Você está na página 1de 203

UNIVERSIDADE DO PORTO

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PRATICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO SUPERIOR:


UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ATRAVÉS DO CONCEITO DE
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

ADELINA MARIA GRANADO ANDRES

2003
UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PRATICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO SUPERIOR:


UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ATRAVÉS DO CONCEITO DE
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

ADELINA MARIA GRANADO ANDRES

2003
Adelina Maria Granado Andrês

PRATICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO SUPERIOR:


UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ATRAVÉS DO CONCEITO DE
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

Dissertação apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências


da Educação da Universidade do Porto, para obtenção do grau de
Mestre em Ciências da Educação, Especialização em Educação,
Políticas Educativas e Ensino Superior

Orientador: Professor Doutor Stephen Stoer

í
RESUMO

Este trabalho tem como objecto de estudo a exploração/verificação do modelo


teórico de Steve Stoer e de Luiza Cortesão (1999) sobre práticas pedagógicas
no ensino superior, representadas num quadro de dupla entrada: a abcissa
representa a fonte do conhecimento utilizado na aula, com três situações - do
manual; de outrem; do próprio (em gradação de menor para maior produção de
conhecimento); a ordenada representa o modo como o conhecimento é
apresentado aos alunos, com três situações - transmissivo; activo; e
contextualizado (em gradação de menor para maior emancipação). O
cruzamento destas situações é representado por nove casas, cada uma
revelando as implicações das várias pedagogias em termos de emancipação e
de produção de conhecimento. Para conhecer as práticas pedagógicas de
professores de ensino superior e a sua adequabilidade ao modelo referido,
utilizou-se metodologia qualitativa - entrevistas semi-dirigidas e análise de
conteúdo. Foram entrevistados três professores da Universidade do Porto de
diferentes áreas: ciências naturais; ciências sociais e humanas; e ciências
exactas. Para a análise de conteúdo, criaram-se três grandes categorias (que
incluem outras oito): aulas; alunos; professores.
Os resultados do estudo estão de acordo com o modelo estudado, na medida
em que prevê que o maior grau de emancipação e de produção de
conhecimento só poderá ocorrer em pós-graduações.

2
RESUME

Ce travail a comme objet d'étude l'exploration/vérification du modèle théorique


de Steve Stoer e de Luíza Cortesão (1999) sur les pratiques pédagogiques de
l'enseignement supérieur, représentées dans un tableau d'entrée double:
l'absysse représentant la source de connaissance utilisée en cours, avec trois
situations - du livre; d'une autre personne; de la personne elle-même
(organisées de la plus petite vers la plus grande production de connaissance);
l'ordonnée présente la manière comme la connaissance est présentée aux
élèves, avec trois situations - transmissif; actif; et contextualisé (organisées de
la plus petite vers la plus grande émancipation). Le croisement de ces
situations est représenté par neuf cases, chacune révélant les implications de
plusieurs pédagogies en matière d'émancipation et de production de
connaissance. Pour connaître les pratiques pédagogiques de professeurs de
l'enseignement supérieur et son adéquation au modèle référé, une métodologie
qualitative a été utilisée - interviews- semi-dirigées et analyse de contenu. Trois
professeurs de domaines différents(sciences naturelles; sciences sociales et
humaines; et sciences exactes ) de l'Universitée de Porto ont été interviewés.
Pour l'analyse du contenu, trois grande catégories ont été créées (qui en
incluent huit autres): cours; élèves; professeurs.

Les résultats de l'étude sont en accord avec le modèle étudié puisqu'il prévoit
que le plus grand degré d'émancipation et de production de connaissance
arrivera seulement en situation après-diplôme.

3
ABSTRACT

This thesis use, as the theory study object of Steve Stoer and Luiza Cortesão
about pedagogies practices in Universities, presented on a table of 2
dimensions; the source of know lodge used in the classroom, with tree
situations - the manual; other scientific elements; from himself (from the minor
to the greatest know lodge production) the other element represents how the
know lodge is presented to the students, with tree situations - transferred;
active and in context (from the minor to the greatest). The results of these
situations are represented in nine cells, each one revels the implications of the
various pedagogies about know lodge production and the pedagogies practices.
To know the teachers pedagogies practices in University and the usual of the
referred model, we use the qualitative methodology - interviews semi-directed
and main analysis. There was tree Oporto University teachers from different
areas: Natural Sciences, Social and Human Sciences and Exact Sciences. For
the main analysis there were created tree big categories (that includes eight)
class, students and professors.
The study results match with the presented model, because generates grater
know lodgment and only can occur in post-graduations.

4
AGRADECIMENTOS

Ao António, à Inês e à Beatriz, e à minha mãe, que são os meus mais amigos no
mundo.

A Stephen Stoer a orientação neste percurso, Professor de há anos que me


disponibilizou os pontos cardeais do seu mapa das ciências sociais e humanas
e, mais especificamente, "... de uma sociologia da pedagogia..." (Stoer, S.), e
que me (re)cria o gosto de pensar em caminhos por onde o conhecimento possa
chegar a cada vez mais pessoas...

Aos meus colegas e amigos do ISCAP - Área das Ciências Sociais e Humanas:
à Sofia Silva que partilha, ao Geraldo Ramos que age e compreende, e à
Margarida Matos que ajuda a encontrar.

Aos meus amigos: Márcia Andrade, o apoio em todas as circunstâncias e, nesta


especialíssima, em especial os quadros que fez no computador; Fátima mãe e
Nicolau filho, a tradução do resumo; Mário Barroco de Melo, Coelho e Bruno
filho do Coelho, a grande ajuda em momentos de grande agonia do meu
computador; Teresa Barbosa, o livro de Sedas Nunes e o alerta sistemático para
terminar o trabalho.

Finalmente, um reconhecimento muito especial aos três professores


entrevistados não apenas pelas suas entrevistas, mas principalmente pela
disponibilidade e pela entrega com que as fizeram - o que possibilitou a
realização deste trabalho tal como agora se apresenta.

5
ÍNDICE

VOLUME 1

Introdução 11

I. A Universidade Portuguesa 13

Desde os Fins dos Anos 60 até 25 de Abril de 1974 em Portugal 15

Contexto Político e Social: Principais Repercussões


no Ensino Superior 15

Estudo de Sedas Nunes: A Universidade Portuguesa, 1969 17

A Reforma de Veiga Simão 23

Depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal 27

Contexto Político e Social de 1974 a 1976:


Principais Repercussões no Ensino Superior 27

Contexto Político e Social nos Anos Seguintes:

Principais Repercussões no Ensino Superior 29

II. Pedagogias na Universidade 36

Pedagogias na Universidade: Apresentação 38

O Método Pedagógico Transmissivo 39

Noção fundamental 39

As aulas 41

Os alunos 42

Os professores 43

Adequação/Desadequação ao Contexto Actual 44

As Pedagogias Activas 47

Noção fundamental 47

As aulas 49

6
Os alunos 50

Os professores 51

Adequação/Desadequação ao Contexto Actual 52

Que (Outras) Pedagogias? 53

III. Enquadramento Conceptual dos


Dispositivos de Diferenciação Pedagógica 55

Enquadramento Conceptual dos Dispositivos


de Diferenciação Pedagógica: Apresentação 57

Escola de Massas: Diversidade/Heterogeneidade/


Falsa Homogeneidade 58

A Construção do Professor Monocultural ou


Professor Daltónico Cultural 60

O Multiculturalismo Benigno
ou a Folclorização da Diferença 62

O Professor Intermulticultural e
os Dispositivos de Diferenciação Pedagógica 63

Comparação entre o Professor Monocultural e


o Professor Intermulticultural 67

Outros Contributos Relevantes para


os Dispositivos de Diferenciação Pedagógica 69

Campos de Recontextualização Pedagógica,

Enquadramentos e Pedagogias- Basil Bernstein 69

Educação Dialógica - Paulo Freire 71

Educação Contextualizada - Dispositivos de

Diferenciação Pedagógica: Apontamento Conclusivo 72

Quadro 1: QUÊ; COMO; ONDE 74

Eixo de Aquisição de Saberes


- Reprodução/Produção: QUÊ 75
Eixo Metodológico
- Domesticação/Emancipação: COMO 76
Cruzamento dos Eixos QUÊeCOMO: ONDE 77

7
IV. Trabalho Pedagógico na Universidade:

Exploração através de Entrevistas a Três Professores 83

Metodologia 84

Realização de Entrevistas 86

Análise de Conteúdo 93

Análise das Entrevistas 97

Síntese de Cada Categoria por Sujeito 97

Síntese de Todas as Categorias por Sujeito 114

Síntese Global de Todas as Categorias


dos Três Sujeitos 121
Análise da Relação entre os Dados e
o Modelo Teórico Considerado 125

Análise da Relação entre os Dados e

o Modelo Teórico Considerado: Introdução 127

Eixo de Aquisição de Saberes: QUÊ 128

Eixo Metodológico: COMO 130

Cruzamento dos Eixos QUÊ e COMO: ONDE 169


V. Conclusões 171

O Discurso Educativo como


Dispositivo de Diferenciação Pedagógica 173

Emancipação e Produção de Conhecimento


em Práticas Pedagógicas no Ensino Superior 175

Maior Emancipação e Maior Produção de Conhecimento


em Práticas Pedagógicas no Nível de Pós-Graduação 177

Os Resultados e o Modelo Teórico


Considerado: Correspondências 178

Estes Três Professores São Especiais?:


Pistas para Outros Desenvolvimentos 181

Bibliografia 183

8
VOLUME 2

ANEXOS

Anexo I - Guião de Entrevista

Anexo II - Entrevistas

Entrevista a Manuel Rebelo - FCUP

Entrevista a Jaime Almada - FPCEUP

Entrevista a Francisco Couto - FEUP

Anexo III - As Categorias

Anexo IV - Quadros de Categorias por Sujeito

Manuel Rebelo-FCUP

Jaime Almada - FPCEUP

Francisco Couto - FEUP

Anexo V - Quadros de Sínteses de Categorias por Sujeito

Manuel Rebelo-FCUP

Jaime Almada - FPCEUP

Francisco Couto - FEUP

Anexo VI - Sínteses de Categorias por Sujeito

Manuel Rebelo-FCUP

Jaime Almada - FPCEUP

Francisco Couto - FEUP

9
"... um certo número de docentes do Ensino Superior concedem um
lugar à pedagogia ou à didáctica nas suas preocupações
metodológicas e vêm modificando mais ou menos o seu
comportamento. (...) Reflectir nos problemas pedagógicos e introduzir
modificações, nesse âmbito, no Ensino Superior não equivale,
contudo, a que ocultemos os problemas sociopolíticos: é uma forma
de agir que, (...) fazendo parte da complexidade da realidade em
evolução, acaba por inscrever-se na sua dialéctica."

(Bireau, Annie, 1995: 14-15)

10
INTRODUÇÃO

Tendo presentes, por um lado, a heterogeneidade tendencialmente crescente


que existe no público discente no ensino superior em Portugal e, por outro, os
instrumentos pedagógicos possibilitadores de sucesso para todos os alunos
desse grau de ensino, propomo-nos fazer um estudo exploratório do modelo
teórico de Stoer e Cortesão (1999) sobre práticas pedagógicas, que trataremos
especificamente no âmbito do ensino superior e no que diz respeito aos seus
dois níveis - pré-graduação e pós-graduação.

Para isso, apresentamos em primeiro lugar uma exposição sobre a


Universidade Portuguesa, no que principalmente diz respeito aos conceitos de
massificação e de ensino de massas - dando conta do número e da
heterogeneidade crescentes que, desde os fins dos anos 60, passaram a incluir
a população discente neste grau de ensino.
Em seguida, descrevemos dois modelos pedagógicos aí existentes - o ensino
transmissivo ou educação bancária, e a educação activa e/ou investigativa -
para se compreender que, tanto num como noutro, se ignora aquela
heterogeneidade. Assim sendo, estas pedagogias revelam-se desadequadas
ao contexto actual do ensino superior se este se pretende de cariz democrático
e adequado a um mercado de trabalho relacionado com um contexto pós-
fordista de produção - já que aqueles modelos pedagógicos são
essencialmente domesticadores e reprodutores.

Outra proposta educativa configura-se no modelo teórico de Stoer e Cortesão


(1999) sobre práticas pedagógicas - trata-se da educação contextualizada -
dispositivos de diferenciação pedagógica.
Neste modelo pedagógico, identifica-se e rentabiliza-se a heterogeneidade que
a população do ensino superior contém, considerando-se cada aluno como um
indivíduo único, original, com uma identidade sociocultural específica que o
professor tem necessariamente que conhecer - o professor é um investigador

11
sócio-antropológíco - para, depois e através desse conhecimento, este
professor ser capaz de construir um outro conhecimento de tipo educativo - o
professor é também um investigador educativo. Ambos os conhecimentos
(sócio-antropológico e educativo) se revelam na criação e na utilização
daqueles dispositivos de diferenciação pedagógica pelo professor - o que
pressupõe e exige, da sua parte, uma capacidade de bilinguismo cultural que
lhe permite interagir com todos os alunos (considerando a pertença de cada um
deles a qualquer/quaisquer grupo/s sociocultural/ais). Trata-se da figura do
professor intermulticultural, cujo perfil reúne fundamentalmente as
características referidas - o modelo de educação contextualizada visa
essencialmente a produção de conhecimento (em oposição à sua reprodução),
e a emancipação dos indivíduos (em oposição à sua domesticação).

A partir deste quadro teórico, pretendemos conhecer as práticas pedagógicas


de professores de ensino superior, pelo que considerámos os discursos de três
professores da Universidade do Porto, pertencentes estes a diferentes áreas
científicas: um da Faculdade de Ciências (ciências naturais); outro da
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação (ciências sociais e
humanas), e outro da Faculdade de Engenharia (ciências exactas).
Para tal, recorremos a metodologias qualitativas, que consistiram na recolha de
dados através de entrevistas semi-directivas e posterior tratamento através de
análise de conteúdo.

Fundamentalmente, concluímos que estes professores utilizam o discurso nas


aulas como dispositivo de diferenciação pedagógica, incluindo-se as suas
práticas pedagógicas predominantemente no modelo de educação
contextualizada em ambos os níveis de ensino superior, e principalmente no
nível de pós-graduação - pelo que também promoverão a emancipação e a
produção de conhecimento, especialmente no nível de pós-graduação.

12
I
A UNIVERSIDADE PORTUGUESA

13
"... sempre a universidade funcionou em termos de, ao reproduzir
uma certa concepção do mundo e da vida, ter de agir no sentido de a
transmitir. E como as exigências da organização social não podem,
com maior ou menor grau de consciência do facto, deixar de difundir e
de reproduzir as ideologias direccionais do conjunto da vida colectiva
de cada época histórica, é claro que a universidade, juntamente com
todo o restante sistema escolar, representa um dos veículos de
transmissão da ideologia socialmente dominante."
(Castro, Armando, 1985: 50)

14
DESDE OS FINS DOS ANOS 60 ATÉ 25 DE ABRIL DE 1974 EM PORTUGAL

Contexto Político e Social:


Principais Repercussões no Ensino Superior

Nos fins dos anos 60, com o governo de Marcelo Caetano, o contexto
económico-político-social que se vivia em Portugal era de relativa flexibilidade e
abertura (comparando-o com a rigidez e fechamento do governo de Salazar):
"... do Regime Estado Novo (1926-1974), podemos distinguir 4 fases de
evolução, correspondendo a 4 a ao período marcelista (1968-1974), e que é
marcada por uma certa abertura política no seu início e pela subsequente
agonia do regime que culmina com a Revolução de Abril de 1974" (Manuel
Carmelo Rosa, s/d: 135).

Neste contexto, deu-se a abertura da economia portuguesa à EFTA - que


implicou algum desanuviamento na política de Condicionamento Industrial e
consequente melhoria das condições económicas das famílias e expansão dos
sectores secundário e terciário - e paralelamente foram introduzidas as ideias
funcionalistas e a teoria do capital humano1, cabendo à OCDE2 um papel fulcral
nesta mudança com o Projecto Regional do Mediterrâneo, o qual apela para a
necessidade de encontrar resposta urgente para o desfasamento entre as
necessidades do país e o ensino superior. Este conjunto de factores reflectiu-
se, nas universidades, num grande aumento da sua frequência que conduziu
ao ensino superior de massas.

Nesta perspectiva, e relativamente à educação, o que mais importa é a sua relação com a
economia, no sentido da teoria do capital humano - a estratégia seguida é, pois, ajustar as
necessidades da educação às do mercado de trabalho.
2
A OCDE fornecia pareceres e peritagens.

15
Deste modo, a afluência de massas às universidades relaciona-se com a
industrialização e a tecnologia que se originou e desenvolveu noutros países, e
que depois chegou a Portugal criando novas necessidades de formação de
mão-de-obra qualificada a que estas instituições deveriam dar resposta.

Mas este afluxo extraordinário de estudantes desencadeou uma crise


generalizada da universidade portuguesa, já que as instituições existentes não
se encontravam preparadas para o receber - tanto pelas suas grandes
proporções numéricas, como também pela diversidade de públicos que
comportou. A este propósito, António Sedas Nunes revelou a inadequação
existente entre características de novas populações de discentes (diferentes
dos tradicionais), e características dessa universidade, nos seguintes termos:
"Em Portugal, (...) as Universidades encontram-se institucionalmente
concebidas e ordenadas em função de uma discência juvenil, socialmente
desprovida de responsabilidades familiares ou profissionais. Decerto, o aluno
adulto, empregado, casado, não é delas inteiramente excluído: para o acolher
criou-se mesmo o regime de escolaridade "voluntária", mais liberto de
obrigações de assiduidade do que o regime "ordinário". Mas, de facto, um tal
aluno representa, no seio da instituição que o recebe, uma "anormalidade"
tolerada, à qual não faria sentido que o sistema, dados os seus pressupostos,
se adaptasse mais que superficialmente. Porém, (...) essa "anormalidade"
institucional revela-se estatisticamente tão frequente (...) que não parece
justificável tratá-la como simples excepção. Objectivamente, a sua presença,
sendo tão ampla quanto é, institui, na população universitária, uma outra
"normalidade", contraposta à que o sistema adoptou e mantém. De modo que,
enquanto o sistema universitário repousa, essencialmente, sobre uma noção
de "normalidade" discente, a própria composição do "estudantado" consagra
duas: a do "aluno jovem", isento de responsabilidades sociais directas, e a do
"aluno adulto", com encargos de família e/ou de trabalho." (Nunes, A. Sedas,
s/d: 90-91).

16
Para além do citado, foram realizados naquela época outros trabalhos sobre
esta matéria dos quais resultaram algumas publicações - salienta-se a
colectânea "A Universidade na Vida Portuguesa", em 1969, composta por dois
volumes I e II, a qual foi também da responsabilidade de António Sedas Nunes
- e que inclui textos deste autor e de outros das ciências sociais e humanas
daqueles anos3. É principalmente com base neste documento que
procuraremos caracterizar e compreender o fenómeno do ensino superior de
massas em Portugal - no que diz fundamentalmente respeito às implicações
em termos de diversidade nas suas populações discentes, e eventuais
repercussões nas práticas pedagógicas dos seus docentes.

Estudo de Sedas Nunes: A Universidade na Vida Portuguesa, 1969

Relativamente ao referido contexto de fins dos anos 60 em Portugal, afirma-se


que os diplomas universitários passaram a tornar-se apetecíveis - e
potencialmente disponíveis - a indivíduos de determinados grupos sociais que,
até aí, não tinham tido acesso à Universidade, constituindo garantia de
mobilidade social ascendente "... numa sociedade em vias de modernização, o
nível educacional representa, como o lembrou Rui Machete, "um título de
legitimação do status do indivíduo de importância crescente": as oportunidades
individuais de ascensão social e mesmo a simples sustentação das posições
herdadas tornam-se fortemente dependentes, à escala social, do grau de
instrução atingido." (Sedas Nunes in Sedas Nunes, 1969: 106).

Para além dos textos de António Sedas Nunes, encontramos outros de autores como Alberto
Ralha, Fernando Dias Agudo, Rui Machete, Alfredo Sousa, Miller Guerra.

17
Nesses anos, para além da até então população discente habitual - jovens do
sexo masculino vindos directamente do ensino secundário e oriundos de
estratos sociais favorecidos - muitos outros passaram a frequentar as
universidades - mulheres, e outros jovens e adultos já inseridos na vida
activa4.
Assim, as universidades passaram a acolher grandes massas de população
com um vincado carácter de heterogeneidade sociocultural para as quais não
estavam preparadas, nem do ponto de vista do número propriamente dito -
desmesurado para as infraestruturas existentes - nem relativamente a
características específicas dessas novas/outras populações. Esta situação
traduziu-se numa "crise generalizada", segundo Sedas Nunes.5

Se, por um lado, era importante para o país produzir mais licenciados para
responder à sua solicitação crescente "... a abertura de mais largos acessos ao
ensino superior é questão de sobrevivência nacional, pois que dela depende a
formação, em número suficiente, dos cientistas, pesquisadores e técnicos
necessários." (Sousa, Alfredo in Sedas Nunes, 1969: 248); por outro lado, a
grande maioria dos estudantes universitários pertenciam ainda às classes
sociais mais favorecidas, encontrando-se as outras pouco representadas6.
Assim, e com vista a um ensino superior democrático, Miller Guerra e Sedas
Nunes partem deste pressuposto que adjectivam como fundamental: "... é
indispensável fomentar, em Portugal, uma democratização do acesso7 às
Universidades" (Guerra, Miller; Nunes, Sedas, 1969: 433).

4
Como tivemos oportunidade de referir com base em outro trabalho do mesmo autor: Nunes,
A. Sedas (s/d) A Situação Universitária Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte.
Sedas, A. Nunes O Sistema Universitário em Portugal: Alguns Mecanismos, Efeitos e
Perspectivas do seu Funcionamento in Sedas Nunes (org.) (1969: 99) A Universidade na Vida
Portuguesa
6
Segundo Sedas Nunes (1969), no ano lectivo de 1963/64 havia um estudante por cada sete
famílias pertencentes a grupos socioprofissionais considerados elevados; enquanto que nos
grupos socioprofissionais considerados baixos a relação era de um estudante por cada 1191
famílias. De ano para ano cresce a representatividade destes últimos grupos nas
Universidades, mas na comparação com a dos primeiros ela é sempre menor. No entanto, e no
total da sociedade, o número de famílias pertencentes a grupos socioeconómicos considerados
baixos é largamente maior que o das pertencentes a grupos socioeconómicos considerados
elevados. Por isso, Sedas Nunes considera que a população universitária, relativamente à sua
origem social, apresenta um triângulo invertido.

Estes autores referem o termo acesso, e não se referem - pelo menos explicitamente - ao
processo posterior à entrada (que actualmente designamos pelo termo sucesso).

18
Explicitamente para tentar dar resposta a esta situação e porque a grande
procura do ensino superior justificava a selecção de um leque maior e mais
diversificado de alunos para as universidades no contexto político e económico
referido, defendeu-se uma lógica de igualdade de oportunidades: "A análise
das origens sociais dos estudantes portugueses revela profundas
desigualdades no acesso ao ensino superior. Por outro lado, o princípio da
igualdade das oportunidades, conduzindo a uma selecção dos mais aptos,
impõe-se hoje, não apenas por razões de ordem ética, mas também por
motivos económicos e sociais." (Machete, Rui in Sedas Nunes, 1969: 213) 8 .
Nesta perspectiva, a selecção a ser feita seria com base no mérito académico
dos candidatos - independentemente de outros critérios económicos e sociais,
como se afirmou - ou seja, independentemente da posição do indivíduo na
hierarquia social, já que esta capacidade ou mérito se encontraria
aleatoriamente distribuída pelos indivíduos em todos os estratos sociais.

Assim, no sentido de Portugal passar a ter um ensino superior de massas e


democrático - tal como tem vindo a ser caracterizado no estudo que estamos a
tratar - para além daquela medida da selecção pelo mérito, foram consideradas
outras atendendo ao seguinte: por um lado, a massificação das Universidades
apresentava-se como negativa porque se tinha vindo a considerá-la enquanto
sinónimo de congestionamento do sistema universitário e, deste modo, seria
necessário evitá-la (sabendo que esse congestionamento se devia ao
desajustamento entre a dimensão da população discente e a do mesmo
sistema e respectiva capacidade material e institucional para acolher mais
alunos); por outro lado, a grande e tendencialmente crescente procura do
ensino superior processava-se de acordo com as necessidades de
desenvolvimento e de progresso do país e, paralelamente, de acordo com os
anseios dos estudantes - então ter-se-ia que a promover.
As soluções delineadas passariam pela ampliação e pela adaptação das
estruturas do sistema universitário, sem evitar o aumento do número de
estudantes.

O discurso de Rui Machete insere-se claramente numa perspectiva meritocrática e da teoria


do capital humano.

19
As implicações do grande número de estudantes reflectiram-se, por um lado,
na qualidade do corpo docente - o ratio alunos/professores catedráticos
diminuiu consideravelmente e houve, como recurso, o recrutamento de muitos
assistentes9 - e, por outro lado, reflectiram-se na qualidade e na frequência de
contactos/comunicação entre os elementos dos corpos docente e discente, que
também diminuíram: "... o número médio dos alunos por professor era
pequeno, o que facultava oportunidades de contactos relativamente frequentes
e directos entre ambas as partes. Esta situação encontra-se hoje
substancialmente modificada." (Guerra, Miller em Nunes, Sedas, 1969: 456).

Sublinhe-se que, no que se refere especificamente ao decréscimo de


comunicação entre professores e alunos, este não terá acontecido apenas
devido ao grande número de alunos, mas também devido àquele recente
carácter de heterogeneidade sociocultural que a população adquiriu (e que já
referimos) - associado ao tipo de práticas pedagógicas que largamente
predominavam nas universidades, e que era conhecido por ensino
escolástico10, o qual foi caracterizado e comentado deste modo por Alberto
Ralha: "... consiste na mera transmissão de conhecimentos, tem as suas raízes
na Idade Média, quando o professor lia (leitor) e ditava o texto das lições para
os alunos escreverem. A facilidade com que se obtém hoje os livros tornou
desnecessária a cópia das lições, mas o sistema de aulas magistrais ainda se
usa com muita frequência, embora se reconheça, unanimemente, não ser

9
Como não é possível ter mais professores porque só pode haver um por cadeira e o número
de cadeiras se mantém, aumenta-se extraordinariamente o número de assistentes. Estes, na
sua grande maioria e contrariamente ao que era hábito acontecer, acumulam actividades fora
das universidades já que os salários são baixos e as perspectivas de aí fazer carreira, e dentro
de um espaço de tempo considerado aceitável, apresentam-se diminutas - por um lado, são
muitos, mas só muito poucos poderão prosseguir; por outro lado, o assistente candidato deve
dispor de tempo e de dinheiro para fazer a respectiva carreira, já que o necessário
doutoramento demora oito anos no mínimo a concluir, e tem que ser feito a expensas próprias.
Nestas condições, a função de assistente poderá deixar de ser aliciante para muitos
licenciados o que poderá conduzir, da sua parte, ao abandono deste projecto e à consequente
redução do padrão das qualificações exigidas na admissão dos novos assistentes. E, deste
modo, se reduz também, em princípio, a qualidade de ensino.
10
O tipo de ensino escolástico utiliza apenas a palavra, falada e escrita - através de prelecções
expostas pelo professor nas aulas teóricas e, nas aulas práticas, fazem-se exercícios de
aplicação dos conhecimentos adquiridos daquela forma. Os alunos são, depois, avaliados
mediante exame escrito ou oral.

20
aconselhável que os alunos percam quase todo o seu tempo a ouvi-las. Não
quer dizer que as aulas magistrais não devam também desempenhar um papel
importante no ensino superior moderno. (...) Contudo, as aulas teóricas não
devem nunca constituir o único método de ensino utilizado, pois tendem a criar
nos alunos uma atitude passiva em relação aos assuntos apresentados,
habituando-os a escrever a opinião dos outros em vez da sua própria." (Ralha,
Alberto in Nunes, A. Sedas, 1969: 103).

A este propósito, e sobre os alunos e as suas aprendizagens no que se refere


ao ensino escolástico, disse Sedas Nunes: "O papel que lhes cabe (...) reduz-
se ao re-emitir, para o professor e nos exames, a informação que o professor,
nas aulas e para os alunos, previamente emitiu. Metaforicamente, poder-se-ia
dizer que exercem uma função de reflector." (Nunes, A. Sedas, 1969: 163).
E acrescenta que, se para os tradicionais alunos das universidades este tipo de
ensino já não seria o mais adequado, a situação pioraria com os provenientes
de meios familiares educacionalmente pobres11, os quais não partilhariam com
o professor as mesmas "categorias de percepção, de linguagem, de
pensamento e de apreciação" (Bourdieu, Pierre citado em Nunes, A. Sedas,
1969: ). Assim, a obrigatoriedade de re-emitir a informação do professor tornar-
se-ia problemática, observando-se um desajustamento, em termos de
comunicação, entre estes alunos e respectivos professores - o que se
repercutiria, negativa e inegavelmente, ao nível das aprendizagens dos alunos.
Observou-se que o confronto entre as características daquele tipo de ensino
com as desta nova população não terão resultado favoravelmente em termos
de comunicação entre professores e alunos, tendendo a reduzi-la: "Quando os
estudantes portugueses provinham, essencialmente, de meios sociais
educacionalmente privilegiados, a pedagogia dita "escolástica" (...) não lhes
levantava decerto especiais dificuldades, porque havia, entre os docentes e os
discentes, uma fundamental e sólida comunidade de categorias de
pensamento, de linguagem e de quadros culturais. (...) O monólogo

11
Sedas Nunes O Sistema Universitário em Portugal: Alguns Mecanismos, Efeitos e
Perspectivas do seu Funcionamento in Sedas Nunes (org.) (1969: 170) A Universidade na Vida
Portuguesa
Manteve-se a expressão usada por Sedas Nunes em 1969.

21
professoral, mais ou menos completado por "exercícios de aplicação" em aulas
práticas, deixou de constituir, para muitos dos alunos, um processo eficaz de
comunicação pedagógica..." (Guerra, Miller em Nunes, Sedas, 1969: 456), e
Sedas Nunes acrescentou que "A redução do nível educacional médio das
famílias de onde os estudantes provêm suscita, por conseguinte, um problema
de desajustamento crescente entre a natureza da pedagogia que
principalmente se pratica nas nossas Universidades e as características
culturais originárias da respectiva população estudantil." (Nunes, A. Sedas,
1969: 98).

Nesta sequência, salientamos que, apesar de se referir à democratização do


ensino superior num quadro meritocrático, Sedas Nunes fez algumas alusões
sobre a natureza da selecção feita pela escola a qual - porque assentava no
mérito - seria, em última instância, de carácter social12. O autor defende que a
conservação das elites sociais que se tem verificado nas universidades deve-
se a amputações sucessivas que ocorreram nos anteriores graus de ensino e
que têm tido como alvo estudantes pertencentes a classes sociais
educacionalmente pobres. A não se ter verificado esta situação, muito
provavelmente e já há anos atrás se teria assistido a uma crise generalizada
das estruturas universitárias em Portugal. O evitamento desta crise acarretou
inegavelmente custos humanos e sociais que não se deveriam repetir e que se
traduziram "... na privação - suportada pela imensa maioria das crianças e dos
adolescentes - do acesso aos escalões menos baixos do sistema educacional
português. (...) numa sensível restrição da capacidade cultural da sociedade
portuguesa para se desenvolver - capacidade que manifestamente depende
(...) das suas "minorias cultas"" (Nunes, A. Sedas, 1969: 146-147). Aliás, o
mesmo autor refere-se a: "... um recrutamento estudantil socialmente menos
"selectivo", ou, por outras palavras, socialmente mais democrático." (Nunes, A.
Sedas, 1969: 100).

Com a meritocracia, as desigualdades no acesso ao ensino superior manter-se-iam já que o


critério seleccionador - a capacidade escolar - se encontra directamente relacionado com a
pertença a grupos sociais favorecidos, e inversamente relacionado com a pertença a grupos
sociais desfavorecidos. O que se afirmou não é frequentemente explícito nos textos estudados,
mas observa-se principalmente nos textos cujo autor é Sedas Nunes. Veja-se, por exemplo, o
que foi dito sobre as repercussões do ensino escolástico nos estudantes oriundos de famílias
educacionalmente pobres.

22
Admitiu-se que se se mantivesse a situação que se vivia naqueles fins de anos
60 - conjugação entre o ensino escolástico, o aumento progressivo do "ratio"
alunos/professores, e o aumento da proporção relativa dos alunos oriundos de
meios socioculturais educacionalmente pobres - as universidades portuguesas
iriam continuar em declínio, até finalmente acabarem por entrar em colapso. E
considerou-se que, se estas se mostraram adequadas, nas suas estruturas e
no seu funcionamento, em determinada época13, naquele contexto isso já não
acontecia; no que diz especificamente respeito às práticas pedagógicas neste
nível de ensino "... as Universidades portuguesas - que utilizam
essencialmente o método escolástico (...) - não oferecem condições
favoráveis." (Ralha, Alberto, in Nunes, A. Sedas, 1969: 99).

Pelo exposto, defendeu-se como necessário proceder a reformas no sistema


universitário português - as quais tomaram depois corpo com a chamada
Reforma de Veiga Simão.

A Reforma de Veiga Simão

No contexto de crise das universidades portuguesas que os trabalhos de Sedas


Nunes et ai apresentados revelam, a necessidade demonstrada de uma
reforma do ensino tomou corpo em 1970-1973, com a Reforma de Veiga
Simão, então Ministro da Educação Nacional14.

Depois do surgimento das Universidades - na Idade Média, na Europa - o seu apogeu deu-se
no período de ascensão da burguesia, do qual se mantêm praticamente inalteráveis, nos anos
que estamos a tratar, as estruturas e o funcionamento.

A Reforma de Veiga Simão surgiu nestes anos, mas já havia trabalhos prévios com ela
relacionados desde os anos 50 com os ministros de educação nacional Leite Pinto, Galvão
Teles e José Hermano Saraiva (cronologicamente ordenados).

23
A assunção, pelo governo, dessa necessidade de reformar o ensino superior
em Portugal pode observar-se neste excerto do discurso de tomada de posse
do Ministro Veiga Simão, no início de 1970: "A reforma da Universidade
constitui (...) a preocupação primeira deste Ministério e, ouvidos todos os seus
elementos representativos, serão ensaiadas soluções que lhe assegurem a
posição de vanguarda nos domínios do pensamento e lhe confiram uma
eminente dignidade."15 (citado em Teodoro, António, 1978: 72).

Sobre esta Reforma, Sedas Nunes declarou que "... chegara num momento
oportuno, permitindo, particularmente, a democratização da Universidade sem
a sua subordinação aos interesses do capital multinacional." (Nunes, A. Sedas,
citado em Stoer, Stephen, 1986: 81) - o que é discutível dado o contexto
internacional de modernização que influenciou as políticas de educação em
Portugal, e que já referimos. Neste contexto, "A Reforma baseou-se nas teorias
do capital humano e nas sugestões da OCDE, e teve como objectivos
explícitos garantir a igualdade de oportunidades para todos - falava-se na
democratização do ensino (em termos meritocráticos) - e promover o
desenvolvimento económico e social do país" (Stoer, Stephen; Stoleroff, Alan;
Correia, José Alberto, 1990: 23). Esta terminologia meritocrática pode
observar-se também em outro excerto de outro discurso do mesmo ministro:
"... todos, na base de oportunidades iguais, deverão poder encontrar nesse
sistema (de ensino) a via que garanta o seu direito inalienável a ser educado."16
(citado em Stoer, Steve, 1982: 31).

Aliás, Veiga Simão defendia explicitamente que o desenvolvimento económico


não deveria condicionar o sistema educativo, já que era a educação de todos
os indivíduos o que efectivamente interessava, e que expressava através do
slogan Educar Todos os Portugueses. Ora, no contexto da OCDE importa
sobretudo o desenvolvimento económico e a sua consonância com o sistema
educativo no sentido de este último corresponder, em termos de recursos

Veiga Simão propôs um debate e uma crítica nacionais dessa reforma - o que aconteceu
pela primeira vez no regime.
16
Excerto do discurso sobre a "Reforma Geral de Educação em Portugal" que foi apresentado
ao país através da rádio no dia 6 de Janeiro de 1971.

24
humanos, às crescentes necessidades daquele; por outro lado, era necessário
alargar a elite dirigente do país através de maior número de diplomados. Nesta
perspectiva, a Reforma de Veiga Simão surgiu adequada - como também o
revela a sua apresentação ao país (pela voz de Marcelo Caetano, na rádio).
Efectivamente existe relação entre o mercado e o princípio de igualdade de
oportunidades fundamentado na noção de meritocracia, o qual revela uma
intenção económica, como defendem Finn, Grant e Johnson. Contudo, existe
na Reforma um "cunho democrático e popular" pelo facto de se verificar a
expansão das oportunidades e recursos educativos, como contrapõe Williams.
Assim, o discurso de Veiga Simão poderá ser compreendido na
contextualização de Portugal na época como um país na periferia da Europa
capitalista com necessidade de se desenvolver economicamente, em que um
sistema educativo com base na igualdade de oportunidades no sentido
meritocrático era tido como fundamental para o progresso económico do país e
para a sua integração na Europa: "Portugal (...) precisava da Reforma para se
modernizar e "europeizar" (Stoer, Stephen, 1982: 31; 95; 115).

Nas respectivas medidas promulgadas pelo governo, apontava-se como


objectivo a democratização da educação que "... devia ser concedida a todos
os portugueses, numa base meritocrática, para permitir que os mais capazes
integrassem a elite da Nação, independentemente de determinantes sociais e
económicas." (Stoer, Stephen, 1986: 88). Para além de corresponder aos
anseios da população relativamente a igualdade de oportunidades na
educação, este tipo de discurso legitimava o processo, resultando afinal na
manutenção do estatuto herdado para os indivíduos dos estratos sociais mais
elevados, e na ascensão social para alguns indivíduos mais capazes oriundos
das classes trabalhadoras - cumpria-se, desta forma, o alargamento das elites
do país e do seu desenvolvimento como pretendia Marcelo Caetano, mantendo
e consolidando o controle político camuflado sob a capa de uma falsa
democratização. António Reis e Sottomayor Cardia referem que a Reforma
Veiga Simão foi "... uma cautelosa adaptação da máquina política à satisfação
das necessidades do desenvolvimento do modo de produção capitalista no
nosso país..." (Stoer, Stephen, 1986: 99).

25
Por outro lado, e segundo Stoer, Stoleroff e Correia (1990), se o Estado
enquanto "... representante do médio capital modernizador na conjuntura
política e económica de crise fiscal e de legitimação" que se vivia na época em
Portugal originou a Reforma (Dale, Roger citado em Stoer; Stoleroff; Correia,
1990: 41-42), esta acabou também por se revelar "... um ponto central na
constituição de uma nova organização política e económica das forças
sociais..." (Stoer; Stoleroff; Correia, 1990: 41-42) como a consideraram alguns
analistas sociais. Nesta perspectiva, a Reforma Veiga Simão despoletou um
incremento geral das aspirações e conduziu ao alargamento do acesso ao
ensino oficial, tendo-se traduzido "... na primeira tentativa séria do Estado para
institucionalizar a escola de massas" (idem).

No que diz especificamente respeito às medidas relativas ao ensino superior, a


Reforma contemplou a expansão do sistema através da criação de novas
Universidades e de uma rede de Institutos Politécnicos e de Escolas Normais
Superiores, bem como a diversificação e disseminação dessas instituições pelo
país, e a reestruturação de alguns cursos de modo a corresponder às
necessidades educativas da população e às solicitações do mercado de
trabalho17. Desta forma se tentou dar resposta também ao grande número de
estudantes que procuravam o ensino superior: "Foi neste sentido que se
criaram três novas Universidades, um Instituto Universitário e uma rede
regionalizada de Institutos Politécnicos e de Escolas Normais Superiores."
(Rosa, Carmelo, s/d: 145).

17
A necessidade de produzir mais quadros e a sua distribuição por determinados sectores foi
diagnosticada pela OCDE, sendo que a criação destas novas instituições está relacionada com
este facto. De referir, ainda, que aquela disseminação terá possibilitado a grande número de
estudantes residentes na proximidade dessas instituições de ensino superior a sua frequência -
o que poderia não ter acontecido de outra forma.

26
DEPOIS DA REVOLUÇÃO DE 25 DE ABRIL DE 1974 EM PORTUGAL

Contexto Político e Social de 1974 a 1976:


Principais Repercussões no Ensino Superior

Depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, e fundamentalmente durante os


dois anos que se lhe seguiram, viveu-se em Portugal um clima caracterizado
pela mobilização social e cultural que teve fortes implicações nas políticas
governamentais. No que ao ensino superior diz respeito, e com base também
em conteúdos da Reforma Veiga Simão, expandiu-se e diversificou-se ainda
mais este nível de ensino - promoveram-se cursos de formação e actualização
profissional; aumentou-se a oferta de serviços à comunidade; criaram-se novas
escolas e cursos, bem como universidades regionais.

Refere Stoer que "O súbito deflagrar da revolução de 1974 sugeria que, no
essencial, a Reforma não fez mais do que alargar a fenda na barragem já em
ruptura (...) Com a ruptura da barragem, em 25 de Abril de 1974, o Estado
português viu-se submerso pela cheia de energias e organizações de uma
sociedade civil revitalizada e refeita." (Stoer, Stephen, 1986: 254).
Foi neste contexto que ocorreu a gestão democrática nas universidades -
devido às actividades de mobilização dos seus agentes: "... a universidade
abre-se à luta política e a novos protagonismos (...) que hão-de reconduzi-la a
mudanças não negligenciáveis e ao ensaio de práticas sociais e educativas de
signo democrático..." (Lima, Licínio, 1996: 65) - e que deslocou o poder em
termos de tomada de decisão do Ministério da Educação para as próprias
instituições. Com esta forma de gestão participativa caminhava-se para uma
efectiva democratização da tomada de decisões no ensino. Se a Reforma
Veiga Simão tinha servido de base para realizar mudança no ensino superior
durante este período de tempo, com a gestão democrática das escolas "... foi
ultrapassada de facto, porque, agora, a educação, além de assegurar os
mecanismos necessários para a democratização do ensino, (i. e. modificações

27
estruturais, modificações nos métodos e no conteúdo), significaria também
educar cidadãos para uma sociedade democrática." (Stoer, Stephen, 1986:
128).

No ano lectivo de 1974/1975, a pressão reivindicativa dos estudantes impediu a


realização de exames de admissão ao ensino superior, como até aí acontecia.
Paralelamente, o número de candidatos ao ensino superior vinha
continuamente aumentando18. E, devido àquele grande número, as matrículas
para os primeiros anos foram suspensas já que não havia condições de
funcionamento - devido à falta de instalações e de professores nas
universidades, ficando 14000 estudantes sem lugar. É então criado o Serviço
Cívico Estudantil, no qual os estudantes não trabalhadores teriam que prestar
um serviço à comunidade durante um ano como condição necessária para
fazer a matrícula no ensino superior no ano lectivo seguinte.
A criação do Serviço Cívico Estudantil obedecia, segundo o ministro da
educação da altura Vitorino Magalhães Godinho, a uma "... dupla finalidade:
por um lado, aproximar de facto (...) estudantes das classes trabalhadoras do
mundo do trabalho efectivo; por outro lado, levá-los a tomar contacto directo
com as realidades nacionais autênticas"19 (Godinho, Vitorino, 1981: 42) - o que
se poderá relacionar com alguma preocupação pelo estabelecimento de
aproximações entre a escola e o mundo do trabalho; mas também, e
fundamentalmente, com um projecto de sociedade de progresso social que a
revolução de 25 de Abril se revestiu, e que é também social, tal como se pode
ver no Programa do Governo de 1975: "A política de educação tem o seu lugar
neste Programa de Política Económica e Social como sendo um dos apoios
fundamentais para impulsionar o desenvolvimento económico e bem assim
como um meio de transição para uma nova sociedade e um novo
humanitarismo, que em última análise serão os alicerces deste Programa."20.

18
O ministro Vitorino Magalhães Godinho referiu-se-lhe como a um "verdadeiro maremoto" (em
Sérgio Grácio, 1998)
19
Quando o ministro escreve a palavra estudante, refere-se certamente aos estudantes não
trabalhadores, isto pela própria definição de Serviço Cívico Estudantil.
20
Programa do Governo (1975: 137) citado em Amaral et ai (2001) O Ensino Superior pela
Mão da Economia

28
Aliás, as mudanças ocorridas nas universidades, nestes dois primeiros anos a
seguir à revolução, fizeram-se mais num quadro de preocupações sociais, e
não tanto económicas - tendo-se observado paralelamente um afastamento
das organizações de países de economia de mercado.
Mas a criação daquele ano de Serviço Cívico - de cariz predominantemente
social - também se terá dado pela necessidade de tempo que a reorganização
do sistema educativo e a resolução das questões logísticas de falta de
estabelecimentos e de docentes terão necessariamente implicado - e isto,
devido ao desmesurado número de estudantes para as infra-estruturas
existentes na altura (fenómeno que, como vimos, vinha acontecendo e
crescendo, em Portugal, desde os fins dos anos 60).

Contexto Político e Social nos Anos Seguintes:


Principais Repercussões no Ensino Superior

Mais tarde, em 1977/1978, o Ano Propedêutico (de ensino à distância) veio


substituir o Ano de Serviço Cívico21, que foi depois também substituído, por sua
vez, pelo 12° ano, em 1980/1981 - ano este projectado desde o início dos anos
70, integrado no ensino secundário e leccionado nas respectivas escolas.
Segundo Sérgio Grácio, este ano suplementar de ensino secundário fora
concebido naquela altura como resposta à grande afluência que se verificava
no ensino superior, no sentido de a reduzir: "As condições eram na altura
propícias a invocar a razão pedagógica, embora já se antecipasse a
necessidade de reduzir o volume de candidatos ao superior. Não foi entretanto

O Ano de Serviço Cívico Estudantil foi substituído pelo Ano Propedêutico de ensino à
distância que se manteve até ao início do funcionamento do 12° ano, no ano lectivo de 1980-
1981, este leccionado em escolas secundárias. "O currículo do Ano Propedêutico, constituído
por 5 disciplinas, visava uma preparação adicional para a frequência do curso universitário.
Funcionava por via televisiva, em regime de ensino à distância, com o apoio de centros
instalados em 70 escolas secundárias (...) a condição de ensino à distância tornava-o
altamente discriminatório, o que era agravado pelo facto da cobertura televisiva do país estar
longe de ser igual para todas as regiões, sendo mais incompleta no interior." (Vítor Crespo,
1993: 101 Uma Universidade para os anos 2000).

29
decretado até a razão da urgência acabar por impô-lo." (Grácio, Sérgio, 1998:
204). Portanto, esta "razão da urgência" terá mais a ver com a grande
quantidade de estudantes - que se terá tornado cada vez mais incomportável -
do que propriamente com razões de carácter pedagógico.

Paralelamente, no decurso destes anos foi-se verificando o ressurgimento da


relação entre educação e economia de mercado, a qual vinha ocorrendo desde
197622: "A recuperação do Estado, com o começo da "normalização" e a
redefinição entre o Estado e a sociedade civil, auxiliada pela orientação e pelos
recursos das organizações internacionais, reestabeleceram uma nova ligação
entre educação e crescimento económico, embora agora no contexto duma
sociedade civil mais forte, mais capaz e mais resistente. (Stoer, Stephen, 1986:
254).
Assim, com a tomada de posse do 1 o Governo Constitucional naquele ano,
deu-se uma alteração na abordagem à educação: ao projecto de sociedade de
progresso social dos primeiros tempos da Revolução seguiu-se um outro
caracterizado essencialmente por uma abordagem tecnocrática à educação.
Nas universidades constituem exemplos disso: a gestão democrática - que,
apesar de continuar a existir, verificava-se de fontes oficiais e não oficiais
alguma oposição ao seu funcionamento; e, para além da extinção do Serviço
Cívico Estudantil, foi instituído o numerus clausus em Psicologia e em Medicina
Veterinária - que se generalizou no ano seguinte aos restantes cursos e que
perdura até hoje.
E, até hoje, parece igualmente perdurar e prevalecer uma abordagem
meritocrática relativamente às questões do ensino superior, no sentido do
acesso legitimado pelo princípio de igualdade de oportunidades - que se
relaciona directamente com a valorização do eixo educação/mercado de
trabalho, mas que se relaciona inversamente com o eixo educação/democracia.

Coincidentes com esta data são as da extinção do Ano de Serviço Cívico e da introdução do
numerus clausus - o que é, por si só, indiciador de uma mudança de atitude política. Saliente-
se que, com o numerus clausus e o estabelecimento de uma nota mínima de entrada para
cada curso houve, desde logo, pelo jogo da oferta e da procura, exclusão de cerca de metade
dos candidatos ao ensino superior e também hierarquização dos cursos e dos
estabelecimentos de ensino por área de estudos, bem como o acesso a cursos não
pretendidos pelos estudantes.

30
A este propósito, Stoer, Stoleroff e Correia, bem como Dale, referem-se ao
(re)surgimento em Portugal, a partir dos anos 80, de uma tendência
vocacionalista que se origina a partir da concepção de que é preciso formar
recursos humanos qualificados para se conseguir a modernização da
economia: "... os apelos constantes às novas "necessidades" económicas
exprimem, de facto, uma subordinação da política educativa às preocupações
conjunturais das políticas industrial e económica e o consequente abandono de
preocupações democratizantes." (Stoer, Stephen; Stoleroff, Alan; Correia, José
Alberto, 1990: 12).

E, como escreveu Stoer em 1986: "A educação tem vindo a significar


crescimento económico associado à construção de uma sociedade
meritocrática "moderna", segundo o padrão das sociais-democracias do
Noroeste europeu. As organizações internacionais desempenham um papel
essencial em ambos os aspectos. (Stoer, Stephen, 1986: 70).
Relativamente a essas organizações internacionais, saliente-se o caso do
Banco Mundial - que teve um papel de grande protagonismo no processo de
desenvolvimento do ensino superior em Portugal nesta altura, mais
especificamente no Ensino Superior Politécnico - e que assumia explicitamente
como objectivo a redução do fosso entre as nações ricas e pobres, financiando
projectos e iniciativas a determinados sistemas educativos, desde que esses
projectos e iniciativas se enquadrassem no âmbito daquelas organizações o
qual é, obviamente, consonante com a economia global.

Segundo Morrow e Torres, 1991, a formulação das políticas educativas nos


países em desenvolvimento segue os padrões educativos dos países centrais
estabelecidos pelas suas organizações internacionais específicas como o
Banco Mundial e a UNESCO. Estas organizações têm uma presença forte na
formulação das políticas educativas desses países devido sobretudo àqueles
financiamentos e à legitimação que estas organizações externas possibilitam.
Assim, o processo de planeamento político público faz-se através do marketing
em vez da racionalidade da escolha pública e do planeamento, isto é,
apresentando os tipos de projectos mais prováveis de serem financiados -
dentro do âmbito neoliberal - em detrimento de outros. Verifica-se então que

31
estas organizações condicionam e determinam, muitas vezes, o modo como as
reformas educativas são conduzidas, como as prioridades são estabelecidas,
como as pesquisas são concebidas, implementadas e usadas na reforma
educativa, e como as iniciativas públicas são seleccionadas, avaliadas e
estabelecidas23, o que se relaciona com o carácter hegemónico dos países
centrais relativamente a estes outros e com a sua capacidade de expansão da
agenda neoliberal.
No ensino superior, onde os processos de financiamento impõem grandes
limites à autonomia das universidades, tem-se verificado a criação de novas
estruturas e incentivos para determinadas áreas de estudos contra a extinção e
desincentivos para outras, consoante estas se relacionam, ou não, com os
princípios neoliberais - trata-se do capitalismo académico, segundo Slaughter
e Leslie: (cit in Morrow e Torres, 1991: 45).

Nesta perspectiva, a intervenção do Banco Mundial terá sido mais ideológica


do que instrumental, no sentido em que o auxílio prestado pressupunha o
desenvolvimento económico que Portugal deveria atingir tendo como padrão os
países "auxiliadores", bem como o restabelecimento do Estado no sentido da
"normalização". O objectivo do auxílio seria, em última análise, a preparação da
entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia: "... a
educação, que sob a Reforma Veiga Simão e durante a revolução visava
democratizar Portugal vem, com o projecto do Ensino Superior Politécnico e o
envolvimento do Banco Mundial, a dar prioridade à preparação de Portugal
para entrar na CEE." (Stoer, Stephen, 1986: 240). Efectivamente, tanto para o
governo como para o Banco Mundial, a educação constituía um meio
necessário à formação de técnicos, de forma a normalizar a economia de
Portugal e, deste modo, ter acesso à Comunidade Económica Europeia - o que
veio a acontecer em Janeiro de 1986. Foi principalmente desde essa altura "...
que o apelo sistemático ao contexto internacional, sobretudo como forma de
legitimação de decisões políticas e educacionais, mais fortemente se faz
sentir." (Afonso, Almerindo, s/d: 65).

A OCDE dispõe de equipas de certificação para avaliar as condições de pesquisa das


universidades nos países em desenvolvimento, e as suas certificações têm um peso
substancial no financiamento local, na acreditação e na avaliação institucional.

32
No mesmo ano, com a Lei de Bases do Sistema Educativo, verifica-se esta
orientação da educação para o mercado de trabalho. Especificamente em
relação ao ensino superior, essa Lei aponta como um dos principais objectivos
"Formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a
inserção em sectores profissionais e para a participação no desenvolvimento
da sociedade portuguesa..." (citado em Amaral et ai, 2001: 12).

Este contexto implica e traduz, necessariamente, uma relação de dependência


das políticas educativas portuguesas perante aqueles outros estados de
economia de mercado, ou seja, a hegemonia do mercado relativamente à
educação. Assim, quando é aprovada na Assembleia da República, em 1988, a
Lei de Autonomia para as Universidades portuguesas - sendo-lhes concedidas
autonomias estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e
disciplinar - essa Lei prevê também que seja institucionalizado um mecanismo
de avaliação das mesmas Universidades24.
Ora, segundo Neave e Van Vught (1991), o discurso da auto-regulação das
instituições reverte mais a favor de um maior poder para o Estado sobre estas
do que numa verdadeira autonomia para as mesmas instituições.
Paralelamente, com o sistema de avaliação do ensino superior legitimado pelo
discurso político, direcciona-se o desempenho das várias instituições nos
termos determinados pelo centro de poder - trata-se do surgimento do "Estado
avaliador", segundo Neave (1988).
Neste contexto e em Portugal, diversos autores defendem que, desde que foi
aprovada a Lei de Autonomia para as Universidades até aos dias de hoje, o
Estado exerce controle sobre o ensino superior servindo-se daqueles seus dois
instrumentos (a autonomia e a avaliação), acabando por fazer uma
condução/avaliação política pelo centro de poder - trata-se do Estado
regulador que opera um controle remoto, encoberto pela aparente
descentralização25 o qual, por sua vez, é também objecto de controle no âmbito
das políticas da economia de mercado.

Em Novembro de 1994 a Assembleia da República aprovou um sistema nacional de


avaliação da qualidade para aplicar a todas as instituições de ensino superior.
25
Até à segunda metade dos anos 80, o Estado era claramente centralizador no que se referia
às decisões fundamentais relativas ao ensino superior - concentrava-as em órgãos políticos e

33
Neste âmbito, o período que decorreu desde a aprovação da Lei de Autonomia
para as Universidades é caracterizado por um forte pendor económico na
educação, bem como pela expectativa de o continuar a ser nos anos que se
irão seguir. Nesse mesmo 1988, o então ministro da educação Roberto
Carneiro apresenta os factores que irão determinar o desenvolvimento do
ensino superior em Portugal nos próximos vinte anos, entre os quais se contam
"... o reforço e consolidação das estruturas e actividades do tipo empresarial, e
a ligação institucional da "escola" com unidades produtivas..." (Carneiro,
Roberto, 1988: 19). E acrescenta que se deverá criar um tipo de investigação
interdisciplinar que sirva para intervir "na vida económica" (idem: 21).

A vida económica prevalece relativamente à educação, ou seja, esta última é


condicionada pela primeira. A consolidação da autonomia das instituições de
ensino superior, acompanhada de uma maior responsabilização do seu papel
no desenvolvimento económico do país, bem como uma cada vez maior
assunção da ligação dos seus planos de desenvolvimento com as regiões onde
se localizam, parece ser inegável. Nesta perspectiva, ao afirmar-se que este
processo se realiza com base nos objectivos da política nacional, podemos
compreender que esta política nacional e respectivos objectivos se constroem
no âmbito das políticas e dos programas da União Europeia - isto é, no âmbito
de políticas de Mercado.

Segundo Roger Dale, 2001 26 , a governação educacional cabe ao controlo do


estado que é, por sua vez, controlado externamente através de agendas
estabelecidas pela economia política global: "... todos os quadros regulatórios
nacionais são agora, em maior ou menor medida, moldados e delimitados por
forças supranacionais, assim como por forças político-económicas nacionais. E

administrativos exteriores ao sistema - mas, com a autonomia do ensino superior, passou-se a


ter este Estado regulador.
26
Roger Dale desenvolveu uma teoria baseada em trabalhos recentes sobre economia política
internacional, denominada por agenda globalmente estruturada para a educação (AGEE) - que
se caracteriza essencialmente pela assunção de que é a mudança de natureza da economia
capitalista mundial a força directora da globalização, e considera a existência de forças
económicas que operam supra e transnacionalmente, determinando assim as políticas
educativas dos Estados.

34
é por estas vias indirectas, através da influência sobre o estado e sobre o modo
de regulação, que a globalização tem os seus mais óbvios e importantes
efeitos sobre os sistemas educativos nacionais." (Dale, 2001: 18).

Pelo que temos vindo a apresentar, podemos consider que, desde os fins dos
anos 60 em Portugal, e através de processos de globalização, existe um ensino
superior meritocrático27 - como se verifica nas democracias neoliberais dos
referidos países da Europa - onde a economia é privilegiada e o Estado
caminha em consonância com ela, sendo as políticas educativas construídas e
implementadas neste quadro.
Paralelamente, considerando a população discente actual no ensino superior
em Portugal em termos de homogeneidade/heterogeneidade sociocultural, não
ignoramos que aqui se verifica um maior grau de homogeneidade relativamente
aos outros graus de ensino, onde a selecção se foi processando: "Lê-se nas
oportunidades de acesso ao ensino superior o resultado de uma selecção que,
ao longo do percurso escolar, se exerce com um rigor muito desigual segundo
a origem social dos sujeitos; na realidade, para as classes mais desfavorecidas
trata-se pura e simplesmente de eliminação." (Bourdieu, Pierre; Passeron,
Jean-Claude in Grácio, Sérgio; Miranda, Sacuntala; Stoer, Stephen, 1982: 41).
Contudo, existe diversidade neste nível de ensino em Portugal - como
observou Sedas Nunes nos fins dos anos 60 (e que já referimos) - a qual tem
vindo constantemente a aumentar: "... diversidade sociocultural que,
progressivamente, vai tendo maior representação no ensino superior."
(Cortesão, Luiza; Stoer, Stephen, 1999: 44).

Ora, no actual contexto educativo que apresentamos - de economia de


mercado - com um tipo de ensino meritocrático de igualdade de oportunidades
de acesso ao ensino superior, como será gerida esta diversidade discente?
Qual o papel dos professores de ensino superior em termos de práticas
educativas e respectivas implicações em termos de reprodução/produção e
domesticação/emancipação dos alunos?

* Com excepção para o período revolucionário de 1974-1976, como vimos no decorrer do


trabalho.

35
Il
PEDAGOGIAS NA UNIVERSIDADE

36
"A Universidade do nosso tempo foi, ainda, uma Universidade fundada
na Idade Média sobretudo em dois pontos muito importantes: a
inexistência de livros e a caridade. Quem queria estudar não tinha livros
à disposição, quando muito havia em alguma biblioteca um códice
manuscrito, preso com uma corrente a uma estante, que tinha de ser
consultado ali, à distância permitida pela corrente, com as pessoas
atrás a querer 1er o manuscrito sem poder. Houve, então, naturalmente,
a ideia de quem possuía um livro podia lê-lo a outros acrescentando os
comentários que a leitura lhe despertasse e é por isso, ainda, que em
português o professor universitário se chama lente, o que significa
aquele que lê (...) Hoje as coisas mudaram completamente, há livros
para todos (...) a Universidade de hoje tem os livros que quer. Por outro
lado, há os meios técnicos que substituem os livros."
(Silva, Agostinho da, 1998: 108-109).

37
PEDAGOGIAS NA UNIVERSIDADE: APRESENTAÇÃO

Apesar das mudanças que Agostinho da Silva, 1998, refere, e que não
justificariam hoje aquele tipo de ensino, verifica-se que ocorrem ainda com
frequência, no ensino superior, práticas pedagógicas daquela natureza - trata-
se do chamado método transmissivo, o qual foi considerado, no fim dos anos
60, o mais utilizado pelos docentes nas universidades portuguesas "O tipo de
ensino que predomina em Portugal, por larga margem, é o escolástico."^
(Nunes, A. Sedas, 1969: 98) - e ao qual este autor atribuiu características de
indução de passividade nos alunos e de selecção social.

Actualmente coexistem no ensino superior outras práticas pedagógicas que se


pretendem de cariz menos reprodutor e mais emancipatório: é o caso da
educação activa e/ou investigativa - que se traduz por um maior grau de
participação activa dos alunos na construção das próprias aprendizagens.

Mas nem um nem outro daqueles dois modelos pedagógicos consideram a


heterogeneidade que actualmente existe no ensino superior, pelo que se revela
necessário procurar outro modelo pedagógico mais adequado a esta nova
realidade.
Esse outro modelo poderá encontrar-se na educação contextualizada - que
recorre à construção de dispositivos de diferenciação pedagógica2 - porque
considera os alunos diferentes entre si enquanto indivíduos com percursos de
vida singulares, procurando o professor valorizar e rentabilizar as suas
diferenças, no processo educativo, através daqueles dispositivos.

1
O método transmissivo é referido por Sedas Nunes como ensino escolástico. Ignoramos se
actualmente se mantém como prevalecente no ensino superior em Portugal; no entanto, nas
universidades francesas isso acontece, pelo menos até ao fim dos anos 90: "... não podemos
deixar de sublinhar que se trata do modelo pedagógico mais usado e aquele a que a maioria
dos professores da Universidade permanecem fiéis." (Bireau, Annie, 1995: 47).
2
Consideramos as práticas pedagógicas e respectivas denominações com base em Cortesão,
Luiza; Stoer, Stephen Acerca do Trabalho do Professor: Da Tradução à Produção do
Conhecimento no Processo Educativo in Revista Brasileira Educação, n° 11, 1999: 33-45).

38
Assim, considerando sobretudo que este terceiro modelo não parece encontrar-
se actualmente estabelecido, naqueles termos, para o ensino superior em
Portugal3, neste capítulo desenvolveremos os dois primeiros modelos
pedagógicos referidos: o método pedagógico transmissivo; e a educação activa
e/ou investigativa.

O MÉTODO PEDAGÓGICO TRANSMISSIVO

Noção Fundamental

O método pedagógico transmissivo é também conhecido por método


pedagógico tradicional. Ambos os termos utilizados - transmissivo e tradicional
- terão tido origem no tipo de ensino praticado nas primeiras universidades da
Idade Média: o ensino escolástico que se fazia através da aula magistral ou de
expositio (expositiva) onde o lente lia os respectivos textos para os alunos que
o escutavam4. Tal como Coménio afirma, "a boca do professor é a fonte de
onde para eles (alunos) correm os arroios do saber (...) todas as vezes que
notam que esta fonte se abre, se habituem a colocar logo debaixo dela o vaso
da atenção, para que nada passe sem entrar no vaso" (cit in Not, Louis, 1991:
282) - estabelece-se, assim, uma correspondência entre os alunos e os
vasos/receptáculos do saber/conhecimento que o professor verte sobre eles.

3
Também, porque a educação contextualizada ou dispositivos de diferenciação pedagógica
nos merece um desenvolvimento posterior mais detalhado devido à sua eventual adequação à
nova realidade do ensino superior em Portugal - o que faremos no capítulo seguinte.
4
Para além destas aulas de expositio havia, também na Idade Média, outras conhecidas por
quaestiones disputatae as quais consistiam em debates que envolviam professor e alunos, e
que eram muito procuradas por estes últimos: "Se lembramos do exitoso magistério de
Abelardo, é seguramente por suas quaestiones, que atraíam levas e levas de estudantes para
as suas aulas." (Castanho, Sérgio in Veiga, lima et ai (org.), 2000: 22).

39
Trata-se, na terminologia freireana, da educação bancária, na qual aos alunos
cabe fundamentalmente um papel passivo de assimilação dos conteúdos que o
professor transmite, podendo-se caracterizar a relação professor-alunos como
hegemónica no que se refere à figura do professor. Ou seja, este é o sujeito do
processo educativo, e aqueles os objectos desse mesmo processo:

"O educador é o que educa; os educandos, os que são educados.


O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem.
O educador é o que pensa; os educandos, os pensados.
O educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam
docilmente.
O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados.
O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os
que seguem a prescrição.
O educador é o que actua; os educandos, os que têm a ilusão de que
actuam, na actuação do educador.
O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais
ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele.
O educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade
funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos;
estes devem adaptar-se às determinações daquele."
(Freire, Paulo, 1987: 59).

De referir que este modelo pedagógico deverá ao desenvolvimento das


ciências sociais e humanas - particularmente à Psicologia Experimental - no
século XIX, a legitimação científica desta sua característica fundamental. No
âmbito da teoria behaviorista, as experiências com animais sobre reflexos
condicionados5 serviram de base ao desenvolvimento de uma pedagogia
planificada em que os indivíduos/alunos assimilariam os conhecimentos
apenas através de prémios e castigos, já que o comportamento seria um

5
Experiências levadas a cabo por Ivan Pavlov, Edward Thorndike e Burrhus Skinner nas quais
foram usadas animais (cão e ratos, respectivamente), e que permitiram concluir que a
determinado estímulo correspondia uma determinada resposta - trata-se da teoria behaviorista
do estímulo-resposta (E-R).

40
produto exclusivo do meio. Com este pressuposto, o processo de
ensino/aprendizagem caberia totalmente ao professor - sujeito activo - que
teria a responsabilidade de o transmitir ao aluno o qual teria como única função
assimilar essa transmissão - objecto passivo. 6

Segundo Not, o modelo transmissivo assenta em dois pressupostos: "o


primeiro é o de que se pode, a partir do exterior, exercer sobre alguém uma
modelação da sua inteligência ou do seu saber"; o segundo "que tem como
possível a transmissão do saber daquele que sabe para aquele que o ignora."
(Not, Louis, 1991: 14).

Com esta característica fundamental e geral do modelo pedagógico


transmissivo - o educador como sujeito activo, e o educando como objecto
passivo - relacionam-se outras mais particulares que identificam o mesmo
modelo, as quais passamos a desenvolver incluindo-as em quatro sub-títulos:
as aulas; os alunos; os professores; a adequação/desadequação ao contexto
actual.

As Aulas

As aulas são expositivas, e utiliza-se o método dedutivo de ensino-


aprendizagem - percorre-se um caminho do geral para o particular e do
abstracto para o concreto. Os conteúdos transmitidos deste modo pelo
professor aos alunos resultam dos conhecimentos e valores tradicionais
acumulados pela humanidade ao longo do tempo, e tidos como verdades
absolutas.
Para além da exposição das matérias, o professor pode também apresentar
exercícios práticos - os mesmos para todos os alunos - cujas resolução e

6
Burrhus Skinner, adepto deste modelo transmissivo, sustenta que a escola deve ser
autoritária porque tem que inculcar nos alunos os comportamentos sociais adequados.

41
repetição, levadas a cabo individualmente pelos alunos, servem para facilitar e
verificar a memorização dos respectivos conteúdos.
Os conhecimentos apresentam-se fragmentados de modo a serem mais
facilmente memorizados. Para isso, recorre-se habitualmente a manuais - a
chamada sebenta, no ensino superior. Actualmente, o recurso às novas
tecnologias - como os audiovisuais de modo geral - tem vindo a conquistar
espaço na apresentação destas aulas, como é o caso da utilização do
computador que pode tornar mais interessantes a transmissão e a resolução de
exercícios do ponto de vista da imagem, mas que não altera esse carácter
transmissivo já que a concepção pedagógica que lhe subjaz é a que tem vindo
a ser referida, com o professor como sujeito da acção educativa: "...novas
técnicas, tais como os programas pedagógico-informáticos (...) muitas vezes,
certas práticas que podem parecer novas inserem-se perfeitamente no quadro
do modelo tradicional." (Bireaud, Annie, 1995: 48). Neste contexto, e segundo
Jean Vial, 1982, refere-se que o ensino programado pode ser considerado
como um melhoramento do ensino transmissivo.

Os alunos

Os alunos são representados como um grupo homogéneo, sendo os


conhecimentos transmitidos a uma mesma sequência e a um mesmo ritmo
para todos. Cada aluno "nunca aparece tal como é enquanto indivíduo, com as
suas particularidades e a sua história própria, mas como deve ser, não só em
relação a um ideal que pode atingir pessoalmente, mas sobretudo em relação à
imagem que se tem, em todos os domínios, da perfeição." (Gilbert, Roger,
1976: 41). Para controlar e avaliar o seu grau de perfeição, ou seja, o seu
desempenho em termos da acumulação e da retenção dos conteúdos
considerados fundamentais existem os exames - que assumem a forma de
interrogatórios escritos e orais (dos respectivos resultados positivos ou, pelo
contrário, negativos, depende o prosseguimento, ou não, do aluno no seu
percurso escolar).

42
Refira-se que esta capacidade retentiva que se premeia alarga-se a outras
atitudes: um bom aluno é aquele que, porque é um receptáculo de saberes, é
um executor disciplinado das ordens do professor cujas normas e valores são
também os seus. Trata-se do aluno-objecto, como já referimos. Neste contexto,
a relação professor-aluno decorre num clima de grande autoritarismo, em que
ao aluno é pressuposta e exigida obediência em relação ao professor e às
normas e aos valores vigentes que ele representa.

Os professores

Na sequência do que temos vindo a apresentar cabe ao professor, neste


modelo transmissivo, o papel central no processo de ensino-aprendizagem -
ele é tido como o agente da transmissão dos conhecimentos encerrados nos
livros e, como tal, o dono da verdade. Um bom professor é um facilitador das
aprendizagens que os alunos devem adquirir, já que ele reúne - para além de
outras competências fundamentais tais como uma boa preparação científica -
a clareza e a segurança na exposição (o que suscita o interesse da audiência),
bem como a precisão, a facilidade e a rapidez necessárias para dar a conhecer
aos alunos, em tempo considerado reduzido, trabalhos científicos que estes
demorariam por si-próprios muito tempo a assimilar (e até o poderiam fazer
com erros): "Uma lição bem dada, qualquer que seja a disciplina, proporciona
aos alunos o resultado de um longo trabalho da inteligência humana. Poupa-
Ihes lentos e penosos esforços de pesquisa pessoal. Em poucos minutos (o
professor) resume o conteúdo de um grande livro; dele selecciona as noções
essenciais; desenvolve uma ciência já pronta" (Compayré, G. citado em Not,
Louis, 1991: 15).

Crê-se assim, nesta perspectiva, que os alunos não devem ser confrontados
directamente com o saber - isso acontece exclusivamente através do discurso
do professor (quer seja oral, quer seja escrito nos manuais). Paralelamente, o
professor apresenta-se como uma figura autoritária e disciplinadora, e exerce
sobre os seus alunos uma acção modeladora no que se refere à assimilação

43
das normas e valores sociais, equipando-os assim para enfrentarem a vida
futura.

Esta centralidade do professor que o modelo pedagógico transmissivo


pressupõe é conhecida como magistercentrismo: "... a função magistral (...)
define-se pelo direito e pelo dever daquele que tudo sabe e tudo pode para
educar e instruir aquele que nada sabe e nada pode. (...). É o que se chama
magistercentrismo." (Gilbert, Roger, 1976: 39).

Adequação/Desadequação ao Contexto Actual

As críticas ao modelo pedagógico transmissivo apontam sobretudo para a


separação entre os conteúdos leccionados e as realidades vividas por muitos
alunos, bem como o alheamento ao meio social em que estes se inserem. Isto,
acrescido da sobrecarga de informação a qual também, muitas vezes, não é
compatível com os interesses destes alunos o que conduz, frequentemente, a
que determinadas matérias se lhes apresentem como destituídas de
significado.

Assim, o ensino/aprendizagem deste tipo - o saber vertido, pelo professor,


para os alunos/receptáculos - decorre mecanicamente e é passivo,
restringindo-se à memorização por imitação e repetição dócil por parte dos
alunos sem ocorrer, necessariamente, a compreensão daqueles conteúdos já
que "a organização do pensamento e a estruturação do saber resultam,
essencialmente, da actividade do sujeito" (Not, Louis, 1991: 16). Neste
contexto, Francisco Varela refere que existirá um elo circular entre acção e
saber - a que chama enacção - e defende que a aprendizagem só ocorrerá se
também ocorrer acção por parte daquele que se pretende que aprenda: "A
ideia fundamental é (...) que as faculdades cognitivas se encontram
inextricavelmente ligadas ao historial do vivido..." (Varela, Francisco citado em
Bireaud, Annie 1995: 68). Nesta perspectiva, admitindo que cada indivíduo terá

44
que construir activamente o seu próprio saber, consideramos que, no modelo
transmissivo, se "o aluno aprende, é como executante de tarefas que o que
ensina lhe prescreve e que o fazem agir" (Not, Louis, 1991: 19)7.

Também, e contrariamente ao que as teorias behavioristas preconizam, os


indivíduos não reagem de modo absolutamente idêntico quando expostos a um
mesmo estímulo exterior, ou a um mesmo reportório de recompensas e
castigos, já que cada um deles transporta consigo um diferente "historial do
vivido" (Gilbert, Roger, 1976: 61-62)8.
Mas, com a pedagogia transmissiva, assente nesta corrente behaviorista,
pretende-se a homogeneidade dos indivíduos - através daquele processo de
recompensas (quando o indivíduo se comporta de acordo com os cânones
socialmente aceites - neste caso, assumindo-se como aluno-objecto-
receptáculo) e de castigos (quando o indivíduo se desvia dos cânones
socialmente aceites - neste caso, não se assumindo como aluno-objecto-
receptáculo). Trata-se de mecanismos de controle social que promovem a
homogeneidade, e cujo resultado se traduz no afastamento dos indivíduos que
não se perfilam naquele grupo pré-estabelecido rejeitando, assim, a
diversidade.
Como tal, a utilização deste modelo opõe-se ao desenvolvimento de uma
educação para todos. Ora, no actual contexto de universidade de massas em
Portugal - que, desde os anos sessenta, vem comportando índices crescentes
de heterogeneidade no que se refere à sua população estudantil - a utilização
do modelo pedagógico transmissivo, nesta perspectiva, revela-se
inegavelmente desadequado.

7
Mesmo esta acção do aluno no sentido em que ele próprio resolve exercícios relacionados
com a matéria, por exemplo, depende da iniciativa do professor - que os prescreve - e não da
sua.
8
Expressão usada por Francisco Varela. Relativamente a este "historial do vivido" - e no
contexto do ensino superior de massas que tratamos neste trabalho - será de referir que a
diversidade dos alunos e respectivas idades (desde jovens adultos a adultos) traduzirá
certamente também diversos percursos no que diz respeito a quantidade e a qualidade de
experiências.

45
Considerando, também, a submissão do aluno ao professor e ao que essa
figura representa (e que já referimos) aliada à concepção do primeiro como
objecto a modelar do exterior - negando-lhe o estatuto de sujeito enquanto
fonte de iniciativas e acções - relaciona-se mais com mecanismos de
domesticação do que de emancipação.
Mas o período que actualmente vivemos - desde o fim do milénio anterior até
este início do terceiro milénio, e habitualmente denominado pós-fordista - tem-
se vindo a caracterizar pela exigência e procura de indivíduos reflexivos,
críticos, flexíveis, criativos, autónomos, capazes de se converterem em sujeitos
do seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional. Ou seja, estes são
indivíduos cujo grau de emancipação não se nos afigura compatível com a
formação que o modelo pedagógico transmissivo pode proporcionar.

Annie Bireaud, a propósito do ensino superior em França, refere: "As


modificações nas suas funções, público e estruturas levam a que o modelo
pedagógico tradicional cada vez mais degradado se torne também cada vez
mais inadequado." (Bireaud, Annie, 1995: 15)9.

Pelo que acabámos de expor - e tendo por base o contexto de ensino superior
de massas - podemos afirmar que o modelo pedagógico transmissivo se
apresenta também actualmente desadequado em Portugal.

9
No entanto, este é o método mais utilizado nas universidades francesas: "... não podemos
deixar de sublinhar que se trata do modelo pedagógico mais usado e aquele a que a maioria
dos professores da Universidade permanecem fiéis." (Bireaud, Annie, 1995: 47). Ignoramos se
esta situação ocorre também, actualmente, em Portugal. Com base no estudo de Sedas Nunes
sobre as Universidades portuguesas, sabemos que no fim dos anos sessenta era este o
método pedagógico prevalecente: "O tipo de ensino que predomina em Portugal, por larga
margem, é o escolástico." (Nunes, A. Sedas, 1969: 98).

46
AS PEDAGOGIAS ACTIVAS

Noção Fundamental

Este modelo pedagógico surge como reacção/oposição ao modelo transmissivo


ou tradicional, e é conhecido também por outras expressões - Nova
Pedagogia; Pedagogia Conducionista, Pedagogia Construtivista...10. Mas
importa, desde já, salientar que o que fundamentalmente as caracteriza e
agrupa no conjunto das Pedagogias Activas relaciona-se com o novo papel do
aluno: de objecto passivo a modelar do exterior (no modelo transmissivo)
passa, agora (nas pedagogias activas), a sujeito activo e centro da acção
educativa do seu desenvolvimento e da sua aprendizagem; o professor deve
orientar o aluno, proporcionando-lhe as condições que favoreçam essa auto-
aprendizagem.
A educação é tida como um processo de socialização, e deve capacitar os
indivíduos para intervirem activamente na sociedade.

Assim, como reacção ao modelo de ensino transmissivo e ao que aquele


pressupunha surge, nos fins do século XIX (até cerca dos anos 20 do século
XX), o movimento da chamada Escola Nova. Nesta altura, o contexto era de
ideias novas - relacionado com os últimos avanços da psicologia e da biologia
- como "trocas com o meio, exigências de adaptação, papel da acção, carácter
global das situações, recapitulação pelo indivíduo das etapas transpostas pela
espécie, exigência de liberdade e repúdio dos constrangimentos" (Not, Louis,
1991: 94). Crê-se que é a educação que se deve adaptar ao indivíduo (e não o
contrário, como preconizava o modelo anterior), já que cada indivíduo é o
10
Existem outras expressões para além das consideradas, e que também se inserem no
conjunto das pedagogias activas - por exemplo: moderna; renovada; livre; progressista;
operativa; institucional;... - mas aquelas são as mais frequentes na bibliografia consultada.
Nomes relacionados com estas pedagogias activas são: Maria Montessori; Decroly; Cousinet;
Claparède; Dewey; Freinet; Lobrot... Ora, no âmbito do presente trabalho, importa sobretudo
apresentar as grandes linhas do referido modelo pedagógico no âmbito do ensino superior,
pelo que não iremos alargar-nos mais do que aquilo que considerarmos fundamental na
apresentação do mesmo modelo.

47
resultado de um conjunto de fases que se sucedem e justapõem numa
determinada sequência desenvolvimental, sendo que cada uma destas fases
apresenta características muito próprias. Assim, "A educação deve adaptar-se
à marcha da evolução mental." (Claparède, 1940: 101-102). Dá-se grande
relevância à acção do educando na própria aprendizagem, acreditando-se que
o aprender implica necessariamente o fazer - se, há um século atrás, já
Rousseau defendera que a educação deveria ser fundada na própria acção do
educando, é agora neste contexto favorável que essa convicção se realiza.
Para além deste da acção, outros conceitos/atitudes se relacionam de perto
com a nova corrente pedagógica: a interacção da escola com o meio, e vice-
versa - com as respectivas aberturas e trocas; a liberdade da escola - que
deve ser autónoma e democrática; a individualidade - o reconhecimento do
aluno como sujeito autónomo e centro do processo pedagógico; a colectividade
- a valorização da cooperação e do trabalho em grupo como base do processo
de formação dos alunos enquanto indivíduos. Trata-se, portanto, de uma
escola aberta, descentralizada e crítica da sociedade11.
Depois dos anos 20 e a partir daquela Escola Nova, deu-se à acção na
aprendizagem um peso ainda mais pronunciado com a chamada Escola Activa.
Nos anos 60 e baseada nas teorias cognitivistas principalmente de Jean
Piaget, de Bruner, de Novak, e de Eliot, surge a Escola Construtivista - que
considera a necessidade de cada aluno construir a própria aprendizagem
através de um percurso passível de o "ensinar a aprender". Não se contempla
tanto a aprendizagem de conceitos e de conteúdos culturais como unidades
fechadas, mas antes os procedimentos e estratégias cognitivas que permitem
realizar essa própria aprendizagem.

Nos anos 70 surgiu e desenvolveu-se a Escola Conducionista12. Nesta,


pretendia-se um ensino disciplinado com elevados padrões de eficácia cujo
modelo era a pedagogia por objectivos como "... uma estratégia que organiza
acções em ordem a obter um resultado bem definido; a acção não encontra

11
A mudança ocorrida no processo educativo foi tão marcante que Claparède a comparou com
a que Copérnico realizou no domínio da Astronomia.
12
Baseada nas teorias behavioristas (de John Watson, Skinner e outros) e na reflexologia (de
Pavlov) para além das abordagens sistémicas do ensino. Embora se considere uma pedagogia
activa, observa-se alguma semelhança entre esta corrente e o modelo pedagógico
transmissivo.

48
finalidade em si própria, mas no efeito que permite obter. Trata-se de uma
estratégia de eficácia..." (Bireaud, Annie, 1995: 137) "... onde os únicos
resultados válidos e dignos de consideração são os que encontravam previstos
nos objectivos." (Guigou, J. citado em Bireaud, Annie, 1995: 151). Assim, a
pedagogia por objectivos caracteriza-se essencialmente pela especificação
detalhada dos objectivos e sua tradução em termos de comportamentos
observáveis. Neste tipo de pedagogia, o processo educativo decorre num
contexto de tecnologia programada de ensino, cabendo ao professor o papel
de executante da técnica utilizada, enquanto que os alunos devem reagir
adequadamente aos estímulos apresentados sob a forma de actividades.
Procura-se apenas adequar a escolha do programa ao respectivo ritmo de
aprendizagem dos grupos de alunos.

A característica fundamental e geral das pedagogias activas - os alunos como


sujeitos activos construtores das próprias aprendizagens e considerados
enquanto grupos homogéneos nas várias fases que atravessam - relaciona-se
com outras mais particulares que identificam este modelo, e que passamos a
desenvolver incluindo-as em quatro sub-títulos: as aulas; os alunos; os
professores; a adequação/desadequação ao contexto actual.

As Aulas

Valoriza-se a acção dos alunos nas suas próprias aprendizagens que ocorrem
através da descoberta - com base nas experiências e realidades concretas dos
alunos inseridos numa situação social. Recorre-se, assim, a um caminho
indutivo que conduz a acção e o pensamento do particular para o geral, e do
concreto para o abstracto. Por isso, o ensino baseia-se preferencialmente em
determinadas actividades realizadas pelos alunos - de acordo com o seu nível
de desenvolvimento cognitivo - tentando-se adaptar o ensino ao aluno. Nesta
perspectiva, os livros de texto são utilizados pelos alunos como um recurso nas
suas experiências e actividades.

49
Acrescenta-se que, pelas próprias especificidades (já referidas) das escolas
construtivista e conducionista, existem também especificidades nas respectivas
aulas: cuidada planificação e organização das actividades dos alunos (que
conduzem à descoberta) e dos recursos (tempo, materiais), e um atento
controlo (que permite observar e reflectir as práticas, no sentido de
continuamente as melhorar) - escola construtivista; na escola conducionista, a
pedagogia por objectivos traduz-se numa compartimentação do saber em
pequenas unidades/conteúdos previamente divididos - em função de objectivos
específicos que possam vir a ser medidos e, como tal, expressos em condutas
observáveis em cada objectivo - os quais não têm necessariamente relação
com quaisquer conhecimentos prévios dos alunos.

Os alunos

O que mais identifica as pedagogias activas é o papel central do aluno como


sujeito activo - assume especial importância a actividade do que aprende,
realizador das suas próprias aprendizagens e do seu desenvolvimento no
processo educativo, o qual se desenrola num contínuo estabelecimento de
trocas com o meio. Neste contexto, as características que um bom aluno deve
ter relacionar-se-ão com estas atitudes: criatividade, iniciativa, liberdade
individual, acção, descoberta.
Importa, mais do que chegar ao resultado de um problema, percorrer o
respectivo processo para lá chegar - muitas vezes, existem vários caminhos -
tendo o aluno, para isso, que se confrontar muitas vezes com situações novas
para si. Se este é tido como o protagonista do seu próprio desenvolvimento,
isso não significa que o faça isoladamente - pelo contrário, a socialização é
fundamental nessa construção de cada indivíduo e, como tal, as actividades
devem ser realizadas, sempre que possível, em grupo.
A avaliação de que o aluno é alvo não ocupa um papel importante no processo
educativo - prescinde-se frequentemente - mas, quando existe, incide mais no
percurso de aprendizagem do que propriamente no resultado final desse

50
percurso - valoriza-se mais as capacidades adquiridas pelos alunos naquele
percurso, e não tanto as suas condutas observáveis - e tende a expressar-se
qualitativamente. Contrariamente, na corrente conducionista avaliam-se os
alunos através das suas condutas observáveis já que é com base na realização
de cada uma das etapas do processo de ensino/aprendizagem - que se crê
poderem ser verificadas através daquelas condutas - que se estabelece a
continuação do mesmo processo, avançando para o passo seguinte. Neste
contexto, todas as etapas são objecto de controlo através de instrumentos
fiáveis de avaliação.

Os professores

O professor, embora já não seja o protagonista de todo o processo de ensino-


aprendizagem, revela-se aí no entanto uma figura não prescindível - j á que lhe
cabe o papel de mediador e facilitador na conquista que os alunos devem fazer
dos próprios saberes. Compete-lhe programar, orientar, organizar, proporcionar
recursos e animar as actividades realizadas pelos alunos - e é capaz de, por
um lado, ajudar o aluno a relacionar os novos conhecimentos com os
anteriores e, por outro lado, de deixar que este controle todo o processo: este
professor "organiza o meio e esconde-se na sombra" (Snyders, 1974: 119).
Na organização das várias actividades de aprendizagem pelo professor deve
existir sempre subjacente a preocupação de estas se adaptarem às
características psicológicas daqueles grupos de alunos - que, portanto, tem
que conhecer - para, desse modo, desenvolver mais eficazmente as
capacidades intelectuais dos mesmos. Relacionada com esta, outra
preocupação fundamental que o professor deve ter é a de fomentar nos alunos
o desejo e a capacidade de aprender continuamente (pela própria experiência,
e pensando no futuro com que se irão confrontar).

No caso da pedagogia por objectivos, a função do respectivo professor - que


se aproxima da de um burocrata - inclui a verificação sistemática daquilo que
os alunos conseguiram atingir com referência aos respectivos objectivos

51
previamente delineados: "... o discurso sobre a eficácia do sistema educativo
mostra que doravante se considere esse sistema como um sector de produção
igual a qualquer outro e do qual, portanto, convém aperfeiçoar o mais possível
os resultados. Os professores teriam tendência para a calcular a partir da
aprendizagem realizada." (Bireaud, Annie, 1995: 14-15).

Adequação/Desadequação ao Contexto Actual

No contexto actual de uma economia de mercado global - que vários autores


consideram pós-fordista para a distinguir da anterior caracterizada pela
organização industrial fordista - o tipo de pedagogias activas afigura-se
adequado no sentido de pretender formar indivíduos/trabalhadores flexíveis e
criativos, capazes de trabalhar em equipa, gerando e aplicando eficazmente o
conhecimento.
No entanto, neste modelo pedagógico e segundo Annie Bireaud (1995: 153), a
aprendizagem das matérias consideradas curricularmente importantes nas
várias áreas científicas do ensino superior nem sempre se poderá fazer, na sua
totalidade, por parte dos alunos - a progressão nas várias etapas do ensino
depende do ritmo da actividade destes (para passar ao objectivo seguinte, é
preciso que o anterior tenha sido cumprido).
Também, há aprendizagens que não se podem fazer apenas pela actividade
dos próprios alunos, mas que exigem a intervenção directa e activa da figura
do professor para a sua realização - sob pena de, a não ser assim, se
verificarem falhas na aquisição dos saberes considerados importantes e
necessários. Daqui resultará, não raras vezes, a adulteração de funcionamento
deste modelo: por exemplo, é suposta uma pedagogia centrada nos alunos,
mas observa-se uma formação rígida onde a iniciativa daqueles é praticamente
nula. Assim sendo, a adequação do funcionamento do modelo àquele contexto
não se verificará.

52
Para além disto, e na perspectiva do ensino superior de massas em Portugal -
que contém uma crescente diversidade sociocultural discente - as pedagogias
activas não identificam essa diversidade, considerando-se os alunos enquanto
grupos homogéneos.
Como tal, e tendo em vista o desenvolvimento da cidadania que pressupõe
necessariamente a observação da heterogeneidade existente na sala de aula,
este modelo pedagógico não se revela adequado ao contexto actual do ensino
superior em Portugal.

QUE (OUTRAS) PEDAGOGIAS?

Como temos vindo a expor, nem as pedagogias transmissivas nem as


pedagogias activas se revelam adequadas ao contexto do ensino superior de
massas em Portugal, já que nenhuma delas identifica e considera a
heterogeneidade que actualmente o caracteriza.
Tal como acontece aqui, também em França "... o sistema educativo ignora o
projecto pessoal do aluno, assim como o do estudante universitário. É o que diz
Louis Not: "O nosso ensino procede como se ignorasse que todo o aluno traz
consigo um projecto relativo à realização da sua pessoa; reclamamos deles
actos que não se inscrevem em nenhuma perspectiva pessoal." (Bireaud,
Annie, 1995: 162).

Para reverter esta situação, afigura-se necessário procurar/encontrar outras


pedagogias para o ensino superior capazes de considerar cada "perspectiva
pessoal". Ou seja: "... como responder a esta pergunta: para "fazer passar"
uma determinada noção, o que é que os actores da situação vão ter de fazer
(...)? Para se dar uma resposta a essa questão (...) os principais elementos a
ter em conta são as características do público: características genéricas e,
sobretudo, características individuais. (Bireaud, Annie, 1995: 64).

53
Estas outras pedagogias de que se fala traduzir-se-ão numa "educação
contextualizada" - na qual se considera a heterogeneidade na sala de aula - e
onde cada aluno é tido como um indivíduo com características particulares nos
domínios social, cultural e antropológico, procurando o professor rentabilizar
essas características através de "... dispositivos de diferenciação pedagógica
(...) propostas educativas que visam constituir uma "boa ponte" na ligação
necessária entre a cultura da escola e a da comunidade envolvente,
comunidade essa representada através da presença dos alunos na instituição."
(Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999: 60), e "... cujo objectivo final é o
domínio por parte de cada aluno e aluna de um bilinguismo cultural (...) e o
usufruto activo de cidadania numa sociedade, como a actual, baseada na
economia de mercado." (idem: 88).

Este modelo pedagógico tem vindo a ser desenvolvido por Stephen Stoer e
Luiza Cortesão, e é apresentado mais detalhadamente neste trabalho no
capítulo seguinte: III. Enquadramento Conceptual dos Dispositivos de
Diferenciação Pedagógica.

54
Ill
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DOS
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

55
"É (...) esta preocupação em conseguir articular situações, por vezes
aparentemente divergentes, de culturas eruditas (previstas oficialmente
nos currículos) e da cultura que informa a socialização primária do
aluno que estrutura as características de um "dispositivo pedagógico".
Nesta caracterização, está esboçada a definição de "bilinguismo
cultural" que é, afinal, a situação-limite para a consecução da qual os
dispositivos pedagógicos podem (e/ou têm a intenção) de contribuir.
(Cortesão, Luiza; Stoer, Stephen, 1999: 36)

56
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DOS
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA:
APRESENTAÇÃO

O texto apresentado neste capítulo corresponde a uma selecção e compilação


de conceitos presentes em vários trabalhos produzidos por Stephen Stoer e por
Luiza Cortesão sobre educação intermulticultural.

Estes autores desenvolveram um modelo teórico relativo a diferentes práticas


pedagógicas nos diferentes níveis do sistema educativo português1 onde, para
além das pedagogias transmissiva e activa, consideram um outro tipo de
práticas pedagógicas a que chamam dispositivos de diferenciação pedagógica.
Para a compreensão destes dispositivos, recorreremos aos conceitos
necessários, com base essencialmente nos trabalhos dos mesmos autores.

São estes os conceitos (tratados nos subcapítulos correspondentes): escola de


massas, diversidade, heterogeneidade, falsa homogeneidade; a construção do
professor monocultural ou professor daltónico cultural; o multiculturalismo
benigno ou a folclorização da diferença; o professor intermulticultural e os
dispositivos de diferenciação pedagógica; os campos de recontextualização
pedagógica, os enquadramentos fortes e fracos e as pedagogias visíveis e
invisíveis - Basil Bernstein; a educação dialógica - Paulo Freire.
Passamos depois a apresentar o Quadro relativo ao modelo teórico
desenvolvido por Stoer e Cortesão.

1
Incluído neste texto, no último subcapítulo - e que estamos a estudar no contexto do ensino
superior.

57
ESCOLA DE MASSAS:
DIVERSIDADE/ HETEROGENEIDADE/ FALSA HOMOGENEIDADE

Se, até à construção da escola de massas em Portugal, podíamos caracterizar


o seu público como sendo um grupo homogéneo no que se refere a classe
social, género, religião, raça - maioritariamente alunos brancos católicos da
classe média urbana - essa situação já não se verifica, sendo actualmente este
público constituído por uma heterogeneidade considerável de indivíduos
provenientes dos mais variados grupos socioculturais.

Assim, no mesmo espaço físico e com o grupo original, coexistem outros


alunos oriundos de meios suburbanos e rurais, de outras raças e de outros
países. E, para além destas, dever-se-ão considerar ainda outras diversidades
menos visíveis decorrentes da progressiva complexificação sociocultural que
vem acontecendo já que, como refere McCarthy (1995) "...existem diferenças
significativas entre os tipos de alunos presentes na sala de aula, desde
situações muito visíveis até nuances cada vez mais subtis, mas nem por isso
menos carregadas de significado. 0 conceito inicialmente quase confinado a
questões étnicas tem vindo a estender-se a níveis económicos, socioculturais,
religiosos, de género, ocupacionais, regionais, etc., e ainda a situações
decorrentes de cruzamentos entre estas (e outras) diversidades." (Cortesão,
Luiza, 2000: 62).

Essas diversidades traduzem valores, interesses, percursos e modos de estar


na vida característicos e resultantes das socializações de que os respectivos
indivíduos foram alvo, os quais se exprimem em comportamentos, realizações
e atitudes particulares, mas muitas vezes diferentes daqueles que a escola
espera, exige e aceita.
É que a escola meritocrática pressupõe a igualdade de oportunidades para
todos - independentemente das diferenças de cada indivíduo - que se traduz
na oferta das mesmas situações de ensino/aprendizagem a todos os alunos do
mesmo ano escolar. Ora, o que resulta desta igualdade de ofertas educativas é
a desigualdade de sucessos educativos, cabendo aos grupos socioculturais

58
mais recentes na frequência da escola, e já referidos, penalizações sob a forma
de insucesso escolar, como têm revelado investigações várias no domínio das
Teorias da Reprodução. Também, "... quanto maior é a distância que separa o
nível sociocultural dos alunos do tipo de saberes que a escola arbitrariamente
impõe como únicos aceitáveis, maior é a violência simbólica que é exercida
pela escola sobre os alunos" (Bourdieu e Passeron, cit in Stoer, Stephen e
Cortesão, Luiza, 1999: 36).
Considera-se, pois, que esta escola que ignora a heterogeneidade que
efectivamente existe na população escolar actual está desadequada, e deve
ser alterada no sentido de contemplar estas diferenças: segundo Sousa Santos
"num mundo que muda, que está diferente, como é que a educação pode
arrogar-se ao direito de permanecer idêntica ao que era, ficando indiferente à
diferença?" (cit in Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999: 35).

Observam Stoer e Cortesão que se vive um clima de mal-estar nesta escola


selectiva - que serve um sistema económico assente na eficácia e na
competição - tanto por parte de alunos como também de professores, estes
últimos não compreendendo atitudes, comportamentos e desempenhos de
alunos que traduzem a diversidade social e cultural com a qual não foram
preparados para trabalhar. Neste contexto, "... se nada se inverter nos
processos de organização social e educativa que acompanham (e servem) a
evolução das economias cada vez mais competitivas que se desenvolvem com
a globalização tudo até parece indiciar que, realmente, esta situação de mal-
estar tenderá muito provavelmente a agravar-se." (Cortesão, Luiza, 2000: 20).

Pelo que foi apresentado, e se se pretender a construção de uma escola


democrática, é urgente não ignorar, mas antes considerar a diversidade da
população escolar procurando formas de trabalhar com todos os alunos, e não
apenas para alguns como acontece no contexto da escola meritocrática. Os
professores têm nessa construção um papel fundamental pelo que o seu
contacto directo com a população discente permite no sentido da identificação
das "diferentes diferenças" para, depois de as conhecerem, trabalharem com
todos os alunos no sentido do sucesso.

59
Mas esta tarefa apresenta dificuldades no que diz respeito, também, à figura do
professor. Muitos professores portugueses foram socializados num
determinado contexto histórico-sócio-cultural não propício ao trabalho com a
heterogeneidade na sala de aula, como a seguir se expõe.

A CONSTRUÇÃO DO PROFESSOR MONOCULTURAL OU


PROFESSOR DALTÓNICO CULTURAL

O advento da escola de massas em Portugal coincidiu, no tempo, com a


existência de um Portugal Continental, Insular e Ultramarino no qual, por
razões de natureza política, havia a necessidade de considerar todos estes
territórios como um só, revelando-se esta situação na escola através de um
currículo único para a grande diversidade de populações que se distribuíam
pelos diferentes continentes - pretendia-se que toda e qualquer diferença
sociocultural fosse ignorada/anulada, vivendo-se um clima de uma aparente
homogeneidade. Foi neste contexto que muitos dos actuais professores foram
socializados enquanto alunos e cidadãos, o que se terá repercutido na
concepção destes professores sobre os seus alunos como se tratando de um
grupo homogéneo. Também poderá acontecer que o professor "neutralize" a
diferença pelo hábito de com ela se deparar em várias situações do quotidiano,
e considerá-la então como algo que não constitui um problema no domínio
educativo.
No entanto, quando o professor reconhece a existência de grupos diferentes na
sala de aula, dirige-se preferencialmente ao grupo que representa a norma
cultural. A esta atitude subjaz a convicção de que é correcto preparar todos os
alunos para um mercado de trabalho que se rege por regras da sociedade
hegemónica que ele deve transmitir, e onde não cabem outras linguagens,
outros saberes e outros valores que não sejam os das classes dominantes.
Esta situação ocorre frequentemente em Portugal.

60
Nos casos apresentados os respectivos professores consideram a existência
de um só grupo sociocultural na escola, no sentido em que dirigem as suas
práticas pedagógicas a apenas esse grupo específico de discentes (e que já
caracterizámos) - trata-se da figura do professor monocultural, figura essa
directamente relacionada com a oferta de igualdade de oportunidades para
todos que reverte em desigualdade de sucessos para muitos já que "... oferecer
as mesmas propostas educativas a alunos culturalmente diversificados significa
contribuir para a exclusão de muitos deles." (Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza,
1999:57).

Baseando-se no conceito de "arco-íris de culturas" de Boaventura de Sousa


Santos, Stephen Stoer e Luiza Cortesão adoptam o conceito de "daltonismo
cultural" que se traduz na "... dificuldade de ver as diferenças decorridas do
"arco-íris sociocultural" que, na modernidade, sempre existe em qualquer
escola." (Cortesão, Luiza e Stoer, Stephen, 1999: 35). Assim, o professor
monocultural é daltónico cultural, já que não identifica a heterogeneidade dos
grupos socioculturais com que trabalha. Como tal, este tipo de professor não vê
qualquer necessidade de mudança nas suas práticas pedagógicas e configura
um agente de reprodução social revelador da escola que existe na
modernidade, e que é selectiva e meritocrática.
Os efeitos do daltonismo cultural traduzem-se em graves penalizações sofridas
pelos indivíduos que não pertencem àquele grupo sociocultural que a escola
meritocrática considera, como é sustentado por trabalhos vários no domínio da
educação, e mais particularmente a nível das teorias da reprodução: para
Bernstein, os estudantes cuja socialização primária decorreu em contextos
diferentes do considerado na escola são, aqui, objecto de violentas
recontextualizações - a comunicação recorre apenas a códigos elaborados; há
rejeição das culturas orais que muitos alunos transportam (Boaventura de
Sousa Santos) impondo-se mesmo e unicamente a cultura letrada (Iturra);
Bourdieu denuncia a violência simbólica que a imposição de determinados
valores tidos como únicos aceitáveis constitui; e Althusser revela os efeitos
perversos da escola enquanto "aparelho ideológico de estado" que exclui os
indivíduos das classes desfavorecidas e serve as classes dominantes.

61
O MULTICULTURALISMO BENIGNO OU
A FOLCLORIZAÇÃO DA DIFERENÇA

Dentro deste quadro e com uma população sempre crescente em número e em


heterogeneidade, a escola meritocrática e respectivo daltonismo cultural dos
seus professores revelam-se desadequados. Contrariamente ao que tem vindo
a acontecer, a nível do discurso oficial passam a ser explícitas preocupações
relacionadas com a diversidade dos alunos que a escola comporta, verificando-
se orientações educativas no sentido de sensibilizar os professores para as
diferenças na sala de aula, apelando à aceitação e ao respeito por essas
diferenças.
Mas, como não raro acontece, as respectivas medidas tomadas poderão
classificar-se de "reformistas moderadas" (J. Chaubaux) já que se configuram
apenas no mínimo de mudanças necessárias de modo a impedir grandes
convulsões sociais - é o caso de várias propostas que foram surgindo no
domínio da educação multicultural, e às quais está subjacente a valorização
das diferenças através da simples identificação daquilo que as diferentes
culturas apresentam de mais visível. Estas práticas - cuja ênfase se situa
apenas nas manifestações e aspectos visíveis das culturas - são classificadas
por Stoer como "folclorização das diferenças", e revelam uma atitude de
separação entre estilos de vida e entre oportunidades de vida, separação essa
que traduz a pretensão de considerar a primeira e de ignorar a segunda. Estas
práticas de educação multicultural inscrevem-se no que tem vindo a ser
conhecido como "multiculturalismo benigno" e "educação multicultural benigna"
e resumem-se a "... uma tentativa "caridosa" e/ou tecnocrática de enfrentar a
diversidade cultural na escola." (Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999: 26).

Assim, no contexto do "multiculturalismo benigno", a constatação das


diferenças não é acompanhada de análise crítica sobre as relações de poder
que sempre se verificam quando diferentes grupos socioculturais coexistem no
mesmo espaço. Ora, a adopção/acção acrítica da diferença comporta riscos -
apesar de serem promovidas com "boas intenções", as práticas educativas que
referimos têm muitas vezes efeitos contrários ao esperado e penalizantes para

62
as culturas dominadas: pretende-se uma maior afirmação dos grupos
minoritários, mas resulta a acentuação de determinado exotismo; pretende-se
melhorar a auto-imagem pessoal e grupai, mas resulta a falta dos saberes que
a sociedade dominante exige; pretende-se consciencializar para os direitos e
deveres enquanto cidadãos, mas resulta a guetização...

Estes são riscos a não correr, sendo por isso necessário ultrapassar a simples
constatação das diferenças existentes e passar a considerar e a compreender
as relações de poder que se estabelecem entre grupos dominantes e
minoritários. Especificamente no que diz respeito aos professores, para além
da consciência da heterogeneidade que existe na sala de aula e das relações
de poder que lhe estão associadas, devem ocorrer outras mudanças
significativas que se relacionem com a aquisição de instrumentos
possibilitadores de realizar trabalho com todos os alunos, no sentido do
desenvolvimento de uma escola mais democrática.

O PROFESSOR INTERMULTICULTURAL E
OS DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

Num contexto em que se privilegia o sucesso de todos os alunos, a diversidade


que existe na escola deve ser entendida pelos professores enquanto recurso -
e não enquanto obstáculo, como acontece na escola meritocrática - na medida
em que revela as diferenças socioculturais dentro da população escolar, o que
permite ao professor conhecê-las, e trabalhar no sentido desse sucesso.
Importa, para isso, promover o desenvolvimento de um tipo de professor
diferente do professor monocultural, onde o daltonismo cultural esteja ausente
e o conhecimento etno-social, aliado à capacidade de crítica, façam parte do
seu equipamento - trata-se de um professor investigador crítico: o professor
intermulticultural.
O professor intermulticultural é um investigador na área da etno-sociologia,
porque é capaz de analisar, identificar e compreender as diferentes

63
características que a heterogeneidade contém - possui um conhecimento do
tipo sócio-antropológico (sobre os alunos); e é também um investigador
educador, porque questiona a adequação de métodos e conteúdos aos vários e
diferentes grupos de alunos, criando e recriando métodos e conteúdos de
ensino/aprendizagem adequados a esses grupos - possui um conhecimento do
tipo educativo (para os alunos). Trata-se, portanto, de um trabalho de produção
de conhecimento por parte do professor, o qual poderá ocorrer durante as
próprias aulas, e "... que conduz o professor do papel menor de objecto de
instrumento reprodutor de um sistema que o transcende, para a possibilidade
de se assumir também como actor interveniente e criador no processo
educativo e social." (Cortesão, Luiza, 2000: 49).

Se se constata que a socialização dos professores não parece ser compatível


com a construção deste outro professor, também se crê que isso não se afigura
impossível já que, como afirma Bourdieu, o "habitus é durável, mas não
imutável" (Bourdieu, Pierre cit in Cortesão, Luiza e Stoer, Stephen, 1999: 38).
Nesta perspectiva, qualquer indivíduo, confrontado no seu percurso de vida
adulta com vivências para si muito significativas, pode sofrer mudanças a nível
da estrutura do próprio habitus, passando a tomar consciência de determinadas
situações que antes ignorava, bem como a assumir novas atitudes que crê
coerentes com essas novas situações2. Deste modo, o flexibilizar o professor
tornando-o "vulnerável à diferença", em paralelo com a compreensão e
assunção dos efeitos que têm as relações de poder tanto nos bons como nos
maus resultados obtidos pelos seus alunos, pode responsabilizá-lo e implicá-lo
a si próprio também nesses mesmos resultados. Esta nova consciência é
geradora de um questionamento sobre as próprias práticas pedagógicas e, por
sua vez, potencialmente desencadeadora de mudanças também a nível dessas
práticas.

Essas mudanças tomam corpo na criação e desenvolvimento do que Stoer e


Cortesão designam por dispositivos de diferenciação pedagógica "... que
decorrem de um quadro teórico bem explícito e que se constroem,

2
Aqui, a formação de professores pode desempenhar um papel fundamental, no sentido de
flexibilizar o professor tornando-o vulnerável à diferença.

64
conscientemente, de acordo com uma intencionalidade de contribuir para o
desenvolvimento reflexivo e para a consciencialização dos direitos dos alunos."
(Stoer e Cortesão, 1999: 61), no sentido de articular e de estabelecer pontes
entre a cultura da escola e a(s) cultura(s) da(s) comunidade(s) onde esta se
localiza, e que constitui habitualmente o meio onde os diferentes grupos de
alunos fizeram a sua socialização primária. Assim sendo, os dispositivos de
diferenciação pedagógica deverão constituir-se em instrumentos
simultaneamente capazes, por um lado, de desencadear aprendizagens
curricularmente consideradas como importantes e, por outro lado, de
considerar e valorizar as raízes culturais dos alunos, numa atitude de
reconhecimento, respeito e interacção por e entre as várias culturas3.

Aquilo que afinal se pretende com a utilização dos dispositivos de diferenciação


pedagógica é dotar os indivíduos que pertencem a grupos minoritários de
instrumentos que lhes permitam o usufruto activo de cidadania numa sociedade
baseada na economia de mercado. Atendendo a que a sua socialização
primária - que é estruturante - terá decorrido em contextos cujas
características não são favoráveis a essa cidadania, crê-se que a escola -
através da figura do professor intermulticultural que utiliza dispositivos de
diferenciação pedagógica - pode desempenhar aqui um papel fundamental, no
sentido de equipar estes alunos com um bilinguismo cultural, ou seja, a
capacidade de os indivíduos se moverem em duas culturas diferentes,
mantendo e assumindo as próprias raízes culturais mas integrando também
outros valores, outros comportamentos, outros conhecimentos, que são
característicos da cultura dominante.

Como tal, "Alguém que usufruísse de um bilinguismo cultural sentir-se-ia "em


casa" em mais do que um contexto sociocultural, experimentaria sentimentos
de pertencimento a mais do que uma cultura. Seria um cidadão nos diferentes

3
A construção de genealogias constitui um exemplo de dispositivo de diferenciação
pedagógica que foi já ensaiado por Stoer numa escola de meio rural. Pôde, por isso, observar-
se que os alunos conseguiram realizar as aprendizagens curriculares com um grau de
dificuldade menor em relação ao que antes se verificava, num contexto onde se promoveu o
conhecimento, a valorização e o respeito pelas suas raízes culturais, estimulando nos alunos
um autoconhecimento reflexivo.

65
contextos; teria acesso ao poder em mais do que uma cultura." (Stoer, Stephen
e Cortesão, Luiza, 1999: 54).

Assim, e na prossecução da cidadania para todos, é necessário concretizar a


chamada interface de educação intercultural que se realiza através do
desenvolvimento do professor intermulticultural e é materializada na criação e
utilização de dispositivos de diferenciação pedagógica, os quais têm como
objectivo final dotar os indivíduos de grupos minoritários da capacidade de se
moverem também na cultura dominante, utilizando a faculdade de bilinguismo
cultural. Deste modo, crê-se que a escola terá menos possibilidades de exercer
a sua hegemonia relativamente àqueles grupos socioculturais.

Pelas características do professor intermulticultural, defende-se que a


construção em Portugal do respectivo conceito se fará no terreno e dentro dos
limites do desenvolvimento da chamada Escola para Todos onde se podem
identificar dois pólos: a Escola Meritocrática - que se relaciona com o tipo de
professor monocultural e com a instituição da democracia representativa - e a
Escola Democrática - que se relaciona com o tipo de professor intermulticultural
e com a instituição da democracia participativa. No percurso da Escola para
Todos, A Escola Meritocrática tem sido hegemónica relativamente à Escola
Democrática, mas a mudança pode ocorrer se se der uma apropriação do
espaço democrático de cidadania que a escola oficial possibilita. Para isso, é
necessário que se reforce a autonomia relativa da escola e se produza
conhecimento sobre as culturas aí presentes, o que pressupõe considerá-la
como parte da comunidade local. Deste modo, a "... realização do princípio de
igualdade de sucesso dependerá, pois, de uma confrontação cultural no interior
da escola de massas. Esta confrontação só pode realizar-se valorizando dentro
da escola as culturas da comunidade local." (Stoer, Stephen;Cortesão, Luiza,
1999: 49). A construção de uma escola democrática realiza-se, assim, na
construção contra-hegemónica do conceito do professor intermulticultural e na
respectiva construção de dispositivos de diferenciação pedagógica.

66
COMPARAÇÃO ENTRE
O PROFESSOR MONOCULTURAL E
O PROFESSOR INTERMULTICULTURAL

Tanto o professor monocultural como o professor intermulticultural


correspondem a tipos-ideais, pelo que será de esperar encontrar professores
que se aproximam mais ou de um, ou de outro tipo: "Na verdade, pode dizer-se
que todos os professores são, até certo ponto, mono e intermulticulturais..."
Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999: 46).

O professor monocultural pode descrever-se como cientificamente competente,


equipado com uma sólida preparação profissional que passa pela capacidade
de traduzir, para os alunos em geral, os conhecimentos científicos
considerados necessários, expondo-os claramente e de modo seguro. As
dificuldades na aprendizagem dos seus alunos são objecto da sua
preocupação, mostrando-se disponível para os ajudar e corrigir. Como tal, é
justo e exigente nas avaliações que faz.

Este professor contribui para a construção do aluno-tipo ideal, situando-se


neste enquadramento teórico:
A escola garante a oferta de igualdade de oportunidades de acesso para todos
e é tida como um campo neutro de aquisição de saberes onde a prioridade é
transmitir os saberes considerados importantes. Valorizam-se as metodologias
e os materiais estandardizados, bem como a manutenção da cultura erudita e
nacional. Relativamente aos alunos, estes constituem conjuntos homogéneos
pelo que qualquer diferença é passível de penalização; no entanto, identificam-
se determinados handicaps de aprendizagem a que se atribuem causas de foro
psicológico e biológico.
Os objectivos são o incremento da competência e da eficácia, e a
normalização.

67
No que diz respeito ao professor intermulticultural, este pode descrever-se
como um professor não "daltónico cultural", flexível e vulnerável à dúvida,
sendo capaz de investigar nas áreas da sociologia e da etno-sociologia, e é
também um investigador/educador na medida em que identifica e analisa
problemas de aprendizagem, e elabora respostas adequadas às diferentes
situações educativas.
Proporciona formas de aquisição de saber, de poder e de exercício de
cidadania aos seus alunos, situando-se neste enquadramento teórico:
Valoriza-se o papel que a escola pode ter no sucesso e no insucesso dos
alunos, compreendendo-a como local de práticas conflituais, de cruzamento de
diferentes poderes, interesses e valores - o que permite a identificação de
factores explícitos e ocultos passíveis de interferir em processos educativos,
bem como o alargamento de espaços de autonomia relativa dos professores e
da escola. Também, a consciência do "arco-íris de culturas", a par da aceitação
e rentabilização das respectivas diferenças possibilita práticas de diferenciação
de ensino através de dispositivos de diferenciação pedagógica e o domínio de
um bilinguismo cultural crítico com vista ao sucesso de todos os alunos.
O objectivo é a consciência do direito à cidadania.

E, assim...
"... vai uma distância grande entre, por um lado, o olhar passivo sobre a
diferença, lendo-a como algo que é necessário corrigir, como um olhar que a
reconhece sem a querer conhecer, e, por outro lado, a adopção da educação
intermulticultural não só como filosofia educativa mas também como projecto a
realizar nesta época de globalização." (Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999:
46).

68
OUTROS CONTRIBUTOS RELEVANTES PARA OS
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

Campos de Recontextualização Pedagógica,


Enquadramentos e Pedagogias - Basil Bernstein

Para realizar este projecto de educação intermulticultural é necessário, por um


lado, que os professores abandonem conscientemente eventuais "daltonismos
culturais", assumindo uma postura não etnocêntrica relativamente aos seus
alunos - trata-se da capacidade de "atravessar fronteiras", a qual constitui o
primeiro passo do desenvolvimento da "racionalidade transcultural" (Archer,
1990) no professor, e que é imprescindível para o processo de "tradução das
culturas" possibilitador do aproveitamento/rentabilização das diferenças na sala
de aula. O segundo passo para o desenvolvimento dessa racionalidade
consiste na construção do professor investigador que integra dois domínios de
investigação: um relacionado com a análise racional, e outro relacionado com o
ensino-acção, sendo que a síntese destes dois domínios resulta naquilo que
Sue Atkinson (1994) chama "multi-thinking" ou "pensamento multirreferencial".

Ora, o professor só poderá "atravessar fronteiras" e usufruir deste "pensamento


multirreferencial" para produzir conhecimento se dispuser de um determinado
grau de autonomia relativa, pelo que será relevante considerar estes dois
passos no âmbito do "campo de recontextualização pedagógica" - conceito
desenvolvido principalmente por Basil Bernstein, e que se define "como aquele
espaço que gera os enquadramentos, as possibilidades e os próprios espaços
da teoria pedagógica, da investigação sobre educação e das práticas
educativas." (Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999: 78) - considerando que a
enquadramentos fracos e a pedagogias invisíveis correspondem metodologias
de ensino flexíveis e orientadas para o desenvolvimento da criatividade e para
o estímulo à descoberta por parte dos alunos - o que se relaciona com um
maior grau de emancipação e de produção; enquanto que a enquadramentos

69
fortes e a pedagogias visíveis correspondem metodologias de ensino rígidas e
orientadas para a reprodução e domesticação.
Nesta perspectiva, há que ter em atenção o grau de consolidação do campo de
recontextualização pedagógica já que, não sendo suficientemente forte, poderá
desencadear situações ou de aculturação ou de "folclorização das diferenças"
para os grupos minoritários.

No que diz respeito à racionalidade transcultural - construída através dos dois


passos referidos - esta só poderá ser realizada no interior da escola se o
campo de recontextualização pedagógica estiver então suficientemente
consolidado, na medida em que se torne possível um processo de "tradução
cultural" desenvolvido através de uma "interface cultural" que pressupõe a
existência de um potencial confronto entre as várias culturas presentes capaz
de conduzir à construção de identidades mais vulneráveis e permeáveis.
Salienta-se que a não existência do campo de recontextualização pedagógica
acarreta mesmo a impossibilidade da gestão da diversidade pelo professor no
sentido em que esta passa a ser dominada pelo discurso oficial, não se
verificando a autonomia relativa - assim, verifica-se também a impossibilidade
de o discurso pedagógico se realizar como espaço pedagógico, realizando-se
antes como espaço de dominação: "O campo de recontextualização
pedagógica é, de facto, o espaço da constituição do discurso pedagógico, i.e.,
o espaço da constituição de diálogo." (Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza, 1999:
82). Pelo exposto, pode-se considerar que a produção de conhecimento pelo
professor depende fundamentalmente do grau de desenvolvimento do campo
de recontextualização pedagógica.

Acerca das diferentes pedagogias e respectivos enquadramentos que


habitualmente ocorrem em diferentes graus de ensino do sistema educativo,
Bernstein considera que apenas nos níveis mais baixos do sistema se verificam
enquadramentos fracos e pedagogias invisíveis. Mas, à medida que se vai
subindo nos vários níveis do sistema educativo até ao ensino superior, os
saberes disciplinares organizados e a obediência a regras explícitas vão tendo
uma presença cada vez mais forte - o que se relaciona directamente com um
crescente grau de domesticação e de reprodução. Esta última situação

70
decorrerá das pressões da nova classe média4 que procura assegurar, para os
seus filhos, a manutenção do estatuto sociocultural de que a escola é veículo,
num contexto neoliberal. Assim, confrontada com uma proximidade cada vez
maior do mercado de trabalho e com a respectiva pressão das economias no
sentido da aquisição de eficácia e de competitividade, esta classe média exige
e identifica-se, em termos de educação, com os enquadramentos mais fortes e
com as pedagogias mais visíveis - principalmente no nível de ensino superior -
o que trará, a médio prazo, implicações em termos de reprodução sociocultural.

Educação Dialógica - Paulo Freire

Estas pedagogias visíveis e de enquadramentos fortes têm a sua máxima


expressão no modelo pedagógico transmissivo - ou educação bancária, na
terminologia de Paulo Freire.
A esse modelo, Freire contrapõe um outro - a pedagogia do diálogo ou
educação dialógica - cujas práticas educativas apresentam grandes diferenças
relativamente às do modelo anterior (caracterizadas pelo monólogo do
professor) e respectivas implicações, as quais se traduzem, na educação
dialógica, em emancipação dos indivíduos e produção de conhecimento. Como
se sustenta na palavra que é instrumento de reflexão e de acção, o diálogo tem
a capacidade de despertar a consciência crítica dos aprendentes.
A educação dialógica pressupõe interrelação entre educador e educando,
ambos considerados sujeitos activos e aprendentes no processo educativo que
se desenvolve fundamentalmente pelo diálogo entre eles: "... o educador já
não é só o que educa mas aquele que, enquanto educa é educado através do
diálogo com o educando, quem, ao ser educado, também educa. Assim, ambos
se transformam em sujeitos do processo em que crescem juntos." (Freire,
Paulo, 1978: 90).

4
Segundo Bernstein, a classe média mantinha tradicionalmente o seu lugar na estrutura
hierárquica através da propriedade, enquanto que esta nova classe média só pode assegurar
actualmente esse lugar recorrendo ao sistema educativo como veículo.

71
Nesta perspectiva, o autor enfatiza: a necessidade de valorizar e aproveitar os
saberes e interesses pessoais prévios dos alunos no decurso do processo
educativo - já que considera não ser possível a aprendizagem de algo exterior
e imposto aos indivíduos, mas antes daquilo que para eles faz sentido; a
educação deve privilegiar a capacidade de criar, contrariando a mera
reprodução - os indivíduos são naturalmente activos e criativos. Salienta-se
que, nesta concepção de educação de Paulo Freire, o processo de
ensino/aprendizagem é desenvolvido com o aluno e para o aluno.

A partir da caracterização do modelo de educação dialógica, poderemos


relacioná-lo com pedagogias invisíveis e enquadramentos fracos - capazes de
promover a emancipação versus domesticação, e a produção versus
reprodução.

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA -
DISPOSITIVOS DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA:
APONTAMENTO CONCLUSIVO

O percurso que fizemos por estes conceitos - escola de massas e


heterogeneidade; o professor monocultural; o multiculturalismo benigno; o
professor intermulticultural; os campos de recontextualização pedagógica; os
enquadramentos fortes e fracos, e as pedagogias visíveis e invisíveis; a
educação dialógica... - tem como meta um outro modelo pedagógico diferente
daqueles dois conhecidos por educação bancária e educação activa, já que
considera a heterogeneidade. Stephen Stoer e Luiza Cortesão chamam-lhe
educação contextualizada - que utiliza dispositivos de diferenciação
pedagógica através da figura do professor intermulticultural.

72
As práticas pedagógicas relacionadas com este modelo são as mais
adequadas5 à nova realidade educativa portuguesa - e em todos os níveis do
sistema educativo, já que o conceito de dispositivo de diferenciação
pedagógica se tem vindo a alargar e a flexibilizar: "... evidencia-se que o
dispositivo de diferenciação pedagógica não se limitaria a poder ajudar a
contribuir para aquele "bilinguismo cultural" (...) adaptam-se agora a qualquer
nível de ensino, adquirindo características específicas em cada um deles..."
(Cortesão, Luiza, 2000: 78)

Este modelo de educação contextualizada tem vindo a ser já pontualmente


utilizado nos vários níveis de ensino, sobretudo em escolas do nível básico -
onde a heterogeneidade discente é mais visível, e também onde não existe
tanta pressão da nova classe média no sentido do recurso a pedagogias
visíveis e enquadramentos fortes, segundo Bernstein.

Especificamente no que diz respeito ao ensino superior, não se conhecem aí


propostas de utilização de dispositivos de diferenciação pedagógica, embora se
considere relevante e necessária a sua utilização6, adequando-os às
especificidades deste nível de ensino: "... no Ensino Superior a vertente mais
significativa deste dispositivo residiria na possibilidade de contribuir, sobretudo,
para estimular de forma diferenciada os alunos a olharem o mundo criticamente
e a serem capazes de alterar algumas "regras do jogo" que orientam esse
mundo, através da capacidade de actuarem como investigadores críticos."
(Cortesão, 2000: 78).

5
Recorde-se que nem a educação bancária nem a educação activa consideram a
heterogeneidade dos alunos - pelo que nenhum destes dois modelos pedagógicos se adequa
ao contexto educativo actual.
6
Como temos vindo a referir, devido à heterogeneidade discente e as implicações em termos
de emancipação e produção de conhecimento que práticas pedagógicas invisíveis e
enquadramentos fracos - como é o caso da educação contextualizada/ dispositivos de
diferenciação pedagógica - podem proporcionar.

73
QUADRO 1
QUÊ; COMO; ONDE

O quadro que a seguir se apresenta, proposto e construído por Stoer e


Cortesão, constitui um instrumento que permite a caracterização e análise de
diversas formas de acção do professor na sua prática educativa.

Eixo
Metodológico
Domesticação/
/Emancipação

Educação
Contextual izad
a (Disp. De
Dif.
Pedagógica)

Educação
Activa e/ou
Investigativa

Eixo da
Aquisição de
Educação Saberes:
Bancária Reprodução/
Produção

Conteúdo do Utilização da Produção de


manual produção conhecimento
cientifica de disciplinar pelo
outrem próprio
(investigação)

s K Produção de conhecimento educativo

| Produção de conhecimento científico

E. Sup. - Ensino Superior

E. Não Sup. Ensino não Superior

O quadro é constituído por dois eixos: o Eixo da Aquisição de Saberes:


Reprodução/Produção; e o Eixo Metodológico: Domesticação/Emancipação.

74
Eixo de Aquisição de Saberes - Reprodução/Produção: QUÊ

Neste eixo estão registados os tipos de conhecimento e os diferentes modos a


que o professor poderá recorrer para adquirir esses conhecimentos que vai
utilizar nas suas aulas - corresponde ao que Bernstein designa por QUÊ.

Consideram-se aqui três diferentes possibilidades, ordenadas numa sequência


que constitui um percurso gradativo desde a simples reprodução até uma cada
vez maior produção de conhecimento:

- Conteúdo do Manual

O professor recorre a manuais cujos conteúdos foram


previamente objecto de tradução, apresentando-se seleccionados
e simplificados;

- Utilização da Produção Científica de Outrem

O professor recorre a textos científicos produzidos por outrem e


que irão sofrer, da sua parte, um processo de tradução, selecção
e relocalização;

- Produção de Conhecimento Disciplinar pelo Próprio (Investigação)

O professor produz conhecimento através da investigação que


realiza.

75
Eixo Metodológico - Domesticação/Emancipação: COMO

Neste eixo estão registados os diferentes tipos de estratégias a que o professor


poderá recorrer para transmitir ou suscitar nos alunos esses conhecimentos -
corresponde ao que Bernstein designa por COMO.

Consideram-se também aqui três diferentes possibilidades, ordenadas numa


sequência que constitui agora um percurso gradativo que vai de um nível muito
elementar de emancipação (ou mesmo nulo) para outros níveis no sentido de
uma cada vez maior emancipação:

- Educação Bancária

O professor recorre a um ensino transmissivo e expositivo,


revelando os alunos uma atitude passiva e tidos como recipientes
vazios onde os conhecimentos curriculares são depositados;

- Educação Activa e/ou Investigativa

O professor propõe e solicita aos alunos acção e investigação


através de metodologias activas e de variados materiais
didácticos, tornando-os colaboradores na conquista das próprias
aprendizagens;

- Educação Contextualizada (Dispositivos de Diferenciação Pedagógica)

O professor propõe e solicita aos alunos acção e investigação


através de dispositivos de diferenciação pedagógica,
estabelecendo pontes entre os conhecimentos curriculares e
outros conhecimentos que os alunos transportam dos seus
grupos de origem. Deste modo, as aprendizagens tornam-se mais
significativas e promove-se a consciência crítica dos direitos e
deveres dos alunos como cidadãos.

76
Cruzamento dos Eixos QUÊ e COMO: ONDE

Para analisar as práticas dos docentes, propõe-se o cruzamento destes dois


eixos com o contexto e o nível de ensino em que o professor está a trabalhar -
o qual corresponde ao ONDE de Bernstein. Assim, devem ser considerados na
análise simultaneamente o QUÊ, o COMO e o ONDE.

Deste cruzamento resultam nove situações educativas diferentes, as quais


correspondem no quadro às casas que estão numeradas de 1 a 9, e que
passaremos desde já a caracterizar.

Casa 1

O professor recorre exclusivamente a manuais estandardizados cujos


conteúdos se apresentam seleccionados e simplificados - foram previamente
objecto de tradução - e expõe o mais claramente possível esses conteúdos.
Numa atitude "daltónica", dirige o seu discurso aos alunos que vê como um
grupo homogéneo e a quem cabe o papel de receptor.
Trata-se de uma mera reprodução do saber, e constitui um processo de
educação monocultural que contribui para a reprodução sociocultural.
Ocorre no ensino não superior (manuais do básico e secundário) e no ensino
superior (com as "sebentas").

Casa 2

O professor recorre directamente a textos científicos produzidos por outrem e


que irão sofrer, da sua parte, um processo de selecção, relocalização e
tradução. Tentando manter a correcção científica dos mesmos, apresenta-os

77
numa outra linguagem que crê simples e clara, dirigindo o seu discurso aos
alunos que vê como um grupo homogéneo e a quem cabe o papel de receptor.
Tal como a anterior, esta situação constitui um processo de educação
monocultural de efeitos quase exclusivamente reprodutores.
Ocorre no ensino não superior e no ensino superior (com as "sebentas").

Casa 3

Os professores que fazem investigação na sua área disciplinar e cujos


conhecimentos transmitem aos alunos através de um ensino expositivo,
usando a linguagem científica da área7. Estes professores vêem os seus
alunos como um grupo homogéneo e a quem cabe o papel de receptor.
Tal como a anterior, esta situação constitui um processo de educação
monocultural de efeitos quase exclusivamente reprodutores.
Ocorre apenas no ensino superior.

Casa 4

O professor recorre ao manual, mas adequa aquele saber aos seus alunos,
propondo-lhes um conjunto de situações activas de aprendizagem. Esta atitude
revela a importância que o professor atribui à conquista do saber pelos próprios
alunos.
O interesse pelo processo educativo na ausência de investigação - aqui
presente - não se atribui ao perfil do professor do ensino superior universitário,
pelo que será de esperar encontrar esta situação no ensino não superior.

7
Trata-se de professores de ensino superior cujo público deverá compreender essa linguagem
já que supostamente se está entre pares - quer sob o ponto de vista sociocultural quer etário
(em termos de idades, os alunos são jovens adultos e adultos). Mas estes professores são,
muitas vezes, tidos pelos seus alunos como difíceis e incompreensíveis...

78
Casa 5

O professor recorre directamente a textos científicos originais produzidos por


outrem e suscita situações activas de aprendizagem sobre os respectivos
conteúdos - através de debate, por exemplo.
Ocorre pontualmente no ensino não superior, e frequentemente no ensino
superior.

Casa 6

Os professores que fazem investigação na sua área disciplinar e que procuram


recontextualizar os seus textos, suscitando a participação dos alunos - por
exemplo, através de debate ou de apresentação desses textos nas aulas, em
pequeno e/ou em grande grupo.
Ocorre quase exclusivamente no ensino superior.

Casa 7

O professor recorre ao manual, mas adequa aquele saber aos seus alunos - os
quais conhece porque desenvolveu determinadas actividades com esse
objectivo de os conhecer. Como tal, considera as suas características
particulares e a rentabilização dos saberes que já possuem.
Esta situação educativa ocorre no Ensino Básico e Secundário, embora pouco
frequentemente - com professores cuja prática é enformada por preocupações
multiculturais; e ocorre no ensino superior muito raramente (ainda com menor
frequência do que a relativa à casa 4).

79
Casas 8 e 9

Recorre-se a textos científicos produzidos por outrem (casa 8) e aos próprios


(casa 9), e há também a produção de situações de trabalho originais que se
pretende serem adequadas aos alunos com que se trabalha. Ou seja, estes
professores, para além da sua área disciplinar, são também capazes de
produzir outros dois tipos de conhecimento: um conhecimento
socioantropológico sobre os seus alunos; e um conhecimento educativo para
os seus alunos o qual, partindo do primeiro, possibilita a criação dos chamados
dispositivos de diferenciação pedagógica. Deste modo, será estimulada a
aquisição dos conteúdos curriculares pelos alunos.
No que se refere especificamente a 9, tratar-se-á actualmente de uma situação
educativa ideal (no sentido de não real) e que poderá vir a realizar-se através
da figura de um professor investigador atento à diversidade sociocultural a qual
tem vindo a aumentar também no ensino superior.
Estas situações ocorrem sobretudo no ensino superior.

Depois desta caracterização, consideremos de novo o quê e o como do


processo educativo. Verifica-se que:

- relativamente ao quê, observa-se no quadro três diferentes tipos de


situações, assim representadas: 1, 4 e 7 (1 a situação); 2, 5 e 8 (2a
situação); 3, 6 e 9 (3a situação) - que, nesta sequência, traduzem uma
crescente produção de conhecimento; e

- relativamente ao como, é também possível observar no quadro três


diferentes tipos de situações, assim representadas: 1, 2 e 3 (1 a
situação); 4, 5 e 6 (2a situação); 7, 8 e 9 (3a situação)8 - que vamos
especificar em seguida.

8
As duas primeiras situações relacionam-se com o tipo de professor monocultural; a terceira
situação relaciona-se com o tipo de professor intermulticultural.

80
- 1, 2 e 3 - recorre-se a pedagogias transmissivas - pedagogias
visíveis - cujos professores consideram os alunos como sendo um
grupo homogéneo (não consideram a heterogeneidade dos
alunos), o que identifica os professores monoculturais que se
movem e actuam no domínio de uma escola reprodutora;

- 4, 5 e 6 - recorre-se a métodos activos - ou pedagogias invisíveis -


que tornam as aprendizagens mais estimulantes e são
responsáveis pelo desenvolvimento de determinadas capacidades
dos alunos, os quais constituem, para os professores, um grupo
homogéneo (também estes não consideram a heterogeneidade dos
alunos). Tal como na situação anterior, trata-se de professores
monoculturais que se movem e actuam no domínio de uma escola
reprodutora.

- 7, 8 e 9 - recorre-se a pedagogias invisíveis, tendo os professores a


preocupação de adequar as propostas de ensino/aprendizagem
aos seus alunos já que existe, da sua parte, a consciência da
heterogeneidade na sala de aula - o que identifica os professores
intermulticulturais e, paralelamente, revela atitudes mais
emancipatórias.

No que se refere mais especificamente à existência, ou não, de processos de


produção de conhecimento - a) de conteúdos disciplinares e b) de tipo
socioantropológico e educativo (ou científico e pedagógico) - naquelas
situações educativas, verifica-se que:

- não há qualquer produção de conhecimento nas casas 1, 2, 4, e 5;

- há produção de conhecimento nas casas 3, 6, 9, 8 e 7, e especifica-se


que esta produção de conhecimento é relativa a

a) conteúdos disciplinares nas casas 3, 6 e 9, e

b) de tipo socioantropológico e educativo nas casas 7, 8 e 9.

81
Considerando os vectores perpendiculares A e B que atravessam
diagonalmente o quadro, pode observar-se que:

A - atravessa duas situações extremas:

- uma em que não existe qualquer produção de conhecimento (sendo


apenas reprodutiva) - corresponde à casa 1, e

- outra em que existe produção de conhecimento socioantropológico


e educativo, e disciplinar - corresponde à casa 9;

B - separa duas zonas diferentes:

- uma onde predomina a produção de conhecimento (zona localizada


acima do vector), e

- outra onde predomina a reprodução de conhecimento (zona


localizada abaixo do vector).

Isto encontra-se em consonância com a ideia de que aquelas duas


vertentes dependem das escolhas que se fazem relativamente ao quê e
ao como do processo educativo.

82
IV
TRABALHO PEDAGÓGICO NA UNIVERSIDADE:
EXPLORAÇÃO ATRAVÉS DE ENTREVISTAS
A TRÊS PROFESSORES

83
METODOLOGIA

84
"... o método das entrevistas está sempre associado a um método de
análise de conteúdo. Durante as entrevistas trata-se, de facto, de fazer
aparecer o máximo possível de elementos de informação e de reflexão,
que servirão de materiais para uma análise sistemática de conteúdo..."
(Quivy, 1998: 195)

85
REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS

Para estudar o modelo teórico de Stoer e Cortesão (1999) sobre as práticas


pedagógicas de professores - neste trabalho, aplicado ao contexto do ensino
superior - foram utilizadas metodologias qualitativas: entrevistas em
profundidade, semiestruturadas1, e respectivo tratamento através de análise de
conteúdo.
A escolha desta metodologia deveu-se às características do objecto de estudo
e da população alvo - professores do ensino superior. Como referem Ludke e
André (1986), "... a entrevista semi-estruturada, que se desenrola a partir de
um esquema básico, porém não aplicado rigidamente (...). As informações que
se quer obter, e os informantes que se quer contactar, em geral professores
(...) são mais convenientemente abordáveis através (deste) instrumento mais
flexível." (Ludke e André, 1986: 34). Pelo exposto, a recolha de dados realizada
a partir dos discursos dos professores, orientados para as suas práticas
pedagógicas, e obtida através de entrevistas semi-estruturadas, poderá
fornecer maior quantidade e qualidade de dados relativamente a outras
metodologias, já que o seu objectivo consiste em explorar "A análise do sentido
que os actores dão às suas práticas e aos acontecimentos com os quais se
vêem confrontados: os seus sistemas de valores, as suas referências
normativas, as suas interpretações de situações conflituosas ou não, as leituras
que fazem das próprias experiências..." (Quivy, 1998: 193). Assim, este autor e
outros por nós consultados reconhecem à entrevista um considerável "... grau
de profundidade dos elementos de análise recolhidos." (Quivy, 1998: 194) e
consideram que constitui "... uma das principais técnicas de trabalho em quase
todos os tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais." (Ludke e André,

O termo profundidade refere-se, segundo Madeleine Grawitz, à informação de "acesso


reservado" que em princípio se obtém a partir destas entrevistas (Carmo e Ferreira, 1998: 130),
que podem ser também consideradas semidirigidas e semidirectivas - o entrevistado responde
com um determinado grau de liberdade, ou seja, o seu discurso não é completamente livre na
medida em que é orientado pelo entrevistador, o qual age de acordo com o que crê ser
relevante, ou não, para o seu objecto de estudo.

86
1986: 33), afirmando-se que é "... a mais utilizada em investigação social."
(Quivy, 1998: 192).

Para conseguir este "grau de profundidade" deve ser evitada determinada


formulação de perguntas "... uma estratégia-chave (...) consiste em evitar,
tanto quanto possível, perguntas que possam ser respondidas com "sim" e
"não". Os pormenores e detalhes particulares são revelados a partir de
perguntas que exigem exploração." (Bogdan e Biklen, 1994: 136). No entanto,
e atendendo aos diferentes momentos da entrevista, será oportuno considerar
que, na sua fase inicial, terão cabimento determinadas perguntas cujo objectivo
fundamental não será a recolha de dados propriamente dita, mas antes o
estabelecimento de condições propícias a essa recolha. Neste contexto,
diversos autores referem a necessidade de "quebrar o gelo" que eventualmente
existirá à partida - já que numa situação de entrevista os indivíduos do par
entrevistado-entrevistador não se conhecem necessária e previamente - e isso
poderá ser feito "... recorrendo a perguntas de aquecimento..." (Carmo e
Ferreira, 1998: 136) as quais podem também incluir informações necessárias à
localização do indivíduo no seu contexto de vida, o que é habitualmente
relevante para a investigação. De acordo com o que foi dito, a sequência das
perguntas colocadas no decurso da entrevista deve respeitar um continuum
crescente desde a menos informal até à mais informal no sentido de mais
delicada: "Por vezes o entrevistador tem de fazer perguntas melindrosas. Tais
questões devem ser posicionadas no fim da entrevista, altura em que existe um
maior clima de confiança." (Carmo e Ferreira, 1998: 136).

Relativamente ao nosso estudo, foram realizadas entrevistas a três professores


da Universidade do Porto: um da Faculdade de Ciências (área das ciências da
natureza); outro da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação (área
das ciências sociais e humanas); e outro da Faculdade de Engenharia (área
das ciências exactas).2

Com o objectivo de ser respeitada a confidencialidade relativamente a estes três professores,


passaremos a referi-los pelos nomes fictícios de Manuel Rebelo (FCUP), Jaime Almada
(FPCEUP) e Francisco Couto (FEUP).

87
Como já se deixou dito no decurso do trabalho, o modelo teórico de Stoer e
Cortesão (1999) contempla dois eixos: Aquisição de Saberes (em abcissa), que
inclui três possibilidades - através do conteúdo do manual, da produção
científica de outrem, da produção científica própria; e Metodológico (em
ordenada) que inclui outras três possibilidades - educação bancária ou
transmissiva, educação activa ou investigativa, educação contextualizada.
Assim sendo, o guião da entrevista foi construído com a preocupação de obter
respostas que nos permitissem uma compreensão o mais abrangente possível
da realidade das práticas pedagógicas dos professores entrevistados
relativamente a estes dois eixos, critério que presidiu à escolha das perguntas
constantes no mesmo guião3. Considerámos, então, três grandes temas: como
o professor dá as aulas - indagámos sobre o material didáctico e método(s)
pedagógico(s) utilizado(s), e sobre o eventual recurso à investigação própria
e/ou alheia no respectivo trabalho lectivo; como o professor vê os alunos - em
termos de homogeneidade e/ou heterogenidade, se tem feed-backs dos alunos
dentro e fora das aulas, e que características positivas e negativas lhes atribui;
como se vê a si próprio enquanto professor, e a outros professores - onde
foram referidos os piores defeitos e as melhores qualidades que se podem
encontrar num professor de ensino superior.

Tratando-se de entrevistas semi-estruturadas, crê-se que "Será preferível e


mesmo aconselhável o uso de um roteiro que guie a entrevista através dos
tópicos principais a serem cobertos." (Ludke e André, 1986: 36). Deste modo, o
guião constitui um recurso para os temas considerados e sua sequência, não
podendo restringir os mesmos a um plano rígido e inflexível porque
completamente pré-determinado: "O processo de entrevista requer flexibilidade.
(...) Ser flexível significa responder à situação imediata, ao entrevistado
sentado à sua frente e não a um conjunto de procedimentos ou estereótipos
determinados" (Bogdan e Bicklen, 1994: 137), especificando Quivy (1998) que
"... o investigador dispõe de uma série de perguntas-guias, relativamente
abertas, a propósito das quais é imperativo receber uma informação da parte
do entrevistado. Mas não colocará necessariamente todas as perguntas pela

'! Ver Anexo I - Guião de Entrevista

88
ordem em que as anotou e sob a formulação prevista. Tanto quanto possível,
"deixará andar" o entrevistado para que este possa falar abertamente..."
(Quivy, 1998: 192). Nesta sequência, deveremos referir que o investigador "...
intervém ocasionalmente para reenquadrar a entrevista e colocar questões
complementares..." (Riutort, 1999: 48).

Assim, durante as entrevistas, não raras vezes se deu a alteração da ordem


das perguntas constantes no guião; outras vezes, houve imbricação de
conteúdos relativos a perguntas diferentes daquela que se estava a tratar no
momento dado e, deste modo, algumas não chegaram a ser por nós
verbalizadas, porque o entrevistado já se lhes tinha referido e respondido no
seu discurso; outras perguntas foram propositadamente apresentadas pela
entrevistadora de forma ambígua, com o intuito de aceder a determinada
informação4; finalmente, aconteceu surgirem outras questões não
contempladas previamente, as quais foram sendo desencadeadas no
desenrolar da entrevista5. A este propósito, salientamos que "... a entrevista
permite correcções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira
eficaz na obtenção das informações desejadas. Enquanto outros instrumentos
têm o seu destino selado no momento em que saem das mãos do pesquisador
que os elaborou, a entrevista ganha vida ao se iniciar o diálogo entre o
entrevistador e o entrevistado" (Ludke e André, 1986: 34); e diz Quivy (1998)
"Instaura-se, assim, em princípio, uma verdadeira troca, durante a qual o
interlocutor do investigador exprime as suas percepções de um acontecimento
ou de uma situação, as suas interpretações ou as suas experiências, ao passo
que, através das suas perguntas abertas e das suas reacções, o investigador
facilita essa expressão, evita que ela se afaste dos objectivos da investigação e

4
A pergunta 8 do guião "Que características positivas procura fomentar nos alunos? A que
atribui os seus sucessos e insucessos?" é um exemplo do que acabamos de referir: neste
contexto, a palavra "seus" é susceptível de duas leituras diferentes por parte do professor
entrevistado - pode ser entendida como "dele/professor" ou "dos alunos". O modo como a
resposta irá ser construída poderá fomecer-nos dados, neste caso, sobre a atitude daquele
professor relativamente à própria responsabilização dos sucessos e/ou insucessos ou, pelo
contrário, à responsabilização dos alunos nesta matéria.
5
Como exemplo, referimos o caso da avaliação dos professores feita pelos alunos - esta
questão não se encontrava explícita no guião, e surgiu logo na primeira entrevista; depois,
constou também das outras duas entrevistas.

89
permite que o interlocutor aceda a um grau máximo de autenticidade e de
profundidade." (Quivy, 1998: 192).

Neste carácter de interacção entrevistado-entrevistador que pressupõe


necessariamente influência recíproca entre os dois elementos do par, não
podemos ignorar também a responsabilidade que cabe à figura do
entrevistador, no sentido do estabelecimento de uma relação o mais geradora
possível de um clima de confiança necessário à obtenção de uma boa
entrevista: "As boas entrevistas caracterizam-se pelo facto de os sujeitos
estarem à vontade e falarem livremente sobre os seus pontos de vista (...)
produzem uma riqueza de dados, recheados de palavras que revelam as
perspectivas dos respondentes. (...) Na medida em que houver um clima de
estímulo e de aceitação mútua, as informações fluirão de maneira notável e
autêntica." (Ludke e André, 1986: 34).

Segundo Bogdan e Bicklen (1994), este clima só acontecerá se o entrevistador


comunicar - verbal e não verbalmente - o seu interesse pelo discurso do
entrevistado podendo, por exemplo, o primeiro solicitar ao segundo
clarificações sobre algo dito6. No entanto, será de evitar a emissão de juízos de
valor, por parte do entrevistador, sobre aquilo que está a ouvir: se, por um lado,
essa atitude tende a inibir o discurso de quem fala - o que acarretará
repercussões negativas em termos de quantidade e qualidade de dados a
recolher - também é contrário a uma investigação desta natureza no sentido
em que "O seu papel, enquanto investigador, não consiste em modificar pontos
de vista, mas antes em compreender os pontos de vista dos sujeitos e as
razões que os levam a assumi-los." (Bogdan e Bicklen, 1994: 138).

Pelo que acabámos de referir, uma atenção cuidada por parte do entrevistador
no decurso da entrevista é fundamental para o seu êxito, no sentido de os
dados recolhidos se tornarem o mais abrangentes possível da realidade a
estudar. Neste contexto, "... o espírito teórico do investigador deve (...)

6
Neste contexto, frases como: "O que quer dizer com isso?" (...) Pode explicar melhor?"
(Bogdan e Bicklen, 1994: 136) são pertinentes porque, para além do esclarecimento solicitado,
revelam o interesse do entrevistador estimulando e orientando a continuação do discurso do
entrevistado. No caso das nossas entrevistas, isto aconteceu algumas vezes.

90
permanecer continuamente atento, de modo que as suas intervenções tragam
elementos de análise tão fecundos quanto possível." (Quivy, 1998: 192) e,
paralelamente, a atenção de que falamos deve incluir também a captação e
registo de sinais não verbais emitidos pelo entrevistado - trata-se da "atenção
flutuante" (Thiollent, 1980): "O entrevistador precisa estar atento não apenas
(...) ao roteiro pré-estabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao
longo da interacção. Há (...) toda uma comunicação não-verbal cuja captação é
muito importante para a compreensão e a validação do que foi efectivamente
dito. (...) É preciso analisar e interpretar esse discurso à luz de toda aquela
linguagem mais geral e depois confrontá-lo com outras informações da
pesquisa e dados sobre o informante." (Ludke e André, 1986: 36). Nesta
sequência, importa acrescentar que "... as entrevistas gravadas são
transmitidas (na íntegra) e as gravações conservadas (para informação
paralinguística)..."(Bardin, 1995, 100).
Durante o processo das entrevistas, procurámos respeitar o mais possível
estas condições; e, na fase da sua transcrição, registámos por escrito a partir
do gravador não só o verbalizado, mas também as pausas, as hesitações, as
interjeições, as repetições, os risos...
Considerando ainda os contextos onde decorreram as entrevistas (a), bem
como o tipo de relação prévia que havia, ou não, entre a entrevistadora e cada
entrevistado (b), importa registar o seguinte: relativamente a (a), estas
entrevistas decorreram nas instituições dos respectivos professores, nos seus
gabinetes de trabalho - com excepção da segunda parte da de Manuel Rebelo,
a qual foi realizada no jardim do IPATIMUP7 - em todas as situações
entrevistado e entrevistadora encontravam-se sozinhos, sem eventuais
constrangimentos de assistência; relativamente a (b), referimos que Manuel
Rebelo não é desconhecido da entrevistadora (foi seu professor), Jaime
Almada é conhecido da entrevistadora (há uma relação de amizade), e
Francisco Couto era desconhecido da entrevistadora (o contacto foi
estabelecido a partir do orientador da mesma, a quem este entrevistado já tinha
recorrido num contexto de trabalho de âmbito pedagógico).

7
IPATIMUP - Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto.
Instituição privada sem fins lucrativos de utilidade pública, dedicada à investigação, educação
contínua e difusão científica, etc., naquela área. Foi criada sob a égide da Universidade do
Porto.

91
Nesta sequência, salientamos que "... as respostas são afectadas por um certo
número de enviesamentos, pelo menos potenciais, decorrentes da consciência
que os sujeitos têm de que estão a ser observados ou testados, dos
constrangimentos associados ao papel de entrevistado ou respondente, da
interacção entrevistador-entrevistado..." (Vala, in Santos Silva e Madureira
Pinto, 1987: 106-107).

Finalmente, cada entrevista decorreu num clima de quase uma conversa


informal entre a entrevistadora e o entrevistado, cabendo-nos a nós o papel de
estimular, orientar e "deixar ir" o discurso daquele, de acordo com a sua
relevância para o nosso objecto de estudo. Assim, cada entrevista acabou
também por adquirir um percurso e um corpo específicos - características
próprias que o entrevistado lhe imprimiu, as quais podem constituir uma
considerável fonte de informação acrescida e relevante para este estudo.

92
ANÁLISE DE CONTEÚDO

"A maioria dos procedimentos de análise organiza-se (...) em redor de um


processo de categorização." (Bardin, 1995: 117). Assim, para analisar as
entrevistas, considerámos três grandes categorias (A, B e C) que incluem
outras oito categorias (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8) assim distribuídas e denominadas:

A. Como o professor dá as aulas


1. Material Didáctico
2. Modo/Métodos Pedagógicos
3. Investigação/Trabalho Lectivo

B. Como o professor vê os alunos


4. Homogeneidade/Heterogeneidade dos Alunos
5. Feed-back dos Alunos nas Aulas/Fora das Aulas
6. Características Positivas/Negativas dos Alunos

C. Como o professor se vê e a outros professores


7. Piores Defeitos do Professor
8. Maiores Qualidades de Professor e Ideal de Ensino

Se se aceita que a construção de um sistema de categorização pode ser


estabelecido tanto a priori como a posteriori (relativamente às entrevistas), e
também na combinação destes dois momentos (consoante se julgar mais
pertinente atendendo às características de cada investigação) neste caso
específico a sua construção fez-se a priori - no guião da entrevista
considerámos aqueles temas que convertemos em categorias - já que o nosso
trabalho reunia as condições que se adequavam a esse tipo de procedimento:
"Se a interacção entre o quadro teórico de partida do analista, os problemas
concretos que pretende estudar e o seu plano de hipóteses permitem a

93
formulação de um sistema de categorias (...) então o analista optará por
categorias definidas a priori." (Vala, in Santos Silva e Madureira Pinto, 1987:
111). Deveremos no entanto recordar que, no decurso das entrevistas,
surgiram questões não consideradas a priori (aquando da formulação do guia)
- o caso da questão, já referida, da avaliação dos professores pelos alunos8 -
tendo estas sido incluídas nos temas pré-estabelecidos, ou seja, nas categorias
consideradas.
Importa também referir que a nossa opção por categorias temáticas obedeceu
às características dos dados a tratar: "Entre as diferentes possibilidades de
categorização, a investigação dos temas, ou análise temática, é rápida e eficaz
na condição de se aplicar a discursos directos..." (Bardin, 1995, 153). Ainda
sobre a relação dos temas com a análise de conteúdo, diz Bardin (1995) que
"... a noção de tema (...) é característica da análise de conteúdo. (...) o tema é
a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado
segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura. O texto
pode ser recortado em ideias constituintes, em enunciados e em proposições
portadores de significações isoláveis." (Bardin, 1995, 105).

Os recortes de que se fala traduzem, então, um processo de distribuição e


reagrupamento das analogias presentes no texto original segundo aqueles
critérios - trata-se da codificação que "... é o processo pelo qual os dados
brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as
quais permitem uma descrição exacta das características pertinentes do
conteúdo." (O. R. Holsti, cit. in Bardin, 1995, 104).

De acordo com o apresentado, e relativamente ao trabalho que estamos a


desenvolver, procurámos nos textos das entrevistas as diferentes unidades
semânticas correspondentes às categorias consideradas. Com o objectivo de
mais correctamente as identificar, convencionámos uma determinada cor para
cada uma das três grandes categorias (A - rosa/lilás; B - verde; e C - azul) e,
dentro de cada uma destas, uma tonalidade diferente dessa mesma cor para
as oito categorias, como a seguir se apresenta:

8
No sistema de categorização, incluímo-la em 5 - Feed-backs dos alunos nas aulas / fora das
aulas.

94
1, M --
2. Modo/Métodos Pedagógicos

4. Homogeneidade/Heterogeneidade dos Alunos


5. Feed-back dos Alunos nas Aulas/Fora das Aulas
6. Características Positivas/Negativas dos Alunos
7. Piores Defeitos do Professor
8. Maiores Qualidades de Professor e Ideal de Ensino

Depois desta operação - do que resultou, em termos visuais, a existência de


várias manchas de cor - reuniram-se todas as manchas da mesma tonalidade
tendo-se obtido, por cada entrevista, oito grupos de excertos correspondentes às
oito categorias consideradas. Para além disto, utilizámos também um tipo de
letra diferente para cada entrevistado1, o que nos permitiu identificar rápida e
eficazmente o autor de cada discurso.
A categorização das entrevistas traduziu-se na construção dos quadros de
categorias por sujeito, a partir dos quais se obtiveram outros quadros de
sínteses de categorias por sujeito que, por sua vez, resultaram em sínteses de
categorias por sujeito sob a forma de texto2: "A partir do momento em que a
análise de conteúdo decide codificar o seu material, deve produzir um sistema
de categorias. A categorização tem como primeiro objectivo (...) fornecer, por
condensação, uma representação simplificada dos dados brutos" (Bardin, 1995,
119).

1
Ver Anexo IV: Quadros de Categorias por Sujeito. Os diferentes tipos de letra utilizados (no
computador) para Manuel Rebelo, Jaime Almada e Francisco Couto são, respectivamente: Abadi;
Lúcida Sans; e Georgia (com o aspecto gráfico que aqui se apresenta, e cuja primeira letra
corresponde à primeira letra do verdadeiro nome de cada um dos entrevistados - com o
objectivo de prevenir eventuais enganos da nossa parte, já que nesta fase do trabalho
estávamos mais familiarizada com esses nomes verdadeiros).
2
Ver Anexos IV, V e V I .

95
Todo este processo, em passos sequenciados, permitiu-nos a realização da
análise das entrevistas, que consiste em:

- síntese de cada categoria por sujeito - o discurso de cada entrevistado


relativamente a cada uma das categorias consideradas;

- síntese de todas as categorias por sujeito - o discurso de cada


entrevistado sobre todas as categorias (as suas práticas pedagógicas e
as de outros professores de ensino superior);

- síntese global de todas as categorias dos três sujeitos - os discursos


dos três entrevistados sobre todas as categorias (as suas práticas
pedagógicas e as de outros professores de ensino superior); e

- análise da relação entre os dados e o modelo teórico considerado, e


respectiva interpretação dos resultados - que constitui outro subcapítulo.

Em seguida apresenta-se este processo - com o desenvolvimento de todos


aqueles passos - sempre com o cuidado de deixar os dados, o mais possível,
falarem por si...

96
ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

SÍNTESE DE CADA CATEGORIA POR SUJEITO

Manuel Rebelo

A - Como o Professor Dá Aulas

1. Material Didáctico e Número de Alunos por Turma

Pré-graduações: 20 alunos (aulas práticas); e 100 (aulas teóricas). Pós-


graduações: até 12 alunos por turma.
Usa todo o tipo de material didáctico: desde o quadro até às actuais
possibilidades electrónicas (power points, simulações em computador, e-mail;
discussões virtuais...)

97
2. Modo/Métodos Pedagógicos

Pré-graduações e pós-graduações: dá aulas diferentes - o objectivo de cada


grau é diferente: o pré-graduado tem uma formação básica para vir a resolver
questões científicas; o pós-graduado tem que resolver essas questões, e os
cursos centram-se à volta delas. Dá indicações simples e claras ao aluno.
Pré-graduações: há aulas tutorials onde se discutem dúvidas; e aulas teóricas
(dá-se matéria nova, são passivas, com conteúdos de absorção). As aulas
práticas são obrigatórias.
Dar boas aulas expositivas não chega, por isso conjuga sedução com
transmissão de conhecimento tecnológico. Ninguém segue uma aula
expositiva de hora e meia: faz uma exposição de meia hora, e depois coloca
perguntas à turma; recomeça, com base nas respostas - tenta mudar a atitude
dos alunos.
Se não fez bem o enunciado de exame (a escolha das questões não é
objectiva, é ele próprio que os faz, e pode errar), revê a cotação dos exames.
Aprendeu a dar aulas vendo os professores (como aluno); depois com os
colegas; e com os feed-backs dos alunos.

3. Investigação/Trabalho Lectivo

Pré-graduações: não há investigação (os alunos não têm liberdade de pensar


por si-próprios; e são sobrecarregados de conteúdos lectivos formais - não têm
condições para a investigação. Tem pudor em utilizar o próprio trabalho de
investigação nas aulas, (pode ser visto como "querendo mostrar-se como muito
grande"); mas fá-lo às vezes (estuda coisas humanas e portuguesas, e isso é
mais apelativo para os alunos).
Pós-graduação: há investigação (todos os seus alunos publicam resultados
internacionalmente aceites). A pós-graduação é a única coisa que a
universidade ainda continua a ter a funcionar:
A investigação é um conjunto de ferramentas mentais postas em uso e
interiorizadas pelos actores. Não se adquire de uma só vez, e nunca mais se

98
esquece. A actividade de investigação pode ser recapitular um problema que já
foi resolvido antes, mas há sempre uma actividade criadora do envolvido.
Há três condições necessárias à actividade de investigação, por ordem
decrescente de importância: a clareza formal (precisão extrema das ideias que
se formulam, e como se articulam umas com as outras); a persistência ou
teimosia; uma elegância ou preguiça (não procurar coisas mais complicadas
quando uma simples resolve o assunto). Neste momento, estas capacidades -
especialmente a primeira - estão ausentes do discurso dominante, na
educação.

B - Como o Professor Vê os Alunos

4. Homogeneidade/ Heterogeneidade dos Alunos

Há diferenças em termos de estrato social entre os actuais alunos e os de há


30 anos: antes, apenas 0,1% vinham da classe média baixa; hoje são 1% (dez
vezes mais). Actualmente não se vêem diferenças entre os alunos (há
mecanismos sociais coercivos que os uniformizam). Nas aulas há de tudo:
desde um grande número que estão lá contrariados, até àqueles que são muito
inquisitivos.
Individualmente, não conhece os seus alunos - não mistura os aspectos
sociais com as aulas.

5. Feed-back dos Alunos nas Aulas/ Fora das Aulas

Há feed-backs nas aulas: nas tutoriais discutem-se dúvidas; nas teóricas, após
meia hora de exposição, questiona os alunos e continua a aula com base nas
suas respostas.
Os alunos não podem avaliar os professores porque não têm competências
pedagógicas e científicas; esta avaliação é uma estratégia para calar os

99
estudantes (e conseguir subir as propinas, p.e.) - não vai resultar em nada,
mas se resultar em algo ainda vai ser pior.

6. Características Positivas/ Negativas dos Alunos

Pré-graduações: os alunos têm dificuldade de pensar pelas suas próprias


cabeças" (no 1 o ano vêm esgotados do acesso; durante o curso, os conteúdos
lectivos pesadíssimos - quase trinta horas lectivas por semana - impedem-nos
de estudar as matérias, e depois estudam tudo à pressa para os exames;
muitos alunos assistem contrariados às aulas - vêm educados para isso; e vêm
com aptidões que não são adequadas ao ensino superior - a atitude que as
coisas estão feitas e que não é necessário descobrir nada, é só preencher a
"resposta certa"; atitude que conduz à "esperteza" - o aluno apercebe-se do que
o professor quer e responde de acordo com isso, mesmo sem perceber; em
situações onde a solicitação não é tão elementar, têm dificuldades (os
estagiários de Matemática não têm espírito matemático). Nas disciplinas que
lecciona, o tipo de conteúdos e de solicitações são aqueles a que os alunos não
estão habituados (têm dificuldade - só 10%, autonomamente, adquirem essa
atitude).
Os alunos não compreendem a avaliação: classifica as respostas erradas com
zero, e às correctas dá 100% (não há meio termo quando as perguntas são
muito objectivas e os critérios operativos claros). Os alunos não querem zero,
mas zero vírgula qualquer coisinha o que é muito deseducativo, pois as
actividades profissionais que irão ter não são compatíveis com essa atitude de
"mais ou menos" (não se pode construir uma ponte mais ou menos porque ela
irá cair, mais cedo ou mais tarde). Mas ficariam contentes se desse dezasseis a
todos, porque a maioria não se apercebe que isso lhes seria prejudicial a médio
ou a longo prazo no que se refere a uma posterior seriação onde caberiam os
critérios mais subjectivos e arbitrários.
Os alunos são tidos como clientes neste sistema de ensino pensado enquanto
mercado, os quais têm que ser satisfeitos como tal.

100
A característica positiva fundamental dos alunos - e da qual decorrem outras -
é a autonomia, uma "autonomia enorme", até porque irão ter uma actividade
mais ou menos autónoma. As aulas obrigatórias não fazem sentido, porque os
alunos devem escolher se vão ou não, assumindo eventuais consequências.
Em cada disciplina, pretende habilitar o aluno a lidar autonomamente com um
determinado tipo de questões naquela área de saber; bem como possibilitar-lhe
patamares de desenvolvimento mais rapidamente do que outros anteriores
conseguiram - isto sempre segundo princípios que tem como individuais.

C - Como o Professor se Vê e a Outros Professores

7. Piores Defeitos do Professor e do Sistema

Ser democraticamente obrigado a leccionar disciplinas com as quais não se


tem afinidade (decide-se por maioria, nos conselhos científicos, a distribuição
das diferentes disciplinas - em termos de qualidade e de quantidade);
instabilidade do tipo de serviço docente (os conteúdos das disciplinas sofrem
constantes alterações - a experiência acumulada perde-se); a duração das
aulas teóricas (numa aula expositiva de hora e meia, um professor não
consegue que o aluno a siga); não se pode educar para uma atitude
subserviente (seria suicida preparar pessoas incapazes de se confrontar com
os problemas que encontrarão na sua vida); o professor não deve controlar as
presenças nas aulas, porque isso é deseducativo para ambas as partes (os
professores marcam faltas para garantir alunos na aula; e os alunos vão
contrariados). A nomeação definitiva para os quadros - muitos professores que
estão nomeados definitivamente em determinada instituição não vêem motivos
para trabalhar mais e melhor - e acabam por bloquear novas entradas.
Há muitos destes maus professores que nem sequer dão as suas aulas, mas
dão aulas fora, e não publicam nada.

101
O pior defeito é não querer que os alunos saibam mais, ou sejam mais capazes
do que ele, e usam a avaliação para castigar esses alunos - é o lado negro da
avaliação: a maior parte não faz exames de zero a vinte, mas de zero a
dezasseis; avaliam as respostas mais ou menos (os alunos nunca têm zero,
mas também nunca têm mais de dezasseis - dão muitos dezasseis para
pacificar os alunos, e não corrigem os exames).
Não há condições para a inovação (até para inserir questões novas nos
programas - se dá algo que não está lá textualmente, tem que justificar no
Conselho Pedagógico).

8. Maiores Qualidades do Professor/ Ideal de Ensino

As aulas devem ser dadas de maneira a serem agradáveis para ambas as


partes: para o professor e para os alunos. Se o professor der umas aulas
expositivas muito boas isso ajuda, mas não chega. Ele tem que ter um mínimo
de ordem: respeitar um horário de trabalho; orientar os alunos dando-lhes
indicações bibliográficas e outras indicações necessárias. Não se deve motivar
deliberadamente os alunos no ensino superior no sentido de os moldar; deve-
se, antes, respeitar a individualidade de cada um.
Entre professor e alunos existe um contrato informal em que há um indivíduo
que sabe mais e outros que não sabem tanto. Em cada disciplina, o professor
deve disponibilizar aos alunos o seu saber e a sua experiência para que eles,
depois e autonomamente, possam lidar com as questões dessa área de saber.
Os alunos têm que ter uma autonomia enorme, e devem chegar a patamares
de desenvolvimento mais rapidamente do que antes acontecia.
Com a informação em constante evolução, disseminada e disponível que hoje
existe, os professores já não são donos exclusivos destes saberes. Devem
considerar que fizeram um bom trabalho se um ou outro aluno os ultrapassar.
Neste sistema de ensino, as notas vão de zero a vinte, e é em toda essa escala
que se devem avaliar os alunos.

102
A classificação que os professores fazem dos alunos é da sua competência e
responsabilidade: se não houver nenhum critério objectivo, as pessoas irão ser
mais tarde seriadas com base em critérios arbitrários e subjectivos.
Um melhor ensino exige duas grandes mudanças: a redução para metade das
horas lectivas; e a flexibilização do emprego na universidade - se as
nomeações fossem definitivas mas não neste sentido de ficar para sempre em
determinado sítio, os professores (se tivessem que concorrer a vários sítios)
esforçavam-se mais para ter qualidade.
Não se deve dar disciplinas com as quais não se sente qualquer afinidade, e
deve haver estabilidade em termos de conteúdos para se conseguir afinar
estratégias e não desperdiçar a experiência acumulada.
Não crê que vá haver mudança nos próximos cinco ou dez anos porque, para
isso, era necessário que o sistema se tornasse mais instável (e os actores não
gostam dessa instabilidade).

Jaime Almada

A - Como o Professor Dá Aulas

1. Material Didáctico/ Número de Alunos por Turma

Pré-graduações: aulas teóricas (1 o ano - 150 alunos; 5o ano: 20 alunos) Pós-


graduações: 20 alunos.
A própria voz é o material didáctico que mais utiliza, e às vezes recorre a
acetatos (pré e pós graduações).

103
2. Modo/Métodos Pedagógicos

As aulas são sobretudo expositivas, e também faz trabalhos de grupo - as


propostas é o professor que as conduz. Defende o ensino com alguma
directividade: o professor tem que saber o que quer, e o que quer ensinar aos
alunos, não pode pôr tudo à negociação.
Nunca dá dois anos exactamente iguais: tem um programa base onde, em
cada ano, inclui assuntos novos, nova bibliografia...
Prepara geralmente aula a aula. Quando excepcionalmente não prepara uma
aula, essa não corre tão bem.
Aprendeu a dar aulas reflectindo sobre os modelos que tinha tido quando era
aluno: pensou nas aulas que gostava, e como é que os professores faziam.

3. Investigação/Trabalho Lectivo

Pré-graduações: no 1 o ano, dá só a matéria curricular servindo-se de livros.


Pós-graduações: organiza as sessões com base no próprio material de
investigação, expondo o seu trabalho com enquadramentos teóricos de outros
autores; e serve-se da sua investigação para ilustrar perspectivas teóricas.
A progressão na carreira académica tem que incluir o desempenho pedagógico
- com base nas avaliações feitas pelos alunos.

B - Como o Professor Vê os Alunos

4. Homogeneidade/ Heterogeneidade dos Alunos

Os alunos de há anos atrás eram mais motivados (vinham para este curso
porque o escolhiam); hoje entram muitos alunos cuja primeira escolha não foi
esta.

104
Não conhece os alunos do 1 o ano; conhece os do 5o ano e dos mestrados, e
tem com eles uma relação individualizada - conhece-os pelo nome, são muito
diferentes uns dos outros, e têm projectos de vida diferentes.
Há diferenças também no desempenho académico dos alunos: os bons alunos
- que se interessam, que questionam, que querem fazer trabalhos (têm bom
aproveitamento); e os alunos que não se envolvem (que só querem passar no
exame - isso é da responsabilidade deles). Há muito poucos maus alunos,
como há muito poucos muito bons alunos - são os extremos da curva normal.
Os bons alunos são semelhantes no desempenho das suas disciplinas - o
professor atribui à sua própria atitude (por ser ele que conduz as propostas) a
causa desta semelhança.

5. Feed-back dos Alunos nas Aulas/ Fora das Aulas

Nas aulas, os feed-backs traduzem-se numa ou outra questão que os alunos


colocam (o que revela ao professor o seu interesse pela matéria). Os alunos
interessam-se pelas suas aulas, porque vêm voluntariamente.
O interesse dos alunos está directamente relacionado com o investimento que
o professor coloca nas aulas: se não prepara uma aula e começa "com aquele
paleio de professor universitário, eles começam a desandar".
Os resultados dos inquéritos de avaliação que os alunos respondem nunca
devem ser ignorados, mas rentabilizados: estes resultados constituem um
instrumento de avaliação dos professores; e cada professor deve ter acesso
aos de todos os seus colegas.
Fora das aulas tem relações individualizadas com os alunos, e conversa com
eles sobre assuntos não apenas restritos à vida académica, mas de âmbito
mais alargado - sobre os seus projectos de vida. Isso acontece dentro da
faculdade (no gabinete; no bar...); e fora dela (um café, por exemplo).

105
6. Características Positivas/ Negativas dos Alunos

Características negativas: ser mau aluno (é muito raro) - ter desadequações ao


que devem ser as aprendizagens de um futuro psicólogo (pouca capacidade de
descentração, p.e.), bem como capacidades de aprendizagem baixas; ser
desimplicado (às vezes tem) - que não investem em termos de trabalho (alunos
que entraram com média alta e que não estão muito motivados para o curso
porque este não foi a sua primeira escolha - a haver qualquer relação entre a
média de acesso e o desempenho académico, será uma relação inversamente
proporcional); e assumir-se como um mero receptor (atitude dos alunos que se
remetem a um papel de meros receptores do sistema - do que o professor quer
dar, ou do que o sistema quer ensinar).
Característica positiva: os alunos têm voz activa, que deve ser também um
instrumento correctivo das más práticas de maus professores (os alunos
devem poder falar do clima pedagógico, do que está mal, devem poder
recorrer, para o conselho pedagógico, de más pedagogias).

C - Como o Professor se Vê e a Outros Professores

7. Piores Defeitos do Professor e do Sistema

O pior defeito é ter-se como um académico a 100%, o que se caracteriza pelo


convencimento e pelo distanciamento. Ou seja, para este professor a
universidade é a cúpula do mundo, e ele próprio é o centro do mundo; não olha
para os alunos, e está convencido que é um génio ou que tem um grande
currículo que um aluno nunca atingirá. Este é um mau professor, tem más
práticas, e prejudica os alunos, porque faz deles meros receptáculos que estão
nas aulas a tirar apontamentos: não lhes dá atenção; faz avaliações ao final do
ano "para despachar" (sem conhecer os alunos, avalia o seu trabalho de um
ano em duas horas); não tem horários de atendimento, ou não os recebe fora

106
desses horários... Há professores que discriminam alunos por preferências
afectivas sem se incomodarem com isso.
Um professor que tem uma relação pedagógica má é um mau professor
(mesmo que cientificamente seja muito bom) porque não consegue transmitir
aos alunos o mais importante - a atitude do gosto pelo conhecimento; aquele
que não trabalha diarimente é um mau professor; tal como o é o que utiliza
mecanismos coercivos para controlar o absentismo.
Há más condições que dificultam - e muitas vezes impedem - as boas práticas
pedagógicas: o entrevistado aponta o elevado número de alunos nas aulas
práticas, e o elevadíssimo número de alunos na sua aula teórica do 1 o ano. A
solução implica orçamentos que as universidades não têm, porque o estado
está a desinvestir em favor do ensino privado.

8. Maiores Qualidades do Professor/ Ideal de Ensino

Um bom professor de ensino superior conjuga duas competências: a


pedagógica e a científica - a pedagógica é imprescindível, e traduz-se em
"gostar dos alunos - gostar de ser professor e gostar de ter alunos" - há assim
condições para existir uma boa relação pedagógica que permite transmitir a
atitude do gosto pelo conhecimento; a competência científica do professor
refere-se a um bom domínio das matérias que lecciona, o qual é adquirido não
só nos manuais ou nas últimas revistas da área, mas no trabalho de
investigação próprio e dos pares. Esta competência é importante, mas não é
imprescindível: um grande especialista que tem uma relação pedagógica má,
não pode ser um bom professor.
O investimento que o professor coloca nas suas aulas reflecte-se no interesse
dos alunos (revelado pelo número de presenças) - e é este o controle que faz
ao absentismo (tenta que as aulas sejam estimulantes - se os alunos
começam a faltar, interroga-se a si-próprio).
Um bom professor tem consciência da relação humana que existe entre ele e
os alunos, e previne a interferência de eventuais critérios afectivos (na
avaliação, p.e.).

107
Para haver um ensino superior de qualidade, é preciso reunir estas condições:
bons professores; uma avaliação que evolua para uma cultura da avaliação a
qual se deve reflectir na progressão académica; os alunos têm que entrar no
curso que escolhem e são responsáveis pelas suas decisões; as estruturas
governamentais e direcções gerais devem criar as condições logísticas
adequadas - boas instalações e bons equipamentos, possibilidade de contratar
pessoal (docente e não docente), e de haver boas gestões universitárias. Estas
devem criar um bom clima no contexto educativo - que se caracteriza pela
"vontade de aí estar" (com espaços para o encontro e lazer, tal como para o
trabalho diário).

Francisco Couto

A - Como o Professor Dá Aulas

1. Material Didáctico/ Número de Alunos por Turma

Pré-graduações: aulas teóricas - 120 alunos no início (este número vai


reduzindo); aulas práticas - 20 alunos; e aulas laboratoriais - 24 alunos
distribuídos em 12 grupos (de 2 alunos por laboratório).
Pós-graduações: até 20 alunos.
Material didáctico: utiliza power points (para apresentar as ideias base); e
software adequado à disciplina (para alguns exemplos) principalmente nas
aulas de laboratório (a relevância dos problemas práticos exige ferramentas
adequadas à sua resolução).
Tenta fazer avaliação distribuída ao longo da disciplina (nem sempre consegue,
por imposições do plano de estudos).

108
2. Modo/Métodos Pedagógicos

lncentiva-se os trabalhos de grupo desde o 1 o ano. Na maioria das disciplinas,


os grupos são pequenos (dois ou três elementos); em disciplinas de carácter
laboratorial, os grupos são maiores (oito a dez elementos; às vezes, uma turma
inteira a funcionar como uma espécie de pequena empresa).
As aulas de laboratório são muito importantes (é preciso confrontar os alunos
com problemas práticos e com as ferramentas para os resolver - é um curso de
engenharia).
Há programas cujos exercícios parecem jogos - é mais atractivo e interactivo:
há feed-back na resolução dos exercícios, e a maioria tem diferentes
resoluções.
Aulas expositivas (às vezes os alunos apresentam os seus trabalhos).
A avaliação é distribuída (e tenta-se fazer avaliações interdisciplinares com
trabalhos que incluem várias disciplinas); em alternativa, há exame final.
Os planos de estudo são muito detalhados.

3. Investigação/Trabalho Lectivo

Tanto nas pré-graduações como nas pós-graduações, a investigação enriquece


as aulas da área da investigação que se fez ou se está a fazer.
Na fase de dissertação (pós-graduações) é que há uma relação próxima dos
alunos com a investigação.
Um professor é mais premiado pela investigação do que pela pedagogia (a
legislação não inclui muito a pedagogia para os concursos) - mas os júris
consideram-na (não é preciso fazer grandes alterações à legislação -
flexibilizá-la, em cada instituição) A investigação, o ensino e a extensão
universitária são as missões da universidade que constam nos estatutos - são
as três igualmente importantes.

109
B - Como o Professor Vê os Alunos

4. Homogeneidade/ Heterogeneidade dos Alunos

Pós-graduações - conhece os alunos (poucas pessoas, têm experiências


diversificadas).
Pré-graduações - não conhece os alunos (dá mais aulas teóricas do que
práticas, logo tem dificuldade em conhecer os alunos).
A maioria é do distrito do Porto (muito poucos vêm das ilhas e de outros
lugares).
Entre os alunos há diferenças nos seus conhecimentos: há alguns que sabem
muito (a selecção para a universidade fez com que se transformassem em
"máquinas de estudar"; e a quantidade e qualidade da informação hoje
disponível conduziu à especialização).
À excepção destes muito estudiosos, a maturidade dos alunos de hoje é mais
tardia - o que se revela no seu comportamento "infantil e irreflectido"
(principalmente no 1 o ano).

5. Feed-back dos Alunos nas Aulas/ Fora das Aulas

Pré-graduação - há feed-backs dos alunos nas aulas (sobre os conteúdos


apresentados e discutidos); fora das aulas, não há praticamente interacção
com os alunos (não vêm muito tirar dúvidas).
Pós-graduação - há muita interacção: os alunos têm experiências
diversificadas de trabalho que trazem para as aulas e que aí se rentabilizam.
É interessante existirem as avaliações dos professores (feitas pelos alunos) -
mas devem ser sempre lidas em contexto, e só como indicações (a maioria não
responde de modo cuidado e atento a todos os itens do inquérito). Mas podem
ser úteis para: detectar grandes desvios (um docente que falte muito), o que
permite ao director do curso actuar; prevenir maus desempenhos dos docentes

110
(como sabem que vão ser avaliados, já fazem mais um esforço) - vale a pena
existirem por isto, mesmo que até depois ninguém vá ligar muito aos
resultados.

6. Características Positivas/ Negativas dos alunos

A característica mais negativa (partilhada pela grande maioria dos alunos, e


que tem vindo a aumentar) é uma motivação - adjectivada como egoísta,
constante, individualista, interesseira e desagradável - na relação com a
universidade, a qual consiste na atitude de "o que interessa é passar, e não
tanto aprender" (o que interessa é ter o diploma para conseguir um lugar bem
remunerado, e rejeitam matérias que não consideram úteis).
Têm estratégias nos grupos relacionadas com esta atitude: os alunos mantêm-
se no mesmo grupo, tanto numa disciplina (em diferentes trabalhos - cada
elemento tem sempre a mesma tarefa dentro do grupo, e fica só a conhecer
essa), como em várias (cada elemento faz o trabalho de cada disciplina, e
depois a nota é para todos). Por causa disto, alguns alunos acabam o curso
com deficiências básicas - o que se irá reflectir na sua vida profissional (nos
vários papéis que terão de assumir depois numa tarefa de colaboração).
Existe a crença generalizada de que não se vai às aulas teóricas, e que só se
estuda pouco antes dos exames - o que se reflecte em fracos resultados
académicos (deve-se muito à má influência dos líderes das praxes - têm maus
resultados). Alguns alunos só estudam ("máquinas de estudar" - 18, 19 e 20 a
todas as disciplinas), mas a vida não é só estudar - estes alunos têm bom
comportamento, ao contrário da maioria (mais no 1 o ano) - a maturidade dos
alunos de hoje é mais tardia.

A utilização que os alunos fazem da informação disponível (particularmente na


internet) tem dois aspectos a considerar: um negativo - vão buscar trabalhos já
feitos e entregam-nos como se fossem seus; e outro positivo - pesquisam para
aprofundar conhecimentos - o que é bom, porque depois no trabalho terão que
ter autonomia para responder aos desafios novos.

111
C - Como o Professor se Vê e a Outros Professores

7. Piores Defeitos do Professor e do Sistema

O pior defeito é o distanciamento relativamente aos alunos - atitude do


professor que entende que não tem que se preocupar com o modo de
comunicar a ciência, porque a ciência vale por si; mas também é devido à forma
como o ensino está organizado - nas aulas teóricas há dezenas ou centenas de
alunos na mesma sala (é impossível ter contacto próximo com eles).
Outro defeito relaciona-se com o facto da carreira universitária valorizar muito a
investigação em detrimento do desempenho pedagógico, o que se traduz (por
parte de alguns professores) num maior investimento na investigação: estes
professores estão mais preocupados com a escrita de artigos e comunicações
em conferência do que disponíveis para preparar e dar as aulas, e atender os
alunos - que saem prejudicados desse confronto.
Outro grande defeito refere-se a uma especialização excessiva do professor:
há casos de docentes que têm uma disciplina à qual se dedicam muito durante
bastante tempo, de uma forma isolada dos colegas e do contexto do curso, e
que acabam por hipervalorizar essa disciplina relativamente a tudo o resto da
sua vida - trata-se de uma imagem distorcida da realidade, e prejudica uma
formação equilibrada dos alunos. Esta figura do carreirista encontra-se em
qualquer categoria e em qualquer idade. Tenta-se reduzir esta especialização
excessiva: há duas ou três reuniões de ano para determinado curso onde os
professores do mesmo ano discutem a possibilidade de fazer, por exemplo,
avaliações interdisciplinares (todos têm que comparecer, até porque são
reuniões com cinco a dez pessoas, e nota-se que faltou determinado docente -
depois, tem que justificar a falta).

112
8. Maiores Qualidades do Professor/ Ideal de Ensino

Aqui existem perfis de docentes bastante diferenciados: matemáticos (modelo


do cientista); gestores (gestores de l&D, p.e., ou até quase gestores de
empresa); engenheiros (de projecto, de produção);... e professores (no sentido
em que se dedicam essencialmente à parte pedagógica). Não é possível eleger
um dos perfis como o do melhor professor, porque isso não existe: é desta
diversidade que resulta um bom corpo docente para os alunos.
Um bom professor tem que ter estas capacidades: fazer investigação própria -
de preferência, liderando grupos (gestão da investigação); e traduzir isso em
actividades pedagógicas consequentes (desde a estruturação dos cursos e
disciplinas até à forma de leccionar a disciplina e de comunicar com os alunos).
Na universidade, não se pode escolher entre a investigação e a pedagogia,
porque são as duas importantes já que estão, com a extensão universitária,
nos estatutos. Os professores mais equilibrados conseguem, no seu conjunto,
equilibrar as três.
Para atingir o seu ideal de ensino, planeia: melhorar os exemplos que
apresenta nas aulas - aproximá-los mais da realidade que os alunos irão
encontrar na sua vida profissional; conhecer melhor os alunos interagindo mais
com eles - para lhes detectar eventuais falhas na matéria que apenas se têm
revelado nas avaliações finais e, deste modo, poder actuar a tempo,
prevenindo isso; tentar ter sempre aulas práticas nas disciplinas onde também
tem teóricas - para ter as duas visões, porque ter só teóricas e não ter práticas
agrava o problema do distanciamento.
Acrescenta que o papel fundamental do professor de ensino superior é ensinar
os alunos a aprender por eles e a ter autonomia.

113
SÍNTESE DE TODAS AS CATEGORIAS POR SUJEITO

Manuel Rebelo

As aulas são diferentes conforme se trate de pré-graduações e de pós-


graduações, porque o objectivo de cada grau é diferente: o primeiro pressupõe
uma formação básica para, mais tarde, o aluno vir a resolver questões
científicas - não há investigação; no segundo grau pretende-se resolver essas
questões - há investigação, e os cursos são construídos à volta delas. Nas pré-
graduações, há três tipos de aulas: as tutoriais - onde se discutem dúvidas; as
teóricas - dá-se matéria nova com conteúdos de absorção e são passivas, pelo
que numa aula de hora e meia faz uma exposição de meia hora, depois coloca
perguntas à turma e finalmente recomeça com base nessas respostas,
tentando mudar a atitude dos alunos; e as práticas - que são obrigatórias, o
que é negativo tanto para os professores como para os alunos (os primeiros
usam a possibilidade de marcar faltas para garantir a assistência nas aulas, e
os segundos vão para lá muitas vezes contrariados).
Tem feed-backs dos alunos nas suas aulas. Não concorda com a avaliação dos
professores, porque os alunos não têm competências pedagógicas e científicas
para a fazer (esta avaliação é uma estratégia para calar os estudantes e não
vai resultar em nada).
À excepção de uma disciplina, utiliza o seu trabalho de investigação nas aulas
(tem algum pudor nisso, portanto tenta "não abusar"), já que estuda coisas
humanas e portuguesas, e isso torna-se mais apelativo para os alunos.
Se verifica que não fez bem o enunciado de um exame (a escolha das
questões não é objectiva, é ele próprio que as faz e pode errar), revê a cotação
dos exames.

114
Não conhece individualmente os alunos, e não vê diferenças entre eles (há
mecanismos sociais coercivos que os uniformizam) mas há diferenças em
termos de estrato social - entram actualmente na universidade 1% de alunos
provenientes da classe média baixa (dez vezes mais do que há 30 anos).
A característica mais negativa dos alunos traduz-se numa atitude não
adequada ao ensino superior que consiste na crença de que não é necessário
descobrir nada porque já está tudo feito - é só preencher a resposta certa,
mesmo sem compreender (dificuldade de pensar pelas suas próprias cabeças).
A característica positiva fundamental dos alunos é uma "autonomia enorme":
devem saber lidar autonomamente com questões das diferentes áreas de
saber, e chegar a patamares mais rapidamente do que outros anteriores
conseguiram.
O pior defeito de um professor é não querer que haja alunos mais capazes do
que ele, utilizando o lado negro da avaliação para castigar esses alunos - estes
são os maus professores que fazem exames de zero a dezasseis, dão muitos
dezasseis para evitar tensões e não corrigem os exames; não dão as suas
aulas na própria instituição mas dão aulas fora, e não publicam nada. A maioria
tem nomeação definitiva nos quadros da instituição, por isso não vê motivos
para trabalhar mais e melhor - esta condição permite as más práticas dos
maus professores. Outras condições que não favorecem as boas práticas
pedagógicas são: leccionar disciplinas com as quais não se tem afinidade, bem
como disciplinas cujos conteúdos são constantemente alterados, e aulas
teóricas expositivas demasiado longas (os alunos não as seguem); e a
existência de obstáculos à inovação nas aulas (o professor tem que justificar no
Conselho Pedagógico algo que dê e que não está textualmente no programa).
Um bom professor tem "um mínimo de ordem": respeita um horário de trabalho,
e orienta os alunos dando-lhes indicações bibliográficas e outras necessárias.
As aulas devem ser dadas de maneira a serem agradáveis para professor e
alunos, pelo que não basta dar aulas expositivas muito boas - é preciso
conjugar alguma sedução com a transmissão de conhecimento tecnológico.
Não motiva os alunos no sentido de os moldar, antes respeita a individualidade
de cada um, e disponibiliza-lhes o seu saber e a sua experiência para que eles,
depois e autonomamente, possam lidar com as questões daquela área de
saber e atinjam patamares de conhecimento mais rapidamente - assim,

115
quando um ou outro aluno o ultrapassa, este professor considera que fez um
bom trabalho.
A avaliação que faz dos alunos abarca toda a escala (zero a vinte) e é da
competência e responsabilidade do professor (fazê-la criteriosamente é prevenir
posteriores seriações com base em diversas arbitrariedades).
Para um melhor ensino, seriam necessárias duas grandes mudanças: a
redução para metade das horas lectivas; e a não permanência na mesma
instituição dos professores com nomeações definitivas (se tivessem que
concorrer a vários sítios, esforçavam-se mais). Mas estas mudanças só
poderão ocorrer num sistema mais instável, e os actores não gostam dessa
instabilidade - assim, nos próximos cinco ou dez anos, não haverá mudança.

Jaime Almada

Tanto nas pré como nas pós graduações, as aulas são sobretudo expositivas,
sendo a própria voz o material didáctico que mais utiliza - às vezes, recorre a
acetatos. Na aula teórica do 1 o ano (150 alunos) não utiliza o seu trabalho de
investigação - dá a matéria curricular servindo-se de livros; na aula teórica do
5o ano e nas pós-graduações (20 alunos cada) utiliza o seu trabalho de
investigação, organizando as aulas com base no respectivo material. Também
faz trabalhos de grupo. Nunca dá dois anos exactamente iguais (tem um
programa base a partir do qual, em cada ano, vai fazendo alterações), e
prepara geralmente aula a aula - o interesse dos alunos está directamente
relacionado com o investimento que o professor coloca nas aulas, e é revelado
pelo número de presenças (se faz algum controle ao absentismo, este traduz-
se na tentativa que as aulas sejam estimulantes); quando os alunos começam
a faltar, interroga-se a si próprio sobre isso.
Defende o ensino com alguma directividade - o professor tem que saber o que
quer, não pode pôr tudo à negociação.
Para além do trabalho de investigação, a progressão na carreira académica
tem que incluir o desempenho pedagógico - baseado nos resultados dos

116
inquéritos de avaliação (respondidos pelos alunos) que devem ser acessíveis a
todos os professores.
Não conhece os alunos do 1 o ano; com os do 5o ano e dos mestrados tem uma
relação individualizada (conversa com eles na faculdade fora das aulas e, às
vezes, fora da faculdade) sobre assuntos não apenas restritos à vida
académica - estes alunos são diferentes uns dos outros e têm projectos de vida
diferentes. Nas aulas, os feed-backs traduzem-se em questões que os alunos
colocam, o que revela ao professor o seu interesse. Há diferenças entre os
alunos relativas ao desempenho académico: os alunos que se envolvem -
geralmente têm bom aproveitamento que é bastante uniforme (atribui a causa
dessa uniformidade a si próprio enquanto professor que conduz as propostas);
outros que não se envolvem, e que só querem passar no exame (o que é da
responsabilidade deles); e há muito raramente maus alunos (cujo perfil se
revela desadequado a um futuro psicólogo, ou cujas capacidades de
aprendizagem são baixas). De modo geral, os alunos de há anos atrás eram
mais motivados do que os actuais (hoje entram muitos alunos cuja primeira
escolha não foi esta).
A característica mais negativa que os alunos podem ter é remeterem-se a
meros receptores do sistema (do que o professor quer dar, ou do que o sistema
quer ensinar); a mais positiva é a capacidade de terem voz activa. Esta
capacidade dos alunos deve ser usada também como instrumento correctivo
das más práticas de maus professores que os prejudicam, ou seja, que fazem
dos alunos meros receptáculos que estão nas aulas a tirar apontamentos - não
lhes dão atenção; não trabalham diariamente; utilizam mecanismos coercivos
para controlar o absentismo; avaliam todo o trabalho de um ano em duas
horas; não têm horários de atendimento, ou não os recebem fora desses
horários... O pior defeito de um professor é ter-se como um académico a 100%,
o que se caracteriza pelo convencimento e pelo distanciamento - não olha para
os alunos, crê que é um génio ou que tem um grande currículo que um aluno
nunca atingirá.
Um bom professor de ensino superior conjuga duas competências: a
pedagógica e a científica. A primeira traduz-se em "gostar dos alunos" e é
imprescindível - permite transmitir o mais importante que é o gosto pelo
conhecimento; a segunda refere-se a um bom domínio das matérias adquirido

117
sobretudo no trabalho de investigação próprio e dos pares - sendo importante,
esta competência não é imprescindível (um bom investigador que tem uma
relação pedagógica má não pode ser um bom professor).
Jaime Almada refere que há más condições que dificultam - e muitas vezes
impedem - as boas práticas pedagógicas: o elevado número de alunos nas
aulas práticas, e o elevadíssimo número de alunos na sua aula teórica do 1 o
ano (a solução implica orçamentos que as universidades não têm - o estado
está a desinvestir em favor do ensino privado).
Para haver um ensino superior de qualidade, é preciso reunir estas condições:
bons professores; uma avaliação que evolua para uma cultura da avaliação a
qual se deve reflectir na progressão académica; os alunos devem entrar no
curso que escolhem e são responsáveis pelas suas decisões; as estruturas
governamentais e direcções gerais têm que criar as condições logísticas
adequadas, e as gestões universitárias um bom clima no contexto educativo
com espaços para o encontro e lazer, tal como para o trabalho diário.

Francisco Couto

Nas pré-graduações há aulas: teóricas - que são expositivas (120 alunos no


início e, depois, vai reduzindo) com recurso a power points para apresentar as
ideias fundamentais; aulas práticas (20 alunos distribuídos em grupos de 2 ou 3
alunos); e aulas laboratoriais (24 alunos distribuídos em 2 grupos de 12 alunos
por laboratório - às vezes, uma turma inteira a funcionar como uma pequena
empresa). Nestes dois últimos tipos de aulas o professor apresenta exemplos
com software adequado à disciplina, principalmente nas aulas de laboratório
(muito importantes - é preciso confrontar os alunos com problemas práticos e
ferramentas para os resolver; e é mais atractivo e interactivo - há feed-back na
resolução dos exercícios, tendo a maioria diferentes resoluções).
Tenta fazer avaliação distribuída e interdisciplinar, mas nem sempre consegue
- por imposições dos planos de estudos (muito detalhados). Privilegia-se e
incentiva-se os trabalhos de grupo desde o 1 o ano.

118
Nas pré e pós-graduações, o professor utiliza o seu trabalho de investigação
nas aulas (da mesma área). Nas pós-graduações - na fase de dissertação - é
que há uma relação próxima dos alunos com a investigação.
Se um professor é mais premiado pela investigação do que pela pedagogia, os
júris (nos concursos) consideram esse factor (não há necessidade de alterar a
legislação - flexibilizá-la talvez, mas dentro de cada instituição).
Conhece os alunos das pós-graduações (são poucos, e têm experiências
diversificadas) e não conhece os das pré-graduações (dá mais teóricas do que
práticas). Relativamente aos de anos atrás, actualmente há alguns alunos que
sabem muito: a selecção para a universidade criou "máquinas de estudar"; e a
grande quantidade e qualidade da informação hoje disponível conduziu à
especialização. À excepção destes muito estudiosos, a maturidade dos alunos
de hoje é mais tardia (revela-se no comportamento "infantil e irreflectido",
principalmente no 1 o ano).
Na pré-graduação, há feed-backs dos alunos nas aulas (conteúdos
apresentados e discutidos), e quase não os há fora das aulas (não vêm muito
tirar dúvidas); na pós-graduação há muita interacção - os alunos têm
experiências diversificadas de trabalho que trazem para as aulas.
As avaliações dos professores feitas pelos alunos devem ser lidas apenas
como indicações (a maioria não responde cuidadosamente ao inquérito), mas
são úteis para detectar grandes desvios e prevenir maus desempenhos dos
docentes - por isto é bom existirem.
A característica mais negativa (partilhada pela maioria dos alunos) consiste na
atitude de "o que interessa é passar, e não tanto aprender" - que conduz a
outros comportamentos negativos por parte dos alunos: rejeitam matérias e
disciplinas que não consideram úteis; mantêm-se estrategicamente no mesmo
grupo em todas as disciplinas - o mesmo elemento tem sempre a mesma
tarefa (só conhece essa), e também acontece cada elemento fazer o trabalho
de cada disciplina (a nota é para todos); não vão às aulas teóricas, e só
estudam pouco antes dos exames; vão buscar trabalhos já feitos à internet, e
entregam-nos como seus. Também utilizam de modo positivo essa informação
- para aprofundar conhecimentos (no trabalho necessitarão desta autonomia
para responder aos desafios novos). Nem sempre é positiva a atitude dos
alunos muito estudiosos, porque a vida não é só estudar.

119
No que diz respeito ao professor, o seu pior defeito é o distanciamento
relativamente aos alunos: este professor crê que a ciência vale por si, e não o
preocupa o modo de a comunicar; mas também pode ocorrer devido ao elevado
número de alunos nas aulas teóricas (é impossível o contacto próximo).
Existem outros dois grandes defeitos do professor prejudiciais aos alunos: a
carreira universitária valoriza mais a investigação do que o desempenho
pedagógico (maior investimento na investigação); e a especialização excessiva
do professor (hipervalorização de uma disciplina).
A grande diversidade de perfis de docentes (matemáticos - modelo do cientista;
gestores - de l&D; engenheiros - de projecto; e professores - que se dedicam
sobretudo à pedagogia) é uma característica positiva da faculdade de
engenharia, não sendo possível considerar um dos perfis como o de melhor
professor porque é desta diversidade que resulta um bom corpo docente para
os alunos. A investigação, o ensino e a extensão universitária são as missões
da universidade que constam nos estatutos - como tal, são as três igualmente
importantes, e um professor deve conseguir, no seu conjunto, equilibrar as três.
Para Francisco Couto, um bom professor é capaz de fazer investigação própria
(de preferência, liderando grupos), e de traduzir isso em actividades
pedagógicas consequentes. Para atingir o seu ideal de ensino, planeia:
melhorar os exemplos que apresenta nas aulas - aproximando-os da realidade
que os alunos irão encontrar na sua vida profissional; conhecer melhor os
alunos interagindo mais com eles - para lhes detectar eventuais falhas na
matéria e poder actuar a tempo (tem-se apercebido dessas falhas só nas
avaliações finais); tentar ter aulas práticas nas disciplinas onde também tem
teóricas - para prevenir o distanciamento. Acrescenta que o papel fundamental
do professor de ensino superior é ensinar os alunos a aprender por eles e a ter
autonomia.

120
SÍNTESE GLOBAL
DE TODAS AS CATEGORIAS DOS TRÊS SUJEITOS

A. Como o Professor Dá Aulas

Nas pré-graduações, as aulas teóricas dos três professores contam com mais
de 100 alunos, e são expositivas com apoio em diverso material didáctico -
desde acetatos a power point. Os respectivos trabalhos de investigação não
são utilizados habitualmente nestas aulas, no entanto Manuel Rebelo e
Francisco Couto recorrem por vezes a esse material; Jaime Almada não utiliza
a sua investigação no 1 o ano, mas as aulas do 5o ano e das pós-graduações
(20 alunos) são organizadas com base nesse seu trabalho. Manuel Rebelo
considera que não há investigação nas pré-graduações porque se verificam aí
condições adversas de naturezas várias que o impedem, e só nas pós-
graduações é que se faz investigação; para Francisco Couto é na fase da
dissertação (pós-graduações) que há uma relação mais próxima dos alunos
com a investigação. Além destas aulas, estes dois professores leccionam
também aulas práticas, onde têm cerca de 20 alunos, e Francisco Couto
lecciona ainda aulas laboratoriais onde os alunos são confrontados com
problemas práticos e ferramentas para os resolver - através de programas
informáticos interactivos, cujos exercícios são resolvidos em grupos de dois ou
três alunos - privilegia-se e incentiva-se os trabalhos de grupo desde o 1 o ano.

B. Como o Professor Vê os Alunos

Nenhum dos três professores conhece individualmente os alunos das suas


turmas numerosas de pré graduações. Manuel Rebelo não vê diferenças entre
os alunos, mas considera que entram actualmente na universidade dez vezes
mais alunos provenientes da classe média baixa do que há 30 anos. Jaime
Almada vê os seus alunos do 5o ano e dos mestrados como diferentes uns dos
outros e com projectos de vida diferentes; refere também diferenças a nível de

121
desempenho académico, e compara os actuais alunos com os de há anos atrás
em termos de motivação (os anteriores eram mais motivados porque escolhiam
este curso; hoje entram muitos alunos cuja primeira escolha não foi esta).
Francisco Couto também conhece os seus alunos das pós-graduações, porque
são poucos e têm experiências diversificadas de trabalho que trazem para as
aulas; considera que existem diferenças entre os actuais alunos e os mais
antigos - por um lado, hoje há alguns alunos que sabem muito; por outro lado,
a maior parte revela uma maturidade mais tardia.
Para os três professores, os feed-backs dos alunos nas aulas de pré-
graduação traduzem-se numa ou noutra questão relacionada com os
conteúdos apresentados; nas aulas de pós-graduação há mais interacção. Fora
das aulas, apenas Jaime Almada interage habitualmente com os alunos (do 5o
ano e dos mestrados), conversando com eles sobre assuntos não apenas
restritos à vida académica.
Acerca da avaliação dos professores feita pelos alunos, Jaime Almada e
Francisco Couto pronunciam-se a favor: o primeiro apresenta-a como um
instrumento necessário e fundamental para avaliar o desempenho pedagógico -
os resultados nunca podem ficar na gaveta; o segundo defende que é útil para
detectar grandes desvios e prevenir maus desempenhos dos docentes -
mesmo que depois ninguém ligue muito aos resultados. Manuel Rebelo não
concorda com esta avaliação porque os alunos não têm competências
pedagógicas e científicas para a fazer; e considera que se trata de uma
estratégia para calar os estudantes - e não vai resultar em nada.
Relativamente ao modo como cada um dos entrevistados se pronuncia sobre
os alunos considerando características negativas e positivas, há várias
perspectivas. Para Manuel Rebelo e Francisco Couto, o interesse que muitos
alunos revelam em apenas passar às disciplinas (mesmo sem compreender os
respectivos conteúdos) constitui a sua característica mais negativa - o primeiro
relaciona-a com uma atitude muito generalizada nos alunos que consiste na
crença de que não é necessário descobrir nada porque já está tudo feito; o
segundo considera que dela decorrem estratégias negativas (falsear trabalhos
e consequentes avaliações). Para Jaime Almada, a característica mais
negativa que os alunos podem ter é remeterem-se a meros receptores do
sistema e do professor; e a sua característica mais positiva é a capacidade de

122
terem voz activa que deve ser usada também como instrumento correctivo de
más práticas pedagógicas. Os outros dois professores referem a autonomia
que os alunos devem ter como característica mais positiva: Manuel Rebelo
chama-lhe "autonomia enorme", e consiste na capacidade de lidar
autonomamente com questões das diferentes áreas de saber; Francisco Couto
declara que a autonomia é necessária para responder aos desafios novos que
os alunos irão encontrar no mundo do trabalho.

C. Como o Professor se Vê e a Outros Professores

O pior defeito de um professor, para Manuel Rebelo, é não querer que haja
alunos mais capazes do que ele - há maus professores que se servem
estrategicamente da avaliação para prejudicar os alunos. Para os outros dois
entrevistados, o convencimento e o distanciamento caracterizam o mau
professor que ambos consideram ser aquele que se tem como um génio e que
restringe o mundo à universidade e à sua área disciplinar: Jaime Almada afirma
que um professor prejudica os alunos se faz deles meros receptáculos que
estão nas aulas a tirar apontamentos; Francisco Couto apresenta duas razões
para isto - a carreira universitária valoriza sobretudo a investigação, o que leva
alguns professores a não investirem tanto na pedagogia; e o elevado número
de alunos nas aulas teóricas inviabiliza o contacto próximo entre professor e
alunos.
Relativamente ao que os entrevistados consideram ser um bom professor,
Manuel Rebelo defende "um mínimo de ordem" - o professor respeita um
horário de trabalho e orienta os seus alunos dando-lhes as indicações
necessárias às questões com que estão a trabalhar- não os tenta moldar, mas
respeita a sua individualidade e disponibiliza-lhes o seu saber para que,
autonomamente, possam chegar mais rapidamente a outros patamares de
conhecimento (quando um aluno o ultrapassa, este professor considera que fez
um bom trabalho). Acrescenta que as aulas transmissivas devem ser
agradáveis para professor e alunos, pelo que o professor precisa usar de
alguma sedução - não pode apresentar apenas conteúdos de absorção. Um
melhor ensino exigiria duas grandes mudanças: a redução para metade das

123
horas lectivas; e a não permanência na instituição dos professores com
nomeações definitivas (alguns professores não vêem motivos para trabalhar
mais e melhor - isso alterar-se-ia se tivessem que concorrer a vários sítios).
Para Jaime Almada, um bom professor deve conjugar duas competências: uma
pedagógica e outra científica - a primeira é imprescindível (permite transmitir o
mais importante que é o gosto pelo conhecimento); a segunda é importante,
mas não é imprescindível (um bom investigador que tem uma relação
pedagógica má não pode ser um bom professor). Um ensino superior de
qualidade reúne estas condições: bons professores; uma avaliação que evolui
para uma cultura da avaliação - e que se reflecte na progressão académica; os
alunos entram no curso que escolhem e são responsáveis pelas suas decisões;
as estruturas governamentais e direcções gerais criam as condições logísticas
adequadas, e as gestões universitárias um bom clima no contexto educativo
com espaços para o encontro e lazer, tal como para o trabalho diário.
Francisco Couto caracteriza um bom professor como aquele que consegue
responder equilibradamente às três missões da universidade (investigação,
ensino e extensão universitária) porque são as três igualmente importantes,
acrescentando que este professor deve ser capaz de fazer investigação própria
(de preferência, liderando grupos), e de traduzi-la em actividades pedagógicas
consequentes. Para atingir o seu ideal de ensino, planeia: aproximar os
exemplos que utiliza nas aulas da realidade que os alunos irão encontrar na
sua vida profissional; interagir mais com os alunos para lhes detectar eventuais
falhas na matéria e poder actuar a tempo; ter aulas práticas nas disciplinas
onde tem teóricas para diminuir o distanciamento entre ele e os seus alunos.

124
ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE
OS DADOS E O MODELO TEÓRICO CONSIDERADO
"... nas pós-graduações nós centramos os cursos à volta de questões.
Ou seja, o pós-graduado é formado à custa da resolução de um
problema; enquanto que o pré-graduado é formado no sentido de ter a
bagagem mínima para, um dia, vir a resolver alguns problemas - a
aprendizagem não é direccionada da mesma maneira."
(Manuel Rebelo, 12/06/03)

"... o pior defeito de um professor de ensino superior é convencer-se


que é um académico a 100%. (...) É o distanciamento e o
convencimento (...) o homem que pensa que a universidade é a cúpula
do mundo; que o resto da sociedade vem um bocado por acréscimo - o
"homo academicus" é isto!..."
(Jaime Almada, 09/07/03)

"Na pós-graduação (...) são números mais pequenos, portanto é mais


fácil de conhecer as pessoas directamente, e são pessoas normalmente
com experiência mais diversificada, porque a maioria está a trabalhar e,
portanto, tentamos que essa experiência, de alguma maneira, seja
reflectida nas próprias aulas (...), e isso faz com que a pessoa traga
mais de si para as aulas...!"
(Francisco Couto, 18/07/03)

126
A N Á L I S E DA R E L A Ç Ã O ENTRE OS D A D O S E

O MODELO TEÓRICO CONSIDERADO: INTRODUÇÃO

Procedemos agora à análise dos dados obtidos confrontando-os com o modelo


teórico sobre práticas educativas representado no quadro "Quê, Como, Onde"
de Stephen Stoer e de Luiza Cortesão11.
Numa primeira etapa, consideramos o Eixo de Aquisição de Saberes (o quê de
Bernstein), nas suas três divisões - conteúdo do manual (S1); utilização da
produção científica de outrem (S2); e produção de conhecimento disciplinar
pelo próprio (investigação) (S3) - as quais evoluem, respectivamente, de um
maior grau de reprodução de conhecimento para um maior grau de produção
de conhecimento; a segunda etapa diz respeito ao Eixo Metodológico (o como
de Bernstein), nas suas também três divisões - educação bancária ou
transmissiva (M1); educação activa e/ou investigativa (M2); e educação
contextualizada (dispositivos de diferenciação pedagógica) (M3) - as quais
evoluem, neste caso e respectivamente, de um maior grau de domesticação
para um maior grau de emancipação dos indivíduos. Numa terceira etapa,
tentaremos localizar as práticas dos três professores entrevistados no quadro
referido, a partir dos cruzamentos resultantes entre aqueles dois eixos referidos
(o que traduz o onde de Bernstein). Finalmente - e sempre confrontando os
dados obtidos com o modelo teórico considerado - procuraremos conhecer
aquilo que no mesmo modelo estará ou não de acordo com esses dados.

11
Ver Quadro na página 76: a abcissa representa o eixo de aquisição de saberes
(reprodução/produção); a ordenada representa o eixo metodológico
(domesticação/emancipação). Recorde-se que considerámos: S - S1, S2 e S3 - (saberes - na
abcissa); e M - M1, M2 e M3 - (métodos - na ordenada).

127
EIXO DE AQUISIÇÃO DE SABERES: QUÊ

Nas aulas teóricas das pré-graduações nenhum dos três professores


entrevistados recorre a manuais; mas também nenhum deles usa
habitualmente o próprio trabalho de investigação nestas aulas. Jaime Almada
nunca o usa: "No 1 o ano (...) não falo da minha investigação, dou só a matéria
curricular servindo-me de livros.". Os outros dois professores recorrem por
vezes a esse material - quando acontece que a matéria leccionada se relaciona
com as respectivas áreas de investigação: "... do trabalho de investigação que
fiz já há alguns anos, retiro depois exemplos, retiro ideias até mais profundas
(...) para justificar o interesse de certas coisas. (...) isso aconteceu porque eu,
por acaso, fiz investigação desse lado, e utilizo-a; neste momento, já não estou
a fazer- neste momento, a investigação é mais nos sistemas de informação - e
são essas as aulas que beneficiam disso..." (Francisco Couto); Manuel Rebelo
também utiliza a sua investigação naquelas condições, embora com algumas
reservas "Eu tenho um certo pudor em fazer isso (...) isso vem, até porque
estudo coisas humanas e muitas vezes portuguesas, acho que é mais apelativo
(...) - espero não abusar!...".

Assim, consideramos que a utilização da investigação própria por estes


professores nas suas aulas teóricas das pré-graduações pode acontecer, mas
apenas com um carácter ocasional ou não sistemático.12

Ressalva-se o caso de Jaime Almada no que se refere ao 5o ano de licenciatura (pré-


graduação) onde utiliza sistematicamente o seu trabalho de investigação - importa referir que
este é o último ano do curso - muito próximo da pós graduação - sendo esta turma constituída
por alunos que optaram pela área científica na qual este professor realiza as suas
investigações; além disso, a turma tem cerca de 20 alunos (um número bastante baixo quando
comparado com os 150 alunos da sua turma do 1 o ano).

128
Nas pós-graduações - e também no último ano do curso de licenciatura no
caso de Jaime Almada - é outro o cenário revelado, já que são os três
professores a referir a investigação como uma constante naquele nível: "...nas
pós-graduações nós centramos os cursos à volta de questões. (...) o pós-
graduado é formado à custa da resolução de um problema (...) ao fim de uma
pós-graduação tem que ter publicado resultados que são internacionalmente
aceites. Portanto, obrigatoriamente faz investigação." - são palavras de Manuel
Rebelo; Jaime Almada recorre sempre ao seu trabalho para dar as aulas "...
nos mestrados, organizo as sessões com base no meu material de
investigação, portanto, exponho as investigações: os passos, resultados, para
que é que serviu, o que é que se aprendeu..."; e Francisco Couto, embora não
utilize sistematicamente a sua investigação nestas aulas, afirma que "...onde há
mais proximidade, mais contacto, é na fase de dissertação (...) porque as aulas
acabam por funcionar um bocado como aulas do 5o ano, não é propriamente
nas aulas que se pega muito nos tópicos da investigação. Na parte de
dissertação sim...".

Pelo apresentado, podemos afirmar que as práticas dos três professores se


incluem em S2 e S3: predominantemente em S2 - quando se trata de pré-
graduações; e predominantemente em S3 - quando se trata de pós-
graduações. Estas práticas relacionam-se directamente com a produção de
conhecimento (ao invés de S1, que se relaciona com a reprodução de
conhecimento). Assim, é nas pós-graduações que tem lugar um maior grau de
produção de conhecimento - o que está de acordo com o modelo teórico
estudado.

129
EIXO METODOLÓGICO: COMO

Se o processo de localização dos três professores no eixo de aquisição de


saberes não levanta quaisquer dúvidas da nossa parte13, isso já não acontece
quando pretendemos situar as respectivas metodologias de ensino neste eixo
metodológico - aqui, deparamo-nos com um alargado conjunto de informação
nos discursos de cada um deles os quais contêm, muitas vezes, dados
aparentemente contraditórios: é disso exemplo o caso das aulas teóricas das
pré-graduações.
Relativamente a estas aulas, todos os professores se lhes referem como sendo
expositivas: "... a minha obrigação é simplesmente transmitir..." e "... este acto
de transmissão..." (Manuel Rebelo); "Eu sou um professor directivo! (...)
Obrigo-os a adequarem-se a determinados critérios (...) o professor tem que
saber o que quer, e o que quer ensinar aos alunos..."; e "as minhas aulas são
bastante expositivas..." (Jaime Almada); "... temos aula de exposição ou de
demonstração..." (Francisco Couto) - o que poderia levar-nos a situá-los,
relativamente a este nível de ensino, em M1.
Mas o discurso global que cada um destes professores apresenta
relativamente às três grandes categorias consideradas14 não está de acordo
com as características fundamentais daquele modelo pedagógico, pelo que
podemos afinal considerar que nenhum deles recorre predominantemente à
educação bancária ou transmissiva15.
Também, grande parte do discurso de cada professor ultrapassa a sua inclusão
em cada um dos dois níveis de ensino superior- mas considera ambos no seu
conjunto - acabando por se referir fundamentalmente ao perfil do professor (do
próprio, e de outros).

Neste caso trata-se de identificar apenas o tipo de material utilizado nas aulas pelos
professores, que foi por eles apresentado de modo objectivo.
14
Ver Anexo III.
15
Como poderemos constatar no decurso do trabalho.

130
Assim, no sentido de o mais correctamente possível identificarmos os três tipos
de pedagogias - constantes neste eixo metodológico - nos discursos dos três
professores, considerámos cada um deles em:

Níveis de Ensino
- Pré-graduação
- Pós-graduação

Tipos de Professor
- Professor monocultural
- Professor intermulticultural

As características de ambos estes tipos de professor foram identificadas com


base em Cortesão, L. (2000: 38, 48), como a seguir se apresentam.

- O professor monocultural é descrito como...

1. cientificamente competente
2. com sólida preparação profissional, bom "tradutor" da complexidade da
ciência
3. seguro e estável, que valoriza a cultura nacional tradicional
4. claro e interessante
5. paciente e trabalhador, distribuidor de saberes a todos os alunos
6. fonte/emissor de saber, equitativo
7. eficiente, justo e exigente
8. preocupado com dificuldades dos seus alunos, disponível
9. contribui para a construção do aluno-tipo ideal

... cujo enquadramento teórico corresponde, respectivamente, a

131
1. Escola como campo neutral de aquisição de saberes
2. valorização das metodologias e dos materiais estandardizados
3. valorização da estabilidade, valorização da importância de manter a
cultura erudita e nacional
4. transmissão de saberes considerados importantes como prioridade
5. preocupação com a garantia de oferta de igualdade de oportunidades de
acesso
6. massificação do ensino como forma de enfrentar a escola de massas,
representação dos alunos como conjuntos homogéneos
7. aumento da competência, eficácia e normalização como objectivos;
diferenças penalizáveis
8. explicações psicológicas e biológicas de handicaps existentes nos
alunos
9. implicações na compreensão de handicaps existentes nos alunos.

O professor intermulticultural é descrito como...

1. vulnerável à dúvida, e que portanto se interroga


2. não "daltónico cultural"
3. capaz de investigar (na área da sociologia)
4. capaz de investigar (na área da etno-sociologia)
5. capaz de identificar e analisar problemas de aprendizagem
(investigador/educador)
6. capaz de elaborar respostas adequadas às diferentes situações
educativas (investigador/educador)
7. flexível, agente e investigador (educador) que proporciona formas de
aquisição de saber, de poder e de exercício de cidadania aos seus
formandos

. cujo enquadramento teórico corresponde, respectivamente, a

132
1. valorização do papel que pode ter a Escola no sucesso e no insucesso
dos alunos
2. consciência do "arco-íris" de culturas existente na escola e na sala de
aula
3. compreensão da escola como local de práticas conflituais, de
cruzamento de diferentes poderes, interesses e valores; identificação de
factores explícitos e ocultos que estejam a interferir em processos
educativos; descoberta e alargamento de espaços de autonomia relativa
dos professores e da escola
4. aceitação e rentabilização da diferença
5. aceitação da diferenciação de ensino como forma de contribuir para a
semelhança de nível de sucesso
6. valorização da investigação-acção como quadro de trabalho; valorização
da importância do desenvolvimento de dispositivos de diferenciação
pedagógica; concepção de propostas de trabalho/ planificações
alteráveis
7. concepção do bilinguismo cultural crítico e da consciência do direito à
cidadania como meta.

Considerámos então, para cada professor, o respectivo discurso distribuído


em: Pré-graduação e em Pós-graduação (Níveis de Ensino) sendo-nos
possível, deste modo, identificar as metodologias pedagógicas utilizadas - quer
num, quer noutro nível de ensino; o restante discurso não atribuído, pelos
professores entrevistados, especificamente a qualquer um destes níveis pôde
ser por nós incluído, ora em Professor monocultural, ora em Professor
intermulticultural (Tipos de Professor) - o que fornecerá informação capaz de
melhor nos esclarecer aquando da identificação das metodologias pedagógicas
que cada um utiliza16.

16
A este propósito, referimos de novo o caso da possibilidade da inclusão dos três professores
em "educação bancária" no nível de pré-graduação - se considerássemos apenas o que foi
dito pelo professor quando este se referiu especificamente ao modo como dá aulas naquele
determinado grau de ensino.
Mas isso não estaria correcto: por exemplo, no caso de Jaime Almada - que diz ser um
professor expositivo e directivo - em outras partes do seu discurso declara que os alunos não

133
Para maior eficácia no trabalho, utilizámos aqueles algarismos -
correspondentes a cada característica de descrição e de enquadramento
teórico de cada um dos dois tipos de professor (monocultural e
intermulticultural) - no texto relativo a cada professor entrevistado, sempre que
aí identificámos as respectivas características17.

Refira-se ainda que:


- para cada um dos dois níveis de ensino, apresentamos uma sistematização
no final de cada respectivo texto - que mostra a(s) possibilidade(s) de
localização do professor no eixo metodológico, em cada nível de ensino;
- para os dois tipos de professor, apresentamos uma única sistematização no
final dos dois textos, já que pretendemos compreender se há maior ou menor
proximidade e/ou afastamento em relação a um tipo ou a outro, e não tanto
separar rigidamente os professores entrevistados por tipo - aliás, tratando-se
de tipos ideais, não esperamos que cada professor entrevistado apresente
exclusivamente as características de um dos tipos considerados.

O processo para chegar à localização dos três professores no eixo


metodológico apresenta-se a seguir.

são meros receptáculos do que professor quer ensinar. Ora, um professor que faz esta última
afirmação é claramente contrário ao tipo de educação bancária!
17
Aconteceu algumas vezes determinadas características serem identificadas pela negativa,
isto é, observarmos uma característica contrária, por exemplo, ao tipo de professor
monocultural - nestes casos, incluímo-la em professor intermulticultural, e acrescentámos a
palavra não seguida do algarismo correspondente.

134
Manuel Rebelo

NÍVEIS DE ENSINO - Pré-graduação; Pós-Graduação

Pré-Graduação

Os termos em que Manuel Rebelo se refere às aulas de pré-graduação


revelam, da sua parte, uma postura crítica que se traduz em atitudes de
rejeição/oposição relativamente a características fundamentais do modelo
pedagógico transmissivo: "...são aulas, digamos, passivas!... - podiam-se
chamar aulas, mas não serem esses conteúdos de absorção..."; "... podiam
ser aulas tutorials, ou o diabo... São aulas, mesmo! - pretensamente, como se
diz, dá-se matéria nova!!...18". E, relativamente a determinado tipo de professor
cujas práticas se identificam com aquele modelo pedagógico diz, em tom
jocoso19: "Se ele simplesmente der umas aulas tipo conferência espantosas
isso ajuda, mas não chega.".

Na leitura/apreciação que faz daquelas aulas coloca-se, por vezes, na


perspectiva dos alunos eventualmente ali presentes "... uma aula expositiva de
hora e meia não há ninguém que a consiga seguir (...) o aluno, ao fim de 40 ou
50 minutos (...) está completamente anestesiado!..." - esta atitude relaciona-se
directamente com a capacidade de descentração da figura do professor (que

18
A expressão matéria nova - pronunciada ironicamente por Manuel Rebelo - referir-se-á a
determinados assuntos que não constituirão propriamente novidade científica na respectiva
disciplina.
19
Adjectivámos como "jocoso" o modo como foram ditas estas duas frases principalmente pelo
tom que o entrevistado lhes imprimiu ao falar, e que é perceptível na respectiva gravação. De
qualquer modo, cremos que as próprias palavras - aqui escritas - deixam transparecer essa
atitude deste professor a qual, por si só, pode ser reveladora de uma não identificação, da sua
parte, com o tipo de aulas transmissivas - ou educação bancária.

135
se consegue converter na de aluno) sendo por isso de natureza oposta à
atitude de magistercentrismo que a educação bancária pressupõe.

Nas suas aulas, considera o feed-back dos alunos no sentido de as melhorar:


"... vamos aprendendo coisas (...) também, com a relação com os alunos,
conforme o feed-back. (...)"; "tenho (...) 20 ou 30 minutos de exposição pura e
dura; depois faço (...) uma verificação com duas ou três perguntas: mudo, tento
mudar a atitude da aula...! E depois recomeço, conforme... dependendo das
respostas..." - ou seja, as estratégias deste professor orientam-se no sentido
de os alunos assumirem uma atitude mais activa em vez de uma outra atitude
mais passiva. Também, e ainda em relação às suas aulas, considera que "... o
melhor é dá-las de maneira a que seja agradável para ambas as partes!..."
fazendo apelo a um clima positivo no qual inclui - em paridade no que se refere
à satisfação naquele contexto - as figuras do professor e dos alunos.
Assim, ambas as situações apresentadas traduzem a não identificação daquele
professor com o modelo pedagógico de educação bancária.

Rejeita as cargas lectivas existentes nas pré-graduações - que entende serem


demasiado pesadas e, por isso, impeditivas da realização de trabalho de
investigação por parte dos alunos: "... eles estão submersos em conteúdos
lectivos pesadíssimos!!... (...) vinte e tal horas, vinte e seis, trinta horas por
semana de conteúdos lectivos formais (...) como é que ele vai ter tempo e
disponibilidade mental para fazer alguma investigação? Não tem!".

Para além do factor tempo, identifica um outro relacionado com a preparação


prévia dos alunos que contraria o desenvolvimento das competências
necessárias à investigação - trata-se da atitude de imitação/repetição que o
ensino secundário promove: "Na Pré-graduação é típico o aluno vir preparado
para aprender uma receita que se aplica ao problema, e ele é capaz de
identificar o problema 21 com a receita 21; se formos para situações onde esse
tipo de solicitação não é tão elementar, ou seja, não se consegue identificar tão
facilmente a receita com o nome do bolo, eles têm dificuldades...!...". Deste
modo, vêm "... educados com um tipo de aptidões (...) que não são as que o
ensino superior devia privilegiar.".

136
Assim, quando este professor considera que "... a pré-graduação não supõe
que haja uma atitude criadora!..." e, como tal, apenas "...se pretende dar uma
formação básica (...) não se habilita as pessoas para resolver problemas
práticos20", paralelamente estabelece semelhanças de natureza negativa, na
sua perspectiva, entre este nível de ensino superior e o ensino secundário
"Cada vez estão mais parecidos!... Cada vez estão mais parecidos!..." - com o
pressuposto que neste último nível referido as competências que se exigem
aos alunos para o seu sucesso se traduzem na repetição do que o professor
debita nas aulas. Tal como ali, também aqui no nível de pré-graduação do
ensino superior "Os alunos não têm nenhuma liberdade de pensar pela sua
cabeça!... De facto, quando muito, a liberdade que têm é para reconstituir por
eles os ensinamentos do Mestre...". Neste contexto, será mais especificamente
a esta atitude de repetição - que crê partilhada por ambos os sistemas de
ensino e crescentemente assumida pela universidade - que Manuel Rebelo se
opõe: "... essa atitude que as coisas estão feitas, que esta sociedade dá a
conhecer as coisas às pessoas, e que as pessoas não têm que fazer mais do
que preencher as respostas certas, e a vida não tem respostas certas - muitas
das respostas são subvertidas por novas perguntas..."; "... uma das coisas que
me choca é que eles não têm espírito matemático21!!... Os alunos finalistas de
Matemática não têm!!... Ou seja, já é possível fazer o curso de Matemática todo
- o que eu chamo a chapa 21 (...) - sabendo resolver um exercício e
interpretá-lo..., um exercício e interpretá-lo...". Nesta sequência, afirma que "A
graduação abastardou-se completamente.", o que reforça claramente a sua
oposição a este tipo de atitude - a qual exclui a componente criadora ou
investigativa.

Expressões como "resolver problemas práticos", "resolver problemas", "resolver questões"


são, no contexto do discurso deste professor, sinónimas de "realizar trabalho de investigação".
21
Para Manuel Rebelo, ter "espírito matemático" "...é pegar num problema, torná-lo abstracto,
reduzi-lo às coisas mais simples e formalizá-lo de maneira a que ele te possa entender,
também!" - o que se relaciona directamente com a atitude criadora (ou investigativa), e
inversamente com a repetição (ou reprodução).

137
Pelo que acabámos de expor sobre o discurso de Manuel Rebelo relativamente
ao ensino superior no nível de pré-graduação, parece-nos pertinente afirmar
que este professor não se identifica nem age de acordo com as características
fundamentais do modelo pedagógico transmissivo ou educação bancária.

Portanto, não estará situado em M1.


Deverá, então, situar-se em M2 ou em M3?22
- M2 (se considera os alunos como grupos homogéneos);
- M3 (se considera a heterogeneidade dos alunos).

Pós-Graduação

Neste nível de ensino, o professor assume que o tipo de aulas é diferente


"Porque os objectivos são muito diferentes!", e acrescenta que "A única coisa
que a universidade ainda continua a ter alguma coisa a funcionar, usando o
palavrão da "qualidade" (...) é a pós-graduação.". Isto porque o que mais
distingue o nível de pós-graduação do outro nível de pré-graduação é a
actividade de investigação que "... é um conjunto de ferramentas mentais que
têm que ser postas em uso e interiorizadas pelos actores...". A presença da
investigação caracteriza o primeiro (e está muito ausente no segundo): "... no
pós-graduado por definição: tipicamente qualquer aluno que tenha o azar de se
meter comigo, ao fim de uma pós-graduação tem que ter publicado resultados
que são internacionalmente aceites. Portanto, obrigatoriamente faz
investigação."

22
Para conseguirmos responder a esta pergunta, teremos que situar este professor
relativamente aos tipos monocultural e intermulticultural - o que faremos em próximas páginas.

138
Assim, "... a aprendizagem não é direccionada da mesma maneira" nos dois
diferentes níveis de ensino porque, ao contrário das pré-graduações, "... nas
pós-graduações nós centramos os cursos à volta de questões", isto é, "... o
pós-graduado é formado à custa da resolução de um problema" - mesmo que
esse problema não constitua propriamente novidade científica na área "... pode
ser recapitular um problema que até já foi resolvido por muita gente...". De
qualquer modo, existe sempre "...uma actividade criadora do envolvido".

Se, por um lado, Manuel Rebelo defende uma "autonomia enorme" por parte
dos alunos em geral, no caso particular dos alunos de pós-graduação - em que
é assumida a actividade criadora como necessária - essa autonomia torna-se
imprescindível. Assim, o professor apenas deverá fornecer determinadas
indicações no sentido de evitar aos alunos eventuais perdas de tempo: "Olhe,
não vale a pena perder tempo com isso, isso já está resolvido!"; ou "Este ainda
está por estudar, veja lá se isso lhe pode vir a interessar!..." - procurando não
interferir/intervir desse modo no processo educativo.

Pelo que acabámos de expor sobre o discurso de Manuel Rebelo relativamente


ao ensino superior no nível de pós-graduação - em que criação e autonomia
são condições necessárias - excluímos, também neste caso, a sua localização
em M l
Depois de considerarmos a respectiva aproximação aos tipos de professor
monocultural e de professor intermulticultural - principalmente no que se refere
ao modo como vê os alunos em termos de homogeneidade/heterogeneidade -
poderemos situar este professor, no nível de pós-graduação, relativamente a
M2ou a M3.

139
TIPOS DE PROFESSOR - Professor Monocultural; Professor Intermulticultural

Professor Monocultural

Quando perguntamos a este professor se conhece os seus alunos


individualmente, revela expressão de espanto: "Ai! Valha-me Deus!... Eu não!
Nunca misturei a profissão com... os aspectos sociais...". E, entre os alunos
actuais e os de há cerca de trinta anos atrás (com excepção para as
respectivas origens em termos de estratos sociais) diz: "Eu não acho que haja
diferença...!" (6).
Sobre a existência, ou não, de feed-backs dos alunos fora das aulas, responde
pela afirmativa, mas imprime a esses feed-backs uma carga negativa - o que
será equivalente a dizer que, na sua perspectiva, seria preferível não
acontecerem: "Sim! Ainda por cima porque eles têm feito isto (IPATIMUP)
famoso e badalado, nós estamos assediados (...) para virem cá fazer estágios,
e tal..."23 (6).

Assume claramente uma atitude de rejeição perante a atribuição, aos alunos,


do papel de avaliadores dos professores porque aqueles não estão equipados
para isso e, portanto, não devem "Nem ser avaliadores nem pedagógicos, nem
científicos..." (não 7 intermultic), já que "...os professores universitários (...)
socialmente e historicamente estão detentores de uma série de competências
que não podem ser avaliadas a jusante, senão é a destruição total..." (3).

E, no que se refere à avaliação que os professores fazem aos desempenhos


dos alunos, esta é indispensável e deve ser objectiva - o que acontece "... se
nós temos uma pergunta muito objectiva e que, no fundo, os critérios
operativos de satisfação estão claros, depois a resposta ou satisfaz, ou não

;!3
Manuel Rebelo não terá sido professor de grande número dos alunos que refere, porque
estes que procuram o IPATIMUP para aí fazerem estágios são oriundos também de outras
faculdades, e não apenas da de Ciências.

140
satisfaz - não há muito meio termo...!"; "... se não houver nenhum critério
objectivo, se nós que fomos investidos dessa função (...) não oferecemos
resultados objectivos numa classificação, então depois a seriação das pessoas
vai ser feita pelos mais subjectivos critérios que imaginar se possa..." (7).

Nas aulas, o professor deve dar as matérias curriculares de modo a interessar


os alunos: "...o professor tem que conjugar a sedução - um mínimo de
sedução, sem dúvida! - mas tem também que dar esse lado mais tecnológico,
mais operativo." (4).

Professor Intermulticultural

No discurso de Manuel Rebelo podemos ainda identificar, por um lado,


algumas características que são contrárias às do tipo de professor
monocultural (susceptíveis de serem lidas, deste modo, mais como
características do tipo de professor intermulticultural) e, por outro lado, várias
atribuídas ao tipo de professor intermulticultural.

Relativamente às características que se opõem às de professor monocultural,


consideremos:

- apesar de afirmar não conhecer os seus alunos, revela a existência de


relações interpessoais professor-alunos: "... envolvi-me imenso com muitos
alunos, ao longo destes anos todos!..." (não 6);

- não atribui o insucesso a características psicológicas e biológicas


(handicaps) dos alunos (como é o caso daquele tipo de professor): "De vez
em quando há um aluno que andou ali a fazer a cadeira, a tentar fazer a
cadeira durante tempos (...) e, de repente, percebe finalmente o que é que
está em jogo, percebe que andou a perder tempo com as estratégias que
seguiu, e é quase uma iluminação religiosa: a partir daí, ele que chumbou

141
sempre, por exemplo, tira 15, ou 17, dum momento para o outro!... Portanto,
não é aquilo que se chamaria uma deficiência, é um problema mais de
entender quais são os objectivos, e as dúvidas dele." (não 8);

- apesar de apresentar a prática de uma avaliação objectiva dos alunos


como importante, considera eventuais factores imprevistos revelando, deste
modo, atitudes opostas àquelas outras de segurança e de estabilidade que
caracterizam o professor monocultural: "...temos muita dificuldade (alguns
de nós, pelo menos!) em avaliar aquilo que extravasou, aquilo que nós
próprios fomos capazes de prever como (...) "resposta correcta" a uma
situação." (não 7).

Relativamente às características que, pela afirmativa, caracterizam o tipo de


professor intermulticultural, consideremos:

A propósito da realização dos enunciados de exames de avaliação,


podemos observar que este professor se questiona e se considera
susceptível de erro, mostrando-se vulnerável à dúvida: "... aquilo que não
se pode prever de objectivo quando se faz um ponto (...) uma pergunta que
eu julgava que devia ser respondida por toda a gente, afinal não o é; e pode
acontecer o contrário..."; "... os pontos não podem ser aferidos antes (...)
portanto têm que ser ensaiados perante mim mesmo, o que dá com que às
vezes os pontos têm erros...". Para além disso, reflecte sobre a atitude da
"resposta certa" - que crê, e lamenta, estar muito difundida nos alunos -
relacionando-a directamente com o elevado grau de insucesso nas suas
disciplinas: é "... essa atitude que as coisas estão feitas, que esta
sociedade dá a conhecer as coisas às pessoas, e que as pessoas não têm
que fazer mais do que preencher as respostas certas, e a vida não tem as
respostas certas - muitas das respostas são subvertidas por novas
perguntas..." (1).

Quando afirma que actualmente há dez vezes mais alunos no ensino


superior provenientes de estratos sócio-económicos médio baixos do que
há trinta anos atrás, identifica/assume claramente essa heterogeneidade:

142
"Hoje (...) a cobertura universitária é muito maior! (...) No meu tempo (...)
24
vamos supor que era 0,1%; agora é 1% - é só dez vezes mais! (...)
tiveram que os ir buscar a algum sítio...!" (2). E, embora constate
homogeneidade nos alunos, o modo como a justifica leva-nos também a
pensar que este professor considera a heterogeneidade, apresentando
aquela homogeneidade como resultado/consequência de outros factores:
"Há aí uma série de mecanismos sociais mais ou menos coercivos que os
põem bastante uniformes - desde as praxes àquelas coisas todas...!" - com
base nesta justificação, consideramos que este professor se identifica com
2e3.

Aliás, no seu discurso estão constantemente presentes ideias que revelam,


da sua parte, a compreensão da escola como local de práticas conflituais,
de cruzamento de diferentes poderes, interesses e valores, bem como a
identificação de factores explícitos e ocultos que interferem em processos
educativos (3), quando refere:
- o modo como a cada docente é distribuído o respectivo trabalho: "...
instalou-se um simulacro de democracia (...): os doutores reúnem-se,
fazem o levantamento das aulas que têm que dar - face aos imperativos
económicos que agora são fundamentais...! - e então distribuem o serviço
docente por cabeça (...) eu sou um entre trinta e tal, ou vinte e tal - depende
dos conselhos científicos - e cada homem é um voto! Portanto, eu posso ser
posto, democraticamente, a dar uma disciplina com a qual não tenho
nenhuma afinidade!...";
- as implicações da existência de quadro docente fixo e respectiva
ocupação fixa : "E não saem mais dali...!! E isto é muito mau para uma
instituição como a nossa (...). É evidente que as pessoas, inevitavelmente,
acomodam-se!"; "... esses dez professores que foram contratados há dez
anos atrás estão nomeados definitivamente (...) tanto a nível de ensino da
investigação e no ensino superior investigação e ensino (...) dá o resultado
que temos: ninguém está estimulado para fazer nada!..." - situação
susceptível de criar condições para "... casos que não publicam nada e são

24
Manuel Rebelo refere-se à percentagem de alunos de estrato sócio-económico médio-baixo,
relativamente aos outros alunos "economicamente mais saudáveis" - como se lhes refere.

143
maus professores!!... E dão aulas fora! (...) Nem sequer dão as aulas,
quanto mais... - há casos desses!!... E não se lhes pode fazer nada...";
- a dificuldade de intervenção da reitoria: "Os reitores têm uma margem de
manobra muito reduzida, particularmente os das universidades clássicas,
porque as faculdades têm autonomia financeira e administrativa, portanto
fazem o que querem e lhes apetece...! A reitoria não tem qualquer hipótese
de intervir seriamente na orientação da universidade!...";
- os mecanismos de avaliação dos docentes: "... quer ao nível da
investigação, quer ao nível do ensino mais clássico, se essa avaliação
agora entrou em crise do ano passado para este, com a desculpa dos
planos orçamentais fizeram-se barbaridades, mudaram-se todas as regras
do jogo..." consistindo outra das mudanças na avaliação feita pelos alunos
"... agora inventou-se, para calar os estudantes e conseguir subir as
propinas e outras trepolias do género, deu-se-lhes o bombom ou o
rebuçado da avaliação dos professores..." o que estará em consonância
com a ideia de que "... estamos num sistema de ensino que está a ficar
pervertido na medida em que se está a pensar nele como um mercado, em
que os alunos são clientes...";
- o carácter de obrigatoriedade nas aulas práticas: "... desde um grande
número (de alunos) que quer que a aula acabe, e que ainda por cima vem
educado para ter que assistir àquilo mesmo que não esteja a fazer nada
(...) e que é mantida activamente pelas instituições universitárias esta
história da obrigatoriedade de ir às aulas práticas (...) é deseducativo para
ambas as partes!: os professores assim garantem que têm lá uns gajos a
olhar para eles (...); e os alunos também sentem (...) que têm a desculpa
que estiveram ali a perder tempo com aquilo!".

Nesta sequência, Manuel Rebelo avança com uma proposta: "É das tais
situações típicas que é só mudar o regulamentozinho: é só um parágrafo!...
e mudava drasticamente a atitude...!". Outras propostas, relativamente a
outras situações por ele identificadas como negativas, são: "... flexibilizar o
emprego na universidade (...) ter estabilidade de emprego, mas não
necessariamente no mesmo sítio e a fazer as mesmas coisas..."; "... reduzir
quase a metade o tempo escolar clássico (as horas lectivas)" - o que se

144
identifica fundamentalmente, e para além das características antes
referidas, com as correspondentes a 6.

Quando Manuel Rebelo declara que muitas daquelas situações poderiam


ter solução, mas "... por interesses às vezes um bocado mesquinhos, ou às
vezes falta de compreensão, que levam a que não sejam tomadas essas
medidas e essas mudanças."; e que, para que as necessárias mudanças
ocorram, "... é preciso que o sistema se torne mais instável...! Sem cair na
anarquia total, mas que de facto se torne mais instável!..." - enquadra-se
também no tipo de professor intermulticultural, mais especificamente no
ponto 3.
Uma preocupação deste professor relaciona-se com a autonomia que os
alunos devem ter, a qual não pode ser contrariada pelo professor - e que
ressalta de frases como estas: "Se nós continuarmos a "educar" (...) para
uma atitude subserviente perante a vida em geral e os conteúdos que
estamos a discutir - é suicida!... Quer dizer, estamos a preparar gerações
de pessoas que depois não são capazes de resolver os problemas que têm
pela frente!..."; "... o que se pretende com um núcleo destes (...) devia ser
habilitar o aluno para lidar autonomamente com um certo tipo de problemas
(...) dessa área de saber."; "... um saber a este nível é um saber muito
aberto, que está sujeito a novidades muito frescas (...) os professores -
então com estes novos métodos de comunicação! - não são donos
intensivos de todas as peças deste puzzle. Partem para este diálogo com
os alunos com uma estação obviamente de grande avanço - teoricamente
já lidaram com isso antes deles - mas não se podem aterrorizar se um
aluno (um ou outro) até os ultrapassar!..."; "O maior defeito é não querer
que os alunos saibam mais (...) ou sejam capazes de mais coisas do que
aquilo que nós próprios sabemos..."; "... não sou um tutor convencido de
que vou fazer, moldar um aluno à minha maneira (...) mas... segundo os
princípios que eu acho que são individuais..." (1, 3, 7).

145
Professor Monocultural e/ou Professor Intermulticultural?

Identificamos, no discurso de Manuel Rebelo, um maior número de


características do tipo de professor intermulticultural (oito - entre as quais três
definidas como contrárias ao tipo monocultural) relativamente às características
de professor monocultural (cinco - entre as quais uma definida como contrária
ao tipo intermulticultural)25. Algumas características são, pelo menos
aparentemente, contraditórias??

Trata-se, então, de um professor:

a) intermulticultural - vulnerável à dúvida e que se interroga, valorizando o


papel que pode ter a Escola no sucesso e no insucesso dos alunos;

b) intermulticultural - não "daltónico cultural", com consciência do "arco-íris de


culturas" existente na sala de aula;

c) intermulticultural - capaz de investigar (na área da sociologia), já que


compreende a escola como local de práticas conflituais, de cruzamento de
diferentes poderes, interesses e valores, e também identifica factores explícitos
e ocultos que interferem em processos educativos, e descoberta de espaços de
autonomia relativa dos professores e da escola;

d) intermulticultural - capaz de elaborar respostas adequadas às diferentes


situações educativas, com a concepção de propostas de trabalho/planificações
alteráveis...;

e) intermulticultural -flexível, agente e investigador (educador) que proporciona


formas de aquisição de saber, de poder e de exercício de cidadania aos seus

Incluem outras de professor monocultural mas, como foi já referido, trata-se de tipos ideais,
pelo que não é de esperar encontrar, num professor real, características de apenas um dos
tipos.

146
formandos, e enquadra-se na concepção do bilinguismo cultural crítico e da
consciência do direito à cidadania como meta;

f) intermulticultural (não monocultural) - não fonte/emissor de saber, não


equitativo, e não vê a massificação como forma de enfrentar a escola de
massas, nem representa os alunos como conjuntos homogéneos;

g) intermulticultural (não monocultural) - não eficiente, não justo e exigente,


não se enquadra no aumento de competência, eficácia e normalização como
objectivos, nem considera as diferenças penalizáveis;

h) intermulticultural (não monocultural) - não se preocupa com dificuldades dos


seus alunos nem é disponível para as colmatar, no sentido em que não atribui
a essas dificuldades explicações psicológicas e biológicas;

i) monocultural - seguro e estável, que valoriza a cultura nacional tradicional, a


estabilidade, e a importância de manter a cultura erudita e nacional;

j) monocultural - claro e interessante, e que se enquadra teoricamente na


transmissão de saberes considerados importantes como prioridade;

k) monocultural - fonte/emissor de saber, equitativo, e que se enquadra


teoricamente na massificação do ensino como forma de enfrentar a escola de
massas, a representação dos alunos como conjuntos homogéneos;

I) monocultural - eficiente, justo e exigente, e que se enquadra teoricamente no


aumento da competência, eficácia e normalização como objectivos, e
diferenças penalizáveis;

m) monocultural (não intermulticultural) - não flexível, nem agente e


investigador, que não proporciona formas de aquisição de saber, de poder e de
exercício de cidadania aos seus alunos, e não se enquadra teoricamente na
concepção do bilinguismo cultural crítico e da consciência do direito à
cidadania como meta.

147
As características que encontramos em Manuel Rebelo correspondem, na sua
maioria, às de um professor intermulticultural, sendo aquela b) relativa à
homogeneidade/heterogeneidade a que agora mais nos importa considerar,
para conseguirmos chegar à localização das metodologias pedagógicas deste
professor no eixo metodológico respectivo.
Como já referimos, apesar da homogeneidade que este professor atribui aos
alunos, consideramos - pelo que foi apresentado - que vê a heterogeneidade
que comportam, nos dois níveis de ensino.

Chegámos, deste modo, à localização das metodologias pedagógicas de


Manuel Rebelo no eixo metodológico em
M3 - para os níveis de ensino de pré-graduação e de pós-graduação.

148
Jaime Almada

NÍVEIS DE ENSINO - Pré-graduação - Pós-Graduação

Pré-Graduações

Apesar de se declarar um professor directivo e expositivo (como foi já referido),


e de afirmar não conhecer os seus 150 alunos do 1 o ano "Eu, no 1 o ano, não os
conheço...!", revela valores e atitudes que se opõem aos do tipo de educação
bancária:

Há interacção com os alunos também fora das aulas "... porque eles vêm... no
meu horário de atendimento, às vezes encontram-me no bar (...) se me
encontrarem fora da faculdade, num café, também vêm falar comigo!... Eu
tenho relações com os meus alunos fora das aulas...! Mal fora que... Nem vejo
a coisa de outra maneira...!!", e considera que "A relação entre professor e
aluno é uma relação humana.".

Insurge-se muito claramente contra a concepção dos alunos como figuras


passivas: "Os alunos, nas universidades, não podem ser remetidos a papéis de
meros receptores do sistema...!... De meros receptores do que o professor quer
dar, ou do que o sistema quer ensinar... Os alunos têm que ter voz activa!",
reforçando ainda esta ideia quando diz "Prejudicar o aluno (...) é fazer dele um
mero receptáculo que está durante as aulas a tirar apontamentos."; e insurge-
se também contra atitudes daqueles que qualifica como maus professores: "...
um professor que não investiu durante o ano, que não conhece os alunos, e
que depois ao final do ano dá um exame de duas horas em que avalia um ano

149
inteiro - ao fim do ano, em duas horas, arroga-se decidir o destino de um aluno
na sua disciplina sem saber quem é o aluno...".
Nesta sequência, defende que a "voz activa" dos alunos passa também pelo
uso de instrumentos - como a avaliação dos professores - para obviar a
situações como aquela, que os prejudicam: "Como é que se pode fazer a
avaliação dos professores?!... - Dando mais ouvidos aos alunos!"

Contrariamente ao que o tipo de educação bancária pressupõe - no que se


refere à competência científica do professor como a fundamental - Jaime
Almada coloca-a em segundo lugar relativamente à competência pedagógica,
porque crê que "... um indivíduo que nem sequer seja grande especialista, mas
que tenha uma boa relação pedagógica pode ser um bom professor; ou um
grande especialista que tenha uma relação pedagógica má, não serve para
professor, por muito bom especialista que seja...!". Justifica esta sua posição
usando o termo transmite, mas dá-lhe um sentido diferente daquele da
educação bancária: "Porque não transmite (...) não é só os conteúdos: não
transmite o desejo de aprender (...) o entusiasmo (...) a atitude do gosto pelo
conhecimento (...) isso é o mais importante...!".

Pelo que acabámos de expor sobre o discurso de Jaime Almada relativamente


ao ensino superior no nível de pré-graduação, parece-nos pertinente afirmar
que este professor não se identifica nem age de acordo com as características
fundamentais do modelo pedagógico transmissivo ou educação bancária.
Portanto, não estará situado em M1.

Deverá, então, situar-se: em M2 (se considera os alunos como grupos


homogéneos) ou em M3 (se considera a heterogeneidade dos alunos) -
localização que procuraremos fazer depois de o considerarmos mais
especificamente em relação aos tipos de professor monocultural e de professor
intermulticultural.

150
Pós-Graduações

Há mais interacção entre professor e alunos já que "... tenho relações


individualizadas quando os grupos são pequenos...", e "... o aluno acaba por
falar dele, e por expor os seus projectos de vida...".

Reconhece a heterogeneidade nestes alunos "... eu conheço-os a todos pelo


nome, e são muito diferentes uns dos outros, e têm projectos de vida
diferentes...!..."

Pelo que acabámos de expor sobre o discurso de Jaime Almada relativamente


ao ensino superior no nível de pós-graduação excluímos, também neste caso,
a sua localização em M1.

Como já pudemos considerar que este professor reconhece a heterogeneidade


nos alunos passaremos a situá-lo, no nível de pós-graduação, relativamente a
M3.

TIPOS DE PROFESSOR - Professor Monocultural - Professor Intermulticultural

Professor Monocultural

Apresenta explicações psicológicas e biológicas para o que define como um


"mau aluno": "... os alunos com mau aproveitamento, ou que revelam francas
desadequações ao que devem ser as aprendizagens de um psicólogo (...)
pessoas com incapacidade de se descentrar do seu umbigo, de escutar os

151
outros (...) pessoas que têm de facto capacidades de aprendizagem muito
baixas (...) que muito dificilmente conseguem cumprir as exigências
curriculares. Isso é um mau aluno...!"; "... pessoas (...) com algumas falhas de
competências intelectuais para a nossa área... " (8).

Professor Intermulticultural

Quando diz que "... houve uma massificação do ensino..." acrescenta de


imediato "...hoje entra muito mais gente! E ao entrar mais gente..." entra gente
mais diferente - e continua, afirmando explicitamente que os alunos "... são
muito diferentes uns dos outros, obviamente!". Aqui, podemos observar que
este não será um professor "daltónico cultural" (2).

No entanto, também observa que os seus alunos "... no desempenho da minha


disciplina, acabam por ser muito semelhantes (...) em termos de rendimentos
mais ou menos parecidos...!" - mas interroga-se sobre isso, e atribui a causa
dessas semelhanças a si próprio enquanto professor directivo: "Portanto, eu se
calhar até os obrigo a serem um bocado iguais...!" - o que revela um professor
vulnerável à dúvida (1).
Podemos identificar esta característica em outras situações: quando refere o
elevado grau de absentismo dos alunos em todas as aulas, diz "... se fosse só
nas minhas, o problema era meu!" e "Se eles começarem a faltar, eu interrogo-
me a mim, não os interrogo a eles..."; sobre a questão de gostar mais de uns
alunos do que de outros, apresenta deste modo a atitude que o professor
poderia tomar: "Consciencializando, percebendo que é um ser afectivo, e que
tem movimentos afectivos para com os alunos..."; e, quando confrontado com a
possibilidade de melhorar algo em si enquanto professor, responde "Isso é
muito mais difícil eu saber, porque isso exigia que eu fizesse uma grande auto-
análise..." (1).

152
As aulas deste professor não se repetem de ano para ano, mas "... todos os
anos meto coisas novas no programa base. E todos os anos meto livros
novos... Portanto, nunca dou dois anos exactamente iguais..." (6).

Refere casos em que o sistema de ensino prejudica os alunos: "... era


importante que os projectos vocacionais dos nossos adolescentes pudessem
ser levados adiante em vez de serem dramaticamente torcidos - ou retorcidos -
por um sistema de ensino..." (3).
Defende que "Um ensino de qualidade é também um ensino onde as estruturas
governamentais (...) criam as condições para esse ensino (...) o bom ensino
não é independente da gestão: da gestão universitária; do clima que se cria
dentro de uma faculdade a partir da forma como se exerce a gestão; e do clima
que se pode criar a partir (...) dos ministérios, ou dos orçamentos, da
logística..." e "Há coisas que eu posso melhorar se a instituição onde eu
trabalho tiver condições para o fazer...! (...) era importante desdobrar aulas
práticas (...) a minha aula teórica do 1 o ano melhorava se eu não tivesse 150
alunos (...) Mas isso são condições que dificilmente podemos alterar, porque
(...) Tudo isto implica orçamentos que (...) as universidades não têm, porque o
estado está a desinvestir em favor do ensino privado..." (3).

Sobre a voz activa que defende que os alunos devem ter, "... essa voz passa
também por eles poderem falar do clima pedagógico, do que está mal,
poderem recorrer de más pedagogias..." (7).
Crê que ir ou não ir às aulas é uma escolha dos alunos "... vêm
voluntariamente!... - não há nenhum mecanismo coercivo! (...) Quero lá
saber!..." (7).

Considera que o pior defeito de um professor de ensino superior é "...


convencer-se que é um académico a 100%" cujas características se relacionam
com a competência científica e com a segurança do professor "... do seu
pensamento emana a razão, ou a certeza, ou a verdade! (...) está convencido
que é um génio, ou que tem um grande currículo que um aluno nunca
atingirá..." (1 vs não 1, não 3).

153
Professor Monocultural e/ou Professor Intermulticultural?

Identificamos no discurso de Jaime Almada apenas uma característica do tipo


de professor monocultural, cabendo todas as outras ao tipo de professor
intermulticultural (entre as quais duas delas definidas como contrárias ao tipo
monocultural). Trata-se, então, de um professor:

a) monocultural - preocupado com dificuldades dos seus alunos e disponível,


que atribui explicações psicológicas e biológicas às dificuldades deles;

b) intermulticultural (não monocultural) - não considera que ser-se


cientificamente competente seja prioritário (relativamente à competência
pedagógica), não entendendo a Escola como campo neutral de aquisição de
saberes;

c) intermulticultural (não monocultural) - não seguro nem estável e que não


valoriza a cultura nacional tradicional, no sentido em que não se dá a
valorização nem da estabilidade, nem da cultura erudita e nacional;

d) intermulticultural - vulnerável à dúvida e que portanto se interroga,


compreende a valorização do papel que pode ter a Escola no sucesso e no
insucesso dos alunos;

e) intermulticultural - não "daltónico cultural", tem consciência do "arco-íris" de


culturas existente na escola e na sala de aula;

f) intermulticultural - capaz de investigar (na área da sociologia), já que há


compreensão da escola como local de práticas conflituais, de cruzamento de
diferentes poderes, interesses e valores; e identificação de factores explícitos e
ocultos que estejam a interferir em processos educativos; bem como

154
descoberta e alargamento de espaços de autonomia relativa dos professores e
da escola;

g) intermulticultural - capaz de elaborar respostas adequadas às diferentes


situações educativas (investigador/educador); há valorização da investigação-
acção como quadro de trabalho, e da importância do desenvolvimento de
dispositivos de diferenciação pedagógica, bem como concepção de propostas
de trabalho/ planificações alteráveis;

h) intermulticultural - flexível, agente e investigador (educador) que proporciona


formas de aquisição de saber, de poder e de exercício de cidadania aos seus
formandos; existe concepção do bilinguismo cultural crítico e da consciência do
direito à cidadania como meta.

As características que encontramos em Jaime Almada correspondem às de um


professor intermulticultural - à excepção de uma delas a) - sendo que aquela e)
refere a heterogeneidade que este professor identifica nos alunos - o que nos
permite localizar, no eixo metodológico respectivo, as suas metodologias
pedagógicas relativamente ao nível de pré-graduação em M3.

Chegámos, deste modo, à localização das metodologias pedagógicas de


Manuel Rebelo no eixo metodológico em
M3 - para os níveis de ensino de pré-graduação e de pós-graduação.

155
Francisco Couto

NÍVEIS DE ENSINO - Pré-graduação - Pós-Graduação

Pré-Graduações

Francisco Couto não parece considerar os alunos como agentes passivos no


processo educativo "... utilizamos um software muito interessante (...) há
programas específicos que permitem aos alunos fazer os exercícios um bocado
como se fossem jogos (...) que dá um bocado mais de animação e de
interactividade..."; "... os alunos reagem bem!".
Lamenta não conhecer estes alunos pessoalmente, e apresenta razões para
isso: "... como acabo por dar mais teóricas do que práticas, tenho alguma
dificuldade, de facto, em os conhecer...", já que nas aulas teóricas há "...
dezenas ou centenas de alunos na mesma sala - é evidente que é impossível
ter contactos com os alunos nesse tipo de aulas (contacto próximo)". Apesar
destas condições não favoráveis à interacção, procura "... manter algum
diálogo... a partir de exercícios, por exemplo: incentivá-los a tentar resolver, a
pôr as dúvidas... ou a ir interrompendo as aulas, no sentido de esclarecer
alguma coisa." - e considera "... um certo distanciamento relativamente aos
alunos..." como um dos piores defeitos do professor de ensino superior.
Finalmente, crê que "O nosso grande papel é ensiná-los a aprender por eles e
ter autonomia!...".

Pelo que acabámos de expor sobre o discurso de Francisco Couto


relativamente ao ensino superior no nível de pré-graduação, parece-nos
pertinente afirmar que este professor não se identifica nem age de acordo com

156
as características fundamentais do modelo pedagógico transmissivo ou
educação bancária.
Portanto, não estará situado em M1.

Deverá, então, situar-se: em M2 - se considera os alunos como grupos


homogéneos; ou em M3 - se considera a heterogeneidade dos alunos.

Podemos enquadrar este professor na educação activa ou investigativa "... nós


incentivamos muito os trabalhos em grupo desde o 1 o ano...".

Pós-Graduações

Neste nível de ensino, o professor conhece pessoalmente os alunos, havendo


interacção já que "... são números mais pequenos, portanto é mais fácil de
conhecer as pessoas directamente...".
Considera a heterogeneidade na sala de aula, e procura rentabilizá-la: "... são
pessoas normalmente com experiência mais diversificada (...) tentamos que
essa experiência (...) seja reflectida nas próprias aulas, (...) que a pessoa traga
mais de si para as aulas.

Pelo que acabámos de expor sobre o discurso de Francisco Couto


relativamente ao ensino superior no nível de pós-graduação excluímos,
também neste caso, a sua localização em M1.

E, depois de considerarmos que este professor reconhece a heterogeneidade


nos alunos, passamos a situar as suas metodologias pedagógicas, no nível de
pós-graduação, em M3.

157
TIPOS DE PROFESSOR - Professor Monocultural - Professor Intermulticultural

Professor Monocultural

Quando Francisco Couto refere que pretende melhorar os conteúdos das


aulas, apela à importância da escolha de uma metodologia interessante para
os alunos "... exercícios (...) mais motivantes, mais realistas, de dimensão
mais próxima depois da que os alunos vão encontrar na sua vida profissional,
para os tornar mais credíveis... " (2).
Paralelamente, a interacção que crê dever existir na aula - e que pretende
fomentar - é entendida como meio de prevenção de falhas nos exames finais,
na medida em que tem como objectivo fundamental melhorar a aquisição de
saberes curriculares por parte dos alunos: "... vou tentar interagir mais com
eles, conhecê-los mais, porque acho que é a maneira também de perceber
onde é que eles têm mais problemas e, portanto, conseguir actuar a tempo
antes das avaliações finais (...) onde finalmente se descobre que eles não
perceberam este aspecto, porque ninguém respondeu correctamente a isto." -
o que revela, também, preocupação do professor com as dificuldades dos seus
alunos, e respectiva disponibilidade no sentido de as colmatar (1, 3, 4, 5, 8, 9).
É neste sentido que pretende passar a "... ter sempre aulas práticas nas
disciplinas onde também tenho teóricas, para... ter as duas visões, porque...
ter-se só teóricas sem ter práticas nenhumas agrava claramente este problema
do distanciamento...".

Quando é confrontado com a questão sobre homogeneidade/heterogeneidade


dos alunos, observamos expressão de surpresa e hesitações da sua parte:
'Mais parecidos, como?! Uns com os outros, ou... mais parecidos como?!..." - o
que pensamos traduzir a representação que este professor tem dos alunos
como conjuntos homogéneos, e que reforça pelo que diz imediatamente a
seguir "Vou fazer uma apreciação geral!" (versus particular) (6).

158
No entanto, refere a existência de um pequeno número de alunos diferente da
maioria e que identifica pelos seus altos desempenhos académicos "... fulanos
que só estudam, quer dizer, são indivíduos que tiram dezoito ou dezanove a
todas as disciplinas, ou vinte...", chamando-lhes pejorativamente "máquinas de
estudar" - o que parece denotar, da sua parte, pelo menos uma atitude de
rejeição. Neste sentido, acrescenta "Agora, a vida não é só estudar, não é?, e
eu não sei se isso é muito positivo...! Mas pronto!" (6).

Considera que os alunos actuais são diferentes dos de há nos atrás (os quais
constituíam um grupo mais homogéneo), e são também diferentes entre si.
Esta diferença reside na quantidade e na qualidade de informação hoje
disponível - que conduz à especialização: "... é possível encontrar fulanos até
agora com uma informação sobre muita coisa mais diversificada do que aqui há
uns anos (...) Agora há muitos outros canais de informação, e as pessoas - na
impossibilidade de lerem tudo!! - especializam-se! (...) há pessoas com uma
informação muito aprofundada numa certa área, outro noutra área e, portanto,
desse ponto de vista, eu diria que são mais diferentes!" (1, 4, não 2 intermultic.
- embora considere esta diferença, não revela consciência do "arco-íris de
culturas" na sala de aula).
Estabelece uma outra diferença entre os actuais alunos e os de há anos atrás,
a qual consiste numa "...maturidade (...) mais tardia: chegam ao 1 o ano (...)
com necessidade de condução do ponto de vista até do estudo... e de
comportamento (...) é atirar papeizinhos, aviõezinhos, brincadeiras...!!..." e isto
"... porque todo o desenvolvimento está um pouco mais lento..." - factores de
natureza biológica e psicológica que têm implicações negativas em termos de
desempenho académico (8).

Outros factores responsáveis pelo que considera importantes falhas de


aprendizagem nos alunos correspondem a estratégias que estes usam nos
trabalhos de grupo: "... fulanos que acabam por chegar ao fim do curso com
deficiências básicas - que não são admissíveis!! - porque sempre viveram num
mesmo grupo...!! Porque os outros eram mais rápidos a programar, e não sei
quê, e não têm tanta pachorra para escrever relatórios, e ele se calhar tinha
jeito para escrever, passavam-lhe sempre essa parte...!! (...) isto para além de

159
a permanência do mesmo grupo em várias disciplinas também conduzir a um
esquema de repartição do trabalho (...) "Tu fazes o desta disciplina, eu faço o
daquela, e depois a nota é para os dois!" (1, 4, 7)
Ora, isto acarreta falhas na avaliação "... fazer com que se esteja a avaliar
incorrectamente, digamos, as pessoas: para dar a nota ao grupo igual, de facto
se calhar houve um que era bastante melhor do que os outros e, portanto,
puxou todo o grupo um bocado mais para cima..." (7).
Houve várias tentativas infrutíferas para resolver esta situação identificada
como problema, mas "... eles não reagem... bem (...) há ali muitas razões para
querer manter o grupo!"; e acrescenta que este modo de dar aulas, na
faculdade de engenharia, é "... uma característica que nós temos bastante...
desenvolvida - digamos - nos nossos alunos que é o de fomentar o trabalho
em grupo, e de eles normalmente reagirem bem!" - a atitude que daqui ressalta
pode ser tida como reveladora de alguma rigidez no que se refere à
possibilidade de mudança de metodologias (2).

Um mau desempenho académico deve-se, muitas vezes, à interacção alunos-


alunos, mais particularmente à má influência dos líderes das praxes: "... eu
creio que, em média, os líderes desse tipo de coisas são fulanos que têm
fracos resultados académicos (...) E creio que passa, também, um bocado a
imagem de que as aulas teóricas não são para ir, que só se começa a estudar
não sei quando...! - que é aquilo que fez com que os fulanos que transmitem
essas ideias, de facto, sejam repetentes crónicos..." (1, 8).

Sobre a interacção com os alunos fora das aulas, é reduzida e entendida


apenas no âmbito da transmissão de saberes curriculares: "Não tenho muita
interacção com os alunos fora das aulas...! Não vêm assim muito tirar
dúvidas!..." (4).

A questão da avaliação dos professores feita pelos alunos, apesar de produzir


a resposta verbalizada "Acho que é importante que existam..." (frase
pronunciada num tom de voz muito baixo) é acrescentada por "...e acho que
devem ser lidas em contexto! Porque não se pode ler essas avaliações (...)
como medidas finas, mas como indicações." (num tom de voz nitidamente mais

160
alto). E completa assim a sua exposição sobre esta matéria: "... vale a pena
(...) Mesmo que até depois ninguém fosse ligar muito aos resultados (...)
Portanto, acho que vale a pena... Que é interessante que existam!... Acho que
sim!" - expressões e frases estas que denotam desvalorização deste assunto
por parte do professor, o que nos leva a crer que este não concordará com a
realização dessa avaliação com aquele objectivo (3, 9, não 7 intermulticultural).
Aliás, quando retoma este assunto atribui-lhe outro objectivo fundamental, e
inicia-o com a palavra mas: "Mas são importantes para detectar grandes
desvios: essencialmente é isso! Quer dizer, um docente que falta muito,
concerteza que irá notar-se depois, no resultado final, porque haverá mais
alunos a chamar a atenção para esse aspecto. Um docente que tem, enfim,
uma grande capacidade de comunicação, e de motivação, etc., naturalmente
será bem classificado pela maioria dos alunos!...". Aqui, para além de
podermos identificar os pontos 3 e 4, consideramos que está muito presente o
enquadramento teórico deste professor relativamente ao aumento da
competência, eficácia e normalização como objectivos, e diferenças
penalizáveis (7); o seu discurso prossegue nesta linha "... uma disciplina onde
há problemas, isso se calhar aparece no inquérito; permite ao director do curso
depois tentar actuar! - mas funciona como prevenção, não é?: os docentes,
pelo facto de saberem que existem os inquéritos, se calhar já... enfim, fazem
mais algum esforço, e tal..." (7). E, a propósito da especialização excessiva de
determinados professores, a postura da penalização ao desvio mantém-se: o
termo utilizado é combater, e fazem-se reuniões de ano com esse objectivo às
quais aqueles professores são pressionados a comparecer "... combater esse
tal isolamento, a especialização. (...) Enfim, não digo que sejam obrigados,
porque não marcam falta, mas... enfim...! Têm que justificar porque é que não
vão, digamos...!... Enfim, em princípio, se não forem, nota-se que não foram!...,
não é? - são reuniões com cinco, dez pessoas, não é? E, portanto, nota-se:
"Faltou o docente da disciplina tal!"" (2, 7).

Quando confrontado com a escolha entre o ensino ou a investigação como


atributo principal de um professor de ensino superior, inicialmente declarou
peso igual para cada uma das componentes, recorrendo aos estatutos para o
justificar: "Na universidade, não se pode escolher! São as duas importantes:

161
estão no estatuto, e não é por acaso que estão no estatuto... Quer dizer, é
porque faz parte da própria natureza da instituição!" (3).
No entanto, no decurso da entrevista, o modo como se refere à componente
pedagógica leva-nos a pensar que este professor não lhe considera esse
mesmo peso que à outra componente científica, mas atribui um peso maior a
esta última:
- acerca dos diferentes perfis dos docentes da sua instituição, discorre
sobre vários começando pelo do cientista, passa pelo de gestor e termina
no de engenheiro - nunca atribuindo explicitamente a estes perfis o de
professor. E, só depois, é que o acrescenta: "Numa faculdade como a de
Engenharia (...) cabem desde matemáticos mais ou menos daquele modelo
do cientista (...) indivíduos que são praticamente gestores (...) até
engenheiros (...). Portanto, temos de facto... - e professores, não é?
(professores no sentido em que são indivíduos que se dedicam
essencialmente à parte pedagógica)." (1, 2);
- a sua definição de um bom professor de ensino superior apresenta
claramente essa hierarquia, já que considera a competência científica como
primeira condição, enquanto que a competência pedagógica existe em
função daquela: "É um indivíduo que tem capacidade de fazer investigação
própria (...) e de traduzir isso em actividades pedagógicas consequentes,
desde a estruturação dos cursos e das disciplinas, à própria forma de
leccionar a disciplina, e de comunicar com os alunos." (1, 2).

Nos concursos de progressão académica, assume que "... ainda há um peso


muitas vezes excessivo da investigação, do ponto de vista de instituições onde
a componente pedagógica também é considerada importante...", mas declara-
se contrário a mudanças de legislação nesta matéria, já que "... se deve confiar
nos júris (...) não me parece (...) que haja que alterar muito a legislação (...)
desde que se indique quais os parâmetros genéricos (...) através de uns
regulamentos... - mas dentro da instituição! - Não em termos de uma política
geral para todo o país..." (1, 3, não 3 intermultic).

162
Professor Intermulticultural

Caracteriza alguns alunos como diferentes relativamente à maioria: têm


resultados académicos muito altos "Esses estão ali mesmo para estudar - na
primeira carteira, e tal...!!", e relaciona esse sucesso com factores económicos
e sociais "... tiveram meios desde pequeninos (...) e incentivos familiares e
sociais..." (2, 3)

Considera o distanciamento relativamente aos alunos como um dos piores


defeitos de um professor de ensino superior, o qual é "... provocado também
pela forma como o ensino está organizado...", ou seja, "Quando se quis, por um
lado, reforçar a hierarquia académica das várias categorias dos docentes e, por
outro lado, reduzir ao pessoal aumentando a sua "rentabilidade", instituiu-se a
separação entre aulas teóricas e práticas, dando mais crédito às teóricas (...) e
juntando dezenas ou centenas de alunos na mesma sala..." (3).
Mas também acontece porque "A carreira universitária valoriza muito a
investigação (...) mas valoriza pouco (...) o esforço pedagógico e o
desempenho pedagógico" o que pode dar origem a que "... os docentes (...)
concentrem os seus esforços nos projectos de investigação (...) as aulas saem
necessariamente um bocado prejudicadas..." (não 1 monoc?., não 2 monoc?) -
descreve, mas não assume uma posição.

Professor Monocultural e/ou Professor Intermulticultural?

Identificamos no discurso de Francisco Couto todas as características


consideradas do tipo de professor monocultural (entre as quais três delas
definidas como contrárias ao tipo de professor intermulticultural); e duas do tipo
de professor intermulticultural (com outras duas definidas como contrárias ao
tipo de professor intermulticultural e, pelo menos aparentemente,
contraditórias.).

163
Trata-se, então, de um professor:

a) monocultural - cientificamente competente


Escola como campo neutral de aquisição de saberes

b) monocultural - com sólida preparação profissional, bom "tradutor" da


complexidade da ciência
valorização das metodologias e dos materiais estandardizados

c) monocultural - seguro e estável, que valoriza a cultura nacional tradicional


valorização da estabilidade, valorização da importância de manter a cultura
erudita e nacional

d) monocultural - claro e interessante


transmissão de saberes considerados importantes como prioridade

e) monocultural - paciente e trabalhador, distribuidor de saberes a todos os


alunos; preocupação com a garantia de oferta de igualdade de oportunidades
de acesso

f) monocultural - fonte/emissor de saber, equitativo


massificação do ensino como forma de enfrentar a escola de massas,
representação dos alunos como conjuntos homogéneos

g) monocultural - eficiente, justo e exigente


aumento da competência, eficácia e normalização como objectivos; diferenças
penalizáveis

h) monocultural - preocupado com dificuldades dos seus alunos, disponível


explicações psicológicas e biológicas das dificuldades escolares

i) monocultural - contribui para a construção do aluno-tipo ideal


implicação na compreensão de handicaps existentes nos alunos

164
j) monocultural (não intermulticultural) - "daltónico cultural"
não consciência do "arco-íris" de culturas existente na escola e na sala de aula

k) monocultural (não intermulticultural) - não capaz de investigar (na área da


sociologia)
não compreensão da escola como local de práticas conflituais, de cruzamento
de diferentes poderes, interesses e valores; identificação de factores explícitos
e ocultos que estejam a interferir em processos educativos; descoberta e
alargamento de espaços de autonomia relativa dos professores e da escola

I) monocultural (não intermulticultural) - não flexível, agente e investigador


(educador) que proporciona formas de aquisição de saber, de poder e de
exercício de cidadania aos seus formandos
não concepção do bilinguismo cultural crítico e da consciência do direito à
cidadania como meta

m) intermulticultural - não "daltónico cultural"


consciência do "arco-íris" de culturas existente na escola e na sala de aula

n) intermulticultural - capaz de investigar (na área da sociologia)


compreensão da escola como local de práticas conflituais, de cruzamento de
diferentes poderes, interesses e valores; identificação de factores explícitos e
ocultos que estejam a interferir em processos educativos; descoberta e
alargamento de espaços de autonomia relativa dos professores e da escola

o) intermulticultural (não monocultural) - não cientificamente competente


não Escola como campo neutral de aquisição de saberes

p) intermulticultural (não monocultural) - não com sólida preparação


profissional, bom "tradutor" da complexidade da ciência
valorização das metodologias e dos materiais estandardizados

165
Considerando fundamentalmente i) e j) 26 , observamos que Francisco Couto
representa os alunos de pré-graduação como conjuntos homogéneos, pelo que
o consideramos em M2 neste nível de ensino.
Chegámos, deste modo, à localização das metodologias pedagógicas de
Francisco Couto no eixo metodológico em
M2 - para o nível de ensino de pré-graduação;
M3 - para o nível de ensino de pós-graduação.

26
O referido na alínea m) parece contrariar isto, mas essa alínea refere-se à heterogeneidade
que este professor identifica no nível de pós-graduação, pelo que neste caso considerámos
apenas a pré-graduação - que é o caso que falta situar (o nível de pós-graduação foi já
localizado em M3).

166
LOCALIZAÇÃO DOS TRÊS PROFESSORES
NO EIXO MET ODOLÓGICO

Este percurso permite-nos, agora, apresentar a localização das metodologias


pedagógicas relativas aos três professores no eixo metodológico, nos níveis de
ensino superior de Pré-Graduação e de Pós-Graduação.

Pré-Graduação

- Educação Activa ou Investigativa (M2) - Francisco Couto


- Educação Contextualizada (M3) - Manuel Rebelo e
Jaime Almada

Pós-Graduação

- Educação Contextualizada (M3) - Manuel Rebelo,


Jaime Almada e
Francisco Couto

4, 5 e 6; 7, 8 e 9. Desenvolve-se agora cada uma das situações:

■ 4, 5 e 6 - recorre-se a métodos activos - através de pedagogias invisíveis -


que tornam as aprendizagens mais estimulantes e são responsáveis pelo
desenvolvimento de determinadas capacidades dos alunos, os quais ainda
constituem, para os professores, um grupo homogéneo. T al como na
situação anterior, trata-se de professores monoculturais que se movem e
actuam no domínio de uma escola reprodutora.

167
7, 8 e 9 - recorre-se a pedagogias invisíveis, tendo os professores a
preocupação de adequar as propostas de ensino/aprendizagem aos seus
alunos já que existe, da sua parte, a consciência da heterogeneidade na
sala de aula. A atitude destes professores revela preocupações mais
emancipatórias.27

Estas metodologias pedagógicas relacionam-se directamente com a


emancipação dos indivíduos (ao invés de M1, que se relaciona com a
domesticação). Assim, é nas pós-graduações que tem lugar um maior grau de
emancipação - o que está de acordo com o modelo teórico estudado.

27
Segundo Cortesão (2000), estas situações correspondentes às casas 7, 8 e 9 ocorrem com
uma frequência muito menor relativamente às dos dois grupos anteriores, e, como tal, têm sido
menos estudadas - pelo que "... suscitam a importância de uma análise mais aprofundada, pois
que, à partida, a caracterização que delas se faz se reveste de alguma ambiguidade: a simples
referência a que nesta categoria estão reunidas situações de trabalho em que não se está
"indiferente à diferença" é, em si, uma caracterização muito pouco esclarecedora, pois que
poderão estar em questão diferenças de variadas naturezas." (Cortesão, 2000: 61).

168
CRUZAMENTO DOS EIXOS QUÊ E COMO: ONDE

Estamos, agora, em condições de cruzar o eixo de Aquisição de Saberes - o


QUÊ - com o Eixo Metodológico - o COMO - para obtermos o ONDE de
Bernstein, relativamente aos três professores, em cada um dos dois níveis de
ensino (Pré-Graduação e Pós-Graduação):

Manuel Rebelo
Pré-Graduação: S2; M3 - casa 8
Pós-Graduação: S3; M3 - casa 9

Jaime Almada
Pré-Graduação: S2; M3 - casa 8
Pós-Graduação: S3; M3 - casa 9

Francisco Couto
Pré-Graduação: S2; M2 - casa 5
Pós-Graduação: S3; M3 - casa 9

169
Quadro 2
Quê, Como,Onde

B Eixo
Metodológico
Domesticação/
/Emancipação

Manuel Rebelo Manuel Rebelo,.


Pré-graduação Pós-Graduação'
Educação Jaime Almada Jaime Almada
Contextualizada Pós-G/áduação
(Disp. de Dif.
Pré-Graduação
Pedagógica) Francisco Couto
/Pós-Graduação

Educação Franciscp Úouto


Activa e/ou
Investigativa Pré-Qráduação

Educação
Bancária
Eixo de
Aquisição
de saberes:
Reprodução/
/Produção

Conteúdo do manual Utilização da Produção de conhecimento


produção científica disciplinar pelo próprio
de outrem (investigação)

170
V
CONCLUSÕES

171
"... os docentes do Ensino Superior praticam muitas vezes pedagogia
sem o saberem. A novidade consiste em nos interrogarmos sobre a
validade desta ou daquela técnica, deste ou daquele modelo
pedagógico, e em introduzirmos novas práticas de ensino, a partir desta
interrogação. (...) Se, portanto, aderirem ideologicamente (...) às
alterações em curso, adoptarão práticas pedagógicas susceptíveis, do
seu ponto de vista, de as acelerar, ou pelo menos de as acompanhar..."
(Bireaud, Annie, 1995:19)

172
O DISCURSO EDUCATIVO COMO
DISPOSITIVO DE DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

Uma primeira análise do quadro obtido1 - e, mais particularmente, do eixo


metodológico - revela-nos algo que pode parecer surpreendente: as práticas
pedagógicas dos três professores entrevistados relativas a ambos os níveis de
ensino superior localizam-se, essencialmente, no modelo pedagógico de
educação contextualizada - o qual pressupõe, por parte desses professores, a
criação e a utilização de dispositivos de diferenciação pedagógica.

No entanto, devemos considerar a possibilidade (muito plausível!) de nenhum


daqueles três professores conhecer a existência deste conceito2 o que, à
partida, não parece ser coerente com o modelo - mas isto só será de
considerar se pensarmos que é imprescindível o domínio prévio, por parte
daqueles professores, da terminologia relativa ao mesmo conceito.
Por outro lado, se atendermos antes, e fundamentalmente, às suas práticas
pedagógicas - cujas características são passíveis de as identificar no domínio
da educação contextualizada - e, paralelamente, porque se trata de
professores mais próximos do tipo de professor intermulticultural - que
consideram a heterogeneidade dos alunos na sala de aula - então poderemos
defender que esses professores criam e utilizam dispositivos de diferenciação
pedagógica.

Afinal, em que consistirão essencialmente esses dispositivos de diferenciação


pedagógica? Pelo modo como estes professores predominantemente
leccionam, pensamos que será através da palavra - que intencionalmente
adequam aos alunos (conhecimento educativo) com base no conhecimento
que deles construíram (conhecimento socioantropológico).

1
Ver quadro 2 na página 170.
2
Por um lado, o conceito de dispositivos de diferenciação pedagógica é ainda recente, pelo
que nem todos os profissionais da área científica de Ciências da Educação o conhecerão; por
outro lado, os três professores entrevistados pertencem a outras áreas científicas - o que
reduzirá, em princípio, a possibilidade de estes professores o conhecerem.

173
A este propósito, um dos professores entrevistados (Jaime Almada) afirma:
"Eu, se não preparar uma aula, e começar lá no meio a... dizer coisas um
bocado abstractas, que não se ligam a nada... - aquele paleio, como se
costuma dizer, de professor universitário (...) eles começam a desandar!!...
Portanto, o interesse do aluno, a meu ver, está directamente relacionado com a
preparação que o professor faz das aulas, com o investimento que o professor
coloca nas aulas!"
Este discurso revela, da parte do professor, um conhecimento sobre os seus
alunos que lhe permite encontrar os instrumentos mais adequados para os
equipar com os respectivos conhecimentos curriculares, instrumentos esses
que constituem o seu discurso pedagógico. Ora, segundo Cortesão (2000): "...
esta selecção do discurso pedagógico (...) se é original, se se faz, não por
tentativa/erro, mas porque se constrói como hipótese lógica de proposta
educativa àquele grupo, àquele contexto, poderá constituir uma situação
específica de produção de conhecimento no decurso da acção pedagógica."
(Cortesão, 2000: 71).

Assim, estamos agora em condições de concluir que a educação


contextualizada - com a criação e a utilização de dispositivos de diferenciação
pedagógica - será susceptível de ocorrer enquanto práticas pedagógicas de
professores nos dois níveis de ensino superior, desde que esses professores
se aproximem mais do tipo de professor intermulticultural do que do outro tipo
monocultural e que, portanto, identifiquem e rentabilizem a heterogeneidade na
sala de aula.

174
EMANCIPAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO SUPERIOR

Depois desta reflexão que nos possibilitou a compreensão dos dispositivos de


diferenciação pedagógica que os professores entrevistados utilizarão nos dois
níveis de ensino superior considerados conjuntamente, procedemos em
seguida à análise do mesmo quadro 2 sobre as práticas pedagógicas desses
professores no que se refere, agora, aos dois níveis de ensino superior - pré-
graduação e pós-graduação.

1. A aquisição de saberes não se faz através de conteúdo do manual, nem


o método pedagógico utilizado é a educação bancária - nos três casos,
e em ambos os níveis de ensino superior. Assim, podemos afirmar que,
tanto na pré-graduação como na pós-graduação, não se observam as
práticas pedagógicas de naturezas mais domesticadora e mais
reprodutora.

2. O nível de pré-graduação observa-se em duas casas: casa 5 (Francisco


Couto); e casa 8 (Manuel Rebelo e Jaime Almada). Isto significa que os
três professores recorrem a produções científicas de outrem na
aquisição de saberes - não se verifica produção de conhecimento de tipo
disciplinar em qualquer dos três casos neste nível de ensino - e utilizam
estes modelos pedagógicos:

a) Francisco Couto (casa 5) recorre à educação activa e/ou


investigativa, suscitando situações activas de aprendizagem
nas aulas com os seus alunos - os quais considera como
grupos homogéneos, não tendo sobre eles um conhecimento
socioantropológico nem produzindo um consequente
conhecimento educativo - não se verifica aqui produção
também destes dois tipos de conhecimento;

175
b) Manuel Rebelo e Jaime Almada (casa 8) recorrem à educação
contextualizada, produzindo ambos dois tipos de
conhecimento: um conhecimento socioantropológico sobre os
seus alunos - nos quais identificam e consideram a
heterogeneidade - e um outro conhecimento educativo
(conhecimento este que, partindo do anterior, possibilita a
criação de dispositivos de diferenciação pedagógica) para
esses alunos específicos.

3. As práticas pedagógicas relativas ao nível de pós-graduação estão


localizadas na casa 9 - nos três casos - o que significa que, neste nível
de ensino, cada um dos três professores produzirá os três tipos de
conhecimento: disciplinar; socioantropológico (sobre os seus alunos); e
educativo (para os seus alunos), com a respectiva criação de
dispositivos de diferenciação pedagógica, e sua utilização.

4. Considerando o vector A no que diz respeito às duas situações extremas


de reprodução (casa 1) e de produção (casa 9) observamos, por um
lado, a ausência da primeira e, por outro lado, a presença da segunda -
esta presença verifica-se apenas no nível de pós-graduação.

5. Considerando o vector B no que diz respeito às duas zonas que este


separa no quadro - uma onde predomina a reprodução, e outra onde
predomina a produção - verificamos que as práticas pedagógicas dos
três professores se localizam essencialmente na segunda zona referida
(onde predomina a produção).

A partir destes resultados, e considerando os dois níveis de ensino superior


(pré-graduação e pós-graduação), podemos concluir que as práticas
pedagógicas dos três professores se relacionam mais com processos de
produção de conhecimento do que com a sua reprodução, e também se
relacionam mais com processos de emancipação do que com processos de
domesticação.

176
MAIOR EMANCIPAÇÃO E MAIOR PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO NÍVEL DE PÓS-GRADUAÇÃO

Estabelecendo agora uma comparação entre os dois níveis de ensino superior


no que diz respeito à produção de conhecimento, podemos considerar que é
exclusivamente no nível de pós-graduação que tem lugar a produção dos três
tipos de conhecimento (casa 9) - disciplinar, socioantropológico, e educativo
(dispositivos de diferenciação pedagógica) - enquanto que no nível de pré-
graduação, ou não se observa qualquer produção (casa 5), ou existe a de dois
tipos de conhecimento (casa 8) - socioantropológico e educativo (dispositivos
de diferenciação pedagógica).

Portanto, no nível de pré-graduação e no que diz respeito à aquisição de


saberes, as práticas pedagógicas não são as mais reprodutoras, mas também
não são as mais produtoras (casa 8); e, no que diz respeito aos métodos,
temos duas situações - os de natureza mais emancipadora (casa 8), e outros
de natureza não tão emancipadora (casa 5)3.

Assim, já que é no nível de pós-graduação que as práticas pedagógicas


daqueles professores se revelam as de natureza mais emancipadora e as de
natureza mais produtora - relativamente ao nível de pré-graduação - podemos
concluir que é no nível de pós-graduação que a produção e a emancipação
mais intensamente se manifestam.

3
Recorde-se que as práticas pedagógicas consideradas meramente reprodutoras e
domesticadoras não constam no quadro - pelo que aqui utilizamos a designação não tão
emancipadora tendo como referência apenas as práticas pedagógicas mais emancipadoras.

177
OS RESULTADOS E O MODELO TEÓRICO CONSIDERADO:
CORRESPONDÊNCIAS

Considerando as casas obtidas 5, 8 e 9, no que se refere à distribuição dos


dois níveis de ensino superior por essas casas, os resultados coincidem com o
modelo teórico de Stoer e Cortesão (1999): o nível de pré-graduação localizar-
se-á nas casas 5 e 8; mas a casa 9 - onde ocorrem as práticas pedagógicas de
natureza mais produtora e de natureza mais emancipadora - apenas poderá
incluir o nível de pós-graduação.

Considerando as casas obtidas 8 e 9, as práticas pedagógicas que lhes estão


associadas pressupõem necessariamente, pela sua natureza - educação
contextualizada - a criação e utilização de dispositivos de diferenciação
pedagógica por parte dos professores.

E, assim, verifica-se produção de conhecimento: de dois tipos - um


socioantropológico (sobre os seus alunos) e outro educativo (para os seus
alunos) - nos casos de Manuel Rebelo e de Jaime Almada, relativamente ao
nível de pré-graduação; e de três tipos - para além dos dois tipos de
conhecimento socioantropológico e educativo, verifica-se também a produção
de conhecimento disciplinar nos casos de Manuel Rebelo, de Jaime Almada e
de Francisco Couto, relativamente ao nível de pós-graduação.

A partir destes resultados, poderemos estabelecer relações entre: as práticas


pedagógicas destes professores de ensino superior - predominantemente de
natureza emancipadora e de natureza produtora; e o mercado de trabalho no
actual contexto pós-fordista - onde o conhecimento assume um papel central
no processo produtivo.

178
Neste contexto, apelos a características como criatividade, flexibilidade,
capacidade de decisão e autonomia, constituem o discurso preponderante
nesta relação. Como tal, não parecerão surpreendentes estas afirmações dos
professores entrevistados: "... se eles estão metidos num curso superior, é
para terem uma actividade mais ou menos autónoma (...). Se nós continuarmos
a "educar" para uma atitude subserviente perante a vida em geral e os
conteúdos que estamos a discutir - é suicida!... Quer dizer, estamos a preparar
gerações de pessoas que depois não são capazes de resolver os problemas
que têm pela frente!..." (Manuel Rebelo); "Os alunos têm que ter voz activa! Os
alunos são adultos!... E a universidade é um sítio que treina para a vida adulta,
e é daqui que saem os quadros, os indivíduos que na sociedade
desempenham, por vezes, funções de muita responsabilidade! Portanto, treinar
uma relação de adulto é dar voz aos alunos logo desde a sua entrada para
aqui!..." (Jaime Almada); "... há, de facto, uma maior escolha, digamos - os
alunos têm essa possibilidade - que é bom! (...) Porque quando estiverem a
trabalhar, é nesse ambiente que vão conviver (...) E vão ter que ter autonomia
para acompanhar as evoluções, e para responder aos desafios novos que vão
aparecer." (Francisco Couto).

Observamos, assim, a existência de uma relação directa entre aquelas práticas


pedagógicas e o contexto pós-fordista de produção. Associados a estes,
recordemos que se encontram os conceitos de professor intermulticultural e de
ensino superior de massas, sendo que este último se relaciona com a
perspectiva de que há condições a menos para o sucesso de todos os alunos
deste nível de ensino.
Isto, contrariamente à perspectiva de que há demasiados alunos no ensino
superior, a qual se relaciona com o conceito de massificação neste grau de
ensino e respectivas práticas pedagógicas de naturezas essencialmente
domesticadora e reprodutora, cujos modelo pedagógico e tipo de professor
mais representativos são, respectivamente, a educação bancária e o professor
monocultural - num contexto fordista de produção. Neste contexto, nos fins dos
anos 60 em Portugal, ter-se-á geralmente atribuído ao grande número de
alunos no ensino superior a crise que aquele grau de ensino atravessava
(massificação).

179
No entanto, Sedas Nunes assumiu uma perspectiva relacionada com o
conceito de ensino superior de massas, tendo afirmado que essa crise se
deveria mais à falta de condições para o sucesso de todos os alunos - os quais
caracterizou como crescentes em número e também em diversidade - e não ao
seu elevado número. Seria, por isso, necessário operar mudanças capazes de
criar as condições necessárias para todos os alunos poderem frequentar a
Universidade com êxito, independentemente do seu número e atendendo à sua
diversidade. Especificamente em relação às práticas pedagógicas no ensino
superior como condição/objecto de mudança, o autor identificou como negativa
a utilização das pedagogias transmissivas, já que estas não se relacionariam
directamente com o sucesso de todos os estudantes, mas apenas com o dos
tradicionais. As pedagogias transmissivas traduzir-se-iam, deste modo, na
negação da existência das diversidades dos alunos que efectivamente existiam
na universidade.

No que diz respeito tanto à massificação como ao ensino superior de massas,


parece existir, desde aqueles anos, uma tensão também revelada pelas
práticas pedagógicas dos professores deste nível de ensino: se, por um lado,
no actual contexto pós-fordista e na relação com o mercado de trabalho, as
práticas pedagógicas mais domesticadoras e mais reprodutoras não são
adequadas, por outro lado não ignoramos que estas continuam a existir
provavelmente em grande parte dos professores de ensino superior que se
identificam com o tipo de professor monocultural relacionando-se, portanto,
com um contexto fordista de produção.

Poder-se-á realizar mudança nestas condições, se partirmos da igualdade de


oportunidades de acesso ao ensino superior (num contexto meritocrático), mas
recorrendo a práticas pedagógicas emancipadoras e produtoras para trabalhar
com todos os alunos no sentido da igualdade de oportunidades de sucesso; por
outro lado, e num contexto pós-fordista de produção em que o conhecimento é
valorizado, estas práticas - porque se caracterizam também pela produção de
conhecimento - serão as mais adequadas.

180
O modelo proposto por Stoer e Cortesão (1999) poderá realizar-se deste modo,
através da relação entre o mundo do trabalho e o mundo da educação:
particularmente na situação educativa que corresponde à casa 9, onde há
produção de três tipos de conhecimento - disciplinar, socioantropológico, e
educativo. Assim, as práticas pedagógicas dos três professores de ensino
superior que entrevistámos correspondem àquelas capazes de realizar
mudança, sobretudo as do nível de pós-graduação (casa 9).

ESTES TRÊS PROFESSORES SÃO ESPECIAIS?:


PISTAS PARA OUTROS DESENVOLVIMENTOS

Retomando a situação correspondente a esta casa 9: o resultado obtido está


de acordo com o modelo teórico considerado - no sentido em que se prevê que
apenas no nível de pós-graduação poderão ocorrer aquelas práticas
pedagógicas mais emancipadoras e mais produtoras; mas, no contexto actual
do ensino superior em Portugal, salienta-se que se trata de uma situação mais
ideal do que real. No entanto, as práticas pedagógicas dos três professores
entrevistados relativamente ao nível de pós-graduação incluem-se na casa 9.

Sobre esta questão, poder-se-á pensar que esses três professores reunirão um
conjunto de características que os torna não normais, no sentido em que são
especiais relativamente à norma - que será constituída pelos que não possuem
essas características.
Mas, de que características se trata? O que podemos dizer é que, certamente
para além da existência de outras que os diferenciam e/ou assemelham, os
três professores partilham determinadas características que revelam
particularmente no nível de pós-graduação - correspondentes aos algarismos

181
1, 2 e 34 - e que os identificam como se tratando de professores
predominantemente de tipo intermulticultural. Assim, e respectivamente, cada
um destes professores mostra-se: vulnerável à dúvida, e que portanto se
interroga; não daltónico cultural; e capaz de investigar (na área da sociologia).

Assim sendo, estes professores intermulticulturais recorrerão às práticas


pedagógicas mais emancipadoras - as quais se situam, no eixo metodológico,
no modelo de educação contextualizada ou dispositivos de diferenciação
pedagógica.

Por outro lado, acrescentamos a esta situação outras duas: os professores


universitários que fazem investigação produzem conhecimento disciplinar;
estes professores podem partilhar esse conhecimento, por eles produzido, com
os alunos, principalmente no nível de pós-graduação já que, em princípio, estes
estarão a desenvolver trabalho científico nessa mesma área disciplinar.
Reunidas estas duas possibilidades reais, as práticas desses professores
constituirão as de natureza mais produtora, situando-se na terceira coluna do
eixo de aquisição de saberes, correspondente à produção de conhecimento
disciplinar pelo próprio (investigação).

Finalmente, a conjugação destas duas situações com aquela anterior resultará


na casa 9 e traduzirá, deste modo, aquela situação ideal que, efectivando-se,
passará a ser real.

Então, neste contexto, serão estes três professores especiais? Ou


representarão a norma - no que diz respeito ao conjunto dos professores
universitários que leccionam o nível de pós-graduação em Portugal?
Esta poderá constituir uma questão a desenvolver futuramente.

4
Ver, no capítulo IV, o sub-capítulo "Análise da Relação entre os Dados e o Modelo Teórico
Considerado" e, neste, o "Eixo Metodológico: Como" sobre a caracterização dos professores
relativamente aos dois tipos de professor - monocultural e intermulticultural.
Mantém-se aqui a correspondência das características aos respectivos algarismos, tal como no
capítulo referido.

182
BIBLIOGRAFIA

AFONSO, A. (1997) "Integração Europeia e (Re)Formulação das Políticas de


Ensino Superior em Portugal: Alguns Vectores de uma Evolução Recente", in
Valdemar Sguissardi; João dos Reis Silva Júnior (org.) Políticas Públicas para a
Educação Superior. Piracicaba: UNIMEP, 63-79.

AFONSO, A (1997) "O Neoliberalismo Educacional Mitigado numa Década de


Governação Social-Democrata: um contributo sociológico para pensar a reforma
educativa em Portugal (1985-1995)", Revista Portuguesa de Educação, 10, 103-
137, Braga: IEP, Universidade do Minho.

AGUDO, F. (1969) "Dias As Universidades Portuguesas e a Investigação


Científica e Técnica", in António Sedas Nunes (org.) A Universidade na Vida
Portuguesa - Vol. I e II. Lisboa: Moraes Editores.

AGUIAR, J. (1992) "Formação e Espaço Europeu", Actas do Colóquio Educação


e Sociedade.

ALARCÃO, I. (2001) "Professor-lnvestigador: Que Sentido? Que Formação?", in


Bártolo Paiva Campos (org.) Formação Profissional de Professores no Ensino
Superior. Porto: Porto Editora.

ALMEIDA, L. (2002) "Ensino dos Professores e Aprendizagem dos Alunos:


Permeabilidade de Posturas e Métodos", in José Tavares, Iria Brzezinski, Ana
Paula Cabral e Isabel Huet Silva (orgs.) Pedagogia Universitária e Sucesso
Académico. Aveiro: Universidade de Aveiro, 59-62.

AMARAL, A. (s/d) Sistemas Europeus de Avaliação da Qualidade. Porto: CIPES,


Fundação das Universidades Portuguesas..

183
AMARAL, A. (1997) A Universidade: Que Futuro? Porto: CIPES, Fundação das
Universidades Portuguesas...

AMARAL, Alberto et ai (2002) O Ensino Superior pela Mão da Economia.


Lisboa: Fundação das Universidades Portuguesas.

ARONOWITZ, S.; GIROUX, H. (s/d) Educação Radical e Intelectuais


Transformadores. New York: Cuny (Trad, de Maria José Magalhães, Laura
Fonseca, Olga Oliveira).

AZEVEDO, J.; GENTILI, P.; KRUG, a; SIMON, C. (2000) Utopia e Democracia


na Educação Cidadã. Rio Grande do Sul: Editora da Universidade.

BARATA, J. (1992) "Sociedade da Informação, Sociedade de Educação", Actas


do Colóquio Educação e Sociedade.

BARDIN, L. (1995) Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70.

BENAVENTE, A.; COSTA, F.; MACHADO, F. ; NEVES, M. (1987) Do Outro


Lado da Escola. Lisboa: Edições Rolim.

a
BENAVENTE, (1992) "As Ciências da Educação e a Inovação das Práticas
Educativas", in Decisões nas Políticas e Práticas Educativas. Porto: Sociedade
Portuguesa de Ciências da Educação..

BENAVENTE, A (1992) "A Reforma Educativa e a Formação de Professores",


in António Nóvoa e Thomas Popkewitz (orgs), Reformas Educativas e
Formação de Professores. Lisboa: Educa, 47-55.

BENTO, L; SALGADO, O (2001) A Formação Pragmática: Um Novo Olhar.


Cascais: Pergaminho..

BERNSTEIN, B. (1994) "Das Pedagogias aos Conhecimentos", Educação,


Sociedade e Culturas, 15, 9-17. Porto: Edições Afrontamento.
BERTAUX, D. (1978) Destinos Pessoais e Estrutura de Classe. Lisboa: Moraes
Editores.

BINDI, F. (2002) "Processos de Decisão na União Europeia: a Influência de


Eurogrupos", Análise Social, vol. XXXVII (162), 151-179.

BIREAUD, A. (1995) Os Métodos Pedagógicos no Ensino Superior. Porto:


Porto Editora.

BOBBIO, N. (s/d) Estado, Governo, Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

BOURDIEU, P. (1989) O Poder Simbólico. Lisboa: Difel

BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. (1981) "Os Herdeiros": O Ensino Superior e


as Desigualdades Sociais" in Mónica, M. (antol.) Escola e Classes Sociais.
Lisboa: Editorial Presença, 85-95.

BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. (1982) "As Oportunidades de Acesso ao


Ensino Superior" in GRÁCIO, S.; MIRANDA, S.; STOER, S. (orgs.) Sociologia
da Educação - I. Lisboa: Livros Horizonte.

BRZEZINSKI, I. (2002) "Docência Universitária e Sucesso Académico: Um


Olhar Brasileiro", in TAVARES, J. et ai (orgs.) Pedagogia Universitária e
Sucesso Académico. Aveiro: Universidade de Aveiro, 17-31.

CAJIDE, J.; PORTO, A.; ABEAL, C ; BARREIRO, F.; ZAMORA, E.; EXPÓSITO,
A.; MOSTEIRO, J. (2002) "Competências Adquiridas en la Universidad y
Habilidades Requeridas por los Empresários", Revista de Investigación
Educativa - Asociación Interuniversitária de Investigación Pedagógica
(AIDIPE), Vol. 20, 2, 449-468.
CAMPOS, F. (1998) "Paulo Freire: Actualidade e Urgência da sua Praxis e do
seu Discurso", Revista de Educação, vol. VII, 1, 9-26. Departamento de
Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

CARIA, T. (1992) "Perspectiva Sociológica sobre o Conceito de Educação e a


Diversidade das Pedagogias", Sociologia - Problemas e Práticas, 12, 171-184.

CARNEIRO, R. (1988) Portugal. Os Próximos 20 Anos. Educação e Emprego


em Portugal. Uma Leitura de Modernização. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.

CARREIRA, M. (1996) O Estado e a Educação. Instituto de Ciências Sociais da


Universidade de Lisboa e Público..

CARVALHO, R. (1996) História do Ensino em Portugal: Desde a Fundação da


Nacionalidade até ao Fim do Regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian.

CASTRO, A. (1985) "O Ensino Universitário em Portugal numa Perspectiva


Histórica", Cadernos de Ciências Sociais, 3, 35-60. Porto: Edições
Afrontamento.

CLAPARÈDE, E. (s/d) A Escola e a Psicologia Experimental. São Paulo:


Melhoramentos

CORMARY, H. (1984) Dicionário de Pedagogia. Lisboa: Verbo.

CORREIA, F.; AMARAL, A.; MAGALHÃES, A. (2000) Diversificação e


Diversidade dos Sistemas de Ensino Superior: O Caso Português. Porto:
Cipes, Fundação das Universidades Portuguesas.
CORREIA, J. A. (1990) "Elementos para uma Abordagem Sócio-lnstitucional
dos Sistemas de Formação de Professores" in STOER, S. (org.) Educação,
Ciências Sociais e Realidade Portuguesa: Uma Abordagem Pluridisciplinar.
Porto: Edições Afrontamento.

CORREIA, J. A. (2000) As Ideologias Educativas em Portugal nos Últimos 25


Anos. Porto: Edições Asa.

CORREIA, J. A. (1998) Para uma Teoria Crítica em Educação. Porto: Porto


Editora.

CORTESÃO, L. (1988) Escola, Sociedade, Que Relação?. Porto: Edições


Afrontamento.,

CORTESÃO, L; MAGALHÃES, A.; STOER, S. (1994) "Mapeando Decisões no


Campo da Educação no Âmbito do Processo da Realização das Políticas
Educativas", Educação, Sociedade e Culturas, 15, 45-58. Porto: Edições
Afrontamento.,

CORTESÃO, L. (1998) "Da Necessidade da Vigilância Crítica em Educação à


Importância da Prática de Investigação-Acção", Revista de Educação, vol. VII,
1, 27-33. Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa.

CORTESÃO, L; STOER, S. (1999) "Acerca do Trabalho do Professor: Da


Tradução à Produção do Conhecimento no Processo Educativo", Revista
Brasileira de Educação, 11, Mai/Jun/jul/Ago, 33-45.

CORTESÃO, L. (2000) Ser Professor: Um Ofício em Risco de Extinção?:


Reflexões sobre Práticas Educativas face à Diversidade, no Limiar do Século
XXI. Porto: Edições afrontamento.
CORTESÃO, L. (2001) "Gulliver entre Gigantes: Na Tensão entre Estrutura e
Agência, Que Significados para a Educação?" in STOER, S; CORTESÃO, L;
CORREIA, J. A. (orgs.) Transnacionalização da Educação: da Crise da
Educação à "Educação" da Crise. Porto: Edições Afrontamento, 293-299.

CORTESÃO, L; MAGALHÃES, A.; STOER, S. (2001) Mapeando Decisões no


Campo de Educação no Âmbito do Processo da Realização das Políticas
Educativas, Educação, Sociedade e Culturas, 15, 45-58

CRESPO, V. (1993) Uma Universidade para os Anos 2000: O Ensino Superior


numa Perspectiva de Futuro. Sintra: Editorial Inquérito.

DALE, R. (s/d) Globalização e Educação: Demonstrando a Existência de uma


"Cultura Educacional Mundial Comum" ou Localizando uma "Agenda
Globalmente Estruturada para a Educação"? (dact.)

DALE, R. (1999) "Specifying Globalization Effects on National Policy: A Focus


on the Mechanisms", J. Education Policy, vol. 14, 1, 1-17.

DALE, R. (2000) Globalization: A New World for Comparative Education?


ed Jurgen Schriewer

DALE, R. (2002) "Fumos, Espelhos e a Reconfiguração do Discurso Político", A


Página da Educação, 113.

DOMINGOS, A.; BARRADAS, H; RAINHA, H.; NEVES, I. (1986) A Teoria de


Bernstein em Sociologia da Educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

FORQUIN, J.-C. (1989) École et Culture. Bruxelas: De Boeck-Wesmael.

FREIRE, P. (1987) Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.


GARCIA-FUENTES, C ; CANTERO, J.; PAZ, E. (2002) "Universitários y
Profesionales, Diagnóstico de Estilos de Aprendizaje", Revista de Investigación
Educativa - Asociación Interuniversitária de Investigación Pedagógica
(AIDIPE), Vol. 20, 2, 339-354.

GILBERT, R. (1976) As Ideias Actuais em Pedagogia. Lisboa: Moraes

GRACIA, M. (2002) "La Investigación sobre Diagnóstico de los Estilos de


Aprendizaje en la Ensenanza Superior", Revista de Investigación Educativa -
Asociación Interuniversitária de Investigación Pedagógica (AIDIPE), Vol. 20, 2,
303-338.

GELLERT, C. (1991) The Emergence of Three University Models: Institucional


and Functional Modifications in European Higher Education. Florence:
European University Institute

GIDDENS, A. (2000) Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

GIL, V. (2002) "Prefácio", in TAVARES, J. et ai (orgs.) Pedagogia Universitária


e Sucesso Académico. Aveiro: Universidade de Aveiro, 7-9.

GODINHO, V. (1981) As Ciências Humanas: Ensino Superior e Investigação


Científica em Portugal. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Ciências Humanas e
Sociais.

GOMES, C. (2002) "Ensino Universitário Predomina no Norte", Jornal de


Notícias.

GOMES, E. (2002) "Estudo Dirigido "O Estudo em Grupo Orientado"", in


TAVARES, J. et ai (orgs.) Pedagogia Universitária e Sucesso Académico.
Aveiro: Universidade de Aveiro, 101-107.
GONÇALVES, F. et al (2002) "O Professor e o Sucesso Académico no Ensino
Superior", in José Tavares, Iria Brzezinski, Ana Paula Cabral e Isabel Huet
Silva (orgs.) Pedagogia Universitária e Sucesso Académico. Aveiro:
Universidade de Aveiro, 63-71.

GORDON, S. (1999) Como Ajudar os Professores Principiantes a Ter Sucesso.


Porto: Edições Asa.

GRACIA, M. (2002) "La Investigación sobre Diagnóstico de los Estilos de


Aprendizaje en la Ensenanza Superior", Revista de Investigación Educativa,
vol. 20, 2.

GRÁCIO, R. (1981) Sistema de Ensino em Portugal. Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian

GRÁCIO, R. (1983) "O Congresso do Ensino Liceal e os Grupos de Estudo do


Pessoal Docente do Ensino Secundário: uma Alternativa sob o Caetanismo",
Análise Social, vol. XIX, (77-78-79), 3o, 4o, 5o, 757-791.

GRÁCIO, R. (1986) "A Educação, Dez Anos Depois: Que Transformações, Que
Rupturas, Que Continuidades?", Revista Crítica de Ciências Sociais, 18/19/20,
153-182.

GRÁCIO, R. (1998) Ensinos Técnicos e Política em Portugal: 1910-1990.


Lisboa: Instituto Piaget.

GRÁCIO, S.; MIRANDA, S.; STOER, S. (1982) Sociologia da Educação I:


Funções da Escola e Reprodução Social. Lisboa: Livros Horizonte.

GRÁCIO, S.; MIRANDA, S.; STOER, S. (org.) (1983) Sociologia da Educação -


Il (antol.): A Construção das Práticas Educativas. Lisboa: Livros Horizonte.

GRAU, M.-D. (1975) A Escola, Realidade Política. Porto: Família 2000


Sociedade Distribuidora de Edições Lda.
GRILO, E.; EMÍDIO, M.; SILVA, J. (1992) "Algumas Considerações sobre as
Reformas da Educação", Actas do Colóquio Educação e Sociedade.

GUERRA, J. ; NUNES, A. (1969) "A Crise da Universidade em Portugal:


Reflexões e Sugestões", in NUNES, A. (org.) A Universidade na Vida
Portuguesa - Vol. I e II: Lisboa: Moraes Editores, 427-459.

HARVEY, D. (1992) Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola.

HUBERMAN, A. M. (1973) Comment s'Opèrent les Changements en


Éducation: Contribuition à l'Étude de l'Innovation. Paris: BIE.

ILLICH, I. (1976) A Escola e a Repressão dos nossos Filhos. Póvoa de Varzim:


Publicações Europa-América.

ILLICH, I. (1979) O Direito ao Desemprego Criador. Rio de Janeiro: Editorial


Alhambra.

ILLICH, I. (1988) Sociedade sem Escolas. Petrópolis: Vozes.

LEITE, C. (2002) O Currículo e o Multiculturalismo no Sistema Educativo


Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

LÉON, A. (1983) Introdução à História da Educação. Lisboa: Publicações D.


Quixote.

LIMA, L. (1996) Universidade Portuguesa: Notas sobre a Crise Institucional,


apresentação na 9a Reunião Anual da ANPED e no Seminário Internacional
sobre Educação Superior e Condição Pós-Moderna (UNIMEP).
LIMA, L. (1997) "O Paradigma da Educação Contábil: Políticas Educativas e
Perspectivas Gerencialistas no Ensino Superior em Portugal", in Valdemar
Sguissardi e João dos Reis Silva Júnior (orgs.) Políticas Públicas para a
Educação Superior. Piracicaba: UNIMEP, 23-61.

LLANOS, A.; PINERO, A. (2002) "El Modelo de Teorias Implícitas en el Análisis


de la Estructura de Creencias dei Profesorado Universitário sobre la
Ensenanza", Revista de Investigación Educativa - Asociación Interuniversitária
de Investigación Pedagógica (AIDIPE), Vol. 20, 2, 525-548.

MACHETE, R. (1969) "A Origem Social dos Estudantes Portugueses",, in


António Sedas Nunes (org.) A Universidade na Vida Portuguesa - Vol. I e II.
Lisboa: Moraes Editores, 213-247.

MAGALHÃES, A. (2000) Nem Todos Podem Ser Doutores?!. Porto:


Profedições.

MAGALHÃES, A. (2001) "A Transformação do Modo de Regulação Estatal e os


Sistemas de Ensino: a autonomia como instrumento", Revista Crítica de
Ciências Sociais, 59, 125-143.

MAGALHÃES, A.; STOER, S. (2002) Escola para Todos e Excelência


Académica. Porto: Profedições.

MAINGUENEAU, D. (1997) Os Termos-Chave da Análise do Discurso. Lisboa:


Gradiva.

MARCELLESI, J.-B.; GARDIN, B. (1975) Introdução à Sociolinguística. A


Linguística Social. Lisboa: Editorial Aster.

MARTINS, G. (1992) "Europa - Unidade e Diversidade, Educação e


Cidadania", Actas do Colóquio Educação e Sociedade.
MARTINS, G. (1998) "Sociedade Educativa e Cidadania", Revista de Educação
(Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa), vol. VII, 1,3-8.

MASETTO, M. (org.) (2000) Docência na Universidade. Campinas, São Paulo:


Papirus Editora.

MISHRA, R. (1995) O Estado Providência na Sociedade Capitalista. Oeiras:


Celta.

MILLIBAND, R. (1981) "A Escola e o Processo de Legitimação Social" in Maria


Filomena Mónica (antol.), Escola e Classes Sociais, 27-42. Lisboa: Editorial
Presença.

MÓNICA, M. (org.) (1981) Escola e Classes Sociais. Lisboa: Editorial


Presença.

MONTEIRO, A. (s/d) Antologia: (Re)Encontro com Paulo Freire. Lisboa: Livros


Horizonte.

MONTEIRO, A. (s/d) Educação, Acto Político. Lisboa: Livros Horizonte.

MORROW, R.; TORRES, C. (s/d) The State, Globalization, and Educational


Policy in Globalization and Education: Critical Perspectives. New York:
Routledge.

MORROW, R. (1997) Teoria Social e Educação, Uma Crítica das Teorias da


Reprodução Social e Cultural. Porto: Edições Afrontamento.

MOZZICAFREDDO, J. (1997) Estado Providência e Cidadania em Portugal.


Oeiras: Celta.

MUSGRAVE, P. W. (1979) Sociologia da Educação. Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian.
NISKIER, A. (1999) Educação à Distância: A Tecnologia da Esperança. São
Paulo: Edições Loyola.

NOT, L. (1991) O Ensino Interlocucional. Lisboa: Edições Piaget

NÓVOA, A. (1992) "A Reforma Educativa Portuguesa: Questões Passadas e


Presentes sobre a Formação de Professores", in António Nóvoa e Thomas
Popkewitz (orgs), Reformas Educativas e Formação de Professores. Lisboa:
Educa, 57-69.

NÓVOA, A.; POPKEWITZ, T. (org.) (1992) Reformas Educativas e Formação


de Professores. Lisboa: Educa.

NUNES, A. (1969) "A População Universitária Portuguesa: Uma Análise


Preliminar", in NUNES, A. (org.) A Universidade na Vida Portuguesa - Vol. I e
II. Lisboa: Moraes Editores.

NUNES, A. (1969) "O Sistema Universitário em Portugal: Alguns Mecanismos,


Efeitos e Perspectivas do seu Funcionamento", in António Sedas Nunes (org.)
A Universidade na Vida Portuguesa - Vol. I e II. Lisboa: Moraes Editores, 98-
186.

NUNES, N. (1981) Memórias da Escola Antiga. Lisboa: Didáctica Editora.

OCDE (1988) O Ensino na Sociedade Moderna. Porto: Edições Asa.

O'SULLIVAN, J. (2000) "A Próxima Grande Ameaça à Democracia Liberal",


Nova Cidadania, 4.

PERES, A. N. (1999) Educação Intercultural: Utopia ou Realidade. Porto:


Profedições.
PÉREZ, R. (1971) A Geração Contestaria: Sentido e Evolução da Crise
Universitária. Porto: Livraria Civilização.

PERRENOUD, P. Das Diferenças Culturais às Desigualdades Escolares: A


Avaliação e a Norma num Ensino Indiferenciado in Allai, L; Cardinet, J. ;
Perrenoud, P (1986)

PESCADOR, J. (2002) "La Formación Psicopedagogica dei Profesorado


Universitário en Espana", in TAVARES, J. et ai (orgs.) Pedagogia Universitária
e Sucesso Académico. Aveiro: Universidade de Aveiro, 33-47.

PINA, F. (2002) "Docência e Investigación en Educación Superior", Revista de


Investigación Educativa - Asociación Interuniversitária de Investigación
Pedagógica (AIDIPE), Vol. 20, 2, 271-302.

PINTO, J. (1997) Propostas para o Ensino das Ciências Sociais. Porto: Edições
Afrontamento.

POLIDORI, M. (2000) "Avaliação do Ensino Superior: Uma Visão Geral e uma


Análise Comparativa entre os Contextos Brasileiro e Português", Dissertação
de Doutoramento em Ciências da Educação, Porto, Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

PROENÇA, J. (1998) "Morreu o filósofo francês Jean-François Lyotard - O


Inventor do Pós-Modernismo", Público.

RALHA, A. (1969) "As Universidades Portuguesas, em Face dos Diferentes


Tipos Institucionais de Universidade", in NUNES, A. (org.) A Universidade na
Vida Portuguesa - Vol. I e II. Lisboa: Moraes Editores, 99-126.

RALHA, A. (1991) "O Desafio da Modernidade", Inovação, vol. 4, 1, Revista do


Instituto de Inovação Educacional.
REIMÃO, C. (org.) (2001) A Formação Pedagógica dos Professores do Ensino
Superior. Lisboa: Edições Colibri - Actas de colóquio.

ROBERTSON, S.; DALE, R. (1994) "Regulação e Risco na Governação da


Educação. Gestão dos Problemas de Legitimação e Coesão Social em
Educação nos Estados Competitivos", Educação, Sociedade e Culturas, 15,
117-147. Porto: Edições Afrontamento.

ROMÃO, J. (2002) "Paulo Freire Alterou a Minha Vida", A Página da Educação,


113.

ROSENTHAL, R.; JACOBSON, L. (1971) Pygmalion à l'École, Casterman.

SANTIAGO, R; ROSA, M. J.; AMARAL, A. (2000) O Ensino Superior Aberto a


Novos Públicos. CIPES: Fundação das Universidades Portuguesas.,

SANTIAGO, R. (2002) "O Trabalho Académico dos Professores do Ensino


Superior Re-significado?", A Página da Educação, 112.

SANTOS, B. (1988) "O Social e o Político na Transição Pós-Moderna",


Comunicação e Linguagem, 6/7. Coimbra: CES.

SANTOS, B. (1989) "Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade", Jornal de


Letras.

SANTOS, B. (1994) Pela Mão de Alice: O Social e o Político na Pós-


Modernidade. Porto: Edições Afrontamento.

SANTOS, B. (1995) "A Greve dos Professores Universitários" in Boaventura de


Sousa Santos, A Cor do Tempo Quando Foge. Porto: Edições Afrontamento,
177-179.

SANTOS, B. (1995) "A Ciência e a Universidade" in Boaventura de Sousa


Santos, A Cor do Tempo Quando Foge. Porto: Edições Afrontamento, 200-201.
SANTOS, B. (1996) "Depois do Dilúvio Neoliberal" in Boaventura de Sousa
Santos, A Cor do Tempo Quando Foge. Porto: Edições Afrontamento, 238-239.

SANTOS, B. (1997) "O Fim do Neoliberalismo" in Boaventura de Sousa Santos,


A Cor do Tempo Quando Foge. Porto: Edições Afrontamento, 282-283.

SANTOS, B. (1997) "O Banco Mundial e o Necroliberalismo" in Boaventura de


Sousa Santos, A Cor do Tempo quando Foge. Porto: Edições Afrontamento,
304-305.

SANTOS, M. (1991) Os Aprendizes de Pigmaleão. Lisboa: Instituto de Estudos


para o Desenvolvimento.

SEIXAS, A. (2001) "Políticas Educativas para o Ensino Superior: A


Globalização Neoliberal e a Emergência de Novas Formas de Regulação
Estatal" in Stephen R. Stoer; Luíza Cortesão, e José A. Correia (orgs.)
Transnacionalização da Educação: da Crise da Educação à "Educação" da
Crise. Porto: Edições Afrontamento, 211-235.

SEIXAS, A. (2002) "O Processo de Bolonha e a Criação de um Espaço


Europeu de Ensino Superior", A Página da Educação, 113.

SERRES, M. (1993) O Terceiro Instruído. Lisboa: Instituto Piaget.

SERRES, M. (1997) Atlas. Lisboa: Instituto Piaget.

SILVA, R. (2000) "Entrevista a Boaventura Sousa Santos: Visionar o Futuro,


Já", Jornal de Letras, Artes e Ciências, 770.

SNYDERS (1974) Para Onde Vão as Pedagogias Não-Directivas? Lisboa:


Moraes
SOBRINHO, J. (2000) Avaliação da Educação Superior. Petrópolis: Editora
Vozes..

SOUSA, A. (1969) "Algumas Reflexões sobre a Democratização do Ensino


Superior", in NUNES, A. (org.) A Universidade na Vida Portuguesa - Vol. I e II.
Lisboa: Moraes Editores, 248.

SOUSA, A. (1969) "A Evolução da Sociedade Portuguesa e a "Classe dos


Diplomados"", in NUNES, A. (org.) A Universidade na Vida Portuguesa - Vol. I
e II. Lisboa: Moraes Editores, 187-203.

SOUSA, T. (2000) Alain Touraine, sociólogo francês, ao Público "Ninguém está


apaixonado pela Europa", Público.

STOER, S. (1982) Educação, Estado e Desenvolvimento em Portugal. Lisboa:


Livros Horizonte.

STOER, S. (1983) "A Reforma de Veiga Simão no Ensino: Projecto de


Desenvolvimento Social ou "Disfarce Humanista"", Análise Social, 77, 78, 79,
794-797.

STOER, S. (1983) "A Mão-de-obra Educada como "Necessidade Nacional",


notas baseadas num Curso da Open University, Inglaterra - Roger Dale, Ann
Wickham (dact.)

STOER, S. (1985) "A Revolução de Abril e o Sindicalismo dos Professores em


Portugal", Cadernos de Ciências Sociais, 3, Porto: Edições Afrontamento.

STOER, S. (1986) Educação e Mudança Social em Portugal: 1970-80, Uma


Década de Transição. Porto: Edições Afrontamento.

STOER, S. (1986) "Formar uma Elite ou Educar um Povo?", O Jornal da


Educação, n° 91, Agosto
STOER, S. (org.) (1990) Educação, Ciências Sociais e Realidade Portuguesa:
UmaAbordagem Disciplinar. Porto: Edições Afrontamento.

STOER, S. (1994) "O Estado e as Políticas Educativas", Revista Crítica de


Ciências Sociais, 41. Coimbra: CES.

STOER, S. (1998) "Educação Escolar e Exclusão Social", A Página.

STOER, S.; MAGALHÃES, A. (1998) Orgulhosamente Filhos de Rousseau.


Porto: Profedições.

STOER, S.; CORTESÃO, L; MAGALHÃES, A. (1998) "A Questão da


Impossibilidade Racional de Decidir e o Despacho Sobre os Currículos
Alternativos" (comunic), A Decisão em Educação, VIII Colóquio Nacional da
AIPELF/AFIRSE..

STOER, S.; CORTESÃO, L. (1999) Levantando a Pedra: da Pedagogia


Inter/Multicultural às Políticas Educativas numa Época de Transnacionalização.
Porto: Edições Afrontamento.

STOER, S.; ARAÚJO, H. (2000) Escola e Aprendizagem para o Trabalho num


País da (Semi)Periferia Europeia. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.

STOER, S.; STOLEROFF, A.; CORREIA, J. A. (1990) "O Novo Vocionalismo


na Política Educativa em Portugal e a Reconstrução da Lógica de
Acumulação", Revista Crítica de Ciências Sociais, 29.

STOER, S. (1992) "A Reforma Educativa e a Formação Inicial e Contínua de


Professores em Portugal: Perspectivas Inter/Multiculturais", in NÓVOA, A.
POPKEWITZ, T. (orgs), Reformas Educativas e Formação de Professores.
Lisboa: Educa, 71-81.
STOER, S. (2001) "Desocultando o Vôo das Andorinhas: Educação
Inter/Multicultural Crítica como Movimento Social" in STOER, S.; CORTESÃO,
L. e CORREIA, J. (orgs.) Transnacionalização da Educação: da Crise da
Educação à "Educação" da Crise. Porto: Edições Afrontamento, 241-272.

STOER, S.; MAGALHÃES, A. (2002) A Escola para Todos e a Excelência


Académica. Porto: Profedições.

STOER, S. (2002) "Educação e Globalização: Entre Regulação e


Emancipação", Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, 33-45.

TAVARES, J. (2002) "Jornadas sobre Pedagogia Universitária e Sucesso


Académico", in TAVARES, J. et ai (orgs.) Pedagogia Universitária e Sucesso
Académico. Aveiro: Universidade de Aveiro, 11-15.

TEODORO, A. (1978) A Revolução Portuguesa e a Educação. Lisboa: Editorial


Caminho.

TOMKIEWICZ, S. (1980) Adaptar, Marginalizar ou Deixar Crescer?. Lisboa: A


Regra do Jogo.

TORRES, C. (1995) "Contradições nas Decisões de Política Educativa:


Experiências Latino-Americanas e Africanas", Educação, Sociedade e Culturas,
4,71-90.

TOURAINE, A. (1996) O Que é a Democracia?. Lisboa: Instituto Piaget.

VALLET, O. (1998) Administração e Poder. Lisboa: Instituto Piaget. .

VAN BALLEN, A. (s/d) Disciplina e Controle da Sociedade. São Paulo: Cortez


Editora.
VASCONCELOS, C. (2002) "Docentes Não Estão Prontos para Bolonha:
Conselho Nacional de Educação Reclama Melhor Formação dos Professores
para a Convergência do Ensino Superior na Europa", Jornal de Notícias.

VASQUEZ, M. (1994) "Paulo Freire e a Crise da Modernidade", Educação,


Sociedade e Culturas, 14, 141-158. Porto: Edições Afrontamento.

VEIGA, I.; CASTANHO, M. (org.) (2000) Pedagogia Universitária: A Aula em


F-oco. São Paulo: Papirus Editora.

VERGER, J. (s/d) A História das Universidades. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian.

VIEIRA, M. "Transformação Recente no Campo do Ensino Superior", Análise


Social, vol. XXX, 315-373.

YOUNG, M. (1981) "A Meritocracia: 1870-2033" in MONICA, M. (antol.) Escola


e Classes Sociais, 97-112. Lisboa: Editorial Presença.

Você também pode gostar