Você está na página 1de 273

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

LEONARDO AROUCA PORFIRIO DA SILVA

INVENTÁRIO PARTICIPATIVO DOS LUGARES DE MEMÓRIA LGBT


DA CIDADE DE SÃO PAULO: QUESTÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM MUSEOLOGIA, CULTURA E EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

2022
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Leonardo Arouca Porfirio da Silva

INVENTÁRIO PARTICIPATIVO DOS LUGARES DE MEMÓRIA LGBT


DA CIDADE DE SÃO PAULO: QUESTÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS

Monografia apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de ESPECIALISTA em Museologia,
Cultura e Educação, sob a orientação da Profa.
Mestra. Juliana Monteiro.

SÃO PAULO

2022
Doutorado Banca Examinadora

_____________________________
_____________________________
_____________________________
Agradecimentos

Primeiramente, agradeço à minha mãe, Marlene Arouca que independente das


adversidades sempre me apoiou e colaborou comigo para as pequenas e grandes
conquistas, essas conquistas são sempre nossas!

Agradeço a minha prima-irmã, Grazielle Mármore, por ser sempre uma parceira de vida
e caminhar lado a lado comigo, me apoiando e me auxiliando nos momentos mais
difíceis da minha vida.

Agradeço a minha avó materna, Yolanda Cusatis (in memoriam), por nunca ter faltado
amor e por ter sido sempre a minha segunda mãe!

Agradeço ao meu padrinho, Marcos Arouca, por me aconselhar e me auxiliar em tantos


momentos difíceis da minha trajetória acadêmica e profissional, você me deu subsídios
para chegar até aqui, obrigado por ser um pai e tio ao mesmo tempo. Agradeço aos
meus tios, Sidney Garcia e Margarete Arouca por também terem me apoiado tanto, me
incentivando a estudar desde que era pequeno até os dias de hoje, amo vocês!

Agradeço à minha orientadora, Juliana Monteiro, por tanta paciência, generosidade e


empenho. Obrigado por organizar tão bem meu texto, por sugerir tantas indicações
primorosas que fizeram este trabalho se tornar o que é, sem você, com certeza o
resultado seria diferente do esperado. Você é uma inspiração para todos que querem
seguir pensando a documentação museológica!

Agradeço a professora da especialização Viviane Sarraf, que em um dos momentos mais


difíceis dessa trajetória me estendeu a mão, me chamando para fazer parte do projeto
sobre o Legado Teórico de Waldisa Rússio para a Museologia Internacional. Serei
eternamente grato, obrigado por ser um exemplo de generosidade e por acreditar nas
pessoas! Agradeço ao professor da especialização Carlos Lima Junior, por ser tão gentil
com todos nós!

Agradeço a professora Ana Maria de Almeida Camargo do DH-USP, pelos projetos


realizados e por ter mudado a minha perspectiva sobre a documentação. Obrigado, por
ser essa referência tão necessária!
Agradeço ao Franco Reinaudo, ex chefe e colega de turma que me abriu tantas portas e
me ensinou tantas coisas importantes durante a minha jornada no Museu da Diversidade
Sexual. Você fez a diferença e mudou a vida de muitas pessoas, isso é o que importa!

Agradeço à primeira turma da especialização da Museologia da PUC, por ser tão


acolhedora. E sobretudo aos meus amigos, Vitória Machado, Adnan Junior, Laura Marin
e de novo ao Franco Reinaudo que tornaram todo esse processo mais leve e cheio de
cumplicidade. Seguimos juntos até o final!

Agradeço aos meus amigos Henrique Albuquerque, Mariana Menezes e Eduardo


DeVito, por sempre caminharem comigo nos melhores e piores momentos. Agradeço a
minha amiga Mariana Popperl, que além de ser uma parceira e aliada de vida, se dispôs
gentilmente a fazer a revisão do texto.

Agradeço ao Remom Bortolozzi, por desde o início ter sido um mentor incrível, você
me inspira como pessoa, como profissional e como pesquisador. Obrigado por tornar tão
nítido, o que às vezes parecia tão difuso.

Agradeço a Rita Colaço por sugerir tantas reflexões importantes que estão expressas
neste trabalho. Agradeço ao Renan Quinalha, por ser tão gentil e ter proporcionado
parcerias que foram fundamentais para a minha jornada acadêmica e profissional.

Agradeço às pessoas que deram entrevistas para essa pesquisa, Lili Vargas, Jacqueline
Channel, Laura Bacellar, Fátima Tassinari, Ubirajara Caputo e Franco Reinaudo.

Agradeço a todos e todas companheiras (os) do ativismo e da academia a qual


compartilhamos momentos, trocas e reflexões, continuem em pé!
Resumo

Este trabalho refere-se a construção de um Inventário Participativo dos Lugares de


Memória LGBT na cidade de São Paulo, construído a partir de perspectivas teóricas
emprestadas da área de história e museologia e pela utilização da história oral como
metodologia e perspectivas prático-experimentais para a melhor sistematização de
memórias da população LGBT no instrumento. O trabalho é assentado no diálogo,
preservação e documentação das memórias de pessoas LGBT, que em sua época
usufruíram do espaço público. A pesquisa busca explicar as nuances desse processo,
bem como as principais questões conceituais e tomadas de decisão emaranhadas no
mesmo.

Palavras-chave: Inventário Participativo, Lugares de Memória, LGBT (Lésbicas, Gays,


Bissexuais e Travestis), Processo Museológico.

Abstract

This work refers about construction of a Participatory Inventory of LGBT Memory


Places in the city of São Paulo, built from theoretical perspectives borrowed from the
​history and museology areas and through the use of oral history as a methodology and a
practical-experimental perspectives for the better systematization of memories of the
LGBT population in the instrument. The work is based on the dialogue, preservation
and documentation about the LGBT memories, who in their time enjoyed the public
space. The research seeks to explain the nuances of this museological process, as well
as the main conceptual issues and decision making entangled in it.

Keywords: Participatory Inventory, Places of Memory, LGBT (Lesbians, Gays,


Bisexuals and Transvestites), Museum Process.
LISTA DE SIGLAS

AACR2 - Anglo American Cataloguing Rules 2nd Edition

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnica

ANDIFES - Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino


Superior

CEDOC LGBTI+ - Centro de Documentação Prof. Dr. Luiz Mott

CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do


Brasil da Fundação Getúlio Vargas
CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico
CDD - Sistema de Classificação Decimal de Dewey
CDU - Sistema de Classificação Decimal Universal
COVID-19 - Corona Virus Disease 2019
DEOPS - Departamento de Ordem Política e Social
DPH - Departamento de Patrimônio Histórico
ICOM - International Council of Museums
EVG - Escola Virtual do Governo
FLH - Frente de Libertação Homossexual Argentina
FONAPRACE - Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e
Estudantes
GAPA - Grupo de Apoio à Prevenção a AIDS
GIV - Grupo de Incentivo à Vida
GLT - Gays, Lésbicas e Travestis
HIV/AIDS - Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida
IBRAM - Instituto Brasileiro de Museus
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais
MAR - Museu de Arte do Rio
NEHO - Núcleo Estudos em História Oral da USP
NOBRADE - Norma Brasileira de Descrição Arquivística
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONG - Organização Não Governamental
POT – Programa Operação e Trabalho LGBT
AMAI-LGBTQIA+ - Rede de Arquivos, Museus, Acervos e Investigadores
LGBTQIA+ da América Latina
LGBTQIA+ - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queer,
Intersexuais e Agêneros
SUS - Sistema Único de Saúde (SUS)
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1. QUESTÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS PARA INVENTÁRIOS


PARTICIPATIVOS 14
1.1. Uma breve explicação 14
1.2. Museologia Social como propulsora de iniciativas museais 16
1.3. Formas de inventariar: uma questão de escolha 19
1.4. Memória 21
1.4.1. Possíveis classificações da memória 23
1.5. História Oral 25
1.6. Lugares de Memória 26
1.7. Estratégias de transmissões de heranças culturais 27

2.CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL E POLÍTICO DA POPULAÇÃO


LGBT 31
2.1.Questões Iniciais 31
2.2. De pecador a anormal: como a religião e ciência trataram os
homossexuais, transexuais e bissexuais 31
2.3. Breve histórico do movimento e socialização LGBT+ 37
2.4. A exclusão sistemática de pessoas LGBT+ dos espaços de cultura e
educação 44
2.5. Iniciativas museológicas voltadas à população LGBT: em um
panorama global 47
2.6. A memória LGBT 50
2.7. Iniciativas pró-memória LGBT no Brasil 50
2.8. Centros de Memória e Referência LGBT 52
2.9. Os LGBT em museus "normativos" 53
2.10. Registro audiovisual da memória LGBT 56
2.11. Lugares de Memória LGBT 57
2.12. LGBT nos museus: uma questão de inclusão 58

3. DIRETRIZES, DEFINIÇÕES E IMPASSES PARA A CONSTRUÇÃO DO


INVENTÁRIO PARTICIPATIVO 61
3.1. Introdução 63
3.2. Definições e diretrizes para a musealização 64
3.3. Seleção dos entrevistados 65
3.4. A importância do engajamento das comunidades 67
3.5. Documentação 68
3.5.1. Termo de cessão de entrevista 70
3.5.2. Roteiro de entrevista 70
3.5.3. Ficha Técnica de Coleta de Entrevistas 70
3.5.4. Sistema de identificação das entrevistas 71
3.5.5. Transcrição e Transcriação da entrevista 71
3.5.6. Feedback para o entrevistado - Inventário Resumido 72
3.6. Constituição de campos do Inventário 73
3.7. Potencialidade e dificuldades para a construção do inventário 78
3.7.1. Pluralidade de narrativas 78
3.7.2. Equalização de narrativas 79
3.7.3. Dilemas das entrevistas 80
3.8. O Inventário 82

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 85

4.1. Apreensões e perspectivas do inventário 85

4.2. Considerações finais do processo 91

ANEXOS 99

ANEXO 1 - INVENTÁRIO PARTICIPATIVO DOS LUGARES DE MEMÓRIA


LGBT 99
ANEXO 2 - MODELO DE CESSÃO DE ENTREVISTA 132
ANEXO 3 - ROTEIRO DE ENTREVISTAS 133
ANEXO 4 - FICHA TÉCNICA DA COLETA DE ENTREVISTA 135
ANEXO 5 - ENTREVISTA UBIRAJARA DENONE CAPUTO 136
ANEXO 6 - DEVOLUTIVA DO PRÉ INVENTÁRIO 157
ANEXO 7 - ENTREVISTA COM LILI VARGAS 165
ANEXO 8 - ENTREVISTA JAQUELINE CHANEL 197
ANEXO 9 - ENTREVISTA FÁTIMA TASSINARI 219
ANEXO 10 - ENTREVISTA COM FRANCO REINAUDO 245
ANEXO 11 - ENTREVISTA COM LAURA BACELLAR 256
11

INTRODUÇÃO
Este trabalho refere-se a um inventário participativo dos Lugares de Memória
LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais)1 da cidade de São Paulo. O
mesmo foi construído a partir de diversas inquietações e necessidades de ter
acesso a um instrumento que sistematizasse esses referenciais, possibilitando
a reconstrução de história(s) dessa população.
Esta pesquisa possui um viés teórico, prático e experimental, visto que buscou-
se referenciais teóricos e metodológicos de áreas como a museologia,
patrimônio e história para fundamentar esse instrumento. E que, embora
fundamentado teoricamente, precisou ser composto à luz da prática e da
experiência, testando possibilidades e sendo necessário tomar decisões para
que o trabalho fosse realizado.
Cabe ressaltar que uma parte do fundamento teórico não advém
necessariamente de fontes bibliográficas e sim de conversas como
pesquisadores e militantes LGBT, que dedicaram a sua carreira a pensar e
pesquisar essa população.
Como aponta Boaventura (2019), muitas reflexões ainda não foram escritas e
estão no domínio da oralidade, que dentro de uma lógica de construção colonial
da cientificidade nega tal oralidade. Assim como todo arquivo é permeado de
silenciamentos e do que não é selecionado. Este trabalho busca dar vazão a
essa esfera - dos excluídos dos arquivos e dos que constroem seu conhecimento
a partir da oralidade à luz de sua realidade concreta2.
Assim, boa parte deste trabalho se baseia em fontes orais, em conversas formais
e informais com ativistas do movimento LGBT que constroem seu pensamento
a partir de sua experiência e de seu ativismo e os ressoando através de sua voz.
E não é porque não passaram pelo domínio da escrita e dos códigos
acadêmicos, que esses conhecimentos não serão reconhecidos neste trabalho.

1
Escolheu-se a sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) como representativa do
espectro das identidades sexuais dissidentes, por ser a mais consolidada dentro das políticas
públicas. Ainda assim, ao utilizarmos essa sigla não se pretende suprimir as demais identidades
sexuais que buscam ser representadas, como Intersexos (I), Agêneros (A), Pansexuais (P), entre
outras.
2
Essas conclusões foram possíveis de serem feitas através do trabalho de Boaventura de Sousa
Santos - SANTOS, Boaventura de Sousa, A desmonumentalização do conhecimento escrito e
arquivístico in: O Fim do Império Cognitivo, Belo Horizonte: Autêntica, 2019, pp. 263 - 291
12
Assim, o (a) leitor (a), poderá conferir cinco capítulos que refletem os percursos
e resultados dessa pesquisa. Os dois primeiros capítulos têm uma natureza
teórica, enquanto o terceiro tem uma natureza prática e experimental e por fim,
o quarto capítulo refere-se às considerações finais do processo.
Assim, no primeiro capítulo o (a) leitor (a) poderá conferir algumas definições
teóricas em relação aos principais conceitos mobilizados, como memória,
museologia, museologia social, patrimônio e herança cultural. Assim, como
poderá verificar uma distinção entre os modelos de inventário - tecnocráticos,
científicos, compartilhados e participativos.
O segundo capítulo busca apresentar uma breve história da população LGBT no
Brasil, a partir de perspectivas estruturais e conjunturais. O capítulo em questão
discute quando a memória e a história se tornaram questões pujantes na
militância e como essa militância respondeu a essas questões por meio de
criações de centros de memória e referência, museus, documentários e outros
meios.
O terceiro capítulo foi arranjado como uma espécie de manual de preenchimento
do inventário e também um diário de campo, apontando as decisões tomadas no
inventário e referenciando o inventário em anexo, com todos os dados
sistematizados. O mesmo é, sobretudo, destinado às pessoas que buscam esse
trabalho pensando em constituir um inventário como este. Ou que querem
acessar apenas os dados sistematizados, caso seja essa vontade recomenda-
se, acessar diretamente o anexo I deste trabalho.
O quarto capítulo refere-se às considerações finais do inventário e de todo o
trabalho. Apresentando gráficos e hipóteses de pesquisas que podem utilizar
esse instrumento para serem realizadas. Da mesma forma que realiza um
balanço final de todo processo realizado de forma sucinta.
Cabe ressaltar que todo esse trabalho foi realizado em um período atípico da
nossa história, em meio a epidemia do COVID-19, impactando diretamente nos
resultados, sobretudo ao que tange a parte prática deste trabalho e o
envolvimento com essa população, limitando os seus resultados. Ainda assim,
buscou-se construir um trabalho bem subsidiado do ponto de vista teórico e
13
metodológico e se buscou uma adaptação às metodologias a partir do contexto
em que a pesquisa foi desenvolvida.
Por isso, deseja-se ao leitor (a) uma boa leitura, almejando que este trabalho
possa suscitar boas reflexões e implique sobretudo, em projetos futuros, que irão
compartilhar a mesma natureza - participativa, a qual este trabalhou buscou
promover.
14
1. QUESTÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS PARA INVENTÁRIOS
PARTICIPATIVOS

1.1. Uma breve explicação


A Museologia é uma ciência social aplicada, que como define Waldisa Rússio:
tem como foco o estudo do fato museal, ou fato museológico, que é a relação
profunda entre o homem e o objeto (GUARNIERI, 2010, p. 123)3.
A partir dessa definição, depreende-se que a Museologia se volta mais ao estudo
dos seres humanos, seus feitos, suas relações com o meio e com os objetos, do
que propriamente ao estudo dos objetos museológicos. Entende-se que nada
na área é mais substancial do que a agência dos seres humanos. Seja na
produção dos objetos museológicos, seja no cuidado desses objetos nas
instituições museais, ou na relação profunda4 entre pessoas e artefatos e/ou
referências imateriais.
Além da definição do objeto da ciência, existe a operação de determinados
conceitos na área, cujo entendimento é fundamental para a construção de
determinados processos, como o Inventário Participativo - que esta pesquisa
objetiva construir. Conceitos como Memória, Patrimônio e Herança Cultural são
fundamentais para esse entendimento e possuem suas próprias implicações
teóricas e metodológicas.
Para este trabalho, cabe entender a articulação desses três conceitos nos
Processos Museais e nos Processos Museológicos5, bem como suas relações
dialógicas e dialéticas que se refletem em procedimentos técnicos e definições
teóricas próprias.

3
GUARNIERI, Waldisa Rússio. A interdisciplinaridade em Museologia (1981). In: BRUNO, Maria
Cristina Oliveira (org.). Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma
trajetória profissional. v.1. São Paulo: Pinacoteca do Estado; Secretaria de Estado de Cultura;
Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, 2010a. p.123.
4
ibidem p. 123
5
Entende-se por Processos Museais, como processos que são operados dentro da instituição
museal - Museu e por Processos Museológicos, processos não necessariamente realizados
dentro das instituições, mas que envolvem pesquisa, valorização e comunicação de referências
materiais e imateriais
15
É a partir da conjugação desses conceitos que se operam alguns procedimentos
técnicos em toda cadeia operatória museológica6, visando a salvaguarda,
pesquisa, valorização e comunicação do patrimônio material e imaterial 7.
O capítulo em questão busca demonstrar as especificidades de cada um desses
conceitos, suas tecnologias e operacionalizações, no tratamento das referências
patrimoniais, sobretudo do patrimônio imaterial. E discutir principalmente, a
centralidade e a relação desses conceitos para a construção de um Inventário
Participativo.
Assim, se propõe uma breve revisão bibliográfica sobre o assunto, para elucidar
como a Museologia e áreas paralelas, como a História, constituem processos
ancorados nessas conceituações.
Neste sentido, cabe apontar que determinados autores foram fundamentais para
se chegar a algumas conclusões, proposições teóricas e práticas. No campo da
museologia, Hugues de Varine Bohan, Waldisa Rússio Guarnieri, Cristina Bruno,
Mário Chagas e Bruno Brulon trazem importantes contribuições. E nos ajudam a
pensar articulações entre Museologia e Sociedade; Museologia e População
LGBT; Comunidades e Processos Museológicos e Patrimônio e Comunidades
Locais.
Ao passo que teóricos que se dedicam ao campo da Memória e História, como
Pierre Nora, Aleida Aissman e José Sebe Bom Meihy, trazem contribuições
imprescindíveis para a mobilização de conceitos-chave como História, Memória
e Lugares de Memória, que são fundamentais para a construção desse
instrumento.
Para melhor elucidar esses conceitos, dispositivos teóricos e ferramentas
metodológicas, os subcapítulos abaixo perpassam por explicações e implicações
dessas articulações. Pensando como essas teorias, metodologias e experiências

6
Cadeia operatória museológica é um conceito construído pela museóloga Cristina Bruno, para
explicar a engrenagem e encadeamento de ações em instituições museológicas, que se referem
à salvaguarda (conservação e documentação) e comunicação (exposição e ação educativo-
cultural) de acervos musealizados. (Bruno, 2018, p. 23)
7
A etimologia da palavra Patrimônio provém do latim (Patrimonium) e representa a junção de
duas palavras: Pater (Pai) e Monium (Recebido), representando a herança que é legada de
geração em geração. Entende-se como Patrimônio Material o conjunto de bens tangíveis e
Patrimônio Imaterial o conjunto de bens intangíveis, como práticas, fazeres, cânticos, rituais e
etc.
16
se relacionam diretamente com a ferramenta do Inventário Participativo e como
a população LGBT pode ser resultante desse estudo interdisciplinar e dessas
práticas.

1.2. Museologia Social como propulsora de iniciativas museais


A Museologia é uma área das ciências humanas que em determinado momento
desloca o seu olhar dos objetos - representativos de grandes feitos de homens
e nações, para se voltar à pluralidade de agências e comunidades no tecido
social. A guinada desses paradigmas acontece com o advento da Museologia
Social, que ganha lastro a partir da Mesa Redonda de Santiago do Chile,
realizada em 1972.
A Mesa Redonda de Santiago do Chile foi um dos acontecimentos que ocorreram
durante a Conferência Geral dos Museus do ICOM em 1972. E que por meio de
um documento de síntese apresentou à UNESCO uma proposta de Museu
Integral.
O Museu Integral reflete uma instituição antenada às demandas e dinâmicas de
seu território (sejam urbanos ou rurais) e um entendimento de que essas
instituições não são neutras e que devem atuar na educação e desenvolvimento
local por meio da sua articulação com o território.
Este evento postula novos desafios para a área, deixando de priorizar o
colecionismo para se concentrar na relação entre Museus e sociedade. Assim,
o modelo de instituição que outrora girava em torno dos grandes feitos dos
homens e da representação da riqueza nacional, passou a se questionar sobre
o seu papel na sociedade, no território que ocupa, na educação das populações
e no desenvolvimento local.
A partir dessa guinada, novas experiências de museus são gestadas e ganham
força ao redor do globo. Museus em diálogo com o território e com perspectivas
ecológicas de preservação da natureza, museus representativos de grupos
sociais subalternos (como trabalhadores, ciganos, deficientes, mulheres, negros
e negras e LGBT), são algumas das experiências que refletem a mudança
desses paradigmas.
17
No Brasil, são exemplos dessas iniciativas como a construção do Museu da
Indústria na década de 1980. Experiência dedicada ao protagonismo da classe
trabalhadora idealizado pela museóloga Waldisa Rússio8. Este Museu propunha
uma história dos trabalhadores desse segmento, ao invés de uma história da
indústria. A proposta utilizou-se das brechas da institucionalidade, para criar um
Museu que serviria e representaria os trabalhadores desse segmento.
Mais recentemente, são exemplos dessas iniciativas a construção de museus de
favela, particularmente no Estado do Rio de Janeiro, que abriga instituições
como o Museu da Maré (2006), o Museu Sankofa na Favela da Rocinha (2007),
o Museu da Remoções (2016), o Museu de Favela (2008) (construção das
comunidades Cantagalo e Pavão-Pavãozinho9), entre outros.
Em termos de pautar a relação comunitária do homem com o meio ambiente em
que habitam, os Ecomuseus são instituições que representam as discussões em
torno do tema. Como na França, com o Écomusée du Creusot Montceau-Les-
Mines, criado em 1974 e reconhecido como o primeiro Ecomuseu do mundo 10,
com grande repercussão mundial.
No Brasil, experiências como o Ecomuseu de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, o
Ecomuseu do Cerrado, em Goiás, o Ecomuseu da Serra de Ouro Preto,
constituinte do Projeto de Implantaç ão do Parque Arqueológico das Ruínas do
Morro da Queimada11, são alguns dos exemplos que foram impactados por
essas experiências de novas práticas museológicas.
Em relação à representação da luta pelos direitos humanos nos espaços
museais, muitos museus foram fundados. A América Latina concentra parte

8
No fundo arquivístico da museóloga Waldisa Rússio, salvaguardado no Instituto de Estudos
Brasileiros (IEB-USP), existem diversos documentos que abordam a iniciativa do Museu da
Indústria, como um Museu que contasse a história dos trabalhadores nas indústrias de São
Paulo.
9
GIORDANI, Gianna. 26 Museus de Favela e Projetos de Memória São Destacados em Novo
Guia, Portal RioOnWatch: Rio de Janeiro, 12 de dez. de 200, Acessado no dia 15 de maio de
2022, disponível em <https://rioonwatch.org.br/?p=52171>
10
Dados retirados do artigo de Bruno Brulon: BRULON, B. A invenção do ecomuseu: O caso
do écomusée du creusot montceau-les-mines e a prática da museologia experimental.
Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 21, n. 2, p. 267–295, 2015.
11
Referências retiradas do artigo de MATTOS, Yara. Ecomuseu, Desenvolvimento Social e
Turismo, Ouro Preto, 2006.
18
deles, que foram criados como instrumentos de reparação das Ditaduras
Militares do Cone-Sul.
São exemplos deste cenário o Memorial da Resistência de São Paulo,
constituído no ano 2009, como uma das formas de reparação aos ex-presos
políticos da Ditadura Militar. O Museu dos Direitos Humanos no Chile, constituído
para abordar as violações da Ditadura de Pinochet, o Museu de la Memoria no
Uruguai, dedicado à memória das pessoas que morreram ou foram perseguidas
pela Ditadura Uruguaia12.
A Alemanha é também um país que se dedicou à construção de Museus e
Memoriais voltados à reparação de segmentos da população perseguidos
durante o Nazismo. Como a Topografia do Terror, em Berlim, na Alemanha, que
retrata os momentos de violação aos direitos humanos desde a República
Weimar até a construção do Muro de Berlim13 e diversas outras instituições no
país.
Todas estas instituições são exemplos de como os paradigmas da museologia
social se relacionam com processos de retratação a grupos que passaram por
violações de direitos humanos.
Como mencionado anteriormente, os Museus LGBT, ou Museus da Diversidade
Sexual, também são instituições criadas ao redor do globo e ancoradas nos
paradigmas da nova museologia. O segundo capítulo deste trabalho se dedicará
a abordar a construção desses museus.
Cabe ressaltar, que essas são apenas algumas amostras de ecomuseus,
museus comunitários, museus de território e museus de direitos humanos que
foram constituídos sob influência dessa nova museologia. Essa sistematização
está muito aquém de ser completa.
Para uma pesquisa sistemática de todos os ecomuseus e museus comunitários
criados no Brasil, indica-se consultar a dissertação: Ecomuseus e Museus

12
Dados retirados do artigo de TEIXEIRA, GISELE. Espaços de memória em São Paulo,
Buenos Aires, Lima, Santiago e Montevidéu ajudam a iluminar a história recente da
América Latina, Revista Trip: São Paulo, 20 de jun. de 2016. Acessado em 16 de maio de 2022,
disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/trip/turismo-de-memoria-museus-e-espacos-para-
relembrar-a-historia-na-america-latina>
13
Essa referência se baseia em uma visita que fiz ao Museu em 2019.
19
Comunitários no Brasil: Estudo Exploratório de Possibilidades Museológicas de
Suzy Santos, defendida no Programa de Pós-Graduação Interunidades em
Museologia da Universidade de São Paulo no ano 2017, onde a autora mapeia
196 iniciativas do gênero no território brasileiro.
Em paralelo à constituição desses museus, os Processos Museológicos também
foram requalificados, buscando engajar grupos locais e torná-los atuantes no dia
a dia dessas instituições. Processos que eram vistos antes como estritamente
técnicos, como o caso dos inventários, tornaram-se processos passíveis de
requalificação e inserção das comunidades no seu fazer.
Nesse contexto, modelos de inventários como o compartilhado e o participativo
ganham lastro nas instituições museais, inserindo as populações locais, na
construção, identificação e gestão das coleções.

1.3. Formas de inventariar: uma questão de escolha


Inventariar é uma das primeiras etapas de documentação em instituições de
custódia de documentos ou repositórios de memória e uma das mais
preliminares. Em instituições museológicas, o ato de inventariar perpassa pelo
reconhecimento/identificação e classificação do patrimônio da instituição.
A partir de sua realização esse patrimônio passa a ter uma base documental,
para que possa ser divulgado nas demais atividades da instituição. A
sistematização dessa documentação pode ser divulgada e utilizada nas
atividades da Cadeia Operatória Museológica em um segundo momento.
O autor Hugues de Varine-Bohan, em seu trabalho: As raízes do futuro: o
patrimônio a serviço do desenvolvimento local (2013), define algumas formas de
inventário que podem ser adotadas no interior de uma instituição museológica.
Os métodos/formas apresentados pelo autor podem ser classificados em três
grandes grupos. O primeiro, de caráter tecnocrático, o segundo de caráter
científico, e o terceiro de caráter comunitário.
Os inventários desse primeiro grupo geralmente são realizados por agentes
técnicos, funcionários de órgãos específicos dentro da institucionalidade, que
tem como foco apenas listar esse patrimônio a partir de determinados valores,
como o monetário.
20
Os inventários científicos, em geral, são constituídos por especialistas de
determinada área, a qual os poderes de decisão sobre o que é e o que não é
patrimônio são legados aos especialistas14. Assim, como a definição do método
e atribuição de valores (científicos, monetários, culturais, sociais) são também
adotadas por esses especialistas.
O terceiro grupo é constituído por inventários comunitários e participativos, que
passam pela agência e participação das comunidades a qual esse conjunto de
bens culturais diz respeito.
Assim, Varine define os inventários tecnocráticos, científicos, compartilhados e
participativos, a partir dos seguintes verbetes:
inventários tecnocráticos - processo comumente para os agentes do
serviço público, que classificam o patrimônio, segundo categorias
utilitárias, como valor, potencial turístico, beleza etc.
inventários científicos - geralmente realizados por profissionais da
cultura e especialistas em conservação de bens culturais.
inventários compartilhados, é a ação em que o inventário passa pela
apropriação da comunidade.
Inventários participativos: processo em que a própria população
define o que é patrimônio (VARINE, 2013, pp. 47 - 56)
Neste subcapítulo nos ateremos a esses dois últimos modelos de inventário
(compartilhados e participativos). Ambos possuem similaridades no sentido de
engajar as comunidades locais.
O inventário compartilhado consiste no compartilhamento de informações com a
comunidade a partir de uma sistematização já realizada pela equipe técnica. De
forma que essa comunidade possa apresentar as suas impressões e indexar
informações após a seleção do patrimônio. De acordo com Varine (2013),
existem diversas formas de se executar essa ação, uma delas é através de
exposições, visitas às reservas técnicas e etc.
Como afere o autor: “Pode-se ir mais adiante? Pode-se pedir à população que
ela própria defina o que entende por patrimônio, sem deixar aos especialistas o
cuidado de fazê-lo a partir de critérios científicos?” (VARINE, 2013, p. 53).
É neste ímpeto que a proposta de Inventário Participativo se assenta na definição
de patrimônio pela própria comunidade. Esse modelo desloca a decisão sobre o

14
VARINE, Hugues de. As Raízes do Futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento
local. Porto Alegre: Medianiz, 2013, pp. 47
21
que é bem cultural e sobre o que inventariar dos agentes técnicos e/ou científicos
para as comunidades.
Enquanto no inventário compartilhado a comunidade é convocada a anexar
informações após a definição do que é patrimônio. No inventário participativo é
a comunidade que define o que é bem cultural, o que será patrimonializado e o
que servirá como herança cultural para as futuras gerações.
O Inventário Participativo é um processo museológico de extrema importância,
no sentido de dar autonomia para que as comunidades possam definir o que
querem que seja preservado, pesquisado e comunicado, envolvendo-as
diretamente nas tomadas de decisão.
Escolheu-se esse modelo de inventário, pelo entendimento de que essa escolha
pertence à comunidade e não ao poder público, a um agente técnico ou
especializado. Entende-se que a comunidade LGBT deve decidir o que
preservar, o que faz sentido para a manutenção de sua cultura e o que ela quer
transmitir para essas e futuras gerações.
Esse processo gera uma aproximação entre as comunidades e o seu patrimônio
e, sobretudo, enriquece as instituições e/ou agentes culturais que fazem a
mediação, entre os bens culturais e as populações. Não se desclassifica o
trabalho e aprendizado técnico de museólogos, conservadores e
documentalistas, mas entende-se que eles são mediadores no processo de
definição.
O Inventário Participativo é também um processo que rompe com uma certa
tutela ou paternalismo das instituições culturais com essas comunidades. E
experimenta uma construção conjunta entre os agentes técnicos e as
populações a qual esse patrimônio diz respeito.
Na construção de um Inventário Participativo, a memória dessas populações é o
âmago dessa metodologia. E são fundamentais para trazer à tona a função dos
objetos e/ou lugares em seu contexto de produção e para a indexação de
informações a esses bens. Sem essas memórias, modelos de inventário como
esse seriam impossíveis de serem constituídos.

1.4. Memória
22
Memória é um termo polissêmico, que expressa múltiplos significados e está
presente em grandes áreas do conhecimento, como nas ciências humanas,
biológicas e exatas. Para cada uma dessas áreas o estudo da memória possui
sua importância e significação.
Nas ciências humanas, onde este trabalho se assenta, o estudo da memória
denomina os profissionais de Memorialistas. E se faz presente em campos como
o jornalismo, antropologia, sociologia, museologia, psicologia social, história,
entre outras.
Para este projeto é importante entender o que é a memória enquanto fenômeno
social e individual e no que a mesma consiste. Quais são as suas implicações,
contradições, possibilidades e limites. Pensando que a mesma é substrato
imprescindível para a construção desse modelo de inventário.
A memória é um produto essencialmente narrativo, sendo o tempo a composição
imprescindível dessa narrativa15. Assim como a história, a memória olha para o
passado, a partir dos valores e paradigmas do presente. Contudo, diferente da
história, a memória é um processo de adjetivação e valorização desse passado,
enquanto a história busca, por meio de paradigmas científicos, despir-se das
adjetivações, interpretar e questionar os fatos16.
Esse processo de adjetivação, que parte de valores do presente, implica que a
memória diz sempre mais do presente do que do passado. A seleção intencional
ou não do que lembrar, a atribuição de valor ao passado, são processos
subjetivos e individuais (MEIHY, 1996, pp. 65). A isso se soma o distanciamento
temporal, possibilitando novas interpretações sobre os fatos e processos do
passado a partir do olhar do presente.
Segundo Meihy, a memória nunca é completa, pelo contrário, ela é sempre
fragmentada, como uma colcha de retalhos, constituída por meio de uma
narrativa que tem sentido ao narrador.

15
RICOEUR, Paul, Tempo e Narrativa - Tomo I, trad. Constança Marcondes Cesar,
Campinas: Papirus, 1994
16
O trabalho de Pierre Nora, Entre Memória e História foi um subsídio imprescindível para a
compreensão da separação entre história e memória. - NORA, Pierre. Entre Memória e
História: a problemática dos lugares de memória. Projeto História. PUC SP, v. 10, 1993.
23
A memória é evocada por um sujeito em um contexto social, que possui valores
morais, geracionais, dores e emoções. Esse conjunto de questões implica
diretamente na narrativa em que essas lembranças serão apresentadas.
Cabe apontar, que aqui estamos nos debruçando sobre a memória oral, que
possui diferença em relação à memória escrita. Segundo Meihy, “a memória
escrita é uma expressão sempre individual, mesmo quando somada a outras,
enquanto a memória de expressão oral parte do indivíduo para os cruzamentos
com o coletivo”17.
Nesse campo há algumas definições de memórias, como memórias românticas
e memórias traumáticas. Alguns museus, por exemplo, trabalham com memórias
traumáticas. São instituições que lidam com reparações aos sujeitos lesados por
violações de Direitos Humanos, e que as memórias evocadas são permeadas
por dor.
Na cidade de São Paulo, um dos exemplos no tratamento desses fenômenos é
a constituição do Núcleo Memória, do já citado Memorial da Resistência de São
Paulo, responsável por um programa de entrevistas. Essas memórias
traumáticas, estão ligadas particularmente aos processos de tortura, exílio e
cárcere de ex-presos políticos da Ditadura Militar Brasileira.
No caso da população LGBT não é diferente. Na história, diversos processos de
perseguição geraram memórias traumáticas, ao ponto dos sobreviventes terem
diversas reticências ou se recusarem a falar sobre. Como o caso da perseguição
nazista aos homossexuais18, ou o cárcere de sujeitos LGBT, sobretudo de
pessoas transexuais em períodos recentes do Brasil.

1.4.1. Possíveis classificações da memória

17
José Carlos Sebe Bom Meihy, “A memória é a matéria essencial das entrevistas”:
Entrevista com José Carlos Sebe Bom Meihy, Entrevistadora: Agnes Francine de Carvalho
Mariano, Revista do Programa de Pós-graduação em Comunicação Universidade Federal de
Juiz de Fora, Juiz de Fora, v. 14, n. 3, p. 213-226, set/dez. 2020
18
No caso da Alemanha, há um documentário intitulado Parágrafo 175 que captou narrativas
dos sobreviventes da perseguição, parte dos sobreviventes se recusou a falar para não trazer à
tona o trauma causado pelo processo.
24
A memória é um fenômeno que vem sendo estudado e discutido por diversos
teóricos no campo das ciências humanas. Uma dessas teóricas, Aleida Aissman,
produziu importantes trabalhos no campo da classificação da memória.
Um dos textos de Aleida Assman, Formas e transformações da memória cultural
(2011), se debruça na classificação desse fenômeno. De acordo com a autora,
essas classificações são fundamentais para a elucidar e representar o universo
amplo em que a memória se assenta19.
Entre as classificações apresentadas se encontram a memória formativa
(tradição cultural), memória de aprendizagem, memória cultural e memória
comunicativa, que serão melhor elucidadas neste subcapítulo.
A memória formativa, está ligada à tradição cultural (ASSMAN, 2011, p.17, grifo
nosso), esse tipo específico de memória dialoga diretamente com o termo de
memória-nação, apresentado por Pierre Nora, no texto Entre Memória e História:
a problemática dos lugares de memória (1993). No caso da tradição cultural, a
autora aponta que é uma memória ecoada e que serve a formação cidadã, está
atrelada a constituição de valores, que na maior parte das situações é
repercutido por meio da agência do estado.
A memória de aprendizagem está ligada a observação e reprodução de
determinadas técnicas20. Aqui podemos entendê-la como uma memória do
Saber Fazer 21, como aponta o pedagogo José Mário Pires Azanha (1985)
quando disserta sobre os tipos de aprendizagem que podem ser realizados no
contexto escolar e fora dele. Ou seja, é o tipo de memória que se apoia no
conjunto de técnicas relativas ao aprendizado de uma função.
A memória cultural, se refere a memória selecionada e guardada ou mesmo
grafada em determinados objetos e documentos e que também serve a uma
instrução de valores. (ASSMAN, 2011, 17 - grifo nosso)

19
ASSMANN, Aleida. Introdução. In Espaços de recordação. Formas e transformações da
memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. p. 15
20
Ibidem, 17-18
21
AZANHA, José Mário Pires. Uma Reflexão Sobre a Didática. In A Didática em Questão –
3º Seminário. Atas de Volume I. São Paulo, 1985. P. 24-32.
25
Por fim, a memória comunicativa, que liga três gerações consecutivas e se
baseia nas lembranças legadas oralmente.22 Neste trabalho, lidamos
diretamente com a memória comunicativa, buscando a partir da construção de
um inventário participativo representar elementos que ligam três ou mais
gerações de pessoas LGBT. Desta forma, a pesquisa foca em entrevistas com
esse segmento e utiliza recursos da História Oral para o registro desses
fenômenos.

1.5. História Oral


O estudo da memória tem se tornado cada vez mais presente na disciplina de
história, postulando uma nova corrente historiográfica intitulada História Oral. A
História Oral também se trata de um método de captação, transcrição e análise
de fontes memorialísticas.
A História Oral, segundo a explicação de autoras como Júlia Silveira Matos e
Adriana Kivanski de Senna23 começa a se constituir como disciplina ainda no
século XVIII. Contudo é com o advento do gravador na década de 1950, que
ocorre uma profusão e avanço do método da disciplina. Em um primeiro
momento nos Estados Unidos e depois em algumas regiões da Europa.
No Brasil, essa metodologia é implementada e desenvolvida no Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) 24,
centro que atua desde a década de 1970, com foco, até os dias atuais, em
depoimentos da elite política brasileira (CAMARGO, 1999, pp. 167).
No ano de 1994 é criada a Associação Brasileira de História Oral, após o II
Encontro Nacional de História Oral, realizado no Rio de Janeiro e em 2001 é

22
Ibidem, 17-18
Todas essas classificações foram retiradas da introdução do texto Espaços de recordação, de
Aleida Assman - ASSMANN, Aleida. Introdução. In Espaços de recordação. Formas e
transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. p. 15-27.
23
MATOS, J. S. e SENNA, A. K. de. História oral como fonte: problemas e métodos. Historiæ,
[S. l.], v. 2, n. 1, p. 95 – 108, 2011. Disponível em: https://periodicos.furg.br/hist/article/view/2395.
Acesso em: 26 mar. 2022.
24
O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)
é um centro ligado à Faculdade Getúlio Vargas e tem sede na cidade do Rio de Janeiro.
26
criado também o Núcleo Estudos em História Oral - NEHO, na Universidade de
São Paulo, fruto da atuação de um dos principais difusores e pesquisadores do
método no Brasil, José Sebe Bom Meihy25.
O trabalho de Meihy é fundamental para a composição de metodologias de
tratamento na memória. segundo o professor:
Memórias são lembranças e, como tais, dependem das condições
físicas e clínicas dos depoentes, bem como das circunstâncias em que
são dadas. Sendo que a memória é sempre dinâmica, muda e evolui
de época para época, é prudente que seu uso seja relativizado, posto
que o objetivo de análise, no caso, não é a narrativa objetivamente
falando nem sua relação contextual, mas a interpretação do que ficou
(ou não) registrado na cabeça das pessoas. (MEIHY, 1996, p. 65)26

Os trabalhos de Meihy e de outros memorialistas nos trazem luz sobre como


proceder de forma acadêmica e ética com as memórias coletadas.
Os paradigmas postulados pela história oral trouxeram questionamentos e
inserção de novos sujeitos, em áreas que sempre privilegiaram análises
estruturais27, como a História. Ao olhar sempre para a estrutura e superestrutura,
ou para ação de grupos com maior influência política, a disciplina acabou por
invisibilizar diversas narrativas de grupos que constituem a sociedade.
Com a postulação dessa metodologia, grupos que ficavam às margens da
sociedade, como os não letrados, de tradição oral, LGBT e outros sujeitos,
sempre retratados a sombra do homem branco 28 começaram a ser expressados
nesta área de conhecimento. Essas implicações não ficaram restritas à disciplina

25
José Carlos Sebe B. Meihy é professor titular aposentado do Departamento de História da
Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO-
USP). É um dos introdutores da moderna História Oral no Brasil. Criador de uma metodologia
própria de condução de História Oral, seus trabalhos são considerados fundamentais por
estabelecer elos entre a narrativa acadêmica e o público em geral. (Informações retiradas de sua
biografia pela editora Contexto)
26
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Edições Loyola, 1996,
p. 65
27
Devido aos paradigmas marxistas, do método materialista histórico-dialético que busca
compreender as raízes materiais que estruturam determinada sociedade e o seu reflexo na
superestrutura, que se tornaram quase que uma norma a ser seguida nas pesquisas em história.
Alguns grupos que não são refletidos na estrutura e na superestrutura, acabaram por ser
invisibilizados nessa disciplina.
28
Losandro Antonio Tedeschi em seu artigo, Os lugares da História Oral e da Memória nos
Estudos de Gênero, aborda como o método trouxe luz para que os estudos de gênero se
desenvolvessem na disciplina. TEDESCHI, Losandro Antonio, Os lugares da História Oral e da
Memória nos Estudos de Gênero, OPSIS, Catalão, v. 15, n. 2, 2015, pp. 338
27
de história, mas também se alastraram em outras áreas, como a antropologia,
sociologia, jornalismo e na própria museologia.
Neste aspecto algumas formas de composição de Inventários Participativos,
utilizam métodos da História Oral como subsídio em sua constituição. Assim,
cabe ressaltar que este trabalho também utiliza esses métodos para dar vazão
às memórias coletadas. Esse procedimento será melhor detalhado no terceiro
capítulo da monografia.

1.6. Lugares de Memória


Em diálogo com a Memória e com o Inventário Participativo, há outro conceito
que fundamenta e estrutura esse inventário. O conceito de Lugar de Memória.
Os Lugares de Memória, assim como a Memória, são produtos de adjetivação e
subjetividade, que compõem uma multiplicidade de significados na memória
coletiva e individual de cada sujeito ou grupo que os evocam.
De acordo com o texto: A problemática dos lugares de memória, de Pierre Nora
(1993), apreende-se que "Lugar de Memória'' é um conceito polissêmico. De
acordo com o autor, o termo “Lugares de Memória” possui significado no:
campo físico: como espaço que existe ou existiu fisicamente; no
simbólico: sendo produto de significação de pessoas e grupos; e no
funcional: como um espaço que exerce ou exercia sua função para a
sociedade” (NORA, 1993, pp. 21-22).

Cabe aferir que Lugares de Memória e Lugares de Sociabilidade são dois


conceitos que representam esferas distintas da subjetividade e acesso dos
grupos e indivíduos. Lugar de Sociabilidade é um termo representativo dos locais
atrelados à frequência do momento presente, enquanto Lugar de Memória é
espaço evocado por meio da memória através da fala, escrita e etc.
Lugar de Memória não é uma expressão pura da realidade, assim como a
memória é produto de subjetividades individuais e coletivas e podem possuir
sentidos diferentes, a depender de que grupo ou pessoa o evoca.
Os Lugares de Memória são alvo e estão dentro do recorte patrimonial de muitas
instituições museológicas, que se dedicam sobretudo, à memória de grupos da
sociedade. Assim, alguns museus vêm produzindo sistematização de
28
determinados lugares e cartografias que são representativos aos grupos que
essas instituições se destinam.
Ressalta-se que instituições em São Paulo como o Memorial da Resistência, tem
projetos de mapeamento e produção de cartografias de lugares atrelados ao seu
recorte patrimonial.

1.7. Estratégias de transmissões de heranças culturais


Como aponta Pierre Nora, a memória é um subsídio, que pode servir à
transmissão de uma herança cultural. Segundo o autor, a transmissão da
memória como herança, durante um longo período se vinculou a uma memória-
nação, que que era transmitida por meio da agência do estado para um
aprendizado moral e cívico da sociedade e hoje se pulverizou, tornando-se
memória-sociedade29.
A memória-sociedade paira no tecido social e pode ser transmitida por diversas
formas, como por meio de museus e demais linguagens culturais 30, que podem
ou não se dedicar a representar determinados grupos sociais31.
Ao nos atermos a esse deslocamento e pulverização da memória é possível
verificar a aproximação de alguns grupos sociais com instituições e sua
apropriação de alguns processos museológicos, como o próprio Inventário
Participativo para fazer suas memórias ecoarem.
Os processos museais e museológicos são fundamentais para a transmissão de
uma herança dessas populações. Entendendo que os processos museológicos
e museais, ao recolherem, conservarem e comunicarem memórias, transmitem
valores à sociedade.

29
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares de memória.
Projeto História. PUC SP, v. 10, 1993. p. 12
30
Embora nos subcapítulos anteriores tenhamos nos dedicado a mostrar as ações de museus
ancorados na Museologia Social, ainda hoje existem museus que não se sensibilizam tanto com
as questões, buscando por meio de suas coleções apresentar o poderio do Estado.
31
Embora a memória-sociedade seja transmitida por essas vias e esteja cada vez mais
presentes nas instituições e processos museológicos. Ainda hoje existem museus que
direcionam sua narrativa para um aprendizado moral e cívico tomando como base um discurso
oficial do Estado, sem necessariamente problematizá-lo.
29
Neste sentido, o inventário participativo é além de um processo, uma estratégia
de sistematização e transmissão de uma herança cultural de determinado grupo.
Esse processo corrobora, não só para a repercussão de memórias de grupos
subalternizados, mas também a construção de novas referências desses grupos
pela sociedade.
Entende-se que esse processo de inclusão pode auxiliar em re-apropriações e
difusão de elementos culturais próprios da população LGBT. Como, por
exemplo, a maior repercussão do dialeto Bajubá 32, para que esses bens, valores
e heranças não sejam perdidos ao longo do tempo e que não se tornem apenas
histórias, mas sim, memórias vivas e presentes no dia-a-dia da sociedade.
No capítulo seguinte nos dedicaremos a demonstrar como esses processos de
apropriação e aproximação das instituições museais, processos museológicos e
estratégias de propagação de memórias LGBT se deram em um contexto
recente do Brasil.

Referências Bibliográficas
ASSMANN, Aleida. Introdução. In Espaços de recordação. Formas e
transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. p.
15-27.
BRULON, B. A invenção do ecomuseu: O caso do écomusée du creusot
montceau-les-mines e a prática da museologia experimental. Mana: Estudos
de Antropologia Social, v. 21, n. 2, p. 267–295, 2015.
BRUNO, Maria Cristina Oliveira e ARAÚJO, Marcelo Mattos e COUTINHO, Maria
Inês Lopes. Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma
trajetória profissional. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo. 2010
BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Definição de Cultura – os caminhos do
enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. In:

32
O Bajubá é um dialeto que mistura elementos do português e da língua africana Iorubá, foi
constituído e utilizado no Brasil, principalmente pela população transexual e travesti, que por
meio do dialeto, se comunicava com a sua comunidade e se protegia de ações policiais. Com o
tempo, esse dialeto se popularizou em outros segmentos da população LGBT. Em 2016 os
autores Fred Libi e Angelo Scippe publicaram o livro: Aurélia A: dicionária da língua afiada que
sistematiza o vocabulário Bajubá e suas significações.
30
BITTENCOURT, José Neves (org.) JULIÃO, Letícia (coord.). Cadernos de
Diretrizes Museológicas 2: mediação em museus: curadorias, exposições, ação
educativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais,
Superintendência de Museus, p.14 - 23, 2008.
CAMARGO, Aspásia, Como a História Oral chegou ao Brasil, Entrevistada
por: D'ARAUJO, Maria Celina. HISTÓRIA ORAL, 2, Rio de Janeiro, 1999, p. 167-
79
CHAGAS, Mário, Memória Social em Fragmentos: o Poder das
Encruzilhadas e a Museologia em Ação in: Cadernos do SESC Cidadania, Ano
10, N 15, São Paulo: SESC, 2019, pp. 36 - 40
_________________, A Escola de Samba como Lição de Processo Museal,
Caderno Virtual de Turismo, Vol. 2, N 2 (2002), Rio de Janeiro: Instituto Virtual
de Turismo, 2002, pp. 15 - 18
GIORDANI, Gianna. 26 Museus de Favela e Projetos de Memória São
Destacados em Novo Guia, Portal RioOnWatch: Rio de Janeiro, 12 de dez. de
200, Acessado no dia 15 de maio de 2022, disponível em
<https://rioonwatch.org.br/?p=52171>
José Carlos Sebe Bom Meihy, “A memória é a matéria essencial das
entrevistas”: Entrevista com José Carlos Sebe Bom Meihy, Entrevistadora:
Agnes Francine de Carvalho Mariano, Revista do Programa de Pós-graduaç ão
em Comunicação Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, v. 14, n.
3, p. 213-226, set/dez. 2020
MATOS, J. S. e SENNA, A. K. de. História oral como fonte: problemas e
métodos. Historiæ, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 95 – 108, 2011. Disponível em:
https://periodicos.furg.br/hist/article/view/2395. Acesso em: 26 mar. 2022.

MATTOS, Yara. Ecomuseu, Desenvolvimento Social e Turismo, Ouro Preto,


2006.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Edições
Loyola, 1996
31
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares de
memória. Projeto História. PUC SP, v. 10, 1993.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio


de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989. (online)
Pires, Marília Freitas de Campos, O materialismo histórico-dialético e a
Educação. Interface - Comunicação, Saúde, Educação [online]. 1997, v. 1, n. 1
[Acessado 14 Maio 2022], pp. 83-94. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S1414-32831997000200006>

RICOEUR, Paul, Tempo e Narrativa - Tomo I, trad. Constança Marcondes


Cesar, Campinas: Papirus, 1994
VARINE, Hugues de. As Raízes do Futuro: o patrimônio a serviço do
desenvolvimento local. Porto Alegre: Medianiz, 2013, pp. 15 - 82

SANTOS, Suzy. Ecomuseus e Museus Comunitários no Brasil: estudo


exploratório de possibilidades museológicas. 2017. Dissertação (Mestrado
em Museologia) - Museologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. doi:
10.11606/D.103.2017.tde-13122017-091321. Acesso em: 2022-09-03.

TEDESCHI, Losandro Antonio, Os lugares da História Oral e da Memória nos


Estudos de Gênero, OPSIS, Catalão, v. 15, n. 2, p. 330-343, 2015

TEIXEIRA, GISELE. Espaços de memória em São Paulo, Buenos Aires,


Lima, Santiago e Montevidéu ajudam a iluminar a história recente da
América Latina, Revista Trip: São Paulo, 20 de jun. de 2016. Acessado em 16
de maio de 2022, disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/trip/turismo-de-
memoria-museus-e-espacos-para-relembrar-a-historia-na-america-latina>
32

2. CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL E POLÍTICO DA POPULAÇÃO LGBT

2.1.Questões Iniciais
O presente capítulo trará um breve panorama histórico, social e político da
população e do movimento LGBT no Brasil e no mundo. Como uma forma de
introduzir esse segmento ao (a) leitor (a), para que compreenda adiante a
necessidade de um trabalho como esse.
O capítulo também abordará como essa população e essa pauta vem sendo
inserida nas instituições memorialísticas, como os Museus, Centros de Memória,
Referência e afins. E como as iniciativas museológicas e pró-memórias LGBT
contribuíram, para que as instituições museológicas que não tinham um recorte
patrimonial, que englobava essas identidades, tivessem mais aderência a essa
questão.
A construção feita neste capítulo é pontual, considerando que o objeto desta
pesquisa não trata de uma sistematização completa de ações de
institucionalização da memória LGBT e sim de um breve mapeamento, a partir
de informações que se tem no presente33. Tal mapeamento oferece insumos

33
Caso (a) o leitora (o), se interesse pelo tema e queira localizar uma sistematização mais
completa, recomenda-se a leitura da dissertação de mestrado do antropólogo Tony Boita,
33
para o entendimento do cenário em que essa população está assentada no
contexto atual.

2.2. De pecador a anormal: como a religião e ciência trataram os


homossexuais, transexuais e bissexuais
Este subcapítulo realiza um breve apanhado de como a sexualidade foi tratada
em dois períodos de longa duração34, o colonial e o pós-colonial com a
construção dos estados modernos. Pensando quais eram as principais
tecnologias e estruturas de controle em cada período de repressão às
sexualidades dissidentes.
Neste sentido, algumas obras como - História das Sexualidade - a vontade de
saber de Michel Foucault, foram fundamentais para apresentar a sexualidade,
seus dispositivos de controle, repressão e fruição a partir de uma perspectiva
histórica.
Como aponta Foucault a problematização do sexo (genitália), não nasce no
mundo moderno e muito menos com a Medicina-Legal35. Pelo contrário o estudo
e problematização do sexo e sexualidade, são produzidos desde o período
Greco-Romano, com a presença de uma literatura significatica sobre a
questão36.
A proibição das sexualidades dissidentes está posta no mundo Ocidental, desde
o século IV D.C., a partir do decreto do Imperador Romano, Teodósio I, que
proibe com pena de morte as relação entre pessoas do mesmo gênero 37.

Cartografia etnográfica de memórias desobedientes, defendida no Programa de Pós-graduação


em Antropologia Social (FCS) da Universidade Federal de Goiás
34
O conceito de longa duração foi criado pelo historiador Fernand Braudel para definir o tempo
das estruturas. Durações que podem ser seculares ou milenares e que representam uma
estrutura social e econômica.
35
A Medicina-Legal era uma área interdisciplinar, entre a Medicina e o Direito, que segundo
Almeida Junior (1991) é definida como a aplicação da medicina à compreensão de questões
́ icas, ou com o fim da elaboração de normas à vida social.
jurid
36
No volume III de Histórias da Sexualidade - o cuidado de si, de Michel Foucault. O autor dedica
a última parte do livro, intitulada - Os Rapazes, para discorrer sobre a produção Greco-Romana
sobre a questão. (FOUCAULT, 2005, PP. 123 - 228)
37
COELHO, Rafael Teruel. A tradição Judaico-Cristã e a homofobia: substratos ideológicos
de um preconceito. Florianópolis: Revista Cadernos de Gênero e Diversidade - Volume I - Ano
de 2015, 2015, pp. 164
34
Contudo, tomando como base apenas o contexto nacional, pode-se dizer que a
proibição e/ou problematização das sexualidades dissidentes se inicia em
conjunto com o processo colonial e também consiste em um mecanismo de
dominação.
Para melhor entender esses processos, as contribuições de pesquisadores
como o antropólogo Luiz Mott38 no que tange à Sodomia39 no período colonial
são imprescindíveis. A obra de Luiz Mott sistematiza os processos do Tribunal
do Santo Ofício40. Órgão esse que, em seu tempo, cumpre o papel de uma
burocracia centralizadora e processual, para lidar com as punições em todo
território português41.
A partir da forma como os pecados por Sodomia (ato que em seu contexto
representava o coito anal) eram processados pelo Tribunal, objetivando a
remissão dos homens e mulheres taxados como "pecadores". O pecador -
homossexual, nesse contexto não era visto como uma identidade e sim como
um reincidente e que por meio de sua confissão e penalidade poderia se redimir
frente à sociedade da época e voltar tornar-se "heterossexual"42.43

38
Luiz Mott é antropólogo e professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
além de uma extensa produção bibliográfica sobre a questão, foi protagonista em diversas lutas
políticas pela garantia de direitos de homossexuais, bissexuais e transexuais no Brasil. Para este
o trabalho, o seu livro Inquisição e Sociedade foi fundamental para desprender sobre o contexto
de proibição de atos sexuais entre parceiros do mesmo gênero no período colonial.
39
Sodomia é uma terminologia que foi utilizada no Brasil Colonial para designar o ato de
penetração anal. O termo advém dos escritos bíblicos, com inspiração nos versículos que
abordam a cidade de Sodoma e Gomorra. No entendimento do Tribunal do Santo Ofício, aqueles
que praticavam esse ato, eram vistos como sodomitas e estavam sujeitos a punições, como a
pena de morte, degredo, açoite, entre outras, a depender do seu estrato social. Mott, Luiz,
Dicionário Biográfico dos Homossexuais da Bahia (Séculos XVI-XIX). Salvador, Editora
Grupo Gay da Bahia, 1999. pp. 08-09
40
O Tribunal do Santo Ofício - foi uma instituição portuguesa que atuou em todo reino Português
(Portugal, Brasil, colônias africanas) e tinha caráter "judicial" ao processar e "inquirir" os
pecadores, por meio da figura máxima do órgão - o Inquisidor. A instituição foi bem atuante no
Brasil, sobretudo no século XVI - XVIII, com visitas dos Inquisidores Gerais à colônia. O Tribunal
do Santo Ofício, pode ser lido também como uma das primeiras instituições responsáveis por
gerir a burocracia de todo o reino português. Porto Editora, Tribunal do Santo Ofício na
Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, Disponível em <https://www.infopedia.pt/$tribunal-
do-santo-oficio> Acesso em 07 de Jul. de 2022
41
Neste contexto o Brasil é colônia de Portugal, sendo reconhecido como parte do reino
português.
42
As palavras "homossexual" e "heterossexual" estão escritas entre aspas, pois essas
denominações surgiram após esse período.
43
Como Foucault, sintetiza: O Sodomita era um reincidente, agora o homossexual é uma
espécie. (FOUCAULT, 2017, pp, 48)
35
Esse contexto é marcado pela ausência de um Estado centralizado e
centralizador e por uma relação direta entre monarquia e igreja nos processos
de dominação dos povos sul-americanos.
Como aponta Foucault, as identidades sexuais como são vistas hoje, constituem
em um fenômeno moderno. De acordo com o autor, essas denominações foram
constituídas em um primeiro momento pela medicina, sobretudo pela Medicina-
Legal, em um contexto de uma centralização do poder pelo Estado e por uma
substituição do poder da igreja pela ciência.
O estabelecimento dessas identidades, sobretudo a de homossexuais e
transexuais, ocorre em um contexto em que a eugenia44 era a base da ciência
ocidental. E buscava catalogar corpos e criar padrões de normalidade e
anormalidade. Neste contexto, os homossexuais, transexuais e futuramente
bissexuais se tornaram parte desse grupo entendidos como "dissidentes
sexuais" ou "anormais".
Esse processo, que segundo Foucault, jaz na modernidade, cria mecanismos de
controle dos corpos, a qual o autor conceitua como biopolítica. A biopolítica
representa o controle e a gestão do corpo que é substituído pelo direito de matar,
que cabia ao rei no mundo colonial 45 (FOUCAULT, 2017, pp. 150). Esse
processo busca problematizar não só os corpos de homossexuais, mas também
de mulheres e negros e negras.
É com esse processo que o sexo (genitália), se torna um fator importante de
estudo e de problematização do indivíduo. E através de sistemas de controle
como o estado, a ciência e a polícia eles começam a ser aceitos ou cerceados,

44
Eugenia é um termo cunhado por Francis Galton (1822-1911), um antropólogo,
meteorologista, matemático e estatístico inglês. O termo tinha como pressuposto que os seres
humanos estavam em uma escala de evolução, assim, o homem branco e europeu, representava
a maior escala de civilização e evolução humana, enquanto homens e mulheres negros,
indígenas e homossexuais representariam o atraso da civilização ou a degeneração social. Esse
termo era entendido como espécie de Darwinismo social e Galton e Darwin eram descendentes
da mesma família. GOLDIM, José Robert. Eugenia, Porto Alegre: UFGRS, 1998. Disponível em:
<https://www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm> Acesso em 06 de Jul. de 2022
45
De acordo com Foucault: A velha potência de morte em que se simbolizava o poder soberano
é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da
vida. (...) Abre-se assim, a era de um biopoder. (FOUCAULT, 2017, pp. 150-151)
36
a depender da situação. Este processo é listado de forma etapista e
sistematizada por Michel Foucault, assim como esquematizado abaixo:
1) Cerceamento das crianças para não descobrirem suas
sexualidades, através do poder exercido pelas famílias, igrejas,
hospitais e etc – tutela do sexo; 2) Caça as sexualidades periféricas; 3)
O controle vigilante do poder, que excita as pessoas a falarem sobre
sexo, ao mesmo tempo que utiliza-se disso para vigilar a sexualidade
periférica das pessoas próximas; 4) Saturação de poder em alguns
núcleos como a família, escola, a igreja e etc.
● A implantação das perversões sexuais é um instrumento que
auxilia a moldar o corpo e a sexualidade dócil.
● O sexo é constituído como objeto de verdade, sendo a
sexualidade periférica, a exemplo uma inverdade, ou uma negação da
verdade sobre o sexo. Essa verdade é parte da regulação. Isso dá o
poder a quem ouve, punir a perversão sexual. - Grifos meus
(FOUCAULT, 2017)

Assim, as identidades sexuais passam a ser essencializadas e se tornam fatores


de constituição de um sujeito. Alocando esses sujeitos em segmentos sociais
que a sociedade da época iria tratar com normalidade ou anormalidade. É por
meio desse processo que a homossexualidade e a heterossexualidade passam
a serem percebidas como identidades.
Essa leitura vai ter diversas interpretações e desenvolvimentos no campo teórico
e prático das ciências médicas desde o início do século XIX até meados do
século XX. O desenvolvimento da Medicina-Legal no Brasil tem uma grande
influência na produção teórica europeia.
Aqui, foram produzidas teses médicas na área de criminologia em que se
estudavam os homossexuais. Alguns desses investigadores, estavam em
diálogo com forças repressivas da época, como a polícia que utilizavam de seu
aparato repressivo para realizar investigações, tutelando pessoas homossexuais
para o seu estudo.
Em uma passagem no livro Devassos no Paraíso de João Silvério Trevisan, o
autor demonstra a força e aliança da Medicina, Jurisdição e Polícia no
cerceamento desses corpos e a visão que as autarquias e associações
científicas tinham sobre esse processo.
Em 1935, por exemplo, uma equipe do Laboratório de Antropologia do
Instituto de Identificação do Rio de Janeiro, dirigida por Leonídio
Ribeiro, estudou a constituição morfológica de 184 homossexuais —
detidos pela polícia em casas de prostituição fluminense, algumas
exclusivamente masculinas, e fotografados pela equipe de
37
pesquisadores. Por seus trabalhos no campo da assim chamada
“antropologia criminal”, Leonídio Ribeiro foi contemplado com o prêmio
Lombroso, na Itália, chegando a publicar os resultados dessas
experiências com homossexuais nas páginas de uma revista italiana
especializada, que os discípulos de Lombroso dirigiam. (TREVISAN,
2018, pp. 177)

São exemplos dessas tutelas obras como: Homossexualismo: A libertinagem no


Rio de Janeiro (1906), de Pires de Almeida, Atentados ao Pudor de Viveiros de
Castro, (1934) e O problema médico legal da homo-sexualidade, de Leonídio
Ribeiro (1935). Todas essas obras escritas por médicos, buscavam entender a
homossexualidade por uma perspectiva moral e a luz dos paradigmas de uma
ciência positivista.
A obra de Leonídio Ribeiro, por exemplo, atribuía a questão da sexualidade não
só a uma questão moral, mas também à má formação de determinadas partes
do corpo. Neste sentido, é comum ver imagens nesses livros que fotografavam
partes específicas do corpo humano como as genitálias, para justificarem suas
teses. Algumas dessas obras associavam diretamente a homossexualidade a
delinquência.
Abaixo, trazemos algumas figuras para ilustrar melhor a partir de estudos de
caso concreto, de como a Medicina tratava esses sujeitos. A primeira fotografia
é do Febrônio Índio do Brasil, no livro Archivos da Sociedade de Medicina Legal
de 1927 e a segunda diz respeito à figura de um Androgyno46, presente no livro
de Pires de Almeida, Homossexualismo (A Libertinagem no Rio de Janeiro)
(1906).
Febrônio foi uma figura que se tornou muito popular no início do século XX, por
ser preso após abusar sexualmente de alguns jovens. Após esse incidente foi
levado para o cárcere privado em 1928, para o Manicômio Judiciário, onde
permaneceu praticamente toda sua vida, falecendo em 1984 no mesmo local
que é considerado o preso mais antigo do Brasil 47. A história de Febrônio se
tornou, de certa forma, um pouco mítica no Estado do Rio de Janeiro, sendo

46
Terminologia utilizada no livro. (ALMEIDA, 1906, pp. 236 - 237)
47
Denominação feita em uma reportagem sobre o seu falecimento no jornal Folha de S. Paulo
de 29 de Ago. de 1984.
38
utilizado como exemplo para marchinhas de carnaval e amplamente comentada
em sua época.
A segunda imagem, aborda a figura de uma pessoa Intersexo no livro de Pires
de Almeida, essa figura denominada como - Androgyno, e entendida como um
estudo de caso no campo do Hermafroditismo48. Esse personagem teve suas
partes íntimas fotografadas, a fim de justificar a tese sobre a má formação das
genitálias como causa da sua personalidade afeminada.

(Figura 1) Fotografia utilizada no laudo (Figura 2) Androgyno, fotografia publicada


médico Febrônio Índio do Brasil e publicada no livro - Homossexualismo: a libertinagem
no ``Archivos da Medicina Legal e no Rio de Janeiro, de Pires de Almeida
Identificação'' (1927). (1906)

2.3. Breve histórico do movimento e socialização LGBT


Esses sujeitos, que como mencionado acima eram vistos e constituídos pela
sociedade como um problema, pouco a pouco vão se organizando, no Brasil e
no mundo. Apresentando sua sexualidade, não como um desvio médico ou legal,

48
Terminologia utilizada no livro (Ibidem. 236 - 237)
39
mas como uma forma de existir que não corresponde a uma estrutura patriarcal 49
e aos padrões da heteronormatividade.
Essa organização, a nível de movimento social, tem temporalidades distintas ao
redor do mundo e irá dar respostas a essas prerrogativas que marginalizam os
homossexuais em diversos processos. Ao que se tem registros, a Alemanha é
um o berço do movimento homossexual moderno. É nesse país, ainda no século
XIX, que é criado o Comitê Humanitário Científico, protagonizado pelo médico
Magnus Hirschfeld50, com proposta de abolição do Parágrafo 17551 da República
de Weimar, que criminaliza os homossexuais.
Já no século XX, nos Estados Unidos, eclode a Rebelião de Stonewall 52,
conhecida como uma das primeiras revoltas homossexuais do mundo. Essa
rebelião também origina a primeira marcha do orgulho gay, que vai se tornar a
primeira parada do orgulho. Stonewall postula a identidade Gay como uma das
primeiras identidades políticas do movimento e que rompe qualquer tipo de
hierarquia dentro do movimento 53 e que tem repercussões a nível nacional e
internacional para a construção de novos movimentos homossexuais.
Cabe mencionar que embora Stonewall se constitua em um marco de
radicalidade da comunidade Gay local, a rebelião não é a primeira iniciativa do
movimento. Houve iniciativas como a criação da Mattachine Society, idealizada
em 1950 em Los Angeles, Califórnia. Assim, houveram rebeliões anteriores,

49
Patriarcado é uma palavra que tem origem no latim: pater (pai) e arcke (comando), ou seja
remete ao comando (estrutura) regida pelos homens.
Para o movimento feminista a ideia de patriarcado, representa a dominação das mulheres pelos
homens. NADER, Maria Beatriz e MORGANTE, Mirela Marin. O patriarcado nos estudos
feministas: um debate teórico, Rio de Janeiro: Anais do XVI Encontro Regional de História da
Anpuh-Rio: Saberes e práticas científicas ISBN 978-85-65957-03-8, 2014
50
Magnus Hirschfeld foi um médico Alemão, que apoiado pelo Partido Social Democrata Alemão
(SPD), levou ao Congresso uma proposta de abolição do Parágrafo 175, dispositivo legal que
criminalizava a homossexualidade na Alemanha. Em 1919, Magnus Hirschfeld abre o primeiro
Instituto de Sexualidade em Berlim, instituição queimada com o advento do Nazismo em 1933.
51
O Parágrafo 175 era o código penal Alemão que criminalizava a homossexualidade, foi criado
na República de Waimer e reincorporado com a instauração do nazismo na Alemanha.
52
A Rebelião de Stonewall ocorreu em 28 de junho de 1968, em Nova Iorque - Estados Unidos,
em um bar homônimo. Essa rebelião é o início de um longo processo, que vai gerar as primeiras
Paradas do Orgulho nos Estados Unidos e que se alastraram pelo mundo.
53
Antes de Stonewall e da postulação da identidade Gay, essa subcultura tinha suas próprias
distinções internas, que inferiorizava por exemplo as travestis, ou os homossexuais afeminados
em detrimento dos masculinizados.
40
como a revolta da Cafeteria Comptons, em 1966 na Califórnia, protagonizada
por travestis da região.
Na América Latina, devido ao que podemos compreender como um “atraso” aos
movimentos sociais, gerados pela instauração de Ditaduras Militares, as
respostas a nível de movimento são posteriores e com muitas organizações
ativistas descentralizadas.
As Ditaduras Militares do Cone-Sul, ocorreram em anos próximos em quase toda
a América Latina, no Brasil (1964 - 1984), na Bolívia (1964 - 1982), no Peru (1968
- 1975), no Chile (1973 - 1990), na Argentina (1976 - 1983), no Uruguai (1973 -
1985). Alguns estudos fazem inferências de como essas Ditaduras retardaram
o início do movimento homossexual no Brasil (QUINALHA E GREEN, 2014),
(GREEN, 1999). Essa aferição é muito contundente, ao pensarmos como a
Argentina, que teve uma instauração da Ditadura mais tardia, pode também ser
a pioneira na constituição do movimento homossexual latino-americano.
Ao que se tem registro uma das primeiras organizações pró-homossexuais na
Argentina, teve início em 1967 - a “Nuestro Mondo”54, que no futuro, se
transformaria na Frente de Libertação Homossexual Argentina (FLH). É nessa
frente que será lançado o boletim SOMOS, que irá inspirar a criação do primeiro
grupo de ativistas homossexuais no Brasil, de nome homônimo - SOMOS: Grupo
de Afirmação Homossexual, que surgiu na Universidade de São Paulo em
19785556.

54
INSAUSTI, Santiago Joaquin. “Una historia del Frente de Liberación Homosexual y la
izquierda en Argentina”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 2, e554280, 2019
55
Memórias da Diversidade Sexual - Glauco Mattoso Part. 4/5 (Memórias da Diversidade
Sexual). Direção: Lufe Steffen. Produção: Museu da Diversidade Sexual. Youtube. 14 de mar.
de 2019. Duração 9:59 min. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uo28ZqjfUxQ>.
Acesso em: 02 de jul. de 2022 data.
56
Cabe ressaltar que um dos membros da FLH na Argentina, Néstor Perlongher, se exilou no
Brasil durante e também foi membro do grupo SOMOS, na USP. ARTEAR, Soy Lo Que Soy -
Néstor Perlongher, Buenos Aires, 2016. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=_pEl6NGgiv8&ab_channel=sandramihanovich> Acesso em
07 de Jul. de 2022
41

Legenda: Capa da edição Nº 4 do Boletim


SOMOS, da Frente de Libertação
Homossexual (FLH) Argentina.
Documento pertencente ao Acervo
Bajubá, São Paulo.
No Brasil, há iniciativas ativistas desde a década de 1960, como o Congresso
Nacional do Terceiro Sexo em Pernambuco, que iria ocorrer em 1968 57 e em
1972, como a tentativa de realização de um congresso para discutir a
homossexualidade, na cidade de Caruaru, Pernambuco tenda a Igreja Ortodoxa
Italiana como uma das organizadoras do evento, como aponta Rita Colaço em
sua tese - De Daniele a Chrysóstomo: Quandortravestis, bonecas e
homossexuais entram em cena (COLAÇO, 2012, pp. 80). Alguns pesquisadores,
como Luiz Morando (MG) e Rita Colaço (RJ), vêm se dedicando a desvelar essas
histórias anteriores a 1978.
Pouco tempo depois são lançadas publicações ativistas, a de maior lastro e
visibilidade, que pode ser considerada a Coluna do Meio, redigida por Celso Curi
e publicada no jornal Última Hora, São Paulo, no ano de 1976. A Coluna do Meio,
tinha duas facetas uma de coluna social e a outra reportando as iniciativas
ativistas de fora do Brasil, que chegavam às mãos de Celso Curi por meio das
agência de notícias contratada pelo jornal58. Na figura abaixo, podemos ver uma
das edições da Coluna do Meio que demonstrava como esse viés ativista estava
presente na seção.

57
Congresso Nacional do Terceiro Sexo, Pernambuco: Diário de Pernambuco, 1968
58
A utilização de agências de notícias era algo habitual no jornal Última Hora, visto que nem
sempre havia recursos para enviar jornalistas aos locais onde os fatos estavam ocorrendo. Essa
questão é mencionada no livro de memórias de Samuel Wainer (WAINER, 1987)
42

CURI, CELSO. Coluna do Meio, São


Paulo: Jornal Última Hora, 1976. -
Arquivo do Estado de São Paulo
Contudo, é só em 1978, com a formação do jornal Lampião da Esquina (1978 -
1981) (Rio de Janeiro) e do Grupo SOMOS (São Paulo)59, que ocorre uma
articulação de movimento social. Englobando não só eles, mas uma série de
grupos ativistas que se constituem na época, gerando articulações nacionais
como o I Encontro Brasileiro de Homossexuais, que reuniu grupos de norte a sul
do país.

59
A formação inicial do SOMOS: Grupo de Ação Homossexual se fragmentou durante o ato do
1º de Maio de 1980, a qual parte do grupo optou por se somar a manifestação e outra parte não.
Neste processo são gerados dois novos grupos o GALF - Grupo de Ação Lésbico-Feminista e o
Outra Coisa. O Grupo SOMOS continuou a atuar, mas com um quadro e expressão reduzida.
FÍGARI, Carlos Eduardo. Somos, Grupo - Primeiro Grupo Homossexual do Brasil, São Paulo:
Enciclopédia Latino Americana. Disponível <http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/s/somos-
grupo> Acesso em 05 de Jul. de 2022
43

Cartaz do I Encontro Brasileiro de


Homossexuais. Fundo: Outra
Coisa, Arquivo Edgard
Leurenroth, Campinas, São Paulo

Essa articulação perdura até meados da década de 1980 e com uma profusão
de diversos grupos de homossexuais ao redor do Brasil. A maior parte deles
estava concentrada nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Alguns desses
grupos, como o Triângulo Rosa (RJ) terão uma participação fundamental na
Constituinte (1985 - 1987)60, por meio de sua liderança - João Antônio
Mascarenhas, sendo a primeira vez que um homossexual faz uma fala no
Congresso pública em defesa dos homossexuais61.
Concomitante a esse processo de redemocratização, ocorre a eclosão da
epidemia do HIV-AIDS no Brasil e no mundo. No Brasil, uma das primeiras
vítimas públicas foi o estilista Markito (Marcus Vinícius Resende Gonçalves)62,

60
A participação de lideranças homossexuais durante o processo da Constituinte (1985), na
redemocratização brasileira, consiste na primeira vez em que um homossexual assumido se
pronuncia na Assembléia Geral. Nessa ocasião, João Antônio Mascarenhas, líder do grupo
Triângulo Rosa no Rio de Janeiro e conselheiro do jornal Lampião da Esquina, defende que a
criminalização da homofobia seja incluída na constituição brasileira. A reivindicação, embora
tenha simbolizado um importante passo para o movimento homossexual na época, não foi aceita.
Essa equiparação aconteceu apenas em 2019 por decisão do Supremo Tribunal Federal.
61
Silvia Rosana Modena Martini et al. JOÃO ANTÔNIO MASCARENHAS (1927-1998):
PIONEIRO NO ATIVISMO DE DIREITOS HUMANOS LGBT NO BRASIL. In: ANAIS DO II
CONGRESSO DE PROJETOS DE APOIO à PERMANêNCIA DE ESTUDANTES DE
GRADUAçãO DA UNICAMP, 2019, Campinas. Anais eletrônicos... Campinas, Galoá, 2019.
Disponível em: <https://proceedings.science/permanencia-2019/papers/joao-antonio-
mascarenhas--1927-1998---pioneiro-no-ativismo-de-direitos-humanos-lgbt-no-brasil> Acesso
em: 06 jul. 2022.
62
Markito foi um estilista de grande influência da década de 1970-1980, vestindo celebridades
nacionais e internacionais. Seu estilo tinha influências no Glam Rock e seus figurinos eram
44
falecido em 1983, a qual mídia utilizou da sua imagem no processo de figuração
do estigma da AIDS a homossexualidade, como aponta (BORTOLOZZI, 2021
pp. 177).
Com a eclosão da epidemia, o movimento homossexual brasileiro, que antes era
pautado por um certo autonomismo em relação ao Estado e a política partidária,
com um enorme medo de coptação por ambos é obrigado a se requalificar. Essa
requalificação é pautada por um diálogo direto com o Estado, a fim de exigir
políticas públicas na área da saúde como respostas à epidemia do HIV/Aids e
por uma certa profissionalização da militância (BORTOLOZZI, 2021, 225).
Esse diálogo era necessário no momento, visto que a epidemia se alastrava,
gerando mortes e casos clínicos de extrema gravidade para essa população. O
cenário era também produto de uma desinformação por parte do estado e
setores privados da saúde, em relação aos métodos contraceptivos que
poderiam retardar ou impedir o alastramento da epidemia. Esse diálogo é
pautado não só no cuidado das pessoas soropositivas, mas também na
prevenção do vírus.
É marco desse processo uma profusão de ONGs voltadas ao tema. Em São
Paulo, ONGs como o GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção a AIDS), Pela Vidda
- SP, Grupo de Incentivo à Vida - GIV e a Casa de Apoio Brenda Lee, se tornaram
referências de atuação nesse momento. E, em conjunto com outros movimentos
e ONGS, conseguem as primeiras respostas para a epidemia do HIV-AIDS.
A epidemia se alastra até os anos 1990, quando em 1996 entra em cena a terapia
anti-retroviral, que impedia que o vírus HIV se desenvolvesse na AIDS e tornava
esta uma doença controlável63.
É em 1995, ainda com o estigma da Aids em voga para a comunidade LGBT,
sobretudo para homossexuais e transexuais, que se iniciam as Paradas do

caracterizados através do glitter e paetês. Vestiu grandes nomes como Sonia Braga, Xuxa
Meneghel, Liza Minnelli, Diana Ross e Olivia Newton-John. (BORTOLOZZI, 2021, pp. 177-178)
63
NUNES JÚNIOR, Sebastião Silveira e CIOSAK, Suely Itsuko. Terapia antirretroviral para
HIV/AIDS: o estado da arte. Journal of Nursing UFPE On Line, v. 12, n. 4, p. 1103-1111, 2018.
Tradução Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/231267/28689. Acesso em: 07
jul. 2022.
45
Orgulho Gay no Brasil. As primeiras são realizadas no Rio de Janeiro e em
Curitiba64, e, em 1997, se dá início a primeira Parada GLT de São Paulo, que em
2006 vai se tornar a maior Parada do Orgulho do mundo65.
Como aponta Reinaudo e Bacellar:
Na primeira década do século XXI, as paradas do orgulho glbt no Brasil
se transformaram num fenômeno inédito. A de São Paulo entrou no
livro Guiness dos recordes como a maior parada do mundo depois de
apenas dez anos de existência, suplantando as muito mais tradicionais
paradas de Nova York, São Francisco e Paris em quantidade de
participantes. Foi também a primeira manifestacão pública em favor da
comunidade homossexual que ultrapassou dois milhões de pessoas.
(REINAUDO E BACELLAR, 2008, pp. 66)
Os anos 2000 são marcados por uma eclosão de políticas públicas, sobretudo
nas capitais Rio de Janeiro e São Paulo. Pode-se dizer, que boa parte dessas
políticas são fruto da dimensão que as Paradas do Orgulho tomam, não à toa a
cidade que concentra a maior Parada do mundo é uma das precursoras e que
em números possui a maior quantidade de políticas públicas LGBT do país 66. Há
aí uma atenção maior do poder público com esse segmento e com várias
aparições públicas de prefeitos e governadores neste evento.
Nesse contexto, políticas voltadas à saúde, assistência social e cultura são
criadas para essa população. No âmbito municipal é criado a Coordenação de
Políticas Públicas para LGBTI (2005), Centro de Referência da Diversidade

64
Redação Lado A, Há 20 anos, Curitiba sediou a primeira parada gay do Brasil, Curitiba: Lado
A, 2015. <https://revistaladoa.com.br/2015/06/curitiba/ha-20-anos-curitiba-sediou-primeira-
parada-gay-brasil/> Acesso em 07 de Jul. de 2022
65
Em 2006, em sua 10º edição, a Parada do Orgulho LGBT adentra ao livro dos recordes
(Guinness Book) como a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo, contudo esse marco é
retirado do livro após divergências de contagens feitas pela imprensa, polícia militar e
organização do evento. Embora não esteja mais no livro dos recordes, a Parada de São Paulo
continua sendo a maior Parada do mundo. sem autor: PARADA LGBT DE SP VAI PARA O
'GUINNESS'. Memorial da Democracia, São Paulo, 26 de out. 2006. Disponível em:
<http://memorialdademocracia.com.br/card/parada-lgbt-de-sp-no-guiness-book>. Acesso em: 04
de jul. de 2022.
66
Em diversas discussões com o ativista Franco Reinaudo, o mesmo utilizava uma abordagem
para apresentar a Parada do Orgulho como Big-Bang LGBT, sugerindo que foi a partir de sua
explosão com milhões de pessoas nas ruas que as políticas públicas voltadas a essa população
começaram a ser instauradas. Essa é uma das perspectivas, mas acredito que seja importante
também considerar o papel da luta contra o HIV/Aids na cidade e que promoveu um diálogo e
parceria extensa entre movimento homossexual e estado.
46
(2008), o Transcidadania - iniciado como POT – Programa Operação Trabalho
LGBT em 200867 e etc. No âmbito estadual, são promulgadas leis como a Lei
10.94868, que dispõe sobre penalidades a serem aplicadas em manifestações
LGBTfóbicas, promulgada em 2001, e criados programas e equipamentos como
o Selo Paulista da Diversidade (2007), o Museu da Diversidade Sexual (2012),
entre outros.

2.4. A exclusão sistemática de pessoas LGBT dos espaços de cultura e


educação
Embora avanços tenham ocorrido, como os citados acima, no Brasil e sobretudo
em São Paulo, onde a nossa pesquisa se assenta, é importante tomar nota que
a exclusão da população LGBT dos lugares de poder, cultura e educação ainda
é sistêmica e deixa marcas nesses sujeitos.
Essa exclusão está articulada à uma política de Estado que historicamente
construiu diversos dispositivos de violência contra essa população. Podemos
citar como dispositivos de violência, a perseguição direta a essa população
durante períodos históricos como a Inquisição, Império, Era Vargas e Ditadura
Militar. A qual o aparelho do estado, desde sua constituição serviu diretamente
para punir essa população, por meio de dispositivos legais ou por meio de sua
força policial.
E dispositivos de silenciamento e invisibilização desses sujeitos no Estado
(através da ausência de políticas públicas), na mídia (através da invisibilidade ou
da naturalização da violência para com esses sujeitos). Além de que, como
mencionado no subcapítulo sobre a medicina legal, esta e tantas outras formas
se materializaram no controle e vigilância69 dessa população.

67
O Transcidadania é uma política pública da prefeitura de São Paulo que promove a
reintegração de homens e mulheres transexuais, por meio de bolsa, para que possam garantir
condições básicas como moradia, alimentação, higiene e educação.
68
A Lei 10.948 é promulgada em 2001, pouco tempo após o assassinato do adestrador de cães
Edson Néris. O seu assassinato é marcado também como a primeira vez que um crime no Brasil
é tipificado como crime de ódio. A Lei dispõe sobre penalidades que podem ser a pessoas e
estabelecimentos que praticarem qualquer discriminação motivada por LGBTfobia.
69
Os conceitos de controle e vigilância são muito bem elucidados na obra de Michel Foucault,
Vigiar e Punir e que aqui são emprestados para elucidar como a estrutura de vigilância e controle
dos corpos de pessoas LGBTI+ culminam em sua exclusão sistemática.
47
No campo educacional, a marginalização acontece por diversas vias. Na
educação básica, por exemplo, a ausência de políticas públicas e orientações
pedagógicas para lidar com questões relativas à identidade de gênero e
orientação sexual são uma realidade. A exemplo disso, há a questão do kit anti-
homofobia, desenvolvido pelo Ministério da Educação, que reunia uma série de
materiais para lidar com a questão nas escolas, e que foi vetado pela então
presidenta Dilma Rousseff70.
Tais entraves implicam em altos índices de evasão escolar e impossibilitam que
parte dessa população consiga chegar à educação superior, o que se agrava de
forma mais violenta com a população transexual e travesti. Segundo uma
pesquisa realizada em 2016, pela Comissão de Diversidade Sexual da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), estima-se que cerca de 84% de pessoas
transexuais e travestis tenham evadido a escola, ainda na Educação Básica 71.
Embora, algumas universidades tenham adotado políticas afirmativas para a
inclusão dessas pessoas, elas ainda não são o bastante para sanar a questão
estrutural da educação para a sexualidade. Segundo uma pesquisa realizada
pelo ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino
Superior) e pela FONAPRACE (Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos
Comunitários e Estudantes) é apontado que apenas 0,2% do total de alunos dos
Institutos Federais se autodeclaram como pessoas transgêneras72.

70
Após protestos das bancadas religiosas no Congresso, a presidente Dilma Rousseff
determinou nesta quarta-feira (25) a suspensão do "kit anti-homofobia", que estava sendo
elaborado pelo Ministério da Educação para distribuição nas escolas, informou o ministro da
Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. - PASSARINHO, Nathalia. Dilma Rousseff
manda suspender kit anti-homofobia, diz ministro. G1, Brasília, 25 de maio de 2011.
Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/dilma-rousseff-manda-
suspender-kit-anti-homofobia-diz-ministro.html>. Acesso em: 04 de jul. de 2022.
71
Dados retirados do artigo da Futura - LOBO, Emy. No dia Internacional do Orgulho
LGBTQIA+, veja a importância da diversidade na educação. [s.l]: Futura, 2021 Disponível em
<https://www.futura.org.br/no-dia-internacional-do-orgulho-lgbtqia-veja-a-importancia-da-
diversidade-na-
educacao/#:~:text=Uma%20pesquisa%20realizada%20em%202016,estudos%20ainda%20na
%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20B%C3%A1sica.> Acesso em 04 de Jul. de 2022
72
FONAPRACE. V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as)
Graduandos (as) da IFES - 2018, Brasília, 2019, pp. 46
48
A ausência de educação para muitos sujeitos desse segmento implica
diretamente em um afastamento das instituições de educação e cultura, como
os Museus.
A carência de capital cultural73 por parte dessa população, que é produto de uma
condição sistêmica da evasão escolar, possui implicações diretas no acesso às
instituições museológicas. Essa exclusão não é só presente no campo físico,
mas também no simbólico, por conta da falta de acesso aos códigos culturais
exigidos, mesmo que indiretamente, por essas instituições.
Além disso, embora ações pontuais tenham sido executadas e algumas delas
estão esboçadas neste capítulo. Essa população na maior parte das vezes não
se vê representada no que é exposto nos Museus. Essa falta de
representatividade, que é tão vital para essa população (que já não é
representada nas demais instituições brasileiras) se torna mais uma questão que
gera esse afastamento74.
Além disso, poucos museus enxergam a população LGBT como um público em
potencial. O reflexo disso é a ausência de marcadores de orientações sexuais e
identidades de gênero em suas pesquisas de público, ações culturais,
educativas e exposições voltadas à fidelização desse segmento aos Museus.

2.5. Iniciativas museológicas voltadas à população LGBT: em um


panorama global

73
O conceito de capital cultural foi desenvolvido pelo sociólogo Pierre Bourdieu, para representar
a bagagem que determinado indivíduo traz e como isso reflete na sua circulação na sociedade e
como o desprovimento deste capital implica em uma exclusão sistemática de parte da população.
Este termo foi conceituado no livro de Bourdieu - Reprodução Cultural e Reprodução Social, em
1973. BOURDIEU, Pierre, “Reprodução Cultural e Reprodução Social”, in GRÁCIO, S.,
MIRANDA, S., STOER, S., Sociologia da Educação I – Funções da Escola e Reprodução Social,
1982, Lisboa, Livros do Horizonte;
74
Em junho de 2018 o Museu da Diversidade Sexual realizou um evento intitulado - Museu
Queer: a presença LGBT nos Museus, com o objetivo de discutir onde se encontram os
marcadores de gênero e sexualidade nos acervos dos Museus. Embora alguns eventos tenham
sido construídos nesse sentido, ainda não há nenhuma pesquisa sistemática, que aborde essas
presenças nas coleções dos Museus brasileiros. Todavia, há esforços teóricos e metodológicos
para abordar essa questão com mais profundidade, um dos exemplos é a publicação do livro -
Queer Objects, editado por Chris Brickell e Judith Collard e o livro - Queering the Museum de
autoria de Nikki Sullivan and Craig Middleton.
49
Embora o cenário acima seja triste e ainda longe de ser superado pelos museus,
há diversas iniciativas que pressionam tais instituições a realizarem mudanças e
acolherem a população LGBT. Espera-se que no futuro essas iniciativas deixem
de ser pontuais para se tornarem uma realidade em todos os Museus.
Pode-se dizer que uma das primeiras iniciativas museológicas para a
salvaguarda e comunicação de bens culturais sobre a sexualidade humana,
ocorre na Alemanha, a partir da criação Instituto de Sexualidade 75 do médico
Magnus Hirschfeld, o mesmo articulador do Comitê Humanitário Científico,
citado anteriormente.
O instituto servia como um centro médico, atendendo e informando a sociedade
alemã sobre a sexualidade e realizando cirurgias de redesignação social 76.
Também expunha e pesquisava a coleção privada do médico, em partes do
instituto. Essa coleção é retratada no filme O Einstein do Sexo (1999) de Rosa
von Prauhein expressava diversas questões da anatomia humana ligada ao
sexo, influenciando o debate sobre ele.
Durante o apogeu do Nazismo (1933 – 1945), a Alemanha sofreu um
recrudescimento grande em relação à liberação sexual. Assim, o Instituto se
torna alvo da perseguição nazista e é queimado, restando hoje apenas ruínas do
que fora o Instituto de Sexualidade77.
Ainda na Alemanha, após essa catástrofe, em 1984 é criado o Schwules
Museum (Museu Gay) em Berlim78 - o primeiro Museu do gênero, que passou a
ser apoiado pelo poder público na década de 2000. Este Museu conta com um
número estimado de acervo em seu subsolo de aproximadamente 1,5 milhão de

75
O Instituto de Sexualidade de Magnus Hirschfeld é retratado nas obras audiovisuais, O Einstein
do Sexo de Rosa von Prauhein (1999) e no documentário Parágrafo 175 de Rob Epstein e Jeffrey
Friedman (2000).
76
Magnus Hirschfeld também contribuiu com seus estudos para a cirurgia de redesignação
sexual de Lili Elbe, personagem que inspirou o filme: Garota Dinamarquesa de Tom Hooper.
77
Hoje o Instituto de Sexualidade fica localizado na Haus der Kulturen der Welt, em Berlim, onde
foi instalada uma placa em homenagem ao instituto e ao trabalho de Magnus Hirschfeld. A
instituição também abriga uma sala e uma exposição de longa duração em homenagem ao
médico e ao instituto.
78
O Museu fica localizado no bairro de Lützowstrasse, N 73, uma antiga fábrica de impressão,
fica aberto todos os dias da semana, com exceção de terça-feira, o Museu é gratuito e sua
reserva técnica e biblioteca podem ser consultadas mediante agendamento. Todas as
informações estão dispostas no site do Museu: https://www.schwulesmuseum.de
50
itens, representando uma grande coleção sobre o tema. Esse acervo é composto
por quase 200 coleções de fotografias, filmes, áudios, obras de arte e etc e o
Museu também tem uma biblioteca com mais 20.000 livros sobre
homossexualidade79.
Nos Estados Unidos, em 1969, foi realizada uma exposição com referências
sobre a homossexualidade, se tornando as raízes do Leslie-Lohman Art Gallery.
Recentemente, em 2016, a galeria se tornou um Museu de Arte. A Leslie-
Lohman funciona como instituição privada, mas recebe incentivo de órgãos
públicos de Nova Iorque80.
Ainda nos Estados Unidos, com a repercussão das Paradas do Orgulho, outras
iniciativas museológicas são iniciadas a partir da década de 2000, tendo a
cooperação do poder público, como o GLBT Historical Society em São Francisco.
O Museu abre as portas em 2010 no lendário distrito de Castro, onde foi eleito o
primeiro representante assumidamente gay dos Estados Unidos, o ativista
Harvey Milk81. De acordo com o seu site oficial, o GLBT Historical Society teve
início em 1985, todavia a sua cooperação com o poder público acontece apenas
nos anos 2000.
Processos semelhantes podem ser vistos na América Latina, onde o desejo pela
criação de um Museu dedicado ao tema já estava expresso em artigos do artista
Darcy Penteado no jornal Lampião da Esquina82, que clamava pela criação de

79
O dado de cerca de 1 milhão de itens na reserva técnica foi me informado em uma visita que
fiz ao Museu no ano de 2019 para a conferência - Queering Memory: ALMS Conference, a qual
realizamos uma visita guiada à reserva técnica, contudo no site do Museu é informado que seu
Acervo contém cerca de 1,5 milhões de documentos - https://www.schwulesmuseum.de/archiv/.
Os dados relativos ao número de coleções e livros foram retirados de: Museu Gay (Museu
Schwules), [s.l], 2022. Disponível em: <https://artigos.wiki/blog/en/Schwules_Museum> Acesso
em 04 de jul. de 2022
80
Informações retiradas do site do Museu - Leslie Lohman, Sobre Nós, Nova Iorque. Disponível
em: <https://www.leslielohman.org/about-us>, Acesso em 05 de jul. de 2022.
81
Harvey Milk foi eleito em 1977 para a Câmara de Supervisores de São Francisco,
representando os homossexuais. Pouco tempo depois Harvey Milk foi assassinado, junto com o
prefeito em seu gabinete pelo representante Dan White, que sequer cumpriu a totalidade de sua
pena. Sua história é homenageada em filmes e documentários e o GLBT Historical Society está
constituído no bairro de Castro, que deu forças para que Harvey fosse eleito na época.
82
Em um dos primeiros artigos do jornal, Darcy Penteado escreve o seguinte trecho:
"Finalizando: conservo com avareza boa parte do acervo erótico-homossexual de minha autoria.
As telas dos "sentimentos essenciais" ou o "Adão" em plástico, só sairão das minhas mãos para
algum museu ou colecionador especializados (existirão, algum dia?)", PENTEADO, Darcy.
51
um Museu da Arte Homoerótica. Posteriormente, no ano de 1998, acontece a
primeira iniciativa de constituição de um Museu que aborda o tema, o Museu da
Sexualidade, criado em Salvador, Bahia, é constituído pelo acervo de pesquisas
do antropólogo e ativista Luiz Mott, com uma vasta coleção de referenciais da
sexualidade de povos indígenas da América Pré-Colombiana83.
Em 2012, ocorreu a criação do Museu da Diversidade Sexual84 em São Paulo,
como primeira iniciativa do poder público na América Latina para criação de um
equipamento do gênero.
Contemporâneas à fundação do Museu da Diversidade Sexual, algumas
iniciativas na América Latina são executadas, como a criação do Museu Q
(2016)85 na Colômbia, formado por uma associação de pesquisadores e artistas,
e o Museu da Travesti (2009-2013), no Peru,86 que era materializado a partir da
indumentária de seu proponente Giuseppe Campuzano.

2.6. A memória LGBT


A memória de pessoas LGBT é um universo a ser explorado e compreendido.
Como mencionado no primeiro capítulo, as memórias desses sujeitos podem ser
traumáticas, românticas. Essas memórias são produtos de uma fragmentação e
adjetivação feita por uma seleção no presente.
Como foi abordado anteriormente, a forma como a população LGBT é colocada
na sociedade possui implicações diretas no processo de captação de sua

Ensaio, in: Lampião da Esquina, Edição Experimental - no 0, Rio de Janeiro: Lampião, Editora
de Livros, Revistas e Jornais, fevereiro de 1978, p. 03
83
Algumas informações sobre o Museu foram retiradas e podem ser consultadas no portal - Sou
Salvador. Museu da Sexualidade, Salvador: Portal Salvador.com, 2017. Disponível em
<sousalvador.com/local/297/261/museu-da-sexualidade>, Acesso em 05 de jul. de 2022
84
Embora o Museu date de 2012, o desejo para criação de um equipamento o gênero era uma
demanda de alguns ativistas paulistas desde a década de 1990, após a realização das primeiras
Paradas do Orgulho LGBT
85
Informações retiradas do site oficial do Museu - Museu Q, Quién Somos, Colômbia. Disponível
em <https://museoq.org/quienes-somos/> Acesso em 05 de jul. de 2022
86
Informações retiradas da página web do Museu CAMPUZANO, Giuseppe, Prólogo, Peru: El
Museo Travesti, 2009 - 2013. Disponível em <https://hemi.nyu.edu/hemi/pt/campuzano-
presentation> Acesso em 05 de jul. de 2022
52
memória. Seja pelo fato da questão LGBT ter se tornado uma preocupação
recente para as instituições memorialísticas do país e do mundo, seja pelo fato
de parte dessa população estar em situação de extrema vulnerabilidade, ao
ponto de não acessarem as instituições de educação e cultura para dar vazão
às suas memórias.
Outro fator de extrema importância é a forma como esses sujeitos têm sua
sexualidade e identidade de gênero cerceados durante toda a sua vida,
podando-as, para que os discursos sobre elas se mantenham sempre em
silêncio. Tal contexto impossibilita ainda mais o acesso, captação e difusão das
suas memórias.
Todavia, essas memórias são fundamentais para revelar os sujeitos LGBT na
história recente do Brasil e inscrevê-los em novas narrativas sobre a sociedade
brasileira. E para possibilitar encontros e reencontros entre gerações,
possibilitando que as novas gerações conheçam as histórias de sua população
e se empoderem a partir delas.

2.7. Iniciativas pró-memória LGBT no Brasil


Como memória e movimento LGBT, temas que pareciam ser tão distantes no
passado, hoje se tornaram questões tão intrínsecas? É possível compreender
que após tantos anos de militância e luta por direitos, a questão da memória
LGBT tenha se tornado na contemporaneidade uma das principais
preocupações de ativistas LGBT. Neste sentido, diversas ações pró-memória
vêm sendo realizadas por associações ativistas no Brasil87.
As iniciativas mencionadas acima, de formação de instituições museológicas,
por exemplo, como o Museu da Sexualidade e o Museu da Diversidade Sexual,
foram protagonizadas ou gestadas por ativistas dos movimentos locais dos
estados da Bahia (Luiz Mott e Grupo Gay da Bahia) e São Paulo (Associação da
Parada do Orgulho GLBT de São Paulo e Franco Reinaudo).

87
São exemplos desses deslocamentos, a atuação do Grupo Dignidade (Curitiba) e Arco-Íris
(Rio de Janeiro), que cumprem um papel importante de capilarização das lutas pró-LGBT em
suas cidades e estados e hoje se dedicam a essa pauta por meio dos seus Centros de Memória
e Referência.
53
É importante analisar que muitas das pautas históricas do movimento
homossexual e LGBT foram conquistadas nas últimas décadas, como: a luta por
uma resposta à epidemia HIV-AIDS e por um tratamento público e gratuito no
Sistema Único de Saúde (SUS), conquistada entre as décadas de 1980 e 1990;
a despatologização de homossexuais, conquistada no Brasil em 1985 88 e a nível
global, por decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1991, e mais
recentemente a despatologização de transexuais, conquistada em 2018; o
reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo gênero, conquistado
em 2011 e por fim, a criminalização da homofobia, conquistada em 2019.
A título de hipótese, entende-se que com todas essas pautas conquistadas o
direito à memória se tornou uma bandeira para que os ativistas continuassem a
se movimentar89. É plenamente compreensível que em cenários anteriores, a
luta pela vida, pela diminuição de homicídios e fim da perseguição a esses
sujeitos era mais central para os e as ativistas no momento, do que a luta pelo
direito à memória.
Embora a questão da memória não tivesse lastro no movimento, nas décadas
anteriores (1970 - 1990), alguns ativistas já reivindicavam essas questões. Aqui
cabe ressaltar os trabalhos da ativista Rita Colaço, que escreveu o livro Uma
Conversa Informal sobre Homossexualismo, em 1984, e da jornalista Míriam
Martinho, que em seus artigos no periódico Chanacomchana, levantava a
questão de memórias e histórias da lesbiandade no Brasil 90. Além desses, há
também João Silvério Trevisan com a publicação da primeira edição do livro
Devassos no Paraíso, em 198691, e as ações de Luiz Mott, com a construção do
Museu da Sexualidade, como citado anteriormente.

88
A campanha pela abolição do CID 302.0, que inclui o “homossexualismo” na seara de
transtornos mentais, foi protagonizada pelo Grupo Gay da Bahia, que conquistou a
despatologização anos antes da determinação da OMS em 1991.
89
Essa hipótese parte de conversas informais que tive com a ativista Rita Colaço.
90
Entre os artigos que tentam reconstituir a história da lesbiandade no Brasil foi publicado na 3
ed. do jornal Chanacomchana em 1983, intitulado: GALF uma história de um grupo de mulheres
lésbicas. O Chanacomchana foi um jornal artesanal, produzido na década de 1980 e 1990 pelo
Grupo de Ação Lésbico Feminista (GALF), tendo como suas principais protagonistas as ativistas
Rosely Roth e Miriam Martinho.
91
A primeira edição do livro Devassos no Paraíso, foi feita por meio de uma encomenda de uma
editora Inglesa, chamada - Gay Men’s Press, o livro intitulado - Perverts in Paradise, foi uma
primeira versão do que se tornaria a edição brasileira, publicada no mesmo ano. DAMASCENO,
54
Cabe mencionar que a propagação de ações pró-memória e sua reivindicação
por meio de movimentos ganharam provavelmente maior profusão do início da
década passada (2010) em diante92. Nesse aspecto, ações como o Relatório
“Ditadura e Homossexualidades”, da Comissão Nacional da Verdade, que
contou com a participação da presidenta da União, Dilma Rousseff, em 2013, foi
um importante marco pró-memória. Articulado pelos ativistas Renan Quinalha e
James Green, o relatório possibilitou o reconhecimento das memórias e histórias
LGBT nas narrativas sobre a Ditadura Militar e implicou na publicação do livro de
autoria de ambos, intitulado Ditadura e Homossexualidades, lançado no ano
2014 pela editora Edufscar.

2.8. Centros de Memória e Referência LGBT


Em paralelo à comunicação de atividades nessa linguagem ocorre também uma
profusão de criação de instituições de custódia de documentos, como arquivos,
acervos e os já comentados Museus.
Podemos citar aqui, alguns deles como a iniciativa do Acervo Bajubá (2012),
iniciado em um primeiro momento em Brasília e depois deslocado para São
Paulo, ocupando uma das salas da Casa 1 93. A criação do Centro de
Documentação Prof. Dr. Luiz Mott - CEDOC LGBTI+ (2007), em Curitiba, o
Instituto Arte, Cultura e Memória LGBT (2016), em Brasília, o Centro de Memória
LGBTI João Antônio Mascarenhas (2018), no Rio de Janeiro, o Centro de
Referência da História LGBTQI+ do RS (2020), no Rio Grande do Sul e o Arquivo

Ítalo, Devassos no Paraíso, livro sobre LGBTs no Brasil, ganha reedição, São Paulo: Metrópoles,
2018. Disponível em: <https://www.metropoles.com/vozes-lgbt/devassos-no-paraiso-livro-sobre-
lgbts-no-brasil-ganha-reedicao> Acesso em 06 de Jul. de 2022
92
Essa foi uma especulação feita em uma conversa com a historiadora e ativista Rita Colaço.
Como apontado no capítulo de introdução, ainda há muito a ser escrito e nem todas as fontes
desse trabalho estão baseadas em uma bibliografia, mas também nas trocas orais realizadas
entre pesquisadores LGBT.
93
A Casa 1 é uma casa de acolhida em um Centro Cultural da cidade de São Paulo, que foi
criado com o objetivo inicial de acolher jovens LGBT expulsos de casa, com o passar do tempo
os voluntários da casa decidiram por também criar um centro cultural para a formação da
população LGBT. Informações retiradas do site oficial da casa - Institucional, Casa 1, São Paulo.
Disponível em <https://www.casaum.org/institucional/> Acesso em 05 de jul. de 2022
Em meados de 2018 - 2019, uma das salas da casa abrigou o Acervo Bajubá. O Acervo Bajubá
é um acervo comunitário de pesquisadores LGBT que a partir de suas fontes de pesquisa
constroem esse corpus documental.
55
Lésbico Brasileiro (2020), são algumas das instituições de custódias criadas a
partir da década de 2010, com exceção do CEDOC de Curitiba, que foi criado
em 2017.
Em paralelo a esse processo, no ano de 2012, também foram criadas a Rede
LGBT de Memória e Museologia Social e a Revista Memórias LGBT 94, ambas
angariadas pelos museólogos Tony Boita e Jean Baptiste. Em 2019, foram
criadas a Rede de Arquivos, Memórias, Acervos e Investigadores LGBTQIA+ da
América Latina e a Rede de Historiadores Rede Historiadorxs LGBTQI+, por
iniciativa do pesquisador Benito Schmidt 95.
Essa amostra, nos permite entender que existe um rol de iniciativas realizadas a
partir da década de 2010, muitas delas protagonizadas por ativistas LGBT, que
cumpriram um papel histórico em outros momentos. Assim, é possível apreender
que a memória se tornou uma bandeira para o movimento LGBT na atualidade
e a profusão dessas ações refletem essa questão.
Cabe, assim, apontar que a existência e atuação de ativistas e suas
organizações contribuíram fortemente para que a pauta LGBT começasse a
promover a criação de instituições de memória dedicadas integralmente ao tema.
E cabe reforçar que a existência do movimento organizado LGBT também foi
preponderante para que o assunto passasse a ser discutido em Museus que não
tem essa população como o seu objeto – o que será discutido no tópico a seguir.

2.9. Os LGBT em museus "normativos"


As iniciativas mencionadas acima construíram um contexto muito mais amplo
para que as pautas da memória e história das sexualidades dissidentes
começassem a ser pautadas em instituições museológicas entendidas como
tradicionais e/ou normativas96. Este subcapítulo arrola algumas das ações

94
Tanto a rede de Memória e Museologia LGBT como a Revista Memórias LGBT+ fazem parte
do mesmo grupo e estão diretamente conectadas. As iniciativas podem ser conferidas em seu
site oficial - https://memoriaslgbt.com/
95
A Rede AMAI-LGBTQIA+ ainda não possui um site, o seu contato é travado a partir de um
grupo de facebook e Whats App, assim como as demais redes.
96
Museu Normativo, definido por Maria Cristina Oliveira Bruno em 2021, como “museus
tradicionais que são organizados em torno de coleções e acervos'' BRUNO, Maria Cristina
Oliveira, Sinergias e enfrentamentos: as rotas percorridas que aproximam a museologia
56
realizadas nestes Museus, como forma de explicitar como algumas instituições
estão aderindo a este tema.
É possível observar que ações afirmativas e culturais têm sido realizadas por
essas instituições, trazendo o protagonismo da população LGBT para suas
atividades. Em São Paulo, por exemplo, alguns Museus ou espaços culturais
como o Instituto Moreira Salles, a Pinacoteca do Estado, entre outros,
promoveram ações afirmativas priorizando a contratação de pessoas LGBT,
sobretudo de pessoas trans. Essa ação possui um diálogo direto com a política
pública do Município de São Paulo Transcidadania, já comentada anteriormente
no subcapítulo - A exclusão sistemática de pessoas LGBT dos espaços de
cultura e educação.
Outras ações realizadas abordam a atuação dessa população. E, a título de
exemplo, podemos mencionar algumas exposições realizadas que levantaram
essas bandeiras:
● A exposição do Clóvis Bornay no Museu da República, no Rio de Janeiro,
de curadoria do Mario Chagas, ficou aberta de 28/01/2016 a 02/05/2016 97;
● A exposição Orgulho e Resistências: LGBT na Ditadura Militar, no
Memorial da Resistência de São Paulo, com curadoria do professor
Renan Quinalha, realizada de outubro de 2020 a maio de 202198;
● A exposição Memória e Resistência: Brenda Lee, a anja das Travestis, no
Museu da Cidade de São Paulo, com curadoria de Alecsandra Matias,
aberta de 30 de outubro de 2021 a 16 de outubro de 202199;

da sociomuseologia in: Teoria e prática da Sociomuseologia - Editores Judite Primo e Mário


Moutinho, Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 2021, pp. 60
97
A exposição de curadoria do museólogo Mário Chagas foi realizada em homenagem a
comemoração do carnavalesco, Clóvis Bornay, mais informações podem ser consultadas no site
oficial do Museu: <https://museudarepublica.museus.gov.br/exposicao-clovis-bornay-100-
anos/>
98
Informações sobre a exposição e o acesso ao catálogo virtual podem ser obtidas no site do
Memorial da Resistência de São Paulo: <https://museudarepublica.museus.gov.br/exposicao-
clovis-bornay-100-anos/>.
99
A exposição Memória da Resistência: Brenda Lee, a anja das travestis está aberta na Casa
Tatuapé, um dos prédios do Museu da Cidade e pode ser consultada em no site da instituição:
<https://www.museudacidade.prefeitura.sp.gov.br/exposicao-memoria-da-resistencia/>
57
● A exposição As Metamorfoses – Travestis e Transformistas na SP dos
anos 70, no Instituto Moreira Salles, com curadoria de Gonzalo Aguilar e
Samuel Titan Jr, realizada de 09/02/2021 a 26/09/2021100;
● A polêmica exposição Queermuseu, proposta para abrir em setembro de
2017 e que foi censurada no Santander Cultural da cidade de Porto Alegre
e depois proibida de acontecer no Museu de Arte do Rio (MAR), localizado
na cidade do Rio de Janeiro, pelo prefeito da cidade, Marcelo Crivella.
Pouco tempo depois, a partir de um crowfounding que levantou cerca de
R$1 milhão, a exposição pode acontecer no Parque Lage do dia
18/08/2018 a 16/09/2018101.
Essas foram algumas das mostras que abordaram essa população e suas
memórias em museus ou espaços culturais, que como apontado acima, não tem
a questão LGBT como objeto, mas que se abriram para trazer esse debate e
representar essa população em suas ações.
As programações culturais dos Museus e também de Sistemas de Museus
refletiram pontualmente o protagonismo dessa população. Como o 9º Encontro
Paulista de Museus, realizado no ano 2017, ação promovida pelo Sistema
Estadual de Museus de São Paulo, que iniciou a conferência com representantes
do Schwules Museum, da Alemanha, em parceria com o Museu da Diversidade
Sexual.
Com certeza muitas outras ações foram realizadas em todas as áreas citadas
acima, contudo este não trabalho não pretende esgotá-las, mas sim apresentar
uma amostra de como elas fazem parte de um processo de desvelação de

100
Informações sobre a exposição, podem ser consultadas no site oficial do Museu:
<https://ims.com.br/exposicao/madalena-schwartz-as-metamorfoses_ims-paulista/>
101
As informações sobre a censura da exposição no Farol Santander (Porto Alegre), Museu da
Arte do Rio (MAR), foram retiradas das seguintes fontes: MENDONÇA, Heloísa, Queermuseu:
O dia em que a intolerância pegou uma exposição para Cristo, São Paul: El País, 2017.
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/11/politica/1505164425_555164.html>
Acesso em 05 de Jul. de 2022 e CARNEIRO, Júlia Dias, 'Queermuseu', a exposição mais
debatida e menos vista dos últimos tempos, reabre no Rio, Rio de Janeiro: BBC News Brasil,
2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45191250> Acesso em 05 de Jul.
de 2022 e sobre a montagem no Parque Lage, foi retirada da seguinte fonte: VÖLZ Filipe,
Queermuseu no Parque Lage, Rio de Janeiro: Esquerda Online, 2018. Disponível em:
<https://esquerdaonline.com.br/2018/09/11/queermuseu-no-parque-lage/> Acesso em 05 de jul.
de 2022
58
memórias e histórias LGBT na área da cultura. E como algumas instituições
foram corajosas ao apresentar essas narrativas por meio de suas ações.

2.10. Registro audiovisual da memória LGBT


Nesse bojo de criação de Museus, Acervos, Centros de Memória e Referência,
tiveram linguagens, como o audiovisual, que foram precursoras para
comunicarem essas memórias a um público mais amplo. Nesse sentido, algumas
iniciativas merecem destaque.
Entre eles podemos destacar as obras: São Paulo em Hi-Fi do cineasta Lufe
Steffen, (2016), que entrevistou uma série de ativistas e personalidades da noite
paulistana entre as décadas de 1960 a 1980. Outro documentário, Meu amigo
Claudia, dirigido pelo cineasta Dácio Pinheiro (2013), entrevistou personalidades
LGBT e utilizou o arquivo pessoal da cantora Claudia para construir sua obra.
Dzi Croquettes, dirigido por Tatiana Issa e lançado em 2010, conta a trajetória
do grupo e da cena do desbunde102 da década de 1970. O documentário é
construído também a partir de diversos registros de shows do grupo. Outra obra,
Divinas Divas, dirigido pela atriz Leandra Leal em 2017, contou a história do
grupo protagonizado por Rogéria, Jane Di Castro, Divina Valéria, Eloína dos
Leopardos e outras, por meio de depoimentos de um dos primeiros grupos
travestis de repercussão nacional no Brasil.
Outras ações audiovisuais, pró-memória, realizada por instituições museais
também merecem destaque como as duas edições do projeto Memórias da
Diversidade Sexual (2017 e 2020), realizadas no Museu da Diversidade Sexual,
também dirigido por Lufe Steffen.
A primeira edição entrevistou 10 personalidades ou casais LGBT acima de 60
anos na cidade de São Paulo, entrevistando personalidades como Glauco
Mattoso, Marisa Fernandes, Paulo Montoro (filho do ex governador de São Paulo
- Franco Montoro) e outros. A segunda edição do programa entrevistou cerca de

102
Desbunde é um termo popularizado durante a Ditadura Militar, que se referia, de forma
pejorativa, aos grupos que segundo a esquerda tradicional “deram a bunda para a Ditadura
Militar”. Esses grupos buscavam por meio da cultura dar uma resposta política à censura moral
do Regime. E os homossexuais puderam se assentar nesse movimento durante o período.
59
200 personalidades do interior e litoral do Estado de São Paulo e foi realizada
por meio do edital Mais Orgulho do Estado de São Paulo de 2020.

2.11. Lugares de Memória LGBT


Neste trabalho, definimos como lugares de memória LGBT, como lugares
evocados pelas memórias de pessoas LGBT. Que em sua época simbolizava e
se estruturava a partir dos marcadores de orientação sexual e identidade de
gênero.
Possibilitando, que sujeitos que tivessem esses marcadores dissidentes da
norma (heterossexual e cisgênera), se encontrassem nesses espaços, ao ponto,
dos mesmos serem rememorados por estarem ancorados diretamente a esses
marcadores e essas populações.
Assim como para qualquer outro segmento da sociedade, os Lugares de
Memória LGBT representam um universo amplo e em constante significação e
ressignificação. Assim como a memória, esses lugares podem passar
diretamente por lugares de afeto ou temor e por adjetivações subjetivas de cada
indivíduo.
Assim, Lugares de Memória LGBT podem ser desde uma boate/clube que
determinada pessoa frequenta ou frequentou, ou, por exemplo, o primeiro
espelho que uma pessoa recém redesignada103 se viu após sua cirurgia.
Neste trabalho, não se objetiva determinar os lugares que são válidos ou não.
Pois se entende que essa distinção, pela própria natureza do inventário
participativo, cabe à população LGBT. Contudo, cabe a nós expressar como as
narrativas sobre esses locais são evocadas pela memória, a fim de inseri-las
neste instrumento.
Outro ponto fundamental sobre os lugares de memória LGBT refere-se a sua
constante ressignificação a partir dos grupos que os frequentam. Para elucidar
melhor essa questão, podemos trazer como exemplo a Galeria Metrópole -um

103
Redesignação Sexual é o nome dado para a pessoa que começa a adequar o seu corpo ao
gênero que se identifica. No Brasil esse processo pode ser feito integralmente pelo Sistema
Único de Saúde por Ambulatórios Trans.
60
espaço referenciado por fontes bibliográficas e orais como o primeiro espaço
público a ser frequentado por homossexuais.
A Galeria Metrópole abriu as portas no ano de 1960, as fontes que utilizamos
mencionam a circulação de pessoas e grupos homossexuais desde o início
dessa década104. A Galeria que se tornou em um primeiro momento, ponto de
encontro de homossexuais, lésbicas e travestis entre as décadas de 1960 e
1970, passou a receber um fluxo menor dessa população nos final dos anos
1970 e início dos anos 1980, quando a Rua Augusta e outras regiões do
denominado centro velho, como Av. Vieira de Carvalho, se tornaram os novos
pontos de encontro.
Nas décadas de 1990 e 2000, não encontramos tantas referências da Galeria
Metrópole como um lugar de memória LGBT, contudo recentemente algumas
ações que unem a população LGBT começaram ser apresentadas na Galeria,
voltando a reunir essa população. Logo, esse espaço pode ter significados
distintos, para cada uma das gerações de pessoas LGBT que o frequentaram. E
é importante que nesse instrumento esses marcos geracionais estejam bem
identificados.
Esse processo de “uso” e "desuso" dos espaços públicos é comum em uma
cidade e para uma população que está em constante mudança. E mesmo que
esses espaços possuam um objetivo de criação, nesse processo, a sua
significação se dá por meio dos grupos que os frequentam.

2.12. LGBT nos museus: uma questão de inclusão


Embora a condição de marginalidade da população LGBT em sua maior parte
não tenha cessado e continua em voga para boa parte da população, os
processos acima citados se constituem como uma luz ao fim do túnel.
Podemos dizer que essas ações buscam dar visibilidade e incluir essas
populações nos espaços e processos museais não são só memorialísticos. Pelo
contrário, tais ações fazem parte de um contexto de reivindicação, que busca
inserir essa população nas instituições culturais e na educação de nosso país.

104
VARGAS, Lili. Entrevista concedida ao Museu da Diversidade Sexual. Entrevistador:
Leonardo Arouca, São Paulo, p. 3, 2018
61
Considerando que os Museus são instituições fruto de tecnologias coloniais de
dominação e valorização de uma cultura eurocêntrica em detrimento de outras,
essas ações ressignificam o papel dos Museus na sociedade. Como aponta
Maria Amélia Bulhões:
(...) os museus, constituídos a partir das aquisições dos mecenas,
tornadas públicas no âmbito dos ideais iluministas da Revolução
Francesa, ocupam um lugar de destaque. Elas cumpriram, desde sua
origem, o papel de legitimar artistas e produções, em uma perspectiva
eurocêntrica, expandindo uma história da arte escrita a partir de suas
coleções, que desempenhavam uma função de distinção social,
designando de forma subalterna outras produções simbólicas como
artesanato ou as ditas artes menores. Assim, a maioria das obras que
reconhecemos por arte está nos grandes museus da Europa, onde
escrevem sua história de sua arte superior, incorporando obras de
períodos anteriores, como pré-história, Grécia e Roma, para
desenvolver concepções evolucionistas e afirmar seus valores
estéticos. BULHÕES , M. A. Museus de arte, das práticas coloniais aos
desafios da virada digital . MODOS: Revista de História da Arte,
Campinas, SP, v. 6, n. 2, p. 179-200, mai.2022. DOI:
10.20396/modos.v6i2.8668410. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/mod/article/
view/8668410.

Hoje, portanto, já se entende que muito além de apresentar objetos, os museus


têm o potencial de acolher histórias de pessoas, preocupando-se em se inserir
cada vez mais em um diálogo direto e democrático com a sociedade a qual
pertence.
Do mesmo modo, os museus também têm em mãos a possibilidade de trabalhar
com questões ligadas à diversidade cultural e sexual em suas diferentes formas
e manifestações.
Essa população que no passado era enxergada como "pecadora", "desajustada"
e "marginal", hoje pode ser vista como parte da sociedade. Apresentando sua
grande riqueza cultural por meio das instituições museológicas. Logo, incluir
população nos Museus é incluí-la na sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOITA, Tony William. Cartografia etnográfica de memórias desobedientes,
2018. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal de
Goiás, Goiás, 2019. Disponível em
<https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/9364>
62
BORGES, Viviane Trindade e SCHAEFER, Murilo Maluche, “Mais Um
Problema Social A Ser Resolvido Pela Medicina”: A Homossexualidade Sob
A Ótica De Leonídio Ribeiro (1935), Florianópolis: UDESC. Disponível em:
<www1.udesc.br/arquivos/id_submenu/2561/3.pdf>, Acesso em 05 de Jul. de
2022

BORTOLOZZI, Remom Matheus, Tratado médico de 1906 -


"Homossexualismo: A libertinagem no Rio de Janeiro", São Paulo: Acervo
Bajubá. Disponível em: <https://acervobajuba.com.br/mais-de-um-seculo-de-
cura-homossexual-no-brasil/>, Acesso em 05 de Jul. de 2022

BORTOLOZZI, Remom Matheus. Entre trapos e colchas: vestígios da


memória LGBT sobre as primeiras respostas paulistanas à epidemia de
HIV/Aids. Tese (Doutorado em Medicina) - Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em
<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-28092021-
112410/publico/RemomMatheusBortolozzi.pdf>

BOURDIEU, Pierre, A Dominaçao


̃ Masculina, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand
Brasil, 2003

BULHÕES, M. A. Museus de arte, das práticas coloniais aos desafios da


virada digital . MODOS: Revista de História da Arte, Campinas, SP, v. 6, n. 2,
p. 179-200, mai.2022. DOI: 10.20396/modos.v6i2.8668410. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/mod/article/ view/8668410.
INSAUSTI, Santiago Joaquin, “Una historia del Frente de Liberación
Homosexual y la izquierda en Argentina”, Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 27, n. 2, e554280, 2019
FACCHINI, Regina e SIMÕES. Júlio Assis, Na trilha do arco-íris: do
movimento homossexual ao LGBT, São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2009
FOUCAULT, Michel, História da sexualidade I: a vontade de saber, Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2017
63
_______________, História da sexualidade III: o cuidado de si, Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2005

________________, Sobre a história da sexualidade in: Microfísica do


poder, 4a ed, Rio de Janeiro: Graal, 1984

̃ ; traduç ão de Raquel


________________, Vigiar e punir: nascimento da prisao
Ramalhete, Petrópolis, Vozes, 1987.

FRY, Peter e MACRAE, Edward, O que é Homossexualidade, São Paulo:


Editora Brasiliense, 1985

GREEN, James N, Além do carnaval: a homossexualidade masculina no


Brasil do século XX, 2a ed, São Paulo: Editora Unesp, 2019, pp. 31 – 61; pp.
339 – 401.
GREEN, James N & QUINALHA, Renan (Orgs.), Ditadura e
homossexualidades: repressão, resistência e a busca pela verdade, São
Carlos: EdUFSCar, 2014.

GUIMARÃ ES, Carmen Dora, O homossexual visto por entendidos, Rio de


Janeiro, Garamond, 2004.

MOTT, Luiz. Bahia:inquisição e sociedade [online]. Salvador: EDUFBA, 2010.


294p.

PERLONGHER, Néstor, O negócio do michê — A prostituição viril em São


Paulo, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008.

QUINALHA, Renan Honório, Contra a moral e os bons costumes: a política


sexual da ditadura brasileira (1964-1988), 2017, Tese (Doutorado em
Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2017.
RODRIGUES, Rita de Cássia Colaço, De Daniele a Chrysóstomo: quando
travestis, bonecas e homossexuais entram em cena, 2013, 371 f. Tese
(Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal
64
Fluminense Niterói, 2013. Disponível em:
<http://www.historia.uff.br/stricto/td/1437.pdf>.
RUBIN. Gayle, Tráfico de mulheres: notas sobre a "economia política" do
sexo, Recife: S.O.S Corpo, 1995.

SCOTT, J, Gênero: uma categoria útil de análise histórica., Educação &amp;


Realidade, [S. l.], v. 20, n. 2, 2017, Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso
em: 26 mar. 2022.

SEDGWICK, Eve Kosofsky, A epistemologia do armário (trad) in: cadernos


pagu (28), janeiro-junho de 2007, 19-54, Campinas, 2007

SILVA, Claudio Roberto da, Reinventando o Sonho: História Oral de Vida


Política e Homossexualidade no Brasil Contemporâneo, [dissertação em
História] – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanadas da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998, 674p.

TREVISAN, João Silvério, Devassos no Paraíso, 4a ed, São Paulo: Objetiva,


2018

WAINER, Samuel. Minha Razão de Viver: Memórias de um repórter, São


Paulo: Record, 1987
65
3. DIRETRIZES, DEFINIÇÕES E IMPASSES PARA A CONSTRUÇÃO DO
INVENTÁRIO PARTICIPATIVO

3.1. Introdução
Este capítulo foi pensado como um caderno de orientações para compreender a
constituição desse inventário, a partir das inflexões e decisões que precisaram
ser tomadas durante o processo e refere-se à parte prática e experimental desse
projeto.
O mesmo busca apresentar ao (à) leitor(a) mais do que um instrumento
formatado, mas sobretudo os percalços (erros e acertos) nesta jornada. Em
parte, este capítulo também representa um diário de campo, considerando que
alguns desafios que precisaram ser enfrentados estão descritos abaixo.
Cabe mencionar que boa parte dos referenciais adotados nesta parte do texto
são provenientes de cursos e conversas informais com profissionais da área da
museologia, história e arquivística e não propriamente são referências
bibliográficas. Contudo, é importante mencionar de imediato que algumas
publicações e cursos foram fundamentais no processo de constituição desse
instrumento.
Entre os referenciais de maior importância para este capítulo, destaca-se o
Manual de Aplicação de Inventários Participativos do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)105 e o curso livre de Inventário Participativo
do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), disponível no catálogo de cursos da
Escola Virtual do Governo (EVG) 106. A partir desses aportes metodológicos
subsidiados por essas duas referências e por metodologias emprestadas da
História Oral, buscou-se criar um instrumento, que para além de arrolar e
sistematizar os lugares, permitisse o engajamento dos entrevistados nesse
processo.

105
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Brasil). Educação Patrimonial:
inventários participativos: manual de aplicação / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional ; texto, Sônia Regina Rampim Florêncio et al. – Brasília-DF, 2016. 134
106
Escola Nacional de Administração Pública: Inventário Participativo [online]. Disponível na
Internet via correio eletrônico < https://sabermuseu.museus.gov.br/inventario-participativo/>.
2021
66
Este capítulo busca discutir e elucidar todo o processo de construção desse
instrumento, apresentar questões, dificuldades, potencialidades e possíveis
desdobramentos. E demonstrar por meio de uma metodologia ou de um passo-
a-passo como as etapas de trabalho foram constituídas – considerando ainda
que foi um trabalho realizado em um período atípico, devido à epidemia do
COVID-19, que impactou diretamente nos resultados da pesquisa.

3.2. Definições e diretrizes para a musealização


De acordo com a museóloga Waldisa Rússio, o ato de musealizar consiste na
retirada de um objeto ou objeto-conceito107 do seu lugar original para levá-lo ao
domínio do Museu108. No espaço museológico, serão realizadas práticas
referentes à sua valorização, documentação, conservação e comunicação
[BRUNO, 2010, pp. 125]109.
Neste trabalho não são musealizados os lugares (físicos), que são abordados
em entrevistas, mas sim, as memórias sobre eles110. Eles são entendidos como
referências imateriais (objetos-conceito) da população LGBT , como apontava
Waldisa Rússio. O trabalho com essas referências compreendeu a sua
captação, transcrição, transcriação e sistematização no inventário (que envolveu
pesquisas complementares, quando necessário).
O motivo da não tentativa de musealização dos lugares em si se dá por alguns
fatores. Entre eles porque boa parte dos lugares narrados foram
descaracterizados, muitos possuem hoje uma outra função social e muitas
vezes outras características arquitetônicas, que não os remontam como um lugar

107
Entende-se por objeto-conceito aqui como a representação de um patrimônio ou bem
cultural de natureza imaterial, como práticas de diversas naturezas, memórias e etc.
108
As atualizações nos trabalhos de Waldisa Rússio foram constantes, a pesquisadora sempre
buscou aprimorar os seus conceitos e não mantê-los cristalizados. Assim, conceitos como fato-
museal ou musealização se alargaram em determinados momentos para elucidar práticas com
o patrimônio imaterial e para a extensão da musealização para fora da instituição museal.
109
O conceito de musealização está muito bem elucidado na publicação do Comitê Brasileiro do
Conselho Internacional de Museus, de tradução da museóloga Marília Xavier Cury e Bruno
Brulon, intitulado “Conceitos-chave de Museologia”. (ICOM, 2013)
110
Essa percepção se deu por meio de aula com o Museólogo João Pedro Rodrigues, na pós-
graduação em Museologia, Cultura e Educação da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, em 2022.
67
de sociabilidade LGBT. Assim, a musealização desses lugares a partir da
representação feita pelos entrevistados não possui mais sentido de ser. 111
Cabe mencionar também que a competência e domínio pela preservação desses
lugares, do ponto de vista arquitetônico, não compete apenas aos Museus, mas
sim às instituições de preservação do patrimônio nas três esferas (municipal
paulistano, estadual paulista e federal), como o Departamento de Patrimônio
Histórico (DPH), o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat) e
o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a partir dos
processos de tombamento, que podem ser solicitados pelos museus e agentes
do patrimônio, mas não são eles os encarregados administrativos a realizar o
processo.
Retomando os processos mencionados por Waldisa Rússio e requalificados por
teóricos da museologia, como Cristina Bruno, a musealização dessas memórias
ocorre de diversas maneiras. Passa por um processo de pesquisa prévia,
seleção, registro, pesquisa, documentação, comunicação e valorização desses
referenciais.
Os processos de pesquisa estiveram presentes em várias etapas do inventário.
Assim, ações como seleção, registro, documentação e comunicação também
foram subsidiadas por pesquisas prévias, de forma a entender, contextualizar e
documentar essas memórias. Nos próximos subcapítulos, serão detalhados os
processos de pesquisa, seleção dos entrevistados, captação e documentação
dessas memórias.

3.3. Seleção dos entrevistados


O processo de seleção dos entrevistados foi permeado, inicialmente, por uma
pesquisa a partir de fontes bibliográficas que pudessem referenciar pessoas
LGBT dentro da faixa etária a partir de 50 anos. A escolha desse recorte etário
foi pensado de forma a acessar lugares das décadas de 1960, 1970 e 1980, que

111
São exemplos dessa descaracterização lugares emblemáticos como a boate Medieval, que
hoje abriga o shopping Center 3 e o Ferro's Bar que hoje abriga um vestiário da família Mancini
- empresários proprietários de restaurantes e responsáveis por restaurar ruas no centro de São
Paulo, como a rua Avanhandava.
68
como constam nas fontes bibliográficas consultadas remontam o início e
primeiras décadas da ocupação pública de homossexuais e transexuais na
cidade.
Fontes bibliográficas de jornais como Lampião da Esquina, ChanacomChana e
revistas como Um Outro Olhar112, G Magazine113 e livros como “Devassos no
Paraíso”, de João Silvério Trevisan (2018), ”Além do Carnaval”, de James Green
(2019) e “Ditadura e Homossexualidades”, de Renan Quinalha e James Green
(2014), foram fundamentais para compreensão do processo histórico de
ocupação do espaço público por essa população e para referenciar possíveis
entrevistados. Do mesmo modo, a atuação profissional do autor no Museu da
Diversidade Sexual, durante o período de 2017 a 2021, foi imprescindível para a
aproximação com alguns (mas) entrevistados (as).
Assim, o processo de pesquisa levou às pessoas referenciadas e/ou próximas a
essa atuação profissional, como Franco Reinaudo, Fátima Tassinari e Laura
Bacellar (envolvidos na construção da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo
entre 1990 e 2000) e pessoas a posteriori indicadas por elas.
Cumpre ressaltar que o processo de entrevistas e contato com os entrevistados
pode ser caracterizado como muito dinâmico e permite aproximações com novos
sujeitos (potenciais entrevistados) que foram fundamentais para esse inventário.
E muitas vezes a primeira pessoa com quem se tem contato (do segmento ou
grupo focal) será a mais importante no sentido de aproximar de outros potenciais

112
A revista Um Outro Olhar, foi produzida pela jornalista Miriam Martinho e pela Rede de
Informação Um Outro Olhar, a partir da década de 1990, substituindo assim o jornal artesanal
Chanacomchana. A Revista possuía uma proposta editorial mais arrojada e foi comercializada
em diversas bancas do país. MARTINHO, Miriam. Memória lesbiana: há 32 anos surgia a Rede
de Informação Um Outro Olhar, paladina da visibilidade lésbica, São Paulo: Um outro olhar:
para mulheres lesbianas e afins, 2021. Disponível em
<http://www.umoutroolhar.com.br/2021/04/memoria-lesbiana-rede-um-outro-olhar-paladina-da-
visibilidade-lesbica.html>, Acesso em 03 de ago. de 2022
113
A G Magazine foi uma revista criada em 1998 pela jornalista Ana Fadigas, e sempre teve uma
proposta bem comercial, exibindo nus de modelos, atores e cantores famosos. A revista foi um
grande sucesso editorial entre as décadas de 1990 e 2000. Seu interior era recheado de colunas
escritas por representantes da população LGBT, como João Silvério Trevisan, Claudia Wonder
e etc. HYSTERIA, Revolucionárias | Ana Fadigas, a editora Criadora da 'G Magazine',
mostrou homens em nu frontal pela primeira vez na história da imprensa mundial, São
Paulo: Revista Hysteria, 2017. Disponível em: < https://hysteria.etc.br/ler/revolucionarias-ana-
fadigas/#:~:text=Em%201998%2C%20a%20jornalista%20Ana,os%20para%20um%20público%
20homossexual.>, Acesso em 03 de ago. de 2022
69
entrevistados. Neste sentido, pessoas como Franco Reinaudo foram
fundamentais para que essa inserção fosse feita e novos contatos fossem
travados.
Assim,114, foi possível conhecer pessoas como Lili Vargas, uma mulher trans que
frequenta os espaços de sociabilidade LGBT da cidade desde a década de 1960.
E por meio da relação estabelecida com Lili Vargas, foi possível conhecer Jacque
Chanel, mulher trans que fundou uma das primeiras igrejas trans do Brasil, a
ICM Séforas, na cidade de São Paulo.
É importante entender que essa população se constitui em rede e acessar
inicialmente essa rede, por meio de um dos envolvidos, foi um processo
fundamental para conhecê-la. Se almejava desde o início da pesquisa chegar a
pessoas dessa rede e com esta faixa etária, que não necessariamente haviam
sido popularizadas pelas fontes bibliográficas.
A entrevista com pessoas que não ocuparam lugares de protagonismos, ou não
foram referenciadas nessas fontes bibliográficas enriqueceram esse inventário
no sentido de apresentar lugares inusitados e por outras perspectivas. Esse
objetivo era sobretudo, para que se tivesse no inventário narrativas de pessoas
que ainda não puderam dar suas entrevistas e musealizá-las, colocando-as em
lugares de importância. A proposta, aqui, era e é fugir da lógica de contemplar
apenas as narrativas de protagonistas esquecendo-se dos demais.
Outro critério para seleção de pessoas para as entrevistas, além da faixa etária,
foi a opção feita por pessoas que tornaram sua orientação sexual pública. Além
disso, também foram priorizadas pessoas que possuíam uma circulação mais
livre entre os lugares de sociabilidade LGBT, entre as décadas de 1960 - 1990 e
não teriam amarras ao abordar minuciosamente esses lugares.

3.4. A importância do engajamento das comunidades


O engajamento dos (as) entrevistados (as) com esse modelo de inventário é um
elemento essencial. Além de contribuir fundamentalmente com os dados do

114
O contato, nesse caso, se deu pela via profissional, considerando que Franco Reinaudo era
diretor do Museu da Diversidade Sexual e possibilitou aproximações com alguns dos
entrevistados.
70
inventário, os participantes precisam se sentir parte desse processo.
Compreendendo que suas agências são fundamentais para a constituição desse
instrumento e o entendendo como um legado que deixarão às gerações futuras.
Nesse sentido, foi importante o estabelecimento de diálogos e trocas permeadas
por afetividade entre entrevistador e entrevistado, e com explicações prévias
sobre conceitos básicos mobilizados, como: patrimônio, memória e lugares de
memória e explicando a razão de ser de um inventário participativo.
Aqui cabe ressaltar que um dos objetivos da pesquisa, além de formalizar um
inventário, apresentando uma lista e descrição de lugares de memória, é
representar como esses entrevistados constroem e preservam suas referências
culturais, de caráter material e imaterial e como fazem museologia, mesmo que
não esteja apropriados dos códigos e procedimentos da área museológica, o que
não necessariamente implica a não realização dessa prática. Essa tomada de
consciência, coletiva e individual de que a população LGBT constrói processos
museológicos é fundamental para a valorização dos seus saberes e vivências
cotidianas no tratamento de suas referências culturais.
Em uma perspectiva prolongada, esse processo de engajamento proporcionado
inicialmente por esta pesquisa pode gerar uma aproximação futura com as áreas
ligadas ao patrimônio, museologia, memória e história e envolver cada vez mais,
essa população nas tomadas de decisão sobre os seus bens culturais. Para que
no futuro, essa mesma população possa realizar o tratamento e manutenção dos
seus referenciais (materiais e imateriais) tornando-se os próprios e próprias
agentes de preservação e divulgação desses bens.

3.5. Documentação
A museologia, diferente da arquivologia e da biblioteconomia, não possui um
modelo pré-concebido para disponibilização e documentação de acervos. No
caso da biblioteconomia que possui os sistemas de organização de seus acervos
a partir de CDD, CDU e AACR2115, ou na arquivística com a Norma Brasileira de

115
O Sistema de Classificação Decimal de Dewey (CDD), o Sistema de Classificação Decimal
Universal (CDU) e a Anglo American Cataloguing Rules 2nd Edition (AACR2), são classificações
71
116
Descrição Arquivística (Nobrade) . A museologia, por sua vez, não possui
formatos pré-concebidos, mas sim orientações para a construção da
documentação museológica.
Dentro das instituições museais, essa documentação precisa auxiliar e
comprovar processos como a entrada de acervos, saída e mobilidade dos
mesmos, como cita CARDOZO (2014, pp, 18) 117. Além disso, a documentação
deve auxiliar na identificação, localização e controle dos seus objetos e/ou
referenciais imateriais. Para isso, instrumentos como o inventário, fichas
catalográficas e bases de dados são fundamentais.
Neste sentido, algumas orientações como a norma de origem britânica Spectrum
4.0118 é utilizada como ponto de partida por várias organizações da área museal,
como a Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de
Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo119. A norma Spectrum
estabelece 21 procedimentos que podem ser adotados ou adaptados por
qualquer instituição de caráter colecionista, dentre elas os museus. Ela parte da
prerrogativa que os procedimentos devem ser orientados a partir de uma missão
e visão claras, além da existência de uma política de gestão de acervos robusta.
Sendo assim, a Spectrum pode ser considerada como uma das obras que
orientam a construção de um sistema de documentação, entendendo que tais
sistemas são arranjos conceituais e pragmáticos de como um trabalho deve ser
feito. Neste sentido, a norma Spectrum prevê a organização de um inventário de
um acervo como um procedimento para a gestão das coleções [SPECTRUM,
2014, pp. 43].

adotadas para a catalogação de acervos na área da biblioteconomia, para a organização e


consulta de coleções bibliográfica.
116
A Norma Brasileira de Descrição Arquivística (Nobrade) é uma orientação a ser utilizada para
os arquivos públicos e privados do Brasil, possuindo 28 elementos para a descrição arquivística.,
Conselho Nacional de Arquivos. NOBRADE: Norma Brasileira de Descrição Arquivis ́ tica. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2006. 124p.
117
Padilha, Renata Cardozo, Documentação Museológica e Gestão de Acervo, Florianópolis:
FCC, 2014, pp. 18
118
A Norma Spectrum é uma norma de 21 de procedimentos de apoio à gestão das coleções
musealizadas, com diversos gráficos e esquemas que apontam procedimentos, normas e
sistemas de documentação que podem ser adotadas nas instituições museais.
119
A Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Cultura e Economia
Criativa do Estado de São Paulo é a unidade da secretaria de cultura responsável pelo repasse
de verbas e auxílio técnico a XX museus estaduais.
72
No caso deste trabalho, as ações de caráter documentário foram realizadas não
só para a construção do inventário, mas também para a construção dos
documentos de caráter jurídico-administrativos que o acompanham. Neste
sentido, foram elaborados termos de cessão de entrevista, roteiros da entrevista,
fichas de identificação dos entrevistados e das entrevistas, planilhas para a
complementação da documentação e, por fim, a planilha de inventário. Todos
esses documentos serão comentados a seguir e estão arrolados no trabalho,
para que possam ser utilizados em projetos similares.

3.5.1. Termo de cessão de entrevista


Um dos primeiros documentos elaborados foi o termo de cessão entrevista - livre
esclarecido, que é uma forma de assegurar a integridade do entrevistado e
entrevistador e respaldar a disponibilização da entrevista. Esse termo, dentro de
uma perspectiva “jurídica” do processo, é um dos mais fundamentais para que
essas memórias sejam utilizadas no projeto e divulgadas ao público120.

3.5.2. Roteiro de entrevista


Na sequência, foi elaborado o roteiro de entrevistas. Buscou-se constituir um
roteiro aberto, com perguntas genéricas e pré-dirigidas. O objetivo aqui era um
primeiro contato, para que o entrevistado ou entrevistada rememorasse os
lugares e contasse suas experiências nos mesmos. A discussão sobre
processos de musealização e explicação dos conceitos aconteceu em um
momento posterior, onde houve uma troca de informações sobre musealização
dos lugares rememorados121.

3.5.3. Ficha Técnica de Coleta de Entrevistas

Para organização das informações coletadas durante as entrevistas, foi


elaborada uma ficha técnica da coleta de entrevista, referente a cada pessoa, de

120
Para ver o termo livre esclarecido de cessão de entrevista leia o anexo 1.
121
Para ver o roteiro da entrevista leia o anexo 2.
73
modo a sistematizar os principais dados dos entrevistados e entrevistadas, bem
como sistematizar dados da entrevista, como local e hora que foram realizadas,
a técnica de registro da entrevista, a menção dos profissionais que participaram
do registro, a duração e etc.122

3.5.4. Sistema de identificação das entrevistas

Para cada uma das entrevistas foi atribuído um código tripartido123 e


alfanumérico, que situa o processo, o tipo de inventário e a
entrevista/transcrição realizada. Dessa forma optou-se por utilizar as iniciais
de inventário para descrever o processo - INV, na primeira parte. O tipo de objeto
ou referência museológico que se inventaria foi identificado pelas iniciais de
Lugares de Memória - LM, na segunda parte e por fim, um número sequencial
de 0 a 9.999, para registrar o número da entrevista realizada.

Assim, por exemplo, a entrevista de Lili Vargas, por ter sido a primeira a ser
realizada, adquiriu o seguinte código de referência INV-LM-0001 e assim, por
diante. Optou-se por um intervalo de 0 a 9.999, para caso o projeto seja
continuado por alguma instituição no futuro, esse intervalo possibilitaria uma
quantidade crescente de entrevistas.

3.5.5. Transcrição e Transcriação da entrevista

Após o preenchimento da ficha técnica, foi iniciado a transcrição das entrevistas.


Para esse projeto, buscou-se realizar uma transcrição literal, que demarcasse
traços como risadas, suspiros, choros, que são elementos fundamentais nesse
diálogo entre entrevistador e entrevistado.

122
Para ler a Ficha Técnica de Coleta de Entrevistas leia o anexo 3.
123
Um código tripartido é um código dividido em três partes, enquanto um código bipartido é
dividido apenas em duas partes. (CARDOZO, 2014, PP. 42)
74
Compreende-se que a transcrição literal é importante porque dá uma dimensão
dos trejeitos e traços de personalidade, que não necessariamente são
demarcados nas entrevistas. Todos esses elementos são fundamentais para
entender o sentido e o valor de cada um desses lugares para os entrevistados.

Após a transcrição literal, se iniciou a transcriação da entrevista. Como aponta


Sebe (1998), a língua falada é muito diferente da língua escrita, contendo
maneirismos, repetição de palavras, que não necessariamente se apresentam
na escrita. Assim, a transcriação se faz necessária para que a escrita passe dos
códigos orais para os códigos escritos, não deturpando o sentido do que foi
dito124125.

Durante o processo de transcrição e transcriação, inevitavelmente o pesquisador


estará lendo a fonte (entrevista transcrita e transcriada), assim é um momento
também de análise dos lugares de memória mencionados. De forma que,
durante essa etapa, é importante que o pesquisador faça anotações e comece a
sistematizar as principais informações que serão utilizadas para o inventário.

3.5.6. Feedback para o entrevistado - Inventário Resumido

Após a transcrição e transcriação da entrevista, foi realizado um segundo contato


com o entrevistado (a). Dessa vez, a transcriação era enviada, para que ele ou
ela pudesse ler e fazer suas pontuações.

Em paralelo, aproveitou-se para enviar uma planilha aos (às) entrevistados (as),
como uma espécie de inventário resumido - apenas de sua entrevista, arrolando
todos os lugares mencionados pelo (a) entrevistado (a) para que se apontasse
e justificasse quais dos lugares mencionados pela pessoa, a mesma considerava

124
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. José Carlos Sebe Bom Meihy (parte 3) . [Entrevista
concedida à equipe Ludopedia] João Gabriel de Lima. Ludopedia, São Paulo, 23 jan. 2013.
125
Nos anexos 4, 6, 7, 8, 9 e 10, é possível observar as transcriações realizadas neste processo.
75
passível de ser musealizado, por refletirem um lugar de memória dessa
população126.

Essa troca de informações, que ocorreu com a devolutiva da transcriação, foi


uma das etapas mais importantes do processo, pois foi nela que o entrevistado
(a) definia o que considera patrimônio dessa população e o que não considera.
É nesse momento que ele/ela pode adicionar mais locais que julgava necessário
e que deixou de mencionar durante a entrevista e incorporar informações aos
lugares citados anteriormente.

3.6. Constituição de campos do Inventário

O Inventário foi constituído a partir dos seguintes campos:

● Id.
● Código de Referência
● Período
● Nome do Local e outros nomes/nomenclaturas
● Descrição
● Descritores
● Endereço (Rua/Av; Bairro; Cidade (UF)
● Referência

Abaixo, são apresentados os verbetes explicativos de cada um dos campos


referidos.

O Id. é um número seriado iniciado a partir do número 01, sem fim estabelecido.
Esse número serve para a identificação do local de memória no inventário,
podendo ou não ser aproveitado para outros instrumentos (ficha de coleta de
entrevistas, catalogações futuras e etc).

126
No anexo 5, apresenta-se a devolutiva desse “pré-inventário”, respondido pelo entrevistado
Ubirajara Caputo Denone.
76
O Código de Referência da Entrevista, como citado anteriormente, seguiu um
padrão tripartite e alfanumérico. Esse código se refere à entrevista (origem) de
onde as informações foram retiradas.

Período, optou-se construir esse campo tomando como pressuposto um


intervalo de tempo por década. Visto que a maior parte das informações
apreendidas não possuem precisão de ano, mês e dia (de inauguração,
circulação e fechamento) de cada local. Assim, a partir desse instrumento o
consulente poderá ter um panorama sobre os lugares de memória que vigoraram
em cada década.

Esse campo pode ser complementado por pesquisas futuras, caso as entrevistas
não deem conta de apresentar o intervalo de tempo que determinado lugar
esteve aberto. Considera-se aqui o momento (década) que lugar começou a ser
ocupado pela população LGBT e o momento (década) que deixou de ser
ocupado e/ou que fechou. No caso do presente inventário, quando não havia
exatidão sobre os períodos de início e fim, se utilizou a data entre pontos de
interrogação invertido para demarcar que a informação é uma aproximação.

Nome do local e outros nomes/nomenclaturas, uma das principais informações


para a indexação de campos de pesquisa. Optou-se, aqui, por criar um campo
mais aberto para que fosse escrito no inventário o nome oficial do local e entre
parênteses outras nomenclaturas apresentadas pelo entrevistado ou entrevista.
Isso porque alguns lugares ganharam apelidos e nomenclaturas próprias por
essa população e essas informações são importantes de serem registradas.

Descrição do local é o campo onde a princípio, busca-se fazer uma descrição


sucinta do local. Essa descrição pode variar de acordo com a narrativa do
entrevistado ou da entrevista. No caso do presente inventário, a princípio
buscou-se descrever o local a partir da narrativa do entrevistado ou da entrevista.
A orientação, caso a pessoa não o descreva em entrevista e apenas o cite, é
que seja feita uma pesquisa complementar.
77
Caso seja necessário fazer uma pesquisa para descrever o local, orienta-se que
ela siga um padrão que identifique a tipologia do local (bares, praças, casas
noturnas, clubes e etc), os proprietários do espaço (caso existam) e a subcultura
e/ou identidade sexual de maior frequência. Como exemplo, usamos o Caneca
de Prata, que recebeu a seguinte descrição: Bar no estilo Pub Inglês, fundado
na década de 1960 e com circulação majoritária de homens gays mais velhos,
até os dias atuais.

Descritores: O campo de descritores é um dos principais campos para a


indexação de informações ao inventário. São considerados como descritores:
nomes de pessoas, nomes de locais, performances, nomenclaturas utilizadas na
época, que podem ser adjetivadas ou não. O descritor é sempre acompanhado
de uma breve explicação de acordo com o que representa no documento -
entrevista transcrita, assim como os exemplos: Discoteca (Lugar onde se vendia
discos) Banheirões (Espaço utilizado para sexo entre pessoas do mesmo
gênero); Cine Metrópole (Cinema dentro da Galeria, que era utilizado para
pegação entre pessoas do mesmo gênero).

Rua/Av; Bairro e Cidade (UF), as informações de endereço foram repartidas em


três campos, visto que a rememoração, ou a riqueza de detalhes, se perdem no
tempo. Então quanto mais específica é a informação, mais difícil é de ser
acessada.

Assim, esse campo é preenchido a partir das fontes das entrevistas e


complementadas com pesquisas para que se tenha maior precisão de detalhes.
É importante manter o padrão de preenchimento com a cidade sempre
acompanhada do UF, entre parênteses.

Para o inventário, a informação mais importante é o bairro, pois a partir dele é


possível fazer um recorte regional sobre esses espaços de socialização.

Referência, campo escrito no formato ABNT e que retoma a entrevista, com link
de acesso à mesma. O padrão de escrita desse campo é constituído da seguinte
forma: SOBRENOME, nome do entrevistado. Nome completo do entrevistado ou
78
entrevista: data de entrevista. Entrevistador: nome do entrevistador. cidade:
instituição para qual a entrevista foi concedida, ano. Quantidade de arquivos que
a entrevista resultou. Projeto em que a entrevista foi realizada. Exemplo:
VARGAS, Lili. Lili Vargas: depoimento ago. 2018. Entrevistador: Leonardo
Arouca. São Paulo: Museu da Diversidade Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
Entrevista concedida ao Projeto Memórias da Diversidade Sexual.

Abaixo é apresentado um esquema de como os campos e seções estão


organizados em níveis e os formatos de escrita que serão aceitos, de forma a
orientar o preenchimento do inventário e a construção de uma base de dados no
futuro.
79

Nível Descrição

Instrumento Inventário

Seção Códigos de Período Descrição Origem


Referência Endereço

Título do Id. Código de Período Nome do local Descrição do Descritores Rua/Av. Bairro Cidade Referência
campo 1 Referência da (outros local (UF)
Entrevista nomes do
local)

Formato de Numé Alfanumérico Data Texto Texto Texto Texto Texto Texto Texto
preenchime rico textual
nto
80
No subcapítulo - Potencialidade e dificuldades para a construção do
inventário, discutiremos um pouco sobre como tratar a pluralidade de narrativas
neste instrumento.

3.7. Potencialidade e dificuldades para a construção do inventário

O processo completo do Inventário Participativo foi permeado por escolhas


teóricas, conceituais e funcionais, que balizaram as ações que foram
executadas. Como a seleção dos entrevistados, a escrita do roteiro, a elaboração
dos termos, a elaboração da planilha e a disposição dos Lugares de Memória no
instrumento.
É importante entender que embora existam orientações para a construção dessa
ferramenta, muitas das decisões precisam ser tomadas pela equipe
técnica/coordenador ou pesquisador que está à frente do projeto. Embora esse
capítulo traga subsídios para a elaboração de inventários do gênero, muitas das
decisões irão partir da experiência prática e da especificidade de cada projeto.
O subcapítulo é estruturado nos principais tópicos de reflexões e inflexões que
marcaram o percurso desta pesquisa. De forma que a partir das questões e
decisões tomadas, o leitor e a leitora poderão refletir sobre que decisões tomar
quando realizar o seu projeto.

3.7.1. Pluralidade de narrativas


A pluralidade de narrativas é algo comum em qualquer contexto e com os lugares
de memória não é diferente. Isso é expresso por exemplo na reivindicação que
determinados grupos fazem de espaços públicos e privados no presente.
Neste processo subtrai-se exemplos de espaço como a Praça da República, que
para algumas mulheres transexuais têm um sentido de trabalho, a partir da
prostituição e/ou um sentido de socialização com a suas companheiras de
trabalho. E que para homens e mulheres cis-homossexuais, possui um sentido
de lazer em tempos passados.
81
O mesmo acontece com o Largo do Arouche, que tem um significado para as
famílias LGBT127 que lá frequentam e outra significação para coletivos como
Arouchianos128. E possui ainda uma terceira significação para instituições como
o Museu da Diversidade Sexual, que tem sua sede próxima ao local.
Mas como lidar com todas essas narrativas em um único instrumento? É possível
equalizar essas narrativas ou quais delas devem ser consideradas nesse
inventário? Essa discussão é melhor elaborada no tópico abaixo.

3.7.2. Equalização de narrativas


A principal questão do inventário participativo, no âmbito da presente pesquisa,
foi a equalização de narrativas. Afinal, mesmo se tratando de uma
comunidade/população com marcadores similares, as pessoas são distintas, têm
experiências subjetivas, presenciaram ocorrências diversas. Quais delas
deveriam ser relevadas ou adotadas como narrativa oficial desse inventário?
Durante as entrevistas, uma gama de lugares em comum foi citada por diferentes
entrevistados e entrevistadas. Algumas vezes esses locais possuem significados
semelhantes e ora possuíam significados distintos ou complementares.
Como em todo processo, se prezou pela participação, a conclusão possível no
contexto de um inventário participativo é que as narrativas não poderiam e não
deveriam ser equalizadas, visto que essa equalização sufocaria as formas de
existência e percepção de sujeitos distintos dessa população.
Assim, retoma-se a questão do papel do entrevistador e/ou agente do patrimônio,
que é mediador desse processo. A ele não cabe a decisão sobre qual narrativa
será relevada, cabe a ele a mediação do processo com as comunidades. A
decisão sobre como esse local é descrito e/ou rememorado é da própria

127
As famílias LGBT são famílias não sanguíneas, que se estruturam a partir do encontro de
pessoas LGBT para uma proteção mútua na noite. Uma das famílias LGBT de São Paulo,
frequentadoras do Largo do Arouche é a Família Stronger, que pode ser melhor refletida a partir
do artigo de opinião de um dos seus formadores, Elvis Stronger. - JUSTINO, ELVIS. Família
LGBT, São Paulo: Blog da Família Stronger, 2017, Disponível em
<www.familiastronger.com/familia-lgbt/>, Acesso em 03 de Ago. de 2022
128
Arouchianos é um coletivo formado por pessoas frequentadoras do Largo do Arouche, uma
de suas principais reivindicações atuais é a patrimonialização do Largo do Arouche como um
patrimônio da população LGBT.
82
população, assim as narrativas não devem ser equalizadas e se forem, serão
pelo próprio consenso dessa população.
Assim, buscou-se uma alternativa em que todas as narrativas dos entrevistados
fossem contempladas. Por isso, ao visualizar o inventário, o leitor e a leitora irão
notar a presença de lugares como as boates Nostro Mondo e Medieval, em
algumas alíneas, mas com descrições distintas e/ou complementares.
Caso seja criada uma base de dados no futuro para esse inventário, todas as
narrativas oriundas de determinada entrevista estarão expressas na ficha de
determinado local. Por isso, o código do entrevistado é um campo fundamental
para salientar que aquela narrativa diz respeito àquele sujeito e àquela
entrevista.

3.7.3. Dilemas das entrevistas


Quando se utiliza da história oral como metodologia, o processo da entrevista é
planejado desde seu recorte, concepção e elaboração do roteiro à execução.
Todavia, na maior parte dos casos esse planejamento precisa contar com um
certo dinamismo do entrevistador, para que a entrevista não tome novos rumos.
Nesta pesquisa não foi diferente. Embora o roteiro tenha sido previamente
elaborado focando na perspectiva de história oral temática, focando os lugares
de sociabilidade que o entrevistado circulou e/ou presenciou, nem sempre a
execução da entrevista correu conforme planejado. Algumas questões não foram
plenamente sanadas, ou tomaram outro rumo durante a execução. Assim, cabia
ao entrevistador reorientar o entrevistado (a) para as questões perguntadas.
Neste sentido, embora se planeje um roteiro bem estruturado e com perguntas
claras, como é recomendado, dificilmente a entrevista segue um ritmo mecânico,
em que o entrevistador pergunta e o entrevistado responde. Pelo contrário, as
entrevistas por vezes são marcadas por interrupções e perguntas são desviadas,
fazendo com que o entrevistador precise improvisar uma pergunta no ato da
entrevista, para retomar à questão desviada.
Logo, todo projeto que utiliza as metodologias da história oral pede que o
pesquisador compreenda e consiga se adaptar a esse dinamismo para fazer com
que a entrevista flua e para que o entrevistado ou entrevistada não desanime de
83
falar. Essa flexibilidade é necessária para quem irá trabalhar com essa
metodologia para construir um inventário participativo.
No caso desta pesquisa, em específico, a maior parte dos (as) entrevistados
(as), inicialmente pareciam compreender o propósito da entrevista e o seu foco
na questão dos Lugares de Memória. Todavia, cabe apontar que temáticas como
memória, lugares de memória, patrimônio são questões muito presentes aos
estudiosos e técnicos da museologia, mas muito distantes da maior parte da
população.
Assim, questões como patrimônio, em algumas entrevistas tiveram diversas
interpretações e sugestões. Como o caso, por exemplo, da entrevista com a
paisagista Fátima Tassinari, que não focou necessariamente nos lugares de
memória lésbica, mas trouxe um vasto repertório para um inventário participativo
da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.
Nesse sentido, a questão dos Lugares de Memória era sempre extrapolada na
entrevista e acabava ganhando conteúdo para uma história oral de vida. Tal fato
leva à compreensão de pensar que essa história oral temática (dos lugares de
memória LGBT) é também a história oral de vida desses (as) entrevistados (as),
visto que esse componente fez parte da trajetória dos (as) entrevistados (as).
Os entrevistados e entrevistadas, em parte das vezes, traziam a entrevista para
o seu universo pessoal, abordando diversas experiências, como vivências
religiosas, amores, perseguições, relações familiares etc.
Embora o entrevistador sempre buscasse retomar o foco da entrevista, por vezes
não houve êxito. Percebeu-se assim, que esse processo não necessariamente
depende do empenho do entrevistador e sim da compreensão dele sobre o que
o entrevistado julga importante de ser falado.
Essa compreensão foi necessária para deixar que os entrevistados e
entrevistadas pudessem se expressar e falar o que julgavam importante de ser
falado. Assim, as entrevistas realizadas, que hoje podem ser utilizadas como
fontes de pesquisas para outros pesquisadores e pesquisadoras, são
representativas de assuntos diversos, como: trajetórias migratórias, vivências
religiosas, organização em ativismos, laços afetivos e amorosos e etc. Dar
espaço a essas digressões e possíveis desvios do foco da entrevista foi
84
fundamental, pois foram tais desvios que permitiram qualificar alguns dos
lugares de memória mapeados.
A partir disso, foi possível, por exemplo, compreender todo o processo de
formação da Igreja ICM Séforas, pela entrevistada Jaqueline Channel. O que,
dentro da lógica de pensamento da entrevistada, fazia sentido ser apresentado
como uma história oral de vida e não como uma entrevista de história oral
temática, como planejado. Assim, as perguntas foram desviadas, mas ao final os
lugares de memória foram qualificados a partir da história de vida da ativista e
líder religiosa.
Cabe mencionar que, por conta de um entendimento mais aberto sobre os
lugares de memória, foram apresentadas na entrevista uma série de
manifestações e eventos. A qual foi arrolada em um anexo do inventário, visto
que as informações são de extrema pertinência, para compreender como
exposições, atos de rua, festas de rua foram acessadas e hoje são consideradas
como referenciais culturais dessa população.

3.8. O INVENTÁRIO PARTICIPATIVO

Como apontado no capítulo de introdução, este trabalho possui uma natureza


teórica e prática e experimental. Este capítulo se dedica à apresentação da parte
prática e experimental do inventário, que consiste na disposição da listagem
consolidada pela presente pesquisa e das entrevistas em anexo.

Vale ressaltar que o mote central do inventário referia-se aos lugares de memória
da população LGBT da cidade de São Paulo, contudo como mencionado acima,
durante as entrevistas era habitual que alguns entrevistados mencionassem
eventos e manifestações dessa população.

De forma a não perder essas informações, optou-se por criar um anexo desse
mesmo inventário - mais reduzido, em termos de dados. Mas com informações
importantes referentes às manifestações e eventos de uma época, que dialogam
com a planilha central e que podem inspirar um segundo projeto de pesquisa.
85
Auxiliaram a subsidiar a pesquisa para esse inventário trabalhos e projetos
realizados, como no Laboratório - Outros Urbanismos, da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenado pelo professor Dr. Renato
Cymbalista129. A fim de complementar as pesquisas dos lugares que eram
citados, mas não aprofundados em entrevistas. Da mesma forma, artigos como:
Do footing aos afters: vem com a gente fazer uma viagem pela noite gay de São
Paulo nos últimos 100 anos, escrito pelo cineasta Lufe Steffen no Uol 130, assim
como seu filme - São Paulo em Hi-Fi, foram fundamentais para essa pesquisa.
Acredita-se que sem esses esforços prévios o inventário teria informações muito
mais reduzidas do que possui.

Assim, em anexo o (a) leitor(a) poderá verificar os locais mencionados, como os


(as) entrevistados(as) os descreveram e se inteirar dos espaços, que hoje são
memória. Mas que existiram e foram fundamentais para a socialização e
encontros de pessoas LGBT no passado.

Referências Bibliográficas

BRUNO, Maria Cristina Oliveira e ARAÚJO, Marcelo Mattos e COUTINHO, Maria


Inês Lopes. Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma
trajetória profissional. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo. 2010
Contrera, Wildney Feres. GAPAS: uma resposta comunitária à epidemia da
AIDS no Brasil, Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde,
2000.

129
OUTROS - Laboratório para Outros Urbanismos, LUGARES DE MEMÓRIA LGBT+ NA
CIDADE DE SÃO PAULO, São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Disponível em <outrosurbanismos.fau.usp.br/lugares-memoria-lgbt-sao-paulo/> Acesso em 20
de Ago. de 2022
130
STEFFEN, Lufe, Do footing aos afters: vem com a gente fazer uma viagem pela noite
gay de São Paulo nos últimos 100 anos, São Paulo: Uol, 2017. Disponível em
<https://musicnonstop.uol.com.br/uma-viagem-pela-cena-noturna-lgbt-de-sao-paulo-nos-
ultimos-100-anos/> Acesso em 22 de Ago. de 2022
86
Escola Nacional de Administração Pública: Documentação Museológica
[online]. Disponível na Internet via correio eletrônico
<https://www.escolavirtual.gov.br/curso/266>. 2020
Escola Nacional de Administração Pública: Inventário Participativo [online].
Disponível na Internet via correio eletrônico <
https://sabermuseu.museus.gov.br/inventario-participativo/>. 2021
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Brasil). Educação
Patrimonial : inventários participativos : manual de aplicação / Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ; texto, Sônia Regina Rampim Florêncio
et al. – Brasília-DF, 2016. 134

OUTROS - Laboratório para Outros Urbanismos, LUGARES DE MEMÓRIA


LGBT+ NA CIDADE DE SÃO PAULO, São Paulo: Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP. Disponível em <outrosurbanismos.fau.usp.br/lugares-
memoria-lgbt-sao-paulo/> Acesso em 20 de Ago. de 2022

Padilha, Renata Cardozo, Documentação Museológica e Gestão de Acervo,


Florianópolis: FCC, 2- Music non Stop, 2017. Disponível em
<https://musicnonstop.uol.com.br/uma-viagem-pela-cena-noturna-lgbt-de-sao-
paulo-nos-ultimos-100-anos/>

STEFFEN, Lufe, Do footing aos afters: vem com a gente fazer uma viagem
pela noite gay de São Paulo nos últimos 100 anos, São Paulo: Uol, 2017.
Disponível em <https://musicnonstop.uol.com.br/uma-viagem-pela-cena-
noturna-lgbt-de-sao-paulo-nos-ultimos-100-anos/> Acesso em 22 de Ago. de
2022
87
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo refere-se às considerações finais e é construído em dois eixos,


sendo um referente às considerações finais do inventário participativo e o outro,
bem breve, referente às considerações finais do processo. Trata-se de
considerações finais e não conclusões, pois entende-se que esse trabalho é
sempre inconcluso, porque é sempre processo. Ainda que finais, muitas
questões podem ser continuadas a partir do que esse trabalho oferece.

4.1. Considerações finais do inventário participativo

Após a sistematização do inventário apresentado em anexo, é fundamental fazer


algumas considerações, que podem subsidiar novas pesquisas na área.
Considerações essas que serão abordadas em uma perspectiva demográfica,
histórica, econômica e social.

Em termos do inventário participativo, ressalta-se que ele sempre será um


trabalho inconcluso. Um inventário participativo dessa natureza será sempre um
processo e não um fim em si.

Considerando que a amostra realizada com 06 entrevistados e entrevistadas


está muito aquém de representar toda a população LGBT e não seria possível
representá-la como um todo, visto que muitas pessoas já são falecidas e,
portanto, suas memórias dos lugares talvez nunca cheguem a ser representadas
em um inventário. Assim, é importante apontar que este é um trabalho iniciado
que reflete uma amostra e não um todo. Podendo ser continuado, por agentes
ou instituições a fim de ter um mapeamento cada vez mais próximo do real.

Em termos de produtos e subsídios, esse inventário poderá ser utilizado para


subsidiar roteiros de memória, instalação de placas de memória, processos de
tombamento nas três esferas (municipal, estadual e federal) e pesquisas em
diversas áreas. Claro, a importância desse inventário se dará sempre a partir de
sua continuidade a fim de trazer mais referências e informações.
88
Em relação aos dados sistematizados no inventário. A conclusão de que a maior
parte dos lugares LGBT da cidade de São Paulo se concentra no centro da
cidade e suas imediações talvez seja uma das mais esperadas e óbvias e não
seria necessário um inventário como este para fazer essas aferições. Contudo
essa superfície truísta é permeada por questões estruturais e importantes de
serem debatidas.

Abaixo se dispõe um gráfico que revela a percentagem da concentração de


lugares de memória no centro da cidade, em relação às demais regiões.

Ressalta-se que não foram registrados no âmbito dessa pesquisa espaços nas
zonas leste e norte da cidade. O que pode indicar uma hipótese, de que, em
diversas épocas, as populações dessas regiões teriam que migrar para o centro,
zona sul e zona oeste da cidade a fim de poder desfrutar de uma sociabilidade
com seus pares e/ou de que essa pesquisa não conseguiu alcançar
entrevistados (as) que indicassem lugares de memória nessas regiões.

Entre as questões estruturais por baixo desses dados, cabe a discussão em


relação dos deslocamentos dessa população dos bairros mais afastados para o
89
centro da cidade e o estabelecimento de cartografias dentro do próprio centro da
cidade. Assim, instrumentos como esse inventário, se bem explorados, podem
ser utilizados para mapear as circulações e roteiros que essa população
realizava.

Embora concentrados no centro da cidade, é perceptível pelo inventário verificar


os bairros onde esses lugares foram concentrados. Assim, dentro do próprio
centro da cidade, existe uma subdivisão por bairros que é importante de ser feita,
no sentido de medir as concentrações nesta região. Abaixo segue um gráfico
apontando os bairros do centro de São Paulo que possuíam e possuem maior
concentração de lugares de sociabilidade LGBT, de acordo com os dados
coletados durante a presente pesquisa.

É visível a percentagem de maior concentração de lugares de memória LGBT no


bairro da República em relação aos demais bairros do centro da cidade. E
embora, dentro de uma divisão geográfica atual, lugares localizados no bairro
Vila Buarque, por exemplo, estão muito próximos dos lugares de memória do
bairro da República. O que corrobora com defesas de que a República seria o
bairro LGBT da cidade de São Paulo, assim como o Soho é na cidade de Nova
90
Iorque, o Castro é na cidade de São Francisco e o Schöneberg na cidade de
Berlim.

Outro ponto fundamental de se problematizar é a discrepância da quantidade de


lugares de memória de homens gays, em relação às mulheres lésbicas e
mulheres transexuais e travestis. Ressalta-se que esse trabalho buscou um
número paritário de entrevistas, de forma a equalizar esses dados, contudo este
é um fato que não depende da paridade dos (as) entrevistados e sim da oferta
de lugares na cidade a cada uma desses públicos. Abaixo dispõe-se um gráfico
que revela as discrepâncias dessas concentrações.

É nítido que a concentração de 55,8% dos lugares de memória de gays


arrolados, que é também apenas uma amostra dos dados reais, revelam a
discrepância em relação a concentração de lugares de memória de lésbicas,
16,8% e de transexuais e travestis, 27,4%. Isso indica algumas hipóteses,
estruturais, como por exemplo, como os homens, mesmo sendo eles gays,
conseguem se apropriar mais dos espaços públicos em relação às mulheres e
como os gays, foram melhor entendidos e anexados ao mercado, em relação às
demais identidades sexuais.
91
O inventário, possibilitou também a apreensão de dados geracionais, como por
exemplo, a concentração de lugares de memória LGBT por década na cidade de
São Paulo. Assim, o gráfico abaixo reflete a distribuição dos lugares
rememorados por período.

Aparentemente parece haver uma maior concentração de lugares na década de


1990, totalizando em 45 lugares de memória, o que de fato acontece. Contudo,
o gráfico em questão, indica também a permanência de lugares no tempo. Cabe
salientar que diversos espaços atravessaram décadas, como é o caso do Largo
do Arouche, que segue sendo um espaço de sociabilidade dessa população até
os dias atuais.

Assim, lugares como Largo do Arouche se fazem presentes em todas as


décadas apontadas neste gráfico. Assim, como casas noturnas como a Nostro
Mondo que estiveram operando da década de 1970 a 2010, corroborando assim
com as máximas da década de 1990.
92
Logo, esse gráfico não reflete apenas lugares que abriram e fecharam em cada
uma das décadas (representadas por essas barras), mas sim, a atividade de
lugares de memória no decorrer deste intervalo de 1960 a 2020.

Para finalizar o subcapítulo, se propõe abaixo algumas aferições em tópicos,


com base nos dados inventariados, que podem servir como hipóteses e
subsídios para pesquisas futuras:

● A concentração quase que hegemônica de espaços de sociabilidade


LGBT nas imediações da Praça da República e Largo do Arouche,
durante a década de 1960 e início de 1970.
● A descentralização do entorno da Galeria Metrópole, que ocorre durante
a década de 1970, gerando, assim, dois pólos centrais de sociabilidade:
o primeiro, a Av. Vieira de Carvalho e Rua Marquês de Itu, e um segundo
com Rua Augusta e Rua da Consolação.
● A pulverização desses espaços na década de 1980, como uma tentativa
de construir pólos de sociabilidade na região do Ibirapuera, que irá
perdurar até a década seguinte de 1990.
● A concentração de espaços na década de 1990 na região do Jardins, com
diversas boates como: SoGo, Rave, Massivo, Paparazzi, Allegro,
Director's Gourmet, todas com adesão forte de pessoas identificadas
como Clubbers. E principalmente, a inexistência dessas casas noturnas e
bares na década seguinte, de 2000, que representam uma política de
gentrificação na região devido à especulação imobiliária, o que pode ser
uma das razões para a extinção de muitos lugares no entorno.
● A aparição de eventos e instituições durante o dia na virada da década de
1990 para a década de 2000, corroborando com a entrevista de Franco
Reinaudo. Uma apropriação dessa população do dia, que não
necessariamente representa um esvaziamento da noite.
● Uma descentralização geográfica das Saunas e até uma preferência por
regiões um pouco mais afastadas do centro da cidade, como é o caso da
Le Rouge 80 e Termas Fragata em Pinheiros, Thermas For Friends na
93
Vila Mariana e Thermas Lagoa na Vila Clementino. Bem com a
longevidade dessas empresas em relação aos bares e casas noturnas.
● A discrepância entre lugares de sociabilidade destinados aos homens
gays, em relação aos lugares de sociabilidade destinados às mulheres
lésbicas. Deixando evidente que a apropriação pelo espaço público de
homens gays e mulheres lésbicas não é simétrica, assim como a oferta
de produtos e serviços também não é.
● A presença de lugares, que incluíam não só pessoas LGBT, mas como
tribos de música punk e gótica, descentralizada do perímetro Largo do
Arouche - República e Consolação - Augusta, como o Madame Satã na
Bela Vista.
● A falta de concentração de espaços para transexuais, mas o
compartilhamento de alguns espaços entre transexuais e gays na década
de 1970, que não necessariamente se repete nas décadas posteriores.
Como é o caso da ocupação de casas noturnas como o Medieval, Nostro
Mondo e a Galeria Metrópole, que apontam para pesquisas em relação à
segmentação da população LGBT.
● Os pontos de prostituição, como lugares de sociabilidade e construção de
uma identidade para pessoas transexuais e travestis.

Acredita-se que essas tenham sido as principais aferições feitas a partir do


inventário. No subcapítulo seguinte, faremos as conclusões de todo o processo
dessa pesquisa.

4.2. Considerações finais do processo

Em termos de todo o processo realizado, acredita-se que a principal riqueza


deste modelo de inventário foi a aproximação com a população LGBT e sua
participação ativa na construção desse processo museológico, que visa a
preservação de suas memórias e bens culturais.
94
Essa aproximação é de grande importância, visto que além de manter as
memórias registradas, por meio da sua captação em áudio ou áudio e vídeo se
documenta esse registro, por meio da transcrição e disposição dos dados no
inventário. De forma a contribuir para o acesso a essas informações e garantir
que essas memórias não sejam esquecidas e, reafirmar que as memórias
desses sujeitos possuem valor para próximas gerações.

Esse envolvimento representa uma troca orgânica entre os diversos agentes da


museologia - técnicos, instituições e sociedade civil. Que é extremamente
benéfico no sentido de aproximar esses agentes e mostrar que processos
museológicos podem ser construídos de forma horizontal, ética e com
valorização dos saberes e informações das comunidades. Dando os devidos
créditos e reorientando as tomadas de decisão, a quem de fato deve decidir
neste caso - a população/comunidade.

Acredita-se que é esse o principal objetivo deste modelo de inventário, e não


apenas os resultados dos lugares sistematizados, mas sim a troca entre agentes.
Troca essa que requalifica o fazer museológico e, poderá tornar no futuro os
processos museológicos e instituições museais mais democráticas e
representativas de populações historicamente excluídas das instituições
museais, como a população LGBT.

O inventário participativo como um todo é um processo que reflete a retomada


das decisões sobre a gestão dos bens culturais, processo esse que com toda
certeza, requalifacará a gestão dos bens culturais musealizados.

Referências bibliográficas
ASSMANN, Aleida. Introdução. In Espaços de recordação. Formas e
transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. p.
15-27.
BOITA, Tony William. Cartografia etnográfica de memórias desobedientes,
2018. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal de
95
Goiás, Goiás, 2019. Disponível em
<https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/9364>

BORGES, Viviane Trindade e SCHAEFER, Murilo Maluche, “Mais Um


Problema Social A Ser Resolvido Pela Medicina”: A Homossexualidade Sob
A Ótica De Leonídio Ribeiro (1935), Florianópolis: UDESC. Disponível em:
<www1.udesc.br/arquivos/id_submenu/2561/3.pdf>, Acesso em 05 de Jul. de
2022

BORTOLOZZI, Remom Matheus, Tratado médico de 1906 -


"Homossexualismo: A libertinagem no Rio de Janeiro", São Paulo: Acervo
Bajubá. Disponível em: <https://acervobajuba.com.br/mais-de-um-seculo-de-
cura-homossexual-no-brasil/>, Acesso em 05 de Jul. de 2022

BORTOLOZZI, Remom Matheus. Entre trapos e colchas: vestígios da


memória LGBT sobre as primeiras respostas paulistanas à epidemia de
HIV/Aids. Tese (Doutorado em Medicina) - Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em
<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-28092021-
112410/publico/RemomMatheusBortolozzi.pdf>

BOURDIEU, Pierre, A Dominaçao


̃ Masculina, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand
Brasil, 2003

BRULON, Bruno. A invenção do ecomuseu: O caso do écomusée du creusot


montceau-les-mines e a prática da museologia experimental. Mana: Estudos
de Antropologia Social, v. 21, n. 2, p. 267–295, 2015.
BRUNO, Maria Cristina Oliveira e ARAÚJO, Marcelo Mattos e COUTINHO, Maria
Inês Lopes. Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma
trajetória profissional. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo. 2010
BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Definição de Cultura – os caminhos do
enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. In:
BITTENCOURT, José Neves (org.) JULIÃO, Letícia (coord.). Cadernos de
Diretrizes Museológicas 2: mediação em museus: curadorias, exposições, ação
96
educativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais,
Superintendência de Museus, p.14 - 23, 2008.
BULHÕES , M. A. Museus de arte, das práticas coloniais aos desafios da
virada digital . MODOS: Revista de História da Arte, Campinas, SP, v. 6, n. 2,
p. 179-200, mai.2022. DOI: 10.20396/modos.v6i2.8668410. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/mod/article/ view/8668410.
CAMARGO, Aspásia, Como a História Oral chegou ao Brasil, Entrevistada
por: D'ARAUJO, Maria Celina. HISTÓRIA ORAL, 2, Rio de Janeiro, 1999, p. 167-
79
CHAGAS, Mário, Memória Social em Fragmentos: o Poder das
Encruzilhadas e a Museologia em Ação in: Cadernos do SESC Cidadania, Ano
10, N 15, São Paulo: SESC, 2019, pp. 36 - 40
_________________, A Escola de Samba como Lição de Processo Museal,
Caderno Virtual de Turismo, Vol. 2, N 2 (2002), Rio de Janeiro: Instituto Virtual
de Turismo, 2002, pp. 15 - 18
Escola Nacional de Administração Pública: Documentação Museológica
[online]. Disponível na Internet via correio eletrônico
<https://www.escolavirtual.gov.br/curso/266>. 2020
Escola Nacional de Administração Pública: Inventário Participativo [online].
Disponível na Internet via correio eletrônico <
https://sabermuseu.museus.gov.br/inventario-participativo/>. 2021
INSAUSTI, Santiago Joaquin, “Una historia del Frente de Liberación
Homosexual y la izquierda en Argentina”, Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 27, n. 2, e554280, 2019
FACCHINI, Regina e SIMÕES. Júlio Assis, Na trilha do arco-íris: do
movimento homossexual ao LGBT, São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2009
FOUCAULT, Michel, História da sexualidade I: a vontade de saber, Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2017

_______________, História da sexualidade III: o cuidado de si, Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 2005
97
________________, Sobre a história da sexualidade in: Microfísica do
poder, 4a ed, Rio de Janeiro: Graal, 1984

̃ ; traduç ão de Raquel


________________, Vigiar e punir: nascimento da prisao
Ramalhete, Petrópolis, Vozes, 1987.

FRY, Peter e MACRAE, Edward, O que é Homossexualidade, São Paulo:


Editora Brasiliense, 1985

GIORDANI, Gianna. 26 Museus de Favela e Projetos de Memória São


Destacados em Novo Guia, Portal RioOnWatch: Rio de Janeiro, 12 de dez. de
200, Acessado no dia 15 de maio de 2022, disponível em
<https://rioonwatch.org.br/?p=52171>
GREEN, James N, Além do carnaval: a homossexualidade masculina no
Brasil do século XX, 2a ed, São Paulo: Editora Unesp, 2019, pp. 31 – 61; pp.
339 – 401.
GREEN, James N & QUINALHA, Renan (Orgs.), Ditadura e
homossexualidades: repressão, resistência e a busca pela verdade, São
Carlos: EdUFSCar, 2014.

GUIMARÃ ES, Carmen Dora, O homossexual visto por entendidos, Rio de


Janeiro, Garamond, 2004.

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Brasil). Educação


Patrimonial : inventários participativos : manual de aplicação / Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ; texto, Sônia Regina Rampim Florêncio
et al. – Brasília-DF, 2016. 134

MATOS, J. S. e SENNA, A. K. de. História oral como fonte: problemas e


métodos. Historiæ, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 95 – 108, 2011. Disponível em:
https://periodicos.furg.br/hist/article/view/2395. Acesso em: 26 mar. 2022.

MATTOS, Yara. Ecomuseu, Desenvolvimento Social e Turismo, Ouro Preto,


2006.
98
MEIHY, José Carlos Sebe Bom, “A memória é a matéria essencial das
entrevistas”: Entrevista com José Carlos Sebe Bom Meihy, Entrevistadora:
Agnes Francine de Carvalho Mariano, Revista do Programa de Pós-graduaç ão
em Comunicação Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, v. 14, n.
3, p. 213-226, set/dez. 2020
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Edições
Loyola, 1996

MOTT, Luiz. Bahia:inquisição e sociedade [online]. Salvador: EDUFBA, 2010.


294p.

NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares de


memória. Projeto História. PUC SP, v. 10, 1993.

PADILHA, Renata Cardozo, Documentação Museológica e Gestão de


Acervo, Florianópolis: FCC, 2014, pp. 18

PERLONGHER, Néstor, O negócio do michê — A prostituição viril em São


Paulo, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio


de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989. (online)
Pires, Marília Freitas de Campos, O materialismo histórico-dialético e a
Educação. Interface - Comunicação, Saúde, Educação [online]. 1997, v. 1, n. 1
[Acessado 14 Maio 2022], pp. 83-94. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S1414-32831997000200006>

QUINALHA, Renan Honório, Contra a moral e os bons costumes: a política


sexual da ditadura brasileira (1964-1988), 2017, Tese (Doutorado em
Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2017.
RICOEUR, Paul, Tempo e Narrativa - Tomo I, trad. Constança Marcondes
Cesar, Campinas: Papirus, 1994
99
RODRIGUES, Rita de Cássia Colaço, De Daniele a Chrysóstomo: quando
travestis, bonecas e homossexuais entram em cena, 2013, 371 f. Tese
(Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal
Fluminense Niterói, 2013. Disponível em:
<http://www.historia.uff.br/stricto/td/1437.pdf>.
RUBIN. Gayle, Tráfico de mulheres: notas sobre a "economia política" do
sexo, Recife: S.O.S Corpo, 1995.

SCOTT, J, Gênero: uma categoria útil de análise histórica., Educação &amp;


Realidade, [S. l.], v. 20, n. 2, 2017, Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso
em: 26 mar. 2022.

SEDGWICK, Eve Kosofsky, A epistemologia do armário (trad) in: cadernos


pagu (28), janeiro-junho de 2007, 19-54, Campinas, 2007

SILVA, Claudio Roberto da, Reinventando o Sonho: História Oral de Vida


Política e Homossexualidade no Brasil Contemporâneo, [dissertação em
História] – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanadas da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998, 674p.

VARINE, Hugues de. As Raízes do Futuro: o patrimônio a serviço do


desenvolvimento local. Porto Alegre: Medianiz, 2013, pp. 15 - 82

SANTOS, Boaventura de Sousa, A desmonumentalização do conhecimento


escrito e arquivístico in: O Fim do Império Cognitivo, Belo Horizonte: Autêntica,
2019, pp. 263 - 291
SANTOS, Suzy. Ecomuseus e Museus Comunitários no Brasil: estudo
exploratório de possibilidades museológicas. 2017. Dissertação (Mestrado
em Museologia) - Museologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. doi:
10.11606/D.103.2017.tde-13122017-091321. Acesso em: 2022-09-03.
100
TEDESCHI, Losandro Antonio, Os lugares da História Oral e da Memória nos
Estudos de Gênero, OPSIS, Catalão, v. 15, n. 2, p. 330-343, 2015

TEIXEIRA, GISELE. Espaços de memória em São Paulo, Buenos Aires,


Lima, Santiago e Montevidéu ajudam a iluminar a história recente da
América Latina, Revista Trip: São Paulo, 20 de jun. de 2016. Acessado em 16
de maio de 2022, disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/trip/turismo-de-
memoria-museus-e-espacos-para-relembrar-a-historia-na-america-latina>
TREVISAN, João Silvério, Devassos no Paraíso, 4a ed, São Paulo: Objetiva,
2018
101
ANEXOS

ANEXO 1 - Inventário Participativo

Inventário Participativo - Lugares de Memória LGBT


Descrição básica Indexadores de pesquisa Fonte
Códigos Endereço

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Casa noturna, constantemente
Caputo: depoimento [03 de dez.
lembrada por ser um dos primeiros
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- bares feitos para ir a dois. Lugar que São
Bar para namoros (denominação Rua Rego Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
1 LM- 1970 266 West permitia entrada e flerte de República Paulo
dada pelo entrevistado) Freitas de vídeo Entrevista concedida ao
0002 homossexuais, mas não se (SP)
projeto do Inventário Participativo
denominava como uma casa
dos Lugares de Memória LGBT da
destinada ao segmento.
cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Ficou conhecida por ser frequentada Caputo: depoimento [03 de dez.
pelo pessoal que curte drogas. Isso 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- R. Frei São
1990 - não era tão comum em tempos mais Drogas (local marcado por jovens que Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
2 LM- A Lôca Caneca, Consolação Paulo
2010 remotos. Atualmente a casa reabriu, utilizavam drogas ilícitas) de vídeo Entrevista concedida ao
0002 916 (SP)
mas com outra proposta e outros projeto do Inventário Participativo
donos. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
102

VARGAS, Lili. Lili Vargas:


Casa noturna localizada na Rua
depoimento [ago. 2018.
Marquês de Itu, exatamente onde era
INV- Homo Sapiens (casa noturna que R. São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1990 - localizada a casa noturna Homo Vila
LM- antecedeu o ABC Bailão); Leão Lobo Marquês Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Atual Sapiens. É marcada pela circulação Buarque
0001 (proprietário da Homo Sapiens) de Itu, 182 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
de homens gays com idade superior
Entrevista concedida ao Projeto
aos 50 anos.
Memórias da Diversidade Sexual
ABC
3
Bailão
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Acabou sendo marcado por Boates antigas (casa com o mesmo R. São
1990 - Vila Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- frequência das gays idosas e mantém perfil de boates como a Homo Marquês Paulo
Atual Buarque de vídeo Entrevista concedida ao
0002 muito de “jeitão” das boates antigas. Sapiens, Nostro Mondo e etc) de Itu, 182 (SP)
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Bar localizado na região do Jardins,
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- em conjunto com o Director's São
Jardim Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
4 LM- 1980 Allegro Gourmet, Hertz e outros bares, Paulo
Paulista de vídeo Entrevista concedida ao
0005 conformaram um quarteirão LGBT na (SP)
projeto do Inventário Participativo
região.
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
103
Nelson Mathias (vice presidente),
Beto Cavalcanti (presidente), André TASSINARI, Fátima. Fátima
Fischer (conselheiro), Franco Tassinari: depoimento 07 de abr.
Associaçã Associação constituída para a
Reinaudo (conselheiro), Renato 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- o da realização da Parada do Orgulho São
1990 - Baldin (conselheiro); Exposição Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
5 LM- Parada do LGBT de São Paulo. Alguns de seus República Paulo
Atual (Exposição de fotos da Parada do de vídeo Entrevista concedida ao
0004 Orgulho membros conduzem a manifestação (SP)
Orgulho); Adriana Arco-íris (membro projeto do Inventário Participativo
GLBT de 1997 até os dias atuais
da associação, produziu a primeira dos Lugares de Memória LGBT da
bandeira a ser exibida na Parada do cidade de São Paulo
Orgulho)
Footing (passeio a pé, com
Complexo de ruas que formavam um perspectiva de encontrar pessoas VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Rua 24 de
autorama no entorno da Galeria para encontros amorosos e sexuais); depoimento [ago. 2018.
Maio,
INV- Autorama Metrópole, era marcada por gays que Cruising (prática de encontrar alguém São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1960- Barão de
6 LM- da Galeria ficavam na rua se entrosando entre si para realizar o ato sexual com República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
1970 Itapetining
0001 Metrópole e que passavam com seus veículos, facilidade); Franchona (denominação (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
a e 7 de
com o objetivo de se entrosar dada a homens gays mais velhos, Entrevista concedida ao Projeto
Abril,
emocional e sexualmente. que buscavam outros gays jovens Memórias da Diversidade Sexual
para encontros afetivos e sexuais)
REINAUDO, Franco. Franco
O estacionamento do parque Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Ibirapuera foi marcado como ponto de 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Autorama São
1980 - sociabilidade gay desde a década de Parque Ibirapuera (parque da cidade Parque Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
7 LM- do Ibirapuera Paulo
Atual 1980. O Autorama foi fechado que congrega o autorama) Ibirapuera de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Ibirapuera (SP)
durante a década de 2000 e reaberto projeto do Inventário Participativo
recentemente. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
104
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Entorno do parque Trianon, onde 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Autorama São
1960 - homens mais velhos circulavam de Parque Trianon (Parque nas Cerqueira Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
8 LM- do Parque Paulo
1980 carro em busca de relações sexuais e imediações da Av. Paulista) César de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Trianon (SP)
afetivas com homens mais novos. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
Channel: depoimento 09 de dez.
Era a referência dos homens que 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Av. São
Av. Amaral gostavam de transexuais e que Cafetinagem (prática usual do Vila Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
9 LM- ¿1990¿ Amaral Paulo
Gurgel ficavam ali, vendo elas passarem na espaço) Buarque de vídeo Entrevista concedida ao
0003 Gurgel (SP)
Av. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
Av. que liga a Praça da República ao Footing (passeio a pé, com
Largo do Arouche e de frequência perspectiva de encontrar pessoas VARGAS, Lili. Lili Vargas:
majoritariamente homossexual desde para encontros amorosos e sexuais); depoimento [ago. 2018.
INV- Av. Vieira a década de 1970. Na Av. foram Bar Di Você (Bar localizado na região Av. Vieira São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1960 -
10 LM- de abertos e fechados diversos bares, durante a década de 1970); Bares de República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Atual
0001 Carvalho alguns estão em funcionamento até (comércios do local que atraiam gays Carvalho (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
os dias atuais. e lésbicas); Cris Negrão (famosa Entrevista concedida ao Projeto
travesti e uma das últimas cafetinas Memórias da Diversidade Sexual
da Boca do Lixo)
105
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Av. Vieira São
Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- de República Paulo
de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Carvalho (SP)
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Vitrola Mágica (Jukebox); Bolachão
Bar localizado na Av. Vieira de depoimento [ago. 2018.
(nome dado as fichas usadas no
INV- Carvalho, frequentado por gays, Av. Vieira São Entrevistador: Leonardo Arouca .
Bar Di Jukebox); Batidas Policiais (bar era
11 LM- 1970 lésbicas e travestis durante a década de República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Você alvo de batidas policiais, que
0001 de 1970 e após a dispersão da Carvalho (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
culminaram em cárcere de travestis
Galeria Metrópole. Entrevista concedida ao Projeto
na época)
Memórias da Diversidade Sexual
VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Bar utilizado como ponto de encontro Cruzamen depoimento [ago. 2018.
INV- de Gays e Lésbicas entre as décadas to da Av. São Entrevistador: Leonardo Arouca.
1960 - Bar do
12 LM- de 1960 e 1970. Configurava um Bar do Jeca (Atual bar Brahma) São João República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
1970 Jeca
0001 circuito Bar do Jeca e Galeria com a Av. (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
Metrópole. Ipiranga Entrevista concedida ao Projeto
Memórias da Diversidade Sexual
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
INV- Acho um local importante para Shows de Travestis (shows R. Brg. São 2021. Entrevistador: Leonardo
1990 - Blue Barra
13 LM- conservar atualmente os shows de realizados na casa); Victor Blue Galvão, Paulo Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
Atual Space Funda
0002 travestis, drags e transformistas. (proprietário da Blue Space) 723 (SP) de vídeo Entrevista concedida ao
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
106
cidade de São Paulo

Boate localizada na Rua Santo CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline


Antônio, frequentada por gays, Channel: depoimento 09 de dez.
Sky transexuais e lésbicas. Chegou a 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
Perepepês estar no circuito do Ferro's Bar-Bus Hot Hot (balada que passou a ocupar R. Santo Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- 1990 Bela Vista Paulo
(Boate Stop-Boate Sky, devido a sua o espaço da Boate Sky) Antônio de vídeo Entrevista concedida ao
0003 (SP)
Sky) proximidade. Após 14 anos fechada, projeto do Inventário Participativo
foi inaugurado no mesmo espaço a dos Lugares de Memória LGBT da
casa noturna Hot Hot cidade de São Paulo
14
BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
depoimento 29 de ago. 2022.
Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- São
Sky R. Santo Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
LM- Bela Vista Paulo
Perepepês Antônio Entrevista concedida ao projeto do
0006 (SP)
Inventário Participativo dos Lugares
de Memória LGBT da cidade de São
Paulo
Cena lésbica (cena majoritária na TASSINARI, Fátima. Fátima
casa); Movimento fica na rua Tassinari: depoimento 07 de abr.
Espaço que tinha proposta inicial
INV- (característica do local, que São 2022. Entrevistador: Leonardo
exclusiva para mulheres lésbicas, Rua
15 LM- 1980 Bug House compartilhava o espaço da rua e do Consolação Paulo Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
mas com o tempo foi também Augusta
0004 estabelecimento); Classe C (perfil de (SP) de vídeo Entrevista concedida ao
ocupado por homens gays.
público que frequentava a casa); projeto do Inventário Participativo
Universitários (perfil de publico que dos Lugares de Memória LGBT da
107
frequentava o espaço); Primeiro beijo cidade de São Paulo
(local onde a entrevistada deu o seu
primeiro beijo em outra mulher)

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
O bar já funcionava nos anos 60 e era
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- famoso pela frequência das gays Lugar de pegação (espaço utilizado Av. Vieira São
1960 - Caneca de Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
16 LM- idosas. Está em funcionamento até para sexo entre pessoas do mesmo de República Paulo
Atual Prata de vídeo Entrevista concedida ao
0002 hoje. Claro que é um patrimônio gênero) Carvalho (SP)
projeto do Inventário Participativo
LGBT.
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

Casa noturna, inaugurada no ano de VARGAS, Lili. Lili Vargas:


2006, voltada majoritariamente ao depoimento [ago. 2018.
INV- público LGBT e como uma proposta Largo do São Entrevistador: Leonardo Arouca .
2000 - Cantho
17 LM- de tocar músicas que marcaram as Arouche, República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
2020 Club
0001 décadas de 1970 aos anos 2000. Foi 32 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
fechada no período da pandemia no Entrevista concedida ao Projeto
ano de 2001 Memórias da Diversidade Sexual

Centro de Referência e acolhida da VARGAS, Lili. Lili Vargas:


Centro de Diversidade Sexual, atualmente depoimento [ago. 2018.
INV- Referência recebe o nome de Centro de Thaís Azevedo (funcionária do R. Maj. São Entrevistador: Leonardo Arouca .
2000 -
18 LM- da Referência da Diversidade - Bruna Centro); Bruna Vallin (ativista trans Sertório, República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Atual
0001 Diversidad Vallim, em homenagem à funcionária que hoje dá nome ao centro) 292 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
e (CRD) e ativista da casa que faleceu durante Entrevista concedida ao Projeto
a epidemia do Covid-19. Memórias da Diversidade Sexual
108
REINAUDO, Franco. Franco
Centro de Referência e acolhida da
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Centro de Diversidade Sexual, atualmente Thaís Azevedo (funcionária do
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Referênci recebe o nome de Centro de Centro); Bruna Vallin (ativista trans R. Maj. São
2000 - Arouca. São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- a da Referência da Diversidade - Bruna que hoje dá nome ao centro); Claudia Sertório, República Paulo
Atual de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Diversida Vallim, em homenagem à funcionária Wonder (primeira funcionária travesti 292 (SP)
projeto do Inventário Participativo
de (CRD) e ativista da casa que faleceu durante do Centro de Referência)
dos Lugares de Memória LGBT da
a epidemia do Covid-19.
cidade de São Paulo

Inaugurado no ano de 1943, o Cine


Ipiranga como outros cinemas de rua VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Avenida
do Centro de São Paulo foram depoimento [ago. 2018.
Ipiranga,
INV- marcados pela circulação de Cruising (prática de encontrar alguém São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1950 - Cine esquina
19 LM- homossexuais, que iam ao cinema para realizar o ato sexual com República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
2000 Ipiranga com a
0001 com o objetivo de dar vazão a sua facilidade) (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
Avenida
sexualidade reprimida e encontrar Entrevista concedida ao Projeto
São João
parceiros para consumar o ato Memórias da Diversidade Sexual
sexual.
Almôndega (dança que envolvia um REINAUDO, Franco. Franco
Clube, inaugurado por Mauro Borges
grupo de pessoas grudadas umas Reinaudo: depoimento 19 de ago.
e Bebete Indarte no ano de 1991. O
nas outras); Movimento clubber (é 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Clube Massivo foi um espaço de São
Clube uma tribo urbana de pessoas, Alameda Jardim Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
20 LM- 1990 grande repercussão da cultura Paulo
Massivo marcado pelos gêneros musicais Itu, 1541 Paulista de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Clubber, chegando a inspirar (SP)
como house e techno); Gaiolas projeto do Inventário Participativo
personagens na novela de Glória
(elementos cenográficos da casa dos Lugares de Memória LGBT da
Perez na Globo.
onde as pessoas dançavam) cidade de São Paulo
109
Companhia de teatro fundada no ano
REINAUDO, Franco. Franco
de 1989, ficou conhecida pelo seu
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
estilo de teatro experimental e pela
Praça 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- forte aderência às questões sociais e São
Phedra de Córdoba (Antiga atriz da Franklin Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- sua atuação no território. Teve como Consolação Paulo
casa) Roosevelt, de vídeo Entrevista concedida ao
0005 um dos pilares da Companhia a atriz (SP)
214 projeto do Inventário Participativo
transexual Phedra de Córdoba, que
dos Lugares de Memória LGBT da
havia iniciado sua vida profissional na
1980 - Companhi Boate Medieval. cidade de São Paulo
21
Atual a Satyros
BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
depoimento 29 de ago. 2022.
Praça Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- São
Foram realizados encontros do grupo Franklin Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
LM- Consolação Paulo
de lésbicas Umas e Outras Roosevelt, Entrevista concedida ao projeto do
0006 (SP)
214 Inventário Participativo dos Lugares
de Memória LGBT da cidade de São
Paulo

VARGAS, Lili. Lili Vargas:


depoimento [ago. 2018.
Shows de travestis (shows realizados
INV- Terceira casa noturna aberta por São Entrevistador: Leonardo Arouca .
na casa); Evinha (performer da casa);
22 LM- 1980 Corintho Elisa Mascaro, localizada próximo ao Ibirapuera Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Marcinha do Corintho (performer da
0001 Parque Ibirapuera. (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
casa)
Entrevista concedida ao Projeto
Memórias da Diversidade Sexual
110
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Terceira casa noturna aberta por Shopping São
Ibirapuera (instituição Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- 1980 Corintho Elisa Mascaro, localizada próximo ao Ibirapuera Paulo
próxima ao local) de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Parque Ibirapuera. (SP)
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
Nunca antes ou depois houve shows 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
de transformistas com tamanha Shows de transformistas (shows de Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- 1980 Corintho Ibirapuera Paulo
qualidade. Importantíssima homens que se vestem de mulheres) de vídeo Entrevista concedida ao
0002 (SP)
referência. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Rua Rego São
1990 - Casa noturna de grande frequência Travestis e transexuais Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
23 LM- Danger Freitas, República Paulo
Atual de transexuais e travestis. (frequentadoras do espaço); de vídeo Entrevista concedida ao
0002 470 (SP)
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
111
CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
Channel: depoimento 09 de dez.
Dark Room (lugar escuro, habitual em 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Rua Rego São
1990 - Casa noturna de grande frequência algumas boates para relações Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- Danger Freitas, República Paulo
Atual de transexuais e travestis. sexuais entre parceiros do mesmo de vídeo Entrevista concedida ao
0003 470 (SP)
gênero) projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

VARGAS, Lili. Lili Vargas:


Lugar de repressão (Lugar onde as depoimento [ago. 2018.
Delegacia Seccional da Polícia
INV- Delegacia travestis eram levadas para cárcere Parque São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1960 - Militar, onde muitas travestis eram
24 LM- Seccional temporário); Travestis (público alvo, Dom Pedro Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
1970 levadas na Ditadura Militar após
0001 Centro levado a delegacia para cárcere II (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
serem apreendidas nas ruas.
temporário) Entrevista concedida ao Projeto
Memórias da Diversidade Sexual

REINAUDO, Franco. Franco


Bar localizado na região do Jardins,
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
foi aberto na década de 1990 e
Adriana Siqueira (proprietária); 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- fechado no ano de 2017. Era dirigido São
1990 - Director's Daniela Siqueira (proprietária); Jardim Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
25 LM- pelas irmãs Adriana e Daniela Paulo
2010 Gourmet especulação imobiliária (motivo que Paulista de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Siqueira e conformava um point (SP)
levou a gentrificação do espaço) projeto do Inventário Participativo
LGBT com diversos outros bares e
dos Lugares de Memória LGBT da
casas noturnas na região do Jardins.
cidade de São Paulo
112
TASSINARI, Fátima. Fátima
Celso Curi (proprietário do espaço);
Tassinari: depoimento 07 de abr.
Classe A e B (perfil de público que
Bar e espaço cultural, inaugurado Rua 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- frequentava a casa); Guia Off (Guia São
1970 - pelo jornalista Celso Curi. Tinha Romilda Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
26 LM- Espaço Off de teatro ainda editado por Celso Itaim Bibi Paulo
1980 proposta requentada e era repleta de Margarida de vídeo Entrevista concedida ao
0004 Curi); Coluna do Meio (O Bar foi (SP)
atividades culturais. Gabriel projeto do Inventário Participativo
aberto em 1979, logo após Celso Curi
dos Lugares de Memória LGBT da
parar de escrever a Coluna do Meio)
cidade de São Paulo

TASSINARI, Fátima. Fátima


Tassinari: depoimento 07 de abr.
Marta (figura central do bar); 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- São
Casa de mulheres, localizada em Proposta Cult (A proposta da casa Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- 1980 Vila Olímpia Paulo
Moema. era mais cultural, do que somente um de vídeo Entrevista concedida ao
0004 (SP)
local para dançar e fazer pegação); projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
27 Feitiço's
BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
Eram homens e mulheres, mas era depoimento 29 de ago. 2022.
mais o gosto das mulheres. Uma das Marta (figura central e cantora do Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- São
donas da casa se chamava Marta e bar); gays e lésbicas (público de Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
LM- 1980 Vila Olímpia Paulo
se apresentava no local. Presenciei frequência, contudo a maioria eram Entrevista concedida ao projeto do
0006 (SP)
brigas de sapas no local, mas a dona lésbicas) Inventário Participativo dos Lugares
(Marta) tentava manter a ordem. de Memória LGBT da cidade de São
Paulo
113
TASSINARI, Fátima. Fátima
Tassinari: depoimento 07 de abr.
Bar de mulheres, ficou reconhecido
ChanacomChana (periódico lésbico); 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- pela revolta do Ferro's Bar, quando Rua São
Marisa Fernandes (fundadora do Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- lésbicas se rebelaram contra os Martinho Bela Vista Paulo
Grupo SOMOS e do GALF - Grupo de de vídeo Entrevista concedida ao
0004 proprietários do espaço para circular Prado (SP)
Ação Lésbico Feminista) projeto do Inventário Participativo
o periódico ChanacomChana
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:


E eu achei um lugar muito pouco
depoimento 29 de ago. 2022.
receptivo, amigável para quem
Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- 1960 - chegava sozinha, todo mundo muito Lady (lésbicas mais afeminadas); Rua São
Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
28 LM- 1990 fechado em si e ninguém veio Francha (lésbicas mais Martinho Bela Vista Paulo
Entrevista concedida ao projeto do
0006 cumprimentar. Me perguntaram lá masculinizadas) Prado (SP)
Inventário Participativo dos Lugares
pela primeira vez se eu era Lady ou
de Memória LGBT da cidade de São
Francha?
Paulo
Ferro' Bar
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
Muito importante referência, Rua 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
sobretudo para as lésbicas. Lésbicas (público de maior frequência Martinho Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- Bela Vista Paulo
Inesquecível espaço no estilo do bar) Prado, de vídeo Entrevista concedida ao
0002 (SP)
botecão. 128 projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
114
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Bar dentro de um circuito que 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Rua São
1960 - congregava diversos outros bares e Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- Martinho Bela Vista Paulo
1990 casas noturnas de sociabilidade de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Prado (SP)
LGBT da época. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
Desbunde (movimento cultural);
Complexo de lojas inaugurado no VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Tropicália (movimento artístico e
início da década, a sua frequência depoimento [ago. 2018.
cultural); Cruising (prática de
INV- durante as décadas de 1960 e 1970 São Entrevistador: Leonardo Arouca .
encontrar alguém para realizar o ato Av. São
LM- foi marcada por grupos de República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
sexual com facilidade); Montadas Luís, 187 -
0001 homossexuais (gays e lésbicas) e por (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
(nomenclatura dada a travestis da
movimentos artísticos que se Entrevista concedida ao Projeto
época); Point (Point de socialização
misturavam no espaço. Memórias da Diversidade Sexual
1960 - Galeria gay da época)
29
Atual Metrópole CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
A galeria em 1970 era ponto de Caputo: depoimento [03 de dez.
prostituição masculina. Além disso, o Glamour (definição dada a galeria na 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
cine Metrópole, dentro da galeria, época); Cine Metrópole (cinema Av. São Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- República Paulo
passava de um glamouroso e lindo dentro da Galeria, que era utilizado Luís, 187 de vídeo Entrevista concedida ao
0002 (SP)
espaço familiar para um centro de para pegação) projeto do Inventário Participativo
pegação em seus banheiros. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
115
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
A Gents representa uma disrupção no Caputo: depoimento [03 de dez.
que vinha sendo entendido como 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Av. São
1990 - lazer gay porque deixava os shows Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
30 LM- Gents Pista de dança (espaço da casa) Ibirapuera, Indianópolis Paulo
2000 glamourosos de lado, e focava na de vídeo Entrevista concedida ao
0002 1942 (SP)
pista. Foi uma marca importante dos projeto do Inventário Participativo
anos 90. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Grupo de
Ong fundada no ano de 1985 durante 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Apoio à R. Pedro São
1980 - o início da epidemia do Hiv/Aids no Paulo César Bonfim (ativista e porta Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
31 LM- Prevenção Américo, República Paulo
Atual Brasil. Teve como um dos seus porta voz do grupo) de vídeo Entrevista concedida ao
0005 da Aids - 32 (SP)
vozes o ativista Paulo César Bonfim projeto do Inventário Participativo
GAPA/SP
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
Encontros xamânicos (encontros
promovidos pelo grupo); Fátima BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
Grupo fundado por Laura Bacellar e
Mesquita (participante do grupo); depoimento 29 de ago. 2022.
Valéria Mélqui. Em que fizeram
Caminhada de Lésbicas (A Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- Grupo reuniões auto organizadas, primeiro Rua da
caminhada de lésbicas, que acontece São Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
32 LM- 2000 Umas e mensais e depois semanais. Esteve Consolaçã Consolação
no sábado anterior a Parada do Paulo Entrevista concedida ao projeto do
0006 Outras ativo por 4 anos, mantendo uma o
Orgulho LGBT foi proposta em uma Inventário Participativo dos Lugares
intensa atividade lésbica em São
das reuniões do grupo); Grupos de de Memória LGBT da cidade de São
Paulo, de 2000 a 2004.
ajuda mútua (atividade oferecida pelo Paulo
grupo)
116
VARGAS, Lili. Lili Vargas:
depoimento [ago. 2018.
Uma das primeiras casas noturnas de
INV- São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1960 - São Paulo, inaugurada no final da Rua
LM- Jardins Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
1970 década de 1960 e localizada em cima Augusta
0001 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
de uma loja de discos homônima.
Entrevista concedida ao Projeto
Memórias da Diversidade Sexual
33 Hi-Fi CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Um conceito interessante de Caputo: depoimento [03 de dez.
sociabilidade gay. Acho que vale a 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
1960- pena pensar nesse espaço como um Discoteca (lugar onde se vendia Rua Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- Jardins Paulo
1970 dos primeiros lugares em que se discos) Augusta de vídeo Entrevista concedida ao
0002 (SP)
podia ficar à vontade, sem que fosse projeto do Inventário Participativo
uma boate. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
Casa noturna aberta em 1979. Muito
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
importante. Não há dúvidas que a HS
Caputo: depoimento [03 de dez.
representou um momento de virada
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Homo na noite paulistana. Desviou o foco da R. São
1970 - Vila Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
34 LM- Sapiens Augusta para o centrão (Marquês de Leão Lobo (proprietário da casa) Marquês Paulo
1990 Buarque de vídeo Entrevista concedida ao
0002 (HS) Itu) e ficou famosa pelos shows e pela de Itu, 182 (SP)
projeto do Inventário Participativo
frequência de celebridades como,
dos Lugares de Memória LGBT da
aliás, aconteceu anteriormente com a
cidade de São Paulo
Medieval.
117
Casa noturna de propriedade do
REINAUDO, Franco. Franco
jornalista e socialite - Leão Lobo.
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Segundo o entrevistado, a casa o Peças de Teatro (programação da
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- marcou por apresentar shows e casa); Franco Reinaudo (ator que se R. São
Vila Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- 1980 peças de teatro durante o dia, apresentou na casa); Paulo Gorgulho Marquês Paulo
Buarque de vídeo Entrevista concedida ao
0005 promovendo atores de grande (ator que se apresentou na casa); de Itu, 182 (SP)
projeto do Inventário Participativo
sucesso hoje, como Paulo Gorgulho e Leão Lobo (proprietário da casa)
dos Lugares de Memória LGBT da
onde o próprio Franco Reinaudo pode
cidade de São Paulo
se apresentar.
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
Eu não conheci. Sei que é anterior ao 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
1960 - Medieval. Mas acho que foi a Bela Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
35 LM- K-7 Jardins Paulo
1970 primeira, embora não tão famosa Cintra de vídeo Entrevista concedida ao
0002 (SP)
quanto sua sucessora. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Largo localizado no centro de São
depoimento [ago. 2018.
Paulo que é ponto de encontro da
INV- São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1960 - Largo do população LGBT da cidade de São Encontros (espaço de encontro entre Largo do
36 LM- República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Atual Arouche Paulo desde a década de 1960, homossexuais) Arouche
0001 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
possuindo diversas circulações ao
Entrevista concedida ao Projeto
longo do tempo.
Memórias da Diversidade Sexual
118
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
Largo localizado no centro de São
Paulo que é ponto de encontro da Banheirões (espaço utilizado para 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
1960 - Largo do população LGBT da cidade de São Largo do Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- sexo entre pessoas do mesmo República Paulo
Atual Arouche Paulo desde a década de 1960, Arouche de vídeo Entrevista concedida ao
0002 gênero) (SP)
possuindo diversas circulações ao projeto do Inventário Participativo
longo do tempo. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

REINAUDO, Franco. Franco


Reinaudo: depoimento 19 de ago.
De acordo com o entrevistado, o
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Largo do Arouche é um dos pontos São
1960 - Largo do Largo do Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- mais fundamentais que refletem o República Paulo
Atual Arouche Arouche de vídeo Entrevista concedida ao
0005 patrimônio da população LGBT da (SP)
projeto do Inventário Participativo
cidade.
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

REINAUDO, Franco. Franco


Reinaudo: depoimento 19 de ago.
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Sauna gay, inaugurada na década de Rua São
1980 - Le Rouge Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
37 LM- 1980, geralmente frequentada por Arruda Pinheiros Paulo
Atual 80 de vídeo Entrevista concedida ao
0005 homens mais velhos. Alvim, 175 (SP)
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
119
Mercado GLS (terminologia muito
Inaugurada em 1998 por Aldo REINAUDO, Franco. Franco
utilizada entre as décadas de 1990 e
Bocchini Neto - proprietário da livraria Reinaudo: depoimento 19 de ago.
2000 para definir um segmento de
da Vila, repassou o empreendimento 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- mercado, marcado por ofertas de Rua Oscar São
Livraria do no ano seguinte para Sérgio Miguez, Cerqueira Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
38 LM- 1990 serviços e produtos para o segmento Freire Paulo
Meio empresário gay e com experiência no César de vídeo Entrevista concedida ao
0005 LGBT); Sérgio Miguez (Segundo 2303 (SP)
ramo, mudando o seu nome para projeto do Inventário Participativo
proprietário do espaço); Aldo
Futuro Infinito, adquirindo assim uma dos Lugares de Memória LGBT da
Bochhini Neto (Primeiro proprietário
proposta voltada ao Mercado GLS, cidade de São Paulo
do espaço)
REINAUDO, Franco. Franco
A Livraria Futuro Infinito, comandada
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
por Sérgio Miguez foi palco de uma
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Livraria série de eventos de literatura e Rua Oscar São
1990 - Cerqueira Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- Futuro exposições que traziam a temática da Sérgio Miguez (Proprietário) Freire Paulo
2000 César de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Infinito LGBT e com uma ótima recepção 2303 (SP)
projeto do Inventário Participativo
desse público. E é reconhecida como
dos Lugares de Memória LGBT da
a primeira livraria LGBT do Brasil.
cidade de São Paulo
39
BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
Lugar onde se realizou diversos depoimento 29 de ago. 2022.
encontros do grupo Umas e Outras de Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- Livraria Sérgio Miguez (Proprietário); Umas e Rua Oscar São
1990 - Laura Bacellar, segunda a Cerqueira Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
LM- Futuro Outras (Grupo de lésbicas conduzido Freire Paulo
2000 entrevistada, o proprietário a César Entrevista concedida ao projeto do
0006 Infinito por Laura Bacellar) 2303 (SP)
informara que era o encontro que Inventário Participativo dos Lugares
mais lotou a livraria. de Memória LGBT da cidade de São
Paulo
120
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Claudia Wonder (performer da casa);
Não era exclusivamente gay, mas Caputo: depoimento [03 de dez.
Vômito do mito (performance de R.
considerando que naquele momento 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Claudia Wonder); Underground Conselheir São
1980 - Madame havia uma mescla de públicos, acho Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
40 LM- (caracterização público frequentador o Bela Vista Paulo
Atual Satã que pode ser considerada um de vídeo Entrevista concedida ao
0002 do local); Pessoas furadas Ramalho, (SP)
patrimônio. Além disso, Claudia projeto do Inventário Participativo
(caracterização de pessoas que 873
Wonder fazia shows lá. dos Lugares de Memória LGBT da
utilizavam piercings na época)
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Casa noturna, inaugurada em 1996,
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
no bairro de Moema pelo empresário
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Sérgio Kalil. A casa tinha um aspecto Al. dos São
MadQuee Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
41 LM- 1990 medieval e foi grande sucesso na Sérgio Kalil (proprietário) Arapanés, Moema Paulo
n de vídeo Entrevista concedida ao
0005 década de 1990, possibilitando que o 1.364 (SP)
projeto do Inventário Participativo
empresário abrisse novas casas
dos Lugares de Memória LGBT da
noturnas.
cidade de São Paulo
Elisa Mascaro (proprietária da casa);
Noite de Holywood (festa temática da
casa); Noite da Arábia (festa temática
Casa noturna aberta por Elisa da casa); Festa do Havaí (festa
VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Mascaro, foi representativa por reunir temática da casa); Darby Daniel
depoimento [ago. 2018.
figuras da sociedade como artistas e (frequentador que levou atrações
INV- Rua São Entrevistador: Leonardo Arouca .
políticos de influência que iam a casa para a casa); Renata Sorrat (Atriz e
42 LM- 1970 Medieval Augusta, Consolação Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
ver os shows de Travestis. As festas frequentadora); Zilda Maio (Atriz de
0001 1605 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
temáticas são rememoradas pelos pornô Chanchada e frequentadora);
Entrevista concedida ao Projeto
seus frequentadores até os dias de Dimmu Kier (drag queen e
Memórias da Diversidade Sexual
hoje. frequentador); Helena Ramos (atriz e
frequentadora); Wilza Carla (vedete e
frequentadora); Vera Fischer (atriz e
frequentadora); Perri Salles (atriz e
121
frequentadora); Arlete Salles (atriz e
frequentadora); Matinê (festa
realizada aos domingos a tarde na
casa); Phedra de Córdoba (performer
da casa)

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Rua São
Acho a maior referência da noite gay Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- 1970 Augusta, Consolação Paulo
paulistana. de vídeo Entrevista concedida ao
0002 1605 (SP)
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Inaugurado nos anos 1990,
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
O Mercado Mundo Mix foi uma feira
Beto Lago (empresário que concebeu 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- itinerante, do que hoje é possível São
1990 - Mercado o empreendimento); Casa das Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
43 LM- chamar de economia criativa. Paulo
2000 Mundo Mix Caldeiras (espaço que sediou uma de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Segundo o entrevistado o Mercado (SP)
das edições do evento) projeto do Inventário Participativo
Mundo Mix marca a passagem da
dos Lugares de Memória LGBT da
população LGBT da noite para o dia.
cidade de São Paulo
122
TASSINARI, Fátima. Fátima
Tassinari: depoimento 07 de abr.
Restaurante comandado por Ina de R.
Gay Friendly (termo ligado a espaço 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Abreu e aberto nos anos 1990, possui Fernando São
1990 - que são inclusivos a pessoas LGBT); Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
44 LM- Mestiço uma proposta LGBT Friendly, mas de Consolação Paulo
Atual Ina de Abreu (Chef e proprietária do de vídeo Entrevista concedida ao
0004 não se reivindica como um espaço Albuquerq (SP)
espaço) projeto do Inventário Participativo
LGBT ue, 277
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
Tinha um tipo de música bem melosa,
BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
bem dramática. E a mulherada
depoimento 29 de ago. 2022.
dançando em parzinhos. Muita gente
Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- bebia muito e tinha uma mistura de Garotas de programa São
1980 - Rua Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
45 LM- Moustache mulheres mais velhas, umas bem (frequentadoras da casa); Músicas Consolação Paulo
1990 Sergipe Entrevista concedida ao projeto do
0006 mocinhas, tinham garotas de melosas (repertório tocado na casa) (SP)
Inventário Participativo dos Lugares
programa, tinha garota de programa
de Memória LGBT da cidade de São
que ia lá para espairecer porque
Paulo
gostava de mulheres.
Casa noturna fundada por Condessa
Mônica no ano de 1971, marcada por
festas e concursos de travestis VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Condessa Mônica (primeira
durante as décadas de 1960, 1970 e depoimento [ago. 2018.
proprietária); Concursos de miss
INV- 1980. Embora sua primeira R. da São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1970 - Nostro (evento realizado nas casas); Clóvis
46 LM- proprietária tenha falecido no ano de Consolaçã Consolação Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
2000 Mondo (nome de registro de Condessa
0001 1981, a casa esteve em atividade até o, 2554 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
Mônica); Norminha (apresentadora
o ano de 2014 sendo considerada a Entrevista concedida ao Projeto
de shows da casa)
casa noturna voltada ao segmento Memórias da Diversidade Sexual
LGBT de maior longevidade na
América Latina.
123
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
A Nostro Mondo abriu as portas do 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Casa popular (nome dado para R. da São
1970 - fervo para a periferia e as gays Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- representar um público com baixo Consolaçã Consolação Paulo
2000 jovenzinhas. Importantíssima de vídeo Entrevista concedida ao
0002 poder aquisitivo) o, 2554 (SP)
referência. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
Casa noturna fundada por Condessa Channel: depoimento 09 de dez.
Concurso de Travestis (Concursos de
Mônica no ano de 1971, marcada por 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Miss Travesti, eram habituais na R. da São
1960 - festas e concursos de travestis Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- casa); Condessa Mônica (Proprietária Consolaçã Consolação Paulo
2000 durante as décadas de 1960, 1970 e de vídeo Entrevista concedida ao
0003 do espaço); Jacqueline Channel o, 2554 (SP)
1980. Onde Jacque Channel chegou projeto do Inventário Participativo
(Jurada do concurso de travestis)
a ser jurada. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Para o entrevistado, este é um dos
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- lugares mais icônicos da Condessa Mônica (primeira R. da São
1970 - Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- sociabilidade LGBT da cidade, pela proprietária); Shows de travestis Consolaçã Consolação Paulo
2010 de vídeo Entrevista concedida ao
0005 sua longevidade e por todos os (programação da casa) o, 2554 (SP)
projeto do Inventário Participativo
artistas que passaram pela casa.
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
124
REINAUDO, Franco. Franco
ONG fundada no ano de 1989, teve
Jorge Beloqui (membro 0 do Pela Reinaudo: depoimento 19 de ago.
como seu membro 0 o ativista Jorge
Vidda - Sp); Hebert Daniel (ativista 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Beloqui, sua irmã no Rio de Janeiro - Rua Gen. São
1980 - Ong Pela contra a epidemia do HIV/Aids e ex- Vila Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
47 LM- Pela Vidda - RJ, foi fundada em 1983 Jardim, Paulo
Atual Vidda - SP guerrilheiro da luta armada na Buarque de vídeo Entrevista concedida ao
0005 pelo ativista Hebert Daniel. Hoje em 566 (SP)
Ditadura Militar); Thais Azevedo projeto do Inventário Participativo
dia tem como sua presidente a
(presidenta do Pela Vidda - SP) dos Lugares de Memória LGBT da
ativista Thais Azevedo.
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Bar e restaurante aberto pelo Movimento clubber (tribo urbana de
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- empresário Almir Nascimento na pessoas, marcado pelos gêneros Rua da São
1990 - Jardim Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
48 LM- Paparazzi região do Jardins, ao lado da casa musicais como house e techno); Consolaçã Paulo
2000 Paulista de vídeo Entrevista concedida ao
0005 noturna - Massivo e considerado vídeo-bar gay (bar onde as pessoas o (SP)
projeto do Inventário Participativo
como o primeiro vídeo-bar gay podem ver filmes)
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
VARGAS, Lili. Lili Vargas:
Footing (passeio a pé, com
depoimento [ago. 2018.
Parque marcado pelo footing de perspectiva de encontrar pessoas Rua
INV- São Entrevistador: Leonardo Arouca .
Parque homens gays que buscavam outros para encontros amorosos e sexuais); Peixoto Cerqueira
49 LM- 1960 Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Trianon parceiros para se relacionar Cruising (prática de encontrar alguém Gomide, César
0001 (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
sexualmente. para realizar o ato sexual com 949
Entrevista concedida ao Projeto
facilidade);
Memórias da Diversidade Sexual
125
VARGAS, Lili. Lili Vargas:
depoimento [ago. 2018.
Praça localizada no Centro de São
INV- Glamour (definição dada a praça na São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1960 - Praça da Paulo e foi um ponto de encontro de Praça da
LM- época); Encontros (espaço de República Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
Atual República gays e lésbicas nas décadas de 1960- República
0001 encontro entre homossexuais) (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
1970 e tinha muito Glamour.
Entrevista concedida ao Projeto
Memórias da Diversidade Sexual

Encontros (espaço de encontro entre CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara


Praça no centro da cidade de São
homossexuais); Romance (relação Caputo: depoimento [03 de dez.
Paulo de grande frequência da
que homossexuais procuravam na 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- população LGBTI+. Obviamente. Nos São
1960 - praça na década de 1970); Fazer um Praça da Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
50 LM- Atual
anos 70 era local de paquera e não de
caso (nomenclatura dada a romance República
República Paulo
de vídeo Entrevista concedida ao
0002 prostituição. Passeava-se por lá (SP)
no período); Banheirões (espaço projeto do Inventário Participativo
como nas praças do interior, a
utilizado para sexo entre pessoas do dos Lugares de Memória LGBT da
procura de romance e/ou sexo.
Praça da mesmo gênero) cidade de São Paulo
Repúblic
a CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
Channel: depoimento 09 de dez.
Local de prostituição, segundo a 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- São
1960 - entrevistada, frequentada por Violência (lugar marcado por Praça da Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
LM- República Paulo
Atual transexuais mais violentas que os transexuais mais violentas) República de vídeo Entrevista concedida ao
0003 (SP)
demais espaços projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
126
REINAUDO, Franco. Franco
Praça localizada no Centro de São Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Paulo e foi um ponto de encontro de 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- São
1960 - gays e lésbicas nas décadas de 1960- Praça da Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
LM- República Paulo
Atual 1970. Atualmente é utilizada como República de vídeo Entrevista concedida ao
0005 (SP)
ponto de prostituição de muitas projeto do Inventário Participativo
mulheres transexuais. dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

REINAUDO, Franco. Franco


Praça localizada em frente ao prédio
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
do Copan, e batizada com esse nome
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Praça no ano de 1991, pela Lei Municipal nº. Darcy Penteado (ativista do Praça São
1990 - Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
51 LM- Darcy 11.105/1991. É um das poucas movimento homossexual e percursos Darcy República Paulo
Atual de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Penteado praças públicas que leva o nome de da arte homoerótica no Brasil) Penteado (SP)
projeto do Inventário Participativo
um ativista do movimento
dos Lugares de Memória LGBT da
homossexual.
cidade de São Paulo
CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
Channel: depoimento 09 de dez.
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Praça Praça São
1990 - Praça que era utilizado como lugar de Lugar de prostituição (Lugar de Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
52 LM- Monteiro Monteiro Butantã Paulo
2000 prostituição de mulheres transexuais. prostituição de mulheres transexuais) de vídeo Entrevista concedida ao
0003 Lobato Lobato (SP)
projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
127
Igreja voltada à população trans em CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
São Paulo, fundada pela ativista Channel: depoimento 09 de dez.
Primeira Igreja Trans (igreja voltada ao Rua
Jacqueline Channel e é parte das 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Igreja segmento trans); Projeto Séforas Conde de São
Igrejas da Comunidade Metropolitana Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
53 LM- 2020 Trans (ONG que gerou a igreja); São Bela Vista Paulo
ICM (Metropolitan Community Church de vídeo Entrevista concedida ao
0003 ICM/Séfor Distribuição de marmitas (atuação Joaquim, (SP)
– MCC). Possui um formato diferente projeto do Inventário Participativo
as social realizada pela igreja) 299 Sala 2
de reunião e reúne hoje cerca de 250 dos Lugares de Memória LGBT da
mulheres transexuais e travestis. cidade de São Paulo
Andrea De Mayo (proprietária do
CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
espaço); Cafetinagem (prática
Channel: depoimento 09 de dez.
habitual no local e entorno);
Casa noturna de Andrea De Mayo, 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- Underground (espaço fora dos Rua São
Prohibidu’ marcada pela sua atuação como Vila Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
54 LM- 1990 padrões da época); Cris Negrão Amaral Paulo
s cafetina, mas também por shows que Buarque de vídeo Entrevista concedida ao
0003 (Travesti e cafetina que substituiu Gurgel (SP)
a mesma realizava na casa. projeto do Inventário Participativo
Andrea de Mayo, é considerada como
dos Lugares de Memória LGBT da
uma das últimas travestis cafetinas
cidade de São Paulo
da cidade de São Paulo)
Casa noturna, inaugurada no início da
REINAUDO, Franco. Franco
década de 1990, que se estendeu até
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
o final da década - ano de 1999. Além
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- de ter sido uma febre pelo público Aparício Basilio (dono da marca de São
Rua Bela Jardim Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
55 LM- 1990 Rave LGBT da época, ficou conhecida por perfumes Rastro é assassinado no Paulo
Cintra Paulista de vídeo Entrevista concedida ao
0005 um fato trágico, envolvendo a morte local em 1992) (SP)
projeto do Inventário Participativo
do empresário Aparício Basilio da
dos Lugares de Memória LGBT da
Silva, proprietário da marca de
cidade de São Paulo
perfumes - Rastro.
128
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Sauna gay, inaugurada no ano de 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Largo do São
2000 - Chili 2007 pelo empresário Douglas Douglas Drumond (proprietário); Santa Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
56 LM- Arouche, Paulo
Atual Peppers Drumond e é também um hotel onde Hotel (serviço oferecido pela sauna) Cecília de vídeo Entrevista concedida ao
0005 610 (SP)
as pessoas podem pernoitar. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
TASSINARI, Fátima. Fátima
Tassinari: depoimento 07 de abr.
Bar e restaurante, aberto no ano de
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- 1981, tem uma proposta Gay Alameda São
1980 - Gay Friendly (termo ligado a espaço Jardim Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
57 LM- Ritz Friendly, mas não se chancela como Franca, Paulo
Atual que são inclusivos a pessoas LGBT) Paulista. de vídeo Entrevista concedida ao
0004 um espaço destinado à população 1088, (SP)
projeto do Inventário Participativo
LGBT
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Flerte (prática comum, realizada por Caputo: depoimento [03 de dez.
Bar, que tinha uma fonte de água, em
homossexuais que frequentavam a 2021. Entrevistador: Leonardo
INV- volta das mesas, onde alguns Rua Rego São
casa); Danger (Boate frequentada Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
58 LM- 1970 Roleta homens homossexuais iam e ficavam Freitas, República Paulo
majoritariamente por travestis e de vídeo Entrevista concedida ao
0002 flertando uns com os outros, sentados 470 (SP)
transexuais e fica localizada onde era projeto do Inventário Participativo
nas mesas.
o bar Roleta); dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
129
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Rua que cruza o novo centro de São
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Paulo e a região dos Jardins, São
Rua Rua Consolação Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
59 LM- 1980 historicamente é marcado pelo Paulo
Augusta Augusta e Jardins de vídeo Entrevista concedida ao
0005 encontro de tribos e grupos, entre (SP)
projeto do Inventário Participativo
eles a população LGBT.
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

VARGAS, Lili. Lili Vargas:


Rua que foi ocupada em paralelo a
depoimento [ago. 2018.
dispersão da Galeria Metrópole na
INV- Rua Rua São Entrevistador: Leonardo Arouca .
1970 - década de 1970, possuía alguns Bares (comércios do local que Vila
60 LM- Marquês Marquês Paulo São Paulo: Museu da Diversidade
1980 barzinhos com cadeiras nas atraiam gays e lésbicas) Buarque
0001 de Itu de Itu (SP) Sexual, 2018. 1 arquivo de áudio.
calçadas, onde gays, lésbicas e
Entrevista concedida ao Projeto
travestis se encontravam
Memórias da Diversidade Sexual

BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:


depoimento 29 de ago. 2022.
Lanchonete localizada próximo a
Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- casa noturna Moustache e São
1980 - Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
61 LM- Sanduba majoritariamente frequentado por Consolação Paulo
1990 Entrevista concedida ao projeto do
0006 lésbicas que também frequentam a (SP)
Inventário Participativo dos Lugares
casa
de Memória LGBT da cidade de São
Paulo
130
TASSINARI, Fátima. Fátima
Cássio Rodrigo (coordenador da
Fundada em 2005 pelo secretário Tassinari: depoimento 07 de abr.
Secretaria secretaria); José Police Neto
José Police Neto, a secretaria teve 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- de (Secretário Municipal de Participação Verificar
um papel fundamental de incluir as Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
62 LM- 2000 Participaç e Parceria); Câmara de São Paulo com o
pautas da diversidade sexual no de vídeo Entrevista concedida ao
0004 ão e (Realização de eventos com travestis Cássio
espaço público e agendas projeto do Inventário Participativo
Parceria e drag queens na Câmara de São
legislativas. dos Lugares de Memória LGBT da
Paulo, proposto pela secretaria)
cidade de São Paulo
A casa noturna SoGo, foi aberta no REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
ano de 1997 e esteve em atividade
Movimento clubber (é uma tribo 2022. Entrevistador: Leonardo
INV- até o final da década de 2000. urbana de pessoas, marcado pelos Alameda São
1990 - Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
63 LM- SoGo Franca, Jardins Paulo
2000 Também foi marcada por uma grande gêneros musicais como house e de vídeo Entrevista concedida ao
0005 1368 (SP)
circulação de pessoas aderentes ao techno); projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
movimento e cultura clubber.
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Sauna gay, inaugurada no ano de
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
1976 e muito frequentada por homens R.
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Termas gays, alguns famosos, entre eles o Morgado São
1970 - Vila Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
64 LM- For artista plástico Darcy Penteado, é Darcy Penteado (frequentador) de Paulo
2010 Mariana de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Friends considerada como a primeira sauna Mateus, (SP)
projeto do Inventário Participativo
gay da cidade de São Paulo. A sauna 365
dos Lugares de Memória LGBT da
fechou as portas no ano de 2014.
cidade de São Paulo
131
Sauna gay, inaugurada no ano de REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
1980 e gerenciada pelos empresários
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Carlos Roberto e Antônio Fernandes. Carlos Roberto e Antônio Fernandes Rua São
1980 - Termas Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
65 LM- Francisco Pinheiros Paulo
2010 Fragata Assim como a Termas For Friends, (proprietários) de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Leitão, 71 (SP)
enfrentou os piores períodos da projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
epidemia do Hiv/Aids.
cidade de São Paulo
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Sauna gay inaugurada no ano de
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- 1992, na Vila Clementino, atualmente R. Borges São
1990 - Thermas Vila Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
66 LM- ocupa um novo espaço na Rua Pedro Lagoa, Paulo
Atual Lagoa Clementino de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Taques, 130, no Bairro da 287 (SP)
projeto do Inventário Participativo
Consolação
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara
Caputo: depoimento [03 de dez.
Um conceito inovador que abrigava:
2021. Entrevistador: Leonardo
INV- restaurante, bar, teatro, pista, cinema Cabaret (lugar no estilo cabaret, onde Rua São
1970 - Village Higienópoli Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
67 LM- Paulo
1980 People pornô e dark room. Referência de eram apresentados shows) Augusta s de vídeo Entrevista concedida ao
0002 (SP)
bom gosto e lazer. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo
132
REINAUDO, Franco. Franco
Reinaudo: depoimento 19 de ago.
Sauna gay, inaugurada no ano de
2022. Entrevistador: Leonardo
INV- Wild 1999 pelo empresário Almir R. Dr. São
1990 - Higienópoli Arouca.São Paulo, 2022. 1 arquivo
68 LM- Thermas Almir Nascimento (proprietário) Veiga Paulo
Atual Nascimento, se mantém hoje no s de vídeo Entrevista concedida ao
0005 Club Filho, 802 (SP)
mesmo bairro - Higienópolis. projeto do Inventário Participativo
dos Lugares de Memória LGBT da
cidade de São Paulo

A Malagueta é uma editora que


sucedeu a Editora GLS e era operada BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
por Laura Bacellar e Hanna Korich depoimento 29 de ago. 2022.
começou a operar em 2008, Hanna Korich (proprietária da Entrevistador: Leonardo Arouca.São
INV- Alameda São
2000 - Editora realizando diversos lançamentos e editora); Laura Bacellar (proprietária Jardim Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
69 LM- Lorena, Paulo
Atual Malagueta comercialização de livros LGBT. da editora); Editora GLS (projeto que Paulista Entrevista concedida ao projeto do
0006 1304 (SP)
Embora seja uma editora mais antecedeu a Malagueta) Inventário Participativo dos Lugares
voltada às lésbicas, há também a de Memória LGBT da cidade de São
frequência de muitos homens gays Paulo
em seus eventos.

Anexo - Inventário Participativo - Manifestações e Eventos


Indexadores de pesquisa Fonte
Identificação Endereço

Cód. Manifesta
da ção e/ou Cidade Referência
Id. Entrev. Período evento Descrição da Manifestação Descritores Rua/Av. Bairro (UF)
133
O Fórum Municipal de Travestis e
Transexuais de São Paulo -
FMTTSP, foi um espaço de
aglutinação de pessoas da
sociedade civil para tratar de
assuntos específicos a políticas e
cidadania plena a Travestis,
Mulheres Transexuais e Homens
Fórum Trans. Teve como principal foco CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
Municipal fomentar, articular, organizar e Channel: depoimento 09 de dez.
de apoiar qualquer tipo de 2021. Entrevistador: Leonardo
Travestis e acontecimento que estivesse no Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
Transexuai âmbito desse Segmento T, levando de vídeo Entrevista concedida ao
INV- s de São demandas deste segmento para São projeto do Inventário Participativo
LM- 2000 - Paulo – Conselho Municipal LGBT e Fórum Paulo dos Lugares de Memória LGBT da
01 0003 2010 FMTT-SP Paulista TT. Viaduto do Chá (Local de realização) (SP) cidade de São Paulo
CHANNEL, Jaqueline.Jaqueline
Channel: depoimento 09 de dez.
Fórum 2021. Entrevistador: Leonardo
Paulista Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
de Centro de Referência da Diversidade de vídeo Entrevista concedida ao
INV- Travestis e São projeto do Inventário Participativo
(espaço onde ocorreram algumas
LM- 2000 - Transexuai Fórum do Estado de São Paulo de Paulo dos Lugares de Memória LGBT da
02 0003 2010 s - FPTT Travestis e Transexuais. assembléias e reuniões) (SP) cidade de São Paulo
134
TASSINARI, Fátima. Fátima
Tassinari: depoimento 07 de abr.
2022. Entrevistador: Leonardo
O Festival Mix Brasil de Cultura e Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
Diversidade foi criado em 1993 por de vídeo Entrevista concedida ao
INV- André Fischer, após sua participação São projeto do Inventário Participativo
LM- 1990 - Festival como curador no New York Gay and André Fischer (idealizador); Cinema Paulo dos Lugares de Memória LGBT da
02 0004 Atual Mix Brasil Lesbian Experimental Film Festival. (foco do festival) (SP) cidade de São Paulo
TASSINARI, Fátima. Fátima
A 1º Parada do Orgulho GLT de São Tassinari: depoimento 07 de abr.
Paulo ocorreu no ano de 1997. 2022. Entrevistador: Leonardo
Contando com poucas pessoas em Márcia (amiga da depoente); Lu Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
sua primeira edição. Fátima (amiga da depoente; Av. Paulista de vídeo Entrevista concedida ao
INV- I Parada Tassinari, entrevistada do inventário, (local concentração e passagem da São projeto do Inventário Participativo
LM- do Orgulho foi à manifestação para acompanhá- Parada) Av. Paulo dos Lugares de Memória LGBT da
03 0004 1990 GLT la e fotografá-la. Paulista Consolação (SP) cidade de São Paulo
Fátima Tassinari (membro da
organização); Celso Curi (membro
da organização); Franco Reinaudo
(membro da organização); Sérgio
Miguez (proprietário da Livraria
Futuro Infinito e membro da
Conhecida como a Parada da virada, organização); Fábio e Augusto
a IV Parada do orgulho GLBT de São (apoiadores do evento e membros TASSINARI, Fátima. Fátima
Paulo, contou com cerca de 100 mil da agência de publicidade FAM); Tassinari: depoimento 07 de abr.
pessoas. Fátima Tassinari foi uma Diógenes Moura (produtor da 2022. Entrevistador: Leonardo
das organizadoras do cobertura fotográfica da IV Parada Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
evento/manifestação e aponta que do Orgulho); Almir Nascimento de vídeo Entrevista concedida ao
INV- IV Parada nunca viveu um momento tão (membro da organização); Angela São projeto do Inventário Participativo
LM- do Orgulho sinérgico quanto a realização desse Chaves (amiga de Fátima Tassinari); Paulo dos Lugares de Memória LGBT da
04 0004 2000 GLBT evento. Av. Paulista (local concentração e (SP) cidade de São Paulo
135
passagem da Parada); IG (empresa
patrocinadora do evento); Bia Aydar
(produziu os balões da IG que foram
dispostos na Parada)

TASSINARI, Fátima. Fátima


A exposição realizada em 2001 no Tassinari: depoimento 07 de abr.
Exposição Centro Cultural São Paulo, contou 2022. Entrevistador: Leonardo
da Parada com 12 fotógrafos que registraram a Arouca. São Paulo, 2021. 1 arquivo
do Orgulho Parada da virada do ano de 2000. de vídeo Entrevista concedida ao
INV- - Centro Segundo Fátima Tassinari, foi uma Centro Cultural São Paulo (local de Rua São projeto do Inventário Participativo
LM- Cultural exposição pensada previamente e realização), Diógenes Moura Vergueiro, Paulo dos Lugares de Memória LGBT da
05 0004 2001 São Paulo com muita pesquisa. (curador da exposição) 1000 Paraíso (SP) cidade de São Paulo
BACELLAR, Laura. Laura Bacellar:
A Caminhada de Lésbicas teve sua depoimento 29 de ago. 2022.
primeira edição em 2002. Segundo a Entrevistador: Leonardo Arouca.São
São
entrevistada, foi proposta por uma Fátima Mesquita (autora que propôs Av. Paulo, 2022. 1 arquivo de vídeo
Caminhad das autoras que participava do grupo a caminhada) Consolação Paulo
Paulista Entrevista concedida ao projeto do
a de (SP)
INV- - Umas e Outras, chamada Fátima Inventário Participativo dos Lugares
LM- Mulheres Mesquita de Memória LGBT da cidade de São
06 0006 2000 Lésbicas Paulo
136
ANEXO 2 - MODELO DE CESSÃO DE ENTREVISTA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, (nome completo do entrevistado), RG nº_________________, e-mail


__________________________, telefone (XX) (XXXX-XXXXX) declaro ter sido
informado e concordo em participar, como voluntário, do estudo que tem como
pesquisador responsável (nome do responsável) o aluno do (curso e/ou
instituição), registro acadêmico e/ou institucional (Nº do Registro), que pode
ser contatado pelo e-mail (e-mail) e pelo telefone (XX) (XXXXX-XXXX). Tenho
ciência de que o estudo tem em vista realizar entrevistas com profissionais de
instituições museológicas, visando, por parte do referido (aluno, funcionário ou
membro do projeto), a realização de um (natureza do trabalho – Trabalho de
Conclusão de Curso/Mestrado/Doutoramento/Projeto) intitulado (Título do
trabalho ou projeto). Minha participação consistirá em conceder uma entrevista
que poderá ser gravada, transcrita e utilizada como fonte de pesquisa, para o
pesquisador e para outras instituições de custódia de documentos (mencionar
as instituições que poderão receber). Entendo que esse estudo possui finalidade
única e exclusiva de pesquisa acadêmica e que os resultados poderão ser
publicados. Além disso, sei que não receberei nenhum tipo de pagamento por
esta participação.

--

________________________

Assinatura

(Cidade), (Dia) de (Mês) e (Ano).


137
ANEXO 3 - ROTEIRO DE ENTREVISTAS

Roteiro de entrevistas em História Oral Temática

Duração planejada: 1h - 1h30

Entrevistado: Agradecimento pelo aceite a prestar depoimento

1) Primeiro gostaria de pedir que se apresentasse dizendo nome completo,


idade e profissão.

2) Gostaria que contasse um pouco da sua infância, da sua relação com a


sua família e com o local onde nasceu?

3) Gostaria que você falasse um pouco sobre a sua adolescência e


principalmente quando começou a frequentar os locais de sociabilidade
LGBT+

4-a) Como eram esses locais, em qual período frequentava e o que ficou para
você daquela época?

4-b) Poderia descrever um pouco mais desses locais, se possível indicar bairros
e ruas onde se situavam e as pessoas que lá frequentavam e marcaram a sua
vida?
138
5) E as pessoas que frequentavam esses locais, como eram? E como
socializavam?

6-a) E que lugares de sociabilidade LGBT+ você frequenta hoje? Como são
esses lugares e as pessoas com quem você tem contato neles.

6-b) Poderia descrever um pouco mais esses locais, se possível indicar bairros
e ruas onde se situam e as pessoas que lá frequentam e fazem parte da sua
vida?

7) Ficou alguma questão que você gostaria de aprofundar mais? Alguma pessoa
que você gostaria de citar e não foi possível nas perguntas anteriores. Caso
tenha também referência de pessoas que podem ser entrevistadas para esse
projeto, gostaria que mencionasse se possível.

8) Gostaria de finalizar a entrevista, agradecer pela disponibilidade, em breve


entrarei em contato apresentando uma devolutiva da entrevista e do instrumento
de inventário participativo para a sua validação.
139

ANEXO 4 - FICHA TÉCNICA DA COLETA DE ENTREVISTA

Ficha Técnica da Coleta de Testemunho

Dados Gerais
Código da entrevista: Código do entrevistado:
Projeto:

Nome do Entrevistador:
Data da entrevista:
Local:
Duração da sessão: h às h
Entrevistador (es):
Operador de câmera ou plataforma utilizada:
Fotógrafo (se necessário):

Dados do Entrevistado
Dados Pessoais
Nome: Apelido/nome social:
Data de nascimento:
Local de nascimento (cidade/Estado):
Endereço (completo com CEP):
Telefone(s):
E-mail:
Gênero: Estado Civil:
Profissão (atual):
Grau de instrução:
140
ANEXO 5 - ENTREVISTA UBIRAJARA DENONE CAPUTO

Entrevista com Ubirajara Denoni Caputo, em 03 de dezembro de 2021, realizada


por Leonardo Arouca.

Legendas: Leonardo Arouca (L)

Ubirajara Denoni Caputo (U)

L: Foi! Bom, pode me falar.

U: Então a algum tempo atrás, uns 10 anos, talvez, eu tive contato, acho que
mais até, eu tive contato com o Museu da Pessoa, que você deve conhecer. E
eu fiquei muito interessado em História Oral, tanto que eu pretendia fazer meu
doutorado na área de memória social. Eu vou acabar fazendo depois o doutorado
porque eu acabei mudando o meu projeto. E quando eu comecei a conhecer
essa história de memória, de história oral, mais da história do cotidiano, digamos,
eu pensei muito em como os homossexuais carecem de referências, ou pelo
menos careciam, né. Hoje em dia já não tanto, mas na minha juventude careciam
de referência e pensei em como seria interessante se as pessoas tivessem um
local onde elas pudessem ouvir as histórias dos outros.

Então essa ideia, digamos de um acervo, contendo memórias da população


LGBT, sobretudo memórias do cotidiano, eu achei que teria essa função e aí eu
pensei exatamente num projeto sendo que é esse que você está me falando,
exatamente isso, de um acervo de depoimentos, mas faz muito tempo.

Inclusive eu registrei, ia se chamar Museu da Diversidade, olha que coisa? E eu


registrei o domínio Museu da Diversidade, porque era um projeto que eu
141
pretendia fazer e quando o Museu da Diversidade Sexual do Estado de São
Paulo começou, eu conversei com eles com Franco e falei dessa ideia que eu
tinha e abri mão. Descontinuei o domínio no Museu da Diversidade para que eles
pudessem ter esse domínio, porque era um projeto que eu tinha, mas que eu
não ia fazer naquele momento e eles iriam fazer, então é uma ideia super
aderente eu acho super importante isso.

L: Caramba, é incrível saber disso! São fatos da instituição que eu desconhecia,


muito bom bom saber!

U: É, eu nem sei se eles lembram disso, mas eu tive esses papos. Bati alguns
papos com Franco, com o Cássio, inclusive. Falando disso e como seria
importante ter registrado a memória do cotidiano

L: Totalmente!

U: Dos jovens que estão querendo entender, enfim, um pouco do “boom” do


LGBT.

L: É, essa é de certa forma, uma briga minha desde que eu entrei no Museu, que
a gente conseguisse fazer mais entrevistas. E eu acho que a gente conseguiu
dar um gás grande agora nessa pandemia, até porque, enfim, os recursos
tecnológicos ficaram mais à disposição. Essa questão de podermos fazer
entrevista pelo Meet, você não precisa de todo aquele equipamento, aquele
arsenal, para você conseguir. Enfim, fazer uma entrevista de qualidade, então
142
acho que isso facilitou muito e a gente conseguiu fazer muitas entrevistas nesta
pandemia.

Eu acho que não é só fazer as entrevistas, acho que essas entrevistas precisam
passar por um processamento, de pesquisa, de comunicação, eu acho que tem
que ter um mapeamento ali dessas referências dentro de um inventário. Então
esse inventário vem um pouco nessa proposta, de dar vazão a essas questões.

U: Sim, precisam de metadados, precisam ser recuperados, eu morri de falar


isso tudo (risos). Falei muito isso quer dizer, não bastava ter o registro, mas
precisava poder acessar o registro, portanto precisava organizar o acervo, enfim,
a gente se entendeu, nós estamos falando a mesma língua.

L: (risos) Não, totalmente!

É, então eu pensei em a gente já começar, eu acho que de praxe, eu queria


saber. Eu já te perguntei, mas queria saber se está tudo certo, se você concorda
com a gravação? Essa é uma entrevista para um inventário participativo, que é
um projeto de TCC da pós em museologia da PUC. Então é uma entrevista que
tem um fim acadêmico, não um fim comercial.

Então queria saber, a princípio, se você concorda com todas essas questões, de
ceder a entrevista. Eu também vou te mandar, já te mandei, na verdade um termo
de cessão, que você pode me enviar por e-mail, mesmo, mas enfim. São
questões de praxe, que eu acho que são importantes.
143
U: Sim, eu estou de acordo com a gravação e vou te mandar o termo de
consentimento assinado. Eu já li, aliás eu concordo com os termos de
consentimento, você pode gravar mas eu vou te mandar assinado, claro.

L:Perfeito, Bira.

Bom, então vamos começar, primeiro, obviamente gostaria de agradecer por


você ter topado. É um imenso prazer poder te conhecer e poder ter contato com
sua trajetória, para conseguir ouvir um pouco mais sobre esses lugares de
socialização que você frequentou e frequenta ainda hoje. Então é um imenso
prazer! E aí eu queria começar com uma pergunta, pedindo para você se
apresentar, dizer o nome completo, idade, o local de nascimento. E depois falar
um pouco mais sobre esse local onde você nasceu, da relação com a sua família
e a sua infância. Queria que você falasse um pouco sobre essa primeira etapa
da sua vida.

U: Tá, meu nome é Ubirajara Denoni Caputo, minha família tem ascendência
italiana de pai e mãe, eu tenho 61 anos, nasci em fevereiro de 1960, na cidade
de São Paulo. E eu nasci no bairro da Mooca.

É a Mooca é um bairro grande, então tem a Mooca próxima do rio, mais para o
lado do centro da cidade, o rio - Tamanduateí! Que agora ele tá na Avenida do
Estado. Eu falo rio, porque eu conheci o rio, mas agora a Avenida do Estado
cobriu o rio. A Mooca começa ali no Parque Dom Pedro e ela vai embora até a
Vila Bertioga. E eu nasci e morei até os 4 anos de idade no que eu chamo a
Mooca de baixo, a Mooca mais próxima do centro, eu vivi lá até os 4 anos de
idade.

Meu pai trabalhava fora e minha mãe tinha um Empório, então com quatro anos
a gente saiu de lá e fomos para o Alto da Mooca, ou seja, a gente se afastou do
centro. E foi morar em uma casa mais distante do centro, ainda na Mooca, mas
144
no que a gente chamava de Alto da Mooca, Belenzinho, Alto da Mooca, são
regiões próximas. Bom eu vivi lá até os 20 anos e depois eu entrei na
universidade, enfim, aí eu já considero a minha vida adulta porque eu saí de casa
e fui tocar o barco.

Então da minha infância o que eu posso te dizer é isso, eu lembro bem desse
bairro, um bairro muito fabril, tinham muitas fábricas, quase todo mundo
trabalhava em fábrica, em tecelagem. Tinha muita tecelagem, fábricas de
tecelagem e eu lembro muito pouco porque eu saí com quatro anos de idade,
mas eu lembro bem disso. Lembro que tinha, hoje tem um viaduto por cima, mas
tinha a linha do trem que cortava a rua da Mooca e eu lembro muito dessa coisa
do trem passando, do barulho do trem e a porteira fechando, ter que esperar
outro passar para abrir a porteira, enfim, era uma realidade muito esquisita
pensando a de hoje em dia, né.

Mas a minha infância foi isso, brincando assim com a molecada em ruas, quase
todas de barro, que agora estão todas asfaltadas, a gente tinha campinhos para
brincar, tinha várias regiões que ainda não tinham construções, então a gente
tinha essa vida mais próxima da natureza, embora,em uma área urbana e é isso
que eu lembro da minha infância.

L: Legal! E aí você já comentou com a gente, que depois disso você vai para
Mooca de cima, e aí esse período já faz parte de sua adolescência e vida adulta.
Então eu acho que já entra no ponto que é mais, fundamental para esse
inventário, que é um pouco de quando você começa a sair, quando você começa
a frequentar os locais de sociabilidade LGBT. A partir de que ano, a partir de que
idade você começa a frequentar esses locais? Eles estavam presentes na sua
adolescência e no início da sua vida adulta?
145
U: Olha, isso envolve minha descoberta, a descoberta da minha da minha
homossexualidade. O Jean wyllys falou isso uma vez e ele tem toda razão, nós,
os homossexuais em geral são avisados da sua sexualidade.

Na escola lá pelos meus 9, 10, 11 anos tinha toda a questão do bullying. Eu era
um menino muito educado, muito delicado, então me chamavam de viadinho,
bichinha, mariquinha era palavra que se usava, mas eu não achava que era
aquilo, eu não entendia direito o que era aquilo e também não achava que era
aquilo. Eu sentia uma violência mas eu não entendia e não me sentia identificado
com o que eles falavam de mim. Então, eu posso dizer que isso foi a descoberta
e foi, digamos assim, que tentaram me impor uma imagem que eu não sabia o
que era.

Mas aos 14 anos eu conheci uma rapaz, um amigo, brother assim e aí ele na
realidade, ele era primo de um amigo que saía junto conosco, aquela coisa de ir
para bailinho, né, e eu lembro que ele falou, teve um dia que íamos sair só eu e
ele, e aí ele falou assim:

- olha eu queria visitar um professor meu, ele era do interior, veio para São Paulo
e disse assim, olha tem um professor meu que mora em São Paulo.

Ele era de Mococa, uma cidade do interior de São Paulo.

- E eu queria visitá-lo, vamos, você topa? e a gente sai vai para um barzinho.

Tá bom!

E aí ele falou - só que esse meu professor gay.

E eu nem sabia o que era gay, a palavra gay, e ele falou

- não ele é homossexual, ele gosta de homens, transa com homens e tal.

Aí eu falei: - Não, tudo bem, não tem problema.


146
Mas eu realmente não sabia bem o que era isso e isso, que nós estamos falando,
já era em 1974. Claro que eu sabia que tinha homens que transavam com outros
homens. Só que o que eu entendia disso, primeiro, que isso era uma coisa muito
distante de mim e não era uma coisa sobre a qual eu ficava pensando e, eu
achava que era uma coisa assim, muito mais, de um cara mais velho, que
pagava um cara mais novo para transar, sabe? Eu achava, que eu não sabia o
que era, mas, eu não tinha, eu não sentia nenhum problema de ir na casa desse
rapaz.

E aí a gente saiu e nesse dia mesmo, nesse primeiro dia, eu fui em uma boate
chamada Roleta, que era uma boate, nem era uma boate, era um bar na Rua
Rego Freitas e depois virou uma boate chamada - Danger, e hoje em dia não é
nada é um escombro qualquer. E ali, era o Roleta, um bar que as pessoas iam
e tinha uma fonte, assim, que tinha uma água que corria e tinha as mesinhas,
que a gente sentava e ficava paquerando, uns aos outros, tudo sentadinhos,
tomando um drink, ficamos se olhando, coisa e tal.

Nesse mesmo dia, eu conheci um cara chamado César, que tinha 22 anos e eu
tinha 14, achei ele lindíssimo disse e a gente foi para casa e transamos, eu e ele.
Então esse foi meu primeiro contato, a primeira coisa que me fez pensar, que
"uau", eu tenho alguma coisa a ver com isso né.

E aí durante algum tempo, eu e meu amigo ficamos indo, frequentando a Praça


da República, procurando, o que a gente procurava naquela época, pelo menos
eu e a maioria das pessoas, era um romance, entende? Quer dizer, a gente vinha
para o centro, claro que a gente queria sexo, mas a gente vinha procurando
conhecer alguém para fazer um caso, porque chamava fazer um caso e hoje em
dia é namorar.

Bom e aí conheci uma outra pessoa, nada sério com ninguém e depois me retrai,
né, falei:

- Não, não acho que tá legal esse negócio, né, de ser gay.
147
A palavra não existia, existia o entendido, como se falava na época, que não era
uma coisa boa, não era legal, era o que eu achava naquele momento e aí eu me
retraí, aí eu tive namorada. E aos 18 anos, finalmente, eu conheci um rapaz e
me apaixonei por ele e eu associei a minha sexualidade com esse amor, ao que
eu sentia por ele e quando eu fiz essa associação, entre a minha sexualidade e
o amor, eu falei:

- Não há como isso ser ruim, né, não tem como, isso não é atacável moralmente,
porque se trata de amor, então o mundo que se f***, isso é uma coisa boa.

E foi aí que eu comecei na realidade a sair e ir para todos os lugares. Nesse


momento existiam alguns bares, tinha um bar chamado 266 West, que era um
bar para namorar, era uma coisa fofa, aqui na Marquês de Itu, era uma meia luz
assim, mas era um lugar que podia ir gay. Que não é que nem hoje em dia, que
você vai e depois você vê. A gente tinha que saber se podia ir naquele lugar, né.
Tinha lugar que podia e tinha lugar que não podia, esse era um lugar que podia.
E aí eu ia, inclusive com esse rapaz, a gente ia namorar, tomar uns drinques,
bater papo e tal, neste 266 West.

Aí eu vou desligar meu frango, que tá queimando e volto para te contar daí para
frente, tá? Não saia daí!

L: Não vou sair, quero muito saber, (risos)

U: Olha, você tá me ouvindo bem?

U: Tá bom, então tinha alguns lugares nessa época para ir e não só lugares de
diversão, mas lugares que você podia transar. Então por exemplo, você conhecia
uma pessoa e ia transar com ela, você precisava saber que lugar que você podia
ir, porque se você fosse em um lugar, que não fosse, que não aceitasse
148
homossexuais, você podia apanhar, você podia ser agredido, chamar polícia, um
monte de coisa. Então tinha que saber onde você poderia ir e tal, e alguns bares,
alguns lugares, aqui no centro de São Paulo, tinha uns banheirões também -
Largo do Arouche, República e tal.

Aquela Galeria Metrópole, que era um super point, então tinha alguns points da
cidade que a gente ia e os banheiros públicos e os cinemas todos e balada
mesmo, que não chamava balada, chamava boate. A primeira que eu conheci
foi a Medieval, que parece que foi a segunda boate para o público gay em São
Paulo. A primeira que era a dona, era ela mesma, que foi antes ainda Medieval,
mas eu não conheci, durou muito pouco tempo e tinha uns bares aqui pelo
centro, então naquela época eram os lugares que eu frequentava. Dali na década
de 1980 teve a Corintho, 1990 teve a Gentes, teve o Cabaré, que foi uma boate
maravilhosa, não! Sempre esqueço o nome, era um cabaré, mas eu não lembro
agora, Village People, o Village People e era isso.

E hoje em dia, eu não, eu saio muito menos hoje em dia para a balada, que hoje
em dia chama balada, né, não é um programa que eu goste. Eu gosto de ir em
bar, beber um drink, bater um papo, ir ao cinema e eventualmente eu vou em
uma balada, mas não é frequente.

L: E Bira, esses locais que eram mistos? Acho que essa é uma grande questão
a se abordar. Claro que a gente tá falando de marcadores de sexualidade e
locais que são de certa forma exclusivos para as pessoas LGBTs, mas eu acho
que esses locais mistos, são muito importantes de serem abordados.

Aí eu queria que você falasse um pouco mais deles, você citou uma dessas
boates que podia ir gays, mas queria saber também, se tinha outras, ou bares
também. E aí só para frisar, de que lugares de sociabilidade, lugar de memória
é qualquer lugar, então, se você quiser me contar eu vou ficar muito feliz em
saber.
149

U: Mas é, você sabe que você caiu, você se tocou ?

L: Aí, tá difícil essa plataforma, hoje. O que eu tava falando é que seria muito
legal também ouvir um pouco mais sobre esses lugares mistos, que eram
majoritariamente héteros, mas que poderiam ir gays. Eles poderiam ficar
tranquilamente nesses lugares? E tudo que você citou é de certa forma lugar de
memória, né, então banheirão é também um lugar de memória, cinemão é
também lugar de memória, então se você quiser falar mais deles eu vou ficar
muito feliz em ouvir.

U: Tá, agora veja, esses lugares que eu tô falando, bares e boates dessa década
de 70, não era um muito misto não, sabe? Era o que tinha, tinham gays e
lésbicas, tinha alguns lugares que tinham mais gays do que lésbicas e tinham
alguns lugares que tinham mais lésbicas do que gays. E as pessoas héteros
eram exceções, excepcionalidades, tá? Então eram lugares autorizados para
beijar na boca, ter namorado, dançar junto, rostinho colado e tal, eram lugares
autorizados. Os lugares assim, liberou geral, quer dizer, que vai hétero a vontade
e os gays vão também como, o Senhora Kravits, por exemplo, como o
Colorido, de uma certa forma, como aquele famoso que era ali, nossa, como é
o nome, o Massivo, esses lugares são década de 90, entendeu? Quer dizer,
nesses lugares, vamos dizer híbridos, modernos, né? Lugares modernos, que ia
moçada e que eventualmente você estava com um cara, você dava um beijo e
é uma pegada que até hoje acontece. Na década de 1970, “No” bebê!

Na década de 70, você tinha que saber se aquele lugar chamava boate gay, não
era qualquer boate, era uma boate gay! Então, os heterossexuais iam, mas eles
sabiam que o espaço era gay. O Medieval por exemplo, quando inaugurou, era
um lugar chiquérrimo, um monte de artistas frequentavam, iam ver os shows.
150
Muita gente ia ver os shows, heterossexuais, mas era um lugar autorizado para
gays e onde os gays iam.

Essa coisa de mistura, é uma coisa mais recente, porque se eu entrasse, sei lá
na década de 1970, entrasse com o meu namorado em um lugar que não fosse
autorizado, pré-autorizado, que eu não soubesse que eu estava autorizado a
beijar meu namorado eu não beijaria, sob pena de apanhar, ser expulso e o
c****** a quatro. Então era uma coisa bem mais, não que era delimitado, era uma
coisa escondida, quer dizer, era segregado, então você sabia onde você podia
ir.

Então o 266 West, que eu citei, era um lugar gay, então se fosse um casal hetero,
não ia ter problema nenhum, agora se fosse um casal hetero, encher o saco das
gays, iam falar - escuta meu senhor, o senhor não pode encher o saco da gente,
porque esse lugar, aqui a gente pode! Entende? Então tinha essa distinção,
assim.

Agora banheiro não né, banheiro sempre foi uma festa, até hoje você não
conhece as pessoas no banheiro público, você pega em um pinto, você não fala
assim: você pode mostrar a certidão de casamento, se o senhor é casado com
homem ou com mulher? Isso não existe, então os lugares de sexo, esses sempre
foram uma bagunça e continuam sendo e serão sempre, uma bagunça no
sentido que não tem nada de identitário ali, tem é tesão.

Mas houve também um momento, e aí no final da década de 1970 e 1980, que


teve uma visibilidade, porque o movimento LGBT começou a pedir visibilidade e
isso começou a acontecer. Até um pouco como reação à ditadura, então Ney
Matogrosso, As Frenéticas, que eram um super desbunde, aquela os Dzi
Croquettes. Então aí começou a aparecer essas coisas e aí começaram a
aparecer lugares mistos, mas até então era bem mais segregado.
151
L: Legal, Bira. E você comentou um pouco sobre a medieval. Acho que antes da
Medieval, ela era Hi-fi, né? Da Elisa Máscaro? E ainda na década de 1970, tem
mais algum lugar que chegou a te marcar, que também era um lugar identitário,
se você puder comentar também.

U: É então a Hi-fi não era da Elisa

L: É, eu acho que não era a Hi-Fi. Eu me confundi.

U: Era K-7.

L: K-7, exatamente

U: Mas a Hi-Fi existiu, existiu, mas não era da Elisa, era mais um bar, assim, um
lugar de encontro e era em cima de uma discoteca, uma coisa assim, pequena,
uma escadinha que você subia. Discoteca, espera um pouquinho, discoteca era
um lugar que vende discos, não é o movimento disco dos anos 1980, que eu tô
falando discoteca, é porque é o nome que se dava para o loja de discos. Os
discos eram coisas redondas, pretas, deste tamanho, enormes, que se vendiam,
eram físicas. Aí você subia uma escadinha e tinha a Hi-Fi.

Então nessa época, nessas primeiras casas, tinha a Condessa Mônica do


Nostro Mondo, que é uma casa que não tem como não lembrar, a Nostro
Mondo, era assim, mais popular e tinha casas para lésbicas. Tinha a Hunters,
bom, tinha bares para lésbicas que são famosos, o Ferro's Bar e tal, mas tinha
casas, boates para lésbicas, né. E a gente ia, quer dizer, os gays iam nos lugares
152
das lésbicas, porque é como eu falei a frequência era maior de lésbicas, mas a
gente era tudo mano e mana, então a Hunter, a Full House, que foi bafônica,
né, aqui na Augusta, e aí foi um pouquinho depois.

Mas as primeiras mesmo, foram a Medieval e a Nostro Mondo e depois a HS,


um pouco depois, que a HS veio arrebentando, quer eram os 3 master points
dessa época.

L: Sim, e aí só para confirmar. Quando você entrou na universidade, jovem, né,


tinha aí pelos seus 18 anos? Tinha algum lugar dentro da Universidade que te
marcou como lugar de sociabilidade? Pode ser um show, um centro acadêmico,
que tinha um pouco dessa socialização e que também te marcou. Ou eram
apenas esses locais mais identitários e públicos, voltados para gays e lésbicas
no centro da cidade que te marcaram?

U: Olha na universidade, eu fiz universidade várias vezes, mas na primeira


universidade que eu fiz, aliás, a mesma Universidade vários cursos, eu fiz
matemática na USP em 1978. Não tinha, eu acho que eu era o único gay, pelo
menos declarado, que falava que era gay. Então não tinha uma sociabilidade
gay, não tinha isso, era uma coisa muito mais política de resistência à Ditadura,
o movimento estudantil era uma coisa muito mais política.

E de uma certa forma, a liberação, a liberalidade com os gays era uma proposta
política, era uma maneira política de se colocar no mundo, né? Então, não tinha,
não poderia dizer que havia um movimento identitário, ligado às LGBTs na
universidade.

Mas existia o movimento LGBT político. A política na realidade começou!


Tiveram alguns movimentos, de pessoas mais velhas que eu, que foram os
movimentos já super conhecidos do Lampião, o pessoal que se reuniu para fazer
o Lampião da Esquina, o pessoal do grupo Somos e de outros grupos dissidentes
153
do grupo Somos. Então esse movimento político que começou a acontecer,
muito por conta da Constituição de 1988, quer dizer, à discussão sobre a
Constituição, ela mobilizou um pouco a sociedade e os gays queriam espaço ali.
Então eu acho que isso ajudou um pouco a gente a pensar politicamente, então
esses espaços, se a gente pensar em identidade como a gente vê hoje em dia,
eram esses espaços mais politizados, que muitos gays não curtiam essa coisa,
por que não queriam militar, né e tinha aquela história "eu quero ser reconhecido,
eu quero ser naturalizado na sociedade, eu não quero marcar minha diferença,
eu quero que esqueçam a minha diferença". Essa é uma conversa que tem até
hoje, né.

Bom mas assim, por conta de conseguir espaço na constituição e por conta de
algumas pessoas se organizarem, a gente passou a ter alguns focos de
desenvolvimento político, que acabou redundando em sociabilidade, em
espaços de sociabilidade. Eu nunca frequentei um lugar para me reforçar, para
reafirmar a minha identidade, eu sempre frequentei lugares de lazer, só que os
lugares de lazer que eu escolhi, eram lugares que eu me permitia que eu fosse
eu mesmo, que eu beijasse, que eu caçasse, imagina? Porque você toma banho,
se arruma toda linda é porque você quer caçar alguém, né? Porque eu ia no
lugar hétero, entendeu? Que eu tinha que ficar durão, porque se eu olhasse
muito para um cara, podia ter problema, enfim. Então claro que eu procurava
lugares de sociabilidade gay, mas era por isso, porque eu queria conhecer
pessoas, transar e me divertir e até hoje inclusive.

L: Sim! E Bira, você poderia falar um pouco, acho que você comentou, bastante
sobre essa questão dos lugares dos anos 90 e essa questão desse Mix. Aí eu
queria que você adentrasse mais nesses lugares. Pode falar um pouco dessas
casas? Fazer uma pequena descrição, principalmente onde eles ficavam
localizados, porque eles são fundamentais. Acho que de 1980 e 1970, que você
já abordou os principais, mas de 1990 em diante seria legal ouvir também.
154

U: Tá, deixa eu só complementar isso que eu tava falando anteriormente, que


estava dizendo que até hoje eu saio para caçar, quer dizer, quando eu vou,
quando eu saio para lazer, eu tô na pista, eu tô para negócio, eu tô solteiro, tô
saudável, pronto e vou. Agora, existem muito poucos lugares, hoje em dia, para
você paquerar, comparativamente com os lugares de antigamente. Porque nos
lugares antigos, você saía ia num bar, pedia um drink, ficava olhando, olhava
aqui, sorria ali. Hoje em dia, tem os tais aplicativos e aí as pessoas vão em um
bar caçar, mas ficam caçando no aplicativo, mas enfim, isso é só uma
constatação. Acho que você caiu de novo, deixa esperar.

L: Eu caí, mas eu só perdi a parte final, tá difícil esse meet hoje, desculpa.

U: Imagina! Não, eu estava dizendo que antigamente a gente saía para


conhecer pessoas, em vista a ter alguma relação afetiva, sexual ou ambas, em
geral sexual primeira e afetiva depois. Ainda é assim hoje em dia, só que as
pessoas procuram isso nos aplicativos, então esses lugares de sociabilidade
com essa finalidade, são mais raros e quando eles existem, por exemplo tem
lugares da década de 60 abertos, ainda hoje. O Caneca de Prata, por exemplo,
tá lá aberto, mas se você vai no Caneca de Prata hoje, as pessoas estão todas
no aplicativo, então é muito engraçado isso, porque você tá num lugar para os
pessoas se conhecerem e elas estão se conhecendo, conhecendo pessoas que
não estão lá, conhecendo pessoas pelo aplicativo. Mas enfim, isso é tudo rende
várias teses de doutorado a esse respeito, mas isso impactou, os aplicativos
significam uma mudança muito grande nos espaços de sociabilidade dos
homossexuais, isso é uma coisa que eu queria falar.

Outra coisa é a seguinte, antes de falar dos mistos, dos lugares mistos, que eu
sei que você tá interessado, eu acho que à noite, que a gente pode chamar
155
assim, à noite gay. Esses espaços de lazer e sociabilidade gay, eles tiveram um
impacto muito grande no começo dos anos 1980, um pouco por conta do filme
do Al Pacino, como é que chama aquele filme? Eu vou lembrar! Eu vou lembrar
o nome do filme é um filme que falava de uns fetiches, assim, tinha uma boate
lá em Nova Iorque, que tinha uns fetiches, um povo que fazia xixi um no outro,
que batia e não sei o quê. Não lembro agora do nome, Parceiros da Noite! E
nesse momento, inclusive tinha um código de lenço, de cor do lenço, que você
usava. Você sabe a história dos lenços? Você deve saber, não?

L: Não.

U: Então você tinha cores que significavam coisas, então assim, por exemplo,
vermelho é porque você era sadomasoquista, mas se você usasse no bolso
direito é porque você era sadomasoquista querendo dar porrada, se você usasse
no esquerdo é porque você era um sadomasoquista querendo apanhar, enfim,
tinha lá uns códigos.

Enfim, foi assim, uma subcultura ligada à sexualidade, ligada a P********, melhor
dizendo, dos gays e isso teve um impacto muito grande na noite brasileira,
acredito que no mundo todo, por que começaram a aparecer nas boates, lugares
para trepar, que não existiam antes. Começaram aparecer os Darkrooms,
começaram a aparecer, aqueles Glory Holes, que você deve saber o que é
naturalmente, então começou a ter, muito mais recentemente nos anos 90, tinha
aqui, uma boate no centro, lá no Jardins, que tinha um andar inteiro para transar,
Danger. Esqueci o nome da boate agora, tinha boates que eram sauna junto,
então tinha bar, boate e sauna que era um aquário, não, não era um aquário,
enfim não lembro o nome, mas que era na Treze de Maio.

Então começou a ter essa coisa da p****** e as pessoas iam se divertir, mas elas
não iam apenas para se conhecer e depois iam para casa transar, como até no
156
começo dos anos 1980, elas iam fazer lá mesmo, já transava lá mesmo e com
esses requintes de p*********.

Evidentemente, que chegou a AIDS e deu uma derrubada geral, né, todo mundo
sabe disso, naquela época abriram muitas saunas, fecharam muitas saunas
também. Mas também é verdade, talvez em razão dessa visibilidade que os gays
foram tomando, os gays e as lésbicas, que esses espaços de mistura
começaram a ser modernos, digamos assim, se a frequência do seu espaço, da
sua casa noturna fosse mista, seria interessante isso. Era um ponto, vamos dizer
assim, elogiável. Não vou dizer um ponto de venda, né, mas o fato de você ter
gays e lésbicas, queria dizer que você era um super empresário descolado,
então maior legal, sabe?

Então tinha uns lugares assim, o Massivo, que foi uma casa muito conhecida,
muito bochichada, aqui no Jardins, que era isso, você não podia dizer que era
uma casa gay, ninguém falava era uma casa gay, mas sei lá 80% das pessoas
eram gays e tinha muita gente que não era gay.

Teve umas outras baladas a Trash 80, também era uma balada que você não
podia dizer. Você já tá começando a fazer carinhas, de já ouvi falar disso, né?
Que era umas baladas, assim, tipo, não era uma balada gay, porque balada gay,
não tem nada a ver falar assim - balada gay. Segrega muito, é para todo mundo
e tal, então também foi um movimento de acolhimento, foi uma proposta digamos
assim, de um modelo de diversão, de vida noturna. Assim como teve uma época
dos bailes punks. Por exemplo, teve uma época que não tá ligada aos gays,
embora os gays frequentavam muito, de baladas em porão, tudo pintado de
preto, um povo todo furado, gritando e tal, né. Então é uma estética, sei lá, um
modelo e os viados tavam em todas, (risos).

L: Tem festinha eles vão, (risos).


157
U: É porque, se tem homem, vai.

Bom, mas aí você pediu descrição, né, tinha Senhora Kravitz, que tinha esse
modelo parecido com o Massivo, que era basicamente assim, uma garagem que
você entra e vai, entendeu? Não tinha, assim, espaços que a gente chamava de
balada, era disco! Discoteca! Então teve uma época que se falava assim:
discoteca, discoteca era um lugar mais arrumadinho, sabe? Um lugar que tinha
um DJ, às vezes tinha show ao vivo, às vezes você jantava na discoteca, tinha
um espaço que você podia jantar e tal, isso era discoteca. Agora quando eu tô
te falando desses lugares chamados alternativos, como a Senhora Kravitz e o
Massivo, estamos falando assim de lugares que abriram as portas, bota o povo
lá e vai! Então era uma coisa muito mais, não é popular, porque não eram
propriamente lugares baratos, mas era uma proposta, uma proposta de estar
tudo meio bagunçado, tudo meio, como o Radar Tantã foi assim, como aqui no
Bixiga também tinha uma casa, uma casa dessas, Madame Satã, sabe?
Madame Satã era isso, uma casa velha, toda pintada de preto, que você abre a
porta e botava o povo todo lá dentro, deus me livre, parecido com lembra um
pouco hoje, essa da Frei Caneca, A Lôca.

L: A Lôca.

U: Lembra um pouco essa proposta da A Lôca, abre a porta, bota tudo lá. Só
que tinha uma proposta cultural também, de vez em quando tinham uns shows,
umas danças, umas performances e tal. Então nesse momento, realmente era
tudo misturado, gay não gay, tava todo mundo para negócio na realidade, a partir
de um certo momento os lugares, digamos assim, mais segregados,
continuaram. Em geral mais ligados aos jovens, a Condessa Mônica da Nostro
Mondo, a boate dela, sempre foi para jovenzinhos, sabe? Não misturou, quer
dizer, algumas boates que começaram para o público gay, elas continuaram,
mas vieram também esses espaços mistos para somar. Então as gays mais
158
modernas, mais descoladas, em geral iam nesses espaços mistos. E as mais
pobrezinhas assim, poderiam ir em um lugar, ir no outro. Mas manteve-se
aquelas boates mais segregadas, como a Corintho, foi também e também esses
espaços acolhedores, que são mistos né.

L: Ah muito legal, Bira! E me conte um pouco sobre as pessoas, tem alguém que
te marcou muito, dentro desse período, imagino que tenha várias pessoas. Mas
pessoas que também você possa indicar para entrevistar, pessoas que talvez
tenham essa vontade de falar e estavam presentes nesses espaços, enfim que
flutuam na sua memória.

U: Bom, das vivas, são poucas né, porque tem pessoas importantíssimas que
morreram. Porque a AIDS, não precisa falar né, todo mundo sabe. Eu tenho um
rapaz que é um amigo meu, um pouquinho mais velho, que ele gosta de falar
dessas coisas e tal, ele tá casado. Eu tô com 61, ele deve estar com 65, por aí
e ele foi inclusive meu namorado, foi o meu primeiro namorado e a gente é amigo
até hoje. Está super casado e tal e ele gosta, às vezes eu indico, assim, quando
alguém quer uma entrevista e ele gosta bastante de falar e, ele foi do grupo
Somos.

L: Ai que legal!

U: É ele sabe mais dessa coisa política do que eu.

L: Ah, seria super legal conversar com ele. Ah, gostei muito, Bira. E aí queria
saber se tem mais alguma coisa, que você queria comentar e acabou passando
despercebido nas perguntas, alguma coisa que você queria dar mais ênfase
também, que você acha importante para ficar.
159
U: Ah, o que eu acho importante de acrescentar é que as pessoas da minha
idade também gostam de se divertir, de sair, de curtir, né. E a gente tem uma
balada, que acho que todo mundo conhece, que chama ABC Bailão, que é uma
balada que vai gente da minha idade. Assim, eu não tô gostando muito de
barulho ultimamente, então eu não tenho ido. Mas o que eu quero dizer é que a
gente gosta de dançar, de cantar, de trepar, de beber, a gente continua gostando
de tudo que sempre gostou, mas os espaços são mais raros, para as pessoas
mais idosas. Embora eu nunca tenha sido rejeitado em um espaço jovem, mas
a gente fica meio assim, meio sem ter o que fazer, sabe? Meu último namorado,
ele tinha 26 anos, quando a gente namorava. Nossa faz tempo já! Mas enfim, eu
tinha o dobro da idade dele e ele gostava muito da A Lôca e eu ia na A Lôca e
eu dizia para ele - mas a gente vai na Lôca, mas quando me der sono eu vou
embora e você fica aí.

Então eu nunca fui maltratado, lá, eu tava sempre com ele e tal, mas é um lugar
que se eu fosse sozinho, eu acho que eu me sentiria mais excluído. Acho que
por falta de pontos de contato, mesmo, por socializar com pessoas muito jovens,
né? Então, o ABC Bailão quis registrar, porque é um local de pessoas da minha
idade, mais velhas do que eu até, que é o modelo igualzinho do que era
antigamente. Então se você quiser saber como era uma balada, uma boate
antigamente, vai no ABC Bailão que é aquilo, exatamente aquilo. Um monte de
gente querendo beijar, um monte de gente querendo trepar, um monte de gente
querendo namorar, um monte de gente bebendo, um monte de gente dançando,
só que estão mais velhinhos, mas era exatamente isso. Tirando os shows, os
shows eram mais comuns, hoje em dia não tem mais show no bailão, mas
antigamente a gente tinha muito show no Bailão e tals e isso já acabou um pouco.

L: É, hoje tem a Blue Space, ainda, mas tá meio que em um abre e fecha, assim,
não sei se era assim, mas acho que é a única que eu frequentei, que tem show.
160
U: É, tem shows mas, muitas vezes é meio focada no erotismo, né, aparece uns
boys, uns boys com pinto duro e tal e aparece umas bonitas lá. Mas quando eu
estou falando, no São Paulo em Hi-Fi, a gente vê bem isso, que quando eu estou
falando de show lá na década de 1970 e começo de 1980, a vocação do lugar
era essa. Então vinha, veio Teatro de Revista, veio o Walter Pinto. Tinham casas
noturnas, tinha o Sargentelli, casas noturnas focadas em show, na performance,
no glamour, isso não tem mais. Mas aparece umas bonitas meio penosas, de
vez em quando na Blue Space, ainda tem isso, mas não é a alma da casa é
outra coisa.

L: Sim, totalmente, totalmente! Então Bira queria encerrar por aqui, queria
agradecer demais! Você mencionou vários lugares que eu não conhecia e que
eu nunca tinha ouvido falar, principalmente esses da década de 1990. Eu garanto
que essa entrevista vai ser super importante para compor esse inventário. E
assim que eu transcrever e também formalizar esse inventário eu te mando uma
cópia para você poder ver, dar uma devolutiva, para você falar também o que
você achou. Acho muito importante essa participação, esse feedback de todas
as pessoas que eu vou entrevistar e, queria agradecer demais, foi um prazer
enorme em te conhecer também!

U: Se eu lembrar de outras casas eu te mando por escrito, tá bom? Porque tem


muitas outras que eu não lembro o nome agora, mas eu vou tentar fazer um
retrospecto e te mando por escrito, tudo bem?

L: Legal, vou querer saber sim, então vou encerrar aqui a nossa gravação. Deixa
eu ver como é que eu faço isso aqui, encerrando.

U: Tá bom!
161

ANEXO 6 - DEVOLUTIVA DO PRÉ INVENTÁRIO


Preenchido por Ubirajara Caputo De None

Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?


Tem
elementos
que faltaram
Referência
N Sim Não na entrevista
ome do (marcar (marcar e gostaria de
Id. local Tipologia com X) com X) Gostaria de justificar? adicionar?
O Roleta esteve em mais de um endereço, todos
na R. Rego Freitas. No segundo endereço, foi
onde viz pela primeira vez show de uma
transformista (Lola) que foi uma caricata de
sucesso à época, dublando Inezita Barroso na
famosa Marvada Pinga. Como um dos primeiros CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
lugares a abrigar shows desse tipo, se poderia [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
considerar um patrimônio. No entanto, por São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
justiça a outros locais muito mais famosos, concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
1 Roleta Bar X resolvi responder Não. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
162
Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
2 Danger Noturna x Não vejo uma contribuição histórica da Danger. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento


Obviamente. Nos anos 70 era local de paquera [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
e não de prostituição. Passeava-se por lá como São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Praça da nas praças do interior, a procura de romance concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
3 República Praça X e/ou sexo. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento


[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Acho importante e constantemente lembrado por São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
ser um dos primeiros bares feitos para ir a dois. concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
4 266 West Bar X Um lugar romântico e escurinho para namorar. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
A galeria nos 70 era ponto de prostituição CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
masculina. Além disso, o cine Metrópole, dentro [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
da galeria, passava de um glamouroso e lindo São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Galeria espaço familiar para um centro de pegação em concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
5 Metrópole Galeria X seus banheiros. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
163
Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
6 Medieval Noturna X Acho a maior referência da noite gay paulistana. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Nunca antes ou depois houve shows de São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa transformistas com tamanha qualidade. concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
7 Corintho Noturna X Importantíssima referência. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
A Gentes representa uma disrupção no que [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
vinha sendo entendido como lazer gay porque São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa deixava os shows glamourosos de lado, e focava concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
8 Gentes Noturna X na pista. Foi uma marca importante dos anos 90. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Um conceito inovador que abrigava restaurante. São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Village Casa Bar, teatro, pista, cinema pornô e dark room. concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
9 People Noturna X Referência de bom gosto e lazer. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
164
Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Senhora Casa Eu não diria que fosse um patrimônio gay porque concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
10 Kravits Noturna x o público era bem heterogêneo. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa Pouco conhecida. Foi uma tentativa de levar o concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
11 Colorido Noturna X “fervo” para a parte nobre da cidade. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento


Assim como a Sra. Kravitz, não me parece um [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
local de sociabilidade gay por excelência. Mas é São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa interessante que nessa época houve uma concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
12 Massivo Noturna x mescla do público hétero e gay. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Eu não conheci. Sei que é anterior ao Medieval. São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa Mas acho que foi a primeira, embora não tão concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
13 K-7 Noturna x famosa quanto sua sucessora. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
165
Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
Um conceito interessante de sociabilidade gay. [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Acho que vale a pena pensar nesse espaço São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa como um dos primeiros lugares em que se podia concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
14 Hi-Fi Noturna x ficar a vontade, sem que fosse uma boate. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Definitivamente sim. A Nostro Mundo abriu as São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Nostro Casa portas do fervo para a periferia e as gays concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
15 Mondo Noturna x jovenzinhas. Importantíssima referência. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa Acho que não tem nada de especial como é o concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
16 Hunters Noturna x caso de outras boates da época. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Ferro's Muito importante referência, sobretudo para as concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
17 Bar Bar X lésbicas. Inesquecível espaço no estilo botecão. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
166
Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
18 Full House Noturna x Nem lembro agora é que foi isso. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
Muito importante. Não há dúvidas que a HS
representou um momento de virada na noite CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
paulistana. Desviou o foco da Augusta para o [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Homo centrão (Marque de Itu) e ficou famosa pelos São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Sapiens Casa shows e pela frequência de celebridades como, concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
19 (HS) Noturna X aliás, acontecei anteriormente com a Medieval. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
O bar já funcionava nos anos 60 e era famoso [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
pela frequência das gays idosas. Está em São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Caneca de funcionamento até hoje. Claro que é um concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
20 Prata Bar X patrimônio LGBT. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento


[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa Público misto e a proposta não era propriamente concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
21 Trash80 Noturna X LGBT. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
167
Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Difícil dizer. O Radar é uma referência São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Radar Casa indispensável, mas não era voltado ao público concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
22 Tantã Noturna x gay. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
Não era exclusivamente gay, mas considerando CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
que naquele momento havia uma mescla de [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
públicos, acho que pode ser considerada um São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Madame Casa patrimônio. Além disso, Claudia Wonder fazia concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
23 Satã Noturna x shows lá. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
Mais recente e ainda em funcionamento. Acho [03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
um local para lembrar. Ficou conhecida por ser São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa frequentada pelo pessoal que curte drogas. Isso concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
24 A Lôca Noturna X não era tão comum em tempos mais remotos. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Acabou sendo marcado por frequência das gays São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
ABC Casa idosas e mantém muito de “jeitão” das boates concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
25 Bailão Noturna X antigas. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
168
Considera esse lugar patrimônio da população LGBT de São Paulo?
CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento
[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Casa Nada a ver. Os shows eram para o público concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
26 Sargentelli Noturna x hétero. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo

CAPUTO, Ubirajara.Ubirajara Caputo: depoimento


[03 de dez. 2021. Entrevistador: Leonardo Arouca.
Acho um local importante por conservar São Paulo, 2021. 1 arquivo de vídeo Entrevista
Blue Casa atualmente os shows de travestis, drags e concedida ao projeto do Inventário Participativo dos
27 Space Noturna X transformistas. Lugares de Memória LGBTI+ da cidade de São Paulo
ANEXO 7 - ENTREVISTA COM LILI VARGAS

Entrevista com Lili Vargas realizada em 15 de Agosto de 2018

Leonardo Arouca: É, então primeiro Lili, eu queria que você se apresentasse.


Falasse um pouco de você, que falasse o seu nome, se possível a idade, quando
chegou em São Paulo.

Lili Vargas: É já passou da idade, não tem nem idade.

Leonardo Arouca: Se possível, se não puder, tudo bem.

Lili Vargas: Bom, é um prazer imenso estar aqui, é uma satisfação, de eu ter
chegado até aqui e estar podendo narrar algumas coisas que nós, eu e as
minhas colegas, que muitas delas já não estão mais, do que acontecia, de como
era o meio GLS. As coisas que eram, e que hoje não tem.
Então, meu nome é Lili Vargas, eu tenho 68 anos, novinha ainda e eu sou
consultora de imagem, sou formada na faculdade Anhembi Morumbi e sou
autônoma. Não tenho fixo, não tenho compromisso com ninguém. Então eu pego
eventos de coisas que me convém e eu faço os eventos, muito nos interiores.
O meio que eu lido, que é o meio GLS a noite, que é assim as baladas, as boates,
os desfiles, os eventos e shows, eu to sempre participando. Então eu fazia muito
show na época né. Na época a gente não tinha trans, não tinha travesti, então
eram - montadas, que a gente falava, a gente falava assim, que a gente se
montava para fazer um show, montada no palco, que hoje é tipo uma drag, na
época a gente era montada.
E era muito legal, foi aí que eu comecei a minha vida, comecei com 14 anos. Foi
quando eu fui conhecer o meio, porque até os 14 anos eu praticamente não sabia
que eu… sabe? O que acontecia comigo, porque eu achava muita diferença nas
coisas, principalmente, no setor sexual, assim, sabe.
Então eu nunca me senti um garoto, um homem… nunca! Sempre me senti
mulher - feminina, então eu tenho uma alma feminina, tá. Eu nunca tive nada de
homem, nada, mesmo quando eu era garoto, eu tinha todos os traços de menina,
tanto é que me confundiam muito.
Falavam - Ah é a sua filha, né? E minha mãe falava - não é meu filho.
Então eu sempre fui delicada, assim, carinha de menina, e aí, por dentro eu
sempre fui feminina. É o que eu sempre falo, não é que eu queira ser mulher, eu
sou feminina, então é diferente. E tudo isso aqui, essas, esse visual feminino que
eu tenho agora, foi no acompanhamento, no tempo, tá, que eu fui me
preparando, fui sentindo muitas coisas diferentes, no homem, numa mulher, foi
então com 14 para 15 anos, que eu comecei a perceber que tinha alguma coisa,
que não era o que a sociedade queria. Enquanto a minha família, meu pai e
minha mãe, que sempre foram pessoas maravilhosas que eu já não tenho mais
os dois.
Meu pai era jornalista e trabalhava na época com o Ibrahim Sued, que era um
jornalista muito conceituado, muito conhecido na época. E a cabeça dele era
muito sabe, muito, para frente, evoluída mesmo, uma pessoa que não se
preocupava com esse tipo de sexualismo, sabe? Se a gente era homossexual,
se não era, para ele tava tudo bem. Aí eu fui percebendo as coisas… que eu não
era mais o menino que eu via. Assim, a diferença entre os meninos na escola e
os meninos sempre, sabe? fazendo chacotinha. E eu era assim menina, porque
eu era bem delicada, entao na época a gente nem falava assim - homossexual,
falava pederasta, porque era uma coisa meio assim, pesada com as palavras,
entao nao tinha essa coisa de gay, era pederasta, entao voce já era marcada.
E a gente era muito julgado, muito, muito. Sabe, as famílias, os meninos, os
outros meninos, não queriam ficar com a gente, sabe, então a gente sempre foi
excluído, sempre era excluído, ali a gente era diferente, querendo ou não
querendo, você é diferente.
Mas nessa parte, de rejeição, das pessoas agredirem e os meninos irem e
fazerem chacota, como se diz hoje, bullying, eu não tinha muito, porque eu
sempre fui uma pessoa mais meiga, mais assim, tranquila, então eu sempre
conseguia envolver eles numa amizade, sabe? E fazer com que eles
percebessem que eu não era aquela coisa que todo mundo fala, ou falava, então
eu conseguia amenizar a situação com os meninos. Lógico que às vezes, eles
falavam - ah, sua mulherzinha. Aquelas brincadeiras, de quando a gente
brincava com eles, assim, então, eles sempre falavam, mas até aí nada mais.
Mas com o tempo eu fui crescendo, eu morava no interior, minha família era do
interior, nós somos, eu sou de mineira, eu nasci em mineira, minha família é de
mineira, minha família tinha fazenda de laranja, um monte de coisas, uma família
bem conceituada. Mas eu vim para Jundiaí, morar em Jundiaí e fiquei lá
praticamente, até 11 anos, eu fui criada em Jundiaí, aí com o serviço do meu pai,
ele viajava muito, ele tinha muitos, esses eventos de reportagem dele, ele
precisou vir para São Paulo.
Aí, nós viemos para São Paulo, eu tinha 11 anos, foi quando eu terminei o meu
primário, depois terminei meu colégio, aí que eu fui fazer faculdade. E eu vim
para o Ipiranga, para o bairro do Ipiranga, ali no Museu do Ipiranga, que é a Av.
Nazaré. A gente tinha uma casa, inclusive ainda eu tenho, que ficou, no começo
da Nazaré quase, com o Museu ficou, ali foi a minha infância, todos os meninos,
o pessoal todo, do colégio. E aí eu fui crescendo, crescendo e sempre, os
meninos sempre, polindo, enchendo, aquelas brincadeiras de garoto com garoto,
mas eu gostava (risos).
Então, foi lindo, aí eu comecei a conhecer um pessoal do bairro que também era
gays, aí a gente começou a ter amizade, Kaká di Polly, meu amigo de infância,
que é do Ipiranga, nós fomos vizinhos até bons anos ali, um tempão. A gente
ficou morando vizinhos e as nossas famílias eram também conhecidas e ele é
uma pessoa, sempre foi aquele Kaká maravilhoso, também com as exigências
da família, aquelas coisas todas, mas aí, a gente começou a se entrosar. Eu
comecei a me entrosar com o pessoal do bairro, e aí era um pessoal mais
avançado, que frequentava a cidade. Até então eu não conhecia nada, eu só
conhecia o bairro e um pessoalzinho do bairro, aí um dia me trouxeram para a
cidade. Falaram - Vamos, vamos para a cidade, aí eu - vamos conhecer, né,
vamos lá.
Aí eu cheguei na cidade, naquela época era a Av. Ipiranga, a Galeria Metrópole,
que as ruas 24 de Maio, Barão de Itapetininga e 7 de Abril, era, a gente chamava
de Autorama, porque os rapazes de carro ficavam rodando e as meninas… os
gays, ficavam tudo ali, andando a pé e eles ficavam de carro, paquerando.
Naquela época, faziam o Teatro Municipal, era tudo aberto, e no final, assim, do
encontro, o ponto de encontro era a Galeria Metrópole, onde tinha um bar de
esquina, onde todos tomavam café. Então os meninos de carro vinham, paravam
de frente e ali ficava todo mundo, os meninos da cidade, os gays. E não tinha
travesti na época, não tinha nada, só tinham garotos femininos, bem afeminados
e não tinha nada disso ainda.
Aí, era muito movimentada, era todos os dias, aí eu fiquei apaixonada, eu falei -
Meu Deus, que coisa maravilhosa, aí não sei o que, aí a gente fazia Metrópole,
descia a Av. São Luiz, a Ipiranga, descia até no Cine Ipiranga, que hoje não tem
e na esquina, tinha um bar que se chamava Jeca e esse bar era esquina com a
São João e a Ipiranga, era um barzinho de esquina assim, que hoje agora é uma
lanchonete de frutas, de sucos, e ali iam todos, todos, todos e todos. À noite iam
tomar café ali, então ficava ali, e o Cine Ipiranga ficava aberto até então, então
aquele vulco vulco lá dentro, né.
Aí a gente subia de novo a Ipiranga, São Luiz e ia para a Galeria Metrópole,
chegava lá na Metrópole e ficava outro fervo com o pessoal todo, aquela coisa
toda, aquelas paqueras e descia de novo, e isso ia a noite toda, era a noite toda
todos os dias.
E nesta época nós tínhamos a Ditadura que a viatura da polícia era preta e
branca e eles tinham um carro que se chamava Veraneio, não é um Caravan, é
um carro enorme era tipo de uma perua… eu nao sei como que é o nome, mas
é um carro assim, tipo de um carro grande e era, eles, só tinha aquele carro
quem era polícia, quem era do Deic naquela época. E a gente ficava ali, naquele
fervo, não sei o que. E aquele preconceito, né? E quando eles vinham, ele vinha
assim, de quatro, cinco, de repente, sabe? Eles chegavam batendo, sabe,
pegando pelo cabelo, te arrastando, não importava, onde, o momento, e te
jogavam no meio do carro e normalmente eles levavam a gente, no Parque Dom
Pedro, naquele castelinho, que era uma delegacia deles, da repressão.
Então não tinha, não tinha, certo, sabe, se você estava ali naquele local você ia,
se você estava sentado ali no meio do bar, vários te tiravam do meio do bar e
você ia, não tinha, entendeu? E tinha uma lei na épocas que chamava Vadiagem,
era uma lei, se você não trabalhasse, se você não tivesse uma carteira
registrada, para profissional registrada, eles te levavam, então você tinha que
estar trabalhando com a carteira no seu nome, no bolso, registrado, porque a
hora que eles te parassem você, tinha que mostrar, se você tava registrado,
senão eles te mandam embora. Mas se você não tinha registro, você ia como
vadiagem, aí você ia até o distrito, chegava lá, assinava um termo que era
Vadiagem e ficava lá, às vezes ficava até dois dias, sabe? E jogava todo mundo
lá, dentro do meio da cela, aquela coisa toda e tinha que esperar a vontade deles
soltar e isso foi assim um bom tempo, bons anos.
Na Vieira de Carvalho...

Leonardo Arouca: Só um momento, é eu só queria saber, você lembra o ano


que você começou a frequentar:

Lili Vargas: Foi em 1968, mais ou menos, para 1966, 1967, daí para frente.

Leonardo Arouca: E já existia a Galeria Metrópole?

Lili Vargas: Já, já foi o auge, foi o auge inclusive. Era a mesma coisinha, tudo
aqueles barzinhos que tem, que agora são restaurantes, era a mesma coisa e
aquela praça, eram ruas, onde os carros paravam e passavam e a 24 de Março,
7 de Abril e Barão, era tudo aberto, eram ruas onde vocês podiam andar com o
carros.
Então nessa época, o que aconteceu, na Av. Vieira de Carvalho começou um
movimento, dos gays, dos homossexuais. E no final e agora que na esquina, que
tem a Cantho, aquelas boates que tem ali, no final quase lá para baixo, tinha um
barzinho… eram vários barzinhos, tinha um barzinho que se chamava DiVocê.
Esse barzinho era uma porta, né, com umas mesinhas, um corredor imenso, com
as mesinhas e as cadeiras laterais, depois tinha mais para o fundo e no meio da
entrada, tinha uma vitrola mágica que se chamava Vitrola Mágica. Você
comprava as moedas, as fichinhas e escolhia a música e jogava e escutava uma
música que você queria, então você estava lá e ali era o único lugar, o ponto de
encontro das Gays, de São Paulo.
Não tinha outro lugar, cê não podia andar na rua, porque nós éramos caçadas
como animais, caçadas, literalmente. Então, você era um bicho, sabe? Gays,
naquela época, homossexual, era bicho, era marginal, era dito como marginais,
dito como marginais mesmo.
E, então, o que aconteceu, esse rapaz, esse dono do bar que eu não lembro…
era um casal, eles abriram esse bar e permitiram que as gays começassem a
frequentar, aí todo mundo foi para lá, era o único lugar, que eles abriram as
portas. Então ali era o Point de todas, de todas, era a noite toda também e as
meninas ficavam lá e brincavam, conversavam e paqueravam. E não tinha nada
de show, nada de espetáculo, nada disso, não existia isso, não existia. Era
realmente para a gente se encontrar, bater um papo, conversar e ficar juntos ali,
trocar as ideias, conversar sobre o que passou durante a semana e esse
barzinho era muito legal, mas eles, a polícia, enfim, eles, eles chegavam assim,
de repente, que aí ficou manjado, né. Que aí já ficava aquele pessoal na porta,
muitas meninas, né, então, não podia ter, então, a viatura parava e não tinha
como sair, então, eles entravam e arrancavam você pelo cabelo mesmo, te
puxavam pelo cabelo mesmo e levava, bom, isso constantemente era assim,
porque, levava, ficava lá. Tem dia que às vezes que ficavam 3 horas, às vezes,
ficava o dia inteiro, às vezes passava o dia todo, dependendo do delegado e do
Plantão e era o único lugar que tinha mesmo para a gente ficar e você não podia
andar na rua.
Porque a gente que era mais feminina, a gente chamava atenção, então imagina,
a gente tá do lado de cá e tinha uns rapazes do lado de lá, uns meninos, um
grupo, do lado de lá e percebia que você era gay, nossa senhora, eles iam tudo
em cima, sabe? Você apanhava deles e você não podia chamar a polícia, porque
se você chamasse a polícia, além de você apanhar deles, você ia apanhar da
polícia também, porque eles batiam e levavam. Então você não tinha direito
nenhum, você não tinha, não tinha mesmo. A gente era caçado mesmo e isso
como meninos, né, porque naquela época não tinha nada de você se produzir,
você, fazer umas cirurgias, ou se transformar, mesmo em efeminado, em
feminina mesmo. Mas isso era só com os meninos, porque eram muitos gays na
época e tudo novo, na época, uns novos sabe e era muito complicado.
Então eu morava no Ipiranga e vinha sempre para o centro, porque era o único
lugar que podia curtir, que eu passei a conhecer e peguei amizade toda com o
pessoal, na época, a falecida Cris Negrão, também era da minha turma, era um
menino, magrinho, bem, né. E ele sempre foi terrível, sempre foi peralta mesmo,
sempre aprontava e saia correndo e os cara atrás, então era aquela coisa. Então
no fundo, no final da noite a gente se divertia, porque era engraçado, porque a
gente passava aquele perigo todo, aquela aventura toda a noite toda, corre
daqui, corre daqui e uma turminha ali que vem vindo, aí você vai para lá tem
outra turminha, entendeu? Então era aquela coisa, a noite toda, mas a gente se
divertia, porque a gente tinha muita amizade, tinha muita sinceridade, tinha muita
união, entre nós, tá?
Não importava, se você, vamos supor, tinha te conhecido hoje, você, a gente se
conheceu, pronto, já era amigo, então uma defendia outra e não era que nem
hoje, que é uma coisa assim, individual, cada um na sua, que se dane. Não tem
mais aquela coisa, da minha época, que era uma coisa unida, uma coisa mais,
sabe? Hoje é muito diferente. Não tinha drogas, na época, não tinha drogas, aí,
depois com o tempo que veio começar a surgir as drogas, aí começou a ficar
pesado o negócio.
Mas eu me lembro que em uma fase no Rio, eu com a Thais Azevedo, que
trabalha aqui em São Paulo, nós estávamos no Rio, morávamos no Rio e lá tinha
uma Av. que todos os meninos faziam, tipo Copacabana, mas lembro que não
era Copacabana, era em outro local. Que era tipo Trianon, tipo assim e todos
ficavam ali, naquela paquera, os meninos e as meninas, aquelas coisas todas
como sempre, paquerosa, e a polícia quando vinha… tanto é que eu achava que
a polícia daqui era bem menos violenta, assim, apesar de ser violenta, mas em
comparação do Rio, lá era barra. Então, o que acontecia eles pegavam aquele
bando e levavam para a Urca e então, quem se salvava, se salvava e quem não,
não aparecia mais, ninguém sabia de mais nada.

Leonardo Arouca: E isso os gays?

Lili Vargas: Então, a gente fugia, lógico, se arrebentava lá embaixo, mas muitas
não conseguiam né e a gente nunca mais via. Então era uma coisa bem
complicada na época, bem complicada. Foi muito, muito pesada para a gente,
mas depois com o tempo foi melhorando, parece que foi diminuindo a
perseguição e foi passando o tempo e foi mudando.
E aí começou a vir, esse tipo de montagem e aí veio show, aí começou vir as
casas e show de boate, que a primeira boate em São Paulo, porque aqui não
tinha boate, aí surgiu a Hi-Fi, era uma boate, que era na parte de baixo da
Paulista. Atravessava a Paulista, a Augusta e ela ficava do lado direito, onde
tinham até um salão de beleza que chamava Colonial, que era famosíssimo na
época. E o Hi-Fi ficava assim, em uma loja de disco em baixo, que chamava Hi-
Fi, tanto é que por isso que chamava Hi-Fi e uma portinha pequenininha com
uma escada imensa que subia e o salão, que a gente dizia que era boate, era
esse pedaço que aceitava, então você não precisava dançar, nem se
movimentar, então o povo ficava assim, era engraçado. Então você entrava e
ficava assim (parado), era divertido, aquilo lotava, aquilo era gente, assim, nas
escadas, se segurando, uma loucura, que foi a primeira boate que se chamava
Hi-Fi, onde todas, as finas, as mais bonitas, as mais feias, as mais sabe? Enfim,
estavam todas ali, todas entravam.
E aí surgiu a moda do Maxi Casaco, que era um casacão que usava até aqui e
que aquilo era só para mulher. Aí de alguém homem ou uma coisa assim, colocar
aquilo, nossa senhora, era uma loucura, apanhava, né? E elas colocavam, elas
compravam o casaco, enrolavam e botavam no carro e ia para a boate (risos)

Leonardo Arouca: (Risos)

Lili Vargas: Chegava na porta da boate e botava o casaco e ficava lá dentro, né,
e ficava ali na porta da boate desfilando, e não podia ir para a Paulista com
aquele casaco, que o pessoal agredia mesmo, mas a gente se divertia. Aí a
polícia também dava as batidas dela e ali não tinha como você fugir. Ali era pior,
porque lá em cima, era aquela coisa, você não podia se mexer e a escada era
em cima, tipo Nostro Mondo, não sei se você chegou a conhecer o Nostro
Mondo? E a escada era assim.

Leonardo Arouca: Eu não conheci.

Lili Vargas: Então, eles entravam, paravam na porta, já fechava todo mundo, aí
ia saindo um por um, em fila. Paravam três, quatro carros de polícia e enchiam
aqueles carros, levavam todo mundo. E aí acabava a festa, e aí tinha um
jornalista, que saia muitas vezes nos jornais, saia os meninos, saiam nos jornais,
aí complicou muito, as famílias, os pais descobriram, enfim, foi muito complicado
para muita gente ali.
Aí veio o Nostro Mondo, que é, Clóvis… a Condessa Mônica que era
maravilhosa. A Condessa trabalhava no Fórum com meu tio, então ela
trabalhava de paletó e gravata, então não tinha nada haver, era o senhor Clóvis.
Uma pessoa maravilhosa também e um dia eu lá no fórum, eu conheci ela e a
gente começou a conversar, porque você sabe, né, a gente não tem como, se
vê e já vai conversando e ela falou… ah, na época meu nome não era Lili Vargas.
Era meu nome de registro social e ela falava assim, no meu nome de registro -
Vamos, eu tenho uma casa, uma boate, você já foi na boate? E eu falei - Ah, eu
fui no Hi-Fi, eu conheço, mas é lá embaixo na Augusta. E ela falou - Olha, eu
tenho uma casa, que se chama Nostro Mondo, na Consolação. E eu fiquei toda
exaltada, falei - Que legal, né. Aí ela falou - Eu vou te levar lá, vamos combinar
e você vai lá. Aí eu falei - Tá.
Aí eu fui um dia, um sábado, eu me lembro, um sábado, uma casa também que
na época, era um sucesso total. Só que lá já era maior, tinha uma, o mesmo
sistema, uma escada que subia para cima em um salão, aí tinha palco e tinha
show. Foi aí então que começou a montagem dos meninos, que se montavam
para fazer show, então tinha uma tal de Norminha, que fazia apresentação. Uma
série de pessoas, para a época, que se montavam e faziam show no palco e
cada um fazia da sua forma, dublava, ensaiava em casa e ia fazer e foi, né, foi
aumentando, aumentando e começou a se profissionalizar o negócio, o pessoal
começou a levar mais a sério, a roupagem, fazer as roupas mais bonitas, mais
de acordo, com as músicas e o palco já tinha. A Condessa mudou muito, a cada
três, de três em três meses ela mudava, enfim, aí começou a vir o pessoal, a
fazer o show sério mesmo.
Aí começou os concursos, que não tinham, os concursos de miss, dos meninos
que se montavam e iam fazer o concurso, mas era muito errado, porque às
vezes, alguns concursos saiam perfeitos. Mas alguns, eram terríveis, porque na
hora do título, umas não concordavam, então era mesa e cadeira para tudo
quanto é canto, sabe? Era, muito (risos), nossa era aquele boom e aí eles
pulavam a cerca da Consolação, na divisão, elas pulando aquilo, vestindo aquilo,
que os vestidos enroscavam, porque a gente ficava em pânico, eu me lembro
muito, como se fosse hoje e aquelas que conseguiam sair para fora (risos), elas
pulavam e rolavam e os carros paravam e eles não entendiam nada, Então aí,
voltava tudo e acalmava e continuava a folia, muito engraçado, sabe? Mas era
uma briga, era um desentendimento momentâneo, mas não essas agressões
que tem, a brutalidade, a maldade, não tinha isso, mas era muito divertido e isso
foi na parte do Medieval, aliás, desculpa, do Nostro Mondo, que também foi um
bom tempo que a gente curtiu lá.
Aí passamos, aí veio a Elisa, a Elisa Máscaro, uma pessoa divina, nossa, é
incrível, uma pessoa, que além de profissional, ela é humana, ela é muito
humana, quem conhece ela profundamente, que viveu com ela na época, sabe.
Então eu vivi com ela, desde o primeiro dia que ela abriu a Medieval. Então, ela
abriu o Medieval, que foi assim, um estouro, sabe? Uma explosão e ela, era uma
pessoa muito além, de visão, ela naquela época, o que ela fazia, não tinha, não
dava, entendeu? Era muita coragem, ela tinha fibra, ela encarou a sociedade,
ela encarou o preconceito, encarou a agressividade, correu risco, tá? Porque a
boate dela, a Medieval, era uma coisa assim, maravilhosa, era realmente, muito
linda, era uma coisa bem medieval mesmo, inclusive hoje é um restaurante que
serve Self-Service.
Então ali, ela começou a fazer festas, todo, todo mês ela dava uma festa, uma
noite na Arábia, uma noite no Havaí, então cada mês tinha uma festa a fantasia,
vinha gente do interior, de Santos, de Belo Horizonte e todos fantasiados. Então
ela foi a única mulher, que na época, nos anos 1970, 1980, 1979 ou 1978 para
1980, ou um negócio assim, foi a única mulher que conseguiu com uma boate
gay, parar em dias de festa, a Augusta. Fechar a parte da Paulista, descendo a
Augusta até a outra esquina, aquele pedaço era fechado, sabe? Não sei se era
o Detran, o pessoal que cuida da rua, né? Do trânsito eles fechavam, né, ali.
Porque as meninas, cada uma, queria se destacar mais, porque tinha o jornalista
e o jornal, né, saia todo o mês, então o que acontecia, as festas eram
aglomeradas. Então eu via o Darby, maravilhoso, que coordenava, que fazia
umas coisas maravilhosas na época. Então o que acontecia, cada um tinha sua
imaginação, vinha de patins e tinham coisas hilárias na época e era família que
ia lá ver, todo mês, ficava aquele bando, aquele monte de família, de gente para
ver, sabe, tipo Parada Gay, hoje em dia? Era a mesma coisa, eles iam para ver
as gays, então tinha, aqueles holofotes na porta e elas vinham da Paulista para
cá, então elas desciam, todas, mas todas de maiô, quase peladas naquela época
e o pessoal batia palma (palmas) e a família toda achava um luxo, uma coisa
assim. Aí tinha as ideias mais assim, que foram maravilhosas, tinha uns meninos,
que isso foi uma obra do Darby, ele, inclusive, a Zilda Maio, uma atriz de cinema,
que não sei se você conhece, ela era assim uma pessoa maravilhosa, minha
prima, que está em Araraquara hoje, que ela só mexe com Teatro agora, mas
ela foi uma das rainhas, lá, dos filmes Pornô Chanchada na época.
É, bom, uma série daquela época, que eu não me lembro agora, que a gente
participa de tudo e ela era muito famosa, muito, muito famosa, ela o Dimmy Kier
a Helena Ramos, aquele pessoal. O Davi, eu não me lembro, eu sou uma pessoa
que agora hoje em dia, nao to mais, mas eram pessoais atuais, era um pessoal,
famosíssimo na época.
E o Pornô Chanchada nao era um filme de sexo explícito, era um filme de mais
excitação, mais sensual. É aqueles filmes que eles faziam assim, mais dos
prazeres proibidos, era mais biquini, mais aqueles abraços, mas nao tinha nada
de sexo, nada disso. Mas era o filme porno chanchada, que se falava assim, não
de sexo, mas enfim, aí ela era. O Darby contratou ela, para ela fazer uma, para
vir em uma das festas, então ela vinha dentro de uma banheira, semi-nua, com
um gelo seco assim e aquela fumaça na banheira e uns 4 rapazes, aqueles
musculosos, bem trabalhados segurando a banheira assim, sabe? É com ela
assim dentro, então era um luxo, eram essas ideias, então a banheira cheia de
sangue, com aquelas fumaças assim, e ela nua dando aquele close e os meninos
carregando a banheira.
A Wilza Carla teve um ano que ela desceu com um elefante, ela desceu com um
elefante para boate. Então eram coisas assim homéricas, que você não
acreditava e tinha carruagem, que vinha de cavalo, sabe? E todos fantasiados.
Então as ideias homéricas que tinha naquela época, que a gente ia, era muito
divertido aquilo, sabe? Aquele pessoal… era um luxo chegar, que era um
holofote, o tapete vermelho e povo na porta para aplaudir, porque lá dentro
depois era aquela coisa total. Aí começou a vir com um, quando começou a
frequentar os artistas, na época, eu lembro que era Vera Fischer, Perri Salles, a
Arlete Salles, quem mais? Renata Sorrat e outros artistas, vários, vários artistas
que hoje, que praticamente quase conviviam em todas as festas, porque eles
participavam de todas as festas. Então, você queria ver um dos artistas, você ia
no dia da festa do mês. Então ficou muito famosa, né? Famosíssima.
Aí depois ela inventou a matinê, para as meninas, para as gays, no domingo.
Então também ficou patenteado, a matinê do Medieval no domingo, todas, todas
iam para lá, todos os domingos, as menininhas, né, as mais novinhas iam para
lá, então ficou, depois uma série de coisas, que o Medieval ficou muito tempo
nesse auge total, né, muito bem frequentado, muito bem selecionado, enfim,
geral, os gays, as pessoas que, até os héteros frequentavam, iam casais para
conhecer, os artistas até levavam outro pessoal. Então ficou bem, bem
frequentado.
Aí depois uma série de coisas também dela, né, família, uma série de coisas,
ela, de repente fechou a boate, quer dizer, foi um choque para todo mundo,
porque a gente estava acostumado, Medieval, Medieval, sabe? Era Medieval, a
distração, a curtição era o Medieval, mas a Nostro Mondo continuava com seu
público, com seu povo, continuava a mesma coisa, você entendeu? Era uma
coisa, tipo, né, cada um tem o seu espaço, cada um ia naquele que se sentia
bem, que gostava do local. Aí ela fechou o Medieval, então foi uma coisa muito
triste, porque já não tinha mais a matinê, não tinha mais festas, né, todo mês, a
fantasia, então não tinha, aí ficou um tempo, sem boate.
Aí ela abriu a Corintho que foi no Ibirapuera, que não foi tanto, como o Medieval,
mas foi também uma coisa maravilhosa, estrondosa e lá o espaço era maior,
porque era do Ibirapuera, perto do shopping, as ruas eram mais largas, a casa
também era bem mais larga, bem mais espaçosa e foi também um lugar muito
legal. Continuou fazendo os seus shows, daí, que ela não montava o show que
nem no Medieval, porque no Medieval tinha um show montado por ela, na época
e já começou a surgir as travestis, tá? De montadas já passaram a travestis,
então tomavam hormônios, o corpo já era mais feminino, já era uma coisa mais
detalhada, os shows já era praticamente coreografado, show de Holywood
mesmo, com corpo de bailarinos maravilhosos, uma roupagem chiquérrimo, tipo
um Boulevard de Paris, o mesmo, era igual. E ela não media os esforços para
gastar o dinheiro em roupa. Ela foi a única pessoa que registrou os seus
funcionários, todas que faziam show na casa eram registradas, eram
funcionárias, eram legalizadas e eram exclusivas, elas não podiam ficar na rua,
então fazia-se o show, entrava dentro do táxi e iam embora para casa. Não ficava
na rua, não ficava em exposição e nem nada, era realmente, artistas mesmo,
exclusiva da casa e faziam suas casas, mas era ali. Então era uma companhia,
um tipo de companhia que ela criou, particular. Então tinham os coreógrafos,
tinham as meninas que faziam, as costureiras, que a Elisa ia pessoalmente
comprar os panos na 25 de Março e ela mesmo escolhia para fazer a roupagem
das meninas e era uma coisa linda, linda, por isso que os artistas iam direto ver
o show, porque era, sabe? todas as escadas, viam aquelas pessoas descendo,
com o corpo de bailados e a principal vinha fazer o show, aí começou.
Tinha a Evinha, aí que começou a Marcinha, que se fala a Marcinha do Corintho,
que o nome agora é Marcinha do Corintho, foi aonde ela começou, foi aonde a
Cuba começou, foram várias, várias, a Phedra de Córdoba, famosa, né,
maravilhosa, começou ali… não era nada, a Phedra não era nada, ela pisou no
palco, era profissional desde a época de Cuba, né, mas ela entrou ali, era crua
e ali que ela se criou, como muitas outras, sabe? Jaqueline, sabe? Belíssima, as
montagens, os shows, as performances, belíssimas mesmo, era uma coreografia
montada que era assim de enlouquecer, então tudo isso foi a dona Elisa que fez,
ela tinha uma visão, sabe? E ela era muito rígida, muito rígida, no sentido de ser
mãe, era uma mãe, entendeu? Se você viesse com uma meia desfiada, você
não fazia o show, você era, suspensa, entendeu? Então, ela, esse pessoal, ela
implicou, ela fez a pessoa ser profissional, sabe? Responsável por ser realmente
uma pessoa de palco e então, tudo isso ela fez, sabe? Ela era muito visionária e
o pessoal tinha o seu salário, era registrado e se mantinha com os shows da
noite, porque ela que pagava, sabe?
Ela que orientava, ela era uma mãe, ela não deixava as meninas irem por aí, ou
se envolver em outras coisas ilícitas, ela não permitia isso, então era muito rígido.
Então as meninas, seguiam aquele caminho mesmo e isso sem contar que aí
veio a maldita doença HIV. Foi quando surgiu o HIV que ninguém sabia o que
era, era uma coisa horrível, foi uma nuvem negra que caiu, então, muitas, muitas
foram embora, né.

Leonardo Arouca: Só para conseguir organizar um pouco na minha cabeça,


porque você está falando e eu estou lembrando de muitas coisas que eu já ouvi
também. Lembrei do seu depoimento que você deu para o Museu da Diversidade
Sexual anteriormente, lembrei do São Paulo em Hi-Fi, lembrei de tantos
depoimentos que convergem e que tentam reconstruir essa história.
Então eu queria, na verdade, te perguntar um pouco mais especificamente sobre
os anos, sabe? E como acontecia essa socialização? Então eu queria saber um
pouco por exemplo, quando você falou da Galeria Metrópole. Como essa
socialização na Galeria Metrópole em 1968, 1966, quando você tinha me falado.
Ela ocorria, no sentido das pessoas se juntarem com outros grupos, ou era uma
coisa muito mais de você ver a pessoa e sair e ir, enfim, para fazer sexo ou para
se conhecer em outro lugar.

Lili Vargas: Olha, sim, era uma coisa assim, não tinha especificamente, de voce
ir lá para sexo, a gente não ia lá nessa intenção. A gente ia para se encontrar,
para se soltar, porque ali era o único lugar, num momento que você poderia fazer
o que você tinha vontade de fazer, de ser você mesmo, entendeu? Ali, você
podia rebolar, você podia dançar ballet, você podia bater palma, você podia
puxar o cabelo que tudo bem, sabe? Você não estava sendo reprimido por nada.
Então você se sentia solto, claro que você, entendeu? mas era aquela paquera,
mais assim, mais suave, sabe? Aí, de repente olhei para você, gostei, aí fica
naquela coisa, até que chega e bate papo e se fosse para rolar, rolava, mas uma
coisa é diferente, não era uma coisa específica, de eu ir lá.

Leonardo Arouca: Para ir procurar?

Lili Vargas: Aí, aquele lá é legal e pum, aí daqui a pouco. E não tinha isso, nessa
época. Então era uma coisa mais unida, então por isso que eu digo que, nós
antigamente, a união era mais forte, era mais conscientizada, hoje é…, não tem.
Você vai para uma balada à noite. Para a boate você ia para curtir. Nunca existiu
esse negócio de um canto específico para esse tipo de coisa. Então você ia para
curtir o som, a música, as meninas e os meninos, "ai a minha roupinha, ai o meu
sapato, a minha camiseta", sabe? Então uma ia para mostrar, uma para a outra,
como que tava e não tinha aquele negócio, sabe? Que tem hoje em dia, então
era diferente.

Leonardo Arouca: E o Jeca, ele existia nesse mesmo período que a Galeria
Metrópole existia, era junto?

Lili Vargas: Sim, exatamente, era tipo de uma ligação, sem nada haver, mas era
uma ligação, porque Metrópole - Jeca, Jeca - Metrópole, Metrópole - Jeca, Jeca
Metrópole, era a noite toda. Então a gente tava na Galeria - Ah, você viu o Silvio?
Ah tá lá no Jeca, ah então vamos lá, aí descia para bater papo, então, entrava
no Jeca - Ah, a Luciana? Ah tá lá na Galeria Metrópole, ia lá, era assim que a
gente se encontrava e se via, porque às vezes a gente ia e ficava para lá e estava
melhor na Galeria. Aí a gente ficava lá em cima na Galeria e tinha o pessoal que
estava no Jeca, aí sempre, a outra descia para tomar café. Aí - Ah, fulano tá lá.
- Ah, então eu vou lá, sabe?
Então ficava aquela, aquele círculo, então sempre, sempre, eram as mesmas
meninas e meninos. Aí começou vir… teve uma onda de gente na época que
veio para cá e se misturou ali também e percebeu o movimento, né, aí eles
também se enfiaram ali, sabe? Vinha um monte de lá para fora, aí, aqueles
homão, aí, eu to com um Argentino, sabe?

Leonardo Arouca: (Risos)

Lili Vargas: Mas era muito engraçado, era muito divertido e tinha o Cine
Ipiranga, que o Cine Ipiranga também, eles ficavam naquele hall que tinha e
ficava todo mundo ali, paquerando, encostados ali, as gays também. A República
era bem mais suave, era um lugar tranquilo, não era uma coisa bem pesada
mesmo, como tá, né. Então, tranquilo, mas o Point mesmo era, tipo Vieira de
Carvalho hoje em dia, era do Jeca, que era esquina da Ipiranga com São João,
subia, virava a São Luiz e chegava na Metrópole, então tudo aquilo ali e fora, as
paqueras que tinham.
As paqueras de carro, dos meninos que tinham carro e que ficavam rodando ali
nas ruas e as outras ficavam paradas ali na esquina para paquerar, então era na
parte de baixo, então, quem queria paquerar, que queria passear de carro, com
o pessoal que tinha carro.
- Oi, vamos dar uma voltinha?
E iam, então era mais na parte onde tem hoje a 24 de maio, a 7 de abril, que
fazia o circuito que se chamava Autorama.

Leonardo Arouca: E só para entender um pouco melhor, o Cine Ipiranga já era


um local mais de pegação mesmo?

Lili Vargas: Isso, isso, tinha o Trianon, tinha o Trianon que seria, aquela região
do Theatro Municipal, da 24 de Maio, Barão de Itapetininga, porque eu nao sei
como era o roteiro, o caminho que dava direitinho, para eles circularem e sair de
novo para a São João e subir a São Luiz e parar na Galeria Metrópole, entendeu?
Era uma coisa que dava direitinho as ruas que eles entravam e na Marconi,
aquela ruazinha que tem na Marconi que sai na Barão de Itapetininga, com a 7
de Abril, tem a Metrópole. Você indo na Metrópole, da São Luiz para a Metrópole,
você entrando, no final dela tem a 7 de abril, ali tem uma ruazinha que se chama
Marconi, ali ficavam um monte de carros parados e as meninas ficavam e os
meninos iam namorar ali. Então abriam o carro e ficavam namorando, batendo
papo e o pessoal andando a pé e os carros passando, aquelas que se, que
achavam que era de interesse, parava.
- Ui, ui e aí vamos dar uma volta?
Entravam e davam uma volta e era esse tipo de coisa, tipo o Trianon que tem
atualmente, então era esse tipo de paquera, mas não tinha baixaria assim, não,
não tinha, nem podia, porque a polícia tava constantemente, você via uma preta
e branca lá em baixo e saiam todas, parecia um arrastão, a gente se divertia
demais.

Leonardo Arouca: E outras duas perguntas que me surgiram agora com você
falando do Vitrola Mágica, ele começou a inflar quando a Galeria Metrópole
existia e estava no auge das pessoas LGBTs irem lá. Como foi assim, o tempo?

Lili Vargas: Sim, sim, não, A Vitrola Mágica ela veio depois, porque a Vieira de
Carvalho veio depois, essa em 1969, 1968, era a parte Galeria Metrópole com o
Jeca, aí depois de 1970 que aí, 1971, que o pessoal começou a vir, não foi na
Vieira, foi na Marquês de Itu, foi na Marquês de Itu que começou a surgir uns
barzinhos, que inclusive, não tem o ABC Bailão? Que era o antigo ABC Bailão?
Então do lado de cá eram 5 barzinhos e esses barzinhos é tipo esses barzinhos
da Vieira de Carvalho que você podia parar na porta, podia entrar e ficar, lá
estava amenizado a situação da polícia, tava mais calma. Então a polícia não
tava tanto, de chegar e toda hora, elas vinham realmente, mas era
esporadicamente, não era como antes na Galeria, que eles vinham com tudo,
que era constantemente.
Você estava assim, se eles batiam o olho e achavam que você era feminina, já
te pegava, já te jogavam dentro do carro, eram coisas assim, mas a Vieira de
Carvalho veio depois da Metrópole, ali no pessoal, foi quando, continuou, claro
que continuou a circulação ali, mas aí veio a Vieira de Carvalho com esse
barzinho, o DiVocê no Largo do Arouche.

Leonardo Arouca: E depois o Vitrola Mágica?

Lili Vargas: Depois, aquele era o único barzinho que tinha essa Vitrola Mágica,
era lotado. Era uma máquina assim, com o nome das músicas, dos discos, que
era Lps, aqueles bolachão. Aí você comprava a fichinha no caixa e escolhia a
música, apertava o botão da música e jogava a fichinha que chegou e aí tocava
a música, entendeu? Às vezes, tinham aquelas meio chatas, aquelas que
estavam com dor de cotovelo e elas escolhiam uma música, 5, 6 vezes seguidas,
então quer dizer que não podia fazer nada. E pá pá pá, tem que esperar, não é
mesmo?
Mas era engraçado, gente, eu ficava - Meu Deus, vendo elas colocando as
mesmas músicas. Então era muito engraçado e o único meio de você se divertir
com música, esse era esse modo.

Leonardo Arouca: Isso, quando a Galeria Metrópole já não era mais aquele
Point de socialização, né?

Lili Vargas: Isso, já não era mais o Point.

Leonardo Arouca: E quando deixou de ser esse Point de socialização, quando


assim? A Galeria, quando as pessoas começaram a sair de lá e porque saíram?

Lili Vargas: Aí começou as drogas, os meninos se drogando.

Leonardo Arouca: Lá na Galeria?

Lili Vargas: E aí começou a bagunça, aí começou muito desentendimento,


muitas brigas, começou aquela coisa, sabe? Não era mais aquela mesma,
aquela coisa. Porque ali começou a surgir gente que não era dali, gente não sei
de onde, que você não conhecia e eram rapazes mais agressivos, sabe? Aí
vinham, já, sabe? Praticamente roubavam, né, porque vinham e tomavam o seu
dinheiro.
Aí que começou essa onda, e as drogas começaram aí, sabe? Aí só o pessoal
que foi mesmo ensinado, sabe? Que você chegava, já batia olho e já sabia.
Então o que acontece, às gays, a maior parte foram saindo, não ficavam mais ali
de medo, porque eram, tipo assim, mais os caras, nao era mais os gays, eram
os caras mesmo, esse pessoal que… nao sei se era de bairro, que descobriram
o local. E aí começou as drogas, usando droga e pronto, aí depois que foi para
a Vieira, para a Marquês de Itu, porque começou a expandir, a ficar tudo,
qualquer lugar que você ia, era tudo a mesma coisa, tinha os bares com os gays,
porque antes, na época da Metrópole, era bem reservado, não era essa, bares
específicos que todas frequentavam, que a única que tinha a Vitrola Mágica.

Leonardo Arouca: E nesse período em que começou a mudar a Galeria


Metrópole, que começou a chegar a essas pessoas, que assustavam um pouco
pessoas LGBTs, você acha que a circulação diminuiu também? Você acha que
elas saíram de lá e todas migraram para a Vieira ou várias desapareceram.

Lili Vargas: Não, uma parte foi tudo para a Vieira sim.

Leonardo Arouca: Foram?


Lili Vargas: Foram, elas migraram, foram tipo imigraçao mesmo. Porque eram
sempre nós, sempre aquele grupo, né? Então não tinha como, então tinha que
ir para um local que todas ficassem juntas também, então a Vieira foi também
um espaço que a gente conseguiu na époc.
Aí a gente fazia o círculo como se fazia na Vieira com a São a Luís, andava na
Vieira de Carvalho toda, como é agora, de ponta a ponta e no Largo do Arouche,
que era bem mais caro, que tinha até um banheiro no meio, que era no meio da
praça, do Arouche, né, então era uma coisa mais selecionada ali, então o
pessoal já começava a ficar parado na Vieira, batendo papo, aí, mas não tinha
mais aqueles bares ainda no começo da Vieira, os únicos bares que tinham eram
dois era o DiVocê e mais um para a frente.

Leonardo Arouca: Você lembra o nome?


Lili Vargas: Só, o resto não tinha nada, o resto era só mesmo, normal, então o
pessoal ficava batendo papo, andando para lá e pra cá, se encontrando, sabe?
Então ali, foi também uma imigração e aí começou a vir gente, mais gays de
outros bairros que começaram a vir, conhecer, aí já começou a expandir né.

Leonardo Arouca: E vocês sempre se encontravam na rua?

Lili Vargas: Sempre na rua.

Leonardo Arouca: Vocês tinham isso um pouco de se encontrar dentro de


casa? Fazer clube dentro de casa?

Lili Vargas: Não, não, porque a família, na época, tinha problemas de família,
todas, todas, ninguém aceita, nossa ninguém aceitava. Nenhuma família queria
um gay. Um gay na família era uma coisa de outro mundo, era um pecado, então
todas se escondiam, claro, a mãe sabe, mãe é mãe, mas finge que não vê, não
quer ver. Então todas, todas as gays tinham problemas e então elas se
escondiam, tinham medo, elas ficavam retraídas, porque elas não podiam se
soltar, não podiam mostrar e falar que era gay, tá? Então não se falava. Então
tinha que vir, para a rua, o que tinha que fazer? Se encontrar no local onde todas
estavam ali juntas e se soltar.

Leonardo Arouca: E concomitante com a Vieira, quando já existia o DiVocê e


existia esse outro barzinho, nesse meio tempo, foi que abriu a Hi-Fi também, ou
o DiVocê fechou.

Lili Vargas: Não, o Hi-Fi vem bem antes, nossa o Hi-Fi veio bem antes, foi a
primeira, o Hi-Fi foi a primeira.

Leonardo Arouca: Então existiam dois pólos, né?

Lili Vargas: É sim, existia o polo daqui, que seria no caso o Largo do Arouche,
São Luiz, Ipiranga e tinha o do lado de lá que era Hi-Fi, Nostro Mondo, que era
a parte chique, que aqui em baixo sempre foi a parte mais pobre, marginal. Mas
aqui fervia, era povão, é que nem na Vieira, não interessa, era aqui o babado.
Lá era chique, mas o negócio era aqui.

Leonardo Arouca: Até hoje, né? (Risos)

Lili Vargas: Quer dizer, é diferenciado, continua a mesma coisa, mas é


diferenciado, mas é a mesma coisinha.

Leonardo Arouca: Então, você consegue me falar se os LGBTS, nem é certo


falar os LGBTs naquela época, né?

Lili Vargas: É, pode falar as meninas.

Leonardo Arouca: É os entendidos, as entendidas, né?

Lili Vargas: Isso, na época, os entendidos, isso mesmo, na época eram os


entendidos. E aqueles rapazes, aqueles homens, que hoje em dia, tipo, seriam
chamados de frachonas.

Leonardo Aroucas: Franchonas.

Lili Vargas: São aqueles homens mais velhos que gostam de garotos, então na
época, o nome era Franchona, entendeu. É um homem velho que gosta de
meninos.

Leonardo Arouca: E tinha bastante?

Lili Vargas: Nossa senhora, muito, muito. A moda era essa, os velhos, tanto é,
o que eu to te contando, o que eu te narrei, essas voltas no Autorama, os que
estavam nos carros eram os frachonas, que estavam lá, porque seriam os mais
velhos, não era os rapazes novos que ficavam ali para pegar os novos, eram os
mais velhos que passavam e pegavam os garotinhos. Então o nome era
Franchona.
Leonardo Arouca: E as mesmas pessoas que frequentavam aquele espaço,
não frequentavam o Hi-Fi ou às vezes ou algumas pessoas frequentavam os
dois?

Lili Vargas: Não, as únicas pessoas que frequentavam os mesmos, o mesmo


grupo, era a da São Luiz, Ipiranga, Jeca, Metrópole e Vieira de Carvalho e
Arouche.

Leonardo Arouca: Esse era um grupo?

Lili Vargas: Isso, ali estava tudo infiltrado. Mas lá, Hi-Fi, Medieval, Nostro
Mondo, era um outro tipo de pessoa. As daqui podiam ir raramente, porque elas
não tinham condições, era outro nível, custo maior e o pessoal, mais assim, a
maneira de ser. Então por isso aqui era chamado a parte podre, a parte baixa,
desse lado de cá e lá era a parte mais chique, né. Então, tudo bem, era liberado,
você podia sair daqui e ir na Vieira, quem frequentava aquelas mais, podiam
entrar tranquilo, não tinha exceção, assim de chegar e não vai entrar. Sabiam
que era daqui de baixo, mas deixavam entrar, porque formalmente não tinha.
Mas o povo de lá, não vinha para cá, vinha raramente, quando vinha de carro,
que descia, para tomar um café no Jeca, por isso que o Jeca era famosíssimo.
As de lá vinham tomar café no Jeca. Tinham duas que gostavam demais, de
coisas mais baixas, aí elas vinham aqui procurar, sabe?

Leonardo Arouca: Acabava sendo um ponto que unia, né? Esses dois lados.

Lili Vargas: Então não tinha, não é que, né, "lá não pode vir para cá e daqui não
pode ir para lá..." Não, nada haver, nem pensar nisso. Quer dizer não é na hora
que chegava era bem recebido, a Edna que sempre vinha e tudo bem. Mas não
era a união que era as debaixo, mesmo as que iam daqui para lá, não era a
mesma coisa, porque a união delas era outra, então elas não conseguiam entrar
naquele meio, mas era bem recebido, não tinha esse tipo de rivalidade.
Leonardo Arouca: Entendi... E o Jeca, o DiVocê e o Hi-Fi, duravam mais ou
menos até quando? Chegaram até o final da década de 1970.

Lili Vargas: Chegou, nossa chegou sim, tanto é que quando o Medieval abriu
em 1969, não em 1970 e pouco, 1970 pouco foi, o Jeca e Galeria Metrópole
ainda aestva em audiência, ainda tava fervendo, porque o pessoal às vezes
ficava lá em baixo até tarde e depois ia para o Medieval, para depois ir terminar
a noite no Medieval, então tinha, era uma coisa.
O Hi-Fi durou uns bons anos, quando era sozinho, tá, que era só ele. Então quem
reinava era o Hi-Fi, mas aí depois então veio as casas, Nostro Mondo, Medieval,
Corintho, aí pronto, o negócio já ficou mais... você tinha escolha, entendeu? Você
tinha escolha para fazer né.

Leonardo Arouca: E você lembra desse meio tempo todo, desde o começo da
Galeria Metrópole até o Medieval, de ter lido algum jornal com temática LGBT?

Lili Vargas: Não, jamais.

Leonardo Arouca: De ter lido alguma coisa, de circular alguma coisa, porque
isso era um pouco comum no Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro tinha umas
circulações.

Lili Vargas: Tinha, tinha, no Rio de Janeiro era mais liberado, era mais evoluído,
havia condições de conversas, de trocar ideia, de se expor, e escritas e
entendeu? Aqui não, aqui jamais! A única notícias de jornais que saia é "bando
de homossexuais, de gays", não é nem de gays que falavam, nem de
homossexuais, de pederastas, que saia nos jornais as fotos das meninas,
coitadas, e aqueles letreiros imenso, escrachando, era muita desgraça, porque
famílias e famílias vieram descobrir, muitas.

Leonardo Arouca: Ah, entendi, era mais nesse flagra, não uma coisa de
homossexuais escreverem, para encontrar outros homossexuais para conversar.
Lili Vargas: Não, não existia, nem pensar, aqui em São Paulo nem pensar. Tanto
é que eu sempre falo para as meninas, transgêneros, lá, que a gente vive entre
elas, as vezes elas perguntam, né? Que a gente tem que dar graças a deus,
agradecer mesmo, de termos leis, quem disse, quem diria que nós iríamos ter
leis, que nós íamos ter algum pequeno direito, qualquer pequeno direito, a gente
jamais, porque para nós era impossível. Não ia nunca acontecer isso, na nossa
época, sabe? Família, autoridades, nós nunca, nunca, sabe? A gente nunca vai
ter um dia, a gente nunca, porque a gente não tinha esperança. Então é uma
coisa muito gratificante, às vezes quando eu paro e fico analisando, às vezes eu
vejo um filme, o Hi-Fi, então, às vezes a gente até chora, porque certas coisas,
certas emoções da época vem, porque foi muito forte, sabe? (Choro)
Foi forte, então eu sempre falo para elas, a gente entregou tudo de bandeja,
então continuem carregando essa bandeja sem deixar cair o copo, porque é tão
fácil, hoje você pode se defender, hoje você pode ir ao Tribunal, você pode exigir
os seus direitos, você tem leis, você tem leis! Nós não tínhamos, nós éramos
caçados como animais.
Então nós, as sobreviventes, tá? As que conseguiram chegar até aqui, fomos
gratificadas e abençoadas por Deus, então que presente melhor que esse? De
tá aqui conversando com vocês, nessa época e dizendo coisas maravilhosas
que aconteciam, da cidadania que estão entregando as GLS, né? As meninas,
uma coisa que sabe, é gratificante e a gente tá vendo que a luta não foi em vão,
não tá sendo em vão.
Tá sendo em vão a maneira, o modo, de certas que estão chegando, as atitudes
dessas novas que estão chegando, sabe? Elas estão meio sem noção, sabe?
Não é por aí, então a gente tem que matar, infelizmente ainda hoje, tudo isso, as
leis, a proteção, o sindicato, tudo, tudo, esses movimentos todos, essas ONGS,
tudo que isso que a gente tem a gente ainda, tem que matar um leão por dia,
todo o dia a gente tem que se explicar para certas pessoas, certas famílias, ou
certas pessoas, que se julgam normais, que não é nada disso, sabe?
E que não é generalizado, que nós, trans e travestis, não é todo mundo igual,
sabe? E também, infelizmente, não são todas que tiveram uma felicidade como
muitas, como eu, outras, que tiveram a sua oportunidade de ter uma pilastra, de
ter uma família maravilhosa, de ter um estudo, sabe? E de pensar que no futuro,
seria complicado, se eu não tivesse um estudo, então o meu caso, eu vim
transformando aos poucos e vim realizando, porque eu não me sentia como
garoto, eu não me sentia, eu não me sentia bem, então hoje eu estou realizada,
hoje eu sou a Lili Vargas, sabe?
Então eu me sinto realizada porque a minha forma de pensar, era assim, eu
tenho que primeiro estudar, eu tenho que primeiro ter uma cultura, eu tenho que
primeiro aprender, saber as minhas leis, os meus direitos e saber lidar com a
sociedade. Porque lá na frente eu vou sofrer, que a idade chega, né? Então, o
que que eu fiz, eu procurei estudar, procurei ter um pouco de cultura, procurei
manter a minha família, manter a minha postura, eu não me desviei de caminho
nenhum, não fui para a droga, não fui para o roubo, não fui para lugar nenhum
fui para aquele caminho. Porque lá no fundo eu tinha luz e quis chegar e eu
cheguei.
Hoje em dia com 68 anos que eu cheguei a essa luz e estou nessa luz, estou
casada há 37 anos, com um homem maravilhoso, que me assumiu como garoto
na época e hoje eu sou Lili Vargas e vivemos felicíssimos, entendeu? E a gente
se ama muito e ele é uma pessoa que eu respeito, porque ele me viu nos
melhores e piores momentos, nós estivemos juntos nos altos, nos baixos e tudo
que nós temos hoje em dia, que nos move, sabe? O nosso luxo, o nosso conforto,
foi ambos lutando e ambos chegamos lá, então ele é uma pessoa maravilhosa,
que me ama, me trata bem, você entendeu? A gente tá sempre junto e familiar,
a gente tem almoços familiares, nós temos os nossos contatos, independente do
meu meio, que é uma outra sociedade, entendeu? Um outro tipo de pessoa.
Porque ele me respeita e sabe que eu sou trans, não há problema nenhum, então
eu sou feliz, eu sou muito feliz, eu quero que todo mundo seja feliz, a minha
felicidade é ver todo mundo, meus amigos que estão à minha volta, felizes e o
que eu puder fazer, sabe? Para que os meus amigos fiquem confortáveis, eu
faço.
Então por isso que eu me dou com todo mundo, não tenho problema, se eu tenho
eu não sei, se eu tenho inimigo eu não sei.

Leonardo Arouca: (Risos)

Lili Vargas: Mas, graças a Deus, onde eu vou, sabe? eu tenho todas como, as
mesmas, tenho todas iguais, são todos iguais, eu trato da mesma forma com a
humildade que eu aprendi na vida, porque a humildade a gente tem que ter e em
primeiro lugar, a humildade, não ser boba, ser humilde é ser boba é diferente,
tá? Então a gente ser humilde, não importa, seja quem for, então para mim todo
mundo é igual, você é igual a ela, é igual a aquele que tá aí, coitadinho, jogado
em um canto, é tudo igual, eu trato, eu dou a mão, eu dou atenção, entao eu nao
tenho, entao por isso, nesse meio gay, eu sou muito amada, muito, graças a
deus.
Eu peço a deus, sabe? que um dia, sabe? Eu nao sei, como eu posso agradecer
ele, de ter me dado os meus amigos, a você, ela e cada dia mais eu conheço
gente maravilhosa, que me trata bem, que me respeita e que me faz eu me sentir
gente, porque eu to aqui com vocês, sabe? Eu to aqui de pé, nesse salto, por
vocês e quero que vocês, sabe? Cheguem a luz, que vocês já estão na luz, mas
quero que vocês cada dia mais brilhe, porque se vocês brilham, eu vou brilhar,
então isso para mim é muito importante, então a minha vida é vocês! Não canso
de falar e eu vou morrer falando… são vocês.
O dia que não tiver vocês, o dia que eu não tiver aqui, para mim acabou tudo,
mas a minha parte eu acho que eu fiz, sabe? E o que eu posso fazer eu faço, o
que eu posso dar, conselho. Eu acho que conselho é uma palavra, sabe? Muito
assim, fora do contexto, eu acho que uma orientação, sabe? Uma conversa
pessoal. "Ah, olha eu, eu sei porque eu fui, eu passei", sabe? Então é isso, isso,
isso, não porque você tem que fazer, não! Porque você é você, a escolha é sua,
sabe? Não adianta eu chegar para você e falar - Você vai ser... Se não é não é,
depende de vocês, depende da gente, se a gente quer a gente consegue, não é
mesmo?
Se eu quiser partir para um lado esquerdo, um lado do mal, eu parto, mas eu to
querendo, não vai ser você, não vai ser ninguém que vai me levar, sabe? Já é
adulto, entendeu? Então o que acontece, o que eu posso orientar, é contar, falar,
sabe? Não é por aí, pensa bem o que você quer fazer, sabe? Não, tudo bem,
deixa eu falar, vocês tem que relevar, passa por cima, sabe? e pronto, é um meio
mais fácil de você cultivar uma raiva, cultivar, se eu nao gosto de uma pessoa,
eu não fico naquela "Eu nao gosto de fulano", ou vai lá fica te provocando, fica
falando, não, não gosto, não existe, não existe, eu vou procurar evitar de tá onde
tá a pessoa tá e de ver a pessoa, só, acabou, nao tem mais problema nenhum.
Agora o problema de muitas é assim, entendeu? Que a briga vai crescendo,
crescendo e não resolve nada, então se eu não gosto de você, não vou fazer
questão também de falar, de saber, e de falar para você que eu não gosto, não
vou fazer questão, sabe? De ficar, sabe, de ficar falando, nao, nao gosto, nao
gosto, você não existe para mim, acabou, entendeu? Você fica na tua, eu fico na
minha, você não me faz mal e eu não faço mal, é o único meio de você viver em
paz, com a gente mesmo e com os outros, não é? Então é o que eu faço, eu
sempre procuro, pedir sempre nas minhas orações, nos meus pedidos, para que,
sabe? Para que esses meninos e meninas, essa geração que tá vindo, para que
tome noção das coisas que Deus, sabe? Uma sabedoria para eles, para que não
fique nessa coisa que tá tendo, nessa agressão uma com a outra, um
desentendimento uma com a outra, uma desunião, sabe?

Leonardo Arouca: É só mais uma agora (risos) para a gente encerrar. Eu vou
fazer duas perguntas, será que ainda dá? Vamos ver! Duas perguntas. A
primeira é, você é da primeira geração, pelo menos a primeira geração, que a
gente conhece de pessoas trans, aqui na cidade de São Paulo, ou no Brasil. Já
que você tem 68 anos, quase 70 e você conhece ainda mais pessoas trans,
dessa geração que ainda estão vivas.

Lili Vargas: Conheço a Thais Azevedo que trabalha no CRD, com a Michelle,
com a Jacque Channel, conheço mais umas que estão em Florianópolis, que
estão nessa faixa de 68 anos, conheço a Terta, que é famosíssima, mas ela está
no exterior. São pessoas que estão bem e tão na ativa, sabe? Estão realizadas
e também da minha época, que passaram por tudo isso que eu passei, tem
muitas, muitas que estão bem e a gente ainda se comunica, sabe? Então, eu
quer dizer, a maior parte né, já se foi, mas a gente tem uma turminha, a Biá, que
era da minha época, mas a Biá não pegou uma parte da Ditadura, porque ela
veio depois, no convívio desse meio, já tava mais suave, né.

Leonardo Arouca: Eu falo isso porque você hoje é uma das poucas vozes que
ainda pode falar por essas pessoas, porque você viveu tudo.

Lili Vargas: Nossa, tudo, muita coisa, sabe? Que às vezes a gente sabe? A
gente relembra depois, mas é uma história, assim, se um dia eu fizer um relatório
de todos os dias, parar assim para gravar, acho que tem muita coisa que eu
preciso, sabe? Né, para falar, para mostrar para as pessoas saberem, porque foi
mesmo, uma época pesada, por isso que eu digo, sobreviventes! A gente é
sobreviventes, essa é a palavra certa, sobreviventes, porque quem sobrevive é
que tem que agradecer. Ao que eu falo todos os dias, eu agradeço, tô aqui! Quer
dizer, estar aqui, olha? Nessa estrutura, sabe? Nesse mundo de São Paulo,
nessa gente maravilhosa, sabe gente linda, assim, que tá entendendo,
compreendendo a gente, se preocupando em querer saber da história, sabe?
Poxa vida! Sabe? Então, quer dizer, você tem esperança, sabe? Como vocês,
as que vierem, vão também chegar na sua categoria, no seu patamar de
pensamento, de interesse, isso que é, isso que eu luto! Sabe? Se vocês existem,
vai existir mais.

Leonardo Arouca: Se a gente existe é porque vocês também deram a


oportunidade de estarmos aqui.

Lili Vargas: E eu só tenho, e vocês não tem nada que agradecer, jamais, vocês
nunca tem que agradecer nada, jamais. Quem tem que agradecer somos nós,
eu, minhas amigas da época, nós agradecemos, assim, de coração, explodindo
de felicidade e de emoção, sabe? Eu fiz um trabalho, uma matéria no UOL, que
também foi uma coisa muito forte e eles, sabe? Igual vocês, um anjo, sabe?
Então, só tenho a agradecer, só isso.

Leonardo Arouca: E a última pergunta, eu vou fazer a última pergunta. Eu gostei


muito, muito, eu aprendi muito com você, eu to realizado com essa entrevista,
porque você me deu tanta luz sobre aquele período. Era tão difícil de achar,
porque não tinha imprensa, ninguém noticiou, muita gente já se foi, muita gente
não quer falar e você veio e deu essa luz sobre aquele período, que para mim é
muito importante. Eu sou historiador, estou me formando em história e eu faço
uma pesquisa sobre a Coluna do Meio do Celso Curi e um pouco da Coluna
também, era retratar a socialização, né. Ali, entre 1976 até 1981, até 1979, quer
dizer e fala muito sobre esse meio LGBT e que foi uma Coluna, que passou por
poucas e boas com Regime, foi processada, ele perdeu a coluna, foi demitido e
aconteceram todas essas coisas. Aí eu queria te perguntar é se a Coluna do
Meio, se você chegou a acompanhar ela quando ela foi lançada, em 1976 na
Última Hora, se era algo que as LGBT, que as gays da época, as lésbicas da
época, as trans da época, acompanhavam, elas olhavam, se era algo que, as
vezes passava um pouco por longe da socialização, retratava a socialização,
mas não.

Lili Vargas: Não, a gente, não, não nós não nos interessamos neste termo,
essas coisas de leitura, de era o que eu te falei, a única coisa que a gente via,
era as notícias das batidas policiais contra as gays, porque saía no jornal era
estampados, fazendo um texto, escrachando, jogavam você na foto do jornal e
e punha em letras garrafais, mas era esse tipo, de assim, de coluna, de noticiário,
de comentários, a gente não tinha acesso, a gente nem imaginava, sabe? A
gente sabia, veio saber depois, que nem o Pasquim, Pasquim, né? Esse sim,
que a gente depois, veio a propagar mesmo, mas a gente não sabia nada disso,
assim, não é que nem hoje, sabe? Que você sabe que tem, colunas, ou tem
comentários, coisas, então naquela época a gente não se interessava, né,
porque, porque não era propagado.

Leonardo Arouca: Entendi o Lampião da Esquina, esses vocês chegaram a


acompanhar ou não?

Lili Vargas: Não, não, é uma coisa que a gente era leigo, né? Não sabia sobre
isso, porque, nós na época não tínhamos muita cultura, sabe? A gente não tinha
cultura, não tinha interesse, de, mesmo assim, de unir coisas, de jornais e essas
coisas, de revistas, o negócio era, era sair, curtir, se encontrar e se soltar.
Antigamente fala se soltar, hoje em dia fala sair do armário, então a gente queria
se soltar (risos). Então não via a hora de chegar a noite ou o fim de semana,
para ir para aquele local e nossa, a gente se soltava, né, se realizava, mas era,
mas olha, com tudo com tudo, na época a gente era feliz, sabia? A gente era
feliz, com todo o problema, com toda a repressão, com toda a humilhação, com
toda a agressão, as famílias não aceitando, a rejeição, a gente era feliz. Porque
a gente quando se encontrava, a gente se realizava, sabe? Uma realizava a
outra, na conversa, em uma amizade, na sinceridade, no divertimento, sabe?
Nesse simples passeio, de descer e subir, Metrópole-Jeca, Metrópole-Jeca, era
para nós uma vitamina, porque se passava, porque toda semana a gente tinha
uma roupinha nova, era uma calcinha nova, uma camisetinha nova, um tênis
novo e aí, toda iam lá para mostrar (risos) E aquele jogo de "Aí, olha, sabe?", era
mais na simplicidade mesmo, não era naquela coisa maldosa, então a gente era
feliz por isso, sabe? Não tinha aquela coisa de agressão, de inveja, você vê, né,
então não tinha, não tinha, era uma coisa, entre aspas, meio pura, sabe? As
gays, eram estilo assim, puras, assim, inocentes, sem maldade, uma coisa que
vinha de dentro, então sabe? Era legal, então tem horas que a gente sente uma
saudade, sabe?
Aquele Jeca, que a gente ficava parada na porta do café e passava um
rebolando, sabe? Uma queria ser mais menina que a outra, era uma curtição.
Hoje eu me lembro e falo "Eu fui assim, caramba", aí outro dia, o menino soltou
até uma graça, era um rapaz, mas ele quis dar uma cutucada e eu falei - Meu
amor, não se preocupe não, eu já fui assim como você, tá? Então não esquenta
não.
Então ele quis tirar uma comigo, sabe? Porque eu era trans, aí eu falei - Não se
preocupe não, eu já fui como você, mas você não sabe como eu sou. Eu já fui
até você, você não veio até mim, é aquela coisa, eu conheço a juventude, mas
a juventude não conhece a velhice. Eu já fui jovem né, então eu sei como é,
sabe? A gente não pode falar, não pode julgar, sabe? A gente tem que
compreender, entender, procurar.
Uma coisa que eu aprendi muito na Europa, é o respeito. Eu piso no seu pé, lá
eu penso 5 vezes antes de falar "ô merda", cinco, porque se eu não pensasse 5
vezes, antes de 5 vezes, eu vou para o júri, eu sou processada no ato, aqui se
você esbarra em uma pessoa dentro do ônibus, ela só falta te cortar pescoço
fora e te jogar pela janela.
Então eu aprendi, lá é o respeito, o pessoal, sabe? Respeito, não importa, é
criancinha, é família em shopping, você passa, vai no meio deles, você entra, eu
nao senti nenhum problema, de xingar de falar "O João, o Mané" nunca, graças
a deus, nao que eu não goste do mano, porque o mano quem anda é durinha,
não é mesmo, e sozinha você procura sempre, mantendo sua, sua postura e
para que ficar na rua, fazendo certas coisas que não é para fazer. Ninguém é
obrigada a aturar você, os seus escândalos, nenhuma família, nenhum casal do
seu lado, vai, é obrigado a ver certas coisas, não é porque você é gay, ou é trans,
ou é que seja, que tem uma liberdade, sabe, que você vai fazer o que você quer,
em qualquer lugar, em qualquer hora, tudo tem seu limite, tudo tem seu lugar e
tudo tem a sua hora.

Leonardo Arouca: Com certeza.

Lili Vargas: Então, é respeitar. Respeitando a gente é respeitado. Agora falar é


homofobia, homofobia, agora tudo é homofobia, mas enfim, é uma coisa
complicada de se avaliar. Eu acho assim, eu nunca tive problema, não tenho, eu
passo no mercado, que e eu acho que eles pensam - se eu passar eles me
matam. E é tranquilo, falam - deixam a senhora passar, sabe? Entro na loja,
entro no restaurante, vou com o meu marido, jamais, eles falam - é trans, ou é.
Nunca, nunca, às vezes em um bate papo, com gente que eu conheço eu falo
- Ai, eu sou trans.
E as pessoas falam
- Aí eu não acredito!
Mas muito questão de postura, né? Mas eu aprendi muito, aprendi muito a
respeitar o próximo e procurar entender, se eu não conseguir entender, então
basta, então eu paro por aqui.
Leonardo Arouca: Entendi.

Lili Vargas: Porque não é todo mundo que aprova, a sua maneira, sua forma de
pensar.

Leonardo Arouca: Entendi. Então, a gente vai encerrar aqui, queria dizer muito
obrigado, por você, muito obrigado por ter compartilhado tudo isso com a gente,
é muito especial para a gente o seu depoimento, uma coisa muita rica, que eu
acho que é um dos poucos relatos que a gente pode ter desse período, com
tanta proximidade, com tanta vivência, com tanta vivacidade.

Lili Vargas: Tudo que eu falei é a pura verdade, não tem nada a menos, nada a
mais, tem muito mais! Que eu, infelizmente, não dá para falar.

Leonardo Arouca: A gente vai conversar, porque eu quero ver muitas coisas.
Lili Vargas: Mas eu acho assim, eu acho que, tudo isso, vocês, que estão
lidando com o presente, vocês que me dão o presente todos os dias, por isso,
esse carinho, por esse acolhimento, por esse amor, puro que você, vocês aqui,
lá, me transmitem e eu sei que é profundo. Então, sabe? Eu sou feliz, eu sou
feliz, sabe? Porque, sabe? Se eu não for feliz, tudo que eu tenho são vocês,
então eu não sei o que é a felicidade e quem tem que agradecer aqui, continuo
falando, vou continuar falando, quem tem que agradecer, somos nós, eu, esse
pessoal, sabe? Venha também um dia participar, tá? Que nós é que
agradecemos, sabe? Porque vocês é que estão, mostrando o que ninguém
mostrou, o que ninguém mostrava, então vocês estão fazendo, o que todo
mundo quer, sabe? Que todo mundo conheça, que saiba a verdade e que não é
isso, o que o pessoal às vezes pensa, certas pessoas, sabe? Então sempre a
gente tá aqui para falar, para se comunicar, para mostrar, enquanto a gente tiver
de pé, a gente tá mostrando que a realidade é essa.
A gente tem que ir em frente, ter postura, respeitar o próximo, ser humilde e
procurar unir as pessoas, mesmo que seja um pouco difícil. Então a gente tá
fazendo isso e eu por aqui, no meio, enquanto puder tá aqui, eu to, procurando
jogar aquele laço, para que todo mundo entre, vendo todo mundo da mesma
forma.
Mas é muito bom, eu agradeço muito!

Leonardo Arouca: Eu que agradeço.

Lili Vargas: Isso para mim é muito gratificante, acho que é, são muitos anos de
vida que eu to respirando, sabe? É muitos anos de vida.

Leonardo Arouca: Eu que agradeço.

Lili Vargas: Eu nem sei, nem tenho mais o que falar, porque não tem mais o que
falar, mas o que tá aqui dentro, sabe? Você deve saber o que tá aqui dentro, é
essa a verdade.
ANEXO 8 - ENTREVISTA JAQUELINE CHANEL

Entrevista de Jacque Chanel realizada em 09 de dezembro de 2021

Legendas: Leonardo Arouca (L)


Jaqueline Chanel (J)

L: Começou a gravar.
Bom Jaque, primeiramente é um imenso prazer poder conversar com você.
Acho que eu te conheci uma primeira vez com a Lili Vargas, em um evento, se
eu não me engano e depois disso você me deu um cartão, mas a gente nunca
se conversou. Então acho que essa é uma oportunidade muito boa para eu poder
te conhecer. Eu conheço um pouco dos seus projetos, do Sephora, falei com
pessoal mandato da Érica Malunguinho, então eu tô um pouco por dentro das
coisas que você faz e queria muito poder te entrevistar para esse inventário né.
Te passando assim por cima, esse é um inventário participativo dos lugares de
memória LGBT em São Paulo, para o meu TCC na PUC-SP, mas a ideia é que
esse inventário também se torne, no futuro, um programa do Museu da
Diversidade Sexual.
Eu decidi criar esse instrumento do inventário, por que é nitido que
principalmente os LGBTs da minha idade não tem referências dos lugares do
passado e sem essa referência a gente acaba ficando sem memória, a gente
acaba ficando sem história e a gente acha que tudo aconteceu sempre no
presente, então a ideia desse inventário é poder retomar esses lugares do
passado para que as pessoas de hoje consigam acessar esses lugares e
consigam se identificar com eles também.
Então eu queria saber a princípio, se você está de acordo com a gravação, de
prestar essa entrevista para esse inventário. É para uma pós-graduação em
Museologia, Cultura e Educação da PUC-SP e o projeto é um inventário
participativo dos lugares de memória LGBT de São Paulo e queria saber a
princípio se você está de acordo com a gravação?

J: Totalmente, totalmente de acordo. Às vezes eu penso que nós vamos acabar


ficando sem memória, por um motivo ou por outro. Mas eu penso que essa
geração vai acabar ficando sem história. Mas tendo essa oportunidade, essa
riqueza de detalhes, a serem catalogados que de repente alguém teve essa
ideia. E já que você tá tendo essa ideia, eu parabenizo, meus parabéns pela
iniciativa, pelo trabalho, pela necessidade do seu trabalho.
Eu sou de Belém do Pará, então em Belém eu já tive alguém, que fez esse
trabalho, em relação aos movimentos da militância resgatando o início de tudo.
E o rapaz que lá em Belém, que começou a fazer, quando ele chegou até mim,
ele perguntou se eu tinha participado da articulação do primeiro movimento e eu
disse que sim.
Aí ele disse que ele tava atrás da pessoa que realmente tinha articulado. As
pessoas que ele tinha entrevistado, todas diziam que eram elas que tinham
articulado, mas ninguém dava os detalhes, ninguém entrava em detalhes, só
diziam que tinham sido elas. Mas quem tinha os detalhes era eu, porque eu que
tinha articulado de fato, então eu fico muito feliz por essa, porque alguém lá em
Belém, resgatou a história lá e você aqui em São Paulo também fazendo esse
trabalho de resgate é muito interessante.
L: Obrigado Jaque, de verdade é muito importante esse reconhecimento. E a
ideia desse inventário é que a gente faça a gravação e eu transcreva e depois te
mande a transcrição, para você ver se você gosta e depois te apresente o
inventário. Porque eu acho muito importante esse feedback, essa participação
das pessoas entrevistadas na composição desse instrumento. Porque é um
instrumento que é para todos, não é só para mim.
Eu tô articulando e construindo, mas só consigo fazer porque vocês estão
prestando depoimentos, sem vocês não seria possível, então eu vou mandar ele
para você no final também e aí você faz essa validação, junto com o restante
dos depoentes.
Então Jacque, eu queria começar com uma pergunta um pouco lá no comecinho,
queria pedir para você se apresentar, dizer o nome completo, dizer a sua idade
e o local de nascimento?

J: Ok, bem, meu nome social é Jaqueline Chanel, mais conhecida como o
Jacque Chanel, o meu nome de registro foi/é, ainda, eu ainda não consegui, não
me dediquei a mudar o nome, meu nome de registro geral é Ricardo Lopes Góes,
eu sou de Belém do Pará e eu tenho 56 anos de idade, eu vou fazer 57 dia 20
de dezembro, tá pertinho.

L: Legal, Jacque é e aí eu gostaria de saber também, um pouco da sua infância,


dessa relação com seus familiares, com local de nascimento e quando você
chegou em São Paulo?

J: Sim, bem a minha infância foi meio difícil, eu me lembro quando eu tinha 5
anos, eu tinha tesão pelo pé do meu pai, eu queria muito, muito, tá do lado do
meu pai, porque eu sentia maior tesão no pé do meu pai, quer dizer quando eu
era criança não era exatamente um tesão, mas era algo parecido. Só que como
eu era criança eu não sabia o que que era, mas eu me lembro que a minha
referência naquela fase, era isso e eu gostava muito de me deitar com a cabeça
no pé do meu pai.
E depois fui crescendo e aí já passou para a fase da escola, e eu uma criança
afeminada, então eu sempre chamava muita atenção nos lugares e na escola
não era diferente. Os Meninos, eu me lembro dos meninos mexendo comigo,
passando a mão no meu bumbum, os meninos mostravam o peru para mim, era
uma coisa assim fora do comum. Os meninos pegavam aqueles calendários
pequenos, eu não sei se você conheceu? Aqueles que tinham foto de mulher
pelada naquela época, eles pegavam aqueles calendários e ficavam esfregando
no piu-piu deles, na minha frente, para que eu visse né, era alguma coisa assim,
quando eu tinha mais ou menos sete anos de idade, mas eu não sei, eu acho
que eu era muito criança e aquilo não me atraia, não me chamava atenção.
E aí com o passar dos tempos, eu fui percebendo uma coisa, que eles tinham
desejos diferentes dos meus, que eles gostavam de fazer essas coisas e eu não
gostava, eu sentia vergonha e outra coisa é que eles. Tipo, transavam entre si,
ou buscavam as meninas para transar, mas eu não tinha o menor tesão naquilo,
aquilo não me chamava atenção e eu não me identificava com eles e nem
exatamente com as meninas. Mas eles percebiam que eu era uma criança
diferente, que eu era afeminada.
E daí já parte, para, nos meus lances de memória, no seguinte lance, lá pelos
meus 12, 13 anos, eu já tendo, assim, uma certa atração pelos meninos mas eu
não sabia exatamente o que era aquilo. E eu me lembro, de eu falando para
minha irmã, que a minha irmã era lésbica, então a minha irmã eu acho que já
tinha tido já, mais oportunidade de se jogar mesmo nas aventuras com as outras
crianças, com os meninos, com as meninas e eu não tive experiência. Mas eu
chamava muita atenção, por ser efeminada.
Então aos 13 anos a minha mãe me jogou na igreja, me entregou na igreja, pediu
para o pastor terminar de me criar com medo do que, tipo assim, do que eu
viesse a sofrer, com o que eu viesse a passar, com as outras crianças, com a
vizinhança. Então ela teve muito medo e me entregou para o pastor terminar de
me criar. E daí pronto, daí sufocou ainda mais essa questão sexual em mim e eu
fiquei até os 19 anos na igreja, sem ter nenhum contato sexual com ninguém, a
minha vida era realmente dentro da igreja. Eu saia da igreja somente para
estudar e voltava para igreja, eu morava na igreja, eu morava no quartinho dentro
da igreja, ele não me levou para casa dele, mas dentro da igreja ele cuidava de
mim, como um filho, como uma filha, mas ele nunca falou absolutamente nada
em relação a sexo, sexualidade e alguma coisa parecida comigo, nem mesmo
por causa dos meus trejeitos, nem mesmo por causa do meu comportamento,
ele nunca falou absolutamente nada e sempre me criou.
Me deu as condições para eu estudar e eu estudei até os 19 anos, quando ele
foi assassinado, então quando ele foi assassinado, aí eu entrei em parafuso.
Porque ele era a minha família, ele era minha referência, eu não tinha mais a
referência da família. Então quando eu saí, eu fui bater imediatamente na porta
da minha família, que queria voltar para casa. Aí eles deixaram voltar para casa,
né. Mas e aí eu fui, tendo certeza de que meu irmão era gay e minha irmã era
lésbica, entendeu?
Só que eles não sofriam dentro de casa. Quando eu voltei, eles continuavam
com aquela marcação em cima de mim, tipo, eu tinha um comportamento
efeminado que chamava muita atenção. Só que não era meu, não era não era
assim, eu forçando, era uma coisa natural minha e nunca foi forçado, mas isso
incomodava eles. Incomodou tanto que eles me colocaram para fora novamente,
sobre a alegação de que eu causava vergonha neles, que eles tinham vergonha
de mim e me colocaram para fora novamente.
E foi aí que eu fui morar sozinha, literalmente e aí eu comecei a trabalhar numa
multinacional de petróleo, eu já estava na faculdade e comecei a trabalhar numa
multinacional de petróleo. E depois de um certo tempo, depois de uns 5 anos,
mais ou menos menos, aí eu fui mandado embora. Teve uma redução de
quadros, aí eu resolvi vir para São Paulo, porque eu tive que parar a faculdade,
perdi meu marido que eu tinha na época, perdi a família mais uma vez, né, fui
expulsa de casa mais uma vez. Perdi o marido, perdi a faculdade aí eu falei: não
é muita perda, para uma pessoa só!
Eu vou me embora para São Paulo, só que eu coloquei isso na cabeça e não sai
logo, então eu tive ainda oportunidade de participar do projeto Rondon, que foi
um projeto assim que foi um divisor de águas na minha vida. Porque o projeto
Rondon confrontava os universitários, os participantes cada um com a sua
realidade e quando eu fui confrontada com a minha realidade que eu achava
difícil, eu vi que tinha outras pessoas que viveram em situações muito piores do
que a minha.
E aí aquilo me causou um choque de realidade e o bichinho da militância entrou
no sangue, porque eu comecei a me posicionar e um dos posicionamentos foi
justamente em relação a matança, que tinha em Belém da comunidade, que na
época se tratava como - gay, né. Então eram os gays eram as travestis, as
pessoas que mais eram assassinadas em Belém, era todo dia. Todo dia tinha 2,
3 - era um gay, duas travestis, era uma travesti, dois gays, mas era todo dia. Eu
digo - não é possível um negócio desse, ninguém aguenta negócio isso.
E aí eu comecei a me interessar pelo assunto, pelo tema, busquei algumas
informações e me passaram a informação de que o Luiz Mott, o antropólogo da
Bahia, o professor era referência. E tinha o grupo gay, que ele tinha fundado, o
GGB - Grupo Gay da Bahia. Pedi para ele as orientações através de cartas, que
antigamente era carta, pedi para ele algumas informações, ele me mandou as
informações e eu mandei imprimir 5.000 panfletos de uma carta a população,
carta aberta à população.
E foi assim com esses 5 mil panfletos que eu articulei o primeiro movimento gay
em Belém, então fui eu, a doida lá, que articulou o primeiro movimento em Belém
e justamente em função dessas mortes. Feito isso e eu tendo me resolvido nesse
período aí. Eu me resolvi, assumi a minha identidade, o que realmente era.
É nesse período também, que eu fui convidada para participar de um concurso,
que era de transformistas na época, então um amigo meu da faculdade me
convidou para participar desse concurso. E foi aí que eu descobri realmente a
minha identidade feminina, porque eu fui fazer um teste de maquiagem, para
esse concurso e quando o maquiador me maquiou… ele me maquiou de costa
para o espelho, quando ele acabou o trabalho dele, ele me virou de frente para
o espelho, aí eu percebia meus olhos a minha identidade. Aquele momento,
assim, foi de extrema importância para mim, entendeu? Eu tô tentando me
controlar, porque é emocionante é tão emocionante que dá vontade de chorar,
realmente, mas eu tô tentando me controlar. Então é muito forte, foi muito forte
descobrir isso, porque você, até você ser gay, tudo bem né? Eu tenho um
comportamento gay e você nem sabe exatamente, por que mas, foi por aí que
caminhou a coisa. E eu nunca tinha tido experiência sexual, a minha experiência
sexual foi tardia, então foi difícil para eu reconhecer a minha identidade. Foi difícil
para me reconhecer, tipo assim, quem eu era na realidade né.
E outra coisa que me impedia, era aquele período que eu fiquei dentro da igreja.
Porque era um período que eu fui criada achando que tudo é pecado, então tudo
na minha mente era pecado e eu tinha que me libertar daquilo também.
Então foi uma briga que gerou três tentativas de suicídio, a maior parte das
pessoas têm uma história de suicídio, principalmente nós, assim que somos de
mais idade. Porque era muito opressor o sistema todo, era muito opressor a
família, tudo era muito opressor. Então era inevitável naquela época, alguém não
não passar por essa história de tentar o suicídio porque a barra era muito grande,
se hoje ainda existem muitos suicídios, muitas tentativas de suicídio, imagina
naquela época? Foi um período muito difícil.
E aí passado isso e o movimento que eu criei em Belém chamou: MHB -
Movimento Homossexual de Belém e, passado essa fase assim e quando veio
as percas, aí eu digo - eu não tenho mais nada para fazer em Belém, eu vou me
embora. E foi aí que eu decidi vir embora, vendi algumas coisas que eu tinha, e
vim embora para São Paulo. Não conhecia ninguém, vim literalmente com a cara
e a coragem para São Paulo, só que tipo a minha busca na realidade, em vir me
embora para São Paulo, não era questão financeira, não era se dar bem, não
era profissional, a minha questão era ter um lugar onde eu não fosse tão
reprimida.
A referência que eu tinha de São Paulo, por ser a maior capital do país, por ser
uma cidade evoluída, era que eu nunca ia passar por alguma situação de
preconceito ou algo parecido. Então isso era minha busca, isso era minha
referência, só que aconteceu totalmente ao contrário, né.
Quando eu cheguei em São Paulo eu pude observar que as pessoas são muito
preconceituosas, ou eram preconceituosas em relação a mim. Então foi muito
difícil se estabelecer aqui, foi muito difícil conseguir o trabalho para o qual estava
preparada. Que eu já estava em outro nível em Belém, pelo menos eu me sentia
assim, como se eu tivesse em outro nível - nível superior, trabalhando em
multinacional, então essa era minha referência, era a referência que eu trazia.
Só que quando eu cheguei aqui, eu tive que ir, para não passar fome, eu tive
que ir trabalhar de auxiliar de cozinha, porque como eu não tinha uma reserva
de dinheiro, como eu não tinha referências aqui, não tinha ninguém conhecido,
eu tive que me virar. Aí eu vim morar numa pensão e tinha que trabalhar, então
nessa época, auxiliar de cozinha você via em tudo quanto era lugar. E aí eu
peguei um auxiliar de cozinha e depois de um mês, aí foi que eu comecei. Eu
peguei meu primeiro salário, aí que eu comecei a buscar outras coisas, aí foi que
eu consegui um trabalho na Beneficiência Portuguesa, no hospital, na
contabilidade.
E aí fui trabalhar lá, nesse hospital, com um mês todo mundo já sabia quem era
eu, todo mundo já me apontava e com um mês de trabalho o meu gerente me
chamou para me dizer que, se eu não mudasse o meu comportamento, o meu
jeito, a minha atitude, que eu seria dispensada. Aí nesse mesmo período
apareceu um concurso da antiga empresa TELESP, que tinha aqui em São
Paulo. Fiz o concurso para Telesp, fui aprovada e no dia da contratação, eu não
fui com maquiagem, eu não fui com cabelo solto, fui de boné e fui com uma roupa
masculina para eu poder ser contratada. Porque senão com certeza, eu não seria
contratada e saí de lá contatada, com crachá e tudo mais.
E aí a vida seguiu e nesse período eu tava naquela, numa denominação religiosa
muito grande, e estava frequentando os cultos, porque eu não aguentava ficar
sozinha em São Paulo e não ter ninguém e não ter uma referência, não ter nada
para fazer da vida. Eu senti a falta de Deus, senti a falta da família, muito embora
eles não tivessem sido aquela referência de família para mim, mas eu sentia a
falta deles.
E aí eu procurei uma determinada igreja, frequentei durante algum tempo e esse
durante algum tempo, eu articulei, junto com outros gays, outras lésbicas que
frequentavam dentro da igreja, era inevitável, né. Você ver uma pessoa igual a
você e você não procurar, né? Então aí eu fui procurando e fui fazendo, tipo um
grupinho, dentro da igreja e aí com pouco tempo, o pastor chamou a gente em
frente ao púlpito, chamou o grupo, porque o grupo não se largava mais e, aí ele
chamou o grupo na frente do púlpito e nos expulsou da igreja, simples assim.
Aquilo foi tão frustrante para mim foi tão decepcionante e aí eu digo - agora eu
quero viver algo novo, agora eu quero viver algo diferente. Ainda continuava na
empresa e eu quis conhecer a Avenida, eu quis conhecer de fato o que era viver
na Avenida, porque eu escutava muito falar, muito falar, mas eu nunca tinha tido
uma experiência. Então eu queria viver de fato a experiência de estar na Avenida
e eu fui para Avenida, só que eu fui para Avenida diferente né, eu fui para
Avenida com um crachá, de uma empresa multinacional né, onde eu trabalhava.
Então aquilo ali para mim, não era um trabalho exatamente, era mais um lazer,
mais conhecer o local, né, mas conhecer aquela vivência.
Então eu fui, aí eu tive experiências de Caminhão do Faustão, já ouviu falar
disso? O Caminhão do Faustão, que era um caminhão da polícia, que chegava
na Avenida e levava todas as meninas para delegacia, marcava o nome e
deixava elas presas até o dia seguinte, no dia seguinte eles soltavam elas às 7
horas da manhã. E eu passei diversas vezes por isso, por essa situação essa
referência, que eu tenho já dos anos 90, não foi antes, mas foi nos anos 90,
quando eu cheguei aqui em São Paulo. Quando eu cheguei aqui eu já tava com
28 anos.
Então essas foram as lembranças que eu trago desse tempo e passei também,
por diversas revistas que eles faziam na gente, no meu caso, quando eu
apresentava o crachá, aí eles me perguntavam se os meus chefes, se os meus
gerentes, se as pessoas com quem eu trabalhava sabiam disso? E eu dizia -
eles sabem sim, mas se você quiser, você pode me levar lá agora, pode me
confrontar com os meus chefes, com os meus gerentes que eles estão tudo lá.
Porque eu trabalhava em um posto, que era no centro, na Rua Sete de Abril,
perto da República e esse posto funcionava 24 horas, então ele tava o tempo
todo aberto, né. Como todo mundo me conhecia, então todo mundo poderia dar
referências minhas. E esses policiais, eles ficavam com tanta raiva, com tanta
revolta, que eu me lembro bem deles perguntando essas coisas com muita raiva
- e a droga tá aí?
E eu falava - Meu amor não uso droga, não cuido disso, eu tenho um trabalho,
meu trabalho me dá um bom um bom salário, então não preciso dessas coisas.
Eles ficavam muito indignados, né? Porque era totalmente o contrário daquelas
outras meninas, né, da vida. Então, eles ficaram com muita raiva, dessa situação.
Teve uma vez, que me colocaram na polícia, me colocaram na viatura e me
levaram para um lugar que eu não sei exatamente, qual que era, mas eu sei que
era algum lugar, tipo assim, um parque e que pelo jeito eles estavam
acostumados sempre a levar as meninas para aquele local, né? Para usar, para
sexo, para humilhar, para tentar fazer com que a pessoa desistisse daquela vida,
eles esfregavam a arma na nossa cara, na nossa cabeça, entendeu? Eu digo
assim, na nossa, porque eles me levaram sozinha nesse dia, mas eu acredito
que eles faziam sempre aquilo, com outras também, para que elas desistissem,
para que elas saíssem da rua, da avenida, né.
E então foram essas experiências, além das outras, de várias outras violações,
que eu passei assim, de não querer fazer o programa e as pessoas mesmo
assim puxar você para dentro do carro, empurravam você para dentro do carro,
levar você e tipo, já que você não consentiu, então foi um estupro, né? E nem
tão pouco eles te pagaram, ou às vezes eles até pagaram, mas jogaram assim
o dinheiro em cima de você, humilhando você, acabando com você, entre outras
várias situações, muito, muito desagradáveis, muito violentas, mas que eu posso
falar: eu vivi eu, eu experimentei isso, porque senão você não vive, você não
sabe de fato o que aconteceu e você não sabe o que acontecia, né, com a
comunidade naquela época.
Era muito comum também a gente estar na Avenida e ser agredida do nada, de
repente, se você não tivesse olhando para o lado, muito atenta, você de repente
era agredida, ou por alguém que passava no carro e jogava alguma coisa, ou
por alguém que tava andando, passava olhava, não gostava de você e partia
para cima de você, coisas assim desse tipo.
E em relação à militância, eu fui convidada para participar de fóruns, né, que
tinham muito atuantes na época, o Fórum de travestis e transexuais do
município e do estado, eram muito atuantes. Mas depois, o próprio estado foi
comprando, foi sufocando esses fóruns e os fóruns foram se enfraquecendo e
foram sumindo. Hoje, bem dizer, nós não temos atuação de fóruns, hoje nós
temos mais atuação de pessoas militantes independentes, independente de
fórum estadual ou municipal.
E tem muito mais participação de ONGs de travestis, que estão em ONGs, né,
como é o meu caso, eu tô hoje num coletivo, em determinado momento, eu
resolvi sair dessa militância e parti para atuar dentro do meu espaço. Que aí, eu
consegui me colocar dentro de um segmento do cristianismo, que é o evangelho
inclusivo, né. Comecei a atuar dentro de uma igreja inclusiva, a cerca de 10 anos
atrás, quando tive a oportunidade de conhecer o evangelho inclusivo. E eu
comecei a atuar dentro desse espaço, pela necessidade que eu sentia, assim,
que eu conheci a primeira igreja porque tinham cerca de 300 pessoas, gays e
lésbicas e só tinha duas travestis. Então achei muito injusto e eu pensei isso
comigo, eu preciso fazer alguma coisa, eu preciso mudar essa realidade, porque
eu tava acabando de conhecer era muito bom, era ótimo, era um espaço
maravilhoso, mas era para mim porque eu tava me incluindo, eu não eu não sou
o tipo de pessoa que eu fico esperando alguém me incluir. Eu estava no
Evangelho Inclusivo, então eu queria ser incluída de fato e eu me propus a isso.
Então como eu vi que não tinha representatividade na minha comunidade, então
eu comecei a liderar um movimento para isso dentro da igreja e graças a Deus,
a diretoria acabou aceitando e acabou me entregando um ministério próprio, para
que eu desenvolvesse atividades para travestis e transexuais. E assim poder
evangelizar e trazer meninas para dentro da igreja. E eu consegui fazer isso, eu
consegui levar cerca de 250 meninas para dentro da da igreja e foi com formato
diferente de reunião, com muita dedicação, eu peguei assim como uma missão
para mim, uma missão para minha vida, uma missão que Deus me deu. Então
juntou tudo aquilo, aquela experiência que eu tive de articular o MHB, juntou
aquela experiência que eu tive de participar do projeto Rondon e ser confrontada
com a minha realidade, juntou o fato de ter sido criada dentro do evangelho e de
ter tido uma boa criação em relação, em relação à educação, em relação à
palavra do evangelho, em relação a vivência minha dentro da igreja, né.
Porque na igreja, além das atividades que eu fazia, de limpar a igreja, de decorar
a igreja, de visitar as pessoas nos hospitais, de visitar as famílias de senhoras
que participavam da igreja, de fazer culto na casa delas. Então juntou tudo isso,
toda essa experiência que eu tive de vida. E eu trouxe agora para dentro do
Evangelho Inclusivo.
Porque, eu estava muito feliz de ter conhecido, de ter tido uma nova
oportunidade de viver com Deus. Só que de uma forma totalmente diferente.
Porque dentro do Evangelho Inclusivo, em tese, é para te acolher do jeito que
você é, do jeito que você está, para você ter uma nova oportunidade de viver um
amor muito maior com Deus. E esse evangelho, ele se confunde com o trabalho
que a militância faz, então é te acolher, é te incluir, agora não são políticas
públicas, mas são políticas cristãs dentro da igreja que você tem que requerer
para sua comunidade, eu passei a requerer para minha comunidade e também
passei a requerer para população de rua, para os nossos irmãos de rua, porque
eu vi, eu particularmente vejo essas pessoas como nossos irmãos.
E também tenho a seguinte visão, de que se Jesus voltasse hoje para terra, com
certeza ele estaria com essas pessoas, com os nossos irmãos de rua, com as
nossas irmãs de rua, com as nossas irmãs que estão na prosituição, que vivem
essa vida muito difícil e que muitas pessoas acham que é fácil, mas essas
pessoas eu escolhi para colher no meu ministério, no meu trabalho dentro da
igreja.
E é por essas pessoas que eu tenho comprometimento real com Deus e é com
essas pessoas que eu faço um trabalho, então a minha dedicação toda, passou
a ser para essas duas comunidades e a requerer espaços dentro dessa igreja.
Que se diz inclusiva, mas que não é, ela só tem a placa de inclusiva ou somente
é intitulada pelos seus líderes e religiosos, como se fosse inclusiva, mas ela não
é! Ela é, na realidade, elitista, ela é uma igreja de ostentação. Todas elas, que
são, que tem placas de inclusivas elas trazem o evangelho de ostentação e não
faz o trabalho social que precisa ser feito, o trabalho social que Jesus traz como
exemplo, na passagem dele pela terra. Ele deixou isso como exemplo, de
acolher as pessoas em vulnerabilidade social, o trabalho de Jesus, foi
basicamente, entregar o milagre na vida dessas pessoas. E a proposta do
Evangelho Inclusivo, na maior parte das igrejas não é essa, é o evangelho de
ostentação, é o evangelho de elite.
Então a minha proposta é a acolher, incluir a comunidade de travestis e
transexuais, trazendo o protagonismo para essa população e para essa
comunidade, porque é o recorte mais sensível da comunidade LGBT, queira ou
não queira essa é a realidade. Não é mimimi, é a mais pura realidade, então é
para esse pessoal que eu trago a Jesus e é para população de rua eu trago
Jesus. Resumindo é esse meu trabalho.
E agora na pandemia, quando tudo se fechou, eu me lembro bem que o meu
pastor Reverendo Cristiano ele disse para mim: - Você não vai para rua! Você é
grupo de risco! Você não vai para rua! Porque eu tenho comorbidades, eu tenho
hipertensão e tenho diabetes, então ele disse para mim: - Você não vai para rua,
a Prefeitura vai fazer tudo para essa população.
E eu digo quem foi que disse que a prefeitura faz tudo para a população? Não
faz quando tem que ser feito, imagina agora, você acha que vai fazer, quando
tudo fechou? E ele falou: - Não, a prefeitura vai fazer.
E eu falei - Tá bom.
No mesmo dia, no mesmo horário, eu segui o meu caminho, com um grupo que
eu já tinha marcado, para gente fazer a distribuição de marmitas e assim eu segui
a pandemia toda, até agora ainda tô conseguindo fazer, muito embora as
doações tenham caído muito, né. Mas eu ainda tô conseguindo fazer a entrega
de refeições e, eu entrego lá na Praça da Sé, ou no pátio do colégio, e também
entrego a porta do prédio onde eu tenho um restaurante. Então todo dia, no final
do dia, sempre sobra alguma comida, eu dou de 30 a 50 marmitas e todo dia,
uma vez durante a semana, eu levo de 300 a 500 marmitas, uma vez por
semana, então esse é o resumo aí, da minha da minha trajetória.
E no final daí, no final do período pior da pandemia, a minha igreja me consagrou
como a pastora, me chamou e me consagrou como pastora e me entregou um
ministério e, pediu para que eu escolhesse o nome, né. E eu escolhi o nome de
Primeira Igreja Trans ICM/Séforas, ICM é a igreja, tipo mãe minha, né, que me
deu todo suporte e Séforas, pelo projeto Séforas, que é na realidade um coletivo,
né, que eu criei, em função de ter saído do ministério. Então eu criei a ONG, quer
dizer, a ONG não, um coletivo que chama projeto Séforas e que tem o mesmo
objetivo da igreja, né. Só que a igreja é algo mais fechado e tal, mas a igreja
também, eu acredito que tem que abraçar as mesmas causas. Então agora tudo
virou uma coisa só, bendizer, projeto Séforas e igreja também Séforas.
Só que a igreja traz traz esse protagonismo, né, mas não é um local totalmente
aberto a participação de todas as pessoas, todas as outras comunidades são
muito bem-vindas, todas as pessoas que são excluídas são muito bem-vindas,
todas as pessoas que estão na vulnerabilidade e todas as pessoas afins, em
situação semelhante, todos são muito bem-vindos, inclusive os ricos, mas eu
acho difícil que eles compareçam, mas está aberto.
E agora nesse último período aí, teve muita repercussão, inclusive internacional
Euronews, repercutindo a igreja trans, repercutindo essa primeira igreja Trans.
E teve algumas repercussões, também no YouTube dizendo que os nossos
cultos são satânicos e eu não me assusto, porque eu aprendi assim né, dentro
do Evangelho fundamentalistas, dentro do Evangelho tradicional. E qualquer
coisa, qualquer coisa diferente do tradicional que eles apresentam, eles
demonizam, eles satanizam.
Então eu particularmente falo por mim, falo pela minha igreja, que na minha
igreja eu só uso a Bíblia e eu só uso os versículos que estão dentro da Bíblia, eu
trago basicamente o que eu aprendi dentro da igreja fundamentalista. É o mesmo
Deus, só quer um Deus colocado de uma forma diferente da deles, eles estão
muito preocupados em demonizar as pessoas, em demonizar qualquer situação
e eu pelo contrário. Eu quero colocar amor em todas as situações, eu quero
colocar a graça de Deus em todas as situações, porque essa é a melhor parte
de Deus, essa é a parte que eles precisam conhecer de fato. Deixarmos de ser
religiosos hipócritas e partir para viver efetivamente a palavra e Jesus só manda
acolher e, Jesus só é amor, Jesus morreu na cruz por todos nós.
Ele não morreu na cruz somente por héteros, ele não morreu na cruz somente
por religiosos hipócritas, ele não morreu na cruz para para alguns, ou para alguns
ricos e poderosos, ele morreu na cruz por todos nós e esse é o meu lema de
vida, entregar amor para minha comunidade, entregar amor para todas, para
todas as pessoas que buscam por Deus e que precisam de Deus.
Foi isso que eu aprendi ao longo da minha vida, eu fui preparada para isso pela
vida. Então essa experiência que eu tenho que trocar com você e deixar, esse é
o meu, como dizem o meu legado. Esse é o meu legado, enquanto uma mulher
travesti e transexual. Eu digo que eu sou as duas coisas travesti para manter a
história viva e memória viva daquelas que antecederam a minha história e
transexual é o que o meu corpo é na realidade, então é essa história.

L: Incrível, Jacque, incrível mesmo assim, foi.

J: Não to escutando você.

L: Opa, tá me ouvindo agora? não? Eita, será que é o seu celular? Não tá
funcionando. Eu vou sair e entrar de novo.

L: Agora foi? Agora foi?

J: Oi?

L: Agora tá pegando, ou não? Eita, meu Deus.


Jacque, eu vou fazer assim, então. Eu posso te mandar pelo whats app, Jacque?

J: Eu não consegui ler toda a pergunta, você pode me enviar a primeira


pergunta?

L: Eu posso te mandar pelo Whats app, Jacque, você acha que funciona?
J: Você não quer que eu tente sair e entrar novamente? Porque as vezes volta
o som.

L: Eu acho uma boa!


Foi? Agora foi? Não? Eu vou te mandar pelo whats app.

L: Jacque, então, eu queria que você falasse um pouco mais, se possível, sobre
os lugares de sociabilidade, que você frequentou comigo desde que você chegou
em São Paulo, né.
Então, se possível falar o nome das ruas, que você trabalhou, que você
frequentou, se possível falar o nome das igrejas. Caso você tenha frequentado
festas, falar o nome das festas, também, todas as informações seriam muito
importantes para compor esse inventário. Ficaria muito feliz se você falasse um
pouco delas também?

J: Vamos lá!

J: Então é assim, quando eu cheguei em São Paulo, o primeiro lugar que eu


procurei foi a igreja do Bispo Edir Macedo, agora esqueci o nome. É universal
né? Então foi a primeira igreja que eu procurei, o primeiro lugar que eu procurei,
eu morava, eu vim morar perto da Paulista, na Av. Brigadeiro Luís Antônio, com
a Rua Humaitá na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, com a Rua Humaitá.
A minha referência de São Paulo era que tudo acontecia em torno da Avenida
Paulista e o que é o que ainda acontece, tudo acontece em torno da Avenida
Paulista. Então quando eu vim para São Paulo eu vim procurar um lugar que
fosse perto da Avenida Paulista. E eu encontrei uma pensão na Rua Humaitá,
que foi onde eu fiquei, inicialmente. E então lá perto, era Avenida Brigadeiro, a
avenida que cortava e foi a avenida que eu procurei a igreja por ser perto de
casa, né.
E o trabalho meu, que eu consegui inicialmente na cozinha também era na
mesma rua de casa, na Rua Humaitá, sai assim logo no início, eu não saí muito,
porque não tinha dinheiro para isso depois foi que eu fui conseguindo me
estabilizar mais um pouco, aí eu me lembro que uma das referências daquela
época, era Boate Sky, na Rua Santo Antônio no centro, que era foi uma boate,
assim que eu frequentei durante algum tempo. Tinha uma figura lá que era muito
referência, agora não me lembro o nome dela, ela até morreu, era uma drag,
uma drag da época, que eu fiz amizade com ela e era muito legal, ela é super
gente fina.
E na mesma rua tinha uma outra boate que eu não me lembro, na mesma rua
da Sky tinha uma outra boate que era um pouco menor, um pouco menos
frequentada, mas que eu também eu frequentei e depois mais para frente eu
conheci a outra boate, como chama? Uma boate que fica na Consolação com
Avenida Paulista e depois mais para frente, eu fui chamada diversas vezes para
ser jurada, porque aí depois que eu saí da empresa da Telesp eu comecei a
mexer com o salão, né.
Então eu montei, a primeira coisa que eu fiz foi montar um salão para mim e aí
eu dei sorte, consegui na Av. Brigadeiro Luís Antônio, e aí eu fui trabalhar lá na
Brigadeiro e aí, como o pessoal ficou sabendo, por ser na Brigadeiro então,
acabavam me convidando para ir fazer júri na boate, era na Nostro Mondo, na
Consolação, na consolação mesmo de frente para Paulista. Esse foi um lugar
que eu fui várias vezes, porque, aí você aí de me perguntar:
Mas você era crente, como é que você como é que você ia em boate?
Bem, na minha cabeça sempre funcionou dessa forma: é minha crença é uma
coisa, né, e a minha diversão é outra. Nada me impede de eu frequentar esses
lugares desde que eu não me envolva com o que as pessoas fazem lá dentro,
né. Nunca entrei em um Dark Room, não sei o que é um Dark Room, nunca usei
droga nenhuma, nunca precisei, nunca tive necessidade, nem financeira, nem
do meu corpo, então eu caminho, eu trânsito por qualquer lugar, sem o menor
problema.
E fora esses lugares caminhei muito pela Brigadeiro, assim, né. Porque eu tive
salão lá, eu tive durante o período de 10 anos, o salão, então foi o lugar que eu
mais caminhei em toda minha vida foi a Brigadeiro. E foi lá inclusive que eu
conheci um marido, que eu fiquei 18 anos com ele, então, eu não tive muita,
como é que diz? No período que eu estava com ele, eu não tive mais muita
oportunidade de sair, eu fiquei muito caseira, muito restrita ao casamento
realmente.
E aí eu fiquei muito período em casa, mas eu também fui aos fóruns e em
diversas reuniões dos fóruns, que aconteceram na prefeitura, né perto do
Viaduto do Chá e foi um lugar de muita referência para mim. Porque enquanto,
o período, enquanto o fórum estava atuante, então, a gente se encontrava muito,
diversas vezes, naquela região, né, para articular as coisas do fórum, que eu
particularmente levava muito a sério, mas eu vi que as pessoas venderam, né,
que tipo venderam o fórum. E isso me deixou muito triste, isso me fez desistir um
pouco dessa militância, porque tudo acabava em dinheiro, as pessoas se
vendiam, as pessoas vendiam as questões da comunidade trans, da
comunidade LGBT, elas vendiam, meio que, diretamente para prefeitura, então
tudo que a gente requereu, acabou dando em nada, né. Toda aquela
movimentação, toda aquela articulação acabou dando em nada, mas eu não era
líder, nesse momento eu não era líder, eu era somente participante. Então
quando você só participa é diferente, né de você estar na liderança. Mas foi
assim que eu cheguei, foi assim que eu encontrei e meio que eu não me
identificava nessa forma de atuar, né, com dinheiro para lá e para cá, eu não
sabia atuar dessa forma.
Tanto é que eu não legalizei a minha ONG até hoje, mais exatamente por causa
disso, porque eu não queria tipo assim, pegar dinheiro do governo para fazer
alguma coisa e estar comprometida com esse governo. Então o que eu tenho
feito até hoje é basicamente com dinheiro que eu consigo de um site, através do
qual consigo apoio para o meu trabalho, que chama apoia.se/Seforas, através
desse site que é tipo Vakinha é que eu consigo o apoio para o meu trabalho,
para as minhas atividades, ele já teve mais forte, agora ele tá mais fraco, mas
mesmo assim é o que me faz realizar esse trabalho social, muito necessário para
as meninas.
E na época que eu estava na Avenida, eu transitei muito ali, pela rua da Danger,
que agora eu não me lembro o nome, na rua da Danger, naquelas ruas próximas.
Tinha uma praça, que se eu não me engano é Monteiro Lobato, que fica perto
da Santa Casa e essa Praça aconteceu muita coisa terrível e aquilo ali, aquele
pedaço, era cheio de travestis, aquela praça era cheia de travestis, assim como
a rua da Danger também.
E outro local era a República né, República sempre referência, mas eu não me
aproximava muito da República, porque na República estavam as mais violentas,
né. As que a gente sabia, que a gente tinha referência, que eram as mais
violentas que ficavam na República, então eu evitava, eu evitava ir para república
por causa disso, né. Eu sempre fugi dessa questão de violência, então é onde
eu sabia que tinha uma referência de violência, esse lugar eu passava longe.
Porque a Avenida em si, já era muito violenta. E você ainda estar perto de
pessoas violentas, não, não tinha nada a ver comigo, com o meu eu, com a
referência que eu trazia, então eu passava distante o mais possível.
E na época também, na Avenida Amaral Gurgel, a Avenida Amaral Gurgel era
tipo assim era a referência dos homens que gostavam de trans e que ficavam
ali, vendo elas passarem né e uma das referências na época era a Proibido, se
eu não me engano, era de uma famosa travesti, que agora não me lembro o
nome dela, mas você deve ter essa referência, né, dessa travesti ou não? Você
tem?
L: Não sei. A Cris Negrão?

J: Não, essa Cris Negão, também era uma referência da época, mas era outra
que era dona da boate.

L: Ah, tá.

J: Agora não me lembro o nome dela, mas ela era bem famosa da época e ela
também era violenta, mas ela era de outra forma e eu fui algumas vezes na boate
dela, mas eu não gostava muito de ambiente. Isso Andréa de Maio! Eu não
gostava de ir na boate, porque tinha muito cafetão, né, quando eles vinham,
quando eles viram que a travesti era bonita ou a trans era bonita, eles se
aproximavam para querer envolver a pessoa, né, para o esquema dele. Então,
eu não gostava muito de frequentar lugares fechados, eu preferia os lugares
abertos, muito embora a gente tivesse muito mais exposta a violência. Mas como
eu sempre fugia da violência, então, eu conseguia sobreviver, viver melhor na
Avenida do que em lugares fechados, lugar fechado eu era muito visada, eu era
muito visada porque eu sou alta, né, eu sou grande, então eu era muito visada.
E olha que naquela época não usava o cabelo loiro, né. Depois eu passei a usar
o cabelo bem loiro e agora eu voltei de novo a escurecer, mas eu já usei o cabelo
muito loiro, eu gostava do cabelo muito loiro, então eu alta e com cabelo muito
loiro, eu chamava muita atenção.

L: Massa, Jacque, eu vou te mandar uma outra agora.

J: Ai que pena, que tá sem som.

L: Jacque, foi muito bom ouvir a primeira e a segunda parte, eu realmente estou
muito feliz com essa entrevista. É eu acho que para finalizar, eu queria saber se
você quer indicar alguém, também, alguém importante para falar, alguém que
possa contar também algumas histórias, né, para esse inventário. E queria
agradecer demais, depois eu vou te mandar uma mensagem agradecendo
também, mas queria agradecer demais, por todas as informações, por todo esse
depoimento que foi tão rico para mim assim. Foi muito importante te ouvir,
mesmo, muito obrigado!

L: Te mandei, Jacque.

J: Que bom! Muito bom saber, fico muito feliz, de contribuir de alguma forma e
deixar essa história aí, porque outras pessoas talvez venham, venham ter como
uma referência, né, para suas vidas. Porque eu na minha na minha vida, eu
precisei de muitas referências para construir e uma das referências, muito
importantes assim na minha vida, foi a finada Rogéria, eu logo no meu início eu
tive um contato com ela, né. Então foi muito importante para mim, outra pessoa
muito importante para mim foi a Ney, que foi a costureira do meu primeiro vestido,
do vestido que eu usei no concurso de transformistas em Belém.
Eu não sei se você tem tempo ainda?

L: Tenho.

J: Então, aí eu fui convidada para fazer aquele teste de maquiagem e também


fui convidada para fazer o teste da roupa, né. Levar o tecido e fazer a roupa e o
que me disseram, para mim procurar o costureiro Ney, né. Então eu fui atrás do
Ney, quando eu cheguei lá era uma casa e um rapaz me atendeu e disse assim:
- Você aguarda só um minutinho que ela já vai te chamar.
E eu disse - Tá.
Aí, depois ele me disse, ela já tá pronta, ele já está pronto, pode entrar, aí entrei,
era um corredor bem comprido, lá pelo meio do corredor era a sala. Aí eu entrei,
linda sala, cheia de tecido decorado, cheia de manequins e no canto da sala uma
moça, na máquina de costura. Aí eu peguei e fui até ela disse - Olá, boa tarde,
bom dia, não me lembro exatamente.
- Mas eu queria falar com o Ney
Aí ela abriu a boca e me disse assim: - Eu sou o Ney.
Eu fiquei impactada e encantada ao mesmo tempo, né, de ver aquela mulher
uma mulher para mim, era uma mulher linda e dizendo eu sou o Ney, ai que
coisa linda, eu fiquei encantada com aquilo, né.
Eu digo - Aí, um dia eu quero ser que nem você.
Eu disse para ela, então são essas referências assim, que a gente vai buscando
para construir a nossa identidade, né, para construir, para fortalecer você no seu
processo, que quando você vê alguém que já transitou, alguém que já está
posicionada Para ela, só faltava a questão do nome né, ela se apropriar do nome,
porque ela não tinha nada a ver com o nome Ney, né, com aquela colocação do
nome Ney com aquela, para mim, para mim era uma certa provocação, né com
aquele nome Ney.
Então essas referências de histórias de trans de travestis acabam sendo muito
forte na nossa construção e, por isso que quase todas as pessoas que me
procuram eu sempre compartilho a minha história, eu sempre falo a minha
história, às vezes eu esqueço alguns detalhes agora, né, que a memória tá indo
embora eu esqueço alguns detalhes, mas a história é bem essa. Eu fico muito
feliz de poder contribuir com você, qualquer coisa, qualquer dúvida, você pode
me procurar, pode me consultar, posso demorar a responder você, mas eu estou
à disposição.
E eu tenho três livros que já foram lançados que contam partes dessa história da
minha vida, né. O último foi lançado pela ONG Eternamente Sou e que conta um
pouco da minha trajetória, eu tenho um também que foi lançado, da militância
em todo Brasil e conta também um pouco da minha história e, tem um que foi de
dentro da igreja e também conta parte dessa minha história, de dentro da igreja
conta a parte minha voltada ao trabalho dentro da igreja.
Então eu sou, eu sou eu, me sinto uma pessoa muito feliz, muito abençoada do
jeito que eu sou, do jeito que eu estou, onde eu cheguei, o que a minha saúde
me permitiu chegar, né, porque teve algumas coisas que eu não pude acabar de
fazer o processo, pela questão da saúde. Mas mesmo assim eu me sinto muito
feliz porque tem outras coisas, que através dessas outras coisas eu consegui
completar minha felicidade, ser uma pessoa mais feliz, eu me sinto uma pessoa
muito feliz, eu me sinto uma pessoa muito humana, sobretudo. Porque as
pessoas costumam nos demonizar em termos de religião, mas ternos de
sociedade, elas nos colocam no lugar como se nós não fossemos pessoas
humanas, como se nós não tivéssemos coração, como se nós não tivéssemos a
capacidade de amar. E eu provei para mim e provei para todas as pessoas que
me conheceram, que eu tenho a capacidade de amar, que eu tenho capacidade
de ser uma pessoa humana, sobretudo de viver plenamente o meu amor e o
amor de Deus. Isso me deixou e me tornou uma pessoa muito feliz e ainda tenho
muitos projetos a realizar em favor da minha comunidade LGBTQI, em favor da
minha comunidade de travestis e transexuais, em favor das pessoas que querem
ser alcançadas por Deus, pelo evangelho e pelas pessoas que precisam
realmente de Deus e do Evangelho.
Eu te agradeço muito também, que Deus possa te abençoar sempre,
poderosamente que vocês continuem tipo que, militando, não sei se é
exatamente o seu papel militar mas que você possa continuar esse seu trabalho,
essa sua luta, de certa forma, trazendo essa memória e levando essa memória,
para as futuras gerações, para as pessoas que virão e que precisam ter essas
referências. Parabéns pelo seu trabalho e eu não me lembro agora, de alguém
que eu possa indicar para você, acho que você já, deve ter entrevistado a Lili
Vargas né, você já deve ter entrevistado e outra pessoa que me vem à memória,
assim rapidamente é a Léo Áquila, eu não sei se você tem um segmento a ser
seguido né, porque a Léo Áquila, ela não vem exatamente da militância, mas ela
também tem uma história muito interessante de vida, né, de luta, de conquistas,
porque todas nós, independente de qualquer coisa, a gente tem uma luta muito
grande para conquistar um espaço na sociedade, então ela também tem uma
história muito interessante. E por incrível que pareça ela já tem parece que tem
51 anos e não parece né, que é uma menina, né, mas ela já tem uma boa idade.
Então ela que consigo me lembrar agora nesse momento tem outra mas agora
que eu ando me assustando, que já tem 50, que já tem 50 e poucos e eu fico
assim assustada, porque você sabe que a nossa média de vida é 35 anos, então
quando você encontra com alguém, que você conhece alguém que tem mais do
que 50. Nossa merece um prêmio, né.
Essa semana eu tive uma irmã fazendo fazendo aniversário também, que se eu
não me engano, ela já tá com mais de 60, ela também deve ter uma boa
experiência de vida ela é advogada e ela atua no CRD, lá na saúde e depois eu
te mando o contato dela ela também é bem interessante de você entrevistar tá

L: Legal, Jacque, legal, então muito obrigado por tudo.


J: Beijos, deus te abençoe!
ANEXO 9 - ENTREVISTA FÁTIMA TASSINARI

Entrevista com Fátima Tassinari realizada em 07 de abril de 2022

Legendas
Fátima Tassinari: (F)
Leonardo Arouca: (L)

L: Tá gravando, pronto.
Só para passar algumas questões de praxe, eu já te falei anteriormente. Essa
entrevista é para um trabalho de TCC na pós-graduação em Museologia e queria
saber a princípio, se você concorda com a gravação?

F: Sim, concordo, tranquilo.

L: Perfeito, então a gente pode começar.


Bom Fátima, primeiro eu gostaria que você se apresentasse, dizendo o nome
completo, profissão e depois que você falasse um pouco do local onde você
nasceu e como era a sua relação com a sua família e com esse local?

F: Eu me chamo Fátima Tassinari, eu tenho hoje 63 anos, sou paisagista e eu


nasci em uma cidade chamada Batatais, no Estado de São Paulo, próximo de
Ribeirão Preto. Mas eu saí para estudar com 17 anos e nunca mais voltei.
Então moro em São Paulo há muitos anos, morei um pouco no Rio e um pouco
em Belém do Pará também. O resto tudo em São Paulo. Minha família é uma
família ótima. Meu pai era um comerciante, acabei de ver inclusive uma foto dele,
super fofo no Instagram, que postaram. Ele era uma pessoa que já cedo,
ensinava sobre a diversidade, porque quando entravam os clientes, né? Se
fossem lá, quem fosse ele dizia: que era cliente e que todas as pessoas eram
iguais.
Eu sou a mais velha, portanto a minha homossexualidade só se deu em São
Paulo, não se deu lá no interior, então foi mais tranquilo para mim. Eu sempre
fui muito tranquila com isso, nunca tive nenhuma questão e não sei, se por isso
nunca senti uma coisa diretamente de preconceito em cima de mim. Acho que,
claro que, deve ter rolado, mas as pessoas nunca foram muito frontais comigo
nesse sentido.
E já tive depoimentos da família, em que faziam questão de dizer que me
admiravam, que aceitavam como eu e que era super legal a posição que eu tinha
enquanto homossexual. E eu acho que essa posição é super boa para gente,
para o movimento, porque não ter preconceito consigo próprio e nem no meio ao
seu redor é ajudar esse meio.
Então muitas vezes, eu também converso com as pessoas que eu trabalho,
muitos jardineiros, as pessoas mais simples. E deixo isso sempre muito claro,
levo minhas namoradas, às vezes no trabalho e é tranquilo para mim. Se não é
para o outro, também não me diz muito respeito.
Mas já ajudei no movimento hoje em dia não tô retirada do movimento.

L: Perfeito Fátima e quando você chega em São Paulo, você vem para São Paulo
para estudar? Para trabalhar? Como acontece?

F: Eu entrei na faculdade de comunicação da FAAP e vim para São Paulo para


estudar.

L: E você chega com mais ou menos que idade?


F: Ah, cheguei em 1978 com 20 anos.
L: E nesse período, ao chegar em São Paulo você começou a descobrir um
pouco os locais de socialização LGBT na época? Como se deu essa relação?

F: Não, eu ainda não tinha transado com nenhuma uma mulher. E foi aqui em
São Paulo, foi uma amiga, super querida na faculdade, que um dia perguntou se
eu era - Entendida. E eu perguntei para ela - Entendida em quê? E aí depois ela
falou - vamos ali conversar. E a gente tava dentro da aula e saímos e ela foi me
explicar o que era. E eu comecei a rir.
Mas eu, durante a adolescência, eu tinha namorados, não tinha um despertar,
assim, tinha algumas meninas, que mais elas olhavam, eu não tinha um
despertar. Mas aí depois sim, aí começou. E eu tive uma primeira namorada que
chamava Leila e depois foi um monte de namoradas que eu fui tendo.
Mas ainda até os 35 anos eu era bisexual, depois fui ficando mais só com
mulheres mesmo, hoje em dia não tenho olhar para homem, realmente, sei lá,
parece que é uma coisa que passa, né. Não sei te explicar, mas eu nunca tive
também, sexualmente tudo bem para mim, eu vejo que muita gente fala que não
consegue. Para mim, não, não tive nunca problema de ter um relacionamento
com um homem, acho que é bem natural assim.
Mas vai indo, fica uma química, para mim pelo menos, ficou uma química mais
focada. Mas eu também nunca tive vontade de fazer transição, nunca tive. Eu
gosto dessa coisa da outra mulher, mesmo, assim sabe, ser uma mulher e de ter
outra mulher. Não tenho essa vontade e super compreendo, tenho um monte de
amigas trans mas não tenho a vontade de transicionar.

L: Entendo, compreendo.
Fátima e quando você começa a sair para lugares, em que você começa
encontrar outras lésbicas? ou outros gays, ou outras pessoas trans? Como se
dá esse processo? Quais são esses lugares? Queria que você descrevesse um
pouco.

F: Ah, assim, São Paulo tinha poucos lugares. Era, veja que em 1978, eu tinha
20 anos, foi de 1978 a 1985, que foi uma coisa mais abundante aqui em São
Paulo. Acho que o primeiro lugar de mulheres que eu fui chamava Bug House,
que era uma casa na Augusta e foi lá que eu dei meu primeiro beijo na boca, na
Eleila. Depois eu frequentei muito o Espaço Off, gostava muito, que era do Celso
Curi gostava muito, adorava ir no Off, era o meu lugar preferido, mas tinha um
lugar que chamava Feitiço também, uma época que era em Moema, que foi
muito bacana essa casa. Era uma casa de mulheres também, que tinha uma
figura central que chamava Marta e foi acho que uma casa mais interessante. O
Bug era mais assim, mais farra. O Feitiço já tinha uma coisa de música, era mais
Cult, que mais?
Eu não ia muito em Ferro's Bar, mas fui, fazia parte. Mas não era um lugar. Eu
não gosto de beber, então eu não bebo! Então essa vida noturna assim, essa
coisa, o ambiente mais bar, bar, álcool, álcool… eu acabo não fazendo.
Mas eu tinha um amigo, que a gente estudou na faculdade, e eu tinha uma
mobilete. Ele era gay e aí ele ia atrás da mobilete e a gente ia de bar em bar em
São Paulo, de sexta e sábado e a gente ficava 15 minutos em cada lugar e ia
conferindo a cena - saindo São Paulo afora de mobilete, mas era divertido,
porque a gente dava uma geral. Passava pela Rua Augusta e passava pelas
casas noturnas mais de gays, sai bastante. Mas também eu sempre gostei muito
de arte e cultura, então sempre tinha muito programa cultural.
Mas eu não entrei na cena de militância aqui, não conheci nada nessa época, eu
só fui para uma relação com a militância em 1999, é bem mais tarde.

L: Entendi, e esses três primeiros locais que você comentou. Você poderia
descrever eles um pouquinho para mim? Porque eu fiz uma entrevista
recentemente com o Ubirajara e ele comentou sobre alguns locais que não eram
necessariamente gays, mas eram autorizados que gays frequentassem. Esses
locais também eram assim?

F: Não, não, esses três lugares que eu citei eram gays, o Bug House era mais
de mulheres, porque sempre tem menos, né? Sempre os espaços dedicados às
lésbicas são em menores quantidades e todos os espaços, em geral que tem
lésbicas, têm gays. Todos os espaços de lésbicas tem gays, mas não
necessariamente os espaços de gays têm lésbicas, às vezes tem só gay, né?
Isso sempre foi assim.
Fora do Brasil também é assim, é muito parecido. Você vai em Paris é bem igual,
você vai no Canadá é igual, você vai em Londres é igual, às cenas se repetem
nos tempos. Agora faz tempo que eu não vou, mas durante esses períodos
quando você vai lá fora, você vê uma coisa sempre igual.
O Bug House era uma coisa, mais de cena lésbica, mais no centro de São Paulo,
então comparativamente, é o público desse movimento que hoje fica na rua,
sabe ali na redondeza da Rua Itu e Rua Jaú? Que tem aquela cena, também
bastante lésbica e gay, era um tipo de público mais semelhante, um público mais
novo, jovem e mais de classe C, né, do que de classe B ou A. O Off já misturava
mais, tinha uma coisa também, de uma classe A e B, misturava, mas eu acho
que que era também uma tendência mais elitista um pouco. E o feitiço, ele era
de mulheres, ele não era tão jovem quanto o Bug House e era de eu acho que,
de pessoas mais universitárias também, uma coisa mais o público também mais
parecido com o OFF, mas mais feminino. Era mais como fosse o Farol, sabe
depois? Não era uma coisa que era autorizado como é o caso do Rits como é o
caso do Mestiço, que jamais conseguirão a chancela, né? Eu já participei disso,
eles não querem ter uma chancela, eles são Gay Friendly, mas eles não querem
ter essas chancelas, estão lá para tudo como diz a Ina, que é dona do Mestiço,
é mestiço é misturada, é diverso, ela não quer caracterizar, esses três espaços
que eu citei eles eram realmente gays.

L: Perfeito, perfeito e eles foram espaços que operaram entre as Décadas de


1970 e 1980, você lembra mais ou menos?

F: Lembro, 1980 e 1990.

L:1980, 1990, perfeito! E além desses espaços Fátima, tinha outros assim que
não necessariamente você era uma assídua frequentadora, mas que você
lembra?

F: Não vou lembrar agora.

L: Que eram interessantes, que as pessoas comentavam, que você enfim,


acabou passando por lá?

F: O que acontece é que no meio do caminho eu fui morar no Rio de Janeiro e


antes disso eu fui morar no Pará e então eu saí um pouco da cena de São Paulo.
E em 1981 eu fui morar no Pará. Então sai dessa cena de São Paulo, eu voltei
em 1983. E depois em 1991 eu também saí de São Paulo e fui morar no Rio de
Janeiro.
E no Pará, tinha alguns lugares que não tinham só lésbicas, nunca conheci, mas
também não vou lembrar nomes de lugares em Belém. Não sou muito da
memória, assim. Eu lembro que eu ia nas Palafitas e que tinha uma coisa mais
diversa, mais bohemia, um pessoal mais boêmio e que tava ali, tudo misturado,
não era uma coisa só, sabe?
Já no Rio, tinha mais, mas no rio eu fui trabalhar com a Cássia Eller, então eu já
estava ali sendo. Assim já não era um espaço de lazer. A gente tinha agenda de
trabalho, então a gente na verdade que recebia, né. Todo show a gente recebia
muito gay e lésbica, pelo Brasil inteiro, daí é outra vivência, daí é outra história,
não ia muito em lugares no Rio.
A gente morava muito retirado e acabava sendo um pouco difícil para descer,
dava 50 km, então não fazia muita coisa, ia mais em show mesmo. Saía mais às
vezes porque para voltar para casa, eu tinha que passar pelo Joá, ficava difícil,
de noite fechava, sabe? Tinha uma coisa, dessa época no Rio, que para eu não
descer sozinha, eu acabava ficando.
E daí já tinha uma namorada em casa, então sabe? Ficava ali em uma outra
relação, a gente fazia outra vivência. Não sei se você entende, a gente estava
ali já, numa coisa de receber as pessoas e não ir.

L: É, até porque era uma relação de trabalho, também, né? É diferente né.

F: Mas a gente estava ali em um público intenso, LGBT.

L: Eu achei super interessante isso que você comentou da Cássia, Fátima,


porque eu acho que como a Cássia, a Maria Betânia e outras cantoras, que, de
certa forma foram um pouco ícones sapatões. Acho que alguns shows também,
de certa forma, são lugares de memória da comunidade sapatão. Aí eu queria
que você mencionasse um pouco. Não só da Cássia Eller, mas de outros shows
que você chegou a frequentar.

F: Ah, sim, todos né, todos. Show de Bethânia, show de Gal, que andou não
andou, mas ia, em tudo né. A gente no Rio, né, porque a gente tinha também
uma entrada mais facilitada, aqui em São Paulo também, essa cena era bastante
comum e porque acontecia, né, Léo, uma coisa meio espontânea assim, né?
Era tipo, sei lá, tem Zélia Duncan, quem mais? Tudo. E depois no Brasil a gente
tem uma coisa de muitas lésbicas serem cantoras, né? Isso é uma coisa muito,
Ana Carolina. Eu confesso que eu não gosto muito de Ana Carolina, assim, não
sei explicar porque. Eu fui acho que em um show dela, mas não tenho interesse
pelo trabalho dela.
Assim eu sempre gostei de música popular e de todo tipo de música, então para
mim também não era uma questão identitária. Eu nunca consumi música por
conta de ser LGBT. Tem alguma identificação, mas não tem uma escolha por aí.
O que escolho para mim é uma coisa do ouvido, sabe? Igual comida pelo
paladar, música ouviu gostou, igual você gosta de uma pessoa quimicamente.
Tudo para mim funciona na percepção, no sentido.
Lógico que a gente para, para escutar, mas assim como eu paro para escutar o
Chico Chico, porque é filho da Cássia, porque eu vi ele na barriga dela, mas
porque a gente tem aí, os afetos, mas não é por essa ligação.
Assim agora, em arte também né, em qualquer tipo de arte. Teve uma época até
que eu falava com Franco Reinaudo, que isso nós deveríamos estudar. Teve um
dia até que eu conversei sobre isso com o Emanuel Araujo - Emanuel será que
tem uma relação? Assim porque para mim, acho que quando a gente tem uma
determinação sexual, você tem uma uma ligação. Eu acho que você tem uma
matriz que se altera, psicologicamente falando. Eu não sou uma estudiosa de
Psicologia, nem nada, mas eu acredito nisso, que você tem uma matriz e isso
faz com que haja uma diferença.
Então se você olhar e colocar tipo, como se fosse uma régua, uma medição e
nível de criatividade, quanto mais rompido, mais criativo, que é o caso das
transexuais. Vamos pensar no dicionário Aurélia da Língua Afiada? Ah esqueci
o nome dele, o que fez o dicionário. Ele falou que a riqueza era principalmente
os termos trazidos das Transexuais? Começa ali, vamos falar a frase, a palavra
mais conhecida, Mona, né? Você vê, você vai no Museu da Língua Portuguesa
e isso é extraído e é colocado, claramente, que vem do grupo e se você olhar,
quase que praticamente são as transexuais em primeiro lugar, né?
Eu diria que as lésbicas que contribuem menos porque eu acho que no final das
contas rompe menos, sei lá, talvez uma coisa sexualmente falando. Mas acho
que a transição, faz com que a pessoa tenha uma matriz um pouco mais rica.
Então tenham uma percepção diferente, sabe? Porque ela tem uma matriz
diferente, então ela enxerga diferente, não é criatividade, sabe? É olhar.
É igual quando você trabalha em Marketing. O olho, você vê na medida em que
o seu olho é preparado, então depois que você vê uma marca, se você a
conhece, digamos da Coca-Cola, você vê ela de longe, você reconhece mesmo
que ela não esteja mais escrita Coca-Cola e daí eu acho que é muito muito por
aí.

L: Sim, concordo plenamente.

F: Eu acho que tem uma coisa, quando você vai em Artes Plásticas, é muito
comum que você pegue um grupo, com trabalhos muito bonitos, trabalhos de
literatura. Tem tudo, né. Então acho que a música, a literatura, as artes plásticas,
o cinema. Então, eu gosto de artes, eu consumo porque gosto, não porque eu
faço parte desse segmento.
Agora, claro, tem o Festival Mix Brasil, a gente vai lá, vai prestar atenção, ver
o que está acontecendo, nesse sentido sim. Mas é porque tem uma coisa, que
tem uma propriedade. Igual tem lá, um evento, quando a Laura Bacellar fazia e
você vai, você vai lá ver o que tem, mas não necessariamente, eu tenho vontade
de consumir, por exemplo. Muita coisa de literatura eu não tenho vontade de
consumir, sou bem assumida, já fui muito criticada por isso, mas tem coisas que
eu não tenho vontade de consumir.
Acho que em Literatura, uma lésbica que eu gosto bastante… Assim tem
pessoas que escrevem, mas ficam escrevendo a própria história, mas não tem
nada que acrescenta é tudo igual. Eu gosto de comer muitas coisas, mas comida
mal feita eu não gosto, de literatura mal feita eu não gosto, de música mal feita
eu não gosto.
Aí uma vez eu falei para Cássia - Ah, não, eu não entendo de música. Aí ela
começou perguntar e foi me reparando, né, assim, aí ela falou assim - para com
isso, né, você só gosta do que é bom. Não é que você precisa entender, né, é a
tua percepção, então tem muita coisa, que não dá por exemplo.
A Milly Lacombe, não sei se você conhece, que é uma jornalista e ela tem alguns
livros, não sei, o jeito dela escrever é muito bacana, é muito simplista, sabe?
Então ela fala da homosexualidade feminina de uma forma muito leve, sabe? É
aquilo, é aquilo só. Você está ali, você está namorando e a pessoa que você
ama está ali escovando os dentes e de repente você se pega olhando para ela,
só está ali escovando os dentes, então ela coloca de uma forma tão simples.
Agora aquela coisa, que é cheia… E por mais que eu saiba que tem um caminho
difícil, que para muitas pessoas tem. Eu não gosto muito de conviver com a
vitimização, é meio que uma personalidade que eu tenho e tudo bem. A gente
precisa, precisa passar por elas, mas eu prefiro fazer coisas que rompam, sem
ter que lidar muito com essa relação direta da vitimização, essa coisa dramática.
Ah bicho, se aceita, fica tranquila, fica tranquilo com isso, vamos fazer coisas
legais para mudar. Mas também, sei lá, sabe? Pode ser tranquilo, eu acho.

L: Eu concordo, tem gente que acaba vivendo, adota isso para si. Vive essa
vitimização para sempre.

F: É assim, tem que brigar, tem que se auto-afirmar demais, né? Aí eu fico
sempre olhando pensando, bom então, será que tá bem aceito internamente, aí
por dentro? As outras coisas, a gente tem né Leonardo, eu tô com 63 anos, a
gente vai vivendo. Quer dizer, todo mundo tem suas particularidades, suas
experiências infantis, suas marcas emocionais. Todo mundo tem peteca para
jogar, mas não por isso, né.

L: Sim.

F: Eu acho também que a sociedade é muito burra, né? Vamos falar, burra,
cretina. Porque nós estamos falando de LGBT, né. Mas até quando a questão
do racismo? Que no mínimo, até quando a questão da mulher? A gente tá
falando de lesbianismo, mas e a mulher? Então acho que, sei lá, é difícil nesse
sentido, claro, é muita ignorância é muita.
Não sei o que que as pessoas pensam, eu fico olhando as vezes assim, quando
a pessoa fica também expressando muito preconceito. O que ela pensa, que
passa na minha cabeça, né? Que diferença tem para ela, eu me deitar com uma
mulher? Ela não deita comigo, não tem que conviver com isso, porque que choca
ela me ver beijar outra mulher? Eu vejo ela beijar às vezes um homem tão feio,
barbudo, você é barbudo, mas sabe? Tem umas coisas. O que é vulgar, né? É
condicionamento, então isso aí na verdade, a gente precisa ajudar a sociedade
a romper, mas em todos os níveis.
E a gente vive agora um momento, ainda em que. Eu nunca imaginei que fosse
passar por uma questão política tão desastrosa. Imagina, eu sou paisagista e
fico vendo queimar árvores toda hora. Por que isso? O que que tá acontecendo,
por que tem raiva de árvore? Então a gente voltou para trás, tudo. Assim e sem
árvores não tem solução.
Agora deixou de ser o foco, não é vamos trabalhar em prol do LGBT, vamos
trabalhar em prol da árvore, porque é em prol da vida. Porque no momento em
que nós vivemos, pós-pandemia, agora, além disso tudo, ainda a gente tem uma
fome, uma pobreza, uma miséria, decorrente da miséria humana. Que isso não
é só no Brasil, a gente está vivendo isso, você vai vendo coisas, a gente tem
essa questão do morador de rua, no mundo inteiro, a gente tem uma explosão
da miséria. O que é a miséria? O que que tá sendo exposto, que questionamento
é esse, que a gente não está fazendo? E por que que a gente não se articula de
verdade? Eu falo porque eu me coloco nisso.
Eu hoje olhei, ajudei várias pessoas ao longo de onde eu passo, que eu ponho
coisas no meu carro, vou pondo, mas eu posso ajudar. Aí comecei a pensar no
meio da rua hoje, se a pessoa tá comendo tudo bem, mas ela consegue morar?
Quem tá cuidando disso? Onde essa pessoa vai ao banheiro? Como é que ela
toma banho? Quer dizer, que tempo, que coisa né? A gente tá vivendo o tempo
da caverna de novo.

L: Sim, parece que o Brasil é sempre isso, né? Você dá 10 passos para frente e
depois 50 para trás. E você fica naquele eterno ir, não ir. Que as coisas não se
resolvem, nunca se resolvem.

F: Eu acho que é uma passividade, muito acima da normalidade.

L: Eu concordo totalmente, Fátima. Mas retomando um pouco a questão do


inventário e da população LGBT. Queria saber um pouco quando você retorna
para São Paulo? Se esse retorno é próximo a quando você ingressa na militância
efetivamente?
F: Não, eu voltei para São Paulo em 1983. Mas eu comecei a militar, eu diria que
a primeira vez que eu fui na parada, que deveria ter sido em 1997 ou 1998? Não
em 1997.
Eu fui na parada de 1997 e na parada de 1998 por curiosidade. Eu e dois
amigos, um amigo gay e uma amiga que não é gay, que é uma excelente
fotógrafa. E a gente ficou brincando, fotografamos, fotografamos e depois
ficamos vendo a foto uma do outro, não sei o quê, não sei o quê. Aí um dia a
gente falou - ah, a gente podia fazer uma exposição.
Ah, também tinha uma amiga que tava namorando uma amiga de Londres, uma
amiga aqui do Brasil, começou a namorar, a Márcia, começou namorar a Lu e a
Lu era de Londres, mas tava vindo morar no Brasil porque foi ser professora na
PUC, tinha um trabalho na área de matemática, acho que não tem nada haver
com a sua área. E aí, a Lulu me contou que tinha o Gay Games em Amsterdam,
eu não sabia, não tinha conhecimento do Gay Games, aí eu falei - nossa que
legal talvez eu possa ir, aí a única referência que eu tinha era o André, o André
Fischer. Aí eu mandei um e-mail para ele e ele me respondeu, eu falei para ele
que gostaria de conversar e aí fiquei conversando com ele e ele falou - Ah, por
coincidência essa semana vai ter um encontro, sabe do Clovis Casemiro? E tinha
uma associação que que era de turismo gay Internacional, sabe? E daí eu fui lá
e aí ele falou, ah vou te apresentar e me apresentou o Franco Reinaudo.

L: A ABRAT? Não sei se era,

F: Não, não é a ABRAT é outra coisa.


É, eu acho que é I…, aí não vou lembrar, não vai adiantar. Eu sou assim mesmo,
eu não registro essas coisas, você pode me perguntar o nome de uma planta um
pouco mais difícil, eu posso te responder. E aí eu conheci o Franco e a gente se
deu super bem, fiquei super amiga do Franco, sou amiga dele até hoje.
Daí eu falei para ele da exposição, eu lembro que eu tinha uma - Álibi, que era
agência de viagens dele, aí eu fui lá e eu mostrei as fotos da gente e falei - Ah,
Queria fazer. E ele falou - Mas vamos fazer o seguinte, vai ter uma reunião da
parada e que eu vou, a gente podia oferecer para fazer, tá legal essa exposição
tá pronta, não sei o quê, vamos propôr para ser uma exposição da parada?
E daí que eu fui com o Franco para a reunião e chegou lá, era tipo uma reunião,
o Beto Cavalcanti era Presidente, o Nelson Mathias era vice-presidente, tinha o
Renato Baldin, outras pessoas que eu conheci ali no dia e eles ficavam falando
muito, todo tempo sobre planejamento. E eu trabalhei muitos anos na Caixa
Econômica Federal e eu trabalhava na área de planejamento e aí quando a gente
ficou esperando, porque nossa vez de falar era praticamente no fim da reunião,
aí o Franco falou da exposição, eles toparam não sei o quê, daí eu falei quando
já era para ir embora - Se vocês precisarem de ajuda com planejamento, talvez
eu posso ajudar. Foi nisso aí que eu entrei, entendeu?
Quando eles começaram, eu estava indo para Brasília fazer um trabalho e por
e-mail, naquela época, só tinha e-mail virtual. Eles começaram a me mandar
algumas informações, eu ia pedindo e eu comecei formatar um planejamento.
Quando eu já tinha terminado o trabalho em Brasília, o Franco, que sempre é
muito articulado, a gente começou a articular pessoas, o Celso Curi aí o Celso
trouxe o Sérgio Miguez, que era dono na época da Livraria Futuro Infinito e a
gente formou um grupo e daí foi chegando, o Sérgio trouxe o Fábio, que era da
Fan, dono o Fábio e o Augusto, que eles tinham uma agência de publicidade que
chamava Fan, e daí a gente foi formando. Então o Fábio e o Augusto
desenvolveram aquela marca da parada que tem os anéis.
A gente foi, o Franco conseguiu com a Canadian Airlines, a gente foi parar lá no
Canadá em Montreal para a gente avaliar a Parada deles. Então eu fui, e a gente
ficou olhando como que era a parada e aí, a coordenadora se chamava Suzane
Jihad e ela era vizinha, por acaso de uma brasileira e essa brasileira, por acaso
era muito amiga de uma figura, que era namorada de uma amiga minha.

L: Olha só

F: E rapidamente se construiu, eu era a única mulher que estava no grupo que


foi para o Canadá, daí eu fiquei muito com elas e foi muito bom que a Petúnia
ficou, que é essa brasileira que mora lá. E me ajudou, né, com essa figura que
era a Suzane, então acabei pegando bastante informação. E o princípio deles
era, que não era só a parada em e sim vários eventos durante uma semana.
Então a gente acabou construindo, na época, esse formato que tem parada, foi
esse grupo junto, claro, né. Com o Beto, com as pessoas da parada, mas essa
junção, quando trouxe esse pessoal mais de artes, mais de área cultural. Então
o André participava, O Sérgio Miguez, o Celso Curi, o Fábio e o Augusto, o
Franco Reinaudo, chegaram muito mais pessoas, o Diógenes Moura que ajudou
com exposição de foto, né?
Só que no desenvolvimento do planejamento foi chegando mais perto, daí eu
acabei também fazendo a parte de captação de recursos e não deu muito tempo,
assim. Acabei tendo que fazer algumas coordenações dessa parte, me lembro
que até em alguns momentos teve uns choques assim, porque não havia tempo
de negociar, de estruturar com o grupo. E era muito importante, na minha visão
de planejamento, que as pessoas que estavam dentro da parada, que elas
pudessem ficar mais focadas na relação com a parte de militância. Porque nós
não teríamos capacidade alguma de agir aí, eles tinham um pouco de sede.
Tinha uma figura mais especificamente, que tinha uma sede de atuar mais nessa
área, na área cultural e tal.
E isso atrapalhou um pouco, não dava para assimilar, tinha que deixar mesmo o
grupo cultural agir, isso deu um pouco de choque, eu acho. Que na época, no
meu relacionamento com a parada, eu senti que isso atrapalhou um pouco. Eles
ficaram um pouco com prevenção comigo, mas só foi falta de maturidade de
todas as partes, nada mais. Mas a gente conseguiu feitos incríveis, o Almir
Nascimento, também né.
E a gente também fez esse formato, tudo que existe né? Essa coisa, desenhou
missão, que era, a missão era: Celebrar a diversidade, agora não lembro
também mais. Mas depois eles mudaram, era uma visão do Franco Reinaudo,
né, de ampliar a diversidade e não ficar nas letrinhas. E era super rico isso.
Tinha uma outra amiga, Ângela Chaves, que também tinha uma visão da parte
mais política da parada, que a gente poderia ter alcançado uma coisa mais
interessante, que não foi possível. Que era aproveitar a parada no movimento,
que a parada é na verdade, até hoje o maior movimento de massa do Brasil. E
poderia aproveitar melhor, mas precisava entrar mais.
Por exemplo, todo ano ela é democrática, a escolha de tema, a escolha de
andamentos e tal. Mas ela não tem o peso que merecia ter, porque não tem
profissionais de comunicação para fazer, com aquilo que se espera, por
exemplo, como - Ah, eu quero falar de democracia. Mas como que eu vou fazer
essa frase? Precisava no meu entender de ter mais peso, de ter essa
colaboração de quem é de Marketing, quem é de comunicação, para que isso
ganhasse uma robustez em termos de movimento de massa.
Mas isso também não é tão relevante, porque todas as coisas e todas as
discussões internas, em relação a parada e externas também, que há muita
crítica não são relevantes. Porque é muito difícil para algumas pessoas
entenderem, mas o papel efetivo da parada é só um é criar visibilidade, então é
bobagem, porque você tem. O que muda é que Marcas, a política, veem que não
é um ou dois gays no Brasil, que São Paulo produziu a maior parada do mundo,
quer dizer, então é muita gente, precisa parar para prestar atenção, porque são
muitos votos, são muitos consumidores. Então é isso, é criar visibilidade. Então
a gente conseguiu entender isso muito bem, você sabe, você já conheceu o
Franco Reinaudo, ele é muito habilitado nesse sentido. E a gente formou uma
força incrível.
Eu me lembro até hoje que, ao desenvolver as coisas, eu dizia, eu me
relacionava mais nesse sentido, a hora que eu precisava, que eu ficava muito
feliz com o resultado, que eu passava, mas que eu precisava conversar assim,
com essa coisa mais calma. E eu tinha uma coisa muito com Sérgio Miguez, né,
que acabou se tornando também um grande amigo, um amigo assim de coração,
que eu sinto até hoje, que ele se foi. Uma pessoa que acabou ficando, meio que
meu irmão e eu falava para ele - cara incrível, parece que a gente põe a bandeira
e cai do universo.
Porque a sinergia que foi criada, foi de um nível elevadíssimo. Assim eu já vivi
muitas coisas sinérgicas e são elas que mobilizam. Quem trabalha com
planejamento sabe que, se você não cria sinergia de grupo, você não não tem
nada para ser realizado.
E foi incrível, a sinergia que foi criada na parada de 2000, que foi a parada da
virada, foi a quarta parada, foi incrível. No dia seguinte da parada, a gente tinha
todos os jornais, todas as revistas do Brasil na primeira página é um clipping
imensurável. E aí também a gente tinha deixado o resultado, a parada tinha, eu
me lembro, sempre vou me lembrar disso, uma dívida de R$ 400,00 e ela ficou
com uma caixa positivo de R$ 40.000, então era super significativo em todos os
sentidos.
E eu também nunca vou entender porque eles achavam que eu poderia roubar
a parada deles, nunca vou poder entender como é pequena essa relação.
Porque como um movimento de massa tão expressivo, uma pessoa que está ali
trabalhando e formatando, conseguindo dar corpo a uma sinergia, vai poder fazer
alguma coisa em benefício próprio? Mas isso já tinha sido cumprido, por isso que
eu falei, cada um faz a sua parte, acho que a gente até hoje consegue ver o
resultado disso, né, desse grupo, dessa sinergia.
E a parada é baseada nesses pilares que a gente construiu, que tem uma
semana praticamente de eventos, que no dia do Corpus Christis, a gente tem
uma grande feira, que hoje é no Anhangabaú, mas antigamente era no Arouche.
E tem palestras, eventos para todo lado, em casas noturnas, cinemas, artes
plásticas, todas as expressões artísticas. E a parada sempre no domingo pós
Corpus Christis, fica super fácil de marcar..
Acho que essa construção ficou e nós vivenciamos esse momento deixamos
para todos, né? Assim, sem falsa modéstia, mesmo. Porque eu acho que foi a
marca, né, a logomarca, que eu acho que teve um grupo ali que acrescentou. Eu
acho que eu fiz parte desse grupo que acrescentou para o movimento.
E a partir desse momento só que eu também me preocupei, um pouco com
memória, que é o teu caso e eu acho que você viu lá algumas doações minhas,
que foi parte de clipping, que foi parte de algumas coisas da Cássia, foi essa
exposição, que eu planejei ela. A gente tinha 12 fotógrafos, o Diógenes era o
curador, nós distribuímos os filmes, né. E no ano seguinte, em 2001, teve uma
grande exposição no Centro Cultural São Paulo e essa exposição que
também tem uma coisa, que se tornará uma memória sempre, né. E eu acho que
é bem interessante.
E como, também voltando assim, né. Quando você pensa em parada, que eu
falei de criatividade, das trans, o que seria de uma parada se não tivesse trans,
nem drags, nem travesti, né seria uma passeata de Sindicato. Todo mundo, gay,
lésbica, com seu crachá de lésbica, a lésbica com aquela bolsinha na cintura,
seria uma uma passeata de Sindicato. Se não tivesse não teria cor, movimento,
música, nada engraçado. Então a riqueza, onde está? Precisa olhar sempre,
claro, mas também não teria volume de pessoas se não tivessem as lésbicas,
os gays, né.

L: Totalmente e é praticamente impossível você imaginar a parada sem Drags,


sem Trans?
F: Não, não dá para imaginar sem cor, né.
Só a bandeira não sustentaria, né, Leonardo (risos).

L: Sim, totalmente, e aí você falou um pouquinho sobre essa questão do eco das
paradas? Dos temas da parada e de que às vezes não têm o eco que vocês
queriam. E eu acho que, todas as políticas públicas, de certa forma, a partir dos
anos 2000, são ecos do que a parada se tornou, né. Então acho que
efetivamente a parada trouxe uma mudança. No campo das políticas públicas e
das políticas culturais.

F: É, agora, a gente também não pode nunca deixar de falar, que além de
Stonewall, a gente tem uma questão, que é: a gente tem um movimento gay, que
eu acho que ele tem uma origem bastante também no advento AIDS, que foi
necessário. Então também tem uma coisa aí de necessidade, que precisou fazer
coisas em política públicas. Houve uma necessidade de correr atrás.
Inclusive dentro do conjunto de pessoas, tem uma pessoa também
importantíssima nessa, eu não vou lembrar o nome, é um pecado não falar
nome. Mas o Carlos Passarelli, era do Ministério da Saúde e ele, além de ter
conseguido apoiar mesmo, efetivamente com grana, ele também auxiliou no
trabalho com DST/Aids na parada, que foi enorme. Então eu acho que a gente
não pode deixar de falar. Tem a coisa temática, tem as coisas que vão
acontecendo das políticas públicas, isso aqui, mas tem aí uma questão de saúde,
que foi necessário, né, Leonardo e que também impulsionou.

L: Sim, sim, com certeza. Revelou também essas pessoas?

F: E também revelou um preconceito, que também no começo não deu tempo


de trabalhar esse preconceito. Mas depois, mais ou menos, eu acho que se você
pensar em nível de ignorância. É mais ou menos parecido com que a gente vive
agora de vacina, e ficou assim - Ah, só grupo gay que transmite, que pega Aids.
E depois, você viu, o crescer foi.
Mas no primeiro momento foi necessário trabalhar bastante no grupo, porque foi
necessário criar novas atitudes, como nós, agora vivemos uma pandemia, foi
necessário a gente se adaptar a uma realidade. Então eu acho que o HIV/Aids
gerou adaptações, como a pandemia vai fazer também outras transformações.
Então, acho que para nós no movimento LGBTQIA+ e o que for, eu acho que
tem aí, também esse aspecto que você levantou, que me fez lembrar dessas
questões.

L: Sim, totalmente.
Nossa, mas incrível, Fátima. Foi muito bom, muito legal te ouvir! Eu sempre ouvi
muito o Franco Reinaudo, trabalhei com ele por quatro anos e ele sempre contou
essa história da parada, sempre mencionava alguns nomes como o seu
inclusive. Mas eu acho que é muito bom ouvir você e ter outras visões, ter outras
apresentações e foi realmente muito incrível.
E aí para finalizar, eu queria agradecer e queria saber se você tem alguém, que
gostaria de indicar, alguns nomes que faltaram, algumas pessoas que talvez
tenham vontade de falar sobre essa questão. Eu acho que seria muito rico para
esse inventário, mas no todo eu gostei muito.

F: Mas você queria assim, do inventário, o que? Tipo Laura Bacellar? Laura
Bacellar acho que não participa muito do inventário, mas ela tem um inventário
maravilhoso, que é a produção dela na Malagueta. Você entrevistou a Laura?

L: A Laura ainda não, eu acho que eu vou partir para ela então.

F: Talvez a, quem que participava? No nível de inventário, porque o pessoal da


militância, eu acho que eles não tem um contexto de inventário? Nem o Lula,
nem o Beto de Jesus, nem o Nelson Mathias, acho que eles não formalizam esse
aspecto de inventário? Acho que o Celso Curi, assim.

L: O Celso Curi, eu cheguei a entrevistar porque eu fiz uma pesquisa sobre a


Coluna do Meio na graduação.

F: João Silvério, mas é que João Silvério também passa para outra fonte, porque
daí deu uma produção própria, né? Quem participa mais diretamente, o Almir
Nascimento, mas também não, né? Porque quem fez produção mesmo, o Franco
Reinaudo que você entrevistou, que quem tava mais ao redor, né? Talvez que
tenha uma memória, talvez o Renato Baldin, que era da parada.

L: Eu acho que vou falar com Renato também, né?

F: O Renato, acho que ele nem mora mais no Brasil.

L: Não, ele mora no Canadá agora, mas é super acessível né, por meio do
google meet.

F: É e talvez o próprio Beto de Jesus, mas não sei, porque tem esse aspecto,
né. Eu acho que quem criou, né? Acho que o André Fischer, se você não falou.

L: É, acho que vou trocar ideia com o André.

F: Eu acho que eu teria que entrevistar o Sérgio, lá do além (risos)

L: Aí não dá (risos), aí não tem como..

F: Eu acho também que o pessoal da Diversa, né? Porque hoje também tem
aquele, o que você é do Arouca da Diversa? Tem um Arouca da Diversa.

L: Eu sou sobrinho dele, sobrinho e afilhado dele.

F: Então, o Arouca, o outro, Tomáz? Não é, como ele chama?

L: O Fregini, né? Eu tô tentando tô tentando nesse primeiro momento, né


conversar com pessoas que tenham.

F: Mas tem aí uma derivação que eu não conheço, tem que pedir mais para o
Franco, te dizer porque tem umas pessoas que trabalharam diretamente no
Acervo do museu. Porque, o acervo ninguém se preocupou muito, quem se
preocupou foi o Franco Reinaudo, através do museu e da Diversa. Porque a
Diversa, na verdade é quem detém o Acervo.
L: É, com o Acervo eu que fiquei um pouco lá, nos 04 anos que eu fiquei no
Museu eu fiquei lá.

F: Então, e quem estava ao seu redor? Não nos últimos 04 anos, mas antes?

L: É, na verdade, assim. É, então, por muito tempo foi só eu. Antes tinha mais
um menino que ficou por muito pouco tempo, mas é que as coisas foram
chegando do Acervo. Então acho que não houve, necessariamente, aquele
planejamento. Vamos estruturar, vamos estruturar esse programa de memória
para uma sequência de anos.

F: Mas para o seu TCC, o que você mais está procurando em termos de, estamos
falando de acervo, mas.

L: Eu tô falando em um primeiro momento, eu tô falando sobre lugares de


memória, então qualquer pessoa que tenha passado por lugares de
sociabilidade LGBT em sua época é uma potencial entrevistada.

F: Eu acho que não escapa o que fez os filmes, o Lut (Lufe Steffen).

L: Não, com certeza, o Lufe Inclusive, eu pedi para ele os depoimentos que eu
tô transcrevendo.

F: Ele já tem um material vastíssimo, né? Mas eu acho que você tinha que
entrevistar o André Fischer.

L: É, eu acho que vou mandar uma mensagem para ele.

F: Eu acho que ele é acessível e ele tem uma visão bem diferente da minha. E
acho que é Interessante, acho interessante também você falar com as pessoas
da parada, assim, quem era mais lá para trás, de falar com Lula, com o Ideraldo
e o Renato Baldin, o Beto de Jesus, eu acho que tem que falar com Nelson
Mathias, porque ele que permanece e acho que assim, esse pessoal para fora,
né.
Mas acho que seria interessante você tentar falar com Fábio e com o Augusto
da Fan, que eu acho que nunca ninguém entrevista eles e é de uma suma
importância, é uma logomarca né, uma logomarca, você saber como foi criado
acho que isso ninguém tem essa memória, acho que você poderia ter essa essa
riqueza no teu trabalho, porque eu acho que nunca ninguém pegou depoimento
deles.
E é super assim se você pensar em uma logomarca que permaneceu, né? É um
ícone, né? Um ícone brasileiro que nós temos né. Eu acho que não valoriza muito
isso porque seria a nossa bandeira própria, né?

L: Eu vou, acho que eu vou procurar o Fábio também, por que é isso, né, às
vezes a gente acaba entrevistando as mesmas pessoas? Porque pega a
referência ali do trabalho do outro e acaba, assim, não rompendo muito esse
ciclo. E ouvindo sempre as mesmas vozes. Mas eu acho que eu vou procurar o
Fábio também e procurar algumas pessoas que não tiveram tanto nesse
holofote, tiveram um pouco mais por trás dessa organização.

F: Então eu acho que assim, apesar do Celso Curi estar sempre em todas, mas
assim que eu tô te falando. Elencando, mas é você buscar essas pessoas que
fizeram, eu acho que você também podia partir para essa coisa um pouco mais
icônica. Assim o que que permaneceu? O festival Mix Brasil não escapa, a
logomarca que já é uma coisa que ninguém nunca fez, lá, quem que trabalhou
em nível de clipping da parada, você sabe? Quem trabalha até hoje? Isso
também é uma coisa interessante. Como começou a documentação né?

L: Sim, eu não sei, eu sei que quando a gente pegou o acervo, quando eu vi o
acervo da parada de 2000 a 2006, estava tudo muito organizado. Tudo bem
organizado, bem clipado, tudo em pasta, tudo bem catalogado.

F: Tava tudo assim, porque a gente contratou.


L: É, mas estava tudo bem organizado. Então acho que seria interessante
mesmo.

F: Ah, eu acho que a Adriana da arco-íris que fez a bandeira.

L: Legal, verdade!

F: Eu acho que, porque se pensar em símbolos, pensar em ícones, porque são


imagens, né? E quem fez imagens? E quem fez vídeos? Onde estão essas
coisas. Tipo - quem fez a primeira ser a reportagem? Você consegue chegar
nisso? Quem foi, quem fez o primeiro? Eu sei que a gente ficou super contente
em entrar no Faustão, mas o produtor era um amigo, era o Pedro Paulo e ele
cantou a bola, ele me ligou e a gente falou - nossa entra vai ser super.
Mas ele era, o que também tem isso, né? Porque também a gente teve resultado,
porque se tem gay em todos os lugares, quando a gente conseguiu acessar
assim os gays nas empresas e tal a gente conseguiu resultado.
Mas por exemplo, pode também falar, eu acho que quem foi o maior investidor
na primeira, nessa primeira parada? Que mudou? foi a IG, através de quem? Do
Nissan Guanai, acho que você consegue falar com Nisan, acho que você pode
tentar falar também com quem produziu o material promocional. Foi a Bia Aydar,
que é a mãe da Mariana Aydar, que produziu os materiais. Sabe aquelas bexigas
que tinham na parada? Então, a pedido do Nissan.

L: Ah, que legal!

F: Mas você pode falar para o Nissan, de repente, eu acho que ele lembra de
mim, falar que eu recomendei. Você fala que a Fátima é amiga da Alicia Fábio.
para minha amiga da Alicia Fábio eu acho que que é uma coisa que derivou
assim, que foi importante. Quem mais? A Canadian Airlines, eu não lembro o
nome do cara, mas o Franco vai lembrar, a South Africa também, a Red Bull.
Por que foram investimentos primários.
Se você quiser entrevistar o Carlos Passarelli eu tenho, se você olhar no meus
amigos do Facebook você vai chegar nele, pode mandar, ele responde bem por
Messenger. Pode dizer que eu que indiquei. Ele está morando em Buenos Aires
agora, mas ele trabalha naquela instituição internacional de DST/AIDS, agora
esqueci o nome dele, ele trabalhava em Genebra.

L: A UNAIDS?

F: Eu acho que sim, na UNAIDS, então é um cara que é acessível e que


participou. Eu acho que também se você pensar em Aids, eu não vou lembrar o
nome, mas tinha um cara, um infectologista, do Instituto Emílio Ribas,

L: Não sei se é esse, o Paulo Teixeira??

F: Não, eu acho que não era. O Paulo Teixeira teve muito envolvimento. O Paulo
Teixeira é o que é deputado agora?

L: Acho que sim, ele chegou a ser secretário aqui em São Paulo.

F: Então precisa conferir isso com o Franco, você pode falar - A Fátima
desmemoriada, pediu para te perguntar. Eu acho que seria interessante, porque
ninguém nunca fez isso né, porque foi tão. Se você pensar nesse recorte a partir
da Aids e que chega nisso, né. Tem a coisa da Rebelião de Stonewall que foi lá,
chega de policia, chega de. Mas tem um movimento, que eu acho que o
movimento gay ele tem um peso do movimento hip, né?

L: Sim, sim.

F: Então, é por causa também que ele cola e ele destrói outras coisas, porque
ele pega, ele também vai para as coisas em torno de gênero, racismo, né. Acho
que tem uma coisa que pega tudo.
Na época, logo depois da parada, foi criado na prefeitura quem era? Era o Serra,
não é? Porque as criações, por incrível que pareça, foi PSDB, que fez, não foi
PT. E eles montaram uma na Secretaria da participação, não sei o que lá. E que
era o José Police Neto, o secretário e que foi aí que começou, que teve o Cássio
Rodrigo, o Cássio, né. Você entrevistou o Cássio Rodrigo?
L: O Cássio ainda não também, mas acho que uma pessoa bem interessante,
né.

F: O Cássio foi coordenador, e nessa coordenação, nessa secretaria de


participação, tinha negro, tinha mulheres, tinha drogas. E era o José Police Neto
e ele é Vereador ainda. E ele também é uma pessoa interessante, porque
auxiliou, nesse movimento, que a gente conseguisse fazer com que a parada
tivesse essa sustentação e lá tem isso até hoje. O Police outro que foi muito
importante e o Ítalo Cardoso, que é um vereador, ele geralmente está vinculado
e ligado ao PT. O Pólice era do PSDB, mas eu acho que ele mudou de partido,
o Ítalo é do PT e ele sempre está mais vinculado aos Direitos Humanos.
Mas foi ele que levou por exemplo, a gente foi para dentro da Câmara Municipal
com Drag Queen, com travesti, com trans, foi assim, essencial. Porque eu acho
essa memória. Imagina você também lembrar disso porque teve uma coisa de
assentamento, começou aí a assentar, antes delas serem levadas a vereadoras,
sabe?
Eu acho que tem uma coisa bacana aí, tem uma coisa bacana de Marco Santilli
que era diretor do MIS e que abriu o MIS para as coisas. E a gente fez vernissage
lá e tal aí tem uma memória e se precisar você acha ele nos meus amigos no
Facebook, mas ele não vai falar muito, mas ele é de acervo, né? De acervo
fotográfico, né. Ele tem um acervo incrível de indígena, né, ele foi marido da
Marlu e Miranda e eu acho que o Ítalo, acho que o Police.
Eu acho que rememorar o Cássio, através da função que teve essa
coordenadoria da diversidade. E para você ver como ficou perdido, que pena
que foi perdido, a questão da diversidade, do nome, porque nessa secretaria,
eles já tinham, fizeram também amarração na diversidade.
E a parada se ela tivesse, isso aí que eu acho que perdeu, quando eu falo
também no aspecto político que podia ter misturado mais, sabe Leonardo? A
diversidade, ter feito entrelaço com vários segmentos da diversidade, assim.
Fazer um fortalecimento na verdade com grupo de negros, não sei como fala.

L: Movimento Negro Unificado, né?


F: Movimento Negro, com o movimento gay, com o movimento das mulheres.
Tem uma pessoa que chama Marisa, Marisa, Marisa… esqueci, que era super
feminista, que é super bem mais velha que eu, nem sei onde está a Marisa.

L: A Marisa Fernandes do SOMOS? Ela é bem interessante é que ela é um pouco


mais difícil assim, né?

F: Mais radical.

L: (risos)

F: Eu também escrevi naquela revista - Um Outro Olhar, sabe?

L: Você escreveu? Você chegou a escrever?

F: Cheguei.

L: Ah, que legal.

F: Cheguei, tem até uma entrevista da Cássia que eu escrevi, que a Miriam
Martinho queria que trocasse, a Cássia falou um monte de b***** e ela queria
que eu estivesse escrito ao invés de b*****, escrever Chana. Mas eu falei - não
sairia nunca da boca da Cássia: Chana. Você quer que eu fale Chana?
Chaninha, da Cássia? Não vai sair, bicho. Agora vamos para o lado escracho,
não dá, não dá.
Acho que entendeu, fiz só um recorte para você? A parte de Aids, a parte política
e a outra, dos ícones. O que foi de construção acho que um pouco a Adriana,
um pouco a Fan. E perguntar para o Franco, quem mais criou ícones, quem criou
símbolos? Acho que foi, quem será que você viu lá?

L: Ah, na verdade, como eu não foco só na parada, eu acho que os símbolos


que eu vi são esses mesmos que você mencionou.
F: E o André, acho que tem que falar também, porque acho que tem os selos,
tem que falar com a Laura por causa da Malagueta.
Porque essas pessoas, que eu tô falando para você, a gente não tinha nenhum
interesse pessoal, não existia na minha pessoa, por isso que eu falo, que nunca
entendi. Porque não queria nada com isso, a gente fez mesmo por fazer. Você
conhece o Franco, é um tipo de doação, assim, espelhamento.
Eu acho que você tem que falar com André, por que isso sim.
Agora o Diógenes, se você quiser, primeiro que ele não vai falar com você,
segundo que ele vai fazer a contracultura de tudo isso, né? Porque o Diógenes
encheu o saco, eu acho que de alguma forma, ele tem razão. Porque vence, o
Gurgel venceu, vamos fazer outra coisa, né. Eu acho que ele tem razão em um
sentido, mas falar que perdeu também não pode falar, né. É porque ele tem uma
tendência à contracultura, mas tudo bem, né. Ele tá lá, segue o caminho dele.
Você foi ao Museu Afro esses tempos?

L: Faz tempo que eu não vou lá, já tem um bom tempo, mas eu to pensando em
passar lá, por agora.

F: Tire um tempo e vá ver duas curadorias do Diógenes, que estão lá essenciais


para o momento da pandemia.

L: Ah, ele é maravilhoso, né. A gente, quando a gente fez a Vânia Toledo lá no
museu, ele arrasou, Ele é incrível!

F: E os textos dele são…


Ah então acho legal você pegar o texto eu acho legal você pegar o texto dele da
exposição.

L: Sim, ah, essa exposição é algo que tem que ter, eu acho que ela é muito
importante, até porque é a primeira exposição da Parada.

F: Eu acho que foi a mais bonita, até hoje, não por nada. Porque ela foi pensada
antes, ela foi feita uma curadoria antes. Imagina, a gente escolheu os fotógrafos,
a gente deu os filmes, todos os filmes brutos foram para a mão dos Diogenes. O
Diógenes acompanhou os fotógrafos na Parada.

L: É um trabalho de produção fantástico.

F: É uma curadoria que antecede, coisa que em geral não faz, né?

L: Sim, sim.

F: Então tá bom, Leonardo. Prazer em te conhecer.

L: Prazer em te conhecer, Fátima. Fica bem, boa semana e logo logo a gente se
vê por aí.

ANEXO 10 - ENTREVISTA COM FRANCO REINAUDO

Entrevista com Franco Reinaudo, realizada em 19 de Agosto de 2022

Legendas:
Leonardo Arouca: (L)
Franco Reinaudo: (F)

L: Então, vamos lá, Franco, primeiramente eu gostaria que você se


apresentasse, que falasse o nome completo, idade e profissão. Também queria
te passar algumas questões de praxe.
Esse é um inventário participativo para um trabalho de conclusão de curso da
Museologia da PUC, que tem como foco a realização de um Inventário
Participativo, então queria saber se você concorda com a gravação? E queria
que você seguisse essa apresentação.

F: Tá bom, eu concordo com a gravação.


Eu me chamo Franco Reinaudo, tenho 59 anos. A minha formação em
Administração e Marketing e pós-graduando em Museologia.

L: Tá certo. Franco diferente dos outros entrevistados eu já pude te apresentar


um pouco dos resultados do inventário. Esse inventário participativo busca não
só coletar essas histórias de vida, mas também descentralizar a decisão sobre
o que é Patrimônio dessa comunidade.
Então eu queria muito que você, a partir da sua experiência, pudesse me falar
um pouco sobre os lugares de memória LGBT, daqui da cidade de São Paulo
que você considera patrimônio. E isso envolve desde baladas, teatros,
exposições, ruas e avenidas, livrarias, enfim, todos os lugares que você julga
importante para essa comunidade e que podem ser considerados como
patrimônio.

F: Primeiro eu acho que é importante a gente entender um pouco esses


processos de convivência, a partir de um dado que é muito particular da
comunidade LGBT, que é a questão do preconceito e a questão da
discriminação.
Então, você tem um longo período. Até às vezes quando eu faço minha
apresentação, eu vou pautando isso, que é o lugar, primeiro da noite. Então você
tem ali, até praticamente o final dos anos 90 a comunidade renegada a espaços
noturnos.
Em um primeiro momento esses espaços eles nem se identificam, como LGBT,
mas eram espaços muitas vezes escolhidos pela comunidade de frequência. Em
um segundo momento, eu acho que eles, a partir de uma questão mais financeira
e de um pouco de extensão dessa discriminação, você começa a ter lugares que
já se chancelam, já se apresentam como lugares LGBT, mas mesmo assim,
sempre são lugares da noite, onde as pessoas tinham essa possíbilidade de se
encontrar e só mais tarde você vai ter lugares que são frequentados durante o
dia, como restaurantes, livrarias e outros espaços específicos.
E eu acho que vai demorar muito para comunidade se apropriar do dia de uma
certa forma para viver sua sexualidade, então eu acho que durante muito tempo
você tem esses lugares noturnos, daí você tem uma série de casas
emblemáticas, que eu acho que muita gente já deve ter citado.
Mas eu acho que para mim, quando você fala muito em lugares de memória, eu
acho que tem alguns espaços na cidade, que a partir de um fato, a partir de um
lugar ou de vários lugares, acabou atraindo a comunidade.
E aqui em São Paulo, o mais longevo digamos assim é o espaço ali do centro -
da Av. Vieira de Carvalho, Praça da República, Galeria Metrópole, mas
sempre nesse circuito Largo do Arouche Largo - Galeria Metrópole. Eu acho
que esse é o lugar, mais historicamente onde a presença LGBT, durante um
longo período ficou, né.
Como a gente tava falando, antes eu acho que teve - determinado momento, no
final dos anos 1980 até 2000, até metade dos anos 2000, você tem a região do
Jardins, ali abaixo da Consolação, em direção ao Jardins, né, a Rua da
Consolação a Bela Cintra… a Bela Cintra. Ali aquele pedaço, onde você vai ter
uma grande concentração de lugares e onde a comunidade vai ficar na rua, nas
calçadas, criando um conflito grande entre os moradores.
E que aos poucos a comunidade vai sendo expulsa dessas áreas, todos os
lugares vão ser fechados, praticamente. Você vai ter um processo de exclusão
da comunidade, que vai se transferir um pouco ali para Frei Caneca de uma
certa forma e Augusta, mas que não tem o mesmo impacto que teve aquele
espaço ali.
Porque concentrou um monte de lugares, sei lá, o Gourmet, o Allegro, uma
série de casas noturnas que agora eu não vou lembrar o nome, mas teve um
período onde aquilo era uma grande concentração de público LGBT durante a
noite.

L: Legal, Franco e se a gente tentasse dividir um pouco a nossa entrevista por


décadas? Ou períodos, não sei se isso te ajuda. Mas assim, você é uma pessoa
que por exemplo teve muito envolvimento com a questão do Teatro, né? E eu
imagino também que existiam espaços dentro dessa circulação nesse segmento,
que talvez poderiam ter um apelo para essa questão, poderiam ser considerados
como patrimônio, não só lugares, mas também às vezes algumas
manifestações, então se você quiser começar falando sobre isso pode ser
interessante.

F: Vou ver se eu me lembro, né? Olha eu lembro que nos anos 1980, eu acho
que é claro, o Teatro sempre teve uma ligação muito forte com essa questão
LGBT. Eu acho que muitos LGBT foram procurar o teatro, as Artes, porque era
um espaço mais tranquilo digamos assim, para viver a sexualidade.
Eu acho que nesses anos 1980, a frequência maior era na Rua Augusta mas, a
Augusta do lado do centro, virando ali onde tem o Ferro's Bar. Aquele pedaço
ali, do final da Rua Augusta, Martim Francisco e onde se concentrava a
população LGBT de uma certa forma nessa época. Mas muito assim, uma
população LGBT um pouquinho mais ligada à cultura, ligada ao teatro, às artes.
Você tinha uma série de restaurantes e tinha alguns bares que a população
frequentava, que eu lembro bem dos anos 1980 e principalmente do início dos
anos 1980 é esse pedaço.

L: E você lembra de algum bar específico?

F: Eu lembro de um bar mas eu não vou lembrar o nome. Mas era o nome de
uma bebida, daqui a pouco eu lembro. Ali na Augusta, um bar que não durou
muito, mas que era muito, um dos primeiros lugares, que eu lembro, assim de
frequência LGBT naquele pedaço, que você tinha por exemplo, um restaurante
bastante conhecido do Mask.
O Mask era uma figura LGBT bastante conhecida e ele tinha esse restaurante,
que eu também não vou lembrar, que eu tô com Pirandello na cabeça, que era
outro. Mas era um bar na Augusta que inclusive embaixo tinha um Antiquário,
que era um lugar onde tinha muita frequência LGBT, mais atores famosos, era
um lugar bacana.

L: É, Franco, uma pergunta assim mais específica sobre a questão do teatro.


Há um tempo você já tem certas companhias ou certos espaços, que tem uma
relação muito próxima com a comunidade, como é o caso por exemplo da
Satyros que tem até o acervo da Phedra de Córdoba. Dentro desses espaços
de circulação, também existiam alguns desses espaços que tinham uma
afinidade maior? Ou que também foi importante, no sentido de ter apresentado
algumas peças, assim, que se tornaram pela sua ótica patrimônio dessa
comunidade?

F: Olha, eu acho que mais do que um espaço específico, você tinha um


determinado momento nesses anos 1980, onde você tinha uma série de peças,
não LGBT, mas com esse tema, como: Rapazes da Banda e muitas outras
peças, eu lembro - Lição de Anatomia que as pessoas ficavam nuas, você tinha
uma série de espetáculos que começaram a falar nisso. Eu acho que ali foi um
pouco, tanto no cinema, como no teatro. Naquela época, no cinema começava,
muito pouca coisa, mas o teatro era um lugar onde você tinha algum tipo de
referência em relação a sua sexualidade, com certeza.
Várias, várias, várias peças nos anos 1980 tocavam ou falavam sobre isso, né,
você tem - Angels in America, bom, enfim. Eu estou falando, agora minha
memória está ruim, mas você tinha uma série de lugares, então, eu acho que a
comunidade realmente se encontrava um pouco no teatro. Acho que tinha uma
pegada diferente de hoje, né. As pessoas iam ao teatro e esses lugares eram
muito frequentados pela população, além dos bares enfim. Mas tinha uma
circulação grande da população nos espaços de teatro.

L: Legal e você falou também, um pouquinho, Franco, sobre cinema, né?


Existiram cinemas, ou cinemas de ruas, salas de cinema dentro de determinado
shoppings, por exemplo, que você enxerga que podem ser vistos como
patrimônio da comunidade? Que tinha uma certa ocupação, que tinha uma
vivência da população no período?
F: Olha, não, não consigo imaginar um determinado ponto que tinha uma coisa,
depois vai acontecer, de alguma forma. Ali, os cinemas da Augusta, o Cine
Clubes, mas eu acho que naquela época, era algo mais esparso mesmo, que
dependia muito do filme que tivesse passando, né. Mas é igual teatro, né? Você
tem, acabou de me passar um filme aqui de um, o Bent, também foi uma peça
que foi muito emblemática para a comunidade, você tinha isso, mas eu acho,
que não tinha um lugar específico, não. Isso eu não consigo me lembrar.

L: Sim, e sobre casas noturnas, boates, bares. Durante esse período de 1970,
1980 e 1990, quais são os bares mais emblemáticos que vem a sua mente e que
hoje você olha para trás e você fala - Não, isso é um patrimônio da comunidade?

F: Eu acho então, aí quando eu falo do Jardim, que você tinha uma série de
lugares, por exemplo, o Paparazzi, o Massivo, o Allegro, o Diretor 's Gourmet,
que era um lugar onde as pessoas iam bastante nesta região. Você teve, mais
para baixo, eu lembro da Rave, você teve a Soho, que mais que tinha? Poxa
vida, tinha uma época, assim, que os lugares não ficavam muito tempo. Os
lugares iam mudando, bom aí você tem os grandes, como a Corintho, a
MadQueen, que esses lugares ficavam fora desse circuito. Que foi uma tentativa
no Ibirapuera de criar uma série de casas LGBT e várias abriram e depois
fecharam, mas eu lembro muito da MadQueen e da Corintho naquela região do
Ibirapuera.
E você tinha o centro, com outro tipo de frequência, mas com casas também
emblemáticas. Você tem a HS, né, inclusive eu trabalhei na HS como ator. Esse
eu acho que é um lugar importante de memória, porque não só um lugar, de uma
boate de frequência LGBT, mas que apresentava shows, shows um pouco
diferentes, porque era meio peças de teatros. Tem muitos atores que fizeram
coisas lá, como Paulo Gorgulho, atores que depois foram para a Globo. Mas que,
quando nessa época de teatro.
Teatro na época você tinha três lugares para fazer teatro, o teatro mesmo ,teatro
adulto e teatro infantil e você tinha essas casas, algumas casas, principalmente
a HS você fazia esse show, que muitos na verdade eram pequenas peças de
teatro. Eram apresentadas lá, então ali tem uma uma história grande onde se
apresentaram muitas pessoas importantes. E era muito legal ali, porque você ia
assistir o show, o negócio funcionava de segunda-feira a segunda-feira e depois
você ficava na boate, eu lembro desses.
A gente falou sobre uma coisa importante que é o Mercado Mundo Mix, que é
essa passagem das pessoas da noite para o dia, então o Mix, o Mercado Mundo
Mix eu acho que ele tem essa função muito emblemática de trazer a comunidade
para luz, né? Vai para luz Caroline (risos).
Porque é a hora que a gente vai para o dia, né, era um espaço, uma feira com
moda, música e tal, mas isso é feito durante o dia e eu acho que é por isso que
o mercado também é um lugar muito emblemático nesse sentido, da gente sair
do gueto e ir para o espaço de dia.

L: Eu acho que falando um pouco sobre essa passagem, que ela é tão central,
de você, claro, à noite tem seu papel muito importante, mas essa passagem da
noite para o dia, ela também se reverbera em várias outras construções, né? As
construções são muito datadas a partir dos anos 2000, muito também por conta
da influência da Parada.
E eu queria que você falasse um pouquinho também, dessas construções,
desses lugares, que são lugares não só festivos, obviamente, de sociabilidade,
mas também, lugares que se colocam e se apresentam com uma proposta,
muitas vezes de política pública para sociedade, para essa população e o que
você considera hoje como patrimônio dessa população?

F: Olha, eu acho que a partir da chegada dessa questão, né. Eu acho que é,
claro, que é um processo, em que as pessoas vão se assumindo publicamente,
de uma certa forma, né. Então, o Mundo Mix chama Mix, até por uma questão,
que era o que era possível, né?
O GLS é o que era possível na época, mas eu acho que tem uma grande
importância, porque essa estratégia de misturar tudo, faz com que a população
consiga se expor de alguma maneira, né? Que é uma característica muito da
parada, a parada ela vai ser enorme quando as pessoas entenderam a
possibilidade de ter segurança no espaço público.
No começo, sempre conto isso a parada, as pessoas iam disfarçadas, de
máscara, ficavam escondidas, a partir do momento que uma enorme quantidade
de pessoas foi a rua, foi aí que a parada dá um salto. É muito por causa disso,
por uma questão, de você perder o medo de se expor.
Então, eu acho que a partir disso, você tem a entrada de uma série de outros
espaços, que têm características de funcionamento diferentes da noite, né.
Livrarias, que é que a gente fala do Futuro Infinito e antes foi a Livraria do
Meio, você tem outros espaços culturais, galerias, enfim.
Aí uma área que eu atuei bastante foi a área do Turismo. Que você começa a
ter uma série de empresas e produtos específicos para a população, eu não sei,
eu acho que se você pensar nesse sentido, eu acho que você tem espaços de
dia e um pouco misturados. Então você tem ali a galeria, como chamava aquela
galeria na Augusta? Que durante um período ela foi bem LGBT, assim tipo, as
pessoas vão cortar o cabelo em tal lugar, né. Como chama aquela Galeria, meu
deus? É uma galeria no final da Augusta, que eu acho que virou por um período
e depois não rolou, o que mais lugares? Lugares que tinham?

L: Pensar nesses lugares também, como centros, Centros de Referência,


centros que pautam política, secretárias que pautam esse tipo de coisa?

F:É, só que eu acho que isso é bem mais recente, você tem, claro, você tem ali,
muito, uma questão depois, que também é muito emblemática, é a questão
ligada a AIDS. Que aí você vai ter uma série de espaços, não é o Centro de
Referência da Diversidade, ou mesmo esses espaços, tipo o Gapa, o Pela
Vidda.
Eu acho que um lugar importante ali, é o centro de referência para a diversidade,
ali na… como chama? Marquês de Itu? É

L: Major Sertório?

F: Exato! Na Major Sertório, eu acho que é um lugar, que. Mas é mais recente.

L: Sim.

F: Eu acho que como os lugares de memória, que eu imagino, para mim, da


minha época, é isso. Eu acho que alguns espaços públicos, Largo do Arouche,
obviamente. E esse pedaço da Vieira de Carvalho, eu acho que são os lugares
mais, historicamente mais robustos, em termos de memórias LGBTs.

L: E lugares digamos assim de pregação? Por exemplo, saunas?

F: As saunas eu acho que são importantes.

L: Quais delas, você acha elas são, pelo seu tempo de atuação, talvez por ser
dirigida por determinada pessoa, por ter feito tal coisa. Podem hoje ser
consideradas como patrimônio da população LGBT?

F: É que o que, eu acho que uma grande coisa das saunas é que também, eram
lugares de guetos e meio escondidos.
Você teve uma sauna que foi emblemática, durante muito tempo, chamada For
Friends, né? A For Friends era uma travessa da Tutóia, não lembro direito onde
era. Era uma sauna onde a população ia bastante, você tem as outras saunas,
que tinha uma questão mais ligada a garoto de programa, né. E aqui duas, são
as mais antigas, uma ainda existe, mas mudaram de lugar, a outra não, que é a
Fragata ,que eu acho que é mais antiga é a Lagoa, são duas saunas, a Lagoa
ainda existe. São saunas muito antigas e depois você tem outras saunas, que
vem depois, né.
Por exemplo, você tem a Wild Thermas, você tem uma outra sauna que eu não
lembro agora o nome, mas que fica ali, na… meu Deus, não vou lembrar, mas
enfim.

L: Onde que era?

F: É ali, no… perto da Vila Madalena, mas não é Vila Madalena.

L: Não é a Le Rouge?

F: É a Le Rouge, ixi (risos)


A Le Rouge é uma sauna bastante antiga, que eu lembro, são essas assim.
Não sou muito de frequentar saunas, mas eu lembro dessas e mais
recentemente você tem ali a Red Hot Chilli Peppers, né. São saunas mais
recentes.
E você tem os cinemões, né, que parte da população… porque assim, eu acho
que tem, a população é diversa, tem gente que frequenta sauna, tem gente que
frequenta cinemão para pegação, tem gente que frequenta esses lugares. Aí
você tem, por exemplo, teve uma época muito grande, eu acho que isso é bem
importante de falar, né. Que tem o Autorama do Ibirapuera, mas você tinha
antes disso, ali em volta do Trianon, né, que as pessoas circulavam de carro,
paravam. Isso também tem em outros lugares, hoje virou perigoso, mas você
tem isso na zona leste, você tem isso ali perto da TV Cultura, também são
lugares onde iam de carro para fazer pegação, essa coisa meio… Talvez hoje
isso não tenha tanta importância, porque hoje você tem os aplicativos, né. Mas
você tinha muitos lugares em São Paulo, por exemplo banheiros de Shopping,
onde pessoas buscavam se encontrar, né.

L: E hoje? Olhando, claro, pouco para trás, mas o que ainda hoje está na ativa e
que você olharia e falaria - olha, acho que isso é um patrimônio da comunidade,
que a comunidade deveria lutar para preservar, que a comunidade deveria
reivindicar como tal?

F: Eu acho que um lugar que foi muito emblemático durante muito tempo, que
eu esqueci de falar, acho que a Nostro Mondo. O Nostro Mondo foi um lugar
que realmente durou durante muitos anos e que eu acho que é um lugar que
teve muita história importante, relacionada não só à idade, mas também à arte,
né. Porque você também tinha shows.
Hoje, eu acho que seria importante a gente preservar aquela área do centro, eu
acho que ali é onde você tem, uma… acho que uma longevidade maior em
relação a histórias muito diferentes, né. E é um lugar que realmente faz parte da
história da comunidade.
Eu acho que ali é um ponto nevrálgico, até por isso que o Museu da Diversidade
Sexual, escolheu estar lá, por isso. Eu acho que ali é um lugar muito de
resistência em relação, né. Que a gente a gente… isso que eu falo, ali no Jardins,
a gente foi expulso, né? Ali no centro a gente conseguiu se manter de alguma
forma enquanto comunidade, né. Apesar de claro, vamos combinar que tem
menos gente endinheirada para te expulsar ali no centro, mas de qualquer forma,
um lugar onde a gente conseguiu prevalecer, né.

L: Franco e sobre, não necessariamente patrimônios que são reconhecidos, mas


lugares que levam nomes de homossexuais, por exemplo, são poucos
reivindicados. No caso, vamos supor, da Praça Darcy Penteado.

F: São duas, né? E só conhecemos uma, outra está aqui.

L: Você considera ela como um patrimônio, como algo a ser reivindicado?

F: Eu acho, até porque por conta que as pessoas não sabem quem é Darcy
Penteado. E outra coisa eu acho que essa Praça, não existiu por conta dele ser
um ativista homosexual, né? Então eu acho que isso precisa ser recuperado, eu
acho que a gente tentou fazer um trabalho de preservação, lá atrás, enfim. Mas
hoje, por exemplo, você passa lá e não tem nem placa, né. A placa foi roubada
e a praça está super mal cuidada. E acho que sim, eu acho que isso é uma forma
de colocar no espaço geográfico e apontar e é necessário também que se aponte
a história do Darcy, né? Porque é isso, tudo bem a gente tem um monte de nome
de rua monte, um monte de nome de praça, que ninguém sabe quem é o que é,
né. Então você divulgar, valorizar e passar essa informação adiante, acho que é
fundamental para a construção de uma memória. Concordo.

L: Perfeito, aí eu acho que a gente pode encerrar, não sei se tem mais algumas
considerações que você queria fazer? Nomes de lugares que faltaram,nomes
importantes que você acabou não citando, então fica a vontade para você falar,
aí a gente encerra.

F: Puts, eu agora não lembro muito, mas eu acho que muita está faltando sim.
Mas acho que os principais foram.

L: A gente pode fazer também uma segunda troca. Aí você me retorna.

F: Sim, total.
L: Aí, acho que é isso então, muito obrigado, Franco

F: Muito obrigado.

ANEXO 11 - ENTREVISTA COM LAURA BACELLAR

Entrevista com Laura Bacellar - 29/08/2022

Legendas: Leonardo Arouca (LA)


Laura Bacellar (LB)

LA: Primeiro eu vou passar umas questões de praxe, como eu te falei é um


trabalho com finalidade acadêmica. Um TCC na Museologia da PUC, sobre um
inventário participativo dos lugares de memória LGBT. Aí, primeiramente
gostaria de saber se você concorda com a gravação, com a divulgação e com o
trabalho em cima das suas memórias?

LB: Sim, tudo bem.

LA: Na sequência queria pedir para você se apresentar, dizer seu nome
completo, idade e profissão.

LB: Meu nome é Laura Bacellar, eu tenho, no momento em 2022, 61 anos e sou
editora de livros.

LA: Legal, Laura.


Laura eu não sei se você pode conferir a planilha que eu te enviei?

LB: Sim, dei uma olhada.

LA: Ah, legal! Ela ainda não está completa. Tem muitas coisas que eu vou
ajustar, os verbetes, mas por enquanto eu estou nesse momento de constituição
desse inventário, eu tô levando muito em conta as apresentações que os
entrevistados fazem dos lugares e não só um verbete estritamente técnico. Mas
como de fato, eu consigo articular as memórias das pessoas dentro deste
instrumento.

LB: Uhum

LA: Então queria na verdade começar com a primeira pergunta. E já bem direta,
sobre o momento em que você começa a sair na sua juventude, quando você
começa a ir para a rua e começa a frequentar os lugares sociabilidade LGBT.
Então eu queria que você falasse um pouco desses lugares, das memórias que
você conserva deles e de quais desses lugares você julga hoje, como patrimônio
dessa população.

LB: Você quer que eu fale só apenas os lugares que eu gostava? Ou de todos
os lugares?
LA: Eu acho que é legal falar de todos, inclusive a questão das memórias é isso
né - elas podem ser boas e podem ser ruins, não é uma regra.

LB: Sim, ok.


Então eu sou de São Paulo, então quando eu tinha 20 anos, nos anos 1980.
Eu comecei, puts… Quando nos anos 1980 eu comecei a investigar o que existia
eu não lembro bem (risos). Em 1985, talvez em 1986, por aí… era bem
complicado achar os lugares, porque não tinha lista, você tinha que ir, encontrar
alguém gay, alguém lésbica que dissesse onde que era e os lugares eram meio
disfarçados, então era bem chato (risos).
E como eu não tinha muitos amigos gays, nossa… até eu entender e começar a
me localizar, demorou um bocadinho. E um dos lugares que eu fui, que eu vi que
você não citou foi, eu fui quando eu arrumei uma namorada portuguesa, que era
mais velha e ela conhecia os lugar, foi o - Moustache, o Moustache era uma
boate, principalmente para lésbicas que tinha na Rua Sergipe, ficava, tinha do
lado uma lanchonete que chamava Sanduba, se não me engano e os dois
lugares assim eram muito frequentados por mulherada. Era, nossa… como
descrever isso, eu achei muito interessante mas assim, eu não gostei mas achei
interessante (risos).
Eu, uma vez, eu fui ao Sanduba sozinha e aí eu não consegui entender como é
que funcionava, então não fui até boate. Outra vez eu fui com essa minha
namorada, aí eu entendi como é que eu colava lá, porque justo, não tinha
explicação, então não dava para entender o que que era. E alguém tinha dito -
aqui na rua tem algum negócio, mas eu não saquei que era uma boate toda
fechadinha, uma portinha bem sem sinalização e tinha um tipo de música, assim
bem bem melosa, bem dramática. E a mulherada dançando em parzinhos, sabe?
E muita gente bebia muito e tinha uma mistura nesse lugar, de as mulheres mais
velhas, umas bem mocinhas, tinha garota de programa, tinha garota de
programa aqui ia lá para espairecer porque gostava de mulheres, tinha garota
de programa que ia lá para fazer programa, sabe? Tinha tudo misturado nesse
lugar e a frequência principalmente feminina, bem mulherada mesmo. E eu achei
assim, interessante, não me encantei, mas fui lá algumas vezes e me marcou,
por ser um lugar quase que frequentado apenas por mulheres, tinha
pouquíssimos homens.
Aí depois que eu descobri que tinha alguns lugares, que eu comecei a xeretar,
eu fui até o Ferro’s, sou diferente da maioria, eu não gostei do Ferro’s, tá? Mas
fui, fui para ver que cara tinha. E eu achei um lugar muito pouco receptivo,
amigável para quem chegava sozinha, então eu fui, nessas vindas e idas sem
ninguém, só porque eu sabia que lá era um lugar supostamente aberto a
mulheres homossexuais
Assim, nossa, todo mundo muito fechado em si e ninguém veio cumprimentar,
fiquei no balcão, meio que olhando, muita gente olhava com uma certa
hostilidade, sabe? Era uma coisa assim meio - quem é você? Sabe? Tinha uma
coisa muito esquisita. E eu achava muito estranho, porque eu era uma jovem
mulher, estava ali e evidentemente estava querendo conhecer gente, né? Acabei
conversando com uma fulana e aí tive uma conversa que eu achei extremamente
impactante, de novo, muito interessante porque eu não gostei, né (risos). Que
foi que ela me perguntou se eu era Lady ou Francha? E eu nos meus 20 e poucos
anos, eu não sabia o que era isso (risos). E eu falei assim, por favor, traduz? O
que é isso? Ela me achou estranhíssima, como eu ia aparecer naquele lugar sem
saber me definir, né? E era necessário se definir. Lady era as mulheres mais
femininas e Francha as mais sapatonas, caminhão. Então ela até me explicou
um pouco as coisas, eu até acabei dando risada, conversei um pouco com essa
fulana, mas não me empolguei muito com o espírito ali da coisa, sabe?
Durante os anos 1980 e depois dos anos 1990, eu visitei. Eu tenho um pique
empreendedor, tá? Então eu resolvi umas tantas, foi nos anos 1990, depois que
eu voltei dos Estados Unidos, eu falei - Meu, que porcaria, não tem uma lista,
né. Eu resolvi fazer um jornaleco que tinha uma lista dos lugares. Aí eu visitei
todos os lugares que supostamente eram gays ou friendly em São Paulo, todos
os que tinham e ainda escrevi onde era, fiz uma lista, com endereço, horário e
tal que eu me irritei de não ter. Então eu visitei todos os lugares, toda aquela na
Rua Santo Antônio tinha vários, tinha o Sky Perepepês, mas tinham outras
coisas, bares, botequins, tinham várias coisinhas.
E ali no entorno tinha mais umas, não sei onde está essa lista, mas queria
lembrar do nome delas, mas tinham várias e eu me lembro de uma delas. Tudo
bem ir por aí?
LA: Claro, por favor, está ótimo.

LB: Então, lá nos anos 1990, mesmo, aí eu já estava com uma namorada para
cima e para baixo, então era mais tranquilo entrar nos lugares. Não era estranho
entrar sozinho. Mas eu me lembro de entrar em um lugar que ele tinha uma coisa,
uma particularidade, com dois andares e embaixo tinha uma mesa de sinuca,
inclusive. Nossa um lugar muito esquisito, mas era o que tinha. Só que era assim,
você entrava e não podia sair imediatamente, você só podia sair depois de meia
hora e tinha um segurança que não deixava você entrar, dar uma xeretada e sair,
entendeu? Não tem que ficar meia hora, se ficasse meia hora sem consumir
nada, tudo bem, depois ele deixava sair. Só que se você ficasse meia hora,
provavelmente você acabaria consumindo alguma coisa, ou seja, olha o pique
impositivo desse bar.
Aí eu me lembro, achei horrível o bar, achei horrível fazerem isso, né. Não tive a
menor vontade de consumir porcaria nenhuma lá e me lembro que nesse bar
uma fulana que entrou e ligou de lá de dentro, ela já tinha celular e ligou de lá,
para a polícia, dizendo - vocês não estão me deixando.

LA: Gente.

LB: Vocês estão me prendendo aqui (Risos), a polícia com todo prazer entrou
arrasando.

LA: Meu deus.

LB: Eu não lembro o nome desse lugar, era um nome cult, mas eu não lembro
exatamente. Mas só para você ver, o bar tinha uma postura super desrespeitosa,
a época era pecado, anos 1990 já estava melhor, não era anos 1980, nos anos
1980 era capaz de todo mundo ir para a prisão. Mas nos anos 1990 já estava
assim “tudo bem, vamos respeitar, mas não muito (risos)”. A fulana ligou, a
polícia foi com prazer e aí lógico que todo mundo pode sair a hora que queria e
nem sei se eles não pararam com essa história.
LA: Gente, do céu, que surreal.

LB: Pois é, então, então muitos desses lugares lá no entorno da Santo Antônio.
Ali, aquela baixada, você conhece? Então tinha vários, ta. Tinha uns 07, 08…
bar, boteco, não sei, várias coisas. Tinha um motel, por exemplo, que aceitava,
sem encheção de saco, não lembro o nome dela. Tinha um motel lá que aceitava
casais de homens ou de mulheres, sem discussão, não eram todos os motéis
que aceitavam na década de 1990. Então eu me lembro de ir lá falar com eles.
Todos esses lugares, sem querer ser muito classista, eram muito xumbregas,
muito…Assim, as opções de bebida, era melhor tomar só cerveja, né, não se
atrever a tomar nada destilado que vai saber a procedência ou misturado com o
quê, que seria. As comidas todas eram coisas fritas, bem duvidosas, sabe, nada
excelente. E a música eu achava terrível, muito brega, sabe? Muito brega, então
tinha esse panorama ali no centro da cidade, mas tinha bastante movimento, o
lugar que eu mais gostava de ir nos anos 1990 é um que está mencionado aí na
sua lista que era o Feitiços, o Feitiços não era nessa área, era em Moema e aí
tinha um pique diferente, era um lugar que a música era melhor, eu achava e
ficava cheio, insuportavelmente cheio, mas assim, tinha algumas opções mais
de bebida um pouco melhor, tinha um público um pouco diferente do que ia lá na
Santo Antônio e era bem misturado. Aí eram homens e mulheres, mas era mais
o gosto das mulheres, então, os gays que iam nesse lugar eram, são aqueles
gays amigos das sapas, sabe? Então era um pique, porque não era um lugar
assim, não tinha Darkroom, nada disso, mas era um lugar assim iluminado, que
as pessoas se viam, era mais para conversar, não tinha um negócio assim de
chegar se agarrando nos cantinhos, então não era o tipo de boate gay.

LA: Sim. Hmmm

LB: Da época, eu eu gostava bastante lá, fui bastante lá, eu acho que a Fátima
Tassinari disse para você, né? Quem tinha uma das donas era uma fulana que
cantava, que chamava Marta, isso mesmo. Essa Marta namorava uma outra
fulana, mas as duas eram donas daquele lugar e aí era o maior bafafá, porque
as duas eram bonitonas, mas essa Marta era bem bonitona e ficava a mulherada
dando em cima dela, ai dava mil bochichos. E teve uma frequentadora que
acabou tendo um caso e esse lugar de sapas, não sei, é perfil das sapas, né?
Onde tem muita mulher assim,umas bonitas dando em cima e bebendo, você
sabe, sai briga. E a mulherada, diferentemente dos gays, briga mesmo, então
apesar desse lugar ser em Moema, eu me lembro de uma dessas brigas que a
namorada de uma olhou para a outra, não foi para a Marta. A Marta tentava
manter a coisa lá funcionando, porque ela estava ganhando dinheiro com isso.
Mas umas namoradas lá, uma se desentendeu com outra e começou uma briga
e isso era bastante normal de ver. E eu não era de frequentar o lugar que isso
acontece, em Moema eu vi acontecer, de uma fulana pegar uma garrafa de
cerveja, bater no chão e aí virar a parte de vidro e ir para cima da outra sim.
Então, os ânimos das sapas nos anos 1990 era uma coisa assim, era como, elas
não tinham muitos locais de expressão, os locais que elas consideravam delas,
nossos, né. A mulherada podia expressar que tava interessada, podia expressar
que estava namorando, que tava sei lá. E também podia expressar o ciúme do
jeito extravagante, então era um lugar também que eu rolava muita briga e briga
assim, briga de sapa.

LA: Risos

LB: Pergunte.

LA: Eu achei fantástico. Sobre esses bares que você falou na rua Santo Antônio,
você lembra o nome de alguns também?

LB: Sky Pererês eu me lembro. O Sky Perepepês era o maior, tinha dois andares
e eu me lembro de descer, porque era um negócio cumprido, grande, cheio de
mesas, me lembro de até tomar, comer, beber, mas eu achava assim,
decididamente, mesmo querendo assim ser simpática com o lugar, apoiar e, mas
achava - meu deus, esse lugar é muito brega (risos)

LA: Justo. E era um lugar mais para lésbicas também?

LB: Mais para lésbicas sim.


LA: Ah, legal

LB: Esse em particular, eu percebia. Porque as boates gays, né nessa época - o


que tinha? Corintho, Medieval é um pouco anterior, então, eu não me empolgava,
sabe? Porque eu achava assim, muito cheias, muito escuras com muita
pegação, então não. Então eu achava que esse lugar era para homem, não era
para mulher. Eu até fui, assim, sem críticas, eu só acho que a pegada é diferente,
não que a pegada do lugar de mulher fosse maravilhosa, não é isso (risos). Só
que é diferente. Então esse Sky Perepepês era mais para mulher sim, tinha
também as tribos amigas que eu gosto, sentar em uma mesa, conversar, não
desse lance de pegação, sabe? Mas eu ficava assim, nos últimos… E lá, quanto
na Moustache, mais ainda. A música que mais tocava, que eu me lembro era La
vie en rose, você lembra dessa música?

LA: Do filme? Minha vida em cor de rosa.

LB: Meu deus.


Tocava muito (Risos)

LA: Laura, sabe uma coisa que eu queria te perguntar eu vi quando eu assisti o
documentário da Cassandra Rios da Hannah Corick. Eu vi vocês comentando
um pouco sobre aquela editora, que na verdade não era da Cassandra, mas
tinham muitos livros dela. E eu queria te perguntar um pouco desse circuito
literário, a partir da Cassandra Rios e outros circuitos que existiram.

LB: Que época?

LA: Ah, desde início de 1980 até… (risos).

LB: É, porque a Cassandra ela é, ela começou muito pioneira, ela começou a
publicar nos anos 1960. Publicou bastante nos anos 1970, ela fez um sucesso
extravagante nos anos 1970 e continuou publicando nos anos 80, até recolherem
todos os livros dela. Ela foi publicada por várias editoras, tá? Ela foi publicada
até pela Record, uma das editoras que a publicou foi a Emos, e eu a conheci lá.
Eu trabalhei na Emos, deixa eu pensar, em 1985. A Cassandra ela já tinha, ela
já estava com um pouco de problema, já tinham recolhido alguns livros dela, tal,
mas ainda tinha uns livros na praça. E o editor da época me apresentou a
Cassandra e a gente conversou muito rapidamente, não estendi, não era eu que
cuidava dos livros dela. Eu era muito jovenzita, estava ali bem no início de
carreira e ela era uma autora publicada, com um monte de livros, vendendo,
fazendo sucesso e tal. Mas ela já estava tendo problemas com a
comercialização, como um monte de livros dela tinha sido proibido, recolhido.
Ela estava com problema de dinheiro, sabe? Então ela não estava extremamente
feliz.
Mas aí vou confessar também, né, eu sou meio do contra, tá? Eu não gostava
da literatura da Cassandra. Eu li, eu sempre li tudo que fosse possível a respeito
de, na época não se chamava LGBTQ+, mas eu lia, o que fosse. Na época se
chamava, deixa eu ver os nomes, nos anos 1980 - desviados, pervertidos,
ninguém se chamava, chama tinham vários nomes, né. Então você quando
achava um livro, às vezes tinha um código, uma palavra dessas, sabe? E eu li
tudo, que era possível, que me caia nas mãos, mas eu não gostava da
Cassandra porque ela era, que eu achava muito pessimista. Não sei se você já
leu algum livro dela?

LA: Só algumas passagens, mas nunca li nenhum livro.

LB: Ela tinha um pique de considerar, não sei se pela época, talvez, por ser a
cabeça dela, não sei qual dos dois. De considerar que era uma perversão de
você ser homossexual, entendeu? E tudo bem, a pessoa se via ali, mas ela não
considerava isso, nem saudável, nem natural, entendeu? Era um azar a pessoa
se ver nessa condição, mas é uma condição que não é legal, sabe assim? Então
eu não gostava disso nos livros, porque eu achava assim, eu não me sentia, eu
não me sentia pervertida, né? Então, fiquei putz, esse discurso aqui não é para
mim, não tô curtindo. Então eu tive essa leitura lá nos anos 1980, quando assim,
cruzei muito com ela com a Cassandra. A própria Cassandra foi mudando de
ideia, tá? Em 2002, que foi o ano da morte dela, ela participou de uma roda de
conversa que um grupo que eu organizava chamado - Umas e outras,
promoveu e ela apareceu lá, ela tava com bastante dificuldade para andar, ela
não estava muito bem de saúde. E aí ela tava com um posicionamento diferente,
né? Ela tava assim, com um pique mais - sim, a gente precisa falar, a gente
precisa se assumir e tal. Mas a literatura dela não tinha essa fala, entende? A
literatura era um alto detonante. Ainda que ela fosse muito pioneira porque ela
mostrava às pessoas, ela mostrava gays, mostrava lésbicas, mostrava travestis,
mostrava um monte de gente, então ela falava dessas pessoas que eram
invisíveis na sociedade, então ponto para ela. E essas pessoas todas faziam
sexo, então ponto para ela. Porém essas pessoas todas se ferravam, não ponto
para ela. Então eu, é assim, eu não me sentia em casa, como eu não me senti
em casa no Ferro’s, eu não me senti em casa no Sky Perepepês, eu não me
senti em casa na literatura da Cassandra Rios, mas vamos lá.

LA: Laura, uma coisa que apareceu muito, nessas entrevistas foram falas sobre,
na verdade não lugares, mas manifestações, né. Como é o caso da parada,
como é o caso do festival Mix Brasil, né. E aí eu queria te perguntar, tinham
algumas manifestações, principalmente de lésbicas, que você se recorda? Que
você fala - Hmm, acho que isso é algo para ser guardado. Como não sei o Mix
Literário, como o caso da parada, não propriamente, mas ma manifestações, às
vezes lançamentos de livros e coisas do gênero.

LB: Olha, eu fiz um monte, né. Não sei se você tem noção, né. Se quiser depois
posso te passar um currículo, mas eu fiz bastante coisa. Assim, eu participei,
junto com o grupinho da organização da Parada de São Paulo, lá em 1998/1999,
a gente fez muito trabalho voluntário para transformar a parada em uma coisa
grande, bem divulgada com um pique simpático, amigável. Para ser diferente
daquelas coisas que eu tinha sentido, sabe? Muita coisa que eu fiz depois, foi
justamente no primeiro contato que eu tive com a militância, esses lugares que
eu não gostei, sabe? Então muita coisa que eu fiz, uma delas foi assim - gente,
a parada tem que ser simpática, tem que ser sorridente, tem que ser - venham,
venha. Inclusive no pique da gente dizer - é aberto para as diversidades, não
tem que ser gay, tem que ser aberto a diversidade, que permite que as pessoas
participem, sem necessariamente serem gays, né? Acho que isso foi, foi experto
da gente, então ajudei a organizar isso, com o Franco, junto com a Fátima, junto
com o Sérgio Miguez e um monte de gente.
Mas assim, fiz algumas coisas de lésbicas, a gente e fez a Caminhada de
Lésbicas, quem deu a ideia foi uma autora que eu tinha publicado, primeiro nas
edições GLS, depois na editora Malagueta - Fátima Mesquita, que é ótima
escritora e que morava no Canadá e tinha participado de uma caminhada de
lésbicas lá e falou - caramba, porque a gente não faz uma aqui? E isso foi numa
reunião justamente desse grupo - Umas e Outras, que esse grupo Umas e
Outras eu mantive reuniões, eu junto com a Valéria Mélqui, nós organizamos, a
gente fez reuniões, primeiros mensais e depois semanais, a gente por 4 anos
manteve uma intensa atividade lésbica em São Paulo, de 2000 a 2004, forte,
feroz.
E em um desses encontros, justamente a Fátima Mesquita estava participando
e contando de uma série de coisas, ela estava lançando um dos livros dela e
falou - vamos fazer uma caminhada e falei - vamos, porquê não? Então fizemos.
E aí a gente combinou de fazer uma caminhada de mulheres, um dia anterior,
no sábado anterior à Parada, porque as pessoas vão estar em São Paulo e as
mulheres, muitas vezes não se sentem confortáveis na Parada. Que a Parada
começou com tudo né, os homens vão na frente, então tinha, né. Era muito mais
masculina do que feminina, ainda né? Mas na época, no começo era mais ainda,
então resolvemos fazer uma caminhada e eu participei da realização de duas, a
primeira e a segunda e eu achei muito legal, apesar de serem poucas mulheres
que participaram. Na primeira devia ter umas 200, 300 no máximo, na segunda
tinha 500, tinha muitas. Não foi nada de parar o centro, não foi nada de parar a
paulista, mas foi super legal. Então é, sim, fizemos isso.
Umas e Outras, foi um movimento fortíssimo e foram nesses encontros que eu
organizei junto com a Valéria, os encontros tinham um perfil cultural, então
sempre convidava alguém que tinha alguma coisa a ver com cultura ou cultural.
Ou cantora, ou poeta, ou sei lá o que, entendeu? E que tivesse haver e que fosse
lésbica, todas lésbicas.
E durante esses encontros na sala, no salão onde quer, onde a gente realizava,
a gente não deixava entrar nenhum homem, foi uma experiência bem
interessante, foi bem difícil isso, sempre tinha algum homem querendo entrar e
os amigos sempre ficavam brincando - eu fico imaginando o que vocês ficam
fazendo? tá rolando maior suruba. E eu falava - não, a gente não é gay, a gente
é sapa. Não tá rolando suruba nenhuma. E eles enchiam o saco, mas
respeitavam (risos) e eu cheguei a fazer no andar superior da Futuro Infinito, a
livraria do Sérgio Miguez, eu fiz uma vez no Allegro, no restaurante no Marinho.
Fiz um tempo, a gente fez alguns dos encontros lá no espaço do Satyros e eles,
todos eles, assim respeitando que tá bom, quando começa só pode entrar
Mulher, então eles respeitavam, mas virava e mexia e tinha alguns, sabe? Alguns
serezinhos queriam entrar e a gente, aí quer dizer - não, esse é um espaço de
mulheres. E eles falavam - mas que preconceito, não sei o que, eu sou a favor
das mulheres. E eu falava - não, esse é um espaço de mulheres. Foi
interessante, foi um exercício interessante e a gente fez um monte de coisas e
depois teve um tempo que a gente alugou um espaço na Consolação e aí
fazíamos encontros com mais frequência flá, aí passou a ser semanal. E aí tinha
de tudo, filme, encontro xamânico, encontro de ajuda mútua, a Valéria que é
psicóloga, ela conduziu alguns grupos de ajuda mútua, não era terapia, mas as
pessoas falavam dos seus problemas, nossa começou um monte de coisas. E
tinha esse forte viés cultural, eu continuei levando autoras, cantoras, lésbicas,
sempre lésbicas para falar com a mulherada lá.

LA: E esse espaço, então ele chegou a ter sede na Consolação, por um tempo?
E em que período ele operou Laura?

LB: Então, a gente começou em 2000 e foi até 2004, então a gente operou por
4 anos e em resposta ao desafio desafio, que nem sei se foi o André Fischer,
que falou - Mas, pô, tudo que a gente faz, a mulherada não aparece, cadê as
mulheres? Elas não gostam de sair de casa? E aí eu disse assim - olha, as
mulheres não vão porque os programas são pensados para homens, eles não
são feitos para interessar as mulheres, você quer ver?

LA: (Risos), vou mostrar para você.

LB: (Risos), Isso exatamente. E aí o que eu fiz, eu justamente fiz um programa


que não era no escuro, não tinha pagar, não tinha música alta, era possível
conversar, era possível olhar para a cara da outra, das outras fulanas. E não
tinha homem e quem ia falar não era homem, era mulher e em lugares, sempre
me preocupei com isso, que fosse fácil ir de transporte durante a tarde de
sábado. Não era de noite, era de tarde.
O Sérgio Miguez me disse que nos anos todos que ele teve lá a Futuro Infinito,
não foram muitos anos, ele manteve a Futuro Infinito uns 04 anos, esse evento
das meninas era o que mais lotava. A gente chegava a ter 200 mulheres nos
encontros, enchia de mulher, Por que? Porque era pensado para mulheres, não
era à noite, não cobrava entrada, não tinha barulho, e era de mulher para mulher,
então, não tinha homem falando. Isso fez toda a diferença e a gente só não
continuou, porque assim, apesar das mulheres adorarem, eu tenho algumas
mulheres que eu conheci naquela época, ainda hoje, 20 anos depois e ficam
assim - ai que saudade, faz de novo e tal. Mas dá muito trabalho você fazer um
negócio assim, sem dinheiro, a gente não tinha dinheiro, então era tudo feito na
base do trabalho voluntário, isso é extremamente cansativo. Então depois de 04
anos, a Valéria e eu dissemos - olha, eu acho que a gente cumpriu o que tinha
que cumprir aqui, quem quiser pega agora e batuca, mas foi isso, mas não que
houvesse falta de interesse, acho que havia, tanto que quando eu mantive os
eventos com a Hana, da Editora Malagueta, annos depois, a Malagueta
começou a operar em 2008, tem um hiato agora de 2004 a 2008 eu não fiz nada,
em 2008 eu comecei operar com a Hanna a editora Malagueta e a gente fez
vários eventos de novo. Que a gente atraia muitas mulheres. Então era
demonstrar uma questão de fazer, né?

LA: É muito legal você falar isso porque parece que assim, existe um recorte
muito claro de programa Cultural, de serviço que interessa as lésbicas e que é
muito diferente dos gays, né? Então, assim eu queria te perguntar também se
tinham circuitos culturais, assim que não necessariamente eram lésbicas, mas
que tinha uma enxurrada, muitas lésbicas que iam? Porque, nos eventos que
vocês faziam tinha essa demanda, tinha essa procura, você enxerga outros
eventos que tinham?

LB: É, veja o Umas e Outras, esse grupo era como princípio a gente disse - isso
é para mulheres, ponto. A Malagueta, a editora Malagueta e as coisas que a
gente fazia, eram direcionados às mulheres, mas não era proibido entrar homem,
que tinha um monte de homem entrando e saindo. Mas ainda assim a ideia era
dar protagonismo, pelo menos igual às mulheres, mas na medida do possível.
Mas muitas vezes a gente teve uma feira do livro, que a gente fez, por exemplo,
tava cheio de homem também, mas, no máximo pau a pau, tá? Mas o que que
eu acho, é que tem interesses diferentes, não é uma crítica, não é uma crítica.
Assim, tem muita mulher, eu vejo, tem muitas lésbicas, que são assim um pouco
viradas com os gays, que acham que eles tomam os espaços rapidamente e é
verdade se você tem um grupo qualquer, quem vai falar primeiro são os gays,
depois homens e mulheres trans e a lésbiquinha lá, para falar ela tem que meio,
que forçar a barra quase. Eu acho que isso não é exatamente incomum, não é
uma característica malévola, é só como as pessoas são. Então eu acho assim,
os gays rapidamente tem mais coragem, mais voz, vão nos lugares, põe a cara
tapa, eu acho, né? Então as mulheres ficam assim, nessa posição de retaguarda
e não podem reclamar que também não tem espaço, os gays tomam a frente.
Agora as pessoas trans estão tomando a frente também e os gays não estão
gostando (Risos), porque agora eles estão vendo o que é ter protagonismo de
um grupo bem falante. Agora eles estão vendo como é que é essa história, mas
então, apesar disso existir, eu acho assim, não estou criticando, eu não to
achando ninguém malvado, mas é fato, então se você quer dar protagonismo às
lésbicas é preciso fazer um esforço, porque se você junta todo mundo, deixa
correr naturalmente, elas não tem espaço.

LA: Entendi, eu imaginava isso também, que você ia por essa linha. Que você ia
falar sobre isso, nessa linha. Ah, prefeito, Laura, eu queria na verdade, eu acho
que como é uma entrevista bem sucinta. Eu queria te fazer uma pergunta final,
se você lembra também de alguns lugares que você não citou e queria
mencionar, que você acha que são importantes, pessoas que você acha que são
importantes e que se ainda for possível entrevistar, a gente pode ir atrás também,
mas isso uma fala final dos lugares que você acha que faltou.

LB: Que tinha? Ah, a Rua Augusta teve determinado momento, que a Augusta,
ali do lado Jardins, que não durou muito tempo, mas o tempo que durou foi bem
interessante, teve um quadrilátero ali, na Jaú, na Itú… tinham muitos lugares
gays, gays não, LGBT, né? Então criou assim um enclave, um centro de
diversidade nesse bairro, aspas, aspas, chique, burguês de São Paulo, então eu
achei, eu lembro de andar com prazer ali, vendo aquele um monte de lugares,
que eu acho que foi um trabalho interessante de conquistar espaço, sabe?
Então eu tenho, eu não lembro dos nomes, dos lugares, só do Allegro e a Futuro
Infinito que estavam ali, mas eu não lembro do nome dos lugares. Mas tinha
bastante, tinha vários e eram bem legais, eu gostava de lá. Tinha até umas
boates, então eu curti aquele movimento lá e deixa eu ver.
Teve muita gente que ajudou, sabe? Até esse movimento, nos anos 1990, assim
nos 1990 para os 2000, para fazer a parada andar, muita gente trabalhou e
assim, eu trabalhei, eu fiz parte de um grupo que trabalhou para caramba, mas
teve muita gente ajudou, talvez não tanto, mas assim, em um pique de - vamos
fazer esse movimento coletivo? Foi uma das raras experiências, que eu tive de
ver um movimento, realmente coletivo, sabe? Depois aí apareceu cada um com
o seu interesse, mas naquele momento, assim 1999, 2000 foi um movimento
coletivo, então eu achei muito legal e transformador, que foi impactante.
O fato da parada conseguir reunir em 2000, a gente dizia para os meios de
comunicação, né? Aliás, nos arriscando, né, porque a gente não tinha muita
garantia disso, mas a gente dizia que haveria 100 mil pessoas na rua e os meios
de comunicação achavam tão extraordinário que deram a notícia e eles estavam
assim - vocês vão botar 100 mil gays na rua, né? E a gente falava - aguarde, vai
lá olhar. E a Parada de 2000 teve 120 mil, contados pela polícia, não foi a gente,
a polícia deu como dado oficial de que tinham 120 mil pessoas na rua.
Então, putz foi um movimento que muita gente participou e que deu um ganho
de visibilidade extraordinário, então bem, depois aconteceu um monte de coisas,
que não vou entrar no mérito, mas foi importante. Eu acho que todo mundo que
participou, em 1998, 1999 e 2000, Parada de São Paulo, viva! Heróis silenciosos
da diversidade no Brasil. Uma dessas pessoas, você não pode entrevistar,
porque ela já morreu, Vange Leonel, por exemplo, né, nossa todo mundo que
ajudou a organizar um monte de coisas, o próprio Sérgio Miguez. O Sérgio
Miguez era ótimo, também já faleceu, né, uma pena, muita gente trabalhou.
Se você quiser entrevistar mais gente, eu não sei se precisa, mas se quiser você
pode entrevistar a Valéria, que foi minha companheira, não era minha
companheira, nós éramos amigas, mas nós trabalhamos juntas para criar esse
grupo chamado Umas e Outras.
LA: Eu vou querer sim, provavelmente no futuro, né, porque agora eu tô a um
mês de entregar a minha monografia. Mas eu pretendo continuar, né, porque eu
acho que não tem como esgotar esse inventário assim, dessa forma em um
projeto de TCC, eu acho que é um projeto que tem que ser continuado, então
vou querer muito. Daqui para a frente, mas acho que é isso, então, Laura, queria
agradecer muito pela participação, pelo depoimento, fico muito feliz, acho que
vai ser muito útil para esse inventário e agradecer por tudo.

LB: Boa sorte!

LA: Obrigado!

LB: Tire 10 no seu TCC!

LA: Obrigado e um abraço!

LB: Outro gigante, tchau tchau.

Você também pode gostar