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FACULDADE DE DIREITO
Piracicaba
2020
João Vitor de Arruda
Piracicaba
2020
OS DIREITOS DO NASCITURO: O INÍCIO DA
PERSONALIDADE E O CONCEITO JURÍDICO DE PESSOA
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof.ª Dra. Juliana Pagotto Ré
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
________________________________________
Nome do Membro 1
Banca Examinadora
______________________________________
Nome do Membro 2
Banca Examinadora
Piracicaba
2020
Dedico este trabalho aos meus pais, José e
Derci e a toda minha família, que sempre me
ampararam e apoiaram para realização dos
meus sonhos.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho tem como norte, o estudo do nascituro, que é o ser humano
em desenvolvimento intrauterino, mas que ainda não nasceu. O objetivo é analisar as
doutrinas e jurisprudências a respeito do tema e o tratamento dispensado a esse ser
humano já concebido a luz do Código Civil brasileiro e demais legislações. Foram
abordadas as teorias a respeito da personalidade, sendo elas a natalista, a
concepcionista e a teoria da personalidade condicional, buscando esclarecer os
pontos de cada uma, trazendo entendimentos e contradições referente a elas. Além
disso, buscamos elencar os direitos que o nascituro possui em nosso ordenamento
jurídico e também trazer a problemática do aborto, por ela estar diretamente ligada ao
concebido. Justifica-se a pesquisa pela não uniformidade dos entendimentos
doutrinários e jurisprudenciais a respeito de quando efetivamente o nascituro passa a
ter personalidade jurídica, buscando assim um entendimento concreto e que possa
auxiliar pesquisas e operadores do direito. A metodologia de estudo utilizada foi a
bibliográfica, com analise de artigos e doutrinas diversas, além de jurisprudências e
legislações. Com o presente estudo observa-se que independentemente da posição
adotada, o nascituro tem direitos resguardados, o que não significa afirmar que ele
tenha capacidade jurídica e todos os direitos inerentes a pessoa.
The present work has as north, the study of the unborn child, which is the human
being in intrauterine development, but who has not yet been born. The aim is to analyze
the doctrines and jurisprudence stemming from the and the treatment given to this
human being already conceived in the light of the Brazilian Civil Code and other
legislations. Theories about personality were addressed, being them the natalist, the
conceptionist and the theory of conditional personality, seeking to clarify the points of
each one, bringing understandings and contradictions related to them. In addition, we
seek to list the rights that the unborn child has in our legal system and also bring the
problem of abortion, because it is directly linked to the conceived. Research is justified
by the non-uniformity of doctrinal and jurisprudential understandings about when the
unborn child effectively has legal personality, thus seeking a concrete understanding
and that can assist research and operators of the law. The study methodology used
was bibliographic, with analysis of various articles and doctrines, as well as
jurisprudence and legislation. With the present study, it’s observed that regardless of
the position adopted, the unborn child has rights protected, which does not mean
stating that he has legal capacity and all the rights inherent in the person.
4.3.13 Alemanha...................................................................................... 76
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 91
12
INTRODUÇÃO
O estudo do Direito das Pessoas é importante para a teoria geral do Direito Civil
e sempre gerou polêmica e discussões, desde a antiguidade.
Nesta monografia será trabalhado um dos temas que demanda, para além de
debates e reflexões jurídicas, até que possa chegar a uma decisão, qual seja: o início
da personalidade jurídica do nascituro, mais especificamente, os direitos atribuídos
àquele em desenvolvimento no útero materno.
No Código Civil Brasileiro 2002, conforme estabelece o artigo 2°, o início da
personalidade dá-se com o nascimento com vida, porém, desde a concepção, os
direitos do nascituro são resguardados, como estabelece a segunda parte do mesmo
artigo.
Pelo que estabelece o referido Código, a dúvida é de quando começa a
personalidade jurídica; acabando por dividir opiniões em relação a conferência ou não
de personalidade ao nascituro que ainda não nasceu. Por conta dessa questão, três
teorias propostas merecem destaque: a natalista; a concepcionista e; a da
personalidade condicional.
Assim, o presente trabalho visa elucidar as teorias sobre a personalidade
jurídica do nascituro, e também os direitos a ele garantidos, a fim de apontar as
possibilidades que o faz possuidor de direitos.
A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica relacionadas ao tema,
buscando realizar uma abordagem histórica do assunto, e também tratar do início da
personalidade e os direitos do nascituro, além de trazer a questão do aborto, que é
diretamente ligado aos direitos do nascituro.
Para tanto, o presente trabalho foi dividido em quatro capítulos.
No primeiro trouxemos um breve histórico sobre o tratamento recebido pelo
nascituro, desde a Grécia Antiga, passando pelo Direito Romano, Idade Média, o
pensamento da igreja católica, até o nosso ordenamento pátrio atual.
No segundo capítulo abordamos alguns conceitos importantes sobre o tema,
focando respectivamente, no conceito de pessoa, personalidade e capacidade
jurídica, nascituro, nas teorias do início da vida e do início da personalidade jurídica e
por fim, a teoria do início da personalidade adotada por nosso ordenamento jurídico.
No terceiro capítulo, os estudos foram direcionados aos direitos do nascituro,
tratando respectivamente dos direitos à vida, à integridade física, à filiação, à curatela,
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raças, além de alegar que a reprodução deveria ocorrer, até os cinquenta anos para
o homem e quarenta para as mulheres. (ALMEIDA, 2000, p. 18; PUSSI, 2008, p. 53).
Sobre o mesmo assunto, Aristóteles apoiava a pratica abortiva e também a
exposição do recém-nascido deformado, sendo seus pensamentos, como o de Platão,
embasados nos interesses demográficos e no temor a fome com o aumento
populacional. No entanto, para Aristóteles poderia ocorrer a incriminação por abortar
se tal procedimento ocorresse após a aquisição da alma, fato este, que segundo ele,
ocorria em quarenta dias após a concepção para o homem e três meses para a
mulher. (ALMEIDA, 2000, p. 18-19; PUSSI, 2008, p. 54).
Logo, nota-se que os gregos reconheciam o nascituro e lhe assegurava direitos
desde a antiguidade.
Por conta da ideia de que o nascituro é parte da mulher enquanto não separado
de suas vísceras, não era admitida “[...] uma punição a um atentado moral ou físico
contra ele, mas apenas contra a mãe. ” (NORBIM, 2006, p. 26).
Ainda vale destacar “[...] que em Roma, a Lei das XII Tábuas1 não incriminava
o aborto, já que o produto da concepção não era considerado um ser autônomo, mas
parte das vísceras maternas.” (PUSSI, 2008, p.66).
No entanto, segundo ensinamento de Semião (2015, p. 28): “[...] para alguns
efeitos jurídicos, a lei considerava o que foi tão somente concebido (nasciturus) e lhe
garantia direitos que lhe pertencessem quando e se houvesse nascido. Era necessário
nascer vivo. [...].”
Assim para ter nascido vivo era necessário que
1 A Lei das doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou simplesmente Duodecim Tabulae, em
latim) constituía uma antiga legislação que está na origem do Direito Romano. Formava o cerne
da constituição da República Romana e do mos maiorum (antigas leis não escritas e regras de
conduta). Foi uma das primeiras leis que ditavam normas eliminando as diferenças de classes,
atribuindo a tais um grande valor, uma vez que as leis do período monárquico não se adaptaram
à nova forma de governo, ou seja, à República e por ter dado origem ao direito civil e às ações
da lei, apresentando assim, de forma evidente, seu caráter tipicamente romano (imediatista,
prático e objetivo). Disponível em: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas> Acesso em: fev.2020.
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A era medieval, como se sabe, foi marcada por avanços da medicina, mas
também por grande influência do catolicismo nas questões culturais, sendo que tal
período foi denominado de teocentrismo2.
A Idade média foi de grande importância para o estudo embriológico, sendo
que “[...] a evolução do estudo do nascituro, passa, nesse período, necessariamente,
pelo estudo da evolução médica [...]. ” (PUSSI, 2008, p. 68).
No entanto, segundo Pussi (2008, p. 68), apesar da evolução em relação ao
estudo médico e cientifico, pode-se afirmar que esta foi lenta.
Outro fato relevante deste período é que ele foi marcado por grande influência
da Igreja, seja na cultura e costumes e até mesmo no Direito.
De acordo com Semião (2015, p. 36-37) o Direito foi diretamente inspirado pela
moral e religião, além de outros princípios filosóficos e sociológicos, principalmente o
Direito Brasileiro, que foi muito influenciado pelo cristianismo, em especial pelo Direito
Canônico.
O padrão filosófico desta época revolucionou o pensamento que se tinha do
homem, que passou a ser considerado um sujeito de direitos, e não objeto, tendo
contribuído para os conceitos atuais de pessoa e personalidade.
Consoante com Semião (2015, p.39), “[...] para os católicos, o nascituro é uma
verdadeira pessoa, embora incompleta. O feto, por possuir uma vida verdadeiramente
humana, já tem direito ao respeito dessa vida, embora ainda não tenha nenhum dever
[...]. ”
No tocante ao aborto, esse assunto para a Igreja Católica é, e sempre foi um
tabu, mesmo com o passar dos séculos e com mudanças na questão da aceitação de
tal prática, o catolicismo se mantém firme em sua doutrinação. “No fim da Idade Média,
a Igreja, com sua incessante oposição ao aborto, conseguia quase extirpá-lo. ”
(ALMEIDA 2000, p. 102).
Conforme ensinamento de Semião (2015, p. 38) podemos citar algumas
doutrinações católicas referente ao aborto, como no caso da encíclica 3 Matrimônio
2 Teocentrismo significa Deus como centro do mundo, ou seja, a figura divina era o fundamento
e responsável por tudo. Disponível em em:<https://www.todamateria.com.br/teocentrismo/ >
Acesso em: fev. 2020.
3 Carta solene, dogmática ou doutrinária, dirigida pelo papa ao clero do mundo católico, ou
Cristão de Pio XI, de 1930, em que ficou determinado que o direito à vida de um feto
e o direito à vida da mulher são iguais e que toda medida anticoncepcional era
considerada um crime contra a natureza, apenas era permitida a abstenção sexual no
período fértil.
Também cita Semião (2015, p.38), os dizeres do Papa Paulo VI, que afirmou
que o feto possui desde a concepção o pleno direito a vida e que a mulher não pode
abortar em hipótese alguma, ainda que seja para salvar a sua própria vida. E por fim,
o Código Canônico, que dispõe no Cân.1398 : “Quem provoca aborto, seguindo-se o
efeito, incorre em excomunhão4 latae sententiae.”
Tal cânone citado, segundo entendimento da Igreja, não põe a salvo o aborto
por estupro, deformidade do feto ou risco de vida da mãe, só não considera o aborto
ilícito no caso do “aborto indireto”, que é uma ação em si boa, que acaba ocasionando
o aborto, como no caso da remoção de um tumor, que acaba por matar o feto, porém
não era essa a intenção. (SEMIÃO, 2015, p. 38)
Na opinião de Semião (2015, p. 38) esse tipo de aborto acaba sendo
contraditório e pode ser confundido com o aborto necessário (em caso de risco de
vida da mãe) dependendo do estágio da gravidez.
Sendo assim, para o catolicismo “[...] o aborto não deve ser praticado nunca,
exceto em consequência de um tratamento clínico ou cirúrgico, ligado a uma doença
que representa perigo atual para mãe. ” (SEMIÃO, 2015, p.39).
Portanto, a Igreja Católica tem o nascituro como uma verdadeira pessoa,
mesmo que incompleta, garantindo-lhe o direito à vida desde sua concepção. No que
tange ao aborto, está se mantem firme ao seu viés doutrinário, que não se alterou
nem com o passar dos anos.
4Excomunhão é uma Penalidade religiosa que se efetiva com a expulsão de uma pessoa do
convívio religioso ou da própria igreja. Disponível em em:<
https://www.dicio.com.br/excomunhao/> Acesso em: fev. 2020.
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Alguns anos depois, Nabuco de Araújo, em seu anteprojeto, o qual não chegou
a ser finalizado, pelo motivo de seu falecimento, “[...] estabeleceu que ‘as pessoas por
nascer’ são absolutamente incapazes, definindo que ‘pessoas por nascer’ são as que
já estão concebidas no ventre materno. ” (SEMIÃO, 2015, p. 42 - 43)
Por fim, seguindo a mesma linha de raciocínio de seus antecessores, Clóvis
Beviláqua, em seu anteprojeto “[...] estatuiu: ‘A personalidade Civil do ser humano
começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida’. ” (SEMIÃO, 2015,
p.43).
Nota-se entre os doutrinadores, como já mencionado, a acepção da teoria
concepcionista. O motivo deste pensamento, é que para esses juristas, o Código Civil
Brasileiro deveria se aproximar do entendimento que a igreja tinha a respeito do
nascituro, sendo que esta já o considerava pessoa desde a forma embrionária, ou
seja, havia grande influência religiosa no meio jurídico. (SEMIÃO, 2015, p.43).
Apesar dos projetos adeptos a teoria concepcionista, o primeiro Código Civil
Brasileiro adotou a corrente natalista. Sendo tal afirmação feita pelo próprio Clóvis
Beviláqua ao mencionar o art. 4° do Código Civil de 1916:
O atual Código Civil, este de 2002, também é adepto da teoria natalista, sendo
o texto de ser artigo 2°, inspirado no artigo 4° do CC/1916.
Conforme reza o art. 2° do CC/2002: “A personalidade civil da pessoa começa
do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro. ”
Nota-se que houve alteração da palavra “homem” (conceito biológico), para
pessoa” (termo jurídico). Pois “[...] o conceito de pessoa no mundo jurídico não
coincide com o termo ‘ser humano’ que tem às claras conceito biológico [...]. ”
(SEMIÃO, 2015, p. 44).
Ressalta Semião (2015, p. 44) que, em ambos os Códigos, há duas orações
que parecem contraditórias, o que acabou dando margem para que as discussões
existentes no Direito Romano aumentassem. Sendo o único avanço entre o art. 4° do
CC/1916 e do art. 2° do CC/2002, como já mencionado, a substituição do termo
“homem” por “pessoa”.
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2 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS
2.1 Pessoas
Já para Nader (2013, p. 160) “Pessoa física ou natural é o ser dotado de razão
e portador de sociabilidade, condição que o leva à convivência. [...] ”
Vale citar ainda, conforme ensina Semião (2015, p. 137) que para nosso
ordenamento jurídico, o surgimento da pessoa natural se dá após o nascimento com
vida.
Logo, pessoa natural é o sujeito nascido com vida, que possui capacidade de
contrair direitos e obrigações e detém racionalidade e o dom de viver e participar da
sociedade.
25
Nessa mesma acepção Alves (2012, p. 103) dispõe que “[...] A personalidade
jurídica é a potencialidade de adquirir direitos ou de contrair obrigações; a capacidade
jurídica é o limite dessa potencialidade. [...]. ”
Assim, de acordo com Rolim (2010, p. 153 - 154, grifo do autor):
2.3 Do nascituro
A palavra nascituro deriva do latim nasciturus que significa “que deverá nascer,
que está por nascer”. Ou seja, o nascituro é o concebido que ainda não nasceu.
(ALMEIDA, 2000, p. 6).
Nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 130, grifo do autor) “[...]
cuida-se do ente concebido, embora ainda não nascido. ”
Conforme ensinamentos de Pamplona Filho e Araújo (s.d., p. 5) nascituro é o
“[...]ente já concebido (onde já ocorreu a fusão dos gametas, a junção do óvulo ao
27
expectativa de pessoa. Logo, para que perda a qualidade de nascituro e passe a ser
pessoa, adquirindo assim personalidade jurídica, basta apenas o nascimento com
vida.
6Zigoto, também denominado ovo nos animais, é a célula eucariótica resultante da fecundação,
que ocorre entre dois gametas mutuamente compatíveis, sendo o produto final da reprodução
sexuada.
29
7 Cada uma das células que, por meio de divisões meióticas, dão origem ao óvulo; ovócito.
30
Neste mesmo sentido Muto e Narloch (2005, p. 59) dispõem que para os
seguidores dessa visão:
Essa teoria defende que o feto possui autonomia a partir do momento que
consegue viver fora do útero, sendo assim, essa capacidade define o início da vida.
Para a medicina um bebê que nasce prematuro só consegue sobreviver fora das
entranhas maternas se seus pulmões estiverem formados, o que ocorre entre a 20° e
24° semana após a concepção. (MUTO; NARLOCH, 2005, p.59)
33
Tal visão coincide com a definição de viabilidade fetal proposta pelo Direito
Romano, que “[...] procurou fixar um prazo específico para ser completada a gestação
de um filho e, valendo-se dos estudos de Hipócrates, foi estabelecido que nascituro
poderia nascer vivo e perfeito desde o 182° dia da concepção [...]. ” (PUSSI, 2008,
p.60)
Também é o posicionamento de Matos (2009, p. 121) “[...] o feto depende da
mulher até a 22ª segunda semana, na medida em que não sobrevive fora do processo
gestacional, esse não é um outro ser independente. Não há até esse período, um
outro ser, na sua totalidade acabado [...]. Um (o feto) sem o outro (a gestante) não
vive. “
E ainda é o estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS): “[...] esta
viabilidade acontece a partir da 20ª - 22ª semana de gravidez [...]” (FREITAS, 2011,
p. 45).
Tal teoria é utilizada pela Suprema Corte dos EUA para permitir o aborto.
(MUTO; NARLOCH, 2005, p. 59).
Tal teoria, segundo Muto e Narloch (2005, p. 59), estabelece que o início da
vida é irrelevante, pois não existe um momento único que a vida começa. Para os
adeptos a esta visão, os espermatozoides e óvulos são tão vivos quanto qualquer
pessoa, e o desenvolvimento de uma criança é um processo continuo e não deve
possuir um marco inicial.
Nesse sentido, podemos citar as palavras de J. C. Wilke e Barbara Wilke (1980,
p. 17 apud ALMEIDA, 2000, p. 121-122): “As mudanças que ocorrem entre a
implantação (do espermatozoide no óvulo) e um embrião de seis semanas, um feto
de seis meses e um bebê de uma semana ou em um adulto, não passam de estágio
de desenvolvimento e maturação.
citar cinco diferentes visões religiosas sobre o assunto, a saber: a católica; a judaica;
a islâmica; a budista; e a hinduísta.
Para o catolicismo, assim como o caso dos adeptos a teoria geneticista, a vida
começa quando ocorre a fertilização do óvulo com o espermatozoide, ou seja, no
momento da concepção. São contra o aborto e o estudo com células-tronco
embrionárias. (MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).
No judaísmo a vida tem início no 40° dia, quando acreditam que o feto começa
a adquirir forma humana. Interessando, que antes disso a interrupção da gravidez não
é considerada homicídio, sendo que os judeus ainda são a favor do aborto caso a
mulher corra risco de vida ou em caso de estupro, e também permitem a pesquisa
com células-tronco embrionárias. (MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).
O Islamismo entende que a vida começa quando o feto adquire alma, fato este
que ocorre em cerca de 120 dias, quando Alá a introduz no feto, porém, isso não é
unânime, alguns estudiosos são adeptos a teoria concepcionista. Os mulçumanos
repudiam o aborto, mas muitos aceitam essa pratica em caso de risco de vida da mãe,
além disso, tendem a apoiar as pesquisas com células embrionárias. MUTO;
NARLOCH, 2005, p. 61).
Para o budismo a vida não tem início na concepção, ela é um processo
contínuo, está presente em tudo que existe. Para eles o humano é uma forma de vida
que depende de outras formas de vida. No tocante ao aborto e as pesquisas com as
células embrionárias, não há consenso para eles. MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).
Por fim, para o hinduísmo, a vida tem início na fecundação, pois é nela que
ocorre o encontro de alma e matéria. Sendo assim, o embrião já possui alma e deve
ser tratado como humano. Em relação ao aborto, em geral, os hindus não concordam,
salvo em caso de risco de vida da genitora. MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).
Adotada tal teoria, ao não considerar o nascituro pessoa “[...] persistem dúvidas
quanto a sua condição jurídica dentro da sistematização categórica dos sujeitos,
considerando os distintos direitos que lhe foram destinados. ” (ARAÚJO, 2016, p. 225).
Neste caso, críticos a teoria, como veremos, partem do fato de que o nascituro,
ao ter resguardado seus direitos desde a concepção, passa a ser considerado pessoa.
Afirma Diniz (2002 apud Araújo, 2016, p. 225) que “Se as normas protegem é porque
tem personalidade jurídica. ”
No entanto, segundo Semião (2015, p. 20) os doutrinadores natalistas
sustentam que, se esses direitos conferidos ao nascituro não fossem taxativos, não
teria razão para que o Código Civil os estabelecessem um por um. Pois, se este fosse
36
[...] que a teoria natalista não sustenta que o nascituro não goza de
nenhum direito ou status antes de nascer, afirma, no entanto, que o
não nascido não detém personalidade, e por isso, não é pessoa. A
adoção da referida teoria torna-se importante se pensada a partir do
fato de que a negação do status de pessoa ao nascituro, de fato, não
impede o reconhecimento dos direitos que lhe foram assegurados, ou
seja, o reconhecimento da sua condição de sujeito de direito.
Assim, “[...] considerar o nascituro como pessoa implica que a norma do Código
Civil seja estendida de modo amplo, como regra geral. Destarte, além dos casos
expressamente previstos em lei, outros poderão haver. [...] “ (ALMEIDA, 2000, p. 159).
Logo, para essa teoria, os direitos do nascituro não devem ser condicionados
ao nascimento, com exceções de alguns. Essa exceção “[...] deve restringir-se
unicamente aos direitos patrimoniais, mas, em hipótese alguma, aos direitos
fundamentais da personalidade. ” (PUSSI, 2008, p. 88). “[...]. Os nascituros são
incapazes para a realização de atos de natureza patrimonial, o que não significa que
seja um ente despersonalizado. [...] sua capacidade [...] não deve ser confundida com
personalidade. ” (ARAÚJO, 2016, p. 221).
[...] o fato de que o aborto tenha sido punido como crime contra a
pessoa é o mais acentuado sinal de que o nascituro tem personalidade
civil e é pessoa. O Código Penal previu o crime no Título referente aos
crimes contra a pessoa, expressando nitidamente a proteção da vida
do nascituro como tal.
O fato de o nascituro ter proteção legal, [...] não deve levar a imaginar
que tenha ele personalidade tal como a concebe o ordenamento. Ou,
sob outros termos, o fato de ter ele capacidade para alguns atos não
significa que o ordenamento lhe atribuiu personalidade. Embora haja
41
8 CF, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;
9 CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]
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Podemos citar, diante dessa decisão, o Art. 102, §2° da CF, que preceitua:
Assim nota-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal coloca “[...] fim na
posição dos doutrinadores adeptos das teorias da ‘personalidade condicional’ e da
‘concepcionista’, em conforto com a escola natalista da personalidade civil. “
(SEMIÃO, 2015, p. 57).
No entanto, apesar da decisão do STF, há conflito com atuais jurisprudências
do STJ e Tribunais de Justiça. As decisões de ambos os tribunais superiores e dos
demais tribunais, envolvendo as teorias concepcionista e natalista, serão vistas em
um item próprio durante o desenvolvimento do trabalho.
Pode- se concluir, conforme relatado no decorrer do trabalho, que “[...] a Teoria
da Natalidade [...] que foi adotada pelo sistema pátrio, tem sua gênese no Direito
Romano, qual seja, o início da personalidade como nascimento com vida [...]. ”
(PUSSI, 2008, p. 84, grifo nosso). Logo, antes do nascimento o nascituro tem apenas
expectativa de vida e consequentemente, expectativa de direitos.
43
3 DIREITOS DO NASCITURO
deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém
pode ser privado da vida arbitrariamente. ”
Tal direito, no Brasil, é garantia constitucional estabelecida pelo o artigo 5°,
caput, CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida [...]. ”
“Embora não possua referência expressa no texto constitucional [...] entende-
se que a vida do nascituro é um bem que está protegido pela Constituição. ”
(TESSARO, 2006, p. 86)
Ainda em nosso ordenamento, podemos citar o Código Penal, que em seu
título “dos crimes contra a vida”, nos arts. 121 a 127, protege a vida, no caso de crimes
como o homicídio, o infanticídio e até mesmo o aborto.
Em relação ao aborto, o CP coloca a salvo apenas duas hipóteses em que ele
é permitido, no caso de risco de vida da mãe e também em gravidez resultante de
estupro. Além desses dois casos, o STF possui decisão sobre o assunto, no
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, de 17 de
junho de 2004 (ADPF-54), declarou a inconstitucionalidade da interpretação segundo
a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos
124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro. Diante da procedência dessa
ADPF, o aborto nesses casos foi consolidado com a resolução n° 1.989/2012 do
Conselho Federal de Medicina.
No entanto, por conta dessa criminalização, sendo o aborto permitido apenas
nessas três hipóteses, acaba ocorrendo muitos abortos ilegais, e tais procedimentos
colocam em risco, muitas vezes, a integridade física e a vida da gestante, indo contra
os direitos da personalidade desta, como veremos no decorrer do trabalho.
Além dos diplomas legais citados, estabelece o art. 7° do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), que o Estado deve proporcionar políticas públicas que
permitam o nascimento e desenvolvimento sadio e harmônio do ser humano.10 Assim,
apesar de o Eca ser destinado a crianças de adolescentes de 0 a 18 anos, ele
resguarda o direito à vida do nascituro.
10 ECA, art.7°: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a
Podemos citar dois artigos do Código Civil que tratam da proteção a integridade
física, o art. 12 e art. 949, a saber:
46
Podemos também mencionar o Art. 5°, I do Pacto de San José da Costa Rica
que dispõe: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica
e moral.” E, como o Pacto é fundamento para ser resguardado o direito à vida do
nascituro, não pode ser diferente em relação a integridade física, já que conforme
mencionado, todos os direitos são condicionados ao direito à vida.
Em relação a tal direito, segundo Almeida (2000, p. 315) o nascituro é pessoa,
biológica e juridicamente e sua integridade não se confunde com a da mãe, ainda que
ele dependa dela, sendo assim não lhe pode negar o direito a integridade física e que
a o nascituro pode deixar ser incluso no conceito de “ofendido” que consta no artigo
1.538 do CC de 1916, artigo esse, que atualmente corresponde ao art. 949 do CC/02
supracitado.
Também ensina Almeida (2000, p. 312-314) que houve grande avanço nos
estudos para salvar a vida do nascituro, por meio da embriologia e da Perinatologia,
que é o ramo da medicina que se destina ao feto e ao recém-nascido, citando alguns
exemplos, como cirurgias intrauterinas em aparelho respiratório e urinário, além de
outras medidas de diagnóstico e tratamento do embrião.
Portanto, diante dos avanços médicos, pode-se garantir que:
Logo, sendo esse direito ligado diretamente ao direito à vida, deve a integridade
física ser resguardada.
Esse princípio também foi abordado pelo ECA, em seu art. 20 11, e pelo CC
conforme disposto em seu art. 1.59612.
No caso dos filhos concebidos durante o casamento, o Código Civil dispõe
sobre o reconhecimento de paternidade em seu art. 1597, garantindo assim, mesmo
que o genitor do nascituro falecer, por exemplo, que ele tenha garantido o direito a
filiação. Dispõe tal artigo:
11ECA, Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação.
12 CC, Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os
No entanto, o Código Civil de 2002 garante o Direito a filiação, até mesmo antes
do nascimento (nascituro) conforme o parágrafo único do art. 1.609, caso o filho for
havido fora do casamento, ou nos demais casos não previstos no art. 1. 597, conforme
as regras do art. 1609 do Código civil:
Vale ressaltar que o ECA também reconhece o direito a filiação como um direito
personalíssimo, conforme rege seu art. 27.13
14 CF, Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
15ECA, Art.21 O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe,
na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso
de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
50
aos pais sobre a pessoa e bens dos filhos menores, para que eles possam bem
cumprir seus deveres também em relação a estes filhos. ” (SEMIÃO, 2015, p. 63).
Já em relação ao parágrafo único do mesmo artigo, se a mulher estiver
interditada, neste caso ela não terá condições de zelar pelos interesses do nascituro,
assim, já possuindo ela um curador por conta da interdição, este também será o do
concebido.
De acordo com Almeida (2000, p. 226) “Pontes de Miranda esclarece que dois
são os fins da curadoria ao ventre: velar pelos interesses do nascituro e impedir em
favor dele e de terceiros a suposição, a substituição e a supressão do parto. [...]”
Logo, nota-se que ao nascituro é garantido, dentre seus direitos, o direito à
curatela, conforme os argumentos discorridos neste subitem.
Uma exceção ao artigo anterior é a questão da prole e eventual, que não deve
ser confundida com o nascituro, sendo que este já é concebido e a prole ainda não,
conforme já explicado no item 2.3, tal ressalva encontra-se estabelecida no art. 1.799,
inciso I do CC:
52
Porém, nos termos do § 4° do art. 1.800: “Se, decorridos dois anos após a
abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados,
salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos. ”
Por fim, conforme ensinamento de Semião (2015, p. 77-78), o simples fato,
tanto do nascituro, como da prole eventual terem direito a suceder, não os fazem
possuidor de personalidade, sendo que não haveria necessidade de a lei taxar os
direitos inerentes ao nascituro, se este fosse considerado pessoa, pois assim, teria
todos os direitos inerentes a ela, desde a concepção.
Conclui-se então, que o nascituro tem estabelecido em nosso ordenamento o
direito à sucessão legitima e testamentária (a prole eventual apenas a testamentária),
sob a condição de que nasça com vida.
“São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes,
nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se
reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. ” (CC,
art.1695).
“Indiscutível, mesmo para aqueles que defendem a teoria natalista, que o
nascituro tem direito a alimentos. Afinal, é certo que, mesmo antes de nascer, existem
despesas que são destinadas à própria sobrevivência do nascituro. ” (PUSSI, 2008,
p. 424).
53
[...] o nascituro tem direito a alimentos, por não ser justo que a
genitora suporte todos os encargos da gestação sem a colaboração
econômica do pai da criança que está por vir ao mundo. Por isso, é
com bons olhos que vislumbramos que tal matéria passou a ser objeto
de legislação expressa, através da Lei n. 11.804, de 5 de novembro
de 2008, que disciplinou o direito aos chamados ‘Alimentos
Gravídicos’, que compreendem todos os gastos necessários à
proteção do feto.
16 CC, Art. 1694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação.
54
Ainda cabe destacar que o Código Penal, em seu art. 244 pune o não
cumprimento da prestação alimentícia, dispondo:
Tal pena não vai contra o princípio de que ninguém pode ser preso por dívida,
pois tanto a Constituição Federal, em seu art. 5, inciso LXVII, como a Convenção
Americana de Direitos Humanos, em seu Art 7°, inciso VII fazem ressalva no caso de
obrigação alimentar, a saber:
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia [...].
(BRASIL, 1988)
Portanto, diante dos argumentos e legislações abordadas em tal item, fica claro
que o nascituro tenha direito à alimentos, mesmo que de forma indireta, já que quem
faz jus a tal direito é a gestante, porém, com o objetivo de zelar pelas condições dignas
de subsistência do feto.
57
Segundo Pereira (2010, p. 411) “‘A Adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma
pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer
relação de parentesco consanguíneo ou afim’ [...]”.
Vale lembrar, conforme visto no item 3.3, os filhos adotivos não se diferenciam
dos biológicos em relação a direitos e qualificações, conforme o Art. 277, §6° da CF,
art. 20 do ECA e 1596 do CC.
O direito a adoção no Brasil é Regulamentado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, conforme rege o art.1618 do CC e o art. 39 do próprio ECA:
conforme disposto no art. 2°, caput do Estatuto17, sendo que não tendo nascido,
conforme nos ensina Semião (2015, p. 62), “Ele [nascituro] sequer tem idade”.
Ainda cabe ressaltar, que o ECA só considera válido o consentimento após o
nascimento da criança, não podendo os pais consentirem em ceder o filho ainda não
nascido a adoção, conforme seu art. 166, parágrafo 6°18, ou seja, somente a pessoa
nascida pode ser adotada, não sendo reconhecido o direito do concebido a adoção.
Outro fato relevante é o estágio de convivência estabelecido pelo ECA, que é
impossível ser realizado ao se referir ao nascituro, visto que este não é nascido. Tal
premissa está disposta no art. 46, a saber:
17 ECA, art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
18 ECA, art. 166 [...] § 6°. O consentimento somente terá valor se for dado após o nascimento
da criança.
59
Como já visto no subtítulo 2.4.6 desta monografia, tanto o Código Civil, como o
Supremo Tribunal Federal adotam a teoria Natalista. Porém, o Supremo Tribunal de
Justiça vem reconhecendo direitos inerentes as pessoas já nascidas, indo contra o
que estabelece o Código Civil e o STF, causando assim, conflitos jurisprudências.
Neste subitem serão expostas as jurisprudências do STF e as do STJ, para que
se possa observar o conflito entre seus entendimentos.
A principal Jurisprudência do STF a respeito da teoria adotada por nosso
ordenamento, é a ADI 3510, julgada em maio de 2008, que optou pela Teoria
Natalista. São trechos do julgamento:
[...]
III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS
DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-
IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida
humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e
qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas
da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva
(teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da
"personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da
pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como
cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-
60
Nota-se que o Ministro relator Carlos Ares Britto, cujo voto foi o vencedor, teve
que adentrar nas discussões das escolas natalista e concepcionista, uma vez que os
embriões humanos congelados são o mais próximo do nascituro. Em seu voto, o
Ministro demonstra claramente, como se observa no item 19 da referida ADI, que no
ordenamento brasileiro, prevalece a teoria natalista da personalidade jurídica.
No entanto, apesar dessa decisão do STF, há decisões posteriores do STJ e
de Tribunais brasileiros que vão em caminho contrário a teoria natalista, ou seja,
adotam a teoria concepcionista.
A quarta turma do Supremo Tribunal Justiça, em seu informativo de
Jurisprudência número 547 de 08 de outubro de 2014, se referindo ao REsp
1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/09/2014, adotou a teoria
concepcionista em favor de uma gestante que sofreu aborto em decorrência de um
acidente de trânsito, concedendo a ela o direito a ser indenizada pelo seguro DPVAT,
indenização essa, devida em caso de morte.
Vale ressaltar o trecho de tal informativo:
Nota-se que esses conflitos abrem precedentes para direitos não previstos no
Código Civil em relação a figura do nascituro, entre eles, o dano moral e o direto a
indenização.
Ainda é relevante citar julgamentos, embasados na teoria concepcionista dos
Tribunais de Justiça brasileiros:
4 O NASCITURO E O ABORTO
Neste último capítulo, será tratado de forma sucinta o tema aborto, pois não há
como falarmos do nascituro e seus direitos, sem pensarmos na questão abortiva.
Serão abordados o conceito e as noções históricas do aborto, a questão no Brasil e
no mundo atualmente e por fim, as consequências deste na saúde pública e seu
conflito com direitos fundamentais.
Conceitua Norbim (2006, p. 60) que “A palavra aborto vem do Latim ab-ortus,
etimologia que transmite a ideia de privação do nascimento. Entende-se a interrupção
da gravidez, com a morte do feto, ates de sua viabilidade extrauterina. [...]”
Neste mesmo sentido, conceitua Semião (2015, p.123, grifo do autor) “Pelo
termo aborto (do latim abortus, ab, privação; ortus, nascimento), entende-se a
interrupção da gravidez, com a morte do feto, antes de sua viabilidade extrauterina.
[...].”
Além de conceituar o aborto da mesma forma que o autor anterior, Semião diz
que a viabilidade extrauterina se dá após as 22 semanas de gravidez, sendo assim, o
aborto “[...]. É a morte do produto da concepção antes das 22 semanas de vida dentro
do útero materno, porque dificilmente seria viável fora do útero com menos de 180
dias de gestação. ” (SEMIÃO, 2015, p. 123).
A Respeito da viabilidade, este também é o entendimento da OMS, que
estabelece que “[...] esta viabilidade acontece a partir da 20ª - 22ª semana de gravidez
e quando o produto da concepção pesa mais de 500g.” (FREITAS, 2011, p. 45)
Semião (2015, p. 123) segue dizendo que o termo correto é abortamento, termo
este empregado nos meios médicos, pois a palavra aborto é apenas uma corruptela
deste. Também é o que ensina Freitas (2011, p. 45, grifo do autor) “[...] Denomina-se
Aborto o produto da concepção eliminado no abortamento. Mas por força do uso, o
ato do ‘abortamento’ tem sido denominado como ‘aborto’. “
Assim, o “Abortamento é a perda de uma gravidez antes que o embrião e
posteriormente feto, seja capaz de vida independente da mãe. É a expulsão do feto
anterior ao termo natural. Interrupção provocada de uma gravidez. “ (SEMIÃO 2015,
p. 123-124).
65
Tal prática “[...] é tão antiga quanto o homem. As mulheres nunca deixaram de
realiza-lo, apesar das sanções, controles e legislações surgidas por meio da história
da humanidade. ” (SEMIÃO, 2015, p. 125).
Segundo Pussi (2008, p. 237):
De acordo com Pussi (2008, p.237) o direito oriental tolerava o aborto, e não
havia sanções para a gestante ou para quem executou o ato. Entre os Hebreus, a
pratica abortiva também era aceita, sendo que ela só passou a ser considerada crime
após a Lei Mosaica (Êxodo). Assim, a Bíblia, nas sagradas escrituras, descreveu as
punições a quem praticasse tal ato. Desta forma, traz o livro de Êxodo, em seu capítulo
XXI, versículos 22 a 25:
20 Método de tortura antigo que consistia em espetar o condenado com uma estaca pelo ânus,
deixando-o desta forma para morrer. Disponível em:
<https://www.dicio.com.br/empalamento>Acesso em: abr. 2020.
21 Conjunto dos livros sagrados dos persas, cuja autoria era atribuída a Zoroastro. Disponível
Em Roma, como também já relatado anteriormente (item 1.2) o aborto não era
punido, nem mesmo a Lei das XII Tábua previa sanções para tal conduta, visto que
na época o concebido era considerado partes das vísceras maternas e não um ser
autônomo.
“[...] Em princípio punia-se o aborto por razões referentes à indignidade da
mulher em não dar herdeiros ao marido. Mais tarde, o Digesto começou a castigar a
prática do aborto com a pena de morte, por razões exclusivamente morais. “ (SEMIÃO,
2015, p. 126).
“Nessa época, por considerarem o feto como parte do corpo da gestante,
reconhecia-se à mulher o direito de dispor livremente do próprio corpo [...] de forma
que o aborto ficava impune, salvo quando violasse a vontade do marido. ” (TESSARO,
2006, p. 43).
Também se punia o aborto, quando ele “[...] era praticado sem a autorização
da gestante [...] não se cogitava proteção do feto, mas tão-somente, da honra paterna
e da incolumidade materna. No entanto, se não fosse casada, poderia a mulher
praticar o aborto [...]” (PUSSI, 2008, p. 237-238). Ou seja, se solteira, não seria uma
ofensa ao pai da futura criança. “Assim, o aborto próprio ou consentido seria punível
somente quando a gestante fosse casada, e sem a finalidade de proteger o feto, e sim
o direito que possuía o marido à sua descendência. ” (TESSARO, 2006, p. 43).
“Em verdade, nenhuma proteção existia em benefício ao nascituro, mas
apenas, a integridade física da mulher e ao direito paterno a prole. ” (PUSSI, 2008, p.
238). No entanto, vale ressaltar, segundo Tessaro (2006, p. 43) que “durante o reinado
do imperador Septimus Severus (193 – 211 d.C), o aborto deixou de ser considerado
uma lesão à saúde e a integridade física da gestante, passando a ser considerado
[apenas] lesão ao direito de paternidade”
Já no Brasil, antigamente “os índios não só matavam as crianças recém-
nascidas com sinais de doença ou que tivessem algum defeito físico, mas também os
gêmeos, os ilegítimos e os adultos portadores de moléstias incuráveis” (MAMMANA,
199, p. 343).
“No entanto, sob a influência do Cristianismo, as práticas relacionadas ao
aborto e abandono dos recém-nascidos malformados foram desaparecendo, sendo
substituídas por um sentimento de sacralidade e intangibilidade da vida. [...]”
(TESSARO, 2006, p. 43).
69
Neste item, será citado brevemente alguns dos primeiros países que
legalizaram o aborto, no entanto, “Ao todo, são 63 países onde o aborto é considerado
uma prática legalizada e as mulheres que desejam interromper sua gravidez
voluntariamente não são presas por isso. [...]” (BOL, 2019).
Na maioria dos países desenvolvidos o abortamento voluntário é permitido até
12 semanas. ” (SEMIÃO, 2015, p. 124).
4.3.1 Rússia
A Rússia foi o primeiro país a legalizar a prática abortiva, sendo que ela foi
legalizada em 1920, ates do surgimento da União Soviética. Voltou a ser crime em
1936, e a ser legalizado novamente em 1955, legalização essa que vigora até hoje.
(BOL, 2019).
No país é permitido abortar apenas até a 12ª semana de gravidez, e vale
ressaltar que o país é o líder de abortos no mundo, com aproximadamente 1,3 milhões
de abortos anualmente de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU),
apear de tal prática ter diminuído consideravelmente desde o fim da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). (BOL, 2019).
4.3.2 México
4.3.3 Islândia
4.3.4 Espanha
. Apenas em 1985 ele voltaria a ser legalizado, porém nos casos de risco a
saúde física ou psíquica da mulher, má formação do feto e estupro. Porém, em 2010,
com a aprovação de um projeto de lei, tal medida é permitida até a 14ª semana por
decisão da mulher, salvo nos casos de má formação ou risco de vida da gestante, em
que o prazo é maior (22 semanas). Além disso o projeto de lei de 2010 também
permitiu que adolescentes a partir dos 16 anos pudessem realizar o aborto sem o
consentimento dos pais, no entanto, em 2015, o Senado determinou que as menores
72
4.3.5 Suécia
4.3.6 Japão
4.3.7 Noruega
não interromper a gravidez por vontade própria, depois do primeiro aborto [...]”
(EURONEWS, 2019).
4.3.10 Canadá
Por fim, vale ressaltar que o Canadá é um dos países mais liberais, sendo
permitido o aborto em qualquer estágio da gravidez, sendo que os canadenses e
estrangeiros que residem no país podem procurar o sistema público de saúde para
realizar o procedimento, como na província Quebec, que o aborto é legal, gratuito e
acessível em todos os momentos. (BOL, 2019; VELOSO, 2018).
4.3.11 França
[...] em 1975, foi aprovada a Lei nº 75-17, que teria vigência temporária
por 5 anos, permitindo a realização, por médico, da interrupção
voluntária da gravidez nas dez primeiras semanas de gestação, a
pedido da gestante, quando alegue que a gravidez lhe causa angústia
(detresse), ou, em qualquer época, quando haja risco à sua vida ou
saúde, ou exista forte probabilidade de que o feto gestado venha a
sofrer, após o nascimento, de “doença particularmente grave
reconhecida como incurável no momento do diagnóstico”. Pela lei em
questão, deveria a gestante, antes do aborto submeter-se a uma
consulta em determinadas instituições e estabelecimentos, que lhe
forneceriam assistência e conselhos apropriados para a resolução de
eventuais problemas sociais que estivessem induzindo à decisão pela
interrupção da gravidez.
Em 1979, as normas da lei francesa de 1975 foram tornadas
definitivas. [...] E, mais recentemente, em 2001, foi promulgada a Lei
2001-588, que voltou a tratar do aborto e, dentre as suas principais
inovações, ampliou o prazo geral de possibilidade de interrupção da
gravidez, de 10 para 12 semanas, e tornou facultativa para as
mulheres adultas a consulta prévia em estabelecimentos e instituições
de aconselhamento e informação, que antes era obrigatória.
76
4.3.12 Itália
4.3.13 Alemanha
aborto, mesmo que tal prática não se consumasse, como podemos observar na
redação de ambos os artigos:
Nota-se que “[...] era lícito, portanto, perante a lei, o auto-aborto, ficando a
mulher, neste caso, isenta de repressão legal que visava, exclusivamente, ao terceiro
responsável pela intervenção. ” (PUSSI, 2008, p. 254).
Já no caso de morte da gestante, quando o aborto era realizado por terceiro
“[...] o Código de 1830 remetia os fatos às disposições gerais sobre o homicídio,
atribuindo ao autor do delito pena diversa, conforme fosse a abortante consciente ou
não. ” (PUSSI, 2008, p. 254).
Em 1890, o Código Penal Brasileiro, que revogou o Código de 1830, alterou
completamente o tratamento referente ao aborto, estabelecendo a distinção entre
aborto com expulsão do feto e a aborto sem expulsão, sendo que no caso de expulsão,
a pena era mais grave. Além disso, introduziu a agravante no caso de a gestante
falecer em consequência do aborto ou por conta dos meios empregados para provoca-
lo, equiparando a pena ao homicídio simples, também adicionou a pena imposta ao
agente provocador, se este tivesse título cientifico (médico e parteira habilitados
legalmente) a privação de seu exercício profissional por tempo equivalente a pena.
Ainda, incriminou o aborto praticado pela gestante, no entanto, se a prática fosse para
ocultação da própria desonra, a pena era atenuada, e por fim, acolheu o aborto
necessário, se fosse a única alternativa de preservar a vida da mulher, mas, caso
houvesse imperícia do médico ou parteira e resultasse a morte da mulher, esses eram
punidos. (PUSSI, 2008, p. 254-255).
Tais sanções eram impostas nos artigos 300, 301 e 302 do respectivo Código
(1890):
Art. 300. Provocar abôrto, haja ou não a expulsão do fructo da
concepção:
79
O Atual Código Penal de 1940, classifica o aborto entre os delitos contra a vida,
nos artigos 124 a 128, contemplando o auto aborto e o aborto consentido (art. 124),
não consentido (art. 125), necessário ou terapêutico (art. 128, I) e sentimental (art.
128, II). Assim dispõe o CP:
Pode-se observar que nosso Código Penal vigente incrimina o aborto, seja ele
praticado pela própria gestante, aquele praticado por terceiros, com ou sem o
consentimento da gestante, além de ser agravante das penas se ele resulta lesão
corporal de natureza grave ou morte da gestante.
Além disso, cabe destacar, que o aborto praticado por médico não é punível,
se consistir em aborto necessário ou resultante de estupro, sendo no último caso
permitido caso haja consentimento da gestante ou de seu representante legal se a
mesma for incapaz, sendo que também não há punições para ela ou seu
representante.
Neste diapasão Semião (2015, p. 126-127) conceitua que “No Direito Penal
Brasileiro atual, são expressamente considerados lícitos, isto é, não puníveis, o aborto
necessário e o aborto sentimental ou humanitário. O primeiro é permitido no [...] artigo
128, inciso I, e o segundo, no inciso II. Outrossim [..] não se pune o aborto culposo e
o aborto natural. Ou seja, o aborto natural é curial, e o acidental não constituem crime.
No primeiro, há interrupção espontânea da gravidez. O segundo geralmente ocorre
em consequência de traumatismo [...]. ”
Também há outras normas, além do CP que criminalizam o aborto, como a Lei
de Contravenções Penais (LCP) que em seu art. 20, proíbe anunciar processo,
substância ou objeto que podem provocar o aborto. Também o artigo 395 da CLT, que
se interpretado de forma inversa ao texto, pune o aborto criminoso em não garantir a
mulher repouso remunerado e estabilidade, e por fim, os códigos de ética dos médicos
que sempre puniram a prática do abortamento criminoso. (SEMIÃO, 2015, p. 127).
Como já mencionado anteriormente, no Código Penal o fato do aborto estar
disposto no título “Dos Crimes Contra a Pessoa”, é um dos principais argumentos dos
defensores da teoria concepcionista. Em relação a denominação do capítulo que ele
é disposto “Dos Crimes Contra a Vida”, alguns autores, como Sérgio Abdalla Semião
consideram adequada a colocação, pois se trata da vida embrionária.
No entanto, vale ressaltar que o direito à vida do feto, apesar de importante,
não é superior a vida da mãe, como se vê nos casos de aborto necessário e também
no caso do aborto humanitário, em que o legislador coloca o fato da repulsa da
gestante em ter um filho de seu estuprador acima do direito à vida do nascituro.
81
Ainda Semião (2015, p. 129) ressalta que as penas em abstrato dos crimes
homicídio e aborto não se equivalem. Assim, o legislador pátrio demonstra que mais
uma vez, a vida do nascituro e a vida da pessoa nascida não constituem bens com o
mesmo valor jurídico. Sendo que só o aborto provocado por terceiro, quando resulta
morte da gestante, tem pena igual ao homicídio simples, porém nesse caso, a
qualificadora é a morte da mulher e não do nascituro.
Portanto “[...] caso o nascituro fosse pessoa, matar o embrião, ou o feto, seria
homicídio, não havendo necessidade de o legislador criar o tipo penal de aborto. ”
(SEMIÃO, 2015, p. 129).
Também cabe destacar que nosso ordenamento não condena o aborto
culposo, ou seja, aquele que resulta de imprudência, negligencia ou imperícia, pois
não há tipificação penal. Assim nos termos do artigo 18 do CP:
Além disso, conforme já citado no item 3.1, o STF possui decisão sobre o
assunto, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº
54, de 17 de junho de 2004 (ADPF-54), declarou a inconstitucionalidade da
interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta
tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro. Diante
da procedência dessa ADPF, o aborto nos casos de anencefalia foi consolidado com
a resolução n° 1.989/2012 do Conselho Federal de Medicina, que permite tal prática,
82
conforme dispõe seu art. 1°: “Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia
o médico pode, a pedido da gestante, independente de autorização do Estado,
interromper a gravidez. ”
Assim, podemos concluir que no Brasil, o aborto só não é criminalizado em três
hipóteses, sendo elas, no caso do aborto necessário (art. 128, I do CP), aborto
terapêutico (art. 128, II do CP) e nos casos de anencefalia, que é caracterizada pela
ausência total do encéfalo e da caixa craniana do feto (ADPF 54).
A interrupção da gravidez em casos de anencefalia e risco de vida da mãe, não
possuem prazo para ser realizada. Já no caso de estupro, pode ser realizada até a
20ª semana de gestação, podendo ser estendida até a 22ª semana, caso o feto
possua menos de 500 gramas. (FARIA, 2018). Esse período (semanas) e o peso do
feto, como vimos, é definido pela Organização Mundial da Saúde.
Por fim, vale destacar a ADI 5581 foi protocolada em 2016, pela Associação
Nacional de Defensores Públicos (Anadep), que entende que uma eventual
interrupção da gravidez, quando houver infecção por zika vírus, deve ser enquadrada
como “aborto necessário” que não é punido em nosso ordenamento. Porém, no mês
de abril de 2020, o STF julgou improcedente o pedido de legalização do aborto de
fetos com malformação em decorrência do zika vírus. Até o momento de elaboração
desta monografia, o teor dos votos ainda não foi divulgado, por isso não se sabe das
argumentações utilizadas pelos ministros, para rejeitar tal ação. (VIVAS; FALCÃO,
2020).
O aborto inseguro está entre as cinco22 causas que representam 75% de todas
as mortes maternas no mundo, sendo que 99% dessas mortes ocorrem em países em
desenvolvimento, como o Brasil. (OPAS/OMS BRASIL, 2018).
Dados do Ministério da Saúde (MS), relatados na audiência pública da ADPF
44223, informam que mais 90% das mortes maternas no Brasil correspondem a causas
evitáveis. São as principais causas diretas de falecimento no país: a hipertensão; a
hemorragia; a infecção e; o abortamento, sendo que está última já começa a se
apresentar como a terceira que mais mata. (AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018, p. 21).
Segundo informações do MS, as complicações em decorrência do aborto
inseguro sobrecarregam o Sistema Único de Saúde, sobrecarga que poderia ser
evitada. São aproximadamente 250 mil hospitalizações anualmente, e
23 ADPF 442 foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que sustenta que os dois
dispositivos do Código Penal afrontam postulados fundamentais como a dignidade da pessoa
humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade,
a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento
familiar das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos. A pretensão é que o STF exclua do
âmbito de incidência dos dois artigos a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada
nas primeiras 12 semanas, “de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de
interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma
de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de
realizar o procedimento”. Em novembro de 2017, a relatora indeferiu pedido de medida cautelar
de urgência que visava à suspensão de prisões em flagrante, inquéritos policiais e andamento
de processos ou decisões judiciais baseadas na aplicação dos artigos 124 e 126 do Código
Penal a casos de aborto voluntário realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez. No entanto
a ADPF ainda está em apreciação. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=373569>. Acesso em: abr.
2020.
84
aproximadamente uma morte a cada dois dias. Quem mais morre por aborto no Brasil
são mulheres negras, jovens, solteiras e com nível fundamental de escolaridade. Essa
mortalidade por aborto inseguro, atinge mais as mulheres vulneráveis. E apesar de
atingir todas as classes sociais, as mais vulneráveis são as mulheres mais pobres.
(AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018, p. 25).
Ainda relata o Ministério da Saúde que:
Pesquisa apontam que entre 2008 e 2017 foram gastos R$ 486 milhões com
internações decorrentes de aborto, sendo 75% deles provocados, com o total de 2,1
milhões de mulheres internadas, e graves complicações (infecções e hemorragias)
em um terço dos casos. Estima-se que pelo menos 4.455 mulheres morreram de 2000
a 2016. Além disso ocorrem no Brasil, mesmo com a criminalização, entre 950 mil e
1,2 milhões de abortos anualmente. (COLLUCCI; FARIA, 2018).
Segundo dados Organização Mundial da Saúde o aborto seguro,
diferentemente do anterior, é um procedimento de saúde que apresenta baixíssimo
riscos à saúde e a taxa de mortalidade é quase insignificante. (AUDIÊNCIA PÚBLICA,
2018, p. 30).
De acordo com o Ministério da Saúde:
Vale destacar que, o Ministério da Saúde ainda afirma que o aborto realizado
nas primeiras semanas é até mais seguro que um parto, e as complicações depois do
abortamento com uso de medicamento seguro que é realizado até a 12ª semana, além
de poder ser tratado por qualquer profissional capaz de tratar um aborto espontâneo.
(AUDIENCIA PÚBLICA, 2018, p.32).
de possibilidade deve ser aumentado e apenas 6% que tal prática deve ser permitida
em qualquer situação. (G1, 2019). Ou seja, apesar dos malefícios da criminalização,
a população brasileira não apoia a legalização.
Diante de todo exposto, é nítido que a criminalização traz consequências, tanto
para saúde pública, quanto para mulher, além de ferir princípios fundamentais. Assim,
a legalização não tem o objetivo de disseminar a prática, e sim fazer com que ela seja
praticada com menos frequência, e quando acontecer, seja de forma segura e legal,
por escolha da mulher, porém, isso só será possível por meio de políticas públicas
eficientes e mudanças nas legislações pátrias.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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motivos médicos e sociais. 2014. Disponível em:
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