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Campinas
2012
i
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
2012
v
DEDICATÓRIA
vii
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus filhos Celinha, Bia, Cesar, Lui, Cris e Bruna pela
compreensão e paciência nos momentos em que estive ausente; por representarem a
esperança na minha vida e pelos netos que são a minha alegria.
Agradeço aos meus irmãos Cesar, Celso e Cleya pelo incentivo, apoio, e,
principalmente, pela convivência familiar nesta caminhada.
Ao meu orientador Profº Drº Valério José Arantes, pela orientação e confiança.
Obrigada por me permitir um novo olhar em educação.
Agradeço a todos os meus amigos, pelas sinceras críticas, pelo incentivo e pelas
orações.
ix
“É preciso ousar para dizer cientificamente que
estudamos, aprendemos, conhecemos com o corpo
inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os
desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e
também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É
preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do
emocional.”
Paulo Freire
xi
RESUMO
Essa dissertação se propõe a articular as originais contribuições de dois grandes
pensadores, Paulo Freire (1921-1997) e Jacob Levy Moreno (1889-1974), na consideração
da Educação brasileira recente. Para isso, propomos neste trabalho como metodologia o
Psicodrama criado por Moreno e a proposta filosófica emancipatória de Paulo Freire. As
técnicas do psicodrama no enfoque pedagógico possibilitaram o envolvimento do próprio
pesquisador com a situação pesquisada, permitindo que a metodologia utilizada partisse do
referencial da pesquisa participante. Trata-se, de uma pesquisa qualitativa de natureza
hermenêutica e de fundamentação histórica e crítica, conforme reconhecimento acadêmico.
O manejo destas técnicas no processo de educação de jovens e adultos na periferia de São
Paulo buscou resgatar a identidade subjetiva e formar a consciência social sobre exclusão
nos movimentos sociais e populares de educação no bairro Jardim da Conquista, numa
perspectiva de emancipação na concepção de Paulo Freire. Os procedimentos adotados
consistiram na sistematização dos registros existentes e na realização de quatro encontros
de discussão com os participantes do grupo analisado que no decorrer da pesquisa, ao
colocar também seus sentimentos e sua percepção do outro, intervir espontaneamente,
refinar seu sentimento de empatia, focar objetivamente uma situação e reconhecer desejos e
sentimentos seus no outro, estiveram ativamente trabalhando suas histórias de vida e
colaborando uns com os outros no entendimento e resolução de várias facetas de sua
trajetória. Opta-se nesse trabalho compartilhar algumas ideias e experiências,
essencialmente, por acreditar na indissociabilidade do pensamento e da emoção, do
cognitivo e do afetivo, no dinamismo do processo de aprender. Pelos resultados aferidos
pela pesquisa observa-se que, para o educando jovem e adulto ter prazer nos seus estudos é
necessário que ele se reconheça como agente deste processo, podendo fazer escolhas de
maneira autônoma, livre e espontâneo-criativa. Esta proposta de trabalho com o uso do
sociodrama e do psicodrama pedagógico associado às ideias de Paulo Freire procurou
resgatar a espontaneidade dos educandos, rompendo com os padrões de comportamento
estereotipados que levam à automatização dos discentes em seu processo de aprendizagem,
bem como buscou a construção total do homem, quer quanto aos conteúdos acadêmicos,
quer na formação de seu caráter social.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia; Educação; Psicodrama; Movimentos sociais;
Emancipação.
xiii
ABSTRACT
This dissertation aims to articulate the unique contributions of two great thinkers,
Paulo Freire (1921-1997) and Jacob Levy Moreno (1889-1974), in consideration of the
recent Brazilian Education. We propose in this paper as a methodology created by Moreno
Psychodrama and emancipatory philosophical proposal of Paulo Freire. The techniques of
psychodrama in pedagogical approach enabled the researcher's own involvement with the
situation investigated, allowing the methodology of a research framework departed
participant. It is a qualitative nature of reasoning and hermeneutics historical and critical, as
academic recognition. The management of these techniques in the education of youth and
adults in the outskirts of São Paulo tried to rescue the subjective identity and build
awareness about social exclusion in social movements and popular education in the Jardim
da Conquista, a perspective of emancipation in the design of Paul Freire. The procedures
adopted consisted in the systematization of existing records and the performance of four
meetings with discussion group participants who analyzed during the research, also to put
your feelings and perception of others, intervene spontaneously refine their sense of
empathy, focus a situation objectively and recognize their feelings and desires on the other,
were actively working on their life stories and collaborating with each other in
understanding and resolving many facets of his career. Opta up this work to share ideas and
experiences, essentially, for believing in the inseparability of thought and emotion, the
cognitive and the affective, the dynamism of the process of learning. The results measured
by the survey shows that, for educating young adult and take pleasure in their studies is
necessary that he be recognized as an agent of this process and can make choices
autonomously, free and spontaneous-creative. This proposed work with the use of
psychodrama and sociodrama associated with pedagogical ideas of Paulo Freire sought to
rescue the spontaneity of the students, breaking the stereotyped patterns of behavior that
lead to the automation of the students in their learning process and sought to build total
man, whether in relation to academic content, either in forming its social character.
Key words: Psychology; Education; Psychodrama; Social Movements;
Emancipation.
xv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 01
1. CAPÍTULO I: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E ANÁLISE DOS
FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E A
PEDAGOGIA DA AUTONOMIA. .............................................................................................. 11
1.1. Breve histórico da Trajetória das Políticas de EJA no Brasil .............................................12
1.2. Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos no Brasil .................................................19
1.2.1. O Processo de Alfabetização de Angicos ..............................................................................20
1.3. Educação Popular: perspectivas e realizações .................................................................22
1.4. A Pedagogia da Autonomia e seus Saberes Necessários .................................................30
2. C APÍTULO II: O PS ICODRAMA E A EDUCAÇÃO: FUNDAMENTOS E
POSSIBILIDADES INSTITUCIONA IS E POLÍTICAS. ............................................................ 37
2.1. Breve biografia do criador do Psicodrama .......................................................................40
2.2. Psicodrama: principais conceitos e técnicas ....................................................................42
2.2.1. Teoria dos papéis .................................................................................................................43
2.2.2. Espontaneidade ....................................................................................................................48
2.2.3. Tele .......................................................................................................................................50
2.2.4. Conservas culturais ..............................................................................................................51
2.2.5. Catarse ..................................................................................................................................51
2.3. A Ação Psicodramática .....................................................................................................52
2.3.1. Egos auxiliares ......................................................................................................................52
2.3.2. Role Playing ..........................................................................................................................53
2.4. Os Fundamentos da Ação Psicodramática ....................................................................................54
2.5. Psicodrama Pedagógico ........................................................................................................57
3. cAPÍTULO III: ARTICULAÇÃO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA COM O
PSICODRAMA PEDAGÓGICO EM GRUPOS DE ALFABETIZAÇÃO DE PESSOAS
ADULTAS: Possibilidades e disposições ..................................................................................... 63
3.1. Freire e Moreno: Primeiras Reflexões .............................................................................66
3.2. Jogo Dramático e Psicodrama: semelhanças e diferenças ................................................69
3.3. Alfabetização libertadora no contexto psicodramático ...................................................70
3.4. Característica do bairro Jardim da Conquista ....................................................................71
xvii
3.5. Identidade do Grupo analisado ...........................................................................................72
3.5.1. Características do Grupo .........................................................................................................74
3.6. Técnicas de Psicodrama aplicadas no contexto alfabetizador .........................................75
3.6.1. Técnica de “Jornal Vivo” .........................................................................................................78
3.7. Freire e Moreno: aproximações ......................................................................................78
3.8. Apresentação da proposta da pesquisa empírica. ............................................................82
3.9. Relato, análise e processamento teórico da pesquisa empírica ......................................86
3.9.1. Descrição dos Encontros ............................................................................................................87
3.9.1.1. Primeiro encontro: Vida Maria................................................................................................88
3.9.1.2. Segundo encontro: Dia 22 de maio de 2012 ..........................................................................89
3.9.1.3. Terceiro encontro Dia 29 de maio de 2012 ............................................................................91
3.9.1.4. Quarto encontro – Dia 06 de junho de 2012 ........................................................................98
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 111
ANEXOS ..................................................................................................................................... 115
xviii
INTRODUÇÃO
1
A primeira grande indagação que impulsionou nossa investigação resume-se na
seguinte digressão: que contextos e disposições aproximariam Freire de Moreno, que disposições
ou fatores unificariam ou desagregariam suas teorias e articulações pedagógicas, originais e
singulares? Foram estas nossas grandes perguntas e motivações.
Os estudos sobre Paulo Freire, sua vida, sua obra e seu pensamento sãos incontáveis,
no Brasil e no mundo todo. Há diversas dissertações e teses nas universidades, referentes ao seu
pensamento e obra. Encontram-se também muitas articulações entre os fundamentos de seu
trabalho pedagógico e outros autores de destaque em diversas e distintas áreas. Todavia, análise
sobre as aproximações e distanciamentos conceituais entre o pensamento de Paulo Freire e Jacob
Levy Moreno não é tão comum, o que faz de nossa pesquisa poder ser tomada como uma original
proposta de estudo, ao mesmo tempo em que não nos facultam tantas fontes e inspirações.
Desse modo, podemos observar que, a tarefa de reunir num trabalho de Mestrado em
Educação, na área de Psicologia da Educação, em discorrer sobre esses dois autores é uma tarefa
desafiadora e exigente, seja pelas riquezas de cada um desses autores, considerados em si
mesmos e em suas respectivas áreas de atuação, seja na originalidade da síntese que pode surgir
quando articulados organicamente num todo interpretativo.
2
lutas populares, contribuiu para que ideias e atividades essenciais na educação brasileira
mudassem e inovassem. Jezine (2003, p.156) conta que a educação de adultos em nosso meio
desenvolveu-se a partir das atividades de alfabetização, dentro da concepção de universalização
do ensino e do conhecimento surgidos com a ideia de democratização que, de certo modo,
buscava a homogeneização cultural através da escola.
É na década de 1960 que aparecem as obras e ações de Paulo Freire e sua equipe de
trabalho, que dão uma virada no enfoque da educação popular, ao propor que os processos
metodológicos para a alfabetização de adultos transcendam as técnicas e centrem-se em
elementos de conscientização. Lançam seu manifesto contra a educação bancária que desumaniza
o homem e o converte num depósito de conteúdos; e propõem como saída a Educação
Problematizadora. O desafio proposto por Freire era conceber a alfabetização de adultos para
além da aquisição e produção de conhecimentos cognitivos, mesmo sendo estes necessários e
imprescindíveis.
Segundo Jezine (2003, p.157), esses movimentos "tinham como objetivo promover a
conscientização do povo, para que este pudesse atuar transformando sua realidade". Esses
diversos grupos foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para que os
apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas.
3
apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passou a ser interpretado
como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária.
Era preciso, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que
produzia o analfabetismo. Nesse sentido, "a educação de adultos teria, portanto, objetivos de
integração do homem marginal nos problemas da vida cívica e de unificar a cultura brasileira”
(PAIVA, 1987, p.184).
4
Talvez, as inovadoras teorias moreniana sejam tão atrativas na atualidade por
articularem-se a proposta de uma “revolução criadora”, isto é, e de recuperar a espontaneidade, e
consequentemente a criatividade e inventividade inatas ao homem, que são dificultadas ou
perdidas no decorrer do desenvolvimento pelas pressões do meio ambiente e do cotidiano, cada
vez mais aflitivo e destrutivo.
Vivemos em grupos humanos como numa família ou uma rede social onde estamos
inseridos; parece muito claro que nesses contextos as relações estão se tornando cada vez mais
superficiais, necessitando de ações que estimulem a criatividade e aprofunde as relações sociais,
finalidade do Psicodrama.
5
pontos de aproximação e de distanciamento entre as teses do Teatro da Espontaneidade e as bases
conceituais de uma Educação Popular Emancipatória na obra de Paulo Freire.
Utilizamos como um instrumento para a leitura política sobre o “modo de ser e ver o
mundo” dos sujeitos pesquisados no presente trabalho o “Jornal Vivo” e “jogos psicodramáticos”
– técnicas do Psicodrama. O uso de jornais em sala de alfabetização e a dramatização de
conceitos nos fazem pensar numa educação de forma abrangente e interdisciplinar, possibilitando
articular práticas e saberes em diferentes níveis de compreensão. A técnica do “jornal vivo” é
uma facilitadora para a alfabetização dos educandos jovens e adultos, pois permite que esses
educandos fiquem bastante envolvidos e interessados na atividade. A vivência envolvida
proporciona a possibilidade de se “libertar” no sentido de não ter medo de errar ao dramatizar a
notícia, se arriscando mais, tornando-se mais criativo e possibilitando ampliar sua autonomia no
sentido de buscar novas informações a respeito das coisas que conheceu e vivenciou na sala de
aula, sejam elas experiências ocorridas no grupo ou mesmo individualmente.
O “jornal vivo” ou "jornal dramatizado" criado por Moreno tem como proposta fazer uma
síntese entre o teatro e o jornal. Ele retira do jornal as manchetes e as notícias diárias e, a partir da
sua leitura, obtém os estímulos necessários para realizar uma dramatização de forma improvisada
e espontânea.
Tomando o educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma ação
educativa que não negasse sua cultura, mas que fosse transformando através do diálogo. Freire
referia-se a uma consciência ingênua ou intransitiva, herança de uma sociedade fechada, agrária e
oligárquica, que deveria ser transformada em consciência crítica, necessária ao engajamento ativo
no desenvolvimento político e econômico da nação. No atual contexto, acreditamos que se faz
mais do que necessário, frente à concepção dominante de educação que reforça, na prática, a
7
exclusão social e a não-solidariedade humana, uma metodologia para pessoas adultas pautada na
ação (Psicodrama), na reflexão (Educação Popular), com possibilidades de reação transformadora
pelos sujeitos emancipados.
Moreno afirmou que o homem deve sim, ser educado, porém, com um significado
maior que a mera ilustração intelectual, dando a importância à ilustração emocional. Realçou
que é a deficiência na espontaneidade, para poder usar a inteligência disponível e mobilizar as
emoções cultivadas, o principal problema da aprendizagem. Em síntese, segundo Moreno, era
necessário um vasto programa de preparação e de treinamento para a
espontaneidade/criatividade a fim de se educar os seres humanos (RAMALHO, 2001, p.33).
8
buscamos desenvolver as principais descobertas, contradições e potencialidades dessa
articulação.
Sabemos que uma pesquisa não condensa totalmente a realidade. Essa é sempre maior
do que dela se diz. Mas as pesquisas são iniciativas e intenções históricas e datadas, de
compreensão do grande movimento da sociedade como um todo, na direção de superações. Nesse
sentido o presente trabalho reflexivo pode ser uma inspiração desafiadora a novos
questionamentos, ampliando o leque das perguntas, muito mais do que vangloriar-se das
possíveis respostas.
9
1. CAPÍTULO I: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E
ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E A PEDAGOGIA DA
AUTONOMIA.
11
Tivemos que buscar outros autores para fazer essa complementação conceitual e
metodológica. Saímos da pedagogia e buscamos a rica morada da psicologia. Depois de andar por
suas principais tradições e escolas, todas singulares e originais, deparamo-nos com o pensamento
e a obra de Jacob Levy Moreno. Esse encontro pode ser entendido como aquelas realizações que
mudam radicalmente nossa vida. Ao ler e nos apropriarmos das contribuições teóricas e
metodológicas de Moreno vimos acontecer um desvelamento, pessoal e subjetivo, em primeira
instancia e social e coletivo numa segunda dimensão.
Foi quando tivemos a motivação intuitiva de trazer moreno para o lado de Paulo
Freire. Fizemos isso na prática de jovens e adultos e nos movimento populares que atuamos nos
anos iniciais desse milênio. Depois de olhar essa trajetória ousamos transformar a intuição inicial
em um projeto de pesquisa, que se traduziu na ordem de investigação do presente trabalho.
Segundo ele, esta modalidade, a (EJA), teve seus primeiros ensaios na década de
1920, período em que tivemos o início de mobilizações em torno da educação como dever do
Estado, período com intensos debates políticos e culturais e questionamentos sobre a identidade
nacional, sobre o sentido de nação.
12
Começou assim a proposição de uma Pedagogia Libertária, que travou uma luta
contra o analfabetismo de 75% da população da época, e contra as políticas para a Educação de
Adultos que só visavam aumento do número de eleitores.
Nas décadas de 1940 e 1950 temos a luta pela ampliação da oferta da educação,
inclusive a de Jovens e Adultos, gerando campanhas nacionais de combate ao analfabetismo, a
realização da I Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (Dinamarca), tendo como
eixo central a educação de Adultos para “o respeito aos direitos humanos e para a construção de
uma paz duradoura, que seria uma educação continuada, mesmo depois da escola.” (GADOTTI,
2001, apud BIGNARDE, 2010, p.12).
13
Podemos observar que, no decorrer desse período, já nos é apresentado uma
movimentação que prenuncia os históricos entraves na educação brasileira, cujas concepções
variam conforme os distintos interesses. Feitoza (2008, p. 57) prossegue nos conduzindo pela
história da Educação nesse contexto:
Mesmo antes do término dos anos 1950 se extinguem as campanhas por criticar as
orientações pedagógicas das mesmas e o seu financiamento ser contestado. No ano de 1958
acontece o II Congresso Nacional de Educação de Adultos - Paulo Freire é uma expressão do
campo progressista da educação neste evento.
Essa proposta foi interrompida com o Golpe Militar de 1964 e seus promotores foram
duramente reprimidos. O governo assume o controle dos Programas de Alfabetização de Adultos,
tornando-os assistencialistas e conservadores. Nesse período lançou-se o MOBRAL –
Movimento Brasileiro de Alfabetização, que era um movimento ideológico padronizado.
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MST (Movimento dos Sem Terra), Movimento Contra a Fome e a Miséria e pela Vida,
Movimentos de Mulheres, Homossexuais, Movimento Sindical, CUT, pastorais sociais, etc. Era a
formação de um novo bloco histórico de forças sociais e políticas na direção da superação das
marcas autoritárias da ditadura militar vigente.
Nesse período, Paulo Freire ingressa como professor titular na faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas (1980-1991), depois de sua volta do exílio.
No entanto, a partir dos anos 1990, a EJA começou a perder espaço nas ações
governamentais, já em março de 1990, com o início do governo Collor, a Fundação EDUCAR foi
extinta e todos os seus funcionários colocados em disponibilidade. De acordo com Feitoza
(2008):
16
Nesse período acontece na Tailândia/Jomtiem, a Conferência Mundial de Educação
para Todos, onde foram estabelecidas diretrizes planetárias para a Educação de Crianças, Jovens
e Adultos.
Neste mesmo ano temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96,
que modifica a nomenclatura “Ensino Supletivo” para “EJA”. Dedica dois artigos (arts. 37 e 38),
no Capítulo da Educação Básica, Seção V, para reafirmar a obrigatoriedade e a gratuidade da
oferta da educação para todos que não tiveram acesso na idade própria, mas não trata da questão
do analfabetismo, e reduz a idade para realização dos exames em relação à Lei 5692/71.
Estas metas devem ser trazidas conforme os contextos locais nos Planos Estaduais de
Educação e Planos Municipais de Educação e implicam numa expansão quantitativa da oferta em
EJA.
18
emancipatório e transformador, referendada na proposição do educador Paulo Freire, uma de
nossa referências basilares.
Paulo Freire tem em sua trajetória a luta pela conquista coletiva da formação para a
leitura e escrita uma rica base de sustentação filosófica, científica, econômica, cultural, religiosa e
política.
Logo, a experiência de Angicos, Rio Grande do Norte ganhou ênfase, pelo sucesso na
alfabetização de 300 pessoas em 40 horas, apesar de ter recebido ajuda da Usaid (United States
Agency for International Development), naquele momento considerada uma agência afinada com
os interesses da ditadura militar vigente e, portanto, rejeitada pelas forças sociais que combatiam
o regime autoritário daquele momento.
19
1.2.1. O Processo de Alfabetização de Angicos
Na luta entre o dizer e o fazer em que nos devemos engajar para diminuir a
distância entre eles, tanto é possível refazer o dizer para adequá-lo ao fazer
quanto mudar o fazer para ajustá-lo ao dizer, por isso a coerência por forçar uma
nova opção. [...] (FREIRE, 2007, p. 91).
Por isso, o método Paulo Freire buscava revelar a situação social dos educandos, para
que estes não se conformassem com a realidade histórica, no qual estavam inseridos. Em uma
releitura de mundo, de homem e de sociedade, essa pedagogia buscava vincular a prática
educacional ao contexto social, político e cultural desta localidade.
Sendo orientado por Paulo Freire, o Professor Marcos Guerra ficou responsável pela
capacitação da equipe pedagógica, contribuindo para que a experiência desse certo. Foram
utilizadas diversas metodologias, sempre baseadas no método freireano, os participantes do
projeto analisaram a realidade na qual os estudantes estavam inseridos para a escolha do
vocabulário linguístico a ser utilizado.
20
As aulas também eram projetadas em slides que, pela falta de energia elétrica, eram
movidos a querosene. Os encontros aconteciam à noite numa sala pequena, iluminada por um
candeeiro também a querosene, ou nas casas dos próprios alunos, onde na maioria das vezes
crianças, jovens e adultos (de faixa etária variada), como por exemplo, dona Maria Hermínia de
72 anos, compartilhavam do mesmo clima de descobertas e aprendizagem, tal como Freire nos
conta que:
O processo de alfabetização se dava a partir do tema gerador que eram figuras e/ou
palavras códigos do cotidiano daquelas pessoas. Tome-se como exemplo o trabalho com a
palavra geradora SALINA, já que o sal fazia parte da economia do Rio Grande do Norte e alguns
participantes faziam alguma atividade envolvendo esse produto.
Freire propõe o trabalho com palavras geradoras que são um incentivo à participação
dos educandos, que se sentem desafiados a assumir o papel de sujeitos do processo de
aprendizagem da leitura e da escrita, como também a discutirem a realidade que os cerca.
A educação popular constitui-se uma forma de educação que visa contribuir com o
processo de conscientização das classes consideradas como subalternas.
A partir de uma teoria referenciada na realidade e de uma base ética e política voltada
à transformação social, ela aposta em metodologias (pedagogias) que estimulam a luta coletiva
pela emancipação dos oprimidos no sistema capitalista.
O elemento popular não se apresenta aqui apenas para adjetivar um tipo específico de
educação, mas para diferenciá-la como a que “é capaz de contribuir para a construção de
direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político” (MELO NETO, 2004).
De acordo com esse autor:
22
Bezerra (1984, p. 17) nesse período histórico surge “um movimento de expressão popular em
cujo interior se inscreveram as mais diversas iniciativas de cunho educativo”.
Segundo o autor:
[...] que as origens dos dois primeiros grupos (alfabetização e educação de base)
estavam mais ligadas à instrução, à transmissão do saber compatível com o
progresso e vinculadas à insuficiência e à ineficácia do ensino formal e dos seus
sistemas, posteriormente foi que seus universos de trabalho seguiram no
caminho pedagógico para conscientização das camadas populares, enquanto que
o último grupo (cultura popular) esteve, desde o início, voltado para ‘a
afirmação de uma cultura verdadeiramente nacional, a luta contra a invasão
cultural, contra o imperialismo e a desnacionalização, a democratização pela
valorização da expressão cultural e política das camadas populares (BEZERRA,
1984, p. 33).
Diante desse contexto, a autora considera (BEZERRA, 1984, p. 33-34) que o conjunto de
práticas de educação popular reveladas pelos movimentos educativos que se afirmam no período
de 1959/64 estava predominantemente voltado para o exercício da cidadania, para afirmação e
desempenho, pelas camadas populares, do papel que deveriam assumir no cenário sócio-político;
buscava a convocação de alinhamentos dos grupos populares em um movimento de resistência ao
imperialismo e não à integração dos indivíduos ao sistema e, ao mesmo tempo, propunha
desvendar os conflitos sociais e o reconhecimento das tensões existentes em nome da construção
de uma força de pressão suficiente para mudar as condições sociais postas.
23
Assim, é a partir dos movimentos educativos voltados à hegemonia dos setores
populares do início dos anos de 1960 que nasce, no país, a educação popular sistematizada por
Paulo Freire, o qual a define como:
Essa proposta educacional surge, pois, no terreno fértil das utopias de independência,
autonomia e libertação, que propunham um modelo de desenvolvimento baseado na justiça
social. Para esse modelo de educação popular a conquista do Estado era fundamental. Porém esse
processo foi interrompido pela brutal intervenção militarista e autoritária.
[...] desde então a educação popular tem-se constituído num paradigma teórico
que trata de codificar e descodificar os temas geradores das lutas populares
busca colaborar com os movimentos sociais e os partidos políticos que
expressam essas lutas. Trata de diminuir o impacto da crise social na pobreza e
de dar voz a indignação e desespero moral do pobre, do oprimido, do indígena,
do camponês, da mulher, do negro, do analfabeto e do trabalhador industrial.
Faz-se necessário lembrar que outras formas de educação foram denominadas de
popular, mas que, na verdade, eram populistas, pois, embora também fossem
direcionadas às classes subalternas não buscavam contribuir com a emancipação
destas e sim com a reprodução da ideologia dominante(GADOTTI, 2000, p.
292).
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É evidente que a democratização da alfabetização das classes consideradas
subalternas é algo extremamente importante, mas não é suficiente para que uma educação seja
popular.
O autor assinala que a grande utopia da educação popular dos anos de 1960 visava à
conquista do Estado e a mudança radical da política econômica e social. E hoje, o que se assiste é
a educação popular dispersando-se em milhares de pequenas experiências, perdendo aquela
grande unidade teórica, mas ganhando em diversidade.
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Segundo Gadotti e Torres (1994, p. 49), os debates do Seminário Taller visavam
melhorar a qualidade dos processos educativos que vinham sendo implementado, o que implica,
por um lado, analisar com maior profundidade os processos de aprendizagem que se promovem o
problema da transmissão de conhecimento e sua articulação com o saber popular, a transferência
dos recursos simbólicos e materiais e a relação de autonomia ou dependência que estabelecem as
Organizações Não-Governamentais – ONGs com as organizações sociais, por outro lado,
constatar como o problema das competências do Estado surge com importância no debate dos
educadores populares.
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O Seminário Taller reiterou que as agências de cooperação deveriam desenvolver
estratégias que permitissem superar a dissociação entre fazer educação popular e investigar a
educação popular.
Em outras palavras, devia-se trabalhar para evitar a já conhecida divisão entre teoria e
prática, problemática que aflige o campo da educação como um todo, até os dias atuais. De
acordo com Arantes:
[...] a escola fica destinada a ser um depósito (grifo nosso) de cultura, onde as
pessoas vê buscar o que poderiam encontrar em qualquer biblioteca e, de modo
geral, os educadores sabem que armazenar conhecimentos, nem sempre implica
em aprendizagem significativa, ou seja, que mobiliza significados (pensar) e
sentimentos (sentir) associados a experiências (agir) (ARANTES, 1993, p. 7).
Ressalte-se, porém, que nesse contexto dos anos 1990, Paulo Freire já destacava a
existência de um equívoco nos novos debates sobre a educação popular: o de que a “boa”
educação popular é a que se despreocupa com o desvelamento da realidade, com a razão de ser
dos fatos, reduzindo a prática educativa ao ensino puro dos conteúdos. “Este equívoco é tão
carente de dialética quanto o seu contrário: o que reduz a prática educativa a puro exercício
ideológico” (FREIRE, 2007, p. 110).
28
A práxis pedagógica convencional, apesar de seus inegáveis aspectos positivos,
tem sido considerada insatisfatória por professores e alunos no cotidiano
educacional, para o atendimento de uma população caracterizada por viver num
ambiente que muda com bastante frequência. Essas frequentes e rápidas
transformações geram insatisfações que implicam na busca de novas alternativas
para o ensino, diferenciadas das monótonas aulas carregadas de exposição
verbal, de tal modo a dinamizar as relações professor-aluno e aluno-aluno)
(ARANTES, 1993, p. 8).
[...] une compreensão teórica à ação real, com vistas à transformação radical da
sociedade. (...) a práxis é ‘atividade material do homem que transforma o mundo
natural e social para fazer dele um mundo humano (VÁZQUES, 1977, p. 03).
É ele quem vai dizer que o homem comum encontra-se imbricado numa rede de
relações sociais e enraizado num determinado terreno histórico e que, portanto, sua própria
cotidianidade está condicionada histórica e socialmente, e o mesmo se pode dizer de sua própria
atividade prática. Ou seja, somente a partir da superação do ponto de vista espontâneo ou
instintivo, isto é, da consciência comum, é que se pode unir de modo consciente pensamento e
ação.
Nos anos 1990 e seguintes assistimos ao rearranjo das forças econômicas e sociais do
capitalismo num fenômeno que ficou conhecido como Globalização. Ao analisar a relação entre
globalização e educação Dale (2004) entende que é “através da influência sobre o Estado e sobre
o modo de regulação que a globalização tem os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os
sistemas educativos nacionais” (DALE, 2004, p. 441).
29
Apesar dessa influência, afirma que as variações nacionais continuam fortes, a cultura
mundial está longe de ser homogênea e que, portanto, a incorporação de um único modelo pode
acontecer a um nível meramente ritual. Daí a relevância das políticas e práticas educativas no
processo de transformação da realidade imposta pelas classes dominantes.
Enfim, diante de uma nova realidade mundial, mas ainda marcados por heranças
políticas e educacionais excludentes e opressoras, buscamos reconstituir a utopia e a prática de
uma educação de jovens e adultos sustentada sobre as premissas da Educação Popular e da
Emancipação, com a conjunção de formas e mediações de educação que recuperem os avanços e
instrumentos já constituídos e apropriem-se de novas metodologias para desvelar as necessidades
sociais, bem como as disposições subjetivas e intersubjetivas inalienáveis. Esse será o propósito
de nosso próximo capítulo, aliar o resgate das premissas e mediações libertadoras do pensamento
de Paulo Freire, no contexto presente, com as originais e singulares mediações do pensamento de
Jacob Levy Moreno. Esperamos que esse desafio fortaleça nossas convicções e frentes de lutas e
enfrentamentos!
30
Freire salienta nessa obra a importância do formando, (professor/educador) se
convencer que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua
produção ou a sua construção (FREIRE, 1996, p. 22).
O livro “Pedagogia da Autonomia” apresenta propostas de práticas pedagógicas
necessárias à educação como forma de construir a autonomia dos educandos, valorizando e
respeitando sua cultura e seu acervo de conhecimentos empíricos junto à sua individualidade .
Paulo Freire defende a prática pedagógica que busca formar eticamente os
educadores, conscientizando-os sobre a importância de estimular os educandos a uma reflexão
crítica da realidade em que está inserido.
O livro é dividido em três capítulos:
1) Não há docência sem discência;
2) Ensinar não é transferir conhecimento;
3) Ensinar é uma especificidade humana.
Cada capítulo é subdividido em nove tópicos os quais trazem o que o ensinar exige.
No decorrer do texto tentaremos trazer as idéias principais de cada capítulo, explicitando, em
cada tópico, o que o ensinar exige.
No primeiro capítulo, Não há docência sem discência, Freire ressalta a importância
de se considerar os saberes indispensáveis a prática docente para todos os educadores,
independente da sua opção política ideológica, bem como a importância de reflexões deste tipo,
quando pensamos em formação docente e prática educativa-crítica.
O sujeito que vai ser formado não deve considerar-se como um paciente que recebe
os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe. Pelo contrário, é preciso ficar
claro, que embora diferentes entre si, educador e educando, quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1996, p.27).
Como Freire, acreditamos que um dos entraves para a educação libertadora
emancipatória seja a prática “bancária”. Freire definiu como educação “bancária” aquela em
que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guardá-los e arquivá-lo (FREIRE, 1989, p.58). Freire critica e recusa o ensino “bancário” já que
este inibe o desenvolvimento da curiosidade epistemológica, sem a qual não se alcança o
conhecimento. Paulo Freire apresenta a possibilidade do educador e do educando poderem
contornar a situação: é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a
31
repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os
efeitos negativos do falso ensinar (FREIRE, 1996, p.25).
Assim, como possibilidade de formação de discentes críticos, que não aceitem ser
meros depositários de conhecimento, no primeiro tópico do primeiro capítulo da obra Pedagogia
da Autonomia o autor discute que ensinar exige rigorosidade metódica. O educador deve reforçar
nos educandos sua capacidade crítica, sua curiosidade, sua insubmissão. Em seguida trata da
questão de que ensinar exige pesquisa
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...]. Enquanto ensino
continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei,
porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho
intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p.29).
No terceiro tópico, ensinar exige respeito dos educandos, Freire traz a questão do
quanto é importante aproveitar a experiência que os alunos trazem para a sala de aula, seus
conhecimentos. É fundamental discutir com estes, a razão de ser de alguns de seus saberes
socialmente construídos na prática comunitária, em relação com o ensino dos conteúdos. Freire
traz a análise que ensinar exige criticidade, destacando que a superação se dá na medida em que
a curiosidade ingênua, se criticiza (FREIRE, 1996, p.31). Levanta a discussão a respeito de que
o ensinar exige estética e ética, enfatizando que a passagem da ingenuidade à criticidade tem de
ser feita em conjunto com a rigorosa formação ética, ao lado sempre da estética.
Freire assevera para a responsabilidade de compreender a figura do educador como
referência pessoal para o educando:
Ensinar também exige corporeificação das palavras pelo exemplo. É necessário
que o professor, que verdadeiramente ensina, negue como falsa a fórmula “faça
o que eu mando e não faça o que eu faço”. Quem pensa certo sabe “que as
palavras a que falta a corporeidade do exemplo, pouco ou quase nada valem”.
Pensar certo é fazer certo (FREIRE, 1996, p. 34).
32
Desta forma, para o autor (FREIRE, 1996, p. 38) ensinar exige reflexão crítica sobre
a prática. É necessária uma rigorosidade metódica, a qual vai caracterizar a curiosidade
epistemológica, levando o sujeito ao verdadeiro aprender.
Para finalizar o primeiro capítulo, Freire destaca que o ensinar exige reconhecimento
e a assunção da identidade cultural, como podemos ver
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com
o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se.
Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar (FREIRE, 1996, p. 41).
Observa-se então, que ensinar exige bom senso. O educador necessita vigiar a todo o
momento seu bom senso, pois, na avaliação de sua prática:
O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o
professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes,
o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio,
burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelos alunos sem deixar sua
marca (FREIRE, 1996, p. 66).
O respeito à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timidez, não deve ser
suscetível a procedimentos inibidores que desrespeite os educandos em sua identidade. Assim,
(FREIRE, 1996, p. 68) ensinar também exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos
dos educandos.
No tópico seguinte, ensinar exige também apreensão da realidade, ou seja, a
capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas, sobretudo para transformar a
realidade, para nela intervir, recriando-a (FREIRE, 1996, p. 69).
Freire ressalta a impossibilidade do educador se colocar frente aos educando com
neutralidade política Os docentes precisam assumir sua posição política diante da realidade, já
que a prática educativa é política e não neutra. Em nome do respeito aos alunos, os educadores
não devem omitir-se, ocultando sua opção política, assumindo uma neutralidade que não existe
(idem).
No sétimo tópico, ensinar exige alegria e esperança, destaca-se a relação entre a
alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que professor e alunos
juntos podem aprender e ensinar, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à alegria
(FREIRE, 1996, p.74).
Dentro do processo de esperança apreende-se que ensinar exige a convicção de que a
mudança é possível. O papel do ser humano no mundo é o de buscar intervir, não apenas
constatar os fatos que ocorrem. Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade,
tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de
nos adaptar a ela (FREIRE, 1996, p.77).
Para que a mudança ocorra é necessário que o ser se inquiete. Para Freire isto vai ser
conseguido por meio da curiosidade do educando. Com isso, ensinar exige curiosidade. Se a
34
curiosidade estiver domesticada, o sujeito alcança a memorização mecânica do seu objeto de
estudo, mas não aprendizado real (idem).
Freire defende o estimular da pergunta, da reflexão crítica em lugar da passividade
em face da explicação discursivas do professor. Com isso o autor não nega a importância de
momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. Na verdade
destaca-se que o educador e educando saibam que sua postura é dialógica, aberta, curiosa, é não
passiva
É importante que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.
O bom professor é o que consegue enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade
do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma
“cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dorme. Cansam porque
acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreende suas pausa, suas
dúvidas, suas incertezas (FREIRE, 1996, p. 86).
O autor finaliza este capítulo e essa sua obra salientando que ensinar exige querer
bem aos educandos. Este querer bem significa ser afetivo, expressar a afetividade sem sustos e
medos. O educador precisa ser autêntico na relação com os educandos (FREIRE, 1996, p.118).
De forma geral, acreditamos poder observar pela análise da obra “Pedagogia da
Autonomia” de Paulo Freire, que a prática educativa é um constante exercício em favor da
construção e do desenvolvimento da autonomia de professores e alunos, não obstante
transmitindo saberes, mas dando significados aos saberes construídos conjuntamente. Esse
exercício, o ensinar, quando praticado da forma ensinada por Paulo Freire, transcende ao
ambiente escolar e se reconstrói constantemente pela vida afora, porque educador e educandos
apreenderam a beleza da Sabedoria. Como seres inacabados, professores e alunos, sabedores
humildes desta condição humana, se engrandecem na Constância da busca do Conhecer. Sujeitos
conscientes de seu estar no mundo... Sujeitos libertados da ignorância do não conhecer-se
transformador de sua realidade. Sujeitos! Emancipados!
36
2. CAPÍTULO II: O PSICODRAMA E A EDUCAÇÃO:
FUNDAMENTOS E POSSIBILIDADES INSTITUCIONAIS E
POLÍTICAS.
O Psicodrama pode ser definido como método de pesquisa e intervenção nas relações
interpessoais, nos grupos, entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma, a ação psicodramática
mobiliza um grupo para vivenciar a realidade a partir do reconhecimento das diferenças e dos
conflitos, facilitando a busca de alternativas para a resolução do que é revelado, expandindo os
recursos disponíveis.
De acordo com BERMUDEZ (1970, p. 15) o Psicodrama pode ser considerado como
um dos meios psicoterápicos mais inovadores, pois suas técnicas desenvolvem pela ou na
representação dramática a abordagem e a exploração das mais genuínas qualidades e contradições
do ser humano e de seus vínculos. A ação unida à palavra possibilita o mais completo
37
desdobramento do conflito, do drama que ocupa o protagonista no espaço dramático. Na cena o
indivíduo pode representar seus conflitos passados e presentes e também externar seus temores,
suas expectativas, seus projetos e dúvidas sobre o futuro explorando suas relações com o presente
e o passado.
Que a atrofia dos aspectos sentir e agir tem sido responsável, em parte, pelo
progressivo aumento da frieza emocional na relação entre as pessoas, mais
especificamente no meio educacional, devido as restrições ao uso do corpo (que
é a sede de nossos sentimentos) durante as aulas, onde o intelecto (que é a sede
de nossos pensamentos) é enfatizado (Idem).
Arantes (1993, p.10) ressalta que se pode responsabilizar a educação formal pela
passividade “patológica” dos alunos que ficam um grande período sem poder gastar suas
energias. Ele busca nas palavras se um saudoso ex- diretor (1977) da Faculdade de Educação da
Unicamp, Professor Montezuma a corroboração para suas afirmações. Montezuma teorizava que
“o que salva a integridade psicológica de nossos alunos são os momentos de intervalo dentro da
escola”.
38
demasiadas “disciplina” pode-se esperar respostas inadequadas, já que necessitam canalizar as
energias próprias de sua fase de desenvolvimento para os objetivos definidos pela escola.
39
psicodramática somente pode acontecer quando papéis são colocados em ação e, através destes,
personagens interatuam vinculando-se entre si como interlocutores.
Aos cinco anos de idade mudou-se com a família para Viena e foi neste local que
vivenciou a brincadeira de ser deus. Nessa brincadeira, em que ele e várias outras crianças
jogavam com o papel de ser deus e os anjos, Moreno estava sentado no "trono de deus", uma
cadeira em cima de caixotes empilhados sobre uma mesa e um dos "anjos" solicitou-lhe que
voasse. Ele atendeu e acabou caindo no chão fraturando o braço direito.
Aos 28 anos, Moreno formou-se em Medicina. Logo se interessou por teatro. Até aos
31 anos de idade Moreno fez parte de um grupo religioso que criou a Religião do Encontro. Eles
expressavam sua rebeldia diante dos costumes estabelecidos usando barbas, vivendo pelas ruas à
maneira dos mais pobres e procurando novas formas de interar com as pessoas. Neste tempo ele
ia ao jardim de Viena, e brincava de improviso com as crianças.
40
nesta arte. Tendo descoberto o valor terapêutico do teatro transformou o Teatro terapêutico em
Psicodrama terapêutico.
Em 1925, Moreno emigrou para os Estados Unidos e foi nesse país que Moreno
introduziu o termo Psicoterapia de Grupo e fez estudos para a mensuração das relações
interpessoais criando a Sociometria.
Faleceu em Beacon, em 14 de maio de 1974, aos 85 anos de idade e pediu que em sua
sepultura fossem gravadas as seguintes palavras: “Aqui jaz aquele que abriu as portas da
Psiquiatria à alegria.” Não há dúvidas que ele tinha consciência de sua atuação e de sua original
forma de encarar a vida!
Segundo Marineau (1992, p. 59), na juventude, Moreno era um homem religioso, teve
como influência o Hassidismo, o existencialismo e o humanismo. Sócrates, Dante, Kierkegaard,
Nietzsche e Bergson foram alguns dos autores lidos pelo criador do Psicodrama. Moreno também
foi colaborador da Daimon Magazine, revista existencialista e expressionista que contava
também com Martin Buber, Max Scheller, Jakob Wasserman, Kafka e outros.
Jacob Levy Moreno nos deixou um legado teórico amplo e relevante, porém, mais
que isso ele nos apresentou uma imensurável proposta de viver de maneira plena e absoluta, se
acreditarmos e nos propusermos a isso, faremos muito mais por nossa ilimitada existência.
41
2.2. Psicodrama: principais conceitos e técnicas
Com a leitura das obras de Jacob Levy Moreno, é possível aceitar a ideia que o
psicodrama possui um grande conteúdo emocional, pois surgiu como uma nova dinâmica e
inovadora linha de investigação para o conhecimento e terapia dos conflitos psicológicos.
Além desses conceitos, considerando que sobre alguns deles trataremos mais
detalhadamente no decorrer desse capítulo, a teoria psicodramática compreende conceitos como,
sociodinâmica, sociometria, sociatria, entre outros:
A grandeza do universo teórico que constitui o Psicodrama criado por Jacob Levy
Moreno nos desperta para a necessidade de agrupá-los nesse trabalho, de forma que possamos
selecionar aqueles que nos parece de maior e menor interesse para a nossa dissertação, porém, há
também aqueles que, pela sua relevância, não poderiam ser abreviados, dessa forma, calculamos
divisá-los de maneira sequencial, relacionando-os entre si como é próprio da proposta moreniana.
42
2.2.1. Teoria dos papéis
Para Jacob Levy Moreno (1993), além das definições relacionadas à arte teatral, papel
pode ser definido como “uma função assumida na realidade social”. Vejamos:
O papel também pode ser definido como uma parte ou um caráter assumido por
um ator, uma pessoa imaginária como Hamlet animada por um ator para a
realidade. O papel ainda pode ser definido como uma personagem ou função
assumida na realidade social, por exemplo, um policial, um juiz, um médico, um
deputado (MORENO, 1993, p. 206).
O autor também define papel como “as formas reais e tangíveis que o “eu” adota”
(p.206), tais como o papel de pai, padeiro, piloto.
43
Moreno afirma (1993):
Os papéis e suas relações entre si são os fenômenos mais importantes de uma cultura,
(Moreno, 1993), sendo todo papel uma fusão de elementos coletivos e individuais, ou seja,
elementos privados, sociais e culturais.
Psicossomático: papel de quem come, dorme, etc. Estes papéis não permitem uma
relação pessoa para pessoa, pois não há diferenciação, mas são complementados
pelos papéis de matriz (a mãe que alimenta);
Moreno continua:
45
Ao longo de seu desenvolvimento emocional e construção de sua identidade, ela
passa por seguintes fases:
Fase do duplo – fase de indiferenciação, a criança, a mãe e o mundo são uma coisa
só. A criança é dependente do outro para fazer o que não pode fazer ainda,
necessitando de ego auxiliar ou doublé (inspirado no cinema).
Assim sendo, segundo o próprio autor “o fator que pode garantir esse domínio para uma
rápida transferência é a espontaneidade”. Esse conceito é uma categoria central do pensamento e
da ação de Moreno.
46
2.2.1.2. Indiferenciação
É o momento evolutivo em que a criança ainda não se distingue das pessoas com
quem interage: ela e o mundo são uma única coisa, uma massa informe sem contornos definidos.
Pessoas e objetos se confundem; as fronteiras entre o interno e o externo estão diluídas.
2.2.1.3. Reconhecimento do Eu
Nesta fase, a criança está com sua atenção centrada em si: nos contornos do seu
corpo, no reconhecimento de si no espelho. Ao perceber que seu corpo está separado da mãe, das
pessoas, dos objetos, concentra sua energia em explorar o reconhecimento de suas fronteiras.
Este processo é o resultado de um contínuo jogo de papéis entre o bebê e seu ego-
auxiliar, a mãe. A partir das experiências psicossomáticas da alimentação e dos cuidados
maternos, a criança vai identificando suas necessidades e o movimento do outro para satisfazê-
las. É, portanto, sempre no contexto interpessoal que a aprendizagem emocional e a definição da
identidade se processam.
2.2.1.4. Reconhecimento do Tu
2.2.1.5. Pré-inversão
47
2.2.1.6. Inversão de papéis
2.2.2. Espontaneidade
A espontaneidade é uma resposta nova a uma situação nova ou uma nova resposta a
uma situação antiga ou circundante. A palavra vem do latim sponte que significa “de livre
vontade” (Moreno1993, P. 32).
Gonçalves, (1988) afirma que: "na visão moreniana, os recursos inatos do homem são
a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade", e continua:
48
diferenciadas, podemos perceber também diferentes níveis de resistências, de espontaneidade e
de dificuldades de rever papeis cristalizados.
Menegazzo (1994, p. 47) acredita que “isso implica colocar em crise os mitos
negativos, as conservas culturais e seus papeis, que permaneciam fixados as cenas nucleares
conflitivas do passado e vinculadas a valores-tabus, ideologicamente inquestionados”. Trata-se de
uma original forma de entender a relação entre arte, sentimento e coletividade.
Abandonar o velho mesmo quando ele não mais satisfaz, gera muitas angústias e
vontade de continuar acreditando no “mito do porto seguro”. A atividade concreta do homem
“determina” seus desejos, sua consciência, seus afetos, seus projetos, etc., de forma diferenciada.
Segundo Pierre Weil (1978, p.45-49) a nossa cultura é feita de criações sucessivas
que se transformam em tradições, o que Moreno denominou como ”conservas culturais”,
transmitidas de geração em geração. O homem torna-se um robô, que deixa de evoluir, síntese de
uma sociedade de estagnação. Para evoluir é preciso libertar-lhes a espontaneidade, que os fará
capazes de criar.
49
A espontaneidade é uma reação incisiva, transformadora no aqui e agora, que permite
ao sujeito deixar de ser meramente aquilo que dele se espera socialmente. Weil salienta que este
mecanismo nos leva a decisão mais coerente com a essência do humano, uma revolução interna
que movimentaria o contexto social.
A libertação movida pela inquietude seria condição “sine qua non” para o ser e estar.
Todavia, Moreno não trabalhava com as noções de pulsão de vida e de morte. Destruição ocorre
quando não se usa o potencial criador. Segundo Moreno (1993, P. 55) mesmo em situações
asilares, de alienação mental, como certos casos de esquizofrenia, é possível reconhecer a
potencialidade da criação e da arte.
Dessa forma, Jacob Levy Moreno inaugura com sua obra a ideia do ser humano
espontâneo e criador. Ler seus escritos, conhecer sua vida, sua espontaneidade e seu potencial
criativo, significará nesta perspectiva, o entendimento do ser como aquele sujeito ao contínuo
processo de criação. Ou pelo menos abrir a possibilidade da escolha, e por que não da
criatividade como escolha? Este seria o princípio da “revolução criadora” proposta por Moreno,
onde ele afirma: “Deus é espontaneidade. Daí o mandamento: Sê espontâneo”.
2.2.3. Tele
50
2.2.4. Conservas culturais
2.2.5. Catarse
51
2.3. A Ação Psicodramática
Jacob Moreno, tomando do modelo teatral seus elementos, distingue, para a cena
psicodramática, cinco elementos ou instrumentos:
Moreno (1993, p. 41) apresenta o psicodrama como uma psicoterapia que coloca o
paciente em um palco onde ele pode exteriorizar seus problemas com a ajuda de atores
terapêuticos.
52
Na definição de Moreno, entendido por Fox, (2002, p. 39) um dos instrumentos
básicos para construir o mundo psicodramático de um paciente é o “ego-auxiliar, que representa
pessoas ausentes, desilusões, alucinações, símbolos, ideais, animais e objetos. Ele torna real,
concreto e tangível o mundo do protagonista”. Moreno (1993) acentua:
Os egos auxiliares são atores que representam pessoas ausentes, tal como
aparecem no mundo privado do paciente [...] em vez de “falar” ao paciente sobre
suas experiências internas, os egos auxiliares retratam-nas e tornam possível ao
paciente encontrar no exterior as suas próprias figuras internas (MORENO,
1993, p. 43).
Moreno (1993, p. 44) ainda acrescenta que “Como a tarefa dos egos auxiliares é
representar as percepções dos pacientes dos papeis internos ou figuras que dominam o seu
mundo, quanto mais adequadamente às apresentem, maior será o efeito sobre o paciente”.
De acordo com Moreno (1993, p. 155) “Role playing é personificar outras formas de
existência, por meio do jogo. É uma forma especializada de jogo, apesar de o termo jogo ser
acompanhado frequentemente por conotações enganosas, ficando reduzida a interpretação dada
pelos adultos”. Moreno afirma que:
53
No entanto, Moreno distingue o Role playing como desempenho de papéis e não
como representação de papeis que segundo ele (1993, p. 29), “a representação do papel é uma
aptidão de desempenho”.
O psicodrama tem como base a crença no homem co-criador com Deus, que tem uma
centelha divina em si, nasce espontâneo e consequentemente criativo, mas vai embotando sua
criatividade, tendo a ação dramática o papel de resgatar essa espontaneidade. Para Moreno
(1993, p. 46) “a vida criativa é vida que cria a energia vital que opera no organismo corporal e
pessoal e através dele”.
Para Menegazzo (1994, pp.64-65) “se não há conflito, jamais haverá ação
dramática”. O conflito dramático deve ser entendido como um antagonismo posto em cena. Por
isso, como ponto de partida, um conflito dramático implica uma oposição entre o objetivo do
protagonista e do antagonista. O autor cita como exemplo, do ponto de vista dramático, o beijo
entre dois atores no palco “(...) se o objetivo do protagonista for beijar para satisfazer o seu
desejo e o antagonista opõe-se ao beijo ou o recusa (...) existe um conflito dramático”.
54
O Psicodrama está fundado no conceito de espontaneidade que se expressa através
dos papéis desempenhados pelos sujeitos. Segundo Moreno, o termo espontâneo é usado
erroneamente para descrever indivíduos cujo controle sobre suas ações está diminuído, já que
etimologicamente a palavra espontâneo deriva-se do latim “sponte” que significa “de livre
vontade”, como já citamos anteriormente.
Moreno afirma que a espontaneidade pode ocorrer tanto quando uma pessoa pensa,
como sente, funciona somente no momento em que surge; pode ser comparado, metaforicamente,
segundo Moreno (1992, p. 68), “à lâmpada que se acende e graças à qual tudo fica claro na
casa. Quando a luz se apaga, as coisas permanecem ocupando o mesmo lugar na casa, mas uma
qualidade essencial desapareceu”. Moreno assegura que o indivíduo não está dotado de um
reservatório de espontaneidade, esta dimensão está disponível e só funciona no momento de seu
surgimento. Quando o indivíduo se encontra numa situação nova ele utiliza o fator e
(espontaneidade) como orientação da forma de agir mais apropriada.
Segundo seu criador, o psicodrama pode ser vivenciado em todo e qualquer lugar,
embora o mais vantajoso seja um espaço terapêutico especialmente adaptado contendo um palco,
para ele:
Quantos aos participantes para a ação psicodramática terapêutica, Moreno definiu que
os principais participantes num psicodrama terapêutico são o protagonista ou sujeito; o diretor ou
terapeuta principal; os egos auxiliares; e o grupo (Idem).
55
A prática psicodramática, em suas inúmeras modalidades, começa pelo envolvimento
das pessoas com o tema ou com a experiência a ser vivenciada, através de lembranças ou
histórias do cotidiano dos indivíduos e/ou das organizações.
A satisfação simbólica ao qual Moreno se refere, pode ser entendida como catarse,
que se difere de outras escolas da Psicologia contemporâneas de Moreno. Para ele, não se trata de
um processo passivo. Moreno (1993, p. 34) afirma que “O Psicodrama produz um efeito
terapêutico – não no expectador (catarse secundária), mas nos atores-produtores que criam o
drama e, ao mesmo tempo, se libertam dele”.
Para Moreno (1993, p 38), o teste decisivo sobre se uma obra dramática é ou não uma
obra terapêutica “depende de se apurar se é ou não capaz de produzir a catarse em tipos
especiais de públicos, ou se é ou não capaz de suscitar um aquecimento preparatório de cada
membro do público para uma melhor compreensão de si mesmo ou uma melhor integração na
cultura em que participa”.
Podemos dizer, de acordo com Fox (2002, p. 31), que a melhor síntese de algumas
crenças fundamentais de Moreno é “a importância de vivenciar a verdade de uma pessoa por
meio da ação; o valor da realidade subjetiva; a premissa de um encontro vivo no aqui-e-agora
entre as pessoas [...] e um profundo igualitarismo”.
57
Nesse mesmo ano a professora Romaña iniciou a formação de educadores no Grupo
de Estudos de Psicodrama em São Paulo. O grupo era formado por 60 pessoas dividido em quatro
turmas, com currículo próprio. Funcionava em local diferente do curso de Psicodrama
Terapêutico. (FLOREZ, 1986, p.3).
Quando Romaña criou este termo, Psicodrama Pedagógico, não foi sua intenção
estabelecer somente uma diferença entre a aplicação didática e terapêutica da dramatização, mas
sim reconhecer uma unidade básica, relativa à filosofia e fundamento de uma mesma técnica,
procurando identificar, através do “pedagógico”, fundamentalmente o marco referencial e o
campo de ação do educador. Para a criadora do termo
58
Ramalho (2001) assegura que Moreno falava da educação como uma estrutura que
tem como centro a espontaneidade. A sua educação na espontaneidade e criatividade era a base
para a escola. Ressaltamos que, de acordo com a autora (RAMALHO, 2001, p.8), na obra de
Moreno é comum encontrarmos referências a pedagogos da Escola Ativa, Rousseau, Pestalozzi e
Froebel, os quais lutavam para abolir os métodos tradicionais de ensino, compartilhando uma
visão de educação mais voltada para a vida do que para o saber, utilizando-se de meios como a
ação, o jogo, o contato com a natureza, o uso sistemático da dança, a música, entre outros.
Para Moreno espontaneidade é um fator inato, que se apresenta como uma forma de
energia em constante transformação, capacitando o homem para enfrentar situações novas e para
criar novas respostas às antigas situações. Moreno defendia que, com o desenvolvimento
insuficiente da espontaneidade-criatividade, indivíduos e grupos acumulariam ansiedade e
chegariam à enfermidade psíquica e social.
Isto é conseguido porque, quem está conhecendo está, ao mesmo tempo, “fazendo”,
experimentando aquilo que conhece. Este “fazer” resgata o verdadeiro da palavra “ação”,
libertando-a da limitação clássica que lhe foi imposta pela escola. O Psicodrama aplicado à
Educação procura então “emocionalizar” conceitos teóricos previamente aprendidos. Para que o
aluno tenha sucesso neste processo é necessário que ele faça uso da sua espontaneidade, com o
objetivo de que esta venha à tona, libertando o aluno ao máximo nas dramatizações, como uma
forma de resolver a brecha entre a realidade e a fantasia, que se renova constantemente frente à
frequente solicitação da escola, no sentido de que o aluno integre novos conhecimentos.
59
O aluno deixa de aprender apenas através do intelecto para assimilar
conhecimentos com sua personalidade global. O professor passa a ser um
facilitador do processo que é assumido pelo aluno, criando um clima de
liberdade e espontaneidade, no qual, este último desenvolverá o seu potencial e
criará. Assim, o professor estará também ao lado do aluno, invertendo o papel
com ele e sentindo melhor a sua realidade, promovendo um vínculo télico e não
transferencial. Tal como define a concepção fenomenológica existencial, o
fundamental no contexto pedagógico é a experiência vivida de Encontro entre o
educador e o educando (RAMALHO, 2001, p.32).
Analisando a bibliografia de Paulo Freire, também podemos dizer que três filosofias
marcaram sucessivamente sua obra: o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo sem, no
entanto adotar uma posição ortodoxa. Segundo Gadotti (2000) seu pensamento rompeu a relação
cristalizadora de dominação, buscando pensar a realidade dentro do universo do educando,
construindo a prática educacional considerando a linguagem e a história da coletividade,
elementos essenciais dessa prática (GADOTTI 2000, p. 25). Podemos perceber também pela
citação de Gadotti o quanto o pensamento de Freire se aproxima do ideal de Moreno. Suas
filosofias se entrelaçam visivelmente nas linhas de seus escritos.
Romaña (1987, p.36) alerta para o fato de que seja bom o professor começar a
utilizar a metodologia psicodramática levando em conta o contexto geral em que se dá o processo
de aprendizagem, já que o aluno sente a arritmia que se produz quando um professor utiliza as
técnicas dramáticas e os professores das outras matérias continuam trabalhando de maneira mais
ou menos tradicional. Nestes casos, é bom ir adequando o ritmo da utilização desta metodologia,
promovendo por sua vez uma unificação da metodologia geral.
60
Há, de forma geral, uma tendência de muitos professores acreditarem que somente
algumas matérias podem utilizar esta metodologia. Na verdade todos os conhecimentos podem
ser trabalhados desta maneira. O que ocorre é que não se trabalha com os conhecimentos
“secundários”, ou “derivados”, e sim com os conhecimentos “geradores”, (em “conhecimentos
geradores” podemos perceber outra proximidade com o pensamento freireano, quando seu
método utiliza-se de palavras geradoras advindas da realidade dos educandos) com aqueles que
incluem o conceito ou a idéia geradora de outras possibilidades de aplicação.
O mesmo ocorre com os níveis de ensino, uma vez que se podem utilizar
dramatizações, tanto no nível primário como no secundário e mesmo no ensino superior.
Muitas vezes crê-se que o ego-auxiliar, que colabora com o professor, deve
dominar a matéria tanto quanto ele. Por esta razão, o papel é com frequência
muito temido, sobretudo por egos-auxiliares que não trabalhem em educação e
devem fazê-lo pela primeira vez [...]. O ego-auxiliar de educação deve receber
uma boa formação psicodramática. Neste papel ele não vai ajudar o aluno a
descobrir o conhecimento, mas contribuir, através do desempenho do papel
complementar que se faça necessário, para que o aluno encontre o caminho que
o aproximará do conhecimento (ROMAÑA, 1987, p.47).
Romaña (1987, p.52) esclarece que ela não propõe a metodologia psicodramática
como forma exclusiva, já que, evidentemente, tem também suas limitações, derivadas do fato de
61
atuar em apenas um dos sentidos da dinâmica de ensino, ou seja, de dentro para fora do aluno. A
proposta é combinar esta metodologia com outras formas “renovadas”, que operam em sentido
contrário de fora para dentro. A técnica psicodramática pode combinar-se com qualquer
procedimento de tipo audiovisual, com qualquer técnica grupal, com diversas formas de ensino
programado, etc.
No livro organizado por Firmino Sisto (1996) Arantes afirma que a espontaneidade
Foram esses nossos objetivos nesse capítulo. Dominar com relativa propriedade as
técnicas e conceitos de Moreno, para justapô-las aos conceitos e categorias da ação educacional
de Paulo Freire, numa realidade de Educação de Jovens e Adultos na periferia de São Paulo. Essa
será a temática do capítulo seguinte.
62
3. CAPÍTULO III: ARTICULAÇÃO DA PEDAGOGIA DA
AUTONOMIA COM O PSICODRAMA PEDAGÓGICO EM
GRUPOS DE ALFABETIZAÇÃO DE PESSOAS ADULTAS:
POSSIBILIDADES E DISPOSIÇÕES
Buscamos na leitura de Ronaldo Yudi K. Yozo (1996), na sua obra “100 Jogos
para Grupos: Uma abordagem psicodramática para empresas, escolas e clínicas” algumas
dessas definições. Yudi Yozo é um reconhecido estudioso do tema Psicodrama no Brasil
que muito tem contribuído para a propagação da teoria e prática do ideal de Jacob Levy
Moreno nesse país. De acordo com Yozo (1996, p. 20) a estrutura básica de procedimentos
em Jogos psicodramáticos baseia-se nos princípios do psicodrama, onde consideram-se
três Contextos, cinco Instrumentos e três Etapas para a operacionalização de uma sessão
psicodramática.
63
[...] a) Contexto social: constituído pela própria realidade social,
envolvendo desde o tempo cronológico até o espaço concreto e
geográfico, [...] b) Contexto grupal: constituído pelo próprio grupo
(diretor, egos e participantes), leis, normas e condutas particulares,
[...] e c) Contexto dramático: constituído pela própria realidade
dramática. É o momento do jogo, do “como se”. É a separação da
realidade com a fantasia, do indivíduo com o papel e configura a
distinção entre o contexto grupal e dramático. Prevalecem o mundo
imaginário e a fantasia, num ambiente protegido. O espaço
devidamente delimitado pode ser ampliado ou reduzido. Geralmente é
neste contexto que ocorrem os insights e a catarse de integração
(YOZO, 1996, p. 20).
64
Yozo (1996) e Castanho (1990) trazem a definição sobre jogos dramáticos que
gostaríamos de enfatizar para o propósito dessa pesquisa
Contudo, Yozo (1996) nesse sentido afirma que podemos definir o conceito de
jogo dramático como uma atividade que permite avaliar e desenvolver o grau de
espontaneidade e criatividade do indivíduo, através de suas características, estado de
ânimo e/ou emoções na obtenção e resolução de conflitos ligados aos objetivos propostos
(YOZO, 1996, p. 16).
65
3.1. Freire e Moreno: Primeiras Reflexões
66
3. Distribuição de conceitos pertinentes ao tema em grupos menores de acordo
com o número de participantes para reflexão e,
4. Sínteses dessas reflexões para discussão na assembleia.
Quando dizemos “nossa realidade” o fazemos pelo fato de, como moradora no
mesmo bairro, tanto eu quanto meus educandos, sofríamos cotidianamente as mesmas
dificuldades de ordem infra-estrutural; decorrências da nossa ação ao ocupar aquele espaço
67
de terra para construir nossas moradias. A luta pela casa, pelo lugar para morar e residir,
pela habitação, tinha sido nosso universo comum.
69
Para concluir sobre essas diferenças e semelhanças, Diniz (2001, p.37) ressalta
que apesar de suas diferenças, o Jogo Dramático e o Psicodrama oferecem às pessoas um
espaço significante, de transformação de conceitos abstratos em imagens reais, ou,
mentalmente visíveis, através da cena improvisada. Portanto, vale a ressalva: O
Psicodrama, termo definido por J. L. Moreno (1984, p.12) como a ciência que explora a
“verdade” por métodos dramáticos e os Jogos dramáticos são fontes de criatividade no
processo criador do homem. Segundo Diniz: O processo criador é o próprio encontro do
homem com sua essência de ser (2001, p.48).
70
Reafirmamos que a nossa intenção é promover um diálogo entre o Psicodrama
de J. L. Moreno e as ideias pedagógicas do educador brasileiro Paulo Freire porque
entendemos que nessa perspectiva podemos encontrar maneiras de criar e recriar um
contexto grupal como espaço/temporal alfabetizador com uma metodologia capaz de
possibilitar aos educandos a sua plena humanização.
71
O trabalho de pesquisa de campo desenvolveu-se entre os meses de maio e
junho de 2012, em uma comunidade social de identidade religiosa católica, que cede seu
espaço físico para fins comunitários, entre esses, a promoção de projetos de Educação
voltada às pessoas adultas. Aí se encontra esse particular grupo, com o qual realizamos
nossa experiência empírica.
72
Concordados dessas especificidades, tínhamos interesse em buscar um grupo
que nos apresentasse as melhores condições para a realização da pesquisa. Dois aspectos
centrais deveriam ser observados: a) exclusão social e escolar; b) a didática voltada a esses
educandos. Interessava-nos que pudéssemos encontrar nesse grupo a sustentação prática
para a realização da nossa pesquisa. Nesse processo inicial, achamos ser essencial o que
para Fonseca podemos cultivar em grupos:
73
dos educandos sujeitos da pesquisa são migrantes nordestinos, com idades entre 45 e 68
anos (quadro 3) e moradores do bairro em média à oito anos.
Pudemos entender que essas ressonâncias na tradição oral dessas pessoas têm raízes
na longa e excludente tradição educacional e escolar do Brasil, marcada pela produção de
um modelo de educação e de escola como privilegio de poucos e nunca como um direito
social.
Quadro 1
Funcionamento dos
Nome da Comunidade - Endereço Grupos de
Alfabetização
Comunidade Sagrado Coração Travessa Somos Todos Iguais De 19h30min as
de Jesus nº 312 22h00min
Comunidade Natividade de Travessa Metamorfose De 19h30min as
Maria nº 214 22h00min
Comunidade Maria Imaculada Travessa Vereda Tropical De 19h00min as
nº 356 21h30min
74
Comunidade Espírito Santo Travessa Tardes de Lindóia De 19h30min as
nº 28 22h00min
Comunidade São Miguel Travessa Pé de Manacá De 16h00min as
(Paróquia) nº 57 19h00min e
De 19h30min as
22h30min
Localização e funcionamento dos núcleos nas comunidades-igrejas
Quadro 2
LOCAL SEXO IDADE FORMAÇÃO
E Comunidade S. Coração de Jesus Fem. 40 anos Ens. Superior completo
D (assistência Social)
U
Comunidade Natividade de Maria Fem. 32 anos Ens. Médio incompleto
C
A
D Comunidade Maria Imaculada Fem. 35 anos Ens. Médio completo
O
R Comunidade Espírito Santo Fem. 25 anos Ens. Médio completo
E
S Comunidade São Miguel Fem. 38 anos Ens. Superior incompleto
Formação e escolarização dos monitores que atuam em 2012
75
vezes por semana, entrepostos por situações de diálogos e observações regulares do grupo
em situações cotidianas do contexto alfabetizador. Esses jogos serviriam como
introdutores/sensibilizadores dos temas/categorias abordados nos nossos encontros.
76
Quadro 3
Sujeito Idade Sexo Nome (Iniciais) Origem (local de Tempo de
nascimento) residência
Cidade Estado em São
Paulo
01 67 anos masculino F. A. dos S. Serra Talhada PE 51 anos
02 66 anos masculino J. F. Q. O. Canindé CE 19 anos
03 66 anos feminino S. V. da S. Mamanguape PB 25 anos
04 63 anos feminino M. da G. F. Linhares ES 11 anos
05 58 anos masculino C. da J. L. Dourados MT 04 anos
06 55 anos feminino H. R. dos S. Jacobina BA 16 anos
07 49 anos masculino M. J. V. dos S. São Paulo SP
08 44 anos feminino D. P. A. Águas Belas PE 08 anos
09 42 anos feminino B. D. S. da S. Boqueirão PB 22 anos
10 38 anos feminino F. da S. A. Jacobina BA 31 anos
11 36 anos masculino T. R. da S. C. Formoso BA 03 anos
12 35 anos feminino C. E. S. da J. Santa Quitéria CE 19 anos
13 34 anos feminino U. F. dos S. Picos BA 10 anos
14 30 anos feminino G. R. F. da S. Loanda PR 25 anos
15 30 anos masculino B. V. de S. Arcoverde PE 20 anos
16 29 anos feminino S. M. N. A. São Paulo SP
17 28 anos masculino K. V. S. S. São Paulo SP
18 25 anos masculino D. M. da S. Itabira MG 02 anos
19 23 anos masculino S. G. F. dos S. São Paulo SP
Grupo da Comunidade Sagrado Coração de Jesus no Jardim da Conquista
77
relatório de pesquisa. Trata-se mesmo da natureza do trabalho investigativo, no qual a
ordem da realidade é bem maior do que a ordem da exposição e da relatoria do que se
percebeu nessa realidade.
O “jornal vivo” ou "jornal dramatizado" criado por Moreno tem como proposta
fazer uma síntese entre o teatro e o jornal. Ele retira do jornal as manchetes e as notícias
diárias e, a partir da sua leitura, obtém os estímulos necessários para realizar uma
dramatização de forma improvisada e espontânea. Trata-se de uma rica forma de assumir
para a exposição dos fatos e acontecimentos da vida das pessoas as mesmas legitimadas
formas de socialização que se propõe para a sociedade.
78
aprendizagem como função direta da criatividade, a um instrumento operacionalizador de
ensino, permitindo a livre expressão dessa criação.
79
Extensões Culturais da Universidade de Recife. No início desta década montou, no estado
de Pernambuco, um plano de alfabetização de adultos que serviu de base ao
desenvolvimento do que se denominou Método Paulo Freire de Alfabetização Popular,
reconhecido internacionalmente.
80
Mesmo que alguns governantes utilizassem a alfabetização apenas com
objetivos eleitorais (os analfabetos não podiam votar), o método Paulo Freire ia além, pois
buscava apoiar a transformação dos alfabetizandos em sujeitos de sua própria
aprendizagem, de seu próprio processo de conscientização, de seu protagonismo político,
de seu próprio projeto de vida. “A conscientização não pode parar na etapa do
desvelamento da realidade. A sua autenticidade se dá quando a prática de desvelamento da
realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da transformação”
(FREIRE, 1989, p.117).
Podemos dizer que essa nova conduta desse sujeito consciente é reconhecida
na teoria de Moreno pela proposta de catarse de integração, para Moreno esse conceito,
tanto na vertente pessoal como na vertente grupal, é sempre pensado como um ato de
verdadeiro renascimento, que estabelece o ser por meio da mudança e produz
transformações em seu mundo.
81
mesma sessão, “A abordagem psicodramática trabalha principalmente com problemas
pessoais e visa à catarse pessoal; a abordagem sociodramática lida com problemas sociais
e almeja a catarse social” (FOX, 2002, p. 52).
Importa-se, nesse trabalho com grupos, como nos situa Weil (1990) seja
considerado que o fator S (espontaneidade) é um elemento que precisa ser desbloqueado.
Weil, ao citar Moreno assegura que esse fator é bloqueado por aquilo que Moreno
denomina de “conservas culturais”. Prosseguindo acrescenta que essas conservas são: “os
consensos vinculados com os diferentes papeis psicossomáticos, como os relativos à
alimentação ou ao sono, os papeis psicodramáticos, ligados às emoções e os papeis
sociodramáticos, como os do vendedor, do chefe de Estado ou do cientista” (WEIL, 1990,
p. 65).
82
metodologia, e há até os que acham ridículo o que está se fazendo. Mas, todas as reações
acabam se tornando positivas, consideradas desde a perspectiva da dinâmica de grupo.
A aula em que se introduz o método pela primeira vez se torna muito espontânea
e como um catalizador que desencadeia a criatividade e, consequentemente, reduz as
“Conservas Culturais”. Na utopia Moreniana era a aprendizagem da espontaneidade o
veículo que poderia, inclusive, salvar o indivíduo e a sociedade como um todo. Dizemos
“salvar” no sentido de preservar a pessoa da negação de sua identidade pelas determinações
doutrinárias e dogmáticas impostas pela sociedade em seu conjunto.
É necessário que o educador trabalhe de forma segura e com afeto, para dar
tempo à entrada do maior número possível de educandos dentro da situação total. É
pertinente que a maior parte dos educandos participe do que está sendo vivenciado, mesmo
que esta participação seja de suas carteiras.
83
O que definimos como manejo do método psicodramático no ensino de adultos
é basicamente uma arte de perguntar, de situar o educando diante de um problema a ser
resolvido, para que ele encontre a resposta adequada. Para Kaufman (1992, p.14) a solução
do problema implica o relaxamento da “tensão por conhecer”. Sendo assim, o Psicodrama
na educação, segundo Kaufman (1992, p.15) não deve ser visto como um método novo, já
que, nesse sentido, em si mesmo o Psicodrama nada tem de “novo”, porque recorre à
maiêutica, ao mais antigo dos recursos que o homem já apelou, para ensinar e aprender.
Kaufman (1992) prossegue
O Psicodrama contribui para que o educando coloque para fora o que “sabe” e o
compreenda como algo próprio, como algo seu. A metodologia psicodramática permite ao
educador verificar, numa situação “viva”, a validade do conhecimento que foi incorporado
através da rotina educativa, isto é, através de aulas expositivas, dialogadas, de trabalho de
pesquisa em grupos, através de leituras, mediante técnicas audiovisuais, etc. e retificar os
erros ou as distorções que se tenham produzido.
84
Desta forma, quando for necessário, o educando utilizará este conhecimento,
pois este não vai ser mais vivenciado como algo que pertence ao livro e ao professor, mas
como uma propriedade do educando, algo que ele conhece.
85
3.9. Relato, análise e processamento teórico da pesquisa empírica
86
Foi possível perceber nesse processo que o uso da dramatização em sala de aula
proporciona aos educandos vivenciarem o “como se”. O “como se” do Psicodrama na
dramatização trata-se de fazer existir o sujeito espontâneo e criativo. Para isso, Moreno
recorreu ao teatro para ser o locus de suas pesquisas e criar o Psicodrama, já que o teatro é
um lugar de possibilidades inusitadas e é neste campo de virtualidades infinitas que a
liberdade de poder sonhar se faz presente.
87
Os registros desses encontros foram feitos somente pela gravação audiofônica.
Acreditamos que qualquer outra forma de registro poderia inibir o grupo de educandos,
contradizendo a proposta dessa pesquisa cuja essência é a espontaneidade e a autonomia.
Desta maneira, após as dramatizações, no momento dos comentários, usamos um gravador
com o cuidado para não trazer qualquer constrangimento aos nossos sujeitos. Vale ressaltar
que foi comunicado aos mesmos sobre tal procedimento na apresentação inicial do projeto
de pesquisa, contando com o consentimento livre de todos.
88
A proposta nesse encontro foi assistir ao filme e refletirmos sobre a realidade
social da família retratada na trama. Vale ressaltar que nesse momento, não foi solicitado
aos educandos que falassem de suas próprias vidas. No entanto, nos comentários, o que foi
evidenciado foi vários relatos pessoais relacionando-se com a personagem da trama. No
filme, “vemos a semelhança com a realidade vivida por muitas de nossas famílias” (S9).
Pelos comentários dos educandos, podemos acreditar que nos tempos passados
e mesmo em tempos atuais, freqüentando “escola” como dizem, essa constatação da
condição de analfabetos aflige uma significativa parcela do grupo desses educandos.
Segundo a fala do S5 “ainda tem muita gente no sertão nordestino que vive como no filme.
O S14 disse que ficou triste porque o entusiasmo da garotinha em aprender a ler e escrever
não parece que é importante para sua mãe, isso desanima a filha.
Para refletirmos sobre a migração, visto que a maioria desses educandos não
nasceu na cidade de São Paulo, utilizamos para o aquecimento inespecífico o poema de
Patativa do Assaré “Triste partida” musicado pelo cantor nordestino Luiz Gonzaga, (anexo
2). Assistimos a um vídeo com imagens de uma família de retirantes nordestinos em
viagem para São Paulo, tendo como fundo musical o poema, escrito em 1983, cuja melodia
soa como um “lamento” daqueles que se viram obrigados a deixarem sua terra natal para
não perecer com a seca, que, como diz a música, “castigou” historicamente o nordestino
brasileiro por longo período.
89
Nesse encontro, a etapa dos Comentários foi extremamente rica para os fins da
pesquisa. Pudemos observar o quanto os sujeitos ficaram emocionados ao assistirem o
vídeo. Pareceu-nos como retrato de suas próprias vidas! Ouvimos: (S15) “Eu também tinha
uma boneca dessa e que ficou perdida, eu sempre sonhava com ela e as vezes sonho até
hoje”. (S19) “Minha mãe costumava plantar roseiras em volta da casa e era eu que cuidava
delas”. (S5) “Meu pai tinha um sitiozinho que precisou vender porque perdeu toda a
lavoura com a seca (...)”. (S11) “Quando viemos pra São Paulo, a gente (eu e meus 8
irmãos pequenos) não sabia o que ia acontecer aqui com a gente, ficamos com medo de se
perder um do outro e nunca mais se encontrar” (S2) “Todo ano meu pai dizia que a gente
ia voltar pra nossa terra, mas a minha mãe falava que não queria ir porque aqui em São
Paulo pelo menos a gente passava menos fome que lá (...) porque aqui a patroa dela era boa
e deixava ela levar para casa as sobras de comida”.
O Sr. A. (S1) fez um emocionante relato de sua vinda para São Paulo quando
tinha 16 anos (hoje tem 69 anos). Este relato serviu como aquecimento específico para a
dramatização desse segundo encontro.
Cena 1: Na viagem, o tio de seu A. (representado pelo próprio Sr. A.) que
conduzia a família parou o caminhão na beira da estrada. Com uma carabina em mãos
ficava vigiando para que o jovem A. e seus irmãos colhessem as espigas de milho enquanto
a mãe de seu A. juntava gravetos de lenha para assar as espigas.
Dona M. da G. (S3)faz o papel da pessoa que vai decidir o que fazer quando o
dono da plantação de milho aparecer com os seus “capangas” – empregados que chegam
com a orientação para expulsar a família de A. de forma violenta, com empurrões e
pontapés.
- Você tem filhos? Já ouviu eles te pedirem comida e você não ter? Já passou
fome? – Então deixa a gente ir embora em paz!
90
3.9.1.3. Terceiro encontro Dia 29 de maio de 2012
“Jornal Vivo” Texto: Se deixarem a escola melhora – Revista Época (junho de 2007
Edição nº 472).
91
Novamente foi pedido aos alunos que caminhassem pela sala observando todos
os temas expostos. Neste momento inicia-se o aquecimento específico. Foi pedido que o
grupo escolhesse uma única notícia a ser dramatizada.
Mais de uma notícia foi eleita, e sendo assim, o critério de desempate foi a
notícia mais atraente para o grupo total de participantes, ou seja, o artigo que tivesse o
maior grupo de educandos. Este artigo foi escolhido como tema protagônico.
Foi formado um grande grupo e começaram a ler o artigo. Era incrível ver
como eles estavam engajados na tarefa. Em seguida iniciaram as discussões sobre o tema: o
que concordavam ou não com o artigo, fatos da vida pessoal que o artigo fez com que eles
relembrassem, etc. A partir daí, os integrantes do grupo começaram a definir a cena a ser
criada, os personagens, a distribuição das cenas, quem iria participar da cena e quem iria
auxiliar nos trabalhos, objetos que poderiam utilizar no cenário, falas, etc.
92
educandos participaram da cena como atores e a educadora assumiu a função de Ego-
Auxiliar do processo psicodramático.
Os professores, por sua vez, falavam estar cansados de promessas sem solução.
“- Não temos como trabalhar assim. É complicado para os alunos, freqüentarem uma escola
sem o mínimo de condições para que eles aprendam. Precisamos de coisas básicas para que
a escola funcione. A senhora nunca resolve nada. Já tem anos que tudo está do mesmo jeito.
Aliás, ‘pior’ (sic)”.
93
centralizava todas as atribuições em seu cargo, não conseguia solucionar os problemas
sozinha.
94
reformulações ou a constatação de uma satisfação que promove mudanças
(MARRA, 2004, p.51).
Alguns educandos afirmaram não acreditar que, de um artigo, iria surgir tanta
coisa. Outros relataram ter resistência a essa coisa de teatro e, quando perceberam que se
tratava disto, ficaram receosos, contudo, no decorrer do trabalho não se reconheciam. Essas
reações poderiam ser trabalhadas mais amplamente, pela riqueza que retratam e pela
potencialidade ética, estética e educacional que carregam e densificam.
95
cena revelaram-se grandes atores. Neste momento, os considerados tímidos falaram da
emoção que a cena os fez sentir e do quanto se transportaram para a própria realidade de
seus trabalhos, onde possuem poucos espaços para discutir e implementar mudanças. “- a
gente fica preso a regras e não temos a mínima liberdade de criar” (sic), (S12).
De acordo com os educandos, foi muito bom terem tido aulas com este método,
“- É uma aula diferente” (sic), (S19); “- A cena me fez ver coisas que quando ouvi a
professora ler o texto não tinha percebido. Parece que as ideias vieram à cabeça” (sic), (S8).
96
Os atos dramáticos vividos pelos educandos propiciaram uma liberdade de
criação no aqui-e-agora, dentro do tema da aula. Esta forma de ensinar foi defendida por
Freire já que para ele a alfabetização era, ao mesmo tempo, um “ato de criação, capaz de
gerar outros atos criadores; uma alfabetização no qual o homem, que não é passivo nem
objeto, desenvolvesse a atividade e a vivacidade da invenção e reinvenção, características
dos estados de procura” (FREIRE, 1977, P.41).
A vivência prática que será analisada aqui ocorreu durante um encontro com
cerca de duas horas e trinta minutos. Durante o aquecimento inespecífico foram
estabelecidos aproximadamente 10 minutos para fazer um pequeno preparo dos
participantes. Foi solicitado aos educandos que caminhassem pela sala como se estivessem
preparando-se para um passeio.
98
Logo em seguida fomos para o aquecimento específico que ocorreram em três
momentos. No primeiro momento - estimado em aproximadamente 15 minutos - cada
participante de posse de um jornal, foi convidado a folhear o conteúdo do mesmo e escolher
uma notícia obedecendo aos seguintes critérios: “Se você ainda não compreender o que está
escrito no mesmo, escolha uma imagem que lhe chama a atenção separando-a e tentando
encontrar as razões da sua escolha”; “se você já souber ler um pouco e compreende o título
ali escrito, separe a notícia pelo título”; e “se você já é um leitor, deve fazer a escolha da
sua notícia baseando-se não só na imagem do jornal, mas também na história ali
publicada”.
Após esse debate os educandos que já tinham certo domínio da leitura e escrita,
foram convidados a escolher uma das notícias encenadas e a escrever sobre o que aprendeu;
sobre o que já sabia desse assunto e sobre qual sua opinião a esse respeito. Cada educando
teve a oportunidade de também propor algumas sugestões para os problemas abordados nas
diferentes notícias.
100
Os educandos em início de aquisição da escrita puderam grifar diretamente no
jornal as palavras que reconheciam no texto por meio das cópias das mesmas fornecidas a
eles. Em seguida eles trabalharam em dupla sobre questões associadas às notícias. Por
exemplo: O nome dado às vivências era encontrado nas notícias? Coube também a estes
alunos escreverem os nomes dos objetos confeccionados para as peças construídas para as
cenas.
Na fala do S11 podemos perceber foi interessante esse momento para a vida
dele e dos seus colegas do grupo: “mesmo que a gente seja bastante interessada, a gente
chega aqui muito cansado depois de um dia de trabalho, e quer logo ir para casa para
descansar, mas hoje, eu queria ficar por aqui e ‘brincar’ mais um pouco!”(sic).
101
acabam por limitar essa possibilidade. Todavia, a despeito da finitude da presente
proposição, aprendemos em nosso corpo e em nossa alma, a riqueza da obra de FREIRE e
MORENO e a original forma de integrar suas contribuições na Educação de Jovens e
Adultos, em nossa realidade.
“Subamos nos ombros dos gigantes para olhar mais longe. Mas não nos
esqueçamos nunca que, para que pudéssemos olhar mais distante e longe eles nos
seguraram nos ares, para que pudéssemos ver além. Reverencia os gigantes que te
seguraram no ar!”
Esse trabalho quer reverenciar a dois gigantes de nossa época, que nos
proporcionaram as condições de olhar mais longe, e de ver e buscar superar as marcas de
uma educação autoritária e excludente. Esses novos sujeitos históricos, nascidos desse
processo novo e exigente de empoderamento dos grupos e camadas sociais emergentes
recentes estão criando as condições para gerar um tempo e uma sociedade de contornos
solidários, sustentáveis e tolerantes, participados por todos!
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um aspecto singular que nos motivou na luta pela concretização deste projeto
foi o fato de acreditar que, apesar de todos os empecilhos para se educar, ainda existem
muitos professores cumprindo com excelência o seu papel, com plenitude, o que significa
ter afetividade, gostar do que faz ter compromisso e, primordialmente, acreditar que mesmo
não podendo transformar o mundo inteiro, a semente, a prática educativa crítica e
construtiva, poderá germinar, basta, para isso, o cuidado com o terreno, com a fertilização
necessária para plantar, nesse caso, o preparo do grupo de educandos para receber as
propostas de dialogar sobre as situações conflitantes cotidianas em busca de respostas
adequadas.
Paulo Freire destaca em grande parte de suas obras que um saber indispensável
para o professor é não separar prática de teoria, autoridade de liberdade, respeito ao
professor de respeito aos alunos, ensinar de aprender. Desta forma, segundo o autor, ensinar
exige comprometimento com a tarefa de professor, o qual vai buscar uma melhora
constante no seu próprio desempenho. Não se toma aqui o conceito de desempenho no
estreito jargão de produtividade, presente em marcos educacionais neoliberais e de
inspiração empresarial. Este desempenho deve ser avaliado tanto pelo professor quanto pelo
103
aluno em termos mais amplos, éticos, estéticos, pedagógicos, culturais e políticos. Cabe ao
professor estar atento aos sinais que o aluno dá a respeito das atividades desempenhadas
por este professor frente aos alunos. Como educadora de jovens e adultos compreendemos a
profundidade dessas palavras, no oficio de entabular com nossos educandos essa troca de
dimensões essencialmente humanas.
104
Quando o trabalho com o “jornal vivo” iniciou, alguns educandos ficaram
tímidos, sem saber o que fazer, e até mesmo acanhados. Entretanto, passados os momentos
iniciais, vários deles aprovaram a iniciativa e abraçaram a ideia de trabalhar com o jornal,
sentindo-se importantes ao realizar as tarefas propostas, pois em muitos casos eles
assumiam diferentes personagens, como fazendeiros (proprietários de terras), professores,
policiais e diretores de escolas. A riqueza da realidade, apesar de suas contradições,
expressava-se no conjunto dos educandos em rico processo de descoberta de si e do mundo.
105
construção total do homem, quer quanto aos conteúdos acadêmicos, quer na formação de
seu caráter social.
Podemos visualizar que, na execução das dimensões postas pela prática, foi
possível utilizar as etapas do método de Paulo Freire: investigação, tematização e
problematização. Com estas etapas foi possível atingir a espontaneidade e criatividade
propostas por Moreno, bem como construir a autonomia dos educandos, valorizando e
respeitando sua individualidade. Assim como foi possível utilizar as três etapas do método
psicodramático: aquecimento, dramatização e comentários.
Moreno também não concorda com a ideia de que a pessoa aprenda sozinha, pois,
desta forma se deixará levar pela lei da inércia psíquica que induz o homem a repetir o já
feito, a tomar atitudes sempre iguais, a desenvolver a mesma conduta.
106
uma pequena parcela do que se apresenta ao aluno é fixada na memória. No método
psicodramático a ação é, em primeira instância, baseada no real, no vivencial, sendo
localizada com facilidade às ações da vida de cada sujeito, como defende Paulo Freire. O
método Psicodramático contribuiu para que o educando colocasse para fora o que “sabe” e
o que compreendeu como algo próprio, como algo seu. A metodologia psicodramática
permitiu ao educador verificar, numa situação “viva”, a validade do conhecimento que foi
incorporado através da rotina educativa.
Pelos resultados aferidos pela pesquisa observa-se que, para o educando jovem
e adulto ter prazer nos seus estudos é necessário que ele se reconheça como agente deste
processo, podendo fazer escolhas de maneira autônoma, livre e espontâneo-criativa.
107
Assim sendo, segundo Gonçalves et.al (1998, p.89), estes ambientes ou
sistemas sociais podem conter elementos constrangedores que vêm prejudicar esse
potencial, resultando na cristalização de papéis, na estagnação do desenvolvimento do
homem e na reprodução destas conservas culturais, objetos materiais, comportamentos,
costumes e hábitos que se mantêm idênticos em uma determinada cultura.
108
Os resultados apresentados também mostraram que a leitura, apropriação e
manejo desses pressupostos e deste método produziram efeitos significativos sobre os
participantes no sentido do seu papel de multiplicador. A grande maioria revelou mudanças
de atitudes e alguns falaram do desejo da implementação, em seus locais de trabalho, de
novas atividades baseada nas técnicas ensinadas. Isto é especialmente importante na
formação de adultos, pois estamos lidando com pessoas que em sua maioria tem sob sua
responsabilidade a educação de filhos e netos e, assim, poderão multiplicar estes efeitos em
suas ações educativas.
110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
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2000.
GONÇALVES, Camila Salles; WOLFF, José Roberto; ALMEIDA, Wilson Castello de.
Lições de Psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. 2. ed. São Paulo:
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1992.
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2004.
112
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sociometria e da psicoterapia de grupo. São Paulo: Ágora, 1992.
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PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. 4. ed. São Paulo:
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PUTTINI, Escolástica Fornari; LIMA, Luzia Mara Silva. Ações Educativas: Vivências
com Psicodrama na prática pedagógica. São Paulo: Àgora, 1997.
113
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Freire aos IPMs da ditadura. São Paulo: Cortez, 2000.
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ZEN, Eliesér Toretta. Educação e humanização: a teoria e a prática de Paulo Freire. In:
CONGRESSO INTERNACIONAL DA CÁTEDRA UNESCO DE EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS, 1., 2010, João Pessoa. I Congresso Internacional da Cátedra
Unesco de Educação e Jovens e Adultos. João Pessoa: UNESCO, 2010.
114
ANEXOS
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Primeiro encontro – dia 15 de maio de 2012
Documentário: Vida Maria
S5 – “Desde seis anos de idade, quando meu pai morreu tive que virar adulta e
deixei de ser criança”. (fala decidida e claramente).
Ob. O Sujeito 5 (S5) descreve o cenário com flores, velas, crucifixo e comenta que
lembra bem porque tem a fotografia do pai morto, pois isto é um costume cultural, para as
crianças verem mais tarde a foto e terem certeza de que o pai morreu.
S13 – “Ninguém de minha família pode ajudar quando meu pai morreu. Todos já
tinham suas obrigações, seu trabalho na roça”...
S8 – “O meu pai morreu eu tinha mais ou menos a idade da menina do filme. Ele
morreu de tuberculose, sempre foi doente, desde solteiro. Minha mãe não sabia que ele era
doente quando se casaram”. “o casamento de meus pais foi contratado pelos pais deles.
Sempre foi muito difícil, o casamento foi só doença e trabalho”.
117
S11– “Fiquei muito triste quando meu pai morreu”. “Sabia que eu ia ter que
ajudar minha mãe. Não sabia como ia ser sem ele”...
S8 – “Eu como filha mais velha, tive que assumir essa responsabilidade. Além
disto ela sempre fui a mais responsável, mais que os meus irmãos homens. Tive que ser
séria, responsável, e trabalhadora”.
S8 – “Sim, não tem outro jeito. E tem que ser forte”. “Nortista é forte, não chora,
não deve chorar, deve ser sério e responsável”.
S7 – “Sinto que vai ficando uma casca bem dura em volta da gente”.
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Foto 01
119
Foto 02
Foto 03
120
Foto 04
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
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Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
122
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
124
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai
125
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai
Em um caminhão
O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
126
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
127
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai
E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos filho pensando
E o carro rodando
128
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai
Procura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai
129
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai
Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai
Do mundo afastado
Ali vive preso
130
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposta à garoa
A lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai
131
Após a apresentação do vídeo música Triste partida para o grupo Sr.A. (S1)
erguendo o dedo se levanta, vem até a frente e diz:
“- É para falar? Não é?– eu quero contar minha história. Eu não cheguei a passar
fome no norte, mas, a vida era muito difícil, muito trabalhoso! Não tinha trabalho para
minhas irmãs e meu pai não queria que elas trabalhassem em casa de família. A nossa
família era muito grande. Meu pai botou na cabeça que lá não era lugar de viver. Meu pai
não dava veiz para ninguém. Apareceu de imediato alguém interessado em comprar nossa
terra. Meu pai vendeu nossa terra de porteira fechada. Fazíamos plantação de milho, de
aipim, de cana, de bananeira, nós tinha de tudo. Plantava “de meia” com os outros. Puxava
jacaré pelos pés...com a enxada”(sic)!
“- Um tio meu que foi até o Recife e na volta vinha para São Paulo, passou por lá,
pegou a gente e trouxe a nossa família. Viemos de Pau de arara”.
“- E aqui (São Paulo) foi outra vida, não aquela que a gente tinha lá”.
___________________________________________________________________
Relato feito pelo Sr A. no segundo encontro após a apresentação do vídeo com imagens de uma
família de retirantes que vendem suas terras e partem de pau-de-arara para São Paulo em busca de trabalho e
recursos econômicos. Enquanto vivem as desventuras da cidade grande, sonham em poder voltar para a terra
natal.
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Comentários – (segundo encontro).
Terceira etapa do Psicodrama pedagógico
“- Faz um ano mais ao menos (continua M.) eu trabalhava com uma família que
não deixava eu nem fritar um hambúrguer nem salsicha, nem para a filha adotiva dela nem
para mim. Eles (o casal) brigavam por causa de comida, a comida vencia e aí jogava fora.
Só se preocupava com o marido e os seus filhos. Trabalhei por anos e ela nem depositou os
direitos trabalhistas. Só descobri que ela estava me enrolando quando fui atrás no INSS...”
(Instituto Nacional de Seguro Social).
Sujeito 5 – “- Meu pai tinha um sitiozinho que precisou vender porque perdeu toda a
lavoura com a seca”. Eu não cheguei a passar fome porque viemos embora, mas, meus
133
irmãos mais velhos passaram fome antes de meu pai resolver vir embora. Ele não queria
deixar a terrinha” (sic).
Sujeito 6 – F.D.V. “- Todo ano meu pai dizia que a gente ia voltar pra nossa terra,
mas a minha mãe falava que não queria ir porque aqui em São Paulo pelo menos a gente
passava menos fome que lá em Pernambuco, porque aqui a patroa dela era boa e deixava
ela levar para casa as sobras de comida” (sic).
Sujeito 11 – M.M.S. “- Quando viemos pra São Paulo, a gente (eu e meus 8 irmãos
pequenos) não sabia o que ia acontecer aqui com a gente, ficamos com medo de se perder
um do outro e nunca mais se encontrar” (sic).
Sujeito 14 – “- Eu também tinha uma boneca dessa e que ficou perdida, eu sempre
sonhava com ela e as vezes sonho até hoje” (sic).
Sujeito 15 – “- Minha mãe costumava plantar roseiras em volta da casa e era eu que
cuidava delas” (sic).
134
PARTICIPANTES DO SEGUNDO ENCONTRO - REPRESENTAÇÃO DA
MÚSICA TRISTE PARTIDA
FOTO 01
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FOTO 02
FOTO 03
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FOTO 04
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FOTO 05
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Se deixarem, a escola melhora revistaepoca.globo.com/Rev ista/Epoca/0,,EDR77590-
6009,00.html 1/3
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Comentários – (terceiro encontro).
Sujeito 8 – “A cena me fez ver coisas que quando ouvi a professora ler o texto não
tinha percebido. Parece que as ideias vieram à cabeça”(sic).
Sujeito 19 – “Muita das coisas que aconteceram na cena saiu na hora. Não tínhamos
pensado em muitos detalhes, a gente queria fazer só o que era solicitado pela senhora
(pesquisadora). Na hora da cena muita coisa veio à nossa cabeça, parecia que tudo era real”
(sic).
Sujeito 12 – “A gente fica preso a regras e não temos a mínima liberdade de criar”
(sic).
Sujeito 11 – “mesmo que a gente seja bastante interessado, a gente chega aqui muito
cansado depois de um dia de trabalho, e quer logo ir para casa para descansar, mas hoje, eu
queria ficar por aqui e ‘brincar’ mais um pouco!”(sic).
142