Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
personagens da linguagem
CARLOS
DE OLIVEIRA
&
NUNO
JÚDICE
Ida Alves
© Oficina Raquel, 2021
© Ida Alves, 2021
EDITORA
Raquel Menezes e Jorge Marques
ASSISTENTE EDITORIAL
Mario Felix
CAPA e diagramação
Daniella Riet
IMAGEM DA CAPA
Conferir no Canvas
CDD P869.1
CDU 821.134.3-1
www.oficinaraquel.com.br
SUMÁRIO
ESCLARECIMENTO
APRESENTAÇÃO
Contextualização do estudo – 13
Organização e abordagem teórico-crítica – 21
Nota de leituras – 26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
De Carlos de Oliveira – 287
De Nuno Júdice – 287
De outros poetas
ANEXO – 321
ESCLARECIMENTO
1. Para marcar essa data, criei, em março de 2021, com a parceria da Profa. Dra. Andreia Castro, da
UERJ, o site Escritor Carlos de Oliveira, que pode ser acessado em https://escritorcarlosdeoliveira.
com.br/ . Reunem-se aí informações biobibliográficas e imagens que podem ajudar os jovens
pesquisadores e demais interessados. Também neste ano de 2021, será publicada a primeira
antologia brasileira de sua poesia, sob minha organização e com a colaboração de leitores especiais
da obra de Carlos de Oliveira, como Rosa Martelo (Universidade do Porto) e Osvaldo Silvestre
(Universidade de Coimbra), ao lado de Leonardo Gandolfi (UNIFESP) e Luis Maffei (UFF).
9
parte ou por inteiro. Ao longo dos anos, o acesso à tese, sempre que
solicitado, era dado por cópia ou arquivo pessoal, já que, quando foi
defendida, em maio de 2000, ainda não havia o catálogo online de
dissertações e teses – Capes. A divulgação de algumas passagens foi
realizada, também, em artigos de revistas impressas / eletrônicas ou
capítulos de livros de circulação acadêmica restrita, só encontráveis em
algumas bibliotecas universitárias. Na ata de defesa, a Banca registrou,
com ênfase, que o trabalho deveria ser publicado. Era também, no
Brasil, a primeira tese de doutorado que discutia toda a obra poética
de Carlos de Oliveira e a de Nuno Júdice. Mas faltou oportunidade e o
tempo foi correndo.
2. Seu primeiro livro de poesia, A noção de poema, foi publicado em 1972. Nos primeiros anos da
década de 70, começam a publicar Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorges,
António Franco Alexandre e Helder Moura Pereira.
10
Júdice. Em relação a Oliveira, junta-se o fato de que, em 2012, um
espólio inesperado composto por mais de oito mil documentos foi
doado ao Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, Portugal, o
que está abrindo, nos últimos anos, outras trilhas para o entendimento
de sua obra e suscitando novas e provocadoras questões.
Ida Alves3
5. Sobre a dificuldade e a mistura de critérios para definição dos termos “moderno” e “modernidade”,
cf. SENA, 1971, p. 395-417; AMARAL, 199l, p. 17-36.
12
Contextualização do estudo
6. Atualmente, a relação entre fake news e política demonstra a que ponto essa interferência chega,
ainda mais no contexto da pandemia de coronavírus que o mundo ainda enfrenta enquanto
escrevemos esta nota.
13
forma simplificadora uma parcela significativa de público. Outra parte,
mesmo sem abrir mão do valor literário, suscitou maior interesse de
leitura que outros gêneros literários.
7. A esse respeito, ver o site da LyraCompoetics, rede de investigação internacional sobre poesia,
com sede na Universidade do Porto, que mantém uma série de depoimentos de poetas sobre
“poesia e resistência”. https://ilcml.com/lyracompoetics/.
14
XX, sob o ponto de vista de “consumo”, a poesia foi sendo relegada a uma
posição menor – e isso se pode comprovar, sem pretensões estatísticas,
com a simples verificação do espaço que a mídia lhe tem dado, ou a
quantidade de leitores que a ela se dedicam com fidelidade, não por
modismos de leitura. Mesmo nos círculos acadêmicos, considerando
congressos, seminários públicos, cursos universitários, livros
acadêmicos, projetos, programas, dissertações, teses etc,. constata-se a
predominância de estudos e pesquisas dedicados à narrativa8.
8. No horizonte atual, vemos que o domínio das redes eletrônicas abriu um espaço de divulgação
e circulação apreciável para os poetas e para seus leitores. Há um lado positivo nisso, sem dúvida,
mas também há o desaparecimento das livrarias físicas, a mercantilização do literário, com suas
feiras e ações de marketing, criando outros interesses, muito diferentes da relação de leitura de
poesia em situação de reflexão e de diálogo crítico.
15
Não temos a pretensão de realizar um levantamento
quantitativamente representativo daqueles que seriam os principais
poetas portugueses do século XX, cujas primeiras obras, publicadas
a partir dos anos 60, teriam contribuído para o estabelecimento de
uma outra fase da modernidade literária em Portugal. Isso, aliás, já
foi feito, por exemplo, com outra perspectiva e diferente recorte, por
Fernando Pinto do Amaral em sua dissertação de mestrado, em 1990,
publicada no ano seguinte sob o título O mosaico fluido – modernidade
e pós-modernidade na poesia portuguesa mais recente. O que buscamos
é evidenciar que essa poesia empreendeu mais assumidamente um
trabalho de releitura da tradição poética, considerando sob o rótulo de
tradição a própria modernidade. Esse trabalho de releitura, mais atuante
a partir dos anos 70, viria em continuação a um trabalho de escrita e sua
reflexão teórica que a poesia dos anos 60, em Portugal, exemplarmente
viu configurados nas obras de poetas como Jorge de Sena, Carlos de
Oliveira, António Ramos Rosa, Herberto Helder, Ruy Belo e os jovens
de Poesia 6l, ainda que as propostas fossem diferentes e as suas “artes
poéticas” demarcassem, naturalmente, trajetórias independentes. Pois
bem: a escolha dos nomes de Carlos de Oliveira (1921-1981) e Nuno
Júdice (1949 - ) decorreu não só do direito de gosto de leitor de poesia
portuguesa, mas também, e principalmente, por eles terem construído
obras assumidamente preocupadas com a reflexão sobre a linguagem
literária, o poético e seus dilemas frente à realidade do mundo. De fato,
os dois escritores, de forma sistemática, problematizam a escrita da
poesia, constituindo o que se poderia defender como uma teorização
da escrita e da leitura poética que foi sendo elaborada ao longo de seus
16
percursos, tanto na atividade literária, propriamente considerada, como
na produção reflexiva (ensaio, artigos, comentários, entrevistas etc.)9.
9. Em 2012, um fato veio abrir novos caminhos para o estudo da poética de Carlos de Oliveira:
a existência e doação de um espólio literário até então inesperado. Cerca de 8 mil documentos e
biblioteca do autor encontram-se agora catalogados no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca
de Xira, com consulta liberada para estudo. No caso de Nuno Júdice, ainda em plena produção,
as obras publicadas nas duas décadas do século XXI persistem em algumas linhas importantes de
sua escrita, explorando, porém, com outra ênfase o jogo entre razão e emoção que a caracteriza.
Destacam-se a seu respeito estudos sobre poesia e outras artes, poesia e intertextualidade, a relação
com o clássico.
10. Essa mudança caracterizaria a definição de duas fases poéticas na obra do escritor. A primeira,
compreendendo a produção poética produzida nas décadas de 1940 e 1950; a segunda, nas décadas
de 1960 a 1980. Leia-se GUSMÃO, 1981.
11. Em julho de 198l, no Jornal de Letras, Artes e Ideias de Lisboa, em despedida de Carlos de
Oliveira, Gastão Cruz publicou o texto intitulado “Que lhe diremos, mestre?”. Depois, em
homenagem aos 10 anos de falecimento do autor, no mesmo jornal esse poeta e Fiama Hasse Pais
Brandão lembravam o rigor e a atenção à escrita que caracterizavam o seu trabalho estético.
17
“O que resta e o que pesa de Carlos de Oliveira, e é imenso, culmina
e parte de Cantata. Por isso, parece ser do mais central valor, para
qualquer perspectiva sobre a sua poesia, parar neste conjunto de
poemas, que foi livro e é agora a última parte do primeiro volume de
Trabalho poético. O que de mais moderno nos propõe reúne-se, sem
dúvida, no segundo volume dessa obra. Mas Cantata é o arco da seta
com que atravessa a nossa mais recente poesia. Dedicar-lhe mais estas
palavras, e ainda as seguintes, está ainda muito aquém do que seria
necessário”. E, mais adiante: “[...] Há uma alta tarefa educativa em
poetas assim”.
Além de poesia e romance, Carlos de Oliveira publicou em 1971
O aprendiz de feiticeiro, que reúne textos diversos redigidos entre 1947
e 1970. Em 1992, a Editora Caminho, de Lisboa, publicou em um só
volume toda a obra do autor, com exceção de Alcateia,, arrolando toda a
bibliografia ativa do escritor e também a passiva até aquele momento. No
Brasil, houve edições de alguns de seus romances mas não da poesia12.
12. Em agosto de 2021, será publicada a primeira antologia brasileira da poesia de Oliveira, sob o
título Trabalho poético, sob nossa organização, editora Oficina Raquel, Rio de Janeiro.
18
significativas para a reflexão sobre o poético e sua linguagem. Desde
então, novos títulos foram publicados. Na poesia, Poesia reunida –
1967-2000 (2001), Pedro lembrando Inês (2002), Cartografia de emoções
(2002), O estado dos campos (2003), Geometria variável (2005), As coisas
mais simples (2006), A matéria do poema (2008), O breve sentimento do
eterno (2008), Guia de conceitos básicos (2010), Fórmulas de uma luz
inexplicável (2012), Navegação de acaso (2013), O fruto da gramática
(2014), A convergência dos ventos (2015), O mito da Europa (2017), A
pura inscrição do amor (2017) e Regresso a um cenário campestre (2020).
Também continuou a publicar ficção, teatro e ensaio13.
Além disso, há outra questão que não pode ser relegada: trata-se
de examinar o espaço ocupado por Portugal nas poéticas desses dois
escritores. Nas obras de outros importantes poetas portugueses do
século XX – e citamos apenas alguns, como Sophia de Mello Breyner
Andresen, Jorge de Sena e Ruy Belo –, Portugal é nomeado ou evocado
com certa constância crítica. Já a segunda fase da obra poética de Carlos
de Oliveira e toda a obra de Nuno Júdice realizam um apagamento (que
sabemos aparente) da imagem de Portugal, ou seja, parecem buscar
uma escrita poética isenta ou bastante transformadora das vivências
portuguesas particulares para a elaboração de um discurso mais
20
universalista, abdicando do território nacional em prol da universalidade
do território poético. Nesse sentido, seria possível a aproximação
com a escrita de Herberto Helder, voz quase paradigmática para os
poetas que começaram a publicar na década de 1970 e interlocutor
também de Carlos de Oliveira, responsável por uma obra de grande
liberdade e insubmissão a quaisquer fronteiras impostas ao exercício
da poesia. Mas, dissemos “aparente”, porque a esse movimento de
apagamento contrapõe-se uma atividade de afirmação da cultura em
língua portuguesa na sua pluralidade e capacidade de dialogar com
outras culturas, delineando-se melhor a própria identidade nacional
num mundo globalizado, de falsa homogeneidade. Assumir a língua
como elemento de diferença talvez seja a questão fundamental para os
poetas, por isso a pertinência de analisar o contraste entre apagamento
e presença de Portugal na escrita de seus autores.
21
confiança de que o trabalho poético é uma ação cognitiva14 importante
para questionar o ser e o estar no mundo, o pertencer a uma história
comum. A ação artística, especialmente em tempo de crise – quando
se aceleram as transformações sociais, econômicas e tecnológicas, cada
vez mais responsáveis pela destruição de fundamentos e pela dissolução
de identidades –, mantém-se como princípio de resistência e garantia
da “condição humana”. Dessa forma, ao considerarmos o par “poesia e
linguagem”, procuraremos enfatizar as pesquisas em torno da metáfora
como processo cognitivo que permite, na linguagem poética, a inovação
na apreensão imagética do mundo e do sujeito. Para isso, recorremos ao
trabalho desenvolvido por Paul Ricoeur em A metáfora viva (a primeira
edição francesa é de 1975), estudo básico ao qual se aliam outras
pesquisas posteriores sobre metáfora e conhecimento.
14. Fernando Guimarães (1992, p. 36) escreve: “Há muito que começaram os filósofos a fazer um
apelo aos poetas e a ver nas vozes fugitivas um possível acesso às questões que os preocupam. Essas
vozes poderiam ser as de um Hölderlin, as de um Rilke – ambos, como se sabe, exemplarmente
interpretados por Heidegger – ou as daqueles que, para nos servirmos das próprias palavras de
Schelling numa carta enviada a Hegel, pressentiram que a poesia era um verdadeiro ‘pedagogo da
humanidade’, uma espécie de guia capaz de nos conduzir ao próprio centro da realidade, ao lugar
onde o ser fala através das palavras e, ao mesmo tempo, do silêncio cheio de significações que cada
poema vem revelar.”
22
temporalidade delinearam uma outra história cultural nos séculos XIX
e XX, com reflexo imediato nos caminhos da poesia ocidental. Para
a abordagem do tempo na literatura, utilizamos a própria lógica das
reflexões de Paul Ricoeur, que dá continuidade ao estudo da metáfora
com a publicação de Tempo e narrativa (a primeira edição francesa, em
3 volumes, é de 1983-1985), no âmbito de uma teoria da interpretação
(hermenêutica) com base fenomenológica.
23
presente no texto do passado15. Essa revisitação a sua obra poética tem
em mira uma escrita preocupada com a aferição do processo metafórico
(a relação tensionada entre a imagem literária e a representação), com
o exercício de depuração e memória em torno de um sujeito poético
marcado pela passagem do tempo e com a problematização do espaço
da literatura na relação entre o sujeito produtor e o sujeito receptor.
Acompanhando os percursos do sujeito lírico no tempo e no espaço,
buscamos compreender como esse trabalho poético configura a situação
de precariedade da vida humana num mundo contemporâneo cada vez
mais artificial e desesperançado.
15. Rosa Maria Martelo apresentou, na Universidade do Porto, em 1996, tese de doutoramento
intitulada A construção do mundo na poesia de Carlos de Oliveira, já publicada em 1998 com o
título Carlos de Oliveira e a referência em poesia (Porto: Campo das Letras). Em estudo minucioso,
demonstrou o processo constante de reescrita exercitado pelo autor a ponto de transformar
quase totalmente uma obra pretérita a partir das preocupações estéticas do presente. Assim foi
com Turismo, cuja versão considerada pelo poeta como definitiva está muito afastada da primeira
publicação em 1942, no Novo Cancioneiro. Da tese fotocopiada, retiramos, quando necessário, as
primeiras versões de poemas de Carlos de Oliveira.
16. A respeito, é interessante transcrever o que diz Eduardo Lourenço (1993, p. 84) sobre Fernando
Pessoa: “O inextricável da textualidade pessoana de si mesmo produzia o paradigma destinado,
não só, como Pessoa o sonhara, a mitificar a sua aventura, mas a convertê-la, como aconteceu, num
dos mitos culturais mais prodigiosos do nosso século.”
24
um tempo limite.Como Carlos de Oliveira, Nuno Júdice é um poeta do
trabalho da memória e da poesia como narratividade do tempo.
17. PESSOA, 1981, p. 406: “O que quer Orpheu? Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço.
A nossa época é aquela em que todos os países, mais materialmente do que nunca, e pela primeira
vez intelectualmente, existem todos dentro de cada um, em que a Ásia, a América, a África e a
Oceania são a Europa, e existem todos na Europa. Basta qualquer cais europeu – mesmo aquele
cais de Alcântara – para ter ali toda a terra em comprimido. E se chamo a isto europeu, e não
americano, por exemplo, é que é a Europa, e não a América, a fons et origo deste tipo civilizacional,
a região civilizada que dá o tipo e a direção a todo o mundo. Por isso a verdadeira arte moderna
tem de ser maximamente desnacionalizada – acumular dentro de si todas as partes do mundo. Só
assim será tipicamente moderna [...]”.
25
uma crítica da modernidade e, no âmbito da cultura portuguesa,
a constituição de um discurso crítico autônomo capaz de pensar
Portugal, não orgulhosamente só (mote salazarista de triste memória),
mas necessariamente inserido dialogicamente no mundo político,
econômico, social e cultural do século XXI.
Nota de leituras
19. Nas referências bibliográficas, indicaremos os livros de Carlos de Oliveira pelas seguintes siglas:
Turismo (T), Mãe pobre (MP), Colheita perdida (CP), Terra de harmonia (TH), Cantata (C), Sobre o
lado esquerdo (SLE), Micropaisagem (M), Entre duas memórias (EDM), Pastoral (P), Finisterra (F),
O aprendiz de feiticeiro (AF) e Obras de Carlos de Oliveira (O).
27
quando possível, as primeiras edições20. A bibliografia ativa e passiva
dos dois poetas arrolada ao final não é exaustiva, reportando-se apenas
aos textos aqui analisados ou diretamente pesquisados. Mas incluímos,
em separado, uma relação mais atualizada das obras de Nuno Júdice,
escritor ainda muito ativo.
29
orientação criadora é “o exercício da sabedoria da linguagem”21, como
explicava o poeta português Ruy Belo, ou a prova de fogo do narrador,
segundo reflete Walter Benjamin:
A alma, o olho e a mão estão assim inscritos no mesmo campo.
Interagindo, eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser
familiar. [...]
Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente, com seus
gestos, aprendidos na experiência do trabalho, que sustentam de cem
maneiras o fluxo do que é dito. [...] Podemos ir mais longe e perguntar
se a relação entre o narrador e sua matéria – a vida humana – não
seria ela própria uma relação artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a
matéria-prima da experiência – a sua e a dos outros – transformando-a
num produto sólido, útil e único? [...] Assim definido, o narrador
figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para
alguns casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio.
Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não
inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência
alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que
sabe por ouvir dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade
é contá-la inteira (BENJAMIN, 1994, p. 220-221).
Com essa perspectiva mais ampla, a narratividade não é um
gênero, o rótulo de uma forma literária, mas um processo por meio do
qual usamos a linguagem verbal para dar conta da experiência de mundo
dos sujeitos que nele existem. Por isso, a poesia torna-se também uma
prática narrativa, já que os poetas, por meio de seus poemas, contam
versões provisórias da experiência de viver, narrando histórias do
sujeito, do mundo e da própria linguagem, constituindo uma memória
do humano.
22. No original: “Le premier caractère commun de ces types les plus archaïques de “poésie” c’est
d’avoir une finalité nettement définie, non esthétique: magique, historique, juridique, didactique.
Et le second caractère commun de ces mêmes types archaïques c’est d’atteindre cette finalité
(conservation des rites, des généalogies, des connaissances agricoles, nautiques, juridiques, etc.)
par le moyen de techniques très apparentes, techniques de la mémoire orale; c’est-à-dire des
mnémotechniques. Ce que nous appelons poésie n’est pas né comme plaisir, mais comme outil.
Toute l’histoire ultérieure de la poésie sera l’histoire des changements d’usage et de destination de
cet outil”.
31
no relacionamento entre poesia e público (Cf. MOUNIN, 1968). O
poeta acabou expulso da cidade, ou, permanecendo nela, teve sua
palavra desautorizada, justamente porque os ouvintes mudaram e
não reconheciam mais a poesia como uma prática útil ou um meio de
conhecimento necessário à compreensão da realidade experimentada.
24. No original: “La transformation de la poésie, qui de parole est devenue comme nous le verrons
écrit, a eu pour conséquence de la faire passer de l’état d’art populaire à l’état d’art aristocratique. De
ce fait, un très vaste public n’a plus eu accès à la poésie. Dans le même temps se maintenait dans la
chanson une tradition poétique populaire extrêmement riche que des Allemands comme Herder
ont contribué à faire redécouvrir à l’époque romantique. Un divorce s’établit donc entre le folklore,
la poésie populaire et le poème imprimé”.
32
Na segunda metade do século XVIII, define-se uma outra época
cultural: a modernidade25. Entra em crise a unidade ética, científica
e estética anterior à Ilustração, à Revolução Francesa e à Revolução
Industrial, fortalecendo-se a ação contestadora de valores estabilizados
no terreno da arte. Contudo, é no século XIX, “esse século que nunca
mais acaba de passar”, na expressão de Ana Hatherly (1979, p. 21), que se
fazem interrogações estéticas fundamentais e que ainda hoje merecem
discussão: qual é a função da arte? Qual é o poder da literatura? Qual é o
grau de intervenção e transformação que o texto literário pode exercer?
O que é a poesia e o que faz o poeta?
25. Sobre a diversidade temporal da modernidade, explica Sergio Paulo Rouanet (1994, p. 11):
“Estudando a concepção de Modernidade dos vários autores, constatamos que eles se referem
a momentos históricos muitos diferentes, entre os quais, inclusive, outras ‘rupturas’ foram
assinaladas. Alguns historiadores, como Voltaire, Guizot e Ranke, consideram que a História
Moderna se inicia com a queda de Roma, isto é, na alvorada do século VI d.C. Outros indicam o
século XV, com o advento do Renascimento, o momento primal da Modernidade, quando se dá
uma série de rupturas em relação ao medievo europeu. Há outros, como Troeltsch, que preferem
indicar o final do século XVII – o do Iluminismo, acionado com a obra de Locke, em 1688 – como
o iniciador da Modernidade, lutando contra a ignorância e o fanatismo dinástico e religioso das
décadas anteriores. Já grande número de autores consideram que a Modernidade contemporânea
– a que demonstrou ter vocação de ‘mundializar-se’ – começa realmente com as duplas revoluções,
a industrial inglesa e a política francesa, nos fins do século XVIII.”
26. Citamos Eduardo Prado Coelho (1982, p. 180): “Na leitura que nos sugerem Lacoue-Labarthe
e Nancy, há um jogo subtil entre o romantismo teórico e o romantismo romanesco. O romantismo
teórico assinala uma crise múltipla: crise da sociedade alemã, crise económica, social e cultural
da sociedade moderna. Mas não se trata apenas de assinalar. O romantismo teórico será assim
a formulação mais crítica dessa crise da história moderna. E, de certo modo, o romantismo
romanesco, também produto dessa mesma crise, é sobretudo o modo como a crise se deixa assinalar
pela própria forma como se tenta dissimular. O romantismo romanesco é mais ocultação do que
revelação da crise, embora através desta ocultação a crise se continue a dizer, mas de outro modo”.
33
na realidade, o transcendental em geral. O poeta transcendental é o
homem transcendental por excelência”27. E recordemos também que
Shelley responde à acusação de inutilidade da poesia, feita por Thomas
Love Peacock em The four ages of poetry, com A defense of poetry, ensaio
publicado em 1840, embora escrito em 182128. O intenso questionamento
sobre a arte que se estabeleceu na virada do século XIX para o XX,
em consequência das mudanças impostas pela estética romântica
na primeira metade do século XIX, aponta uma outra modernidade,
consciente de sua ação de ruptura. Nunca se indagara tanto sobre a obra
de arte, sobre o artista, sobre sua linguagem. Não à toa, Hugo Friedrich
afirmou que a poesia moderna é o Romantismo desromantizado (1978,
p. 30), pois continuou no século XX esse exercício crítico, agora sem
transcendência nem divinização do poético.
27. Para ler esse e outros textos fundamentais sobre o Romantismo crítico, ver: CHIAMPI, 1991.
Ver NOVALIS. Pólen. 2a. ed. São Paulo: Editora Iluminuras, 2001.p. 124.
28. Escreve Maria Irene Ramalho de Sousa Santos (1993, p. 104): “Peacock, depois de traçar
as origens e evolução da poesia ao longo dos tempos, acaba por concluir que a poesia não tem
lugar na sociedade moderna. No seu entender, a poesia é a expressão própria da imaginação de
povos primitivos e incultos, mergulhados na irracionalidade, devendo os homens, à medida que a
civilização avança, ocupar-se de projectos mais ‘úteis’”. É contra essa “tese” de Peacock que se ergue
a defesa da poesia de Shelley.
29. Lembre-se a importância, a partir da década de 1960, da estética da recepção, com a publicação
das obras de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser. Hoje, a existência dominante do espaço virtual
estabelece novas indagações e outros problemas a serem discutidos sobre criação, circulação,
divulgação e recepção literárias.
34
O romancista, o poeta, etc., estão melhor ou pior nos seus livros, nos
seus textos teóricos, e até nas suas atitudes de cidadãos. O que falta é
conhecer o segundo termo da relação autor-leitor, sondar o destino
do romance ou do poema, auscultar a tarefa anónima que os modela
continuamente e lhes dá vida.
Numa palavra: de quem, de quê e como se alimenta (depois de ter
devorado o seu criador) esse animal faminto que é a obra literária? (O
[AF], p. 474-475)
A poesia acabou por definir-se como capacidade ou habilidade
especial de recriar o existente, de instaurar o inexistente, de registrar
ou assumir desejos e combates, com linguagem autorreferente,
considerando-se o imaginário espaço livre em que se formulam diferentes
visões de mundo. Curioso é que, apesar da autonomia conquistada, sua
posição na sociedade não tenha sido de fortalecimento. Parece, pelo
contrário, ter aumentado o descrédito ou desconsideração em relação a
sua significação e importância, como se não houvesse lugar útil para a
palavra poética numa sociedade tecnológica como a atual. No entanto,
a poesia insiste em todas as línguas e em todas as comunidades, talvez
porque continuemos a buscar respostas que a técnica e a ciência não
conseguem dar, e o poético continue a exercer, sem que se pense nisso,
sua função essencial: manter a memória humana, pondo em xeque a
cada texto a presença e a ação do homem no mundo que o rodeia.
36
com palavras. A poesia não é um outro separado do que chamam
linguagem comum e que imaginam pobre e utilitária, antes é a
linguagem, como diz Meschonnic, “mais carregada de comum”, ou
seja, factor tendencial de comunidade como determinação e horizonte
da individuação. Sem ter que pressupor qualquer transparência ou
homogeneidade. A poesia, a literatura, re-produz, refaz todos os actos
de linguagem que possamos enumerar. [...]
A poesia não faz mais que a faculdade da linguagem: jogar figuras,
indefinidamente diferentes, do loquens e do faber, do sapiens e do
ludens, etc. (GUSMÃO, 1994, p. 246)
Acreditamos ser a poesia um discurso útil. Assim, o que também
se intenta demonstrar aqui é como isso se apresenta na realidade
textual. Será a poesia a dar a palavra final, e é ouvindo o que os poetas
dizem em suas obras que definimos a seguir três relações necessárias à
compreensão do poético em nossa contemporaneidade.
30. MOUNIN, 1968, p. 46 (tradução nossa): “D’abord, il faut constater que l’histoire de la poésie
tout entiére est l’histoire d’une succession de langages – à des degrés divers – absolument neufs.”
[Primeiramente, é preciso constatar que toda a história da poesia é a história de uma sucessão de
linguagens – em graus diversos – absolutamente novas.]
37
a especificidade do sujeito estético, provocou, nas diversas áreas da
produção artística, movimentos de autorreferencialidade, iniciando-se
no Romantismo, como já apontamos, um viés crítico que não mais seria
deixado de lado. No âmbito literário não foi diferente, e viu-se o interesse
crescente de avaliar a obra na sua produção e, mais recentemente, na sua
recepção. Em relação à poesia, acentuou-se a preocupação de explicar os
processos de linguagem que possibilitam o poema, especialmente com
a maior divulgação dos estudos linguísticos de Ferdinand de Saussure e
dos debates empreendidos pelos formalistas russos, que fundamentaram
o desenvolvimento de uma teoria da literatura como ciência do texto. A
partir daí, seja qual for a abordagem, o poema, a princípio, se define
como construção verbal diferenciada que segue determinadas “regras”
de transformação dos elementos diversos que constituem um sistema
linguístico específico. O poeta torna-se um “linguista das imagens”,
testando práticas discursivas, verificando na própria escrita a eficácia
comunicativa de diferentes relações sintagmáticas e paradigmáticas,
contrastando os subsistemas linguísticos – o fonológico, o morfológico,
o sintático e o semântico – para atingir grau elevado de significado
ou conotação31. Enfim, a modernidade literária do século XX trazia à
cena a matéria indispensável para o exercício da criação: a língua. E
os poetas, que sempre a consideraram fundamental, expressaram e
divulgaram, por meio do exercício crítico ou na prática do próprio
poema, as condições de trabalho com essa matéria. Sobre isso, escreveu
o poeta e crítico António Ramos Rosa, nome marcante na produção
poética portuguesa a partir da década de 1950:
O que caracteriza fundamentalmente a poesia moderna é a recusa de
uma ilusão que durante séculos dominou a literatura tradicional [...] A
moderna consciência poética descobriu que o objeto que o poeta diz
não é independente da linguagem que o formula. Assim, a linguagem
já não traduz a realidade, pois ela própria cria uma nova realidade.
(ROSA, 1989, p. 32)
31. Sobre conotação e denotação, acompanhamos considerações de Luiz Costa Lima (1974).
38
O usuário cotidiano de um sistema linguístico muitas vezes
recorre a procedimentos típicos da linguagem literária, como a utilização
de diferentes relações fonológicas, sintáticas, morfológicas e semânticas
que determinam tropos como aliteração, onomatopeia, hipérbato, elipse,
anacoluto, antítese, ironia, hipérbole, metáfora etc. Esses procedimentos
são, por vezes, tão repetitivos e condicionados a determinados objetivos
de comunicação que acabam por servir apenas ao nível denotativo da
linguagem, à referencialidade de primeiro grau32, perdendo parte de sua
força significativa pela previsibilidade e conformação ao discurso diário,
com mínimo grau de inovação. Superar esse uso, transformar o comum
em particular, deslocar e reorganizar as estruturas verbais para alcançar
resultados inéditos, levando à desautomatização, são formulações da
função poética que Jakobson apontou nos textos centrados no desvio
linguístico e imagético – como o poético e o publicitário, por exemplo.
Ora, a questão fundamental em poesia, como já afirmou há certo tempo
Jakobson (1973, p.5) em “O que fazem os poetas com as palavras” , está
“nas relações entre som e sentido”, e tudo é, “nos seus diversos níveis,
significante”.
32. Sobre referencialidade, cf. LIMA, 1974; RIFFATERRE, 1984. A denominação “referência de
primeiro e de segundo grau” vem de RICOEUR, s.d. a.
39
introprojeta, ou seja, transforma-se em sua própria referência e impõe
ao leitor o movimento em direção ao universo textual33.
33. Em relação a essa diferença, lembre-se a distinção feita por Heidegger entre obra de arte e
instrumento: a obra de arte caracteriza-se pelo fato de se impor como digna de atenção enquanto
tal; o instrumento se esgota no uso e na referência ao mundo (HEIDEGGER, 1999).
40
necessidade de renovar os procedimentos metafóricos, indagando sobre
a acomodação imagética que a poética moderna acabou por instituir,
quando deixou de ser discurso de ruptura para tornar-se tradição.
Abordam direta ou indiretamente o processo metafórico, não apenas
como figura, e sim como um processo de transformação de sentidos,
dependente de operações cognitivas que envolvem texto, leitor e mundo.
35. RIFFATERRE (1984, p. 100), sobre significação em poesia, escreve: “Dos primórdios da retórica
à semiótica moderna, longamente se estudou a significação indirecta, embora como fenómeno
estritamente fechado no texto. A aproximação mais frutífera – de facto, a única satisfatória –
consiste em levar em conta simultaneamente o leitor e o poema: aquele que interpreta ao mesmo
tempo que aquilo que interpreta. Porque não é no autor, como durante muito tempo pensaram
os críticos, nem no texto isolado que se encontra o lugar do fenómeno literário, mas sim numa
dialéctica entre o texto e o leitor.”
44
para sempre dobe o tempo os ciclos da morte
no tear que tece a translação da terra. (O [MP], p. 54, grifo nosso)
É o que faz também um leitor especial como Nuno Júdice em
relação à poesia francesa e alemã dos séculos XVIII e XIX, quando se
apropria da textualidade alheia e reelabora o jogo metafórico numa
nova experiência da imagem perpassada de ironia, impondo uma outra
leitura à leitura da tradição, o que significa uma ação de paródia na
formulação defendida por Linda Hutcheon: “repetição com distância
crítica, que marca a diferença em vez da semelhança” (1989, p.17). É o
tom, por exemplo, de um conjunto de textos em prosa, o qual encerra
Obra poética. Sob o título de Rimbaud inverso e com um aviso de que “O
pastiche é um pastis”, a escrita de Júdice absorve a escrita de Rimbaud
e revela seus excessos imagéticos, “Delírios do verbo – alquimia”
(JÚDICE, 1991, p. 338).
45
na obra do segundo, o poema se dá como “objeto de leitura” e como
“abertura activa ao texto” (apud. RICOEUR,s.d. a, p. 313). Nesse sentido,
podemos lembrar textos de Júdice que impõem ao leitor a ação ativa de
compreensão do que vai lendo, principalmente por expor uma série de
referências literárias que precisam ser recuperadas para que o sentido
do texto ganhe unidade. Um exemplo radical disso é o texto em prosa
“Génese e explicação do poema ‘Interrogação a uma amiga morta’”, em
que o poeta faz a desconstrução do processo de leitura necessário para
a compreensão do poema, mostrando a relação entre as metáforas que
estão no texto e as referências que estão fora dele. Vejamos fragmentos
– primeiro do poema, depois da explicação:
Pergunto o que queres:
a rosa que não abriu sob o céu de abril?
Um túmulo branco no centro da terra?
Os seios de fogo da rapariga matinal?
Os dedos sem mancha dos amantes? (FV, p. 102)
46
Ísis: a deusa branca, de que fala Robert Graves, a que associo a sua
figura depois da morte. (FV, p. 150)
Muito coerentemente, Ricoeur fará com que A metáfora viva seja
seguida por Tempo e narrativa, obra na qual desenvolveu e aprofundou
a questão da mimese, além de ter desdobrado a discussão da relação
real-obra-leitor. Mas, por ora, voltemos ao problema da referência. Ao
fazer a avaliação crítica de diversos estudos sobre a metáfora, o filósofo
francês, em determinado momento de sua reflexão, analisa o conceito
de G. Frege de referência e sua teoria da denotação, a qual que só seria
possível aos enunciados da ciência e recusado aos da poesia. Ricoeur (s.d.
a., p.330) questiona que “o discurso literário manifesta uma denotação
de segunda ordem, graças à suspensão da denotação da primeira ordem
do discurso”. Assim, a relação entre metáfora e referência expõe que a
metáfora é esse processo de suspender a referência literal para recompor
outro grau de referência: “Se é verdade que é numa interpretação que
sentido literal e sentido metafórico se distinguem e se articulam, é
também numa interpretação que, graças à suspensão da denotação de
primeira ordem, se liberta uma denotação de segunda ordem, que é
propriamente a denotação metafórica” (s.d. a, p. 330)36.
37. Ainda sobre a noção de mundo heideggeriana, citamos: “Mundo não é a simples reunião das
coisas existentes, contáveis ou incontáveis, conhecidas ou desconhecidas. Mas mundo também não
é uma moldura meramente imaginada, representada em acréscimo à soma das coisas existentes. O
mundo mundifica (Welt eltet) e é algo mais do que o palpável e apreensível, em que nos julgamos
em casa. Mundo nunca é um objecto, que está ante nós e que pode ser intuído. O mundo é o
sempre inobjectal a que estamos submetidos enquanto os caminhos do nascimento e da morte,
da bênção e da maldição nos mantiverem lançados no Ser. Onde se jogam as decisões essenciais
da nossa história, por nós são tomadas e deixadas, onde não são reconhecidas e onde de novo são
interrogadas, aí o mundo mundifica” (1999, p. 35).
48
Poesia e história: temporalidade, narratividade e memória
“O que em mim cresce e se reproduz, então, não sou eu, é o que
escrevo. E só essa vida ‘textual’ e escrita me protege do nada, do
pó, da mortal opacidade do gesto efêmero.”
Nuno Júdice, As inumeráveis águas
38. Para seguir essa história, numa visão geral, consultar ROMANO, 1993, principalmente p. 11-91;
e REIS, 1994. Há ensaios muito elucidativos a respeito de temporalidade e história em NOVAES,
1992.
49
sua interioridade, influenciarão sobremaneira as abordagens da questão
temporal ao longo dos séculos.
Quando meço o tempo, não meço sílabas em si, nem o passado, nem o
futuro, nem o presente em si. Eu meço os tempos da alma. A impressão
que as coisas fazem na alma enquanto passam e permanecem – esta
experiência é que se mede. Ela é presença, e não as coisas que passam.39
Trata-se da noção de distentio animi a que Santo Agostinho reduz
a extensão do tempo, considerando um tríplice presente: o presente do
futuro (a expectativa), o presente do passado (a memória) e o presente
do presente (a atenção).
39. Citado por NOVAES, 1992, p. 31. Ver também no volume 1 de Tempo e narrativa de Paul
Ricoeur o capítulo “As aporias da experiência do tempo”, sobre o Livro XI das Confissões de Santo
Agostinho.
50
O homem sempre buscou compreender a temporalidade, dando-
lhe artificialmente marcações, balizas, medidas, um vocabulário
(instante, agora, sempre, ontem, hoje, amanhã, ano, mês, dia etc.) e
desenvolvendo sobre ele as mais complexas reflexões numa tentativa de
dominá-lo, transformá-lo, subordiná-lo ao seu controle racional. Dessa
maneira, entender como se organizam as relações temporais (e também
espaciais, outra noção fundamental no imaginário humano) numa
determinada cultura é perceber de forma mais concreta as expectativas
sociais de uma comunidade.
Nas práticas espaciais e temporais de toda sociedade são abundantes as
sutilezas e complexidades. Como elas estão estreitamente implicadas
em processos de reprodução e de transformação das relações sociais,
é preciso encontrar alguma maneira de descrevê-las e de fazer uma
generalização sobre o seu uso. A história da mudança social é em parte
apreendida pela história das concepções de espaço e de tempo, bem
como dos usos ideológicos que podem ser dados a essas concepções.
Além disso, todo projeto de transformação da sociedade deve
apreender a complexa estrutura da transformação das concepções e
práticas espaciais e temporais. (HARVEY, 1992, p. 201)
Walter Benjamin, refletindo sobre a história, disse que “a
consciência de fazer explodir o continuum da história é própria às
classes revolucionárias no momento da ação” (1994, p. 230); portanto,
para libertar-se de uma ordem, romper o continuum da dominação, é
necessário enfrentar as balizas temporais da sociedade40.
40. Foi o caso da Revolução Francesa, que estabeleceu um novo calendário, com nomeações
inéditas e uma quantificação diferente para substituir a ordem temporal e a consciência histórica
do Antigo Regime.
51
para “ordenar” o tempo e torná-lo uma “realidade” cotidiana. Nas
últimas décadas do século XIX, por exemplo, o tempo dos relógios
é soberano41. Lembremos, sob a perspectiva da temporalidade, a
motivação para a criação da fotografia (1816), apreensão do instante,
e, depois, do cinema (cerca de 1900), o movimento controlado da
imagem no tempo. O literário também se voltou continuamente para
essa problematização, mesmo sem nomeá-la, e o narrar, o poetar e o
dramatizar “representavam” o tempo, principalmente nos séculos XIX
e XX, quando a aceleração temporal levou o homem a experimentar
mais agudamente a fugacidade, o contraste entre passado e presente,
entre tradição e renovação. Não é no século XIX, em meio à onda de
progresso, à transformação das cidades, que o termo “modernismo”
começa a circular com maior desenvoltura42?
41. Apenas para ilustrar tal soberania, registremos alguns dados: “Nos finais do século XVIII, a
média anual da produção londrina rondava as 130.000 peças [...] Genebra produzia 70 a 80.000 [...]
A partir de 1885, [...] a indústria relojoeira suíça exporta neste ano cerca de três milhões de relógios
e mecanismos completos; este número sobe para 13 milhões em 1913, para cerca de 21 milhões em
1946 e para mais de 60 milhões em 1966” (ROMANO, 1993, p. 31-32).
42. BERMAN (1989, p. 17) registra que “Rousseau é o primeiro a usar a palavra moderniste
no sentido em que os séculos XIX e XX a usarão.” Mais adiante (p. 145), dedica um capítulo a
Baudelaire, “que fez mais do que ninguém, no século XIX, para dotar os seus contemporâneos de
uma consciência de si próprios como modernos.”
52
os meios de comunicação de massa [...] Estes poucos exemplos bastam
para recordar que a nossa sociedade se reproduz diariamente graças
a actividades inúmeras, cuja ordenação, às vezes subtilíssima, só é
possível porque os vários poderes públicos impõem a todos um tempo
não meramente qualitativo mas também, ou mesmo principalmente,
quantitativo: medido e anunciado pelos relógios. (ROMANO, 1993, p.
16-17)
Em meio a essa aceleração, formou-se a multidão de que fala
Baudelaire e gerou-se a modernização do século XX, que será marcada
por problemas e tensões decorrentes de muitos fatos que prometiam
o progresso: o crescimento urbano, o crescimento populacional, o
desenvolvimento de mercados de consumo, o desenvolvimento técnico-
científico, o domínio dos meios de comunicação, a força econômica de
determinados países sobre os mais pobres etc. O homem contemporâneo
nascido em meio a essa violenta “modernização”, habitante de um
mundo dito “globalizado”, é impelido a produzir, a “ocupar o tempo”,
a preencher os vazios, a multiplicar as tarefas, na ânsia de aproveitar
o máximo que a publicidade oferece, de agir continuamente conforme
padrões culturais impostos, de viver mais, aproveitando os milagres da
ciência. O sujeito perdeu o domínio do tempo interior, pois foi educado
e incentivado a valorizar o tempo exterior, o time is money capitalista, e,
apesar de tantas facilidades materiais,
o público moderno multiplica-se numa multidão de fragmentos,
que falam linguagens incomensuravelmente confidenciais; a ideia de
modernidade, concebida em inúmeros e fragmentários caminhos,
perde muito da sua nitidez, ressonância e profundidade e perde
a sua capacidade de organizar e dar sentido à vida das pessoas.
Em consequência disso, encontramo-nos hoje numa era moderna
que perdeu contacto com as raízes da sua própria modernidade
(BERMAN, 1989, p. 17).
Foi, afinal, sobre as contradições das experiências do tempo,
já no fim do século XX, que se estabeleceu o binômio Modernismo/
53
Pós-modernismo43. Se o Modernismo apontava para o futuro, para
a transformação do homem e do mundo, livrando-se das carências
e dificuldades do passado, o Pós-modernismo, com todas as suas
ambiguidades internas e externas, questiona a possibilidade dessas
utopias
43. Sobre essas contradições e a problemática do tempo “pós-moderno”, é útil a leitura de COELHO,
1984; LYOTARD, 1997; e EAGLETON, 1998.
54
Assim, frente às aporias do tempo, a proposta de Ricoeur para
resolver o impasse é demonstrar que as “intrigas que inventamos [são] o
meio privilegiado pelo qual reconfiguramos nossa experiência temporal
confusa, informe e, no limite, muda” (1994, p. 12). A narrativa é, assim,
uma necessidade humana de compreender sua própria existência e de
organizá-la na perspectiva temporal.
57
Voltando à narratividade, Ricoeur afirma que tanto a
historiografia quanto a arte literária enfrentam o tempo, respondendo
às perplexidades com as ações de “prefiguração, configuração e
refiguração”. O ponto comum entre a narrativa histórica e a narrativa
de ficção é “dependerem das mesmas operações configurantes que
colocamos sob o signo de mimese II” (RICOEUR, 1995, p. 10), mas o
que as diferencia é a pretensão de verdade, definindo-se a mimese III.
Frente ao tempo físico e ao tempo filosófico, o tempo histórico é um
tempo mediador entre o tempo cósmico e o tempo da consciência. O
tempo histórico se concretiza como discurso de identidade humana e,
sob essa denominação geral, o tempo da ficção, especialmente, vai aos
limites do tempo, enfrentando a eternidade.
60
O projeto de Ricoeur também significa uma revisão crítica
de gêneros e de funções, seja em relação à noção de narrativa, seja
no contraste entre discurso científico e discurso ficcional. Significa,
para nós, rever o discurso poético sob uma perspectiva que o liberte
do enclausuramento da forma para reavaliar a ligação do texto com o
mundo, por meio da discussão sobre o processo de referência que em
poesia se estabelece. A poesia se mantém como textualidade ficcional
que constrói a cada momento sua autonomia, mas não abdica de
compartilhar experiências do tempo e da condição humana. Isso precisa
ser lembrado para que se dê à poesia o lugar que ela ocupa de direito:
discurso social sobre o mundo e sobre o homem.
61
a função psicológica que sustenta a técnica formular, é também e
sobretudo a potência religiosa que confere ao verbo poético seu
estatuto mágico-religioso. Com efeito, a palavra cantada, pronunciada
por um poeta dotado de um dom de vidência, é uma palavra eficaz;
por sua virtude própria, ela institui um mundo simbólico-religioso que
é o próprio real (apud LIMA, 1980, p. 9).
Para a filosofia grega, memória não se relacionava à história,
subtraindo-se à experiência temporal. Aristóteles distinguia a mnemê,
habilidade de conservar o passado, da mamnesi, reminiscência,
habilidade de evocar voluntariamente o passado e a memória
propriamente dita. A dessacralização da memória significava a sua
inclusão no tempo e sua utilização pragmática na comunidade, como
ocorreu quando se desenvolveu a escrita entre os gregos, criando-se
novas técnicas de memória: a “mnemotecnia”.
44. “A História é a ressurreição do passado”, afirma Michelet, citado por Alfredo Bosi (in: NOVAES,
1992, p. 28).
62
verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a
memória do tempo e da evolução cronológica” (ROMANO, 1997, p. 39).
45. Temos em mente Hannah Arendt (1995, p. 17): “A condição humana compreende algo mais que
as condições nas quais a vida foi dada ao homem. [...] O que quer que toque a vida humana ou entre
em duradoura relação com ela, assume imediatamente o caráter de condição da existência humana.
É por isso que os homens, independentemente do que façam, são sempre seres condicionados.
Tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido pelo esforço humano,
torna-se parte da condição humana.”
63
Poesia e filosofia: criação e conhecimento
“Às vezes, um verso transforma o modo
como se olha para o mundo;”
Nuno Júdice, O movimento do mundo
66
modificação e um enriquecimento recíproco; portanto, efetiva-se um
novo conhecimento.
46. Esses textos foram posteriormente publicados em Tatuagem e palimpsesto: da poesia em alguns
poetas e poemas, 2010.
47. Bronowski, discorrendo sobre a relação entre pintura e conhecimento, escreve: “Chamei a esta
conferência ‘O acto de reconhecimento” porque, quando apreendemos o sentido da imagem e o
eco que em nós produz, reconhecemo-nos no artista, reconhecemo-nos identificados com a sua
criação e, reciprocamente, reconhecemos toda a raça humana dentro de nós próprios” (1983, p.
150).
67
A linguagem poética definiu-se como capacidade ou habilidade de
recriar o existente, de registrar ou assumir o desejo de deter sua passagem
e fragilidade, provando a liberdade da criação. Essa linguagem, tal como
a prática religiosa ou filosófica, permite o conhecimento antropológico
de que fala Gusmão, ou seja, através dela o homem examina sua
humanidade e põe em xeque a superação de limites e da perenidade
da matéria física. Através da poesia, esse conhecimento se processa, é
transmitido e vivenciado: conhecer o homem e o mundo, praticar o
permanente exercício de busca do abstrato, do incerto, do imaterial, do
que flui por entre nossas mãos carregadas de tempo. Escreve Fernando
Guimarães (1992, p. 62-63), ao indagar sobre a natureza do discurso
poético:
Caem
do céu calcário,
acordam flores
milénios depois,
rolam de verso
em verso
fechadas
como gotas,
e ouve-se
ao fim
da página
um murmúrio
orvalhado. (O [M], p. 242)
69
POESIA PORTUGUESA DOS ANOS 1960 AOS ANOS
1990: UM ESBOÇO DE MAPA
70
Mário Dionísio, João José Cochofel, Joaquim Namorado, Álvaro Feijó,
Manuel da Fonseca, Sidónio Muralha, Francisco José Tenreiro e Políbio
Gomes dos Santos.
48. A respeito, leia-se “Surrealismo: do ‘cadáver-esquisito’ ao gato resplendente andando pela noite”,
de Hermínio Monteiro, publicado em A Phala, p. 91-99.
71
Henrique Leiria, Mário Cesariny de Vasconcelos, Alexandre O’Neill,
Pedro Oom e António Maria Lisboa. Já em meados dos anos 193049,
porém, circulava em Portugal (Lisboa, principalmente) dados sobre o
movimento surrealista francês, e Jorge de Sena, em 1942, cita André
Breton e René Char em epígrafes de seu livro de poesia Perseguição.
49. Jorge de Sena informa que a primeira referência ao Surrealismo feita em Portugal é de 1925.
Leia-se artigo “A primeira referência ao Surrealismo feita em Portugal” (1988, p. 233-238). Nesse
livro (Estudos de literatura portuguesa), também se encontram outros artigos sobre o Surrealismo
português.
51. Sobre os dois poetas, escreve Manuel Gusmão (1997, p. 194-195): “embora muito diferentes
entre si, a obra de cada um pode ser lida como transportando a energia verbal e modos de um
visionarismo de linhagem romântica que o surrealismo ecoa. Entretanto, se Herberto Helder
prolonga essa linguagem e a exacerba de forma violenta, na construção de uma imaginação
radical, fulgurantemente concentrada sobre si própria, Luiza Neto Jorge vai em parte receber do
surrealismo não só o regime da imagem surpreendente e o empenhamento vital da poesia, mas
também o jogo de palavras, uma dimensão irónica e por vezes desabridamente satírica, pela qual
inscreve nos poemas a sua insurrecta experiência do seu tempo histórico. [...] no primeiro se lê na
constelação ou na coesão expansiva das imagens, e na segunda se marca sobretudo na silabação
prosódica, na elipse, na segmentação dos versos e na torção da sintaxe”.
73
exercida ao nível da linguagem poética. E é sempre o heterónimo Álvaro
de Campos que exerce maior atracção, particularmente nas gerações
de 40 a 60” (1991, p. 40). Há ainda que se considerar, diz Rosa, o seu
discurso conceptual que encontraremos, por exemplo, em Jorge de Sena,
Ruy Belo e, depois, em Nuno Júdice, a abertura discursiva, presente
em toda a poesia contemporânea, o radical individualismo pessoano,
que se mesclará com a atenção social nos poetas de 1950 e 1960 e,
principalmente, a consciência dos processos de criação poética, que
contribuirá para a dominância da poesia autorreferencial no contexto
das poéticas de fins de 1950, 1960 e 1970.
52. Conforme dados recolhidos em PIRES, 1986, p. 33, na década de 1950 houve um total de 33
revistas; na década de 1940, 29; na década de 1960, 20; na década de 1970, 29; e, nos anos 1980, 36.
74
Jorge de Sena); Árvore, Folhas de Poesia – número 1 de outono de 1951,
número 2 de inverno de 1951/1952, número 3 de primavera de 1952 e
número 4 de 1953 –, com corpo diretivo constituído por António Luís
Moita, António Ramos Rosa, José Terra, Luís Amaro, Raul Carvalho e,
no último número, Egito Gonçalves; e Távola Redonda (1950 a 1954,
20 números), com direção de David Mourão-Ferreira, António Manuel
Couto Viana e Luís de Macedo. A primeira defendia que “A poesia é
só uma”, porque “os Cadernos nunca representaram um grupo literário
nem sequer uma associação de poetas. Representaram, sim, e pretendem
representar uma atitude de lucidez, compreensão e independência”; a
segunda defendia a ideia de que “A poesia é um diálogo com o universo”
e “a superior necessidade da poesia tanto no plano da criação como no da
demanda social”; e a terceira considerava-se uma “publicação de poetas
novos, a quem se não pede livrete de nenhum partido nem atestado de
nenhuma escola. Em suma, “ao serviço da poesia, e nunca poesia ao
serviço de...” (PIRES, p.71, 96 e 290), procurando valorizar a tradição
do lirismo. Essas revistas, portanto, refletem a diversidade de trajetos
poéticos, incentivam os novos poetas e defendem a autonomia da
poesia. No caso de Árvore, há que se notar em suas páginas a confluência
da escrita neorrealista com a escrita surrealista, encontro que, afinal,
caracteriza o perfil dessa década, um tempo de entrecruzamento
estético como estratégia necessária para garantir a ação da poesia numa
sociedade cerceada e silenciada.
53. Para conhecimento detalhado da produção dos anos 1950, é indispensável a leitura de
MARTINHO, 1996.
75
Já é ideia comum dizer que o discurso poético português, a
partir da década de 1960, dando continuidade a determinadas linhas de
interesse dos poetas de 1950, assumiu com intensidade a reflexão crítica
sobre sua própria produção, com a intensificação da metapoesia. Sobre
isso, escreveu Gastão Cruz:
Existe uma acentuada convergência de quase todos os principais
poetas em actividade nos finais da década de 50 e durante toda
a década de 60, tanto da nova geração como das imediatamente
anteriores, no sentido de explorar, com maior ou menor radicalismo, é
claro, as potencialidades da palavra poética, segundo a linha defendida,
como vimos, por Ruy Belo: “Só o poeta se fica na linguagem”. Não é
por acaso que vários poetas escrevem, então, poemas sobre o poema
ou sobre a palavras, de Eugénio de Andrade, Carlos de Oliveira,
António Ramos Rosa, a Herberto Helder, Ruy Belo, Fiama Hasse P.
Brandão, Luiza Neto Jorge. É um fenómeno novo esta proliferação de
“artes poéticas”, que apontam para o conceito de poesia como criação
verbal e da linguagem poética como um fim em si. A mensagem do
poema será, portanto, a sua própria linguagem (1999, p. 123-124).
Nesse período de mudanças cruciais para a nova configuração
da sociedade ocidental, com diferentes relações sociais, econômicas e
políticas, a poesia, na paisagem cultural portuguesa de enfrentamento
do salazarismo (cada vez mais contestado pela manutenção de um
projeto colonialista em fracasso), responde com a vontade de partilhar
as transformações estéticas mundiais e contribuir para repensar, em
Portugal, as relações de opressão nos diversos níveis da sociedade,
acentuando a discussão sobre linguagem poética e comunicação,
linguagem poética e sociedade, depuração discursiva e consciência
formal. Assim, não só se definem as propostas do Experimentalismo
(a publicação coletiva Poesia Experimental I54, que contou com dois
números, se deu em Lisboa, em 1964 e 1966) em diálogo explícito com
56. Versos retirados do livro Hematoma, de Gastão Cruz, de 1961. Apud SILVEIRA, 1986, p.138.
77
de cinema e do desenvolvimento do mercado consumidor com maior
apelo publicitário a se utilizar da imagem e da brevidade textual. Essa
expansão da visualidade no cotidiano levará a literatura a experiências
com o significante, transformando-se a relação entre escrita e espaço,
como ocorreu com o Concretismo brasileiro e, nas suas pegadas, o
Experimentalismo português. No entanto, também logo se chegará a
um impasse: a destruição da frase isola a palavra e o seu sentido; mas
a fragmentação do significante, gerando apenas letras no espaço em
branco da folha ou o jogo gráfico, o poema-objeto, acaba por anular ou
dificultar a comunicação, a partilha da linguagem. É o que ocorre, por
exemplo, com a narrativa visual O escritor, de Ana Hatherly, sobre o
qual, aliás, a autora diz ser “um texto-não-texto”57.
57. A propósito, leia-se artigo em que a autora explica a estrutura de O escritor (HATHERLY, 1979,
p. 107-112).
58. Não se trata da nomeação de um movimento, mas de uma publicação conjunta de cinco jovens
poetas: Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Teresa Horta, Luiza Neto Jorge e Casimiro
de Brito.
78
Do ponto de vista crítico da história das ideias, a década de 1960 foi
um tempo-limite (cf. HUTCHEON, 1991, p. 25), “fim da modernidade”,
dizem alguns, e a crítica literária portuguesa aponta também no ano de
1961 o aparecimento de autores novos que vão mudar os caminhos da
produção poética contemporânea59. Nesse ano, Herberto Helder60 publica
sua primeira recolha, A colher na boca, incluindo o poema “O amor em
visita”, e Ruy Belo publica seu primeiro livro de poesia, Aquele grande
rio Eufrates. Essas publicações significarão para os olhos vindouros a
concretização de práticas poéticas que já se tinham anunciado em 1950:
uma linguagem poética do cotidiano, assumindo a discursividade em
tom prosaico, pondo em debate a aura poética, mas rigorosa em domínio
do verso, como se constata em Ruy Belo; de outro lado, explorando a
liberdade imagética, redefinindo o jogo com a metáfora, descentrando a
linguagem e os sentidos instituídos, retornando a uma magia do verbo
num eco bem prolongado e transformado da escrita surrealista, como
nos mostra Herberto Helder.
59. Manuel Gusmão utiliza uma interessante expressão para reunir as diversas individualidades
poéticas que surgem e se destacam nos anos 1960, contribuindo para um outro contorno da poesia
portuguesa contemporânea: tempo constelado. Realmente, a década de 1960, principalmente em
seu início, é um momento altamente importante para a compreensão do que vai tornar-se a poesia
portuguesa a partir de 1970. A diversidade de trabalhos é muito forte, assim como a qualidade
particular de cada um. É um “tempo constelado”, sem dúvida. Cf. GUSMÃO, 1997, p. 189-198.
60. Para maior precisão, registre-se que Herberto Helder publicou pela primeira vez em 1958;
tratava-se de um folheto com o longo poema “O amor em visita”.
79
A fisionomia da poesia portuguesa apresenta, nos primeiros anos da
década de 60, uma diversificação, ou mesmo uma sobreposição, de
tendências que deve ser assinalada. No ano de 1961 temos, por um
lado, a poesia altamente retórica e barroca de Herberto Helder, com
A colher na boca, e a poesia de propensão narrativa e descritiva de
Ruy Belo em Aquele grande rio Eufrates, modalidades da tradição
discursiva referida, que se prolongará até 1963, pelo menos, num
livro como Metamorfoses de Jorge de Sena, e, por outro lado, a radical
contestação, particularmente visível na colaboração de Maria Teresa
Horta em Poesia 61, dessa mesma linha evolutiva – e sensível também,
embora mais atenuadamente, em outras obras de 1960 e de 1961, como
Cantata de Carlos de Oliveira, Voz inicial de António Ramos Rosa e
Mar de setembro de Eugénio de Andrade (1999, p. 159).
A partir dos anos 1960, em direção às décadas de 1970 a 1990, não
podemos mais ignorar que falar de poesia é falar de individualidades,
de obras singulares com algumas perplexidades comuns frente à ação
poética, frente a uma história partilhada, portuguesa e ocidental.
Nesse tempo, a arte instituiu de forma mais determinante práticas
desconstrutoras dos discursos oficiais, corroendo mais intensamente
as relações com as instituições sociais, como facilmente se comprova
com os movimentos contraculturais e antimodernistas mundo afora, ou
seja, uma reação à própria modernidade, vista agora como mais um elo
da tradição, um espaço já “clássico” para o olhar de 199061. Negam-se
também os projetos da história moderna, rejeitando-se “a crença ‘no
progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de
ordens sociais ideais’ sob condições padronizadas de conhecimento e de
produção” (HARVEY, 1992, p. 42), o que irá constituir o discurso pós-
modernista a partir da década de 1970, com todas as suas ambiguidades
e indefinições categoriais.
61. Fernando Pinto do Amaral, em encontro com escritores portugueses realizado em 22 de abril
de 1999, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em conversa informal
com o auditório, comentou que, em Portugal, estava saindo uma publicação em série de autores
portugueses sob a rubrica de Literatura Clássica Portuguesa. Estavam ali não só os clássicos
(séculos XVI-XVII), como poetas das décadas de 1940, 1950 e 1960.
80
Joaquim Manuel Magalhães, poeta, crítico, professor, com leitura
reflexiva constante da poesia mais recente, assim como Gastão Cruz o
fez em relação à poesia das décadas de 1960 e 1970, fala de uma “geração
dessatisfeita, [...] culturalmente, nenhum lado faz sentido, ou fez um
sentido novo. Politicamente, nada esteve interessado na criação cultural
fosse do que fosse, cobrando uma nova geração de poetas para quem o
futuro se chame a denúncia deste presente” (1981, p. 368). Talvez, como
é comum nas considerações desse crítico, o tom pessimista e radical
nas generalizações venha pela descrença em soluções de problemas
crônicos da sociedade portuguesa, mas sua voz é fundamental porque,
através dela, temos a avaliação de uma época, o final do século XX, que
chegou e partiu em crise.
62. Sobre isso, é proveitosa a leitura de “Configurações do campo intelectual português no pós-25
de abril – o campo literário” (RIBEIRO, 1993).
81
poesia portuguesa” (apud AMARAL, 1991, p. 49). Começam a publicar
João Miguel Fernandes Jorge (Sob sobre voz, 1971), Nuno Júdice (A
noção de poema, 1972), Joaquim Manuel Magalhães (Consequências
do lugar, 1974), António Franco Alexandre (Sem palavras nem coisas,
1974, embora já tivesse publicado um livro em 1969, A distância,
desconsiderado pelo autor), Al Berto (À procura do vento num jardim
d’agosto, 1977), Helder Moura Pereira (Cartucho63, em colaboração,
1976, Entre o deserto e a vertigem, 1979) e Luís Miguel Nava (Películas,
1979). A esses poderíamos juntar mais nomes que estão referenciados no
estudo de Fernando Pinto do Amaral, O mosaico fluido – modernidade e
pós-modernidade na poesia portuguesa mais recente. Nele, o autor arrola
como alguns traços comuns64 para esse tempo: a) a falência de uma
literatura representativa da realidade, a consciência de crise da mímesis;
b) um resgate da linguagem e do sentido; c) o caráter vincadamente
lírico; d) uma persistente melancolia, gerando uma escrita da ausência.
63. Cartucho foi uma publicação-objeto, isto é, os poemas ficavam enrolados e amarrotados no
interior de um cartucho que se abria desatando-se um cordel. Os poemas eram da autoria de
António Franco Alexandre, Helder Moura Pereira, João Miguel Fernandes Jorge e Joaquim Manuel
Magalhães. Hoje, é uma edição rara em alfarrabistas portugueses. Ver imagem em https://in-
libris.com/products/cartucho?variant=24732670021
64. Leia-se em AMARAL, 1991, p. 49-52.
82
Histórico traiçoeiro rio
(será do Guadalquivir que falo?) muito dele tenho a aprender.
Uma manhã acordei sob estreita mão no meu ombro.
Que me queres? Queria conversar.
Que espécie de vida levas? Faço o que tenho a fazer.
Então fala-me do Guadalquivir.
84
poesia no contexto da cultura portuguesa. Há entre os poetas mais
velhos e os mais novos uma rede complexa de encontros e desencontros
que, afinal, caracteriza a diversidade do poético na segunda metade do
século XX. Por isso, a poesia de 1960 a 1990 não pode ser adjetivada na
univocidade de uma prática, mas é possível traçar aqui algumas linhas
comuns que reúnem, por vezes, os poetas mais diversos.
65. Lembremos mais algumas datas e obras: em 1961, Vitorino Nemésio publica Poesia (1935-
1940), Jorge de Sena, Poesia I, Eugénio de Andrade, a antologia Mar de Setembro; em 1962, Carlos
de Oliveira publica Poesias (já em processo de reescrita), e António Ramos Rosa, um volume de
crítica intitulado Poesia, liberdade livre; em 1963, são publicados Metamorfoses, de Jorge de Sena, e
Os passos em volta, de Herberto Helder; em 1966, Arte de música, de Jorge de Sena; em 1968, Sobre
o lado esquerdo e Micropaisagem, de Carlos de Oliveira; em 1969, Peregrinatio ad loca infecta, de
Jorge de Sena, e Dezanove recantos, de Luiza Neto Jorge.
85
na vivência do tempo e do espaço. Numa época dita pós-moderna, o
ser acaba por se tornar uma impossibilidade, mas a negação do ser é
ainda uma forma de dizer a sua existência, mesmo que fragmentada.
Discutem-se, portanto, a noção de sujeito, a transformação da
emotividade, a despersonalização e a identidade. Como narratividade,
entendemos a motivação desses poetas para permanecer no discurso,
contando histórias não apenas do cotidiano individual (ainda que
fingido), mas desse tempo finissecular tão marcado por perdas, por
mal-estar, por crises e ausências; um tempo de melancolia – sentimento,
aliás, que Fernando Pinto do Amaral (Na órbita de Saturno, 1982) e João
Barrento (A palavra transversal, 1996) julgam ser dominante nos poetas
de 1970 a 1990. O gosto da frase, o poema longo com dicção prosaica e
o tom narrativo constante falam do desejo de reformulação da própria
poesia para sobreviver num mundo sem euforia. Como dialogismo,
claramente reportando-nos à intertextualidade, interessa-nos discutir a
importância crítica que essa poesia dá à citação, à paródia, à alusão e
outros processos de cruzamentos textuais, numa rigorosa avaliação dos
limites da cultura num tempo de massificação e indiferenciação.
Em direção ao sujeito
“Nos umbrais desta página recebo o poema que chegou de
longe, duma memória escura, voluntária, atravessando lama,
sono, olvido. Desvendo-lhe as feições, sílaba a sílaba. Quando
grito por fim “eis uma cara nova”, penso logo “afinal, eras tu”.
Reconheci apenas outro rosto esquecido na aridez do mundo,
recolhi-o da sombra donde veio, e aqui lho deixo, adoradora de
estátuas muito antigas, petrificado no papel.”
Carlos de Oliveira, Sobre o lado esquerdo
Luiz Costa Lima, em O controle do imaginário (1984), evidencia
que “ao colapso da época clássica, fundada no princípio da semelhança
entre a ordem humana e a ordem natural, correspondeu um novo surto
86
de interesse pela subjetividade” (p. 110). Perdida a ideia de totalidade, o
sujeito tornou-se um núcleo aglutinador da dispersão, o que lhe deu no
Romantismo uma importância por vezes desmedida. O mundo se reflete
num eu carregado de emotividade a construir uma imagem heroicizante
ou, no mínimo, idealista de sua presença na realidade.
67. Temos em mente reflexões sobre “a natureza dos pronomes” de BENVENISTE, 1988.
68. “É preciso ter no espírito que a ‘terceira pessoa’ é a forma do paradigma verbal (ou pronominal)
que não remete a nenhuma pessoa, porque se refere a um objeto colocado fora da alocução.
Entretanto existe e só se caracteriza por oposição à pessoa eu do locutor que, enunciando-a, situa-a
como ‘não pessoa’” (BENVENISTE, 1988, p. 292).
89
estratégia discursiva útil para marcar a presença de um personagem sem
rosto, o poeta, uma “não pessoa”, sem marcas, sem limites, que existe
na linguagem como construção textual. Comparem-se um poema de
Carlos de Oliveira e um de Gastão Cruz, em que a atenção discursiva
está fora da lª ou 2ª pessoa:
Imaginar
o som do orvalho,
a lenta contracção
das pétalas,
o peso da água
a tal distância,
registar
nessa memória
ao contrário
o ritmo da pedra
dissolvida
quando poisa
gota a gota
nas flores antecipadas. (O [M], p. 236)
O dorso sob
um beijo a electricidade fria da noite
lábios subindo a encontrar o corpo
suor e água pó montanhas altas
humedecendo o dorso
o sentido da carne o frio
90
o rio aberto
vector
o dorso o olhar o fogo
o dorso todo humedecendo o beijo (CRUZ, 1990, p. 33)
Ora, frente a esse despojamento da “pessoa”, que tem realmente a
sua mais violenta prática no Experimentalismo (pois acaba despojando-
se da própria linguagem verbal), reage a poesia de 1970 a 1990 com
a recuperação da subjetividade, sua presença como pessoa no texto e
na história. É o que ocorre, por exemplo, na poética de Ruy Belo, sem
que isso signifique qualquer traço de inocência sobre a relação poeta
e autor, sujeito no texto e sujeito real. “Escrevo como vivo, como amo,
destruindo-me. Suicido-me nas palavras. Violento-me. [...] Ao escrever,
mato-me e mato.” (1990, p. 11).
92
aos trinta anos ainda têm os portugueses
ah! oh! o outro não era tão bonito
era bonito, lembrando a cada um a guerra
a guerra a guerra puta que pariu
e mais às áfricas, com menos uma perna era
Em direção à narratividade
“Conta-me, então, que desejo imenso te guiou
contra o sentido dos rios?”
Nuno Júdice, As regras da perspectiva
No início do artigo intitulado “O poético e o narrativo”, publicado
em Poétique nº 28, Laurent Jenny indaga: “Os poemas, por muito líricos
93
que sejam, não nos contam também ‘histórias’?” (In: TODOROV et al.,
1982, p. 95). A pergunta do autor suscita reflexões bastante pertinentes
e muito atuais sobre as fronteiras entre gêneros. Não só a questão se
apresenta dominantemente na poesia contemporânea como muitos
se têm dedicado a desenvolver estudos nessa direção, como é o caso
de Dominique Combe, autor de Poésie et récit: une rhétorique des
genres (publicado com o apoio do Centre National de la Recherche
Scientifique), de 1989, obra que nos guia em alguns momentos.
69. Apud COMBE, 1989, p. 64. No original: “La Poétique générale peut être distinguée em trois
espèces de poème parfait, en l’épopée, la tragédie, la comédie, et ces trois espèces peuvent se réduire
à deux seulemente, dont l’une consiste dans la représantation, l’autre dans la narration”. Tradução
nossa.
94
épica e do drama para fora da poesia, que, por sua vez, compreenderá
somente a lírica. A “revolução da linguagem poética”, com Mallarmé,
Lautréamont, Rimbaud, Valéry e Breton, reagindo à mimese, à
representação, defende a “poesia pura”, “essência”, instalando o lírico
num lugar oposto ao da narrativa e do drama (o épico e o dramático).
Observemos ainda que essa mudança é acompanhada por outra divisão:
prosa e verso, pois, até o século XVIII, a palavra “poesia” era equivalente
à “literatura”, com os sentidos de versificação e criação. Os textos em
prosa eram de menor valor, fora do sistema poético. No século seguinte,
ocorrerá a especificação da palavra literatura, e a separação de textos
em prosa e verso, compreendendo que em prosa estão os textos de
representação, e em verso os textos que só desejam dar conta da própria
linguagem (JÚDICE, 1997, p. 83.) no entanto, será também o início da
mistura de formas e discursos: o Romantismo mesclará essa divisões
com o poema em prosa – “nasceu do desejo de liberar a poesia das
restrições formais impostas pela versificação” (COMBE, 1989, p. 92)70 –,
e o Simbolismo, com a narrativa poética.
70. No original: “est né du désir de libérer la poésie des contraintes formelles imposées par la
versification”.
97
discursividade e o narrativo, com paradigmas nas obras poéticas, por
exemplo, de Jorge de Sena, Ruy Belo e Herberto Helder.
72. JÚDICE, 1997, p. 93. Em comentário semelhante, João Barrento (1996, p. 70) escreve: “Hoje,
alguns exemplos da novíssima poesia são animados por esse halo narrativo, mas não épico, em
lances de escrita que indiciam uma nova forma de relação com o real”.
99
Alexandre, Al Berto, Helder Moura Pereira, Paulo Teixeira, em cujos
textos, muitas vezes, encontramos um sujeito que caminha entre
imagens, sem totalidades, sem ilusões. O real fragmenta-se no texto
e só fica uma memória (re)construída, um espaço de interrogação e
desencontro – é o que se observa, por exemplo, em “Zona biográfica”, de
Paulo Teixeira (1991, p. 54):
Agora que o mundo deslizou como uma bola
das mãos de deus e cruza a noite vazia
dos espaços sabemos que a morte nos espera
disposta como uma refeição à nossa mesa.
Rendemos à sorte de cada minuto as nossas
vidas e corremos de monte em monte como
correria uma canção levada pelo vento.
100
cultural, um modo de estar na cultura ocidental, tensionando sua
existência na linguagem cotidiana e na poesia. Nessa experiência,
encontra-se com os personagens fingidos de seu imaginário – os poetas,
os loucos, os amantes, os solitários, os insones, os profetas, os “inventados
inventores”, além do leitor, esse cumplice da ficção. São todos seres que
se falam e se ouvem no único espaço comum de realidade e contato que
ainda perdura: o poema.
Sobre os monges mortos, na capela do convento, ouvindo o vento:
o poema transforma a realidade. Ele é a fingida memória do poeta.
Vendo o mar:
[...]
Vendo o mar da janela do refeitório:
o sol a caminho do horizonte. O mar,
ondulação rasteira. Ouve-se aqui o vento. Neste lugar, há um ano,
[imaginei-me
na atitude de olhar os montes, a linha de separação entre a terra e o
mar,
a linha de separação entre o mar e o céu, cada recanto humano
desta serra desabitada. O meu Duplo teve então um trabalho
doloroso: criar memória. [...] (JÚDICE, 1991a, p. 41)
O paradigma da narratividade é, portanto, marcante na poesia
portuguesa das últimas décadas do século XX e mesmo no início do
século XXI, como reação a um tempo de vazio, de perdas e de melancolia.
Narrar, como no filme Asas do desejo, é resistir em meio à destruição
inevitável.
Em direção ao dialogismo
“Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido
festejará um dia seu renascimento.”
Mikhail Bakhthin, Estética da criação verbal
Falar de intertextualidade hoje é cada vez mais um lugar-comum
em estudos literários, pois é impensável falar do texto sem observar o
101
processo dialógico que o constitui, na medida em que a escrita é, por
natureza, o resultado de um diálogo com outros textos e sistemas de
significação. Nesse sentido, podemos dizer que sempre houve a ação
intertextual, como, por exemplo, no Renascimento, quando era uma
prática estética comum a retomada de textos alheios como modelos
a serem seguidos e valorizados. Em língua portuguesa, virão logo
à lembrança os sonetos camonianos, tão próximos dos de Petrarca.
Entretanto, foi a modernidade teórica, no século XX, que nomeou essa
ação e vem discutindo sua especificidade. Mikhail Bakhtin foi o primeiro
a enunciar teses sobre o dialogismo textual, em seu Problemi poetik
dostoievskovo (primeira edição de 1929, e segunda revista e ampliada de
1963), tendo seu trabalho sido divulgado por Julia Kristeva, que, ao final
da década de 1960, sistematizou o conceito de intertextualidade. Desde
então, não cessaram os estudos nessa área, ampliando abordagens e
definindo estratégias, como, entre outros, fizeram Laurent Jenny, Gérard
Genette e Antoine Compagnon73, e o tema tornou-se produtivo para a
análise de diversas obras.
73. Cf. JENNY, 1979; GENETTE, 1982; e COMPAGNON, 1979. Em relação a este último, a edição
brasileira (1996) não apresenta o texto integral.
102
de sua morte me apercebi de que ele não regressaria aonde estivera
presente:
a calecute.
103
Kristeva, apresentando sua leitura do teórico russo, direciona as teses de
polifonia e dialogismo para a estruturação semântica do texto literário,
definindo algumas ideias fundamentais: a) “a ‘palavra literária’ não é um
ponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de superfícies textuais,
um diálogo de diversas escrituras: do escritor, do destinatário (ou da
personagem), do contexto cultural atual ou anterior”; b) “Todo texto se
constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação
de um outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-
se a de intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como
dupla.”; c) “num discurso dialógico, a escritura lê uma outra escritura, lê-
se a si mesma e se constrói numa gênese destruidora.” (Cf. KRISTEVA,
1974, p. 60, 64 e 76 )
105
culturalmente ativo, capaz de partilhar o diálogo e a reflexão, pensando
a cultura ocidental e, em relação a ela, o lugar da cultura portuguesa.
106
com análise bastante cuidadosa sob perspectiva da teorização de Gérard
Genette.
109
CARLOS DE OLIVEIRA: INVENTOR DE JOGOS74
74. A existência agora de um espólio catalogado, no Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira,
Portugal, abre novos caminhos de análise e interpretação. O curador do espólio, Prof. Osvaldo
Silvestre, vem, nestes anos recentes, revendo também, em apresentações e artigos que devem ser
consultados, algumas de suas leituras anteriores.
110
de sua escrita cada vez mais motivam a atenção da crítica75. De fato, a
obra de Oliveira se destaca no conjunto admirável da poesia portuguesa
contemporânea pela meditação sobre o poético, com suas tensões e
limites, que foi desenvolvendo ao longo dos anos no interior de sua
própria escrita. Diferentemente de Nuno Júdice, Oliveira não se dedicou
à crítica e à ensaística; toda a sua reflexão se espraia pelas páginas de
poesia, romances e “crônicas” (O aprendiz de feiticeiro) que nos deixou.
75. A bibliografia crítica sobre Carlos de Oliveira já é extensa. Na década de 1990, em Portugal,
houve um aumento significativo dessa produção: foram defendidas algumas dissertações de
mestrado e teses de doutorado e publicaram-se estudos mais extensos sobre sua obra, como os
de SILVESTRE, 1995, DIOGO, 1995, GOULART, 1997, LOPES, 1996, MARTELO, 1996, além de
diversos textos curtos, como ensaios e comunicações em revistas literárias, coletâneas de artigos e
anais de congressos. No Brasil, embora o movimento de leitura da obra de Carlos de Oliveira esteja
restrito a alguns centros acadêmicos de Letras, especialmente no Rio de Janeiro, com a produção ao
longo das décadas de 1980 e 1990 de poucas teses de doutorado, dissertações de mestrado e algumas
comunicações e artigos, há certa constância e, nos anos mais recentes, novas dissertações e teses foram
defendidas. No novo site que criamos em 2021, Escritor Carlos de Oliveira – Centenário, https://
escritorcarlosdeoliveira.com.br/ , registra-se de forma atualizada e detalhada essa fortuna crítica.
111
de um projeto político de transformação da vida portuguesa. Nesse
momento, como afirma Rosa Maria Martelo, o marxismo era o “campo
de referência externa incontornável” (1996, p. 378), embora ainda não
presente como proposta amadurecida nos versos. Leiam-se dois poemas
retirados da primeira edição de Turismo; um pertence à primeira parte,
intitulada “Amazónia”; outro, a “Gândara”, segunda parte.
II
Amazónia.
O Negro e o Índio e o mais que me couber:
o fogo doutro céu,
o nome doutro dia
e tudo o que estiver
nos nervos que me deu.
Amazónia.
Nome
do sangue que trago em mim:
sangue-declaração de guerra,
sangue dos olhos com fome
das latitudes da Terra.
– Somos assim.
XX
Cinza,
os sinos dobrados
já pela tarde fria.
– Porque arde em mim ainda,
de mágoa e bronze,
o sol do dia?
112
Ronda de bois na planície,
cangas sugando nervos,
– Mais do que eles,
foram meus olhos servos.
76. Em SILVESTRE, 1995, p. 43, lemos: “como pode, enfim, o código neo-realista, tão ingenuamente
crente na possibilidade da mimese, comportar uma teoria da representação tão sofisticada e não
realista como a que nos é apresentada em Finisterra? Diria, pois, à guisa de conclusão, que nas obras
terminais de Carlos de Oliveira assistimos ao finis terrae do imaginário marxista, o que nos é dado
por uma textualidade alheia já às convenções da literatura neo-realista”.
114
se o texto, então, não como espaço todo-poderoso, e sim como lugar
de resistência apesar de sua precariedade, a passagem das “palavras de
ferro” para “a leve têmpera do vento”, independentemente de um projeto
ideológico cujas falhas a consciência crítica do autor há muito avaliara77.
77. Um dado apenas: Carlos de Oliveira deixa o partido comunista em 1952, como informa Rosa
Martelo (1996, p. 205, nota de rodapé).
115
Cai em gotas,
das folhas,
a manhã deslumbrada.
(O [T], p. 19)
Por isso, também, não consideraremos que as últimas obras
Pastoral e Finisterra componham o réquiem do fim da História ou da
utopia, mas sim que toda sua escrita vai se direcionando para uma
teorização do poético, com a discussão sobre as formas de apreensão
do mundo e determinação de outra função da narratividade: a
ressignificação do mundo na sua dimensão temporal (Cf. RICOEUR,
1994, p. 124.). Não falaremos de fim, mas de continuidade e de retorno,
que se sustentam pela preocupação de rever e reescrever suas obras
do passado, reelaborando as estruturas linguísticas, reavaliando as
estruturas imagéticas, em busca de maior homogeneidade de sua
produção literária e de uma identidade que só narrando se pode
reconhecer78.
78. Cf. RICOEUR, 1997, p. 424-425: “O termo ‘identidade’ é aqui tomado no sentido de uma
categoria da prática. Dizer a identidade de um indivíduo ou de uma comunidade é responder à
questão: Quem fez tal ação? Quem é o seu agente, o seu autor? Essa questão é primeiramente
respondida nomeando-se alguém, isto é, designando-o por um nome próprio. Mas qual é o suporte
da permanência do nome próprio? Que justifica que se considere o sujeito da ação, assim designado
por seu nome, como o mesmo ao longo de toda uma vida, que se estende do nascimento à morte?
A resposta só pode ser narrativa. [...] O si do conhecimento de si é o fruto de uma vida examinada”.
116
Então?
O céu parou. É o fim do mundo.
Mas outro amigo, o inventor de jogos, diz-me:
Deixe-o falar. Incline a cabeça para o lado, altere o ângulo de visão.
Sigo o conselho: e as estrelas rebentam num grande fulgor, os
revérberos embatem nos caixilhos que lembram a moldura dum
desenho infantil. (O [SLE], p. 205)
Se o astrólogo é a voz da descrença e da desistência muitas vezes
ouvida nos interstícios da escrita de Oliveira, caberá ao inventor de jogos
a superação dessa voz, relativizando o que se vê, relativizando o que se
conta. O escritor é esse “inventor”, e a escrita, essa janela ou desenho
onde tudo pode reverberar.
79. Fiama Hasse Pais Brandão (1975, p. 59) lembra que “todos os textos de Carlos de Oliveira
movem uma problemática unitária: a da imagem”.
117
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?”
Carlos de Oliveira, Sobre o lado esquerdo
Se compararmos a extensão da obra literária de Carlos de Oliveira
com a de outros escritores contemporâneos, constataremos de imediato
que não é vasta. Sua produção poética publicada se constitui de 10
livros de poesia, cobrindo cerca de 300 páginas; a produção narrativa
engloba cinco romances; e há, além de poesia e romance, apenas mais
um livro de “crónicas”. O autor fez, em vida, duas recolhas de sua
poesia, e organizou com José Gomes Ferreira uma antologia de contos
tradicionais portugueses80. Nas décadas de 1940 e 1950 colaborou com
certa constância em jornais, revistas e obras coletivas. Foi responsável
também pela organização de edições sobre a obra de Afonso Duarte,
além de ser tradutor da peça Voz humana, de Jean Cocteau, de Vida
terrena, de Félix Cucurull (colaboração), e de um conto de O livro das
mil e uma noites81.
80. OLIVEIRA, Carlos de; FERREIRA, José Gomes. Contos tradicionais portugueses. (Pref. de J.G.
Ferreira). Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1957. 2 v.
81. Consulte-se a bibliografia ativa em Obras de Carlos de Oliveira (1992), p. 1159-1166 ou no site
Escritor Carlos de Oliveira, já referido.
118
que alteram sua configuração original, como no caso já referido de seu
primeiro livro de poemas, Turismo. Sua obra sofreu, assim, um trabalho
constante de revisão e apuramento, desdobrando textos até uma versão
que se considerasse definitiva. O mesmo se processou em relação às
narrativas, pois alterações eram realizadas a cada edição. A importância
que Carlos de Oliveira dá a esse trabalho de transformação pode ser
comprovada pela negativa de republicar Alcateia (duas edições somente,
de 1944 e 1945), que não aparece em suas Obras completas, de 1992,
respeitando-se a vontade do autor, falecido havia 11 anos. Embora ele
estivesse trabalhando na revisão desse livro, não chegou ao ponto de
estabelecer uma versão que julgasse satisfatória.
83. A preocupação com a unidade é tão forte em Carlos de Oliveira, que era seu desejo “reunir
num único volume os textos que o Autor reconhecia (à data da sua morte) como constituindo a
sua obra”. Por isso essas Obras. Não aparece aí Alcateia, cuja reescrita jamais foi concluída. Cf. nota
dos editores.
120
p. 342). Esse livro realmente se afirma como um lugar-limite, um ponto
de chegada, um ponto de partida.
122
imagens do real e imagens de um imaginário pessoal. O poema “Fóssil”84
é a mais forte metáfora desse processo de transformação da vida em
escrita, do transitório ao desejo do permanente:
A pedra
abriu
no flanco sombrio
o túmulo
e o céu
duma estrela do mar
para poder sonhar
a espuma
o vento
e me lembrar agora
que na pedra mais breve
do poema
a estrela
serei eu.
(O [C], p. 185)
Note-se que, na pedra do poema, “a estrela serei eu”; portanto, em
direção ao futuro, o sujeito escrevente vai se fossilizando na sua escrita,
ficando como um vestígio de vida na sua ausência. Em direção ao
passado, o sujeito escava-se como sítio arqueológico que deseja expor à
luz, reencontrando não o real, para sempre perdido porque sob o signo
da morte, e sim imagens que são os vestígios, a memória dessa vida
fadada à precária existência no presente. É no confronto entre ausência e
presença, passado e futuro, passagem e permanência, que Cantata define
o traço mais forte da escrita de Carlos de Oliveira: a busca arqueológica
84. Em ROMANO, 1997, p. 90, lemos a seguinte explicação: “O próprio conceito de fóssil sofreu
transformações: no sentido original, aceite até ao fim do século XVIII, ‘fóssil’ permanecia fiel à
sua etimologia, do latim fodere ‘escavar’, ‘cavar’ ou ‘extrair’ [...] Parece que o termo se deve ao
alemão Georg Bauer, alias agrícola, para quem os fósseis eram não só os restos vegetais ou animais
mineralizados, mas também as pedras, os minerais etc. [...] Werner, em 1714, tratando dos “fósseis”,
dava ao termo o significado de ‘pedras’.”
123
de imagens vitais para o poeta e a inscrição de seu ser na linguagem,
que se torna um corpo a desafiar o domínio do tempo. A fossilização é
um processo material que dá à morte a possibilidade de outra espécie de
vivência, assim como a escrita para o poeta é a sua forma de configurar
o tempo como uma espécie de eternidade, porque, mesmo morta a
realidade biológica que um dia foi, o ser pode permanecer por meio
do processo de leitura, de decifração de sinais, que o leitor exerce como
condição do jogo literário. Sem dúvida, Cantata nos fala de refigurações
por meio da palavra poética.
85. Como já referimos, a dissertação de mestrado de PARRADO, 1996, faz estudo cuidadoso sobre
a intertextualidade em Terra de harmonia.
124
Caminho em volta desta duna de cal, ou dum sonho mais parecido
com ela do que a areia, só para saber se a áspera exortação da terra, o
seu revérbero imóvel na brancura, pode reacender-me os olhos quase
mortos.
O que eu tenho andado sobre este círculo incessante: e ao centro o
pólo magnético ainda por achar, a estrela provavelmente extinta há
muito, possivelmente imaginada, conduz-me sem descanso, prende-
me como um íman ao seu rigor já cego.
(O [TH], p. 161)
125
“imagens latentes”, revelando-as “numa pura suspensão de cristais”, a
escrita.
86. Partimos da ideia de que “O corpo expande-se na casa. [...] E não apenas a casa aberta
comunica com a paisagem, por uma janela ou um espelho, como a mais fechada casa é aberta
para um universo. [...] É como uma passagem do finito ao infinito, mas também do território à
desterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 158-159).
126
A cidade caía
casa a casa
do céu sobre as colinas,
construída de cima para baixo
por chuvas e neblinas,
encontrava
a outra cidade que subia
do chão com o luar
das janelas acesas
e no ar
o choque as destruía
silenciosamente,
de modo que se via
apenas a cidade inexistente.
(O [SLE], p. 225)
Aproximar-se desse “inexistente” é o projeto de escrita rigorosa
dessa poesia que se autoexaminará em Micropaisagem (82 textos
distribuídos em 12 conjuntos de poemas, todos com 14 versos curtos),
obra também publicada em 1968. Mais uma vez a crítica é uníssona sobre
a importância desse livro no conjunto da obra de Carlos de Oliveira.
Extremamente densa, móvel em termos de composição e imagética, a
escrita torna-se um verdadeiro puzzle, e o livro, um tabuleiro de jogo
em que os dados são as palavras, em lances sem acaso. O próprio Carlos
de Oliveira fala-nos que foi “obra lenta, elaborada com todo o vagar na
‘alquimia’ dos papéis velhos” (O [AF], p. 585), porque
O trabalho oficinal é o fulcro sobre que tudo gira. Mesa, papel, caneta,
luz eléctrica. E horas sobre horas de paciência, consciência profissional.
Para mim esse trabalho consiste quase sempre em alcançar um texto
muito despojado e deduzido de si mesmo, o que me obriga por vezes a
transformá-lo numa meditação sobre o seu próprio desenvolvimetno
e destino. É o caso da “Micropaisagem”. Um texto diante do espelho:
vendo-se, pensando-se. (O [AF], p. 587)
127
O estudo de Nelson de Matos intitulado “Micropaisagem, um
espaço de rigor e harmonia”, publicado em A leitura e a crítica (1971),
ainda nos parece muito esclarecedor sobre a organização desse livro,
principalmente em relação ao conjunto de 24 poemas que formam
“Estalactite”, impressionante exercício de contenção expressiva que vai
refletir como espelho o trabalho de elaboração da linguagem poética e
a criação metafórica. Tal trabalho se constitui, claramente, em torno de
um eixo: a memória, que será fonte e objetivo do poético. Diz Carlos de
Oliveira, em outro lugar: “A memória, uma estalactite.” (O [AF], p. 586).
Mas, voltando ao estudo de Nelson de Matos, há um momento em que
ele cita Derrida:
Escrever é retirar-se. Não para a sua tenda para escrever, mas da
sua própria escritura. Cair longe da sua linguagem, emancipá-la ou
desampará-la, deixá-la caminhar sozinha e desmunida. Abandonar a
palavra. Ser poeta é saber abandonar a palavra. Deixá-la falar sozinha,
o que ela só pode fazer escrevendo (apud MATOS, 1971, p.110 ).
Valendo-se dessa citação, o crítico considera que em
Micropaisagem a linguagem é “sujeito do livro, ser falante que nele
escreve e simultaneamente sobre ele e sobre si vai reflectindo”87.
Realmente, o leitor desse livro depara-se com o próprio processo de
elaboração poética como estratos de imagens que vão se sobrepondo e se
metamorfoseando no labirinto do discurso. Essa teorização do poético
demonstra que o poema cria suas próprias referências e se liberta do
poder de referência de primeiro grau típica da linguagem ordinária,
pondo em prática a “teoria da interação” de que fala Ricoeur (s.d.a, p.
213), quando considera a metáfora-discurso.
A tese que eu aqui sustento [...] estabelece que a suspensão de
referência, no sentido definido pelas normas do discurso descritivo, é
87. MATOS, 1971, p. 110. A citação de Derrida é retirada de L’écriture et la difference. Paris: Seuil,
1967, p. 106: “Écrire, c’est se retirer. Non pas dans sa tente pour écrire, mais de son écriture même.
S’échouer loin de sur langage, l’émanciper ou le désemparer, le laisser cheminer seul et démuni.
Laisser la parole. Etre poête, c’est savoir laisser la parole. La laisser pareler tout seule, ce qu’elle
ne peut faire que dans l’écrit”. Citamos em português a partir da edição brasileira pela Editora
Perspectiva, 1995 (coleção Debates, 49), p. 61.
128
a condição negativa para que se liberte um modo mais fundamental de
referência cuja explicitação é tarefa da interpretação. Essa explicitação
põe em jogo o próprio sentido das palavras realidade e verdade, que
devem, também elas, vacilar e tornar-se problemáticas (RICOEUR,
s.d.a, p. 341).
Leiam-se, com essa perspectiva, dois poemas:
III
Se o poema
analisasse
a própria oscilação
interior,
cristalizasse
um outro movimento
mais subtil,
o da estrutura
em que se geram
milénios depois
estas imaginárias
flores calcárias,
acharia
o seu micro-rigor.
IV
Localizar
na frágil espessura
do tempo
que a linguagem
pôs
em vibração,
o ponto morto
onde a velocidade
se fractura
e aí
129
determinar
com exatidão
o foco do silêncio.
(O [M], p. 237-238)
Esse “foco do silêncio” não será talvez o espaço da criação de
sentido própria à metáfora viva?
130
coavam
lentamente
as chamas
da lareira
transformando-as
quase
num depósito
vítreo
de fulgor
e penumbra.
II
O poema
filtra
cada imagem
já destilada
pela distância,
deixa-a
mais límpida
embora
inadequada
às coisas
que tenta
captar
no passado
indiferente.
III
Pior
para as coisas.
131
gota a gota
bebe-se
e embriaga
um pouco
mas
por outro lado
apura,
aguça
a lucidez
do texto,
IV
restitui
com mais intensidade
as chamas
não
mas
essa essência
quase vítrea
de penumbra
e fulgor
que deixaram
nuns olhos.
Melhor
para as coisas.
(O [M], p. 290-293)
A organização interna desse livro nos faz pensar em terrenos
sobrepostos. Cada conjunto de poemas vai se associando numa
geologia poética que precisamos analisar: camadas de versos, imagens
e de metáforas que se elaboram no tempo, “estratos sobrepostos” (O
132
[AF], p. 586). A leitura inocente, distraída, torna-se impossível porque
o que se lê é o próprio acontecer da linguagem, com suas surpresas e
impossibilidades. Assim, essa escrita impõe ao leitor também um
trabalho de pesquisa, de refiguração interpretativa para conhecer as
“ilhas caligráficas” que “O poeta / [o cartógrafo?] observa”.
88. Já se estudou o aspecto numérico dessa organização. Cf. MACHADO, 1998, p. 75-99.
134
III
sente-se a lentidão, o peso,
minarem cada gesto; e antes
do gesto, a ideia de o fazer;
dançam agora dois a dois,
reconstituem a unidade
cindida ainda há pouco; os pares
mortais; a vocação
de transformar o tempo em rostos;
somam-se duas mortes
e obtém-se uma criança; ela, sim:
resistirá, crescendo,
ao desgaste do dia,
procurará na outra noite
o corpo que define o seu;
protege-a a espuma, a máscara,
até de madrugada; e então,
IV
das duas uma: reproduz-se
também; ou extingue em si
o fluxo da dança;
[...] (O [EDM], p. 371-372)
Entre duas memórias, portanto, testemunha a atenção que o
escritor dá ao problema da representação em arte, aos processos de
transformação das imagens, distinguindo cuidadosamente a atividade
de criação da atividade falhada da mera reprodução. É uma questão
importante na obra de Carlos de Oliveira e na própria reflexão estética
que a poesia neorrealista possibilitou – o que não se deve esquecer, para
não reduzir o projeto neorrealista às produções menos importantes e
mais ortodoxas de alguns de seus participantes, por demais preocupados
com uma retórica política incapaz de compreender o fenômeno estético.
135
Ora, a falha e falência de qualquer representação que se pretenda
totalizadora será tema de Finisterra (1978); entretanto, também
em Pastoral, o último livro de poesia publicado (1977), assistimos
ao esfacelamento de qualquer modelo de escrita com pretensão à
reprodução ou à totalização de imagens do mundo. Pastoral reúne
10 poemas, os quais já estavam escritos em 197189, e é o conjunto de
poemas mais complexo do autor, gerando ainda agora perplexidades de
interpretação, o que talvez seja a grande vitória desse livro que não se
submete de forma alguma à singularização de uma leitura.
89. Em MARTELO, 1996, p. 419, lê-se: “Conforme a nota final que, em 1976, acompanhava o
segundo volume desta obra, os dez poemas assim reunidos não terão sido redigidos depois de 1971,
e as características de que se revestem deixam supor que não poderiam ter sido escritos muitos antes
dessa data”. Em nota, Rosa Martelo explica: “De notar ainda que sete poemas de Pastoral incluídos
no segundo número de Nova (Outono de 1976, p.28-31) são datados de 1968/71”. Observe-se ainda
que ela intitula o capítulo sobre Pastoral de “Deserção inconclusa”.
136
moderno a partir das ideias de paragem da História e da fragmentação
da própria linguagem, incapaz de qualquer representação, como já
comentamos. Nesse sentido, lê-se Pastoral como texto de melancolia e
“paisagem de privação. Da luz, da linguagem, do mundo” (SILVESTRE,
1995, p. 138); reconhecimento do fim. Assim, o último poema, “Musgo”,
torna-se facilmente o fecho da tragédia anunciada:
Dir-se-á mais tarde;
por trémulos sinais de luz
no ocaso quase obscuro;
se os templos contemplando
estes currais sem gado
ruíram de pobreza.
Dir-se-á depois
por púlpitos postos em silêncio;
peso também a decompor-se
no mesmo pouco som;
se desaba o desenho da nave antes de fermentar
a cor da sua pedra,
como fermentam leite e lã
de ovelhas mais salinas.
137
a morte não houvesse ocorrido, talvez outro livro de poesia tivesse
sido publicado, relativizando o sentido de Pastoral90. Logicamente, não
poderemos mais considerar essa hipótese, mas, pela obra pretérita,
avaliada e constantemente revista pelo autor, pelo encaminhamento
que este lhe deu sempre, consideramos que ler Pastoral como discurso
do fim, réquiem da História, é negar o fundamento da obra de Carlos
de Oliveira: permanência, memória, combate com a linguagem91.
Assim, não o lemos para encontrar o fim do mundo, da História ou do
imaginário marxista, e sim para defender que o poeta continua a falar da
autonomia de uma escrita que não se submete ao mundo fora do texto,
mas não o ignora como matéria de poesia. Manuel Gusmão considera
que “parte pelo menos das singularidades da poesia de CO vem da
intensa articulação de dois movimentos: o de um desejo obsessivo do real
e o da autofiguração das formas operatórias desse desejo” (GUSMÃO,
1992, p. 67). Acreditamos que Pastoral seja a experiência extrema dessa
autofiguração, quando transforma o poema em um dos únicos vestígios
“materiais” de um mundo, dirigindo toda a referência a si próprio. Por
isso, a compreensão positiva do poema “Registo”:
Saber que seja
este hálito: se terra
90. “Com efeito, não são poucos os títulos de obras anunciados ao longo da vida de Carlos de
Oliveira e que nunca vieram a ser publicados. Basta citar alguns exemplos: em 1944, ao publicar
Alcateia, anunciava um novo romance, Os dias e as noites; em 1962, na publicação da recolha
Poesias (1945-1960), anunciava dois livros de poesia inéditos, Convívio de amigos e Dicionário do
povo; em 1968, na edição de Micropaisagem, era anunciado o romance Duas mortes para cada um
e os livros de poemas Convívio de amigos (novamente) e Jornal de actualidades; em 1978, na edição
de Finisterra, era anunciada a publicação de O inventor de jogos e do III volume do Trabalho poético.
Eis um conjunto de títulos que sempre ficaram inéditos. Porventura alguns terão sido publicados
com título diferente. [...] Não sabemos também se algum deles existe manuscrito; a única coisa de
que possuímos informação é que alguns deles chegaram a estar escritos” (VÉRTICE, 1982, p. 734).
91. Recordemos texto de José Cardoso Pires sobre Carlos de Oliveira, intitulado “Sobre o Lado
Esquerdo” e publicado em Jornal de Letras, Artes e Ideias (7 a 20 de julho de 1981, p. 17): [...]
Conversámos quase linha a linha sobre esse admirável levantamento de uma paisagem [Finisterra],
que nos era nossa, eu com o pudor dos entusiasmos profundos, ele com o discorrer sereno e
aparentemente desencantado com que costumava enfrentar os problemas do ofício e da vida e que
não queria dizer renúncia nem desespero, isso nunca.” (Grifo nosso.)
138
ou ar movido
já por metais mutáveis
na linha das colinas.
Como se propaga
esta sombra e fica
gradualmente gráfica
num som
de minas e éter; ou
ter desenhado o horizonte
com o seu traço
mais volátil: vermos só
a tinta evaporar-se.
Não há outro
registo, mas alíneas
deste. Assim flutua;
cálculo e acaso; a cal
ainda tensa das casas
sobre
o crepúsculo esponjoso.
(OLIVEIRA, 1992, p. 389)
Se há desistência ou pessimismo em relação à ideologia ou à
política (estava-se num período pós-Revolução dos Cravos, vivenciando-
se desapontamentos com os rumos tomados (Cf. RIBEIRO, 1993, p.
494-495.)), não há a desistência da poesia. E isso não era uma afirmação
formalista ou idealista, e sim uma forma de resistência necessária para o
poeta. Pastoral não é o discurso do fim, mas o discurso de enfrentamento
desse fim; por isso a esperança transfigurada em poesia ainda pode
existir, e é com esse entendimento que o poema “Chave”, nesse livro, é
lido aqui como espaço afirmativo da linguagem:
Se uma película de vidro
139
adere à pele da pedra; se algum
vento vier.
E levanta-se então.
Minuciosamente. Ergueu-se
o halo
das colinas; a lenta beleza
levitada em cada grão
de pedra. Irradiando as lanças
que o brilho do vento
restituiu à luz, no aro
mais espesso do ar.
140
1991, n. 38, p. 10), Finisterra transformou-se num marco92 da escrita
ficcional portuguesa contemporânea e realizou uma síntese da própria
obra do autor, já que essa narrativa, claramente subversora de instâncias
discursivas (como sujeito, espaço e tempo), realiza a confluência da sua
prosa com sua poesia, constituindo um texto mesclado, o qual o crítico
Manuel Gusmão já disse ser “o exemplo extremo do trabalho poético de
um autor” (GUSMÃO, 1988, p. 47).
92. Maria Alzira Seixo escreve: “É em 1978 que se publica o texto que, a nosso ver, condensa
com mais absoluto acabamento as tendências que acabámos de enunciar: é de Carlos de Oliveira
e chama-se Finisterra [...]. Romance singular deste nosso tempo, nele se estampam algumas das
constantes do romance contemporâneo (construção do texto plural, modulação una, miscigenação
de registos, alinhamento paratáctico) num invulgar grau de concatenação e de confluência, numa
invulgar consecução de ordenamento estético” (1986, p. 57).
93. Cf. VIÇOSO, 1991, n. 38, p. 19: “ver alguém a construir ilusões é um modo de desilusão”.
141
desenhar”. Expulso do jardim pela chuva, entra na casa e projeta medi-la:
“Calcular com rigor o espaço em que posso mexer-me, a distância entre
as coisas, o sítio certo das cadeiras. Andar altas horas através da casa:
às escuras e sem tropeções”. (OLIVEIRA, 1992, p.1010-11) A narrativa
começa. Já em O aprendiz de feiticeiro, no texto “Almanaque literário”, o
último tópico tratava de “diálogo entre personagens de romance”:
– Só o osso, o que em nós é duro, resistente, dá algum sentido (muito
relativo) a palavras como eternidade, alma, tempo. Não há outra
metafísica possível senão essa. Acredita. A do osso, a do cálcio.
– Se não sabes nadar, porque te atiras à água?
– Porque nado doutra maneira. Porque me estou bugiando para as
bóias e os nadadores convencionais. Porque em última análise não
nascemos para nadar. Aí tens. Nascemos para ir ao fundo. Eu explico-
te melhor a minha teoria. Osso, cálcio. A palavra cálcio subdivide-se
noutras duas: cal e cio. Pode não ser uma descoberta importante mas
aposto que não tinhas reparado nisso. O mineral e o animal ao mesmo
tempo. Quando o cio, o tutano, o animal, se decompõe e desaparece,
fica o mineral, a nossa durabilidade extrema, a nossa resistência ao
tempo. Só ele faz pensar um pouco na eternidade, vista do ângulo que
te interessa.
– Interessar-me uma aproximação duvidosa e inerte (repara bem,
inerte) da eternidade? A mim? Estás enganado. O osso, bolas para o
osso, não tem consciência.
– De facto, não tem. Mas que diabo há em ti de mais duradoiro, mais
eterno, do que ele? A tua alma ou é esse resíduo de pedra ou não é
nada. (O [AF], p. 479)
Relação aberta, dissemos nós, a dar a ideia de que a escrita é
esse resíduo de pedra, uma tentativa de reter nossa parte mineral,
“nossa durabilidade extrema”, fazendo com que osso, cal, pedra sejam
metáforas da literatura. É inevitável lembrar ainda de “Estalactite” e a
142
“cal”, e de Eduardo Prado Coelho e a cal(i)-grafia94, desenho de letras,
narrativa que fica. Finisterra, como a poesia de Micropaisagem, revela-
se a “câmara escura” da escrita de Carlos de Oliveira, inventor de jogos.
94. “Poderíamos dizer (forçando as leis etimológicas) que a relação que o poeta estabelece entre
a cal e a água, polos onde o sentido se gera, é a chave explicativa do enigma da escrita: o poema é
caligrafia (“para / a cal / florir / nesta caligrafia / de pétalas / letras”). Isto é, o poema aparece como
cal (i)-grafia, grafia da cal: combinação metafórica de pétalas e letras, formação de flores calcárias
(que em si mesmas contêm o elemento que lhes dá origem), e, no limite, de estrelas que povoam
um “céu calcário” (na sequência que a rima acentua: pedra – pétala – letras – estrela)” (COELHO,
1972, p. 121).
143
só para aqueles que privaram de sua amizade95, como para todos que
leram, pelo menos, seu único livro de artigos, crônicas e reflexões
publicado em 1971. Falamos, naturalmente, de O aprendiz de feiticeiro.
Nenhum estudo abrangente sobre sua obra pode ignorar esse livro, no
qual o “aprendiz” discute as balizas que norteiam a condução de seu
trabalho estético e a condição de escritor português, além de homem
no mundo. Lá estão, em síntese, os três princípios que dirigiram sua
escrita por cerca de 40 anos de vida literária: ética, rigor e harmonia.
Sem dúvida, “a multiplicidade de textos que compõem O aprendiz de
feiticeiro vem ensinar-nos a ler, nos seus aspectos mais diversificados,
um projecto escritural que insiste em se fazer reconhecer ao longo da sua
metamorfose” (COELHO, 1972a, p. 136, grifo do autor).
95. “Ao longo dos anos mantém convívio assíduo com escritores e poetas de sucessivas gerações
(José Gomes Ferreira, Mário Dionísio, João José Cochofel, Fernando Namora, Manuel da Fonseca,
Joel Serrão, Augusto Abelaira, Jorge Reis, Urbano Tavares Rodrigues, Álvaro Salema, Herberto
Helder, José Carlos Pires, Alexandre Pinheiro Torres, Helder Macedo, Gastão Cruz, Nuno Júdice e
alguns outros).” (MOREIRA, 1982, p. 741).
144
volume da série “Patologia Social”, de Abel Botelho; em “O inquilino”,
um fragmento de uma peça que planejava escrever; em “A pergunta”,
a peça O doido e a morte, de Raul Brandão; em “O grão de areia”, a
narrativa de Erskine Caldwell96; em “Almanaque literário”, Camilo
Castelo Branco e outros escritores, numa feira de livros; em “Serenata”,
uma curta narrativa; em “Chuva”, a imagem de Luciana, uma personagem
feminina apenas esboçada; em “A bela adormecida”, um conto curto de
caráter popular; em “O tesouro ao sol”, contos populares que recolheu
com José Gomes Ferreira; em “Corvos”, o poema de Edgar Allan Poe;
em “Gás”, o corte de árvores com reflexos literários de Tchekov; em “Na
floresta”, diversos versos da literatura portuguesa; em “Fausto”, Enseada
amena, de Augusto Abelaira; em “Autor, encenador, actor”, a escrita de
José Gomes Ferreira; “À espera de leitores”, a novela Maria Adelaide, de
Teixeira-Gomes, e a escrita de Irene Lisboa; em “Janela acesa”, em que
se pensa a elaboração de um texto como composição de um filme; em
“O que é o povo”, contos tradicionais; em “O iceberg”, Afonso Duarte;
em “Coisas desencadeadas”, a poesia em geral; em “Micropaisagem”,
reflexões sobre seu próprio livro, de igual título; em “A fuga”, esboço de
Finisterra.
96. Escritor norte-americano (1903-1987), da geração de William Faulkner, John Steinbeck, John
dos Passos e Ernest Hemingway. Sua obra referência mais conhecida é A estrada do tabaco (1932),
que narra a vida da gente pobre branca do Deep South, num Neorrealismo à americana.
145
Em “O iceberg”, numa “carta a uma estudante de literatura que
me pede dados biográficos” (1966), Carlos de Oliveira diz:
Pensando bem, não tenho biografia. Melhor, todo o escritor português
marginalizado sofre biograficamente do que posso denominar
complexo do iceberg: um terço visível, dois terços debaixo de água. A
parte submersa pelas circunstâncias que nos impediram de exprimir o
que pensamos, de participar na vida pública, é um peso (quase morto)
que dia a dia nos puxa para o fundo. Entretanto a linha de flutuação
vai subindo e a parte que se vê diminui proporcionalmente. (O [AF], p.
568)
Ao denunciar a opressão que impediu o “direito à experiência da
minha própria liberdade”, apresenta a biografia que importa:
Com a biografia interior as coisas mudam de figura. Dentro,
mandamos nós. Se não podemos expandir-nos livremente podemos
recusar, fechar a porta às intrusões, manter a casa limpa. Difícil e duro,
eu sei. Custa momentos de grande solidão. Mas pagando esse tanto as
pessoas dormem em paz consigo mesmo.97 (O [AF], p. 568-569)
Pois bem, O aprendiz de feiticeiro é essa biografia interior que se
revela ao leitor atento, a escutar aqui e ali as reflexões do homem e do
escritor. Assim, nessa mesma “carta”, a primeira baliza de seu trabalho
se impõe: a dignidade.
Tocámos no verdadeiro problema. O que vive em nós mesmo
irrealizado precisa nestes tempos dúbios da rijeza da pedra. Orgulho
autêntico. Recusa da conivência, do arranjo disfarçado. Dignidade.
Elementos de que se faz a vagarosa teimosia dos sonhos. E então a
partida está ganha. Pode perdê-la o escritor (por outras razões, aliás)
mas o homem vence-a de certeza. (O [AF], p. 569)
Essa dignidade significa a responsabilidade por estar no mundo
e por ser escritor, capaz de dizer o que muitos calam por conivência ou
covardia. Por isso, para ele a arte tem “um papel de medicina humanista,
98. Há nessa afirmação de Carlos de Oliveira a lembrança provável do diálogo Fedro, de Platão, em
que se discute o que convém e o que não convém escrever e quando a arte é bem ou mal aplicada.
Derrida, em A farmácia de Platão (1997), revisitando o momento em que Sócrates conta a Fedro
o mito de Thot, que seria o inventor dos números, do cálculo, da geometria, da astronomia, dos
jogos das damas e dos dados e também da escrita, conclui: “O deus da escritura é pois um deus da
medicina. Da ‘medicina’: ao mesmo tempo ciência e droga oculta. Do remédio e do veneno. O deus
da escritura é o deus do phármakon. E é a escritura como phármakon que ele apresenta ao rei no
Fedro, com uma humildade inquietante como o desafio.” (p. 38). Devemos a Jorge Fernandes da
Silveira a lembrança do “phármakon” de Derrida.
147
para impedir o esquecimento da origem, a submissão ao cotidiano, a
aceitação do silêncio imposto pelo poder. A escrita é um lugar de tensão
e um lugar de permanente atenção ao mundo. “Afinal o presente, o
futuro interessam-me também. Não os rejeito, Gelnaa. Não rejeito nada.
Espero.” (O [AF], p. 598)
99. Anotações de aula feitas durante curso ministrado por esse professor sobre a obra de Carlos de
Oliveira, a convite da pós-graduação da Faculdade de Letras da UFRJ, em abril de 1998.
149
compreensível em alguém licenciado em “ciências histórico-filosóficas”
e com formação marxista. O sujeito ficcional que é o “aprendiz de
feiticeiro” configura experiências do tempo e seus efeitos. A escrita
torna-se, por meio da leitura, esse lugar de “refiguração efetiva do
tempo, tornado assim tempo humano, pelo entrecruzamento da história
e da ficção” (RICOEUR, 1997, p. 315), com o princípio de criação
enfrentando o princípio de destruição. Nesse embate sem fim, o sujeito
ficcional experimenta os sentimentos do jogo da vida: angústia, medo,
melancolia, desilusão, mas também coragem, esperança e resistência.
150
determinante no seu discurso. Essa presença de um tempo que não é
mais, que só existe como configuração feita pela memória, é o núcleo do
texto “A fuga”, esboço de Finisterra. A busca temporal, porém, não cessa,
mesmo que o sujeito reconheça a sua impotência para realizá-la. A busca
transforma-se numa arqueologia do ser, revelando-se os estratos da vida
ao longo do tempo, e nessa “arqueologia” os momentos do passado vão
ganhando sentido por meio do olhar do presente, seletivo e crítico. É
o movimento de reescrita em busca da identidade narrativa que vai se
estruturando em círculos cada vez maiores, indo do sujeito ao mundo
e deste ao texto.
100. Avaliação equivocada, pois o próprio autor sempre fez questão de afirmar, nas raras entrevistas,
sua ligação com esse movimento, e isso é confirmado também por depoimentos de outros escritores
que mantinham com ele forte relação de amizade.
152
Quem soprou na gândara
a última chama?
Se quiseres, ó morte,
abro-te os lençóis
e dou-te a minha cama.
Caminheiro cansado
sem nenhum bordão,
onde houver um sonho
para ser sonhado
está meu coração.
(O [(MP], p. 43) 101
Porém, já se percebe nesse momento de sua escrita a tensão que
envolve esse sujeito, dividido entre o apelo exterior e uma interioridade
que precisa se refletir na linguagem para encontrar sua identidade –
como é o caso de “Viagem entre velhos papéis”, em Colheita perdida
(1948)102 –; uma história própria construída no tempo. Terra de harmonia
(1950) é um conjunto textual que tenta equilibrar essas direções, mas
101. Em relação a esse poema, na versão de 1945, os três últimos versos eram diferentes: “num
tronco
102. Sobre esse livro, Rosa Martelo (1996, p. 311) comenta: “Simplesmente, ao contrário do que
acontecia com Mãe pobre, a questão do realismo começa a tornar-se problemática na poesia de
C.O.”.
153
o que se acaba afirmando é a figura do “poeta artífice”103, entregue ao
trabalho poético e à arqueologia de seu ser. Vai-se de uma poética que
tenta dar uma versão de mundo a outra que se preocupa com a criação
de mundos. É o salto de Cantata (1960).
103. Em nossa dissertação de mestrado (ALVES, 1990), trabalhamos com a oposição “poeta arauto”
e “poeta artífice”, representando dois momentos do percurso de Carlos de Oliveira. Considerando
ainda válida essa representação, retomamos a distinção.
154
Com essa certeza, retomamos e transformamos a ideia de
circularidade apontada na tese de doutorado de Terezinha Val104
em relação a Casa na duna. Aproveitamos essa ideia porque vem ao
encontro de nossa própria apreensão da estrutura organizadora da obra
de Carlos de Oliveira. O processo de escrita e reescrita realiza-se em
círculo à volta do sujeito lírico, por isso o início está no fim e o fim
se encontra no princípio. Essa organização é interna e externa, isto é,
cada livro retoma marcas textuais de outros ou representa textualmente
a ideia de circularidade na escrita, como no texto em prosa “O círculo”,
que já transcrevemos anteriormente. Também em Finisterra há um halo
fosforescente à volta da casa. Na relação entre as obras, há o encontro
entre Casa na duna, o primeiro romance, e Finisterra, o último. Portanto,
espacialmente, a obra de Carlos de Oliveira se autoconfigura como
um círculo, porque se constrói à volta de um sujeito que é o seu ponto
fixo105. Interessante pensar, por exemplo, sob essa perspectiva, o espaço
cósmico, a que tanto o autor se refere, em O aprendiz de feiticeiro (mas
não só): o planetário, a abóbada celeste, a esfera, o horizonte, os astros
que os grãos de areia reduplicam.
104. “Pode-se concluir que o motivo da forma circular, de elementos significativos que insinuem o
arredondado, colhido no âmbito das múltiplas relações plásticas do texto [Casa na duna], da magia
ótica, sugere o efeito de real pelo efeito estético: a forma vazia de sentido, enquanto geométrica
(por exemplo, o círculo, a esfera), será preenchida de sentido artístico e humano pela categoria da
precária e opressiva brevidade das coisas, uma categoria tensionada em processo permanente com
a esperança e a alegria da mudança. [...] Não é um risco afirmar-se que a imagem da circularidade
se manifesta na escrita do Poeta como uma imagem recorrente, obsessiva” (VAL, 1994, p. 29-30 e
49).
105. Lembremos que, de acordo com o Novo dicionário da língua portuguesa, geometricamente um
círculo é a “região de um plano limitada por uma circunferência”, e esta é o “lugar geométrico dos
pontos equidistantes dum ponto fixo” (HOLANDA, 1986).
155
intenta ligar origem e fim, infância e maturidade, criança e homem106.
Nas trevas acontecem o princípio e o fim do indivíduo.” (O [AF], p.
578): não é essa a organização da obra poética de Carlos de Oliveira?
Não é esse o projeto em Finisterra? A memória traça a circunferência
no plano da vida, ligando o presente ao passado, o passado ao presente/
futuro. A escrita figura-se assim uma espiral, recorrendo de novo à lição
geométrica: “curva plana gerada por um ponto móvel que gira em torno
de um ponto fixo, ao mesmo tempo que dele se afasta ou se aproxima
segundo uma lei determinada” (HOLANDA, 1986.). Não podemos
dizer que a escrita está refigurando o tempo em torno de um sujeito,
dele se aproximando e se afastando? Não é esse o movimento do tempo
no trabalho da memória? Não é essa a teorização da escrita poética que
Micropaisagem nos faz ouvir?
XII
Registar
nessa memória
ao contrário
de trás
para diante
as palavras
que ficam
106. Em O aprendiz de feiticeiro, no texto intitulado “Iceberg”, a segunda parte é dedicada à obra
de Afonso Duarte – “mestre”, como a ele se refere Carlos de Oliveira em um poema. Nesse quase
ensaio dedicado ao poeta mais velho, Carlos de Oliveira acaba por desenvolver uma grande reflexão
sobre a circularidade, arquitetura mágica do poema e do mundo. Esse texto está esperando um
estudo mais detido e aprofundado, por dizer muito da própria escrita de Carlos de Oliveira. Não
podendo fazer isto aqui, pelo menos citamos passagens: “Qualquer sistema tem a sua dinâmica
interna que o põe a funcionar; aqui, como já vimos, o ciclo dia-noite-noite-dia (e não dia-noite-
dia-noite) considera o tempo reflectido no relógio (também circular), o dia teoricamente dividido
em duas partes que o diâmetro separa: Luz e Trevas na mesma unidade. [...] Accionando esta
mecânica, dando corda ao relógio (por assim dizer), se passa do círculo à sinusóide. É na zona
escura do círculo que decorrem as metamorfoses, [...] E chegámos à mãe, ao eflúvio, privados de
Luz e de Maiúsculas. De facto a germinação uterina processa-se nas Trevas e é misteriosa; [...] Com
o eflúvio, forma nocturna do Espírito, passa-se a mesma coisa: começa a aparecer na escuridão, no
útero” (O [AF], p. 577-588).
156
assim
misteriosas
e depois
soletrá-las
do fim
para
o princípio,
XIII
olhá-las
como imagens
no espelho
que as reflecte
de novo
compreensíves
e tornar
a juntá-las
obsessivamente
ao rimo da pedra
dissolvida
quando poisa
gota a gota
nas flores antecipadas,
(O [M], p. 246-247)
Jogo de paisagens
“Trago a janela de muito longe.”
Carlos de Oliveira, O aprendiz de feiticeiro
Em O Aprendiz de feiticeiro, no texto “Manual de Jogos” (1963), o
autor conta que achou por acaso, numa feira de livros, uma obra intitulada
Manual de jogos, de autor desconhecido, editada em Lisboa nos fins do
século XIX. A leitura do livro provoca algumas interessantes reflexões:
157
primeiro, pela dedicatória que ali ficou registrada, atravessando o tempo
e levando a imaginar as relações entre quem havia dado o livro, uma
mulher, e quem o havia desejado ganhar, um homem; segundo, pelo
conjunto de jogos que registrava, fazendo com que Carlos de Oliveira
descrevesse alguns desses jogos, discorrendo sobre o princípio lúdico
e as habilidades/qualidades pertinentes, o que rapidamente transferiu
para a própria prática literária. “O ‘Manual’ (terceira parte, consagrada
aos jogos de prendas) traz alguns textos que vale a pena meditar, do
ponto de vista literário, pelo seu espírito quase contemporâneo. Quase?”
(O [AF], p. 427). Em síntese, tem-se a literatura como jogo com regras
elementares deduzidas das leis gerais de outros jogos. Encontra-se,
portanto, o escritor com o inventor de jogos, personagem que sabemos
aparecer em Cantata (1960).
158
não existe o tal olho inocente. O olho se situa, vetusto, frente a seu
trabalho, obcecado por seu próprio passado e pelas insinuações
passadas e recentes do ouvido, nariz, língua, dedos, coração e cérebro.
Não funciona como um instrumento autónomo e único, mas como
membro submisso a um organismo completo e caprichoso. [...] O
olho seleciona, rejeita, organiza, discrimina, associa, classifica, analisa,
constrói. Não atua como um espelho que, tal como capta, reflete; o que
capta já não o vê tal qual, como apenas dados sem nenhum atributo,
senão como coisas, alimentos, gentes, inimigos, estrelas, armas. Nada
se vê desnudo ou desnudamente (GOODMAN, 1976, p. 25)107.
Na obra de Carlos de Oliveira produzida de 1960 a 1980, dominam
as paisagens calcáreas provocadas pela desertificação (com consequente
erosão e despovoamento) que avança pelo campo108 e pela folha de papel,
outro deserto em abstração que será povoado pela escrita. Mas há outras
paisagens que, em nossa dissertação de mestrado, já referida, tentamos
descrever: a floresta, o abismo e o labirinto ( Cf. ALVES, 1990, p. 92-
127.). Não repetiremos a pesquisa realizada, porém importa retomar
a significação dessas paisagens numa outra relação de leitura, mesmo
porque o escritor diz: “Preciso quase sempre de imagens e, embora me
digam que é um hábito grosseiro em escritos destes, não desisto de ligar
tudo o que penso ao mundo comum, cotidiano: os objectos, a paisagem,
os homens” (O [AF], p. 433).
107. Na tradução da primeira edição em inglês para o espanhol, feita por Jem Cabanes: “no existe
el tal ojo inocente. El ojo se sitúa, vetusto, frente a sua trabajo, obsesionado por su próprio pasado
y por las insinuaciones pasadas y recientes del oído, la nariz, la lengua, los dedos, el corazón y el
cerebro. No funciona como um instrumento autónomo y solo, sino como miembro sumiso de
un organismo complejo y caprichoso. [...] El ojo selecciona, rechaza, organiza, discrimina, asocia,
clasifica, analiza, construye. No actúa como un espejo que, tal como capta, refleja; lo que capta ya
no lo ve tal cual, como datos sin atributo alguno, sino como cosas, alimentos, gentes, enemigos,
estrellas, armas. Nada se ve desnudo o desnudamente”. A tradução do espanhol para o português
é nossa.
108. A desertificação do campo é um dado referencial ligado à realidade da região da Gândara, tão
presente na memória biográfica do autor.
159
naturais e paisagens artificiais. Como naturais, reconhecemos a terra
da infância (a Amazônia, ainda que só imaginada, a Gândara) e o céu;
como artificiais, a cidade e a escrita. Notamos com facilidade que essas
paisagens se organizam também no tempo: paisagens da infância (terra
– Amazônia e Gândara) e paisagens da maturidade (o céu na cidade e
a escrita).
163
(O [M], p. 238)
Reflexo desse espaço de indiferenciação é o céu que o escritor
observa sem nenhum romantismo ou idealismo, mas como um modelo
de relações espaciais e temporais que se harmonizam sem a intervenção
humana. Equilíbrio, autonomia e duração: desejos da escrita.
164
Já dissemos que a escrita tem função mnemônica, ou seja, é uma
atividade cuja origem está ligada à necessidade de registrar informações
para que atravessem o tempo, superando a finitude da vida humana.
É, aliás, o que manifesta o velho deus Thoth, ao apresentar a escrita ao
monarca Tamuz do Egito, na história que Sócrates conta a Fedro:
Eis, oh Rei, uma arte que tornará os egípcios mais sábios e os ajudará
a fortalecer a memória, pois com a escrita descobri o remédio para
a memória. – Oh, Thoth, mestre incomparável, uma coisa é inventar
uma arte, outra julgar os benefícios ou prejuízos que dela advirão
para os outros! Tu, neste momento e como inventor da escrita, esperas
dela, e com entusiasmo, todo o contrário do que ela pode vir a fazer!
Ela tornará os homens mais esquecidos, pois que, sabendo escrever,
deixarão de exercitar a memória, confiando apenas nas escrituras, e só
se lembrarão de um assunto por força de motivos exteriores, por meio
de sinais, e não dos assuntos em si mesmos. Por isso, não inventaste
um remédio para a memória, mas sim para a rememoração (PLATÃO,
1986, p. 121).
Porém, como vemos, o monarca egípcio diferencia memória
e rememoração, relacionando a primeira à sabedoria, a uma
experiência interior de vida transmitida de homem a homem, o
dom do narrador. A escrita, interferindo nessa relação de oralidade,
substituindo “mecanicamente” a transmissão de histórias, incentivaria
o esquecimento. Numa certa perspectiva, realmente a escrita cotidiana,
instrumento de comunicação, pode ser considerada como atividade que
permite o esquecimento, na medida em que sua presença é a ausência
do “assunto em si mesmo”. Ora, a literatura, especialmente a poesia,
como espaço tensionado da linguagem, também tensiona essa relação
de esquecimento e memória, escrita e sabedoria. Por isso, a escrita
literária não é uma “técnica mnemônica”, mas uma via de acesso à
recuperação da relação integral entre os homens e entre os homens e
o mundo. Sob nosso ponto de vista, há no discurso poético a formação
de um outro tipo de memória, que guarda a condição humana contra
a destruição. Esse é, por exemplo, o estrato mais fundo de um poema
como “Colagem, com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke”:
Palavras,
165
serei apenas mitos
semelhantes ao mirto
dos mortos?
Sim,
conheço
a força das palavras,
menos que nada,
menos que pétalas pisadas
num salão de baile,
e no entanto
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?
(O [SLE], p. 208)
O primeiro livro de Carlos de Oliveira, Turismo, indicava um
percurso do sujeito em busca das paisagens primevas, a alimentar seu
imaginário e a configurar um passado. Mas a busca naquele momento
ficou recalcada pela problemática social. A reescrita do livro inverteu
essa situação, e Turismo transformou-se numa viagem interior, com a
definição de duas trilhas da memória em sua obra: a memória do sujeito
e a memória da escrita. Note-se que nessa versão o poeta criou uma
terceira parte que não existia, denominando-a “Infância”, e a posicionou
como abertura do livro. Assim, temos não só a recuperação de uma
escrita do passado, como a nomeação do espaço-origem do sujeito lírico.
166
sabe que não há o retorno, mas há a possibilidade de compreender
aquilo que acabou por tatuá-lo e impor seu modo de estar no mundo.
Perguntam-me ainda porque falo tanto da infância. Porque havia de
ser? A secura, a aridez desta linguagem, fabrico-a e fabrica-se em
parte de materiais vindos de longe: saibro, cal, árvores, musgo. E
gente, numa grande solidão de areia. A paisagem da infância que não é
nenhum paraíso perdido mas a pobreza, a nudez, a carência de quase.
Desses elementos se sustenta bastante toda a escrita de que sou capaz,
umas vezes explícitos, muitas outras apenas sugeridos na brevidade
dos textos. (O [AF], p. 588)
A memória do sujeito tem como metáfora a imagem da “floresta”,
que enreda nos seus muitos caminhos o verde labirinto da Amazônia
imaginada, os desertos da Gândara e a terra de lavratura. O encontro
do homem com a criança é o reencontro com uma sensibilidade de
mundo que se formou na infância, atenta à terra e à presença instável
do homem nela. A Gândara é o espaço telúrico maior, dando-lhe os
elementos que vão perdurar em sua obra: terra, dunas, cal, pastores e
florestas submersas, cercadas de carência e fragilidade.
168
existência está condicionada a sua escrita, logo, todo texto produzido
faz parte da identidade do escritor e não pode ser simplesmente
rasurado ou apagado, ainda que excluído da publicação da obra total.
Voltar ao texto e transformá-lo é confrontar tempos de produção,
histórias da existência; trata-se, portanto, de uma memória tensionada.
Cada texto reescrito é um passado presentificado, um tempo subvertido,
um testemunho de transformação no homem e na obra. Veja-se, como
exemplo, o que ocorreu com o poema “Oiro”, publicado em Cantata
(1960), em que se lê:
O dia acende
o teu olhar
e não te deixa
adormecer
sem que essa luz
seja cravada
pelo punhal do sol
na eternidade,
coisa breve
doirada
como a vida.
(OLIVEIRA, 1992, p. )
Na edição de 1976, os três últimos versos são transformados, e
passamos a ler: “halo breve / e doirado / como o poema”. Da “coisa” ao
“halo”, da “vida” ao “poema”, temos a expressão de uma mudança capital
na obra do escritor: a poesia não é a vida, não a reproduz, mas é ela que
constitui a memória da vibração da vida. O poema é, assim, o lugar final
onde o sujeito encontra seu sentido.
109. Cf. PARRADO, 1996, p. 4: “Terra de harmonia é, em todas as suas versões, ainda que
diferentemente em cada uma delas, um livro onde a questão intertextual se coloca de forma
incontornável, relacionando-se, inclusive, (in)directamente (em 1976), com o problema da
reescrita da obra própria. Harmonioso apenas numa leitura imediata, nele são tornados visíveis,
de maneira ostensiva, procedimentos e referências intertextuais diversos que relevam a dimensão
de encontro/confronto com a tradição que o acto de produção poética instaura. Um acto que,
acentue-se, implica a (relativa) conquista, o tomar da palavra dos /aos outros para a fazer sua”.
170
Temos que concordar com Luís Filipe Praxedes Parrado (p. 74) que “o
poema não é apenas um efeito da linguagem no leitor, ele revela-se, no
essencial, um efeito da linguagem sobre a própria linguagem (para além
do facto da linguagem escapar ou resistir à transparência de qualquer
efeito comunicativo)”. Porém, não é só Terra de harmonia o lugar dessa
memória textual. Em todos os outros livros ela ocorre, não só com textos
alheios, como também evocando outros do próprio poeta. Vai estar
presente, por exemplo, em Sobre o lado esquerdo, ainda estará presente
em Pastoral com resíduos camonianos. Está em O aprendiz de feiticeiro,
em Finisterra. Sempre a memória-escrita revelando a memória-leitura.
171
NUNO JÚDICE: PERSEGUIDOR DA ETERNIDADE
110. Em contato por e-mail, Nuno Júdice explicou que não incluiu O corte na ênfase por não
considerá-lo significativo em sua trajetória.
172
forma a produção que se segue dialoga com ela, delineando o perfil
da escrita desse poeta e permitindo o diálogo com a obra de Carlos de
Oliveira no contexto da poesia portuguesa de 1960 a 1990.
111. A adjetivação lembra Bloom (1991), sem seguir, porém, sua perspectiva. Parrado (996)
também a utiliza para Carlos de Oliveira, seguindo Bloom.
112. O poeta continua bastante ativo em sua escrita. Desde 2000, vem publicando novos títulos de
poesia pela editora Dom Quixote, constituindo já outro núcleo de interesse.
173
De A noção de poema a Teoria geral do sentimento
“Escrevia: atingira a própria finalidade, consumava-se num
sacrifício de si ao papel, deixando-o manchado com as
impressões do seu corpo.”
Nuno Júdice, A partilha dos mitos
As primeiras obras de Nuno Júdice aparecem provocando uma
certa estranheza entre a crítica, porque, na década de 1970, ao lado
do trabalho poético de depuração, economia verbal e antirretórica113
realizado por Poesia 61 e a Poesia Experimental, a poesia do jovem autor
assumia um discurso contestador às avessas, ou seja, sua escrita assaz
discursiva e retórica e seu conteúdo centrado em temas próprios ao
tempo finissecular do século XIX reavivavam uma mitologia do poético,
dramatizando o poeta como louco, visionário ou profeta entregue à
voracidade do verso e habitando o poema em solidão, numa reação
intimista ao seu tempo histórico real e ao espaço de vivência biográfica.
Esse modo de ser poeta parecia um “retrocesso” diante do processo
poético contemporâneo, preocupado com as relações significantes no
poema ou atento a determinadas questões político-sócio-urbanas. Essa
escrita parecia anacrônica em confronto com as propostas da década de
1960 e, sob certos aspectos, surgia isolada da poética que ia se instituindo
na década de 1970. Surpreendia que, já no final do século XX, após
tantas transformações estéticas e teóricas no âmbito do literário, um
jovem poeta “retomasse” modelos românticos e simbolistas em busca da
essência poética. Mas a crítica experiente logo reconheceu que a poesia
inicial de Júdice não repetia ingenuamente modelos, mas questionava-
os, comprazendo-se em construir um “drama em gente”, em criar
poetas-personagens, com a intensificação da presença do sujeito até
o paroxismo da fragmentação, pelo transbordamento dos limites da
emotividade. Era o desenvolvimento provocativo de uma escrita em
113. Gastão Cruz explica que a escrita de 6l demonstrava “rigorosas organizações estilísticas,
resultantes de uma concepção de linguagem poética total, isto é, em que todos os elementos do
discurso são valorizados e minuciosamente controlados” (1973, p. 185).
174
torno de uma tradição poética constituída por nomes como Hölderlin,
Rilke, pelos simbolistas franceses fin de siécle e pelo próprio Pessoa.
175
Único livro que traz uma epígrafe: o texto é do poeta Rui Diniz e
aparece sem qualquer referência bibliográfia114
A arte, diz-se, põe hoje problemas de sua teoria no próprio acto de
sua invenção. Põe-se a si mesma em causa no interior de si mesma;
procura, no gesto com que se cria, definir-se, postular-se, explicar-se
de forma mais próxima de si; mais correcta porque elimina o processo
de dicotomia estabelecido pela existência de dois ofícios: o teórico e o
prático, e mais verosímil porquanto é por um gesto de invenção (mas
apresentado aqui com grande honestidade e clareza) que elabora a sua
teoria, as suas axionomias; porquanto é ainda práxis a sua teorização.
Os itinerários dessa escrita convergem para o que texto acima
anuncia: uma práxis que é sua própria teorização. Por isso se discutem
o espaço do poema, a elaboração da escrita, a missão do poeta, as
paisagens literárias, o diálogo entre artes (literatura e pintura, literatura
e música), o diálogo entre poetas – com, por exemplo, a evocação de
Hölderlin, Mallarmé, além de Pessoa, que atravessa essa obra e toda a
produção de Nuno Júdice, com experiências questionadoras do tempo
e do espaço, sentindo a inquietude da vida e sua precariedade. Como
escreveu Manuel Gusmão em resenha sobre esse primeiro livro do
poeta, “há uma ironia de composição que traça os limites complexos,
dentro dos quais se abre um espaço de releitura de outros textos. O livro
assume-se como lugar de uma linguagem plural (lugar de linguagens),
como releitura de outros livros” (1972, p. 3).
114. Poeta que também estreou na década de 1970, com Ossuário: ou a vida de James Whistler.
Lisboa: & etc, 1977. Pelas informações colhidas, parece ser este o único livro que publicou. Cf.
AMARAL, 1991, p. 172.
115. MARQUES, 1989, p. 12. Diz Júdice: “A noção de poema era um livro com um duplo propósito.
Era por um lado um manifesto, e por outro uma tentativa de desligar o poema de tudo o que lhe
fosse exterior. O primeiro poema do livro era o que reflectia melhor essa intenção. A parte mais
substancial do livro, vista hoje, talvez se desprendesse já desse objectivo programático.”
176
onipotente, potência do ser em busca do sublime. Dessa forma, os textos
de A noção de poema se elaboram em torno de um eu transbordante de
subjetividade e emotividade, num teatro de fingidas individualidades
que se contemplam no correr das páginas. À primeira leitura, é uma
escrita de excessos em níveis diversos: na discursividade, já que todos
os poemas têm versos longos e, algumas vezes, constituem uma prosa
poética ou são realmente textos narrativos em prosa, com seu ritmo
específico; na vivência das emoções, nas configurações do poeta e do
poema e até mesmo na pontuação, bastante “sentimentalizada”, com uso
constante de interrogações, exclamações, travessões e reticências. Esse
excesso, aparentemente sem lugar na produção literária portuguesa do
início da década de 1960, aponta para um trabalho irônico de escrita,
repensando o lugar da poesia na contemporaneidade, como pode
indicar a leitura dos fragmentos do poema “Regra de composição”, no
qual se enumeram os marcos dessa trajetória poética em direção a uma
trindade absoluta: Deus, o poema e o eu.
Ganhei o conhecimento seguro da indecisão – alma, movimento
de vulnerabilidade... Ó balbuciar visionário das palavras solitárias...
condenação obscura... divina... imprecisa...
[...]
177
com o poema de que eu próprio faço parte. No autêntico tudo deverá
ser
ao mesmo tempo prodigiosamente coerente e misterioso... tudo deverá
Ter
alma... a natureza misturar-se-á insolitamente com o mundo
do espírito... nostalgia infinita do irradiante fundamento da realidade...
[...]
116. Numa tiragem mínima de 250 exemplares, edição simples e com certo descuido na composição
tipográfica.
179
como se não soubesse ler.
Ao apresentar a narrativa exacta do que aconteceu, descubro
que também aqui não tenho nenhum objectivo, nenhum
pretexto, nenhum facto que justifique o poema. Mas ele
existe apesar disso. E é por isso mesmo que, sem arte
poética e sem argumentos, o apresento e mantenho.
(OP [PS], p. 68)
Há uma persistente reflexão sobre a escrita poética, adensando-se
a ideia de ser o poema a instância em que o sujeito põe à prova o tempo
e o espaço, não cessando a procura de sua humanidade. A questão da
temporalidade passa a ocupar lugar capital na cena poética, e falar do
tempo é falar da memória, da instabilidade do mundo, disto resultando
a percepção de ruínas que, embora pouco nomeadas, começam a
apontar numa paisagem de destruição. Em resposta à experiência de
mortalidade que paira sobre muitos dos poemas, a escrita poética
defende o movimento da vida, “como se houvesse algo a procurar” (OP
[CDP], p. 94).
180
a aproximar-se. Por fim, não desembarco. À espera do regresso
seguro-te as mãos, embora ninguém esteja comigo. Em silêncio
respiro o cheiro das máquinas; “para onde me conduzes,
ó infindável morte, por entre os vivos e as suas sombras”, ouço-me
dizer-te. Para que não me respondas, deixando-me preso
a um banco do barco, sacudido pelos temporais, vendo a chuva cair
por detrás dos vidros. (OP [CDP] p. 92)
No entanto, a escrita é uma cena teatral, e o poema, um lugar
de observação, onde se exercita a visão interior capaz de conhecer os
mundos que constituem a existência. Assim, o poema torna-se uma
janela a partir da qual o poeta se põe a olhar o horizonte, as paisagens
diversas, a mudança de estação e o seu próprio eu em encenação. Assim,
contrapõem-se nesses poemas, nos limites da existência ficcional, o
sujeito enunciador/o sujeito-escrevente, o sujeito enunciado/, o sujeito-
leitor:
Foi na véspera dos maiores temporais desse ano. A olhar para o vento,
guardando um silêncio que apenas a morte quebraria, a gaivota deixou
o seguro abrigo dos rochedos para se lançar em inútil desafio contra
o espesso cinzento das nuvens. O que eu vi naqueles intermináveis
dias... [...] Desci à verdadeira profundidade da imperfeição, seguindo a
linha sinuosa do litoral, até aos grandes rochedos que limitam o ser aos
gemidos incertos de humanidade. O que então reflecti de impaciência
animal! O horizonte tornara-se-me um vício de ausência e de horror
para comigo. [...] Uma presença incógnita sobre as escarpas destruiu
o muro de piedade que me protegia. Descobri que o medo é a melhor
parte de mim. Um rumor de sons juntou-me na humilhação aos
inumeráveis seres que esse inverno desalojara do sentimento. (OP [IA],
p. 107)
A presença material das palavras contrasta com o muito que fica
ausente e silenciado. O jogo poético se estabelece a partir do desejo de
apreender os sentimentos, as emoções na sua gênese, definindo um
momento único em que o abstrato e o fugaz parecem estar “aprisionados”
no verso. A teorização do poético acaba por esbarrar na impossibilidade
de regras gerais, pois cada poema é um objeto irrepetível, particular,
181
produto de uma experiência de sensações, ou imagens, ou desejos
que só existem na realização ficcional. O sujeito poético dividido se
autocontempla, examinando “o mecanismo romântico da fragmentação”
capaz de mover essa escrita em busca de sentido. O sujeito é, sob essa
perspectiva, uma “outridade” que se precisa (re)conhecer, um espaço
que se tenta ocupar, como se lê em “Descrição de um lugar”:
Sou um reflexo no vidro. Olho-me
fixamente, e o poema capta-me nesta atitude.
Pudesse eu conhecer-me como se conhece
o poema...
Deixo um retrato de mim, morto,
há um ano por esta altura. Que me aconteceu,
entretanto? De quem é este corpo
que me é estranho, pálido habitante de um movimento
indeciso e aparente? Quem sinto quando me toco,
quem me dorme, quem me pensa,
quem me escreve? O meu rosto encobre um pronome. Vivo
do mito. Quem me impede o sentimento? Quem me abre
um caminho que não sigo, condenado a outro
de mim próprio?
No entanto, estou aqui. Entre mim e o poema,
opaco a ambos, sem nada para dizer.
(OP [MRF] p. 150)
Nesses primeiros livros do autor, a questão da representação se
impõe fortemente. A escrita poética é a apresentação sempre incompleta
de algo, uma forma habilidosa de nomear o inexistente, criando, no
poema, uma outra realidade, que estabelece formas diferentes de
referencialidade. Assim, o que continuamente se discute é, afinal, de que
forma o processo poético dá conta do real e do imaginário, realizando
redescrições dos mundos diversos que constituem a existência do
sujeito-escritor e do sujeito-leitor.
182
Para responder também ao dilaceramento do corpo poético,
tanto em relação à unidade do sujeito quanto em relação aos impasses
da escrita, vai-se acentuando o tema da memória para manter o sentido
da vida textual e da vida subjetiva, como contraface dessa escrita de
fragmentos. Os atos verbais se fortalecem no movimento de conservação
da “exígua luz” capaz de garantir a sobrevivência do sujeito por meio
das palavras. O confronto entre vida e morte é dramatizado, e a escrita
poética narra essa história repetidas vezes, optando o poeta, com certa
frequência, por textos em prosa, por vezes extensos, que materialmente
se opõem ao sentido de brevidade, tão marcante na experiência da vida
e do poético. A certeza de que tudo passa, de que o transitório e o fugaz
marcam nossa temporalidade interior, é a reflexão sobre os limites
humanos e uma convocação à insubmissão e à superação por meio da
metamorfose constante a se manifestar na textualidade, por meio do
“Inscrito”:
Mas os olhos fechados. Toda a pouca importância
de essa morte
aqui. Também aqueles que o disseram
não sobreviverão às palavras pronunciadas que (elas sim!)
prolongam este gesto – poético! – o poema insuportável morte
criação de dedos no vazio do corpo, do copo
a brusca meditação cortada.
Ó terra: fala
a voz de raízes doces na concavidade da tarde
o conhecimento fúnebre um rigor no crescimento
na composição num cálculo de puro
mover-se
a descida
para o chão
pó
o que fica
(OP [NBEL], p. 204)
183
Frente à mutabilidade de tudo, à precariedade, o olhar poético
busca um espaço de indiferenciação entre ausência e presença,
configurado no encontro entre o céu e a terra, limite que se mira, mas ao
qual nunca se chega, representação simbólica da obsessão existencial de
conhecer o invisível e de se integrar à unidade, miragem do equilíbrio
entre o divino e o humano. O horizonte como imagem torna-se uma
estrutura simbólica fundamental na poesia de Nuno Júdice, falando-nos
dessa miragem e das contradições do poético: potencialidade do dizer
e impossibilidades da escrita. O horizonte é, assim, uma linha de fuga
na pintura que todo poema acaba por ser, dirigindo o olhar do sujeito
lírico e do sujeito-leitor para o longínquo, metáfora da liberdade e da
totalidade perdida, o algures desejado.
Nas obras dos anos 1980, devemos destacar A partilha dos mitos,
que desejamos ler como uma obra-balanço da relação entre poeta e
poesia, escrita e leitura, apresentando-nos linhas fundamentais do
117. Esse livro é, na verdade, um único texto, dividido em três partes, com dialogismo explícito
com Mallarmé. Há uma experiência provocadora (radicalizar a ausência de referência) que acaba
por estabelecer um texto ilegível para o leitor comum. Em relação ao Igitur de Mallarmé, Blanchot
(1987), p. 105-106, cita carta do poeta: “É um conto, pelo qual quero fulminar o velho monstro da
Impotência, seu tema, de resto, a fim de me encerrar num grande labor já reestudado. Se ele for
feito (o conto), estou curado...”; “Infelizmente, ao aprofundar o verso a esse ponto, encontrei dois
abismos que me desesperam. Um é o Nada... O outro vazio que encontrei é o do meu peito”; “E
tendo chegado agora à visão horrível de uma obra pura, quase perdi a razão e o sentido das palavras
mais familiares”. Diz Blanchot a respeito: “Quando se recordam estas alusões, não se pode duvidar
de que Igitur nasce de experiência obscura, essencialmente arriscada, para onde o arrasta, ao longo
desses anos, a tarefa poética. Risco que atinge o uso normal do mundo, o uso habitual da palavra,
que destrói todas as garantias ideais, que retira ao poeta a segurança física de viver, expõe-no,
enfim, à morte, morte da verdade, morte de sua pessoa, entrega-o à impessoalidade da morte.” Isso
ecoa na escrita de Júdice.
184
trabalho de Nuno Júdice: a literatura como obsessão, a exuberância
metafórica, lição de Herberto Helder, num exercício intenso de testar a
potência das analogias, a vivência angustiada do tempo e a consequente
angústia do ser. É também nesse conjunto de poemas que a questão da
emotividade e subjetividade ganha maior reflexão crítica sobre a entrega
total à escrita, à poesia, ao trabalho verbal como ação de metamorfose
irrecusável.
Escrevia; as palavras e as frases sucediam-se ao ritmo da sua própria
respiração. Sentia-se vivo, assim; nada o distraía desse trabalho, nem o
barulho da chuva, que ouvia nos intervalos da música, nem o silêncio
súbito que se estabeleceu, quebrado depois pelo vento nas ramas do
bosque. Escrevia: atingira a própria finalidade, consumava-se num
sacrifício de si ao papel, deixando-o manchado com as impressões do
seu corpo. Tanspunha-se para o espaço da folha, e ficava vazio, despido
de sentimento e emoções, numa apatia que o deixava prostrado ao
longo da noite, sem dormir, com os sentidos despertos unicamente
para o bater irregular do coração.
Descobriu um dia que essa vida o destruía. […] (OP, p. 245)
A poesia é espelho em que o sujeito se mira sempre em busca da
imagem outra que o puro reflexo oculta. Assim, essa escrita obcecada
fala do tempo e da divisão do ser, motivando a reflexão metafísica,
a discussão sobre o conhecimento que a linguagem poética pode
proporcionar. É realmente a apresentação da literatura/poesia como
mitologias do ser e a escrita/leitura como ritos de partilha e criação. O
sujeito que aí se apresenta é personagem de muitos papéis: demiurgo,
profeta, vítima de sacrifício, um deus criador cuja existência depende do
verbo. Em relação a isto, há nessa escrita o limite tenso entre o humano
e o divino, desde que se considere o divino como princípio criador,
abstraído da realidade e da matéria, elementos frágeis do humano.
118. É impossível não dialogar com Fiama Hasse Pais Brandão. Veja-se texto do livro
Homenagemaliteratura: “Estou a sentir que qualquer descrição acrescenta / o tempo de que
disponho para viver e ao qual / a consciência me concede um prazo divino / para pensar.” (1986,
p. 47)
119. É o penúltimo livro em Obra poética (1991a). O último é Rimbaud inverso, que constitui
um conjunto de textos até então inéditos. Assim, Lira de líquen é, na verdade, o último livro já
publicado incluído na recolha.
186
as impossibilidades cotidianas e as incapacidades humanas num tempo
dominado pela tecnologia prepotente, a impor um mundo cada vez
mais afastado do natural, fascinado pela ideia de progresso e controle
das forças da natureza. Muitos dos poemas desse livro são narrativas
sobre as deambulações de sujeitos que se entregam a experiências de
dissolução, loucura e ao poder do imaginário. São histórias de excessos
e desmedidas, de seres que enfrentam o silêncio, o vazio e a morte.
120. De acordo com o dicionário Larousse de la langue Française (1985), pastiche: “Imitation de
la manière d’ecrire, du style d’un écrivain, de la façon de parler, de jouer, etc, d’un artiste”; e pastis:
“liqueur anisée prise comme apéritif. pop. situation embrouillé, inextricable, ennui”.
188
dispersão e de descontrole da razão num espaço infernal, onde o horror,
o grotesco, a heresia, o maldito têm livre trânsito numa revolta de
imagens e sentidos. Nele a loucura se escreve, ou melhor dizendo, finge-
se o desvario contra o bom senso, o normatizado, a tradição poética e a
expectativa do legível. “Repetirei a consolação de vos curar da fé. Fiai-
vos na loucura. O mundo está, decididamente, fora de nós. O nada já
nos ouve; e arrastamo-nos, nesse rumor do forquilha, até ao bosque de
todos os feitiços possíveis.” (OP, p. 333)
190
Essa série de livros constitui uma arte poética e uma reflexão
filosófica em torno do ser do poema e do ser do sujeito, ambos
questionados por um olhar cuja ânsia de conhecer ultrapassa as
aparências e a previsibilidade da linguagem comum. Por isso, também
aqui afirma-se e examina-se o processo metafórico, processo que busca
revelar outras imagens do que já não se vê, por estar demasiadamente
presente à nossa frente. Conhecer seria desvelar, ver por trás das imagens
que temos “o todo invisível que é a Criação”, e é disso que essa poesia
fala, seja quando filosofa sobre a existência do ser, seja quando teoriza o
poema e sua escrita. O tecido poético é fiado por vozes dialogantes que
superam a matéria em busca do inconcebível.
Há uma proposta essencial, um contrato, que une
a escrita a quem escreve; e não é a cumplicidade do criador
e da criatura, apenas, que pode resumir esse pacto
mas algo de mais profundo: união de existência que
concede o conhecimento do próprio inconcebível.
Mas, digo, nada ilude a possível contradição que os espaços
anulam – nuvens, horizontes, planaltos para lá do olhar
que dão acesso a outros céus; e aí se torna real
o sono sem pálpebras que os anjos referem. [...] (ES, p. 62)
Há, assim, uma escrita de tom platonizante, isto é, escrita de
confronto entre sombras e luz, entre simulacros e verdade, levando o
poeta a querer preservar a perdida imagem, mesmo que se desconheça
que imagem é essa. O paradoxo está na própria linguagem poética,
tecido de imagens nas mãos dos poetas, entregues ao desejo de superar
sua condição humana de efemeridade e mortalidade. Assim, o encontro
entre céu e terra não é apenas o encontro de dois espaços estáticos, mas
um círculo em movimento contínuo que faz a terra no céu e o céu na
terra. Questão de reflexo, questão de representação, experiência vital
daqueles que habitam no horizonte ou a ele querem chegar.
À minha volta um sentimento se demora: possuir
o céu, a respiração de um horizonte sem névoa
191
nem mistério, a plenitude que daria uma última
sabedoria; e, no entanto, apago o fogo desse conhecimento com
que alguém nos tenta – e aqueço-me na chama interior
de um desejo possível nos dias de silêncio
e incerteza, vagueando imóvel pelos limites que a sombra
coloca. É um fogo que não nos transporta para lado algum,
invisível até para os que possuem a visão da treva;
mas que arde depois de tudo, já, ser cinza, e brilha
até muito depois de a noite ter cerrado as pálpebras
do astro insistente – cuja cor pálida contaminou
os dedos da amada, pousados sobre o peito num
repouso que a memória não perturbará. Prometido,
o poder divino de interromper a queda não se nos concede
num acaso matinal; possa embora a luz diurna imitar
a imagem cega da ave que espera o voo, suspensa num fio
de eternidade. (ES, p. 22-23)
A linguagem poética se efetiva no domínio da metamorfose, da
metaforização, a qual, como já discutimos no primeiro capítulo, deve
ser entendida não como mera figura de linguagem, e sim como processo
de linguagem de amplo aspecto, que resulta numa outra percepção
cognitiva. Ou seja: “a realidade trazida à linguagem une manifestação e
criação” (RICOEUR, s.d. a, p. 357).
192
o mistério, impõe uma visão “descoberta”, “evidente”, e o sujeito se
submete ao que todos devem ver; é um aprisionamento pela razão.
[...] No inverno,
os corpos não têm sombra; e os mortos ocupam essa
ausência roubando, a quem os não pressente, a decisão
da vida. Então, imóveis, nenhum gesto os toca – a esses
cujo silêncio só o amor resgataria. Condena-os
a excessiva nitidez do mundo, como se
o fascínio dessa aparência substituísse a imagem
do ser. Mas os outros, os que preferiram a obscuridade
da gruta à convicção do dia, calam
o conhecimento da madrugada; e a mudez dos seus lábios
constrói a figura fértil das frases
que anunciam o verso. Eles sabem que transformações
atormentam a imobilidade das nuvens. Os seus dedos
leram,
no horizonte, o contorno de um futuro luminoso (RP, p. 9)
Ora, na alegoria da caverna121 reescrita pelo poeta, a linguagem
poética é o lugar das sombras onde se reflete a luz da realidade, mas é a
sombra que doa sentido a essa luz122. Uma das “regras da perspectiva”
poética é saber da impossibilidade do regresso; outra, que a escrita poética
é a ilusão do eterno.
[...] Não há aqui repetição, mas a nostalgia
do único, um arquétipo que se confunde com a imagem
122. Analisando a poética de Hölderlin e a essência da poesia, diz Heidegger (1996, p. 57): “La
poésie éveille l’apparition de l’irréel et du rêve face à la réalité bruyante et palpable dans laquelle
nous nous croyons chez nous. Et pourtant, c’est, tout au contraire, ce que le poète dit et ce qu’il
assume d’être, qui est le réel”. [A poesia desperta a aparição do irreal e do sonho face à realidade
barulhenta e palpável na qual nós nos acreditamos dentro de nós. E, entretanto, é, bem ao contrário,
o que o poeta diz e o que ele assume ser, que é o real.]
193
inscrita no fundo da memória, de que todas
as outras constituem o reflexo degradado. O verso,
porém, não faz senão romper essa totalidade,
lembrando na insistência da sílaba a
a pura impossibilidade do regresso; e na matéria
verbal da estrofe encontro, mais do que
o presente, um rosto usado
como o amor que me obriga ao passado (RP, p. 24)
Se o mito é tudo, a escrita poética não pode deixar de participar
dessa totalidade, assumindo também a perspectiva mítica para falar
do mundo. Para isso, o poeta penetra nos caminhos da criação/morte
(Orfeu), entrega-se à arte (musas) e tenta encontrar a identidade do
sujeito poético na permanente tensão do reconhecimento de si (Eco e
Narciso). O poético e o mítico dialogam, portanto, como linguagens
alegóricas sobre o mundo, “palavras que nos levam mais depressa até
esse horizonte / onde nunca pensámos chegar.” (RP, p. 73).
123. Coleção que se caracteriza por unir o trabalho poético ao trabalho figurativo, como pintura,
desenho, gravura ou fotografia.
195
aqui?”). Não à toa, o último texto em Uma sequência de Outubro termina
com interrogações sobre a permanência, sobre o eterno retorno:
[...] Sim, o poema só
constata evidências; e as últimas estrofes
coincidem, quase sempre, com a descoberta de
uma verdade esquecida. No entanto, perguntas:
por que é que tudo recomeça? A primeira clari-
dade depois da treva? Um regresso de pássaros
em pleno inverno? A imagem inesperada com que,
de súbito, todas as frases se acendem por dentro? (SO, p. 30)
O segundo livro, edição conjunta da Casa Fernando Pessoa e
Quetzal, também alia a 10 poemas de Nuno Júdice a arte figurativa,
agora com a colaboração de Jorge Martins. Há uma narração mítica
da experiência amorosa como perseguição da unidade, com Eros e
Thanatos disputando o domínio final. Três poemas falam de raptos
mitológicos – de Europa, de Proserpina, de Psique, mas raptos também
são os outros poemas a falar de instantes, de imagens, das mãos que
captam o instante na ânsia de registrá-lo. A arte como horizonte do
imaginário livre torna-se um corpo feminino desejado e perseguido.
O erotismo é, em cada texto, princípio motivador de imagens que vão
construindo os caminhos dos poemas, e, por isso, os 10 textos falam
de amor como paixão, prazer e criação. O amor-eros acaba por ser o
princípio da própria arte.
Há um caminho que leva ao fim de
todos os caminhos. Talvez te lembres, tu
(procurada nos mais impossíveis caminhos,
os que entram pelo mar e os que saem do mar),
que nunca me ensinaste o verdadeiro caminho
(o que começa e acaba em ti, no meio de ti,
no fundo mais fundo do teu sexo
que refloresce como a erva do campo
depois das primeiras chuvas
196
de setembro.) O caminho da tua pele,
o que é indicado pelos teus cabelos e,
também, pelos teus olhos (o caminho sem saída
dos teus olhos) é o único
que não vem nos mapas: o caminho invisível
que não me ensinaste, deixando-me
à porta de todos os caminhos. (R, p. 12)
Os cinco livros restantes representam a maturidade poética do
autor, e vale comentar, ainda que brevemente, suas principais trilhas.
Uma delas continua sendo a temporalidade como problema crucial para
o sujeito lírico, pois sua experiência fala de fragilidade e fugacidade,
precariedade da vida. O ritmo temporal é extremamente marcado no
enunciado dos poemas, principalmente pela mudança de estações,
destacando-se, pela recorrência, o outono e o verão. O primeiro, como
tempo de morte e melancolia, mas também de transformação necessária
para o ressurgir da vida; o segundo, como excesso de luz, materialidade
do real, existência da vida e apelo da concretude. Leiam-se, com essa
visão, os poemas “As quatro estações: o outono” e “Bucolismo: o verão”,
dos quais transcrevemos apenas uma estrofe, respectivamente:
Não sei, no entanto, que estação é esta
na alma. Talvez uma indecisa nostalgia
provoque o regresso das tardes solitárias
de frio e chuva; e um luto de sol
se instale na superfície dos dedos, impe-
dindo o curso do verso. É como se abrisse
a janela, e me debruçasse para um lago
de névoa, onde apenas se ouvisse o ruído
monótono dos remos na sua incansável tarefa;
e uma voz me chamasse de dentro, distraindo-
-me desse tempo que se aproxima, com o
declínio das aves, com a lucidez nos lábios,
e um sentimento que insiste, sem se ver. (CET, p. 11)
197
e
A terra altera os elementos do quadro:
pendem para o real, isto é, para a sensação
que o corpo experimenta ao sacudir de si o
espírito, mergulhando na vida. Para todos
os lados, as cores vivas do verão definem
árvores, campos, caminhos e casas. O que se
ouve esvazia-se da origem humana: puros
ruídos que as palavras não definem, embora
o vento as reúna num som único. (CET, p. 77)
O tempo da natureza faz, assim, a fronteira entre o interior e o
exterior do sujeito lírico, que se contempla e se interroga mirando o
depósito de imagens que é a memória, confronto entre as faces diversas
desse sujeito, entre o passado e o presente, entre a realidade e sua ilusão
na escrita. O tempo fala de fragmentação e se reflete na pluralidade do
ser, lição pessoana que o poeta mais jovem reconhece e utiliza. Aliás,
Pessoa é também uma sombra nos versos de Nuno Júdice, e dele o poeta
contemporâneo traz os questionamentos acerca do sentir/pensar, a
impossibilidade da unidade e a certeza de que a escrita é fingimento.
Dele também virão o rumor marítimo e o cais, esse lugar à beira d’água,
limite da terra, ponto privilegiado para se olhar o horizonte.
Chego em frente do mar, das suas ondas,
das marés que setembro enfurece, dos cinzentos
e azuis que alternam com verdes estranhos;
[...]. Um barco abstracto
passou devagar pelo horizonte que a manhã não viu,
entrando no outro lado da terra, esquecido
por instantes da música dos portos. O poema, disseram-me,
ignorou essa distracção: atravessou
o limite da eternidade, vestiu-se com as palavras
nocturnas, deixou que a morte o contaminasse.
À beira-mar, não dou por isso; e digo-o,
198
devagar, repetindo em voz baixa
todas as suas contradições. (CET, p. 30)
Registre-se, ainda, a importância da figura feminina nessa escrita
carregada de tempo e memória. Mulheres diversas estão nos poemas
de Júdice; elementos femininos são a árvore, a noite, a sombra, a lua, a
morte, por exemplo. O feminino é o ventre do tempo, lugar que gera a
memória. O canto é ato de penetração, por vezes, de violação e uma forma
de amor que, nessa escrita, é um sentimento necessariamente carregado
de contradições, capaz de romper a “espessura do tempo”, insistindo na
permanência do sujeito frente ao desaparecimento inevitável.
Chamo as mulheres que o espelho empalidece; e
que do fundo da água enumeram os nomes do amor, so-
nâmbulas, perdendo sílabas na repetição de frases
mais longas. Aproximam-se, quando as fito, e quase deixam
a moldura obscurecida pela idade. Em que
pólen de memória os seus olhos adquiriram o fértil
brilho da imaginação? Por que se calam, quando
as interrogo, e os seus corpos uníssonos se dissipam
num sono de infinito? Vinde! Não vos percais no corredor
sem fim da nostalgia de um ser antigo! E resignai-vos
à medida vaga que o tempo oferece, com a música
de uns lábios afogados. (CET, p. 70)
A segunda trilha percorrida pela maturidade poética de Júdice
aponta para o problema da representação, na medida em que o poeta
considera que qualquer tentativa de reprodução é uma ação falhada, pois
perde-se inevitavelmente o fulgor do original. Desse modo, as paisagens
que se descrevem nos poemas, que olhamos por meio das palavras, estão
repletas de ruínas (culturais, sociais, históricas, filosóficas, poéticas e
pessoais), ou seja, são partes de uma unidade perdida, são fragmentos
que, no presente, lembram um tempo e uma história que se perderam, e
não há como recuperá-los a não ser como recriação.
199
Num tempo em que as origens estão perdidas, a Idade de Ouro é
apenas uma paisagem mítica, a obra de arte perdeu sua aura124 e tudo é
reprodução mecânica num mundo que é, agora, lugar de exílio, solidão
e incompreensão. Mas, apesar desse tom de profunda melancolia,
resultante principalmente da ideia de que as ruínas surgem em todos
os lugares, lembrando a ausência e a morte, a escrita poética inverte
essa direção para afirmar o valor do poema na luta contra o efêmero,
transformando o fragmento em motivo positivo, na medida em que
provoca o desejo de recuperação de uma história, pessoal ou coletiva,
ficcional ou referencial. Em outras palavras, a arte se torna o meio
necessário para resistir à perda do sentido, seja na linguagem, seja no
real. Bem a propósito, lemos passagem de uma resenha sobre Meditação
sobre ruínas:
Seja como for, a poesia de Nuno Júdice conta sobretudo histórias de
fantasmas e quem fala descreve-se a si mesmo como uma espécie
de fantasma, alguém que traz consigo a voz dos mortos “como se a
ouvisse” (cf. p. 87) [...] Falamos de alegoria a propósito desta poesia
no sentido em que nenhuma relação às coisas e aos seres se pode ter
fora do âmbito a que Wordsworth se referia como “my own immaterial
nature” – o espírito, a alma –, acentuando que nenhuma coisa pode
ser, para estes poetas, percepcionada sem a mediatização da arte (SAN
PAYO, 1996, p. 197).
Tal obra é, assim, uma “finisterra”, e o poeta à janela, contemplando
as paisagens destruídas, precisa buscar outra perspectiva, buscar “o
espelho onde nos possamos reconhecer” (MSR, p. 133). Essa busca
ocorre no interior do tempo pelo trabalho das mãos. “O tempo só
manteve o essencial: as mãos / estendidas, abertas, no gesto de pegar /
o instante; e a ideia de corrupção que / essas mãos fecham quando, com
um gesto / brusco, as limpo das coisas inúteis.” (MSR, p. 19). Por isso,
podemos dizer também que essa escrita poética torna-se um trabalho
arqueológico, na medida em que o poeta examina resíduos, vestígios e
124. Naturalmente, o ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (BENJAMIN,
1994) é nosso horizonte de leitura.
200
ruínas, “lendo” as camadas que formam uma língua e uma cultura. É
um trabalho de reconstrução de mundos, por meio do trabalho poético.
201
De forma fiel, a escrita e a leitura são as ações privilegiadas pelo poeta
para enfrentar o emparedamento urbano ou o labirinto existencial.
Praticando essas ações libertadoras, o eu é um personagem de diversas
faces num jogo de espelhos que, afinal, constitui o jogo dos sentimentos
e do pensar. A linguagem é o tabuleiro onde esse xadrez acontece,
numa partida sem fim, sem vencedor ou vencido. Cabe sempre ao leitor
o movimento desse mundo lúdico, definindo-se também a ideia de
viagem para o interior do ser e do texto, constituindo-se uma anábase
sentimental, filosófica e poética, como se lê no poema “Anábase”:
Subo o rio do teu corpo num mapa antigo,
com o papel a desfazer-se e as letras apagadas
pelas chuvas da noite. Um barco de palavras
leva-me nessa expedição; e os remadores
calaram o seu ritmo monótono, ouvindo
o bater do casco nas águas do fundo.
Tu, o mais
abstracto dos pronomes,
vestida com o fogo surdo
da última vogal, [...]
205
recorrente de impossibilidade, simulação e negação. O amor pode
realmente suspender o tempo, preencher o vazio e ser ponte entre os
seres, mas não é exatamente em defesa da força do amor que os poemas
se fazem, e sim em defesa de uma linguagem que ainda insiste em falar
de amor num mundo indiferente, lembrando um poema incluso num
livro anterior, As regras da perspectiva, sob o título de “Canção”:
Amor, assim, orienta o sentido do verso
e o conduz, mais do que dita: porque o
verso repetido perde o sentido e não
seduz senão alguém que o repita. Não sei
que voz o canta na tarde que o dia
escurece; nem quem se espanta de que
o murmúrio apague a ânsia que arde no
canto do poema. Todas as palavras se
juntam nesse instante: e a música, com
que lavras a página, brota num fulgor
errante do desejo em que insiste o amor (RP, p. 57)
Se o fio da meada dessa produção dos anos 1990 parece ser
romântico, a meada é um romantismo crítico, isto é, uma reflexão
contínua sobre o sentimento e sua representação pela linguagem poética,
ao mesmo tempo que conclui sobre a ilusão dessa representação. O
poeta diz que a analogia é a fonte do poema (FV, p. 58), e é bom lembrar
que, a crer nisso, o poema cria um mundo suposto no qual intervêm
tanto o poeta como o leitor, sujeitos ao imponderável.
Escrevo-te, agora, por dentro deste poema.
Podia sonhar que vais nascer de dentro dele, ou
que estás dentro dele
como a flor futura habita o centro do inverso.
A analogia é o ponto aonde o poema vai beber,
como se vai à fonte, ou como se ouve, no silêncio
da terra, um rumor de águas subterrâneas.
Então, a tua voz abre-se, como se fosse
206
a própria flor. Entra em mim,
e percorre os espaços desertos da minha alma,
como se um vento empurrasse as portas e as janelas,
atravessasse as salas, e avivasse o fogo
nas cinzas do coração. Limito-me
a ouvir-te no intervalo dos versos, enquanto
a vida recomeça, devagar, o seu curso:
[...]. Então,
deixo que entres para dentro do poema; e vejo-te
avançar pelas frases, até ao fim da linha,
onde te espero,
como se cada sonho se não desfizesse
com o ar. (FV, p. 58-59)
Assim, o tema predominante é o trabalho na linguagem que o ato
poético de forma determinada exerce sobre as palavras. E esse trabalho
consiste numa arqueologia verbal, ofício de quem busca vestígios no
solo textual do poema, recuperando um mosaico de fragmentos que é a
memória inter e intratextual.
Num poema intitulado “Fons vitae”, Júdice escreve que essa fonte
é o coração (“[...] Nem há outros assuntos / quando nos encontramos,
e me começas a falar, / como se fosse o coração a única / fonte do
que dizemos.” (FV, p. 148); porém, essa metáfora, romântica por
excelência, é aqui metáfora moderna de uma escrita que reflete sobre
seus modos de sentir e ser, sobre os discursos das emoções, sobre as
palavras carregadas de imaginação. O poeta explica o próprio jogo da
escrita poética – resíduos, fragmentos, vestígios que se misturam num
amálgama, a memória –, vida reapresentada por imagens e não fatos,
transformação de um real que ficou para sempre perdido no tempo. A
memória é o tecido da existência com tramas constantemente rompidas
e que incessantemente busca-se recompor. Sob tal perspectiva, a fonte
da vida é a linguagem que nos faz existir para além da matéria, que
é capaz de reapresentar a vida onde só existem a morte e o silêncio.
207
“Perguntava se a poesia se faz com o sentimento” (FV, p. 24), e a resposta
é a própria escrita poética como memória fingida dos sentimentos e
permanente tensão entre o vivido e o imaginado, elaboração ficcional
dos sentimentos comuns da vida real. Logo, a poesia não se faz com
sentimentos, mas com as palavras que os dizem. “Tornar as palavras
sentimentos”, já se disse sobre a escrita de Carlos de Oliveira, e o mesmo
caberia também a Nuno Júdice.
208
muito claramente a proposta que se tenta desenvolver, com sorriso
irônico, na escrita dos textos. Pretende-se expor uma teorização sobre
o sentir e as formas por meio das quais representamos os sentimentos.
Entre todos, o poeta escolhe como objeto de detida análise o amor, esse
sentimento cheio de contradições. O primeiro poema do livro intitula-
se justamente “A ciência do amor”; o segundo, “Arte poética com
melancolia”; e o terceiro, “Plano”, que abaixo transcrevemos:
Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro. (R, p. 10)
Constata-se, assim, que, em continuidade ao que Júdice vem
escrevendo, é de novo o “romantismo” como prática discursiva, como
perspectiva de observação do sujeito, que está em questionamento. Se as
ideias românticas do século XIX fizeram do coração o lugar sagrado do
indivíduo, o sujeito do século XX quis esquadrinhá-lo em busca do seu
mecanismo secreto, chegando mesmo a substituí-lo em corpos abertos,
fazendo-o perder, portanto, seu mistério e encantamento.
210
de vida que se perdeu numa esquina de quem fomos; e
vou atrás deles, entrando nesse charco de fundos movediços
a que se dá o nome de memória. Será isso a poesia? É
então que surges: o teu corpo, que se confunde com o das
palavras que te descrevem, hesita numa das entradas
do verso. Puxo-te para o átrio da estrofe; digo o teu nome
com a voz baixa do medo; e apenas ouço o vento que empurra
portas e janelas, sílabas e frases, por entre as imagens
inúteis que me separam de ti. (TGS, p. 9)
Nesse livro, como em todas as obras poéticas de Nuno Júdice,
a escrita é o exercício continuado de interpretação dos sentimentos
e do sentir; porém, um exercício controlado pela melancolia, pois a
interpretação é sempre parcial e restrita. Afinal, não “há cadernos de
instruções para os sentimentos” (TGS, p. 112).
125. Se alargássemos nosso corpus de análise, essa afirmação seria válida para toda a sua obra
(narrativa, teatro e ensaio).
126. A própria poesia de Júdice nos indica claramente esses nomes, mas pode-se também consultar
entrevista dada pelo poeta em: ROZÁRIO, 1994, p. 287.
213
portuguesa. Por isso, podemos dizer que, tal como Carlos de Oliveira,
Nuno Júdice pertence a esse grupo de poetas para os quais escrever é
ler criticamente, e ler é buscar em outras escritas trajetórias modelares
com as quais o poeta poderá melhor caminhar em seu próprio território
de palavras. Em entrevista, ao ser questionado se a escrita depende da
leitura, Júdice respondeu: “Ler e escrever são duas atividades que se
penetram e, por vezes, confundem. Escrevo porque muito do que leio a
isso me estimula – ou porque me surge como um modelo que gostaria
de atingir. Entendo o ut pictura poesis de Horácio nesta linha: a escrita
do poema é, antes de mais nada, uma cópia dos mestres” (ROZÁRIO,
1994, p. 286.).
127. Assim, falar de intertextualidade na obra de Nuno Júdice, como também na de Carlos de
Oliveira, não é aqui um mero lugar-comum da crítica literária contemporânea, mas uma proposta
inequívoca de como esses poetas se posicionam frente ao trabalho literário em relacionamento
permanente com toda a literatura como atividade humana solidária, ainda que produzida em
solidão.
214
um poeta, personagem da linguagem. Observe-se que não se trata de
discutir influências ou demarcar burocraticamente hierarquias de valor,
mas de verificar confluências, a transformação crítica de escritas alheias
no trabalho de um escritor formado nas últimas décadas do século
XX, que já pode avaliar o que foi ou é a modernidade. Nesse sentido,
o que escreve Leyla Perrone-Moisés no ensaio “Literatura comparada,
intertexto e antropofagia” alia-se a nossa ideia de uma teorização da
leitura na obra de Nuno Júdice:
[...] Jorge Luis Borges propõe uma total subversão do conceito
de tradição, a partir de uma teoria da leitura. Em “Kafka e seus
precursores”, ele observa como uma obra forte nos obriga a uma
releitura de todo o passado literário, onde passaremos a encontrar
não as fontes daquele novo autor, mas obras que se tornam legíveis
e interessantes porque existe esse autor moderno. [...] Para Borges,
portanto, a tradição é uma questão de leitura, de recepção, e como essa
recepção se transforma em cada momento histórico, a tradição está
constantemente sujeita a uma revisão, está em permanente mutação.
(PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 95)
219
Com efeito, o texto interpela o leitor de uma forma directa,
obrigando-o a identificar-se com essa cena subjectiva, e a projectar-
se nesse tu a quem é exigida uma resposta. O leitor é, então, uma
figura necessária nessa cena inconsciente, aí figurando como o único
elemento capaz de esclarecer o mundo não visível do poema e de
conferir uma presença real ao sujeito poético.
[...]
No poema, a perspectiva é algo que é intrínseco da própria natureza
do lirismo: o sujeito, omnisciente e omnipresente, reduz-se a um
expediente gramatical; e o mundo que ele põe em cena não passa
de um jogo articulatório de significações decorrentes da dominante
subjectiva. Assim, a primeira pessoa introduz uma instância presente
na produção do mundo ou realidade do poema. O leitor é forçado
a integrar essa dimensão, vendo apagada a mediação histórica, a
distância de um devir que impõe uma fronteira entre o real do texto
e o real do leitor, entre o tempo da ficção e o tempo real. Todo o
artifício do poema decorre, então, dessa anulação de fronteiras, vendo-
se o leitor envolvido imediatamente no jogo dialógico, como parte
necessária do fundo inconsciente do texto (p. 33-35),
No horizonte do poema está uma paisagem sempre em elaboração
a partir do olhar do leitor. Por isso o poeta é, como diz Júdice, um
mediador entre espaços, tempos e mundos, os do texto e os do leitor.
Nessa paisagem, a metáfora é princípio ordenador, porque reúne as
oposições ou diferenças, estabelecendo-se como mecanismo cognitivo
que permite a transformação do leitor frente à escrita, na medida em
que o faz conhecer ou reconhecer mundos. Nessa direção, a metáfora
é o resultado de um processo de interação entre linguagem e sujeitos
(escritor, leitor) que a utilizam.
É a criação linguística que está no centro do que se pode chamar a
diferença da poesia em relação a outras formas de expressão: criação
que passa por um processo de transferência dos mecanismos de
apreensão do mundo através da linguagem para o interior dela própria,
criando um meta-sistema linguístico de que a retórica é uma das
codificações possíveis. Dentro desse processo, a metáfora desempenha
um papel nuclear, enquanto forma substitutiva de objectos semânticos.
Neste sentido, a metáfora não se limita ao simples plano de uma figura
de retórica, dado encontrar-se no centro de um raciocínio cognitivo
220
que decorre do sujeito, enquanto fonte última do conhecimento do
processo metafórico (p. 63).
A poesia é, portanto, um discurso rigoroso, exigente e nada
inocente em relação às suas próprias estratégias de elaboração e ludibria
facilmente aqueles que entendem o lirismo, a subjetividade, como
transferência direta de emoção e sentidos. Ora, a concepção de que
o poético é uma prática cognitiva une poetas e leitores numa “outra
comunidade”, a habitar um território que não se restringe ao solo nativo
ou nacional. Quando Júdice estuda a poética de Rilke, diz:
Poderá dizer-se dele, como se diz de Pessoa, que a sua pátria é a
sua língua? De certo modo, este é um traço que o identifica com o
poeta português, e poucos mais haverá a ligá-los, a começar pelo
défice afectivo. Mas é essa forte relação com a língua que marca, sem
dúvida, uma época em que outras referências, políticas ou culturais,
religiosas ou filosóficas, entram em crise profunda, da morte de
Deus de Nietzsche à revolução bolchevique. A perda da identidade,
determinada por migrações, rupturas sociais e nacionais, exílios,
entre muitos outros aspectos dessa época trágica que tem na lª Grande
Guerra o seu epicentro, vai provocar em muitos autores a procura de
uma comunidade outra que a do sangue ou da terra em que nasceram.
O caso de Rilke é, por isso, emblemático dessa fixação num território
imaterial, que é o da poesia (p. 95).
Essa desterritorialização para se chegar a uma reterritorialização
no domínio da linguagem poética é um dos pontos-chave da obra de
Nuno Júdice. A intensa preocupação com o poético parece excluir o
mundo histórico real, mas o que se efetiva por meio desse posicionamento
é a forte reflexão sobre um discurso que se autoexamina, buscando
compreender sua presença naquele mesmo mundo. A esse respeito, em
entrevista já referenciada anteriormente, Júdice diz:
Levei sempre a sério a advertência platônica de que o poeta deve ser
expulso da cidade, isto é, coloquei sempre a minha poesia num espaço
a-político (fora da “Polis”) e nunca senti a necessidade de alterar essa
posição, mesmo em situações que exigiriam de mim, como cidadão,
uma intervenção na vida política concreta. É evidente que não é fácil
exercer a atividade poética quando existe censura, quando a sociedade
221
é injusta, quando há perseguições. Conheci esse quadro no Portugal
pré-democrático, até 1974; mas julgo que o empenhamento poético é
algo que na Poesia se justifica, e não em função de crenças ou combates
noutros níveis de realidade (Cf. ROZÁRIO, 1994, p. 284).
Ao mesmo tempo, se a nação é uma imagem construída por um
grupo na sua linguagem comum128, cada poeta afirma sua nacionalidade
na potencialização de sua língua, na abertura que ela lhe permite para
confrontar-se com as outras culturas, evidenciando-se as versões que
lhe são próprias, pois é confrontando as diferenças que se assume em
definitivo o território de palavras que nos deu um mundo para habitar.
A essa discussão voltaremos no último capítulo, tal a importância da
questão no trabalho dos poetas que ora estudamos.
128. Cf. ANDERSON, 1989, p.14: “Dentro de um espírito antropológico, proponho, então, a
seguinte definição para nação: ela é uma comunidade política imaginada – e imaginada como
implicitamente limitada e soberana”.
129. Embora aqui e ali se assuma um tom próprio ao cronista, como em: “Há um fenómeno que me
surpreende sempre em Lisboa: no mês de Agosto, quando a cidade se esvazia, vêem-se pelas ruas
pessoas que falam sozinhas, que gritam, que fazem movimentos sem uma lógica aparente. Sei que
esses loucos estão normalmente ali; e que, no inverno, não deixam a cidade” (p. 59).
222
Penso que o poema deverá sempre guardar um ponto de contacto
com o homem, com o leitor, e ter uma mancha de humanidade, pois é
através desse lodo de emoções, de sentimentos, e também de imagens,
que nos poderemos todos encontrar, poeta e leitor, mergulhados numa
aventura comum mesmo que, finalmente, o verdadeiro sentido do
poema nos escape a todos – ou vá, como dizia Rimbaud, à frente da
acção.
[...]
De facto, é para assistir a esse milagre da criação poética que o poeta
continua a escrever, mesmo que não se trate senão de um pequeno
milagre, em todo o caso, o único milagre a que nós, os habitantes de
um mundo que perdeu já todos os deuses e mistérios, podemos ainda
ter o direito de assistir (MP, p. 57-58).
223
“invenção de imagens”, que estabelece um outro espaço, só percorrido
no poema. Nesse sentido, a experiência poética é um exercício solitário
em busca de algo não nomeável, como bem demonstram os dois poemas
a seguir, publicados em diferentes livros:
Um ritmo próprio regula a invenção das imagens
que, sob a ilusão nascida da sua existência,
transmitem um nexo oculto. Ao escrever, então,
não me limito a designar realidades do mundo
aparente, antes dou uma ordem diversa aos elementos
que a tradição me legou e que, através
do sopro da imaginação, me sugerem o poema. Não
se pense, porém, que essa “inspiração” determina,
de forma absoluta, aquilo que escrevo: não só
uma disposição anterior me impõe a frase literária
como também o estilo, essa marca individual
da linguagem, me integra numa expressão
mais vasta de sentimentos e ideias, na corrente
humana de uma procura de outra verdade – que
a língua vulgar é incapaz de reproduzir. Nalguns,
o verniz das convenções dissimula o esforço
autêntico, a alma ou, por outras palavras, a
revelação divina que o poema manifesta; noutros,
pelo contrário, é aquilo que se designou
por “génio”, particular manifestação da loucura,
que imprime um ânimo profundo às palavras
devolvendo-lhes, num raro brilho, a sua significação
primeira. Então, elas deixam ver uma parte
desse todo invisível que é a Criação; nada
ensinam: e não se pode, com rigor, falar de
conhecimento, de compreensão de um objecto
específico. Vemos a luz sem fixarmos a fonte,
banhamo-nos na água sem tocarmos o fundo. (CS, p. 29-30)
224
Onde o retrato esquece o rosto, que a sombra
da tarde apagou, a voz o substitui, e lhe
desenha o contorno. Não sei, no entanto, se é o
perfil que nasce nessa obscura extremidade;
ou se um eco pálido da frase antiga atravessa
a memória para que o ar a inscreva. Ar: pedra
abstracta, respiração de alma, sulco diurno de
nuvem; que imagem se concretiza num limite
do olhar, para logo se perder, fugitiva, na poeira
de um vento súbito? Ouvir-se-á o verso que a
circunstância evoca; e talvez se pressinta
a música desse corpo que a noite desejou. As
rimas são pobres na sua falta; um ritmo se
perde quando os dedos não tocam a pele, nem
os lábios imprimem noutros lábios a sua humidade.
Deixo o espelho da estrofe entregue à
decifração de quem reflete. A direcção do som
não coincide com o sentido das palavras. (CET, p. 29)
Note-se que o primeiro texto intitula-se “Teoria do poema”,
e o segundo, “Lição de desenho no atelier”. Em ambos, a reflexão
sobre a transformação que a arte produz, criando algo que, mesmo
relacionado à realidade, não pertence a ela, pois sua existência depende
da contemplação, de uma perspectiva de olhar. Assim, ocorre o que
Ricoeur chama de “referência de 2º nível”, ou seja, o poema cria a sua
própria referência, libertando-se da referência ordinária: “A metáfora
é, ao serviço da função poética, essa estratégia de discurso pela qual a
linguagem se despoja da sua função de descrição directa para aceder ao
nível mítico em que a sua função de descoberta se liberta” (s.d.a, p. 368).
225
obra do poeta Nuno Júdice, essa ação vai motivar, no espaço do poema,
a discussão de algumas questões marcantes do discurso estético-crítico
contemporâneo: a arte e o confronto entre verdade e fingimento, entre
realidade e representação, entre o sentir e o pensar. Na poética que
ora examinamos, esse embate ganha voz por meio de uma primeira
pessoa que assume sua condição de poeta frequentemente a pensar o
seu próprio processo de criação, a pensar sua própria existência como
poeta. Essa afirmação é válida para todos os momentos da obra poética
do autor, mas é principalmente no seu primeiro livro publicado, A noção
de poema, que essa posição se apresenta como centro em torno do qual
a escrita vai se fazendo.
A poesia é o teatro, diz-me uma voz interior. Representar-me
em cada poema, montar-me um personagem, uma acção, um
ambiente.
130. Cf. BACHELARD, 1988, p. 62: “A casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado
transcende o espaço geométrico”. Em DURAND, 1989, p. 168, lê-se: “A casa constitui, portanto,
entre o microcosmos do corpo humano e o cosmos, um microcosmo secundário, um meio-termo
cuja configuração iconográfica é, por isso mesmo, muito importante no diagnóstico psicológico
e psicossocial. Pode-se perguntar: ‘diz-me que casa imaginas e dir-te-ei quem és’. [...] A casa
inteira é mais do que um lugar para se viver, é um vivente”. Consultem-se, também, os ensaios
sobre a imagem da casa na cultura portuguesa reunidos por SILVEIRA, 1999. O próprio Júdice,
em seu livro As máscaras do poema (1998), desenvolve dois artigos em torno dessa imagem na
compreensão da modernidade literária portuguesa: “O alfabeto da casa” e “Uma casa portuguesa”.
227
a experiência do tempo, que é, sob nosso ponto de vista, o eixo filosófico
fundamental de sua escrita, já que pensar o tempo é pensar o ser na
sua finitude e precariedade. Seja onde for, o sujeito lírico depara-se
com a temporalidade, perseguindo o que passa sem retorno. A ideia de
tempus fugit, mais que título de um poema, é a certeza angustiada que
impulsiona a própria criação estética, na tentativa de raptar o instante e
conservá-lo, num simulacro de eternidade:
O tempo rodeia-me com as suas florestas,
os seus atalhos, os seus rios de instantes
brancos como as pupilas dos deuses.
Mas empurro-o: como se me obedecesse.
O tempo trata-nos como se fôssemos
animais de carga, casas desabitadas,
rochedos expostos num litoral de inverno.
São visíveis as suas marcas,
e ele obstina-se nesse trabalho como se fosse
uma arte, um exercício de gosto.
Cinzelador de imperfeição, raptor
do presente: quem poderá fugir
às suas mãos? Então, lembro-me de ti.
[...] (FV, p.124)
Assim, na atividade contínua de escrever, o poeta torna-se um
pensador do tempo – “O meu olhar demora-se / na efémera imagem da
Eternidade. Vivo o tempo previsível da / nostalgia.” –, examinando essa
categoria em diversas direções: a) o tempo vivenciado pelo sujeito lírico
(passado e presente); b) o tempo da natureza (as quatro estações, o dia
e a noite); c) o tempo cultural (mitos, tradições, História, memória); d)
o tempo social (as relações entre pessoas, a vida nas grandes cidades em
oposição à vida nos vilarejos). Portanto, seus poemas são carregados de
tempo, e neles se apresentam visões, em geral, melancólicas e tensas da
vivência temporal.
228
Esse tom melancólico, por vezes dramaticamente exposto, é
provocado, principalmente, pela evocação da morte e pela certeza de
que tudo se corrói, principalmente em nossa realidade contemporânea,
na qual dominam a desilusão, a descrença, a dissolução rápida. Visão
disfórica, aliás, alimentada pelos fatos que marcaram o século XX
como o tempo da degradação da vivência humana, sob o risco possível
do aniquilamento total. Degradação que também reflete a própria
situação da linguagem poética, obrigada a se contrapor aos discursos
do consumismo imediato, com sua banalidade e artificialidade. Em
depoimento sobre “O lugar da poesia”131, Nuno Júdice destaca a gradativa
perda da potencialidade dos discursos oral e escrito atuais frente à
massificação e simplificação dominantes nos meios de comunicação.
Para ele, “a poesia funciona como o discurso depositário da memória da
palavra como mundo pleno de uma significação inteira [...]”. Portanto,
a sua poesia, ao mesmo tempo que diz essa perda profunda do contato
original com a linguagem, com a “palavra dos ancestrais” que guardava o
sentido da presença humana no mundo – “pois eu ouvira, / com nitidez
e exactidão, as vozes sublimes dos Antepassados; e / os seus rostos,
destruídos pela terra, incitavam-me, / ousavam murmurar as palavras
esquecidas que haviam soado / outrora, aos ouvidos / poderosos
de Deus!” (OP [CDP], p. 86) –, é ainda uma forma de se opor a esse
movimento de esquecimento humano.
131. “Inquérito” feito pela revista Relâmpago, n. 2, em abril de 1998, com a publicação de
depoimentos de oitos poetas portugueses contemporâneos. O de Nuno Júdice, “A poesia, hoje,
ocupa o lugar da eloquência”, encontra-se nas páginas 41, 42 e 43.
229
personagens vários que vão surgindo nos percursos da escrita e da leitura,
representando histórias de desencontros, dissoluções e vazios. Porém, o
poeta, centro unificador desses eus, “perseguidor de eternidade” (CS,
p. 15), persiste na sua errância por entre as palavras, transformando as
ruínas em material de construção, já que o que importa ao final é o canto
como espaço de ordenação do caos, de permanência, como trabalho
necessário para que se consiga sobreviver num “tempo de indigência”,
que é sempre o tempo de uma sociedade em crise. Se a temporalidade,
noção abstrata, concretiza-se na visibilidade das muitas transformações
físicas e materiais que os seres e as coisas do real sofrem, a caminho
da morte ou do desaparecimento, o canto na “espessura do tempo” é a
tentativa de deter esse percurso sem retorno, sua ação corruptora.
Em que ermo dispersas as tuas palavras
encontram um eco e voltam ao contacto antigo
dos corpos e das vozes? Longe, tão longe
que nem as aves, no regresso fatigado das últimas
migrações, o descrevem no seu canto tardio; e
que nem as nuvens esboçam uma claridade nostálgica
do rosto que o luminoso riso habitava. Então,
que o canto tome sobre si o cuidado de preservar
a perdida imagem; e conduza os meus passos
até esse limiar em que a tua sombra deixou a margem
do humano e entrou na corrente negra do ocaso. Chama-te,
dessa frágil fronteira, uma rima branca
dos ritmos insones da madrugada: horizontes anulados
no instante em que ouço uma apressada aparência
de respiração – e deixo que o verso corra pela página,
perseguindo um equilíbrio que na tua ausência
se rompe. (ES, p. 17-18)
A obra poética de Nuno Júdice, como a de Carlos de Oliveira,
fala de percursos no espaço e no tempo, lembrando continuamente a
fragilidade da vida, a brevidade de tudo, porque tudo existe no tempo;
mas ambos os poetas reagem a isso, creditando à linguagem da poesia
230
o poder de se transformar em memória da condição humana, porque,
como diz Nuno Júdice no depoimento já referido, “a poesia pode reflectir
o trabalho ligado ao tempo que passa, e marcar o ritmo desse tempo e
das suas mudanças. [...] Assim, é na verdade identitária e original do
poema que sobrevive a nossa memória, e também a mais primitiva
relação do homem com a terra. O que não quer dizer que a poesia não
seja, por outro lado, a mais sofisticada forma de descrever e de trabalhar
essa relação: e ainda a mais simples”. (Revista Relâmpago, n.2, 1998, p.
41-43)
232
de uma alma sem a satisfação da eternidade?
233
e atrás deles, pelos campos, iam-se-me os olhos baços. (OP
[LL], p. 302)
Mas, na poesia de Nuno Júdice, o sujeito lírico é uma pluralidade
(lição pessoana confessa132), fragmentando-se em muitos personagens
que atuam na cena do poema. O drama que representam fala da cultura
que fundamenta essa escrita poética. Especialmente nos primeiros
livros reunidos em Obra poética, domina essa relação que se declara no
jogo intertextual, dando conta do cruzamento de diferentes vozes que
vão traçar diferentes paisagens estéticas no tempo e no espaço. Além
do cruzamento dessas vozes, ocorre também o cruzamento de gêneros
estéticos, ou seja, poesia e pintura, poesia e música, poesia e teatro, poesia
e romance. Além disso, cruzam-se discursos da cultura, compreendendo
aí a utilização de uma dicção verbal comum à argumentação filosófica,
teológica, antropológica e histórica.
132. Em entrevista a Michael March para a The New Presence, em outubro de 1997, o autor fala de
sua relação com Pessoa: “I learned to write with him, but then I had to liberate myself in order to
write freely, because he was too present in Portugal, he’s always too present in our 20th century. What’s
important is the relationship between the poet and person. After Pessoa, it is very difficult to keep the
Romantic idea that the poet and poem are one. When I write, I know I am subjugating the poet – I
know that I am not necessarily the poet in the poem. We may attribute this invention to Pessoa” [Eu
aprendi a escrever com ele, mas então tive que me libertar para poder escrever livremente, porque
ele estava presente demais em Portugal, ele está sempre por demais presente em nosso século
XX. O que é importante é o relacionamento entre o poeta e a pessoa. Depois de Pessoa, é muito
difícil manter a ideia romântica de que o poeta e o poema são um. Quando eu escrevo, eu sei que
estou submetendo o poeta – eu sei que não sou necessariamente o poeta no poema. Nós podemos
atribuir essa invenção a Pessoa].
234
elemento fundamental para que o discurso poético seja fundador de
uma linguagem nova. O poeta é, por isso, “um escultor do movimento”:
Trabalha agora na importação e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador por conta
própria,
um desses que preenche cadernos de folha azul com números
de deve e haver. De facto, o que deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua prática
confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte. (TGS, p. 136)
Não esqueçamos que a escrita ensaística de Júdice é assaz atenta à
metáfora como núcleo de elaboração ficcional em poesia. Em O processo
poético, aliás, há um estudo sobre “A metáfora na poesia francesa de
transição dos séculos XIX e XX”, no qual, analisando modos de
utilização da metáfora por Baudelaire, Mallarmé e Claudel, conclui que
neste último poeta “há uma evidência máxima do jogo figurativo:
O signo poético adquire, assim, uma opacidade que faz com que a sua
leitura seja, em grande parte, determinada por esse dizer. Afastamo-
nos radicalmente tanto da comunicação imediata que o Romantismo
pretendia como do hermetismo sabiamente trabalhado do Simbolismo.
O poema cria um efeito de comunicação que decorre desse jogo
entre o sentido primeiro e o sentido segundo da imagem – o que
deixa um espaço de não resolução da leitura que decorre do aspecto
fantasmático de uma das leituras da imagem a partir do momento em
que a outra ganha espessura, ou objectividade. A oscilação do sentido
deixa de depender do factor subjectivo ou da polissemia, com que
jogam as estéticas romântica e simbolista, sendo um efeito do dizer do
poema (p. 43).
235
Ora, tal atenção ao “efeito do dizer do poema” se estende, como
práxis, a toda a sua poesia, que continuamente explora a potencialidade
das imagens para que o poema diga mundos (estamos pensando, é
claro, na “redescrição de mundos”, segundo Paul Ricoeur), lugares do
imaginário que só a linguagem poética pode dar a conhecer. Escreve
ainda Nuno Júdice: “o poema deve manter o seu estatuto subversivo,
também aqui desligado do sentido social da palavra subversão, mas
antes remetendo para a vida, até no sentido mais cotidiano da palavra,
fazendo com que o olhar “aprenda” com a leitura do poema uma nova
imagem do mundo”133. E, em seus versos, lemos:
Há uma proposta essencial, um contrato, que une
a escrita a quem escreve; e não é a cumplicidade do criador
e da criatura, apenas, que pode resumir esse pacto
mas algo de mais profundo: união de existência que
concede o conhecimento do próprio inconcebível. (ES, p. 62)
Essa prática metamorfoseante se aplica também à vivência
da(s) memória(s), porque, se esta(s) já é (ou são), objetivamente, uma
transformação do real, falar do que se lembra é duplicar a transformação,
é movimentar o que jaz imóvel a um canto do ser ou da vida. Os poemas
de Júdice obsessivamente falam da memória e do tempo, dos limites
representativos das palavras, das imagens que, por meio da linguagem,
se criam, a envolver sujeitos de diferentes espaços: o eu no poema, o
leitor/ouvinte do poema, o próprio poeta como criador desse jogo de
relações. Dar voz à memória é fazer com que esses sujeitos enfrentem
o tempo, recontando histórias silenciadas ou esquecidas, fazendo o
reconhecimento de lugares (des)habitados que passam a ser ocupados
nos poemas. Rememorar é saber ler vestígios de paisagens, “fixando
sombras”, formulando estratégias de permanência sobre a brevidade da
vida, permitindo o “povoamento”. Diversos poemas, em todos os livros,
apresentam essa formulação, demonstrando realmente a importância
É como se o poema existisse por essa única razão: fixar a tua sombra.
(p. 137)
237
Fixar a sombra é o que faz essa escrita poética que registra versões
dos fatos, transformações das formas, imagens dos seres, enfim, escrita
que assume ser a ficção de realidades perdidas no movimento da vida.
Com essa perspectiva, o tempo do poema é o presente, porque é sempre
no presente da leitura que o poema “acontece” ou “diz” a sua existência.
Justamente porque essa poética não é biográfica, o passado não importa.
Cada texto é um presente permanente e um desafio de superação, um ir
à frente, metaforizando-se a ânsia de atingir o limite da linguagem e do
ser, no movimento do olhar ou do voo que se dirige para o horizonte,
espaço que começa a ser significativo na obra poética a partir de 1982,
ano de publicação de A partilha dos mitos:
Sem dúvida, a sensação de divino aparece a muitos, próxima ou
longínqua,
no curso da vida. E, como o pálido brilho da chama, indica o sombrio
[caminho
de um futuro. Mas só o poeta a recebe como duração, algo que nasce
entre a vegetação dos minutos, que as mãos da alma colhem num
êxtase
[musical,
e só ele por instantes compartilha uma vibração de eternidade
na inércia nocturna das aparências. Assim se desprende da humana
corrente;
[...]
[...] É ele,
habitante casual de uma respiração de casulo, no fértil sopro se move;
em cujas garras, imóveis, o pássaro da incerteza jaz.
Canta, essa ave, uma voz azul que rasga os ombros da noite,
E aluz alastra enquanto permanece o canto. Ao olhar se abrem os
contornos
de naturezas mortas, vultos litorais de um rumor de florestas,
o sofrimento baço das paredes do quarto onde as ervas reflectem o mar
agitado pelo vento mental de uma inesperada manhã.
238
[...]
[...] Ainda vi as asas,
manchadas de sombra, modelando a argila da definitiva imagem. Que
[opaco horizonte
abriga o seu voo? Que faroleiros do limite avistaram, pela última vez,
esse ser de efémera matéria? Aqui, uma nostalgia se mantém nos
ouvidos.
[Nada
se evade da pura ânsia de ficar, partindo...
241
Às vezes, um verso transforma o modo como
se olha para o mundo; as coisas revelam-se
naquilo que imaginação alguma as supôs; e
o centro desloca-se de onde estava, desde
a origem, obrigando o pensamento a rodar
noutra direcção. O poema, no entanto, não
tem obrigatoriamente de dizer tudo. A sua
essência reside no fragmento de um absoluto
que algum deus levou consigo. Olho para
esse vestígio da totalidade sem ver mais
do que isso – o desperdício da antiga
perfeição – e deixo para trás o caminho
da ideia, a ambição teológica, o sonho do
infinito. De que eternidade me esqueço,
então, no fundo da estrofe? (MM, p. 7)
Ao longo dos séculos o homem foi construindo uma história
coletiva que estabeleceu como as grandes unidades Deus, o Sujeito e
o Mundo. Na poética de Júdice, tais unidades estão fragmentadas, e o
que se encontram são seus vestígios, suas ruínas espalhadas pelos textos.
Caberá ao leitor a recolha dessas marcas e a tentativa de reencontrar
um sentido, estabelecendo uma outra ordem de significação no nível da
linguagem poética, que é, na perspectiva do poeta, um espaço capaz de
reconhecer a totalidade.
245
de trazer até mim a tão vaga imagem da mulher antiga
com a música de purcell.
[...]
O mistério, digo, faz-se com estes reencontros
que não têm uma explicação precisa; eles surgem de imagens
que guardamos dentro de nós, num recanto de alma,
e que um dia se abrem inesperadamente. Sei, no entanto,
que
não é só o motivo pessoal da memória de um poeta, nem
a tentativa de reconstituir a figura de uma portuguesa
morta em itália, nem o canto sacrificial de dido na ópera
de purcell, que me levaram a escrever, agora, este
poema. De
resto, nenhum poema terá uma razão imediata – e
mesmo
aqueles que nascem de um episódio concreto depressa
nos levam
para uma zona abstracta de confluências interiores
de impressões e gestos que, sem o verso, não teriam tradução.
Assim, o soldado de Giorgione sai do quadro onde o
pintor
o fixou e, trazendo atrás de si o cão que, séculos depois,
afugentou as vacas do pasto de wittigkofen, pergunta-me
pelo ruy belo – sem que eu possa responder, ocupado
a escrever
este poema e a tentar explicar à portuguesa enterrada
em pisa por que é que, precisamente, foi a ária de dido
numa ópera de purcell que a trouxe até junto de mim.136 (RP, p. 47-48)
O processo dominante de citação manifesta o desejo de manter
o diálogo, apesar das diferenças, definindo traços comuns a garantir o
encontro entre os homens, mesmo no vazio e no silêncio do mundo.
136. Procuramos manter a mesma disposição gráfica do poema publicado no referido livro.
246
Assim, o tema da comunhão possível pela palavra, cada vez mais atenta
à necessidade de guardar o humano do vazio de uma linguagem a qual,
falando sem parar, nada partilha ou ensina, contrasta fortemente com
o tema das ruínas e da fragmentação do mundo e do sujeito, numa
realidade massificadora e artificial. É impossível não voltar a pensar
no filme Asas do desejo, em que, em meio às ruínas urbanas, o velho
narrador insiste na palavra.
248
poema é, assim, um olhar verbalizado, e, portanto, paisagens são todos
os poemas. Mas na escrita de Nuno Júdice não há apenas o resultado do
olhar, e sim o processo e a problematização desse olhar, com a avaliação
da paisagem que ele define. “O caso é simples – se retirarmos à / frase a
filosofia que a corrompe. Os olhos / é que importam para a compreensão
do / que está por dentro das palavras. / Uma imagem nunca se reduz
ao plano só da abstracção / poética. Entra para dentro da alma com o
seu peso concreto; e a memória com- /fere-lhe a espessura do tempo.”
(CET, p. 77) Lembremos que um de seus livros intitula-se As regras
da perspectiva, e há muitas referências à pintura, quadros, paisagens
criadas por outros artistas137. Ordenemos, então, os níveis de paisagem
que sua poesia nos aponta, observando, porém, que tal ordenação é um
artifício de exposição, pois, na obra, as paisagens se interseccionam
frequentemente.
137. Em conversa informal com Nuno Júdice a respeito de Carlos de Oliveira, o escritor observou
que seu interesse pelo outro poeta estava num ponto comum: a paisagem, apreciando especialmente
os livros Micropaisagem e Finisterra. Lembremos, aliás, que o subtítulo de Finisterra é Paisagem e
povoamento.
249
(p. 28). Em O pavão sonoro (1972), encontramos: “Comecei a ler-me
com uma obscura sensação de desgosto.” (p. 59); “Eu andava em torno
de mim, debruçado e simultaneamente não debruçado / para mim,” (p.
65). Em Crítica doméstica dos paralelepípedos (1973): “Repito: ‘brilho,
fulgores...’, e através do verso assim recomeçado / é a minha própria voz
que ouço e me atinge.” (p. 79); “– Ó cavalo, tu és o próprio poema e se
eu sou o poema já o horizonte / me anuncia,” (p. 97). Em As inumeráveis
águas (1974): “O que em mim cresce e se reproduz, então, não sou eu, é
o que escrevo.” (p. 111); “O poema, eis um trabalho de mastros, / estiva
de absoluto nos degraus da morte.” (p. 127); “Dobro o joelho perante o
poema.” (p. 133). Em O mecanismo romântico da fragmentação (1975):
“Obstinadamente escrevo, / sobre a usual interpretação do discurso, / o
desejo de aprender as palavras fundamentais / da diferença.” (p. 141);
“Sou um reflexo no vidro. Olho-me / fixamente, e o poema capta nesta
atitude. / Pudesse eu conhecer-me como se conhece / o poema...” (p.
150). Em Nos braços da exígua luz (1976), devem-se observar os muitos
textos que falam de outros textos e descrevem a situação do autor frente
a sua escrita. Citemos apenas os títulos: “A camiliana noite”, “Sob o
tampo do poema”, “Vaga lição”, “Fortuna”, “Para que esse autor regresse”,
“Femme à l’ombrelle”, “1886”, “Teoria do círculo”. Em A partilha dos
mitos (1982): “A literatura mexia-se na minha cabeça / como um réptil
asfixiado.” (p. 234); “Com as mãos rasgo o limite, também / eu entro na
oca circunferência onde a lira / doente tocou o ocaso.” (p. 235); “Vede
como o poema se forma, / em estratos sucessivos,” (p. 239); “Escrevia:
atingira a própria finalidade, consumava-se num sacrifício de si ao
papel, deixando-o manchado com as impressões do seu corpo.” (p. 245);
“Avanço em parágrafos, ferindo os joelhos nas arestas das palavras /
mágicas.” (p. 258).
Um dia,
talvez se encontrem. (MSR, p. 9-10)
Ora, de cidades fala bastante Nuno Júdice. Em geral, elas não são
nomeadas, porque, afinal, todas são iguais. O sujeito poético, da janela,
olha as ruas, as lojas, as pessoas que transitam em sua solidão; no carro,
olha o engarrafamento, as estradas que cortam os campos; nos prédios, o
vazio dos corredores, a ausência do contato e da comunicação. A cidade,
qualquer cidade, grande ou pequena, é um lugar de passividade, de
incomunicabilidade e de ausências, porém é nela que está o “movimento
do mundo” e a concentração de ruínas.
Desembarcou numa sala sem dourados nem cadeiras:
madeiras velhas, jarras com flores de plástico, janelas
de vidros partidos para a auto-estrada. Nem vento
nem mar: só o ruído dos carros entrava pelas fendas
para ecoar no tecto (madeiras à vista entre os restos
de estuque). Depois, na rua, pendurou-se nos ferros podres
de antigas varandas. [...]
[...] O vale, coberto de casas, e
os montes invadidos por ferro-velho, ocultam um passado
de rebanhos e pastores.
[...] (MSR, p. 127)
Em oposição à terra, há o mar, que não é, no segundo momento
da poesia de Júdice, um espaço muito recorrente. Quando se torna
paisagem do poema, é espaço da viagem, da alma e do imaginário, pois
é nele que melhor se pode ver o céu e o seu limite virtual: o horizonte,
fundamental nessa escrita poética. É interessante, ainda, observar que
a presença do mar é um vestígio pessoano, lembrando o “mar interior”.
254
Quanto ao horizonte, ele é, no segundo momento da obra de
Júdice, “ponto de fuga” de muitas paisagens que o sujeito contempla à
janela. Não se trata apenas de um elemento representativo na pintura
ou de pinturas sobre as quais frequentemente o poeta fala, mas uma
imagem plurissignificante insistente em seus poemas. O dicionário
registra que “horizonte, do gr. horízon, óntos, ‘que limita’ (subentende-
se kyklos, ‘círculo’), pelo lat. horizonte, significa linha circular que limita
o campo da nossa observação visual, e na qual o céu parece encontrar-
se com a superfície terrestre (considerada uma esfera perfeita) (Cf.
HOLANDA, 1986.). Na poesia de Júdice o horizonte não só é essa “linha
circular que limita o campo da observação visual” do sujeito poético,
como é metáfora múltipla: a) da interioridade desse sujeito, o lugar
da alma; b) do próprio tempo – eternidade; e c) do texto como limite
da escrita. É também um espaço de contradição, pois tanto significa a
potencialidade, a plenitude e a totalidade, como representa o vazio, a
solidão e a impossibilidade. Se o espaço celestial remete para o divino,
a espiritualidade plena, a superação da condição terrestre, também
intensifica a pequenez, o isolamento e a precariedade humana na terra.
138. “nous ne nous occupons pas de la phénomélogie, mais de ce dont la phénoménologie elle-
même s’occupe” (apud COLLOT, 1989, p. 12).
256
Em passos largos, podemos dizer que Collot examina com atenção
diferentes abordagens fenomenológicas, apresentando aos seus leitores
as reflexões também de Merleau-Ponty e de Heidegger, o que significa
passar da experiência fenomenológica para a experiência ontológica
do ser, com a instituição do jogo de presença e ausência do sujeito, do
mundo e do texto.
139. No original: “L’Autre représente à l’origine pour le sujet un horizon parfaitemente englobant,
dans lequel il se trouve inclus. Le corps maternel est, pour le nourrison le premier horizon, il se
confond avec la chair même du monde”. Todas as traduções de Collot são nossas.
257
Na terceira parte de seu estudo, Collot vai tratar propriamente do
horizonte do poema e relacionar a estrutura do horizonte à escrita e à
leitura, acompanhando principalmente Hans Robert Jauss e Wolfgang
Iser, os quais também reaproveitaram o conceito em sua teorização.
Consciente da crítica que se pode fazer sobre a aplicação da noção de
horizonte à linguagem poética como uma “poétisation de la poétique”,
defende que o uso de metáforas espaciais vem ao encontro da própria
textura verbal do poema, que se utiliza delas para a organização de seu
conteúdo semântico. Além disso, mesmo o estruturalismo, tão rigoroso
em suas descrições, também se utilizou de conceitos como isotopia e
alotopia. Esclarece Collot:
Nós nos propomos a mostrar que a linguagem poética tem sempre por
horizonte uma certa experiência de mundo, que, entretanto, não se dá
aí senão “no horizonte”, de maneira distanciada, indireta e paradoxal,
porque o poema, se ele procura designar as coisas, tende também a
se constituir ele próprio como um objeto puramente verbal (1989, p.
153)140.
Mais adiante (p. 153), afirmará que “palavras e coisas são os dois
horizontes do poema”141. Na linguagem poética, o eu que fala é um
outro, estabelecendo-se um espaço aberto que pode ser ocupado por
qualquer um, para vivenciar a experiência poética que se define por
três momentos essenciais: o apelo, a espera e a errância, os quais não
se organizam necessariamente de forma linear no poema. O apelo é a
necessidade que o poema tem de responder ao vazio e ao invisível das
coisas. Existe portanto uma apelo do horizonte desejando manifestar-
se na linguagem poética. A espera, “para o poeta, é colocar-se à escuta
do silêncio para perceber o eco imperceptível de um apelo ele próprio
140. “Nous nous proposons de montrer que le langage poétique a toujours pour horizon une
certaine expérience du monde, que pourtant ne s’y donee précisément, que ‘ en horizon’, de manière
détournée, indirecte et paradoxale, car le poème, s’il cherche à désigner les choses, tend aussi à se
constituer lui-même comme un objet purement verbal”.
142. “pour le poète, c’est se mettre à l’écoute du silence pour percevoir l’écho imperceptible d’un
appel lui-même insaisissable, tendu vers une réponse encore sans répondant”.
143. “L’expérience poétique est donc, comme l’existence elle-même, une totalization toujours
inachevée”.
144. “La notion de référence est trop souvent liée aux concepts d’identité et d’objectivité. La
référence est en général conçue comme le mouvement par lequel un mot s’identifie à un objet
défini une fois pour toutes en permettant de l’identifier. Or la référence poétique n’est ni identifiante
ni objectivante, mais modificante et mondifiante”.
145. “C’est l’objectivité qui est une fiction; et l’imaginaire est en revanche un instrument de
connaissance du réel”.
259
já que “o poema faz ver o mundo na medida em que é ele próprio um
mundo que se faz ver” (p. 178)146.
146. “La textualité du poème renvoie à la texture de l’univers [...] le poème fait voir le monde parce
qu’il est lui-même un monde qui se fait voir”.
260
Os pronomes eu e tu são vazios de referente fixo; eles não se
“preenchem” senão em função de cada nova situação discursiva que
redistribui os papéis de emissor e de receptor. No caso do poema, são
a cena da escrita e a cena cada vez diferente da leitura que representam
esse papel de contexto de referência (1989, p. 203)147.
Em sua conclusão, Collot considera que a noção de estrutura de
horizonte permite compreender que a escrita poética é constituída pela
união de dois movimentos: a constituição de uma estrutura e a abertura
de um horizonte, que se reflete nos níveis da referência e organização
semântica, e também nos níveis de percepção e interpretação. Assim, o
ato de escrita poética se reflete no ato de sua leitura, uma vez que, como
atividade hermenêutica, requer também dois movimentos: um ato de
imaginação e um ato de estruturação. Nesse momento, Collot, já ao final
de seu estudo, está claramente em diálogo com a estética da recepção,
que introduziu a noção de horizonte na linguagem da teoria literária. As
citações que se misturam à sua própria escrita são retiradas de L’acte de
lecture, de Wolfgang Iser.
Toda obra oferece diversas perspectivas de interpretação; em
cada momento de seu percurso, o leitor, que ‘pode se situar
simultaneamente em todas as perspectivas’, é conduzido a escolher
uma entre elas, as quais correspondem por um lado a seu próprio
ponto de vista sobre o mundo, de outro às sugestões da própria obra. O
ponto de vista retido constitui então o ‘tema’ que guia sua atenção, o fio
condutor de sua interpretação. Porém, as perspectivas rejeitadas não
são por esta razão pura e simplesmente abandonadas; elas continuam
147. “Les pronoms Je et tu son vides de référent fixe; ils ne se “remplissente” qu’en fonction de
chaque situation discursive nouvelle que redistribue les rôles du locuteur et de l’allocutaire. Dans
le cas du poème, c’est la scène de l’écriture, et la scène chaque foi différente de la lecture que jouent
ce rôle de contexte de référence”.
261
se apresentando ‘na margem do campo visual’, onde ‘elas adquirem a
marca de horizonte (1989, p. 255)148.
Podemos agora fechar os parênteses e reatar o diálogo com
a poesia de Nuno Júdice, considerando com uma perspectiva mais
alargada a questão do horizonte como paisagem forte em sua escrita.
As reflexões que Collot faz para ler a poesia francesa contemporânea
parecem se refletir na escrita do poeta português. O horizonte também
em Júdice é uma estrutura temporal e espacial que não apenas representa
os temas do longínquo, da referência impossível, do indizível, das
impossibilidades que geram realmente uma escrita perpassada de
melancolia, como também, e principalmente, do nosso ponto de vista,
estrutura o próprio conteúdo crítico do ato poético, enquanto atividade
de escrita e de leitura carregada de possibilidades de redescrição do
mundo por meio do processo de criação, que é realizado pelo escritor e
renovado pelo leitor. Na linguagem teórica de Ricoeur, podemos dizer:
mundo configurado pela escrita e refigurado pela leitura.
148. “Toute oeuvre offre plusieurs perspectives d’interprétation; à chaque moment de son parcours,
le lecteur, qui ‘me peut se situer simultanément dans toutes les perspectives’, est conduit à choisir
une d’entre elles, que correspond d’une part à son propre point de vue sur le monde, d’autre part
aux suggestions de l’oeuvre elle-même. Le point de vue retenu constitue alors le ‘thème’ qui guide
son attention, le fil conducteur de son interprétation. Mais les perspectives rejetées ne sont pas pour
autant purement et simplement abandonnées; elles demeurent apprésentées ‘en marge du champ
visuel’, où ‘elles acquièrent le caractère d’horizon’”.
262
imagética, buscando atingir, na brevidade dos versos, na contenção da
emotividade, na minúcia exploratória e reelaborativa de sua obra, o
ponto de fuga (o seu horizonte) que reunisse linhas de perspectiva a dar
conta do conhecimento de si (memória e vivência) e do conhecimento
do mundo (realidade e ficção). Na obra de Nuno Júdice, a permanência
dessas interrogações cognitivas pode significar a continuidade da
rejeição da realidade urbana contemporânea, múltipla, fragmentada,
caleidoscópica, artificial e desumanizadora, forçando o sujeito poético
a buscar na linguagem a capacidade humana original de doação de
sentidos ao mundo circundante. Os dois poetas contemplam o espaço
celeste e o confrontam com a terra. Escreve Nuno Júdice, em “Um
problema celeste”:
O céu não coincide com o paraíso
mas com as nuvens, o sol e,
mais em baixo,
os pássaros que, quando cantam,
o evocam.
263
Entre o céu e a terra,
hesitando, o homem talvez
não saiba em que há-de
acreditar. Porém,
o que existe no céu
chama por ele; e
a terra parece pequena quando,
depois dos temporais,
o arco-íris se abre
como uma escada celeste
(MM, 66-67).
Escreve Carlos de Oliveira:
A tarde trabalhava
sem rumor
no âmbito feliz das suas nuvens,
conjugava
cintilações e frémitos,
rimava
as ténues vibrações
do mundo
quando vi
o poema organizado nas alturas
reflectir-se aqui,
em ritmos, desenhos, estruturas
duma sintaxe que produz
coisas aéreas como o vento e a luz.
(O [SLE], p. 206)
Personagens da linguagem, os poetas narram uma história
comum: superar a finitude humana e defender a poesia como memória
da palavra original, memória do horizonte humano.
264
Antes de terminarmos, porém, estas reflexões sobre a paisagem na
obra de Nuno Júdice, uma interrogação ainda precisa ser feita. Quando
um poeta descreve as paisagens que lhe importam, é comum que se
destaquem as paisagens da terra natal. Então, o leitor poderá perguntar:
na poesia de Júdice, poeta português, estão presentes as paisagens de
seu país? A resposta nos leva a outra questão importante na obra desse
escritor e se relaciona à discussão sobre identidade e nacionalismo,
cosmopolitismo e provincialismo. Vejamos.
266
ou se a água negra do rio nocturno fosse a mesma em cujo
olhar coincidimos... Porém, liberto-me de ti sob o tampo
da manhã; e dou comigo a desenhar as linhas da mão,
mesmo as que se interrompem no limite dos dedos.
(CET, p. 79.)
267
CARLOS DE OLIVEIRA E NUNO JÚDICE:
PERSONAGENS DA MESMA HISTÓRIA
149. Citado por Eduardo Prado Coelho (1997, p. 99). Manuel Maria Carrilho é filósofo e foi
ministro da Cultura de Portugal nos XIII e XIV Governos Constitucionais, dirigidos
por António Guterres.
268
não só demonstra as diferenças de suas trilhas, como indica momentos
de encontro ao partilharem identidades: poetas e portugueses.
Cultura poética
[...] verificamos que os próprios homens não são escritores da
linguagem, mas constituídos, formados pela linguagem. E isto
quer dizer que a própria linguagem é produtora de cultura.
Ou, por outras palavras, uma linguagem pode criar um espaço
simbólico tal que pode produzir uma cultura ou o próprio
sujeito dessa cultura.
Fernando Guimarães (apud SILVA e JORGE, 1993, p. 99-100).
A arte do século XX, ao refletir a velocidade das transformações
e a relatividade dos valores, definiu-se como atividade em contínua
elaboração, reavaliando o conceito de tradição. A descrença em
qualquer princípio totalizador, com a “destruição da imagem do
mundo”150 pelo domínio da técnica, gerou a modernidade e rompeu
em definitivo com a ideia de que a obra de arte poderia “imitar”
o mundo. Sem formular respostas definitivas, sem acreditar em
idealismos ou transcendentalismos, a arte contemporânea assumiu as
perplexidades do século XX e se constituiu, na sua diversidade, como
discurso interrogativo sobre a existência do sujeito, as experiências de
mundo e os próprios limites de sua atividade. Por isso, intensificou-
se, principalmente em relação à poesia, o diálogo com a filosofia,
compartilhando-se a necessidade de indagar sobre a condição humana
a partir da linguagem.
150. PAZ, 1991, p. 99: “Para a técnica o mundo não é nem uma imagem sensível da ideia nem
um modelo cósmico: é um obstáculo que devemos vencer e modificar. O mundo como imagem
desaparece e em seu lugar se erguem as realidades da técnica, frágeis apesar de sua solidez, já que
estão condenadas a ser negadas por novas realidades”.
269
que trilham para a construção de suas próprias obras, expressando por
meio da poesia ou de ensaios suas indagações. Nesse sentido, esses dois
poetas portugueses, diferentes sob alguns aspectos, como já vimos,
assemelham-se pela reflexão contínua sobre a cultura que os formou e
com a qual continuam dialogando pelo ato de leitura de suas obras.
271
O poeta português define, assim, espaços de diálogo sobre a
ação da palavra literária, seja em termos de sua própria elaboração,
seja em termos de mediação entre o sujeito e o mundo. Retoma versos,
faz epígrafes, cita esgarçadamente, transforma ideias, constituindo a
sua “comunidade de escritores”. Nesse sentido, é de destacar o poema
dedicado a Carlos Drummond de Andrade, estrangeiro de mesma
língua, espelho no mesmo nome, no qual Carlos de Oliveira presta
homenagem àquele que está “habituado / ao arquétipo escrito / da
lavoura” “na outra margem do mar”. Há, nessa comunidade de escritores
(poetas e romancistas) de épocas diversas, clássicos, românticos,
simbolistas e contemporâneos, falando do tempo, da morte, do mal-
estar da vida, mas, principalmente, da própria atividade literária. Leia-
se um soneto de Shakespeare “reescrito em português”:
Comparar-te a um dia de verão?
Há mais ternura em ti, ainda assim:
um maio em flor às mãos do furacão,
o foral do verão que chega ao fim.
Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;
outras, desfaz-se a compleição doirada,
perde beleza a beleza; e o que perdeu
vai no acaso, na natureza, em nada.
Mas juro-te que o teu humano verão
será eterno; sempre crescerás
indiferente ao tempo na canção;
e, na canção sem morte, viverás:
Porque o mundo, que vê e que respira,
te verá respirar na minha lira. (O [TH], p. 148)
Em relação aos escritores portugueses evocados, o encontro/
desencontro faz revelar visões de mundo e textuais que o escritor
moderno contrasta e questiona com a situação portuguesa em que vive e
com a escrita que produz. Leia-se, por exemplo, o “Vilancete castelhano
272
de Gil Vicente”151, que Carlos de Oliveira “reescreve” na década de 1950,
escolhendo não a sátira do teatro vicentino, mas a melancolia mesclada
à esperança transmitida pelo lírico, ecoando no tempo de desesperança
que é essa década em Portugal:
Por mais que nos doa a vida
nunca se perca a esperança;
a falta de confiança
só da morte é conhecida.
Se a lágrimas for cumprida
a sorte, sentindo-a bem,
vereis que todo o mal vem
achar remédio na vida.
E pois que outro preço tem
depois do mal a bonança,
nunca se perca a esperança
enquanto a morte não vem. (O [TH], p. 143)
Note-se que os escritores portugueses chamados a dialogar
são predominantemente poetas; portanto, é uma tradição lírica que é
invocada e que revela como temáticas a melancolia frente ao mundo e a
relação tensa com a pátria. Recordemos que esse diálogo é mais explícito
na primeira fase de sua produção e que, na segunda, a citação direta
vai rareando, até se transformar num processo de inscrição de vestígios
a ser recuperado pelo leitor. No entanto, mais importante é observar
que, entre os poetas citados, um deles é o mais confrontado: Camões.
A presença camoniana, ao longo de toda a obra de Carlos de Oliveira,
ocorre mais de uma vez152 e, significativamente, está presente também
no último livro de poesia. O Camões retomado é predominantemente
151. “Por mas que la vida pene, / no se pierda el esperanza, / porque la desconfianza / sola la muerte
la tiene. / / Si fortuna dolorida / tuviera quien bien la sienta, / sentirá que toda afront / se remedia
con la vida. / y pues doble gloria tiene / despues del mal la bonanza, / no se pierda el esperanza / en
quanto muerte no viene.” (VICENTE, 1979, p. 318).
152. Observe-se que o tom épico domina a primeira fase, quando o poeta é arauto, luta pela
transformação da história coletiva, da pátria portuguesa.
273
o lírico, e essa escolha evidencia uma posição que nega a tradição
ideológica de glória e de louvor pátrio com o uso e abuso dos versos
épicos camonianos, os quais, aliás, ao aparecerem na escrita de Carlos
de Oliveira, sofrem diluição e são invocados na “diferença”.
Tágides trazendo,
do alto mar à água doce,
a escama, o fósforo, da espuma;
e o sal saturado de vento
a explodir no rio,
nas suas rugas;
com a luz eléctrica baixando
às páginas fac-similadas
do pelicano para a esquerda:
círculo completo
que as centrais, as redes,
mantêm tenso e branco
como a lua; já reconstituída;
a desprender-se do horizonte;
tágides, por fim sobre cavalos
claros; nuas; inventando
um som diferente
aos decassílabos. (O [EDM], p. 354)
Invocando o lírico, invoca também o poeta do tempo, do
desconcerto, mas principalmente atualiza o clássico em termos de
domínio do verso e consciência do trabalho poético, a linguagem
camoniana como (des)encanto e também como canto que se contempla
no domínio da língua. Em Pastoral, ainda é Camões que ressoa num
poema de tom amoroso-erótico, num discurso de resíduos formulado
por uma escrita desconstrutora que domina suas últimas obras.
Numa espécie
de fogo: amor é fogo
que arde sem se ver;
274
porque não é
de facto fogo este frio aceso;
da saliva à lava
passa pela espuma. (O [P], p. 403)
Portanto, se no primeiro momento da obra de Carlos de Oliveira
há um tom épico na voz do poeta moderno, arauto e combatente, no
segundo o tom é lírico, com gradual despersonalização do sujeito e
neutralização da sombra camoniana. Escritor que acredita no valor da
forma (“O amor das palavras vivas, incisivas, o aprofundamento dos
meios de expressão, é o dever mais elementar do romancista, do poeta”)
(O [AF], p. 470), não repudia a tradição clássica, mas põe em tensão
a presença camoniana na atualidade da cultura poética portuguesa, na
medida em que configura uma forma de poder153.
153. Cf. REBELO, L.S. (1997), p. 24-25: “A sua situação geográfica, e o que nela se veja ou tenha
de singular, é diversamente entendida consoante o momento histórico em que se faz a sua leitura.
No discurso épico camoniano, Portugal é a cabeça da Europa – momento alto de descobertas e
conquistas. Mas quando as sombras do declínio o envolvem, ele é o cabo do mundo e a finisterra
do continente. Surgem, assim, dois tipos de discurso que coexistem e alternam no imaginário
colectivo sempre que se coloca a questão de Portugal e da Portugalidade: o discurso épico e o
discurso da perdição”.
275
a linhagem dos poetas Igitur – o que se contempla a si mesmo, mas
esse “si” deve ser compreendido como “mundo”, no contexto de um
Modernismo crítico (Cf. PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 117.).
154. A presença pessoana, como tema ou como sombra a ser enfrentada, está em sua poesia,
romance, teatro e ensaística. Em entrevistas ou reflexões diversas, a importância de Pessoa para a
definição de sua própria escrita é confirmada sem dificuldade.
276
personagens de papel muito mais concretos? Não são seus versos um
exercício rigoroso da construção e desconstrução poética?
Cultura portuguesa
“O futuro de Portugal foi, desde cedo, o ‘lá fora’, a distância,
nossa ou alheia. Foi a Índia, o Brasil, a África, recentemente e a
vários títulos, a Europa. Hoje, é a primeira vez que Portugal e os
portugueses têm de desenhar, de conceber, de inventar e se dar
um futuro a partir de si mesmos.”
Eduardo Lourenço (1998, p. 25).
Se aceitamos a ideia de que o texto literário é, no sentido mais
amplo, uma narrativa que configura e refigura mundos, pensar uma
literatura nacional é pensar também o modo como ela reflete a sua cultura
e sociedade. Assim, no contexto da literatura portuguesa, examinar
criticamente as obras poéticas de Carlos de Oliveira e de Nuno Júdice é
meditar sobre a cultura que os formou, fundada sobre uma determinada
língua e a partir de um território físico com sua realidade, História e
imaginário. Dessa forma, os poetas têm como questão comum Portugal,
277
sua identificação como país e nação na Europa, além de lugar de uma
cultura específica no âmbito ocidental155.
155. REBELO, 1997, p. 23: “O fim do colonialismo, trazido com o 25 de Abril, tem consequências
profundas e sem precedentes que obrigam a repensar a ideia de Portugal”.
156. Ver artigo de Jacinto do Prado Coelho (1983, p. 129-134), “Portugal imaginário e verdadeiro
na poesia portuguesa”, no qual se apontam os muitos poetas que dedicaram versos a essa questão.
158. Cf. VAL, 1994, p. 77, citando Du baroque, de Eugenio D’Ors: “Finisterres – Irlande, Bretagne,
la Galice espagnole, le Portugal, les premièrs iles de l’Océan... Au fond de leur âme, la panique.
La panique, acquise immémorialement du temps où ces terres se trouvaient au bord d’une mer
à laquelle on ne connaissait pas de limite” [Finisterras – Irlanda, Bretanha, a Galiza espanhola,
Portugal, as primeiras ilhas do Oceano... No fundo de suas almas, o pânico. O pânico, adquirido
imemorialmente do tempo onde essas terras estavam à beira de um mar do qual não se conheciam
limites].
159. Participou do I Congresso dos Escritores Portugueses (comissão), em maio de 1975, que
discutiu o nível de participação política do escritor na sociedade portuguesa pós-revolução. Cf.
RIBEIRO, 1993, p. 503 e passim.
279
o poeta jovem encontrou seu “espaço de diferença”, que era justamente o
de não estar onde todos estavam: Portugal e a obsessão de sua história.
Júdice, no poema “Re-canto”, nos faz ouvir essa opção:
De que pátria me direis o ouro azedo? De que barcos
presos nos canaviais da margem encontrareis o traço em crónicas
de água e sangue? Desço aos porões da memória, os braços
enredados nas frases incertas do passado; e avanço por entre
esses corpos que o suplício dos ventos adormeceu, os lábios
gretados pelo sol e pelo sábio sul. Afasto da minha frente
um sono de séculos. [...] (MM, p. 18)
Quando Portugal é nomeado, em alguns pouquíssimos poemas,
a visão é de repúdio a uma imagem estática e de isolamento do mundo.
O poeta que transita pela cultura ocidental não se resigna aos limites de
um território geográfico e busca uma situação universalista.
160. Aproveito afirmação de Eduardo Prado Coelho em debate registrado em SILVA e JORGE, 1993,
p. 40: “Chegamos àquilo que se pode traduzir assim: a identidade portuguesa é um significante”.
280
Os nomes nada significam sem a imaginação de um
corpo: rostos inexistentes dão figura a reis e
filósofos da Antiguidade. [...]
[...] Tudo integra uma
ordem genealógica que sobrevive à ignorância da
História. Salas, corredores, armaduras, quadros, des-
critos em bom alemão pela guia cuja memória invejo,
encontram os seus antigos habitantes do discurso
a que o tempo deu conveniente arrumação. [...]
[...] Reduzido a datas e efemérides,
o passado cansa – sobretudo quando nada se per-
cebe da língua em que nos falam. Foi então que o
nome de Estefânia, rainha de Portugal, me apareceu
inscrito numa parede da capela. O mais insignificante da visita;
uma simples notação de arquivo de
família. Nem um retrato, nem uma indicação bio-
gráfica. Mas esse nome voltou a chamar-me à realidade
de uma existência concreta, com os sentimentos
e emoções do ser. (CET, p. 43)
A obra poética de Carlos de Oliveira a partir dos anos 1960 e a
de Nuno Júdice a partir de 1970 faz a crítica do uso da linguagem para
falar do ser e do mundo, falam da portugalidade como cultura e não
território político, falam a partir de janelas que se abrem para territórios
de palavras. Há, assim, o que podemos chamar de reterritorialização,
movimento de ocupação da língua e nomeação dessa língua no espaço
cultural do mundo. Se “o país saltou do mapa” (CET, p. 79), o lugar
vago será preenchido por palavras que, sem falar dele, é ainda dele que
falam, pois falam de um lugar de cultura, de um lugar que se demarca
numa língua. Há, então, uma geografia imaginária, onde o mar, espaço
simbólico no imaginário português, é substituído pela terra, a partir
da qual se narra outra demanda simbólica da diferença cultural161.
162. Escreve Almada Negreiros: “Orpheu era uma consequência fatal de determinados portugueses,
desligando-se dos outros portugueses, porém ligados entre si pela mesma fé na elite de Portugal. As
suas personalidades vinham já esclarecidas o bastante para uma dignidade comum, por isso mesmo
éramos portugueses sem sermos nacionalistas, nem regionalistas, nem indigenistas. Queríamos
apenas o mais difícil dos títulos portugueses: sermos portugueses simplesmente!” (1997, p. 814).
A questão é importante ainda hoje, quando Portugal está integrado à União Europeia, buscando a
integração política e econômica com o resto da Europa.
282
UM MODO DE FIM
283
linguagem poética tem como núcleo o processo metafórico enquanto
meio cognitivo capaz de redescrever sempre criticamente o real, criando
mundos e redimensionando as relações entre sujeito, linguagem e
realidade, conforme mostram os estudos hermenêuticos de Paul
Ricoeur. Além disso, partindo do pressuposto de que a literatura é um
discurso configurador e refigurador da temporalidade, defendemos que
a linguagem poética é também uma ação eminentemente narrativa, a
dar conta da presença do sujeito na História.
284
atentas sobre o poético e os processos de escrita e leitura como ações de
conhecimento do ser, do mundo e do texto.
285
da linguagem poética, ou seja, trabalham a linguagem poética como um
exercício metafórico de extrema exigência significativa e defendem o
ato poético como um ato cognitivo que transforma as relações entre
escritor, mundo e leitor. São poetas assumidamente teorizadores
da escrita e da leitura e confirmam isso na medida em que discutem
o escrever e o ler como atividades indispensáveis para a absorção do
mundo e sua compreensão.
286
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS163
De Carlos de Oliveira
De Nuno Júdice164
Poesia
JÚDICE, Nuno. A condescendência do ser. Lisboa: Quetzal, 1988.
______. Enumeração de sombras. Lisboa: Quetzal, 1989.
______. As regras da perspectiva. Lisboa: Quetzal, 1990.
163. Citamos todas as obras diretamente indicadas ao longo do estudo, mas também as que
indiretamente marcaram o percurso de reflexão e redação original da tese defendida em 2000.
Consideramos que pode ser uma fonte bibliográfica útil a jovens pesquisadores, por isso deixamos
aqui esta memória de leituras.
164. Para o poeta Nuno Júdice, listamos apenas as obras estudadas ao longo do estudo, considerando
o ano limite de 1999. Mas, ao final, em anexo, juntamos a relação atualizada de suas obras.
287
______.Obra poética (1972-1985). [A noção de poema, O pavão
sonoro, Crítica doméstica dos paralelepípedos, As inumeráveis
águas, O mecanismo romântico da fragmentação, Nos braços da
exígua luz, O voo de Igitur num copo de dados, A partilha dos
mitos, Lira de líquen e Rimbaud inverso]. Lisboa: Quetzal, 1991a.
______ e CHAFES, Rui. Uma sequência de outubro. Une sequence
d’octobre. Lisboa: Livro de Artistas – Comissariado para a
Europália 91, l991b.
______. Um canto na espessura do tempo. Lisboa: Quetzal, 1992.
______. O movimento do mundo. Lisboa: Quetzal, 1996.
______. Meditação sobre ruínas. Lisboa: Quetzal, 1996.
______. A fonte da vida. Lisboa: Quetzal, 1997a.
______ e MARTINS, Jorge. Raptos. Lisboa: Quetzal / Casa
Fernando Pessoa, 1998.
______. Teoria geral do sentimento. Lisboa: Quetzal, 1999.
Ensaio
______. A era do “Orpheu”. Lisboa: Teorema, 1986.
______. O processo poético. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda, 1992.
______. Portugal, língua e cultura. Lisboa: Comissariado de
Portugal para a Exposição Universal de Sevilha, 1992.
______. Voyage dans un siècle de littérature portugaise. Bordeaux:
L’Escampette, 1993.
______. Viagem por um século de literatura portuguesa. Lisboa:
Relógio d’Água, 1997b.
______. As máscaras do poema. Lisboa: Aríon, 1998.
288
Artigos e crônicas em jornais e periódicos
______. Rimbaud et Mallarmé: des parcours complémentaires.
Ariane, n. 2. Lisboa, 1983. p. 233-236.
______. Percursos de Perse – sobre a dinâmica do espaço. In:
SEIXO, Maria Alzira (Coord. e pref.). Poéticas do século XX.
Lisboa: Livros Horizonte, 1984. p. 31-37.
______. O lugar do filólogo. Diário de Lisboa, 4 jan. 1990. p. 6.
______. O século XIX e o modernismo na ficção de Mário de
Sá-Carneiro. Colóquio/Letras, n. 117/118. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, set./dez. 1990. p. 54-59.
______. O duelo da subjectividade. Jornal de Letras, Artes e Ideias.
Lisboa, 11-17 jun. 1991. p. 18.
______. O castelo e o hamburguer. Ler, n. 15. Lisboa, 1991. p.
80-81.
______. Hölderlin e a reflexão poética. Runa. Revista Portuguesa
de Estudos Germanísticos [Colóquio Interdisciplinar Friedrich
Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto de Estudos Alemães –
Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 65-70.
______. O alfabeto da casa. Limiar, n. 7. Lisboa: 1996. p. 49-50.
______. Uma poesia da vida. Hablar / Falar de Poesia. Revista
Hispano-Portuguesa, n. 1. Lisboa: Casa Fernando Pessoa, out.
1997c. p. 6.
______. A poesia, hoje, ocupa o lugar da eloquência. Relâmpago,
n. 2. Lisboa, abr. 1998. p. 41-43.
______. Inquérito sobre a poesia portuguesa do século XX
[resposta]. Cadernos de Serrúbia, n. 3. Porto: Fundação Eugénio
de Andrade, dez. 1998. p. 41-42.
289
De outros poetas165
165. Citamos aqui todas as obras que contribuíram para este estudo, diretamente citadas ou
indiretamente presentes.
290
NAVARRO, António Rebordão; NEVES, Orlando (Pref. e sel.).
Poetas escolhem poetas: coletânea de poesia portuguesa (1970-
1990). Porto: Lello & Irmão, 1992.
NEGREIROS, Almada. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1997.
PERSE, Saint-John. Anabase. [Trad. José Daniel Ribeiro.] Ed.
bilíngue. Lisboa: Relógio D’Água, 1992.
PESSOA, Fernando. Obra poética. [Org., intr. e notas Maria Aliete
Galhoz.] Rio de Janeiro: José Aguilar, 1982.
______. Obra em prosa. (Org., intro. e notas Maria Aliete Galhoz.)
Rio de Janeiro: José Aguilar, 1982.
RILKE, Rainer Maria. Rilke. (Intr. e antol. Federico Bernudez
Cãnete.) Madrid: Júcar, 1984.
RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. [Trad., pref. e notas Ivo
Barroso.] Ed. bilíngue, 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
SENA, Jorge de (Antologia, trad., pref. e notas). Poesia de 26
séculos – de Arquíloco a Nietzsche. 2. ed. Coimbra: Fora do Texto,
1993.
______. Poesia I, II e III. Lisboa: Edições 70, 1988-1989.
SOARES, Bernardo. Livro do desassossego. [Sel. e introd. Leyla
Perrone-Moisés.] São Paulo: Brasiliense, 1986.
TEIXEIRA, Paulo. Inventário e despedida. Lisboa: Caminho, 1991.
______. O rapto de Europa. Lisboa: Caminho, 1993.
VERLAINE, Paul. Poemas saturnianos e outros. [Trad., pref.,
cronologia e notas Fernando Pinto do Amaral.] Edição bilíngue.
Lisboa: Assírio & Alvim, 1994.
291
Sobre Carlos de Oliveira
ABDALA JUNIOR, Benjamin. Uma caligrafia. Jornal de Letras,
Artes e Ideias. Lisboa, 2 jul. 1991. p. 19.
ABELAIRA, Augusto. Fausto. Jornal de Letras, Artes e Ideias.
Lisboa, 14 jul. 1992. p. 7.
ALVES, Ida Maria S. Ferreira. As paisagens poéticas de Carlos de
Oliveira. [Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa.]
Niterói: Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras,
1990.
ANDRADE, Eugénio de. Na morte prematura do poeta. Jornal de
Letras, Artes e Ideias. Lisboa,7-20 jul. 1981. p. 16.
BAPTISTA-BASTOS. Carlos de Oliveira: o cotidiano como
enigma. Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 2 jul. 1991. p. 18.
BRANDÃO, Fiama Hasse Pais. Nexos sobre a obra de Carlos
de Oliveira, I e II. Colóquio/Letras, 26 e 29. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, jul. 1975 e jan. 1976.
______. Para além da obra devo-lhe a ficção viva. Jornal de Letras,
Artes e Ideias. Lisboa, 7-20 jul. 1981. p. 10.
______. Carlos de Oliveira – rigor solar [texto não assinado].
Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 2 jul. 199l. p. 16.
______. Olhar a estante. Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 2
jul. 1991. p. 19.
CALADO, Maria Chaby. O neo-realismo e a vivência pessoal. (A
última entrevista com Carlos de Oliveira, feita no dia 29/6/1981 e
ainda inédita.) O Diário. Lisboa, 1 nov. 198l. p. 8-9.
COELHO, Eduardo Prado. Carlos de Oliveira, a atracção
vocabular. In: ______. A palavra sobre a palavra. Porto:
Portucalense, 1972a. p. 133-158.
292
______. Carlos de Oliveira ou a génese difícil da harmonia. In:
______. A palavra sobre a palavra. Porto: Portucalense, 1972. p.
105-131.
______. Carlos de Oliveira – trabalho poético. Colóquio/Letras, n.
37. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, maio 1977. p. 78-79.
______. Itinerário poético de Carlos de Oliveira. In: ______. A
letra litoral. Lisboa: Moraes, 1979. p. 155-179.
______. Em torno de um poema de Carlos de Oliveira. In:
______. A letra litoral. Lisboa: Moraes, 1979. p. 180-186.
COSTA, Deolinda. Finisterra, de Carlos de Oliveira – lugar de
eleição. [Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa.]
Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1990.
CRUZ, Gastão. O peso das palavras na poesia de Carlos de
Oliveira In: ______. A poesia portuguesa hoje. 2. ed. corr. e aum.
Lisboa: Relógio d’Água, 1999. p. 45-48.
______. Esquecimento e memória na poesia de Carlos de Oliveira.
In: ______. A poesia portuguesa hoje. 2. ed. corr. e aum. Lisboa:
Relógio d’Água, 1999. p. 49-54.
______. Finisterra ou a geometria do real. In: ______. A poesia
portuguesa hoje. 2. ed. corr. e aum. Lisboa: Relógio d’Água, 1999.
p. 55-59.
______. Que lhe diremos, mestre? In: ______. A poesia portuguesa
hoje. 2. ed. corr. e aum. Lisboa: Relógio d’Água, 1999. p. 60-62.
[Publicado anteriormente em Jornal de Letras. Lisboa, 7-20 jul.
198l. p. 17.]
______. Carlos de Oliveira: uma poética da brevidade no contexto
do neo-realismo. In: ______. A poesia portuguesa hoje. 2. ed.
corr. e aum. Lisboa: Relógio d’Água, 1999. p. 63-69. [Publicado
anteriormente em A Phala – Um Século de poesia (1888-1988).
Ed. especial. Lisboa: Assírio & Alvim, dez. 1988. p. 83-86.]
293
______. Carlos de Oliveira: a linguagem dos artesãos. In: ______.
A poesia portuguesa hoje. 2. ed. corr. e aum. Lisboa: Relógio
d’Água, p. 70-72. [Publicado anteriormente em Jornal de Letras,
Artes e Ideias. Lisboa, 2 jul. 199l. p. 16.]
CUCURULL, Félix. Na morte de um grande escritor. Vértice, II
série, n. 450/45l. Lisboa, set.-dez. 1982. p. 572-574.
DIÁRIO DE LISBOA. Inquérito – o homem e o mundo de hoje.
Lisboa, 20 set. 1955. p. 3.
DIOGO, Américo António Lindeza. Aventuras da mimese
na poesia de Carlos de Oliveira e na poesia de António Franco
Alexandre. Pontevedra/Braga: Irmandades da Fala de Galiza e
Portugal, 1995.
DIONÍSIO, Eduarda. Falar de saudade. Jornal de Letras, Artes e
Ideias. Lisboa, 14 jul. 1992. p. 6-7.
DIONÍSIO, Mário. Contextos esquecidos. Jornal de Letras, Artes
e Ideias. Lisboa, 7-20 jul. 1981. p. 16.
GOULART, Rosa Maria. Artes poéticas. Braga: Angelus Novus,
1997.
GUIMARÃES, Fernando. Florir, parente de floresta. Letras &
Letras [jornal]. Porto, 18 dez. 1991. p. 8
GUSMÃO, Manuel. A poesia de Carlos de Oliveira. Lisboa: Seara
Nova Comunicação, 1981.
______. Textualização, polifonia e historicidade. Vértice, II série,
n. 6. Lisboa, set. 1988. p. 47-51.
______. Carlos de Oliveira: trabalho poético – paisagem
e povoamento. In: Carlos de Oliveira. 50 anos na literatura
portuguesa (1942-1992), Câmara Municipal de Lisboa, Museu do
Neo-Realismo – Município de Vila Franca de Xira, Amascultura
(Padrão dos Descobrimentos, 2/12 jul. 1992). Lisboa, 1992. [sem
paginação]
294
______. Em memória de Carlos de Oliveira. Tabacaria, n. 0.
Lisboa: Casa de Fernando Pessoa, fev. 1996. p. 36-37.
HORTA, Maria Teresa. Carlos de Oliveira: o escritor e a sua
criação. A Capital. Lisboa, 26 mar. 1969.
LANCIANI, Giulia. Aporias da escrita. Letras & Letras. Porto, 18
dez. 1991. p. 10-11.
LEPECKI, Maria Lúcia. Sobre Carlos de Oliveira, entre narrativa
e poesia. Diário Popular. Lisboa, 30 nov. 1978a.
______. Sobre Carlos de Oliveira (conclusão): as tensões
dramáticas. Diário Popular. Lisboa, 7 dez. 1978b.
______. Finisterra, a casa, as mãos, o tempo. In: ______.
Sobreimpressões (estudos de literatura portuguesa e africana).
Lisboa: Caminho, 1988. p. 49-58.
______. Meridianos do texto. Lisboa: Assírio e Alvim, 1980.
LOPES, Silvina Rodrigues. Sobre Finisterra, de Carlos de Oliveira.
In:______. Aprendizagem do incerto. Lisboa: Litoral, 1990. p. 77-
86.
______. Carlos de Oliveira: o testemunho inadiável. Sintra:
Câmara Municipal, 1996.
LOURENÇO, Eduardo. Carlos de Oliveira e o trágico neo-
realista. In: ______. Sentido e forma da poesia neo-realista. Lisboa:
Ulisseia, 1968. p. 173-249.
MACHADO, Lino. As palavras e as cores: Guernica (e mais) na
caligrafia de Carlos de Oliveira. [Pós-Doutoramento em Literatura
Portuguesa]. Niterói: Instituto de Letras – Universidade Federal
Fluminense, 1998.
MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Duas Cantata de Carlos de
Oliveira. In: ______. Os dois crepúsculos. Sobre poesia portuguesa
actual e outras crónicas. Lisboa/Porto: A Regra do Jogo, 198l. p.
63-75.
295
MARINHO, Maria de Fátima. A construção/desconstrução do
discurso na poesia de Carlos de Oliveira. In: ______. A poesia
portuguesa nos meados do século XX: rupturas e continuidades.
Lisboa: Caminho, 1989. p. 167-175.
MARTELO, Rosa Maria. A construção do mundo na poesia de
Carlos de Oliveira. [Dissertação para Doutoramento em Literatura
Portuguesa]. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, 1996.
MARTINS, António Manuel. O jogo da verdade: perspectivas e
materializações do olhar em Finisterra, de Carlos de Oliveira.
Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1994.
MARTINS, Manuel Frias. Finisterra – paisagens e povoamento.
In: ______. Sombras e transparências da literatura. Lisboa:
Instituto Nacional – Casa da Moeda, 1983. p. 113-120.
MATOS, Nelson de. Micropaisagem, um espaço de rigor e
harmonia. In: ______. A leitura e a crítica. Lisboa: Estampa, 1971.
p. 107-154.
MENEZES, Salvato Teles. Carlos de Oliveira: uma poética do
realismo. O Diário. Lisboa, 24 de abril 1983. p. 6-7.
MORÃO, Paula. Carlos de Oliveira: a matéria da poesia. In:
BASÍLIO, Kelly; GUSMÃO, Manuel (Org.). Poesia & ciência.
Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F. – Groupe Universitaire d’Etudes de
Littérature Française, 1994. p. 137-147.
MOREIRA, Vital. Contribuição para uma bibliografia. Vértice, n.
450 e 451. Lisboa, 1982.
NUNES, Natália. A ressurreição das florestas. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1997.
OROFINO, Orlando. Trabalho poético de Carlos de Oliveira.
[Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa.] Rio de
Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1980.
296
PARRADO, Luís Filipe Praxedes. Por uma voz própria: a
questão intertextual em Terra de Harmonia de Carlos de
Oliveira. [Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa
Contemporânea.] Lisboa: Universidade de Lisboa, 1996.
PEREIRA, José Paulo. Da descrição à memória: uma cartografia
transtornada. [Dissertação de Mestrado em Literatura
Comparada.] Lisboa: Universidade de Lisboa, 1995.
PEREIRA, Maria Eduarda Pais Vassalo. Carlos de Oliveira, “Na
floresta” de O aprendiz de feiticeiro. [Prova complementar para
Doutoramento em Literatura Portuguesa.] Lisboa: Universidade
de Lisboa. 1997.
PIRES, José Cardoso. Sobre o lado esquerdo. Jornal de Letras,
Artes e Ideias. 7-20 jul. 1981. p. 17.
POPPE, Manuel. Um prosador admirável – O aprendiz de
feiticeiro, de Carlos de Oliveira. Diário Popular. Lisboa, 22 abr.
1971. p. 8-10.
REIS, Carlos. Representação lírica e pragmática ideológica.
In: ______. O discurso ideológico do Neorrealismo português.
Coimbra: Almedina, 1983. p. 414- 447.
RODRIGUES, Urbano Tavares. O desejo da perfeição. Jornal de
Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 28 jul. 1992. p. 16-17.
ROSA, António Ramos. Entre duas memórias. Colóquio/Letras,
n. 7. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, maio 1972. p. 80-82.
SANTOS, Acácio Luiz. Construção do tempo em Finisterra, de
Carlos de Oliveira: processos e exegese. [Dissertação de Mestrado
em Literatura Portuguesa.] Rio de Janeiro: Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 1993.
SEIXO, Maria Alzira. Paisagem e narração em Finisterra, de
Carlos de Oliveira. In: ______. A palavra do romance. Lisboa:
Livros Horizonte, 1986. p. 114-123.
297
SILVESTRE, Osvaldo Manuel. Slow motion: Carlos de Oliveira e
a pós-modernidade. Braga: Angelus Novus, 1995.
______ (sel., quadros cronológicos, introd., bibliogr. e notas).
Trabalho poético (antologia) de Carlos de Oliveira. Braga –
Coimbra: Angelus Novus, 1996.
SOARES, Francisco. Ritos de passagem – situação de uma poesia.
Letras & Letras, 18 dez. 199l. p. 6.
SOUZA, João Rui de. Minuciosa, áspera memória. [Resenha sobre
Entre duas memórias, de Carlos de Oliveira.] Crítica. Lisboa, jan.
1972. p. 5-6.
TEIXEIRA, Paulo. Transparência e harmonia. Jornal de Letras,
Artes e Ideias. Lisboa, 2 jul. 1992. p. 18.
TORRES, Alexandre Pinheiro. Em memória (fiel) de Carlos de
Oliveira. Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, jul. 1981. p. 13.
______. Um universo estético. Jornal de Letras, Artes e Ideias.
Lisboa, 2 jul. 1991. p. 17.
VAL, Terezinha de Jesus da Costa. O lugar poético de Casa na
duna. [Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa.] Rio
de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1977.
______. Do feminino em Carlos de Oliveira. Cadernos do 3º
Encontro Nacional Mulher & Literatura, n. 2. Florianópolis, 1989.
p. 138-142.
______. Estrutura/escritura em Casa na duna, de Carlos de
Oliveira. Boletim do Sepesp, n. 4. Rio de Janeiro: UFRJ, 1991. p.
69-80.
______. Finisterra: uma textura em contraponto. Anais do XIII
Encontro de Professores Universitários Brasileiros de Literatura
Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ, FUJB, Fund. Cultural Brasil-
Portugal; Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992. p. 239-
245
298
______. O lugar poético da escrita de Carlos de Oliveira. [Tese
de Doutoramento em Literatura Portuguesa.] Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras,
1994.
VÉRTICE. N. 450/451 [número duplo dedicado a Carlos de
Oliveira, com diversos estudos sobre sua obra]. Lisboa, set./out.,
nov./dez. 1982.
VIÇOSO, Vitor. Finisterra, de Carlos de Oliveira: os simulacros e
as metamorfoses do real. Vértice, II série, n. 38 e 39. Lisboa, 1991.
p. 9-24 e p. 69-78.
299
______. Poesia e composição. Os primeiros livros de Nuno
Júdice. In: ______. Linguagem de fazer, afazeres sem linguagem.
[s.l] Cadernos do Povo-Ensaio, 1997. p. 17-50.
FRIAS, Joana Matos. A fonte da vida (resenha). Cadernos de
Serrúbia, n. 2. Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 1997. p. 92-
97.
GARCIA, José Martins. Crítica doméstica dos paralelepípedos
(resenha). Colóquio/Letras, n. 16. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, nov. 1973. p. 79.
GUERREIRO, António. A intraduzível inquietação. Expresso.
Lisboa, 9 jul. 1988.
GUIMARÃES, Fernando. As inumeráveis águas [resenha].
Colóquio/Letras, n. 21. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
set. 1974. p. 92-93.
______. Nuno Júdice: o conceito e a figura. In: ______. A poesia
contemporânea portuguesa e o fim da modernidade. Lisboa:
Caminho, 1989. p. 119-124.
GUSMÃO, Manuel. Recensão a A noção de poema. Crítica, n. 5.
Lisboa, 3-4 abr. 1972.
LEPECKI, Maria Lúcia. Uma poética intervalar em 26 exemplos.
Diário de Notícias. Lisboa, 24 dez. 1989. p. 8.
______. Entre narrativa e poesia. Diário Popular. Lisboa, 30 nov.
1978. p. I-III.
MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Nuno Júdice. In: ______. Um
pouco da morte. Lisboa: Presença, 1989. p. 247-260.
MARCH, Michael. Ghost, heroes and unread books. Interview
with Nuno Júdice. The New Presence. Internet edition, oct. 1997.
MARQUES, Carlos Vaz. Júdice em causa própria [entrevista].
Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 17 out. 1989. p. 12.
300
MARTINHO, Fernando J. B. Recensão a Nos braços da exígua luz.
Colóquio-Letras, n. 40. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
nov. 1977.
______. Dos compêndios da imaginação aos compêndios do real.
Relâmpago, n. 2. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, abr. 1998.
p. 89-90.
MARTINS, Manuel Frias. Discurso da cultura e campo estético.
In: ______. 10 anos de poesia em Portugal (1974-1984): leitura de
uma década. Lisboa: Caminho, 1986. p. 97-99.
MORÃO, Paula. Recensão a Lira de líquen. Colóquio/Letras, n. 97.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, maio/jun. 1987.
NAVA, Luís Miguel. Mnemónicas para Nuno Júdice. Diário de
Lisboa. Lisboa, 4 jan. 1990. p. 6-7.
______. Nuno Júdice – uma poética da água. Colóquio/Letras, n.
121/122. Lisboa: Calouste Gulbenkian, jul./dez. 1991.
PITTA, Eduardo. O cavalo de Leonardo [sobre Raptos]. Revista
Ler, n. 44. Lisboa, 1999. p. 118-120.
ROCHA, Luís de Miranda. Recensão a A noção de poema. A
Capital. Lisboa, 31 maio 1972. p. 2
ROSA, António Ramos. Nuno Júdice ou a (im)possibilidade da
relação originária. In: ______. A parede azul – estudos sobre
poesia e arte plásticas. Lisboa: Caminho, 1991. p. 107-113.
ROZÁRIO, Denira. Nuno Júdice: “eu sou o poema” [entrevista].
In: ______. Palavra de poeta – Portugal. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1994. p. 279-293.
SAN PAYO, Patrícia. Recensão a Meditação sobre ruínas. Revista
Românica. Lisboa: Cosmos, 1996. p. 196-200.
SANTOS, João Camilo dos. A poesia de Nuno Júdice e a questão
do ser. Lisboa: Colóquio/Letras, n. 135/136. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, jan./jun.1995. p. 186-191.
301
SILVEIRA, Jorge Fernandes da. Recensão a Antero – Vila do
Conde, de Nuno Júdice. Colóquio/Letras, n. 59. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, jan. 1981. p. 73-74.
VIEGAS, Francisco José. Nostalgia e contemporaneidade: a
poesia de Nuno Júdice. In: SEIXO, Maria Alzira (Coord. e pref.).
Poéticas do século XX. Lisboa: Livros Horizonte, 1984. p. 215-226.
302
______. Problemas da poética de Dostoiévski. [Trad. Paulo
Bezerra.] Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.
______. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. [Trad.
Paulo Bezerra.] Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.
______. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
BARRENTO, João. A palavra transversal – literatura e ideias no
século XX. Lisboa: Cotovia, 1996.
______. A herança de Hölderlin. In: ______. Uma seta no coração
do dia. Lisboa: Cotovia, 1998.
BARTHES, Roland. O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix,
1974.
______. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1977.
______ et al. Literatura e realidade: que é o realismo? Lisboa:
Dom Quixote, 1984.
______. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
______. O grão da voz. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
BELO, Fernando. Linguagem e filosofia – algumas questões para
hoje. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. [Trad.,
apres. e notas Sergio Paulo Rouanet]. São Paulo: Brasiliense, 1984.
______. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. 7. ed.
São Paulo: Brasiliense,1994.
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I-II. 2. ed.
São Paulo: Pontes/Unicamp, 1988.
BERMAN, Marshal. Tudo o que é sólido se dissolve no ar. A
aventura da modernidade. Lisboa: Edições 70, l989.
303
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
1998.
BLANC, Mafalda Faria. O diálogo de Heidegger com Hölderlin.
Runa. Revista Portuguesa de Estudos Germanísticos [Colóquio
Interdisciplinar Friedrich Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto
de Estudos Alemães – Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 201-206.
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Lisboa: Relógio D’Água,
1984.
______. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
______. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
BLOOM, Harold. A angústia da influência: uma teoria da poesia.
Rio de Janeiro: Imago, 199l.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.
______. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1996.
BRITO, Casimiro de. Resposta breve seguida de uma deriva pelos
Fragmentos de Babel. Relâmpago, n. 2. Lisboa: Fundação Luís
Miguel Nava, abr. 1998. p. 27-30.
BRONOWSKI, Jacob. Arte e conhecimento – ver, imaginar, criar.
Lisboa: Edições 70, 1983.
BUESCU, Helena Carvalhão. A lua, a literatura e o mundo. Lisboa:
Cosmos, 1995.
______. A memória clássica e o tempo da infância. Reflexões
sobre a temporalidade em Hölderlin e Guérin. Runa. Revista
Portuguesa de Estudos Germanísticos [Colóquio Interdisciplinar
Friedrich Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto de Estudos
Alemães – Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 259-278.
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. [Trad. Ivo
Barroso.] São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
304
______. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo:
Perspectiva, 1977.
CARDOSO, Sérgio et al. Os sentidos da paixão. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
CARVALHO, Sílvia Maria (Org.). Orfeu, orfismos e viagens a
mundos paralelos. São Paulo: Editora da Unesp, 1990.
CASSIRER, Ernst. Linguagem, mito e religião. Porto: Rés, 1976.
CASTRO, E. M. de Melo e. Projecto: poesia. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1984.
______ e BATTELA, Nádia (Org.). O fim visual do século XX e
outros textos críticos. São Paulo: Edusp, 1993.
CHIAMPI, Irlemar (Coord.). Fundadores da modernidade. São
Paulo: Ática, 1991.
COELHO, Eduardo Prado. A palavra sobre a palavra. Porto:
Portucalense, 1972.
______. O reino flutuante. Lisboa: Edições 70, 1972a.
______. A letra litoral. Lisboa: Moraes, 1979.
______. Os universos da crítica. Lisboa: Edições 70, 1982.
______. A mecânica dos fluidos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1984.
______. A noite do mundo. Lisboa: Instituto Nacional – Casa da
Moeda, 1988.
______. Tudo o que não escrevi – diário l (1991-1992). Lisboa:
Asa, 1992.
______. O cálculo das sombras. Lisboa: Asa, 1997.
COELHO, Jacinto do Prado. A letra e o leitor. Lisboa: Portugália,
1969.
305
COELHO, Jacinto do Prado. Portugal imaginário e verdadeiro
na poesia portuguesa. In: Camões e Pessoa, Poetas da Utopia.
Portugal: Publicações Europa-América, 1983, p.129-134.
COHEN, Jean. Estrutura da linguagem poética. 2. ed. São Paulo:
Cultrix, 1978.
COLLOT, Michel. La poésie moderne et la structure d’horizon.
Paris: PUF, 1989.
______; MATHIEU, Jean-Claude. Poésie et altérite. Paris: PUF,
1998. [Actes du colloque de juin 1988 – Rencontres sur la poésie
moderne.]
COMBE, Dominique. Poésie et récit – une rhétorique des genres.
[s.l.]: José Corti, 1989.
COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade.
Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996.
CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna – introdução às teorias
do contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1996.
CRUZ, Gastão. Uma poética da brevidade no contexto do
neorrealismo. A Phala – Um Século de Poesia (1888-1988). Ed.
especial. Lisboa: Assírio & Alvim, dez. 1988. p. 86.
______. Sobre poesia portuguesa contemporânea. Convergência
Lusíada n. 14. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura,
1997. p. 124-126.
______. A poesia portuguesa hoje. 2. ed. corr. e aum. Lisboa:
Relógio d’Água, 1999. [1. ed. Lisboa: Plátano, 1973.]
DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva/
EDUSP, 1974.
______. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
______; GUATTARI, Felix. O que é filosofia? [Trad. Margarida
Barahona e António Guerreiro.] Lisboa: Presença, 1992.
306
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo:
Perspectiva, 1971.
______. A mitologia branca – a metáfora no texto filosófico. In:
______. Margens da filosofia. São Paulo: Papirus, 1991. p. 249-
313.
______. A farmácia de Platão. São Paulo: Iluminura, 1997.
DIOGO, Américo António Lindeza. Modernismo, pós-
modernismo e anacronismo – para uma história da poesia
portuguesa recente. Lisboa: Cosmos, 1993.
DUFRENNE, Mikel. O poético. Porto Alegre: Globo, 1969.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário.
Lisboa: Presença, 1989.
EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998.
ECO, Umberto. Leitura do texto literário – lector in fabula. Lisboa:
Presença, 1983.
______. Sobre os espelhos. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1989.
FAUSTINO, Mario. Poesia-experiência. São Paulo: Perspectiva,
1977.
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. São Paulo: Círculo do
Livro, s.d.
FOKKEMA, Douwe W. Modernismos e pós-modernismo. Lisboa:
Vega, s.d.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas – uma arqueologia
das ciências humanas. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas
Cidades, 1978.
307
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narrativa em Walter
Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1994.
______. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de
Janeiro: Imago, 1997.
GENETTE, Gérard. Palimpsestos: la littérature au seconde degré.
Paris: Seuil, 1982.
______. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, s.d.
GONÇALVES, Joaquim Cerqueira. O saber da poesia e o saber
da ciência. In: BASÍLIO, Kelly; GUSMÃO, Manuel (Org.). Poesia
& ciência. Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F. – Groupe Universitaire
d’Etudes de Littérature Française, 1994. p. 19-28.
GOODMAN, Nelson. Los lenguajes del arte: aproximación a
la teoría de los símbolos. Barcelona: Seix Barral, 1976. [Trad.
Jem Cabanes a partir da 1a. ed. em inglês: Languages of art: an
approach to a theory of symbols.]
______. Modos de fazer mundos. Porto: Asa, 1995.
GUIMARÃES, Fernando. Revisão da moderna poesia portuguesa.
Colóquio/Letras, n. 16. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
mar. 1971. p. 30-44.
______. Um novo caminho na poesia portuguesa contemporânea?
Colóquio/Letras, n. 16. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
set. 1973. p. 30-43.
______. A poesia contemporânea portuguesa e o fim da
modernidade. Lisboa: Caminho, 1989.
______. Conhecimento e poesia. Porto: Oficina Musical, 1992.
______. Simbolismo, modernismo e vanguardas. Lisboa: IN-CM,
1992a.
______. O anel da poesia [entrevista a José Jorge Letria]. Jornal de
Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 2l dez. 1993. p. 16-17.
308
______. Os problemas da modernidade. Lisboa: Presença, 1994.
______. A poesia e o social. Revista Crítica de Ciências Sociais, n.
47. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, fev. 1997. p. 93-99.
GUINSBURG, J. (Org.). Romantismo. 3. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1993.
GUSMÃO, Manuel. Da poesia como razão apaixonada 1. In:
GRAFF, Marc-Ange (Org.). Poesia da ciência. Ciência da poesia.
Lisboa: Escher, 1991. p. 197-216.
______. Da poesia como razão apaixonada 2. In: MONTEIRO,
Ofélia Paiva (Org.). Poesia da ciência. Ciência da poesia. Lisboa:
Escher, 1992. p. 131-141.
______. Da poesia como razão apaixonada 3. In: BASÍLIO, Kelly;
______. (Org.) Poesia & ciência. Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F. –
Groupe Universitaire d’Etudes de Littérature Française, 1994. p.
235-248.
______. Literatura e conhecimento. Sep. de Românica – o lirismo
camoniano (Revista de Literatura – Faculdade de Letras de
Lisboa). Lisboa: Cosmos, 1995. p. 151-167.
______. Transformações da poesia portuguesa no princípio dos
anos 60. Sep. de Actas dos 3º Cursos Internacionais de Verão de
Cascais (8 a 13 jul. 1996). v. 4. Cascais: Câmara Municipal de
Cascais, 1997. p. 189-198.
HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade.
Lisboa: D. Quixote, 1990.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 2. ed.
Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
HARRIES, Karsten. A metáfora e a transcendência. In: SACKS,
Sheldon (Org.). Da metáfora. São Paulo: Educ – Pontes, 1992. p.
77-93.
309
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 7. ed. São Paulo: Loyola,
1992.
HATHERLY, Ana. O espaço crítico: do simbolismo à vanguarda.
Lisboa: Caminho, 1979.
HEIDEGGER, Martin. Sobre o problema do ser. O caminho do
campo. São Paulo: Duas Cidades, 1969.
______. Carta sobre o humanismo. Lisboa: Guimarães, 1987.
______. Conferências e escritos filosóficos. 4. ed. [Coleção Os
Pensadores, 5.] São Paulo: Nova Cultural, 1991.
______. Approche de Hölderlin. Paris: Gallimard, 1996.
______. Ser e tempo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
______. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70,
1999.
HOBSBAWN, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1870. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990.
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua
portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Lisboa: Edições 70,
1989.
______. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio
de Janeiro: Imago, 1991.
HUYSSEN, Andreas. Memórias do modernismo. Rio de Janeiro:
Ed. UFRJ, 1996.
JABOUILLE, Victor et al. Mito e literatura. Sintra: Inquérito,
1993.
JAKOBSON, Roman. O que fazem os poetas com as palavras.
Colóquio/Letras, n. 12. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
mar. 1973. p. 5-9.
310
JAUSS, Hans Robert; ISER, Wolfgang et al. A literatura e o leitor:
textos da estética da recepção. [Sel., trad. e intr. Luiz Costa Lima.]
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
JEAN, Georges. La poésie. Paris: Seuil, 1966.
JENNY, Laurent et al. Intertextualidades. Poétique, n. 27.
Coimbra: Almedina, 1979.
JOBIM, José Luis (Org.). Palavras da crítica. Rio de Janeiro:
Imago, 1992.
KHÉDE, Sonia Salomão (Coord.). Os contrapontos da literatura –
arte, ciência e filosofia. Petrópolis: Vozes, 1984.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva,
1974.
KUBLER, George. A forma do tempo – observações sobre a
história dos objectos. 2. ed. Lisboa: Vega, 1977.
LAKOFF, George. The contemporary theory of metaphor.
In: ORTONY, Andrew (Edt.). Metaphor and thought. 2. ed.
Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 202-251.
LAROUSSE de la langue française – lexis. Paris: Librairie
Larousse, 1985.
LEFEBVRE, Maurice-Jean. Estrutura do discurso da poesia e da
narrativa. Coimbra: Almedina, 1980.
LEPECKI, Maria Lúcia. Meridianos do texto. Lisboa: Assírio &
Alvim, 1979.
LEVIN, Samuel R. Language, concepts and worlds: three domains
of metaphor. In: ORTONY, Andrew (Edt.). Metaphor and thought.
2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 112-123.
LIMA, Luiz Costa. A metamorfose do silêncio. Rio de Janeiro:
Eldorado, 1974.
311
______. .A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
______. Mímesis e modernidade. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
______. Carlos Drummond de Andrade: memória e ficção. In:
______. Dispersa demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1981. p. 159-175.
______. Teoria da literatura em suas fontes. 2. ed. rev. e ampl. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1983. 2 v.
______. O controle do imaginário: razão e imaginação no
Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LINS, Ronaldo Lima. Violência e literatura. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1990.
LOPES, Edward. Metáfora – da retórica à semiótica. São Paulo:
Atual, 1986.
LOPES, Silvina Rodrigues. Aprendizagem do incerto. Lisboa:
Litoral, 1990.
______. A legitimação em literatura. Lisboa: Cosmos, 1994.
LOTMAN, Yuri. La structure du texte artistique. Paris: Gallimard,
1975.
LOURENÇO, Eduardo. Tempo e poesia. Porto: Inova, s.d.
______. Sentido e forma da poesia neo-realista. 2. ed. Lisboa: D.
Quixote, 1983.
______. Ocasionais I (1950-1965). Lisboa: A Regra do Jogo, 1984.
______. Nós e a Europa ou as duas razões. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1988.
______. Nós como futuro. Lisboa: Assírio & Alvim, Cadernos do
Pavilhão de Portugal - EXPO 98, 1998.
312
______. O labirinto da saudade (psicanálise mítica do destino
português). Lisboa: Dom Quixote, 1991.
______. Fernando, rei da nossa Baviera. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1993.
______. A Europa desencantada. Lisboa: Visão, 1994.
______. Da língua como pátria. Jornal de Letras, Artes e Ideias.
Lisboa, 22 jun. 1994. p. 16-17.
______. O canto do signo – existência e literatura. Lisboa:
Presença, 1995.
______. O esplendor do caos. Lisboa: Gradiva, 1998a.
______. O imaginário português no fim do século. Jornal de
Letras, Artes e Ideias. Lisboa, dez.-jan. 2000. p. 20-23.
LYOTARD, Jean-François. O inumano – considerações sobre o
tempo. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1997.
______. O pós-modernismo. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1993.
______. O pós-modernismo explicado às crianças. 2. ed. Lisboa:
D. Quixote, 1993.
MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Dylan Thomas – consequência
da literatura e do real na sua poesia. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982.
______. Os dois crepúsculos – sobre poesia portuguesa actual e
outras crónicas. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981.
______. Um pouco da morte. Lisboa: Presença, 1989.
MAN, Paul de. Lyric and modernity. In: ______ Blindness &
insigt. Londres: Metheuen & Co, University Paperbacks, 1983. p.
166-186.
______. The rhetoric of temporality. In: ______. Blindness &
insigt. Londres: Metheuen & Co, University Paperbacks, 1983. p.
187-228.
313
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia, dos pré-
socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. São Paulo: Círculo do
Livro, s.d.
MARINHO, Maria de Fátima. A poesia portuguesa contemporânea.
Lisboa: Sá da Costa, 1977.
______. O surrealismo em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional –
Casa da Moeda, 1987.
______. A poesia portuguesa nos meados do século XX: rupturas e
continuidades. Lisboa: Caminho, 1989.
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal. 3. ed,, 3v.
Lisboa: Palas, 1986.
MARTINHO, Fernando J. B. Poesia. Colóquio/Letras, n. 78.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, março 1984. p. 17-29.
______. Pessoa em abismo nos anos 80. Colóquio/Letras, n. 88.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, nov. 1985. p. 111-124.
______. Ecos de Hölderlin na poesia contemporânea portuguesa.
Runa. Revista Portuguesa de Estudos Germanísticos [Colóquio
Interdisciplinar Friedrich Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto
de Estudos Alemães – Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 227-242.
______. Tendências dominantes da poesia portuguesa da década
de 50. Lisboa: Colibri, 1996.
MARTINS, Manuel Frias. 10 anos de poesia em Portugal (1974-
1984): leitura de uma década. Lisboa: Caminho, 1986.
MESCHONNIC, Henri. Les états de la poétique. Paris: PUF, 1985.
______. Modernité modernité. Paris: Gallimard, 1993.
______. La poésie comme contre-savoir. In: BASÍLIO, Kelly;
GUSMÃO, Manuel. Poesia & ciência. Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F.
314
– Groupe Universitaire d’Etudes de Littérature Française, 1994.
p. 29-42.
MONIZ, António. Para uma leitura de sete poetas. Lisboa:
Presença, 1997.
MONTEIRO, Adolfo Casais. A palavra essencial. 2. ed. Lisboa:
Verbo, 1972.
MONTEIRO, Hermínio. Surrealismo: do “cadáver-esquisito” ao
gato resplendente andando pela noite. A Phala – Um Século de
Poesia (1888-1988). Ed. especial. Lisboa: Assírio & Alvim, dez.
1988. p. 91-99.
MORÃO, Paula. Viagens na terra das palavras. Lisboa: Cosmos,
1993.
MOUNIN, Georges. Poésie et sociéte. Paris: PUF, 1968.
MOURA, Vasco Graça. Várias vozes. Lisboa: Presença, 1987.
MOURÃO-FERREIRA, David. Vinte poetas contemporâneos.
Lisboa: Plátano, 1980.
NEVES, Margarida Braga. Humanismo e comunicação. Jorge de
Sena, tradutor de Hölderlin. Runa. Revista Portuguesa de Estudos
Germanísticos [Colóquio Interdisciplinar Friedrich Hölderlin],
n. 22. Coimbra: Instituto de Estudos Alemães – Faculdade de
Letras, fev. 1994. p. 243-258.
NOVAES, Adauto et al. Tempo e história. São Paulo: Companhia
das Letras/Secret. Mun. da Cultura, 1992.
NUNES, Benedito. O dorso do tigre. 2 ed. São Paulo: Perspectiva,
1976.
PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1976.
______. O arco e a lira. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1982.
______. Os filhos do barro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
315
______. Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Rio de
Janeiro: Rocco, 1991.
PEREIRA, Miguel Baptista. Modernidade e tempo – para uma
leitura do discurso moderno. Coimbra: Minerva, 1990.
PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado de
argumentação – a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
______. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de
escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
PIMENTA, Alberto. O silêncio dos poetas. Lisboa: A Rega do
Jogo, 1978.
PIRES, Daniel. Dicionário das revistas literárias portuguesas do
século XX. Lisboa: Contexto, 1986.
PLATÃO. Fedro ou da beleza. Lisboa: Guimarães, 1986.
______. A república – diálogo I. 4. ed. Mem Martins: Europa-
América, 1998.
REBELO, Luís de Sousa. Identidade nacional: as retóricas do
seu discurso. In: CRISTÓVÃO, Fernando et al. Nacionalismo e
regionalismo nas literaturas lusófonas [Actas do II Simpósio Luso-
Afro-Brasileiro de Literatura, Lisboa, abril de 1994]. Lisboa:
Cosmos, 1997. p. 21-33.
REIS, Carlos (Apres. crítica, sel., notas e sugestões de leitura).
Textos teóricos do neo-realismo português. Coimbra: Almedina,
1981.
REIS, José Carlos. Tempo, história e evasão. Campinas, São Paulo:
Papirus, 1994.
RELÂMPAGO. N. 2. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, abr.
1998.
316
RIBEIRO, António Sousa. Configurações do campo intelectual
português no pós-25 de abril – o campo literário. In: SANTOS,
Boaventura de Sousa (Org.). Portugal: um retrato singular. Porto:
Afrontamento, 1993. p. 483-512.
RICOEUR, Paul. A metáfora viva. [Trad. de Joaquim Torres da
Costa e António M. Magalhães.] Porto: Rés, s.d.a.
______. Do texto à acção: ensaios de hermenêutica. Porto: Rés,
s.d.b.
______. Tempo e narrativa. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994-
1995-1997. 3 v.
RIFFATERRE, Michael. A ilusão referencial. In: BARTHES,
Roland et al. [Apres. Tzvetan Todorov.] Literatura e realidade.
Lisboa: Dom Quixote, 1984. p. 99-128.
ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Literatura –
texto. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989. v. 17.
______. Enciclopédia Einaudi. Tempo – temporalidade. Lisboa:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1993. v. 29.
______. Enciclopédia Einaudi. Memória – história. Lisboa:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1997. v. 1
ROSA, António Ramos. Poesia, liberdade livre. Lisboa: Morais,
1962.
______. A alteridade na poesia moderna. Jornal de Letras, Artes e
Ideias. Lisboa, 14 fev. 1989. p. 32.
______. A poesia moderna e a interrogação do real I-II. Lisboa:
Arcádia, 1979-1980.
______. Incisões oblíquas. Lisboa: Caminho, 1987.
______. A parede azul – estudos sobre poesia e arte plásticas.
Lisboa: Caminho, 199l.
317
ROUANET, Sergio Paulo. Razões do iluminismo. 4. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
______. Mal-estar na modernidade. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
______; MAFFESOLI, Michel. Moderno pós-moderno. Rio de
Janeiro: UERJ, 1994.
SACKS, Sheldon (Org.). Da metáfora. São Paulo: Educ – Pontes,
1992.
SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social
e o político na pós-modernidade. 2. ed. São Paulo: Cortez,
1996.
SANTOS, Maria Irene Ramalho de Sousa. A poesia e o sistema
mundial. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Portugal: um
retrato singular. Porto: Afrontamento, 1993. p. 483-512.
SEABRA, José Augusto. Poligrafias poéticas. Porto: Lello & Irmão,
1994.
SEIXO, Maria Alzira. Discursos do texto. Lisboa: Bertrand, 1977.
______ (Coord.). Poéticas do século XX. Lisboa: Horizonte, 1984.
______. A palavra do romance. Lisboa: Horizonte, 1986.
______. Poétique de la connaissance, ou comment dire le monde.
In: GRAFF, Marc-Ang (Org). Poesia da ciência – ciência da
poesia. Lisboa: Escher, 1991. p.47-57.
SENA, Jorge de. Dialécticas teóricas da literatura. Lisboa: Edições
70, 1977.
318
______. Dialécticas aplicadas da literatura. Lisboa: Edições 70,
1971.
______. Trinta anos de Camões (1948-1978). Lisboa: Edições 70,
1978. v.2
______. Fernando Pessoa & Cª Heterónima (estudos coligidos –
1940-1978). Lisboa: Edições 70, 1984.
______. O reino da estupidez I. Lisboa: Edições 70, 1984.
______. Estudos de literatura portuguesa III. Lisboa: Edições 70,
1988.
SILVA, Augusto Santos; JORGE, Vítor Oliveira. Existe uma
cultura portuguesa? [Mesa redonda, Porto, 1992, org. Sociedade
Portuguesa de Antropologia e Etnologia]. Porto: Afrontamento,
1993.
SILVA, Márcio Seligmann. Ler o livro do mundo – Walter
Benjamin: Romantismo e crítica literária. São Paulo: Iluminuras,
1999.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 8. ed., v.1.
Coimbra: Almedina, 1996.
SILVEIRA, Jorge Fernandes da. Portugal: maio de poesia 6l.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986.
______. Os postugueses. Folhetim/Folha de São Paulo. São Paulo,
22 abr. 1988. p. 2-5.
______. Escrever Portugal. Uma leitura em quatro fragmentos e
com um diálogo intertextual. Letras & Letras, n. 34. Lisboa, out.
1990. p. 15-16.
______. A casa do império. Cânones & contextos, v.3. [Anais do
5º Congresso Abralic]. Rio de Janeiro: Abralic, 1997. p. 531-537.
______ (Org.). Escrever a casa portuguesa. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1999.
319
SMITH, Anthony. A identidade nacional. Lisboa: Gradiva, 1997.
SPINA, Segismundo. Introdução à poética clássica. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
STEINER, George. Extraterritorial – a literatura e a revolução da
linguagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
TAVANI, Giuseppe. Poesia e ritmo. Lisboa: Sá da Costa, 1983.
TODOROV, Tzvetan et al. Poétique – o discurso da poesia, n. 28.
[Trad. Leocádia Reis e Carlos Reis.] Coimbra: Almedina, 1982.
TRAVESSIA. Fins do moderno I. [Revista de literatura – UFSC.]
Florianópolis: Editora da UFSC, 1980.
VATTIMO, Gianni. Introdução a Heidegger. Lisboa: Edições 70,
1989.
______. Tratado lógico-filosófico. Investigações filosóficas. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
______. O fim da modernidade – niilismo e hermenêutica na
cultura pós-moderna. Lisboa: Presença, 1987.
VICENTE, Gil. Obras completas. [Coord. texto, introd. notas e
glossário, Álvaro da Costa Pimpão.] Porto: Civilização, 1979.
XIRAU, Ramón. Borges refuta o tempo. In: ______. Ensaios
críticos e filosóficos. São Paulo: Perspectiva, 1975.
320
ANEXO
Poesia
1972 – A Noção de Poema, Publicações Dom Quixote, Lisboa.
O Pavão Sonoro, «in «Novembro».
1973 – Crítica Doméstica dos Paralelepípedos, Publicações Dom
Quixote, Lisboa.
1974 – As Inumeráveis Águas, Assírio & Alvim, Lisboa.
1975 – O Mecanismo Romântico da Fragmentação (Prémio Pablo
Neruda), Inova, Porto.
1976 – Nos Braços da Exígua Luz, Arcádia, Lisboa.
1978 – O Corte na Ênfase, Inova, Porto.
1981 – O Voo de Igitur num Copo de Dados, & etc., Lisboa.
1982 – A Partilha Dos Mitos, A regra do Jogo, Lisboa.
1985 – Lira de Líquen (Prémio de Poesia do Pen Clube), Rolim,
Lisboa.
1988 – A Condescendência do Ser, Quetzal, Lisboa.
1989 – Enumeração de Sombras, Quetzal, Lisboa.
1990 – As Regras da Perspectiva (Prémio D. Dinis da Fundação
Casa de Mateus), Quetzal, Lisboa.
1991 – Uma Sequência de Outubro, Comissariado para a
Europália, Lisboa.
322
2012 – Fórmulas de uma luz inexplicável, Dom Quixote, Lisboa.
2013 – Navegação de acaso, Dom Quixote, Lisboa.
2014 – O fruto da gramática, Dom Quixote, Lisboa (Prémio
Tabula rasa).
2015 – A convergência dos ventos, Dom Quixote, Lisboa (Prémio
Literário António Gedeão da FENPROF).
2017 – O mito de Europa, Dom Quixote, Lisboa (Prémio Francisco
Sá de Miranda da Câmara Municipal de Amares).
2018 – A pura impressão do amor, Dom Quixote, Lisboa.
O mistério da beleza, Inéditos Expresso.
2019 – Estudos para um quadro, Nova Mymosa, (ed. limitada, 75
exemplares).
2019 – O coro da desordem, Dom Quixote, Lisboa (Prémio de
Poesia do Pen Clube).
2020 – Regresso a um cenário campestre, Dom Quixote, Lisboa
(prémio Maria Amália Vaz de Carvalho APE- Câmara Municipal
de Loures).
2021 – Uma tabuada de expectativas, Nova Mymosa, (ed. limitada,
75 exemplares).
Ficção:
1977 – Última Palavra: «sim», & etc., Lisboa.
1981 – Plâncton, Contexto, Lisboa.
1982 – A Manta Religiosa, Contexto, Lisboa.
1984 – O Tesouro da Rainha de Sabá, Conto Pós-Moderno, Rolim,
Lisboa.
1984 – Adágio, Quetzal, Lisboa.
1994 – A Roseira de Espinho, Quetzal, Lisboa.
323
1997 – A Mulher Escarlate, Brevíssima, Contexto-Civilização.
1998 – Vésperas de Sombra, Quetzal, Lisboa.
1999 – Por Todos os Séculos, Quetzal, Lisboa (Prémio Bordalo da
Casa da Imprensa).
2000 – A Árvore dos Milagres, Quetzal, Lisboa.
2003 – A Ideia do Amor e Outros contos, Publ. Dom Quixote,
Lisboa.
2004 – O anjo da tempestade, Publ. Dom Quixote, Lisboa. (Prémio
Fernando Namora da Sociedade Estoril-Sol).
2004 – O segredo da mãe, conto inspirado na obra de Graça
Morais, Quetzal, Lisboa.
2007 – O enigma de Salomé, Teorema, Lisboa.
2009 – Os passos da cruz, Dom Quixote, Lisboa.
2011 – O complexo de Sagitário, Dom Quixote, Lisboa.
2013 – A implosão, Dom Quixote, Lisboa
2016 – A conspiração Cellamare, Dom Quixote, Lisboa.
2018 – O café de Lenine, Dom Quixote, Lisboa.
Ensaio:
1986 – A Era de «Orpheu», Teorema, Lisboa.
1991 – O Espaço do Conto no Texto Medieval, Vega, Lisboa..
1992 – O Processo Poético, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
Lisboa.
Portugal, Língua e Cultura, Comissariado para a Exposição de
Sevilha.
1993 – Voyage dans un Siècle de Littérature Portugaise,
L’Escampette, Bordéus.
324
1997 – Viagem por um século de literatura portuguesa, Relógio
d’Água, Lisboa.
1998 – As Máscaras do Poema, Árion, Lisboa.
2005 – A viagem das palavras, Edições Colibri, Lisboa.
2005 – O fenómeno narrativo, do conto popular à ficção
contemporânea, Edições Colibri, Lisboa.
2006 – A certidão das histórias, Apenas Livros, Lisboa.
2010 – Abc da crítica, Dom Quixote, Lisboa.
2019 – Camões Por cantos nunca dantes navegados, Sibila, 2019.
(Prémio Jacinto do Prado Coelho da Associação Portuguesa de
Críticos Literários).
Teatro:
1979 – Antero – Vila do Conde, & etc, Lisboa.
1993 – Flores de Estufa, Quetzal, Lisboa.
2005 – Teatro, Artistas Unidos/Livros Cotovia, Lisboa.
2010 – O peso das razões, Assembleia da República, Lisboa.
2017 – Mulheres de Húmus, Cosmorama Edições, Maia.
Argumentos cinematográficos:
1975 – Brandos costumes de Alberto Seixas Santos, texto e
diálogos com Luísa Neto Jorge a partir do argumento de Alberto
Seixas Santos.
1978 – O construtor de anjos de Luís Noronha da Costa, argumento
e diálogos.
1982 – Gestos & fragmentos de Alberto Seixas Santos, texto e
diálogos com Robert Kramer.
325
Edições críticas e antologias:
1977 – Novela Despropositada de Frei Simão António de Santa
Catarina, o Torto de Belém, Assírio & Alvim.
1981 – Poesia de Guerra Junqueiro, col. Textos Literários, Ed.
Comunicação, Lisboa.
1981 – Poesia Futurista Portuguesa (Faro 1916-1917), Regra do
Jogo, Lisboa.
1992 – Sonetos de Antero de Quental, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda.
1993 – Poesia Futurista Portuguesa (Faro 1916-1917) , 2ª ed.
revista, Vega.
1998 – Cancioneiro de D. Dinis, Teorema, Lisboa.
2003 – Cancioneiro de D. Dinis, 2ª edição revista e corrigida,
Planeta de Agostini, Lisboa.
2005 – Infortúnios trágicos da Constante Florinda de Gaspar Pires
Rebelo, Teorema, Lisboa.
2016 – Nueve poetas portugueses para un novo siglo, (org.) UNAM,
México.
2018 – Cartas portuguesas, Cartas duma religiosa portuguesa e
Cartas familiares de uma ilustre desconhecida, Sibila publicações,
Lisboa.
Traduções:
1997 – Corneille, Sertório, Cotovia. Lisboa.
1999 – Corneille, A Ilusão Cómica, ed. Teatro Nacional S.
João,Porto.
2000 – Emily Dickinson, Poemas e Cartas, Cotovia, Lisboa.
2001 – Jorge de Montemor, Diana, Teorema, Lisboa.
326
2006 – Molière, D. João, Campo das Letras, Porto.
2010 – Poemas de amor de Pablo Neruda, Dom Quixote, Lisboa.
2011 – Um país que sonha (Cem anos de poesia colombiana),
Assírio @ Alvim, Lisboa.
2012 – Os versos do navegante, Antologia de Álvaro Mutis, Assírio
& Alvim, Lisboa.
2013 – Cyrano de Bergerac de Edmond de Rostand, Bichodomato,
Teatro Nacional D. Maria II.
2014 – Jaime Siles, Duas janelas, Não edições, Lisboa.
2014 – Juan Manuel Roca, Os cinco enterros de Pessoa, Glaciar,
Lisboa.
2014 – Jenaro Talens, De(s)apariciones, De(s)aparições/Di(s)
paritions, Segundo Santos Ediciones, Cuenca.
2015 – María Gómez Lara, Nó de sombras, Glaciar.
2015 – Mariana Bernárdez, Escreve-me nos olhos, Glaciar.
2016 – Adonis, O arco-íris do instante, D. Quixote.
2016 – William Shakespeare, Tanto amor desperdiçado,
Bichodomato.
2018 – Luis García Montero, As lições da intimidade, Abysmo.
2019 – Gérard d’Houville (Marie de Régnier), A inconstante,
Sibila.
2019 – Luis Vélez de Guevara, Reinar depois de morrer, Companhia
de teatro de Almada.
2021 – Jidi Majia, Planeta dilacerado, Sibila publicações.
327
Obras publicadas noutros países:
ALBÂNIA
2007 -Meditime mbi rrënoja, ed. Koçi, Tirana. (Trad. Anton
Papleka).
BÉLGICA
1997 – La Condescendance de l’être, Le Taillis Pré. (Trad. Michel
Chandeigne).
2000 – Le mouvement du monde, Le Taillis Pré. (Trad. Michel
Chandeigne).
BRASIL
2004 – Por dentro do fruto a chuva, Antologia poética, org. Vera
Lúcia de Oliveira, Escrituras, São Paulo.
BULGÁRIA
1999 – Lirika, Karina M., Sófia (trad. Georgi Mitzkov).
2009 – O mais simples (Poemas 2000-2009), Farrago, Sófia (trad.
Sidónia Pojarlieva).
CHINA
2017 – Variation on roses, The Chinese University Press, IPNHK,
Hong Kong.
COLÔMBIA
2013 – Defensa de lo sublime, Taller de Edición, Rocca, Bogotá
(trad. Lauren Mendinueta).
2014 – Breve Tratado de Pintura, Frailejón Editores, Medellin
(Traducción: Elkin Obregón S.)
328
DINAMARCA
1998 -Vandlinier, Brondum. Tastrup. (Trad. Merete Nissen e Per
Aage Brandt).
ESPANHA
1996 – Un canto en la espesura del tiempo, Ultimos contemporáneos,
Calambur, madrid (Trad. José Luis Puerto).
2001 – Antología, Visor dePoesia, Madrid. (Trad. Vicente
Araguas).
2008 – Tú, a quien llamo amor (Antología), Poesia Hiperión,
Madrid (Trad. Jesús Munárriz).
2013 – Devastación de sílabas, Ediciones Universidad de
Salamanca, Patrimonio Nacional, Edición, introducción y
selección de Pedro Serra.
2014 -El orden de las cosas, Editorial Pre-Textos, Madrid-Buenos
Aires-Valencia. (trad. Juan Carlos Reche)
2014 – Navegación sin rumbo, Editora Regional de Extremadura,
Mérida. (trad. Luis Marina)
El fruto de la gramatica, Valparaíso Ediciones (Trad. José Ángel
García Caballero.
2015 – Cantar de los cantares, Santos Ediciones, Cuenca (trad.
Jenaro Talens).
2016 – Implosión, Letour1987, Extremadura, (trad. Mario
Quintana).
FRANÇA
1990 – Enumération d’ombres, Editions de Royaumont, Paris.
(Trad. Michel Chandeigne).
329
1993 – Les degrés du regard, L’Escampette, Bordeaux. (Trad.
Michel Chandeigne).
1996 – Un chant dans l’épaisseur du temps suivi de Méditations sur
des ruines, Poésie/Gallimard, Paris. (Trad. Michel Chandeigne).
2000 – Lignes d’eau, Fata Morgana, Cognac (Trad. Jean-Pierre
Léger)..
2000 – Traces d’ombre, Ed. Metailié, Paris. (Trad. Geneviève
Leibrich).
2001 – Jeux de reflets, Ed. Chandeigne, Paris. (Trad. Michel
Chandeigne).
2003 – Pedro, évoquant Inês, Ed. Fata Morgana, Cognac. (trad.
Marie-Claire Vromans).
2006 – Source de vie, Ed. Fata Morgana, Cognac (trad. Marie-
Claire Vromans).
2006 – L’ange de la tempête, La Différence. (Trad. Cécile Lombard).
2011 – Géométrie variable, Vagamundo, Pont-Aven (trad. Cristina
de Melo).
2011 – Le mystère de la beauté, Editions Potentille (Trad. Lucie
Bibal et Yves Human).
2013 – Portugal : Un voyage dans le temps, Photographies de
Bernard Cornu, Les Perséides, Bécherel (éd. billingue, trad.
Anne-Marie Quint).
2013 – Histoire de chien, Vagamundo, Pont-Aven (tradução
francesa de Cristina Isabel de Melo e inglesa de Graham
macLachlan).
2015 – Le sentiment fugace de l’éternel suivi de Géographie du
chaos, Revue Nunc/Editions de Corlevour, Mayenne, (Trad.
Béatrice Bonneville- Humann e Yves Humann).
330
2015 – Manuel de notions essentielles, Atelier la Feugraie, Saint-
Pierre-la-Vieille (Trad. Béatrice Bonneville- Humann e Yves
Humann).
2017 – Navigation à vue, Revue Nunc/Editions de Corlevour,
Mayenne, (Trad. Béatrice Bonneville- Humann e Yves Humann).
2018 – Le nom de l’amour, La Nouvelle Escampette, Clermont-
Ferrand. (Trad. Max de Carvalho)
2019 – O labirinto do amor, Cahiers de l’Approche, Angoulême
(trad. Lucette Petit).
2020 – Le mythe d’Europe, Revue Nunc/Editions de Corlevour,
Mayenne, (Trad. Béatrice Bonneville- Humann e Yves Humann).
GRÉCIA
2006 – Por todos os séculos, Lagoudera, Atenas. (Trad. Nikos
Pratsinis).
HOLANDA
1998 – Recept om blauw te maken, Wagner & Van Santen,
Dordrecht. (Trad. August Willemsen).
2005 – De emotie in Kaart Gebracht, Wagner & Van Santen,
Dordrecht. (Trad. August Willemsen).
2019 – Het licht van Lissabon, Kleinood Grootzer. (Trad. Willem
M. Roggeman).
IRÃO
2009 -Meditação sobre ruínas, Teerão.
ISRAEL
2000 – Meditação sobre ruínas, Carmel, Telavive (Trad. Aharon
Shamir).
331
ITÁLIA
1991 – La poesia corrompe le dita, Colpo di fulmine Edizioni,
Verona (Trad. Adelina Aletti).
1994 – Adagio, Sestante, Ripatransone. (Trad. Fabio Pusterla).
2011 – A te che chiamo amore, Kolibris edizioni, Bologna, (trad.
Chiara de Luca).
2015 – La matéria della poesia, Kolibris edizioni, Bologna, (trad.
Chiara de Luca). Prémio Internacional Casa da Poesia de Como.
2017 – Formule di una luce inesplicable, Kolibris edizioni, Bologna,
(trad. Chiara de Luca). Prémio Internacional de poesia Camaiore.
2020 – La Cospirazione Cellamare, Grimaldi & C. Editori, Nápoles
(trad. Maria Luisa Cusati).
2021 -Ritorno allo scenario campestre, Delta 3 Edizioni, (trad.
Matteo Puppilo e Eleonora Rimolo).
LUXEMBURGO
2009 – Die Haut der Erde, Editions Phi, Institut Pierre Werner,
Luxemburg (trad. colectiva).
MARROCOS
2011 – A fonte das imagens, Antologia poética, Dar Attaouhidi,
Rabat (Trad. Said Benabdelouahed).
MÉXICO
1999 – Teoría general del sentimiento, Trilce, México (Trad. Blanca
Luz Pulido).
2010 – El misterio de la belleza, Universidad autónoma de Nuevo
Léon, (Trad. Blanca Luz Pulido).
332
2014 – A pedra do poema, Antología personal (2001-2013),
UNAM. (Trad. Marco Antonio Campos).
2018 – Meditación sobre ruinas, Textofilia, Univeridad Autónoma
de Nuevo León (trad. Blanca Luz Pulido).
2018 – La maleta del poeta, Trilce (trad. José Xaviedr Villarreal).
ROMÉNIA
2019 – Materia Poeziei, Editura Muzicala,Bucareste.
REPUBLICA CHECA
1999 – Sarlatová Zená, Argo, Praga. (Trad. Pavla Lidmilová).
SUÉCIA
1998 – Kallskrift, Aura Latina, Malmö. (Trad. Lasse Söderberg).
2012 – Ana Luísa Amaral, Nuno Júdice, Vasco Graça Moura,
Vintergatan asfalteras i vitt, Almaviva, Uppsala (trad. Marianne
Sandels).
2015 – Fritt navigerande, Almaviva, Uppsala (trad. Marianne
Sandels).
USA
2020 – The religious mantle, New Meridian Arts (trad. David
Swartz).
333
VENEZUELA
1996 – Antología poética, Ed. Angria, Caracas.(trad. Eduardo
Estévez en colaboración con Neni Tábora).
VIETNAM
1999 – Tutên tap tho, ed. Trinh Bay. (Trad. Diem Chau).
334
Que este livro dure até antes do fim do mundo.