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DIREITO DO TRABALHO, INDÚSTRIA 4.

0 E (DES)
CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA QUE TRABALHA

Alline Bessa de Meneses


Auditora-Fiscal do Trabalho; Especialista em Direito e Processo do Trabalho (UFG);
Mestranda em Direito das Relações Sociais e do Trabalho (UDF).

Francílio Bibio Trindade de Carvalho


Juiz do Trabalho, Titular da 6ª Vara Federal do Trabalho de Teresina-PI; Especialista em Direito do Trabalho,
Processo do Trabalho e Direito Constitucional; Mestrando em Direito das Relações Sociais e do Trabalho (UDF).

RESUMO Keywords
A Indústria 4.0 é caracterizada por integração Fourth Revolution Industry; Industry 4.0;
de várias tecnologias de informação, com centrality of the human person.
foco na otimização de recursos e aumento na
produtividade. Com o advento destas novas 1. INTRODUÇÃO
tecnologias, o modo de produção e as relações
de trabalho sofreram profundas modificações.
Surgem novas morfologias de trabalho com Desde a primeira revolução industrial,
impacto nos postos de trabalho e tendência a significativos avanços tecnológicos vêm
precarização dos direitos. Considerando que a continuamente alterando a organização social,
pessoa humana e sua dignidade é a figura central política e econômica das sociedades. No mundo
na ordem constitucional brasileira, o presente do trabalho, essas evoluções tecnológicas
artigo tem por objetivo analisar se, diante os implicaram substanciais alterações no modo
impactos da Indústria 4.0, ainda haverá espaço de produção e nas relações de trabalho,
para a centralidade da pessoa que trabalha. concretizadas ao longo dos anos.
A Indústria 4.0, também chamada de
Palavras-chave revolução tecnológica ou quarta revolução
industrial, consiste na adoção de tecnologias
Indústria 4.0; Quarta Revolução Industrial; relacionadas à era da manufatura avançada,
centralidade da pessoa humana. integração das diferentes etapas da cadeia de
valor dos produtos e a criação de novos negócios,
ABSTRACT produtos e serviços.
The Industry 4.0 is characterized by the As inovações em curso promovidas pelo
incorporation of many information technologies, advento da Indústria 4.0 geraram grandes
focusing on resource optimization and increased impactos para as relações trabalhistas e
productivity. With the advent of these new trouxeram consigo inseguranças sobre o futuro
technologies, mode of production and labour dos empregos e dos direitos trabalhistas.
relations have undergone profound changes. Não se olvida, contudo, que o Direito
New work morphologies emerge with impacts do Trabalho é, eminentemente, tuitivo, eis
on jobs and tendency to precarious rights. que objetiva tutelar as relações de trabalho,
Whereas the human person and his dignity is provocando um desequilíbrio jurídico em favor
the central figure in the Brazilian constitutional da pessoa humana que trabalha, sem descurar do
order, this article aims to analyze if, in view of detentor de capital. Busca-se, assim, equalizar,
the impacts of Industry 4.0, there will still be mesmo que minimamente, a relação capital-
space to centrally of the person who works. trabalho, no sentido de garantir ao trabalhador
um mínimo existencial digno.

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Alline Bessa de Meneses e Francílio Bibio Trindade de Carvalho

Desde o seu advento até os dias atuais, em categoria básica, seu conteúdo principal, mas
pleno século XXI, o Direito do Trabalho vem não olvida outras espécies de trabalhadores,
evoluindo e se adaptando às novas realidades dentre os quais, citamos, os portuários avulsos e
socioeconômicas, conseguindo, de forma o pequeno empreiteiro (operário ou artífice).
razoável, oferecer proteção jurídica ao ser Aqui trabalhamos com a noção de relação de
humano que trabalha. Com o advento da Quarta emprego como sendo toda aquela abrangida pelo
Revolução Industrial ou Indústria 4.0, mesmo no teor dos artigos 2º e 3º da CLT, apresentando,
campo minado de incertezas jurídicas, políticas, pois, as características essenciais pertinentes à
econômicas e sociais que estamos a atravessar, prestação de serviços de uma pessoa humana
esperamos que essa evolução e proteção jurídico- a outrem (pessoa natural e/ou jurídica) que
material do trabalhador efetivamente continuem incluam a alteridade (riscos da atividade
ocorrendo e se concretizem. por quem contrata/admite), pessoalidade, a
Assim, este artigo se propõe analisar a habitualidade, a onerosidade e a subordinação
Indústria 4.0 e alguns dos principais impactos jurídica.
que esta emergente revolução industrial tem Também é cediço que a função primordial
causado nas relações de trabalho. Em especial, do Direito do Trabalho é a de tutela ou proteção
pretendemos lançar um olhar sobre a pessoa da pessoa humana que trabalha, considerando a
humana que trabalha e refletir se, tendo em vista assimetria de poder existente entre empregados
a nova realidade que se apresenta, a centralidade e empregadores. Contudo, não só a função
da pessoa humana e de sua dignidade ainda tem tutelar é exercida pelo Direito do Trabalho, mas,
espaço no nosso ordenamento jurídico. concomitantemente, a social, a econômica, a
política e, ainda, a civilizatória e democrática.
2. DIREITO DO TRABALHO: CONTEÚDO Maurício Godinho Delgado afirma que
E FUNÇÕES o Direito do Trabalho incorpora um valor
É cediço que o Direito, enquanto ciência finalístico essencial que consiste na melhoria
jurídica, é concebido como um conjunto das condições de pactuação da força de trabalho
de normas (regras e princípios), disposto na ordem socioeconômica e que essa é a sua
sistematicamente para o fim de regular relações, função central, voltada, portanto, para o aspecto
resguardando e garantindo, por meio da aplicação social. Diz de uma segunda função, como sendo
e da interpretação da lei, um mínimo razoável de a de seu caráter modernizante e progressista, do
harmonia aos que vivem em sociedade. ponto de vista econômico e também social, no
sentido de proporcionar uma melhor distribuição
O Direito do Trabalho, por sua vez, é um
de renda ao conjunto da sociedade, generalizar
conjunto sistemático de regras e princípios que
ao conjunto do mercado do trabalho os direitos
regula as relações de trabalho, dentre essas a de
alcançados pelos trabalhadores, fortalecer o
emprego, no sentido de garantir e resguardar os
mercado interno, estimular o aperfeiçoamento
direitos básicos atribuídos à pessoa humana que
da mão de obra, dentre outros. Menciona a
trabalha. Mediante a interpretação e aplicação
função política conservadora, no sentido de
das normas trabalhistas, busca-se viabilizar aos
conferir legitimidade política e cultural à relação
trabalhadores a conquista e manutenção de um
de produção básica da sociedade contemporânea
mínimo civilizatório social.
e, por fim, ressalta a função civilizatória e
Segadas Vianna, citando Hernainz Marques, democrática, enquanto instrumento de inserção
aduz que realmente o Direito do Trabalho não na sociedade econômica de parte significativa
é apenas o conjunto de leis, mas de normas dos segmentos sociais despossuídos de riqueza
jurídicas, entre as quais os contratos coletivos, e material acumulada e que vivem essencialmente
não regula somente as relações entre empregados de seu próprio trabalho.
e empregadores num contrato de trabalho; ele
Em linha doutrinária semelhante, Marques
vai desde sua preparação, com a aprendizagem,
de Lima, após afirmar que a função primordial
até as consequências complementares, como,
do Direito do Trabalho é, ainda, a tutelar,
por exemplo, a organização profissional.
leciona que:
O Direito do Trabalho, enquanto sistema
jurídico, tem na relação de emprego e no Portanto, o Direito do Trabalho cumpre
trabalhador empregado seu principal foco, sua as seguintes funções: tutelar, porque

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Direito do Trabalho, Indústria 4.0 e (Des)Centralidade da Pessoa Humana que Trabalha

seu foco principal é a proteção do nas relações entre patrões e trabalhadores. A


hipossuficiente; econômica, porque máquina de fiar, o método de pudlagem (que
visa à realização de valores econômicos permitiu preparar o ferro de modo a transformá-
emergente da Constituição Econômica; lo em aço), o tear mecânico e a máquina a
social, como direito prestacional de 2ª vapor multiplicaram a força de trabalho e, em
geração; conservadora, representando a consequência, importou na redução da mão
força estatal contendora dos movimentos de obra porque, mesmo com o aparecimento
trabalhistas, para manutenção do status das grandes oficinas e fábricas, para obter
quo; coordenadora dos interesses determinado resultado na produção não era
contrapostos de patrões e trabalhadores. necessário tão grande número de operários.
Em síntese, podemos concluir que o Direito A Segunda Revolução Industrial,
do Trabalho, enquanto sistema jurídico formado implementada a partir da segunda metade do
por normas (regras e princípios), busca regular as Século XIX, por volta de 1860, foi caracterizada
relações de trabalho, em especial a de emprego, pela automação, com a utilização, agora, da
com o fim basilar de assegurar um mínimo energia elétrica e de combustíveis derivados
razoável civilizatório social para a pessoa do petróleo. Foi um período marcado pela
humana que trabalha, tutelando-a juridicamente consolidação do uso da manufatura e
no âmbito da relação empregatícia, com foco na desenvolvimento de tecnologias como avião,
melhoria das condições de pactuação da força telefone, refrigeradores, entre outras inovações.
de trabalho na ordem socioeconômica e na sua Já a Terceira Revolução Industrial se deu a
respectiva inserção democrática e civilizatória. partir do Século XX. Considerada a revolução da
informação, com a implementação de tecnologias
3. O DIREITO DO TRABALHO E AS da informação e das telecomunicações,
REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS introduziu eletrônicos, computadores, internet,
celulares e produziu avanços em diversas áreas
O Direito do Trabalho surgiu com o do conhecimento.
advento da sociedade industrial e o trabalho
Agora, nos dias atuais, a partir do Século
assalariado. A Revolução Industrial, deflagrada
XXI, fala-se em Quarta Revolução Industrial e/
a partir da metade do século XVIII, bem como
ou Indústria 4.0, com o surgimento da tecnologia
a descoberta da máquina a vapor, por volta de
da automação e da informação. Caracterizada
1712, foram fatores preponderantes para o
pela junção de várias tecnologias e inovações
surgimento deste ramo do Direito, pois foi a
no âmbito físico, digital e biológico advindas do
partir daí que surge a relação empregatícia como
atual estágio de mundo globalizado, a Indústria
categoria socioeconômica e jurídica.
4.0 apresenta consequências de dimensões ainda
É certo que havia trabalho, mesmo não desconhecidas, mas previsíveis, que já estão a
regulado, nos momentos históricos da escravidão, impactar o mundo do trabalho e, em especial, a
da servidão e das corporações de ofício, nos pessoa humana que trabalha.
quais não nos deteremos nesse estudo, inclusive
Discorrendo sobre a evolução histórica dos
por limitação temporal e por não ser o objeto
direitos dos trabalhadores e destacando como
principal de pesquisa que estamos a tratar.
um de seus quatro grandes momentos (dentre
Com a Primeira Revolução Industrial, os quais, o Renascimento, a Revolução Francesa
verificou-se uma profunda transformação e a Revolução Russa) a “Revolução Industrial”,
no mundo do trabalho, passando do labor Kátia Arruda leciona que:
eminentemente agrícola, manual, para o
industrial, com utilização de máquinas A revolução industrial expôs a busca
substituindo a força humana. Neste momento, desenfreada do homem pelo lucro. Nesse
há o surgimento do emprego e a evolução da período, houve a intensificação industrial,
com a criação da máquina a vapor,
máquina a vapor, revolucionando os métodos
levando a um grande crescimento da
de trabalho e, por óbvio, trazendo consequências mecanização, desenvolvendo a metalurgia,
nas relações de trabalho. a industrial naval, ferroviária e a extração
De fato, a invenção da máquina e sua de carvão. Os relatos da época mostram as
aplicação à indústria provocaram a revolução transformações profundas nas relações de
nos métodos de trabalho e, consequentemente, trabalho. A utilização de máquinas levou à

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dispensa de trabalhadores e ao consequente atingiu o desenvolvimento industrial


desemprego, que, por sua vez, aumentou como um todo, à vista de sua utilização na
o número de ofertas de trabalhadores fabricação de máquinas, de instrumentos e
e a submissão destes a qualquer tipo aparelhos de utilidades sem conta.
de trabalho, inclusive com a constante
exploração do trabalho infantil. No curso do século dezoito e início do
século dezenove, as descobertas e invenções
Em que pese o comentário acima se tenha se multiplicaram sem-fim: lançadeira
efetivado em função basicamente da primeira volante, fiandeira, tear hidráulico, tear
Revolução Industrial, asseveramos que restou mecânico, revolucionaram o setor têxtil.
constatado, nas demais revoluções industriais, Na metalurgia, ao emprego do coque, em
efeitos similares e profundos na metodologia substituição ao carvão vegetal, sucederam
do trabalho e suas repercussões nas relações de a bomba de ar, a pudlagem, a laminação, o
trabalho em todo o mundo. martelo mecânico, o processo de fabricação,
de aço fundido. Novas técnicas foram
Com efeito, as revoluções industriais aplicadas na manufatura do algodão. Passou-
ocorridas na história, até o presente momento, se à utilização do arado, no meio rural, ao
trazem consigo a busca do aprimoramento emprego do transporte ferroviário, numa
da produção e a procura de maiores lucros e verdadeira revolução nesses setores. Tudo
acúmulo de capital para o detentor dos meios isso tornou ilimitadas as possibilidades de
de produção. Em consequência, na relação de obtenção de novos produtos, impensáveis
trabalho, que é assimétrica de origem, haverá as perspectivas de multiplicação de fontes
o significativo aumento dessa assimetria, em de riqueza, pelo domínio da natureza, pelos
investimentos na aquisição e renovação
prejuízo da pessoa humana que trabalha.
dos instrumentos de produção, pela
Cabe ao Direito do Trabalho e a seus comercialização de produtos fabricados em
intérpretes e aplicadores, portanto, a nobre massa, pelo acúmulo e pela concentração
missão e o dever de aprimorarem o sistema de capitais.
de proteção trabalhista (constitucional, legal,
convencional e principiológico), no sentido de É certo que, com as revoluções industriais,
garantirem ao ser humano trabalhador um nível necessárias e inevitáveis à evolução humana e das
ao menos razoável de cidadania e civilidade, relações sociais, também advêm consequências
sempre com a efetiva proteção à sua dignidade. negativas impactantes. No mundo do trabalho,
uma dessas consequências é o desemprego,
A título ilustrativo, no tocante às mudanças
resultado da substituição do trabalho humano
e inovações advindas com as revoluções
por trabalho de máquinas. Nesse sentido, Kátia
industriais, no mundo do trabalho, citamos
Arruda assevera que:
Messias Donato que leciona sobre o processo de
formação histórica do Direito do Trabalho, na Milhares de trabalhadores perdem
forma que se segue: seus postos de trabalho, por não terem
condições de assimilar as mudanças
A Revolução Industrial: Criou fontes tecnológicas que poderiam propiciar-lhes
incomensuráveis de riquezas, sucessão novos empregos. A política governamental
incontrolável de instrumentos de produção, vem sendo destinada, primeiramente, ao
provou concentração e atomização de mão- objetivo de conter os índices inflacionários.
de-obra em torno das fábricas, produzindo A questão relacionada ao emprego não
profundas modificações na vida econômica é a primeira opção, o que não é de se
e social. Em consequência do progresso estranhar, bastando para isso avaliar os
tecnológico, deu ela origem a tantas maiores atingidos: a inflação atinge a
alterações na produção de bens e serviços, todos, inclusive o desempenho econômico-
que se poderia falar em revolução na financeiro dos grandes grupos empresariais,
indústria têxtil, revolução nos transportes, enquanto o desemprego atinge de maneira
revolução na industrialização do ferro, muito mais direta e imediata o trabalhador,
revolução na indústria da cerâmica. aumentando a oferta e tornando mais
Revolução global, em que a revolução dóceis os empregados e os sindicatos das
têxtil atingiu, de início, de maneira mais categorias ameaçadas. Não se pretende
acentuada o trabalhador, por exigir sua desprezar o ataque à inflação, que também
fixação na fábrica e a revolução de ferro que, traz transtornos irrecuperáveis para a vida
por seu efeito multiplicador, em cascata, dos trabalhadores; pretende-se apenas

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Direito do Trabalho, Indústria 4.0 e (Des)Centralidade da Pessoa Humana que Trabalha

demonstrar que um planejamento nacional tecnologias, agregando os domínios físico,


deve abarcar os mais graves problemas da digital e biológico. A título de exemplo, podemos
nação. Na atualidade, o maior problema é citar a integração de sistemas informatizados,
o desemprego. disseminação em massa de internet e informação
A título meramente ilustrativo, destaca- em tempo real, plataformas digitais, utilização
se que cresce a taxa de desemprego e, como de robótica, biotecnologia, nanotecnologia,
consequência, a informalidade e o número de informação em nuvem, impressão 3D, internet
pessoas trabalhando por conta própria ou de das coisas, big data, entre outras inovações.
forma precarizada no Brasil, conforme dados Ademais, diferentemente das outras
recentes da Pesquisa Nacional por amostra de revoluções industriais, a Indústria 4.0 chama
Domicílios (PNAD Contínua), divulgada pelo a atenção pela velocidade e abrangência das
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mudanças. Considerada como disruptiva,
(IBGE) e publicados na mídia: implica substanciais alterações na forma de
pensar não só os negócios e meios de produção,
A taxa de desemprego no país ficou em mas também os produtos e serviços.
12,2% no primeiro trimestre deste ano.
Houve alta em relação à taxa do último Ainda não se sabe exatamente qual a
trimestre de 2019 (11%), mas queda amplitude dos impactos dessa revolução nas
se comparada ao primeiro trimestre relações de trabalho. A Confederação Nacional
daquele ano (12,7%). Os dados são da Indústria cita, entre os principais aspectos
da Pesquisa Nacional por Amostra de do trabalho que sofrerão impactos direitos
Domicílio Contínua (PNAD Contínua), da Indústria 4.0, o deslocamento da mão de
divulgada hoje (30) pelo Instituto Brasileiro obra entre setores e funções específicas, a
de Geografia e Estatística (IBGE).
flexibilização do trabalho tanto na jornada quanto
A população desocupada chegou a 12,9
milhões de pessoas, um aumento de 10,5%
na localização do trabalho e a disseminação
(1,2 milhão de pessoas a mais) em relação de novas plataformas de relacionamento entre
ao último trimestre de 2019. empregador e trabalhador.
É certo que, com o advento da Indústria
Do exposto, por certo que as mudanças 4.0, as grandes indagações quanto aos impactos
advindas com as revoluções industriais também nas relações de trabalho giram em torno da
trouxeram consigo a necessidade de adaptação empregabilidade e dos direitos trabalhistas.
e evolução de trabalhadores, empregadores e do
Quanto aos impactos da indústria 4.0 nos
próprio Direito do Trabalho. Não será diferente
empregos, verifica-se que, com a digitalização
com a Quarta Revolução Industrial ou Indústria
dos processos industriais, a robótica, a
4.0.
informatização e a inteligência artificial, houve
um aumento de produtividade com redução da
4. QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
demanda de trabalhadores na força produtiva de
OU INDÚSTRIA 4.0 trabalho.
A Indústria 4.0, também chamada de Vislumbra-se, portanto, que a automação
Quarta Revolução Industrial, consiste na e a inteligência artificial irão substituir
digitalização de processos industriais por meio trabalhadores em ocupações clássicas, que
da utilização da Inteligência Artificial, robótica e demandam mão de obra intensa e em atividades
informatização no ambiente produtivo, gerando administrativas. Já existe, inclusive, uma
a otimização de recursos e criando métodos e prospectiva de que entre um terço e metade das
técnicas comerciais mais efetivas. funções hoje exercidas hoje correm o risco de ser
Em outras palavras, o conceito de Indústria automatizadas.
4.0 se apresenta como um conjunto de alterações Nelson Mannrich, citando Christophe
nos modos de produção e celebração de negócios. Degryse, indica que atividades de escritório,
Engloba as principais inovações tecnológicas vendas e comércio em geral, transporte e logística,
atinentes à automação, controle e tecnologia da setores da indústria de manufatura e construção
informação, aplicadas aos meios de produção. civil tradicional, alguns serviços financeiros,
Outra característica marcante da Quarta de tradução e consultoria, são atividades que
Revolução Industrial é a integração de várias

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Alline Bessa de Meneses e Francílio Bibio Trindade de Carvalho

possuem alto risco de desaparecimento em do seu negócio, que é o transporte individual


função da automação. de passageiros. Contudo, na visão da empresa,
Por outro lado, Klaus Schwab observa esses motoristas não são considerados como
que, ao mesmo tempo que a tecnologia e empregados e, portanto, não fazem jus a
automação substituem o trabalho por capital garantias e direitos trabalhistas.
gerando desemprego, a demanda por novos bens Sob o argumento de jornadas mais
e serviços aumenta e leva à criação de novas flexíveis, autonomia e empoderamento do
profissões e empresas. indivíduo, verifica-se que, na verdade, as novas
De fato, as novas tecnologias, responsáveis modalidades de trabalho se traduzem em um
pela extinção de empregos tradicionais, também mundo de fábricas virtuais não regulamentadas,
proporcionarão a criação de novos postos de terceirização silenciosa de atividades e
trabalho, porém com uma forma de organização precarização de condições de trabalho, além da
e sistemática bem distinta do modelo clássico. redução expressiva de remunerações e direitos.
Neste sentido, Klaus Schwab apresenta Assim, em tempos de tantas reformas
duas fundamentais mudanças neste novo legislativas e mudanças estruturais nas relações
modelo de trabalho instituído pela Indústria 4.0. laborais, é sempre oportuno lançar um olhar
Primeiramente, há a tendência de simplificação sobre o Direito do Trabalho, com sua função
das atividades, com a divisão do trabalho em primordial de tutelar e equilibrar as relações
tarefas distintas e bem definidas. Isso leva entre capital e trabalho, bem como sobre os
a um melhor acompanhamento do trabalho princípios constitucionais que balizam o Estado
e da qualidade do produto, mas também Democrático de Direito.
propicia a automatização e, em consequência,
a substituição do trabalhador pela máquina e 5. A CARTA MAGNA BRASILEIRA DE
ainda a terceirização de atividades. 1988 E OS DIREITOS TRABALHISTAS
A outra grande mudança seria o que o ENQUANTO FUNDAMENTAIS
autor conceitua como o “novo trabalho flexível”.
Há o surgimento de novos contratos sociais A Carta Constitucional de 1988, desde seu
e de trabalho e da economia sob demanda (on preâmbulo, expressa que o Brasil foi instituido
demand), onde os prestadores de serviço não como um “Estado Democrático, destinado
são mais empregados no sentido tradicional, a assegurar o exercício dos direitos sociais e
mas trabalhadores independentes que realizam individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
tarefas especificas e estão disponíveis em estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
plataformas digitais de “nuvem humana”. como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada
De fato, várias empresas estão surgindo no na harmonia social”. Destacam-se, já em
mercado com esta proposta de trabalho flexível. seu artigo 1º, como fundamentos de nossa
Nelson Mannrich, citando De Stefano, afirma República, a dignidade da pessoa humana e os
que se trata de uma gig-economy: economia de valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
pequenos encargos ou mini empregos que se
apresenta com as modalidades de plataformas Essa mesma Carta Magna, em seus artigos
de trabalho comunitário (crowdwork) e trabalho 6º, 7º, 170 e 193, dispondo sobre direitos sociais,
por demanda por aplicativos. ordem econômica e financeira e ordem social,
elenca como prioridade o direito ao trabalho,
Márcio Gonçalves batiza o fenômeno de os direitos mínimos dos trabalhadores urbanos
uberização, por entender que a uber seria o e rurais, a valorização do trabalho humano e
paradigma deste novo modelo de trabalho. Os a livre iniciativa, a busca de assegurar a todos
motoristas, considerados como autônomos, são existência digna, conforme os ditames da justiça
cadastrados no aplicativo para atender à demanda social e, ainda, declara, por fim, que a ordem
intermitente pelos serviços de transporte. social tem como base o primado do trabalho e
A grande preocupação reside na qualidade como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
destes postos de trabalho que se apresentam no Tem-se, pois, que o trabalho e os direitos
novo contexto. No exemplo clássico da Uber, dos trabalhadores urbanos e rurais, no
verifica-se que a empresa explora diretamente a ordenamento jurídico brasileiro, são direitos
mão de obra dos motoristas para a consecução sociais individuais fundamentais trabalhistas.

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Direito do Trabalho, Indústria 4.0 e (Des)Centralidade da Pessoa Humana que Trabalha

Concebemos que os direitos individuais brasileira de 1988, teremos o direito ao trabalho


e sociais trabalhistas, em face de sua e os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a
fundamentalidade e natureza intrínseca valorização do trabalho humano, a livre iniciativa
de direitos humanos, possuem densidade e a busca de assegurar a todos existência digna,
normativa, em especial aqueles expressos na conforme os ditames da justiça social e, ainda,
Constituição Federal vigente. a ordem social, tendo como base o primado do
No tocante aos direitos fundamentais, trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça
conceitua Arion Romita como aqueles que sociais, na qualidade de direitos fundamentais
“em dado momento histórico, fundados (constitucionais) trabalhistas no País.
no reconhecimento da dignidade da pessoa
humana, asseguram a cada homem as garantias 6. A DES(CENTRALIDADE) DA PESSOA
de liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania HUMANA NO NOVO CONTEXTO
e justiça”. Para o autor, este é o núcleo essencial LABORAL
da noção de direitos fundamentais, aquilo que
identifica a sua fundamentalidade e destaca que Em consonância ao já discorrido nesta
implicam exigência do respeito a essas garantias pesquisa, nos cabe agora arguir: ainda haverá
por parte dos demais homens, dos grupos e do espaço para a centralidade da pessoa humana
Estado, assim como a possibilidade de postular que trabalha no mundo globalizado? Chegou o
a efetiva proteção do Estado em caso de ofensa. momento de se dizer adeus ao trabalho?
Por sua vez, Maurício Godinho Delgado, Temos que a pessoa humana, na ordem
tratando do conceito constitucional de direitos constitucional brasileira, é a figura central em
fundamentais da pessoa humana, leciona que: nosso Estado Democrático e Social de Direito,
sendo o amparo e preservação de sua dignidade
Os direitos fundamentais da pessoa o fim precípuo.
humana dizem respeito àqueles que são
inerentes ao universo de sua personalidade A matriz estrutural da Constituição de
e de seu patrimônio moral, ao lado daqueles 1988, naquilo que forma o seu núcleo basilar e a
que são imprescindíveis para garantir um distingue, significativamente, das constituições
patamar civilizatório mínimo inerente à precedentes do País, fundamenta-se em três
centralidade da pessoa humana na vida pilares principais: a arquitetura constitucional
socioeconômica e na ordem jurídica. Trata- de um Estado Democrático de Direito; a
se, por exemplo, dos direitos individuais arquitetura principiológica humanística e social
e coletivos elencados no Capítulo I (“Dos da Constituição da República; e a concepção
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”)
constitucional de direitos fundamentais da
do Título I, a par dos direitos individuais
e sociais elencados no Capítulo II (“Dos pessoa humana.
Direitos Sociais”) do mesmo Título I. Assim, com esteio nas lições doutrinárias
de Maurício Godinho Delgado, podemos
Note-se que a Constituição de 1988 tem o afirmar que, no Brasil, temos um Estado
zelo de explicitar o caráter de essencialidade que Democrático de Direito, enquanto marco
emana desses direitos fundamentais da pessoa contemporâneo do constitucionalismo,
humana, ao estatuir, em seu art. 60, § 4º, IV, inaugurado pela Constituição Federal de 1988,
que não será objeto de deliberação a proposta de de matriz humanística e social, centrado no tripé
emenda constitucional tendente a abolir: “IV – conceitual: pessoa humana, com sua dignidade;
os direitos e garantias individuais”. sociedade política, concebida como democrática
Essa norma constitucional de vedação e inclusiva; sociedade civil, também concebida
explícita ao Poder Legislativo Reformador (e como democrática e inclusiva.
também, é óbvio, ao Poder Legislativo Ordinário) Embora sofrendo ataques constantes
protege os direitos e garantias individuais da legislação infraconstitucional e dos que
fundamentais, isto é, aqueles direitos e garantias intentam introduzir retrocessos na lei maior e
que sejam de titularidade de pessoas humanas, revogar importantes avanços sociais, o Estado
como sói ocorrer com os direitos individuais e Democrático de Direito vem sobrevivendo à
sociais trabalhistas. crise do constitucionalismo e, a duras penas,
Dessa forma, enquanto permanecer ainda, mesmo que sob ataques ideológicos e
intocada e vigente a Carta Constitucional jurídicos, vem garantindo, até certo ponto a

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Alline Bessa de Meneses e Francílio Bibio Trindade de Carvalho

fruição de direitos individuais e sociais, inclusive trabalha nos países democráticos de direito.
trabalhistas. Em se constatando o significativo aumento
Em uma primeira conclusão e resposta aos da precarização do trabalho e de suas formas
questionamentos que iniciam esse tópico que de contratação e execução, implicando em
ora abordamos, evocamos as precisas lições de acentuada subproletarização do trabalho,
Maurício Godinho Delgado: torna-se ainda mais importante o resgate desta
centralidade, o que implicará redobrado esforço
A eleição da pessoa humana como ponto hermenêutico, principalmente em face da atual
central do novo constitucionalismo, que supremacia da ideologia ultraliberal defensora do
visa a assegurar sua dignidade, supõe capitalismo de mercado, no sentido de se garantir
a necessária escolha constitucional da
a dignidade da pessoa humana que trabalha e lhe
Democracia como o formato e a própria
energia que tem de perpassar toda a proporcionar, como leciona Maurício Godinho
sociedade política e a própria sociedade Delgado, um patamar civilizatório mínimo,
civil. Sem Democracia e sem instituições democrático e inclusivo.
e práticas democráticas nas diversas A classe que vive do trabalho só aumenta,
dimensões do Estado e da sociedade, não apesar dos fenômenos da precarização e da
há como se garantir a centralidade da
subproletarização do trabalho e é cediço que o
pessoa humana e de sua dignidade em um
capital e trabalho são interdependentes. Assim,
Estado Democrático de Direito. Sem essa
conformação e essa energia democráticas, o o valor social do trabalho e a livre iniciativa no
conceito inovador do Estado Democrático de capitalismo devem coexistir de forma harmônica,
Direito simplesmente perde consistência, efetivados pelo Direito Constitucional e pelo
convertendo-se em mero enunciado vazio Direito do Trabalho, materializados por seus
e impotente. intérpretes e aplicadores.
Assim, respondemos afirmativamente Não se esqueça que a especialização
à questão de haver ainda espaço para a de tarefas laborais implicará a necessária
centralidade da pessoa humana que trabalha qualificação do ser humano que trabalha. Postos
no mundo globalizado. Mesmo com a de trabalho serão extintos e outros tantos serão
reestruturação produtiva, com a globalização, criados. Assim como o foi nas demais revoluções
com a precarização do trabalho, agora mais industriais já aqui brevemente referidas.
ainda reforçada com a vigência da ideologia Ricardo Antunes, acertadamente, reconhece
ultraliberal de Estado mínimo e a indústria 4.0 que também há consequências positivas
ou Quarta Revolução Industrial, ainda há espaço decorrentes da revolução tecnológica. O autor
nos Estados Democráticos de Direito para afirma que, paralelamente à redução quantitativa
afirmarmos e comprovarmos a centralidade da do operariado tradicional, dá-se uma alteração
pessoa humana que trabalha. qualitativa na forma de ser do trabalho. A
Ricardo Antunes, dispondo sobre as substituição do trabalho humano pela máquina
metamorfoses e a centralidade do trabalho oferece, como tendência, a possibilidade de
hodierno, afirma que, de um lado, verificou- conversão do trabalhador em supervisor e
se uma desproletarização do trabalho regulador do processo de produção. Portanto,
industrial, fabril, nos países de capitalismo sob o impacto tecnológico há uma possibilidade
avançado, ou seja, houve uma diminuição da que se configura pela presença da dimensão mais
classe operária industrial tradicional; mas, qualificada, pela intelectualização do trabalho
paralelamente, efetivou-se também uma no processo de criação de valores, realizado pelo
significativa subproletarização do trabalho, conjunto do trabalho social combinado.
decorrência das formas diversas de trabalho É bem verdade que países sem
parcial, precário, terceirizado, subcontratado, industrialização e capital “de ponta” ou em
vinculado à economia informal, ao setor de desenvolvimento, como o Brasil, com o advento
serviços etc. Verificou-se, portanto, uma da Quarta Revolução Industrial e/ou Indústria
significativa heterogeneização, complexificação 4.0, suportarão consequências acentuadas e,
e fragmentação do trabalho. possivelmente, graves, caso não avancemos na
Assim, de fato, não há mesmo que se falar concretização de um efetivo Estado Democrático
em descentralidade da pessoa humana que de Direito, materializando os direitos
fundamentais, que já estão constitucionalizados.

30
Direito do Trabalho, Indústria 4.0 e (Des)Centralidade da Pessoa Humana que Trabalha

Nesta perspectiva, assevera Ricardo Ainda nas preciosas lições de Ricardo


Antunes: Antunes:
Isso evidencia que, mesmo na Posso, portanto, concluir que, em vez
contemporaneidade, “a compreensão do da substituição do trabalho pela ciência,
desenvolvimento e da autorreprodução ou ainda da substituição da produção de
do modo de produção capitalista é valores pela esfera comunicacional, da
completamente impossível sem o conceito substituição da produção pela informação,
de capital social total (...) Do mesmo modo o que vem ocorrendo no mundo
é completamente impossível compreender contemporâneo é uma maior inter-relação,
os múltiplos e agudos problemas do maior interpenetração, entre as atividades
trabalho, tanto nacionalmente diferenciado produtivas e as improdutivas, entre as
como socialmente estratificado, sem que atividades fabris e de serviços, entre as
se tenha sempre presente o necessário atividades laborativas e as atividades de
quadro analítico apropriado a saber: o concepção, que se expandem no contexto
irreconciliável antagonismo entre o capital da reestruturação produtiva do capital,
social total e a totalidade do trabalho” possibilitando a emergência de processos
(Mészaros, 1995: 891). Claro que esse produtivos pós-tayloristas e pós-fordistas.
antagonismo é particularizado em função Uma concepção ampliada do trabalho nos
das circunstâncias socioeconômicas locais, possibilita entender o papel que ele exerce
da inserção de cada país na estrutura global na sociabilidade contemporânea neste
da produção de capital e da maturidade limiar do século XXI.
relativa do desenvolvimento sócio-histórico
global (idem). Por derradeiro, conclui-se que não é chegada
a hora de dizer adeus ao trabalho. O Direito do
Por tudo isso, falar em supressão do trabalho Trabalho, a Indústria 4.0 e a centralidade da
sob o capitalismo parece ser carente de maior pessoa humana que trabalha podem e devem
fundamentação, empírica e analítica, o que se conviver harmonicamente, em prol da melhoria
torna mais evidente quando se constata que 2/3 das condições de vida da sociedade.
da força de trabalho se encontra no Terceiro
Mundo industrializado e intermediário (nele 7. CONCLUSÃO
incluída a China), onde as tendências apontadas
têm um ritmo particularizado. A Quarta Revolução Industrial é uma
realidade inquestionável e seus efeitos já
As inovações tecnológicas advindas com
se fazem presentes na vida de todos. O uso
a Indústria 4.0 terão, necessariamente, que
de novas tecnologias e plataformas digitais,
dialogar com a classe-que-vive do trabalho,
como, por exemplo, Uber, Netflix, Amazon,
eis que o trabalho, em si, permanecerá em
Booking Spotify, mudaram a forma de consumo
centralidade, mesmo no mundo globalizado e
de bens e serviços.
interconectado que estamos a vivenciar. Isso
implicará, reitere-se, nos Estados Democráticos É certo que as inovações tecnológicas
de Direito, na necessária e imprescindível permitiram o acesso a produtos e serviços mais
manutenção da centralidade da pessoa humana baratos e de maior qualidade, proporcionando
no mundo do trabalho, não havendo, pois, que se melhorias na situação social e cultural da
falar, simplesmente, em substituição do homem sociedade. Entretanto, as novas tecnologias da
pela máquina, mas em coexistência harmônica e informação também introduziram mudanças
protegida pelo Direito. profundas, e não tão benéficas, ao mercado de
trabalho.
Como vimos, sempre tivemos uma
diversidade de seres humanos que vivem do Observa-se que, nos últimos anos, houve
trabalho ou classe-que-vive do trabalho, já agora uma redução do tamanho das empresas, que
não só proletariados, mas subproletariados, passaram a utilizar a terceirização e o teletrabalho.
classe essa que ainda desempenha atividades Surgiram as chamadas “novas morfologias do
centrais no processo produtivo e no mundo trabalho” e com elas o aumento do desemprego,
do trabalho. Reitere-se: temos 2/3 da força do subemprego, do trabalho “flexível” e do
de trabalho localizada nos países de Terceiro trabalho informal, além da precarização das
Mundo ou em desenvolvimento, entre os quais condições de trabalho e a perda de direitos
se situa o Brasil.

31
Alline Bessa de Meneses e Francílio Bibio Trindade de Carvalho

sociais, trabalhistas e previdenciários, com óbvio isso, é fundamental regulamentar estas “novas
impacto sobre a vida e a saúde dos trabalhadores. morfologias de trabalho” que se apresentam,
Nesse contexto, é imperioso buscar o para garantir a todos os trabalhadores direitos e
equilíbrio entre a evolução tecnológica e a condições mínimas de trabalho.
garantia de direitos mínimos. Os direitos O papel do Estado frente às relações de
individuais e sociais trabalhistas, em face de sua trabalho também precisa ser repensado com
natureza intrínseca de direitos humanos, são vistas a encontrar o ponto de equilíbrio entre às
considerados direitos fundamentais e como tais exigências de ordem econômica e a dignidade do
não podem ser simplesmente retirados. trabalhador. Em tempos de tantas mudanças,
Ademais, é sempre bom lembrar que a faz-se necessária a geração de políticas públicas
pessoa humana é a figura central em nosso adequadas para inclusão no mercado de trabalho
Estado Democrático de Direito, sendo o e fomento à representação, negociação coletiva e
amparo e a preservação de sua dignidade um ao diálogo social.
fim precípuo e o Direito do Trabalho tem o Ao fim, parafraseando Marx, concluímos
importante papel neste novo contexto. As com um convite/exortação sócio-laboral:
normas trabalhistas precisam ser reformadas trabalhadores do Brasil, UNI-VOS.
para se adaptarem à nova realidade social,
porém sem promoverem a flexibilização
irrestrita e retirada de direitos. Mais do que

32
Direito do Trabalho, Indústria 4.0 e (Des)Centralidade da Pessoa Humana que Trabalha

REFERÊNCIAS

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de 2017.
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São Paulo, v. 81, n. 11, pp. 1287-1300, 2017.

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Alline Bessa de Meneses e Francílio Bibio Trindade de Carvalho

NOTAS

1. VIANNA, Segadas, in Instituições de direito 11. ROCHA, Marcelo Oliveira. Indústria 4.0 no
do trabalho, Volume I / Arnaldo Süssekind ... Brasil: aspectos trabalhistas. In: ZAVANELLA,
[et al]. – 21. ed. atual. por Arnaldo Süssekind Fabiano e ROCHA, Marcelo Oliveira (coord,). O
e João de Lima Teixeira Filho. – São Paulo: LTr, primeiro ano de vigência da Lei n. 13.467/2017
2003, p. 99. (reforma trabalhista) - reflexões e aspectos
2. Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, práticos. São Paulo: LTr, 2018, pp.13-14.
individual ou coletiva, que, assumindo os riscos 12. DE AMORIM, Jorge Eduardo Braz. A ‘indústria
da atividade econômica, admite, assalaria e 4.0’ e a sustentabilidade do modelo de
dirige a prestação pessoal de serviço. financiamento do Regime Geral da Segurança
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa Social. Cadernos de Direito Actual, n. 5, 2017,
física que prestar serviços de natureza não p. 248.
eventual a empregador, sob a dependência deste 13. SOARES, Matias Gonsales. A Quarta Revolução
e mediante salário. Industrial e seus possíveis efeitos no direito,
3. DELGADO, Maurício Godinho. Funções economia e política. Boletim Jurídico, Uberaba/
do Direito do Trabalho no Capitalismo e MG, a. 13, no 1524, pp. 5.
na Democracia. In: DELGADO, Maurício 14. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA
Godinho. Neves. Constituição da República e INDÚSTRIA. Relações trabalhistas no contexto
Direitos Fundamentais: Dignidade da pessoa da indústria 4.0 / Confederação Nacional da
humana, justiça social e Direito do Trabalho. Indústria. – Brasília: CNI, 2017, p. 27.
4. ed. São Paulo: LTr, 2017, pp. 75-93.
15. ROCHA, Marcelo Oliveira. Indústria 4.0 no
4. MARQUES DE LIMA, Francisco Meton; Brasil: aspectos trabalhistas. In: ZAVANELLA,
MARQUES DE LIMA, Francisco Péricles Fabiano e ROCHA, Marcelo Oliveira (coord,). O
Rodrigues. Elementos de direito do trabalho e primeiro ano de vigência da Lei n. 13.467/2017
processo trabalhista – 15. ed. – São Paulo: LTr, (reforma trabalhista) - reflexões e aspectos
2015, pp. 29. práticos. São Paulo: LTr, 2018, p.15.
5. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de 16. ROCHA, Marcelo Oliveira. Op. cit., p.14.
Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019, p. 99. 17. MANNRICH, Nelson. Futuro do Direito do
Trabalho, no Brasil e no mundo. Revista LTr.
6. VIANNA, Segadas, in Instituições de direito São Paulo, v. 81, n. 11, 2017, p. 1295.
do trabalho, Volume I / Arnaldo Süssekind ...
[et al]. – 21. ed. atual. por Arnaldo Süssekind 18. SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução
e João de Lima Teixeira Filho. – São Paulo: LTr, Industrial. São Paulo: Edipro, 2016, p. 30.
2003, p. 32. 19. SCHWAB, Klaus. Op. cit., pp. 32-33.
7. ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito 20. SCHWAB, Klaus. Op. cit., pp. 41-42.
Constitucional do Trabalho: sua eficácia e o
21. MANNRICH, Nelson. Op. cit., p. 1293.
impacto do modelo neoliberal. São Paulo: LTr,
1998, p. 26. 22. GONÇALVES, Márcio Toledo. Uberização:
um estudo de caso – as tecnologias disruptivas
8. DONATO, Messias Pereira. Curso de direito
como padrão de organização do trabalho no
individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p.
século XXI. Revista LTr. Vol. 81, nº 3, março de
21.
2017, p. 320.
9. ARRUDA, Kátia. Op. cit., pp. 86-87.
23. Constituição Federal de 1988.
10. Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.
com.br/economia/noticia/2020-04/taxa- PREÂMBULO
de-desemprego -fica-em-122-no -primeiro -
trimestre-do-ano#:~:text=%C3%8Dndice%20 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
foi%20divulgado%20hoje%20pelo%20 em Assembleia Nacional Constituinte para
IBGE&text=A%20taxa%20de%20desem- instituir um Estado Democrático, destinado
prego%20no,ano%20(12%2C7%25)., acesso a assegurar o exercício dos direitos sociais e
em: 15 de junho de 2020. individuais, a liberdade, a segurança, o bem-

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Direito do Trabalho, Indústria 4.0 e (Des)Centralidade da Pessoa Humana que Trabalha

estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO,


como valores supremos de uma sociedade Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil:
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada com os comentários à Lei n. 13.467/2017 – São
na harmonia social e comprometida, na ordem Paulo: LTr, 2017, p. 33.
interna e internacional, com a solução pacífica
DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO,
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção
Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil:
de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
com os comentários à Lei n. 13.467/ 2017 – São
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Paulo: LTr, 2017, p. 21.
TÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMEN- DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito
TAIS do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019, p. 118.
DELGADO, Maurício Godinho. Delgado,
Art. 1º A República Federativa do Brasil, Gabriela Neves. Op. cit., p. 28.
formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se ANTUNES, Ricardo Luis Coltro. Os sentidos do
em Estado Democrático de Direito e tem como trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação
fundamentos: do trabalho – [2.ed., 10.reimpr. ver. e ampl.]. –
São Paulo, SP: Boitempo, 2009. – (Mundo do
(...) Trabalho), p. 205.
III - a dignidade da pessoa humana; ANTUNES, Ricardo Luis Coltro. Op. cit., p.
IV - os valores sociais do trabalho e da livre 208.
iniciativa. ANTUNES, Ricardo Luis Coltro. Op. cit., p.
In http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 209.
constituicao/constituicao.htm. Data de ANTUNES, Ricardo Luis Coltro. Op. cit., p.
visualização em: 25.11.2019. 219.
ROMITA, Arion Sayão, Direitos fundamentais
nas relações de trabalho – 2ª ed. rev. e aum. –
São Paulo: LTr, 2007, p. 45.

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