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A capela de S.

Martinho
Por Francisco Messias Trindade Ferreira

Poucos saberão que existiu, em tempos, uma pequena capela dedicada a S. Martinho na rua a
que ela próprio terá dado o nome: Rua de S. Martinho. Não se sabe ao certo quando foi erigida
nem quando deixou de existir. Talvez há perto de dois séculos tenha visto o Sol nascer pela
última vez. Nem mesmo a memória de alguns homens, que tiveram conhecimento da sua
existência, não é de forma alguma concordante. Advoga, por exemplo, Marques Gomes que o
pequeno templo se situava na rua de S. Martinho (no seu corpo principal) sem indicar onde,
nem avançar qualquer explicação; Rangel de Quadros, por sua vez, considera que ficaria numa
transversal à rua principal; e António Christo, discordando de Rangel, não aponta alternativa
subentendendo-se que, para ele, ficaria na rua principal.

Para além de se ignorarem as datas extremas correspondentes à sua construção e demolição


desconhece-se também qualquer descrição da mesma: ornatos, altares, imagens (incluindo a do
seu próprio orago). As informações são, na realidade, escassas; mas alguma coisa é possível
saber. Nesta linha é possível afirmar que a ermida já se encontrava ao serviço em 1567 pois
nesse ano tornou-se a última morada de António Fernandes, indivíduo viúvo que morava na
própria rua de S. Martinho. Diz o seu registo de óbito existente no respectivo livro da matriz S.
Miguel: “Aos quatro dias de Abril [1567] faleceu António Fernandes, viúvo, que pousava em S.
Martinho; enterrou-se em S. Martinho.” 1 (PT-ADAVR-PAVR17-3-17-m0017). A ermida é, como
se comprova por este registo, do séc. XVI e talvez não seja muito arrojado situá-la na primeira
metade desse século. É que os enterramentos nessa pequena capela eram poucos e espaçados.

O século XVIII foi bem mais generoso em termos de informação sobre a ermida. Logo em 1721
por ocasião da realização de um inquérito paroquial para recolha de informações sobre as
freguesias do reino, o pároco de então da freguesia do Espírito Santo a que esta capela
pertencia, frei Manuel Dias e Amaral, informa da existência da capela e que ela era administrada
pelo povo. 2

Anos mais tarde, na sequência do grande sismo de 1755, o marquês de Pombal lança um
inquérito às paróquias onde procurava saber qual a extensão dos estragos provocados pelo
cataclismo. Novamente as respostas ao questionário são dadas pelos párocos das freguesias; a
do Espírito Santo pela mão do seu vigário frei Manuel Rodrigues de Figueiredo enviou a sua
resposta dizendo, em relação à matéria que aqui importa: “Nesta freguesia (…) não caíram casas
algumas, porém quase todas ficaram sentidas, e abaladas e da mesma sorte a capela de São
Martinho, e a de Santo Amaro, em Vilar, que com algumas aberturas estão ameaçando ruína.” 3
Aparentemente, o destino da ermida estava traçado: demolição a prazo.

Um novo inquérito lançado em 1758 veio proporcionar a possibilidade de constatar que a


pequena capela ainda se encontrava de pé nessa data. Desta vez o autor das respostas foi o
prior de S. Miguel, Paulo Pedro Ferreira Granados, como superior hierárquico que era de todas
as outras freguesias existentes em Aveiro 4. Seguramente terá indagado os vigários de cada uma

1
PT-ADAVR-PAVR17-3-17-m0017
2
Rocha Madhaíl, Informações Paroquiais do Distrito de Aveiro, ADA, vol. I, pp. 40-41
3
Eduardo Costa, O terramoto de 1755 no Distrito de Aveiro, ADA, vol. XXII, pp. 123-125.
4
ANTT, PT-TT-MPRQ-5-44_c0132a
das freguesias sob a sua alçada para alcançar as informações pertinentes. Sobre S. Martinho
informa apenas da sua existência sem tecer quaisquer comentários, mesmo sabendo que estava
em risco de ruína.

E de informações sobre esta ermida pouco mais se poderia avançar. À partida desapareceria
sem deixar mais qualquer rasto. No entanto um novo elemento surge: uma planta da cidade
levantada por volta de 1780, presumivelmente da autoria de Isidoro Paulo Pereira e Manuel de
Sousa Ramos. Fruto da necessidade de planear a realização de diversas obras públicas nos
esteiros da cidade a planta é bastante detalhada e nela é possível observar o registo da capela
de S. Martinho no seguimento para sul da igreja do Espírito Santo. Ficava num pequeno largo,
onde hoje é a rua Infante D. Henrique, transversal à rua de S. Martinho que ligava esta à de S.
Sebastião. Aparentemente tinha umas dimensões razoáveis e estava orientada para poente por
aquilo que é possível depreender do desenho.

(Pormenor da planta)

Este é, até ver, o último registo documental da capela. Um último pormenor. Não diz respeito
propriamente à capela, mas a uma peça artística que existe no núcleo museológico da paróquia
da Vera-Cruz: a imagem de um bispo (presume-se que santo) e da qual não se conhece a sua
proveniência. Aparentemente reúne os requesitos para ser S. Martinho. A inscrição na base da
imagem (S.PONS) lança dúvidas. (Informação prestada por Hugo Calão autor do inventário).

(imagem 2 – bispo)
(São Martinho/São Pôncio?, Paróquia da Vera Cruz de Aveiro, inv. 0031, Proveniente de
demolida Igreja ou Convento de Aveiro, Autor desconhecido, século XVII, madeira estofada e
policromada, 79 alt x 28 larg x 21 prof; 10 kg)

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