Você está na página 1de 15

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

Faculdade de Gestão de Recursos Florestais e Faunísticos

Licenciatura em Gestão de Rec


Recursos
ursos Florestais e Faunísticos 2º
2 Ano

Cadeira: Fundamentos de Teologia Católica

II° Ano
2022

A Democracia, Ambiente Ideal para o Desenvolvimento Integral da Pessoa

Éden Pascoal Jorge. Cód. 711210043

Lichinga, Setembro de 2022.


UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

Faculdade de Gestão de Recursos Florestais e Faunísticos

Licenciatura em Gestão de Recursos Florestais e Faunísticos 2º Ano

Cadeira: Fundamentos de Teologia Católica

A Democracia, Ambiente Ideal para o Desenvolvimento Integral da Pessoa

Trabalho de Campo de Fundamentos de Teologia


Católica a ser submetido na Coordenação do
Curso de Gestão de Recursos Florestais e
Faunísticos da UCM, sob recomendação do Msc:

Éden Pascoal Jorge. Cód. 711210043

Lichinga, Setembro de 2022.


Índice

1. Introdução ........................................................................................................................... 4
1.1. Objectivos ................................................................................................................ 4
1.1.1. Objectivo Geral ......................................................................................... 4
1.1.2. Objectivos específicos .............................................................................. 4
1.2. Metodologia ............................................................................................................. 4
2. A Democracia, Ambiente Ideal para o Desenvolvimento Integral da Pessoa .................... 5
2.1. O Sentido Original da Democracia e seu Desenvolvimento no Tempo .................. 5
2.2. O Conceito de Democracia e sua Efectiva Expansão .............................................. 6
2.2.1. Expansão Efectiva da Democracia............................................................ 6
2.3. A Democracia Segundo os Pais do Pensamento Político : Platão e Aristóteles ...... 7
2.3.1. Os Filósofos Gregos e a Noção de Democracia........................................ 7
2.4. O Conceito de Democracia nos Fundadores da Democracia Moderna: John Locke
e Jean-Jacques Rousseau ................................................................................................ 9
2.5. A Democracia no Actual Contexto da Globalização ............................................. 11
\2.6. Os Desafios à Democracia. ................................................................................... 12
3. Conclusão.......................................................................................................................... 14
4. Referências Bibliográficas ................................................................................................ 15
1. Introdução

O presente trabalho tem como tema “A democracia, ambiente ideal para o


desenvolvimento integral da pessoa” que é um tema relevante na sociedade contemporânea. A
efectividade do paradigma do desenvolvimento pressupõe análise contextualizada sobre os
desafios que o Estado Democrático de Direito deve enfrentar para a consecução da qualidade
de vida e da dignidade humana. A globalização provocou profundas transformações no
cenário político, económico e social mundial, afectando tanto os regimes democráticos
propriamente dito. Novos desafios surgiram e objectivam compatibilizar de maneira racional
e eficiente democracia. A concretização da democracia depende do alargamento da soberania
popular, da adopção de espaços democráticos participativos, de novos modelos organizativos
e de novas instituições que de facto incorporem os conceitos e preceitos da dignidade humana.

1.1. Objectivos

1.1.1. Objectivo Geral

 Compreender a democracia como ambiente ideal para o desenvolvimento integral da


pessoa

1.1.2. Objectivos específicos

 Contextualizar a democracia no seu sentido original e seu desenvolvimento no tempo;


 Explicar o conceito de democracia e sua efectiva expansão;
 Ilustrar a democracia segundo os pais do pensamento político: Platão e Aristóteles;
 Descrever a democracia no actual contexto da globalização e os seus desafios.

1.2. Metodologia

Para a elaboração da presente pesquisa, foi possível pelo uso do método de pesquisas
bibliográficas e de campo. Segundo Lakatos e Marconi (1987, p. 66) a pesquisa bibliográfica
trata-se do levantamento, selecção e documentação de toda bibliografia já publicada sobre o
assunto que está sendo pesquisado, em livros, revistas, jornais, boletins, monografias, teses,
dissertações, material cartográfico, com o objectivo de colocar o pesquisador em contacto
directo com todo material já escrito sobre o mesmo.

4
2. A Democracia, Ambiente Ideal para o Desenvolvimento Integral da Pessoa

2.1. O Sentido Original da Democracia e seu Desenvolvimento no Tempo

O conceito de democracia ficou conhecido com a experiência de auto-governo dos


cidadãos atenienses durante o período de Péricles, no século V a C, embora já fosse usado
antes. A palavra democracia é formada por dois vocábulos gregos que, juntos, implicam uma
concepção singular de relações entre governados e governantes: “demos” significa povo ou
muitos, enquanto “kracia” quer dizer governo ou autoridade; assim, em contraposição à
prática política adoptada até então, ou seja, o governo de um sobre todos (monarquia) ou de
poucos sobre muitos (oligarquia), o conceito de democracia passou a conotar, como tanto
Aristóteles como Platão observaram, a ideia de uma forma de governo exercido por muitos;
mas é um equívoco considerar isso uma democracia directa, pois mesmo sendo um governo
para muitos e exercido por muitos, não o era por todos, já que estavam excluídos da cidadania
mulheres, escravos e trabalhadores braçais.

Na Atenas da época, as decisões importantes que afectavam a vida da cidade e dos


seus habitantes, como as relativas à economia, aos impostos e à defesa contra os ataques
externos (aí incluída a guerra), eram tomadas pela assembleia de cidadãos. No gozo de sua
soberania, os cidadãos podiam votar as decisões de interesse colectivo, ser indicados para
cargos públicos (através de sorteio), fazer parte de júris e, ao mesmo tempo, destituir ou
colocar no ostracismo os governantes cuja acção era considerada prejudicial ao bem comum e
aos interesses da maioria. O processo envolvia dois princípios fundamentais que, séculos mais
tarde, passaram a ser centrais para o conceito: se referiam, por uma parte, à igualdade dos
cidadãos perante a lei (isonomia), e, por outra, ao direito deles se expressarem na assembleia
(isegoria); a sua vigência deu origem a uma nova concepção de relações de poder consolidada
quando a noção de democracia foi retomada na modernidade política a partir dos séculos
XVII e XVIII.

Segundo Heródoto, foi Péricles quem usou pela primeira vez, em sua oração fúnebre
em homenagem aos heróis da guerra do Peloponeso, a ideia de que a democracia é o governo
“do povo, pelo povo e para o povo”, um enunciado tornado célebre após ser usado por Abraão
Lincoln no século XIX. Mas a contribuição de Péricles, fruto de sua reflexão como estadista,
foi muito além; no seu famoso discurso, ele sugeriu, como observaram alguns especialistas,
que a democracia inventada em Atenas dizia respeito a dois ideais complementares: a
distribuição equitativa do poder de tomar decisões colectivas e o julgamento dos cidadãos
5
quanto ao processo de tomada dessas decisões e os seus resultados. Esses ideais iriam
converter-se, ao longo das transformações históricas que deram origem à democracia
moderna, nos principais pilares do conceito, distinguindo claramente esse regime de
alternativas como o autoritarismo e o totalitarismo.

2.2. O Conceito de Democracia e sua Efectiva Expansão

O conceito de democracia não é algo perfeito, estático, ao contrário, “é algo dinâmico,


em constante aperfeiçoamento, sendo válido dizer que nunca foi plenamente alcançado”2 ,
visto sua construção e aprimoramento decorrerem dos acontecimentos históricos, como um
“processo de continuidade transpessoal, irredutível a qualquer vinculação do processo político
a determinadas pessoas.

Por não ser um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores


indispensáveis de convivência social, a democracia se enriqueceu com passar do tempo e das
lutas sociais, sempre impulsionada pela aspiração do homem na progressão para a liberdade.

Entretanto, notamos que “o princípio democrático não elimina a existência das estruturas de
domínio mas implica uma forma de organização desse domínio. Daí o caracterizar-se o
princípio democrático como princípio de organização da titularidade e exercício do poder.”5

Nos dizeres de Paulo Bonavides: “Variam pois de maneira considerável as posições


doutrinárias acerca do que legitimamente se há de entender por democracia. Afigura-se-nos
porém que substancial parte dessas dúvidas se dissipariam, se atentássemos na profunda e
genial definição lincolniana de democracia: governo do povo, para o povo, pelo povo.”

Nesse diapasão, a democracia foi proclamada como um dos direitos universais e


fundamentais do homem, como um regime político em que o poder repousa na vontade do
povo, sendo reconhecida a sua importância no art. 6º da Declaração de Direitos de Virgínia
(1776), no art. 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e,
especialmente, no art. 21, n.1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), nos
seguintes termos: “Toda pessoa tem direito de participar no governo de seu país, directamente
ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.”

2.2.1. Expansão Efectiva da Democracia

Após a Segunda Guerra Mundial os países ocidentais que sofreram derrotas na guerra
foram obrigados a substituir os regimes autoritários ou ditatoriais por uma democracia. Em
1946 era abolida a monarquia em Itália, por referendo, e instalada a república, que foi

6
igualmente instaurada em França (no mesmo ano, tendo-se elaborado a Constituição da IV
República Francesa) e na Alemanha (em 1949).

De igual forma, procedeu-se à descolonização por parte da maioria dos países, como
o Reino Unido, a França e Portugal (estes tardiamente e com bastantes resistências). De
facto, depois da guerra em que as democracias ocidentais venceram os regimes totalitários,
assistiu-se a uma difusão da democracia pluralista. Esta não foi aplicada em Portugal devido à
importância que desempenhavam as colónias no poderio português, e era necessário conceder
a independência às mesmas para cumprir os requisitos do regime democrático pluralista. Em
1949 António de Oliveira Salazar conseguia que a NATO compreendesse as razões da
manutenção do Ultramar e do regime do Estado Novo enquanto tal, após árduos esforços,
e Portugal integrou a organização em 1949.

O mesmo se passou em Espanha, em que o regime de Franco, que tal como o de


Salazar não interferiu no conflito mundial, permaneceu (em Portugal até 1974 e
em Espanha até ao seguinte ano). A progressiva descolonização fez com que a Grã-
Bretanha libertasse o Paquistão e a Índia em 1947, enquanto a França se debateu em guerras
coloniais na Argélia e na Indochina durante ainda alguns anos. A eliminação progressiva
destas colónias restringiu o poder da Europa Ocidental. Depois da "desnazificação" foram
finalmente permitidas as actividades dos socialistas, dos liberais e dos cristãos-democratas,
assim como dos comunistas, e em 1949 a Alemanha federou-se em 10 estados ou lander,
formando a RFA ou República Federal Alemã.

Com o advento de um Estado parlamentar e democrático, tomaram-se medidas como a


proibição de actividade dos partidos Comunista e Nazi para que este se mantivesse sem
perigo. Contudo, dava-se a circunstância de a democracia de uns países ser mais firme (caso
dos países nórdicos) que a de outros, como a da Grécia, de França ou da Itália, em que se
vivia na ameaça de golpes de Estado empreendidos por grupos armados. Tal foi o caso do
golpe dos coronéis gregos em 1967, que submeteram o país a uma ditadura militar.

2.3. A Democracia Segundo os Pais do Pensamento Político : Platão e Aristóteles

2.3.1. Os Filósofos Gregos e a Noção de Democracia

É na Grécia Antiga que vamos encontrar aqueles que são considerados como os dois
primeiros grandes mestres do pensamento político e social: Platão e seu discípulo, Aristóteles.

7
Platão e Aristóteles reflectiram sobre as principais questões políticas de sua época e
redigiram algumas obras onde aparece de forma clara suas ideias em torno da política grega e
ateninense e, com base na análise das sociedades e suas respectivas relações sócio-políticas,
procuraram dividi-las naquilo que eles próprios denominaram de as formas justas e
degeneradas do Estado.

Partindo do princípio de que o fim do Estado é facilitar o alcance do bem comum,


tanto Platão quanto Aristóteles dividem as constituições possíveis (ou seja, as possíveis
formas de governo) em duas categorias: justas e injustas. Afirmam que ocorrem três formas
de constituições justas e outras tantas injustas.

Constituições justas são aquelas que servem ao bem comum e não só


aos interesses dos governantes. Estas são a monarquia, isto é, o comando de
um só que cuida do bem de todos; a aristocracia, isto é, o comando dos
virtuosos, dos melhores, que cuidam do bem de todos sem se atribuir nenhum
privilégio; a república ou politica, isto é, o governo popular que cuida do bem
de toda a cidade. Ao contrário, constituições injustas são aquelas que servem
aos interesses dos governantes e não ao bem comum. São elas: a tirania, ou
seja, o comando de um só chefe que persegue o próprio interesse;
a oligarquia, ou seja, o comando dos ricos que procuram o bem económico
pessoal; a toda a diferença social em nome da igualdade (Mondin, 1980, p.
121)
Em suas obras, tal como A república, Platão define a democracia como

o estado no qual reina a liberdade e descreve uma sociedade utópica


dirigida pelos filósofos, únicos conhecedores da autêntica realidade, que
ocupariam o lugar dos reis, tiranos e oligarcas. Mas o filósofo ficou desiludido
com a forma como a política era direccionada naquela época, sobretudo depois
de algumas experiências frustradas no campo da política. “Outrora na minha
juventude – escreve Platão quando tinha então 70 anos – experimentei o que
tantos jovens experimentam.
Tinha o projecto de, no dia em que pudesse dispor de mim próprio, imediatamente
intervir na política”. Platão expressou este sentimento em uma de suas cartas endereçadas aos
parentes e amigos de Dion de Siracusa, a Carta VII. Através da Carta VII sabe-se que Platão
foi por três vezes a Siracusa, numa tentativa, todas malogradas, de implantar seu ideário
filosófico-político. Desta forma, dentre as diversas contribuições que poderíamos extrair do
conjunto da obra de Platão podemos destacar a ideia de que todo filósofo deve ter um papel
activo – prático – dentro da sociedade. E foi por isso que Platão tentou repetidas vezes
implantar suas ideias em Siracusa até se desiludir completamente e se voltar quase que
exclusivamente para a reflexão filosófica.

Aristóteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o Grande, deixou a obra política


mais influente na antiguidade clássica e na Idade Média. Em A Política, o primeiro tratado
8
conhecido sobre a natureza, funções e divisão do estado e as várias formas de governo
defendeu, como Platão, equilíbrio e moderação na prática do poder, apesar de considerar
impraticáveis muitos dos conceitos de seu mestre. Para Aristóteles, a pólis é o ambiente
adequado ao desenvolvimento das aptidões humanas e, como o homem é, por natureza, um
animal político, a associação é natural e não convencional. Na busca do bem, o homem forma
a comunidade, que se organiza pela distribuição das tarefas especializadas. Aristóteles
entendia que o homem nascia para viver em sociedade e por isso não poderia dela se isentar.
Aristóteles procurou demonstrar que somente na cidade-estado o homem seria capaz de
desenvolver todas as suas capacidades. A pólis seria aquela cidade que torna possível a
felicidade obtida pela vida criativa da razão (bios theoretikos). À felicidade individual deve
corresponder o bem comum e, portanto, uma cidade feliz (polis eudaimon).

Da Democracia entendida em sentido mais amplo, Aristóteles


subdistingue cinco formas: 1) ricos e pobres participam do Governo em
condições paritárias. A maioria é popular unicamente porque a classe popular
é mais numerosa. 2) Os cargos públicos são distribuídos com base num censo
muito baixo. 3) São admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos entre os
quais os que foram privados de direitos civis após processo judicial. 4) São
admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos sem excepção. 5) Quaisquer
que sejam os direitos políticos, soberana são a massa e não a lei. Este último
caso é o da dominação dos demagogos ou seja, a verdadeira forma corrupta do
Governo popular (Bobbio, Matteucci, Pasquini, 1998, p. 330).
De modo geral, Platão e Aristóteles acreditam que o Estado, para que ele possa
cumprir sua função essencial de garantir a paz, a justiça e o bem-estar para todos, é necessário
dispor de um governo sábio e justo. O bom governo depende da virtude de bons governantes e
as massas devem ser dirigidas por homens que se distinguem pelo saber, sendo levados assim
a conceber uma espécie sofocracia, um governo dos sábios. A proposta de Platão leva a um
modelo aristocrático de poder, mas não a uma aristocracia da riqueza e sim, da inteligência,
em que o poder é confiado aos melhores. Para Platão, a política é a arte de governar os
homens e o político é precisamente aquele que conhece a arte da política. Para governar uma
cidade é preciso conhecer esta arte.

2.4. O Conceito de Democracia nos Fundadores da Democracia Moderna: John Locke e


Jean-Jacques Rousseau

John Locke e Jean-Jacques Rousseau são dois dos pensadores mais influentes da Teoria
Política Moderna. Locke destaca-se por defender a representação político-parlamentar,
a Democracia Representativa, enquanto Rousseau se notabiliza por ser contrário à
representação política e propor a democracia “participativa”, directa, sobretudo no que diz

9
respeito ao Poder Legislativo: “a denúncia dos limites inerentes à representação política tem
origem em Rousseau, considerado também um dos primeiros formuladores da ideia de
democracia participativa” (Sell, 2006, p. 103).

Locke, caracterizando o Poder Legislativo, define a democracia representativa


vinculada ao poder dos representantes eleitos pelo povo:

Se o legislativo ou qualquer parte dele compõe-se de representantes escolhidos


pelo povo para esse período, os quais voltam depois para o estado ordinário de
súditos e só podendo tomar parte no legislativo mediante nova escolha, este
poder de escolher também será exercido pelo povo (1973, p. 101).
Rousseau, por outro lado, defende a Democracia Participativa, directa, ao afirmar que:
“Na verdade, as leis são as condições da associação civil. O povo submetido às leis deve ser o
seu autor, só aos que se associam cabe reger as condições da sociedade” (1995, p. 99).
Pateman afirma que “Rousseau pode ser considerado o teórico por excelência da participação.
A compreensão da natureza do sistema político que ele descreve em O contrato social é vital
para a teoria da democracia participativa” (1992, p. 35 - grifo nosso). E também o pensador
italiano Norberto Bobbio afirma que:

Parto de uma constatação sobre a qual podemos estar todos de acordo: a


exigência, tão frequente nos últimos anos, de maior democracia exprime-se
como exigência de que a democracia representativa seja ladeada (...) pela
democracia directa. Tal exigência não é nova: já a havia feito, como se sabe, o
pai da democracia moderna, Jean Jacques Rousseau, quando afirmou que “a
soberania não pode ser representada” (1987, p. 41).
Esta se configura uma das principais distinções entre estes dois filósofos, além
daquelas relativas às ideias Contratualistas: enquanto para Locke o Poder Legislativo deve ser
exercido por representantes, para Rousseau o legislativo deve ser assumido directamente pelo
soberano, o povo.

Podemos perceber como estas ideias influenciaram de alguma forma o contexto de sua
época se levarmos em consideração as duas grandes revoluções ocorridas na Inglaterra e na
França. Por um lado, podemos dizer que de alguma forma Locke é considerado um dos
grandes defensores da Revolução Gloriosa (1688), através da qual a burguesia britânica
assumiu o poder do Estado estabelecendo o primado do Poder Legislativo sobre a Coroa
Britânica, originando na Inglaterra a “monarquia constitucional limitada”. Este contexto nos
ajuda a entender porque Locke pode ser considerado um partidário da causa parlamentar, em
uma época caracterizada pela disputa entre do exercício do poder político entre a Monarquia e
o Parlamento. Rousseau, por sua vez, inspirou os ideais da Revolução Francesa (1789),
movimento no qual a burguesia, com o apoio dos trabalhadores urbanos e camponeses, depôs
10
o Rei Luís XVI e tomou o poder na França: nesse sentido, o Contrato Social rousseauniano
pode ser entendido como uma “arma” nas mãos dos revolucionários inspirados pelos ideais
iluministas contra a estrutura político-ideológica do Antigo Regime.

Locke e Rousseau são pensadores vitais da teoria política e, ao repelirem o


absolutismo monárquico como uma forma legítima de organização política da sociedade
estabelecem os fundamentos do pensamento político sobre as democracias representativa e
participativa, respectivamente.

Ambos transferem a legitimidade do poder do monarca para o


consentimento individual que deve ser feita através de normas e regras para
orientar a vida colectiva, mediante a celebração de um convénio ou contrato: o
pacto social. A proposta de Locke é a eleição de representantes para o
exercício do poder político que deverão possuir a prerrogativa de elaborar leis
para o amparo e regulamentação, através do Estado, do direito à propriedade
privada e à liberdade dos indivíduos. Já a proposta de Rousseau advoga que o
poder Legislativo seja praticado directamente pelos cidadãos, sem
intermediários. “Jean-Jacques, cidadão de Genebra, partidário do voto directo
das leis, sente aversão pelo regime representativo, preconizado por
Montesquieu, um feudal mal disfarçado, e o exemplo da Inglaterra não o
seduz” (Chevalier, 1999, p. 171).
O autor suíço repele a representação política, por considerar que a soberania, que é o
exercício da vontade geral, que se expressa através da lei, não pode ser alienada ou transferida
e, por isso, não pode ser representada. É o próprio povo quem deve fazer uso da prerrogativa
de elaborar suas próprias leis que regularão o pacto social configurando, desta forma, uma
espécie de democracia participativa no que diz respeito, sobretudo, ao poder Legislativo.
“Rousseau pode ser considerado o teórico por excelência da participação” (Pateman, 1992, p.
35 - grifo nosso). E, sendo assim, a Democracia se exerceria de forma directa, um sistema
onde os cidadãos são os executores de suas próprias leis, portanto, um sistema directo e não
representativo.

2.5. A Democracia no Actual Contexto da Globalização

Os problemas políticos contemporâneos são analisados tradicionalmente em dois


níveis: Estado-Nação e sistema internacional. Nas últimas décadas, um amplo espectro de
fenómenos de carácter global produziu um dramático aumento da interdependência entre os
países, que ultrapassou as fronteiras de ambos os níveis. Mesmo os países mais poderosos se
encontram hoje profundamente afectados por fatos e circunstâncias que seus governos
controlam de forma apenas parcial.

A existência de um sistema internacional sempre supôs um certo grau


de restrição à capacidade de cada país para definir seu próprio destino (nesse
11
sentido, a interdependência é uma qualidade pertencente a qualquer sistema).
Mas o que hoje chama a atenção constitui uma novidade muito mais
significativa que uma simples restrição à vontade dos Estados. Os processos
de globalização descaracterizam a política tradicional, tanto nos espaços
domésticos como nos internacionais. O enorme movimento de bens
económicos, de tecnologia, de informações, de ideias, de factores ambientais e
de pessoas através das fronteiras nacionais, ao mesmo tempo que inibe o
histórico desempenho dos atores vinculados à esfera estatal e produz novas
realidades sociais e naturais, gera também a actuação de atores transnacionais
provenientes das esferas do mercado e da sociedade civil. (Viola, 1992),
Talvez por ser um fenómeno relativamente recente, a globalização está permitindo
múltiplas interpretações, nem sempre convergentes. Um ponto de vista "optimista" pensa que
esse processo conduz a um aumento da cooperação entre os países, criando condições para
uma ordem internacional mais racional e governável (Fukuyama, 1989, é um exemplo bem
conhecido, no contexto do fim da Guerra Fria). Contrastando com este, existe um ponto de
vista "pessimista" que pensa o mesmo processo de um modo que não altera substancialmente
a tradicional anarquia da ordem internacional (Fiori, 1993, é um exemplo dessa posição no
meio académico brasileiro). Como é normal nesses casos, ambas posições possuem
numerosos argumentos como justificativa.

A rigor, essa aparente dialéctica entre posições optimistas e


pessimistas não se deve apenas ao carácter recente dos processos de
globalização, já que ela registar também o grau de reducionismo determinista
que existe no campo do conhecimento. A política perde sua qualidade
essencial, se não for pensada de forma criativa e complexa. O mundo físico,
sabemos actualmente, é menos determinista e manipulável do que presumia a
ciência moderna clássica. Acontece o mesmo com as sociedades humanas, nas
quais podemos descobrir elementos essenciais de contingência e necessidade,
de oportunidade e irreversibilidade - e, portanto, escassos fundamentos para
ser "unilateralmente" optimistas ou pessimistas (Prigogine, 1993).
2.6. Os Desafios à Democracia.

“A democracia é a pior forma de governo, com excepção de todas as demais”, dizia


Churchill. A democracia em princípio soa para a maioria como um significado abstracto,
geralmente lembrado quando aparece em escassez no mundo político. É basicamente o
sistema que sustenta todos os pilares de nossas liberdades, sejam sociais, económicas ou
individuais.

A democracia também é responsável por desenhar as colunas do que se convencionou


chamar de Estado de Direito, o respeito a um arcabouço de regras que impõe limites e
estabelece princípios para o convívio em sociedade. Esta segurança nos fornece a certeza que
uma nação está assentada em regras claras e seguras, imutáveis diante dos ciclos de renovação
dos governos.
12
A inovação, descobertas e avanços de nossa civilização se deram
exactamente nos países que respeitam este arcabouço de valores. Amparados
pelas garantias de liberdade democráticas, floresceram sociedades vivas e
abertas, capazes de gerar progresso. Ao garantir a segurança jurídica e
estabilidade institucional acabaram por gerar riqueza por meio de uma
economia vibrante descolada da ingerência dos governos de plantão. (Mossé,
1987).
Logo, é impossível dissociar a democracia e as liberdades individuais como pilares de
uma economia pujante, pois são elementos essenciais de sua existência. Não existe economia
livre em um sistema autoritário, uma vez que em regimes de excepção não existe segurança
jurídica. Logo, uma guinada económica liberal precisa, antes de tudo, de um forte arcabouço
de princípios democráticos.

Infelizmente o desconhecimento das regras políticas institucionais pode levar


governos, sejam de esquerda ou direita, a flertarem contra a democracia como forma de
apresentar respostas rápidas para a população. Uma noção equivocada, uma vez que este
caminho destrói os pilares da segurança jurídica, acarretando abalo de confiança e
instabilidade institucional no longo prazo. Uma receita que, no afã de gerar ganhos imediatos,
destrói a imagem e confiabilidade de uma nação.

O principal desafio de uma democracia é ser entendida pela população


como pilar fundamental do sistema de liberdades que a define como nação,
que inicia pela liberdade de imprensa, associação, passa pela opinião, culto e
manifestação e desagua em todos aqueles englobados nos direitos civis. Sem a
democracia, as liberdades se perdem de forma rápida e perigosa. Benjamin
Franklin escreveu sobre isso quando disse que “qualquer sociedade que
renuncie um pouco da sua liberdade para ter um pouco mais de segurança, não
merece nem uma, nem outra, e acabará por perder ambas”. (Mossé, 1987).
Devemos estar sempre atentos às marchas para suprimir a democracia. Não são poucas
e se escondem de maneira sorrateira. Líderes travestidos de democratas, mas na realidade
autocratas, fantasiados de imperadores, brotam em profusão ao redor do mundo. Vivemos
tempos estranhos. O apreço pela democracia anda em baixa. No passado, momentos similares
geraram resultados perigosos. O momento inspira atenção, afinal como disse Thomas
Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

13
3. Conclusão

Findado o presente trabalho, diante do acima exposto, resta clara a importância do


princípio democrático como valor fundamental da pessoa humana, na medida em que o
cidadão é sujeito de direitos e obrigações criados pelo Estado, devendo, assim, ter meios de
poder influir no processo de organização e de manutenção do ente estatal.

Justamente nesse ponto é que salta aos olhos a importância do sistema adoptado pelo
Estado, na medida em que é recomendável que o cidadão participe efectivamente da decisão
política, sem intermediário, pois quanto maior é o envolvimento da pessoa na tomada de
decisões, maior é o seu comprometimento com os resultados e com as proposições de
melhorias.

14
4. Referências Bibliográficas

Arblaster, A. (1988). A democracia. Lisboa: Estampa.

Aristóteles. (2000). Política in Os Pensadores, São Paulo: Nova Cultural, pp. 141-242;

Bobbio, N. (2007). Do Fascismo à Democracia: os regimes, as ideologias, os personagens e


as culturas políticas. Rio de Janeiro: Elsevier.

Bobbio, N. (1987). O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Chevalier, Jean-Jacques. (1999). As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8.


ed. Rio de Janeiro: Agir.

Finley, M. I. (1988). A democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal.

Forrest, W. G. (1966). The emergence of greek democracy. Londres: Weidenfeld & Nicolson.

Heródoto. (1942). The Persian Wars by Herodotus (tradução para o ingles de George
Rawlinson), Bruce J. Butterfield;

Locke, J. (1973). Colecção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultual.

Maquiavel. (2010). O Príncipe, São Paulo: Penguin & Companhia;

Mondin, B. (1980). Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Tradução de


J. Renard. São Paulo: Paulus.

Mossé, C. (1987). Historia de una democracia, Atenas. Madrid: Akal Ediciones,.

Pateman, C. (1992). Participação e teoria democrática. Tradução de Luiz Paulo Rouanet.


Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Platão. (2001). A República, São Paulo: Martin & Claret;

Prigogine, I. (1993). Tan solo una ilusion?: una exploración del caos al orden. Barcelona,
Tusquets

Rousseau, J. (1995). Discurso sobre a economia política e do contrato social. Petrópolis:


Vozes.

Sell, C. E. (2006). Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na modernidade


tardia. Petrópolis, RJ: Vozes.

Viola, E. J. (1992). A expansão do ambientalismo multissetorial e a globalização da ordem


mundial. Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu.

15

Você também pode gostar