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2003
UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
2003
Adelina Maria Granado Andrês
í
RESUMO
2
RESUME
Les résultats de l'étude sont en accord avec le modèle étudié puisqu'il prévoit
que le plus grand degré d'émancipation et de production de connaissance
arrivera seulement en situation après-diplôme.
3
ABSTRACT
This thesis use, as the theory study object of Steve Stoer and Luiza Cortesão
about pedagogies practices in Universities, presented on a table of 2
dimensions; the source of know lodge used in the classroom, with tree
situations - the manual; other scientific elements; from himself (from the minor
to the greatest know lodge production) the other element represents how the
know lodge is presented to the students, with tree situations - transferred;
active and in context (from the minor to the greatest). The results of these
situations are represented in nine cells, each one revels the implications of the
various pedagogies about know lodge production and the pedagogies practices.
To know the teachers pedagogies practices in University and the usual of the
referred model, we use the qualitative methodology - interviews semi-directed
and main analysis. There was tree Oporto University teachers from different
areas: Natural Sciences, Social and Human Sciences and Exact Sciences. For
the main analysis there were created tree big categories (that includes eight)
class, students and professors.
The study results match with the presented model, because generates grater
know lodgment and only can occur in post-graduations.
4
AGRADECIMENTOS
Ao António, à Inês e à Beatriz, e à minha mãe, que são os meus mais amigos no
mundo.
Aos meus colegas e amigos do ISCAP - Área das Ciências Sociais e Humanas:
à Sofia Silva que partilha, ao Geraldo Ramos que age e compreende, e à
Margarida Matos que ajuda a encontrar.
5
ÍNDICE
VOLUME 1
Introdução 11
I. A Universidade Portuguesa 13
Noção fundamental 39
As aulas 41
Os alunos 42
Os professores 43
As Pedagogias Activas 47
Noção fundamental 47
As aulas 49
6
Os alunos 50
Os professores 51
O Multiculturalismo Benigno
ou a Folclorização da Diferença 62
O Professor Intermulticultural e
os Dispositivos de Diferenciação Pedagógica 63
7
IV. Trabalho Pedagógico na Universidade:
Metodologia 84
Realização de Entrevistas 86
Análise de Conteúdo 93
Bibliografia 183
8
VOLUME 2
ANEXOS
Anexo II - Entrevistas
Manuel Rebelo-FCUP
Manuel Rebelo-FCUP
Manuel Rebelo-FCUP
9
"... um certo número de docentes do Ensino Superior concedem um
lugar à pedagogia ou à didáctica nas suas preocupações
metodológicas e vêm modificando mais ou menos o seu
comportamento. (...) Reflectir nos problemas pedagógicos e introduzir
modificações, nesse âmbito, no Ensino Superior não equivale,
contudo, a que ocultemos os problemas sociopolíticos: é uma forma
de agir que, (...) fazendo parte da complexidade da realidade em
evolução, acaba por inscrever-se na sua dialéctica."
10
INTRODUÇÃO
11
sócio-antropológíco - para, depois e através desse conhecimento, este
professor ser capaz de construir um outro conhecimento de tipo educativo - o
professor é também um investigador educativo. Ambos os conhecimentos
(sócio-antropológico e educativo) se revelam na criação e na utilização
daqueles dispositivos de diferenciação pedagógica pelo professor - o que
pressupõe e exige, da sua parte, uma capacidade de bilinguismo cultural que
lhe permite interagir com todos os alunos (considerando a pertença de cada um
deles a qualquer/quaisquer grupo/s sociocultural/ais). Trata-se da figura do
professor intermulticultural, cujo perfil reúne fundamentalmente as
características referidas - o modelo de educação contextualizada visa
essencialmente a produção de conhecimento (em oposição à sua reprodução),
e a emancipação dos indivíduos (em oposição à sua domesticação).
12
I
A UNIVERSIDADE PORTUGUESA
13
"... sempre a universidade funcionou em termos de, ao reproduzir
uma certa concepção do mundo e da vida, ter de agir no sentido de a
transmitir. E como as exigências da organização social não podem,
com maior ou menor grau de consciência do facto, deixar de difundir e
de reproduzir as ideologias direccionais do conjunto da vida colectiva
de cada época histórica, é claro que a universidade, juntamente com
todo o restante sistema escolar, representa um dos veículos de
transmissão da ideologia socialmente dominante."
(Castro, Armando, 1985: 50)
14
DESDE OS FINS DOS ANOS 60 ATÉ 25 DE ABRIL DE 1974 EM PORTUGAL
Nos fins dos anos 60, com o governo de Marcelo Caetano, o contexto
económico-político-social que se vivia em Portugal era de relativa flexibilidade e
abertura (comparando-o com a rigidez e fechamento do governo de Salazar):
"... do Regime Estado Novo (1926-1974), podemos distinguir 4 fases de
evolução, correspondendo a 4 a ao período marcelista (1968-1974), e que é
marcada por uma certa abertura política no seu início e pela subsequente
agonia do regime que culmina com a Revolução de Abril de 1974" (Manuel
Carmelo Rosa, s/d: 135).
Nesta perspectiva, e relativamente à educação, o que mais importa é a sua relação com a
economia, no sentido da teoria do capital humano - a estratégia seguida é, pois, ajustar as
necessidades da educação às do mercado de trabalho.
2
A OCDE fornecia pareceres e peritagens.
15
Deste modo, a afluência de massas às universidades relaciona-se com a
industrialização e a tecnologia que se originou e desenvolveu noutros países, e
que depois chegou a Portugal criando novas necessidades de formação de
mão-de-obra qualificada a que estas instituições deveriam dar resposta.
16
Para além do citado, foram realizados naquela época outros trabalhos sobre
esta matéria dos quais resultaram algumas publicações - salienta-se a
colectânea "A Universidade na Vida Portuguesa", em 1969, composta por dois
volumes I e II, a qual foi também da responsabilidade de António Sedas Nunes
- e que inclui textos deste autor e de outros das ciências sociais e humanas
daqueles anos3. É principalmente com base neste documento que
procuraremos caracterizar e compreender o fenómeno do ensino superior de
massas em Portugal - no que diz fundamentalmente respeito às implicações
em termos de diversidade nas suas populações discentes, e eventuais
repercussões nas práticas pedagógicas dos seus docentes.
Para além dos textos de António Sedas Nunes, encontramos outros de autores como Alberto
Ralha, Fernando Dias Agudo, Rui Machete, Alfredo Sousa, Miller Guerra.
17
Nesses anos, para além da até então população discente habitual - jovens do
sexo masculino vindos directamente do ensino secundário e oriundos de
estratos sociais favorecidos - muitos outros passaram a frequentar as
universidades - mulheres, e outros jovens e adultos já inseridos na vida
activa4.
Assim, as universidades passaram a acolher grandes massas de população
com um vincado carácter de heterogeneidade sociocultural para as quais não
estavam preparadas, nem do ponto de vista do número propriamente dito -
desmesurado para as infraestruturas existentes - nem relativamente a
características específicas dessas novas/outras populações. Esta situação
traduziu-se numa "crise generalizada", segundo Sedas Nunes.5
Se, por um lado, era importante para o país produzir mais licenciados para
responder à sua solicitação crescente "... a abertura de mais largos acessos ao
ensino superior é questão de sobrevivência nacional, pois que dela depende a
formação, em número suficiente, dos cientistas, pesquisadores e técnicos
necessários." (Sousa, Alfredo in Sedas Nunes, 1969: 248); por outro lado, a
grande maioria dos estudantes universitários pertenciam ainda às classes
sociais mais favorecidas, encontrando-se as outras pouco representadas6.
Assim, e com vista a um ensino superior democrático, Miller Guerra e Sedas
Nunes partem deste pressuposto que adjectivam como fundamental: "... é
indispensável fomentar, em Portugal, uma democratização do acesso7 às
Universidades" (Guerra, Miller; Nunes, Sedas, 1969: 433).
4
Como tivemos oportunidade de referir com base em outro trabalho do mesmo autor: Nunes,
A. Sedas (s/d) A Situação Universitária Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte.
Sedas, A. Nunes O Sistema Universitário em Portugal: Alguns Mecanismos, Efeitos e
Perspectivas do seu Funcionamento in Sedas Nunes (org.) (1969: 99) A Universidade na Vida
Portuguesa
6
Segundo Sedas Nunes (1969), no ano lectivo de 1963/64 havia um estudante por cada sete
famílias pertencentes a grupos socioprofissionais considerados elevados; enquanto que nos
grupos socioprofissionais considerados baixos a relação era de um estudante por cada 1191
famílias. De ano para ano cresce a representatividade destes últimos grupos nas
Universidades, mas na comparação com a dos primeiros ela é sempre menor. No entanto, e no
total da sociedade, o número de famílias pertencentes a grupos socioeconómicos considerados
baixos é largamente maior que o das pertencentes a grupos socioeconómicos considerados
elevados. Por isso, Sedas Nunes considera que a população universitária, relativamente à sua
origem social, apresenta um triângulo invertido.
Estes autores referem o termo acesso, e não se referem - pelo menos explicitamente - ao
processo posterior à entrada (que actualmente designamos pelo termo sucesso).
18
Explicitamente para tentar dar resposta a esta situação e porque a grande
procura do ensino superior justificava a selecção de um leque maior e mais
diversificado de alunos para as universidades no contexto político e económico
referido, defendeu-se uma lógica de igualdade de oportunidades: "A análise
das origens sociais dos estudantes portugueses revela profundas
desigualdades no acesso ao ensino superior. Por outro lado, o princípio da
igualdade das oportunidades, conduzindo a uma selecção dos mais aptos,
impõe-se hoje, não apenas por razões de ordem ética, mas também por
motivos económicos e sociais." (Machete, Rui in Sedas Nunes, 1969: 213) 8 .
Nesta perspectiva, a selecção a ser feita seria com base no mérito académico
dos candidatos - independentemente de outros critérios económicos e sociais,
como se afirmou - ou seja, independentemente da posição do indivíduo na
hierarquia social, já que esta capacidade ou mérito se encontraria
aleatoriamente distribuída pelos indivíduos em todos os estratos sociais.
19
As implicações do grande número de estudantes reflectiram-se, por um lado,
na qualidade do corpo docente - o ratio alunos/professores catedráticos
diminuiu consideravelmente e houve, como recurso, o recrutamento de muitos
assistentes9 - e, por outro lado, reflectiram-se na qualidade e na frequência de
contactos/comunicação entre os elementos dos corpos docente e discente, que
também diminuíram: "... o número médio dos alunos por professor era
pequeno, o que facultava oportunidades de contactos relativamente frequentes
e directos entre ambas as partes. Esta situação encontra-se hoje
substancialmente modificada." (Guerra, Miller em Nunes, Sedas, 1969: 456).
9
Como não é possível ter mais professores porque só pode haver um por cadeira e o número
de cadeiras se mantém, aumenta-se extraordinariamente o número de assistentes. Estes, na
sua grande maioria e contrariamente ao que era hábito acontecer, acumulam actividades fora
das universidades já que os salários são baixos e as perspectivas de aí fazer carreira, e dentro
de um espaço de tempo considerado aceitável, apresentam-se diminutas - por um lado, são
muitos, mas só muito poucos poderão prosseguir; por outro lado, o assistente candidato deve
dispor de tempo e de dinheiro para fazer a respectiva carreira, já que o necessário
doutoramento demora oito anos no mínimo a concluir, e tem que ser feito a expensas próprias.
Nestas condições, a função de assistente poderá deixar de ser aliciante para muitos
licenciados o que poderá conduzir, da sua parte, ao abandono deste projecto e à consequente
redução do padrão das qualificações exigidas na admissão dos novos assistentes. E, deste
modo, se reduz também, em princípio, a qualidade de ensino.
10
O tipo de ensino escolástico utiliza apenas a palavra, falada e escrita - através de prelecções
expostas pelo professor nas aulas teóricas e, nas aulas práticas, fazem-se exercícios de
aplicação dos conhecimentos adquiridos daquela forma. Os alunos são, depois, avaliados
mediante exame escrito ou oral.
20
aconselhável que os alunos percam quase todo o seu tempo a ouvi-las. Não
quer dizer que as aulas magistrais não devam também desempenhar um papel
importante no ensino superior moderno. (...) Contudo, as aulas teóricas não
devem nunca constituir o único método de ensino utilizado, pois tendem a criar
nos alunos uma atitude passiva em relação aos assuntos apresentados,
habituando-os a escrever a opinião dos outros em vez da sua própria." (Ralha,
Alberto in Nunes, A. Sedas, 1969: 103).
11
Sedas Nunes O Sistema Universitário em Portugal: Alguns Mecanismos, Efeitos e
Perspectivas do seu Funcionamento in Sedas Nunes (org.) (1969: 170) A Universidade na Vida
Portuguesa
Manteve-se a expressão usada por Sedas Nunes em 1969.
21
professoral, mais ou menos completado por "exercícios de aplicação" em aulas
práticas, deixou de constituir, para muitos dos alunos, um processo eficaz de
comunicação pedagógica..." (Guerra, Miller em Nunes, Sedas, 1969: 456), e
Sedas Nunes acrescentou que "A redução do nível educacional médio das
famílias de onde os estudantes provêm suscita, por conseguinte, um problema
de desajustamento crescente entre a natureza da pedagogia que
principalmente se pratica nas nossas Universidades e as características
culturais originárias da respectiva população estudantil." (Nunes, A. Sedas,
1969: 98).
22
Admitiu-se que se se mantivesse a situação que se vivia naqueles fins de anos
60 - conjugação entre o ensino escolástico, o aumento progressivo do "ratio"
alunos/professores, e o aumento da proporção relativa dos alunos oriundos de
meios socioculturais educacionalmente pobres - as universidades portuguesas
iriam continuar em declínio, até finalmente acabarem por entrar em colapso. E
considerou-se que, se estas se mostraram adequadas, nas suas estruturas e
no seu funcionamento, em determinada época13, naquele contexto isso já não
acontecia; no que diz especificamente respeito às práticas pedagógicas neste
nível de ensino "... as Universidades portuguesas - que utilizam
essencialmente o método escolástico (...) - não oferecem condições
favoráveis." (Ralha, Alberto, in Nunes, A. Sedas, 1969: 99).
Depois do surgimento das Universidades - na Idade Média, na Europa - o seu apogeu deu-se
no período de ascensão da burguesia, do qual se mantêm praticamente inalteráveis, nos anos
que estamos a tratar, as estruturas e o funcionamento.
A Reforma de Veiga Simão surgiu nestes anos, mas já havia trabalhos prévios com ela
relacionados desde os anos 50 com os ministros de educação nacional Leite Pinto, Galvão
Teles e José Hermano Saraiva (cronologicamente ordenados).
23
A assunção, pelo governo, dessa necessidade de reformar o ensino superior
em Portugal pode observar-se neste excerto do discurso de tomada de posse
do Ministro Veiga Simão, no início de 1970: "A reforma da Universidade
constitui (...) a preocupação primeira deste Ministério e, ouvidos todos os seus
elementos representativos, serão ensaiadas soluções que lhe assegurem a
posição de vanguarda nos domínios do pensamento e lhe confiram uma
eminente dignidade."15 (citado em Teodoro, António, 1978: 72).
Sobre esta Reforma, Sedas Nunes declarou que "... chegara num momento
oportuno, permitindo, particularmente, a democratização da Universidade sem
a sua subordinação aos interesses do capital multinacional." (Nunes, A. Sedas,
citado em Stoer, Stephen, 1986: 81) - o que é discutível dado o contexto
internacional de modernização que influenciou as políticas de educação em
Portugal, e que já referimos. Neste contexto, "A Reforma baseou-se nas teorias
do capital humano e nas sugestões da OCDE, e teve como objectivos
explícitos garantir a igualdade de oportunidades para todos - falava-se na
democratização do ensino (em termos meritocráticos) - e promover o
desenvolvimento económico e social do país" (Stoer, Stephen; Stoleroff, Alan;
Correia, José Alberto, 1990: 23). Esta terminologia meritocrática pode
observar-se também em outro excerto de outro discurso do mesmo ministro:
"... todos, na base de oportunidades iguais, deverão poder encontrar nesse
sistema (de ensino) a via que garanta o seu direito inalienável a ser educado."16
(citado em Stoer, Steve, 1982: 31).
Veiga Simão propôs um debate e uma crítica nacionais dessa reforma - o que aconteceu
pela primeira vez no regime.
16
Excerto do discurso sobre a "Reforma Geral de Educação em Portugal" que foi apresentado
ao país através da rádio no dia 6 de Janeiro de 1971.
24
humanos, às crescentes necessidades daquele; por outro lado, era necessário
alargar a elite dirigente do país através de maior número de diplomados. Nesta
perspectiva, a Reforma de Veiga Simão surgiu adequada - como também o
revela a sua apresentação ao país (pela voz de Marcelo Caetano, na rádio).
Efectivamente existe relação entre o mercado e o princípio de igualdade de
oportunidades fundamentado na noção de meritocracia, o qual revela uma
intenção económica, como defendem Finn, Grant e Johnson. Contudo, existe
na Reforma um "cunho democrático e popular" pelo facto de se verificar a
expansão das oportunidades e recursos educativos, como contrapõe Williams.
Assim, o discurso de Veiga Simão poderá ser compreendido na
contextualização de Portugal na época como um país na periferia da Europa
capitalista com necessidade de se desenvolver economicamente, em que um
sistema educativo com base na igualdade de oportunidades no sentido
meritocrático era tido como fundamental para o progresso económico do país e
para a sua integração na Europa: "Portugal (...) precisava da Reforma para se
modernizar e "europeizar" (Stoer, Stephen, 1982: 31; 95; 115).
25
Por outro lado, e segundo Stoer, Stoleroff e Correia (1990), se o Estado
enquanto "... representante do médio capital modernizador na conjuntura
política e económica de crise fiscal e de legitimação" que se vivia na época em
Portugal originou a Reforma (Dale, Roger citado em Stoer; Stoleroff; Correia,
1990: 41-42), esta acabou também por se revelar "... um ponto central na
constituição de uma nova organização política e económica das forças
sociais..." (Stoer; Stoleroff; Correia, 1990: 41-42) como a consideraram alguns
analistas sociais. Nesta perspectiva, a Reforma Veiga Simão despoletou um
incremento geral das aspirações e conduziu ao alargamento do acesso ao
ensino oficial, tendo-se traduzido "... na primeira tentativa séria do Estado para
institucionalizar a escola de massas" (idem).
17
A necessidade de produzir mais quadros e a sua distribuição por determinados sectores foi
diagnosticada pela OCDE, sendo que a criação destas novas instituições está relacionada com
este facto. De referir, ainda, que aquela disseminação terá possibilitado a grande número de
estudantes residentes na proximidade dessas instituições de ensino superior a sua frequência -
o que poderia não ter acontecido de outra forma.
26
DEPOIS DA REVOLUÇÃO DE 25 DE ABRIL DE 1974 EM PORTUGAL
Refere Stoer que "O súbito deflagrar da revolução de 1974 sugeria que, no
essencial, a Reforma não fez mais do que alargar a fenda na barragem já em
ruptura (...) Com a ruptura da barragem, em 25 de Abril de 1974, o Estado
português viu-se submerso pela cheia de energias e organizações de uma
sociedade civil revitalizada e refeita." (Stoer, Stephen, 1986: 254).
Foi neste contexto que ocorreu a gestão democrática nas universidades -
devido às actividades de mobilização dos seus agentes: "... a universidade
abre-se à luta política e a novos protagonismos (...) que hão-de reconduzi-la a
mudanças não negligenciáveis e ao ensaio de práticas sociais e educativas de
signo democrático..." (Lima, Licínio, 1996: 65) - e que deslocou o poder em
termos de tomada de decisão do Ministério da Educação para as próprias
instituições. Com esta forma de gestão participativa caminhava-se para uma
efectiva democratização da tomada de decisões no ensino. Se a Reforma
Veiga Simão tinha servido de base para realizar mudança no ensino superior
durante este período de tempo, com a gestão democrática das escolas "... foi
ultrapassada de facto, porque, agora, a educação, além de assegurar os
mecanismos necessários para a democratização do ensino, (i. e. modificações
27
estruturais, modificações nos métodos e no conteúdo), significaria também
educar cidadãos para uma sociedade democrática." (Stoer, Stephen, 1986:
128).
18
O ministro Vitorino Magalhães Godinho referiu-se-lhe como a um "verdadeiro maremoto" (em
Sérgio Grácio, 1998)
19
Quando o ministro escreve a palavra estudante, refere-se certamente aos estudantes não
trabalhadores, isto pela própria definição de Serviço Cívico Estudantil.
20
Programa do Governo (1975: 137) citado em Amaral et ai (2001) O Ensino Superior pela
Mão da Economia
28
Aliás, as mudanças ocorridas nas universidades, nestes dois primeiros anos a
seguir à revolução, fizeram-se mais num quadro de preocupações sociais, e
não tanto económicas - tendo-se observado paralelamente um afastamento
das organizações de países de economia de mercado.
Mas a criação daquele ano de Serviço Cívico - de cariz predominantemente
social - também se terá dado pela necessidade de tempo que a reorganização
do sistema educativo e a resolução das questões logísticas de falta de
estabelecimentos e de docentes terão necessariamente implicado - e isto,
devido ao desmesurado número de estudantes para as infra-estruturas
existentes na altura (fenómeno que, como vimos, vinha acontecendo e
crescendo, em Portugal, desde os fins dos anos 60).
O Ano de Serviço Cívico Estudantil foi substituído pelo Ano Propedêutico de ensino à
distância que se manteve até ao início do funcionamento do 12° ano, no ano lectivo de 1980-
1981, este leccionado em escolas secundárias. "O currículo do Ano Propedêutico, constituído
por 5 disciplinas, visava uma preparação adicional para a frequência do curso universitário.
Funcionava por via televisiva, em regime de ensino à distância, com o apoio de centros
instalados em 70 escolas secundárias (...) a condição de ensino à distância tornava-o
altamente discriminatório, o que era agravado pelo facto da cobertura televisiva do país estar
longe de ser igual para todas as regiões, sendo mais incompleta no interior." (Vítor Crespo,
1993: 101 Uma Universidade para os anos 2000).
29
decretado até a razão da urgência acabar por impô-lo." (Grácio, Sérgio, 1998:
204). Portanto, esta "razão da urgência" terá mais a ver com a grande
quantidade de estudantes - que se terá tornado cada vez mais incomportável -
do que propriamente com razões de carácter pedagógico.
Coincidentes com esta data são as da extinção do Ano de Serviço Cívico e da introdução do
numerus clausus - o que é, por si só, indiciador de uma mudança de atitude política. Saliente-
se que, com o numerus clausus e o estabelecimento de uma nota mínima de entrada para
cada curso houve, desde logo, pelo jogo da oferta e da procura, exclusão de cerca de metade
dos candidatos ao ensino superior e também hierarquização dos cursos e dos
estabelecimentos de ensino por área de estudos, bem como o acesso a cursos não
pretendidos pelos estudantes.
30
A este propósito, Stoer, Stoleroff e Correia, bem como Dale, referem-se ao
(re)surgimento em Portugal, a partir dos anos 80, de uma tendência
vocacionalista que se origina a partir da concepção de que é preciso formar
recursos humanos qualificados para se conseguir a modernização da
economia: "... os apelos constantes às novas "necessidades" económicas
exprimem, de facto, uma subordinação da política educativa às preocupações
conjunturais das políticas industrial e económica e o consequente abandono de
preocupações democratizantes." (Stoer, Stephen; Stoleroff, Alan; Correia, José
Alberto, 1990: 12).
31
estas organizações condicionam e determinam, muitas vezes, o modo como as
reformas educativas são conduzidas, como as prioridades são estabelecidas,
como as pesquisas são concebidas, implementadas e usadas na reforma
educativa, e como as iniciativas públicas são seleccionadas, avaliadas e
estabelecidas23, o que se relaciona com o carácter hegemónico dos países
centrais relativamente a estes outros e com a sua capacidade de expansão da
agenda neoliberal.
No ensino superior, onde os processos de financiamento impõem grandes
limites à autonomia das universidades, tem-se verificado a criação de novas
estruturas e incentivos para determinadas áreas de estudos contra a extinção e
desincentivos para outras, consoante estas se relacionam, ou não, com os
princípios neoliberais - trata-se do capitalismo académico, segundo Slaughter
e Leslie: (cit in Morrow e Torres, 1991: 45).
32
No mesmo ano, com a Lei de Bases do Sistema Educativo, verifica-se esta
orientação da educação para o mercado de trabalho. Especificamente em
relação ao ensino superior, essa Lei aponta como um dos principais objectivos
"Formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a
inserção em sectores profissionais e para a participação no desenvolvimento
da sociedade portuguesa..." (citado em Amaral et ai, 2001: 12).
33
Neste âmbito, o período que decorreu desde a aprovação da Lei de Autonomia
para as Universidades é caracterizado por um forte pendor económico na
educação, bem como pela expectativa de o continuar a ser nos anos que se
irão seguir. Nesse mesmo 1988, o então ministro da educação Roberto
Carneiro apresenta os factores que irão determinar o desenvolvimento do
ensino superior em Portugal nos próximos vinte anos, entre os quais se contam
"... o reforço e consolidação das estruturas e actividades do tipo empresarial, e
a ligação institucional da "escola" com unidades produtivas..." (Carneiro,
Roberto, 1988: 19). E acrescenta que se deverá criar um tipo de investigação
interdisciplinar que sirva para intervir "na vida económica" (idem: 21).
34
é por estas vias indirectas, através da influência sobre o estado e sobre o modo
de regulação, que a globalização tem os seus mais óbvios e importantes
efeitos sobre os sistemas educativos nacionais." (Dale, 2001: 18).
Pelo que temos vindo a apresentar, podemos consider que, desde os fins dos
anos 60 em Portugal, e através de processos de globalização, existe um ensino
superior meritocrático27 - como se verifica nas democracias neoliberais dos
referidos países da Europa - onde a economia é privilegiada e o Estado
caminha em consonância com ela, sendo as políticas educativas construídas e
implementadas neste quadro.
Paralelamente, considerando a população discente actual no ensino superior
em Portugal em termos de homogeneidade/heterogeneidade sociocultural, não
ignoramos que aqui se verifica um maior grau de homogeneidade relativamente
aos outros graus de ensino, onde a selecção se foi processando: "Lê-se nas
oportunidades de acesso ao ensino superior o resultado de uma selecção que,
ao longo do percurso escolar, se exerce com um rigor muito desigual segundo
a origem social dos sujeitos; na realidade, para as classes mais desfavorecidas
trata-se pura e simplesmente de eliminação." (Bourdieu, Pierre; Passeron,
Jean-Claude in Grácio, Sérgio; Miranda, Sacuntala; Stoer, Stephen, 1982: 41).
Contudo, existe diversidade neste nível de ensino em Portugal - como
observou Sedas Nunes nos fins dos anos 60 (e que já referimos) - a qual tem
vindo constantemente a aumentar: "... diversidade sociocultural que,
progressivamente, vai tendo maior representação no ensino superior."
(Cortesão, Luiza; Stoer, Stephen, 1999: 44).
35
Il
PEDAGOGIAS NA UNIVERSIDADE
36
"A Universidade do nosso tempo foi, ainda, uma Universidade fundada
na Idade Média sobretudo em dois pontos muito importantes: a
inexistência de livros e a caridade. Quem queria estudar não tinha livros
à disposição, quando muito havia em alguma biblioteca um códice
manuscrito, preso com uma corrente a uma estante, que tinha de ser
consultado ali, à distância permitida pela corrente, com as pessoas
atrás a querer 1er o manuscrito sem poder. Houve, então, naturalmente,
a ideia de quem possuía um livro podia lê-lo a outros acrescentando os
comentários que a leitura lhe despertasse e é por isso, ainda, que em
português o professor universitário se chama lente, o que significa
aquele que lê (...) Hoje as coisas mudaram completamente, há livros
para todos (...) a Universidade de hoje tem os livros que quer. Por outro
lado, há os meios técnicos que substituem os livros."
(Silva, Agostinho da, 1998: 108-109).
37
PEDAGOGIAS NA UNIVERSIDADE: APRESENTAÇÃO
Apesar das mudanças que Agostinho da Silva, 1998, refere, e que não
justificariam hoje aquele tipo de ensino, verifica-se que ocorrem ainda com
frequência, no ensino superior, práticas pedagógicas daquela natureza - trata-
se do chamado método transmissivo, o qual foi considerado, no fim dos anos
60, o mais utilizado pelos docentes nas universidades portuguesas "O tipo de
ensino que predomina em Portugal, por larga margem, é o escolástico."^
(Nunes, A. Sedas, 1969: 98) - e ao qual este autor atribuiu características de
indução de passividade nos alunos e de selecção social.
1
O método transmissivo é referido por Sedas Nunes como ensino escolástico. Ignoramos se
actualmente se mantém como prevalecente no ensino superior em Portugal; no entanto, nas
universidades francesas isso acontece, pelo menos até ao fim dos anos 90: "... não podemos
deixar de sublinhar que se trata do modelo pedagógico mais usado e aquele a que a maioria
dos professores da Universidade permanecem fiéis." (Bireau, Annie, 1995: 47).
2
Consideramos as práticas pedagógicas e respectivas denominações com base em Cortesão,
Luiza; Stoer, Stephen Acerca do Trabalho do Professor: Da Tradução à Produção do
Conhecimento no Processo Educativo in Revista Brasileira Educação, n° 11, 1999: 33-45).
38
Assim, considerando sobretudo que este terceiro modelo não parece encontrar-
se actualmente estabelecido, naqueles termos, para o ensino superior em
Portugal3, neste capítulo desenvolveremos os dois primeiros modelos
pedagógicos referidos: o método pedagógico transmissivo; e a educação activa
e/ou investigativa.
Noção Fundamental
3
Também, porque a educação contextualizada ou dispositivos de diferenciação pedagógica
nos merece um desenvolvimento posterior mais detalhado devido à sua eventual adequação à
nova realidade do ensino superior em Portugal - o que faremos no capítulo seguinte.
4
Para além destas aulas de expositio havia, também na Idade Média, outras conhecidas por
quaestiones disputatae as quais consistiam em debates que envolviam professor e alunos, e
que eram muito procuradas por estes últimos: "Se lembramos do exitoso magistério de
Abelardo, é seguramente por suas quaestiones, que atraíam levas e levas de estudantes para
as suas aulas." (Castanho, Sérgio in Veiga, lima et ai (org.), 2000: 22).
39
Trata-se, na terminologia freireana, da educação bancária, na qual aos alunos
cabe fundamentalmente um papel passivo de assimilação dos conteúdos que o
professor transmite, podendo-se caracterizar a relação professor-alunos como
hegemónica no que se refere à figura do professor. Ou seja, este é o sujeito do
processo educativo, e aqueles os objectos desse mesmo processo:
5
Experiências levadas a cabo por Ivan Pavlov, Edward Thorndike e Burrhus Skinner nas quais
foram usadas animais (cão e ratos, respectivamente), e que permitiram concluir que a
determinado estímulo correspondia uma determinada resposta - trata-se da teoria behaviorista
do estímulo-resposta (E-R).
40
produto exclusivo do meio. Com este pressuposto, o processo de
ensino/aprendizagem caberia totalmente ao professor - sujeito activo - que
teria a responsabilidade de o transmitir ao aluno o qual teria como única função
assimilar essa transmissão - objecto passivo. 6
As Aulas
6
Burrhus Skinner, adepto deste modelo transmissivo, sustenta que a escola deve ser
autoritária porque tem que inculcar nos alunos os comportamentos sociais adequados.
41
repetição, levadas a cabo individualmente pelos alunos, servem para facilitar e
verificar a memorização dos respectivos conteúdos.
Os conhecimentos apresentam-se fragmentados de modo a serem mais
facilmente memorizados. Para isso, recorre-se habitualmente a manuais - a
chamada sebenta, no ensino superior. Actualmente, o recurso às novas
tecnologias - como os audiovisuais de modo geral - tem vindo a conquistar
espaço na apresentação destas aulas, como é o caso da utilização do
computador que pode tornar mais interessantes a transmissão e a resolução de
exercícios do ponto de vista da imagem, mas que não altera esse carácter
transmissivo já que a concepção pedagógica que lhe subjaz é a que tem vindo
a ser referida, com o professor como sujeito da acção educativa: "...novas
técnicas, tais como os programas pedagógico-informáticos (...) muitas vezes,
certas práticas que podem parecer novas inserem-se perfeitamente no quadro
do modelo tradicional." (Bireaud, Annie, 1995: 48). Neste contexto, e segundo
Jean Vial, 1982, refere-se que o ensino programado pode ser considerado
como um melhoramento do ensino transmissivo.
Os alunos
42
Refira-se que esta capacidade retentiva que se premeia alarga-se a outras
atitudes: um bom aluno é aquele que, porque é um receptáculo de saberes, é
um executor disciplinado das ordens do professor cujas normas e valores são
também os seus. Trata-se do aluno-objecto, como já referimos. Neste contexto,
a relação professor-aluno decorre num clima de grande autoritarismo, em que
ao aluno é pressuposta e exigida obediência em relação ao professor e às
normas e aos valores vigentes que ele representa.
Os professores
Crê-se assim, nesta perspectiva, que os alunos não devem ser confrontados
directamente com o saber - isso acontece exclusivamente através do discurso
do professor (quer seja oral, quer seja escrito nos manuais). Paralelamente, o
professor apresenta-se como uma figura autoritária e disciplinadora, e exerce
sobre os seus alunos uma acção modeladora no que se refere à assimilação
43
das normas e valores sociais, equipando-os assim para enfrentarem a vida
futura.
44
que construir activamente o seu próprio saber, consideramos que, no modelo
transmissivo, se "o aluno aprende, é como executante de tarefas que o que
ensina lhe prescreve e que o fazem agir" (Not, Louis, 1991: 19)7.
7
Mesmo esta acção do aluno no sentido em que ele próprio resolve exercícios relacionados
com a matéria, por exemplo, depende da iniciativa do professor - que os prescreve - e não da
sua.
8
Expressão usada por Francisco Varela. Relativamente a este "historial do vivido" - e no
contexto do ensino superior de massas que tratamos neste trabalho - será de referir que a
diversidade dos alunos e respectivas idades (desde jovens adultos a adultos) traduzirá
certamente também diversos percursos no que diz respeito a quantidade e a qualidade de
experiências.
45
Considerando, também, a submissão do aluno ao professor e ao que essa
figura representa (e que já referimos) aliada à concepção do primeiro como
objecto a modelar do exterior - negando-lhe o estatuto de sujeito enquanto
fonte de iniciativas e acções - relaciona-se mais com mecanismos de
domesticação do que de emancipação.
Mas o período que actualmente vivemos - desde o fim do milénio anterior até
este início do terceiro milénio, e habitualmente denominado pós-fordista - tem-
se vindo a caracterizar pela exigência e procura de indivíduos reflexivos,
críticos, flexíveis, criativos, autónomos, capazes de se converterem em sujeitos
do seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional. Ou seja, estes são
indivíduos cujo grau de emancipação não se nos afigura compatível com a
formação que o modelo pedagógico transmissivo pode proporcionar.
Pelo que acabámos de expor - e tendo por base o contexto de ensino superior
de massas - podemos afirmar que o modelo pedagógico transmissivo se
apresenta também actualmente desadequado em Portugal.
9
No entanto, este é o método mais utilizado nas universidades francesas: "... não podemos
deixar de sublinhar que se trata do modelo pedagógico mais usado e aquele a que a maioria
dos professores da Universidade permanecem fiéis." (Bireaud, Annie, 1995: 47). Ignoramos se
esta situação ocorre também, actualmente, em Portugal. Com base no estudo de Sedas Nunes
sobre as Universidades portuguesas, sabemos que no fim dos anos sessenta era este o
método pedagógico prevalecente: "O tipo de ensino que predomina em Portugal, por larga
margem, é o escolástico." (Nunes, A. Sedas, 1969: 98).
46
AS PEDAGOGIAS ACTIVAS
Noção Fundamental
47
resultado de um conjunto de fases que se sucedem e justapõem numa
determinada sequência desenvolvimental, sendo que cada uma destas fases
apresenta características muito próprias. Assim, "A educação deve adaptar-se
à marcha da evolução mental." (Claparède, 1940: 101-102). Dá-se grande
relevância à acção do educando na própria aprendizagem, acreditando-se que
o aprender implica necessariamente o fazer - se, há um século atrás, já
Rousseau defendera que a educação deveria ser fundada na própria acção do
educando, é agora neste contexto favorável que essa convicção se realiza.
Para além deste da acção, outros conceitos/atitudes se relacionam de perto
com a nova corrente pedagógica: a interacção da escola com o meio, e vice-
versa - com as respectivas aberturas e trocas; a liberdade da escola - que
deve ser autónoma e democrática; a individualidade - o reconhecimento do
aluno como sujeito autónomo e centro do processo pedagógico; a colectividade
- a valorização da cooperação e do trabalho em grupo como base do processo
de formação dos alunos enquanto indivíduos. Trata-se, portanto, de uma
escola aberta, descentralizada e crítica da sociedade11.
Depois dos anos 20 e a partir daquela Escola Nova, deu-se à acção na
aprendizagem um peso ainda mais pronunciado com a chamada Escola Activa.
Nos anos 60 e baseada nas teorias cognitivistas principalmente de Jean
Piaget, de Bruner, de Novak, e de Eliot, surge a Escola Construtivista - que
considera a necessidade de cada aluno construir a própria aprendizagem
através de um percurso passível de o "ensinar a aprender". Não se contempla
tanto a aprendizagem de conceitos e de conteúdos culturais como unidades
fechadas, mas antes os procedimentos e estratégias cognitivas que permitem
realizar essa própria aprendizagem.
11
A mudança ocorrida no processo educativo foi tão marcante que Claparède a comparou com
a que Copérnico realizou no domínio da Astronomia.
12
Baseada nas teorias behavioristas (de John Watson, Skinner e outros) e na reflexologia (de
Pavlov) para além das abordagens sistémicas do ensino. Embora se considere uma pedagogia
activa, observa-se alguma semelhança entre esta corrente e o modelo pedagógico
transmissivo.
48
finalidade em si própria, mas no efeito que permite obter. Trata-se de uma
estratégia de eficácia..." (Bireaud, Annie, 1995: 137) "... onde os únicos
resultados válidos e dignos de consideração são os que encontravam previstos
nos objectivos." (Guigou, J. citado em Bireaud, Annie, 1995: 151). Assim, a
pedagogia por objectivos caracteriza-se essencialmente pela especificação
detalhada dos objectivos e sua tradução em termos de comportamentos
observáveis. Neste tipo de pedagogia, o processo educativo decorre num
contexto de tecnologia programada de ensino, cabendo ao professor o papel
de executante da técnica utilizada, enquanto que os alunos devem reagir
adequadamente aos estímulos apresentados sob a forma de actividades.
Procura-se apenas adequar a escolha do programa ao respectivo ritmo de
aprendizagem dos grupos de alunos.
As Aulas
Valoriza-se a acção dos alunos nas suas próprias aprendizagens que ocorrem
através da descoberta - com base nas experiências e realidades concretas dos
alunos inseridos numa situação social. Recorre-se, assim, a um caminho
indutivo que conduz a acção e o pensamento do particular para o geral, e do
concreto para o abstracto. Por isso, o ensino baseia-se preferencialmente em
determinadas actividades realizadas pelos alunos - de acordo com o seu nível
de desenvolvimento cognitivo - tentando-se adaptar o ensino ao aluno. Nesta
perspectiva, os livros de texto são utilizados pelos alunos como um recurso nas
suas experiências e actividades.
49
Acrescenta-se que, pelas próprias especificidades (já referidas) das escolas
construtivista e conducionista, existem também especificidades nas respectivas
aulas: cuidada planificação e organização das actividades dos alunos (que
conduzem à descoberta) e dos recursos (tempo, materiais), e um atento
controlo (que permite observar e reflectir as práticas, no sentido de
continuamente as melhorar) - escola construtivista; na escola conducionista, a
pedagogia por objectivos traduz-se numa compartimentação do saber em
pequenas unidades/conteúdos previamente divididos - em função de objectivos
específicos que possam vir a ser medidos e, como tal, expressos em condutas
observáveis em cada objectivo - os quais não têm necessariamente relação
com quaisquer conhecimentos prévios dos alunos.
Os alunos
50
percurso - valoriza-se mais as capacidades adquiridas pelos alunos naquele
percurso, e não tanto as suas condutas observáveis - e tende a expressar-se
qualitativamente. Contrariamente, na corrente conducionista avaliam-se os
alunos através das suas condutas observáveis já que é com base na realização
de cada uma das etapas do processo de ensino/aprendizagem - que se crê
poderem ser verificadas através daquelas condutas - que se estabelece a
continuação do mesmo processo, avançando para o passo seguinte. Neste
contexto, todas as etapas são objecto de controlo através de instrumentos
fiáveis de avaliação.
Os professores
51
previamente delineados: "... o discurso sobre a eficácia do sistema educativo
mostra que doravante se considere esse sistema como um sector de produção
igual a qualquer outro e do qual, portanto, convém aperfeiçoar o mais possível
os resultados. Os professores teriam tendência para a calcular a partir da
aprendizagem realizada." (Bireaud, Annie, 1995: 14-15).
52
Para além disto, e na perspectiva do ensino superior de massas em Portugal -
que contém uma crescente diversidade sociocultural discente - as pedagogias
activas não identificam essa diversidade, considerando-se os alunos enquanto
grupos homogéneos.
Como tal, e tendo em vista o desenvolvimento da cidadania que pressupõe
necessariamente a observação da heterogeneidade existente na sala de aula,
este modelo pedagógico não se revela adequado ao contexto actual do ensino
superior em Portugal.
53
Estas outras pedagogias de que se fala traduzir-se-ão numa "educação
contextualizada" - na qual se considera a heterogeneidade na sala de aula - e
onde cada aluno é tido como um indivíduo com características particulares nos
domínios social, cultural e antropológico, procurando o professor rentabilizar
essas características através de "... dispositivos de diferenciação pedagógica
(...) propostas educativas que visam constituir uma "boa ponte" na ligação
necessária entre a cultura da escola e a da comunidade envolvente,
comunidade essa representada através da presença dos alunos na instituição."
(Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999: 60), e "... cujo objectivo final é o
domínio por parte de cada aluno e aluna de um bilinguismo cultural (...) e o
usufruto activo de cidadania numa sociedade, como a actual, baseada na
economia de mercado." (idem: 88).
Este modelo pedagógico tem vindo a ser desenvolvido por Stephen Stoer e
Luiza Cortesão, e é apresentado mais detalhadamente neste trabalho no
capítulo seguinte: III. Enquadramento Conceptual dos Dispositivos de
Diferenciação Pedagógica.
54
Ill
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DOS
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA
55
"É (...) esta preocupação em conseguir articular situações, por vezes
aparentemente divergentes, de culturas eruditas (previstas oficialmente
nos currículos) e da cultura que informa a socialização primária do
aluno que estrutura as características de um "dispositivo pedagógico".
Nesta caracterização, está esboçada a definição de "bilinguismo
cultural" que é, afinal, a situação-limite para a consecução da qual os
dispositivos pedagógicos podem (e/ou têm a intenção) de contribuir.
(Cortesão, Luiza; Stoer, Stephen, 1999: 36)
56
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DOS
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA:
APRESENTAÇÃO
1
Incluído neste texto, no último subcapítulo - e que estamos a estudar no contexto do ensino
superior.
57
ESCOLA DE MASSAS:
DIVERSIDADE/ HETEROGENEIDADE/ FALSA HOMOGENEIDADE
58
mais recentes na frequência da escola, e já referidos, penalizações sob a forma
de insucesso escolar, como têm revelado investigações várias no domínio das
Teorias da Reprodução. Também, "... quanto maior é a distância que separa o
nível sociocultural dos alunos do tipo de saberes que a escola arbitrariamente
impõe como únicos aceitáveis, maior é a violência simbólica que é exercida
pela escola sobre os alunos" (Bourdieu e Passeron, cit in Stoer, Stephen e
Cortesão, Luiza, 1999: 36).
Considera-se, pois, que esta escola que ignora a heterogeneidade que
efectivamente existe na população escolar actual está desadequada, e deve
ser alterada no sentido de contemplar estas diferenças: segundo Sousa Santos
"num mundo que muda, que está diferente, como é que a educação pode
arrogar-se ao direito de permanecer idêntica ao que era, ficando indiferente à
diferença?" (cit in Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999: 35).
59
Mas esta tarefa apresenta dificuldades no que diz respeito, também, à figura do
professor. Muitos professores portugueses foram socializados num
determinado contexto histórico-sócio-cultural não propício ao trabalho com a
heterogeneidade na sala de aula, como a seguir se expõe.
60
Nos casos apresentados os respectivos professores consideram a existência
de um só grupo sociocultural na escola, no sentido em que dirigem as suas
práticas pedagógicas a apenas esse grupo específico de discentes (e que já
caracterizámos) - trata-se da figura do professor monocultural, figura essa
directamente relacionada com a oferta de igualdade de oportunidades para
todos que reverte em desigualdade de sucessos para muitos já que "... oferecer
as mesmas propostas educativas a alunos culturalmente diversificados significa
contribuir para a exclusão de muitos deles." (Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza,
1999:57).
61
O MULTICULTURALISMO BENIGNO OU
A FOLCLORIZAÇÃO DA DIFERENÇA
62
as culturas dominadas: pretende-se uma maior afirmação dos grupos
minoritários, mas resulta a acentuação de determinado exotismo; pretende-se
melhorar a auto-imagem pessoal e grupai, mas resulta a falta dos saberes que
a sociedade dominante exige; pretende-se consciencializar para os direitos e
deveres enquanto cidadãos, mas resulta a guetização...
Estes são riscos a não correr, sendo por isso necessário ultrapassar a simples
constatação das diferenças existentes e passar a considerar e a compreender
as relações de poder que se estabelecem entre grupos dominantes e
minoritários. Especificamente no que diz respeito aos professores, para além
da consciência da heterogeneidade que existe na sala de aula e das relações
de poder que lhe estão associadas, devem ocorrer outras mudanças
significativas que se relacionem com a aquisição de instrumentos
possibilitadores de realizar trabalho com todos os alunos, no sentido do
desenvolvimento de uma escola mais democrática.
O PROFESSOR INTERMULTICULTURAL E
OS DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA
63
características que a heterogeneidade contém - possui um conhecimento do
tipo sócio-antropológico (sobre os alunos); e é também um investigador
educador, porque questiona a adequação de métodos e conteúdos aos vários e
diferentes grupos de alunos, criando e recriando métodos e conteúdos de
ensino/aprendizagem adequados a esses grupos - possui um conhecimento do
tipo educativo (para os alunos). Trata-se, portanto, de um trabalho de produção
de conhecimento por parte do professor, o qual poderá ocorrer durante as
próprias aulas, e "... que conduz o professor do papel menor de objecto de
instrumento reprodutor de um sistema que o transcende, para a possibilidade
de se assumir também como actor interveniente e criador no processo
educativo e social." (Cortesão, Luiza, 2000: 49).
2
Aqui, a formação de professores pode desempenhar um papel fundamental, no sentido de
flexibilizar o professor tornando-o vulnerável à diferença.
64
conscientemente, de acordo com uma intencionalidade de contribuir para o
desenvolvimento reflexivo e para a consciencialização dos direitos dos alunos."
(Stoer e Cortesão, 1999: 61), no sentido de articular e de estabelecer pontes
entre a cultura da escola e a(s) cultura(s) da(s) comunidade(s) onde esta se
localiza, e que constitui habitualmente o meio onde os diferentes grupos de
alunos fizeram a sua socialização primária. Assim sendo, os dispositivos de
diferenciação pedagógica deverão constituir-se em instrumentos
simultaneamente capazes, por um lado, de desencadear aprendizagens
curricularmente consideradas como importantes e, por outro lado, de
considerar e valorizar as raízes culturais dos alunos, numa atitude de
reconhecimento, respeito e interacção por e entre as várias culturas3.
3
A construção de genealogias constitui um exemplo de dispositivo de diferenciação
pedagógica que foi já ensaiado por Stoer numa escola de meio rural. Pôde, por isso, observar-
se que os alunos conseguiram realizar as aprendizagens curriculares com um grau de
dificuldade menor em relação ao que antes se verificava, num contexto onde se promoveu o
conhecimento, a valorização e o respeito pelas suas raízes culturais, estimulando nos alunos
um autoconhecimento reflexivo.
65
contextos; teria acesso ao poder em mais do que uma cultura." (Stoer, Stephen
e Cortesão, Luiza, 1999: 54).
66
COMPARAÇÃO ENTRE
O PROFESSOR MONOCULTURAL E
O PROFESSOR INTERMULTICULTURAL
67
No que diz respeito ao professor intermulticultural, este pode descrever-se
como um professor não "daltónico cultural", flexível e vulnerável à dúvida,
sendo capaz de investigar nas áreas da sociologia e da etno-sociologia, e é
também um investigador/educador na medida em que identifica e analisa
problemas de aprendizagem, e elabora respostas adequadas às diferentes
situações educativas.
Proporciona formas de aquisição de saber, de poder e de exercício de
cidadania aos seus alunos, situando-se neste enquadramento teórico:
Valoriza-se o papel que a escola pode ter no sucesso e no insucesso dos
alunos, compreendendo-a como local de práticas conflituais, de cruzamento de
diferentes poderes, interesses e valores - o que permite a identificação de
factores explícitos e ocultos passíveis de interferir em processos educativos,
bem como o alargamento de espaços de autonomia relativa dos professores e
da escola. Também, a consciência do "arco-íris de culturas", a par da aceitação
e rentabilização das respectivas diferenças possibilita práticas de diferenciação
de ensino através de dispositivos de diferenciação pedagógica e o domínio de
um bilinguismo cultural crítico com vista ao sucesso de todos os alunos.
O objectivo é a consciência do direito à cidadania.
E, assim...
"... vai uma distância grande entre, por um lado, o olhar passivo sobre a
diferença, lendo-a como algo que é necessário corrigir, como um olhar que a
reconhece sem a querer conhecer, e, por outro lado, a adopção da educação
intermulticultural não só como filosofia educativa mas também como projecto a
realizar nesta época de globalização." (Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999:
46).
68
OUTROS CONTRIBUTOS RELEVANTES PARA OS
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA
69
fortes e a pedagogias visíveis correspondem metodologias de ensino rígidas e
orientadas para a reprodução e domesticação.
Nesta perspectiva, há que ter em atenção o grau de consolidação do campo de
recontextualização pedagógica já que, não sendo suficientemente forte, poderá
desencadear situações ou de aculturação ou de "folclorização das diferenças"
para os grupos minoritários.
70
decorrerá das pressões da nova classe média4 que procura assegurar, para os
seus filhos, a manutenção do estatuto sociocultural de que a escola é veículo,
num contexto neoliberal. Assim, confrontada com uma proximidade cada vez
maior do mercado de trabalho e com a respectiva pressão das economias no
sentido da aquisição de eficácia e de competitividade, esta classe média exige
e identifica-se, em termos de educação, com os enquadramentos mais fortes e
com as pedagogias mais visíveis - principalmente no nível de ensino superior -
o que trará, a médio prazo, implicações em termos de reprodução sociocultural.
4
Segundo Bernstein, a classe média mantinha tradicionalmente o seu lugar na estrutura
hierárquica através da propriedade, enquanto que esta nova classe média só pode assegurar
actualmente esse lugar recorrendo ao sistema educativo como veículo.
71
Nesta perspectiva, o autor enfatiza: a necessidade de valorizar e aproveitar os
saberes e interesses pessoais prévios dos alunos no decurso do processo
educativo - já que considera não ser possível a aprendizagem de algo exterior
e imposto aos indivíduos, mas antes daquilo que para eles faz sentido; a
educação deve privilegiar a capacidade de criar, contrariando a mera
reprodução - os indivíduos são naturalmente activos e criativos. Salienta-se
que, nesta concepção de educação de Paulo Freire, o processo de
ensino/aprendizagem é desenvolvido com o aluno e para o aluno.
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA -
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA:
APONTAMENTO CONCLUSIVO
72
As práticas pedagógicas relacionadas com este modelo são as mais
adequadas5 à nova realidade educativa portuguesa - e em todos os níveis do
sistema educativo, já que o conceito de dispositivo de diferenciação
pedagógica se tem vindo a alargar e a flexibilizar: "... evidencia-se que o
dispositivo de diferenciação pedagógica não se limitaria a poder ajudar a
contribuir para aquele "bilinguismo cultural" (...) adaptam-se agora a qualquer
nível de ensino, adquirindo características específicas em cada um deles..."
(Cortesão, Luiza, 2000: 78)
5
Recorde-se que nem a educação bancária nem a educação activa consideram a
heterogeneidade dos alunos - pelo que nenhum destes dois modelos pedagógicos se adequa
ao contexto educativo actual.
6
Como temos vindo a referir, devido à heterogeneidade discente e as implicações em termos
de emancipação e produção de conhecimento que práticas pedagógicas invisíveis e
enquadramentos fracos - como é o caso da educação contextualizada/ dispositivos de
diferenciação pedagógica - podem proporcionar.
73
QUADRO 1
QUÊ; COMO; ONDE
Eixo
Metodológico
Domesticação/
/Emancipação
Educação
Contextual izad
a (Disp. De
Dif.
Pedagógica)
Educação
Activa e/ou
Investigativa
Eixo da
Aquisição de
Educação Saberes:
Bancária Reprodução/
Produção
74
Eixo de Aquisição de Saberes - Reprodução/Produção: QUÊ
- Conteúdo do Manual
75
Eixo Metodológico - Domesticação/Emancipação: COMO
- Educação Bancária
76
Cruzamento dos Eixos QUÊ e COMO: ONDE
Casa 1
Casa 2
77
numa outra linguagem que crê simples e clara, dirigindo o seu discurso aos
alunos que vê como um grupo homogéneo e a quem cabe o papel de receptor.
Tal como a anterior, esta situação constitui um processo de educação
monocultural de efeitos quase exclusivamente reprodutores.
Ocorre no ensino não superior e no ensino superior (com as "sebentas").
Casa 3
Casa 4
O professor recorre ao manual, mas adequa aquele saber aos seus alunos,
propondo-lhes um conjunto de situações activas de aprendizagem. Esta atitude
revela a importância que o professor atribui à conquista do saber pelos próprios
alunos.
O interesse pelo processo educativo na ausência de investigação - aqui
presente - não se atribui ao perfil do professor do ensino superior universitário,
pelo que será de esperar encontrar esta situação no ensino não superior.
7
Trata-se de professores de ensino superior cujo público deverá compreender essa linguagem
já que supostamente se está entre pares - quer sob o ponto de vista sociocultural quer etário
(em termos de idades, os alunos são jovens adultos e adultos). Mas estes professores são,
muitas vezes, tidos pelos seus alunos como difíceis e incompreensíveis...
78
Casa 5
Casa 6
Casa 7
O professor recorre ao manual, mas adequa aquele saber aos seus alunos - os
quais conhece porque desenvolveu determinadas actividades com esse
objectivo de os conhecer. Como tal, considera as suas características
particulares e a rentabilização dos saberes que já possuem.
Esta situação educativa ocorre no Ensino Básico e Secundário, embora pouco
frequentemente - com professores cuja prática é enformada por preocupações
multiculturais; e ocorre no ensino superior muito raramente (ainda com menor
frequência do que a relativa à casa 4).
79
Casas 8 e 9
8
As duas primeiras situações relacionam-se com o tipo de professor monocultural; a terceira
situação relaciona-se com o tipo de professor intermulticultural.
80
- 1, 2 e 3 - recorre-se a pedagogias transmissivas - pedagogias
visíveis - cujos professores consideram os alunos como sendo um
grupo homogéneo (não consideram a heterogeneidade dos
alunos), o que identifica os professores monoculturais que se
movem e actuam no domínio de uma escola reprodutora;
81
Considerando os vectores perpendiculares A e B que atravessam
diagonalmente o quadro, pode observar-se que:
82
IV
TRABALHO PEDAGÓGICO NA UNIVERSIDADE:
EXPLORAÇÃO ATRAVÉS DE ENTREVISTAS
A TRÊS PROFESSORES
83
METODOLOGIA
84
"... o método das entrevistas está sempre associado a um método de
análise de conteúdo. Durante as entrevistas trata-se, de facto, de fazer
aparecer o máximo possível de elementos de informação e de reflexão,
que servirão de materiais para uma análise sistemática de conteúdo..."
(Quivy, 1998: 195)
85
REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS
86
1986: 33), afirmando-se que é "... a mais utilizada em investigação social."
(Quivy, 1998: 192).
87
Como já se deixou dito no decurso do trabalho, o modelo teórico de Stoer e
Cortesão (1999) contempla dois eixos: Aquisição de Saberes (em abcissa), que
inclui três possibilidades - através do conteúdo do manual, da produção
científica de outrem, da produção científica própria; e Metodológico (em
ordenada) que inclui outras três possibilidades - educação bancária ou
transmissiva, educação activa ou investigativa, educação contextualizada.
Assim sendo, o guião da entrevista foi construído com a preocupação de obter
respostas que nos permitissem uma compreensão o mais abrangente possível
da realidade das práticas pedagógicas dos professores entrevistados
relativamente a estes dois eixos, critério que presidiu à escolha das perguntas
constantes no mesmo guião3. Considerámos, então, três grandes temas: como
o professor dá as aulas - indagámos sobre o material didáctico e método(s)
pedagógico(s) utilizado(s), e sobre o eventual recurso à investigação própria
e/ou alheia no respectivo trabalho lectivo; como o professor vê os alunos - em
termos de homogeneidade e/ou heterogenidade, se tem feed-backs dos alunos
dentro e fora das aulas, e que características positivas e negativas lhes atribui;
como se vê a si próprio enquanto professor, e a outros professores - onde
foram referidos os piores defeitos e as melhores qualidades que se podem
encontrar num professor de ensino superior.
88
ordem em que as anotou e sob a formulação prevista. Tanto quanto possível,
"deixará andar" o entrevistado para que este possa falar abertamente..."
(Quivy, 1998: 192). Nesta sequência, deveremos referir que o investigador "...
intervém ocasionalmente para reenquadrar a entrevista e colocar questões
complementares..." (Riutort, 1999: 48).
4
A pergunta 8 do guião "Que características positivas procura fomentar nos alunos? A que
atribui os seus sucessos e insucessos?" é um exemplo do que acabamos de referir: neste
contexto, a palavra "seus" é susceptível de duas leituras diferentes por parte do professor
entrevistado - pode ser entendida como "dele/professor" ou "dos alunos". O modo como a
resposta irá ser construída poderá fomecer-nos dados, neste caso, sobre a atitude daquele
professor relativamente à própria responsabilização dos sucessos e/ou insucessos ou, pelo
contrário, à responsabilização dos alunos nesta matéria.
5
Como exemplo, referimos o caso da avaliação dos professores feita pelos alunos - esta
questão não se encontrava explícita no guião, e surgiu logo na primeira entrevista; depois,
constou também das outras duas entrevistas.
89
permite que o interlocutor aceda a um grau máximo de autenticidade e de
profundidade." (Quivy, 1998: 192).
Pelo que acabámos de referir, uma atenção cuidada por parte do entrevistador
no decurso da entrevista é fundamental para o seu êxito, no sentido de os
dados recolhidos se tornarem o mais abrangentes possível da realidade a
estudar. Neste contexto, "... o espírito teórico do investigador deve (...)
6
Neste contexto, frases como: "O que quer dizer com isso?" (...) Pode explicar melhor?"
(Bogdan e Bicklen, 1994: 136) são pertinentes porque, para além do esclarecimento solicitado,
revelam o interesse do entrevistador estimulando e orientando a continuação do discurso do
entrevistado. No caso das nossas entrevistas, isto aconteceu algumas vezes.
90
permanecer continuamente atento, de modo que as suas intervenções tragam
elementos de análise tão fecundos quanto possível." (Quivy, 1998: 192) e,
paralelamente, a atenção de que falamos deve incluir também a captação e
registo de sinais não verbais emitidos pelo entrevistado - trata-se da "atenção
flutuante" (Thiollent, 1980): "O entrevistador precisa estar atento não apenas
(...) ao roteiro pré-estabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao
longo da interacção. Há (...) toda uma comunicação não-verbal cuja captação é
muito importante para a compreensão e a validação do que foi efectivamente
dito. (...) É preciso analisar e interpretar esse discurso à luz de toda aquela
linguagem mais geral e depois confrontá-lo com outras informações da
pesquisa e dados sobre o informante." (Ludke e André, 1986: 36). Nesta
sequência, importa acrescentar que "... as entrevistas gravadas são
transmitidas (na íntegra) e as gravações conservadas (para informação
paralinguística)..."(Bardin, 1995, 100).
Durante o processo das entrevistas, procurámos respeitar o mais possível
estas condições; e, na fase da sua transcrição, registámos por escrito a partir
do gravador não só o verbalizado, mas também as pausas, as hesitações, as
interjeições, as repetições, os risos...
Considerando ainda os contextos onde decorreram as entrevistas (a), bem
como o tipo de relação prévia que havia, ou não, entre a entrevistadora e cada
entrevistado (b), importa registar o seguinte: relativamente a (a), estas
entrevistas decorreram nas instituições dos respectivos professores, nos seus
gabinetes de trabalho - com excepção da segunda parte da de Manuel Rebelo,
a qual foi realizada no jardim do IPATIMUP7 - em todas as situações
entrevistado e entrevistadora encontravam-se sozinhos, sem eventuais
constrangimentos de assistência; relativamente a (b), referimos que Manuel
Rebelo não é desconhecido da entrevistadora (foi seu professor), Jaime
Almada é conhecido da entrevistadora (há uma relação de amizade), e
Francisco Couto era desconhecido da entrevistadora (o contacto foi
estabelecido a partir do orientador da mesma, a quem este entrevistado já tinha
recorrido num contexto de trabalho de âmbito pedagógico).
7
IPATIMUP - Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto.
Instituição privada sem fins lucrativos de utilidade pública, dedicada à investigação, educação
contínua e difusão científica, etc., naquela área. Foi criada sob a égide da Universidade do
Porto.
91
Nesta sequência, salientamos que "... as respostas são afectadas por um certo
número de enviesamentos, pelo menos potenciais, decorrentes da consciência
que os sujeitos têm de que estão a ser observados ou testados, dos
constrangimentos associados ao papel de entrevistado ou respondente, da
interacção entrevistador-entrevistado..." (Vala, in Santos Silva e Madureira
Pinto, 1987: 106-107).
92
ANÁLISE DE CONTEÚDO
93
formulação de um sistema de categorias (...) então o analista optará por
categorias definidas a priori." (Vala, in Santos Silva e Madureira Pinto, 1987:
111). Deveremos no entanto recordar que, no decurso das entrevistas,
surgiram questões não consideradas a priori (aquando da formulação do guia)
- o caso da questão, já referida, da avaliação dos professores pelos alunos8 -
tendo estas sido incluídas nos temas pré-estabelecidos, ou seja, nas categorias
consideradas.
Importa também referir que a nossa opção por categorias temáticas obedeceu
às características dos dados a tratar: "Entre as diferentes possibilidades de
categorização, a investigação dos temas, ou análise temática, é rápida e eficaz
na condição de se aplicar a discursos directos..." (Bardin, 1995, 153). Ainda
sobre a relação dos temas com a análise de conteúdo, diz Bardin (1995) que
"... a noção de tema (...) é característica da análise de conteúdo. (...) o tema é
a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado
segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura. O texto
pode ser recortado em ideias constituintes, em enunciados e em proposições
portadores de significações isoláveis." (Bardin, 1995, 105).
8
No sistema de categorização, incluímo-la em 5 - Feed-backs dos alunos nas aulas / fora das
aulas.
94
1, M --
2. Modo/Métodos Pedagógicos
1
Ver Anexo IV: Quadros de Categorias por Sujeito. Os diferentes tipos de letra utilizados (no
computador) para Manuel Rebelo, Jaime Almada e Francisco Couto são, respectivamente: Abadi;
Lúcida Sans; e Georgia (com o aspecto gráfico que aqui se apresenta, e cuja primeira letra
corresponde à primeira letra do verdadeiro nome de cada um dos entrevistados - com o
objectivo de prevenir eventuais enganos da nossa parte, já que nesta fase do trabalho
estávamos mais familiarizada com esses nomes verdadeiros).
2
Ver Anexos IV, V e V I .
95
Todo este processo, em passos sequenciados, permitiu-nos a realização da
análise das entrevistas, que consiste em:
96
ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Manuel Rebelo
97
2. Modo/Métodos Pedagógicos
3. Investigação/Trabalho Lectivo
98
esquece. A actividade de investigação pode ser recapitular um problema que já
foi resolvido antes, mas há sempre uma actividade criadora do envolvido.
Há três condições necessárias à actividade de investigação, por ordem
decrescente de importância: a clareza formal (precisão extrema das ideias que
se formulam, e como se articulam umas com as outras); a persistência ou
teimosia; uma elegância ou preguiça (não procurar coisas mais complicadas
quando uma simples resolve o assunto). Neste momento, estas capacidades -
especialmente a primeira - estão ausentes do discurso dominante, na
educação.
Há feed-backs nas aulas: nas tutoriais discutem-se dúvidas; nas teóricas, após
meia hora de exposição, questiona os alunos e continua a aula com base nas
suas respostas.
Os alunos não podem avaliar os professores porque não têm competências
pedagógicas e científicas; esta avaliação é uma estratégia para calar os
99
estudantes (e conseguir subir as propinas, p.e.) - não vai resultar em nada,
mas se resultar em algo ainda vai ser pior.
100
A característica positiva fundamental dos alunos - e da qual decorrem outras -
é a autonomia, uma "autonomia enorme", até porque irão ter uma actividade
mais ou menos autónoma. As aulas obrigatórias não fazem sentido, porque os
alunos devem escolher se vão ou não, assumindo eventuais consequências.
Em cada disciplina, pretende habilitar o aluno a lidar autonomamente com um
determinado tipo de questões naquela área de saber; bem como possibilitar-lhe
patamares de desenvolvimento mais rapidamente do que outros anteriores
conseguiram - isto sempre segundo princípios que tem como individuais.
101
O pior defeito é não querer que os alunos saibam mais, ou sejam mais capazes
do que ele, e usam a avaliação para castigar esses alunos - é o lado negro da
avaliação: a maior parte não faz exames de zero a vinte, mas de zero a
dezasseis; avaliam as respostas mais ou menos (os alunos nunca têm zero,
mas também nunca têm mais de dezasseis - dão muitos dezasseis para
pacificar os alunos, e não corrigem os exames).
Não há condições para a inovação (até para inserir questões novas nos
programas - se dá algo que não está lá textualmente, tem que justificar no
Conselho Pedagógico).
102
A classificação que os professores fazem dos alunos é da sua competência e
responsabilidade: se não houver nenhum critério objectivo, as pessoas irão ser
mais tarde seriadas com base em critérios arbitrários e subjectivos.
Um melhor ensino exige duas grandes mudanças: a redução para metade das
horas lectivas; e a flexibilização do emprego na universidade - se as
nomeações fossem definitivas mas não neste sentido de ficar para sempre em
determinado sítio, os professores (se tivessem que concorrer a vários sítios)
esforçavam-se mais para ter qualidade.
Não se deve dar disciplinas com as quais não se sente qualquer afinidade, e
deve haver estabilidade em termos de conteúdos para se conseguir afinar
estratégias e não desperdiçar a experiência acumulada.
Não crê que vá haver mudança nos próximos cinco ou dez anos porque, para
isso, era necessário que o sistema se tornasse mais instável (e os actores não
gostam dessa instabilidade).
Jaime Almada
103
2. Modo/Métodos Pedagógicos
3. Investigação/Trabalho Lectivo
Os alunos de há anos atrás eram mais motivados (vinham para este curso
porque o escolhiam); hoje entram muitos alunos cuja primeira escolha não foi
esta.
104
Não conhece os alunos do 1 o ano; conhece os do 5o ano e dos mestrados, e
tem com eles uma relação individualizada - conhece-os pelo nome, são muito
diferentes uns dos outros, e têm projectos de vida diferentes.
Há diferenças também no desempenho académico dos alunos: os bons alunos
- que se interessam, que questionam, que querem fazer trabalhos (têm bom
aproveitamento); e os alunos que não se envolvem (que só querem passar no
exame - isso é da responsabilidade deles). Há muito poucos maus alunos,
como há muito poucos muito bons alunos - são os extremos da curva normal.
Os bons alunos são semelhantes no desempenho das suas disciplinas - o
professor atribui à sua própria atitude (por ser ele que conduz as propostas) a
causa desta semelhança.
105
6. Características Positivas/ Negativas dos Alunos
106
desses horários... Há professores que discriminam alunos por preferências
afectivas sem se incomodarem com isso.
Um professor que tem uma relação pedagógica má é um mau professor
(mesmo que cientificamente seja muito bom) porque não consegue transmitir
aos alunos o mais importante - a atitude do gosto pelo conhecimento; aquele
que não trabalha diarimente é um mau professor; tal como o é o que utiliza
mecanismos coercivos para controlar o absentismo.
Há más condições que dificultam - e muitas vezes impedem - as boas práticas
pedagógicas: o entrevistado aponta o elevado número de alunos nas aulas
práticas, e o elevadíssimo número de alunos na sua aula teórica do 1 o ano. A
solução implica orçamentos que as universidades não têm, porque o estado
está a desinvestir em favor do ensino privado.
107
Para haver um ensino superior de qualidade, é preciso reunir estas condições:
bons professores; uma avaliação que evolua para uma cultura da avaliação a
qual se deve reflectir na progressão académica; os alunos têm que entrar no
curso que escolhem e são responsáveis pelas suas decisões; as estruturas
governamentais e direcções gerais devem criar as condições logísticas
adequadas - boas instalações e bons equipamentos, possibilidade de contratar
pessoal (docente e não docente), e de haver boas gestões universitárias. Estas
devem criar um bom clima no contexto educativo - que se caracteriza pela
"vontade de aí estar" (com espaços para o encontro e lazer, tal como para o
trabalho diário).
Francisco Couto
108
2. Modo/Métodos Pedagógicos
3. Investigação/Trabalho Lectivo
109
B - Como o Professor Vê os Alunos
110
(como sabem que vão ser avaliados, já fazem mais um esforço) - vale a pena
existirem por isto, mesmo que até depois ninguém vá ligar muito aos
resultados.
111
C - Como o Professor se Vê e a Outros Professores
112
8. Maiores Qualidades do Professor/ Ideal de Ensino
113
SÍNTESE DE TODAS AS CATEGORIAS POR SUJEITO
Manuel Rebelo
114
Não conhece individualmente os alunos, e não vê diferenças entre eles (há
mecanismos sociais coercivos que os uniformizam) mas há diferenças em
termos de estrato social - entram actualmente na universidade 1% de alunos
provenientes da classe média baixa (dez vezes mais do que há 30 anos).
A característica mais negativa dos alunos traduz-se numa atitude não
adequada ao ensino superior que consiste na crença de que não é necessário
descobrir nada porque já está tudo feito - é só preencher a resposta certa,
mesmo sem compreender (dificuldade de pensar pelas suas próprias cabeças).
A característica positiva fundamental dos alunos é uma "autonomia enorme":
devem saber lidar autonomamente com questões das diferentes áreas de
saber, e chegar a patamares mais rapidamente do que outros anteriores
conseguiram.
O pior defeito de um professor é não querer que haja alunos mais capazes do
que ele, utilizando o lado negro da avaliação para castigar esses alunos - estes
são os maus professores que fazem exames de zero a dezasseis, dão muitos
dezasseis para evitar tensões e não corrigem os exames; não dão as suas
aulas na própria instituição mas dão aulas fora, e não publicam nada. A maioria
tem nomeação definitiva nos quadros da instituição, por isso não vê motivos
para trabalhar mais e melhor - esta condição permite as más práticas dos
maus professores. Outras condições que não favorecem as boas práticas
pedagógicas são: leccionar disciplinas com as quais não se tem afinidade, bem
como disciplinas cujos conteúdos são constantemente alterados, e aulas
teóricas expositivas demasiado longas (os alunos não as seguem); e a
existência de obstáculos à inovação nas aulas (o professor tem que justificar no
Conselho Pedagógico algo que dê e que não está textualmente no programa).
Um bom professor tem "um mínimo de ordem": respeita um horário de trabalho,
e orienta os alunos dando-lhes indicações bibliográficas e outras necessárias.
As aulas devem ser dadas de maneira a serem agradáveis para professor e
alunos, pelo que não basta dar aulas expositivas muito boas - é preciso
conjugar alguma sedução com a transmissão de conhecimento tecnológico.
Não motiva os alunos no sentido de os moldar, antes respeita a individualidade
de cada um, e disponibiliza-lhes o seu saber e a sua experiência para que eles,
depois e autonomamente, possam lidar com as questões daquela área de
saber e atinjam patamares de conhecimento mais rapidamente - assim,
115
quando um ou outro aluno o ultrapassa, este professor considera que fez um
bom trabalho.
A avaliação que faz dos alunos abarca toda a escala (zero a vinte) e é da
competência e responsabilidade do professor (fazê-la criteriosamente é prevenir
posteriores seriações com base em diversas arbitrariedades).
Para um melhor ensino, seriam necessárias duas grandes mudanças: a
redução para metade das horas lectivas; e a não permanência na mesma
instituição dos professores com nomeações definitivas (se tivessem que
concorrer a vários sítios, esforçavam-se mais). Mas estas mudanças só
poderão ocorrer num sistema mais instável, e os actores não gostam dessa
instabilidade - assim, nos próximos cinco ou dez anos, não haverá mudança.
Jaime Almada
Tanto nas pré como nas pós graduações, as aulas são sobretudo expositivas,
sendo a própria voz o material didáctico que mais utiliza - às vezes, recorre a
acetatos. Na aula teórica do 1 o ano (150 alunos) não utiliza o seu trabalho de
investigação - dá a matéria curricular servindo-se de livros; na aula teórica do
5o ano e nas pós-graduações (20 alunos cada) utiliza o seu trabalho de
investigação, organizando as aulas com base no respectivo material. Também
faz trabalhos de grupo. Nunca dá dois anos exactamente iguais (tem um
programa base a partir do qual, em cada ano, vai fazendo alterações), e
prepara geralmente aula a aula - o interesse dos alunos está directamente
relacionado com o investimento que o professor coloca nas aulas, e é revelado
pelo número de presenças (se faz algum controle ao absentismo, este traduz-
se na tentativa que as aulas sejam estimulantes); quando os alunos começam
a faltar, interroga-se a si próprio sobre isso.
Defende o ensino com alguma directividade - o professor tem que saber o que
quer, não pode pôr tudo à negociação.
Para além do trabalho de investigação, a progressão na carreira académica
tem que incluir o desempenho pedagógico - baseado nos resultados dos
116
inquéritos de avaliação (respondidos pelos alunos) que devem ser acessíveis a
todos os professores.
Não conhece os alunos do 1 o ano; com os do 5o ano e dos mestrados tem uma
relação individualizada (conversa com eles na faculdade fora das aulas e, às
vezes, fora da faculdade) sobre assuntos não apenas restritos à vida
académica - estes alunos são diferentes uns dos outros e têm projectos de vida
diferentes. Nas aulas, os feed-backs traduzem-se em questões que os alunos
colocam, o que revela ao professor o seu interesse. Há diferenças entre os
alunos relativas ao desempenho académico: os alunos que se envolvem -
geralmente têm bom aproveitamento que é bastante uniforme (atribui a causa
dessa uniformidade a si próprio enquanto professor que conduz as propostas);
outros que não se envolvem, e que só querem passar no exame (o que é da
responsabilidade deles); e há muito raramente maus alunos (cujo perfil se
revela desadequado a um futuro psicólogo, ou cujas capacidades de
aprendizagem são baixas). De modo geral, os alunos de há anos atrás eram
mais motivados do que os actuais (hoje entram muitos alunos cuja primeira
escolha não foi esta).
A característica mais negativa que os alunos podem ter é remeterem-se a
meros receptores do sistema (do que o professor quer dar, ou do que o sistema
quer ensinar); a mais positiva é a capacidade de terem voz activa. Esta
capacidade dos alunos deve ser usada também como instrumento correctivo
das más práticas de maus professores que os prejudicam, ou seja, que fazem
dos alunos meros receptáculos que estão nas aulas a tirar apontamentos - não
lhes dão atenção; não trabalham diariamente; utilizam mecanismos coercivos
para controlar o absentismo; avaliam todo o trabalho de um ano em duas
horas; não têm horários de atendimento, ou não os recebem fora desses
horários... O pior defeito de um professor é ter-se como um académico a 100%,
o que se caracteriza pelo convencimento e pelo distanciamento - não olha para
os alunos, crê que é um génio ou que tem um grande currículo que um aluno
nunca atingirá.
Um bom professor de ensino superior conjuga duas competências: a
pedagógica e a científica. A primeira traduz-se em "gostar dos alunos" e é
imprescindível - permite transmitir o mais importante que é o gosto pelo
conhecimento; a segunda refere-se a um bom domínio das matérias adquirido
117
sobretudo no trabalho de investigação próprio e dos pares - sendo importante,
esta competência não é imprescindível (um bom investigador que tem uma
relação pedagógica má não pode ser um bom professor).
Jaime Almada refere que há más condições que dificultam - e muitas vezes
impedem - as boas práticas pedagógicas: o elevado número de alunos nas
aulas práticas, e o elevadíssimo número de alunos na sua aula teórica do 1 o
ano (a solução implica orçamentos que as universidades não têm - o estado
está a desinvestir em favor do ensino privado).
Para haver um ensino superior de qualidade, é preciso reunir estas condições:
bons professores; uma avaliação que evolua para uma cultura da avaliação a
qual se deve reflectir na progressão académica; os alunos devem entrar no
curso que escolhem e são responsáveis pelas suas decisões; as estruturas
governamentais e direcções gerais têm que criar as condições logísticas
adequadas, e as gestões universitárias um bom clima no contexto educativo
com espaços para o encontro e lazer, tal como para o trabalho diário.
Francisco Couto
118
Nas pré e pós-graduações, o professor utiliza o seu trabalho de investigação
nas aulas (da mesma área). Nas pós-graduações - na fase de dissertação - é
que há uma relação próxima dos alunos com a investigação.
Se um professor é mais premiado pela investigação do que pela pedagogia, os
júris (nos concursos) consideram esse factor (não há necessidade de alterar a
legislação - flexibilizá-la talvez, mas dentro de cada instituição).
Conhece os alunos das pós-graduações (são poucos, e têm experiências
diversificadas) e não conhece os das pré-graduações (dá mais teóricas do que
práticas). Relativamente aos de anos atrás, actualmente há alguns alunos que
sabem muito: a selecção para a universidade criou "máquinas de estudar"; e a
grande quantidade e qualidade da informação hoje disponível conduziu à
especialização. À excepção destes muito estudiosos, a maturidade dos alunos
de hoje é mais tardia (revela-se no comportamento "infantil e irreflectido",
principalmente no 1 o ano).
Na pré-graduação, há feed-backs dos alunos nas aulas (conteúdos
apresentados e discutidos), e quase não os há fora das aulas (não vêm muito
tirar dúvidas); na pós-graduação há muita interacção - os alunos têm
experiências diversificadas de trabalho que trazem para as aulas.
As avaliações dos professores feitas pelos alunos devem ser lidas apenas
como indicações (a maioria não responde cuidadosamente ao inquérito), mas
são úteis para detectar grandes desvios e prevenir maus desempenhos dos
docentes - por isto é bom existirem.
A característica mais negativa (partilhada pela maioria dos alunos) consiste na
atitude de "o que interessa é passar, e não tanto aprender" - que conduz a
outros comportamentos negativos por parte dos alunos: rejeitam matérias e
disciplinas que não consideram úteis; mantêm-se estrategicamente no mesmo
grupo em todas as disciplinas - o mesmo elemento tem sempre a mesma
tarefa (só conhece essa), e também acontece cada elemento fazer o trabalho
de cada disciplina (a nota é para todos); não vão às aulas teóricas, e só
estudam pouco antes dos exames; vão buscar trabalhos já feitos à internet, e
entregam-nos como seus. Também utilizam de modo positivo essa informação
- para aprofundar conhecimentos (no trabalho necessitarão desta autonomia
para responder aos desafios novos). Nem sempre é positiva a atitude dos
alunos muito estudiosos, porque a vida não é só estudar.
119
No que diz respeito ao professor, o seu pior defeito é o distanciamento
relativamente aos alunos: este professor crê que a ciência vale por si, e não o
preocupa o modo de a comunicar; mas também pode ocorrer devido ao elevado
número de alunos nas aulas teóricas (é impossível o contacto próximo).
Existem outros dois grandes defeitos do professor prejudiciais aos alunos: a
carreira universitária valoriza mais a investigação do que o desempenho
pedagógico (maior investimento na investigação); e a especialização excessiva
do professor (hipervalorização de uma disciplina).
A grande diversidade de perfis de docentes (matemáticos - modelo do cientista;
gestores - de l&D; engenheiros - de projecto; e professores - que se dedicam
sobretudo à pedagogia) é uma característica positiva da faculdade de
engenharia, não sendo possível considerar um dos perfis como o de melhor
professor porque é desta diversidade que resulta um bom corpo docente para
os alunos. A investigação, o ensino e a extensão universitária são as missões
da universidade que constam nos estatutos - como tal, são as três igualmente
importantes, e um professor deve conseguir, no seu conjunto, equilibrar as três.
Para Francisco Couto, um bom professor é capaz de fazer investigação própria
(de preferência, liderando grupos), e de traduzir isso em actividades
pedagógicas consequentes. Para atingir o seu ideal de ensino, planeia:
melhorar os exemplos que apresenta nas aulas - aproximando-os da realidade
que os alunos irão encontrar na sua vida profissional; conhecer melhor os
alunos interagindo mais com eles - para lhes detectar eventuais falhas na
matéria e poder actuar a tempo (tem-se apercebido dessas falhas só nas
avaliações finais); tentar ter aulas práticas nas disciplinas onde também tem
teóricas - para prevenir o distanciamento. Acrescenta que o papel fundamental
do professor de ensino superior é ensinar os alunos a aprender por eles e a ter
autonomia.
120
SÍNTESE GLOBAL
DE TODAS AS CATEGORIAS DOS TRÊS SUJEITOS
Nas pré-graduações, as aulas teóricas dos três professores contam com mais
de 100 alunos, e são expositivas com apoio em diverso material didáctico -
desde acetatos a power point. Os respectivos trabalhos de investigação não
são utilizados habitualmente nestas aulas, no entanto Manuel Rebelo e
Francisco Couto recorrem por vezes a esse material; Jaime Almada não utiliza
a sua investigação no 1 o ano, mas as aulas do 5o ano e das pós-graduações
(20 alunos) são organizadas com base nesse seu trabalho. Manuel Rebelo
considera que não há investigação nas pré-graduações porque se verificam aí
condições adversas de naturezas várias que o impedem, e só nas pós-
graduações é que se faz investigação; para Francisco Couto é na fase da
dissertação (pós-graduações) que há uma relação mais próxima dos alunos
com a investigação. Além destas aulas, estes dois professores leccionam
também aulas práticas, onde têm cerca de 20 alunos, e Francisco Couto
lecciona ainda aulas laboratoriais onde os alunos são confrontados com
problemas práticos e ferramentas para os resolver - através de programas
informáticos interactivos, cujos exercícios são resolvidos em grupos de dois ou
três alunos - privilegia-se e incentiva-se os trabalhos de grupo desde o 1 o ano.
121
desempenho académico, e compara os actuais alunos com os de há anos atrás
em termos de motivação (os anteriores eram mais motivados porque escolhiam
este curso; hoje entram muitos alunos cuja primeira escolha não foi esta).
Francisco Couto também conhece os seus alunos das pós-graduações, porque
são poucos e têm experiências diversificadas de trabalho que trazem para as
aulas; considera que existem diferenças entre os actuais alunos e os mais
antigos - por um lado, hoje há alguns alunos que sabem muito; por outro lado,
a maior parte revela uma maturidade mais tardia.
Para os três professores, os feed-backs dos alunos nas aulas de pré-
graduação traduzem-se numa ou noutra questão relacionada com os
conteúdos apresentados; nas aulas de pós-graduação há mais interacção. Fora
das aulas, apenas Jaime Almada interage habitualmente com os alunos (do 5o
ano e dos mestrados), conversando com eles sobre assuntos não apenas
restritos à vida académica.
Acerca da avaliação dos professores feita pelos alunos, Jaime Almada e
Francisco Couto pronunciam-se a favor: o primeiro apresenta-a como um
instrumento necessário e fundamental para avaliar o desempenho pedagógico -
os resultados nunca podem ficar na gaveta; o segundo defende que é útil para
detectar grandes desvios e prevenir maus desempenhos dos docentes -
mesmo que depois ninguém ligue muito aos resultados. Manuel Rebelo não
concorda com esta avaliação porque os alunos não têm competências
pedagógicas e científicas para a fazer; e considera que se trata de uma
estratégia para calar os estudantes - e não vai resultar em nada.
Relativamente ao modo como cada um dos entrevistados se pronuncia sobre
os alunos considerando características negativas e positivas, há várias
perspectivas. Para Manuel Rebelo e Francisco Couto, o interesse que muitos
alunos revelam em apenas passar às disciplinas (mesmo sem compreender os
respectivos conteúdos) constitui a sua característica mais negativa - o primeiro
relaciona-a com uma atitude muito generalizada nos alunos que consiste na
crença de que não é necessário descobrir nada porque já está tudo feito; o
segundo considera que dela decorrem estratégias negativas (falsear trabalhos
e consequentes avaliações). Para Jaime Almada, a característica mais
negativa que os alunos podem ter é remeterem-se a meros receptores do
sistema e do professor; e a sua característica mais positiva é a capacidade de
122
terem voz activa que deve ser usada também como instrumento correctivo de
más práticas pedagógicas. Os outros dois professores referem a autonomia
que os alunos devem ter como característica mais positiva: Manuel Rebelo
chama-lhe "autonomia enorme", e consiste na capacidade de lidar
autonomamente com questões das diferentes áreas de saber; Francisco Couto
declara que a autonomia é necessária para responder aos desafios novos que
os alunos irão encontrar no mundo do trabalho.
O pior defeito de um professor, para Manuel Rebelo, é não querer que haja
alunos mais capazes do que ele - há maus professores que se servem
estrategicamente da avaliação para prejudicar os alunos. Para os outros dois
entrevistados, o convencimento e o distanciamento caracterizam o mau
professor que ambos consideram ser aquele que se tem como um génio e que
restringe o mundo à universidade e à sua área disciplinar: Jaime Almada afirma
que um professor prejudica os alunos se faz deles meros receptáculos que
estão nas aulas a tirar apontamentos; Francisco Couto apresenta duas razões
para isto - a carreira universitária valoriza sobretudo a investigação, o que leva
alguns professores a não investirem tanto na pedagogia; e o elevado número
de alunos nas aulas teóricas inviabiliza o contacto próximo entre professor e
alunos.
Relativamente ao que os entrevistados consideram ser um bom professor,
Manuel Rebelo defende "um mínimo de ordem" - o professor respeita um
horário de trabalho e orienta os seus alunos dando-lhes as indicações
necessárias às questões com que estão a trabalhar- não os tenta moldar, mas
respeita a sua individualidade e disponibiliza-lhes o seu saber para que,
autonomamente, possam chegar mais rapidamente a outros patamares de
conhecimento (quando um aluno o ultrapassa, este professor considera que fez
um bom trabalho). Acrescenta que as aulas transmissivas devem ser
agradáveis para professor e alunos, pelo que o professor precisa usar de
alguma sedução - não pode apresentar apenas conteúdos de absorção. Um
melhor ensino exigiria duas grandes mudanças: a redução para metade das
123
horas lectivas; e a não permanência na instituição dos professores com
nomeações definitivas (alguns professores não vêem motivos para trabalhar
mais e melhor - isso alterar-se-ia se tivessem que concorrer a vários sítios).
Para Jaime Almada, um bom professor deve conjugar duas competências: uma
pedagógica e outra científica - a primeira é imprescindível (permite transmitir o
mais importante que é o gosto pelo conhecimento); a segunda é importante,
mas não é imprescindível (um bom investigador que tem uma relação
pedagógica má não pode ser um bom professor). Um ensino superior de
qualidade reúne estas condições: bons professores; uma avaliação que evolui
para uma cultura da avaliação - e que se reflecte na progressão académica; os
alunos entram no curso que escolhem e são responsáveis pelas suas decisões;
as estruturas governamentais e direcções gerais criam as condições logísticas
adequadas, e as gestões universitárias um bom clima no contexto educativo
com espaços para o encontro e lazer, tal como para o trabalho diário.
Francisco Couto caracteriza um bom professor como aquele que consegue
responder equilibradamente às três missões da universidade (investigação,
ensino e extensão universitária) porque são as três igualmente importantes,
acrescentando que este professor deve ser capaz de fazer investigação própria
(de preferência, liderando grupos), e de traduzi-la em actividades pedagógicas
consequentes. Para atingir o seu ideal de ensino, planeia: aproximar os
exemplos que utiliza nas aulas da realidade que os alunos irão encontrar na
sua vida profissional; interagir mais com os alunos para lhes detectar eventuais
falhas na matéria e poder actuar a tempo; ter aulas práticas nas disciplinas
onde tem teóricas para diminuir o distanciamento entre ele e os seus alunos.
124
ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE
OS DADOS E O MODELO TEÓRICO CONSIDERADO
"... nas pós-graduações nós centramos os cursos à volta de questões.
Ou seja, o pós-graduado é formado à custa da resolução de um
problema; enquanto que o pré-graduado é formado no sentido de ter a
bagagem mínima para, um dia, vir a resolver alguns problemas - a
aprendizagem não é direccionada da mesma maneira."
(Manuel Rebelo, 12/06/03)
126
A N Á L I S E DA R E L A Ç Ã O ENTRE OS D A D O S E
11
Ver Quadro na página 76: a abcissa representa o eixo de aquisição de saberes
(reprodução/produção); a ordenada representa o eixo metodológico
(domesticação/emancipação). Recorde-se que considerámos: S - S1, S2 e S3 - (saberes - na
abcissa); e M - M1, M2 e M3 - (métodos - na ordenada).
127
EIXO DE AQUISIÇÃO DE SABERES: QUÊ
128
Nas pós-graduações - e também no último ano do curso de licenciatura no
caso de Jaime Almada - é outro o cenário revelado, já que são os três
professores a referir a investigação como uma constante naquele nível: "...nas
pós-graduações nós centramos os cursos à volta de questões. (...) o pós-
graduado é formado à custa da resolução de um problema (...) ao fim de uma
pós-graduação tem que ter publicado resultados que são internacionalmente
aceites. Portanto, obrigatoriamente faz investigação." - são palavras de Manuel
Rebelo; Jaime Almada recorre sempre ao seu trabalho para dar as aulas "...
nos mestrados, organizo as sessões com base no meu material de
investigação, portanto, exponho as investigações: os passos, resultados, para
que é que serviu, o que é que se aprendeu..."; e Francisco Couto, embora não
utilize sistematicamente a sua investigação nestas aulas, afirma que "...onde há
mais proximidade, mais contacto, é na fase de dissertação (...) porque as aulas
acabam por funcionar um bocado como aulas do 5o ano, não é propriamente
nas aulas que se pega muito nos tópicos da investigação. Na parte de
dissertação sim...".
129
EIXO METODOLÓGICO: COMO
Neste caso trata-se de identificar apenas o tipo de material utilizado nas aulas pelos
professores, que foi por eles apresentado de modo objectivo.
14
Ver Anexo III.
15
Como poderemos constatar no decurso do trabalho.
130
Assim, no sentido de o mais correctamente possível identificarmos os três tipos
de pedagogias - constantes neste eixo metodológico - nos discursos dos três
professores, considerámos cada um deles em:
Níveis de Ensino
- Pré-graduação
- Pós-graduação
Tipos de Professor
- Professor monocultural
- Professor intermulticultural
1. cientificamente competente
2. com sólida preparação profissional, bom "tradutor" da complexidade da
ciência
3. seguro e estável, que valoriza a cultura nacional tradicional
4. claro e interessante
5. paciente e trabalhador, distribuidor de saberes a todos os alunos
6. fonte/emissor de saber, equitativo
7. eficiente, justo e exigente
8. preocupado com dificuldades dos seus alunos, disponível
9. contribui para a construção do aluno-tipo ideal
131
1. Escola como campo neutral de aquisição de saberes
2. valorização das metodologias e dos materiais estandardizados
3. valorização da estabilidade, valorização da importância de manter a
cultura erudita e nacional
4. transmissão de saberes considerados importantes como prioridade
5. preocupação com a garantia de oferta de igualdade de oportunidades de
acesso
6. massificação do ensino como forma de enfrentar a escola de massas,
representação dos alunos como conjuntos homogéneos
7. aumento da competência, eficácia e normalização como objectivos;
diferenças penalizáveis
8. explicações psicológicas e biológicas de handicaps existentes nos
alunos
9. implicações na compreensão de handicaps existentes nos alunos.
132
1. valorização do papel que pode ter a Escola no sucesso e no insucesso
dos alunos
2. consciência do "arco-íris" de culturas existente na escola e na sala de
aula
3. compreensão da escola como local de práticas conflituais, de
cruzamento de diferentes poderes, interesses e valores; identificação de
factores explícitos e ocultos que estejam a interferir em processos
educativos; descoberta e alargamento de espaços de autonomia relativa
dos professores e da escola
4. aceitação e rentabilização da diferença
5. aceitação da diferenciação de ensino como forma de contribuir para a
semelhança de nível de sucesso
6. valorização da investigação-acção como quadro de trabalho; valorização
da importância do desenvolvimento de dispositivos de diferenciação
pedagógica; concepção de propostas de trabalho/ planificações
alteráveis
7. concepção do bilinguismo cultural crítico e da consciência do direito à
cidadania como meta.
16
A este propósito, referimos de novo o caso da possibilidade da inclusão dos três professores
em "educação bancária" no nível de pré-graduação - se considerássemos apenas o que foi
dito pelo professor quando este se referiu especificamente ao modo como dá aulas naquele
determinado grau de ensino.
Mas isso não estaria correcto: por exemplo, no caso de Jaime Almada - que diz ser um
professor expositivo e directivo - em outras partes do seu discurso declara que os alunos não
133
Para maior eficácia no trabalho, utilizámos aqueles algarismos -
correspondentes a cada característica de descrição e de enquadramento
teórico de cada um dos dois tipos de professor (monocultural e
intermulticultural) - no texto relativo a cada professor entrevistado, sempre que
aí identificámos as respectivas características17.
são meros receptáculos do que professor quer ensinar. Ora, um professor que faz esta última
afirmação é claramente contrário ao tipo de educação bancária!
17
Aconteceu algumas vezes determinadas características serem identificadas pela negativa,
isto é, observarmos uma característica contrária, por exemplo, ao tipo de professor
monocultural - nestes casos, incluímo-la em professor intermulticultural, e acrescentámos a
palavra não seguida do algarismo correspondente.
134
Manuel Rebelo
Pré-Graduação
18
A expressão matéria nova - pronunciada ironicamente por Manuel Rebelo - referir-se-á a
determinados assuntos que não constituirão propriamente novidade científica na respectiva
disciplina.
19
Adjectivámos como "jocoso" o modo como foram ditas estas duas frases principalmente pelo
tom que o entrevistado lhes imprimiu ao falar, e que é perceptível na respectiva gravação. De
qualquer modo, cremos que as próprias palavras - aqui escritas - deixam transparecer essa
atitude deste professor a qual, por si só, pode ser reveladora de uma não identificação, da sua
parte, com o tipo de aulas transmissivas - ou educação bancária.
135
se consegue converter na de aluno) sendo por isso de natureza oposta à
atitude de magistercentrismo que a educação bancária pressupõe.
136
Assim, quando este professor considera que "... a pré-graduação não supõe
que haja uma atitude criadora!..." e, como tal, apenas "...se pretende dar uma
formação básica (...) não se habilita as pessoas para resolver problemas
práticos20", paralelamente estabelece semelhanças de natureza negativa, na
sua perspectiva, entre este nível de ensino superior e o ensino secundário
"Cada vez estão mais parecidos!... Cada vez estão mais parecidos!..." - com o
pressuposto que neste último nível referido as competências que se exigem
aos alunos para o seu sucesso se traduzem na repetição do que o professor
debita nas aulas. Tal como ali, também aqui no nível de pré-graduação do
ensino superior "Os alunos não têm nenhuma liberdade de pensar pela sua
cabeça!... De facto, quando muito, a liberdade que têm é para reconstituir por
eles os ensinamentos do Mestre...". Neste contexto, será mais especificamente
a esta atitude de repetição - que crê partilhada por ambos os sistemas de
ensino e crescentemente assumida pela universidade - que Manuel Rebelo se
opõe: "... essa atitude que as coisas estão feitas, que esta sociedade dá a
conhecer as coisas às pessoas, e que as pessoas não têm que fazer mais do
que preencher as respostas certas, e a vida não tem respostas certas - muitas
das respostas são subvertidas por novas perguntas..."; "... uma das coisas que
me choca é que eles não têm espírito matemático21!!... Os alunos finalistas de
Matemática não têm!!... Ou seja, já é possível fazer o curso de Matemática todo
- o que eu chamo a chapa 21 (...) - sabendo resolver um exercício e
interpretá-lo..., um exercício e interpretá-lo...". Nesta sequência, afirma que "A
graduação abastardou-se completamente.", o que reforça claramente a sua
oposição a este tipo de atitude - a qual exclui a componente criadora ou
investigativa.
137
Pelo que acabámos de expor sobre o discurso de Manuel Rebelo relativamente
ao ensino superior no nível de pré-graduação, parece-nos pertinente afirmar
que este professor não se identifica nem age de acordo com as características
fundamentais do modelo pedagógico transmissivo ou educação bancária.
Pós-Graduação
22
Para conseguirmos responder a esta pergunta, teremos que situar este professor
relativamente aos tipos monocultural e intermulticultural - o que faremos em próximas páginas.
138
Assim, "... a aprendizagem não é direccionada da mesma maneira" nos dois
diferentes níveis de ensino porque, ao contrário das pré-graduações, "... nas
pós-graduações nós centramos os cursos à volta de questões", isto é, "... o
pós-graduado é formado à custa da resolução de um problema" - mesmo que
esse problema não constitua propriamente novidade científica na área "... pode
ser recapitular um problema que até já foi resolvido por muita gente...". De
qualquer modo, existe sempre "...uma actividade criadora do envolvido".
Se, por um lado, Manuel Rebelo defende uma "autonomia enorme" por parte
dos alunos em geral, no caso particular dos alunos de pós-graduação - em que
é assumida a actividade criadora como necessária - essa autonomia torna-se
imprescindível. Assim, o professor apenas deverá fornecer determinadas
indicações no sentido de evitar aos alunos eventuais perdas de tempo: "Olhe,
não vale a pena perder tempo com isso, isso já está resolvido!"; ou "Este ainda
está por estudar, veja lá se isso lhe pode vir a interessar!..." - procurando não
interferir/intervir desse modo no processo educativo.
139
TIPOS DE PROFESSOR - Professor Monocultural; Professor Intermulticultural
Professor Monocultural
;!3
Manuel Rebelo não terá sido professor de grande número dos alunos que refere, porque
estes que procuram o IPATIMUP para aí fazerem estágios são oriundos também de outras
faculdades, e não apenas da de Ciências.
140
satisfaz - não há muito meio termo...!"; "... se não houver nenhum critério
objectivo, se nós que fomos investidos dessa função (...) não oferecemos
resultados objectivos numa classificação, então depois a seriação das pessoas
vai ser feita pelos mais subjectivos critérios que imaginar se possa..." (7).
Professor Intermulticultural
141
sempre, por exemplo, tira 15, ou 17, dum momento para o outro!... Portanto,
não é aquilo que se chamaria uma deficiência, é um problema mais de
entender quais são os objectivos, e as dúvidas dele." (não 8);
142
"Hoje (...) a cobertura universitária é muito maior! (...) No meu tempo (...)
24
vamos supor que era 0,1%; agora é 1% - é só dez vezes mais! (...)
tiveram que os ir buscar a algum sítio...!" (2). E, embora constate
homogeneidade nos alunos, o modo como a justifica leva-nos também a
pensar que este professor considera a heterogeneidade, apresentando
aquela homogeneidade como resultado/consequência de outros factores:
"Há aí uma série de mecanismos sociais mais ou menos coercivos que os
põem bastante uniformes - desde as praxes àquelas coisas todas...!" - com
base nesta justificação, consideramos que este professor se identifica com
2e3.
24
Manuel Rebelo refere-se à percentagem de alunos de estrato sócio-económico médio-baixo,
relativamente aos outros alunos "economicamente mais saudáveis" - como se lhes refere.
143
maus professores!!... E dão aulas fora! (...) Nem sequer dão as aulas,
quanto mais... - há casos desses!!... E não se lhes pode fazer nada...";
- a dificuldade de intervenção da reitoria: "Os reitores têm uma margem de
manobra muito reduzida, particularmente os das universidades clássicas,
porque as faculdades têm autonomia financeira e administrativa, portanto
fazem o que querem e lhes apetece...! A reitoria não tem qualquer hipótese
de intervir seriamente na orientação da universidade!...";
- os mecanismos de avaliação dos docentes: "... quer ao nível da
investigação, quer ao nível do ensino mais clássico, se essa avaliação
agora entrou em crise do ano passado para este, com a desculpa dos
planos orçamentais fizeram-se barbaridades, mudaram-se todas as regras
do jogo..." consistindo outra das mudanças na avaliação feita pelos alunos
"... agora inventou-se, para calar os estudantes e conseguir subir as
propinas e outras trepolias do género, deu-se-lhes o bombom ou o
rebuçado da avaliação dos professores..." o que estará em consonância
com a ideia de que "... estamos num sistema de ensino que está a ficar
pervertido na medida em que se está a pensar nele como um mercado, em
que os alunos são clientes...";
- o carácter de obrigatoriedade nas aulas práticas: "... desde um grande
número (de alunos) que quer que a aula acabe, e que ainda por cima vem
educado para ter que assistir àquilo mesmo que não esteja a fazer nada
(...) e que é mantida activamente pelas instituições universitárias esta
história da obrigatoriedade de ir às aulas práticas (...) é deseducativo para
ambas as partes!: os professores assim garantem que têm lá uns gajos a
olhar para eles (...); e os alunos também sentem (...) que têm a desculpa
que estiveram ali a perder tempo com aquilo!".
Nesta sequência, Manuel Rebelo avança com uma proposta: "É das tais
situações típicas que é só mudar o regulamentozinho: é só um parágrafo!...
e mudava drasticamente a atitude...!". Outras propostas, relativamente a
outras situações por ele identificadas como negativas, são: "... flexibilizar o
emprego na universidade (...) ter estabilidade de emprego, mas não
necessariamente no mesmo sítio e a fazer as mesmas coisas..."; "... reduzir
quase a metade o tempo escolar clássico (as horas lectivas)" - o que se
144
identifica fundamentalmente, e para além das características antes
referidas, com as correspondentes a 6.
145
Professor Monocultural e/ou Professor Intermulticultural?
Incluem outras de professor monocultural mas, como foi já referido, trata-se de tipos ideais,
pelo que não é de esperar encontrar, num professor real, características de apenas um dos
tipos.
146
formandos, e enquadra-se na concepção do bilinguismo cultural crítico e da
consciência do direito à cidadania como meta;
147
As características que encontramos em Manuel Rebelo correspondem, na sua
maioria, às de um professor intermulticultural, sendo aquela b) relativa à
homogeneidade/heterogeneidade a que agora mais nos importa considerar,
para conseguirmos chegar à localização das metodologias pedagógicas deste
professor no eixo metodológico respectivo.
Como já referimos, apesar da homogeneidade que este professor atribui aos
alunos, consideramos - pelo que foi apresentado - que vê a heterogeneidade
que comportam, nos dois níveis de ensino.
148
Jaime Almada
Pré-Graduações
Há interacção com os alunos também fora das aulas "... porque eles vêm... no
meu horário de atendimento, às vezes encontram-me no bar (...) se me
encontrarem fora da faculdade, num café, também vêm falar comigo!... Eu
tenho relações com os meus alunos fora das aulas...! Mal fora que... Nem vejo
a coisa de outra maneira...!!", e considera que "A relação entre professor e
aluno é uma relação humana.".
149
inteiro - ao fim do ano, em duas horas, arroga-se decidir o destino de um aluno
na sua disciplina sem saber quem é o aluno...".
Nesta sequência, defende que a "voz activa" dos alunos passa também pelo
uso de instrumentos - como a avaliação dos professores - para obviar a
situações como aquela, que os prejudicam: "Como é que se pode fazer a
avaliação dos professores?!... - Dando mais ouvidos aos alunos!"
150
Pós-Graduações
Professor Monocultural
151
outros (...) pessoas que têm de facto capacidades de aprendizagem muito
baixas (...) que muito dificilmente conseguem cumprir as exigências
curriculares. Isso é um mau aluno...!"; "... pessoas (...) com algumas falhas de
competências intelectuais para a nossa área... " (8).
Professor Intermulticultural
152
As aulas deste professor não se repetem de ano para ano, mas "... todos os
anos meto coisas novas no programa base. E todos os anos meto livros
novos... Portanto, nunca dou dois anos exactamente iguais..." (6).
Sobre a voz activa que defende que os alunos devem ter, "... essa voz passa
também por eles poderem falar do clima pedagógico, do que está mal,
poderem recorrer de más pedagogias..." (7).
Crê que ir ou não ir às aulas é uma escolha dos alunos "... vêm
voluntariamente!... - não há nenhum mecanismo coercivo! (...) Quero lá
saber!..." (7).
153
Professor Monocultural e/ou Professor Intermulticultural?
154
descoberta e alargamento de espaços de autonomia relativa dos professores e
da escola;
155
Francisco Couto
Pré-Graduações
156
as características fundamentais do modelo pedagógico transmissivo ou
educação bancária.
Portanto, não estará situado em M1.
Pós-Graduações
157
TIPOS DE PROFESSOR - Professor Monocultural - Professor Intermulticultural
Professor Monocultural
158
No entanto, refere a existência de um pequeno número de alunos diferente da
maioria e que identifica pelos seus altos desempenhos académicos "... fulanos
que só estudam, quer dizer, são indivíduos que tiram dezoito ou dezanove a
todas as disciplinas, ou vinte...", chamando-lhes pejorativamente "máquinas de
estudar" - o que parece denotar, da sua parte, pelo menos uma atitude de
rejeição. Neste sentido, acrescenta "Agora, a vida não é só estudar, não é?, e
eu não sei se isso é muito positivo...! Mas pronto!" (6).
Considera que os alunos actuais são diferentes dos de há nos atrás (os quais
constituíam um grupo mais homogéneo), e são também diferentes entre si.
Esta diferença reside na quantidade e na qualidade de informação hoje
disponível - que conduz à especialização: "... é possível encontrar fulanos até
agora com uma informação sobre muita coisa mais diversificada do que aqui há
uns anos (...) Agora há muitos outros canais de informação, e as pessoas - na
impossibilidade de lerem tudo!! - especializam-se! (...) há pessoas com uma
informação muito aprofundada numa certa área, outro noutra área e, portanto,
desse ponto de vista, eu diria que são mais diferentes!" (1, 4, não 2 intermultic.
- embora considere esta diferença, não revela consciência do "arco-íris de
culturas" na sala de aula).
Estabelece uma outra diferença entre os actuais alunos e os de há anos atrás,
a qual consiste numa "...maturidade (...) mais tardia: chegam ao 1 o ano (...)
com necessidade de condução do ponto de vista até do estudo... e de
comportamento (...) é atirar papeizinhos, aviõezinhos, brincadeiras...!!..." e isto
"... porque todo o desenvolvimento está um pouco mais lento..." - factores de
natureza biológica e psicológica que têm implicações negativas em termos de
desempenho académico (8).
159
a permanência do mesmo grupo em várias disciplinas também conduzir a um
esquema de repartição do trabalho (...) "Tu fazes o desta disciplina, eu faço o
daquela, e depois a nota é para os dois!" (1, 4, 7)
Ora, isto acarreta falhas na avaliação "... fazer com que se esteja a avaliar
incorrectamente, digamos, as pessoas: para dar a nota ao grupo igual, de facto
se calhar houve um que era bastante melhor do que os outros e, portanto,
puxou todo o grupo um bocado mais para cima..." (7).
Houve várias tentativas infrutíferas para resolver esta situação identificada
como problema, mas "... eles não reagem... bem (...) há ali muitas razões para
querer manter o grupo!"; e acrescenta que este modo de dar aulas, na
faculdade de engenharia, é "... uma característica que nós temos bastante...
desenvolvida - digamos - nos nossos alunos que é o de fomentar o trabalho
em grupo, e de eles normalmente reagirem bem!" - a atitude que daqui ressalta
pode ser tida como reveladora de alguma rigidez no que se refere à
possibilidade de mudança de metodologias (2).
160
alto). E completa assim a sua exposição sobre esta matéria: "... vale a pena
(...) Mesmo que até depois ninguém fosse ligar muito aos resultados (...)
Portanto, acho que vale a pena... Que é interessante que existam!... Acho que
sim!" - expressões e frases estas que denotam desvalorização deste assunto
por parte do professor, o que nos leva a crer que este não concordará com a
realização dessa avaliação com aquele objectivo (3, 9, não 7 intermulticultural).
Aliás, quando retoma este assunto atribui-lhe outro objectivo fundamental, e
inicia-o com a palavra mas: "Mas são importantes para detectar grandes
desvios: essencialmente é isso! Quer dizer, um docente que falta muito,
concerteza que irá notar-se depois, no resultado final, porque haverá mais
alunos a chamar a atenção para esse aspecto. Um docente que tem, enfim,
uma grande capacidade de comunicação, e de motivação, etc., naturalmente
será bem classificado pela maioria dos alunos!...". Aqui, para além de
podermos identificar os pontos 3 e 4, consideramos que está muito presente o
enquadramento teórico deste professor relativamente ao aumento da
competência, eficácia e normalização como objectivos, e diferenças
penalizáveis (7); o seu discurso prossegue nesta linha "... uma disciplina onde
há problemas, isso se calhar aparece no inquérito; permite ao director do curso
depois tentar actuar! - mas funciona como prevenção, não é?: os docentes,
pelo facto de saberem que existem os inquéritos, se calhar já... enfim, fazem
mais algum esforço, e tal..." (7). E, a propósito da especialização excessiva de
determinados professores, a postura da penalização ao desvio mantém-se: o
termo utilizado é combater, e fazem-se reuniões de ano com esse objectivo às
quais aqueles professores são pressionados a comparecer "... combater esse
tal isolamento, a especialização. (...) Enfim, não digo que sejam obrigados,
porque não marcam falta, mas... enfim...! Têm que justificar porque é que não
vão, digamos...!... Enfim, em princípio, se não forem, nota-se que não foram!...,
não é? - são reuniões com cinco, dez pessoas, não é? E, portanto, nota-se:
"Faltou o docente da disciplina tal!"" (2, 7).
161
estão no estatuto, e não é por acaso que estão no estatuto... Quer dizer, é
porque faz parte da própria natureza da instituição!" (3).
No entanto, no decurso da entrevista, o modo como se refere à componente
pedagógica leva-nos a pensar que este professor não lhe considera esse
mesmo peso que à outra componente científica, mas atribui um peso maior a
esta última:
- acerca dos diferentes perfis dos docentes da sua instituição, discorre
sobre vários começando pelo do cientista, passa pelo de gestor e termina
no de engenheiro - nunca atribuindo explicitamente a estes perfis o de
professor. E, só depois, é que o acrescenta: "Numa faculdade como a de
Engenharia (...) cabem desde matemáticos mais ou menos daquele modelo
do cientista (...) indivíduos que são praticamente gestores (...) até
engenheiros (...). Portanto, temos de facto... - e professores, não é?
(professores no sentido em que são indivíduos que se dedicam
essencialmente à parte pedagógica)." (1, 2);
- a sua definição de um bom professor de ensino superior apresenta
claramente essa hierarquia, já que considera a competência científica como
primeira condição, enquanto que a competência pedagógica existe em
função daquela: "É um indivíduo que tem capacidade de fazer investigação
própria (...) e de traduzir isso em actividades pedagógicas consequentes,
desde a estruturação dos cursos e das disciplinas, à própria forma de
leccionar a disciplina, e de comunicar com os alunos." (1, 2).
162
Professor Intermulticultural
163
Trata-se, então, de um professor:
164
j) monocultural (não intermulticultural) - "daltónico cultural"
não consciência do "arco-íris" de culturas existente na escola e na sala de aula
165
Considerando fundamentalmente i) e j) 26 , observamos que Francisco Couto
representa os alunos de pré-graduação como conjuntos homogéneos, pelo que
o consideramos em M2 neste nível de ensino.
Chegámos, deste modo, à localização das metodologias pedagógicas de
Francisco Couto no eixo metodológico em
M2 - para o nível de ensino de pré-graduação;
M3 - para o nível de ensino de pós-graduação.
26
O referido na alínea m) parece contrariar isto, mas essa alínea refere-se à heterogeneidade
que este professor identifica no nível de pós-graduação, pelo que neste caso considerámos
apenas a pré-graduação - que é o caso que falta situar (o nível de pós-graduação foi já
localizado em M3).
166
LOCALIZAÇÃO DOS TRÊS PROFESSORES
NO EIXO MET ODOLÓGICO
Pré-Graduação
Pós-Graduação
167
7, 8 e 9 - recorre-se a pedagogias invisíveis, tendo os professores a
preocupação de adequar as propostas de ensino/aprendizagem aos seus
alunos já que existe, da sua parte, a consciência da heterogeneidade na
sala de aula. A atitude destes professores revela preocupações mais
emancipatórias.27
27
Segundo Cortesão (2000), estas situações correspondentes às casas 7, 8 e 9 ocorrem com
uma frequência muito menor relativamente às dos dois grupos anteriores, e, como tal, têm sido
menos estudadas - pelo que "... suscitam a importância de uma análise mais aprofundada, pois
que, à partida, a caracterização que delas se faz se reveste de alguma ambiguidade: a simples
referência a que nesta categoria estão reunidas situações de trabalho em que não se está
"indiferente à diferença" é, em si, uma caracterização muito pouco esclarecedora, pois que
poderão estar em questão diferenças de variadas naturezas." (Cortesão, 2000: 61).
168
CRUZAMENTO DOS EIXOS QUÊ E COMO: ONDE
Manuel Rebelo
Pré-Graduação: S2; M3 - casa 8
Pós-Graduação: S3; M3 - casa 9
Jaime Almada
Pré-Graduação: S2; M3 - casa 8
Pós-Graduação: S3; M3 - casa 9
Francisco Couto
Pré-Graduação: S2; M2 - casa 5
Pós-Graduação: S3; M3 - casa 9
169
Quadro 2
Quê, Como,Onde
B Eixo
Metodológico
Domesticação/
/Emancipação
Educação
Bancária
Eixo de
Aquisição
de saberes:
Reprodução/
/Produção
170
V
CONCLUSÕES
171
"... os docentes do Ensino Superior praticam muitas vezes pedagogia
sem o saberem. A novidade consiste em nos interrogarmos sobre a
validade desta ou daquela técnica, deste ou daquele modelo
pedagógico, e em introduzirmos novas práticas de ensino, a partir desta
interrogação. (...) Se, portanto, aderirem ideologicamente (...) às
alterações em curso, adoptarão práticas pedagógicas susceptíveis, do
seu ponto de vista, de as acelerar, ou pelo menos de as acompanhar..."
(Bireaud, Annie, 1995:19)
172
O DISCURSO EDUCATIVO COMO
DISPOSITIVO DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA
1
Ver quadro 2 na página 170.
2
Por um lado, o conceito de dispositivos de diferenciação pedagógica é ainda recente, pelo
que nem todos os profissionais da área científica de Ciências da Educação o conhecerão; por
outro lado, os três professores entrevistados pertencem a outras áreas científicas - o que
reduzirá, em princípio, a possibilidade de estes professores o conhecerem.
173
A este propósito, um dos professores entrevistados (Jaime Almada) afirma:
"Eu, se não preparar uma aula, e começar lá no meio a... dizer coisas um
bocado abstractas, que não se ligam a nada... - aquele paleio, como se
costuma dizer, de professor universitário (...) eles começam a desandar!!...
Portanto, o interesse do aluno, a meu ver, está directamente relacionado com a
preparação que o professor faz das aulas, com o investimento que o professor
coloca nas aulas!"
Este discurso revela, da parte do professor, um conhecimento sobre os seus
alunos que lhe permite encontrar os instrumentos mais adequados para os
equipar com os respectivos conhecimentos curriculares, instrumentos esses
que constituem o seu discurso pedagógico. Ora, segundo Cortesão (2000): "...
esta selecção do discurso pedagógico (...) se é original, se se faz, não por
tentativa/erro, mas porque se constrói como hipótese lógica de proposta
educativa àquele grupo, àquele contexto, poderá constituir uma situação
específica de produção de conhecimento no decurso da acção pedagógica."
(Cortesão, 2000: 71).
174
EMANCIPAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO SUPERIOR
175
b) Manuel Rebelo e Jaime Almada (casa 8) recorrem à educação
contextualizada, produzindo ambos dois tipos de
conhecimento: um conhecimento socioantropológico sobre os
seus alunos - nos quais identificam e consideram a
heterogeneidade - e um outro conhecimento educativo
(conhecimento este que, partindo do anterior, possibilita a
criação de dispositivos de diferenciação pedagógica) para
esses alunos específicos.
176
MAIOR EMANCIPAÇÃO E MAIOR PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO NÍVEL DE PÓS-GRADUAÇÃO
3
Recorde-se que as práticas pedagógicas consideradas meramente reprodutoras e
domesticadoras não constam no quadro - pelo que aqui utilizamos a designação não tão
emancipadora tendo como referência apenas as práticas pedagógicas mais emancipadoras.
177
OS RESULTADOS E O MODELO TEÓRICO CONSIDERADO:
CORRESPONDÊNCIAS
178
Neste contexto, apelos a características como criatividade, flexibilidade,
capacidade de decisão e autonomia, constituem o discurso preponderante
nesta relação. Como tal, não parecerão surpreendentes estas afirmações dos
professores entrevistados: "... se eles estão metidos num curso superior, é
para terem uma actividade mais ou menos autónoma (...). Se nós continuarmos
a "educar" para uma atitude subserviente perante a vida em geral e os
conteúdos que estamos a discutir - é suicida!... Quer dizer, estamos a preparar
gerações de pessoas que depois não são capazes de resolver os problemas
que têm pela frente!..." (Manuel Rebelo); "Os alunos têm que ter voz activa! Os
alunos são adultos!... E a universidade é um sítio que treina para a vida adulta,
e é daqui que saem os quadros, os indivíduos que na sociedade
desempenham, por vezes, funções de muita responsabilidade! Portanto, treinar
uma relação de adulto é dar voz aos alunos logo desde a sua entrada para
aqui!..." (Jaime Almada); "... há, de facto, uma maior escolha, digamos - os
alunos têm essa possibilidade - que é bom! (...) Porque quando estiverem a
trabalhar, é nesse ambiente que vão conviver (...) E vão ter que ter autonomia
para acompanhar as evoluções, e para responder aos desafios novos que vão
aparecer." (Francisco Couto).
179
No entanto, Sedas Nunes assumiu uma perspectiva relacionada com o
conceito de ensino superior de massas, tendo afirmado que essa crise se
deveria mais à falta de condições para o sucesso de todos os alunos - os quais
caracterizou como crescentes em número e também em diversidade - e não ao
seu elevado número. Seria, por isso, necessário operar mudanças capazes de
criar as condições necessárias para todos os alunos poderem frequentar a
Universidade com êxito, independentemente do seu número e atendendo à sua
diversidade. Especificamente em relação às práticas pedagógicas no ensino
superior como condição/objecto de mudança, o autor identificou como negativa
a utilização das pedagogias transmissivas, já que estas não se relacionariam
directamente com o sucesso de todos os estudantes, mas apenas com o dos
tradicionais. As pedagogias transmissivas traduzir-se-iam, deste modo, na
negação da existência das diversidades dos alunos que efectivamente existiam
na universidade.
180
O modelo proposto por Stoer e Cortesão (1999) poderá realizar-se deste modo,
através da relação entre o mundo do trabalho e o mundo da educação:
particularmente na situação educativa que corresponde à casa 9, onde há
produção de três tipos de conhecimento - disciplinar, socioantropológico, e
educativo. Assim, as práticas pedagógicas dos três professores de ensino
superior que entrevistámos correspondem àquelas capazes de realizar
mudança, sobretudo as do nível de pós-graduação (casa 9).
Sobre esta questão, poder-se-á pensar que esses três professores reunirão um
conjunto de características que os torna não normais, no sentido em que são
especiais relativamente à norma - que será constituída pelos que não possuem
essas características.
Mas, de que características se trata? O que podemos dizer é que, certamente
para além da existência de outras que os diferenciam e/ou assemelham, os
três professores partilham determinadas características que revelam
particularmente no nível de pós-graduação - correspondentes aos algarismos
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1, 2 e 34 - e que os identificam como se tratando de professores
predominantemente de tipo intermulticultural. Assim, e respectivamente, cada
um destes professores mostra-se: vulnerável à dúvida, e que portanto se
interroga; não daltónico cultural; e capaz de investigar (na área da sociologia).
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Ver, no capítulo IV, o sub-capítulo "Análise da Relação entre os Dados e o Modelo Teórico
Considerado" e, neste, o "Eixo Metodológico: Como" sobre a caracterização dos professores
relativamente aos dois tipos de professor - monocultural e intermulticultural.
Mantém-se aqui a correspondência das características aos respectivos algarismos, tal como no
capítulo referido.
182
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