Você está na página 1de 87

DENISE FRANÇA

ZÍPER (Es):

Diálogos entre Psicanálise, Teatro, Dança e Filosofia.

CURITIBA

2021
1

AGRADECIMENTOS

Atemporalidade é a palavra que me ocorre para destacar em nome de. Agradecer é

reconhecer a participação em vida, via presença ou ausência. Os lugares podem nos devolver

lembranças, fatos, ocorrências, equívocos. Apaixono-me pelos equívocos, assim como a

lisura dos nomes, ou esquecimento deles. Sobreviver é uma vida possível ante o resto, ante o

não querer saber de nada, insisto em dizer.

Atemporalmente, são muitos os que atravessaram minha vida, meus caminhos e

reconheceram-se em mim, naquilo que primo, ao nome e à construção paulatina dele. À

desconstrução de mim, aos mitos e reminiscências dos descaminhos. Ou outra, dizer, foram

meus descaminhos, que me arguiram sobre a necessidade de construir, criar, aproximar a arte

de um fazer responsável.

Amigos, Matheus Moscatelli,, o jovem mago confidente. Leila Hilu, mãe de coração,

querida e meiga, semelhante ao hálito da vida. Delegado Recalcatti, tanto te amei amigo para

estar em tua ausência repentina... Os Freis Capuchinhos neste joelho de Deus que toca os

vazios espirituosos em asas de esperança, nunca é tarde para viver melhor... Jorge Sesarino,

psicanalista augusto e responsável em seu ato, sua escuta operante.

Amor, paixão, tentação, acaso, encontro. Despojamento e procura.


2

SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO 04
2. TEATRO: A CONSTRUÇÃO DO HUMANO NO EX-PASSO DA LOUCURA 06
2.1 Resumo 06
2.2 Introdução 08
2.3 A reforma psiquiátrica 13
2.4 Referências 16

3. MULHERES APRISIONADAS: CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE 17


3.1 Resumo 17
3.2 Introdução 18
3.3 Objetivos 20
3.4 Materiais e Método 21
3.5 As oficinas na PFP 21
3.6 As avaliações do processo 22
3.7 Resultados 24
3.8 Alteridade na criação e desenvolvimento das alunas 25
3.9 Discussão 26
3.10 Conclusão 28
3.11 Referências 30

4. INVERNO: RECORTE ACERCA DA CONTEMPORANEIDADE 32


EM JON FOSSE
4.1 Resumo 32
4.2 Introdução 34
4.3 Características do teatro contemporâneo 34
4.4 Os elementos da contemporaneidade em Jon Fosse 36
4.5 O simulacro em Jon Fosse 39
4.6 O interdito e a transgressão: o erotismo em Inverno 41
4.7 O teatro-físico: a experiência do fenômeno e a transformação do espaço 43
4.8 Concepção estética de Jon Fosse 45
4.9 Referências 46

5. DANÇAR-SE: ATRAVÉS DO MOVIMENTO SUBJETIVO,


O ARTISTA CRIA O ESPAÇO DA CONSCIÊNCIA, A CORPOREIDADE 47
DO SER
5.1 Resumo 47
5.2 Introdução 50
3

5.3 A corporeidade do ser: percurso fenomenológico à produção 52


Dos dispositivos contemporâneos
5.4 As dimensões do corpo em Arte: a dança 58
5.5 Conclusão 62
5.6 Referências 63

6. AMOR FATI (AMOR AO DESTINO): DESEJO DE AGIR 65


6.1 Resumo 65
6.2 Introdução 67
6.3 Revisão da Literatura 68
6.4 Como a rede inconsciente se estabelece no pensamento enquanto 69
Processo e produz uma subjetivação n corpo do sujeito em relação
A seu agir e fazer?!
6.5 Da subversão do sujeito, ao amor fati nietzschiano 76
6.6 Do eterno retorno do mesmo e a compulsão de repetição para 78
O fenômeno do novo: apropriação do corpo em cena
6.7 Referências 82

7. SOBRE O AUTOR 85
8. FORMAÇÃO 86
4

APRESENTAÇÃO

Quando nos debruçamos sobre um tema, a pensar, nossos caminhos são vários, e vem
a tentação de organiza-los, encaixar, procurar semelhanças, identificar rotas prováveis.
Buscamos obras e autores que falam sobre o mesmo tema, e assim segue a nossa pesquisa.
No entanto, a intuição, a lembrança, a memória, o acaso, o equívoco, a associação,
pode promover outro método de pesquisa. A experiência é justamente se contrapor a uma
busca teórica pura e simples. A experiência e a insistência no fazer, no delineamento do
nosso próprio percurso dentro deste espaço, tempo, lugar, implicam em destacar esta pesquisa
como verdade, acontecimento, existência. E nesse sentido, única.
E é dessa forma, expressiva, que ocorre a possibilidade de abrir este zíper, es, isso, e
destacar suas interrelações, conexões entre a psicanálise, filosofia, teatro, dança. Construir e
desconstruir o que já está dado, em bibliografias, e reverenciar o ato da construção, a feitura,
a leitura. O quanto se é, daquilo que se lê?
Os caminhos da autoria, devem promover a responsabilidade das práxis, e
consequentemente, a ética do fazer. O que é a topologia, o espaço, senão a produção de
sentido, nesta fábrica do sensível, móvel, em constante movimento, ab-reação, potência,
criação, basculante, para onde nos leva nossas reflexões, nosso pensamento, qual sua medida
em relação a estar aqui, qual seu intrépido temor, qual sua angústia, qual seu nome?
Como fugir deste vácuo que nos suga a autoria, quando nos referenciamos ao outro
dentro de uma pesquisa? Para encontrarmo-nos sozinhos e precisos como a fatalidade do
existir, permitamo-nos andar nessa variedade de diferenças, alçar voo e preconizar que a
eternidade pode ser um efêmero sentimento que ficou e marcou significância.
O instantâneo e rápido, o afeto que nos promove a consciência do corpo, não é
contrário ao espírito da transcendência. Não há controle sobre a vida, a morte não ingurgita a
vida. Revelar não é se opor ao mistério, mas auscultar o silêncio do que vem
inesperadamente, o broto do poema, a borda do vazio.
Abordar um tema, ou transbordar o afeto que me causa a paixão de dizê-lo como vida.
Atravessando o corpo, gera o ritmo, a cadência, o espírito do coletivo, a urgência da
mudança. A travessa sendo travessa, que o brilho desta palavra possa assim, demonstra-lo
ser, diverso e referente a outros. Espaço, dimensões, aonde o pensamento está, por onde vai,
5

não o tornas meu, mas referente, nas possíveis derivações, estreitamentos, vazios, ausências,
presença e potência do existir.
Eis o ZÍPER(ES), abram à palavra, cultivem a leitura, busquem o que está e o que
pode vir a ser a partir do processo do pensar um lugar, um sujeito.

Curitiba, 12 de junho de 2021.


DENISE FRANÇA
6

TEATRO: A CONSTRUÇÃO DO HUMANO NO EX-PASSO DA


LOUCURA

RESUMO

No ESPAÇO da loucura, o homem está à mercê de um constructo lógico forjado da


necessidade social de separar, rotular, padronizar comportamentos. No teatro, o homem
produz uma possibilidade de relativizar os traumas humanos através de uma construção em
nome da arte. Quando estes dois quadros se juntam, a vida adquire um outro formato, com
plasticidade viva, o ser humano cria, tece em uma palheta de cores variadas. A orientação
deste percurso através da loucura e do teatro nos indica outros meios e mecanismos para
ressarcir ao louco o seu lugar e a sua propriedade dentro da sociedade e dentro dos variados
discursos. Visitamos a obra de Antonio Quinet, Freud, Lacan, Foucault, Viola Spolin. Um
artigo de Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecília Silva Torrézio, falando sobre o
Festival da Loucura em Barbacena, Minas Gerais, Brasil. Utilizando técnicas de improviso,
espontaneidade, partitura corporal, este pavilhão da loucura torna-se um espaço de produção
de sentido. Como resultado, a loucura cede ao desejo que a funda, suspende o espaço da
instituição que se apropria dela, produz um outro espaço onde o modo humano encontra sua
raiz na criação de um novo sujeito, devolvendo-lhe seu rosto submerso em trevas.

Palavras-chave: Teatro. Loucura; Partitura-corporal; Imagem.


7

ASTRATTO

Nel spazio della follia, l'uomo è in balia di un costrutto logico forgiato di bisogno sociale di
separare, etichetta, uniformare i comportamenti. Nel teatro, l'uomo produce la possibilità di
relativizzare il trauma umana attraverso un processo in nome dell'arte. Quando queste due
tabelle sono unite, la vita prende un altro formato, con la plasticità in diretta, l'essere umano
crea, tesse in una tavolozza di colori diversi. L'orientamento di questo viaggio attraverso la
follia e il teatro ci mostra altri modi e mezzi per risarcire il posto pazzesco e le loro proprietà
nella società e nei vari interventi. Abbiamo visitato l'opera di Antonio Quinet, Freud, Lacan,
Foucault, Viola Spolin. Un articolo di Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecilia Silva
Torrézio, parlando del Festival Madness in Barbacena, Minas Gerais, in Brasile. Utilizzando
tecniche di improvvisazione, la spontaneità, il punteggio del corpo, questo flag di follia,
diventa uno spazio di produzione significat. Di conseguenza, la follia concede il desiderio che
la fionda, sospendendo lo spazio della istituzione che se ne appropria produce un altro spazio
in cui il modo umano è radicata nella creazione di un nuovo soggetto, lui tornando la faccia
immersa nelle tenebre.

Parole chiave: Teatro; Madness; Score - corpo; Immagine.


8

INTRODUÇÃO

Nos séculos que precedem a nossa contemporaneidade, observamos o universo dos


fenômenos alucinatórios, delírios, automatismo mental, comportamentos curiosos e
incompatíveis com a realidadade ordinária, serem tratados como anomalias, até mesmo
fenômenos demoníacos e serem rechaçados pela sociedade logo em seguida.
A construção do humano não se dá de maneira gratuita, sem nenhum esforço. A
condição humana, o repertório humano é extremamente complexo. Imaginamos o ser
humano, seu destino, suas vicissitudes e nos deparamos com grandes problemas, lacunas,
processos pouco sanados, frustrações no que diz respeito às pesquisas nesta área.
O repertório científico é elaborado pelo pesquisador, sofrendo da mesma forma os
seus revezes. Os paradigmas criados no âmbito científico têm um prazo de validade, os
conceitos são reformulados, os aparelhos tecnológicos mudam a realidade de vida deste
humano homem, gerando efeitos em seu próprio comportamento.
Desde os mais remotos tempos, a compreensão da humanidade não nos parece
tranquila, o modus vivendi, a interrelação entre as pessoas se tornou caótica.
Segundo Antonio Quinet (2015): “O ator como agente do ato, se dirige ao outro numa
cena que faz laço. Todo ato é teatral. “Quem é você no momento do ato? Quem fala? A quem
se dirige? Para quê?” Isso corresponde aos papéis que desempenhamos na vida, na relação
com os outros – tema central das práticas teatrais.” A contrução e restituição deste sujeito,
principalmente in corpo, é função desta prática, desta linguagem do teatro. O empenho do
teatro em relação ao sujeito psicótico, desenvolvendo práticas e jogos teatrais que produzam
esta imago identificatória do sujeito.
Observamos o quanto os jogos, as dinâmicas do teatro, em sua linguagem e aplicação,
produzem nesta esquize do psicótico, a constituição de sua imagem, enquanto sujeito e
pertencente ao grupo social.
O interesse nesta pesquisa surgiu do estudo da Psicanálise, no que se refere à Psicose
em específico, e dos instrumentos e ferramentas empregadas na tentativa de manutenção
dentro das instituições psiquiátricas.
Ao contrário, a linguagem teatral propicia a produção de uma imago, estabelecendo
um laço social, lugar de pertença, orientação referente.
9

Existe um vasto repertório bibliográfico, centenas de autores entre psiquiatras,


psicólogos, psicanalistas, filósofos, educadores, falam sobre esta temática específica, a
psicose. No entanto, escolhemos para o nosso objetivo, alguns autores.
Antonio Quinet, nasceu em 1951, no Rio de Janeiro, se formou em medicina, com
especialização em psiquiatria. Foi para Paris, em 1979, onde se tornou membro da École de
la cause Freudienne. Voltou ao Brasil, em 1989, e participou de várias iniciativas,
culminando na fundação da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano em 1995.
Depois, enveredou pelo Teatro, como dramaturgo. Criando a Cia Inconsciente Em Cena.
Fundada por Antonio Quinet em 2007 a Cia. Inconsciente em Cena cria e apresenta seus
espetáculos baseados em pesquisas sobre a relação do teatro com a psicanálise junto ao
Mestrado e ao Doutorado de Psicanálise, Saúde e Sociedade da UVA, com o objetivo de
trazer ao grande público numa linguagem teatral as descobertas da psicanálise.
Umas das obras de Antonio Quinet, Psicose e laço social, discute a partir da obra de
Freud, O mal-estar na civilização, o mal-estar dos laços sociais, onde se erigem os quatro
discursos, segundo a proposta do psicanalista Jacques Lacan: o discurso do mestre, o discurso
do universitário, o discurso da histérica, o discurso do analista.
Segundo Quinet:

A noção de representação vem do conceito de mimesis, de “A Poética”, de


Aristóteles, que ele define como o próprio da arte: representar – e não imitar – a
natureza. Quando vemos uma maçã num quadro, não está em questão se aquilo é ou
não é uma “verdadeira” maçã. A representação artística é uma maneira de se
expressar a verdade da maçã ou, no caso do teatro, de uma ação. O teatro é uma
verdade feita de mentiras; a histeria é uma mentira feita de verdades. O teatro
encontra a histeria ao nos propor um rompimento da barreira entre verdade e mentira,
entre realidade e ficção, pois coloca ali no real do instante o sujeito-ator-personagem
com suas contradições e paradoxos, fantasias e sonhos, histórias e estórias (QUINET,
2013).

Segundo Lacan, “em relação ao simbólico, se o esquizofrênico se especifica por “não


ter o socorro de nenhum discurso estabelecido”, no paranoico “o significante representa o
sujeito para outro significante”, indicando-nos a tentativa do sujeito de se inserir num discurso
como laço social.”
Em O mal estar na cultura, Freud nos deixou um importantíssimo legado sobre a
civilização, a arte e as manifestações expressivas do humano como uma forma de manutenção
do sujeito dentro desta sociedade e sua constante reivindicação de dar ordem a este não senso,
através do seu ato, produzindo e reconstruindo uma história onde ele se autorize, seja autor,
saindo assim da sua postura de objeto, desejo do outro, esquize.
10

A foraclusão1 do nome-do-pai, nos casos de esquizofrenia, paranoia, melancolia, assim


referida na obra de Lacan, indica a necessidade desse vetor e função dentro da estrutura
humana, onde o sujeito possa advir, representar-se em lugar do abastecimento desta falta, deste
significante que em sua ausência, promove a precariedade das relações.
A sociedade contemporânea norteia uma demanda de apoio no ato de dominação que
constitui o discurso em sua origem, os laços sociais se expressam no ato de governar e ser
governado, educar e ser educado, no ato de se fazer desejar, o ato histérico, o ato epistêmico da
ciência contemporânea, onde o saber é aquele que manda. “Imperativo epistemológico: ‘Não
importa o que aconteça, continue avançando, continue trabalhando para o saber.’ (QUINET,
2001). Saber obedecer e saber produzir.
Segundo Antonio Quinet, todo discurso é discurso de dominação. Em nossa civilização
moderna, o mestre, o universitário e o capitalista. Não há como escapar deste laço senão pela
produção de um outro discurso que cumpra a função de suspender esta demanda inicial do
sujeito, dada pela sua própria existência, e produzir um outro significante, dentro desta cadeia
simbólica. O teatro, a linguagem teatral, a formatação do personagem, a ficção, a produção de
uma partitura corporal, especifica a possibilidade deste sujeito se inserir, estar presente, e se
constituir em sua fala de outro modo.
As instituições psiquiátricas atualmente, se deparam com essa inércia que vige neste
sistema fechado, e observam a necessidade de outro tipo de suporte, na tentativa de amenizar o
sofrimento destes indivíduos. A demanda de recuperação de um sujeito dentro de uma
instituição psiquiátrica requer toda uma estrutura, através de enfermeiros, terapeutas,
psiquiatras, psicólogos, funcionários, e ainda assim, a manutenção deste sujeito não
corresponde a um tratamento adequado.
A familiarização com novas técnicas que se originam de uma orientação dentro do
mundo artístico, a prática da pintura, do artesanato, favorece que este sujeito produza elementos
significativos no caminho de sua “cura”. Observamos a imensa dificuldade inerente à estrutura
psicótica, deste indivíduo se relacionar com o mundo ao seu redor e consigo mesmo. A
consciência do seu próprio corpo, e a sua avaliação imagética se encontra prejudicada em
decorrência desta fragilidade estrutural, e por isso, é necessário o trabalho com o corpo e a
aproximação deste indivíduo com outros do mesmo grupo, do grupo com outros grupos. A

1
TRIPICCHIO, Adalberto. Foraclusão (ou forclusão). Conceito forjado por Jacques Lacan para
designar um mecanismo específico da psicose, através do qual se produz a rejeição de um significante
fundamental para fora do universo simbólico do sujeito. Quando essa rejeição se produz, o significante é
foracluído. Não é integrado no inconsciente, como no recalque, e retorna sob forma alucinatória no real do
sujeito (2008).
11

diferença se produz em função desta interrelação humana. O sujeito isolado, excluído, não
produz qualquer tipo de tecido expressivo.
O mal-estar na cultura se faz presente em todos os setores e todos os grupos sociais,
embora percebamos que a tecnologia proporcionou um saber sobre o funcionamento do
organismo humano, o organismo enquanto organismo desconhece este funcionamento. A
consciência de si mesmo se aparta daquilo que o corpo fabrica causando uma (spautung2)
estrutural. Essa reação aos estímulos externos a princípio designa a origem do organismo na
luta pela sobrevivência, posteriormente o que era interno passa a se projeção no exterior.
Porém, a predominância do rechaço é uma característica que norteia o padrão de
comportamento dentro do núcleo social.
Essa esquize do sujeito permanece intacta em seu fundamento, se conecta com a
realidade, produz ou tenta produzir elementos de assimilação, os significados, gera novos
juízos de valoração, uma ordem para ser ingressa, mesmo assim este furo, o foracluído
ocasiona toda espécie de sintomatologia, e inclusive, as somatizações perenes em nossa vida. A
produção da ciência é o próprio vírus inoculado no espírito desta coletividade, ou seja, o
reverso, a cada problema se presume a construção de uma solução.
Na esquizofrenia, o delírio persecutório, as alucinações, a melancolia, elementos do
foracluído, o impossível, o não significável, a perda e o encontro com esse vazio tornaram-se
hoje, o sintoma de uma violência que se faz presente todos os dias, a violência é nossa agregada
permanente. Freud em o Mal-estar na cultura (2010), já estabelecia esta conexão com a ordem
contemporânea, ou seja, a esquizofrenia, a paranoia, a melancolia, não seriam mais um quadro
particular, delineado pela excelência de sua estrutura, mas a própria ordem estabelecida, na
fronteira deste homem proibido e manipulável, onde os efeitos da fala, o domínio e a
submissão, a coerção o excluem do exercício de sua humanidade.
Falamos de estruturas e sistemas, habitamos a linguagem, produzimos outro homem no
lugar deste impossível, o real. Isto é um fato.
Observamos outra autora, Viola Spolin, em sua obra Improvisação para o Teatro
(2008), ela rompe o silêncio dizendo: “Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas
as pessoas são capazes de improvisar. O tempo, o espaço, e a ação. Atenhamo-nos à partitura
corporal do esquizofrênico, atenhamo-nos à partitura corporal de um obsessivo, melancólico ou

2
ROUDINESCO e PLON. Clivagem (do Eu) p. 724. “al. Ichspaltung; esp. escisión del yo; fr. clivage
du moi; ing. splitting of the ego Termo introduzido por Sigmund Freud* em 1927 para designar um fenômeno
próprio do fetichismo*, da psicose* e também da perversão* em geral, e que se traduz pela coexistência, no
cerne do eu*, de duas atitudes contraditórias, uma que consiste em recusar a realidade (renegação*), outra, em
aceitá-la” (p. 121).
12

compulsivo... Não nos deixa mentir sobre essa consideração do signo presente no corpo do
sujeito, enquanto um corpo isolado, construído. E o sintoma não é mais do que ISSO.
O estranho, o corpo estranho fala, o sintoma é esse corpo inerte, in significável que
recobre a pele do sujeito, inominável talvez, mas presente e concreto no dia a dia. Produzindo
seus efeitos, fornecendo a esta realidade coletiva um modo e uma especificidade de relação e
relações.
Voltamos a Freud, em o Mal-estar na cultura:

Toda renúncia ao instinto torna-se agora uma fonte dinâmica de consciência, e cada
nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta última. Se pudéssemos
colocar isso mais em harmonia com o que já sabemos sobre a história da origem da
consciência, ficaríamos tentados a defender a afirmativa paradoxal de que a
consciência é o resultado da renúncia instintiva, ou que a renúncia instintiva
(imposta a nós de fora) cria a consciência, a qual, então, exige mais renúncias
instintivas (FREUD, 2010).

A memória, a lembrança: o esquecimento é o efeito correlato de uma atitude do homem


organizada a partir da coletividade. O espaço de produção, essa fissura lógica na construção de
um saber, subentende que a expressão humana se volta para uma cauterização deste rechaço e
deste esquecimento.
A consciência humana, portanto, ou pelo menos esta parca noção que temos sobre nós
mesmos, subverte nossa natureza primária, da necessidade, criando a insurreição do desejo.
Esse lado obscuro que a psiquiatria não alcança, no que diz respeito às psicoses, o pode bem
marcar e considerar a linguagem do teatro. E porque a psiquiatria não o alcança, porque ela se
estende na organicidade funcional deste corpo. A tentativa de promoção de uma alteridade
neste sujeito, pela sua toxidade da forma, O REMÉDIO E O RECEITUÁRIO CLÍNICO, se
encontra também como resultado desta patologia ainda maior, fruto da relação deste sujeito
psicótico com o médico, o sistema que o condiciona.
Toxidade da forma: e a natureza de toda droga, desde aquela droga que se atribuiu no
início dos estudos de Freud, em A interpretação dos sonhos (1900) , o sonho dos sonhos, o
Sonho da Injeção de Irma (23 para 24 de julho de 1895), faz alusão a esse complexo que se
estende a nossa contemporaneidade, como droga diluída à alma do sujeito.

Dois anos antes de Lacan escrever sua tese sobre a paranoia, Dali define a paranoia
crítica: ‘Uma atividade com tendência moral poderia ser provocada pela vontade
violentamente paranoica de sistematizar a confusão. O fato mesmo da paranoia,
especialmente a consideração do seu mecanismo como força e poder, conduz-nos às
possibilidades de uma crise mental de ordem, talvez equivalente, mas, em todo caso,
nas antípodas da crise a qual nos submete igualmente o fato da alucinação. A
“vontade violentamente paranoica de sistematizar a confusão” situa o delírio na
13

paranoia, em oposição à alucinação, como um forte mecanismo mental. Dali continua:


“Creio estar próximo o momento em que, por um processo de caráter paranoico e
ativo do pensamento, será possível (simultaneamente ao automatismo e a outros
estados passivos) sistematizar a confusão e contribuir ao descrédito total do mundo da
realidade” (QUINET, 2002, p. 109).

O delírio, a alucinação, o fenômeno psicótico e seus mecanismos, revisitados sob esta


perspectiva do espaço da cena, descobrem este avesso, a vontade de domínio, o silêncio
coercitivo, as implicações da verdade testemunhada, não dita, identificada aos contornos e faces
da expressividade. A demarcação desse tempo remoto, o lapso do vazio emudecendo as bocas,
o grito e o pânico, a ausência desta ordem, o imperativo do gozo, constituem outro
deslocamento do sujeito, numa agressividade construída e menos dilacerante. Verificamos com
este trabalho o quanto neste sujeito existe uma possibilidade de se inserir e consequentemente
produzir um referencial que o permita viver, quando o beneficiamos com as técnicas
provenientes do teatro.

A REFORMA PSIQUIÁTRICA

Em 1970, surge no Brasil, o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, depois na


década de 80, o movimento sanitarista, e só na década de 90 esses movimentos caminharam
para as primeiras iniciativas no sentido de desinstitucionalização dos manicômios (Amarante,
1995). O processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil vem acontecendo aos poucos, ainda
existem resistências no sentido de manter tais instituições, mas hoje em dia, até mesmo as
camadas da população mais carentes, até elas já começam a entender a “loucura”, as doenças
mentais, de outra forma. Trata-se de uma quebra de paradigma.
Assim como Antonio Quinet identifica os discursos como estruturas sociais, e sua
relação com o poder, assim também o faz Michel Foucault, em sua obra “Microfísica do
poder”:

Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder − o que seria quimérico
na medida em que a própria verdade é poder − mas de desvincular o poder da
verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das
quais ela funciona no momento. (...) O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve−se considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o
corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir
(FOUCAULT, 1979, p.183).
14

Outro belo trabalho foi realizado pelas alunas da Universidade Federal de São João
Del Rei, Minas Gerais, Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecília Silva Torrézio:
Festival da loucura e a dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica (2014). Neste artigo
elas fazem uma pesquisa sobre as Instituições Psiquiátricas em sua origem, a
instrumentação destas instituições e, posteriormente, descrevem o primeiro manicômio de
Barbacena, suas condições, seu funcionamento. Esse artigo produzido por elas deixa bem
claro o quanto a problematização da loucura tem relação com o poder, assim como o
demonstra Michel Foucault.
Cada vez mais, observamos esse pensamento sobre o discurso institucional e o poder
estar em pauta na pena dos intelectuais, na análise daqueles que se comprometem com a
verdade e seus saberes.
No artigo de Botti e Torrézio:

Historicamente no país organiza-se no dia 18 e ao longo do mês de maio, o Dia


da Luta Antimanicomial, com inúmeras atividades culturais, artísticas e
científicas em várias cidades do país, com o objetivo de sensibilizar e envolver
novos atores sociais para a questão (Pitta, 2011). Sabe-se que variadas
produções artístico-culturais têm sido o palco da construção da nova relação
entre a sociedade e a loucura, apontando para maior protagonismo dos sujeitos
tradicionalmente limitados ao papel de doentes mentais e objetos do saber
psiquiátrico (BASAGLIA, 2005).

Protagonismo este indicando maior auteridade, independência em relação a esses


mecanismos de poder em torno do qual a sociedade se organiza. Outra vez, observamos a
necessidade de atualização dos conceitos, acerca da realidade de vida de quem vive sob esse
estigma da doença mental em comunidades marginalizadas, cabe o estudo deste fenômeno, e
a orientação adequada sem que se cometam equívocos ou se criem estigmas maiores.
E sem dúvida, coletamos os resultados desta mobilização que vem acontecendo já há
algum tempo. O psicótico e sua partitura corporal mostram signos variados, a serem
trabalhados e perpetuados dentro do espaço cênico. A atemporalidade da loucura nos adverte
sobre os espaços de produção alucinatória, e ao romper este véu observamos a construção e a
lógica adjacente aos fenômenos descritos. Foucault nos fala em História da Loucura:

O espírito do homem, em sua finitude, não é tanto uma fagulha da grande luz
quanto um fragmento .de sombra. A verdade parcial e transitória da aparência não
está aberta para sua inteligência limitada; sua loucura descobre apenas o avesso das
coisas, seu lado noturno, a imediata contradição de sua verdade. Elevando-se até
Deus, o homem não deve apenas superar a si mesmo, mas sim desgarrar-se
completamente de sua essencial fraqueza, dominar de um salto a oposição entre as
15

coisas do mundo e sua essência divina, pois o que transparece da verdade na


aparência não é o reflexo dela, mas sua cruel contradição (FOCAULT, 2005, p. 30).

Lembremos também as considerações feitas por Freud acerca do inconsciente.


Encontramos categorias próprias a este espaço, uma dessas categorias se refere à antítese, ao
par de opostos que coexistem sem negar a existência um do outro.
E seguindo:

Qual é esse ato? Ato de crença, ato de afirmação e de negação — discurso que
sustenta a imagem e ao mesmo tempo trabalha-a, cava nela, estende-se ao longo de
um raciocínio e organiza-a ao redor de um segmento de linguagem. O homem que
imagina ser de vidro não está louco, pois todo aquele que dorme pode ter essa
imagem num sonho. Mas será louco se, acreditando ser de vidro, concluir que é
frágil, que corre o risco de quebrar-se e que, portanto, não deve tocar em nenhum
objeto demasiado resistente, que deve mesmo permanecer imóvel, etc. não é nem
absurdo nem ilógico. Pelo contrário, as figuras mais coercitivas da lógica estão,
nele, corretamente aplicadas (FOUCAULT, 2014, p. 232).

No curso dessa pesquisa bibliográfica, contatamos com vários pontos de conexão


entre um autor e outro, confirmando nossos argumentos acerca da postura das instituições
psiquiátricas no que diz respeito à loucura. A transformação dos conceitos ao longo do
tempo, procurando estabelecer um nível de compatibilidade com a realidade histórica.
Mudando gradativamente a formatação, atualizando lá onde se faz necessário um rigor lógico
e conceitual, para que o sujeito dentro desta estrutura, não seja vítima do poder e do
desmando daqueles que estabelecem leis coercitivas.
Principalmente, fornecer a estes indivíduos novos instrumentos de produção do
sentido, corpo e voz, a partitura corporal deles mesmos, a expressividade humana em sua
riqueza e diferença. Essa plasticidade dos fenômenos psíquicos pode enriquecer o nosso
repertório mimético: o idêntico. Os animais se camuflam para enganar ao predador. Ora são
plantas, ora são folhas, e depois, saem deste recorte e deixam ali uma lição. Existe nessa
esfera da sobrevivência, o campo e o limite. Algo a ultrapassar, quando o predador é o
próprio homem.
No teatro esta pele, esta reentrância e esta fita moebiana por onde passam os
filamentos das sensações mais sutis. E esse véu que se abre em asas para alçar um voo através
da imaginação. O teatro perpetua os segredos da alma, as miragens da paixão, e nesse recuo
ínfimo do silêncio e do aprisionamento da carne ao homem, do aturdito, esse mistério
sublime se delineia mais uma vez.
16

A loucura humana e a verdade a respeito do homem andam juntas, a ponto de não se


distinguir o que é identidade e o que é semelhança. Por isso, no palco da vida, e no véu da
persona, podemos cumprimentar esse feliz encontro entre ambas.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. 25ª Ed. São Paulo: Editora Record, 2014.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder: organização e tradução de Roberto Machado.


Rio de Janeiro: Edições Graal, v. 4, 1979.

FOUCAULT, Michel. História da loucura. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1978.

FOUCAULT, Michel. História da Loucura: na Idade clássica. 10. ed. Tradução José
Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2014.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2010.

LACAN, Jacques. O Seminário de Jacques Lacan, Livro 3: As Psicoses. 2. ed. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 1988.

QUINET, Antonio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 2010.

QUINET, Antonio. Saúde mental e psicanálise: os foracluídos na cidade dos discursos.


Revista A peste, São Paulo, v. 7, nº2, p. 103-128, jul., /dez. 2015.

ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro:


Zahar, 1998.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.

Botti, N. C. L. & Torrézio, M. C. S. (2014). Festival da loucura e a dimensão sociocultural


da Reforma Psiquiátrica. Psicologia & Sociedade, 26(n. spe.), 212- 221.

FRANCA. Denise. Bacharel em Teatro pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-graduação em
Dança e Consciência Corporal, Pós-graduação em Psicanálise. Diretora e atriz. Email:
franca.denise08@yahoo.com.br
17

MULHERES APRISIONADAS: CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE

(RELATÓRIO FINAL – PIBIC PUC/PR 2016 –

ORIENTADORA: Sílvia Monteiro)

RESUMO

O projeto Mulheres aprisionadas: construção da liberdade é desenvolvido no âmbito da


implementação do Projeto TEATRO, programa do Curso de Teatro da PUCPR vinculado ao
Núcleo de Pastoral da Universidade e estabelecido por meio de convênio com a Secretaria de
Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. O Projeto TEATRO vem introduzir a dimensão
estética como potência de humanização da população em situação de privação de liberdade.
Esta pesquisa surgiu do interesse em se verificar o alcance da linguagem teatral dentro da
comunidade prisional e identificar relações possíveis com o estudo da Psicanálise, Psicose e
laço social de Antônio Quinet, assim como com a obra “Vigiar e Punir” de Michel Foucault,
importante obra que fala sobre o sistema carcerário, a lógica de seu funcionamento, estudos
de antropologia no que se refere à presença do feminino na cultura.

Palavras chaves: inserção social, teatro, liberdade, criatividade, humanização.


18

INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa Mulheres aprisionadas: construção da liberdade é


desenvolvido no âmbito da implementação do Projeto TEATRO 3, programa do Curso de
Teatro da PUCPR vinculado ao Núcleo de Pastoral da Universidade e estabelecido por meio
de convênio com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Desde outubro de
2012, a PUCPR tem desenvolvido, juntamente com a Penitenciária Feminina do Paraná
(PFP), o Programa Ciência e Transcendência: educação, profissionalização e inserção social.
O Projeto TEATRO vem introduzir a dimensão estética como potência de humanização da
população em situação de privação de liberdade. Esta pesquisa visa, por sua vez, observar a
implementação do Projeto TEATRO na PFP e identificar relações possíveis com o estudo da
Psicanálise, Psicose e laço social de Antônio Quinet, assim como com a obra “Vigiar e Punir”
de Michel Foucault, importante obra que fala sobre o sistema carcerário, a lógica de seu
funcionamento, estudos de antropologia no que se refere à presença do feminino na cultura.
Durante o segundo semestre de 2015 iniciou-se a primeira fase dos trabalhos com o
primeiro contato com as detentas. O grupo de mulheres que participam do Projeto TEATRO
é selecionado pela direção do Presídio Feminino.

O design pedagógico do Projeto TEATRO tem como guia as diretrizes estabelecidas


para as Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional 4.
Amparando-se nestas diretrizes, considerou-se ainda a realidade destas mulheres dentro da
estrutura carcerária, o grau de instrução e as condições físicas em que se encontravam. A
partir destes parâmetros, a professora Sílvia Monteiro optou por utilizar as técnicas de Viola
Spolin5 como guia do Plano de Trabalho a ser desenvolvido durante o ano.

3
Projeto de extensão universitária que abrange workshops de improvisação com ênfase na ação
formativa dos estudantes e na reinserção social das presas. Por alinhar-se na área de Artes Cênicas, tem como
agente o Curso de Teatro da Escola de Comunicação e Artes sendo coordenado por Sílvia Maria de Moraes
Monteiro Pazello, professora e coordenadora do Curso.
4
Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade -
http://www.jusbrasil.com.br/home?ref=logo
5
Viola Spolin (1906-1994) – teórica e diretora de teatro norte americana considerada um dos expoentes
do teatro improvisacional. Viola desenvolveu sistemas que facilitam o treinamento teatral cruzando as barreiras
étnicas e culturais. Viola respondeu pelo desenvolvimento de novos tipos de jogos que focam na criatividade
individual, adaptando e focando o conceito de jogo como chave para abrir a capacidade de auto expressão
criativa. Estas técnicas foram mais tarde formalizadas sob o nome de Jogos Teatrais ou Theater Games.
19

A observação da aplicação dos exercícios de Spolin possibilitou a análise e


interpretação da manifestação expressiva destas mulheres, a peculiaridade do grupo, a
linguagem inicial na comunicação entre as participantes e o grau de assimilação que
apresentavam sobre a linguagem da improvisação teatral. A escuta ao final de cada workshop
das percepções de cada uma delas, revelou a possibilidade de transformação do modus
operandi do sistema carcerário, e seus efeitos coercitivos e repressores sobre os seus corpos.
Nesse sentido, esta pesquisa vale-se também da obra de Michel Focault (Vigiar e Punir,
Microfísica do Poder), avaliando a natureza do Sistema Carcerário, a sua razão de ser, a
particularidade e o desenvolvimento e modificações da sua estrutura ao longo dos séculos.
Em Microfisica do Poder encontramos:

O corpo: superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto que a linguagem os


marca e as ideias os dissolvem), lugar de dissociação do Eu (que supõe a quimera
de uma unidade substancial), volume em perpétua pulverização. A genealogia,
como análise da proveniência, está portanto no ponto de articulação do corpo com a
história. Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de história e a história
arruinando o corpo (FOCAULT, 1995, p.15).

Por fim, buscamos em Antonio Quinet, psicanalista e dramaturgo, em sua obra


Psicose: laços sociais, referências de conexão entre esse corpo do feminino, seus
sintomas, suas peculiaridades e o ato da representação, produção e construção de um
espaço de criação, propiciador de uma nova linguagem, e de um novo posicionamento
desta mulher neste espaço fechado, o sistema prisional. Quinet nos relata:

Todo ato tem uma motivação consciente, inconsciente ou delirante, pois como o ato
realizado é efetuado e apreendido numa rede de sentido. O ato tem sentido: um
simbólico e um libidinal. O sentido simbólico corresponde à determinação
inconsciente, à herança histórica e à construção fantasmática do sujeito. E o sentido
libidinal equivale ao que o ato representa na economia de gozo do sujeito, ou seja, o
que ele significa como satisfação pulsional (QUINET, 2010, p.163).

A liberdade aqui referida é a liberdade de criar (laço simbólico e imaginário)


produzir um sentido onde só existe o imperativo da lei: o gozo insensato. A liberdade
para transformar e dar voz a este corpo do feminino, aprisionado não só pela razão do
ATO, o delito, mas pelas razões de uma cultura do poder que cerceia a mulher dentro
deste significante masculino. A mulher cerceada por falta de oportunidades, por não estar
inserida dentro de um discurso que lhe proporcione efetivação da sua vontade feminina,
em trabalho, profissão, vocação, objetivos de vida, melhor qualidade de vida. Deixando
assim de ser objeto ou sujeito passivo em seu destino, passando a atuar em sua causa
própria, enquanto sujeito ativo, uma mulher.
20

No decorrer das oficinas de teatro, gradativamente o grupo de mulheres revelou a


consciência e a necessidade desses instrumentos de construção a partir da arte, para a
produção de um novo espaço vivencial.

OBJETIVOS

Tendo o Projeto TEATRO como esteio, a presente pesquisa procurou:

a) Identificar as estratégias de expressão, no vasto enredo teatral: práticas, jogos, leitura,


composição, criação de personagens, elaboração de histórias para os Workshops do
ProjetoTEATRO.
b) Acompanhar o desenvolvimento do projeto TEATRO.
c) Verificar o alcance de ação da linguagem teatral dentro da comunidade prisional.
d) Avaliar em que medida se alcançou o objetivo de estimular e fortalecer as
possibilidades de inserção social da mulher em situação de privação de liberdade, através da
arte e cultura.

“O ator como agente do ato, se dirige ao outro numa cena que faz laço. Todo ato é
teatral. “Quem é você no momento do ato? Quem fala? A quem se dirige? Para quê?” Isso
corresponde aos papéis que desempenhamos na vida, na relação com os outros – tema central
das práticas teatrais. A construção e restituição deste sujeito, principalmente in corpo, é
função desta prática, desta linguagem do teatro.” (QUINET, 2010).
Os objetivos específicos deste trabalho são:
a) Reconhecimento do corpo: partitura corporal.
b) Estabelecer uma relação possível com o outro e que ao se fazer, concebe a permissão de
um espaço livre e criativo.
c) Identificar os signos desta relação com o outro na liberdade do fazer teatral.
d) O outro corpo: sinais desta linguagem, a voz que cria, a voz que produz sentido, a voz que
elabora o pensamento, a voz que transforma o mesmo ato repetido em uma crítica e
análise do silêncio do sistema prisional.
e) Identificar relações entre as obras de Psicanálise, Psicose e laço social de Antonio
Quinet, assim como a obra “Vigiar e Punir” de Michel Foucault, e as técnicas específicas
do teatro, através da obra de Viola Spolin. Tudo isso sendo empregado para desenvolver
21

outro espaço, de sensibilidade, reorganização corporal, elaboração de sentido e


pensamentos práticos acerca deste vir a ser além dos muros do presídio feminino.

MATERIAIS E MÉTODO

Esta pesquisa foi desenvolvida durante 12 meses de implementação do Projeto


TEATRO na PFP, sendo 04 meses (janeiro, fevereiro, julho e dezembro) utilizados para
planejamento, formação e elaboração dos relatórios de avaliação. Durante os 08 meses de
ação na Penitenciária Feminina de Piraquara, foram realizados encontros semanais prevendo
3h00 (três horas) de atividades com as mulheres detentas. No final de 2015 foi feita uma
apresentação pelas detentas de trabalho produzido durante a primeira fase das oficinas.
“Cartas para não Mandar” a partir de textos e improvisações criados pelo grupo.

Os workshops foram ministrados pela professora orientadora e pelos estudantes


integrantes da equipe (Curso de Teatro e colaboradores) para auxílio pessoal e direto às
alunas, dessa forma o atendimento didático-metodológico pode ser personalizado,
acompanhando a evolução de cada uma das alunas.

AS OFICINAS NA PFP

Todos os encontros começavam com o procedimento da chamada. É importante a


percepção por parte das mulheres da sua responsabilidade dentro do Projeto com os
encontros/aula/ensaios.
a) Em seguida, vem séries de alongamento e aquecimento vocal e corporal e
jogos cênicos, das técnicas de Viola Spolin.
b) Este momento é essencial para que se instale o princípio do “aqui/agora”. O
sucesso de cada encontro depende da capacidade do grupo de criar uma
situação onde o foco no momento presente seja claro, que as detentas
consigam, efetivamente, se afastar das interferências externas e se entreguem
ao momento do encontro.
c) Passada a etapa de aquecimento e de exercícios iniciam-se leitura de textos. Os
estudantes/voluntários são observadores e pesquisadores, mas participam dos
22

laboratórios e exercícios junto com as mulheres. Ao final das leituras é feita


uma rodada de conversa, sobre o texto e sobre as práticas do dia.
d) Esse conjunto de atividades visa contribuir para a ressensibilização das
mulheres e humanização do ambiente prisional. As aplicações dos exercícios
são feitas com cuidado, tentando respeitar os limites individuais e o tempo de
cada uma delas.
e) Observamos que a utilização do material proposto pelas alunas ocasionou
maior interesse nas práticas, maior atenção, e animação. As alunas assumiram
os compromissos desta combinação aluno-ator-autor.

AS AVALIAÇÕES DO PROCESSO

A metodologia de avaliação do Projeto foi estudada a partir do viés da pesquisa aliada


a projetos com a população em situação de privação de liberdade. Essa metodologia dá
suporte para a linha de pesquisa científica qualitativa ação e formação (Charlier, 1998;
Barbier, 1996, 1997; Ardoino, 1988).

a) A primeira avaliação é condição para o ingresso no projeto e consistiu em participar


da ação de uma formação realizada com dois universos: com o meio acadêmico,
envolvendo professores, alunos, voluntários e com o meio prisional, envolvendo as
mulheres em situação de privação de liberdade e os agentes penitenciários da
Penitenciária Feminina do Paraná. Essa metodologia visa o trabalho de formação no
meio acadêmico que, por sua vez, realiza a formação com a população encarcerada,
por meio da implementação e o desenvolvimento de projetos, estágios e pesquisas no
referido contexto. A implementação dos projetos decorre de diferentes vertentes de
dados: das observações diretas no contexto, da análise das intervenções realizadas
diretamente com a população por meio dos projetos, bem como da análise de
documentos, publicações e artigos científicos sobre o referido contexto.

b) O processo de formação e avaliação continuada permite realizar os ajustes necessários


nos projetos, decorrentes desse ambiente que solicita alguns cuidados especiais. Os
problemas ou dificuldades observadas no decorrer das atividades planejadas são
pensados juntos, a partir de cada área do conhecimento, para a construção e a
viabilidade de soluções. Muitas vezes, realizamos pequenas adaptações do tempo das
23

atividades e dos objetivos do planejamento. É um processo formativo que exige do


grupo de estudantes e professores, estudo aprofundado e reflexão, baseados no campo
teórico e no contexto de atuação específico. Estes encontros avaliativos eram mensais

c) Outra etapa do processo de formação e avaliação continuada acontecia nos dias de


intervenção na penitenciária. É realizada com a equipe acadêmica, voluntários e
colaboradores, por meio de um momento de reflexão e partilha entre todos os
envolvidos nos projetos, antes do início das atividades e ao seu final. Esse momento
foi importante para o desenvolvimento desta pesquisa e reflexão sobre os ajustes
necessários. Além disso, temos também, ao longo do ano, algumas datas de formação
geral de oito horas, quando são ministrados os estudos com o grupo de pesquisa.

d) Todas as formações e as etapas de implementação são orientadas pela equipe do


Programa Ciência e Transcendência e planejadas pela equipe responsável do Projeto
junto com os responsáveis pelos workshops: professores, alunos, colaboradores,
voluntários; com a direção da Penitenciária Feminina, que participa ativamente de
todas as decisões e das etapas de implementação dos projetos.

e) Todo material necessário para a realização das atividades passa por um controle
rigoroso da equipe de agentes penitenciários, que ocorre nos momentos de entrada e
saída da Penitenciária.

f) A equipe da PUCPR é responsável pelos ofícios de entrada dos grupos de atuação e


pela lista descritiva, em detalhes, dos materiais utilizados em cada uma das atividades.
Esse procedimento faz parte das regras de segurança do sistema prisional. Como
também a entrega de um documento com foto na entrada da penitenciária e o
procedimento de revista realizado pelos agentes penitenciários.

RESULTADOS
24

Os resultados obtidos com a oficina de Teatro são positivos segundo nossas


verificações, seguindo a base e referência bibliográfica descrita. Os exercícios e atividades
propostos seguiram uma linha que envolve o trabalho a nível físico, sensorial, emocional e
racional. Cada um desses elementos, foi desenvolvido em diferentes níveis de dificuldade. As
áreas de experiência trabalhadas com esses exercícios foram: percepção corporal, exploração
do ambiente, tocar/ser tocado, aquecimento silencioso, aquecimento ativo, jogos sensoriais,
tempo presente “Aqui/Agora”, interdependência. Destacam-se as observações abaixo:

a) Percepção corporal: as alunas das oficinas apresentaram no início, dificuldades em


expressar os movimentos do corpo, no decorrer desenvolveram sua percepção corporal,
demonstrando integração com a unidade do seu corpo e suas partes. Criando uma
partitura corporal pertinente a linguagem teatral.
b) Exploração do ambiente: caminhando pelo espaço em diversos níveis e velocidades, o
grupo de alunas permaneceu coeso, concentrado e sabendo respeitar o espaço e a
individualidade da outra pessoa.
c) Tocar/ser tocado: este exercício de sensibilidade física e emocional proporcionou as
alunas um gradativo cuidado em relação ao corpo da outra pessoa, e vice-versa. Ativando
também as funções sensórias do corpo em diversas esferas.
d) Aquecimento silencioso: individualmente, cada participante desenvolveu os exercícios
propostos, concentração e foco na execução.
e) Aquecimento ativo: as alunas executaram os exercícios coletivos, sem perder o foco e a
concentração, reforçando o trabalho em.
f) Jogos sensoriais: as alunas desenvolveram essas atividades individualmente e em grupo, a
escuta, o olhar, o tato, etc.
g) Tempo presente, AQUI E AGORA: realização dos jogos, neste tempo presente, deixando
os infortúnios pessoais em outro nível. Colaborando consigo mesma e com as demais
neste ato de prontidão permanente durante a duração da aula.
h) Interdependência: capacidade de resolução dos jogos teatrais, individualmente, criando
possibilidades novas, não esquecendo de manter o senso coletivo e aproveitamento aquilo
que é executado pelas colegas dentro do exercício.
Observamos que as alunas desenvolveram competências relativas a estes jogos e
exercícios, criaram e improvisaram a partir das propostas iniciais. Na linguagem e produção
de textos, especificamente, as alunas empregam uma linguagem adequada, superando as
expectativas, criaram textos com estilo, usando metáforas, metonímias, deslocamentos,
25

alusões, imagens, memórias, lembranças, esperanças, liberdade, domínio e conhecimento da


linguagem, assim como pensamento analítico e crítico da realidade.
Apresentação final, o Projeto “Cartas para não Mandar”. Concomitantemente com os
exercícios propostos, as alunas escreveram cartas seguindo três formas específicas: “Carta
que eu escreveria para mim, quando criança”, “Carta que eu escreveria para mim, daqui a 10
anos”, “Carta que eu escreveria fantasticamente, sem tempo, nem lugar…”.
As cartas foram confeccionadas numa aula destinada a esse fim, com a ajuda das
alunas que compõe a equipe da oficina, lendo, conversando, estimulando a imaginação.

ALTERIDADE NA CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS ALUNAS

Muitas propostas no desenvolvimento dos jogos partiram das próprias alunas.


Demonstrando não só a colaboração coletiva, mas a capacidade de criação indispensável à
prática teatral. Saindo do nível apenas participativo e entrando num nível de desenvolvimento
maior, o nível da produção, confecção, administração do trabalho próprio, na criação dos
textos, as cartas, e na dinâmica da aula, com exercícios e o suporte de conhecimento oriundo
de outras atividades, como a Capoeira por exemplo.
A orientadora deste projeto convidou duas alunas a introduzir alguns elementos da
Arte da Capoeira. A base de apoio, a melodia no jogo do capoeirista, o jogo da capoeira
entre as alunas. Observamos o senso de coletividade, participação, alegria, dinamismo. As
alunas que aplicaram o jogo sentiram-se coautoras das atividades, orgulhosas de realizar este
trabalho.
Uma das alunas nos trouxe um livro que havia lido: Gota d’Água, autor Chico
Buarque de Holanda, obra oriunda do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, adaptação da peça
clássica de Eurípedes, sobre o mito de Medeia. Essa obra foi discutida pelo grupo de alunas.
Os últimos jogos e práticas deste semestre de 2016 foram executados através desta obra,
utilizando alguns elementos, partituras corporais foram criadas dos personagens, gestos,
hábitos de vida, comportamentos, características psicológicas. Nesse sentido, as alunas
demonstraram conhecimento de literatura, linguagem proposital, análise da obra,
compreensão do enredo e trama dos personagens. Tudo isso aplicado às práticas e jogos
propostos.
Foi possível ainda, na esfera do Teatro Contemporâneo, isolar elementos desta obra e
recriar uma partitura corporal, sem texto, procurando a intenção do personagem e
26

descrevendo com a ação física. Ação física que caracteriza o teatro contemporâneo e é
peculiar à ação cênica.
Na obra de Viola Spolin, observamos o quanto a espontaneidade do aluno poderá
brotar, quando lhe é permitido usufruir deste espaço de criação. Espontaneidade inerente ao
ser humano e ao longo dos anos, em razão das exigências da sociedade, enrijece o organismo
humano, de sensibilizando o homem até mesmo para os gestos mais simples onde a
espontaneidade se daria gratuitamente, ao acaso do encontro.

DISCUSSÃO

Esta pesquisa partiu da escuta e observação gradativa dos efeitos da aplicação dos
exercícios e jogos de Viola Spolin:

O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade


pessoal, necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e
habilidades pessoais para o jogo em si, através do próprio ato de jogar. As
habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está jogando,
divertindo-se ao máximo e recebendo toda a estimulação que o jogo tem para
oferecer – é este o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para
recebê-las (SPOLIN, 2005, p.4).

A constante repetição e apropriação da linguagem pelas “jogadoras” revelou que


rapidamente, no período de um semestre, as detentas manifestavam maior propriocepção se
seu corpo e esboçaram uma ruptura com o engessamento físico e emocional dado pelo
sistema prisional. A manifestação de emoções, pensamentos, referentes ao que os exercícios
despertaram nestas mulheres foram acolhidos e reorganizados segundo a linguagem do teatro.
Deixando bem claro que não se pretendia executar ali uma escuta terapêutica, e nem uma
solução de ordem jurídica para os problemas de cada uma.
O grupo de mulheres variou durante o período da pesquisa entre oito a vinte
participantes. Houve desistências, algumas mulheres emigraram para outras oficinas de arte,
outras obtiveram liberdade e consequentemente, este grupo recebeu novas integrantes.
Algumas mulheres permaneceram do início até o atual momento nesta oficina. Como em todo
grupo de teatro, não existe um protótipo físico ou psicológico para seu ingresso, basta a
vontade de participação e o compromisso e engajamento de cada elemento dentro deste
27

grupo. A formação deste grupo passou pelo processo seletivo de bom comportamento,
seguindo os requisitos da Diretoria da Penitenciária Feminina6.
No desenvolvimento das atividades, dos jogos e exercícios, as mulheres aprisionadas
apresentaram grande disposição à realização destas atividades, compreensão do que ali estava
sendo proposto pelos exercícios. Apresentaram concentração elevada dentro da execução dos
exercícios, motivação na realização dos exercícios, consciência do porquê de cada exercício,
propostas novas, pensamento crítico e analítico nas abordagens e conversas sobre a
linguagem teatral. Enfim, promoção real deste espaço criativo nesta linguagem teatral.
Algumas destas mulheres aprisionadas tinham algum conhecimento prévio sobre o
teatro. Outras já haviam participado de atividades teatrais em sua realidade de vida pregressa,
poucas não tinham conhecimento dos elementos pertinentes a esta arte. As mulheres que não
tinham conhecimento algum, não apresentaram maiores dificuldades em se integrar às
práticas, porque participaram dos jogos e exercícios, gradativamente interiorizaram as
atividades e posteriormente desenvolveram os exercícios com mais tranquilidade junto ao
grupo.

No início do segundo semestre de trabalho (1º semestre de 2016) buscamos uma


segunda proposta, dentro dos princípios do Teatro do Oprimido de Augusto Boal:

A poética do oprimido é essencialmente uma Poética da Liberação: o espectador já


não delega poderes aos personagens nem para que pensem nem para que atuem em
seu lugar. O espectador se libera: pensa e age por si mesmo! O Teatro é ação!
(BOAL, 1998, p.181)

Em razão de observações relativas ao processo e estilo deste autor, que convoca os


participantes a desenvolverem senso crítico e ações de resistência, ações estas que não são o
foco desta pesquisa e que poderiam gerar maior desconforto em relação à situação de
aprisionamento, resolvemos conservar apenas a dimensão da expressividade corporal com os
elementos do Teatro de Imagem: “os espectadores intervêm diretamente na ação dramática,
substituem os atores e representam, atuam!” (BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras
poética políticas, p. 135).

O Teatro de Imagem visa a confecção da partitura corporal, e a sensibilização do


corpo. O que se procura é reorganizar a sensibilidade e a propriocepção sem a utilização do
nível de elaboração da realidade vivida no cárcere ou da promoção de discussões a respeito
6
A PFP é dirigida pela psicóloga, Dra. Rita de Cássia Rodrigues Costa Naumann.
28

da modificação desta realidade. Escolhemos esta direção porque respeitamos e assumimos o


critério legal dentro da estrutura da PFP e o alinhamento com o Programa Ciência e
Transcendência. Temos sido cautelosos com ações que possam gerar atos de rebelião interna,
revoltas ou comportamentos agressivos, o foco desta pesquisa é a verificação do potencial de
transformação da via estética.
Conservamos as referências de Antonio Quinet:

O ato pode ser uma tentativa de fazer laço social: ser julgado e receber a pena que
compete a todo cidadão que infringe a lei.Todo ato tem uma motivação consciente,
inconsciente ou delirante, pois como ato realizado é efetuado e apreendido numa
rede de sentido. O ato tem sentido: um simbólico e um libidinal. O sentido
simbólico corresponde à determinação inconsciente, à herança histórica e à
construção fantasmática do sujeito. E o sentido libidinal equivale ao que o ato
representa na economia de gozo do sujeito, ou seja, o que ele significa como
satisfação pulsional (QUINET, 2010, p. 163).

A produção e construção de um ato novo, a partir deste ato primeiro, o delito.


Histórias reais, estórias contadas, produção de uma nova história, utilizando a linguagem
teatral. As mulheres aprisionadas, inseridas no espaço da arte, utilizaram diferentes estados
de criação para construir a liberdade expressiva.
Nesse espaço que o teatro proporciona, desenvolveram trabalhos de criação de texto,
de sua própria autoria. A compreensão de que a Arte transforma o ser humano, oferta novas
oportunidades, reproduz e reorganiza a realidade a partir desta linguagem, modifica este
corpo engessado e cria um outro corpo, tem se verificado a cada dia durante as práticas das
oficinas de teatro.
Quanto a obra de Freud, Mal estar na Civilização, resolvemos deixar para uma
pesquisa que será desenvolvido posteriormente. A problemática do psiquismo, da
sensibilidade e da violência expressas através da linguagem da arte constitui um novo escopo
deste projeto mas seria, no contexto atual, um desvio dos nossos objetivos principais.

Desde o início da implementação deste Projeto Teatro na Penitenciária Feminina de


Piraquara até o presente momento foram poucos os reveses. A base teórica escolhida foi
mantida. Algumas questões abertas durante o seu desenvolvimento nos auxiliarão para a
execução de um novo projeto de pesquisa, alicerçado em um elemento distinto de tudo que
observamos.

Quanto a proposta e objetivos do nosso trabalho, as surpresas foram muitas e sempre


satisfatórias. A linguagem do Teatro colaborou para uma adequação maior da aluna dentro
29

deste sistema prisional, transformação de suas atividades em elementos de formação cênica.


Catalisando as sensações, emoções e sentimentos, posteriormente aplicando e direcionando
para a atividade desenvolvida neste espaço.

Acreditamos que em todo e qualquer sistema prisional, é possível desenvolver um


trabalho organizado e competente, no sentido de relativizar as sanções do sistema, e integrar
melhor esta mulher aprisionada, se valendo não só do conhecimento que determinada Arte ou
Ciência nos possibilita mas, do conhecimento própria desta mulher, em sua experiência de
vida anterior e na realização de um futuro possível.

CONCLUSÃO

A construção efetiva da liberdade vem da aproximação deste espaço do fazer em sua


criação e correspondência estética, formando e fomentando uma nova linguagem. O ser
humano em sua realidade existencial faz uso dos espaços físicos, projetando sobre o objeto a
realidade imaginária. Cada espaço tem sua estrutura peculiar, e principalmente, tem uma
função social de segregação ou integração. Apesar do espaço prisional nos remeter à primeira
desta função, através das oficinas de teatro, nos apropriamos de um outro espaço.

Neste sentido, a construção da liberdade é a produção deste significado dado pela


disponibilidade do agente criador, o ator, em relação ao seu fazer diário. A reprodução das
dinâmicas e jogos ofertados pelo projeto Teatro no sistema prisional indica que a liberdade se
mantêm inalterada apesar da coerção do meio, em relação ao sujeito, apesar da restrição dada
pelo punição e pena.

A liberdade conserva suas características de utopia. E se mantém coesa em sua


irredutibilidade dada pelos seus antagonistas. Por isso, a liberdade não existe por si só, nem é
dada ao sujeito. A liberdade é produzida, assim como a linguagem está para o sujeito que a
utiliza. Para se comunicar com um outro ser, para dar direção e objetivos aos seus propósitos.

A liberdade permanece e se faz mais visível quando é tirado tudo aquilo que
aparentemente caracteriza a sua materialidade: o direito de ir e vir, família, bens, o lugar de
pertença na sociedade. A liberdade é ela mesma o ato de criar, transformando os
sentimentos, pensamentos, desenhando uma nova linguagem, outra forma de expressão.
30

REFERÊNCIAS

ARDOINO, A. La recherche-action, alternative méthodologique ou épistémologique.


In: I.N.R.P. Recherches impliquées recherches actions : le cas de l‟éducation. Pédagogies
en développement. Paris- Bruxelles : DeBoeck, 1988.

BARBIER, René. La recherche action. Paris: Anthropos, 1996.


BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira S.A. , 1998.

BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileiro S.A.,1991.

CHARLIER, Bernadette. Apprendre et changer sa pratique d’enseignement :


Expériences d’enseignants. Paris-Bruxelles: De Boeck Université, 1988.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: O nascimento da prisão. Tradução Raquel
Ramalhete. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Sabotagem. Organização , introdução e


Revisão Técnica de Roberto Machado. Disponível em: <http://www.sabotagem.cjp.net>.

QUINET, Antonio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 2010.

Relatório sobre Mulheres Encarceradas no Brasil, 2007 (Centro pela justiça e pelo
direito internacional, CEJIL; Associação Juízes para a democracia, AJD; Instituto Terra,
Trabalho e Cidadania, ITC; Pastoral Carcerária Nacional, CNBB; Instituto de defesa do
direito de defesa, IDDD; Centro Dandara de Promotoras Legais Popular; Associação
Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da juventude, ASBRAD; Comissão
Teotônio Vilela, CTV; Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, IBCCRIM).

Revista Vida Universitária (PUCPR- 2012). O que você não vê por trás dos muros, n.
219, novembro, pp. 10-14.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.


31
32

INVERNO: RECORTE ACERCA DA CONTEMPORANEIDADE EM


JON FOSSE

RESUMO

O presente artigo aborda o contemporâneo em Jon Fosse, especificamente a peça INVERNO.


O que é o contemporâneo na dramaturgia, como distinguir suas categorias? Peter Szond
aponta as transformações desde o teatro clássico até o contemporâneo. Posteriormente, o
diálogo entre a dramaturgia contemporânea e conceitos da psicanálise como deslocamento,
condensação, metáfora, metonímia, o significante e significado, a não linearidade, a
performance, e a ausência do personagem, presentes na obra de Fosse. O erotismo em Jon
Fosse é abordado através da obra de Bataille. O teatro físico, a dança teatro tendo como
expoente o coreógrago Laban, em correspondência com a dramaturgia contemporânea
fomenta a estética e o estilo próprios a essa atualidade Por fim, as raízes, luz, o espaço e o
lugar, no cenário fosseano transbordando a poética do silêncio, o existencialismo, a presença-
auência, o não senso das relações humanas.

Palavras-chave: Inverno; Jon Fosse; Dramaturgia contemporânea; Erotismo.


33

ASTRATTO

Questo articolo tratta del contemporaneo in Jon Fosse, nello specifico il pezzo WINTER.
Qual è il contemporaneo nella drammaturgia, come distinguere le sue categorie? Peter Szond
sottolinea le trasformazioni dal teatro classico a quello contemporaneo. Successivamente, il
dialogo tra drammaturgia contemporanea e concetti della psicoanalisi come spostamento,
condensazione, metafora, metonimia, significante e significato, non linearità, performance e
assenza del personaggio, presenti nell'opera di Fosse. L'erotismo di Jon Fosse è affrontato
attraverso il lavoro di Bataille. Il teatro fisico, il teatro danza con il coreografo Labano come
esponente, in corrispondenza della drammaturgia contemporanea, promuove l'estetica e lo
stile propri dei giorni nostri. Infine, le radici della luce, dello spazio e del luogo, nello
scenario fossiano, traboccano nella poetica silenzio, esistenzialismo, presenza-assistenza, non
senso delle relazioni umane.

Parole chiave: Inverno; Jon Fosse; Dramaturgia contemporanea; Erotismo.


34

INTRODUÇÃO

Jon Fosse nasceu em abril de 1959 em Haugesund, no oeste da Noruega, província


rural e escreve em novo norueguês, dialeto local. Estreou na literatura em 1983, antes de
chegar ao teatro, escreveu romances, poesia, ensaios. A sua primeira obra para teatro foi
escrita em 1994. Atualmente é um dos contemporâneos mais representados na Noruega e no
estrangeiro.
Escreveu as seguintes peças: E nunca nos separarão (1994), O Nome (1995), Vai Vir
alguém (1996), A Criança (1997), A Noite Canta os seus Cantos (1998), Um Dia de Verão
(1998), Sonho de Outono (1999), Quando a Luz Baixa e Fica Escuro (1999), Dorme, Meu
Menino (1999), Visitas (2000), O Guitarrista (2000), Inverno (2000), Variações Sobre a
Morte (2001), Rapariga no Sofá (2002), Lilás (2002), Os Cães Mortos (2002), Susana
(2004), Eu sou o Vento (200 ), Sono (200 ), Melancolia (2015).
INVERNO, texto que fala sobre o relacionamento entre um homem e uma mulher
(prostituta). Os personagens de Jon Fosse não têm nome, característica de seu estilo. Existem
personagens secundários que aparecem através do diálogo entre os personagens principais, o
homem e a mulher. Aparecem a mulher legítima, seu chefe, a secretária do hotel.
WINTER estreou no Rhogaland Theater em Stavanger na Noruega, a 8 de setembro de
2000. Foi publicada pela primeira vez pela Norske Samlagte em 2000, num volume com três
peças: Visitas, Tarde de Verão, Inverno. A estreia de Inverno foi em 2005 no Teatro Taborda,
com encenação de Jorge Silva Melo, cenografia de José Manoel Reis, figurino de Rita Lopes
Alves, luz de Pedro Domingos, som de André Pires e interpretação de Sylvie Rocha e Pedro
Lima, numa produção dos Artistas Unidos.
A primeira dificuldade em Jon Fosse é a tradução. Quando se trata de dialeto regional,
obviamente, perde-se muito sobre as características da língua, ao traduzir a obra.

CARACTERÍSTICAS DO TEATRO CONTEMPORÂNEO

“Por vezes à noite há um rosto / Que nos olha do fundo de um espelho / E a arte
deve ser como esse espelho / que nos mostra nosso próprio Rosto.” (BORGES,
1998)
35

O teatro contemporâneo é caracterizado pela ausência da fábula (começo, meio e fim).


Hans Thies Lehmann, teórico alemão, foi o que inventou o macro pós-dramático para o
teatro. Isso aconteceu dentro da dramaturgia textual a partir de Beckett, dramaturgo irlandês.
Daí em diante, as possibilidades de um teatro voltado mais para a encenação – e não o texto
– se ampliou.
Em sua teoria do Drama Moderno, Szond (1950) nos mostra como cérebres autores
dramáticos, como Tchekhov, já traziam em si a crise do drama. Em Ibsen, diz Szond, o
passado domina no lugar do presente; desse modo, o elemento intersubjetivo é substituído
pelo elemento intrasubjetivo. E o próprio filósofo credita a crise do drama, em grande parte,
às forças que tiraram o homem das relações intersubjetivas e o empurrou para o isolamento.
Se Peter Szond é o principal teórico do drama em crise, o pós drama encontra em
Hans Lehmann seu principal estudioso. Afirma Lehmann (2011, p. 233): “É possível
entender o teatro pós-dramático com uma tentativa de conceitualizar a arte no sentido de
propor não uma representação, mas uma experiência do real (tempo, espaço, corpo) que visa
ser imediata”.
A cena contemporânea está pontuada dos efeitos de pesquisa de diferentes grupos,
geração pós-modernidade. As contextualização dos clássicos, as mudanças culturais, a
tecnologia com o emprego da variedade de mídias, da linguagem falada para a linguagem
corporal, o texto já não é mais o elemento central. A palavra aparece em relação às sensações
e percepções que dela derivam, são distituídas de significados, apresentando-se como
significantes.
A perda da linearidade textual, ausência de individualismo ou mesmo de personagem,
o foco sobre a corporeidade do ator, a presença mais do que a representação e esta
expressividade em interatividade com o público. Observa-se a cena contemporânea
essencialmente diversa da cena clássica, porque não mais reproduz ou imita a realidade, cria
outra realidade, uma outra forma.
A dramaturgia contemporânea também mudou, tornou-se fragmentada, o diálogo não
preconiza o sujeito, verbo, ação em relação ao objeto. O diálogo se existe, é elaborado em
outro tempo, simultaneidade, tempo real, as falas são alternadas, condensadas, repetitivas, ou
o excesso de palavras que culminam no silêncio.
O espectador decodifica os signos desta corporeidade, desta expressividade, em
acordo com os elementos que pertencem a sua existência. Os elementos materiais da cena,
causam uma variedade de percepções e sensações no espectador, e neste simulacro dá forma
36

em sua ação, o fazer teatral se antecipa ao significado predeterminado, a cena pode não
representar nada além dela própria, ou seja um ato puro.
Tanto o espectador quanto o ator, produzem nesta tela da ação cênica suas impressões
estéticas relativas a este acontecimento expressivo. Nesse sentido, o espectador tem um papel
ativo, o que confirma seu caráter essencial em relação à ação cênica, sua alteridade é
relevante em relação ao fato teatral. E torna-se operante, é também um ser ficcional.
Essa interdependência entre o ator e o público jamais cessa. Não existe um antes e
depois, senão o momento do acontecimento, a encenação. Por isso o teatro tem essa
característica principal, a presença, aqui e agora. O espectador vive esse momento, torna-se
coadjuvante, também ele é um ser ficcional. Sua percepção deste acontecimento, não prevê a
possibilidade dos códigos, das associações possíveis. Mas podemos dizer, que esse espaço
cênico é necessário, único em relação ao sentido.
Assim também o corpo do ator. Corpo que não mais representa um personagem, mas
o corpo que é ele próprio um sistema de significações, espaço de criação. Como nos diz o
Doutor Júlio de César Mota, em sua obra A Poética em que o Verbo se faz Carne:

A Arte não é um atividade interior e espiritual como algumas teorias fizeram, e


ainda fazem supor. Embora a intuição seja criadora, sua produção é um figurar e o
seu produto se constitui de imagens e ideias. A Arte precisa ser extrinsecada
fisicamente para que seja possível capta-la, senti-la, porque é somente através de
sua existência material que a arte pode ser revelada tornando-se real. (MOTA, 2011,
p. 169)

A partir de Grotowski, a experimentação e mais tarde, com Laban e seu sistema,


observa-se cada vez mais a elaboração, construção da partitura física, uma linguagem com
signos, símbolos, tecnicamente funcionando, operando um código linguístico. No entanto,
extrapolando e ultrapassando sua própria matéria em outra coisa, essa presença do corpo do
ator, evoca no espectador uma série de sentimentos e sensações, porque este corpo está
inserido nesse artefato cênico.
O fenômeno teatral contemporâneo, desencadeia reações na epiderme do público,
aversão, impacto, angústia, ansiedade. O processo do pensamento é secundário em relação à
cena, esse transbordamento de códigos não revelados se dá na epiderme do aparato sensório
do público.

OS ELEMENTOS DA CONTEMPORANEIDADE EM JON FOSSE


37

A aparente simplicidade do texto de Jon Fosse, revelam a minúcia do seu estudo e


trabalho com a linguagem. A repetição de palavras, sem pontuação, descontinuidade da fala,
deixam vir à tona as várias implicações concernentes a este deslocamento do significado em
significante. Já aí percebe-se o quanto Jon Fosse desloca esse “ego”, e o torna uma voz que
passeia entre o seu fraseado ritmico, e pode ser idêntico à coisa, ou seja, à percepção do som,
à ansiedade que nos causa a leitura.
Assim como na música, ele nos fornece uma palavra, e a repete várias vezes, como
“motivo” musical. Dessa partícula, algumas frases aparecem, e se envolvem entre elas,
causando sensações e percepções novas. Percebemos a mudança da palavra, no fraseado, o
acréscimo de outra palavra, tal qual a composição musical. E este sujeito está alhures, sem
identidade, sem ser alguém, ou sendo o ser de alguém por ser: hipótese, fenômeno, epiderme,
sentido.
Através da leitura, do nosso próprio impulso, a respiração, a intuição, partimos da
recorrência ao sistema organizacional que nos estrutura, buscamos fragmentos de memória,
criamos a possibilidade de um personagem, situaçõse e circunstâncias. E quanto mais nos
aprofundamos neste enredo de Jon Fosse, os véus e simulacros tornam-se aparentes.
A economia do vocabulário do texto de Fosse, abrem questões acerca da
comunicação. O significante ora toma o espaço do significado, existe uma precipitação que
não nos elucida o texto em sua compreensão enquanto mensagem, mas revela a percepção do
enunciado, abrindo os canais dessa percepção, atinge as sensações mais submersas.
Observando a obra de Merleau Ponty, O Mundo da Percepção:

Se a realidade da minha percepção só estivesse na coerência intrínseca das


“representações”, ela deveria ser sempre hesitante e, abandonado as minhas
conjecturas prováveis, eu deveria a cada momento desfazer sínteses ilusórias e
reintegrar ao real, fenômenos aberrantes que primeiramente eu teria excluído dele.
Não é nada disso. O real é um tecido sólido, ele não espera nossos juízos para
anexar a si os fenômenos mais aberrantes, nem para rejeitar nossas imaginações
mais verossímeis. A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um
ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se
destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo
comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus
pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas (PONTY, 1999, p.6)

A percepção da letra, a sonoridade da letra, o ritmo, a cadência, a pausa, o silêncio,


a suspensão, tudo isso nos coloca o labor poético, o sentido como Gilles Deleuze também
acentua em sua obra A Lógica do Sentido:
38

A logica do sentido é toda inspirada de empirismo; mas, precisamente, não há senão


o empirismo que saiba ultrapassar as dimensões experimentais do visível, sem cair
nas Ideias e encurralar, invocar, talvez produzir um fantasma, no limite extremo de
uma experiência alongada, desdobrada. Esta dimensão é chamada por Husserl
expressão: ela se distingue da designação, da manifestação, da demonstração. O
sentido é o expresso. ( ) Quando Husserl, se interroga, por exemplo, sobre o “nome
perceptivo” ou o “sentido da percepção” , ele o distingue ao mesmo tempo do
objeto físico, do vivido psicológico, das representações mentais e dos conceitos
lógicos. (DELEUZE, 1974, p. 21)

A contemporaneidade, da percepção do fenômeno, do fenômeno à presença. Os


elementos da contemporaneidade: a sobreposição temporal, o espaço metafórico opondo-se
ao espaço diegético, a transversalidade tendo como consequência a ação implosiva dos
personagens, repetições e variações, o recorte vérsico, pausas e despontuação, características
da poética de Jon Fosse.
Percebemos em alguns momentos, o jogo do sonho, dissolução, justaposição e
sobreposição temporal, o tempo metafórico.
Como não existem identidades nos personagens de Jon Fosse, representam eles
qualquer pessoa, a impessoalidade e até mesmo o não ser. Segundo o mesmo autor, chama a
esses personagens de “pequenos” em razão de serem frutos do acaso, vítimas, sem grande
interesse ou marginalizados pela sociedade de alguma forma. O vai e vem das falas, a
repetição, dão a impressão de uma cristalização psíquica, ou de se perderem no
desconhecimento de si mesmos.
As micro ações e as falas que são ditas para não dizer ou para preencher esse tempo,
podem caracterizar também ações “implosivas” , o personagem vive a sua solidão, ele pensa,
mas não nos relata seu mundo interior. Essas mesmas falas, e a circularidade se estruturam
persuadidas por um objeto neste cenário de coisas, o banco por exemplo, em Inverno, ou uma
janela, o mar, enfim. A insinuação da Coisa 7 é uma das características da obra fosseana. A
organização secundária do pensamento, tendo em vista a impossibilidade de interpretar esses
signos segundo uma ordem primária, ou estabelecendo juízos de valor, voltam à esfera do
pensamento primário, mais próximo da elaboração onírica.

7
ARNAU, M. COISA: A distinção representação coisa/palavra foi empregada por Freud em 1891, e
ele a reintroduz nos seus trabalhos sobre metapsicologia. A relação entre essas duas representações sintetizou,
em 1915, uma ruptura tanto com a psicologia da época, como com uma prolongada tradição filosófica. Esse
rompimento problematiza muitos dos supostos mais firmemente enraizados até hoje na filosofia. Procura-se aqui
investigar o significado da divisão representação palavra/coisa, tanto para a psicanálise, como para a filosofia
representacional, e assinalar alguns dos efeitos mais importantes da mesma. (Magdalena Arnau).
39

As palavras são repetidas, tensionadas no ritmo, cadenciadas, sofrem o efeito das


pausas, tal qual uma trama melódica. Esta oralidade tece o enredo da trama, em Inverno, nos
faz pensar o que chamamos tempo melódico em música, um período (porção melódica
compreendida entre o ponto onde começa o movimento e o ponto onde termina), e uma
estação, recurso metafórico justaposto. Fornecendo uma pista sobre a sucessão de enredos na
totalidade de suas obras, e cada obra, sendo correlata a outra: fractalidade onde o todo está
contido na parte e vice versa. E esse envolvimento ritmico, desencadeia no leitor uma série de
sensações e sentimentos.

O SIMULACRO EM JON FOSSE

Segundo Jean Pierre Sarrazac, através desta dramaturgia fractal, a descontinuidade


do texto, múltiplas direções, o personagem é ao mesmo tempo um outro, e o outro é o
idêntico, e a perpetuação do mesmo estado ou situação são observados em todas as obras.
Existe apenas uma alteridade refratária: não existindo essa identidade do personagem, a
leitura nos causa sensações e percepções, noções vagas da circunstância desse acontecimento,
e este fenômeno desta cena nova, com que investimos esta palavra com a emoção de uma
sensação análoga, a partir dos nossos próprios referenciais.
Portanto, o corpo que ali está representado (e só existe o corpo representado),
alienado, disperso, esquize do olhar. É o nosso próprio corpo considerado assim enquanto
repesenta o personagem e para que dê sentido aquilo que apreendemos de sua obra.
Refletindo a existência humana, o não senso, a subserviência do humano ao
funcionamento estrutural de uma sociedade onde impera o poder, a impossibilidade da escuta,
ou seja, os sujeitos não se relacionam mais a nível de um diálogo, são colocados numa
constante corrende de fuga. A ausência deste ego, dete centro, em uma constante flutuação ,
causando esta sensação de simulacro.
A ausência de diálogo, a justa posição das palavras, a repetição, mostram o ritmo e
uma energia próprios. E neste sentido, o ator enveredando através desses elementos da
contemporaneidade, deve entendê-los para poder atuar dentro desse novo contexto. O se fazer
agora, não é identificador de ser o texto contemporâneo. Falava Valere Novarina sobre
Rabelais (1999), Suas obscuras clarezas e suas incompreensíveis luzes. A provocação
relativa a essas palavras deixam clara a importância e a responsabilidade do leitor quanto do
espectador no teatro moderno, naquilo que é feito atualmente.
40

O espectador não é um sujeito passivo, o texto derivado desta contemporaneidade,


inclui o espectador, ele está inserido na cena, ele faz parte desta produção, diversamente do
teatro clássico. A obra de arte transcende o tempo onde está inserida, e a contemporaneidade
ou realização desse ultrapassamento é o objetivo maior, quando então essa intuição primeira
na produção da obra de arte, é lançada no devir. A intuição em extremo correlato com a
percepção na leitura do texto, nos dá autoridade para a captação do sentido, construção de
vetores e direções, mas não nos dá, o significado. O significado está para além, nessa
transcendência.
O ator em seu ato, sua ação cênica, trabalha o presente, o seu instrumento, o seu
corpo em movimento num espaço físico, em direção a um objetivo, caracterizado por um
desejo. Quando não há mais este personagem, sequer sujeito, o corpo do ator continua
existindo e perpetuando essa voz. São inúmeras as vozes. O texto de Jon Fosse é rico em
possibilidades.
Diante desta manifestação, o espetáculo, a performance, o público absorvendo este
dado a ver, reage de diversas formas. O espetáculo não é mais uma reprodução da realidade
mas uma reconstrução, reivenção, resultando em outra forma. A percepção deste dado real,
encontra uma outra forma, da qual a consciência não pode se apropriar usando os mesmos
índices anteriores. E a percepção deste dado real causa sensações variadas: desconforto,
desequilíbrio, aversão, etc. As associações e conexões que fazemos com nossos registros a
priori, causa essa sensação de estranheza.
No entanto, nos perguntamos se a reprodução do mesmo sentido pode acarretar em
outro sentido. Qual a causa deste fenômeno? A equivalência das formas, a saturação, a
exaustão, acarreta uma ruptura e um redimensionamento do sentido? A preciptação do
significante sobre os significado, os deslocamentos, as condensações, a pausa, desencadeiam
sobre o público esse impacto, ab reação ou, é justamente a precipitação desse olhar como
fato, acontecimento, que precipita esse sentido na produção de um novo objeto?
O fato histórico ao qual se acerca o fenômeno da contemporaneidade na
dramaturgia implicam as várias tecnologias usadas no fenômeno da comunicação: o mundo
virtual e a globalização. Para não ficar no mesmo processo, o sujeito humano tropeça no
sentido, cria o equívoco, o dado percebido, e produz outro movimento, antecipando-se ao
significado, o corpo real, como a sensação do absoluto, se refecha e mostra, da sua aparência,
aquilo que vela.
Essa metáfora ou metonímia, que se faz presente como corpo, agora é real. A arte
híbrida de Jon Fosse, literatura, dramaturgia, música, nos remetem a esse fecundo horizonte
41

de luz, imantação poética das estações nórdicas. E respeito pelas raízes culturais dos
trabalhadores desta região rural onde nasceu e viveu. Solidão e impostura neste quadro
caótico do humano, o fort da8, o eterno retorno nietzschiano, retornar ao inorgânico,
civilizando o desejo em cada novo movimento.

O INTERDITO E A TRANSGRESSÃO: O EROTISMO EM INVERNO


DE JON FOSSE

Além da clara evidência da insinuação presente na obra de Jon Fosse, percebe-se as


pinceladas de erotismo, fazendo com que a prostituta, ou a figura da prostituição, seja uma
impostura inerente à condição humana. A obra de Georges Bataille (1987), O Erotismo, pode
nos fornecer algum esclarecimento sobre isso.

A verdade dos interditos é a chave de nossa atitude humana. Devemos, podemos


saber exatamente que os interditos não são impostos de fora. Isto nos aparece na
angústia, no momento em que transgredimos o interdito, sobretudo no momento
suspenso quando ele ainda atua e que, mesmo assim, cedemos ao impulso a que ele
se opunha. Se observamos o interdito, se a ele nos submetemos, não temos mais
consciência dele. Mas sentimos no momento da transgressão si angústia sem a qual
o interdito não existiria: é a experiência do pecado. A experiência leva à
transgressão realizada, à transgressão bem sucedida que, sustentando o interdito,
sustenta-o para dele tirar prazer. A experiência interior do mutismo exige de quem a
pratica uma sensibilidade bem maior ao desejo que leva a infringir o interdito que à
angustia que o funda. É a sensibilidade religiosa, que liga sempre estreitamente o
desejo e o medo, o prazer intenso e a angústia (BATAILLE, 1987, p.26).

As pausas, a suspensão, magistralmente colocadas na obra Inverno de Jon Fosse, tem


essa conotação de interdição, além das palavras usadas com essa mesma função: é, sim, pois,
não, repetidas incansavelmente entre os dois personagens que acabam sucumbindo ao desejo.
A paisagem de inverno contrasta com esse calor erótico dos personagens. Ou mesmo, a
fragilidade humana dos personagens, a sensação de inutilidade da vida, solidão incontestável,
o não saber, conduz a suspensão do interdito, e a transgressão imposta pelo desejo. O Homem
diz ao chefe que se demite do emprego, e a personagem A Mulher, também processa esse
interdito, quando diz: você tem família, emprego, filhos, será muito infeliz comigo. E a cada

8
FREUD. Sigmund. “Mas alla del principio del placer. Esse era, pues, el juego completo: desapariciòn
y reaparición, juego del cual no se llevaba casi nunca a cabo mas que la primera parte, la cual era
incansablemente repetida por si sola, a pesar de que el mayor placer estaba indubitablemente ligado al segundo
acto.”( (1916-1938) [1945], TOMO III, p. 2512)
42

interdito de um ou de outro, sucumbe à transgressão e ao desejo. Como efeito, percebemos


outra paisagem, a do erotismo.
O que desde o princípio é sensível no erotismo é o abalo, provocado por uma
desordem pletórica, de uma ordem expressiva de uma realidade parcimoniosa, de
uma realidade fechada. (...) Na vida humana, ao contrário, a violência sexual abre
uma ferida. Raramente a ferida se fecha sozinha: é preciso fechá-la. Mesmo sem
uma constante atenção, que a angústia cria, ela não pode permanecer fechada. A
angústia elementar ligada à desordem sexual é significativa da morte. A violência
dessa desordem, quando o ser que a experimenta tem o conhecimento da morte,
reabre nele o abismo que a morte lhe revelou. A associação da violência da morte e
da violência sexual tem esse duplo sentido. De um lado, a convulsão da carne é
tanto mais precipitada quanto mais ela está próxima da debilitação, e de outro, a
debilitação, contanto que o tempo passe, favorece a volúpia. A angústia mortal não
leva necessariamente à volúpia, mas a volúpia, na angústia mortal, é mais profunda.
A atividade erótica nem sempre tem abertamente esse aspecto nefasto, nem sempre
é essa fissura; mas, profundamente, secretamente, essa fissura que é própria da
sensualidade humana é a mola do prazer. O que, na apreensão da morte, suprime o
fôlego, deve de alguma maneira, no momento extremo, cortar a respiração
(BATAILLE, 1987, p. 68, 69).

Inverno, nos coloca também a dimensão da morte presente na sexualidade, o tempo, a


diferença sexual, lugar de ruptura e impossibilidade. A transitoriedade da vida, as estações, o
ciclo, a natureza. Aliás, a utilização do objeto “banco de jardim”, onde os personagens
sentam, nos indica essa observação do tudo, essa introspecção, esse voltar-se para dentro,
interrogando e acercando-se dessa realidade. O banco de jardim, assim como um marco, entre
gerações e seres que já foram... ali está o banco, antes de tudo e depois de tudo, apesar de
tudo. Essa coaptação tempo e espaço, espera, parada necessária, estratégia, cansaço,
estagnação, contemplação.
E a sexualidade sempre se encontra alhures, no ser humano. Temos um pequeno
vestígio desta sexualidade, o sobretudo que revela, esconde e quer mostrar. O lugar aonde se
almeja chegar, desconhecido, um lugar bem diferente, como os personagens O Homem e A
Mulher falam ao fim da peça. A coaptação do afeto entre esses dois seres distintos, pares de
oposição, homem e mulher. O banco de jardim, um lugar de coaptação no mundo, referencial,
significante.
O banco de jardim, lugar de transição, alquimia dos estados, frio e quente. O erótico
como essa fruição que advém dessa aproximação e desse afastamento daquilo que nos quer
saber, impostura e verdade. Mesmo os personagens chegando a essa cunhagem técnica do
estritamente necessário, ainda assim eles emergem do desejo de alguma coisa. Do banco de
jardim, ao quarto de hotel, ao banco de jardim, saturados e imantados transitam, perdidos,
para lugar algum ou para um lugar bem diferente.
43

O tempo subjetivo de cada um, a polissemia dos diálogos que se justapõe na


repetitividade das palavras. Os personagens, eles mesmos sem individualidade suscitam o
gênero, a função deste gênero, a diferença em relação ao outro, na justaposição e na
contradição.
A mesma história, culturalmente falando, o homem e a prostituta. A metáfora,
persona, disposta enquanto tal para elucidar a divisão constituinte da estrutura do macho: a
esposa, a mãe e a puta. O desejo, a angústia referente que vai além da lei, no proibido. A
sexualidade que se expressa na perversão, doses de sadismo, a pulsão que se refecha nesta
petrificação do ativo e passivo.

O TEATRO FÍSICO: A EXPERIÊNCIA DO FENÔMENO E A


TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO EM JON FOSSE

Não há só uma linguagem, a linguagem falada, expressando pensamentos através de


palavras. Mas existe também a linguagem não verbal. A dicotomia corpo/mente sempre
esteve presente no universo ocidental, devido às suas implicações culturais. Contudo, a partir
do século XIX, já no início começa a desconstrução desse grande equívoco, através da arte da
dança, do teatro, o teatro e a dança unificados em dança-teatro, a performance, o teatro físico.
O corpo fala, inegavelmente, e as poéticas corporais trazem o corpo como esse
médium da comunicação. O logos não se concentra mais e nem pode ser entendido enquanto
palavra apenas, mas o logos tem um destino bem mais complexo, haja visto que as atividades
psicofísicas, os sentimentos, sensações, emoções, pensamentos, desejos, paixões fazem parte
do universo humano, atravessam a pele e o corpo. Não existe separação e nem hierarquia.
O corpo e o movimento, as ações físicas: a mobilidade no ser humano, primariamente
visa uma adaptação ambiente, sobrevivência. Posteriormente, manipulação das ferramentas
para chegar a um objetivo e finalidade, modificação do ambiente, transformação da realidade.
Mais tarde, a arte terá esse caráter técnico, com os renascentistas.
Para Laban (Rudolf Jean Baptiste Attila Laban de varalja) - (1978), arquiteto,
coreógrafo e baiarino, a análise do movimento do ser humano nos fornece elementos a
respeito de sua atitude em relação ao seu objeto. O corpo do ser humano, e os seus
movimentos apreendem o mundo, numa constante incorporação e extrinsecação: de fora para
dentro e de dentro para fora, conscientemente e inconscientemente.
44

A respiração, por exemplo, é vital no ser humano, sem ela, a vida não é possível. Essa
respiração, a irradiação central do corpo, sendo conduzida a outros órgãos e retornando a sua
fonte. Do nascimento ao desenvolvimento do corpo, encerrando diversas e complexas
modificações neste ser.
A experiência do fenômeno e a transformação do espaço também estão presentes na
obra de Jon Fosse. O movimento, o deslocamento, esse foco central no objeto, a antítese, ir e
vir chegar, voltar, aspectos que golpeiam expressivamente esse ambiente aonde estão
situados os personagens. Todos esses aspectos estão relacionados à materialidade da cena.
Segundo Lúcia Romano (2005), consideramos o aparecimento do Teatro Físico em
decorrência de toda uma modificação histórica, social e cultural, pós modernidade, seguindo
as ideias de Artaud, Duncan, Wigman e Graham. A fusão entre a fala e a fisicalidade, é uma
das características primoridiais, novas tecnologias, as novas tecnologias aplicadas na
produção cênica, o vídeo, a arte digital, principalmente na dança, onde um elemento não se
separa de outro, os artistas atravessam suas fronteiras culturais para fazer um novo teatro, a
participação do público no espetáculo como coadjuvante da cena; ampliação do texto, em
seus aspectos físico, visual e espaço cênico.

O lugar do Teatro Físico seria a fronteira entre a dança e o teatro, um local habitado
pela ênfase na corporeidade, onde se questiona o papel da linguagem na criação das
coisas e indivíduos, num processo social e ideológico, e afirma-se o corpo no
espaço como condição a priori para o surgimento do corpo social. A respeito da
"fisicalidade" (de physical), o termo indicava a procura por um modo especial de
utilização do corpo, explorando o uso de uma energia mais furiosa e agressiva. No
que concerne à "teatralidade" (de theatre), esta refletia um alinhamento à tradição
teatral, não percebido na dança contemporânea ocidental desde o advento da Dança-
Teatro nos anos de 1970 (ROMANO, 2005, p. 36).

A construção da narrativa através de imagens, exige do ator um reconhecimento dos


aspectos semióticos, a constante improvisação, incorporação do texto, e extrinsecação 9 a nível
físico. E culturalmente falando, o teatro físico é reelaborado cotidianamente em razão desse
estudo do movimento e suas raízes. Cada grupo descobre o seu modo de fazer, suas
variações, sua semântica, pelo simples fato de que o Teatro Físico é isto, uma semântica
implicada na epiderme, tendões, ossos, vísceras que se manifesta em presença cênica.
Em Jon Fosse, o texto é fruto dessa modificação ao longo das décadas, até atingir esse
mínimo que reverbera ao longo do tempo e espaço, descortinando camadas de significados

9
Extrinsecação: extrinsecação física consiste no processo de transformação da realidade abstrata em realidade
física, que confere concretude ao corpo, possibilitanto sua visibilidade, nos Estudos Coreológicos é
denominada incorporação. (MOTA, Júlio).
45

que já foram, enquanto texto, e voltam em forma de sensações, ansiedade, silêncio,


inquietude, etc. Fazendo do corpo deste ator, experimento.

CONCEPÇÃO ESTÉTICA DE JON FOSSE

A obra de Jon Fosse, autor e dramaturgo contemporâneo, coloca uma série de


possibilidades inerentes à leitura de sua obra, o estilo de sua linguagem. Decifrar códigos, e
estabelecer elementos de relação, conexão, e a elaboração de uma linha de pensamento.
Portanto, o primeiro elemento vem da primeira palavra: Inverno.
A palavra “Inverno” abre à percepção sensorial, o frio, uma estação. Existe um outro
texto correlato na obra dele, Sonho de Outono. A versificação também faz parte do seu estilo,
as personagens sem nomes que podem remeter a qualquer pessoa. A falta de individualismo e
psicologismo dos personagens. Tudo isso sem dúvida, faz parte da dramaturgia
contemporânea. Inverno aponta essa fractalidade, e indica uma composição e relação entre as
partes e o todo.
Outono, inverno, passagens do tempo, estações, uma razão no sentido matemático e
lógico da linguagem, ritmo. Imaginando este Inverno em contraste com a turbulência dos
personagens A Mulher, O Homem, vivendo sua relação de amor e paixão. Mulher e homem,
também como signos atribuídos enquanto diferença. Diferença, característica fundamental de
todo e qualquer significante linguístico.
Mas atentemos aquilo que nos diz Ana Coimbra, sobre a Luz Nórdica:

Enquanto no Inverno, a luz, o brilho dos flocos de neve e os graus negativos criam
um ambiente completamente diferente, a noite ocupa o dia, mas um manto branco
paira no ar, iluminando tudo. Sendo uma região pouco povoada, em que a natureza
domina com a sua presença assombrosa, é natural que influencie toda a maneira de
viver, conviver e habitar (AMARAL, Ana Margarida Goncalvez, 2010, p. 9).

Nesta obra de Jon Fosse, na rubrica percebemos: “escuro”, várias vezes. E esta
arquiteta ainda nos fala: “Hunting Northern Lights”, o fenômeno das Luzes do Norte, na
Escandinávia. Segundo a manifestação dessas luzes ao longo do dia, o espaço muda
completamente. Jon Fosse nasceu em Haugesund, Noruega.
A ideia de estação em Inverno tem o sentido de antítese, entre o calor que a relação
homem e mulher proporciona, e os momentos de dispersão, o existencialismo em Jon Fosse e
46

a dispersãõ dos heróis em humanóides que se perdem no eco da voz, um chamamento à


resistência, à insistência do dizer.
INVERNO, tenta filtrar esses matizes, o quente e o frio. O isolamento da solidão e o
quente da paixão. Jon Fosse nasceu numa cidade portuária, as luzes da noite, os barcos de
pescadores, os iates que partem, o ir e vir, a contemplação e o cheiro do mar, o cais e a
despedida, uma eterna despedida que nunca acaba. Vários recomeços.
O escuro, e a solidão, presentes no texto de Jon Fosse, refletem a transitoriedade da
vida, o infortúnio do tempo que passa. O frio polar e a escuridão no inverno, são
componentes da atmosfera da Noruega. Assim como o Sol da Meia Noite, a aurora boreal.
Transitamos na realidade de Jon Fosse, uma fluidez incessante de matizes....
A liturgia fosseana se aproxima muito de algumas características de Haugesund, este
lugar mágico. A contemporaneidade em Fosse também não escapa às suas raízes culturais, e
nem a memória visual e demais percepções da realidade onde vive, na construção dos seus
personagens.
Além da luz, em Haugesund, encontramos os telhados vermelhos, as embarcações
vermelhas, e a bandeira da Noruega, também vermelha. A representatividade desse espaço é
mais forte e fala por si só.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Ana Margarida Gonçalves. O Significado da Luz na Identidade Nórdica.


Coimbra, 2010.

BATAILlE, Georges. O Erotismo. 1ª ed. Porto Alegre: L&PM Editores S/A, 1987.

BORGES, J. L., Obra poética, 1 (1923-1929). Madri: Alianza, 1998.

DELEUZE, Giles. A lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.

FOSSE, Jon. Jon Fosse: "Non sono Ibsen io scrivo solo per amore". Itália: la Repubblica,
2016. Disponível
47

em:<http://www.repubblica.it/cultura/2016/09/06/news/jon_fosse_non_sono_ibsen_io_scrivo
_solo_per_amore_-147272243/>. Acesso em 05 de maio de 2017.

FREUD, Sigmund. Obras Completas. Tomo III (1926-1938) [1945] Mas alla del principio
del placer. Editora: Biblioteca Nueva, 1973.

LABAN, Rudolf. O Domínio do Movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1978.

LEHAMANN, Hans-Ties., Teatro pós-dramático. Editora Cosac Nayfi, 2007.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 2ª ed. São Paulo: Martins


Fontes, 1999.

MOTA, Júlio César de Souza. A Poética em que o Verbo se faz Carne: Um estudo do
Teatro Físico a partir da perspectiva Coreológica do Sistema Laban de Movimento.
Disponível em:Acesso em 11de abril de 2017.

ROMANO, Lúcia. O Teatro do Corpo Manifesto: Teatro Físico. 1ª ed. São Paulo:
Perspectiva: Fapesp, 2005.

RYNGAERT, Jean Pierre. Ler o Teatro Contemporâneo. 2ª ed. Editora Wmf Martins
Fontes, 2013.

SARRAZAC, Jean Pierre. O Futuro do Drama. 1ª ed. Editor: Campo das Letras, 2006.

SZONDI, Peter. Teoria do Drama Moderno (1880-1950). 1ª ed. São Paulo: Cosac & Naify
Edições, 2001.

DANÇAR-SE: ATRAVÉS DO MOVIMENTO SUBJETIVO, O


ARTISTA CRIA O ESPAÇO DA CONSCIÊNCIA, A CORPOREIDADE
DO SER10
10
Trabalho final para o Curso de Pós-Graduação em Dança e Consciência Corporal, da Faculdade Futuro Inovador.
48

RESUMO

Este artigo visa elucidar o lugar da dança no âmbito da ciência e arte: o corpo em arte produz
a consciência enquanto espaço criador, ser em ato. Concentramos a pesquisa na análise do
percurso fenomenológico do ser através de Heidegger e Agamben, posteriormente o avanço
metodológico através dos estudos coreológicos de Laban como modelo expoente da dança
moderna e contemporânea. Observamos os vários corpos conceituais nascidos do
desenvolvimento desses estudos, corpus subjetil, corpo virtual, corpo ficcional, que deram
nome à dança enquanto ciência da arte. Enquanto cria uma relação e organiza o espaço, a
dança abre novas percepções de vida. A metodologia parte de uma pesquisa bibliográfica,
percorrendo os autores citados em referência e dialogando no sentido de concretizar o
objetivo.

Palavras-chave: Consciência; Corporeidade; Corpo em Arte; Dançar-se.

ASTRATTO
49

Questo articolo mira a chiarire il posto della danza nel regno della scienza e dell'arte: il corpo
nell'arte produce la coscienza come uno spazio creativo, essendo in azione. Abbiamo
concentrato la ricerca sull'analisi del percorso fenomenologico dell'essere attraverso
Heidegger e Agamben, successivamente sull'avanzamento metodologico attraverso gli studi
coreologici di Laban come modello esponente della danza moderna e contemporanea.
Osserviamo i vari corpi concettuali nati dallo sviluppo di questi studi, corpus subjectetil,
corpo virtuale, corpo fittizio, che ha dato alla danza il suo nome come scienza dell'arte.
Mentre crea una relazione e organizza lo spazio, la danza apre nuove percezioni della vita. La
metodologia parte da una ricerca bibliografica, passando per gli autori citati in riferimento e
dialogando per il raggiungimento dell'obiettivo.

Parole chiave: Coscienza; Corporeità; Corpo nell'arte; Danza.

INTRODUÇÃO

Dançar-se é antes de mais nada metáfora e vida, resultado dos paradigmas rompidos
ao longo da história no que se refere à Dança. Dançar-se: da enunciação ao enunciado, a
visibilidade do ser, presença subjetiva em movimento. O diálogo entre a filosofia e a arte, em
algum momento revela o que antes parecia ininteligível como método, tornando-se a partir do
50

modernismo até a contemporaneidade, um processo inelutável onde a materialidade da arte e


seu fazer se expressa num pensamento afetivo.
Os expoentes do modernismo, Isadora Duncan (1877-1927), Mary Wigman (1886-
1979), Loi Fuller ((1862-1928), Doris Humphrey (1895-1958), Martha Graham (1894-1999),
Rudolf von Laban (1879-1958), representam este pensamento moderno da dança onde a
corporeidade do ser ganha visibilidade. Rompendo os paradigmas clássicos, a dança alcança
um outro patamar, o corpo deixa de ser apenas um objeto, para tornar-se o sujeito corpo
organizado e sistema.
Dançar-se, a corporeidade do ser no movimento subjetivo, alavanca o pensamento de
que a mente é representada pelo corpo. Tal compreensão passa e atravessa o design, a
fenomenologia, o existencialismo, desde Heidegger, aos apontamentos de Agamben e mais
tarde, Bardet com a filosofia da dança, permitindo visualizar a quebra deste paradigma corpo
versus mente. Chegando ao sistema Laban Bartenieff, como modelo e método de pesquisa em
dança e tantos outros métodos que abrem à contemporaneidade e instauram a dança como
ciência da arte.
O movimento do corpo do bailarino no espaço que recria uma densidade específica,
argumenta seu tempo histórico, produz e corporifica o Ser, enquanto manifestação. O corpo
no espaço, o movimento desta subjetividade é um estado de consciência, pensamento
sintetizado na eloquência das formas da dança, questão correspondente a esta pesquisa. O
corpo subjetil11 (FERRACINI, 2004), promove a consciência na medida em que se coloca
como corpo instrumento, performático.
O ser enquanto potência causadora, é presença e construção de um novo tempo. A
dança é potência que produz esta força capaz de, organicamente, sintetizar aquilo que o
entorno do bailarino apresenta: ambiente, luz, ritmo, etc. A potência do ser, ao mostrar,
fomenta possibilidades de diferenciação. O espaço não é fixo, mas dinâmico, intertexto e
contexto quando nele, o ser se faz presente em toda a sua subjetividade, nos afetos, emoções,
sentimentos, sensações de vida ancorados no corpo.
Com o objetivo geral de aproximação destas fronteiras entre filosofia, ciência e arte,
passamos a prescindir do conhecimento dos estados e níveis deste corpo, os diversos corpos
que nos habitam e são frutos da manifestação do ser. Ao produzir arte, corporifica, incorpora

11
FERRACINI. Em outras palavras, o corpo subjétil é um artificial artístico, e, portanto, inorgânico,
possibilitado pelo corpo cotidiano, portanto orgânico. O momento do estado cênico é, então, um
inorgânico/orgânico, coexistente e paradoxal, e é esse próprio paradoxo que possibilita o estado “vivo” do ator.
O ator, assim como todo artista, é alguém que cria suas próprias impossibilidades, e ao mesmo tempo cria um
possível (Deleuze, 1992, p. 167).
51

e torna-se naquilo que faz e mostra, identidade e diferença necessárias à elaboração


conceitual, própria à ciência.
Visando elucidar o lugar da dança no âmbito da ciência e arte: o corpo em arte produz
a consciência enquanto espaço criador, ser em ato.
O saber oriundo da arte, sempre norteou a filosofia, a psicanálise, a sociologia, enfim.
Não pode mais ser considerado secundário em relação à ciência clássica. A ciência da arte, se
faz cada vez mais presente na medida em que o artista atesta seu saber, naquilo que mostra e
produz, na medida em que a tecnologia e o conhecimento biológico nos surpreendem ao
revelar o funcionamento do organismo humano.
O esboço deste movimento subjetivo cria e decodifica, formando um método e um
sistema, resultado da pesquisa avançada desse ou daquele coreógrafo, bailarino, etc. O
somático de Thomas Hanna (1985), assim como o psicossomático de Freud e ou, o sintoma
social denota a perspectiva e o avanço cultural dos nichos de realidade estudados.
Agamben, quando realiza esta ponte entre o contemporâneo e o original, também
sustenta que existe aí uma conexão simbólica, no tempo remoto encontramos esta semente
que permite visualizar o que hoje produzimos. Segundo ele, o ato de imaginar, decorrente
desta disposição do ser, neste pensar irracional, provoca a construção e desconstrução,
revitalizando-se nesta experiência de si. Na dança, o pensamento afetivo organiza o espaço de
diferentes formas, onde as relações humanas também não são mais as mesmas.
Para entender este processo, é necessário especificar o corpo em seus níveis de
subjetivação, o corpo real, o corpo virtual, o corpo fictif (ficcional), o corpo em arte (subjétil).
A pesquisa em dança levou a criação de métodos como a biodança, a educação somática, a
filosofia da dança. À medida que os corpos se deslocam e apresentam os estados pelos quais
fundam seu conhecimento e sua especificidade, mais atribuímos à dança, a experiência desta
potência criativa do ser, disjunção entre saber e ser no conhecimento que mostra. Derrida,
Artaud, Laban e outros, são expoentes na compreensão desse processo que envolve o corpo
em arte.
A convergência das diferenças, possibilita um diálogo e uma compreensão entre a arte
e a ciência, fomento de um campo rico em possibilidades, seja dentro da educação, saúde,
outros espaços, sem necessariamente gozarem de prevalência uns em relação a outros. A
diferença sempre preserva a origem, mas também causa uma ruptura na rigidez que pretende
preservar o pensamento do corpo.
O movimento subjetivo, na dança, o corpo em arte, atende à dimensão deste
questionamento. Em um segundo momento, observamos a variedade de linguagens, o corpo
52

real, soma; o corpo fictif (corpo em cena), o corpo virtual, o corpo subjétil, a experiência do
sujeito corpo no mundo. Através de Agambem, observa-se esse deslocamento do novo a sua
origem: o devir.
A consciência que se produz a partir do mostrar-se, na dança, não é apenas um auto-
conhecimento, o corpo para si, mas um pensamento que se torna visível para o público. Por
isso, o movimento subjetivo através da experiência deste pensamento afetivo instaura a
consciência cada vez mais ampliada.
Nesta pesquisa bibliográfica, organizamos este diálogo pertinente entre os autores
citados, assimilando os conceitos relativos à dança e sua metodologia, para analisar o quanto
esta corporeidade, experiência subjetiva, conduz a vários níveis e estados do corpo, numa
organização e num movimento relacional que modifica a condição e qualidade de vida de
cada um.
Retomando o pensamento de Heidegger, subvertendo o lugar da técnica em relação à
essência no fazer estético e ético, contribuiu imensamente no sentido de que a arte, é o que dá
a dimensão desta essência, do ser e, o corpo em arte, movimento sensível inserido no ente e
que promove esse movimento em direção ao humano que procura no fundamento, sem
subtrair a responsabilidade ética do que produz, por isso, a arte vai calculando o seu peso ao
lado da ciência, construindo o substrato cultural.

A CORPOREIDADE DO SER: PERCURSO FENOMENOLÓGICO


À PRODUÇÃO DOS DISPOSITIVOS CONTEMPORÂNEOS

Para compreender o estatuto atual do corpo em arte, seu movimento subjetivo, é


inevitável assinalar dentro deste percurso histórico, a quebra do paradigma que pressupõe a
arte da dança secundária em relação ao saber como constructo filosófico. Com a
modernidade, atravessando a fenomenologia, o deslocamento da ciência encontra o viés da
arte, assinalando outra esfera de conhecimento.

Heidegger e Agamben, nos auxiliam a esmiuçar a relatividade conceitual da ciência


no que tange à essência do objeto artístico. Objeto artístico que deve ser dito em seu ser. Die
frage nach der technik, A questão da Técnica, escrito por Martin Heidegger e proferido a 18
de novembro de 1953, na Escola Superior Técnica de Munique, mudou radicalmente o foco
de Heidegger em relação ao percurso de seu pensamento, colocando a emergência do saber
grego, a essência da técnica como linha de seu pensamento:
53

Assim, a essência da técnica não é, de forma alguma, nada de técnico. Por isso
nunca faremos a experiência de nosso relacionamento com a essência da técnica
enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que é técnico, enquanto a ele
moldarmos ou dele nos afastarmos. Haveremos sempre de ficar presos, sem
liberdade, à técnica tanto na sua afirmação, como na sua negação apaixonada. A
maneira mais teimosa, porém, de nos entregarmos à técnica é considera-la neutra,
pois essa concepção, que hoje goza de um valor especial, nos torna inteiramente
cegos para a essência da técnica. (HEIDEGGER, 2008, p. 11)

Enquanto a ciência ficou compartimentada na eficiência técnica, manipulação dos


recursos naturais, buscando o fundamento e explorando estes recursos, em um conhecimento
desenfreado que desconhece a essência da técnica, a ciência da arte, ao contrário, busca e se
aproxima da essência, a manifestação do ser, reconhecendo as diferenças, respeitando os
nichos culturais, deslocamento e metonímia do pensamento humano, dando voz e
representação a essas várias camadas culturais.

A técnica para os gregos não constitui um simples fazer artesanal, mas o “saber” na
medida em que eleva o “ente” a presentificar-se, a mostrar-se, corroborando para o seu
acontecimento: a poiesis procede da techne que procede da phisis. Infelizmente, a técnica
moderna é reduzida à utilidade, única e exclusivamente, e o sujeito humano, dorme no
esquecimento do ser. E nesse modo, modus operandi, vemos nascer o dispositivo
contemporâneo.

Falar não é essencialmente dizer. Quem quer que seja, pode falar sem cessar e sua
palavra não diz nada. Um silêncio, pelo contrário, pode dizer muita coisa. Mas o
que significa dizer? Sabê-lo-emos se prestarmos atenção ao termo. Sagan significa
mostrar. E o que significa mostrar? Significa fazer ver e entender qualquer coisa,
levar uma coisa a aparecer. (HEIDEGGER, 2003, p.21).

A cada acontecimento a nível universal, se processa um acometimento humano, a


nível individual, subjetivo. Não podemos eliminar ou sair da corporeidade, o relato desta
experiência de si, abre novas perspectivas de relação do ser em si com o mundo. A verdade
habita o homem em seu movimento diário, em seu deslocamento e movimento espacial. A
geometria dos gestos nos faz entender a existência do homem como um agenciamento
organizado e complexo de si no mundo. Nenhuma atitude, mesmo uma atitude ou gesto
inconsciente, carrega em seu bojo uma intenção e objetivo.

Na história primitiva da dança, observa-se o quanto o ritual que envolve o corpo em


movimento, está vinculado à preservação da memória coletiva, tanto quanto gerando
54

significados, posto que vela e se revela. A dança é esta comunicação em trânsito,


manifestando e animando-se num estado de pensar que lhe é peculiar. O mostrar-se na dança,
contém a essência prevalente da matriz cultural, as raízes do pensamento que formou e
condensou aquele grupo ou comunidade, na série de gestos e costumes.

[...] a manipulação de sua energia e da “presença” atoral no tempo e no espaço; a


tékhne e seus princípios pré-expressivos; a possibilidade concreta de recriação de
suas ações a cada apresentação; elementos que operacionalizam a criação de uma
zona de inclusão, vizinhança e “troca” com o público (FERRACINI, 2006: 127).

A arte para os gregos não era um fazer, mas o modo com o qual os gregos
expressavam o seu pensamento, o seu saber, poiesis. Esse contraste pertinente entre a técnica
moderna e a arte, vai produzir uma ruptura no conhecimento. A linguagem não-verbal
começa a ganhar espaço. A verdade histórica alcança a dança através da fábula que é
construída ao longo do tempo, deslocando o modo de elaboração do pensamento, na
consciência e coexistência do corpo. Dando valor às sensações, sentimentos, a vida que lhe
cabe, mostrando a verdade histórica no acontecimento, fenômeno e manifestação, numa
análise não restritiva que alcança sempre o mais além, gerando signos, produção simbólica,
dançar-se.

O movimento e deslocamento humano caminham com a essência do homem. O corpo


se desloca no espaço, em busca não só de satisfação de suas necessidades, mas esta essência
nômade transforma a realidade em que vive e evidencia-se cada vez mais os recursos deste
organismo corpo, para o conhecimento subjetivo, o corpo simbólico.

Os deslocamentos humanos, tornam-se caminhos, significam um percurso de vida, a


existência e a transformação das relações. Esta geometria do movimento, não é casual, mas
racional. É pensada e caracteriza a consciência do corpo, a elaboração dos resíduos mais
sensíveis e subjetivos, produzem formas altamente simbolizadas, capazes de mudança do
contexto cultural, e produção de esferas ainda mais organizadas.

O corpo não é apenas manobra de poder, dispositivo, mas ferramenta de mudança.


Refletimos este fazer como consciência do nosso estado, de nossas atitudes, costumes, gestos.
E o resultado desta consciência do corpo produz o reconhecimento do espaço vivencial, o
pensamento afetivo. Nos movimentos, deslocamentos e repetições de gestos e situações,
potencializamos a memória do que somos, corporeidade enquanto traço do não racional que
veicula um outro saber.
55

Não só a parte do que se perde e se esquece a cada momento excede em


muito a piedade da memória e do arquivo da redenção: o desperdício diário
de pequenos gestos, de pequenas sensações, do que passa pela cabeça num
piscar de olhos, de palavras banais e desperdiçadas; mas também obras de
arte e engenhosidade, fruto de um longo e paciente trabalho, cedo ou tarde
estão condenadas a desaparecer12. (AGAMBEN, 2011, p. 13)

A propósito da memória, se seguirmos esse itinerário do evento humano não mais


como acontecimento, mas como obra, observaremos que a representação obedece a essa
“estância”(AGAMBEN,2997), lugar crítico onde o homem se detém antes de morrer, a vida
reprocessada, singularmente móvel e difusa através do olhar criativo. As “coisas” produzidas
pelo homem, trazem esse olhar difuso acerca do mundo onde habitam, do mesmo autor.

A fetichização dos objetos veicula o afeto, torna o afeto habitável numa forma
variada, heterogênea, e encontraremos no intertexto da informação, as mesmas vicissitudes
das quais padecem as nossas paixões habituais desde que o mundo é mundo. Como dizia o
pai da Psicanálise, FREUD (1927), elevar o objeto à dignidade de Coisa, constitui o caminho
onde a potência, pensamento latente, tende a se manifestar: o pensamento manifesto. O corpo
realiza esse mesmo percurso, o pensamento em ato.

Por isso, Agamben, situa o contemporâneo13 (2011), “Só pode ser chamado
contemporâneo quem não se deixa cegar pelas luzes do século e nelas consegue distinguir a
parte da sombra, sua escuridão íntima”. Segundo o autor, a luz significava o ato de produzir,
demandar, representar, mostrar.

Orientando-nos através de Heidegger e Agamben, começamos a entender o sentido


negativo do modo, enquanto potência transformadora. Ou seja, a “estância”, o lugar da obra
de arte, acompanha categorias que lhe são específicas, e que se formam, se instalam nesse
processo cultural e civilizatório, como essência negativa. Por isso também, a melancolia e o
fetichismo, que expressam o assombro do artista mediante o mistério da arte, ingurgitam a

12
AGAMBEN, 2011. No sólo la parte de aquello que a cada instante se pierde y se olvida excede
ampliamente la piedad de la memoria y el archivo de la redención: e cotidiano derroche de pequeños gestos, de
sensaciones ínfimas, de lo que atraviesa la mente en un relámpago, de palabras trilladas, desperdiciadas; sino que
también las obras del arte y del ingenio, fruto de un largo y paciente trabajo, tarde o temprano están condenadas
a desaparecer.

13
AGAMBEN (2011). Puede llamarse contemporáneo sólo aquel que no se deja cegar por las luces del
siglo y es capaz de distinguir en ellas la parte de la sombra, sua íntima oscuridad.
56

incapacidade de descrição do acontecimento, e a alteração sensível do pensamento em algo


concreto, a metáfora e a metonímia. A substituição e o deslocamento.

Não nos surpreende, nessa perspectiva, que a melancolia tenha sido identificada
pelos alquimistas com Nigredo, o primeiro estágio da Grande Obra que consistia,
segundo a antiga máxima espagírica, em dar um corpo ao incorpóreo e em tornar
incorpóreo o corpóreo. E do espaço aberto pela sua obstinada intenção
fantasmagórica que toma impulso a incessante fadiga alquimista da cultura humana,
a fim de se apropriar do negativo e da morte, e de plasmar a máxima realidade
apreendendo a máxima irrealidade. (AGANBEM, 1942, p. 56)

A epifania do inapreensível, segundo Aganbem (2007), travam a luta e o luto que


antecipam a obra de arte. O fenômeno da produção artística, o estado que caracteriza o fazer
criativo, tem em suas miudezas, uma passagem magistral pelo abismo de si mesmo, a
angústia, o fervor, a paixão, o inusitado, o fragmento e a ruptura com o ordinário.

Isso é tão verdadeiro que poucos se terão dado conta de que na evocação patrística
das filiae acediae aparecem as mesmas categorias de que se serve Heidegger na sua
famosa análise da banalidade cotidiana e da caída na dimensão anônima e
inautêntica do “a gente”, que acabou inspirando (na verdade nem sempre
propositadamente) numerosas caracterizações sociológicas da nossa existência nas
assim chamadas sociedades de massa. (AGAMBEN, 2007, p.26)

Os elementos formais da dança, movimento corporal, espaço e tempo, constituem um


método de aprendizagem, ora funcional dado pela propriocepção do corpo, ora conceitual
posto que trabalha uma consciência efetiva do antes e depois, transitando em possibilidades e
improváveis. Veiculando o acontecimento em sua historização performática. O improviso é
esse ser manifestando-se em sua espontaneidade, produzindo o concreto da presença plena, e
a negatividade da essência que deixa sempre em aberto, um puro fazer. A subjetividade do
artista e seus níveis de consciência apontam sempre para um devir.

A identidade do homem, presa inelutavelmente à imagem que dela transcorre, o


corpo factível, não pode sair de sua essência. A memória, a transmissão e a interpretação, são
as dimensões do tempo sendo recobertas pela assimilação gradual, do desejo não
concretizado, da coisa não acabada. O cronos saturno, resultado da derrocada do objeto sobre
o sujeito, torna o consumo diário de todas as coisas e da impossibilidade de nenhuma, o
encontro inevitável com a falta, criando um novo espaço, a fantasia. Ao criar, o humano
ultrapassa, antecipa. Inaugura seu tempo próprio.
57

A antecipação que diz respeito à capacidade do sujeito de fugir ao tempo, e por isso
mesmo, recolher deste presente histórico o que não está contido nele, é o contemporâneo.
Deixar-se afetar, através desta experiência subjetiva da corporeidade, recuperar o gesto e
mudar nossas ações e atitudes.

Procurar no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não poder fazê-
lo, isso significa ser contemporâneo. Por isso os contemporâneos são raros. E por
isso, ser contemporâneo é, antes de tudo, uma questão de coragem: porque significa
ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também
perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de
nós. Ou ainda: ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar
(AGAMBEN, 2009, p. 30).

O imemorial se organiza conforme um princípio e uma conexão próprios. Sair do


nosso tempo, enquanto uma visada do amanhã, como sequência a um dinamismo, ou seja, a
potência própria ao dispositivo que a engendra, significa a ostentação de um modo, de um
hábito, de um costume.

Esse deslocamento da origem, através do tempo, se deve à ação do homem no que diz
respeito ao seu destino e a sua interferência acerca do seu futuro. A imagem está ligada ao
homem, desde sempre. A imagem se constitui nessa zona limítrofe, o corpo. Ora, o
esquecimento do ser, como falava Heidegger se descobre enquanto razão do corpo, o corpo
expressivo. E é nesse modo particular de apresentar-se, um estado de ser efetivo, a presença,
que podemos entender o corpo em arte, ou o corpo subjétil, a dança.

Por isso, nessa caminhada fenomenológica, chegamos a um patamar de estado de


conhecimento, onde encontramos na arte a sua ciência. Não podemos mais dizer que a arte
não é uma ciência. E, neste modo negativo, a expressividade do corpo na dança, observar a
conexão inalienável da origem desta linguagem no ritual enquanto produção simbólica, à
contemporaneidade onde o corpo em arte, o corpo subjétil, o corpo cênico, é um estado de
saber com seus modos e elementos que lhe são particulares.

AS DIMENSÕES DO CORPO EM ARTE: A DANÇA

Os objetos de criação da cultura humana, estão entrelaçados ao que se pode considerar


um pathos, nesta dependência do desejo e da ausência. Para que possamos criar algo novo,
reproduzindo esta falta constituinte do sujeito, nos localizamos fora desta identificação
58

prematura do filhote do homem ao homem e ingurgitados pela pergunta acerca desta


essência, produzimos no lugar desta falta, uma aparência de ser.

Nem tanto o caráter fetichista do objeto de arte, mas seu acontecimento, o de ser
cunhado nesta face negativa do homem, tornando o incorpóreo, corpóreo.

O termo substituído é, pelo contrário, é ao mesmo tempo negado e lembrado pelo


substituto, com um procedimento cuja ambiguidade lembra de perto a
Verleugnung14 freudiana, e é justamente dessa espécie de “referência negativa” que
nasce o potencial poético particular de que fica investida a palavra (AGAMBEN,
2007, p.60).

Através dos modos de identificação e lugares onde o homem transita, sua atitude e
gestos são característicos. Na ciência moderna com o avanço da neurociência, o
conhecimento da complexidade do organismo humano, a cinesiologia, a biomecânica, nos
coloca outra questão, o corpo humano e o pensamento humano não estão separados como
queria a ciência clássica. Observamos as categorias e direções de seu pensamento: negação
daquilo que se baseia nos sentidos; negação das coisas que se apresenta em um sonho;
negação dos paradigmas matemáticos.
Ora, a negação neste evento do pensamento, é o mesmo modo conferido à arte, e
especialmente, a arte na Dança, o modo negativo por excelência. Depois de Descartes, Freud,
e Heidegger, Nietzsche, conversaram sobre este modo negativo, e descobriram a
corporeidade no sujeito, o trânsito das sensações, emoções e sentimentos. A imagem do
homem, a identificação necessária ao social, a formação dos símbolos, rituais, culturas
interdependentes, e esse ruído do corpo passa a contextualizar o que antes era negado pela
ciência enquanto razão.
Todas as fibras neurais, as fibras dos músculos do organismo humano, são formadas e
entrelaçadas de tal forma que nos fazem acreditar no que foi denominado cintura de moebius,
a relação entre externo e interno passaram a fazer parte da mesma tipologia. Em se tratando
de um efeito espaço, tempo, lugar, onde as sensações vividas entram em trânsito, e
posteriormente se organizam no homem, dando um significado e sentido, ou seja, instituindo
um fazer próprio, uma técnica, e consequentemente um padrão de comportamento altamente
organizado.

14
DRAWIN e MOREIRA. Pode nos chamar atenção a associação do recalque com o afeto quando se
sabe que o recalque incide sobre a representação (Vorstellung) e não sobre o afeto, que pode ser apenas inibido
ou eliminado pela repressão (Unterdrückung) e não se tornar inconsciente. Freud completa afirmando que para o
destino da representação a designação alemã correta seria “desmentido” (Verleugnung).
59

Não mais, podemos pensar o corpo e mente separados, como queria os filósofos
clássicos. A imagem psicofísica, ou seja, a compreensão a partir de uma experiência sensível,
ou percepção cinestésica, também é um modo de pensamento. Essa tridimensionalidade do
corpo, o movimento em espiral abrindo para o infinito, e voltando ao seu centro de gravidade,
num pulsar do ar para dentro e fora que mais se assemelha ao hálito da vida.

Alguns gestos desclassificados, mais que unificados por uma comoção gravitaria
das ordens naturalizadas, tornam sensível a heterogeneidade dos gestos na dança.
Andar, por exemplo, induz permanentemente à divisão, sempre reposta em jogo, do
quê da dança. E, a divisão, sempre polêmica, sempre em luta, para uma
“participação dos sem participação”, é aquilo que anima, segundo Rancière, a
realidade democrática (BARDET, 2014, p.93).

Nesse movimento transversal pelo qual a dança atravessa o social e cultural,


percebemos a dimensão e prevalência do corpo expressivo, para o corpo intempestivo das
diferenças, do relato de uma sociedade, da abertura de seus opostos e contraditórios, a
constante transformação e deslocamentos dos passos que se efetivam como sulcos na história
do homem.
O corpo-em-arte,

O corpo comum exprime um sentido, embora não por meio de uma linguagem.
Porque, se a constituição anatômica não permite a formação de uma linguagem com
uma dupla articulação de unidades discretas, o corpo nem por isso é menos
articulado. (...) Os gestos tornam-se inteiramente transparentes, traduzíveis em
significações gerais. O corpo exprime então a linguagem articulada, os seus
movimentos finalizados, fala a língua clara das funções sociais. A linguagem ‟do
corpo não difere grandemente do que dele dizem os discursos imperativos de todos os
gêneros e que moldam os seus movimentos (GIL, 2002, p. 72).

A invocação dançante, portanto, reclama o movimento de empuxo, fluxo, abrindo aos


possíveis. Sendo apanhado numa rede de símbolos, onde os gestos revelam o pensamento, e
seu caráter de afetação, buscam a inflexão desta invocação para e através do lugar. Espaço de
transformação requer essa precipitação sobre o tempo, e um lugar possível, onde o sujeito já
não é mais o mesmo, o gesto de invocação produz o ato que marca o sujeito em sua atitude de
renovação.
O que é a propriocepção ou, percepção do corpo, consciência do corpo? Acaso não
ampliamos o repertório acerca do visível e invisível, quando usamos educar os movimentos
através do corpo até esgota-los na dança? A consciência do corpo, na Dança, atravessada pelo
lado negativo da forma, se concretiza no corpo da consciência.
60

Na Teoria do Movimento Expressivo de Laban (1879-1958), faz-se uma análise do


movimento a partir de todas as atividades humanas. Ou seja, as ações corporais refletem
nossas intenções, os processos mentais estão em acordo com os gestos, o movimento
expressivo. Nesse sentido, não é óbvio dizer que o corpo refaz o mesmo caminho que o
pensamento, mas que ambos são a mesma coisa, embora em estados diferenciados.
O Sistema Laban, são práticas interpretativas, a partir das leituras do gesto e
movimento cotidiano. Laban era um arquiteto, com noções bem claras do espaço, do
movimento humano em diferentes lugares e os laboratórios realizados com bailarinos e outras
pessoas em contato com a natureza. O conhecimento do organismo, o corpo, sua dinâmica e
mecânica, a cinesiologia, fazem parte de suas aplicações, indo de encontro a outros avatares
além da dança. A importância do desenvolvimento do corpo na Educação, Psicologia,
Fonoaudiologia, Teatro, Música (o gesto musical), Artes e Educação Física.
A linguagem não verbal ganha especial destaque a partir de Rudolf Laban, deu o
nome de Coreutica ao estudo da organização espacial dos movimentos, e de Eukinética ao
estudo dos aspectos qualitativos do movimento (como seu ritmo e dinâmica).
O corpo-subjétil (FERACINI,2006, p.86), conceito ampliado da obra de DERRIDA
(1998), “um corpo ao mesmo tempo formal e orgânico, um corpo que se auto alimentasse de
sua própria potencialidade criando e recriando um comportamento extra cotidiano
transbordado dele mesmo e nele mesmo e que se lançasse para o espaço gerando, nesse
lançamento, uma zona de arte e de inclusão”.
Enfim, esse corpo-em-arte, mobilizado por tudo aquilo que o afeta. Afetado, é
constantemente ressignificado, perpendicularmente, na escala de relações qualitativas.
Com o anúncio da revolução 4.0, a linguagem virtual, as redes de compartilhamento
social, integraram também uma nova forma ou estado deste corpo, o corpo virtual. Segundo
LEVY (1998), as membranas virtuais, raio x, ultrassonografia, eco, etc., constroem um corpo
virtual em várias dimensões. Essas projeções das várias epidermes, faz com que vejamos os
simulacros do corpo. Através de um banco de sangue, o nosso sangue já não corre mais nas
nossas veias, mas faz parte de outro corpo, assim com os órgãos também. O corpo torna-se
um corpo coletivo: hipercorpo híbrido e mundializado.

Hoje inventamos, no prolongamento da sabedoria do corpo e as artes antigas da


comida, uma centena de maneiras de construir, remodelar: dietética, musculação,
cirurgia estética, etc. Nós alteramos nosso metabolismo através de drogas, agentes
psicológicos transcorporais ou secreções coletivas, etc., e a indústria farmacêutica
não para de descobrir novas moléculas, células ativas. Reprodução, imunidade
contra doenças, a regulação das emoções são benefícios classicamente privados e
61

que se tornam públicos, capacidades intercambiáveis e terceirizadas. 15 (LÉVY, p.


19, 1998).

Neste ano de 2020, com o trágico drama humano inserido na Pandemia de COVID-
19, passamos a entender a operacionalização da ciência no que tange à fragilidade deste
corpo. Como resultado, a internet passou a suprir o que se tornou impossível, o
relacionamento corpo a corpo, a interação social.
O corpo-virtual, o corpo-subjétil, passaram a produzir via compartilhada,
possibilidades de interação e manifestações artísticas puderam suprir esta impossibilidade de
socialização, dada pelo distanciamento social. Levy, nos situa esta emancipação virtual.

Os grupos sociais humanos são espécies de megapsiquismos, não só porque as


pessoas percebem e são afetadas emocionalmente, mas porque eles podem ser
adequadamente modelados por uma topologia, uma semiótica, uma axiologia e uma
energética mutuamente imanente. Mega sujeitos sociais, sem consciência de sua
alienação, impregnados de afeto. Um imenso jogo afetivo cria vida social. A função
de seleção e apresentação, que a consciência tem no ser humano, nos coletivos ela é
coberta, melhor ou pior, por estruturas políticas, religiosas ou midiáticas que, ao
contrário, habitam os sujeitos individuais. Mas a comparação entre os serviços
fornecidos para o indivíduo por sua consciência e aqueles que a mídia
centralizadora ou os porta-vozes emprestam aos grupos sociais, nem sempre
beneficia o último.16 (LÉVY, 1998, p.87).

Outra vez, a arte e o corpo em arte, subjétil, traz esta inequívoca dimensão do
projeto humano no que diz respeito a sua capacidade e maleabilidade de adaptação frente a
circunstâncias inexoráveis.

CONCLUSÃO

15
LEVY, Pierre. “Hoy inventamos, en! a prolongación de las sabidurías del cuerpo y de las antiguas
artes de la alimentación, cien medios de construirnos, de remodelarnos: dietética, body building, cirugía estética,
etc. Alteramos nuestros metabolismos individuales por medio de las drogas, los fármacos, los agentes
psicológicos transcorporales o las secreciones colectivas, etc., y la industria farmacéutica no para de descubrir
nuevas molé- culas activas. La reproducción, la inmunidad contra las enfermedades, la regulación de las
emociones son prestaciones clásicamente privadas que se convierten en capacidades públicas, intercambiables y
externalizadas” (1998, p.19).
16
LÉVY, Pierre. “Los colectivos humanos son especies de megapsiquismos, no sólo porque las
personas los perciben y comprometen afectivamente, sino porque pueden modelarse adecuadamente mediante
una topología, una semiótica, una axiología y una energética mutuamente inmanentes. Megasujetos sociales,
aunque sin conciencia de alineación, que están impregnados de afectos. Un inmenso juego afectivo crea la vida
social. La función de selección y de presentación secuencia! que la conciencia tiene en el ser humano, en los
colectivos está cubierta, mejor o peor, por estructuras políticas, religiosas o mediáticas que, en contrapartida,
habitan en los sujetos individuales. Pero la comparación entre los servicios prestados al individuo por su
conciencia y los que los medios de comunicación centralizadores o los portavoces prestan a los colectivos no
siempre redunda en beneficio de estos últimos.” (1998, p.87)
62

Neste artigo. buscou-se apresentar uma pesquisa sobre os caminhos da dança e seu
lugar como ciência da arte, emancipando-se a dança do pensamento clássico, corpo e mente
separados, onde o corpo é classificado como inferior ao pensamento.
O percurso fenomenológico desde Heidegger até Agamben, nos proporciona entrever
a arte e o seu fazer, como propulsores desta potência criativa em imanência, o ser. A
existência que atravessa a vida, em sua contingência, em sua transitoriedade, em seu efêmero
e improvável, dos impossíveis ao obstáculo que calca e cunha essa resistência, insistência,
encontra o corpo, o corpo deambula a vida, e a forma desta superação, deste ultrapassar-se
promove o deslocamento que lhe é próprio, num movimento consolidado que permanece
neste corpo em arte.
Dançar-se não é a fadiga técnica das repetições. Mas a catástrofe que pode ser
evocada nesta sensorialidade que percebe o ao redor, ao mesmo tempo que encontra o interno
e subjetivo desta percepção. Caminhando para o coletivo e democratizando os espaços da
dança, a forma do corpo, onde as diferenças inelutáveis do humano se encontram e dialogam
entre si.
Dançar-se é potência do ser em construção, e desconstrução. A dança pos
modernismo, com vários expoentes entre coreógrafos e bailarinos, conseguiu ir mais além, e
quebrando este paradigma, revela outros corpos, estados de ser, atribuídos desta invocação
perene do artista, consolida não só a dança no sentido técnico, mas a dança que permite
repensar o gesto, transformar a realidade e galgar seu percurso na existência.
Sendo assim, concretiza-se o objetivo da pesquisa, este gesto é a ação calcada de
um corpo que reflete sua existência, sua experiência. O bailarino não é mais um interprete,
mas seu corpo, subjetil, é o corpo processo, que se desloca nesta imanência de ser, em sua
busca e falta. Claudicando na impossibilidade de ser, sua orientação é mostrar ser, revelar
esta aparência, construir possibilidades, abstrair-se nas diferenças.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios / Giorgio Agamben;


[tradutor Vinícius Nicastro Honesko]. – Chapecó, SC: Argos, 2009.
63

AGAMBEN, Giorgio. Desnudez – 1ª ed. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora, 2011.

AGAMBEN, Giorgio. Estâncias - a palavra e o fantasma na cultura occidental / Giorgio


Agamben; tradução de Selvino José Assmann. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

BARDET, Marie. A filosofia da dança: um encontro entre dança e filosofia / Marie


Bardet; tradução Regina Schöpke, Mauro Baladi. – São Paulo: Martins Fontes – selo Martins,
2014.

DEMO, Gisela. Políticas de Gestão de Pessoas nas Organizações – Papel dos Valores
Pessoais e da Justiça Organizacional. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2005.

DERRIDA, JACQUES e BERGSTEIN, LENA. Enlouquecer o subjétil. Tradução: Geraldo


Gerson de Souza. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

DRAWIN, C. e MOREIRA, J. A Verleugnung em Freud: análise textual e considerações


hermenêuticas. Psicol. USP vol.29 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420160171 .

FERRACINI, Renato. Café com Queijo: Corpos em Criação. 1. ed. São Paulo: HUCITEC,
coedição FAPESP, patrocínio Petrobrás, 2006.

FREUD, Sigmund. (1917 [1915]). Luto e melancolia. In: FREUD, Sigmund. Obras
Completas. v. 14. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969.

FREUD, Sigmund. (1927). Fetichismo. FREUD, Sigmund. Obras Completas. V. . Rio de


Janeiro: Imago Editora, 1976.

GIL, José. Movimento Total. São Paulo: Iluminuras, 2009.


64

HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências / Martin Heidegger: Tradução de Emmanuel


Carneiro Leão, Giovan Fogel, Márcia Sá Cavalcante Schauback. 5. ed. – Petrópolis: Vozes:
Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2008.

HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem / Martin Heidegger: Tradução de Márcia


Sá Cavalcante Schuback. – Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora
Universitária São Francisco, 2008.

HEIDEGGER, Martin. 1889-1976. Nietzsche I/Martin Heidegger; tradução de Marco


Antônio Casanova. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1978.

LEVY, Pierre. ?Que és lo virtual? Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 1998.

AMOR FATI (AMOR AO DESTINO): DESEJO DE AGIR

DE NIETZSCHE A FREUD, A VONTADE DE PODER COMO


ARTE À SUBJETIVAÇÃO DO CORPO CONTEMPORÂNEO

RESUMO
65

O amor fati e o desejo de agir, são linhas de subjetivação do sujeito em sua expressividade.
Nietzsche com Freud, virtualmente, porque também estão à mercê do acontecimento, da
atualização que concerne à dimensão humana, escrevem para o humano, demasiado humano.
Entre a obra e arte, se configura o público. Indissociável um do outro, o artista atesta seu ato,
em cena, contexto existencial, e experimenta. Essa é a vontade de poder. Afirmação da vida,
subversão do sujeito. Nessa pesquisa, opera-se através de Assoun, Heidegger, até o
contemporâneo em Aganbem, por Nietzsche e Freud. Aonde a semelhança de pensamento
aponta para a diferença expressiva em ambos. O que torna crucial a busca e o diálogo.
Analisar a contemporaneidade da arte e seus afazeres é a ação experimental, onde se verifica
a razão da técnica e sua finalidade estética, o ser cultural.

Palavras-chave: Amor fati; Subversão; Transvaloração; Contemporâneo.

ASTRATTO

Amor fati e voglia di agire sono linee di soggettivazione del soggetto nella sua espressività.
Nietzsche con Freud, virtualmente, perché anche loro in balia dell'evento, dell'aggiornamento
che riguarda la dimensione umana, scrivono per l'umano, troppo umano. Tra opera e arte si
configura il pubblico. Inseparabili l'uno dall'altro, l'artista attesta il suo agire, in scena, in un
contesto esistenziale, e sperimentare. Questa è la volontà di potenza. Affermazione di vita,
66

sovversione del soggetto. In questa ricerca opera attraverso Assoun, Heidegger, fino al
contemporaneo in Aganbem, da Nietzsche e Freud. Dove la somiglianza di pensiero indica la
differenza espressiva in entrambi. Il che rende cruciale la ricerca e il dialogo. Analizzare la
contemporaneità dell'arte e delle sue attività è l'azione sperimentale, dove si verifica la
ragione della tecnica e il suo scopo estetico, l'essere culturale.

Parole chiave: Amor fati; Sovversione; trasvalutazione; Contemporaneo.

INTRODUÇÃO

Tanto Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) quanto Sigmund Freud (1856-1939)


injetaram na comunidade científica do século XIX, questões que buscavam investigar o
humano em seu abandono, em sua angústia, sua loucura, seu desalento, o lado mais instintivo
e irracional da existência. As semelhanças e particularidades entre ambos, ficaram evidentes.

Para Nietzsche que estudou filologia e a Grécia arcaica, período helênico, encontrou
na mitologia grega, uma interpretação do mundo onde a arte mediava as relações de saber. Na
música, através de sua amizade com o compositor Richard Wagner: a sonoridade de suas
67

músicas, desenhava imagens em nosso psiquismo, ideia e representação, a música produzia a


cena. Na tragédia grega, o corifeu (significando o topo da cabeça, aquele que ocupa o lugar
mais alto) representava a voz do povo, dialogava com os atores, e enunciava as partes
isoladas do texto. Dionísio e Apolo emanavam as duas forças vitais, impulso de morte e
impulso de vida: Tanatos e Eros.

Esse artigo procura elucidar as relações entre a obra de Nietzsche e Freud, no que
tange à transvaloração dos valores subsidiada pela Arte, no além homem, à subjetivação do
corpo contemporâneo: desejo de agir. Aceitação máxima da vida, a reinicialização do sujeito
a partir de seu modo de expressão.

Na Associação Psicanalítica (1908), em seu grupo de estudos, Freud fez a leitura de


alguns escritos de Nietzsche, entre eles, Genealogia da Moral (1887). Já em 1912, Louis
Salomé, um dos afetos maiores de Nietzsche, entra para o movimento psicanalítico. As obras
de Freud: Moral sexual civilizada (1908), Doença Nervosa Moderna (1908), Cinco lições de
Psicanálise (1910 [1909]), Moisés e o Monoteísmo (1937-1939), descrevem as preocupações
de Freud quanto aos prognósticos de uma civilização acorrentada pela culpa, pelo medo da
morte. Esta análise da cultura, se verifica em Nietzsche como doutrinamento histórico.

A formação de Nietzsche através da filologia e da cultura grega, abriu


questionamentos acerca da racionalidade ocidental abastecida pela ideia de verdade, advindas
da filosofia Platônica e Socrática. O pensamento é condicionado a atingir um ideal ou um
valor supremo. Posteriormente, o Cristianismo reveste o ocidente com uma idealização
correspondente, interpretando e buscando a verdade como premissa, assim também na
história da filosofia. Através desta culpabilidade do homem, desde o assassinato do pai, em
Totem e Tabu (1913), Freud nos fornece um entendimento da filogênese e ontogênese
humanas. O sentimento de culpa para Freud e a má consciência, como Nietzsche priorizou:
“Vejo a má consciência (sentimento de culpa) como a profunda doença que o homem teve de
contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu: a mudança que sobreveio
quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz”.17

Como compreender o Amor Fati? Desta causalidade primeira, buscando a origem do


psiquismo humano, Freud se vê obrigado a estruturar o complexo de Édipo como formação
secundária, também orientado por aquilo que observara e se distanciava mais e mais da

17
NIETZSCHE, 1987, p. 89.
68

fisiologia. Caminhando em sua metapsicologia, nos agraciou com o descobrimento do


inconsciente. Impacto que rompe com a racionalidade que se encontrava no centro do
conhecimento, o cogito cartesiano excluía o sujeito da loucura, enquanto potência. A
psicanálise nos ensina que a formação da consciência é um produto da adequação da
linguagem ao humano: a imagem, o simbolismo, as trocas simbólicas, os processos de
pensamento que vem desta origem primária. Cada pessoa tem a sua verdade.

REVISÃO DE LITERATURA

A literatura relativa aos conceitos da obra de Nietzsche no que se refere à arte como
vontade de poder, o amor fati determinando o enunciado deste longo processo de
pensamento: obra freudiana como compulsão de repetição, expressividade, corporeidade, é
vasto por ser um produto da experiência a que a Psicanálise conduz, quanto ao estilo e
problemas aos quais o psicanalista tem que se haver. A obra de Heidegger: Nietzsche, a arte
como vontade de poder, pode ser correlacionada à psicanálise, o lugar de “coisa”, das ding,
esta causa que faz do sujeito responsável pela sua produção, a enunciação ética por
excelência.
A obra do Dr. Júlio César de Souza Mota em sua revisão dos aspectos biológicos do
desenvolvimento humano e seu interesse para a criação e formação de um sistema de
linguagem na poética do artista.
A obra de arte constitui um enigma à medida que caminha e ultrapassa o tempo do seu
fazer. Modifica o sujeito em relação à vida no que diz respeito à forma, não é acabada e
nunca o será, neste vínculo indissociável em relação ao público, ao seu futuro extemporâneo.
Não podemos prever exatamente a que isto levará, mas seguimos esse propósito, e essa
insistência dentro do campo dos impossíveis.
O corpo está comprometido com a demanda do pensamento em relação a este saber
fazer do artista. Esta inclinação corresponde a uma subjetivação peculiar que nos impõe o
contexto da cultura, enquanto análise de um tempo.

As aproximações possíveis entre os conceitos freudianos e nietzschianos, através dos


autores referenciados, segue investigação dos conceitos compulsão de repetição,
corporeidade, sublimação e arte. Em Nietzsche, vontade de potência como arte, o eterno
retorno, o amor fati.
69

E posteriormente, o levantamento dos aspectos mais relevantes e correlação entre a cultura na


contemporaneidade. O artista contemporâneo se mobiliza não mais através da mimese,
representacional, mas se aproxima do que Nietzsche falava sobre o sensível e a aparência, o
acontecimento, o fenômeno.

COMO A REDE INCONSCIENTE SE ESTABELECE NO


PENSAMENTO ENQUANTO PROCESSO E PRODUZ UMA
SUBJETIVAÇÃO DO CORPO DO SUJEITO EM RELAÇÃO A SEU
AGIR E FAZER?!

O material simbólico ocupa o lugar da ação, posto que o afeto é um desencadeamento


motor, segundo Freud. As antíteses, afirmação de duas proposições contraditórias, tal qual
Nietzsche coloca o bom e o mal, deslocando, o mal para o ruim, no sentido não de juízo de
valor, mas de processo. Processo de pensamento, anteriormente à expressão enquanto forma.
A negação do valor e a temporalização da forma, atribuindo ao sujeito sua constatação: o
fenômeno da contemporaneidade do que é expresso. Freud considera os três tipos de
regressão no aparelho psíquico: tópica, temporal e formal.

Caminhamos então, do aforismo em Nietzsche, às imagens motívicas do sonho em


Freud, para entender o problema da interpretação.

O pensamento de Nietzsche se expressa de uma forma peculiar: o aforismo. Do grego


aforismos, (do grego aphorismos "definição", a partir de aphorizein "delimitar, separar", de
apó- "afastado, separado" ou "proveniente, derivado de" + horos, "fronteira, limite" e
horizein "limitar", através do latim aphorismus) é uma sentença concisa, que geralmente
encerra um preceito moral18.

Enquanto lhe vale a experiência como vital ao pensamento e de sua crítica da


filosofia, Nietzsche condensa através do aforismo, a exigência do leitor enquanto interprete.
18
PEREZ, Luana Castro Alvez. Gêneros textuais. “Embora condensem conceitos amplos em poucas
palavras, os aforismos nem sempre têm intenção de ser uma verdade absoluta, encerrada em si e para si: podem,
muitas vezes, ser uma metodologia de expressão de pensar. Quando faltam palavras para definir coisas que por
vezes parecem inomináveis ou indefiníveis, lá estão os aforismos, prontos para verbalizar pensamentos e
sentimentos.”
70

Em Freud, o seu método parte da experiência clínica, a Psicanálise. O saber da palavra,


enquanto filólogo, a palavra em sua concretude, o modo de usar a palavra, também tem em
seu bojo essa criação imanente de Sigmund Freud, A interpretação dos sonhos. Ou seja, a
arte da interpretação da palavra. Nietzsche destaca em Humano, demasiadamente Humano:

Mas no sonho todos nós parecemos com o selvagem; o mau reconhecimento e a


equiparação errada são a causa das inferências ruins do que nos tornamos culpados
no sonho; de modo que, ao recordar claramente um sonho, nos assustamos com nós
mesmos por abrigarmos tanta tolice. A perfeita clareza de todas as representações
oníricas, que tem como pressuposto a crença incondicional em sua realidade,
lembra-nos uma vez mais os estados da humanidade primitiva, em que a alucinação
era extraordinariamente frequente e, às vezes, atingia comunidades e povos inteiros.
Portanto: no sono e no sonho repetimos a tarefa da humanidade primitiva.
(NIETZSCHE, 2000, p.22)

Pode-se abarcar o significado de uma palavra, não só em sua contextualização


itinerária, mas transpor esta palavra para o seu verbete cotidiano, enquanto modo de vida. A
incorporação, os destinos dos atos que foram recalcados e a nós oferecidos como uma
demanda, os padrões de comportamento, os traços ou o traço unário que faz desse corpo ser
marcado por uma incompletude.

Para compreendermos a transvaloração dos valores em Nietzsche, buscamos através


deste sonho primeiro de Freud, pontuado como o sonho dos sonhos, a realização do desejo.
No sonho da Injeção de Irma, as lembranças do corpo, observamos a interpretação enquanto
produção, autoria. A fórmula da Trimetilamina:

Trimetilamina. Vi a fórmula química dessa substância em meu sonho, o que


testemunha um grande esforço por parte de minha memória. Além disso, a fórmula
estava impressa em negrito, como se tivesse havido um desejo de dar ênfase a
alguma parte do contexto como algo de importância muito especial (FREUD, 1973,
TOMO I, p.418, tradução nossa).19
Mais adiante:
Acabo de concluir a interpretação do sonho. Enquanto a efetuava, tive certa
dificuldade em manter à distância todas as ideias que estavam fadadas a ser
provocadas pela comparação entre o conteúdo do sonho e os pensamentos ocultos
por trás dele. Entrementes, compreendi o “sentido” do sonho. Tomei consciência de
uma intenção posta em prática pelo sonho e que deveria ter sido meu motivo para
sonhá-lo. O sonho realizou certos desejos provocados em mim pelos fatos da noite
anterior (a notícia que me foi dada por Otto e minha redação do caso clínico.) Em
outras palavras, a conclusão do sonho foi que eu não era responsável pela
persistência das dores de Irma, mas sim Otto. De fato, Otto me aborrecera com suas
observações sobre a cura incompleta de Irma, e o sonho me proporcionou minha

19
Trimetilamina. Em mi sueño veo la fórmula química de esta sustância, cosa que testimonia de um
gran esfuerzo de mi memoria, y la veo impresa em gruesos caracteres, como si quisiera hacer ressaltar su
especial importância dentro del contexto em que se halla incluída.
71

vingança, devolvendo a reprimenda a ele. O sonho me eximiu da responsabilidade


pelo estado de Irma, mostrando que este se devia a outros fatores - e produziu toda
uma série de razões. O sonho representou um estado de coisas específico, tal como
eu desejaria que fosse. Assim, seu conteúdo foi a realização de um desejo, e seu
motivo foi um desejo (FREUD, 1973, TOMO I, p.419 a p.420, tradução nossa)20.

Nietzsche em Genealogia da Moral, questiona a metafísica compreendida nos


fundamentos morais do Cristianismo, pós filosóficos, erigidos por sobre a filosofia de Platão
especificamente, visando a um ideal, valores como o bem e o mal. Essa antítese do bom e
mal, foi fortalecida pela religião na tentativa de construir os juízos de valor.

Porém, Freud avançando em seus estudos, verificou o quanto essa antítese no


psiquismo humano, é desprovida de afeto: “No uso analítico, é um dos dois elementos que
"representam" o impulso, na forma de uma descarga traduzida em um estado psíquico. "Se a
pulsão não estava ligada a uma representação ou se não veio à luz como um estado de afeto,
não poderíamos saber nada sobre isso”21.

Podemos calcular quão apropriada é a asserção de Nietzsche de que, nos sonhos,


‘acha-se em ação alguma primitiva relíquia da humanidade que agora já mal
podemos alcançar por via direta’; e podemos esperar que a análise dos sonhos nos
conduza a um conhecimento da herança arcaica do homem, daquilo que lhe é
psiquicamente inato’. (FREUD, 1987)

O pensamento aforístico é indutivo. Os conceitos psicanalíticos por sua vez, não


podem ser descartados da sua exegese científica, empírica: “Assim, são noções que induzem
o conhecimento do sintoma, adquirido através da escuta, produtos de uma "descoberta" -
Freud aparece como uma espécie de conquistador, mas também portador de uma ambição
explicativa e, portanto, conceitual”.22 A sentença é um membro de uma cadeia de
pensamentos. Por isso, Nietzsche nos depara com o processo do pensamento antes de mais
nada, naquilo que ele escreve. E isso faz toda a diferença para a sua compreensão. Esta

20
Aqui termina la interpretación empreendida. Durante ellla me há costado trabajo defenderme de
todas las ocurrencias a las que tenía que incitarme la comparación del sentido del sueño com las ideas que tras él
se ocultaban. El “sentido” del sueño há surgido a mis ojos. He advertido uma intención que el sueño realiza, y
que há tenido que constituir su motivo. El sueño cumple algunos deseos que los sucesos del dia imediatamente
anterior (las notícias de Otto y la redacción del historial clínico) hubieron de despertar em mi. El resultado del
sueño es, em efecto, que no soy yo, sino Otto, el responsable de los Dolores de Irma y su intención és un deseo.
21
PAUL-LAURENT ASSOUN. “En el uso analítico, se trata de uno de los dos elementos que
“representan” la pulsión, bajo la forma de descarga traducida en estado psíquico. “Si la pulsión no se vinculara a
una representación o si no saliera a la luz como estado de afecto, no podríamos saber nada de ella.” (2003, p. 18)
22
PAUL-LAURENT ASSOUN. “De modo que se trata de nociones inducidas del saber del síntoma,
adquiridas a través de la escucha, productos de un “descubrimiento” -Freud aparece como una especie de
conquistador- pero también portadoras de una ambición explicativa y, portanto, conceptual.” (2003, p. 13)
72

condensação de pensamentos, essa fruição da fala na forma do aforismo, requer do leitor um


trabalho de busca a partir de si mesmo.

Nietzsche faz uma apologia da aparência, a forma que ele acredita ser a mais honesta
para qualquer questão relativa à verdade. A verdade não deve ser buscada a partir de um juízo
de valor, na moralidade, mas a partir de uma perspectiva para além do bem e do mal. Essa
compreensão passa pela experiência, pelo fenômeno como tal, pelo acontecimento.

Observamos a seletividade de todos os dados perceptivos, retirados do mundo que


circunda o sonhador. Atravessando esse aparato sensório motor, tudo está sendo filtrado,
reconduzido e conectado por uma série de sínteses e processos, desencadeando um
pensamento que orienta um significado. A censura deformando o conteúdo do sonho,
conteúdo latente, em conteúdo manifesto.

Se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista biológico,


um ‘instinto’ nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o
mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam
dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à
mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo 23
(FREUD, 1973, TOMO II, p.2041, tradução nossa).

Contudo, precisamente por esse motivo ele [o sonho] é, mais uma vez, uma
deformação, porquanto de há muito temos esquecido de que imagem concreta a
palavra se originou e, por conseguinte, deixamos de reconhecê-la quando
substituída pela imagem (FREUD, 1958, V. XV, p.125).

As imagens que nos chegam dos sonhos, formadas in loco, são construções
expressivas. O artista por seu turno manuseia esses mesmos elementos, quando produz sua
obra.

A arte não é uma atividade interior e espiritual como algumas teorias fizeram, e
ainda fazem supor. Embora a intuição seja criadora, sua produção é um figurar e o
seu produto se constitui de imagens e ideias. A arte precisa ser extrinsecada
fisicamente para que seja possível captá-la, senti-la, porque somente através de sua
existência material que a arte pode ser revelada tornando-se real.” (MOTA, 2006, p.
172)

23
Se consideramos la vida anímica desde el punto de vista biológico, se nos muestra el “instinto” como
um concepto limite entre lo anímico y lo somático, como um representante psíquico de los estímulos
procedentes del interior del cuerpo, que arriban al alma, y como uma magnitude de la exigência de trabajo
impuesta a lo anímico a consecuencia de su conexión com lo somático.
73

O tempo real, o do acontecimento, e o tempo aqui agora do artista e sua obra,


coexistem, numa relação recíproca, esta simultaneidade é o que faz da obra de arte um outro
corpo, a forma que esta expressão irá tomar, ou seja, sua poética.

O impulso à arte, a criação a partir do vazio, o esboço do movimento, a vontade de


saber, o aprimoramento proveniente da repetição incansável, o êxtase do descobrimento, a
superação da limitação, a ousadia da busca, estão neste limite dos impossíveis. Mas nunca
esquecendo o que diz Júlio César Mota, citando a obra de Pareyson:

Certamente, a arte é expressão. Mas, é necessário não esquecer que há um sentido


em que todas as operações humanas são expressivas. A arte é expressão porque é
forma, e a forma é um sistema orgânico de vida própria e independente, que é
expressiva “enquanto o seu ser é um dizer, e ela não tanto tem, quanto, é um
significado” (MOTA, 2006, p. 169).

Começamos nesse pequeno mal-estar da mais valia dos mercados institucionais que
produzem um saber orientado para essa mesma sociedade, acossado ao estofo da ciência,
continua promovendo esta separação na medida em que este saber é desprovido de sua
hiância fundamental, o desejo. Houve uma profunda modificação do funcionamento desta
subjetivação da modernidade até atingirmos a contemporaneidade.

Na sociedade atual, aonde impera o hedonismo, o individualismo, o mais gozar, a


negação do desejo, o tamponamento de qualquer espécie de frustração, de que forma este
desejo de saber poderá ser amparado, e ser sustentado em sua demanda?!

Mesmo na tentativa de subjetivação do sujeito, existem limites e limiares que a


estrutura por si só impõe. Contudo, a fantasia nasce da pulsão, e se constrói, atravessando
essa primeira identificação narcísica, e se transformando perante a frustração, investindo os
objetos do mundo exterior com suas catexias peculiares.

A civilização, portanto, tem de ser defendida contra o indivíduo, e seus


regulamentos, instituições e ordens dirigem-se a essa tarefa. Visam não apenas a
efetuar uma certa distribuição da riqueza, mas também a manter essa distribuição;
na verdade, têm de proteger contra os impulsos hostis dos homens tudo o que
contribui para a conquista da natureza e a produção de riqueza. As criações
humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia, que as construíram,
também podem ser utilizadas para sua aniquilação (FREUD, V XXI, p.5).
74

Esse aniquilamento que se esboça, contraceptivo à criação, à sublimação. As imagens


do sonho, se refratam da realidade cotidiana.

As sociedades contemporâneas se apresentam assim como corpos inertes


atravessados por gigantescos processos de dessubjetivação que não correspondem a
nenhuma subjetivação real. [...] Daqui, sobretudo, a singular inquietude do poder
exatamente no momento em que se encontra diante do corpo social mais dócil e
frágil jamais constituído na história da humanidade. É por um paradoxo apenas
aparente que o inócuo cidadão das democracias pós-industriais (o bloom, como
eficazmente se sugeriu chama-lo), que executa pontualmente tudo o que lhe é dito e
deixa que os seus gestos cotidianos, como sua saúde, os seus divertimentos, como
suas ocupações, a sua alimentação e como seus desejos sejam comandados e
controlados por dispositivos até nos mínimos detalhes, é considerado pelo poder –
talvez exatamente por isso – como um terrorista virtual (AGAMBEN, 2009, p. 49).

Voltamos à obra de Freud, os conceitos fundamentais: o inconsciente, a repetição, a


transferência e a pulsão. O inconsciente se manifesta através desta descontinuidade: os
lapsos, os chistes, os sintomas, o sonho. Na rememoração, esse retorno, essa volta, essa rede
de conexão da experiência vivida é arbitrária, não existe ali um acaso, mas um determinante.

O inconsciente é atemporal, ele faz o caminho do virtual à atualização, como um jogo.


A Trieb, conceito forjado por Freud, para explicar essa sede insaciável por algo que não pode
ser saciado, e que apenas coloca o sujeito em direção ao objeto, em movimento, ação,
procura, é este circuito, quando sustentamos a demanda, o desejo procura significado e
sentido, retomando essa via em busca de sua origem, causa, a do prazer. Trieb, atrelada ao
seu uso cotidiano, no sentido de pressionar para, ou compelir a. É de fundamental
importância para diferenciá-la de instinto animal, para aproximá-la de um representante
psíquico que opera a nível corporal.

Desta atemporalidade do inconsciente, à elaboração da fantasia, presente no trauma,


um engodo pertinente demonstra que o sujeito disso nada sabe. Indo ao encontro deste
umbigo do sonho, e dos impossíveis, o real. E assim também, a arte e sua textura, como a
textura clínica, esse compartimento do fazer, do ato criativo, por excelência e da técnica que
o englobam: poiêsis.

Heidegger em sua leitura de Nietzsche (1976), observa esse adendo da interpretação, e


da arte como potência, na subjetivação do sujeito, ou seja, a filosofia da estética. A autoria e
75

criação, produção, a técnica, a arte, não é um atributo do sujeito, mas nasce com ele,
enquanto pensa, transforma a realidade, age.24

DA SUBVERSÃO DO SUJEITO, AO AMOR FATI


NIETZSCHIANO

Buscamos neste artigo, entender o desenvolvimento do conceito amor fati em


Nietzsche e revela-lo atravessando a obra freudiana, os conceitos de compulsão de repetição
(o eterno retorno em Nietzsche), até a subversão do sujeito através da arte (o além homem, a
vontade de poder na arte, em Nietzsche): o desejo de agir.

Para Nietszche, o eterno retorno, significava viver a vida como ela se apresenta. O
amor fati, embora alguns entendam como amor ao destino, e esse destino se contrapondo a
ideia de autonomia, põe a perder o que existe de mais preponderante na obra dele. O destino,
aqui, significa a aceitação dos acontecimentos, como eles se dão, sem a idealização ou a
transcendência. Simplesmente aceitação da vida, do que nos é oferecido no presente,
aceitação da dor, fluir com a contingência. Eis o essencial, nesse caso, viver o necessário.

O destino também não o é assim para Freud. O destino, é a alienação do sujeito frente
a sua verdade. O sujeito só se torna responsável quando interfere nesse processo, querendo e
articulando o que está ali sendo operado pelo desejo do outro desde o nascimento. E essa
responsabilidade que visa a análise, a verdade de cada um.

Na obra de Freud, esta subversão do sujeito já se faz presente no primeiro constructo


lógico derivado de sua práxis, a associação livre. Tal caminho vai desabilitar a sugestão, a
hipnose, a terapêutica.

Por desejo de agir em Nietizsche, da mesma forma, observamos em Freud, a


experiência inerente a elaboração realizada pelo sujeito, não mais passivo, mas fruto da
análise, o sujeito falante, implicado naquilo que diz, sua verdade, e sua responsabilidade. A
24
HEIDEGGER, Martim. Nietzsche. “Se entendermos completamente por ‘arte’ o que foi
trazido para diante de nós em um processo de trazer para diante de nós, o que foi apresentado em um
processo de produção e o processo de produção mesmo (...).
76

experiência da análise, didática só pode levar ao desejo do analista. E a operacionalização da


análise, só pode ser mediante a vivência dessa experiência.

Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas –
assim me tornarei um daqueles que fazem belas coisas. ‘’’Amor fati[amor ao
destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio.
Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única
negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia,
apenas alguém que diz Sim!” (NIETZSCHE, 2001, p. 272-273).

Ora, a arte como potência, significa a vida desse eterno retorno enquanto pulsão que
almeja a um fim dissociado do ideal, ou do supra real, mas implicado no aqui e agora do
presente. Fazer o mesmo de outra forma, a expressividade.

A transitoriedade, a contingência, a mudança, acarreta nesta responsabilidade em


ação, onde o sujeito vive o que pode ser vivido. Não nega os fatos, os acontecimentos de sua
vida, e os relega a um destino imposto por um deus ou pelo outro. Também é uma demanda
ética de afirmação da vida.

Essa demanda ética nos retira do nosso universo narcísico, infantil, e nos coloca a
responsabilidade de administrar e suportar o real. Essa conduta responsável, também nos
apropria a utilização de outras ferramentas, criar outras ferramentas para lidar com a vida. Tal
qual a transformação que o artista produz na forma, elevando o objeto à dignidade de coisa
como Freud assim demonstrava em sua experiência psicanalítica.

A transvaloração dos valores, em Nietzsche, pode ser entendida a meio caminho da


obra de Freud, nesse deslocamento do desejo, nesta produção da metáfora e da metonímia,
nesse desbloqueamento da pulsão, na ruptura desta cristalização que o equívoco do sintoma
faz crer. Mas sobretudo, é o humano demasiadamente humano, a potência humana como
sensibilidade, como vida, existência, insistência e persistência.

Nietzsche se opõe à concepção moderna de sujeito, em Descartes, o ser idêntico a si


mesmo. Para Nietzsche, o ser não é aparte do mundo, ele é i-MUNDO. Apesar da onipotência
do ser humano em orientar-se através de seu olhar, nem mesmo essa determinação lhe
pertence. Tal onipotência é nada mais do que uma orientação narcísica, primária, primitiva,
como também observa Freud. Não controlamos os acontecimentos, a vida, o nosso corpo não
pode ser controlado.
77

E esse entendimento realizado por Nietzsche, através da filologia, do logos, do


significado, antecipa o que surgirá na experiência da psicanálise, o ser falante, o parletrê. O
significado do bem, do bom, do mal, sofre esse deslocamento sobre e através da história,
culminando no entendimento do homem bom, que se erige a partir dessa rivalidade inicial
entre o sacerdote e os guerreiros, em Homero. E vem dar no ressentimento por parte dos
sacerdotes em não conseguir ser o guerreiro.

O ressentimento de uma das partes, a frustração concomitante, origina o ódio, a


invídia, e a vingança. Assim, na história do povo judaico, o sentimento de culpa, o
sofrimento, herdeiros do assassinato do pai. E assim também, Freud ao cunhar o complexo de
Édipo e o sentimento de culpa originário deste complexo. Ambos, entendem o aspecto
ontogênico e filogênico do homem.

Esse deslocamento tempo, espaço, onde a ação antecede a palavra, também em Freud
vai culminar na diferença entre o pensamento latente e o pensamento manifesto. A clivagem
do ego, a Ichspaltung, dada pela negação, denegação, forclusão. Ou, pela implicação da
metáfora paterna na história deste indivíduo.

DO ETERNO RETORNO DO MESMO E A COMPULSÃO DE


REPETIÇÃO PARA O FENÔMENO DO NOVO: APROPRIAÇÃO DO
CORPO EM CENA

O amor fati, conceito que Nietzsche forjou, para afirmação da vida. As deslealdades
que caminham ao lado daquilo que manca, a falta primeira por excelência, o contra-ataque da
cultura. A prova da existência, o amor fati, deste aqui e agora inenarrável, irredutível
humano, posto em cena, elabora a linguagem do amor e promove o tempo do outro, do
desejo, neste espaço do vir a ser. Esse é o ato criativo por excelência, quando o ser humano se
abstém do julgamento, da moralidade, e se apropria da efetividade do seu julgo, desejo de
agir. Por isso, vontade de potência, onde a arte é sua essência.

No mundo contemporâneo, o sujeito e a cultura caminham, atravessando e


atravessados pelos instrumentos da comunicação global, tecnologia das massas, a frenética
ostentação das futilidades, resultando em vários sintomas. O corpo do homem se
78

dessensibiliza, a percepção do mundo se dá a partir de um espelhamento virtual, fomentado


pela saturação de informações, imagens e modos, favorecendo um tamponamento do desejo:
o homem fica impedido de desejar, o seu corpo é negado, a identidade perdida. Não seria
isso, o contra valor, ou a inversão?!

Por isso, retomarmos esse Mal-estar na civilização (FREUD, 1930), antecipando e


problematizando o que viria na linhagem das gerações. O homem desamparado e
individualista, sua consciência é seu próprio flagelo e não há lugar para que se interrogue sua
condição, marginalizado, foracluindo parcelas do seu desejo num exterior real e alucinatório.
O imperativo do gozo que norteia a sociedade contemporânea faz com que as atividades
humanas acossem com frieza exacerbada, buscando o lugar dos superlativos, no que essa
felicidade alucinatória se encontra esvaziada e desprovida da falta.

Entender a cultura e se endereçar a ela, é provocar e proporcionar uma


responsabilidade que se constitui na análise desses vários fatores, as produções culturais do
homem como a sustentação do desejo, e a possibilidade de produção de laços sociais
simbolicamente mais organizados, reconhecendo neste sintoma social, compreender essas
representações esparsas, atiradas e refletidas na marginalidade social, nos guetos miseráveis
desses extratos sociais.

O distanciamento do sensível, sensações e sentimentos, é um acontecimento comum à


contemporaneidade. A civilidade do gozo, nos delega responsabilidade pelo que produzimos,
e nos lança fora, como Antígona: entre duas mortes. A liberdade de dizer, escuta seu próprio
silêncio no não dito, fabrica um ato. Ato responsável, ético e estético.

Neste corpo expressivo que age no mais além da realidade, nos seus impossíveis,
enquanto desejo, produzindo e reconstruindo outros significados, outras dialéticas
expressivas. O que de Nietzsche resta em sua demanda: o além homem, ou, O DESEJO DE
AGIR.

O resultado da obra de arte nos remete à sua origem, mas também nos orienta para a
contemporaneidade. O artista é autor e essa autoria já está implícita nesta corporeidade
expressiva. A relação do homem com o desejo de saber produz o saber fazer, a sua técnica e o
resultado da obra, a dimensão social e cultural. A civilidade do desejo é o enredo, a textura
nesse dizer e fazer, porque não há dizer sem fazer, não há palavra sem o corpo. Não há
79

expressão sem linguagem. A obra de arte nos afeta, e ainda mais, tem um destino: nós
fazemos parte da obra, estamos implicados.

Esmiuçar o conceito amor fati, no que tange à vontade de potência como arte e
alavancar o seu lugar na contemporaneidade, atravessando o leito bibliográfico de Freud, com
os conceitos que se tornaram singulares em sua coincidência no encontro da obra de Freud e
Nietzsche. Significa lançar-se sobre a atualidade, demarcando essa linha da
contemporaneidade: a rede inconsciente se estabelece no pensamento enquanto processo e
produz uma subjetivação do corpo do sujeito em relação ao seu agir e fazer.
AMOR FATI, começou a ganhar desenvolvimento, no mesmo momento em que
Nietzsche encontrou Lou Andreas-Salomé por volta de 1879. Tal encontro abarcou as ideias
de um e de outro, numa sintonia e sincronicidade. Salomé chegou a escrever o HINO À
VIDA (1881), poema dedicado a Nietzsche que por sua vez, o musicou.

Tão certo quanto o amigo ama o amigo,


Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.

Eu te amo junto com teus pesares,


E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.

Com toda força te abraço!


Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.

Ser! Pensar milênios!


Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Muito bem: dai-me teu tormento.

Nessa última estrofe, percebemos o pensamento central de Nietzsche, AMOR FATI. O


amor ao destino, não enquanto transcendência, utopia, idealismo, mas o amor à vida tal qual
ela se apresenta: acontecimento. A vida enquanto experiência e mesmo a razão, não versa em
lugar privilegiado, é um afeto como todos os demais impulsos humanos. Em Nietzsche
observamos a potência enquanto impulso, esforço, não em direção a um objetivo, e nem com
o objetivo de acabamento. Mas simplesmente, a vida enquanto potência na forma como se
apresenta.
80

Nietzsche desenvolveu sua concepção a partir do mundo, o homem faz parte dele,
suas atitudes e ações estão em estreita relação com os acontecimentos. A vida é esta energia
em constante dinamismo, o organismo humano com seus impulsos, afetos e desejos, assim
como a razão. Não se pode separar a mente e o corpo, ou colocar a razão como uma instância
superior no humano.
Este pensamento em movimento é contrário ao pensamento representacional, que
busca uma verdade última. As coisas mudam, nos acercamos das contingências e precisamos
aprender a lidar com as situações o melhor possível.
O AMOR FATI, amor ao factum. O destino não é algo predeterminado, dado de
antemão, os fatos interferem em nossa vida, assim como interferimos nos fatos e
consequentemente, temos responsabilidade diante da vida, atitude. Segundo Nietzsche, é
necessária uma mudança nos valores, transvaloração, para criar uma nova cultura.
O ETERNO RETORNO, dimensão temporal, não significa a eternidade no sentido
religioso, mas a eternidade imanente à vida. O quanto o sujeito está implicado naquilo que
faz, a ponto de desejar viver um mesmo momento de alegria para sempre. Bastando essa
felicidade vivida, comparável à eternidade. Nesse sentido, o eterno retorno requer do homem
o exercício de sua potência. Ou seja, a energia que nos habita se expande, mas é finita, com
ciclos repetitivos. Precisamos entender as variações que se transmitem e podem ser
transformadas em possibilidades, transformando pensamentos em atitudes. Nesse sentido, o
conceito de subversão do sujeito em psicanálise, também se faz presente, caminhando
paralelamente.
O corpo relacional no aqui-agora e a ressignificação estética através da arte, eis a
expressividade, afirmação e forma onde a potência se exterioriza. Na atuação, o ator mais
além da moral, do bem e do mal, transfigura a cena cotidiana, elabora outros caminhos,
dilacera o preconceito, incide nos pontos cruciais humanos sem medo.

Apenas os artistas, especialmente os do teatro, dotaram os homens de olhos e


ouvidos para ver e ouvir, com algum prazer, o que cada um é, o que cada um
experimenta e o que quer; apenas eles nos ensinaram a estimar o herói escondido
em todos os seres cotidianos, e também a arte de olhar a si mesmo como herói, à
distância e como que simplificado e transfigurado - a arte de se “pôr em cena” para
si mesmo. Somente assim podemos lidar com alguns vis detalhes em nós!
(NIETZSCHE, 2001, p. 106).

Em Freud (1914), no texto, Recordação, Repetição e Elaboração, observa-se o motor


da pulsão, o esforço para repetir. A pulsão de morte já se mostra configurada na base
81

humana, ou até mesmo antes. Podemos entender essa alavanca, essa dinâmica, esse jogo entre
forças e impulsos, tal qual Nietzsche acredita e percebe. Para que o sujeito possa elaborar, é
necessário atravessar esse ciclo repetitivo, vencer a resistência, e modificar os caminhos
anteriores.
O esforço para produzir a situação afetiva que culminou numa descarga de prazer, ou
desprazer, barrada pela repressão, recalque, provoca a angústia. O fator qualitativo e
quantitativo da pulsão está presente na vida humana. A compulsão de repetição
(Wiederholungszwang), energia que movimenta esse élan da vida, caminha e está
constantemente sendo atualizada, com suas conexões, proporcionando a elaboração simbólica
e a produção de espaços livres para a sua construção e reordenação.
Construção e reordenação, movimento, dinâmica que se efetiva neste tempo presente,
aqui e agora. Ato que autoriza o sujeito enquanto criador e não criatura. A revelação a que
Nietzsche se propõe, não está ligada ao passado, cogitar as relações de hoje ao ontem, mas
essa é a novidade e exuberância do amor fati. A culpa ligada ao exame de consciência,
deposita sobre o passado a ordem em relação ao futuro, assim como o velho homem que vive
à sombra dos padrões e características alheias.
O além homem, a transvaloração dos valores, a potência última da vida se revela na
novidade. No absolutamente novo enquanto ampara o acontecimento em toda sua
manifestação. O além homem, prova a vida, não de fora, nem transcendentalmente, mas ele
próprio no quê acontece.
A legitimidade do homem não é vertical, mas experimental, assertiva,
indubitavelmente ação. Dizer sim, aceitar o jogo.

REFERÊNCIAS

AGANBEM, Giorgio. O que é o contemporâneo? e ouros ensaios. Chapecó/SC: Argos,


2009.

ALMEIDA. Rogério de. O mundo, os homens e suas obras: filosofia trágica e pedagogia
da escolha.
82

www.teses.usp.br/teses/disponiveis/.../48/tde.../LivreDocenciaRogerioAlmeida2015.pdf.
Acessado em

ANDREAS-SALOME. Lou. HINO À VIDA.


https://muralfilosofico.blogspot.com/2014/02/hino-vida-por-lou-salome.html. Acessado em
31 de maio de 2021.

ASSOUN, P. L. Freud e Nietzsche: semelhanças e dessemelhanças. São


Paulo:Brasiliense,1989.
__________. Freud, a Filosofia e os Filósofos. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1978.

FREUD, S. Totem e Tabu. Edição Standard Brasileira (ESB) das Obras Completas, v. XIII.
3ª.ed., Rio de Janeiro: Imago,1990.
__________. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. ESB, v. VII. 2ª.ed., Rio de
Janeiro:Imago,1989.
__________. A Interpretação dos Sonhos, ESB, v. V. 2ª.ed., Rio de Janeiro: Imago,1987.
__________. O Ego e o Id. ESB, v. XIX. Rio de Janeiro: Imago,1976. __________. O Mal-
estar na Civilização. ESB, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago,1974

FREUD, Sigmund Freud. Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1973.


______. (1973) Tomo I. Proyecto de uma Psicologia para Neurologos. Editorial Biblioteca
Nueva. (1873-1905), p. 209-276. Madrid: Biblioteca Nueva.

______. (1973) Tomo II. (1910-1911), Los dos princípios del funcionamento mental, p.
1638. Madrid: Biblioteca Nueva.

______. (1973) Tomo II. (1915). Los instintos y sus destinos, p. 2039. Madrid. Biblioteca
Nueva.

______. (1973) Tomo III. (1914), Recuerdo, repetición y elaboración, p. 1683. Madrid:
Biblioteca Nueva.

______. (1973) Tomo III. (1919-1920), Mas alla del principio del pracer, p. 2507. Madrid:
Biblioteca Nueva.
83

______. (1973). Tomo III. El porvenir de uma ilusion. Editorial Biblioteca Nueva. Tomo I.
(1927), p. 2961. Madrid: Biblioteca Nueva.

______. (1973). Tomo III. El malestar em la cultura. Editorial Biblioteca Nueva. Tomo I.
(1929-1930), p. 3017. Madrid: Biblioteca Nueva.

FREUD, Sigmund Freud. Obras Completas. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1958.
______. (1893) Charcot – A Histeria. V I, p. 17-495. Rio de Janeiro: Editora Delta S. A.,
1958.

HEIDEGGER, Martin. 1889-1976. Nietzsche I/Martin Heidegger; tradução de Marco


Antônio Casanova. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

LACAN, Jacques. (1959-1960). O Seminário – livro 7. A ética na psicanálise. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1985.

MOTA, Júlio César de Souza. A Poética em que o verbo se faz carne: um estudo do teatro
físico a partir da perspectiva coreológica do sistema Laban de movimento. Universidade
Federal da Bahia, Escola de Dança e Escola de Teatro, Programa de Pós Graduação em Artes
Cênicas. Salvador: 2006.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm.ne A vontade de poder. Tradução de Marcos Sinésio


Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes. Apresentação de Gilvan Fogel. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2008.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Humano, demasiado Humano – um livro para espíritos


livres. Trad. P. C. Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
__________. Genealogia da Moral. Trad. P.C. Souza. São Paulo: Brasiliense,1987.
__________. A gaia ciência. Trad. de Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras,
2001.

PAREYSON, Luigi. Os problemas da Estética. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
84

PAUL-LAURENT ASSOUN. El vocabulário de Freud. 1ª ed. Buenos Aires: Nueva Visión:


2003.
__________. Introdução à Epistemologia Freudiana.
https://www.passeidireto.com/arquivo/21768073/assoun---introducao-a-epistemologia-
freudiana. Acessado em 02/09/2018.

O simbólico, o imaginário, o real. Jacques Lacan (1901-1981). www.epol.dk3.com.


Acessado em 30/09/2017.

SOBRE O AUTOR

Denise França, nasceu no dia primeiro de janeiro de 1965, na cidade de Curitiba,


Paraná, Brasil. Neta de imigrantes italianos, alemães e portugueses. O pai Jabes Corrêa de
França, professor de Literatura, Português, Latin e Inglês, Guarda Civil. A mãe Laide
Teresinha de França, do lar e artesã nas horas vagas. Desde muito pequena seu passatempo
favorito era abrir os livros disponíveis em casa e investigar notícias, ler as histórias e
compreender o pensamento dos personagens, formas e estilos de literatura.
Na adolescência fez Curso Técnico de Decoração no CEFET/PR, Centro Cultural,
encontrando professores e escritores que incentivaram à escrita. Posteriormente, estudou
Psicologia, Curso Áudio Visual, Artes Dramáticas e posteriormente ingressou na Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, Bacharel em Teatro. Pós Graduação em Psicanálise e Pós
Graduação em Dança e Consciência Corporal.
A psicanálise é o resultado de um encaminhamento ético que sempre esteve presente
na vida de Denise França. Já aos desessete anos, começou o seu percurso na leitura da obra
freudiana e paulatinamente, até a ousadia de sua análise pessoal no Colégio Freudiano de
Curitiba, com o psicanalista Helvídio de Castro Velloso Netto. Posteriormente foi convidada
por ele a fazer parte do grupo de psicanalistas. Da análise pessoal, seguiu à análise didática e
sua produção escrita coerente com as observações relevantes, pertinentes ao método
psicanalítico. O analista se autoriza à medida que concretiza a leitura a sua experiência
particular e única. Além da escrita, a literatura e o desenho artístico.
85

Seguindo esses meandros do fluxo inconsciente e suas conexões, a esfera artística e


sublimatória se estendeu ao Teatro, Áudio Visual e Dança. Depois do Bacharelado em
Teatro, retomou à Psicanálise em sua sintaxe de pesquisa e realizou o curso de
especialização. Atualmente trabalha como Diretora de teatro, atriz, escritora e pesquisadora,
nos campos da psicanálise e da arte.
Revelação do ocultamento, ou produção de sentido, cabem a diferença pertinente ao
conhecimento, humildade que habita a captação e habilitação de saberes. Os tantos seres não
acabados que voltam a se constituir no atropelo imaginário e simbólico.
Encaminhamento ético que se abriga na verdade e fundamentação justa mediante a
contingência existencial e seus ricos riscos. Esse é o caminho por onde Denise França calca o
seu sulco feminino, indo de encontro a um estilo que lhe é peculiar.

FORMAÇÃO

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA DO PARANÁ


ANO 1984: CURSO TÉCNICO EM DECORAÇÃO (até o 6º período – 3 anos)

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ


ANO 1987: CURSO BACHARELADO EM PSICOLOGIA (incompleto – 3 anos)

COLÉGIO FREUDIANO DE CURITIBA


ANO 1989: FORMAÇÃO em PSICANÁLISE – ANÁLISE PESSOAL E CLÍNICA (10 anos)

COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ


ANO 2010: TÉCNICO EM PRODUÇÃO AUDIOVISUAL (1 ano)
ANO 2012: TÉCNICO EM INFORMÁTICA (2 anos)
ANO 2013: TÉCNICO EM ARTE DRAMÁTICA ATOR CÊNICO (1 ano e meio)
DRT: ATOR/ATRIZ CINEMATOGRÁFICO/ DIREÇÃO
Nº 0028979/2015-48

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ANO 2017: CURSO BACHAREL EM TEATRO


PRÊMIO MARCELINO CHAMPAGNAT, MELHOR ALUNA.

FACULDADE UNYLEYA
ANO 2019: PÓS GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE
FATEC
ANO 2020: PÓS GRADUAÇÃO EM DANÇA E CONSCIÊNCIA CORPORAL
86

CURSOS DE EXTENSÃO
PILATES BÁSICO
CINESIOLOGIA

ATRIZ e Direção:
SÍNDROME DE ESTOCOLMO (FILME /média metragem- CEP/ Direção: Gustavo Souza)
PODEROSA ADORAÇÃO (FILME/curta metragem/ Direção: Leandro Cavaleiro)
SINAIS (FILME/curta metragem/ Direção: Ronaldo Luza Cordeiro)

O JULGAMENTO (Texto e Direção: Lau Bark) ano 2012/CEP


A VAIDADE DOS OUTROS ENCHE O SACO. (Texto e Direção: Lau Bark) ano 2012/CEP
A VIDA COMO ELA É. (Crônicas de Nelson Rodrigues) ano 2013/CEP
CIRCO MÍSTICO/Musical (Chico Buarque) ano 2014/PUC
ÓPERA DO MALANDRO/Musical (Chico Buarque) ano 2016/PUC
O BEIJO NO ASFALTO/Dança (Nelson Rodrigues – Direção: Júlio Mota) ano 2015/PUC
A COMPOSIÇÃO DO BEIJO/Dança (Denise França – Direção: Denise França)ano 2015/PUC
ANTÍGONA/Monólogo (Sófocles, Direção: Sílvia Monteiro)ano 2016/PUC
CARIÑO MALO/Leitura Dramática: Ano 2016/PUC
MADAME BLAVATSKI: (Adaptação Plínio Marcos) Curta Teatro: ano 2016/PUC
INVERNO/Drama contemporâneo (Jon Fosse, Direção: Denise França, Matheus Moscatelli)

PIBIC PUCPR: ANO 2015 a 2016: Mulheres aprisionadas: construção da liberdade


PIBIC PUC/PR: ANO 2016 a 2017: Mulheres aprisionadas: no desejo de fazer

PRODUÇÃO AUDIO VISUAL:


CANAL YOUTUBE:
Rubens Recalcatti
Denise Franca

LITERATURA:
O CÁLICE DAS ARAUCÁRIAS – Crônicas
A COMPOSIÇÃO DO BEIJO – Crônicas
O OUTRO OLHOU PRO UM – Crônicas
A ESFINGE – Estudo psicanalítico da obra de Clarice Lispector
ANOREXIA E BULIMIA – A corporeidade em Freud se antecipando ao dilema contemporâneo,
as selfies.

Você também pode gostar