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CURITIBA
2020
CHRISTIAN DOUGLAS KESKOSKI
CURITIBA
2020
CHRISTIAN DOUGLAS KESKOSKI
Orientador: _________________________
__________________________
Prof. Membro da Banca
Curitiba, de de 2021
AGRADECIMENTOS
The present work aims to examine the problems and benefits of germline therapy in
human embryos that have the purpose of curing, and the new challenges posed by
these biotechnological advances before society and in the Brazilian legal system. Due
to the increasing progress of research in this area, this procedure is becoming more
and more common. We sought to highlight the issues at stake, above all, in the
proposal of the so-called eugenics, in the genetic heritage of humanity and in the
dignity of the human person. Thus, it is intended to demonstrate the importance of not
preventing the free development of a technology aimed at enhancing the dignity of the
human person, without violating fundamental principles that imply the maintenance of
the Democratic Rule of Law.
1 INTRODUÇÃO. ........................................................................................................ 7
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 53
7
1 INTRODUÇÃO.
2.1 A EUGENIA
3 GALTON, 1869 apud GOLDIM, José Roberto. Eugenia. Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, abril. 1998. Disponível em <https://www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm>. Acesso em:
17. Set. 2020.
4 BOTELHO, José Francisco. Como o homem transformou lobos em cachorros. Super interessante.
Para Noberto Bobbio, a eugenia tem uma grande relação com as teorias racistas:
Política racista que levou a maior atrocidade na história. Foi através do regime
nacional socialista de Adolf Hitler que aconteceram os abusos nazistas, ocasionando
o maior genocídio de todos os tempos, com perseguições principalmente aos Judeus,
pessoas negras, e deficientes físicos ou mentais. Tempos obscuros com graves
violações de direitos humanos que após a segunda guerra mundial levou 50 países
criar a Organização das Nações Unidas (ONU).
Atualmente, deslumbra-se o nascimento de uma “nova eugenia”, não o da
seleção e reprodução de uma espécie com determinadas características do indivíduo,
mas sim da possibilidade na intervenção direta no genoma humano objetivando o bem
comum da coletividade. Em 1990 o Projeto Genoma Humano foi criado com o objetivo
de mapear, descrever, e identificar genes relacionados a doenças hereditárias. Seja
em vida ou seja em fase embrionária, com esses estudos é possível saber se uma
pessoa vai apresentar algum comprometimento em sua saúde no futuro. O discutível
aqui é, até que ponto se poderia intervir no genoma humano na fase embrionária?
Antes de oferecer alguma resposta a essa pergunta, é preciso compreender melhor a
eugenia positiva, a eugenia negativa e a eugenesia.
Em termo geral a eugenia positiva exige uma postura direcionada ao
nascimento de pessoas que apresentam características desejáveis, enquanto a
eugenia negativa promove a eliminação dos seres dotados de alguma anomalia. Na
distinção definida pela Maria Helena Diniz, trata-se a vertente positiva, o objetivo de
aperfeiçoamento das habilidades humanas, traços de caráter ou de personalidade, e
da negativa se volta para a obtenção de cura ou a prevenção de doenças e
malformações genéticas.7
9 URANGA, Amelia Martín. O Quadro Geral da Terapia Gênica na Espanha. In: ROMEO CASABONA,
Carlos María (Org.). Biotecnologia, Direito e Bioética. Belo Horizonte: Del Rey/PUC Minas, 2002. p.
86.
10 ZATZ, Mayana. Genética e Ética. Revista CEJ. Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos
15SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito, ciência da vida, os novos desafios. São Paulo:
Revistas dos Tribunais, 2001, p. 109-110 e 116.
19
Esses são os quatros princípios bioéticos que será aprofundado um pouco, eles
têm por objetivo carregar esperanças de humanização aos avanços científicos,
marcados na história pela irrupção de conflitos morais. Apresentam um enorme
avanço quanto à regulamentação da ciência, são normas universais que se moldam
diante da temporalidade, pluralidade e diversidade de concepções morais nas
sociedades. Sendo essas, de fundamental aplicação dentro da engenharia genética.
Paulo: Paulus,2002.
20
se alcançar o melhor auxílio para o paciente. Essa carga moral em cima do profissional
debilita o princípio da beneficência, e essa decisão não pode ser tomada
individualmente para resolver alguma situação. Para solucionar esse problema, Gama
apresenta:
levantam-se dúvidas quanto a terapia gênica germinativa, como por exemplo, será
que seria válido manipular um embrião para retirar os genes defeituosos com o intuito
de trazer uma melhor qualidade de vida para a futura criança? Ou seja, deve
prevalecer o princípio da beneficência em razão do princípio da não maleficência?
Dúvidas em afronto ao direito a saúde com o direito ao patrimônio genético não
manipulado. Ainda não existe uma resposta concreta para essa questão, uma vez que
há insuficiência de dados que determine as consequências para o indivíduo, para as
suas futuras gerações e ao patrimônio genético.
A ideia por trás desse princípio é a condição de equidade, com obrigação ética
de tratar cada indivíduo o que é moralmente correto e adequado. Dessa forma, o
médico deve atuar com imparcialidade e os recursos distribuídos de forma equilibrada,
alcançando toda a sociedade. Apresenta forte caráter social e humanista que busca
garantir a todos os cidadãos igualdade de condições de acesso e a fornecimento de
benefícios na saúde, independente da sua capacidade econômica.
Adequado ao princípio da isonomia, o princípio da justiça traz consigo a
imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, com uma prestação de
saúde justa, funcional e eficiente. Entretanto, em termos práticos essa não é uma
realidade da sociedade brasileira, pois primeiramente há dificuldade de acesso, seja
em comunidades isoladas e afastadas, ou seja pela demanda de pacientes no
atendimento, ao ponto de ser necessário passar a noite, de um dia a outro, para
conseguir ser atendido por um profissional. Ainda há demanda nos procedimentos
médicos, sendo alguns de caráter fundamental para qualidade ou continuidade da
vida. Diante desses fatos que favorecem a desigualdade, levante-se a questão, quem
será merecedor do serviço à saúde na falta de recurso para todos? Não é difícil
imaginar o mesmo cenário ao se tratar da terapia gênica.
Além disso, outro exemplo da nossa realidade seria quanto a obtenção das
informações genéticas do indivíduo, como aduz Ruger “Uma concepção de justiça
pode ser útil para resolver possíveis conflitos de interesses entre o paciente e demais
afetados pela atuação médica, como no caso de informações genéticas que
22
A Carta Magna é uma fonte que detém uma vasta quantidade de princípios
norteadores do Direito. E é na consagração ao princípio da dignidade humana se
perfaz na funcionalização de todos os institutos jurídicos, sempre visando à promoção
do desenvolvimento do ser humano. No entanto, há outros princípios da nossa
constituição que merecem destaque aqui, tais como os da autonomia, à intimidade,
da liberdade da pesquisa, da igualdade, da solidariedade, da privacidade, da liberdade
do planejamento familiar, da paternidade responsável, princípio da integridade
psicofísica e o princípio do melhor interesse da criança. Todos extremamente
relevantes na discussão sobre os limites da pesquisa e aplicação dos avanços
genéticos.
É impossível de antemão apontar todas as soluções dos possíveis conflitos
entre os princípios provocados pelos avanços científicos. Desse modo, há de se
verificar a cada caso concreto qual decisão trará a maior proteção para a dignidade
da pessoa humana. Esse princípio sempre foi um tema muito debatida, já incitou
diversas discussões religiosas, filosóficas, científicas, jurídicas e ganhou destaques
internacionais após a Segunda Guerra Mundial. Serviu como base na elaboração da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e para a nossa Constituição Federal em
seu artigo 1°.
[...]
21 HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 88.
22 BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 1º.
24
limites de atuação com base a esse princípio detém suas dificuldades, como
destacado pela Maria Celina Bodin de Moraes:
[...]
25 MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos
morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.84.
26 BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 5º.
26
1998. p. 206.)
27
[...]
29 UNESCO, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (1997). Artigo 12, letra
b.
30Ibid. Artigo 10.
31 VILLELA, João Baptista. Liberdade e família. Revista da faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v.3, n.2, 1980, p.19.
28
[...]
38 UNESCO, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (1997). Artigo 6.
39 ANDORNO, Roberto. Bioética y dignidade de la persona. Madrid: tecnos, 1998. p. 74-75. Tradução
livre. No original: “La diversidad genética no es um fardo para la humanidad, sino uma riqueza que debe
protegerse”.
40 BARBAS, 1998, p.18.
31
próprio corpo, entre outras situações novas que não encontram tutela satisfatória em
nosso direito, mesmo prevista no artigo 5º da nossa Constituição Federal nos incisos
III, XLVII (alíneas “c” e “e”) e XLIX.
Com à má aplicação das novidades científicas na história da humanidade,
como na segunda guerra mundial, há o constante temor de que a tutela do princípio
da integridade psicofísica seja violada com as novas aplicações genicas. Com o
objetivo de uma maior garantia da tutela da pessoa humana, foram editados vários
documentos internacionais como o Código de Nuremberg (1947), a Declaração
Universal de Direitos Humanos (1948), a Declaração de Helsinque (1964), a
Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), a Declaração de Valencia (1990),
a Declaração Universal sobre o Genoma Humano (1997) e os Direitos do Homem
(1997).
O direito à saúde é inerente a esse princípio, de modo que integra aos direitos
sociais previstos no artigo 6º da Constituição. Cabendo ao estado o dever de prover
esse direito através do artigo 196:
Desse modo, para uma maior tutela desses menores, dois anos após a
promulgação da Carta Magna, foi aprovado também “O Estatuto da Criança e do
Adolescente”, sedimentando ainda mais as mudanças voltadas para a proteção
infanto-juvenil. Desde então, houve uma radical mudança na forma de lidar com eles,
tornando-os os principais personagens nas decisões que estejam envolvidos,
inclusive valorizando a sua manifestação de vontade, seja no dia a dia ou no judiciário.
O estatuto apresenta vários artigos voltado à proteção fundamental da criança e do
adolesce, evitando assim, qualquer ato abusivo que comprometa sua formação
psicofísica, inclusive nas manipulações gênicas. Dessas normas destaca-se:
A solidariedade por base, decorre das obrigações recíprocas o qual se tem uns
com os outros. Dessa forma, quando o ato solidário é dotado de gentileza e menos
racional, mecanizado, maior será a liberdade de cada um. Nesse sentido, no presente
45 BRASIL. Artigo 3º, 17 e 18 da lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 13 julho 1990.
46 GAMA. Guilherme Calmom Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o
A lei 9.263/96 foi promulgada com o intuito de trazer uma maior executividade
ao direito consagrado no §7º do artigo 226 da Carta da República:
[...]
49 BARBOZA, Heloisa Helena. Novas relações de filiação e paternidade. In: PEREIRA, Rodrigo da
Cunha. Repensando o direito de família. Belo Horizonte: Del rey, 1999, p. 139.
50 BRASIL. Artigo 1º, 2º e 9º da lei Federal nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regula o §7º do
artigo 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá
outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 janeiro 1996.
36
51
BRASIL. Constituição Federal (1988). Artigo 226, §7º.
52TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: TEPEDINO,
Gustavo. Temas de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 472).
37
54PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. Vol. V. 16ª edição.
Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 153 apud SILVA, Filipe Aquino da; JUNIOR; Josceli Rodrigues da
Fonseca. O nascituro e a sua personalidade jurídica. Âmbito Jurídico, [s.l.], Jan. 2017. Disponível em:
<https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/o-nascituro-e-sua-personalidade-juridica/>. Acesso
em: 17. Nov. 2020.
39
55 PUSSI, William Artur. Personalidade jurídica do nascituro. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2008, p. 87.
apud SILVA, Filipe Aquino da; JUNIOR; Josceli Rodrigues da Fonseca, 2017, s.p.
56 WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: Direito Civil, Introdução e Parte Geral. 9. ed. São
da Constituição Federal. [s.l.], Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 18, p. 48,
maio/jun 2007 apud SILVA, Filipe Aquino da; JUNIOR; Josceli Rodrigues da Fonseca, 2017, s.p.
40
Diante dessa linha, não há que se falar em titularidade dos direitos do nascituro,
pois ela é inegável. Cabe somente analisar seus efeitos, principalmente no que tange
ao patrimônio que depende do nascimento com vida. Argumenta nesse sentido a
Silmara Chinelato e Almeida, “a personalidade do nascituro não é condicional; apenas
certos efeitos de certos direitos dependem do nascimento com vida, notadamente os
direitos patrimoniais materiais, como a doação e a herança”58.
Por mera curiosidade, caso a corrente concepcionista fosse adotada de forma
plena pelo nosso ordenamento jurídico, a mulher que fizesse o uso de alguns
contraceptivos, como o DIU e a pílula do dia seguinte, poderia incidir no crime de
aborto previsto no artigo 124 do Código Penal. Pois estaria violando ao direito à vida
contra o embrião, que estaria protegido desde a sua concepção.
No íntimo da nossa legislação, é possível perceber algumas normas que
relativizam a corrente natalista do nosso sistema jurídico. Pois além do aborto em que
o STF considera crime já a partir do terceiro mês de gestação, há aqueles de caráter
patrimonial, como trazida pelo artigo 542 do Código Civil, “a adoção feita ao nascituro
valerá, sendo aceita pelo seu representante legal”. Poderá também receber legado ou
herança nos termos do artigo 650 do Código de Processo Civil, “se um dos
interessados for nascituro, o quinhão que lhe caberá será reservado em poder do
inventariante até o seu nascimento”.
Além desses, outro exemplo que é cada vez mais comum chegar às portas dos
Tribunais são os alimentos gravídicos trazida pela lei 11.804/08, derivadas para
garantia da sobrevivência do nascituro durante a sua vida intrauterina. Vale destacar
que não são todas situações jurídicas referente ao nascituro que ensejará o dever de
reparação, e sim aquelas lesivas à sua saúde ou à sua moral, com a devida análise
do Poder Judiciário.
Dentre os principais fundamentos da teoria concepcionista, está a de que desde
a concepção há um ser humano dotado de patrimônio genético completo e autônomo
daquele que dispõe dos seus genitores. Partir de então, há uma série de eventos
biológicos naturais que dão progresso ao desenvolvimento do embrião, que culmina
em seu nascimento. Nesse sentido, não haveria como determinar em que momento o
embrião passaria a ter status de pessoa humana. Desse modo, o embrião deixaria de
58 ALMEIDA, Silamra J. A. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 81.
41
ser um produto, um bem, uma coisa e passaria a ser uma pessoa. Neste ponto afirma
Barbas:
No Brasil, mesmo com o Código Civil dotado da teoria natalista em seu artigo
2º, não há como negar que o ordenamento jurídico considera o nascituro como uma
pessoa na medida em que tutela seus direitos. Nesta toada, argumenta Maria Helena
Diniz:
Uma vez tendo o Código Civil atribuído direitos aos nascituros, estes
são, inegavelmente, considerados seres humanos, e possuem personalidade
civil. Ademais, entende que seus direitos à vida, à dignidade, à integridade
física, à saúde, ao nascimento, entre outros, são muito mais decorrência dos
direitos humanos guarnecidos pela Constituição Federal do que da
determinação do Código Civil.60
61 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Recurso Especial nº 399.028/SP. Recorrente:
Antônio Nival Leonidas e outros. Recorrido: Companhia Brasileira de Trens Urbanos. Relator: Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2002. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=18388&nreg=200101473190&dt=20020
415&formato=PDF>. Acesso em: 17. Nov. 2020 apud SILVA, Filipe Aquino da; JUNIOR; Josceli
Rodrigues da Fonseca, 2017, s.p.
62 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Recurso Especial nº 1.487.089/SP. Recorrente:
Rafael Bastos Hocsman. Recorrido: Marcos Buaiz e Wanessa Godoi Camargo Buaiz. Relator: Ministro
Marco Buzzi. 2015. Disponível em:
<https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/REsp%201487089.pdf>. Acesso em:
17. Nov. 2020.
43
Não há de se duvidar que para muitos o embrião deve ser dotado de dignidade,
em respeito a pessoa por vir, titular de um patrimônio genético único, inédito e
irrepetível merecedora da tutela jurídica. Para a ministra Cármen Lúcia, não resta
dúvida do embrião como um ser humano, “se a proteção constitucional do direito à
vida refere-se ao ser humano, ao humanum genus, nem se há duvidar que o embrião
está incluído na sua proteção jurídica. O embrião é ser e é humano”64.
Com a promulgação da Lei 11.105 em 2005, devido ao seu artigo 5º, trouxe
para o Supremo Tribunal Federal a discussão sobre o tema. Debatendo assim, se o
embrião seria um sujeito de direito e se aplicaria ou não, os direitos da personalidade
para embriões excedentários das fertilizações in vitro:
Após a promulgação da lei, não demorou muito para que uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 3510-0/DF) fosse proposta pelo então Procurador Geral da
República da época, Cláudio Lemos Fonteles. Segundo ex-Procurador, o referido
artigo 5º seria uma afronta ao direito inviolabilidade da vida, previsto no caput do artigo
5º da Constituição Federal. Com isso, destaca-se da importância desse julgamento
para o presente trabalho, sem adentrar no mérito da decisão, será destacado
relevantes pontos do entendimento da corte no que se refere nas teorias do nascituro
e nos direitos da personalidade.
Aos ares da teoria natalista, o relator da ação, Ministro Carlos Ayres Britto,
alegou que a tutela constitucional do direito à vida não abrange o embrião fertilizado
in vitro, isso pela Constituição ser silente sobre o início da vida humana:
64 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p.47.
65 BRASIL. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art.
225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de
atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o
Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei nº
8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts.
5º , 6º , 7º , 8º , 9º , 10 e 16 da Lei nº 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 março 2005.
45
O embrião ali referido não é jamais uma vida a caminho de outra vida
virginalmente nova. Faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as
primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro
humano em gestação. Numa palavra, não há cérebro. Nem concluído nem
66 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tribunal pleno. ADI nº 3510-0. Requerente: Procurador-Geral
da República. Requerido: Presidente da República e o Congresso Nacional. Relator: Min. Ayres Britto.
2008. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12. Nov. 2020.
67 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 3510-0/DF.
46
70 MATSUURA, Sérgio. Primeira edição genética de embriões humanos nos EUA causa polêmica. O
Globo. Julho.2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/primeira-edicao-
genetica-de-embrioes-humanos-nos-eua-causa-polemica-21637400>. Acesso em: 23 Set.2020.
71 MATSUURA, Sérgio; Baima, Cesar. Pela primeira vez, edição genética em embriões previne doença
<https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2019/10/23/super-humanos-por-que-a-russia-quer-tomar-
dianteira-na-edicao-de-genes.htm>. Acesso em: 23 Set. 2020.
73 O GLOBO. Cromossomo responsável pela síndrome de Down é “desligado” em laboratório.
revolucionário nas ciências da vida, está contribuindo para novas terapias de câncer
e pode tornar realidade o sonho de curar doenças hereditárias”74.
Contudo, o uso irracional dessa técnica sempre será o maior risco dessa nova
biotecnologia. Dentro disso, esta última década já foi marcada por uma das notícias
mais polêmicas da dentro da ciência, um resultado demarcado por abuso e
irresponsabilidade que trouxe ferrenhas críticas ao cientista chinês He Jiankui após
anunciar os primeiros bebês geneticamente modificados da história. Em novembro de
2018, o geneticista afirmou que utilizou a técnica CRISPR/Cas9, conhecida como as
“tesouras do genoma”, que permite remover e substituir partes indesejáveis do
genoma. Segundo o cientista, as gêmeas nasceram após uma fertilização in vitro, a
partir de embriões modificados antes de serem implantados no útero da mãe 75.
Após essa polêmica, em dezembro de 2019 a justiça chinesa condenou o
cientista a três anos de prisão e multa de três milhões de yuanes (1,73 Milhão de
reais). As duas gêmeas, chamadas Lulu e Nana (pseudônimos), permanecem
anônimas e seu paradeiro é desconhecido. Além disso, as autoridades chinesas
anunciaram em janeiro de 2019 que outra mulher estava grávida de uma criança com
o DNA modificado, mas o nascimento deste bebê não foi confirmado 76.
Portanto, percebe-se as duas faces da terapia germinativa, as benesses de
uma pessoa poder viver dignamente, bem como os males do uso irracional da técnica.
Infelizmente, casos como das gêmeas tendem a ser cada vez mais comuns, é possível
desde já temer mercados clandestinos para edição genética, as pessoas vão querer
uma criança perfeita e saudável, e estarão dispostas a pagar. Também há grandes
discussões, como os receios de se surgir uma nova espécie do ser humano, não há
dúvidas que a comunidade científica buscará estudos para se ter o menor impacto
possível desse procedimento. Além disso, o sistema jurídico brasileiro deverá buscar
uma atualização mais efetiva da sua legislação, demonstrando fatores que
74 OTOBONI, Jéssica. Nobel de Química 2020 vai para dupla de cientistas por pesquisa sobre genoma.
CNN Brasil. São Paulo. Out.2020. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/2020/10/07/nobel-de-quimica-2020-vai-para-dupla-de-
cientistas-por-pesquisa-sobre-genoma>. Acesso em: 13.Out.2020.
75 Cientista chinês que anunciou bebês geneticamente modificados suspende testes. Globo. Disponível
em: <https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2018/11/28/cientista-chines-que-anunciou-bebes-
geneticamente-modificados-suspende-testes.ghtml>. Acesso em: 23.Set.2020.
76 Cientista chinês que criou bebês geneticamente modificados é condenado a três anos de prisão.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos casos apresentados, é nítido os avanços dos atuais estudos quando
se fala da manipulação do DNA. Não há de se duvidar da sua futura aplicação de
forma preventiva e terapêutica contra as graves doenças, seja ela hereditária ou
transmissível, se utilizando dessa técnica com ênfase a prevenção da surdez, das
consequências da síndrome de Down, ou ainda, que a futura criança crie anticorpos
para a prevenção de alguns vírus, como o da HIV.
Diante dos possíveis abusos demonstrados e riscos provenientes da
manipulação gênica, ao cogitar sua aplicação no território brasileiro, apontou-se a
necessidade da intervenção do sistema jurídico de forma a limitar e legitimar tais
práticas. O trabalho aqui desenvolvido não tem por objetivo em finalizar, mas sim em
destacar a importância desse debate. O intuito é de instigar e inflamar essa discussão
de forma a promover seu amadurecimento crítico, sempre em busca de uma justa
regulamentação, coerente, clara e eficaz, a fim de trazer a aceitação social e científica
para a nova terapia gênica.
Antes de tudo, ressalta-se que qualquer prática da engenharia genética,
cogitar-se-á legitima somente após a conclusão dos estudos, após seus devidos
testes para a aprovação e da sua legalização.
Não há como ignorar a relevância de tal procedimento impactada na vida de
uma pessoa, seja de forma positiva ou negativa. Devido a precariedade dos estudos
que envolvam a manipulação nas células indiferenciadas, por ora deve ser evitada.
Porém quando for possível sua aplicação de forma eficaz e segura, deverá ser
analisada de forma minuciosa para graves doenças que inexistam tratamentos
convencionais ou que sejam inviáveis pela medicina atual. Nessa conjuntura,
possibilitará para as futuras pessoas, a garantia de viver dignamente como uma
pessoa comum. Prevalecendo dessa forma, a duas maiores primazias da carta
constitucional, a Dignidade da Pessoa Humana e o Direto à vida.
Como qualquer intervenção em uma célula embrionária, o código genético
modificado será transmitido de geração a geração. Portanto, foi abordado no presente
trabalho, o risco que esse fator traz ao patrimônio genético da humanidade. Ainda não
há conclusões concretas dos possíveis efeitos, porém qualquer prática ilegal e
abusiva no genoma humano deve ser altamente repudiada, refletindo em severas
consequências penais.
52
REFERÊNCIAS
Nov. 2020 apud SILVA, Filipe Aquino da; JUNIOR; Josceli Rodrigues da Fonseca,
2017.
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2010 apud SILVA,
Filipe Aquino da; JUNIOR; Josceli Rodrigues da Fonseca, 2017.
KATCHBORIAN, Pedro. Rússia está debatendo bebês por edição genética, mas por
que isso importa?. UOL. Out.2019. Disponível em:
<https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2019/10/23/super-humanos-por-que-a-
russia-quer-tomar-dianteira-na-edicao-de-genes.htm>. Acesso em: 23 Set. 2020.
LIMA, Taisa Maria Macena de. O uso de amostras biológicas humanas para fins de
pesquisa e identificação: uma breve reflexão. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito Civil: atualidades II.
Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
55
MATSUURA, Sérgio; Baima, Cesar. Pela primeira vez, edição genética em embriões
previne doença hereditária. O Globo. Ago.2017. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/pela-primeira-vez-edicao-genetica-em-
embrioes-previne-doenca-hereditaria-21659646>. Acesso em: 23 Set.2020.
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção
jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-
constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
OTOBONI, Jéssica. Nobel de Química 2020 vai para dupla de cientistas por
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