características
que
usamos
como
o
critério
de
identidade
coincidem
na
vasta
maioria
dos
casos.
Eu
sou,
via
de
regra,
reconhecido
pela
aparência
do
meu
corpo.
Meu
corpo
muda
sua
aparência
apenas
gradualmente
e
relativamente
pouco,
e
o
mesmo
ocorre
com
minha
voz,
com
meus
hábitos
característicos,
etc.,
que
apenas
mudam
vagarosamente
e
dentro
de
um
âmbito
pequeno.
Estamos
inclinados
a
usar
os
nomes
pessoais
na
forma
como
o
fazemos
apenas
como
uma
consequência
desses
fatos.
Isso
pode
ser
visto
melhor
imaginando
casos
7ictícios
que
nos
mostrem
quais
as
diferentes
“geometrias”
que
estaríamos
inclinados
a
usar
se
os
fatos
fossem
diferentes.45
Imagine,
por
exemplo,
que
todos
os
corpos
humanos
existentes
sejam
parecidos
e
que,
por
outro
lado,
diferentes
conjuntos
de
características
parecessem,
por
assim
dizer,
mudar
de
lugar
entre
os
corpos.
Um
desses
conjuntos
de
características
poderia
ser
a
brandura,
junto
com
um
tom
de
voz
elevado
e
movimentos
lentos,
ou
um
temperamento
colérico,
uma
voz
grave
e
movimentos
bruscos,
e
assim
por
diante.
Sob
tais
circunstâncias,
muito
embora
[62]
fosse
possível
dar
nome
a
esses
corpos,
talvez
nos
sentíssemos
pouco
inclinados
a
fazer
isso,
como
nos
sentimos
inclinados
a
dar
nomes
para
as
cadeiras
de
nossa
sala
de
jantar.
Por
outro
lado,
seria
útil
dar
nomes
aos
conjuntos
de
características,
e
o
uso
desses
nomes
seria
agora
grosseiramente
correspondente
aos
nomes
pessoais
de
nossa
presente
linguagem.
Ou
imaginem
que
fosse
habitual
para
os
seres
humanos
ter
duas
personalidades,
nesse
sentido:
a
forma,
tamanho
e
características
de
comportamento
periodicamente
sofrem
uma
mudança
completa.
É
uma
coisa
comum
o
fato
de
uma
pessoa
ter
dois
estados
desse
tipo
e
ele
passa
subitamente
de
um
para
outro.
É
muito
provável
que
numa
sociedade
como
essa
nos
sentíssemos
inclinado
a
batizar
todas
as
pessoas
com
dois
nomes,
e
talvez
falar
sobre
o
par
de
pessoas
em
seu
corpo.
Ora,
seriam
o
Dr.
Jekyll
e
Mr.
Hide
duas
pessoas
ou
seriam
a
mesma
pessoa
que
simplesmente
mudou?
Podemos
dizer
o
que
quisermos.
Não
somos
forçados
a
falar
de
uma
dupla
personalidade.
45 Esse exemplo foi desenvolvido por Waismann na série. Ver o local preciso.
61
Existem
muitos
usos
da
palavra
“personalidade”
que
podemos
nos
sentir
inclinados
a
adotar,
todos
mais
ou
menos
parecidos.
O
mesmo
se
aplica
quando
de7inimos
a
identidade
de
uma
pessoa
por
meio
de
suas
memórias.
Imagine
um
homem
cujas
memorias
nos
dias
pares
de
sua
vida
compreendem
os
eventos
de
todos
esses
dias,
omitindo
completamente
o
que
aconteceu
nos
dias
impares.
Por
outro
lado,
ele
lembra,
em
um
dia
impar
o
que
aconteceu
nos
dias
impares
anteriores,
mas
nesse
caso
sua
memoria
omite
os
dias
pares
sem
um
sentimento
de
descontinuidade.
Se
quisermos
podemos
também
supor
que
ele
tem
aparências
e
características
que
se
alternam
em
dias
pares
e
impares.
Seremos
obrigados
a
dizer
que
aqui
duas
pessoas
estão
habitando
o
mesmo
corpo?
Isto
é,
é
correto
dizer
que
sim
e
errado
dizer
que
não,
ou
vice-‐versa?
Nenhuma
das
duas
coisas.
Pois
o
uso
comum
da
palavra
“pessoa”
é
o
que
poderia
ser
chamado
de
um
uso
composto
adequado
às
circunstâncias
comuns.
Se
eu
suponho,
como
faço
aqui,
que
estas
circunstâncias
são
modi7icadas,
a
aplicação
do
termo
“pessoa”
ou
“personalidade”
será
assim
modi7icada;
e
se
eu
quiser
preservar
essa
expressão
e
dar
a
ela
um
uso
análogo
à
sua
forma
anterior,
sou
livre
para
escolher
entre
muitos
usos,
isto
é,
entre
muitas
espécies
diferentes
de
analogias.
Poderia
ser
dito
em
um
caso
desses
que
o
termo
“personalidade”
não
tem
apenas
um
herdeiro
legítimo.
(Esse
tipo
de
consideração
é
importante
na
7iloso7ia
da
matemática.
Considere
o
uso
das
palavras
“prova”,
“fórmula”
e
outras.
Considere
a
pergunta:
“Porque
aquilo
que
fazemos
aqui
deve
ser
chamado
de
‘7iloso7ia’?
Porque
isso
deveria
ser
visto
como
o
único
herdeiro
legitimo
das
diferentes
atividades
que
tiveram
esse
nome
em
outras
épocas?”)
[63]
Vamos
agora
nos
perguntar
qual
é
o
tipo
de
identidade
de
personalidade
a
que
nos
referimos
quando
dizemos
“quando
algo
é
visto,
sou
sempre
eu
que
vejo”.
O
que
é
que
quero
que
todos
esses
casos
de
ver
tenham
em
comum?
Como
uma
resposta
tenho
que
confessar
para
mim
mesmo
que
não
é
a
minha
aparência
corporal.
Eu
não
vejo
sempre
uma
parte
do
meu
corpo
quando
vejo.
E
não
é
essencial
que
o
meu
corpo,
se
é
visto
entre
as
coisas
que
vejo,
deva
sempre
parecer
o
mesmo.
Na
verdade
eu
não
presto
atenção
ao
quanto
ele
muda.
E
eu
sinto
o
mesmo
sobre
todas
as
propriedades
do
meu
corpo,
as
características
do
meu
comportamento
e
mesmo
sobre
as
minhas
memórias.
–
Quando
eu
penso
sobre
ele
um
pouco
mais
vejo
que
o
que
eu
queria
dizer
era:
“Sempre
que
qualquer
coisa
é
vista,
algo
é
visto”.
Isto
é,
o
que
permanecia
idêntico
em
todas
as
experiências
de
visão
não
era
uma
entidade
particular
“eu”,
mas
a
própria
experiência
da
visão.
Isto
pode
tornar-‐se
mais
claro
se
imaginamos
o
homem
que
faz
a
nossa
declaração
solipsista
apontando
para
seus
olhos
enquanto
ele
diz
“eu”.
(Possivelmente
porque
ele
deseja
ser
exato
e
quer
dizer
expressamente
quais
os
olhos
que
pertencem
à
boca
que
diz
“eu”
e
às
mãos
que
apontam
para
o
próprio
corpo.)
Mas
para
o
que
é
que
ele
aponta?
Para
esses
olhos
particulares
com
a
identidade
de
objetos
7ísicos?
(Para
compreender
esta
frase
vocês
devem
lembrar-‐se
que
a
gramática
das
palavras
das
quais
dizemos
que
estão
por
objetos
7ísicos
é
caracterizada
pela
forma
em
que
usamos
a
expressão
“o
mesmo
62
tal-‐e-‐tal”,
ou
“o
idêntico
tal-‐e-‐tal”,
onde
“tal-‐e-‐tal”
designa
o
objeto
7ísico.)
Dissemos
antes
que
ele
não
queria,
de
modo
algum,
apontar
para
um
objeto
7ísico
particular.
A
ideia
de
que
ele
tinha
feito
uma
a7irmação
com
sentido
surgiu
de
uma
confusão
correspondente
à
confusão
entre
o
que
nós
chamaremos
“o
olho
geométrico”
e
o
“olho
7ísico”.
Eu
indicarei
o
uso
dessas
palavras:
se
um
homem
tenta
obedecer
a
ordem
“aponte
para
seu
olho”,
ele
pode
fazer
muitas
coisas
diferentes
e
existem
muitos
diferentes
critérios
que
ele
aceitará
para
o
ter
apontado
para
seu
olho.
Se
esses
critérios,
como
usualmente
acontece,
coincidem,
eu
posso
usa-‐los
alternativamente
e
em
diferentes
combinações
para
me
mostrar
que
toquei
meu
olho.
Se
eles
não
coincidirem,
terei
de
distinguir
diferentes
sentidos
da
expressão
“toco
no
meu
olho”,
ou
“movo
meu
dedo
em
direção
ao
meu
olho”.
Se,
por
exemplo,
meus
olhos
estão
fechados,
ainda
assim
posso
ter
no
meu
braço
a
experiência
cinestésica
característica
de
levantar
a
mão
até
o
olho.
Reconhecerei
o
fato
de
ter
sido
bem
sucedido
ao
fazer
isso
pela
sensação
tátil
peculiar
de
tocar
meu
olho.
Mas
se
meu
olho
estivesse
por
detrás
de
uma
placa
de
vidro
colocada
de
modo
a
me
impedir
de
exercer
pressão
sobre
meu
olho
com
meu
[64]
dedo,
continuaria
ainda
a
existir
um
critério
de
sensação
muscular
que
me
levaria
a
dizer
que
nesse
momento
o
meu
dedo
se
encontrava
diante
de
meu
olho.
Quanto
aos
critérios
visuais,
existem
dois
que
posso
adotar.
Há,
por
um
lado,
a
experiência
comum
de
ver
minha
mão
levantar-‐
se
e
vir
em
direção
ao
meu
olho
e
esta
experiência,
naturalmente,
é
diferente
de
ver
duas
coisas
encontrarem-‐se,
por
exemplo,
duas
pontas
de
dedos.
Por
outro
lado,
eu
posso
usar
como
critério
para
meu
dedo
mover-‐se
em
direção
ao
meu
olho,
o
que
eu
vejo
quando
eu
olho
em
um
espelho
e
vejo
meu
dedo
acercando-‐se
de
meu
olho.
Se
esse
lugar
do
meu
corpo
que,
dizemos,
“vê”,
é
determinado
pelo
movimento
do
meu
dedo
em
direção
ao
meu
olho,
de
acordo
com
o
segundo
critério,
então
é
concebível
que
eu
possa
ver
com
o
que,
de
acordo
com
o
outro
critério,
é
a
ponta
do
meu
nariz
ou
outros
lugares
da
minha
testa;
ou
eu
poderia
deste
modo
apontar
para
um
lugar
fora
do
meu
corpo.
Se
eu
quiser
que
uma
pessoa
aponte
seu
próprio
olho
(ou
seus
olhos)
de
acordo
apenas
com
o
segundo
critério,
eu
deverei
expressar
meu
desejo
dizendo:
“Aponte
para
seu
olho
(olhos)
geométrico.”
A
gramática
da
palavra
“olho
geométrico”
mantem
com
a
gramática
da
palavra
“olho
7ísico”
a
mesma
relação
que
a
gramática
da
expressão
“os
dados
do
sentido
visual
de
uma
árvore”
mantem
com
a
gramatica
da
expressão
“a
arvore
7ísica”.
Nos
dois
casos
surge
uma
confusão
ao
se
dizer
“são
duas
espécies
diferentes
de
objetos”;
pois
aqueles
que
dizem
um
dado
do
sentido
é
um
objeto
de
tipo
diferente
de
um
objeto
7ísico
compreende
mal
a
gramática
da
palavra
“tipo”,
da
mesma
forma
que
aqueles
que
dizem
que
um
numero
é
um
objeto
de
tipo
diferente
de
um
numeral.
Eles
pensam
que
estão
fazendo
uma
a7irmação
como
“uma
estrada
de
trem,
uma
estação
de
trem
e
um
carro
de
trem
são
diferentes
tipos
de
objetos”,
enquanto
que
a
a7irmação
é
análoga
a
“uma
estrada
de
trem,
um
acidente
de
trem
e
uma
lei
de
trem
são
diferentes
tipos
de
objetos”.
63
O
que
me
levou
a
dizer
“sou
sempre
eu
que
vejo
quando
algo
é
visto”
também
poderia
me
levar
a
dizer:
“sempre
que
algo
é
visto,
é
isto
que
é
visto”,
acompanhando
a
palavra
“isto”
com
um
gesto
indicando
meu
campo
visual
(mas
não
querendo
referir
com
“isto”
os
objetos
particulares
que
porventura
eu
visse
no
momento).
Alguém
poderia
dizer,
“estou
apontando
para
o
campo
visual
enquanto
tal,
não
para
algo
nele”.
E
isso
apenas
serve
para
exibir
a
ausência
de
sentido
da
primeira
expressão.
Vamos
então
deixar
de
lado
o
“sempre”
em
nossa
expressão.
Assim
eu
ainda
posso
expressar
meu
solipsismo
dizendo
“só
o
que
eu
vejo
(ou:
vejo
agora)
é
realmente
visto”.
E
aqui
sou
tentado
a
dizer:
“Muito
embora
com
a
palavra
‘eu’
eu
não
me
re7ira
a
L.
W.,
isso
ocorrerá
se
os
outros
compreenderem
‘eu’
como
signi7icando
L.
W.,
se
agora
de
fato
eu
for
L.
W.”
Eu
poderia
também
expressar
a
minha
pretensão
ao
[65]
dizer:
“Eu
sou
o
vaso
da
vida”;
mas
notem
que
é
essencial
que
todos
aqueles
para
quem
eu
digo
isso
sejam
incapazes
de
me
compreender.
É
essencial
que
o
outro
não
seja
capaz
de
compreender
“o
que
eu
realmente
quero
dizer”,
embora,
na
prática,
ele
possa
fazer
o
que
eu
queria
concedendo-‐me
uma
posição
excepcional
em
sua
notação.
Mas
eu
quero
que
seja
logicamente
impossível
que
ele
possa
me
compreender,
quer
dizer,
que
não
tenha
sentido,
e
não
que
seja
falso
dizer
que
ele
me
compreende.
Assim,
a
minha
expressão
é
uma
das
tantas
que,
em
várias
ocasiões,
são
usadas
pelos
7ilósofos
e
que
supostamente
comunicam
algo
à
pessoa
que
a
diz,
embora
seja
essencialmente
incapaz
de
comunicar
algo
a
qualquer
outra
pessoa.
Então
se
para
que
uma
expressão
comunique
um
signi7icado
isso
quer
dizer
que
ela
deve
ser
acompanhada
por,
ou
que
deve
produzir,
certas
experiências,
nossa
expressão
pode
ter
todo
tipo
de
signi7icados,
e
eu
não
quero
dizer
nada
sobre
eles.
Mas
somos,
na
realidade,
enganados
a
pensar
que
nossa
expressão
tem
um
signi7icado
no
sentido
no
qual
uma
expressão
não-‐meta7isica
tem;
pois
nós
comparamos
erradamente
nosso
caso
com
aquele
no
qual
a
outra
pessoa
não
pode
compreender
o
que
dizemos
porque
lhe
falta
uma
certa
informação.
(Esta
observação
somente
pode
7icar
clara
se
compreendemos
a
conexão
entre
gramática,
sentido
e
absurdo
(nonsense).
O
signi7icado
que
uma
expressão
tem
para
nós
é
caracterizado
pelo
uso
que
fazemos
dela.
O
signi7icado
não
é
um
acompanhamento
mental
para
a
expressão.
Portanto,
a
expressão
“penso
que
quero
dizer
algo
com
isso”,
ou
“Estou
seguro
que
quero
dizer
algo
com
isso”,
que
ouvimos
tão
frequentemente
nas
discussões
7ilosó7icas
para
justi7icar
o
uso
de
uma
expressão
não
serve
de
justi7icação
para
a
gente.
Perguntamos:
“O
que
você
quer
dizer?”,
isto
é,
“como
você
usa
essa
expressão?”
Se
alguém
me
ensinasse
a
palavra
“banco”
e
dissesse
que
algumas
vezes
ou
sempre
colocasse
um
traço
sob
ela
da
seguinte
forma:
“banco”,
e
isso
signi7icasse
algo
para
ele,
eu
deveria
dizer:
“Não
sei
que
tipo
de
ideia
você
associa
com
esse
traço,
mas
isso
não
me
interessa
a
menos
que
você
mostre
que
há
um
uso
para
o
traço
no
tipo
de
cálculo
no
qual
você
quer
usar
a
palavra
“banco”.
–
Quero
jogar
xadrez
e
um
homem
coloca
uma
coroa
de
papel
no
rei
64
branco,
sem
alterar
o
uso
da
peça,
mas
me
dizendo
que
a
coroa
tem
um
signi7icado
para
ele
naquele
jogo,
que
não
7ica
expresso
nas
regras.
Eu
digo:
“na
medida
em
que
isso
não
altera
o
uso
da
peça,
isso
não
tem
o
que
eu
chamo
de
signi7icado.”
Algumas
vezes
ouvimos
dizer
que
uma
frase
como
“isto
está
aqui”,
quando
é
dita
ao
se
apontar
para
uma
parte
do
meu
campo
visual,
tem
uma
espécie
de
signi7icado
primitivo
para
mim,
muito
embora
ela
não
possa
partilhar
informação
com
ninguém.
Quando
eu
digo
“somente
isto
é
visto”,
esqueço
que
uma
sentença
pode
se
tornar
muito
natural
para
nós
sem
ter
qualquer
uso
em
nosso
cálculo
de
linguagem.
[66]
Pense
na
lei
da
identidade,
“a=a”,
e
sobre
como
algumas
vezes
nos
esforçamos
em
entender
seu
sentido,
visualizando-‐o,
olhando
para
um
objeto
e
repetindo
para
nós
mesmos
uma
sentença
como
“esta
árvore
é
a
mesma
coisa
que
esta
árvore”.
Os
gestos
e
as
imagens
com
as
quais
eu
aparentemente
dou
sentido
para
essa
frase
são
muito
similares
àquelas
que
eu
uso
no
caso
de
“somente
isto
é
realmente
visto”.
(Para
que
os
problemas
7ilosó7icos
se
esclareçam
é
útil
tornar-‐se
consciente
dos
detalhes
aparentemente
desimportantes
da
situação
particular
na
qual
estamos
inclinados
a
fazer
uma
certa
a7irmação
meta7ísica.
Assim
podemos
ser
tentados
a
dizer
“apenas
isto
é
realmente
visto”
quando
olhamos
para
um
ambiente
que
não
se
altera,
enquanto
que
podemos
não
ser
tentados
a
dizer
isso
quando
olhamos
à
nossa
volta,
enquanto
caminhamos.)
Não
há,
como
já
dissemos,
objeção
em
adotar
um
simbolismo
no
qual
uma
certa
pessoa
ocupe
um
lugar
excepcional,
sempre
ou
temporariamente.
E
portanto,
se
eu
pro7iro
a
sentença
“somente
eu
realmente
vejo”,
é
concebível
que
meus
semelhantes
adequarão
suas
notações
de
modo
a
estar
em
acordo
comigo
dizendo
“tal-‐e-‐tal
é
realmente
visto”,
ao
invés
de
“L.
W.
vê
tal-‐e-‐tal”,
etc.,
etc.
O
que
está
errado,
no
entanto,
é
pensar
que
eu
posso
justiFicar
esta
escolha
de
notação.
Quando
eu
disse,
de
coração,
que
apenas
eu
vejo,
eu
também
estava
inclinado
a
dizer
que
por
“eu”
eu
não
queria
realmente
dizer
L.
W.,
muito
embora,
em
proveito
dos
meus
amigos
eu
poderia
dizer
“agora
é
L.
W.
que
realmente
vê”,
embora
não
seja
isso
o
que
eu
queria
dizer.
Eu
quase
poderia
dizer
que
com
“eu”
eu
quero
dizer
algo
que
habita
L.
W.,
algo
que
os
outros
não
podem
ver.
(Eu
queria
dizer
minha
mente,
mas
eu
podia
apontar
para
ela
por
meio
do
meu
corpo.)
Não
há
nada
errado
em
sugerir
que
os
outros
deveriam
me
conceder
um
lugar
excepcional
na
notação
deles;
mas
a
justi7icativa
que
eu
dou
para
isso:
que
este
corpo
é
agora
o
lugar
daquilo
que
realmente
vive
–
é
absurda.
Pois
reconhecidamente
isso
não
consiste
em
a7irmar
algo
que
seja
uma
questão
de
experiência,
no
sentido
comum.
(E
não
pensem
que
é
uma
proposição
de
experiência
que
somente
eu
posso
saber
porque
sou
o
único
a
estar
na
posição
de
ter
a
experiência
particular.)
A
ideia
que
o
eu
real
vive
em
meu
corpo
está
conectada
com
a
gramatica
peculiar
da
palavra
“eu”,
e
aos
equívocos
que
esta
gramática
pode
dar
origem.
Existem
dois
casos
diferentes
no
uso
da
palavra
65
“eu”
(ou
“meu”)
que
eu
poderia
chamar
“o
uso
como
objeto”
e
“o
uso
como
sujeito”.
Exemplos
do
primeiro
caso
de
uso
são
esses:
“Meu
braço
está
quebrado”,
“cresci
dez
centímetros”,
“tenho
um
galo
na
minha
cabeça”,
“o
vento
me
despenteou”.
Exemplos
do
segundo
tipo
são”
eu
vejo
isto
e
isto”,
“eu
ouço
isto
e
isto”,
“eu
tento
levantar
meu
braço,
“eu
acho
que
[67]
choverá”,
“eu
tenho
dor
de
dentes”.
Podemos
apontar
para
a
diferença
entre
essas
duas
categorias
dizendo:
os
casos
da
primeira
categoria
envolvem
o
reconhecimento
de
uma
pessoa
particular
e
nesses
casos
há
a
possibilidade
de
um
erro,
ou,
dizendo
de
outra
maneira:
a
possibilidade
de
um
erro
foi
providenciada.
A
possibilidade
de
fracassar
em
marcar
pontos
está
prevista
em
um
jogo
de
pinos.
Por
outro
lado,
se
eu
coloco
uma
moeda
na
ranhura
própria
de
uma
máquina,
se
a
bolas
não
surgirem
isso
não
é
um
acaso
do
jogo.
É
possível
que,
por
exemplo,
em
um
acidente,
eu
sinta
uma
dor
no
braço,
veja
ao
meu
lado
um
braço
quebrado
e
pense
que
é
o
meu,
quando,
na
realidade
é
o
do
meu
vizinho.
E
eu
poderia,
olhando
em
um
espelho,
pensar
que
um
galo
na
testa
do
meu
vizinho
está
na
minha
testa.
Por
outro
lado,
não
há
questionamento
acerca
do
reconhecimento
da
pessoa
quando
eu
digo
que
tenho
dor
de
dentes.
Perguntar
“você
está
seguro
que
é
você
que
tem
dor
de
dentes?”
seria
absurdo.
46 Agora,
quando
nesse
caso
um
erro
não
é
possível,
é
porque
a
jogada
que
nos
sentiríamos
inclinados
a
pensar
como
um
erro,
uma
“má
jogada”,
na
verdade
não
é
um
movimento
daquele
jogo.
(No
xadrez
distinguimos
entre
jogadas
boas
e
más,
e
dizemos
que
se
trata
de
um
erro
expor
a
rainha
a
um
bispo.
Mas
não
é
um
erro
promover
um
peão
a
rei.)
E
agora
esta
maneira
de
expor
nossa
ideia
sugere-‐se
por
si
mesma:
que
é
tão
impossível
que,
quando
eu
faço
a
a7irmação
“tenho
dor
de
dentes”
eu
tenha
confundido
outra
pessoa
comigo,
como
o
é
gemer
de
dor
por
engano,
tendo
confundido
outra
pessoa
comigo.
Dizer
“eu
tenho
dor”
bem
como
gemer
não
é
uma
a7irmação
sobre
uma
pessoa
particular.
“Mas
certamente
a
palavra
‘eu’
na
boca
de
um
homem
refere-‐se
ao
homem
que
diz
isso;
aponta
para
ele;
e
muito
frequentemente
um
homem
que
a
diz
de
fato
aponta
para
ele
mesmo
com
seu
dedo”.
Mas
é
totalmente
supér7luo
apontar
para
si
mesmo.
Ele
poderia
ter
apenas
levantado
sua
mão.
Seria
errado
dizer
que
quando
alguém
aponta
para
o
sol
com
sua
mão,
ele
está
apontando
tanto
para
o
sol
e
para
si
mesmo,
porque
é
ele
que
aponta;
por
outro
lado,
apontando,
ele
pode
chamar
atenção
tanto
para
o
sol
quanto
para
si.
A
palavra
“eu”
não
quer
dizer
o
mesmo
que
“L.
W.”,
mesmo
se
eu
sou
L.
W.,
nem
quer
dizer
o
mesmo
que
a
expressão
“a
pessoa
que
está
agora
falando”.
Mas
isso
não
signi7ica:
que
“L.
W.”
e
“eu”
querem
dizer
coisas
diferentes.
Tudo
o
que
signi7ica
é
que
essas
palavras
são
instrumentos
diferentes
em
nossa
linguagem.
Pense
nas
palavras
como
instrumentos
caracterizados
pelo
seu
uso,
e
em
seguida
pensem
no
uso
de
um
marte,
no
uso
de
uma
talhadeira,
no
uso
de
um
46 Ver o comentário de José Luiz Bermudez sobre essa passagem, em seu livro The Paradox of
Self-‐conciousness, p. 5, no item “dois tipos de conteúdo em primeira pessoa”.
66
esquadro,
de
um
pote
de
cola
e
no
da
cola.
(Também,
tudo
o
que
dizemos
aqui
pode
ser
compreendido
somente
se
a
gente
compreende
que
uma
grande
variedade
de
jogos
é
jogada
[68]
com
as
sentenças
de
nossa
linguagem:
dar
e
receber
ordens;
fazer
perguntas
e
respondê-‐las;
contar
uma
história
de
7icção;
descrever
uma
experiência
imediata;
fazer
conjeturas
sobre
eventos
no
mundo
7ísico;
fazer
hipóteses
cienti7icas
e
teorias;
saudar
alguém,
etc.)
A
boca
que
diz
“eu”
ou
a
mão
que
é
levantada
para
indicar
que
sou
eu
quem
quer
falar
ou
eu
que
tenho
dor
de
dentes,
não
aponta,
com
isso,
para
alguma
coisa.
Se,
por
outro
lado,
eu
quero
indicar
o
lugar
da
minha
dor,
eu
aponto.
E
aqui,
novamente,
lembrem-‐se
da
diferença
entre
apontar
para
um
ponto
dolorido
sem
ser
levado
pelo
olhar
e,
por
outro
lado,
apontar
para
uma
cicatriz
em
meu
corpo
depois
de
olhar
para
ela.
(“É
onde
eu
fui
vacinado”.)
–
O
homem
que
grita
de
dor
ou
diz
que
tem
dor,
não
escolhe
a
boca
que
diz
isso.
Tudo
isso
equivale
a
dizer
que
a
pessoa
de
quem
dizemos
“ele
tem
dores”
é,
pelas
regras
do
jogo,
a
pessoa
que
grita,
que
contorce
o
rosto,
etc.
O
lugar
da
dor
–
como
dissemos
–
pode
estar
no
corpo
de
outra
pessoa.
Se,
dizendo
“eu”,
aponto
para
para
meu
próprio
corpo,
uso
como
modelo
para
a
palavra
“eu”,
o
uso
do
demonstrativo
“esta
pessoa”
ou
“ele”.
(Esta
forma
de
tornar
similares
as
duas
expressões
é,
de
certa
forma,
análoga
àquela
que
algumas
vezes
adotamos
na
matemática,
digamos
na
prova
que
a
soma
dos
três
ângulos
de
um
triângulo
é
180º.
(7igura)
Dizemos
“α = α’, β = β’, e
ϒ
=
ϒ”.
As
duas
primeiras
igualdades
são
de
um
tipo
completamente
diferente
da
terceira.)
Em
“eu
tenho
dores”,
“eu”
não
é
um
pronome
demonstrativo.
Comparem
os
dois
casos:
1.
“Como
você
sabe
que
ele
tem
dores?”
–
“Porque
eu
ouço
ele
gemer”.
2.
“Como
você
sabe
que
você
tem
dores?”
–
Porque
eu
as
sinto”.
Mas
“eu
as
sinto”
quer
dizer
o
mesmo
que
“eu
as
tenho”.
Portanto
isso
não
é
uma
explicação.
Que,
contudo,
em
minha
resposta,
eu
estou
inclinado
a
enfatizar
a
palavra
“sentir”
e
não
a
palavra
“eu”
indica
que
com
“eu”
eu
não
pretendo
escolher
uma
pessoa
(dentre
outras
diferentes
pessoas).
A
diferença
entre
as
proposições
“eu
tenho
dor”
e
“ele
tem
dor”
não
é
aquela
entre
“L.W.
tem
dor”
e
“Smith
tem
dor”.
Ao
contrário,
ela
corresponde
à
diferença
entre
gemer
e
dizer
que
alguém
geme.
–
“Mas
certamente
a
palavra
‘eu’
em
‘eu
tenho
dor’
serve
para
[69]
distinguir-‐me
de
outra
pessoa,
porque
é
com
o
signo
‘eu’
que
distingo
entre
dizer
que
tenho
dores
e
dizer
que
uma
outra
pessoa
tem”.
Imagine
uma
linguagem
na
qual
ao
invés
de
dizer
“não
encontrei
ninguém
no
quarto”,
disséssemos
“encontrei
o
Sr.
Ninguém
no
quarto”.
Imagine
67
os
problemas
7ilosó7icos
que
surgiriam
de
uma
convenção
como
essa.
Alguns
7ilósofos
educados
nessa
linguagem
sentiriam
provavelmente
que
não
gostariam
da
semelhança
das
expressões
“Sr.
Ninguém”
com
“Sr.
Smith”.
Quando
sentimos
que
queremos
abolir
o
“eu”
em
“eu
tenho
dor”,
podemos
dizer
que
tendemos
a
pensar
a
expressão
verbal
de
dor
como
similar
à
expressão
pelo
gemido.
–
Estamos
inclinados
a
esquecer
que
é
apenas
o
uso
particular
de
uma
palavra
que
dá
a
ela
seu
sentido.
Vamos
pensar
em
nosso
velho
exemplo
para
o
uso
de
palavras:
alguém
é
enviado
ao
armazém
com
um
pedaço
de
papel
com
as
palavras
“cinco
maçãs”
escrita
nele.
O
uso
da
palavra
na
prática
é
o
seu
signi7icado.
Imagine
que
fosse
normal
que
os
objetos
à
nossa
volta
portassem
rótulos
com
palavras
e
por
meio
deles
a
nossa
fala
se
referisse
aos
objetos.
Algumas
dessas
palavras
seriam
nomes
próprios
dos
objetos,
outros
seriam
nomes
genéricos
(como
mesa,
cadeira,
etc.)
outros,
ainda,
nomes
de
cores,
nomes
de
formas,
etc.
Assim,
um
rótulo
apenas
teria
um
signi7icado
para
nós
na
medida
em
que
7izéssemos
um
uso
particular
dele.
Poderíamos
facilmente
imaginar-‐nos
impressionados
meramente
ao
ver
um
rotulo
numa
coisa,
e
esquecer
aquilo
que
torna
esses
rótulos
importantes
é
o
uso
deles.
Deste
modo
algumas
vezes
acreditamos
que
nomeamos
algo
quando
fazemos
o
gesto
de
apontar
e
proferir
palavras
como
“isto
é
...”
(a
fórmula
da
de7inição
ostensiva).
Dizemos
que
chamamos
algo
de
“dor
de
dente”
e
pensamos
que
a
palavra
recebeu
uma
função
de7inida
nas
transações
que
fazemos
com
nossa
linguagem
quando,
sob
certas
circunstâncias,
apontamos
para
nosso
queixo
e
dizemos:
“isto
é
uma
dor
de
dentes”.
(Nossa
ideia
é
que
quando
apontamos
e
o
outro
“somente
sabe
para
o
que
estamos
apontando”
ele
conhece
o
uso
da
palavra.
E
aqui
temos
em
mente
o
caso
especial
quando
‘aquilo
para
o
que
apontamos’
é,
digamos,
uma
pessoa
e
“saber
para
o
que
apontar”
quer
dizer
ver
para
qual
das
pessoas
presentes
eu
aponto.)
Sentimos
então
que
nos
casos
nos
quais
“eu”
é
usado
como
sujeito,
não
o
utilizamos
porque
reconhecemos
uma
pessoa
particular
por
suas
características
corporais;
e
isso
cria
a
ilusão
que
usamos
esta
palavra
para
nos
referir
a
algo
incorpóreo,
e
que,
no
entanto,
tem
sua
sede
em
nosso
corpo.
De
fato,
isto
parece
ser
o
ego
real,
aquele
do
qual
foi
dito
“Cogito,
ergo
sum”.
–
“Mas
então
não
há
mente,
mas
somente
corpo?”
Resposta:
a
palavra
“mente”
tem
signi7icado,
isto
é,
tem
um
uso
em
nossa
[70]
linguagem:
mas
dizer
isso
não
diz
ainda
que
tipo
de
uso
fazemos
dela.
De
fato
podemos
dizer
que
aquilo
com
que
nos
ocupamos
nessas
investigações
era
a
gramática
daquelas
palavras
que
descrevem
o
que
é
chamado
de
“atividades
mentais”;
ver,
ouvir,
sentir,
etc.
E
isso
vem
a
ser
o
mesmo
que
dizer
que
nos
ocupamos
com
a
gramática
de
‘frases
que
descrevem
dados
dos
sentidos’.
Os
7ilósofos
dizem
que
a
existência
dos
dados
dos
sentidos
é
uma
opinião
ou
convicção
7ilosó7ica.
Mas
dizer
que
acredito
que
existem
dados
dos
sentidos
equivale
a
dizer
que
eu
acredito
que
um
objeto
pode
aparentar
estar
diante
de
68
nossos
olhos
mesmo
quando
não
está
ali.
Ora,
quando
usamos
a
palavra
“sense
datum”,
devemos
ter
claro
a
peculiaridade
de
sua
gramática.
A
ideia
de
introduzir
esta
expressão
era
a
de
tomar
como
modelo
das
expressões
que
se
referem
à
“aparência”
as
expressões
que
se
referem
à
“realidade”.
Foi
dito,
por
exemplo,
que
se
duas
coisas
parecem
ser
iguais,
devem
existir
duas
coisas
que
são
iguais.
Isso
signi7ica,
naturalmente,
nada
mais
do
que
o
fato
de
que
decidimos
usar
uma
tal
expressão
como
“as
aparências
dessas
duas
coisas
são
iguais”
como
sinônima
de
“essas
duas
coisas
parecem
ser
iguais”.
De
uma
forma
muito
estranha,
a
introdução
dessa
nova
fraseologia
enganou
as
pessoas,
levando-‐as
a
pensar
que
haviam
descoberto
novas
entidades,
novos
elementos
da
estrutura
do
mundo,
como
se
dizer
“eu
acredito
que
existem
dados
dos
sentidos”
fosse
similar
a
dizer
“eu
acredito
que
a
matéria
consiste
de
elétrons”.
Quando
falamos
da
igualdade
das
aparências
ou
dos
dados
dos
sentidos,
introduzimos
um
novo
uso
da
palavra
“igual”.
É
possível
que
os
comprimentos
A
e
B
possam
parecer-‐nos
iguais,
que
B
e
C
possam
parecer-‐nos
iguais,
mas
que
A
e
C
não
nos
pareçam
iguais.
E
na
nova
notação
teremos
que
dizer
que
embora
a
aparência
(sense
datum)
de
A
seja
igual
a
de
B
e
a
aparência
de
B
igual
à
de
C,
a
aparência
de
A
não
é
igual
à
aparência
de
C;
o
que
está
bem,
se
você
não
se
importa
em
usar
“igual”
intransitivamente.
Ora,
o
perigo
em
que
estamos
metidos
quando
adotamos
a
notação
dos
dados
dos
sentidos
é
o
de
esquecer
a
diferença
entre
a
gramática
de
um
enunciado
sobre
os
dados
dos
sentidos
e
a
gramática
de
uma
a7irmação
externamente
similar
sobre
objetos
7ísicos.
(Desde
este
ponto
a
gente
poderia
ir
adiante
falando
sobre
os
equívocos
que
encontram
sua
expressão
em
sentenças
como:
“nunca
podemos
ver
um
circulo
perfeito”,
“todos
os
nossos
dados
dos
sentidos
são
vagos”.
Também,
isso
nos
leva
à
comparação
da
gramática
de
“posição”,
“movimento”,
e
“tamanho”
no
espaço
euclidiano
e
visual.
[71]
Existem,
por
exemplo,
posição
absoluta,
movimento
absoluto
e
dimensão,
no
espaço
visual.
Ora,
podemos
usar
uma
expressão
como
“apontar
para
a
aparência
de
um
corpo”
ou
“apontar
para
um
dado
do
sentido
visual”.
Falando
de
um
modo
geral,
essa
espécie
de
apontar
vem
a
dar
o
mesmo
do
que
olhar,
digamos,
pelo
cano
de
uma
arma.
Assim,
podemos
apontar
e
dizer:
“Esta
é
a
direção
na
qual
eu
vejo
minha
imagem
no
espelho”.
Podemos
também
usar
uma
expressão
como
“a
aparência,
ou
dado
dos
sentidos,
do
meu
dedo
aponta
para
o
dado
dos
sentidos
da
árvore”
e
expressões
similares.
Entre
esses
casos
de
apontar,
no
entanto,
devemos
distinguir
aqueles
de
apontar
para
a
direção
de
onde
um
som
parece
vir,
ou
de
apontar
para
minha
testa
com
os
olhos
fechados,
etc.
Ora,
quando
eu
digo,
ao
modo
de
um
solipsista,
“Isto
é
o
que
realmente
é
visto”,
aponto
para
minha
frente
e
é
essencial
que
eu
aponte
visualmente.
Se
eu
apontasse
para
os
lados
ou
para
trás
de
mim
–
para
coisas
que
eu
não
estou
vendo
–
nesse
caso
o
apontar
seria
desprovido
de
sentido
para
mim;
não
seria
um
apontar
no
sentido
em
que
desejo
apontar.
Mas
isso
quer
dizer
que
quando
69
eu
aponto
na
minha
frente
dizendo
“isto
é
o
que
realmente
é
visto”
embora
eu
faça
o
gesto
de
apontar,
eu
não
aponto
para
uma
coisa
como
oposta
à
outra.
Isto
é
como
empurrar
o
painel
do
carro
em
que
estamos
viajando,
com
pressa,
como
se
eu
pudesse
empurrá-‐lo
por
dentro.
Quando
faz
sentido
dizer
“eu
vejo
isso”
ou
“isto
é
visto”
apontando
para
o
que
vejo,
também
faz
sentido
dizer
“eu
vejo
isto”
ou
“isto
é
visto”,
apontando
para
algo
que
eu
não
vejo.
Quando
eu
7iz
minha
a7irmação
solipsista
eu
apontei,
mas
despojei
o
ato
de
apontar
de
seu
sentido
ao
conectar
inseparavelmente
aquilo
que
aponta
e
aquilo
que
foi
apontado.
Eu
construí
um
relógio
com
todas
as
suas
engrenagens,
etc,,
e
no
7im
uni
o
mostrador
ao
ponteiro
fazendo
que
rodassem
juntos.
E
dessa
forma
a
frase
do
solipsista,
“somente
isto
realmente
é
visto”
lembra-‐nos
uma
tautologia.
Por
certo,
uma
das
razões
pelas
quais
somos
tentados
a
fazer
nossa
pseudo-‐a7irmação
é
sua
similaridade
com
a
a7irmação
“eu
apenas
vejo
isto”
ou
“esta
é
a
região
que
vejo”,
quando
eu
aponto
para
certos
objetos
ao
meu
redor,
enquanto
opostos
a
outros
ou
em
uma
certa
direção
no
espaço
7ísico
(não
no
espaço
visual),
enquanto
oposta
à
outras
direções
no
espaço
7ísico.
E
se,
apontando
nesse
sentido,
eu
digo
“isto
é
o
que
realmente
é
visto”,
alguém
pode
me
responder:
“Isto
é
o
que
você,
L.
W.,
vê;
mas
não
há
objeção
em
adotar
uma
notação
na
qual
o
que
aquilo
que
estamos
acostumados
a
chamar
‘coisas
que
L.
W.
vê’
é
chamado
de
‘coisas
realmente
vistas’”.
Se,
no
entanto,
eu
acredito
que
ao
apontar
para
aquilo
que
na
minha
gramática
não
tem
[72]
vizinhança,
eu
posso
comunicar
algo
a
mim
mesmo
(embora
não
para
outros),
eu
cometo
um
erro
semelhante
àquele
de
pensar
que
a
sentença
“eu
estou
aqui”
faz
sentido
para
mim
(e,
a
propósito,
é
sempre
verdadeira)
sob
condições
diferentes
daquelas
condições
muito
especiais
sobre
as
quais
ela
faz
sentido.
Por
exemplo,
quando
minha
voz
e
a
direção
de
que
falo
é
reconhecida
por
outra
pessoa.
Mais
uma
vez,
um
caso
importante
onde
você
pode
aprender
que
uma
palavra
tem
signi7icado
pelo
uso
particular
que
fazemos
dela.
-‐
Somos
como
pessoas
que
pensam
que
pedaços
de
madeira
com
a
forma
mais
ou
menos
parecida
a
peças
de
xadrez
ou
de
dama
e
que
estão
num
tabuleiro
de
xadrez
constituem
um
jogo,
mesmo
se
nada
foi
dito
sobre
como
elas
devem
ser
usadas.
Dizer
“isto
se
aproxima
de
mim”
tem
sentido,
mesmo
quando,
7isicamente
falando,
nada
se
aproxima
de
meu
corpo;
e
da
mesma
forma
faz
sentido
dizer,
“está
aqui”
ou
“alcançou-‐me”
quando
nada
alcançou
meu
corpo.
E,
por
outro
lado,
“eu
estou
aqui”
faz
sentido
se
minha
voz
é
reconhecida
e
ouvida
vindo
de
um
lugar
particular
do
espaço
partilhado.
Na
frase
“está
aqui”,
o
“aqui”
era
um
aqui
no
espaço
visual.
Em
termos
gerais,
é
o
olho
geométrico.
A
frase
“eu
estou
aqui”,
para
fazer
sentido,
deve
chamar
a
atenção
para
um
lugar
no
espaço
partilhado.
(E
existem
muitas
formas
nas
quais
essa
sentença
poderia
ser
usada.)
O
7ilósofo
que
pensa
que
faz
sentido
dizer
para
si
mesmo
“eu
estou
aqui”
retira
a
expressão
verbal
da
sentença
na
qual
“aqui”
é
um
lugar
no
espaço
partilhado
e
70
pensa
o
“aqui”
como
o
aqui
no
espaço
visual.
Ele
portanto
somente
diz
algo
como
“aqui
é
aqui”.
Eu
poderia,
no
entanto,
tentar
expressar
meu
solipsismo
de
uma
forma
diferente:
imagino
que
eu
e
outras
pessoas
desenhamos
7iguras
ou
escrevemos
descrições
do
que
cada
um
de
nós
vê.
Essas
descrições
são
colocadas
na
minha
frente.
Eu
aponto
para
aquela
que
7iz
e
digo:
“somente
esta
é
(ou
era)
realmente
vista”.
Isto
é,
sou
tentado
a
dizer:
“somente
esta
descrição
tem
realidade
(realidade
visual)
por
detrás”.
Às
demais
eu
poderia
chamar
–
“descrições
em
branco”.
Eu
poderia
me
expressar
dizendo:
“Esta
descrição
é
a
única
derivada
da
realidade;
somente
esta
foi
comparada
com
a
realidade”.
Ora,
a
frase
tem
um
sentido
claro
quando
dizemos
que
esta
7igura
ou
descrição
é
uma
projeção,
digamos,
deste
grupo
de
objetos
–
as
arvores
para
as
quais
olho
–
ou
que
foi
derivada
desses
objetos.
Mas
precisamos
examinar
a
gramática
de
uma
frase
como
“esta
descrição
é
derivada
dos
meus
dados
dos
sentidos”.
Aquilo
de
que
estamos
falando
está
conectado
com
aquela
tentação
peculiar
de
dizer:
“Eu
nunca
sei
o
que
o
outro
realmente
quer
dizer
com
‘marrom’,
ou
o
que
ele
realmente
vê
quando
ele
(em
verdade)
diz
que
ele
vê
um
objeto
marrom”.
–
Poderíamos
propor
para
quem
diz
isso
usar
[73]
duas
palavras
diferentes
ao
invés
de
uma
só,
“marrom”;
uma
palavra
para
sua
impressão
particular,
a
outra
palavra
com
aquele
signi7icado
que
as
outras
pessoas
também
podem
compreender.
Se
ele
pensar
sobre
essa
proposta
ele
verá
que
há
algo
errado
em
sua
concepção
de
signi7icado,
na
função
da
palavra
“marrom”
e
de
outras.
Ele
procura
por
uma
justi7icação
de
sua
descrição
mas
não
há
nenhuma.
(Tal
como
no
caso
quando
um
homem
acredita
que
a
cadeia
de
razões
não
pode
ter
um
7im.
Pense
na
justi7icação
mediante
uma
fórmula
geral
para
realizar
operações
matemáticas;
e
na
questão:
“Esta
fórmula
nos
obriga
a
fazer
uso
disso
nesse
caso
particular,
como
o
fazemos?”)
Dizer
“eu
derivo
uma
descrição
da
realidade
visual”
não
quer
dizer
o
mesmo
que
que:
“derivo
uma
descrição
do
que
vejo
aqui”.
Eu
posso,
por
exemplo,
ver
uma
tabela
na
qual
um
quadrado
colorido
corresponde
à
palavra
“marrom”,
e
ver
também
uma
mancha
da
mesma
cor
em
outro
lugar
qualquer
e
posso
dizer:
“Esta
tabela
mostra
que
eu
devo
usar
a
palavra
“marrom”
para
a
descrição
dessa
mancha”.
É
desta
forma
que
eu
posso
derivar
a
palavra
que
é
necessária
em
minha
descrição.
Mas
seria
absurdo
dizer
que
eu
derivo
a
palavra
“marrom”
da
impressão
colorida
particular
que
eu
recebo.
Vamos
agora
nos
perguntar:
“um
corpo
humano
pode
ter
dores?”
Estamos
inclinados
a
dizer:
“como
o
corpo
pode
ter
dor?”
O
corpo
em
si
mesmo
é
algo
morto;
um
corpo
não
tem
consciência!”
E
aqui
também
é
como
se
examinássemos
a
natureza
da
dor
e
descobríssemos
que
está
na
sua
natureza
que
um
objeto
material
não
a
pode
ter.
E
é
como
se
tivéssemos
descoberto
que
aquilo
que
tem
dores
deve
ser
uma
entidade
de
uma
natureza
diferente
daquela
de
um
objeto
material;
que,
na
verdade,
ela
deve
ser
de
natureza
mental.
Mas
dizer
que
o
ego
é
mental
é
como
dizer
que
o
numero
3
é
de
natureza
mental
ou
71
imaterial,
quando
reconhecemos
que
o
numeral
“3”
não
é
usado
como
um
signo
para
um
objeto
7ísico.
Por
outro
lado,
podemos
perfeitamente
bem
adotar
a
expressão
“este
corpo
sente
dor”
e
deveremos
então,
como
é
o
caso,
dizer
para
se
ir
ao
médico,
para
se
deitar
e
mesmo
para
se
lembrar
que
da
ultima
vez
que
teve
dores
elas
passaram
depois
de
um
dia.
“Mas
esta
não
seria
ao
menos
uma
forma
de
expressão
indireta?”
–
Quando
dizemos
“escreva
‘3’
por
‘x’
nesta
fórmula”
ao
invés
de
“substitua
3
por
x”
será
isso
usar
uma
expressão
indireta?
(Por
outro
lado,
a
primeira
dessas
duas
expressões
será
a
única
expressão
direta,
como
alguns
7ilósofos
pensam?)
Uma
expressão
não
é
mais
direta
do
que
a
outra.
O
signi7icado
da
expressão
depende
inteiramente
de
como
a
seguimos
usando.
Não
vamos
imaginar
o
signi7icado
como
uma
conexão
oculta
que
a
mente
faz
entre
[74]
uma
palavra
e
uma
coisa,
e
que
esta
conexão
contém
todas
as
utilizações
de
uma
palavra,
como
se
diz
que
a
semente
contém
a
árvore.
O
cerne
de
nossa
proposição
que
aquilo
que
tem
dores
ou
vê
ou
pensa
é
de
natureza
mental
é
somente
que
a
palavra
“eu”,
em
“eu
tenho
dor”
não
denota
um
corpo
particular,
pois
não
podemos
substituir
“eu”
pela
descrição
de
um
corpo.
72
73