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Índice

1. Introdução ......................................................................................................................... 3
2. A família enquanto realidade anterior ao Direito (fenómeno natural) ............................ 4
3. A família na sociedade tradicional angolana..................................................................... 5
3.1. O Totemismo no Âmbito da família tradicional Nyaneka - Significado ........................ 5
3.2. Ao casamento bantu são apontadas, inter alias, as seguintes características: ............ 6
3.2.1. O casamento fundamenta uma aliança entre grupos ............................................... 6
3.2.2. O casamento é um facto social ................................................................................. 6
3.2.3. O casamento é essencialmente fonte de vida .......................................................... 6
3.2.4. O casamento é um rito de passagem ........................................................................ 7
3.2.5. O casamento é uma associação económica .............................................................. 7
3.3. Outras situações relativas ao casamento, que comungam os grupos bantu. Forma de
casamento. ................................................................................................................................ 7
3.4. Communidade na extensão da família bantu ............................................................... 8
4. O casamento na sociedade tradicional angolana. ............................................................ 8
4.1. Um olhar específico para a cultura nyaneka. .............................................................. 10
5. Reconhecimento e acolhimento no ordenamento jurídico angolano. ........................... 14
6. Conclusão ........................................................................................................................ 16
7. A CULTURA TRADICIONAL NYANEKA – SÍMBOLOS E SIGNIFICADOS............................... 17
7.1. A Preservação da Cultura dos Nyaneka-mwila face as Influências Globais ............... 19
7.2. Contexto Histórico da Indumentária ........................................................................... 21
7.3. A Indumentária como objecto Histórico ..................................................................... 22
7.4. A cultura tradicional nas vestimentas da mulher Mwila............................................. 25
7.5. O atavio da mulher mumwila ...................................................................................... 26
7.5.1. O Papel da Mulher na Comunidade ........................................................................ 26
7.5.2. O OMUVALO DA MULHER MWILA EM DIFERENTES CONTEXTOS ........................... 28
7.5.2.1. O significado do atavio da mulher mwila na fase infantil ................................... 29
Nesta fase a criança apresenta-se da seguinte forma: na cabeça apresenta quatro
tranças, duas naiores no centro e duas pequenas laterais, todas elas corridas para
trás, terminadas em missangas e na ponta da trança coloca-se uma cochinha branca
que serve de embelezamento e também símbolo de riqueza. Depois de feita a trança,
prepara-se um produto denominado “mbooa”, esse é feito de pedra moída da qual se
mistura manteiga (Ngundi) que é um derivado do leite da vaca, essa mistura dá origem
a um produto de cor acastanhada. Para além da pedra que dá origem a essa cor,
também pode se fazer “omboa” de casca de uma planta com o nome de omumue com
o mesmo processo. O nome da pedra é Onkula. Ver figura nº 1. .................................... 29
Mas não é o único tipo de trança que se aplica às crianças, no entanto, as outras
trazem tranças em forma de bobi com a mesma cor. ........................................................ 29

1
Ao pescoço normalmente usa missanga de cor branca que lhe é ofercido pela família
paterna no dia do registo (Otynkindi), sendo a mesma missanga de apenas um fio, as
restantes missangas enroladas ao pescoço servem de embelezamento ....................... 29
Tyinkindi é uma cerimónia que consiste essencialmente em atribuir nome a criança,
essa atribuição é da competência da família paterna. ....................................................... 29
Ao peito cruza duas missangas designadas omiyelayela que são missangas ou fios
que cruzam o peito, tendo significado diferente consoante a idade em que se encontra
a pessoa que as usa, no caso da criança para embelezar ............................................... 29
Segundo a nossa interlocutora, na cintura, usa missanga para assegurar as suas
vestes Okandondi e okotati. Omundondi serve para cobrir a parte transeira e okatati
serve para vestir a parte frontal. Acontece mas não com frenquência, verificar uma
criança com missangas de cor branca na perna, o que significa que a criança teve
atraso no processo da locomoção, ver a figura nº 2........................................................... 30
7.5.2.2. O atavio da mulher mwila na véspera do Hiko ................................................... 32
7.5.2.3. O Atavio da Mulher Mwila na Fase do Alembamento (oviitika) ......................... 36
7.5.2.4. A Mulher Mwila e o seu Atavio na fase Adulta ................................................... 39
7.5.2.5. Omuvalo da Mulher Casada ................................................................................ 41
7.5.2.6. Omuvalo da Mulher Viúva................................................................................... 42
7.5.2.7. Omuvalo da Criança Órfã (Ontyiwe-po) .............................................................. 43
7.5.2.8. A forma de atavio ontem vs hoje ........................................................................ 43
7.6. O “Eumbo” (casa) seus componentes e compartimentação. Realce do tyoto. É
essencial numa casa!? ............................................................................................................. 47
7.7. Ohambo (estábulos – riqueza- necessária a instabilidade económica (o boi é
essencial a produção agrícola) e financeira (okupambula) ..................................................... 47
7.8. O recheio do “Eumbo”: otyihayo, ombwe/okambwe, ongalo, ontyakelwa e outros . 47
8. REPRESETAÇÃO CULTURAL NYANEKA ............................................................................. 47
8.1. Os instrumentos musicais nyaneka. Sandyi, mbulumbumba, ñgoma ........................ 47
8.2. As canções na liturgia das festas de puberdade Ekwendye e Ehiko ........................... 48
8.2.1. Ovingolongolo ......................................................................................................... 48
8.2.2. Onohalamphe .......................................................................................................... 48
8.2.3. Onyeñga .................................................................................................................. 48
8.3. A festa do boi sagrado (Ondyelwa – Conceito e importância histórico-cultural) ....... 48

2
1. Introdução

Tudo quanto hoje tenha existência tem, também, seu ponto de origem; e a
sociedade como um todo mais complexo, não foge disto. Não é de olvidar que
a sua existência acompanha sempre a existência humana; dali o enunciado, ub
homo ib societas. Ora a primeira forma de convivência que o que o homem
estabelece com o seu semelhante é a família, assentada no fenómeno natural
da procriação. E conforme o progresso, foi surgindo a sociedade como um todo
mais amplo decorrente da família. Destarte é de incontestável reconhecimento
pelas nações que a família é a célula, isto é, o núcleo fundamental da
sociedade.
Por ser uma instituição de tamanha importância, a sua abordagem e também a
sua função acompanham sempre o homem e são sempre actuantes; daí a
pertinência do tema que nos propusemos em abordar. Atentos à diversidade
das abordagens a respeito da família, importa pois realçar que falar da família
implica, assim, o entrar num espaço de rica bibliografia, ao mesmo tempo que
não é um espaço de harmonia, na medida em que tal abordagem atravessa os
diversos ramos das ciências sociais; as teses sobre a família variam; afinal
sendo a família também um fenómeno social, ela não constitui uma realidade
estanque: está sujeita, maxime, na sua estrutura a diversas variações de
ordem temporal e espacial. Atentos a isto e pretendendo não nos perdermos
neste universo familiar, precisamos a nossa abordagem na família tradicional
angolana, com particular enfoque à família na cultura tradicional nyaneka. Aqui
importa reconhecer que apesar do tema, no seu plano mais amplo acolher
muita e rica bibliografia, no que concerne a família na sociedade tradicional
angolana e em particular na cultura ou grupo étnico nyaneka, a situação não é
a mesma, o que impôs a necessidade de fazer uma pesquisa mais interativa,
sempre acompanhada do desabono de muita divergência e insegurança.
Entretanto, colhemos mesmo assim um rico conhecimento como se
demostrará, infra. Não obstante a delimitação do nosso tema, olharemos ainda,
para efeitos de uma percepção mais completa e para melhor orientação do
nosso tema, para situações mais gerais, relativas a família como um fenómeno
natural e a família na sociedade tradicional africana de que não foge, em
termos gerais, a sociedade angolana.

3
2. A família enquanto realidade anterior ao Direito (fenómeno natural)

Sem prejuízo da afirmação ub societas ib ius1, importa considerar que,


conforme refere Carlos Burity da Silva (2014), a família é uma realidade natural
e social, cuja existência material, psicológica e moral se manifesta, desde logo,
em planos ou domínios da vida estranhos (anteriores) ao plano jurídico. O
surgimento e a vida da família realizam-se e assentam numa série de
comportamentos pessoais e realidades psicológicas e morais, que o direito
reconhece, aceita e considera, ao formular a sua regulamentação de instituição
familiar. Estão entre esses comportamentos e realidades o amor, a amizade, a
consciência de se formar um grupo, a confiança, a lealdade, a vida em comum,
a solidariedade, entre outros. Como se constata, tudo isto constitui um conjunto
de valores ou sentimentos que não são criados pelo direito; trata-se antes de
consequências da realidade física e espiritual do homem e das concepçoões
ético-sociais…
O que se acaba de afirmar dever-se-á, em parte, justificar pela própria natureza
social do homem. Daí que, a expressão latina unus homo, nullus homo
caracteriza bem a sua natureza social, porque o homem que viva
absolutamente isolado, sem uma comunidade social mais ou menos extensa (a
família, a tribo, o Estado etc.), não é homem: é um nada.2
Assim a família é um realidade natural; isto é, em termos de surgimento, ela em
nada depende do direito, limitando-se este a regular apenas um fenómeno pré-
existente.

1
Esta consideração resulta do facto de o homem, em sociedade, sempre se ter regulado por quaisquer
normas, no mais primitivo as estabelecidas pelo clã ou pelo pater familias
2
Cfr. A. Justo. Introdução ao Estudo do Direito; 6ª ed. P. 15

4
3. A família na sociedade tradicional angolana

3.1. O Totemismo no Âmbito da família tradicional Nyaneka - Significado

Elucidada que está a noção de família, importa aqui, para efeitos de fácil
compreensão do nosso tema, dizermos o que se considera tradicional. Assim
saberemos o alcance da expressão, família tradicional.
É também neste enquadramento que olharemos, com particularidade, para
alguns aspectos relativos à família tradicional nyaneka.
Tradição conforme decorre do latin, traditione, assenta na ideia de transmitir ou
entregar. Assim, tradicional é tudo quanto por determinada via (escrita, oral
etc.) se possa transmitir. Aqui, a ideia de tradição dominante é a respeitante ao
primeiro sentido (transmissão), porquanto, o segundo sentido (entrega) tem
acolhimento no domínio das res 3 isto é, coisas.
Ainda Carlos Burity (Silva:2014)4, refere a um sentido político em que, tradição
ou tradicional, sugere uma ideia de pureza.
Estamos a referirmo-nos à transmissão de valores ( domínio axiológico e não
valores monetários e similares), de elementos culturais identitários etc. que
decorrem de gerações mais antigas até aos dias actuais. Então uma família ou
sociedade tradicional, é aquela que conserva estes valores, elementos culturais
etc. e, a família na sociedade tradicional angolana é isto mesmo: aquela que
conserva os hábitos e valores decorrentes de gerações anteriores e, pretende
transmiti-los às gerações vindouras.
Importa, pois, recordar que falar da família na sociedade tradicional angolana é
complexo devido, também, às diversidades étnico-culturais. Ora, estamos de
acordo que o território angolano é, maioritariamente, habitado pelo povo bantu
e, sem prejuízo das especificidades de cada etnia, existem valores e hábitos
que lhes são comuns; ou seja, em todos os grupos bantu aparecem algumas
constantes uniformes, uma base originariamente comum, o que recorda a
essencial unidade cultural negro-africana com quase tantas concretizações na
sua expressão como etnias existentes. Uma das constantes uniformes é o
casamento.
A forma tradicional de constituição do parentesco entre os bantu, em geral e na
sociedade tradicional angolana em particular, é o casamento.

3
É com este sentido que se fala, de tradição em matérias de Direitos reais relativamente aos factos
translativos da posse. Assim a afirmação seguinte a expressão tradição expressa o sentido de entrega:
aa tradição de uma coisa pode ter lugar por força de um acto de constituição ou transmissão de um
direito real, e é isto que normalmente sucede; o vendedor, o doador, o permutante entregam a coisa ao
adquirente do direito, por força do contrato celebrado. Cfr.Vieira J. A. Direitos reais de Angola; P. 488.
4
Trata-se de uma expressão engendrada pelos políticos nacionalistas africanos pois, nesse domínio
político, o tradicional não se refere de modo linear ao passado ou ao imemorial. As expressões
‘’tradicional’’ e ‘’ tradição’’ são utilizadas como modo de reacção contra os contágios do colonialismo,
como que um alegado regresso à pureza das instituições pré-coloniais. P. 16.

5
O casamento fixa a filiação e constitui um modo de inserção social. É,
conforme descreve o pe. Raul Ruiz, (Altuna:2006), o drama em que cada um
participa como actor ou como actriz e não como mero espectador. Por isso é
um dever, uma experiência fixada pela comunidade e um rito de vida em que
cada um deve tomar parte. Quem não participa é uma maldição para a
comunidade, é um rebelde. Em geral, se um indivíduo não casa significa que
rejeitou a sociedade e, que a sociedade o rejeitou a ele.

3.2. Ao casamento bantu são apontadas, inter alias, as seguintes


características:

3.2.1. O casamento fundamenta uma aliança entre grupos

Dois grupos, baseando-se na união, firmam um contrato. O matrimónio


não diz só respeito à uma pessoa (o rapaz ou a rapariga); os dois
grupos a que pertencem estão ali comprometidos. Dois jovens que
casam fazem-no enquanto membros de duas famílias, de dois clãs e,
deste facto, nasce a sua dimensão comunitária e social. Os esposos
fazem um laço de união grupal. Sem prejuízo disto, na matrilinearidade,
a esposa nunca perde a autenticidade de membro do seu grupo; assim,
sempre que o casamento se desfaz, volta à sua família, à qual
pertencem também os seus filhos.

3.2.2. O casamento é um facto social

Viver em comunidade exige, sem desculpas, prolongar a vida recebida.


Por isso, o casamento realiza socialmente os esposos e prova a sua
responsabilidade social e ética. Pelo matrimónio fecundo integram-se
plenamente na ordem social estabelecida pela tradição e exigida pelos
antepassados, pois se convertem em participantes vitalizantes. O
carácter comunitário e social desta instituição sobrepõe-se ao individual
e privado5. O casamento bantu intenta, como fim primário, a
continuidade ininterrupta da comunidade. Os filhos vitalizam o grupo,
amparam os velhos, continuam o culto aos antepassados e asseguram a
sobrevivência dos esposos. O casamento organiza e estabiliza
sobretudo a transmissão da vida e de bens culturais, pelo que não pode
pertencer ao indivíduo.

3.2.3. O casamento é essencialmente fonte de vida

5
Sintomática disto é, ainda, o facto de a responsabilidade para o cumprimento de determinadas
obrigações recair sobre o grupo familiar e não sobre o indivíduo singularmente considerado. (Cfr.
Medina M. C. Direito de família. (2001) P. 23.

6
A sua estrutura sócio-religiosa exige a procriação, que ocupa, como diz
R. Mbiyangandu cit. (Altuna: 2006), o cume da realização bantu. Isto não
elimina o casamento por amor, nem as riquezas da vida em comum,
nem fica reduzido a uma exclusiva função gerdora. O casamento tem
por fim, também, a procriação; prioritariamente, o bantu casa para ter
filhos. A concretização da fecundidade elimina o medo à morte, ao
aniquilamento, e assegura a sobrevivência individual e colectiva. O
casamento estéril é um fracasso; não o suportam. Termina na ruptura ou
na poligamia ou em aventuras extra-matrimonias que possibilitem a
fecundidade. A mulher é mais mãe que esposa e, o casal sem filhos fica
incompleto. O casamento encerra assim um marcado carácter natalista.
A comunidade de amor, o mútuo enriquecimento, a entrega sexual ou a
formação duma comunidade economicamente estável, não são notas
essenciais.

3.2.4. O casamento é um rito de passagem

O matrimónio é um motivo de passagem de grupo sócio-religioso a


outro. O jovem esposo deixa o grupo dos célibes, para entrar no dos
pais de família. O casamento inaugura outro novo modo de ser, depois
dos ritos de passagem do nascimento e da puberdade. O casado passa
definitivamente ao estado de genitor, de pai ou mãe de família, através
de muitos ritos simbólicos que que expressam e realizam o abandono, a
passagem de uma maneira de ser à outra nova.

3.2.5. O casamento é uma associação económica

A sua instituição estável, pelo menos assim se pretende que seja,


soluciona a necessidade de complemento dos esposos. O homem e a
mulher precisam de integração mútua das suas tarefas diversificadas
pela divisão de trabalho por sexos. Esta separação de trabalhos por
sexos exige a reciprocidade de serviços, a complementariedade vital
entre homem e a mulher de linhagens diferentes, a união e o casamento
estáveis.

3.3. Outras situações relativas ao casamento, que comungam os grupos bantu.


Forma de casamento.

Conforme se aponta (Medina: 2001) os primitivos habitantes da parte sul de


África, caracterizam-se por uma organização colectiva do poder e pelas
relações conjugais baseadas na monogamia.

7
Raul Ruiz de Asúa Altuna (ob cit. P.317), faz entrever a poligamia no contexto
bantu mas como uma situação posterior, afirmando que, a África negra,
originariamente foi monogâmica. Embora a poligamia seja geral, observa-se
que está mais difundida nas regiões onde abundam os alimentos as forma
sociais se desenvolvem com intensidade, tal como nos povos de savana, nos
próximos da floresta e nos criadores de gado. A poligamia é uma instituição
aceite e muito estendida; mas a mentalidade bantu sempre a considera como
uma concessão permissiva, uma debilidade humana tolerada e não
sancionada pelos costumes tradicionais. O casamento bantu aparece como,
institucionalmente, monogâmico e, permissivamente, polígamo. Persegue-se o
ideal monogâmico, sente-se latente o valor primordial da monogamia, que
está na base do direito e da dignidade. A maioria das mulheres bantu suspira
por uma realização pessoal dentro do casamento monogâmico. A poligamia,
como já tivemos oportunidade de afirmar, posterior no tempo, é reconhecida
como um desvio. O conjunto de ritos dirige-se para um casamento
monogâmico.

3.4. Communidade na extensão da família bantu


A família tradicional bantu é sempre uma ampla instituição comunitária, de
cooperação e interacçaão, de participação vital extensa e indestrutível. A
verdadeira família bantu é a família maternal a família alargada.
A família alargada consolida o valor mais estimado e desejável, pois que
engendra a solidariedade e fundamenta esse humanismo tão sadio. O bantu
compreendeu que o homem só pode realizar-se pela comunidade e na
comunidade. Se conseguir conservar essa vivência fundamental comunitária e
conseguir purificá-la, terá salvo o mais essencial da sua cultura e a sua
aportação mais fecunda ao humanismo universal. A família considera-se unida
no tempo e no espaço, embora surjam diversas linhagens e subgrupos. Em
teoria ela nunca se extingue; pelo contrário, vai-se enriquecendo com o
crescimento incessante, embora desconheçam com exactidão o parentesco
que os une. Este pormenor nunca impede porém a solidariedade através das
gerações.
Tavez por isso, o bantu desconhece o conceito social e jurídico de filho natural
ou bastardo. É que toda a mulher-mãe, enriquece o caudal comunitário de vida
e compraz aos antepassados. O filho, embora nasça fora do matrimónio,
pertence à família e leva o sangue da linhagem que o incorpora plenamente.

4. O casamento na sociedade tradicional angolana.

No que tange ao casamento tradicional em Angola, Lucas Sebastião, também


parte de uma visão geral, comparativa e afirma que, o casamento em África, é
diferente dos casamentos ocidentais. Embora a sexualidade desempenhe um
papel importante, o casamento tradicional é, antes demais, um meio de
prolongar a linhagem de um clã.

8
Segundo Monteiro (ob. Cit. Sebastião:2017), trata-se de um casamento que
não envolve apenas dois indivíduos, mas sim duas famílias ou tribos que se
tornarão numa só. Os principais sujeitos que interveêm no acto do casamento,
não são, pois, os nubentes, mas as suas respectivas famílias e a própria
estabilidade da união parece depender mais das relações recíprocas destas do
que dos comportamentos dos cônjuges.
A celebração do casamento tradicional em Angola é, segundo algumas
concepções, considerada o cumprimento de um contrato sinalagmático
celebrado entre duas famílias. De mencionar que o casamento tradicional em
Angola, é marcado por dois eventos: a apresentação e o pedido. É celebrado
um compromisso de honra, em forma de um acto solene pelo qual, as duas
famílias prestam declarações e comprometem-se, com palavras de honra, a
cumprir o contrato promessa (a entrega do dote, por um lado, e da mulher, por
outro. Celebrado no acto do casamento. Assim, no casamento tradicional,
apromessa de casamento é vista como a celebração de um acordo (contrado),
no qual as duas famílias devem cumprir tudo o que foi estipulado na carta do
pedido. O não cumprimento deste acordo é visto como uma violação do acordo
bem como uma grande ofensa à família lesada. Em casos de incumprimento do
alembamento por uma das partes, sofrerá como consequências, sanções
tradicionais que podem envolver avultadas somas de dinheiro, gados ou
mesmo a perda de alguns direitos costumeiros na sociedade. Em Angola, este
simbolismo é considerado um costume e está consagrado na CRA ( Cfr. Art.
7º)
O alembamento6 começa quando alguém do sexo masculino se apaixona por
uma mulher e demonstra interesse em se casar com a mesma, ou quando um
familiar do homem indica uma mulher da comunidade para casar.
A mulher é avaliada pelos familiares do jovem a fim de aprovar se é digna de
entrar na família ou não. Depois desta etapa, a família do rapaz escreve a carta
de pedido dirigida à família do jovem com o fim de pedir a mão desta em
casamento.
É de realçar que os pais da noiva não têm nenhum poder de decisão ou
expressão sobre o alembamento, muito menos a futura noiva. Esta decisão é
de competência do irmão mais velho do pai que toma todas as decisões sobre
o procedimento do alembamento7.

6
Cfr. Leituras; Ensino de Base – 2º Nível, P. 13. Alambamento: tributo de honra prestado pelo noivo à
família da noiva
7
Sobre outros diversos aspectos relativos ao casamento na sociedade tradicional angolana, cfr. Ob. Cit.
Pp. 60-64.

9
4.1. Um olhar específico para a cultura nyaneka.

Os diversos aspectos relativos à família na cultura nyaneka não são,


fortemente, distintos dos apontados para os bantu, em geral.
Na cultura tradicional nyaneka a família é vista, também, como uma instituição
social8. É nela que são transmitidos os valores elementares da sociedade
tradicional e aqueles hábitos promotores do progresso da própria sociedade.
A tradicional forma de constituição da família na cultura nyaneka, é o
casamento que pouco se distancia, nos seus apectos caracterizadores, do que
apontamos para o casamento bantu em geral9. O casamento – fonte de
constituição da família – naquela cultura traduz-se na união entre duas pessoas
( uma do sexo masculino e outra do sexo feminino), com carácter duradoiro 10,
conforme o dever ser. Mas aqui, como temos vindo a apontar, considera-se
também o casamento como uma unidade de duas famílias (onombunga
mbulinepa).
Inicia-se o casamento, como tem sido de resto apanágio nas mais diversas
culturas bantu, com o alembamento, ( um acto de pedido da noiva(oviitika)),
que se consubstancia na entrega de diversos bens e que, em nada significa a
„‟compra da noiva‟‟, como tem sido tendência do concebimento da consciência

8
A família é uma instituição social na qual ocorre a transmissão de valores tradicionais identintários (a
língua, por exemplo) e edificadores, estes passados no otyoto. Um filho ‘’não educado’’ é uma desonra
para os seus pais. Pelo que estes têm patente o dever que se lhes incumbe de transmitir os nobres
valores às gerações mais novas.
9
Não obstante a afirmação, o casamento tradicional sofreu algumas alterações no seu modo de
celebração e realização. Em algumas zonas, foi posto de parte o verdadeiro simbolismo deste
casamento. Radcliffe-Brown (cit. Lucas:2017), explica que o casamento tradicional baseia no dote. ‘’ o
casamento tradicional pode ser entendido como a forma tradicional de união conjugal existente
nalgumas regiões de África, principalmente entere os povos bantu. Refere-se a um conjunto de
preparativos e entregas de um dote que a família do noivo faz à da noiva, com o intento de legitimar o
casamento e estabelecer novos laços chamados ( laços de afinidade ou aliança) segundo o direito
costumeiro’’
10
Para durabilidade do casamento aqui referida são praticados diversos ritos, que partem desde a
instrunção da mulher (jovem), nos ritos de passagem (m’ehiko), até aos actos preparativos do próprio
casamento, conforme (neste último caso) teremos a oportunidade de apontar. Essa instrunção é
passada por mulheres (adultas) de reputada idoneidade, num local próprio nem é enkhiti (lugar onde,
em geral, se passa o Ehiko), conforme escrevemos noutra parte. Descobrimos através de investigações
numa fonte mais idónea e fidedigna que, o espaço aqui em causa, pode ser uma “cubata” onde aquelas
mulheres se reunem com a muhiko para proferir algumas palavras no sentido de lhe conscientizar da
necessidade que tem de se casar; assim pronunciam-se, a título exemplificativo, palavras como: “
nov`okaiho keke-vala utambula” “novokakalo keke-vala utambula”, significando respectivamente que,
seja de um olho só, ou uma perna apenas, não o deves repudiar. Não se deve repudiar um homem pela
dificiência física; importante é a sua virilidade... Porque só às mulheres, compete a tradição de tais
valores, é de rejeitar a presença de qualquer homem naquele local. Se for, no mesmo local, apanhado
um homem, este sujeita-se à diversas sanções culturalmente aceites.

10
social actual11. Aqui, o alembamento tão-somente significa, por um lado, a
garantia de que a pessoa que casa (o noivo) está económica e materialmente
preparada para manter um agregado familiar; então o alembamento ( oviitika),
traduz assim o „‟conforto‟‟ ou tranquilidade em que deve ficar a família da noiva
pela certeza de que o membro que, agora, sai da família terá o materialmente
necessário para manter a estabilidade da sua família. Por outro lado, traduz a
honra para família que entrega os bens, porque esta fica naquele seio social
bem reputada. O recebimento dos bens pela família da noiva, significa também,
o consentimento que a família da noiva dá; isto é, a aceitação de que a filha se
una com àquele noivo e sua família12. Porque é isto mesmo que se pretende,
(constituir uma família forte, estável e bem reputada), muitas vezes a liberdade
de escolha do noivo/a é cerceada pela forte intervenção da família que
pretende que o seu filho/a, se una a uma pessoa que não esteja à margem da
ordem social.
Assim, o acto da entrega dos bens (bois, panos, bebidas tradiocionais como o
macau «onkhela») etc., confunde-se já com o próprio casamento, pois, como já
o dissemos, é neste momento, através do recebimento dos bens, que se
exprime o consentimento e se admite que a menina possa ir com os familiares
do rapaz, já na qualidade de casada. Vale mais uma vez sublinhar que a
interferência intercultural que se tem acentuado com devir dos tempos,

11
Atento a isto, a professora Maria do Carmo Medina, descreve: a fase preliminar do casamento é
constituída pela entrega de prestações da família do noivo à família da noiva, o que representa uma
compensação económica pela saída de um membro da família ( a mulher passa a estar subordinada ao
poder do marido). Em contrapartida, os valores recebidos pelos familiares da mulher podem ser
aplicados no pagamento de uma prestação para a celebração do casamento de um membro de um
membro masculino da família e garante-se assim uma compensação da saída de um membro feminino
da família, pela entrada de uma mulher. Portanto descarta-se aqui qualquer intenção de ‘’compra da
noiva’’ nas culturas africanas, em geral.
A este respeito, Cfr., ainda, MOISÉS MBAMBI – O Alambamento nos Direitos Africanos...
12
Aqui também se manifesta que o casamento é a união entre duas famílias e não só de duas pessoas.
Importa, aqui também, que essa entrega de bens nem sempre se confunde com o alambamento, este
que é mesmo já a conclusão do casamento. Na cultura nyaneka-mwila, a entrega de bens ocorre em
dois momentos: o do oviitika que se destinam à familia materna; oviitika diz-se, também, ombandula-
laka, vem do verbo okwiitika que é celar, em português. Frequentemente é utilizada, a expressão, para
referir a feitura de um nó que, obviamente, prende, que não desacta, ou que, pelo menos dificilmente,
desacta. O oviitika marca assim um primeiro pronunciamento de compromentimento com a noiva.
Okwiitika significa, aqui, fazer uma aliança, uma promessa séria de casamento. Essa aliança é
"assegurada" pela entrega de alguns bens como sinal. (wemwitika natyi?) como que, lhe prendeste com
o quê? Okwiitika pode traduzir, assim, a cerimónia que prende (okwiitika) a rapariga – através da
entrega de determinados bens - a se casar com o rapaz que os entrega. Depois dessa entrega fica
cerceada a liberdade da família em consentir o casamento da rapariga com outra pessoa fora da que já
assumiu o compromisso.
Portanto, oviitika encerra o que é conhecido, hoje, por noivado. O outro momento em que ocorre a
entrega de bens, é o do alembamento que se confunde mesmo já com o casamento. Aqui o bem,
principal, a ser entregue é o boi que, já não se entrega à família materna, sim, à familia paterna. POR
QUE O BOI DEVE SER ENTREGUE À FAMILIA PATERNA, PROMETEMOS TRAZER NAS PRÓXIMAS
INVESTIGAÇÕES.

11
agravada pela flexibilização derivada do fraco conhecimento da própria cultura
nyaneka, tem permitido a introdução de elementos de outras culturas nesta13.

13
A cerimónia de Casamento tradicional ocorre num em casa dos pais ou dos tios da noiva, na presença
de familiares e amigos entre outras pessoas que devem estar. É uma cerimónia pública, que observa
certas regras (forma) que rigorosamente devem ser observadas. O casamento não se constitui solo
consensu; a entrega da noiva está subordinada à entrega de diversos bens, já acima referenciados. Tudo
ocorre do modo que se segue:
I. A família do noivo deloca-se à casa da noiva, que deve encontrar já preparada para a
cerimónia. Como é próprio, deve vigorar o direito da tribo/ etnia da mulher; pelo que o noivo e
sua família subordinam-se tanto ao Direito da noiva.
II. Chegada à casa da noiva, verifica-se a pontualidade. Havendo atraso, não é permitida a
entrada, sancionado-se a família da noiva com multa, ocorrendo a entrada, só após o
pagamento desta. (as mulheres, familiares da noiva (estendem panos no chão, onde quem
poder liberar a família do noivo, deposita o dinheiro ou outro bem com eficácia liberatória.
III. São apresentados a seguir alguns bens que, segundo a cultura, ditam o que significa a visita da
família que se acolhe. Entre os bens está a zagaia, okambwe(a kinda) contendo fuba,
onthenda/tyipopo (cabaça) contendo ombulunga (kisangua) cujo significado detalharemos
abaixo.
IV. Cumprido o acima exposto, acolhe-se a família do noivo mormente, entre os escolhidos, os
aciãos e outos com participacão especial nesta cerimónia. Aqui a família do noivo, manifesta a
sua verdadeira intençao que é levar consigo a noiva (F...). Visto esta não se ter apresentado até
aqui, a tia pode dizer que ela ficou noutra localidade distante – geralmente a sua terra natal, se
casamento estiver a ocorrer, talvez, só no local de sua residência habitual – para que se
havendo da parte do noivo um verdadeiro desejo de levar a noiva, vão buscá-la a custo
necessário. É então que família do noivo, simbólicamente, entrega algum valor a família da
noiva, para que esta chegue de onde supostamente se tinha deixado.
V. Seguidamente, pegunta-se à família do noivo se nada mais traz. Ocorre então a apresentação
de diversos bens, sem os quais não há a entrega da noiva; postos que estivere esses bens, a
família da noiva pede então que lhes sejam entregues; é aqui que a família do noivo reclama
pela presença da noiva.
VI. Chega a noiva, mas acompanhada de outras jovens e tadas cobertas em lençois, a fim de testar
a capacidade do noivo em identificar a sua amada. Então é chamado o noivo a escolher entre
várias jovens a noiva. Não conseguindo, paga-se uma multa pelo próprio noivo. Ultrapassada
esta etapa, há ainda outra fase.
VII. Já presente a noiva, procede-se a entrga dos bens que devem corresponder aos constantes da
carta do pedido. Assim, a entrega é feita pelos tios do noivo: enquanto um vai citando cada
bem pedido, outro/a vai fazendo a entrega. Após o que os familiares da noiva se pronciam
acerca dos bens recebidos (se correspondem ou não).
VIII. Entregues os bens, a família da noiva pergunta se nada mais se tem a entregar. A outra família
responde que não e então procede a entrega da zagaia e em viva e alta voz o tio/a, dita o seu
significado (protecção e instrumento de trabalho – caça). Dita-se o significado da kisangua
(encargo para as duas partes de que em casa deve haver sempre alguma bebida); Dita o
significado da fuba e do dinheiro que estão na kinda (símbolo do encargo de haver sempre
comida – alimentos em casa -); o significado; de outra moeda (poupança – que não devem viver
sem qualquer reserva em casa – essa reserva deverá acudir em situações mais urgentes); o
significado da cabaça (visto ser facilmente quebrantável, ela tem um significado de cuidado que
cada parte deve ter em relação a outra, no sentido de não se machucarem); significando da
Kinda (okambwe) significa produção: usada só pela mulher, significa que esta deve produzir e
levar o okambwe a fim nela levar os frutos da sua produção para a casa.
IX. Feito isto e estando assim assegurado que a noiva terá a sua vida estável, a sua família, aqui o
seu tio, procede a sua entrega ao tio do noivo e, por sua vez, o tio do noivo entrega-o ao tio da
noiva, ficando então unidas as duas famílias.
X. Como acto final, o noivo recebe a sua noiva e perante as duas famílias se compromete a cuidá-
la/ tratá-la devidamente. A isto se segue um momento de confraternização, já não relevante,
participando dele quem puder.

12
No que tange a forma de casamento tradicional privilegiada na cultura nyaneka,
aponta-se o casamento monogâmico.
Desde sempre foi de rejeitar, entre estes povos, o casamento poligâmico. Não
obstante ele surge no seu seio fruto da inegável ingerência de elementos
culturais de outros povos noutras culturas; podíamos a isto chamar intercâmbio
cultural.
A poligamia é tolerada, e prestigiada a monogamia. A primeira esposa é
considerada e reconhecida pela sociedade. É a verdadeira mulher, o que lhe
atribui vários privilégios, entre os quais:
1- Os seus filhos são tidos como os verdadeiros e têm o domínio da casa;
2- O otyoto (jango), onde são transmitidos os valores e realizados diversos
ritos de relevância cultural nyaneka, está situado na casa da primeira
esposa.
3- Porque a primeira mulher é a verdadeira e a socialmente reconhecida,
os visitantes têm como ponto de chegada, a sua casa; é ali onde são
acolhidos e permanecem pelo tempo estritamente necessário.
Isto tudo revela uma total desconsideração pela segunda mulher, cujos filhos
nem sequer participam da sucessão. (nem sempre os filhos,
independentemente de serem da primeira ou outras mulheres, têm direito à
sucessão, o que se tem justificado pela incerteza da parternidade. Existe um
tabu de que os filhos são, verdadeiramente, da mulher)14. Esta situação leva a
que os herdeiros, na maioria das situações sejam os sobrinhos do marido, pois,
este não tem a certeza de que os filhos julgados seus o sejam efectivamente;
mas tem a certeza de que os filhos da irmã são efectivamente seus.
Apesar de o casamento tradicional ser o monogâmico, a família
verdadeiramente considerada não se circunscreve à família nunclear (mãe, pai
e filhos); a verdadeira família, é a família extensa. Na cultura nyaneka é tal a
extensão da família que leva a dificuldades na determinação de quem é,
verdadeiramente, parente. Entretanto, apesar dessa dificuldade na
determinação de quem está na parentela, a consideração que se tem pelos
diversos membros e a vontade de sempre os reconhecer nesta qualidade, leva
os nyanekas a adoptarem um sistema, que embora na incerteza, afilia a
pessoa a determinado grupo familiar: é o totemismo.
Entre os nyanekas, o casamento tem também o carácter de uma associação
dominada pela complementariedade. Na sociedade tradicional nyaneka o tabu
da divisão social do trabalho encontra abrigo nos costumes. O homem não
deve cozinhar, por exemplo. O homem, após atingir determinada idade,não
deve lavar; altera a ordem tradicional e culturalmente imposta; ele é o provedor.
Pelo que vê-se na necessidade de procurar uma mulher que lhe vai completar
neste sentido. Daí a complentariedade do casamento.

14
Paulina Chiziane quanto a verdadeira paternidade interroga: alguém, neste mundo, sabe quem é o
verdadeiro pai dos filhos da mulher? E acrescenta: pai é dúvida, mãe é certeza. (Chiziane: )

13
No domínio da educação dos filhos a intervenção é de ambos. Estão todos de
acordo quanto à educação dos filhos que honra sempre a família. Sem prejuízo
disto, existem questões a transmitir que estão subtraídas do domínio do
homem e que só as mulheres devem transmitir e vice-versa, conforme já
tivemos a oportunidade de o aludir, relativamente aos ritos de passagem ou de
iniciação masculina e feminina.
No que concerne a impedimentos matrimoniais, tradicionalmente, parentes da
linha recta e parentes de segundo grau da linha colateral e até de terceiro grau,
não se casam. O casamento entre primos ( o incesto é repudiado, fortemente)
também é reprovável mas estrita e ponderosamente tolerado.
Quanto à problemática da dissolução do casamento releva reafirmarmos que, o
casamento na cultura nyaneka é estável e vocacionado à indissolubilidade. A
estabilidade que se requer para o casamento implica, que o adultério não seja
considerado causa, suficientemente idónea para extinguir a relação conjugal
estabelecida15. O cônjuge ofendido pode „‟suportar‟‟ esta situação e tem, de
qualquer de qualquer modo, direito a uma compensação (o ukoi). O cônjuge
faltoso é desprestigiado e perde, naturalmente, a confiança do cônjuge
ofendido, embora se mantenha a relação conjugal. Espera-se que o casamento
se extinga apenas por morte de um dos cônjuges ou ambos; mas, isto não
extingue a unidade de ambas as famílias.

5. Reconhecimento e acolhimento no ordenamento jurídico angolano.

Conforme frisamos ao preambularmos esta temática, o reconhecimento da


família como instituição elementar da sociedade é inegável não só a nível
internacional, como também no domínio interno dos Estados. Conforme se
refere (Silva:2014), a sociedade para progredir necessita de maneira
indefectível de uma base fortemente constituída: a família. Por esta razão o
constitucionalismo social tem sempre entre as suas finalidades essenciais a
protecção deste núcleo natural. Assim cada Estado adopta mecanismos que
considere viáveis à tutela da família.
Devido a sua importância, o legislador angolano, doutamente, acolheu e
consagrou nos termos do art. 35º da Constituição da República de Angola, a
família como instituição fundamental16. E há ainda reconhecimento infra-
constitucional, no âmbito do código da família, entre nós aprovado pela lei nº
1/88 de 20 de Fevereiro.

15
Essa possibilidade de suportar ou tolerar a infidelidade vislumbra uma especificidade do tratamento
dessa situação, no demais das culturas dos diversas culturas bantu. Cfr. (Sebastião:2017) Pp. 66-67.
16
Conforme refere Lucas Sebastião, o reconhecimento da família tradicional no ordenamento jurídico
angolano abriga-se no mesmo juízo que reconhece a validade do costume (art. 7º CRA) e o
reconhecimento das instituições do poder tradicional (art 223º e 224º CRA)

14
A família, esteja constituída de facto, ou formalizada nos termos da lei, merece
tutela por parte do estado, pelo impacto directo que ela tem na sociedade17. É o
que o legislador constituinte dispôs nos termos do nº 2 do art. 35º da
Constituição da República de Angola.
O reconhecimento da família pelo Estado e o seu acolhimento no ordenamento
jurídico angolano têm manifestação, em parte, nas políticas que o governo tem
gizado em prol da família (Tyombe:2016). A educação tem sido um dos
primeiros apoios que se dá à família; os objectivos definidos no Plano de Acção
do Ministério da Família, são de suprimir todas as barreiras sócio-culturais e
económicas para uma educação inclusiva e de qualidade a todos os níveis,
acessível a todas as famílias e à todos os membros da família (MFPM,
2013:19). Olhando para o que fica dito acima, não nos parece haver dúvidas
quanto ao interesse e importância que o Estado angolano dá à família, pelo
menos, no que à educação diz respeito. Importa frisar que este não é o único
domínio em que se circunscrevem as políticas do Estado no âmbito da família.
Ainda clara manifestação do reconhecimento da família tradicional, no
ordenamento jurídico angolano é a possibilidade de legalização da união de
facto.

17
O principio da liberdade de escolha da forma de constituir família e da dignidade dos seus membros,
significa isto mesmo; que independentemente da forma em que for constituída a família, ela tenha a sua
dignidade e, portanto, mereça tutela do Estado.

15
6. Conclusão

Chegados aqui, cumpre-nos tecer algumas considerações finais. Tudo quanto


foi dito demostra que a família é uma verdadeira instituição de carácter social.
Ela constitui, como não é novidade, a célula da sociedade; é o pressuposto da
sua existência.
A existência da família se concebe a partir do momento em que o homem
sentiu a necessidade de procriar, existindo pela união de um homem e uma
mulher em coabitação18. Ela é anterior ao direito e é tida como uma situação de
facto que, mais tarde mereceu o acolhimento nos ordenamentos jurídicos de
diversos países, entre os quais, Angola.
A sua abordagem é complexa e, na África subsariana e em Angola em
particular, essa complexidade se acentua devido a diversidade étnico-cultural.
Sem prejuízo disto, em diversos aspectos, as famílias apresentam
características semelhantes. Em África o homem é família (Altuna: 2006) cit.
Joaquim Nhanganga Tyombe. Mais uma vez se afirma a necessidade do
homem procriar, o que na maioria das vezes, subjaz aos casamentos
realizados. Estes são tradicionalmente monogâmicos e, apesar disto, a família
considerada não é só a elementar; é a família alargada.
No olhar específico para a cultura nyaneka, vimos que no essencial, as
características são quase as mesmas, com particularidades de menor relevo.
As famílias são essencialmente constituídas à margem da lei, o que não
prejudica o facto de elas prestarem grande contributo a sociedade e
merecerem, com toda a dignidade, o reconhecimento pelo Estado e o seu
acolhimento na ordem jurídica angolana, conforme está clarividente no art. 35º
da CRA.

18
Coabitação, assim entende Giddens: (2008), é a vivência conjuta de duas pessoas antes do casamento
ou em alternativa ao casamento.

16
7. A CULTURA TRADICIONAL NYANEKA – SÍMBOLOS E SIGNIFICADOS

17
Tudo quanto apresentaremos é o pouco do muito que nos foi dito, que
representa, por sua vez, o pouco do que não se conhece, talvez pela
deturpação cultural devida ao colonialismo, pela desabono da tradição oral e/ou
pela falta de escrita.

18
O homem, é no essencial o ser que comunica. A sua postura difere da dos demais seres da
natureza. Ele actua animicamente e não mecanicamente. Tem sempre a intenção de transmitir
seja na linguagem que utiliza19, seja no modo de se apresentar20, em ocasiões especiais ou do
quotidiano. Se isso pode ter uma extensão universal, no contexto singular nyaneka, é mais
ainda. O que ocorre é o facto de haver muita ignorância em relação ao assunto. A nossa
esperança é a de que este trabalho sirva de embrião para muitas e maiores investigações
sobre as nossas culturas.

7.1. A Preservação da Cultura dos Nyaneka-mwila face as Influências Globais

A forma do atavio da mulher mwila, faz parte da sua cultura na sua pureza
original, pelo que deve ser preservado de forma a manter os princípios
passados pela ancestralidade, como alma de qualquer sociedade.

Segundo Appadurai (2004, p. 12), a cultura é o campo das diferenças, dos


contrastes e das comparações.

Na perspectiva do executivo angolano, publicado no diário da República I série


nº 6 de 11 de Janeiro de 2011, decreto presidencial nº 15/11, que aprova a
política cultural da República de Angola, a cultura,

é o conjunto de traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e efectivos


que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Ela, é o repositório do
capital de criação social acumulada que, encerrando a memória colectiva, ganha
expressão tangível ou intangível em toda a criatividade dos indivíduos e das
21
comunidades determinando a sua conduta e o seu agir social.

19
Os provérbios (ononthengelele-popya), são um exemplo disto.
20
Hoje, o imagem paradigmática que podemos trazer para justificar isto, está nas igrejas –mormente na
igreja Católica – nalgumas academias e nos tribunais, onde as vestes têm sempre algum significado.
21
Secreto Presidencial nº 15/ 11 qua aprova a política cultural de Angola que revoga toda a
legislação que contraria o disposto no presente decreto, no Diário da República I série- nº 6 de
11 de Janeiro de 2011, p. 146.

19
preservar uma cultura é uma acção que não se restringe apenas a
monumentos magníficos e com valor históricos, mas também aqueles valores
configurados por nossas paisagens, particularidades regionais e geográficas,
ambientes urbanos e rurais, bem como os traços da manifestação cultural não
tangível, como os modos de vida, as expressões de arte popular, os saberes e
fazeres, as aspirações, os símbolos e mitos, como maneira de reforço de nossa
identidade cultural.

A globalização no mundo actual é um facto que carece de muitos estudos, mas


a investigação é dificultada devido a escassez de bibliografia, conforme
espelha Van-Dúnem (2010), na sua obra “Globalização e Integração Regional
em África”.

A dificuldade é maior se a pretensão for a análise dos fenómenos da globalização


relativamente ao continente africano porque reconhecemos a carência que existe
de bibliografia específicas bem como de instituições que se dediquem
exclusivamente ao desenvolvimento da investigação.

Apesar da escassez de bibliografia, vemos que os ventos da globalização têm


grande influência em África e em Angola de forma particular uma vez que
afectam directamente as culturais locais e que se não existir algum cuidado nas
comunidades, as culturas locais e milenares poderão se perder face a
aculturação de que a globalização impõe.

A globalização apresenta vantagens, na medida em que as sociedades podem


ter acesso aos diversos modelos sociais, políticos, económicos e culturais de
uma dada sociedade e que podem ser aplicados em outras sociedades tendo
em conta as suas particularidades. Ao passo que as desvantagens são devido
as agressividade de muitos fenómenos sociais, cabendo às sociedades a
responsabilidade de encontrar e estabelecer mecanismos de preservação dos
seus valores culturais.

Face ao fenómeno da globalização, deve-se ter em atenção a preservação dos


valores da cultura nacional para sabermos quem somos, de onde viemos e
para onde vamos, aspectos essenciais da identidade de um povo.

20
Os valores culturais são imperativos para a identidade de um povo, por isso
devemos defendê-los e transmiti-los às novas gerações.22

Apesar da invasão das fronteiras pelo fenómeno da globalização, que faz com
que muitos valores culturais sejam confundidos senão mesmo revertidos, entre
as mulheres Mwilas, até aos dias de hoje, muitas são as que valorizam e
preservam a sua cultura como algo herdado dos ancestrais e que deve ser
mantido e transmitido para as futuras gerações.

Tynkhapi (2021) lamenta o facto de que as mulheres mwila, carregam consigo


o sentimento de manter a sua cultura, mas quando deslocam de um lugar para
à cidade trajada rigorosamente de forma tradicional cultural e cuidadas com os
seus produtos de beleza, são alvo de discriminação, sobretudo nos meios de
transportes, pois existem pessoas que não se sentam perto delas porque as
consideram sujas e mal cheirosas, chegando ao extremo de pagar ao taxista o
valor das cadeiras para deixar de levar as mulheres. Por outro lado, algumas
jovens Mwila não vão à escola porque são obrigadas a usar a bata branca e
para tal já não podem usar o seu penteado tradicional porque a gordura suja a
bata.23

As culturas se cruzam e recruzam, fundem-se e dividem-se; elementos são


adicionados aqui e perdidos ali (Santaella, 2008, p. 46). Isto pode ser
constatado na cultura da mulher Mwila do jau, uma vez alvo dos ventos da
aculturação.

7.2. Contexto Histórico da Indumentária


No presente subcapítulo abordamos o contexto histórico das vestimentas através do tempo e
em diferentes realidades bem como o significado das mesmas nas diferentes esferas sociais.

A vestimenta, desde a Idade Média, tinha a função de demarcar diferenças entre os grupos
sociais e ao mesmo tempo, ser utilizada como estratégia política, na manutenção das
hierarquias e do controle da sociedade. A moda, como entendemos hoje, surgiu entre os
séculos XIII e XIV, no contexto medieval e se caracteriza pela mudança da roupa ao decorrer do
tempo, ou seja, moda é mudança e se molda conforme o contexto ao qual se está inserido
(Riello, 2015, p. 13).

A roupa como uma linguagem visual, foi utilizada, historicamente, para separar categorias e,
no Antigo Regime, em que as hierarquias deveriam ser visíveis, a vestimenta e o uso de certos

22
Maria Fernanda da Silva, nas vestes de Vice Governadora da Província do Uije, Jornal de
Angola do dia 09.01.2011,
23
Conversa feita com a Anciã Manuela Hambila Tyinkhapi, no dia 09.06.2021.

21
adornos foram elementos empregados para legitimar poderes, condições, lugares e distinções.
Dessa forma, conforme Julita Scarano (1992),

Assim, o que se usava no próprio corpo constituía o modo mais fácil e acessível para se
alcançar certa distinção, no seio de seu grupo e mesmo na sociedade como um todo. De resto,
a roupa sempre teve o papel social de separar e distinguir categorias. (Scarano, 1992, p.58).

O vestuário é um elemento de integração porque se virmos as funções da moda e depois de


atender desta, transcende a simples necessidade de se cobrir, veremos como a moda tem uma
função social e cultural (Scrano, 1992, p.60).

Podemos assim dizer, que as roupas desde os tempos, não somente servia para se cobrir, mas
tinha também a função de distinguir povos, culturas. Havia sempre uma messagem, uma
linguagem que poderia ser transmitida por meio das diferentes formas de atavios.

7.3. A Indumentária como objecto Histórico


Pensar e estudar a moda significa reconhecer como se constituiu um campo de pesquisas com
suas teorias e metodologias. A historiografia da moda pode auxiliar no conhecimento e
compreensão acerca da incorporação das roupas como documento histórico e como
observatório da vida social, cultural e política.

O balanço historiográfico de Calanca (2008) pode ser o fio condutor para dimensionar as
mudanças nos conceitos de história e de documentos observados no século XX, e de como
repercutiram nos estudos históricos do vestuário. Para a autora, no seio dessas mudanças,
alavancadas pela Escola dos Annales, emerge uma nova e mais ampla concepção de
documento e das implicações sociais dos acontecimentos; isto é, das consequências que eles
têm sobre os indivíduos em termos de vida colectiva, de sentimentos, de comportamentos
privados e de mentalidades colectivas, ensejando a abertura, para uma história problemática,
que se delineia como Nova História. Essas mudanças teriam concorrido para o surgimento de
uma frente comum nos diversos planos da pesquisa histórica e um programa de trabalho para
os estudos de moda e da indumentária, em particular, mediante a abertura de novas frentes
de estudos, novos objectos e novas fontes (Calanca, 2008, p. 212).

Benjamin (2006), Barthes (2005), entre outros nomes da história, da sociologia e da filosofia,
deram contribuições significativas para alavancar o campo da história do vestuário, ao
afirmarem, por exemplo, que o vestuário não é um assunto supérfluo e de segunda categoria
na grade do conhecimento histórico; que ela permitiria acompanhar os ritmos históricos de
forma particular, os usos feitos dos trajes pelas pessoas e os significados adquiridos pelas
aparências nos contextos de seus fazeres.

O que se denomina História da Indumentária, expressão usada no lugar de roupas, não teria
surgido antes do final do século XIX. Por volta de 1860 teria se iniciado a voga de trabalhos
científicos sobre a indumentária, realizados por erúditos, arquivistas como Quicherat, Demay
ou Enlart, em geral, medievalistas que se propuseram tratar do assunto como uma soma de
peças e a peça indumentária em si, como uma espécie de acontecimento histórico, convindo
antes de tudo, datar seu aparecimento e dar origem circunstancial (Barthes, 2005, p. 258).

O modelo interpretativo proposto por Barthes segue com o intuito de apurar os instrumentos
que permitam aos historiadores e sociólogos precisar os termos sobre os quais se pode falar
em história da moda. A indumentária deve ser concebida como sistema e como facto e de

22
ordem axiológica. Nesse modelo, a indumentária não tem valor próprio, mas são significantes
por estarem interligados a um conjunto de normas colectivas. Dessa forma, o que deve
interessar ao historiador e aos pesquisadores de moda são as correlações normativas que
justificam, obrigam, proíbem ou toleram, em resumo, regulam a disposição normativa num
usuário concreto, captado em sua natureza social, histórica” (Barthes, 2005, p. 265).

O traje constitui-se no modo pessoal como um usuário adopta a indumentária que é proposta
por seu grupo. Pode ter significação morfológica, psicológica ou circunstancial, mas não
sociológica [a indumentária, por seu turno] é propriamente o objeto de pesquisa sociológica
ou histórica. Já tivemos a oportunidade de ressaltar a importância de sistema indumentário
(Barthes, 2005, p. 270).

Podemos assim dizer que qualquer traje, vestuário, roupa oferecido pelos documentos exige
uma compreensão na qualidade de indumentária, ou seja, como sistema indumentário, para
que se possa dele extrair os significados históricos, sociais e culturais, ou o sistema de valores
que se embute e dá forma ao vestir das pessoas em diferentes épocas, lugares e situações.

No entanto, qualquer que seja a roupa ou a prática de vestir transformada em objecto de


estudo, é preciso ter consciência daquilo que foi sobejamente mencionado neste texto.

A roupa como documento de moda oferece pistas sobre como as sociedades e as culturas, os
povos e as civilizações lidaram com as vestimentas, com as fabricações de tecidos, com a
produção das peças, com os usos da tecnologia, com as práticas de vestir, consumir, fazer,
descartar e recriar (Castilho, 2007).

Cada uma das épocas históricas, cada uma das culturas e sociedades existentes instalam
valores em sua forma de vestir e decorar seus corpos [...] os modos de combinar corpo e moda
são documentos visuais, textos que falam de uma determinada maneira de ser e parecer, de
valores de uma época (Castilho, 2007, p. 14).

A história da vestimenta pode nos fornecer uma visão panorâmica de como essas relações são
construídas através dos significados que o vestuário assume ao longo do tempo e de como a
cultura predominante em cada momento o influenciou (Matos, 2010, p. 53).

A Vestimenta como Elemento de Distinção

As vestimentas para além de serem usadas para cobrir o corpo, servem também para a
representação da beleza, da moda, ainda também desempenhou e continua a desempenhar o
papel de distinção dos diferentes grupos sociais.

De acordo com Lara (2005, p. 86), a distinção no Antigo Regime, estava baseada na
dominação, função, poder e privilégios, conforme cada espaço ocupado na hierarquia. As
distinções deveriam ser explícitas, para demarcar as ordens sociais e econômicas. Dessa forma,
os comportamentos e os modos de vivência deveriam transmitir essas desigualdades.
Contudo, apesar da separação de ordens, as distinções eram maleáveis, pois na verticalidade,
sempre haveria um grupo, que de acordo com sua posição, ficaria inferior ou superior com
relação a outros grupos ordenados. Por outro lado, os escravos compunham a base da
pirâmide social. Por isso, a exibição de poder através de símbolos e cerimônias eram essenciais
para a reafirmação da condição social, qualquer que fosse a colocação na hierarquia.

Dessa forma, a sociedade colonial viveu de certa forma, às aparências, na qual a vestimenta e
os adornos foram um dos elementos utilizados, para promover a distinção social. As leis

23
discriminatórias faziam sua função de não distinguir escravos de libertos e generalizavam as
categorias dos ascendentes africanos, tratando todos como inferiores (Lara, 2005, p. 86).

Na pragmática de 1749, da legislação portuguesa, essas questões são explicitadas e se observa


que o vestuário foi utilizado como controle social a fim de afirmar categorias e proteger
hierarquias desde a metade do século XV (Lara, 2005, p. 87). Nessa lei, determinados tipos de
roupas, ornamentos e armas eram proibidas para pessoas com condição social inferior. A
diferença deveria ser observável para que a sociedade soubesse identificar os superiores
(pessoas de maior qualidade) e os inferiores. Na América portuguesa, essas legislações vão ser
incorporadas, sob o interesse da elite local, para que a mesma função seja imposta, no
entanto, sob condições diferentes (Lara, 2007, p. 89).

Assim como as roupas, os tecidos e os adornos usados pelas pessoas eram lidos como símbolos
de presença ou ausência de riqueza e poder, como signos de comportamentos e costumes
louváveis ou escandalosos, de domínio ou submissão, a cor da pele e outras marcas físicas
foram incorporadas, sobretudo nas Conquistas, à linguagem visual das hierarquias sociais. [...]
(Lara, 2007, p. 100).

O simbolismo da vestimenta nas colônias estava atrelado a valores morais e religiosos. No


entanto, mais do que isso, a elite colonial e metropolitana estava preocupada em distinguir
negros de brancos, ou seja, a roupa adquire um caráter político, quando passa a garantir um
serviço de manutenção de hierarquias sociais, moldadas do Antigo Regime. Entretanto, a cor já
se mostrava suficiente para distinguir categorias, pois, conforme visto na pragmática de 1749,
ao proibir negros e mulatos do luxo excessivo, buscava relacioná-los a uma condição inferior à
dos brancos (Precioso, 2008, p. 8).

Como a vestimenta era capaz de distinguir classes, a roupa e o uso de certos adornos eram
uma das formas que facilitavam essa integração social, quando o parecer se sobrepunha ao
ter, pois a exibição em espaços públicos de tecidos nobres transmitia poder e privilégios, e isto
era importante para negros e pardos libertos, que desejavam se reafirmar e distinguir das
classes ditas inferiores. (Januário, 2004, p. 19).

Como podemos observar, as vestimentas desde sempre serviram para a representação de


diferentes culturas, servia também para discriminação de pessoas em função do nível social,
cultural, prestígio, para distinguir escravos de livres, a nobreza das camadas mais baixas.

Hoje, o vestuário tem uma linguagem, através do qual é possível identificar o seu usuário em
função da sua tribo, da sua manifestação cultural, assim como revela a beleza que emana de
um determinado grupo.

As roupas revelam ser arquios culturais privilegiados: guardam a memória dos receios,
pudores e sonhos do seu tempo, mas, igualmente, servem como instrumentos para modificá-
los, ocultá-los e, ainda, como um expressivo prolongamento da vontade de ostentar distinções
econômicas e políticas de peso (Roche, 2007, p. 9).

Nesse sentido é importante ressaltar o papel simbólico que a moda exerce. Para usar a
expressão de Marx (1975, p. 79) as roupas são “hieróglifos sociais” que escondem, mesmo
quando comunicam a posição social daqueles que a vestem. Comentando esse aspecto a
socióloga americana Diane Crane afirma que:

O vestuário é sempre significativo e em suas interpretações aproximamo-nos da organicidade


da sociedade que o produziu. Afinal, em seus cortes, cores, texturas, comprimentos, exotismo,

24
as roupas dão conta de imprimir sobre os corpos que as transportam categorias sociais, ideais
estéticos, manifestações psicológicas, relações de gêneros e de poder. (Crane, 2006, p. 22).

Pensamos que paralelo a dimensão distintiva de classe, gênero e etnia, a moda assume um
caráter simbólico de tecido das relações sociais. O vestuário pode ser portador de significações
em cada pequeno pormenor de sua composição, constituindo um sistema de códigos que os
indivíduos usam como repertório distintivo, à semelhança dos demais códigos culturais, morais
ou institucionais.

De facto, o acto vestir é um fenómeno que diz respeito a todo ser humano e a todas as suas
relações com o mundo que o cerca. Umberto Eco afirma “a roupa é uma comunicação”. E
acrescenta ainda, a linguagem do vestuário, tal como a linguagem verbal, não serve apenas
para transmitir certos significados, mediante certas formas significativas. Serve também para
indicar posições ideológicas segundo os significados transmitidos e as formas significativas que
foram escolhidas para transmitir. “A roupa é uma linguagem articulada”. (Eco, 1989, p. 17).

Despertado o recente interesse pela história social, a moda tem surgido, cada vez mais, como
suporte para pesquisa histórica por encerrar uma série de prerrogativas que são úteis para
entender uma época, as sociabilidades, as inter-relações sociais e o contexto do período.

7.4. A cultura tradicional nas vestimentas da mulher Mwila


A mulher mwila no seu modo de vestir revela a sua verdadeira identidade
cultural e convida a cada um a manter vivo os seus traços culturais.
Entendemos que um povo desligado se equipara a um peixe fora da água. Há
pouca variedade no vestir, porém, nota-se uma feliz atenção quando a situação
exige um vestuário mais refinado na sua pureza cultural24.

O vestuário (omuvalo) em sentido genérico tem um valor universal porquanto


todos os grupos humanos usam-no com o objectivo de cobrir e proteger o
corpo. Todavia, cada povo restritamente tem o tipo e o estilo que mais lhe torna
distinto de outros grupos. Assim, encontramos nos diversos povos africanos e
não só, uma grande variedade de hábitos de apresentações carregadas de
sentido, beleza e significado. Desta forma achamos na etnia mwila um modo
peculiar de se vestir o que marca a sua identidade, beleza e festividade25.

24
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.

25
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.

25
7.5. O atavio da mulher mumwila

7.5.1. O Papel da Mulher na Comunidade

Considerando que a nossa abordagem centra-se na forma de apresentação da


mulher mwila importa referir o papel que a mulher desempenha na comunidade
e a sua importância vital para o desenvolvimento de qualquer sociedade.

Desde o surgimento do homem na terra, a mulher Bantu exerceu múltiplos


papéis sendo o de maior realce, a reprodução da espécie humana, que lhe
confere o estatuto de companheira, mãe, protectora, educadora e gestora. À
mulher Bantu foi dada a responsabilidade de alimentar a família cultivando o
campo. A mulher Bantu ocupa na sociedade um lugar específico e honroso
pela sua vocação para a maternidade. Os filhos e a agricultura outorgavam-lhe
prestígio e uma favorável situação familiar e social. (Altuna, 2006, p. 255).

A divisão das sociedades humanas foi sempre entre o género feminino e o


masculino onde se determina os mais variados papéis sociais para cada um.
Homem ou mulher, são diferentes em toda a estrutura do seu ser, cada um
com um mundo efectivo próprio, com um horizonte cultural próprio e com um
modo próprio de sentir, ver e julgar as coisas (Imbamba, 2003, p. 166).

Nas sociedades humanas, a continuidade da espécie humana é


consequentemente da família depende da mulher, sendo ela a responsável
pelos seus laços sanguíneos da família. O princípio da divisão das sociedades
humanas entre o masculino e o feminino determinou a existência de
sociedades matrilineares e de sociedades patrilineares, cujos fundamentos
regulam a parte da autoridade que cabe às mulheres e os homens (Mata e
Padilha, 2007, p. 9).

Como companheira do homem, a mulher exerce um esforço na compreensão


do ser e estar do seu parceiro para que os objectivos traçados para o
desenvolvimento da família sejam alcançados, não se trata de excluir um dos
géneros, mas antes de inventariar e analisar a parte que cabe a cada um,
podendo até afirmar-se que a unidade resulta da conjunção das diferenças
(Mata e Padilha, 2007, p.9).

26
A mulher ganha o direito de mãe, sendo ela protectora e educadora dos filhos e
responsável pela transmissão dos valores dos antepassados, tornando-se a
depositária, a conservadora e garantia da transmissão dos valores ancestrais
na sociedade. Este facto constata-se entre as mulheres “Ovamwila”, mães,
inevitavelmente, mas também produtoras, assim como encarregadas de
conservar e de transmitir a memória do grupo (Mata e Padilha, 2007, p. 10).

Na comunidade “mwila” particularmente no Jau a mulher assume um papel de


carácter importante na medida em que auxilia sobre maneira as actividades do
homem desde épocas remotas, passando pelo período colonial até a
actualidade.

A mulher “Mwila”, quando adulta, para contrair o matrimónio e constituir família,


é escolhida com base nos seus dotes e o tipo de família, já que são
acauteladas várias situações e, de entre muitas a preguiça. Nas comunidades
mwila, se uma mulher for preguiçosa encontra dificuldades ao contrair o
matrimónio, pois deduz-se que poderá inviabilizar os projectos da família. Este
facto representa bem o papel que uma mulher deve desempenhar.

A mulher do Jau, tem sabido enquadrar-se na dinâmica do mundo moderno


sem perder de vista a sua base cultural, facto que tem sido importante na
constituição de famílias bem estruturadas onde, o respeito pelos valores
humanos são preservados, sempre respeitando as diferenças próprias da
sociedade.

Um ambiente cultural saudável permite libertar e estimular as energias


criadoras de um povo, bem como preservar e desenvolver a sua cultura
nacional.26

26
Secreto Presidencial nº 15/ 11 qua aprova a política cultural de Angola que revoga toda a
legislação que contraria o disposto no presente decreto, no Diário da República I série- nº 6 de
11 de Janeiro de 2011, p. 146.

27
7.5.2. O OMUVALO DA MULHER MWILA EM DIFERENTES CONTEXTOS
7.5.2.1. O significado do atavio da mulher mwila na fase infantil

Nesta fase a criança apresenta-se da seguinte forma: na cabeça apresenta


quatro tranças, duas naiores no centro e duas pequenas laterais, todas elas
corridas para trás, terminadas em missangas e na ponta da trança coloca-se
uma cochinha branca que serve de embelezamento e também símbolo de
riqueza. Depois de feita a trança, prepara-se um produto denominado “mbooa”,
esse é feito de pedra moída da qual se mistura manteiga (Ngundi) que é um
derivado do leite da vaca, essa mistura dá origem a um produto de cor
acastanhada. Para além da pedra que dá origem a essa cor, também pode se
fazer “omboa” de casca de uma planta com o nome de omumue com o mesmo
processo. O nome da pedra é Onkula.27 Ver figura nº 1.

Mas não é o único tipo de trança que se aplica às crianças, no entanto, as


outras trazem tranças em forma de bobi com a mesma cor.

Ao pescoço normalmente usa missanga de cor branca que lhe é ofercido pela
família paterna no dia do registo (Otynkindi), sendo a mesma missanga de
apenas um fio, as restantes missangas enroladas ao pescoço servem de
embelezamento28

Tyinkindi é uma cerimónia que consiste essencialmente em atribuir nome a


criança, essa atribuição é da competência da família paterna.

Ao peito cruza duas missangas designadas omiyelayela que são missangas ou


fios que cruzam o peito, tendo significado diferente consoante a idade em que
se encontra a pessoa que as usa, no caso da criança para embelezar 29

27
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade feita no Jau aos 22-06-2022
28
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade feita no Jau aos 22-06-2022
29
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade feita no Jau aos 22-06-2022
Segundo a nossa interlocutora, na cintura, usa missanga para assegurar as
suas vestes Okandondi e okotati. Omundondi serve para cobrir a parte
transeira e okatati serve para vestir a parte frontal. Acontece mas não com
frenquência, verificar uma criança com missangas de cor branca na perna, o
que significa que a criança teve atraso no processo da locomoção, ver a figura
nº 2.

A mulher mwila do Jau na sua apresentação ou vestuário não se apresentam


de forma homogénea, pois, em cada etapa existe uma forma peculiar de
apresentação. Na fase infantil, a menina apresenta-se da seguinte maneira:
na cabeça é ornada de omploha, olunhonga, nothombi que pode ser
adicionado de pequenas missangas, mas não necessárias. Estas tranças são
feitas ou junta-se-lhes uma camada castanha (omboa), no pescoço trás uma
rolha pequena de missangas (otchilanda), otcyaka, otchitutu, geralmente no
corpo trás cruzadas duas missangas de beleza que podem ser diferentes,
normalmente cobrem o corpo de pano.30

Na cintura possui uma rodada de missanga no qual ficam encaixados os


omatity, nas pernas junto aos tornozelos estão as raízes enroladas nas pernas
(ovikeka) e nos pés usam as sandalhas conhecidas por (ononkanku).31

As vestes na fase infantil da mulher do Jau simbolizam ou revela que é


necessário que se tenha cuidados pois o vestuário que ela utiliza é símbolo da
total dependência, logo ela não pode fazer certas coisas, como casar ou
participar em alguns eventos da tradição.32

Logo ao nascer, acriança é mantida em casa apenas enrolada num pano


durante um ou dois meses depende do pai e tendo um nome provisório dado
pela mãe, este período denomina-se otchikindi.33 Mais tarde, a criança é levada

30
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.
31
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.
32
Conversa com Bernardo Inácio de Lourdes Salvador, 23 de Junho de 2021
33
Otchikindi- tempo em que a criança desde o nascimento permanece dentro de casa até o
umbigo cair e nesta fase, o pai prepara as condições para dar nome definitivo ao seu filho.
para o ontyoto onde foi preparada a cerimónia de okuluka34 organizada pela
família do pai para se atribuir no recém-nascido o nome definitivo, sua tia
paterna é a pessoa indicada que lhe prepara ao colo até ao ontyoto. Sendo
assim, a tia esfrega óleo ou manteiga a todo o corpo da criança e lhe joga para
cima duas vezes e o nome é dado e neste momento lhe é colocado na cintura
o Ndja e oko- opeimo35 (cinto) feito de missangas, no pescoço é colocado
ovingolingo (vários fios de missangas), no peito duas faixas de missangas
chamadas otnyunyu36 que a criança começa a utilizar desde cedo para
habituar-se, pois, futuramente servirá de protecção dos seios.37

O pano que cobre a parte frontal chama-se Otchilatila38 e na parte traseira é


colocada pelo pelo pai um pedaço de pele de boi de nome (Muhoty) e lhe é
dado o nome definitivo em companhia dos seus familiares. Esta cerimónia é
feita num jango. Nesta fase o seu penteado é feito também nessa cerimónia da
seguinte forma: em primeiro lugar lhe rapam o cabelo nas laterais e na parte
frontal são feitas duas tranças corridas que são cobertas de omkula (pedra
vermelha) moída e misturada com ngundi (gordura feita a partir de leite bovina)
e nas pontas algumas missangas e duas onombimbi (conchas do mar). Este
penteado é denominado Ekako ou nopanda viomona.39

O mesmo atavio é utilizado até 5 anos de idade e a quantidade de adornos


depende do amor da mãe pela criança e das suas condições financeiras.

Dos 5 anos à 10 anos as meninas passam a ataviar-se da seguinte forma: no


pescoço lhe é colocada a ovikeka omukahindu (argolas feitas com fibras
vegetais misturadas com ngundi) e mukula (pedra vermelha) que serve para
manter o pescoço intacto. No peito coloca-se o otchinhunhu, na cintura ondjako
yopeimo e na parte frontal das ancas otchitati (pano que cobre a parte frontal
das ancas) e na traseira Omundondy. Há vezes que trás uma pulseira na mão
de efeites.40

34
Okuluka- Baptismo
35
Ondjko- Yopeimo, cinto de missanga
36
Duas faixas de missangas que podem ser de qualquer cor que cruzam o peito
37
Conversa com Francisco Namuele Sabonete, de 56 anos de idade aos 19 de julho de 2021.
38
Otchilatila- pano que cobre a parte frontal das conchas da criança
39
Conversa com Francisco Namuele Sabonete, de 56 anos de idade no Jau aos 19/07/ 2021.
40
Conversa com Francisco Namuele Sabonete, de 56 anos de idade no Jau aos 19 /07/2021.
7.5.2.2. O atavio da mulher mwila na véspera do Hiko
Na fase da adolescência a jovem trás quatro (4) tranças acastanhadas na
cabeça, sinal de que está pronta a casar, no pescoço coloca-se o rolo de
vikekas (tyaka) na cintura trás um pequeno rolo de missangas que asseguram
o endondi e tyitati e no corpo cruza duas ou mais missangas.41 Ver figura nº 3.

Nessa fase a mãe acompanhada pela sua família vão à família do pai informar
que a sua filha já está na idade de fazer o efiko. Esta fase compreende entre os
14 e 15 anos de idade, para que a família do pai prepare as condições para o
ritual. Cabe ao pai a responsabilidade de comprar os panos da mafiko, se for
no caso actual porque antigamente o pai deveria comprar uma manta para ser
entregue no dia do ritual.42

Ao peito cruza omiyela-yela, com a finalidade de apoiar os seios e embelezar e


no pescoço usa rolos de vikeka para indicar que está a ser preparada para
celebrar o ehiko. Vikeka que se põem no pescoço, são feitas de raízes da
planta denominada omunkhwenya. Os restantes adornos que se usam nos
braços e nas pernas, são feitas de plantas com o nome de omukeka. Na
medida que vai passando o tempo, geralmente num intervalo de um ano, a
família materna vai aumentando o volume de vikeka até a altura do ehiko.43

Tanto vikeka do pescoço, quanto dos braços e das pernas, lhe são retirados no
terceiro dia do ehiko, tal acto de retirada é denominado enyomo, o que significa
que vai passar para outra fase.

A cintura trás missangas que asseguram otyitati e omundondi. A missanga que


se põem na cintura da adolescente é mais volumosa se comparada com a de
uma criança, porque nessa fase a adolescente deixa de usar okandondi e
okatati, passa a chamar-se omundondi e etati ou otyitati porque são maiores,
que significa que a adolescente já está a passar para a fase adulta e é
ensinada a proteger o seu corpo, ver figura nº 4.44

41
Conversa com o Ancião António José Java de 58 anos de idade no Jau aos 19/07/2021
42
Conversa com José Pomba, sacerdote católico no Município da Chibia, aos 16/08/2021
43
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade feita no Jau aos 22-06-2022
44
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade feita no Jau aos 22-06-2022
Chegando a fase do ehiko mudam-se as tranças que descrevemos nas alíneas
acima e lhe é feita outras tranças denominadas otyimba que são tranças feitas
apenas de missangas que se prolongam até as costas.45

Na véspera do efiko, a rapariga apresentava-se antigamente com um penteado


composto por tranças muito simples adornadas com missangas de várias cores
e botões nas pontas e com o cabelo na parte frontal raspado. No pescoço
vikekas simples, no peito omupotakano, nos braços e pernas vikekas
compridas simples. Nessa altura não se utilizavam muitos adornos devido a
ausência dos mesmos.46

Já nos dias de hoje, antes da festa da iniciação feminina, a rapariga apresenta-


se de um atavio que marca a diferença ou que lhe difere das outras, indicando
que está nas vésperas do Efiko e o mesmo serve também para despertar a
atenção dos rapazes interessados que a rapariga está quase na fase do
casamento. Assim sendo, no pescoço utiliza ovikeka ohimukuena (ornamento
feito de fibras vegetais misturadas com onkula e ngundi) e por vezes utiliza
também ovikenena47, na testa usam okapilula48 que servem de efeites, na
cintura ondjako-yopeimo (cinto), nos braços omaluli (pulseira feitas de fibras
vegetais, cobre e ferro usadas como objecto de adornos nos pulsos e nos
tornozelos), no peito utilizam omupotakeneno (duas faixas feitas de missangas
que cruzam os seios e servem de protecção dos mesmos), conhecidos por
segurança dos seios, nas pernas colocam ovikeka que podem chegar até
quase ao joelho, na parte frontal das ancas o tchitaty e na transeira
omundondy.49

O seu penteado é conhecido de otchimba que é feito com algumas tranças


corridas por cima colocam onkula moída e ngundi e no centro são fixadas
várias cascas de caracóis feitas me forma de missangas coloridas e na nuca
coloca-se dois onombimbi (conchas do mar). a diferença desse penteado em

45
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade feita no Jau aos 22-06-2022
46
Conversa com José Pomba, sacerdote católico no Município da Chibia, aos 16/08/2021
47
Gargantilhas ornamentadas com missangas usadas pelas raparigas antes da puberdade
48
Faixa branca de plástico que por vezes no centro é colocado onombimbi e amarelado na
testa
49
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.
comparação com o que se utilizava antigamente consiste no seguinte:
actualmente utilizam muito ngundi, não raspam o cabelo na parte frontal e
utilizam muitos adornos para realçar a sua beleza. Este tipo de atavio não pode
ficar com a rapariga por mais de seis meses. 50

Segundo Estermann, (1961, p. 106), A festa da Omafiko é organizada pela


família do pai da rapariga, para o efeito, criam-se comissões constituídas pelos
membros da família da mesma a ser submetida ao cerimonial. […]. Esta
cerimónia é organizada geralmente na época seca depois da colheita, entre os
meses de Julho a Setembro. Seria importante salientar o facto de que os povos
mumwilas por serem mais “pobres”, organizam as suas festas no momento em
que se consegue acumular alguns bens. Para o efiko de forma particular, é
necessário que existam os bovinos que são indispensáveis para a festa e
normalmente o boi é oferecido pela família paterna da rapariga. Nesta
cerimónia, o boi tem um grande significado por ser um elemento de topo nas
várias actividades e rituais, no trabalho do campo, nos pagamentos de faltas
graves na justiça consuetudinária […].

Olhando e analisando a frase do autor, refutamos a afirmação que dá conta de


que os povos mumwilas são os mais pobres, uma vez que possuem muito
gado, praticam agricultura, têm uma cultura rica, é verdade que como qualquer
outro povo, dentro do povo em estudo, existe pessoas pobres e outras ricas.
Não sabemos o contexto e a circunstância em que o autor afirmou, mas na
verdade refutamos tal afirmação.

O local onde pernoitam as iniciadas tem a designação de ombelo e o


responsável por este espaço é conhecido por Mwene wombelo que faz
algumas rezas antes e no fim do ritual, fará agradecer os deuses pelo sucesso
deste (Bahu, 2013, p. 103).

A primeira etapa para o início do ritual passa por uma conversa entre a jovem e
a mãe, que a vai instruindo sobre a importância do ritual tanto para ela quanto
para a sua família. […] São feitas tranças especiais no cabelo da rapariga (são
pregados botões e missangas no cabelo). Após a conclusão das tranças, vão a

50
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.
um riacho onde tomam banho. Depois disso, realiza- se uma grande festa onde
se consome carne e se bebe omakau, sempre ao som do batuque. […] (Bahu,
2013, p. 104-105).

Olhando pela citação acima, concordamos porque no decurso da nossa


investigação de campo na comuna do Jau, observamos que algumas raparigas
que se apresentavam com atavios diferente das demais, uma vez que os tais
atavios diferentes representavam que as referidas raparigas já estavam nas
vésperas do efiko. Tal facto nos levou a crer que as mesmas passam por uma
sensibilização antes e qualquer pessoa da comunidade que entende, já sabe
que as raparigas brevemente serão submetidas ao ritual de iniciação feminina
e também os rapazes interessados ficam atentos para escolher uma parceira.

Depois do momento em que as raparigas são apanhadas, são levadas no


ombelo onde são lhes retiradas o atavio do pré-efiko e começa a fase para a
cerimónia do efiko da seguinte forma: são feitas otchimba ou ntikula vikando
(tranças da mufiko) normalmente em zingui zangui e por cima dessas são
colocados alguns botões de preferência de cor branca e algumas vilandas
(missangas) de cores variadas, no pescoço um colar feito de missanga ou
vikeka depende dos gostos e das possibilidades, no braço uma pulseira feita
com pele de vaca normalmente é chamado de otchikeka tchongombe que
simboliza que na festa dela de efiko matou-se um boi e uma saia comprida feita
com vários panos de preferência samakaka e algumas vezes com um pano por
cima da cabeça para cobrir o rosto e outras com a cara virada para as costas
de uma das suas acompanhantes, os panos cruzados que cobrem o peito da
mufiko chama-se omuphotankanamalesso, o conjunto deste atavio chama-se
ovindenda.51

As acompanhantes são compostas por tchimakela,52 as Hinayomona53 que


vêem da parte da mãe da mafiko e são responsáveis pela condução e as He-
yomona54 que vêem da parte do pai, são as responsáveis pelo fogo que não
pode apagar e se assim acontecer podem ser multadas, as mesmas têm que

51
Conversa com Bernardo Inácio de Lourdes Salvador, 23 de Junho de 2021
52
Acompanhante da mafiko que ainda não passaram nesse ritual e são ensinadas como se
comporta .
53
Raparigas acompanhantes da mafiko e que ficam em frente para conduzi-la
54
Raparigas acompanhantes da mafiko que ficam atrás para protege-la
ter entre 10 a 12 anos de idade para serem acompanhantes e apresentam um
penteado denominado mphoha. As acompanhantes podem desfazer-se dos
seus atavios depois do ritual enquanto a mafiko tem que esperar no mínimo um
mês.55

No último dia, as jovens são felicitadas por terem honrado as suas famílias e o
Mwene Wombelo agradece silenciosamente aos espíritos e devolve cada uma
das mafiko aos respectivos pais presentes, dizendo-lhes que ali estão as suas
filhas tornadas mulheres. Um mês depois realiza-se outra festa para
desmanchar das tranças. Porém, a não participação neste ritual é objecto de
uma série de sanções […]. O ritual é uma espécie de passaporte para mulher.
Só a partir dessa altura ela terá autorização para poder namorar e contrair
matrimónio (Bahu, 2013, p. 106-107).

Antigamente a mafiko fazia o seguinte penteado: tranças viradas com um


entrelaçado mais complexo na parte inferior adornada com trancinhas de metal,
é uma espécie de bandolete em zinguizangue feitas de missangas. Este
penteaodo chamava-se Vikando56

Como as culturas e tradições são evolutivas, não podendo ser estáticas,


actualmente com o desenvolvimento das sociedades surgem novos matérias
para a confeição dos seus adornos, podemos dizer que hoje a mufiko
apresenta-se de uma forma mais colorida e diversificada dependendo da região
e cobre mais o seu corpo.

7.5.2.3. O Atavio da Mulher Mwila na Fase do Alembamento (oviitika)


Segundo Monteiro (1994), trata-se de um casamento que não envolve apenas
dois indivíduos, mas sim duas famílias ou tribos que se tornarão uma só. Os
principais sujeitos que intervêm no acto do casamento, não são, pois, os
nubentes, mas as suas respectivas famílias e a própria estabilidade da união
parece depender mais das relações recíprocas destas do que dos
comportamentos dos cônjuges (Monteiro, 1994, p.170).

55
Conversa com Bernardo Inácio de Lourdes Salvador, 23 de Junho de 2021.
56
Vikando- nome dado ao penteado usado pela mafiko do antigamente.
O alambamento (okailulua), é uma tradição cultural bastante forte e segundo
consta chega mesmo a ser mais importante que o casamento civil ou religioso
(Teixeira, 2015, p. 32).

Antes do okailulua, (alembamento) existe uma fase de namoro em que o rapaz


ou a sua família se interessa pela rapariga ou pela família da rapariga. Em
seguida a família do jovem vai a casa da rapariga em causa para fazer
okutambela e as duas famílias com o objectivo de unir os seus filhos participam
nessa fase, isto é, permitem a rapariga passar a noite com o seu pretendente
acompanhada de uma criança e uma quimbala de pirão.57

Nesta fase do alambamento, a jovem já passou pelo ritual de efiko e a sua


forma de se ataviar muda nos seguintes aspectos: deixa de usar omundondy e
passa a usar o Mohoty (pano que cobre toda a traseira), para além das
pulseiras ela passa a usar também uma borracha que indica que fez efiko e
está pronta para ser pretendida. O seu penteado passa a ser o Etombi ou Elike
(penteado da rapariga que já fez efiko), que é feito de três tranças em forma de
chouriço e em cima colocam ombao yomungulu (pau fresco), que são
descascados, pisados, posto a secar, depois moídos e misturados com ngundi,
o que resulta na cor amarela de alguns penteados. Nas pontas são anexadas
missangas e conchas do mar, e na parte frontal e traseira do penteado são
colocados alguns efeites em forma de laços e banduletes feitos de
missangas.58

Antigamente as raparigas depois da iniciação utilizavam um penteado feito de


um entrelaçado simples comprido, com tranças muito finas (olumbwambwa).
Actualmente este tipo de penteado, mas em forma auréola adornado com
botões.

No passado depois do ehiko, as jovens lhes faziam tranças feitas de uma


única, que atravessava desde a parte frontal ou seja, corrida para trás,
terminada com missangas e é postas sobre ela o omboa cor de leite, porque o
pó de que é feito é de casca de outra planta chamada mumbungululu,
misturada com ngundi. Actualmente é frequente vê-las com quatro tranças, que
57
Conversa com Francisco Namuele Sabonete, de 56 anos de idade aos 19 de julho de 2021.
58
Conversa com Francisco Namuele Sabonete, de 56 anos de idade aos 19 de julho de 2021.
partem do centro da cabeça para baixo e com outras viradas para a testa. Ao
peito, cruza missangas de maior volume para assegurar os seios, miyela-yela,
a cintura põe muhoti e otyitati59

Já na véspera do casamento (noiva), ela muda de tranças, lhe é feita quatro de


cor acastanhada e sem adornos porque caso as adorne, revelaria uma
demasiada vontade de juntar a família do noivo, ou seja, despertaria a atenção
do noivo para com ela e pode se dar o caso de que ele não esteja ainda
preparada para o casamento e também uma maneira de dizer ao homem que
não pode considerar pelos adornos, mas pelo que ela é.60

No pescoço já põe-se missangas num volume médio denominada tyaka, que


revela a responsabilidade e maturidade, por isso, dura para sempre ou seja,
até a velhice. Também trás miyela-yela ao peito e veste-se de muhoti e otyitati,
que duram também para sempre, esses são sustentados por cintos
manufacturados da pele de animais (bois), e sobre os quais coloca
missangas para embelezamento.61

As vestes a usar nesta fase, principalmente os penteados, são bem elaborados


e diferenciados, pois, a idade em que ela se encontra carece de boa
apresentação para despertar a atenção dos futuros noivos.

Nesta fase o atavia-se da seguinte maneira: na cabeça são feitas duas tranças
iniciadas na parte frontal e duas pequenas feitas nos lados em forma de
círculo. Todas elas são de cor acastanhada e tais tranças denominam-se
ovipuata.62

As outras muhikos usam tranças em forma de zingue-zangue com adornos de


botões e missangas sobre elas. Na cabeça usa um pano dobrado em forma
própria.

Ao pescoço põe-se um pequeno volume de missangas que circulam


denominado otyaka, e ao resto do corpo cobre com panos em posições

59
Conversa com Maria Boneca, de 54 anos de idade, aos 24.06. 2022
60
Conversa com Maria Boneca, de 54 anos de idade, feita aos 24.06.2022
61
Conversa com Maria Boneca, de 54 anos de idade, feita aos 24.06.2022
62
Conversa com Maria Boneca, de 54 anos de idade, feita aos 24.06.2022
diferentes, uns cruzam o peito em forma de miyela-yela e os restantes são
dobrados de maneira própria, ligam-se aqueles que cruzaram o peito; os outros
predem-se numa cinta feita de pele do animal que se imolou para a festa do
ehiko e são postos na cintura.63

No braço põe uma pulseira feita da pele do boi denominado Tyikonjo, que
simboliza sua maturidade e testemunho incontestável de que na sua festa
muhiko matou-se boi, essa pulseira é retirada da parte indicada para o enfeite.

Depois de uma semana lhe são retirados os panos que cobre o peito, amarra-
se apenas um lenço, permanece o da cabeça, mas já em outro tamanho, fica
mais curto e os que cobrem ou veste a parte da cintura para baixo, alterando
apenas omuhoti, que é o pano que cobre a parte traseira que passa para
mundondi, mas de tamanho mais largo para cobrir as nádegas, e otyitati
permanece, porém mais curto em relação omundondi ou omuhoti e fica com
essa indumentária durante sete meses, isto ocorre de Agosto a Fevereiro. 64

Depois de completar esse tempo, passa a usar outras vestes, de outra fase da
juventude.

7.5.2.4. A Mulher Mwila e o seu Atavio na fase Adulta


Na fase adulta, cultural e tradicionalmente o modo como ela se apresenta
indica que é madura e tudo o que disso deriva é: a responsabilidade acrescida
em todos os aspectos da vida social, familiar e individual.

Trás 4 tranças de cor branca e cinzenta, no pescoço tyaka grande cuja


ornamentação é excelente, com missangas cruzadas pelo corpo combinadas
desde o pescoço à cintura na qual está o muhoty e ovitaty asseguradas por
elas, nos pés utiliza a sandálias (nonkankus).65 ver figura nº 9.

Nos tempos antigos a mulher na fase adulta apresentava um penteado muito


bem elaborado com um volume de cabelo em forma de auréola adornada,
apresentando ainda tranças cumpridas adornadas com missangas e argolas de
bambu, usado por mulheres mwila. Quanto ao atavio, o muhoty eram feitos em

63
Conversa com Maria Boneca, de 54 anos de idade aos 24.06. 2022
64
Conversa com Maria Boneca, de 54 anos de idade aos 24.06. 2022
65
Conversa com o Ancião António José Java de 58 anos de idade no Jau aos 19/07/2021
forma de ondas muito bem elaborado, o que dá uma aparência de
responsabilidade pela fase em que se encontra.66

Actualmente na idade adulta devido a responsabilidade e o exemplo a ser dado


aos mais novos, o atavio sofre também algumas alterações: no pescoço usa
otchaka (missangas usadas no pescoço pelas mais velhas), são várias argolas
feitas de missangas mistas com ngundi e omkula moída para depois de seco
tornar-se duro, para além do ondajko-yopeimo, ela utiliza as vezes outro cinto
ovimpanda feito de fibras vegetais.67

O seu penteado é o oluyombo ovakulu (penteado da fase adulta) que


apresenta pouca diferença com o que era utilizado antigamente que é feito de
tranças feita em forma de chouriços mistos com ombao e ngundi, alguns fios
compridos de missangas finas e grossas são colocados comungo (argolas
feitas com caniços).

Na terceira idade mantém-se a mesma indumentária, muda apenas o tchitate


que fica mais comprido, o penteado passa a ser omapunga68 que são quatro
tranças grossas mistas com ombão e ngundi, nas pontas das tranças são
colocados nombungo, missangas e conchas do mar, na parte frontal da cabeça
e raspado o cabelo. As outras nessa idade só usam omphoa, que são feitas de
fio de mantas e coloca-se a cor castanha, ver figura nº 11. 69

Importa falar aqui sobre a forma de atavio da mulher mwila, quando perde o
marido por falecimento. A importância da veste da mulher viúva entre os
nhanecas está condessada no espírito vivido por ela e não só no facto
sucedido (perda do marido). Nesta altura lhe são retiradas todas tranças e com
elas todas as pulseiras (omaluli), todas as missangas de beleza (otyaka) e
outros, excepto as que asseguram as vestes na cintura. Essa forma de retirar

66
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.
67
Conversa com Cristo Ânimo Mário Muhona, 28 anos de idade, estudante. Feita aos 25 de
Junho de 2021.

68
Omapunga- penteado da terceira idade feito de quatro tranças
69
Conversa com Bernardo Inácio de Lourdes Salvador, 23 de Junho de 2021.
todos os adornos indica a aflição que ela está a viver. Esta é uma prática
culturalmente forte que ela é submetida enquanto durar o tempo de luto.70

O uso do atavio dentro da comunidade mwila obedece a algumas regras


criadas pelos detentores do poder tradicional que são os sobas, anciãos e
seculos. As mesmas são cumpridas dentro das comunidades. Mas actualmente
com os ventos de outras culturas podemos encontrar algumas mulheres
vestidas com atavio tradicional com certa mistura da indumentária
ocidentarizada.

Assim, para a mulher mumwila o que diferencia a sua forma de se ataviar é a


idade. A transição da idade, pressupões também a transição da forma de se
ataviar, cada etapa obedece a sua forma específica e significado de se
apresentar.

7.5.2.5. Omuvalo da Mulher Casada

A mulher casada usa seis ou quatro tranças na cabeça,


normalmente que partem do centro para baixo, colocando-se
omboa de cor leite e nas suas pontas coloca-se argolas que só são
colocadas quando a mulher já está na sua própria casa no período
de um a três anos, comportando-se bem, porque essas argola
(Nombungo), revelam maturidade e responsabilidade, caso
contrário, fica difícil ser colocada tais nombungu, que quando são
colocadas numa mulher, faz-se uma pequena festa de amigos ou
familiares do marido, sendo que quem anuncia é o marido, a dizer
que a sua mulher está em altura de receber essa honra.71

Nessa cerimónia de honra, as tranças são bem adornadas,


revelando higiene e beleza, ela coloca mulami sobre a cabeça na
parte frontal feita de missangas. Ao pescoço apresenta-se com

70
Conversa com Bernardo Inácio de Lourdes Salvador, 23 de Junho de 2021.

71
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade, feita aos 22 de 06 de 2022
maior volume de missangas tyaka se comparado da mulher jovem
na véspera do casamento, porque a mulher casada tem maior
responsabilidade, também o maior volume de tyaka indica riqueza.72

Ao peito cruza missangas miyela-yela, sobre elas se coloca


omphande, que é uma conchinha de cor branca, revelando o
poderio económico, o que não acontece com todas. Na região da
barriga ou seja na parte abdominal deve colocar otyipanda, feita de
ráfias e adornadas na parte traseira com missangas, símbolo de
fertilidade e protecção dos filhos, por isso, só coloca atyipanda
mulher que tem filhos.73

A cintura continua com muhoti e otyitati, colocando sobre elas


missangas de cores variadas para embelezar. Ver figuras nº 6 e 7.
A mulher casada e com menos possibilidades económicas, não se
apresenta como as outras, principalmente na cabeça e no pescoço,
ver figura nº 8.

7.5.2.6. Omuvalo da Mulher Viúva

A mulher viúva faz quatro tranças, começadas pela parte frontal e corrida para
trás. Nessa situação elas são de cor acastanhada sem beleza, o que simboliza
tristeza, já no pescoço, é lhe retirado o volume de missangas tyaka, que é
substituído por um mínimo de fios de missangas geralmente de cor preta e
substituída por sua vez, por outra de cor branca depois de tirar as vestes de
luto.74 Ver figura nº 10

Na cintura usa uma fita de pele de boi denominada ngundua que assegura
suas vestes, muhoti e otyati, ela fica praticamente sem beleza. Outras vezes
apresenta-se com o rosto pintado de carvão.

72
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade, feita aos 22 de 06 de 2022
73
Conversa com Kassula Mbombo, 44 anos de idade, feita aos 22 de 06 de 2022
74
Conversa com Maria Boneca de 54 anos de idade, aos 24.06.2022
A viúva fica vestida com símbolo de luto durante um ano, depois de tirar o luto
permanece com essa missanga e com pequeno volume das mesmas por mais
seis meses, findo os seis meses, a família do falecido autoriza que utilize trajes
como ela quiser.75

7.5.2.7. Omuvalo da Criança Órfã (Ontyiwe-po)


A criança órfã põe na cabeça quatro tranças corridas para trás que partem
mais do centro da cabeça, essas são acastanhadas e sem enfeites nenhum, é
lhe retirada quase tudo, a cintura coloca apenas cinto de cordas feitas de uma
planta denominada engonge que assegura o seu mundondi e etati, sentindo frio
ela cobre-se com um pano.76

A criança órfã é assim tratada por se encontrar num momento de tristeza, lhe
retirar tudo significa que está desamparada e durante esse tempo a criança
não deve ficar linda e não deve ser adornada.77

Já a criança órfã de mãe difere um pouco daquela que perdeu o pai, a órfã , de
mãe permanece com missangas e sem qualquer dever de usar fios de cordas
de mangonge, o que quer dizer que ainda tem a protecção do pai, pois, nessa
cultura, o pai simboliza a protecção da família e quando morre o pai, está tudo
consumado, não há mais refúgio, nem respeito pela família.78

7.5.2.8. A forma de atavio ontem vs hoje


A cultura não é surda a mutabilidade, porém as suas bases ficam. Sendo a
sociedade dinâmica não está isenta de mudanças, existindo sempre o princípio
de dar e o de receber, assim, acontece dentro das comunidades da comuna do
Jau que não é uma excepção quanto as mudanças.

Antigamente usava-se como atavio peles de animais, sacos de serapilheira,


nombe79 e não utilizavam sapatos, andavam descalços. Com o passar do
tempo e com os ventos de influências culturais, foram adquirindo novas formas
de se ataviar, assim como encontraram novas matérias primas para a confeção
das suas novas vestimentas. Actualmente já se usa panos pintados, samacaca

75
Conversa com Maria Boneca de 54 anos de idade, aos 24.06.2022
76
Conversa com Maria Boneca de 54 anos de idade, aos 24.06.2022
77
Conversa com Maria Boneca de 54 anos de idade, aos 24.06.2022
78
Conversa com Maria Boneca de 54 anos de idade, aos 24.06.2022
79
Fruto das árvores silvestres que eles recolhiam para a sua alimentação e os seus caroços
faziam algumas espécies de missangas
(panos utilizados pelos mumwilas para os representar), missangas e ononkaku
(sandálias feitas com borrachas) para representar a sua cultura e
indumentária.80

Ainda nos dias de hoje, podemos observar nas ruas ou dentro das
comunidades mulheres mumwilas vestidas com o seu traje tradicional, mas
com uma mistura da indumentária ocidental como por exemplo o uso de
sandálhas, blusas, tranças feitas com postiços, o uso de brincos entre outros.
este facto deve levar-nos a consciência para não abraçarmos a forma de atavio
ocidentalizada e desvalorizar a nossa forma milenar de nos apresentar, com o
risco das futuras gerações vindouras não dominarem a forma de apresentação
no caso de atavio na sua pureza original.

Antigamente era mais fácil identificar a origem cultural de um individuo, pois, o


uso dos seus atavios lhe servia de identidade cultural e era fácil identificar de
que grupo étnico faz parte. Mas actualmente pode se observar um fraco índice
no uso do atavio da mulher mumwila das comunidades em estudo por razões
que vamos descrever nas alíneas abaixo.

A sociedade está em constantes mudanças quer sejam boas ou más, tais


mudanças e influências alteram directamente o modo de vida nas
comunidades, sendo obrigadas a adoptar novos estilos de vida que diferem
muito na cultura dos povos na sua pureza original.81

Salvador (2021) defende que o outro factor que temos a apontar que
enfraquece actualmente a indumentária das mulheres mumwila do Jau, é a
influência intercultural, devido a socialização dos diferentes povos. Sabemos
que cada povo representa uma cultura uma bandeira cultural com diferentes
hábitos e costumes. Na ligação entre as diferentes culturais existe valores que
se ganha e outros se perdem. Desta forma, a influência cultural pode ser
positiva quando da outra cultura retiramos aspectos que enriquecem a nossa
cultura. Também pode se tornar negativa quando tiramos aspectos que

80
Conversa com José Pomba, sacerdote católico no Município da Chibia, aos 16/08/2021
81
Conversa com José Pomba, sacerdote católico no Município da Chibia, aos 16/08/2021
deturpam os padrões que desviam a nossa cultura e que nos faça perder os
nossos valores culturais.82

O encontro de culturas por um lado com a globalização levou ao nascimento de


uma nova visão da mulher na sociedade e o próprio encontro com cultura
ocidental tornou um factor grande para desfazer a identidade cultural. Um dos
exemplos prático são as meninas e rapazes mumwilas que agora vão a escola,
já falam bom português, como se não bastasse, os jovens dentro das cidades
vão perdendo a cultura de se expressar na sua língua materna, têm vergonha
de falar olunyaneka (língua nacional falada pelos mumwilas).83

Defende Joana (2021) que o aspecto negativo que leva os grupos mwila do
Jau a não uso do seu atavio na sua pureza original é a discriminação. Quer
seja mulheres ou homens quando vão aos centros urbanos com a sua
indumentária tradicional são pejorados e eles sentem vergonha através do
preconceito e discriminação de que são alvos. Mas as mulheres idosas com
certa experiência e maiores preservadoras da cultura, sentem-se orgulhosas
dos seus trajes, o que não acontece com mulheres jovens que são arrastadas
pelos ventos dos trajes ocidentais.84

Porém tememos que com o tempo mesmo as mulheres idosas podem vir a ter
dificuldades em se apresentar na sua própria cultura e poderão vir adoptar
valores ocidentais principalmente nos centros urbanos onde existe um nível
acentuado de preconceito e rejeição. Um do exemplo claro que o nosso
entrevistado apresenta tem a ver com o momento que elas se apresentam com
atavios culturais quando desejam viajar, em algumas vezes, mesmo tendo
lugar no táxi, os taxistas não param para levá-las, mesmo quando no interior da
viatura estiver lugar. Alguns taxistas param e levam, mas durante a viagem
alguns passageiros vão usando críticas na língua portuguesa pensando que
elas não entendem.85

82
Conversa com Bernardo Inácio de Lourdes Salvador, 23 de Junho de 2021.
83
Conversa com Bernardo Inácio de Lourdes Salvador, 23 de Junho de 2021.
84
Conversa com a sra. Joana Francisca no Jau, aos 28 de Agosto de 2021
85
Conversa com a sra. Joana Francisca no Jau, aos 28 de Agosto de 2021
Ainda Java (2021) aponta algumas instituições como promotoras do fracasso
da preservação do atavio da mulher mwila ao defender que, quer seja a escola,
as igrejas e os hospitais jogam o papel negativo na preservação da cultura no
uso do atavio dos grupos mumwila do Jau. Na escola os professores não
aceitam que os mumwilas se apresentem com ttajes tradicionais, sendo
obrigadas ao uso de trajes de índole europeia. Nos hospitais, pacientes
mumwilas que se apresentam com o atavio tradicional são mal atendidas e os
enfermeiros alegam que as tranças e panos utilizados tradicionalmente
apresentam mau cheiro. As igrejas exercem também influências negativas,
uma vez que os líderes religiosos relacionam muito o vestir com a forma de
culto e muitas vezes nos seus discursos fazem parecer que a melhor forma de
se apresentar é aquela que está relacionada com o vestir ocidental, levando
mesmo os povos bantus ao abandono de suas culturas.86

No entanto, o povo mumwila tem a sua cultura milenar transmitida através dos
seus mais velhos. Aceitamos que nenhuma cultura deve ser surda a inovações,
mas as bases da identidade cultural de um povo devem permanecer forte de
modos a não assimilar tudo de fora em detrimento da própria cultura original.
Na verdade parece que ainda hoje em Angola continuamos a ser alvos da
colonização, elevando toda iniciativa europeia integrando estes valores nas
nossas culturas e com o mais agravante acabamos mesmo por substituir e
abandonar os nossos valores culturais.

86
Conversa com o Ancião António José Java de 58 anos de idade no Jau aos 19/07/2021
7.6. O “Eumbo” (casa) seus componentes e compartimentação. Realce do
tyoto. É essencial numa casa!?

7.7. Ohambo (estábulos – riqueza- necessária a instabilidade económica (o boi


é essencial a produção agrícola) e financeira (okupambula)

7.8. O recheio do “Eumbo”: otyihayo, ombwe/okambwe, ongalo, ontyakelwa e


outros

8. REPRESETAÇÃO CULTURAL NYANEKA

8.1. Os instrumentos musicais nyaneka. Sandyi, mbulumbumba, ñgoma

Embulumbumba
Oñgoma

8.2. As canções na liturgia das festas de puberdade Ekwendye e Ehiko

8.2.1. Ovingolongolo

8.2.2. Onohalamphe

8.2.3. Onyeñga

8.3. A festa do boi sagrado (Ondyelwa – Conceito e importância histórico-


cultural)
SONHOS: Os nyaneka vs a vocação pela tolerância no “ LYA TYIKALE LITUNGA, LYA
HITYILINGUA LIHANYA. Um apelo ao fim do sensivel tribalismo, a convivência fraterna e a
Consolidação do Estado-nação.
A festa do boi sagrado (Ondyelwa)

Referência bibliográfica

 GIDDENS, Anthony - Sociologia. 6ª ed.; fundação Calouste Gulbenkian,


Lisboa: 2008
 SILVA, Carlos Alberto Burity da - Teoria Geral do Direito Civil. ( 2ª ed.
Rev.e Actualizada), Luanda: 2014
 TYOMBE, Joaqui Nhanganga - Meu Kimbo, Minha Escola; Políticas
educativas de apoio à família no contexto rural angolano - Paulinas
editora, Portugal: 2016
 VIEIRA, Carlos Alberto - Direitos Reais de Angola. Coimbra editora.
Lisboa.
 CHIZIANE, Paulina. Niketche; Uma história de poligamia - editorial
Caminho S.A; Lisboa: 2002
 JUSTO, A. Santos. Introdução ao Estudo do Direito - 6ª ed; Coimbra
editora; Lisboa: 2012
 ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura Tradicional Bantu - (2ª ed. Rev. e
actualizada), Paulinas editora; Portugal: 2014
 MEDINA, Maria do Carmo. Direito de Família - (2ª ed. Rev. e
actualizada), Escolar editora; Lobito: 2005
 CRA, Diário da República de Angola, 1ª Série, Nº 23, (05.02.2010).
 SEBASTIÃO, Lucas. O Casamento Tradicional em Angola – 2017
Dissertação de mestrado em ciências jurídicas, apresentada na
Universidade Autónoma de Lisboa.

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