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A Busca de Iranon

A Busca de Iranon

HP Lovecraft
Esta ediçã o da web publicada por eBooks@Adelaide .
Ú ltima atualizaçã o quarta-feira, 17 de dezembro de 2014 à s 14h18.

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Biblioteca da Universidade de Adelaide
Universidade de Adelaide
Sul da Austrá lia 5005

A Busca de Iranon
Na cidade de granito de Teloth vagou o jovem, coroado de videiras, seu cabelo amarelo
brilhando com mirra e seu manto roxo rasgado com sarças da montanha Sidrak que fica do
outro lado da antiga ponte de pedra. Os homens de Teloth sã o sombrios e austeros, moram
em casas quadradas e, franzindo o cenho, perguntam ao estranho de onde ele veio e qual
era seu nome e fortuna. Entã o o jovem respondeu:
“Eu sou Iranon e venho de Aira, uma cidade distante da qual me lembro apenas vagamente,
mas procuro reencontrar. Sou uma cantora de cançõ es que aprendi na cidade distante, e
minha vocaçã o é fazer beleza com as lembranças da infâ ncia. Minha riqueza está em
pequenas lembranças e sonhos, e na esperança de cantar nos jardins quando a lua estiver
tenra e o vento oeste agitar os botõ es de ló tus.”
Quando os homens de Teloth ouviram essas coisas, eles sussurraram uns para os outros;
pois embora na cidade de granito nã o haja risos ou cançõ es, os homens severos à s vezes
olham para as colinas de Karthian na primavera e pensam nos alaú des da distante Oonai de
que os viajantes falaram. E pensando assim, eles pediram ao estranho que ficasse e
cantasse na praça diante da Torre de Mlin, embora nã o gostassem da cor de seu manto
esfarrapado, nem da mirra em seu cabelo, nem de seu terço de folhas de videira, nem do
jovem em sua voz de ouro. À noite, Iranon cantou e, enquanto cantava, um velho rezou e
um cego disse ter visto um nimbo sobre a cabeça do cantor. Mas a maioria dos homens de
Teloth bocejou, e alguns riram e alguns foram dormir; pois Iranon nã o contou nada de ú til,
cantando apenas suas memó rias, seus sonhos e suas esperanças.
“Lembro-me do crepú sculo, da lua, das cançõ es suaves e da janela onde me embalaram
para dormir. E pela janela estava a rua por onde vinham as luzes douradas e onde as
sombras dançavam nas casas de má rmore. Lembro-me do quadrado de luar no chã o, que
nã o era como nenhuma outra luz, e das visõ es que dançavam nos raios da lua quando
minha mã e cantava para mim. E também me lembro do sol da manhã brilhando sobre as
colinas multicoloridas no verã o e da doçura das flores trazidas pelo vento sul que fazia as
á rvores cantarem.
“Oh Aira, cidade de má rmore e berilo, quantas sã o as tuas belezas! Como eu amava os
bosques quentes e perfumados através do hialino Nithra, e as quedas do minú sculo Kra que
fluíam pelo vale verdejante! Naqueles bosques e no vale as crianças teciam grinaldas umas
para as outras, e ao entardecer eu sonhei sonhos estranhos sob as á rvores yath na
montanha enquanto eu via abaixo de mim as luzes da cidade, e a curva Nithra refletindo
uma fita de estrelas .
“E na cidade havia palá cios de má rmore com veios e cores, com cú pulas douradas e paredes
pintadas, e jardins verdes com piscinas cerú leas e fontes de cristal. Freqü entemente eu
brincava nos jardins e vadeava nas piscinas, e deitava e sonhava entre as flores pá lidas sob
as á rvores. E à s vezes, ao pô r do sol, eu subia a longa rua montanhosa até a cidadela e o
lugar aberto, e contemplava Aira, a cidade má gica de má rmore e berilo, esplêndida em um
manto de chamas douradas.
“Há muito tempo sinto sua falta, Aira, pois eu era apenas jovem quando fomos para o exílio;
mas meu pai era teu Rei e eu voltarei para ti, pois assim é decretado pelo Destino. Por sete
terras eu te busquei, e algum dia reinarei sobre teus bosques e jardins, tuas ruas e palá cios,
e cantarei para homens que saberã o do que eu canto, e nã o rirei nem me afastarei. Pois eu
sou Iranon, que era um príncipe em Aira.
Naquela noite, os homens de Teloth alojaram o estranho em um está bulo e, pela manhã , um
arconte veio até ele e disse-lhe para ir à loja de Athok, o sapateiro, e ser seu aprendiz.
“Mas eu sou Iranon, um cantor de cançõ es”, disse ele, “e nã o tenho coraçã o para o ofício de
sapateiro”.
“Todos em Teloth devem trabalhar”, respondeu o arconte, “pois essa é a lei.” Entã o disse
Iranon:
“Por que estais trabalhando; nã o é para que vivais e sejais felizes? E se você trabalhar
apenas para trabalhar mais, quando a felicidade o encontrará ? Você trabalha para viver,
mas a vida nã o é feita de beleza e mú sica? E se nã o permitirdes cantores entre vó s, onde
estarã o os frutos do vosso trabalho? A labuta sem cançã o é como uma cansativa jornada
sem fim. A morte nã o era mais agradá vel?” Mas o arconte estava mal-humorado e nã o
entendeu, e repreendeu o estranho.
“Tu és um jovem estranho e nã o gosto do teu rosto nem da tua voz. As palavras que falas
sã o blasfêmias, pois os deuses de Teloth disseram que o trabalho é bom. Nossos deuses nos
prometeram um refú gio de luz além da morte, onde haverá descanso sem fim e frieza
cristalina em meio à qual ninguém perturbará sua mente com pensamentos ou seus olhos
com beleza. Vá entã o para Athok, o sapateiro, ou saia da cidade ao pô r do sol. Todos aqui
devem servir, e a mú sica é uma loucura.”
Entã o Iranon saiu do está bulo e caminhou pelas estreitas ruas de pedra entre a sombria
casa quadrada de granito, procurando algo verde, pois tudo era de pedra. Os rostos dos
homens estavam carrancudos, mas perto do aterro de pedra ao longo do lento rio Zuro
estava sentado um menino com olhos tristes olhando para as á guas para espionar galhos
verdes brotando lavados das colinas pelas correntes. E o menino lhe disse:
“Nã o és tu de fato aquele de quem falam os arcontes, que procura uma cidade distante em
uma terra justa? Eu sou Romnod, nascido do sangue de Teloth, mas nã o sou velho nos
caminhos da cidade de granito, e anseio diariamente pelos bosques quentes e pelas terras
distantes de beleza e mú sica. Além das colinas de Karthian está Oonai, a cidade dos alaú des
e danças, da qual os homens sussurram e dizem ser adorá vel e terrível. os homens te
ouvem. Deixemos a cidade de Teloth e viajemos juntos pelas colinas da primavera. Tu me
mostrará s os caminhos de viagem e eu ouvirei tuas cançõ es à noite, quando as estrelas,
uma a uma, trazem sonhos à s mentes dos sonhadores. E pode ser que Oonai, a cidade dos
alaú des e da dança, seja a bela Aira que tu procuras, pois é dito que tu nã o conheces Aira
desde os velhos tempos, e um nome frequentemente muda. Vamos para Oonai, ó Iranon da
cabeça dourada, onde os homens conhecerã o nossos anseios e nos receberã o como irmã os,
nem mesmo rirã o ou franzirã o o cenho com o que dissermos. E Iranon respondeu:
“Assim seja, pequenino; se alguém neste lugar de pedra anseia por beleza, ele deve
procurar as montanhas e além, e eu nã o te deixaria definhando pelo lento Zuro. Mas nã o
pense que o deleite e a compreensã o residem do outro lado das colinas de Karthian, ou em
qualquer lugar que você possa encontrar em um dia, ou um ano, ou um lustrum de jornada.
Eis que quando eu era pequeno como tu, eu morava no vale de Narthos perto do frígido
Xari, onde ninguém dava ouvidos aos meus sonhos; e disse a mim mesmo que, quando
fosse mais velho, iria a Sinara, na encosta sul, e cantaria para sorridentes dromedá rios no
mercado. Mas quando fui a Sinara, encontrei os dromedá rios todos bêbados e obscenos, e
vi que suas cançõ es nã o eram como as minhas, entã o viajei em uma barcaça pelo Xari até
Jaren com paredes de ô nix. E os soldados em Jaren riram de mim e me expulsaram, de
modo que vaguei por muitas cidades. Eu vi Stethelos que está abaixo da grande catarata, e
contemplei o pâ ntano onde Sarnath ficava. Estive em Thraa, Ilarnek e Kadatheron no
sinuoso rio Ai, e morei muito tempo em Olathoe, na terra de Lomar. Mas embora eu tenha
tido ouvintes à s vezes, eles sempre foram poucos. e sei que as boas-vindas me esperarã o
apenas em Aira, a cidade de má rmore e berilo onde meu pai já governou como rei. Assim,
procuraremos Aira, embora fosse bom visitar Oonai distante e abençoado pelo alaú de
através das colinas de Karthian, que pode de fato ser Aira, embora eu ache que nã o. A
beleza de Aira é inimaginá vel, e ninguém pode falar dela sem êxtase, enquanto de Oonai os
cameleiros sussurram com malícia.”
Ao pô r do sol, Iranon e o pequeno Romnod saíram de Teloth e vagaram por muito tempo
entre as colinas verdes e as florestas frescas. O caminho era á spero e obscuro, e nunca
pareceram mais pró ximos de Oonai, a cidade dos alaú des e danças; mas no crepú sculo,
quando as estrelas apareciam, Iranon cantava sobre Aira e suas belezas e Romnod ouvia, de
modo que ambos ficavam felizes de certo modo. Eles comeram abundantemente frutas e
bagas vermelhas e nã o marcaram a passagem do tempo, mas muitos anos devem ter se
passado. O pequeno Romnod agora nã o era tã o pequeno e falava profundamente em vez de
estridentemente, embora Iranon fosse sempre o mesmo, e enfeitasse seu cabelo dourado
com trepadeiras e resinas perfumadas encontradas na floresta. Assim, Romnod parecia
mais velho do que Iranon, embora fosse muito pequeno quando Iranon o encontrou
procurando galhos verdes brotando em Teloth ao lado do lento Zuro com bancos de pedra.
Entã o, uma noite, quando a lua estava cheia, os viajantes chegaram ao topo de uma
montanha e contemplaram a miríade de luzes de Oonai. Camponeses disseram a eles que
eles estavam pró ximos, e Iranon sabia que esta nã o era sua cidade natal de Aira. As luzes de
Oonai nã o eram como as de Aira; pois eram duras e brilhantes, enquanto as luzes de Aira
brilhavam tã o suave e magicamente quanto brilhava a luz da lua no chã o perto da janela
onde a mã e de Iranon uma vez o embalou para dormir com uma mú sica. Mas Oonai era
uma cidade de alaú des e danças, entã o Iranon e Romnod desceram a encosta íngreme para
encontrar homens a quem cantas e sonhos trariam prazer. E quando eles chegaram à
cidade, encontraram foliõ es com coroas de rosas indo de casa em casa e debruçados nas
janelas e varandas, que ouviam as cançõ es de Iranon e jogavam flores para ele e aplaudiam
quando ele terminava. Entã o, por um momento, Iranon acreditou ter encontrado aqueles
que pensavam e sentiam como ele, embora a cidade nã o fosse um centésimo tã o bela
quanto Aira.
Quando amanheceu, Iranon olhou em volta com desâ nimo, pois as cú pulas de Oonai nã o
eram douradas ao sol, mas cinzentas e sombrias. E os homens de Oonai estavam pá lidos de
alegria, e opacos com vinho, e diferentes dos radiantes homens de Aira. Mas como o povo
lhe atirava flores e aclamava seus cantos, Iranon ficou, e com ele Romnod, que gostava da
farra da cidade e usava rosas e murta em seus cabelos escuros. Freqü entemente, à noite,
Iranon cantava para os foliõ es, mas estava sempre como antes, coroado apenas na vinha
das montanhas e lembrando as ruas de má rmore de Aira e a hialina Nithra. Nos salõ es com
afrescos do Monarca ele cantou, sobre um estrado de cristal erguido sobre um chã o que era
um espelho, e enquanto cantava, ele trouxe imagens para seus ouvintes até que o chã o
parecesse refletir coisas antigas, belas e semi-recordadas. em vez dos festeiros cor de vinho
que o atiravam rosas. E o Rei ordenou que ele guardasse sua pú rpura esfarrapada e o
vestisse com cetim e tecido de ouro, com anéis de jade verde e pulseiras de marfim
colorido, e o alojasse em um quarto dourado e tapeçaria sobre uma cama de doce madeira
entalhada. com copas e colchas de seda bordadas com flores. Assim viveu Iranon em Oonai,
a cidade dos alaú des e da dança.
Nã o se sabe quanto tempo Iranon permaneceu em Oonai, mas um dia o rei trouxe para o
palá cio alguns dançarinos rodopiantes selvagens do deserto de Liranian e flautistas
sombrios de Drinen no leste, e depois disso os foliõ es jogaram suas rosas nã o tã o tanto em
Iranon quanto nos dançarinos e tocadores de flauta. E dia a dia aquele Romnod, que fora
um garotinho em Teloth de granito, ficava mais grosseiro e vermelho de vinho, até que
sonhava cada vez menos e ouvia com menos deleite as cançõ es de Iranon. Mas, embora
Iranon estivesse triste, nã o parou de cantar e, à noite, contou novamente seus sonhos de
Aira, a cidade de má rmore e berilo. Entã o, uma noite, o Romnod engordado e avermelhado
bufou pesadamente em meio à s sedas papoulas de seu sofá de banquete e morreu se
contorcendo, enquanto Iranon, pá lido e esguio, cantava para si mesmo em um canto
distante. E quando Iranon chorou sobre o tú mulo de Romnod e o cobriu com galhos verdes,
como Romnod costumava amar, ele deixou de lado suas sedas e gauds e saiu esquecido de
Oonai, a cidade de alaú des e dançando vestido apenas com o pú rpura esfarrapado em que
ele tinha vindo, e enfeitado com vinhas frescas das montanhas.
Ao pô r do sol vagou Iranon, procurando ainda por sua terra natal e por homens que
entenderiam suas cançõ es e sonhos. Em todas as cidades de Cydathria e nas terras além do
deserto de Bnazie, crianças com rostos alegres riam de suas velhas cançõ es e de seu
esfarrapado manto pú rpura; mas Iranon permaneceu sempre jovem e usava coroas de
flores em sua cabeça dourada enquanto cantava sobre Aira, deleite do passado e esperança
do futuro.
Entã o ele veio uma noite para a cama esquá lida de um pastor antigo, curvado e sujo, que
mantinha rebanhos em uma encosta pedregosa acima de um pâ ntano de areia movediça. A
este homem Iranon falou, como a tantos outros:
“Você pode me dizer onde posso encontrar Aira, a cidade de má rmore e berilo, onde flui o
nithra hialino e onde as quedas do minú sculo Kra cantam para os vales verdejantes e
colinas arborizadas com á rvores yath?” e o pastor, ouvindo, olhou longa e estranhamente
para Iranon, como se lembrando de algo muito distante no tempo, e notou cada linha do
rosto do estranho, seu cabelo dourado e sua coroa de folhas de videira. Mas ele era velho e
balançou a cabeça ao responder:
“Ó estranho, eu realmente ouvi o nome de Aira, e os outros nomes que você falou, mas eles
vêm a mim de longe, através da perda de longos anos. Eu os ouvi em minha juventude da
boca de um companheiro de brincadeiras, um menino mendigo dado a sonhos estranhos,
que teceria longas histó rias sobre a lua, as flores e o vento oeste. Costumá vamos rir dele,
pois o conhecíamos desde o nascimento, embora ele se considerasse o filho de um rei. Ele
era gracioso, assim como tu, mas cheio de loucura e estranheza; e ele fugiu quando
pequeno para encontrar aqueles que ouviriam alegremente suas cançõ es e sonhos. Quantas
vezes ele cantou para mim sobre terras que nunca existiram e coisas que nunca existirã o!
De Aira ele falou muito; de Aira e do rio Nithra, e as quedas do minú sculo Kra. Lá ele diria
que já morou como príncipe, embora aqui o conheçamos desde o nascimento. Tampouco
houve uma cidade de má rmore de Aira, ou aqueles que pudessem se deliciar com cançõ es
estranhas, exceto nos sonhos de meu velho companheiro de brincadeiras Iranon que se foi.
E no crepú sculo, enquanto as estrelas apareciam uma a uma e a lua lançava sobre o
pâ ntano um esplendor semelhante ao que uma criança vê tremendo no chã o enquanto é
embalada para dormir à noite, caminhou para as areias movediças letais um velho homem
em pú rpura esfarrapado, coroado com folhas de videira murchas e olhando adiante como
se estivesse sobre as cú pulas douradas de uma bela cidade onde os sonhos sã o
compreendidos. Naquela noite, algo de juventude e beleza morreu no mundo antigo.
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