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UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ

(UNOCHAPECÓ)
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ALICE BARELLA

A GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS À


PRIVACIDADE E À INTIMIDADE

CHAPECÓ (SC)

2019
ALICE BARELLA

A GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS À


PRIVACIDADE E À INTIMIDADE

Monografia apresentada ao Curso de Direito


da Universidade Comunitária da Regição de
Chapecó (UNOCHAPECÓ), como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharel em
Direito, sob a orientação do Professor: Luiz
Henrique Maisonnett

CHAPECÓ (SC)

2019
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ (UNOCHAPECÓ)
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

A GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS À PRIVACIDADE


E À INTIMIDADE

ALICE BARELLA

____________________________________________
Prof. Me. Luiz Henrique Maisonnett
Professor Orientador

____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Andrea de Almeida Leite Marocco
Coordenadora do Curso de Bacharel em Direito (Chapecó)

CHAPECÓ (SC)
2019
ALICE BARELLA

A GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS À PRIVACIDADE


E À INTIMIDADE

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de BACHAREL EM


DIREITO no Curso de Graduação em Direito da Universidade Comunitária da Região de
Chapecó (UNOCHAPECÓ), com a seguinte Banca Examinadora:

________________________________________
Prof. Me. Luiz Henrique Maisonnet – Presidente

________________________________________
XXXXX – Membro

________________________________________
XXXXX – Membro

CHAPECÓ (SC)
2019
DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho à minha mãe, Elena.


AGRADECIMENTOS

Esse trabalho não teria sido concluído sem o apoio de meus familiares e amigos, que
estiveram comigo durante essa caminhada me dando com amor, carinho e muita paciência.
2019 foi um ano maravilhoso. Um ano de aprendizado, de muito trabalho e também de
renovação. Dedico aqueles que entraram na minha vida e me ajudaram nos momentos mais
difíceis, os que permaneceram ao meu lado, e até mesmo aqueles que partiram. Todos me
ensinaram lições valiosas. Muito obrigada.
Agradeço ao meu orientador, por ter me ajudado a construir este trabalho, e aos
demais professores do curso de direito, que construíram os princípios da profissional que serei
um dia. Nunca vou esquecer os anos que passamos juntos, muito obrigada.
“A história é tão leve quanto a vida do
indivíduo, insustentavelmente leve, leve como
uma pluma, como uma poeira que voa como
uma coisa que vai desaparecer amanhã.”
Milan Kundera
RESUMO

A GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS À PRIVACIDADE E À


INTIMIDADE. Alice Barella

Prof. Me. Luiz Henrique Maisonnet (ORIENTADOR). (Universidade Comunitária da Região de


Chapecó – UNOCHAPECÓ).

Introdução: O processo de globalização é parte da era da modernidade, causando a evolução


rápida e constante da tecnologia e ciência, além de reconfigurar as relações intrapessoais e
proporcionar um novo espaço de convivência que não delimita as interações a um único
território, mas transcende barreiras físicas para criação de um habitat totalmente novo da
existência social. Essa nova configuração culmina na expansão de conceitos e direitos
fundamentais, visto suas novas formas de violação e a necessidade de um novo tipo de tutela.
(OBJETIVOS) O objetivo deste trabalho é, além de analisar uma perspectiva histórica a
evolução da globalização e dos direitos humanos, que culminaram nas atuais configurações e
entendimentos sobre o que é o direito à intimidade, analisar as mudanças que ocorreram e
como a sociedade e o ordenamento jurídico se comportam perante essa nova realidade social.
(METODOLOGIA) A pesquisa se situa no paradigma qualitativo e caracteriza-se como
bibliográfica, com base na análise da legislação, doutrinas, artigos jurídicos, internet etc., e
utiliza-se o método dedutivo baseando-se no estudo de teoria e refinações de conceitos.
(LINHA DE PESQUISA OU EIXO TEMÁTICO) O eixo temático do Curso de Direito da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ, pelo qual o trabalho
vincula-se é “Direitos Humanos”. (CONCLUSÃO) O direito evolui de mãos dadas com a
sociedade, e a observação destas mudanças ajuda a traçar um caminho lógico da estrada que
percorremos como humanidade. O direito a intimidade encaixa-se dentro da dignidade da
pessoa humana, e sua reconfiguração precisa ser alvo de extrema atenção, a tutela de sua
integridade precisa acompanhar as mudanças que ocorrem com o avanço da tecnologia, o
direito precisa evoluir e se reinventar perante os novos desafios apresentados pela era da pós-
modernidade, pela globalização e pela reconfiguração dos direitos humanos. (PALAVRAS-
CHAVE) Direito à intimidade e privacidade. Direitos humanos. Globalização.
ABSTRACT

GLOBALIZATION AND THE RIGHTS REARRANGEMENT ON PRIVACY AND


INTIMACY. Alice Barella

Prof. Me. Luiz Henrique Maisonnett (Mentor). (Universidade Comunitária da Região de Chapecó –
UNOCHAPECÓ).
(INTRODUCTION) The globalization process is part of the age of modernity which causes
the rapid and constant evolution of technology and science, as well as rearranges intrapersonal
relationships and provides a new living space that does not delimit interactions within a single
territory but goes beyond physical barriers to create a totally new habitat of social existence.
This new settlement culminates in the expansion of fundamental concepts and rights, given
their new forms of violation and the need for a new kind of protection. (OBJECTIVES) The
objective of this paper is to analyze a historical perspective on the evolution of globalization
and human rights, which culminated in the current configurations and understandings about
what is the right to intimacy, analyze the changes that occurred and how society and the legal
system behave before this new social reality. (METHODOLOGY) This research is situated in
the qualitative paradigm and is characterized as bibliographic research, based on the analysis
of legislation, doctrines, legal articles and internet; the deductive method is used based theory
studies and refining of concepts. (RESEARCH FIELD) The Law Course research field of the
Community University of Chapecó Region – UNOCHAPECÓ by which this work is linked is
“Human Rights” (CONCLUSION) Law evolves hand in hand with society and observing
these changes helps to trace a logical path along the road we walk as humanity. The right to
intimacy fits within the dignity of the human person, and its reconfiguration needs to be the
focus of extreme attention and the protection of its integrity must accompany the changes that
occur within the technology advancement, the right must evolve and reinvent itself before
new challenges posed by the postmodernity era, globalization and the reconfiguration of
human rights. (KEYWORDS) Rights to privacy and intimacy. Human Rights. Globalization.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 9
2 GLOBALIZAÇÃO 11
2.1 Conceito 11
2.2 Histórico 18
2.3 Teorias 22
2.3.1 Zygmund Bauman e as consequências humanas da globalização 22
2.3.2 Luíz Campos e Sara Canavezes 26
2.3.3 Milton Santos 28
3 DIREITOS HUMANOS 30
3.1 História 30
3.2 Conceito 34
4 O DIREITO À INTIMIDADE E SUA RECONFIGURAÇÃO 39
4.1 História e definições do direito à intimidade, vida privada e privacidade 39
4.2 A reconfiguração do direito e sua tutela 44
5 CONCLUSÃO 56
REFERÊNCIAS 58
ANEXOS 61
ANEXO A 61
ANEXO B 62
1 INTRODUÇÃO

O direito é uma ciência em constante alteração, sua direção depende de inúmeros


fatores e se ajusta as necessidades humanas, é influenciada pelo tempo, pela época, pelo
espaço e principalmente pela personalidade de cada sociedade. A cada nova era novos
problemas jurídicos surgem e novas problemáticas tornam-se alvo de uma legislação que não
está mais preparada para ampará-la. A era da globalização chegou com um punhado de
promessas, uma dose de vantagens e várias novas situações que o direito não estava preparado
tutelar. Alguns direitos fundamentais passaram a ter uma nova faceta, uma nova forma de
preservação fez-se necessária como no caso do direito fundamental à intimidade, um dos
direitos da personalidade garantidos pelo artigo quinto da constituição.
Essas mudanças sociais frutos de uma nova era evoluíram aos poucos, começando
com a troca de informações intercontinentais ainda na época das grandes navegações que
chegaram a américa latina, culminando no que hoje é visto como um novo habitat social do
qual parte da população tem acesso não importa onde esteja. O tempo está evoluindo cada vez
mais rápido, a produção de conteúdo está acelerando com o passar dos anos em uma escala
histórica, nunca se produziu tantos avanços tecnológicos e tanto conhecimento. Os costumes
tendem a evoluir mais lentamente, e mesmo com a capacidade de aprendizado e adaptação
extrema do ser humano, muitas vezes os danos causados pelo mau uso dessas novas
ferramentas fere a esfera mais íntima do direito a personalidade.
Este trabalho monografia tem por objetivo propor um olhar histórico e atual sobre a
evolução e mudanças da concepção humana e jurídica do direito à intimidade, e como sua
reconfiguração afeta a maneira como a sociedade se comporta neste novo habitat à ela
proporcionado. A globalização tem um papel fundamental na formação de todos os conceitos
utilizados, motivo pelo qual ela mesma é grande parte do foco da conceitualização de várias
facetas da problemática, é o tema amplamente trabalhado no primeiro capítulo.
As mudanças históricas dos direitos humanos ajudam no mapeamento da evolução dos
conceitos de direito a intimidade e em como este foi abordado de diferentes maneiras por
diferentes países, em diferentes épocas, tornando-se o tema do segundo capítulo desta
monografia. O uso responsável e consciente dessas novas ferramentas é um dos temas a ser
debatido no terceiro capítulo, analisando as práticas atuais de comportamento que terminam
no que hoje verificamos como um dos grandes indícios da necessidade de uma tutela deste
ambiente virtual.
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O eixo temático do Curso de Direito da Universidade Comunitária da Região de


Chapecó – UNOCHAPECÓ, pelo qual o trabalho vincula-se é “Direitos Humanos”. Quanto a
metodologia empregada, registra-se que foi utilizado o método dedutivo, ou seja, método de
raciocínio que parte do conhecimento geral chegando a uma conclusão. O tipo de pesquisa é a
bibliográfica, posto que as buscas se voltaram para doutrinas, livros, jurisprudências, jornais,
revistas, legislações e artigos.
2 GLOBALIZAÇÃO

Dentro deste capítulo será trabalhado o tema Globalização, com sua histórica,
conceitos e teóricos. Como referência forem usados os trabalhos de Bauman (1999); Arnaud
(1999); Santos (2000); Jermeson (2001); Pereira (2005); Campos (2007); Canavezes (2007);
Olson (2013); Luciano (2013); Ruie (2017) e Davis (2019).

2.1 Conceito

Neste primeiro capítulo o tema central é a globalização. De acordo com Santos (2000)
inserir qualquer pesquisa jurídica que trate de reconfiguração de direitos sem explorar a
modernidade, a pós-modernidade e a globalização seria impossível, por isso trata-se de
ambientar o estudo no contexto mundial e social atual. Além da conceituação do que
efetivamente significa globalização e quais cargas esta definição adiciona à sociedade,
também será tratado a evolução histórica e cultural pelo olhar de diferentes teóricos, tais como
Bauman (1999); Canavezes (2007), Pereira (2003) e Santos (2000). Os mitos e verdades que
rodeiam o conceito de globalização serão trabalhados além de seus aspectos positivos e
negativos e quais os legados que essa reconfiguração deixa a sociedade global, como ensinam
Olsson (2013) e Luciano (2013), é o resultado da singular confluência histórica de diversos
elementos e está sobre o influxo de variáveis importantes nas quais interagem inúmeros atores
(OSLON 2013, p. 112).
O conceito de globalização é tão amplo quanto a globalização em si, o que ocorre por
sua natureza velozmente mutável. É um conceito que permeia nosso dia a dia e nos
acompanha a cada ação, cada movimento, ninguém está a salvo de seus efeitos nem longe
demais para que seja possível ignorá-la, como destaca Santos (2000). As mudanças geradas
pela globalização são marcantes, velhas e recentes e seu conceito é variável, expansível e
transcendente. Quando falamos sobre globalização é possível elencar mais de cem palavras-
chave intrinsecamente relacionadas ao conceito e nenhuma delas estaria errada. É o fardo da
palavra poder tornar-se referência para tantas outras (BAUMAN 1999, p. 37).
Segundo Santos (2000, p. 42) o fato deste conceito ser facilmente relacionado a
diversas situações, palavras e contextos é um claro demonstrativo de como a globalização
influenciou a evolução humana em todas as suas áreas, desde interações pessoais e
intrapessoais até o modo que o mundo é visto por cada indivíduo e como cada indivíduo é
visto pela sociedade, além do rumo das pesquisas científicas, a evolução do conhecimento e
trocas culturais entre povos a oceanos de distância, e diversos outros mecanismos evolutivos
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que interligaram milhares de diferentes palavras, em diferentes linguagens, ditas por


indivíduos vivendo em diferentes pontos do globo dentro de uma palavra-chave: globalização.
A própria morfologia da palavra globalização é um dos nortes na formulação de um
conceito consistente para a mesma: globo, a forma que representa a silhueta do planeta em
que vivemos, e o sufixo “zação”, que leva a transformação “dê”. Alcançamos assim a
transformação em globo. Todos os pequenos locais por mais remotos e distantes, povoados ou
vazios, grandes ou pequenos, passam pela experiência de tornar-se o globo em sua totalidade
misturando assim todas as suas fronteiras e todos os seus territórios como se únicos fossem. O
fenômeno se espalha rapidamente e locais que antes eram reconhecidamente inalcançáveis
estão agora a segundos de distância. A informação torna-se ainda mais poderosa, o
conhecimento reafirma seu poder, a era da modernidade é sustentada pelo avanço da
globalização e seus meios de interação e evolução refletidos em todos os aspectos da
sociedade. Lentamente cria-se um novo povo e uma nova espécie de sociedade baseada na
integração a nível global de culturas que antes não teriam contato, levantando um novo
mercado econômico nascido e criado dentro da disponibilidade de informação, tudo graças a
globalização (CAMPOS; CANAVEZES, 2007, p. 17).
Neste sentido, Bauman (1999, p. 37) reflete de forma poética o conceito de
globalização ao destacar que ela está na ordem do dia a dia, se tornando uma palavra da moda
que eventualmente se transforma em uma espécie de lema e destaca-se como uma encantação
mágica, uma “[...] senha capaz de abrir portas de todos os mistérios presentes e futuros”
(BAUMAN, 1999, p. 37). Segundo o autor a globalização representa duas grandes
polaridades: para uns é algo que deve ser feito para alcançar a felicidade, para outros é um
destino irremediável e irreversível. O autor supracitado apresenta a globalização como um
processo homogêneo, que afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira pelo fato de
estarmos todos sendo globalizados.
Ignorar a globalização é impossível em qualquer esfera da vida de um indivíduo
inserido na sociedade, embora ainda existam raros casos de povos em total isolamento
escondidos dentro dos locais mais remotos do planeta, há pessoas que são capazes de explicar
seus estilos de vida e que pesquisam seus hábitos e observam o crescimento e declínio desses
povos, mesmo que inconscientemente estão conectados.
As relações econômicas também ganham um novo tom quando analisadas em escala
mundial, acentuando a prosperidade e a desigualdade social, reconfigurando aspectos
fundamentais da existência humana. É extremamente difícil imaginar um mundo sem
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tecnologia e sem computadores, este tema é parte da equação teórica quando é analisado o
presente o futuro da globalização (JAMESON, 2001, p. 32-36).
Sendo parte integrante da sociedade, é impossível para os juristas ignorarem o que a
globalização representa para o direito em si e em suas áreas próximas como filosofia,
sociologia e política. Questões sobre alteridade e complexidade enfrentam holofotes e
consequentemente começam a alterar conceitos do direito perante o fenômeno da
globalização. O deslocamento das fontes de poder, característica da globalização, é um dos
fatores que influenciam nestes diálogos (BAUMAN, 1999, p. 20).
Qualquer mudança na estrutura de uma sociedade influencia o modo que os indivíduos
se relacionam com a política, o direito e a noção de bom e ruim. O ser humano é uma criatura
adaptável, física e psicológica e esta é uma característica importante para todo o processo de
globalização e também é parte intrínseca da modernidade, afinal as sociedades estão cada vez
mais expostas a outros modelos sociais e sua mútua influência é absorvida, digerida e
transformada no que hoje entendemos como globalização (SANTOS, 200, p. 15).
A modernidade traz ao direito a possibilidade da influência sobre novas fontes
normativas e esse intercâmbio jurídico é fruto da vasta troca de informações, das relações
comerciais e de um deslocamento humano massivo. A globalização juntamente com o
capitalismo impera certos comportamentos comuns ao redor do globo com base em um novo
senso comum mundial sobre o que é ou não aceitável. O contato próximo com outras nações e
suas culturas permite a cada povo refletir sobre sua própria cultura e como consequência, sua
própria legislação. Se uma cultura é influenciada por outra é possível que seus costumes e
normas sociais venham a ser incompatíveis com seu próprio ordenamento jurídico em questão
de pouco tempo (BAUMAN, 1999, p. 39).
Um exemplo simples desta influência jurídica é o efeito cascata da legalização do
casamento homoafetivo que ao começar a ser legalizado em países europeus (Países Baixos
em 2001, Bélgica em 2003, Espanha em 2005), influenciou a abertura da discussão em outros
continentes, quando em 2017 a maior parte dos países dos continentes europeu e americano já
haviam legalizado o ato civil, enquanto países da Ásia, considerados mais conservadores
neste âmbito, passam por protestos e campanhas em prol da legalização da união homoafetiva
(RUIE, 2017). Este é um dos exemplos da consequência da globalização, embora nem todos
sejam tão vantajosos quanto este.
Consoante a diversos teóricos como Santos (2000), Campos (2007) e Canavezes
(2007), Arnaud (1999, p. 21) destaca a influência da modernidade e da globalização para o
direito ao abordar fenômenos que recorrem sobre estes em duas problemáticas específicas, a
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primeira é o levante do questionamento sobre os princípios reguladores do direito frente ao


mundo moderno e globalizado e o segundo é qual o resultado desta nova configuração perante
a regulamentação jurídica:

[...] A partir daí poderiam ser compreendidos os fenômenos que


afetam tradicionais fontes do direito, e vários observadores
identificam [...] Duas problemáticas fundamentais surgem aqui.
A primeira diz respeito à validade contemporânea dos
postulados fundadores da regulação do direito; a segunda ao
impacto e os efeitos da mundialização sobre a regulação
jurídica. [...]

É possível perceber uma preocupação dos teóricos com esse aspecto da modernidade,
uma das consequências mais claras da globalização. Direitos fundamentais passam por uma
rediscussão e com as novas redefinições dos polos de poder transcendendo fronteiras estatais,
é claro o impacto que a globalização tem sobre o campo jurídico. Muitos teóricos entendem a
globalização como um conceito abstrato e amplo demais para uma simples definição em
poucas palavras, sendo essa uma declaração comum em livros que tratam de qualquer um dos
frutos da globalização, mas não ela em si, visto o efeito cascata que o fenômeno tem sobre as
mais diversas áreas (CAMPOS; CANAVEZES, 2007).
Quando buscamos o conceito por esse viés é válida a lembrança de Ianni (2000, p. 8)
que classifica o fenômeno como uma fábrica global que transcende fronteiras e se espalha por
diversas áreas, afetando o capital, tecnologia, força de trabalho, divisão do trabalho social e
outras forças produtivas. Além de tudo isso a influência cultural levantada por ele também se
demonstra massiva com a proliferação de conteúdos pela publicidade, por meio da mídia
impressa e principalmente eletrônica, destacadas pelo autor como os inúmeros meios de
comunicação usados no último século. Cita ele a internet, programas de televisão, livros e
videoclipes, todos em parte responsáveis pela dissolução das fronteiras participando do
processo que ele chama de desterritorialização e reterritorialização das coisas, gentes e ideias,
esse redimensionamento de espaço e tempo em um misto de revolução tecnológica e cultural
proporcionado pela globalização.
A visão da globalização como fábula é comum, seu conceito é romantizado e
trabalhado para ser apresentado de forma lírica pelos autores que geralmente usam viés da
sociologia, do direito e até mesmo da geografia. Tavares (1999, p. 54) descreve o mundo
globalizado como aquele que sustenta como verdade algumas fantasias que, por repetição,
tornam-se uma base sólida para sua interpretação.
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O conceito é trabalhado como fábula por um forte motivo: não é possível tomar as
características da globalização como verdades absolutas. A disseminação de informação que
informa o mundo todo e espalha conhecimento não é real, pois a informação dificilmente
alcança quem dela necessita. As notícias nem sempre informam a verdade, o conhecimento
nem sempre é compartilhado de forma correta e não chega a todos os cantos. A possibilidade
de deslocamento de pessoas ao redor do mundo também não é uma característica absoluta, é
um privilégio de poucos dentro da sociedade. O mercado e a economia onde as transnacionais
governam com mais poder que os estados não são proporcionais a homogeneidade que
anunciam, mas sim acentua as diferenças locais dentro de uma mesma sociedade lançando
uma sombra sobre a disparidade de classes ao mesmo passo que utiliza dela para manter o
sistema (BAUMAN, 1999, p. 14).
De acordo com Santos (2000, p. 26) o poder econômico está intimamente ligado aos
benefícios da globalização, quanto mais recursos financeiros possui um indivíduo mais
aspectos da globalização servem a ele. Esse é um traço marcante e capitalista da modernidade,
mesmo com todos os benefícios que a mídia alega que a globalização trouxe a sociedade, é
importante destacar que esse “todos” são indivíduos contados vivendo em determinada classe
social. Mesmo que em algum nível todos tenham acesso aos benefícios da globalização é
incoerência dizer que todos usufruem de sua totalidade.
Santos (2000, p. 26) apresenta uma visão crítica sobre os moldes atuais da
globalização tratando-a ao mesmo tempo como um sonho e uma perversidade pois segundo
ele a máquina ideológica que sustenta e valida as ações dos agentes que movimentam este
sistema é o que garante sua continuidade, mesmo que não correspondam a realidade. Os mitos
da globalização por ele tratados incluem o do encurtamento das distâncias, validado apenas
para aqueles que realmente tem o poder econômico para viajar, que falsifica uma sensação de
tempo e espaço contraídos propondo a sensação de que o mundo se tornou para todos algo
que está ao alcance das mãos. O mundo não está ao alcance de todos, mas somente daqueles
que têm poder econômico e a vantagem social para obtê-lo (BAUMAN, 1999, p. 34).
Dentro do fenômeno da globalização o Estado perde força perante a grandes
transnacionais, problema perniciosamente já instalado. Algumas empresas têm mais capital e
consequentemente mais poder do que um país inteiro, ao instalarem em determinado local
uma fábrica ou filial, tomam o controle do mesmo de maneira quase absoluta: geram os
empregos, movimentam a economia e ditam as regras comerciais e trabalhistas daquela
região. Em troca dessa atividade remunerativa os Estados se calam, pleitear um confronto
com a maior, quando não a única, fonte de renda e reguladora de economia do estado é
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suicídio Estatal. É estar à mercê da pobreza e abandono em prol de um capitalismo que não
investe em qualquer outra fonte de sobrevivência local devido ao lucro irrisório que traz a
dignidade (CAMPOS; CANAVEZES, 2007, p. 25).
O lado perverso da globalização existe e seus efeitos se espalham tão rapidamente
quanto os avanços positivos, porém silenciosamente. O desemprego está em um crescente, e
consonantemente a qualidade de vida da população está em declínio. O valor do salário
mínimo tende a perder força perante o mercado e a miséria e a pobreza ganham espaço no
cenário, assim como aumenta o número de desabrigados (DAVIS, 2019). Esses efeitos
perniciosos não são exclusividade de um único país, mas sim característica repetitiva em
todos eles. A educação, mesmo na era da informação com fácil acesso a material de ensino,
torna-se cada vez mais cara e de difícil acesso (BAUMAN, 1999, p. 41). Vivemos a
perversidade da globalização todos os dias, mesmo nos menores detalhes do cotidiano ao
sermos expostos a publicidade de produtos que jamais poderemos custear e quando somos
superfaturados pela propaganda de exclusividade que viabiliza a criação de classes
consumidoras, sentimos o peso e a desvalorização do ser humano como criatura única. Não
ter acesso a serviços não causa revolta na massa, e sim inveja, pela estranha noção de
merecimento implantada no cotidiano da sociedade: quem usufrui da globalização mereceu tal
prerrogativa, e quem dela quer usufruir deve alimentar o sistema ao invés de lutar contra ele.
Esta é a falácia (SANTOS, 2000).
Ainda pontuando a perversidade do sistema globalizado, tema amplamente trabalhado
por Santos (2000), é possível extrair do que foi explanado pelo autor a essência desta
problemática. Ao explanar a evolução negativa que a humanidade enfrenta perante a alta
adesão aos comportamentos competitivos, ele cria um paralelo com as ações dos agentes e a
hegemonia do sistema perante a todos, sendo virtualmente impossível escapar de seus efeitos
e sendo necessário adequar-se a eles. Quando se diminui a oferta de trabalho a renda, os
recursos e as mazelas do sistema tornam-se direta ou indiretamente imputáveis e cumprem seu
papel de curvar-se perante o fenômeno da globalização (SANTOS, 2000, p. 36).
É criado desta maneira um conceito ambíguo e amplo sobre um fenômeno que se
tornou grande demais para ser encaixado dentro de uma simples palavra, pois este é bom e
ruim. Representa avanços e retrocessos, é pernicioso, tóxico e extrai as piores características
do ser humano em uma sociedade. Ele também é genuíno em suas intenções, quando permite
que a informação e o conhecimento sejam mais facilmente acessados por mais e mais pessoas,
é elitista, quando uma de suas características mais marcantes é reservada a uma pequena
parcela da população que tem recursos para usá-lo, como é o caso do deslocamento humano
17

pelo mundo. A mesma força que impulsiona o avanço da medicina e da tecnologia é o que
ameaça a soberania dos Estados dentro de seu próprio território. O mesmo movimento que
une os povos os isola localmente cada vez mais pela diferença de classes, cultura e
desenvolvimento (BAUMAN, 1999, p. 49).
As duas faces da globalização tendem a servir aqueles que a defendem ou atacam, suas
teorias sempre oferecem soluções para seus problemas, sendo estas nunca baratas ou
proveitosas àqueles que dela lucram em forma de poder e dinheiro. Os meios de
democratização da globalização aparecem disfarçados de outras intenções quando olhados de
maneira analítica. Nada é realmente gratuito e toda informação cobra uma contrapartida,
mesmo que um artigo seja publicado de maneira gratuita a todos os interessados, no rodapé da
página onde ele se encontra há uma propaganda, aulas de todos os tipos são oferecidas sem
custos para pessoas em qualquer lugar do planeta desde que elas deixem ali seus dados e
informações pessoais. Sempre há alguém lucrando, e sempre é uma grande corporação.
Concluem então, para nortear o conceito e fazê-lo apontar para o caminho que querem
seguir até nossa problemática que a globalização é um agente de reconfiguração. Não é
possível ignorar seus efeitos, é preciso moldar-se às mudanças e para bem ou para mal,
conviver com elas. A ultra exposição de informações e a rápida disseminação servida pela
globalização como característica é imperativamente algo que os direitos fundamentais à
privacidade e a personalidade não podem ignorar. Sua reconfiguração é espontânea e
involuntária, puro reflexo das novas ferramentas oferecidas pelo avanço tecnológico, mas seus
meios de proteção não evoluem por osmose. É preciso entender os possíveis danos e preparar-
se para a contenção e também sua reparação (BAUMAN, 1999, p. 61).
Esse recorte de teorias demonstra como é fragmentado o entendimento dos efeitos da
globalização, o que muito se deve ao fato de vivermos em uma época em que ela está se
expandindo continuamente. Seus traços se encontram em cada aspecto da evolução humana
atual, influenciando a sociedade e apresentando novos desafios parente a uma realidade
desconhecida, mutável e assustadora, exigindo características adaptáveis do ser humano e
apresentando novos problemas reais e irreais e novas soluções e tragédias a curto, médio e
longo prazo. Os benefícios da globalização para a sociedade são reais e palpáveis: nunca se
produziu tanto conhecimento, é como se o tempo tivesse acelerado e por consequência tudo se
torna obsoleto mais rápido e os indivíduos se acostumam a isso. Todavia, o conhecimento não
é revertido ao bem de todos, e sim usado como moeda de troca para a escalada social que é a
definição de sucesso no mundo moderno. Se for revertido ao bem-maior, o conhecimento
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cobra seu preço, pois nada mais é de graça, nada mais é coletivo e a visão da sociedade
molda-se a essa afirmação entrando num encaixe cada vez mais egoísta e ego centrista.
A globalização é assustadora, seu peso na história é gigantesco, mas ainda não
totalmente claro, imprevisível em sua aceleração contínua do tempo e a forma com que nos
faz pensar no amanhã como algo urgente e ao mesmo tempo impalpável.

2.2 Histórico

No início do século XX a grande integração mundial no âmbito da tecnologia,


informação e produção em escala leva os cientistas sociais a um estudo conjunto desse
fenômeno, caracterizando-o como “Globalização” nos meados da década de 1980. Na década
seguinte o termo já garante sua força aparecendo em uma conceituação formal pelo Fundo
Monetário Internacional, que deu a ele algumas características: transações comerciais e
financeiras em escala mundial, investimentos e movimentações de capital, disseminação de
informação e troca de conhecimento e, por fim, fluxo de pessoas. Esse conceito ainda é
amplamente aceito, principalmente por órgãos como blocos econômicos e a Organização
Mundial do Comércio (CAMPOS; CANAVEZES, 2007).
Era possível ver o termo começar a ser usado nos mais diversos âmbitos, e ser global
passa a ser uma coisa realmente possível para marcas, pessoas, ideais, tecnologia,
conhecimento e principalmente informação. Campos; Canavezes (2007) pontua que o termo
Globalização no sentido em que hoje em dia reconhecemos é relativamente recente, ao
colocá-lo sob um olhar histórico, comparando com a linha do tempo da evolução humana.
Somente recentemente os teóricos o nomearam desta maneira, tornando o termo recorrente na
última década do século XX. Mesmo assim segundo os autores a origem real deste processo é
muito mais remota e antiga do que podemos presumir por sua nomenclatura (CAMPOS;
CANAVEZES, 2007).
Entretanto sua real ocorrência é efetivamente anterior a elaboração de seu conceito. O
efeito da globalização começa a afetar o mundo ainda no século XV quando os primeiros
sinais de amplo contato eram dados pelos europeus em suas navegações ao redor do globo. O
comércio torna-se internacional e culturas totalmente divergentes estão finalmente em contato
constante. A moeda toma força, o fluxo de informações se torna algo relevante e, aos poucos,
fundamental, até virar uma forma de poder (CAMPOS; CANAVEZES, 2007).
O modo como o mundo é afetado pelo conhecimento sempre foi inegável pois
conhecimento é poder, frase que foi atribuída a Bacon no século XV, retrata bem o interesse
demonstrado pela sociedade da época em financiar a busca por comércio e tratados em outros
19

locais ao redor do globo. A frase “conhecimento é poder” jamais apareceu em nenhum


trabalho do filósofo, o que reforça a ideia de que tal pensamento era de concordância geral
dentro da elite intelectual e financeira da época.
Dentro do que ensina Campos; Canavezes (2007, p. 21) é possível entender que ainda
no século XIX alguns intelectuais já usavam o termo globalização para dar nome a ideia de
que o processo de modernização dos sistemas mundiais implicava em uma maior integração
entre os entes que nele exerciam influência. Quando o processo de globalização é inserido na
história é possível, segundo ela, descortinar contextos, tendências e acontecimentos que
influenciam para o que hoje chamamos de Globalização. Esse olhar nos ajuda a realmente
entender o que é novidade e o que não o é.
Nos momentos em que observam o desenvolvimento do termo dentro de um contexto
histórico é possível identificar dinâmicas que são o efetivo reflexo da globalização, não são
eventos instantâneos que marcam no tempo sua passagem com datas específicas, não há uma
obra-prima da globalização que dita o começo de um novo padrão ou uma nova era, são
processos progressivos de mudança que desencadeiam os desdobramentos de evolução e
conhecimento que nos levam até o entendimento atual do conceito (CAMPOS;
CANAVEZES, 2007). É possível atribuir o começo dos efeitos da globalização às primeiras
navegações portuguesas e espanholas, que alcançaram o mundo ocidental em uma constante
troca comercial. Antes disso já era possível identificar a existência de troca comercial a nível
intercontinental, principalmente na região do crescente fértil onde os povos da Antiguidade se
desenvolveram como civilizações mercantes. As rotas comerciais na antiguidade iam da Ásia
até o mediterrâneo, ainda por terra, e atingiam a costa ocidental do continente europeu. Com
as navegações, superado o mito da terra plana e o medo de cair no abismo, finalmente o “novo
mundo” é atingido por outras civilizações (CAMPOS; CANAVEZES, 2007, p. 24).
A interligação do conceito de globalização com a facilidade e rapidez da troca de
conhecimento e informação é recorrente e por isso sua associação com as grandes navegações
do século XV é tão importante. O “novo mundo” na época interessava não somente à Europa,
mas também aos países da Ásia e do continente africano. É possível encontrar grandes
representações dos países considerados exóticos na arte europeia do século XV, assim como
grande interesse em sua culinária e costumes. Embora boa parte das representações esteja
mais do que ligeiramente incorreta e que os costumes tenham sido absorvidos de maneira
precária, não é possível negar o intercâmbio ocorrido e o começo do que hoje é conhecido
como globalização.
20

É perfeitamente viável identificar então uma homogeneidade no sistema mercante dos


países, uma mesma técnica de comércio passa a surgir e garantir a troca de mercadorias em
diferentes locais por pessoas de diferentes etnias. Mais tarde isso se alastra para a produção
científica, onde o conhecimento também começa a se propagar e evolui para uma técnica
acadêmica que passa a ser seguida para validar qualquer estudo realizado, não importa de
onde venha sua autoria. Esses elos são verdadeiros sistemas de ligação que apareceram em
diversos momentos da história, em diferentes contextos, dando os primeiros vislumbres do
que poderia acontecer em uma sociedade global conectada. São os primeiros reflexos de
padronização, influenciada pela necessidade de integração entre diferentes povos com
diferentes culturas de acordo com Campos; Canavezes (2007, p. 46).
A padronização é tão importante quanto o comércio para a formação da globalização
como conhecemos hoje. Para haver intercâmbio entre diversas culturas não é estritamente
necessário que falem a mesma língua, mas sim que sigam um modelo de mercado que
possibilite a troca comercial, que trabalhem com moeda e que tenham uma balança comercial
coesa. Além disso, a troca de conhecimento e evolução do mesmo também se torna possível
com a padronização da pesquisa científica sendo assim sedimentados alguns conceitos e
preceitos comuns a todos que possibilitam a evolução mútua.
Quando Santos (2000) fala sobre a história da globalização seu foco é em como deu-se
a arquitetura de seus sistemas, partindo do pressuposto de que a globalização não é somente
um sistema de técnicas mesmo que esse seja um importante meio de definir uma época
histórica. A globalização também é o resultado de ações que efetivamente trabalharam para
assegurar a emergência de um mercado global que se tornaria uma força essencial que norteia
processos políticos que são para ela eficazes, alguns fatores contribuem para que essa
arquitetura não desmorone: além da unicidade técnica (padrão de práticas), cita ele a
cognoscibilidade1 do planeta e a existência de um motor único na história, algo novo que ele
denomina como mais valia globalizada (SANTOS, 2000, p. 13).
Devido a sua evolução gradativa a globalização não é algo novo nem algo realmente
antigo. A velocidade da informação proporcionada por ela também acelerou a produção
histórica: há muitas coisas importantes ocorrendo ao mesmo tempo, muitos avanços decisivos,
muitas revoluções e muitas mudanças, subitamente tomamos conhecimento de todas elas. A
construção da primeira da roda na era da globalização seria um evento que se espalharia em
poucas horas para todas as partes do globo e não seria mais um marco para cada povo,
correspondente com sua realidade e necessidade, mas um verdadeiro feito global e de repente
1 Característica ou particularidade do que é cognoscível. Qualidade do pode se tornar conhecido.
21

todos perceberiam que algo essencial acabara de ser descoberto. É assim que as coisas
evoluem na globalização: rapidamente, afirma Santos (2000, p. 19).
Essa percepção da aceleração do tempo jamais foi sentida tão individualmente quanto
agora. É possível dizer que a evolução da medicina foi muito mais rápida entre o século
XXIV e o XXVI do que foi entre o século II e o IV, porém um indivíduo que viveu entre
essas épocas jamais notaria essa evolução. Na era da globalização as coisas são diferentes,
cada vez mais novas alternativas são expostas no mercado possibilitando uma prolongação da
longevidade do ser humano que por elas pode pagar, curas para doenças incuráveis são
notícias não tão raras assim, a criação de novos medicamentos é um dos mercados mais
lucrativos da era moderna e é inegável que em menos de cinquenta anos passamos de
transplantes de órgãos para criação de mecanismos sintéticos que cumprem parte de seu
papel. A evolução agora é sentida literalmente na pele, com recursos suficientes envelhecer
torna-se uma opção.
Em uma perspectiva histórica a globalização é um evento jovem comparado a outros,
o próprio Renascimento durou cerca de trezentos anos para efetuar suas mudanças e ocupa
estes três séculos em livros de história. Se considerarmos a globalização desde a criação de
seu termo e a efetiva percepção humana de suas consequências contaremos um pouco mais
que vinte anos de existência. Se considerarmos que seus efeitos são vistos primeiramente,
mesmo que em menor escala, no começo das grandes navegações ou o comércio na
antiguidade nós a teríamos inserida dentro de boa parte do contexto histórico da humanidade.
Se atrelarmos seus efeitos à pós-modernidade corremos o risco de ignorar suas verdadeiras
raízes e o caminho que levou a humanidade à sua atual configuração corrobora
Santos (2000, p.59).
Quantas páginas de um livro a modernidade ocupará em 2400? Como a sociedade
atual será retratada? Talvez alguns indivíduos vivos hoje irão estarão presentes para ver,
afinal coisas que não eram possíveis dez anos atrás hoje tornam-se cotidianas. Há um paralelo
entre sua história e seus efeitos, seu começo nos primórdios das relações comerciais e
culturais há mais de oitocentos anos e seus efeitos massivos observados na sociedade, que
decorrem de cerca de cem anos. Conforme exposto por Campos; Canavezes (2007, p. 103) é
interessante observar esta aceleração, comparar a produção histórica e a velocidade dos
acontecimentos do início do século passado e o que é produzido nos dias de hoje.
Campos; Canavezes (2007) pontua que a Globalização, pelo olhar histórico pode ser
entendida como um fenômeno social total, multidimensional, que não é recente nem
inteiramente novo. O fenômeno está inserido em um processo histórico contínuo de mudança
22

há muito tempo e mesmo assim não é possível lhe tirar o crédito de novidade. Os novos
parâmetros econômicos, políticos e culturais são o legado de seu impacto sobre a sociedade
constituindo uma verdadeira transformação na configuração do mundo em que vivemos,
corrobora também Bauman (1999, p. 28):

[....] em vez de homogeneizar a condição humana [...] tende a


polarizá-la. Ela emancipa certos seres humanos das restrições
territoriais e torna extraterritoriais [...] ao mesmo tempo que
desnuda o território, no qual outras pessoas continuam sendo
confinadas, do seu significado e da sua capacidade de doar
identidade [...] as localidades, separadas por distâncias, também
perdem seu significado [...] Alguns podem agora mover-se para
fora da localidade — qualquer localidade — quando quiserem.
Outros observam, impotentes, a única localidade que habitam
movendo-se sob seus pés.

O que é possível concluir sobre o fenômeno da globalização é que ele é fruto de uma
evolução gradual das interações humanas, movido por uma necessidade mútua de conexão
entre os povos que alimenta o caminhar de um sistema que acelera cada vez mais a noção de
tempo enquanto diminui a noção de espaço, afetando cada indivíduo de maneira diferente
dentro de sua própria realidade social, abrindo e fechando portas, criando problemas e
revelando soluções, tudo isso enquanto reconfigura a sociedade em um novo modelo,
alterando costumes e leis ao colocar frente a frente diferentes povos, culturas e fontes do
direito. Os efeitos bons e ruins desse novo modelo social são amplamente discutidos, mas
uma coisa é certa, ainda é cedo para contabilizar suas consequências. Mesmo que previsões
sejam feitas, boas e ruins, todas dependem do comportamento e do rumo que a sociedade
mundial tomará e como lidará com os novos desafios políticos, ambientais, tecnológicos,
jurídicos e presentes em tantas outras áreas quanto a humanidade permitir.

2.3 Teorias

2.3.1 Zygmund Bauman e as consequências humanas da globalização

O primeiro teórico trabalhado nesta monografia escreveu quase como profecia, os


reflexos que o século XXI sentiria devido a globalização ainda em 1998. Bauman (1999)
trabalha com as consequências humanas da globalização, não somente as consequências para
a humanidade, mas para o humano. Quando falamos em humanidade inclui-se dentro de um
mesmo círculo diferentes realidades que são muitas vezes incompatíveis. A globalização, ao
passo que encurta distâncias entre povos, cria o mais profundo abismo entre eles. As parcelas
marginalizadas da população são afetadas de maneira diferente pela globalização que as
23

classes mais abastadas. Ao trabalhar o conceito de globalização no primeiro bloco foi


pontuado que as vantagens alegadas são, no mínimo, relativizadas a um ponto de vista
elitizado e nunca correspondem a uma realidade homogênea (BAUMAN. 1999, p. 48).
Ao lançar um olhar humano para as consequências da globalização é possível perceber
como ela é imperiosa e como pontua o autor, todos nos movimentamos com ela a contragosto,
seja por desígnio ou revelia (BAUMAN, 1999, p. 51). Os efeitos dessa “movimentação”
involuntária são diferentes para camadas distintas da população e levam a uma latente
desigualdade alguns usufruem plenamente da globalização, tornam-se globais, alcançando
toda a glória, outros são confinados em sua localidade, excluídos para longe sem nunca
realmente aproveitar o que é visto como “fenômeno” dentro da globalização: tornam-se
locais. Ser global é obter o poder de encurtar barreiras e distâncias, acessar a informação e
viver o sonho globalizado. Ser local é servir à sociedade globalizada sem usufruir
verdadeiramente dela, é negação e privação de algo que está supostamente ao alcance de
todos e degradação social. (BAUMAN, 1999, p. 51).
A mobilidade é o poder mais cobiçado da era da globalização e seu alcance e
privilégios elevam à luz o conceito de proprietários ausentes. Segundo o autor “a nova
liberdade do capital é reminiscente da liberdade que tinham outrora os proprietários ausentes,
notórios por sua negligência, muito sentida, face às necessidades das populações que os
alimentavam” (BAUMAN, 1998, p. 52).
Bauman (1999, p. 63) afirma que quando é tão simples se livrar das consequências de
obter a propriedade pelo fato de ter a própria disposição a mobilidade proporcionada pela
globalização têm-se um problema social humanitário, e aponta:

Surge uma nova assimetria entre a natureza extraterritorial do


poder e a contínua territorialidade da “vida como um todo” [...],
é livre para explorar e abandonar às consequências dessa
exploração. Livrar-se da responsabilidade pelas consequências é
o ganho mais cobiçado e ansiado que a nova mobilidade
propicia ao capital sem amarras locais, que flutua livremente.
Os custos de se arcar com as consequências não precisam agora
ser contabilizados no cálculo da “eficácia” do investimento.

Ao contrário do que poderíamos esperar de uma sociedade com consciência


humanitária, essa mobilidade e falta de responsabilidade com as consequências são
consideradas um objetivo que se deva alcançar, e não algo que se deve combater. Ao falar das
camadas da população que podem efetivamente obtê-las e delas usam para ganho financeiro,
o problema não passa despercebido entre as camadas da população que efetivamente sofrem
com isso, mas o poder obtido pelas companhias a certo ponto chega a ser, como já comentado
24

anteriormente neste trabalho, maior que o de muitos estados. Se o próprio governo estatal não
tem soberania para impedir esse problema social, como seria possível legislar sobre ele? Os
capitalistas, com a falta de barreiras e os recursos líquidos ao seu dispor, não enfrentam
barreiras sólidas em seus investimentos que obriguem respeito a qualquer localidade. Os
únicos limites a eles impostos são os limites administrativos, que muitas vezes não são
efetivados às custas da dependência do local perante a estes gigantes, conforme exposto por
Bauman (1999, p. 11)

Se acontecesse de o encontro ser forçado pelo outro lado, no


momento em que a “alteridade” tentasse flexionar os músculos
e fazer sentir a sua força, o capital teria pouca dificuldade em
desmontar as suas tendas e encontrar um ambiente mais
hospitaleiro, isto é, não resistente, maleável, suave. Haveria,
portanto, menos ocasiões capazes de instigar tentativas de
“reduzir a diferença pela força” ou a vontade de aceitar “o
desafio da comunicação”.

É preciso pontuar que, perante qualquer resistência ou empecilho criado para evitar os
problemas humanitários causados pelas corporações, os únicos a sofrerem alguma
consequência são os locais que arcam com sua fuga. Não há impedimentos para que estas
corporações se submetam a qualquer sanção imposta, elas têm poder suficiente para se
deslocarem para um local mais vantajoso. Mesmo que as companhias concordem em investir
em infraestrutura, esse investimento somente alcança os limites de seu próprio interesse, pois
estas não acordam em se responsabilizar pelos desempregados, pelos deficientes e pela
educação: e a globalização lhes deu essa liberdade (BAUMAN, 1998, p. 56).
Outro ponto subvertido pela globalização, segundo o autor, é nossa concepção de
tempo e espaço, o que é “dentro” e “fora” de uma sociedade, o que é longe e o que é perto e o
que é cultura local. O autor levanta o conceito de “fim da geografia” já que é cada vez mais
difícil sustentar uma fronteira no mundo real, feito que as divisões continentais eram mantidas
pela distância e pelo comércio primitivo que dificultavam sua integração. As distâncias são
muito mais do que um dado objetivo, como cita o autor, mas um produto social derivado da
sua extensão e a velocidade com que pode ser vencida. Entendemos assim que até mesmo as
barreiras culturais e a identidade coletiva de cada localidade são na verdade efeito dessa
velocidade (BAUMAN, 1998, p. 15).
É clara a relação entre o poder e o usufruto dos benefícios da globalização, tão
denunciados pelo autor. Não é saudável para o desenvolvimento da sociedade que as
consequências pelos atos que agridam qualquer direito fundamental da humanidade sejam de
fácil disposição. Quando é colocado o foco no mercado econômico e o segundo setor é
25

possível encontrar balanças de poder totalmente desfavoráveis aos Estados perante as


Multinacionais, evitando assim a real fiscalização e fomentando a impunidade aqueles que
usam da globalização como válvula de escape perante crimes humanitários, como tragédias
ambientais, causando um crescimento predatório do capital, roubando a soberania estatal e
colocando grupos inteiros como reféns de uma economia doente. Com efeito, a subversão dos
conceitos de “dentro” e “fora” implicam tanto nas políticas externas quanto internas. A
diferença de classes por si só cria uma barreira cultural que isola as classes menos abastadas
dos círculos considerados “elevados”, a distância não contribui para esse tipo de isolamento, e
mesmo que ele não seja fruto recente da sociedade e sua prática seja milenar, a nova
organização do mundo globalizado leva o essa segregação a outro nível enquanto liberta uma
classe a aprisiona outra (BAUMAN, 1998, p. 15-18):

A oposição entre “dentro” e “fora”, “aqui” e “lá”, “perto” e


“longe” registrou o grau de domesticação e familiaridade de
vários fragmentos (tanto humanos como não humanos) do
mundo circundante.

O avanço de doenças como depressão e ansiedade já foi diversas vezes relacionado


com a alta exposição às redes sociais, que é um dos novos costumes e reflexo direto da era
moderna. O sentimento de não-pertencimento previsto pelo autor antes do início dos anos
2000 hoje é uma realidade escancarada e exaltada pela sociedade usada como meta pessoal e
escudo emocional e a necessidade de pertencimento a um grupo e a idealização de um estilo
de vida leva indivíduos a valorização do egoísmo. O conceito de perto está, dentro da
modernidade, muito mais relacionado ao que é familiar e usual, algo conhecido pela
sociedade e aceito como parte de sua moral coletiva onde a interação diária é algo possível
dentro do cotidiano. Longe, por outro lado, ganha um sentido de algo que só se tem contato
ocasionalmente ou nunca. Longe é onde as coisas não podem ser compreendidas nem vistas
no dia a dia, algo que causa o desconforto do desconhecimento e não gera o sentimento de
pertencimento nem a necessidade de cuidado, como exposto em Bauman (1998, p. 26)
É possível concluir que os conceitos de perto e longe dentro de uma localidade
transcenderam seu significado original perante a era globalizada assim como alteram, a sua
maneira, um problema classicista milenar. A principal e mais radical mudança produzida é a
diferença entre o novo e o velho, a quantidade de esforço e recursos gastos para disseminar
informação entre pequenas comunidades é menor do que já foi antes, o que leva a uma grande
mudança nessas comunidades que são afetadas pela globalização em diferentes escalas,
afetando a coesão social (BAUMAN, 1998, p. 54-56).
26

A coesão social é o sentimento de conhecimento mútuo que circundava uma sociedade


em uma localidade onde o recebimento e envio de informação é instantâneo e massivo por
vezes é difícil mantê-la, tendo em vista que muitas vezes nem todos podem acompanhar esse
fluxo massivo de informações. Torna-se assim necessária a relevância da informação para o
mantimento da coesão social, sendo essa informação considerada mera “comunicação barata”,
visto que seu conhecimento é pouco relevante e pode ser esquecida sem maiores problemas.
Essa é uma das características do elevado volume de informação com seu baixo custo e fácil
proliferação, comunicação barata, sufocamento ou atropelamento da informação obtida e
chegada veloz das notícias. Podemos considerar essa informação algo que vem para sufocar a
memória e enchê-la de coisas efêmeras, por vezes irrelevantes para a comunidade em si
(BAUMAN, 1998, p. 54).
Esse fenômeno conta com o fato de que essas informações partem de todos os locais e
de todos os tipos de interlocutores, e tendem a ser contraditórias ao mesmo tempo que
reforçam ideias. Quanto mais proliferada, mais fácil sua memorização, independente de
relevância e veracidade, afetando a percepção humana de solidariedade, combate, debate e
administração da justiça já que agora as informações não passam entre pessoas somente frente
a frente, olho no olho, conforme exposto por Bauman (1998, p. 20):
[...] o espaço moderno tinha que ser rígido, sólido,
permanente e inegociável. Concreto e aço seriam a sua
carne, a malha de ferrovias e rodovias os seus vasos
sanguíneos. [...] a chave para uma sociedade ordeira devia
ser procurada na organização do espaço.

Quando se fala sobre a organização social do espaço, segundo Bauman (1998, p. 21)
deve-se buscar uma inclusão cada vez maior para evitar uma divisão de classes dentro de uma
localidade. A hierarquia, presente nas organizações sociais, estão cada vez maiores, e devem
ser cada vez mais inclusivas. O espaço “cibernético” é uma novidade nesta questão, pois
também é parte ativa da comunidade. Esse espaço, entretanto, não conta com barreiras físicas
e espaciais e vivem em uma realidade de proliferação instantânea. Os ocupantes desse espaço
cibernético não podem ser separados por obstáculos físicos ou distâncias temporais.

2.3.2 Luíz Campos e Sara Canavezes

A segunda teoria trabalhada nesta monografia traz os autores Campos e Canavezes


(2007), que tratam a globalização com um conjunto de transformações socioeconômicas que
vêm atravessando as sociedades contemporâneas em todas as partes do mundo. Arguidos por
eles são os argumentos que as transformações em questão são um conjunto de novas
27

realidades e problemas, que desencadeiam novas dinâmicas, dificuldades e desafios para a


população focando na situação dos trabalhadores e da economia em sua obra (CAMPOS;
CANAVEZES, 2007, p. 9). Para os autores, em um ponto recorrente onde conversam com as
definições de outros teóricos, o conceito de globalização é diverso e dificilmente claro,
entretanto, mesmo com a missiva de não fechar o conceito para não limitá-lo, é preciso
esclarecê-lo.
A globalização é um processo em escala mundial, transversal ao conjunto dos Estados-
Nação que compõe o mundo. Uma dimensão essencial da globalização é a crescente
interligação e independência entre os estados, organizações e indivíduos do mundo inteiro,
não só no âmbito econômico, mas no social e político, onde acontecimentos em locais
remotos do mundo podem influenciar locais distantes de diversas maneiras conforme afirmam
Campos; Canavezes (2007, p. 11). Uma das características da globalização, também
trabalhada por Bauman (1999) são as mudanças e os novos aspectos do conceito de território,
que seguem transcendendo por fatores de natureza econômica, cultural e política e não mais
se prendem ao espaço. A velocidade da informação também marca a era da globalização,
sendo a comunicação rápida uma característica primordial do conceito, assim como a
circulação de pessoas ao redor do globo, tão intensa quanto a troca de bens e serviços entre
nações. Todos esses fatores sustentam um dos centros nevrálgicos da globalização, corrobora
Campos; Canavezes (2007, p. 11)

Importa realçar que a diversidade de enfoques apenas reflete o


facto de estarmos perante um processo complexo e abrangente,
sendo possível privilegiar várias das suas diferentes vertentes.
Na verdade, o modo como se pensa e define globalização está
bastante associado a princípios, valores, e visões do mundo. O
entendimento que se faz da globalização e dos seus impactos
tem fortes implicações sobre as leituras possíveis do mundo
contemporâneo, assim como sobre o papel dos homens e
mulheres na sua construção e as suas possibilidades de atuação
e de luta.

A globalização não é um fenômeno recente, que aconteceu repentinamente com a


virada do século. Ela tem uma história, que remete para o começo das grandes navegações,
regredindo para as rotas comerciais quando caravelas ainda não atravessavam o oceano. É um
processo longo e multidimensional, espalhando suas consequências para diversos âmbitos da
vida humana. Ela não é completamente boa, nem completamente ruim, e seus aspectos se
moldam aos olhos de quem os julga. Nas palavras dos autores, a Globalização é um processo
em curso, dinâmico e mutável (CAMPOS; CANAVEZES, 2007, p. 16).
28

Podem ser atribuídos à globalização o desenvolvimento das ciências e das tecnologias,


faz-se aqui um link com o que Santos (2000) expõe em sua obra quando comenta sobre a
padronização das técnicas científicas e como isso ajudou nos avanços da ciência. A
globalização também está intimamente ligada a onda cultural, que influencia o estilo de vida
atual ao redor do globo. Os fluxos culturais se mostram interligados, muito por influência da
velocidade da informação e fácil conectividade entre diferentes povos e pessoas. Em
conformidade com Campos; Canavezes (2007, p. 24) é dito que os empecilhos geográficos
proporcionados pelos territórios não mais são um impedimento para a conexão cultural, e os
indivíduos estão cada vez mais conscientes dessa redução. Não é mais possível simplesmente
atribuir a realização de determinadas práticas a um local específico, qualquer prática pode se
espalhar pelo globo sem grandes mudanças de sua estrutura se estiver conectada com seus
semelhantes, ideia reiterada também mais a frente pelos autores em Campos; Canavezes
(2007, p. 75):

Num plano mais estritamente cultural, uma questão que


naturalmente se coloca é saber quais serão os contornos da
esfera cultural num mundo globalizado. A este propósito, o
debate oscila entre as tendências para um mundo cultural
progressivamente uniforme e as tendências para a diversidade
cultural e para a livre expressão de todas e quaisquer
subjetividades e idiossincrasias.
2.3.3 Milton Santos

Segundo Santos (2000, 17-19) a globalização é equiparada a uma fábula, tanto como
perversidade como possibilidade. Isso deve-se ao fato das inúmeras fantasias atribuídas à
globalização, e cuja a massiva repetição faz delas uma base comumente usada para definir seu
conceito. São fantasias que alimentam e garantem a continuidade do sistema, tidas como
verdades essenciais, como a ideia que as notícias que percorrem o mundo rapidamente e
chegam a lugares remotos do globo realmente são informativas, ou a noção de que é possível
se deslocar e se conectar a qualquer parte do globo na realidade moderna atual. São falácias,
visto que não são verdades absolutas que atingem a todos, mesmo que essa meia verdade
amplamente difundida em conceitos e definições. O mundo não foi tomado ao alcance das
mãos de todos, ele só é tangível parte do todo. As diferenças sociais e culturais, segundo o
autor, não estão sendo amenizadas, muito pelo contrário, estão sendo acentuadas. A
manutenção deste sistema é o que leva às fábulas, ela é necessária para justificar o
enfraquecimento dos estados perante as multinacionais, o aumento da desigualdade social e o
cerceamento dos cuidados com a população mundial, enfatizado em Santos (2000, p. 10)
29

De fato, para a grande maior parte da humanidade a


globalização está se impondo como uma fábrica de
perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A
pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de
vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se
generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades
como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente
extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil
permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação.
A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-
se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os
egoísmos, os cinismos, a corrupção.

Em contrapartida, existe a globalização como possibilidade. O mundo como poderia


ser, caso a globalização parte de uma perspectiva mais humanizada. São os pontos bons e os
avanços que ela proporciona em prol da coletividade humana, como os avanços da
uniformização das técnicas científicas, os estudos conjuntos feitos visando melhorar a
qualidade de vida. Esses são os pontos vendidos pelo grande capital, as bases para a
construção da globalização como fábula, tratados como verdades quando são, em suma, metas
que deveriam ser alcançadas. O que o autor expressa é, em suas palavras, que um mercado
global utilizando esse sistema de técnicas avançadas resulta em uma globalização perversa,
mas isso poderia ser diferente se seu uso político fosse outro. (SANTOS, 2000, p. 17)
São inegáveis as mudanças que a globalização trouxe ao nosso mundo, algo
que todos os teóricos concordam, e que estas mudanças estão em todos os aspectos da vida
humana. São bons, são ruins e são alvo de esperança e perversidade, conforme exposto por
Santos (2000, p. 21). A humanidade na era da globalização tenta entrar na evolução como um
bloco, participando em um conjunto de nações, estados e indivíduos rumo a uma nova era,
compartilhando característica a díspar de sua territorialidade, mesmo que seu valor seja dado
na medida de sua participação, encontrado em Santos (2000, p. 83)

Nos últimos cinquenta anos criaram-se mais coisas do que nos


cinquenta mil precedentes. Nosso mundo é complexo e confuso
ao mesmo tempo, graças à força com a qual a ideologia penetra
objetos e ações. Por isso mesmo, a era da globalização, mais do
que qualquer outra antes dela, é exigente de uma interpretação
sistêmica cuidadosa, de modo a permitir que cada coisa, natural
ou artificial, seja redefinida em relação com o todo planetário.
Essa totalidade-mundo se manifesta pela unidade das técnicas e
das ações.
3 DIREITOS HUMANOS

Neste capítulo está uma retomada histórica do que foi a criação e efetivação dos
direitos humanos, incluindo as mudanças que ocorreram em seu conceito através dos anos.
São estudados os autores Monstesquieu (1748); Beccaria (1764); Arend (1973); Trindade
(2002); Bibbio (2004); Hunt (2007); Filho (2012); Ramos (2018) e Davis (2019).

3.1 História

A história do direito é firmemente atrelada a história humana, assim como a discussão


sobre direitos humanos está essencialmente ligada a um momento específico da história. A
primeira declaração a tratar sobre igualdade e sobre direitos inerentes à condição humana e
inalienáveis em seu estado foi a Declaração da Independência, revelada em meados de junho
de 1776 por Thomas Jefferson, marcando para sempre a história americana. Seguindo esta
linha de evolução, em janeiro de 1789, meses antes da queda da bastilha, o amigo de Thomas
e importante membro da política francesa, o marquês de Lafayette, começa a dirigir a
primeira declaração dos direitos humanos. Quando enfim cai a prisão da Bastilha, no dia 14
de julho, a declaração ganha seu impulso e, no mês seguinte, já existiam 24 artigos
rascunhados pelos 40 deputados franceses alimentados pela revolução (HUNT, 2007, p. 12).
Todavia, mesmo que a origem dos direitos humanos esteja sim atrelada intimamente a
Revolução Francesa, a Inglaterra já possuia uma Magna Carta no ano de 1215, onde os
poderes e deveres do Estado eram discutidos e delimitados, influenciados pela chamada
Revolução Gloriosa, importante evento que delimitou os poderes da monarquia e do
parlamento em sua ação perante o povo (FERREIRA FILHO, 2000, p.12-13). Bobbio (2004,
p.25) trata os direitos humanos como uma construção histórica, nascidos de circunstâncias
que se sucedem em diferentes momentos no tempo, e mesmo que interligadas, não todas de
uma vez. Esta é a essência da evolução dos direitos, moldando-se a sociedade ao passo que
ela encontra novos desafios e novos conceitos adentram em sua esfera teórica. O documento
que constitui a Declaração dos Direitos do Homem era, nas mesmas medidas, impetuoso em
seu conteúdo e simples em sua redigição. Nele não há menção alguma a igreja, nobreza ou a
palavra rei ou imperador. Ao invés disso ela apostava em “direitos naturais”, “todo homem”,
“todos os cidadãos” como fundamento de qualquer governo. Soberania era atrelada ao povo, a
nação, e não a um rei ou líder religioso. Falava-se de mérito para governar e descartava-se o
direito pelo nascimento. Não havia, entretanto, o uso do termo “franceses”, “França” ou
“povo francês”, eram “homens, cidadãos e sociedade” (HUNT, 2007, p. 17).
31

O resultado dessa escolha de palavras espalhou rapidamente a declaração para diversas


partes do mundo e elevou a discussão sobre os direitos humanos, levantando bandeiras contra
e a favor de seus atestados. Em Londres, naquele mesmo ano de 1789, Richard Price se valeu
da declaração para criticar o governo inglês em seu discurso “Vici para ver os direitos dos
homens mais bem compreendidos que nunca, e nações ansiando por liberdade que pareciam
ter pedido a ideia do que isso fosse.”. Demonstra aqui o peso histórico que a declaração teve
não só para o povo francês, ao qual foi primariamente dedicada, mas para o mundo todo
(HUNT, 2007, p. 21-24).
Edmund Burke, membro do parlamento britânico e historicamente antagonista dos
debates de Richard Price, hoje conhecido como fundador do conservadorismo, declarou que
“Não somos os convertidos por Rousseau”, insinuando que a frança estava rumo a um regime
anarquista e violento ao quebrar seu contrato social2 (HUNT, 2007, p. 21-24).
Fato interessante a ser destacado é o de que Burke, conservador e liberal, defensor da
colonização dos países considerados bárbaros como índia, áfrica e brasil, referia-se a
revolução francesa como ataque aos “grandes homens do estado” e “homens bons e sábios”,
grupo composto pela burguesia mercante que havia apoiado a declaração, e considerava os
operários visionários do anarquismo, alegando que a revolução levaria ao caos, e não a
obtenção de direito. O termo muito se assemelha ao usado cotidianamente como “cidadão de
bem”, usado com propósito semelhante para diferenciar aqueles que propõem críticas e
mudanças daqueles que concordam com o atual sistema, corrobora Burke (2012, p. 11).

Se os princípios da Revolução de 1688 estão em qualquer lugar


para ser encontrados, este é no estatuto chamado a Declaração
de Direito. Nessa mais sábia, sóbria e de consideração
declaração, feita por grandes advogados e grandes homens de
estado, e não por mornos e inexperientes entusiastas, nem uma
palavra é dita, nem uma sugestão feita, de um direito geral "de
escolher nossos próprios governantes; de demiti-los por má
conduta; e de formar um governo para nós mesmos.”

A cultura sempre teve um papel importante nos avanços populares, sempre marcou
épocas e influenciou comportamentos. Isso remete ao que Hunt (2009, p. 17) chama de
“evolução da psique”, onde gradualmente a empatia foi “aprendida” nos círculos populares e,
devido a tal recente noção de igualdade, os homens sem propriedade foram feitos livres, os
2 Não há senão uma lei que, por sua natureza, exige um consentimento unânime: é o pacto social; porque a
associação civil é o mais voluntário de todos os atos do mundo; uma vez que todo homem nasceu livre e senhor
de si mesmo, não há quem possa, sob qualquer pretexto, sujeitá-lo, sem sua permissão. Decidir que o
filho de um escravo nasce escravo é decidir que ele não nasce homem. Se, pois, no momento do pacto social,
houver opositores, sua oposição não invalidará o pacto, mas os excluirá do mesmo; serão os estrangeiros entre os
cidadãos. Quando o Estado é constituído, a residência prova o consentimento; habitar o território é submeter-se à
soberania. Do Contrato Social, ROUSSEAU, Jean Jacques. p. 68
32

judeus equiparados em direitos civis, cristãos e protestantes conviviam naturalmente na


Europa, entre outros avanços que destoam no final do século XVIII:

Mas houve um avanço repentino no desenvolvimento dessas


práticas na segunda metade do século xviii. A autoridade
absoluta dos pais sobre os filhos foi questionada. O público
começou a ver os espetáculos teatrais ou a escutar música em
silêncio. Os retratos e as pinturas de gênero desafiaram o
predomínio das grandes telas mitológicas e históricas da pintura
acadêmica. Os romances e os jornais proliferaram, tornando as
histórias das vidas comuns acessíveis a um amplo público. A
tortura como parte do processo judicial e as formas mais
extremas de punição corporal começaram a ser vistas como
inaceitáveis. Todas essas mudanças contribuíram para uma
percepção da separação e do autocontrole dos corpos
individuais, junto com a possibilidade de empatia com outros.
Foram séculos de divergências sobre o conteúdo da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, diversos países adotaram partes de seus escritos em sua própria
constituição e excluíram outras, e foi só em 1948 que as Nações Unidas adotaram finalmente
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu primeiro artigo dizia a perpetuada
frase “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, sendo este
similar ao primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que dizia “Os
homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos 3”. Mesmo que o dizer seja
gramaticalmente diferente, o eco produzido tinha a mesma finalidade e o mesmo som
(BOBBIO, 2004, p. 26).

A tortura foi prática forense na época medieval, e era tanta sua banalidade que a
palavra “tortura” era comum, mas não para expressar horror ou perniciosidade, mas utilizada
por escritores, de forma reflexiva, em trechos como “torturar a mente para extrair reflexões”
(MARVIAUX, 1724). Entretanto, depois de Montesquieu (1748, p. 202) atacar a prática da
tortura institucionalizada ao apontar que “os homens são maus, a lei é obrigada a supô-los
melhores do que são” o tema começou a ser discutido e mais e mais depreciado por teóricos
como Voltaire e o italiano Beccaria (1764, p.47):

A tortura de um criminoso durante seu julgamento é uma


crueldade consagrada pelo uso, na maior parte das nações. [..]
Ninguém pode ser condenado como criminoso até que seja
provada sua culpa, nem a sociedade pode retirar-lhe a proteção
pública até que tenha sido provado que ele violou as regras
pactuadas. Qual é, portanto. o direito senão o da força, que
autoriza um juiz a punir um cidadão, enquanto ainda há dúvidas
se ele é culpado ou inocente.

3 Do original: Les hommes naissent et restent libres et égaux en droits.


33

Infelizmente a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão não tinha


caráter constitucional na França do século dezoito, e o atestado de garantia criado por seus
revolucionários não impediu a criação de um governo opressor de direitos nos anos que
seguiram a revolução. Aos nobres homens e deputados que redigiram a versão final da
declaração pouco importavam os inválidos, as crianças e estrangeiros a sua terra. Também se
excluíam da declaração os escravos, os negros livres e qualquer minoria religiosa. Claro,
mulheres também eram totalmente excluídas, afinal a declaração dos direitos dos Homens e
dos Cidadãos não é uma simples convenção gramatical inclusiva. Eram dos homens, somente
eles, brancos, livres, nascidos e criados na língua francesa que a declaração falava. Apesar
disso é preciso compreender a mentalidade da época ao tentar visualizar o que levou senhores
de escravos e aristocratas a espalhar os dizeres de igualdade entre os homens, mesmo que eles
efetivamente deixem mais da metade da população mundial fora do conceito de “homens
livres”, o avanço foi significativo. (HUNT, 2007, p. 37).
O primeiro filósofo a demonstrar esta desigualdade entre os que obtinham
efetivamente direitos humanos e os que dele não se serviam foi Marx. Ele comenta que a
declaração não atinge o homem em sua universalidade, excluindo os cidadãos mais pobres,
beneficiando somente a alta classe dos burgueses. A desigualdade denunciada por ele
denunciava uma falsa paridade contratual, uma falsa ideia de equidade entre patrões e
empregados, que beneficiava os burgueses e excluída o proletário (TRINDADE, 2002, p. 130-
132).
Infelizmente, resquícios dessa segregação estrutural das minorias ainda podem ser
vistas nas democracias atuais, que têm em suas constituições a exaltação dos direitos humanos
como base. Davis (2019) pontuou durante o seminário Democracias em Colapso, que em uma
crise os primeiros a perderem seus direitos são as minorias, principalmente mulheres, e dentro
deste grupo de mulheres suas próprias minorias escalonadas por classe social, cor e modo de
imposição. A liberdade pela qual tantos lutaram também é colocada sobre um novo viés,
afinal no século dezessete era possível saber que alguém era livre quando não ocupava a
posição de escravo, mas com a abolição da escravidão, todos se tornaram livres? Os novos
modelos econômicos apresentam novos desafios, novos direitos são criados e novas garantias
são necessárias. Ao longo dos séculos muitos conceitos mudaram sua definição, afinal a
humanidade em si é um processo em evolução, expandindo juntamente com a ideia que a
sociedade tem sobre si mesma (DAVIS, 2019).
O que se conclui desta breve introdução histórica à criação desta importe declaração é
que se deu de maneira controversas, excludente e segregadora, e evoluiu gradualmente para o
34

que entendemos hoje como direitos humanos. Assim como em todas as fases de mudanças
enfrentadas pela humanidade seus efeitos não atingem a todos em um mesmo momento, mas
espalham-se de maneira gradual aos seus arredores, como tinta sobre papel. Entretanto, foi
uma mudança classista, porém efetiva, atingindo aos poucos com seu impacto até as
sociedades mais fechadas, que não pode ser evitada nem por seus críticos mais ferrenhos, a
alcançando camadas marginalizadas da sociedade que originalmente foram excluídas da lista
de garantias, embora a desigualdade ainda possa ser vista sem esforço nas classes
consideradas minorias em questão de poder, em questões de gênero, classe e sexualidade, por
exemplo.
Todavia, os direitos humanos estão em expansão. Cada vez mais é possível verificar
que a sociedade exige mais e mais deste conceito, afinal não deve haver disparidade quanto ao
conceito do que é e o que não é humanidade. Liberdade não se resume somente ao estatus de
não-escravo, mas junta-se ao ideal econômico, social, sexual, financeiro, jurídico e físico,
entre tantos outros subgrupos de debate.

3.2 Conceito

O termo direitos humanos não era comumente usado no século XVIII, e quando o era
geralmente seguia relacionado a política do homem ou sua maneira de viver, algo que
distinguia os homens por serem uma representação do divino. O crítico literário e padre
católico francês Lenglet-Dufresnoy, usou o termo de maneira satírica em “aqueles monges
inimitáveis do século quarto, que renunciavam tão inteiramente a todos os ‘direitos da
humanidade’ que pastavam como animais e andavam por toda parte completamente nus”.
Voltaire também usa o termo em 17564, também de forma irônica e sátira, para referir-se aos
costumes persas, no qual a monarquia desfrutava dos “direitos da humanidade” por terem
mais “recursos contra o tédio” (HUNT, 2007, p. 12).

O termo “direito humano” aparece seriamente pela primeira vez em francês em 1763,
em uma referência à “direito natural”, mas não se tornou popular, mesmo que Voltaire tenha
passado a usá-lo em sua obra “Tratado sobre a tolerância” (HUNT, 2007, p. 16). Para Bobbio
(2004, p. 4) os direitos humanos são resultado de três movimentos e fatores: direitos do
homem, democracia e paz, sendo necessária sua manutenção para a existência do mesmo.
Direitos humanos, segundo o autor, são resultado da proteção da democracia e das condições
mínimas de pacificidade na resolução de conflitos.

4 Voltaire cita o termo em seu livro Tratado sobre a tolerância, publicado em 1756.
35

O que sustentava essa procura pelos direitos eram as noções de liberdade, os conjuntos
de pressuposições sobre autonomia individual que se criavam a partir do século dezessete. O
olhar individualizado sobre cada ser humano era necessário para avaliar quais seriam os
direitos da humanidade, já que cada indivíduo era, e é, dotado de capacidade moral
independente, construída dentro de um conjunto social, que lhe dota de discernimento para
distinguir o bem do mal, o bom do ruim e o certo do errado. O contexto social entra com vital
importância na construção de um direito humanizado, a sociedade política não poderia apenas
deixar nas mãos do julgamento moral independente de cada indivíduo, apoiando-se na
capacidade empática de cada um. O conceito não poderia ser abstrato, ainda que fosse
mutável, nem passageiro e muito menos parte de um slogan político (HUNT, 2007, p. 20-21).
Em consoante com Arendt (1973, p. 37) os direitos humanos constituem uma
construção social, e passaram por um constante processo de reconstrução por sua própria
natureza dependente da evolução da sociedade. Mas como se construiu um conceito atual do
que é direitos humanos?
Passando desta breve perspectiva histórica para um campo conceitual é importante
entender os princípios que acompanharam a criação da declaração e o motivo deles serem tão
relevantes até hoje, e de que maneira se refletem dentro dela em seus artigos. Regida pelo
lema de “liberdade, igualdade e dignidade”, os direitos humanos elencam o que é
indispensável para a vida humana, sendo essa necessariamente digna, livre a pautada na
igualdade entre os homens (RAMOS, 2018, p. 28). Os direitos humanos são complicados no
quesito delimitação, e sua definição e até mesmo sua própria existência depende tanto das
emoções quanto da razão (HUNT, 2007, p. 30).
A análise desses direitos é dada, em último, pelo emocional. Ela faz parte do livre
convencimento de cada indivíduo, e das experiências que o mesmo carrega dentro de si.
Quando o sentimento de horror toma conta de um indivíduo perante um ato, naturalmente
podemos pensar que algo ali fere os direitos humanos, pois sua violação não nos parece
natural. Os direitos humanos requerem um certo “sentimento interior”, como definiu o
escritor iluminista francês Denis Diderot em 1755, e são naturais aos seres, inalienáveis em
sua forma intrínseca por se tratarem, em suma, de direitos da humanidade (HUNT, 2007, p.
32).
Não há uma lista de direitos humanos completa que sirva para toda e qualquer
sociedade, é preciso sempre relevar o contexto histórico e social que cada povo está inserido e
assim entender seu ordenamento jurídico e como ele é o reflexo das morais e dos costumes
que ali imperam (RAMOS, 2018, p. 40). O autor ensina que existem diferentes tipos de direito
36

dentro da gama de direitos humanos. O direito-pretensão é a busca de algo que gera uma
contrapartida do estado, como por exemplo o direito a educação fundamental, obrigando o
Estado a oferecê-la para que assim não viole esse direito. Segue a magna carta, Constituição
Federal de 1998:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado


mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta
gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria;

O direito-liberdade consiste no direito de agir sem interferência de qualquer outra


pessoa ou do Estado, como por exemplo a liberdade religiosa, em que passo o Estado não
poderia impor o credo de determinada religião para seus membros. Consoante a isto, em nossa
constituição:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
O direito-poder, que implica nas garantias de fazer dadas ao indivíduo, como o poder
de ligar para um advogado particular e para a própria família caso seja preso sem que seja
possível o Estado lhe negar esta ação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o
de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da
família e de advogado;
E por último, o direito-imunidade, que consiste no direito dado a determinada pessoa,
no qual não é permitida intervenção de qualquer outra. Esse direito diz respeito, por exemplo,
a imunidade à prisão que não seja em flagrante de delito ou devidamente escrita e
fundamentada por autoridade que tenha poder judicial para tal, transitada em julgado,
37

impedindo que as autoridades como agentes policiais possam agir discricionariamente no que
diz respeito a prisão.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal;
Há três qualidades encadeadas para os direitos humanos, entretanto. Eles devem ser
naturais, e por isso inerentes à condição de ser humano. Devem ser iguais, equiparados para
todos os membros da comunidade humana, e, por fim, universais, sendo assim válidos em
todo e qualquer lugar. Para que os direitos sejam efetivamente humanos é preciso que sejam
aplicados a todos os humanos, de forma igual, não importa onde estejam ou quem sejam.
Entretanto a naturalidade dos direitos humanos é muito mais aceita que sua equidade e
universalidade, visto as diversas aplicações das demandas de igualdade e universalidade e a
dificuldade de cada sociedade de lidar com ela. (HUNT, 2007, p. 45)
Dentro de sua exposição de motivos, a declaração universal dos direitos humanos de
1948 norteia nosso conceito ao arguir “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis” como fundamento da
liberdade, e seu artigo segundo reforça essa visão;

Artigo 2º. Todo ser humano pode fruir de todos os direitos e


liberdades apresentados nesta Declaração, sem distinção de
qualquer sorte, como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
política ou de outra ordem, origem nacional ou social, bens,
nascimento ou qualquer outro status. Além disso, nenhuma
distinção deve ser feita com base no status político,
jurisdicional ou internacional do país ou território a que uma
pessoa pertence, seja ele território independente, sob tutela, não
autônomo ou com qualquer outra limitação de soberania.

As diferenças da declaração dos direitos humanos de 1948 para a declaração dos


direitos do homem e do cidadão de 1789 demonstra a construção do conceito de ser humano
arguida por Hunt, onde o autor analisa como a declaração mais jovem enfatiza a palavra
humano, ao invés de homem, e sinaliza a não distinção de raça, sexo, língua e religião. Clara
foram as mudanças feitas no texto, mesmo que ecoem parecidos (HUNT, 2007, p. 47).

Artigo 2º. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em


direitos. As distinções sociais só podem ser baseadas na
utilidade comum. Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, 1789.
38

Certas perguntas podem ajudar a formar um conceito concreto sobre o que seriam os
direitos humanos. Qual seria seu objeto, para quem ele serve, quais seus meios e quando ele
ocorre. Podemos sintetizar que os direitos humanos são, portanto, um conjunto de direitos
positivos ou não, embora nem todo o direito positivado possa ser considerado um direito
humano e a recíproca seja verdadeira. Os direitos humanos têm a finalidade de assegurar o
respeito à dignidade da pessoa humana, por meio da seguridade da igualdade dos indivíduos e
da limitação do arbítrio estatal (FILHO, 2012, p. 30).

Somando todas essas ideias, temos que os Direitos Humanos


são um conjunto de direitos, positivados ou não, cuja finalidade
é assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, por meio
da limitação do arbítrio estatal e do estabelecimento da
igualdade nos pontos de partida dos indivíduos, em um dado
momento histórico.
Os direitos humanos carregam consigo reflexos da sociedade e são uma construção
social e cultural que levou séculos de evolução para sedimentar seus princípios, e continua
mudando perante os novos desafios da humanidade. Quando a declaração dos direitos do
homem e do cidadão foi publicada na França, nem todos os seres humanos podiam usufruir
dela. Anos depois a declaração dos direitos humanos evoluiu para atingir a totalidade das
versões individuais da humanidade, estendendo uma gama de direitos àqueles que não o
tinham. Essas mudanças ocorrem ainda nos dias de hoje, dentro de cada país e cada
constituição. A emenda constitucional brasileira n. 64/2010 atribuiu ao estado o dever de
garantir que nenhum ser humano passe fome dentro de seus territórios. Isso não era
imaginável quando a declaração dos direitos do homem e do cidadão foi escrita, e a
intervenção do em tutelar esse direito também não foi pauta no momento de redigir a
constituição de 1988, mas a sociedade evoluiu e novos princípios tomaram conta dela
(FILHO, 2012, p. 41-43).

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,


o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

É possível notar que os direitos humanos estão em constante expansão, abrangendo


cada vez mais as minorias, demonstrando uma preocupação com parcelas da população que
eram negligenciadas. Progressivamente, com a evolução do pensamento humano sobre a
humanidade em si, é possível encontrar novas facetas para todos os direitos fundamentais,
visto que os mesmos acompanham as evoluções econômicas e tecnológicas.
39
4 O DIREITO À INTIMIDADE E SUA RECONFIGURAÇÃO

Os processos de globalização culminaram no que hoje entendemos como


modernidade, e levou a mudanças no que entendemos como direitos humanos. Dentro desta
mudança o direito à intimidade passou por diversas reconfigurações de aplicabilidade,
amplitude e mandeiras de tutela. Neste capítulo estudaremos a evolução deste direito
fundamental, seus fundamentos e como ele comporta-se perante a imensidão da globalização.
Serão estudados, principalmente, os autores Ferreira da Silva (1988); Cardoso Pereira (2003);
Dotti (1980); Silva (1998), entre outros.

4.1 História e definições do direito à intimidade, vida privada e privacidade

O direito à intimidade faz parte do rol de direitos e garantias elencados no artigo


quinto da constituição, sendo a disposição do inciso décimo juntamente com a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, todos protegidos pelo estado e amparados pelo direito cível em
caso de lesão. É difícil encontrar qualquer menção histórica clara a faceta jurídica do direito à
intimidade e à vida privada até meados do século XIX, embora isso não seja indício de que
esse direito não era protegido de nenhuma maneira antes desta época, afinal os princípios que
permeiam os direitos eram sedimentados em costumes, instituto clássico do fundamento
jurídico, o que impedia sua inobservância mesmo sem uma proteção específica conforme
encontrado em Leite; Sampaio (1998, p. 3). Todavia, o fato do direito à intimidade basear-se
em um direito “emprestado” de outros princípios fazia com que o encaixe em seu resguardo
não fosse perfeito, tornando as consequências jurídicas suscitadas pouco satisfatórias em
casos concretos. Não haviam precedentes tão marcantes como os que são enfrentados nos dias
de hoje, o direito à intimidade era simplório o suficiente para ser tutelado com a substância
oferecida, e aquilo bastou por um tempo (SAMPAIO, 1998, p. 33).
Ao olhar para o Brasil, o conceito de direito à intimidade por muito tempo foi
unicamente tema subjetivo tratado no Código Civil, nem ao menos recebendo menção direta
no texto integral, sendo tutelado de maneira precária pela lei, apesar de aparecer na
constituição como direito fundamental (SILVA, 1998, p. 30). O direito à intimidade e
privacidade é diversificado e em seus diversos sentidos e princípios se encaixam em
diferentes graus, podendo ser compreendido como direito a intimidade o direito de ser
deixado em paz ou o direito de ficar sozinho, sendo intimidade o direito do indivíduo a viver
sua vida em tranquilidade e solidão. Entretanto esse conceito tornou-se demasiado físico na
40

era em que vivemos, afinal há interações pessoais, até mesmo solitárias, que, mesmo feitas em
total isolamento, podem ser violadas. (CARDOSO PEREIRA, 2003, p. 112). O direito à
intimidade só leva notavelmente outra definição em 1939, quando o American Law Institute,
Restatement of Torts definiu-o como “o interesse de uma pessoa que seus assuntos não sejam
conhecidos ou sua imagem não seja exposta ao público” (FERNANDES, 1977, p. 82-91). A
partir do final da década 1950 vários teóricos começaram a definir intimidade de maneira
coesa. Para De Cupis (1961, p. 337) “intimidade era um modo de ser da pessoa que consiste
na exclusão e conhecimento alheio do quando se refere a pessoa mesma”. Carnelutti (apud
SILVA, 1998, p. 134-138) escreveu que “ninguém pode dar aos fatos da esfera privada um
destino distinto do desejado nem divulgá-los sem consentimento”. No mesmo ano Swuindle
(apud SILVA, 1998, p. 134-138) escreveu que intimidade consistia no “direito de viver sua
própria vida em solidão, sem ser submetido a uma publicidade que não provocou nem
desejou, o direito de ser deixado só”. Nerson (apud SILVA, 1998, p. 134-139) definiu
intimidade em “ter um setor pessoal reservado, a fim de fazer inacessível ao público, sem a
vontade do interessado, o que constitui o essencial de sua personalidade”. Na França, uns dos
primeiros conceitos do direito à intimidade e privacidade surgiu como droit a la vie privée e
droit a l’iltimité. Em consoante, na Itália, foi nomeado o dirittio alla rizervatezza e diritto
alla segregatezza, ou respetto della vita privata. O último citado tutela o direito de impedir
que terceiros conheçam da vida privada do indivíduo posteriormente, como o poder de
impedir que material da vida privada seja divulgado depois de ter se tornado conhecido
(DOTTI, 1980). A diferenciação entre o tomar conhecimento da vida privada e a divulgação
da vida privada tratada no direito italiano também é destacadamente relevante para Costa
Júnior (1970, p. 26-31) que ressalta que a tomada de conhecimento sobre a vida privada de
alguém de maneira lícita não torna lícita sua divulgação, citando ainda a revelia do direito de
tomar conhecimento em casos concretos.
Um dos mais notórios exemplos da licitude da obtenção da informação e ilicitude de
sua divulgação ocorreu em primeiro de setembro de 1994, no Brasil, quando o então Ministro
da Fazenda Rubens Ricupero, em conversa pessoal com seu cunhado e jornalista Carlos
Monforte, disse a seguinte frase: “Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que
é ruim a gente esconde.”, que foi captada por acaso antes de uma entrevista de maneira não
ilícita, e teve ampla divulgação posterior, culminando em sua renúncia ao cargo, mesmo com
alegações de que a conversa estaria fora de contexto (FOLHA, 2013). Na Espanha, foi
legislado o derecho a la intimidad e o derecho a la vida privada. Em Portugal deu-se o nome
de “direito à proteção da intimidade da vida privada” e também “direito à zona de intimidade
41

da esfera privada” (FERREIRA DA SILVA,1998, p. 32). Na França, em 1970, é alterado o


Código Civil para constar em seu artigo nono a proteção da intimidade e da vida privada
como direito fundamental, levando o país a elevar as jurisprudências a aquele dispositivo
normativo, tornando intimidade um aspecto diverso e menos amplo do que a vida privado.
Um ato ilícito contra a intimidade não era um ataque a vida privada somente, mas um ataque a
um direito fundamental muito mais específico (DOTTI, 1980, p. 68). Na Alemanha se
concebeu a chamada Doutrina das Esferas, numa teoria que nomeia a esfera privada
(privatsphäre), a esfera íntima (intimsphäre), esfera secreta (gehermsphäre) e esfera
individual (individualsphäre), esta última sendo considerada um dos componentes do direito
da personalidade, incluídos dentro desta definição o direito ao nome e a reputação. Todas
estas esferas são distintas, mas ligadas ao direito à personalidade em diferentes níveis
(DOTTI, 1980, p. 66; (SILVA, 1998, p. 33; VIEIRA, 2007, p. 37 – 38).
Costa Júnior (1970, p. 114) elucida a teoria das esferas ao exemplificar que a
privatsphäre, ou vida privada, contém os acontecimentos que o indivíduo não deseja que se
tornem públicos, enquanto a esfera da intimidade, ou vertrauenssphäre, e a da confiança,
vertraulichkeitssphäre, partes da espera íntima, contém as coisas que o indivíduo compartilha
com quem tem familiaridade, porém sem o interesse de torná-las públicas para todos. No
âmago da vida privada está a esfera secreta, gehermsphäre, que recebe uma especial proteção
para a discrição por tratar de assuntos vitais para o indivíduo.
Consoante a teoria alemã, Mieres Mieres (2002) apresentou opinião semelhante
sobre o conceito de intimidade. Para o autor o conceito se divide em duas formas, a primeira
seria a intimidade territorial, na qual deveria ser tutelado o espaço e a zona de solidão
voluntária do indivíduo, seu isolamento perante a estranhos, estando contidos nesse aspecto as
zonas íntimas ligadas ao corpo e a espiritualidade de um indivíduo; a segunda classificação
seria a intimidade informacional que consistiria nas informações sobre a vida privada do
indivíduo. Todavia, apesar do conceito coeso e razoável, por vezes a intimidade territorial
poderia ser confundida com um espaço físico, como por exemplo o domicílio do indivíduo, o
que não é de todo satisfatório para proteção do direito (MIERES MIERES, 2002 apud
CARDOSO PEREIRA, 2003, p. 158).
O fato da privacidade e da intimidade obterem um conceito altamente volátil deu a
elas definições diferentes, pois delimitar o que é público e o que é privado, o que é secreto e o
que pode ser divulgado não é simples, causando uma dificuldade em criar consenso e
delimitar as fronteiras entre definições de diferentes autores, que observam a coisa por
diferentes lados do prisma (FERREIRA DA SILVA, p. 34). O ambiente sócio-psíquico pode
42

ser a chave para um conceito claro de direito à intimidade, visto a influência na maneira com
que o indivíduo se relaciona com a sociedade e consigo próprio e o que é considerado
aceitável ou não, um simples exemplo é a nudez do indivíduo, e seus diversos graus,
aceitáveis ou não perante cada sistema social, o que para uns é extremamente desconfortável,
para outros é simples expressão diária de costumes culturais e jamais causariam
constrangimentos (FERREIRA DA SILVA, 1998, p. 30). O Dicionário Real da Academia
Espanhola definiu a intimidade como “a parte personalíssima, comumente reservada dos
assuntos, desejos ou afeições de um sujeito ou de uma família”, e define também íntimo como
“o mais interior ou interno”. Alguns anos depois a palavra intimidade é novamente definida
como “zona íntima e reservada de uma pessoa ou de um grupo, especialmente de uma
família” (DOTTI, 1980, p. 68). Como demonstrado acima, ainda não era considerada a
possibilidade de uma esfera íntima para uma pessoa jurídica, o próprio conceito era vago o
suficiente para deixar abertura para a interpretação jurisprudencial, cabendo a ela a função de
tutela, gerando também muitas tentativas de definição por este meio, sempre com ênfase na
fragilidade do conceito indicado (DOTTI, 1980, p. 68). Bejo Fernández (1982, p.100-101)
colocou como intimidade a esfera pessoal em que o indivíduo se desenvolve como humano,
livre de julgamentos ou influências exteriores a si, sendo a intimidade um mecanismo
importante para o fomento da personalidade (CARDOSO PEREIRA, 2003, p. 112).
Em 1972 o comitê britânico intitulado Committee on Privacity reconheceu que,
perante a complexidade do conceito de privacidade, não era possível obter para ele uma
definição satisfatória (FERREIRA DA SILVA, 1998, p. 34). A importância dos costumes no
direito é reiteradamente reafirmada, mas ao colocar uma lupa no direito à privacidade é
possível sentir a magnitude de sua importância. Quando duelos eram um meio razoável de
limpar e preservar a honra, o medo de morrer em uma luta em que as chances de vencer eram
baixas, por vezes era menor que o medo de ser julgado covarde ou desonroso perante a
sociedade, morrer era alternativa válida perante a vergonha social, por isso a observância dos
costumes no direito à intimidade e a privacidade é vital, seu impacto é suscetível ao tempo,
seus valores são transitórios e subjetivos e aí encontra-se o maior empecilho em sua definição
(FERREIRA DA SILVA, 1998, p. 31).
Um conceito comumente utilizado para a definição de intimidade é o de “vida
privada”, porém, o termo sofre do mesmo mal que o conceito de intimidade: sua definição é
complicada. Cardoso Pereira (2003) declara que a conceituação de vida privada é impossível,
sua análise verifica que somente o indivíduo pode delimitar o que seria vida privada, afinal é
somente dele a medida individual, citando o autor Rebollo Delgado (2000) para ratificar sua
43

linha de pensamento “El concepto de vida privada es muy amplio, genérico y engloba todo
aquello que no es e no queremos que sea de general conocimiento” (REBOLLO DELGADO,
2000, apud CARDOSO PEREIRA, 2003 p. 50). Fernandes (1977, p.72) teorizou que “vida
privada é o direito de excluir razoavelmente da informação alheia ideias, fatos e dados
pertinentes ao sujeito, todavia Cardoso Pereira (2002, p. 116) alerta que o conceito, em sua
aplicabilidade, não pode ser tão vago, uma definição mais substancial é necessária, então
alguns pontos característicos podem ser elencados para diferenciar a vida privada da
intimidade. Ao contrário da intimidade, que consiste no mais interior dos objetos da
personalidade, a vida privada tem certo grau de exposição e conta com interações, envolvendo
relacionamentos pessoais, configurando um espaço mais amplo do que o da intimidade. Em
suma, mesmo que os conceitos sejam extremamente parecidos, é possível elencar esse espaço
diferenciado entre eles para torná-los dispares. Tanto intimidade quanto vida privada são
conceitos indeterminados, e ambos dependem da interpretação pessoal do indivíduo para
ganharem real forma. A posição jurisprudencial do tribunal de europeu de direitos humanos
(TEDH) é de que a definição de vida privada é mais ampla do que a de intimidade, sendo
impossível e desnecessário definir vida privada de forma taxativa, afinal seria dizer uma
definição de fachada. Na visão de Cardoso Pereira (2002, p.116) de nada vale a definição
entre vida privada e intimidade, afinal o autor reconhece que, mesmo sendo realidades
distintas com hábitos e alcance heterogêneo, jamais serão separadas, dentro de sua linha de
pensamento é necessário invadir a intimidade para que ocorra a ofensa da vida privada, ou
seja, mesmo que ambos tenham conceitos diferentes o fato de ambas sempre andarem juntas
torna a definição inválida e inútil ao caso concreto.
Em suma, o que se pode concluir é que os conceitos de vida privada e intimidade se
confundem para muitos autores, por isso este conceito é analisado de maneira mais ampla
abrangendo a vida privada como um todo. Não há como negar que são coisas diferentes, mas
também não é possível negar o vínculo entre elas, fato este que fez com que a doutrina
jurídica adotasse um conceito muito mais amplo de intimidade do que muitos autores
gostariam, abarcando à intimidade todo o conceito de vida privada (CARDOSO PEREIRA,
2002, p. 116). Já pacificada a existência de diversas facetas do direito à intimidade, e sua
característica intrínseca de mudança e volatilidade perante o tempo, os costumes e o espaço, é
preciso superar certos empecilhos que confundem a jurisprudência de maneira regular: todos
os indivíduos têm a prerrogativa do direito à intimidade? Pessoas que jamais cometeram
crimes, porém possuem em sua posse mais secreta ideais que, de outra maneira que não a
violação deste direito, jamais seriam divulgados. Divergências em diversas doutrinas de
44

países diferentes, visto que as leis ao redor do globo divergem em diversos aspectos, o que
não é incomum no direito. Na França não é possível divulgar dados de ações de divórcio
publicamente, enquanto na Grã-Bretanha não há empecilhos para que ações de personalidades
públicas sejam acessadas. Dados bancários de fortunas também não recebem sigilo nos
Estados Unidos da América, porém não podem ser divulgados pela legislação francesa
(FERREIRA DA SILVA, 1998, p. 37).
Este é só mais um dos obstáculos enfrentados pelos teóricos que tentam definir direito
à intimidade de maneira sólida. Não há dúvidas que ele tem valor considerável em diversas
culturas, sendo tutelado de diferentes maneiras, em variações de intensidade e conteúdo,
mudando ao longo das décadas. A fórmula perfeita para criação de um conceito claro é
genérica o suficiente para englobar a esfera pessoal de cada indivíduo e seu entendimento da
sociedade, e ampla o suficiente para tutelar de maneira eficaz a diversas áreas de interação
humana, seja em relacionamentos interpessoais, ambientes de trabalho e estudos, ambientes
virtuais e dados coletados, entre outros. A diversidade de ângulos pela qual a intimidade foi
analisada rende uma multiplicidade de conceitos e definições que não de todo captam a
essência de um direito imaterial (FERREIRA DA SILVA, 1998, p. 37-39).
Em suma, o conceito de intimidade está vitalmente ligado à esfera subjetiva que
permeia o entendimento próprio que cada indivíduo tem sobre a sociedade. Não é possível
separar o que é vida privada do entendimento pessoal, não é possível medir os dados causados
pela violação do direito a intimidade de um indivíduo usando a esfera delimitada por outro.
Todavia, deixar o conceito amplamente aberto a interpretação gera uma insegurança social e
jurídica, sendo necessário usar a balança dos costumes e da jurisprudência para prevenir
decisões arbitrárias sobre sua tutela.
Há uma grande discussão sobre os meios de tutela deste direito e um grande enfoque
na proteção deste direito em detrimento a tutela punitiva por sua violação. Torna-se mais
urgente garantir que o direito não seja violado do que reparar os danos causados por sua
deterioração. Legislações começam a ser criadas para tentar responsabilizar os principais
meios de ataque ao direito fundamental por sua tutela, colocando um novo olhar sobre o poder
e influência que os novos meios de comunicação têm sobre o rumo de desenvolvimento da
sociedade como comunidade na era moderna. Dois pontos importantes que merecem destaque
quanto ao direito à intimidade é que a intimidade e a vida privada devem ser tuteladas pelo
estado, mas também protegidas dele. Não somente outros indivíduos apresentam-se como
ameaças ao direito, mas também a execução do poder do estado em si pode quebrar a barreira
criada pela legislação, invadindo a vida privada por meios controversos.
45

4.2 A reconfiguração do direito e sua tutela

O direito à intimidade foi definido, discutido e tutelado desde a década 1970, mas o
século XXI trouxe uma nova gama de ferramentas perigosas que ameaçam sua manutenção.
Novas tecnologias integram o cotidiano de maneira orgânica, não é possível escapar delas
totalmente sem a transformação em um eremita, há um novo habitat humano, baseado em
relações construídas por meio da tecnologia, sejam elas comerciais, educacionais, financeiras
e até mesmo intrapessoais. Essa nova configuração social proporcionada por tais tecnologias é
a realidade enfrentada há alguns anos, e a ela moldam-se os costumes, leis e a jurisprudência.
(CARDOSO PEREIRA, 2003, p. 144).
A mudança no entendimento do que são direitos humanos nos últimos anos afetou
diretamente o que entendemos como direito à intimidade, o que leva a agregação de todo um
novo conteúdo a ele. A despeito da dificuldade de sua definição, o direito à intimidade tornou-
se alvo de constantes violações, sendo necessários novos meios de proteção de informação
referente a esfera privada e pessoal no ambiente da informática e telemática (LAZARETTI;
MAISONETT, 2018).
A globalização é um desafio enfrentado todos os dias pela sociedade, que com seu
caráter adaptável e evolutivo molda-se constantemente às novas representações e
entendimentos da realidade individual e coletiva. As redes sociais apresentam um novo
bioma, possibilitam a interação e convivência em um novo território sem plano físico, com a
liquefação dos conceitos de tempo e espaço, trabalhados diversas vezes por Bauman (1999). É
de se esperar que uma nova configuração social traga toda uma gama de dilemas a serem
superados tanto pelos indivíduos como seres únicos quanto pela sociedade em termos de
política, jurisprudência e, claro, direitos humanos. (CARDOSO PEREIRA, 2003, p. 58 e 97).
Uma das formas de manifestação da dignidade humana é a existência do direito à
intimidade, seu reconhecimento reafirma a existência da personalidade individual, e a
ascensão do fenômeno da globalização impactou diretamente na concepção humana sobre ela.
Na era contemporânea informacional, este direito fundamental é alvo recorrente de ataques e
violações, muito derivados do uso predatório da internet, meio mais utilizado pelos
indivíduos. Essas violações são um alerta a deterioração da tutela deste direito, e o impulso
para a realocação do cenário jurídico, necessitando torná-lo meio de efetivação da proteção da
garantia fundamental, já protegida pela constituição (LAZARETTI; MAISONETT, 2018).
Atualmente é possível encontrar a tutela do direito à intimidade no artigo 5º de nossa
constituição, especificamente no inciso X, onde está descrito que serão invioláveis o direito a
46

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, sendo ali assegurado o
ressarcimento em caso de dano material ou moral resultante de sua violação. Todavia, a
utilização da internet coloca em risco os direitos garantidos pela constituição de 1988. A
criação do que conhecemos hoje como internet sempre esteve envolta de vários conceitos, e
um deles foi a liberdade e rapidez da informação como uma de suas bandeiras mais
democráticas, a ideia de que era possível acessar e distribuir dados rapidamente invoca uma
característica de liberdade extremamente alta, e a privacidade desses dados não foi alvo de
preocupação em um primeiro momento. (CARDOSO PEREIRA apud HERRARA PRIANO,
2003, p. 162).
Navegar pela internet necessariamente significa deixar rastros, e para a maioria das
pessoas isso acontece sem que percebam a captação desta informação. Uma simples compra
online, inscrição em mailing ou acesso a sites exigem dados suficientes para rastrear a vida de
um indivíduo, e até pouco tempo aqueles que obtinham estes dados não deviam satisfação
alguma do que acontecia com eles para além de sua função original de servir aos interesses de
seu detentor. Mansfield (2001) alerta que a captação de informações por meio de cookies em
sites é dissimuladamente feita por diversos sites, sem que aqueles que navegam por lá terem
clareza sobre isto.
Redes sociais são conhecidas ferramentas utilizadas pela sociedade em geral, estas
permitem que indivíduos separados geograficamente compartilhes ideias e informações em
uma rede de relacionamentos criada pela tecnologia. A propagação da informação é
extremamente rápida, e essa rapidez acentua problemas que existem também nos
relacionamentos não digitais. O volume de informações é massivo, tornando a verificação da
verdadeira fonte ou veracidade dos dados duvidosa ou difícil de identificar, o que gera a
propagação de notícias falsas espalhando-se para um número indeterminado de indivíduos
rapidamente (QUEIROGA; et al., 2016, p. 112).
O caráter aparentemente transitório das informações postadas em redes sociais é a
causa da leviandade com que muitos usuários tratam a gerência de suas ideias e comentários.
Polêmicas envolvendo linchamentos online, exposição de notícias falsas e até mesmo
comentários de cunho racista e preconceituoso são encontrados na rede, e seus usuários os
publicam sem maiores preocupações, aparentemente alheios a violação de direitos que
possam estar cometendo (QUEIROGA; et al., 2016, p. 115-116).
Uma grande parte da vida dos indivíduos inseridos na sociedade é vivida na internet,
seja por conta das novas configurações do trabalho, que exigem cada vez mais da tecnologia
impossibilitando uma rotina sem e-mails, cadastros em contas, bancos, e prestadores de
47

serviço que operando por meio da rede, trabalham a nosso favor. Não é saudável encarar a
internet como inimigo, por isso a importância da contenção de seu uso predatório e supressão
de possíveis ameaças ao direito à privacidade ao que possivelmente são expostos os que dela
se utilizam (CASTELLS, 2003, p. 19).
Pacificado o fato de que a internet está presente no cotidiano como ferramenta
indispensável, não é possível simplesmente lutar contra ela por medo dos efeitos colaterais
que a vida em rede pode submeter. Um exemplo do uso predatório da rede é o que os teóricos
chamam de cyber espionagem. Mesmo que o termo tenha um ar dramático sua existência é
real e se expande tanto no meio corporativo quanto estatal, servindo como ferramenta em
diversos casos. Uma das mais fortes justificativas Estatais para a vigia montada na rede são a
captação de informações sobre redes criminosas, visto que a internet detém os meios mais
anônimos de comunicação. Corporações, por outro lado usam a cyber espionagem para checar
o perfil de empregados, ou até mesmo coletar informações de maneira sigilosa sobre o
mercado e a concorrência. Mais que especulações, torna-se claro que estes meios são
amplamente usados pela facilidade em que pessoas comuns, mesmo sem grandes tecnologias,
conseguem ter acesso a informações pessoais e outros indivíduos, influenciando assim as
relações intrapessoais (CARDOSO PEREIRA, 2003 apud CORRAL, 2002).
Os perigos do uso predatório da internet para o direito a intimidade não se limitam
somente a captação de dados pessoais, mas possuem um lado ainda mais obscuro e crescente.
Superexposição involuntária, pedofilia, pornografia, fraudes, roubo e mau uso de
informações, quebra da barreira da vida pessoal, todos esses sintomas são parte da doença que
deve ser combatida. A facilidade proporcionada pelos meios de acesso à internet ajuda em sua
rápida propagação. Limberger (2007, p. 58) cita o uso prático do computador no cometimento
das ações danosas e sua teoria é expandida e confirmada com o aumento gradual dos crimes
virtuais crescendo paralelamente ao acesso cada vez mais rápido e prático a smartphones.
A lei brasileira n. 13.709, nomeada Lei de Proteção de Dados Pessoais, ou LGPD, foi
promulgada em 2018 com o intuito de conter os avanços dos meios que ameaçavam a garantia
do direito à intimidade, tratando a lei tanto da vida privada de pessoas físicas quanto sobre
dados privados de pessoas jurídicas. Na lei estão dispostos seus respectivos direitos,
obrigações e penalizações.

X – tratamento: toda operação realizada com dados pessoais,


como as que se referem a coleta, produção, recepção,
classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão,
distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento,
48

eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação,


comunicação, transferência, difusão ou extração.

Um dos pontos mais discutidos é a necessidade de uma finalidade para a captação de


cada dado pessoal. Caso o site não explique o motivo de informações sobre local de acesso do
indivíduo, idade ou até mesmo gênero, não será possível fazer a coleta. Em um primeiro
momento são dados inofensivos, porém o valor de mercado dos mesmos é gigantesco.
Pequenas informações captadas em diversos sites decidem qual publicidade será exibida ao
navegar por sites, e quais resultados de pesquisa aparecerão para cada palavra chave
informada. A sensação de liberdade proposta pela rede é ofuscada pelo fato de que todos os
conteúdos apresentados para um indivíduo são recortes de um perfil montado com base em
todos os dados e informações captadas sobre ele, e usados para influenciar seu pensamento,
estilo de vida e hábitos de consumo. Os vazamentos de informações que ocorreram em 2014,
onde a espionagem de dados dos EUA sobre o Brasil, foram um importante marco que
acelerou a modernização da legislação brasileira, que colocou em vigor a lei 12.965 de 2014,
dando seus primeiros passos na proteção da privacidade no meio digital (CHISTOFOLLETTI,
2015, p. 45; RODOTÀ, 2008, p. 24).
Um dos importantes e muito discutidos pontos da nova Lei de Proteção de Dados,
outro nome para a lei 13,709 de 2018, que alterou a lei 12.965 de 2014, é o fato de que todas
as operadoras de aplicativos, e-commerce, etc., operantes no Brasil que ofereçam aos seus
usuários serviços de comunicação devem obrigatoriamente estarem alinhadas com a política
brasileira de resolução de conflitos, ou seja, devem oferecer dados e informações a pedido da
justiça para garantir seu pleno funcionamento em redes brasileiras.
A lei também tenta definir quais seriam as informações protegidas pelo direito a
intimidade, dando a eles classificações que influenciaram diretamente na sua tutela:

I – dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural


identificada ou identificável;
II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou
étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato
ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político,
dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou
biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;
III – dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser
identificado, considerando a utilização de meios técnicos
razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento;

Além disso, a legislação cita claramente o direito à privacidade, à intimidade e a vida


privada como entidades a serem protegidas pela legislação, pois as maiores alterações na lei
foram, inclusive, voltadas a este objetivo.
49

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania,


e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção
e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação;
II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela
internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas
armazenadas, alvo por ordem judicial;
IV - não suspensão da conexão à internet, salvo por débito
diretamente decorrente de sua utilização;
V - manutenção da qualidade contratada da conexão à internet;
VI - informações claras e completas constantes dos contratos de
prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de
proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a
aplicações de internet, bem como sobre práticas de
gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade;
VII - não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais,
inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de
internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e
informado ou nas hipóteses previstas em lei;
VIII - informações claras e completas sobre coleta, uso,
armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais,
que somente poderão ser utilizados para finalidades que:
a) justifiquem sua coleta;
b) não sejam vedadas pela legislação; e
c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços
ou em termos de uso de aplicações de internet;
IX - consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento
e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma
destacada das demais cláusulas contratuais;
X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a
determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao
término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de
guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei;
XI - publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos
provedores de conexão à internet e de aplicações de internet;
XII - acessibilidade, consideradas as características físico-
motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do
usuário, nos termos da lei; e
XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor
nas relações de consumo realizadas na internet.
50

O artigo sétimo da lei é de vital importância para o ordenamento jurídico brasileiro,


visto que reconhece o acesso à internet como fundamental para o exercício da cidadania,
como citado em seu artigo primeiro, afinal ela compoem a vida em sociedade de maneira
vital. Na era da modernidade os meios de comunicações digitais são necessários no mercado
de trabalho, ferramentas de consumo e operações financeiras. O inciso IX e X demonstram a
preocupação atual com a utilização de dados de maneira incorreta pelos prestadores de
serviço, e determinam uma maneira metódica de como deve dar-se seu tratamento, impedindo
o armazenamento de dados pessoais em caso de solicitação de exclusão pelos voluntariamente
informados, ressalvando os dados mantidos por lei. Todavia, a lei só entrará em vigor no ano
de 2020, estando atualmente em vacatio legis, sendo cedo demais para estimar sua
efetividade, considerando vários fatores que ainda não foram postos a prova, como a
capacidade técnica do estado e os desdobramentos jurídicos fáticos da lei.
Uma das maneiras de alimentar a tutela do direito à intimidade proposta é a
responsabilização das empresas onde os dados foram submetidos, mesmo que elas não tenham
influência, culpa ou dolo em sua má utilização. O vazamento de informações pessoais gerará
indenização por parte do detentor daquelas informações, independente da culpabilização de
seu real ofensor, justamente pelo caráter educativo da lei. Encontrado na Lei 12.925.

Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e


tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por
provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo
menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser
obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à
privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das
comunicações privadas e dos registros.
§ 1º O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em
território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo
menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.

Todavia, pelo simples fato de a globalização ser um fenômeno grande demais, a


internet ser extensa demais, e todos terem acesso a ela, não há nenhum governo que tenha
completo domínio sobre a tutela dela. Assim como explana Leonardi (2012), mesmo que seu
uso seja legislado é impossível para qualquer país tutelar ela de forma plena até os dias de
hoje, afinal é possível acessar sites que operam em diversas partes do mundo sem obstáculos.
A nova lei de proteção de dados tenta quebrar a barreira criada pela magnitude do
alcance da rede ao trabalhar, em seu artigo 61, responsabilizando no polo passivo empresas
estrangeiras atuantes no Brasil, independente de quem seja o indivíduo primariamente
responsável pela violação do direito à privacidade e intimidade, agilizando assim a contenção
dos possíveis danos causados a vítima ao depositar a responsabilidade direta e imediata
51

prontamente no provedor. Tal medida também tem fundo educacional, pois cada vez mais
plataformas de interação digital que podem ser um espaço para violação de direitos coletam
dados que impedem o total anonimato, garantindo assim seu direito de regresso em caso de
condenação.

Art. 61. A empresa estrangeira será notificada e intimada de


todos os atos processuais previstos nesta Lei,
independentemente de procuração ou de disposição contratual
ou estatutária, na pessoa do agente ou representante ou pessoa
responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou
escritório instalado no Brasil.

Há inúmeros exemplos do uso predatório da internet que violam o direito à


privacidade e intimidade, a fácil vinculação de imagens e nomes atrelados a fatos que
extrapolam os limites aceitáveis da invasão da esfera privada torna-se cada vez mais alvo de
disputas judiciais e gera jurisprudências em todos os estados do país, pelos mais diversos
motivos. O fato de o direito à intimidade ser um direito subjetivo, que afeta diferentes
indivíduos de diferentes maneiras, torna-o um tema muitas vezes polêmico.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZATÓRIA. USO


NÃO AUTORIZADO DE IMAGEM EM BLOG DE OPINIÃO NA INTERNET,
5
VINCULANDO A AUTORA À ADJETIVAÇÃO PEJORATIVA. CASO CONCRETO NO
QUAL O USO DA IMAGEM PARA ILUSTRAÇÃO DA MATÉRIA CRÍTICA
EXTRAPOLOU AS PRERROGATIVAS DE LIVRE MANIFESTAÇÃO DO
JORNALISTA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À INTIMIDADE E PRIVACIDADE. -
Matéria ilustrada com foto da autora em "blog", permitindo identificação, que não se voltava
a conteúdo essencialmente informativo e com tema de relevo ao interesse da coletividade,
como saúde pública, política, etc., mas sim de opinião pessoal do articulista acerca de uma
manifestação de Carnaval de rua na capital, sendo a fotografia da autora utilizada sem
qualquer indício de autorização prévia e em espaço virtual também destinado à publicidade e
exposição de patrocinadores, o que até mesmo tornaria questionável o uso comercial da
imagem. - Correlação da foto, com parcial nudez, a comportamentos condenáveis a partir de
juízo moral particular do jornalista, que tem potencial ofensivo à intimidade da autora e não
sendo a imagem necessária para que o réu exerça sua liberdade de pensamento, uma vez que
não se está determinando a retirada do texto, apenas da imagem não autorizada pela
fotografada e... reproduzida em contexto desvirtuado daquele no qual captada. AGRAVO DE

5 Decisão democrática do agravo n. 70073719825.


52

INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70073719825, Nona Câmara Cível,


Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 13/09/2017).

O uso indevido da imagem de uma pessoa, atrelado a ato danoso para a sociedade, que
causa constrangimento social que se inicia no meio digital e evolui para um sofrimento
inimaginável é tutelado pela defesa ao direito à privacidade e à intimidade de maneira
inequívoca. Entretanto, muitas vezes não é possível contatar o autor imediato da ofensa ao
direito à intimidade, pois ainda é possível enviar informações de forma parcialmente anônima.
A saída utilizada está sendo o instituto das tutelas provisórias de urgência que visam
minimizar os danos causados a parte autora e agilizar o processo de retirada do possível
material abusivo.
Dentro da lei do Marco Civil da Internet é possível verificar uma forte interpretação a
favor da culpabilidade da empresa provedora de internet ou serviço online onde foram
violados os direitos, sendo ela responsável por ser mantenedora de possíveis dados pessoais, e
deve cumprir as tutelas de urgências deferidas. Não somente na esfera cível está a
responsabilidade pela quebra do direito à intimidade, a esfera penal tutela a divulgação de
dados pessoais na lei 12.737 de 2012, constituindo a pena de três meses até dois anos de
prisão.

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não


à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo
de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações sem autorização expressa ou tácita do titular do
dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações
eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações
sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado
do dispositivo invadido:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a
conduta não constitui crime mais grave.

Os ataques a intimidade e a vida privacidade tutelados não se limitam somente ao uso


de dados de maneira anônima e indevida, mas também causam verdadeiras inquisições no
âmbito virtual, amparados pelo direito civil dentro do instituto do dano moral, tais quais
linchamentos feitos com base no anonimato ou com a falsa sensação de segurança que os
usuários têm quando expressas opiniões e ideias por trás de uma tela de computador. O fato
de muitas vezes os participantes destes linchamentos virtuais serem milhares de indivíduos
leva a um efeito de massa (QUEIROGA, 2018, p. 126), causando a divulgação de fotos,
53

vídeos e informações sem uma fonte clara, pois o compartilhamento é rápido e instantâneo,
quase impossível de ser contido a partir do momento que viraliza. É possível ressarcir os
danos causados pela via do direito civil, mas os meios de prevenção tornam-se tão abstratos
quando suas consequências (LIMBERGER, 2007, p. 191 - 192).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA PROVISÓRIA. MEDIDA DEFERIDA


CONTRA A RÉ GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA6. OBRIGAÇÃO DE FILTRAR O
CONTEÚDO DOS RESULTADOS DE BUSCAS QUE CONTENHAM O NOME E
IMAGEM DE PESSOA RELACIONADAS A PESSOA DO FILHO À PRÁTICA DE
TERRORISMO. PLAUSIBILIDADE DOS FATOS INVOCADOS, RESPALDADA
DIREITO AO ESQUECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA DE CUMPRIMENTO
DA DECISÃO NÃO REVELADA DE PLANO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO. Tribunal de Justiça de Santa Catarina TJ-SC - Agravo de Instrumento: AI
4023959-93.2017.8.24.0000 Chapecó 4023959-93.2017.8.24.0000.
O impacto causado pela violação de tal direito fundamental é inegável, e a remediação
de tal, o uso predatório comentado é um dos maiores desafios da legislação atual tem por
enfrentar. Cada vez mais a humanidade se habitua a essa nova realidade digital, crescendo e
se desenvolvendo dentro de seus moldes, aprimorando a convivência assim como fez com as
interações físicas em seu processo evolutivo. Não é possível prever o futuro, mas o fato de
existir uma efetiva preocupação com o uso de dados e o uso indevido das ferramentas norteia
um caminho de descobrimento e construção de um ambiente seguro. Vale a menção dos
recentes escândalos baseados das notícias falsas, ou popularmente chamadas de fake news7 e
denúncias que este mecanismo teria sido usado para influenciar as últimas eleições
americanas e brasileiras. Ainda se trata de matéria em investigação, mas demonstra a
fragilidade do atual sistema de proteção do direito à intimidade, visto que diversos indivíduos
sofreram ataques enquanto seus nomes eram atrelados a informações falsas de procedência
incoerente.
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ALEGAÇÃO DE
ILEGITIMIDADE PASSIVA. IMAGEM PUBLICADA NA REDE SOCIAL FACEBOOK. 8
ALEGAÇÕES OFENSIVAS. PONDERAÇÃO ENTRE O DIREITO À LIBERDADE DE
EXPRESSÃO E O DIREITO À PRIVACIDADE E INTIMIDADE. LEI DO MARCO CIVIL

6 Decisão em Agravo de Instrumento n°4023959-93.2017.8.24.0000.


7 Tradução livre por Alice Barella.
8 Acórdão em apelação nº 0038137-57.2015.8.07.0001.
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DA INTERNET. POSSIBILIDADE DE SOLICITAÇÃO DE DADOS DO OFENSOR


DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. ARTIGO 22 DA LEI
12.965/2014. 1. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF : 0038137-
57.2015.8.07.0001 0038137-57.2015.8.07.0001
5 CONCLUSÃO

A globalização foi e continua sendo um fenômeno que afetou como a humanidade se


relaciona com o mundo a sua volta, como os indivíduos interagem e como eles enxergam a
realidade, em suas arestas e distorções. Em sua perspectiva histórica é normal ver a sociedade
debater e lutar para entender de que modo o mundo está evoluindo e de que maneira as leis
podem evoluir com elas, adequando-se aos novos costumes gerados por essa evolução
ocorrida durante os séculos, destacando sua própria característica mutável e adaptável.
Os direitos humanos compartilham uma linha do tempo similar à da globalização,
seus efeitos e mudanças se espalharam pelo globo lentamente no começo do século XVI,
tornando-se relativamente homogêneos nos dias de hoje com a Declaração Universal dos
direitos humanos, declaração esta que não está em perfeito funcionamento. O globo continua
repleto de desigualdades sociais, condições consideradas sub-humanas de sobrevivência não
são tão incomuns em países mais pobres e estas são reflexos da globalização que promete um
mundo integrado, com povos em constante intercâmbio financeiro e cultural de modo a
evoluírem juntos, produzirem tecnologia, ciência e cultura em um patamar totalmente
integrado e novo, que na fábula na globalização ajuda a humanidade a evoluir cada vez mais
rápido.
A realidade consiste no fato de que nem todos os humanos estão efetivamente
usufruindo dos benefícios dessa globalização, que agrega aos mais ricos e segrega aos mais
pobres das mais diversas maneiras, seja no deslocamento, na independência financeira ou no
acesso à justiça. Direitos básicos também são sumariamente negligenciados como se não
existissem, contando um conto de fadas que só condiz com parte da realidade. Dentro deste
panorama geral de direitos e deveres, evoluções e reconfigurações há um direito fundamental
que está passando por um importante momento de mudança, o direito à intimidade e à
privacidade. que ganhou um novo campo de existência com a inclusão das mídias digitais e
uma vida em rede tão movimentada quanto a vida real. Esse novo habitat criou um território
sem fronteiras e sem limites e, num primeiro momento, sem vigilância. Embora o total
anonimato seja combatido nos dias de hoje, ainda existem tecnologias suficientes para quebrar
tal barreira, e mesmo que o anonimato não seja o principal problema nos atos contra a
privacidade e a intimidade, ainda é possível ver um comportamento predatório em interações
57

feitas na rede, resultado de um sentimento de segurança e incitado pela sensação da criação de


uma massa de pessoas, todas comentando e compartilhando a mesma coisa em um mesmo
momento, dificultando a definição de um culpado.
Outro atentado contra à intimidade que precisa de atenção é o uso indevido de dados
pessoais fornecidos a sites e empresas, algo que pode ser usado indevidamente para fins
econômicos sem o real consentimento da parte. Tema este trabalhado no Marco Civil da
Internet, em sua mais recente alteração em 2018, assegurando responsabilizar a empresa
provedora dos serviços por quaisquer problemas de divulgação ou mau uso de tais
informações.
A tutela do Estado precisa adequar-se as vivências da sociedade, moldando-se as
necessidades e prevenindo enquanto protege os direitos fundamentais. Durante o
desenvolvimento desta monografia foram analisados conceitos de globalização e direitos
humanos, e como sua evolução culminou em nossa sociedade atual e exigiu do direito uma
reconfiguração de seus mecanismos, além de propor uma reflexão atrelada ao momento atual
e os novos problemas que surgiram com o uso predatório da rede. Dentro da análise desta
evolução legislativa e humanitária é possível perceber a crescente preocupação do governo
com o ambiente digital, e suas tentavas de controlar a fauna que ali prospera. Nesta esfera
intima subjetiva em que o direito à privacidade prospera encaixam-se as mais diversas
informações sobre a vida privada, todas dependentes do entendimento pessoal do afetado.
Entretanto limites precisam ser definidos. Informações publicadas por livre e
espontânea vontade podem ser retiradas caso causam danos a seu detentor? Sim. E não. A
discussão sobre o direito à intimidade ser imprescritível e invocável a qualquer tempo são
solidificadas, mas a extensão do dano e possível reparação em caso do mau uso destas
informações ainda geram divergências doutrinárias. Casos são analisados individualmente, de
maneira a entender e abarcar cada uma das situações de uma maneira que o direito seja
subjetivo ao mesmo tempo que seja igual para todos.
Tais mudanças acentuadas na sociedade só demonstram como os humanos são
adaptáveis, influenciáveis e vulneráveis à tecnologia. Ela faz parte do cotidiano, o acesso a
rede é considerado um direito humano, fundamental para inclusão social e participação da
vida em sociedade. Os modelos legislativos são revistos, mas a rede avança rapidamente, e
tudo que é considerado novo e atual hoje pode transformar-se em obsoleto e antiquado
amanhã.
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ANEXOS

ANEXO A

UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ – UNOCHAPECÓ

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE DO PROJETO DE PESQUISA

Eu, Alice Barella, estudante do Curso de Direito, código de matricula n. 201517594,


declaro ter pleno conhecimento do Regulamento da Monografia do Curso de Direito, bem
como das regras referentes ao seu desenvolvimento e que o presente Proeto de Pesquisa é de
minha autoria, ciente de que poderei sofrer sanções nas esferas administrativa, civil e penal,
caso seja comprovado cópia e/ou aquisição de trabalho de terceiros, além de prejuízos
medidas de caráter educacional, como a reprovação no componente curricular Metodologia de
Pesquisa Jurídica II.

Chapecó (SC), 11 de novembro de 2019.

________________________

ALICE BARELLA
62

ANEXO B

UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ – UNOCHAPECÓ

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

TERMO DE SOLICITAÇÃO DE BANCA

Encaminho à Coordenação do Núcleo de Monografia o trabalho monográfico de


conclusão de curso da estudante Alice Barella, cujo título “A Globalização e a
Reconfiguração dos direitos à privacidade e à intimidade”, realizado sob minha orientação.
Em relação ao trabalho, considere-o apto a ser submetido à Banca Examinadora, vez
que preenche os requisitos metodológicos e científicos exigidos em trabalhos da espécie. Para
tanto, solicito as providências cabíveis para a realização da defesa regulamentar. Indica-se
como membro convidado da banca examinadora:
________________________________________, telefone para contato
________________________________________________.

Chapecó (SC), _____ de __________________ 2019.

___________________________________________
Assinatura do(a) Orientador(a)

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