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Análise Psicológica (1989), 1-2-3 (VII): 191-198

Abordagens psicológicas
no estudo do trabalho

CARLOS ALVES MARQUES (*)

i. INTRODUÇÃO 2. O TRABALHO ENQUANTO OBJECTO


DE ESTUDO DA PSICOLOGIA
Desde os inícios do século XX que os psi-
cólogos se preocupam em estudar o trabalho Se se consultar um qualquer dicionário de
a propósito de temas como a fadiga, testes língua portuguesa (em inglês, o resultado é
psicológicos de selecção ou a monotonia o mesmo), verifica-se que a palavra traba-
[vidé referências, por exemplo, em Leplat, J. lho é claramente polissémica, englobando
e Cuny, X (1977) e Sperandio, J.-C. (198O)l. conceitos que vão da física a sociologia.
Apesar da longevidade deste interesse, a Importaria aqui definir o conceito de
literatura sobre a anlise do trabalho conti- TRABALHO enquanto objecto de estudo da
nua a ser extremamente diversificada quer psicologia, tanto mais que é susceptível de
quanto a contextos teóricos e metodológicos lhe delimitar uma área de actuação. No
quer quanto a critérios e objectivos de aná-
entanto, a tarefa não é fácil como o demons-
lise. Para citar alguns exemplos de aplicação
tra ky-Leboyer (1987) nas três páginas em
a análise do trabalho tem sido utilizada pelos
que caracteriza a entidade trabalho.
psicólogos no âmbito do recrutamento, segu-
rança, orientação vocacional, formação, Para Robert, citado por Leplat (198Oa), «O
ergonomia, concepção e gestão de carreiras, trabalho é essencialmente uma actividade
qualificação de funções, concepção e rees- necessária 6 realização de uma tarefa».
truturação do trabalho, controlo de quali- E que se entende por TAREFA? Pela con-
dade, melhoria da qualidade de vida no cepção de Hackman (1969) uma TAREFA
trabalho. ((consiste num estímulo complexo e numa
Na impossibilidade de recensear as várias série de instruções que especificam o que
abordagens, optámos neste artigo por abor- tem de ser feito em relação ao estímulo. As
dar duas que nos parecem heuristicamente instruções indicam as operações que devem
potentes e susceptíveis de se repercutirem nas ser realizadas pelo(s) sujeito(s) e/ou os objec-
áreas de intervenção supra. São elas: a pers- tivos a atingir)). Daqui e inversamente a
pectiva da psicologia ergonómica e a da Robert, poder-se-á afirmar que trabalho é
representação das características do trabalho. uma tarefa, ou conjunto de tarefas, cuja rea-
lização necessita do desenvolvimento de uma
(*) Assistente no ISPA. actividade. Isto é, o trabalho é estímulo exte-

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rior e comportamento, podendo também ser cial da Ergonomia e que a poderia englobar
entendido como o resultado da interacção na sua totalidade.
estímulo - comportamento. No entanto, se o objecto de estudo e os
Mas será que a realização de qualquer objectivos da Ergonomia, estes com tónicas
tarefa pode ser considerada trabalho? diferentes nas tradições francófona e anglo-
Quando ao fim de semana podamos as rosas -saxónica, se mantêm constantes, a metodo-
de um jardim, consideramos que estamos a logia global de abordagem do trabalho tem
trabalhar? evoluído nomeadamente na Psicologia Ergo-
Trata-se de um estímulo complexo eXi- nómica.
gindo operações apreendidas mas que não Assim, se em 1980, Sperandio distinguia
são consideradas por muitos de nós como cinco grandes fases na análise do trabalho,
trabalho. No entanto, para o jardineiro que a saber:
realiza esta tarefa, oito horas por dia, 5 dias Delimitação do Sistema Homem-
na semana ao longo da sua vida, ele está a -Máquinas
trabalhar; i.e. a realização de uma tarefa é Descrição da tarefa
tida como trabalho, se a actividade empreen- Descrição das operações (i.e. compor-
dida implica esforço e é imposta, em parti- tamentos operativos)
cular do exterior, ao nível dos modos Identificação das exigências para os
operatórios utilizados, dos lugares ou operadores
momentos e/ou dos contextos físicos e Detecção dos disfuncionamentos do
sociais, tendo como contrapartida uma Sistema Homem-Máquinas,
remuneração.
Por outro lado, para a psicologia, a acti- mais recentemente (Sperandio, 1984), a partir
vidade desenvolvida é traduzida em termos da distinção clássica entre análise da tarefa
comportamentais. Comportamentos mani- e análise da actividade (Leplat, 1980b), vai
festados em relação aos equipamentos e autonomizar a descrição e análise dos com-
meios técnico e físico, mas também em rela- portamentos operatórios, considerando
ção a colegas, superiores, clientes, departa- como etapas da análise da tarefa:
mento, empresa, sindicatos e a todos os tipos
de sistemas sociais, o que atribui ao traba- - Delimitação do Sistema Homem-
lho um papel social (ver Levy-Leboyer, 1987) -Máquinas
e uma constelação de relações e comunica- - Croquis de conjunto da situação de
ções interpessoais que não serão abordadas trabalho, nomeadamente em relação ao
neste trabalho. operador, máquina, informações e
Finalmente, o trabalho é ainda objecto e acções (a que acrescentaríamos as con-
fonte de significações que se repercutem no dições de ambiente)
bem estar e eficácia no trabalho. A Psico- - Descrição dinâmica do funcionamento
logia procura caracterizar as representações do sistema
que o trabalhador tem das suas funções e os - Identificação das exigências do tra-
valores, necessidades e atitudes em relação balho
ao trabalho. - Detecção dos disfuncionamentos.

Os ganhos desta evolução parecem-nos


3. A ABORDAGEM DA PSICOLOGIA
significativos a dois níveis: por um lado, a
ERGONÓMICA DO TRABALHO
descrição da tarefa deixa de ser estática e
É comum afirmar nos meios ergonómicos estanque dentro das categorias clássicas do
que a análise do trabalho constitui o essen- sistema homem-máquinas e por outro a aná-

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lise dos comportamentos operatórios (a acti- Isto é, ou consideramos a metodologia
vidade), exigindo conceitos teóricos e méto- proposta por Sperandio em 1984 como de
dos específicos, ganha em autonomia e análise das condições de trabalho, definindo
clareza conceptual, distinguindo-se do con- e delimitando os sistemas homem-máquina
ceito de operação enquanto parte ou seg- aos vários níveis organizacionais, desde o
mento de uma tarefa no contexto da técnica posto de trabalho A organização como um
de análise de funções da gestão de recursos todo, passando pelos vários subsistemas pos-
humanos. síveis, e neste caso as tarefas passariam a ser
No entanto, nesta perspectiva Sperandio, sectoriais, departamentais, organizacionais,
tal como Leplat, considera que analisar a vendo-se mal a ligação diyecta entre este tipo
tarefa é, do ponto de vista metodológico, de tarefas e actividade individual dos ope-
idêntico a analisar as condições de trabalho, radores, ou consideramos a metodologia
ainda que teoricamente defina tarefa em fun- proposta como análise da tarefa, e se esta for
ção de um dado objectivo. definida nos termos de Hackman atrás
Se tivermos em consideração, segundo citado, é possível estabelecer uma relação
Leplat (1980b) que estas condições de traba- muito próxima entre tarefa e actividade,
lho podem ser intrínsecas aos operadores entre trabalho prescrito e trabalho real, mas
(formação, qualificação profissional, carac- limitaremos a intervenção ergonómica ao
terísticas antropométricas, psicológicas, etc) nível do posto de trabalho, esquecendo a
e extrínsecas (físicas, técnicas, organizacio- chamada Ergonomia dos Sistemas, ou aná-
nais e eventualmente socioeconómicas) lise dos sistemas socio-técnicos, cuja influên-
poderíamos constatar que: cia na concepção das próprias tarefas é
determinante na actividade a desenvolver
- nesta caracterização não é sublinhada pelo operador e nos efeitos / custos conse-
uma outra condição de trabalho extrín- quentes.
seca ao operador a qual terá a ver com E tem sido esta última perspectiva a pri-
o que Hackman chama «uma série de vilegiada pela investigação em Ergonomia
instruções que especificam o que tem Psicológica.
de ser feito em relação ao estímulo)), No entanto, e do ponto de vista da inter-
i. e. «O trabalho prescrito)) (Wisner, venção ergonómica nas organizações, parece-
1981; Montmollin, 1986). Esta condi- -nos importante definir previamente níveis de
ção de trabalho susceptível de ser intervenção e análise organizacional, ou os
englobada nas categorias Informação diferentes Sistemas Homem-Máquina num
e Acção da Fase de Descrição da Tarefa sentido lato.
na proposta de 1980 por Sperandio, na De acordo com Leplat e Cuny (1979),
perspectiva de 1984, terá um papel podemos hierarquizar quatro níveis nos sis-
importantg na fase ((DescriçãoDinâ- temas organizacionais complexos:
mica do Fhcionamento do Sistema)).
- por outro lado, e como sugere Karnas Nível Empresa: implicando por exemplo
(1987), o termo condições de trabalho a análise da distribuição das tarefas pelos
poderá em certos contextos referir-se a vários sectores e a fluidez de comunicação.
uma parte da tarefa e seu meio ou
ainda a variáveis organizacionais ou Nível Serviço: análise da repartição, afec-
socioeconómicas, estas sem dúvida tação e estabilidade das tarefas.
condicionantes da actividade do ope-
rador mas objecto de análise diferente Nível Equipa de Trabalho: análise da coe-
da análise do trabalho ao nível do são do grupo e normas de trabalho, por
posto de trabalho. exemplo.

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Nível Posto de Trabalho: análise dos equi- da compatibilização, da qualificação
pamentos, organização do trabalho, carac- posto-operador, estatuto social do tra-
terísticas dos operadores (que englobam o balho, etc., geralmente ligados ao
estudo das representações e atitudes bem estudo dos sistemas socio-técnicos e a
como dos aspectos cognitivos). Psicologia do Trabalho;
- comportamentos perceptivo-cogniti-
De salientar que a metodologia global de vos: dependentes da actividade percep-
análise do trabalho proposta por Sperandio tiva, semiótica, raciocínio, tomadas de
em 1984 se adapta aos vários níveis organi- decisão, representação mental, memó-
zacionais, tratando-se de diferentes Sistemas ria e aprendizagem e resultantes dos
Homem-Máquinas, com objectivos próprios sistemas de objectos, processos, produ-
e objectos e metodologias de análise especí- tos e intermediários técnicos. Estes Últi-
ficos. Ao nível do posto de trabalho e no mos cada vez mais importantes pela
âmbito do estudo dos comportamentos complexificação de máquinas e equi-
operatórios, nomeadamente dos proces- pamentos e pela introdução de novas
sos perceptivos e cognitivos, torna-se impe- tecnologias, nomedamente através de
rioso definir Sistemas Homem-Máquinas automatização dos processos físicos
restritos, por vezes limitados a uma pequena e/ou químicos e da informação,
tarefa. levando o operador a agir sobre siste-
Mas para além do trabalho prescrito, uma mas de sinalização e comando em
realidade mais importante para a Ergonomia detrimento da acção directa sobre os
é o trabalho real (a actividade), cuja coin- objectos de trabalho. A investigação e
cidência com o primeiro é aleatória. Desfa- intervenção da Psicologia Ergonómica
samentos igualmente verificáveis aos vários tem, nos anos 80, privilegiado a aná-
níveis dos Sistemas Homem-Máquinas: lise deste tipo de comportamentos
pense-se nos desfasamentos entre organogra- perceptivo-cognitivos (vide Sperandio,
mas e descritivos de funções formais e cen- 1984 e 1987).
tros de decisão, circuitos de comunicação e
tarefas efectivamente existentes, análise que Dada a diversidade de objectos de estudo
extravasa o habitual campo de acção da não existe uma metodologia global de aná-
Ergonomia. lise da actividade comportamental. As meto-
Trabalho real que para a Orgonomia é dologias utilizadas são as da Psicologia em
traduzido em termos de actividade do geral, com relevo, para a observação, entre-
trabalhador e para a Psicologia Ergonó- vista e experimentação, esta de preferência
mica em termos de comportamentos opera- em condições de trabalho reais (vide desen-
tórios. volvimentos em Sperandio, 1980 e Karnas,
Comportamentos operatórios globalmente 1987).
abordados e dois níveis: Ultrapassando o âmbito deste artigo mas
condicionante dos comportamentos opera-
- comportamentospsicossociais: depen- tórios e sem consequência, a Ergonomia Psi-
dentes dos sistemas de valores, atitudes cológica tem como terceira área de actuação
e representações dos indivíduos e gru- os efeitos/custos do trabalho sobre os indi-
pos e resultantes das diferentes formas víduos, custos resultantes igualmente das
de organização do trabalho estrutura- condições de trabalho (exemplos: carga,
das em função das normas de quali- fadiga e sentimento de fadiga mentais, des-
dade e rendimento, conteúdo das conforto, insatisfação, acidentes, psicopato-
tarefas, autonomia, participação, etc., logia, etc.).

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4. A REPRESENTAÇÃO DO TRABALHO Se é verdade que quando se reestrutura o
trabalho o que se modifica são as caracte-
Como vimos no ponto 2., o trabalho pode rísticas objectivas e não as representações
ser entendido enquanto estímulo externo e dos individuos, não é menos verdade, como
actividade/comportamento dos sujeitos. sublinham Hackman & Lawler (1971) e
Se para a Ergonomia, em particular a psi- Hackman & Coldham (1975) citados por
cológica, a tónica é posta na análise dos Algera (1984), que as reacções dos operado-
comportamentos, o trabalho enquanto estí- res não resultam exclusivamente das carac-
mulo externo também tem sido objecto da terísticas objectivas mas sim das suas
Psicologia, nomeadamente na sua tradução representações e experiências.
mental, i. e. na forma como é representado A caracterização objectiva das tarefas de-
pelos indivíduos. bate-se com uma dificuldade de base resul-
Não nos referimos aqui ao conceito de tantes de multiplicidade possível de dimen-
representação mental no sentido de imagem sões das tarefas e as tentativas de objectivar
cognitiva ou operativa (Ochanine), capítulo características percebidas por Hill(l969) -
importante da Psicologia Ergonómica, mas assente na Teoria da Informação - e de
ao conceito de representação/percepçãodos Globerson & Crossman (1976) assente na
indivíduos, das características do trabalho, noção de ciclo de trabalho - não parecem
abordagem privilegiada pelas correntes de para Algera (1984) isentas de grandes difi-
reestruturação do trabalho, segundo as quais culdades.
o conteúdo das tarefas e a sua organização No entanto,, a generalidade dos autores,
influencia o comportamento e as atitudes inclusivé Hackmam & Oldham, concordam
dos operadores. na necessidade de desenvolver investigações
Trata-se aqui de identificar de forma des- sobre as relações entre características objec-
critiva os principais parârnetros cio trabalho tivas e subjectivas das tarefas.
enquanto desencadeadores de respostas dos Sabe-se por outro lado que a representa-
trabalhadores, traduzidas em variáveis ção das características das tarefas é influen-
dependentes como a satisfação, motivação ciada social e psicologicamente. Algera, 1984
intrínseca, (job involvementn, absentismo, e Pierce et al., 1986, citam Salancik e Pfef-
produtividade, etc. (dependentes também fer (1977, 1978), O’Reilly & Caldwell(1979),
doutras variáveis de situação - v. g. grupo Weiss & Shaw (1979), White & Mitchell
de trabalho, estilo de liderança, remunera- (1979), Griffin (1981) que demonstraram
ção - e individuais - v. g. necessidade de uma parte significativa da variância nas res-
desenvolvimento, valores). Se nesta perspec- postas as características das tarefas depen-
tiva se podem distinguir dois níveis de des- dia da ((informação socialmente fornecida))
crição do trabalho, a saber: descrição das sobre as propriedades das suas funções;
características das tarefas e descrição dos O’Reilly, Parlette & Bloom (1977), Ganster
papéis e contextos imediatos do trabalho (1979), O’Reilly et al. (1979), Stone, Mow-
nas organizações (Cook, J. D. et al., 1981), day & Porter (1977) verificaram a dependên-
abordaremos apenas o primeiro neste ar- cia da representação das características das
tigo. tarefas do campo de referência pessoal dos
Ao estudar a representação ou ((percep- sujeitos; Stone (1979) apontou o traço de
ção» subjectiva das tarefas, uma questão personalidade ((independência do campo))
prévia que se levanta de imediato é a de saber como determinante na representação do tra-
qual a relação entre as caracterkticas objec- balho.
tivas e as caracterkticas sübjectivas das Apesar destes condicionantes, as avalia-
tarefas. ções subjectivas das tarefas feitas pelos titu-

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lares apresentam uma boa convergência com timento de significado, sentimento de res-
avaliações feitas por Terceiros (Hackman and ponsabilidade e conhecimento de resultado,
Oldham - 1975). Verifica-se uma forte rela- que se verificariam se as tarefas possuíssem
ção entre características das tarefas e reac- ((Variedade)),((Identidade)),((Significado)),
ções dos titulares (absentismo, satisfação, ((Autonomia)) e ((Feedback)), actuando
queixas psicossomáticas, motivação, ajob como variáveis moderadoras a ((necessidade
involvement)))- Jenkins et al. (1975), Cook de desenvolvimento)), os ((conhecimentose
et al. (1981) e Algera (1984). As escalas de capacidades))e as ((satisfaçõesde contexto)).
medida das Características das Tarefas (JDS) No entanto, este modelo não foi confir-
mostram-se sensíveis a enriquecimentos das mado empiricamente por Wall et al., citado
funções. Ao manipular quatro característi- por Algera (1984), quanto aos «estados psi-
cas do trabalho (variedade, autonomia, iden- cológicos críticos». Um modelo alternativo
tidade das tarefas e feedback, Ganster (1980), postulando relações causais directas entre
citado por Pierce (1986), conseguiu explicar características das tarefas e variáveis de saída
45 a 74% da variância nas respostas a medi- explicava uma significativamente maior
das de características do Ti-abalho (JDS e quantidade de variância, o que' foi posterior-
JCI). mente confirmado por Algera.
Estes trabalhos parecem demostrar que as Os inúmeros trabalhos desenvokvidos com
avaliações subjectivas das características do o JDS mostraram uma fidelidade razoável
trabalho têm relação com as características das sub-escalas referentes a s características
objectivas das tarefas, enquanto estímulo das tarefas e a independência destas não tem
externo. sido constante nos vários estudos realizados.
nirner e Laurence, criaram o primeiro Se Dunham, citado por Cook et al. (1981)
quadro teórico das características percebidas considera, a partir de uma análise factorial
das tarefas, no qual hipotetizaram a estru- de itens com rotação oblíqua, que um só fac-
tura de requisitos das tarefas (a saber: varie- tor, a denominar eventualmente como «com-
dade, autonomia, relacionamento exigido e plexidade)) seria mais útil que as cinco
opcional, conhecimento e experiência, res- dimensões propostas, uma vez que explica-
ponsabilidade), traduzida numa escala que ria 83% da variância, o que aliás é concor-
apresentou fortes intercorrelações nos seis dante com o aumento linear nas cinco
requisitos teoricamente hipotetizados. No principais características de executantes a
entanto, o seu trabalho constituiu a matriz gestores, outras investigações com diferentes
teórica de partida dos trabalhos subse- grupos profissionais têm encontrado diferen-
quentes. tes soluções factoriais (5, 4, 3 ou 2 dimen-
Entre estes Últimos, têm ganho particular sões). Como concluem Cook et al. (1981)
importância as escalas desenvolvidas para- «pode dizer-se que a um nível relativamente
lelamente por Hackman, J. R. e Oldham, G. abstrato de análise, as cinco principais carac-
R. (1975 e 1980) - JOB DIAGNOSTIC terísticas medem um único factor geral de
SURVEY (JDS) e por Sims, H. P., Szilagyi, complexidade da função e reconhecer ao
'
A. e Keller, R. T. (1976) - JOB CHARAC- mesmo tempo que numa análise mais espe-
TERISTICS INVENTORY (JCI). cífica medem também sub-factores gerais)).
Hackman & Oldham desenvolveram um A dimensionabilidadedas Características das
modelo teórico das Características da Fun- Tarefas parece debater-se com dois proble-
ção da motivação no trabalho, segundo o mas: um relacionado com amostras de dife-
qual a motivação, satisfação, absentismo e rentes funções e diferentes níveis organiza-
rotatividade melhorariam se o indivíduo pos- cionais e outro relacionado com o grau de
suísse três estados psicológicos críticos: sen- maior ou menor generalidade dos itens das

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escalas utilizadas (Algera, 1984, relata um nas suas vertentes físicas e técnicas e a
seu trabaiho usando 24 características das actividade-trabalhoentendida essencialmente
tarefas que mostraram intercorrelações bai- enquanto actividade perceptivo-cognitiva. E
xas). No entanto, a estrutura multidimensio- o segundo assente na representação do tra-
na1 das Características das Tarefas parece balho pelos trabalhadores, de acordo com
inquestionável. dimensões do trabalho não directamente
O modelo das Características das Tarefas observáveis mas teoricamente postuladas e
proposto por Sims, H. P., Sdagyi, A. & Kel- empiricamente confirmadas.
ler, R. T. (1976) propõe quatro dimensões Se no domínio da investigação em Psico-
principais: Variedade, Autonomia, Identi- logia Ergonómica se verifica a manutenção
dade e Feedback, que foram confirmadas da tendência inicial da Ergonomia, ligada a
factorialmente. Ergonomia dos Elementos por oposição a
De sublinhar a forte validade convergente uma Ergonomia dos Sistemas, manifestada
entre as subescalas do JCI e do JDS (Cook nos inúmeros trabalhos em psicologia cog-
et al. 1981) de 0.72, 0.68, 0.74 e 0.65 para nitiva, já no âmbito da intervenção o ergó-
Variedade, Autonomia, Identidade e Feed- nomo psicólogo sente a necessidade de
back respectivamente e a capacidade destas definir S.H.M. mais amplos sem os quais
escalas de discriminarem em relação a várias fica impossibilitado de detectar causas pri-
medidas de satisfação do trabalho - Ferrat, meiras em relação a disfuncionamentos a
Dunham & Pierce (1981) e Pierce, MdIhvish suprimir ou prevenir (a título de exemplo
& Knudsen (1986), estes últimos utilizando cite-se o caso da análise dos acidentes de tra-
uma metodologia de validade de construção balho - Leplat et Cuny, 1979). E, neste
assente n u m programa de análise de con-
último caso, tendo sempre em conta o cri-
tério das intervenções ergonómicas, i. e. a
teúdo (MCCA) da estrutura do «sentido»
redução dos custos humanos do trabalho, o
expresso pelos itens das escalas e sua con-
psicólogo não poderá ignorar as significa-
gruência com a definição conceptual do
ções que os operadores atribuem ao seu tra-
constructo IIiirefa /trabalho. balho. E neste capítulo, os modelos de
Em síntese, o estudo do trabaiho enquanto estudo das características das Tarefas e do
representação das suas características denota papel do trabalho podem contribuir para a
já um conjunto considerável de trabalhos melhoria das condições de trabalho, tendo
empíricos que possibilitam um significado em conta os conhecimentos adquiridos pelos
campo de referência no diagnóstico da situa- trabalhos já realizados no estrangeiro e
ção de trabalho, ainda que do ponto de vista desenvolvendo um conjunto de investigações
dos modelos teóricos as insuficiências sejam visando quer a análise do comportamento
manifestas e como sublinhadas Algera das escalas bem conhecidas (JDS e JCI) nos
(1984), o papel das múltiplas variáveis mode- diversos grupos profissionais portugueses,
radoras continue ainda obscuro. quer o conhecimento da dinâmica das múl-
tiplas variáveis moderadoras, em particular
as psicológicas e as eventualmente contin-
5. EM CONCLUSÃO gentes a sociedade portuguesa.
Neste artigo abordámos dois modelos.dis-
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