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ZÍPER (Es):
CURITIBA
2021
1
AGRADECIMENTOS
reconhecer a participação em vida, via presença ou ausência. Os lugares podem nos devolver
lisura dos nomes, ou esquecimento deles. Sobreviver é uma vida possível ante o resto, ante o
desconstrução de mim, aos mitos e reminiscências dos descaminhos. Ou outra, dizer, foram
meus descaminhos, que me arguiram sobre a necessidade de construir, criar, aproximar a arte
de um fazer responsável.
Amigos, Matheus Moscatelli,, o jovem mago confidente. Leila Hilu, mãe de coração,
querida e meiga, semelhante ao hálito da vida. Delegado Recalcatti, tanto te amei amigo para
estar em tua ausência repentina... Os Freis Capuchinhos neste joelho de Deus que toca os
vazios espirituosos em asas de esperança, nunca é tarde para viver melhor... Jorge Sesarino,
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO 04
2. TEATRO: A CONSTRUÇÃO DO HUMANO NO EX-PASSO DA LOUCURA 06
2.1 Resumo 06
2.2 Introdução 08
2.3 A reforma psiquiátrica 13
2.4 Referências 16
7. SOBRE O AUTOR 85
8. FORMAÇÃO 86
4
APRESENTAÇÃO
Quando nos debruçamos sobre um tema, a pensar, nossos caminhos são vários, e vem
a tentação de organiza-los, encaixar, procurar semelhanças, identificar rotas prováveis.
Buscamos obras e autores que falam sobre o mesmo tema, e assim segue a nossa pesquisa.
No entanto, a intuição, a lembrança, a memória, o acaso, o equívoco, a associação,
pode promover outro método de pesquisa. A experiência é justamente se contrapor a uma
busca teórica pura e simples. A experiência e a insistência no fazer, no delineamento do
nosso próprio percurso dentro deste espaço, tempo, lugar, implicam em destacar esta pesquisa
como verdade, acontecimento, existência. E nesse sentido, única.
E é dessa forma, expressiva, que ocorre a possibilidade de abrir este zíper, es, isso, e
destacar suas interrelações, conexões entre a psicanálise, filosofia, teatro, dança. Construir e
desconstruir o que já está dado, em bibliografias, e reverenciar o ato da construção, a feitura,
a leitura. O quanto se é, daquilo que se lê?
Os caminhos da autoria, devem promover a responsabilidade das práxis, e
consequentemente, a ética do fazer. O que é a topologia, o espaço, senão a produção de
sentido, nesta fábrica do sensível, móvel, em constante movimento, ab-reação, potência,
criação, basculante, para onde nos leva nossas reflexões, nosso pensamento, qual sua medida
em relação a estar aqui, qual seu intrépido temor, qual sua angústia, qual seu nome?
Como fugir deste vácuo que nos suga a autoria, quando nos referenciamos ao outro
dentro de uma pesquisa? Para encontrarmo-nos sozinhos e precisos como a fatalidade do
existir, permitamo-nos andar nessa variedade de diferenças, alçar voo e preconizar que a
eternidade pode ser um efêmero sentimento que ficou e marcou significância.
O instantâneo e rápido, o afeto que nos promove a consciência do corpo, não é
contrário ao espírito da transcendência. Não há controle sobre a vida, a morte não ingurgita a
vida. Revelar não é se opor ao mistério, mas auscultar o silêncio do que vem
inesperadamente, o broto do poema, a borda do vazio.
Abordar um tema, ou transbordar o afeto que me causa a paixão de dizê-lo como vida.
Atravessando o corpo, gera o ritmo, a cadência, o espírito do coletivo, a urgência da
mudança. A travessa sendo travessa, que o brilho desta palavra possa assim, demonstra-lo
ser, diverso e referente a outros. Espaço, dimensões, aonde o pensamento está, por onde vai,
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não o tornas meu, mas referente, nas possíveis derivações, estreitamentos, vazios, ausências,
presença e potência do existir.
Eis o ZÍPER(ES), abram à palavra, cultivem a leitura, busquem o que está e o que
pode vir a ser a partir do processo do pensar um lugar, um sujeito.
RESUMO
ASTRATTO
Nel spazio della follia, l'uomo è in balia di un costrutto logico forgiato di bisogno sociale di
separare, etichetta, uniformare i comportamenti. Nel teatro, l'uomo produce la possibilità di
relativizzare il trauma umana attraverso un processo in nome dell'arte. Quando queste due
tabelle sono unite, la vita prende un altro formato, con la plasticità in diretta, l'essere umano
crea, tesse in una tavolozza di colori diversi. L'orientamento di questo viaggio attraverso la
follia e il teatro ci mostra altri modi e mezzi per risarcire il posto pazzesco e le loro proprietà
nella società e nei vari interventi. Abbiamo visitato l'opera di Antonio Quinet, Freud, Lacan,
Foucault, Viola Spolin. Un articolo di Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecilia Silva
Torrézio, parlando del Festival Madness in Barbacena, Minas Gerais, in Brasile. Utilizzando
tecniche di improvvisazione, la spontaneità, il punteggio del corpo, questo flag di follia,
diventa uno spazio di produzione significat. Di conseguenza, la follia concede il desiderio che
la fionda, sospendendo lo spazio della istituzione che se ne appropria produce un altro spazio
in cui il modo umano è radicata nella creazione di un nuovo soggetto, lui tornando la faccia
immersa nelle tenebre.
INTRODUÇÃO
1
TRIPICCHIO, Adalberto. Foraclusão (ou forclusão). Conceito forjado por Jacques Lacan para
designar um mecanismo específico da psicose, através do qual se produz a rejeição de um significante
fundamental para fora do universo simbólico do sujeito. Quando essa rejeição se produz, o significante é
foracluído. Não é integrado no inconsciente, como no recalque, e retorna sob forma alucinatória no real do
sujeito (2008).
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diferença se produz em função desta interrelação humana. O sujeito isolado, excluído, não
produz qualquer tipo de tecido expressivo.
O mal-estar na cultura se faz presente em todos os setores e todos os grupos sociais,
embora percebamos que a tecnologia proporcionou um saber sobre o funcionamento do
organismo humano, o organismo enquanto organismo desconhece este funcionamento. A
consciência de si mesmo se aparta daquilo que o corpo fabrica causando uma (spautung2)
estrutural. Essa reação aos estímulos externos a princípio designa a origem do organismo na
luta pela sobrevivência, posteriormente o que era interno passa a se projeção no exterior.
Porém, a predominância do rechaço é uma característica que norteia o padrão de
comportamento dentro do núcleo social.
Essa esquize do sujeito permanece intacta em seu fundamento, se conecta com a
realidade, produz ou tenta produzir elementos de assimilação, os significados, gera novos
juízos de valoração, uma ordem para ser ingressa, mesmo assim este furo, o foracluído
ocasiona toda espécie de sintomatologia, e inclusive, as somatizações perenes em nossa vida. A
produção da ciência é o próprio vírus inoculado no espírito desta coletividade, ou seja, o
reverso, a cada problema se presume a construção de uma solução.
Na esquizofrenia, o delírio persecutório, as alucinações, a melancolia, elementos do
foracluído, o impossível, o não significável, a perda e o encontro com esse vazio tornaram-se
hoje, o sintoma de uma violência que se faz presente todos os dias, a violência é nossa agregada
permanente. Freud em o Mal-estar na cultura (2010), já estabelecia esta conexão com a ordem
contemporânea, ou seja, a esquizofrenia, a paranoia, a melancolia, não seriam mais um quadro
particular, delineado pela excelência de sua estrutura, mas a própria ordem estabelecida, na
fronteira deste homem proibido e manipulável, onde os efeitos da fala, o domínio e a
submissão, a coerção o excluem do exercício de sua humanidade.
Falamos de estruturas e sistemas, habitamos a linguagem, produzimos outro homem no
lugar deste impossível, o real. Isto é um fato.
Observamos outra autora, Viola Spolin, em sua obra Improvisação para o Teatro
(2008), ela rompe o silêncio dizendo: “Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas
as pessoas são capazes de improvisar. O tempo, o espaço, e a ação. Atenhamo-nos à partitura
corporal do esquizofrênico, atenhamo-nos à partitura corporal de um obsessivo, melancólico ou
2
ROUDINESCO e PLON. Clivagem (do Eu) p. 724. “al. Ichspaltung; esp. escisión del yo; fr. clivage
du moi; ing. splitting of the ego Termo introduzido por Sigmund Freud* em 1927 para designar um fenômeno
próprio do fetichismo*, da psicose* e também da perversão* em geral, e que se traduz pela coexistência, no
cerne do eu*, de duas atitudes contraditórias, uma que consiste em recusar a realidade (renegação*), outra, em
aceitá-la” (p. 121).
12
compulsivo... Não nos deixa mentir sobre essa consideração do signo presente no corpo do
sujeito, enquanto um corpo isolado, construído. E o sintoma não é mais do que ISSO.
O estranho, o corpo estranho fala, o sintoma é esse corpo inerte, in significável que
recobre a pele do sujeito, inominável talvez, mas presente e concreto no dia a dia. Produzindo
seus efeitos, fornecendo a esta realidade coletiva um modo e uma especificidade de relação e
relações.
Voltamos a Freud, em o Mal-estar na cultura:
Toda renúncia ao instinto torna-se agora uma fonte dinâmica de consciência, e cada
nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta última. Se pudéssemos
colocar isso mais em harmonia com o que já sabemos sobre a história da origem da
consciência, ficaríamos tentados a defender a afirmativa paradoxal de que a
consciência é o resultado da renúncia instintiva, ou que a renúncia instintiva
(imposta a nós de fora) cria a consciência, a qual, então, exige mais renúncias
instintivas (FREUD, 2010).
Dois anos antes de Lacan escrever sua tese sobre a paranoia, Dali define a paranoia
crítica: ‘Uma atividade com tendência moral poderia ser provocada pela vontade
violentamente paranoica de sistematizar a confusão. O fato mesmo da paranoia,
especialmente a consideração do seu mecanismo como força e poder, conduz-nos às
possibilidades de uma crise mental de ordem, talvez equivalente, mas, em todo caso,
nas antípodas da crise a qual nos submete igualmente o fato da alucinação. A
“vontade violentamente paranoica de sistematizar a confusão” situa o delírio na
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A REFORMA PSIQUIÁTRICA
Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder − o que seria quimérico
na medida em que a própria verdade é poder − mas de desvincular o poder da
verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das
quais ela funciona no momento. (...) O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve−se considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o
corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir
(FOUCAULT, 1979, p.183).
14
Outro belo trabalho foi realizado pelas alunas da Universidade Federal de São João
Del Rei, Minas Gerais, Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecília Silva Torrézio:
Festival da loucura e a dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica (2014). Neste artigo
elas fazem uma pesquisa sobre as Instituições Psiquiátricas em sua origem, a
instrumentação destas instituições e, posteriormente, descrevem o primeiro manicômio de
Barbacena, suas condições, seu funcionamento. Esse artigo produzido por elas deixa bem
claro o quanto a problematização da loucura tem relação com o poder, assim como o
demonstra Michel Foucault.
Cada vez mais, observamos esse pensamento sobre o discurso institucional e o poder
estar em pauta na pena dos intelectuais, na análise daqueles que se comprometem com a
verdade e seus saberes.
No artigo de Botti e Torrézio:
O espírito do homem, em sua finitude, não é tanto uma fagulha da grande luz
quanto um fragmento .de sombra. A verdade parcial e transitória da aparência não
está aberta para sua inteligência limitada; sua loucura descobre apenas o avesso das
coisas, seu lado noturno, a imediata contradição de sua verdade. Elevando-se até
Deus, o homem não deve apenas superar a si mesmo, mas sim desgarrar-se
completamente de sua essencial fraqueza, dominar de um salto a oposição entre as
15
Qual é esse ato? Ato de crença, ato de afirmação e de negação — discurso que
sustenta a imagem e ao mesmo tempo trabalha-a, cava nela, estende-se ao longo de
um raciocínio e organiza-a ao redor de um segmento de linguagem. O homem que
imagina ser de vidro não está louco, pois todo aquele que dorme pode ter essa
imagem num sonho. Mas será louco se, acreditando ser de vidro, concluir que é
frágil, que corre o risco de quebrar-se e que, portanto, não deve tocar em nenhum
objeto demasiado resistente, que deve mesmo permanecer imóvel, etc. não é nem
absurdo nem ilógico. Pelo contrário, as figuras mais coercitivas da lógica estão,
nele, corretamente aplicadas (FOUCAULT, 2014, p. 232).
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. 25ª Ed. São Paulo: Editora Record, 2014.
FOUCAULT, Michel. História da loucura. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1978.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura: na Idade clássica. 10. ed. Tradução José
Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2014.
FRANCA. Denise. Bacharel em Teatro pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-graduação em
Dança e Consciência Corporal, Pós-graduação em Psicanálise. Diretora e atriz. Email:
franca.denise08@yahoo.com.br
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RESUMO
INTRODUÇÃO
3
Projeto de extensão universitária que abrange workshops de improvisação com ênfase na ação
formativa dos estudantes e na reinserção social das presas. Por alinhar-se na área de Artes Cênicas, tem como
agente o Curso de Teatro da Escola de Comunicação e Artes sendo coordenado por Sílvia Maria de Moraes
Monteiro Pazello, professora e coordenadora do Curso.
4
Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade -
http://www.jusbrasil.com.br/home?ref=logo
5
Viola Spolin (1906-1994) – teórica e diretora de teatro norte americana considerada um dos expoentes
do teatro improvisacional. Viola desenvolveu sistemas que facilitam o treinamento teatral cruzando as barreiras
étnicas e culturais. Viola respondeu pelo desenvolvimento de novos tipos de jogos que focam na criatividade
individual, adaptando e focando o conceito de jogo como chave para abrir a capacidade de auto expressão
criativa. Estas técnicas foram mais tarde formalizadas sob o nome de Jogos Teatrais ou Theater Games.
19
Todo ato tem uma motivação consciente, inconsciente ou delirante, pois como o ato
realizado é efetuado e apreendido numa rede de sentido. O ato tem sentido: um
simbólico e um libidinal. O sentido simbólico corresponde à determinação
inconsciente, à herança histórica e à construção fantasmática do sujeito. E o sentido
libidinal equivale ao que o ato representa na economia de gozo do sujeito, ou seja, o
que ele significa como satisfação pulsional (QUINET, 2010, p.163).
OBJETIVOS
“O ator como agente do ato, se dirige ao outro numa cena que faz laço. Todo ato é
teatral. “Quem é você no momento do ato? Quem fala? A quem se dirige? Para quê?” Isso
corresponde aos papéis que desempenhamos na vida, na relação com os outros – tema central
das práticas teatrais. A construção e restituição deste sujeito, principalmente in corpo, é
função desta prática, desta linguagem do teatro.” (QUINET, 2010).
Os objetivos específicos deste trabalho são:
a) Reconhecimento do corpo: partitura corporal.
b) Estabelecer uma relação possível com o outro e que ao se fazer, concebe a permissão de
um espaço livre e criativo.
c) Identificar os signos desta relação com o outro na liberdade do fazer teatral.
d) O outro corpo: sinais desta linguagem, a voz que cria, a voz que produz sentido, a voz que
elabora o pensamento, a voz que transforma o mesmo ato repetido em uma crítica e
análise do silêncio do sistema prisional.
e) Identificar relações entre as obras de Psicanálise, Psicose e laço social de Antonio
Quinet, assim como a obra “Vigiar e Punir” de Michel Foucault, e as técnicas específicas
do teatro, através da obra de Viola Spolin. Tudo isso sendo empregado para desenvolver
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MATERIAIS E MÉTODO
AS OFICINAS NA PFP
AS AVALIAÇÕES DO PROCESSO
e) Todo material necessário para a realização das atividades passa por um controle
rigoroso da equipe de agentes penitenciários, que ocorre nos momentos de entrada e
saída da Penitenciária.
RESULTADOS
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descrevendo com a ação física. Ação física que caracteriza o teatro contemporâneo e é
peculiar à ação cênica.
Na obra de Viola Spolin, observamos o quanto a espontaneidade do aluno poderá
brotar, quando lhe é permitido usufruir deste espaço de criação. Espontaneidade inerente ao
ser humano e ao longo dos anos, em razão das exigências da sociedade, enrijece o organismo
humano, de sensibilizando o homem até mesmo para os gestos mais simples onde a
espontaneidade se daria gratuitamente, ao acaso do encontro.
DISCUSSÃO
Esta pesquisa partiu da escuta e observação gradativa dos efeitos da aplicação dos
exercícios e jogos de Viola Spolin:
grupo. A formação deste grupo passou pelo processo seletivo de bom comportamento,
seguindo os requisitos da Diretoria da Penitenciária Feminina6.
No desenvolvimento das atividades, dos jogos e exercícios, as mulheres aprisionadas
apresentaram grande disposição à realização destas atividades, compreensão do que ali estava
sendo proposto pelos exercícios. Apresentaram concentração elevada dentro da execução dos
exercícios, motivação na realização dos exercícios, consciência do porquê de cada exercício,
propostas novas, pensamento crítico e analítico nas abordagens e conversas sobre a
linguagem teatral. Enfim, promoção real deste espaço criativo nesta linguagem teatral.
Algumas destas mulheres aprisionadas tinham algum conhecimento prévio sobre o
teatro. Outras já haviam participado de atividades teatrais em sua realidade de vida pregressa,
poucas não tinham conhecimento dos elementos pertinentes a esta arte. As mulheres que não
tinham conhecimento algum, não apresentaram maiores dificuldades em se integrar às
práticas, porque participaram dos jogos e exercícios, gradativamente interiorizaram as
atividades e posteriormente desenvolveram os exercícios com mais tranquilidade junto ao
grupo.
O ato pode ser uma tentativa de fazer laço social: ser julgado e receber a pena que
compete a todo cidadão que infringe a lei.Todo ato tem uma motivação consciente,
inconsciente ou delirante, pois como ato realizado é efetuado e apreendido numa
rede de sentido. O ato tem sentido: um simbólico e um libidinal. O sentido
simbólico corresponde à determinação inconsciente, à herança histórica e à
construção fantasmática do sujeito. E o sentido libidinal equivale ao que o ato
representa na economia de gozo do sujeito, ou seja, o que ele significa como
satisfação pulsional (QUINET, 2010, p. 163).
CONCLUSÃO
A liberdade permanece e se faz mais visível quando é tirado tudo aquilo que
aparentemente caracteriza a sua materialidade: o direito de ir e vir, família, bens, o lugar de
pertença na sociedade. A liberdade é ela mesma o ato de criar, transformando os
sentimentos, pensamentos, desenhando uma nova linguagem, outra forma de expressão.
30
REFERÊNCIAS
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileiro S.A.,1991.
Relatório sobre Mulheres Encarceradas no Brasil, 2007 (Centro pela justiça e pelo
direito internacional, CEJIL; Associação Juízes para a democracia, AJD; Instituto Terra,
Trabalho e Cidadania, ITC; Pastoral Carcerária Nacional, CNBB; Instituto de defesa do
direito de defesa, IDDD; Centro Dandara de Promotoras Legais Popular; Associação
Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da juventude, ASBRAD; Comissão
Teotônio Vilela, CTV; Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, IBCCRIM).
Revista Vida Universitária (PUCPR- 2012). O que você não vê por trás dos muros, n.
219, novembro, pp. 10-14.
RESUMO
ASTRATTO
Questo articolo tratta del contemporaneo in Jon Fosse, nello specifico il pezzo WINTER.
Qual è il contemporaneo nella drammaturgia, come distinguere le sue categorie? Peter Szond
sottolinea le trasformazioni dal teatro classico a quello contemporaneo. Successivamente, il
dialogo tra drammaturgia contemporanea e concetti della psicoanalisi come spostamento,
condensazione, metafora, metonimia, significante e significato, non linearità, performance e
assenza del personaggio, presenti nell'opera di Fosse. L'erotismo di Jon Fosse è affrontato
attraverso il lavoro di Bataille. Il teatro fisico, il teatro danza con il coreografo Labano come
esponente, in corrispondenza della drammaturgia contemporanea, promuove l'estetica e lo
stile propri dei giorni nostri. Infine, le radici della luce, dello spazio e del luogo, nello
scenario fossiano, traboccano nella poetica silenzio, esistenzialismo, presenza-assistenza, non
senso delle relazioni umane.
INTRODUÇÃO
“Por vezes à noite há um rosto / Que nos olha do fundo de um espelho / E a arte
deve ser como esse espelho / que nos mostra nosso próprio Rosto.” (BORGES,
1998)
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em sua ação, o fazer teatral se antecipa ao significado predeterminado, a cena pode não
representar nada além dela própria, ou seja um ato puro.
Tanto o espectador quanto o ator, produzem nesta tela da ação cênica suas impressões
estéticas relativas a este acontecimento expressivo. Nesse sentido, o espectador tem um papel
ativo, o que confirma seu caráter essencial em relação à ação cênica, sua alteridade é
relevante em relação ao fato teatral. E torna-se operante, é também um ser ficcional.
Essa interdependência entre o ator e o público jamais cessa. Não existe um antes e
depois, senão o momento do acontecimento, a encenação. Por isso o teatro tem essa
característica principal, a presença, aqui e agora. O espectador vive esse momento, torna-se
coadjuvante, também ele é um ser ficcional. Sua percepção deste acontecimento, não prevê a
possibilidade dos códigos, das associações possíveis. Mas podemos dizer, que esse espaço
cênico é necessário, único em relação ao sentido.
Assim também o corpo do ator. Corpo que não mais representa um personagem, mas
o corpo que é ele próprio um sistema de significações, espaço de criação. Como nos diz o
Doutor Júlio de César Mota, em sua obra A Poética em que o Verbo se faz Carne:
7
ARNAU, M. COISA: A distinção representação coisa/palavra foi empregada por Freud em 1891, e
ele a reintroduz nos seus trabalhos sobre metapsicologia. A relação entre essas duas representações sintetizou,
em 1915, uma ruptura tanto com a psicologia da época, como com uma prolongada tradição filosófica. Esse
rompimento problematiza muitos dos supostos mais firmemente enraizados até hoje na filosofia. Procura-se aqui
investigar o significado da divisão representação palavra/coisa, tanto para a psicanálise, como para a filosofia
representacional, e assinalar alguns dos efeitos mais importantes da mesma. (Magdalena Arnau).
39
de luz, imantação poética das estações nórdicas. E respeito pelas raízes culturais dos
trabalhadores desta região rural onde nasceu e viveu. Solidão e impostura neste quadro
caótico do humano, o fort da8, o eterno retorno nietzschiano, retornar ao inorgânico,
civilizando o desejo em cada novo movimento.
8
FREUD. Sigmund. “Mas alla del principio del placer. Esse era, pues, el juego completo: desapariciòn
y reaparición, juego del cual no se llevaba casi nunca a cabo mas que la primera parte, la cual era
incansablemente repetida por si sola, a pesar de que el mayor placer estaba indubitablemente ligado al segundo
acto.”( (1916-1938) [1945], TOMO III, p. 2512)
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A respiração, por exemplo, é vital no ser humano, sem ela, a vida não é possível. Essa
respiração, a irradiação central do corpo, sendo conduzida a outros órgãos e retornando a sua
fonte. Do nascimento ao desenvolvimento do corpo, encerrando diversas e complexas
modificações neste ser.
A experiência do fenômeno e a transformação do espaço também estão presentes na
obra de Jon Fosse. O movimento, o deslocamento, esse foco central no objeto, a antítese, ir e
vir chegar, voltar, aspectos que golpeiam expressivamente esse ambiente aonde estão
situados os personagens. Todos esses aspectos estão relacionados à materialidade da cena.
Segundo Lúcia Romano (2005), consideramos o aparecimento do Teatro Físico em
decorrência de toda uma modificação histórica, social e cultural, pós modernidade, seguindo
as ideias de Artaud, Duncan, Wigman e Graham. A fusão entre a fala e a fisicalidade, é uma
das características primoridiais, novas tecnologias, as novas tecnologias aplicadas na
produção cênica, o vídeo, a arte digital, principalmente na dança, onde um elemento não se
separa de outro, os artistas atravessam suas fronteiras culturais para fazer um novo teatro, a
participação do público no espetáculo como coadjuvante da cena; ampliação do texto, em
seus aspectos físico, visual e espaço cênico.
O lugar do Teatro Físico seria a fronteira entre a dança e o teatro, um local habitado
pela ênfase na corporeidade, onde se questiona o papel da linguagem na criação das
coisas e indivíduos, num processo social e ideológico, e afirma-se o corpo no
espaço como condição a priori para o surgimento do corpo social. A respeito da
"fisicalidade" (de physical), o termo indicava a procura por um modo especial de
utilização do corpo, explorando o uso de uma energia mais furiosa e agressiva. No
que concerne à "teatralidade" (de theatre), esta refletia um alinhamento à tradição
teatral, não percebido na dança contemporânea ocidental desde o advento da Dança-
Teatro nos anos de 1970 (ROMANO, 2005, p. 36).
9
Extrinsecação: extrinsecação física consiste no processo de transformação da realidade abstrata em realidade
física, que confere concretude ao corpo, possibilitanto sua visibilidade, nos Estudos Coreológicos é
denominada incorporação. (MOTA, Júlio).
45
Enquanto no Inverno, a luz, o brilho dos flocos de neve e os graus negativos criam
um ambiente completamente diferente, a noite ocupa o dia, mas um manto branco
paira no ar, iluminando tudo. Sendo uma região pouco povoada, em que a natureza
domina com a sua presença assombrosa, é natural que influencie toda a maneira de
viver, conviver e habitar (AMARAL, Ana Margarida Goncalvez, 2010, p. 9).
Nesta obra de Jon Fosse, na rubrica percebemos: “escuro”, várias vezes. E esta
arquiteta ainda nos fala: “Hunting Northern Lights”, o fenômeno das Luzes do Norte, na
Escandinávia. Segundo a manifestação dessas luzes ao longo do dia, o espaço muda
completamente. Jon Fosse nasceu em Haugesund, Noruega.
A ideia de estação em Inverno tem o sentido de antítese, entre o calor que a relação
homem e mulher proporciona, e os momentos de dispersão, o existencialismo em Jon Fosse e
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REFERÊNCIAS
BATAILlE, Georges. O Erotismo. 1ª ed. Porto Alegre: L&PM Editores S/A, 1987.
FOSSE, Jon. Jon Fosse: "Non sono Ibsen io scrivo solo per amore". Itália: la Repubblica,
2016. Disponível
47
em:<http://www.repubblica.it/cultura/2016/09/06/news/jon_fosse_non_sono_ibsen_io_scrivo
_solo_per_amore_-147272243/>. Acesso em 05 de maio de 2017.
FREUD, Sigmund. Obras Completas. Tomo III (1926-1938) [1945] Mas alla del principio
del placer. Editora: Biblioteca Nueva, 1973.
MOTA, Júlio César de Souza. A Poética em que o Verbo se faz Carne: Um estudo do
Teatro Físico a partir da perspectiva Coreológica do Sistema Laban de Movimento.
Disponível em:Acesso em 11de abril de 2017.
ROMANO, Lúcia. O Teatro do Corpo Manifesto: Teatro Físico. 1ª ed. São Paulo:
Perspectiva: Fapesp, 2005.
RYNGAERT, Jean Pierre. Ler o Teatro Contemporâneo. 2ª ed. Editora Wmf Martins
Fontes, 2013.
SARRAZAC, Jean Pierre. O Futuro do Drama. 1ª ed. Editor: Campo das Letras, 2006.
SZONDI, Peter. Teoria do Drama Moderno (1880-1950). 1ª ed. São Paulo: Cosac & Naify
Edições, 2001.
RESUMO
Este artigo visa elucidar o lugar da dança no âmbito da ciência e arte: o corpo em arte produz
a consciência enquanto espaço criador, ser em ato. Concentramos a pesquisa na análise do
percurso fenomenológico do ser através de Heidegger e Agamben, posteriormente o avanço
metodológico através dos estudos coreológicos de Laban como modelo expoente da dança
moderna e contemporânea. Observamos os vários corpos conceituais nascidos do
desenvolvimento desses estudos, corpus subjetil, corpo virtual, corpo ficcional, que deram
nome à dança enquanto ciência da arte. Enquanto cria uma relação e organiza o espaço, a
dança abre novas percepções de vida. A metodologia parte de uma pesquisa bibliográfica,
percorrendo os autores citados em referência e dialogando no sentido de concretizar o
objetivo.
ASTRATTO
49
Questo articolo mira a chiarire il posto della danza nel regno della scienza e dell'arte: il corpo
nell'arte produce la coscienza come uno spazio creativo, essendo in azione. Abbiamo
concentrato la ricerca sull'analisi del percorso fenomenologico dell'essere attraverso
Heidegger e Agamben, successivamente sull'avanzamento metodologico attraverso gli studi
coreologici di Laban come modello esponente della danza moderna e contemporanea.
Osserviamo i vari corpi concettuali nati dallo sviluppo di questi studi, corpus subjectetil,
corpo virtuale, corpo fittizio, che ha dato alla danza il suo nome come scienza dell'arte.
Mentre crea una relazione e organizza lo spazio, la danza apre nuove percezioni della vita. La
metodologia parte da una ricerca bibliografica, passando per gli autori citati in riferimento e
dialogando per il raggiungimento dell'obiettivo.
INTRODUÇÃO
Dançar-se é antes de mais nada metáfora e vida, resultado dos paradigmas rompidos
ao longo da história no que se refere à Dança. Dançar-se: da enunciação ao enunciado, a
visibilidade do ser, presença subjetiva em movimento. O diálogo entre a filosofia e a arte, em
algum momento revela o que antes parecia ininteligível como método, tornando-se a partir do
50
11
FERRACINI. Em outras palavras, o corpo subjétil é um artificial artístico, e, portanto, inorgânico,
possibilitado pelo corpo cotidiano, portanto orgânico. O momento do estado cênico é, então, um
inorgânico/orgânico, coexistente e paradoxal, e é esse próprio paradoxo que possibilita o estado “vivo” do ator.
O ator, assim como todo artista, é alguém que cria suas próprias impossibilidades, e ao mesmo tempo cria um
possível (Deleuze, 1992, p. 167).
51
real, soma; o corpo fictif (corpo em cena), o corpo virtual, o corpo subjétil, a experiência do
sujeito corpo no mundo. Através de Agambem, observa-se esse deslocamento do novo a sua
origem: o devir.
A consciência que se produz a partir do mostrar-se, na dança, não é apenas um auto-
conhecimento, o corpo para si, mas um pensamento que se torna visível para o público. Por
isso, o movimento subjetivo através da experiência deste pensamento afetivo instaura a
consciência cada vez mais ampliada.
Nesta pesquisa bibliográfica, organizamos este diálogo pertinente entre os autores
citados, assimilando os conceitos relativos à dança e sua metodologia, para analisar o quanto
esta corporeidade, experiência subjetiva, conduz a vários níveis e estados do corpo, numa
organização e num movimento relacional que modifica a condição e qualidade de vida de
cada um.
Retomando o pensamento de Heidegger, subvertendo o lugar da técnica em relação à
essência no fazer estético e ético, contribuiu imensamente no sentido de que a arte, é o que dá
a dimensão desta essência, do ser e, o corpo em arte, movimento sensível inserido no ente e
que promove esse movimento em direção ao humano que procura no fundamento, sem
subtrair a responsabilidade ética do que produz, por isso, a arte vai calculando o seu peso ao
lado da ciência, construindo o substrato cultural.
Assim, a essência da técnica não é, de forma alguma, nada de técnico. Por isso
nunca faremos a experiência de nosso relacionamento com a essência da técnica
enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que é técnico, enquanto a ele
moldarmos ou dele nos afastarmos. Haveremos sempre de ficar presos, sem
liberdade, à técnica tanto na sua afirmação, como na sua negação apaixonada. A
maneira mais teimosa, porém, de nos entregarmos à técnica é considera-la neutra,
pois essa concepção, que hoje goza de um valor especial, nos torna inteiramente
cegos para a essência da técnica. (HEIDEGGER, 2008, p. 11)
A técnica para os gregos não constitui um simples fazer artesanal, mas o “saber” na
medida em que eleva o “ente” a presentificar-se, a mostrar-se, corroborando para o seu
acontecimento: a poiesis procede da techne que procede da phisis. Infelizmente, a técnica
moderna é reduzida à utilidade, única e exclusivamente, e o sujeito humano, dorme no
esquecimento do ser. E nesse modo, modus operandi, vemos nascer o dispositivo
contemporâneo.
Falar não é essencialmente dizer. Quem quer que seja, pode falar sem cessar e sua
palavra não diz nada. Um silêncio, pelo contrário, pode dizer muita coisa. Mas o
que significa dizer? Sabê-lo-emos se prestarmos atenção ao termo. Sagan significa
mostrar. E o que significa mostrar? Significa fazer ver e entender qualquer coisa,
levar uma coisa a aparecer. (HEIDEGGER, 2003, p.21).
A arte para os gregos não era um fazer, mas o modo com o qual os gregos
expressavam o seu pensamento, o seu saber, poiesis. Esse contraste pertinente entre a técnica
moderna e a arte, vai produzir uma ruptura no conhecimento. A linguagem não-verbal
começa a ganhar espaço. A verdade histórica alcança a dança através da fábula que é
construída ao longo do tempo, deslocando o modo de elaboração do pensamento, na
consciência e coexistência do corpo. Dando valor às sensações, sentimentos, a vida que lhe
cabe, mostrando a verdade histórica no acontecimento, fenômeno e manifestação, numa
análise não restritiva que alcança sempre o mais além, gerando signos, produção simbólica,
dançar-se.
A fetichização dos objetos veicula o afeto, torna o afeto habitável numa forma
variada, heterogênea, e encontraremos no intertexto da informação, as mesmas vicissitudes
das quais padecem as nossas paixões habituais desde que o mundo é mundo. Como dizia o
pai da Psicanálise, FREUD (1927), elevar o objeto à dignidade de Coisa, constitui o caminho
onde a potência, pensamento latente, tende a se manifestar: o pensamento manifesto. O corpo
realiza esse mesmo percurso, o pensamento em ato.
Por isso, Agamben, situa o contemporâneo13 (2011), “Só pode ser chamado
contemporâneo quem não se deixa cegar pelas luzes do século e nelas consegue distinguir a
parte da sombra, sua escuridão íntima”. Segundo o autor, a luz significava o ato de produzir,
demandar, representar, mostrar.
12
AGAMBEN, 2011. No sólo la parte de aquello que a cada instante se pierde y se olvida excede
ampliamente la piedad de la memoria y el archivo de la redención: e cotidiano derroche de pequeños gestos, de
sensaciones ínfimas, de lo que atraviesa la mente en un relámpago, de palabras trilladas, desperdiciadas; sino que
también las obras del arte y del ingenio, fruto de un largo y paciente trabajo, tarde o temprano están condenadas
a desaparecer.
13
AGAMBEN (2011). Puede llamarse contemporáneo sólo aquel que no se deja cegar por las luces del
siglo y es capaz de distinguir en ellas la parte de la sombra, sua íntima oscuridad.
56
Não nos surpreende, nessa perspectiva, que a melancolia tenha sido identificada
pelos alquimistas com Nigredo, o primeiro estágio da Grande Obra que consistia,
segundo a antiga máxima espagírica, em dar um corpo ao incorpóreo e em tornar
incorpóreo o corpóreo. E do espaço aberto pela sua obstinada intenção
fantasmagórica que toma impulso a incessante fadiga alquimista da cultura humana,
a fim de se apropriar do negativo e da morte, e de plasmar a máxima realidade
apreendendo a máxima irrealidade. (AGANBEM, 1942, p. 56)
Isso é tão verdadeiro que poucos se terão dado conta de que na evocação patrística
das filiae acediae aparecem as mesmas categorias de que se serve Heidegger na sua
famosa análise da banalidade cotidiana e da caída na dimensão anônima e
inautêntica do “a gente”, que acabou inspirando (na verdade nem sempre
propositadamente) numerosas caracterizações sociológicas da nossa existência nas
assim chamadas sociedades de massa. (AGAMBEN, 2007, p.26)
A antecipação que diz respeito à capacidade do sujeito de fugir ao tempo, e por isso
mesmo, recolher deste presente histórico o que não está contido nele, é o contemporâneo.
Deixar-se afetar, através desta experiência subjetiva da corporeidade, recuperar o gesto e
mudar nossas ações e atitudes.
Procurar no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não poder fazê-
lo, isso significa ser contemporâneo. Por isso os contemporâneos são raros. E por
isso, ser contemporâneo é, antes de tudo, uma questão de coragem: porque significa
ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também
perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de
nós. Ou ainda: ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar
(AGAMBEN, 2009, p. 30).
Esse deslocamento da origem, através do tempo, se deve à ação do homem no que diz
respeito ao seu destino e a sua interferência acerca do seu futuro. A imagem está ligada ao
homem, desde sempre. A imagem se constitui nessa zona limítrofe, o corpo. Ora, o
esquecimento do ser, como falava Heidegger se descobre enquanto razão do corpo, o corpo
expressivo. E é nesse modo particular de apresentar-se, um estado de ser efetivo, a presença,
que podemos entender o corpo em arte, ou o corpo subjétil, a dança.
Nem tanto o caráter fetichista do objeto de arte, mas seu acontecimento, o de ser
cunhado nesta face negativa do homem, tornando o incorpóreo, corpóreo.
Através dos modos de identificação e lugares onde o homem transita, sua atitude e
gestos são característicos. Na ciência moderna com o avanço da neurociência, o
conhecimento da complexidade do organismo humano, a cinesiologia, a biomecânica, nos
coloca outra questão, o corpo humano e o pensamento humano não estão separados como
queria a ciência clássica. Observamos as categorias e direções de seu pensamento: negação
daquilo que se baseia nos sentidos; negação das coisas que se apresenta em um sonho;
negação dos paradigmas matemáticos.
Ora, a negação neste evento do pensamento, é o mesmo modo conferido à arte, e
especialmente, a arte na Dança, o modo negativo por excelência. Depois de Descartes, Freud,
e Heidegger, Nietzsche, conversaram sobre este modo negativo, e descobriram a
corporeidade no sujeito, o trânsito das sensações, emoções e sentimentos. A imagem do
homem, a identificação necessária ao social, a formação dos símbolos, rituais, culturas
interdependentes, e esse ruído do corpo passa a contextualizar o que antes era negado pela
ciência enquanto razão.
Todas as fibras neurais, as fibras dos músculos do organismo humano, são formadas e
entrelaçadas de tal forma que nos fazem acreditar no que foi denominado cintura de moebius,
a relação entre externo e interno passaram a fazer parte da mesma tipologia. Em se tratando
de um efeito espaço, tempo, lugar, onde as sensações vividas entram em trânsito, e
posteriormente se organizam no homem, dando um significado e sentido, ou seja, instituindo
um fazer próprio, uma técnica, e consequentemente um padrão de comportamento altamente
organizado.
14
DRAWIN e MOREIRA. Pode nos chamar atenção a associação do recalque com o afeto quando se
sabe que o recalque incide sobre a representação (Vorstellung) e não sobre o afeto, que pode ser apenas inibido
ou eliminado pela repressão (Unterdrückung) e não se tornar inconsciente. Freud completa afirmando que para o
destino da representação a designação alemã correta seria “desmentido” (Verleugnung).
59
Não mais, podemos pensar o corpo e mente separados, como queria os filósofos
clássicos. A imagem psicofísica, ou seja, a compreensão a partir de uma experiência sensível,
ou percepção cinestésica, também é um modo de pensamento. Essa tridimensionalidade do
corpo, o movimento em espiral abrindo para o infinito, e voltando ao seu centro de gravidade,
num pulsar do ar para dentro e fora que mais se assemelha ao hálito da vida.
Alguns gestos desclassificados, mais que unificados por uma comoção gravitaria
das ordens naturalizadas, tornam sensível a heterogeneidade dos gestos na dança.
Andar, por exemplo, induz permanentemente à divisão, sempre reposta em jogo, do
quê da dança. E, a divisão, sempre polêmica, sempre em luta, para uma
“participação dos sem participação”, é aquilo que anima, segundo Rancière, a
realidade democrática (BARDET, 2014, p.93).
O corpo comum exprime um sentido, embora não por meio de uma linguagem.
Porque, se a constituição anatômica não permite a formação de uma linguagem com
uma dupla articulação de unidades discretas, o corpo nem por isso é menos
articulado. (...) Os gestos tornam-se inteiramente transparentes, traduzíveis em
significações gerais. O corpo exprime então a linguagem articulada, os seus
movimentos finalizados, fala a língua clara das funções sociais. A linguagem ‟do
corpo não difere grandemente do que dele dizem os discursos imperativos de todos os
gêneros e que moldam os seus movimentos (GIL, 2002, p. 72).
Neste ano de 2020, com o trágico drama humano inserido na Pandemia de COVID-
19, passamos a entender a operacionalização da ciência no que tange à fragilidade deste
corpo. Como resultado, a internet passou a suprir o que se tornou impossível, o
relacionamento corpo a corpo, a interação social.
O corpo-virtual, o corpo-subjétil, passaram a produzir via compartilhada,
possibilidades de interação e manifestações artísticas puderam suprir esta impossibilidade de
socialização, dada pelo distanciamento social. Levy, nos situa esta emancipação virtual.
Outra vez, a arte e o corpo em arte, subjétil, traz esta inequívoca dimensão do
projeto humano no que diz respeito a sua capacidade e maleabilidade de adaptação frente a
circunstâncias inexoráveis.
CONCLUSÃO
15
LEVY, Pierre. “Hoy inventamos, en! a prolongación de las sabidurías del cuerpo y de las antiguas
artes de la alimentación, cien medios de construirnos, de remodelarnos: dietética, body building, cirugía estética,
etc. Alteramos nuestros metabolismos individuales por medio de las drogas, los fármacos, los agentes
psicológicos transcorporales o las secreciones colectivas, etc., y la industria farmacéutica no para de descubrir
nuevas molé- culas activas. La reproducción, la inmunidad contra las enfermedades, la regulación de las
emociones son prestaciones clásicamente privadas que se convierten en capacidades públicas, intercambiables y
externalizadas” (1998, p.19).
16
LÉVY, Pierre. “Los colectivos humanos son especies de megapsiquismos, no sólo porque las
personas los perciben y comprometen afectivamente, sino porque pueden modelarse adecuadamente mediante
una topología, una semiótica, una axiología y una energética mutuamente inmanentes. Megasujetos sociales,
aunque sin conciencia de alineación, que están impregnados de afectos. Un inmenso juego afectivo crea la vida
social. La función de selección y de presentación secuencia! que la conciencia tiene en el ser humano, en los
colectivos está cubierta, mejor o peor, por estructuras políticas, religiosas o mediáticas que, en contrapartida,
habitan en los sujetos individuales. Pero la comparación entre los servicios prestados al individuo por su
conciencia y los que los medios de comunicación centralizadores o los portavoces prestan a los colectivos no
siempre redunda en beneficio de estos últimos.” (1998, p.87)
62
Neste artigo. buscou-se apresentar uma pesquisa sobre os caminhos da dança e seu
lugar como ciência da arte, emancipando-se a dança do pensamento clássico, corpo e mente
separados, onde o corpo é classificado como inferior ao pensamento.
O percurso fenomenológico desde Heidegger até Agamben, nos proporciona entrever
a arte e o seu fazer, como propulsores desta potência criativa em imanência, o ser. A
existência que atravessa a vida, em sua contingência, em sua transitoriedade, em seu efêmero
e improvável, dos impossíveis ao obstáculo que calca e cunha essa resistência, insistência,
encontra o corpo, o corpo deambula a vida, e a forma desta superação, deste ultrapassar-se
promove o deslocamento que lhe é próprio, num movimento consolidado que permanece
neste corpo em arte.
Dançar-se não é a fadiga técnica das repetições. Mas a catástrofe que pode ser
evocada nesta sensorialidade que percebe o ao redor, ao mesmo tempo que encontra o interno
e subjetivo desta percepção. Caminhando para o coletivo e democratizando os espaços da
dança, a forma do corpo, onde as diferenças inelutáveis do humano se encontram e dialogam
entre si.
Dançar-se é potência do ser em construção, e desconstrução. A dança pos
modernismo, com vários expoentes entre coreógrafos e bailarinos, conseguiu ir mais além, e
quebrando este paradigma, revela outros corpos, estados de ser, atribuídos desta invocação
perene do artista, consolida não só a dança no sentido técnico, mas a dança que permite
repensar o gesto, transformar a realidade e galgar seu percurso na existência.
Sendo assim, concretiza-se o objetivo da pesquisa, este gesto é a ação calcada de
um corpo que reflete sua existência, sua experiência. O bailarino não é mais um interprete,
mas seu corpo, subjetil, é o corpo processo, que se desloca nesta imanência de ser, em sua
busca e falta. Claudicando na impossibilidade de ser, sua orientação é mostrar ser, revelar
esta aparência, construir possibilidades, abstrair-se nas diferenças.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Desnudez – 1ª ed. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2011.
DEMO, Gisela. Políticas de Gestão de Pessoas nas Organizações – Papel dos Valores
Pessoais e da Justiça Organizacional. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2005.
FERRACINI, Renato. Café com Queijo: Corpos em Criação. 1. ed. São Paulo: HUCITEC,
coedição FAPESP, patrocínio Petrobrás, 2006.
FREUD, Sigmund. (1917 [1915]). Luto e melancolia. In: FREUD, Sigmund. Obras
Completas. v. 14. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969.
LEVY, Pierre. ?Que és lo virtual? Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 1998.
RESUMO
65
O amor fati e o desejo de agir, são linhas de subjetivação do sujeito em sua expressividade.
Nietzsche com Freud, virtualmente, porque também estão à mercê do acontecimento, da
atualização que concerne à dimensão humana, escrevem para o humano, demasiado humano.
Entre a obra e arte, se configura o público. Indissociável um do outro, o artista atesta seu ato,
em cena, contexto existencial, e experimenta. Essa é a vontade de poder. Afirmação da vida,
subversão do sujeito. Nessa pesquisa, opera-se através de Assoun, Heidegger, até o
contemporâneo em Aganbem, por Nietzsche e Freud. Aonde a semelhança de pensamento
aponta para a diferença expressiva em ambos. O que torna crucial a busca e o diálogo.
Analisar a contemporaneidade da arte e seus afazeres é a ação experimental, onde se verifica
a razão da técnica e sua finalidade estética, o ser cultural.
ASTRATTO
Amor fati e voglia di agire sono linee di soggettivazione del soggetto nella sua espressività.
Nietzsche con Freud, virtualmente, perché anche loro in balia dell'evento, dell'aggiornamento
che riguarda la dimensione umana, scrivono per l'umano, troppo umano. Tra opera e arte si
configura il pubblico. Inseparabili l'uno dall'altro, l'artista attesta il suo agire, in scena, in un
contesto esistenziale, e sperimentare. Questa è la volontà di potenza. Affermazione di vita,
66
sovversione del soggetto. In questa ricerca opera attraverso Assoun, Heidegger, fino al
contemporaneo in Aganbem, da Nietzsche e Freud. Dove la somiglianza di pensiero indica la
differenza espressiva in entrambi. Il che rende cruciale la ricerca e il dialogo. Analizzare la
contemporaneità dell'arte e delle sue attività è l'azione sperimentale, dove si verifica la
ragione della tecnica e il suo scopo estetico, l'essere culturale.
INTRODUÇÃO
Para Nietzsche que estudou filologia e a Grécia arcaica, período helênico, encontrou
na mitologia grega, uma interpretação do mundo onde a arte mediava as relações de saber. Na
música, através de sua amizade com o compositor Richard Wagner: a sonoridade de suas
67
Esse artigo procura elucidar as relações entre a obra de Nietzsche e Freud, no que
tange à transvaloração dos valores subsidiada pela Arte, no além homem, à subjetivação do
corpo contemporâneo: desejo de agir. Aceitação máxima da vida, a reinicialização do sujeito
a partir de seu modo de expressão.
17
NIETZSCHE, 1987, p. 89.
68
REVISÃO DE LITERATURA
A literatura relativa aos conceitos da obra de Nietzsche no que se refere à arte como
vontade de poder, o amor fati determinando o enunciado deste longo processo de
pensamento: obra freudiana como compulsão de repetição, expressividade, corporeidade, é
vasto por ser um produto da experiência a que a Psicanálise conduz, quanto ao estilo e
problemas aos quais o psicanalista tem que se haver. A obra de Heidegger: Nietzsche, a arte
como vontade de poder, pode ser correlacionada à psicanálise, o lugar de “coisa”, das ding,
esta causa que faz do sujeito responsável pela sua produção, a enunciação ética por
excelência.
A obra do Dr. Júlio César de Souza Mota em sua revisão dos aspectos biológicos do
desenvolvimento humano e seu interesse para a criação e formação de um sistema de
linguagem na poética do artista.
A obra de arte constitui um enigma à medida que caminha e ultrapassa o tempo do seu
fazer. Modifica o sujeito em relação à vida no que diz respeito à forma, não é acabada e
nunca o será, neste vínculo indissociável em relação ao público, ao seu futuro extemporâneo.
Não podemos prever exatamente a que isto levará, mas seguimos esse propósito, e essa
insistência dentro do campo dos impossíveis.
O corpo está comprometido com a demanda do pensamento em relação a este saber
fazer do artista. Esta inclinação corresponde a uma subjetivação peculiar que nos impõe o
contexto da cultura, enquanto análise de um tempo.
19
Trimetilamina. Em mi sueño veo la fórmula química de esta sustância, cosa que testimonia de um
gran esfuerzo de mi memoria, y la veo impresa em gruesos caracteres, como si quisiera hacer ressaltar su
especial importância dentro del contexto em que se halla incluída.
71
20
Aqui termina la interpretación empreendida. Durante ellla me há costado trabajo defenderme de
todas las ocurrencias a las que tenía que incitarme la comparación del sentido del sueño com las ideas que tras él
se ocultaban. El “sentido” del sueño há surgido a mis ojos. He advertido uma intención que el sueño realiza, y
que há tenido que constituir su motivo. El sueño cumple algunos deseos que los sucesos del dia imediatamente
anterior (las notícias de Otto y la redacción del historial clínico) hubieron de despertar em mi. El resultado del
sueño es, em efecto, que no soy yo, sino Otto, el responsable de los Dolores de Irma y su intención és un deseo.
21
PAUL-LAURENT ASSOUN. “En el uso analítico, se trata de uno de los dos elementos que
“representan” la pulsión, bajo la forma de descarga traducida en estado psíquico. “Si la pulsión no se vinculara a
una representación o si no saliera a la luz como estado de afecto, no podríamos saber nada de ella.” (2003, p. 18)
22
PAUL-LAURENT ASSOUN. “De modo que se trata de nociones inducidas del saber del síntoma,
adquiridas a través de la escucha, productos de un “descubrimiento” -Freud aparece como una especie de
conquistador- pero también portadoras de una ambición explicativa y, portanto, conceptual.” (2003, p. 13)
72
Nietzsche faz uma apologia da aparência, a forma que ele acredita ser a mais honesta
para qualquer questão relativa à verdade. A verdade não deve ser buscada a partir de um juízo
de valor, na moralidade, mas a partir de uma perspectiva para além do bem e do mal. Essa
compreensão passa pela experiência, pelo fenômeno como tal, pelo acontecimento.
Contudo, precisamente por esse motivo ele [o sonho] é, mais uma vez, uma
deformação, porquanto de há muito temos esquecido de que imagem concreta a
palavra se originou e, por conseguinte, deixamos de reconhecê-la quando
substituída pela imagem (FREUD, 1958, V. XV, p.125).
As imagens que nos chegam dos sonhos, formadas in loco, são construções
expressivas. O artista por seu turno manuseia esses mesmos elementos, quando produz sua
obra.
A arte não é uma atividade interior e espiritual como algumas teorias fizeram, e
ainda fazem supor. Embora a intuição seja criadora, sua produção é um figurar e o
seu produto se constitui de imagens e ideias. A arte precisa ser extrinsecada
fisicamente para que seja possível captá-la, senti-la, porque somente através de sua
existência material que a arte pode ser revelada tornando-se real.” (MOTA, 2006, p.
172)
23
Se consideramos la vida anímica desde el punto de vista biológico, se nos muestra el “instinto” como
um concepto limite entre lo anímico y lo somático, como um representante psíquico de los estímulos
procedentes del interior del cuerpo, que arriban al alma, y como uma magnitude de la exigência de trabajo
impuesta a lo anímico a consecuencia de su conexión com lo somático.
73
Começamos nesse pequeno mal-estar da mais valia dos mercados institucionais que
produzem um saber orientado para essa mesma sociedade, acossado ao estofo da ciência,
continua promovendo esta separação na medida em que este saber é desprovido de sua
hiância fundamental, o desejo. Houve uma profunda modificação do funcionamento desta
subjetivação da modernidade até atingirmos a contemporaneidade.
criação, produção, a técnica, a arte, não é um atributo do sujeito, mas nasce com ele,
enquanto pensa, transforma a realidade, age.24
Para Nietszche, o eterno retorno, significava viver a vida como ela se apresenta. O
amor fati, embora alguns entendam como amor ao destino, e esse destino se contrapondo a
ideia de autonomia, põe a perder o que existe de mais preponderante na obra dele. O destino,
aqui, significa a aceitação dos acontecimentos, como eles se dão, sem a idealização ou a
transcendência. Simplesmente aceitação da vida, do que nos é oferecido no presente,
aceitação da dor, fluir com a contingência. Eis o essencial, nesse caso, viver o necessário.
O destino também não o é assim para Freud. O destino, é a alienação do sujeito frente
a sua verdade. O sujeito só se torna responsável quando interfere nesse processo, querendo e
articulando o que está ali sendo operado pelo desejo do outro desde o nascimento. E essa
responsabilidade que visa a análise, a verdade de cada um.
Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas –
assim me tornarei um daqueles que fazem belas coisas. ‘’’Amor fati[amor ao
destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio.
Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única
negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia,
apenas alguém que diz Sim!” (NIETZSCHE, 2001, p. 272-273).
Ora, a arte como potência, significa a vida desse eterno retorno enquanto pulsão que
almeja a um fim dissociado do ideal, ou do supra real, mas implicado no aqui e agora do
presente. Fazer o mesmo de outra forma, a expressividade.
Essa demanda ética nos retira do nosso universo narcísico, infantil, e nos coloca a
responsabilidade de administrar e suportar o real. Essa conduta responsável, também nos
apropria a utilização de outras ferramentas, criar outras ferramentas para lidar com a vida. Tal
qual a transformação que o artista produz na forma, elevando o objeto à dignidade de coisa
como Freud assim demonstrava em sua experiência psicanalítica.
Esse deslocamento tempo, espaço, onde a ação antecede a palavra, também em Freud
vai culminar na diferença entre o pensamento latente e o pensamento manifesto. A clivagem
do ego, a Ichspaltung, dada pela negação, denegação, forclusão. Ou, pela implicação da
metáfora paterna na história deste indivíduo.
O amor fati, conceito que Nietzsche forjou, para afirmação da vida. As deslealdades
que caminham ao lado daquilo que manca, a falta primeira por excelência, o contra-ataque da
cultura. A prova da existência, o amor fati, deste aqui e agora inenarrável, irredutível
humano, posto em cena, elabora a linguagem do amor e promove o tempo do outro, do
desejo, neste espaço do vir a ser. Esse é o ato criativo por excelência, quando o ser humano se
abstém do julgamento, da moralidade, e se apropria da efetividade do seu julgo, desejo de
agir. Por isso, vontade de potência, onde a arte é sua essência.
Neste corpo expressivo que age no mais além da realidade, nos seus impossíveis,
enquanto desejo, produzindo e reconstruindo outros significados, outras dialéticas
expressivas. O que de Nietzsche resta em sua demanda: o além homem, ou, O DESEJO DE
AGIR.
O resultado da obra de arte nos remete à sua origem, mas também nos orienta para a
contemporaneidade. O artista é autor e essa autoria já está implícita nesta corporeidade
expressiva. A relação do homem com o desejo de saber produz o saber fazer, a sua técnica e o
resultado da obra, a dimensão social e cultural. A civilidade do desejo é o enredo, a textura
nesse dizer e fazer, porque não há dizer sem fazer, não há palavra sem o corpo. Não há
79
expressão sem linguagem. A obra de arte nos afeta, e ainda mais, tem um destino: nós
fazemos parte da obra, estamos implicados.
Esmiuçar o conceito amor fati, no que tange à vontade de potência como arte e
alavancar o seu lugar na contemporaneidade, atravessando o leito bibliográfico de Freud, com
os conceitos que se tornaram singulares em sua coincidência no encontro da obra de Freud e
Nietzsche. Significa lançar-se sobre a atualidade, demarcando essa linha da
contemporaneidade: a rede inconsciente se estabelece no pensamento enquanto processo e
produz uma subjetivação do corpo do sujeito em relação ao seu agir e fazer.
AMOR FATI, começou a ganhar desenvolvimento, no mesmo momento em que
Nietzsche encontrou Lou Andreas-Salomé por volta de 1879. Tal encontro abarcou as ideias
de um e de outro, numa sintonia e sincronicidade. Salomé chegou a escrever o HINO À
VIDA (1881), poema dedicado a Nietzsche que por sua vez, o musicou.
Nietzsche desenvolveu sua concepção a partir do mundo, o homem faz parte dele,
suas atitudes e ações estão em estreita relação com os acontecimentos. A vida é esta energia
em constante dinamismo, o organismo humano com seus impulsos, afetos e desejos, assim
como a razão. Não se pode separar a mente e o corpo, ou colocar a razão como uma instância
superior no humano.
Este pensamento em movimento é contrário ao pensamento representacional, que
busca uma verdade última. As coisas mudam, nos acercamos das contingências e precisamos
aprender a lidar com as situações o melhor possível.
O AMOR FATI, amor ao factum. O destino não é algo predeterminado, dado de
antemão, os fatos interferem em nossa vida, assim como interferimos nos fatos e
consequentemente, temos responsabilidade diante da vida, atitude. Segundo Nietzsche, é
necessária uma mudança nos valores, transvaloração, para criar uma nova cultura.
O ETERNO RETORNO, dimensão temporal, não significa a eternidade no sentido
religioso, mas a eternidade imanente à vida. O quanto o sujeito está implicado naquilo que
faz, a ponto de desejar viver um mesmo momento de alegria para sempre. Bastando essa
felicidade vivida, comparável à eternidade. Nesse sentido, o eterno retorno requer do homem
o exercício de sua potência. Ou seja, a energia que nos habita se expande, mas é finita, com
ciclos repetitivos. Precisamos entender as variações que se transmitem e podem ser
transformadas em possibilidades, transformando pensamentos em atitudes. Nesse sentido, o
conceito de subversão do sujeito em psicanálise, também se faz presente, caminhando
paralelamente.
O corpo relacional no aqui-agora e a ressignificação estética através da arte, eis a
expressividade, afirmação e forma onde a potência se exterioriza. Na atuação, o ator mais
além da moral, do bem e do mal, transfigura a cena cotidiana, elabora outros caminhos,
dilacera o preconceito, incide nos pontos cruciais humanos sem medo.
humana, ou até mesmo antes. Podemos entender essa alavanca, essa dinâmica, esse jogo entre
forças e impulsos, tal qual Nietzsche acredita e percebe. Para que o sujeito possa elaborar, é
necessário atravessar esse ciclo repetitivo, vencer a resistência, e modificar os caminhos
anteriores.
O esforço para produzir a situação afetiva que culminou numa descarga de prazer, ou
desprazer, barrada pela repressão, recalque, provoca a angústia. O fator qualitativo e
quantitativo da pulsão está presente na vida humana. A compulsão de repetição
(Wiederholungszwang), energia que movimenta esse élan da vida, caminha e está
constantemente sendo atualizada, com suas conexões, proporcionando a elaboração simbólica
e a produção de espaços livres para a sua construção e reordenação.
Construção e reordenação, movimento, dinâmica que se efetiva neste tempo presente,
aqui e agora. Ato que autoriza o sujeito enquanto criador e não criatura. A revelação a que
Nietzsche se propõe, não está ligada ao passado, cogitar as relações de hoje ao ontem, mas
essa é a novidade e exuberância do amor fati. A culpa ligada ao exame de consciência,
deposita sobre o passado a ordem em relação ao futuro, assim como o velho homem que vive
à sombra dos padrões e características alheias.
O além homem, a transvaloração dos valores, a potência última da vida se revela na
novidade. No absolutamente novo enquanto ampara o acontecimento em toda sua
manifestação. O além homem, prova a vida, não de fora, nem transcendentalmente, mas ele
próprio no quê acontece.
A legitimidade do homem não é vertical, mas experimental, assertiva,
indubitavelmente ação. Dizer sim, aceitar o jogo.
REFERÊNCIAS
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da escolha.
82
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Cênicas. Salvador: 2006.
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84
SOBRE O AUTOR
FORMAÇÃO
FACULDADE UNYLEYA
ANO 2019: PÓS GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE
FATEC
ANO 2020: PÓS GRADUAÇÃO EM DANÇA E CONSCIÊNCIA CORPORAL
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CURSOS DE EXTENSÃO
PILATES BÁSICO
CINESIOLOGIA
ATRIZ e Direção:
SÍNDROME DE ESTOCOLMO (FILME /média metragem- CEP/ Direção: Gustavo Souza)
PODEROSA ADORAÇÃO (FILME/curta metragem/ Direção: Leandro Cavaleiro)
SINAIS (FILME/curta metragem/ Direção: Ronaldo Luza Cordeiro)
LITERATURA:
O CÁLICE DAS ARAUCÁRIAS – Crônicas
A COMPOSIÇÃO DO BEIJO – Crônicas
O OUTRO OLHOU PRO UM – Crônicas
A ESFINGE – Estudo psicanalítico da obra de Clarice Lispector
ANOREXIA E BULIMIA – A corporeidade em Freud se antecipando ao dilema contemporâneo,
as selfies.