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CAMPUS PAULISTA
KARINE LIMA CARIBÉ
SÃO PAULO – SP
2022
KARINE LIMA CARIBÉ
SÃO PAULO – SP
2022
Lima Caribé, Karine, 2000 -
Descriminalização do Aborto A Luz do Direito da
Personalidade / Karine Lima Caribé.
– 2022.
55 f.: il.
Orientadora: Salete Domingos.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –
Centro Universitário São Judas Tadeu – Campus Paulista
_____________________________________________________________
Profª Drª e Orientadora Salete Domingos
Centro Universitário São Judas Tadeu
_____________________________________________________________
Profº Dr. e Orientador
Centro Universitário São Judas Tadeu
_____________________________________________________________
Profº Dr. e Orientador
Centro Universitário São Judas Tadeu
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a todas as pessoas que estiveram ao meu lado durante
esse processo e que em meio a altos e baixos me incentivaram a prosseguir.
AGRADECIMENTO
Primeiramente, a Deus por ter me dado forças para concluir essa etapa em
meio a tantas adversidades.
A minha família por sempre me apoiar.
E, por fim, à minha filha que tem sido a minha motivação diária.
DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO A LUZ DO DIREITO DA PERSONALIDADE
Abstract: To keep up with the changes taking place in society, laws must also
constantly change. From this perspective, the laws governing abortion – or abortion in
medicine – need to be revised, as the issue and the way in which it is raised has
generated legal and social conflicts. Its practice escapes the circles of state control
and is supported by the banner of human freedom and individuality. However, before
making modifications, the possible results must be considered, and the minimum
necessary transformations must be outlined. The impact of the possible legalization of
abortion can be multiple, including the concept of life, the concept of family planning
and the structure of the law. With regard to the rights of the unborn child, it is necessary
to trace the incidence of possible impacts, integrate the legislation and redefine the
doctrinal aspects to meet possible changes.
Key Word: Abortion; Human rights; Life; Personality; laws.
1Acadêmico do curso Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail:
karinelcaribe@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de
Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2022.
Orientador: Prof.ª Drª e Orientadora Salete Domingos.
LISTA DE SIGLAS
ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
CC/2002 – Código Civil de 2002
CFM – Conselho Federal de Medicina
CNTS – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde
CP – Código Penal
CPC/2015 – Código de Processo Civil de 2015
CPP – Código de Processo Penal
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ONU – Organização das Nações Unidas
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ - Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 1
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS A PERSONALIDADE........................................ 1
2.1 PERSONALIDADE E DIREITO A PERSONALIDADE................................ 1
2.2 NATUREZA JURÍDICA DA PERSONALIDADE ......................................... 5
2.3 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO A PERSONALIDADE ......................... 6
2.4 DO CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................................... 7
3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .............................................................. 9
3.1 DIREITO A VIDA E SUA PREVISÃO LEGAL ............................................. 9
3.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO A VIDA .................... 16
3.3 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA ................................................................... 20
4. O ABORTO NO BRASIL E SUA LEGALIDADE ........................................... 21
4.1 ORIGEM DO ABORTO NO BRASIL E SUA ATUALIDADE ..................... 21
4.2 TIPOS DE ABORTO E O CRIME DE ABORTO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO ................................................................................ 23
4.3 POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DA DISCRIMINILIZAÇÃO DO ABORTO
....................................................................................................................... 29
4.4 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ACERCA DO ABORTO .............. 33
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 38
6. REFERENCIAS .............................................................................................. 40
1
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, o aborto ainda é uma questão muito discutida no Brasil, sendo uma
prática ainda criminalizada, salvo nas hipóteses previstas no artigo 128 do CPP.
Ao discutir o aborto, devemos lembrar que a criminalização dessa prática, não
impede que ela seja realizada, levando a uma procura por profissionais que realizam
o procedimento em espaços clandestinos, sem o amparo de medicamentos seguros
e com higiene precária, resultando em complicações de saúde à mulher e levando até
mesmo a óbito, o que segundo analistas da ONU viola os direitos à vida, saúde,
igualdade e liberdade de discriminação da mulher.
Vemos que muito se discute sobre os direitos à vida do nascituro, esse que à
luz do Código Civil brasileiro, não é considerado “pessoa” até seu nascimento com
vida. Mas, pouco se fala sobre os direitos da mulher gestante, que estão sendo
negados a ela em prol dos direitos de um embrião que pode ou não vir a nascer com
vida, mas que enquanto embrião e parte do corpo da mulher, não possui os direitos
de personalidade civil inerentes ao homem.
Segundo Maria Helena Diniz, a vida começa somente quando nasce, assim
como nasce seus direitos jurídicos.
Nesse sentido, o direito a autonomia da mulher sobre seu próprio corpo e sobre
seu sistema reprodutivo, não devem ser violados em detrimento de direitos futuros
que o nascituro poderia vir a ter, pois enquanto estiver no ventre materno ele não é
sujeito de personalidade civil. Ou seja, os direitos e garantias que deveriam ser
assegurados pela legislação em primeiro momento são os da mulher gestante, tendo
em vista que ela sim possui os direitos de personalidade intrínsecos a pessoa humana.
3 BRASIL, Código Civil, 2002.Art. 1º “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” Código
Civil Brasileiro, 2002.
4 TEPEDINO, Gustavo. BARBOSA, Heloisa Helena. BODIN DE MORAIS, Maria Celina. Código Civil
1979, p.1150.
4
12SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p.123-127.
13DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. A parte
geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p.42.
14SARMENTO, Daniel em Legalização do aborto e Constituição. Revista de Direito Administrativo, v.
15SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
16A. de Cupis, I diritti della personalità, trad. Port. De A. V. JARDIM – A.M. CAIEIRO, Os Direitos da
Personalidade, Lisboa, Morais, 1961, pp. 25-26.
6
17 Cf. G. Alpa, Manuale de diritto privato, 7° ed., Padova, CEDAM, 2011, pp. 221-222.
18 A. de Cupis, I diritti della personalità, trad. Port. De A. V. JARDIM – A.M. CAIEIRO, Os Direitos da
Personalidade, Lisboa, Morais, 1961, pp. 24-25.
19 Cf. G. Alpa, Manuale de diritto privato, 7° ed., Padova, CEDAM, 2011, pp. 219-220.
7
20 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria Geral. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2005, p. 106.
21 Ibidem, p. 105.
8
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:§ 1º As normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.’’
24 Ibidem, p. 60.
25 98BRASIL, Constituição Federal 1988.Art. 60. ‘‘A Constituição poderá ser emendada mediante
27DWORKING, Ronald. Taking Rights Seriously. Boston: Harvard University Press, 1977
28ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2 ed. São
Paulo: Malheiros, 2017.
10
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. (BRASIL, 1988. online) (Grifo nosso)
Karl Ernest von Baer, considerado o pai da embriologia moderna desde 1827,
descobriu que a vida humana começa na concepção, quando um espermatozoide
encontra um óvulo. É nessa fase que toda a identidade genética da nova vida é
11
definida. Segundo a ciência, a vida biológica humana começa aí. (Clement, 2008) O
clássico Langman Handbook of Embryology explica o processo de fertilização de
forma simples: "Uma vez que o esperma entra no gameta feminino, os núcleos
masculino e feminino entram em contato íntimo e replicam seu DNA". da sua espécie
progenitora, com toda a dignidade que corresponde a cada ser humano. (LANGMAN,
1965 apud GONZÁLEZ, 2013, online)
O ovo fertilizado é humano porque é um corpo humano. A dimensão corporal
é o elemento constitutivo de uma pessoa, ou seja, uma pessoa não só tem um corpo,
mas também possui o corpo. Todos se identificam com uma estrutura biológica, e o
corpo é o sinal da existência dessa pessoa. A vida de cada um é a vida de um sujeito
na trajetória temporal de crescimento, amadurecimento, envelhecimento e morte.
(González, 2013)
Consistente com a Constituição Federal (1988) e a Convenção de São José
da Costa Rica, Art. do Código Civil. 2. Estabelece que os nascituros gozam dos
direitos garantidos por lei desde o momento da concepção, mas os fetos só têm
cidadania quando nascem. O artigo diz: "A personalidade civilizada da pessoa nasce
desde o nascimento; mas a lei garante os direitos dos nascituros desde a
concepção". são celebrados por escritura de convênio mútuo ou instrumento
particular e aceitos por seus representantes legais". (Brasil, 2002, online)
Existem diversos artigos no Código Civil que tratam de determinados direitos
do nascituro, como o art. 1.798 previa que os indivíduos constituídos por ocasião da
morte do testador poderiam adquirir bens por meio do testamento. O parágrafo único
do art. 1609 O reconhecimento da paternidade de um nascituro foi reconhecido. O
artigo 26, parágrafo 1º, da Lei da Criança e do Adolescente estabelece que a
paternidade do nascituro só pode ser reconhecida por escritura ou testamento
público e pelo reconhecimento da certidão de nascimento. (Brasil, 2002)
O nascituro tem direito a ser adoptado, mediante consentimento do seu
representante legal (artigo 1621.º). O direito ao teste de paternidade é garantido pelo
artigo 1.615 do Código Civil e é um direito que as mães devem exercer em relação
ao feto. O artigo 1.779 do Código Civil estipula que, quando o pai falecer e a mãe
estiver impossibilitada por algum motivo de exercer os direitos familiares, o nascituro
tem o direito de tutor. (Brasil, 2002) A Lei nº 11.804 (Brasil) de 2008, Lei de Alimentos
da Maternidade, dispõe que a mãe pode solicitar ao juiz alimentos para o
crescimento do nascituro, garantindo assim a plena segurança e dignidade do
12
fundamental. p. 120
32 ROCHA, Fernando Jose da. Questões genéticas. Soluções éticas? Revista USP, n. 24, p. 67, 1994-
1995.
33 GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade,
p.195.
13
34 Ibidem.
35 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 120
36 GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade, p.
189/190.
14
além da construção da teoria civilista, irá alcançar o ser humano como previsto na
Constituição, a pessoa humana na qual se realista o individual, o social, o político, o
religioso, o filosófico.37
Assim, somente realizando algumas notas sobre o papel reservado aos
princípios no constitucionalismo contemporâneo, diferenciando- o, inclusive, das
regras, poderemos compreender o papel reservado a um princípio constitucional
fundamental. Desde já ressaltamos, contudo, que no constitucionalismo
contemporâneo tanto os princípios quanto as regras são considerados espécies de
normas, vazados em linguagem normativa (deôntica), capazes de ser fonte imediata
e direta de soluções jurídicas. Dessa forma, ao menos em matéria constitucional,
afasta-se a concepção que não via nos princípios a qualidade de normas, mas tão-
somente a de critério de integração jurídica. Esta concepção, ainda que de certa
utilidade em matéria privatista, calçada inclusive na disposição do art. 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil, não se compatibiliza com uma teoria constitucionalmente
adequada ao atual estágio do direito constitucional brasileiro, mormente a partir da
Constituição de 1988.38
Sob a égide constitucional da dignidade da pessoa humana, pretende-se
defender a conveniência e o uso da prática de eutanásia em circunstâncias
específicas respeitando exercício de uma liberdade individual que é assegurada pela
Lei Fundamental a todo indivíduo.39
Ao modificar a dignidade da pessoa humana em importância suprema da ordem
jurídica, a Constituição brasileira de 1988 passou por um progresso expressivo rumo
à normatividade do princípio40
Todas as pessoas possuem a mesma dignidade ontológica, ela é intangível e
inviolável, pelo simples fato de se pertencer ao gênero humano, não precisando de
apoio de qualquer circunstância especial. É a vida humana que fundamenta a
fundamental. p. 99/100.
39 ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte
Digna. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003.
40 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p.50.
15
dignidade e não a dignidade que fundamenta a vida humana, sendo assim a dignidade
deve ser reconhecida a todo o homem pelo simples fato de ele existir. 41
A dignidade da pessoa humana encerra simplesmente um direito subjetivo
resguardado pela Lei Maior em quase todos os países de mundo, incluindo o Brasil.
Ocorre, porém, que a dignidade da pessoa humana, como já apontado, é uma cláusula
geral, resumindo-se, de forma simplista, ao direito à vida. 42
A dignidade da pessoa humana, portanto, é o núcleo essencial dos direitos
fundamentais, a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais.43
Decidindo-se pela prática da eutanásia em casos em que o enfermo está
afetado por moléstia incurável e irreversível, sem que haja qualquer possibilidade de
a ciência apresentar uma resposta quanto à sua cura, não há razão de censura a essa
decisão.44
É evidente que a Constituição Federal protege o direito à vida (art. 5°), mas no
sentido de compelir o ser humano a existir até seus últimos limites. Não se trata de
defender o direito à vida em desrespeito à própria vida, pois do contrário elimina-se a
dignidade da pessoa humana.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...]:
Destarte, a Carta Política enuncia o direito à vida, ou seja, zelar e proteger o
direito de continuar vivo, mas sobretudo defender a existência de uma vida digna, em
respeito à dignidade humana.45
Assim, constituindo apoio, fundamento, a base da República e do Estado
Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana é, na concepção de Reinaldo
Pereira e Silva46, o princípio que melhor expressa o compromisso jurídico com a
justiça.
41 MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a tese da
autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, pp. 461-175
42 ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte
Digna. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003.
43 ibidem
44 ibidem
45 ibidem
46 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: Investigações político-jurídicas sobre o estatuto
47 FAGUNDES JR. José Cabral Pereira. Limites da ciência e o respeito à dignidade humana. In:
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p.273.
48 ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte
O Estado não pode pretender viver as nossas vidas para nos poupar de
escolhas equivocadas, até porque o que parece equivocado para um não
será equivocado para outro. Portanto, o papel do Estado é permitir que cada
um viva a sua própria convicção, o seu ideal de vida boa. (RE 898.450/SP,
STF, Pleno, j. 17/8/16, excerto do voto).
No entanto, isso não significa que não haja limitações à disposição de tais
direitos pelos indivíduos. As restrições voluntárias podem ser objeto do exercício de
certos direitos fundamentais e devem, pelo menos inicialmente, respeitar as
características essenciais dos bens protegidos. Como pode o direito à vida ser
ameaçado pela eutanásia, quando uma pessoa não goza plenamente do direito à
vida, nem se pode dizer que tem uma vida digna, por que está privada da liberdade
e do exercício de muitos dos seus direitos? Direito, não pode desfrutar de um padrão
de vida adequado, como educação, cultura, lazer e até mesmo suas funções vitais
20
não podem ser autônomas. No conceito constitucional de vida, o indivíduo não tem
mais vida nessa situação, sua “vida” foi ceifada involuntariamente.
A Constituição estabelece que, como vimos, o direito à vida é para exercício
de outrem, caso em que o indivíduo não pode mais exercer nenhum direito por conta
própria, nem pode gozar plenamente do direito à vida tal como é uma vida que vale
a pena manter. Logo parte do direito à vida da pessoa foi violado, porque como uma
pessoa pode falar sobre a vida digna para o indivíduo que não pode exercer seus
direitos de cidadão e tem sua liberdade tolhida.
A autonomia pode ser definida como a total liberdade dos indivíduos para
tomar suas próprias decisões, para determinar a definição e o destino de suas
próprias vidas, independentemente da coerência. Em outras palavras, a capacidade
de escolher livremente qual caminho seguir. O princípio da autonomia reforça a
necessidade de respeitar a liberdade de escolha do indivíduo, a sua capacidade de
tomar decisões autónomas sobre o que lhe é importante na vida, incluindo no
processo de morte, tendo em conta todos os seus interesses e valores como
indivíduos.
Leonardo Fabbro (1999, p. 11-12) nos disse ao discorrer sobre o princípio da
autonomia: o princípio da autonomia é que o médico deve respeitar a vontade do
paciente ou de seu representante legal, bem como os valores morais e as crenças.
21
Apesar de desde 1940 a lei autorizar o aborto para gravidez fruto de estupro,
apenas no ano de 1989 foi aberto o primeiro serviço de atendimento às mulheres para
o aborto legal, na cidade de São Paulo. Esse serviço perdurou único até 1994.
(CAVALCANTE; XAVIER 2006)
A 13ª Conferência Nacional da Saúde, que ocorreu na capital do país em 18 de
novembro de 2007, vetou a proposta de legalização do aborto. Por volta de 70% dos
cinco mil delegados nacionais votaram contra a descriminalização do aborto. Grande
parte da Igreja Católica pugnou contra o aborto durante a conferência. Com tal
repercussão o tema ficou fora do relatório final da conferência e não foi dirigido ao
governo como proposta para as políticas de saúde pública. Na 12ª Conferência
Nacional da Saúde, realizada no ano de 2003, a proposta também foi rejeitada.
(FERNANDES, 2007)
Nos dias 11 e 12/04/2012 o STF votou e aprovou a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 54, projeto criado pelo Ministro Marco
Aurélio Mello, que prevê a legalização do aborto para fetos anencefálicos. O ministro
já havia sido a favor da legalização do aborto em 2004, e reafirmou a sua posição ao
votar a favor da modificação na interpretação da lei para permitir o aborto de
anencefálicos. (SANTOS, 2012) Mello ao justificar seu voto disse:
E completou: “o Estado não pode obrigar a mulher a manter uma gestação que
não gerará uma pessoa e criticou a interferência religiosa no Estado laico.” (MELLO,
2012, online). No decorrer do tempo, houve várias pretensões em se alterar a
legislação brasileira que faz menção ao aborto. Desde quando a Constituição
Brasileira de 1988 entrou em vigência, poucas modificações de fato ocorreram,
levando-se até então a discussão sobre o aborto e as tentativas de descriminalizá-lo.
(SANTOS, 2012)
“Há q que o sujeito passivo é a sociedade, pois o feto não tem personalidade
jurídica e muitos não o reconhecem como vida humana. Daí por que a
sociedade teria interesse em manter a gravidez, constituindo o sujeito passivo
da relação. Segundo pensamos, o Direito Penal pode conceder proteção ao
ser em gestação, independentemente da posição do Direito Civil de lhe
conceder personalidade após o nascimento com vida”
26
“Aborto próprio vem amparado pelo artigo 124 1ªparte: Aborto de mão própria,
artigo 124, parte final; Aborto comum, artigos 125 e 126; Unissubjetivo,
material, de forma livre, instantâneo”
Existem dois tipos que levam ao aumento da pena, morte e as lesões corporais
de natureza grave.
As causas incidem apenas sobre as figuras do aborto provocado por terceiros,
sem ou com o consentimento da gestante.
Essas duas causas específicas de aumento de pena não são aplicáveis a 1ª
figura do artigo 124 do Código Penal, e, por isso, quando houver participação, o
terceiro responderá por homicídio ou lesões corporais culposas em concurso com
autoaborto.
Já resultados que aumentam a pena são exclusivamente culposos = dolo no
antecedente, no abortamento, e culpa na consequência, no resultado, na morte ou
nas lesões corporais graves.
Contudo, é claro que novas mudanças virão com o decorrer dos anos, já que a
sociedade está sempre se atualizando, criando formas de pensar e de agir, a medicina
evoluindo cada dia mais, sendo que aquilo que é ético, dentro de algum tempo pode
não ser mais, e, não fugindo do mesmo carrear, estão os estudos do direito, que
sempre vem se modernizando, criando posicionamentos diferentes a respeito do
mesmo tema, o que gera novas hipóteses/possibilidades.
29
51 MORTES, por aborto no Brasil: a legitimação da nossa ignorância. Carta Capital, 28 set. 2016.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2016/09/28/mortes-por-aborto-no-brasil-
legitimacao-da-nossa-ignorancia/>. Acessado em: 17/11/2022.
52 Carta Capital, 17 de janeiro: 40 anos de aborto legal na França, 17 jan. 2015. Disponível em:
<http://justificando.cartacapital.com.br/2016/09/28/mortes-por-aborto-no-brasil-legitimacao-da-nossa-
ignorancia/>. Acessado em: 09/11/2022.
31
54 TABU, nas campanhas eleitorais, aborto é feito por 850 mil mulheres a cada ano. O GLOBO, 19 set.
2014. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/brasil/tabu-nas-campanhas-eleitorais-aborto-feito-por-
850-mil-mulheres-cada-ano-13981968#ixzz3SVBvza00> Acessado em: 17/11/2022.
55 SUS, atende 100 vezes mais casos pós-aborto do que faz interrupções legais. Uol Notícias, 10, mar.
Faço questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não está decidindo
permitir o aborto. [...] Não se cuida aqui de obrigar. Estamos deliberando
sobre a possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que esteja
34
Para Barroso (2016), sabe-se que os bens jurídicos protegidos (vida última do
feto) são relevantes, mas criminalizar o aborto antes do final do primeiro trimestre
viola vários direitos fundamentais das mulheres, além disso, o princípio da
proporcionalidade não tem sido adequadamente considerado. Em meio a interesses
jurídicos conflitantes, ele expôs a independência das mulheres, os direitos físicos e
mentais invisíveis, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, a igualdade de
gênero e o impacto distorcido da criminalização sobre as mulheres pobres. No
entanto, esclareceu que não se trata de defender a extinção do programa, longe
disso, o objetivo é que seja definitivo e tutelado. Ele diz:
35
protegem a vida desde a concepção e, por outro lado, há propostas para legalizar o
aborto. (STF, 2018)
Em sua manifestação, a AGU defendeu o questionamento da validade
constitucional da norma e sustentou que o aborto não é regido diretamente pela
Constituição e que é impossível inferir de seu texto a existência de um suposto direito
constitucional (STF, 2018). A chamada para audiências públicas recebeu 501
inscrições. Esse número inclui stakeholders do exterior. Devido ao alto valor, o
gabinete da ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, relatora da ação,
ainda não consegue prever quando os candidatos selecionados serão anunciados
(POMPEU, 2018).
38
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo, foi demonstrado que a criminalização do aborto hoje, no
Brasil, é um tipo penal simbólico, que retrata o pensamento arcaico da sociedade
brasileira, posto que é fruto de um período marcado pela subordinação da mulher ao
homem, além da grande e direta influência da Igreja Católica.
Demonstrou-se ainda que não existe um consenso definitivo sobre o início da
vida, o que existe são diversas teorias que se justificam em diferentes fases da
gestação para defini-lo como o marco do início da vida. O próprio código penal não
define quando começa a vida, mas o que se observa é que as exceções a
antijuricidade do tipo penal pressupõem o objetivo intrínseco da lei não é tutelar o
direito à vida do feto. No caso do aborto legal em casos de estupro, por exemplo, a
condição da mulher finalmente é colocada em evidência, relativizando o direito à vida
do feto.
Assim, deve haver ponderação e razoabilidade ao analisar o direito à vida do
feto, levando-se em conta também a condição da mulher gestante e seus direitos
fundamentais mais elementares.
A criminalização do aborto tenta obrigar as mulheres a terem filhos, mesmo que
não possuam condição (psicológica ou econômica) alguma para tanto, entretanto essa
criminalização não vem acompanhada de qualquer meio de amparo a mulher que irá
arcar, muitas vezes sozinha, com um filho indesejado, o que perpetua um estado de
desigualdade, principalmente da mulher negra e pobre, já tão agravado na sociedade.
Não se acredita que uma mulher deve ser penalizada criminalmente por não
querer ter um filho, independente da situação em que esteja.
O aborto nunca será visto como meio anticoncepcional, o aborto não é algo
“legal”, não é uma prática que alguém se orgulha em realizar, porém, acredita-se, com
grande fervor, que as mulheres devem ter o direito de serem livres para tomar a
decisão que formais conveniente com seus interesses próprios, seus planos de vida
e suas convicções.
Reconhece-se, portanto, como necessário que o Direito acompanhe os
avanços sociais e científicos, oferecendo um regramento adequado a esses avanços,
tendo em vista que o cenário
social da época em que a tipificação do aborto foi criada mudou, e o número
de mortes decorrentes de abortos clandestinos clama por mudanças na lei.
39
6. REFERÊNCIAS
A. de Cupis, I diritti della personalità, trad. Port. De A. V. JARDIM – A.M. CAIEIRO, Os
Direitos da Personalidade, Lisboa, Morais, 1961.
BRASIL. Câmara dos Deputados, Srs. Luiz Bassuma e Miguel Martini. Decreto Lei n.
478-A. ONLINE, ano 2007. Disponível em:
41
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7FDC2C
1C8D0C7075A8F616AC66040D4E.node2?codteor=1102104&filename=Avulso+-
PL+478/2007. Acessado em: 26/06/2022.
BRÍGIDO, Carolina. MARIZ, Renata (2018). Ação sobre aborto é campeã em pedido
de participação no STF. O globo. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/sociedade/acao-sobre-aborto-campea-em-pedido-de-
participacao-no-stf-22470844. Acessado em: 09/11/2022.
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