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Samira Bolonha Gomes, Willi Piske Jr.
Vitória, 2023
Dedicado a todos os professores e professoras da América Latina
que, embora sejam perseguidos pelo obscurantismo e humilhados
com baixos soldos, não desistem de realizar um dos trabalhos mais
importantes para o futuro de nossa sociedade: produzir e levar
para os indivíduos a humanidade que é produzida coletivamente
pelos diferentes homens e mulheres na História.
Sumário
Apresentação................................................................................................. 12
REFERÊNCIAS................................................................................................ 23
1. INTRODUCCIÓN..................................................................................... 125
2. ¿QUÉ ES LA PRIVATIZACIÓN EDUCATIVA?.................................... 127
a. Visión instrumental y economicista.................................................... 132
b. Profundización de la desigualdad y segregación educativa................ 132
c. Desvalorización de los docentes y las docentes................................... 132
3. El sistema educativo de uruguay......................................... 133
3.1 Sobre los recursos y la eficiencia: el caso de Uruguay...................... 133
3.2 La matriculación en la educación: desde la década de 1990 a
la actualidad............................................................................................... 137
3.3 Descripción de la oferta...................................................................... 144
3.4 Los actores de la educación privada................................................... 146
4. La ley de mecenazgo...................................................................... 148
5. Las inversiones vía participación público privada...... 160
5.1 Origen de las Inversiones vía participación público privada........... 160
5.2 Sobre la normativa en Uruguay......................................................... 162
5.3 Las Inversiones vía PPP en la educación de Uruguay....................... 163
5.4 Los costos de las PPP.......................................................................... 166
5.5 Análisis de los contratos de PPP........................................................ 168
5.6 Críticas................................................................................................. 170
Hay sobre costos y sobre plazos.....................................................................171
No necesariamente hay un mejor servicio....................................................172
Hay una mala atribución y distribución de los riesgos..................................172
Puede haber falta de transparencia en los contratos de PPP..........................173
Se desdibuja el espacio público y se precariza el trabajo................................174
6. Reflexiones finales........................................................................ 174
BIBLIOGRAFÍA............................................................................................ 179
Sitios web visitados....................................................................................... 181
12
de trabalho: o processo de desconstrução que se vive hoje a educação
pública no Brasil, na Argentina e no Uruguai é uma ação intencio-
nal que, apoiada num discurso ideologicamente “neutro”, tem como
finalidade a privatização da educação concomitante ao processo de
despolitização da realidade. Ao colocar a educação a favor da manu-
tenção do status quo e da lógica das classes dominantes, procura-se
impedir quaisquer possibilidades de mudança que visem à supera-
ção da organização social e política na formação social capitalista.
Numa acirrada disputa, a batalha de ideias que ocorre na socie-
dade política e na sociedade civil de muitos países latino-americanos
tem colocado em polos opostos dois projetos políticos e educacio-
nais antagônicos e antitéticos. Por um lado, temos o projeto daque-
les que defendem o direito a uma educação pública, estatal (portanto,
gratuita), de qualidade, inclusiva, democrática, emancipatória e
socialmente referenciada. Para esse coletivo, o direito à educação
é considerado como fundamental, essencial para a construção da
segunda natureza humana (o mundo da cultura). Nessa perspectiva,
se faz necessário colocar a educação escolar na sociedade capitalista
a favor dos interesses da classe trabalhadora, de modo a efetivar a
especificidade da escola, isto é, a socialização do conhecimento his-
toricamente produzido pela humanidade na sua vida em sociedade.
Sabe-se que conhecimento e meios de produção são de proprie-
dade exclusiva do capital. Ao colocar a educação a favor dos interesses
da classe trabalhadora, procura-se superar a estrutura fragmentada
que hoje existe no sistema, que reproduz a lógica da divisão social do
trabalho e do mercado nos tempos e espaços escolares e faz com que
o conhecimento chegue aos cidadãos de maneira desigual e seletiva.
Por outro lado, nessa batalha de ideias, temos aqueles que pretendem
considerar a educação como um serviço (mercantilização da educa-
ção, portanto, a favor de sua privatização), posicionando-se estra-
tegicamente a favor da manutenção da ordem social capitalista e do
status quo das classes dominantes.
13
Partimos da ideia de que a compreensão do processo de descons-
trução que vive hoje a educação pública no Brasil, na Argentina e no
Uruguai precisa ter, como ponto de partida, os acontecimentos polí-
ticos e sociais ocorridos na América Latina nas últimas duas déca-
das. Nesse período de tempo, as mudanças políticas ocorridas nessa
região das américas em pleno século XXI nos apresentam uma rea-
lidade social e política contraditória.
Em termos comparativos, as nações latino-americanas têm
vivenciado oscilações políticas entre os dois mecanismos básicos que
a humanidade tem inventado para a distribuição em grande escala
dos recursos e das oportunidades materiais e imateriais: o mercado e
o Estado (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2011). A distribuição de recur-
sos e oportunidades desses dois mecanismos básicos é consequência
da estreita relação que existe entre ideologia e superestrutura (ou
seja, entre ideologia e Estado), mas também precisamos entendê-la
a partir do contexto das relações que existem entre infraestrutura e
superestrutura.
Se na primeira década do século XXI, as eleições nacionais para
a Presidência da República ocorridas na Venezuela (2000 e 2006),
no Brasil (2002, 2006 e 2010), no Uruguai (2004 e 2009), no Chile
(2006), na Bolívia (2006), no Equador (2006), na Argentina (2007)
e no Paraguai (2008) “[...] conduziram ao poder partidos políticos e
presidentes com princípios, valores e ideários solidários com o socia-
lismo” (HERMIDA, 2008, p. 305), na década seguinte assistimos à
sua derrocada eleitoral. Seja pela via eleitoral ou por outras vias ile-
gais e ilegítimas (como foram os casos dos golpes de 2016 no Bra-
sil e de 2019 na Bolívia), a derrocada eleitoral dos partidos políticos
progressistas nos governos da América Latina veio acompanhada
da emergência de governos e partidos políticos ancorados nos inte-
resses do grande capital e nas ideologias neoliberal, ultraliberal e em
aliança com setores neoconservadores de religiões fundamentalistas,
especialmente neopentecostais e neofacistas, principalmente basea-
dos em partes das polícias, forças armadas e milícias civis.
14
Se bem no começo do século os cientistas sociais progressistas
auguravam um horizonte de mudanças políticas e sociais — porque,
no final de contas, a América Latina tinha se tornado um espaço ideal
para a retomada de compromissos e valores solidários com o socia-
lismo (AGUIAR, 2006; SINGER, 1998) —, em meados da segunda
década esses compromissos e valores começam a ser desconstruí-
dos, colocando as realidades políticas, econômicas e sociais latino
-americanas em sintonia com o que, em nível internacional, vinha
ocorrendo em termos geopolíticos. Isto é, o domínio avassalador do
império norte-americano associado a um processo de mundialização
do capital e de monopólio do conhecimento e da informação, que
lhe permite ter absoluto domínio global, sempre colocado a favor da
mais-valia e da reprodução do capital.
Este livro tem como finalidade realizar uma análise crítica dos
desdobramentos que o avanço dos governos de partidos de extrema-
direita traz para o âmbito da educação desses três países latino-ame-
ricanos. Concebidos para comparar as realidades educativas de Brasil,
Argentina e Uruguai, os textos procuram descrever os conflitos que
o processo de desconstrução da educação pública vem sofrendo. Pro-
cura-se identificar os pontos que podem ser considerados comuns
aos três países, sempre reconhecendo e respeitando as suas especi-
ficidades e diferenças.
Para encerrar esta breve apresentação, reproduzimos uma cita-
ção do Patrono da educação brasileira, Paulo Freire, que no momento
desta redação completa cem anos. Freire nos explicita de forma clara
e objetiva o nosso ponto de vista sobre a educação, concebido como
ato político, colocado a favor da superação de todas as formas de alie-
nação e desumanização.
Para esse autor,
15
que é reacionário, o espaço pedagógico, neutro por excelência, é
aquele em que se treinam os alunos para práticas políticas, como
se a maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma
maneira neutra. Minha presença de professor, que não pode pas-
sar despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença
em si política. Enquanto presença não posso ser uma omissão,
mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos minha capa-
cidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar,
de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à
verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho.
(FREIRE, 1996, p. 38).
16
conjunto de significações que estão inscritas na materialidade das prá-
ticas educativas cotidianas que aspiram disputar posições hegemôni-
cas. Tendo uma perspectiva materialista, o autor procura desenvolver
uma análise política dos discursos, que constroem sentidos além do
seu caráter linguístico, procurando elucidar também as relações de
forças que se estabelecem nos fenômenos educativos.
No texto seguinte, os professores brasileiros Ana Paulo Sousa e
Leonardo Coimbra (ambos da Universidade Federal do Maranhão)
apresentam os produtos de uma pesquisa já publicada num perió-
dico (Revista FAEEBA), que discorre sobre o Movimento Escola sem
Partido, procurando elucidar seus fundamentos epistemológicos,
políticos e ideológicos. Para os autores, trata-se de identificar dimen-
sões, que estão articuladas num pensamento de caráter autoritário
e conservador que pretende, a despeito de combater a “doutrinação
ideológica”, extirpar qualquer possibilidade de uma educação crí-
tica e emancipadora, instituindo um pensamento único na escola. O
revigoramento das ideias sobre a suposta imparcialidade do conhe-
cimento expressa uma concepção política conservadora, que visa eli-
minar a contradição e o movimento da realidade e sua possibilidade
de apreensão pela ciência e de transmissão pela escola, advogando
que os professores devem se abster de polêmicas e debates e se ater
à função de instruir, reservando às famílias a função de educar. Tal
movimento é problemático, à medida que reduz a autonomia do pro-
fessor e nega a este a tarefa de educar. Trata-se de um estudo explo-
ratório, de caráter analítico, baseado no método histórico-dialético,
fundamentado em categorias filosóficas que visam à melhor apreen-
são do fenômeno na sua materialidade histórica.
O tema Escola sem Partido também foi o objeto de estudo do
artigo redigido pelo professor uruguaio-brasileiro Jorge Fernando
Hermida (da Universidade Federal da Paraíba) e pelo brasileiro Jail-
ton de Souza Lira (da Universidade Federal do Alagoas). Sob o título
de “Fundamentos gerais do movimento escola sem partido”, o corpo
do texto apresenta uma análise dos acontecimentos políticos e sociais
17
contemporâneos que conduziram à emergência e expansão do movi-
mento Escola Sem Partido, procurando estabelecer um diálogo entre
as proposituras do movimento e as nuances acontecidas na vida polí-
tica e nas economias brasileira e mundial. A questão norteadora que
gerou sua elaboração foi a seguinte: quais bases históricas, econômicas e
políticas orientaram as ações e proposições do movimento Escola Sem Par-
tido? Com base na interpretação marxista da história, o texto utili-
zou como método o materialismo histórico e dialético. Procurou-se
identificar as bases e os pressupostos políticos, econômicos e histó-
ricos que sustentam as teses fundamentalistas e religiosas do movi-
mento, relacionando-os à atual etapa da crise do sistema capitalista e
à consequente ascensão da ideologia ultraliberal. O estudo concluiu
que a existência de movimentos como o Escola sem Partido faz parte
de uma ação articulada pelos setores políticos de extrema-direita que
têm como propósito a desconstrução dos fundamentos da democra-
cia liberal. Ao adotar a ideologia ultraliberal e o fundamentalismo
religioso dos evangélicos neopentecostais e da Renovação Carismá-
tica Católica, o movimento procura garantir a formação de cidadãos
submissos à lógica da classe dominante. Nesse contexto, a esfera edu-
cacional tornou-se uma das frentes preferenciais dos governos de
extrema-direita que objetivam hegemonizar ideologias e interesses
das classes dominantes nas relações sociais por meio da educação.
O professor Rodrigo Sarruge Molina (da Universidade Fede-
ral do Espírito Santo) apresenta “Educação sem Partido: golpes de
estado e governos militarizados (1964 e 2016)”. O artigo analisou
dois processos conservadores e reacionários na educação brasileira:
as propostas educacionais do movimento “Escola Sem Partido” (ESP)
— um dos fomentadores do golpe jurídico-parlamentar de 2016 que
desembocou no governo militarizado de Bolsonaro —, e a educação
na ditadura civil-militar, que teve sua gênese nos movimentos civis
e militares que provocou o golpe antidemocrático de 1964. Ao con-
trário da suposta neutralidade advogada nesses movimentos, esse
estudo revelou as concepções educacionais, ideológicas e políticas
18
de ambos os casos. Assim como ocorreram delações de professores
para a repressão nos “anos de chumbo”, hoje presenciamos o Escola
Sem Partido, que incentiva a mesma prática de perseguição contra
os professores, articulando e fomentando legislações municipais,
estaduais e federais que pretendem vigiar e punir os profissionais
da educação que abordem conteúdos políticos ou ideias críticas ao
governo e à sociedade. A teoria e o método de análise são fundamen-
tados na história comparativa e no materialismo histórico-dialético,
possibilitando a análise desses objetos sem anacronismos. O estudo
concluiu que existiram diversos interesses políticos e econômicos
(nacionais e internacionais) semelhantes nos processos golpistas de
1964 e 2016, desembocando em governos militarizados que, na área
da educação, impõem práticas antidemocráticas como propagado no
Escola Sem Partido.
No ensaio intitulado “Presupuesto Nacional de Uruguay: um
plan de recortes”, o professor uruguaio Pablo da Rocha nos apresenta
seus pontos de vista críticos a respeito do Projeto de Lei do Orça-
mento Nacional — período 2020-2024, aprovado recentemente pelo
Parlamento na República Oriental do Uruguai. No entendimento do
pesquisador, a proposta atual de orçamento procura justificar o corte
de recursos e, por esses motivos, contrasta com a proposta de orça-
mento do governo anterior da Frente Ampla, que teve que deixar o
governo depois de perder as eleições nacionais de 2019. Sob o argu-
mento de que “os uruguaios elegeram e votaram a favor da mudança”,
a proposta aprovada procura aplicar significativos cortes orçamen-
tários, para dessa maneira reduzir o déficit fiscal e a inflação (sic!).
Ao ser o orçamento nacional a principal medida das políticas eco-
nômicas e sociais do governo no Uruguai, a proposta orçamentá-
ria do governo procura reduzir os investimentos à custa da redução
dos ingressos dos trabalhadores e aposentados, cortando a aplica-
ção de recursos em importantes projetos sociais, inclusive conge-
lando os investimentos para a educação nacional. Dessa maneira, o
processo de cortes de recursos para a Universidad de la República é
19
inversamente proporcional à valorização dos investimentos nos seto-
res produtivos. Na nova proposta orçamentária, o investimento em
educação — considerando os recursos que são destinados para a Admi-
nistración Nacional de Educación Pública (Anep), a Universidad Tecno-
lógica del Uruguay (UTEC) e a Universidad de la República (UdelaR),
passa dos 4,6% destinados em 2019, para os 4,0% a serem aplicados
no final do quinquênio (2024).
Em “La privatización educativa en Uruguay”, dos economistas
uruguaios Hugo Dufrechou, Martín Jauge, Pablo Messina e Martín
Sanguinetti, temos oportunidade de conhecer como vem acontecendo
o processo de privatização da educação no Uruguai. Os autores nos
alertam que se trata de uma tendência que vem ocorrendo em toda a
América Latina, notadamente nos últimos 30 anos, em que o setor de
ensino privado tem aumentado consideravelmente e de forma ace-
lerada a quantidade de matrículas. No entanto, os estudos desenvol-
vidos pelos pesquisadores uruguaios constatam que, nesse contexto
de privatização que assola a América Latina, o Uruguai é o país que
têm o menor percentual de atendimento educacional privado. No
entanto, quando esses dados são comparados com países do resto do
mundo, essa taxa se torna preocupante. O trabalho está estruturado
em três partes e foca principalmente na análise dos mecanismos de
privatização colocados em prática, deixando às claras que o que vem
acontecendo no pequeno país latino-americano segue as determina-
ções internacionais impostas para a educação. Os autores pensaram
a pesquisa como sendo uma das tantas trincheiras que estão a favor
da defesa da educação pública, no combate contra todas as formas de
mercantilização que pretendem ser aplicadas à educação no Uruguai.
A saga de artigos que analisam a realidade uruguaia se encerra
com a apresentação do texto “El proyecto educativo conservador en
Uruguay en los albores del siglo XXI: avance privatizador y tutela
ministerial”, das autoras uruguaias Eloísa Bordoli e Stefanía Conde.
As autoras objetivam analisar as mudanças que a “nova direita” impul-
siona no Uruguai no campo educativo em torno de três eixos centrais:
20
a) concepção ou natureza do educativo; b) organização e governo
da Educação Básica; e c) trabalho e participação docente. Para isso,
recuperam-se os principais avanços, fortalezas e tensões que o ciclo
de governos progressistas implantou no Uruguai em matéria educa-
tiva, ao mesmo tempo que se analisam os aspectos centrais do pro-
jeto educativo conservador que o novo governo de direita impulsa
no país. A análise realizada permite aludir a passagem de uma priva-
tização latente a uma privatização manifesta presente na estratégia
política que se materializa num projeto de lei de urgente considera-
ção, no âmbito da qual se promovem formas de privatização em e da
educação que enfraquecem seu lugar como espaço público.
Em “Conservadorismo e privatização da educação no Brasil”, o
professor Rodolfo Moimaz trabalha questões relativas ao conserva-
dorismo e à privatização na educação e às suas relações com o Escola
Sem Partido. O trabalho, originalmente apresentado em um con-
gresso internacional da Colômbia, estabelece relações entre o pro-
cesso de privatização da educação no Brasil e a presença de ideias
conservadoras. Analisando pontos presentes na nova BNCC e na
Reforma do Ensino Médio — já aprovadas a nível federal — e o Pro-
grama Educação Compromisso de São Paulo — política educacional
em exercício no estado de São Paulo —, foram estabelecidas relações
com o projeto Escola Sem Partido — que, ainda que considerado
inconstitucional pelo Superior Tribunal Federal, é impulsionado
por importantes grupos no país, contando com repetidas tentativas
de implementação, em escalas regional e nacional. Por meio de uma
bibliografia que discute, historicamente, a concepção de mundo neo-
liberal, bem como as transformações de suas formas de implemen-
tação, será apresentado como o neoliberalismo, mais do que ganhos
financeiros imediatos, busca impor sua razão de mundo por meio do
controle sobre o modelo de educação, cerceando e desmoralizando
o trabalho docente, avançando em consonância com a propagação
do conservadorismo.
21
Em seguida, os professores Paula Souza e Leandro Moraes apre-
sentam o artigo “Escola partida: os impactos do projeto Escola sem
Partido sobre as práticas pedagógicas e o silenciamento, o medo e o
discurso de ódio em relação aos/às professores/as”. O artigo busca
compreender, a partir da investigação das ações e dos discursos dos
proponentes do movimento Escola sem Partido (ESP) e da revisão
bibliográfica crítica ao projeto, a gênese da Escola sem Partido, seus
fundamentos e sua ideologia, seus projetos de lei e os efeitos das
propostas do movimento sobre os docentes e instituições escola-
res, levando em conta as práticas pedagógicas, o discurso de ódio, o
silenciamento e o medo que o ideário do ESP impõe aos professo-
res e professoras.
No texto intitulado “Liberdade: uma luta da humanidade pelo
processo civilizatório (ou a volta da idade média)”, a professora Carla
Villamaina Centeno, da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul (UEMS), na região Centro-Oeste, apresenta seu estudo, fruto de
uma intervenção pública, e discorre sobre a liberdade de expressão
e de pensamento na história moderna, contemporânea e do Brasil
como uma conquista da humanidade que precisa ser constantemente
relembrada. Tem por objetivo demonstrar que a burguesia e os tra-
balhadores conquistaram com árdua luta a liberdade de expressão
e que hoje ela pertence à humanidade como um todo. Essa luta foi
permeada pela ideologia burguesa, que não tergiversou suas posi-
ções ao criar uma nova ciência. Com o passar do tempo foi incorpo-
rada pelos movimentos dos trabalhadores, que se organizaram em
torno dos direitos políticos e civis. Desmitifica, portanto, a neutra-
lidade política ou científica alegada pelo Projeto de Lei “Escola sem
partido”. Foram utilizados clássicos universais da transição da Idade
Média para a Idade Moderna, fontes primárias e autores contempo-
râneos brasileiros.
Finalmente nossa coletânea de textos se encerra com um ensaio
da República da Argentina. Sob o título de “Meritocracia y adoctrina-
miento: la disputa por el sentido común”, o professor argentino Juan
22
Carlos Serra apresenta seu ponto de vista crítico a respeito de alguns
absurdos que vêm acontecendo na realidade educacional argentina.
Trata-se de uma realidade também presente nos outros países que
fazem parte desta coletânea de artigos.
Desejamos a todos uma ótima leitura!
REFERÊNCIAS
23
Neo-conservadursimo y
educación en el uruguay
actual: ecos de la Escola
sem Partido (ESP) en la
realidad uruguaya2
24
En este programa de investigación se indaga acerca de las
construcciones de sentido que sobre educación viene desarrollando
la derecha política y social en el país en la última década, a partir
de las “nuevas caras” (TRAVERSO, 2018) que viene asumiendo
a nivel global.
Los sentidos sobre los que indagamos no hacen referencia tan
solo a expresiones ubicadas en una codificación lingüística, sino a un
conjunto de significaciones que se hayan inscriptas en la materiali-
dad de prácticas cotidianas que aspiran a disputar posiciones hege-
mónicas. Nuestro enfoque, afectado por la perspectiva del análisis
político del discurso, supone una perspectiva materialista en torno
al discurso (LACLAU, 2004). Es por ello que nuestra idea de los pro-
cesos sociales de construcción de sentidos excede el carácter lingüís-
tico de los mismos y busca adentrarse en el análisis de las relaciones
de fuerza3 (FOUCAULT, 2006) en las que se producen, así como en
los efectos materiales que generan. Este esfuerzo conceptual se ancla
en reflexiones acerca de la educación, por lo que también asumi-
mos un marco general de lectura de los fenómenos educativos desde
una perspectiva pedagógica crítica (PUIGGRÓS, 1994, 2017; SOL-
LANO; ZASLAV, 2017).
Las significaciones generadas desde estas perspectivas de dere-
cha fueron parte de un movimiento mucho más amplio que se fijó
como objetivo disputar el gobierno nacional a la fuerza política de
centro-izquierda Frente Amplio. Estos esfuerzos resultaron exi-
tosos, ya que una coalición de partidos que abarca desde tímidas
25
manifestaciones de centro hasta expresiones inequívocas de la dere-
cha militar, pasando por diversos sectores conservadores y liberales,
consiguió el triunfo en las elecciones nacionales de noviembre de
2019. De este modo se puso fin a tres períodos de gobierno conse-
cutivos del Frente Amplio (2005-2019).
A los efectos de dar cuenta del plan esbozado para el presente
capítulo, su estructura se organiza en tres grandes apartados. En el
primero, de carácter conceptual, intentaremos dar cuenta más explí-
citamente del marco conceptual desde el que venimos trabajando, a
la vez que buscaremos acercarnos a una comprensión de la natura-
leza y características del neo-conservadurismo. En el segundo, a par-
tir de una mirada a las características generales que ha asumido el
movimiento Escola sin Partido en Brasil, trazaremos algunos posi-
bles puntos de contacto con la experiencia reciente en Uruguay. En
el tercero marcaremos algunas conclusiones de carácter general como
base para una agenda de investigación que profundice en las carac-
terísticas de la ofensiva neoconservadora en la educación uruguaya.
26
torno a los ámbitos social y político, ya que son aquellos en los que las
disputas hegemónicas toman espesor. Por una parte, nos parece rele-
vante retomar la conceptualización de “imposibilidad de la sociedad”
que plantea Laclau (1993). Para este autor, partiendo de una base filo-
sófica de corte antiesencialista y antifundacionalista, es importante,
27
Ciertamente esta representación ideológica del discurso está
presente en las construcciones teológicas a partir de la cuales secto-
res neo-conservadores pretenden introducir normas morales para
el funcionamiento de la sociedad. Estas normas, dictadas por dios,
serán esencialmente verdaderas, reduciendo al lugar de la falsedad
a cualquier otra formulación que la cuestione. Así funciona la ideo-
logía: estas normas deben ser aceptadas porque son las únicas ver-
daderas y son las únicas que pueden colmar de sentido a la sociedad.
Volveremos sobre este punto más adelante.
Un tercer componente conceptual, además de los de sociedad
e ideología, debe ser introducido para dar cuenta lo más claramente
posible de la perspectiva conceptual. Se trata del binomio que con-
forman lo político y la política (MOUFFE, 2009). Sigamos el plan-
teo de la autora:
28
son permanentes, nunca culminan ni pueden ser evitadas por nin-
guna forma de consenso entre las partes contendientes.
El terreno material en el cual estas disputas se producen es el
de la política. Se trata de la arena en la cual se produce y organiza la
sociedad con resultado de la permanente conflictividad que se deriva
del carácter político de las sociedades humanas.
La inevitabilidad del conflicto resulta un elemento de cardinal
importancia para cualquier lectura de los fenómenos sociales. En lo
que hace al objeto del presente artículo, resulta fundamental para
comprender los avances de la nueva derecha conservadora a nivel
global y particularmente en Uruguay. Sostenemos la hipótesis que el
caso uruguayo muestra un cierto renunciamiento a sostener la con-
flictividad por parte de los sectores de centro izquierda que apoyaban
y formaban parte de los gobiernos del Frente Amplio (2005 - 2019).
Es probable que esta renuncia haya establecido una base firme para
el crecimiento de la prédica de sectores reaccionarios.
Esta realidad nos ubicaría en la asunción por parte de los sec-
tores progresistas de una posición que Mouffe llama pospolítica,
definida por la existencia de actores “pertenecientes al campo pro-
gresista, (que) aceptan esta visión optimista de la globalización, y han
pasado a ser los defensores de una forma consensual de democracia”
(MOUFFE, 2009, p. 9).
La apuesta por una forma consensual de democracia es la que,
renunciando a la disputa política propia del antagonismo, alimenta
la ocupación de espacios políticos por parte de grupos fuertemente
beligerantes como lo son los de matriz neoconservadora. Se genera de
este modo un marco propicio para que estos sectores puedan avanzar
en la imposición de sus diagnósticos y sus alternativas. Como señala
la autora, esta reticencia a asumir la lógica inherente a lo político
ubica a los sectores progresistas en una visión del mundo en la que
las categorías de derecha e izquierda pierden fuerza interpretativa,
quedando ocultas las disputas hegemónicas. De este modo la dimen-
sión del antagonismo es sustituido por la suposición liberal de que es
29
posible construir ordenes consensuales donde todos podríamos ver-
nos reflejados por igual.
La lógica liberal que se instala tiende a invisibilizar las relacio-
nes de fuerza que surcan los espacios sociales, ocultando los poderes
materiales que operan en la sociedad. No deja de resultar paradójico
que grupos políticos de izquierda, forjados en centenarias luchas por
la conquista de derechos civiles, políticos y económicos, caigan en la
desmesura de renunciar a continuar disputando espacios de poder.
Una forma de acceso interesante a la comprensión de estos fenóme-
nos podría ubicarse a través de lo que Fraser (2017) ha denominado
“neoliberalismo progresista”, una suerte de alianza entre sectores que
defienden una agenda derechos y organizaciones que responden al
gran capital transnacional. Si bien la postura de Fraser enciende polé-
micas y debiera ser analizada a fondo, parece dar luz acerca de los
dilemas que se presentaron a los gobiernos progresistas latinoame-
ricanos, y especialmente al uruguayo, en su contradicción entre sos-
tener reivindicaciones de la izquierda tradicional y aggionarse a un
mundo organizado en base a principios neoliberales.
Sin pretender agotar el debate, sí nos parece interesante avan-
zar en claves de lectura que colaboren en comprender las derivas del
progresismo latinoamericano en su crisis y la emergencia de secto-
res neo-conservadores y neoliberales que han marcado una nueva
agenda social, política y económica.
A los efectos de una caracterización inicial de los sectores neo-
conservadores sobre los que trabajamos para el presente capítulo,
nos parece relevante retomar elaboraciones planteadas por Moll
(2010). Para este autor, lo que en términos generales podría deno-
minarse como “nueva derecha” es producto de la reorganización de
en la segunda mitad del siglo XX de dos perspectivas históricas de la
derecha tradicional: los viejos conservadores devienen en neo-con-
servadores y los libertarios en neoliberales. Según Moll, este pro-
ceso se ve estimulado por la llegada al gobierno en Estados Unidos
de Ronald Reagan en 1981. La presidencia de Reagan, así como la
30
llegada al poder de Margaret Thatcher en el Reino Unido en 1979,
supusieron un enorme impulso y campo de desarrollo para estas nue-
vas perspectivas de derecha a nivel global.
Los neo-conservadores heredan de la perspectiva conserva-
dora su asunción de iglesia, familia y comunidad como institucio-
nes centrales de la sociedad, así como su desconfianza en el Estado
como agente de secularización y en la educación pública como posi-
ble agente de adoctrinamiento.
Según plantea Apple (2002), el neoconservadurismo se distingue
en los inicios del siglo XXI por constituirse en una visión más prose-
litista del tradicional conservadurismo. Sus impulsores se caracterizan
por su intención de retornar a valores del pasado y a una disciplina
basada en los saberes tradicionales. Desconfían del Estado, como ya
mencionamos, en tanto sus prácticas pueden oponerse a los valores
de la familia y la comunidad. Sin embargo, no renuncian a incidir en
la acción estatal a los efectos de lograr que este pase a tener políticas
de restauración del pasado, de los valores “tradicionales” y reprodu-
zca los contenidos “neutros” del saber clásico. Por ello, son partida-
rios de la existencia de férreos controles sobre docentes y currículos
nacionales a los efectos de evitar que se conviertan en vehículos de
adoctrinamiento de las nuevas generaciones. En definitiva, se des-
pliega un “miedo al otro” que se expresa en “su apoyo a un currículo
nacional normalizado, en sus ataques al bilingüismo y al multicultu-
ralismo, y en su insistencia en unos niveles de exigencia más eleva-
dos” (APPLE, 2002, p. 66).
Por otra parte, Apple llama la atención sobre que la creciente
influencia de los neoconservadores, aliados con los neoliberales, no
sería la que es si no fuera por su alianza con sectores evangélicos con-
servadores y fundamentalistas religiosos populistas y autoritarios. Se
trata de grupos que entienden que la responsabilidad de educar reside
exclusivamente en la familia. Entienden que la escuela solamente debe
enseñar, por lo que apoyan políticas de elección por parte de los padres
y de privatización para crear sus propias comunidades educativas.
31
Entienden que el Estado les debe proveer recursos para educar a sus
hijos según sus propias creencias. Son partidarios de lo que en diver-
sos países angloparlantes ha sido establecido como homeschooling.
En nuestro continente, la realidad brasileña, por ejemplo, nos
advierte sobre la extensión de esos discursos de la segregación social
que tienden a la reclusión. Si bien allí esta práctica no está avalada en
la legislación educativa, existe un fuerte movimiento que la impulsa.
En el marco de la pandemia, la diputada Dorinha Rezende presentó
en el mes de mayo una adenda a la MP (Medida Provisoria de la Pre-
sidencia) 934 que establece medidas excepcionales sobre la duración
del año lectivo. Rezende busca que se agregue a la norma el carácter
definitivo de la educación domiciliar, más allá del año 2020.
No es de extrañar que para quienes sostienen esta postura la
educación pública sea concebida como una amenaza sobre la que hay
que actuar con firmeza. Como señala Apple:
32
ECOS DE LA ESCOLA SEM PARTIDO (ESP) EN LOS
MOVIMIENTOS NEO-CONSERVADORES EN URUGUAY
33
movimiento a favor de una “Ley de Padres”; y, c) una expresión polí-
tica del neconservadurismo: el programa sobre Educación del Par-
tido Cabildo Abierto.
34
que se pronuncie sobre su conformidad en que se realice el referén-
dum propuesto; c) en caso de que esta consulta llegue a superar el
25% del padrón electoral se deberá convocar una nueva instancia, esta
vez con voto obligatorio, a los efectos de que la ciudadanía resuelva
la derogación o la confirmación de la norma objetada.
Los promotores de la iniciativa fueron dos personalidades del
Partido Nacional, fuerza política tradicional del país, fundada en el
siglo XIX y de carácter conservador.5 Se trató del dirigente Carlos
Iafligliola y del diputado Álvaro Dastugue. Ambos pertenecen a sec-
tores religiosos, de la iglesia católica en el primer caso y del movi-
miento evangélico neopentecostal en el segundo.
El movimiento por la derogación de la Ley Trans logró reco-
lectar las 70.000 firmas necesarias, por lo cual consiguió pasar a
la segunda fase del proceso de referéndum. La convocatoria en la
cual se debía obtener el 25% de conformidad del padrón electoral
para que quedara aprobada la realización del referéndum se realizó
el 4 de agosto de 2019. Solamente compareció en esa instancia el
9,90% de los habilitados, por lo cual el recurso no prosperó y la Ley
se mantuvo firme.
Si bien la propuesta de anular la Ley no prosperó, interesa reali-
zar algunas consideraciones acerca del proceso desarrollado durante
la campaña a favor de la derogación. Por una parte interesa señalar
que el argumento principal en el que se sostuvo la iniciativa de dero-
gación se basaba en sostener que se habría introducido mediante la
Ley un trato de privilegio para un colectivo específico, las personas
trans, en detrimento del principio de igualdad ante la ley que consa-
gra la Constitución de la República. De hecho, la campaña que pro-
movió la recolección de firmas se denominó “Todos somos iguales”.
35
El basar la campaña en una apelación a la construcción de igual-
dad entre todos los ciudadanos sin duda constituyó una estrategia
argumentativa que buscaba empatizar con el potencial votante. El
punto clave para considerar aquí es que igualdad para los propo-
nentes de la iniciativa de derogación de la Ley tendría que ver con
la identificación con un modelo común de persona y sociedad, con-
cebido como el único posible y aceptable. Esto se desprende clara-
mente de la adhesión de ambos proponentes a sectores conservadores
de las iglesias católica y evangélica. Es así que el discurso religioso
que inunda la actuación política de los promotores de la derogación
se sostiene en la existencia de un orden divino, dictado a la huma-
nidad particularmente por medio del Antiguo Testamento, según el
cual las identidades de hombre y mujer son fijas e inmutables y, por
tanto, serían las únicas posibles de ser reconocidas como legítimas
en el orden socioteocrático que suponen válido6.
Desde esta perspectiva ser igual significa asumir necesariamente
un patrón de homogeneidad social en el marco del cual la existencia de
personas trans, de personas que amen a otras de su mismo sexo, y de
mujeres que interrumpan un embarazo, solamente puede ser enten-
dida como una desviación de los valores morales correctos y verdade-
ros. La defensa que estos sectores realizan de un “orden natural de las
cosas”, invisibilidad absolutamente la apreciación de las desigualda-
des que ese orden consagra contra aquellas personas que no se iden-
tifican con los principios de la homogeneidad que le son tan caros.
En consecuencia, el “todos somos iguales” en el que Iafli-
gliola y Dastugue centraron su campaña significa que todos pode-
mos ejercer la “libertad” de someternos al orden natural. Quienes
no lo hagan deberán asumir las consecuencias de sus actos, ya que el
Estado no habrá de intervenir para garantizarles una existencia digna
36
y protegerlos de la situación de vulnerabilidad en la que se encuen-
tran. Por esto, precisamente, es que se propusieron derogar la Ley
Integral para Personas Trans, ya que esa derogación sería una medida
ejemplarizante para aquellos que soñaron que podrían contar con
algún amparo frente a historias de vida marcadas por la desconside-
ración pública y la desigualdad social y económica.
Hemos puesto a consideración esta iniciativa en el presente artí-
culo, ya que nos parece un claro ejemplo de entrada en la considera-
ción pública de una ofensiva basada en la promoción de los valores
de la iglesia, la familia y a comunidad tan caros a los sectores neo-
conservadores. Pese a que la iniciativa de referéndum no fue apro-
bada, su mera existencia permitió dar visibilidad a un amplio abanico
de iniciativas que abrevan de la misma fuente. En el campo de la
educación, por ejemplo, iniciativas como la denuncia de la “inculca-
ción ideológica” que se desarrollaría en la enseñanza universitaria y
la férrea oposición a la Guía de educación sexual7, sostenida desde la
consigna “Con mis hijos no se metan”, muestran otras caras de un
mismo movimiento. A iniciativas de estos tipos nos referiremos en
los próximos apartados.
37
pública o privada. b) Se presente a los padres o tutores la infor-
mación detallada de qué tipo de educación afectivo sexual se
pretende transmitir. c) Se ofrezca a los padres la posibilidad de
elegir entre diferentes propuestas. d) Se permita que los padres
o tutores opten por dar ellos mismos la educación afectivo
sexual en los temas que ellos señalen.
38
una coalición de partidos que abarca desde el centro político hasta la
ultraderecha militar, es claro que este tipo de emprendimientos tie-
nen fuertes posibilidades de desarrollo.
El proyecto de “Ley de padres”, que está ingresado al parlamento
como proyecto de Ley y que todavía no ha sido tratado, consta de
ocho artículos. Su contenido es la expresión patente de las reinvidi-
caciones de la nueva derecha en términos de los derechos que entien-
den que les corresponden a los padres y que habrían sido afectados
por el Estado uruguayo. A título indicativo, señalamos que entre los
contenidos del proyecto se destacan: el derecho de padres y tutores
a que sus hijos reciban la educación religiosa y moral de su preferen-
cia, información previa a los padres de cualquier tipo de educación
sexual que se fuera a ofrecer a sus hijos, necesidad del consentimiento
informado de los padres para que esa educación pueda ser llevada a
cabo, posibilidad de los padres de oponerse a que se aborden ciertos
temas o se realicen determinadas actividades con sus hijos, obliga-
ción de la educación pública de ofrecer a los hijos al menos dos visio-
nes sobre educación sexual que sean aquellas más congruentes con
las opciones morales y religiosas de la mayoría de los padres. La pro-
puesta también integra normativas acerca de cómo debería imple-
mentarse la educación sexual en los centros educativos, siempre bajo
la supervisión de los padres.
Como puede apreciarse, se trata de una iniciativa claramente
congruente con los principios y las reivindicaciones que expresa la
nueva derecha a nivel global.
39
Cabildo Abierto. Esta formación política eligió como líder y candidato
a la presidencia de la República al Gral. Guido Manini Ríos, quien
se había desempeñado como Comandante en Jefe del Ejército en el
gobierno del Frente Amplio que abarcó entre 2015 y 2019. El gene-
ral Manini fue cesado en su cargo por el Presidente Tabaré Vázquez
en 2019 por actuaciones que habían tendido a amparar a responsa-
bles de violaciones a los derechos humanos cometidas durante la dic-
tadura cívico-militar (1973-1985).
Cabildo Abierto fue fundado el mismo año de las elecciones
nacionales, el 10 de marzo de 2019. Pese a su corta existencia, tuvo
un rápido crecimiento y logró llegar a un 11% del total de los votos
emitidos en la primera vuelta electoral sucedida el 27 de octubre de
2019. Ello le permitió acceder a una importante bancada parlamen-
taria cuyos votos son necesarios para la sustentación del gobierno de
derechas instalado en el país el 1 de marzo de 2020.
Este partido se ha constituido en un polo de atracción para per-
sonas con un marcado perfil de derecha, el cual en muchos casos linda
con ribetes fascistas.
Solamente a título indicativo, nos interesa presentar algunos
componentes del tratamiento de los temas educativos en el programa
de gobierno con el cual este partido compareció a las elecciones de
2019. Destacamos tres ítems contenidos en este programa:
40
con una duración de 9 meses, que será implementado en el ámbito
del Ministerio de Defensa Nacional. Su aprobación dará prioridad
al ingreso a la Administración Pública en los escalafones admi-
nistrativos y de servicios. (CABILDO ABIERTO, 2019, p. 58)
41
en Uruguay, a la vez que presentamos algunos ejemplos de como ese
movimiento ha ido tomando forma en nuestro país.
No pretendemos agotar el tema sino simplemente presentar
avances iniciales de un trabajo que está en curso y que deberá pro-
fundizar en su desarrollo, en la profundización de herramientas ana-
líticas y estrategias metodológicas a los efectos de dar cuenta de un
campo problemático complejo.
Como sistematización de aportes realizados en este capítulo
nos interesa destacar:
• La importancia de generar una aproximación conceptual que
tome distancia de perspectivas esencialistas y fundacionalis-
tas en la lectura de los procesos sociales.
• El interés por visualizar los procesos de construcción hege-
mónica que se ponen en juego en las diversas formas de
concebir lo educativo y de participar en los debates que se
suscitan en su marco.
• El análisis de las responsabilidades que por omisión corres-
ponden a las fuerzas progresistas en el desarrollo y creci-
miento exponencial de las nuevas derechas en la región y
particularmente en el caso de Uruguay.
• El análisis detallado de la construcciones de sentido que se
generan desde los sectores neo-conservadores a los efectos
de su caracterización y del establecimiento de puntos de dis-
puta que partan de los intereses de las grandes mayorías de
trabajadores y sectores populares.
• El análisis inicial de tres eventos a partir de los cuales
comenzar a comprender las formas en que se va entrete-
jiendo una lógica y unas acciones neoconservadoras en la
sociedad uruguaya.
42
de dar profundidad a un campo de indagaciones aún incipiente en
Uruguay. Particularmente, resulta necesario avanzar en la caracteri-
zación de eventos que instituyen sentidos desde lógicas neoconserva-
doras, así como avanzar en al construcción de redes que muestren las
interrelaciones existentes entre actores sociales, políticos, académi-
cos y económicos en la producción de perspectivas de nueva derecha.
Instalado desde el 1 de marzo un nuevo gobierno de derechas
en el país y en medio de una pandemia que ha generado no sólo
una crisis sanitaria sino una social y económica, resulta fundamen-
tal aportar elementos para comprender como las posiciones de dere-
cha toman espesor y generan sentidos en la disputa por construir un
orden neoconservador y neoliberal en Uruguay. La investigación,
en su dimensión ética y política, nos impulsa a generar insumos que
no sean útiles solamente para comprender los fenómenos sociales y
educativos, sino para actuar sobre ellos.
BIBLIOGRAFÍA
ALGEBAILE, E. Escola sem Partido: o que é, como age, para que serve.
In: Frigotto, G. (org.). Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a
educação e a sociedade brasileira. Río de Janeiro: UERJ; LPP, 2017.
43
CABILDO ABIERTO. Programa de Gobierno. Montevideo, 2019.
Disponible en: https://manini.uy/programa.pdf Acceso: 15 jun. 2020.
44
MOUFFE, C. En torno a lo político. Buenos Aires: Fondo de Cul-
tura Económica, 2009.
45
Conservadorismo e (neo)
positivismo na educação
brasileira: o movimento
escola sem partido8
46
com uma falta de inclinação intelectual para refletir sobre a dimen-
são dialética da realidade. Também expressa uma concepção política
de mundo que visa liofilizar o conhecimento por meio da eliminação
da contradição e de tudo o mais que colocaria em xeque uma certa
visão de verdade, reforçando a ideologia da racionalidade tecnológica.
Toda prática humana é prática política. A atividade humana,
seja ela qual for, está condicionada às relações sociais objetivas, que
orientam e condicionam essa ação. As ideologias, ideias, crenças,
valores, concepções de mundo não flutuam no vácuo, mas têm mate-
rialidade. A educação nunca pode ser “sem partido”, pois todos nós
somos partidários de algum partido, “conformistas de algum con-
formismo” (GRAMSCI, 2002 apud DURIGUETTO, 2014, p. 273),
somos homens massa ou coletivo. Esse reconhecimento, inclusive,
é necessário para que possamos agir com consciência e autonomia,
e é isso que a educação formal deve proporcionar aos indivíduos.
Dessa maneira, o que o Escola “sem” Partido ataca, na verdade,
não é o partidarismo da escola, ou a doutrinação, mas a possibilidade
de os indivíduos perceberem o caráter parcial, doutrinário, partidá-
rio e político da escola de maneira geral, restringindo as lentes da
sua crítica apenas às concepções políticas específicas — as progres-
sistas. Logo, o Escola sem Partido reproduz uma visão conservadora
e reacionária, que é também partidária, pois ataca apenas uma visão
de mundo, sem se colocar a questão fundamental: educar para quê?
Para quem? Com que finalidade?
47
deveria garantir o funcionamento das escolas, mas não definir seu
currículo, os conteúdos do processo educativo. Dizia ele:
48
influência da sociedade sobre a educação; procuram apenas trans-
formar o seu caráter, arrancando a educação da influência da
classe dominante. (MARX; ENGELS, 2000, p. 63)
49
nas suas produções por intermédio dos fatores que determinam o
psiquismo e as atitudes do sujeito. Estes fatores são notadamente:
a estrutura do aparelho perceptivo do sujeito, a língua com a qual
este pensa e que o dota de um aparelho conceitual determinando
uma articulação e uma percepção dadas da realidade, e os inte-
resses de classe ou de grupo que decidem conjuntamente a esco-
lha pelo indivíduo do seu sistema de valores, etc. [...] Mas então,
por que qualificamos o nosso fator de “subjetivo”? Porque está
organicamente ligado ao sujeito que conhece, considerado como
“conjunto das relações sociais”. (SCHAFF, 2000, p. 75)
50
realidade. Tanto o substrato histórico como o dialético, inerente ao
método marxista, impediriam que tomássemos essa hipótese como
verdadeira. Marx, certamente, rechaçaria o movimento Escola sem
Partido, como, de fato, fez com todo tipo de pensamento idealista
ou mecanicista.
A almejada neutralidade científica da corrente mecanicista
requer, como condição para produção do conhecimento objetivo,
neutro, verdadeiro, um sujeito passivo, a-histórico, associal, ou seja,
um sujeito descontextualizado, “desmediatizado” (HAN, 2018). A des-
mediatização é um processo analisado por Han (2018), que corres-
ponde ao atual estágio da sociedade de massa. Uma sociedade em que
as tecnologias e mídias digitais, por sua imediaticidade, impedem uma
análise mais detalhada, madura, referida da realidade social. Na ver-
dade, mediação e representação “são interpretadas como não transpa-
rência e ineficiência, como congestionamento de tempo e informação”
(HAN, 2018, p. 35) e não como condição para a construção do sujeito,
como analisava Adorno (ADORNO; HORKHEIMER, 1973, p. 47),
ao afirmar que todo indivíduo “está socialmente mediado”.
Os mediadores do conhecimento, os sujeitos (sempre ativos no
seu processo de construção e reconstrução), são, assim, considerados
obstáculos, pois interditam a verdadeira apreensão da realidade social
que deveria ser captada, mecanicamente, pelos sentidos, sem filtros
sociais, históricos, políticos, ou de qualquer outra natureza subjetiva.
Para Han (2018, p. 37), a política também estaria enfrentando um
processo de desmediatização que, para ele, ameaçaria a vida democrá-
tica: “Os representantes políticos apresentam-se não como transmis-
sores, mas como barreiras”. Além disso, pela pressão das massas, os
representantes políticos “cederiam” às exigências do presente, sacri-
ficando uma visão de futuro que “antecede” e “sucede” qualquer ime-
diatismo, produzindo o desaparecimento da política (HAN, 2018).
51
O CARÁTER POLÍTICO-IDEOLÓGICO DO MOVIMENTO
ESCOLA SEM PARTIDO
52
a nossa proposta ela intervém na relação ensino-aprendiza-
gem para proteger a parte mais fraca dessa relação que é o estu-
dante, aquele indivíduo vulnerável, que está se desenvolvendo.
(PENNA, 2017, p. 39).
53
atingido quanto mais cada um estivesse formado por si mesmo. E
quanto menos as relações sociais, em especial as diferenças eco-
nômicas, cumprem esta promessa, tanto mais energicamente se
estará proibido de pensar no sentido e na finalidade da formação
cultural. Nesse sentido, nem se pode denunciar que ela, sozinha,
não garante uma sociedade racional. Não se quer liberar a espe-
rança, desde o princípio enganosa, de que ela poderia extrair de
si mesma e dar aos homens o que a realidade lhes recusa. O sonho
da formação — a libertação da imposição dos meios e da estúpida
e mesquinha utilidade — é falsificado em apologia de um mundo
organizado justamente por aquela imposição. No ideal de forma-
ção, que a cultura defende de maneira absoluta, se destila a sua
problemática. (ADORNO, 2005, p. 5)
54
falsidade, mas também de sua verdade, pois não cabe desvirtuar
nenhum conhecimento obrigatório, nem nenhuma obra de arte
mediante alusão à sua origem social. Se os homens desenvolveram
o espírito para se conservarem vivos, as imagens espirituais, que
antes não existiriam, negam completamente sua qualidade como
meio vital. A irrevogável autonomia do espírito frente à sociedade
– a promessa de liberdade – é ela mesma tão social como a unidade
de ambos. Caso se renegue simplesmente tal autonomia, o espí-
rito fica sufocado e converte o existente em ideologia, como ocor-
ria quando usurpava o caráter absoluto (ADORNO, 2005, p. 18).
55
de se referir explicitamente como eu; é um momento das relações em
que vive, antes de poder chegar, finalmente, à autodeterminação”.
Dessa maneira, a liberdade possível na construção do nosso ser
é a liberdade determinada pelo social, que pode levar à autodeter-
minação. Liberdade e autonomia, e referida a elas a possibilidade de
formação do sujeito, são categorias objetivas da análise adorniana,
sempre relacionadas às condições materiais que as condicionam. Não
são construções ideais, pois “[...] a crença na independência radical
do ser individual em relação ao todo nada mais é, por sua vez, do
que uma aparência” (ADORNO; HORKHEIMER, 1973, p. 52-53).
A liberdade, para Han (2015), liga-se com a negatividade. A
negatividade é a capacidade de nos autodeterminarmos, de nos opor-
mos à maioria. A massificação opõe-se, nesse sentido, à negatividade.
A negatividade é a expressão de uma reação imunológica frente ao
outro, um espanto, ou uma atitude filosófica; é de onde provém a
dialética, como assevera o autor: “Onde a negatividade cede lugar ao
excesso de positividade, desaparece também a ênfase da liberdade,
que surge dialeticamente à negação da negação” (HAN, 2015, p. 30).
A negatividade também é, para Goethe (2016, p. 77), o princípio da
dialética, logo da liberdade: “O espírito sou que sempre nega! E com
razão: pois tudo quanto nasce de extermínio total somente é digno”.
O desenvolvimento da negatividade, ou a reação imunológica,
decerto não brota no vácuo. A importância da pluralidade de visões
e de concepções de mundo corrobora o seu florescimento e, desse
modo, o desenvolvimento da liberdade. É o excesso de positividade
que leva à massificação e à reprodução do sempre o mesmo. Plura-
lidade não quer dizer acesso à diversidade de informação, pois, para
Han (2018), isso não significa, necessariamente, maior capacidade de
ação na sociedade, nem de compreensão desta.
Não por acaso, Han (2015) identifica a depressão como uma
doença psíquica que marca a nossa sociedade — a sociedade do desem-
penho. A depressão, para ele, é um sentimento que interdita a possi-
bilidade: “Ela é a princípio um cansaço de fazer e de poder. A lamúria
56
do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível
numa sociedade que crê que nada é impossível” (HAN, 2015, p. 29).
A sociedade do desempenho é a sociedade do excesso de positividade.
A negatividade, ao se movimentar contra a maré, gera diferen-
ças, multiplicidade na visão de mundo dos indivíduos. A visão uni-
dimensional do Escola sem Partido interdita a negatividade e, desse
modo, a liberdade, restringindo a democracia, pois “uma democra-
cia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu
conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva
só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emanci-
pado” (ADORNO, 2011, p. 141-142).
Não por acaso, os vários projetos de lei (PL) vinculados ao movi-
mento Escola sem Partido buscam retirar ou desfigurar, na Constitui-
ção Federal, o artigo 206, inciso III, que institui o pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas na educação nacional (PENNA, 2017),
além de atentarem contra a liberdade de ensino e a própria liberdade
de expressão dos docentes, o que, segundo Penna (2017), representa
a desqualificação do professor e atenta contra sua cidadania.
O movimento Escola sem Partido também promove uma redu-
ção da política, dissociando-a, ideologicamente, da educação. É o
retorno de uma visão que acredita que a educação é “um fenômeno
estritamente técnico-pedagógico, portanto, inteiramente autônomo
e independente da questão política” (SAVIANI, 2007, p. 81). Dizer,
no entanto, que a educação não pode ser dissociada da política não
pode resultar em afirmar que educação e política são a mesma coisa.
Assim sendo, perderíamos a especificidade tanto de uma prática
quanto da outra.
É preciso entender que, mesmo sendo práticas diferentes, com
suas especificidades, educação e política se articulam num todo dialé-
tico, ou seja, é preciso considerar a existência de uma relação interna
entre política e educação:
57
A dimensão política da educação consiste em que, dirigindo-se
aos não-antagônicos a educação os fortalece (ou os enfraquece)
por referência aos antagonismos e desse modo potencializa (ou
despotencializa) a sua prática política. E a dimensão educativa da
política consiste em que, tendo como alvo os antagônicos, a prá-
tica política se fortalece (ou enfraquece) na medida em que, pela
sua capacidade de luta, ela convence os não-antagônicos de sua
validade (ou não-validade) levando-os a se engajarem (ou não)
na mesma luta. A dimensão pedagógica da política envolve, pois,
a articulação, a aliança entre os não-antagônicos visando à der-
rota dos antagônicos. E a dimensão política da educação envolve,
por sua vez, a apropriação dos instrumentos culturais que serão
acionados na luta contra os antagônicos. (SAVIANI, 2007, p. 84)
58
político-ideológica (SAVIANI, 2007). Aí está explicitada a dimensão
política da cultura.
De outro modo, para dissuadir e vencer os adversários, o dis-
curso e a prática políticos devem ter um conteúdo lógico, racional,
oferecido pelas ideologias, já que a prática política não deve estar
pautada apenas pela coerção em sentido estrito, ou seja, não pode
se sustentar unicamente na “verdade do poder”, bem como nem
toda prática educativa se sustenta apenas no “poder da verdade”
(SAVIANI, 2018, p. 53).
Ficam então demonstradas, tanto em nível cultural quanto, de
outro modo, em nível educacional, as relações que se estabelecem
entre educação, cultura e política. Não existe prática educativa sem
conteúdo político, bem como também não existe prática política sem
um conteúdo pedagógico. Logo, toda educação é “sempre um ato polí-
tico, dada a subordinação da educação à política” (SAVIANI, 2018, p.
54). Tentar suprimir essa relação de dependência entre educação e
política tem por objetivo reproduzir justamente aquilo que, no dis-
curso, se pretende combater: a alienação, a pseudocultura, a ideolo-
gia; pois, ao assim agir, “em lugar de se libertar dos condicionantes
políticos, [a educação] cumpre de forma mais eficaz a função política
de reforço da ordem existente” (SAVIANI, 2018, p. 55).
A educação é sempre um ato político, pois veicula conteúdos
que estão referidos à realidade, que condicionam sua produção, cir-
culação e apropriação. A cultura, o esclarecimento e o conhecimento
estão sujeitos às contradições que expressam a nossa sociedade. Ela, a
cultura, tem um “duplo caráter” (ADORNO, 2005, p. 2): tanto pode
remeter para questões que ampliem os processos democráticos — e,
dessa maneira, converge com os ideais de liberdade —, como, de outro
modo, pode reforçar as condições de heteronomia e adaptação cega
ao existente. Ela é a expressão da contradição objetiva que foi se esta-
belecendo entre os homens, mas que ela não tem o poder de resol-
ver de forma totalmente autônoma (ADORNO, 2005), pois isso seria
reforçar a visão idealista de cultura e reproduziria a pseudoformação.
59
Outra questão problemática que resta discutir é a distinção entre
“educar” e “ensinar”, visto que, sob a ótica do movimento Escola
sem Partido, a primeira ação seria de responsabilidade da família e a
segunda, da escola11. Em termos históricos, cabe situarmos que a edu-
cação coincide com a origem do próprio homem, sendo, portanto, um
atributo ontológico:12 “[...] porque o homem não se faz homem natu-
ralmente; ele não nasce sabendo ser homem” (SAVIANI, 2005, p. 7).
A própria evolução do processo histórico, “[...] quando a ativi-
dade educativa se destaca do processo de trabalho, deixando de ser
uma atividade espontânea para converter-se num processo sistemá-
tico de formação das novas gerações” (SAVIANI, 2010, p. 13), atri-
buiu à escola a função precípua de educar, de modo que, de acordo
com Saviani (2010), pode-se compreender o conceito de escola sem
lançar mão do conceito de educação, mas dificilmente se compreende
o conceito de educação sem lançar mão do conceito de escola. Por-
tanto, desde a Modernidade, quando se constitui como a forma domi-
nante de educação, a escola incorpora a função de educar.
Ainda de acordo com Saviani (2005, p. 7), para se tornar homem
é preciso aprender e isso implica “trabalho educativo”, entendido
como “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indiví-
duo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens”, com base na apropriação do saber obje-
tivo produzido historicamente. Se a natureza do trabalho docente
60
coincide com a realização do trabalho educativo, então é impossível
dissociar do trabalho do professor a tarefa de educar.
Entendendo a questão por esse prisma, fica claro que a ati-
vidade educativa inclui o ensino, mas não se esgota nele. Libâneo
(1994, p. 99) afirma que “O processo de ensino, ao mesmo tempo
em que realiza a tarefa da instrução de crianças e jovens, é um pro-
cesso de educação”. E, com relação à sua práxis, “o professor deve
ter em mente a formação da personalidade dos alunos, não somente
no aspecto intelectual, como também nos aspectos moral, afetivo e
físico” (LIBÂNEO, 1994, p. 99). Portanto, do ponto de vista histó-
rico-dialético, não faz nenhum sentido separar instrução e educação,
assim como não é coerente considerar que os conteúdos do ensino
podem ser transmitidos de forma neutra. De acordo com Saviani
(2005, p. 8), “a neutralidade é impossível porque não existe conhe-
cimento desinteressado. Não obstante todo conhecimento ser inte-
ressado, a objetividade é possível porque não é todo o interesse que
impede o conhecimento objetivo”.
Aqui parece residir a questão fulcral do ataque do Movimento
Escola sem Partido em relação à escola e aos professores, ao denun-
ciar o caráter “ideológico” da educação escolar e reivindicar uma pre-
tensa neutralidade no ato de ensinar. Desde quando a escola se institui
como a “principal forma de educação” (SAVIANI, 2007), na Moder-
nidade, superando as formas até então existentes (ensino precepto-
rial, monacal e corporativo), houve uma preocupação da burguesia
quanto à apropriação do conhecimento objetivo por parte das cama-
das populares, sob a forma de saber escolar.
Nisso se fundamenta a “desconfiança” do movimento em relação
ao trabalho do professor, denunciando a desqualificação do magisté-
rio como uma das causas do fracasso escolar. Tal desqualificação, por
sua vez, é atribuída aos cursos de formação de professores — Peda-
gogia e Licenciaturas — que “[...] se preocupariam menos em prepa-
rar os alunos para ensinar as crianças a ler, escrever, fazer contas; e
mais com a formação de cidadãos críticos” (AFFONSO, 2018, p. 20).
61
Fica claro, portanto, que o que o movimento combate, sob a
forma de “doutrinação ideológica”, é o pensamento crítico na escola,
acusando os docentes de se desviarem de sua função de ensinar con-
teúdos para formar cidadãos críticos. Assim, “[...] sustenta-se a neces-
sidade do profissional que instrui, o instrutor, e a desnecessidade do
profissional que forma, o professor” (AFFONSO, 2018, p. 20). Por-
tanto, a verdadeira face do Movimento Escola sem Partido revela-se
autoritária e conservadora. Ao contrário de defender a democracia e
o direito dos alunos de aprenderem conteúdos livres de doutrinação
ideológica, o movimento se contrapõe a uma concepção emancipa-
tória e democrática de educação, pautada na formação do cidadão,
ou seja, na realização do próprio desiderato da escola moderna: “[...]
transformar os indivíduos de sujeitos submissos, passivos, confor-
mados (os súditos) em sujeitos críticos, ativos, transformadores (os
cidadãos)” (SAVIANI, 2017, p. 654).
De acordo com Fernando Penna (GPETPF, 2018, p. 235):
CONSIDERAÇÕES FINAIS
62
— o conhecimento que se erige como valor moral, positivo, neu-
tro e imparcial.
Ao rechaçar a ação educativa dos professores e considerá-los
como meros transmissores de conteúdos, o Escola sem Partido admite
que os conhecimentos produzidos pela ciência são neutros e não
devem ser questionados, problematizados e superados, assim como
a realidade na qual foram produzidos. Ou seja, defende a formação
de alunos ajustados, passivos e adaptados à ordem e, portanto, não
dispostos a transformá-la.
Ao pretender suprimir qualquer valoração do ato pedagógico,
o movimento admite, em linhas gerais, que a sociedade e seus valo-
res não devem ser criticados, naturalizando a ordem vigente, que
se assenta sobre a exploração e exclusão de grande parte dos indi-
víduos. Sob essa ótica, a escola deve legitimar essa ordem, corrobo-
rando sua reprodução. Ao declarar a independência da educação em
relação à política, o Escola sem Partido pretende a perpetuação da
ordem vigente, retirando da escola toda e qualquer possibilidade de
intervenção crítica.
Portanto, acreditamos que esse movimento deve ser duramente
combatido por aqueles que se identificam com uma concepção crí-
tica e emancipatória da educação, rejeitando qualquer concepção
idealista em relação ao entendimento da mediação entre educação e
sociedade. A escola jamais poderá ser “sem partido”, pois seu funda-
mento é a própria sociedade na qual ela se assenta.
REFERÊNCIAS
63
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Temas básicos de sociolo-
gia. São Paulo: Cultrix, 1973.
64
C. (orgs.). Trabalho docente sob fogo cruzado. Rio de Janeiro:
Gramma, 2018. p. 227-237.
65
SAVIANI, D. Democracia, educação e emancipação humana: desa-
fios do atual momento brasileiro. Psicologia Escolar e Educacio-
nal, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 653-662, set./dez. 2017.
66
Os fundamentos
gerais do movimento
escola sem partido13
13 Este capítulo de livro apresenta uma síntese do artigo que foi publicado sob
o título “Quando fundamentalismo religioso e mercado se encontram: as bases
históricas, econômicas e políticas da Escola sem Partido”, na Revista Roteiro
(HERMIDA, LIRA; 2020). Conferir em Roteiro, Joaçaba, v. 45, p. 1-32, jan./
dez. 2020. Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro/
article/view/23216
67
sem Partido14, que se multiplicam pelo País afora e visam comba-
ter a liberdade de expressão e de cátedra, mas também controlar as
práticas pedagógicas dos professores, desde a Educação Infantil ao
Ensino Superior. Sob o argumento de que as escolas estão exercendo
uma doutrinação ideológica marxista, influenciando negativamente a
formação política e a sexualidade das crianças e jovens, agredindo
os arranjos familiares tradicionais e se desviando das suas finalida-
des educativas, esses projetos visam criminalizar as atividades do
magistério e impedir que as instituições educacionais possibilitem
a reflexão crítica e contextualizada sobre as principais questões da
contemporaneidade.
Nas origens do movimento, essas propostas não eram sequer
conhecidas. Isso só aconteceu a partir do ano de 2014, após um encon-
tro entre o procurador do estado de São Paulo Miguel Nagib com
a família Bolsonaro, fato que mudou os destinos do movimento.
O vereador Carlos Bolsonaro apresentou um projeto de lei elabo-
rado por Nagib na Câmara de Vereadores e seu irmão, o deputado
estadual Flávio Bolsonaro, fez o mesmo na Assembleia Estadual do
Rio de Janeiro.
A apresentação desses projetos elaborados por Nagib na Câmara
de Vereadores e na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro desen-
cadeou um efeito dominó sem precedentes: depois que o advogado
mentor do projeto disponibilizou os dois projetos no site do movi-
mento, projetos de cunho semelhante se multiplicaram nos demais
estados, municípios e também no Congresso Nacional — sempre evo-
cando os mesmos princípios: a defesa da família tradicional contra os
desvios da “ideologia de gênero”, o combate à “doutrinação ideológica”
68
e a “caça aos professores comunistas”15 (HERMIDA; LIRA, 2018).
Deputados e vereadores ligados a bancadas religiosas e a partidos
conservadores começaram a apoiar incondicionalmente essas ideias.
A primeira vez que um projeto vinculado ao movimento Escola
sem Partido conseguiu ser aprovado foi no ano de 2016. Na época,
a lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas —
Lei n. 7.800, de 5 de maio de 2016, que segundo sua ementa “Institui,
no âmbito do Sistema Estadual de Ensino, o Programa Escola Livre”
(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE ALAGOAS, 2016) — repercutiu
intensamente na sociedade brasileira e deu início a intensos debates
entre segmentos da sociedade civil vinculados a instituições educa-
cionais, religiosas, movimentos sociais defensores do ensino público
e organizações estudantis dos mais diversos setores de ensino. Essa
lei, que na época foi denominada pelos alagoanos como “lei da Escola
Livre”, havia sido aprovada por maioria absoluta pelos parlamen-
tares presentes.
Apelidada pela comunidade educacional defensora do ensino
público de “Lei da mordaça”, consideramos que essa lei representa
uma verdadeira afronta aos princípios educacionais que orientam
a educação brasileira desde a aprovação da Constituição Federal de
1988, ferindo os princípios sobre os quais está alicerçada a insti-
tucionalidade democrática brasileira e interferindo decisivamente
na construção da reflexão crítica e no processo de ensino-aprendi-
zagem das escolas. Com isso, a potencialidade transformadora da
educação fica “neutralizada”, não deixando espaço para a formação
69
crítica, somente possível em ambientes livres e plurais. Com base
em princípios políticos conservadores e religiosos fundamentalis-
tas, as iniciativas do movimento Escola sem Partido procuram impe-
dir legalmente o exercício das liberdades, desconhecendo os avanços
conseguidos em matéria educativa desde a aprovação da Constitui-
ção Federal de 1988, baseados na diversidade social, ética, cultural e,
principalmente, de gênero.
Todavia, mesmo com uma conjuntura amplamente favorável
para potencializar suas propostas, principalmente com a posse na pre-
sidência da República do ultraconservador e reacionário Jair Messias
Bolsonaro (PSL) em 1º de janeiro de 2019, o criador do movimento,
Miguel Nagib, comunicou a decisão de encerramento oficial das suas
atividades, alegando falta de apoio do presidente da República, acú-
mulo de funções e sufocamento financeiro.
Utilizando uma mídia social (Facebook), o movimento
declarou o seguinte:
70
e democrática e a laicidade do Estado. Existem outras 15 ações tra-
mitando no STF sobre o mesmo tema; com essa decisão inquestio-
nável, é bastante provável que as demais legislações aprovadas em
outros municípios e estados do país obtenham resultado semelhante.
Esses fatos, porém, não significam que as ideias do movimento
tenham perdido força. Por mais absurdas que pareçam, o fato é
que, do ponto de vista do debate público, a aceitação das teses da
Escola sem Partido por parte da sociedade civil e grande parte da
sociedade política foram notórias, haja vista as reações cotidianas
observadas no dia a dia, que questionavam a capacidade e as “reais
intenções” dos profissionais da educação, colocados em um perma-
nente clima de suspeição.
Outro indicativo importante pode ser encontrado nas eleições
nacionais de 2018, nas quais muitos representantes políticos identi-
ficados com as propostas do movimento Escola sem Partido e com as
ideias conservadoras de Jair Bolsonaro conseguiram se eleger. Esses
agentes políticos, simpatizantes do movimento e adeptos à política
antiestablishment ancorada na ideologia ultraliberal e de extrema-
direita, foram apoiados por setores organizados conservadores da
sociedade civil (igrejas evangélicas, organizações ruralistas, simpa-
tizantes da ditadura militar e defensores da liberalização do porte de
armas) que garantiram sua eleição.
O fato é que muitas de suas ideias centrais foram adotadas pelas
autoridades educativas competentes, principalmente as vinculadas ao
Ministério da Educação do governo de Jair Bolsonaro, ainda que essas
autoridades tenham, segundo o comunicado do movimento Escola
sem Partido, ignorando sua existência institucional. Sem dúvida, as
desavenças acontecidas entre as autoridades políticas e os mentores
e principais intelectuais do movimento Escola sem Partido demons-
tram a complexa articulação que existe entre as ideias reacionárias e
retrógradas do movimento com as formas de pensar e de fazer polí-
tica do atual governo nacional.
71
Em que pese termos feito uma breve exposição do contexto ini-
cial do movimento Escola sem Partido, é preciso salientar que esse
aspecto se justifica em função da questão norteadora deste trabalho.
Afinal, quais bases gerais orientaram as ações e proposições do movimento
Escola Sem Partido?
Em consequência, defenderemos a seguinte hipótese de traba-
lho: a existência de movimentos como Escola sem Partido faz parte
de uma ação internacional articulada por setores políticos vinculados
à extrema-direita, com o propósito de desconstruir os fundamentos
da democracia liberal por um modelo de organização societária de
viés autoritário, com vistas à manutenção do processo de acumulação
do capital. Leis dessa natureza procuram assegurar, dessa maneira, a
formação de cidadãos submissos à lógica da classe dominante, pos-
sibilitando o êxito da retirada dos direitos sociais e trabalhistas e a
geração de mais-valia ilimitada, vinculada ao sistema do grande capi-
tal. Nesse contexto, nas formações sociais capitalistas ocidentais, a
esfera educacional é uma das frentes prioritárias de hegemonização
das ideologias e interesses da classe dominante.
Com base na interpretação marxista da história, o texto procu-
rou realizar uma análise pormenorizada dos fatos vinculados com o
movimento Escola sem Partido, tentando relacionar o caráter con-
creto do conhecimento histórico-educacional com uma perspectiva
de longa duração, associada a um olhar analítico-sintético no trato
com as fontes, sempre procurando articular os fatos singulares com
os universais (SAVIANI, 2011). Valendo-nos dos princípios do mate-
rialismo histórico e dialético, tentaremos realizar um movimento que
parta do todo caótico (síncrese) para, por meio da abstração (aná-
lise), conseguir uma melhor compreensão do todo concreto (síntese).
Por meio desse método, poderemos ter uma compreensão glo-
bal do fenômeno investigado, partindo da premissa básica da existên-
cia de conflitos de classe na formação social capitalista, entendendo
que, na mencionada formação, o Estado não se constitui como uma
entidade neutra ou imparcial.
72
Para as finalidades propostas, neste texto buscaremos identifi-
car os fundamentos gerais contidos nas proposições do movimento
Escola sem Partido em meio à crise geral dos sistemas políticos e
econômicos em vigor. Tais fundamentos se relacionam com a atual
etapa da crise do capitalismo, a retomada da ideologia ultraliberal e
a entrada em cena do fundamentalismo religioso. Procuramos tam-
bém evidenciar as suas contradições, inerentes à lógica das suas pro-
posições. O capítulo se encerra com a apresentação das Considerações
Finais, que foram divididas em dois momentos. No primeiro, apre-
sentamos a síntese das questões centrais deste trabalho. Em seguida,
trataremos dos problemas abertos, passíveis de serem aprofundados
pelos autores ou por outros colegas em futuros estudos e pesquisas,
tendo em vista as complexidades que caracterizam o atual momento
conjuntural da política no Brasil.
73
apresenta como neutra, mas que na realidade é uma das ferramentas
utilizadas para o aprofundamento das crises das democracias liberais.
Nesse novo cenário pós-Golpe de 2016, o movimento Escola
sem Partido e seu ideário ultraconservador, social e político come-
çaram a conquistar significativos espaços na sociedade política e na
sociedade civil, a ponto de conseguir eleger o seu candidato para a
Presidência da República e vários deputados nas assembleias legisla-
tivas e no Congresso Nacional. Para Castells (2018, p. 8) “...Trump,
Brexit, Le Pen, Macron são expressões significativas de uma ordem
(ou um caos) pós-liberal. Assim como o é a total decomposição do
sistema político do Brasil, país fundamental da América Latina”.
Com o sistema capitalista em crise permanente, que descamba
em desagregação social e desesperança, as pregações moralistas de
perfil fundamentalistas passam a marcar forte presença, associadas
aos interesses daqueles setores que desejam a exclusão de segmen-
tos sociais que lutam pela criação de espaços de maior democratiza-
ção das esferas de poder. Ao tratar desse risco, Frigotto afirmou que
74
Evidentemente, os parâmetros de mercado por si mesmos não guar-
dam relação com o interesse público, com uma educação democrática
e plural, acessível a todos. Pelo contrário: a adequação da educação
pública nesses esquemas avaliativos é impraticável em vista das suas
finalidades sociais precípuas.
As proposições do movimento Escola sem Partido procuram
desconstruir históricas conquistas sociais e educacionais, inclusive em
termos curriculares. A manifestação favorável à proposição de cur-
rículos que pretendem o retorno de disciplinas tais como Educação
Moral e Cívica e Ensino Religioso associada à eliminação de discipli-
nas das Ciências Humanas e Sociais (História, Filosofia, Sociologia),
a ênfase na exaltação dos símbolos nacionais, a ampliação das escolas
militares e a defesa de um modelo educativo dualista (que valoriza a
formação instrumental e qualificação profissional) são algumas das
iniciativas que esses grupos defendem como o modelo de educação
adequado para a sociedade brasileira.
Por mais que a proposta da Escola sem Partido tenha esses ris-
cos e que esteja contrariando preceitos constitucionais, seus reflexos
estão claramente presentes no cotidiano educacional brasileiro, em
que a perseguição à prática docente é rotineira (PEREIRA; LIRA,
2019; MIGUEL, 2016), centrada na censura dos processos de ensino
e aprendizagem inerentes ao ofício do magistério.
Pereira e Lira (2019, p. 722), utilizando como exemplo a lei
aprovada no estado de Alagoas, destacam que aquela lei “busca cer-
cear o exercício das liberdades constitucionalmente resguardadas aos
sujeitos da relação pedagógica, no ambiente escolar”, o que caracte-
riza, em nossa avaliação, uma tentativa de alteração dos currículos
escolares com base na coerção, desrespeitando os processos históri-
cos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem considerado,
bem como os conhecimentos socialmente legitimados, uma vez que
os conceitos discutidos nos espaços educacionais não resultariam de
uma construção social, mas de uma força externa, representada por
um diploma legal, ainda que inconstitucional. Para os autores, esse
75
clima de vigilância perpétua asseguraria o cumprimento da lei, em
que só seria possível alguma contraposição em termos estritamente
legais por meio de recursos judiciais, descaracterizando a ação peda-
gógica e a transformando em uma discussão basicamente jurídica.
Vale a pena relembrar como a Escola sem Partido logrou uma
aprovação inédita no estado de Alagoas, objetivando coibir as vozes
discordantes do modelo social e econômico vigente, amparado nas
forças do mercado e na ideologia neoliberal, usando como argumento
principal as questões ligadas aos elementos religiosos de base cristã.
Inicialmente vetada pelo governador do estado, com o argumento de
que a lei significava uma ingerência na política educacional, gerando
dispêndio pecuniário com a interferência direta em matéria de ini-
ciativa privativa do chefe do Poder Executivo, a Lei n. 7.800/2016
foi sancionada pela Assembleia Legislativa.
O debate sobre o vício de origem da lei versus vício de forma (ou
de conteúdo, por conter artigos que contrariam o dispositivo cons-
titucional) é uma das principais questões que provavelmente serão
analisadas pelo pleno do STF quando a matéria for pautada. Esse
ponto é da maior relevância, visto que uma apreciação legal por parte
do Supremo sobre a inconstitucionalidade do próprio sentido da lei
expressa em seus artigos vetaria, em tese, a proposição de proje-
tos de lei semelhantes. Prevista inicialmente para ser analisada pelo
STF em dezembro de 2018, foi retirado de pauta pelo presidente
daquela Corte, com nova previsão de julgamento para a data de 14
de agosto de 2020.
Em trabalho anterior (HERMIDA; LIRA, 2018), anotamos, por
exemplo, que a Advocacia Geral da União já havia apresentado posi-
cionamento contrário à referida lei, uma vez que ela feria os prin-
cípios em que se fundamentam a educação brasileira, dispostos no
artigo 3º da lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), que assegura:
76
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;
X – valorização da experiência extraescolar;
XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais (ibidem);
XII – consideração com a diversidade étnico-racial (BRASIL, 1996,
s/p, grifos nossos).
77
públicas e dos pronunciamentos de instituições do poder judiciário
sobre sua ilegalidade.
O sociólogo Felipe Miguel considera, nesse sentido, que “o pro-
jeto Escola Sem Partido é animado por um sentimento de hostilidade
aos professores e indica um caminho de criminalização da docência”
(MIGUEL, 2016, p. 615).
Admitimos, neste texto, que mais do que um jogo situado na
esfera das discussões políticas e legais, uma concepção de sociedade
política e religiosa está expressa em ideias e projetos afinados com
iniciativas dessa natureza e, portanto, de educação. As propostas do
movimento Escola sem Partido têm visões de mundo completamente
antagônicas a uma perspectiva de sociedade democrática e plural. No
nosso entendimento, o movimento procura impor:
1. a censura e o restabelecimento de valores éticos e morais
conservadores, autoritários;
2. a aversão à produção e divulgação do conhecimento cientí-
fico socialmente acumulado, em razão da vinculação moral
religiosa mencionada, que se contrapõe aos preceitos civili-
zatórios mais básicos, que incluem o respeito à diversidade
e à livre manifestação de expressão e opinião;
3. formas de pensar e conceber a educação associados a inter-
pretações de leituras sagradas (a Bíblia), realizadas por cris-
tãos fundamentalistas neopentecostais e católicos vinculados
à Renovação Carismática Católica. Essas religiões cristãs têm
manifestado a sua adesão ao movimento “pró-vida” (ou seja,
são contra o aborto), mas também são contrárias a pautas
identitárias e ao marxismo cultural; e
4. a coibição da reflexão e busca de alternativas contra-hege-
mônicas ao sistema do capital vigente, que se apropria dos
espaços educacionais para transmissão e consolidação dos
seus valores de mercado, garantindo, dessa maneira, a repro-
dução dos mecanismos de dominação por meio das relações
sociais de educação.
78
À primeira vista, parece existir uma flagrante contradição no
plano ideológico entre as bases políticas e religiosas que sustentam as
propostas da Escola sem Partido e as vertentes liberais que originaram
e fundamentam as teorias do livre mercado e da democracia liberal, à
medida que as primeiras se opõem às “luzes da razão”. Esse movimento
irracionalista, fundamentado entre outras razões em uma forma
muito particular de interpretar os ensinamentos bíblicos, apresenta
uma narrativa contrária aos principais valores éticos e políticos que
engendraram as principais realizações no plano legal e de constru-
ção de políticas públicas com vistas ao reconhecimento das diferen-
ças, do estabelecimento das liberdades e das garantias fundamentais.
Os preceitos ideológicos, políticos e filosóficos desse grupo preten-
dem impor, de maneira autoritária, um pensamento único que, no
nosso entendimento, beira ao neofascismo.
O fundamentalismo religioso de determinadas igrejas cristãs e
uma noção autoritária e enviesada de preceitos morais alimenta boa
parte das propostas de cerceamento das liberdades democráticas e do
exercício da função docente de forma autônoma e plural. Interessante
mencionar que, sob a ótica desses grupos, as discussões invariavel-
mente recaem sobre os assuntos ligados à sexualidade, à moral e aos
valores familiares mais tradicionais, com argumentos agressivos e
preconceituosos que denotam suas concepções patriarcais e homo-
fóbicas contrárias a qualquer forma de aceitação das diferenças e de
inclusão dos segmentos historicamente discriminados pela sociedade.
Importa lembrar, porém, que os conceitos referentes à religio-
sidade cristã sempre caminharam passo a passo com a elaboração
das políticas educacionais, suas teorias e as suas práticas pedagógi-
cas desde o período colonial, boa parte dessa interlocução a cargo da
igreja católica e das suas ramificações e ordenações internas, desde
a influência jesuítica sobre os modelos educacionais criados a par-
tir do século XVI aos movimentos de renovação educacional, como
a Escola Nova, as legislações educacionais e as Cartas Constitucio-
nais. Não se pode falar em estruturação de uma organização política
79
e legal dos sistemas de educação brasileiro sem mencionar a com-
provada interface entre a produção dos conhecimentos socialmente
valorizados e os valores éticos, morais e doutrinários da fé católica.
De modo geral, as legislações educacionais estabeleceram um
modelo de organização que procurou sempre articular as concepções
teóricas do campo educacional com as visões de mundo oriundas das
matrizes cristãs definidas pelas doutrinas católicas, no qual as demais
referências religiosas como a africana, a indígena, a judaica ou a islâ-
mica — para ficar nos exemplos de algumas importantes concepções
religiosas existentes —, estiveram historicamente ausentes do arca-
bouço legal, resultando de uma invisibilidade e negação desse com-
ponente imanente à matriz cultural brasileira (desde os processos
originários da nossa formação social, política e cultural).
Essa influência religiosa no marco legal da educação nacional
se caracteriza, quase sempre, por vetos às concepções teóricas que se
diferenciam dos valores tradicionais de família e religiosidade hege-
monizadas pela igreja católica. Geralmente, um moralismo autoritário
que não dialoga com outras balizas culturais construídas coletiva-
mente. Para Souza (2018, p. 23), esse moralismo tradicional e autori-
tário não se confunde com o conceito de moral, que ele define “como
a ação revestida de propósito no mundo – implicando uma escolha
e, portanto, uma responsabilidade pela vida escolhida –, a morali-
dade é a dimensão mais elevada da vida individual e social”, embora
as confusões de sentido sobre ela frequentemente aconteçam com o
prejuízo de uma concepção mais ampla e eticamente justificável do
ponto de vista discursivo formal.
“Os discursos reacionários provêm, no caso brasileiro, de uma
conjugação heteróclita entre o ‘libertarianismo’, o fundamentalismo
religioso e o antigo anticomunismo”, conforme acentua Felipe Miguel
(2016, p. 592). Essa estranha conjugação de valores e pressupostos
teóricos minam as bases do Estado democrático de Direito, favore-
cendo os diversos grupos e segmentos de classe que controlam majo-
ritariamente os processos decisórios no interior do Estado brasileiro.
80
Em defesa do movimento Escola sem Partido, verificamos tam-
bém o crescimento dos níveis de agressão aos segmentos da popula-
ção que praticam a religiosidade de matriz africana — se valendo de
conceitos culturais europeus que não tratam as concepções culturais
distintas das suas sequer como cultura, visto que associam cultura à
civilização, e civilização compreende a civilização ocidental, na qual
todas as demais práticas culturais estão ausentes, resgatando análise
precisa feita por Chaui e Santos (2014). Encontramos nesse ponto,
além da histórica tentativa de hegemonização da Igreja Católica nos
atos de fé da população, a junção e, ao mesmo tempo, a predominân-
cia das igrejas neopentecostais na dominação, no controle e na nega-
ção das religiosidades de base africana.
Uma preocupação não menos importante é a negação proposta
pelos defensores do movimento Escola sem Partido do papel cientí-
fico da escola, colocando em xeque a função social e integradora até
então cumprida pelas instituições escolares na sociedade contempo-
rânea desde a consolidação da formação social capitalista. Ao disser-
tar sobre esse assunto, Frigotto (2018) nos lembra que a atual forma
escolar teve sua gênese histórica concretizada no século XVIII, rela-
cionada à emergência da ciência moderna e da burguesia como classe
social revolucionária. Desde suas origens, a instituição escolar bur-
guesa teve sua existência marcada por conflitos, que têm como fun-
damento a profunda cisão entre as classes socais. Para o autor,
81
e atitudes necessárias à construção e reprodução do sistema capi-
talista. (FRIGOTTO, 2018, p. 16)
82
uma das tantas formas de resolver as complexidades que caracteri-
zam a diversidade social na sociedade capitalista.
Outro autor clássico mencionado por Frigotto é Karl Marx
(1818-1883). Sua teoria sociológica do conflito social procura
demonstrar a existência de interesses antagônicos entre capital e tra-
balho que dividem essencialmente os sistemas sociais em dois lados: as
classes dominantes e a classe trabalhadora. Essa perspectiva se apre-
senta como sendo antagônica à Sociologia da ordem de Durkheim.
Nela, caberia à escola colaborar no processo de formação de uma nova
sociedade por meio da socialização do conhecimento, da ciência e da
cultura, contribuindo, dessa maneira, na formação do “homem novo”
numa sociedade sem classes e sem exploração (FRIGOTTO, 2018, p.
19). Ao ressaltar o importante papel da escola na valoração e sociali-
zação do conhecimento científico, o autor faz a seguinte afirmação:
83
reflexão sobre os processos mais amplos que dizem respeito às deci-
sões dos governantes e aos destinos da coletividade.
A negação da política, por esse prisma, amplia o distanciamento
da população no que diz respeito a uma análise e à possibilidade de
tomada de posição em relação aos seus próprios problemas, restrin-
gindo ainda mais esse campo de ação para uma minoria geralmente
privilegiada do ponto de vista socioeconômico. Ao contrário dessa
perspectiva, para cumprir razoavelmente seu papel institucional,
achamos fundamental que a “formação para o exercício da cidadania”
estimule uma produção teórica que forneça instrumentos para uma
análise da realidade e o consequente posicionamento diante dela. A
separação enganosa e artificial entre os aspectos pedagógicos e polí-
ticos apenas favorece aos grupos dominantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
84
As declarações oficiais de combate às ideologias na educação ser-
vem ao propósito indisfarçável do sistema e dos seus agentes políticos
de não apenas impedir posições contrárias à hegemonia dominante,
mas fazer com que esta seja a única visão de mundo realmente pos-
sível de ser difundida nos espaços educacionais. A junção dos valores
neoliberais com as ideias fundamentalistas religiosas, defendidas por
estratos médios da sociedade e parte importante das igrejas, especial-
mente as neopentecostais, colabora para a proposição de um orde-
namento jurídico similar aos existentes em nações que vivenciaram
momentos semelhantes de autoritarismo e intolerância. Assim, não é
possível subestimar as consequências sociais desse movimento direi-
tista que se fortalece a olhos vistos.
A junção entre concepções teóricas neoliberais, visões de mundo
autoritárias e os fundamentos religiosos conservadores submete, em
certo sentimento, a estruturação de um modelo de organização edu-
cacional, de teorias pedagógicas e das suas práticas emancipatórias a
um contexto de estado de censura e perseguição ideológica abomi-
nável nas democracias de tipo ocidental, apesar de todas as ressal-
vas devidas à fragilidade e superficialidade orgânicas desses regimes
legados historicamente com a consolidação da dominação burguesa
e o sistema do capital.
Por sua vez, depois de amplas manobras de postergação dos jul-
gamentos sobre o tema, é inegável que as recentes vitórias obtidas
no âmbito do STF conferem uma perspectiva positiva no tocante aos
entraves interpostos pelas autoridades judiciárias sobre os êxitos das
iniciativas do movimento, possibilitando um equilíbrio importante
na correlação de forças dos campos em disputa mais favorável aos
setores progressistas e de matriz civilizatória.
Não é demais lembrar que, não por acaso, o movimento Escola
sem Partido surgiu em um momento histórico fundamental de rede-
finição das estratégias de confrontação desse clima de perseguição e
irracionalismo, de recuperação da vitalidade dos movimentos e orga-
nizações democráticos da sociedade a partir de um retorno à formação
85
pedagógica e política da população. Acreditamos, por fim, que isso
pode ser feito por meio de um processo educacional com perspec-
tiva crítica, com a análise e discussão das questões éticas e políticas
dos principais temas da atualidade, objetivando encontrar alternati-
vas possíveis de resolução desses impasses e formulação de um pro-
jeto de sociedade mais democrático e solidário.
REFERÊNCIAS
86
HERMIDA, J. F.; LIRA, J. de S. O programa Escola Livre em Ala-
goas, a crise de acumulação do capital e o fortalecimento da direita
política brasileira. Revista Exitus, Santarém/PA, v. 8, n. 1, p. 141-
170, jan./abr. 2018.
87
Educação sem partido:
golpes de estado e governos
militarizados (1964 e 2016)
88
movimento golpista civil-militar de 1964 que, por sua vez, impuse-
ram uma ditadura militar. Portanto, vamos percorrer o período que
compreende os anos de 1964 e 2019 para expor os principais para-
lelos existentes na área da educação.
Antes de prosseguir, um parêntese importante. Alertamos os lei-
tores que as políticas educacionais advindas com o golpe de 1964 e dos
21 anos de ditadura civil-militar não foram meramente sequenciais
e não se tratou de um projeto rigorosamente implantado de 1964 a
1985. ocorreram modificações nas políticas educacionais durante as
duas décadas do regime ditatorial, embora algumas bases ideológicas
conservadoras e reacionárias fossem comuns nos “anos de chumbo”.
O recorte cronológico da pesquisa se justifica em decorrência
de fatores semelhantes (não idênticos) entre os dois processos his-
tóricos de Golpe de Estado, seja o de 1964 ou o de 2016. Por meio de
Gramsci (2007), compreende-se que ambos os processos históricos
são protagonizados por aparelhos privados de hegemonia da classe
dominante, atuantes na educação escolar e extraescolar, que reprimi-
ram a esquerda e os governos progressistas, assim como doutrinaram
a população por meio de um “manto sagrado” da neutralidade. Essa
pretensa isenção foi representada, em 1964, pelo complexo consti-
tuído entre o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e o Insti-
tuto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e, em 2016, é promovida
pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo ESP. Ademais, os resul-
tados desses dois processos golpistas também são semelhantes ao
desembocarem em governos militarizados, uns mais outro menos,
sempre legitimados pelos poderes judiciário, midiático e parte impor-
tante da elite empresarial e religiosa.
Como o foco do nosso estudo é a educação, relacionamos fon-
tes primárias disponíveis na internet, como os documentos oficiais
do projeto ESP (ESCOLA SEM PARTIDO, 2012; [201-]), os debates
realizados por seus defensores nas redes sociais digitais e os projetos
de leis do ESP apresentados por políticos conservadores nas câmaras
municipais brasileiras (RIO DE JANEIRO, 2014). Para além disso,
89
coletamos informações bibliográficas acadêmicas sobre o ESP e prin-
cipalmente análises concentradas na imprensa e disponíveis on-line,
por se tratar de um movimento contemporâneo que exige análise
de História Presente. Diante desses materiais, realizaremos compa-
rações com a bibliografia coletada sobre a ditadura.
Nesse exercício de História Comparada, estivemos atentos aos
perigos do anacronismo e do mecanicismo, visto que se trata de
períodos históricos diversos e de objetos de análise distintos, o que
não determina mecanicamente semelhanças idênticas. Ou seja, esses
movimentos podem ser semelhantes, mas jamais idênticos, pois a his-
tória está em permanente mutação e transformação. Nesse sentido,
March Bloch, um dos representantes da escola francesa dos Annales,
afirma que esse exercício de História Comparativa nos remete a uma
visão ampla dos processos históricos, o que é uma vantagem, pois ins-
trumentalizar-se dessa ferramenta analítica, no campo das ciências
humanas, implica buscar informações para explicar as semelhanças
e as diferenças de objetos distintos inseridos em meios sociais dife-
renciados (BLOCH, 1928).
Ademais, de acordo com Lima (2007), por meio da
História Comparada
90
Ainda nessa perspectiva, influenciado pela escola inglesa da New
Left, o historiador Edward P. Thompson afirma que “cada evento his-
tórico é único. Mas muitos acontecimentos amplamente separados no
tempo e no espaço revelam, quando se estabelece relação entre eles,
regularidades de processo” (THOMPSON, 1978, p. 97-98). Assim,
este artigo também é baseado na tradição teórico e metodológica ita-
liana do materialismo histórico e dialético, o que é fundamental para
desmistificar a suposta neutralidade desses movimentos políticos con-
servadores, visto que, segundo Antônio Gramsci,
91
CONTEXTO HISTÓRICO: GOLPISMO E PERIGO VERMELHO
NA EDUCAÇÃO
92
uma movimentação heterogênea que lutava contra o aumento do
preço do transporte público foi estrategicamente capturada pela classe
dominante e se transformou em grandes movimentações dos setores
médios animados pelo sentimento “antipetista”, famosos por saírem
às ruas de verde e amarelo pedindo o impeachment da ex-presidente
Dilma Roussef. O desfecho foi o golpe de 2016, a prisão de Luís Inácio
Lula da Silva em 2018 e a posse do presidente Jair Bolsonaro em 2019.
Desde 2014, o ESP ganhou força no Congresso Nacional Fede-
ral, nas assembleias estaduais e nas câmaras municipais, engatilhando
dezenas de projetos de leis, do Oiapoque ao Chuí. Na Câmara dos
Deputados, destaca-se o projeto de lei 867/2015 (arquivado), já no
Senado, esteve em tramitação o PLS 193/2016, que, por ter obtido
repercussão negativa e pressão da sociedade, foi retirado de pauta
por seu propositor, Magno Malta, e atualmente está arquivado. Cabe
mencionar que também corroborou para o arquivamento a notifica-
ção do Ministério Público Federal sobre a inconstitucionalidade do
projeto (MPF, 2016)17.
Apesar da inconstitucionalidade, em abril de 2018 existiam 147
projetos de “lei da mordaça” nos estados e municípios, sendo 108 do
movimento ESP e 39 contra o debate de gênero nas escolas. Desses
147 projetos, 18 foram aprovados (sendo sete do ESP e 11 contra
gênero), 26 foram rejeitados e 103 estavam em tramitação. Os estados
brasileiros recordistas em proposições são respectivamente: Paraná,
São Paulo e Rio de Janeiro (ANNUNCIATO, 2018).
Como pudemos constatar, para além do ESP, o atual contexto
também é de obscurantismo anticientífico, pois muitos parlamen-
tares ligados a seitas religiosas já aprovaram várias leis municipais
contra o debate de gênero nas escolas, censurando livros didáticos e
93
professores em sala de aula. Nesse sentido, qualquer profissional da
educação poderá ser notificado judicialmente após ser denunciado
por pais, alunos e outros membros da sociedade civil e política. Essa
prática de “caça às bruxas” não é nova na História do Brasil, pois
assim também foi no golpe de 1964 e durante os 21 anos de dita-
dura, quando professores eram constrangidos pela máquina da cen-
sura e da repressão. Um dos exemplos disso foi o decreto 477, de 26
de fevereiro de 1969, que definiu “infrações disciplinares praticadas
por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabeleci-
mentos de ensino público ou particulares” (BRASIL, 1969, s/p). Na
prática, aumentou-se a repressão armada contra organizações contra
-hegemônicas e seus movimentos paredistas, especialmente contra a
União Nacional dos Estudantes (UNE) e também contra os movimen-
tos de professores que lutavam contra o “rebaixamento das condições
econômicas, bem como da formação acadêmica”, principalmente no
final da década de 1970, quando o país viveu milhares de greves de
professores (FERREIRA JR; BITTAR, 2006).
Dentro desse exercício de História Comparativa, semelhanças
também são observadas nas conjunturas pré-golpe de 1964 e de 2016.
Assim como ocorreu com Dilma Rousseff, João Goulart também foi
atacado por uma série de organizações e movimentos forjados para
derrubar seu governo, como o Ipes e o Movimento Estudantil Demo-
crático (DREIFUSS, 1981), embora Goulart estivesse mais próximo
da esquerda que Rousseff, como ficou claro na famosa mobilização
da Central do Brasil em 13 de março de 1964 na antiga capital da
Guanabara. No contexto pré-golpe de 2016, organizações e movi-
mentos reacionários já estavam alinhados desde 2015, como o ESP,
o MBL e o Revoltados Online, que agitaram nas redes sociais e nas
ruas de todo o Brasil protestos para derrubar o governo de Dilma
Rousseff. No final de 2015, a denúncia de professores e cientistas de
todo o mundo sobre a ruptura da ordem democrática em curso no
Brasil era enquadrada como doutrinação ideológica (MOURA, 2016).
Após o golpe, esses movimentos deram apoio ao governo interino de
94
Michel Temer, cujo Ministro da Educação, Mendonça Filho, rece-
beu a visita de um dos porta-vozes do movimento golpista, o ex-au-
tor pornô (e ex-deputado federal) Alexandre Frota, nos primeiros
dias de seu mandato (RIBEIRO, 2016, p. 5).
De acordo com Penna (2018), a estratégia do ESP é moldurar
todas as organizações e ideias progressistas que façam a contraposição
aos projetos de lei ESP como integrantes de uma “esquerda interna-
cional” organizada e pronta para promover um “discurso envene-
nado”. Segundo a paranoia, com a queda da URSS e o abandono da
luta armada, esses grupos comunistas internacionais estariam atuando
no Brasil por meio de uma tática que nomearam como marxista cultu-
ral. Esses “inimigos perigosos” da nação brasileira estariam infiltrados
nas instituições, como as escolas, com o objetivo de combater a família
tradicional e impor discursos de gênero visando doutrinar crianças.
Relembrando os piores momentos de paranoia da “Guerra Fria”,
em audiência pública sobre o PL 7.180/14 (da ESP), o deputado Flávio
Augusto da Silva (PSC), um dos entusiastas do ESP, afirmou publi-
camente que a maioria dos professores estaria contaminado pelo
vírus do “marxismo radical”, fazendo uma “doutrinação comunista”
nas salas de aula objetivando destruir os valores basilares da família
e comprometer o futuro dos alunos (QUADROS, 2018).
Para estruturar essas ideias conspiracionistas, um dos principais
referenciais teóricos do movimento, como revela Bráulio Matos, vice
-presidente da Associação Escola sem Partido, é Plinio Corrêa de Oli-
veira, criador da organização Tradição, Família e Propriedade (TFP).18
“O mesmo discurso da conspiração comunista utilizado para legitimar
o golpe militar em 1964 é reapropriado para mobilizar os mesmos
18 O fato de Plinio Oliveira ou a TPF ser uma das bases do golpe de 1964 e
também ser reverenciado pelo dirigente do grupo ESP nos anos 2000 não sig-
nifica uma continuidade histórica mecânica, mas sim uma ressignificação e
reapropriação anacrônica que os atuais grupos direitistas fazem da realidade.
95
medos do inimigo vermelho. Novamente, assim como na Guerra
Fria, esse inimigo põe em risco as crianças” (PENNA, 2018, p. 577).
Por isso, não é anacronismo dizer que a ideologia educacional
seja semelhante ao do período da ditadura civil-militar (1964 a 1985),
pois em ambos os processos históricos estão contempladas práticas
de privatização da educação, enxugamento dos conteúdos pedagó-
gicos e do ensino por meio de um processo de eliminação da crítica
(conformismo), assim como pelo combate ao debate democrático (ao
proibir questões políticas públicas) e pela transformação do profes-
sor em um burocrata secundário (“robotização”) por meio das peda-
gogias tecnicistas. Concomitantemente, exige-se do professor um
aumento de produtividade e sobre ele se intensificam os instrumen-
tos de controle e de repressão do trabalho docente.
96
AS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO SEM
PARTIDO, ONTEM E HOJE
97
“senhores” e “servos” mantinham uma suposta harmonia social. Para
isso pretendem combater e eliminar a presença dos setores críti-
cos (contra-hegemônicos) por meio da criminalização de profes-
sores, estudantes e demais funcionários progressistas da educação
que se proponham a criticar os governos militarizados e as clas-
ses dominantes.
De forma semelhante, durante o processo de golpe em 1964,
após intervirem e reprimirem os sindicatos urbanos e rurais, o foco
central da repressão foi a área da educação, especialmente as uni-
versidades, acusadas levianamente de serem centros de proselitismo
e doutrinação de “jovens ingênuos”. Em 2019, a narrativa é seme-
lhante, quando o Ministro da Educação Abraham Weintraub e seus
apoiadores acusavam sistematicamente as universidades e os insti-
tutos federais de serem locus de balbúrdia, o que demandaria “caçar
um pessoal” (GLOBO, 2019).
Maurício Ernica, em entrevista concedida para o vídeo Escola
sem partido? FE-Unicamp toma partido da escola (2016), por sua vez,
aponta “contradições” do projeto ESP, que visa tirar os conteúdos
críticos e os debates políticos da escola, disseminando disciplinas
de moral e religião em seu lugar. As elites continuarão a estudar os
diferentes conteúdos humanísticos e participar dos diferentes deba-
tes partidários de importância pública em suas escolas particulares,
aliás, como sempre fizeram na história, enquanto o ESP irá esvaziar
e empobrecer esses debates de importância pública nas escolas esta-
tais, restringindo ainda mais a participação democrática das cama-
das populares nos rumos do país.
Esse esvaziamento dos conteúdos críticos e políticos das esco-
las pública, apontados anteriormente, nos remete novamente aos
“anos de chumbo”, quando os tecnocratas e militares implantaram
um plano de modernização conservadora que impôs nas escolas e
universidades uma lógica racionalizadora empresarial, assim como
ocorria nas fábricas. Assim, eram visados o aumento da produtivi-
dade do trabalho, o racionamento de recursos, a competição entre
98
os profissionais e, no setor público, o incentivo à participação da ini-
ciativa privada. Ao mesmo tempo, a ideologia conservadora perse-
guiu e censurou a cultura de esquerda e os movimentos progressistas,
como o movimento estudantil e sindical, eliminando a possibilidade
de contraposição, crítica e democracia. Nas universidades, forjaram as
“Assessoriais Especiais de Segurança e Informações” (Aesis ou ASIs),
que vigiaram toda a comunidade universitária, entregando para a
repressão professores e estudantes e até censurando livros e pesqui-
sas, ao mesmo tempo que os técnicos e militares trabalhavam para
implantar os valores tradicionais da família, da nação e da cristan-
dade “por meio de técnicas de propaganda, da criação de disciplinas
dedicadas ao ensino de moral e civismo e de iniciativas como o Pro-
jeto Rondon” (MOTTA, 2014, p. 15).
Essas práticas de perseguição contra os profissionais da educa-
ção comprometidos com visões contra-hegemônicas também ocor-
rem com o ESP, pois, segundo Luiz Carlos de Freitas, também em
entrevista concedida para o vídeo Escola sem partido? FE-Unicamp toma
partido da escola (2016), esse projeto pretende aumentar a cobrança
e a vigilância ideológica sobre a escola. Melhor explicando, na atual
conjuntura de acirramento das contradições do sistema capitalista de
produção, a escola ganha papel de destaque na potencialização e na
“preparação” da exploração da força de trabalho. Em razão disso, cons-
tata-se a grande conexão entre os projetos neoliberais e o ESP, pois
adestrar e domesticar os trabalhadores é fundamental para aumentar
a acumulação de mais-valia. Isso se reflete no aumento do controle
político-ideológico dos capitalistas sobre qualquer avanço demo-
crático e popular da escola, especialmente contra os profissionais da
educação que promovam a reflexão sobre alguns valores patriarcais,
tradicionais e capitalistas. Portanto, o ESP é reflexo do avanço do neo-
liberalismo dentro das escolas, em uma composição autoritária entre
as forças “liberais” e as conservadoras. A filosofia liberal acredita na
intervenção privatista na educação, transformando educação em um
grande business, além de controlar sua administração (direção) em
99
oposição aos concursos públicos (privatização da gestão), já os con-
servadores entram com o ESP objetivando o controle do professor,
da sala de aula e dos conteúdos, conforme podemos comprovar ana-
lisando as recomendações do ESP na página oficial do movimento:
100
que acontece na sala de aula e vamos divulgar isso daí. Pais, adul-
tos, homens de bem têm o direito de saber o que esses ‘professo-
res’ [aspou a palavra com gestos] ficam fazendo na sala de aula.
Entrem em contato com a gente”, exortou Bolsonaro. O presi-
dente eleito respondia a um estudante do Espírito Santo, João
Vítor, que enviou ao seu QG, no Rio, um vídeo em que a profes-
sora, irritada por estar sendo gravada sem que consentisse, amea-
çava processá-lo. O presidente encerrou a fala com um recado à
professora: “Eu tenho uma surpresinha pra ela também. Quero
ver ela processar você!” (QUADROS, 2018, s/p.).
101
esse espírito crítico dos jovens na escola, sem tentar “domesticá-los”
e incentivando suas atitudes propositivas, ativas e participativas.
Para René José Trentin Silveira, no mesmo vídeo, trata-se do
poder privado de determinadas famílias e de suas organizações cole-
tivas impondo seus preceitos particulares de raça, gênero, religião,
política e economia sobre os coletivos. Na prática, isso equivale a
descartar a Constituição Federal de 1988, que defende o investi-
mento público em educação, o pluralismo de ideias, religiões, visões
políticas, entre outros, ou seja, uma sobreposição de alguns setores
sociais conservadores e neoliberais, aglutinados no movimento ESP
sobre os interesses coletivos, duramente conquistados com a nossa
“Carta Magna” pós-ditadura. Nesse sentido, o ESP vai na contra-
mão do espírito democrático, pois anula os grandes debates público
-políticos de importância na sociedade e transforma a escola em um
espaço pobre de formação, sem a presença de discussões e conflitos
de ideias, aspectos fundantes da democracia. É fundamental que os
estudantes tenham contato com professores com diferentes visões
de mundo ou posicionamentos políticos, o que irá enriquecer sua
formação acadêmica.
Da mesma forma que o ESP, como vimos anteriormente, a dita-
dura de 1964 também cerceou o conhecimento crítico e o debate
democrático, com inúmeras medidas repressivas contra os professo-
res e os alunos. Segundo Motta (2014, p. 272), na área das Ciências
Humanas, seus conteúdos disciplinares atraíam atenção das agências
repressivas e foram matéria de intervenção e doutrinação pedagó-
gicas do Estado. Especialmente no ensino básico, o regime margi-
nalizou as disciplinas de História e Geografia por meio da Lei 5.692
de 1971, quando condensou as duas disciplinas transformando-as na
famosa matéria de “Estudos Sociais” (GONÇALVES, 2012). Também
ocorreu intervenção nas disciplinas de Filosofia e Sociologia, que
foram transformadas em Educação Moral e Cívica, que em prejuízo
do conhecimento científico e humanístico configuravam-se como
algo semelhante a cartilhas paroquiais e panfletos de propaganda
102
do regime ditatorial. Assim, em paralelo a isso estão os ataques dos
governos de Temer e Bolsonaro contra as Ciências Humanas — que
marginalizam as disciplinas de Filosofia, Sociologia e História e as
substituíram por uma formação aligeirada, tecnicista e militarizada
—, em que podemos observar a reforma do Ensino Médio, a preca-
rização do Enem, as Escolas Cívico-Militares e os mitos fundadores
propagados pelo “Brasil Paralelo”, uma série documental transmitida
pela rede estatal “TV Escola” que falsifica e romantiza um suposto pas-
sado brasileiro sob forte influência do astrólogo Olavo de Carvalho,
uma das referência ideológica do governo Bolsonaro (PAULO, 2020).
Uma das hipóteses correntes é que o objetivo dos militantes do
movimento ESP e dos militares no poder após a vitória de Bolsonaro19
é reescrever a História da ditadura. No período eleitoral de 2018, o
general Aléssio Ribeiro Souto, assessor de Bolsonaro e membro do
grupo que estudava as mudanças na educação, anunciou publica-
mente, em entrevista, que o futuro governo iria alterar os conteú-
dos do ensino, especialmente os livros didáticos de História, pois,
de acordo com ele, os livros “que não trazem a verdade sobre 1964
têm que ser eliminados das escolas brasileiras” (QUADROS, 2018,
s/p.). Assim, após as vitórias nas urnas e a formação de um governo
híbrido civil-militar em 2019, as políticas educacionais e as declara-
ções públicas desse ano apontam para um projeto nacional de escolas
civis-militares20, e uma de suas metas é o descarte da historiografia
acadêmica e sua substituição pela imposição da visão oficial das for-
ças armadas sobre o 1º de abril de 1964. Para isso, pretendem supri-
103
mir a ditadura, a tortura, os assassinatos e os banimentos por meio
da censura dos conteúdos escolares e de livros didáticos. Seguindo
essa linha ideológica, foi convocado o primeiro Ministro da Educa-
ção, Vélez Rodríguez, grande entusiasta do ESP e ilusionista do mar-
xismo, que seria responsável por demonizações e invenções deletérias
como a educação de gênero. Vélez foi professor emérito da Escola de
Comando do Estado Maior do Exército (EMFA), o órgão das For-
ças Armadas que elaborou e ajudou a executar todo o programa de
governo da ditadura militar (QUADROS, 2018).
Ademais, compreende-se que esse projeto seria impossível de ser
implementado pelas escolas e universidades em um contexto demo-
crático, visto que é consenso internacional das academias científi-
cas que ocorreu uma ditadura no Brasil entre 1964 e 1985. Por isso,
as práticas obscurantistas só são eficazes por meio do autoritarismo,
do constrangimento, do amordaçamento e da difamação de profes-
sores, estudantes, cientistas e intelectuais, propiciando a promoção
da ESP, ou melhor, da escola do partido único.
Principalmente após o AI-5 de 1968, os órgãos de informação da
ditadura se esforçaram para monitorar os professores suspeitos em
atividade, focando-se em demitir, prender e barrar a contratação de
docentes aprovados em concurso público que fossem considerados
perigosos ao poder ou subversivos à ditadura. Essa “caça às bruxas”
causou sérios danos na produção científica e educacional do Brasil,
pois as escolas, as universidades e os institutos ficaram engessados
com a visão oficial e única da ditadura, supostamente neutra porque
representariam militar-tecnocrática e empresarialmente os interesses
do conjunto da sociedade brasileira. Essa atitude provocou a “fuga de
cérebros”21, forçando muitos professores e cientistas renomados a se
refugiarem em universidades estrangeiras, especialmente nos Esta-
dos Unidos e na Europa, fomentando suas pesquisas fora do Brasil.
104
Atualmente percebemos aspectos semelhantes, com a demissão por
motivação política nas instituições privadas, a intervenção do pre-
sidente Bolsonaro na escolha dos reitores de universidade federais,
indicando os candidatos menos votados ou interventores, o sucatea-
mento da educação superior, os cortes drásticos de investimentos
do Estado na ciência e na tecnologia e o desemprego de cientistas e
professores brasileiros que acabam saindo do Brasil para fazer ciên-
cia em universidades estrangeiras, colaborando para a manutenção
do atraso e dependência científica, tecnológica e produtiva do Brasil.
Atualmente esse processo é denominado por economistas como
“Reversão Neocolonial” (SAMPAIO JR., 2011).
105
brasileiro para solicitar alteração no regime de exploração do pré-sal,
ao mesmo tempo que a National Security Agency (NSA) espionava a
Petrobrás e a presidência da República. Após a resistência de Dilma
Rousseff, milhões saíram as ruas em protesto, especialmente contra
a corrupção na Petrobrás e no Partido dos Trabalhadores (R7, 2013;
BBC, 2013). Nesse contexto, Sergio Moro junto a outros 50 juízes
e procuradores brasileiros já tinham recebido treinamento desen-
volvido pela embaixada dos EUA por meio do projeto “PONTES”22
(WIKILEAKS, 2013).
Nesse sentido, para nosso exercício de História Comparativa
basta lembrar da influência do governo dos Estados Unidos na edu-
cação brasileira por meio de suas agências estatais, como a United
States Agency for International Development (Usaid), a “Aliança
para o Progresso” ou as instituições filantrópicas e privadas como a
“Fundação Rockfeller” e a “Fundação Ford”. Também é importante
reportar a força das instituições de fachada nacional, que muitas vezes
recebiam verbas do imperialismo para influenciar a educação e o
jogo político nacional, como fizeram o Ipes e o Ibad. As concepções
políticas e educacionais que esses dois últimos desempenharam na
preparação do golpe de 1964 e dos primeiros anos do regime mili-
tar nos remetem ao papel cumprido entre 2013 e 2016 e também
na contemporaneidade do movimento ESP e de outras instituições
como o MBL, o Revoltados Online, o Instituto Alfa e Beto e, sobre-
tudo, as igrejas evangélicas pentecostais, que por meio de seus par-
lamentares da “bancada evangélica” estão articulando a aprovação
22 Após ser um dos responsáveis pela prisão do líder das pesquisas eleitorais
de 2018 (Lula), em 2019, o juiz Moro foi ministro do candidato vitorioso. Uma
das primeiras incursões internacionais do ministro Moro foi visitar pessoal-
mente a Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), conforme revelou a
revista Veja (2019). Em 2020, documento revelados demonstram a interferên-
cia ilegal da polícia dos EUA (FBI) em solo brasileiro, auxiliando Moro na ope-
ração Lava-jato (VIANA, 2020).
106
do ESP nas casas legislativas municipais, estaduais e federais (CASI-
MIRO, 2018). Assim,
107
minar o projeto nacional-desenvolvimentista de João Goulart,
abrindo espaço para intervenções estrangeiras na economia. Para
isso, o Ibad tinha uma agência de publicidade encarregada de pro-
paganda política nos canais de televisão, rádios, jornais, apenas em
1964 foram gastos US$ 2 milhões. Anteriormente, em 1962, o Ibad
investiu ilegalmente 5 bilhões de cruzeiros para o financiamento de
candidatos em todo o país (STARLING, 2001).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
108
internacionais a relacionar essas práticas bolsonaristas com o período
ditatorial, pois há semelhanças com o Serviço Nacional de Informa-
ções (SNI) (BENITES, 2020).
Também constatamos que personagens e organizações alinha-
das ao espectro da direita que promoveram o golpe de 2016 tam-
bém estão alinhados com o ESP. Exemplo disso é o MBL, que até
2017 realizava sem aviso prévio patrulhas nas escolas públicas a fim
de constranger professores que supostamente realizavam “doutrina-
ção” (RODRIGUES, 2017), e organizações da extrema-direita: “Tra-
dição, Família e Propriedade” (TPF), rearticulada recentemente, é
um dos referenciais teóricos do ESP e uma das principais apoiado-
ras do golpe de 1964.
Nossa metodologia pôde constatar que as concepções políticas,
ideológicas e educacionais que o Ipes e o Ibad desempenharam na
preparação do golpe de 1964 e dos primeiros anos do regime militar
nos remetem ao papel cumprido entre 2013 e 2016 do movimento
ESP e de outras organizações como o MBL, o Revoltados Online e
o Instituto Alfa e Beto, que por meio de seus representantes parla-
mentares (especialmente da “bancada evangélica”) estão articulando
a aprovação do ESP e proibindo debates de gênero nas casas legis-
lativas municipais, estaduais e federais. Assim como na ditadura, o
desenho conjuntural aponta para alianças entre os movimentos con-
servadores, o ESP e os setores econômicos capitalistas que objetivam
aprofundar o processo de transformação da educação no Brasil, basea-
dos no tripé: conservadorismo, privatização do Estado24 e tecnifica-
ção. Essa “cartilha” resulta historicamente em sociedades desiguais e
em sistemas de escolas duais, especialmente afetadas pelos constan-
tes enxugamentos dos conteúdos das Ciências Humanas e da per-
seguição antidemocrática que visa eliminar a capacidade crítica dos
cidadãos de implantar o conformismo e a infantilização dos adultos,
109
embora os filhos da burguesia continuem a estudar ciência política
e as demais ciências humanas em escolas privadas.
Hoje e ontem, essa radicalização das propostas pedagógicas tec-
nicistas e militarizadas transformam os professores em burocratas
secundários, proletarizados e precarizados como cumpridores de
tarefas de uma linha de montagem, submetidos a metas de produ-
ção e aprisionados por sistemas apostilados, sob vigilância de delega-
cias de ensino e de alunos e pais fanatizados. Nas palavras do grande
líder do ESP, o professor deve repetir aquilo que está nas apostilas,
ou seja, “[o] professor é um burocrata. Ele transmite aos alunos o
conteúdo do currículo, aquilo que está escrito e foi aprovado pelas
autoridades competentes” (NAGIB, 2017, s/p.).
Historicamente, os governos militarizados censuram, amorda-
çam e atacam os diretos dos trabalhadores, atendendo aos interes-
ses econômicos da burguesia para os quais trabalham docilmente,
sendo recompensados financeiramente por isso, bastando olhar, por
exemplo, para os privilégios históricos dessa casta, especialmente as
altas patentes militares contemplados com altos salários e uma pre-
vidência especial.
Sobretudo em tempos de crises econômicas e sociais, são hostis
a propostas democráticas, incentivando a obediência militar como
recurso de dominação — como é a transformação das escolas públicas
em centros educacionais militarizados, como foi na ditadura militar
ou em 2019 com a criação do Programa Nacional das Escolas Cívico-
Militares (Pecim) por meio do decreto n. 10.004.
Em ambos os processos golpistas, um dos principais focos de
resistência e de ataques é a área da educação, especialmente as uni-
versidades, com semelhante discurso fantasioso de que seriam redes
internacionais de operação do terrorismo, locus de balbúrdia e de sub-
versão. Incentivaram o monitoramento e o controle ideológico dos
professores e estudantes, fomentando a criminalização e a “caça” de
elementos considerados perigosos.
110
Vestidos de verde e amarelo, mas submissos aos interesses de
Washington, os golpistas de 1964 e de 2016 produzem fortes estereó-
tipos sobre os professores, as escolas e as universidades por meio de
discursos obscurantistas e anticientíficos. Sedentos por poder e lucros,
fomentam o controle ideológico do trabalho docente e discente e
disseminam soluções comerciais em detrimento de direitos sociais,
como é a educação pública, gratuita, laica e socialmente referenciada.
Após usarem a bandeira do movimento ESP e vencerem as elei-
ções em 2018, Bolsonaro e parlamentares de extrema-direita des-
cartaram as lideranças do movimento. Esse esquecimento culminou
no anúncio do fim das atividades oficiais do ESP pelo presidente da
associação, Miguel Nagib, a partir de agosto de 2019. No entanto,
embora a crise estrutural desse movimento seja latente, seus militan-
tes continuam em operação, o que resultou na aprovação do ESP na
capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, em 14 de outubro de 2019.
Referências
111
anphlac.fflch.usp.br/files/Katia%20 Gerab%20Baggio%20_Anais%20
do%20XII%20Encontro%20Internacional%20da%20ANPHLAC.pdf
Acesso em: out. 2019.
112
CASIMIRO, F. H. C. A nova direita: aparelhos de ação polí-
tica e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão
Popular, 2018.
113
com/sc/santa-catarina/noticia/2019/10/25/em-video-ministro-
da-educacao-diz-que-vai-cacar-um-pessoal-da-ufsc-que-fica-fazen-
do-balburdia.ghtml Acesso em: out. 2019.
114
MOURA, F. P. Escola Sem Partido: relações entre Estado, Educação
e Religião e os impactos no Ensino de História. Rio de Janeiro. 2016.
Dissertação (Mestrado Profissional) – Programa de Pós-Graduação
em Ensino de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2016.
115
org/2018/11/para-criticos-objetivo-do-escola-sem-partido-e-rees-
crever-historia-da-ditadura/#Link1 Acesso em: out. 2019.
116
SAMPAIO JR, P. de A. Metástase da crise e aprofundamento da
reversão neocolonial. Revista Crítica e Sociedade, [s.l.], v. 1, n.
3, p. 85-95, 2011.
117
no-ministerio-da-justica-sergio-moro-abriu-as-portas-para-o-fbi/
Acesso em: jul. 2020.
118
Presupuesto nacional
de Uruguay: um
plan de recordes25
119
La presentación del MEF se inició con una clara referencia, que
pretende contrastar fuertemente con la gestión anterior, y donde se
pretende verse validados y legitimados por la ciudadanía, al señalar
que “los uruguayos eligieron un cambio”. En base a esta premisa, deci-
dieron construir su discurso y las propuestas en materia presupues-
tal. Lo que resulta paradójico, es que afirman que este Proyecto de
Ley de Presupuesto se elaboró “para la gente”, aunque también mani-
fiestan, está orientado a reducir el déficit fiscal y la inflación. Quizá
haya primero que ponerse de acuerdo, o bien, lo económico prima
sobre lo social, o es al revés.
No hay dudas, un Presupuesto Nacional es el principal instru-
mento de política económica y social de un gobierno. Su objetivo es
social puesto que es la manera en cómo se distribuyen los recursos
para hacer mejorar el bienestar social. Un presupuesto debiera ser
sensible y considerar los problemas sociales y económicos del país y
el entorno en que se desenvuelve. Dicho así, no hay margen para la
confusión: lo social debe primar. Sin embargo, a nuestro entender —
más allá de las declaraciones públicas de las autoridades que parecen
validarlo — este Presupuesto se basa — prácticamente explicitado —
en una idea central: la reducción del Déficit Fiscal.
Esta mirada o centralidad de lo fiscal, sobre lo social, no hace
más que consolidar la orientación mercantilizadora de este gobierno.
Privilegiar los aspectos económicos, por sobre la calidad de vida de las
personas o el bienestar social, es propia de los gobiernos neoliberales.
Pero por si aún resulta insuficiente esto, para concluir el diagnóstico,
se hace retomando viejas recetas que se pensaban obsoletas, inspira-
das en el efecto “goteo”; es decir, reducir los ingresos de los trabaja-
dores y jubilados; recortar el papel social que brinda el Estado y con
estos “ahorros” reactivar la economía, para luego, sentarse a esperar.
Se desprende de la presentación realizada por el MEF, un nuevo
rol del Estado. Se advierte que el Estado — muy lejos de lo que enten-
demos deben ser sus fines y cometidos sociales- debe “acompañar” al
sector privado con eficiencia. Dicho de otra manera, el Estado debe
120
limitarse a desempeñar un rol funcional al capital. Es decir, en lo
posible facilitar el estímulo y desarrollo del sector privado, o en su
defecto, no obstaculizarlo. Nuestra denominación de Presupuesto
Neoliberal, no es antojadiza o tendenciosa, sino que se ajusta, obje-
tivamente a los lineamientos del Consenso de Washington.
No obstante, no debe sorprendernos, menos aún resultarnos
contradictorio, que se diga por parte de las autoridades de gobierno,
que esta Ley de Presupuesto tiene como objetivo central la reactiva-
ción del empleo y la sostenibilidad de las políticas sociales, pues una
cosa es el relato y otra la realidad. Del dicho al hecho, dicen siem-
pre hay un gran trecho. No tenemos dudas, que el relato por parte
de los representantes del MEF se inscribe en esa “máxima”. Pues
no se compadece con la realidad. De hecho, basta hacer un análisis
comparado entre la última rendición de cuentas correspondiente al
ejercicio 2019 actualizado por inflación, respecto a la asignación pre-
supuestal propuesta para el año 2020 para identificar con absoluta
claridad, que áreas estratégicas como la Salud y la Educación regis-
tran una caída en términos reales, y en cambio, otras como Defensa
e Interior aumentan.
Incluso más allá del relato — deliberado y sutil — se vuelve a
poner el foco principalmente en la política fiscal, en concreto, en
reducir el déficit fiscal vía la contención del gasto y la re-asigna-
ción presupuestal, de manera tal, “…que permita una trayectoria sos-
tenible de la deuda y permita sostener las políticas sociales”. Dicho en
criollo, habrá políticas sociales en tanto, se cumplan las metas fisca-
les. Quizá la pobreza y la informalidad, deban esperar a que el défi-
cit fiscal mejore…
Incluso los escenarios macroeconómicos en que sustentas sus
proyecciones resultan -para varios analistas y consultoras- demasiado
optimistas. En cambio, la ministra y su equipo sostiene son realis-
tas. Resulta al menos curioso, por no decir, irresponsable, que pue-
dan afirmar como realista, estimaciones de crecimiento del Producto
Interno Bruto (PIB) que implican una caída de 3,5% del PIB en 2020,
121
y una potente recuperación de la economía para el año siguiente en el
orden de 4,3%, en un escenario mundial caracterizado por una pande-
mia de la que nadie preveía, y donde aún hoy resulta incierto cuando
se retornará a la “normalidad” por decirlo de alguna forma. Es bru-
tal, crecimiento de la economía para el año 2021, parece estar atado
a una fuerte inversión privada y de las exportaciones, de lo que aún
no aparecen indicios fuertes que suceda, en tanto, la incertidumbre
frente a nuevos brotes no parece resultar del todo claros.
Quizá, y para no abrumar con cifras -además estimadas- es que
se prevé también, un fuerte incremento del consumo interno, para
el año 2021, en el orden de 3,8%. Este dato se apoya en “ilusiones”
que no se compadecen con la orientación de la política salarial que se
ha llevado a cabo adelante por parte del gobierno. Quizá por ello, no
figura en el cuadro de la página 54 de la exposición de motivos, y que
lleva por título “Escenario Macroeconómico Uruguay” entre todas
las variables que se presentan, la de salario real o de las jubilaciones y
pasividades. Resulta especialmente llamativo, que se hable de mejora
en el consumo, y no haya referencia a la trayectoria de los ingresos.
Lo que sabemos a ciencia cierta, es que los lineamientos del Con-
sejo Superior Tripartito de los privados implican rebaja salarial en la
misma magnitud de la caída del producto, que se estima en 3,5%; de
modo similar, muy al pesar de lo que diga la ministra Arbeleche, tam-
bién habrá pérdida en los trabajadores públicos; aunque de acuerdo
a la redacción del artículo 4 propuesto en el Proyecto, existen enor-
mes dudas acerca de su magnitud. No hay garantías por más que lo
repita la ministra, del mantenimiento del poder de compra, porque
entre otras cosas, por cierto, negativas, que advierte el artículo refe-
rido, la novedad teórica para medir el mantenimiento del salario real,
sería un promedio, y en el promedio, se ahogan los enanos. No ser
claros, oscurece. En conclusión, si hay caída en el poder de compra,
pues se configura pérdida, o dicho de otro modo, los salarios nomi-
nales se ajustan por debajo de la inflación, la pregunta que subyace,
122
entonces es, cómo es posible que mejore el consumo, o la capacidad
adquisitiva de los hogares?
Posiblemente, lo que se pretenda y se “mosqueteé” de nuevo,
aunque de forma vidriosa y confusa, a partir de las declaraciones del
Director de la Oficina de Planeamiento y Presupuesto es que la capa-
cidad de compra depende de la reducción de la inflación, o sea, no se
trata que los ingresos se ajusten en función de los precios de modo de
no perder capacidad de compra, sino que dependería de que la infla-
ción finalmente se ubique por debajo de lo esperado. La diferencia
entre asegurar y esperar. Podríamos incluso, referirnos a una even-
tual inconsistencia en las cifras presentadas — más allá de lo realista
o pesimista de las estimaciones — y es que, difícilmente la inflación
registre el nivel de desaceleración que se proyecta (que se ubicaría
en 2024 por debajo de 4% anual) cuando al mismo tiempo, se estima
que el dólar continuará su trayectoria creciente, alcanzando en 2024
casi 53 pesos por dólar.
La capacidad de compra de los ingresos depende de la trayectoria
de la inflación. La inflación — que se mide a través del Índice de Pre-
cios al Consumo (IPC) — depende de muchos factores, entre ellos, la
evolución del dólar. Si el dólar se aprecia, es esperable que la inflación
también lo haga, de modo, que es poco probable que, con esa evolu-
ción de la moneda americana, la inflación se desacelera, sin perjui-
cio, de otros factores, como las tarifas. En principio, resulta dudoso.
Lastima saber, que las jubilaciones y pensiones se ajustan en función
del Índice Medio de Salarios, que dependen en definitiva de los ajus-
tes salariales que se otorguen, que sabemos se ubicaran por debajo
de la inflación, de modo, que las jubilaciones y pensiones perderán
capacidad de compra — salvo reciban ajustes otorgados por el Poder
Ejecutivo sin perjuicio de esto. Duele escuchar al director de Oficina
de Planeamiento y Presupuesto (OPP) decir que aumentaran porque
los ajustes que se otorguen contemplan la inflación pasada, pero al
esperar que la inflación del año en curso se desacelere, aumenten.
123
No hay dudas que esto recién empieza, serán necesarias más
columnas para ir descubriendo los detalles que nos permiten afirmar
que este Presupuesto es de rebaja y de recorte. Que se pone en pugna
definitivamente dos modelos. Que se cuestiona el rol del Estado, y
que se privilegian a los dueños del capital. Entre las tantas cosas que
se recorta, está la Educación. En efecto, un sencilla cuenta que consi-
dere la asignación 2021 en relación a la que recibió en 2019 se regis-
tra una fuerte rebaja de 1,7% en término reales. Es más, si tomamos
el presupuesto asignado para 2024 y la proyección de aumento del
PBI del propio presupuesto, la inversión en Educación, considerando,
Administración Nacional de Educación Pública (Anep), Universidad
Tecnológica del Uruguay (Utec), Universidad de la República (Ude-
laR) pasa del 4,6% actual, al 4,0% al final del quinquenio.
De modo, que asistimos a un proceso de deterioro progresivo de
los logros alcanzados tanto en materia educativa y de salud, como de
políticas sociales; en oposición a la mejora de los números macroe-
conómicos, en particular, la reducción del déficit fiscal. En efecto,
este nuevo Proyecto de Ley –inspirado en el relato de una “herencia
maldita” que han instalado desde que asumieron el gobierno- utiliza
la expresión “ahorro” como eufemismo de “recorte” alentado por lo
mercantil. Por eso, prefiere evitar referirse a los recortes de varias
políticas sociales, o sobre la falta de incremento para la Universidad,
en su lugar, prefieren hablar de “optimización del gasto”.
Al final, el mercado le ganó al Estado, o al menos
estará por verse…
124
La privatización
educativa en Uruguay26
1. INTRODUCCIÓN
125
Latina, no solo los niveles más altos de participación del sector pri-
vado en la matrícula educativa, sino que, en los últimos 30 años, se
evidencian en nuestro continente las tasas de crecimiento más ace-
leradas (BELLEI; ORELLANA, 2014). En ese contexto, Uruguay se
presenta como un país que tiene una tasa de cobertura privada menor
que el promedio latinoamericano, pero muy alta si se amplía la pers-
pectiva comparada al resto del mundo.
En nuestro país, son escasas las reflexiones sobre el fenómeno
de la privatización educativa, aunque podemos destacar algunos tra-
bajos recientes que han hecho importantes contribuciones. En pri-
mer lugar, está el aporte, relativamente pionero, de Cosse (2001)
en el cual analiza los fundamentos conceptuales del sistema de vou-
chers27 y de otras formas de “subsidio a la demanda”. El estudio con-
cluye que no hay, desde el punto de vista conceptual ni empírico, una
justificación clara a su implementación en nuestro país. Más acá en
el tiempo, Bordoli y Conde (2016) muestran que, desde una géne-
sis modernizadora en la que el valor de lo público era central, asisti-
mos a un creciente impulso privatizador con el advenimiento de las
modalidades de liceos públicos de gestión privada como el Impulso
y el Jubilar. En segundo lugar, Verger et al. (2017) realizan un aná-
lisis comparativo para toda América Latina sobre la evolución de la
educación privada y sus fundamentos, del cual obtienen como resul-
tado una tipología en la que caracterizan a Uruguay como un país
de “privatización latente”. Por último, Bordoli et al. (2017) realizan
un detallado análisis sobre la normativa detrás de los impulsos pri-
vatizadores, así como los distintos actores sociales que disputan los
sentidos de la educación, tanto en pró de la privatización educativa
como en defensa de lo público.
126
El presente trabajo se estructura en tres partes y pone el foco
en lo que se puede considerar dos mecanismos de privatización. Pri-
mero, se realiza un breve desarrollo conceptual sobre el fenómeno
de la privatización educativa. Después, se describen las principales
características actuales del sistema educativo uruguayo, a efectos de
analizar la incidencia del sector privado en este. Por último, el tra-
bajo se centra en el estudio de las donaciones especiales en el sistema
educativo uruguayo y en las inversiones vía participación público pri-
vada (PPP), tanto para inferir sus efectos actuales, como para conje-
turar su incidencia futura.
Quienes elaboramos el presente trabajo tenemos la plena convic-
ción de que bregar por una sociedad que tenga como foco el floreci-
miento humano en todos sus términos implica defender y transformar
la educación pública y gratuita para todas y todos. La discusión sobre
la privatización está muy ligada a la cuestión sobre cuáles son las con-
diciones que permiten la realización plena del Derecho Humano a
la Educación. La privatización de la educación está indudablemente
enraizada en dar un acceso privilegiado a la élite al acervo cultural y
cognitivo de la humanidad, pues se segmenta dicho acervo según la
capacidad de pago y la riqueza relativa de hogares, regiones o países.
Asistimos a una época en la que el capital ha colonizado las distintas
esferas de la vida y, en ese contexto, la privatización de la educación
nos inhibe a la hora de configurar y proponer horizontes igualitarios
y más democráticos (CLADE, 2012). Por tanto, pensamos la investi-
gación como una trinchera más en defensa de lo público y contra las
diversas formas de mercantilización que azotan a los bienes comunes.
127
Harvey (2014), desde un abordaje crítico, muestra que los esta-
dos capitalistas, desde su creación hasta la actualidad, se enfrentan a
una gran contradicción “entre asegurar la reproducción social de la
mano de obra y las necesidades para reproducir el capital”. Es decir,
existe una contradicción entre la necesidad del capital de contar con
mano de obra mejor calificada para obtener mayores ganancias, al
captar lo que los economistas ortodoxos llaman externalidades28
y garantizar mejoras universales para la sociedad, logrando mejo-
res condiciones para la negociación salarial y condiciones de tra-
bajo, entre otras.
Bajo esta contradicción, Harvey identifica, grosso modo, dos
períodos sobre la concepción del Estado capitalista en la educación.
Uno que va desde fines del siglo XIX hasta los años 80, en el cual el
Estado se dedicó a dos tareas: proveer y garantizar la educación para
la clase trabajadora. En ese período, es posible identificar propues-
tas privatizadoras como la de Friedman (1955), que implicaba una
reconversión radical de los sistemas escolares para hacerlos operar
en un marco competitivo. No obstante, las reformas educativas que
han ido generando hibridaciones en las que lo público y lo privado
interactúan y por momentos se mimetizan, son más recientes (VER-
GER; BONAL, 2012). De hecho, más allá de esa propuesta “pionera”
de Friedman, la lógica privada y la privatización educativa se desar-
rolló con fuerza junto al advenimiento de la “nueva derecha” durante
la década de 1980, representada por los gobiernos de Thatcher y Rea-
gan, dando lugar al segundo período identificado por Harvey.
Durante el gobierno de Thatcher, un seminario pionero en 1983
realizado en la Universidad Complutense de Madrid recoge los pri-
meros análisis sobre el fenómeno de la privatización educativa en
Europa y Estados Unidos. Si se leen las ponencias recogidas en el
128
libro “Marxismo y Sociología de la Educación”, puede verse con cla-
ridad que en épocas de “Estado de Bienestar”, mientras los social-
demócratas defendían (y expandían) la educación pública, desde el
marxismo más radical se la criticaba como “reproductora del sistema”;
sin embargo, una vez comienza a crecer el fenómeno de la privati-
zación educativa, se empieza a repensar la defensa de la educación
pública, incluso desde quienes tenían posturas antisistémicas (FER-
NÁNDEZ ENGUITA, 1985).
Asimismo, vale decir que el experimento neoliberal -también
en política educativa- tuvo como pionero a Chile (HARVEY, 2005).
De hecho, el sistema educativo chileno adoptó el sistema de voucher
escolar en 1981, en conjunto con la promoción de la elección de las
escuelas por parte de las familias (VERGER; BONAL; ZASCANJO,
2016). A partir de entonces y hasta la actualidad, la educación pudo
convertirse paulatinamente en un gran negocio. En esta era, el capi-
tal ya no solo ve a la educación como una condición para su repro-
ducción, sino que lo ve como parte del negocio del capital. Esto logró
avanzar debido a un cambio en el rol del Estado y la instalación de la
idea del capital humano (HARVEY, 2014).
El Estado de la era neoliberal sólo debe garantizar el acceso, pero
no proveerlo. Como plantea Stiglitz (2000), el Estado es muy inefi-
ciente produciendo y, por lo tanto, también lo es al producir el ser-
vicio educativo. Esto fomenta un importante avance de la educación
privada, financiada ahora no solo por los hogares más ricos asocia-
dos, sino también vía financiación del Estado, con lo que alcanza a
más trabajadores y trabajadoras de ingresos medios y medios bajos.
Por otro lado, la teoría del capital humano caló hondo en la
demanda de educación, así que generó el consenso de que esta es una
inversión y, por tanto, los hogares deben invertir en educación para
conseguir mayores ingresos futuros. Según está lógica, aquellos que
no logran salarios altos no han invertido lo suficiente en educación.
Se crea así una disputa de sentido alrededor de la “calidad educativa”,
en la cual los logros pasan a ser mensurables, con expectativas de
129
aprendizajes y pruebas estandarizadas en una concepción de escuela
como “fábrica de producción en serie” y de estudiante como “pro-
ducto” (CLADE, 2012). Esta concepción logró traspasar la discusión
desde una mirada social sistémica a una individual. La proliferación
de esta teoría, sumada al cambio en el rol del Estado, según el cual
se fomenta el servicio privado como sinónimo de lo mejor y más
eficiente, se suma el fomento y el acceso al crédito por parte de los
hogares. Estos hechos han generado enormes problemas de endeu-
damientos de los hogares y mayores desigualdades sociales que el
sistema anterior.
Verger et al. (2017), siguiendo la definición ampliamente uti-
lizada de Ball y Youdell (2008), desglosan la privatización educativa
en dos procesos diferentes, aunque generalmente complementarios.
Por un lado, definen como “privatización exógena” o “privatización
de la educación”, cuando el sector privado pasa a proveer los servi-
cios educativos, a través de la gestión de las instituciones escolares
e incluso mediante el diseño de aspectos curriculares y pedagógicos.
Aquí, la lógica del lucro se da por descontada en el entendido de que
estamos ante una empresa capitalista que provee la educación como
una mercancía más. Por otro lado, denominan “privatización endó-
gena” o “privatización en la educación” al proceso que implica que
el sector público siga siendo el prestador pero que adopte técnicas y
prácticas del sector privado (por ejemplo, la búsqueda de eficiencia,
elaboración de rankings, pagos por productividad, etc.).
Los mismos autores antes citados ubican dentro de la primera
modalidad de privatización a las distintas formas que permiten el
lucro de agentes privados en la educación, la contratación externa de
servicios periféricos o de las escuelas como un todo, así como tam-
bién a los diferentes esquemas de alianzas público-privadas en edu-
cación. En cuanto a la privatización endógena, ponen el acento en
las reformas que promueven la competencia entre escuelas, lo que
se entiende como “autonomía escolar”, los incentivos financieros o
130
salariales por productividad o desempeño y otras formas del “nuevo
gerenciamiento” aplicadas a la educación (BALL; YOUDELL, 2008).
Por la vía de los hechos, estas distinciones tienen un poco de
arbitrariedad y muchas veces no permiten captar a cabalidad la natu-
raleza del fenómeno privatizador, que es siempre más compleja. A
modo de ejemplo, vale pensar un caso de privatización exógena como
las escuelas charters, que puede perfectamente combinarse con refor-
mas educativas del sistema público que permita la autonomía en la
gestión de los recursos a nivel de los centros (privatización endógena).
A su vez, también pueden fomentarse los vouchers que fomentan la
elección de escuelas por parte de padres y madres. La interacción,
hibridación y complementariedad de estos procesos sugieren que la
distinción, si bien es útil analíticamente, debe tomarse con cautela.
Asimismo, otro elemento central en la discusión sobre privati-
zación educativa consiste en no vincular este fenómeno únicamente
con empresas con fines de lucro sino también con lo que se conoce
como “tercer sector29” y las instituciones religiosas. Estas últimas,
junto con las empresas, constituyen todo un polo de “privatización de
la política educativa”, en el cual se disputa el modelo educativo como
un todo y se vehiculiza muchas veces en forma de “alianza público
-privada” (CLADE, 2012; BORDOLI et al., 2017).
En cuanto a los efectos negativos de la privatización educativa,
podríamos al menos citar los siguientes: a. se promueve una visión
instrumental y economicista de la educación; b. se profundizan la
desigualdad y la segregación educativa; c. se exacerba la desvaloriza-
ción al cuerpo docente.
131
a. Visión instrumental y economicista
132
— precarización de su trabajo, menor reconocimiento simbólico a
nivel social. Siendo agentes centrales en la construcción de conoci-
miento y en la práctica política que implica la educación, han sido sis-
temáticamente objeto de crítica por las reformas neoliberales.
133
por el sector privado vía gasto de los hogares y las donaciones que
realizan las empresas privadas a instituciones educativas privadas.
Por otro lado, están los recursos que el sector público le tras-
pasa al sector privado. En el estudio citado, se estima que el primer
tipo representa el 25 % del gasto total en educación y lo que el público
traspasa al sector privado ronda el 8 % del gasto total.
En los últimos 10 años, el peso del sector privado en relación con
el público ha disminuido levemente, a pesar de que ha crecido en rela-
ción con el PBI, esto es debido a que el gasto en educación pública ha
aumentado en mayor medida, sobre todo hasta 2009. Esto hace que
el peso del sector privado se mantenga en el entorno del 25 % desde
ese año. Es importante destacar del informe citado que el gasto pri-
vado en educación en Uruguay alcanza el 1,6 % del PBI en 2012, lo
cual posiciona a nuestro país dentro de los que presentan el mayor
gasto privado junto con Argentina y México, asimismo, estos valores
son muy elevados en relación con los países que integran la OCDE.
Hay que tener en cuenta que el gasto privado es el que realizan los
hogares a la hora de comprar servicios educativos en el mercado, por
tanto, esto no es un buen indicador del nivel de mercantilización, ya
que no contempla los subsidios del Estado — gasto público que va
al sector privado —, pero sí da cuenta de la valoración social hacia
la educación privada, sobre todo de los hogares que pueden pagarla.
El gasto de los hogares financiando la educación privada ha
aumentado en los últimos 15 años, esto se debe a que aumenta la
matrícula y también al efecto precio30, es decir, hay más personas
que compran la educación en el mercado y lo hacen a un mayor pre-
cio. Esto obedece a un efecto del ciclo de la economía, pero, como
se mostrará más adelante, el potencial de crecimiento está limitado
30 Si se toma el valor del IPC en educación -en la que tiene una gran impor-
tancia el pago de cuotas de colegios privados- puede verse que desde el 2010 en
adelante, el IPC de educación creció muy por encima del IPC general.
134
en términos generales, aunque con matices según el nivel educativo
y área geográfica.
Por otro lado, en los últimos años ha aumentado el peso del
financiamiento público con destino al sector privado, por tanto, es
posible esperar que esto se incremente en el mediano plazo de manera
sustantiva. La implementación de la modalidad de los Contratos de
Participación Público Privada, que estarán en marcha luego del 2020,
más el impulso que ha tomado la modalidad de centros educativos
de gestión privada, harán elevar el peso que antes tenía la captación
de recursos públicos por parte de los privados.
La valoración que suele hacerse para pensar que el sector pri-
vado o las lógicas de mercado son mejor que el sistema público se
asienta en la idea que las lógicas de mercado hacen más eficiente y,
por tanto, mejor al sector privado, pues logra un mejor y más efi-
ciente resultado social. Es así como, al mirar los resultados de las pru-
ebas estandarizadas, se suelen hacer apreciaciones apresuradas que
alimentan la idea que la educación privada es mejor y más eficiente
que la pública. Sin embargo, es fácil mostrar que esta idea no está
asentada en buenos diagnósticos empíricos.
Una forma de ver la falacia que esconde la idea que lo privado es
mejor es estimar algunos recursos y comparar el sistema público con
el privado. Con base en la Encuesta Continua de Hogares de 2015, se
estimó la cantidad de trabajadoras y trabajadores según nivel y tipo
de tarea que realizan, agrupada en tareas de docencia directa, tareas
de apoyo a la enseñanza y tareas de gestión y servicios.
135
Privado 6 14 14
Primaria y
preescolar
Público 16 564 55
Privado 6 34 18
Media
Público 13 325 44
Privado 8 - 12
Terciaria
Público 12 - 20
Fuente: elaboración propia a partir de la ECH 2015, anuario estadístico del MEC
y observatorio estadístico de la Anep.
136
educación pública. Mientras que en primaria privada hay 14 estu-
diantes por persona encargada; en la pública, la relación es de 55 a
1. Si se observa el nivel de educación media, la ratio arroja 18 estu-
diantes por cargo de apoyo, para el caso de educación privada, y 44
estudiantes por persona encargada para el caso de educación media
pública. Por último, en terciaria la relación es de 12 a 1 para el caso
de la privada y de 20 a 1 para el caso de pública.
Estos indicadores dan cuenta de las condiciones de trabajo y de
aprendizaje en el sistema público y privado. Es claro que el sector
privado cuenta con enormes ventajas en relación con el público con
respecto a la dedicación docente por estudiante y todas las tareas de
apoyo al aprendizaje. No obstante, es importante notar que, cuando
se analizan detenidamente las pruebas estandarizadas, tanto en pri-
maria como en media, los resultados suelen arrojar que el alumnado
de las instituciones públicas tiene igual e incluso mejores rendimien-
tos que el de los privados, cuando se comparan estudiantes de simi-
lar nivel socioeconómico, siendo esto último uno de los principales
causantes del resultado educativo.
Por tanto, la idea de que lo privado es mejor y más eficiente no
parece estar asentada en indicadores racionales, sino en ideas que
no se contrastan con la realidad. No es cierto que generan mejores
resultados cuando se toma en cuenta el hogar de origen del estu-
diante y, además, gastan muchos más recursos que el sector público.
Esto genera un problema social de fondo, ya que el sistema educa-
tivo, como un todo, está gastando más recursos en aquellas perso-
nas que menos lo precisan y profundizando las desigualdades sociales
como consecuencia.
137
lugar, la matrícula total se incrementa, pasa de 753.677, en 1992, a
959.824, en 2016. En segundo lugar, la gran mayoría del alumnado
concurre a centros de educación pública. En tercer lugar, hubo un
incremento en la proporción de personas que asisten a centros educa-
tivos públicos durante la década de crecimiento económico de 1990,
el cual alcanza su máximo entre 2001 y 2004, como consecuencia de
la crisis económica de 2002. Esto se debe a dos efectos, por un lado,
hay una emigración del sector privado al público por el contexto de
recesión económica. Por otro lado, como muestran Bucheli y Cabella
(2010), hay un efecto sustitución educación por trabajo: debido a que
muchos y muchas jóvenes no encuentran trabajo, como consecuen-
cia de la crisis, retornan al sistema educativo y, en particular, a cen-
tros educativos públicos.
Luego de la salida de la crisis en el 2003, a medida que se fueron
recuperando los salarios reales y mejorando la demanda de empleo,
la matrícula privada gana terreno y retoma los niveles previos a la
crisis. No obstante, en los últimos años la situación no es homogé-
nea y varía para cada nivel educativo.
138
Al analizar la enseñanza primaria (ver Cuadro 3), se pueden des-
tacar dos situaciones: por un lado, la matrícula privada gana terreno,
pasa de ser el 15,5 %, en 1992, a representar el 18,2 %, en 2016. Ade-
más, luego de 2004, el crecimiento de la matrícula privada se da tanto
en términos relativos como en términos absolutos y lo opuesto ocurre
con la matrícula pública. Por otro lado, en el anexo, puede verse el
desagregado por departamentos, mediante el cual, al hacer esa aper-
tura, se constata que desde el 2004 a la actualidad es en Montevideo
donde más crece la matrícula privada — llegando al 30 %. En el resto
del país, ocurre algo similar, pero a tasas menores, con la excepción
del departamento de Rocha. Hay que tener en cuenta que, a partir de
ese año, la cantidad de niñas y niños que asisten a la enseñanza pri-
maria disminuye, evidencia que también se puede ver en todos los
departamentos. Esto obedece a dos fenómenos: en primer lugar, se
reduce el tamaño de las cohortes, por lo que ingresan menos perso-
nas al sistema. En segundo lugar, cae el porcentaje de “no promovi-
dos” por lo que la matrícula en el sistema también decrece.31
139
% primaria 84,5% 84,4% 85,0% 87,4% 87,2% 85,8% 84,0% 82,8% 81,8%
pública
% primaria 15,5% 15,6% 15,0% 12,6% 12,8% 14,2% 16,0% 17,2% 18,2%
privada
140
Cuadro 4 – matrícula pública y privada en la enseñanza media en uruguay
entre 1992-2016
Total
enseñanza 263.066 263.616 273.652 314.521 339.150 323.344 334.889 338.579 348.024
media
%
enseñanza 86,1% 86,6% 87,2% 88,8% 89,6% 88,5% 87,5% 87,1% 87,8%
media
pública
%
enseñanza 13,9% 13,4% 12,8% 11,2% 10,4% 11,5% 12,5% 12,9% 12,2%
media
privada
Fuente: elaboración propia a partir de la información de los Anuarios
Estadísticos del MEC.
141
pero, cabe resaltar, que en los últimos tres años esta tendencia se ha
venido revirtiendo.
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Total media 157.446 163.772 165.272 162.048 156.735 155.750 155.635 155.510 154.166 156.597
básica pública
Total media 21.460 24.117 25.396 25.371 25.440 25.694 26.452 26.726 26.416 25.722
básica privada
Total media 178.906 187.889 190.668 187.419 182.175 181.444 182.087 182.236 180.582 182.319
básica
% Total media 88,0% 87,2% 86,7% 86,5% 86,0% 85,8% 85,5% 85,3% 85,4% 85,9%
básica pública
% Total media 12,0% 12,8% 13,3% 13,5% 14,0% 14,2% 14,5% 14,7% 14,6% 14,1%
básica privada
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Total
media
128.697 126.195 130.176 131.045 132.542 136.450 139.260 139.657 143.095 148.931
superior
pública
142
Total
media
15.741 16.001 16.345 16.425 16.942 17.232 17.232 17.378 17.176 16.774
superior
privada
Total
media 144.438 142.196 146.521 147.470 149.484 153.682 156.492 157.035 160.271 165.705
superior
% media
superior 89,1% 88,7% 88,8% 88,9% 88,7% 88,8% 89,0% 88,9% 89,3% 89,9%
pública
% Media
superior 10,9% 11,3% 11,2% 11,1% 11,3% 11,2% 11,0% 11,1% 10,7% 10,1%
privada
143
hogares puedan verse imposibilitados de enviar a sus hijos a la edu-
cación privada, cosa que ha generado estancamiento en la matrícula
privada. A su vez, ante un peor escenario de caída del salario real,
existirá un retorno al sector público como ha sucedido en los ciclos
a la baja del pasado.
Estos efectos podrían determinar un avance en la mercantili-
zación educativa, tanto por el lado de la oferta como por el lado de
la demanda. Por un lado, si este aumento de matrícula no es acom-
pañado por el aumento presupuestal a la educación pública, seguirá
deteriorando la calidad de esta y contribuirá con la amplificación del
discurso privatizador. De hecho, el impulso privatizador tiene, entre
sus grandes excusas, la “saturación” de la educación pública.
Por otro lado, es importante notar que la educación privada,
además del rol que ha cumplido en el plano simbólico e ideológico,
constituye también, en más de una ocasión, un negocio en el que
las instituciones privadas se rigen por la búsqueda de ganancia. Este
hecho no es menor, porque pone una cota a la expansión del sector
privado en la educación, debido a que la población que puede acce-
der pagando está limitada por su nivel adquisitivo. En este escena-
rio, resulta comprensible que proliferen exoneraciones fiscales, así
como diversos mecanismos de subsidio a la demanda para fomentar
la educación privada, ya que los hogares que podrían incrementar
la matrícula no pueden pagar por sí solos. Este razonamiento puede
matizarse para la mayoría de los departamentos del interior del país,
donde la matrícula privada es baja y es posible pensar que puede cre-
cer financiado por gasto de los hogares, en caso de que el discurso de
que lo privado es mejor avance en la población.
144
evolución de la oferta de educación media, al tomar algunos interva-
los temporales. En el Cuadro 7, se observa que en la actualidad exis-
ten 14 liceos -7 % de la oferta total- que datan de antes de 1940 y se
concentran casi exclusivamente en Montevideo.
Entre 1940 y
35 20 17,07% 9,76% 26,83%
1970
Entre 1970 y
17 8 8,29% 3,90% 12,20%
1990
Entre 1990 y
24 21 11,71% 10,24% 21,95%
2002
Entre 2002 y
17 28 8,29% 13,66% 21,95%
2014
145
A su vez, como muestran Brum y Silva (2013), durante la dictadura,
la matrícula en enseñanza media baja tanto en el sistema público
como en el privado. Esto se corresponde con el comportamiento en
la oferta que, si bien crece, lo hace a un bajo ritmo. Las instituciones
creadas en esa época representan un 12 % en la actualidad.
Los dos periodos siguientes son momentos de crecimiento eco-
nómico marcados por la crisis del año 2002, durante la que se da un
gran crecimiento de la oferta privada: más de la mitad de la oferta
existente (54 %) es creada en los últimos 24 años34. Cabe resaltar dos
matices que hay entre dos períodos que se distinguen en el cuadro.
Por un lado, en los últimos 12 años creció un poco más que los 12
primeros años. A su vez, hubo un mayor crecimiento de la oferta
en el interior que en Montevideo, cosa que no ocurre en los otros
períodos analizados.
34 Hay que tener en cuenta que las tramitaciones en curso son liceos que están
funcionando y comenzaron la habilitación recientemente.
35 El caso que se resalta es el Instituto Crandon, en Montevideo, así como el
Salto, ambos están en asociados a esta cámara y no en Audec.
146
católicos. Este hecho está marcado por la impronta que la educación
privada ha tenido en la historia de nuestro país.
Tomando el dato de liceos habilitados que se presentó en el
Cuadro 3, se puede cruzar la información con el listado de afiliados
a ambas cámaras. En lo que refiere a educación media, se observa
que el 58 % de las instituciones privadas están afiliadas a alguna de
las cámaras y ninguna está afiliada a las dos; el 20 % está afiliada a
Aidep y el 38 % a Audec. A su vez, las instituciones afiliadas suelen
ser las más antiguas. De hecho, si se toman las creadas antes de 1970,
el 90 % están afiliadas a algunas de las dos cámaras. Sin embargo, si
se hace el corte inverso, y se consideran las creadas luego de 1970, el
porcentaje de afiliadas cae al 47 %.
Por otro lado, como muestra el trabajo de Bordoli et al. (2017),
ambas cámaras tienen posturas e inciden en la construcción del sen-
tido común sobre la educación y sobre el rol del Estado en esta. De
hecho, son impulsoras de nuevas herramientas que fomentan un
Estado como garante, pero no como proveedor, lo cual incentiva
tanto la demanda como la oferta. Esto lo hacen amparadas en la idea
de que la educación pública es ineficiente y la privada no, junto con
la teoría del capital humano.
Hasta el momento, el gran avance del sector privado en dispu-
tar recursos del Estado se ha dado por el lado tributario. Un primer
mecanismo que viene de la secularización del Estado tuvo su primer
mojón con la Constitución de 1934, bajo la dictadura de Terra. En esta
primera etapa, la Constitución prevé la exoneración de impuestos a
las instituciones privadas que brindan servicios gratuitos a la comu-
nidad. Pero fue con la reforma constitucional del 1942 que tuvo una
nueva embestida, pues el artículo 60 exonera de impuestos a las insti-
tuciones privadas, tanto nacionales como municipales36, sin ninguna
147
exigencia. Dicho artículo se transformó en el artículo 69 de la Cons-
titución vigente. Este mecanismo financia tanto a la oferta educativa
por el no pago de tributos patronales -seguridad social, contribucio-
nes a nivel municipal e impuestos- como a la demanda, al exonerar
del pago del IVA. Como se dice anteriormente, en la década en que
estas instituciones consiguen esta financiación es cuando se forma-
lizó la primera cámara empresarial del sector privado.
El otro mecanismo tributario que financia a la oferta se da bajo
la Ley n. 18.083 — Ley de mecenazgo —, según la cual un centro de
gestión privada brinda un servicio educativo gratuito, siendo el mayor
financista el Estado vía exoneraciones tributarias. Este mecanismo
es analizado al detalle en el siguiente apartado. Por otro lado, ante
el discurso de la necesidad de mejorar el servicio público en relación
con la infraestructura, se avanzó en la construcción de centros edu-
cativos mediante Contratos de Participación Público Privado, en los
cuales se mercantiliza no solo la construcción del centro educativo,
sino también el funcionamiento y el espacio público. Este mecanismo
es analizado en profundidad en el apartado 5.
A modo de cierre, creemos que existe una nueva oleada de pri-
vatización con nuevas herramientas que avanza sobre los recursos
del Estado y potencia la privatización de tipo exógena — y también
la endógena. Esto es un proceso de larga data en nuestro país y, por
lo tanto, nos animamos a clasificarlo de “privatización por etapas”.
En este sentido, es de suma importancia analizar en profundidad las
dos herramientas de privatización exógena llevadas adelante en los
últimos años, que ya están teniendo importantes impactos en el sis-
tema educativo uruguayo.
4. La ley de mecenazgo
148
fiscales y subvenciones al sector privado que realiza donaciones a ins-
tituciones declaradas de interés, dentro de las que se encuentran las
instituciones educativas privadas. También se analiza una modifica-
ción realizada en 2013 a esta Ley, que incentiva la formación de ins-
tituciones privadas y escuelas charter (mediante la ampliación de los
beneficios fiscales) en territorios de alta vulnerabilidad social, como
respuesta del Estado a la “crisis educativa”.
Como fue señalado en el apartado anterior, históricamente las
instituciones de enseñanza privada cuentan con exoneraciones impo-
sitivas. El artículo 69 de la constitución vigente establece que “las ins-
tituciones de enseñanza privada y las culturales de la misma naturaleza
estarán exoneradas de impuestos nacionales y municipales, como sub-
vención por sus servicios”. Avanzando en esta dirección, la Ley 16.226
de 1991 especificó las exoneraciones de dichas instituciones: apor-
tes patronales a la seguridad social; impuesto de primaria; impuesto
a las rentas de las actividades económicas (Irae); impuesto al patri-
monio; contribución inmobiliaria; tributos municipales; adquisición
de automotores; importación de material educativo.
A partir de la Ley 18.083 de 2007 (Ley de la Reforma Tribu-
taria), nace otro mecanismo de exoneración impositiva destinado a
instituciones de enseñanza privada. Los artículos 78 y 79 modifican
una vieja ley conocida como “Ley de Mecenazgo”, lo cual permite que
empresas privadas hagan donaciones a instituciones de educación —
tanto públicas como privadas — a cambio de exoneraciones fiscales.
Según los artículos referidos, sobre el monto donado, el Estado exo-
nera de impuestos a las empresas donantes en un 75 % por concepto
de impuesto a la renta de la actividad económica — Irae — e impuesto
al patrimonio. El 25 % restante las empresas pueden calificarlo como
gasto de la empresa y así aumentar la exoneración impositiva.
Esto significa que, de cada $100 donados, el Estado renuncia a
cobrar del Irae y el Impuesto al Patrimonio en $75. Los $25 restantes
pueden ser tomados como gastos de la empresa, lo que deja la posibi-
lidad a deducir $6,25 (que correspondería pagar por IRAE) y puede
149
deducirse del impuesto a la renta de las personas físicas categoría 1
(rentas del capital) otros $1,75, con lo que se da una renuncia fiscal
total de $83. En suma, del total donado, el Estado les devuelve a las
empresas el 83% del monto.
En la Rendición de Cuentas de 2013, el artículo 358 modificó la
lista de organizaciones pasibles de recibir donaciones. Allí se incor-
poró una lista que incluía “Instituciones privadas cuyo objeto sea la
educación primaria, secundaria, técnico-profesional, debidamente
habilitadas, y que atiendan efectivamente a las poblaciones más caren-
ciadas, así como para financiar infraestructura educativa de las insti-
tuciones que, con el mismo objeto, previo a solicitar su habilitación,
presenten su proyecto educativo a consideración del Ministerio de
Educación y Cultura”. Antes de esta modificación, las donaciones
sólo podían ser de útiles, vestimenta, construcciones y reparaciones
en este tipo de establecimientos.
Además, se modificó el monto máximo que las empresas podrían
donar para descontar impuestos. Según la normativa, las empresas no
pueden donar más que el 5% de la renta fiscal neta del ejercicio ante-
rior, a excepción de las donaciones destinadas a instituciones privadas
cuyo objeto sea la educación primaria, secundaria, técnico-profesio-
nal y que atiendan a poblaciones más carenciadas; y las donaciones
destinadas a instituciones que atienden la primera infancia y la ado-
lescencia. En estos casos, el máximo a donar es del 10% de la renta
fiscal neta, siempre y cuando las donaciones sean mayores o iguales
a las del año anterior.
Así, estas modificaciones permitieron consolidar e incrementar
esta nueva oferta educativa y fortalecer en varios ámbitos de discu-
sión (y en los hechos, en el mismo Estado), la idea de que la solución
a la “crisis educativa” en los contextos más vulnerables, vendría de
la mano de instituciones educativas privadas gratuitas. Estas institu-
ciones, a su vez, deben tener un fuerte vínculo con el mundo empre-
sarial (con el argumento de que prepararía mejor a las y los jóvenes
para el mundo del trabajo). Esto generó un cambio en el destino de
150
las donaciones. Mientras que, en 2010, casi la totalidad de lo donado
— 98,43% — fue a la Administración Nacional de Educación Pública
(Anep), en 2017 el grueso de las donaciones — 3,96% — fue para cen-
tros educativos de gestión privada (ver Cuadro 11).
Liceo Jubilar 1,57% 13,86% 26,28% 22,33% 12,27% 12,66% 14,02% 9,66%
Fundación 0,00% 26,74% 57,23% 67,03% 60,82% 54,01% 50,09% 55,14%
Impulso
Anima-Tec 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 2,96% 6,91% 6,95%
151
Este financiamiento está atado a la cantidad de alumnos, así como a
su rendimiento académico. Su atractivo está en tener independen-
cia de la administración pública educativa central o de los distritos
escolares, lo que les permite generar diversas metodologías pedagó-
gicas; implementar esquemas de incentivos a su plantilla de profeso-
res; así como contratar y despedir profesores con mayor facilidad, lo
que incrementa la inestabilidad y la precariedad laboral.
Para el caso de Uruguay, no es posible hablar de escuelas “charter”
tal cual se hace en el resto del mundo. Esto se debe a que los centros
educativos que más se acercan a esta dinámica son privados. Igual-
mente, pueden generarse comparaciones, dado que estos centros pri-
vados reciben recursos estatales de manera indirecta a través de la
renuncia tributaria generada por las donaciones que los financian.
Las empresas donantes pertenecen a los más diversos rubros,
destacándose las donaciones que realizan los bancos. A modo de ejem-
plo, tomando los datos publicados de las rendiciones de cuentas del
2017, se puede ver que las dos empresas que más han donado a ins-
tituciones educativas han sido, en primer lugar, el Banco Santander,
que en 2017 donó poco más que $42 millones de pesos a institucio-
nes privadas y a Facultades y Fundaciones de la Universidad de la
República. En segundo lugar, se ubica el Banco Itaú37 que en 2017
donó poco más de $14 millones de pesos.
Además, según los datos de las rendiciones de cuentas, se puede
observar que la mayoría de las donaciones estaban dirigidas a institu-
ciones ya existentes, con un fuerte sesgo hacia el nivel terciario (uni-
versidades privadas, fundaciones de facultades de la Universidad de
la República, facultades de la Universidad de la República y sus ofi-
cinas centrales). No obstante, luego de las modificaciones a esta Ley
en 2013, se crearon tres escuelas de primaria, cuatro de secundaria y
una de técnica que empezaron a acaparar las donaciones.
152
Por otro lado, las donaciones hacia instituciones educativas de
gestión privada generan una mayor desigualdad respecto a los cen-
tros educativos públicos, ya que cuentan con mayor disponibilidad de
recursos. En este sentido, si se toma como ejemplo al Liceo Jubilar -un
centro educativo de gestión privada cuya fuente de financiamiento
está asociada a las donaciones-, y se analiza el gasto por estudiante,
se puede ver mejor este fenómeno (ver gráfico 1). En 2017, el gasto
corriente anual por estudiante (excluyendo las inversiones) en el
CES fue de $65.877, mientras que en el Liceo Jubilar fue de $181.939.
153
Consejo de Educación Secundaria de la Anep, el Liceo Jubilar contaba
con $1,97. Conforme pasan los años, esta diferencia se va haciendo
cada vez más grande y, en 2017, por cada peso que tiene el sistema
público, el Liceo Jubilar cuenta con $2,76.
A su vez, es importante resaltar que el Estado termina haciendo
un gran esfuerzo económico en este tipo de instituciones. Una vez
más, tomando como ejemplo al Liceo Jubilar, se ve que las donacio-
nes recibidas por esta institución en 2017 ascienden a $12.003.922.
No obstante, solo $2.040.667 fueron efectivamente aportados por
las empresas y el resto fue asumido por el Estado vía exonera-
ción impositiva.
Por otro lado, resulta interesante comparar el gasto por estu-
diante del CES con el gasto tributario (es decir, lo que el Estado delibe-
radamente deja de recaudar de impuestos) por estudiante en función
de las donaciones recibidas por el Liceo Jubilar (ver Gráfico 2).
En este sentido, si se mira el gasto tributario por estudiante,
$49.816 fueron devueltos por el Estado a las empresas aportantes. Al
tomar al gasto tributario como una de las formas del gasto público
estatal, se puede ver cómo el Estado gasta en educación privada. Ade-
más, si se toma en relación con la cantidad de estudiantes a quienes
está destinado este gasto, es posible ver qué sistema recibe más recur-
sos en proporción a la cantidad de población que atiende. Hasta el
año 2017, el gasto tributario por alumno en el Liceo Jubilar fue supe-
rior al gasto corriente por alumno en el CES. El resultado fuera de
la tendencia del último año puede ser debido a que el Liceo Jubilar
fue la única institución de educación privada de enseñanza secun-
daria que recibió menos donaciones en 2017 en comparación al año
anterior (tomado en pesos corrientes), lo cual dejó menor espacio
para generar gasto tributario. Esto tiene que ver con la creación de
otras entidades de educación media que disputan las donaciones con
el Liceo Jubilar (Bachillerato Tecnológico Ánima, Liceo Providen-
cia, etc.), y el aumento de las donaciones a otras entidades como la
Fundación Impulso que pasó de acaparar el 50 % de las donaciones a
154
instituciones de la enseñanza primaria, secundaria y técnica en 2016,
a recibir el 55% en 2017.
155
Gráfico 3 – comparación gasto por estudiante en pesos corrientes entre el
consejo de educación secundaria de la anep y el gasto del estado por
matriculado en el impulso
156
socioeconómica (en los que existen mayores tasas de deserción edu-
cativa), solo captan los estudiantes que tendrían menos posibilida-
des de desertar en cualquier sistema educativo.
Durante el 2016, se aprobó en la rendición de cuentas una pro-
puesta de modificación a la Ley 18.083, lo cual redujo las posibilidades
de exoneraciones de impuestos al 50 % en las donaciones especiales
a las universidades privadas. Esto generó un descenso, en el último
año, en las donaciones recibidas por estas instituciones.
157
destinadas a las universidades privadas en relación con el total del
sistema educativo cae. Esto, además de explicarse por el fenómeno
mencionado anteriormente con respecto al último año, tiene que ver
con la emergencia de nuevos centros educativos pasibles de recibir
donaciones, como los liceos privados gratuitos.
Como consecuencia de la modificación en la normativa, todas
las Universidades privadas recibieron menos donaciones en el año
2017, en relación con el 2016:
158
Gráfico 5 – donaciones recibidas por universidades privadas entre 2010 y
2017, en pesos corrientes
159
dependencia tecnológica una vez egresada la persona. A la vez, con-
diciona la puesta en práctica de cursos o proyectos al aporte privado
de insumos o recursos.
160
en la década de 1980 y era poco atractivo para el capital con la priva-
tización pura y dura. Con estas herramientas, se encontró una forma
de avance del capital sobre los servicios públicos, pero con captación
de recursos del Estado. En la actualidad, esta herramienta es priori-
dad en las agendas de organismos internacionales — como el Banco
Mundial, la OCDE y el FMI — que exigen a los países miembros que
la impulsen, con lo que se configura así una nueva forma del avance
privatizador (HALL, 2015), (Internacional de la Educación, 2009).
Por otro lado, desde estas primeras oleadas privatizadoras de la
década de 1980, en diferentes países, hubo introducción de reglas fis-
cales que limitaban el déficit fiscal38. Varios gobiernos querían inver-
tir en infraestructura pública, pero se veían limitados por esta regla
fiscal, que generó una restricción y una inversión menor a la deseada.
Así es que surgen alternativas para poder eludir la restricción contable
y, efectivamente, ejecutar la inversión. Dentro de estas alternativas
aparecen fomentar la inversión privada, al otorgar marcos jurídicos
de promoción (por ejemplo, mediante la exoneración de impuestos);
realizar contratos de PPP, o impulsar la inversión pública a través de
herramientas especiales, como fideicomisos o leasings.
Por lo tanto, los contratos de PPP se convirtieron en una buena
solución. Si bien el gobierno se compromete a pagar la inversión
(como si se tratase de un préstamo que hubiese pedido), las normas
contables permiten tratar a estos contratos como un préstamo pri-
vado y no como deuda pública, por lo que no repercute en el déficit
fiscal. Sin embargo, este tipo de inversiones representa otra forma de
privatización, pues permite a las empresas privadas beneficiarse del
dinero público y exigirles a los servicios públicos que proporcionen
oportunidades comerciales rentables (FINE; HALL, 2012).
38 Ejemplos de estas reglas pueden verse en todos los países, pero los más
comunes: la Unión Europea fija un déficit fiscal máximo del 3 % del PIB (cri-
terios de Maastricht); en América Latina hay reglas de contabilidad pública
que limitan la inversión, sumado a leyes que ponen topes de inversión pública.
161
Mirando el caso de Uruguay, se puede comprender el funciona-
miento de esta herramienta. Los contratos de PPP permiten al Estado
cumplir más rápidamente con el objetivo de invertir en infraestruc-
tura pública, sin incrementar el déficit fiscal. El Estado uruguayo
registra la inversión pública con el “criterio caja”. Es decir, registra
toda la inversión el o los años que se ejecuta, al igual que hace con
cualquier otro gasto. En términos contables, cuando se construye un
centro educativo se contabiliza la totalidad del gasto el o los años que
se realizan los pagos por la construcción, al igual que cuando se com-
pra algún insumo o se pagan los sueldos. Además, cuando se realiza
un contrato de PPP, el Estado no realiza ningún pago hasta que el
servicio esté en funcionamiento y comience a pagar un canon (pago
por disponibilidad). Este hecho genera un atractivo extra para quie-
nes defienden este tipo de mecanismo.
Sin embargo, la decisión de realizar inversiones mediante con-
tratos de PPP no es inocua, pues implica, por la vía de los hechos, la
pérdida parcial o total de la propiedad del Estado, de activos funda-
mentales para la sociedad, junto con una menor capacidad de control
de los gastos del Estado (ESPONDA; MOLINARI, 2017).
Por otro lado, para las empresas privadas, este tipo de contra-
tos representan un negocio muy atractivo, ya que un solo contrato
les proporciona una fuente de ingresos altamente segura (por tra-
tarse de un contrato con un Estado) por hasta 35 años.
En suma, los contratos de PPP surgen de una combinación de
política de privatización y una forma de equilibrar los presupuestos,
mediante el ocultamiento de deuda pública.
162
Según la normativa, los contratos de PPP son aquellos en los
que la Administración Pública le encarga a un privado, por cierto
período, el diseño, la construcción y la operación de cierta infraes-
tructura, además de la financiación. Adicionalmente, el plazo mínimo
es de 20 años y el máximo de duración, de los contratos y de sus prór-
rogas, no podrá exceder 35 años.
A su vez, según el artículo 2 de la Ley indica que “sólo podrán
celebrarse Contratos de Participación Público-Privada cuando pre-
viamente se resuelva, en la forma prevista en la presente ley, que
otras modalidades alternativas de contratación no permiten la mejor
forma de satisfacción de las finalidades públicas”.
Respecto a los ingresos que obtiene el privado, se prevén dife-
rentes modalidades: pago del usuario por uso del servicio, pago de
un canon por parte del Estado o una combinación de ambas, Ade-
más, la normativa establece de manera taxativa las obras de infraes-
tructura social que se pueden realizar con esta herramienta: “cárceles,
centros de salud, centros de educación, viviendas de interés social, comple-
jos deportivos y obras de mejoramiento, equipamiento y desarrollo urbano”.
También se permite el desarrollo de “obras hidráulicas para riego" bajo
contratos de PPP, con la aprobación de Ley de Riego n. 19.553, de
octubre del 2017.
Por otro lado, “en ningún caso, los Contratos de Participación
Público-Privada podrán incluir: servicios educativos cuando se trate
de centros educativos.” Sin embargo, ni la Ley ni los decretos regla-
mentarios definen qué se entiende por servicios educativos.
163
construcciones totalmente nuevas) para toda la Anep39 para el período
2016-2020. De estas 439 obras, 165 (38 %) son vía contratos de PPP,
mientras que las restantes 274 (62 %) son con fondos propios de la
Anep, es decir, se van a realizar mediante licitaciones públicas.
En el caso de las obras por contratos de PPP, se elaboraron cua-
tro proyectos de infraestructura educativa y para todos la Anep ha
optado por la modalidad DBFO (por la sigla en inglés), que incluye:
el diseño, la construcción, el financiamiento y el mantenimiento de
las diferentes obras.
A abril de 2019, están los cuatro proyectos de infraestructura
educativa en marcha, aunque se encuentran en diferentes etapas y
con distinto grado de avance. A continuación, se describe somera-
mente el “estado de situación” de cada uno40.
Segundo proyecto Se presentaron tres grupos de empresas: Berkes, Saceem Julio de 2020
23 escuelas; Ebital SA, Aldesa Construcciones SA, y Stiler
Nirazeld SA;
9 polos tecnológicos
Berkes SA, Saceem, Stiler SA;
10 polideportivos BTD Capital 12, Tecnove, Conami, Basirey.
164
Tercer proyecto Se presentaron tres grupos de empresas: A abril de 2019, Fines de 2020
15 escuelas Ebital SA, Aldesa Construcciones SA, no ha sido
Nirazeld SA;
27 CAIF adjudicada.
Berkes SA, Saceem, Stiler SA;
BTD Capital 12, Tecnove, Conami, Basirey.
Primero 15 44 - - - - 59
Segundo - - 23 - 9 10 42
Tercero 27 - 15 - - - 42
Cuarto - - - 42 16 - 58
Total 42 44 38 42 25 10 201
165
empresas que se presenten sean pocas. Esto se debe a que los con-
tratos de PPP requieren un tamaño mínimo a efectos de justificar el
costo de la contratación y facilitar las economías de escala necesarias
para aumentar la eficiencia del funcionamiento y del mantenimiento.
Esto genera proyectos de valores elevados en los que solamente un
pequeño número de operadores pueden ofrecer todos los produc-
tos y servicios solicitados. Así, la magnitud de los proyectos reduce
el grado de competencia, ya que son pocas las empresas que cuen-
tan con los recursos financieros y de infraestructura para presentar
ofertas. Esto es lo que parece observarse para Uruguay, en los cua-
tro proyectos de infraestructura educativa.
También, el Informe de la Unión Europea advierte sobre los
riesgos que genera para los Estados el hecho que sean siempre las
mismas empresas las que se presentan. Esta situación puede colocar a
los Estados en una situación de desventaja y de dependencia a la hora
de tener que renegociar los contratos, ya que son pocas las empresas
capaces de realizar las obras que se están demandando.
Por otro lado, esto introduce un nuevo sujeto muy poderoso
en el sistema educativo privado. Por lo general, estas empresas están
asociadas a la construcción y persiguen el lucro, es decir, no provie-
nen de la disputa ideológica en la educación. A pesar de esto, van a
ser un agente muy importante, ya que serán los dueños de los cen-
tros educativos por 35 años y brindarán muchos servicios asociados
a la educación.
166
de construcción de cada Centro, la Anep no realizará pago alguno a
la Contratista. La empresa privada “recibirá una retribución bimes-
tral en concepto de Pago Por Disponibilidad desde la puesta en ser-
vicio de cada Centro, como contrapartida por alcanzar y mantener a
lo largo de toda la vida del contrato la calidad del servicio” (PLIEGO
DE CONDICIONES ADMINISTRATIVAS, 2018, p. 4).
Respecto al monto mensual que el Estado le transfiere al pri-
vado, a continuación, se presenta un cuadro resumen con el Pago Por
Disponibilidad (PPD) máximo a pagar por mes, una vez que estén
operativos los cuatro proyectos de infraestructura educativa -y asu-
miendo que no hay renegociaciones de los contratos-.
En UI UI 555.724.680 UI 677.984.110
En $ $2.291.364.001 $2.795.464.081
En USD USD 67.234.859 USD 82.026.528
167
Asignación Contrataciones PPP. A efectos de garantizar el cumpli-
miento de los pagos por disponibilidad que asuma la Administración
Pública Contratante, los créditos presupuestales asignados serán abo-
nados directamente a la Sociedad Contratista” (PLIEGO DE CON-
DICIONES ADMINISTRATIVAS, 2018, p. 4). Es decir, el dinero
que se use para para los contratos de PPP no se va a ejecutar desde la
Anep, por lo que este organismo no va a disponer, controlar ni eje-
cutar ese dinero.
Por otro lado, en relación con la moneda en la cual se realiza el
pago, se establece que “los Oferentes tienen la opción de solicitar que
una porción de los PPD se denomine en dólares. Esta porción solici-
tada en dólares no podrá ser superior al 50% y deberá ser indicada en
el modelo resumen de la propuesta económica” (PLIEGO DE CON-
DICIONES ADMINISTRATIVAS, 2018, p. 14). Originalmente, la
totalidad de los PPD se iba a establecer en unidades indexadas. No
obstante, luego del lobby empresarial, se modificó y se permitió que
una parte del PPD se efectúe en dólares. Este dato no es menor, ya
que da cuenta del poder del sector privado a la hora de negociar o
renegociar este tipo de contratos con el Estado.
168
de instalaciones, edificios y activos, así como gestión del contrato e
informes. Por su parte, la Anep proveerá los servicios educativos.
Asimismo, se establece que el privado “podrá brindar servicios
complementarios en los Centros una vez que estén en servicio. Para
ello, deberá acordar las condiciones con la Administración Pública
contratante y obtener su expresa autorización previa. Entre otros,
podrá prestar servicio de cantina en tanto cumpla con lo exigido por
las normas aplicables” (PROYECTO DE CONTRATO, 2018, p. 6). Es
decir, desde los contratos, ya se abre la posibilidad de que la empresa
privada provea otros servicios en el centro educativo y esto, a su vez,
abre la posibilidad para un mayor avance privatizador en la educación.
Por otro lado, otras de las pautas que se establecen incluyen los
“días y horas de trabajo”. A modo de ejemplo, el pliego de condicio-
nes técnicas para el caso de las instituciones educación media estab-
lece que: “los días de trabajo serán de lunes a viernes, desde el primer
día hábil de febrero al 22 de diciembre de cada año, excepto períodos
vacacionales y días feriados oficiales en Uruguay. En días de trabajo,
las Horas de Trabajo podrán ir de las 7:00 a 23:45 horas” (2018, p. 16).
También, aparece el concepto de “Uso Mixto”, según el cual
la Anep podrá hacer uso del centro educativo y la empresa privada
podrá realizar tareas de mantenimiento. En el pliego de condiciones
técnicas, se establece que se podrán establecer días de “uso mixto”:
“los días de trabajo hasta las 22:00 horas (para Centros en que ese
horario no sea de trabajo) y sábados de 8:00 a 18:00 horas, en hasta
45 ocasiones por año lectivo, para cada centro educativo. [La Anep]
deberá notificar con al menos 5 días de anticipación, la fecha y hora-
rio en que hará uso de este derecho” (2018, p. 17).
Esto marca dos hechos principales. Por un lado, por fuera de
los días y plazos establecidos en los contratos, el privado dispone de
instalaciones de un centro educativo público para actividades pro-
pias. Por otro lado, el organismo público pierde autonomía, ya que
debe solicitar permiso para usar el centro educativo por fuera de los
días y horarios establecidos en el contrato.
169
5.6 Críticas
170
traen las PPP para las finanzas públicas, ya que ocultan buena parte
del gasto fiscal futuro, lo que a su vez esto trae aparejados problemas
de transparencia y de endeudamiento futuro.
A continuación, se resaltan algunas de las críticas más impor-
tantes, con base en los trabajos antes citados.
171
No necesariamente hay un mejor servicio
Por otro lado, los defensores de este tipo de contratos suelen afirmar
que la mayoría de estos proyectos mantienen un buen nivel de ser-
vicio y mantenimiento. Se afirma que los contratos de PPP garanti-
zan mejores niveles de mantenimiento y servicio con respecto a los
proyectos tradicionales. Detrás de esta afirmación, está la idea de
que el socio del sector privado a cargo de la construcción también es
responsable de la explotación y el mantenimiento de la infraestruc-
tura durante todo el lapso que dure el contrato, lo que supone más
tiempo que el período habitual de garantía, en virtud de las normas
sobre contratación tradicional.
Para ello será necesario que el socio privado realice la planifica-
ción teniendo en cuenta los costes de explotación y mantenimiento a
largo plazo que deberá asumir y la provisión de los niveles de servicio
a los que se ha comprometido en el contrato de PPP. Por tanto, ten-
drá que prestar una atención especial a la calidad de la construcción.
No obstante, la experiencia muestra que esto no se cumple necesaria-
mente. En particular, para la educación, la evidencia muestra que, en
los países que ya existía un servicio aceptable y extendido de educa-
ción pública, este tipo de modalidad suele deteriorar el servicio edu-
cativo existente (IE, 2009).
172
tradicional. La idea de fondo es que el riesgo lo debe asumir el socio
que esté en mejores condiciones de gestionarlos. Sin embargo, la asig-
nación del riesgo fue con frecuencia inadecuada, lo que dio lugar a
una exposición al riesgo excesiva para el socio privado. El problema
radica en que es muy difícil detectar y asignar riesgos de proyec-
tos correctamente.
Para el caso de la educación siempre es el gobierno el que carga
con la responsabilidad final a la hora de proporcionar los servicios
públicos, por lo que la asunción de la “distribución del riesgo” es dis-
cutible (IE, 2009).
173
Se desdibuja el espacio público y se precariza el trabajo
6. Reflexiones finales
174
bien captan recursos del Estado vía exoneraciones tributarias, hasta
el momento es financiado mayoritariamente por los hogares.
A su vez, como denuncia la Internacional de la Educación y se
evidencia en los trabajos citados, existe en la actualidad una nueva
oleada contra la educación pública. Esta tiene nuevas herramien-
tas y formas de avanzar según cada país o región. En ese marco, nos
parece acertado caracterizar el caso de Uruguay como de privatiza-
ción por etapas. Es decir, la expansión de la matrícula privada parece
encontrar su techo con sus formas tradicionales: vía exoneraciones
fiscales y vía gasto de los hogares. En la actualidad, el avance pri-
vatizador está una nueva etapa de disputa de recursos para expan-
dirse y, por ello, avanza con nuevas herramientas para lograr captar
recursos del Estado.
En este sentido, el documento analiza dos tipos de herramientas
novedosas en el Uruguay que logran dar un paso más en la privati-
zación exógena del modelo educativo uruguayo. Una de las herra-
mientas analizadas es la modificación de la Ley de Mecenazgo, en la
que se generaron incentivos fiscales para la donación de empresas a
instituciones educativas privadas. Si bien en lo que hace al impacto
en la matrícula y en la captación de recursos no parece ser signifi-
cativo en la actualidad, en el plano simbólico ha generado un gran
impacto. Variados actores políticos, académicos y generadores de
opinión ponen a este modelo como la luz para acabar con los “pro-
blemas” de la educación (BORDOLI et al., 2017).
Las modificaciones a la Ley de Mecenazgo fueron hechas en una
ley que es considerada uno de los pilares de la política de los últimos
años (La ley de Reforma Tributaria). El hecho de que haya sido parte
de tal proceso habla de la importancia política que tiene. A través de
esta modificación, se generaron incentivos fiscales para la donación
de empresas a instituciones educativas privadas. Esto es significativo,
teniendo en cuenta que la renuncia fiscal ha sido una de las políticas
económicas más importantes por los tres períodos de gobierno, que
van desde el 2005 a la actualidad, destinadas al desarrollo productivo.
175
Dado que, través de herramientas, como las zonas francas o la Ley
de Promoción de Inversiones, el Estado redirige recursos privados
a áreas que considera de interés bajo algún criterio, implícitamente
el Estado está colocando la educación privada como sector de inte-
rés por desarrollar.
De acuerdo con la investigación de Bordoli et al. (2017), es des-
tacable la importancia que tiene este mecanismo de transferencia fis-
cal del Estado a la educación privada ya que:
176
a todos sus habitantes, resigna ingresos fiscales para que los secto-
res capitalistas inviertan en el tipo de servicios que a ellos les inte-
resa. Esto genera formaciones de estudiantes o futuros profesionales
dependientes a cierto tipo de insumo o tecnología para la práctica de
la actividad, o centros educativos que, al tener mecanismos selectivos,
ayudan a estigmatizar aún más a las personas dentro de su comuni-
dad. A su vez, es una política que, desde el punto de vista financiero,
es limitada, si se piensa en su expansión, y puede tener problemas
de financiamiento en el corto y mediano plazo, ya que depende de
donaciones y, por tanto, del ciclo de la economía.
Otra de las herramientas privatizadoras analizadas son las PPP.
En nuestro país, tuvieron su marco legal en 2011, pero es a partir
del presupuesto nacional de 2015 que comenzaron a aplicarse a gran
escala. En particular, en la educación en este quinquenio se imple-
mentaron cuatro pliegos que afectan a la enseñanza de primera infan-
cia, la educación inicial, primaria y media. Ya están en marcha la
construcción de 201 centros de estudio bajo esta modalidad.
Esta modalidad constructiva no solo privatiza la construcción,
sino también todos los servicios no educativos relacionados con la
institución. Las empresas privadas serán dueñas de los centros educa-
tivos por 20 años una vez finalizada la construcción, con la opción de
extender el contrato hasta 35 años. Más allá de las críticas económicas
que se le puedan hacer a este tipo de herramientas, son, en los hechos,
una privatización de un espacio público, ya que ahora ese espacio es
regido por lógicas del mercado y tiene un dueño privado.
Existe evidencia empírica que muestra que este tipo de herra-
mientas privatizadoras suelen traer más problemas y terminan siendo
más caras que lo previsto y que las construcciones de tipo tradicional.
Esto es debido a que suelen subestimarse los riesgos y los privados
se rigen por las lógicas del mercado, no por un fin social. También
existe evidencia específica de este tipo de instrumentos aplicados a
la educación que muestra muy malos resultados en lo que hace al
sistema educativo.
177
Según la evidencia empírica mencionada, a futuro son espera-
bles más problemas. Las empresas que ganaron las licitaciones son
un holding muy poderoso y suelen presionar con éxito a los gobier-
nos con el fin de obtener ganancias extraordinarias. Los sistemas
educativos precisan cambios y adaptaciones para adaptarse a las rea-
lidades locales, los contratos suelen ser de muy largo plazo y, en las
renegociaciones de estos, suelen ganar grandes ventajas los privados,
al atar al sistema educativo a las necesidades privadas. A su vez, tam-
bién se puede esperar que estas empresas quiebren o tomen decisio-
nes empresariales en direcciones opuestas al bienestar social, lo cual
encarecerá y perjudicará el sistema educativo.
Por otro lado, si bien estas empresas o holdings no tienen un
interés primario y explícito de disputar ideológicamente la educa-
ción -ya que son empresas constructoras en búsqueda de rentabili-
dad- una vez instaladas, se harán cargo de todos los servicios de los
centros educativos, menos de los educativos estrictamente. Por tanto,
es dable esperar que, una vez puesta en funcionamiento esta moda-
lidad, se incorpore un nuevo sujeto político en el sistema educativo
que pujará por sus intereses individuales y, por tanto, también será
un actor importante en el sistema educativo.
El análisis histórico de la oferta educativa privada y entender
que esta es un grupo de poder organizado da cuenta de la magni-
tud que juega este actor en esta nueva etapa del avance privatiza-
dor. Cabe notar que, a este grupo de poder histórico que disputa la
educación como sistema, se incorpora un nuevo sujeto asociado a
empresas constructoras, pero que, en la medida que empiece el fun-
cionamiento de esta nueva modalidad de instituto educativo, pasa-
rán a ser un nuevo agente de presión.
En suma, la demanda de educación privada parece haber llegado
a un techo debido a la posibilidad de pago de los hogares. Esto produce
más presión sobre la captación de recursos del Estado para su expan-
sión. Por ello, se están desarrollando nuevas herramientas para avan-
zar sobre la privatización exógena y endógena del sistema educativo.
178
BIBLIOGRAFÍA
179
FERNÁNDEZ ENGUITA, M. Trabajo, escuela e ideología.
Madrid: Akal, 1985.
180
PNUD. Política, políticas y desarrollo humano. Montevi-
deo: PNUD, 2008.
VERGER, A.; BONAL, X.; ZANCAJO, A. What Are the Role and
Impact of Public-Private Partnerships in Education? A Realist
Evaluation of the Chilean Education Quasi-Market. Chicago: Com-
parative Education Review, 2016.
181
Anexo 1 – evolución e incidencia de la educación privada en la matrícula total
según departamento
182
% Matriculados Educación Educación Crecimiento de la
educación pública privada matrícula privada
secundaria entre el 2005-2015
183
El proyecto educativo
conservador en uruguay
en los albores del siglo
xxi: avance privatizador
y tutela ministerial41
184
ciclo de gobiernos progresistas (SVAMPA, 2017)42 del siglo
XXI. En función de las particularidades, historias socio-políti-
cas, culturales y procesos económicos, el desarrollo de las expe-
riencias progresistas, en las dos primeras décadas, presentaron
rasgos diferenciales. No obstante, estas experiencias compartie-
ron procesos de transformaciones sociales en sentido igualita-
rista con un carácter moderado y sin un proceso de reducción
del Estado (MOREIRA; RAUS; GÓMEZ LEYTON, 2008). En
este ambiente se desarrollaron medidas redistributivas refe-
rentes al salario y a los avances en la legislación laboral. Tam-
bién se implementaron diversos programas de transferencia
monetaria, una apertura a la participación y al diálogo social,
y avances en la agenda de derechos. La integración social y el
desarrollo educativo se delinearon en dos objetivos estratégi-
cos para los proyectos progresistas.
Históricamente, Uruguay, el pequeño país sudamericano, se
presentaba como una sociedad “hiperintegrada” en la que el Estado
se esgrimía “como el escudo de los débiles” y la educación estatal y
laica ejercía un claro papel hegemónico; aspectos que, en el período
de recesión y, particularmente, en el colapso de la crisis de 2002,
manifiestan sus límites. Los altos niveles de pobreza y marginación
daban cuenta de “una sociedad fragmentada, guetizada, con rupturas
profundas del tejido social y de los espacios públicos” (CAETANO,
2005, p. 320).
En 2005, se inicia el ciclo progresista (GARCÉ; YAFFÉ, 2005)
cuando asume el gobierno el Frente Amplio, coalición y movimiento
de izquierda y centro-izquierda. En el período, como analizaremos,
se impulsan políticas integrales con carácter redistributivo y la edu-
cación se consagra como un derecho humano esencial de los sujetos
185
y una necesidad para un desarrollo más igualitario con justicia social,
como también una responsabilidad central del Estado.
En marzo 2020, en Uruguay, al igual que varios países de
Sudamérica, asumió el gobierno una nueva coalición de derecha43
que procura recuperar la hegemonía conservadora y rearticular un
proyecto neoliberal, cuyo centro se aloja en la libertad individual
y del mercado, y en la redefinición del lugar del Estado. Con nue-
vas estrategias de intervención política, un marcado discurso anti-
progresismo y un fuerte sentido pragmático, la nueva coalición de
derecha impulsa la reorientación de los cambios acaecidos en el ciclo
progresista. A pesar de los efectos producidos por la pandemia en la
salud, en la economía, en la sociedad y en las relaciones interperso-
nales y sociales, el gobierno de la nueva derecha ha impulsado una
Ley de Urgente Consideración en la que se condensa el programa de
gobierno de la coalición multicolor como se ha autodenominado44.
El presente artículo se inscribe en los estudios que estamos
desarrollando acerca de las políticas de inclusión educativa, y de los
trabajos sobre las nuevas modalidades de educación pública de gestión
privada desarrolladas en el ciclo progresista. En estos últimos se ha
186
podido identificar que en este período ha habido un proceso de pri-
vatización, incipiente o latente, en el ámbito educativo (BORDOLI;
CONDE, 2016; BORDOLI, et al., 2017; VERGER; MOSCHETTI;
FONTDEVILLA, 2017; MOSCHETTI et al., 2019). En este contexto
de los programas electorales, los anuncios presidenciales, así como
las primeras medidas tomadas por el actual gobierno, se identifica
el diseño de un nuevo paradigma en materia educativa que sienta
las bases para avanzar en el proceso privatizador en el espacio edu-
cativo. De esta manera, podría habilitar un desplazamiento de un
estado incipiente o latente a un estado manifiesto de estos procesos.
En esta línea analítica, el objetivo particular de este artículo es
investigar los cambios que la nueva derecha impulsa en Uruguay en
el terreno educativo en torno a tres ejes: a) naturaleza y concepción
de lo educativo, b) organización y gobierno de la Educación Básica, c)
trabajo y participación docente. Para ello se efectuará, previamente,
una discusión sobre los avances y las tensiones de las políticas educa-
tivas del ciclo progresista. A su vez, interesa inscribir este conjunto
de cambios educativos en las disputas por los sentidos político-edu-
cativos más amplios acaecidos con respecto a las nuevas agendas edu-
cativas que los movimientos conservadores impulsan.
Desde el punto de vista conceptual, el trabajo de análisis se encuentra
afectado por las corrientes críticas y los aportes post-críticos producidos en
el campo educativo. Específicamente, abreva en los estudios y la bibliografía
relacionada a los procesos de la Nueva Gestión Pública y las nuevas modali-
dades de privatización educativa. En esta línea se retoman, entre otros, los
aportes desarrollados por Stephen Ball (2009, 2014); Stephen Ball y Debo-
rah Youdell (2008), Antoni Verger (2017) referidos a los procesos de pri-
vatización exógena y endógena en la educación, y también en los
aportes de Michel Apple (2002) sobre los efectos de los movimien-
tos conservadores en el espacio educativo.
El texto se estructura en cuatro apartados centrales. En el pri-
mero de estos, se recuperan algunos de los ejes centrales del debate
conservador en el terreno educativo. En segundo lugar, se presentan
187
los principales avances y dificultades que, en materia educativa, se
desarrollaron en el progresismo. En el tercer apartado, se analizan
algunos de los aspectos centrales del proyecto educativo conservador
que el novel gobierno impulsa. El cuarto y último apartado ofrece los
principales hallazgos y nuevas interrogantes.
188
articulado en torno a cuatro pares relacionales: historia y tradición;
autoridad y poder; prejuicio y razón; libertad e igualdad (ANSALDI,
2017, p. 28-29). Con relación a estos pares los autores discuten las
diversas articulaciones acaecidas. A los efectos de este trabajo, interesa
subrayar el último de estos, pues la primacía del principio de liber-
tad ha estado en el centro de los debates de la coalición de derecha
y opera como eje articulador de los cambios educativos que se hal-
lan en la agenda. Desde estos discursos la libertad es entendida como
marco de protección de la familia ante el Estado y como “garantía
de desarrollo de las capacidades individuales y/o grupales”, en tanto
la igualdad corre el riesgo de “pervertir el desarrollo ‘natural’ de las
comunidades al introducir una variable compensatoria en la evolu-
ción de las cualidades ‘innatas’ de los individuos” (CONSTANTINO
TOTO, 2000, p. 152-153 apud ANSALDI, 2017, p. 29).
En relación a lo educativo, lo precedente pone en escena el lugar
del Estado y de las políticas públicas y se desliza un cuestionamiento
a las políticas redistributivas y de intervención estatal directa.
En convergencia con los principios liberales donde se inscribe
el “giro hacia la derecha”, Apple (2002) analiza la vertiente conserva-
dora que algunos movimientos sociales presentan, y que tienen gran
impacto en los debates sobre la política y la práctica en la educación
y en el medio de lo social en general. En este sentido, alude a ciertos
grupos interesados en impulsar una política de reinstauración con-
servadora de la educación. A saber, a) los neoliberales, comprometi-
dos con los mercados y con la libertad como elección individual; b)
los neoconservadores, que tienen una visión paradisíaca con el pasado
y desean el regreso a la disciplina y al conocimiento tradicional; c)
los populistas autoritarios, esto es, los fundamentalistas religiosos y
evangélicos conservadores que desean que las instituciones retornen
a su Dios; y d) la nueva clase media ejecutiva y profesional. Las ten-
dencias en la educación impulsoras de estos grupos que conforman
el ala conservadora del abanico político son: acentuar los procesos
189
de mercantilización de la educación; retorno a las tradiciones; edu-
cación religiosa; y aumento de los currículos y exámenes.
En términos del autor, en las últimas dos o tres décadas la dere-
cha ha organizado un ataque a las instituciones públicas, en el que los
establecimientos educativos han sido blanco preferencial.
190
con el autor, el papel del Estado ha sido alterado en función de una
redefinición radical de los límites entre lo público y lo privado, que
supone tres estrategias: a) privatización de los recursos públicos; b)
fomento de la competencia entre las instituciones (las públicas se
comparan con las privadas -supuestamente más eficaces- y sus proce-
dimientos internos se parecen cada vez más a los del sector empresa-
rial); y c) transferencia de responsabilidades públicas al sector privado.
En términos de Ball (2014), la privatización de la educación y de
las políticas públicas constituye un fenómeno internacional de impor-
tancia creciente. En cuanto a los procesos acaecidos en el contexto
latinoamericano, Feldfeber (2020) señala que, a partir de la asun-
ción de gobiernos de derecha por la vía democrática, se comenzó
a configurar un nuevo escenario en la región en el que se observan
importantes retrocesos en materia de derechos, entre ellos, el dere-
cho a la educación.
En medio al ciclo progresista, Uruguay se destaca por haberse
mantenido relativamente al margen de la agenda privatizadora,
ampliamente difundida en la región (BORDOLI et al., 2017). No
obstante, hemos advertido acerca de un cambio discursivo que ha
contribuido a la instauración de un nuevo clima propicio para las
propuestas de reforma educativa de corte privatizador. En el área de
los sentidos respecto a la noción de “crisis educativa”, especialmente
de la educación pública, se ha desencadenado un “progresivo encanto
por la educación privada” (BORDOLI; CONDE, 2016, p. 85) asociada
a mayores niveles de eficiencia y calidad.
Este escenario político conservador, que ha habilitado el desar-
rollo de procesos de privatización inscriptos en una trayectoria de pri-
vatización singular latente o incipiente, se ha potenciado. En tanto,
parecería haber logrado estabilizarse, en el plano discursivo, la des-
valorización de lo público, habilitando la posibilidad de profundiza-
ción de los procesos de privatización.
191
LA EDUCACIÓN BÁSICA EN EL CICLO PROGRESISTA:
LUCES Y SOMBRAS
192
con un amplio rango de autonomía técnica, administrativa, finan-
ciera y de gobierno con respecto al Ministerio de Educación y Cultura
(MEC) a fin de preservar a la enseñanza de los vaivenes político-par-
tidarios (PETIT MUÑOZ, 1969). La organización de los subsistemas
educativos (primaria, media y técnico-profesional) tuvieron diferen-
tes procesos de desarrollo y derroteros particulares. No obstante, su
organización fue similar en relación a la articulación de gobiernos
colegiados, un funcionamiento centralizado y una relación interna
jerárquica entre los funcionarios.
Como se desarrollará a lo largo del artículo, la Ley General de
Educación n. 18.437 del año 2008 se sustenta en los principios y ras-
gos señalados precedentemente. Sin embargo, ésta avanza en tres
principios organizativos novedosos vinculados a: una ampliación
en los espacios de participación social a la interna de los subsiste-
mas de educación y de su órgano rector; un primer grado de des-
centralización territorial por medio de la creación de Comisiones
Coordinadoras a nivel departamental; y la creación de estructuras de
coordinación entre los diversos subsistemas, especialmente, referen-
tes a la educación pública.
Conforme a lo expresado en documentos institucionales de la
Administración Nacional de Educación Pública (Anep)45,
193
Educación […] La Anep comparte la intención de que, por pri-
mera vez en la historia del país, esa ley surja de un proceso com-
partido por todo el pueblo uruguayo, de un trabajo de reflexión
en que todos los integrantes de la comunidad educativa y todos
los miembros de la sociedad tengan la oportunidad de contribuir
a definir qué características ha de tener la educación de ahora en
adelante (Anep, 2006, p. 7).
Docentes, estudiantes, padres y madres, así como la sociedad en
general tienen derecho a conocer los fundamentos de los proce-
sos educativos y los valores que los inspiran y a participar en su
definición. Esta oportunidad será brindada por la elaboración y
sanción de la próxima Ley de Educación. La educación adquiere
calidad cuando sus procesos son coherentes con los valores y pro-
yectos de la sociedad entera. (Anep, 2005, p. 23)
194
el otro es electo por el cuerpo docente respectivo con voto directo y
regulado por la Corte Electoral.
En materia de coordinación, la Ley General de Educación n.
18.437 plantea la constitución de un “Sistema Nacional de Educación
Pública” (SNEP) que agrupa a la Anep, la Universidad de la Repú-
blica (UdelaR) y al MEC.
En lo que concierne a la evaluación, se crea el Instituto Nacio-
nal de Evaluación Educativa (Ineed) “como persona jurídica de dere-
cho público no estatal” (URUGUAY, 2008, p. 34), responsable de la
evaluación de la calidad de la enseñanza inicial, primaria y media.
En términos de definiciones, la ley refiere a la educación como
derecho humano fundamental y como bien público y social, a la vez
que establece los siguientes principios de la educación: universali-
dad, obligatoriedad, diversidad e inclusión educativa, participación,
libertad de enseñanza, libertad de cátedra.
Acerca de estos principios, el significante “inclusión” ocupó un
lugar destacado en el diseño de políticas educativas tendientes a ase-
gurar “los derechos de aquellos colectivos minoritarios o en espe-
cial situación de vulnerabilidad” (URUGUAY, 2008, p. 2). A partir
del primer período de gobierno del Frente Amplio, se comenzaron
a desarrollar diversas políticas de inclusión educativa en diferentes
subsistemas y niveles de enseñanza, con el fin de afrontar los pro-
blemas de desigualdad agravados por la crisis económica y social del
año 2002. Dichas políticas de “inclusión”, significante que intentó
sustituir el de “equidad” característico de las políticas de la década
de 1990, se continuaron en los sucesivos períodos de gobierno, y
tuvieron por objetivo a) fortalecer la integración a la escuela de ado-
lescentes y jóvenes con alto riesgo de abandonar los estudios; y b) re-
vincular a quienes abandonaron la educación formal sin completar el
nivel que estaban cursando (FERNÁNDEZ AGUERRE, 2018, p. 9).
Teniendo en cuenta el amplio repertorio de políticas de inclu-
sión educativa durante los tres períodos de gobierno del Frente
Amplio, Mancebo (MANCEBO apud FERNÁNDEZ AGUERRE,
195
2018) distingue entre políticas de primera y segunda generación. De
acuerdo con la autora, mientras las políticas de primera generación
(2005-2015) se caracterizan por la fragmentación institucional, la cen-
tralización y la intersectorialidad; la segunda generación de políticas
(iniciada en 2016) mantiene la intersectorialidad, aunque se diferen-
cia por la lógica de integración y territorialización. Concerniente a
esto, si bien se mantuvo el carácter focalizado, el “Sistema de Protec-
ción de Trayectorias Educativas”, política de inclusión educativa que
surge en este contexto, tendió a inscribirse en una lógica más inte-
gral propiciada por la creación de la “Dirección Sectorial de Integra-
ción Educativa” en el año 2015 en el ámbito del Codicen.
En este espacio, se presentan varios tipos de tensiones: entre
la función pedagógica y social; entre el carácter focal y la aspiración
universal; y entre la contención y la enseñanza. Estas tensiones son
constitutivas a la interna de este conjunto de políticas de inclusión
educativa, que estuvieron focalizadas a población en ambiente de
pobreza. Por otro lado, se observan, en el período progresista, otras
tensiones en términos de política educativa vinculadas a procesos de
privatización. Al respecto, el discurso de la “crisis de la educación”,
especialmente de la Educación Media, va a aglutinar diversos senti-
dos entre los que podríamos ubicar el de inclusión de sectores histó-
ricamente excluidos. A esto se intenta dar respuesta, no solo desde
el campo de la educación pública con el conjunto de proyectos, pro-
gramas y planes de inclusión educativa, sino también desde la gestión
privada mediante experiencias que cuentan con un financiamiento
indirecto por parte del Estado.
196
bajo el régimen de “donaciones especiales” éstas financiarían proyec-
tos de instituciones de enseñanza, investigación, salud y apoyo a la
niñez. Precisamente, se establece una exoneración fiscal del 81,25%
para donaciones empresariales a entidades educativas y sociales,
implicando en la práctica una “transferencia indirecta de recursos
públicos al sector privado” (VERGER; MOSCHETTI; FONTDE-
VILLA, 2017, p. 67).
En estas circunstancias, y particularmente en lo que refiere
a la Educación Media, es que han surgido diversas instituciones y
experiencias46 que se inscriben en modalidades de gestión privada
con financiamiento indirecto del Estado por renuncia impositiva,
propia de algunos procesos privatizadores. Como hemos señalado
(BORDOLI et al., 2017), en ellas podemos encontrar ciertos rasgos
comunes, entre los que se destacan: los criterios de selección del
estudiantado y del personal docente; la extensión del tiempo peda-
gógico; y el seguimiento personalizado de los estudiantes. El con-
junto de estos elementos sumado al hecho de que dichas propuestas
se financian, en gran parte, con donaciones especiales y cuentan con
un presupuesto por estudiante bastante mayor que los liceos públi-
cos47, podrían explicar los buenos resultados educativos que reivin-
dican. A su vez, hemos subrayado que los elementos mencionados
no se vinculan con modalidades de gestión, sino con elementos de
un diseño de enseñanza (BORDOLI; CONDE, 2016, p. 13).
197
La lógica privada, en detrimento de lo público como lugar de lo
común, refuerza el carácter individualista. Este aspecto puede apre-
ciarse fácilmente en el campo discursivo en el que se inscriben estas
propuestas. A modo ilustrativo, el Liceo Impulso se presenta como
un “modelo educativo” que, entre otros aspectos, destaca:
Con efectos simbólicos, y cada vez con mayor énfasis, más allá
de la poca cantidad de estos centros, la gestión privada se presenta
como portadora de las soluciones frente a la “crisis” de la Educación
Media, principalmente vinculada al ingreso a la educación pública
de sectores sociales largamente excluidos. Como hemos advertido en
otros estudios (BORDOLI; CONDE, 2016; BORDOLI et al., 2017), un
cambio significativo en el orden discursivo ha promovido un clima
propicio para las propuestas de reforma educativa de corte privati-
zador. Frente a la desvalorización del valor de lo público, asociado
al diagnóstico de la mala calidad de la educación pública a partir de
resultados de pruebas estandarizadas, las modalidades de hibridación
público-privadas se constituyen en una de las estrategias que dan
cuenta del avance del discurso privatizador en Uruguay.
En cuanto a los actores que participan en estos procesos, debe-
mos mencionar al Centro de Estudios de la Realidad Económica y
Social (Ceres), creada a mediados de la década de 1990 como un
think tank sin fines de lucro e independiente. Este se caracteriza
por la homogeneidad ideológica de sus miembros, ocasionalmente
198
vinculados con el Partido Colorado48, cuyo objetivo es producir inves-
tigación y análisis económico, diseñar políticas públicas y promover
su debate local e internacionalmente. Dicha organización parte de un
diagnóstico negativo de la educación uruguaya. Así, justifican la nece-
sidad de adoptar como modelo los liceos privados con financiamiento
indirecto del estado — y en particular el caso del Liceo Impulso — y
replicarlos dentro de la esfera pública, creando 136 establecimien-
tos de este tipo en todos los barrios de alta vulnerabilidad del país49
(BORDOLI et al., 2017).
Otro think tank de relevancia es la Iglesia Católica, que ha impul-
sado varias de las experiencias mencionadas inscriptas en institucio-
nes ligadas a órdenes religiosas. Entre ellas se destaca el Liceo Jubilar
“Juan Pablo II”, primer liceo gratuito de gestión privada y católico
que ofrece Educación Media y Básica.
Así, se naturaliza el avance de la lógica privatizadora cons-
truyendo sentido común. Como plantea Mancebo (2018), si bien
el Estado mantiene un rol protagónico en el ámbito educativo, las
fronteras entre la educación pública y la privada muestran una cre-
ciente porosidad. La llegada del Frente Amplio implicó el desarrollo
de múltiples políticas educativas orientadas al logro de mayor demo-
cratización. Para esto, se instrumentó un plan de transformación
gradual que permitió contar con más recursos, incrementar los sala-
rios docentes, mejorar la infraestructura escolar, expandir el acceso
a la educación y poner en marcha políticas de inclusión educativa
focalizadas. No obstante, se ha recurrido también a instrumentos de
política pública tendientes a la desestatización: la asociación entre lo
199
público y lo privado; la contratación de organizaciones no guberna-
mentales para la provisión del servicio educativo; y la promoción de
la actividad filantrópica para financiar programas educativos (MAN-
CEBO, 2018, p. 14).
En síntesis, en lo que se refiere al campo de la educación, los
gobiernos progresistas en Uruguay se ven atravesados por algu-
nas tensiones que, como hemos planteado en el título de este apar-
tado, implican luces y sombras; fortalezas y tensiones. Por un lado,
es posible apreciar avances relativos a derechos, integración y par-
ticipación en el gobierno de la educación. Por otro lado, se habilita
financiamiento público indirecto que promueve el avance privatiza-
dor. De esta manera, se desarrollan centros de producción (think tank)
y “liceos modelos” públicos de gestión privada que, en términos de
Ball y Youdell (2008), suponen una forma de privatización exógena50.
En el campo de la literatura internacional, las discretas, pero pro-
gresivas modalidades de privatización, que en el terreno educativo
se han desarrollado en Uruguay, han adquirido un rasgo ascendente.
Este se advierte en el lugar que diversos agentes no estatales han
comenzado a ocupar en la promoción, difusión y formulación de pro-
yectos educativos, con una marcada agenda pro-privatización (VER-
GER; FONTDEVILLA; ZANCAJO, 2016; VERGER; MOSCHETTI;
FONTEDEVILLA, 2017; SALTMAN, 2009; SCOTT, 2009). Con-
comitantemente a la formulación e implementación de los proyec-
tos educativos públicos de gestión-privada, los agentes privados que
los lideran elaboran y enuncian sendas críticas al desempeño de la
educación estatal. Este involucramiento se observa en dos direccio-
nes: en el desarrollo de asesoramiento, consultoría, investigación y
200
evaluaciones; y en declaraciones que procuran ejercer una marcada
influencia sobre la opinión pública. Esta última modalidad opera de
forma interrelacionada con la privatización exógena, al tiempo que
tiene una eficacia simbólica central. Los discursos referidos al des-
valor de lo público y la sobrevaloración de la eficacia de los modelos
de educación privada o de gestión público-privada se han preten-
dido asentar en “saberes objetivos”, supuestamente evidenciados por
evaluaciones o investigaciones de centros de estudios privados.
Con la asunción de la nueva derecha en Uruguay en 2020, la
lógica privatizadora adquirirá mayor presencia a medida que se deli-
nean acciones que amenazan la construcción de la educación como
espacio público. Así, se procura, en uno de sus sentidos, la expan-
sión de este tipo de “centros modelo” de Educación Media en barrios
de vulnerabilidad51 y el debilitamiento y desarticulación del sistema
de educación público.
201
anunciada en la disputa electoral de 2019, nunca se presentó a texto
expreso, ni se adelantaron contenidos específicos. Esta ley, como
toda norma, presenta una dimensión técnica al tiempo que confi-
gura una red de sentidos. En la primera dimensión, diseña un con-
junto de cambios estratégicos que “preparan” o habilitan el impulso
de un modelo de desarrollo y, específicamente, de un modelo edu-
cativo. A su vez, posee un diferencial al promovido en el ciclo pro-
gresista, con sus luces y sombras; al articulado históricamente con
hegemonía estatal nítida; y al sistema educativo público de la men-
guada oferta privada. Asimismo, esta ley condensa una red de sen-
tidos acerca del rol del Estado, al papel de las empresas públicas y al
ejercicio de la autoridad, que se enmarcan en los discursos y las agen-
das de los nuevos gobiernos de derecha descritos en el primer apar-
tado. La primera estrategia política seleccionada por el Presidente de
la República fue la presentación de un Proyecto de Ley de Urgente
Consideración articulado en diez secciones y con más de medio mil-
lar de artículos52 para ser tratado en un exiguo tiempo y en medio de
la crisis sanitaria, económica y social.
De este modo, el 23 de abril de 2020, se envía al Parlamento el
Proyecto de Ley de Urgente Consideración que continúa en debate
de la Cámara de Diputados. En él se abordan temas muy variados
y de distinto orden. Entre ellos, se desatacan los relativos a: edu-
cación, seguridad, empresas públicas, economía, funcionamiento
del Estado, relaciones laborales, seguridad social, políticas sociales
y áreas protegidas.
Cabe consignar que el mecanismo de “urgente consideración”
para la aprobación de una ley se encuentra previsto en el artículo 168
de la Constitución de la República e implica que cada cámara ten-
drá un plazo máximo de 45 días para su consideración. Si, en dichos
202
plazos, no es desechada ni sancionado un proyecto sustitutivo, con-
forme el artículo 168, capítulo III de la Constitución uruguaya, la ley
quedará aprobada (URUGUAY, 1967). Sin embargo, el Poder Ejecu-
tivo tiene restricciones para la presentación de este tipo de proyecto
de ley. Entre estas, se encuentra la prohibición del envío de dos pro-
yectos simultáneos de urgencia y, a su vez, cada proyecto debe modi-
ficar una ley y argumentar el carácter urgente de esta. Sobre estas
restricciones y arguyendo la diversidad de tópicos y leyes que pre-
tende modificar este proyecto es que la oposición política del gobierno
(el Frente Amplio) y las diversas organizaciones sociales, sindicales y
gremios estudiantiles han cuestionado la inconstitucionalidad de este
proyecto de Ley, así como el gesto de abuso de poder del Ejecutivo.
En los 501 artículos iniciales que la componen se procura la
modificación de múltiples leyes que han sido aprobadas a lo largo
de 15 años, exclusivamente, en educación se procura cambiar ocho
leyes. Esto se pretende efectuar modificando 56 artículos y dero-
gando 12 de la Ley General de Educación n. 18.437, además de las
once disposiciones transitorias y excepcionales anexadas. En vir-
tud de lo señalado, se puede indicar que más que una ley específica
es una “ley ferrocarril”53 que concatena el programa de gobierno de
la coalición de derecha que apunta, centralmente, a modificar el rol
del Estado en las más diversas áreas. Por medio de esta, en los pri-
meros tres meses de gestión, y apelando a un mecanismo que res-
tringe y debilita el debate democrático, el nuevo gobierno procura
reducir el conjunto de funciones y competencias del Estado. En los
párrafos siguientes nos detendremos en tres cambios centrales pro-
puestos en la educación vinculados con: a) naturaleza y concepción
53 La metáfora hace alusión a que la ley, al igual que los vagones de un ferro-
carril, encadena distintos tópicos de diferente naturaleza y relevancia, lo que
refleja el programa de gobierno de la coalición y no un tema específico que
revista el carácter, realmente, urgente.
203
de lo educativo, b) organización y gobierno de la Educación Básica,
c) trabajo y participación docente.
[…] objetivo fundamental, que todos los habitantes del país logren
aprendizajes de calidad, a lo largo de toda la vida y en todo el terri-
torio nacional, a través de acciones educativas desarrolladas y pro-
movidas por el Estado, tanto de carácter formal como no formal.
Asimismo, el Estado articulará las políticas educativas con las
políticas de desarrollo humano, cultural, social, tecnológico, téc-
nico, científico y económico. También articulará las políticas
sociales para que favorezcan al cumplimiento de los objetivos de
la política educativa nacional. (URUGUAY, 2008, p. 3)
204
Por su parte, el proyecto de Ley de Urgente Consideración, en
el artículo 133, propone modificar el concepto de educación formal
estableciendo que el objetivo de esta es “garantizar el desarrollo de
competencias para la vida. La culminación da derecho a certificacio-
nes, títulos o diplomas cuya validez legal será reconocida en todo caso
por el Estado, en todo el territorio nacional” (URUGUAY, 2020, p.
39). Si bien en este proyecto no se deroga el conjunto de principios
rectores de la educación previamente citados, se introducen modifica-
ciones que tienden a restringir la educación entendida como derecho
humano inalienable y bien público, como la competencia del Estado
a garantizar que la educación tenga un carácter integral, articulando
las diversas manifestaciones de la cultura y velando por que esta se
desarrolle a lo largo de toda la vida de los sujetos. Esta concepción
de la educación se restringe al desarrollo de competencias y a la fun-
ción de acreditación.
De forma solidaria a las restricciones al alcance de la natura-
leza de la educación mencionada en el proyecto de Ley de Urgente
Consideración, se plantean diversas modificaciones que habilitan
una des-responsabilidad del Estado. A modo de ejemplo, se advierte
una reducción de las modalidades educativas vinculadas a la Educa-
ción Media y superior en el artículo 137, como también al alcance
de la educación no formal. En esta última se elimina el concepto de
que el desarrollo de la educación no formal debe ser entendido “en
el marco de una cultura del aprendizaje a lo largo de toda la vida”
(URUGUAY, 2008, p. 7) en tanto tiene un valor en sí mismo y que
estará destinado a los sujetos de diversas edades, a los efectos de dar
cumplimiento a los objetivos educativos en
205
se mencionan, alfabetización, educación social, educación de per-
sonas jóvenes y adultas. (URUGUAY, 2008, p. 8)
206
tratados de cooperación internacional con organismos que “alien-
ten la mercantilización” de la educación (URUGUAY, 2020, p. 39).
Las tres direcciones de cambio señaladas sobre la naturaleza,
las restricciones del alcance de lo educativo y las prescripciones cur-
riculares se suman a la habilitación de que el Estado pueda efectuar
acuerdo con organizaciones que alienten la mercantilización de la
educación. Así, esto da cuenta de un cambio sustantivo y radical de
la educación que comprime responsabilidades del Estado.
207
La supresión de los espacios de coordinación y fortalecimiento
institucionales exclusivamente públicos propicia el debilitamiento
de estos y la promoción de una indiferenciación entre la educación
pública y la privada. Esta operación se ve reforzada por la incorpora-
ción o ampliación de los representantes privados en diversos organis-
mos como, por ejemplo, la Comisión Coordinadora de la Educación
citada precedentemente, las Comisiones Departamentales de Edu-
cación (URUGUAY, 2020, p. 51) y la Comisión Nacional de Educa-
ción no Formal (URUGUAY, 2020, p. 51). En los ejemplos señalados
se aprecia un desbalance en el momento en que se produce una dis-
minución de los representantes de las instituciones públicas y una
representación desmedida de los privados ante lo que cada uno de
estos organismos representan. A su vez, marca una elisión en rela-
ción a las particularidades históricas de la educación pública en el
Uruguay, su claro predominio y la diferencia público-privado. Por
medio de estas dos operaciones efectuadas en la arquitectura insti-
tucional de la educación se estimula un desdibujamiento de la dis-
tinción de la esfera pública-estatal, claramente hegemónica, como su
debilitamiento también. Concomitantemente, se apuesta a la aper-
tura y mayor presencia de los agentes privados en los diversos orga-
nismos de coordinación.
En lo que respecta al gobierno de la educación, el Proyecto de
Ley de Urgente Consideración también plantea que los actuales con-
sejos desconcentrados (Ceip, CES, CETPUTU) -que históricamente
han tenido una conformación colegiada- pasarán a ser direcciones
generales y unipersonales, lo que se traduce en una fuerte concen-
tración de poder. A la vez, supone la exclusión de los representantes
electos por los docentes para la integración de los consejos. Además,
cabe precisar que, en la actualidad, para designar a los integrantes de
los Consejos Desconcentrados, el Codicen requiere la votación de al
menos cuatro de sus cinco integrantes, lo cual demanda cierto nivel de
acuerdo con representantes docentes. En los cambios propuestos por
el Proyecto de ley, este aspecto no sería necesario ya que es suficiente
208
con el voto de los tres miembros propuestos por el Ejecutivo. Incluso,
este Proyecto quita el requisito de diez años de ejercicio de la docen-
cia en la educación pública, necesario para estar en condiciones de
ser electo para integrar un Consejo, lo que deja abierta la posibilidad
de integración de nuevos actores en la conducción de la educación.
Los cambios referidos a la organización y gobierno de la educa-
ción se pueden inscribir en los procesos de privatización endógena
o privatización en la educación (BALL; YOUDELL, 2008), analiza-
dos en el primer apartado, así como los impulsados por la new public
management. En tanto, se adoptan prácticas de gestión características
del sector privado como la sustitución de órganos de gobierno cole-
giados por gerentes generales.
Otro de los aspectos en los que el Proyecto de ley introduce
modificaciones refiere al fortalecimiento del MEC y la incidencia en
las políticas educativas de los entes autónomos. A éste se le agregan
los siguientes cometidos (art. 148):
209
consejos autónomos del Poder Ejecutivo; al respecto, de acuerdo con
el artículo 202, capítulo II de la Constitución uruguaya, se establece:
210
permanente de evaluación y monitoreo de la calidad docente” (URU-
GUAY, 2020, p. 50).
Esta concentración de poderes en el Ministerio de Educación
y Cultura pone de manifiesto una nueva organización en la arqui-
tectura institucional de la educación y en su gobierno dentro de los
límites de lo habilitado por la máxima carta orgánica. A su vez, el
ministerio es una entidad de carácter eminentemente político y sin
ninguna acumulación académica, por lo tanto, no cuenta con cua-
dros técnicos que puedan asumir el conjunto de competencias que
se adscriben a la cartera.
La eliminación del Sistema Nacional de Educación Pública y sus
comisiones coordinadoras, la desarticulación de los espacios interins-
titucionales públicos, la ampliación de las representaciones de agen-
tes privados y la disminución de los representantes públicos en las
diversas comisiones se enmarca en la concepción educativa de un
mismo fin público, dos formas de gestión que pregonan los think
tanks pro-privatización en el terreno educativo nacional e interna-
cional. Esta línea de cambios se complementa con el fortalecimiento
y concentración de las competencias y del poder del MEC, en des-
medro de la autonomía técnica, administrativa, de gobierno y eco-
nómica de la educación pública uruguaya.
211
un mismo centro educativo, pudiendo delegar estas atribu-
ciones a las Direcciones Generales de los subsistemas educa-
tivos (o, en su caso, al Consejo de Formación en Educación),
y éstas a las direcciones de los centros educativos”;
• “podrá disponer condiciones de orden funcional (como el
compromiso con una metodología de trabajo o un proyecto
de centro) para el acceso o permanencia en un lugar de tra-
bajo específico. También podrá delegar esta facultad en las
Direcciones Generales, o en las direcciones de los centros
educativos” (URUGUAY, 2020, p. 56-57).
212
Los procesos de ampliación democrática y representación
docente también se ven alterados mientras que el proyecto de Ley
de Urgente Consideración restringe la participación de los docen-
tes en el gobierno de la educación al eliminar a sus representantes,
elegidos por voto directo de todo el cuerpo docente, de los Consejos
desconcentrados de cada rama de la educación (URUGUAY, 2020, p.
47). La participación en los Consejos de Participación de los centros
también es modificada al eliminar el porcentaje prescriptivo de los
representantes estudiantiles en dichos Consejos de Educación Media;
también se elimina la regularidad de las sesiones y la convocatoria
quedaría librada al director, al igual que la elección de las temáticas
a abordar (URUGUAY, 2020, p. 49-50).
Como se indicó, el conjunto de estos cambios ambientados en
los diagnósticos de crisis del sistema educativo e ineficiencia en
la gestión del Estado han sido el leitmotiv de la campaña electoral. A
modo de síntesis, cabe destacar que en el acto de asunción del presi-
dente Dr. Luis Lacalle Pou, el 1º de marzo, señala:
213
los sueños personales, […] la libertad de buscar la felicidad de
cada uno de nosotros por los caminos que cada uno elija recor-
rer” (LACALLE POU, 2020, s/p).
A MODO DE CIERRE
214
provocada por el covid-19, en tiempo récord y con mecanismos de
dudosa constitucionalidad. La herramienta elegida, el proyecto de Ley
de Urgente Consideración, supone la implantación de una reforma
educativa encubierta que procura erosionar las características orga-
nizativas tradicionales del sistema educativo. Como se señaló, éste se
estructuró con un claro predominio estatal, con una diferenciación
entre lo público y lo privado, con formas de gobierno colegiadas y
forjado sobre el principio de autonomía como forma de sobreguar-
dar a la educación de los vaivenes político-partidarios.
Como hemos analizado, en el ciclo progresista que inicia en
2005, cuando asume el gobierno el Frente Amplio, y en medio a los
cambios impulsados por la Ley General de Educación n. 18.437, pro-
ducto de importantes procesos de participación, la educación se con-
sagró como un derecho humano fundamental y como bien público y
social, definiéndose una responsabilidad central del Estado. En este
sentido, y como forma de garantizar el derecho a la educación de
todos los sujetos, se desarrollaron un conjunto de políticas de inclu-
sión educativa e integrales, durante los tres períodos de gobierno
dirigidas fundamentalmente a “colectivos minoritarios o en especial
situación de vulnerabilidad” (URUGUAY, 2008, p. 2). Asimismo, se
organiza el Sistema Nacional de Educación Pública y sus comisiones
que habilitan avances en la coordinación de políticas públicas y estra-
tegias mancomunadas en el territorio.
Además de las fortalezas y avances producidos en estos gobier-
nos, hemos observado algunas tensiones vinculadas principalmente
a procesos de privatización. A ese propósito, el discurso de la “crisis
de la educación”, especialmente de la Educación Media, habilitó res-
puestas desde la gestión privada mediante experiencias que cuentan
con un financiamiento indirecto por parte del Estado, promovido
por la reforma tributaria del 2007.
Con la llegada al gobierno de una nueva coalición de derecha,
el análisis realizado permite evidenciar el pasaje de una privatización
incipiente o latente a una privatización manifiesta en el Proyecto de
215
Ley de Urgente Consideración. Este incluye, entre otros aspectos: la
redefinición de la naturaleza, del concepto y alcance de la educación;
la desaparición del Sistema Nacional de Educación Pública y la incor-
poración de actores privados y de la educación militar y policial en la
Comisión Coordinadora; el debilitamiento de la autonomía docente;
y la incorporación de atribuciones a los directores de centros educa-
tivos bajo la integración de mecanismos gerenciales.
En estas circunstancias, la modalidad de privatización “exógena”
en términos de Ball y Youdell (2008), o privatización de la educación,
no es la única modalidad que se quiere producir con el Proyecto de
Ley de Urgente Consideración. También se plantean formas “endó-
genas”, o privatización en la educación, por medio de los cambios en
el gobierno de la educación. Esto supone adoptar, en las propias ins-
tituciones de formación de docentes, “ideas, técnicas y prácticas pro-
pias del sector privado a fin de tornar al sector público más similar
al privado” (BALL; YOUDELL, 2008, p. 8-9).
De esta forma, los modelos de competencias y ciertas maneras
de gerenciamiento de los centros educativos que afectan al trabajo
docente disputan la orientación de las políticas en este sector y pro-
curan consolidar un nuevo paradigma educativo, que se aproxima a
los modelos mercantilistas de la educación.
Si bien es aventurado anticipar el desenlace en relación a los
cambios en materia educativa, entretanto la ley sienta las bases de
cambios sustantivos, estos se deben, efectivamente, implementar y
complementar con otras leyes y, particularmente, con el mensaje
presupuestal. A su vez, la actual oposición política, la academia de
forma unánime y los sectores gremiales, estudiantiles y sociales han
comenzado a disputar y resistir las modificaciones en materia edu-
cativa, trabajadas en el apartado precedente. En el terreno de la con-
tienda política y social aún queda un interesante espacio de debate y
confrontación. No obstante ello, la estrategia empleada por el Poder
Ejecutivo -Proyecto de Ley de Urgente Consideración-, en una rea-
lidad de emergencia sanitaria y que abarca una pluralidad de temas,
216
da cuenta de un sesgo autoritario que revierte el estilo democrá-
tico gradualista de procesar los cambios característico del Uruguay
moderno, al tiempo que procura asentar bases que alteran la consti-
tución histórica de la educación pública.
REFERENCIAS
217
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cación pública. Brussels: Education International, 2008.
218
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219
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220
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Siglo XXI, 2018.
221
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of Education: A Political Economy of Global Education Reform.
New York: Teachers College Press, 2016.
222
Conservadorismo
e privatização da
educação no Brasil56
223
envergadura, aplicadas pelo empresariado e seus representantes, para
a oferta da educação pública no Brasil, com medidas que envolvem,
para além do financiamento público, questões como: a concepção do
que é a educação pública; a formação de sujeitos para o mundo do tra-
balho neste século; a consolidação de um determinado conjunto de
valores por meio das escolas; o que deve — e o que não deve — ser o
trabalho dos professores; o que pode — e o que não pode — estar no
currículo da rede de ensino etc. Para este debate, serão realizadas aná-
lises e comparações entre alguns elementos de diferentes projetos que
envolvem a política educacional no país, alguns já em fase de imple-
mentação — como a Reforma do Ensino Médio, a Nova Base Nacio-
nal Comum Curricular (BNCC), e, a nível regional, no estado de São
Paulo, o Programa Educação Compromisso de São Paulo (PECSP); e
outros, ainda, que, mesmo que não tenham sido oficialmente apro-
vados, são continuamente retomados nas disputas em torno da edu-
cação, como Projeto de Lei Escola Sem Partido (ESP).
Antes de avançar na análise desses textos, devem ser retoma-
das algumas importantes elaborações sobre o neoliberalismo e seu
projeto político, econômico e social; bem como acerca das formas
pelas quais as concepções neoliberais são implementadas, a depen-
der do momento histórico e do conflito social presente nacional e
internacionalmente.
Como já afirmado em diversos estudos, o neoliberalismo não se
restringe a propostas exclusivamente econômicas. Tampouco é cor-
reto afirmar que suas diretrizes requerem a existência de um “Estado
mínimo”, apequenado na resolução de questões sociais, sem inter-
venção alguma na dinâmica do mercado57.
224
O neoliberalismo, assim, é um projeto político, e a implementa-
ção de suas diretrizes tem demonstrado, historicamente, um caráter
pragmático; ou seja, de propostas realizadas sem profundas elabora-
ções prévias — o que seria perceptível, para Harvey (2008), por meio
do modo frequentemente parcial e assimétrico da efetivação dessas
propostas em diferentes países. Ainda assim, para o autor, há uma
característica comum fundamental no neoliberalismo: a relocaliza-
ção e a concentração de renda e poder político nas elites econômicas.
225
modo a impor esses objetivos. […] A virada começou por pres-
são de certas condições, sem que ninguém sonhasse ainda com
um novo modo de regulação em escala mundial. Nossa tese é
que esse objetivo tenha se constituído ao longo do próprio con-
fronto, se impondo a forças muito diferentes em razão da própria
lógica do confronto e, a partir desse momento, feito o papel de
catalisador, oferecendo um ponto de encontro a forças até então
relativamente dispersas. (DARDOT; LAVAL, 2012, p. 191-192)
226
E, enquanto aponta que "falhas na regulação fiscal estão no cen-
tro do fracasso financeiro" e que "um governo efetivo" é essen-
cial, estão ausentes no relatório menções ao seu próprio papel
em promover políticas que busquem limitar a regulação esta-
tal. Em vez disso, o relatório convoca um papel expandido do
Grupo BM fundamentando-se naquilo que chama de "moderni-
zação multilateral", e um papel central para o setor privado atra-
vés de mecanismos como as PPPs [Parcerias Público-Privadas],
com o fim de suprir as necessidades dos mais pobres. (ROBERT-
SON, 2012, p. 293)
227
como, de fato, submissão, ou que, apesar de tudo, ela seja considerada
necessária pelos indivíduos.
Os autores destacam que, principalmente a partir dos anos de
1970, aumenta o número de empregos que demandam, dos traba-
lhadores, “la implicación del personal” (BOLTANSKI; CHIAPELLO,
2012, p. 41), ou seja, iniciativas próprias, sacrifícios individuais, con-
sentidos livremente, com compromisso diante da tarefa a ser execu-
tada. Para que se seja alcançado tamanho entusiasmo, é fundamental
a implementação de um poderoso arcabouço ideológico.
Essa armação ideológica ultrapassa argumentos que destacam,
apenas, possíveis vantagens individuais a serem obtidas na manuten-
ção do capitalismo; deve-se convencer que a reprodução do modo
de produção capitalista acarreta, também, vantagens coletivas. Ou
seja, como se o envolvimento dos sujeitos nos processos capitalistas
contribuísse para uma produção benéfica a todos, como se favore-
cesse o bem comum. Assim, afirmam os autores, “llamamos espíritu
del capitalismo a la ideologia que justifica el compromiso con el capita-
lismo.” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2012, p. 41, grifo dos autores).
Em outras palavras, o espírito do capitalismo é
228
las ventajas y las servintumbres del orden en el cual se encuen-
tran inmersos. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2012, p. 46)
229
a concorrência empresarial passa a ser considerada a forma geral da
sociedade, o ideal de conduta humana. Assim, o neoliberalismo
exige uma política que vai muito além dos mercados de bens e
serviços e diz respeito à totalidade da ação humana. […] visa a
introduzir, restabelecer ou sustentar dimensões de rivalidade na
ação e, mais fundamentalmente, moldar os sujeitos para torná
-los empreendedores que saibam aproveitar as oportunidades
de lucro e estejam dispostos a entrar no processo permanente da
concorrência (DARDOT; LAVAL, 2012, p. 136).
230
éticas antes sustentadas”, o neoliberalismo enfatiza a significa-
ção das relações contratuais no mercado (HARVEY, 2008, p. 13).
231
regulamentado e controlado pelo Estado capitalista, difundir
socialmente a impressão de que um mesmo ensino é ministrado
a todas as classes sociais e de que tal ensino está propiciando
iguais oportunidades de sucesso profissional a todos, indepen-
dentemente de sua condição de classe (SAES, 2005, p. 103-104).
Assim, de acordo com Saes (2005), ainda que a Escola única seja
apenas uma aparência — afinal, há, na realidade, diferentes projetos
de educação e redes de escolarização para diferentes classes sociais
—, ela traz consequências concretas: estabelece-se uma propaganda
de que seria possível a ascensão social, em uma disputa realizada,
nas mesmas condições, independentemente da classe social de ori-
gem do estudante59. Dessa forma, a defesa de uma escola pública,
gratuita, obrigatória não representa oposição à manutenção da socie-
dade capitalista, pois
232
escolar, desiguais; e vão dar origem portanto a diferentes padrões
de desempenho escolar, bem como a diferentes trajetórias esco-
lares (curta, longa) (SAES, 2005, p. 107-108).
233
Reformas educacionais neoliberais no Brasil e o
exemplo paulista
234
país —, a Reforma do Ensino Médio — operacionalizada pela Nova
BNCC (CNTE, 2017).
Cabe destacar que, no mesmo ano da imposição da Reforma do
Ensino Médio, o governo Temer já tinha realizado outras medidas
de profundo impacto social61, como:
61 Outra medida que trouxe diversas críticas ao governo, mas que não será,
nos limites do artigo, discutida, foi a Lei n° 13.467/17, a “Reforma Trabalhista”,
que altera pontos fundamentais das relações de trabalho no Brasil, envolvendo
questões como a estabilidade no trabalho, as terceirizações, as férias, a jornada
de trabalho etc.
235
áreas sociais62. Assim, diversas críticas63 destacam a impossibilidade
de melhorias na oferta, ou da realização de reformas de grande pro-
fundidade, em serviços públicos, como saúde e educação.
Mesmo com essa limitação orçamentária, o governo Temer
aprovou a Reforma do Ensino Médio, que implica algumas formas
de flexibilização na educação: “por tempo de duração do dia escolar
(integral ou não), por estado e por oferta de itinerários formativos”
(FERRETTI, 2018, p. 29), ou seja: os itinerários formativos64 (IF,
a parte eletiva do currículo) devem ser adaptados, a depender dos
arranjos e escolhas realizadas pelos estados, desobrigando as uni-
dades escolares de oferecerem todos os IF65. Assim, percebe-se uma
contradição importante, uma vez que, se, no discurso oficial, os estu-
dantes teriam autonomia para escolherem os itinerários formativos
com que melhor se identificassem, concretamente, será possível, no
máximo, a escolha entre as restritas opções disponibilizadas pelo sis-
tema público de ensino estadual — nos marcos de uma legislação que
restringe a possibilidade de investimentos na educação pública, e suas
possíveis transformações.
236
Há, nesse sentido, uma importante pressão, de ordem política e
econômica, sobre a oferta dos itinerários formativos:
237
nesse novo Ensino Médio, há a possibilidade de até 30% da carga horá-
ria do curso ser feita a distância67.
Além disso, e, destacando outras possibilidades de privatização,
a partir dos currículos flexíveis, e, em especial, no que diz respeito à
formação técnico-profissional, presente na proposta do novo Ensino
Médio, há uma possibilidade enorme de intervenção do setor pri-
vado, através de estabelecimento de convênios entre a rede pública
de ensino e tais instituições, que se responsabilizariam, então, pela
oferta de parcela importante do currículo escolar68 (CNTE, 2017).
Passos significativos, nesse sentido, já podem ser percebidos na cons-
trução do Currículo Paulista Etapa Ensino Médio — a reforma feita
no estado de São Paulo, aprovada em 2020, tornando o estado o pio-
neiro na adequação das diretrizes curriculares69.
As relações com o mercado, nesse projeto de educação, são tão
viscerais que o Conselho Nacional de Educação publicou um polêmico
238
documento, em outubro de 2018, para consulta pública, no qual era
ventilada a possibilidade de parte da carga horária do Ensino Médio
poder ser descontada em atividades desenvolvidas, diretamente, no
setor privado, como em “cursos de aprendizagem profissional”, ou
mesmo em “trabalho voluntário”70.
Assim, a Reforma do Ensino Médio e também a BNCC estão
articuladas para a formação da força de trabalho, de acordo com as
exigências do capitalismo neoliberal. Trata-se, aqui, da formação de
trabalhadores envolvidos com o modo de produção. Por exemplo, a
utilização da noção de competências, de base psicológica, está profun-
damente relacionada com a forma de trabalho toyotista, de modo que
239
garantir a constituição da sociabilidade da força de trabalho adap-
tada às novas demandas do capital, seja no âmbito da produção,
seja no dos serviços. (FERRETTI, 2018, p. 32-33)
240
técnicos, de maior disponibilização e utilização de recursos tecno-
lógicos, de adequação de currículos flexibilizados etc. Dessa forma,
afastando da discussão as políticas sociais, e considerando a profunda
desigualdade social do país, pode-se, por fim, agravar ainda mais essas
desigualdades (FERRETTI, 2018).
Nesse ponto, sobre a discussão acerca da diversidade da juven-
tude — ou das juventudes —, um debate que tem se destacado, em
especial se consideradas as demandas levadas a cabo pelos setores
conservadores da sociedade, envolve o projeto de lei Escola Sem Par-
tido (ESP). É importante frisar que esse projeto de lei foi encami-
nhado por uma organização autodenominada Escola Sem Partido.
Esse movimento procura, em sua proposta, criminalizar aquilo que
chamam de “assédio ideológico”, cometido por docentes nas redes
de ensino. O ESP
241
Ainda que as primeiras articulações do ESP datem de 2004, desde
2014 tem-se percebido um crescimento de suas atividades e inserção
social, quando se formalizam as propostas de lei no Poder Legisla-
tivo, em municípios, estados e a nível federal. Sua proposta se funda
na censura, no silenciamento de docentes, na naturalização das desi-
gualdades sociais, e, assim, defende uma formação escolar acrítica em
relação à ordem social vigente (PERONI; CAETANO; LIMA, 2017;
FERRETTI, 2018).
Deve-se destacar, ainda, que o conservadorismo, o autoritarismo
e o neoliberalismo nunca foram excludentes. Harvey (2008) destaca
como as primeiras (mas não só) experiências neoliberais se deram
em regimes políticos absolutamente totalitários — como o de Pino-
chet, no Chile — e relembra que, para o neoliberalismo, entre uma
democracia que interfere na liberdade de mercado e uma ditadura
que dá melhores condições ao livre funcionamento deste, o capital
opta pela segunda opção. Quanto ao ESP, suas pautas podem atender
interesses do mercado — ao exigir o fim de práticas que possam ser
questionadoras ou transgressoras da ordem nas escolas, ou mesmo
debates que envolvam valores sociais e defendam a diversidade, a
participação política etc. —, ainda mais ao se considerar uma reali-
dade de crise econômica, aumento do desemprego, aumento e estí-
mulo da competição e da individualidade, que pode exigir medidas
de grande repressão para manutenção da ordem social; bem como
aos discursos de grupos conservadores, que afirmam estarem enga-
jados na defesa dos valores morais tradicionais, que podem ser “sub-
vertidos” pelos professores (PERONI; CAETANO; LIMA, 2017).
Ainda que o ESP não tenha sido aprovado pelo Congresso
Nacional, alguns municípios já incorporaram em suas legislações
as diretrizes defendidas pelo movimento71. Além disso, mesmo que
não seja, ainda, lei nacional, é crescente, nas escolas, os registros de
242
violência e perseguição contra professores72, o que mostra a capila-
ridade dessa discussão na sociedade brasileira.
Ainda que o ESP venha sofrendo revezes legais, seguem sendo
constantes as tentativas de aprovação de políticas inspiradas no ESP.
Em um exemplo recente, de agosto de 2020, o Superior Tribunal
Federal considerou inconstitucional um projeto de baseado no ESP
no estado de Alagoas, o “Escola Livre”, que contava com apoio do
ex-presidente Bolsonaro73.
Outro exemplo que comprova o acirramento dessas tensões, que
invadem o ambiente escolar e buscam coagir profissionais do magis-
tério, é o caso de um processo disciplinar aberto contra uma profes-
sora na cidade de Vinhedo (SP), em fevereiro de 2020. A docente,
que preparava uma atividade sobre o Dia Internacional das Mulhe-
res, foi filmada por uma aluna. A docente foi denunciada à Secretaria
da Educação, acusada de falar sobre "ideologia de gênero", e o vídeo
foi exposto na página do Movimento Brasil Livre (MBL) e compar-
tilhado por vereadores locais74.
br/conteudo/11636/escola-sem-partido-menor-do-que-parece Acesso
em: 20 ago. 2020.
72 CAVALCANTI, T. Casos de agressão a professores crescem 189% no estado
de São Paulo. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 ago. 2018. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/08/casos-de-agressao-a-pro-
fessores-crescem-189-no-estado-de-sao-paulo.shtml Acesso em: 12 out. 2020.
73 OLIVEIRA, M.; AMORIM, F. STF decide que lei inspirada no Escola sem
Partido é inconstitucional. Uol, Brasília/São Paulo, 21 ago. 2020. Disponível
em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/08/21/stf-tem
-maioria-contra-lei-de-alagoas-inspirada-no-escola-sem-partido.htm Acesso
em: 12 out. 2020.
74 BETIM, F. Professora de inglês sofre processo disciplinar por falar sobre
feminismo em cidade berço do MBL. El País, São Paulo, 17 fev. 2020. Dispo-
nível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-17/professora-de-ingles-sofre
-processo-disciplinar-por-falar-sobre-feminismo-em-cidade-berco-do-mbl.html
Acesso em: 12 out. 2020.
243
Cabe destacar, ainda, que esta não é uma discussão restrita ao
Brasil; no cenário internacional, diversos grupos de direita e extrema-
direita têm buscado impor suas pautas por meio da exposição e inti-
midação de docentes e da instituição escolar75.
Nesse contexto, relacionando o avanço do setor privado na ela-
boração das políticas públicas, em uma relação de ganhos assegura-
dos pela estrutura do Estado, envolvendo, se necessário, repressão,
cabe a discussão sobre um exemplo de política educacional regional,
o Programa Educação Compromisso de São Paulo.
O PECSP foi instituído pelo Decreto n°57.571de 2 de dezem-
bro de 2011, e é considerado, para importante parte da bibliografia, a
principal política educacional do período (GOMIDE, 2019). Ele for-
malizou e legitimou o estabelecimento de parcerias entre a Secreta-
ria da Educação do estado de São Paulo e as organizações privadas
que compõem o programa – com destaque à Associação Parceiros da
Educação, que reúne, em seu Conselho Consultivo, representantes
de instituições como o Itaú BBA, Bank of America, Fundação Bra-
desco, BTG Pactual).
Entre as propostas encaminhadas às escolas, estão sugestões
à mudança de postura de professores em suas aulas, o incentivo à
adoção de práticas pedagógicas nas escolas, a defesa do maior pro-
tagonismo dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem nas
escolas etc. O então governador do estado, no período, Geraldo Alck-
min, teceu agradecimentos públicos à ONG Parceiros da Educação76,
244
pelo auxílio na elaboração e implementação do programa – decisivo
na elaboração de políticas educacionais na rede estadual, como o Pro-
grama de Ensino Integral e o Método de Melhoria de Resultados77.
Nessa relação com o governo do estado, o Programa Educação
Compromisso de São Paulo se apoia em um documento que sinte-
tiza propostas para a elaboração de políticas públicas chamado “A
transformação da qualidade da educação básica no Brasil”. Assinado
por diversas organizações dessa sociedade civil, ele sistematiza algu-
mas diretrizes importantes defendidas por esses agentes privados.
O texto expressa como esse setor localiza os problemas, e as pos-
síveis soluções, para a educação pública. Após destacar que a popu-
lação não reconhece a baixa qualidade do ensino público ofertado,
ele afirma que a “qualificação dos professores é o fator que mais
influencia na capacidade dos alunos de aprenderem. Educar
depende, em altíssimo grau, do comprometimento, da competên-
cia e da dedicação dos recursos humanos envolvidos.” (CASA DO
SABER et al., 2010, p. 5, grifos no original). Assim, um dos fatores
que precisa de atenção especial é o quadro docente.
Para melhorar a qualidade do trabalho docente, a proposta passa
pela alteração dos currículos no Ensino Superior, que estariam defa-
sados e excessivamente centrados em questões “ideológicas” e “teo-
rias abstratas” (CASA DO SABER et al., 2010, p. 7). Cabe destacar, o
documento afirma que um dos maiores obstáculos ao aprimoramento
dos professores seria a estabilidade da profissão, uma vez que “a car-
reira existente dos professores concursados, que assegura estabilidade
245
empregatícia e desfavorece a meritocracia, tem se mostrado uma
enorme barreira para a melhoria da qualidade do corpo docente”
(CASA DO SABER et al., 2010, p. 5).
Assim, de acordo com a argumentação das organizações, a esta-
bilidade do trabalho impediria o desenvolvimento da meritocracia,
e, assim, professores não seriam estimulados a melhorarem e atua-
lizarem suas práticas pedagógicas. Portanto, uma solução possível,
destacada no texto, seria a contratação de professores a partir da fle-
xibilização dos vínculos trabalhistas. Junto ao ataque à estabilidade, o
texto defende medidas punitivistas, como o atrelamento de promo-
ções ou demissões a resultados obtidos em avaliações periódicas; a
estrutura de punições seria vertical: as metas a serem atingidas seriam
estabelecidas pela secretaria de educação do estado, que cobraria das
diretorias de ensino regionais, que exigiriam das direções da escola
resultados, que, por sua vez, teriam a obrigação de ajustar a conduta
dos professores (CASA DO SABER et al., 2010).
Além disso, deve-se frisar, a ideia de que os currículos discu-
tem questões abstratas demais, ou ideológicas, liga-se ao ponto discu-
tido anteriormente, da aparência da defesa de uma educação neutra,
mas que, na verdade, busca combater elementos de reflexão e ques-
tionamento acerca da realidade social, em defesa de leituras que evi-
tem fomentar o conflito social, naturalizando as desigualdades sociais,
sob aparência de uma discussão técnica.
Por fim, e, coerente com a linha defendida ao longo do docu-
mento, são elaboradas propostas sobre a gestão escolar, como, nas
escolas públicas, com financiamento público, ser feita por ONGs,
com ou sem fins lucrativos. Nesse caso, a concepção de educação
pública está ligada à gratuidade do serviço ao público, ainda que essas
verbas estejam sendo repassadas ao setor privado. De acordo com o
documento, a gestão privada dos recursos públicos, ou mesmo com
o repasse de verbas públicas escolas particulares (que, assim, abri-
riam vagas para estudantes usuários do sistema público), é capaz de
gerar, entre as escolas, uma “concorrência construtiva” (CASA DO
246
SABER et al., 2010, p. 14), alavancando os resultados da educação.
O texto ainda indica elementos sobre caminhos desejáveis em uma
reforma do Ensino Médio, envolvendo redução de disciplinas obriga-
tórias, maior ligação com o ensino profissionalizante e o mercado de
trabalho, além do fomento a disciplinas como “Empreendedorismo”.
Relações e Conclusões
247
conjunto de ideias que justifiquem sua existência, que mobilize os
indivíduos, para além das coerções, a defenderem e se envolverem em
sua reprodução, uma renovação do “espírito do capitalismo”. Em diá-
logo com essas elaborações, foram retomados Dardot e Laval (2012),
que, discutindo a razão de mundo neoliberal, destacam as relações
de mercado como forma geral das relações sociais no capitalismo,
enfocando, no neoliberalismo, o estímulo à multiplicação do sujeito
empreendedor, cuja força motriz é o interesse próprio, em compe-
tição com os demais, e que, nessa concepção de mundo, a partir da
dinâmica de competição permanente, seria possível perceber um
movimento ascendente de criação e transformação dos indivíduos.
Para a propaganda das ideias e concepções de mundo, foram tra-
zidas produções de Saes (2005, 2007), que destaca o espaço da escola,
e, em especial, a escola pública, gratuita e universal, como espaço pri-
vilegiado de reprodução social, de valorização e divulgação dos prin-
cípios da sociedade vigente, enfocando, no caso, questões referentes
à meritocracia.
Os projetos educacionais aqui discutidos, no caso brasileiro, dia-
logam profundamente com essas elaborações. Partindo, por exemplo,
das proposições do ESP, percebe-se uma enorme preocupação em
evitar que docentes utilizem o espaço da escola pública para a refle-
xão de pontos que possam vir a gerar questionamentos, por parte dos
alunos, acerca de problemas, desequilíbrios e desigualdades sociais
na realidade por eles vivida. Isto é, nas denúncias trazidas a público,
ligadas ao ESP, discussões como a defesa de um currículo que incen-
tive os estudantes ao empreendedorismo não aparecem como “dou-
trinação ideológica”, por menos neutra que seja essa pauta.
Na defesa do individualismo e da competição, como forma de
encarar o mundo, defendido por todos os projetos de lei aqui expos-
tos, ataca-se, necessariamente, a existência de organizações coletivas,
de solidariedade, em especial na esfera do trabalho. O ESP, ainda, vai
mais além, visando destruir relações de confiança nas escolas, nos
laços entre professores e alunos (PERONI; CAETANO; LIMA, 2017).
248
A manutenção do modo de produção capitalista, em uma situa-
ção de crise econômica internacional, em um país periférico e desigual
como o Brasil, requer justificativas que envolvam a necessidade da
repressão para “consertar” desajustes e mobilizações contra a ordem
estabelecida. Nesse sentido, esses projetos de educação, ao valoriza-
rem a concorrência individual como modelo das relações sociais, e
enfatizando discursos truculentos e conservadores na “defesa da moral
e dos costumes”, têm papel fundamental na construção da ideia de que
os problemas da estrutura social brasileira não teriam relação com o
neoliberalismo, com o capitalismo, mas que seriam consequência de
desvios de conduta particulares. Por exemplo: na sociedade, o pro-
blema estaria na inversão dos valores tradicionais; nas escolas, pro-
fessores fariam discursos ideológicos contra a família; no trabalho, os
índices atingidos não seriam bons o suficiente porque faltaria, por um
lado, estímulos reais às melhorias e atualizações, e, por outro, have-
ria dificuldade para punir maus funcionários. Como disse o ex-pre-
sidente do país, “hoje em dia é muito difícil ser patrão no Brasil”78.
Assim, pode-se afirmar que a existência desses projetos de edu-
cação demonstra que o modelo neoliberal está para além da entrega
do bem público aos grupos privados. Sua análise deve compreender
o movimento de relocalização do capital na elaboração de políticas
públicas (ROBERTSON, 2012), a fim de, mais que assegurar ganhos
financeiros imediatos, impor sua razão de mundo, suplantar com-
preensões de identifiquem o conflito social, que enfoquem e culpa-
bilizem os indivíduos pela sua própria condição.
Para tal, essas políticas expressam o avanço de mecanismos de
controle sobre o trabalho daquelas e daqueles que estão na linha de
249
frente na implementação da educação escolar: as professoras e pro-
fessores. Portanto, como foi demonstrado ao longo deste artigo, o
cerceamento das liberdades desses profissionais, de sua autonomia,
bem como seu constrangimento e desvalorização, aparecem como
peças centrais.
Dessa forma, conforme afirmado anteriormente, não há contra-
dições entre o autoritarismo, o conservadorismo e o neoliberalismo.
Inclusive, como se pode perceber, em determinadas conjunturas, estes
são elementos complementares. O fim da história, porém, não está
escrito; cabe refletir se, em caso de prolongamento da situação de
crise, e agravamento das contradições sociais, até que ponto é possí-
vel manter equilibrada essa equação. Algumas importantes respostas
vêm sendo dadas, fugindo desse script79. É essencial manter a atenção
nos próximos acontecimentos.
REFERÊNCIAS
250
CASA DO SABER et al. A transformação da qualidade da edu-
cação básica no Brasil. São Paulo, 2010. Disponível em: www.
parceirosdaeducacao.org.br//application/assets/pdf/a-transforma-
cao-da-qualidade.pdf Acesso em: 7 set 2020.
251
HARVEY, D. O Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo:
Edições Loyola, 2008.
252
SAES, D. A ideologia docente em “A reprodução”, de Pierre Bour-
dieu e Jean-Claude Passeron. Educação & Linguagem, São Paulo,
2007. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas
-ims/index.php/EL/article/view/129 Acesso em: 13 set. 2020.
253
Sobre as práticas
pedagógicas e o
silenciamento, o medo e o
discurso de ódio em relação
aos/às professores/as
254
recentemente, nos últimos anos, no Haiti, no Equador, no Chile e na
Bolívia demonstram o esgotamento das políticas neoliberais. É, por-
tanto, nesse contexto de crise internacional do capitalismo neolibe-
ral que se insere o Movimento Escola sem Partido.
A incapacidade da elite brasileira de tolerar níveis crescentes de
democracia e de melhoria nas condições de vida da classe trabalha-
dora é uma marca da história brasileira. O Golpe Militar de 1964 e
o Golpe de 2016 expressam isso: a reação dos antigos detentores do
poder político e dos setores economicamente dominantes de reto-
marem o poder por meio de golpes civis, militares e institucionais.
O golpe parlamentar-institucional, perpetrado contra a presidenta
Dilma Rousseff (PT), em 2016, foi apoiado pelas principais empre-
sas midiáticas brasileiras, pelo judiciário, pelo parlamento e pelas for-
ças armadas. Ato contínuo foi a prisão de Luís Inácio Lula da Silva,
principal candidato às eleições de 2018, o que permitiu a esses setores
a retomada do poder político, num ambiente de avanço dos valores
conservadores e de medidas institucionais que retiraram direitos da
classe trabalhadora. No Brasil, tais conflitos sociais estão sendo agra-
vados pela pandemia da covid-19 e a atual crise sanitária.
É nesse contexto econômico, político e social que o projeto
Escola sem Partido ganha cada vez mais projeção, inclusive como
uma bandeira do programa de governo do ex-presidente Jair Bolso-
naro. No artigo “Notas sobre ‘Escola sem partido’”80, Minto; Rodrigues
e Gonzalez afirmam que o ESP é mais uma tentativa de alinhamento
do campo educacional aos interesses imediatos do capital:
255
eixo a descaracterização do ensino como lugar de socialização e
de inserção no mundo pela via do conhecimento, configuram-
se como expressão contemporânea da barbárie capitalista, que se
torna ainda mais regressiva no contexto da crise. Estamos diante
da tentativa de construir uma escola mais adequada aos propósi-
tos dos ajustes estruturais demandados pela ordem capitalista glo-
bal: do ataque aos direitos sociais à inviabilização da escola como
locus da ciência e sua difusão, já que isso demanda justamente
aquilo que o ESP quer interditar: o questionamento da realidade
e de suas múltiplas dimensões (MINTO; RODRIGUES; GON-
ZALEZ, 2016, s/p).
256
das proposições do MESP81 e seus impactos na atual conjuntura edu-
cacional brasileira.
O intuito deste artigo é, portanto, apresentar os resultados,
por meio de uma síntese, da extensa revisão bibliográfica realizada.
Após esta introdução, apresentaremos os impactos do MESP sobre
os docentes e sobre as práticas pedagógicas a partir da revisão crí-
tica de diversos autores.
257
controle e intervenção do Estado, a liberdade para a educação domi-
ciliar (homeschooling). Portanto, é notória essa ampla rede de cone-
xões ultraliberais que, embora não esteja abertamente vinculada ao
MESP, está por trás de sua defesa e disseminação de ideias, quiçá até
de seu financiamento.
No campo “Deveres do Professor”, do site escolasempartido.org,
asseveram que “ao lado da liberdade de ensinar está a liberdade de
aprender, ambas asseguradas pelo art. 206 da Constituição Federal”.
Sob o argumento da necessidade de conscientizar os alunos “con-
tra a ação abusiva de professores militantes”, o site e os projetos de
lei do ESP apresentam uma proposta de cartaz que deve ser afixado
nas salas de aula, no qual elencam presumidos “deveres do profes-
sor” acerca de uma conduta supostamente neutra, de respeito às opi-
niões dos alunos, do direitos dos pais à educação moral dos filhos.
Miguel (2016), no artigo “Da ‘doutrinação marxista’ à ‘ideolo-
gia de gênero’ – Escola sem Partido e as leis da mordaça no parla-
mento brasileiro”, enfatiza que o crescimento do MESP no debate
público ocorre justamente quando ele conflui para outra bandeira
da agenda conservadora, que é o combate à denominada “ideologia
de gênero”. A discussão sobre os papéis de gênero, que inicialmente
subsidiava o combate à homofobia e ao sexismo nas escolas, passou a
ser combatida por grupos religiosos conservadores. “O MESP trans-
feriu a discussão para um terreno aparentemente ‘moral’ (em con-
traposição ao ‘político’) e passou a enquadrá-la nos termos de uma
disputa entre escolarização e autoridade da família sobre as crianças”
(MIGUEL, 2016, p. 596).
Vale enfatizar que a primeira iniciativa de conversão do movi-
mento em Projeto de Lei é fruto de uma solicitação de Flávio Bol-
sonaro, então deputado estadual no Rio de Janeiro (PP), a Miguel
Nagib. O anteprojeto de Nagib serve como modelo para a criação
de leis federais, estaduais e municipais sobre o Escola sem Partido, e
atualmente projetos similares tramitam em diversos estados e muni-
cípios brasileiros.
258
CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO E SOCIAL E O
MOVIMENTO ESP
259
defensores do movimento, que ora está articulado com partidos e
movimentos do campo da direita, ora está associado a grupos reli-
giosos ultraconservadores. A autora ressalta o avanço, no campo das
políticas públicas, de forças conservadoras e divergentes das pautas
historicamente defendidas por movimentos sociais de trabalhadoras
e trabalhadores da educação, como o direito à educação democrática,
plural e laica, o direito à participação e organização política dos estu-
dantes e profissionais da educação, dentre outras pautas democráticas.
Destarte, Colombo (2018) argumenta que o movimento é não
apenas partidário, mas ideológico, dado que articula práticas e discur-
sos na defesa de determinada concepção de escola: eficaz por mobili-
zar investimentos de mercado, mas ainda mais eficiente por silenciar
divergências no espaço escolar, por criminalizar a criticidade e por
formar trabalhadores e trabalhadoras amordaçados/as.
Jeferson Anibal Gonzalez e Michele Cristine da Cruz Costa, no
artigo “Neoliberalismo, neoconservadorismo e educação: o movi-
mento ‘Escola sem Partido’ para além do projeto de lei” (2018), salien-
tam como o entendimento da educação como mercadoria e a defesa
da neutralidade do trabalho pedagógico são bandeiras centrais para
o Escola sem Partido, assim como a defesa do lema “Professor não
é educador”, visto que partem da premissa de que cabe ao profes-
sor somente realizar o seu trabalho de forma técnica. Portanto, des-
tacam a necessidade de compreendermos o movimento Escola sem
Partido para além de seu projeto de lei, entendendo como ele está
inserido em um movimento mais amplo, conduzido por defensores
do ideário neoliberal e neoconservador.
Portanto, o entendimento de um contexto mais amplo é funda-
mental para a luta contra-hegemônica e a articulação das demandas
da classe trabalhadora no campo educacional, em oposição e resis-
tência a essa atual ofensiva do capital, ressaltam Gonzalez e Costa.
Lima, Gonzalez e Lombardi (2017) apontam que as orienta-
ções ideológica e financeira das reformas neoliberais reverberaram
na dimensão técnico-administrativa das reformas neoliberais da
260
educação, no artigo “A gestão empresarial da rede estadual de edu-
cação de São Paulo: o papel da tríade ideológica eficiência, produti-
vidade e neutralidade”. De acordo com essa lógica, tais reformas, sob
o argumento de almejarem o máximo de eficiência e produtividade
da escola pública, expressam, na verdade, o processo de mercadori-
zação da educação, explicitam o conteúdo empresarial das reformas
educacionais, e o emprego de conceitos como “eficiência”, “eficácia”
e “produtividade” é a maior expressão deste processo (LIMA; GON-
ZALEZ; LOMBARDI, 2017, p. 926).
Entre as consequências dessa estratégia de reorganização escolar
proposta pelo Governo do Estado de São Paulo, em 2015, os autores
destacam a precarização das formas de contratação de professores,
cuja carreira docente foi paulatinamente sendo desestruturada por
meio da criação de subcategorias, o que resultou na fragmentação da
categoria e na perda da capacidade de resistência à reorganização das
escolas pela via sindical, em decorrência da precarização do vínculo
trabalhista. Desse modo, o fechamento de salas de aula era apenas
“a ponta do iceberg da reestruturação da rede de ensino”, salientam
Lima, Gonzalez e Lombardi (2017, p. 926).
Concomitantemente, foi apresentado à Assembleia Legislativa
do Estado de São Paulo o Projeto de Lei n. 1301/2015, dispondo sobre
a criação, no sistema estadual de ensino, do Programa Escola sem Par-
tido. Lima, Gonzalez e Lombardi (2017) analisam ambas as propos-
tas, quais sejam: a reorganização escolar proposta pelo Governo do
Estado de São Paulo e o Projeto de Lei “Escola sem Partido”, que tra-
mita na Assembleia Legislativa do mesmo estado. Os autores ressal-
tam que, não por coincidência, ambos os projetos foram apresentados
no mesmo ano (o primeiro em setembro e o segundo em outubro),
projetos estes que compõem o contexto político-educacional e “inte-
gram um complexo de iniciativas que visam o aprofundamento da
lógica da gestão empresarial nas escolas públicas, tendo como mote
a eficiência, a produtividade e a suposta neutralidade” (LIMA; GON-
ZALEZ; LOMBARDI, 2017, p. 926).
261
Argumentam Lima, Gonzalez e Lombardi (2017) que o caráter
conservador, subjacente aos projetos citados, fica explícito quando
compreendemos a relação da organização da política educacional com
o contexto geral de reconfiguração do capitalismo por meio da adoção
de políticas neoliberais, que significa, por um lado, Estado mínimo na
garantia de direitos sociais, mas, por outro lado, um Estado máximo
na garantia da implementação do mercado como regulador da vida
social e de como os seres humanos devem viver e enxergar o mundo.
Camargo e Minto (2019) fazem uma importante análise sobre
as eventuais decorrências para a educação escolar pública, sobre-
tudo do ponto de vista relativo ao financiamento da educação, caso
o PL do Escola sem Partido seja aprovado no Congresso Nacional.
No artigo “‘Escola Sem Partido’? Uma análise com base na legisla-
ção e sob a ótica do financiamento”, Camargo e Minto comparam o
Artigo 206 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o Artigo 3° da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) e o
referido PL (site do ESP84).
262
Portanto, se aprovado o PL da ESP, “o país correria o risco de ser
submetido a um novo padrão de financiamento da educação pública,
que poderá aprofundar ainda mais a disputa pelo fundo público,
com maior probabilidade de danos para a população” (CAMARGO;
MINTO, 2019, s/p). Segundo os autores, é preciso resistir às ten-
tativas de “flexibilização” da legislação que trata das dimensões do
fundo público (composição e destinação), bem como é necessário
que a sociedade, em particular os setores que defendem a igualdade
e a justiça social — partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos,
universidades e comunidades escolares, entre outras instâncias pro-
gressistas —, constate a inadequação do PL da ESP e deixe de tolerar
ainda mais retrocessos sociais.
263
a Miguel Nagib, nessa época, um anteprojeto de lei contra a “doutri-
nação” nas escolas, momento crucial para a maior projeção do movi-
mento e momento em que as pautas do Escola sem Partido passam
a assumir um caráter explicitamente moral, incorporando o uso de
expressões como "ideologia de gênero" para se reposicionar dentro
do debate educacional.
264
no campo da educação, quanto para pensar a política nacional
em nível macro e, inclusive, a política internacional, visto que
o avanço conservador está longe de se limitar apenas ao Brasil.
(MOURA; SALLES, 2018, p. 144).
265
da família, Moura e Salles apontam como se ramificam outras disputas
em torno de um projeto não só de educação, mas de sociedade. Afi-
nal, ao defenderem um modelo de família heteronormativa judaico-
cristã, consideram que o ganho de certos direitos, como educação,
segurança e representatividade, por outros grupos significa, neces-
sariamente, a perda destes direitos por outros grupos.
266
Portanto, o autor enfatiza como a proposta do projeto Escola sem
Partido, e dos PLs a ele associados, é prejudicial para o alcance dos
objetivos da educação estipulados pela Constituição Federal, quais
sejam: o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercí-
cio da cidadania e a qualificação para o trabalho (conforme a Cons-
tituição do Brasil de 1988, art. 205). Ressalta ainda que:
267
pais de alunos e parlamentares, em escolas e universidades públicas
e particulares.
Cassol (2018) aponta que, em abril de 2017, relatores de Direitos
Humanos das Nações Unidas enviaram documento ao governo bra-
sileiro alertando que o Escola sem Partido poderia representar cen-
sura e violação ao direito de expressão nas salas de aula. No entanto,
enquanto projetos de lei começavam a ser debatidos na Câmara dos
Deputados e propostas semelhantes eram replicadas nos estados e
municípios, na prática, ações motivadas pelo ESP já ocorriam na
rotina de muitas escolas.
268
fechamento de exposições artísticas, e, no âmbito das salas de aula, à
criminalização e ao controle do trabalho pedagógico e da persegui-
ção de professores/as.
Fica patente que os proponentes do Escola sem Partido que-
rem proibir, nas escolas, temas como gênero, feminismo, diversi-
dade, inclusão, racismo, homofobia, educação sexual, capitalismo,
religiosidades, entre outros, o que significa que o MESP representa
o ataque de movimentos reacionários à liberdade de ensino e ao
pluralismo de concepções pedagógicas, visto que defendem que não
cabe na escola o respeito às diversidades (étnico-racial, religiosa, de
gênero). Portanto, além da perseguição a professores/as e da crimi-
nalização da prática docente, são muitos os sujeitos e as organiza-
ções prejudicados pelo projeto Escola sem Partido, como estudantes,
mulheres, grupos LGBTI, população indígena, população afro-des-
cendente, pessoas que cultuam religião de matriz africana, as orga-
nizações de esquerda, sindicatos, movimentos sociais, a escola e a
educação pública, entre outros.
269
Ramos argumenta que, conforme Saviani, inevitavelmente toda
prática educativa contém uma dimensão política e toda prática polí-
tica contém uma dimensão educativa, pois:
270
(2017), pois para eles os professores que vêm dos segmentos popu-
lares ou os “intelectuais de esquerda” são ameaçadores. Daí a neces-
sidade de controlá-los, persegui-los e criminalizá-los.
Carvalho, Polizel e Maio (2016) investigam algumas formações
discursivas e os efeitos do Movimento Escola sem Partido (ESP) no
artigo “Uma escola sem partido: discursividade, currículos e movi-
mentos sociais”. Ao analisarem o surgimento do ESP em 2004 (até
então sem expressão significativa), identificam que o fundador e pro-
ponente, o advogado paulista Miguel Nagib:
271
fundamentalista que disputam pautas políticas e tentam impedir o
acesso dos grupos minoritários à vida pública, a exemplo do Movi-
mento Brasil Livre, dos Cristãos Contra a Ideologia de Gênero, da
Família na Escola, assim como o próprio ESP.
272
Num contexto histórico-político e econômico, marcado pela
aliança entre neoliberais e conservadores, que se utilizam de apa-
relhos ideológicos como a mídia para a disseminação de discursos
de ódio, somos envolvidos numa narrativa mediada pela sedu-
ção retórica da inovação, da modernidade e, contraditoriamente,
da ordem e do progresso. Na ânsia do convencimento, utilizam
argumentos de desresponsabilização do Estado que sustentam
propostas calcadas na desregulamentação da força de trabalho, fle-
xibilização do processo produtivo e surgimento de reformas edu-
cacionais de caráter gerencial, utilitarista, individualista e baseado
no âmbito da instrumentalização escolar. A questão da técnica,
garantidora da produtividade e da eficiência, é colocada aparen-
temente acima da política, quando na verdade, como se procu-
rou demonstrar, o movimento “Escola sem Partido” tem partido,
tem em mente um projeto de sociedade e sua ação articula-se ao
contexto geral de manutenção das relações sociais de explora-
ção da classe trabalhadora. (GONZALEZ; COSTA, 2018, p. 563)
273
É por isso que, para os defensores do Escola sem Partido, o argu-
mento de que os alunos não são folhas em branco não é aceitável,
apontam Moura e Salles, primeiro porque os obrigaria a reconhecer
algum tipo de autonomia e agência dos estudantes em seu processo
de formação intelectual, segundo porque tira da “família tradicional”,
especialmente do patriarcado, o seu poder e monopólio sobre filhos
e filhas (MOURA; SALLES, 2018, p. 157).
Minto; Rodrigues e Gonzalez (2016) ressaltam que os proponen-
tes do ESP partem da premissa de que ocorre “doutrinação ideológica
de esquerda” nas escolas públicas, afirmando que esse proposital fal-
seamento da realidade da escola é ponto de partida estratégico para
difundir os propósitos reacionários do ESP.
274
docentes, sob o argumento do controle da “produtividade”; ou a dis-
seminação de noções superficiais que desistoricizam o sujeito-edu-
cando ao supervalorizar a individualidade moral. Os autores citam,
ainda, na mesma linha, políticas como a PEC 241/2016 e o processo
“militarização” das escolas, experimentado em alguns estados brasi-
leiros, além da recente proposta de medida provisória para reformar
o ensino médio, com viés aligeirante e tecnicista.
Frigotto (2017a), no artigo “A gênese das teses do Escola sem
Partido: esfinge e ovo da serpente que ameaçam a sociedade e a edu-
cação”, focaliza como as teses defendidas pelo Escola sem Partido
representam um renovado culto ao mercado, um retorno do funda-
mentalismo mercantil e um ataque à esfera pública, em especial, o
desmanche da escola pública e da função docente. Portanto, o autor
enfatiza que as proposições do MESP para a educação nacional não
afetam apenas a escola e os educadores, mas se baseiam em ideologia
de dominação da classe trabalhadora pela elite, ideologia esta profun-
damente sedimentada nas relações sociais de nosso país.
Sobre o ESP, Frigotto ressalta “seu sentido de ameaça ao con-
vívio social e liquidação da escola pública como espaço de for-
mação humana firmado nos valores da liberdade, de convívio
democrático e de direito e de respeito à diversidade” (FRIGOTTO,
2017a, p. 17). Segundo o autor, o sentido ideológico e político do
Escola sem Partido é:
275
desenvolver a capacidade de ler criticamente a realidade e constituí-
rem-se sujeitos autônomos” (FRIGOTTO, 2017a, p. 31). É isto que
está em risco com o Escola sem Partido, os educadores e a educação
se tornam alvo do conservadorismo, das elites empresariais e dos
grupos político-religiosos. “A pedagogia da confiança e o diálogo crí-
tico são substituídos pelo estabelecimento de uma nova função: esti-
mular os alunos e seus pais a se tornarem delatores” (FRIGOTTO,
2017a, p. 31). Como os propósitos do projeto Escola sem Partido já
têm efeitos práticos na sociedade e na escola, promovendo o medo e
a violência, Frigotto faz ainda um paralelo de nossos tempos atuais
com a ascensão do nazismo e do fascismo, destacando os graves sinais
de desagregação e intolerância às diversidades, que cada vez mais se
manifestam em nossa sociedade.
Krawczyk e Zan (2019) salientam que os propositores do MESP
buscam coibir a autonomia escolar e a liberdade de pensamento dos
professores, a prioridade do conhecimento científico, multicultural e
indiscriminatório, além de promoverem um “clima policialesco” nas
escolas, via delação dos professores pelos estudantes. Apontam que
o resultado disso, em última instância, será a precarização e a desa-
gregação da sociedade brasileira.
276
Dois livros que apresentam densa coletânea de artigos,
fornecendo variados subsídios para a discussão acerca do ESP
e seus impactos, são Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a
educação e a sociedade brasileira (FRIGOTTO, 2017b) e A ideolo-
gia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o dis-
curso (AÇÃO EDUCATIVA, 2016). Essas obras fizeram parte
da revisão bibliográfica deste trabalho e podem ser utilizadas
como instrumento de reflexão e resistência para os setores con-
trários ao movimento Escola sem Partido.
O site “Marxismo 21 – divulgando a produção marxista no Brasil
contemporâneo” disponibilizou o dossiê “Escola sem Partido”85, ela-
borado a partir de uma seleção de fontes disponíveis livremente na
internet e da análise do PESP de forma ampla e crítica.
Há também o movimento de resistência “Professores Contra a
Escola Sem Partido” (PCESP), constituído por estudantes e professo-
res que se opõem aos projetos de lei incentivados pelo ESP. O grupo
se organiza nas redes sociais e pelo site profscontraoesp.org86.
O blog do movimento “Liberdade Para Ensinar”87 fornece infor-
mações atualizadas sobre o andamento dos PLs relacionados ao Escola
sem Partido e contém artigos de discussão sobre o tema.
Em novembro de 2018 foi lançado o “Manual de Defesa Con-
tra a Censura nas Escolas”88. No site do coletivo QuatroV89 há uma
série de vídeos relacionados a esse manual.
277
Além disso, é possível encontrar conteúdos e materiais produ-
zidos em sites de sindicatos e seções sindicais, como o Andes, ADu-
nicamp, Adusp, entre outros. O Coletivo Nacional de Advogados de
Servidores Públicos (CNASP) e a Assessoria Jurídica Nacional (AJN),
do Andes-SN, divulgaram, em novembro de 2018, uma cartilha inti-
tulada “Liberdade de Cátedra, de Ensino e de Pensamento”, que pode
ser acessada no site do ANDES90.
Desde 2016 foram registradas manifestações públicas da Procu-
radoria Geral da República, do Ministério da Educação, do Conse-
lho Nacional de Direitos Humanos, da Procuradoria dos Direitos do
Cidadão (Federal e regionais de Minas Gerais e São Paulo), do Insti-
tuto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, de seções regionais da
Ordem dos Advogados do Brasil, de instituições e associações ligadas
ao ensino formal e, sobretudo, de muitos professores e professoras.
No âmbito legislativo, como contraposição aos projetos de
lei do Escola sem Partido, projetos como o “Escola Sem Mordaça”,
“Escola Livre” e “Escola para a Democracia”91 têm sido apresentados
nas casas legislativas. Tais projetos, ao serem apensados ao Escola
sem Partido, fazem com que a tramitação do ESP volte ao início. A
importância desses projetos é simbólica, o objetivo é a promoção
do debate, visto que são documentos que lembram aos legisladores
quais devem ser os reais objetivos da educação, como a liberdade de
aprender e de ensinar.
278
CONSIDERAÇÕES FINAIS
279
O Escola sem Partido e os demais programas neoliberais para
a educação representam a descaracterização da instituição escolar e
do ensino como lugares de socialização, convivência com a diver-
sidade e troca de conhecimentos; e da escola como locus de difu-
são do conhecimento científico, local de reflexão e construção de
pensamento crítico. Ao contrário, sujeita a liberdade de cátedra e
a autonomia institucional aos interesses particulares (ideológicos e
econômicos) de uma classe dominante, que submete os docentes, as
práticas pedagógicas e as relações humanas às esferas da moral indi-
vidual, do âmbito privado e de ideologias religiosas (especificamente
judaico-cristãs). Nesse sentido, o ESP representa a tentativa de ali-
nhamento do campo educacional aos interesses imediatos do capi-
tal, estando em desacordo com marcos básicos civilizatórios, laicos
e democráticos.
Como um dos principais objetivos do MESP, e dos PLs a ele vin-
culados, é controlar e amordaçar educadores, bem como criminali-
zar as práticas docentes, é fundamental que professores e professoras
reafirmem que os processos de educação e formação humana não são
neutros, visto que são fruto da sociedade de classes e dos interesses
antagônicos inerentes a esta sociedade. É urgente que os educadores
se posicionem, no sentido de tomarem partido em relação aos pro-
blemas e conflitos sociais de seu tempo, explicitando aos educandos
a lógica da organização social capitalista, que se baseia na explora-
ção da força de trabalho e na luta de classes. Portanto, é necessária
a reafirmação do caráter político dos educadores e da escola se qui-
sermos garantir um sistema educacional público, laico, de qualidade,
gratuito e socialmente referenciado.
Resta-nos resistir aos avanços do neoliberalismo como forma de
vida e ao Programa Escola sem Partido sobre a educação. Para tanto,
é premente a articulação de organizações diversas, como a sociedade
civil, os movimentos sociais, entidades sindicais, estudantes, docen-
tes, enfim, todos os interessados em construir uma sociedade brasi-
leira mais inclusiva, democrática e justa.
280
REFERÊNCIAS
281
Disponível em: http://www.adusp.org.br/files/revistas/62/06.pdf
Acesso em: 31 out. 2019.
282
para além do projeto de lei. Quaestio, Sorocaba, SP, v. 20, n. 3, p.
551-565, 2018.
283
MOURA, F.; SALLES, D. da C. O Escola sem Partido e o ódio aos
professores que formam crianças (des)viadas. Revista Periódicus,
Salvador, BA, v. 1, n. 9, p. 136-160, 2018.
284
Liberdade: uma luta
da humanidade pelo
processo civilizatório (ou
a volta da idade média)
285
graves demências outrora tão importantes, são inumeráveis. De
tempos em tempos surgem outras (VOLTAIRE, 2000, p. 31).
286
o Projeto de Lei “Escola sem Partido” veio à tona, por meio de uma
audiência pública93 na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
A proposta “Escola sem partido” (conhecida popularmente como
“Lei da mordaça”), conforme Projeto de Lei, pretende afixar nas esco-
las um cartaz com uma lista de deveres que os professores devem
seguir94 (MATO GROSSO DO SUL, 2017, s/p.).
287
Essa proposta já foi repudiada pelo Conselho Nacional de Direi-
tos Humanos e pelo alto comissariado das Nações Unidas para os
direitos Humanos (CHADE; TOLEDO, 2017). A Sociedade Brasi-
leira para o Progresso da Ciência (SBPC) se manifestou por meio de
moções contrárias a essa Lei. Consideraram uma “afronta à Consti-
tuição e iniciativa de censura e perseguição à liberdade de expressão
dentro do ambiente escolar” (SBPC, 2016, s/p.). Reiteraram a luta
por uma educação que permita “a livre expressão, o direito ao con-
traditório e a livre circulação de ideias” (SBPC, 2016, s/p.). Os pro-
jetos da “Escola sem partido” já aprovados em alguns municípios
brasileiros (ROCHA, 2017, s/p.) foram considerados inconstitucio-
nais pelo Ministério Público Federal e pela Advocacia Geral da União
pois ferem a Constituição e a LDB.
De fato, estamos vivendo um período conturbado, de “nova
onda conservadora”, (DEMIE; HOEVETER, 2016), de grave crise
econômica que se reflete nas instituições. Por isso, é necessário rea-
lizar uma discussão científica, com base na história da luta pela liber-
dade de expressão e de opção política, demonstrando que é infundada
a ideia de que possa existir neutralidade científica e ou ideológica.
Consideramos necessário realizar uma abordagem científica,
esclarecendo pontos que estão perturbando alunos e professores,
criando um ambiente pesado na escola, de vigilância, de equivocadas
denúncias, de perseguição, de cerceamento da liberdade de pensa-
mento. Por esse motivo, é indispensável recorrer à história e aos clás-
sicos para analisar o movimento que dá lugar a esse estado de coisas.
VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam vio-
lados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula” (MATO
GROSSO DO SUL, 2017).
288
OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS ENSINAM A LUTAR PELA
LIBERDADE
289
Travou-se por meio de muita luta contra a decadente ordem feudal
— formada pela nobreza e pela Igreja Católica.
A escolástica, a filosofia da Igreja Católica, se arrastava em seus
andrajos. Apenas se manteve por alguns séculos pela ameaça, pela
perseguição política, pela tortura e pela imposição.
A burguesia defendeu uma educação livre e universal, como um
direito de todos, laica, estatal, para homens e mulheres. Foi uma luta
árdua, contraditória. Para defender a liberdade de pensamento, Gior-
dano Bruno morreu na fogueira, Galileu foi mantido sob cárcere pri-
vado e teve de abjurar, Descartes evitou a publicação de seus textos,
mas não deixou de afirmar que “pensava e, logo, existia”. Voltaire
foi preso na Bastilha, mas não deixou de criticar duramente a into-
lerância (VOLTAIRE, 2000, s/p.). Galileu reivindicou a intelectuais
jesuítas que fosse escutado “por pessoas entendidas e não excessiva-
mente conturbadas pelas próprias paixões e interesses” (GALILEI,
1988, p. 21). Afirmava ainda Galileu: “eles procuram proibir um livro
aceito tantos anos pela Santa Igreja sem o terem eles, não só jamais
visto, como também nem lido ou entendido” (GALILEI, 1988, p. 27).
Contava Galileu que o mundo medieval estava ruindo e que
em momentos históricos de embates, pouco vale a razão? As obras
desses pensadores entraram no Index da Igreja. A Inquisição tortu-
rou e matou covardemente em nome de Deus. Para tanto, bastava
a denúncia. Não havia necessidade de provas. Retratou-se, publi-
camente, após 350 anos num mea culpa exibindo o processo contra
Galileu. Hoje, todos esses pensadores tornaram-se clássicos, exem-
plos de luta e a história da Inquisição, uma página que gostaríamos
de retirar de nossa história.
A história de Galileu deveria ensinar a Humanidade (com letra
maiúscula), sobretudo nos tempos que estamos vivendo. Galileu lutou
para que a Igreja olhasse para fora de seus muros, olhasse pela luneta.
O que ainda nos faz pensar acerca de resistências que negam as trans-
formações sociais, a existência da diversidade, dos contrários, pois é
290
só olhar para fora da “caverna” para ver o quanto a realidade é diversa
e colorida ou por vezes opaca.
No século XVIII, para combater a escolástica, os iluministas,
Diderot e d’Alembert criaram a Enciclopédia, composta de 35 volu-
mes, acumulando dados sobre as ciências. Constava de várias con-
tribuições de filósofos e cientistas como por exemplo: Rousseau,
Montesquieu, Condillac e Voltaire. É importante reforçar que não
havia neutralidade na Enciclopédia, pois a concepção era burguesa e
era avançada; uma nova postura para um mundo que empurrava com
suas embarcações, para o ralo da história, o mundo feudal. Para eles, o
esclarecimento era a chave para a liberdade. Foi proibida pela Inqui-
sição, mas a história tinha nome e se chamou Revolução Francesa,
Revolução Gloriosa, Independência das Américas, Revolução de 1848.
Liberdade, essa palavra tão cara para todos nós, foi defendida
arduamente pela burguesia na Revolução Francesa, que precisou do
apoio e força revolucionária da pequena burguesia e sobretudo dos
trabalhadores citadinos e do campo.
291
foi perseguido, combatido e finalmente preso, morrendo na prisão
(ALVES, 2010, p. 3).
Contudo, o tempo nos mostrou, mais uma vez, que as forças
retrógradas não conseguem conter a história, pois as ideias de Con-
dorcet deixaram para a Humanidade um legado de grande contri-
buição. Seu projeto foi retomado e foi inspiração para os sistemas
educacionais de todo o mundo no século XIX. Hoje, expressa a con-
cepção burguesa de escola para todos, livre, laica, universal, gratuita,
obrigatória. Escola formadora de cidadãos, de formação científica
e política, para a emergente classe burguesa. Afirmava Condorcet:
“nenhum poder público deve ter nem autoridade nem mesmo cré-
dito para impedir o desenvolvimento de novas verdades e o ensino
das teorias contrárias à política particular ou aos interesses momen-
tâneos” (CONDORCET, 2010, p. 25).
Condorcet estava no combate histórico. Não há neutralidade na
proposta e sim posição de uma classe. A ciência é um campo de luta.
Nenhum cientista chegou à ciência sem ter tomado partido. A ciên-
cia é o saber que se opõe às forças decadentes e se identifica com as
novas forças sociais.
No Brasil, após a independência, as ideias de Condorcet foram,
em grande parte, adaptadas e copiadas por Martim Francisco
(SAVIANI, 1997, p. 120), um dos três irmãos Andradas, que apre-
sentou uma proposta à Comissão de Instrução Pública, formada para
apresentar um projeto de instrução na primeira Assembleia Nacional
Constituinte, em 1823. O projeto não foi levado em consideração e
nem mesmo outro que estava sendo discutido (SAVIANI, 1997, p.
123), que visava criar duas universidades, pois, infelizmente, a Assem-
bleia foi dissolvida por D. Pedro I.
O Brasil esteve sob a influência da Contrarreforma, os conteú-
dos científicos eram vetados, conforme o Ratio Studiorum, o Plano de
Estudos da Companhia de Jesus (ORGANIZAÇÃO..., 1952). A liber-
dade de ensinar só começou a ser discutida de forma mais ampla no
século XIX. E, historicamente, em se tratando de liberdade, o Brasil
292
não pode ser considerado exemplar, dado o peso da escravidão que
nos marcou durante quatro séculos, peso histórico que ainda traz
marcas de exclusão social e de racismo, mas que, com muita luta, con-
seguiremos superar. Por isso, no Brasil esse enfrentamento se torna
mais árduo e muito mais difícil.
As condições materiais e ideológicas do Brasil dificultaram o
debate, mas não impediram que, no século XX, figuras como Fer-
nando de Azevedo, Anísio Teixeira, Paschoal Lemme, Lourenço
Filho, Júlio de Mesquita Filho, Florestan Fernandes, entre outros
lutassem pela escola pública e laica, para todos. Eles se defrontaram
com forças reacionárias da Igreja Católica, que temia perder a hege-
monia que tanto conquistara. Foi uma luta intensa, de avanços e
recuos, mas que pode ser considerada vencedora.
Dois momentos marcaram essa luta. Uma delas foi em 1932,
por meio do movimento político que originou o documento “Mani-
festo dos Pioneiros da Educação Nova” (O MANIFESTO..., 1991),
que reuniu intelectuais liberais dos mais diversos campos, educa-
dores, políticos, médicos, juristas, literatos, jornalistas e cientistas.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi produzido no
ano de 1932, num período em que muitos intelectuais requeriam do
Estado mudanças efetivas na educação brasileira. Os pioneiros eram
assim chamados devido ao fato de terem construído propostas para
o ensino básico que resultaram em inúmeras reformas na década de
1920, para os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Per-
nambuco e Bahia. Contudo, as reformas na educação brasileira eram
fragmentadas, de iniciativas isoladas de alguns estados e caminhavam
a passos muito lentos em comparação aos países da Europa, da Amé-
rica do Sul e aos Estados Unidos. A escola deveria ser pública (no sen-
tido de estatal), universal (para todos, sem discriminação), obrigatória
(dos 7 aos 15 anos) laica (leiga, sem influência religiosa), gratuita (a
exigência da obrigatoriedade impunha a gratuidade), única (de cur-
rículo comum, pelo menos a base, um currículo mínimo) e coedu-
cativa (sem separação entre os sexos). Os Pioneiros não pensaram
293
em acabar com o ensino particular, mas, sabedores das dificuldades
da população em se escolarizar por falta de recursos, consideravam
que era preciso que o Estado se responsabilizasse em garantir a edu-
cação para todos. Reivindicavam que o Estado assumisse esse legado.
Forças reacionárias sempre estiveram às voltas reclamando peri-
gosa influência “comunista” na ideia de escola estatal e na falta de
“liberdade de ensino”. Nesse caso a ameaça à liberdade de ensino rela-
cionada não à censura, mas à prioridade de concessão ao Estado da
função de educar a juventude em detrimento do setor privado, da
igreja e da família. Vemos essa questão como uma clara afronta à His-
tória, pois eivada de senso-comum, já que a proposta era de cunho
liberal e ecoava um movimento internacional lastreado na reflexão
de destacados intelectuais americanos e europeus.
Os conservadores voltaram a reclamar a “liberdade de ensino”
no final da década de 1950 “a partir da qual se procura demonstrar a
precedência da Igreja e da família e o caráter supletivo do estado em
matéria de educação” (SAVIANI, 1997, p. 289). Figuras de proa em
nossa história da educação, liberais por excelência, como Anísio Tei-
xeira foram chamados de “comunistas”. Hoje essa cena, com novos
contornos, parece renascer. Faz-nos lembrar da fase em que se defen-
deu o controle dos profissionais da educação num dos períodos mais
duros da história do Brasil, após o golpe de 1964.
A ditadura civil-militar de 1964 nos mostrou a face mais terrível
da censura e da perseguição política. Vivíamos num regime de exce-
ção e nossos professores também foram calados. Militantes e intelec-
tuais foram mortos, desapareceram e, recentemente, um documento
da CIA expôs que os porões da ditadura ainda guardam muitas reve-
lações95. O tempo e a luta pela democracia deverão nos mostrar.
294
O Ato institucional n. 5, AI-5, decretado em 1969 pelo governo
do general Costa e Silva, determinou o fechamento do Congresso
Nacional por prazo indeterminado. Deu ao Presidente da República
poderes totais para perseguir e reprimir as oposições. Podia decre-
tar o estado de sítio, intervir nos estados e municípios, cassar man-
datos e suspender direitos políticos, demitir funcionários e confiscar
bens (BRASIL, 1968).
Muitos ainda se lembram do decreto 477, de 26 de fevereiro de
1969, que definiu “infrações disciplinares praticadas por professores,
alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino
público ou particulares [...]” (BRASIL, 1969, s/p.). Em resumo, proi-
bia paralisações, movimentos, reuniões visando à organização polí-
tica, panfletagem, confecção e divulgação de material subversivo,
dentre outros. Por ter essa história tão perto de nós, devemos repu-
diar atos de censura que violem os direitos fundamentais.
Por isso, a atual Constituição, promulgada em 1988, chamada de
cidadã por Ulisses Guimarães, tornou inafiançáveis e imprescritíveis
os crimes de tortura e penas cruéis. Direitos sociais foram amplia-
dos e instituído o fim da censura prévia. A liberdade, o pluralismo
político e a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
foram afirmados como direitos fundamentais. Definiu que o ensino
é livre e plural, numa reação ao cerceamento que havia na ditadura
aos conteúdos considerados “subversivos”.
A Constituição de 1988 foi construída nesse momento histó-
rico, de reconstrução democrática. Por isso, o pluralismo é aquele
que permite que os professores ou alunos possam pronunciar livre-
mente suas ideologias em sala de aula ou fora dela. A escola pública
deve ser, por excelência, o espaço do diverso.
Saliento que a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional — LDB 9394/1996 — e a redemocrati-
zação, de uma forma geral, se deram por meio de muita luta dos edu-
cadores, nas mobilizações de rua, nas greves, nos sindicatos, no meio
295
político partidário, nas organizações civis, nas escolas e nas univer-
sidades. Não cabe nessa reflexão uma postura idealista de que basta
a lei para que os direitos sejam garantidos. Essa luta, aliás, é antiga
e retoma os princípios democráticos conquistados pela burguesia e
pelos trabalhadores.
Por esse motivo, precisamos assumir uma postura política a
favor da História, contra a discriminação, a favor da liberdade, do
direito, da liberdade de gênero, da discordância, do esclarecimento
à nossa juventude, de que o patrimônio público que foi construído
com muita luta pelos educadores tem sido atacado por forças reacio-
nárias. Por isso, mais do que nunca necessitamos retomar os clássi-
cos e a História. Precisamos fazer um combate à censura e defender
a escola pública e os professores, a fim de que não tenhamos uma
“nova” inquisição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
296
invasões de políticos a autoridades em sala de aula, blitz em escolas,
essas sim motivadas por razões político-partidárias.
Para abusos reais, de todas as origens, nem precisamos dizer que
a estrutura educacional do país comporta legislação específica, regu-
lamentos, acompanhamentos pedagógicos realizados por uma coor-
denação pedagógica, pelo colegiados, direção, secretaria de educação,
estruturas que não têm sido respeitadas.
Precisamos de lideranças que nos ajudem a superar problemas
reais vivenciados pela educação em nosso país, em que um pouco
mais da metade da população de mais de 25 anos ainda não terminou
o ensino básico. Necessitamos de valorização dos professores da edu-
cação básica, estimular jovens para docência, que já não encontram
motivação para ingressar nas licenciaturas, de investimentos reais
na formação docente, de aumento nos investimentos para cumprir
o Plano Nacional de Educação. Ao contrário do que o senso comum
imagina, que basta um manual didático para realizar a formação, pre-
cisamos de mais e de outros recursos para levar o conhecimento ao
estudante, como boas bibliotecas, espaço para arte, lazer, esportes,
laboratórios e recursos tecnológicos avançados.
A história tem a contradição que lhe é própria. Esses episó-
dios reacionários deverão ainda mais unir as gerações que lutaram
com as que começam a lutar pela liberdade de expressão, condição
mínima para iniciar o debate democrático sobre a transformação
social de nosso país.
Referências
297
BRASIL. Ato institucional n. 5 de 13 de dezembro de 1968. Brasí-
lia, DF, 1968. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
AIT/ait-05-68.htm Acesso em: 22 dez. 2018.
298
Nacional em nome do Comitê de Instrução Pública em 20 e 21 de
abril de 1792. Escritos sobre a instrução pública. Campinas: Auto-
res Associados, 2010. (Coleção clássicos da educação/ coordenação
deste volume da coleção Gilberto Luiz Alves).
299
O MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova: A reconstrução
educacional no Brasil – ao povo e ao governo. In: GHIRALDELLI JR,
P. História da Educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1991.
300
Meritocracia y
adoctrinamiento: la disputa
por el sentido común
301
escuelas, a la ministra de educación de la Ciudad de Buenos Aires,
Soledad Acuña.
Ambos dirigentes pertenecen al PRO, el partido con el que
Macri ganó en el año 2007 la jefatura de gobierno de la Ciudad de
Buenos Aires por dos periodos sucesivos y que lo catapultó a la pre-
sidencia en 2015. El PRO podría identificarse como un partido de
derecha o centro derecha. No obstante, no pretendo realizar una argu-
mentación ad hominem contra sus dichos, y por ello no me propongo
fundamentar esta afirmación. Por el contrario, mi intención ha sido
llamar la atención acerca de la visión conservadora que representan
y a la vez, explicitar la estrategia política que construyen para con-
solidar su representación política y reforzar socialmente esa visión,
que lejos de ser nueva, cala profundamente en el sentido común de
amplios sectores de la población.
302
“Hay que ser caradura.” Es una frase popular que no hace más que
señalar la capacidad de alguien de decir algo que en forma evidente
para todos, es falso, fundamentalmente porque el que lo expresa es
un contraejemplo de lo que enuncia. Pero lo dice igual, a viva voz,
“suelto de cuerpo”, “sin que se le mueva un pelo”, sin que “se le caiga
la cara de vergüenza” es decir: es un caradura.
Hace unos meses, el expresidente Macri, un defensor declarado
de la meritocracia, hizo una demostración magistral de esta capaci-
dad (el caradurismo), cuando en un foro, señaló que:
303
a nosotros mismos y frente a la sociedad. De ninguna manera el dere-
cho del delincuente es sinónimo de impunidad, el derecho del estu-
diante lo exime del esfuerzo de estudiar, el derecho del trabajador lo
habilita a la pereza. En todo caso, cuando algo de esto sucede, el
problema son los procesos institucionales que lo permiten, de
ninguna manera el problema es el derecho.
Quiero señalar que cuando defiendo una perspectiva de dere-
chos, no me opongo a la meritocracia en lo que hace a su valoración
del esfuerzo personal. Al contrario. Pero considero que solo en una
sociedad suficientemente solidaria y cooperativa, que garan-
tiza derechos para todos, es posible apelar a la meritocracia,
porque se ocupó de que todos estén en iguales condiciones para com-
petir y hacer méritos.
Cuando esas oportunidades no son iguales para todos. ¿De qué
mérito estamos hablando? La meritocracia en sociedades desi-
guales como las nuestras, pasa a ser de esta manera, una mera
justificación, coartada, legitimación de una sociedad injusta y
una estrategia de quienes se han beneficiado históricamente de
esa injusticia.
Por supuesto que hay miles de ejemplos en todo el mundo de
personas de origen pobre que gracias a su esfuerzo, entre otras cues-
tiones, han alcanzado posiciones sociales destacables y desaeables.
Así que Bati, quedate tranquilo, no fuiste un idiota, no es con vos
la cosa. Es contra aquellos que desde un “meritocaradurismo” ber-
reta siguen pretendiendo la ampliación de derechos para defen-
der sus privilegios.
304
SEÑORA MINISTRA, CONFIESO QUE HE ADOCTRINADO98
305
consecuente con esas políticas y desatiende a las escuelas, a sus
estudiantes y a sus docentes.
Les he dicho que discutan y argumenten contra los que
con su pensamiento y su accionar justifican la desigualdad,
la intolerancia y la discriminación. Pero también que la reali-
dad social es compleja, que los cambios no son lineales y las solucio-
nes no son evidentes.
Es imposible educar sin transmitir una visión del mundo.
Por ello, educar siempre es un acto político que, debería sobrar la
aclaración, no es lo mismo que partidario. Y esa visión del mundo
se expresa por lo que se enseña y también por lo que se calla; por lo
que se cuestiona y también por lo que se deja pasar.
¿Cuál es entonces el límite, si es que lo hay, entre educar y
adoctrinar? Es habitual que quienes denuncian a los docentes por
adoctrinar, en realidad lo que denuncian es el desafío a sus modos de
pensar, de entender la vida, la sociedad, lo humano. El que los com-
parte, es un docente como “debe ser”. En cambio, adoctrina quien
desafía la visión hegemónica vigente, visión que ha tomado el lugar
de “la verdad”. Adoctrina el que interroga el status quo, porque es
“de izquierda”. Hay que “denunciarlo”.
Dice la ministra que el docente “lo que tiene que hacer es enseñar
a pensar, no decirle a los chicos en qué pensar". Y yo me pregunto,
¿cuál es el resultado de “enseñar a pensar”? ¿Podría ser que como
resultado de ese pensar, el niño o la adolescente cuestione los valores
hegemónicos? Entonces, ¿su docente será denunciado por adoctrinar
o por enseñar a pensar?
No obstante, como docentes, la asimetría de poder con nues-
tros alumnos nos obliga a la responsabilidad. No se puede justifi-
car la propia parcialidad en la idea de que “todo es político”, “todo es
ideológico”. Si hay una distinción entre educar y adoctrinar, se juega
en ser capaces de transparentar nuestro propio posicionamiento y
fundamentarlo desde el conocimiento, la reflexión y la discusión; en
306
promover la capacidad de escuchar al otro, que piensa distinto, sin
demonizarlo; en aceptar la posibilidad de no saber o estar equivocado.
Vivir y construir día a día una sociedad democrática nos obliga
a transitar la tensión que encierra la pluralidad de ideas y cos-
movisiones. Hoy la escuela pública sigue garantizando eso preci-
samente porque el control sobre “lo que se debe pensar” no es una
política de estado, como si lo fue durante la dictadura, donde explíci-
tamente se generaron instructivos para denunciar a docentes y estu-
diantes “sospechosos”.
En suma, a mis estudiantes, les he dicho todo eso y mucho
más. Básicamente les he dicho que asuman una posición no neutral
frente a la desidia, la impotencia, la injusticia, el “siempre fue así”,
el “no se puede” y que asuman, con humildad, un posicionamiento
político consciente frente a la falacia de que es posible no asumir
ninguna posición.
307
tenido más éxito en recoger la identificación por parte de quienes ya
coincidían previamente con mi postura.
Por eso mismo, una segunda intención, más sutil, interpela a
quienes están leyendo estas líneas. No entreguemos desde las posi-
ciones “progresistas” valores como el esfuerzo personal, ni reduzca-
mos el pensamiento crítico de nuestros estudiantes a pensar como
nosotros. Si es posible transformar el sentido común hegemónico,
del que son portadores amplios sectores populares que han contri-
buido con sus votos a que partidos de derecha o ultraderecha lleguen
al poder, tal vez no sea posible con una confrontación que traza líneas
divisorias que polarizan posiciones, tal como hace la propia derecha.
No es simplemente atacando esas creencias, tan entrelazadas con
identidades tanto personales como sociales, como es posible avanzar
en la construcción de otros “sentidos comunes”. Creo yo, que precisa-
mos comprender los territorios de sentido que esas visiones conser-
vadoras ligan con cierto sentido común popular. Y al mismo tiempo
develar los sentidos y las prácticas en las que las visiones progresis-
tas que intentamos defender nos llevan a polarizar nosotros mismos
ideas, prácticas, actores. Como digo en la notas, “De ninguna manera
el derecho del delincuente es sinónimo de impunidad, el derecho del
estudiante lo exime del esfuerzo de estudiar, el derecho del trabaja-
dor lo habilita a la pereza” y “no se puede justificar la propia parcia-
lidad en la idea de que “todo es político”, “todo es ideológico”. Es tal
vez en la recuperación progresista e indubitable de la agenda que la
derecha intenta arrogarse que podamos defender mejor una concep-
ción de sociedad más humana, justa y democrática.
308
Organizadores da obra:
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1963-4639
Lattes: https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.
menu?f_cod=964D314A3412835AD9712C6C8A6954C7
Contato: jorgefernandohermida@yahoo.com.br
309
Rodrigo Sarruge Molina (organizador da obra)
310
Autores da obra:
311
Eloisa Bordoli
Hugo Dufrechou
312
educación de la Universidad Nacional de General Sarmiento en “Resi-
dencia I. La escuela: ámbito del trabajo docente”. Consultor del Ins-
tituto Nacional de Formación Docente – Ministerio de Educación
de la Nación. Argentina.
https://www.ungs.edu.ar/investigador/serra-juan-carlos
Martín Jauge
313
Martín Sanguinetti
Pablo Martinis
Pablo Messina
314
Paula Renata Vianna de Souza
Stefania Conde
(Footnotes)
315
316