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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

FACULDADE DE DIREITO

João Vitor de Arruda

OS DIREITOS DO NASCITURO: O INÍCIO DA


PERSONALIDADE E O CONCEITO JURÍDICO DE PESSOA

Piracicaba
2020
João Vitor de Arruda

OS DIREITOS DO NASCITURO: O INÍCIO DA


PERSONALIDADE E O CONCEITO JURÍDICO DE PESSOA

Monografia apresentada como exigência


parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Ciências Jurídicas à Banca
Examinadora da Faculdade de Direito.
Orientadora: Prof.ª Dra. Juliana Pagotto

Piracicaba
2020
OS DIREITOS DO NASCITURO: O INÍCIO DA
PERSONALIDADE E O CONCEITO JURÍDICO DE PESSOA

João Vitor de Arruda

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof.ª Dra. Juliana Pagotto Ré
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________
Nome do Membro 1
Banca Examinadora

______________________________________
Nome do Membro 2
Banca Examinadora

Piracicaba
2020
Dedico este trabalho aos meus pais, José e
Derci e a toda minha família, que sempre me
ampararam e apoiaram para realização dos
meus sonhos.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pela conquista e a mim mesmo pela


determinação.
Também agradeço a meus pais, a toda minha família e meus amigos que
sempre me apoiaram e me ajudaram na medida do possível durante esse período de
minha vida.
Agradeço também a minha namorada pela paciência e companheirismo.
Por fim, agradeço aos professores da Universidade, em especial a professora
Dra. Juliana Pagotto Ré, por toda colaboração e paciência durante o desenvolvimento
deste trabalho.
“O fim do Direito não é abolir nem restringir, mas
preservar e ampliar a liberdade” (John Locke)
RESUMO

O presente trabalho tem como norte, o estudo do nascituro, que é o ser humano
em desenvolvimento intrauterino, mas que ainda não nasceu. O objetivo é analisar as
doutrinas e jurisprudências a respeito do tema e o tratamento dispensado a esse ser
humano já concebido a luz do Código Civil brasileiro e demais legislações. Foram
abordadas as teorias a respeito da personalidade, sendo elas a natalista, a
concepcionista e a teoria da personalidade condicional, buscando esclarecer os
pontos de cada uma, trazendo entendimentos e contradições referente a elas. Além
disso, buscamos elencar os direitos que o nascituro possui em nosso ordenamento
jurídico e também trazer a problemática do aborto, por ela estar diretamente ligada ao
concebido. Justifica-se a pesquisa pela não uniformidade dos entendimentos
doutrinários e jurisprudenciais a respeito de quando efetivamente o nascituro passa a
ter personalidade jurídica, buscando assim um entendimento concreto e que possa
auxiliar pesquisas e operadores do direito. A metodologia de estudo utilizada foi a
bibliográfica, com analise de artigos e doutrinas diversas, além de jurisprudências e
legislações. Com o presente estudo observa-se que independentemente da posição
adotada, o nascituro tem direitos resguardados, o que não significa afirmar que ele
tenha capacidade jurídica e todos os direitos inerentes a pessoa.

Palavras-chave: Nascituro. Concebido. Teorias. Personalidade Jurídica. Direitos.


Aborto. Doutrinas. Jurisprudências.
ABSTRACT

The present work has as north, the study of the unborn child, which is the human
being in intrauterine development, but who has not yet been born. The aim is to analyze
the doctrines and jurisprudence stemming from the and the treatment given to this
human being already conceived in the light of the Brazilian Civil Code and other
legislations. Theories about personality were addressed, being them the natalist, the
conceptionist and the theory of conditional personality, seeking to clarify the points of
each one, bringing understandings and contradictions related to them. In addition, we
seek to list the rights that the unborn child has in our legal system and also bring the
problem of abortion, because it is directly linked to the conceived. Research is justified
by the non-uniformity of doctrinal and jurisprudential understandings about when the
unborn child effectively has legal personality, thus seeking a concrete understanding
and that can assist research and operators of the law. The study methodology used
was bibliographic, with analysis of various articles and doctrines, as well as
jurisprudence and legislation. With the present study, it’s observed that regardless of
the position adopted, the unborn child has rights protected, which does not mean
stating that he has legal capacity and all the rights inherent in the person.

Keywords: Unborn child. Designed. Theories. Legal Personality. Rights.


Abortion. Doctrines. Jurisprudence.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade


ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
Art. – Artigo
CADH – Convenção Americana Sobre Direitos Humanos
Can. – Canônico
CC – Código Civil
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CPC – Código de Processo Civil
CP – Código Penal
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
LCP – Lei das Contravenções Penais
MS – Ministério da Saúde
OMS – Organização Mundial da Saúde
OPAS –Organização Pan-Americana de Saúde
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12

1 A EVOLUÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO NASCITURO ..................... 14

1.1 Grécia Antiga ........................................................................................ 14

1.2 Direito Romano ..................................................................................... 15

1.3 Idade Média e o pensamento católico ................................................... 19

1.4 O nascituro na história do direito brasileiro ........................................... 20

2 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS ................................................................ 24

2.1 Pessoas ................................................................................................ 24

2.2 Da personalidade e capacidade jurídica ............................................... 25

2.3 Do nascituro .......................................................................................... 26

2.4 Do início da vida .................................................................................... 28

2.4.1 Teoria genética ............................................................................... 30

2.4.2 Teoria embriológica ........................................................................ 31

2.4.3 Teoria neurológica .......................................................................... 31

2.4.4 Teoria ecológica ............................................................................. 32

2.4.5 Teoria metabólica ........................................................................... 33

2.4.6 Teoria religiosa ............................................................................... 33

2.5 Teorias acerca do início da personalidade ............................................ 34

2.5.1 Teoria natalista ............................................................................... 35

2.5.2 Teoria concepcionista ..................................................................... 36

2.5.3 Teoria da personalidade condicional .............................................. 38

2.5.4 Teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro ....................................... 39

3 DIREITOS DO NASCITURO ....................................................................... 43

3.1 Direito à vida ......................................................................................... 43

3.2 Direito a integridade física ..................................................................... 45

3.3 Direito à filiação ..................................................................................... 47


3.4 Direito à curatela ................................................................................... 49

3.5 Direito de receber doações ................................................................... 50

3.6 Direito a sucessão ................................................................................. 51

3.7 Direito a alimentos................................................................................. 52

3.8 Direito a adoção .................................................................................... 57

3.9 Conflitos jurisprudenciais ...................................................................... 59

4 O NASCITURO E O ABORTO ..................................................................... 64

4.1 Noções gerais sobre o aborto ............................................................... 64

4.2 O aborto e a história .............................................................................. 65

4.3 A tratamento dado ao Aborto na legislação estrangeira ........................ 69

4.3.1 Rússia ............................................................................................. 70

4.3.2 México ............................................................................................ 70

4.3.3 Islândia ........................................................................................... 71

4.3.4 Espanha ......................................................................................... 71

4.3.5 Suécia ............................................................................................. 72

4.3.6 Japão .............................................................................................. 72

4.3.7 Noruega .......................................................................................... 72

4.3.8 Estados Unidos da América............................................................ 73

4.3.9 Reino Unido .................................................................................... 74

4.3.10 Canadá ......................................................................................... 74

4.3.11 França .......................................................................................... 75

4.3.12 Itália .............................................................................................. 76

4.3.13 Alemanha...................................................................................... 76

4.4 A tratamento dado ao Aborto na legislação brasileira ........................... 77

4.4.1 Criminalização, saúde pública e direitos fundamentais. ................. 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 89

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 91
12

INTRODUÇÃO

O estudo do Direito das Pessoas é importante para a teoria geral do Direito Civil
e sempre gerou polêmica e discussões, desde a antiguidade.
Nesta monografia será trabalhado um dos temas que demanda, para além de
debates e reflexões jurídicas, até que possa chegar a uma decisão, qual seja: o início
da personalidade jurídica do nascituro, mais especificamente, os direitos atribuídos
àquele em desenvolvimento no útero materno.
No Código Civil Brasileiro 2002, conforme estabelece o artigo 2°, o início da
personalidade dá-se com o nascimento com vida, porém, desde a concepção, os
direitos do nascituro são resguardados, como estabelece a segunda parte do mesmo
artigo.
Pelo que estabelece o referido Código, a dúvida é de quando começa a
personalidade jurídica; acabando por dividir opiniões em relação a conferência ou não
de personalidade ao nascituro que ainda não nasceu. Por conta dessa questão, três
teorias propostas merecem destaque: a natalista; a concepcionista e; a da
personalidade condicional.
Assim, o presente trabalho visa elucidar as teorias sobre a personalidade
jurídica do nascituro, e também os direitos a ele garantidos, a fim de apontar as
possibilidades que o faz possuidor de direitos.
A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica relacionadas ao tema,
buscando realizar uma abordagem histórica do assunto, e também tratar do início da
personalidade e os direitos do nascituro, além de trazer a questão do aborto, que é
diretamente ligado aos direitos do nascituro.
Para tanto, o presente trabalho foi dividido em quatro capítulos.
No primeiro trouxemos um breve histórico sobre o tratamento recebido pelo
nascituro, desde a Grécia Antiga, passando pelo Direito Romano, Idade Média, o
pensamento da igreja católica, até o nosso ordenamento pátrio atual.
No segundo capítulo abordamos alguns conceitos importantes sobre o tema,
focando respectivamente, no conceito de pessoa, personalidade e capacidade
jurídica, nascituro, nas teorias do início da vida e do início da personalidade jurídica e
por fim, a teoria do início da personalidade adotada por nosso ordenamento jurídico.
No terceiro capítulo, os estudos foram direcionados aos direitos do nascituro,
tratando respectivamente dos direitos à vida, à integridade física, à filiação, à curatela,
13

à doação, à sucessão, à alimentos e à adoção, além de trazer à tona os conflitos


jurisprudenciais.
O quarto e último capitulo tratamos da questão do aborto, sua evolução
histórica, como ele é tratado na legislação estrangeira e na legislação pátria, com
enfoque na saúde pública e nos direitos das mulheres.
Neste interim, o estudo demonstra sua importância em decorrência do enorme
conflito doutrinário e jurisprudencial, isto é, pela falta de regulamentação clara de
quando a personalidade jurídica e os direitos do nascituro são originados, além da
questão do aborto, um assunto polêmico e divisor de opiniões, o que gera uma
incerteza jurídica que acaba afetando até mesmo o âmbito social e a saúde pública.
14

1 A EVOLUÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO NASCITURO

Para um melhor entendimento a respeito do nascituro e sua natureza jurídica,


inicialmente, se faz necessário um breve estudo de sua evolução histórica. Assim, o
capítulo abordará a figura do nascituro e o tratamento que este recebia na Grécia
Antiga, no Império Romano, na Idade Média e a evolução histórica em nosso
ordenamento jurídico.

1.1 Grécia Antiga

Os gregos desde a antiguidade já se preocupavam com a questão da


personalidade jurídica do nascituro. Estes “[...] recebiam e entendiam o nascituro
como portador de capacidade jurídica [...]. ” (PUSSI,2008, p. 52).
Tal capacidade pode ser observada na história de Plutarco, em Vie de
Lycurgue, conforme narra Silmara J. A. Chinelato e Almeida:

Segundo Plutarco, Polydecte morreu cedo, sem filhos, e todos


acreditavam que Licurgo seria o rei. E foi, mas apenas enquanto se
ignorou a gravidez da Rainha, sua cunhada. Desde que ela foi
conhecida, porém, Licurgo declarou que, se a rainha tivesse um filho,
seria a ele que a coroa pertenceria. Desde esse momento ele
administrou o reino apenas na qualidade de tutor. (ALMEIDA, 2000, p.
17)

Também há de se falar em direitos do nascituro, quando se observa como a


questão abortiva era tratada naquela época.
Segundo Almeida (2000, p. 18) e Pussi (2008, p. 52) o médico grego Hipócrates
(considerado o pai da medicina), por ocasião de seu juramento, se comprometeu a
não dar substancia abortiva a uma mulher, pois esta causaria a morte do concebido,
isso no século V a. C.
Relatam ainda Almeida e Pussi, que os legisladores Licurgo (Esparta) e Sólon
(Atenas), puniam o aborto com pena pecuniária de reparação de danos causados à
família. Em Tebas o aborto era punido severamente, e em Mileto, apenava-se
inclusive com pena de morte. No entanto em Atenas, até a época do orador Lysias,
não se conhece nenhuma punição em relação ao aborto.
Por outro lado, no meio filosófico, Platão defendia o aborto por necessidade
demográfica e também o aborto eugênico, que consiste em manter a pureza das
15

raças, além de alegar que a reprodução deveria ocorrer, até os cinquenta anos para
o homem e quarenta para as mulheres. (ALMEIDA, 2000, p. 18; PUSSI, 2008, p. 53).
Sobre o mesmo assunto, Aristóteles apoiava a pratica abortiva e também a
exposição do recém-nascido deformado, sendo seus pensamentos, como o de Platão,
embasados nos interesses demográficos e no temor a fome com o aumento
populacional. No entanto, para Aristóteles poderia ocorrer a incriminação por abortar
se tal procedimento ocorresse após a aquisição da alma, fato este, que segundo ele,
ocorria em quarenta dias após a concepção para o homem e três meses para a
mulher. (ALMEIDA, 2000, p. 18-19; PUSSI, 2008, p. 54).
Logo, nota-se que os gregos reconheciam o nascituro e lhe assegurava direitos
desde a antiguidade.

1.2 Direito Romano

Uma análise do Direito Romano é essencial no que tange a figura do nascituro,


visto a sua importância para o direito contemporâneo, principalmente por ser fonte do
Direito Brasileiro.
É no Direito Romano, que, segundo Semião (2015, p. 25), encontram-se as
fundamentações mais contraditórias a respeito dos direitos do nascituro. Parte dos
doutrinadores adeptos a teoria concepcionista, defende ser o nascituro sujeito de
direitos desde a concepção e outros da natalista, que entende ser o nascituro,
possuidor de capacidade jurídica somente após o nascimento.

Em algumas vezes era reconhecida a personalidade ao nascituro; em


outras, se estabelecia uma personalidade condicional, colocando-se a
salvo os direitos, sob a condição de que nascesse viável [...]. Em
outras ainda, considerava-se a criança não viável como despida de
personalidade e finalmente às vezes, negava-se personalidade aos
monstros ou crianças nascidas sem forma humana. (SEMIÃO, 2015,
p.26)

Expõe ainda Semião (2015, p. 27-28) que de acordo com os doutrinadores


romanos, para ser possuidor de personalidade jurídica plena era preciso atender a
duas condições, um natural, que se dava com o nascimento perfeito e outra civil, que
era uma condição criada pela doutrina romana, que diz respeito ao status.
16

“Nascimento perfeito era o nascimento idôneo, para gerar consequências


jurídicas e, para tanto, deveria reunir três requisitos: o nascimento com vida, forma
humana e viabilidade do feto, ou seja, saúde orgânica suficiente para continuar a viver.
” (SEMIÃO, 2015, p. 28).
No Direito Romano, “[...] valendo-se dos estudos de Hipócrates, foi
estabelecido que o nascituro poderia nascer vivo e perfeito desde o 182° dia da
concepção. Também foi fixado um prazo máximo de gestação que era de 10 meses.
“ (PUSSI, 2008, p. 60-61).
Já “A condição civil, artificialmente criada pelo direito romanístico, era a
qualidade por meio da qual o romano adquiria direitos. Era a condição civil de
capacidade” (SEMIÃO, 2015, p. 28)
Em relação a questão civil, preceitua Rolim (2010, p. 158, grifo do autor):

Eram considerados [...] absolutamente capazes para a prática de


todos os atos da vida civil, aqueles que possuíssem determinados
status na sociedade.
A palavra status, para os romanos, não tinha o mesmo sentido que
nos dias de hoje. Significava um conjunto de qualidades que o
indivíduo deveria ter para ser considerado plenamente capaz de
exercer todos os seus direitos, quer na vida pública quer na vida
privada.
Para ser absolutamente capaz, [...] a pessoa deveria ser titular,
concomitantemente, de três espécies de status: o status civitatis, o
status libertatis e o status familiae.

O mesmo autor conceitua os três status da seguinte forma:

Status libertatis era a situação de ser livre. A liberdade era considerada


o bem maior do ser humano e aquele que a perdesse sofria uma
degradação máxima, perdendo todos os direitos e tornando-se
absolutamente incapaz para exercer qualquer ato na vida Civil. A
perda da liberdade equivalia à própria morte da pessoa.
Uma das causas principais da perda do status libertatis era a
escravidão.
Os escravos, [...] eram considerados como “coisa” (res), um objeto e,
como tal, não gozavam de qualquer espécie de direito. Eram
comprados e vendidos como simples mercadorias e seus proprietários
(dominus) tinham sobre eles o poder de vida e morte, podendo
abandoná-los, fustigá-los ou mesmo matá-los. [...].
Status civitatis era a qualidade de cidadania, a condição que ligava o
indivíduo à civitas, ao Estado romano. Aqueles que detinham esse
status eram considerados cidadãos e, como tal, titulares de direitos
públicos e privados na sociedade romana. Só podia ter o status
17

civitatis aquele que tivesse, concomitantemente, o status libertatis Um


pressupunha o outro.
Status familiae era a condição que a pessoa tinha dentro da própria
família: ou era sui juris (não subordinada a ninguém e, portanto, livre
para a prática direta de qualquer ato na vida civil), ou alieni juris
(submetida a qualquer espécie de autoridade familiar, necessitando,
pois, de seu consentimento para a prática de qualquer ato na
sociedade romana). (ROLIM, 2010, p. 159,160,168, e 172, grifo do
autor).

Em relação ao último status, observa-se que apenas quem detinha o poder


pátrio, poderia exercer todos os atos da vida civil sem restrições, ou seja, apenas o
chefe de família possuía a “[...] plena capacidade jurídica para praticar todos os atos
da vida sem depender de quem quer que fosse. ” (ROLIM, 2010, p. 174).
Logo, nota-se que, em relação a capacidade jurídica, havia distinções na
sociedade Romana, até mesmo entre seus cidadãos, visto que o único que possuía a
capacidade civil plena, era quem tinha o pátrio poder. Vale salientar, que apenas os
homens tinham tal poder, já que o “pater familias [...] era, sempre, o ascendente
masculino mais antigo [...]. ” (ROLIM, 2010, p. 173, grifo do autor).
Há de se ressaltar, que apesar das divergências conceituais, segundo Semião
(2015, p. 26) prevaleceu entre os juristas romanos, o conceito de que o feto é apenas
parte do corpo da mulher e não podia ser considerado pessoa enquanto não fosse
separado das vísceras maternas, ou seja, enquanto não fosse dada à luz ao bebê,
com a separação dele das vísceras maternas, este não possuiria capacidade, além
dos outros requisitos já citados.
Neste mesmo sentido ensina Pussi (2008, p. 56) que alguns textos da época
afirmam que o nascituro não é um homem (ser) e sim partes das entranhas maternas
da mulher, já outros equiparam o feto à criança já nascida. Comentando sobre tal
questão, explica a ilustríssima Silmara J. A. Chinelato e Almeida:

[...]a primeira exprimiria a o verdadeiro estado da questão, e a segunda


conteria uma simples ficção, sendo aplicável apenas a algumas
limitadas relações jurídicas. Assim, quando viesse proposta, em
termos gerais, a questão da capacidade jurídica da criança ainda não
dada à luz, essa seria decidida negativamente, porque o feto não
poderia ternem propriedade, nem créditos, nem débitos; por ele não
ser pessoa que tivesse necessidade e fosse suscetível de ser
representada, não poderia nem ter um tutor, nem ser chamado pupilo.
(ALMEIDA, 2000, p. 21).
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Por conta da ideia de que o nascituro é parte da mulher enquanto não separado
de suas vísceras, não era admitida “[...] uma punição a um atentado moral ou físico
contra ele, mas apenas contra a mãe. ” (NORBIM, 2006, p. 26).
Ainda vale destacar “[...] que em Roma, a Lei das XII Tábuas1 não incriminava
o aborto, já que o produto da concepção não era considerado um ser autônomo, mas
parte das vísceras maternas.” (PUSSI, 2008, p.66).
No entanto, segundo ensinamento de Semião (2015, p. 28): “[...] para alguns
efeitos jurídicos, a lei considerava o que foi tão somente concebido (nasciturus) e lhe
garantia direitos que lhe pertencessem quando e se houvesse nascido. Era necessário
nascer vivo. [...].”
Assim para ter nascido vivo era necessário que

[...] o recém-nascido tivesse demonstrado, inequivocamente,


determinados “sinais” visíveis. A questão de quais deveriam ser esses
“sinais” dividiu opinião dos juristas romanos durante muito tempo. Os
Sabinianos entendiam que, para tanto, bastava a criança ter respirado.
Os proculeianos, por sua vez, entendiam que não bastava ter
respirado; para ser considerado “vivo” o recém-nascido deveria
também, ter soltado um vagido [choro]. Essa pendência durou séculos
e só foi resolvida muito mais tarde, por Justiniano, que decidiu pela
primeira hipótese: bastava somente a respiração [...]. (ROLIM, 2010,
p. 151).

Portanto, para os romanos, a personalidade jurídica se iniciava com o


nascimento, antes disso não podia se falar em sujeito ou objeto de direitos, visto que
o nascituro tinha apenas expectativa de nascimento e consequentemente expectativa
de direitos. No entanto, por conta dessa expectativa de direitos, observa-se que os
romanos, apesar de não considerar o nascituro sujeito de direitos, reconheciam sua
existência.
Por fim, embasado no Direito Romano, o Direito Brasileiro, em seu Código Civil,
acabou por adotar o nascimento como ponto inicial da personalidade jurídica.

1 A Lei das doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou simplesmente Duodecim Tabulae, em
latim) constituía uma antiga legislação que está na origem do Direito Romano. Formava o cerne
da constituição da República Romana e do mos maiorum (antigas leis não escritas e regras de
conduta). Foi uma das primeiras leis que ditavam normas eliminando as diferenças de classes,
atribuindo a tais um grande valor, uma vez que as leis do período monárquico não se adaptaram
à nova forma de governo, ou seja, à República e por ter dado origem ao direito civil e às ações
da lei, apresentando assim, de forma evidente, seu caráter tipicamente romano (imediatista,
prático e objetivo). Disponível em: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas> Acesso em: fev.2020.
19

1.3 Idade Média e o pensamento católico

A era medieval, como se sabe, foi marcada por avanços da medicina, mas
também por grande influência do catolicismo nas questões culturais, sendo que tal
período foi denominado de teocentrismo2.
A Idade média foi de grande importância para o estudo embriológico, sendo
que “[...] a evolução do estudo do nascituro, passa, nesse período, necessariamente,
pelo estudo da evolução médica [...]. ” (PUSSI, 2008, p. 68).
No entanto, segundo Pussi (2008, p. 68), apesar da evolução em relação ao
estudo médico e cientifico, pode-se afirmar que esta foi lenta.
Outro fato relevante deste período é que ele foi marcado por grande influência
da Igreja, seja na cultura e costumes e até mesmo no Direito.
De acordo com Semião (2015, p. 36-37) o Direito foi diretamente inspirado pela
moral e religião, além de outros princípios filosóficos e sociológicos, principalmente o
Direito Brasileiro, que foi muito influenciado pelo cristianismo, em especial pelo Direito
Canônico.
O padrão filosófico desta época revolucionou o pensamento que se tinha do
homem, que passou a ser considerado um sujeito de direitos, e não objeto, tendo
contribuído para os conceitos atuais de pessoa e personalidade.
Consoante com Semião (2015, p.39), “[...] para os católicos, o nascituro é uma
verdadeira pessoa, embora incompleta. O feto, por possuir uma vida verdadeiramente
humana, já tem direito ao respeito dessa vida, embora ainda não tenha nenhum dever
[...]. ”
No tocante ao aborto, esse assunto para a Igreja Católica é, e sempre foi um
tabu, mesmo com o passar dos séculos e com mudanças na questão da aceitação de
tal prática, o catolicismo se mantém firme em sua doutrinação. “No fim da Idade Média,
a Igreja, com sua incessante oposição ao aborto, conseguia quase extirpá-lo. ”
(ALMEIDA 2000, p. 102).
Conforme ensinamento de Semião (2015, p. 38) podemos citar algumas
doutrinações católicas referente ao aborto, como no caso da encíclica 3 Matrimônio

2 Teocentrismo significa Deus como centro do mundo, ou seja, a figura divina era o fundamento
e responsável por tudo. Disponível em em:<https://www.todamateria.com.br/teocentrismo/ >
Acesso em: fev. 2020.
3 Carta solene, dogmática ou doutrinária, dirigida pelo papa ao clero do mundo católico, ou

somente aos bispos de uma mesma nação. Disponível em em:<


https://www.dicio.com.br/enciclica/ > Acesso em: fev. 2020.
20

Cristão de Pio XI, de 1930, em que ficou determinado que o direito à vida de um feto
e o direito à vida da mulher são iguais e que toda medida anticoncepcional era
considerada um crime contra a natureza, apenas era permitida a abstenção sexual no
período fértil.
Também cita Semião (2015, p.38), os dizeres do Papa Paulo VI, que afirmou
que o feto possui desde a concepção o pleno direito a vida e que a mulher não pode
abortar em hipótese alguma, ainda que seja para salvar a sua própria vida. E por fim,
o Código Canônico, que dispõe no Cân.1398 : “Quem provoca aborto, seguindo-se o
efeito, incorre em excomunhão4 latae sententiae.”
Tal cânone citado, segundo entendimento da Igreja, não põe a salvo o aborto
por estupro, deformidade do feto ou risco de vida da mãe, só não considera o aborto
ilícito no caso do “aborto indireto”, que é uma ação em si boa, que acaba ocasionando
o aborto, como no caso da remoção de um tumor, que acaba por matar o feto, porém
não era essa a intenção. (SEMIÃO, 2015, p. 38)
Na opinião de Semião (2015, p. 38) esse tipo de aborto acaba sendo
contraditório e pode ser confundido com o aborto necessário (em caso de risco de
vida da mãe) dependendo do estágio da gravidez.
Sendo assim, para o catolicismo “[...] o aborto não deve ser praticado nunca,
exceto em consequência de um tratamento clínico ou cirúrgico, ligado a uma doença
que representa perigo atual para mãe. ” (SEMIÃO, 2015, p.39).
Portanto, a Igreja Católica tem o nascituro como uma verdadeira pessoa,
mesmo que incompleta, garantindo-lhe o direito à vida desde sua concepção. No que
tange ao aborto, está se mantem firme ao seu viés doutrinário, que não se alterou
nem com o passar dos anos.

1.4 O nascituro na história do direito brasileiro

O início da personalidade jurídica em nosso ordenamento jurídico está previsto


no Código Civil. O Brasil, inicialmente, teve seu ordenamento jurídico embasado nas

4Excomunhão é uma Penalidade religiosa que se efetiva com a expulsão de uma pessoa do
convívio religioso ou da própria igreja. Disponível em em:<
https://www.dicio.com.br/excomunhao/> Acesso em: fev. 2020.
21

Ordenações do Reino de Portugal, principalmente as Filipinas.5 Tal ordenamento


passou por diversos esboços, até a criação do primeiro Código Civil Brasileiro, em
1916, sendo este revogado após a vigência do atual Código Civil de 2002.
Ensina Semião (2015, p. 41) que “[...] a Legislação do Brasil civilizado teve por
origem imediata as Ordenações do Reino de Portugal, cuja formação histórica teve
por base o Direito Romano e influenciadas pelo Direito Canônico e pelo Direito
Germânico. ”
Por conta da herança romana, a mesma dificuldade no tocante ao início da
personalidade jurídica do nascituro foi herdada.
A doutrina entendia que as Ordenações Filipinas reconheciam os nascituros
mesmo antes de nascer, por outro lado as próprias Ordenações divergiam desse
entendimento em alguns pontos, pois, segundo elas, “[...] para que alguém tivesse
direitos no Reino de Portugal, se fazia necessário o nascimento com vida, uma vez
que só o nascido no reino gozaria de suas mercês e liberdades.” (SEMIÃO, 2015, p.
42).
Para os principais doutrinadores brasileiros, como Teixeira de Freitas, José
Thomás Nabuco de Araújo e Clóvis Beviláqua, a teoria concepcionista era a
dominante e a que deveria ser recepcionada por nossa legislação. (SEMIÃO, 2015, p.
42).

“[...] Teixeira de Freitas, em seu ‘Esboço do Código Civil’, dispunha no


art. 221: “Desde a concepção no ventre materno começa a existência
das pessoas naturais, e, antes do nascimento, elas podem adquirir
alguns direitos como se já tivessem nascidas”. (SEMIÃO, 2015, p. 42).

Alguns anos depois, Nabuco de Araújo, em seu anteprojeto, o qual não chegou
a ser finalizado, pelo motivo de seu falecimento, “[...] estabeleceu que ‘as pessoas por

5 As Ordenações Filipinas, ou Código Filipino, é uma compilação jurídica que resultou da


reforma do código manuelino, por Filipe II de Espanha (Felipe I de Portugal), durante o domínio
castelhano. Ao fim da União Ibérica (1580-1640), o Código Filipino foi confirmado para
continuar vigendo em Portugal por D. João IV. Vigeu em matéria civil em Portugal e seus
territórios ultramarinos até 1867 quando foram revogadas pelo Código Civil Português de 1867
(também chamado de Código de Seabra). No Brasil, país que havia se separado de Portugal
em 1822, vigeu em matéria civil até 1916, quando foi revogado pelo Código Civil brasileiro de
1916, assim as Ordenações Filipinas tiveram uma sobrevida de quase cinco décadas no Brasil
mesmo após estas terem sido revogadas em Portugal. Disponível em em:<
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordena%C3%A7%C3%B5es_Filipinas> Acesso em: fev. 2020.
22

nascer’ são absolutamente incapazes, definindo que ‘pessoas por nascer’ são as que
já estão concebidas no ventre materno. ” (SEMIÃO, 2015, p. 42 - 43)
Por fim, seguindo a mesma linha de raciocínio de seus antecessores, Clóvis
Beviláqua, em seu anteprojeto “[...] estatuiu: ‘A personalidade Civil do ser humano
começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida’. ” (SEMIÃO, 2015,
p.43).
Nota-se entre os doutrinadores, como já mencionado, a acepção da teoria
concepcionista. O motivo deste pensamento, é que para esses juristas, o Código Civil
Brasileiro deveria se aproximar do entendimento que a igreja tinha a respeito do
nascituro, sendo que esta já o considerava pessoa desde a forma embrionária, ou
seja, havia grande influência religiosa no meio jurídico. (SEMIÃO, 2015, p.43).
Apesar dos projetos adeptos a teoria concepcionista, o primeiro Código Civil
Brasileiro adotou a corrente natalista. Sendo tal afirmação feita pelo próprio Clóvis
Beviláqua ao mencionar o art. 4° do Código Civil de 1916:

Apesar da lógica irrecusável, que sustenta esta opinião, é certo que a


opinião contrária é a dominante e por ela se declarou o Código Civil
Brasileiro, art. 4.º: A personalidade civil do homem começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os
direitos do nascituro. (BEVILÁQUA, 1972, p.73).

O atual Código Civil, este de 2002, também é adepto da teoria natalista, sendo
o texto de ser artigo 2°, inspirado no artigo 4° do CC/1916.
Conforme reza o art. 2° do CC/2002: “A personalidade civil da pessoa começa
do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro. ”
Nota-se que houve alteração da palavra “homem” (conceito biológico), para
pessoa” (termo jurídico). Pois “[...] o conceito de pessoa no mundo jurídico não
coincide com o termo ‘ser humano’ que tem às claras conceito biológico [...]. ”
(SEMIÃO, 2015, p. 44).
Ressalta Semião (2015, p. 44) que, em ambos os Códigos, há duas orações
que parecem contraditórias, o que acabou dando margem para que as discussões
existentes no Direito Romano aumentassem. Sendo o único avanço entre o art. 4° do
CC/1916 e do art. 2° do CC/2002, como já mencionado, a substituição do termo
“homem” por “pessoa”.
23

Portanto, o Código Civil Brasileiro, durante a história, passou por várias


discussões e esboços e por fim, acabou optando pelo viés natalista e até mesmo
herdando as contradições do Império Romano ao tratar da personalidade jurídica do
nascituro.
24

2 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS

Neste capítulo serão abordados alguns pontos importantes para melhor


entendimento da temática, tais como: os conceitos de pessoas, de capacidade e
personalidade civil e do nascituro, também, as teorias cientificas e religiosas a respeito
do início da vida e por fim, as teorias a respeito do início da personalidade jurídica do
nascituro.

2.1 Pessoas

Preceitua o Art. 1° do Código Civil: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres


na ordem civil”. Assim, pessoa, juridicamente falando, é o sujeito suscetível de direitos
e obrigações, podendo esta ser Natural ou Jurídica. Porém, para o presente estudo,
apenas a primeira é relevante.
“A pessoa natural, para o direito, é, portanto, o ser humano, enquanto
sujeito/destinatário de direitos e obrigações. ” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012,
p. 129)
Esse sujeito de direito, nos dizeres de Diniz (2014, p. 129):

[...] é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou


titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação,
o não cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na
produção da decisão judicial.

Já para Nader (2013, p. 160) “Pessoa física ou natural é o ser dotado de razão
e portador de sociabilidade, condição que o leva à convivência. [...] ”
Vale citar ainda, conforme ensina Semião (2015, p. 137) que para nosso
ordenamento jurídico, o surgimento da pessoa natural se dá após o nascimento com
vida.
Logo, pessoa natural é o sujeito nascido com vida, que possui capacidade de
contrair direitos e obrigações e detém racionalidade e o dom de viver e participar da
sociedade.
25

2.2 Da personalidade e capacidade jurídica

Para melhor se compreender o trabalho, se faz necessário um breve conceito


de personalidade e capacidade, para que possamos distingui-las e entende-las.
O conceito de personalidade está umbilicalmente ligado ao de pessoa.
Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja,
adquire personalidade. Esta é, portanto, qualidade ou atributo do ser
humano. Pode ser definida como aptidão genérica para adquirir
direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto
para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica.
(GONÇALVES, 2014, p. 94).

“Não há de se confundir a personalidade do ponto de vista da Psicologia –


maneira de ser, agir e de reagir – da personalidade jurídica. Esta constitui a aptidão
para ser titular de direito e de deveres na ordem civil. ” (NADER, 2013, p. 161, grifo
do autor).
Neste sentido, ensina Beviláqua (1972, p. 67):

A personalidade jurídica tem por base a personalidade psíquica,


somente no sentido de que, sem essa última não se poderia o homem
ter elevado até a concepção da primeira. Mas o conceito jurídico e o
psicológico não se confundem. Certamente o indivíduo vê na sua
personalidade jurídica a projeção de sua personalidade psíquica, ou,
antes, um outro campo em que ela se afirma, dilatando-se ou
adquirindo novas qualidades. Todavia, na personalidade jurídica
intervém um elemento, a ordem jurídica, do qual ela depende
essencialmente, do qual recebe a existência, a forma, a extensão e a
força ativa. Assim, a personalidade jurídica é mais do que um processo
superior da atividade psíquica; é uma criação social, exigida pela
necessidade de pôr em movimento o aparelho jurídico, e que,
portanto, é modelada pela ordem jurídica.

Para diferenciar personalidade e capacidade, podemos citar a prelação de


Nader (2013, p. 161, grifo do autor):

Não se confundem os conceitos de personalidade jurídica e de


capacidade jurídica. Impõe-se a distinção, pois enquanto o conceito
de personalidade jurídica é absoluto, uma vez que dela ninguém
possui graus, a capacidade jurídica é relativa, pois comporta alguma
variação. Assim, os estrangeiros possuem personalidade jurídica
perante a legislação brasileira, mas a sua capacidade jurídica sofre
restrições, pois não podem, por exemplo, ocupar certos cargos
públicos, quando privativos de brasileiros. [...]
26

Nessa mesma acepção Alves (2012, p. 103) dispõe que “[...] A personalidade
jurídica é a potencialidade de adquirir direitos ou de contrair obrigações; a capacidade
jurídica é o limite dessa potencialidade. [...]. ”
Assim, de acordo com Rolim (2010, p. 153 - 154, grifo do autor):

Capacidade jurídica ou de direito é a aptidão jurídica ou legal de uma


pessoa para ser titular de direitos e obrigações. É uma capacidade
inerente ao ser humano que nasce com ele e com ele permanece até
o fim de sua existência.
Capacidade de fato, por sua vez, é a aptidão que a pessoa tem para
praticar diretamente os atos da vida civil, sem a necessidade de
autorização ou interferência de quem quer que seja. Essa capacidade
pode se modificar no decorrer da vida do homem.

Desse modo, conforme ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho (2012,


p.137) após adquirida a personalidade jurídica, a pessoa passa a ser capaz de direitos
e obrigações, sendo essa capacidade denominada “capacidade de direito ou de gozo”,
logo, todo ser humano possui tal capacidade, pelo fato que a personalidade jurídica é
inerente a condição do ser humano. No entanto, nem todas as pessoas possuem
aptidão para exercer por si só seus direitos por meios de atos jurídicos por conta de
certas limitações, sejam estas orgânicas ou psicológicas, mas caso tenha condições,
também possuirá “capacidade de fato ou de exercício”. Sendo assim, se o indivíduo
possuir as duas capacidades, este possui a “capacidade civil plena”.
Logo, diante do breve exposto, nota-se que a personalidade não se confunde
com capacidade. Para adquirir a primeira, basta o nascimento com vida, já para ser
possuidor da outra, é necessário preencher alguns requisitos.

2.3 Do nascituro

A palavra nascituro deriva do latim nasciturus que significa “que deverá nascer,
que está por nascer”. Ou seja, o nascituro é o concebido que ainda não nasceu.
(ALMEIDA, 2000, p. 6).
Nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 130, grifo do autor) “[...]
cuida-se do ente concebido, embora ainda não nascido. ”
Conforme ensinamentos de Pamplona Filho e Araújo (s.d., p. 5) nascituro é o
“[...]ente já concebido (onde já ocorreu a fusão dos gametas, a junção do óvulo ao
27

espermatozoide formando o zigoto ou embrião), nidado (implementado nas paredes


do útero materno), porém não nascido. ”
De acordo com Pereira (2012, p. 182):

[...] O Nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de


personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem
permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade,
integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica;
mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há que se
falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro,
nem se admitir que antes do nascimento já é ele sujeito de direito. Tão
certo é isto que, se o feto não vem a termo, ou se não nasce vivo, a
relação de direito não chega a se formar, nenhum direito se transmite
por intermédio de natimorto, e a sua frustração opera como se ele
nunca tivesse sido concebido, o que bem comprova a sua inexistência
no mundo jurídico, a não ser que tenha nascimento. [...].

É necessário também “[...]entender que a utilização do termo ‘nascituro’ no


direito pátrio se dá no sentido de excluir os que ainda não foram concebidos, ou seja,
o nascituro é ente concebido, que se desenvolve no útero, mas ainda não nascido”
(ARAÚJO, 2016, p. 213).
Nesse diapasão, dispõe Venosa (2014, p. 143) que “O nascituro é o ente já
concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido [...]. ”
Portanto, não se deve confundir o significado de “nascituro” com o de “prole
eventual”, pois um já foi concebido e o outro ainda não e pode nem ser.
A figura da “prole eventual” pode ser observada no art. 1.799, inciso I do CC:
“Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde
que vivas estas ao abrir-se a sucessão;”
Observa-se, como mencionado, que a própria lei diferencia a prole do nascituro,
já que usa o termo “ainda não concebidos”. Desse modo, não se enquadram como
nascituro “[...] os entes a serem concebidos, ou os concebidos em estado de pré-
implantação ou extracorpóreo. (ARAÚJO, 2016, p. 214).
Portanto, o nascituro distingue-se da prole eventual, que também é protegida
pelo Direito, e a diferença entre ambos, está no fato de o nascituro já estar concebido.
Enfim, para ser nascituro, é necessário estar concebido e não ter nascido.
Segundo nosso ordenamento, sendo que o Brasil adotou a visão natalista, como
veremos no decorrer dessa monografia, o concebido não passa de uma mera
28

expectativa de pessoa. Logo, para que perda a qualidade de nascituro e passe a ser
pessoa, adquirindo assim personalidade jurídica, basta apenas o nascimento com
vida.

2.4 Do início da vida

O início da vida é de suma importância no que tange a figura do nascituro, ainda


mais no ordenamento jurídico brasileiro, que adota o nascimento com vida como
marco inicial da personalidade jurídica.
Não é apenas no meio filosófico e religioso que se discute o início da vida, os
cientistas também divergem sobre a temática. Neste tópico serão estudadas as
diferentes visões cientificas e religiosas no que diz respeito à quando realmente se
inicia a vida, ou seja, o momento que efetivamente o concebido é considerado um ser
humano com autonomia, com vida.
“A conceituação do início da vida, do ponto de vista biológico decorre de
conhecimentos de reprodução humana, baseados na Embriologia e na Fisiologia da
Gravidez. ” (ALMEIDA, 2000, p. 108).
A reprodução humana envolve a união das células sexuais (gametas)
masculinas e femininas, sendo o óvulo pertencente a mulher e o espermatozoide ao
homem, que juntos formam o zigoto6. Tais gametas são “[...] células haploides que se
emparelham no curso da fecundação para formar uma célula diploide, que será dotada
de patrimônio genético próprio. ” (ARAÚJO, 2016, p. 130).
As células haploides femininas que contém apenas um conjunto de
cromossomos (23) se unem com as haploides masculinas (23) dando origem ao
zigoto, com dois conjuntos (diploide), totalizando 46 cromossomos.
Neste sentido, conceitua Almeida (2000, p. 110):

A fecundação (fertilização, concepção) consiste na fusão de um óvulo


com um espermatozoide, formando um zigoto, célula única que se
transformará em um ser multicelular. [...] Como resultado imediato da
fecundação teremos a restauração do número de cromossomos
(quarenta e seis), originários da somatória dos vinte e três
cromossomos contidos no gameta masculino e no gameta feminino.

6Zigoto, também denominado ovo nos animais, é a célula eucariótica resultante da fecundação,
que ocorre entre dois gametas mutuamente compatíveis, sendo o produto final da reprodução
sexuada.
29

Conforme preceituam Muto e Narloch (2005, p. 60):

[...] O Encontro do óvulo com o espermatozoide não é instantâneo. Em


um primeiro momento, o espermatozoide penetra no óvulo, deixando
sua cauda para fora. Horas depois, o espermatozoide já está dentro
do óvulo, mas os dois ainda são coisas distintas. [...] são necessárias
[...]24 horas [aproximadamente] até que os cromossomos contidos no
espermatozoide se encontrem com o do óvulo.

Nesse mesmo diapasão Araújo (2016, p. 130,131,147, 149 e 150) expõe


algumas fases de desenvolvimento embrionário desde a fertilização:

[...] A vida embrionária começa com a fusão dos núcleos haploides do


óvulo ou oócito7 com o núcleo haploide do espermatozoide durante
aproximadamente 24 horas. Essa soma é uma combinação
cromossômica própria (com sexo determinado) e não mais uma célula
germinal. Posteriormente, por volta da 30° hora, inicia-se a mitose do
zigoto, que se divide em 2, depois em 4, em 8 e assim
sucessivamente. Essa divisão origina células cada vez menores, os
blastômeros, que formarão o agregado celular chamado mórula. O
estágio de mórula é atingido no terceiro ou quarto dia após a ovulação.
Desde a 60° hora, as relações intercelulares se diferenciam, o que
resulta no aparecimento visível, por volta dos 4 ou 5 dias após a
ovulação, da blástula. Este estado caracteriza-se pelo aparecimento
de uma camada celular periférica, o trofoblasto, e de uma cavidade, a
blastocele, que contém um amontoado de células contra a face interna
de sua parede, o botão embrionário. O trofoblasto originará os anexos
embrionários (entre os quais a placenta e o botão embrionário será o
futuro feto.
O período que antecede o 6° dia após a fecundação evidencia que,
até então o embrião era autônomo, desenvolvia-se livremente.
Considerando o decurso de uma gravidez decorrente de conjunção
carnal, entre o 7° e o 14° dias, é chegado o momento do início da
gestação propriamente dita, que é a nidação, fixação do ovo na
cavidade uterina, onde o embrião poderá ser nutrido e se desenvolver
naturalmente.
Após a nidação, portanto, a fixação do ovo na cavidade uterina, por
volta do 7° dia, o embrião já começou a isolar seu pólo inferior uma
camada unicelular que se tornará o endoderma, primeiro folheto
embrionário que começou a se diferenciar. Posteriormente, forma-se
o disco embrionário, lâmina celular constituída pelo endoderma
primário (segundo folheto embrionário). A composição e estrutura do
ovo passará a se tornar mais complexa a partir desses fatores.
Durante a terceira semana, aparece o terceiro folheto embrionário, o
mesoderma. As camadas celulares sobrepostas do disco embrionário
já podem evidenciar a capacidade morfogenética, ou seja, aspectos
relacionados à forma e às estruturas genéticas. O ectoderma originará
tecidos e órgãos que se relacionarão com o mundo externo, como o
sistema nervoso central e periférico. O endoderma originará o tubo

7 Cada uma das células que, por meio de divisões meióticas, dão origem ao óvulo; ovócito.
30

digestivo. Durante essa terceira semana, a gástrula se tornará nêurula,


que é o esboço do sistema nervoso.
Por volta do 13° ou 14° dia, surge a linha primitiva sobre o ectoderma,
permitindo a identificação dos eixos embrionários (extremidades
craniana e caudal; limite inferior; limite superior e bordas do embrião.
A partir do 16° dia, algumas células migram do endoderma para
originar o mesoderma. Após o 18° dia, o ectoderma formará a placa
neural que se estende ao longo do seu eixo central (20° dia), para
formar o canal neural, posteriormente, originando o tubo neural no final
da terceira semana, o que ocasionará o início da diferenciação do
sistema nervoso central. [...] somente então, após os 14 primeiros dias
de fecundado, que é a fase do blastocisto, pode-se identificar a
formação rudimentar da organização do sistema nervoso central.

Já “A atividade elétrica no cérebro começa a ser registrada a partir da oitava


semana de desenvolvimento embrionário. [...].” (ROCHA, 2007, p.105).
Em relação ao início da estrutura cerebral, podemos citar ainda a Resolução
RDC n° 33 de 2006 da ANVISA, que conceitua o pré-embrião sendo: “produto da fusão
das células germinativas até 14 dias após a fertilização, in vivo ou in vitro, quando do
início da formação da estrutura que dará origem ao sistema nervoso. ”
Explicado o ciclo da vida embrionária, do zigoto até o início da formação
rudimentar do cérebro e de sua atividade elétrica, podemos citar as diferentes visões
cientificas e religiosas a respeito do início da vida, que serão tratadas separadamente
a seguir:

2.4.1 Teoria genética

Para os adeptos a visão geneticista, de acordo de Muto e Narloch (2005, p.59)


a vida tem início cm a fertilização, quando as células sexuais masculinas e femininas
unem seus genes e formam um indivíduo com conjunto genético único. Esse
indivíduo, para a genética, já é considerado ser humano e possui direitos iguais a
qualquer outro. Essa também é a opinião da Igreja católica.
Assim, para essa teoria basta a fusão do núcleo haploide do óvulo, com o
núcleo haploide do espermatozoide que resultará no zigoto.

Uma crítica contundente a esta teoria se funda na possibilidade de o


embrião dar origem a dois ou mais embriões em até duas semanas
após a fertilização, assim como, na estimativa de que mais da metade
dos óvulos fecundados não completem o caminho até a fixação no
endométrio (nidação). Com esse respaldo, há quem entenda [teoria
embriológica] que a vida humana tem origem na gastrulação (início da
31

terceira semana), estágio no qual o embrião se encontra no útero da


mãe e não mais se divide em novos seres. (PAGANINI, 2008, p. 5-6)

2.4.2 Teoria embriológica

Para esta visão, segundo Muto e Narloch (2015, p. 59):

A vida começa na 3ª semana de gravidez, quando é estabelecida a


individualidade humana. Isso porque até 12 dias após a fecundação o
embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais
pessoas. É essa ideia que justifica o uso da pílula do dia seguinte e
contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de
gravidez.

Neste sentido Araújo (2016, p. 142-143) cita o Relatório de Warnock, presidido


por Mary Warnock, que propôs uma definição de embrião em seus primeiros estágios
como ser humano em potencial, por meio da Comissão de pesquisa responsável por
avaliar a adequação dos processos de reprodução humana assistida e,
consequentemente os estágios da vida humana, isso em 1982, na Grã-Bretanha.
Assim:

“[...] surgiu a teoria do pré-embrião, onde a comissão encarregada de


formular o parecer entendeu que, até o 14° dia após a concepção, o
zigoto não podia ser considerado humano, mas sim uma célula
progenitora com capacidade de gerar um ou mais indivíduos.”
(ARAÚJO, 2016, p.143).

2.4.3 Teoria neurológica

Para alguns países, como o Brasil, a morte é constatada com a ausência de


ondas cerebrais, assim, para os que defendem esta teoria, o início da vida ocorre a
partir do momento que começa a atividade elétrica no cérebro.

[...]. Há quem entenda que adotar o início da atividade cerebral como


marco da existência da vida é corroborar o critério já utilizado, pela
Medicina e pelo Direito (definido explicitamente pela lei de transplantes
de órgãos e tecidos), para determinar o momento do óbito e extinção
da pessoa – a paralisação dessa atividade. (ARAÚJO, 2016, p. 150-
151)
32

Conceitua Rocha (2007, p. 105) que

A atividade elétrica do cérebro começa a ser registrada a partir da


oitava semana [para outros na vigésima] de desenvolvimento
embrionário. O conhecimento desse fato levou os simpatizantes a
teoria da formação do sistema nervoso central a sustentar que
somente após a verificação de emissão de impulsos elétricos
cerebrais é que se pode afirmar que se iniciou uma vida
especificamente humana.

Dentro desta corrente os cientistas se dividem, eis que alguns


sugerem a 8ª (ante a presença de um circuito básico de três neurônios,
o que viabiliza o pensamento racional), e outros a 20ª semana (ante a
presença de movimentos do feto, possibilitados pelo desenvolvimento
do tálamo, centro dos estímulos sensoriais) como o marco inicial da
atividade cerebral do nascituro. (PAGANINI, 2008, p. 6)

Neste mesmo sentido Muto e Narloch (2005, p. 59) dispõem que para os
seguidores dessa visão:

O mesmo princípio da morte vale para a vida. Ou seja, se a vida


termina quando cessa a atividade elétrica no cérebro, ela começa
quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma pessoa. O
problema é que essa data não é consensual. Alguns cientistas dizem
haver esses sinais cerebrais já na 8ª semana. Outros, na 20ª.

Para alguns doutrinadores, não adeptos a essa corrente, o indicador de vida


seria o aparecimento primitivo do sistema nervoso central, que começa a surgir, como
já estudado, a partir do 14° dia após a fecundação. Assim, “A teoria dos rudimentos
do sistema nervoso central relaciona o início da vida humana ao aparecimento dos
primeiros sinais de formação do córtex central, que ocorre entre o décimo quinto dia
e o quadragésimo dia da evolução embrionária. ” (ROCHA, 2007, p. 105).

2.4.4 Teoria ecológica

Essa teoria defende que o feto possui autonomia a partir do momento que
consegue viver fora do útero, sendo assim, essa capacidade define o início da vida.
Para a medicina um bebê que nasce prematuro só consegue sobreviver fora das
entranhas maternas se seus pulmões estiverem formados, o que ocorre entre a 20° e
24° semana após a concepção. (MUTO; NARLOCH, 2005, p.59)
33

Tal visão coincide com a definição de viabilidade fetal proposta pelo Direito
Romano, que “[...] procurou fixar um prazo específico para ser completada a gestação
de um filho e, valendo-se dos estudos de Hipócrates, foi estabelecido que nascituro
poderia nascer vivo e perfeito desde o 182° dia da concepção [...]. ” (PUSSI, 2008,
p.60)
Também é o posicionamento de Matos (2009, p. 121) “[...] o feto depende da
mulher até a 22ª segunda semana, na medida em que não sobrevive fora do processo
gestacional, esse não é um outro ser independente. Não há até esse período, um
outro ser, na sua totalidade acabado [...]. Um (o feto) sem o outro (a gestante) não
vive. “
E ainda é o estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS): “[...] esta
viabilidade acontece a partir da 20ª - 22ª semana de gravidez [...]” (FREITAS, 2011,
p. 45).
Tal teoria é utilizada pela Suprema Corte dos EUA para permitir o aborto.
(MUTO; NARLOCH, 2005, p. 59).

2.4.5 Teoria metabólica

Tal teoria, segundo Muto e Narloch (2005, p. 59), estabelece que o início da
vida é irrelevante, pois não existe um momento único que a vida começa. Para os
adeptos a esta visão, os espermatozoides e óvulos são tão vivos quanto qualquer
pessoa, e o desenvolvimento de uma criança é um processo continuo e não deve
possuir um marco inicial.
Nesse sentido, podemos citar as palavras de J. C. Wilke e Barbara Wilke (1980,
p. 17 apud ALMEIDA, 2000, p. 121-122): “As mudanças que ocorrem entre a
implantação (do espermatozoide no óvulo) e um embrião de seis semanas, um feto
de seis meses e um bebê de uma semana ou em um adulto, não passam de estágio
de desenvolvimento e maturação.

2.4.6 Teoria religiosa

A religião também tem opiniões diferentes quando se trata de definir um marco


inicial para a vida. Conforme ensinamentos de Muto e Narloch (2005, p. 61), podemos
34

citar cinco diferentes visões religiosas sobre o assunto, a saber: a católica; a judaica;
a islâmica; a budista; e a hinduísta.
Para o catolicismo, assim como o caso dos adeptos a teoria geneticista, a vida
começa quando ocorre a fertilização do óvulo com o espermatozoide, ou seja, no
momento da concepção. São contra o aborto e o estudo com células-tronco
embrionárias. (MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).
No judaísmo a vida tem início no 40° dia, quando acreditam que o feto começa
a adquirir forma humana. Interessando, que antes disso a interrupção da gravidez não
é considerada homicídio, sendo que os judeus ainda são a favor do aborto caso a
mulher corra risco de vida ou em caso de estupro, e também permitem a pesquisa
com células-tronco embrionárias. (MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).
O Islamismo entende que a vida começa quando o feto adquire alma, fato este
que ocorre em cerca de 120 dias, quando Alá a introduz no feto, porém, isso não é
unânime, alguns estudiosos são adeptos a teoria concepcionista. Os mulçumanos
repudiam o aborto, mas muitos aceitam essa pratica em caso de risco de vida da mãe,
além disso, tendem a apoiar as pesquisas com células embrionárias. MUTO;
NARLOCH, 2005, p. 61).
Para o budismo a vida não tem início na concepção, ela é um processo
contínuo, está presente em tudo que existe. Para eles o humano é uma forma de vida
que depende de outras formas de vida. No tocante ao aborto e as pesquisas com as
células embrionárias, não há consenso para eles. MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).
Por fim, para o hinduísmo, a vida tem início na fecundação, pois é nela que
ocorre o encontro de alma e matéria. Sendo assim, o embrião já possui alma e deve
ser tratado como humano. Em relação ao aborto, em geral, os hindus não concordam,
salvo em caso de risco de vida da genitora. MUTO; NARLOCH, 2005, p. 61).

2.5 Teorias acerca do início da personalidade

Como já trabalhado no capítulo 1, a discussão a respeito do marco inicial da


personalidade jurídica surgiu na antiguidade, sendo pauta de discussões
especialmente no Direito Romano.
Por conta destas divergências, surgiram inúmeras teorias a respeito da
capacidade jurídica do nascituro, e na doutrina brasileira, três merecem destaque: a
35

natalista; a concepcionista; e a teoria da personalidade condicional. Tais teorias serão


estudadas a seguir.

2.5.1 Teoria natalista

A Teoria natalista possui grandes defensores no direito brasileiro, e para esses


a teoria fundamenta-se no art. 4° do Código Civil de 1916. Como mencionado
anteriormente, o art. 2° do atual Código Civil de 2002, seguiu a redação do art. 4°,
tendo como alteração relevante, apenas a palavra “homem” por “pessoa”.
Para a corrente natalista, o nascituro só adquire personalidade a partir do
nascimento com vida, ates disso ele é apenas expectativa de pessoa e
consequentemente, de direitos. Nascendo com vida, “ [...] adquirirá personalidade e
será titular em plenitude de direitos e deveres. [...] “ (ARAÚJO, 2016, p. 224). Para
essa corrente, assim como era no Direito Romano, “[...] o nascituro não tem vida
independente, é parte das vísceras maternas. [...].” (SEMIÃO, 2015, p. 22).
Para Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 131, grifo do autor) segundo a teoria
natalista “[...] a aquisição da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida,
conclui-se que não sendo pessoa, o nascituro possuiria mera expectativa de direito. ”
Neste mesmo sentido:

Segundo a doutrina natalista, o nascituro é mera expectativa de


pessoa, e, por isso, tem meras expectativas de direitos e só é
considerado como existente, desde a concepção, para aquilo que lhe
é proveitoso [...] (SEMIÃO, 2015, p. 20).

Adotada tal teoria, ao não considerar o nascituro pessoa “[...] persistem dúvidas
quanto a sua condição jurídica dentro da sistematização categórica dos sujeitos,
considerando os distintos direitos que lhe foram destinados. ” (ARAÚJO, 2016, p. 225).
Neste caso, críticos a teoria, como veremos, partem do fato de que o nascituro,
ao ter resguardado seus direitos desde a concepção, passa a ser considerado pessoa.
Afirma Diniz (2002 apud Araújo, 2016, p. 225) que “Se as normas protegem é porque
tem personalidade jurídica. ”
No entanto, segundo Semião (2015, p. 20) os doutrinadores natalistas
sustentam que, se esses direitos conferidos ao nascituro não fossem taxativos, não
teria razão para que o Código Civil os estabelecessem um por um. Pois, se este fosse
36

considerado pessoa, todos os direitos conferidos a esta, seriam automaticamente


conferidos ao nascituro, não havendo necessidade da lei os dispor separadamente.
Por fim, vale ressaltar, nos dizeres de Araújo (2016, p. 225, grifo do autor):

[...] que a teoria natalista não sustenta que o nascituro não goza de
nenhum direito ou status antes de nascer, afirma, no entanto, que o
não nascido não detém personalidade, e por isso, não é pessoa. A
adoção da referida teoria torna-se importante se pensada a partir do
fato de que a negação do status de pessoa ao nascituro, de fato, não
impede o reconhecimento dos direitos que lhe foram assegurados, ou
seja, o reconhecimento da sua condição de sujeito de direito.

2.5.2 Teoria concepcionista

Diferentemente da teoria anterior, a teoria concepcionista, também chamada


de verdadeiramente concepcionista ou puramente concepcionista, defende a ideia de
que o nascituro possui personalidade jurídica desde a concepção. ” [...]. Tem-se que
a concepção, seja ela natural ou artificial, seria o marco capaz de evidenciar a imediata
existência de uma pessoa. “ (ARAÚJO, 2016, p. 219)
Neste diapasão, nas palavras de Semião (2015, p.15):

Segundo a escola concepcionista, a personalidade civil do homem


começa a partir da concepção, ao argumento de que tendo o nascituro
direitos, deve ser considerado pessoa, uma vez que só a pessoa é
sujeito de direitos, ou seja, só a pessoa tem personalidade jurídica.

Dessa forma, observa-se que para essa corrente, ao se falar em direitos do


nascituro, o reconhecemos como pessoa, pois juridicamente falando, todo titular de
direitos é pessoa natural.
Nos ensina Araújo (2016, p. 219) que:

[...]. Este entendimento assenta em bases ontológicas e biológicas. Do


ponto de vista ontológico, atribuir ao nascituro a mesma natureza de
pessoa implica em protegê-lo da forma mais completa possível,
considerando o seu significado e o valor ontológico da vida humana.
Biologicamente, é possível constatar que inexiste dúvidas sobre a
existência de vida no ente que está por nascer, pois o nascimento é
apenas um, dentre os passos naturais para continuação dessa vida,
sendo possível a identificação de que a vida se processa no exato
momento conceptivo.
37

Assim, “[...] considerar o nascituro como pessoa implica que a norma do Código
Civil seja estendida de modo amplo, como regra geral. Destarte, além dos casos
expressamente previstos em lei, outros poderão haver. [...] “ (ALMEIDA, 2000, p. 159).
Logo, para essa teoria, os direitos do nascituro não devem ser condicionados
ao nascimento, com exceções de alguns. Essa exceção “[...] deve restringir-se
unicamente aos direitos patrimoniais, mas, em hipótese alguma, aos direitos
fundamentais da personalidade. ” (PUSSI, 2008, p. 88). “[...]. Os nascituros são
incapazes para a realização de atos de natureza patrimonial, o que não significa que
seja um ente despersonalizado. [...] sua capacidade [...] não deve ser confundida com
personalidade. ” (ARAÚJO, 2016, p. 221).

Para a teoria, não se deve discutir a titularidade dos direitos


patrimoniais, mas tão somente os efeitos desses direitos, que
evidentemente dependeriam do nascimento com vida. “A
personalidade do nascituro não é condicional; apenas certos efeitos
de certos direitos dependem do nascimento com vida, notadamente
os direitos patrimoniais materiais, como a adoção e a herança”.
Segundo o raciocínio concepcionista, não há como explicar certos
direitos do nascituro ou ligados a ele, como o direito à curatela e à
representação, o direito de adquirir testamento e de ser adotado, além
de outros, sem que ele não seja considerado pessoa. Assegurar-lhe
direitos significa automaticamente reconhecer-lhe o status de pessoa,
já que a doutrina parte da premissa de que somente pessoas podem
ser consideradas sujeitos de direito. (ARAÚJO, 2016, p. 219-220).

Vele ressaltar novamente, que o embasamento principal dessa corrente é o fato


de que, se o ordenamento jurídico protege legalmente os direitos do nascituro, este
também o considera pessoa. Pois, para os concepcionista, o tratamento dispensado
ao concebido, pelo Direito Civil e pelo Direito Penal, visto que tais legislações
garantem direitos fundamentais desde a concepção, este há de ser considerado
sujeito de direitos, e assim, pessoa. (SEMIÃO, 2015, p. 15-16).
De acordo com Semião (2015, p.16), para quem defende essa corrente
doutrinária, a questão de o aborto ser punido como crime contra a pessoa em nosso
Ordenamento pátrio, é o principal sinal que o nascituro é considerado pessoa e possui
personalidade. Tais defensores afirmam que o Código Penal Brasileiro, no título “Dos
Crimes Contra a Pessoa”, ao tipificar o crime de aborto, não deixa dúvidas de que ao
proteger a vida do nascituro, o considera pessoa.
38

Neste sentido preceitua Araújo (2016, p. 220) que:

[...] o fato de que o aborto tenha sido punido como crime contra a
pessoa é o mais acentuado sinal de que o nascituro tem personalidade
civil e é pessoa. O Código Penal previu o crime no Título referente aos
crimes contra a pessoa, expressando nitidamente a proteção da vida
do nascituro como tal.

Vale ressaltar, em contrapartida ao argumento do aborto no Código Penal, os


natalista dizem que, se o nascituro fosse considerado pessoa, a punição para o crime
de aborto seria equiparada ao de homicídio, já que o a pena do primeiro crime é menor
que a do segundo. (Semião 2015, p. 23-24).
Portanto, para a doutrina concepcionista, podemos concluir que a origem da
vida e consequentemente o início da personalidade se dá a partir da união do óvulo
com o espermatozoide, ou seja, desde a concepção. Sendo seu principal fundamento
doutrinário, a interpretação das legislações, mas especificamente as dos Códigos
Penal e Civil.

2.5.3 Teoria da personalidade condicional

Para alguns doutrinadores a escola concepcionista se divide dois ramos:


verdadeira concepcionista e a concepcionista da personalidade condicional. A
primeira foi tratada no item anterior, a outra será tratada neste.
“Os adeptos da teoria da personalidade condicional sufragam entendimento no
sentido de que o nascituro possui direitos sob condição suspensiva” (GAGLIANO;
PANPLONA FILHO, 2012, p. 131).

Esta doutrina sustenta que o início da personalidade da pessoa


humana começa a partir da com concepção [como na anterior], mas
com a condição suspensiva de nascer com vida, ou seja, se o
nascituro nascer com vida, a sua personalidade retroage a data de sua
concepção. Dizem que durante a gestação, o nascituro tem a proteção
da lei, que lhe garante certos direitos personalíssimos e patrimoniais
sujeitos a uma condição suspensiva. O curador ou o seu representante
legal o representará a fim de garantir os direitos lhe assegurados
eventualmente. (NORBIM, 2006, p. 44-45).
39

Neste mesmo sentido, conceitua Pussi (2008, p. 87) que:

[...] a corrente da Personalidade Condicional sustenta o início da


personalidade do nascituro a partir da concepção, com a condição de
nascer com vida, ou seja, uma vez que se verifique o nascimento com
vida, a pessoa é como tal considerada desde o momento da
concepção.

Porém “[...]. Sem o implemento da condição – nascimento com vida – não


haverá aquisição de personalidade”. (ARAÚJO, 2016, p. 222)
Conclui-se, que a teoria da personalidade condicional também considera o
momento da concepção, como marco inicial da personalidade jurídica, no entanto, se
diferencia da corrente verdadeiramente concepcionista, por condicionar os direitos do
nascituro ao nascimento com vida.

2.5.4 Teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro

Dispõe o Art. 2° do CC: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento


com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. ”
A personalidade, como se sabe, tem início com o nascimento com vida, assim,
no Brasil, segundo Venosa (2014, p. 142):

[...] verificamos o nascimento com vida por meio da respiração [mesmo


método adotado pelos Sabinianos]. Se comprovarmos que a criança
respirou, então houve nascimento com vida. [...]
Dá-se o nascimento com a positiva separação da criança das vísceras
maternas, pouco importando que isso decorra de operação natural ou
artificial. A prova inequívoca de o ser ter respirado pertence à
medicina.
Se a criança nascer com vida e logo depois vier a falecer, será
considerada sujeito de direitos. Por breve espaço de tempo houve
personalidade. Tal prova, portanto, é importante, mormente para o
direito sucessório, pois a partir desse fato o ser pode receber herança
e transmiti-la a seus sucessores.

Como se sabe, o art. 2° do CC causa conflito por conta das diferentes


interpretações que ele recebe por conta de suas duas orações.
Nota-se aparentemente, que a primeira parte adota a teoria natalista, já a outra
é adepta a teoria concepcionista, estabelecendo normas contraditórias entre si. No
entanto, não é isso, como veremos a seguir.
40

Considerando- se que, juridicamente, são pessoas apenas aqueles


que são sujeitos de direitos, e que a personalidade é um atributo das
pessoas, o artigo 2° estabelece normas aparentemente contraditórias
entre si. Uma ao reverso da outra: esta repelindo aquela, anulando-se
mutualmente. Diante disso, impõe-se uma interpretação sistêmica,
sob pena de negar-se vigência ao próprio artigo de lei. (SEMIÃO,
2015, p. 48).

Segundo Semião (2015, p. 48) muitas doutrinas, e uma jurisprudência


miseranda, contribuem para que a questão da perplexidade aumente, pois esta trata
o assunto de forma confusa. No caso da primeira parte, sobre o nascimento e
consequentemente a adquirição da personalidade, não há muito de se falar em
discussões, o problema é em relação a segunda, quando a lei põe a salvo os direitos
do nascituro, surgindo assim os conflitos e diferentes interpretações.
Todavia, pode-se afirmar, conforme ensinamentos de Semião (2015, p. 49-50)
que:

As duas partes do citado artigo, inteligentemente, discriminam duas


situações, em duas orações coordenadas. [...] “pôr a salvo desde a
concepção os direitos do nascituro”, não é o mesmo que lhe conceder
os direitos próprios do nascido. [...] o art. 2° [...] não teve a intenção de
conceder direitos atuais ao nascituro, mas, sim, a de colocá-los (em
algum lugar) “a salvo” de quaisquer perigos eventuais ou eminentes,
resguardando-os e vigiando-os, como expectativas, caso haja o
nascimento com vida.

Assim, os direitos concedidos ao nascituro, para não serem conflitantes com a


primeira parte do art. 2° e para defender seus interesses próprios durante o período
gestacional, se limitam aos casos previstos em lei.

“Os direitos do nascituro são, portanto aqueles que se acham


expressa e taxativamente previstos na lei [...]. Se a lei prevê o fato,
protege-se o direito do nascituro, mas, se o fato não é previsto em lei,
não há que se lhe outorgar direito subjetivo algum. ” (SEMIÃO, 2015,
p. 51-52).

Neste sentido, também ensina Venosa (2014, p. 143-144):

O fato de o nascituro ter proteção legal, [...] não deve levar a imaginar
que tenha ele personalidade tal como a concebe o ordenamento. Ou,
sob outros termos, o fato de ter ele capacidade para alguns atos não
significa que o ordenamento lhe atribuiu personalidade. Embora haja
41

quem sufrague o contrário, trata-se de uma situação que somente se


aproxima da personalidade, mas com esta não se equipara. A
personalidade somente advém do nascimento com vida.

Segundo Semião (2015, p.51-52), pode-se concluir que o nosso ordenamento


não adotou a teoria concepcionista, mas sim, a natalista, pois, se o nascituro fosse
considerado pessoa desde a concepção, não seria necessário que seus direitos
fossem previstos em lei, pois este seria considerado pessoa e teria a personalidade
civil plena, ou seja, gozaria de todos os direitos inerentes ao já nascido.
Vale destacar ainda, que em nosso ordenamento pátrio “[...]. Dentre os entes
considerados absolutamente ou relativamente incapazes, não está incluída a figura
do nascituro, o que corrobora a ideia de que a lei não o trata como nascido. ”
(ARAÚJO, 2016, p. 227)
Para não restar duvidas da teoria adotada, podemos citar ainda a Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) n° 3.510-0 que trouxe à tona, mais uma vez, a antiga
discussão entre os natalistas e concepcionistas. “[...] dividindo de um lado os grupos
religiosos conservadores e, de outro, os liberais laicos. ” (SEMIÃO, 2015, p. 92).
Essa ADI foi proposta em 2008, pelo então Procurador Geral da República, Dr.
Cláudio Lemos de Fonteles, perante o STF, tendo como alvo o art. 5° da Lei Federal
n° 11.105 de 24 de março de 2005, também conhecida como “Lei da Biossegurança”.
Artigo este, que permite a utilização de células-tronco embrionárias de humanos, indo
contra os ideais concepcionista, visto que as células embrionárias é o mais próximo
da figura do nascituro.
O argumento utilizado foi, que tal artigo da Lei de Biossegurança violava os
artigos 1°, inciso III e 5°, caput da Constituição Federal 89, alegando que a vida tem
início desde a concepção.
No entanto, depois de relatar o processo, o Ministro Carlos Ayres Britto, votou
a favor da teoria natalista, “[...] julgando improcedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade, e declarou constitucional o art. 5° da Lei de Biossegurança, que
acabou sendo o voto vencedor perante a Suprema Corte. “ (SEMIÃO, 2015, p. 92).

8 CF, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;

9 CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]
42

Podemos citar, diante dessa decisão, o Art. 102, §2° da CF, que preceitua:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a


guarda da Constituição, cabendo-lhe:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas
ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra
todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal. (BRASIL, 1988).

Assim nota-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal coloca “[...] fim na
posição dos doutrinadores adeptos das teorias da ‘personalidade condicional’ e da
‘concepcionista’, em conforto com a escola natalista da personalidade civil. “
(SEMIÃO, 2015, p. 57).
No entanto, apesar da decisão do STF, há conflito com atuais jurisprudências
do STJ e Tribunais de Justiça. As decisões de ambos os tribunais superiores e dos
demais tribunais, envolvendo as teorias concepcionista e natalista, serão vistas em
um item próprio durante o desenvolvimento do trabalho.
Pode- se concluir, conforme relatado no decorrer do trabalho, que “[...] a Teoria
da Natalidade [...] que foi adotada pelo sistema pátrio, tem sua gênese no Direito
Romano, qual seja, o início da personalidade como nascimento com vida [...]. ”
(PUSSI, 2008, p. 84, grifo nosso). Logo, antes do nascimento o nascituro tem apenas
expectativa de vida e consequentemente, expectativa de direitos.
43

3 DIREITOS DO NASCITURO

Independente da teoria adotada, seja a natalista, concepcionista ou


condicional, os doutrinadores consideram o nascituro um ser vivo e lhe garante
direitos, seja de forma taxativa, suspensiva ou plena.

A posição do nascituro é peculiar, pois o nascituro possui, entre nós,


um regime protetivo tanto no Direito Civil como no Direito Penal,
embora não tenha ainda todos os requisitos da personalidade. Desse
modo, de acordo com nossa legislação, inclusive o Código de 2002,
embora o nascituro não seja considerado pessoa, tem a proteção legal
de seus direitos desde a concepção. (VENOSA, 2014, p. 143)

Nosso ordenamento é adepto da teoria natalista, e conforme reza a segunda


parte do art. 2° do CC, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.
Como já estudado, esses direitos são taxativos, ou seja, estão estabelecidos no
ordenamento jurídico. Portanto, este capítulo tratará de maneira sucinta os direitos
que o concebido faz jus.

3.1 Direito à vida

“O princípio básico do qual derivam todos os direitos da personalidade é o


relativo ao direito à vida. [...]” (NADER, 2013, p. 185).
O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos garantidos ao ser
humano, além de ser pré-requisito para que todos os demais existam. Assim, é “[...]
denominado direito condicionante, já que dele dependem os demais. ” (ALMEIDA,
2000, p. 293).
Neste mesmo sentido, afirma Norbim (2006, p. 57) que “[...] o Direito à Vida é
o primeiro dos direitos, aquele direito originário para o qual todos os outros existem e
estão submetidos. [...]. “
Vale ressaltar que esse direito possui reconhecimento internacional por meio
da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San
José da Costa Rica, de 1969, que foi ratificada por nosso país em 1992. Tal garantia,
se encontra mais precisamente no art. 4° que dispõe do “direito à vida” e estabelece
em seu inciso I: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito
44

deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém
pode ser privado da vida arbitrariamente. ”
Tal direito, no Brasil, é garantia constitucional estabelecida pelo o artigo 5°,
caput, CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida [...]. ”
“Embora não possua referência expressa no texto constitucional [...] entende-
se que a vida do nascituro é um bem que está protegido pela Constituição. ”
(TESSARO, 2006, p. 86)
Ainda em nosso ordenamento, podemos citar o Código Penal, que em seu
título “dos crimes contra a vida”, nos arts. 121 a 127, protege a vida, no caso de crimes
como o homicídio, o infanticídio e até mesmo o aborto.
Em relação ao aborto, o CP coloca a salvo apenas duas hipóteses em que ele
é permitido, no caso de risco de vida da mãe e também em gravidez resultante de
estupro. Além desses dois casos, o STF possui decisão sobre o assunto, no
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, de 17 de
junho de 2004 (ADPF-54), declarou a inconstitucionalidade da interpretação segundo
a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos
124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro. Diante da procedência dessa
ADPF, o aborto nesses casos foi consolidado com a resolução n° 1.989/2012 do
Conselho Federal de Medicina.
No entanto, por conta dessa criminalização, sendo o aborto permitido apenas
nessas três hipóteses, acaba ocorrendo muitos abortos ilegais, e tais procedimentos
colocam em risco, muitas vezes, a integridade física e a vida da gestante, indo contra
os direitos da personalidade desta, como veremos no decorrer do trabalho.
Além dos diplomas legais citados, estabelece o art. 7° do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), que o Estado deve proporcionar políticas públicas que
permitam o nascimento e desenvolvimento sadio e harmônio do ser humano.10 Assim,
apesar de o Eca ser destinado a crianças de adolescentes de 0 a 18 anos, ele
resguarda o direito à vida do nascituro.

10 ECA, art.7°: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a

efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio


e harmonioso, em condições dignas de existência.
45

Pode-se afirmar que “A ordem jurídica assegura o direito à vida de todo e


qualquer ser humano, antes mesmo do nascimento, punindo o aborto e protegendo
os direitos do nascituro. ” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 198). Assim,
apesar de não possuir capacidade jurídica, o feto tem o direito à vida resguardado
desde que é concebido.
Assim, segundo Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 133):

Independente de se reconhecer o atributo da personalidade jurídica, o


fato é que seria um absurdo resguardar direitos desde o surgimento
da vida intrauterina se não se autorizasse a proteção desse nascituro
– direito a vida – para que justamente pudesse usufruir de tais direitos.
Qualquer atentado à integridade do que está por nascer pode, assim,
ser considerado um ato obstativo do gozo de direitos.

No entanto, pode-se afirmar que

A proteção constitucional da vida humana em formação não implica na


necessidade de conceder-se um tratamento jurídico igualitário para a
vida humana fora do claustro materno e para a vida humana
dependente. Defender que a vida humana pré-natal possui valoração
idêntica a pós-natal constitui um ‘exagero indefensável’. [...].
(TESSARO, 2006, p. 87).

3.2 Direito a integridade física

“Correlato ao direito à vida, reconhece-se, também, o direito à integridade


física. ” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 203).

Tal como a vida, o nascituro é pleno titular do direito à integridade


física, o que acarreta verdadeiro dever aos pais, médicos, e sociedade
referente à adoção de medidas de sua proteção, objetivadas à
viabilização do seu nascimento saudável, bem como a prevenção,
diagnóstico e tratamento de eventuais patologias que ele possa vir a
enfrentar no período gestacional. (PAGANINI, 2008, p .51).

Podemos citar dois artigos do Código Civil que tratam da proteção a integridade
física, o art. 12 e art. 949, a saber:
46

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da


personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor
indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros
cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo
que o ofendido prove haver sofrido. (BRASIL, 2002).

Podemos também mencionar o Art. 5°, I do Pacto de San José da Costa Rica
que dispõe: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica
e moral.” E, como o Pacto é fundamento para ser resguardado o direito à vida do
nascituro, não pode ser diferente em relação a integridade física, já que conforme
mencionado, todos os direitos são condicionados ao direito à vida.
Em relação a tal direito, segundo Almeida (2000, p. 315) o nascituro é pessoa,
biológica e juridicamente e sua integridade não se confunde com a da mãe, ainda que
ele dependa dela, sendo assim não lhe pode negar o direito a integridade física e que
a o nascituro pode deixar ser incluso no conceito de “ofendido” que consta no artigo
1.538 do CC de 1916, artigo esse, que atualmente corresponde ao art. 949 do CC/02
supracitado.
Também ensina Almeida (2000, p. 312-314) que houve grande avanço nos
estudos para salvar a vida do nascituro, por meio da embriologia e da Perinatologia,
que é o ramo da medicina que se destina ao feto e ao recém-nascido, citando alguns
exemplos, como cirurgias intrauterinas em aparelho respiratório e urinário, além de
outras medidas de diagnóstico e tratamento do embrião.
Portanto, diante dos avanços médicos, pode-se garantir que:

A diversidade das técnicas médicas intra-uterinas, inclusive cirurgias,


indica que a ciência se preocupa com o nascituro em qualquer fase de
desenvolvimento, como ser autônomo e independente da mãe,
procurando cada vez mais possibilitar-lhe o normal desenvolvimento,
tendo por objetivo o nascimento perfeito. (ALMEIDA, 2000, p. 314-
315).

Almeida (2000, p.315) ainda fala sobre a impossibilidade de a gestante negar


a se submeter a tratamentos e intervenções que tem o objetivo de resguardar a saúde
do feto, não cabendo a ela dispor do direito à vida e integridade do nascituro, sob pena
de sanções cíveis e penais.
47

Logo, sendo esse direito ligado diretamente ao direito à vida, deve a integridade
física ser resguardada.

3.3 Direito à filiação

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, os


filhos passaram a ter uma proteção especial, não importando se estes são frutos de
casamento, ou de qualquer outro tipo de união. Todos são filhos, não devendo haver
nenhum tipo de discriminação, independentemente do tipo de relacionamento dos
genitores, o meio de reprodução (sexual ou artificial) e até mesmo no caso dos filhos
não consanguíneos (adoção).
Nesse diapasão dispõe a CF:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988)

Esse princípio também foi abordado pelo ECA, em seu art. 20 11, e pelo CC
conforme disposto em seu art. 1.59612.
No caso dos filhos concebidos durante o casamento, o Código Civil dispõe
sobre o reconhecimento de paternidade em seu art. 1597, garantindo assim, mesmo
que o genitor do nascituro falecer, por exemplo, que ele tenha garantido o direito a
filiação. Dispõe tal artigo:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os


filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida
a convivência conjugal;

11ECA, Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação.
12 CC, Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os

mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à


filiação.
48

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da


sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação
do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha
prévia autorização do marido. (BRASIL 2002).

No entanto, o Código Civil de 2002 garante o Direito a filiação, até mesmo antes
do nascimento (nascituro) conforme o parágrafo único do art. 1.609, caso o filho for
havido fora do casamento, ou nos demais casos não previstos no art. 1. 597, conforme
as regras do art. 1609 do Código civil:

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é


irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em
cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento
do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar
descendentes. (BRASIL, 2002, grifo nosso).

No mesmo sentido, rege o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art.


26, parágrafo único:

Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos


pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de
nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento
público, qualquer que seja a origem da filiação.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do
filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. (BRASIL,
1990)

Vale ressaltar que o ECA também reconhece o direito a filiação como um direito
personalíssimo, conforme rege seu art. 27.13

13ECA, Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível


e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer
restrição, observado o segredo de Justiça.
49

A justificativa para a o reconhecimento do filho, no caso do nascituro, conforme


nos ensinam (ALMEIDA, 2000, p. 210; VENOSA, 2013, p. 259) se embasa no temor
do pai morrer antes do concebido nascer, também no caso de contrair doença que o
impossibilite de declarar livremente sua vontade, ou ainda, pela incerteza de a mãe
sobreviver durante o parto, tendo como objetivo, assegurar a certeza de paternidade
do futuro filho.
Diante do exposto, fica claro que nosso ordenamento jurídico considera o
direito a filiação um direito do Nascituro.

3.4 Direito à curatela

Conforme ensinamentos de Venosa (2013, p. 485) a curatela é instituto de


interesse público que é destinada a reger a pessoa ou administrar seus bens, inclusive
os do nascituro, assim, é a proteção garantida a quem não possui discernimento para
os atos da vida civil.
“[...] Como a capacidade de fato é importante para a participação na vida social,
notadamente para quem possui patrimônio a administrar, determina a lei civil o
suprimento da incapacidade, seja pelo poder familiar, pela tutela ou curatela. “
(NADER, 2013, p. 168, grifo nosso).
No caso do nascituro, a curatela é garantida pelo art. 1779 do CC:
“Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a
mulher, e não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.”
Assim, vale ressaltar, conforme o caput do artigo citado, a curatela só irá
acontecer caso o pai vier a falecer, e a mãe não possuir o poder familiar, visto que
ambos possuem tal poder, conforme é garantido pelo art. 5°, I da CF 14 e art. 21 do
ECA15. Tal poder, “[...] é o conjunto de direitos, poderes e obrigações que a lei concede

14 CF, Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

15ECA, Art.21 O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe,
na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso
de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
50

aos pais sobre a pessoa e bens dos filhos menores, para que eles possam bem
cumprir seus deveres também em relação a estes filhos. ” (SEMIÃO, 2015, p. 63).
Já em relação ao parágrafo único do mesmo artigo, se a mulher estiver
interditada, neste caso ela não terá condições de zelar pelos interesses do nascituro,
assim, já possuindo ela um curador por conta da interdição, este também será o do
concebido.
De acordo com Almeida (2000, p. 226) “Pontes de Miranda esclarece que dois
são os fins da curadoria ao ventre: velar pelos interesses do nascituro e impedir em
favor dele e de terceiros a suposição, a substituição e a supressão do parto. [...]”
Logo, nota-se que ao nascituro é garantido, dentre seus direitos, o direito à
curatela, conforme os argumentos discorridos neste subitem.

3.5 Direito de receber doações

O conceito de doação se encontra no art. 538 do Código Civil: “Considera-se


doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio
bens ou vantagens para o de outra. ”
Podemos afirmar que entre mais um dos direitos taxativamente conferidos pelo
ordenamento brasileiro ao nascituro, se encontra a doação, conforme estabelece o
art. 542 do CC: “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu
representante legal. ”
Nota-se que ela tem que ser aceita por seu representante legal. Essa aceitação,
“[...] é consequência da regra jurídica que ressalva os direitos do nascituro, taxados
expressamente em lei desde a concepção [...]. ” (SEMIÃO, 2015, p. 72)

[...] a doação de bem imóvel só poderá ser feita ao nascituro, desde


que seus pais aceitem, tendo como condição de cumprimento
contratual o nascimento com vida. Enquanto isso não ocorre, estes
ficarão na situação de meros zeladores de eventuais direitos, porém,
o contrato jamais será cumprido enquanto o donatário estiver na
condição de nascituro. Como se vê o direito é futuro. É mera
expectativa. Enquanto for nascituro o donatário, o direito jamais
incorporará o seu acervo patrimonial. [...] também nas doações de
bens móveis há uma impossibilidade fática de o nascituro receber o
bem por tradição, uma vez que não estando ele nascido não há como
imitir-se na posse e, consequentemente, possuir a coisa diretamente
ou indiretamente. São os pais que irão possuir a coisa, pondo-a a salvo
para o caso do infans conceptus vir a nascer com vida. (SEMIÃO,
2015, p. 73-74, grifo do autor).
51

Conforme nos ensina Semião (2015, p. 74) sendo o nascituro expectativa de


pessoa, e se este não nasce com vida, a doação será como se nunca tivesse sido
feita, pois, nascendo morto, não pode ser sucedido hereditariamente, logo, não poderá
transferir a seus herdeiros, retornando à doação para posse do doador. Portanto,
“Essa doação é feita sob a condição suspensiva de que o nascituro nasça com vida.
“ (ZAINAGHI, 2007, p. 80). “Basta, entretanto, um instante de vida [respiração], para
que a doação se torne definitiva, e passe aos herdeiros do donatário. (SEMIÃO, 2015,
p. 74).

3.6 Direito a sucessão

O direito à sucessão, de acordo com Almeida (2000, p. 233) é um direito


reconhecido desde a Antiguidade clássica grega. No Direito Romano, no período
clássico e pós-clássico era admitida a sucessão legitima e também a testamentária,
além disso, a prole eventual também poderia adquirir por testamente. Nossa
legislação também permite a vocação hereditária do nascituro e também da prole
eventual, como veremos nesse subitem.
Assim, mais um dos direitos conferidos ao nascituro, é o direito de suceder,
conforme a redação dada pelo art. 1798 do CC: “Legitimam-se a suceder as pessoas
nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. ” Assim, para ter
direito a suceder, o nascituro deve estar concebido no momento da abertura de tal
sucessão.
Assim como na doação, conforme preceitua Semião (2015, p. 76):

[...] o direito sucessório do nascituro é expectativa que só de efetiva


se nascer com vida, constituindo esta condição, o efeito geral de todas
as expectativas. Não há expectativa sem fato futuro e incerto, do qual
dependa o direito. Inútil será a aquisição desse direito se não ocorrer
a condição do nascimento com vida.

Uma exceção ao artigo anterior é a questão da prole e eventual, que não deve
ser confundida com o nascituro, sendo que este já é concebido e a prole ainda não,
conforme já explicado no item 2.3, tal ressalva encontra-se estabelecida no art. 1.799,
inciso I do CC:
52

“Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:


I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde
que vivas estas ao abrir-se a sucessão; ”
Vale ressaltar, que assim como o nascituro, a prole eventual deverá nascer com
vida, nos termos do parágrafo 3° do art. 1.800 CC: “Nascendo com vida o herdeiro
esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à
deixa, a partir da morte do testador. ”

Quando da morte do legatário, se o herdeiro ainda não estiver


concebido, os bens ficarão sob a administração de um curador que,
em regra, será a pessoa cujo filho o testador espera ser seu herdeiro,
ficando esse responsável pelos bens até a efetivação do legado.
(ZAINAGHI, 2007, p. 79).

Porém, nos termos do § 4° do art. 1.800: “Se, decorridos dois anos após a
abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados,
salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos. ”
Por fim, conforme ensinamento de Semião (2015, p. 77-78), o simples fato,
tanto do nascituro, como da prole eventual terem direito a suceder, não os fazem
possuidor de personalidade, sendo que não haveria necessidade de a lei taxar os
direitos inerentes ao nascituro, se este fosse considerado pessoa, pois assim, teria
todos os direitos inerentes a ela, desde a concepção.
Conclui-se então, que o nascituro tem estabelecido em nosso ordenamento o
direito à sucessão legitima e testamentária (a prole eventual apenas a testamentária),
sob a condição de que nasça com vida.

3.7 Direito a alimentos

“São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes,
nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se
reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. ” (CC,
art.1695).
“Indiscutível, mesmo para aqueles que defendem a teoria natalista, que o
nascituro tem direito a alimentos. Afinal, é certo que, mesmo antes de nascer, existem
despesas que são destinadas à própria sobrevivência do nascituro. ” (PUSSI, 2008,
p. 424).
53

Segundo dizeres de Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 135):

[...] o nascituro tem direito a alimentos, por não ser justo que a
genitora suporte todos os encargos da gestação sem a colaboração
econômica do pai da criança que está por vir ao mundo. Por isso, é
com bons olhos que vislumbramos que tal matéria passou a ser objeto
de legislação expressa, através da Lei n. 11.804, de 5 de novembro
de 2008, que disciplinou o direito aos chamados ‘Alimentos
Gravídicos’, que compreendem todos os gastos necessários à
proteção do feto.

Conforme o CC, os alimentos consistem em prestações necessárias para viver


de modo compatível com a condição social, inclusive para atender as necessidades
da educação.16
Vale ressaltar que a prestação de alimentos é extensiva aos ascendentes e na
falta desses, aos descendentes, e por fim, na falta dos descendentes, aos irmãos do
genitor, sempre recaindo tal obrigação nos mais próximos em grau de parentesco
(arts.1696 e 1697 CC). Assim, se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar,
não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a
concorrer os de grau imediato (art. 1.698 CC).
No entanto o Código Civil, ao tratar de alimentos não definiu o que eles são,
porém, ao se referir ao legado, este abrangeu os alimentos em seu art.1920: “O legado
de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário
viver, além da educação, se ele for menor. ” Logo, nota-se que o leque englobado
pelos alimentos é grande, não sendo só para questões alimentícias, como podemos
ver, este engloba as condições básicas necessárias para se viver com dignidade, indo
desde o sustento, até vestuários e educação, entre outras necessidades.
Para reforçar tal direito ao nascituro, foi criada a Lei N° 11.804 de 05 de
novembro de 2008, que disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele
será exercido e dá outras providências, no entanto, cabe esclarecer, que também se
aplica ao nascituro os dispostos no Código Civil (arts. 1694 a 1710).
Vale destacar os arts. 2° e 6° da Lei de Alimentos gravídicos:

Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores


suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez

16 CC, Art. 1694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação.
54

e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as


referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica,
exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais
prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do
médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-
se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai,
considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela
mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.
Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz
fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da
criança, sopesando as necessidades da parte autora e as
possibilidades da parte ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos
gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do
menor até que uma das partes solicite a sua revisão. (BRASIL, 2005).

Pode se extrair da leitura desses preceitos legais que os alimentos são


garantidos da concepção até o parto, e mesmo após esse, passando de alimentos
gravídicos para pensão alimentícia, visando cobrir os gastos da gravidez e decorrente
desta. Nota-se também que não é necessário que seja comprovada a paternidade,
basta apenas que haja indícios desta, além disso, as despesas devem ser custeadas
pelo futuro pai. Tem-se, ademais, a Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça, que
dispõe que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame
de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”; a qual também é fundamento
para o deferimento da antecipação da obrigação alimentar.
Em relação as ações de alimentos gravídicos, colhe-se da jurisprudência:

APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS.


DESCAMIMENTO. A Lei n. 11.804/2008 regulamenta o direito de
alimentos à gestante. Contudo, embora possível a fixação de
alimentos, em se tratando de ação de alimentos gravídicos, imperioso
que a demanda esteja instruída com elementos de prova que
conduzam à reclamada paternidade. Na ausência de qualquer prova
acerca da paternidade, inviável a fixação de alimentos. Apelo
desprovido. (Apelação Cível N° 70080638075, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, data de
julgamento: 20/03/2019).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS
CONVERTIDA EM INSTIGAÇÃO DE EPATERNIDADE APÓS O
NASCIMENTO DA CRIANÇA.POSSIBILIDADE. HAVENDO FORTE
INDÍCIOS DA PATERNIDADE, POSSÍVEL A CONVERSÃO DOS
ALIMENTOS PROVISÓRIOS GRAVÍDICOS EM ALIMENTOS AO
RECÉM-NASCIDO. DECISÃO A QUO. REFORMADA. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento,
N°70082479346, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
55

Relator: Sandra Brisolara Medeiros, data de julgamento: 05/12/2019).

Referente a conversão da pensão alimentícia referida na Lei de alimentos


gravídicos (art.6°, § único), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp
1.629.423-SP, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/06/2017
e noticiado no Informativo de Jurisprudência 606, consignou que:

A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto


com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam
convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em
que se solicite a exoneração, redução ou majoração de seu valor ou
até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória
de paternidade. (STJ, 2017, p.8).

Ainda cabe destacar que o Código Penal, em seu art. 244 pune o não
cumprimento da prestação alimentícia, dispondo:

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge,


ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou
de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes
proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de
pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada;
deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente,
gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez
vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei
nº 5.478, de 1968)
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente,
frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado
de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordada, fixada ou majorada. (Incluído pela Lei nº
5.478, de 1968). (BRASIL, 1940).

Tal pena não vai contra o princípio de que ninguém pode ser preso por dívida,
pois tanto a Constituição Federal, em seu art. 5, inciso LXVII, como a Convenção
Americana de Direitos Humanos, em seu Art 7°, inciso VII fazem ressalva no caso de
obrigação alimentar, a saber:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
56

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia [...].
(BRASIL, 1988)

Artigo 7. Direito à liberdade pessoal


7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os
mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude
de inadimplemento de obrigação alimentar. (CADH, 1969)

Há, também, disposição processual a respeito:

Art. 528.No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de


prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos,
o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado
pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez
ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1º Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o
pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da
impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o
pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no
art. 517.
§ 2º Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade
absoluta de pagar justificará o inadimplemento.
§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não
for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial
na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três)
meses.
§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar
separado dos presos comuns.
§ 5º O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento
das prestações vencidas e vincendas.
§ 6º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento
da ordem de prisão.
§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o
que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento
da execução e as que se vencerem no curso do processo.
§ 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença
ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II,
Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado,
e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo
à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a
importância da prestação. [...] (BRASIL, 2015)

Portanto, diante dos argumentos e legislações abordadas em tal item, fica claro
que o nascituro tenha direito à alimentos, mesmo que de forma indireta, já que quem
faz jus a tal direito é a gestante, porém, com o objetivo de zelar pelas condições dignas
de subsistência do feto.
57

3.8 Direito a adoção

Segundo Pereira (2010, p. 411) “‘A Adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma
pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer
relação de parentesco consanguíneo ou afim’ [...]”.
Vale lembrar, conforme visto no item 3.3, os filhos adotivos não se diferenciam
dos biológicos em relação a direitos e qualificações, conforme o Art. 277, §6° da CF,
art. 20 do ECA e 1596 do CC.
O direito a adoção no Brasil é Regulamentado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, conforme rege o art.1618 do CC e o art. 39 do próprio ECA:

Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na


forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da
Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de
2009). (BRASIL, 2002).

Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o


disposto nesta Lei. (BRASIL, 1990)

Com relação a adoção do Nascituro, o Código Civil de 1916, deixava expressa


tal possibilidade, conforme o artigo 372: “Não se pode adotar sem o consentimento do
adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro. ”
O atual ordenamento que rege sobre adoção, também exige o consentimento
dos pais e do adotado (maior de doze anos), no entanto, não prevê a figura do
nascituro, conforme dispõe o ECA em seu art. 45.
Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do
representante legal do adotando.
§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou
adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido
destituídos do pátrio poder poder familiar. (Expressão substituída pela
Lei nº 12.010, de 2009)
§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será
também necessário o seu consentimento. (BRASIL 1990).

Podemos observar que o ECA apenas considera a figura da criança e do


adolescente como possíveis de adoção, conforme observamos no artigo 45, não
mencionando o nascituro como beneficiário desse direito. Além disso, o mesmo
estatuto considera Criança a pessoa de 0 a 12 anos e adolescente de 12 a 18 anos,
58

conforme disposto no art. 2°, caput do Estatuto17, sendo que não tendo nascido,
conforme nos ensina Semião (2015, p. 62), “Ele [nascituro] sequer tem idade”.
Ainda cabe ressaltar, que o ECA só considera válido o consentimento após o
nascimento da criança, não podendo os pais consentirem em ceder o filho ainda não
nascido a adoção, conforme seu art. 166, parágrafo 6°18, ou seja, somente a pessoa
nascida pode ser adotada, não sendo reconhecido o direito do concebido a adoção.
Outro fato relevante é o estágio de convivência estabelecido pelo ECA, que é
impossível ser realizado ao se referir ao nascituro, visto que este não é nascido. Tal
premissa está disposta no art. 46, a saber:

Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a


criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias,
observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do
caso.
§ 1 o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando
já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo
suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da
constituição do vínculo. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 2 o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da
realização do estágio de convivência.
§ 2 o -A. O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser
prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da
autoridade judiciária.
§ 3 o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado
fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 (trinta)
dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual
período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da
autoridade judiciária.
§ 3 o -A. Ao final do prazo previsto no § 3 o deste artigo, deverá ser
apresentado laudo fundamentado pela equipe mencionada no §
4 o deste artigo, que recomendará ou não o deferimento da adoção à
autoridade judiciária.
§ 4 o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude,
preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela
execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que
apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do
deferimento da medida.
§ 5 o O estágio de convivência será cumprido no território nacional,
preferencialmente na comarca de residência da criança ou
adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em
qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência
da criança.

17 ECA, art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
18 ECA, art. 166 [...] § 6°. O consentimento somente terá valor se for dado após o nascimento

da criança.
59

“O artigo 46 do Estatuto determina que a adoção será precedida de estágio de


convivência com a criança e adolescente pelo prazo que a autoridade judiciária fixar,
observadas as peculiaridades do caso – o que impossível em relação ao nascituro. “
(SEMIÃO, 2015, p. 63, grifo nosso).
Portanto, afirma Pussi (2008, p. 410 – 411, grifo nosso) que:

O fato de o Estatuto [ECA], ao tratar do instituto da adoção, nos arts.


39 a 52 fazer menção unicamente a expressão criança e
adolescente, sem aludir ao termo nascituro, revela claramente que
o ordenamento jurídico excluiu a possibilidade de adoção de
nascituros [...].

Logo, conforme já estudado, os direitos do nascituro são os taxados em lei, e o


fato de a adoção deste não estar prevista no ordenamento pátrio, consequentemente
faz com que ele não faça jus a tal direito.

3.9 Conflitos jurisprudenciais

Como já visto no subtítulo 2.4.6 desta monografia, tanto o Código Civil, como o
Supremo Tribunal Federal adotam a teoria Natalista. Porém, o Supremo Tribunal de
Justiça vem reconhecendo direitos inerentes as pessoas já nascidas, indo contra o
que estabelece o Código Civil e o STF, causando assim, conflitos jurisprudências.
Neste subitem serão expostas as jurisprudências do STF e as do STJ, para que
se possa observar o conflito entre seus entendimentos.
A principal Jurisprudência do STF a respeito da teoria adotada por nosso
ordenamento, é a ADI 3510, julgada em maio de 2008, que optou pela Teoria
Natalista. São trechos do julgamento:

[...]
III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS
DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-
IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida
humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e
qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas
da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva
(teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da
"personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da
pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como
cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-
60

pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à


liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros
direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da
fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar).
[...]
19. Falo "pessoas físicas ou naturais", devo explicar, para abranger
tão-somente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso
mesmo contempladas com o atributo a que o art .2º do Código Civil
Brasileiro chama de "personalidade civil", literis: "A personalidade civil
da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro". Donde a interpretação
de que é preciso vida pós-parto para o ganho de uma personalidade
perante o Direito (teoria "natalista", portanto, em oposição às teorias
da "personalidade condicional" e da "concepcionista"). (BRASIL.STF,
2008, p. 1, 28 e 29).

Nota-se que o Ministro relator Carlos Ares Britto, cujo voto foi o vencedor, teve
que adentrar nas discussões das escolas natalista e concepcionista, uma vez que os
embriões humanos congelados são o mais próximo do nascituro. Em seu voto, o
Ministro demonstra claramente, como se observa no item 19 da referida ADI, que no
ordenamento brasileiro, prevalece a teoria natalista da personalidade jurídica.
No entanto, apesar dessa decisão do STF, há decisões posteriores do STJ e
de Tribunais brasileiros que vão em caminho contrário a teoria natalista, ou seja,
adotam a teoria concepcionista.
A quarta turma do Supremo Tribunal Justiça, em seu informativo de
Jurisprudência número 547 de 08 de outubro de 2014, se referindo ao REsp
1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/09/2014, adotou a teoria
concepcionista em favor de uma gestante que sofreu aborto em decorrência de um
acidente de trânsito, concedendo a ela o direito a ser indenizada pelo seguro DPVAT,
indenização essa, devida em caso de morte.
Vale ressaltar o trecho de tal informativo:

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO REFERENTE AO SEGURO DPVAT


EM DECORRÊNCIA DE MORTE DE NASCITURO.
[...], o ordenamento jurídico como um todo (e não apenas o CC)
alinhou-se mais à teoria concepcionista - para a qual a personalidade
jurídica se inicia com a concepção, muito embora alguns direitos só
possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento, haja vista que
o nascituro é pessoa e, portanto, sujeito de direitos - para a construção
da situação jurídica do nascituro[...]. (BRASIL.STJ, 2014, p. 10).
61

A indenização ao seguro DPVAT já tinha sido discutida anteriormente pela


terceira turma do STJ, no julgamento REsp 1.120.676-SC, Rel. originário Min.
Massami Uyeda, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
07/12/2010. Vale citar um trecho do informativo de jurisprudência número 459 que diz
respeito a tal decisão:

SEGURO DPVAT. MORTE. NASCITURO


[...] para o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, voto vencedor, o conceito
de dano-morte como modalidade de danos pessoais não se restringe
ao óbito da pessoa natural, dotada de personalidade jurídica, mas
alcança, igualmente, a pessoa já formada, plenamente apta à vida
extrauterina, embora ainda não nascida, que, por uma fatalidade, teve
sua existência abreviada em acidente automobilístico. (BRASIL.STJ,
2010, p. 07).

Ainda a terceira turma também tinha reconhecido o direito do nascituro, desta


vez a danos morais, conforme julgamento do REsp 931.556-RS, Relatora Ministra
Nancy Andrighi, julgado em 17/06/2008, conforme trecho do Informativo de
jurisprudência número 360:

ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO MENSAL. NASCITURO.


DANO MORAL.
Prosseguindo o julgamento, a Turma decidiu ser incabível a redução
da indenização por danos morais fixada em relação a nascituro filho
de vítima de acidente fatal de trabalho, considerando, sobretudo, a
impossibilidade de mensurar-se o sofrimento daquele que, muito mais
que os outros irmãos vivos, foi privado do carinho, assim como de
qualquer lembrança ou contato, ainda que remoto, de quem lhe
proporcionou a vida. A dor, mesmo de nascituro, não pode ser
mensurada, conforme os argumentos da ré, para diminuir o valor a
pagar em relação aos irmãos vivos. (BRASIL.STJ, 2008, p. 5).

Nota-se que esses conflitos abrem precedentes para direitos não previstos no
Código Civil em relação a figura do nascituro, entre eles, o dano moral e o direto a
indenização.
Ainda é relevante citar julgamentos, embasados na teoria concepcionista dos
Tribunais de Justiça brasileiros:

APELAÇÃO CÍVEL, SEGURO PDVAT. MORTE. AÇÃO DE


COBRANÇA.CONCESSÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA.
NASCITURO. ASSEGURADOS OS DIREITOS DESDE A
CONCEPÇÃO. TEORIA CONCEPCIONISTA. INDENIZAÇÃO
SECURITÁRIA DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. SÚMULA 580
62

DO STJ. 1. A Lei no 6.194 /1974 instituiu o Seguro Obrigatório de


Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre,
ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, de índole
essencialmente social, conhecido como Seguro DPVAT,
compreendendo indenizações por morte, invalidez permanente total
ou parcial e despesas com assistência médica e suplementar, com
uma cobertura objetiva a pessoas expostas a riscos de danos
pessoais causados por veículos automotores ou pela sua carga. 2.
Percebe-se nos autos que houve acidente automobilístico em que a
vítima, autora grávida, sofreu graves lesões corporais conforme o
boletim de ocorrência juntado aos autos. Cabe mencionar também que
a perícia realizada confirmou, inclusive, o falecimento do feto dias
após o acidente por decorrência deste. Fato incontroverso nos autos.
3. Diante das questões levantadas nos autos, quanto aos direitos do
nascituro, destaca-se o art. 2o do Código Civil Brasileiro, o qual
reconhece os direitos do nascituro de acordo com a Teoria
Concepcionista, ou seja, ressalva os direitos do nascituro desde sua
concepção. Nesse sentido, considerando a ocorrência do falecimento
do feto devido ao acidente automobilístico, cabível a indenização no
valor integral, devendo ser repassado aos seus genitores, uma vez
que salvaguardado os direitos do nascituro, devendo este ser
legalmente protegido desde a sua concepção. 4.Tratando-se de
matéria de ordem pública, deve ser alterado de ofício o arbitramento
da correção monetária a ser contado desde a data do evento danoso,
nos termos da Súmula 580 do STJ. APELAÇÃO DESPROVIDA E, DE
OFÍCIO, ALTERADO O TERMO INICIAL DA CORREÇÃO
MONETÁRIA. (Apelação Cível N° 70075611913, Quinta Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da
Silva, data de julgamento: 28/03/2018).

RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL. COBRANÇA DE SEGURO


OBRIGATÓRIO. DPVAT. ILEGITIMIDADE ATIVA. INOCORRÊNCIA.
CERTIDÃO DE NATIMORTO COM APONTAMENTO DE
PATERNIDADE. MÉRITO.TEORIA CONCEPCIONISTA QUE
ASSEGURA DIREITOS AO FETO. INTERRUPÇÃO DA VIDA
GESTACIONAL DE NASCITURO CAUSADA POR ACIDENTE DE
TRÂNSITO. COBERTURA SECURITÁRIA DEVIDA. SENTENÇA
CONFIRMADA, NO PARTICULAR, POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS, SERVINDO A SÚMULA DE JULGAMENTO DE
ACÓRDÃO. RECURSO DESPROVIDO. Em respeito à presunção de
boa-fé e notadamente quando os pais vivem em união estável, a
certidão de natimorto é suficiente para demonstração da qualidade de
genitor e, por consequência, de beneficiário do seguro obrigatório. De
acordo com a teoria concepcionalista a que alude o art. 2o , segunda
parte, do CC, são assegurados direitos ao nascituro, e assim,
interrompida a vida intrauterina do feto, fica garantido aos genitores
ascendentes o recebimento da indenização do seguro obrigatório por
evento morte, a teor do art. 3° , I , da Lei no 6194 /74. (TJ-SC – RI:
03000181620188240052, Relator: Luís Paulo Dal Pont Lodetti, Data
de julgamento: 13/03/2019, Quinta Turma de Recursos – Joinville).
63

Destarte, percebe-se que, os Tribunais de Justiça caminham no sentido de


proteger o feto desde sua concepção, não sendo tampouco possível encontrar
entendimento contrário nas decisões colegiadas do STJ. Porém há de se observar
que tanto o STJ quando os demais tribunais estão indo contra a decisão do STF,
quando este, no julgamento da ADI 3510 decidiu escolher a teoria natalista, assim
como também optou nosso Código Civil, em ser art. 2°.
Vale enfatizar mais uma vez o teor do art. 102 da CF:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a


guarda da Constituição, cabendo-lhe:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas
ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra
todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal. (BRASIL, 1988).

Portanto, esse conflito referente as teorias do início da personalidade, deveria ter se


findado quando o STF optou pelo viés natalista e não pelo concepcionista ou o da
personalidade condicional. Como vimos no item 2.5.4 desse trabalho monográfico,
apesar desses conflitos jurisprudências, e por força de nosso ordenamento jurídico, a
teoria adotada no Brasil é a natalista.
64

4 O NASCITURO E O ABORTO

Neste último capítulo, será tratado de forma sucinta o tema aborto, pois não há
como falarmos do nascituro e seus direitos, sem pensarmos na questão abortiva.
Serão abordados o conceito e as noções históricas do aborto, a questão no Brasil e
no mundo atualmente e por fim, as consequências deste na saúde pública e seu
conflito com direitos fundamentais.

4.1 Noções gerais sobre o aborto

Conceitua Norbim (2006, p. 60) que “A palavra aborto vem do Latim ab-ortus,
etimologia que transmite a ideia de privação do nascimento. Entende-se a interrupção
da gravidez, com a morte do feto, ates de sua viabilidade extrauterina. [...]”
Neste mesmo sentido, conceitua Semião (2015, p.123, grifo do autor) “Pelo
termo aborto (do latim abortus, ab, privação; ortus, nascimento), entende-se a
interrupção da gravidez, com a morte do feto, antes de sua viabilidade extrauterina.
[...].”
Além de conceituar o aborto da mesma forma que o autor anterior, Semião diz
que a viabilidade extrauterina se dá após as 22 semanas de gravidez, sendo assim, o
aborto “[...]. É a morte do produto da concepção antes das 22 semanas de vida dentro
do útero materno, porque dificilmente seria viável fora do útero com menos de 180
dias de gestação. ” (SEMIÃO, 2015, p. 123).
A Respeito da viabilidade, este também é o entendimento da OMS, que
estabelece que “[...] esta viabilidade acontece a partir da 20ª - 22ª semana de gravidez
e quando o produto da concepção pesa mais de 500g.” (FREITAS, 2011, p. 45)
Semião (2015, p. 123) segue dizendo que o termo correto é abortamento, termo
este empregado nos meios médicos, pois a palavra aborto é apenas uma corruptela
deste. Também é o que ensina Freitas (2011, p. 45, grifo do autor) “[...] Denomina-se
Aborto o produto da concepção eliminado no abortamento. Mas por força do uso, o
ato do ‘abortamento’ tem sido denominado como ‘aborto’. “
Assim, o “Abortamento é a perda de uma gravidez antes que o embrião e
posteriormente feto, seja capaz de vida independente da mãe. É a expulsão do feto
anterior ao termo natural. Interrupção provocada de uma gravidez. “ (SEMIÃO 2015,
p. 123-124).
65

Vale destacar que “[...] O abortamento pode ser provocado quando a


interrupção da gravidez é decisão transformada em alguma ação com essa finalidade,
ou espontâneo, quando a perda do feto não é consequência de manipulação
voluntária. [...]” (BENUTE et el. 2009, p.322, grifo nosso).
Neste mesmo sentido ainda podemos citar os ensinamentos de Pussi (2008,
p.245):
Distingue-se o aborto espontâneo (natural) do aborto provocado
(forçado). O aborto espontâneo é o produto de causa patológica ou
obstétrica. A primeira se dá por intoxicação ou pelo acometimento de
doenças [...], a outra pela pratica de abortos repetidos, por hipertrofia
placentária, endometrite, entre outros fatores.
De outro lado, muitos fatores podem ser indicados como causadores
do aborto provocado ou forçado, dentre os quais podemos citar:
a) O aborto físico, realizado por meio de calor, eletricidade, raio
‘x’, entre outros, acarretando a destruição fetal;
b) O aborto químico, verificado por meio de intoxicação grave da
mulher, com a introdução, em seu corpo, de substâncias
inorgânicas ou medicamentos;
c) O aborto mecânico, causado por traumas: indiretos ou
extragenitais, como a queda e a compressão do abdômen; e
diretos (injeções, dilatações, punções e deslocamento do ovo).

Por fim, é interessante sabermos as espécies de aborto, sendo elas:


a) O aborto Legal, isto é, consentido pelo ordenamento jurídico
[...];
b) O aborto criminoso, assim tipificado na legislação penal,
desprovido de causas excludentes da conduta;
c) O aborto eugênico, diante da possibilidade de o nascituro vir a
apresentar doenças grave transmitidas hereditariamente;
d) O aborto econômico, que se fundamenta na impossibilidade da
gestante de manter o seu filho, ao nascer;
e) O aborto social, cognominado livre, que sucede pela prática
social e chega a ser considerado legal em determinados países
ante a inexistência de dispositivo que incrimine ou reprima, ao
menos civilmente, a conduta. (PUSSI, 2008, p. 246).

4.2 O aborto e a história

Não se sabe ao certo a frequência que o aborto era cometido na antiguidade,


pois “[...] até1.800, não se conhecem levantamentos de seu número provável em
qualquer sociedade. Nunca se contestou, entretanto, seu cometimento. ” (PAPALEO,
2000, p. 18).
66

Tal prática “[...] é tão antiga quanto o homem. As mulheres nunca deixaram de
realiza-lo, apesar das sanções, controles e legislações surgidas por meio da história
da humanidade. ” (SEMIÃO, 2015, p. 125).
Segundo Pussi (2008, p. 237):

[...] o aborto foi diferentemente tratado pelas famílias nos primórdios,


sendo vedada essa atividade em inúmeras delas, impondo-se castigos
por vezes extremos aos contraventores. Noutros clãs, nenhuma
sanção era imposta aos infratores, por desinteresse ou por
aceitabilidade da conduta.

Relata Semião (2015, p. 125) que:

[...] os primeiros dados históricos de que dispomos referente ao aborto


são do Código de Hammurabi, 1700 a.C. Nele, considera-se o aborto
como um crime acidental contra os interesses do pai e do marido, e
também, uma lesão contra a mulher. Deixava-se, no entanto, bem
claro que o marido era o prejudicado e o ofendido economicamente.

De acordo com Pussi (2008, p.237) o direito oriental tolerava o aborto, e não
havia sanções para a gestante ou para quem executou o ato. Entre os Hebreus, a
pratica abortiva também era aceita, sendo que ela só passou a ser considerada crime
após a Lei Mosaica (Êxodo). Assim, a Bíblia, nas sagradas escrituras, descreveu as
punições a quem praticasse tal ato. Desta forma, traz o livro de Êxodo, em seu capítulo
XXI, versículos 22 a 25:

Se alguns homens pelejarem, e ferirem uma mulher grávida, e for


causa que aborte, porém não houver outro dano, certamente será
multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e pagará
como os juízes lhe determinarem. Mas se houver dano, então darás
vida por vida; Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé;
Queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.

Podemos ainda citar o Código de Manu19, na Índia, que criminalizava ao aborto,


e se este resultasse a morte de uma mulher de casta superior, o culpado poderia ser
castigado até morrer. (PUSSI, 2008, p. 237).

19 Constitui-se na legislação do mundo indiano e estabelece o sistema de castas na


sociedade Hindu. Redigido entre os séculos II a.C. e II d.C. em forma poética e imaginosa, as
regras no Código de Manu são expostas em versos. Cada regra consta de dois versos cuja
métrica, segundo os indianos, teria sido inventada por um santo eremita chamado Valmiki, em
torno do ano 1500 a.C. Disponível em: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Manu> Acesso em; abr. 2020.
67

Ainda Segundo Pussi, os Assírios tinham punições severas, no caso de alguém


quem fizesse uma mulher que não tinha filhos abortar, este era condenado a morte,
já caso a mulher abortasse sem o consentimento de seu marido, ela também estaria
sujeita a pena morte, só que por empalação20.
Já na Pérsia, o Avesta21 “previa a punição a mãe e ao pai da jovem que, por
‘vergonha do mundo’, destruísse a vida que trazia em seu ventre. Pai e mãe eram
levados à morte. ” (PUSSI, 2008, p. 237)
Na Grécia Antiga, como já tratado no item 1.1, a ideia da prática abortiva era
difundida por todas as camadas sociais, sendo inclusive recomendada por Aristóteles
e Platão para controle de natalidade, embasados nos interesses demográficos e no
temor a fome com o aumento populacional, além disso, quando a criança nascia com
alguma deformidade física “[...]a recomendação era para que fossem abandonados
no alto de uma montanha logo após o nascimento. Na opinião de Platão e Aristóteles,
a morte dos bebês deformados deveria ser imposta pelo Estado. [...]” (TESSARO,
2006, p. 41)
Também havia a questão da idade difundida por Platão, que a reprodução
deveria ocorrer até os quarenta para as mulheres, após, recomendava-se o aborto.
Por sua vez, os legisladores Licurgo de Esparta e Sólon de Atenas, proibiam a prática,
entretanto, em Esparta, segundo Tessaro (2006, p. 42) o tratamento era diferente se
a criança apresentasse deformidades, pois ela era considerada imprestável para a
sociedade, nesses casos, era comum e até mesmo obrigatório atirar os recém-
nascidos do Alto do Monte Taígeto.
Na Grécia ainda podemos citar o juramento de Hipócrates, que vedava o
fornecimento de substancias abortivas, no entanto, tal proibição era destinada
exclusivamente aos médicos, visto que essa prática consistia em um dos crimes mais
graves que eles estavam sujeitos. (TESSARO, 2006, p.41). Portanto, Hipócrates não
condenava o aborto “[...] embora se inclua no juramento hipocrático a proibição,
imposta ao médico, de indicar drogas abortivas às suas clientes. [...]” (PAMPALEO,
2000, p. 23).

20 Método de tortura antigo que consistia em espetar o condenado com uma estaca pelo ânus,
deixando-o desta forma para morrer. Disponível em:
<https://www.dicio.com.br/empalamento>Acesso em: abr. 2020.
21 Conjunto dos livros sagrados dos persas, cuja autoria era atribuída a Zoroastro. Disponível

em: <https://www.dicio.com.br/empalamento> Acesso em: abr. 2020.


68

Em Roma, como também já relatado anteriormente (item 1.2) o aborto não era
punido, nem mesmo a Lei das XII Tábua previa sanções para tal conduta, visto que
na época o concebido era considerado partes das vísceras maternas e não um ser
autônomo.
“[...] Em princípio punia-se o aborto por razões referentes à indignidade da
mulher em não dar herdeiros ao marido. Mais tarde, o Digesto começou a castigar a
prática do aborto com a pena de morte, por razões exclusivamente morais. “ (SEMIÃO,
2015, p. 126).
“Nessa época, por considerarem o feto como parte do corpo da gestante,
reconhecia-se à mulher o direito de dispor livremente do próprio corpo [...] de forma
que o aborto ficava impune, salvo quando violasse a vontade do marido. ” (TESSARO,
2006, p. 43).
Também se punia o aborto, quando ele “[...] era praticado sem a autorização
da gestante [...] não se cogitava proteção do feto, mas tão-somente, da honra paterna
e da incolumidade materna. No entanto, se não fosse casada, poderia a mulher
praticar o aborto [...]” (PUSSI, 2008, p. 237-238). Ou seja, se solteira, não seria uma
ofensa ao pai da futura criança. “Assim, o aborto próprio ou consentido seria punível
somente quando a gestante fosse casada, e sem a finalidade de proteger o feto, e sim
o direito que possuía o marido à sua descendência. ” (TESSARO, 2006, p. 43).
“Em verdade, nenhuma proteção existia em benefício ao nascituro, mas
apenas, a integridade física da mulher e ao direito paterno a prole. ” (PUSSI, 2008, p.
238). No entanto, vale ressaltar, segundo Tessaro (2006, p. 43) que “durante o reinado
do imperador Septimus Severus (193 – 211 d.C), o aborto deixou de ser considerado
uma lesão à saúde e a integridade física da gestante, passando a ser considerado
[apenas] lesão ao direito de paternidade”
Já no Brasil, antigamente “os índios não só matavam as crianças recém-
nascidas com sinais de doença ou que tivessem algum defeito físico, mas também os
gêmeos, os ilegítimos e os adultos portadores de moléstias incuráveis” (MAMMANA,
199, p. 343).
“No entanto, sob a influência do Cristianismo, as práticas relacionadas ao
aborto e abandono dos recém-nascidos malformados foram desaparecendo, sendo
substituídas por um sentimento de sacralidade e intangibilidade da vida. [...]”
(TESSARO, 2006, p. 43).
69

Conforme ensinamento de Pussi (2008, p. 238 - 239) a igreja, procurou reprimir


a conduta abortiva, embasado nas concepções aristotélicas, Tomás de Aquino
defendia a distinção entre o feto animado e o inanimado, sendo que, o aborto seria
reprimido se o feto fosse dotado de alma, e a aquisição da alma se dava aos quarenta
dias para o sexo masculino e oitenta para o feminino. Essa visão passou a ser seguida
à risca pela Igreja.
No entanto, “Com o passar dos anos [e depois de muitas contradições], a Igreja
acabou por abandonar a ideia distintiva da época de animação do feto, e passou a se
orientar pela teoria concepcionista. [...] (PUSSI, 2008, p. 239, grifo do autor).
Afirma Sá (2012, p. 19) que “[...] A conversão de alguns imperadores romanos
ao Cristianismo veio influenciar a reformulação do antigo direito romano, que passa a
equiparar o aborto ao homicídio. [...]”. Assim, se consolidou “[...] o entendimento de
que a vida iniciava-se no momento da concepção, e que não havia distinção entre um
feto e um ser já nascido. [...] (TESSARO, 2006, p. 44).
Logo, conclui-se que foi o Cristianismo que difundiu a ideia de criminalização
do aborto, ideia esta que vem sendo alterada no decorrer dos anos, porém ainda se
trata de algo muito delicado a ser discutido, especialmente em países com fortes
influencias religiosas.

4.3 A tratamento dado ao Aborto na legislação estrangeira

Neste item, será citado brevemente alguns dos primeiros países que
legalizaram o aborto, no entanto, “Ao todo, são 63 países onde o aborto é considerado
uma prática legalizada e as mulheres que desejam interromper sua gravidez
voluntariamente não são presas por isso. [...]” (BOL, 2019).
Na maioria dos países desenvolvidos o abortamento voluntário é permitido até
12 semanas. ” (SEMIÃO, 2015, p. 124).

Muitos países adotaram o sistema de indicações, podendo ou não


estar condicionada à um prazo, qual seja, o número de semanas de
gestação, para prever as hipóteses em que é lícito interromper a
gravidez.
Estas indicações coincidem com recomendações médicas,
psicológicas, sociais ou econômicas, dependendo das leis vigentes
naquele país, que em relação ao aborto, pode ser menos ou mais
restritiva, chegando a ser totalmente liberal [...]. (TESSARO, 2006, p.
57).
70

Assim, poderemos observar que, conforme ensinamentos de Tessaro (2006,


p.62-63):

[...]em muitos países a interrupção da gestação é ponto pacífico,


estando legalizada e plenamente regulamentada. [...] o que diferencia
o procedimento de um país em relação a outro é o prazo para
interromper e as indicações, que podem ser mais abrangentes,
restritivas ou até totalmente liberais, privilegiando-se neste caso, como
princípio fundamental, o direito de escolha da mulher em ter ou não
esse filho, garantindo a estas mães o direito à vida, à saúde e
integridade física e moral, direitos estes que também encontram
amparo nas respectivas constituições.

4.3.1 Rússia

A Rússia foi o primeiro país a legalizar a prática abortiva, sendo que ela foi
legalizada em 1920, ates do surgimento da União Soviética. Voltou a ser crime em
1936, e a ser legalizado novamente em 1955, legalização essa que vigora até hoje.
(BOL, 2019).
No país é permitido abortar apenas até a 12ª semana de gravidez, e vale
ressaltar que o país é o líder de abortos no mundo, com aproximadamente 1,3 milhões
de abortos anualmente de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU),
apear de tal prática ter diminuído consideravelmente desde o fim da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). (BOL, 2019).

4.3.2 México

O México foi o primeiro país a permitir o aborto em caso de estupro, no ano de


1931. (BOL, 2019).
Vale ressaltar que lá, a legislação muda de Estado para Estado, sendo que
apenas da Cidade do México, que é a capital do país, o aborto era totalmente
legalizado, sendo a única limitação o prazo de 12 semanas de gestação. Em
Contrapartida, os outros Estados proíbiam de forma universal o aborto. (BOL 2019)
Porém em setembro de 2019, o Estado de Oaxaca se tornou a segunda
unidade federativa mexicana legalizar o aborto. (REINA, 2019). No restante dos
71

Estados o aborto só é permitido em casos de má formação do feto, risco de morte da


mãe e estupro. (COLOMBO 2019).

4.3.3 Islândia

No ocidente, a Islândia foi a pioneira na legalização da pratica abortiva


voluntária, no ano de 1935. O País considera que é mulher é livre para exercer sua
vontade, sendo que o prazo legal para realizar o aborto é até a 16ª semana. (BOL,
2019).
Vale ressaltar que

[...] o país foi o primeiro no mundo a legalizar o aborto por motivos


médicos e sociais. Sua legislação enfatiza que a mulher pode justificar
o pedido de aborto por falta de renda, planejamento familiar ou apenas
ausência de condições mentais para ter um filho. (ALTMAN, 2014).

Tal Legislação tem como causas justificadoras da conduta: possuir muitos


filhos, dar à luz a muitos filhos em um curto espaço de tempo ou ter dado à luz a pouco
tempo; a difícil situação de saúde, financeira ou íntima da família; a idade avançada
da mulher; a falta de desenvolvimento mental da mulher. (PUSSI, 2008, P. 247).

4.3.4 Espanha

Em 1936, com um movimento separatista e anarquista, algumas


regiões da Espanha se tornaram independentes, entre elas a
Catalunha. Nesse ano, o novo governo autônomo legalizou o aborto
gratuito até a 12ª semana de gestação. Mas, com o fim do movimento
separatista e a ascensão do regime fascista de Franco, o aborto voltou
a ser proibido em todo o território nacional. (BOL, 2019)

. Apenas em 1985 ele voltaria a ser legalizado, porém nos casos de risco a
saúde física ou psíquica da mulher, má formação do feto e estupro. Porém, em 2010,
com a aprovação de um projeto de lei, tal medida é permitida até a 14ª semana por
decisão da mulher, salvo nos casos de má formação ou risco de vida da gestante, em
que o prazo é maior (22 semanas). Além disso o projeto de lei de 2010 também
permitiu que adolescentes a partir dos 16 anos pudessem realizar o aborto sem o
consentimento dos pais, no entanto, em 2015, o Senado determinou que as menores
72

de idade precisam de autorização do pais para tal. (A LEGISLAÇÃO…2017; BOL,


2019).

4.3.5 Suécia

Na Suécia, a legislação sobre o aborto é datada de 1938, e era permitia a


prática por razões médicas, humanitárias ou eugênicas. (BOL, 2019).
Desde 1975 o pais permite o aborto social, assim, após a lei do “aborto livre”
de 1974 entrar em vigor, a mulher é livre para realizar o aborto até a 18ª semana de
gestação, e a prática também é permitida até a 22ª semana por motivos de força
maior, como inviabilidade do feto. (PUSSI, 2008, p. 247; BOL, 2019).

4.3.6 Japão

Segundo Tessaro (2006, p. 58) no Japão o aborto é permitido pela simples


decisão da gestante.
Lá o aborto foi legalizado em 1948, com fundamento na superpopulação após
Segunda Guerra Mundial, visto que era um risco para o desenvolvimento econômico
do país. São vários os motivos para realizar tal prática, como estupro, risco de vida da
gestante e até falta de condições financeiras para cuidar da criança, porém a
legalidade se estende até a 12ª semana. (BOL, 2019).

4.3.7 Noruega

A Noruega criou sua primeira legislação sobre o aborto em 1964, quando


aprovou o consentimento da prática em casos de risco de vida para a mãe. Em 1975,
a lei foi ampliada e passou a permitir também o aborto por motivos socioeconômicos.
Por fim, em 1978, o aborto foi legalizado totalmente e, na Constituição do país, toda
mulher que é colocada em sérias dificuldades por conta da gestação pode solicitar o
procedimento, desde que dentro das 12 primeiras semanas. (BOL, 2019).
Vale destacar uma decisão recente (junho de 2019) em que parlamentarem
aprovaram um projeto de lei que proíbe a realização de abortos seletivos com vários
fetos e obrigando as gestantes apresentar razões alegadamente válidas. “Na prática,
vai caber a uma comissão especial ter a última palavra sobre se cada mulher pode ou
73

não interromper a gravidez por vontade própria, depois do primeiro aborto [...]”
(EURONEWS, 2019).

4.3.8 Estados Unidos da América

Os Estados Unidos viveram uma longa caminhada até a legalização


do aborto. Em 1959, o American Law Institute (ALI) redigiu um
documento que tratava sobre a legalização total do aborto. A partir de
1967, alguns estados do país, como Califórnia, Colorado e Carolina do
Norte, começaram a adotar o modelo do American Law Institute como
base da própria Constituição. Depois disso, em 1973, a Suprema
Corte decidiu pela legalização do aborto, decisão esta que foi seguida
em todo o território nacional. [...] (BOL, 2019).

Segundo Sarmento (2005, p. 46-48):

O debate mais conhecido nesta matéria é certamente o travado nos


Estados Unidos. A questão do aborto não está diretamente regulada
pela Constituição norte-americana, mas no famoso caso Roe v. Wade
• julgado pela Suprema Corte em 1973. entendeu-se que o direito à
privacidade. reconhecido por aquele Tribunal no julgamento do caso
Griswold v. Connecticut de 1965, envolveria o direito da mulher de
decidir sobre a continuidade ou não da sua gestação. Com base nesta
orientação, a Suprema Corte, por 7 votos a 2, declarou a
inconstitucionalidade de uma lei do Estado do Texas, que
criminalizava a prática do aborto a não ser nos casos em que este
fosse realizado para salvar a vida da gestante. [...]
No julgamento em questão, a Suprema Corte definiu os parâmetros
que os Estados deveriam necessariamente seguir ao legislarem sobre
aborto. No primeiro trimestre de gestação, o aborto deveria ser livre,
por decisão da gestante aconselhada por seu médico. No segundo
trimestre, o aborto continuaria sendo permitido, mas o Estado poderia
regulamentar o exercício deste direito visando exclusivamente
proteger a saúde da gestante. Só a partir do terceiro trimestre da
gestação - período a partir do qual já existiria viabilidade da vida fetal
extra-uterina -, poderiam os Estados proibir a realização do aborto,
objetivando a proteção da vida potencial do nascituro, a não ser
quando a interrupção da gravidez fosse necessária para preservação
da vida ou da saúde da mãe.
É certo que em decisões posteriores, como Planned Parenthood v.
Casey, proferida em 1992, a Suprema Corte flexibilizou o critério
fundado no trimestre da gestação, passando a admitir proibições ao
aborto anteriores ao 3° trimestre, desde que já caracterizada a
viabilidade fetal extra-uterina.
74

No entanto, atualmente grupos conservadores, alimentados pelo viés pró-vida


do atual presidente, Donald Trump, buscam uma maior rigidez nas leis contra o aborto.
No ano passado, inclusive, alguns estados aprovaram Leis mais conservadoras contra
o aborto. (PINHEIRO, 2019).
Em março de 2020 a Suprema Corte dos Estados Unidos começou a examinar
uma lei aprovada em 2014 no Estado de Louisiana, lei essa similar à do Texas que foi
revogada em 2016. No entanto, atualmente, Trump fez a balança do Supremo inclinar
para o lado conservador, ao indicar dois magistrados de um total de nove, esses
alinhados as suas ideias conservadoras. Tal decisão deve sair em junho deste ano
(2020), antes das eleições presidenciais de novembro, e se seguir o viés pró-vida
pode derrubar o ”Roe v. Wade” e mudar o tratamento dado ao aborto em todo o país.
(PRESSE, 2020).

4.3.9 Reino Unido

Em 1967, Inglaterra, Escócia e País de Gales adotaram no Reino


Unido uma das legislações mais liberais na época no que diz respeito
ao aborto. Desde então, o procedimento é permitido até a 24ª semana
de gestação por razões sociais, médicas, econômicas, estupro, risco
de morte da mãe ou má formação do feto. Atualmente, a maioria dos
países da Europa adota uma legislação semelhante. (BOL, 2019).

Na Irlanda no Norte, deferentemente dos outros três países que compõem o


Reino Unido, o aborto era crime, permitido apenas em casos de risco de vida da mãe.
No entanto, em 2018 o país aprovou, com 66, 4% dos votos, a legalização do aborto
por meio de um referendo, e em outubro de 2019, o parlamento legalizou a pratica até
a 12ª semana de forma irrestrita e até 23ª semana em casos de anomalias do feto ou
risco de vida da gestante, tornando assim o aborto legal em todo Reino Unido. (O
GLOBO, 2018; UNIVERSA, 2020).

4.3.10 Canadá

A primeira Lei referente ao aborto no Canadá é de 1969, em que permitia tal


prática em casos de risco de morte ou à saúde da mãe.
A descriminalização veio em 1988, quando
75

A Suprema Corte, no julgamento do caso Morgentaler. Smoling and


Scott v. The Queen, proferido em 1988, também reconheceu que as
mulheres possuem o direito fundamental à realização do aborto.
Discutia-se, na hipótese, a conformidade com a Carta de Direitos e
Liberdade do Canadá, de 1982, de uma lei de 1969 que criminalizava
o aborto, estabelecendo como única exceção a hipótese em que um
comitê terapêutico composto por três médicos atestasse que a
continuidade da gravidez traria riscos à vida ou à saúde da gestante.
(SARMENTO, 2005, p. 57).

Por fim, vale ressaltar que o Canadá é um dos países mais liberais, sendo
permitido o aborto em qualquer estágio da gravidez, sendo que os canadenses e
estrangeiros que residem no país podem procurar o sistema público de saúde para
realizar o procedimento, como na província Quebec, que o aborto é legal, gratuito e
acessível em todos os momentos. (BOL, 2019; VELOSO, 2018).

4.3.11 França

Conforme ensinamento de Sarmento (2005, p. 49-50):

[...] em 1975, foi aprovada a Lei nº 75-17, que teria vigência temporária
por 5 anos, permitindo a realização, por médico, da interrupção
voluntária da gravidez nas dez primeiras semanas de gestação, a
pedido da gestante, quando alegue que a gravidez lhe causa angústia
(detresse), ou, em qualquer época, quando haja risco à sua vida ou
saúde, ou exista forte probabilidade de que o feto gestado venha a
sofrer, após o nascimento, de “doença particularmente grave
reconhecida como incurável no momento do diagnóstico”. Pela lei em
questão, deveria a gestante, antes do aborto submeter-se a uma
consulta em determinadas instituições e estabelecimentos, que lhe
forneceriam assistência e conselhos apropriados para a resolução de
eventuais problemas sociais que estivessem induzindo à decisão pela
interrupção da gravidez.
Em 1979, as normas da lei francesa de 1975 foram tornadas
definitivas. [...] E, mais recentemente, em 2001, foi promulgada a Lei
2001-588, que voltou a tratar do aborto e, dentre as suas principais
inovações, ampliou o prazo geral de possibilidade de interrupção da
gravidez, de 10 para 12 semanas, e tornou facultativa para as
mulheres adultas a consulta prévia em estabelecimentos e instituições
de aconselhamento e informação, que antes era obrigatória.
76

4.3.12 Itália

Assim como na França, a primeira legislação descriminando o aborto na Itália


é de 1975, quando a Corte Constitucional do país declarou parcialmente que o artigo
546 do Código Penal era inconstitucional. (SARMENTO,2005, p.50).

Diante desta decisão, o legislador italiano editou, em 1978, a Lei n°.


194, que regulamentou detalhadamente o aborto. De acordo com a
referida lei, a gestante pode, nos primeiros noventa dias de gravidez,
solicitar a realização do aborto em casos: (a) de risco à sua saúde
física ou psíquica; (b) de comprometimento das suas condições
econômicas, sociais ou familiares; (c) em razão das circunstâncias em
que ocorreu a concepção; ou (d) em casos de má-formação fetal.
Nestas hipóteses, antes da realização do aborto, as autoridades
sanitárias e sociais devem discutir com a gestante, e, se esta
consentir, com o pai do feto, possíveis soluções para o problema
enfrentado, que evitem a interrupção da gravidez. Afora casos de
urgência, foi estabelecido também um intervalo mínimo de 7 dias entre
a data da solicitação do aborto e sua efetiva realização, visando
assegurar o tempo necessário para a reflexão da gestante.
(SARMENTO, 2005, p. 51).

4.3.13 Alemanha

A Alemanha era dividida em Oriental e Ocidental, sendo que a primeira a


legalizar o aborto foi a Oriental em 1972, em que tal prática era permitida no primeiro
trimestre da Gestação. (BOL, 2019; SARMENTO, 2005, p.52).
Segundo Sarmento (2005, p. 51-52) na Alemanha Ocidental, em 1974 foi
editada uma lei para descriminalizar o aborto praticado por médico, a pedido da
gestante, até a 12 ª semana de gravidez. No entanto essa lei sofreu uma ação abstrata
de inconstitucionalidade perante o Tribunal Constitucional Federal. Essa ação foi
julgada em 1975, mas, apesar do Tribunal reconhecer a importância do direito à
privacidade da mulher em relação a procriação, decidiu que esse direito não era mais
importante que o direito à vida do feto, salvo nos casos de risco de vida ou a saúde
da gestante, má-formação fetal, situação social dramática da família e estupro, desta
forma, o Tribunal reconheceu, por maioria, a inconstitucionalidade da lei. Já em 1976
foi alterada a legislação, para que ela não fosse contra a decisão constitucional, essa
nova norma criminalizava o aborto, mas aumentou o leque de possibilidades de
realiza-lo sem caracterizar crime, além das causas ligadas ao risco de vida e saúde
77

da mulher, também era permitido em casos de patologias fetais, violação e incesto e


razões sociais e econômicas.
Ainda segundo o autor, quando ocorreu a união da Alemanha Oriental com a
Ocidental, pela divergência das legislações, por uma ser mais liberal que a outra, foi
necessária a elaboração de uma nova lei, que foi promulgada em 1992,
descriminalizando o aborto no primeiro trimestre de gestação.

Porém, a norma dispunha que, antes de realizar a interrupção da


gravidez, a gestante deveria submeter-se a um serviço de
aconselhamento, que tentaria demovê-Ia da idéia, e aguardar um
período de três dias. A principal característica da nova legislação
estava no fato de que visava evitar o aborto através de mecanismos
não repressivos, criando medidas de caráter educativo, de
planejamento familiar, benefícios assistenciais, dentre outros, no afã
de eliminar as causas materiais que levam as mulheres a procurarem
a interrupção da gravidez. (SARMENTO, 2005, p.52).

Mais uma vez a legislação do aborto foi contestada na Corte Constitucional,


que em 1993, declarou novamente inconstitucional a pratica abortiva na fase inicial da
gravidez, exceto se a continuidade da gravidez representasse ônus excessivo para
gestante. Até que em 1995, foi editada uma nova lei para se adequar com a decisão
constitucional, que além das hipóteses previstas na decisão, descriminou o aborto
cometido até a 12ª semana de gestação, sendo o requisito para a mulher realizar o
procedimento que ela busque aconselhamento psicológico, que tentará fazer com eu
ela não aborte, depois disso, ela deve esperar três dias para que possa realizar o
procedimento, essa é a legislação vigente atualmente. (SARMENTO, 2005, p.54).

4.4 A tratamento dado ao Aborto na legislação brasileira

No Brasil, a primeira referência ao aborto na legislação foi no Código Criminal


do Império, de 1830, que inseria tal prática no capítulo referente aos “Crimes contra a
segurança da pessoa e da vida”, sendo que anteriormente a essa legislação, não
havia qualquer criminalização, mesmo se fosse cometido pela própria gestante.
(TESSARO, 2006, p.45-46).
Nos termos dos artigos 199 e 200 do respectivo Código o aborto era punível
apenas quando praticado por terceiro, não importando se a gestante consentiu ou não
com tal prática e também nos casos em que era fornecido substancias para causar o
78

aborto, mesmo que tal prática não se consumasse, como podemos observar na
redação de ambos os artigos:

Art. 199. Occasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou


exteriormente com consentimento da mulher pejada.
Penas - de prisão com trabalho por um a cinco annos.
Se este crime fôr commettido sem consentimento da mulher pejada.
Penas - dobradas.
Art. 200. Fornecer com conhecimento de causa drogas, ou quaesquer
meios para produzir o aborto, ainda que este se não verifique.
Penas - de prisão com trabalho por dous a seis annos.
Se este crime fôr commettido por medico, boticario, cirurgião, ou
praticante de taes artes.
Penas - dobradas. (BRASIL, 1830).

Nota-se que “[...] era lícito, portanto, perante a lei, o auto-aborto, ficando a
mulher, neste caso, isenta de repressão legal que visava, exclusivamente, ao terceiro
responsável pela intervenção. ” (PUSSI, 2008, p. 254).
Já no caso de morte da gestante, quando o aborto era realizado por terceiro
“[...] o Código de 1830 remetia os fatos às disposições gerais sobre o homicídio,
atribuindo ao autor do delito pena diversa, conforme fosse a abortante consciente ou
não. ” (PUSSI, 2008, p. 254).
Em 1890, o Código Penal Brasileiro, que revogou o Código de 1830, alterou
completamente o tratamento referente ao aborto, estabelecendo a distinção entre
aborto com expulsão do feto e a aborto sem expulsão, sendo que no caso de expulsão,
a pena era mais grave. Além disso, introduziu a agravante no caso de a gestante
falecer em consequência do aborto ou por conta dos meios empregados para provoca-
lo, equiparando a pena ao homicídio simples, também adicionou a pena imposta ao
agente provocador, se este tivesse título cientifico (médico e parteira habilitados
legalmente) a privação de seu exercício profissional por tempo equivalente a pena.
Ainda, incriminou o aborto praticado pela gestante, no entanto, se a prática fosse para
ocultação da própria desonra, a pena era atenuada, e por fim, acolheu o aborto
necessário, se fosse a única alternativa de preservar a vida da mulher, mas, caso
houvesse imperícia do médico ou parteira e resultasse a morte da mulher, esses eram
punidos. (PUSSI, 2008, p. 254-255).
Tais sanções eram impostas nos artigos 300, 301 e 302 do respectivo Código
(1890):
Art. 300. Provocar abôrto, haja ou não a expulsão do fructo da
concepção:
79

No primeiro caso: - pena de prisão cellular por dous a seis annos.


No segundo caso: - pena de prisão cellular por seis mezes a um anno.
§ 1º Si em consequencia do abôrto, ou dos meios empregados para
provocal-o, seguir-se a morte da mulher:
Pena - de prisão cellular de seis a vinte e quatro annos.
§ 2º Si o abôrto for provocado por medico, ou parteira legalmente
habilitada para o exercicio da medicina:
Pena - a mesma precedentemente estabelecida, e a de privação do
exercicio da profissão por tempo igual ao da condemnação.
Art. 301. Provocar abôrto com annuencia e accordo da gestante:
Pena - de prissão cellular por um a cinco annos.
Paragrapho unico. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir
abortar voluntariamente, empregado para esse fim os meios; e com
reducção da terça parte, si o crime for commettido para occultar a
deshonra propria.
Art. 302. Si o medico, ou parteira, praticando o abôrto legal, ou abôrto
necessario, para salvar a gestante de morte inevitavel, occasionar-lhe
a morte por impericia ou negligencia:
Pena - de prisão cellular por dous mezes a dous annos, e privação do
exercicio da profisão por igual tempo ao da condemnação. (BRASIL,
1890).

O Atual Código Penal de 1940, classifica o aborto entre os delitos contra a vida,
nos artigos 124 a 128, contemplando o auto aborto e o aborto consentido (art. 124),
não consentido (art. 125), necessário ou terapêutico (art. 128, I) e sentimental (art.
128, II). Assim dispõe o CP:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento


Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe
provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não
é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o
consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são
aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos
meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de
natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe
sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
80

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de


consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
legal.

Pode-se observar que nosso Código Penal vigente incrimina o aborto, seja ele
praticado pela própria gestante, aquele praticado por terceiros, com ou sem o
consentimento da gestante, além de ser agravante das penas se ele resulta lesão
corporal de natureza grave ou morte da gestante.
Além disso, cabe destacar, que o aborto praticado por médico não é punível,
se consistir em aborto necessário ou resultante de estupro, sendo no último caso
permitido caso haja consentimento da gestante ou de seu representante legal se a
mesma for incapaz, sendo que também não há punições para ela ou seu
representante.
Neste diapasão Semião (2015, p. 126-127) conceitua que “No Direito Penal
Brasileiro atual, são expressamente considerados lícitos, isto é, não puníveis, o aborto
necessário e o aborto sentimental ou humanitário. O primeiro é permitido no [...] artigo
128, inciso I, e o segundo, no inciso II. Outrossim [..] não se pune o aborto culposo e
o aborto natural. Ou seja, o aborto natural é curial, e o acidental não constituem crime.
No primeiro, há interrupção espontânea da gravidez. O segundo geralmente ocorre
em consequência de traumatismo [...]. ”
Também há outras normas, além do CP que criminalizam o aborto, como a Lei
de Contravenções Penais (LCP) que em seu art. 20, proíbe anunciar processo,
substância ou objeto que podem provocar o aborto. Também o artigo 395 da CLT, que
se interpretado de forma inversa ao texto, pune o aborto criminoso em não garantir a
mulher repouso remunerado e estabilidade, e por fim, os códigos de ética dos médicos
que sempre puniram a prática do abortamento criminoso. (SEMIÃO, 2015, p. 127).
Como já mencionado anteriormente, no Código Penal o fato do aborto estar
disposto no título “Dos Crimes Contra a Pessoa”, é um dos principais argumentos dos
defensores da teoria concepcionista. Em relação a denominação do capítulo que ele
é disposto “Dos Crimes Contra a Vida”, alguns autores, como Sérgio Abdalla Semião
consideram adequada a colocação, pois se trata da vida embrionária.
No entanto, vale ressaltar que o direito à vida do feto, apesar de importante,
não é superior a vida da mãe, como se vê nos casos de aborto necessário e também
no caso do aborto humanitário, em que o legislador coloca o fato da repulsa da
gestante em ter um filho de seu estuprador acima do direito à vida do nascituro.
81

Nos dizeres de Semião (2015, p. 128, grifo do autor):

Não se diga que, nesses casos, o que predomina é a causa de


antijuridicidade do estado de necessidade, pois, a essa descriminante,
também o nascituro teria igual direito contra a mãe, caso fosse ela
pessoa. Entretanto, o legislador não levou em consideração a
presumível vontade e instinto de sobrevivência do infans conceptus,
exatamente por não ser ele considerado pessoa, e não se tratarem de
bens de igual valor, a vida da gestante e a vida daquele que está por
nascer. A figura jurídica do Estado de Necessidade é uma via de mão
dupla.

Ainda Semião (2015, p. 129) ressalta que as penas em abstrato dos crimes
homicídio e aborto não se equivalem. Assim, o legislador pátrio demonstra que mais
uma vez, a vida do nascituro e a vida da pessoa nascida não constituem bens com o
mesmo valor jurídico. Sendo que só o aborto provocado por terceiro, quando resulta
morte da gestante, tem pena igual ao homicídio simples, porém nesse caso, a
qualificadora é a morte da mulher e não do nascituro.
Portanto “[...] caso o nascituro fosse pessoa, matar o embrião, ou o feto, seria
homicídio, não havendo necessidade de o legislador criar o tipo penal de aborto. ”
(SEMIÃO, 2015, p. 129).
Também cabe destacar que nosso ordenamento não condena o aborto
culposo, ou seja, aquele que resulta de imprudência, negligencia ou imperícia, pois
não há tipificação penal. Assim nos termos do artigo 18 do CP:

Art. 18 - Diz-se o crime:


[...]
II - Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por
imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode
ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente. (BRASIL, 1940).

Além disso, conforme já citado no item 3.1, o STF possui decisão sobre o
assunto, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº
54, de 17 de junho de 2004 (ADPF-54), declarou a inconstitucionalidade da
interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta
tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro. Diante
da procedência dessa ADPF, o aborto nos casos de anencefalia foi consolidado com
a resolução n° 1.989/2012 do Conselho Federal de Medicina, que permite tal prática,
82

conforme dispõe seu art. 1°: “Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia
o médico pode, a pedido da gestante, independente de autorização do Estado,
interromper a gravidez. ”
Assim, podemos concluir que no Brasil, o aborto só não é criminalizado em três
hipóteses, sendo elas, no caso do aborto necessário (art. 128, I do CP), aborto
terapêutico (art. 128, II do CP) e nos casos de anencefalia, que é caracterizada pela
ausência total do encéfalo e da caixa craniana do feto (ADPF 54).
A interrupção da gravidez em casos de anencefalia e risco de vida da mãe, não
possuem prazo para ser realizada. Já no caso de estupro, pode ser realizada até a
20ª semana de gestação, podendo ser estendida até a 22ª semana, caso o feto
possua menos de 500 gramas. (FARIA, 2018). Esse período (semanas) e o peso do
feto, como vimos, é definido pela Organização Mundial da Saúde.
Por fim, vale destacar a ADI 5581 foi protocolada em 2016, pela Associação
Nacional de Defensores Públicos (Anadep), que entende que uma eventual
interrupção da gravidez, quando houver infecção por zika vírus, deve ser enquadrada
como “aborto necessário” que não é punido em nosso ordenamento. Porém, no mês
de abril de 2020, o STF julgou improcedente o pedido de legalização do aborto de
fetos com malformação em decorrência do zika vírus. Até o momento de elaboração
desta monografia, o teor dos votos ainda não foi divulgado, por isso não se sabe das
argumentações utilizadas pelos ministros, para rejeitar tal ação. (VIVAS; FALCÃO,
2020).

4.4.1 Criminalização, saúde pública e direitos fundamentais.

No Brasil, o aborto pela simples escolha da mulher é proibido, e essa


criminalização traz consequências a saúde pública e vai contra direitos fundamentais.
Tal criminalização não é efetiva, pois, desde os tempos mais remotos, criminalizar a
prática não impede que ela seja cometida.
Essa criminalização do abortamento “[...] busca forçar todas as mulheres que
engravidam a levar a gestação a termo. É uma medida de “maternidade compulsória”
cuja lógica é fortemente influenciada pela doutrina católica, que só admite o sexo para
a procriação.” (FREITAS, 2011, p. 42).
83

[...]. É irracional supor que milhares de mulheres que recorrem ao


aborto ilegal a cada ano no Brasil sejam condenadas e encarceradas.
Ao contrário do que sugerem as posições dogmáticas, a
criminalização não funciona como proteção da vida do feto e,
sobretudo, significa riscos e danos para as mulheres. (FREITAS, 2011,
P. 40).

[...] pesquisas sobre o aborto no Brasil comprovam que a ilegalidade


traz consequência negativas para a saúde da mulher, pouco coíbe a
prática e perpetua a desigualdade social. O risco imposto pela
ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres pobres
e pela que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto
seguro. (BRASIL, 2009, p. 13).

O aborto inseguro está entre as cinco22 causas que representam 75% de todas
as mortes maternas no mundo, sendo que 99% dessas mortes ocorrem em países em
desenvolvimento, como o Brasil. (OPAS/OMS BRASIL, 2018).
Dados do Ministério da Saúde (MS), relatados na audiência pública da ADPF
44223, informam que mais 90% das mortes maternas no Brasil correspondem a causas
evitáveis. São as principais causas diretas de falecimento no país: a hipertensão; a
hemorragia; a infecção e; o abortamento, sendo que está última já começa a se
apresentar como a terceira que mais mata. (AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018, p. 21).
Segundo informações do MS, as complicações em decorrência do aborto
inseguro sobrecarregam o Sistema Único de Saúde, sobrecarga que poderia ser
evitada. São aproximadamente 250 mil hospitalizações anualmente, e

22Hipertensão (pré-eclâmpsia e eclâmpsia); Hemorragias graves (principalmente após o parto);


Infecções (normalmente depois do parto); Complicações no parto; e Abortos inseguros.
(OPAS/OMS BRASIL, 2018).

23 ADPF 442 foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que sustenta que os dois
dispositivos do Código Penal afrontam postulados fundamentais como a dignidade da pessoa
humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade,
a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento
familiar das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos. A pretensão é que o STF exclua do
âmbito de incidência dos dois artigos a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada
nas primeiras 12 semanas, “de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de
interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma
de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de
realizar o procedimento”. Em novembro de 2017, a relatora indeferiu pedido de medida cautelar
de urgência que visava à suspensão de prisões em flagrante, inquéritos policiais e andamento
de processos ou decisões judiciais baseadas na aplicação dos artigos 124 e 126 do Código
Penal a casos de aborto voluntário realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez. No entanto
a ADPF ainda está em apreciação. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=373569>. Acesso em: abr.
2020.
84

aproximadamente uma morte a cada dois dias. Quem mais morre por aborto no Brasil
são mulheres negras, jovens, solteiras e com nível fundamental de escolaridade. Essa
mortalidade por aborto inseguro, atinge mais as mulheres vulneráveis. E apesar de
atingir todas as classes sociais, as mais vulneráveis são as mulheres mais pobres.
(AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018, p. 25).
Ainda relata o Ministério da Saúde que:

“Os gastos do SUS com interrupções da gestação e complicações


consomem recursos humanos, leitos hospitalares, bolsas de sangue,
medicações, centro cirúrgico, anestesia e especialistas para tentar
reduzir complicação, para tentar salvar a vida”. (AUDIÊNCIA
PÚBLICA, 2018, p. 25).

Esta também é a informação da Academia Nacional de Medicina durante a


audiência:

O tratamento de complicações causadas pelo aborto inseguro exige


mais intervenções que a realização de aborto seguros e consomem
importantes recursos em saúde, como leitos, bolsas de sangue,
medicamentos, salas de cirurgia, anestesia e médicos especialistas.
[...] (AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018, p. 50).

Pesquisa apontam que entre 2008 e 2017 foram gastos R$ 486 milhões com
internações decorrentes de aborto, sendo 75% deles provocados, com o total de 2,1
milhões de mulheres internadas, e graves complicações (infecções e hemorragias)
em um terço dos casos. Estima-se que pelo menos 4.455 mulheres morreram de 2000
a 2016. Além disso ocorrem no Brasil, mesmo com a criminalização, entre 950 mil e
1,2 milhões de abortos anualmente. (COLLUCCI; FARIA, 2018).
Segundo dados Organização Mundial da Saúde o aborto seguro,
diferentemente do anterior, é um procedimento de saúde que apresenta baixíssimo
riscos à saúde e a taxa de mortalidade é quase insignificante. (AUDIÊNCIA PÚBLICA,
2018, p. 30).
De acordo com o Ministério da Saúde:

Os métodos mais recomendados e utilizados para indução do aborto


são: Primeiro, aborto farmacológico ou medicamentoso, utilizado na
combinação de dois medicamentos: Mifepristone ou Misoprostol, ou
apenas o Misoprostol. Os índices de eficácia são de até 98%.No Brasil,
85

apenas o Misoprostol é oferecido como opção de fármaco para o


aborto medicamentoso [...]
Assim, os médicos brasileiros, hoje, já realizam o aborto legal
medicamentoso apenas pela administração do uso do Misoprostol, o
qual também é reconhecido como procedimento seguro e eficaz,
embora o uso combinado com o Mifepristone seja a prática mais
recomendada pela OMS, Organização Mundial da Saúde, por reduzir
a necessidade de acompanhamento médico após a utilização.
Segundo a OMS, apenas de 2 a 5% das mulheres tratadas com a
combinação de Mifepristone e Misoprostol podem vir a necessitar de
qualquer intervenção médica posterior, como para controlar o
sangramento. (AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018, p. 31-32).

Vale destacar que, o Ministério da Saúde ainda afirma que o aborto realizado
nas primeiras semanas é até mais seguro que um parto, e as complicações depois do
abortamento com uso de medicamento seguro que é realizado até a 12ª semana, além
de poder ser tratado por qualquer profissional capaz de tratar um aborto espontâneo.
(AUDIENCIA PÚBLICA, 2018, p.32).

Outro procedimento, além do medicamentoso, recomendado pela


OMS, é a AMIU - Aspiração Manual Intrauterina -, que consiste em um
procedimento cirúrgico de baixa complexidade. AMIU é especialmente
indicada em gestações com menos de doze semanas, conforme
norma técnica do Ministério da Saúde.
Estudo realizado com 11.487 procedimentos de aspiração, realizados
por enfermeiros e médicos nos Estados Unidos, concluiu que em
apenas 1,3% dos casos houve qualquer complicação clínica. Outro
estudo realizado no centro obstétrico do Hospital Universitário de
Santa Maria/RS, avaliando mulheres com até doze semanas de
gestação, com diagnóstico de abortamento espontâneo incompleto,
concluiu que a AMIU requer menos tempo de permanência hospitalar,
o que aumenta a efetividade do método e pode melhorar a qualidade
do atendimento às pacientes, além de reduzir custos relacionados à
permanência de uma paciente no SUS. (AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018,
p. 33).

“A norma técnica de atenção humanizada ao abortamento no Ministério da


Saúde estabelece que, nas gestações com menos de doze semanas, indica-se AMIU,
por ser mais seguro e permitir a finalização mais célere do procedimento. [...]”
(AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2018, p. 34).
Além dos problemas na saúde pública, pode-se afirmar que a criminalização
acaba indo contra direitos fundamentais da mulher, como a integridade física e até
mesmo a vida, sendo o último, o mais fundamental de todos.
86

Segundo o próprio STF, no tocando aos direitos fundamentais da mulher frente


ao aborto, em julgamento do Habeas Corpus (HC) 124306, a 1ª turma do Supremo
desconstituiu a prisão preventiva de acusados pelo Ministério Público do Rio de
Janeiro, pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante.
São trechos da decisão da 1ª Turma do STF referente aos direitos
fundamentais:

3. [..] é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos


próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de
aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção
voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A
criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da
mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.
4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos
fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher24, que não
pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a
autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas
escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que
é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez;
e a igualdade da mulher25, já que homens não engravidam e, portanto,
a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da
mulher nessa matéria.
5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as
mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal
brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos
e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se
submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência,
multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.
6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade
por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa
adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do
nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de
abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de
modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos
por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais
como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à
mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas;
(iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos
sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus
benefícios. (BRASIL.STF, 2016, p. 1-2).

24 “[...] a criminalização sistemática do aborto é uma estratégia moral e legal de controle


da sexualidade das mulheres, já que apenas elas engravidam nas relações sexuais. ”
(FREITAS, 2011, p. 42).
25 “[...]. As mulheres não engravidam sozinhas, mas na criminalização do aborto a lei

vigente isenta os homens de responsabilidade. Isto significa desrespeito ao princípio


de igualdade entre homens e mulheres. “ (FREITAS, 2011, p. 42).
87

Também merece destaque os métodos contraceptivos, que por fatores


diversos, segundo Freitas (2011, p.42):

[...] apresentam algum risco de falhar. Impor às mulheres uma


gravidez indesejada por falha de um método ou atribuir às mulheres a
única responsabilidade pela contracepção é parte da desigualdade de
gênero que ainda se verifica na sociedade brasileira.

Como já visto, o nascituro tem o direito à vida, no entanto, não se pode


equiparar a vida do nascituro com o de quem já nasceu, como no caso da gestante.
Sendo que os direitos desta deveria prevalecer, o que aconteceria com a legalização
do aborto, afinal, proibido ou não, ele não deixa de ser cometido, e como vimos, causa
gastos enormes, afeta a saúde pública e traz consequências terríveis as mulheres,
além de violações a direitos fundamentais.
Segundo a OPAS/OMS BRASIL (2018):

Para evitar mortes maternas, também é vital prevenir gestações


indesejadas e precoces. Todas as mulheres, incluindo adolescentes,
precisam ter acesso a métodos contraceptivos e aos serviços que
realizem abortos seguros na medida em que a legislação permita e
uma atenção de qualidade após o aborto.

Sobre as formas para se evitar problemas decorrentes da interrupção da


gravidez, também pode-se citar outro trecho da decisão da 1ª Turma do STF (HC
124.306 RJ):

[...] o aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas


complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve. Por isso
mesmo, é papel do Estado e da sociedade atuar nesse sentido,
mediante oferta de educação sexual, distribuição de meios
contraceptivos e amparo à mulher que deseje ter o filho e se encontre
em circunstâncias adversas. Portanto, ao se afirmar aqui a
incompatibilidade da criminalização com a Constituição, não se está a
fazer a defesa da disseminação do procedimento. Pelo contrário, o
que ser pretende é que ele seja raro e seguro. (BRASIL.STF, 2016,
p.13).

No entanto, no Brasil, segundo pesquisa realizada pela Datafolha, 41% dos


brasileiros são contra qualquer tipo de aborto, outros 34% acreditam que as três
hipóteses permitidas hoje devem prevalecer, outros 16% acreditam que esse leque
88

de possibilidade deve ser aumentado e apenas 6% que tal prática deve ser permitida
em qualquer situação. (G1, 2019). Ou seja, apesar dos malefícios da criminalização,
a população brasileira não apoia a legalização.
Diante de todo exposto, é nítido que a criminalização traz consequências, tanto
para saúde pública, quanto para mulher, além de ferir princípios fundamentais. Assim,
a legalização não tem o objetivo de disseminar a prática, e sim fazer com que ela seja
praticada com menos frequência, e quando acontecer, seja de forma segura e legal,
por escolha da mulher, porém, isso só será possível por meio de políticas públicas
eficientes e mudanças nas legislações pátrias.
89

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia tratou da figura do nascituro, sua personalidade jurídica


e os direitos inerentes a ele. Um dos temas, que apesar de discutido a séculos, ainda
é relevante atualmente e gera inúmeros debates e reflexões, não só na área jurídica.
O problema em nosso ordenamento tem início com o Código Civil, que em seu
art. 2° dispõe, em sua primeira parte, que a personalidade jurídica da pessoa começa
com o nascimento com vida, e na segunda, que a lei põe a salvo desde a concepção
os direitos do nascituro, causando inúmeras interpretações.
Buscando solucionar tal problema, o estudo se voltou à antiguidade clássica,
trazendo o tratamento dado ao nascituro em relação a seus direitos e seu status na
Grécia antiga, Direito Romano e também na Idade média, até chegar ao ordenamento
pátrio atual. Notamos que desde aquela época, o assunto causava controvérsias, mas
que apesar delas, sendo ou não resguardados os direitos e a personalidade jurídica
do concebido, todos reconheciam a existência dele.
Assim, após o apanhado histórico e todos os conceitos relevantes expostos,
foram abordadas as teorias do início da vida, pois é ela, requisito para o início da
personalidade.
Também foram abordadas as teorias a respeito da personalidade jurídica, pois,
dada a complexidade do tema, várias teorias surgiram para explicar o início da
personalidade jurídica do nascituro. Sendo que no Brasil, se destacaram três delas: a
natalista, que considera como início da personalidade o nascimento com vida; a
concepcionista, que considera que o nascituro tem personalidade jurídica desde a
concepção e; a da personalidade condicionada que defende que a personalidade
jurídica começa com a concepção, sob a condição do nascimento com vida. Tais
teorias, como vimos, apesar de divergirem, reconhecem direitos ao nascituro. Até
mesmo a Natalista, porém, de forma taxativa, ou seja, os direitos que a lei põe a salvo,
conforme disposto na segunda parte do art. 2° do CC.
Após explicadas tais teorias, vimos qual delas foi adotada pelo nosso
ordenamento pátrio, com fundamentos doutrinários, legislativos e jurisprudenciais,
chegamos à conclusão, apesar das divergências e conflitos, que nosso Código Civil
adotou a teoria natalista.
Em seguida, depois de firmada a teoria adotada pelo Código Civil, foram
elencados os direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, que o nascituro faz
90

jus, afinal, o artigo 2° do CC os garantem desde a concepção. Além desses direitos


elencados, também trouxemos outros garantidos ao nascituro, porém, por meio das
jurisprudências que adotam a teoria concepcionista, essas que vão contra o viés
natalista adotado por nosso Código Civil e também por nossa Corte Suprema (STF).
Por fim foi abordado o tema “aborto”, pois este está umbilicalmente ligado aos
direitos do nascituro, mais precisamente ao direito à vida. Foi feita uma abordagem
comparativa com alguns dos países que a prática é legal, além de trazermos um
apanhado histórico de como esse tema era tratado nas legislações anteriores e no
atual Código Penal brasileiro de 1940, finalizando tal capítulo com os problemas que
a criminalização traz para saúde pública e seu conflito com os direitos fundamentais
das mulheres, por meio de dados dos principais órgãos de saúde nacionais e
internacionais.
A legalização do aborto, apesar de ir contra o direito à vida do nascituro, não
deve ter isso como pretexto para sua criminalização, pois isso só traz consequências
e não inibe a pratica, além disso, como vimos, o a direito a vida do já nascido
(gestante) é superior ao do nascituro, pois nem mesmo nossa legislação os equiparam
e ainda abre exceções para alguns tipos de abortamento, o que não seria possível, se
a teoria adotada fosse a concepcionista, já que todos os direitos inerentes a pessoa
também pertenceria a ele (expectativa de pessoa), e abortá-lo, seria equiparado ao
homicídio.
Logo, por conta de todo conteúdo abordado e conhecimento adquirido,
podemos afirmar que a teoria adotada por nosso ordenamento é a Natalista, sendo a
nosso ver, todas as decisões que adotaram a teoria concepcionista, inconstitucionais,
por violar o código Civil e o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Diante do exposto, o que se intenciona é auxiliar operadores do direito e
pesquisadores, seja em relação ao nascituro e sua personalidade jurídica, como na
questão abortiva.
91

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