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ARQUITECTURAS DA CULTURA: POLÍTICA, DEBATE, ESPAÇO

Génese dos Grandes Equipamentos Culturais da Contemporaneidade Portuguesa

Gulbenkian CAM/JAP CCB Serralves

Dissertação de Doutoramento em Arquitectura


por Nuno Alberto Leite Rodrigues Grande

Apresentada ao DARQ/FCTUC em 2009

Orientação do Professor Doutor Mário Júlio Teixeira Krüger


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À Alexandra e ao Nuno, pelo entusiasmo
Aos meus pais, Nuno e Ana, pelo exemplo
AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Mário Teixeira Krüger, orientador desta dissertação, pela inestimável contribuição
dada ao seu desenvolvimento, traduzida, em diversos momentos, por leituras, sugestões, críticas e
advertências, sempre pertinentes.
Ao Professor Doutor Nuno Martins Portas, figura referencial do meu trajecto académico e profissional
que, tendo começado, de igual modo, como orientador desta investigação, atingiu a sua Jubilação
no decurso da mesma. As suas contribuições críticas foram, também elas, indispensáveis para o
enquadramento temático da nossa investigação.

Às Instituições abordadas na nossa investigação, como Casos-de-Estudo, as quais permitiram o acesso


aos seus respectivos Arquivos e a obtenção de material necessário à nossa análise, nas pessoas do Dr. Rui
Vilar, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian, Dr. João Fraústo da
Silva, ex-Presidente da Fundação Centro Cultural de Belém, e Dr. António Gomes de Pinho, Presidente
do Conselho de Administração da Fundação de Serralves.

Às diversas personalidades que tivemos a oportunidade de entrevistar, ou que nos permitiram acesso a
informação necessária ao aprofundamento dos nossos Casos-de-Estudo, cujas informações se revelaram
fundamentais para o desenvolvimento da investigação e que a seguir se enumeram.

A título póstumo, ao Arquitecto José Sommer Ribeiro, ex-Director do Serviço de Museografia da


Fundação Calouste Gulbenkian e ex-Director do Centro de Arte Moderna daquela Fundação.
A título póstumo, ao Engenheiro Luís Guimarães Lobato, ex-Administrador da Fundação Calouste
Gulbenkian e ex-Director do Serviço de Projectos e Obras da Fundação Calouste Gulbenkian.
Ao Pintor Manuel Costa Cabral, Director do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian.
Ao Artista Plástico Jorge Molder, Director do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão,
Fundação Calouste Gulbenkian.
Ao Dr. João Castel-Branco, Director do Museu Calouste Gulbenkian.
Ao Arquitecto Pedro Cid, filho de Pedro Cid, um dos autores do projecto do Edifício-Sede e Museu da
Fundação Calouste Gulbenkian.
Ao Dr. António Pinto Ribeiro, Consultor e Assessor Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian.
Ao Sr. Jorge Lopes, responsável pela manutenção do Arquivo do Serviço de Projectos e Obras da
Fundação Calouste Gulbenkian.

Ao Arquitecto Manuel Salgado, co-autor do projecto do Centro Cultural de Belém.


Ao Professor Doutor António Lamas, Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico, e ex-Presidente
do Instituto Português Património Cultural, responsável pelo lançamento do concurso e pela gestão
processual do projecto do Centro Cultural de Belém.
Ao Engenheiro Pedro Tavares, responsável pela equipa técnica que assessorou o Instituto Português do
Património Cultural na coordenação do projecto geral do Centro Cultural de Belém.
Ao Professor Doutor João Fraústo da Silva, ex-Presidente da Fundação Centro Cultural de Belém.
Ao Dr. José Monterroso Teixeira, ex-Director do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém.
À Drª Margarida Veiga, Administradora da Fundação Centro Cultural de Belém, e ex-Directora do seu
Centro de Exposições.
Ao Engenheiro António Ribeiro, Director dos Serviços Técnicos e de Manutenção do Centro Cultural
de Belém.

Ao Arquitecto Álvaro Siza, autor do projecto do Museu de Arte Contemporânea de Serralves.


Ao Professor Fernando Pernes, Assessor Cultural da Fundação de Serralves e ex-Director Artístico da
instituição.
Ao Dr. Vicente Todolí, ex-Director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves.
Ao Dr. João Fernandes, Director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves.
Ao Dr. Ulrich Look, Director-adjunto do Museu de Arte Contemporânea de Serralves.
À Drª Cristina Grande, Coordenadora do Serviço de Artes Performativas da Fundação de Serralves.
Ao Arquitecto Paisagista Vítor Beiramar Diniz, ex-Director do Parque de Serralves.
À Drª Marta Almeida, Coordenadora do Serviço de Exposições do Museu de Arte Contemporânea de
Serralves.
À Drª Sónia Oliveira, Bibliotecária Responsável pelo Serviço de Documentação e Biblioteca do Museu
de Arte Contemporânea de Serralves.
À Drª Sofia Victorino, Coordenadora do Serviço Educativo do Museu de Arte Contemporânea de
Serralves.

A todos as pessoas com quem tivemos a possibilidade de trocar informações ou dados necessários ao
aprofundamento dos nossos Casos-de-Estudo, e que a seguir se enumeram.

À Professora Doutora Ana Tostões, Professora Associada do Instituto Superior Técnico, pelos dados
proporcionados em torno do projecto do Edifício-Sede da Fundação Calouste Gulbenkian e do Centro
de Arte Moderna da mesma Fundação, mais especificamente, pelo convite que nos dirigiu para escrever
para o catálogo e para guiar uma visita pública à Exposição que comissariou, em 2006, por ocasião do
50º Aniversário da instituição – Edifício-Sede e Museu Gulbenkian, A Arquitectura dos Anos 60.
Ao Dr. Fernando Pernes, pelo convite para leccionar, em 2005, um Curso sobre Arquitectura Portuguesa
no Século XX, na Fundação de Serralves, coincidente com a Mostra Álvaro Siza, Expôr, On Display
(comissariado de Carlos Castanheira e João Fernandes), dando-nos a possibilidade de orientar uma
visita pedagógica à exposição.
Ao Arquitecto António Leitão Barbosa, pela informação e dados prestados sobre o “Programa para o
Museu de Arte Moderna da Fundação de Serralves”, de 1991, gizado pela Dra. Etheline Rosas, então
responsável pela Museologia da Fundação de Serralves, com quem colaborou.
A todos os colegas do Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra (DARQ/FCTUC), em especial ao seu Presidente, Arquitecto José Fernando
Gonçalves, ao Professor Gonçalo Sousa Byrne, coordenador da cadeira de Projecto V, com quem vimos
aprendendo, há 17 anos, o fascínio de ensinar Arquitectura, aos colegas de sempre, nomeadamente aos
Professores Doutores Paulo Varela Gomes, José António Bandeirinha, Walter Rossa, Vítor Murtinho,
António Olaio, Paulo Providência, Pedro Maurício Borges, Ana Paula Santana, e, também, em particular,
aos Arquitectos João Paulo Cardielos, Rui Lobo, Jorge Figueira, José Gigante, João Mendes Ribeiro, Carlos
Martins, Gonçalo Canto Moniz, Joaquim Almeida, António Lousa, Nelson Mota e Miguel Correia.
À Dra. Graça Simões, Bibliotecária do DARQ/FCTUC, pelo interesse demonstrado na busca de
importante bibliografia noutras bibliotecas universitárias.
A todos os nossos alunos do DARQ/FCTUC com quem, desde 1993, aprendemos a ensinar.

Aos professores da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), de quem tivemos


o privilégio de nos tornarmos colegas nas Universidades de Coimbra e do Porto, nomeadamente aos
Professores Doutores Alexandre Alves Costa e Domingos Tavares; mas também, àqueles de quem, na
FAUP, recebemos apoio em inúmeras ocasiões do nosso percurso académico, nomeadamente ao seu
Presidente, Professor Doutor Francisco Barata, e aos Professores Doutores Sérgio Fernandez, Carlos
Guimarães, Manuel Fernandes de Sá, Manuel Correia Fernandes, Manuel Mendes, Luís Soares Carneiro,
Rui Ramos e Álvaro Domingues.
Aos Professores Doutores Madureira Pinto, João Teixeira Lopes e Alice Semedo, da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, pelo apoio no desenvolvimento da investigação.

À Joana Couceiro pela amizade e dedicação demonstrada na estruturação e paginação deste documento,
incluindo o tratamento gráfico das suas imagens.

A todos os colegas e amigos de quem recebemos, durante a investigação, diferentes manifestações de


apoio, nomeadamente Alexandre Marques Pereira, Ana Vaz Milheiro, André Tavares, Carlos Azevedo,
Carlos Castanheira, Claudia Taborda, Dalila Rodrigues, Delfim Sardo, Fátima Marques Pereira,
Fernando Guerra, Filipa Guerreiro, Gabriela Branco, Gabriela Vaz, Gisela Telles Ribeiro, Guiomar Rosa,
João Afonso, João Crisóstomo, João Cruz, João Gomes da Silva, João Rodeia, Jorge Carvalho, Jorge
Costa, José Quinta Ferreira, Julieta Quintas de Oliveira, Luís Serpa, Luís Sobral, Luís Tavares Pereira,
Luís Urbano, Lydia Chernets, Manuel Graça Dias, Manuel Henriques, Maria Manuel Oliveira, Mariana
Martins, Matilde Seabra, Miguel Von Hafe Pérez, Paulo Cunha e Silva, Paulo David, Pedro Baía, Pedro
Bandeira, Pedro Cortesão, Pedro Gadanho, Ricardo Carvalho, Ricardo Nicolau, Teresa Novais, Tiago
Correia, Vasco Silva, Yves Nacher.

Finalmente, numa referência mais pessoal, à família, nomeadamente, Alexandra Grande, Nuno Coutinho
Grande, Olímpio Coutinho, Adelina Coutinho, Daniela Coutinho, Nuno Rodrigues Grande, Ana Maria
Grande, Adélia Grande, Alberto Leite Rodrigues, Cristina Grande, Catarina Grande, Pedro Azevedo,
Beatriz Azevedo e Inês Azevedo.
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RESUMO

ARQUITECTURAS DA CULTURA: POLITICA, DEBATE, ESPAÇO


Génese dos Grandes Equipamentos Culturais da Contemporaneidade Portuguesa

Esta dissertação desenvolve uma análise sobre o recente protagonismo dos Grandes
Equipamentos Culturais na afirmação política, cultural e social, das cidades e da sua
arquitectura, no quadro da cultura urbana ocidental e, particularmente, da portuguesa. Essa
análise, desenvolvida de forma evolutiva, parte da constatação de que uma nova “geo-política”
da Cultura – aqui entendida como política e prática de poder – se foi afirmando na Europa,
entre o II pós-Guerra e o final do século XX; isto é, entre a democratização e a modernização
encetadas pelos Estados-providência, nas décadas de 50 e 60, e a Globalização dos sistemas
políticos, económicos e culturais do fim-de-século, passando ainda pela “viragem” pós-moderna
gerada no seio da “contracultura” circa 68, mas também, no universo neo-liberal e conservador
da década de 80.
No caso português, essa leitura tem em conta o desfasamento histórico gerado pela longa
manutenção política do regime do Estado Novo, pela conquista tardia de muitos direitos
sociais após a Revolução de 25 de Abril de 1974, mas também pela necessária contemporização
cultural com o resto da Europa, após a adesão do país à CEE, em 1985.
A dissertação pretende assim demonstrar como ao longo dessa relação sequencial entre
política cultural, debate interdisciplinar e espaço arquitectónico, se foram definindo, em
diversos sentidos e tempos, novas “arquitecturas da Cultura”; mas também, como, em
Portugal, estas arquitecturas se colocaram, precisamente, no centro de um ”curto-circuito”
– conceito resgatado ao sociólogo Boaventura de Sousa Santos – entre uma modernização
tardia e a aceitação inadiável de valores de aculturação pós-modernos, na Arte, na Cultura e
na Sociedade.
Nessa demonstração, utilizam-se quatro casos-de-estudo, situados em Portugal – a Sede
e Museu Calouste Gulbenkian (Lisboa, 1959-1969); o Centro de Arte Moderna da mesma
Fundação (Lisboa, 1979-1983); o Centro Cultural de Belém (Lisboa, 1989-1992); e o Museu de
Arte Contemporânea de Serralves (Porto, 1994-1999) – instituições e arquitecturas lançadas
no âmbito de políticas e práticas culturais temporalmente precisas, cuja génese acompanhou
e corporizou, década-a-década, não apenas a descrita evolução internacional, como também
esse “curto-circuito” histórico tão distintivo da contemporaneidade Portuguesa.
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ABSTRACT

ARCHITECTURES OF CULTURE: POLITICS, DEBATE, SPACE


An Essay on four Great Contemporary Cultural Institutions in Portugal

This essay analyses the recent role of the so-called Great Cultural Institutions within the
political, social and cultural affirmation of cities and their architecture, in what concerns
Western urban cultures and, specifically on the Portuguese context.
On a chronological stand, this analysis accepts that a new “geopolitics” of Culture –
understood in the frame of politics and practises of power - has emerged in Europe, between
the second post-war period and the end of the XX century; that is, between the Welfare State
democratization and modernization process, in the 50’s and 60’s, and the political, economical
and cultural Globalization, at the end of the century, as well as considering the post-modern
“turn” generated amongst “counter-cultural” movements circa 1968, but also amongst neo-
liberal and conservative inputs during the 80’s.
In the Portuguese situation, this analysis enhances the historical gap generated by the country’s
long political dictatorship (the Estado Novo regime), the delayed conquest of several social
rights post-Revolution of April 25th, 1974, but also the recent cultural acceleration to cope with
other European societies, especially after the country joined the EEC, in 1985.
This essay aims, thus, to demonstrate how this sequential relation between cultural politics,
interdisciplinary debate and architectural space, has generated, in many senses and periods,
new “architectures of Culture”; but also, how these architectures placed themselves inside a
kind of “short circuit” – evoking an idea by Boaventura de Sousa Santos – established between
a delayed Modernization and an inevitable insertion within Postmodern values, in Art, Culture
and Society.
This demonstration is applied to four Portuguese case studies - the Museum Headquarters
of the Calouste Gulbenkian Foundation (Lisbon, 1959-1969); the Modern Art Centre at the
same institution (Lisbon, 1979-1983); Belém Cultural Centre (Lisbon, 1989-1992); and Serralves
Contemporary Art Museum (Porto, 1994-1999) - institutions and architectures erected in
the scope of timely cultural politics and practices, which reflect not only that international
evolution, decade-after-decade, but also the above mentioned historical “short circuit” so
distinctive of contemporary Portugal.
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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 15

Enquadramento do tema: o espaço como produção cultural 17


Arquitecturas da Cultura: quatro hipóteses para uma tese orientadora 18
Metodologia, Estado da Arte, Estrutura: ensaiando cruzamentos disciplinares 22

UM. O II Pós-Guerra 27

1.1 Estado-providência e Democratização cultural 29


1.1.1 Uma cultura política comum 29
1.1.2. Democracia e Políticas Culturais 31
1.1.3 A “acção cultural” de André Malraux 35

1.2 A Nova Monumentalidade e as Catedrais Modernas da Cultura 39


1.2.1 O debate cultural do pós-guerra: cidade, centro e monumento 39
1.2.2 O Museu Moderno como metáfora: o modelo MoMA 42
1.2.3. A disseminação das catedrais modernas da cultura 50

1.3 Portugal: Política, Debate e Espaços Culturais pós-1945 69


1.3.1 Ascensão e declínio de uma política de espírito 69
1.3.2 O debate interdisciplinar após 1948: Lisboa como “laboratório de ensaio” 78
1.3.3 Os palácios da cidade 88

1.4 Caso-de-estudo I: Sede e Museu da Fundação Calouste Gulbenkian 99


1.4.1 O advento Gulbenkian: entre Londres, Washington e Lisboa 99
1.4.2 Construindo a Casa, imaginando o Museu 109
1.4.3 Tempos de mudança:o impacto do programa e dos espaços Gulbenkian 126

Desenhos. Sede e Museu da Fundação Calouste Gulbenkian 133


DOIS. A viragem de 68 163

2.1. Contracultura e Massificação cultural 165


2.1.1 A imaginação toma o poder 165
2.1.2 A massificação cultural como objecto de estudo e de crítica 168
2.1.3 Depois de Malraux: da “democratização” à “animação” cultural 171

2.2 Cultura Urbana, Conceptualismo e Megaestruturalismo 175


2.2.1 Uma cidade para o Homo Ludens 175
2.2.2 A arte questiona-se: o não-(ao)-Museu 181
2.2.3 As megaestruturas culturais e o efeito Beaubourg 187

2.3 Portugal: Política, Debate e Espaços Culturais pós-1974 207


2.3.1 Políticas de urgência: do social ao cultural 207
2.3.2 A Revolução como condição, a cidade como processo 216
2.3.3 Os lugares da arte: entre a continuidade e a alternativa (zero) 222

2.4 Caso-de-estudo II: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian 231
2.4.1 Novo fôlego nas políticas da Fundação Calouste Gulbenkian 231
2.4.2 Uma megaestrutura no Parque Gulbenkian 239
2.4.3 Entre o CAM e o ACARTE: diálogo, didactismo e animação cultural 249

Desenhos. Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian 259

TRÊS. A década da condição pós-moderna 285

3.1. Estado, Capitalismo e Indústria Cultural 287


3.1.1 Anos 80: Neo-liberalismo e Pós-modernismo 287
3.1.2 Poder, Mercado e Cultura: entre a privatização e a empresarialização cultural 291
3.1.3 O Estado cultural e o programa de Grands Travaux parisienses 298

3.2 Cidade, Arquitectura e Arte no Debate Pós-Moderno 307


3.2.1 A presença do passado: reacção e resistência, vanguarda e retaguarda 307
3.2.2 A cidade entre a “espectacularização” e a “museificação” 320
3.2.3 Retornos temporais e espaciais no mundo da arte: o Museu Pós-moderno 329

3.3 Portugal: Política, Debate e Espaços Culturais Pós-1983 341


3.3.1 A década Cavaquista: entre a “portugalidade” e o “europeísmo” 341
3.3.2 A cultura arquitectónica portuguesa depois do modernismo 350
3.3.3 A arte portuguesa na década de 80: polémica, mercado, carência institucional 360

3.4 Caso-de-estudo III: Centro Cultural de Belém 369


3.4.1 O concurso para o projecto do CCB: um reflexo do debate pós-moderno 369
3.4.2 Grands Travaux em Belém: a polémica construção do ícone Cavaquista 381
3.4.3 Um Centro Cultural à procura de um Museu 393

Desenhos. Centro Cultural de Belém 407


QUATRO. Fim-de-século 435

4.1 Cultura e Globalização 437


4.1.1 A Globalização em debate: hegemonia e contra-hegemonia cultural 437
4.1.2 Os novos lugares da cultura: alteridade, transnacionalismo e transculturalismo 444
4.1.3 Os “nós” da rede: das “cidades globais” às “cidades criativas” 450

4.2 Cidades-Evento; Criadores-Estrela; Arquitecturas-Ícone 459


4.2.1 A cidade ocasional: Exposições Internacionais, Capitais Culturais e Bienais 459
4.2.2 “Star-system” e intermediação cultural: o protagonismo dos museus 470
4.2.3 A expansão do “museu-marca”: entre o “efeito Bilbau” e a “Londres do Milénio” 478

4.3 Portugal: Políticas, Debate e Espaços Culturais no final do século XX 493


4.3.1 A Nova Maioria e a política cultural de Manuel Maria Carrilho 493
4.3.2 Celebrações finisseculares: entre Lisboa‘94 e a Expo’98 500
4.3.3 O Porto e a criação contemporânea: a caminho de 2001 514

4.4 Caso-de-estudo IV: Museu de Arte Contemporânea de Serralves 531


4.4.1 Dentro e fora do star-system: Álvaro Siza e os museus 531
4.4.2 Um museu entre a geografia e a história de Serralves 543
4.4.3 O dilema de Serralves: entre o “lugar”, a “tese” e a “marca” cultural 556

Desenhos. Museu de Arte Contemporânea de Serralves 571

EPÍLOGO 601

Conclusões 603
Quatro Épocas: Quatro Políticas Culturais 604
Quatro Épocas: Quatro Debates Disciplinares 609
Quatro Épocas: Quatro Espaços Culturais 613
Perspectiva 617

BIBLIOGRAFIA 619

FONTES DE IMAGENS 645


14 |
Introdução | 15

INTRODUÇÃO
16 | Introdução

Aesthetic and cultural practices are peculiarly susceptible to the changing experience of space and time
precisely because they entail the construction of spatial representations and artefacts out of the flow of
human experience. They always broker between Being and Becoming.

David Harvey, The condition of Postmodernity, 1990

A minha posição é que a sociedade portuguesa tem ainda de cumprir algumas das promessas da
modernidade, mas tem de as cumprir à revelia da teoria da modernização. Desta posição decorrem duas
implicações principais. A primeira é que as promessas da modernidade a cumprir têm de ser cumpridas
em curto-circuito com as promessas emergentes da pós-modernidade. (…) A segunda implicação do
cumprimento da modernidade à revelia da modernização é que é preciso combater a ideia de que tudo o
que na sociedade portuguesa é diferente das sociedades centrais é sinal de atraso e deve ser erradicado no
processo de desenvolvimento. A contabilidade profunda da sociedade portuguesa está ainda por fazer.

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, 1994


Introdução | 17

Enquadramento do tema: o espaço como produção cultural

A presente dissertação, elaborada na área da Teoria e História da Arquitectura, e, num


sentido mais amplo, da Cidade, toma como temática uma questão interdisciplinar
partilhada essencialmente com a Sociologia da Cultura – o espaço como produção cultural
–, estabelecendo, deste modo, articulações entre diferentes perspectivas do conhecimento,
explanadas em sucessivos contextos espacio-temporais ao longo dos capítulos que se seguem.
Por consequência, o nosso texto aborda questões igualmente caras à Sociologia Urbana, ou
melhor, a uma Sociologia da Cidade, vista na perspectiva da cultura urbana, e, por inerência,
do debate em curso na cultura arquitectónica e na cultura artística, em cada um desses
contextos.
A temática é por nós encarada, não em lato senso, como ocorre frequentemente nas Ciências
Sociais, mas no universo mais estrito dos Grandes Equipamentos Culturais – arquitecturas de
referência no espaço urbano, que, hoje como outrora, são “produzidas” por conjunturas políticas
e culturais singulares, e que, por isso mesmo, se tornam, elas próprias, “reprodutoras” de
novas e determinantes conjunturas, adquirindo mesmo, em determinados períodos históricos,
o estatuto de “obras de Regime”.
Na procura de um título aglutinador, que revelasse essa relação entre o projecto arquitectónico
e o universo cultural, nos níveis político, programático e espacial, estabelecemos a denominação
de Arquitecturas da Cultura.
Em nosso entender fazer uma leitura dessas “arquitecturas”, no seu sentido “espacial”,
só terá sentido se a soubermos cruzar com a análise da “arquitectura política” que gerou
a sua encomenda, da “arquitectura programática” que lhes deu corpo, da “arquitectura
interdisciplinar” que as debateu, e inclusive, da “arquitectura social” que delas fez uso. É
também sobre essas outras “arquitecturas” que esta dissertação se debruça.
Pensamos, nesta perspectiva, que a arquitectura não pode ser isolada do seu desígnio e do seu
uso comunitário, nem que estes podem ser compreendidos fora de uma perspectiva política
e social mais global, tal como “a cultura de um indivíduo não pode ser isolada da cultura do
grupo”, nem esta “se pode abstrair da cultura de toda a sociedade”- retomando a visão de T.S.
Eliot, nas suas Notas para uma definição de Cultura1.
Esta é, de resto, uma perspectiva que vimos perseguindo em ensaios e edições lançados ao
longo da presente década, nos quais sempre nos interessou questionar o que se situa a montante
e a jusante da disciplina arquitectónica, não para dela nos afastarmos, mas, tão-somente,
para descortinarmos aquilo que, a partir do seu “exterior” disciplinar, lhe vem conferindo,
renovadamente, uma génese, um contexto e uma consequência. A Arquitectura começa, desde
sempre, antes do projecto do espaço e estende-se, desde sempre, para lá deste.
O nosso interesse pelo cruzamento entre Cultura, Cidade e Arquitectura foi reforçado pela
experiência vivida, no início desta mesma década, no campo da Programação Cultural,
18 | Introdução

precisamente, na Área de Arquitectura e Cidade, dentro da equipa organizadora do Porto 2001,


Capital Europeia da Cultura, evento a que nos referiremos no último capítulo da dissertação,
correndo o risco assumido de sermos, nesse ponto, quase auto-biográficos.

Arquitecturas da Cultura: quatro hipóteses para uma tese orientadora

A nossa leitura centrar-se-á em duas vertentes: por um lado, no protagonismo alcançado pelos
Grandes Equipamentos Culturas, ou pelas Arquitecturas da Cultura, no seio das sociedades
ocidentais, tomando, como pontos de partida, os panoramas internacionais que marcaram a
sua concepção, programação e uso, ao longo da segunda metade do século XX; por outro, e
enquanto reflexo localizado dessa concepção, na análise de casos-de-estudo seleccionados no
panorama cultural português, nesse mesmo período, procurando situar as culturas urbana,
arquitectónica e artística portuguesas num contexto sistémico mais amplo. Coloquemos, então,
uma primeira hipótese de leitura:

No universo ocidental, e ao longo do último meio século, a sucessiva instituição de novas Arquitecturas
da Cultura foi marcando simbolicamente alguns dos momentos de charneira na passagem da modernidade
para a contemporaneidade cultural (que em diversos aspectos consideraremos como pós-modernidade).

Neste sentido, o arco temporal que nos propomos analisar inicia-se no final da década de 40,
momento em que o esforço da Reconstrução Europeia do II pós-guerra – não apenas numa
perspectiva física, mas também política e social – se repercute culturalmente em todo o Velho
Continente, e concretamente em países periféricos e menos afectados pelo conflito bélico, como
Portugal.
Essas repercussões tornam-se visíveis na atenção que a Cultura – enquanto política pública
ou iniciativa mecenática privada – passa a merecer no desenvolvimento estratégico das
sociedades europeias, com maior impacto na criação de eventos e equipamentos urbanos, de
fruição progressivamente mais ecuménica e democratizada.
Noutro sentido, procuramos compreender como esta conjuntura foi sendo influenciada pelo
debate inter-geracional que emerge no final da década de 60, em torno de questões seminais para
a definição de uma “politica cultural” – a dicotomia entre “erudito” e “popular”, a proliferação
dos meios de comunicação, do espectáculo e do entretenimento, o reconhecimento de uma
“cultura de massas”, a emergência de uma “contracultura”, ou o retorno filosófico a temas
como a tradição, a identidade, e a hibridação cultural. Na cultura arquitectónica este é também
um tempo de revisão do corpo doutrinário do Movimento Moderno, processo que, ao longo
das décadas seguintes, culminará na sua recusa e na proposta de uma pretensa alternância
conceptual - o pós-modernismo. Tentaremos indagar o modo como este debate interdisciplinar
Introdução | 19

reflectiu, afinal, a falência de muitos dos modelos unidireccionais e deterministas introduzidos


pela modernidade e sobretudo perceber o progressivo “estilhaçar” dos seus paradigmas
filosóficos, estéticos e sociais. Face ao descrito, coloquemos uma segunda hipótese de leitura:

As políticas culturais – como exercício de organização das mentalidades – adquirem progressivamente


um estatuto na pós-modernidade semelhante àquele que as políticas de habitação e do planeamento
urbano – enquanto exercícios primordiais de concepção do habitat colectivo e do território – alcançaram
na estruturação das sociedades modernas.

Não sendo um factor novo na história do Ocidente – onde o mecenato ou a propaganda cultural
foram, por exemplo, determinantes na afirmação de poderes tão distintos quanto os dos
príncipes no Renascimento, dos monarcas e clérigos no Barroco, dos estadistas no Iluminismo,
nos Imperialismos oitocentistas e nas Ditaduras europeias da primeira metade do século XX
– a verdade é que o período após a Segunda Guerra Mundial marcou uma decisiva mudança
no exercício do poder em relação à Cultura, tornando-o, como veremos, mais reactivo às
dinâmicas sociais estabelecidas por encadeamentos do tipo produção-distribuição-consumo
(criação-intermediação-fruição), sobretudo sob a influência progressivamente hegemónica das
chamadas “indústrias culturais”. De algum modo, e como veremos, a Cultura foi adquirindo, ao
longo desse século, um protagonismo político e social outrora detido, quase só, pela Religião.
Esta nova condição geopolítica da Cultura será interpretada, de diferentes modos, pelas
sucessivas gerações de políticas culturais, estabelecidas década-a-década, sobretudo nos
países europeus que, primeiramente fortalecidos pela mão centralizadora do Estado-
Providência, assistiram ao posterior enfraquecimento dos seus mecanismos de regulação
política e de capitalização financeira, ditados por sucessivos embates socio-económicos - como
os processos de descolonização e os movimentos de “contracultura”, os choques petrolíferos
e a desindustrialização, ou ainda a desregulação neo-liberal e os efeitos da globalização
finissecular, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Partimos por isso do entendimento de que a “espacialização” da Cultura, reflectida em muitas
das arquitecturas que analisaremos, reflecte essa sucessão de acontecimentos, acompanhando
programaticamente as concepções políticas e sociais dessas décadas. Neste processo, a
criação de grandes eventos culturais - Exposições Universais, Capitais da Cultura, Bienais
e Festivais de Arte - mas sobretudo de grandes equipamentos culturais, num sentido mais
perene e estruturante - Museus, Centros de Arte, Teatros, Óperas, Auditórios e Concert-Halls
- constituem um importante legado arquitectónico e urbano que nos permite estabelecer, do
mesmo modo, uma História das mentalidades.
Tendo em conta a definição da temática, e considerando o período histórico em estudo, a
dissertação delimita e caracteriza, do ponto de vista da sua análise, quatro contextos espaciais
e temporais. Estes expressam a interacção entre sucessivas culturas políticas europeias – e,
20 | Introdução

por reflexo, também portuguesas – e as sequentes gerações de políticas culturais. São eles: o
“II-pósGuerra” (título do Capítulo I); “A viragem de 68” (Capítulo II); “A década da condição
pós-moderna” (Capítulo III); e o “Fim-de-século” (Capítulo IV).
Estes capítulos abrangem assim, genericamente, as décadas que medeiam o II pós-guerra e o
final do século XX, ainda que muitos dos aspectos abordados possam preceder e ultrapassar
estas compartimentações temporais.
Do ponto de vista discursivo, aplicamos a cada um desses contextos uma grelha de leitura que
relaciona os seguintes universos:

Cultura política Política Cultural

Debate Cultural Arquitecturas da Cultura

A partir desta grelha, pretende-se confrontar as principais Culturas Políticas que definiram as
sociedades europeias da segunda metade do século XX, com as respectivas Políticas Culturais
forjadas no contexto da sua acção. Simultaneamente, procura-se indagar o Debate Cultural
que acompanhou essa mesma acção política, analisando os contributos interdisciplinares
– entre filósofos, sociólogos, geógrafos, urbanistas, arquitectos, artistas, críticos culturais, e
muitos outros – na transformação dos programas lançados ao nível do reequipamento social
e cultural das cidades.
Do cruzamento destes universos torna-se assim possível obter: por um lado, um enquadramento
dos paradigmas culturais e disciplinares que estão a montante da implementação das
Arquitecturas da Cultura mais marcantes, em cada um desses contextos; por outro, e por
reciprocidade, uma avaliação do impacto cultural dos programas e dos espaços arquitectónicos
daí resultantes, em períodos a jusante dessa implementação.
A grelha de leitura servirá particularmente para situar Portugal numa conjuntura mais
abrangente, deslocando a ênfase para as relações políticas e culturais que caracterizam as
últimas duas décadas do Estado Novo e as primeiras três décadas do regime democrático
após a Revolução de 25 de Abril de 1974. Analisando esses mesmos períodos, colocamos uma
terceira hipótese de leitura, agora particularizada no contexto português:

Na segunda metade do século XX, o sector cultural português foi marcado por ciclos de mudança
conjuntural, muito mais dependentes da oportunidade de investimentos inesperados do que da
persistência de políticas estruturantes. Esses ciclos, tantas vezes desfasados em relação às restantes
dinâmicas culturais europeias, resultaram, quer da organização repentina de grandes eventos, quer da
decisão, quase sempre avulsa, em edificar ou renovar importantes equipamentos, de iniciativa privada,
pública ou mista.
Introdução | 21

Considerando o objecto último desta dissertação – perceber a génese dos Grandes Equipamentos
Culturais que marcam a Contemporaneidade Portuguesa – e tendo em conta a hipótese acima
colocada, orientou-se a escolha dos nossos casos-de-estudo, tendo como base os seguintes
pressupostos:

- serem equipamentos edificados em contextos espacio-temporais claramente identificáveis e


caracterizados por uma relação de complementaridade, ou confronto, entre cultura política,
política cultural e política urbana, no quadro europeu, e sobretudo em Portugal;
- resultarem de um investimento excepcional numa “obra de raiz” marcando iconograficamente
a urbanidade de suporte;
- possuírem uma programação cultural de nível nacional e internacional, tanto na sua fundação
como no posterior desenvolvimento das suas actividades;
- contribuírem para o aprofundamento do debate interdisciplinar no seio da nossa cultura
artística, arquitectónica e urbana, promovendo ainda o confronto com outras instituições
congéneres.

Face aos critérios expostos, circunscreveu-se a análise a quatro casos - em coincidência com
as quatro circunstâncias temporais já definidas - os quais, se tornaram, por si próprios,
testemunhos edificados da cultura contemporânea portuguesa, quer no âmbito político e
social, quer na dimensão arquitectónica e urbanística. São eles: o Edifício-Sede e Museu da
Fundação Gulbenkian (Capítulo I); o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, da
mesma Fundação, que abreviaremos para Centro de Arte Moderna ou “CAM” (Capítulo II);
o Centro Cultural de Belém ou “CCB” (Capítulo III); e o Museu de Arte Contemporânea de
Serralves (Capítulo IV).
Considerando esta escolha, lançamos uma última hipótese de leitura:

A história da implementação destas Arquitecturas da Cultura espelha a própria história das Políticas
Culturais em Portugal, quer em períodos em que estas se desenvolvem praticamente fora do âmbito
estatal (veja-se o protagonismo da Fundação Gulbenkian durante o Estado Novo), quer em períodos
em que estas consagram simbolicamente o novo regime democrático (veja-se o investimento no Centro
Cultural de Belém levado a cabo pelos governos do Primeiro-ministro Cavaco Silva).
.
Cruzando as quatro hipóteses lançadas ao longo deste ponto, sustenta-se, então, a tese
orientadora desta dissertação:

No Portugal contemporâneo, a implementação de grandes equipamentos culturais acabou por cumprir


o nosso projecto tardio de modernização cultural, em períodos históricos que nos exigiam então,
e paradoxalmente, uma acelerada aproximação aos modelos pós-modernos de aculturação; ou seja, e
22 | Introdução

resgatando o pensamento do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, evocado no excerto introdutório,


que as “arquitecturas da cultura” acabaram por cumprir, na sociedade portuguesa, “as promessas da
modernidade em curto-circuito com as promessas emergentes da pós-modernidade”.

Em síntese, e esperando poder contribuir para uma “contabilidade profunda” da sociedade


portuguesa contemporânea, em muitos aspectos “ainda por fazer” - conforme exposto no excerto
introdutório do sociólogo Boaventura de Sousa Santos2, a que recorreremos frequentemente
ao longo desta dissertação - pretende-se demonstrar como, também em Portugal, essas
Arquitecturas da Cultura mediaram ciclicamente o “ser” e o “devir” - o Being e o Becoming, nas
palavras introdutórias do geógrafo David Harvey3, outro dos nossos autores referenciais.

Metodologia, Estado da Arte, Estrutura: ensaiando cruzamentos disciplinares

Metodologia

A metodologia da nossa investigação, que serve de suporte ao texto da dissertação, desenvolve-


se a partir de três opções:
- da análise cruzada, comparativa e vertida numa narrativa própria, de diferentes fontes
bibliográficas, com distintas origens disciplinares, onde pontuam, naturalmente, monografias
e ensaios do campo da Teoria e da História da Arquitectura e do Urbanismo, mas também do
campo da Filosofia, da Sociologia, da Antropologia, da Geografia, da Economia, da Crítica
Política, da Crítica Cultural e da Crítica de Arte, trazidas para a dissertação sempre que estas
informam as problemáticas da Arquitectura e da Cidade, na sua relação com o fenómeno da
Cultura. Incluem-se ainda a consulta de artigos e notícias em periódicos da especialidade, e
em jornais da época, mantendo-se, também aqui, o cruzamento com publicações diversas de
outras áreas disciplinares;
- da abordagem específica dos quatro casos-de-estudo, com base, não apenas nas referências
monográficas existentes, mas também, e sobretudo, na leitura e interpretação de documentos
obtidos nos arquivos das instituições retratadas, ou de outras instituições possuidoras de
documentação relevante;
- da interpelação, em conversa ou em entrevista, de protagonistas relevantes na vida de
cada uma dessas instituições portuguesas, em especial, e quando possível, dos arquitectos
e de outros técnicos autores dos projectos dos edifícios, mas também de outras personagens
com responsabilidades na relação entre a política institucional e a programação cultural, em
períodos específicos da sua evolução. A referência a todas essas informações orais é ciclicamente
apontada nas notas finais que complementam cada um dos capítulos.
Introdução | 23

Em relação ao primeiro tipo de abordagem, é extenso o leque de bibliografia consultada, da


qual se vai fazendo referência ao longo da dissertação, com especial relevo para o uso de
citações. Estas são colocadas na língua correspondente à edição que consultamos, no sentido
de não deturpar, nem a língua original, nem, quando é o caso, a sua tradução autorizada.
Além disso, as citações correspondem sempre a um ou mais parágrafos do texto referenciado,
conferindo-lhe relevo gráfico, de modo a evitar uma excessiva descontextualização das ideias
expostas pelos diversos autores, e a conferir uma maior autonomia às ideias propostas pela
nossa própria redacção.

No segundo tipo de abordagem, destaca-se a documentação procurada e obtida nas seguintes


fontes:
- na Avery Architectural & Fine arts Library, na Columbia University, em Nova Iorque, e
no Hyman Kreitman Research Centre for the Tate Library & Archive, em Londres, onde se
obteve material gráfico e escrito correspondente ao projecto, nunca concretizado, que Calouste
Gulbenkian decidiu construir em Londres, em 1938, para albergar a sua vasta colecção. O
material obtido consta de cópias de desenhos, de fotografias da maqueta e de correspondência
do arquitecto convidado para o projecto: William Adams Delano;
- no Arquivo da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, mais especificamente do Serviço
de Projectos e Obras, onde se obteve material gráfico e escrito correspondente ao concurso e
projecto para o Edifício-Sede e Museu da Fundação Calouste Gulbenkian, mas também para
o projecto do Centro de Arte Moderna. Acresce dizer que a Fundação Calouste Gulbenkian
organizou, em 2006, por ocasião do seu 50º Aniversário, uma mostra em torno do projecto e
da construção do seu primeiro edifício - Sede e Museu Gulbenkian, A Arquitectura dos Anos 60,
evento comissariado por Ana Tostões4. O material exposto e o respectivo catálogo, que possui
complemento em DVD, constituem uma referência bibliográfica e iconográfica obrigatória
da nossa investigação. O mesmo catálogo inclui um ensaio que desenvolvemos a partir do
material documental referido no item anterior5;
- no Arquivo da Fundação Centro Cultural de Belém (ex-Fundação das Descobertas), Lisboa,
onde se obteve material gráfico e escrito referente ao projecto arquitectónico e à programação
cultural daquele edifício;
- no Arquivo do Atelier Risco, Lisboa, correspondente ao projecto do Centro Cultural de
Belém, desenvolvido em co-autoria com o atelier Gregotti Associati, do qual se obteve material
gráfico e escrito referente ao projecto arquitectónico do edifício;
- no Arquivo pessoal do Engº Pedro Tavares, Lisboa, responsável pela equipa técnica que
assessorou o Instituto Português do Património Cultural (IPPC) na coordenação do projecto
geral do Centro Cultural de Belém, e de quem obtivemos cópias de documentos processuais;
- no Arquivo do Serviço de Documentação e Biblioteca da Fundação de Serralves, Porto,
onde se obteve material gráfico e escrito referente ao projecto arquitectónico e à programação
24 | Introdução

cultural do edifício. Acresce dizer que a Fundação de Serralves organizou, em 2005, uma
mostra sobre os projectos de natureza museológica de Álvaro Siza - Álvaro Siza, Expor, On
Display, comissariada por Carlos Castanheira e João Fernandes6. O material aí exposto e o
respectivo catálogo constituem uma referência bibliográfica e iconográfica obrigatória da
nossa investigação;

No terceiro tipo de abordagem, utilizam-se, sempre que se revela pertinente, informações


orais retiradas de conversas e entrevistas, desenvolvidas entre 2002 e 2006, a personalidades
relacionadas com:
- o concurso, o projecto, a construção e a programação cultural do Edifício-Sede e Museu
Calouste Gulbenkian, nomeadamente: Luís Guimarães Lobato (ex-Administrador da Fundação
Calouste Gulbenkian e ex-Director do Serviço de Projectos e Obras daquela Fundação), Pedro
Cid (arquitecto e filho de Pedro Cid, um dos autores do projecto), Manuel Costa Cabral
(Director do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian), José Sommer Ribeiro
(ex-Director do Serviço de Museografia da Fundação Calouste Gulbenkian e ex-Director do
Centro de Arte Moderna daquela Fundação);
- o projecto, a construção e a programação do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste
Gulbenkian, nomeadamente: José Sommer Ribeiro (ex-Director do Centro de Arte Moderna,
e colaborador de Leslie Martin no desenvolvimento do projecto), Jorge Molder (Director do
Centro de Arte Moderna), João Castel-Branco (Director do Museu Calouste Gulbenkian) e
António Pinto Ribeiro (Consultor e Assessor Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian);
- o concurso, o projecto, a construção e a programação do Centro Cultural de Belém,
nomeadamente: Manuel Salgado (co-autor do projecto), António Lamas (ex-Presidente do
Instituto Português Património Cultural, responsável pelo lançamento do concurso e pela
gestão processual do projecto), Pedro Tavares (responsável pela equipa técnica que assessorou
o Instituto Português do Património Cultural na coordenação do projecto geral do edifício),
João Fraústo da Silva (ex-Presidente da Fundação Centro Cultural de Belém), José Monterroso
Teixeira (ex-Director do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém), Margarida Veiga
(Administradora da Fundação Centro Cultural de Belém, e ex-Directora do seu Centro de
Exposições), e António Ribeiro (Director dos Serviços Técnicos e de Manutenção do Centro
Cultural de Belém);
- o projecto, a construção e a programação do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de
Serralves, nomeadamente: Álvaro Siza (autor do projecto), Fernando Pernes (Assessor Cultural
da Fundação de Serralves e ex-Director Artístico da instituição), Vicente Todolí (ex-Director
do Museu de Serralves) e João Fernandes (Director do Museu de Serralves).
Introdução | 25

Estado da Arte e Estrutura da Dissertação

As referências a anteriores abordagens científicas em torno da temática abordada - o denomi-


nado “Estado da Arte” - são introduzidas e explanadas no próprio texto da dissertação, ao lon-
go dos quatro capítulos, procedimento que nos permite contextualizar, não apenas os autores
mais importantes, nas diversas disciplinas de suporte, como também as obras que constituem
o ponto de partida da nossa investigação.
Ainda que, ao longo do texto, se referenciem monografias, ensaios e catálogos sobre os
sucessivos casos-de-estudo por nós analisados, é importante notar que o presente trabalho
afigura-se como a primeira dissertação comparativa em torno da génese e da evolução desses
quatro Grandes Equipamentos Culturais da Contemporaneidade Portuguesa, percorrendo
um arco temporal de mais de meio século, e abordando um vasto contexto internacional e
nacional, que introduz e conduz à caracterização desses mesmos casos.
Houve, por isso, o cuidado de aprofundar, capítulo-a-capítulo, época-a-época, esses dois tipos
de contextualização, estando cada capítulo estruturado em quatro partes, duas centradas no
panorama internacional e duas no panorama nacional.
A abordagem ao panorama internacional desdobra-se entre a análise das culturas políticas de
cada época, das políticas e dos conceitos culturais em voga, e dos seus principais mentores, e a
interpretação do debate interdisciplinar presente na cultura urbana, na cultura arquitectónica
e na cultura artística de então. Dessa leitura, procura-se aferir, ciclicamente, o protagonismo
atribuído às Arquitecturas da Cultura em cada momento histórico.
Já a abordagem ao panorama nacional, desdobra-se entre a observação das políticas, do debate
interdisciplinar, e dos espaços culturais que se foram consolidando, entre nós, nas mesmas
épocas, e a análise específica e detalhada do caso-de-estudo que corporiza, em Portugal, esse
“espírito do tempo”.
No Epílogo procura-se frisar, em jeito de síntese, as questões mais importantes a retirar de
cada um desses casos, dividindo as conclusões de acordo com as dimensões que nos propomos
observar - a política, o debate, e o espaço cultural - e caracterizando, do mesmo modo, as
quatro épocas percorridas ao longo da dissertação.
O texto é ainda acompanhado por 570 ilustrações e por 1490 notas que referenciam,
complementam ou explicitam as ideias explanadas, e, finalmente, por uma série de desenhos
técnicos por nós (re)delineados - plantas, alçados e perfis - referentes a cada um dos quatro
Casos-de-Estudo, os quais, na escala apontada, podem servir de guião gráfico à descrição
textual que se conduz através destes.

Iniciemos então o nosso trajecto através de quatro épocas, na companhia dessas quatro
Arquitecturas da Cultura, ou desses quatro personagens que nos servirão, acima de tudo, para
contarmos uma história - a história do nosso tempo.
26 |

1
ELIOT, T. S., Notas para uma Definição de Cultura (edição original de 1948). Lisboa: Edições Século XXI, 1996, p.25

2
SANTOS, Boaventura de Sousa, Pela Mão de Alice, O Social e o Político na Pós-Modernidade. Porto: Edições Afrontamento, 1994,
pp.88-89

3
HARVEY, David, The Condition of Postmodernity. Oxford: Blackwell, 1990, p.327

4
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, Sede e Museu Gulbenkian. A Arquitectura dos Anos 60 (coord. Ana Tostões), Catálogo
de Exposição: Edição Monográfica e em DVD. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006

5
GRANDE, Nuno, “O efeito Gulbenkian, das políticas aos espaços. Evolução de um Programa Cultural Percursor”, in Sede e
Museu Calouste Gulbenkian. A Arquitectura dos Anos 60 (coord. Ana Tostões), Catálogo de Exposição: Edição Monográfica e em
DVD. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006

6
FUNDAÇÃO DE SERRALVES, Álvaro Siza, Expor, On Display (coord. Carlos Castanheira e João Fernandes). Porto: Fundação de
Serralves, 2005

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