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Celia Maria Nunes

As possibilidades da mediação do Sociodrama


como leitura política da exclusão social nos grupos
de Educação de Jovens e Adultos sob a perspectiva
de Emancipação na concepção de Paulo Freire.

Campinas
2012

i
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: AS POSSIBILIDADES DA MEDIAÇÃO DO SOCIODRAMA COMO

LEITURA POLÍTICA DA EXCLUSÃO SOCIAL NOS GRUPOS DE EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS SOB A PERSPECTIVA DE EMANCIPAÇÃO NA

CONCEPÇÃO DE PAULO FREIRE .

Autor: CELIA MARIA NUNES


Orientador: Prof. Dr. Valério José Arantes

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação


de Mestrado em Psicologia Educacional defendida por
CELIA MARIA NUNES e aprovada pela Comissão
Julgadora.

2012

v
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha inesquecível tia Helena


(in memoriam) pela dedicação e incentivo oferecido
antes, durante e seguramente, por toda a minha
trajetória de vida e trajetória profissional.

Dedico ao meu irmão César, presença de força, sabedoria


e generosidade em nossa família desde a infância.
Com habilidade e amor intenso esteve sempre à frente
de nossos caminhos mudando o rumo de
nossas histórias...

vii
AGRADECIMENTOS

A Deus, Ser maior, causa da minha vontade, persistência e conquista.

Ao meu companheiro João Bosco, pelo incentivo, apoio e suporte dessa


caminhada que com suas palavras e atitudes me motivou em todos os momentos, sobretudo
nas horas de desânimos, dificuldades e sentimentos de fracasso.

Agradeço aos meus filhos Celinha, Bia, Cesar, Lui, Cris e Bruna pela
compreensão e paciência nos momentos em que estive ausente; por representarem a
esperança na minha vida e pelos netos que são a minha alegria.

Aos meus pais (in memoriam), que espiritualmente sempre me acalentaram em


todos os momentos da minha vida.

Agradeço aos meus irmãos Cesar, Celso e Cleya pelo incentivo, apoio, e,
principalmente, pela convivência familiar nesta caminhada.

Ao meu orientador Profº Drº Valério José Arantes, pela orientação e confiança.
Obrigada por me permitir um novo olhar em educação.

Aos sujeitos, colaboradores desta pesquisa, pelos seus saberes, disponibilidade


e entusiasmo dispensados e pelo aprendizado construído em grupo.

A todos os professores de curso de Mestrado pelas suas exigências, que me


conduziram aos desafios, construindo um “pilar” para continuar.

Aos professores que fazem parte da banca examinadora pelas contribuições na


construção desta pesquisa.

Agradeço a todos os meus amigos, pelas sinceras críticas, pelo incentivo e pelas
orações.

ix
“É preciso ousar para dizer cientificamente que
estudamos, aprendemos, conhecemos com o corpo
inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os
desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e
também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É
preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do
emocional.”

Paulo Freire

"Existem palavras sábias, mas a sabedoria não é


suficiente, falta ação.”

Jacob Levy Moreno

xi
RESUMO
Essa dissertação se propõe a articular as originais contribuições de dois grandes
pensadores, Paulo Freire (1921-1997) e Jacob Levy Moreno (1889-1974), na consideração
da Educação brasileira recente. Para isso, propomos neste trabalho como metodologia o
Psicodrama criado por Moreno e a proposta filosófica emancipatória de Paulo Freire. As
técnicas do psicodrama no enfoque pedagógico possibilitaram o envolvimento do próprio
pesquisador com a situação pesquisada, permitindo que a metodologia utilizada partisse do
referencial da pesquisa participante. Trata-se, de uma pesquisa qualitativa de natureza
hermenêutica e de fundamentação histórica e crítica, conforme reconhecimento acadêmico.
O manejo destas técnicas no processo de educação de jovens e adultos na periferia de São
Paulo buscou resgatar a identidade subjetiva e formar a consciência social sobre exclusão
nos movimentos sociais e populares de educação no bairro Jardim da Conquista, numa
perspectiva de emancipação na concepção de Paulo Freire. Os procedimentos adotados
consistiram na sistematização dos registros existentes e na realização de quatro encontros
de discussão com os participantes do grupo analisado que no decorrer da pesquisa, ao
colocar também seus sentimentos e sua percepção do outro, intervir espontaneamente,
refinar seu sentimento de empatia, focar objetivamente uma situação e reconhecer desejos e
sentimentos seus no outro, estiveram ativamente trabalhando suas histórias de vida e
colaborando uns com os outros no entendimento e resolução de várias facetas de sua
trajetória. Opta-se nesse trabalho compartilhar algumas ideias e experiências,
essencialmente, por acreditar na indissociabilidade do pensamento e da emoção, do
cognitivo e do afetivo, no dinamismo do processo de aprender. Pelos resultados aferidos
pela pesquisa observa-se que, para o educando jovem e adulto ter prazer nos seus estudos é
necessário que ele se reconheça como agente deste processo, podendo fazer escolhas de
maneira autônoma, livre e espontâneo-criativa. Esta proposta de trabalho com o uso do
sociodrama e do psicodrama pedagógico associado às ideias de Paulo Freire procurou
resgatar a espontaneidade dos educandos, rompendo com os padrões de comportamento
estereotipados que levam à automatização dos discentes em seu processo de aprendizagem,
bem como buscou a construção total do homem, quer quanto aos conteúdos acadêmicos,
quer na formação de seu caráter social.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia; Educação; Psicodrama; Movimentos sociais;
Emancipação.
xiii
ABSTRACT
This dissertation aims to articulate the unique contributions of two great thinkers,
Paulo Freire (1921-1997) and Jacob Levy Moreno (1889-1974), in consideration of the
recent Brazilian Education. We propose in this paper as a methodology created by Moreno
Psychodrama and emancipatory philosophical proposal of Paulo Freire. The techniques of
psychodrama in pedagogical approach enabled the researcher's own involvement with the
situation investigated, allowing the methodology of a research framework departed
participant. It is a qualitative nature of reasoning and hermeneutics historical and critical, as
academic recognition. The management of these techniques in the education of youth and
adults in the outskirts of São Paulo tried to rescue the subjective identity and build
awareness about social exclusion in social movements and popular education in the Jardim
da Conquista, a perspective of emancipation in the design of Paul Freire. The procedures
adopted consisted in the systematization of existing records and the performance of four
meetings with discussion group participants who analyzed during the research, also to put
your feelings and perception of others, intervene spontaneously refine their sense of
empathy, focus a situation objectively and recognize their feelings and desires on the other,
were actively working on their life stories and collaborating with each other in
understanding and resolving many facets of his career. Opta up this work to share ideas and
experiences, essentially, for believing in the inseparability of thought and emotion, the
cognitive and the affective, the dynamism of the process of learning. The results measured
by the survey shows that, for educating young adult and take pleasure in their studies is
necessary that he be recognized as an agent of this process and can make choices
autonomously, free and spontaneous-creative. This proposed work with the use of
psychodrama and sociodrama associated with pedagogical ideas of Paulo Freire sought to
rescue the spontaneity of the students, breaking the stereotyped patterns of behavior that
lead to the automation of the students in their learning process and sought to build total
man, whether in relation to academic content, either in forming its social character.
Key words: Psychology; Education; Psychodrama; Social Movements;
Emancipation.

xv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 01
1. CAPÍTULO I: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E ANÁLISE DOS
FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E A
PEDAGOGIA DA AUTONOMIA. .............................................................................................. 11
1.1. Breve histórico da Trajetória das Políticas de EJA no Brasil .............................................12
1.2. Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos no Brasil .................................................19
1.2.1. O Processo de Alfabetização de Angicos ..............................................................................20
1.3. Educação Popular: perspectivas e realizações .................................................................22
1.4. A Pedagogia da Autonomia e seus Saberes Necessários .................................................30
2. C APÍTULO II: O PS ICODRAMA E A EDUCAÇÃO: FUNDAMENTOS E
POSSIBILIDADES INSTITUCIONA IS E POLÍTICAS. ............................................................ 37
2.1. Breve biografia do criador do Psicodrama .......................................................................40
2.2. Psicodrama: principais conceitos e técnicas ....................................................................42
2.2.1. Teoria dos papéis .................................................................................................................43
2.2.2. Espontaneidade ....................................................................................................................48
2.2.3. Tele .......................................................................................................................................50
2.2.4. Conservas culturais ..............................................................................................................51
2.2.5. Catarse ..................................................................................................................................51
2.3. A Ação Psicodramática .....................................................................................................52
2.3.1. Egos auxiliares ......................................................................................................................52
2.3.2. Role Playing ..........................................................................................................................53
2.4. Os Fundamentos da Ação Psicodramática ....................................................................................54
2.5. Psicodrama Pedagógico ........................................................................................................57
3. cAPÍTULO III: ARTICULAÇÃO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA COM O
PSICODRAMA PEDAGÓGICO EM GRUPOS DE ALFABETIZAÇÃO DE PESSOAS
ADULTAS: Possibilidades e disposições ..................................................................................... 63
3.1. Freire e Moreno: Primeiras Reflexões .............................................................................66
3.2. Jogo Dramático e Psicodrama: semelhanças e diferenças ................................................69
3.3. Alfabetização libertadora no contexto psicodramático ...................................................70
3.4. Característica do bairro Jardim da Conquista ....................................................................71

xvii
3.5. Identidade do Grupo analisado ...........................................................................................72
3.5.1. Características do Grupo .........................................................................................................74
3.6. Técnicas de Psicodrama aplicadas no contexto alfabetizador .........................................75
3.6.1. Técnica de “Jornal Vivo” .........................................................................................................78
3.7. Freire e Moreno: aproximações ......................................................................................78
3.8. Apresentação da proposta da pesquisa empírica. ............................................................82
3.9. Relato, análise e processamento teórico da pesquisa empírica ......................................86
3.9.1. Descrição dos Encontros ............................................................................................................87
3.9.1.1. Primeiro encontro: Vida Maria................................................................................................88
3.9.1.2. Segundo encontro: Dia 22 de maio de 2012 ..........................................................................89
3.9.1.3. Terceiro encontro Dia 29 de maio de 2012 ............................................................................91
3.9.1.4. Quarto encontro – Dia 06 de junho de 2012 ........................................................................98
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 111
ANEXOS ..................................................................................................................................... 115

xviii
INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa vincula-se ao programa de Pós Graduação da


Unicamp, na linha de pesquisa denominada Psicologia e Desenvolvimento Humano, mais
especificamente no grupo de pesquisa conhecido como LPG (laboratório de pesquisa genética).

O tema de nossa investigação constitui-se num desafio: articular as originais


contribuições de dois grandes pensadores, Paulo Freire (1921-1997) e Jacob Levy Moreno (1889-
1974), na consideração da Educação brasileira recente. Paulo Freire é muito conhecido e
amplamente divulgado no campo educacional, já o psiquiatra Jacob Levy Moreno é bem menos
conhecido no campo da educação, embora tenha muitos adeptos e defensores no campo da
Psicologia, mais notadamente aquela que tem uma preocupação clínica e social.

A justificativa original de nosso trabalho investigativo apontava a potencial riqueza


desses dois grandes autores do século XX. Nesse sentido, somos levados a afirmar que o
pensamento de Paulo Freire tenha alcançado a identidade de uma teoria da Educação singular e
única nesse período histórico. Desenvolveremos argumentos e contextualizações para buscar
comprovar essa afirmação no transcorrer da presente dissertação.

As motivações para a produção deste trabalho acadêmico advêm de nossas origens


sociais e de nosso compromisso profissional e popular, no âmbito da educação paulista.
Acreditamos que construí-lo com coerência metodológica, contribuindo para o estudo do
problema da exclusão social e escolar, fenômeno presente no cenário da educação atual, poderá
apontar para uma possibilidade de trabalho pedagógico crítico e dinâmico nos grupos de pessoas
jovens e adultas.

1
A primeira grande indagação que impulsionou nossa investigação resume-se na
seguinte digressão: que contextos e disposições aproximariam Freire de Moreno, que disposições
ou fatores unificariam ou desagregariam suas teorias e articulações pedagógicas, originais e
singulares? Foram estas nossas grandes perguntas e motivações.

Os estudos sobre Paulo Freire, sua vida, sua obra e seu pensamento sãos incontáveis,
no Brasil e no mundo todo. Há diversas dissertações e teses nas universidades, referentes ao seu
pensamento e obra. Encontram-se também muitas articulações entre os fundamentos de seu
trabalho pedagógico e outros autores de destaque em diversas e distintas áreas. Todavia, análise
sobre as aproximações e distanciamentos conceituais entre o pensamento de Paulo Freire e Jacob
Levy Moreno não é tão comum, o que faz de nossa pesquisa poder ser tomada como uma original
proposta de estudo, ao mesmo tempo em que não nos facultam tantas fontes e inspirações.

Já os estudos sobre Jacob Moreno também são relativamente, abundantes, pela


originalidade de suas criações, pela potencialidade de conceitos, métodos e técnicas, com
destaque para a importância que tomou sua concepção de Psicodrama, notadamente quando
aplicada ao campo pedagógico. Moreno, no entanto, é muito mais conhecido e pesquisado na área
clínica, sendo mais raros os trabalhos que abordam sua teoria na área da educação.

Desse modo, podemos observar que, a tarefa de reunir num trabalho de Mestrado em
Educação, na área de Psicologia da Educação, em discorrer sobre esses dois autores é uma tarefa
desafiadora e exigente, seja pelas riquezas de cada um desses autores, considerados em si
mesmos e em suas respectivas áreas de atuação, seja na originalidade da síntese que pode surgir
quando articulados organicamente num todo interpretativo.

As reflexões apresentadas neste trabalho tratam de mostrar a educação de jovens e


adultos (EJA) como expressão da educação popular (EP). A Educação Popular como concepção
geral da educação, passou por diversos momentos epistemológico-educacionais e organizativos,
desde a busca da conscientização, que deveria atuar sobre o nível cultural das camadas populares,
em termos explícitos dos interesses delas, chegando até a defesa de uma escola pública popular.

A Educação de jovens e Adultos no Brasil como educação popular e como prática


educativa, como teoria pedagógica que nasceu, principalmente na América Latina, no calor das

2
lutas populares, contribuiu para que ideias e atividades essenciais na educação brasileira
mudassem e inovassem. Jezine (2003, p.156) conta que a educação de adultos em nosso meio
desenvolveu-se a partir das atividades de alfabetização, dentro da concepção de universalização
do ensino e do conhecimento surgidos com a ideia de democratização que, de certo modo,
buscava a homogeneização cultural através da escola.

É na década de 1960 que aparecem as obras e ações de Paulo Freire e sua equipe de
trabalho, que dão uma virada no enfoque da educação popular, ao propor que os processos
metodológicos para a alfabetização de adultos transcendam as técnicas e centrem-se em
elementos de conscientização. Lançam seu manifesto contra a educação bancária que desumaniza
o homem e o converte num depósito de conteúdos; e propõem como saída a Educação
Problematizadora. O desafio proposto por Freire era conceber a alfabetização de adultos para
além da aquisição e produção de conhecimentos cognitivos, mesmo sendo estes necessários e
imprescindíveis.

O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a


alfabetização de adultos inspiraram os principais programas de alfabetização e educação popular
que se realizaram no país no início dos anos da década de 1960. Esses programas foram
empreendidos por intelectuais, estudantes e pessoas de lideranças católicas engajados numa ação
política junto aos grupos populares.

Segundo Jezine (2003, p.157), esses movimentos "tinham como objetivo promover a
conscientização do povo, para que este pudesse atuar transformando sua realidade". Esses
diversos grupos foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para que os
apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas.

Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a


disseminação por todo o Brasil de Programas de Alfabetização orientados pela proposta de Paulo
Freire. No dizer de Fávero (1983), os anos 1960-64 foram, particularmente, críticos e criativos
em quase tudo.

O paradigma pedagógico que se construiu nessas práticas baseava-se num novo


entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. Antes

3
apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passou a ser interpretado
como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária.

Era preciso, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que
produzia o analfabetismo. Nesse sentido, "a educação de adultos teria, portanto, objetivos de
integração do homem marginal nos problemas da vida cívica e de unificar a cultura brasileira”
(PAIVA, 1987, p.184).

Mesmo com alguns avanços em termos quantitativos, no nível de escolarização, a


taxa de analfabetismo da população segundo estimativas obtidas com base na PNAD 2001,
atestam para o fato de 12,4% das pessoas com mais de 15 anos de idade ainda não foram
alfabetizadas. (Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2001).

Apesar de queda anual e de marcantes diferenças regionais e setoriais, a existência


de pessoas que não sabem ler ou escrever por falta de condições de acesso ao processo de
escolarização deve ser motivo de autocrítica constante e severa dos setores civis e políticos, bem
como por uma possível transformação da sociedade.

Assim sendo, os conceitos de pedagogia do oprimido; de conscientização, de


comunidade aprendente; de educação como busca da liberdade e prática da autonomia, em
Paulo Freire tornaram-se categorias centrais da concepção de EJA de cunho emancipatório.
Tratamos disso no primeiro capítulo.

Para o segundo capítulo, nossa pretensão foi explorar os conceitos de Psicodrama,


Sociodrama e Sociometria de Moreno que guardam múltiplas identidades com o pensamento de
Paulo Freire e potenciais aspectos e dimensões didáticas para o encaminhamento das práticas de
EJA, numa perspectiva participativa, intersubjetiva e humanizadora, fundamentada na ação. Esse
foi o horizonte inspirador de nossa investigação.

A principal contribuição de Jacob Levy Moreno (1989-1974) à Psicologia encontra-se


no fato deste ser o criador do Psicodrama, Sociodrama e da Sociometria, conceitos cada vez mais
difundidos pelo mundo, inclusive no Brasil, onde o número de adeptos cresce a cada dia.

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Talvez, as inovadoras teorias moreniana sejam tão atrativas na atualidade por
articularem-se a proposta de uma “revolução criadora”, isto é, e de recuperar a espontaneidade, e
consequentemente a criatividade e inventividade inatas ao homem, que são dificultadas ou
perdidas no decorrer do desenvolvimento pelas pressões do meio ambiente e do cotidiano, cada
vez mais aflitivo e destrutivo.

Vivemos em grupos humanos como numa família ou uma rede social onde estamos
inseridos; parece muito claro que nesses contextos as relações estão se tornando cada vez mais
superficiais, necessitando de ações que estimulem a criatividade e aprofunde as relações sociais,
finalidade do Psicodrama.

Entretanto, é possível observar, inclusive na literatura brasileira, que muitos autores


se utilizam da teoria e prática psicodramática numa escolha à sua maneira e conveniência, como
por exemplo, o Psicodrama Pedagógico, os Jogos Psicodramáticos, o Jornal Vivo, etc.

Também é possível encontrarmos uma variedade de críticas em torno das obras de


Moreno; em sua defesa e em sutis acusações de que o criador do Psicodrama e da Sociometria
utilizou uma forma pouco sistemática de transmitir sua criação. Essa “leitura” do legado
moreniano pode ter sido a brecha para as várias interpretações e para as diferentes escolhas dos
eixos teóricos observados na literatura brasileira, oriundas do potencial teórico e prático da
Teoria de Moreno. Enfim podemos dizer: a teoria de Moreno é uma teoria em processo...

Contudo, o que parece comum às várias interpretações é o entendimento de que o


Psicodrama com seus eixos teóricos conduzem, quando praticado, a uma aquisição preciosa e
libertadora. À compreensão de que resultados evidenciam que o uso deste método resgata a
espontaneidade das pessoas rompendo com os padrões de comportamento estereotipados que
levam à automatização.

No terceiro capítulo lograremos realizar o estudo das possibilidades metodológicas


dos jogos psicodramáticos em situações de exclusão social e escolar. Tencionamos desenvolver
estudo comparativo sobre os princípios orientadores e os entrelaçamentos da Teoria
psicodramática com os constituintes filosóficos da Pedagogia de Paulo Freire, buscando os

5
pontos de aproximação e de distanciamento entre as teses do Teatro da Espontaneidade e as bases
conceituais de uma Educação Popular Emancipatória na obra de Paulo Freire.

Na metodologia aplicada utilizamos técnicas do Psicodrama Pedagógico como:


discussões em grupo, dramatizações, leituras e reflexões de textos de gênero jornalístico com
conteúdos relevantes para o grupo pesquisado. No final da pesquisa, como forma de avaliação
das atividades realizadas, os educandos responderam a um questionário no qual continha questões
abertas.

O Psicodrama Pedagógico compreende uma modalidade de Psicodrama vinculado à


educação, que começou a ser praticado por volta de 1963, pela pedagoga argentina Maria Alicia
Romaña, após sua formação como psicodramatista. Contudo, Alicia Romaña relata que a data da
apresentação oficial do Psicodrama Pedagógico, foi agosto de 1969, em Buenos Aires,
consequência das demonstrações realizadas por ela no IV Congresso Internacional de
Psicodrama. Como consequência deste trabalho, Romaña foi convidada para orientar a formação
psicodramática de educadores em São Paulo.

Acreditamos que a Educação Popular como base filosófica necessita de um método


que a oriente (uma pedagogia) e neste caso, nos desafia a investigar as relações entre o
Psicodrama, como contribuição psicológica e as intenções de emancipação humana pela via da
educação, na obra de Paulo Freire. Buscaremos nas obras básicas de Freire e de Moreno, através
das produções de teses e dissertações sobre o objeto, as potencialidades pedagógicas dessas
proposições, no campo específico dos grupos de jovens e adultos, para tratar da categoria da
exclusão, afeita aos dois autores.

Buscaremos investigar as relações entre o Psicodrama e a Educação Popular,


entendida esta na dimensão posta por Melo Neto (2008):

“[...] como um fenômeno humano de apropriação e produção de bens culturais


por meio do trabalho que expressa um sistema aberto de ensino e aprendizagem
com teorias intercomunicantes. Esse fenômeno comporta uma teoria do
conhecimento referenciada na realidade, tendo o mundo concreto como
anterioridade, com metodologias (pedagogia) incentivadoras à participação e ao
empoderamento das pessoas. Passa a exigir conteúdos e técnicas de avaliação
processuais, permeado por uma base política estimuladora de transformações
sociais. Fenômeno humano que se orienta por anseios de liberdade, justiça,
6
igualdade e, sobretudo, felicidade”(MELO NETO, 2008, p. 95).

Pensando as relações entre os jogos psicodramáticos como método na Pedagogia,


junto aos grupos de jovens e adultos, e fundado em uma concepção de Educação Popular
Emancipatória, com base em Freire, a pesquisa buscou relatar no terceiro capítulo, os processos
de intervenção com os sujeitos educativos (os jovens e adultos e os professores), pela via da
investigação e valorização de suas subjetividades, procedimento fundamental no Psicodrama,
para melhorar a qualidade das relações interpessoais na sociedade e, por conseguinte, na escola,
marcadamente com os grupos de jovens e adultos e suas histórias de exclusão social e escolar.

Utilizamos como um instrumento para a leitura política sobre o “modo de ser e ver o
mundo” dos sujeitos pesquisados no presente trabalho o “Jornal Vivo” e “jogos psicodramáticos”
– técnicas do Psicodrama. O uso de jornais em sala de alfabetização e a dramatização de
conceitos nos fazem pensar numa educação de forma abrangente e interdisciplinar, possibilitando
articular práticas e saberes em diferentes níveis de compreensão. A técnica do “jornal vivo” é
uma facilitadora para a alfabetização dos educandos jovens e adultos, pois permite que esses
educandos fiquem bastante envolvidos e interessados na atividade. A vivência envolvida
proporciona a possibilidade de se “libertar” no sentido de não ter medo de errar ao dramatizar a
notícia, se arriscando mais, tornando-se mais criativo e possibilitando ampliar sua autonomia no
sentido de buscar novas informações a respeito das coisas que conheceu e vivenciou na sala de
aula, sejam elas experiências ocorridas no grupo ou mesmo individualmente.

O “jornal vivo” ou "jornal dramatizado" criado por Moreno tem como proposta fazer uma
síntese entre o teatro e o jornal. Ele retira do jornal as manchetes e as notícias diárias e, a partir da
sua leitura, obtém os estímulos necessários para realizar uma dramatização de forma improvisada
e espontânea.

Tomando o educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma ação
educativa que não negasse sua cultura, mas que fosse transformando através do diálogo. Freire
referia-se a uma consciência ingênua ou intransitiva, herança de uma sociedade fechada, agrária e
oligárquica, que deveria ser transformada em consciência crítica, necessária ao engajamento ativo
no desenvolvimento político e econômico da nação. No atual contexto, acreditamos que se faz
mais do que necessário, frente à concepção dominante de educação que reforça, na prática, a
7
exclusão social e a não-solidariedade humana, uma metodologia para pessoas adultas pautada na
ação (Psicodrama), na reflexão (Educação Popular), com possibilidades de reação transformadora
pelos sujeitos emancipados.

Moreno afirmou que o homem deve sim, ser educado, porém, com um significado
maior que a mera ilustração intelectual, dando a importância à ilustração emocional. Realçou
que é a deficiência na espontaneidade, para poder usar a inteligência disponível e mobilizar as
emoções cultivadas, o principal problema da aprendizagem. Em síntese, segundo Moreno, era
necessário um vasto programa de preparação e de treinamento para a
espontaneidade/criatividade a fim de se educar os seres humanos (RAMALHO, 2001, p.33).

Enfim, a educação que se impõe no decorrer da história aos que verdadeiramente se


comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres
"vazios” a quem o mundo "encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência
espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como "corpos conscientes” e
na consciência como consciência intencionada ao mundo. Para Paiva, (1987, p.184) “Não pode
ser a concepção banal do educando como depósito de conteúdos, mas a da problematização dos
homens em suas relações com o mundo”

Elegemos como fontes de nossa investigação as próprias produções de J. L. Moreno e


Paulo Freire, seus principais livros, suas categorias e conceitos. Em segundo lugar buscamos
interpretar o pensamento de Freire e Moreno a partir de nossas próprias convicções e escolhas.

Nessa encruzilhada encontramos nosso ponto de equilíbrio. E nos perguntamos: como


entender e inspirar ações para o manejo do psicodrama pedagógico nas turmas e salas de
Educação de Jovens e Adultos? Seriam as premissas libertadoras de Paulo Freire irmãs solidárias
da espontaneidade, do senso de igualdade e das expressões de coletividade e diálogo expostos por
Moreno, um caminho possível?

Esse é o escopo da nossa pesquisa, explorar conceitos e categorias de dois eminentes


autores referenciais, no âmbito da Educação de Jovens e Adultos, em seu estado e em suas
características institucionais atuais no Brasil. Depois de justificada nossas intenções primárias

8
buscamos desenvolver as principais descobertas, contradições e potencialidades dessa
articulação.

Temos consciência do necessário rigor do nosso trabalho e buscamos em Frigotto


(1989, p. 45) nossa inspiração. Para ele, o processo dialético “implica rupturas - no dizer de
Gramsci, uma catarse e um processo de trabalho e aproximações sucessivas da verdade que por
ser histórica, sempre é relativa”.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa de natureza hermenêutica e de


fundamentação histórica e crítica, conforme reconhecimento acadêmico dessa metodologia.

Sabemos que uma pesquisa não condensa totalmente a realidade. Essa é sempre maior
do que dela se diz. Mas as pesquisas são iniciativas e intenções históricas e datadas, de
compreensão do grande movimento da sociedade como um todo, na direção de superações. Nesse
sentido o presente trabalho reflexivo pode ser uma inspiração desafiadora a novos
questionamentos, ampliando o leque das perguntas, muito mais do que vangloriar-se das
possíveis respostas.

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1. CAPÍTULO I: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E
ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E A PEDAGOGIA DA
AUTONOMIA.

Uma reconhecida tradição epistemológica afirma que são duas as dimensões da


pesquisa: uma, a ordem da investigação, na qual se parte do particular para o geral; e outra, a
ordem da exposição, que parte do geral para o particular. Essa é a nossa inspiração inicial nessa
tarefa de escrever a presente dissertação. Partimos, na ordem da pesquisa, de um problema
concreto que desafiava nossa prática: como criar, desenvolver ou sistematizar metodologia ou
didáticas participativas, coletivas e emancipatórias para as populações diversas das classes de
Educação de Jovens e Adultos?

Tínhamos, além de nossas inspirações de formação, alguns autores referenciais de


alta potencialidade didática para esse universo educacional, buscamos desenvolver as originais
preposições de sua teoria e metodologia de alfabetização e ensino.

Mas, no contraditório da prática diária percebíamos que algumas questões


educacionais permaneciam travadas ou inacessíveis no processo de aprendizagem por razões que
desconhecíamos de imediato. Depois de observar atentamente reconhecemos que as dimensões
subjetivas e intersubjetivas ficavam em segundo plano no processo de ensino e formação de
jovens e adultos. Com toda a riqueza, a pedagogia de Paulo Freire não acentuava tais dimensões
pelas razões conjunturais nas quais elas foram produzidas.

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Tivemos que buscar outros autores para fazer essa complementação conceitual e
metodológica. Saímos da pedagogia e buscamos a rica morada da psicologia. Depois de andar por
suas principais tradições e escolas, todas singulares e originais, deparamo-nos com o pensamento
e a obra de Jacob Levy Moreno. Esse encontro pode ser entendido como aquelas realizações que
mudam radicalmente nossa vida. Ao ler e nos apropriarmos das contribuições teóricas e
metodológicas de Moreno vimos acontecer um desvelamento, pessoal e subjetivo, em primeira
instancia e social e coletivo numa segunda dimensão.

Foi quando tivemos a motivação intuitiva de trazer moreno para o lado de Paulo
Freire. Fizemos isso na prática de jovens e adultos e nos movimento populares que atuamos nos
anos iniciais desse milênio. Depois de olhar essa trajetória ousamos transformar a intuição inicial
em um projeto de pesquisa, que se traduziu na ordem de investigação do presente trabalho.

Nesse momento assumimos a tarefa de relatar e expor a trajetória empreendida. Nesse


primeiro capitulo buscaremos descrever as principais etapas, os conceitos fundamentais e as
inspirações hegemônicas que sustentaram as políticas, as metodologias e disposições pedagógicas
de educação de jovens e adultos no Brasil. Nessa tarefa exporemos igualmente os principais
marco do pensamento de Paulo Freire e sua possível apropriação sempre atual nas políticas de
Educação de Jovens e Adultos no país.

1.1. Breve histórico da Trajetória das Políticas de EJA no Brasil

Os estudos de BIGNARD (UNESCO, 2010, p.5-17) sobre políticas públicas e


sociedade civil na construção da EJA condensaram uma breve trajetória das políticas públicas
que foram elaboradas e implantadas para a promoção da educação de pessoas adultas na história
brasileira nestes últimos anos (décadas entre 1920-2000). Faremos aqui uma retomada dessa
trajetória para condensar as bases históricas e as diretrizes políticas hegemônicas dessa
modalidade de educação e de ensino em nossa realidade educacional.

Segundo ele, esta modalidade, a (EJA), teve seus primeiros ensaios na década de
1920, período em que tivemos o início de mobilizações em torno da educação como dever do
Estado, período com intensos debates políticos e culturais e questionamentos sobre a identidade
nacional, sobre o sentido de nação.

12
Começou assim a proposição de uma Pedagogia Libertária, que travou uma luta
contra o analfabetismo de 75% da população da época, e contra as políticas para a Educação de
Adultos que só visavam aumento do número de eleitores.

Nessa época ainda, ocorrem as primeiras greves operárias e nascia a imprensa


operária, derivada do movimento operário de linha anarquista e anarco-sindicalista, conforme
atestam os registros históricos.

Na década de 1930 a EJA começa a delimitar seu espaço na Educação Brasileira,


aproveitando do apogeu do Movimento Escola Nova, buscando um avanço da qualidade do
ensino oferecido a esta população, propondo melhorias nos materiais didáticos e espaços
pedagógicos. Segundo Feitoza (2008):

Nos finais de 1931, durante a IV Conferencia Nacional de Educação, católicos e


liberais confrontam-se no processo que culminou com a publicação do
“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (1932), enfileirando-se em
organizações distintas: a ABE (associação Brasileira de Educação, onde se
agruparam os renovadores e a CCBE (confederação Católica Brasileira de
Educação, criada em 1933 e que congregou os conservadores [...] (FEITOZA,
2008, p. 56).

Feitoza (2008) ainda considera que:

Como marco teórico do período, percebemos na formulação do “Manifesto”, a


ideia de que a educação é o problema fundamental do país, acima das questões
de ordem econômica, pois para os renovadores, a educação e a cultura seriam os
caminhos para o desenvolvimento. O sistema educacional para os autores do
Manifesto, não era compatível com as demandas de desenvolvimento do país,
descompasso atribuído a fatores políticos, filosóficos e didáticos pedagógicos
[...] (Idem).

Nas décadas de 1940 e 1950 temos a luta pela ampliação da oferta da educação,
inclusive a de Jovens e Adultos, gerando campanhas nacionais de combate ao analfabetismo, a
realização da I Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (Dinamarca), tendo como
eixo central a educação de Adultos para “o respeito aos direitos humanos e para a construção de
uma paz duradoura, que seria uma educação continuada, mesmo depois da escola.” (GADOTTI,
2001, apud BIGNARDE, 2010, p.12).

13
Podemos observar que, no decorrer desse período, já nos é apresentado uma
movimentação que prenuncia os históricos entraves na educação brasileira, cujas concepções
variam conforme os distintos interesses. Feitoza (2008, p. 57) prossegue nos conduzindo pela
história da Educação nesse contexto:

O período de 1930-1950 tem como eixos constituir-se em Estado Nacional


Desenvolvimentista, no avanço cidadão e na criação das indústrias de base [...]
quando efetivamente o Brasil inicia o processo de industrialização e a educação
passa a ter um sentido pragmático, para o desenvolvimento do modelo, sendo
consideráveis os investimentos em educação pública, elementar, nos processos
de alfabetização de jovens e adultos, na profissionalização acelerada (FEITOZA,
2008, p. 65).

Mesmo antes do término dos anos 1950 se extinguem as campanhas por criticar as
orientações pedagógicas das mesmas e o seu financiamento ser contestado. No ano de 1958
acontece o II Congresso Nacional de Educação de Adultos - Paulo Freire é uma expressão do
campo progressista da educação neste evento.

Em 1961 nasce o Movimento de Educação de Base (MEB), movimento de cultura


popular vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em janeiro de 1964, foi
aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que tinha implantação prevista em todo o território
nacional, baseado na proposta de Paulo Freire, no apogeu da atuação do educador.O Plano
Nacional de Educação surgiu em 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, ( Lei nº 4.024, de 1961) que previa a disseminação por todo o
Brasil, de programas de alfabetização orientados pelas propostas do grande pensador brasileiro.

O pensamento de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetização de


adultos, inspiraram os principais programas de alfabetização e educação popular que se
realizaram no país no início dos anos 1960. Esses programas foram empreendidos por
intelectuais, estudantes e líderes católicos engajados numa ação política junto aos grupos
populares. No interior de documentos oficiais encontramos o registro abaixo.

Desenvolvendo e aplicando essas novas diretrizes, atuaram os educadores do


MEB – Movimento de Educação de Base, ligado à CNBB – Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, dos CPCs – Centros de Cultura Popular,
organizados pela UNE – União Nacional dos Estudantes, dos Movimentos de
Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais e tinham o apoio de
administrações municipais (...). Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano
14
Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação por todo o Brasil de
programas de alfabetizações orientados pela proposta de Paulo Freire (MEC,
1997, p. 23).

Essa proposta foi interrompida com o Golpe Militar de 1964 e seus promotores foram
duramente reprimidos. O governo assume o controle dos Programas de Alfabetização de Adultos,
tornando-os assistencialistas e conservadores. Nesse período lançou-se o MOBRAL –
Movimento Brasileiro de Alfabetização, que era um movimento ideológico padronizado.

O MOBRAL expandiu-se por todo o território nacional, diversificando sua atuação.


Das iniciativas que derivaram desse programa, o mais importante foi o PEI – Programa de
Educação Integrada, uma forma condensada do antigo curso primário. Referendado após a III
Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, realizado em Tóquio, em 1972, com o
objetivo de reintroduzir Jovens e Adultos ao sistema formal de educação, o Mobral espalhou-se
pelo país.

Entretanto, quando já havia encerrado o período para o cumprimento da meta, o


IBGE registrou 25,5% de pessoas analfabetas na população de 15 anos ou mais. O programa
passou por diversas alterações, ampliando sua área de atuação para campos como a educação
comunitária e a educação de crianças.

O ensino supletivo, implantado em 1971, apesar do pragmatismo, foi um marco


importante na história da educação de Jovens e Adultos do Brasil. Foram criados os Centros de
Estudos Supletivos em todo o País, com a proposta de ser um modelo de educação do futuro,
atendendo às necessidades de uma sociedade em processo de modernização.

O objetivo era escolarizar um grande número de pessoas, mediante um baixo custo


operacional, satisfazendo às necessidades de um mercado de trabalho competitivo, com exigência
de escolarização cada vez maior.

No início da década de 1980, a sociedade brasileira viveu importantes transformações


sócio-políticas com o fim dos governos militares, como a campanha nacional a favor das eleições
diretas. Neste processo de democratização do país, motivados pelos debates sociais e populares,
pela constituinte, surgem novos e críticos movimentos na realidade brasileira; como os Sem Teto,

15
MST (Movimento dos Sem Terra), Movimento Contra a Fome e a Miséria e pela Vida,
Movimentos de Mulheres, Homossexuais, Movimento Sindical, CUT, pastorais sociais, etc. Era a
formação de um novo bloco histórico de forças sociais e políticas na direção da superação das
marcas autoritárias da ditadura militar vigente.

Nesse período, Paulo Freire ingressa como professor titular na faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas (1980-1991), depois de sua volta do exílio.

Em 1985, o MOBRAL foi extinto, sendo substituído pela Fundação EDUCAR.


Acontece a IV Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, em Paris. O contexto da
redemocratização possibilitou a ampliação das atividades da EJA. Estudantes, educadores e
políticos organizaram-se em defesa da escola pública e gratuita para todos, principalmente com a
nova Constituição de 1988, que trouxe importantes avanços para a EJA, devido à obrigatoriedade
e gratuidade do ensino fundamental, dando garantia constitucional também para os que a ele não
tiveram acesso na idade apropriada.

No entanto, a partir dos anos 1990, a EJA começou a perder espaço nas ações
governamentais, já em março de 1990, com o início do governo Collor, a Fundação EDUCAR foi
extinta e todos os seus funcionários colocados em disponibilidade. De acordo com Feitoza
(2008):

Em termos de ações em EJA, a fundação EDUCAR assemelhou-se aos critérios


estabelecidos pelo MOBRAL, contudo apresentando-se como uma agencia de
fomento, ao assessorar e investir recursos em diversas iniciativas, nos campos
formal, não formal e informal, sendo menos diretiva que o MOBRAL, em seus
instrumentos de atuação: o processo de formação dos educadores buscava a
qualificação profissional; eram educadores os professores habilitados, alunos do
antigo magistério do ensino médio e os estudantes universitários; havia uma
“cartilha do Programa de Educação Básica da Fundação EDUCAR [...]
norteadora dos pressupostos do PEB, com livros para alunos e professores”
(FEITOZA, 2008, p. 117).

Em nome do enxugamento da máquina administrativa, a União foi se afastando das


atividades da EJA e transferindo a responsabilidade para os Estados e Municípios, causando uma
lacuna nas políticas públicas para a Educação de Jovens e Adultos.

16
Nesse período acontece na Tailândia/Jomtiem, a Conferência Mundial de Educação
para Todos, onde foram estabelecidas diretrizes planetárias para a Educação de Crianças, Jovens
e Adultos.

Em 1996 a Emenda constitucional 14, idealizada no governo de Fernando Henrique


Cardoso (FHC), suprimiu a obrigatoriedade do Poder Público em oferecer o Ensino Fundamental
aos Jovens e Adultos que não tiveram acesso e suprimiu o artigo 60 que determinava acabar com
o analfabetismo em dez anos. Esta emenda criaria ainda o FUNDEF e não incluiria a EJA na
distribuição dos recursos.

Neste mesmo ano temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96,
que modifica a nomenclatura “Ensino Supletivo” para “EJA”. Dedica dois artigos (arts. 37 e 38),
no Capítulo da Educação Básica, Seção V, para reafirmar a obrigatoriedade e a gratuidade da
oferta da educação para todos que não tiveram acesso na idade própria, mas não trata da questão
do analfabetismo, e reduz a idade para realização dos exames em relação à Lei 5692/71.

No ano de 1997 aconteceu na Alemanha/Hamburgo, a V Conferência Internacional


de Educação de Jovens, promovida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas). Essa
conferência representou um importante marco, na medida que estabeleceu a vinculação da
Educação de Adultos ao desenvolvimento sustentável e equitativo da humanidade.

O Conselho Nacional de Educação sob a coordenação do Conselheiro Carlos Roberto


Jamil Cury aprovaria o Parecer nº 11/2000 – CEB/CNE, que trata das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Também foi homologada a Resolução nº 01/00 –
CNE que trata das Diretrizes Curriculares para a EJA.

Mudando a nomenclatura de ensino supletivo para EJA, enfatiza o direito público


subjetivo dos cidadãos à educação, estabelece as funções: reparadora; equalizadora e
qualificadora. Distingue a EJA da aceleração de estudos, assinala a necessidade de
contextualização do currículo e das metodologias, recomenda a formação específica dos
educadores.

A Lei n. 10.172/2001 Plano Nacional de Educação - MEC estabelece as seguintes


metas para a Educação de Jovens e Adultos:
17
 Alfabetizar em cinco anos dois terços do contingente total de analfabetos, de modo
a acabar com o analfabetismo em uma década.

 Assegurar, nesse mesmo prazo, a oferta de EJA primeiro segmento do ensino


fundamental para 50% da população de 15 anos e mais, que não tiveram acesso a
esse nível de escolaridade.

 Garantir, até o ano de 2010, a oferta de curso no segundo segmento do ensino


fundamental, para toda a população de 15 anos e mais que concluiu as quatro
séries iniciais.

 Dobrar em cinco anos e quadruplicar em dez anos a capacidade de atendimento


nos curso de EJA de Nível Médio.

Estas metas devem ser trazidas conforme os contextos locais nos Planos Estaduais de
Educação e Planos Municipais de Educação e implicam numa expansão quantitativa da oferta em
EJA.

Mais adiante, em janeiro de 2003, o MEC anunciou que a alfabetização de Jovens e


Adultos seria uma prioridade do novo governo federal. Para isso, foi criada a Secretaria
Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo, cuja meta seria erradicar o analfabetismo
durante o mandato de quatro anos do governo Lula, medida esta que não se deu nesse tempo, mas
manteve sua finalidade.

A partir dos estudos de Bignard (UNESCO, 2010) elaboramos uma sucinta


contextualização das políticas públicas historicamente constituídas e implantadas na Educação
brasileira para a Educação de pessoas jovens e adultas. Acreditamos que descrevê-las aqui se fez
necessário para a compreensão de nossa realidade educacional elitista, como nos situa FEITOZA
(2008, p.44) citando NUNES (1999) “É nesse cenário controverso que se torna crucial recuperar
o sentido amplo da educação, enquanto produção social de homens e mulheres e o sentido
restrito, como escolarização e letramento”.

Depois de recuperar uma breve recomposição histórica dos movimentos de Educação


de Jovens e Adultos no Brasil buscaremos apresentar as identidades de uma proposta de cunho

18
emancipatório e transformador, referendada na proposição do educador Paulo Freire, uma de
nossa referências basilares.

1.2. Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos no Brasil


Paulo Reglus Neves Freire, nordestino, pernambucano, profeta e poeta da educação
como prática da liberdade, (título de um de seus livros) nasceu em 1921 e faleceu em 1997, tem
sido um dos estudiosos mais referenciados no Brasil e no mundo, dada a sua trajetória ímpar no
campo do conhecimento e da práxis política e educacional. Assim, tanto se escreveu sobre a sua
obra como também se utilizou (e se utiliza) dela nos mais diversos tipos de estudos e de
abordagens.

Paulo Freire tem em sua trajetória a luta pela conquista coletiva da formação para a
leitura e escrita uma rica base de sustentação filosófica, científica, econômica, cultural, religiosa e
política.

Segundo Scocuglia (2000, p. 81), entre os movimentos mais importantes da década


1960, principalmente no Nordeste, em que se desenvolveram atividades não só em alfabetização
de jovens e adultos, como também educação de base ou cultura popular, estão o Movimento de
Educação de Base (MEB) com suas escolas radiofônicas; a Campanha de Educação Popular na
Paraíba (CEPLAR); a Campanha de Alfabetização no Rio Grande do Norte “De pé no chão
também se aprende a ler” e o Movimento de Cultura Popular (MCP) que iniciou no Recife, se
estendendo depois para as zonas rurais.

Em torno das propostas educacionais do educador Paulo Freire, o “Método freireano”


ganhou destaque como proposta para alfabetizar adultos, desenvolvida para substituir o sistema
tradicional na alfabetização de adultos.

Logo, a experiência de Angicos, Rio Grande do Norte ganhou ênfase, pelo sucesso na
alfabetização de 300 pessoas em 40 horas, apesar de ter recebido ajuda da Usaid (United States
Agency for International Development), naquele momento considerada uma agência afinada com
os interesses da ditadura militar vigente e, portanto, rejeitada pelas forças sociais que combatiam
o regime autoritário daquele momento.

19
1.2.1. O Processo de Alfabetização de Angicos

O professor Paulo Freire sugeriu uma proposta pedagógica, em que o diálogo se


desenvolve sobre a realidade concreta, sobre situações existenciais, trabalhando conceitos e
experiências do cotidiano dos estudantes, que passariam a ser construtores do seu conhecimento e
não apenas receptores.

Dessa forma, Freire nos assevera:

Na luta entre o dizer e o fazer em que nos devemos engajar para diminuir a
distância entre eles, tanto é possível refazer o dizer para adequá-lo ao fazer
quanto mudar o fazer para ajustá-lo ao dizer, por isso a coerência por forçar uma
nova opção. [...] (FREIRE, 2007, p. 91).

Por isso, o método Paulo Freire buscava revelar a situação social dos educandos, para
que estes não se conformassem com a realidade histórica, no qual estavam inseridos. Em uma
releitura de mundo, de homem e de sociedade, essa pedagogia buscava vincular a prática
educacional ao contexto social, político e cultural desta localidade.

As famosas “Quarenta Horas de Angicos” tratavam-se de uma proposta de educação


experimental que aconteceria em um período de três anos, para alfabetizar cerca de 100 mil
adultos, tendo inicio em 1963, como um projeto piloto de alfabetização de adultos em 40 horas,
contando com o auxílio de estudantes universitários, monitores e organizadores, que se
deslocaram cerca de 170 km da capital do Estado, para chegar a Angicos.

Sendo orientado por Paulo Freire, o Professor Marcos Guerra ficou responsável pela
capacitação da equipe pedagógica, contribuindo para que a experiência desse certo. Foram
utilizadas diversas metodologias, sempre baseadas no método freireano, os participantes do
projeto analisaram a realidade na qual os estudantes estavam inseridos para a escolha do
vocabulário linguístico a ser utilizado.

As situações pedagógicas se davam com a elaboração de temas geradores escolhidos


através de debates com os estudantes, criação de situações existenciais típicas dos angicanos,
elaboração de fichas de roteiro para auxiliar os coordenadores no debate e elaboração de fichas de
leituras silábicas correspondentes aos temas geradores.

20
As aulas também eram projetadas em slides que, pela falta de energia elétrica, eram
movidos a querosene. Os encontros aconteciam à noite numa sala pequena, iluminada por um
candeeiro também a querosene, ou nas casas dos próprios alunos, onde na maioria das vezes
crianças, jovens e adultos (de faixa etária variada), como por exemplo, dona Maria Hermínia de
72 anos, compartilhavam do mesmo clima de descobertas e aprendizagem, tal como Freire nos
conta que:

A pesquisa do que chamava universo vocabular nos dava assim as palavras do


Povo, grávidas de mundo, elas nos vinham através da leitura do mundo que os
grupos populares faziam. Depois, voltavam a eles, inseridas no que chamava e
chamo de codificações, que são representações da realidade (FREIRE, 1989,
p. 18).

As discussões se desenvolviam nos Círculos de Cultura, que eram espaços de


alfabetização e de conscientização, as palavras não eram apenas soltas ao ar, mas repletas de
significados, expressando os anseios, as inquietações e os sonhos de um povo que não se
reconhece ainda sequer como povo, naquela conjuntura, herança de séculos de dominação,
exploração e abandono.

O processo de alfabetização se dava a partir do tema gerador que eram figuras e/ou
palavras códigos do cotidiano daquelas pessoas. Tome-se como exemplo o trabalho com a
palavra geradora SALINA, já que o sal fazia parte da economia do Rio Grande do Norte e alguns
participantes faziam alguma atividade envolvendo esse produto.

Estes trabalhadores, inclusive questionavam as más condições desse tipo de trabalho


e os danos causados à saúde. A palavra salina era estudada analiticamente com suas respectivas
famílias (ex.: sa - se - si - so - su; la - le - li - lo - lu; na - ne - ni - no - nu.), que depois se
transformavam em palavras, frases, parágrafos, textos. Todas as etapas eram alternadas e / ou
acompanhadas pela discussão da realidade. SILVA; ALCÂNTARA; ELEUTÉRIO (2006) sobre
essa prática descreve:

As aulas eram desenvolvidas através de situações-problema, estimulando a


participação e o posicionamento crítico do educando, de modo que o adulto se
educava mediante a discussão de suas experiências de vida com outros
indivíduos que participavam das mesmas experiências, num processo em que o
homem “aprende a si mesmo e aos outros sob a mediação do mundo”. Assim se
dava a leitura da palavra, passando pelo reconhecimento dos fonemas e das
21
sílabas até a leitura de frases que traduzem as relações com o mundo (SILVA;
ALCÂNTARA; ELEUTÉRIO 2006, p. 8).

A partir dessa prática inovadora de ensino-aprendizagem, muitos cidadãos


aprenderam a discutir, a questionar, modificar, renovar, compreender e corrigir as suas
realidades, de acordo com seu cotidiano.

Numa percepção de educação freireana, observa-se que o indivíduo já possui um


conhecimento decodificado, ou seja, um conhecimento prévio das coisas, tornando-se viável uma
aprendizagem através dessa experiência de educação libertadora.

Freire propõe o trabalho com palavras geradoras que são um incentivo à participação
dos educandos, que se sentem desafiados a assumir o papel de sujeitos do processo de
aprendizagem da leitura e da escrita, como também a discutirem a realidade que os cerca.

1.3. Educação Popular: perspectivas e realizações

A educação popular constitui-se uma forma de educação que visa contribuir com o
processo de conscientização das classes consideradas como subalternas.

A partir de uma teoria referenciada na realidade e de uma base ética e política voltada
à transformação social, ela aposta em metodologias (pedagogias) que estimulam a luta coletiva
pela emancipação dos oprimidos no sistema capitalista.

O elemento popular não se apresenta aqui apenas para adjetivar um tipo específico de
educação, mas para diferenciá-la como a que “é capaz de contribuir para a construção de
direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político” (MELO NETO, 2004).
De acordo com esse autor:

[...] embora a categoria popular adquira uma plasticidade conceitual, ao pensá-la


de forma dialética, no contexto de sua historicidade, algo é popular se tem
origem nas postulações dos setores sociais majoritários da sociedade ou de
setores comprometidos com suas lutas, exigindo-se que as medidas a serem
tomadas beneficiem essas maiorias (MELO NETO, 2004, p. 158).

É no contexto do Nacional Desenvolvimentismo, sobretudo no governo de Juscelino


Kubitschek (1956-1961), que emergem, no Brasil, as raízes da educação popular. Conforme

22
Bezerra (1984, p. 17) nesse período histórico surge “um movimento de expressão popular em
cujo interior se inscreveram as mais diversas iniciativas de cunho educativo”.

Segundo o autor:

Se por um lado a ênfase no nacionalismo e no progresso da fase


desenvolvimentista fazia com que as instituições estatais ou paraestatais e as
frações sociais nitidamente elitistas promovessem movimentos educativos para
“disciplinar o preenchimento do papel social das camadas populares no interior
do modelo de sociedade mantido pelas elites” [...], por outro lado o debate
acerca de uma identidade cultural e a busca pela democratização da cultura
permitiram a emergência de um movimento popular que posteriormente
possibilitou a presença das expressões de cultura e de educação popular do setor
universitário, o surgimento dos Centros Populares de Cultura – CPCs da UNE e
das UEE e, paralelamente, as iniciativas da Igreja (como o Movimento de
Educação de Base) e dos grupos de profissionais liberais (a exemplo dos
Movimentos de Cultura Popular) (BEZERRA,1984, p. 17).

Para Bezerra (1984, p.33), as atividades educativas características dessa época


dividem-se em três grupos de atividades: alfabetização, educação de base e cultura popular.
Apesar de estarem relacionadas entre si, essas categorias, a autora nos diz:

[...] que as origens dos dois primeiros grupos (alfabetização e educação de base)
estavam mais ligadas à instrução, à transmissão do saber compatível com o
progresso e vinculadas à insuficiência e à ineficácia do ensino formal e dos seus
sistemas, posteriormente foi que seus universos de trabalho seguiram no
caminho pedagógico para conscientização das camadas populares, enquanto que
o último grupo (cultura popular) esteve, desde o início, voltado para ‘a
afirmação de uma cultura verdadeiramente nacional, a luta contra a invasão
cultural, contra o imperialismo e a desnacionalização, a democratização pela
valorização da expressão cultural e política das camadas populares (BEZERRA,
1984, p. 33).

Diante desse contexto, a autora considera (BEZERRA, 1984, p. 33-34) que o conjunto de
práticas de educação popular reveladas pelos movimentos educativos que se afirmam no período
de 1959/64 estava predominantemente voltado para o exercício da cidadania, para afirmação e
desempenho, pelas camadas populares, do papel que deveriam assumir no cenário sócio-político;
buscava a convocação de alinhamentos dos grupos populares em um movimento de resistência ao
imperialismo e não à integração dos indivíduos ao sistema e, ao mesmo tempo, propunha
desvendar os conflitos sociais e o reconhecimento das tensões existentes em nome da construção
de uma força de pressão suficiente para mudar as condições sociais postas.

23
Assim, é a partir dos movimentos educativos voltados à hegemonia dos setores
populares do início dos anos de 1960 que nasce, no país, a educação popular sistematizada por
Paulo Freire, o qual a define como:

É exatamente a que, substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos


conteúdos o desvelamento da realidade. É a que estimula a presença organizada
das classes sociais populares na luta em favor da transformação democrática da
sociedade, no sentido da superação das injustiças sociais. É a que respeita os
educandos, não importa qual seja sua posição e classe e, ao mesmo tempo, leva
em consideração, seriamente, o seu saber de experiência feito, a partir do qual
trabalha o conhecimento com rigor de aproximação aos objetos. [...] É a que não
considera suficiente mudar apenas as relações entre educadora e educandos,
amaciando essas relações, mas, ao criticar e tentar ir além das tradições
autoritárias [...] critica também a natureza autoritária e exploradora do
capitalismo (FREIRE, 2007, p. 103-105).

A educação popular nos moldes da perspectiva freireana é, ainda, enquanto prática


eminentemente política, a que se aproxima da comunidade e dos movimentos populares com os
quais aprende para a eles poder ensinar também.

Essa proposta educacional surge, pois, no terreno fértil das utopias de independência,
autonomia e libertação, que propunham um modelo de desenvolvimento baseado na justiça
social. Para esse modelo de educação popular a conquista do Estado era fundamental. Porém esse
processo foi interrompido pela brutal intervenção militarista e autoritária.

A educação popular refugiou-se, então, nas Organizações Não-Governamentais


[ONGs] e, alguns casos, na clandestinidade. Conforme Gadotti:

[...] desde então a educação popular tem-se constituído num paradigma teórico
que trata de codificar e descodificar os temas geradores das lutas populares
busca colaborar com os movimentos sociais e os partidos políticos que
expressam essas lutas. Trata de diminuir o impacto da crise social na pobreza e
de dar voz a indignação e desespero moral do pobre, do oprimido, do indígena,
do camponês, da mulher, do negro, do analfabeto e do trabalhador industrial.
Faz-se necessário lembrar que outras formas de educação foram denominadas de
popular, mas que, na verdade, eram populistas, pois, embora também fossem
direcionadas às classes subalternas não buscavam contribuir com a emancipação
destas e sim com a reprodução da ideologia dominante(GADOTTI, 2000, p.
292).

24
É evidente que a democratização da alfabetização das classes consideradas
subalternas é algo extremamente importante, mas não é suficiente para que uma educação seja
popular.

Na perspectiva freireana, é preciso que a educação popular vá além da


democratização da alfabetização; deve estar voltada para a conscientização da população,
conscientização de sua condição social e econômica na sociedade.

Uma educação em que haja, conforme Gadotti (2000, p. 293), em processo


sistemático de participação na formação, fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos
movimentos populares com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber orgânico,
ou seja, do saber da comunidade ao saber de classe na comunidade.

O autor assinala que a grande utopia da educação popular dos anos de 1960 visava à
conquista do Estado e a mudança radical da política econômica e social. E hoje, o que se assiste é
a educação popular dispersando-se em milhares de pequenas experiências, perdendo aquela
grande unidade teórica, mas ganhando em diversidade.

Para Barreiro (1980):

Não resta dúvida de que ocorreram modificações importantes em grupos e


movimentos de Educação Popular. Desde o aparecimento das primeiras
experiências continentais, até o momento atual, a maior parte dos grupos
reformulou, às vezes drasticamente a sua fundamentação teórica, o sentido e a
estratégia de sua ação, e aspectos da metodologia de mobilização e formação de
quadros populares (BARREIRO,1980, p. 30).

Contudo, diante dessa diversidade de práticas que vem se identificando como


educação popular, emerge, por parte dos educadores desse campo, a preocupação com a
qualidade de tais atividades. Um exemplo disso são as conclusões do Seminário Taller sobre
educação popular na América Latina e no Caribe, realizado em La Paz, Bolívia, no ano de 1990,
cujos registros no livro “Educação popular” – utopia latino-americana demonstrou que as maiores
preocupações dos participantes deste seminário eram oriundas das crises tanto do discurso como
da prática em educação popular, que se expressam, por um lado, na insuficiência do discurso para
falar e dar conta da ação e, por outro, nos problemas que afetam as práticas e especificidades no
contexto social e político da região.
25
Tais análises não negam os avanços da educação popular, entretanto, apontam os
desafios que emergem para esse paradigma educativo em face da realidade contemporânea da
América Latina.

A partir de um olhar acerca da especificidade e rigorosidade interna, os participantes


do Seminário Taller tanto constataram uma rica variedade de práticas que se identificam como
educação popular como a ausência de sistematizações de tais atividades, ou seja, o
desconhecimento da qualidade destas.

O consenso dessas discussões reflete que, dada a tendência geral da educação


popular, de um discurso ligado a uma leitura das dimensões estruturais da dominação e
funcionamento da sociedade, restou pouco espaço para análises teóricas dos problemas cotidianos
e processos de constituição da subjetividade dos sujeitos. O que demonstrou, para os
participantes, um descuido no que tange à compreensão da natureza simbólica das práticas
educativas, sua especificidade pedagógica e as características dos cenários e processos cotidianos
nos quais estas transcorriam. De qualquer forma, dada essa preponderância das questões políticas
sobre as questões psicossociais entendemos que isso tenha sido naquele momento, reflexo do
próprio processo, pois segundo Barreiro (1980, p. 32) “toda prática educativa tem uma
explicação política” e ainda:

Uma ação transformadora de estruturas sociais, compreendida como tarefa de


responsabilidade popular, é tanto mais autêntica e eficaz quanto mais
estabelecidas sobre a viabilidade de participação e crítica de seus agentes. A
Educação Popular pode ser, concretamente, um instrumento de desenvolvimento
da consciência crítica popular, na medida em que aporta instrumentos para que
os agentes populares de transformação sejam capazes de viver ao longo de sua
ação, essa dinâmica do concreto na relação ação-reflexão [...] (BARREIRO,
1980, p. 32).

O problema é que o foco na prática cotidiana desconectada do todo social oculta a


realidade, uma vez que esta não se manifesta de maneira imediata, através da aparência. Ao se
apegar à micronarrativa em detrimento da explicação globalizante muitos educadores passam a
considerar apenas a questão da cotidianidade e excluir a historicidade, a enfatizar a
individualidade, a alteridade, a diferença regional, local, rejeitando as concepções pedagógicas
direcionadas às mudanças estruturais.

26
Segundo Gadotti e Torres (1994, p. 49), os debates do Seminário Taller visavam
melhorar a qualidade dos processos educativos que vinham sendo implementado, o que implica,
por um lado, analisar com maior profundidade os processos de aprendizagem que se promovem o
problema da transmissão de conhecimento e sua articulação com o saber popular, a transferência
dos recursos simbólicos e materiais e a relação de autonomia ou dependência que estabelecem as
Organizações Não-Governamentais – ONGs com as organizações sociais, por outro lado,
constatar como o problema das competências do Estado surge com importância no debate dos
educadores populares.

Os temas abordados como fundamentais nas conclusões advindas das discussões


realizadas no mencionado seminário, os quais ainda hoje nos levam a uma maior e melhor
reflexão sobre a educação popular, foram os seguintes:

a) educação popular e a construção de um novo discurso;

b) questões metodológicas da educação popular;

c) a transformação de saberes e o problema da autonomia;

d) cultura e educação popular;

e) Estado, poder e educação popular;

f) educação popular e escola pública;

g) gênero e educação popular e,

h) formação dos educadores populares.

Assim sendo, os educadores concluíram que, perante a diversidade de temas e, ao


mesmo tempo, dos urgentes desafios, resulta a necessidade de realizar maiores investigações
sobre o trabalho da educação popular. Não apenas da realidade socioeconômica, mas, sobretudo,
do mundo simbólico da cultura, das concepções do mundo, valores, etc. Investigações que levem
em consideração as diferenças.

27
O Seminário Taller reiterou que as agências de cooperação deveriam desenvolver
estratégias que permitissem superar a dissociação entre fazer educação popular e investigar a
educação popular.

Em outras palavras, devia-se trabalhar para evitar a já conhecida divisão entre teoria e
prática, problemática que aflige o campo da educação como um todo, até os dias atuais. De
acordo com Arantes:

[...] a escola fica destinada a ser um depósito (grifo nosso) de cultura, onde as
pessoas vê buscar o que poderiam encontrar em qualquer biblioteca e, de modo
geral, os educadores sabem que armazenar conhecimentos, nem sempre implica
em aprendizagem significativa, ou seja, que mobiliza significados (pensar) e
sentimentos (sentir) associados a experiências (agir) (ARANTES, 1993, p. 7).

Ademais, afirmou o quanto é imprescindível que o educador popular abarque outros


níveis de conhecimento, e um deles seria a reformulação do poder. Isso porque não se pode
afirmar a tentativa da criação de uma sociedade alternativa se não ocorre, na prática, a superação
da concepção clássica do poder vigente na sociedade, continua o mesmo:

O papel do educador, [...] tem sido o de um mero transmissor de conhecimentos,


o que o torna um profissional desrespeitado [...] por ser visto como um cúmplice
de um sistema educacional que exige apenas um rendimento, produtividade e
eficácia na utilização do intelecto (ARANTES, 1993, p. 7).

Ressalte-se, porém, que nesse contexto dos anos 1990, Paulo Freire já destacava a
existência de um equívoco nos novos debates sobre a educação popular: o de que a “boa”
educação popular é a que se despreocupa com o desvelamento da realidade, com a razão de ser
dos fatos, reduzindo a prática educativa ao ensino puro dos conteúdos. “Este equívoco é tão
carente de dialética quanto o seu contrário: o que reduz a prática educativa a puro exercício
ideológico” (FREIRE, 2007, p. 110).

Para Freire, preocupar-se com o ensino puramente técnico, com a transmissão de um


suposto conjunto de conhecimentos necessários às classes populares para a sua sobrevivência é
típico do discurso neoliberal e, mais do que uma postura politicamente conservadora, esta é uma
posição epistemologicamente insustentável. Arantes analisa essa metodologia e aponta para outro
procedimento.

28
A práxis pedagógica convencional, apesar de seus inegáveis aspectos positivos,
tem sido considerada insatisfatória por professores e alunos no cotidiano
educacional, para o atendimento de uma população caracterizada por viver num
ambiente que muda com bastante frequência. Essas frequentes e rápidas
transformações geram insatisfações que implicam na busca de novas alternativas
para o ensino, diferenciadas das monótonas aulas carregadas de exposição
verbal, de tal modo a dinamizar as relações professor-aluno e aluno-aluno)
(ARANTES, 1993, p. 8).

Apesar do mencionado equívoco, toda literatura da educação popular registra,


conforme Sales (1999, p. 72), a preocupação com a transformação da realidade. É por isso que
não se deve tomar a práxis como uma categoria filosófica obsoleta no pensamento pedagógico;
ao contrário, ela está mais do que atual, tendo em vista que, de acordo com Vázquez (1977):

[...] une compreensão teórica à ação real, com vistas à transformação radical da
sociedade. (...) a práxis é ‘atividade material do homem que transforma o mundo
natural e social para fazer dele um mundo humano (VÁZQUES, 1977, p. 03).

É ele quem vai dizer que o homem comum encontra-se imbricado numa rede de
relações sociais e enraizado num determinado terreno histórico e que, portanto, sua própria
cotidianidade está condicionada histórica e socialmente, e o mesmo se pode dizer de sua própria
atividade prática. Ou seja, somente a partir da superação do ponto de vista espontâneo ou
instintivo, isto é, da consciência comum, é que se pode unir de modo consciente pensamento e
ação.

A educação popular, na tentativa de contribuir com o desenvolvimento da capacidade


crítica das classes consideradas subalternas, busca essa compreensão teórica, ao mesmo tempo
em que, na luta pelo protagonismo dos sujeitos sociais, também está buscando a ação real desses
sujeitos. Isso significa dizer que esse modelo educativo, enquanto práxis educativa visa estimular
a práxis social. Conforme Freire (1977, p. 84) a própria “educação se re-faz constantemente na
práxis”.

Nos anos 1990 e seguintes assistimos ao rearranjo das forças econômicas e sociais do
capitalismo num fenômeno que ficou conhecido como Globalização. Ao analisar a relação entre
globalização e educação Dale (2004) entende que é “através da influência sobre o Estado e sobre
o modo de regulação que a globalização tem os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os
sistemas educativos nacionais” (DALE, 2004, p. 441).
29
Apesar dessa influência, afirma que as variações nacionais continuam fortes, a cultura
mundial está longe de ser homogênea e que, portanto, a incorporação de um único modelo pode
acontecer a um nível meramente ritual. Daí a relevância das políticas e práticas educativas no
processo de transformação da realidade imposta pelas classes dominantes.

Enfim, diante de uma nova realidade mundial, mas ainda marcados por heranças
políticas e educacionais excludentes e opressoras, buscamos reconstituir a utopia e a prática de
uma educação de jovens e adultos sustentada sobre as premissas da Educação Popular e da
Emancipação, com a conjunção de formas e mediações de educação que recuperem os avanços e
instrumentos já constituídos e apropriem-se de novas metodologias para desvelar as necessidades
sociais, bem como as disposições subjetivas e intersubjetivas inalienáveis. Esse será o propósito
de nosso próximo capítulo, aliar o resgate das premissas e mediações libertadoras do pensamento
de Paulo Freire, no contexto presente, com as originais e singulares mediações do pensamento de
Jacob Levy Moreno. Esperamos que esse desafio fortaleça nossas convicções e frentes de lutas e
enfrentamentos!

Diante de contínuas e eficientes formas de exclusão social e escolar presentes na


tradição educacional de nosso país a Educação de Jovens e Adultos passou a ser a mais próxima e
real forma de superar as contradições estruturais e estigmas e repor a possibilidade da
emancipação. Dessa forma, retomamos o pensamento de Paulo Freire e sua atualidade, para
postá-lo com alguma originalidade, junto à hermenêutica existencial e psicológica de Moreno,
predominantemente coletivista e solidária, na direção de novos horizontes para a Educação de
Jovens e Adultos no nosso meio.

1.4. A Pedagogia da Autonomia e seus Saberes Necessários

Escrito na maturidade e no auge da sabedoria de Paulo Freire, sua última obra


publicada em vida, “Pedagogia da Autonomia”, propõe a discussão sobre a formação docente ao
lado da reflexão sobre a prática educativo-progressiva em favor da autonomia do Ser dos
educandos, ou seja, educar para a emancipação no sentido de conferir a eles a possibilidade de
reconhecer-se como sujeito e interferidor na realidade em que está inserido.

30
Freire salienta nessa obra a importância do formando, (professor/educador) se
convencer que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua
produção ou a sua construção (FREIRE, 1996, p. 22).
O livro “Pedagogia da Autonomia” apresenta propostas de práticas pedagógicas
necessárias à educação como forma de construir a autonomia dos educandos, valorizando e
respeitando sua cultura e seu acervo de conhecimentos empíricos junto à sua individualidade .
Paulo Freire defende a prática pedagógica que busca formar eticamente os
educadores, conscientizando-os sobre a importância de estimular os educandos a uma reflexão
crítica da realidade em que está inserido.
O livro é dividido em três capítulos:
1) Não há docência sem discência;
2) Ensinar não é transferir conhecimento;
3) Ensinar é uma especificidade humana.
Cada capítulo é subdividido em nove tópicos os quais trazem o que o ensinar exige.
No decorrer do texto tentaremos trazer as idéias principais de cada capítulo, explicitando, em
cada tópico, o que o ensinar exige.
No primeiro capítulo, Não há docência sem discência, Freire ressalta a importância
de se considerar os saberes indispensáveis a prática docente para todos os educadores,
independente da sua opção política ideológica, bem como a importância de reflexões deste tipo,
quando pensamos em formação docente e prática educativa-crítica.
O sujeito que vai ser formado não deve considerar-se como um paciente que recebe
os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe. Pelo contrário, é preciso ficar
claro, que embora diferentes entre si, educador e educando, quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1996, p.27).
Como Freire, acreditamos que um dos entraves para a educação libertadora
emancipatória seja a prática “bancária”. Freire definiu como educação “bancária” aquela em
que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guardá-los e arquivá-lo (FREIRE, 1989, p.58). Freire critica e recusa o ensino “bancário” já que
este inibe o desenvolvimento da curiosidade epistemológica, sem a qual não se alcança o
conhecimento. Paulo Freire apresenta a possibilidade do educador e do educando poderem
contornar a situação: é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a
31
repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os
efeitos negativos do falso ensinar (FREIRE, 1996, p.25).
Assim, como possibilidade de formação de discentes críticos, que não aceitem ser
meros depositários de conhecimento, no primeiro tópico do primeiro capítulo da obra Pedagogia
da Autonomia o autor discute que ensinar exige rigorosidade metódica. O educador deve reforçar
nos educandos sua capacidade crítica, sua curiosidade, sua insubmissão. Em seguida trata da
questão de que ensinar exige pesquisa
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...]. Enquanto ensino
continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei,
porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho
intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p.29).

No terceiro tópico, ensinar exige respeito dos educandos, Freire traz a questão do
quanto é importante aproveitar a experiência que os alunos trazem para a sala de aula, seus
conhecimentos. É fundamental discutir com estes, a razão de ser de alguns de seus saberes
socialmente construídos na prática comunitária, em relação com o ensino dos conteúdos. Freire
traz a análise que ensinar exige criticidade, destacando que a superação se dá na medida em que
a curiosidade ingênua, se criticiza (FREIRE, 1996, p.31). Levanta a discussão a respeito de que
o ensinar exige estética e ética, enfatizando que a passagem da ingenuidade à criticidade tem de
ser feita em conjunto com a rigorosa formação ética, ao lado sempre da estética.
Freire assevera para a responsabilidade de compreender a figura do educador como
referência pessoal para o educando:
Ensinar também exige corporeificação das palavras pelo exemplo. É necessário
que o professor, que verdadeiramente ensina, negue como falsa a fórmula “faça
o que eu mando e não faça o que eu faço”. Quem pensa certo sabe “que as
palavras a que falta a corporeidade do exemplo, pouco ou quase nada valem”.
Pensar certo é fazer certo (FREIRE, 1996, p. 34).

Paulo Freire (1996) prossegue enfatizando que


É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo e a
rejeição a qualquer forma de discriminação. A grande tarefa do sujeito que
pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como
paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A
tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a
irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a
quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado
(FREIRE, 1996, p. 38).

32
Desta forma, para o autor (FREIRE, 1996, p. 38) ensinar exige reflexão crítica sobre
a prática. É necessária uma rigorosidade metódica, a qual vai caracterizar a curiosidade
epistemológica, levando o sujeito ao verdadeiro aprender.

Para finalizar o primeiro capítulo, Freire destaca que o ensinar exige reconhecimento
e a assunção da identidade cultural, como podemos ver
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com
o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se.
Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar (FREIRE, 1996, p. 41).

O segundo capítulo, Ensinar não é transferir conhecimento, destaca-se a ideia de que


saber ensinar é criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção (FREIRE,
1996, p.47). Para Freire o professor precisa estar aberto às indagações, à curiosidade, às
perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa
de ensinar e não a de transferir conhecimento.
Para isso precisamos estar certos, de que, segundo Freire:
Ensinar exige consciência do inacabamento do ser, que é próprio da experiência
vital do ser humano, é por meio desta consciência de inacabamento, que o ser
entra num permanente movimento de busca. É nesta inconclusão do ser, que
vemos a educação como processo permanente. Por sermos seres inacabados,
devemos atentar ao fato que somos condicionados (FREIRE, 1996, p.47).

Deste modo, ensinar também exige o reconhecimento de ser condicionado. A


possibilidade que temos de ir além é que diferencia o ser condicionado do ser determinado.
Passamos assim, a ser sujeito e não apenas objeto da nossa história, pois não devemos ver
situações como fatalidades e sim estímulo para mudá-las.
No terceiro tópico do segundo capítulo, ensinar exige respeito à autonomia do ser do
educando, o que significa respeito à dignidade de cada um, Paulo Freire alerta para um ponto
crucial na vida escolar dos alunos: as relações no ambiente escolar. Segundo Freire:
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a
sua inquietude, a linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o
professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em
seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor
que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do
aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à
33
experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente
éticos de nossa existência (FREIRE, 1996, p. 59-60).

Observa-se então, que ensinar exige bom senso. O educador necessita vigiar a todo o
momento seu bom senso, pois, na avaliação de sua prática:
O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o
professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes,
o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio,
burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelos alunos sem deixar sua
marca (FREIRE, 1996, p. 66).

O respeito à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timidez, não deve ser
suscetível a procedimentos inibidores que desrespeite os educandos em sua identidade. Assim,
(FREIRE, 1996, p. 68) ensinar também exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos
dos educandos.
No tópico seguinte, ensinar exige também apreensão da realidade, ou seja, a
capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas, sobretudo para transformar a
realidade, para nela intervir, recriando-a (FREIRE, 1996, p. 69).
Freire ressalta a impossibilidade do educador se colocar frente aos educando com
neutralidade política Os docentes precisam assumir sua posição política diante da realidade, já
que a prática educativa é política e não neutra. Em nome do respeito aos alunos, os educadores
não devem omitir-se, ocultando sua opção política, assumindo uma neutralidade que não existe
(idem).
No sétimo tópico, ensinar exige alegria e esperança, destaca-se a relação entre a
alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que professor e alunos
juntos podem aprender e ensinar, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à alegria
(FREIRE, 1996, p.74).
Dentro do processo de esperança apreende-se que ensinar exige a convicção de que a
mudança é possível. O papel do ser humano no mundo é o de buscar intervir, não apenas
constatar os fatos que ocorrem. Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade,
tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de
nos adaptar a ela (FREIRE, 1996, p.77).
Para que a mudança ocorra é necessário que o ser se inquiete. Para Freire isto vai ser
conseguido por meio da curiosidade do educando. Com isso, ensinar exige curiosidade. Se a

34
curiosidade estiver domesticada, o sujeito alcança a memorização mecânica do seu objeto de
estudo, mas não aprendizado real (idem).
Freire defende o estimular da pergunta, da reflexão crítica em lugar da passividade
em face da explicação discursivas do professor. Com isso o autor não nega a importância de
momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. Na verdade
destaca-se que o educador e educando saibam que sua postura é dialógica, aberta, curiosa, é não
passiva
É importante que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.
O bom professor é o que consegue enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade
do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma
“cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dorme. Cansam porque
acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreende suas pausa, suas
dúvidas, suas incertezas (FREIRE, 1996, p. 86).

O terceiro capítulo, Ensinar é uma especificidade humana, inicia a discussão


explicitando que ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade. A auto
segurança tem uma relação direta com a competência profissional. O professor que não leva a
sério sua formação, não tem força moral para coordenar suas atividades. Também, (FREIRE,
1996, p. 87) uma qualidade indispensável aos professores nas suas relações com as liberdades é
a generosidade.
No primeiro tópico do terceiro capítulo, Freire destaca que outro saber indispensável
é não separar prática de teoria, autoridade de liberdade, respeito ao professor de respeito aos
alunos, ensinar de aprender. Desta forma, ensinar exige comprometimento com a tarefa de
professor, o qual vai buscar uma melhora constante no desempenho. Este desempenho deve ser
avaliado tanto pelo professor quanto pelo aluno. Cabe ao professor estar atento aos sinais que o
aluno dá à respeito das atividades desempenhadas por este professor frente aos alunos. Ensinar
exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no Mundo. Intervenção que vai
além do conhecimento dos conteúdos ensinados e/ou aprendidos; implica tanto o esforço da
reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento (FREIRE, 1996, p. 95).
De acordo com Freire Ensinar exige liberdade e autoridade. Neste tópico, discute-se
precisamente a questão dos limites sem os quais a liberdade se perverte em licença e a autoridade
em autoritarismo. Dentro desta liberdade e autoridade, Paulo Freire coloca que
O educador precisa conscientizar-se da impossibilidade da educação ser neutra,
assim precisa forjar um saber especial, que motiva e sustenta a luta e a tomada
de decisões. Isto implica que “ensinar exige tomada consciente de decisões” se a
35
educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. “Se a
educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente
reprodutora da ideologia dominante” (FREIRE, 1996, p.112).

Dentro do processo educativo é fundamental saber escutar, ensinar exige saber


escutar. Escutar é obviamente algo que vai além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar
significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do
outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro (FREIRE, 1996, p. 114).
Segundo Freire Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica:
Os professores devem estar atentos ao poder do discurso ideológico. A
ideologia está diretamente ligada a capacidade de ocultação da verdade
dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar a realidade, ao mesmo
tempo em que nos tornam míopes e nos ensurdece. Assim, aceitamos
passivamente as coisas como fatalidades, sem indagações. “Ensinar exige
disponibilidade para o diálogo”0. A prática do docente deve ser permeada
pela abertura aos outros, pela disponibilidade curiosa à vida, a seus
desafios (FREIRE, 1996, p.116).

O autor finaliza este capítulo e essa sua obra salientando que ensinar exige querer
bem aos educandos. Este querer bem significa ser afetivo, expressar a afetividade sem sustos e
medos. O educador precisa ser autêntico na relação com os educandos (FREIRE, 1996, p.118).
De forma geral, acreditamos poder observar pela análise da obra “Pedagogia da
Autonomia” de Paulo Freire, que a prática educativa é um constante exercício em favor da
construção e do desenvolvimento da autonomia de professores e alunos, não obstante
transmitindo saberes, mas dando significados aos saberes construídos conjuntamente. Esse
exercício, o ensinar, quando praticado da forma ensinada por Paulo Freire, transcende ao
ambiente escolar e se reconstrói constantemente pela vida afora, porque educador e educandos
apreenderam a beleza da Sabedoria. Como seres inacabados, professores e alunos, sabedores
humildes desta condição humana, se engrandecem na Constância da busca do Conhecer. Sujeitos
conscientes de seu estar no mundo... Sujeitos libertados da ignorância do não conhecer-se
transformador de sua realidade. Sujeitos! Emancipados!

36
2. CAPÍTULO II: O PSICODRAMA E A EDUCAÇÃO:
FUNDAMENTOS E POSSIBILIDADES INSTITUCIONAIS E
POLÍTICAS.

O presente capítulo tem como objetivo contextualizar a original contribuição de Jacob


Levy Moreno para a educação, além de constatar sua reconhecida riqueza na tradição da
Psicologia. Essa contextualização buscará apresentar uma breve biografia de Moreno, com
destaque para os principais fatos e acontecimentos que engendraram sua singular compreensão da
Psicologia e de suas possibilidades, bem como terá como intenção conquistar a apropriação de
suas principais categorias e conceitos. Há uma imensidão de conceitos, de identidades e
grandezas distintas no pensamento de Moreno, escolhemos algumas delas em função de sua
potencial exploração no campo da EJA.

O Psicodrama pode ser definido como método de pesquisa e intervenção nas relações
interpessoais, nos grupos, entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma, a ação psicodramática
mobiliza um grupo para vivenciar a realidade a partir do reconhecimento das diferenças e dos
conflitos, facilitando a busca de alternativas para a resolução do que é revelado, expandindo os
recursos disponíveis.

De acordo com BERMUDEZ (1970, p. 15) o Psicodrama pode ser considerado como
um dos meios psicoterápicos mais inovadores, pois suas técnicas desenvolvem pela ou na
representação dramática a abordagem e a exploração das mais genuínas qualidades e contradições
do ser humano e de seus vínculos. A ação unida à palavra possibilita o mais completo
37
desdobramento do conflito, do drama que ocupa o protagonista no espaço dramático. Na cena o
indivíduo pode representar seus conflitos passados e presentes e também externar seus temores,
suas expectativas, seus projetos e dúvidas sobre o futuro explorando suas relações com o presente
e o passado.

Dessa forma, o Psicodrama possibilita acontecer, em um ambiente grupal na


ocorrência do processo de ensino e aprendizagem, podendo ser na escola institucionalizada ou em
qualquer outro espaço, as condições psicológicas e afetivas para que as atividades se
desenvolvam e possam resultar em aprendizados significativos, diferentemente do ambiente
formal da maioria das escolas que conhecemos, como nos situa Arantes (1993, p.8):

A escola tem sido um espaço onde os alunos recebem um acúmulo de


informações, cuja maior parte nunca terá utilidade no decorrer de suas vidas. A
preocupação com a formação de seres humanos aptos a viver no seio de uma
sociedade, que deveria ser a função real do sistema educacional, não só tem sido
negligenciada pela grande maioria dos educadores, como também incentivada
por uma sociedade mais interessada em quantidade do que em qualidade.

O autor prossegue em sua análise sobre o ambiente escolar e nos alerta:

Que a atrofia dos aspectos sentir e agir tem sido responsável, em parte, pelo
progressivo aumento da frieza emocional na relação entre as pessoas, mais
especificamente no meio educacional, devido as restrições ao uso do corpo (que
é a sede de nossos sentimentos) durante as aulas, onde o intelecto (que é a sede
de nossos pensamentos) é enfatizado (Idem).

Arantes (1993, p.10) ressalta que se pode responsabilizar a educação formal pela
passividade “patológica” dos alunos que ficam um grande período sem poder gastar suas
energias. Ele busca nas palavras se um saudoso ex- diretor (1977) da Faculdade de Educação da
Unicamp, Professor Montezuma a corroboração para suas afirmações. Montezuma teorizava que
“o que salva a integridade psicológica de nossos alunos são os momentos de intervalo dentro da
escola”.

As consequências da falta de comprometimento da maioria dos envolvidos com a


instituição escolar em promover uma metodologia menos passiva, apontada por Arantes (1993)
ultrapassam os “muros da escola.” Dessas crianças, adolescentes e jovens, as quais são exigidas

38
demasiadas “disciplina” pode-se esperar respostas inadequadas, já que necessitam canalizar as
energias próprias de sua fase de desenvolvimento para os objetivos definidos pela escola.

O Psicodrama, em suas nuances, pode ser utilizado como uma “ferramenta” na


construção de um espaço escolar mais próximo dos anseios dos nossos alunos. Seu dinamismo
pode servir como estratégia para que a aprendizagem aconteça dentro das relações que o grupo
faz com o conteúdo estudado, com o seu corpo e com suas emoções transpassando por todas as
dimensões tanto as objetivas quanto as subjetivas. Para Arantes (1993):

O Psicodrama, sem abandonar as técnicas verbais, acrescentou as técnicas de


ação e, sem desrespeitar as individualidades, faz atendimento individual, de
casal, de família, enfatizando uma preparação para o trabalho em grupo
(ARANTES, 1993, p. 11).

A teoria psicodramática consiste num método de investigação e tratamento de


problemas psicológicos criado pelo médico romeno Jacob Levy Moreno no princípio do século
XX. Essa teoria reúne em sua base teórica elementos do teatro e da psiquiatria e tem como
recurso de ação a dramatização (MENEGAZZO, 1994, p.69).

Formulado para ser trabalhado em grupo, dentro de um enfoque terapêutico ou social,


o psicodrama foi inicialmente dirigido a pacientes com comprometimento psiquiátrico ou
emocional, que eram incentivados a representar com textos improvisados. Moreno acreditava que
a dramatização era o método por excelência para se resgatar a espontaneidade e chegar ao
autoconhecimento.

O corpo é uma peça-chave, pois, de acordo com a técnica, os pensamentos e as


emoções se expressam em atos organizados e representados no palco. Para Moreno (1993, p.
156), “o jogo psicodramático possibilita que o indivíduo entre em contato com seus conflitos, que
antes permaneciam no inconsciente”. Durante as sessões de psicodrama, “os participantes são
estimulados a expressar livremente as criações de seu mundo interno, seja na produção mental
de uma fantasia concretizada em cena ou numa determinada atividade corporal”.

Não há como pensar o Psicodrama, seus instrumentos, a estrutura de uma sessão,


desvinculado de papéis e atores que os vivenciam. Toda dramatização, jogo ou qualquer técnica

39
psicodramática somente pode acontecer quando papéis são colocados em ação e, através destes,
personagens interatuam vinculando-se entre si como interlocutores.

No Psicodrama, encontrando-se com seu eu em papéis imaginários ou


correspondentes a funções assumidas dentro da realidade social, espera-se que o indivíduo
recupere a capacidade de realizar transformações autênticas em sua vida, nas suas relações e no
meio onde vive.

2.1. Breve biografia do criador do Psicodrama

Jacob Levy Moreno (1889-1974), criador do Psicodrama e do Sociodrama, dedicou-


se grande parte de sua vida à investigação psicológica e social, foi um homem de ampla cultura,
de fortes ideias religiosas e filosóficas, amante do teatro e incansável investigador do ser humano
e de seus vínculos afetivos (FOX, 2002, p.17).

Aos cinco anos de idade mudou-se com a família para Viena e foi neste local que
vivenciou a brincadeira de ser deus. Nessa brincadeira, em que ele e várias outras crianças
jogavam com o papel de ser deus e os anjos, Moreno estava sentado no "trono de deus", uma
cadeira em cima de caixotes empilhados sobre uma mesa e um dos "anjos" solicitou-lhe que
voasse. Ele atendeu e acabou caindo no chão fraturando o braço direito.

Aos 28 anos, Moreno formou-se em Medicina. Logo se interessou por teatro. Até aos
31 anos de idade Moreno fez parte de um grupo religioso que criou a Religião do Encontro. Eles
expressavam sua rebeldia diante dos costumes estabelecidos usando barbas, vivendo pelas ruas à
maneira dos mais pobres e procurando novas formas de interar com as pessoas. Neste tempo ele
ia ao jardim de Viena, e brincava de improviso com as crianças.

Em 1921, criou o Teatro da Espontaneidade. A ideia era de fazer uma apresentação


espontânea sem decorar falas, era feito tudo no momento. Nessa experiência, ele criou o Jornal
Vivo, que ele e o grupo dramatizavam o jornal diário.

Depois de anos trabalhando no hospital, usando o teatro da espontaneidade, criou o


Teatro Terapêutico. Fazia um teatro de vanguarda para a época que experimentava revoluções

40
nesta arte. Tendo descoberto o valor terapêutico do teatro transformou o Teatro terapêutico em
Psicodrama terapêutico.

O Psicodrama surgiu então, com o intento de tratar e curar o público de uma


enfermidade, uma síndrome cultural e patológica que o grupo compartilhava e que afligia a
sociedade.

Em 1925, Moreno emigrou para os Estados Unidos e foi nesse país que Moreno
introduziu o termo Psicoterapia de Grupo e fez estudos para a mensuração das relações
interpessoais criando a Sociometria.

Faleceu em Beacon, em 14 de maio de 1974, aos 85 anos de idade e pediu que em sua
sepultura fossem gravadas as seguintes palavras: “Aqui jaz aquele que abriu as portas da
Psiquiatria à alegria.” Não há dúvidas que ele tinha consciência de sua atuação e de sua original
forma de encarar a vida!

Podemos perceber na história da vida de Jacob Moreno que a origem do Psicodrama


sempre esteve relacionada à arte e que também se tratava de uma pessoa incomum. Fox diz que:

A despeito do sentido de grandeza, de genialidade, mesmo, vivenciado por


muitos que vieram para sua órbita, entretanto, Moreno tinha uma personalidade
problemática. Talvez, especialmente, por ter sido tão criativo, sua megalomania
normalis não conheceu limites (FOX, 2002, p. 25).

Segundo Marineau (1992, p. 59), na juventude, Moreno era um homem religioso, teve
como influência o Hassidismo, o existencialismo e o humanismo. Sócrates, Dante, Kierkegaard,
Nietzsche e Bergson foram alguns dos autores lidos pelo criador do Psicodrama. Moreno também
foi colaborador da Daimon Magazine, revista existencialista e expressionista que contava
também com Martin Buber, Max Scheller, Jakob Wasserman, Kafka e outros.

Jacob Levy Moreno nos deixou um legado teórico amplo e relevante, porém, mais
que isso ele nos apresentou uma imensurável proposta de viver de maneira plena e absoluta, se
acreditarmos e nos propusermos a isso, faremos muito mais por nossa ilimitada existência.

41
2.2. Psicodrama: principais conceitos e técnicas

Com a leitura das obras de Jacob Levy Moreno, é possível aceitar a ideia que o
psicodrama possui um grande conteúdo emocional, pois surgiu como uma nova dinâmica e
inovadora linha de investigação para o conhecimento e terapia dos conflitos psicológicos.

O Psicodrama possui o conceito de espontaneidade-criatividade; a teoria dos papeis; a


psicoterapia grupal como pontos básicos da sua teoria, além de outros como: Tele (capacidade de
se perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa entre as pessoas),
Empatia (tendência para se sentir o que se sentiria caso se estivesse na situação e circunstâncias
experimentadas pela outra pessoa.), Co-inconsciente (vivências, sentimentos, desejos e até
fantasias comuns a duas ou mais pessoas, e que se dão em "estado inconsciente".) e Matriz de
Identidade (lugar do nascimento).

Além desses conceitos, considerando que sobre alguns deles trataremos mais
detalhadamente no decorrer desse capítulo, a teoria psicodramática compreende conceitos como,
sociodinâmica, sociometria, sociatria, entre outros:

 A sociodinâmica – se interessa pela dinâmica dos grupos e utiliza como método o


role playing ou o jogo de papeis.

 A sociometria – visa medir as relações entre os membros do grupo evidenciando


as preferências e evitações presentes nas relações grupais. Utiliza como método o
teste sociométrico.

 A sociatria – busca tratar as relações grupais e utiliza três métodos: o sociodrama,


a psicoterapia de grupo e o psicodrama.

A grandeza do universo teórico que constitui o Psicodrama criado por Jacob Levy
Moreno nos desperta para a necessidade de agrupá-los nesse trabalho, de forma que possamos
selecionar aqueles que nos parece de maior e menor interesse para a nossa dissertação, porém, há
também aqueles que, pela sua relevância, não poderiam ser abreviados, dessa forma, calculamos
divisá-los de maneira sequencial, relacionando-os entre si como é próprio da proposta moreniana.
42
2.2.1. Teoria dos papéis

De acordo com Holanda (1998) etimologicamente diversos termos dão origem à


palavra papel com diferentes sentidos. O termo vem do latim medieval rotulus (derivado de
rota = roda) que pode significar tanto "uma folha enrolada contendo um escrito", bem como
"aquilo que deve recitar um ator numa peça de teatro".

No sec. XI o termo era utilizado também no sentido de "função social", "profissão".


O termo francês "rôle", o inglês "role" e o castelhano "rol" igualmente têm sua origem na mesma
etimologia latina "rotulus".

A palavra papel na língua portuguesa, etimologicamente, vem do grego papyros, e do


latim papiro. Papiro designava um arbusto do Egito de cuja entrecasca se fazia o papel, obtendo-
se o material para a escrita.

O significado de rôle é o de uma folha contendo um escrito e o de papel o material


utilizado na confecção da folha. Da mesma forma, a palavra portuguesa papel significa, de modo
geral, o material utilizado para a escrita. Constata-se que os significados originais de rotulus
foram incorporados à língua portuguesa pela palavra papel. Isso porque, além de indicar o
material utilizado na escrita (papiro), papel refere-se também à "personagem representada por um
ator", ou à "parte que cada ator desempenha no teatro, no cinema, na televisão, etc." e, ainda, à
"atribuição de natureza moral, jurídica, técnica, etc.", isto é, desempenho, função, como papel de
pai, juiz, médico, por exemplo.

Para Jacob Levy Moreno (1993), além das definições relacionadas à arte teatral, papel
pode ser definido como “uma função assumida na realidade social”. Vejamos:

O papel também pode ser definido como uma parte ou um caráter assumido por
um ator, uma pessoa imaginária como Hamlet animada por um ator para a
realidade. O papel ainda pode ser definido como uma personagem ou função
assumida na realidade social, por exemplo, um policial, um juiz, um médico, um
deputado (MORENO, 1993, p. 206).

O autor também define papel como “as formas reais e tangíveis que o “eu” adota”
(p.206), tais como o papel de pai, padeiro, piloto.

43
Moreno afirma (1993):

O desempenho de papeis é anterior ao surgimento do ego. Os papeis não


decorrem do eu mas o eu pode emergir dos papeis. O fator S pode animar um
gesto, mesmo que nenhum “eu” nem o “outro” social estejam ainda envolvidos
se não houver linguagem nem maquinaria social disponível para a sua
comunicação (MORENO, 1993, p.210).

Os papéis e suas relações entre si são os fenômenos mais importantes de uma cultura,
(Moreno, 1993), sendo todo papel uma fusão de elementos coletivos e individuais, ou seja,
elementos privados, sociais e culturais.

Para Gonçalves (1988), o conceito de papel envolve inter-relação e ação,


pressupondo o papel complementar: pai-filho, professor-aluno, etc., e é a menor unidade
observável da conduta. A base psicológica para todo desempenho de papéis é a matriz de
identidade, onde estes surgem. Segundo o autor, podemos dizer que há três tipos de papéis:

 Psicossomático: papel de quem come, dorme, etc. Estes papéis não permitem uma
relação pessoa para pessoa, pois não há diferenciação, mas são complementados
pelos papéis de matriz (a mãe que alimenta);

 Social: opera na função realidade e na dimensão social de inter-relação, a mãe, o


filho, o professor e o cristão, são exemplos de papéis sociais;

 Psicodramático: corresponde à dimensão psicológica do “eu” e em sua função


fantasia, uma mãe, um professor, um marido.

Os papéis psicodramáticos e sociais surgem na terceira fase da matriz, juntamente


com a brecha entre a fantasia e a realidade e a inversão de papéis.

Para o aprendizado e a medição de papéis utilizamos (Moreno, 1992, p. 98):

 Role taking ou tomada de papéis que é a representação do papel já estabelecido,


sem que haja liberdade no desempenho.

 Role playing ou jogo de papéis onde se exercita um papel em status nascendi,


havendo alguns parâmetros estabelecidos.
44
 Role creating ou criação de papéis no qual se permite grande liberdade,
colocando-se situações para que se possa reagir espontaneamente.

Segundo o próprio criador do Psicodrama, o conceito de papel é um dos mais


significativos conceitos dentro da nova estrutura da ciência da Psiquiatria (1993). Ele argumenta
na defesa de sua contribuição para tal conceito:

É um “mito” que o sociólogo norte-americano G.H.Mead tenha exercido uma


influência marcante sobre a formulação do conceito psiquiátrico de “papel” e de
sua psicopatologia. A formulação e desenvolvimento desse conceito e das
técnicas de desempenho de papéis é de exclusivo domínio dos especialistas em
psicodrama (MORENO,1993, p. 24).

Moreno continua:

O que nós, os especialistas em psicodrama, fizemos, foi (a) observar o processo


do papel no próprio contexto da vida; (b) estudá-lo em condições experimentais;
(c) empregá-lo como método psicoterapêutico (terapia da situação e do
comportamento); e (d) examinar e treinar o comportamento no “aqui e agora”
(adestramento de papel, adestramento da conduta e espontaneidade) (Idem).

A relevância dada ao conceito de papel neste trabalho deve-se ao fato de que,


segundo Moreno, (1993):

Antes e imediatamente após o nascimento, o bebê vive num universo


indiferenciado, a que eu chamei de “matriz da identidade”. Essa matriz é
existencial mas não é experimentada. Pode ser considerada o locus donde
surgem,em fases graduais, o eu e suas ramificações, os papeis. Os papeis são os
embriões, os precursores do eu [...] (MORENO,1993, p. 25).

2.2.1.1. Matriz de identidade

O conceito de matriz de identidade desenvolvido por Moreno (1993) refere-se ao


conjunto de condições psicológicas e sociais no qual a criança é inserida ao nascer. Gonçalves
assegura que:

A matriz de identidade, no seu sentido mais amplo, é o lugar do nascimento


(lócus nascendi). Moreno a definiu também como placenta social pois, à
maneira da placenta, estabelece a comunicação entre a criança e o sistema social
da mãe, incluindo aos poucos os que dele são mais próximos (GONÇALVES
1988, p. 60).

45
Ao longo de seu desenvolvimento emocional e construção de sua identidade, ela
passa por seguintes fases:

As fases da Matriz, segundo Moreno (1993), são:

 Fase do duplo – fase de indiferenciação, a criança, a mãe e o mundo são uma coisa
só. A criança é dependente do outro para fazer o que não pode fazer ainda,
necessitando de ego auxiliar ou doublé (inspirado no cinema).

 Fase do espelho – há dois momentos nesta fase. No primeiro, a criança concentra


sua atenção em si e, no segundo momento, passa a concentrar atenção no outro,
ignorando a si. Nesta fase a criança olha no espelho e diz ser outro bebê.

 Fase da inversão – primeiramente a criança representa o papel do outro, mas não


aceita o outro em seu papel; depois passa a haver a inversão simultânea de papéis.

Acerca da “brecha entre a fantasia e a experiência da realidade” fenômeno que ocorre


entre as fases de desenvolvimento da criança, vejamos o que Moreno nos diz:

Num certo ponto do desenvolvimento infantil, com o inicio do “segundo”


universo, a personalidade passa a estar normalmente dividida. Formam-se dois
conjuntos de processos de aquecimento preparatório – um de atos de realidade,
outro de atos de fantasia – e começam se organizando. Quando mais talhado
estiverem esses caminhos, mais difícil se torna passar de um para o outro sob o
estímulo do momento (MORENO, 1993, p.123).

Moreno prossegue nos esclarecendo:

O problema não consiste em abandonar o mundo da fantasia em favor do mundo


da realidade ou vice-versa, o que é praticamente impossível; trata-se, todavia, de
estabelecer meios que permitam ao indivíduo ganhar completo domínio da
situação, vivendo em ambos os caminhos mas capaz de transferir-se de um a
outro (Idem).

Assim sendo, segundo o próprio autor “o fator que pode garantir esse domínio para uma
rápida transferência é a espontaneidade”. Esse conceito é uma categoria central do pensamento e
da ação de Moreno.

46
2.2.1.2. Indiferenciação

É o momento evolutivo em que a criança ainda não se distingue das pessoas com
quem interage: ela e o mundo são uma única coisa, uma massa informe sem contornos definidos.
Pessoas e objetos se confundem; as fronteiras entre o interno e o externo estão diluídas.

2.2.1.3. Reconhecimento do Eu

Nesta fase, a criança está com sua atenção centrada em si: nos contornos do seu
corpo, no reconhecimento de si no espelho. Ao perceber que seu corpo está separado da mãe, das
pessoas, dos objetos, concentra sua energia em explorar o reconhecimento de suas fronteiras.

Este processo é o resultado de um contínuo jogo de papéis entre o bebê e seu ego-
auxiliar, a mãe. A partir das experiências psicossomáticas da alimentação e dos cuidados
maternos, a criança vai identificando suas necessidades e o movimento do outro para satisfazê-
las. É, portanto, sempre no contexto interpessoal que a aprendizagem emocional e a definição da
identidade se processam.

2.2.1.4. Reconhecimento do Tu

Caracteriza-se pela exploração do diferente, do que não é o eu. Através deste


processo de reconhecimento do que não é próprio, a criança fortalece a sua identidade. O tu,
nesse momento, é meramente instrumental, ou seja, está convenientemente a serviço do processo
de reconhecimento do eu. É a fase da exploração do mundo, do diferente, da descoberta de que o
outro age e reage diferentemente dela, criança.

2.2.1.5. Pré-inversão

É a fase em que a criança começa a se experimentar no papel do outro. Ainda é uma


vivência automatizada, carecendo de sensibilidade para a experiência alheia. É a fase da imitação,
do faz-de-conta, uma espécie de ensaio e preparação para uma futura inversão, quando a
reciprocidade estará então presente.

47
2.2.1.6. Inversão de papéis

Experiência indicadora do amadurecimento emocional, em que o indivíduo não só se


percebe separado do outro como também é capaz de compreender a significação de sua vivência
diferenciada. A capacidade de se colocar no lugar do outro e a possibilidade de que este se
coloque em seu lugar criam as condições necessárias para que se realize um verdadeiro encontro,
uma experiência produtora de crescimento para ambos os participantes e fortalecedora do
vínculo.

Apesar de se iniciar com o nascimento e se desenrolar em grande parte nos primeiros


anos de vida de um indivíduo, este movimento evolutivo não é retilíneo e pode sofrer avanços e
retrocessos ao longo das várias vivências que pontuam a sua existência. Na adolescência, por
exemplo, as mudanças físicas, emocionais e sociais provocam uma reativação de vivências
características da fase do reconhecimento do eu. O momento de definição profissional para o
adulto jovem pode configurar-se como outro ponto crítico na construção e revisão de sua
identidade. É a partir da Matriz que nos definimos como indivíduos.

2.2.2. Espontaneidade

A espontaneidade é uma resposta nova a uma situação nova ou uma nova resposta a
uma situação antiga ou circundante. A palavra vem do latim sponte que significa “de livre
vontade” (Moreno1993, P. 32).

Gonçalves, (1988) afirma que: "na visão moreniana, os recursos inatos do homem são
a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade", e continua:

[...] a revolução criadora moreniana é a proposta de recuperação da


espontaneidade e da criatividade, através do rompimento com padrões de
comportamento estereotipados, com valores e formas de participação na vida
social que acarretam a automatização. (GONÇALVES, 1988, p.45).

A oportunidade em vivenciar e resgatar a unidade, mesmo que “provisória”, entre


pensamento e emoção, se sentir reconhecido como um sujeito que atua e interfere na sociedade e,
que, portanto, é por ela também influenciado, pode se revelar como o ponto “alto” dos encontros
psicodramáticos. Ao participar de experiências com pessoas que desempenhem atividades

48
diferenciadas, podemos perceber também diferentes níveis de resistências, de espontaneidade e
de dificuldades de rever papeis cristalizados.

Menegazzo (1994, p. 47) acredita que “isso implica colocar em crise os mitos
negativos, as conservas culturais e seus papeis, que permaneciam fixados as cenas nucleares
conflitivas do passado e vinculadas a valores-tabus, ideologicamente inquestionados”. Trata-se de
uma original forma de entender a relação entre arte, sentimento e coletividade.

Abandonar o velho mesmo quando ele não mais satisfaz, gera muitas angústias e
vontade de continuar acreditando no “mito do porto seguro”. A atividade concreta do homem
“determina” seus desejos, sua consciência, seus afetos, seus projetos, etc., de forma diferenciada.

Segundo Moreno (1993, p.37)

A espontaneidade e sua liberação atua em todos os planos das relações humanas


quer seja comer, passear, dormir, ter relações sexuais, ou relacionar-se
socialmente; manifesta-se na criação artística, na vida religiosa e no asceticismo
[...] atua como o processo de respiração, inalando a psique e exalando
espontaneidade [...] não é energia conservada, é uma disposição a responder tal
como é requerido [...] responde ao impulso, servindo de mediadora da ação
espontânea e criativa e produzindo as conservas culturais.

Para Moreno (1993, p. 37-39) a espontaneidade é uma função inata e cultural,


positiva e criadora, construtiva e adaptável, por isso está ligada a todos os aspectos do
desenvolvimento orgânico, mental, psicológico, social e espiritual do ser humano.

Ele se recusa a restringir as manifestações espontâneas, inclusive em seus aspectos


patológicos, acreditando que através da espontaneidade o próprio indivíduo e o grupo social seja
capaz de adaptações plásticas, originais e criativas, a qualquer tipo de situação.

Segundo Pierre Weil (1978, p.45-49) a nossa cultura é feita de criações sucessivas
que se transformam em tradições, o que Moreno denominou como ”conservas culturais”,
transmitidas de geração em geração. O homem torna-se um robô, que deixa de evoluir, síntese de
uma sociedade de estagnação. Para evoluir é preciso libertar-lhes a espontaneidade, que os fará
capazes de criar.

49
A espontaneidade é uma reação incisiva, transformadora no aqui e agora, que permite
ao sujeito deixar de ser meramente aquilo que dele se espera socialmente. Weil salienta que este
mecanismo nos leva a decisão mais coerente com a essência do humano, uma revolução interna
que movimentaria o contexto social.

A libertação movida pela inquietude seria condição “sine qua non” para o ser e estar.
Todavia, Moreno não trabalhava com as noções de pulsão de vida e de morte. Destruição ocorre
quando não se usa o potencial criador. Segundo Moreno (1993, P. 55) mesmo em situações
asilares, de alienação mental, como certos casos de esquizofrenia, é possível reconhecer a
potencialidade da criação e da arte.

Dessa forma, Jacob Levy Moreno inaugura com sua obra a ideia do ser humano
espontâneo e criador. Ler seus escritos, conhecer sua vida, sua espontaneidade e seu potencial
criativo, significará nesta perspectiva, o entendimento do ser como aquele sujeito ao contínuo
processo de criação. Ou pelo menos abrir a possibilidade da escolha, e por que não da
criatividade como escolha? Este seria o princípio da “revolução criadora” proposta por Moreno,
onde ele afirma: “Deus é espontaneidade. Daí o mandamento: Sê espontâneo”.

Moreno refere-se às patologias da espontaneidade como respostas inadequadas às


novas situações, citando, por exemplo, a transferência como uma patologia da tele. Teoricamente,
a espontaneidade situa-se numa zona intermediária entre os componentes orgânicos e ambientais,
recebendo a influência de ambos, mas escapando ao controle destes para ligar-se a tele, outro
conceito fundamental da teoria moreniana que representa “a menor unidade de sentimento entre
duas pessoas” (Moreno, 1993, p. 39).

2.2.3. Tele

A tele consiste, basicamente, na capacidade de diferenciar pessoas, coisas e objetos


como partes separadas de si mesmo e comunicar-se empaticamente, respondendo com afeto,
rejeição ou neutralidade vincular, o que supõe certa indiferença ao outro, seja por falta de
proximidade física, conhecimento emocional ou diferenças de interesses e valores socioculturais.

50
2.2.4. Conservas culturais

Às conservas culturais são atribuídas, segundo Moreno, apenas a função de um


produto acabado que adquiriu uma qualidade quase sagrada, entretanto, a função criadora pode
ser desabrochada lançando uma nova espontaneidade. A conserva cultural serve para preservar
valores de uma determinada cultura, pode assumir a forma material, como no exemplo dado por
Moreno (1992): “o livro é o arquétipo de todas as conservas culturais”. Ele prossegue:

a luta contra as conservas culturais é característica marcante de toda nossa


cultura; expressa-se de várias formas na tentativa de escapar destas conservas.
Este esforço de escapar do mundo-conserva parece tentativa de retornar ao seu
paraíso perdido (MORENO,1992, p. 149).

As conservas culturais também podem apresentar-se sob a forma de rituais e


cerimônias. A justificativa do efeito nefasto das instituições na criatividade encontra-se na
própria definição de ato criador, que transforma logo em algo rígido.

2.2.5. Catarse

Encontramos na produção de Moreno sobre a teoria psicodramática, a fundamentação


da Catarse de integração, que segundo seu criador é a mobilização de afetos e emoções ocorridas
na interrelação, télica ou transferencial, de dois ou mais participantes de um grupo terapêutico,
durante uma dramatização, segundo Fox (2002, p. 95):

Historicamente, houve duas vias que conduziram à visão psicodramática da


catarse. Uma delas vai do teatro grego ao teatro convencional de hoje, e com
isso a aceitação do conceito aristotélico de catarse. A outra começa nas religiões
orientais [...]. Essas religiões afirmam que um santo, para transformar-se num
salvador [...] tem primeiro de salvar a si mesmo, [...] no caso grego, o processo
de catarse mental como algo localizado no espectador, uma catarse passiva. No
caso religioso, o processo de catarse foi localizado no próprio individuo, uma
catarse ativa.

Podemos perceber que a dramatização é por excelência condição para o


autoconhecimento, o resgate da espontaneidade e a recuperação de condições para o inter-
relacionamento; como o caminho através do qual o indivíduo pode entrar em contato com
conflitos, que até então permaneciam em estado inconsciente.

51
2.3. A Ação Psicodramática

O lugar do nascimento do psicodrama foi o teatro dramático de Viena. O psicodrama


desde seus primórdios estabeleceu uma composição basicamente grupal com a presença do
terapeuta, que atua como diretor da cena, com seus egos auxiliares; e de seus pacientes tanto
como protagonista ou como público.

Jacob Moreno, tomando do modelo teatral seus elementos, distingue, para a cena
psicodramática, cinco elementos ou instrumentos:

a) Cenário: neste continente desdobra-se a produção e nele podem-se representar


fatos simples da vida cotidiana, sonhos, delírios, alucinações.

b) Protagonista: o protagonista pode ser um indivíduo, uma dupla ou um grupo. É


quem, em Psicodrama, protagoniza seu próprio drama. Representa a si mesmo e
seus personagens são parte dele. Palavra e ação se integram, ampliando as vias de
abordagem.

c) Diretor: o psicoterapeuta do grupo é também o diretor psicodramático. Sua função


é propiciar e facilitar o bom desenvolvimento da cena dramática.

d) Egos-auxiliares: São as pessoas que contracenam com o protagonista, podendo ser


profissionais ou participantes do público que são convidados a subir no palco
terapêutico.

e) Público ou plateia: são os membros do grupo que participam assistindo a cena


dramática.

Buscaremos expressar a identidade e dinâmica de cada um desses agentes.

2.3.1. Egos auxiliares

Moreno (1993, p. 41) apresenta o psicodrama como uma psicoterapia que coloca o
paciente em um palco onde ele pode exteriorizar seus problemas com a ajuda de atores
terapêuticos.

52
Na definição de Moreno, entendido por Fox, (2002, p. 39) um dos instrumentos
básicos para construir o mundo psicodramático de um paciente é o “ego-auxiliar, que representa
pessoas ausentes, desilusões, alucinações, símbolos, ideais, animais e objetos. Ele torna real,
concreto e tangível o mundo do protagonista”. Moreno (1993) acentua:

Os egos auxiliares são atores que representam pessoas ausentes, tal como
aparecem no mundo privado do paciente [...] em vez de “falar” ao paciente sobre
suas experiências internas, os egos auxiliares retratam-nas e tornam possível ao
paciente encontrar no exterior as suas próprias figuras internas (MORENO,
1993, p. 43).

Moreno (1993, p. 44) ainda acrescenta que “Como a tarefa dos egos auxiliares é
representar as percepções dos pacientes dos papeis internos ou figuras que dominam o seu
mundo, quanto mais adequadamente às apresentem, maior será o efeito sobre o paciente”.

2.3.2. Role Playing

O jogo de papéis (role-playing) representação ou desempenho que


permite certo grau de liberdade. Consiste em jogar o papel explorando simbòlicamente suas
possibilidades de representação. Para Moreno, o jogo de papéis é ato, brincadeira espontânea; a
criação de papéis (role creating) deixa margem à iniciativa pessoal, como no caso do ator
espontâneo. Criar o papel é o desempenho de forma espontânea e criativa. E como todo papel
necessita de ator, em cada fase do processo de seu desenvolvimento encontram-se os atores
correspondentes: o "receptor", o "intérprete" e o "criador de papéis".

De acordo com Moreno (1993, p. 155) “Role playing é personificar outras formas de
existência, por meio do jogo. É uma forma especializada de jogo, apesar de o termo jogo ser
acompanhado frequentemente por conotações enganosas, ficando reduzida a interpretação dada
pelos adultos”. Moreno afirma que:

O role playing foi a técnica fundamental do Teatro da Espontaneidade Vienense.


Devido ao papel predominante que a espontaneidade e a criatividade têm no role
playing, foi denominado de role playing espontâneo-criativo. Consiste em
colocar as pessoas (atores) em várias situações – alheias à situações em que
vivem – e em vários papeis – alheios ao seu eu e aos seus papeis na vida
particular (MORENO, 1993, p. 156).

53
No entanto, Moreno distingue o Role playing como desempenho de papéis e não
como representação de papeis que segundo ele (1993, p. 29), “a representação do papel é uma
aptidão de desempenho”.

As técnicas do psicodrama são numerosas, algumas têm aplicações muito específicas


e quase todas são patrimônios dos egos auxiliares.

2.4. Os Fundamentos da Ação Psicodramática

A ação é uma condição indispensável na representação dramática. O ponto de partida


da ação dramática é sempre um conflito.

O psicodrama tem como base a crença no homem co-criador com Deus, que tem uma
centelha divina em si, nasce espontâneo e consequentemente criativo, mas vai embotando sua
criatividade, tendo a ação dramática o papel de resgatar essa espontaneidade. Para Moreno
(1993, p. 46) “a vida criativa é vida que cria a energia vital que opera no organismo corporal e
pessoal e através dele”.

Bermudez (1970, p.1) afirma que “o psicodrama é um método psicoterápico com


profundas raízes no teatro, na psicologia e na sociologia. Do ponto de vista técnico, é um
procedimento de ação e de interação. Seu núcleo é a dramatização”. Para esse autor há, no
psicodrama, uma interação de corpos e suas variadas expressões, interação esta que envolve um
compromisso total com o que se realiza. Desta forma, a participação corporal é um valioso
método para evidenciar as defesas conscientes e inconscientes do paciente, assim como suas
condutas patológicas. Vivenciando-se a ação psicodramática no “aqui – agora”, apresentam-se
todos os elementos emocionais e relacionais da situação, tratando o indivíduo em seu meio, não
desconsiderando o contexto social.

Para Menegazzo (1994, pp.64-65) “se não há conflito, jamais haverá ação
dramática”. O conflito dramático deve ser entendido como um antagonismo posto em cena. Por
isso, como ponto de partida, um conflito dramático implica uma oposição entre o objetivo do
protagonista e do antagonista. O autor cita como exemplo, do ponto de vista dramático, o beijo
entre dois atores no palco “(...) se o objetivo do protagonista for beijar para satisfazer o seu
desejo e o antagonista opõe-se ao beijo ou o recusa (...) existe um conflito dramático”.
54
O Psicodrama está fundado no conceito de espontaneidade que se expressa através
dos papéis desempenhados pelos sujeitos. Segundo Moreno, o termo espontâneo é usado
erroneamente para descrever indivíduos cujo controle sobre suas ações está diminuído, já que
etimologicamente a palavra espontâneo deriva-se do latim “sponte” que significa “de livre
vontade”, como já citamos anteriormente.

Moreno afirma que a espontaneidade pode ocorrer tanto quando uma pessoa pensa,
como sente, funciona somente no momento em que surge; pode ser comparado, metaforicamente,
segundo Moreno (1992, p. 68), “à lâmpada que se acende e graças à qual tudo fica claro na
casa. Quando a luz se apaga, as coisas permanecem ocupando o mesmo lugar na casa, mas uma
qualidade essencial desapareceu”. Moreno assegura que o indivíduo não está dotado de um
reservatório de espontaneidade, esta dimensão está disponível e só funciona no momento de seu
surgimento. Quando o indivíduo se encontra numa situação nova ele utiliza o fator e
(espontaneidade) como orientação da forma de agir mais apropriada.

Segundo seu criador, o psicodrama pode ser vivenciado em todo e qualquer lugar,
embora o mais vantajoso seja um espaço terapêutico especialmente adaptado contendo um palco,
para ele:

Um psicodrama pode ser produzido em qualquer lugar, onde quer que os


pacientes estejam: no lar, num hospital, numa sala de aula, num quartel. O seu
“laboratório” instala-se em qualquer parte (MORENO, 1993, p 31).

Quantos aos participantes para a ação psicodramática terapêutica, Moreno definiu que
os principais participantes num psicodrama terapêutico são o protagonista ou sujeito; o diretor ou
terapeuta principal; os egos auxiliares; e o grupo (Idem).

Para a realização da seção psicodramática é necessário um tema, segundo Moreno:

Em geral, é importante que o tema, privado ou coletivo, seja um problema


verdadeiramente sentido pelos participantes (reais ou simbólicos). Os
participantes devem representar suas experiências espontaneamente, embora a
repetição de um tema possa revestir-se com frequência, de vantagens
terapêuticas (Idem).

55
A prática psicodramática, em suas inúmeras modalidades, começa pelo envolvimento
das pessoas com o tema ou com a experiência a ser vivenciada, através de lembranças ou
histórias do cotidiano dos indivíduos e/ou das organizações.

Cabe ao diretor manejar as técnicas psicodramáticas, como recursos de ação, para


garantir o envolvimento do grupo e a escolha da cena protagônica, que refletirá a experiência dos
presentes. Ele vai convidando todos para participarem na criação conjunta do enredo,
favorecendo a emergência da realidade grupal.

Em relação ao protagonista, seja ele um sujeito ou o próprio grupo, Moreno diz:

O protagonista deve estar consciente ou inconscientemente motivado para que


possa ser produtivo. O motivo poderá ser, entre outras coisas, o desejo de auto-
realização, de alivio de sua angustia mental, de capacidade para funcionar
adequadamente num grupo social. Ele sente-se frustrado, digamos, no papel de
pai ou em qualquer outro papel de sua vida real, e desfruta da sensação de
domínio e realização por meio do psicodrama, o qual lhe oferece uma satisfação
simbólica ( MORENO,1993, p. 32).

A satisfação simbólica ao qual Moreno se refere, pode ser entendida como catarse,
que se difere de outras escolas da Psicologia contemporâneas de Moreno. Para ele, não se trata de
um processo passivo. Moreno (1993, p. 34) afirma que “O Psicodrama produz um efeito
terapêutico – não no expectador (catarse secundária), mas nos atores-produtores que criam o
drama e, ao mesmo tempo, se libertam dele”.

A catarse é parte importante do trabalho psicoterápico e a representação espontânea é


um instrumento facilitador de catarse, tanto como descarga afetiva ou ab-reação, que ocorre
quando acontece uma liberação de conteúdos e emoções reprimidos, como de integração, pela
qual, segundo Moreno (1993, p.35), enxergamos um novo universo e vemos a possibilidade de
um novo conhecimento, realizando o "eu" para maior integração social. Este fato é bem visível
no Psicodrama.

Em Psicodrama, a importância da catarse é enfatizada por Moreno, tal como expõe


Martin (1996, p. 52) “a prova de que o trabalho dramático está sendo terapêutico ou não, é se
este produz catarse”. Kellermann (1998, p. 123) mostra o lugar da catarse no Psicodrama quando
diz que a função da catarse é a auto-expressão e o realce da espontaneidade.
56
A auto-expressão envolve mais que liberação afetiva, envolve a comunicação das
realidades internas e externas (autoconhecimento). Em outra fase, o que foi liberado precisa ser
reintegrado. Deve-se fazer uma ponte entre o afetivo e o cognitivo para integrar a sessão.

Para Moreno (1993, p 38), o teste decisivo sobre se uma obra dramática é ou não uma
obra terapêutica “depende de se apurar se é ou não capaz de produzir a catarse em tipos
especiais de públicos, ou se é ou não capaz de suscitar um aquecimento preparatório de cada
membro do público para uma melhor compreensão de si mesmo ou uma melhor integração na
cultura em que participa”.

Podemos dizer, de acordo com Fox (2002, p. 31), que a melhor síntese de algumas
crenças fundamentais de Moreno é “a importância de vivenciar a verdade de uma pessoa por
meio da ação; o valor da realidade subjetiva; a premissa de um encontro vivo no aqui-e-agora
entre as pessoas [...] e um profundo igualitarismo”.

2.5. Psicodrama Pedagógico

Nesta parte discutiremos questões pertinentes ao Psicodrama Pedagógico, levando em


consideração pontos analisados por Romaña em seu livro Psicodrama Pedagógico (1987), bem
como do texto de Ramalho (2001) “A dinâmica de grupo aplicada à Educação: o Psicodrama
Pedagógico e a Pedagogia Simbólica”. Vale ressaltar que J. L. Moreno não desenvolveu nenhuma
teoria específica sobre o uso da metodologia psicodramática na área da Educação.

O Psicodrama Pedagógico foi apresentado oficialmente em 1969, pela professora


Maria Alicia Romaña, responsável pela criação e adaptação do Psicodrama Pedagógico, no IV
Congresso Internacional de Psicodrama, em Buenos Aires. Um grupo de seis psicoterapeutas
paulistas, formado por Íris de Azevedo, José Manuel D´Alessandro, Antonio Carlos Cesarino,
Laércio Lopes, Alfredo Correia Soeiro e Pedro Paulo Uzeda e Moreira, convidou o doutor
Jaime Rojas Bermudez e sua equipe, então radicados na Argentina, para treinamento e outros
subsídios para a utilização do Psicodrama. Seus fundadores foram os alunos da primeira turma.
Para a formação das turmas seguintes, a equipe argentina vinha a São Paulo a cada dois meses e
realizava sessões de Psicodrama diariamente durante uma semana (FLOREZ, 1986, p.17).

57
Nesse mesmo ano a professora Romaña iniciou a formação de educadores no Grupo
de Estudos de Psicodrama em São Paulo. O grupo era formado por 60 pessoas dividido em quatro
turmas, com currículo próprio. Funcionava em local diferente do curso de Psicodrama
Terapêutico. (FLOREZ, 1986, p.3).

Quando Romaña criou este termo, Psicodrama Pedagógico, não foi sua intenção
estabelecer somente uma diferença entre a aplicação didática e terapêutica da dramatização, mas
sim reconhecer uma unidade básica, relativa à filosofia e fundamento de uma mesma técnica,
procurando identificar, através do “pedagógico”, fundamentalmente o marco referencial e o
campo de ação do educador. Para a criadora do termo

O educador, é aquele mestre, professor, assistente, orientador, instrutor, que,


em qualquer tarefa educativa, procura conciliar a transmissão de conhecimentos
sistemáticos, para uma melhor compreensão do mundo e das possibilidades do
homem, com a necessidade de facilitar ao aluno o reconhecimento dessa sua
realidade imediata e concreta, de modo que ele possa desenvolver tanto a sua
compreensão crítica e ativa, como sua vontade transformadora ( ROMAÑA,
1987, p.14).

O Psicodrama, como método didático, proporciona a aquisição do conhecimento a


nível cognitivo e intelectual, bem como garante uma maior participação do aluno e a utilização
do seu corpo, permitindo ao professor, ao mesmo tempo, o manejo do grupo como unidade.

Com o Psicodrama Pedagógico alunos e professores compartilham a responsabilidade


pelo processo de aprendizagem. Assim, o aluno deve abandonar o papel de receptor passivo de
conhecimentos e adotar o papel de co-autor de resultados.

Segundo Moreno, a educação deve enfrentar a ordem social, as conservas culturais.

A psicodramatista Escolástica Puttini (apud Ramalho 2001) destaca que

O Psicodrama Pedagógico guarda a mesma visão de homem que norteia a


filosofia Moreniana (...), um homem em relação, cujas características essenciais
são a espontaneidade, a criatividade e a capacidade de perceber-se a si mesmo e
o outro, com amplitude e profundidade. (ESCOLÁSTICA PUTTINI apud
RAMALHO 2001, p.4).

58
Ramalho (2001) assegura que Moreno falava da educação como uma estrutura que
tem como centro a espontaneidade. A sua educação na espontaneidade e criatividade era a base
para a escola. Ressaltamos que, de acordo com a autora (RAMALHO, 2001, p.8), na obra de
Moreno é comum encontrarmos referências a pedagogos da Escola Ativa, Rousseau, Pestalozzi e
Froebel, os quais lutavam para abolir os métodos tradicionais de ensino, compartilhando uma
visão de educação mais voltada para a vida do que para o saber, utilizando-se de meios como a
ação, o jogo, o contato com a natureza, o uso sistemático da dança, a música, entre outros.

Para Moreno espontaneidade é um fator inato, que se apresenta como uma forma de
energia em constante transformação, capacitando o homem para enfrentar situações novas e para
criar novas respostas às antigas situações. Moreno defendia que, com o desenvolvimento
insuficiente da espontaneidade-criatividade, indivíduos e grupos acumulariam ansiedade e
chegariam à enfermidade psíquica e social.

A metodologia psicodramática localiza inicialmente o conhecimento em sua “matriz


de identidade”, ou seja, na experiência da qual deriva. Em seguida, procura levar o aluno, através
da descoberta das conotações que conferem sentido ao conhecimento, a níveis cada vez mais sutis
de abstração e de generalização, com o objetivo de chegar a uma identificação a mais plena
possível, entre aquilo que está sendo conhecido e aquele que o está conhecendo.

Isto é conseguido porque, quem está conhecendo está, ao mesmo tempo, “fazendo”,
experimentando aquilo que conhece. Este “fazer” resgata o verdadeiro da palavra “ação”,
libertando-a da limitação clássica que lhe foi imposta pela escola. O Psicodrama aplicado à
Educação procura então “emocionalizar” conceitos teóricos previamente aprendidos. Para que o
aluno tenha sucesso neste processo é necessário que ele faça uso da sua espontaneidade, com o
objetivo de que esta venha à tona, libertando o aluno ao máximo nas dramatizações, como uma
forma de resolver a brecha entre a realidade e a fantasia, que se renova constantemente frente à
frequente solicitação da escola, no sentido de que o aluno integre novos conhecimentos.

O pensamento de Moreno se mostra fiel à concepção Fenomenológica Existencial da


Educação quando sua teoria reforça a necessidade da práxis-ação e a libertação, não
desvinculando o educando da sua realidade sócio-cultural. Para Ramalho (2001):

59
O aluno deixa de aprender apenas através do intelecto para assimilar
conhecimentos com sua personalidade global. O professor passa a ser um
facilitador do processo que é assumido pelo aluno, criando um clima de
liberdade e espontaneidade, no qual, este último desenvolverá o seu potencial e
criará. Assim, o professor estará também ao lado do aluno, invertendo o papel
com ele e sentindo melhor a sua realidade, promovendo um vínculo télico e não
transferencial. Tal como define a concepção fenomenológica existencial, o
fundamental no contexto pedagógico é a experiência vivida de Encontro entre o
educador e o educando (RAMALHO, 2001, p.32).

Analisando a bibliografia de Paulo Freire, também podemos dizer que três filosofias
marcaram sucessivamente sua obra: o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo sem, no
entanto adotar uma posição ortodoxa. Segundo Gadotti (2000) seu pensamento rompeu a relação
cristalizadora de dominação, buscando pensar a realidade dentro do universo do educando,
construindo a prática educacional considerando a linguagem e a história da coletividade,
elementos essenciais dessa prática (GADOTTI 2000, p. 25). Podemos perceber também pela
citação de Gadotti o quanto o pensamento de Freire se aproxima do ideal de Moreno. Suas
filosofias se entrelaçam visivelmente nas linhas de seus escritos.

Na sala de aula, como é grande a demanda de assuntos a serem estudados, algumas


vezes, pensa-se que a dramatização em sala de aula seja perda de tempo, coisa que nenhum
professor deseja, dada a urgência necessária ao cumprimento dos conteúdos previstos. Neste
caso, o que pode parecer perda de tempo ou mera forma de diversão, implica em uma verdadeira
“economia” de tempo, uma vez que o conhecimento adquirido dificilmente cai no esquecimento e
os frutos desse tipo de trabalho podem em geral ser percebidos mais adiante, quando sobre ele
apóiam-se novos conhecimentos.

Romaña (1987, p.36) alerta para o fato de que seja bom o professor começar a
utilizar a metodologia psicodramática levando em conta o contexto geral em que se dá o processo
de aprendizagem, já que o aluno sente a arritmia que se produz quando um professor utiliza as
técnicas dramáticas e os professores das outras matérias continuam trabalhando de maneira mais
ou menos tradicional. Nestes casos, é bom ir adequando o ritmo da utilização desta metodologia,
promovendo por sua vez uma unificação da metodologia geral.

60
Há, de forma geral, uma tendência de muitos professores acreditarem que somente
algumas matérias podem utilizar esta metodologia. Na verdade todos os conhecimentos podem
ser trabalhados desta maneira. O que ocorre é que não se trabalha com os conhecimentos
“secundários”, ou “derivados”, e sim com os conhecimentos “geradores”, (em “conhecimentos
geradores” podemos perceber outra proximidade com o pensamento freireano, quando seu
método utiliza-se de palavras geradoras advindas da realidade dos educandos) com aqueles que
incluem o conceito ou a idéia geradora de outras possibilidades de aplicação.

O mesmo ocorre com os níveis de ensino, uma vez que se podem utilizar
dramatizações, tanto no nível primário como no secundário e mesmo no ensino superior.

Durante o trabalho utilizando-se do Psicodrama Pedagógico, é preciso respeitar os


três momentos (etapas) da ação dramática (aquecimento, dramatização e comentários), podendo
utilizar-se as outras duas etapas introduzidas por YOZO: processamento e processamento teórico,
anteriormente citado nesse trabalho. Devem-se utilizar os cinco elementos do Psicodrama:
protagonista, auditório, diretor, ego-auxiliar e palco/cenário (YOZO, 1996, pg. 20).

É aconselhável que haja a colaboração de um ou mais egos-auxiliares, de acordo com


o tamanho ou as características do grupo de trabalho. É evidente a dificuldade de introdução de
um colaborador neste tipo em sala de aula, levando-se em conta a forma pela qual estão
organizadas hoje as instituições de Ensino. Porém, considera-se prejudicial e muito negativa a
amputação de um elemento dinamizante e objetivador tão valioso como é o ego-auxiliar.
Romaña (1987) ressalta que

Muitas vezes crê-se que o ego-auxiliar, que colabora com o professor, deve
dominar a matéria tanto quanto ele. Por esta razão, o papel é com frequência
muito temido, sobretudo por egos-auxiliares que não trabalhem em educação e
devem fazê-lo pela primeira vez [...]. O ego-auxiliar de educação deve receber
uma boa formação psicodramática. Neste papel ele não vai ajudar o aluno a
descobrir o conhecimento, mas contribuir, através do desempenho do papel
complementar que se faça necessário, para que o aluno encontre o caminho que
o aproximará do conhecimento (ROMAÑA, 1987, p.47).

Romaña (1987, p.52) esclarece que ela não propõe a metodologia psicodramática
como forma exclusiva, já que, evidentemente, tem também suas limitações, derivadas do fato de

61
atuar em apenas um dos sentidos da dinâmica de ensino, ou seja, de dentro para fora do aluno. A
proposta é combinar esta metodologia com outras formas “renovadas”, que operam em sentido
contrário de fora para dentro. A técnica psicodramática pode combinar-se com qualquer
procedimento de tipo audiovisual, com qualquer técnica grupal, com diversas formas de ensino
programado, etc.

O que importa e precisa ser analisado é se nessas combinações a espontaneidade que


nos fala Jacob L. Moreno esteja sendo desbloqueada, se liberte das conservas culturais. A
manifestação espontânea assim como afirmou o criador da teoria psicodramática precisa
“emergir”, do interior para o exterior, (Arantes, 1996, p. 253) como o próprio significado (sua
sponte) latino do termo.

No livro organizado por Firmino Sisto (1996) Arantes afirma que a espontaneidade

É um potencial que permite ao organismo humano adaptar-se de forma adequada


às situações que enfrenta no cotidiano. É de fundamental importância em nossa
existência, permitindo a elaboração de respostas inéditas diante de problemas já
vividos ou inesperados. São as respostas imprevisíveis que solucionam as
situações mais complexas, e não as respostas estereotipadas, que nem sempre
alcançam bons resultados (ARANTES, apud SISTO, 1996, p. 253).

Pierre Weil “entende que desbloquear no ser humano a espontaneidade significa


restaurar a capacidade de tomar com rapidez a decisão justa no momento exato, tratando-se,
portanto, de uma espécie de sabedoria em ação” (WEIL, 1990, p. 65).

Foram esses nossos objetivos nesse capítulo. Dominar com relativa propriedade as
técnicas e conceitos de Moreno, para justapô-las aos conceitos e categorias da ação educacional
de Paulo Freire, numa realidade de Educação de Jovens e Adultos na periferia de São Paulo. Essa
será a temática do capítulo seguinte.

62
3. CAPÍTULO III: ARTICULAÇÃO DA PEDAGOGIA DA
AUTONOMIA COM O PSICODRAMA PEDAGÓGICO EM
GRUPOS DE ALFABETIZAÇÃO DE PESSOAS ADULTAS:
POSSIBILIDADES E DISPOSIÇÕES

Esse capítulo pretende ser a exposição de um estudo sobre a possibilidade de


um processo de Alfabetização de Jovens e Adultos Psicodramática Emancipadora, ou seja,
sobre as contribuições de Jacob Levy Moreno e Paulo Freire para a prática pedagógica no
contexto Alfabetizador de Jovens e Adultos. Pretende estabelecer uma reflexão acerca da
relação entre a teoria Psicodramática de Moreno e o pensamento do educador Paulo Freire,
utilizando de algumas técnicas do Psicodrama nesse contexto de ensino-aprendizagem.

Achamos por bem apresentar primeiramente algumas definições que possam


trazer clareza para o capítulo em questão. Iniciaremos com a exposição dos Jogos
Psicodramáticos, suas aplicações e suas amplitudes porque este será um dos instrumentos
usados no desenvolvimento da referida pesquisa.

Buscamos na leitura de Ronaldo Yudi K. Yozo (1996), na sua obra “100 Jogos
para Grupos: Uma abordagem psicodramática para empresas, escolas e clínicas” algumas
dessas definições. Yudi Yozo é um reconhecido estudioso do tema Psicodrama no Brasil
que muito tem contribuído para a propagação da teoria e prática do ideal de Jacob Levy
Moreno nesse país. De acordo com Yozo (1996, p. 20) a estrutura básica de procedimentos
em Jogos psicodramáticos baseia-se nos princípios do psicodrama, onde consideram-se
três Contextos, cinco Instrumentos e três Etapas para a operacionalização de uma sessão
psicodramática.

O Contexto: Yozo busca a definição de Contexto em GONÇALVES (1988)


entre outros; para Gonçalves, Contexto, “é o encadeamento de vivências privadas e
coletivas, de sujeitos que se inter-relacionam numa contingência espaço-temporal”
(GONÇALVES, 1988, apud YOZO, 1996, p. 20)

Yozo prossegue distinguindo os três contextos do Psicodrama:

63
[...] a) Contexto social: constituído pela própria realidade social,
envolvendo desde o tempo cronológico até o espaço concreto e
geográfico, [...] b) Contexto grupal: constituído pelo próprio grupo
(diretor, egos e participantes), leis, normas e condutas particulares,
[...] e c) Contexto dramático: constituído pela própria realidade
dramática. É o momento do jogo, do “como se”. É a separação da
realidade com a fantasia, do indivíduo com o papel e configura a
distinção entre o contexto grupal e dramático. Prevalecem o mundo
imaginário e a fantasia, num ambiente protegido. O espaço
devidamente delimitado pode ser ampliado ou reduzido. Geralmente é
neste contexto que ocorrem os insights e a catarse de integração
(YOZO, 1996, p. 20).

Os Instrumentos: Segundo Yozo (1996, p. 20) Instrumentos são os recursos


utilizados para executar o método psicodramático e suas técnicas. São: Diretor, Ego-
Auxiliar, Protagonista, Cenário e Auditório.

Yozo (1996) prossegue nas definições esclarecendo as funções específicas do


diretor, que segundo ele, são três e consta de:
A.1 – Produtor – Seleciona os jogos a serem utilizados [...] A.2 –
Diretor – Dá inicio ao jogo dramático, estabelece as regras, [...].
Dirige o Ego-Auxiliar (profissional ou natural). Fornece as “senhas”.
Encerra o jogo. Deve estar sempre atento à dinâmica do Protagonista
e do grupo, principalmente no que se refere às suas emoções e
pensamentos, durante o jogo. A.3 – Analista social – Analisa os dados
levantados pelo Ego e expressa suas opiniões (processamento),
completando e ampliando esta ‘leitura’ para todos (Ego-Auxiliar,
Protagonista e auditório) (YOZO, 1996, p. 21).

As Etapas: Na leitura de Yozo (1996, p. 21) temos a seguinte definição de


Etapas: são as fases de procedimento na utilização de um jogo dramático. O autor elabora
as definições para cada Etapa que constituem a ação psicodramática: Aquecimento
(inespecífico e específico; Dramatização e Comentários. Yozo ainda acrescenta à Teoria
Psicodramática dois novos conceitos com o intuito de oferecer uma melhor divisão
metodológica da proposta:

Processamento: é a releitura da dramatização e dos Comentários,


processada pelo Ego-Auxiliar e Diretor, direcionando-os aos seus
objetivos. [...] Processamento teórico: geralmente utilizado na empresa e
escola, enquanto método psicodramático, para a introdução de conceitos
ou objetivos propostos (YOZO, 1996, p. 22).

64
Yozo (1996) e Castanho (1990) trazem a definição sobre jogos dramáticos que
gostaríamos de enfatizar para o propósito dessa pesquisa

O jogo dramático não é apenas aquele que é dramatizado. Não


consideramos uma brincadeira infantil de fadas ou de super-heróis como
jogo dramático, embora seja jogo, haja dramatização; é o compromisso
dos jogadores em viver algo que os comove, que os arrebata, que os
envolve num conflito (CASTANHO, 1990, apud YOZO 1996, p. 16).

É com os jogos dramáticos nessa perspectiva psicológica, portanto, jogos


psicodramáticos que buscamos estruturar e desenvolver a presente pesquisa.

Contudo, Yozo (1996) nesse sentido afirma que podemos definir o conceito de
jogo dramático como uma atividade que permite avaliar e desenvolver o grau de
espontaneidade e criatividade do indivíduo, através de suas características, estado de
ânimo e/ou emoções na obtenção e resolução de conflitos ligados aos objetivos propostos
(YOZO, 1996, p. 16).

Também é imprescindível, segundo Yozo, diferenciar o Jogo Dramático que


está inserido na teoria do Psicodrama do termo jogo dramático utilizado no Teatro, este
último com o objetivo de desenvolver somente o papel de ator. Na teoria Psicodramática é
Jogo porque promove o lúdico e é dramático pela proposta de trabalhar os conflitos que
surgem (YOZO, 1996, p. 17).

Essa dimensão dos Jogos acabou marcando profundamente nossa formação,


nesse processo de pesquisa. Tínhamos sido educadas para entender que o jogo era uma
dimensão inicial da formação da criança, de suposta menos importância, e tínhamos até
assumido a função meramente inicial dos jogos no processo de ensino e aprendizagem, não
necessariamente com o devido reconhecimento de sua importância estrutural. Se tínhamos
essa dimensão propedêutica e a indicação do universo lúdico da infância, não
conseguíamos entender a potencialidade dos jogos para a representação dos problemas e
das contradições de nossa formação subjetiva, e mesmo para o encaminhamento de
superações de nossas contradições de natureza afetiva, social ou pessoal.

65
3.1. Freire e Moreno: Primeiras Reflexões

O interesse em reunir nesse trabalho esses dois conceituados pensadores da


Educação e da Psicologia, Paulo Freire (1922-1997) e Jacob L. Moreno (1889-1974)
emergiu da nossa prática como Educadora de Jovens e Adultos na periferia da cidade de
São Paulo.

No período, entre 1994-2006, como Educadora de EJA, tivemos a


oportunidade e a necessidade de realizar a coerente leitura e reflexão de parte da vasta obra
de Paulo Freire. Particularmente, um de seus livros “Pedagogia da Autonomia” (33ª edição-
1996) cuja síntese descrevemos no primeiro capítulo desse trabalho, nos inquietou
profundamente. Os “Saberes Necessários” descritos nas páginas da Pedagogia da
Autonomia são realmente imprescindíveis para a formação e para a prática do Magistério!
Essas considerações iluminavam nossa prática ainda recente e impunham diversas tarefas e
disposições de mudança, apropriação, acolhimento e dedicação à intenção de produzir
formas didáticas de abordar, manejar e repassar tais diretrizes e procedimentos.

Nessa atividade como Monitora de grupos de Educação de Jovens e Adultos


participamos de vários Cursos de Formação, promovidos pelas instâncias administrativas e
de gestão da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Neles, as Dinâmicas de
Grupos eram os momentos que sempre me despertavam especial interesse. Augusto Boal
(2005) era leitura referencial sempre presente nesses cursos. Concordamos com Boal
principalmente quando diz:

Existe uma enorme quantidade de exercícios que se podem praticar, tendo


todos, como primeiro objetivo, fazer com que o participante se torne cada
vez mais consciente do seu corpo, de suas possibilidades corporais, e das
deformações que o seu corpo sofre devido ao tipo de trabalho que realiza.
Isto é, cada um deve sentir a “alienação muscular” imposta pelo trabalho
sobre o seu corpo (BOAL, 2005, p.190).

Geralmente, esses cursos eram organizados em quatro momentos:

1. O palestrante fazia as colocações teóricas para a assembleia;


2. Dinâmica: vivência daquilo que foi exposto;

66
3. Distribuição de conceitos pertinentes ao tema em grupos menores de acordo
com o número de participantes para reflexão e,
4. Sínteses dessas reflexões para discussão na assembleia.

Esses cursos em que participamos se fizeram importantes para despertar-nos


para a necessidade de praticar com meus educandos uma metodologia que facilitasse o
aprendizado desses adultos, já cansados da luta diária de trabalho; que não os deixassem
“presos” numa carteira por três horas; que tornasse esse processo de aprender significativo
e prazeroso.
A dinâmica dos jogos que aprendemos nos cursos citados acima foi reproduzida
nas nossas aulas. Os jogos psicodramáticos se insinuavam como instrumento pedagógico,
porém, não tínhamos o conhecimento da teoria psicodramática de Moreno. Essa carência
gerava alguma insegurança, o que nos motivava a buscar compreender os pressupostos
ontológicos, filosóficos e psicológicos da obra de Moreno, de modo a lograr apropriar-nos
deles numa dimensão educacional e pedagógica distinta, na Educação de Jovens e Adultos,
que igualmente são singulares pela sua identidade e pela cultura de sua vida material e
social.

Também considerávamos, como monitora em grupos de EJA, pela prática


pautada na proposta de Paulo Freire, com base na Educação Popular, e pudemos observar
maior interesse dos educandos em ler e escrever palavras, frases e textos a partir das
discussões acerca de nossa realidade social. Sabendo que na medida em que a intervenção
educativa é histórica, política e cultural, (Paludo 2001, p.96), acreditamos que toda
experiência teórico-prática realizada com as camadas populares sempre será única pelo fato
de partir de uma “leitura séria e crítica da realidade e que indica os percursos pedagógicos
a serem construídos, a partir da opção política e ética” (PALUDO, 2001, p.96). Se o ponto
de partida e de chegada da ação e reflexão da Educação Popular é a análise da realidade
social, esta deveria orientar e fecundar a dialética articulação teórico-prática .

Quando dizemos “nossa realidade” o fazemos pelo fato de, como moradora no
mesmo bairro, tanto eu quanto meus educandos, sofríamos cotidianamente as mesmas
dificuldades de ordem infra-estrutural; decorrências da nossa ação ao ocupar aquele espaço

67
de terra para construir nossas moradias. A luta pela casa, pelo lugar para morar e residir,
pela habitação, tinha sido nosso universo comum.

Conhecida popularmente como “invasões” essas ocupações de terras, como na


nossa experiência, sofriam carências por um grande período, a falta de energia elétrica, de
água, de transporte coletivo, de asfalto, de equipamentos escolares e de saúde. Faltava tudo:
Postos de Saúde com profissionais para orientar, atender e acompanhar a população,
agentes para prevenir-se de doenças comuns nessas comunidades, principalmente, pela falta
de saneamento básico. Assim, nossas aulas se serviam para essas discussões e orientações.
As aulas eram também espaços coletivos de tomada de consciência das razões e causas das
dificuldades e carências sociais, mas também eram lugares de manifestação de instrumentos
de luta para a apropriação de condições de reivindicação e de superação dessas condições
sociais desumanas e excludentes.

Comumente, trazíamos para as discussões nas nossas aulas esses e outros


temas, sobre quais, poderíamos refletir, questionar e apontar possíveis soluções. Esses
“debates” como comentávamos instigava-nos ao engajamento nas lutas locais por melhorias
na infra-estrutura do bairro que estava sendo construído. A cada encontro em que era
proposta uma discussão desses temas relacionados aos nossos problemas cotidianos,
assistíamos a certa elevação no pensamento crítico, por parte da maioria dos debatedores.
As pessoas se dispunham à prática, ao engajamento nas reivindicações, aos abaixo-
assinados, às manifestações públicas frente aos Poderes Públicos Governamentais, etc.
Observávamos nos comentários e nas posturas adotadas posteriormente que muitas
daquelas pessoas tinham agora, depois de alguns encontros, posições diferentes diante das
mesmas situações: antes não se posicionavam nem a favor nem contrários e após alguns
encontros já se pronunciavam, colocavam suas “falas”, seus modos de ver e ser no mundo.
Quase sempre acabávamos desenvolvendo metas e encaminhamentos relevantes de cunho
sócio-político.

Fazíamos também, em alguns desses debates algumas encenações, nas quais,


muitas vezes, trocávamos de postos (papeis) para assegurar a defesa democrática da
representação deste ou daquele papel, pela qual, todos os pontos de vistas possíveis
deveriam ser observados antes de chegarmos a um possível consenso. Parece-nos hoje, que
68
mesmo sem conhecer o ideal moreniano estávamos vivendo a proposta dos jogos
psicodramáticos – faltava-nos a teorização. E tínhamos acrescentado uma importante
dimensão aos propósitos de Moreno, a ação política e a forma coletiva de pensar a
realidade, tomar consciência dos conflitos e agir na direção de sua superação.

Começamos então, nesse período, a ler e apropriar-nos de alguns textos que


traziam como proposta o Psicodrama de Jacob Levy Moreno. Foi fácil perceber que entre
Freire e Moreno havia algumas similaridades na forma de pensar e agir, que deveriam ser
analisadas, comparadas e integradas, naquilo que tivessem de comum e de dimensão
articuladora.

Agora, decorridos alguns anos, ampliando a leitura sobre o Psicodrama de


Moreno, suas aplicações e as contribuições de outros autores sobre a teoria, trazemos a
proposta de realizar essa análise neste trabalho de pesquisa.

3.2. Jogo Dramático e Psicodrama: semelhanças e diferenças

Diniz (2001) apresenta as principais diferenças e semelhanças entre os conceitos


que constituem os Jogos Dramáticos e a teoria do Psicodrama. Segundo a autora o Jogo
Dramático e o Psicodrama têm fundamentos parecidos e envolvem muita semelhança,
tornando-se difícil demarcar suas diferenças (DINIZ, 2001, p.36).

Para Diniz (2001, p.37)

Tanto o Jogo dramático quanto o Psicodrama têm por princípio e base a


improvisação. Consiste numa proposta de teatro espontâneo, em que
prevalece a cena imprevista, com respeito e valorização da
espontaneidade. Outra proposta comum [...] consiste na participação total
da audiência [...] atores e público são os criadores no momento da
dramatização.

Existem algumas diferenças entre o Jogo Dramático e o Psicodrama, mesmo tendo


procedimentos muito parecidos. A autora diz que o Psicodrama trata de imitar uma ação e
de significar essa ação mais intensamente. No Jogo Dramático a imitação se satisfaz em si
mesma, enquanto que no psicodrama, o objetivo visado pelo drama vai além da imitação
(DINIZ, 2001, p.37).

69
Para concluir sobre essas diferenças e semelhanças, Diniz (2001, p.37) ressalta
que apesar de suas diferenças, o Jogo Dramático e o Psicodrama oferecem às pessoas um
espaço significante, de transformação de conceitos abstratos em imagens reais, ou,
mentalmente visíveis, através da cena improvisada. Portanto, vale a ressalva: O
Psicodrama, termo definido por J. L. Moreno (1984, p.12) como a ciência que explora a
“verdade” por métodos dramáticos e os Jogos dramáticos são fontes de criatividade no
processo criador do homem. Segundo Diniz: O processo criador é o próprio encontro do
homem com sua essência de ser (2001, p.48).

Instruídas por tais distinções pudemos buscar articular as propostas didáticas


decorrentes do manejo desses Jogos Dramático, com a mesma busca da materialização do
Psicodrama, em nossa prática de educação e de ação social emancipatória.

3.3. Alfabetização libertadora no contexto psicodramático

O ambiente significativo para o aprendizado seja de crianças ou de pessoas


adultas é um aspecto relevante que necessita de especial atenção dos educadores. O ser
humano necessita de espaços de desenvolvimento em que possa expressar e exercer com
liberdade sua criatividade, espontaneidade e inventividade – pressupostos da filosofia
freireana e da teoria moreniana. Os homens não são iguais e não nascem prontos, afirmam
esses dois estudiosos, e essa ontologia inspira largamente a articulação destes pensadores
magistrais.

Paulo Freire foi um dos educadores que mais influenciaram a educação


brasileira, daí o nosso interesse na busca de possíveis pontos comuns entre a teoria desse
educador e de J. L. Moreno com vistas a um melhor aproveitamento do processo de
educação de pessoas adultas. Tentaremos buscar especificamente, no contexto alfabetizador
de pessoas jovens e adultas, realizar a leitura política da exclusão social e escolar desses
educandos com base na filosofia freireana, utilizando-nos de técnicas de abordagem
psicodramática.

70
Reafirmamos que a nossa intenção é promover um diálogo entre o Psicodrama
de J. L. Moreno e as ideias pedagógicas do educador brasileiro Paulo Freire porque
entendemos que nessa perspectiva podemos encontrar maneiras de criar e recriar um
contexto grupal como espaço/temporal alfabetizador com uma metodologia capaz de
possibilitar aos educandos a sua plena humanização.

Freire e Moreno só compreendiam o humano como um ser em inter-relação


com o outro, com o mundo e consigo, e, portanto, um ser social. Trata-se de uma
antropologia de base sócio-interacionista. Como um ser/indivíduo que se desenvolve em
convívio. Um ser que se humaniza na coletividade, no Grupo. Parafraseando Lisboa da
Fonseca (1988): o grupo como coletivo, como sistema único de interações, com
características peculiares, num certo momento e local se constitui como propício a uma
proposta de facilitação para que essa “singularidade do grupo se constitua e se configure
dinamicamente da forma mais plena e espontânea, a partir da multiplicidade de interações
dos vários participantes, fundadas estas nas várias dimensões de suas atualidades
existenciais” (FONSECA, 1988, p. 101).

Ao compreendermos essa natureza social da concepção de homem e de mundo,


de FREIRE e MORENO, fomos tocadas pela potencialidade articuladora dessas premissas
num trabalho de alfabetização e de busca de consciência histórica e social.

3.4. Característica do bairro Jardim da Conquista

A pesquisa empírica relatada nesse capítulo foi realizada na zona leste da


cidade de São Paulo-SP, no bairro Jardim da Conquista (cuja conquista dessa área deu-se
pela organização de diversos Movimentos como os Sem-Casas, Sem Tetos, entre outros,
que desencadeou na ocupação dessa terra em 1989). Uma característica curiosa desse bairro
é que suas ruas (travessas) receberam seus nomes de títulos de músicas brasileiras, do
universo da MPB. Esse bairro está situado próximo à região de São Mateus (bairro) e divisa
com Santo André (município). Sua população atualmente conta em 12.000 famílias
aproximadamente (dado fornecido pela SABESP à Associação de Moradores do bairro).

71
O trabalho de pesquisa de campo desenvolveu-se entre os meses de maio e
junho de 2012, em uma comunidade social de identidade religiosa católica, que cede seu
espaço físico para fins comunitários, entre esses, a promoção de projetos de Educação
voltada às pessoas adultas. Aí se encontra esse particular grupo, com o qual realizamos
nossa experiência empírica.

Atualmente, em relação às melhorias na infra-estrutura, os moradores do bairro


dispõem de dois Postos de Saúde, duas escolas estaduais de Ensino Fundamental I, II e
Médio, duas escolas municipais de Ensino Fundamental I e II e EJA, sendo uma delas
integradas ao Centro de Educação Unificado (CEU) e duas escolas municipais de Educação
Infantil (EMEI) e três CEIs – Centro de Educação Infantil (creche). Contudo, esses serviços
ainda são insuficientes para a população do bairro. Além disso, os moradores convivem
com a violência e a insegurança cotidianamente pela falta de Segurança Pública, pelo alto
índice de desemprego e pela patente falta de equipamentos de lazer, principalmente, para as
crianças e jovens sem condições econômicas para usufruir das atrações e eventos esportivos
e culturais realizados na grande metrópole.

3.5. Identidade do Grupo analisado

Para construirmos a identidade desse Grupo, buscamos como base conceitual


em Lisboa da Fonseca, na sua obra Grupo: fugacidade, ritmo e forma: processo de grupo e
facilitação na psicologia humanista (1988), na qual cita Buber ao analisar a categoria
Grupo; para Buber, grupo representa um espaço em que “a palavra nasce
substancialmente, vez, após vez, entre homens que, nas suas profundidades, são captados e
abertos pela dinâmica de um elementar estar juntos. O inter-humano propicia aqui uma
abertura àquilo de outra maneira estaria fechado” (M.BUBER, Do diálogo ao dialógico,
apud FONSECA, 1988, p.19). Fonseca assevera que

Ao pensarmos o “grupo” como configuração social humana, é importante


que atentemos para o papel de mediação que ele desempenha entre o todo
social e a particularidade do individuo. O grupo é uma configuração social
intermediária que articula a realidade da esfera do indivíduo com as
dinâmicas macrossociais (FONSECA, 1988, p.35).

72
Concordados dessas especificidades, tínhamos interesse em buscar um grupo
que nos apresentasse as melhores condições para a realização da pesquisa. Dois aspectos
centrais deveriam ser observados: a) exclusão social e escolar; b) a didática voltada a esses
educandos. Interessava-nos que pudéssemos encontrar nesse grupo a sustentação prática
para a realização da nossa pesquisa. Nesse processo inicial, achamos ser essencial o que
para Fonseca podemos cultivar em grupos:

[...] é o papel do grupo humano de elaboração de necessidades


genuinamente humanas e de constituição e reconstituição de
individualidades criativas, que possam potencializar-se neles para
objetivar e criar simultaneamente, nos limites de suas existências e na
explicitação de suas personalidades, a essência humana de que são
portadoras (FONSECA, 1988, p.36).

Após prévia visita às cinco comunidades do bairro Jardim da Conquista (quadro


1) que oferecem essa modalidade de ensino para os adultos não alfabetizados, constatamos
que em duas dessas comunidades esse trabalho ainda é realizado “informalmente”, sem
nenhum vínculo com a Secretaria da Educação do Município ou com algum outro órgão
público. Três delas recebem acompanhamento mensal do Supervisor da DRE/SME-SP –
Diretoria Regional de Educação/Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, e também
uma pequena “ajuda de Custo” para a Monitora que em troca tem a função de ensinar a
esses adultos e jovens o conhecimento básico de leitura, escrita e cálculos para
posteriormente realizar uma prova em Escolas Municipais para continuidade dos estudos
em outros níveis.

Embora se dediquem extremamente ao ensino, parte significativa desses


Educadores não tem formação especializada (Pedagogia ou Magistério) para desenvolver o
trabalho de Alfabetizar. No quadro 2 do presente estudo trazemos dados sobre a formação
das Educadoras envolvidas que atuam nessas comunidades atualmente.

Fizemos a escolha pelo Grupo formado pelas pessoas da Comunidade Sagrado


Coração de Jesus, situada na Avenida Somos Todos Iguais nº 312, que tem oferecido essa
modalidade de ensino para jovens e adultos desde 1996 quando foi inaugurada. A maioria

73
dos educandos sujeitos da pesquisa são migrantes nordestinos, com idades entre 45 e 68
anos (quadro 3) e moradores do bairro em média à oito anos.

3.5.1. Características do Grupo

Os educandos pesquisados, em geral, são pessoas que não tiveram oportunidade de


estudar o suficiente quando crianças: em sua maioria trabalham como faxineiros, ajudantes,
pedreiros, porteiros, donas de casa; muitos estão desempregados, apesar de realizarem
"bicos" e trabalhos informais. A grande maioria é muito religiosa e alguns deles até faltam
na escola em dias letivos normais, pois também participam como voluntários em suas
igrejas com diferentes atribuições. A auto-estima dessas pessoas em geral é muito baixa,
impedindo-os de fazer as suas tarefas por medo de errar e insegurança. Eles têm grande
dificuldade de trabalhar em grupo a ponto de argumentar (S8) que o “máximo que dois
burros faziam juntos era pastar”. Possuem muita dependência da educadora, esperando que
ela esteja ao seu lado para “tudo”; não confiam nas ajudas oferecidas por alguns colegas e
até se auto-depreciam por estarem ali na sala.

Pudemos entender que essas ressonâncias na tradição oral dessas pessoas têm raízes
na longa e excludente tradição educacional e escolar do Brasil, marcada pela produção de
um modelo de educação e de escola como privilegio de poucos e nunca como um direito
social.

Quadro 1
Funcionamento dos
Nome da Comunidade - Endereço Grupos de
Alfabetização
Comunidade Sagrado Coração Travessa Somos Todos Iguais De 19h30min as
de Jesus nº 312 22h00min
Comunidade Natividade de Travessa Metamorfose De 19h30min as
Maria nº 214 22h00min
Comunidade Maria Imaculada Travessa Vereda Tropical De 19h00min as
nº 356 21h30min

74
Comunidade Espírito Santo Travessa Tardes de Lindóia De 19h30min as
nº 28 22h00min
Comunidade São Miguel Travessa Pé de Manacá De 16h00min as
(Paróquia) nº 57 19h00min e
De 19h30min as
22h30min
Localização e funcionamento dos núcleos nas comunidades-igrejas

Quadro 2
LOCAL SEXO IDADE FORMAÇÃO
E Comunidade S. Coração de Jesus Fem. 40 anos Ens. Superior completo
D (assistência Social)
U
Comunidade Natividade de Maria Fem. 32 anos Ens. Médio incompleto
C
A
D Comunidade Maria Imaculada Fem. 35 anos Ens. Médio completo
O
R Comunidade Espírito Santo Fem. 25 anos Ens. Médio completo
E
S Comunidade São Miguel Fem. 38 anos Ens. Superior incompleto
Formação e escolarização dos monitores que atuam em 2012

Sobre a evolução da integração de um indivíduo ao grupo, Yozo (1996, p. 32)


se refere a quatro momentos básicos: eu-comigo - momento em que se localiza e se
identifica num grupo, quem sou eu, como estou e como me sinto; eu e o outro -
identificação do outro, quem é o outro, como me aproximo, como me sinto; eu com o outro
- percebe-se o outro e principia a inversão de papéis, como é o outro, como ele se sente,
pensa e percebe em relação a ele; eu com todos - estabelecimento da relação com todos em
busca de identidade e coesão grupal. Esses momentos foram trabalhados durante as
diversas etapas do psicodrama pedagógico, o que favoreceu uma interação afetiva e efetiva
entre os participantes. A simplicidade das proposições das palavras, de fácil entendimento e
apropriação, parecia se traduzir em mais um convite para a organização e realização dos
processos educativos coletivos.

3.6. Técnicas de Psicodrama aplicadas no contexto alfabetizador

A proposta para os educandos de nossa pesquisa, primeiramente, foi utilizar


alguns jogos psicodramáticos, em sessões com duração de aproximadamente 2 horas, duas

75
vezes por semana, entrepostos por situações de diálogos e observações regulares do grupo
em situações cotidianas do contexto alfabetizador. Esses jogos serviriam como
introdutores/sensibilizadores dos temas/categorias abordados nos nossos encontros.

Num segundo momento, a proposta foi utilizar-se da técnica “Jornal Vivo”


criada por Jacob L. Moreno que possibilita pela dramatização das leituras de jornais, a
vivência de situações cotidianas noticiadas e o apontamento de possíveis soluções para os
problemas de interesse social abordados.

Nesses encontros foram discutidas categorias emergidas através da aplicação


dos jogos psicodramáticos, que serviam de palavras geradoras para a construção de novas
palavras, pressupostos do método desenvolvido por Paulo Freire, com base na Educação
Popular. Geralmente, tratavam de questões relativas às ideologias que geram a exclusão
social e escolar, trazendo assim, para aquele contexto, as possibilidades de compreensão de
suas condições, superação e emancipação movidas pela dialogicidade dos temas tratados.
Como nos assegura Menegazzo (1994) “É o contexto dramático que ao oferecer as
possibilidades de confronto antagônico e coadjuvante, permite tornar atual na mente
humana, aquilo que era desconhecido até o momento” (MENEGAZZO, 1994, p.62).

Tentaremos assim, nesse capítulo, expor os resultados da Pesquisa de forma que


possamos evidenciar se o uso do método psicodramático – com os jogos psicodramáticos e
a técnica do “Jornal Vivo”– pôde resgatar a espontaneidade desses sujeitos, rompendo com
os padrões de comportamento estereotipados que levam à automatização dos educandos em
seu processo de ensino e aprendizagem e se são capazes de elevar o nível da consciência
crítica dessas pessoas à luz dos pressupostos filosóficos freireanos.

Iniciamos a trajetória empírica da Pesquisa no dia 03 de maio de 2012.


Encontramos um grupo constituído de pessoas, cuja maioria, veio para São Paulo,
(conforme demonstrado no quadro 3), há mais de 10 anos; com média de idade de 45 anos.
Entendemos que esse grupo é representativo da maioria dos grupos de Educação de Jovens
e Adultos que frequentam os outros contextos alfabetizadores oferecidos nas comunidades
do bairro onde se realizou a pesquisa.

76
Quadro 3
Sujeito Idade Sexo Nome (Iniciais) Origem (local de Tempo de
nascimento) residência
Cidade Estado em São
Paulo
01 67 anos masculino F. A. dos S. Serra Talhada PE 51 anos
02 66 anos masculino J. F. Q. O. Canindé CE 19 anos
03 66 anos feminino S. V. da S. Mamanguape PB 25 anos
04 63 anos feminino M. da G. F. Linhares ES 11 anos
05 58 anos masculino C. da J. L. Dourados MT 04 anos
06 55 anos feminino H. R. dos S. Jacobina BA 16 anos
07 49 anos masculino M. J. V. dos S. São Paulo SP
08 44 anos feminino D. P. A. Águas Belas PE 08 anos
09 42 anos feminino B. D. S. da S. Boqueirão PB 22 anos
10 38 anos feminino F. da S. A. Jacobina BA 31 anos
11 36 anos masculino T. R. da S. C. Formoso BA 03 anos
12 35 anos feminino C. E. S. da J. Santa Quitéria CE 19 anos
13 34 anos feminino U. F. dos S. Picos BA 10 anos
14 30 anos feminino G. R. F. da S. Loanda PR 25 anos
15 30 anos masculino B. V. de S. Arcoverde PE 20 anos
16 29 anos feminino S. M. N. A. São Paulo SP
17 28 anos masculino K. V. S. S. São Paulo SP
18 25 anos masculino D. M. da S. Itabira MG 02 anos
19 23 anos masculino S. G. F. dos S. São Paulo SP
Grupo da Comunidade Sagrado Coração de Jesus no Jardim da Conquista

Nesse “movimento” de Educar encontramos professores que se tornaram


inesquecíveis para seus educandos pelo comprometimento conferido no processo de
desenvolvimento humano desses sujeitos e pela cumplicidade afetiva no decorrer do
convívio. A educadora do Grupo de Alfabetização no qual concretizamos nossa pesquisa é
uma dessas pessoas.

Os dados analisados foram coletados através de observações em participações


de aulas, questionários abertos e pelas gravações dos Comentários (terceira etapa da ação
psicodramática) gravados em áudio.

Esperamos que os resultados desta pesquisa evidenciem elementos importantes para


que o educador de pessoas adultas possa refletir sobre sua formação e prática, a fim de
buscar alternativas para a sua atuação, em sintonia com as mudanças provenientes das
necessidades educacionais inclusivas e da integralidade humana. A riqueza das situações
vividas é maior do que a nossa capacidade de reprodução, descrita e analisada, no presente

77
relatório de pesquisa. Trata-se mesmo da natureza do trabalho investigativo, no qual a
ordem da realidade é bem maior do que a ordem da exposição e da relatoria do que se
percebeu nessa realidade.

3.6.1. Técnica de “Jornal Vivo”

O jornal vivo utiliza-se de uma das técnicas de psicodrama que aborda a


interioridade e a ação do indivíduo. No drama como expressão teatral, há uma referência à
contingência da vida humana como alguma coisa que não é necessariamente definitiva ou
imutável como no caso da tragédia. Portanto, o drama consiste em uma situação que se
desestabilizou - "saiu dos eixos" - e que pode nos trazer dor e sofrimento, mas que conta
com a possibilidade de ser modificada ou transformada por nossa vontade.

No “Jornal Vivo” as dramatizações são compostas a partir de uma linguagem


metafórica que utiliza códigos simbólicos para conferir significados subjetivos a fatos da
realidade, aumentando a possibilidade de recriar e de dar outros encaminhamentos aos fatos
e provocando novas leituras e compreensões.

O “jornal vivo” ou "jornal dramatizado" criado por Moreno tem como proposta
fazer uma síntese entre o teatro e o jornal. Ele retira do jornal as manchetes e as notícias
diárias e, a partir da sua leitura, obtém os estímulos necessários para realizar uma
dramatização de forma improvisada e espontânea. Trata-se de uma rica forma de assumir
para a exposição dos fatos e acontecimentos da vida das pessoas as mesmas legitimadas
formas de socialização que se propõe para a sociedade.

3.7. Freire e Moreno: aproximações

A idéia de implementar uma prática educativa pautada nas formas de pensar de


Moreno e Paulo Freire e, é claro, tendo a liberdade de criar coisas novas com base no que
foi proposto pela teoria de ambos, surgiu diante de uma necessidade encontrada em sala de
aula de alfabetização de jovens e adultos, de se unir uma teoria que explicasse a

78
aprendizagem como função direta da criatividade, a um instrumento operacionalizador de
ensino, permitindo a livre expressão dessa criação.

No decorrer dessa prática percebemos que o Psicodrama contém pressupostos


semelhantes aos que dão base à teoria de Paulo Freire, tornando-a operativa no processo de
aprendizagem em grupos de EJA. Os pressupostos coincidentes são muitos, mas o
principal, além do privilégio concedido à espontaneidade, é que as bases educacionais do
Psicodrama convergem para as idéias de Freire na busca da construção total do homem,
quer quanto aos conteúdos científicos, quer na formação de seu caráter social.

Poderíamos iniciar nossa análise quanto ao valor dado à representação


dramática como elemento catalisador na Educação, interesse dos dois autores. Na atuação
de Freire encontramos demonstrações de seu interesse pela dramatização no processo
educativo quando:

Em 1953, com operários do Recife, Paulo Freire e Ariano Suassuna,


desenvolveram uma experiência pioneira no SESI: lançaram as bases para
a prática de um teatro popular autêntico, participante e comunicativo.
Teatro como canal de conscientização, de leitura do mundo e
comunicação entre palco e platéia, platéia e palco, sob mediação de um
coordenador de debates, na figura de um personagem fantástico e mítico,
cuja função seria a de precipitar comentários e diálogos com a platéia.
Nessa experiência o teatro foi linguagem artística fundamental, aplicada à
educação (VALE; JORGE & BENEDETTI, 2005, p.20).

Outra preposição dos dois autores é a possibilidade de se transformar a


realidade pessoal e social quando se tem consciência dessa condição de mudança por meio
da Educação, da espontaneidade, da criatividade e da inventividade.

Segundo Vale; Jorge, Benedetti, (2005, p. 21-23) já em 1958, no Rio de


Janeiro, Paulo Freire participa de um congresso educacional, no qual apresenta um trabalho
importante sobre educação e princípios de alfabetização. De acordo com suas idéias, a
alfabetização de adultos deve estar diretamente relacionada ao cotidiano do trabalhador.
Desta forma, o adulto deve conhecer sua realidade para poder inserir-se de forma crítica e
atuante na vida social e política. Em 1961, ele foi indicado para diretor do Departamento de

79
Extensões Culturais da Universidade de Recife. No início desta década montou, no estado
de Pernambuco, um plano de alfabetização de adultos que serviu de base ao
desenvolvimento do que se denominou Método Paulo Freire de Alfabetização Popular,
reconhecido internacionalmente.

Este novo método de alfabetização de adultos marca uma significativa diferença


em relação aos métodos anteriores, pautados numa simples adaptação das cartilhas para
crianças, sendo assim bastantes infantilizados. Há diversas fontes e leituras desses
processos históricos e educacionais, o que buscamos destacar é a corajosa originalidade do
educador Paulo Freire e sua explicita opção de classe, na direção de criar e manejar um
instrumento a serviço da conscientização, da promoção da liberdade e da autonomia,
cultural, ética e política, de sujeitos sociais historicamente excluídos.

Ao invés de usar letras e palavras soltas, fragmentadas e descontextualizadas da


vida social e da experiência pessoal dos alunos, num aprendizado mecânico do “ba-be-bi-
bo-bu” ou de frases simplórias e alienantes, como “A baba é do boi”, Freire sugere partir
dos temas geradores, ou temas sociais colhidos do universo vocabular dos educandos,
abertos à discussão coletiva nos círculos de cultura e abertos à análise de questões
regionais e nacionais (VALE; JORGE, & BENEDETTI, 2005, p. 23).

Freire aplicou publicamente seu método, pela primeira vez no Centro de


Cultura Dona Olegarinha, um Círculo de Cultura do Movimento de Cultura Popular (MCP),
em Recife. Foi aplicado inicialmente com cinco alunos, dos quais três aprenderam a ler e
escrever em 30 horas, outros dois desistiram antes de concluir. Em 1962 ele teve sua
primeira oportunidade para uma aplicação significante de suas teorias, em Angicos, Rio
Grande do Norte, quando ele ensinou 300 cortadores de cana a ler e a escrever em apenas
45 dias (VALE; JORGE, & BENEDETTI, 2005, p. 26).

Baseado na experiência de Angicos, o então ministro da educação, Paulo de


Tarso C. Santos convida Paulo Freire, em 1963, para a coordenação do Programa Nacional
de Alfabetização. As metas eram alfabetizar cinco milhões de brasileiros, em dois anos, e
implantar, em 1964, mais de 20.000 círculos de cultura (VALE; JORGE, & BENEDETTI,
2005, p. 28).

80
Mesmo que alguns governantes utilizassem a alfabetização apenas com
objetivos eleitorais (os analfabetos não podiam votar), o método Paulo Freire ia além, pois
buscava apoiar a transformação dos alfabetizandos em sujeitos de sua própria
aprendizagem, de seu próprio processo de conscientização, de seu protagonismo político,
de seu próprio projeto de vida. “A conscientização não pode parar na etapa do
desvelamento da realidade. A sua autenticidade se dá quando a prática de desvelamento da
realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da transformação”
(FREIRE, 1989, p.117).

Podemos dizer que essa nova conduta desse sujeito consciente é reconhecida
na teoria de Moreno pela proposta de catarse de integração, para Moreno esse conceito,
tanto na vertente pessoal como na vertente grupal, é sempre pensado como um ato de
verdadeiro renascimento, que estabelece o ser por meio da mudança e produz
transformações em seu mundo.

Menegazzo (1994, p. 94) considera que, segundo Moreno, toda mudança


terapêutica é em sua essência, um salto axiológico. Para ele

O acesso de uma pessoa a um novo modo de ser, por meio de um ato de


criatividade, está baseado e sustentado em um novo valor que acaba de ser
produzido. Além disso, o ato de criatividade é, em si mesmo, o ato de
produção desse novo valor, sobre o qual irá se sustentar a nova conduta
(MENEGAZZO, 1994, p. 94).

O Psicodrama aplicado à Educação é um notável instrumento, pois favorece a


ação sem despertar a competitividade, desenvolve senso de responsabilidade e cooperação,
valoriza a criatividade e permite a tomada de decisões, características estas desejáveis na
formação de qualquer individuo.

De acordo com Fox (2002, p. 52), mesmo a chamada abordagem grupal do


Psicodrama é, num sentido mais profundo, centrada no indivíduo. A platéia é organizada de
acordo com uma síndrome mental que todos os indivíduos participantes têm em comum, e
o alvo do diretor é alcançar cada individuo em sua própria esfera, separada dos demais. Ele
usa a abordagem grupal somente para alcançar, ativamente, mais que um indivíduo na

81
mesma sessão, “A abordagem psicodramática trabalha principalmente com problemas
pessoais e visa à catarse pessoal; a abordagem sociodramática lida com problemas sociais
e almeja a catarse social” (FOX, 2002, p. 52).

Importa-se, nesse trabalho com grupos, como nos situa Weil (1990) seja
considerado que o fator S (espontaneidade) é um elemento que precisa ser desbloqueado.
Weil, ao citar Moreno assegura que esse fator é bloqueado por aquilo que Moreno
denomina de “conservas culturais”. Prosseguindo acrescenta que essas conservas são: “os
consensos vinculados com os diferentes papeis psicossomáticos, como os relativos à
alimentação ou ao sono, os papeis psicodramáticos, ligados às emoções e os papeis
sociodramáticos, como os do vendedor, do chefe de Estado ou do cientista” (WEIL, 1990,
p. 65).

Igualmente o trabalho de Freire é transformador por causa de seu compromisso


com a verdade e com o avanço da consciência crítica. A perspectiva do Psicodrama é
também, na sua base, um processo onde as pessoas e grupos podem buscar a
espontaneidade e criatividade. É o conhecimento ou a consciência crítica de si próprio e do
lugar que ocupa no mundo. “Exercitar e formar para a espontaneidade, eis a principal
tarefa da escola do futuro”. Eis o sábio conselho de J. L. Moreno.

Essas descobertas conceituais formaram a inspiração para a proposição e


manutenção de nossa intervenção no grupo e criteriosas análise de sua potencialidade.

3.8. Apresentação da proposta da pesquisa empírica.

As técnicas do Psicodrama podem ser adaptadas sem maiores problemas às


metodologias escolares comuns. Para Diniz (2001, p.25) o psicodrama pedagógico [...], os
jogos dramáticos podem ser aplicados como recursos didáticos, respondendo
vivencialmente aos planos curriculares. Quando se inicia um trabalho com o uso deste
método, geralmente, há uma reação de surpresa dos educandos, mas, aos poucos, estes
começam a sentir-se à vontade. Em alguns casos, há educandos que resistem à mudança da

82
metodologia, e há até os que acham ridículo o que está se fazendo. Mas, todas as reações
acabam se tornando positivas, consideradas desde a perspectiva da dinâmica de grupo.

A aula em que se introduz o método pela primeira vez se torna muito espontânea
e como um catalizador que desencadeia a criatividade e, consequentemente, reduz as
“Conservas Culturais”. Na utopia Moreniana era a aprendizagem da espontaneidade o
veículo que poderia, inclusive, salvar o indivíduo e a sociedade como um todo. Dizemos
“salvar” no sentido de preservar a pessoa da negação de sua identidade pelas determinações
doutrinárias e dogmáticas impostas pela sociedade em seu conjunto.

É necessário que o educador trabalhe de forma segura e com afeto, para dar
tempo à entrada do maior número possível de educandos dentro da situação total. É
pertinente que a maior parte dos educandos participe do que está sendo vivenciado, mesmo
que esta participação seja de suas carteiras.

No decorrer dos encontros, nos momentos oportunos, são disponibilizadas


técnicas de aquecimento e relaxamento, observam-se os educandos mais sérios e justos no
desempenho de papeis que lhes são atribuídos, mais vivacidade na percepção dos
sentimentos e na intuição da ideia. Percebe-se também maior soltura no corpo e na ação
espontânea. Evidentemente que tais disposições são lentas e paulatinas, pois precisam
nascer da liberdade e do desejo de participação.

Os resultados dos trabalhos mostram que, depois da aplicação do Psicodrama,


observam-se mudanças no grupo como um todo.

Alicia Romaña enfatiza:

Há maior interação entre os alunos, as opiniões são mais sinceras, os


comentários e as críticas são melhores aceitos e o conhecimento é
utilizado como algo próprio e presente. Os papeis fixos e estáticos dentro
do grupo começam a diluir-se. Pouco a pouco cada um vai tomando
consciência da sua situação no grupo [...], à medida que os alunos
evoluem, percebe-se que as técnicas dramáticas, ao mesmo tempo que
facilitam a integração do conhecimento, facilitam a integração de aspectos
socializantes e de estilos de conduta, que abrem novas perspectivas para a
sua maneira de agir e de relacionar-se com seu ambiente (ROMAÑA,
1987, p.26).

83
O que definimos como manejo do método psicodramático no ensino de adultos
é basicamente uma arte de perguntar, de situar o educando diante de um problema a ser
resolvido, para que ele encontre a resposta adequada. Para Kaufman (1992, p.14) a solução
do problema implica o relaxamento da “tensão por conhecer”. Sendo assim, o Psicodrama
na educação, segundo Kaufman (1992, p.15) não deve ser visto como um método novo, já
que, nesse sentido, em si mesmo o Psicodrama nada tem de “novo”, porque recorre à
maiêutica, ao mais antigo dos recursos que o homem já apelou, para ensinar e aprender.
Kaufman (1992) prossegue

Moreno considerava que as palavras eram insuficientes para a


comunicação humana, podendo deformá-la. A ação, ao contrário das
palavras, nos colocaria em comunicação direta com os acontecimentos,
conduzindo à própria realidade, sendo mais completa e totalizadora.
Assim, o ensino psicodramático não só envolveria o juízo crítico, a
criatividade e a socialização do aluno, como favoreceria um bom clima
emocional, a integração e a aprendizagem grupal, na medida em que
conciliaria o conhecimento adquirido com a experiência vivida
(KAUFMAN, 1992, p.15).

O Psicodrama contribui para que o educando coloque para fora o que “sabe” e o
compreenda como algo próprio, como algo seu. A metodologia psicodramática permite ao
educador verificar, numa situação “viva”, a validade do conhecimento que foi incorporado
através da rotina educativa, isto é, através de aulas expositivas, dialogadas, de trabalho de
pesquisa em grupos, através de leituras, mediante técnicas audiovisuais, etc. e retificar os
erros ou as distorções que se tenham produzido.

As dramatizações em sala de aula situam o educando num verdadeiro ato


dramático, no qual se parte de uma ruptura da estrutura livresca para chegar a uma nova
estrutura lógica, com valor no aqui-e-agora, mas que não contradiga necessariamente a
verdade que o conhecimento encerra. Os atos dramáticos não pretendem ser perfeitos, no
sentido de uma apresentação ou representação que é bem ou mal desempenhada. Na
verdade são situações sempre abertas para que prevaleça a verdade das pessoas no conjunto
das ações coletivas.

84
Desta forma, quando for necessário, o educando utilizará este conhecimento,
pois este não vai ser mais vivenciado como algo que pertence ao livro e ao professor, mas
como uma propriedade do educando, algo que ele conhece.

No Psicodrama, o personagem protagônico é a pessoa do ator que está


desempenhando o papel principal. Ou seja, o ator faz o papel de si mesmo, não importando
se o texto pretende reproduzir uma situação de vida real do ator protagonista ou se o
enredo, montado com a participação de coadjuvantes, toma um rumo ficcional. Essa
original e reforçada dimensão confere ao instrumento uma riqueza sem par!

Paulo Freire, no livro Pedagogia do Oprimido, alerta-nos para a relação


professor-aluno que tem no ato de educar intenções ideológicas que contradizem a
humanização, a educação como ato narrativo que traz “a narração, de que o educador é o
sujeito. É preciso negar-se ao modelo que conduz os educandos à memorização mecânica
do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a
serem ‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais vá ‘enchendo’ os recipientes com seus
‘depósitos’, tanto melhor educador será. E assim, segundo Freire(1989, p.61)

Quanto mais se deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos


serão. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar de
comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e
repetem (FREIRE 1989, p. 61).

Mudar essa prática educativa que tem no educando a figura de receptor de


dados, trazendo para o contexto de alfabetização a representação dramática desse recorte
metodológico de Ensino, apontando categorias para a reflexão das relações educador-
educando pode possibilitar a compreensão da consciência da ideologia social dominante,
intrínseca nesse modelo, e ainda estimular o mesmo ao desafiador desejo de emancipação
desses sujeitos.

85
3.9. Relato, análise e processamento teórico da pesquisa empírica

A parte prática desta pesquisa foi realizada no salão comunitário da


Comunidade Católica Sagrado Coração de Jesus. Essa igreja localiza-se à Avenida Somos
Todos Iguais, nº 312, Jardim da Conquista – São Paulo/SP, como já relatamos.

A sala de aula onde ocorreram os encontros localiza-se no piso térreo da Igreja.


Seu espaço físico é constituído por carteiras, ventiladores, uma mesa com cadeira, armário;
quadro e giz, revistas, mural para afixar alguns trabalhos dos alunos, etc. Um cenário de
um equipamento religioso de praxe posto a serviço de uma finalidade educacional.

As atividades foram realizadas no grupo que frequenta à noite, e os encontros


aconteceram duas vezes por semana, durante, em média, duas horas a cada dia, sendo que
em um deles havia aplicação de técnicas psicodramáticas e em outro dia as observações
gerais do andamento das aulas sem a participação direta da pesquisadora. Buscávamos
nessa articulação observar e não dominar as dinâmicas próprias do grupo e de sua
finalidade.

Os materiais utilizados durante as aulas foram aparelho de som e TV, jornais,


revistas, vídeos e textos pertinentes à discussão, cartolina, lápis de cor, giz de cera, papéis,
barbantes, etc.

Dentro da proposta de uma didática em contexto de alfabetização com uso da


metodologia Psicodramática, foram utilizadas algumas técnicas inspiradas no Psicodrama
Pedagógico como: discussões em grupo, dramatizações, estudos e análise de conceitos de
algumas categorias, tais como: trabalho, justiça social, desigualdade social, mídia, educação
e escola.

A priorização nesta proposta de trabalhar com grupos teve o intuito de focar na


idéia de homem Moreniano como indivíduo social, o qual nasce em sociedade e necessita
dos outros homens para sobreviver. Segundo Gonçalves, Wolff & Almeida (1988, p. 46),
toda a teoria de Moreno traz a ideia do homem em relação, ou seja, o eixo principal de sua
teoria é a inter-relação pessoal.

86
Foi possível perceber nesse processo que o uso da dramatização em sala de aula
proporciona aos educandos vivenciarem o “como se”. O “como se” do Psicodrama na
dramatização trata-se de fazer existir o sujeito espontâneo e criativo. Para isso, Moreno
recorreu ao teatro para ser o locus de suas pesquisas e criar o Psicodrama, já que o teatro é
um lugar de possibilidades inusitadas e é neste campo de virtualidades infinitas que a
liberdade de poder sonhar se faz presente.

A teatralização das atividades educacionais com os conteúdos propostas


mesclavam-se às identidades e estórias de vida produzindo o universo da formação e da
observação que pretendíamos analisar: a materialidade das proposições de Moreno e Freire
como construções de andaimes epistemológicos e políticos para a realização da tarefa de
educar, de humanizar e lograr gerar condições de apropriação da consciência critica sobre o
mundo nesses sujeitos aprendentes.

3.9.1. Descrição dos Encontros

Inicialmente observou-se que os educandos ao chegarem à sala e encontrá-la


arrumada em círculos, com aparelho de som e TV e com textos e temas para serem
discutidos por todos os presentes, expressavam um relativo estranhamento inicial, pois o
espaço não estava disposto como de costume, isso assustou-os um pouco. Eles receberam a
orientação para que todos falassem sobre suas expectativas, e principalmente, que aquelas
duas horas do nosso encontro, era um tempo e um espaço deles, um espaço no qual era
privilegiado o diálogo, o trazer de experiências e ou vivências pessoais, espaço este em que
era estimulada a não paralisação, o silêncio; todos eram instigados a trabalhar e refletir
sobre o tema proposto na aula.

O método psicodramático no ensino, de acordo com Romaña (1987, p.48), é


basicamente uma arte de perguntar, de situar o aluno diante de um problema a ser
resolvido para que ele encontre a resposta adequada. A solução do problema implica o
relaxamento da “tensão por conhecer”. Implica também numa problematização, segundo o
método Paulo Freire. Sendo assim, nossa primeira experiência nessa pesquisa foi tratar da
questão do analfabetismo.

87
Os registros desses encontros foram feitos somente pela gravação audiofônica.
Acreditamos que qualquer outra forma de registro poderia inibir o grupo de educandos,
contradizendo a proposta dessa pesquisa cuja essência é a espontaneidade e a autonomia.
Desta maneira, após as dramatizações, no momento dos comentários, usamos um gravador
com o cuidado para não trazer qualquer constrangimento aos nossos sujeitos. Vale ressaltar
que foi comunicado aos mesmos sobre tal procedimento na apresentação inicial do projeto
de pesquisa, contando com o consentimento livre de todos.

O educando quando respeitado em sua autonomia, deixa fluir toda sua


espontaneidade e criatividade. Freire afirma: A alegria não chega apenas no encontro do
achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da
procura, fora da boniteza e da alegria.

Moreno assegurava que a educação deve enfrentar a ordem social, as conservas


culturais. Segundo Ramalho (2001, p. 36), Moreno falava da educação como uma estrutura
que tem como centro a espontaneidade. Para ele a espontaneidade age como um
catalizador que desencadeia a criatividade e, consequentemente, reduz as “Conservas
Culturais”.

Vejamos aqui excertos desses encontros, para ilustração de nossas premissas e


legitimação de nossas possíveis conclusões:

3.9.1.1. Primeiro encontro: Vida Maria


Dia 15 de maio de 2012

Neste primeiro encontro o aquecimento inespecífico foi feito com o


documentário “Vida Maria” um curta metragem de Marcio Ramos em animação que se
consagrou em 2007 nos festivais de cinema como o mais premiado do Brasil naquele ano.
Maria José, uma menina nordestina de cinco anos de idade é levada a largar os estudos para
trabalhar; enquanto trabalha, ela cresce e casa, tem muitos filhos e envelhece. O filme
retrata a vida das várias Marias daquela família que sucessivamente tem a mesma história
de vida.

88
A proposta nesse encontro foi assistir ao filme e refletirmos sobre a realidade
social da família retratada na trama. Vale ressaltar que nesse momento, não foi solicitado
aos educandos que falassem de suas próprias vidas. No entanto, nos comentários, o que foi
evidenciado foi vários relatos pessoais relacionando-se com a personagem da trama. No
filme, “vemos a semelhança com a realidade vivida por muitas de nossas famílias” (S9).

Pelos comentários dos educandos, podemos acreditar que nos tempos passados
e mesmo em tempos atuais, freqüentando “escola” como dizem, essa constatação da
condição de analfabetos aflige uma significativa parcela do grupo desses educandos.
Segundo a fala do S5 “ainda tem muita gente no sertão nordestino que vive como no filme.
O S14 disse que ficou triste porque o entusiasmo da garotinha em aprender a ler e escrever
não parece que é importante para sua mãe, isso desanima a filha.

Outra observação interessante foi feita pelo S1 que apontou a influência da


família na formação das crianças: “elas se espelham nos pais”. No filme, em várias
gerações, a necessidade de trabalhar é o que mais interessa a mãe, pois precisa sustentar os
seus filhos com muito esforço.

3.9.1.2. Segundo encontro: Dia 22 de maio de 2012


Vídeo: Triste partida
música de Luiz Gonzaga - letra de Patativa do Assaré

Para refletirmos sobre a migração, visto que a maioria desses educandos não
nasceu na cidade de São Paulo, utilizamos para o aquecimento inespecífico o poema de
Patativa do Assaré “Triste partida” musicado pelo cantor nordestino Luiz Gonzaga, (anexo
2). Assistimos a um vídeo com imagens de uma família de retirantes nordestinos em
viagem para São Paulo, tendo como fundo musical o poema, escrito em 1983, cuja melodia
soa como um “lamento” daqueles que se viram obrigados a deixarem sua terra natal para
não perecer com a seca, que, como diz a música, “castigou” historicamente o nordestino
brasileiro por longo período.

89
Nesse encontro, a etapa dos Comentários foi extremamente rica para os fins da
pesquisa. Pudemos observar o quanto os sujeitos ficaram emocionados ao assistirem o
vídeo. Pareceu-nos como retrato de suas próprias vidas! Ouvimos: (S15) “Eu também tinha
uma boneca dessa e que ficou perdida, eu sempre sonhava com ela e as vezes sonho até
hoje”. (S19) “Minha mãe costumava plantar roseiras em volta da casa e era eu que cuidava
delas”. (S5) “Meu pai tinha um sitiozinho que precisou vender porque perdeu toda a
lavoura com a seca (...)”. (S11) “Quando viemos pra São Paulo, a gente (eu e meus 8
irmãos pequenos) não sabia o que ia acontecer aqui com a gente, ficamos com medo de se
perder um do outro e nunca mais se encontrar” (S2) “Todo ano meu pai dizia que a gente
ia voltar pra nossa terra, mas a minha mãe falava que não queria ir porque aqui em São
Paulo pelo menos a gente passava menos fome que lá (...) porque aqui a patroa dela era boa
e deixava ela levar para casa as sobras de comida”.

O Sr. A. (S1) fez um emocionante relato de sua vinda para São Paulo quando
tinha 16 anos (hoje tem 69 anos). Este relato serviu como aquecimento específico para a
dramatização desse segundo encontro.

Cena 1: Na viagem, o tio de seu A. (representado pelo próprio Sr. A.) que
conduzia a família parou o caminhão na beira da estrada. Com uma carabina em mãos
ficava vigiando para que o jovem A. e seus irmãos colhessem as espigas de milho enquanto
a mãe de seu A. juntava gravetos de lenha para assar as espigas.

Dona M. da G. (S3)faz o papel da pessoa que vai decidir o que fazer quando o
dono da plantação de milho aparecer com os seus “capangas” – empregados que chegam
com a orientação para expulsar a família de A. de forma violenta, com empurrões e
pontapés.

Dona M. da G. (S3)diz que vai conversar. – “Conversando a gente se entende”!


Na cena, ela argumenta com os empregados do fazendeiro para que tenham compaixão de
quem está com fome. Nesse diálogo ela diz:

- Você tem filhos? Já ouviu eles te pedirem comida e você não ter? Já passou
fome? – Então deixa a gente ir embora em paz!

90
3.9.1.3. Terceiro encontro Dia 29 de maio de 2012
“Jornal Vivo” Texto: Se deixarem a escola melhora – Revista Época (junho de 2007
Edição nº 472).

O trabalho iniciou-se com o aquecimento inespecífico, com a intenção de


descontrair o grupo e fazer com que eles centralizassem na proposta de trabalho. Foram
distribuídos pela sala cerca de oito artigos de jornais que versavam sobre as categorias
Trabalho (desemprego), Educação/Escola e Habitação.

Em seguida, foi pedido que os integrantes do grupo caminhassem pela sala,


observando os temas dos artigos e que escolhessem os artigos que gostariam de discutir. À
medida que um integrante escolhia o artigo, ele se posicionava diante dele. Sendo assim,
foram formados subgrupos em cada um deles.

O caminhar pela sala observando os artigos ocorreu de forma tranquila. Os


educandos facilmente concentraram-se na atividade e poucas foram as conversas durante o
processo de escolha.

À medida que os subgrupos foram sendo formados, alguns educandos


começaram a discutir, ainda enquanto se agrupavam o que possivelmente o artigo poderia
falar e o porquê de ter escolhido o tema. Três foram os artigos escolhidos, os quais
versavam sobre os temas:

1. Escola privada para todos?;

2. Se deixarem, a escola melhora;

3. O que as escolas precisam aprender.

Recolhem-se os textos que não foram eleitos e os textos escolhidos foram


organizados, de forma que os educandos pudessem formar filas diante de cada um.

91
Novamente foi pedido aos alunos que caminhassem pela sala observando todos
os temas expostos. Neste momento inicia-se o aquecimento específico. Foi pedido que o
grupo escolhesse uma única notícia a ser dramatizada.

Mais de uma notícia foi eleita, e sendo assim, o critério de desempate foi a
notícia mais atraente para o grupo total de participantes, ou seja, o artigo que tivesse o
maior grupo de educandos. Este artigo foi escolhido como tema protagônico.

Desta forma, o artigo escolhido foi: “Se deixarem, a escola melhora”. Os


subgrupos se desfizeram e foi explicado que o artigo deveria ser lido pela educadora e
discutido pelo grupo e, em seguida, eles deveriam criar uma cena a ser dramatizada.

Foi formado um grande grupo e começaram a ler o artigo. Era incrível ver
como eles estavam engajados na tarefa. Em seguida iniciaram as discussões sobre o tema: o
que concordavam ou não com o artigo, fatos da vida pessoal que o artigo fez com que eles
relembrassem, etc. A partir daí, os integrantes do grupo começaram a definir a cena a ser
criada, os personagens, a distribuição das cenas, quem iria participar da cena e quem iria
auxiliar nos trabalhos, objetos que poderiam utilizar no cenário, falas, etc.

É importante ressaltar que o artigo serviu de estímulo para que ocorresse a


dramatização. Na verdade, os educandos não noticiaram a reportagem em si, mas a
enriqueceram com detalhes e interpretações de acordo com a criatividade dos próprios
atores.

Toda essa criação leva, segundo Paulo Freire (1996),

[...] à autonomia do ser dos educandos, valorizando e respeitando sua


cultura e seu acervo de conhecimentos empíricos junto à sua
individualidade. Assim, quando for necessário, o aluno utilizará este
conhecimento, pois, este não vai ser mais vivenciado como algo que
pertence ao livro e ao professor, mas, como uma propriedade do aluno,
algo que ele conhece (FREIRE, 1996, p. 98).

Depois de alguns minutos, os educandos anunciaram que a cena estava pronta


para ser dramatizada. Eles não demonstraram dificuldade para criar a cena. Organizaram a
sala, colocando as cadeiras em forma de círculo. Cinco educandos ficaram na platéia, onze

92
educandos participaram da cena como atores e a educadora assumiu a função de Ego-
Auxiliar do processo psicodramático.

Segundo Baptista & Costa (1998),

[...] a etapa de dramatização é constituída pela dramatização propriamente


dita da notícia escolhida pelo grupo. Pretende-se que as cenas escolhidas e
a representação dramática transcorram livremente. A notícia jornalística é
então encenada e se presencia, nesse momento, a construção de um
trabalho grupal. No palco passa a ocorrer a montagem e execução de uma
obra teatral, geralmente disparada por um fato social. Os ingredientes
essenciais dessa operação compõem-se de fantasia e realidade; o principal
recurso é a ação e o grande “tempero”, a emoção (Baptista & Costa 1998,
p. 47).

O diretor (a pesquisadora) anunciou que a dramatização seria dividida em dois


momentos. Iniciariam utilizando como cenário uma escola, a qual se denominou Escola de
Ensino Fundamental “Vovó Dida”.

A cena se passava na secretaria da escola, onde a “diretora e alguns


professores” conversavam . A conversa tinha como tema a queixa dos professores em
relação à falta de condições físicas na escola, a qual estava com várias salas com o telhado
quebrado: “- Quando chove não têm como dar aula, inunda tudo” (sic), “as cadeiras
quebradas, salas sem porta, sem ventilador, luzes queimadas, falta merenda escolar, falta
giz, água, etc. A diretora ouvia todas as reclamações e prometia aos “professores” resolver
os problemas.

Os professores, por sua vez, falavam estar cansados de promessas sem solução.
“- Não temos como trabalhar assim. É complicado para os alunos, freqüentarem uma escola
sem o mínimo de condições para que eles aprendam. Precisamos de coisas básicas para que
a escola funcione. A senhora nunca resolve nada. Já tem anos que tudo está do mesmo jeito.
Aliás, ‘pior’ (sic)”.

Os “professores” (na representação) se mostraram revoltados, querendo


mudanças. Em outra cena, a diretora tentava resolver os problemas, contudo, como

93
centralizava todas as atribuições em seu cargo, não conseguia solucionar os problemas
sozinha.

Em seguida, o diretor da ação psicodramática anunciou que a próxima cena


seria em outra escola, a Escola Fundamental “Mara Vilhosa”. Nesta, a conversa com os
professores e a diretora era sobre as possíveis mudanças que poderiam ser implementadas
na escola. Os professores sugeriam algumas modificações e a diretora, juntamente com os
professores, distribuía as tarefas.

Nessas duas cenas representadas observamos a relevância para os educandos,


na maneira de se expressaram ao representar as duas situações dramáticas e nos
comentários, a necessidade do grupo de estar engajado; da responsabilidade de cada um
para a busca de soluções para determinado problema. De forma geral pôde-se observar que
os educandos durante os dois primeiros encontros foram desenvolvendo sua
espontaneidade e, no momento da técnica Jornal Vivo, puderam demonstrar essa total
espontaneidade na construção da cena. Percebeu-se que o grupo já não se encontrava mais
cristalizado no papel de aluno. A construção não foi uma mera repetição, mas, ao contrário,
um momento do potencial criativo atualizar-se e manifestar-se. Criar implicou a produção
de algo novo, a partir de algo que já é dado .

É importante destacar que a influência de Freire também está presente no teatro


pedagógico. Acreditamos que outras manifestações teatrais contemporâneas (“teatro de
conscientização”, “teatro dos oprimidos”), também mostram a influência de Freire, mesmo
que esta não seja abertamente admitida.

Para finalizar o trabalho, passamos para o momento do compartilhar. Vale


destacar que neste momento fica claro visualizar a catarse de integração na abordagem
Psicodramática, como nos situa Marra (2004):

[...] o objeto da pedagogia Moreniana é permitir um ambiente relaxado,


isto é, a expressão dos estados de espontaneidade (sentimentos, sensações,
impressões, pensamentos) para que a aprendizagem seja plena. Essa
situação espontânea do grupo por meio da ação promove um efeito
catártico ou curativo. Ao ver expressos na ação de seus sentimentos, seus
pensamentos, suas imaginações, pode ter a clareza da necessidade de

94
reformulações ou a constatação de uma satisfação que promove mudanças
(MARRA, 2004, p.51).

O grupo comentou o quanto ficaram envolvidos com a cena e o quanto de


improviso surgiu no momento. “- Muita das coisas que aconteceram na cena saiu na hora.
Não tínhamos pensado em muitos detalhes, a gente queria fazer só o que era solicitado pela
senhora (pesquisadora). Na hora da cena muita coisa veio à nossa cabeça, parecia que tudo
era real” (sic) (Sujeito 19).

Essa improvisação, esse fluir livremente das ações e palavras dentro da


dramatização faz parte da proposta de Moreno, pois, ainda segundo Marra (2004),

[...] é um método psicopedagógico de trabalho com grupos que facilita a


aprendizagem de papeis, ideias, conceitos e atitudes por meio da vivência
sociopedagógica. Ele se apoia na ação e no conceito de espontaneidade,
que são concebidos como resposta própria do indivíduo adequado às
relações de seu contexto social. Tem uma proposta de transformação nos
indivíduos e sistemas sociais (MARRA, 2004, p.47).

Alguns educandos afirmaram não acreditar que, de um artigo, iria surgir tanta
coisa. Outros relataram ter resistência a essa coisa de teatro e, quando perceberam que se
tratava disto, ficaram receosos, contudo, no decorrer do trabalho não se reconheciam. Essas
reações poderiam ser trabalhadas mais amplamente, pela riqueza que retratam e pela
potencialidade ética, estética e educacional que carregam e densificam.

Segundo Romaña (1997),

[...] quando se inicia um trabalho com o uso deste método, geralmente, há


uma reação de surpresa dos alunos, mas, aos poucos, estes começam a
sentir-se à vontade. Em alguns casos, há alunos que resistem à mudança
da metodologia, e há até os que acham ridículo o que está se fazendo.
Mas, todas as reações acabam se tornando positivas, consideradas desde a
perspectiva da dinâmica de grupo (ROMANA,1997, p.65).

Alguns integrantes do grupo comentaram ter se mostrado surpresos com os


envolvimentos de pessoas, que na rotina diária das aulas se mostravam tímidos, mas, que na

95
cena revelaram-se grandes atores. Neste momento, os considerados tímidos falaram da
emoção que a cena os fez sentir e do quanto se transportaram para a própria realidade de
seus trabalhos, onde possuem poucos espaços para discutir e implementar mudanças. “- a
gente fica preso a regras e não temos a mínima liberdade de criar” (sic), (S12).

Segundo Freire (FREIRE, 1996, p. 47), “ensinar não é transferir


conhecimento, saber ensinar é ‘criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua
construção’”. Para Freire “O professor precisa estar aberto às indagações, à curiosidade,
às perguntas dos alunos, às suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da
tarefa de ensinar e não a de transferir conhecimento” (idem) .

Para Ramalho (2001) na ação psicodramática, com o Psicodrama aplicado à


Educação:

O professor passa a ser um facilitador do processo que é assumido pelo


aluno, criando um clima de liberdade e espontaneidade, onde este último
desenvolverá o seu potencial e criará. Assim, o professor estará também
ao lado do aluno, invertendo o papel com ele e sentindo melhor a sua
realidade, promovendo um vinculo télico e não transferencial
(RAMALHO, 2001, p.3).

De acordo com os educandos, foi muito bom terem tido aulas com este método,
“- É uma aula diferente” (sic), (S19); “- A cena me fez ver coisas que quando ouvi a
professora ler o texto não tinha percebido. Parece que as ideias vieram à cabeça” (sic), (S8).

Percebe-se na fala do Sujeito 19 que ele já está funcionando como agente


multiplicador, podendo ser um recurso valioso no processo educativo. Segundo Marra
(2004),

“Uma das dimensões do papel de multiplicador é o sujeito em processo de


mudança e possibilitando mudanças. O papel deste multiplicador será
substituir uma percepção distorcida da realidade por uma percepção
crítica, uma tomada de consciência. O multiplicador vincula, articula,
expande seus horizontes e está comprometido em expandir o horizonte
dos outros na relação. A reflexão vem junto com a ação e, logo, uma rede
de sustentação fica presente” (MARRA, 2004, p. 89).

96
Os atos dramáticos vividos pelos educandos propiciaram uma liberdade de
criação no aqui-e-agora, dentro do tema da aula. Esta forma de ensinar foi defendida por
Freire já que para ele a alfabetização era, ao mesmo tempo, um “ato de criação, capaz de
gerar outros atos criadores; uma alfabetização no qual o homem, que não é passivo nem
objeto, desenvolvesse a atividade e a vivacidade da invenção e reinvenção, características
dos estados de procura” (FREIRE, 1977, P.41).

Com o Psicodrama Pedagógico alunos e professores compartilham a


responsabilidade pelo processo de aprendizagem. Assim, o aluno pode abandonar ou
superar o papel de receptor passivo de conhecimentos e adotar o papel de co-autor de
resultados, de novas condutas e sujeito de novas práticas.

Decidimos por não usar questionário de perguntas de Múltipla escolha por se


tratarem de perguntas fechadas, que embora, apresentam uma série de possíveis respostas,
abrangendo várias facetas do mesmo assunto, poderiam constranger os educandos ou
confundir o propósito da pesquisa. Oferecemos um questionário com possibilidade de
respostas que demonstrasse algumas características pessoais desses sujeitos ao mesmo
tempo, que lhes desse a liberdade de registrar suas emoções na vivência psicodramática,
porém, sem obrigatoriedade de preenchimento parcial ou integralmente. Contudo, nossa
maior preocupação foi registrar e relatar os comentários realizados na terceira etapa dos
encontros. Fizemos a gravação de áudio desses comentários e estão transcritos em anexo
(IV) deste trabalho. Percebemos que a combinação de gravação de áudio com as respostas
abertas possibilita mais informações sobre o assunto, sem prejudicar a tabulação.

Os encontros sempre ocorreram como uma “sessão de Psicodrama” para


desenvolvimento de grupos. Porém, no psicodrama pedagógico, especificamente, a
aplicação de jogos psicodramáticos como no caso dos dois primeiros encontros dessa
pesquisa em que assistimos aos vídeos e depois comentamos sobre seus conteúdos, o
objetivo passa a ser o desenvolvimento de conceitos ou materialização de um fato através
da dramatização. No caso desses dois primeiros encontros, não houve a dramatização pelos
sujeitos da pesquisa, mas, pela dramatização das personagens foi possível discutir com o
grupo sobre a exclusão social dessa parcela de brasileiros: nordestinos migrantes e
analfabetos, em que eles próprios se projetaram.
97
Da parte dos educandos, não existiram muitos problemas a serem apontados no
uso sistemático dos jogos psicodramáticos. Os alunos mais tímidos passaram a integrar-se
aos poucos, e os mais extrovertidos procuraram, no decorrer do tempo, a ceder lugar a
outros do grupo, durante as expressões dramáticas. Essa nobre troca de papeis, a partir da
espontaneidade das características de cada um dos sujeitos no grupo já denota uma
transformação ética e pessoal, empreendida no próprio processo de constituir os jogos.

3.9.1.4. Quarto encontro – Dia 06 de junho de 2012


“Jornal Vivo” Textos sobre: Saúde, Violência e Meio Ambiente

A vivência prática que será analisada aqui ocorreu durante um encontro com
cerca de duas horas e trinta minutos. Durante o aquecimento inespecífico foram
estabelecidos aproximadamente 10 minutos para fazer um pequeno preparo dos
participantes. Foi solicitado aos educandos que caminhassem pela sala como se estivessem
preparando-se para um passeio.

Em seguida eles receberam algumas instruções no sentido de juntarem-se em


grupos conforme cada pessoa se percebesse pertencer a ele; cada um deveria se direcionar
ao espaço de cada grupo que era desfeito assim que se ouvisse uma nova instrução, a saber:
grupos de casados, solteiros, divorciados, viúvos; grupos de pessoas que vieram do
nordeste, do norte, do sul, do centro-oeste, do sudeste; grupo de pessoas que vieram morar
em São Paulo há mais de 10 anos e há menos de 10 anos; grupo de pessoas que já tinham
estudado por algum tempo quando criança e os que só puderam estudar depois de adulto; e,
finalmente, grupo de pessoas que gostam de acompanhar as notícias por meio do jornal, da
televisão, do rádio e os que não dão importância para notícia. Para esta última formação
solicitou-se que os participantes caminhassem novamente por alguns segundos, e em
seguida ocorreu uma parada: nesse momento foi solicitado aos educandos que se
direcionassem aos diferentes locais da sala em que se encontravam alguns jornais,
apropriando-se de um jornal qualquer e sentando-se em seguida num local em que se
sentissem confortáveis.

98
Logo em seguida fomos para o aquecimento específico que ocorreram em três
momentos. No primeiro momento - estimado em aproximadamente 15 minutos - cada
participante de posse de um jornal, foi convidado a folhear o conteúdo do mesmo e escolher
uma notícia obedecendo aos seguintes critérios: “Se você ainda não compreender o que está
escrito no mesmo, escolha uma imagem que lhe chama a atenção separando-a e tentando
encontrar as razões da sua escolha”; “se você já souber ler um pouco e compreende o título
ali escrito, separe a notícia pelo título”; e “se você já é um leitor, deve fazer a escolha da
sua notícia baseando-se não só na imagem do jornal, mas também na história ali
publicada”.

No segundo momento - com duração de aproximadamente 5 minutos - foi


solicitado aos educandos que se levantassem e caminhassem pela sala com a parte do jornal
já selecionada a fim de tentar encontrar entre os colegas outras notícias, outros títulos ou
outras imagens semelhantes ou que mais se aproximassem à sua escolha. Feito isso, um
novo agrupamento foi formado, desta vez por assuntos e assim se formaram grupos para os
seguintes grandes temas: saúde, violência e meio ambiente.

Durante o terceiro momento - de aproximadamente 20 minutos - nos grupos


temáticos, cada componente justificou as razões de sua escolha compartilhando-as com os
colegas e, assim que todos se posicionaram, o grupo escolheu uma única notícia em
comum. O passo seguinte foi a leitura com a mediação da educadora, discussão e
compreensão da notícia pelos componentes da equipe, de modo que todos conhecessem o
assunto tratado e planejassem uma dramatização da mesma.

Durante a etapa de desenvolvimento - de aproximadamente 25 minutos - cada


grupo preparou uma apresentação da sua notícia de forma dramatizada como em um teatro
improvisado e sem ensaios. Era uma condição básica que todos os componentes
necessitariam assumir um papel de modo a participar de alguma maneira da apresentação,
tornando-se personagens ou objetos citados na notícia, de modo que os outros grupos
conseguissem compreender o assunto apresentado. Ocorreu também a confecção de alguns
objetos para compor a cena que os atores utilizariam no momento da dramatização; estes
objetos foram construídos com folhas de jornal, papel crepom, cola, caneta, lápis, barbante
e tesoura. Os objetos criados nesse dia foram: toucas e máscaras médicas para o tema
99
saúde; uma arma (revólver) para o tema violência; uma árvore para o tema meio ambiente.
Durante a apresentação foi reservado um tempo de aproximadamente 15 minutos para que
cada grupo pudesse preparar o cenário, apresentar a cena e explicar o título dado para a
apresentação.

Para a conclusão e o fechamento das diferentes vivências, foram reservados


aproximadamente 40 minutos. Esta foi a parte fundamental para a compreensão e discussão
do momento vivido por cada educando.

Formou-se um círculo com os presentes e todos foram convidados para falar


sobre o trabalho vivido, sua participação, seu sentimento, sua compreensão do assunto, as
suas descobertas, a atuação dos colegas e o apoio recebido.

Esta vivência procurou, sobretudo, explorar a criatividade, a participação, a


cooperação, o trabalho em equipe, a habilidade na construção dos objetos utilizados em
cena e, principalmente, a utilização do jornal como fonte para manter-se informado,
ampliando o conhecimento da língua escrita e a análise crítica acerca do meio social dos
educandos.

No dia seguinte, foram escritos na lousa os títulos dados pelos educandos às


notícias, fazendo-se uma breve recapitulação dos assuntos abordados e, em seguida, um
debate. Nesse momento foi enfatizada a importância de ter uma análise crítica dos
noticiários no sentido de fazer questionamentos a respeito das diferentes mídias e de como
certas notícias manipulam o leitor, beneficiando interesses econômicos, políticos ou de
classes sociais, e mostrando ao educando a necessidade de ser um leitor crítico,
independente e questionador.

Após esse debate os educandos que já tinham certo domínio da leitura e escrita,
foram convidados a escolher uma das notícias encenadas e a escrever sobre o que aprendeu;
sobre o que já sabia desse assunto e sobre qual sua opinião a esse respeito. Cada educando
teve a oportunidade de também propor algumas sugestões para os problemas abordados nas
diferentes notícias.

100
Os educandos em início de aquisição da escrita puderam grifar diretamente no
jornal as palavras que reconheciam no texto por meio das cópias das mesmas fornecidas a
eles. Em seguida eles trabalharam em dupla sobre questões associadas às notícias. Por
exemplo: O nome dado às vivências era encontrado nas notícias? Coube também a estes
alunos escreverem os nomes dos objetos confeccionados para as peças construídas para as
cenas.

Esta vivência aumentou a auto-estima desses educandos já que ao se verem


interpretando diferentes papeis para os colegas, trabalharam o auto-reconhecimento e a
auto-valorização. Este trabalho foi realizado de forma não convencional e envolveu
recursos simples existentes na própria sala de aula: desta forma a aprendizagem pode
tornar-se mais agradável e mais próxima do conhecimento de mundo desses educandos.

Na fala do S11 podemos perceber foi interessante esse momento para a vida
dele e dos seus colegas do grupo: “mesmo que a gente seja bastante interessada, a gente
chega aqui muito cansado depois de um dia de trabalho, e quer logo ir para casa para
descansar, mas hoje, eu queria ficar por aqui e ‘brincar’ mais um pouco!”(sic).

Dessa forma, acreditamos ser imprescindível que o educador proporcione para


os alfabetizandos adultos uma aula agradável que os estimule para que não desanimem e
desista de frequentar o contexto alfabetizador. A técnica do “jornal vivo” propiciou este
ambiente estimulante.

Enfim, a riqueza das situações propostas foi amplamente vencida pela


abundancia e prodigalidade humana das situações vividas e observadas no grupo. Pudemos
compreender como é enriquecedor trabalhar com a potencialidade educacional de dois
grande autores e suas proposições para o entendimento da condição humana, a superação
dos problemas humanos, de diferentes causas e naturezas, e sobretudo como é possível unir
esses autores num projeto de educação e emancipação humana de adultos, como fizemos
em nossa recorte de observação e análise.

Certamente teríamos muitas outras tarefas e aspectos a destacar e comentar,


mas a exiguidade de nosso tempo de investigação e as demais obrigações da vida prática

101
acabam por limitar essa possibilidade. Todavia, a despeito da finitude da presente
proposição, aprendemos em nosso corpo e em nossa alma, a riqueza da obra de FREIRE e
MORENO e a original forma de integrar suas contribuições na Educação de Jovens e
Adultos, em nossa realidade.

Cada um desses autores é grandioso, mas ousamos reproduzir aqui a famosa


assertiva de Bernard de Chartres:

“Subamos nos ombros dos gigantes para olhar mais longe. Mas não nos
esqueçamos nunca que, para que pudéssemos olhar mais distante e longe eles nos
seguraram nos ares, para que pudéssemos ver além. Reverencia os gigantes que te
seguraram no ar!”

Esse trabalho quer reverenciar a dois gigantes de nossa época, que nos
proporcionaram as condições de olhar mais longe, e de ver e buscar superar as marcas de
uma educação autoritária e excludente. Esses novos sujeitos históricos, nascidos desse
processo novo e exigente de empoderamento dos grupos e camadas sociais emergentes
recentes estão criando as condições para gerar um tempo e uma sociedade de contornos
solidários, sustentáveis e tolerantes, participados por todos!

102
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegarmos ao final desse relatório de um intenso trabalho de pesquisa


somos tomados por uma sensação polifônica, isto, é, de muitas vozes. Se, por um lado
prevalece a alegria pelo fim de um projeto, pelo cumprimento de uma tarefa acadêmica e
pessoal, pela finalização de nossa busca, por outro, desponta a grandiosa responsabilidade
de dar conta de tantas pessoas ainda excluídas da educação e da escola formal em nosso
país, carregados de signos de negação de sua cultura, identidades, premidos pela tradição
preconceituosa que se manifesta no desprezo a seu dizer, a seu fazer, a seu agir e conviver.
A educação popular de adultos, por um lado registra o esforço de imensas populações pelo
acesso e conquista da educação, mas, por outro, registra a falência de uma sociedade em
prover no tempo certo a educação e escola necessária à humanização e formação humana e
social.

Um aspecto singular que nos motivou na luta pela concretização deste projeto
foi o fato de acreditar que, apesar de todos os empecilhos para se educar, ainda existem
muitos professores cumprindo com excelência o seu papel, com plenitude, o que significa
ter afetividade, gostar do que faz ter compromisso e, primordialmente, acreditar que mesmo
não podendo transformar o mundo inteiro, a semente, a prática educativa crítica e
construtiva, poderá germinar, basta, para isso, o cuidado com o terreno, com a fertilização
necessária para plantar, nesse caso, o preparo do grupo de educandos para receber as
propostas de dialogar sobre as situações conflitantes cotidianas em busca de respostas
adequadas.

Paulo Freire destaca em grande parte de suas obras que um saber indispensável
para o professor é não separar prática de teoria, autoridade de liberdade, respeito ao
professor de respeito aos alunos, ensinar de aprender. Desta forma, segundo o autor, ensinar
exige comprometimento com a tarefa de professor, o qual vai buscar uma melhora
constante no seu próprio desempenho. Não se toma aqui o conceito de desempenho no
estreito jargão de produtividade, presente em marcos educacionais neoliberais e de
inspiração empresarial. Este desempenho deve ser avaliado tanto pelo professor quanto pelo

103
aluno em termos mais amplos, éticos, estéticos, pedagógicos, culturais e políticos. Cabe ao
professor estar atento aos sinais que o aluno dá a respeito das atividades desempenhadas
por este professor frente aos alunos. Como educadora de jovens e adultos compreendemos a
profundidade dessas palavras, no oficio de entabular com nossos educandos essa troca de
dimensões essencialmente humanas.

O fato da escolha da teoria de Paulo Freire em detrimento de outra, deve-se ao


encanto das aspirações que sua teoria exprime, da sua paixão por educar, uma paixão que
transborda nos seus escritos, da busca de se conhecer e de se transformar, pressupondo a
consciência da incompletude do ser humano e da permanente tarefa de superação
decorrente dessa premissa. Daí o desejo de se modificar, de formar, não para que todos
pensem iguais, mas para que todos possam crescer, libertar-se e serem solidários, na base
do respeito à diferença. Sua preocupação era formar um cidadão com senso crítico da
realidade em que vive.

Também aprendemos que as ideias de Moreno, toda sua forma de pensar, de


agir e entender o homem busca, assim como Paulo Freire, empreender e desencadear o
processo de libertação do homem de suas amarras, de suas conservas, que podem levar os
homens a tornarem-se acríticos (ou cristalizados), aceitando a realidade como uma coisa
dada, sem perspectiva de mudanças. A luta pela inserção do Psicodrama de Moreno em sala
de aula é uma luta pelo não tradicional, pela mudança, pela liberdade de expressão e ação
dentro e fora da sala de aula, pelo diálogo, pela igualdade na relação professor-aluno. Trata-
se do desejo de obtenção de um espaço educativo não mero reprodutivo de saberes, teorias,
conceitos, mas, de um espaço de construção, criação.

Com a implementação no grupo de alfabetizandos jovens e adultos de nossa


pesquisa dos jogos psicodramáticos de forma geral e da técnica do Jornal Vivo,
especificamente, buscou-se ajudar o educador a alcançar na relação com seus educandos a
integração entre conhecimento adquirido e experiência vivida. Para isso foi necessário que
o educando deixasse fluir sua espontaneidade, libertando-se ao máximo nas dramatizações,
como uma forma de resolver a “brecha entre a realidade e a fantasia”, isto é, saber transitar
entre a realidade e a fantasia.

104
Quando o trabalho com o “jornal vivo” iniciou, alguns educandos ficaram
tímidos, sem saber o que fazer, e até mesmo acanhados. Entretanto, passados os momentos
iniciais, vários deles aprovaram a iniciativa e abraçaram a ideia de trabalhar com o jornal,
sentindo-se importantes ao realizar as tarefas propostas, pois em muitos casos eles
assumiam diferentes personagens, como fazendeiros (proprietários de terras), professores,
policiais e diretores de escolas. A riqueza da realidade, apesar de suas contradições,
expressava-se no conjunto dos educandos em rico processo de descoberta de si e do mundo.

No geral, a consciência de cada um de si mesmo, do grupo, da escola, da


comunidade e do país muito se elevou. As leituras dos diferentes jornais aproximaram os
estudantes das coisas que acontecem no país, no seu entorno de vida, no bairro, na cidade, e
que direta ou indiretamente se refletem em suas vidas, tornando-os menos vulneráveis, por
exemplo, às manipulações e simplificações, próprias do senso-comum, observadas na
expressão comum aferida: – “passamos a refletir” – falou-nos um desses educandos. Além
disso, ao dramatizar a notícia e ao realizar as diferentes tarefas a respeito daquilo que
acabaram de encenar, o trabalho de produção escrita melhorou significativamente, pois
como eles já conheciam o assunto, as atividades textuais tornaram-se mais significativas e,
portanto, mais fáceis de serem executadas.

Infelizmente, vimos como característica possivelmente negativa desses grupos,


que de certa forma foi nosso interesse nessa pesquisa, o fato de muitos iniciarem nessas
comunidades para estudar com entusiasmo; só frequentarem por alguns meses sem concluir
ao menos um ano de Estudos, sem serem encaminhados para prosseguimento em outras
modalidades. Desistem ou se ausentam das aulas por tempo indeterminado sem apresentar
justificativas. Talvez, as nossas propostas metodológicas possam ser mais entusiásticas,
dinâmicas e libertadoras, ou as condições objetivas de vida devam ser mais bem estudadas
para não determinarem tanto essas predisposições aos projetos de oferta educacional.

Esta proposta de trabalho com o uso do sociodrama e do psicodrama


pedagógico associado às ideias de Paulo Freire procurou resgatar a espontaneidade dos
educandos, rompendo com os padrões de comportamento estereotipados que levam à
automatização dos discentes em seu processo de aprendizagem, bem como buscou a

105
construção total do homem, quer quanto aos conteúdos acadêmicos, quer na formação de
seu caráter social.

Por meio desta pesquisa pôde-se conseguir, em sala de aula, um ambiente


relaxado e uma atmosfera cultural de confiança recíproca, coletiva e comum, para que a
aprendizagem dos educandos fosse plena. Isso vai direcionalmente ao encontro da
pedagogia Moreniana, a qual defende que a situação espontânea do grupo por meio da ação
promove um efeito catártico.

A forma como os trabalhos foram conduzidos fez com que os educandos


fossem a níveis cada vez mais sutis de abstração e de generalização, como é esperado de
um processo de consciência epistêmica e social. Isso foi conseguido porque quem está
conhecendo (os educandos) está, ao mesmo tempo, “fazendo”, experimentando aquilo que
conhece. Este “fazer” resgata o verdadeiro sentido da palavra “ação”, libertando-a da
limitação clássica que lhe foi imposta pelas conservas culturais.

Podemos visualizar que, na execução das dimensões postas pela prática, foi
possível utilizar as etapas do método de Paulo Freire: investigação, tematização e
problematização. Com estas etapas foi possível atingir a espontaneidade e criatividade
propostas por Moreno, bem como construir a autonomia dos educandos, valorizando e
respeitando sua individualidade. Assim como foi possível utilizar as três etapas do método
psicodramático: aquecimento, dramatização e comentários.

Portanto, como cita Paulo Freire em sua obra “Pedagogia da Autonomia”


(1996), o sujeito que vai ser formado não deve considerar-se como um paciente que recebe
os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe. É preciso ficar claro que
“quem ensina aprende ao ensinar e, quem aprende, ensina ao aprender” (p.27).

Moreno também não concorda com a ideia de que a pessoa aprenda sozinha, pois,
desta forma se deixará levar pela lei da inércia psíquica que induz o homem a repetir o já
feito, a tomar atitudes sempre iguais, a desenvolver a mesma conduta.

No Psicodrama, o conteúdo é vivenciado, dramatizado, passando a fazer parte


do sujeito, enquanto na aula expositiva, dependendo do nível de atenção do aluno apenas

106
uma pequena parcela do que se apresenta ao aluno é fixada na memória. No método
psicodramático a ação é, em primeira instância, baseada no real, no vivencial, sendo
localizada com facilidade às ações da vida de cada sujeito, como defende Paulo Freire. O
método Psicodramático contribuiu para que o educando colocasse para fora o que “sabe” e
o que compreendeu como algo próprio, como algo seu. A metodologia psicodramática
permitiu ao educador verificar, numa situação “viva”, a validade do conhecimento que foi
incorporado através da rotina educativa.

Pelos resultados aferidos pela pesquisa observa-se que, para o educando jovem
e adulto ter prazer nos seus estudos é necessário que ele se reconheça como agente deste
processo, podendo fazer escolhas de maneira autônoma, livre e espontâneo-criativa.

Tanto Moreno quanto Freire prega a ação como meio de aprender,


estabelecendo que isso se faz mais facilmente através de técnicas ativas. “Aprender é
colocar o aprendizado na vida: é evidente o aspecto contextualizante das técnicas
dramáticas” (ROSINHA, 1999, p.82). Trata-se de uma educação posta a serviço da vida, da
felicidade, da dignidade da existência humana.

Freire e Moreno também destacam o respeito pelo desenvolvimento da


criatividade e espontaneidade, tornando possível estabelecerem-se correlações entre suas
ideias. De acordo com Gonçalves et. al. (1988, p.87), na visão Moreniana de homem, desde
o início, o homem traz consigo fatores favoráveis ao desenvolvimento da sua
espontaneidade, que não vem acompanhado por tendências destrutivas. Entretanto estas
condições, que favorecem a vida e a criação, podem ser perturbadas por ambientes ou
sistemas sociais constrangedores. Nesse caso, resta a possibilidade de recuperação dos
fatores vitais, através da renovação das relações afetivas e da ação transformadora sobre o
meio.

Estes ambientes ou sistemas sociais constrangedores podem sufocar a capacidade


criadora do homem. No momento em que a Espontaneidade se acumula e se deposita, ela se
transforma em Conserva Cultural, em algo que permanece em modos rígidos de ser e agir
sem autonomia pessoal. Esses conceitos morenianos retratam bem a mesma denúncia do
saber dogmático e da educação bancária de Freire.

107
Assim sendo, segundo Gonçalves et.al (1998, p.89), estes ambientes ou
sistemas sociais podem conter elementos constrangedores que vêm prejudicar esse
potencial, resultando na cristalização de papéis, na estagnação do desenvolvimento do
homem e na reprodução destas conservas culturais, objetos materiais, comportamentos,
costumes e hábitos que se mantêm idênticos em uma determinada cultura.

Desta forma, é através do resgate da espontaneidade, concebida como a


capacidade de reagir a situações novas de maneira adequada, que o sujeito torna-se capaz
de criar respostas inéditas, renovadoras e transformadoras de situações preexistentes.

Podemos concluir que a proposta de educação de Paulo Freire e o projeto de


Psicodrama de Moreno tem como objetivo promover a ampliação da visão de mundo e, isso
só acontece quando essa relação é mediatizada pelo diálogo. A dialogicidade, para Paulo
Freire esta ancorada no tripé educador-educando-objeto do conhecimento. O Psicodrama,
por outro lado, é uma abordagem dialógica. A qualidade desta relação é caracterizada pela
mutualidade. Quando examinamos a necessidade de expressão verbal e recordamos que
para Paulo Freire a comunicação, o diálogo, é necessário para o aprender, porque
possibilita a socialização, percebemos que o diálogo entre os alunos e destes com o
professor nem sempre é permitido na didática tradicional, o que dificulta a construção do
conhecimento.

Paulo Freire tenta abolir dentro do processo ensino-aprendizagem, estes


ambientes sociais constrangedores. Para Freire (1996, p.21), educar é construir, é libertar o
homem do determinismo, passando a reconhecer o papel da história. A educação é uma
forma de intervenção no mundo. Intervir é agir. É ação.

Os resultados de nossa pesquisa demonstram o quanto é necessário os


educandos serem desafiados a refletir sobre seu papel na sociedade, a ampliar sua visão de
mundo, a formar sua consciência crítica. Podemos destacar também a relevância da relação
dos educandos entre si, dos educandos com a educadora e dos educandos com o conteúdo a
ser aprendido, como fator preponderante no processo de aprendizagem . Nós também
aprendemos com os educandos sujeitos de nossa pesquisa.

108
Os resultados apresentados também mostraram que a leitura, apropriação e
manejo desses pressupostos e deste método produziram efeitos significativos sobre os
participantes no sentido do seu papel de multiplicador. A grande maioria revelou mudanças
de atitudes e alguns falaram do desejo da implementação, em seus locais de trabalho, de
novas atividades baseada nas técnicas ensinadas. Isto é especialmente importante na
formação de adultos, pois estamos lidando com pessoas que em sua maioria tem sob sua
responsabilidade a educação de filhos e netos e, assim, poderão multiplicar estes efeitos em
suas ações educativas.

Acreditamos que a utilização dos jogos psicodramáticos como método


pedagógico atingiu seu objetivo de ser instrumento para a leitura política da exclusão social
e escolar dos educandos em um grupo de Educação de Jovens e Adultos, quando propiciou
uma maior interação entre esses sujeitos; quando permitiu o desenvolvimento da co-
responsabilidade diante do que foi construído nos encontros/sessões; com a diluição dos
papéis fixos e estáticos dentro do grupo, percebida na mudança de atitude desses
indivíduos; na aprendizagem relacional e aprendizagem de novos papéis e conceitos, na
reflexão sobre a ótica do outro quando se escuta e dialoga; na tomada de decisão conjunta,
pela integração entre conhecimento adquirido e experiência vivida e também na criação de
modos alternativos de resolução de problemas. A utilização deste método adquiriu
importância, na visão dos educandos, por tornar o contexto alfabetizador um local
agradável, gerador de motivação, espontaneidade e criatividade, facilitador do crescimento
pessoal dos educandos e favorecendo a consolidação da aprendizagem, ao utilizar a
dramatização.

Segundo esses educandos, o ensino tradicional, torna, na maioria das vezes, a


aula cansativa e, desta forma, o processo de aprendizagem fica aquém das reais
possibilidades. E, além desse desconforto, é a manutenção dessas formas coercitivas e
excludentes que explica a grande dívida social e educacional presente no país, apesar de
sermos considerados hoje a sexta maior economia do mundo em termos de produtividade
capitalista (PIB).

Assim, consideramos ser necessário lutarmos por uma educação


problematizadora não só para pessoas adultas, mas, para esses indubitavelmente. Deve-se
109
buscar um constante exercício em favor da construção e do desenvolvimento da autonomia
do professor e alunos, não somente transmitindo saberes, mas, dando significado,
construindo e redescobrindo, deixando fluir nos sujeitos a tele e sua espontaneidade-
criatividade. Precisamos mudar nossa práxis e criarmos mecanismos que tornem o ensino
mais motivador, contribuindo para a formação do educando como um todo. Esperamos que
este trabalho seja o princípio de uma série de outros projetos de pesquisas a serem
desenvolvidos sobre o tema.

Nesse final de nossa relatoria de uma pesquisa, na forma de dissertação de


Mestrado em Educação, na área de Psicologia Educacional, somos tomados por um
sentimento de dever cumprido e de uma vontade imensa de que essa trajetória inspire os
grupos e sujeitos sociais emancipados pela luta política a tomarem definitivamente sua
história nas próprias mãos.

110
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VÁZQUEZ, Adolfo S. Filosofia da práxis. 2. ed. Tradução de Luiz F. Cardoso. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1977.

WEIL, Pierre. Psicodrama. Rio de janeiro: Cepa, 1990.

YOZO, Ronaldo Yudi K. 100 jogos para grupos: uma abordagem para empresas, escolas e
clínicas. São Paulo: Ágora, 1996.

ZEN, Eliesér Toretta. Educação e humanização: a teoria e a prática de Paulo Freire. In:
CONGRESSO INTERNACIONAL DA CÁTEDRA UNESCO DE EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS, 1., 2010, João Pessoa. I Congresso Internacional da Cátedra
Unesco de Educação e Jovens e Adultos. João Pessoa: UNESCO, 2010.

114
ANEXOS

115
Primeiro encontro – dia 15 de maio de 2012
Documentário: Vida Maria

Diretor: Marcio Ramos


Ano:1995
Trilha sonora: Herlon Robson
Gênero: Animação
Duração: 9 minutos

Comentários do primeiro encontro:

S5 – “Desde seis anos de idade, quando meu pai morreu tive que virar adulta e
deixei de ser criança”. (fala decidida e claramente).

Ob. O Sujeito 5 (S5) descreve o cenário com flores, velas, crucifixo e comenta que
lembra bem porque tem a fotografia do pai morto, pois isto é um costume cultural, para as
crianças verem mais tarde a foto e terem certeza de que o pai morreu.

S13 – “Ninguém de minha família pode ajudar quando meu pai morreu. Todos já
tinham suas obrigações, seu trabalho na roça”...

S8 – “O meu pai morreu eu tinha mais ou menos a idade da menina do filme. Ele
morreu de tuberculose, sempre foi doente, desde solteiro. Minha mãe não sabia que ele era
doente quando se casaram”. “o casamento de meus pais foi contratado pelos pais deles.
Sempre foi muito difícil, o casamento foi só doença e trabalho”.

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S11– “Fiquei muito triste quando meu pai morreu”. “Sabia que eu ia ter que
ajudar minha mãe. Não sabia como ia ser sem ele”...

S8 – “Eu como filha mais velha, tive que assumir essa responsabilidade. Além
disto ela sempre fui a mais responsável, mais que os meus irmãos homens. Tive que ser
séria, responsável, e trabalhadora”.

S8 – “Sim, não tem outro jeito. E tem que ser forte”. “Nortista é forte, não chora,
não deve chorar, deve ser sério e responsável”.

S7 – “Sinto que vai ficando uma casca bem dura em volta da gente”.

Paramos aqui a dramatização e voltamos ao contexto grupal emocionados. Emoção


e vivências compartilhadas com o grupo.

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Foto 01

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Foto 02

Foto 03

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Foto 04

Segundo encontro – dia 22 de maio de 2012


Vídeo: Triste partida (música de Luiz Gonzaga- letra de Patativa do Assaré)
Meu Deus, meu Deus

Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre

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Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz

Ai, ai, ai, ai

A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus

Mas noutra esperança


Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai

122
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra

Pois a barra não tem


Ai, ai, ai, ai

Sem chuva na terra


Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
123
Diz: "isso é castigo

não chove mais não"


Ai, ai, ai, ai

Apela pra Março


Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai

Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer

124
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai

Nós vamos a São Paulo


Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá e pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai

E vende seu burro


Jumento e o cavalo

125
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai

Em um caminhão

Ele joga a famia


Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natal
Ai, ai, ai, ai

O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus

126
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena

Adeus meu lugar


Ai, ai, ai, ai
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Com seu filho choroso
Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai
De pena e saudade
Papai sei que morro

Meu pobre cachorro


Quem dá de comer?

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Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai

E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca

E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos filho pensando
E o carro rodando

128
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai

Chegaram em São Paulo


Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado

Procura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano,


Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode

129
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai

Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai

Do mundo afastado
Ali vive preso

130
Sofrendo desprezo

Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia

E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposta à garoa
A lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai

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Após a apresentação do vídeo música Triste partida para o grupo Sr.A. (S1)
erguendo o dedo se levanta, vem até a frente e diz:

“- É para falar? Não é?– eu quero contar minha história. Eu não cheguei a passar
fome no norte, mas, a vida era muito difícil, muito trabalhoso! Não tinha trabalho para
minhas irmãs e meu pai não queria que elas trabalhassem em casa de família. A nossa
família era muito grande. Meu pai botou na cabeça que lá não era lugar de viver. Meu pai
não dava veiz para ninguém. Apareceu de imediato alguém interessado em comprar nossa
terra. Meu pai vendeu nossa terra de porteira fechada. Fazíamos plantação de milho, de
aipim, de cana, de bananeira, nós tinha de tudo. Plantava “de meia” com os outros. Puxava
jacaré pelos pés...com a enxada”(sic)!

“- Um tio meu que foi até o Recife e na volta vinha para São Paulo, passou por lá,
pegou a gente e trouxe a nossa família. Viemos de Pau de arara”.

“- Viemos todo mundo pra qui trabalhar em fábrica, em mercado, atacadista. Eu


tinha dezesseis anos”.

“- No caminho, a gente encostava o caminhão na estrada e cozinhava, minha mãe


fazia canjica, fazia mingau com o milho que a gente encontrava na estrada.Também pegava
cana para comer no caminho. Foi muito gostoso”!

“- E aqui (São Paulo) foi outra vida, não aquela que a gente tinha lá”.

___________________________________________________________________
Relato feito pelo Sr A. no segundo encontro após a apresentação do vídeo com imagens de uma
família de retirantes que vendem suas terras e partem de pau-de-arara para São Paulo em busca de trabalho e
recursos econômicos. Enquanto vivem as desventuras da cidade grande, sonham em poder voltar para a terra
natal.

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Comentários – (segundo encontro).
Terceira etapa do Psicodrama pedagógico

Sujeito 2 – M.F.S. “- Eu nunca passei fome porque sempre trabalhei em casa de


família... Mas meus irmãos – quatorze – passaram. A comida sempre foi pouca, mas,
mesmo pouca, quando tinha em casa (comida) e chegasse alguém que não tinha minha mãe
dava uma colher para que eles comessem junto com nós”.

Ao relatar M. chora e sua fala sai pausada como se essas lembranças


trouxessem a tristeza pela pobreza ao mesmo tempo satisfação em poder ter partilhado o
pouco que possuíam.

“- Faz um ano mais ao menos (continua M.) eu trabalhava com uma família que
não deixava eu nem fritar um hambúrguer nem salsicha, nem para a filha adotiva dela nem
para mim. Eles (o casal) brigavam por causa de comida, a comida vencia e aí jogava fora.
Só se preocupava com o marido e os seus filhos. Trabalhei por anos e ela nem depositou os
direitos trabalhistas. Só descobri que ela estava me enrolando quando fui atrás no INSS...”
(Instituto Nacional de Seguro Social).

Sujeito 3 – M.da.G. “- É interessante porque a gente já passou por isso! Porque eu já


passei fome! Eu também vim do nordeste”.

Sujeito 4 – F.D.V.“- Eu lembrei na exploração que os ‘bolivianos’ estão fazendo


com os outros que eles estão trazendo e colocando pra trabalhar pra eles direto, sem
descanso e com pouca comida” (sic).

Sujeito 5 – “- Meu pai tinha um sitiozinho que precisou vender porque perdeu toda a
lavoura com a seca”. Eu não cheguei a passar fome porque viemos embora, mas, meus

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irmãos mais velhos passaram fome antes de meu pai resolver vir embora. Ele não queria
deixar a terrinha” (sic).

Sujeito 6 – F.D.V. “- Todo ano meu pai dizia que a gente ia voltar pra nossa terra,
mas a minha mãe falava que não queria ir porque aqui em São Paulo pelo menos a gente
passava menos fome que lá em Pernambuco, porque aqui a patroa dela era boa e deixava
ela levar para casa as sobras de comida” (sic).

Sujeito 11 – M.M.S. “- Quando viemos pra São Paulo, a gente (eu e meus 8 irmãos
pequenos) não sabia o que ia acontecer aqui com a gente, ficamos com medo de se perder
um do outro e nunca mais se encontrar” (sic).

Sujeito 14 – “- Eu também tinha uma boneca dessa e que ficou perdida, eu sempre
sonhava com ela e as vezes sonho até hoje” (sic).

Sujeito 15 – “- Minha mãe costumava plantar roseiras em volta da casa e era eu que
cuidava delas” (sic).

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PARTICIPANTES DO SEGUNDO ENCONTRO - REPRESENTAÇÃO DA
MÚSICA TRISTE PARTIDA

FOTO 01

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FOTO 02

FOTO 03

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FOTO 04

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FOTO 05

Terceiro encontro – Dia 29 de maio de 2012

“Jornal Vivo” Texto: Se deixarem a escola melhora – Revista Época (junho de


2007 Edição nº 472).

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Se deixarem, a escola melhora revistaepoca.globo.com/Rev ista/Epoca/0,,EDR77590-
6009,00.html 1/3

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Comentários – (terceiro encontro).

Sujeito 8 – “A cena me fez ver coisas que quando ouvi a professora ler o texto não
tinha percebido. Parece que as ideias vieram à cabeça”(sic).

Sujeito 19 – “Muita das coisas que aconteceram na cena saiu na hora. Não tínhamos
pensado em muitos detalhes, a gente queria fazer só o que era solicitado pela senhora
(pesquisadora). Na hora da cena muita coisa veio à nossa cabeça, parecia que tudo era real”
(sic).

Sujeito 12 – “A gente fica preso a regras e não temos a mínima liberdade de criar”
(sic).

Sujeito 11 – “mesmo que a gente seja bastante interessado, a gente chega aqui muito
cansado depois de um dia de trabalho, e quer logo ir para casa para descansar, mas hoje, eu
queria ficar por aqui e ‘brincar’ mais um pouco!”(sic).

Neste encontro o pesquisador esteve envolvido como diretor do jogo psicodramático


(jornal vivo). Portanto, deste encontro não temos imagens (fotos).

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