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Norberto Bobbio - O CONCEITO DE POLÍTICA

O significado clássico e moderno de política

Derivado do adjetivo de pólis (politikós), significando tudo aquilo que se refere à


cidade, e portanto ao cidadão, civil, público e também sociável e social, o termo "política"
foi transmitido por influência da grande obra de Aristóteles, intitulada Política, que deve
ser considerada o primeiro tratado sobre a natureza, as funções, as divisões do Estado, e
sobre as várias formas de governo, predominantemente no significado de arte ou ciência
do governo, isto é, de reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou
também prescritivas (mas os dois aspectos são de difícil distinção), sobre as coisas da
cidade. Ocorre, assim, desde a origem, uma transposição de significado do conjunto de
coisas qualificadas em um certo modo (ou seja, com um adjetivo qualificativo como
"político") para a forma de saber mais ou menos organizado sobre esse mesmo conjunto
de coisas: uma transposição não diferente daquela que deu origem a termos tais como
física, estética, economia, ética e, por último, cibernética. Durante séculos, o termo
"política" foi empregado predominantemente para indicar obras dedicadas ao estudo
daquela esfera de atividade humana que de algum modo faz referência às coisas do
Estado: Politica methodice digesta, só para dar um célebre exemplo, é o título da obra
através da qual Johannes Althusius (1603) expôs uma teoria da "consociatio publica" (o
Estado no sentido moderno da palavra), compreendendo em seu seio várias formas de
"consociationes" menores.
Na era moderna, o termo perdeu o seu significado original, tendo sido
paulatinamente substituído por outras expressões tais como "ciência do Estado",
"doutrina do Estado", "ciência política", "filosofia política" etc., para enfim ser
habitualmente empregado para indicar a atividade ou o conjunto de atividades que têm de
algum modo, como termo de referência, a pólis, isto é, o Estado. Dessa atividade a pólis
ora é o sujeito, donde pertencem à esfera da política atos como o de comandar (ou proibir)
algo, com efeitos vinculantes para todos os membros de um determinado grupo social, o
exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o de legislar com
normas válidas erga omnes, o de extrair e distribuir recursos de um setor para outro da
sociedade e assim por diante; ora objeto, donde pertencem à esfera da política ações tais
como conquistar, manter, defender, ampliar, reforçar, abater, derrubar o poder estatal etc.
Prova disso é que obras que continuam a tradição do tratado aristotélico recebem por
título, no século XIX, Filosofia do direito (Hegel. 1821). Sistema da ciência do Estado
(Lorenz von Stein, 1852-56), elementos de ciência política (Mosca, 1896), Doutrina geral
do Estado (Georg Jellinek, 1900). Conserva em parte o significado tradicional a pequena
obra de Croce, Elementi di politica (Elementos de política) [1925], na qual "política"
conserva o significado de reflexão sobre a atividade política, e, portanto, está no lugar de
"elementos de filosofia política". Prova ulterior é aquela que se pode inferir do costume,
que se impôs em todas as línguas mais difundidas, de chamar de história das doutrinas,
ou das idéias políticas, ou também, de modo mais geral, do pensamento político, a história
que, se houvesse permanecido invariado o significado que nos chegou dos clássicos,
deveria ser denominada história da política, por analogia com outras expressões tais como
história da física, ou da estética, ou da ética: costume também acatado por Croce, o qual,
na obra citada, intitula Per la storia della filosofia della politica [Pela história da filosofia
da política] o capítulo dedicado a um breve excurso histórico das doutrinas políticas
modernas.
A tipologia clássica das formas de poder

O conceito de política, entendida como forma de atividade ou práxis humana, está


estreitamente ligado ao conceito de poder. O poder foi definido tradicionalmente como
"consistente nos meios para se obter alguma vantagem" (Hobbes)1 ou, de modo análogo,
como "o conjunto dos meios que permitem conseguir os efeitos desejados" (Russell).
2
Sendo um desses meios o domínio sobre outros homens (além do domínio sobre a
natureza), o poder é definido ora como uma relação entre dois sujeitos, na qual um impõe
ao outro a própria vontade, determinando o seu, malgrado o comportamento: mas como
o domínio sobre os homens não é geralmente fim em si mesmo, mas meio para se obter
"alguma vantagem", ou, mais exatamente, “os efeitos desejados", de modo não distinto
do domínio sobre a natureza, a definição de poder como tipo de relação entre sujeitos
deve ser integrada à definição do poder como a posse dos meios (dos quais os dois
principais são o domínio sobre os outros homens e o domínio sobre a natureza) que
permitem obter, exatamente, "alguma vantagem", ou os "efeitos desejados". O poder
político pertence à categoria do poder de um homem sobre outro homem (não do poder
do homem sobre a natureza). Esta relação de poder é expressa de mil maneiras, nas quais
se reconhecem expressões típicas da linguagem política: como relação entre governantes
e governados, entre soberano e súditos, entre Estado e cidadãos, entre comando e
obediência etc.
Há várias formas de poder do homem sobre o homem: o poder político é apenas
uma delas. Na tradição clássica, que remonta especificamente a Aristóteles, eram
consideradas sobretudo três formas de poder: o poder paterno, o poder despótico e o poder
político. Os critérios de diferenciação foram, nos diferentes períodos, distintos. Em
Aristóteles, vislumbra-se uma distinção com base no interesse daquele em favor do qual
é exercido o poder: o poder paterno é exercido no interesse dos filhos, o despótico, no
interesse do senhor, o político, no interesse de quem governa e de quem é governado
(contudo, somente nas formas corretas de governo, uma vez que as formas corruptas são
diferenciadas por sua vez exatamente por ser o poder exercido no interesse do
governante). Mas o critério que acabou afinal prevalecendo na tratadística dos
jusnaturalistas foi aquele do fundamento ou do princípio de legitimação (que se encontra
formulado com clareza no capítulo XV do Segundo tratado sobre o governo civil, de
Locke): o fundamento do poder paterno é a natureza, do poder despótico, o castigo por
um delito cometido (a única hipótese neste caso é aquela do prisioneiro de guerra que
perdeu uma guerra injusta), do poder civil, o consenso. A esses três motivos de
justificação do poder correspondem as três expressões clássicas do fundamento da
obrigação: ex natura, ex delicto, ex contractu. Nenhum dos dois critérios, contudo,
permite individuar o caráter específico do poder político. De fato, que o poder político se
caracterize, em comparação com o paterno e o despótico, por se voltar para os interesses
dos governantes e dos governados ou por se fundar sobre o consenso, é um caráter
distintivo não de qualquer governo, mas apenas do bom governo: não é uma conotação
da relação política enquanto tal, mas da relação política correspondente ao governo como
deveria ser. Na verdade escritores políticos sempre reconheceram tanto governos
paternalistas quanto governos despóticos, ou seja, governos nos quais a relação entre
soberano e súditos é aproximada ora da relação entre pai e filhos, ora da relação entre
senhor e escravos, os quais não são de fato menos governos do que aqueles que agem
pelo bem público e se fundam sobre o consenso.

1. CF. TH. Hobbes, Leviatã, cap. X.


2. B. RUSSELL, Power. A New Social Analysis, Allen & Unwin, Londres, 1938 (ed. it.: Il potere. Una
nuova analisi sociale, Feltrinelli, Milão, 1976/4).
A tipologia moderna das formas de poder

Ao objetivo de encontrar o elemento específico do poder político, parece mais


conveniente o critério de classificação das várias formas de poder que se funda sobre os
meios dos quais se serve o sujeito ativo da relação para condicionar o comportamento do
sujeito passivo. Com base neste critério, podem-se distinguir três grandes tipos no âmbito
do conceito latíssimo de poder. Esses tipos são: o poder econômico, o poder ideológico e
o poder político. O primeiro é aquele que se vale da posse de certos bens necessários, ou
assim considerados em uma situação de escassez, para induzir aqueles que não os
possuem a ter uma certa conduta, consistente principalmente na execução de um certo
tipo de trabalho. Na posse dos meios de produção reside uma enorme fonte de poder por
parte daqueles que os possuem em relação àqueles que não os possuem: o poder do chefe
de uma empresa deriva da possibilidade que a posse ou a disponibilidade dos meios de
produção lhe dá de obter a venda da força-trabalho em troca de ar salário. Em geral,
qualquer um que possua abundância de bens é capaz de condicionar o comportamento de
quem se encontra em condições de penúria, através da promessa e atribuição de
compensações. O poder ideológico funda-se sobre a influência que as ideias formuladas
de um determinado modo, emitidas em determinadas circunstâncias, por uma pessoa
investida de uma determinada autoridade, difundidas através de determinados
procedimentos, têm sobre a conduta dos consociados: desse tipo de condicionamento
nasce a importância social em cada grupo organizado daqueles que sabem, dos sapientes,
sejam eles os sacerdotes das sociedades arcaicas, sejam eles os intelectuais ou os
cientistas das sociedades evoluídas, porque através deles, e dos valores que eles difundem,
ou dos conhecimentos que eles emanam, cumpre-se o processo de socialização necessário
à coesão e integração do grupo. O poder político, enfim, funda-se sobre a posse dos
instrumentos através dos quais se exerce a força física (armas de todo tipo e grau): é o
poder coativo no sentido mais estrito da palavra. Todas as três formas de poder instituem
e mantêm uma sociedade de desiguais, isto é, dividida entre ricos e pobres, com base no
primeiro, entre sapientes e ignorantes, com base no segundo, entre fortes e fracos, com
base ao terceiro: genericamente, entre superiores e inferiores.
Enquanto poder cujo meio específico é a força entenda-se, como veremos adiante,
o uso exclusivo da força, que é o meio desde sempre mais eficaz para condicionar os
comportamentos, o poder político é em qualquer sociedade de desiguais o poder supremo,
isto é, o poder ao qual todos os outros estão de algum modo subordinados: o poder coativo
de fato é aquele ao qual recorre qualquer grupo social (a classe dominante de qualquer
grupo social), em última instância, ou como extrema ratio, para se defender dos ataques
externos ou para impedir, com a desagregação do grupo, a própria eliminação. Nas
relações entre os membros de um mesmo grupo social, não obstante o estado de
subordinação que a expropriação dos meios de produção cria nos expropriados em relação
aos expropriadores, não obstante a adesão passiva aos valores de grupo por parte da
maioria dos destinatários das mensagens ideológicas emitidas pela classe dominante,
apenas o emprego da força física serve, ainda que apenas em casos extremos, para impedir
a insubordinação e a desobediência dos submetidos, como a experiência histórica prova
com abundantes exemplos. Nas relações entre grupos sociais distintos, não obstante a
importância que possam ter a ameaça ou a execução de sanções econômicas para induzir
o grupo adversário a desistir de um certo comportamento (nas relações intergrupo tem
menos relevância o condicionamento de natureza ideológica), o instrumento decisivo para
impor a própria vontade é o uso da força, a guerra.
Essa distinção entre os principais tipos de poder social pode ser novamente
encontrada, embora expressa de diferentes maneiras, na maioria das teorias sociais
contemporâneas, nas quais o sistema social em seu todo aparece direta ou indiretamente
articulado em três subsistemas principais, que são a organização das forças produtivas, a
organização do consenso, a organização da coação. Também a teoria marxiana pode ser
interpretada do seguinte modo: a base real, ou estrutura, compreende o sistema
econômico; a superestrutura, cindindose em dois momentos distintos, compreende o
sistema ideológico e o sistema mais propriamente jurídico-político. Gramsci distingue
claramente, na esfera superestrutural, o momento do consenso (que ele chama de
sociedade civil) e o momento do domínio (ao qual denomina sociedade política ou
Estado). Durante séculos os escritores políticos distinguiram o poder espiritual (aquele
que hoje chamaríamos de ideológico) do poder temporal, e sempre interpretaram o poder
temporal como constituído da união do dominium (que hoje chamaríamos de poder
econômico) e do imperium (ao que hoje chamaríamos poder mais propriamente político).
Tanto na dicotomia tradicional (poder espiritual e poder temporal) quanto na dicotomia
marxiana (estrutura superestrutura) encontramos as três formas de poder, sempre que se
interprete corretamente o segundo termo, em ambos os casos, como sendo composto de
dois momentos. A diferença está no fato de que na teoria tradicional o momento principal
é o ideológico, no sentido de que o poder econômico-político é concebido como
dependente direta ou indiretamente do poder espiritual, enquanto na teoria marxiana
momento principal é o poder econômico, no sentido de que o poder ideológico e o poder
político refletem mais ou menos imediatamente a estrutura das relações de produção.

O poder político

Que a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que distingue o poder


político das outras formas de poder não significa que o poder político se resuma ao uso
da força: o uso da força é uma condição necessária, mas não suficiente para a existência
do poder político. Nem todo grupo social com condições de usar, até mesmo com certa
continuidade, a força (uma associação de delinquentes, um bando de piratas, um grupo
subversivo etc.) exerce um poder político. O que caracteriza o poder político é a
exclusividade do uso da força em relação a todos os grupos que agem em um determinado
contexto social, exclusividade que é o resultado de um processo que se desenvolve, em
toda sociedade organizada, na direção da monopolização da posse e do uso dos meios
com os quais é possível exercer a coação física. Esse processo de monopolização caminha
pari passu com o processo de criminalização e penalização de todos os atos de violência
que não foram cumpridos por pessoas autorizadas pelos detentores e beneficiários desse
monopólio.
Na hipótese hobbesiana, que está no fundamento da teoria moderna do Estado, a
passagem do estado de natureza para o Estado civil -ou da anarquia para a arquia, do
estado apolítico para o Estado político ocorre quando os indivíduos renunciam ao direito
de usar cada qual a própria força que os torna iguais no estado de natureza para depositá-
lo nas mãos de uma única pessoa ou de um único corpo que de agora em diante será o
único autorizado a usar a força no interesse deles. Esta hipótese abstrata adquire
profundidade histórica na teoria do Estado de Marx e de Engels, segundo a qual as
instituições políticas em uma sociedade dividida em classes antagónicas têm por principal
função permitir que a classe dominante mantenha o próprio domínio, objetivo que não
pode ser alcançado, dado o antagonismo de classe, senão mediante a organização
sistemática e eficaz da força monopolizada (e é por isso que cada Estado é, e não pode
deixar de ser, uma ditadura). Neste sentido, tornou-se já clássica a definição de Max
Weber: "Por Estado deve-se entender uma empresa institucional de caráter político na
qual é na medida em que o aparato administrativo leva adiante com sucesso uma
pretensão de monopólio da coerção física legítima, tendo em vista a aplicação das
disposições".3 Esta definição já se tornou quase lugar-comum na ciência política
contemporânea. Em um dos dois manuais de ciência política mais conceituados, G. A.
Almond e G. B. Powell escrevem: "Concordamos com Max Weber quanto ao fato de que
a força física legítima é o fio condutor da ação do sistema político, aquilo que lhe confere
a sua particular qualidade e importância e a sua coerência como sistema. As autoridades
políticas, e apenas elas, têm o direito predominantemente aceito de usar a coerção e de
exigir obediência com base nela (...). Quando falamos de sistema político, incluímos todas
as interações relativas ao uso ou à ameaça do uso da coerção física legítima". 4 A
supremacia da força física como instrumento de poder sobre todas as outras formas de
poder (entre as quais as duas principais, além da força física, são o domínio sobre os bens,
que dá lugar ao poder econômico, e o domínio sobre as idéias, que dá lugar ao poder
ideológico) pode ser demonstrada se considerarmos que, por mais que na maioria dos
Estados históricos o monopólio do poder coativo tenha buscado e encontrado a própria
sustentação na imposição das idéias ("as idéias dominantes", segundo conhecida frase de
Marx, "são as idéias da classe dominante"), dos deuses pátrios à religião civil, do Estado
confessional à religião de Estado, e na concentração e direcionamento das atividades
econômicas principais, há contudo grupos políticos organizados que puderam consentir
na desmonopolização do poder ideológico e do poder econômico (disso é exemplo o
Estado liberal-democrático caracterizado pela liberdade do dissenso, embora dentro de
certos limites, e pela pluralidade dos centros de poder econômico). Mas não há grupo
social organizado que tenha até agora podido consentir no desmonopolização do poder
coativo, evento que significaria nada menos que o fim do Estado, e que, enquanto tal,
constituiria um verdadeiro salto qualitativo para fora da história, no reino sem tempo da
utopia.
Algumas características habitualmente atribuídas ao poder político e que o
diferenciam de qualquer outra forma de poder --são consequência direta da
monopolização da força no âmbito de um determinado território em relação a um
determinado grupo social. São elas: a exclusividade, a universalidade e a inclusividade.
Por exclusividade entende-se a tendência que os detentores do poder político manifestam
de não permitir, no seu âmbito de domínio, a formação de grupos armados independentes,
e de subjugar, ou desbaratar, aqueles que forem se formando, além de manter sob
vigilância as infiltrações, as ingerências ou as agressões de grupos políticos externos. Esta
característica distingue o grupo político organizado da "societas" de "latrones" (o
"latrocinium" do qual falava santo Agostinho). Por universalidade entende-se a
capacidade que têm os detentores do poder político, e apenas eles, de tomar decisões
legítimas e efetivamente operantes para toda a comunidade com relação à distribuição e
destinação dos recursos (não apenas econômicos). Por inclusividade entende-se a
possibilidade de intervir imperativamente em cada possível esfera de atividade dos

3. M. WEBER, Wirtschaft und Gesellschaft, organizado por J. Winckelmann, Mohr, Tübingen, 19/6/5, vol.
1, p. 29 (ed. it.: Economia e società, organizado por P. Rossi, Edizioni di Comunità, 2 vols., Milão, 19/4/3,
nova ed. em 5 vols., vol. I, p. 53).
4. G. A. ALMOND, G. B. POWELL, Comparative Politics. A Developmental Approach, Little, Brown,
Boston, 1966 (ed. it.: Politica comparata, il Mulino, Bolonha, 1970, p. 55. [Existe uma nova edição
modificada: Comparative Politics. System, Process, and Policy, Little, Brown & Co., Boston, 1978 (ed. it:
Politica comparata Sistema, processi e politiche, il Mulino, Bolonha, 1988. A passagem corresponde àquela
citada, em Diversa Trad., encontra-se na p. 27)].
membros do grupo, encaminhando-os para um fim desejado ou distraindo-os de um fim
não-desejado através do instrumento da ordem jurídica, isto é, de um conjunto de normas
primárias voltadas para os membros do grupo e de normas secundárias voltadas para os
funcionários especializados, autorizados a intervir no caso de violação das primeiras. Isto
não significa que o poder político não imponha limites a si mesmo. Mas são limites que
variam de uma formação política para outra: um Estado teocrático estende o próprio poder
à esfera religiosa, enquanto um Estado laico se rende diante dela; assim também, um
Estado coletivista estende o próprio poder à esfera econômica, enquanto o Estado liberal
clássico dela se afasta. O Estado oniinclusivo, isto é, o Estado para o qual nenhuma esfera
de atividade humana permanece estranha, é o Estado totalitário, e é, em sua natureza de
caso-limite, a sublimação da política, a politização integral das relações sociais.

O fim da política

Uma vez individuado o elemento específico da política no meio do qual se serve,


perdem força as tradicionais definições teleológicas, que tentam definir a política
mediante o fim ou os fins que ela persegue. Com relação ao fim da política, a única coisa
que se pode dizer é que, se o poder político é, exatamente em razão do monopólio da
força, o poder suprema em um determinado grupo social, os fins que vierem a ser
perseguidos por obra dos políticos são os fins considerados segundo as circunstâncias
preeminentes para um dado grupo social (ou para a classe dominante daquele grupo
social): para dar alguns exemplos, em tempos de lutas sociais e civis, a unidade do Estado,
a concórdia, a paz, a ordem pública etc.; em tempos de paz interna e externa, o bem-estar,
a prosperidade ou até mesmo a potência; em tempos de opressão por parte de um governo
despótico, a conquista dos direitos civis e políticos; em tempos de dependência de uma
potência estrangeira, a independência nacional. Isso significa que não há fins da política
para sempre estabelecidos, e muito menos um fim que compreenda todos os outros e possa
ser considerado o fim da política: os fins da política são tantos quantas forem as metas a
que um grupo organizado se propõe, segundo os tempos e as circunstâncias. Esta
insistência no meio mais do que no fim corresponde de resto à communis opinio dos
teóricos do Estado, os quais excluem o fim dos chamados elementos constitutivos do
Estado. Recorramos uma vez mais a Max Weber: "Não é possível definir um grupo
político e tampouco o Estado indicando o objetivo do seu agir de grupo. Não há objetivo
que grupos políticos não tenham alguma vez proposto (...) Pode-se, portanto, definir o
caráter político de um grupo social somente mediante o meio (...), que não é próprio
exclusivamente dele, mas é em cada caso específico, e indispensável para a sua essência:
o uso da força".5
Essa remoção do juízo teleológico não impede, contudo, que se possa falar, com
correção, pelo menos de um fim mínimo da política: a ordem pública nas relações internas
e a defesa da integridade nacional nas relações de um Estado com os outros Estados. Esse
fim é mínimo, porque é a conditio sine qua non para a realização de todos os outros fins,
sendo, portanto, com eles compatível. Mesmo o partido que deseja a desordem, deseja a
desordem não como objetivo final, mas como momento obrigatório para transformar a
ordem existente e criar uma nova ordem. Além do mais, é lícito falar da ordem como fim
mínimo da política porque ela é, ou deveria ser, o resultado direto da organização do
poder coativo, porque, em outras palavras, esse fim (a ordem) forma um todo com o meio
(o monopólio da força): em uma sociedade complexa, fundada sobre a divisão do
trabalho, sobre a estratificação de segmentos e classes, em alguns casos também sobre a

5. M. WEBER, Wirtschaft und Gesellschaft cit., vol. I., pp. 29-30 (ed. it.: 1974 e 1980, vol. 1, pp. 53-54).
sobreposição de populações e raças distintas, somente o recurso em última instância à
força impede a desagregação do grupo, o retorno. como diriam os antigos, ao estado de
natureza. Tanto é verdade que o dia em que fosse possível uma ordem espontânea, como
imaginaram várias escolas econômicas e políticas, dos fisiocratas aos anarquistas, ou aos
próprios Marx e Engels, na fase do comunismo plenamente realizado, não mais haveria,
propriamente falando, política.
Quem considerar as tradicionais definições teleológicas de política não tardará a
perceber que algumas delas não são definições descritivas, mas sim prescritivas, no
sentido de que não definem o que é concretamente e normalmente a política, mas indicam
como deveria ser a política para ser uma boa política; outras diferem apenas em palavras
(as palavras da linguagem filosófica são com frequência intencionalmente obscuras) da
definição aqui oferecida. Toda a história da filosofia política transborda de definições
prescritivas, a começar por aquela de Aristóteles: como é sabido, Aristóteles afirma que
o fim da política não é o viver, mas o viver bem (Política, 1278b). Mas em que consiste
a vida boa? Como distingui-la da má? E se uma classe política tiraniza os seus súditos
condenando-os a uma vida desgraçada e infeliz, não está por acaso fazendo política, e o
poder que exerce por acaso não é um poder político? O mesmo Aristóteles distingue as
formas puras de governo das formas corruptas (e antes dele Platão, e depois dele muitos
outros escritores políticos ao longo de vinte séculos): embora aquilo que diferencia as
formas corruptas das puras seja que naquelas a vida não é boa, nem Aristóteles nem todos
os escritores que depois dele vieram jamais lhes negaram o caráter de constituições
políticas. Não nos iludam outras teorias tradicionais que atribuem à política outros fins
além da ordem, como o bem comum (o próprio Aristóteles e depois dele o aristotelismo
medieval) ou a justiça (Platão: um conceito como o de bem comum, caso queiramos
libertá-lo da sua extrema generalidade, através da qual pode significar tudo e nada, e
queiramos indicar-lhe um significado plausível, não pode designar senão aquele bem que
todos os membros de um grupo têm em comum, bem este que outro não é senão a
convivência ordenada, em uma palavra, a ordem; quanto à justiça em sentido platônico,
se a entendemos, uma vez dissipadas todas as névoas retóricas, como o princípio com
base no qual é bom que cada um faça aquilo que dele se espera no âmbito da sociedade
como um todo (República, 433a), justiça e ordem são a mesma coisa. Outras noções de
fim, como felicidade, liberdade, igualdade, são demasiado controversas, e também elas
interpretáveis das maneiras mais dispares para que delas se possam extrair indicações
úteis para individuar o fim específico da política.
Outro modo de escapar às dificuldades de uma definição teleológica de política é
definindo-a como aquela forma de poder que outro fim não tem além do próprio poder
(donde poder é ao mesmo tempo meio e fim, ou, como se costuma dizer, fim em si
mesmo). "O caráter político da ação humana escreve Mario Albertini emerge quando o
poder se torna um fim, é buscado em certo sentido por si mesmo, e constitui o objeto de
uma atividade específica",6 diferente do que ocorre com o médico que exerce o próprio
poder sobre o doente para curá-lo, ou do rapaz que impõe o seu jogo aos colegas não pelo
prazer de exercer um poder, mas pelo prazer de jogar. Pode-se objetar a esse modo de
definir política dizendo que ele não define tanto uma forma específica de poder, mas um
modo específico de exercê-lo, e, portanto, se aplica igualmente bem a qualquer forma de
poder (seja ele o poder econômico, ou o poder ideológico, e assim por diante). O poder
pelo poder é a forma degenerada do exercício de qualquer forma de poder, que pode ter
por sujeito tanto quem exerce aquele poder de amplas dimensões que é o poder político
quanto quem exerce um pequeno poder, como pode ser o poder de um pai de família, ou

6. M. ALBERTINI, "La politica", in La politica ed altri saggi, Giuffrè, Milio, 1963, p. 9.


de um chefe de seção que supervisiona uma dúzia de operários. A razão pela qual pode
parecer que o poder como fim em si mesmo seja característico da política (mas seria mais
exato dizer de um certo homem político, o homem político maquiavélico) está no fato de
não existir um fim tão específico da política tal como, ao contrário, existe um fim
específico do poder que o médico exerce sobre o doente, ou do rapaz que impõe um jogo
aos seus colegas. Se o fim da política (e não do homem político maquiavélico) fosse
realmente o poder pelo poder, a política não serviria para nada. Provavelmente a definição
da política como poder pelo poder deriva da confusão entre o conceito de poder e o
conceito de potência: não há dúvida de que entre os fins da política também esteja aquele
da potência do Estado (quando se leva em consideração a relação do próprio Estado com
outros Estados). Mas uma coisa é uma política de potência, outra coisa é o poder pelo
poder. E, além disso, a potência nada mais é que um dos fins possíveis da política, um
fim que apenas alguns Estados podem razoavelmente perseguir.

A política como relação amigo-inimigo

Entre as mais conhecidas e discutidas definições de política devemos considerar


aquela de Carl Schmitt fretomada e amphada por Julien Freund), segundo a qual a esfera
da política coincide com a esfera da relação amigo-inimigo. Com base a nessa definição,
o campo de origem e de aplicação da política seria o antagonismo, e a sua função
consistiria na atividade de agregar e defender os amigos e de desagregar e combater os
inimigos. Para reforçar a sua definição, fundada sobre uma oposição fundamental (amigo-
inimigo), Schmitt compara-a às definições de moral, de arte etc. fundadas, também elas,
sobre oposições fundamentais, tais como bom-mau, belo-feio etc. "A específica distinção
política, à qual é possível reconduzir as ações e os motivos políticos, é a distinção entre
amigo e inimigo (...). Uma vez que não é derivável de outros critérios, ela corresponde,
para a política, aos critérios relativamente autônomos das outras oposições: bom e mau
para a moral, belo e feio para a estética, e assim por diante". 7 Drasticamente, Freund
expressase nos seguintes termos: "enquanto houver política, ela dividirá a coletividade
em amigos e inimigos".8 E comenta: "Quanto mais uma oposição se desenvolve em
direção à distinção amigo-inimigo, mais se torna política. A característica do Estado é
suprimir no interior do seu âmbito de competência a divisão dos seus membros ou grupos
internos em amigos e inimigos, com o objetivo de não tolerar senão as simples rivalidades
agonísticas ou as lutas dos partidos, e reservar ao governo o direito de designar o inimigo
externo. (...) Fica, portanto, claro que a oposição amigo-inimigo é politicamente
fundamental".9
Não obstante a pretensão de valer como definição global do fenômeno político, a
definição de Schmitt considera a política segundo uma perspectiva unilateral, ainda que
importante, que é aquela do particular tipo de conflito que por sua vez distinguiria a esfera
das ações políticas. Em outras palavras, Schmitt e Freund parecem estar de acordo quanto
aos seguintes pontos: a política tem a ver com a conflituosidade humana; há vários tipos
de conflitos, sobretudo conflitos agonísticos e conflitos antagonísticos: a política cobre o
campo em que se desenvolvem conflitos antagonísticos. Que seja esta a perspectiva a
partir da qual se posicionam os autores citados, parece não haver dúvida. Para Schmitt:
"A oposição política é a mais intensa e extrema de todas, e qualquer outra oposição

7. C. SCHMITT, Der Begriff des Politischen, Duncker und Humblot, München-Leipzig. 1937 (ed it.: Il
concetto di "politico", in ID., Le categorie del "politico", organizado por G. Miglio e P. Schica, Mulino,
Bolonha1972, reimp., 1998, p. 108).
8. J. FREUND, L'essence du politique, Sirey, Paris, 1965, p. 448.
9. J. FREUND, L'essence du politique cit.,. 445.
concreta é tanto mais política quanto mais se aproxima do ponto extremo, aquele do
agrupamento com base nos conceitos amigo-inimigo" 10 Para Freud: "Qualquer
divergência de interesses (...) pode a qualquer momento transformar-se em rivalidade ou
em conflito, e esse conflito, a partir do momento em que assume o aspecto de uma prova
de força entre os grupos que representam esses interesses, vale dizer, a partir do momento
que se afirma como luta de potência, torna-se político".11 Como podemos verificar nas
passagens citadas, ao definir a política com base na dicotomia amigo-inimigo, esses
autores têm em mente que existem conflitos entre os homens e entre os grupos sociais, e
que entre estes conflitos há alguns distintos de todos os outros devido à sua particular
intensidade; a estes dão o nome de conflitos políticos. Contudo, tão logo se compreende
no que consiste essa particular intensidade, e, portanto, no que a relação amigo inimigo
se distingue de todas as outras relações conflitantes de não equivalente intensidade,
percebe-se que o elemento distintivo está no fato de que são conflitos que não podem ser
resolvidos em última instância senão com a força, ou pelo menos, que justificam, por
parte dos contendentes, o uso da força para pôr fim à contenda. O conflito por excelência
a partir do qual tanto Schmitt quanto Freund extrapolaram suas respectivas definições de
política é a guerra, cujo conceito compreende tanto a guerra externa quanto a guerra
interna: ora, se uma coisa é certa, é que a guerra é aquela espécie de conflito que se
caracteriza eminentemente pelo uso da força. Mas se isso é verdade, a definição de
política em termos de amigo-inimigo não é em absoluto incompatível com aquela, dada
anteriormente, que faz referência ao monopólio da força. Não apenas não é incompatível,
como dela é uma especificação, e portanto, em última análise, uma confirmação.
Exatamente porque o poder político é distinto do instrumento do qual se serve para
alcançar os próprios fins, e esse instrumento é a força física, ele é aquele poder ao qual se
apela para solucionar os conflitos cuja não-solução teria como efeito a desagregação do
Estado ou da ordem internacional, sendo estes exatamente os conflitos nos quais,
postando-se os contendentes um diante do outro, a vita mea é a mors tua.

O político e o social

Contrariamente à tradição clássica segundo a qual a esfera da política, entendida


como esfera de tudo aquilo que concerne à vida da pólis, inclui todo tipo de relações
sociais, de modo que o "político" passa a coincidir com o "social", o tratamento que aqui
se fez da categoria da política é certamente redutor: resumir, como se afirmou, a categoria
da política à atividade que tem direta ou indiretamente relação com a organização do
poder coativo significa restringir o âmbito do "político" em relação ao "social", recusar a
plena coincidência do primeiro com o segundo. Essa redução tem uma razão histórica
bem precisa. De um lado, o cristianismo subtraiu da esfera da política o domínio sobre a
vida religiosa, dando origem à oposição entre poder espiritual e poder temporal, que era
ignorada no mundo antigo. De outro, o nascimento da economia mercantil burguesa
subtraiu da esfera da política o domínio sobre as relações econômicas, dando origem à
oposição (para nos expressar com a terminologia hegeliana herdada por Marx, e
transformada, por fim, em uso comum) entre sociedade civil e sociedade política, entre
esfera privada, ou do burguês, e esfera pública, ou do cidadão, que era, também ela,
ignorada no mundo antigo. Enquanto a filosofia política clássica está alicerçada sobre o
estudo da estrutura da pólis e das suas várias formas históricas ou ideais, a filosofia
política pós-clássica caracteriza-se pela contínua tentativa de uma delimitação daquilo
que é político (o reino de César) em relação àquilo que não é político (seja ele o reino de

10. C. SCHMITT, Der Begriff des Politischen cit., p. 112.


11. J. FREUND, L'essence du politique, cit., p. 479.
Deus ou o reino das riquezas),*12 por uma contínua reflexão sobre aquilo que diferencia
a esfera da política da esfera da não-política, o Estado do não-Estado, onde por esfera da
nãopolítica ou do não-Estado entende-se, dependendo das circunstâncias, ora a sociedade
religiosa (a ecclesia contraposta à civitas), ora a sociedade natural (o mercado como lugar
em que os indivíduos se encontram, independentemente de qualquer imposição, em
oposição à ordem coativa do Estado). O tema fundamental da filosofia política moderna
é o tema das fronteiras, ora mais recuadas, ora mais avançadas, segundo os vários autores
e as várias escolas, do Estado como organização da esfera política, seja em relação à
sociedade religiosa, seja em relação a sociedade civil (no sentido de sociedade burguesa
ou dos privados). Exemplar também sob esse aspecto é a teoria política de Hobbes, que
se articula em torno de três conceitos fundamentais, constituindo as três partes nas quais
se divide a matéria do De cive. Essas três partes são assim denominadas: libertas, potestas,
religio. O problema fundamental do Estado, e portanto da política, é para Hobbes o
problema das relações entre a potestas, simbolizada pelo grande Leviată, de um lado, e a
libertas e a religio, de outro: a libertas indica o espaço das relações naturais, no qual se
desenvolve a atividade econômica dos indivíduos, estimulada pela incessante disputa pela
posse dos bens materiais, o estado de natureza (interpretado recentemente como a
prefiguração da sociedade de mercado); a religio indica o espaço reservado à formação e
expansão da vida espiritual, cuja concretização histórica se dá com a instituição da Igreja,
isto é, de uma sociedade que por sua natureza é distinta da sociedade política e não pode
ser com ela confundida. Com relação a essa dupla delimitação de fronteiras do território
da política, emergem na filosofia política moderna dois tipos ideais de Estado: o Estado
absolutista e o Estado liberal, o primeiro tende a ampliar, o segundo a restringir a própria
ingerência no que concerne à sociedade econômica e à sociedade religiosa. Na filosofia
política do século XIX, o processo de emancipação da sociedade em relação ao Estado
está tão adiantado que pela primeira vez, a partir de inúmeros pontos de vista, é imaginado
o completo desaparecimento, em um futuro mais ou menos distante, do Estado, e
consequentemente a absorção do político no social, ou o fim da política. De acordo com
o que foi dito até aqui sobre o significado restritivo de política (restritivo com relação ao
conceito mais amplo de "social"), fim da política significa exatamente o fim de uma
sociedade para cuja coesão sejam necessárias relações de poder político, isto é, relações
de domínio fundadas em última instância no uso da força. Fim da política não significa,
bem entendido, fim de qualquer forma de organização social. Significa pura e
simplesmente fim daquela forma de organização social que se sustenta no uso exclusivo
do poder coativo.

Política e moral

Ao problema da relação entre política e não-política associa-se um dos problemas


fundamentais da filosofia política, o problema da relação entre política e moral. A política
e a moral têm em comum o domínio sobre o qual se estendem, que é o domínio da ação
ou da práxis humana. Considera-se que diferem entre si com base no diferente princípio
ou critério de justificação e de avaliação das respectivas ações, tendo por consequência
que aquilo que é obrigatório em moral nem sempre é obrigatório na política, e aquilo que
é lícito na política nem sempre é lícito na moral; ou que podem existir ações morais que
são impolíticas (ou apolíticas) e ações políticas que são imorais (ou amorais). A
descoberta da distinção, que é atribuída, correta ou incorretamente, a Maquiavel, daí o
nome de maquiavelismo a toda teoria da política que sustente e defenda a separação entre

*No original, "sia questo il regno di Dio o quello di Mammona". (N. T.)
política e moral, é com frequência tratada como problema da autonomia da política. O
problema avança pari passu com a formação do Estado moderno e com a sua gradual
emancipação da Igreja, chegando, nos casos extremos, inclusive à subordinação da Igreja
ao Estado e, consequentemente, a supremacia absoluta da política. Na verdade, aquilo
que chamamos de autonomia da política nada mais é que o reconhecimento de que o
critério com base no qual se considera boa ou má uma ação política (e não nos esqueçamos
de que por ação política se entende, de acordo com o que foi dito até aqui, uma ação que
tenha por sujeito ou objeto a pólis) é distinto do critério com base no qual se considera
boa ou má uma ação moral. Enquanto o critério com base no qual se julga uma ação
moralmente boa ou má é o respeito a uma norma cujo comando é considerado categórico,
independente do resultado da ação (laça que deve sei icito e aconteça o que tiver de
acontecer"), o critério com base no qual se julga uma ação politicamente boa ou má é
pura e simplesmente o resultado ("faça o que deve ser feito para que aconteça aquilo que
você quer que aconteça"). Os dois critérios são incomparáveis. Essa incomparabilidade
expressa-se mediante a afirmação de que em política vale a máxima "o fim justifica os
meios": máxima que encontrou em Maquiavel uma das suas mais fortes expressões: "(...)
e nas ações de todos os homens, e máxime dos príncipes, onde não há juízo ao qual
reclamar, olha-se o fim. Faça, portanto, um príncipe de modo a vencer e manter o Estado:
e os meios serão sempre julgados honrosos, e por todos louvados" (O príncipe, XVIII).
Ao contrário, na moral, a máxima maquiavélica não vale, já que uma ação para ser julgada
moralmente boa deve ser cumprida com nenhum outro fim além daquele de cumprir o
próprio dever.
Uma das mais convincentes interpretações desta oposição e distinção weberiana
entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade: "(...) há uma diferença
incomensurável entre o agir segundo a máxima da ética da convicção, a qual em termos
religiosos. O cristão age como um justo e remete o êxito às mãos de Deus', e o agir
segundo a máxima da ética da responsabilidade, segundo a qual é preciso responder pelas
consequências (previsíveis) das próprias ações".1213O universo da moral e o universo da
política movem-se dentro do âmbito de dois sistemas éticos distintos, aliás, opostos. Mais
que de imoralidade da política ou de impoliticidade da moral, deveríamos mais
corretamente falar de dois universos éticos que se movem segundo princípios distintos de
acordo com as distintas situações nas quais os homens se encontram ao agir. Desses dois
universos éticos são representantes dois personagens distintos que agem no mundo em
caminhos quase sempre destinados a não se encontrar: de um lado, o homem de fé, o
profeta, o pedagogo, o sábio que olha a cidade celeste; de outro lado, o homem de Estado,
o condottiero dos homens, o criador da cidade terrena. O que conta para o primeiro é a
pureza das intenções e a coerência entre ação e intenção; para o segundo, a certeza e a
fecundidade do resultado. A chamada imoralidade da política resume-se, olhando bem, a
uma moral distinta daquela do dever pelo dever: é a moral pela qual se deve fazer tudo
aquilo que está em nosso poder para realizar o objetivo ao qual nos propusemos, porque
sabemos desde o início que seremos julgados com base no sucesso. A ela correspondem
dois conceitos de virtude, aquela clássica, em que "virtude" significa disposição para o
bem moral (em oposição ao útil), e aquela maquiavélica, em que virtude é a capacidade
do príncipe forte e prudente que, usando ao mesmo tempo da "raposa" e do "leão", é bem-
sucedido em seu intento de manter e reforçar o próprio domínio.

A política como ética do grupo

12. M. WEBER, Politik als Beruf, in Gesammelte Politische Schriften, organizado por J. Winckelmani,
Mohr, Tübingen, 1971/3 (ed. it. de A. Giolitti, in Il lavoro intellectuale come professione, "Nue", Einaudi,
Turim, 1966, nova ed. 1977, p. 109).
Quem não quiser se render à constatação da incomensurabilidade dessas duas
éticas e quiser tentar entender a razão pela qual aquilo que se justifica em um certo
contexto não se justifica em outro, deve se perguntar então onde reside a diferença entre
esses dois contextos. A resposta é a seguinte: o critério da ética da convicção é
comumente empregado para julgar ações individuais, enquanto o critério da ética da
responsabilidade é comumente empregado para julgar ações de grupo, ou ao menos
cumpridas por um indivíduo em nome ou por conta do próprio grupo, seja ele o povo, ou
a nação, ou a Igreja, ou a classe, ou o partido etc. Em outros termos, pode-se dizer que à
diferença entre moral e política, ou entre ética da convicção e ética da responsabilidade,
corresponde também a diferença entre ética individual e ética de grupo. A proposição
inicial, segundo a qual aquilo que é obrigatório na moral nem sempre é considerado
obrigatório na política, pode ser traduzida nesta outra fórmula: aquilo que é obrigatório
para o indivíduo nem sempre é obrigatório para o grupo ao qual esse indivíduo pertence.
Pensemos na profunda diferença no juízo que filósofos, teólogos, moralistas apresentam
em relação à violência secundo se trate de um ato de violência cumprido por um indivíduo
isolado, ou pelo grupo social ao qual o mesmo indivíduo pertence; em outras palavras,
segundo se trate de violência pessoal, geralmente, salvo casos excepcionais, condenada,
ou de violência das instituições, geralmente, salvo casos excepcionais, justificada. Essa
diferença encontra sua explicação na consideração de que no caso da violência individual,
quase nunca se pode recorrer ao critério de justificação da extrema ratio (exceto no caso
da legítima defesa), enquanto nas relações entre grupos o recurso à justificação da
violência como extrema ratio é habitual. Ora, a razão pela qual a violência individual não
é justificada está precisamente no fato de que ela é, por assim dizer, protegida pela
violência coletiva, tanto que é cada vez mais raro, no limite do impossível, um caso em
que o indivíduo isolado se encontre na situação de precisar recorrer à violência como
extrema ratio. Se isto é verdade disso decorre uma importante consequência: a
injustificação da violência individual repousa em última instância no fato de que é aceita,
porque justificada, a violência coletiva. Em outras palavras, a violência individual não é
necessária porque basta a violência coletiva: a moral pode assim se permitir ser severa
com a violência individual porque repousa sobre a aceitação de uma convivência que se
sustenta sobre a prática contínua da violência coletiva.
A oposição entre moral e política desse modo entendida, como oposição entre
ética individual e ética de grupo, serve também para fornecer uma ilustração e uma
explicação da secular disputa em torno da "razão de Estado". Por "razão de Estado"
entende-se aquele conjunto de princípios e máximas com base nas quais ações que não
seriam justificadas se cumpridas por um indivíduo isolado não são apenas justificadas
mas em alguns casos de fato exaltadas e glorificadas se cumpridas pelo príncipe, ou por
qualquer pessoa que exerça o poder em nome do Estado. Que o Estado tenha razões que
o indivíduo não tem ou não pode fazer valer é um outro modo de colocar em evidência a
diferença entre política e moral, uma vez que essa diferença referee ao distinto critério
com base no qual são julgadas como boas ou más as ações nos dois diferentes âmbitos. A
afirmação de que a política é a razão do Estado encontra uma perfeita correspondência na
afirmação de que a moral é a razão do indivíduo. São duas razões que quase nunca
coincidem: antes, da sua oposição alimenta-se a secular história de conflito entre moral e
política. O que talvez seja necessário ainda acrescentar é que a razão de Estado nada mais
é que um aspecto da ética de grupo, ainda que o mais clamoroso, sendo o Estado a
coletividade no seu mais alto grau de expressão e potência. Mas cada vez que um grupo
social age em sua própria defesa contra outro grupo, apela-se a uma ética distinta daquela
geralmente válida para os indivíduos, a uma ética portanto que responde à mesma lógica
da razão de Estado. Assim, ao lado da razão de Estado, a história nos acena, de acordo
com os tempos e os lugares, ora uma razão de partido, ora uma razão de classe ou de
nação, que representam, sob outro nome, mas com a mesma força e com as mesmas
consequências, o princípio da autonomia da política, entendida como autonomia dos
princípios e das regras de ação que valem para o grupo como totalidade em relação às
regras que valem para o indivíduo no grupo.

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