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soberania; do segundo, a biopolítica em que o poder em seu aspecto
moderna até o atual triunfo da “glorioso” se trona indiscernível com
economia e do governo sobre relação à oikonomia e ao governo”
qualquer outro aspecto da vida (id., p. 10).
humana” (id., p.13).
Após reconstruir minuciosamente a
O paradigma teológico transmuta-se em história do paradigma teológico-
paradigmas de significados políticos. Se econômico, isto é, da tensão entre gloria
observarmos bem, muito do que e gubernatio, Giorgio Agamben analisa a
consideramos essencialmente pertinente à articulação entre Reino e Governo. Neste
esfera da política na atualidade mostrar- ponto, ele destaca a relevância das
se-á de origem teológica. Ainda que aclamações, cerimoniais, liturgias e
laicizada, a política bebe em fontes insígnias na antiguidade, como se
teológicas medievais. Torna-se manifestam na era cristã-medieval e os
necessário, portanto, estudar a evolução modos como são incorporados à política.
do significado semântico – e influência – Trata-se, sobretudo, de uma análise da
da oikonomia. Isto pressupõe o estudo liturgia do poder, ou seja, de como o
das fontes originais que produziram os aspecto laico e secular da política é
paradigmas que norteiam a política sacralizado. Rompe-se, assim, a
moderna. O autor analisa os fundamentos dicotomia entre teologia e política, entre
teológicos da política, desvendar o poder espiritual e poder profano. A
“mistério da economia” e encontrar Glória aproxima e faz coincidir estes
respostas para os problemas teóricos que aspectos geralmente apresentados como
dizem respeito à natureza do poder contraditórios e opostos.
político.
A relação entre o teológico e o político
Ao identificar na Glória o segredo central não é unívoca. Em outras palavras, “a
do poder e interrogar-se sobre o nexo teologia da glória constitui o ponto de
indissolúvel que o vincula ao governo e à contato secreto pelo qual teologia e
oikonomia, Agamben chama a atenção política se comunicam e trocam papéis
para o significado moderno da opinião entre si”. Thomas Mann, no romance
pública e do consenso enquanto formas José e seus irmãos1, nota que “religião e
modernas de aclamação e glorificação do política não são duas coisas
poder. Eis um aspecto que revela o fundamentalmente diferentes, mas, ao
significado e a importância dos meios de contrário, “na verdade, trocam as vestes
comunicação nas sociedades entre si” (id., p.214).
contemporâneas. Como salienta o autor:
Ao analisar as obras dos autores que se
“Se os meios de comunicação são dedicaram ao estudo dos aspectos
tão importantes nas sociedades cerimoniais que configuram a liturgia do
modernas, isso não se deve apenas poder, Agamben retoma as questões que
ao fato de permitirem o controle e o orientam sua investigação. Por que
governo da opinião da opinião
hesitar em formular a pergunta sobre a
pública, mas também e sobretudo
porque administram e dispensam a relação íntima entre poder e glória? Pois,
Glória, aquele aspecto aclamativo e “Se o poder é essencialmente força e
doxológico do poder que na ação eficaz, por que necessita
modernidade parecia ter receber aclamações rituais e cantos
desaparecido. A sociedade do de louvor, vestir coroas e tiaras
espetáculo – se denominarmos assim incômodas, submeter-se a um
democracias contemporâneas – é, impraticável cerimonial e a um
desse ponto de vista, uma sociedade protocolo imutável, em suma,
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imobilizar-se hieraticamente na concentração, multiplicação e
glória, ele que é essencialmente disseminação da função da glória
operatividade e oikonomia? (id., como centro do sistema político. O
p.215). que ficava confinado às esferas da
liturgia e dos cerimoniais concentra-
É preciso analisar como se dá a conexão se agora na mídia e, por meio dela,
entre o poder e a glória. Trata-se de difunde-se e penetra em cada
indagar-se sobre as formas de instante e em cada âmbito, tanto
glorificação do poder. Para tanto, o autor público quanto privado, da
se detém sobre a arqueologia da glória. sociedade. A democracia
Ele observa que a função essencial da contemporânea é uma democracia
glória parece superada – ou simplificada inteiramente fundada na glória, ou
e reduzida ao mínimo. Dessa forma, os seja, na eficácia da aclamação,
fatores de glorificação do poder, tão multiplicada e disseminada pela
evidentes em outras épocas históricas, mídia além do que se possa imaginar
(que o termo grego para glória –
parecem objetos e manifestações de um
doxa – seja o mesmo que designa
passado superado: “as coroas, os tronos e hoje a opinião é, desse ponto de
os cetros são conservados nas vitrines dos vista, mais que mera coincidência)”
museus ou dos tesouros, e as aclamações, (id., p.278).
que tiveram tanta importância para a
função gloriosa do poder, parecem ter A democracia moderna, democracia
quase desaparecido”. Mesmo os gritos consensual – government by consent –
fervorosos Heil Hitler na Alemanha ou, como denominou Guy Debord,
nazista, ou Duce duce na Itália fascista, “sociedade do espetáculo”, pressupõe e
“parecem hoje fazer parte de um passado exige a construção do consentimento. O
longínquo irrevogável”. Não obstante, a consenso repousa e nos remete às
exemplo do autor, devemos nos aclamações, isto é, às formas midiáticas
perguntar: “é realmente assim?” (id., de glorificar o poder.
p.276). A leitura de “O Reino e a Glória”, é
O poder permanece vinculado a instigante e importante para a reflexão e
cerimoniais, rituais, símbolos, etc. Por compreensão desta dinâmica, suas fontes
sua vez, a glorificação pelos gestos e fundamentos teológicos, o nexo entre
unânimes das aclamações, característica glória e poder, entre teologia e política, a
dos regimes políticos autoritários, sacralização da política, a função da
assumiu novos significados nas mídia nas democracias contemporâneas,
democracias modernas. Ou seja, a esfera etc. Entretanto, não é uma obra de fácil
da glória deslocou-se para o âmbito da leitura. Aos não iniciados na temática, a
opinião pública. Para Giorgio Agamben: linguagem poderá se mostrar árida e,
provavelmente, exigirá maior esforço de
“O que está em questão é nada concentração e persistência. Não
menos que uma nova e inaudita obstante, vale a pena perseverar.
*
ANTONIO OZAÍ DA SILVA é professor de Ciência Política do Departamento de Ciências
Sociais, Universidade Estadual de Maringá; Mestre em Ciência Política (PUC/SP) e Doutor em Educação
(USP). Blog: http://antoniozai.wordpress.com
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2. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, 3 v.
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