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Ouro Preto
2020
THAIS PADULA TROMBETA
CDU 711.4:719
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Orientador(a)
________________________________________
Avaliador 1
_______________________________________
Avaliador 2
Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira reconhecida pela UNESCO como
Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1980. A patrimonialização da cidade irá trazer
mudanças para sua conformação socio espacial, principalmente, devido ao marketing
urbano ligado a sua imagem. Dessa forma, a cidade, apropriada pelo sistema
neoliberal, é mercantilizada e os produtores do espaço – motivados pelo poder do
capital – priorizam a fruição apenas para alguns usuários, que fomentam a indústria
cultural, deixando a população local em último plano e fragilizando não só as relações
de permanência, mas também de pertencimento com o espaço urbano. A partir do
estudo do TFG “Mudanças nas formas de uso em Espaços Urbanos
Patrimonializados: o caso da Rua Direita de Ouro Preto/MG” – de autoria de Sibele
Fernanda de Paula Passos e desenvolvido no DEARQ/UFOP, propomos aprofundar
na pesquisa do processo de gentrificação que está em curso na Rua Direita,
expulsando e distanciando a população local. Todavia, sabe-se que existem ouro
pretanos presentes na rua. O presente trabalho pretende questionar e entender em
que condições essas pessoas ali permanecessem, através da elaboração de uma
cartografia social para identificar quem são, em quais bairros residem, qual o tempo
de permanência e sua relação com a rua Direita, quais seus modos de uso e
apropriação cotidiana desse espaço urbano, suas lidas, lutas, resistências e táticas
de ocupação frente a lógica neoliberal.
Ouro Preto was the first Brazilian city recognized by UNESCO as a Cultural
Heritage of Humanity in 1980. The heritage of the city will bring changes to its socio-
spatial conformation, mainly due to the urban marketing linked to its brand, which is
sold nationally and internationally. Therefore, the city, appropriated by the neoliberal
system, is commodified and the producers of space - motivated by the power of capital
- prioritize the enjoyment of the city only for some users, who foster the cultural
industry, leaving the local population in the background and weakening. not only the
relations of permanence, but also weakening the relations of belonging with the urban
space. From the TFG “Changes in the ways of use in Heritage Urban Spaces: the case
of Rua Direita de Ouro Preto / MG” - authored by Sibele Fernanda de Paula Passos,
it was possible to see the process of gentrification that is underway at Rua Direita,
expelling and distancing the local population. However, it is known that there are some
ouro pretanos still present on the street. This work intends to question and understand
under what conditions the neoliberal logic allowed these people to stay there, through
the elaboration of a social cartography to identify who they are, in which neighborhoods
they live, how long they stay and their relationship with Rua Direita.
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 6
2 ESPAÇOS URBANOS PATRIMONIALIZADOS .................................................. 9
2.1 A Cidade Patrimonializada .......................................................................... 9
2.2 Processos de Gentrificação, Expulsão e Turistificação ......................... 14
2.3 A Rua Direita em Ouro Preto ..................................................................... 20
2.3.1 Evolução Urbana de Ouro Preto ............................................................ 20
2.3.2 Sobre Processos de Gentrificação na rua direita................................... 29
3 OS OURO-PRETANOS E A RUA DIREITA NA CONTEMPORANEIDADE ...... 37
3.1 A cartografia como Metodologia............................................................... 37
3.1.1 Construindo a cartografia social ............................................................ 40
3.1.2 Elaborando a Metodologia da Cartografia Social .................................. 41
3.1.3 COVID-19: sobre cartografar em épocas pandêmicas .......................... 41
3.2 Quem são os ouro-pretanos na Rua Direita ............................................ 47
3.2.1 Caminhos percorridos por ouropretanos que trabalham no espaço
urbano patrimonializado...................................................................................... 48
3.2.2 Atividades de fruição no território patrimonializado sob a ótica dos
trabalhadores ...................................................................................................... 56
3.2.3 Perspectivas dos moradores de Ouro Preto para a Rua Direita ............ 64
4 SOBREPOSIÇÕES E LEITURAS ...................................................................... 68
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 81
1 INTRODUÇÃO
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espacial, cidades parque temático) e ao Planejamento Urbano no Brasil, além de
estudo sobre a evolução urbana de Ouro Preto e definição da cartografia como
método. Dessa maneira, no Trabalho final de Graduação 2 será elaborada uma
cartografia social, a partir de um trabalho de campo realizado na Rua Direita,
identificando quem são os ouro-pretanos presentes, hoje, na rua, qual o uso e sua
ocupação, seu local de origem/moradia e tempo de permanência na mesma. Após
finalizado o processo da cartografia, serão elaboradas sobreposições e leituras da
cartografia social realizada neste estudo com TFG utilizado como referência para este
trabalho e, assim, problematizar, não só em as relações de permanência da população
autóctone na rua Direita, mas também suas relações de pertencimento. O objetivo é
para além de reconhecer o processo de gentrificação já constatado no Trabalho da
Sibele Passos identificar que população ocupa hoje essa rua e dentre essa quem são
os ouro-pretanos, onde estão e quais atividades desenvolvem nessa rua.
Os conceitos contemporâneos de patrimônio cultural entendem a importância
da preservação para além do bem material e histórico, ou seja, o objeto por si só –
preservado – não se faz útil sem que haja pessoas que o utilizem, que o signifiquem;
a preservação de conjuntos urbanos se faz necessária para a população e para suas
gerações futuras. Logo, é necessário haver usuários que ressignifiquem e atualizem
suas relações com estes espaços, não só alguns usuários, pré selecionados por
critérios do sistema neoliberal, mas também a população da cidade como um todo.
Sendo assim, a partir do referido TFG sobre as mudanças nos usos da rua Direita nas
últimas décadas, foi possível constatar o processo de gentrificação que vem
ocorrendo, e concluiu-se que apenas uma pequena parcela da população – atores
selecionados pela indústria cultural – mantém relações de permanência para com a
rua, devido ao tipo de comércios e serviços que hoje a constituem. Entretanto, o
conceito de gentrificação pode ser aprofundado, já que foi possível observar que ainda
há moradores de Ouro Preto que permanecem na rua; todavia, estas pessoas estão
presentes da forma que a lógica neoliberal permitiu, como trabalhadores formais ou
informais. Portanto, cartografar quem são essas pessoas e onde moram na cidade,
corrobora para o entendimento sobre qual situação ainda estão presentes entre ouro-
7
pretanos e a rua Direita. Para quem o espaço urbano está sendo patrimonializado?
Existe justiça social no espaço urbano patrimonializado?
8
2 ESPAÇOS URBANOS PATRIMONIALIZADOS
9
Já no final do século XIX, o arquiteto e historiador Camillo Sitte lança seu livro
Städtebau, no qual aborda os conjuntos urbanos antigos de forma histórica, para ele,
enquanto a “cidade contemporânea é assumida em toda sua extensão e positividade”
(CHOAY, 2001, p.182), a cidade pré industrial torna-se obsoleta, pertencente ao
passado – em oposição a Ruskin, que defendia habitar esses espaços urbanos como
se fazia nos tempos antigos. Dessa forma, Sitte observa o papel histórico das cidades
antigas, todavia, no que diz respeito apenas ao seu valor estético, o que o leva a
realizar diversos estudos sobre plantas de malhas e sítios urbanos antigos,
observando seus traçados e vazios urbanos. Por esse motivo, ele será o fundador da
morfologia urbana, deixando em seu livro grandes contribuições para o urbanismo no
que diz respeito ao traçado urbano.
Foi a partir do século XX, que as cidades antigas passaram a ser observadas
de outra forma: as cidades param de ser preservadas como objeto museal – como
obra de arte em um museu –, e passam a ser consideradas como tecidos vivos. Ou
seja, as cidades antigas são vistas tanto para além da visão de Ruskin (a cidade como
figura memorial, conservada para ser imutável), quanto para além da visão de Sitte (a
cidade como figura histórica, utilizada como fonte para estudos). O teórico Giovannoni
foi pioneiro na utilização do termo Patrimônio Urbano, foi o responsável por sintetizar
a figura memorial e a figura histórica das cidades, atribuindo, ao mesmo tempo, o valor
de uso e o valor museal às cidades antigas, referindo-se a estas como ‘organismos
cinéticos’ (CHOAY, 2001). Portanto, Giovannoni evidencia a “conservação de
conjuntos antigos para a história, para arte e para a vida presente [...], a cidade do
presente e, mais ainda, a do futuro estarão em movimento.” (CHOAY, 2001, p. 195).
Assim, é nesse contexto que se concretiza a Carta de Atenas de 1931 (“a do
restauro”), a qual voltou-se à preservação e restauro do patrimônio, por isso,
ressaltava a importância de aspectos técnico-construtivos, aspectos legais e
princípios básicos da ação de conservação de conjuntos urbanos de forma oficial.
Porém, houve oposição do conselho formado por modernistas integrantes do CIAM1,
1O Congresso Internacional de Arquitetura Moderna foi fundado em 1928, na Suiça, por um grupo de
arquitetos modernistas com o objetivo de discutir as diversas instâncias da arquitetura, urbanismo e
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pois contestavam os princípios da Carta e defendiam a destruição de malhas antigas
em prol da urbanização (com exceção de alguns monumentos considerados ícones).
Nesse mesmo ano, Giovannoni lança seu livro Vecchie città ed ediliza nuova, no qual
abordará sua doutrina de conservação e preservação do patrimônio urbano:
“Em primeiro lugar, todo fragmento urbano antigo dever ser integrado a um
plano diretor (piano regolatore) local, regional e territorial, que simboliza sua
relação com a vida presente. [...] Em seguida, o conceito de monumento
histórico não poderia designar um edifício isolado, separado do contexto das
construções no qual se insere, [...] o entorno do monumento mantém com ele
uma relação essencial. Finalmente, preenchidas essas primeiras condições,
os conjuntos urbanos antigos requerem procedimentos de preservação e
conservação análogos aos definidos por Boito para os monumentos [...] que
tem por objetivo essencial respeitar sua escala e sua morfologia [...]. Admite-
se, portanto, uma margem de intervenção limitada pelo respeito ao ambiente
[...].” (CHOAY, 2001, p. 200-201)
design, além de difundir os conceitos do Movimento Moderno. Entre os fundadores estavam arquitetos
influentes da época como Le Corbusier e Hannes Meyer.
2 Para Léfèbvre (2001, p. 135), o “direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito
à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar”.
11
produção econômica. Portanto, foram propostas renovações em cidades
consolidadas, onde apontavam como solução para mobilidade, o automóvel. Assim,
os espaços urbanos foram sendo tornados, pouco a pouco, insustentáveis não só,
economicamente e sustentavelmente, mas também, socialmente, resultando em
cidades desiguais e injustas.
No ano de 1972, em Paris, é criada a Convenção à Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural, na décima sétima sessão da Conferência Geral da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, adotada pela
Assembleia geral da UNESCO. Nesta Convenção, são criados parâmetros, diretrizes
e conceitos para regularizar a proteção do patrimônio em escala mundial, entendendo
que o patrimônio deveria ser de responsabilidade não só do Estado, em escala
nacional, mas também de toda a humanidade, para que assim, possa ser usufruído
pelas gerações futuras, acarretando, dessa maneira, em uma mundialização dos
valores e referências ocidentais – e também a democratização do saber –, culminando
na expansão do campo cronológico e tipológico do patrimônio. Sendo assim, os
países que validaram as diretrizes acordadas na Convenção, deveriam assumir o
compromisso de colaborar para a preservação, além de valorizar o patrimônio, já que
o mesmo seria de interesse da coletividade universal presente e futura.
Entretanto, com a mundialização das questões patrimoniais, começaram a
surgir questionamentos sobre a relação entre proteção do patrimônio cultural e o
direito à cidade, evidenciando se a proteção do patrimônio cultural contribui
efetivamente para o desenvolvimento das funções sociais da cidade, reascendendo
questões levantadas por Giovannoni há mais de quatro décadas. Para Simão,
13
também produtos culturais, fabricados, empacotados e distribuídos para
serem consumidos. A metamorfose de seu valor de uso em valor econômico
ocorre graças à ‘engenharia cultural’, vasto empreendimento público e
privado, a serviço do qual trabalham grande número de animadores culturais,
profissionais de comunicação, agentes de desenvolvimento, engenheiros,
mediadores culturais. Sua tarefa consiste em explorar os monumentos por
todos os meios, a fim de multiplicar indefinidamente o número de visitantes”
(CHOAY, 2001, p. 211)
14
privatização de empresas públicas alastra-se pelos países capitalistas, e a
governança urbana é gradativamente substituída pelo empreendedorismo urbano.
Além disso, a globalização – fenômeno econômico, político e ideológico – irá acentuar
e contribuir para esse processo devido aos investimentos pesados de grandes
corporações. Com a reestruturação econômica, instaura-se o sistema neoliberal, o
qual é marcado pela descentralização do estado e afirmação do poder local, onde a
soberania do mercado prevalece, esta é favorecida não só pelas parcerias público
privadas, mas também pela auto gestão dos serviços coletivos. Portanto, a
reestruturação produtiva trás mudanças para as atividades econômicas, para a
composição tecnológica de produção, para as relações de trabalho e aumenta a
mobilidade do capital; todas essas mudanças irão implicar, necessariamente, em
mudanças urbanas e de produção do espaço:
3 A Reforma de Pereira Passos tinha como objetivo retirar a população pobre local de seus cortiços
para construir grandes avenidas inspiradas no padrão europeu, o que culmina na Revolta da Vacina,
liderada justamente por essa população contra as mudanças propostas pelo governo
4 Fórum Nacional de Reforma Urbana entidade formada por setores da igreja católica (tendência
progressista), setores não governamentais e técnicos de assessoria aos movimentos sociais urbanos
e lideranças dos movimentos urbanos, bastante ativa nos anos 80 (Maricato, 2009)
16
regime fordista-keynesiano para um sistema neoliberal após os processos de
globalização, tendo como consequência cidades administradas de acordo com os
interesses do capital.
Dessa maneira, o que acontece no Brasil nos dias atuais é um planejamento
estratégico, ligado ao marketing urbano e a imagem que as cidades representam
nacional e internacionalmente, já que os produtores do espaço não pretendem
resguardar o direito à cidade (LÉFÈBVRE, 2001) e sua consequente fruição para a
população local, mas estão interessados no lucro que pode ser obtido a partir da
espetacularização urbana e mercantilização das cidades – consequência do
neoliberalismo e da indústria cultural.
Assim sendo, o que as cidades representam foi ressignificado pelo poder do
capital, já que estas são consideradas uma unidade relevante para a formação das
riquezas das nações (JACOBS, 1984). Por esse motivo, o marketing sobre as cidades
é de grande importância para os interesses do regime neoliberal, pois o turismo
gerado pelo status associado àquela cidade garante, não só o lucro para os
investimentos das empresas do setor privado, mas também retorno financeiro para as
diferentes instâncias estatais. Isso ocorre, inclusive, em cidades patrimonializadas,
como é o caso de Ouro Preto, referenciada pela mídia por ser Patrimônio Cultural da
Humanidade, lê-se patrimônio cultural como a “dimensão aurática5 da herança
material e imaterial transmitida de geração em geração” (CRUZ, 2012, p. 95), dessa
maneira, a cidade é posta como um produto mercadológico,
5 Aurática é um termo utilizado por Walter Benjamin em seu ensaio “A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica”, publicado em 1935. Adorno (1988) coloca que, em relação à definição de
Benjamin, a aura “pertence ao sentido da obra de arte, da aparência estética, ser aquilo em que se
converteu, na magia do primitivo, o novo e terrível: a manifestação do todo no particular”. Ou seja, as
obras de arte originais irão possuir, cada uma, sua própria aura, de acordo com sua autenticidade
(Martins, 2013).
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A visão hegemônica da representação ideológica das cidades na mídia prioriza
as demandas de empresas privadas – com o objetivo de obter lucro para seus
investimentos através do turismo e da indústria cultural – em detrimento das
demandas de populações locais. Portanto, “a globalização do capital, que estimula a
competição entre cidades, traz como um dos produtos finais a fragilização do
planejamento urbano, que possibilitaria uma política com maior equidade social e
fortalece o planejamento estratégico, que por sua vez favorece as empresas.”
(PASSOS, 2018, p. 40-41).
Portanto, a patrimonialização das cidades gera diversas inconsistências para
seus habitantes, principalmente, quando observa-se as relações entre a proteção do
patrimônio cultural e o direito à cidade. O espaço público patrimonializado tornou-se
uma mercadoria cultural passível de apropriação pelo capital, desenvolvendo as
funções sociais da cidade seletivamente de acordo com os interesses neoliberais –
de forma que a sua fruição seja garantida apenas à alguns atores sociais. É possível
observar a prioridade dada à fruição dos turistas nos centros culturais em detrimento
da fruição da população local, já que a ‘venda’ da experiência cultural da cidade será
rentável para a mesma, isto é, a mercantilização do espaço é uma “estratégia para o
desenvolvimento da economia global que visa o capital e desconsidera o social”
(PASSOS, 2018, p. 20). Segundo Jacques,
“Smith nos conta que o processo em Nova Iorque começa de forma pontual
e esporádica, por artistas que instalam seus ateliês e passam a viver em
bairros como Greenwich Village e Soho desde os anos cinquenta e sessenta
(primeira onda). É posteriormente assumido pelos promotores imobiliários,
que obtêm enormes lucros (segunda onda). E, finalmente, se torna uma
estratégia da cidade, atingindo todos os bairros antigos populares (terceira
onda)” (SILVA, 2006, p.9
Nesse contexto, Ouro Preto, como cidade patrimonializada, tem seus espaços,
principalmente, o centro histórico – foco da mídia e do turismo – alvo da
espetacularização urbana. Por isso, a Rua Direita, devido ao status adquirido frente à
indústria cultural pelo seu valor de troca, vem sofrendo mudanças em sua
conformação social espacial. Além disso, a mercantilização da cidade acarreta em
injustiças sociais nas dinâmicas urbanas, não garantindo à toda a população o direito
à cidade, resultando em processos como a gentrificação observada na Rua Direita,
pelo TFG “Mudanças nas formas de uso em Espaços Urbanos Patrimonializados: o
caso da Rua Direita de Ouro Preto/MG” – de autoria de Sibele Fernanda de Paula
Passos e desenvolvido no DEARQ/UFOP. Para entender esses processos, faz-se
necessário estudar como Ouro Preto surgiu e sua evolução urbana ao longo do tempo.
Figura 1: Inserção geográfica de Ouro Preto, mapas ilustrativos do Brasil, Minas Gerais e Ouro Preto.
Fonte: Própria autora
Ouro Preto surgiu no início do século XVIII, com a exploração do ouro no interior
do Brasil, sua ocupação foi espontânea com um traçado irregular, poli-nuclear e
contorno indefinido, seguindo as características de grande parte das primeiras cidades
20
brasileiras devido à sua colonização portuguesa. Essas características foram ainda
agravadas no caso de Ouro Preto devido à sua topografia extremamente íngreme e
desfavorável à ocupação. Por esse motivo, a linearidade da cidade foi uma
consequência, já que cresceu ao longo de uma antiga estrada a qual ligava as
freguesias locais, perpassando por três morros, Cabeças, Santa Quitéria e Santa
Efigênia. Ao vale destes, próximo aos cursos d’água, e ao redor de pequenas capelas
desenvolveram-se as freguesias mais ricas, principais polos de extração de ouro:
Antônio Dias e Pilar (Figura 2). Devido à extração intensa do minério, a cidade se
desenvolveu rapidamente ao redor desses pequenos núcleos que, gradativamente,
se uniram ao longo do caminho tronco (Figura 3), tendo como consequência um
crescimento populacional acelerado. Em 1721, a antiga Vila Rica – nome sugestivo à
grande quantidade de ouro encontrada na cidade – torna-se capital de Minas Gerais,
devido à magnitude que atinge em tão pouco tempo. Por esse motivo, a conformação
urbana da cidade também sofre modificações:
21
Figura 2: Croqui demonstrando a evolução urbana de Ouro Preto, ilustrando os polos de extração de
ouro ao redor do caminho tronco. Fonte: VASCONCELOS (1956).
Figura 3: Croqui que mostra o crescimento dos arraiais ao redor do caminho tronco, conformando,
gradualmente, a cidade de Ouro Preto. Fonte: VASCONCELOS (1956).
22
colocadas em primeiro plano, seguidas pelas comerciais e manufatureiras –, pois
mantém seu título de capital de Minas Gerais; mas também através de atividades
institucionais, visto que, em 1875, a Escola de Minas é instaurada na cidade,
contribuindo para a formação técnica e acadêmica no país.
Após a proclamação da República em 1889, quando é instaurada a República
Velha, o país irá resgatar características positivistas, principalmente no que diz
respeito à políticas públicas, visando “ordem e progresso”, como uma dessas
consequências, a capital será transferida para Belo Horizonte, em 1897. É nesse
momento que Ouro Preto sofrerá uma perda de quase metade de sua população,
passando de 17.860 habitantes para menos de 10.000 (Castriota, 2009). Sendo
assim, a conservação do patrimônio da cidade de Ouro Preto – maior conjunto com
tipologia urbana e arquitetônica do século XVIII no Brasil – será, a princípio, uma
consequência de seu esvaziamento populacional, visto que as discussões sobre
preservação do patrimônio só irão se iniciar no país a partir do século XX.
Figura 4: Nesse mapa é possível perceber o crescimento da cidade ao redor do caminho tronco,
principalmente, no século VXIII, ápice da atividade mineradora, antes da decadência de sua vitalidade
econômica ao final do sec. XIX, quando perde quase metade de sua população. Fonte: OLIVEIRA,
SOBREIRA (2015).
23
A partir de 1920, com o movimento modernista brasileiro, é que as questões
preservacionistas são colocadas em pauta, devido, principalmente, ao forte
nacionalismo ligado ao movimento. Segundo Castriota,
Após 1930, tem-se o início da Era Vargas no Brasil, e foi um período que
buscou estabelecer uma política cultural a partir do Estado, onde alguns dos
intelectuais progressistas do movimento moderno se envolveram com questões de
política urbana (sob a hegemonia da burguesia composta majoritariamente por
homens brancos), além de permanecer forte a questão da identidade nacional. Apesar
disso, nenhuma medida efetiva é tomada em relação a proteção do patrimônio nesse
período. Em contrapartida, no restante do mundo as discussões patrimoniais já estão
avançadas, em 1931 é publicada a Carta de Atenas (“a do restauro”), ressaltando,
principalmente, a importância de preservar conjuntos urbanos.
Entretanto, no Brasil, a primeira ação em relação à proteção do patrimônio
acontece em 1933 quando a Inspetoria de Monumentos Nacionais declara Ouro Preto
como um Monumento Nacional, contudo, o caráter desta declaração é apenas
simbólico, já que nenhum direito legal é garantido através da mesma. Dessa maneira,
a primeira ação efetiva ocorreu em 1937, após a criação do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – SPHAN –, quando foi atribuído à este órgão
instrumentos legais para garantir a preservação dos monumentos históricos, sendo o
instrumento central o tombamento, “a consequência central deste procedimento legal
foi permitir ao SPHAN tanto prevenir danos ou demolições dos bens tombados quanto
controlar a introdução de novas edificações no sítio protegido” (CASTRIOTA, 2009, p.
140).
24
Apesar de receber o tombamento pelo SPHAN a partir de 1938, apenas o ‘valor
artístico’ de Ouro Preto foi colocado como objetivo para sua preservação,
considerando a cidade como ‘obra de arte’, com o intuito de congelá-la, ignorando
completamente a história local e a população residente. Segundo Lia Motta “esvaziada
economicamente, a cidade foi usada como matéria-prima para um laboratório de
nacionalidade de inspiração modernista, deixando as populações que lá moravam
subordinadas a esta visão idealizada, não sendo elas sequer motivo de referência”
(MOTTA, 1987, p.8). Além disso, com o tombamento e a busca por símbolo
arquitetônico nacionalista – segundo os ideais modernistas, as cidades coloniais
barrocas – fez com que a cidade fosse homogeneizada, retirando representações do
século XIX, o maior exemplo é a fachada do Cine Vila, já que a platibanda eclética foi
removida e substituída por um telhado colonial. Segundo Castriota,
Figura 5: Mancha urbana de Ouro Preto em 2004, onde já existiam bairros consolidados em áreas
periféricas da cidade, em grandes encostas e de alto risco geológico, como por exemplo Morro
Santana e São Cristóvão. Fonte: OLIVEIRA, SOBREIRA (2015)
26
Figura 6: Ouro Preto vista do centro histórico. Disponível em
<https://www.odonto.ufmg.br/cenex/noticias/7-congresso-brasileiro-de-extensao-universitaria-
inovacao-e-emancipacao/>, acesso dezembro de 2019.
Figura 7: Ocupação das encostas da cidade, que existe para além do centro histórico e cresce
diariamente apesar do congelamento imposto pelas políticas patrimoniais. Fonte: disponível em <
https://www.brasildefato.com.br/2016/09/02/expansao-desordenada-coloca-ouro-preto-em-risco/>,
acesso em dezembro de 2019.
27
Outra condicionante que trouxe mudanças para Ouro Preto é o turismo de
massa, que começa a criar interesse pela a cidade não só pelo seu ‘valor artístico’,
mas também pelo seu ‘valor histórico’. Ou seja, Ouro Preto começa a ser alvo da
indústria cultural, principalmente, após os anos 60 quando o Festival de Inverno7, e
outros eventos sazonais, começam a acontecer, atraindo público do Brasil e do mundo
para adquirir experiências culturais possibilitadas pela vivência na cidade. Porém, o
“turismo cria impactos na vida cotidiana da cidade, com a redefinição de usos e
ocupações de algumas áreas do centro histórico e a transformação de habitações em
hotéis ou estabelecimentos comerciais” (CASTRIOTA, 2009, p. 146). Em 1980, é a
primeira cidade a ser reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural da
Humanidade, elevando seu status nacional e internacionalmente, além de utilizar essa
imagem para promover e intensificar o marketing urbano – como já visto
anteriormente, processo desenhado pelo mundo globalizado com o objetivo de
aumentar a competição entre as cidades, onde produtores de espaço são motivados
pelo valor de troca dos centros históricos, com o objetivo de atrair cada vez mais
turistas, garantindo retorno para os investimentos privados e estatais.
Após receber o título de Patrimônio Cultural, Ouro Preto, que já vinha
construindo uma imagem de memória nacional desde 1920, com o movimento
modernista, tem essa marca consolidada e reconhecida internacionalmente. Esta
memória é importante para o capital, pois é ela que irá construir a imagem de cidade,
que será comercializada internacionalmente e vendida pela mídia. Esta, retrata a
cidade, principalmente, pela Praça Tiradentes e pela Rua Direita. Assim, o centro
histórico recebe políticas preservacionistas que tem como objetivo preservar o
conjunto, principalmente, pelos interesses ligados ao valor de troca da cidade. Por
consequência, “[...] muitas vezes, para se criar um símbolo nacional, apagam-se as
marcas da história local, que foram se sedimentando ao longo dos anos”
(CASTRIOTA, 2009, p. 131), ou seja, as políticas preservacionistas são
7Festival de Inverno foi organizado pela Universidade Federal de Minas Gerais até 1979, tendo como
objetivo promover atividades artísticas e culturais, principalmente ligadas à liberdade de expressão e
autonomia, em um contexto político desfavorável. Sendo retomado na década de 1990, pela
Universidade Federal de Ouro Preto, dando continuidade ao caráter educacional, artístico, cultural,
social e econômico, lidando com a realidade política atual.
28
acompanhadas de um planejamento estratégico. Logo, o planejamento urbano – que
poderia minimizar as consequências desse sistema, preservando a tradição da
população local, seguidas por suas particularidades e individualidades – é colocado
em último plano.
“conservada quase intacta graças à estagnação econômica, a cidade vai ser
objeto desde a década de 1930 de políticas de preservação que, se, por um
lado conseguiram manter o conjunto, por outro, criaram um objeto idealizado,
desconsiderando a histórica local e afastando a população da cidade.”
(CASTRIOTA, 2009, p .131)
A rua Conde de Bobadela, mais conhecida como Rua Direita, sempre foi uma
rua importante para a conformação socio morfológica da cidade. Como já falado
anteriormente, Ouro Preto se desenvolveu ao redor de arraiais que eram responsáveis
pela extração do ouro, os dois mais relevantes, Antônio Dias e Pilar, com o morro de
Santa Quitéria entre eles, ligados por uma estrada linear que será denominada de
caminho tronco. Portanto, com o passar do tempo o morro de Santa Quitéria se
tornará a atual Praça Tiradentes que, diferente das outras praças, que se localizavam
próximo as igrejas8 – representando locais de fruição, lazer, convívio e atividades
cotidianas da população –, esta terá um caráter político e não representando um
espaço de vida social. Isto ocorre devido à instalação do Palácio do Governo na praça,
em 1741, uma edificação de arquitetura militar como uma tentativa de controle da
8 O Brasil, por ser uma colônia portuguesa, terá a religião católica como um forte instrumento de
conformação socio espacial das cidades brasileiras. Por esse motivo, a vida cotidiana do século XVIII
acontecia, principalmente, entorno das capelas e Igrejas, ou seja, estas irão atuar como articuladoras
do espaço (geralmente associadas a uma praça), sendo suas localizações significativas para entender
as cidades, a paisagem urbana e a vida social. (Castriota, 2009)
29
cidade devido à magnitude de sua vitalidade econômica na época. Assim, a praça
instaurada no alto do morro ligava-se às freguesias através do caminho tronco, dando
origem a duas das mais importantes ruas da cidade: a rua Esquerda, que descia da
Praça Tiradentes para a Igreja do Antônio Dias, e a rua Direita, que descia da praça
para a Igreja do Pilar.
Figura 8: Localização esquemática da Rua Direita no distrito sede de Ouro Preto. Fonte: Própria
autora.
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Figura 9: Brasão da prefeitura de Ouro Preto representando os três importantes morros com as
freguesias mais ricas do século XVIII em seus vales. Fonte: Própria autora.
Dessa maneira, devido à sua localização, a rua Direita foi palco de diversas
apropriações ao longo do tempo, principalmente, após a década de 1950, com o
adensamento populacional e o turismo cultural, fatores que foram determinantes para
31
as mudanças de usos nas edificações da rua. Para entender essas mudanças, será
utilizado como base de estudo o Trabalho Final de Graduação apresentado ao
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Ouro Preto,
“Mudanças nas formas de uso em Espaços Urbanos Patrimonializados: o caso da Rua
Direita de Ouro Preto/MG”, de autoria de Sibele Fernanda de Paula Passos, orientado
pela professora Dr.ª Sandra Maria Antunes Nogueira.
O estudo realizado por Passos foi um mapeamento de usos de todas as
edificações presentes na rua Direita dos anos 2000 até 2018, a partir de levantamento
de dados que possibilitaram a confecção de mapas de uso dos anos 2000, 2005, 2009,
2011, 2014 e 2018. Para isso, foi efetuado o cruzamento de dados coletados utilizando
listas telefônicas (2000 a 2017), pesquisa iconográfica (imagens de 2000 a 2018) e
levantamento de campo (2018), além do aplicativo Google Maps, que tem disponível
informações da Rua Direita entre 2007 e 2017. O principal objetivo era entender em
qual medida o poder do capital vem refletindo no distanciamento da população
autóctone da rua.
De acordo com o levantamento realizado, concluiu-se que houve uma
substituição (figura 12) de comércios e serviços populares por estabelecimentos
voltados para um público de maior poder aquisitivo: os primeiros (TIPO 01) devem ser
entendidos como estabelecimentos com a oferta de produtos mais acessíveis sob a
ótica do capital monetário, para além dos valores cobrados, foram considerados o tipo
de produto, se este é caracterizado como de consumo cotidiano; já os últimos (TIPO
02), são estabelecimentos com a oferta de produtos com valores mais elevados, assim
também como especificidades que fomentam a indústria cultural. Portanto, saíram da
rua Direita estabelecimentos como um supermercado, duas lojas de fotografias,
acessórios e presentes, seis lojas de roupas populares, três bares, sendo substituídos
por lojas de artesanato, joias, serviços de hotelaria, cafés e restaurantes. Um
crescimento gradual e constante de estabelecimentos elitizados e franquias (apesar
de acessíveis monetariamente, estas homogeneízam a paisagem e a relação com o
espaço o urbano).
Passos (2018) parte da premissa que os usos das edificações é um dos fatores
que determina quais sujeitos irão utilizar aquele espaço urbano. Por esse motivo,
32
quando se esvaem, com o passar do tempo, os estabelecimentos populares da rua
Direita, acontecem transformações nas relações socio espaciais dos moradores com
a mesma. Já que os produtores do espaço – motivados pela lógica neoliberal e
resguardados pelo espaço patrimonializado fomentador da industrial cultural –
privilegiam a fruição de apenas alguns atores sociais, como os turistas.
“Em meados do século XX e início do século XXI, a Rua Direita foi apropriada
pelos moradores de Ouro Preto, que significaram este espaço sobre a ancora
de usos que estabeleciam atividades da vida cotidiana urbana e de
entretenimento. Entretanto, quando se identifica a saída de lojas de roupas
para a entrada de pousadas, ou a retirada de bares com características mais
populares para a inserção de cafeterias elitizadas, pode-se afirmar que essas
alterações incidiram na eliminação dos significados atribuídos pela população
local.” (PASSOS, 2018, p. 81)
33
Figura 11: Mapas demonstrando a modificação de usos entre os anos 2000 e 2018. Fonte: PASSOS,
2018, recorte da própria autora.
34
Figura 12: Mapas demonstrando mudanças nos tipos de comércios e serviços presentes na rua
Direita ao longo do tempo. Passos caracteriza como TIPO 01 comércios e serviços populares, e TIPO
02 comércios e serviços para público com maior poder aquisitivo. Fonte: PASSOS, 2018, recorte da
própria autora.
35
“Mudanças nas formas de uso em Espaços Urbanos Patrimonializados: o caso da Rua
Direita de Ouro Preto/MG” (PASSOS, 2018) foi possível entender o processo de
gentrificação que vem ocorrendo na rua Direita, levando ao distanciamento dos
moradores da cidade e enfraquecendo suas relações de pertencimento. Contudo,
existem habitantes, comerciantes, trabalhadores, transeuntes, população de Ouro
Preto que se apropria cotidianamente desta rua. Este trabalho investigou em que
condições estas pessoas se apropriam desta rua nos dias de hoje, quem são, em
quais bairros residem, qual seu tempo de permanência na rua, quais atividades
desenvolvem, dentre outros questionamentos. Essa pesquisa foi realizada tendo a
cartografia social como método. Posteriormente, foram realizadas sobreposições com
os mapas de Usos produzidos por Passos, para observar de forma relativa o conceito
de gentrificação. Trata-se de aprofundar acerca do processo de gentrificação a partir
dos testemunhos dos próprios ocupantes do espaço e estudar em que medida esses
processos de exclusão tem ocorrido.
36
3 OS OURO-PRETANOS E A RUA DIREITA NA CONTEMPORANEIDADE
9“Este campo [...] para nós tem quatro vetores centrais de emanação de práticas que vêm crescendo
e se fortalecendo: 1) o debate acadêmico sobre as representações espaciais; 2) o uso de cartografias
como instrumentos de luta; 3) o uso de cartografias como tecnologias sociais de gestão pelo Estado;
4) Cartografias como sistemas de informações, “meio” de comunicação e representação cujo controle
é objeto de disputa.” (SANTOS, 2011, p.3)
38
110). Dessa forma, é possível identificar narrativas negadas pelo conhecimento
normativo, o pesquisador passa de mero observador externo para participar como ator
na rede, vivendo forças que produzem estranhamentos e inquietações, para
acompanhar processos e cartografar a história do problema, nos termos de Moraes e
Kastrup (2010), um pesquisar com. Por isso, é um método baseado na epistemologia
da experiência e da informação produzida coletivamente, dando a cartografia social
um caráter completamente processual, buscando traçar um plano comum e
heterogêneo.
10I Seminário Nacional de Cartografias e Contra Condutas, sessão 1, seminário online organizado pelo
Indisciplinar UFMG, realizado no dia 10 de Agosto de 2020. Disponível em <
https://www.youtube.com/watch?v=oSR2FV5_yKc&t=6121s>. Acesso em 11 de agosto de 2020.
39
oposição às óticas restritas verticais e horizontais. Ademais, o conceito de comum
também é abordado por Dardot e Laval (2017) como uma forma alternativa e de
resistência à dinâmica capitalista, destacando a complexidade das diferenças, das
heterogeneidades, cada experiência é única e, o que cada pessoa constrói no lugar,
é a sua singularidade. Assim, a experiência do comum potencializa questões sociais,
culturais, políticas, ambientais e econômicas, a partir de narrativas deixadas à
margem pelo regime do capital, acessando “múltiplas experiências na e da cidade”
(CAROM, etal, 2020, p.3).
11 “Iconoclasistas es un dúo formado por Julia Risler y Pablo Ares en mayo de 2006. Elaboran proyectos
combinando el arte gráfico, los mapeos creativos y la investigación colectiva. Sus producciones se
difunden en la web a través de licencias creative commons, potenciando la libre circulación y su uso
derivado. [...] Desde esa multiplicidad, crean soportes visuales que derivan por esa trama política y
afectiva, y permiten ajustar la elaboración de recursos lúdicos y pedagógicos dentro de una horizonte
táctico.” (Disponível em < https://iconoclasistas.net/nosotres/>, Acesso em 28 de agosto de 2020)
40
“é construído um panorama complexo sobre o território, que permite distinguir
prioridades e recursos quando chega o momento de se projectarem práticas
transformadoras que em seguida adoptam diversos cursos de acção.”
(RISLER, ARES, 2012, p.2)
A metodologia criada para este trabalho, tem o objetivo de entender quem são
os ouro-pretanos que ainda estão presentes no cotidiano da Rua Direita, de que forma
se dá sua apropriação, suas relações de pertencimento e em que condição
frequentam a rua, como moradores, trabalhadores, transeuntes ou outras. Por isso, a
proposta desenvolvida aconteceria a partir de uma conversa com os moradores de
Ouro Preto que se fazem presentes na rua, para criar conexão e aproximação,
procurando o engajamento dos participantes, a conversa possibilitaria difundir e
explicar do que se trata a pesquisa, além de entender a ocupação, a raça, o tempo de
permanência na rua e onde moram essas pessoas. Devido ao COVID-19 a
metodologia foi repensada para um questionário semi estruturado, que garantisse a
segurança e saúde de todos os envolvidos na pesquisa.
42
desafio de cartografar seguindo as normas e recomendações da OMS, além das
diretrizes da UFOP para realização de TFGs em período letivo especial.
Portanto, a plataforma que antes havia sido pensada como uma grande base
comum colocada na rua para que as pessoas desenhassem e interagissem, teve que
ser adaptada para um formato de questionário estruturado para respeitar as
recomendações de distanciamento social e preservar a saúde de todos os envolvidos
na pesquisa, com o objetivo de saber quem são os ouro-pretanos na Rua Direita.
Então foi elaborado o questionário abaixo (Figura 14, Figura 15 e Figura 16) e
distribuído pelos estabelecimentos na Rua Direita, solicitando o preenchimento e
explicando os motivos da pesquisa. Os questionários foram recolhidos mais ou menos
uma semana após terem sido entregues.
43
Figura 14: Questionário Distribuído na Rua Direita, página 1. Fonte: elaborado pela autora.
44
Figura 15: Questionário Distribuído na Rua Direita, página 2. Fonte: elaborado pela autora.
45
Figura 16: Questionário Distribuído na Rua Direita, página 3. Fonte: elaborado pela autora.
46
3.2 Quem são os ouro-pretanos na Rua Direita
Figura 17: Ouropretano em uma das fachadas da Rua Direita durante a tarde. Fonte: Registro da
autora em dezembro de 2020.
12Para que se sentissem mais confortáveis em responder as perguntas, não foi solicitado o nome do
entrevistado. Dessa forma, cada um será identificado como “ouropretano X”, numerados de 1 a 65.
47
3.2.1 Caminhos percorridos por ouropretanos que trabalham no espaço urbano
patrimonializado
48
Figura 18: Gráfico de raça/cor/etnia dos ouro-pretanos que trabalham na Rua Direita com base nos
dados coletados pelo questionário, considerando um total de 65 pessoas. Fonte: Elaborado pela
autora, dezembro de 2020.
Assim, Costa (2011) irá considerar Áreas Residenciais de Nível I como bairros
com predominância de uso residencial, que concentram ou estão próximas a
equipamentos de educação, lazer e serviços, e possuem alto padrão construtivo,
estas também apresentam marcante presença de municipalidade14 (todos
subsistemas de infraestrutura urbana presentes nos bairros). Já as Áreas
Residenciais de Nível II possuem um uso equilibrado entre residências e outros usos,
apresentam ou estão próximas a equipamentos de educação, lazer e serviços e
possuem padrão construtivo médio a elevado, além de apresentarem marcante ou
razoável presença de municipalidade (todos ou principais subsistemas de
14A presença de municipalidade irá levar em conta os subsistemas de infraestrutura urbana presente
nos bairros. Os subsistemas considerados são a) Subsistema Viário; b) Subsistema de Drenagem
Pluvial; c) Subsistema de Abastecimento de Água; d) Subsistema de Esgotos Sanitários; e) Subsistema
Energético; f) Subsistema de Comunicações. Sendo assim, bairros com marcante presença de
municipalidade possuem todos os subsistemas presentes, bairros com razoável presença de
municipalidade possuem 3 ou mais subsistemas presentes, bairros com frágil presença de
municipalidade possuem 2 subsistemas presentes e bairros com municipalidade ausente não possuem
nenhum subsistema presente. (COSTA, 2011, p. 351)
50
infraestrutura urbana presentes nos bairros). Os bairros dentro das Áreas
Residenciais de Nível III predominam o uso residencial, com equipamentos de
educação, lazer e serviços precários ou inexistentes, e padrão construtivo de médio a
baixo, apresentam frágil presença de municipalidade (subsistemas de infraestrutura
urbana pouco presentes). Enquanto as Áreas Residenciais de Nível IV, também
possuem uso residencial predominante, o “morar se desempenha de forma não
desejada e não própria para a vida digna” (COSTA, 2011, p. 353) com casas de
padrão construtivo precário e ausência de municipalidade (subsistemas de
infraestrutura urbana ausentes). Já os bairros de Áreas Residenciais de Nível V, tem
presença de uso residencial, porém não é prevalente em relação a outros usos, são
áreas homogêneas do “estilo patrimônio”, e possuem marcante presença de
municipalidade (todos os subsistemas de infraestrutura urbana presentes). As Áreas
Residenciais de Nível VI, são bairros de Nível III com enclaves do Nível IV, possuindo
frágil ou ausente presença de municipalidade, ou seja, a junção de áreas fragilizadas,
no Brasil,
Dessa forma, os bairros classificados como Nível III, Nível IV e Nível VI, são
bairros vulnerabilizados socioeconomicamente – no Brasil, “a população preta ou
parda tem uma proporção de acesso aos serviços de saneamento consideravelmente
menor à verificada na população branca” (IBGE, 2017a, p. 78) –, que além dos
critérios apresentados por Costa, ainda possuem o agravante de estarem em áreas
de alto risco geológico e susceptibilidade (muitas dessas áreas pelo zoneamento do
Plano Diretor de Ouro Preto, inclusive estão demarcadas para não serem ocupadas,
principalmente devido a deslizamentos). Segundo Morado,
Com as respostas do questionário, foi possível concluir que a maior parte dos
trabalhadores moram em bairros periféricos e vulnerabilizados, representando um
total de 50,8% dos entrevistados (somando bairros em Áreas Residenciais de Nível III
e de Nível VI), estes moradores são, em sua maioria, negros ou pardos (Figura 20),
somando 27 pessoas pardas ou negras que saem das periferias de Ouro Preto para
trabalhar na Rua Direita. No Brasil, as desigualdades de renda estão intrinsicamente
relacionadas à raça ou cor, segundo o IBGE (2017a, p. 61) apesar de negros ou
pardos representarem mais da metade do total de pessoas com rendimentos (54,6%,
enquanto brancos foram 44,5%), os brasileiros que possuem os 10% menores
rendimentos são majoritariamente negros ou pardos (78,5%, contra 20,8% brancos).
Portanto, através do Mapa 01, é possível notar muitas pessoas moram no bairro
Morro Santana e São Cristóvão, além de algumas pessoas no bairro Santa Cruz e
São Francisco (todos considerados como Áreas Residenciais de Nível VI). Além disso,
a maioria dos entrevistados mora em Áreas Residenciais de Nível III, concentrados
no bairro Alto da Cruz e Nossa Senhora da Piedade, também estando presentes no
Morro da Queimada, Padre Faria, Saramenha, Vila Operária e Pocinho (Nossa
Senhora do Carmo), bairros que carecem de infraestrutura urbana, e são habitados
por classes sociais baixas – no Brasil, 72,7% dos pobres eram pretos ou pardos em
2018 (NERY, 2019).
52
4,8% 25,4% 28,6% 6,3% 22,2% 12,7%
Figura 20: Gráfico de trabalhadores da Rua Direita categorizados por Nível de Área Residencial
considerando raça/cor/etnia. Fonte: Elaborado pela autora, dezembro de 2020.
Já os bairros mais ricos (Áreas Residenciais de Nível I e Nível V), que possuem
infraestrutura completa e elevado padrão construtivo, são em sua maioria habitados
por brancos. No Mapa 01, é possível visualizar onde moram os proprietários de
estabelecimentos na Rua Direita (5 dentre os 65 entrevistados) ademais, a partir dos
questionários sabe-se que 100% dos trabalhadores que são proprietários se considera
branco. Destes, 3 residem na própria Rua Direita (Área Residencial Nível V), 1 deles
no bairro Nossa Senhora de Lourdes (Área Residencial Nível I), e 1 em Ouro Branco.
Segundo Morado,
“entre as pessoas que recebem até 1,5 salário mínimo no Brasil, 67% são
negros, em contraste com menos de 45% dos brancos; cerca de 80% das
pessoas negras ganham até dois salários-mínimos (OXFAM 163 BRASIL,
2017). Em 2017, os trabalhadores brancos (R$ 2.615,00) ganhavam, em
média, 72,5% mais que os pretos ou pardos (R$ 1.516,00). Em outras
palavras, os pretos ou pardos representavam, em 2017, 75,2% das pessoas
com os 10% menores rendimentos (AGÊNCIA IBGE, 2018).” (MORADO,
2020, p. 162)
53
Mapa 01_ Onde moram os ouropretanos que trabalham na Rua Direita
3 2 Morro São
Sebastião
São Cristóvão
Cachoeira
do Campo
4 Morro Santana
2 São
Fora do Distrito Francisco
Sede de Ouro Preto
Cabeças
Água Morro da 6 Mariana
12,1% 3,5%
1
Limpa 3 Lajes Queimada
Piedade
1
2 4
2 Rosário
24,1% 27,6%
1
4
Funcionários
Nossa Senhora 4
de Lourdes 5
1,7% Alto da Cruz
31,0%
Centro 2
Antônio
Dias
2
20,0% 20,0%
2 Barra Padre Faria
Proprietários
Vila
60,0%
Operária 2
1
Santa Cruz
Gráfico de ouropretanos que trabalham
na Rua Direita de acordo com o Nível de
Area Residencial onde moram.
Dados de um total de 65 pessoas, sendo Quantidade de ouropretanos que
que 2 pessoas não responderam o bairro
5 Bauxita trabalham na Rua Direita por bairros
em que moram. 2 6
5
Saramenha 4
Ouro Branco 3
2
1
Nossa Senhora 1
do Carmo
(Pocinho)
2
Além disso, é importante destacar o caráter fluído que a dinâmica da rua Conde
de Bobadela possuí, variando não só as atividades cotidianas durante os dias da
semana mas também, consequentemente, as pessoas que frequentam a rua. Assim,
além dos ouropretanos que trabalham nos estabelecimentos, também estão presentes
diferentes trabalhadores ao longo das calçadas, de forma sazonal. Ao amanhecer, é
possível encontrar funcionários da prefeitura que fazem a limpeza da rua, já na hora
do almoço eventualmente passam os vendedores de vassouras e rodos que oferecem
seus produtos para os comerciantes (Figura 21), ao longo do dia também transitam
pela rua os tomadores de conta de veículos. Aos finais de semana aparecem o
pipoqueiro e dona do milho cozido, ambos ficam na esquina com a Praça Tiradentes
até o anoitecer (Figura 22 e 23).
Figura 21: Vendedora de vassouras e rodos para limpar o teto de estabelecimentos, divulgando seu
produto na voz para os comerciantes numa quarta feira durante o horário de almoço. Fonte: Retrato
da autora, fevereiro de 2020.
55
Figura 22
Figura 22 e 23: Esquina com a Praça Tiradentes, na primeira foto durante o dia em uma quarta feira,
pipoqueiro ausente. Na segunda foto, durante um sábado a noite, pipoqueiro e dona do milho
trabalhando. Fonte: Retratos da autora em fevereiro de 2020.
Além disso, vários falaram sobre preferir utilizar outros espaços para fruição,
como no próprio bairro em que residem, o ouropretano 36, negro, morador do bairro
56
Piedade, que frequenta a Rua Direita há 30 anos, acrescenta “Desculpe, mas já me
basta o trabalho”. Em contrapartida, os poucos que comentaram utilizar a rua para
atividades de lazer, apontam, em sua grande maioria, apenas o Bar Satélite como
local frequentado. A partir dessa análise, ao relacionar as pessoas que frequentam a
Rua Direita para atividades de lazer com a raça/cor/etnia, podemos perceber que a
maioria são brancos (dentre eles, 3 são proprietários de estabelecimentos). Já os que
afirmaram não frequentar para atividades de lazer, são em sua maioria funcionários
pardos ou negros (somando 76,1% dos que responderam não), moradores de bairros
periféricos. Alguns apontamentos sobre pessoas que responderam frequentar a Rua
Direita para atividades de lazer (todas as falas sobre esse questionamento podem ser
observadas no Mapa 02 e 03, distribuídas por raça e bairro onde moram):
"Opões de bons comércios e restaurantes (Le Chalet, Escada a Baixo, Satélite, Parada do
Conde)”
ouropretano 26, branco, morador do município de Ouro Branco, proprietário do
estabelecimento Le Chalet
Porque não gosto, não tem muitos lugares atrativos além do Satélite. Os outros são bem
caros.”
ouropretano 64, negro, morador do Alto da Cruz, vigia patrimonial
57
1
3
6 Sim frequento
Nossa Senhora do Carmo (Pocinho) Bauxita 19
Proprietário
"Não tem nada atrativo pra quem é de Ouro Preto" "Como trabalho na rua direita, prefiro outros 46
"Não me sinto segura" 3 Funcionário
lugares" 3
44
"As vezes quando tem algum evento" Amarelo
2
Antônio Dias 2
Branco
“falta de interesse” Barra 2
Pardo
“falta de tempo, não me 17
identifico com os eventos” 7 Negro
Rosário
“Porque tem poucos estabelecimentos de lazer”
Sátelite Água Limpa
"Não possui atrativos que
entretenha a minha família"
Padre Faria
“não frequento, apenas farmácias”
“Não curto”
Alto da Cruz
Água Limpa "vou ao Satélite" Piedade
"Não acho interessante" “satélite”
"quase não há!"
“Porque não gosto, não tem muitos lugares atrativos
"Costumo ir a outros lugares, clube além do Satélite. Os outros são bem caros.”
Cachoeira do Campo entre outros"
“não frequento”
Correios
Santa Cruz
Rua Direita “não frequento, falta de tempo”
Antônio Dias
"restaurante, lanchonete" “não frequento, falta de tempo”
"não tem muitos lugares para ir e os “não frequento”
lugares que tem são mais caros"
Vila Operária “bares, restaurantes, lojas”
“não frequento, não sei porque”
Mariana
Barra "frequento bares/restaurantes: República Cervejeira, Quinto do
Bauxita “boteco Satélite” Ouro. Lojas: artesanatos e doces/queijos"
Saramenha “frequento bares e restaurantes” “não frequento”
“não frequento” "tomo cerverja, café, drinks em bares como Satélite ou Ópera" "Antigamente tinham bares e restaurantes mais acessíveis
"Não oferece opções de lazer, apenas para os moradores da cidade"
“não frequento”
comércio (consumo) ou alimentação" “não frequento”
Ouro Branco
"opões de bons comércios e restaurantes (Le Chalet, Escada
a Baixo, Satélite, Parada do Conde" Face de Quadra Rua Conde de Bobadela 2
Outra pergunta presente no questionário foi “Que outros espaços você
frequenta na Rua Direita? E no Centro Histórico”, 19 pessoas responderam não utilizar
nenhum outro espaço além do local de trabalho. Entre as 45 que frequentam outros
espaços, obteve-se diferentes respostas, alguns lugares apareciam com mais
frequência. A grande maioria citou locais de serviços e comércios, como por exemplo
a Lotérica, farmácias, bancos e Correios, poucos citaram locais de lazer, como
Museus e Igrejas. Porém, o Bar Satélite foi o espaço que mais apareceu, sendo
apontado por 13 pessoas. Assim, é importante retomar as tipologias categorizadas
por Passos (2018) para os comércios e serviços da Rua Direita, e assim, entender
quais tipologias estão sendo frequentadas pelos moradores de Ouro Preto que
trabalham na rua:
Os comércios e serviços populares, tratados neste trabalho como TIPO 01,
devem ser entendidos como estabelecimentos com a oferta de produtos mais
acessíveis sob a ótica do capital monetário. Para além dos valores cobrados,
foram considerados o tipo de produto, se este é caracterizado como de
consumo cotidiano, por exemplo, lojas de roupas, lojas de artigos de
presentes, óticas, farmácias, bares, lanchonetes.
Já os comércios e serviços para o atendimento de um público com maior
poder aquisitivo, tratados neste trabalho como TIPO 02, foi considerado os
estabelecimentos com a oferta de produtos com valores mais elevados, assim
também como especificidades que fomentam a indústria cultural, com a oferta
de produtos como artesanato, joias, serviços de hotelaria, cafés,
restaurantes. (PASSOS, 2018, p. 60)
60
Mapa 04_ Que outros espaços você frequenta no Centro Histórico?
O Passo
Cinema
Pastelzinho
Museus
Rua das Flores
Bancos Sentada do lado de
Rua São José fora mesmo
Café das Flores
Correios
Lotérica
Café
Geraes Na rua
República Farmácias
Cervejeira
Escada a
Rua São José Baixo Sentada na
Quinto Estátua
dOuro
Visitando as lojas
Rosário
Parada
do Conde Laboratório
Sentada na porta da loja Claudino
Tropea Praça
Amarelo Nas fachadas ou portas Casa do Tiradentes
2,9% Casa da Ópera Satélite Ouvidor
Negro
48,6% Branco
Ouropretano Amarelo 20,0%
Ouropretano Branco
Tipo 1
Ouropretano Pardo
Adro Igreja do Carmo
Ouropretano Negro
Pardo
Ouropretano durante
horário de intervalo 28,5% Igrejas
Comércios/Serviços Tipo 1
Negro Sentada na calçada
12,5%
Comércios/Serviços Tipo 2
Tipo 2
Gráficos de ouropretanos que trabalham na Rua Direita de
Atrás do Museu
!
" #$% &
' ($ ) acordo com raça/cor/etnia e frequentam Comércios/Serviços
do Tipo 1 ou do Tipo 2.
#% &$ )
Figura 24: Bar Satélite durante um sábado a noite. Fonte: Retrato da autora, dezembro de 2020.
Figura 25: Correios, no início do mês com fila que vai até a rua e ao prédio vizinho. Fonte: Retrato da
autora, novembro 2020.
Figura 26: Ouropretana durante horário de intervalo, sentada à sombra no degrau de um dos becos
da rua Direita. Fonte: Retrato da autora, fevereiro de 2020.
63
"Vejo como qualquer outro lugar”
ouropretana 31, negra, moradora do Pocinho, diarista
"Abrir algo de uso público para todo mundo, tudo na rua direita é pago e caro"
ouropretana 31, negra, moradora do Pocinho, diarista
“Lugares mais acessíveis, os lugares por aqui nessa rua são mais frequentados por turistas”
ouropretana 5, branca, moradora da Bauxita, vendedora
“Nossa cidade é pronta, a mudança que se vê é no lado cultural, voltar o jazz, mais atividades de
lazer que respeitem o patrimônio histórico."
ouropretana 62, branca, moradora da Rua Direita, proprietária de loja
64
Figura 27: Ouropretana sentada em uma das fachadas, numa quarta feira, horário de almoço. Fonte:
Retrato da autora, novembro de 2020.
65
obstáculo para quem mora e trabalha, se tiver algum programa para família e crianças,
não pode ficar por ser caro o rotativo".
Figura 28: Rua Direita todos os dias da semana com muitos carros estacionados dos dois lados da
rua. Fonte: Retratos da autora, fevereiro 2020.
66
Portanto, os moradores de Ouro Preto que ainda se fazem presentes em um
espaço patrimonializado que insiste em expulsá-los, não usufruem o espaço de forma
plena, tendo seu principal uso – e em grande parte, único – como local de trabalho.
O regime neoliberal expulsa, repele e esteriliza os atores urbanos que não consomem
o patrimônio construído através do capital, esquecendo e ignorando o patrimônio
cultural. Assim, a indústria cultural garante o direito à cidade apenas aos turistas, ou
moradores de classes sociais altas, que consomem o espaço pelo valor de troca
devido ao marketing urbano ligado ao turismo em um território patrimonializado, ou
seja, um território marcado pela desigualdade, segregação social e descriminação
racial. A contradição pode ser explicada por Carsalade (2009), quando destaca que é
através da simbiose entre objeto e sujeito que o patrimônio cultural existe, já que a
história do objeto só pode ser construída através do sujeito. Dessa maneira, se dá a
importância de que todos os cidadãos – principalmente os moradores da cidade –
devem usufruir do patrimônio, garantindo a memória, comum a todos.
67
4 SOBREPOSIÇÕES E LEITURAS
68
de mais joalherias serem abertas (Itacolomy Gemas, Prima Face e Fábrica de Artes e
Joias). Para Passos,
Figura 29: Retrato da edificação onde Figura 30: Hotel Pousada Solar da Ópera em 2020, o
atualmente se encontra o Hotel Pousada hotel se instaurou no prédio após revitalização em 2005.
Solar da Ópera e o Ópera Café, na década Fonte: Retrato da autora, novembro de 2020.
de 1990. Fonte: PASSOS, 2018, p. 54.
Figura 31: Fachadas em 2009, estabelecimento Figura 32: Fachadas em 2014, ambas edificações
Beijinho Doce e o Sótao. Fonte: Google Street vazias e pouco conservadas. Fonte: Google Street
View, disponível em <www.google.com.br/maps>, View, disponível em <www.google.com.br/maps>,
acesso em dezembro de 2020. acesso em dezembro de 2020.
Figura 33: Fachadas em 2019, ambas Figura 34: Fachadas em 2020, novamente a
reviltalizadas, uma delas sem informação a primeira fachada passou por revitalização, a
outra o estabelecimento Império Cacau. Fonte: segunda mudou o nome para Le Chalet. Fonte:
Google Street View, disponível em Retrato da autora, novembro de 2020.
<www.google.com.br/maps>, acesso em
dezembro de 2020.
70
Na Rua Direita também existiram diversas lojas de roupas populares,
frequentadas pelos moradores e comunidade local, aos poucos foram sendo
substituídas por outros usos como lojas de queijos e goiabadas gourmets (figuras 37
e 38). A Bellita acessórios ao substituir a loja de roupas o Brasileirão, manteve o uso
continuando a ser uma loja de roupas e acessórios, porém mudando completamente
o público, devido à oferta de produtos de alto capital monetário, além de mudar o
interior, aparecendo vitrines de vidro e mostruários requintados (figuras 35 e 36).
Figura 36: Fachadas em 2009, comércios e Figura 35: Fachadas em 2013, comércios e
serviços populares, Kadura Presentes e Loja de serviços elitizados. Armazém Vila Rica Queijos e
Roupas o Brasileirão. Fonte: Google Street View, Bellita Acessórios Boutique. Fonte: Google Street
disponível em <www.google.com.br/maps>, View, disponível em
acesso em dezembro de 2020. <www.google.com.br/maps>, acesso em
dezembro de 2020.
Figura 38: Fachadas em 2007, comércios e Figura 37: Fachadas em 2009, restaurante Maximus e
serviços populares, lojas de roupas. Fonte: Kadura Presentes. Fonte: Google Street View,
PASSOS, 2018, p.62. disponível em <www.google.com.br/maps>, acesso
em dezembro de 2020.
71
Figura 39: Fachadas em 2020, restaurante Mr. Cheff (antigo restaurante Máximus), Armazém Vila
Rica e Bellita Acessórios. Fonte: Retrato da autora, novembro de 2020.
Figura 40: Fachadas em 2009, Itafotos e Casa Figura 41: Fachadas em 2020, boutique
Azevedo. Fonte: Google Street View, disponível em Amuleto e loja de móveis Casa Azevedo.
<www.google.com.br/maps>, acesso em dezembro Fonte: Retrato da autora, novembro de
de 2020. 2020.
72
Em uma das perguntas do questionário, havia um campo sobre as mudanças
na rua Conde de Bobadela ao longo dos últimos anos, os apontamentos foram
diversos, alguns sobre o aumento de comércios e joalherias, outros diziam ter apenas
lojas de artesanato, além de moradores que comentaram a mudança nas fachadas e
a mudança de público. Houveram inclusive comentários de pessoas que acharam que
a rua continua igual, “não tem nada diferente de antes” (ouropretana 13, branca,
frequenta a rua direita há 10 anos), e ainda sobre a rua estar “cada vez mais
sedentária” (ouropretano 59, pardo, morador da Bauxita).
“O Bar Barroco, também conhecido como Bar das Coxinhas, devido à fama
do petisco, é um lugar de aparência rústica e aconchegante. Recanto de
ideias e memórias, o local é feito a partir das histórias de todos aqueles que
lá frequentam, seja por um dia ou por vários anos. Nas paredes do boteco
têm-se nomes, frases, origens, destinos e sonhos a construírem o ambiente.
Os que por lá passaram continuam a discussão com frases que deixaram
cravadas, enquanto os que lá estão bebem, brincam, riem, filosofam e
observam. Passado e presente dividem o mesmo cenário: desde as paredes
às mesas do bar, a essência das pessoas jamais é esquecida.” (Tecer, agosto
de 2014).
Figura 42: Postagens do Bar Barroco na rede social Facebook. Fonte: Facebook Bar Barroco, acesso
em dezembro de 2020.
Figura 43: Parede do Barroco, "Ideias e expressões anônimas se unem e constroem a originalidade
do bar". Fonte: Flávio Ribeiro, Tecer – reportagem e entrevista UFOP. Disponível em
<https://www.jornalismo.ufop.br/tecer/?p=4432>. Acesso em dezembro de 2020.
74
O bar trazia vida a rua, que ficava lotada, movimentando a vida noturna de Ouro
Preto, a ouropretana 35, branca, moradora do bairro Nossa Senhora de Lourdes
relembra “a rua Direita já foi o point de encontro da minha juventude, morei 15 anos
fora da cidade e retornei em 2020”, e ainda acrescenta quando se pergunta sobre as
mudanças na rua ao longo dos anos:
"A rua Direita foi o point jovem da cidade e isso não ocorre mais na atualidade.
A construção de dois hotéis (Pousada Clássica e Solar da Ópera), segundo
se sabe, fez pressão para retirar os bairros da rua, já que o barulho
incomodava os hóspedes do setor hoteleiro. Isso fez com que acabasse parte
da vida noturna do centro da cidade. Na minha opinião, também enfraqueceu
parte do turismo que buscava conhecer a famosa vida noturna de Ouro Preto.
O Bar Barroco representava bem isso que menciono acima." (depoimento
dado pela ouropretana 35 em questionário, 2020)
Figura 44: Despedida do Bar Barroco da rua Direita, reunindo inúmeras pessoas e enchendo a rua,
31 de setembro de 2014. Fonte: Eduardo Trópia, Disponível em
<http://www.ouropreto.com.br/noticia/347/bar-do-barroco-32-anos-fotos-eduardo-tropia>. Acesso em
dezembro de 2020.
75
Figura 45: Seu Antônio, dono do Bar Barroco há 32 anos agradece a família, amigos e clientes no dia
da despedida, 31 de setembro de 2014. Fonte: Eduardo Trópia, Disponível em
<http://www.ouropreto.com.br/noticia/347/bar-do-barroco-32-anos-fotos-eduardo-tropia>. Acesso em
dezembro de 2020.
O poder do capital retira o Barroco da rua Direita para dar espaço a um anexo
da Pousada Clássica (localizada ao lado do bar), a qual irá movimentar a indústria
cultural e garantir lucro aos produtores do espaço. Já que o Barroco era um espaço
voltado para a comunidade local e não para os turistas, além do dono ser um morador
local, o boteco era – e ainda é – parte do patrimônio cultural dos ouropretanos,
representando a memória, narrativas e histórias de tantas pessoas que passaram pela
rua.
Figura 46: Fachada da Pousada Clássica em 2020 – envidraçada para fazer mais uma divisão entre
quem entra e quem fica na rua – com o anexo do lado, onde se encontrava o Bar Barroco até 2014,
por 32 anos. Fonte: retrato da autora, novembro de 2020.
76
Figura 47: Interior do anexo da Pousada Clássica, antigo Barroco, um ambiente homogeneizado e
esterilizado. Fonte: PASSOS, 2018, p. 51.
Figura 48: Bar Barroco no dia da despedida, cheio de sorrisos, histórias, diversidade, contrastes e
vida. Fonte: Lucas de Godoy. Disponível em <https://www.jornalismo.ufop.br/tecer>. Acesso em
dezembro de 2020.
77
"Barroco não existe mais"
ouropretano 19, parda, moradora do Morro São Sebastião, vendedora
Figura 50: Rua Direita em 2020, Figura 49: As famosas coxinhas do bar do Barroco.
Pousada Clássica e anexo (antigo Fonte: Facebook do Bar Barroco. Disponível em
Barroco), envidraçados. Fonte: Retrato <https://www.facebook.com/barrocoouropreto/photos/277
da autora, dezembro de 2020. 8251422259931/>. Acesso em dezembro de 2020.
78
Figura 51: Ouropretana em seu local de trabalho em uma das fachadas da rua Direita.
79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOHRER, Alex Fernandes. Ouro Preto: um novo olhar. São Paulo: Scortecci, 2011.
81
FREITAS, Verlaine. Resenha: “Teoria crítica da indústria cultural”. Kriterion. Belo
Horizonte. V.45, n.109. Jan/ jun. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
512X2004000100010>.
JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
82
MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar. O lugar fora das ideias:
Planejamento urbano no Brasil. São Paulo. 2009 MARTINS, João Paulo. Proposta
de Integração de Políticas de Gestão Urbana e de Patrimônio em Ouro Preto Sob a
Perspectiva da Paisagem Cultural. Trabalho Final de Graduação (Monografia).
Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2018.
MORAES, M.; KASTRUP, V. Exercícios de ver e não ver: arte e pesquisa com
pessoas com deficiência visual. Rio de janeiro: Nau, 2010.
RISLER, J.; ARES, P. Manuel de Mapeo Colectivo, 1ª edição (versão digital). Buenos
Aires: Editora Tinta Limón, 2013. Disponível em <https://iconoclasistas.net/4322-2/>.
Acesso em 28 de agosto de 2020.
84
SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Patrimônio urbano e direito à cidade: os olhares
das populações. Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo FAU Programa de Pós-Graduação em Urbanismo PROURB
– Doutoranda Grupo de Pesquisa - Laboratório de Direito e Urbanismo LADU.
85
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Universidade Federal de Ouro Preto
Escola de Minas
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Certifico que a aluna Thais Padula Trombeta, autora do trabalho de conclusão de curso
intitulado “Sobre Espaços Urbanos Patrimonializados e Processos de Gentrificação:
Estudo de Caso da Rua Direita em Ouro Preto/MG”, efetuou as correções sugeridas
pela banca examinadora e que estou de acordo com a versão final do trabalho.
Ateciosamente,
___________________________________________
Profa Dra Monique Sanches Marques
Orientadora
Curso de Arquitetura e Urbanismo
Escola de Minas – Universidade Federal de Ouro Preto.